Leia a íntegra do artigo - Compós 2010 - PUC-Rio

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Leia a íntegra do artigo - Compós 2010 - PUC-Rio
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
DESLOCAMENTOS SUBJETIVOS E RESERVAS DE
MUNDO1
Ivana Bentes2
Resumo: A
transmutação
da
vida
em
linguagem
nos
documentários
contemporâneos realizados por nãoprofissionais. A produção audiovisual como laboratório
de subjetivação e de uma outra experiência de cidade. As
estratégicas de diferentes grupos para a passagem de
objetos a sujeitos do discurso. Mobilidade social que
significa não apenas se movimentar pelos códigos,
linguagens, estéticas do poder, mas disputar o sensível,
alem de “ p artilha-lo ” . A insuficiência do discurso
teórico
de
legitimação
sociológica
da
produção
audiovisual que vem das periferias e escolas livres de
cinema, produção analisada em termos de “ representação
social ” ,
“ aumento
de
auto-estima ” ,
criação
de
“ p ertencimento ” , etc. A celebração do pobrestar nova
figura de centralidade que pode operar criando novas
derivas ou clichês. Análises: TV Morrinho, curtasmetragens e o filme de ficção Estrellas.
Palavras-Chave: Documentário. Biopolítica. Bioestéticas
Morrinho. Uma maquete de 300 m2 na Favela do Pereirão no Rio de Janeiro reproduz,
a céu aberto, numa construção impressionante feita de barro, tijolos pintados, material
reciclado, fiação, um duplo miniaturizado da própria favela. Caos-construção, de casas,
ruas, miniaturas de carros, postes, objetos, num conjunto impressionante. Uma maqueteminiatura-gigante e,
mais,
“vivendo” nela uma população de moradores e visitantes,
bonecos feitos de blocos de LEGO que se movimentam pela mão de seus criadores.
Tem além da arquitetura impressionante, a vida da favela é recriada, resignificada pelos
brinquedos em miniatura, carrinhos, caveirão-Lego, moto-táxi-LEGO, contador-de-história
LEGO (mestre Renato), moleque-LEGO, dona-de-casa-LEGO, uma escola de samba inteira
em LEGO, traficante-LEGO, policial-LEGO, e ainda LEGO-artista, LEGO-Saci-Pererê,
miniaturas de dinossauros de banca de jornal, enfim um mundo-ambiente que não reproduz
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Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Fotografia, Cinema e Vídeo”, do XIX Encontro da Compós, na
PUC Rio, Rio de Janeiro-RJ de 8 a 11 de junho de 2010.
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Escola de Comunicação da UFRJ [email protected]
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simplesmente o estado das coisas, mas é pleno de virtualidades, saído da mais pura e
primeira brincadeira de crianças, brincada por Nelcirlan Souza de Oliveira desde 1998,
quando tinha 14 anos, no quintal de casa.
A brincadeira juntou mais sete garotos que passaram a dar vida a micro-comunidade
que nascia no quintal da casa de Nelcirlan, uma brincadeira tão intensa que se tornou a vida
mesmo dos meninos, cada um assumindo diferentes personagens/bonecos LEGOS, com
vozes, estilo, atitudes singulares, numa deriva sem fim.
A maquete do Morrinho virou atração turística no Pereirão (apareceu no Faustão, viajou
para Alemanha, Áustria, etc.), e talvez se tornasse só mais uma curiosidade turística (ao lado
das esculturas de areia na praia, ou turismo de “experiência” na Rocinha) se o projeto não
tivesse evoluído para a TV Morrinho, produção de micro-filmes em que os próprios garotos
passaram a documentar as histórias, brincadeiras e dramas dos seus bonecos LEGO na
comunidade.
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.Depois da TV Morrinho, veio a Ong Morrinho e dentro dela o projeto
Morrinho Exposição, Morrinho Social, etc.
O fascínio pela maquete/cenário, brincadeira-arte, documentário das vidas/ficções dos
bonecos LEGO e seus criadores levaram o projeto, em 2006 a participar na 52a. Bienal de
Veneza. A favela-maquete transplantada e remontada nos jardins da Bienal, na Itália.
Tudo isso impressiona quem conhece o projeto, mas a questão que interessa aqui e que
queremos pontuar passa
pela transmutação ou fusão da vida em linguagem.
Como a
brincadeira dos meninos da favela, aquilo que era o não-valor, o tempo ocioso, o entreescola, o intervalo entre os pequenos trabalhos e ocupações, se tornou valor, estética,
trabalho-vivo, mobilizando a vida de cada um como um todo.
Essa transmutação da vida em linguagem, um ponto de reviravolta nas suas trajetórias,
se dá a partir do momento em que as fabulações experimentadas no quintal de casa, em que
cada um assume um personagem LEGO e lhe injeta tempo, subjetividade, vozes, gestos,
passam a ser registradas/ficcionadas pelos próprios meninos resultando em micro-filmes
surpreendentes. Ficções-documetais ou documentários das fabulações.
