Educação das Emoções - Faculdade Castro Alves

Transcrição

Educação das Emoções - Faculdade Castro Alves
Jair de Oliveira Santos
Educação
das
Emoções:
Fundamentos e Experiências
2009
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Educação
das
Emoções
Fundamentos e Experiências
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Para Olívia,
esposa, companheira e amiga,
amante e amada, que muito contribuiu
para aumentar a felicidade em minha vida.
Para meus filhos Jair Filho, César Augustus, Telma Olívia,
Marcus Vinicius e Paulo Marcius,
e meus netos Jéssica, Marcele, Jair Neto e Ana Júlia,
que, com o amor e carinho, me trazem felicidade.
A todos que propiciaram condições para a realização de
nossos estudos, pesquisas e reflexões sobre a Educação das Emoções.
Aos Alunos da Faculdade Castro Alves que sempre nos
estimularam com seus interesses pela Educação das
Emoções.
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Sobre o Autor
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Sumário
PREFÁCIO ..........................................................................................
INTRODUÇÃO.......................................................................................
PARTE I - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DAS EMOÇÕES
1. Emoção e Inteligência Emocional .........................................
2 Educação das Emoções ......................................................
3. Autoconsciência ...................................................................
4. Emoções Positivas ...............................................................
5. Emoções Negativas ..............................................................
Controle da Raiva ................................................................
Como agir no medo .............................................................
6. Como agir na tristeza ...........................................................
7. Alquimia Emocional .............................................................
PARTE II - ASPECTOS SOCIOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS
DA
EMOÇÃO
8. Aspectos sociológicos e antropológicos da emoção .............
9. Relacionamento ...................................................................
10. Inteligência Social ..............................................................
11. Educação das Emoções,Relacionamento e Saúde ............
PARTE III - ASPECTOS FILOSÓFICOS DA EMOÇÃO: VALOR, RAZÃO
E EMOÇÃO
12. Emoção e Valor ................................................................
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13. Emoção e Razão ...............................................................
14. Paradigma das Emoções ...................................................
PARTE IV- CONSCIÊNCIA E CIÊNCIA DO SENTIMENTO, DO AMOR E
DA FELICIDADE
15. Consciência ........................................................................
16. Ciência do Sentimento ......................................................
17. Ciência do Amor ................................................................
18. Ciência da Felicidade ........................................................
PARTE V - ENTROPIA PSÍQUICA E EDUCAÇÃO DAS EMOÇÕES
19. Educação das Emoções e redução da Entropia Psíquica ...
PARTE VI- PEDAGOGIA DAS EMOÇÕES
20. Educação das Emoções na Faculdade Castro Alves.
21. Abordagem transdisciplinar e Interdisciplinar
22. Paradigma para a Educação Pós-Moderna
PARTE VII- CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Prefácio
Leda Jesuíno
Educação das Emoções é um livro denso, carregando no
seu bojo as elucubrações, geradas pela dinâmica intelectual do
autor. Significa o resultado admirável de um longo percurso de um
educador pela trilha espinhosa da natureza humana, em busca de
um aprofundamento da problemática existencial do homem quando envolvido no seu sentir, por isso mesmo imbricado nas suas
emoções e enredado nas suas ações que configuram o seu comportamento diante da sua própria vida, num mundo em policrise e
em busca de paradigmas.
Cuidadoso nas suas afirmações, o professor Jair, buscando
na sua pesquisa as fundamentações necessárias em fontes de
inquestionável credibilidade, empresta às suas argumentações as
posições científicas que o vão ajudando a desenvolver a sua premissa, que é a urgente e inadiável necessidade de o educador atentar para a forte dimensão afetiva do educando.
Como médico, o autor se fortalece nas assertivas da psiconeuroimunologia nos atuais conceitos da fisiologia, nas teorias éticas desenvolvidas, em Stanford, por Yearley na antropologia, apresentando resultados de pesquisa que prenunciam uma nova
ética que pode levar o ser humano a controlar suas emoções, à
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autocensura e ao autocontrole das suas inadequadas expressões
emocionais no seu cotidiano conviver.
Informativo em função da própria natureza da temática, o livro se apresenta com excepcional riqueza de orientações, que vão
sendo reveladas ao longo do texto, com uma tão acentuada quanto extremamente útil preocupação de clareza, de concatenação
lógica das idéias e, principalmente, de esclarecer conceitos ainda
pouco compreendidos e analisados. Dissecando com afiado bisturi
a fisiologia das emoções, consegue desbastar o denso bosque
conceitual que se ergue em torno do tema abordado por um semnúmero de cientistas, gerando polêmicas e controvérsias. Logra,
ainda, apresentar aos educadores que se debruçarem sobre suas
quinhentas páginas de reflexão um texto científico, complexo e de
elogiável teor didático, pronto para ser adaptado e operacionalizado nas instituições que buscam, no momento, projetos inovadores.
Educação das Emoções firma um posicionamento importante ao não reforçar o racionalismo que o Iluminismo consagrou e o
mundo ocidental adotou como verdade inquestionável, conseguindo demonstrar o papel que desempenham as emoções nos relacionamentos humanos. Muito ao contrário, adota a tese, que procura demonstrar, através de pesquisas de elevado teor científico,
de que o afetivo se efetiva no quotidiano viver dos homens que,
nas suas vivências, experimentam as emoções positivas e negativas, conduzindo-os a metas as mais diversificadas, a depender de
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como atuam emocionalmente. Aprofunda-se e apresenta a análise
das reações de medo, raiva, ciúme e das emoções negativas em
geral, fornecendo aos educadores instrumentos valiosos para seus
desempenhos profissionais e, aos pais, um mapa aberto para maior conhecimento dos seus filhos e/ou dependentes.
Não se furtou o autor a encarar um dos mais complexos ângulos da análise das emoções que é, sem dúvida, o questionamento em torno do conceito de Valor. A axiologia torna a filosofia
próxima dos temas importantes tratados na atualidade. E o livro
traz a emoção e o valor como um binômio devidamente analisado.
Passíveis de questionamentos, os conceitos emitidos merecem do
leitor uma consideração especial, dada a relevância dos valores na
educação, aliás, a mais importante tecla a ser tocada na sinfonia
que se pretende obter no processo educativo.
Educação das Emoções chega até a sociedade dos nossos
tempos quando o mundo científico se debruça sobre o comportamento e inclui, nas suas pesquisas mais atuais, a síndrome de
Burnout, que é uma doença psicológica na qual a pessoa fica esgotada emocionalmente, com perda de energia, de entusiasmo e
de auto-estima. E para que melhor se possa dimensionar o que
significa, vale a pena considerar que, segundo neurologista da Universidade Rockfeller, nos Estados Unidos, a síndrome de Burnout está relacionada com a fadiga crônica e com a fibromialgia,
uma das mais temidas patologias da atualidade.
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Cada vez mais freqüentes nos casamentos, nos negócios,
nos relacionamentos difíceis da vida cotidiana onde somos todos
submetidos ao que se está chamando o “Paradoxo da Escolha”,
causando estresse, as emoções representam um elemento de
suma importância no bem-estar subjetivo, ou seja, na felicidade de
cada um.
Ao educador, não pode escapar o tema emergente da felicidade como o inequívoco papel da educação. Educação para a escolha, para a paz e para a felicidade são proposições cada vez
mais constantes nos textos educacionais das últimas décadas do
século XX. E não é sem razão: “Segundo os cientistas sociais Robert E. Lane da Universidade de Yale (EUA) e David Myers da Hope College, os norte-americanos, embora tenham a tecnologia a
seu favor, hoje são muito mais infelizes que as gerações passadas”. Sempre mais opções para analisar, mais liberdade para escolher, no grande supermercado da vida. “Em contrapartida, no
mesmo período, o número de pessoas se classificando como felizes diminuiu, uma queda de 5%, equivalente a 14 milhões de indivíduos”.
O autor é levado, pelo seu próprio raciocínio e por sua cosmovisão, a penetrar corajosamente, no capítulo 18, na análise do
que se está denominando “a ciência da felicidade”, com o definido
objetivo de “ensinar as pessoas a cultivar o seu bem-estar subjetivo”, valorizando o autoconhecimento e sobretudo as emoções po-
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sitivas, que desempenham um papel determinante na busca da
felicidade na medida em que facilitam a formação de novas conexões entre os neurônios. Participando do otimismo benfazejo da
Psicologia Positiva, faz, contrariando Freud, a corajosa afirmação
que vale destacar para que o leitor a assimile desde já, como lastro constante da sua estrutura: “Devemos acreditar que o educando pode orientar seus comportamentos por motivações positivas e
não pelo exercício de defesas elaboradas contra seus conflitos
ligados à agressão e à sexualidade infantil. Devemos acreditar que
o educando pode praticar ações motivadas por suas emoções,
forças pessoais e virtudes autênticas, genuinamente nascidas no
âmago da sua personalidade e que ele pode ser genuinamente
bom”.
Ao elaborar a sua proposta do Paradigma das Emoções,
demonstra o definido propósito de aplicar, na prática educativa, a
educação das emoções como também e, aliás, enfatizar principalmente que a percepção da emoção ocorre de modo inconsciente e
também de modo inconsciente, e pode ser objeto da cognição e da
vontade. As emoções podem ser avaliadas cognitivamente e discriminadas no tocante à possibilidade da conveniência de a pessoa entregar-se ou não ao curso natural da emoção. Se assim é,
estão sujeitas a uma gama enorme de procedimentos que enfeixam as possibilidades de serem conduzidas num processo educacional.
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Com essa convicção, o professor se lança por inteiro num
salto corajoso do elevado patamar da Teoria para o terreno árido
da Prática. Instala, pois, o Programa de Educação das Emoções
na Faculdade Castro Alves, apresentando todo o desenvolvimento
deste trabalho ao longo dos últimos 15 anos, e consegue atingir
um nível de atuação altamente responsável que, por si só, define
o perfil de um educador consciente do crucial momento presente,
com vistas no que virá, lembrando a tão citada frase de Woody
Allen: “O futuro me interessa porque é o lugar onde vou passar o
resto da minha vida”.
Fundamentando sempre as suas assertivas em consagrados autores como Goleman, os quais representam o cerne das
suas verdades, o médico e o professor se encontram sem conflitos, preocupados em evidenciar o relevante papel que desempenham as emoções na saúde mental do homem que, no início deste século, vive conflitado entre as bipolaridades que o cercam. E,
nos últimos capítulos, o leitor poderá encontrar os subsídios necessários para analisar como operacionalizar as teorias explanadas, o que leva o autor a se adentrar em conceitos ainda pouco
testados da multidisciplinaridade, da interdisciplinaridade e da
transdisciplinaridade, elevando o nível de sua experiência.
Isto enriquece o livro e lhe empresta o sentido real e profundo de sua razão de ser, que é, acredito, tornar vivo e presente o
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que tem estado envolvido no sonho, no ideal, num mesmo projeto
do futuro da educação dentro do coração dos educadores.
Educação das Emoções não é um livro para ser apenas lido. É para ser analisado com a emoção que sempre está
presente quando se está diante de um bom autor
que se consagra a um tema emocionalmente sedutor.
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Apresentação
Este livro é o fruto de estudos, reflexões, publicações, pesquisas e
experiências ao longo de quinze anos tendo como palco principal a Faculdade Castro Alves, através das disciplinas curriculares dos cursos de
graduação de Administração, Psicologia,Ciências Contábeis e Turismo
de Educação das Emoções I, Educação das Emoções II e Educação das
Emoções III, dos cursos de pós-graduação ministrado pela Instituição,
dos cursos e atividades de Extensão, do Programa de Educação das
Emoções e o do seu Núcleo de Estudos das Emoções. Foram realizados
muitos seminários interdisciplinares envolvendo a Educação das Emoções e feitas quase duas dezenas de publicações, além de livros e artigos de revistas sobre o tema.
A experiência prévia no ensino a nível médio e fundamental da Educação das Emoções no Colégio Águia serviu como base para o desenvolvimento e aprimoramento do planejamento didático e pedagógico,
bem como da metodologia educacional utilizados na disciplina.
O último livro que publicamos sobre o tema foi em 2000 e esta obra procura expor, correlacionar e integrar os trabalhos publicados nos
últimos dez anos numa visão transdiciplinar e interdisciplinar. Seu o objetivo é dar uma contribuição à comunidade acadêmica baseada em nossa
experiência e na nossa percepção dos fundamentos da Educação das
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Emoções, na esperança que ele seja útil para os alunos e para todos
aqueles que desejem se iniciar nos estudos da Educação das Emoções.
O livro está composto de sete partes que, embora separadas foram elaboradas de modo a procurar dar uma visão integrada dos processos psicológicos fundamentais e de suas relações comas emoções e
os sentimentos. A abordagem dos temas procura mostrar suas diversas
dimensões, desde a psicológica à sociológica e antropológica, considerando a filosófica e a pedagógica, numa perspectiva transdisciplinar, na
busca de um saber integrado .
A primeira parte tem caráter introdutório e começa com os conceitos fundamentais de emoção e de inteligência emocional, analisando-os
na perspectiva histórica de suas evoluções, principalmente no século
XX. Trata a seguir dos fundamentos psicológicos e neurológicos da Educação das Emoções, da sua necessidade e justificativa e da irelação
entre emoção e ética. Prossegue com a análise da autoconsciência que
é fundamental para que um processo de educação das emoções seja
bem sucedido.
Continua com o estudo das emoções positivas, mostrando a importância da Psicologia Positiva desenvolvida principalmente na última década do século XX e considerando algumas emoções positivas e suas
relações com o estado de fluxo. Segue o estudo da raiva, com seus tipos, disfarces, reações corporais, comportamento do raivoso e suas
consequências maléficas para o organismo, culminando com o estudo
da paciência, o grande antídoto da raiva.
A seguir é considerado o medo, suas causas e disfarces, consequências e reações corporais, orientando como agir nesta emoção, na
preocupação e na ansiedade. Continua com a tristeza e suas conse-
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qüências, a reação de luto, a depressão e como lidar com a tristeza e a
depressão. Encerrando a primeira parte do livro é feita a análise da Alquimia Emocional na perspectiva da Psicologia Cognitiva Comportamental, considerando um modelo para a mente contendo os esquemas e os
hábitos emocionais e analisando alguns dos hábitos emocionais inadequados mais frequentes que tanto perturbam e dificultam o relacionamento entre as pessoas.
A segunda parte do livro trata dos aspectos sociológicos e antropológicos da emoção, começando por uma abordagem dada por estas disciplinas à emoção, considera a emoção como um agente de transformação social e a interação entre emoção, cultura e indivíduo, particularmente como a cultura modela a emoção. Segue o estudo do relacionamento e seus objetivos e seus níveis de processamento, os níveis de
comunicação em um relacionamento e casos de relacionamentos especiais com pessoas reservadas ou sociáveis e com auto-estima alta ou
baixa.
Na continuação aborda o conceito de Inteligência Social e de seus
componentes, o cérebro social e os conceitos e importância da empatia,
sintonia, precisão empática, cognição social, sincronia, apresentação
pessoal e influência. Termina esta parte abordando a relação entre saúde e relacionamento, mostrando a iportância que tem o amor e da intimidade para a preservação e recuperação da saúde, a relação entre a
morte prematura e a raiva, bem como a relação entre defesa do organismo e o apoio social.
A terceira parte do livro, destinada ao estudo de aspectos filosóficos da emoção, trata das relações existentes entre emoção, valor e razão. Analisa a relação entre valor e emoção e mostra a íntima relação
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existente entre os dois conceitos e depois trata dos significados axiológicos da emoção e da competência emocional, da relação entre valoração,
avaliação e emoção e também da educação de valores, particularmente
da clarificação de valores, terminando com a apresentação de um guia
para clarificação de valores pessoais.
Continua com o estudo da relação entre razão e emoção. Começa
com o Paradigma do Iluminismo, mostra as raízes históricas do primado
da razão em relação à emoção e justifica porque deve ser rejeitado o
referido primado, discutindo inclusive o porque da irredutibilidade da emoção à razão. Esta parte é concluída com uma contribuição ao estudo
do Paradigma das Emoções em cuja introdução são refutadas as “verdades”, os truísmos difundidos pelo paradigma do iluminismo, com base
nas recentes descobertas das neurociências. Culmina com a proposta
de um paradigma das emoções, discorrendo sobre a utilidade das emoções.
A quarta parte aborda aspectos epistemológicos da emoção na
perspectiva das neurociências e analisa a consciência, a ciência do sentimento, a ciência do amor e a ciência da felicidade. O estudo começa
com a análise do conceito de consciência expresso por diferentes pesquisadores, continua com suas manifestações nos seres vivos, trata de
sua natureza e do seu papel no processo de regulação da vida, a relação
entre mente, comportamento e cérebro.
Continua mostrando os caminhos que um estimulo externo segue
para se tornarem conscientes, a origem e a busca do self, a relação entre vida, emoção, sentimento e consciência, trata da importância da
consciência nas diferentes cosmovisões humanas ao longo do processo
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evolutivo e termina com as fases do desenvolvimento da consciência
humana, desde a matriz primária até a consciência transpessoal.
O segundo tópico se refere à ciência do sentimento e começa abordando a natureza do sentimento mostrando suas raízes nos mapas
corporais elaborados pelo cérebro, o conteúdo e a estrutura do sentimento, a transmissão de sinais corporais para o cérebro e a ligação entre os mapas cerebrais e o sentimento. No início da Ciência do Amor
aborda o conceito do amor romântico e suas raízes, seus sintomas e a
química que a ele subjaz, o efeito do tempo sobre a paixão romântica,
as bases da escolha dos parceiros no amor romântico, pesquisas sobre
a atividade do cérebro dos apaixonados, as causas do término do amor e
termina com a metáfora dos seres divididos de Platão.
No tópico da Ciência da Felicidade após conceituar a felicidade
como objeto da ciência, trata de sua medida, de suas características e
defende que ela está dentro de nós mesmos.Continua mostrando como
a felicidade pode nos ajudar e como a aprendizagem se processa nos
neurônios, mostra o caminho das emoções no cérebro humano e que a
felicidade é contagiosa. Conclui analizando estratégias para a busca da
felicidade.
A quinta parte do livro enfoca a importância da Educação das
emoções no controle da entropia psíquica. De início introduz conceitos
físicos referentes ao paradigma termodinâmico, aos princípios da termodinâmica e os conceitos de entropia e negaentropia, e conceitos referentes à teoria dos sistemas. Continua mostrando como a entropia se manifesta nos sistemas biológicos e particularmente nos processos psicológicos humanos, a relação entre emoções e entropia psíquica, conforme
conclusões de diversos pesquisadores no início do século XXI. Segue
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analisando a importância da entropia nas organizações sociais, sua avaliação quantitativa, a importância das metas na construção do self e a
entropia existencial decorrente de falta de metas para orientar o self.
Continua analisando a relação entre entropia psíquica, anomia e alienação, a perspectiva sociológica do fluxo, o papel da entropia no relacionamento e a importância da Educação das Emoções na redução da
entropia psíquica, trazendo ordem para a mente da pessoa, bem estar e
felicidade.
A sexta parte da obra trata da Pedagogia das Emoções e é baseada na experiência da Faculdade Castro Alves com a educação das emoções durante cerca de dez anos. Começa mostrando como a pedagogia
das emoções influenciou desde o início a concepção da instituição ao ser
incluída no paradigma educacional que a orienta e em seus princípios e
valores. Continua com a análise da abordagem transdisciplinar e interdisciplinar do ensino das emoções abordando sua fundamentação pedagógica calcada em métodos pedagógicos ativos, nos quais o educando é
o centro da experiência pedagógica.
Trata dos fundamentos da multidisciplinaridade e das finalidades e
necessidade da interdisciplinaridade. A seguir considera a transdisciplinaridade como nova forma de conhecer e de saber e a metodologia
transdisciplinar conforme os elementos considerados pelo Centro de
Transdisciplinaridade da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo, abordando os níveis de realidade, a complexidade e a lógica do terceiro incluído. Analisa a evolução transdisciplinar do aprender dentro da
perspectiva proposta defendida pela UNESCO.
Continua com a apresentação dos objetivos do Programa de Educação das Emoções da Faculdade Castro Alves, de suas atividades no
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ensino de graduação e pós-graduação, na pesquisa e na extensão, enfatizando o papel do Núcleo de Estudo das Emoções, composto por professores da Instituição, inclusive de suas publicações referentes ao tema. O capítulo é encerrado com uma proposta de um paradigma para a
educação pós-moderna fundamentado nos conceitos e pesquisas expostas ao longo do livro, particularmente nas orientações contidas no Relatório Delors e nos sete saberes necessários para a educação do futuro
propostos por Edgar Morin.
Na sétima parte, nas considerações finais, o autor explicita algumas premissas fundamentadas em suas experiências pedagógicas, em
seus estudos, pesquisas e reflexões e conclui com alguns questionamentos referentes à prática pedagógica da Educação das Emoções.
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PARTE I
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DAS
EMOÇÕES
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1.
Emoção
e
Inteligência Emocional
Evolução do conceito de Emoção
Emoção, uma palavra que vem do latim movere (que significa mover), precedida do sufixo ex (para fora), significa afastar-se. Em toda
emoção há uma tendência à ação.O Oxford English Dictionary define-a
como qualquer agitação ou perturbação da mente, sentimento ou paixão;
qualquer estado mental veemente ou excitado.
Considera-se que o início do estudo científico das emoções ocorreu
em 1884, com um artigo publicado pelo filósofo e psicólogo americano
William James, na revista de filosofia “Mind”, com o título “O que é a
Emoção?” ( LE DOUX, 1998).
James abandonou as idéias de filósofos gregos como Platão, expostas em Fedro, para quem as emoções assemelhavam-se a cavalos selvagens que tinham de ser domados pelo intelecto e sustentava que paixões, desejos e temores impedem-nos de pensar.
Ele considerou que a emoção é uma seqüência de acontecimentos
que começa com a presença de um estímulo excitador e que termina
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com um sentimento, uma experiência emocional consciente, definindo a
natureza da emoção como uma resposta a um estímulo, como um processo que começa com a ação do estímulo desencadeador e culmina
com o aparecimento da resposta correspondente. O objeto das pesquisas sobre as emoções deveria ser o esclarecimento do que ocorre no
período que vai desde a ação do estímulo até a percepção do sentimento.
Para James, a emoção deve ser tratada dentro dos conceitos da fisiologia humana, sendo dispensado para seu entendimento a necessidade de recorrer-se a entidades sobrenaturais. A emoção é uma seqüência de acontecimentos que começa com a presença de um estímulo
excitador e termina com uma experiência emocional consciente. É explicada pela repercussão sobre a consciência de transtornos periféricos
provocados pela percepção do objeto estimulador. O elemento principal
é seu componente fisiológico e a percepção (sentimento), é uma conseqüência deste estímulo.
Em torno de 1920, o fisiologista Walter Cannon questionou a teoria
de James e apresentou o conceito de “reação de luta e fuga”: quando há
necessidade de um gasto maior de energia pelo corpo, como no caso
das emoções, surge uma resposta fisiológica específica, e o fluxo sanguíneo é redistribuído para as áreas que estarão mais ativas durante a
emergência, músculos e coração (LE DOUX, 1998).