Os vídeos, de poucos minutos, da TV Morrinho, todos realizados dentro da favelamaquete (O Saci no Morrinho, A Piscina do Perri, Acadêmicos do Morrinho I e II; A Revolta
3
“No ano de 2001, em uma visita à comunidade para a realização de um documentário sobre a maquete, os
diretores Fábio Gavião, Marco Oliveira e Francisco Franca convidaram os garotos para participar do trabalho de
captação de imagens”. Fonte: www.tvmorrinho.com
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dos Bonecos, 4) dissolvem a fronteira entre documentário/ficção, funcionando como autoetnografia, fabulação do cotidiano, ficcionalização do real, jogo/existência.
A estética desses micro-filmes nos interessa como ponto de partida de um mapeamento
e análise, apenas esboçado e inicial, dos documentários
produzidos fora do ambiente
corporativo (dos “profissionais”) vindos das periferias produzidos por amadores, nãoprofissionais, por jovens das escolas livres de cinema e audiovisual, por todo um precariado
urbano, em oficinas que se multiplicam em todo o país.
Questões que não são exatamente novas, basta olhar para a história do cinema, o
fascínio diante da banalidade/singularidade cotidiana no chamado cinema das origens: a vida
nas ruas, os transeuntes e curiosos e suas reações diante da câmera, multidões entretidas pelas
vitrines, flanando, ou absortas pelo trabalho como nas descrições de Benjamin e Baudelaire.
Ou ainda a cidade “fábrica de fatos” de Vertov, e a massa/sujeito da História de Eisenstein, o
cinema verdade e cinema direto, as inquietações de Jean Rouch diante do outro,
os
personagens sem qualidades de Godard até chegar a algumas questões do moderno cinema
brasileiro e ao contexto contemporâneo.
Momentos e problemas distintos nos quais não iremos nos deter aqui invocando apenas
algumas inquietações recorrentes: a fragilidade conceitual da busca e afirmação das
“identidades sociais” e a insuficiência das teorias das representações sociais para dar conta
das singularidades das vidas-linguagens.
Não se trata aqui, pois, te fetichizar a produção desses outros sujeitos do discurso,
relacionados aos territórios da pobreza, nichos e guetos (e que muitas vezes reproduzem os
mesmos clichês e estéticas dominantes). Não se trata também de carimbar essas produções
com qualquer tipo de selo de “autenticidade” ou de autoridade, discurso de afirmação de
identidades e legitimação de grupos que incorrem no mesmo erro “essencialista” da busca
de identidades prontas, mais ou menos valorizadas nas bolsas da cultura e que podem
simplesmente produzir novos “clichês” e discursos de verdade.
O que surpreende nesses micro-filmes da TV Morrinho é uma restituição e
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Os vídeos: “A Piscina do Peri”. O que acontece quando Peri constroi uma piscina e tem Dicró como vizinho?;
“Fico Assim Sem Você”. Video clipe da versão remix da música "Fico Assim Sem Você", com interpretação de
Adriana Calcanhoto, inspirado em Romeu e Julieta, de Shakespeare. “Baile Funk”. Baile funk na maquete do
morrinho e na vida área. “Academicos do Morrinho” parte 1 e 2 MC. Maiquinho, convicto cantor de funk, tem
um grande desafio: cantar na escola de samba Academicos do Morrinho;
“ARevolta dos Bonecos”. Bonecos-Lego iniciam uma revolta no Morrinho, na tentativa de viajar para a Bienal
de Veneza acompanhados de seus autores. Fonte: www.morrinho.com
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transfiguração do “comum”, não simplesmente o “estado das coisas” e a banalidade
cotidiana, no seu lirismo e/ou brutalidade, ou a encenação dos discursos midiáticos que
contaminam o cinema brasileiro contemporâneo com filmes que muitas vezes são réplicasmaquetes do “senso comum”, duplicações de matrizes sociais gastas e despotencializadas.
Se os filmes da TV Morrinho também trazem alguns discursos prontos (e certa
infantilidade desconcertante), são de tal forma atravessados pelas vidas-linguagens que se
expressam ali que vemos emergir qualidades novas, singularidades capazes de potencializar a
pobreza dos discursos, a pobreza dos cenários e da realidade, tornados exuberantes na sua
fantástica miniaturização, capazes de fazer aparecer a riqueza da pobreza, uma bios tornado
estética e linguagem, que transborda e fere de morte os próprios clichês que porventura se
instalem ali.
A questão interessa para tentarmos abordar e pensar essa produção audiovisual “fora do
lugar” vinda de outros territórios e sujeitos que traz consigo um potencial político-estético ou,
poderíamos arriscar, capazes de constituir uma bio-estética, que poderíamos tentar definir
por uma
pergunta: Quais as possibilidades
estéticas
que essas vidas encerram? Ou
simplesmente quais as potencias e devires dessas existências?
Pois, o que surpreende nesses vídeos e filmes vindos de um “fora”, não simplesmente
das favelas e de seus personagens, mas da favela-maquete que documenta e ficciona a vida, é
a capacidade de produção de valores estéticos, estilo, modulações subjetivas, produção do
sensível, de espaços nos quais se desenvolvem relações, lutas e produções de poder
(biopoliticas).
A força desses micro-filmes está na tensão que instituem entre esse cenário/maquete,
colorido, vital, brutal e as vidas-LEGO (bonecos que se movimentam pelas mãos dos
meninos, com as suas mãos visíveis e vozes que vem do extra-campo. O que surpreende é
essa vida-estética, essa bios-linguagem que nasce daí no confronto entre diferentes
dispositivos a favela-maquete, os personagens-LEGO e as vozes, mãos, gestos dos meninos
que fabulam a própria vida.
A primeira vez que vi esses doc.fábulas, sua singularidade e ambigüidade me
mobilizaram. Por encontrar uma certa falta de medidas, um incomensurável dessa vidalinguagem expressa pelos micro-documentários fabulados. Em “O Saci no Morrinho”, de
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2007 (realizado para o canal Nickelodeon) 5, o Lego de Mestre Renato conta a história de um
desconcertante Saci Perêrê, deslocado para a favela do Morrinho. Um Saci sinistro, com voz
cavernosa e cheio de gírias e malandragens capaz de assustar e dar uma surra completa em
um morador do morrinho que rouba doce de crianças. A infância e a infantilidade dos contos
e histórias vão sendo coladas, fundidas com os personagens cotidianos do morro/morrinho.
O vídeo começa com uma criança cantarolando pela favela quando é abordada por um
garoto mais velho: “Aí menor, me dá teu doce, perdeu! Me dá teu doce se não vai levar uns
cascudos” e acaba com uma surra do Saci-justiceiro, que ajusta condutas. Folclore brasileiro
e folclore urbano se contaminam, fundem, em fábulas amorais e histórias atravessadas pelas
imagens do mundo, do cinema e da mídia, como a história da invasão do morrinho por
dinossauros, ao som de vozes estridentes, urros, gritos e confusão.
Esse misto de jogos infantis e brincadeiras “naifs” atravessadas de crueldade e
violência, nos gestos, vozes que animam os cenários, objetos, personagens, faz surgir nesses
vídeos uma vida que transborda o “estado das coisas”, os clichês sobre a favela, a violência, o
tráfico.
Não se informa nada ali, o registro da fabulação dos narradores (os donos das vozes
dos bonecos), em filmagens feitas pelos próprios garotos da TV Morrinho incorporadas na
brincadeira (a câmera faz parte do jogo), colocam uma série de tensões em cena.
Em A Revolta dos Bonecos, de 2008, de TV Morrinho e Ong Morrinho, essas tensões
entre real e ficção, chegam a um nível sofisticado de meta-linguagem, quando os bonecosLego descobrem que os meninos que lhe dão voz vão viajar para a Bienal de Veneza sem
levá-los. Iniciam uma revolta no Morrinho/maquete, na tentativa de viajar para a Itália
acompanhando seus criadores.
No meio de encenação de um tiroteio na maquete, com caveirão, Bope, tiroteios,
confusão, ameaças, os bonecos se revoltam e param a cena ao saber que os meninos vão
viajar para o exterior sem eles. Param a cena para questionar os estatuto deles de
“bonecos/trabalhadores” versus o mundo dos artistas/criadores, o trabalho vivo dos autores
das histórias e o trabalho morto dos bonecos que “ficam aqui comendo farinha” enquanto os
meninos viajam. Os bonecos ameaçam com protesto e greve, esvaziam o cenário, criando
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Saci no Morrinho, de Nelcirlan Souza, José Carlos (Junior), Rodrigo de Maceda.
Animação. Livre. Rio de Janeiro/RJ, 2006. 4m.
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uma vazio de vida, êxodo e deserção (evadir-se, estratégia biopolítica, esvaziar os lugares de
poder): “Se eu não for pra Veneza nos vamos parar, o morrinho vai falir, vai dar caô, colocar
na internet e no You Tube, a porrada vai comer adoidada, se a gente não for”.