O sistema nervoso autônomo simpático preside estas alterações, e
as reações fisiológicas de diferentes emoções são sempre as mesmas,
porque o simpático reage sempre com a liberação de adrenalina e a noradrenalina. A origem dos processos descritos se encontra no interior do
cérebro, no hipotálamo, que desencadeia as manifestações periféricas
corporais.
Para Cannon e Bard, as emoções são o resultado de processos que
têm curso no cérebro, no centro dos quais está o hipotálamo, de onde
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saem vias nervosas para a córtex cerebral e para o corpo. As que vão
para a neocórtex produzem experiências emocionais, sentimentos emocionais (raiva, medo, tristeza, alegria, etc.), e as que vão para o corpo
produzem reações emocionais, reações físicas (luta, fuga, alterações do
sistema nervoso simpático/parassimpático, glandulares, etc.).
Na década de 60 do século XX, Stanley Schachter e Jerome Singer
sugeriram que as reações fisiológicas na emoção informam ao cérebro
da presença de um estado de excitação orgânica, sem entretanto indicar
o tipo de emoção existente. O cérebro, por meio da consciência, rotula o
estado de excitação percebido como sendo de medo, raiva, tristeza ou
alegria, a depender do contexto físico e social que estamos e da percepção emocional que acontece em cada situação, ou seja,daquilo que aprendemos a sentir em cada contexto social diferente (LE DOUX, 1998).
Mais recentemente, Magda Arnold admite ser a experiência emocional resultante de uma tendência à ação que ocorre devido a uma avaliação cognitiva não consciente da situação. Quando o indivíduo é exposto
a uma experiência emocional o cérebro faz uma avaliação que permite a
detecção da existência ou não de um perigo ou de um fator agradável.
Para Arnold, a avaliação é a apreciação mental do dano ou benefício
potencial de uma situação. A emoção é uma tendência sentida para
qualquer coisa que seja avaliada como boa ou como má. O processo de
avaliação não é consciente mas seus efeitos são registrados pela consciência. Robert Zajonc fez pesquisas sobre o inconsciente emocional que
demonstraram serem as reações emocionais formadas sem qualquer
registro consciente de estímulos. A emoção pode estar presente sem ter
havido antes uma exposição consciente ao objeto que gostamos, pois
ela é independente da cognição e tem primazia sobre ela (LE DOUX,
1998).
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Goleman (2002) entende que emoção se refere a um sentimento e
seus pensamentos distintos, estados psicológicos e biológicos, e a uma
gama de tendências para agir.
Santos neste livro considera que a emoção é uma reação do organismo em resposta a um estímulo externo ou interno, com uma respostas mental (de agitação ou depressão), uma corporal interna (no caso da
raiva, disparam o coração e a respiração) e uma comportamental (de
aproximação ou de afastamento). A experiência mental da emoção pode ir
da agitação à lentidão e pode ser acompanhadas de um sentimento agradável ou desagradável. As reações corporais aparecem no rosto,
músculos, vasos sangüíneos, sangue, coração, pulmão, olhos, nervos e
glândulas e são elaborados hormônios no corpo que o preparam para
lutar ou fugir.
Csikszentmihayi (1999) considera na atividade da consciência, três
processos mais importantes: emoção ou sentimento, pensamento ou
cognição e volição ou conação. A emoção é a atitude que a consciência
adota em relação à informação que está sendo processada,basicamente
em relação ao eixo “agradável - desagradável”. A volição é o processo
mediante o qual a atenção permanece centrada em certa gama de estímulos, em vez de transferir-se para outros. O pensamento ou cognição
se refere aos vários passos mediante os quais os bits de informação se
reconhecem e se relacionam entre si.
Damásio (2001) considera que os organismos equipados com consciência desenvolvem a capacidade de saber que têm sentimentos e emoções e por isto possuem maior capacidade de regulação. A consciência permite que os sentimentos, experiências mentais das emoções, sejam conhecidos e as emoções que os determinaram, possibilitando a
ocorrência de uma relação com o processo de pensamento que traz melhores resultados para as funções adaptativas orgânicas e a sua sobrevivência. As emoções são formas de adaptação dos seres vivos.
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O autor citado (op.cit.) diferencia a mente da consciência: a mente é
mais ampla que a consciência, que é a parte da mente relacionada com
o sentido manifesto do self. A mente contém, além da consciência, as
imagens e padrões neurais originados no proto-self, que não são conscientes. Argumenta que em um paciente em estado vegetativo a mente
funciona, mas ele não tem consciência.
As raízes profundas do self encontram-se no conjunto de mecanismos cerebrais que de modo contínuo e inconsciente, mantém o estado
corporal dentro de limites estreitos e na estabilidade necessária para a
sobrevivência. Estes mecanismos representam de forma continuada e
não consciente o estado do corpo vivo, em todas suas dimensões, através de mapas sensitivos e motores. O proto-self é o estado de atividade
deste conjunto de mecanismos, sendo o precursor inconsciente do self
que surge na mente como protagonista da consciência.
Como grande parte dos processos relacionados com as emoções
não se dá de modo consciente a introspecção isolada não é um método
adequado para o estudo das emoções. Emoção e cognição são mediadas por sistemas cerebrais interativos porém distintos.
Nos anos 70 do século XX Mac Lean acreditava que a capacidade
de avaliar a experiência emocional e diferenciá-la em termos de sentimento depende da ação da córtex cerebral. Sustentava que as emoções
são resultantes da integração de sensações oriundas do ambiente externo com sensações viscerais geradas no interior do corpo, dando-se esta
integração no sistema límbico, conjunto de estruturas que funcionam
integrando as funções emocionais viscerais e comportamentais.
O sistema límbico é o cérebro emocional para Mac Lean que desenvolveu a teoria do Cérebro Trino, pela qual durante a evolução houve a
fusão de três tipos de cérebros, reptílico, paleomamífero e neomamífero,
encontrados nos répteis, mamíferos inferiores e mamíferos superiores,
inclusive no homem. O cérebro réptil é encontrado na cobra, pássaros,
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anfíbios e peixes, e é representado no homem pelo tronco cerebral, bulbo e protuberância. Houve o desenvolvimento do cérebro réptil para o
dos mamíferos inferiores e daí para os mamíferos superiores, cujos cérebros contêm todos os que lhe foram evolutivamente anteriores.
Le Doux (1998), descobriu um feixe de neurônios ligando o tálamo à
amígdala cerebral, que permite a ela receber estímulos diretamente e
iniciar uma resposta orgânica muito mais rápida e antes da que decorre
da percepção cortical. A amígdala cerebral tem extensa rede de ligações
com outras áreas do cérebro, que lhe permite assumir o comando do
comportamento da pessoa em emergências emocionais. Isto explica
porque às vezes somos dominados pela emoção agindo de forma irracional, no chamado seqüestro emocional.
A análise da evolução histórica do conceito de emoção mostra que
ele sofreu diversas modificações e que não há consenso entre os estudiosos sobre sua natureza.
Abordagem transdisciplinar das emoções
O estudo do sentimento e da emoção deve considerar suas múltiplas dimensões, daí a necessidade de uma abordagem transdisciplinar,
multi-referencial considerando-se parâmetros biológicos, psicológicos,
sociológicos, antropológicos e filosóficos.
Os aspectos biológicos são estudados pelas Neurociências (Damásio, 2000, Damásio, 2001, Damásio, 2004), pela Anatomia, Fisiologia e
Bioquímica; os aspectos psicológicos pela Psicologia Geral, Psicologia
Social e Psicologia Cultural. A Psicologia da Emoção e as Neurociências
se ocupam do significado biológico da emoção, suas causas biológicas e
efeitos corporais, mentais e comportamentais, no indivíduo.
Os aspectos sociológicos são estudados pela Sociologia Geral e
Sociologia da Emoção, vertente da Sociologia criada nos anos 70 do
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século XX, ainda em processo de estruturação e definição do seu objeto
e campo de estudos (ESPINHEIRA, 2006). Da Antropologia Geral surgiu
recentemente a Antropologia da Emoção, também em fase de organização e estruturação. É um movimento recente dentro dos estudos antropológicos (KHOURY, 2005).
Para Khoury (2004), sob o ponto de vista sociológico, a emoção é um
elemento interativo que orienta as relações sociais. É uma categoria de entendimento capaz de apreender a noção de humano e da sociedade como
um todo e se ocupa com as repercussões da emoção na sociedade. Procura
entender a emoção como fenômeno sociológico e estabelece canais entre
as dimensões micro e macro-sociológicas. Segundo Tsay (2003), há grande interferência da cultura na expressão da emoção, bem como na elaboração de seu significado Khoury (2004) considera que um objeto da
Sociologia da Emoção é o estudo das expressões individualizadas da emoção objetivando compreender as configurações sociais da subjetividade do
sujeito social que as vivencia.
A configuração social é a forma como é compreendida e compartilhada
por uma coletividade espacial e temporalmente dada, a experiência individual da emoção de determinado sujeito social. Uma preocupação básica é
saber qual a configuração social da subjetividade da emoção vivenciada
por determinado sujeito, em determinado lugar, em determinado instante.
Devem ser respondidas as seguintes perguntas: qual o espaço na
sociedade para a configuração da emoção vivida por determinado ator
social? Quais as reações dos sujeitos sociais envolvidos em determinada
situação social? Como a coletividade reage à emoção expressada por
um indivíduo social?
37
A Filosofia da Emoção trata da complexidade da emoção, sua natureza e ontogênese, das relações com os valores, de sua importância
epistemológica e no processo de avaliação, bem como de suas relações
com a razão (STOCKER, 2002). Abordagem mais profunda da transdisciplinaridade e da interdisciplinaridade para a compreensão das emoções será feita no capítulo deste livro destinado à Pedagogia das Emoções.
O diagrama seguinte evidencia as relações da emoção e do sentimento com as diferentes disciplinas do conhecimento humano.
Figura 1.1: Disciplinas que Estudam a Emoção e o Sentimento
Neurociências
Psicologia
Emoção
Antropologia
Sociologia
Filosofia
Neurociências, psicologia, sociologia. antropologia e filosofia estudam a emoção e o sentimento num enfoque transdisciplinar.
38
Emoções primárias e secundárias
São consideradas como emoções primárias raiva, medo, tristeza, alegria/prazer, amor, nojo, vergonha e o desprezo. As emoções sociais ou
secundárias são uma categoria de emoções inatas que surgem quando o
indivíduo se relaciona socialmente. São exemplos simpatia, compaixão, vergonha, embaraço, culpa, desprezo, indignação, espanto, admiração, gratidão,
orgulho, inveja e ciúme (CARUSO, 2007)
Segundo Damásio (2004) as emoções primárias são a base das emoções sociais, que são desencadeadas por estímulos emocionalmente
competentes de natureza social. Um exemplo de estímulo social emocionalmente competente é o comportamento desviante de alguém: se
um indivíduo presenciar o espancamento de uma criança indefesa por
parte de um adulto, mesmo sendo ela desconhecida, a agressão pode
desencadear uma emoção social: ele poderá ficar indignado com o agressor e interferir na situação. No caso da indignação, a emoção primária presente é a raiva.
Problemas no comportamento de um indivíduo podem ser fonte de
vergonha, culpa ou embaraço para ele, devido à violação das normas de
conduta por ele adotadas. Se ele é surpreendido praticando num ato que
considere indecoroso se sentirá envergonhado, mas a vergonha pode
surgir devido à violação de normas sociais praticadas por um parente
próximo.
O sofrimento de um indivíduo pode desencadear simpatia ou compaixão em outro, da mesma forma que a violação de normas sociais pode desencadear desprezo ou indignação. O reconhecimento da conduta
louvável de uma pessoa que pratique uma ação social de cooperação com a
comunidade ou com outra pessoa, pode desencadear em outros emoções
como admiração, gratidão ou orgulho. Podemos nos orgulhar de nosso pai,
mãe, irmão ou amigo se eles tiverem uma conduta socialmente e relevante.
39
Santos (2006c) apresenta um quadro onde estão algumas emoções
sociais, os estímulos correspondentes e as emoções básicas correlatas.
Fig 1.2 Emoções sociais, estímulos e emoções bases
Emoção Social
Vergonha,Culpa,
Embaraço
Indignação,
Desprezo
Estímulo emocionalmente competente
Problemas no comportamento ou no
corpo do indivíduo
Violação de normas
de conduta por outro
Compaixão,
Simpatia
Sofrimento do outro
Admiração, Gratidão,
Orgulho, Espanto.
Reconhecimento da
realização e cooperação de outro
Emoção base
Medo,
Tristeza,
Raiva,
Nojo
Apego,
Tristeza
Alegria,
Felicidade
Função das emoções
A emoção faz parte dos mecanismos reguladores da vida com os
quais nascemos equipados para sobrevivermos e uma de suas funções
é produzir uma reação específica à situação indutora, como por exemplo,
lutar ou fugir. Nos humanos as reações são essencialmente as mesmas
e influenciadas pelo raciocínio e pela sabedoria.
Outra função é a regulação do estado interno do organismo de
modo que ele esteja pronto para ter a reação específica necessária, como fornecer fluxo de sangue mais intenso para as pernas, mais rico em
glicose, quando o organismo tem de fugir de alguma ameaça, na reação
de fuga.
Para certos tipos de estímulos externos ou internos, a evolução reservou uma determinada forma de emoção como reação apropriada e
40
nós podemos saber que certos estímulos produzem em nós certas emoções e que certas situações são capazes de desencadear raiva, alegria,
medo ou tristeza. Isso é importante para podermos melhorar a qualidade
de nossa vida, aprendendo quais estímulos desencadeiam emoções positivas, para procurá-los, e os que desencadeiam emoções negativas
para evitá-los.
A emoção é um dos mecanismos de regulação da vida que está situada acima da regulação dos metabolismos do organismo, dos reflexos
simples, dos mecanismos biológicos que se tornarão dor e prazer, dos
impulsos e das motivações, localizando-se abaixo dos sentimentos e da
razão. Faz parte da regulação homeostática e é mobilizada para conservar a integridade do sistema vivo. A reação de aproximação ajuda o organismo acessar uma fonte de energia, um parceiro sexual ou um abrigo
para proteger-se.
As emoções têm também função ética pois são inseparáveis das
idéias de recompensa e punição, de prazer e dor, de aproximação e afastamento, de vantagem ou desvantagem pessoal, logo são inseparáveis das idéias de bem e de mal que fundamentam os comportamentos
éticos.
Em organismos equipados para ter somente os sentimentos das
emoções, elas têm um impacto sobre a mente, no momento em que ocorrem, no aqui e agora. Nos organismos equipados com consciência ela
permite que os sentimentos gerados pelas emoções sejam conhecidos e
tenham impacto no processo do pensamento e no planejamento de ações. A consciência permite que o “objeto” emoção seja conhecido e isto
aumenta a capacidade do organismo para reagir e adaptar-se ao meio
41
de modo a atender suas necessidades. Desta forma tanto a emoção
quanto a consciência estão vinculadas à sobrevivência do organismo.
Indução das emoções
As emoções podem ocorrer em duas circunstâncias: primeiro,
quando o organismo processa determinados objetos ou situações através de seus mecanismos sensoriais, como na visão do rosto de um conhecido ou de uma discussão entre pessoas. Segundo, quando a mente
evoca objetos ou situações e os representa como imagens no pensamento o que ocorre quando alguém se lembra do rosto de um amigo
falecido.
Existe uma correspondência entre os elementos que induzem a
emoção e o estado emocional resultante. Certos tipos de objetos ou eventos que se repetem para uma pessoa ou indivíduos do mesmo meio
social estão frequentemente associados às mesmas emoções. Os estímulos que causam felicidade, medo ou tristeza tendem a atuar da mesma forma na mesma pessoa ou nas que compartilham o mesmo meio
social.
O desenvolvimento do indivíduo e a cultura influenciam a emoção
produzida por qualquer estímulo e interferem nos mecanismos de adaptação aos estímulos pré-estabelecidos pela natureza, moldando o indutor
adequado para produção de uma emoção bem como sua forma de expressão, interferindo também na percepção e no comportamento resultante.
Os estímulos causadores das emoções não se limitam aos que
moldaram inicialmente o cérebro do indivíduo e à medida que aumenta a
42
experiência individual, ele aprende a reagir de modo diferente a antigos
estímulos,inclusive a estímulos que eram inicialmente neutros .
Uma forma de aprendizagem utilizada na área das emoções é o
condicionamento. Uma casa nova que lembre a que você foi feliz em sua
infância pode lhe dar hoje e agora um sentimento de bem estar, mesmo
que nada tenha acontecido de bom em sua vida recentemente. O rosto
de uma pessoa desconhecida pode lhe causar irritação ou inquietude se
for parecido com o de alguém que foi associado com algo desagradável
e horrível no passado. Uma pessoa pode lhe parecer simpática e familiar
se o seu rosto for associada ao rosto de alguém com quem você viveu
momentos agradáveis no passado.
Os objetos podem ter vínculo emocional maior ou menor e a maioria de objetos e situações vividas têm valor emocional que nos levam a
reações emocionais mais ou menos intensas, com os comportamentos
correspondentes, conscientes ou não.
Algum nível de emoção acompanha necessariamente os pensamentos que alguém tem acerca de si mesmo ou de objetos que o cercam. Quando uma emoção emerge na mente os pensamentos que a
acompanham são capazes de avaliar a situação emergente à qual é atribuído determinado valor e determinado significado .
A emoção, onipresente em nosso desenvolvimento e experiência,
vincula-se aos objetos e situações vividas e aos valores fundamentais da
recompensa e punição, prazer e dor, vantagem ou desvantagem e bem
ou mal, considerados em relação ao binômio sobrevivência ou morte.
Quando surge a consciência o organismo pode controlar a expressão da emoção utilizando a razão, mas os mecanismos da razão precisam da emoção para funcionarem de modo adequado pois a imagem de
43
um objeto, percebida diretamente ou evocada pela memória, sempre é
acompanhada por uma reação emocional.
Uma emoção pode ter como fator indutor algo que interfira negativamente na evolução de outra emoção já existente. Um animal faminto,
fica alegre ao ver um alimento,mas tem raiva se algo impedi-lo de comer, que será dirigida para o objeto frustrador.O amante apaixonado que
tem o carinho da amada negado fica frustrado e pode vir a odiar a amada. O que induz a raiva é o impedimento do comportamento que estava
conduzindo à realização de sua satisfação. Numa situação oposta se o
sofrimento que existe é suspenso de repente e é substituído por alegria,
vem a satisfação do expectador e aí reside o sucesso da tragédia que no
final tem o medo vigorou durante a narração substituído pela compaixão
e pela solidariedade.
Inteligência Emocional
A Inteligência Emocional foi definida por Peter Salovey, em 1990,
como
"a capacidade de monitorar os sentimentos e emoções
próprios e alheios, de reconhecer as diferenças entre
eles e de usar essa informação para orientar o pensamento e ação das pessoas ". (GOLEMAN, 1996)
Salovey (1999), reviu esta definição pois considera que ela trata somente de percepções e do controle da emoção e omite o pensamento
sobre o sentimento, e propõe a definição que se segue:
“A Inteligência Emocional envolve a capacidade de
perceber acuradamente, de avaliar e de expressar emoções; a capacidade de perceber e/ou gerar sentimentos quando eles facilitam o pensamento; a capacidade de compreender a emoção e o conhecimento
emocional; e a capacidade de controlar emoções para
promover o crescimento emocional e intelectual.”
44
Desta forma a inteligência emocional contempla a percepção, a avaliação e a expressão das emoções, pela capacidade que tem a pessoa
de identificar suas próprias emoções ou a de outras pessoas, mediante
sua linguagem, sua aparência e seu comportamento. A capacidade de
expressar acuradamente suas emoções e as necessidades relacionadas
com seus sentimentos, bem como a capacidade de discriminar entre o
próprio e o impróprio.
É caracterizada a inteligência emocional como uma capacidade relacionada com a facilitação do ato de pensar, pois as emoções voltam a
atenção para informações importantes para o pensamento e são utilizadas como auxílio para julgamentos e sentimentos que dizem respeito à
memória. Estados emocionais estimulam de maneira diferente a abordagem de problemas específicos, como quando a felicidade facilita o raciocínio indutivo e a criatividade, enquanto a tristeza é depressora do raciocínio.
A inteligência emocional ajuda a compreender e analisar as emoções e a empregar o conhecimento emocional, pois permite rotular e
reconhecer as relações entre as palavras e as emoções em si e permite
inferir os significados que as emoções transmitem, como o fato de que a
tristeza quase sempre acompanha uma perda e de que a raiva quase
sempre acompanha a frustração. Permite compreender sentimentos
complexos como o ciúme, considerado uma mistura de amor, medo e
raiva, e o espanto, combinação de medo e surpresa. Permite compreender e reconhecer transições entre emoções como da raiva para a satisfação que ocorre quando alguém enraivecido se vinga de outro.
Finalmente, a inteligência emocional permite o controle reflexivo das
emoções para promover o crescimento emocional e intelectual, quando a
pessoa se mantém aberta a seus sentimentos, podendo se envolver com
eles através da reflexão ou se distanciar desviando a atenção para outros objetos de pensamento. Permite a capacidade de monitorar as emo-
45
ções e reconhecer suas utilidades e influências em sua vida e a capacidade de administrar a emoção em si mesmo, através do controle das
emoções negativas, desagradáveis e da valorização das positivas, agradáveis, sem reprimi-las.
46
2.
Educação das Emoções
Para Santos (2000) a Educação das Emoções é um processo que utiliza a energia psíquica disponível na função cognitiva e na volitiva – no
pensamento, na atenção e na vontade - para a identificar e avaliar as
emoções e para orientar a ação do indivíduo visando de interferir no curso natural do processo emocional.
Um estímulo externo, agressão física ou verbal, pode desencadear
em uma pessoa um processo não consciente da elaboração de uma
emoção como a raiva, processo que pode aflorar na mente e ser identificado pela pessoa. Identificada a raiva, a pessoa pode decidir se vai ou
não atuar conscientemente sobre seu curso. Caso decida pela intervenção, poderá utilizar para isto sua atenção e vontade.
A Educação das Emoções visa desenvolver a Inteligência Emocional
e implica em estimular o cultivo do autoconhecimento, da autoconsciência; a capacidade de identificar e reconhecer suas emoções e sentimentos, avaliando suas intensidades e as expressões corporais correspondentes, no momento em que ocorrem, além de controlar suas expressões emocionais e seus impulsos e adiar suas satisfações.
Faz parte da Educação das Emoções o desenvolvimento da empatia, capacidade de reconhecer corretamente as emoções do outro e de
compreender seus sentimentos e perspectivas, respeitando as diferenças com que as pessoas encaram as coisas, o que permitirá um convívio
47
harmônico com o outro. Sua primordial deve dirigir-se para raiva, tristeza,
medo e suas assemelhadas: ira, fúria, ressentimento, mágoa, revolta,
desânimo, desalento, desesperança, depressão, ansiedade, preocupação, surpresa, nojo, vergonha e também para as emoções positivas:
alegria, amor, prazer, perdão, gratidão, fé, esperança, confiança, otimismo, etc.