Os meninos aparecem inteiros na imagem, entram na história dos LEGOS e resolvem
reconsiderar. Os bonecos LEGOS “originais” vão para Veneza e não apenas as suas réplicas
novinhas, e sem “história”. A cena final: a alegria dos bonecos com malas nas mãos e nas
costas, atravessando uma ruela de maquete. No meio de todo os artifícios e brincadeiras
cruzam um caminho de formigas reais, saúvas e LEGOS se cruzam, signos dessas vidas
alheias/alheadas, a vida dos objetos,
a vida das imagens, que se tornam pulsativas e
pulsantes, se tornam verdadeiramente documentários de uma outra categoria, justamente
quando atravessadas pela ficção.
A produção da TV Morrinho (bruta, direta) coloca em cena as questões que vamos
encontrar em muitos documentários e produções realizadas fora dos ambientes profissionais.
São os jogos de linguagem, paixões, afetos, formas de conceber e experimentar fabulações
coletivas, outras organizações do sensível e do espaço-tempo. Muitos dessas produções
trazem uma ausência de explicações, ausência de referências que nos coloca diante de uma
outra forma de pensar o político. Mais do que conhecer as razões que produzem tal ou tal
vida, “o confronto direto entre uma vida e o que ela pode”, como coloca Jacques Rancière a
propósito dos filmes de Pedro Costa e em especial na sua análise de O Quarto de Vanda
(Rancière. 2005).
É que esses filmes de “quintal”, realizados seja no território real (o quintal de casa
literalmente) ou nesse outro lugar, nessas “reservas de mundo” em que se tornaram os
territórios da pobreza, nichos, guetos. Lugares que pelas mais diversas razões não podem ser
pensados apenas como o signo mais visível do colapso social, da crise do Estado, e da crise
da própria racionalidade e planejamento urbanos.
Muito menos, podem ser reduzidos a doxa dos “espaços partidos”, com “ilhas” de
riqueza e funcionalidade de um lado e territórios “apartados”, como se fosse possível isolar
partes do tecido urbano em guetos incomunicáveis.
Essas reservas de mundo, esses
territórios heterogêneos, são lugares de produção do sensível, de espaços e tempos, de formas
que ultrapassam em muito o debate sobre os “temas”, informações e personagens dos
documentários.
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Em meio a crises diversas, esses territórios são percebidos como laboratórios de
subjetivação, laboratórios de uma outra experiência de cidade que funciona paralelamente,
em parceria, ou mesmo contra o Estado, funcionando na tensão entre uma nova produção
cultural, ‘economias substituas’ auto-organizadas e o estado de exceção a que são submetidos
(como as favelas e guetos globais).
O “quintal” de casa pode ser literal, mas também os computadores pessoais, as lan
houses, o quarto de dormir ou as nuvens de dados na internet, tornados laboratórios, salas de
“estar” e ateliê. Pois é preciso criar/contar com essas reservas de mundo, mais talvez que
uma “second life”.
Insisto nas questões de lugar, habitação, estar, porque muitos documentários feitos
nesses regimes não-profissionais extraem sua estética dessas relações entre arte, trabalho e os
arranjos/disposição do espaço social. Citando longamente Rancière sobre essa configuração
do sensível:
(…) a arte não é política pelas mensagens que ela transmite nem pela maneira
como representa as estruturas sociais, os conflitos políticos ou as identidades
sociais, étnicas ou sexuais. Ela é política antes de mais nada pela maneira como
configura um sensorium espaço-temporal que determina maneiras do estar junto ou
separado, fora ou dentro, face a ou no meio de. Ela é política enquanto recorta um
determinado espaço ou um determinado tempo, enquanto os objetos com os quais
ela povoa este espaço ou o ritmo que ela confere a esse tempo determinam uma
forma de experiência específica, em conformidade ou em ruptura com outras: uma
forma específica de visibilidade, uma modificação das relações entre formas
sensíveis e regimes de significação, velocidades específicas, mas também e antes de
mais nada formas de reunião ou de solidão. Porque a política, bem antes de ser o
exercício de um poder ou uma luta pelo poder, é o recorte de um espaço específico
de “ocupações comuns”; é o conflito para determinar os objetos que fazem ou não
parte dessas ocupações, os sujeitos que participam ou não delas, etc. Se a arte é
política, ela o é enquanto os espaços e os tempos que ela recorta e as formas de
ocupação desses tempos e espaços que ela determina interferem com o recorte dos
espaços e dos tempos, dos sujeitos e dos objetos, do privado e do público, das
competências e das incompetências, que define uma comunidade política.6
(Rancière, 2005)
A Inclusão subjetiva
A questão trazida por Rancière se aplica aos documentários e ficções realizadas pelos
novos sujeitos do discurso, quando ele insiste que “o que falta aos proletários, não é a
6
RANCIÈRE, J.« Política da Arte », transcrição da apresentação de Jacques Rancière no seminário São Paulo
S.A, práticas estéticas, sociais e políticas em debate (São Paulo, Sesc Belenzinho, 17 a 19 de abril de 2005)
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consciência da condição deles, mas a possibilidade de mudar o ser sensível que está ligado a
essa condição”7.