Só é possível atuar-se sobre as emoções quando elas são conscientes e nós jamais deixaremos de tê-las pois são intrínsecas à condição
humana e fazem parte do nosso patrimônio genético, herdado ao longo
de milhões de anos de evolução das espécies animais.
Fundamentos psicológicos e neurológicos da Educação das Emoções
A percepção da emoção resulta de processos que ocorrem de modo
não consciente e que enquanto se desenvolvem são inacessíveis à nossa vontade, mas quando conscientes podem tornar-se objeto da cognição e da vontade. Elas podem ser avaliados cognitivamente e discriminadas no tocante à possibilidade da conveniência da pessoa entregar-se
ou não ao curso natural da emoção.
Conforme Le Doux (1998) animais em que é retirado o córtex cerebral há uma reação emocional acentuada diante de estímulos insignificantes e eles perdem a capacidade de controlar a raiva. Isto sugere que
as áreas corticais cerebrais controlam reações emocionais desenfreadas
e que estas áreas têm a capacidade de impedir a livre expressão de emoções devido a sua ação inibitória.
A compreensão dos mecanismos das emoções teve uma contribuição valiosa com os estudos de James Papez, um anatomista da Universidade de Cornell, em 1937,por meio dos conceitos de fluxos de sentimento e de pensamento.Para ele, é possível atuar, através dos pensa-
48
mentos, sobre o neocórtex cerebral e, através dele, sobre a reação emocional (LE DOUX,1998).
A córtex cerebral tem duas áreas distintas sob o ponto de vista da
evolução das espécies, a área medial e a lateral. A lateral, mais recente
no processo de evolução, mais externa, é a sede dos processos do pensamento e das funções motoras e sensoriais. A área medial, mais antiga
sob o ponto de vista evolutivo filogenético, é responsável pelas funções
mais primitivas. Apresenta forma oval, daí ser chamada de límbica, pois
aro em latim é limbus.
Para Papez as mensagens sensoriais transmitidas para o cérebro
dividem-se, no tálamo em dois tipos: fluxo de pensamentos e fluxo de
sentimentos (sensações). O fluxo de pensamento caminha ao longo do
tálamo e se dirige para as regiões laterais da neocortéx, sendo responsável pelo aparecimento de pensamentos, lembranças e percepções (LE
DOUX,1998).
O fluxo de sentimentos vai também para o tálamo, mas daí segue diretamente para o hipotálamo, de onde é dirigido para o tálamo anterior,
seguindo daí para o córtex cingulado, parte mais antiga do córtex medial.
O córtex cingulado envia o produto de suas atividades para o hipocampo
(área cortical medial mais antiga, responsável pela memória), que finalmente dirige o fluxo de volta para o hipotálamo, a partir de onde saem os
estímulos que geram a reação corporal.
Para Papez as experiências emocionais podem ser produzidas de
dois modos diferentes. Um deles quando objetos sensoriais, agentes
externos, ativam o fluxo de sentimentos e então o fluxo de informações
vai para tálamo, hipotálamo, tálamo anterior e córtex cingulado.Nesta
hipótese o cortex cingulado é ativado por processos subcorticais inferiores.
Outra forma é a ativação do córtex cingulado por correntes de informações geradas pelo fluxo de pensamento no cortex cerebral, onde o
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estímulo é percebido e as memórias dele são ativadas e vão ativar o
córtex cingulado. Nesta segunda possibilidade o circuito emocional é
ativado pelos processos corticais superiores do fluxo de pensamento.
Fig. 1.3 Fluxos de pensamento e sentimento
Sentimento
Córtex Sensorial
Córtex Cingulado
Hipocampo
Tálamo
Anterior
Tálamo
Hipotálamo
Estímulo
Emocional
Reação
Corporal
Tálamo
O estímulo emocional pode ser dirigido para o tálamo e
daí para as regiões laterais do cortex sensorial, de onde
vai para o córtex cingulado (fluxo de pensamentos). Por
outro caminho, ele passa diretamente para o tálamo
(fluxo de sentimentos), e segue diretamente para o hipotálamo e daí para o tálamo anterior e córtex cingulado. O córtex cingulado envia o produto de suas atividades para o hipocampo, que dirige o fluxo de volta para
o hipotálamo,a partir de onde saem os estímulos que
geram a reação corporal. A experiência emocional ocorre quando o córtex cingulado integra sinais do córtex
sensorial e hipotálamo.
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O fundamento anatômico, fisiológico, neurológico e psicológico da
Educação das Emoções está em que os pensamentos oriundos da córtex cerebral podem controlar as reações emocionais. A possibilidade
concreta da educarmos nossas emoções decorre de podermos utilizar a
energia psíquica disponível do pensamento, atenção e vontade, para a
identificar e avaliar as emoções e para orientar nossa ação para interferir no curso natural do processo emocional.
Justificativas para a Educação das Emoções
Crise da humanidade: o cenário em que o homem desenvolve hoje suas atividades, é caracterizado por diferentes formas de crise: desde
a crise ideológica e política, até à econômica e social, passando pela
crise da segurança, da religião, do pensamento humano e pela crise existencial do homem. A crise ideológica e política decorrem do fato que
os conhecimentos psicossociais pré-existentes estão sendo questionados ou abandonados, principalmente após a queda do muro de Berlim,
com o desaparecimento das antinomia capitalismo x comunismo/ socialismo.
A crise econômica, geradora da social, decorre da inadequação das
regras do mercado internacional para promover o bem estar da humanidade, com acentuação das disparidades entre as nações devido à globalização, que trouxe às empresas mais complexidade, incertezas e conflitos. A incapacidade de distribuição adequada da renda per-capita dos
países entre seus cidadãos é um importante fator contributório. O aumento das dificuldades econômicas tem repercutido nas populações dos
países emergentes através da não satisfação das suas necessidades
51
básicas, de saúde, moradia, educação, transporte e lazer, gerando crescente insatisfação social.
Por outro lado, o próprios paradigmas adotados pelo pensamento
humano tem sido duramente questionados, inclusive das ciências, com
severas restrições ao modelo Newtoniano - Cartesiano do conhecimento.
Procura-se novos modelos e paradigmas para abordagem da realidade e
até mesmo o conceito de Ciência sofre críticas, bem como o da objetividade do método científico. Quanto à questão religiosa, é cada vez maior
o contingente da população mundial que não tem nenhum credo religioso, com profundas repercussões em seus comportamentos éticos.O Dalai Lama (2000), recentemente, estimou que 10 a 20% da população
mundial não tem nenhum credo religioso. Estimando esta população em
6,5 bilhões de habitantes, cerca de 5,2 bilhões de pessoas não teriam
nenhum credo religioso.
Quanto à crise de segurança, o medo é a emoção dominante no
mundo, principalmente depois das ações terroristas nos Estados Unidos.
A própria condição humana está em crise: o observador mais arguto
percebe, em todas as partes do mundo, um movimento coletivo do homem, em busca de uma maior auto-consciência e de um maior autoconhecimento. Com este movimento o homem procura conhecer-se melhor, pois sabe que a felicidade está dentro de si mesmo, no mundo do
ser e não no mundo do ter, mundo do poder, da fama, do prestígio e do
dinheiro. Entretanto, como o dinheiro, embora não seja o melhor valor, é
o maior valor da sociedade contemporânea, necessitamos para viver
com dignidade, uma condição monetária mínima, um ter instrumental.
A Faculdade Castro Alves (2007), embora sem ter a presunção de
ter uma fórmula para as saídas desta crise, acredita que um dos caminhos passa por uma nova Educação que dê ênfase à Educação das
Emoções e a Educação da Intuição, além da educação da Razão. Acre-
52
dita também que a Meditação desempenhará um papel fundamental nesta revolução educacional que precisa ser implantada.
É preciso que, primeiro, o homem mude sua atitude em relação a
seus valores , pois ao modificá-los se modificarão naturalmente seus
padrões morais e seu comportamento ético.
Emoções Sociais e Ética – as emoções e sentimentos sociais são
importantes para o indivíduo responder a estímulos sociais, perceber seu
entorno social e conhecer as regras de convívio e convenções sociais,
além de construir os princípios éticos que orientam sua conduta. Sem
sentimentos sociais o indivíduo não pode elaborar princípios e normas
éticas, pois é através deles que o outro é introduzido em sua consciência
e é neles que começam o altruísmo e a alteridade.
É através da simpatia, compaixão e emoções correlatas que o outro
passa a ter significado e valor para nós e passa a fazer parte de nosso
mundo moral e ético e de nossas escolhas existenciais, passando a ser
um valor ético. Através do embaraço, da vergonha e da culpa o indivíduo
se dá conta que transgrediu ou está transgredindo as normas de convívio social e tem consciência que está promovendo desequilíbrio psicológico em si mesmo e nos seus relacionamentos com o outro, com o grupo
de convivência ou com a sociedade.
Consciente da sua transgressão, ele pode agir para evitá-la ou cessá-la evitando a punição que lhe seria imposta por terceiros ou os sentimentos de culpa que teria e autopunição conseqüente. Aprendendo a
identificar e reconhecer suas emoções sociais a pessoa pode policiar-se
e evitar a transgressão das regras de convívio .
Através da admiração, orgulho ou gratidão o indivíduo pode reconhecer, no outro ou em si mesmo, uma contribuição dada para a coope-
53
ração social, útil ao bom relacionamento e capaz de reforçar vínculos
sociais individuais ou coletivos.
Através do desprezo e indignação o indivíduo pode expressar sua
desaprovação a um comportamento que viole normas de conduta social.
E pode exercer um papel fundamental da cidadania, reagindo ao descumprimento das regras sociais com indignação ou desprezo.
Para Damásio (2004), as emoções sociais não são privativas dos
seres humanos e existem nos morcegos, lobos e chipanzés,o que abre a
possibilidade de considerar-se que algumas espécies animais parecem
comportar-se de forma ética. Estudos mostram que indivíduos das espécies citadas podem exibir simpatia, apego, embaraço, vergonha, orgulho
dominante, submissão e são capazes de censurar ou recompensar animais congêneres que transgrediram normas de convívio. Os macacos
Rhesus podem se comportar de forma altruísta com macacos semelhantes, mostrando não ser o altruísmo uma característica exclusiva dos humanos .
Para Damásio (2004:170):
“Quer se concebam os princípios éticos como baseados na biologia natural ou como baseados em estruturas religiosas,é legítimo concluir que na ausência de
emoções e sentimentos normais, especialmente na ausência de emoções sociais,a emergência de comportamentos éticos seria improvável”. (...) “Na ausência de
emoções e sentimentos normais, o indivíduo deixa de
poder categorizar a sua experiência de acordo com a
marca emocional que confere a cada experiência a
qualidade do “bem” ou “mal”.
Para Santos (2006c) não se pretende elaborar uma explicação neurobiológica única para a emergência da ética, que seguramente depende
de fatores outros, como os religiosos e os racionais. O que se pretende é
chamar a atenção para a valiosa contribuição dada no processo da emergência e constituição dos processos éticos pelas emoções de um
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modo geral e particularmente pelas emoções sociais, contribuição esta
que deve ser considerada ao lado das fornecidas pela Sociologia, Antropologia, Psicologia Geral, Filosofia e de outras disciplinas do saber humano.
Ética fundamentada nas emoções
É importante a educação das emoções na formação de um cidadão
responsável, crítico e humano, pois a dimensão afetiva tem dois pontos
de ligação com a Ética, considerada ciência da conduta humana que
deve abranger tanto seu fim quanto os meios necessários para atingi-la
(ABAGNANO,1982).
Uma ligação se faz através da empatia, bastante realçada por Peter
Salovey (1999) criador do conceito de inteligência emocional e por Goleman (1999). Outra ligação se faz através do amor, que leva a pessoa a
identificar-se com o outro e a compaixão por ele, gerando um impulso
para a comunhão
Empatia e compaixão podem ser consideradas uma única entidade,
pois a segunda decorre do próprio processo de empatia. Para sentir
compaixão por alguém é preciso que a pessoa se coloque no lugar dele,
tente perceber o mundo com seus olhos e senti-lo como ele o sente.
Na essência deste processo psicológico estão dois elementos: a
tendência que o indivíduo tem de aproximar-se do outro, que é a emoção
Amor e um sentimento de respeito pela condição humana da outra pessoa, com a qual o indivíduo se identifica, por terem várias coisas em comum: o mesmo corpo, as mesmas características mentais, as mesmas
emoções e os mesmos sentimentos.
55
O homem ao nascer traz em si duas tendências opostas para agir,
que podem impulsioná-lo a praticar ações virtuosas ou não virtuosas, a
depender do meio cultural em que se desenvolve e convive, fatores estes que vão determinar e estimular o desenvolvimento de suas tendências, para o bem ou para o mal. Steiner (1998: 65), defende a existência
de vínculos profundos entre o comportamento ético e a educação das
emoções ao declarar que:
“Todos temos forças interiores profundamente contrárias à Ética, que não são simplesmente implantadas
por uma cultura nefasta, mas provavelmente são inatas. Essas forças envolvem a agressão, a ganância e
as manifestações da sensualidade não-éticas, e provêm de instintos primitivos, incontroláveis.”
(...) “Temos instintos egoístas e agressivos e lidar com
esses instintos de maneira ética consiste numa das etapas principais da sabedoria emocional”.
A Ética, preocupada com o que é certo ou errado, com o que é bom
ou ruim, tem sua atenção voltada para o que é virtuoso, e uma de suas
dificuldades está em estabelecer o conceito de virtude, pois o que pode
ser considerado virtuoso em uma cultura, pode não ser em outra. E, numa mesma cultura, a virtude depende da perspectiva filosófica da pessoa.
Yearley (1999), especialista em Ética e professor da Universidade de
Stanford, depois de analisar as características das virtudes, declara que
“aspectos muito importantes das virtudes são as emoções”. Para ele as
virtudes se manifestam naquilo que a pessoa faz e também no que sente
e deseja. A virtude humana não está só no ato praticado, mas está também nos desejos, sentimentos e emoções da pessoa.
Na cultura ocidental há três tradições de abordagem da ética: o individualismo, o perfeccionismo e o racionalismo.O individualismo considera
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correto aquilo que satisfaz aos desejos de um indivíduo em particular.
Não questiona se o desejo é bom ou mau e só leva em conta a melhor
maneira de obter aquilo que é desejado.
Parte da premissa que o homem é fundamentalmente egoísta e que
tudo gira em torno dele.A razão tem seu lugar no individualismo apenas
como instrumento operacional. É elemento importante para encontrar a
forma pela qual o indivíduo conseguirá o que deseja. Não importa o outro, nem a sociedade. Seu lema é: eu sou o centro do mundo e tudo deve ser feito para minha satisfação. Ao individualista só importam as
questões sociais que lhe dizem respeito e que são úteis para ajudá-lo a
obter o que quer.
O perfeccionismo, base ética das tradições religiosas ocidentais,
postula como referencial uma conduta ética ideal com a qual deve ser
comparada a conduta do indivíduo. Um ato ético para ser correto deve
se ajustar ao comportamento ideal. Julga se os desejos do indivíduo são
bons ou maus em relação aos desejos de uma pessoa considerada perfeita. Este ideal, Jesus Cristo, no caso do Cristianismo, é o melhor estado que pode ser atingido pelo homem. São definidos padrões de comportamento necessariamente bons, que servem para julgar a todos.
O racionalismo sustenta que deve ser estabelecida uma regra universal aplicável a todas as situações semelhantes. Um de seus expoentes, Imanuel Kant, estabeleceu em seu imperativo categórico que devemos agir sempre de modo que nossa conduta possa sempre ser aplicada como uma regra máxima.
A razão é o guia ético do racionalismo. Através dela podemos pensar e construir proposições universais abstratas e estabelecer modelos
de conduta universais. Somente a razão pode conceber regras univer-
57
sais e permitir a cada um reconhecer qual regra deva ser aplicada numa
situação. Através da aplicação destas regras poderemos saber quais
desejos devem orientar ou não nossas ações. O lema do racionalismo
ético é que a razão pode estabelecer regras de aplicação universal e
somente elas devem guiar nossas ações.
Uma critica feita ao racionalismo é que há poucas regras universais
que podem ser estabelecidas pela razão, assim a ética racionalista abrange pequena parte da vida humana real. Outra crítica é que grande
parte da humanidade não tem ou não teve oportunidade de desenvolver
a razão, pois não freqüenta ou não freqüentou escola. Em muitos bilhões
de casos, não foram propiciadas ao indivíduo as condições básicas para
que tivesse o desenvolvimento dos neurônios cerebrais que permitissem
o desenvolvimento intelectual necessário. O baixo quociente intelectual é
comum na maioria dos paises pobres ou em desenvolvimento.
Outra limitação para o racionalismo ético está em situações nas
quais é preciso tomar decisões sob a ação de emoções como a raiva e a
pessoa pode estar completamente descontrolada, sem condições de
usar a razão.
As tradições religiosas ocidentais, o judaísmo e o cristianismo, prescrevem orientações meramente intelectuais aos seus seguidores, na
esperança de que a simples compreensão delas implique em praticá-las
no dia a dia. Partem do princípio de que se alguém compreende o sentido e o significado de uma conduta e o modo de realizá-lo, está automaticamente capacitado para realizar o compreendido. Assumem implicitamente uma posição racionalista, de que o pensamento em si, conduz
naturalmente à ação.
58
Não há evidências que isto seja verdadeiro. Para Assagioli (1993) , a
prática de qualquer ação é a culminância de um ato de vontade, constituído por seis fases sucessivas: definição do objetivo, deliberação, escolha
e decisão, afirmação, planejamento e execução. Estas fases são ligadas
entre si e o sucesso de um ato de vontade depende da eficácia de cada
uma delas.
Numa primeira etapa, há a definição do objetivo e a deliberação da
meta preferível dentre as possíveis. Escolhida a meta, é tomada a decisão de executá-la. Segue o planejamento, em que são previstas as ações futuras e a execução delas. Uma das fases mais importantes é a
decisão e pesquisas recentes deixam claro que as emoções interferem
no processo de decisão (Damásio, 2000) e que a execução de uma ação
é influenciada pelas emoções que a pessoa tem.
Conclui-se que para determinada norma de conduta ser praticada,
deve ser trabalhada, previamente, a dimensão emocional da pessoa,
inclusive suas atitudes emocionais. Para isto ela deve ter consciência de
seu universo emocional e desenvolver a competências de autoconhecimento e autogestão emocional, controlando a expressão de suas emoções.
Pesquisas recentes da psiconeuroimunologia mostram que, embora
o impulso emocional tenha origem nos centros límbicos, situados na base e no interior do cérebro, a expressão das emoções é regulada por
estruturas situadas no córtex cerebral pré-frontal (DAMÁSIO, 2000).
Cada lado do córtex pré-frontal lida aparentemente com diferentes
reações emocionais: medo e repulsa são reguladas pelo lado direito,
enquanto sentimentos positivos como felicidade são reguladas pelo lado
esquerdo. As emoções que sentimos e a maneira com que lidamos com
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elas são governadas por circuitos neuronais localizados no córtex préfrontal e por outros circuitos cerebrais interligados. Como podemos interferir na fase de decisão do ato de vontade, as emoções não podem ser
ignoradas nos raciocínios que formulam teorias sobre a conduta humana.
A Educação das Emoções pode induzir o surgimento de virtudes no
educando, diretamente mediante o estímulo de virtudes inatas que ele
possua ou indiretamente através da supressão de expressões emocionais não virtuosas.
Yearley (1999) entende que as virtudes têm uma característica corretiva. A virtude pode corrigir uma dificuldade natural do ser humano, e
pode estimular a capacidade de resistir a uma tentação ou mesmo transformar uma motivação má em boa. Cita o caso da ação corretiva da coragem diante do medo que exista em relação à prática de determinado
dever e a situação em que a tendência ao egoísmo, é corrigido pela
compaixão.
Assim, fica patente a importância da Educação das Emoções na
formação ética do educando. Numa pessoa emocionalmente educada
para lidar com seus medos, esta emoção pode ser trabalhada de modo a
facilitar o cumprimento de seus deveres, mesmo quando ela julgar que
eles possam trazer-lhe ameaça.
Um antídoto para a violência é a identificação e controle da raiva,
com a prática da paciência e da tolerância, ao lado do desenvolvimento
da compaixão. O Budismo há milênios se dedica à educação das emoções e tem técnicas úteis para desenvolvê-la, como relata o Dalai Lama
(2000), Geshe Gyatso (1999) e Sogyal Rinpoche (1999).
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Daí acreditarmos que pode ser elaborada uma Ética baseada nas
Emoções, variante do racionalismo, que levaria em conta estes novos
conhecimentos. Ela não teria caráter puramente prescritivo intelectual e
seu elemento fundamental de sustentação não seria a razão isolada. A
razão prescreveria regras universais de conduta, contemplando as novas
conquistas do conhecimento humano e levando em conta a participação
das emoções na conduta humana.
A nova ética deve levar em conta a vivência da emoção pela pessoa
e o desenvolvimento de suas competências nos domínios da Inteligência
Emocional pois a pessoa acostumada a controlar suas emoções adquire
hábitos de autocontrole, que são introjetados em suas atitudes e comportamentos. Dizendo de outra forma, a pessoa emocionalmente educada desenvolve um processo de autocensura e autocontrole em relação a
determinadas expressões emocionais de comportamento que não sejam
socialmente adequadas. Isto implica na diminuição do número e do nível
de conflitos em sua esfera de atividades: na família, no trabalho, na escola, na igreja, e na sociedade.
A pessoa com competência emocional adequada terá condições de
agir mediante uma ética baseada no respeito à vida, no respeito ao outros seres humanos, na compreensão, solidariedade e compaixão. Na
medida que controlar sua raiva terá menos ódio, será menos agressiva e
menos violenta e isto permitirá o afloramento de sentimentos de amor,
compaixão, harmonia e paz. Por outro lado, a identificação e a abordagem adequada de suas emoções impedirá que a pessoa, por ter cedido
demais aos outros, volte sua raiva sobre si mesmo num processo de
autodestruição e diminuição de sua auto-estima.
61
Emoção e Comportamento Social - parece que o comportamento
social do indivíduo está diretamente relacionado com suas emoções sociais. Um indivíduo com cérebro íntegro reage aos estímulos sociais produzindo emoções sociais e os sentimentos e comportamentos correspondentes. Existem dados concretos mostrando que fica prejudicada a
conduta social quando há defeito na produção destas emoções.
Damásio (2004), constatou que indivíduos inteiramente normais,
com comportamentos sociais compatíveis com as normas e convenções
do meio em que vivem, perdem a capacidade de governar suas vidas
depois de sofrerem lesões cerebrais em certas regiões cujos funcionamentos são necessários para a ocorrência de emoções e sentimentos
sociais, como na parte ventromedial ou lateral direita do lobo frontal.
O entendimento da situação destes pacientes passa pela compreensão de suas emoções sociais, pois há defeitos em suas elaborações,
que comprometem suas decisões. Se não há produção destas emoções,
herdadas da evolução biológica, elas não podem ser utilizadas como
respostas a estímulos emocionalmente competentes vindos do meio social. A pessoa torna-se incapaz de responder adequadamente nas interações sociais e não pode ter os sentimentos correspondentes.
Havendo lesão do lobo frontal fica comprometida principalmente a
capacidade de decidir: o indivíduo perde a competência para conduzir
adequadamente as relações sociais e tem dificuldade para decidir em
quem confiar ou não. Não sabe avaliar o que é socialmente permitido,
passa a não observar certas convenções sociais e com seu comportamento inadequado rompe contratos sociais que respeitava. Podem dissolver-se casamentos, deteriorarem-se relações familiares entre pais e
filhos e levar muitos a perda de emprego. Há modificações da personalidade, embora permaneçam as aptidões necessárias para realizar determinadas tarefas e ter as recompensas financeiras devidas. O comportamento passa a ser imprevisível e não confiável,ficando comprometida a
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capacidade de planejar, tanto a imediata quanto a futura, particularmente
a financeira, podendo o indivíduo ter descontrole de sua vida financeira.
Perde a capacidade de fazer empatia e não consegue mais compreender outras pessoas, mesmo aquelas com as quais convivia. Os relacionamentos ficam difíceis: um paciente que dava tratamento carinhoso
à esposa mudou completamente a conduta depois da lesão e outro que
gostava de aconselhar bem aos amigos perdeu esta capacidade. Estes
doentes conservam o QI, que pode ser bastante elevado, não tendo dificuldade para resolver problemas lógicos. O problema é emocional e sentimental. São capazes de resolver problemas sociais teoricamente e de
apontar soluções adequadas, pois conservam a compreensão intelectual. Mas não são capazes de resolver problemas da vida real, face à incapacidade de compreensão humana.
Experiência bem sucedida em Educação das Emoções
Em 1998, foi concebido e implantado por Santos (2000), um Programa de Educação das Emoções, no Colégio Águia, em Salvador, Bahia, após uma fase preliminar de sensibilização e conscientização do
corpo docente e técnico pedagógico do estabelecimento, com o objetivo
de fazer uma experiência educacional com base nos princípios e fundamentos teóricos do Paradigma de Educação das Emoções.
Do programa participaram professores, orientadores educacionais,
supervisores pedagógicos e alunos do colégio, da primeira à oitava séries do ensino fundamental e da primeira e segunda séries do ensino
médio. As atividades desenvolvidas foram eminentemente práticas, com
grande aceitação dos alunos, que inclusive chegaram a elaborar e encenar peças teatrais.
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As etapas cumpridas foram as seguintes: inicialmente, foi ministrado
uma capacitação em Psicologia das Emoções, por psicólogo especializado, do qual participaram professores e o corpo técnico administrativo.
Foram elaborados pelo idealizador do projeto manuais para serem utilizados como textos básicos pelos participantes do programa: de introdução à educação das emoções, da autoconsciência, controle da raiva,
como lidar com o medo, como lidar com a tristeza, como lidar com o estresse, da comunicação e do relacionamento.
O programa contou com o apoio e a colaboração dos professores,
que foram seus multiplicadores, tendo sido elaborado um Compromisso
de Convivência, com participação dos alunos e que passou a ser utilizado pela comunidade escolar. Com pequena variação de uma classe de
alunos para outra, no Compromisso os alunos se comprometem a não
praticar ações que prejudiquem a si mesmos ou a qualquer pessoa da
escola, nem a seus patrimônios; respeitar a si mesmo e aos outros, e
não fazer criticas depreciativas a seus colegas; ter em mãos o material
didático de apoio necessário para participar das aulas; resolver as tarefas de casa no tempo aprazado; entrar na sala de aula imediatamente
após o toque da sineta; não perturbar o funcionamento da sala de aula;
não dificultar o livre trânsito nas dependências do colégio; participar da
solução de problemas que porventura surjam durante o funcionamento
da classe; ausentar-se da sala de aula somente por motivo justificado e
devidamente autorizado pelo professor (SANTOS, 2000: 64).
A avaliação mostrou bons resultados no controle da disciplina, através de ações como a implantação do Conselho de Turma, eleito democraticamente no início do ano pelos alunos da classe. Dentre outras tare-
64
fas,o Conselho era responsável pela punição daqueles que transgredissem o Compromisso de Convivência.
É sabido que os resultados de um programa de educação das emoções surgem a médio e longo prazo, porém foram detectados a curto
prazo indicadores que apontavam concordância com resultados registrados na literatura existente. Segundo Santos (2000: 243), a experiência
do Colégio Águia deu bons resultados, com diminuição das transgressões disciplinares e outros indicadores como:
• desenvolvimento da capacidade de analisar a autoconsciência,
com conseqüente melhoria do autoconhecimento;
• melhoria da competência emocional, avaliada pelo aumento da ca-
pacidade dos alunos para identificar suas emoções;
• desenvolvimento da empatia, avaliada pela capacidade de identifi-
car as emoções nos colegas;
• melhora do autocontrole dos impulsos, avaliado pela diminuição do
número das punições;
• melhor relacionamento social, avaliado por uma maior participação
nas atividades grupais;
• mais envolvimento com os colegas;
• melhor comportamento;
• mais positiva ligação com a escola..
65
66
3.
Autoconsciência
O que temos em nossa Mente
A autoconsciência é a percepção e a compreensão das informações que
temos de nós mesmos, segundo Weisinger (1997).Na autoconsciência a
mente observa e investiga todas suas próprias experiências, sem se
deixar influenciar pelas emoções, devendo registrar as observações de
tudo que se passa de modo neutro e imparcial, sem fazer nenhum julgamento. A atenção testemunha o que está ocorrendo sem interferir nos
pensamentos, emoções, sentimentos, sensações corporais, desejos,
intenções, atitudes e atos. Da mesma forma que registra alegria, tristeza, felicidade ou desespero, registra também a presença do som de um
violino ou guitarra, a visão de um pássaro voando, o cheiro de um perfume, uma dor de cabeça, o gosto ácido de um limão ou o desejo de
beber água.
Os elementos da autoconsciência são: pensamentos e avaliações,
sentimentos e emoções, sentidos (visão, audição, tato, olfato, gosto),
atenção, desejos e intenções, atos. Ela é o ponto de partida para o controle das emoções e uma evidência que os circuitos neurológicos do
cérebro detectam suas presenças e que pode interferir nelas, atuando
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sobre o componente relacionado com o pensamento. É uma aptidão
fundamental para o processo da educação das emoções pois é a base
do autocontrole.
Segundo John Mayer, psicólogo americano especializado em emoções, reconhecer raiva, medo ou tristeza ou um estado de espírito negativo
relacionado a estas emoções, já significa querer livrar-se dela ou deste estado de espírito. O reconhecimento de que “estou sentindo raiva” abre para
a pessoa duas possibilidades: a de não agir sob sua influência ou procurar
livrar-se dela (GOLEMAN,1996).
Como percebemos as emoções
Mayer considera três tipos de pessoas quanto à autoconsciência:
autoconscientes, mergulhadas e resignadas. As autoconscientes são
conscientes de seus estados de espírito e de suas emoções na hora em
que ocorrem. Se está com raiva tem conhecimento que está com ela na
hora e por isso tem capacidade de sair dela mais rapidamente. A vigilância sobre si mesmo ajuda a administrar melhor as emoções. As mergulhadas são pessoas prisioneiras de suas emoções e por elas dominadas.
É como se o comando de suas vidas estivesse nas mãos de seu estado
de espírito ocasional e não têm muita consciência de suas emoções achando que não podem ter maior controle sobre suas vidas emocionais,
sentindo-se emocionalmente descontroladas. É o caso de alguém que
tem medo de muitas coisas ou vive permanentemente enraivecido mas
que não está consciente de que seu problema é de natureza emocional
(GOLEMAN,1996).
As resignadas têm percepção clara de seus estados emocionais
mas tendem a aceitá-los e não fazer nada para mudá-los. É o caso de
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uma pessoa triste e deprimida que não busca nem quer ajuda, pois acha
que isto faz parte de seu destino.
Em qualquer um dos tipos considerados é de muita valia a percepção da autoconsciência através de técnicas apropriadas. No caso das
autoconscientes, elas se tornarão mais competentes emocionalmente do
que já são e as resignadas e mergulhadas terão melhor conhecimento
de suas emoções e estarão assim aptas a melhor administrá-las e a
seus estados de espírito.
Quanto à intensidade com que as pessoas sentem suas emoções,
Edward Dianer considera dois tipos. Num extremo as que sentem pouco
suas emoções e são calmos em suas reações e no outro aqueles que
reagem com grande intensidade a elas. Relata o caso de um universitário que diante de um incêndio em seu apartamento foi buscar um extintor
de incêndio e voltou com ele nas mãos, andando. No outro extremo relata o caso de uma mulher que ao ver o anúncio em um jornal de uma
liquidação de uma cara loja de modas entrou no carro e viajou durante
três horas para fazer compras. No terreno da doença há os que têm dificuldade para exprimir emoções e até mesmo para senti-las: têm autoconsciência emocional precária pois não sabem precisar seus sentimentos e emoções (GOLEMAN,1996).
Quanto maior a autoconsciência maior será a possibilidade de conhecermo-nos melhor e podermos influenciar nossas ações de modo
que elas sejam benéficas a nós e aos parceiros sociais. Com maior autoconhecimento teremos melhores condições para controlar nossas emoções e acalmar uma pessoa com descontrole emocional, a nos comunicarmos com os outros de modo eficiente, a ajudar a resolver conflitos e fazermos automotivação.
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Para termos uma idéia do quanto pouco conhecemos a nós mesmos, veja o seguinte exemplo: alguém vai à praia e, dentre outras pessoas que lá estão, vê uma muito bonita. Gosta dela e resolve “dar em
cima”, Aproxima-se e começa a conversar.
Veja o que ocorreu na sua autoconsciência, que lhe passou despercebido: sua visão lhe informou da presença de muita gente na praia,
inclusive da pessoa que gostou; sua atenção, farol que ilumina as personagens da nossa mente, fez com que seu olhar se fixasse nela; seu
pensamento analisou o corpo dela, seu rosto, seu modo de sorrir e fez
uma avaliação, concluindo que ela era muito bonita; surgiu o desejo de
namorá-la e a intenção de executar este desejo; decidiu dirigir-se para
ela e executou sua decisão andando em sua direção a ela e sentando-se
para conversar. Segundo Assaglioli (1993), as etapas da intenção, decisão e de execução do ato, fazem parte do ato da vontade.
A autoconsciência é de extrema importância na abordagem da raiva e da preocupação crônica. Na raiva, se a pessoa for autoconsciente e
vigilante de seus pensamentos aos primeiros sinais de irritação mental
poderá desencadear os mecanismos de controle, a nível mental e corporal. Assim os efeitos da emoção serão minimizados e ela não se entregará às explosões de raiva que só conduzem a problemas de relacionamento, podendo culminar com violência física.
No caso da preocupação é através da autoconsciência que a pessoa pode se conscientizar dos pensamentos preocupantes desde o início, impedindo-os de crescerem em espiral, que é a tendência natural,
aumentando-a cada vez mais. Se ela deixar a preocupação instalar-se
outros pensamentos negativos se somarão aos iniciais agravando cada
vez mais a ansiedade que cursa normalmente com o medo. É importante
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identificar logo no início a preocupação e procurar atuar sobre ela usando técnicas de relaxamento que podem surtir bons efeitos ou a contestação ativa através de reflexões.
Não devemos esquecer que grande parte de nossos problemas
somos nós mesmos que criamos em nossas mentes. Fazendo uma análise das nossas últimas preocupações veremos que muitas delas não
tinham fundamento por isso não devemos entregar-nos a elas, nem ficar
ruminando-as.
Como pensamos
Para Weisinger (1997), existem quatro tipos básicos de pensamentos: o lógico, racional, reflexivo; os desordenados, aleatórios; os automáticos e os diálogos internos.
Pensamento racional: o pensamento racional e reflexivo é o pensamento lógico, feito mediante as leis e regras da lógica formal, que visa
o pensamento estar sempre de acordo consigo mesmo. Nele partimos
de determinadas premissas, de determinadas afirmações e tiramos conclusões coerentes com elas. Por exemplo: Raimundo é irmão de Helena
e Helena é filha de Eduardo, logo Raimundo é filho de Eduardo. Este
pensamento é usado usamos quando estudamos matemática, ciências
naturais, etc.,quando queremos convencer outra pessoa ou quando queremos convencer a nós mesmos para fazer ou não alguma coisa.
Reflexão construtiva: o pensamento racional é a base da reflexão
construtiva, extremamente importante nas nossas vidas por serem a
base do planejamento do que faremos no futuro. A reflexão construtiva
permite a análise antecipada de problemas e situações do futuro e a
busca de soluções adequadas.
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O problema está quando surge o medo e a reflexão construtiva
transforma-se em preocupação e junto com ela uma carga de ansiedade
que força a mente a fixar-se em determinada ameaça, real ou aparente.
A mente pode fixar-se obsessivamente nesta ameaça,e surgir um componente pessimista do pensamento, que “nada vai dar certo”, que “tudo
vai se acabar” e de que “virá uma catástrofe na vida”. Por tudo isso devemos estar atentos a nossas preocupações, pois elas escondem um
medo por trás delas, devendo ser combatidas com reflexões construtivas, realistas e positivas.
Pensamento aleatório ou desordenado: faça a seguinte experiência: vá para seu quarto e sente-se confortavelmente em uma cadeira
ou deite-se na cama. Feche os olhos durante cinco minutos, não deixe
ninguém lhe incomodar e fique prestando atenção a seus pensamentos.
Pensará sobre assuntos diferentes, um após o outro; na pessoa de
quem gosta, no amigo, família, pais, irmãos, etc. Não há uma lógica entre um pensamento e outro que ocorrerão ao acaso, desordenadamente.
Pensamentos automáticos: são pensamentos irracionais que ocorrem espontaneamente em nossa mente. São ligados às emoções e
expressam a intensidade delas. Por exemplo, quando estamos com raiva de alguém podemos pensar “Vou enforcá-lo”, ou “Vou matá-lo” e assim por diante, pensando coisas que jamais pensaríamos se estivéssemos emocionalmente equilibrados. São pensamentos ilógicos nos quais
tendemos a acreditar e que podem gerar outros pensamentos automáticos. Veja o exemplo de pensamentos automáticos que podem ocorrer
na cabeça de um aluno que é encaminhado para a Supervisão ou a Diretoria por estar brincando durante a aula:
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“Agora estou perdido, para que fui brincar na aula”. E continua:
“Serei suspenso”. E mais: “Se não fizer as provas tirarei nota zero e meu
pai vai brigar comigo e vai cortar minha mesada”. E assim por diante. Na
realidade são pensamentos automáticos irracionais desencadeados pelo
medo que podem desencadear percepção distorcida da realidade e servir de base para novos pensamentos automáticos e para novas avaliações distorcidas, cada vez mais distantes da realidade.
Vejamos o desfecho da situação vivida pelo aluno: na Supervisão,
por ter cometido uma transgressão disciplinar simples, uma brincadeira
sem maiores conseqüências, ele foi simplesmente advertido verbalmente. Seus pensamentos automáticos fizeram uma tempestade em um
copo de água...
Diálogos internos: são conversas interiores que temos conosco
mesmos que podem preceder, acompanhar ou seguir-se às nossas emoções e são importantes na formação de nossas experiências emocionais. É o caso de alguém que teve desentendimento com um amigo e
ficou irritado, mas em vez de entregar-se à raiva e agredi-lo pensou consigo mesmo: “se eu me entregar à minha raiva e der um murro nele isto
não vai resolver o problema. Muito pelo contrário, vai ser pior para mim
porque vou perder o amigo. É melhor eu esfriar a cabeça e conversar
com ele depois”.
No diálogo interno o eu racional conduz a situação de forma equilibrada, com bom senso. Às vezes o eu emocional dialoga com o eu racional, tentando convencê-lo a praticar uma ação mais rápida e mais
violenta, sendo repelido pela razão.
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Como ampliar a Autoconsciência
Podemos ampliar a autoconsciência das seguintes formas:
Promover sempre um diálogo interno consigo mesmo: podemos
ampliar nossa autoconsciência em relação a nossos pensamentos e avaliações promovendo um diálogo interno conosco mesmos. Por exemplo,
podemos dizer a nós mesmos o que achamos do resultado da última
prova de Matemática, se nos saímos bem e em que podemos melhorar.
Podemos analisar nosso relacionamento com nossos pais, amigos e irmãos, procurando ver onde podemos melhorá-lo. Devemos procurar ver
como nos posicionamos diante das coisas – se é de modo otimista achando
que as coisas vão dar certo em nossas vidas ou de modo pessimista, achando que as coisas vão dar errado e que a culpa é nossa.
Refletir depois de encontros: principalmente se houve desentendimentos com outras pessoas, devemos pensar sobre as causas do desentendimento e de nosso comportamento.
Ouvir outras pessoas: é uma boa norma saber o que outras pessoas pensam de nosso comportamento. Não que devamos mudar simplesmente porque ela acha que estamos errados. Mas para poder avaliar
melhor a situação, pois podemos chegar à conclusão que estamos errados depois de refletirmos sobre as opiniões dos outros.
Prestar atenção aos sentidos - nossos sentidos, visão, audição,
tato, olfato e gosto, são presentes que a natureza nos deu para podermos saber o que se passa em nossa volta. Através deles recebemos
informações sobre o mundo e eles devem ser devidamente utilizados,
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para que obtenhamos informações sobre nós mesmos, sobre outras
pessoas e sobre as coisas. Para treinar e exercitar os ouvidos, devemos
ouvir os sons percebidos atenciosamente, principalmente quando estivermos escutando música. Procurar identificar cada instrumento que
está sendo tocado, o violão, o pandeiro, a cuíca, o tamborim em um
samba e na música clássica, o violino, piano, violoncelo, trompa, etc.
Para exercitar o olfato identificar o maior número possível de odores ao andar na rua, no campo ou na praia. Prestar atenção ao gosto dos
alimentos em vez de comer apressadamente e identificar o sabor da carne,
peixe, galinha, cenoura, alface, tomate, arroz, pizza, etc. Prestar atenção a
nossa respiração, se ela está normal ou apressada, às batidas do coração, ao tom de voz, se ele está alterado ou não. Para exercitar a visão
prestar atenção no que vemos, em suas formas e cores.
Identificar nossas intenções: nossas intenções são expressões
de nossos desejos e se soubermos o que realmente desejamos, poderemos utilizar esta informação para melhor planejar nossas ações. É
importante que sejamos honestos conosco mesmos e procuremos saber
o que realmente queremos.
Prestar atenção aos sentimentos e emoções: devemos identificar as emoções e sentimentos do momento, para não agir impulsivamente
e ter problemas desagradáveis, principalmente no caso da raiva. Mesmo
no amor e na alegria é bom termos consciência que estamos agindo movido por eles, que muitas vezes devem ser controlados.
Prestar atenção aos nossos atos: devemos estar conscientes
das conseqüências de nossos atos pois às vezes um ato impensado, um
gesto áspero, uma voz mais elevada pode trazer conseqüências negati-
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vas para nossos relacionamentos com pais, irmãos, amigos e outras
pessoas, que pode se sentir ferida, humilhada e magoada. Nossa atenção deve estar voltada para o modo de falar e para a linguagem corporal,
que pode dizer muito mais que as próprias palavras. Falar em voz alta e
alterada pode ser interpretado como agressão pela pessoa com quem você
está conversando. Falar com cara enfezada, amarrada leva o outro a ficar na
defensiva ou a partir para a agressão verbal.
Para acompanhar sua Autoconsciência: faça a si mesmo as seguintes perguntas pela manhã e à noite, todo dia:.que emoções e sentimentos tenho agora? Que estou desejando agora? Quais informações
estou tendo agora de meus olhos, ouvidos, olfato, gosto e de meu tato?
Que avaliação estou fazendo agora e sobre que assunto? Que ação estou
praticando agora?
Relaxamento e autoconsciência
As técnicas de relaxamento são recursos importantes para a obter
autoconhecimento, pois durante o relaxamento muscular há quietude da
mente que permite melhor concentração da atenção e facilitando a análise do conteúdo mental. Durante o relaxamento podemos contemplar
calmamente nossos pensamentos, sentimentos, emoções, desejos e
intenções e o que se passa em nosso corpo: o que ouvimos, os odores
que nos chegam, o que vemos, etc.
Podemos experimentar sensações novas nunca tidas antes: de
peso, de calor, de frio, etc. No Treinamento Autógeno o praticante sente
peso e calor nos braços e pernas com ampliação da sua consciência.
Segundo Herbert Benson, professor da Faculdade de Medicina de Har-
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vard, durante o relaxamento há estimulação do parassimpático que leva
a diminuição do número de batimentos cardíacos e o coração bate mais
devagar. A respiração fica mais lenta, pois diminui a freqüência dos movimentos respiratórios, diminui a quantidade de oxigênio consumida pelo
corpo, a tensão muscular fica abaixo dos níveis de repouso e diminui a
pressão arterial em algumas pessoas. No registro da atividade elétrica
cerebral há maior quantidade de ondas cerebrais mais lentas, as ondas
alfa , beta e teta.(GOLEMAN,1997)
Segundo Benson a continuidade da prática do relaxamento pode
proporcionar sensação de maior controle sobre a vida e que as emoções
podem ser controladas. Não se deve esperar que estas mudanças ocorram imediatamente, podendo levar semanas ou meses para aparecerem, sendo preciso disciplina e perseverança para obter bons resultados. Ao praticar relaxamento, se sentir medo quando fechar os olhos,
praticá-lo com os olhos abertos, olhando de modo descontraído para um
quadro ou um objeto qualquer. Não há efeitos colaterais para a esmagadora maioria das pessoas, sendo que algumas podem lacrimejar ou ter
sensação de peso e calor nas mãos e pés.
Na Faculdade de Medicina de Harvard, no Mind / Body Medical
Institute, o relaxamento é utilizado para ajudar as pessoas, especialmente os jovens adolescentes alunos do segundo grau, na administração do
estresse e da ansiedade. Benson, mentor do programa, acredita que ele
possa ajudar a prevenir o comportamento violento e autodestrutivo entre
os jovens, como o suicídio (que cresce assustadoramente entre eles) e a
desenvolver habilidades que lhes permitam conviver com o estresse pelo
resto de suas vidas. As técnicas de relaxamento são úteis no controle da
raiva e preocupações.
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Descreveremos uma técnica utilizada no programa acima referido,
com modificações ditadas pela experiência pessoal do Autor deste livro
ao longo de dezenas de anos de prática. Ela é baseada em técnicas de
relaxamento utilizadas há milênios pelos orientais.
Técnica de Relaxamento - os passos são os seguintes:
• Escolher uma palavra ou uma frase, um mantra que tenha significado para você: pode ser paz, amor, ou um simples número (um) ou
uma frase como “estou tranqüilo”.
• Sentar-se em posição confortável, com a coluna ereta e fechar os
olhos. Soltar o corpo e relaxar os músculos.
• Respirar naturalmente, lentamente, sem interferir na respiração,
sentindo o ar entrar e sair livremente nos pulmões.