No momento em que a cidade é pensada como a “nova fábrica”, como propõe Antonio
Negri, ou ainda como laboratório experimental do capitalismo cognitivo, podemos dizer que
a cultura urbana está na gênese da própria idéia dessa “multidão” produtiva, formada por
singularidades que não podem mais ser representadas de forma tradicional e que começam a
atuar de forma comum ou em projetos e ações partilhadas.
A cultura urbana hoje passa a ser entendida como produção de riqueza e a cidade, as
metrópoles, estariam para a multidão como a fábrica estava para os operários, o laboratório a
céu aberto dessas bioestéticas. A difusão da produtividade e da criação de valor se desloca
para o campo das relações sociais, dos fluxos e trocas, a cidade se informatiza, assim como a
produção e o trabalho. A cultura urbana torna-se uma das bases do capital que busca extrair
valor das redes espalhadas pela cidade, redes de cultura, redes de saber, redes de afetividade e
sociabilidade.
Mais quais as condições de possibilidade para que as redes de cultura urbana se
apropriem e dinamizem o território urbano? “Não existe inclusão sem inclusão subjetiva”,
essa proposição do projeto Reperiferia de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro 8, pode se articular
com a questão que estávamos enunciando até aqui, a transformação do sensível, as reservas
de mundo carregadas de estéticas potenciais, vidas-linguagens.
É que não existe “inclusão” ou partilha sem a posse das linguagens, o último muro ou
barreira para uma partilha do sensível. Tão importante quanto o acesso a infra-estrutura
tecnológica, o acesso as redes: sistemas de informação e comunicação que permitam a
comunicação barata, autônoma e colaborativa, gerando um aumento da produtividade social
por computadores, software, câmeras digitais, internet livre, ambientes coletivos para se
“estar junto”.
Mais que tecnologias de comunicação, estas são a condição de funcionamento de novos
processos sociais e criação de capital social, aumentando a “intelectualidade de massa”,
aumentando a produtividade social em todos os níveis. Mas o que seria essa sustentabilidade
e inclusão subjetiva, que é tão importante quanto a existência de infra-estrutura tecnológica
7
idem.
Citado por Marcus Faustini, coordenador do Projeto Reperiferia no evento Onda Cidadã promovido pelo Itaú
Cultural no Circo Voador, Rio de Janeiro, novembro de 2007, onde participamos coordenando o Grupo de
Audiovisual.
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instalada, seja low-tech, seja hight tech. Muitos aspectos dessa sustentabilidade “imaterial”,
simbólica são tão ou mais importantes que as questões bem materiais e concretas da
necessidade de tecnologias instaladas no corpo da cidade, de forma pública e gratuita.
A Posse da linguagem
Nesse contexto das redes e cultura urbanas, podemos destacar a diversidade das
linguagens e sua incorporação como elemento determinante das novas formas do político e da
ação. Entre essas linguagens urbanas a produção audiovisual e a música estão presentes na
produção cultural, educacional, estética, contemporânea de forma ampla.
A maioria dos grupos culturais urbanos no Brasil não trabalha com uma linguagem
exclusiva, diferentes linguagens são mobilizadas na sua produção, mas todos reconhecem
uma dimensão decisiva hoje
na passagem de uma cultura letrada para uma cultura
audiovisual, e a necessidade de “posse” dessas linguagens, e de sua potência, assim como a
posse e a desconstrução das linguagens do poder.
De fato, o desejo difuso é experimentar todas as linguagens, compartilhar a emoção, a
inteligência, disputar com a cultura de massa, potencializar e empoderar os discursos, tomar
posse dos processos, criar linguagens, estilo, valor.
Também é interessante pensar as culturas urbanas como experiências radicais de
educação não-formal, em que a experiência audiovisual (entre outras) aparece como
conhecimento lúdico, posse da linguagem como porta de entrada privilegiada para essa
inclusão subjetiva e para o trabalho vivo.
Destituindo a oposição entre letrado/oral, popular/erudito, tecnológico/artesanal, a
cultura urbana vai incorporando as mais distintas estéticas, utilizando desde o mais
experimental até as linguagens que já circulam na cultura de massas. As estratégias são
múltiplas para essa apropriação das linguagens.
Uma dinâmica recorrente na constituição de grupos, coletivos, projetos de cultura
urbana é começar com as referências existentes dos jovens, sejam quais forem. Um posição
bem distinta da formação clássica, que trabalha com um repertório de referência préconstituido.
Uma jovem da Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu, por exemplo, quer produzir
clipes para as músicas evangélicas e religiosas da sua Igreja; um menino quer aprender a
fazer filmes de ação tipo James Bond, o professor não vai dissuadi-los dos seus projetos e
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motivações, mas vai lhes apresentar novas referências. Já no projeto “coletores de imagens”9
são os registros do cotidiano, da vida, de cada um que serão analisados nas aulas. Parte-se do
cotidiano, da vida, para pensar uma estética ou linguagem expandida para outros campos,
repertórios e referências.