• Repetir a palavra ou a expressão escolhida toda vez que expirar,
sem se preocupar com nada. Concentrar a atenção exclusivamente na
palavra escolhida.
• Se vierem pensamentos intrusos, afastá-los delicadamente, voltando a concentrar-se na palavra escolhida.
• Começar com 10 a 20 minutos e depois aumentar o tempo, até
quando se sentir bem. Praticar uma a duas vezes por dia, de preferência
na mesma hora e no mesmo local.
Para conhecer nossas emoções algumas maneiras podem ser utilizadas para entrarmos em contato com nossas emoções, dentre elas
meditação, oração, elaboração de um diário de emoções, tocar instrumento musical, pintar ou desenhar.
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Meditação
A meditação é definida por Sadu (1995) como direção ativa, constante da consciência para um tema escolhido ou objeto sem qualquer
desvio ou omissão, mantendo-o diante da mente pelo tempo necessário.
A finalidade de todas as meditações é a mesma, de obter a quietude da
mente através da concentração. Variam as técnicas a depender das posições filosóficas, no taoísmo, budismo, zenbudismo ou hinduísmo.
Durante a meditação diversas alterações físicas ocorrem. A pulsação e a respiração ficam mais lentas, diminui o consumo de oxigênio,
diminui a pressão sangüínea e há sentimento de bem-estar . A psiconeuroimunologia mostrou que o cérebro e o sistema imunológico constituem
um sistema integrado, havendo uma interação entre eles. A meditação,
o relaxamento e as imagens mentais positivas estimulam a produção de
linfócitos, células sangüíneas brancas importantes para a defesa organismo humano.
Após alguns minutos do início da prática da meditação há sensação de relaxamento ficando o corpo descontraído e pesado. Há falta de
clareza e vivacidade da mente, sentindo-se uma letargia. Recentemente
a farmacologia explicou tais fenômenos mediante a descoberta das endorfinas, que são substâncias opiáceas produzidas pelo cérebro humano
em condições especiais, verdadeiras morfinas endógenas. São mediadores químicos que exercem ação analgésica e sobre a consciência
porque se ligam aos receptores “opiáceos”, semelhantemente à morfina
e à heroína.
Meditação Hinduísta - Sai Baba (1993) recomenda que se reserve uns poucos minutos no início de cada dia para a prática da meditação, preferencialmente nas horas que antecedem a aurora. Pode-se
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utilizar uma lamparina ou uma vela com luz interna, com uma chama
firme e reta. Deve-se sentar em qualquer asana (posição) confortável,
sobre uma almofada ou uma tábua, nunca sobre o chão diretamente e
olhar firmemente para a chama. Depois fechar os olhos e procurar sentila dentro de si mesmo entre as sobrancelhas. Deste ponto levá-la até o
coração, iluminando o trajeto que for realizado. A seguir, imaginar a luz
mais ampla até penetrar os membros, atingindo depois a língua, ouvidos
e cabeça, espalhando-se a seguir em volta. Repetir isto todo dia, preferencialmente na mesma hora, de forma sistemática.
Meditação budistaSegundo Zwearer (1973), pode ser feita a Meditação da Mente Alerta, chamada de meditação Vipassana na tradição budista, ou a Meditação Concentrativa denominada de meditação Samatha na referida
tradição.
Meditação Concentrativa: os passos são os seguintes • Sentar-se em posição confortável, a coluna ereta e fechar os olhos. Soltar o corpo e relaxar os músculos.
• Respirar naturalmente sem interferir na respiração, prestando atenção na entrada e saída do ar nos pulmões, observando a inspiração
(entrada do ar) e a expiração (saída do ar). Depois de identificar cada
fase, concentrar-se isoladamente em cada uma delas.
• Quando surgir pensamentos na mente, afastá-los gentilmente, retornando a atenção para a respiração. Não se preocupar com nada e
concentrar a atenção exclusivamente na respiração.
• Para ajudar a concentração contar lentamente de um a dez as
inspirações. Não é recomendável passar de dez pois pode-se perder a
concentração.
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• Outra forma de garantir concentração é prestar atenção ao movimento de subida e descida do tórax ou abdômen, repetindo “sobe –
desce”, para cada subida ou descida do tórax, ou “dentro – fora” para
cada inspiração e expiração que forem realizadas.
• Começar com 10 a 20 minutos e depois aumentar o tempo, até
quando se sentir bem. Praticar uma a duas vezes por dia na mesma
hora e local
Meditação da Mente Alerta - a meditação de mente alerta segundo o Sattipatthana Sutta, um texto budista theravada, resume-se na frase “sede atento!”, isto é, vigie sua mente. Em vez de concentrar atenção
em determinado objeto, você deixa sua mente receptiva a todo e qualquer evento que surja em sua consciência. Sua atenção deve ser receptiva. (Kabat Zinn 1990, 2001)
Segundo Zwearer (1973), os passos são os seguintes:
• Sente-se em posição confortável, com a coluna ereta e feche os
olhos. Solte o corpo e relaxe todos os músculos.
• Respire naturalmente, sem interferir na respiração. Sinta o ar entrar e sair livremente nos pulmões.
• Quando surgir qualquer pensamento, emoção, sentimento ou sensação em sua mente você não deve se fixar em nenhum deles. Acompanhe o
aparecimento, a duração e a extinção de cada um.
• Não faça nenhuma avaliação do que surgir, se é bom ou ruim,
agradável ou desagradável. Simplesmente contemple o que surgir durante suas curtas permanências na mente e em suas substituições por
outros que os sucedam.
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Pode ocorrer após a concentração na respiração, que você ouça o barulho de um carro, depois o latido de um cachorro, o choro de uma criança,
a discussão de um casal, as batidas de um martelo. Pode sentir a picada de
uma formiga, lembrar-se de um fato agradável, recordar-se de um filme,
sentir boca está cheia de água ou as pernas e braços pesados, perceber
que teve de encheu o peito de ar.
De repente você se lembra que tem que pagar uma conta amanhã e
fica preocupado porque não tem dinheiro, depois se lembra de uma briga
que teve com um amigo e fica com raiva dele, e assim por diante. O importante é você não se fixar em nada percebido e deixar as percepções chegarem e irem embora, sem julgar nada.
A meditação é um dos meios mais efetivos para o autoconhecimento emocional e abre as portas para o autocontrole das emoções dos
sentimentos e dos pensamentos associados daí sua importância no controle dos sentimentos. Não se deve esperar controlar o nascimento dos
sentimentos através da meditação pois isto não é possível. Podemos
controlar suas expressões, o que é um grande avanço
O Efeito da Música
Segundo Watson (1990), existem evidências experimentais que a
música pode produzir relaxamento muscular, estimular o hemisfério cerebral direito e harmonizar as atividades de ambos os hemisférios e pesquisa feita por Helen Bonny, do Institute for Counsciousness and Music,
constatou que músicas de compositores clássicos, Bach, Haydin, Vivaldi,
Debussy e Bizet, produziram redução mensurável da pulsação e efeitos
positivos sobre depressão e ansiedade. Refere que o interesse do efeito
da música sobre as emoções é antigo e que em 1937, Kate Hevner, no
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The American Journal of Psycology, sugeriu uma classificação da música e poesia em oito pontos, levando em consideração seus efeitos sobre
o estado de ânimo do ouvinte: solene e sagrado, triste e dolente, terno
e sentimental,quieto e calmante, vivaz e brincalhão, alegre e feliz, eufórico e excitante e vigoroso e majestoso.
O efeito da música sobre a mente depende da constituição psicofisiológica de cada ouvinte e para determinada pessoa depende do estado emocional no momento. Uma música pode ser agradável para uma
pessoa e ser irritante para outra, como o rock e música baiana tipo axé.
E para uma mesma pessoa, em determinado momento pode ser agradável ouvir uma música de ritmo mais acelerado e em outro momento só
ser agradável uma música mais melodiosa e lenta .
Quando a pessoa está apaixonada a música mais agradável é a
romântica que ela ouve lembrando a pessoa querida. Em alguns casos,
quando os ouvintes são especialmente sensíveis, alguns tipos de música
podem causar problemas sérios de saúde. Assagioli (1992) refere que
Hastings, em seu estudo “Musicogenic Epilepsy” menciona 20 casos, 11
dos quais eram seus pacientes que tiveram crises de epilepsia precipitadas pela música. Na mesma obra Assagioli considera que concertos
musicais extensos podem causar efeitos maléficos ao ouvinte.
Músicas melancólicas e depressivas podem levar tristeza e amargura e não devem ser ouvidas na tristeza e depressão, como os “Noturnos” e a “Marcha Fúnebre” de Chopin, além de muitos adágios e partes
muito lentas de diversos concertos. Contra depressão, tristeza, desalento e pessimismo a música alegre e vivaz atua como antídoto, como por
exemplo as músicas de Bach, Mozart, Haydin e outros, além das músicas populares alegres que levantam o estado psicológico das pessoas.
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Músicas frenéticas ouvidas em altos volumes podem ser maléficas para
o equilíbrio emocional das pessoas e induzi-las à violência.
Nos últimos anos surgiu a música new age baseada na possibilidade de alterar o estado de espírito do ouvinte induzindo estados alterados da consciência e expandindo-a. Ela é muito melodiosa e usada para
relaxamento e meditação, acreditando Watson que ela só seja útil como
ponto de partida para iniciar o relaxamento e a meditação.
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Diário das emoções
Gottman (1997) aconselha fazer um diário da emoções para realizar autoconhecimento emocional pois a pessoa se conscientizará delas .
Para ele identificar e escrever sobre as emoções ajuda a controlá-las e
propõe o seguinte modelo para ser diariamente preenchido:
Fig 1.5 Diário das Emoções
Emoção
Felicidade
Nojo
Medo
Desprezo
Orgulho
Desejo
Amar
Ser amado
Gratidão
Tensão
Mágoa
Tristeza
Irritação
Raiva
Compaixão
Desgosto
Culpa
Inveja
Arrependimento
Vergonha
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
Dom
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4.
Emoções Positivas
A Psicologia Positiva
Durante seus primeiros cem anos de existência, a Psicologia focalizou sua atenção no sofrimento humano, buscando compreender suas
origens e causas. Pesquisou modos de amenizar o padecimento dos
pacientes, sob a forma de técnicas de psicoterapia ou utilização de medicamentos. Centrou suas atenções na doença mental, no alívio do sofrimento e no conhecimento das desordens psicológicas, na depressão,
esquizofrenia, alcoolismo, síndrome de pânico e outras doenças e encontrou formas efetivas de aliviá-las e controlá-las.
A Psicologia Tradicional não se preocupou, nem se esforçou para
compreender situações em que o ser humano tem bem estar se sente
feliz e percebe que viver vale a pena. Não se preocupou com a sanidade
humana, com o estudo de situações em que o homem sente que a vida
pode ser vivida mais plenamente, cheia de significados e propósitos e
que nossas ações existenciais podem ser inseridas harmonicamente em
um contexto mais amplo, em uma rede maior de acontecimentos, com
uma finalidade maior, transcendendo a nossa própria existência.
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Enquanto a Psicologia Tradicional se preocupou, se preocupa e alcançou bons resultados em melhorar o sofrimento humano, a Psicologia
Positiva, nova corrente do pensamento psicológico, se preocupa em criar
meios para aumentar os momentos em que o homem sente que a vida
vale a pena de ser vivida e acha que a pessoa pode ter mais momentos
de bem estar e felicidade no seu dia a dia e procura aumentar a quantidade e a qualidade destes momentos
A Psicologia Positiva, termo criado por Martin Seligman, aspira corrigir os rumos da Psicologia Tradicional. Acredita que as pessoas querem
e necessitam de algo mais, além de aliviar ou acabar com seus sofrimentos – elas querem encher suas vidas com significados e propósitos. Ela
não pretende substituir a Psicologia Tradicional e quer acrescentar novas
perspectivas à abordagem da mente e do comportamento humano relacionadas com o bem estar.
Surgida em 1998, a Psicologia Positiva procura, dentro de uma
perspectiva científica, que a pessoa alcance os seguintes objetivos, segundo Seligman (2004):
• entender e aprender a lidar com as emoções positivas voltadas para o passado: Satisfação, contentamento, orgulho, serenidade, realização e outras;
• entender e aprender a lidar com as emoções positivas voltadas para o presente: prazeres físicos ligados aos sentidos (tocar, sentir o gosto
de alguma coisa, sentir cheiro de algo, movimentar o corpo, enxergar as
coisas), sentir alegria, calma, entusiasmo, animação, orgasmo, deleite,
gozo.
• Experimentar estados de Fluxo, que são atividades que nos dão
elevado nível de satisfação, duram mais que os prazeres e nos envolvem
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completamente. Neles perdemos a noção da realidade e o tempo passa
rapidamente, como por exemplo ler um bom livro, bater um bom “papo”,
jogar baralho, velejar, surfar, escalar uma montanha, dançar e praticar
esportes.
• Entender e aprender a lidar com as emoções positivas voltadas para o futuro: fé, esperança, confiança e otimismo;
• Cultivar as virtudes humanas: saber e conhecimento, coragem,
amor e humanidade, justiça, moderação e transcendência.
• Desenvolver as forças psicológicas pessoais ligadas às virtudes
- Ligadas ao saber e conhecimento – curiosidade, gosto pela aprendizagem, pensamento crítico, estabelecimento de critérios, habilidade,
inteligência prática, inteligência emocional, inteligência social, inteligência
pessoal em relação a seus sentimentos, perspectiva;
- Ligadas à coragem – bravura e valentia, perseverança, dinamismo,
integridade, autenticidade, honestidade;
- Ligadas ao amor e humanidade – bondade, generosidade, amar e
aceitar ser amado, compaixão;
- Ligadas à justiça – cidadania, cumprimento do dever, espírito de
equipe, lealdade, imparcialidade, equidade e liderança;
- Ligadas à moderação – autocontrole, prudência, discrição, cuidado,
humildade, modéstia;
- Ligadas à transcendência – apreciação da beleza e da excelência,
gratidão, esperança, otimismo, responsabilidade com o futuro, espiritualidade (ter crenças sólidas acerca do propósito maior e do significado do
universo, expressa em uma filosofia de vida, religiosa ou não), religiosidade, perdão e misericórdia, bom humor, animação, paixão e entusiasmo.
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• Desenvolver a competência de compreender e intensificar suas virtudes e forças pessoais e de utilizar as virtudes para o desenvolvimento
de tais forças.
Para Seligman (2004) as forças pessoais podem ser desenvolvidas
com prática, persistência, ensinamento e dedicação e podem florescer.
O exercício das forças pessoais produz emoção positiva autêntica em
quem as exerce: alegria, orgulho, satisfação, realização ou harmonia. A
Psicologia Positiva considera que o estudo da pessoa humana deve ser
inserido em um contexto mais amplo, levando em conta a família, a democracia e a liberdade e se propõe a oferecer uma orientação para alcançar aquilo que Aristóteles chamou de “vida boa”. Aponta caminhos
para chegar à vida significativa e à vida plena, e entende que a felicidade
pode aumentar e se estender, na medida em que a pessoa seja adequadamente orientada.
Psicologia Positiva e o Freudismo
A Psicologia Positiva defende a crença de que a felicidade ou qualquer motivação humana positiva pode ser autêntica, pode partir do âmago da natureza humana.
Seligman (2004) denomina de “dogma imprestável”, a crença negativa sobre a natureza humana, encontrada em diversas culturas e combate tal doutrina. Considera que a doutrina do pecado original é a mais antiga manifestação do dogma imprestável, e que ela foi introduzido na
psicologia no século XX por Freud, ao definir alguns aspectos da civilização ocidental como a religião, ciência, moralidade e progresso tecnológi-
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co sob a forma de defesas elaboradas contra conflitos humanos básicos
ligados à agressão e à sexualidade infantil.
Na visão freudiana, nós “reprimimos” estes conflitos por causa da insuportável ansiedade que eles nos causam, ansiedade esta que se
transforma em energia e funciona como o motor de nossos comportamentos. Para Freud, nossas ações, inclusive aquelas com grande significado moral, baseadas na justiça, bondade, generosidade e compaixão,
não seriam genuínas, verdadeiras, autênticas. As boas ações, eticamente convalidadas, não seriam geradas no âmago de nossa personalidade.
Elas não seriam autênticas e teriam como último fundamento a ansiedade gerada pela repressão de nossos conflitos existenciais, em vez de se
originarem de modo autêntico em nossas virtudes e forças pessoais.
Para o freudismo, nosso trabalho produtivo social não seria decorrente de nossas virtudes e forças pessoais, mas o resultado da repressão de impulsos homicidas e violentos – o livro que você escreve, o quadro que você pinta, a aula que você dá, enfim, tudo aquilo que você faz
com amor, carinho, entusiasmo e confiança, seria uma forma de compensar seus impulsos para matar ou agredir os outros. A ação social
humanitária de uma Irmã Dulce não seria o resultado da sua bondade
intrínseca, mas sim o resultado da sublimação de seus impulsos agressivos, transformando-os em comportamentos socialmente aceitáveis. Dentro desta visão, a competitividade de um Bill Gates seria unicamente decorrente do seu desejo de superar o pai e a ação humanitária da Princesa Diana seria simplesmente o resultado da sublimação de seu ódio pelo
príncipe Charles e outros membros da realeza britânica.
Para Seligman (2004), apesar da larga aceitação do dogma imprestável no mundo religioso e secular, não existe o menor indício de que
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força e virtude tenham motivação negativa. Ele defende que a evolução
favoreceu tanto as boas quanto as más qualidades humanas e que a
adaptação às condições de vida gerou a moralidade, a cooperação, o
altruísmo e a bondade, da mesma forma que desenvolveu o assassinato,
o roubo, o estupro, a violência, o egoísmo e o terrorismo. E conclui:
“A Psicologia Positiva leva a sério a esperança
de que, caso você se veja preso no estacionamento da vida, com prazeres poucos e efêmeros, raras gratificações e nenhum significado, existe uma saída. Essa saída passa pelos campos do prazer e da gratificação, segue pelos planaltos da força e da virtude e, finalmente, alcança os picos da realização duradoura: significado
e propósito.” (SELIGMAN, 2004 p. 45)
A Psicologia Positiva busca respostas para as seguintes questões:
por que a evolução nos dotou de sentimentos positivos? Quais as funções e conseqüências dessas emoções? Quem tem emoções positivas
em abundância e quem não as tem? O que permite e o que impede estas emoções? Como integrar mais emoção positiva e estável à vida?
Acreditamos o Autor deste livro que a Psicologia Positiva é profundamente humanista e traz uma mensagem otimista de fé, confiança e
esperança no homem e no seu destino, no qual ele pode e deve interferir
enquanto sujeito. Ela acredita no ser humano, nas potencialidades de
seu caráter e de suas virtudes.
Um Paradigma Educacional fundamentado no ideário da Psicologia
Positiva muito se beneficiará com seus princípios, substituindo a visão
tradicional freudiana do homem, pela visão que a Psicologia Positiva tem
do educando. Devemos acreditar que o educando pode orientar seus
comportamentos por motivações positivas, e não pelo exercício de defesas elaboradas contra seus conflitos ligados à agressão e à sexualidade
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infantil. Devemos acreditar que o educando pode praticar ações motivadas por suas emoções, forças pessoais e virtudes autênticas, genuinamente nascidas no âmago de sua personalidade, e que ele pode ser
genuinamente bom.
Estado de Fluxo
Ao estado de consciência oposto à desordem mental, Seligman
(2004) denomina Gratificação e Csikszentmihayi (1996a) de Experiência
de Fluxo, Experiência Ótima ou Fluxo. Este estado é alcançado quando
todos os conteúdos da consciência se encontram em harmonia entre si e
trabalham para alcançar as metas definidas pelo self. Se isto ocorre a
pessoa sente satisfação, tem grande concentração na atividade e o tempo passa rapidamente.
O fluxo surge geralmente quando é executada uma atividade que
dá muita satisfação e seja um desafio. Para vencer as dificuldades, a
pessoa tem de empenhar-se bastante e colocar em prática as habilidades necessárias para vencer o obstáculo.Uma característica do fluxo é
que a meta desejada exija grande atenção e a pessoa se concentrar
totalmente nela, desaparecendo a consciência do “eu”. A meta deve ser
claramente estabelecida e a forma de atingi-la.
Deve haver durante o fluxo um mecanismo de feed back, que permita à pessoa saber o que está ocorrendo. Ela deve ter evidências de
que seus esforços estão sendo recompensados e que cada etapa do
processo está sendo alcançada com sucesso. A pessoa se absorve tanto
na atividade que as horas parecem minutos, há ordem na sua consciência e ela sente uma experiência agradável.
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Csikszentmihayi (1998b) chama de “atividade de fluxo” àquela atividade na qual é mais provável sua ocorrência, mas ressalta que o fluxo
pode ocorrer em qualquer atividade. É mais provável a ocorrência em
atividades com desafio alto, exigindo nível alto de habilidades do indivíduo,as metas sejam claras e a pessoa se concentre de forma adequada.
São as seguintes as características de atividades capazes de gerar
fluxo: metas claras a serem atingidas;desafio grande, proporcional às
habilidades da pessoa; grande concentração da pessoa; satisfação ao
executar a atividade; regras claras para avaliar o desempenho e a pessoa possa saber o desempenho a qualquer momento. Durante o estado
de fluxo há: sentimento de controle da situação; desaparecimento da
autoconsciência; sentimento de que o tempo passa muito depressa.
Segundo Csikszentmihayi (1998b) são as seguintes as situações
em que a gratificação ocorre mais facilmente: jogos: xadrez, tênis, cartas
de baralho, etc; exercícios físicos e esportes (voleibol, futebol, etc.); interação social – conversa agradável com outras pessoas; no trabalho, quando
fizer tarefas agradáveis; dirigir automóvel; tocar instrumentos musicais:
piano, violão, violino, etc; ir ao cinema, teatro, restaurante, e locais similares; escalar montanhas; esquiar; praticar rituais religiosos; fazer um
tapete, bordar um tecido ou equivalentes; fazer programas de computadores; ler um livro interessante; praticar ato cirúrgico; relacionamento
sexual; fechar bom negócio; conquistar nova amizade.
A condição essencial para haver o fluxo é que a pessoa sinta que
deve executar determinada atividade e que é capaz de executá-la. O
desafio pode advir de qualquer oportunidade de ação, mas nenhuma
atividade mantém o desafio indefinidamente. Para manter o fluxo é preciso que o nível de dificuldade aumente e exija habilidades cada vez
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maiores para vencê-las.Para manter o fluxo, os desafios devem ser
crescentes e as habilidades devem crescer proporcionalmente a eles.
Por exemplo, se você entra em fluxo ao jogar pôquer com um adversário,
depois de vencê-lo uma ou duas vezes, diminuirá seu interesse e para
entrar em fluxo novamente, deverá jogar com outro parceiro mais capacitado, que seja um desafio maior, exigindo mais habilidades e empenho
de sua parte.
Na vida cotidiana os sentimentos que temos dependem da relação
entre o nível dos desafios com que somos confrontados e o nível de habilidades que temos e quando os desafios são altos demais, e ultrapassam nossas habilidades, ficamos frustrados, preocupados e ansiosos.
Uma alternativa é diminuir os desafios em vez de lidar com tarefa geradora de ansiedade.
Quando os desafios são baixos em relação às habilidades da pessoa, ela ficará entediada e se as habilidades e desafios são baixos a
apatia se instalará.
Você deve estar sempre atento para situações que possam desencadear o fluxo. Elas podem ser grande fonte de bem estar e felicidade,
independentemente do temperamento alegre ou triste que você tenha,dependendo apenas de suas forças pessoais.
No estado de fluxo há envolvimento da pessoa com a tarefa e
grande ordem interna - a integração harmônica das energias físicas e
psíquicas garantem grande satisfação. Um cirurgião, depois de terminada uma cirurgia difícil e complicada, cheia de desafios superados, pode
olhar para trás, ver o que aconteceu e ficar inebriado com a excelência
da experiência que teve.
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Segundo Csikszentmihalyi (1999), um estado de consciência próximo ao do fluxo é a exaltação – nela os desafios são altos e as habilidades da pessoa são médias, não permitindo que seja atingido o fluxo porque ela não pode superar os desafios. Ela fica concentrada, ativa, envolvida, num estado positivo de experiência, sem entretanto ter o controle
da situação, como no caso de alguém vai dirigir um carro sem ter as habilidades necessárias, ficando sem o controle do veículo e da situação. O
citado autor considera outra situação que denomina de controle - é um
estado positivo de experiência onde o indivíduo se sente feliz e satisfeito,
que ocorre quando os desafios são mais baixos que na exaltação e
quando as habilidades são altas. A pessoa tende a perder a concentração e o envolvimento no que está fazendo.
O Autor deste livro acredita que a questão fundamental da melhoria da qualidade de vida de uma pessoa é a de incluir nela mais situações geradoras de fluxo, aceitando desafios propostos ou criando novos
desafios. Devemos ter como meta adquirir novas habilidades para lidar
com novos desafios ou aumentar as habilidades que temos, para enfrentá-los e vencê-los.
Fluxo e Prazer
Seligman (2004) considera que o bem estar, a satisfação que a
pessoa sente em determinado momento de sua vida, pode advir de gratificações ou de prazeres e os classifica em prazeres físicos e prazeres
maiores.
O prazer físico tem acentuado componente sensorial e está ligado
aos sentidos do tato, olfato,visão, audição e gosto. Fortemente emocional, ligado às emoções positivas, é imediato, passageiro, cessa quando
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desaparece o estímulo desencadeante, envolve pouco ou quase nenhum
raciocínio e cria hábito rapidamente. Ocorre quando você sente o cheiro
de um bom perfume: percebe imediatamente o odor e tem uma sensação agradável que desaparece após alguns segundos ou minutos. Se
você sentir de novo o mesmo perfume, na segunda vez o prazer já não
será o mesmo e depois de algumas exposições a intensidade do prazer
vai diminuindo e tenderá à extinção.
Os prazeres físicos relacionam-se com os sentidos:
• tato – receber ou dar um toque carinhoso em alguém;
• audição- ouvir uma música agradável, o canto dos passarinhos, o barulho do mar, a chuva cantando no telhado, etc.;
• visão – apreciar um belo nascer ou por de sol, a bonita tela de um
pintor, uma paisagem bonita, etc;
• gosto – saborear uma boa refeição, uma taça de vinho ou de sorvete,
um suco de laranja, uva ou de outras frutas, etc.;
• olfato- sentir o cheiro de um bom perfume, de uma comida apetitosa, etc.
Os prazeres físicos são passageiros, cessam quando desaparece
o estímulo externo, e não é possível aumentar muito o nível de felicidade
constante através deles, pois o hábito se desenvolve facilmente. Para
obter o mesmo nível de determinado prazer precisa aumentar a intensidade do estímulo.
Os prazeres maiores diferem dos físicos porque são serem mais
cognitivos e menos sensoriais, se instalam de modos diferentes e serem
mais numerosos e variados. É o caso da alegria, contentamento, bom
humor, entusiasmo, atração, enlevo, deleite, etc. Têm características
semelhantes às dos físicos – são passageiros, desaparecem subitamen-
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te e estão sujeitos à habituação. Quando você recebe uma boa notícia,
pode sentir uma alegria muito grande, mas depois de alguns minutos
retorna para seu estado de humor habitual. Quando você é desafiado
para vencer uma meta pode ter entusiasmo muito grande no início, mas
com o tempo ele diminui, até quase desaparecer, principalmente se as
dificuldades forem muito grandes.
Segundo Seligman (2004), os prazeres podem ser de intensidade
alta, média ou pequena. São de alta intensidade – júbilo, euforia, empolgação, hilaridade, deleite, enlevo, êxtase, excitação, etc; de média intensidade – alegria, animação, atração, contentamento, bom humor, entusiasmo,
encantamento, graça, etc.; de pequena intensidade – conforto, relaxamento, divertimento, saciedade, harmonia, etc.
Aumento do prazer: habituação e apreciação
Pesquisas duas estratégias para aumentar o prazer – evitar a habituação e praticar a apreciação.
Habituação é a tendência de perceber um prazer com menor intensidade na medida em que ele é repetido. Se você gosta de determinada
comida e come durante vários dias seguidos, ela já não será tão gostosa, pois haverá habituação. A repetição freqüente do mesmo estímulo
sensorial diminuiu gradativamente o prazer, levando-o à extinção. Daí
uma regra prática – aumente o intervalo de tempo entre as experiências
que lhe dão prazer. Se você gosta muito de suco de laranja, não tome
todos os dias, para não diminuir o prazer. Se você gosta de determinada
música não a ouça durante dias seguidos, para não perder o prazer. O
prazer diminui com o tempo – o primeiro gole de um suco de laranja é
mais gostoso que o segundo, e assim por diante, devido à habituação.
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A explicação para a habituação é que os neurônios cerebrais são
conectados de forma a responder a novos estímulos e deixam de responder se não surgirem novas informações. Um neurônio que recebe um
estímulo é excitado, responde e entra em período refratário, no qual não
responde a novos estímulos. Nosso cérebro é ativado quando surgem
novos eventos e há uma tendência a ignorar estímulos repetidos muitas
vezes. Daí devermos incluir em nossas vidas o maior número possível de
prazeres, mas mantendo a habituação sob controle.
Um aliado para aumentar o prazer é o fator surpresa. Se você dá
uma rosa a alguém, a pessoa fica encantada, mas se der novamente o
mesmo presente, diminui o encanto. Mas se você der, em vez de rosa,
um perfume ou uma fruta, ou fizer um carinho, vai obter melhor resultado: mude a forma de expressar seu afeto. Tanto mais que, como as emoções são contagiosas é provável que haja um comportamento recíproco do outro e você pode ser alvo de surpresas agradáveis que vão
melhorar a qualidade do relacionamento.
A apreciação (savoring) é a atenção deliberada para a experiência
do prazer, utilizada para aumentar sua percepção. Conceito recentemente introduzido na Psicologia Positiva por Fred Bryant e Joseph Veroff (
APUD SELIGMAN, 2004), baseia-se na tradição da psicologia budista.
Fundamenta-se na Meditação de Plena Atenção, em que o meditador
fica com a mente alerta para todas as percepções conscientes.
Depois de testar milhares de estudantes universitários ocidentais
os autores citados recomendam as seguintes estratégias para a apreciação do prazer:
• Aguçamento da percepção - você deve se concentrar em determinado aspecto da experiência prazerosa. Por exemplo, ao ouvir uma
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música concentre-se no som de determinado instrumento – violino, violoncelo, piano, etc.
• Absorção - você deve se deixar absorver totalmente pelo prazer
experimentado, concentrando-se totalmente nele e esquecer o mundo.
• Memorizar o evento - tire fotografias mentais do evento prazeroso
para recordá-lo depois. É uma forma de prolongar o prazer e trazê-lo do
passado para o presente.
• Compartilhamento – compartilhe o prazer com outras pessoas,
inclusive dizendo-lhes quanto valoriza aquele momento: ao assistir uma
peça de teatro, ir ao cinema ou a um show com amigos, compartilhe com
eles a satisfação que sente.
• Atenção - a energia da atenção aumenta a percepção de qualquer evento psíquico e conseqüentemente aumenta a intensidade do
prazer percebido. Daí a importância que deve ser dada à Educação da
Atenção na Educação das Emoções, feita há milênios na cultura oriental,
através da Meditação, em suas diversas formas.
O prazer e gratificação embora estejam na categoria da satisfação,
são conceitos diferentes. A diferença entre eles já era feita na Grécia
antiga e Aristóteles chamava à gratificação de eudamonia, felicidade,
distinguindo-a do prazer (SELIGMAN, 2004). É bem verdade que a gratificação fica registrada na memória, que, acessada depois, informa que a
experiência foi boa, agradável e deu bem estar e felicidade, daí querermos repeti-la.
O prazer é passageiro e está sujeito à habituação, enquanto o estado de fluxo ocorre na ausência de qualquer emoção mais forte, pois
nela há suspensão da consciência do eu, que impede a percepção das
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emoções. No fluxo o eu está ausente e esquisas mostram que na sua
ocorrência a maioria das pessoas não se refere à presença de emoções
positivas e que no máximo se sentiram confortáveis.
Seligman (2004 p 140), relata o seguinte depoimento pessoal de
Csikszentmihalyi:
“O prazer é uma fonte poderosa de motivação,
mas não produz mudanças; é uma força conservadora que nos faz querer satisfazer necessidades já existentes, alcançar o conforto e o relaxamento (...) Já a gratificação nem sempre é
prazerosa, podendo às vezes ser muito estressante. O alpinista pode estar perto de congelar,
completamente exausto,correndo o risco de cair
em um abismo sem fim e no entanto não gostaria de estar em nenhum lugar do mundo. Nada
se compara à satisfação que ele sente naquela
montanha gelada”.
O prazer pode ser quimicamente induzido, está sujeito à habituação e à apreciação, enquanto a habituação e a apreciação não se aplicam ao fluxo que está ligado às forças pessoais do caráter da pessoa,
entendido o caráter como o fator gerador da ação humana e do qual resultam as atividades da pessoa.
Seligman (2004) atribui grande importância ao estudo e à identificação dos estados de fluxo como elementos produtores de felicidade na
vida humana e argumenta que mesmo a metade menos favorecida da
população mundial (três bilhões de pessoas) em termos de estado de
espírito positivo, não esta fadada à infelicidade. Em vez disso sua felicidade está nas abundantes gratificações que pode ter e conservar. E
mesmo uma pessoa que não tenha um temperamento que a leve a estados borbulhantes de animação ou de prazeres intensos, mas que tenha
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forças pessoais que a conduzam a estados de gratificação, pode ter e
aumentar a felicidade em sua vida.
102
5.
Emoções Negativas
CONTROLE DA RAIVA
Ciúme que mata
É noite de sexta-feira, Márcia e Josevan combinam sair para tomar
uns drinques num bar perto de casa. Depois de alguns goles, lá pela madrugada, entram algumas garotas no bar e Josevan começa a olhar para
elas. Márcia, irritada com o comportamento do companheiro, pede que ele a
respeite como sua mulher. Ele não gostou e lhe deu um tapa, que detonou o
início da briga. Márcia saca uma faca e desfere diversos golpes em Josevan, deixando-o estirado no chão, morto.
Márcia, autuada em flagrante delito, antes de ser encaminhada para o presídio feminino, confessou ao delegado que sua intenção não era
matar o companheiro (notícia do jornal “A Tarde”, em 28/2/1999).
Estes episódios se repetem freqüentemente nas páginas policiais
de diferentes jornais de diversas partes do mundo e são a expressão da
forma mais extrema da raiva.
A raiva é uma das emoções primárias dos animais. Se um cachorro é ameaçado por outro maior e mais forte, reage imediatamente com
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raiva, mostrando-lhe os dentes e rosnando. Mostra sua vontade de lutar,
de reagir à agressão e de manter sua integridade corporal e preservar
sua individualidade.
Isto ocorre com qualquer animal que tenha sua integridade física
ameaçada, diante de um perigo real ou presumido ele reage preparando-se para lutar ou fugir. Foi graças à raiva, enquanto meio de defesa
contra ameaças de outros animais, que o homem das cavernas conseguiu sobreviver e dar continuidade à espécie humana. A raiva é uma
manifestação do organismo para preservar o indivíduo.
Para Accioly (1996), na raiva há uma reação para lutar, pois o cérebro emocional estimula a secreção de adrenalina e noradrenalina no corpo, numa resposta ao estresse existente. Durante esta reação, o cérebro
emocional fica de prontidão para responder ao estímulo, funcionando como uma base para reações posteriores - é como se a mente emocional
ficasse com o “dedo no gatilho”.
No homem moderno a reação à raiva continua a existir, com as mesmas características, embora existam novos estímulos capazes de desencadeá-la, devido ao novo tipo de vida do homem. Os estímulos capazes de
produzir a raiva no homem moderno são muito mais de natureza intrapessoal, psicológica ou de natureza interpessoal, social, e não podem ser resolvidos pelos simples mecanismos de luta e de fuga.
No caso de Márcia, de início, não houve uma ameaça real à sua integridade física, e o estímulo desencadeador da raiva foi ver seu companheiro
dirigir gracejos para outras mulheres. Isto atingiu profundamente sua autoestima, levando-a à reação, de início puramente verbal. Josevan, sob o efeito do álcool, que altera o controle emocional, reagiu violentamente dandolhe um tapa – houve aí uma agressão real à integridade física de Márcia que
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teve uma reação desproporcional à agressão sofrida, e se entregou à sua
raiva, matando o companheiro.
Por isto não devemos nos entregar à nossa raiva, pois poderemos
praticar atos dos quais nos arrependeremos. Márcia foi longe demais e vai
pagar por esta explosão de raiva com muitos anos de sua vida na prisão.
Como veremos depois, a maioria das raivas do homem moderno
tem origem em seu pensamento e é alimentada por ele. É o caso da
raiva recíproca que existe entre os judeus e os árabes, ou de uma pessoa que pede a outra para fazer uma coisa e não é atendida, ficando
frustrada e com vontade de agredi-la.
Como é impossível para o homem lutar ou fugir de seus pensamentos irados, ele tem de procurar outras formas para resolver o problema de sua raiva. O pior é que na raiva desencadeada pelo pensamento
a reação do estresse é igual à reação existente quando há uma agressão
real contra o indivíduo e os efeitos maléficos são os mesmos sobre o organismo e tanto maiores quanto maior for a duração do estado raivoso.
Disfarces e tipos de Raiva
A raiva pode manifestar-se sob diferentes disfarces. Goleman (1996),
refere que a forma mais extrema está representada pelo ódio, fúria e violência.
As formas mais brandas são revolta, ressentimento, exasperação, indignação,
vexame, animosidade, aborrecimento, irritabilidade, hostilidade.
Accioly (1996), além de manifestações acima citadas inclui indignação, chateação, frustração, aversão, mágoa, ciúme (que é uma emoção mista), inveja, desagrado, decepção e rivalidade.
Para saber se uma pessoa está enraivecida, procure identificar nela os sinais corporais da raiva, cujas intensidades variam de acordo com
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a intensidade da emoção, sendo mais evidentes quando a raiva é mais
pronunciada. O rosto fica suado, pálido ou avermelhado. Os olhos podem
ter uma dilatação das pupilas, ficando esbugalhados. As mãos e os braços tremem. Os punhos fechados, prontos para a briga. A respiração
fica mais rápida, ofegante. Há uma mudança de voz que fica áspera,
ríspida e grosseira, geralmente a pessoa falando mais alto que o normal.
Os animais têm uma raiva natural ao nascer, que é a raiva inata,
caracterizada pela rapidez com que ocorre. Ela mobiliza o animal para
responder a situações urgentes em que a perda de tempo pode ser uma
questão de vida ou morte.
Há um tipo de raiva que o indivíduo aprende durante sua vida: é a
raiva aprendida, que surge no convívio com as outras pessoas, principalmente dentro da família, com os pais, irmãos, etc. É gerada e mantida pelo pensamento e não há uma ameaça real contra a integridade
física da pessoa.
Um exemplo de raiva aprendida é a existente entre dois povos, como
entre os judeus e os árabes. Quando o judeu é pequeno lhe ensinam um
sentimento de hostilidade para com os árabes, ocorrendo o mesmo com os
árabes em relação aos judeus.
Este sentimento de hostilidade é encontrado também, dentro de
um mesmo povo entre facções políticas diferentes, principalmente nas
populações não urbanas. Existe numa cidade no interior de Pernambuco
um ódio aprendido entre duas famílias tradicionais, que tem durado muitas gerações, tendo como resultado matanças constantes entre seus
membros. Também existe raiva aprendida entre membros de diferentes
religiões, como entre os católicos e protestantes da Inglaterra.
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A raiva inata é uma reação a uma ameaça real e concreta contra a
integridade do organismo. Ela é gerada no presente , é transitória e dura
de acordo com a duração do estímulo que a produz, sendo sua reação
proporcional ao estímulo. Se alguém tomar um tapa no rosto, terá uma
raiva inata, natural, pois houve uma ameaça real e concreta ao seu corpo,
que será passageira e sua intensidade será proporcional ao tapa recebido.
Se doer muito, a raiva será maior, se doer menos será menor. A raiva começa na hora do tapa.
Na raiva aprendida não há uma ameaça real à pessoa e há grande
participação do pensamento, tanto na produção da raiva, quanto na sua
perpetuação. Ela é persistente e repetitiva. No caso da briga entre famílias é o pensamento que vai ficar alimentando a raiva, que dele resulta e
a única forma de controlá-la é lutar contra o pensamento que a desencadeia e mantém.
Foi publicado no jornal “A Tarde”, em 21 de janeiro de 1988 a seguinte matéria: um engenheiro saiu em busca de diversão e foi a uma
barraca em Vilas do Atlântico. Sentou, pediu uma cerveja e alguns caranguejos. Notou que estavam passados e pediu outro para trocá-los. O
dono da barraca não gostou e disse que não venderia mais nada a ele.
O engenheiro, revoltado, pediu a conta, na qual foi cobrado o caranguejo. Ele discutiu mas terminou pagando. Depois foi ao jornal e pediu para
colocar uma nota contra o barraqueiro, citando o nome da barraca. Além
disso deu queixa na Delegacia de Defesa do Consumidor, pedindo a
devolução do dinheiro pago e deu queixa na Secretaria Municipal de
Saúde, pedindo uma vistoria nas condições higiênicas da barraca.
É um caso típico de raiva desencadeada pelo pensamento e mantida por ele. O que causou a raiva foi o garçom não ter atendido ao que
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o engenheiro queria, trocando o caranguejo. Não foi uma ameaça real à
integridade física do raivoso, mas a frustração aos desejos dele. O pensamento irado do engenheiro alimentou sua raiva, que foi aumentando
cada vez mais e exigindo dele uma vingança. Ele pensava: “Você não é
homem não? Você vai engolir isto? Você vai ficar desmoralizado? E sua
auto-estima, como fica? vai tolerar esta humilhação?”. E assim por diante, crescendo sempre.
E ele se entregou à raiva. Dominado pela emoção, procurou o jornal perdendo seu tempo e gastando mais dinheiro, para fazer a denúncia
e tirar a forra do barraqueiro, extravasando sua raiva e procurando prejudicá-lo economicamente. Mas isto não conseguiu aplacar sua ira e ele
partiu para dar queixa na Delegacia do Consumidor, pedindo a devolução do que pagou pelo caranguejo. E gastou muito mais de gasolina
para extravasar sua raiva. Não satisfeito ainda foi na Secretaria Municipal de Saúde pedir para fechar a barraca devido às suas más condições
de salubridade. E isto só lhe gerou mais despesas e mais aborrecimentos...
Este é um grande exemplo de raiva gerada pelo pensamento e de
que a conduta raivosa é completamente irracional. E mais, de que há
necessidade da educação das emoções, pois se o engenheiro fosse
emocionalmente educado teria pensado: “Deixa isso pra lá. Vou comer o
caranguejo em outra barraca”. E teria passado seu domingo em paz com
a família.
O limiar de raiva é a quantidade de estímulo capaz de fazer surgir
raiva. Para determinada situação, se a pessoa estiver calma, somente
uma dada provocação, com determinada intensidade I, poderá despertar
a reação de raiva – este é o limiar de raiva para aquela pessoa, naque-
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las circunstâncias. Se o estímulo provocador tiver intensidade menor do
que o valor I, ela não terá raiva.
Por exemplo, alguém que recebe uma agressão verbal num momento
em que está calmo, poderá tolerar a agressão sem reagir, pois não foi atingido seu limiar de raiva. Se entretanto ele tivesse sido submetido a um estresse mantido durante o período que antecedeu imediatamente a provocação e depois fosse alvo da mesma agressão, seguramente responderia
manifestando raiva. Houve um rebaixamento do seu limiar de raiva e agora
ele reage com um estímulo menor do que normalmente toleraria.
Fig. 1.4 Limiar de Raiva
I
∆E
Limiar de
Raiva
∆T
Limiar de raiva é a quantidade de estímulo capaz de desencadear a raiva. Na vertical está indicada a variação do estímulo e na horizontal a variação do tempo. A raiva só aparece quando o estímulo atinge um valor maior do que I: este é
o limiar de raiva
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Isto ocorre porque o estresse mantido produz a liberação de adrenalina e noradrenalina, aumentando a sensibilidade do cérebro emocional à raiva. Esta aí a explicação de porque uma pessoa pode responder
explosivamente a um pequeno estímulo se tiver tido diversos aborrecimentos anteriores, e porque existem os sequestros emocionais, nos
quais a pessoa fica enraivecida e sai esbravejando e quebrando tudo. É
por isso que deve ser feito o controle da raiva desde o início e detectar
seus primeiros sinais corporais.
Conduta e reações corporais na Raiva
Quando a pessoa está com raiva pode ter uma das condutas seguintes: agredir a quem provocou a raiva que é um comportamento muito freqüente. A pessoa enraivecida por não ser atendida no que quer
parte para a agressão. Existe tanto na raiva inata, natural quanto na aprendida, gerada pelo pensamento. Na raiva inata é freqüente partir para
dar um murro no agressor, revidando a agressão sofrida.
Rebelar-se contra o agressor - a pessoa enraivecida porque sofreu
uma humilhação de outro procura vingar-se não obedecendo as suas
ordens, e rebelando-se contra ele. Outras formas de reação: impedir que
o agressor faça alguma coisa, exigir, ameaçar, opor-se ao agressor, fazer
imposições, humilhar, criticar, rebaixar, controlar, torturar, perseguir,
expulsar, etc. (ACCIOLY, 1996).
A raiva se manifesta no corpo de diversas maneiras e uma das
manifestações mais importantes, para a qual sempre devemos estar
atentos é a manifestação no rosto da pessoa enraivecida: há uma contração dos músculos da face, principalmente no maxilar inferior, na
mandíbula, e a pessoa fica com uma carranca típica da raiva, com o
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“queixo quadrado”. Fica suando muito, as pupilas (“menina dos olhos”)
dilatadas, a pele avermelhada ou pálida.