Um garoto traz as imagens em vídeo das irmãzinhas tomando banho em nudez inocente,
no projeto TV Lata, da Bahia, o mediador/professor, Joselito Crispim, tem que perguntar se o
garoto acha mesmo que pode mostrar as irmãs para qualquer um ver. O garoto recua, melhor
não expor as irmãs a curiosidade de desconhecidos. Ética das imagens que nasce do fazer,
sentir, perceber. Imagens que vamos reencontrar muitas vezes a deriva, fragmentadas,
desconectadas, jogadas ao acaso das apropriações no esgoto público das imagens. Found
footage e remix que são a base de uma cultura do excedente, das sobras, do excesso de
referências e suas potências.
A questão, em muitas dessas propostas, é a partir do concreto se chegar ao conceito, a
ética (nunca pensados como abstração, norma, transcendência), chegar a própria história do
cinema e da videoarte. Partir dos códigos do melodrama ou da novela para reconfigurar o
sensível. Partir do sabido, do consumo, para trazer outras referências. Como na história,
roteirizada, de um garoto que quer incorporar o nome, a marca Nike, no seu sobrenome, e
tatuá-lo na pele, relata Luciana Bezerra do núcleo de cinema Nós do Morro.
A proposta do grupo de audiovisual do Nós do Morro é justamente partir do estado das
coisas, mas sair do gueto subjetivo, sair da exigência e do discurso que cria um “nicho” de
consumo para os filmes/vídeos produzidos ou vindos dessa produção periférica. Nem sempre
conseguem, mas sair do gueto tem esse outro sentido, abandonar o lugar que lhes deram, sair
desse lugar inclusive conceitual que responde a conceitos problemáticos (subalternidade,
marginalidade, excluídos, periferia, que vão se constituindo, inclusive, como novos clichês
teóricos).
Conhecido inicialmente pelo trabalho no teatro, o Grupo Nós do Morro (Rio de Janeiro)
vem realizando experiências no audiovisual desde 1996, com alguns resultados expressivos,
como “Picolé, Pintinho e Pipa”, de Gustavo Melo e roteiro de André Santinho (2006). São
ficções atravessadas por uma experiência documental, de um frescor que vem dos corpos,
gestos, falas, locais de filmagem. A favela, aqui o morro do Vidigal, com suas ladeiras e
esquinas de frente para o mar, surge nas sua espacialidade-temporalidade outra, o tempo de
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Idem. Experiências relatadas por Marcos Faustini, criador da Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu.
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uma Kombi de troca-troca anunciar pelas ruelas que troca sucata, garrafa vazia, bacia e
panela velha, garrafão de vinho, etc. por picolé, pintinhos vivos e pipa. O anúncio pelo altofalante provoca uma agitação, aceleração, precipitação das crianças pelas ruas, lixeiras,
estoques familiares de bugigangas.
O tempo se acelera e precipita os pequenos dramas e impasses, diante da promessa de
trocar lixo/sucata por objetos do desejo. A re-invenção da infância e da criança, a re-invenção
da idéia de juventude, em muitos desses curtas, desenha essa outra sociabilidade, outras
temporalidades: aquele tempo que escorre de horas jogado num sofá diante da TV, comendo
“besteiras” ou dormindo, mas também um tempo distendido de brincadeiras fabuladas e
inventadas pelas ruas, o tempo “ocioso” das crianças que ainda não estão submetidas a uma
produtividade standard.
O “tempo”, não seria esse hoje o maior luxo dos pobres ou de quem ainda não entrou de
vez na disciplina da produção? Essa experiência do sensível será mais ou menos explorada
nesses curtas cujos atores, em sua grande maioria são integrantes do Nós do Morro. O roteiro,
de autoria de Gustavo Melo e André Santinho, foi premiado num concurso do Ministério da
Cultura, que financiou a sua produção, no ano de 2006. O que mostra a entrada e disputa
desses grupos no mercado cultural.
Em outros curtas do Nós do Morro, “Mina de Fé” (2004), de Luciana Bezerra, ou
Neguinho e Kika, de Luciano Vidigal, também encontramos uma ficção atravessada pela
deriva documental, pode-se perceber uma tentativa de escavar o real, passando dos
estereótipos e objetividade, a “mulher de bandido” em “Mina de Fé” ou “o garoto que quer
sair do tráfico”, em “Neguinho e Kika”, para as questões subjetivas, a dobra afetiva que cria
outra relação com o que vemos e ouvimos: são questões prosaicas que emergem do olhar de
uma menina/adolescente, namorada do chefe do tráfico local que engravida dele. O que já
seria problemático: gravidez precoce, a instabilidade do namoro entre adolescentes, a disputa
entre mulheres pelo homem de poder do pedaço, se intensifica pela experiência que se tem
que viver tudo isso num tempo hiper-acelerado, em alguns poucos meses ou anos. Antes do
próximo tiroteio, antes da próxima morte, antes da viuvez, fuga, abandono.