A boca fica seca, o coração dispara e parece querer saltar do peito, a respiração fica ofegante, a tensão arterial sobe. Tudo isto devido ao
aumento da produção de noradrenalina no corpo. O açúcar do sangue
sobe, para servir como fonte de energia rápida no caso de luta ou de
fuga.
Esta reação é conhecida como resposta ao estresse ,segundo Pelletier (1997) e ocorre toda vez que há uma ameaça ao organismo. O
nível da intensidade da expressão corporal da raiva varia de uma pessoa
para outra e, na mesma pessoa varia com a intensidade maior ou menor
da raiva. Ela pode durar somente minutos ou horas, mas pode durar dias
se a raiva ficar mantida. Neste último caso pode levar danos sérios à
saúde da pessoa.
Conduta frente a um raivoso
O princípio fundamental é não entrar na raiva de quem está enraivecido. Não discutir com ele nem tentar convencê-lo. Ele está tomado
pela raiva e sua razão está “fora de campo”.
O pensamento do raivoso é comandado pela emoção e não responde aos argumentos da razão, por isso não se deve discutir com
quem tem raiva para não ter raiva também. Deve-se sair de junto, dar
um passeio e deixar para conversar depois que ele melhorar do acesso
de raiva.
Quando uma a pessoa está com raiva o que ela quer é que os outros entrem na sua raiva, que se alimenta da discussão. Se a pessoa
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não discute, ele fica decepcionado e sua raiva acaba morrendo, pois ela
é uma forma de energia que para viver precisa ser alimentada.
Como detectar e controlar a Raiva
Devem ser consideradas situações: a da raiva inata e a da raiva
adquirida. Em ambas a reação é a mesma, variando apenas o grau da
intensidade, pois o cérebro emocional não sabe diferenciar entre uma
agressão real de uma virtual. Tanto em uma quanto em outra podemos
saber que elas existem através das reações corporais descritas.
Algumas sugestões são importantes para não nos entregarmos a
raiva:
● Devemos sempre nos vigiar, principalmente quando pedirmos a
alguém para fazer alguma coisa e não formos atendidos. Quando percebermos que estamos irritados, não deixar a irritação crescer, pois ficará
mais difícil para controlá-la.
● Devemos distrair-nos e procurar pensar em outras coisas. Ler
uma revista ou jornal, assistir televisão, etc.. Não deixar que o pensamento raivoso cresça e tome conta da gente. Não devemos ficar ruminando sobre o assunto que causou a raiva e procurar esquecê-lo.
● Só devemos voltar a pensar nos acontecimentos geradores da
raiva depois que ela passar, com visão clara e racional do que ocorreu.
● Quando estivermos com raiva devemos procurar conhecer os
pontos de vista da outra pessoa.
● Tentar convencer a nós mesmos que devemos controlar nossa raiva. Nossa atitude é muito importante: cultivar uma atitude mental de que
“não vou me entregar à raiva”.
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● Não ceder aos impulsos agressivos durante a raiva. Deixar para
agir depois que ela passar.
Aristóteles, na “Ética a Nicômaco” (1973), admite a possibilidade
de que um homem calmo possa se encolerizar com coisas ou pessoas,
se a raiva for justificada, na devida ocasião e durante o devido tempo.
Esclarece entretanto que tal homem não deve se deixar perturbar nem
guiar pela paixão e só enraivar-se com as coisas durante o tempo que a
regra prescreve. Ressalta que o homem calmo não é vingativo, mas que
suportar insultos tanto pessoais como dirigidos aos nossos amigos é
próprio de escravos.
Sobre o controle da raiva é significante o depoimento dado pelo décimo quarto Dalai- Lama em entrevista a Renée Weber (1988, 72) ao declarar que:
"De uma perspectiva ampla e profunda, sustentar uma atitude hostil contra alguém e criar ódio
por ele conduz definitivamente a resultados negativos. Compreendendo esse fator podemos
concluir que uma atitude hostil não é boa. É bem
mais conveniente adotar uma atitude amistosa.
E isso continua a ser verdadeiro mesmo que a
outra pessoa, por seu lado, se conduza de maneira errada e justifique nossa decisão de agir
com dureza. Pois, numa segunda reflexão, se
levarmos em conta os benefícios a longo prazo,
concluiremos que a bondade é bem melhor e
que, a despeito da irascibilidade do outro, devemos mostrar-nos amistosos. É assim que penso".
As recomendações que se seguem são úteis para evitar a raiva:
● Aprender a administrar o estresse de forma adequada e evitar
situações altamente estressantes, pois o estresse facilita o aparecimento
da raiva. Uma situação que poderíamos suportar sem enraivar-nos, poderá ser perigosa se estivermos estressados.
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● Combater o estresse com exercícios físicos regulares e utilizar técnicas de relaxamento.
● Não ficar pensando em coisas desagradáveis, que nos irritem,
causem revolta, ou nos façam sentir humilhados. Estes pensamentos
vão desencadear e manter a raiva dirigida contra alguém.
● Não entrar na raiva dos outros, porque a raiva é contagiosa.
● Evitar situações que possam levar a um atrito ou a uma briga
com outras pessoas.
● Não ficar provocando os outros, diretamente ou através de ironias. Quem planta sempre colhe o que planta.
● Distrair-se e divertir-se regularmente.
● Não fazer uso continuado do álcool, nem abusar de seu uso,
pois ele deixa a pessoa mais sensível às provocações. Quando sob o
efeito do álcool a pessoa fica menos tolerante e pode explodir por qualquer coisa.
● Devemos perdoar às pessoas que nos fizeram mal. O perdão
vai fazer mais bem a quem perdoa do quem a quem é perdoado. O ódio
faz mais mal à pessoa que o tem do que a quem ele é dirigido. Depois
do perdão a pessoa se sentirá “mais leve”.
● Devemos rir sempre que pudermos. Quando alguém ri, a contração das comissuras labiais vai evocar o sentimento de alegria dentro de
seu ser e isto lhe fará muito bem.
No ponto máximo da raiva ela passa a alimentar-se do pensamento irado, exigindo vingança e desforra e a pessoa não pensará nas conseqüências de seus atos pois a vontade é de bater, esmurrar, pisar, o
que não se deve fazer.
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Segundo Goleman (1966) pesquisas mostram que na realidade a
descarga da raiva não a elimina. No momento da descarga há um sentimento de satisfação mas ele é transitório, ela não se extingue. A psicóloga Diana Tice mostrou através de pesquisas que explodir de raiva não
deixa as pessoas livres dela. Constatou que após a explosão, quando o
raivoso fala na pessoa que causou a raiva sente um prolongamento do
seu estado de espírito irado. A pesquisa mostrou que um melhor resultado havia quando a pessoa enraivecida esfriava a cabeça e depois procurava a outra para acertar a desavença, de modo calmo e equilibrado.
O mal que a Raiva faz
Um homem de um pouco mais de cinqüenta anos, alto e forte, foi
operado do coração porque tinha tido um infarto. Viajando numa estrada
um motorista o ultrapassou e deu uma “fechada”, quase batendo em seu
carro.
Nosso homem enraivecido, alucinado, acelerou seu carro até ultrapassar o outro, obrigando-o a parar no acostamento. Saltou de seu
carro e dirigiu-se para o motorista e extravasou sua raiva xingando-o de
todas as formas. Não satisfeito, deu um murro na capota do carro amassando-a. Quando acabou de esmurrar o carro, desmaiou e caiu. Morto.
Teve um infarto fulminante do coração, a autópsia mostrou. Se ele fosse
emocionalmente educado teria aprendido a controlar sua raiva e estaria
vivo, pois não teria feito o que fez.
A raiva faz muito mal ao coração, principalmente às pessoas que
sofrem dele. Pesquisas de Williams (1997), indicam que cerca de 36.000
pessoas por ano nos Estados Unidos têm ataque cardíaco devido à raiva, que podem terminar com a morte. No acesso de raiva a grande
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quantidade de noradrenalina liberada age sobre o coração fazendo-o
disparar, batendo muito depressa, o que pode ocasionar um infarto ou
uma parada cardíaca, principalmente nos que já são doentes.
Um dos efeitos da raiva sobre o corpo é produzir a contração dos
músculos. Quando uma pessoa tem um temperamento raivoso e se entrega freqüentemente à raiva seus músculos ficam permanentemente
contraídos, endurecidos, como se fosse uma couraça envolvendo o organismo, o que causa profundo mal estar à pessoa e produz malefícios
à sua saúde .
O pior é que a raiva produz contração muscular e esta contração é
capaz de gerar raiva, por sua vez. Ela é capaz de evocar o sentimento
de raiva e se forma-se um círculo vicioso : a raiva produz contração
muscular e a contração produz a raiva. Geralmente a contração da musculatura é bem evidente na face da pessoa raivosa: ela vive enfezada,
com a fisionomia cerrada, cheia de rugas na testa franzida, cara amarrada, queixo puxado para baixo, sobrancelhas apertadas.
Para desfazer o círculo vicioso os exercícios físicos regulares ajudam a descontrair a musculatura, sendo particularmente útil a ginástica
facial para trabalhar determinados grupos de músculos da face.
Paciência - o antídoto da raiva
A paciência (do latim patientia) é uma capacidade psicológica que
implica no controle das emoções, adiamento de satisfações e controle
dos impulsos. É a capacidade que a pessoa tem de suportar situações
adversas na vida, em maior ou menor grau.
As funções básicas da paciência são tolerar e esperar. Às vezes, ela
implica em conter nossos impulsos e aguardar a hora certa para agir, o
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que exige autocontrole. Sua prática requer o exercício da tolerância que
significa admitir e aceitar sem revolta outras formas de agir, pensar e
sentir. Outras vezes a paciência significa o exercício da capacidade de
esperar, de aguardar que as coisas ocorram, sem interferir na evolução
delas, mesmo tendo poder para tal.
Pela prática da paciência, devemos aceitar circunstâncias adversas
da vida que estão fora de nosso controle, tais como doenças, dores e
sofrimentos outros gerados por infortúnios e adversidades, exercitando
simultaneamente a tolerância e a capacidade de esperar. Isto é muito
freqüente quando estamos doentes e devemos tolerar os sofrimentos,
aguardando, pacientemente, que a situação se resolva, face a nossa
incapacidade de atuar sobre a doença.
A paciência é uma reação que temos a situações adversas e uma
de suas características é não retaliar. Sua prática é um processo ativo
que implica na escolha de não retaliar, mesmo tendo capacidade e poder para tal.
Vejamos a situação em que uma pessoa, injustamente, é insultada e
humilhada por outra. Ela, percebendo a situação de total descontrole
emocional do agressor, pela sua fisionomia, voz alterada e gestos agressivos, vê que não é prudente reagir às agressões, pois a reação
poderá levar ao conflito ou agressão física. Ela tem duas escolhas: uma,
a de não reagir; outra a de revidar às agressões sofridas, verbal ou fisicamente. Usará sua paciência se escolher a primeira opção, não reagindo e deixando para abordar o problema posteriormente, quando o agressor estiver calmo e puder ponderar de forma equilibrada sobre a
situação que desencadeou a raiva.
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Ferreira (1986), no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, considera que a paciência consiste em suportar dores, incômodos e infortúnios, sem queixas e com resignação. Significa também perseveração
tranqüila e conformação. Samten (2001), de acordo com a tradição do
budismo tibetano, considera a paciência uma das seis perfeições humanas, junto com a generosidade, moralidade, perseverança, concentração
e sabedoria.
Cultivo da Paciência: o cultivo e o desenvolvimento da paciência
permitem colher resultados benéficos em nossa vida, pois desenvolvemos a competência de tolerar problemas e conflitos em nossos relacionamentos. Praticando a paciência poderemos conviver de modo mais
harmônico com nossos parceiros, no lar, no trabalho e nas atividades
sociais.
Se a pessoa desenvolve a capacidade de ter paciência, seu limiar
de raiva aumenta, ela será capaz de tolerar estímulos mais intensos sem
ter raiva, e poderá tolerar grandes provocações e se livrará das conseqüências maléficas da raiva.
A paciência não deve ser cultivada no isolamento e sim na atividade
social, no convívio com outras pessoas. É na interação social, no lar, na
escola e na família, que se deve exercitar a paciência.
Segundo o Dalai Lama (2001), um monge budista, Geshe Jimpa, ilustra a necessidade da prática da paciência, contando uma estória que
os mestres tibetanos transmitem a seus discípulos. Um eremita retirouse para a montanha para meditar e depois de algum tempo em uma caverna, um pastor que pastoreava suas ovelhas surgiu em sua frente e
perguntou:
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– O que é que o senhor está fazendo, sentado, sozinho, aqui na
montanha?
O eremita respondeu:
– Estou meditando.
E o pastor retrucou:
– Meditando sobre quê?
– Sobre a paciência, disse o eremita.
O pastor olhou nos seus olhos durante algum tempo, não disse nada, deu-lhe as costas, deu de ombros e começou a andar, afastando-se.
De repente parou, virou-se e disse ao eremita:
– Antes que eu me esqueça, vá para o inferno!
E o eremita respondeu enraivecido:
– Vá para o inferno você!
O pastor riu muito e disse ao eremita que ele devia por em prática
sua paciência, em vez de irritar-se e agredi-lo.
O eremita, apesar de ter meditado durante muito tempo sobre a paciência, não conseguiu controlar sua raiva ao defrontar-se com uma situação adversa. Perdeu o controle e agrediu o pastor que o contrariou.
Estória semelhante é relatada pelo monge tibetano Gesse Gyatso
(1999). Um mestre budista tinha um discípulo muito mal-humorado, que
se enraivecia com facilidade, por isto ensinou-lhe a meditar sobre a paciência. Enquanto meditava, o discípulo percebia com clareza os perigos
da raiva e a importância da prática da paciência para lidar com ela, mas
logo que acabava de meditar era incapaz de colocar tudo em prática,
entregando-se facilmente à ira.
O Mestre então recomendou-lhe escrever em uma tabuleta, com letras bem grandes, PACIÊNCIA, e colocar na porta de seu quarto. O dis-
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cípulo obedeceu imediatamente. Um dia um ladrão foi por ele surpreendido em seu quarto, roubando alguns de seus pertences. Enraivecido,
perdeu a cabeça e começou a surrar violentamente o ladrão.
O Mestre, presenciando tudo, pediu-lhe diversas vezes para parar a
surra, sem ser atendido. Então correu para o quarto, pegou a tabuleta
com a palavra PACIÊNCIA, e colocou-a diante dos olhos do discípulo.
Só assim ele parou a surra. Vendo a placa, lembrou-se das instruções
aprendidas na meditação e parou de surrar o ladrão.
A meditação é muito importante no cultivo da paciência, porém mais
importante é praticar a paciência.
Importância da Paciência na prevenção da Raiva: se você quiser
diminuir a raiva e o ódio de sua vida, o simples desejo de que eles não
surjam, não é suficiente. Eles não deixarão de manifestar-se só porque
não são desejados. Sempre existirão, pois fazem parte da natureza básica do homem.
O Dalai Lama (2004), recomenda que tenhamos mais cautela e cuidado diante de pensamentos irados e cheios de ódio. Geralmente, não
nos incomodamos muito com a raiva e o ódio, assim, o sentimento simplesmente aparece. No entanto, uma vez que desenvolvamos uma atitude de cautela para com essas emoções, essa mesma atitude relutante
pode agir como uma medida preventiva contra a raiva ou o ódio.
E continua afirmando que a raiva e o ódio deixados à vontade ou
sem controle costumam se agravar e continuar a crescer. Se simplesmente nos acostumarmos cada vez mais a deixar que eles aconteçam e
continuarmos a expressá-los, isso normalmente resulta em seu crescimento, não na sua redução. Por isso, para mim, quanto mais adotarmos
uma atitude cautelosa e quanto mais procurarmos reduzir o nível de sua
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intensidade, melhor será. Podemos nos preparar com antecedência,
com o trabalho constante no sentido de gerar o contentamento interior e
cultivar a benevolência e a compaixão. Isso produz uma certa serenidade mental que pode ajudar a impedir que a raiva sequer se manifeste.
Acreditamos que se você tentar controlar estes inimigos internos só
depois que se manifestarem, correrá o risco de não conseguir contê-los.
Não há nenhuma segurança de que poderá sempre controlá-los, apesar
de estar sempre atento e disposto para isto.
Muitas vezes a intensidade da provocação é tão grande, que a raiva
poderá dominar sua mente e você perderá a capacidade de ver as coisas com clareza. Seu cérebro estará dominado pelos circuitos emocionais límbicos, que assumirão o comando das ações, em detrimento dos
circuitos do lobo frontal e você poderá perder o autocontrole.Por esta
razão, é recomendável praticar a paciência e identificar os fatores que
habitualmente desencadeiam sua raiva, para evitá-los.
Por exemplo, analisando as situações que desencadeiam sua raiva
você constata que quando seus desejos não são satisfeitos e você é
contrariado, a raiva aparece na hora, dirigida para quem não lhe atendeu. O recomendável é você evitar situações que levem à frustração de
seus desejos e quando não puder evitá-las, preparar-se antecipadamente para a prática da paciência, controlando-se e não se entregando aos
impulsos raivosos. Ao perceber que vai ser contrariado, assuma uma
atitude prévia de tolerância e aceitação.
Pense consigo mesmo que afinal de contas, os outros não são obrigados a satisfazerem suas vontades e a atenderem seus desejos. Eles
têm o direito de terem suas vontades respeitadas, tanto quanto a sua,
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que deve respeitá-los. Se você não proceder assim todo mundo será seu
inimigo e sua vida será um inferno.
A repetição deste raciocínio toda vez que for contrariado o tornará automático bem como a conduta correspondente, em seu modo de agir. A
paciência passará a ser uma norma de conduta sua, pois haverá um autocondicionamento. Você será mais cordato e delicado em seus relacionamentos, o que concorrerá para o aumento da duração deles e todos sairão
lucrando, você e seus parceiros sociais.
A recomendação do Dalai Lama (2001) é de que devemos encarar
de frente nossa raiva, analisá-la e pesquisar quais os fatores que lhe
deram origem, fazendo um esforço para exercer uma certa moderação e
disciplina interior e combatê-la energicamente por meio da aplicação de
antídotos, como a paciência e a tolerância. Elas podem ser extremamente úteis para controlar a raiva branda, no momento em que surge.
Reconhece entretanto o Dalai Lama que quando estes sentimentos
são muito intensos pode ser difícil desafiá-los ou enfrentá-los no momento que se expressam e que talvez o melhor seja deixá-los de lado naquela hora e pensar em outra coisa. Depois, quando a mente se acalmar um
pouco, é que devemos tentar analisá-los, procurando raciocinar sobre
suas causas e condições. Lembra que dos efeitos destrutivos da raiva
nenhum homem está livre mesmo que seja um milionário e que nem mesmo
um homem muito educado está protegido destes efeitos, daí a necessidade
do cultivo da paciência e da tolerância.
Cutler , cita experiências de Dolf Zillman, da University of Alabama,
mostrando que pensamentos irados costumam gerar um estado de excitação fisiológica que nos deixam propensos à raiva. A raiva alimenta-se
da raiva, e à medida que nosso estado de excitação aumenta, reagimos
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com maior facilidade a estímulos ambientais que provoquem a ira. Daí a
importância de sempre estarmos vigilantes em relação à sua presença
em nossa mente, para podermos fazer controle preventivo. As pesquisas
demonstraram o valor de uma análise lógica e de uma reavaliação dos pensamentos que detonaram a raiva, para ajudar a dissipá-la e que devemos
praticar a intervenção precoce antes que tais pensamentos aumentem
(DALAI LAMA, 2000).
Paciência e submissão: é importante estabelecer a diferença entre
paciência e submissão. A paciência é um processo ativo, é uma escolha
da pessoa em uma situação adversa, na qual pode escolher entre reagir
retaliando ou não retaliando. Ao praticar a paciência a pessoa tem a capacidade e o poder de retaliar, mas, conscientemente, escolhe a opção
de reagir não agressivamente.
Veja o exemplo de uma reação com paciência: numa discussão, você recebe um insulto não justificado e em vez de reagir em tom agressivo reage com calma. Pondera ao agressor que ele está sendo injusto, e
que deve refletir melhor sobre o assunto. Agindo desta forma é possível
que o agressor, quando estiver com a cabeça fria, reconsidere sua atitude e até lhe peça desculpas.
Na submissão, a pessoa agredida não tem opção de reagir retaliando,
porque lhe falta a capacidade de reagir, por ser tímida, medrosa e insegura,
ou não ter condições físicas ou materiais para reagir. É o caso de uma pessoa fraca, doente e fisicamente incapaz que sofre uma agressão física
de outrem. Ela é obrigada a submeter-se á agressão, não porque queira,
mas por falta de opção, por absoluta incapacidade física de opor-se e se
submete à agressão do outro, pois não tem forças para reagir.
123
Outro exemplo: um empregado de uma empresa, tímido e medroso, numa conversa com o gerente é alvo de explosão de raiva, sendo insultado e
humilhado. Ouve os insultos e não reage pois é fraco, incapaz de reagir. Está
acostumado a engolir tudo, pois lhe faltam forças para retaliar. É subserviente,
sempre se submetendo à vontade dos outros. Se ele tivesse a auto-estima
adequadamente desenvolvida, seu impulso natural seria reagir irritado,
partindo para a retaliação, revidando o insulto. Se, conscientemente,
desistisse da retaliação, optando por não reagir, estaria praticando a
paciência.
Para diferenciar a paciência da submissão verificar se houve ou não opção na conduta. Se a pessoa não reagiu, tendo condições para reagir, teve
paciência. Se não teve capacidade para reagir, foi submissão.
Limites da paciência e da tolerância: uma questão deve ser posta
para reflexão final: deve haver um limite para a paciência e a tolerância?
Acreditamos que sim. A impaciência, em certas situações pode ser
positiva e funcionar de modo construtivo, nos impelindo para tomar determinadas atitudes benéficas. Às vezes as circunstâncias exigem rapidez de ação e a espera pode ser prejudicial, cabendo ao nosso bom
senso a decisão de esperar ou não para agir. Por exemplo, se encontrarmos duas pessoas brigando e ficarmos impacientes para ajudar a
resolver a situação, pondo fim à briga, esta impaciência será positiva.
Como refere o Dalai Lama (2000), é positiva a impaciência para alcançar
a paz mundial.
Tratamos anteriormente da paciência no sentido de espera, e agora
vamos tratá-la no sentido de tolerância. Em certas situações a tolerância
excessiva pode ser prejudicial tanto para quem tolera demais, quanto
para quem humilha, provoca ou agride. A pessoa excessivamente tole-
124
rante pode chegar a uma situação limite na qual se sinta humilhada, perca sua dignidade e fique com a auto-estima diminuída. Não é recomendável a ninguém chegar a este ponto: não devemos confundir tolerância
com covardia.
Como recomenda o Dalai Lama (2000), às vezes podemos nos deparar com situações que exigem fortes medidas defensivas. Porém,
podemos assumir uma posição firme e até mesmo adotar fortes medidas
defensivas a partir de um sentimento de compaixão ou de uma noção de
interesse pelo outro, em vez de agir assim com base na raiva.