Mais uma questão de temporalidade, não mais distendida mais acelerada e precipitada.
Aceleração do tempo, a vida curta, as decisões precoces também são questões no curta
Neguinho e Kika, de Luciano Vidigal, também circunscrito nesse mundo de
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crianças/adolescentes crescidos, deslocados em decisões e dramas que se precipitam sobre
sua adolescência.
O que surge como novidade nesses filmes é a emergência de um espaço-tempo outro,
relações de vizinhança, afetividade, alianças provisórias, comunidades improvisadas, em que
a violência e o afeto são experimentadas de formas muito diversas.
Em “O Campim” (2006), documentário da ClanDestino Filmes com apoio do Nós do
Morro, filmado por dois moradores do Morro da Grotta, Jéferson de Oliveira (Don) e
Eduardo Dornelles, no Complexo das Favelas do Alemão, no Rio, a experiência de um
sensorium espaço-temporal “que determina maneiras do estar junto ou separado, fora ou
dentro, face a ou no meio de” (Rancière, 2005) ganha uma expressão singular. Algo muito
prosaico, criar um campinho de futebol na vizinhança, a partir de um terreno usado como
depósito de lixo, cemitério de gatos e cachorros, faz emergir um “comum”, uma experiência
poderosa de organização do tempo de “lazer”, das relações sociais e da vida.
A comunidade em torno do campinho de terra vai emergindo, com questões difíceis da
auto-gestão, as dificuldades e conflitos com os vizinhos, lideranças, em torno de um espaço
de 28 metros por 9 metros que reconfigura parte da vida social dos moradores em seu
entorno. A afetividade em torno de um projeto comum que deriva em organização e partilha,
criação de um mundo de colaboração, mas também pequenas rivalidades e ressentimentos. A
bola que quebra uma torneira da vizinha, a dificuldade de manter o campo cercado, a
emergência de liderança e reinvindicações em torno de um território mágico, o “campim” da
favela que surge como mundo cheio de virtualidades, riqueza da pobreza
O documentário acompanha, durante um ano e meio, o cotidiano de moradores que
utilizam o campim ou são afetados por ele, o diretor se apropria da linguagem dos DJs e VJs,
editando e manipulando as imagens para apresentar os seus personagens, mas também
adentrado a favela em planos seqüências em que o tempo escorre, continuo.
O uso do plano seqüência como forma recorrente de filmagem pelos becos e ruas das
favelas é uma constante em muitos desses filmes (Picolé, Pintinho e Pipa, Neguinho e Kika,
Mina de Fé, 7 minutos de Cavi Borges, e muitos outros).
Penetrar o “real”, rasgar o sensorium espaço-temporal, descrever, monitorar, varrer os
dados, são muitas e diferentes funções dessa câmera que entra pelas favelas nos trazendo a
sensação de um acontecimento que se desdobra ao vivo diante de nós, diante da câmera,
numa performance irrepetível em que o território percorrido é “visado”, monitorado,
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prescrutrado de forma violenta, nesses planos seqüências que nada tem de contemplativos, e
em que a câmera se comporta como mira-olho varrendo o território.
A ambiguidade de algumas proposições, oficinas e experiências em audiovisual na
escolas livres, oficinas, curso de cinema, com a inclusão da formação audiovisual no
currículo das escolas de ensino básico, sempre foi, ao meu ver, se configurar uma "educação
para pobres", em que se restringem as linguagens e experiências a certos repertórios.
Algumas propostas começam a questionar essa educação para pobres e incorporam
linguagens e estéticas outras: vindas de jogos eletrônicos, moda, publicidade, cinema
experimental, videoarte, não se restringindo a uma produção “documental” no sentido mais
clássico. Pois é a posse (mesmo que para a deserção e abandono) dessas linguagens que
qualificam os grupos a disputarem os discursos contemporâneos.
Para muitos grupos (que trabalham com jovens das periferias), o ponto de partida, nesse
trabalho de educação/ocupação/formação de jovens é um certo confinamento nas políticas de
identidades fixas,
guetos subjetivos que afirmam uma nova “essencialidade” ou
excepcionalidade desses grupos.
Apesar de serem propostas legítimas politicamente, é
preciso perguntar como criar um “pertencimento” social (uma reserva de mundo ou de
“reconhecimento”), criar uma “comunidade” subjetiva, um comum, uma inserção pelo
compartilhamento de linguagens, estéticas, modos de ser/estar no mundo, sem anular as
singularidades
Essas estratégicas são ainda ambiguas, mas apontam para essa passagem de objetos a
sujeitos do discurso, uma mobilidade social que significa não apenas se movimentar pelos
códigos, linguagens, estéticas do poder, mas produzir linguagens, estéticas, valores, outros e
afirmá-las na cultura urbana contemporânea. Essa é a radical mudança nas produções vindas
das periferias ou das escolas livres de audiovisual, a disputa pelo sensível, junto com a sua
“partilha” que pode produzir tanto acontecimentos quanto clichês.
Nesse sentido apontamos a insuficiência do discurso teórico que analisa essa produção e
a legitima simplesmente enquanto fato sociológico, representação social, “aumento de autoestima”, “pertencimento”, tomada do discurso, etc. Uma celebração do pobrestar/popstar,
uma nova figura de centralidade que pode operar criando um novo “gênero” ou nicho
cinematográfico.
Nessa linha, um filme argentino de ficção diz quase tudo que poderíamos dizer sobre a
relação pobreza/anonimato/celebridade como nova condição de um tipo de visibilidade
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midiática. Estrellas, de Federico Leon e Marcos Martinez (2007), em que um grupo de
moradores de um bairro pobre descobre uma forma original de sobrevivência: atuarem
fazendo o papel deles mesmos, de pobres, e emprestando suas casas como cenários para
filmes. A idéia da favela, do bairro pobre como novo plateau de cinema a ser explorado nas
suas potencialidades estéticas, estabelece uma relação diferencial entre arte e probreza.
Disposto a tomar para si o copyright da sua própria miséria o personagem Júlio Arrieta
torna-se um produtor profissional de eventos artísticos e empresário de atores não
profissionais cujas performances sobressaem em diversos filmes e séries de televisão em que
detêm os papéis de ladrões, vagabundos, drogados, piqueteiros, presidiários.
As novas “Estrellas” de uma demanda contemporânea de “real” tomam para si a autopromoção e auto-performance de suas vidas, estabelecendo uma nova fronteira entre
ficção/realidade, pobreza/riqueza, documentário/ficção. Entre as novas reinvindicações dos
personagens,
um novo imaginário em torno da pobreza que pudesse conectar seus
personagens e territórios aos mais singulares interesses: artísticos, científicos, etc.
Um filme de marcianos na favela, naves espaciais feitas de lixo, apresentações de suas
vidas em linguagens sofisticadas que incorporam o design, a videoarte, os games trazem um
entendimento radical da pobreza e da vida aprisionada em clichês que se reinventam ao se
apropriarem das linguagens contemporâneas, tornadas ferramentas cognitivas para novos
tipos de vidas-ocupações, vidas-trabalhos. A idéia, irônica de Estrellas é transformar os
não-atores em “profissionais” do seu próprio amadorismo, apontando suas vidas, como um
todo, como luta e potencialidades.
Hoje esse tipo de proposição, a reivindicação dos não-profisisonais, explodiu no Brasil,
educação não-formal audiovisual, com metodologias, tempo de duração e objetivos os mais
distintos. Além dos grupos já citados, inúmeros festivais de cinema aderiram a essas
propostas. Um mapa a ser desenhado e uma produção que ainda não está “legitimada” como
parte de um corpus a ser analisado esteticamente.
Ao mesmo tempo, com a proliferação da cultura urbana vinda das periferias é preciso
problematizar o discurso assistencialista e paternalista que se apresenta como “salvador” ou
“messiânico” ou de “tutela” desses movimentos que surgem rompendo com velhos discursos
sobre a pobreza. É a preocupação do grupo Nós do Morro de sair do discurso paternalista
dos projetos que tem como missão ou objetivo “tirar jovens do tráfico”, “tirar jovens da rua”
através de uma ocupação cultural difusa. O discurso é outro, para emponderar esses jovens,
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lhes restituir autonomia, criar novas condições de uma inclusão subjetiva ou uma “intrusão
social”, a aposta é a apropriação tecnológica e simbólica, tudo o que produza um aumento de
potência/autonomia/auto-gestão. “Não nos coloque no gueto”, não nos reduza a produzir
uma “estética da periferia”. Ou ainda não nos reduza a uma pobreza folclórica, é uma das
questões recorrentes da cultura urbana periférica, um segundo momento, de saída do discurso
da “identidade” e do “gueto” que apontam para essas vidas-linguagens.
Referências
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DELEUZE, G. Foucault, Brasiliense, São Paulo.1988
Doutorado. Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ.
Edições Graal, 1988.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de saber. Rio
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HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era
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RANCIÈRE, Jacques. Política da Arte, transcrição da apresentação de Jacques
Rancière no seminário São Paulo S.A, práticas estéticas, sociais e políticas em debate (São
Paulo, Sesc Belenzinho, 17 a 19 de abril de 2005)
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