Se o agressor não for repelido, poderá sentir-se à vontade para continuar ou intensificar a agressão, certo da sua impunidade. Este sentimento
de liberdade poderá estimulá-lo à agressão física. Poderá mesmo, diante da
ausência de reação da pessoa agredida interpretar esta atitude de tolerância
excessiva como uma provocação e intensificar a agressão.
A ausência de reação pode fazer com que o agressor se habitue a agir
agressivamente, perpetuando seu comportamento hostil. Será benéfico para o
agressor se o agredido lhe der um basta, impedindo que continue em sua
conduta. No caso dele acostumar-se a agredir a todos, poderá vir a ter sérios
dissabores no futuro, ao deparar-se com uma pessoa menos equilibrada emocionalmente, que reaja com violência.
Em síntese: devemos cultivar a tolerância, mas com limite que deve
ser ditado pelo nosso bom senso, desde quando respeitemos nossa dignidade e preservemos nossa auto-estima. Para o Dalai Lama (2000), ter
tolerância com quem nos prejudica não significa que devemos aceitar
com docilidade tudo que ele faça contra nós.
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COMO AGIR NO MEDO
Uma história de medo
Uma professora morava em Salvador e gostava muito de passear
no Rio de Janeiro, para onde viajava de avião, com seu esposo, sempre
que podia. A noite que precedia a viagem era um tormento para ela,
cheia de pesadelos e sonhos de que o avião estava caindo.
Quando chegava no aeroporto o sofrimento aumentava: as mãos
ficavam geladas, com suor abundante, e ela sentia angústia, estreitamento no peito, muito grande. Quando entrava no avião é que era coisa:
o coração disparava, a respiração acelerava, os olhos ficavam esbugalhados, a face pálida, as sobrancelhas contraídas, os músculos do corpo
se contraíam tanto que ela chegava a sentir a dor.
Durante viagem, se o avião balançasse, aí que era sofrimento, pois
ela começava a chorar e a tremer muito. Apertava as mãos suadas, uma
contra a outra, num sinal evidente da ansiedade e da angústia que estava possuída. Durante o vôo não aceitava nenhum alimento, que lhe fosse oferecido, sólido ou líquido. Durante a aterrissagem tudo que sentia
aumentava muito de intensidade e só respirava aliviada quando saía do
aeroporto. Este é um exemplo de medo de viajar de avião em que os
sinais e os sintomas da emoção são bastante floridos.
O medo é uma reação do organismo a uma ameaça real ou imaginária e teve função muito importante na preservação da raça humana e
de todas as espécies animais. Foi graças a ele que nossos antepassados se salvaram das feras e dos perigos que os ameaçavam e tiveram a
capacidade de reagir instantaneamente, fugindo de um leão ou de um
tigre e preservando sua vida e a espécie.
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O medo e a ansiedade, até certo limite, são aliados do homem,
porque além de nos proteger contra perigos, nos faz cautelosos e prudentes em certas situações, opondo-se à imprudência e ao destemor.
Segundo Goleman (1996), o psicólogo Jerome Kagan acredita que a
pessoa quando nasce pode ser portadora de um temperamento tímido.
O temperamento, modo de ser da pessoa em relação a sua vida emocional, é herdado: a pessoa o traz em sua constituição genética. Acredita-se haver pelo menos quatro tipos de temperamento: tímido, ousado,
otimista e melancólico.
Um conceito que ajuda a compreender melhor a problemática do
medo é o de limiar do medo. Limiar do medo é a quantidade de estímulo
capaz de desencadear em uma pessoa o medo. Nas mesmas condições
ambientais ,diante da mesma quantidade de estímulo, uma pessoa pode
sentir medo e outra não. Se duas pessoas estão em uma mesma sala e
alguém entra de repente, uma pode tomar susto - que é uma forma de
medo - enquanto a outra permanece tranqüila. A que tomou susto tem
um limiar de medo baixo, pois com pouco estímulo teve medo. A outra
tem limiar de medo mais alto, pois precisa de estímulo maior para se
amedrontar.
As pessoas tímidas têm limiar de medo mais baixo, isto é, sentem
medo diante de pequenos estímulos que não geram reação em outras
pessoas. Se você prestar atenção nas pessoas que conhece, facilmente
encontrará algumas que são naturalmente assustadas e outras que são
naturalmente calmas - umas têm limiar de medo baixo e outras alto. Ser
assustado ou calmo é uma tendência com que a pessoa nasce, relacionada com sua constituição genética. Tem relação com o modo pelo qual
o cérebro emocional reage aos estímulos, se ele produz maior ou menor
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quantidade de noradrenalina, uma das substâncias produzidas quando
a pessoa está com medo. As pessoas tímidas têm maior quantidade de
noradrenalina no sangue, mostram as pesquisas.
Segundo Goleman (1996), Kagan acompanhou crianças a partir de
um ano e nove meses e verificou que aquelas inseguras e hesitantes
durante brincadeiras com outras, sempre se grudando com as mães,
posteriormente, quando cresciam, se tornavam muito medrosas na escola, ansiosas na sala de aula e nos pátios de recreio. Quando adultas
continuavam tímidas, tendendo ao isolamento social, e tinham medo de
fazer um discurso ou de apresentar-se em público.
Quando crianças tímidas eram submetidas à educação das emoções tiveram possibilidade de superar esse medo natural. Quando treinadas para serem cooperativas e empáticas com outras crianças e para
fazer amizades, elas podem superar a timidez. A pesquisa mostrou que
uma criança tímida aos quatro anos, aos dez já tinha conseguido se libertar da timidez levando à conclusão que o meio cultural pode modificar
para melhor as tendências com que a pessoa nasce.
Disfarces e causas do medo
Existem muitos disfarces do medo, com diferentes nomes. A forma
mais extrema é o terror podendo assumir a forma de fobia ou de pânico,
já no terreno da doença. Segundo Accioly (1996) e Goleman (1996),
uma forma muito comum do medo é a preocupação, e outras são ansiedade, angústia, apreensão, nervosismo, timidez, remorso, consternação,
cautela, escrúpulo, inquietação, pavor, susto.
Há dois tipos de medo: o natural e o adquirido, sendo o natural inato, nascendo os animais com ele, que surge em resposta a estímulos
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que vêem do meio ambiente. Quando alguém se aproxima de um filhote
de um animal ele corre, porque há uma ameaça e ele corre para defender-se. O medo natural se caracteriza por ser uma reação imediata, rápida, que mobiliza o animal para responder a situações de grande perigo
em que a velocidade da resposta pode ser uma questão de vida ou morte .
Quando alguém vai andando na rua e de repente surge um cachorro ameaçador querendo mordê-lo, seu organismo é mobilizado para
a defesa através de reações não conscientes, automáticas, preparandoo para a fuga. A amígdala cerebral envia sinais para o hipotálamo e ele
estimula a hipófise que libera um hormônio estimulador da supra-renal, a
qual produz mais adrenalina e cortisona e as lança no sangue. A adrenalina acelera o coração que manda mais sangue para os músculos e a
cortisona aumenta o açúcar sanguíneo, o que permite uma rápida contração muscular e que a pessoa corra do perigo.
O medo aprendido o indivíduo aprende durante sua vida. O estímulo que produz o medo aprendido é interno, vem do pensamento da
pessoa que o aprende no convívio com outras, principalmente na família,
com os pais, irmãos e parentes. O caso de nossa professora, relatado
no início do capítulo, é de medo aprendido. Outro exemplo é o famoso
medo de barata ou de rato que a filha aprendeu com a mãe, o medo de
escuro que o filho aprendeu com a mãe que só dormia com a luz acesa.
Vejamos um caso de medo aprendido: um médico cardiologista
trabalhava na emergência de um hospital e freqüentemente, à noite, era
procurado pela ambulância do hospital em sua residência para atender
pacientes graves. A ambulância chegava na porta de sua casa com a luz
vermelha do teto acesa, girando. Depois de algum tempo a luz vermelha
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passou a ser um símbolo de preocupação para o médico, pois ele não
sabia a extensão da gravidade do paciente que iria atender naquela noite. Entrava na ambulância preocupado, coração disparado, ansioso,
mãos suando, musculatura do corpo contraída, tenso e ia atender o paciente. Só voltava a se sentir bem depois de resolvida a emergência.
Com o tempo o médico notou que ao dirigir se o motorista da frente pisava no freio e acendia a luz vermelha traseira, imediatamente seu
coração disparava, ele ficava suando, tenso e ansioso. Ele passou a ter
medo condicionado, devido à presença da luz vermelha que ativava a
sua memória emocional na amígdala cerebral, desencadeando assim
todas as reações de medo que o organismo tinha aprendido para aquelas circunstâncias.
No medo inato existe uma ameaça real à integridade do organismo, enquanto no medo aprendido a ameaça não é concreta, mas sim
criada pelo pensamento. No caso da professora, não havia uma ameaça
real à sua integridade física, pois o avião não estava caindo realmente:
era sua mente quem estava criando o medo. Nos outros exemplos citados, a barata, o ratinho e o escuro não são ameaças reais, mas sim criadas pelo pensamento.
Em qualquer tipo de medo a reação do organismo é sempre a
mesma: há uma preparação para a fuga de um perigo, que pode ser
real, no caso de um assalto ou não existir concretamente, como quando
alguém está preocupado porque vai fazer uma prova e não sabe o assunto ou porque o avião está atrasado e nele viajam pessoas queridas.
Mesmo que não haja uma ameaça real, a pessoa sofre com os efeitos
corporais do medo, da mesma forma que sofreria diante de uma ameaça
real.
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Existem muitas causas de medo, reais ou criadas pelo pensamento, que serão descritas a seguir. Medo do futuro: é gerado pelo pensamento, sendo o resultado de influências da família e de pessoas com as
quais a pessoa convive ou conviveu. É o caso do medo da morte, da
velhice, da invalidez, do desamparo, da ruína, da solidão e de doenças.
Medo de doenças: é muito freqüente quando o pai ou a mãe é
preocupado com doenças e o transmite aos filhos. Às vezes é o próprio
medo quem desencadeia a reação corporal temida pela pessoa, como
no caso de alguém com medo de ter a pressão sanguínea alta, e ao
procurar o médico para medi-la, já vai preocupado. O medo de que ela
esteja acima do normal, gera um estresse, e quando o médico vai fazer
a medida há liberação de adrenalina e noradrenalina, substâncias que
elevam a pressão sanguínea. Resultado, quando o médico toma a pressão ela está elevada e a verdadeira causa foi o medo, aliado ao estresse
por ele provocado.
O medo da ruína: pode surgir numa pessoa que faz parte de uma
família com boas condições financeiras que de repente passa por dificuldades de dinheiro. Ela passa a ter medo de não ter dinheiro.
O medo de fazer sexo: pode surgir em uma pessoa que teve um
episódio de impotência sexual e que tem grande ansiedade ao tentar
manter outra relação sexual, com medo de fracassar de novo. Este medo pode ser tão grande que pode levar a novo episódio de impotência.
O medo de animais: o medo de cachorro, tão freqüente, pode ser
devido a uma agressão ou até a uma mordida de um cão que a pessoa
tenha sofrido quando era criança. Pode desaparecer com o tempo, na
medida que a pessoa seja exposta, com segurança, a outros cães que
não a molestem. Às vezes é um medo a animais que foi aprendido com
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outras pessoas com quem conviveu: é o caso do medo de barata e rato,
que os filhos têm porque a mãe tinha.
Medo de autoridade: é um medo que surge em pessoas que tiveram pai ou mãe autoritário e repressor.
Medo de homem ou medo de mulher: ocorre em pessoas que tiveram na infância convívio com um homem castrador ou uma mulher castradora e que projetam esta imagem opressora para todos os homens e
todas as mulheres.
Medo de responsabilidade: ocorre em pessoas que se sentem incapazes de assumir responsabilidades: inscrevem-se em um concurso e
no dia não vão fazer a prova. É o caso de um aluno que procura fraudar
no colégio, levando um colega para fazer a prova por ele.
Medo de água: alguém que quando criança quase se afogou e bebeu muita água, pode desenvolver medo de água quando adulto.
Medo da morte: é um medo que geralmente evitamos enfrentar e
para a qual devíamos nos preparar. Existe principalmente nas pessoas
idosas, mas pode existir também em jovens e crianças.
Medo de desagradar: há pessoas que têm como norma de conduta
sempre querer agradar aos outros e agem impelidos pelo medo de desagradar.
Medo de não ser satisfeito: tem pessoas que gostam sempre de
serem satisfeitas em seus desejos e por isto têm medo de não conseguirem a satisfação desejada.
Medo de errar: as pessoas perfeccionistas gostam de fazer tudo
com perfeição e por isto se esforçam para que a tarefa a executar saia
com perfeição. Elas têm medo de errar.
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Medo do tempo não dar: são pessoas sempre apressadas ao executar suas tarefas, pois têm medo de que o tempo não dê para executálas. Geralmente conviveram com outras pessoas que tinham o mesmo
medo.
Medo de não conseguir: são pessoas que se esforçam muito para
executar as tarefas, sempre com medo de não conseguir seu objetivo.
Como conseqüência passa a fazer diversas coisas ao mesmo tempo e
termina por não concluir nenhuma satisfatoriamente. Por exemplo, um
aluno que tenta diversos vestibulares ou diferentes concursos ao mesmo
tempo e não consegue passar em nenhum, porque enfrenta os exames
com medo de não conseguir.
Medo de expressar emoções: são pessoas que durante a infância
e a adolescência foram reprimidas na expressão de suas emoções e por
isto têm medo de expressá-las, acostumando-se a reprimi-las. Aprenderam que expressar emoção é coisa de gente fraca e que as pessoas
realmente fortes não expressam seus sentimentos.
Accioly (1996) cita ainda o medo de Deus, dos espíritos, do demônio, do juízo final, do inferno, de catástrofes (terremotos e inundações) e
de epidemias. Filliozat (1998) refere medo da separação, do desconhecido, do aniquilamento, do sofrimento, da dependência, da degradação,
do julgamento, da vida.
Conseqüências e reações corporais do Medo
O medo crônico pode ter conseqüências altamente desagradáveis
na vida da pessoa, em decorrência das alterações corporais e das condutas que pode gerar. A pessoa pode assumir uma das condutas se-
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guintes: fugir de suas responsabilidades, afastar-se, obedecer por falta
de capacidade de reagir ou subordinar-se, vivendo acovardada.
As conseqüências do medo podem surgir em diversas áreas: no
relacionamento inter-pessoal, na área profissional e na área existencial.
No relacionamento inter-pessoal a pessoa pode se sentir desvalorizada
perante os outros e como o medroso transfere o poder para quem o intimida, pode sentir-se uma vítima. A nível profissional, como o medroso
perde a confiança em si mesmo, deixa de ser competitivo e passa a ser
menos criativo. Isso o leva à estagnação profissional e à diminuição da
produtividade no trabalho.
No campo existencial a soma de todos estes fatores negativos leva
a uma grande limitação existencial, maior ou menor a depender da intensidade e duração do medo. O medroso crônico perde a alegria de
viver e é tomado por grande tristeza, graças aos efeitos corporais desvitalizantes do medo. Ele se sente como vítima e perde o poder de comandar sua vida, face à perda de confiança em si mesmo, o que traz
grande limitação a sua vida.
O medo se manifesta de diversos modos no organismo e devemos
estar atentos a suas formas de manifestações. No rosto, há palidez maior ou menor causada pela contração dos vasos que levam o sangue
para a face. Os olhos ficam esbugalhados, bem abertos, com os cantos
internos suspensos. A expressão do olhar é característica e as sobrancelhas ficam franzidas, devido à contração da musculatura frontal, com
rugas no meio da testa. Um suor pegajoso e frio pode aparecer na face
e espalhar-se pelas mãos e no corpo.
Nos membros há contração muscular generalizada, pois a função
básica do medo é permitir que o organismo reaja à ameaça fugindo e
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para fugir é necessária a contração muscular. Às vezes o medo é tão
grande que as pernas começam a tremer e a pessoa fica parada, presa
no chão. As mãos ficam frias, suando muito. Os cabelos dos braços podem ficar levantados.
Mesmo que a ameaça não seja real os músculos se contraem,
preparando o organismo para uma fuga que não vai existir. Os efeitos
maléficos desta contração se fazem sentir no organismo: a musculatura
fica contraída, envolvendo-o como se fosse uma couraça, o que traz
profundo desconforto e mal estar à pessoa, inclusive dores, às vezes.
Durante o medo o organismo reage com a chamada resposta ao
estresse, de modo semelhante ao que ocorre na raiva e em outras emoções, com produção de maior quantidade de adrenalina, noradrenalina e
cortisona. O açúcar do sangue sobe, para servir como fonte rápida de
energia para o caso de fuga. A boca fica seca, o coração dispara, a respiração fica acelerada, a tensão arterial pode subir. Estas reações podem durar minutos ou horas, mas podem durar dias se o medo for mantido com danos sérios à saúde da pessoa.
Como agir no Medo e na Preocupação
A preocupação é a forma de medo mais encontrada na nossa vida.
A tendência natural das preocupações é de crescer em espiral, pois
pensamentos automáticos negativos vão se juntando aos iniciais, agravando a ansiedade que existe quando há medo. É importante estar
sempre vigiando nossos pensamentos para identificar os que são preocupantes logo que surgem e atuar sobre eles impedindo que cresçam.
A reflexão construtiva, importante para a análise antecipada de situações futuras, pode ser um problema quando o medo se alia a ela,
135
transformando-a em preocupação, geralmente acompanhada de maior
ou menor ansiedade. A mente pode fixar-se obsessivamente na ameaça
real ou aparente e surgir um componente pessimista de pensamento, de
que “nada vai dar certo”, “tudo vai se acabar” e que “virá uma catástrofe
na vida”.
A maioria das preocupações não têm base em coisas reais de
nossa vida e são o resultado de avaliações irrealistas que fazemos de
determinadas situações, levados por pensamentos automáticos, irracionais . Nós criamos os problemas em nossa cabeça e nos entregamos a
eles de forma irracional. Daí o conselho: não devemos nos entregar a
nossas preocupações, nem ficar ruminando sobre elas. Muitas vezes
criamos problemas em nossas cabeças devido a avaliações indevidas da
realidade que nos trazem grandes sofrimentos.
Os efeitos corporais são os mesmos do medo, variando de intensidade a depender da intensidade da preocupação. Uma pessoa que tem
preocupação crônica sente mal estar físico devido à contração generalizada de seus músculos, que terminam ficando endurecidos, como uma
couraça. A pessoa vai ficando encurvada, principalmente nos ombros e
sente os músculos de seus braços e pernas “presos”.
Podemos ter as seguintes condutas:
● Reflexão construtiva:
Pode ser muito útil uma reflexão construtiva realista e positiva, sobre a situação. Por exemplo, se alguém está preocupado com a nota
que vai tirar em uma prova, achando que vai ser baixa, pode fazer a seguinte reflexão construtiva: “Ora, se tem dez assuntos que entram na
prova e eu já estudei oito e os sei bem, se eu estudar os outros dois,
terei toda probabilidade de ter uma boa nota. Por isto não devo ficar
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preocupado e posso me divertir com tranqüilidade”. Se a reflexão levar à
conclusão que realmente estudou pouco e que pode tirar nota baixa, o
que deve ser feito para afastar a preocupação é estudar mais.
● Relaxamento:
O relaxamento atua na preocupação porque a atenção da pessoa
é desviada do foco da preocupação para sua respiração ou para as palavras que está repetindo. Segundo Assagiogli (1992), quando alguém
dirige sua atenção para o objeto que o preocupa, transfere para ele a
energia da atenção, o que faz a preocupação crescer mais. A preocupação como que “atrai” a atenção e forma-se um círculo vicioso: a atenção
aumenta a preocupação e a preocupação “atrai” a atenção, que aumenta a preocupação. Para quebrar este círculo vicioso é preciso que se
dirija a atenção para outra coisa, o que se consegue através do relaxamento. Ao fazer o relaxamento se retira aos poucos a energia da preocupação, ela vai diminuindo e pode até desaparecer.
Quando a preocupação não se extingue completamente e volta
pode-se usar a mesma técnica para combatê-la minando cada vez mais
a energia. O importante é que não se deixe a preocupação solta, não se
entregue a ela.
Por outro lado, através do relaxamento a pessoa está desfazendo
um dos efeitos corporais da preocupação, a contração muscular, que
causa mal estar e até dor.
● Ginástica facial:
Um dos efeitos corporais do medo é a contração dos músculos
frontais, levando a testa a ficar com rugas e as sobrancelhas franzidas.
Os olhos ficam abertos com os cantos internos suspensos. Uma pessoa
com preocupação crônica incorpora estes traços na fisionomia e sua
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face vive permanentemente enrugada, as sobrancelhas franzidas, de
“cara amarrada”. A ginástica facial feita com regularidade é útil para desfazer estes efeitos sobre os músculos da face.
● Escrever sobre sua preocupação:
Segundo Goleman (1996), o psicólogo James Pennebaker mostrou
que se a pessoa fala sobre suas preocupações ou escreve sobre elas
quinze ou vinte minutos por dia, durante cinco dias seguidos, isto tem
efeito benéfico. Foi verificado que as defesas orgânicas da pessoa melhoram com estas estratégias, bem como sua produtividade no trabalho,
porque o medo tem efeito paralizante sobre a atividade. Este é o poder
do “desabafo”, que a pesquisa mostra ser útil também para a raiva e
para a tristeza.
● Exercícios Físicos:
Os exercícios físicos são úteis para neutralizar as reações corporais do medo e da preocupação crônica, principalmente os que utilizam
contração muscular vigorosa e a musculação. A musculação deve ser
feita com acompanhamento médico e com todos os cuidados necessários para não ter efeitos danosos sobre a saúde.
A massagem de grupos musculares específicos e os exercícios de
alongamento e relaxamento são úteis para desfazer os efeitos corporais
do medo. Dentre os exercícios específicos, pode-se apertar com as
mãos uma bolinha de borracha ou de papel. Outro exercício é apertar as
mãos com força, uma segurando a outra, ambas colocadas nas costas.
● Infundir confiança:
Se a pessoa está com medo de alguma coisa e tem fé em suas
crenças religiosas, ela deve apegar-se às suas crenças porque isto lhe
infundirá confiança. Mesmo sem haver nenhum efeito sobre o compor-
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tamento real da situação, o efeito psicológico será muito bom, pois diminuindo o medo, diminuirão seus efeitos maléficos sobre o organismo. Se
alguém está com medo de alguma coisa, pode recorrer à reza pedindo a
Deus ou a algum santo para ajudá-lo. Isto lhe dará forças para enfrentar
melhor a situação.
Repressão do Medo
O medo, apesar de todos os males que acarreta tem o seu lado
bom e pode nos trazer alguns benefícios. Na defesa do organismo pode
ser muito útil: quando uma pessoa ouve um tiroteio é devido ao medo
que se joga imediatamente no chão para proteger-se. Se tem uma briga,
é o medo que nos faz fugir da confusão. O medo nos faz cautelosos e
prudentes ao agir, o medo da violência e dos assaltos nos faz precavidos e prudentes ao sair de casa. O medo da morte nos impede de reagir
aos assaltos e de correr em alta velocidade nas estradas.
As preocupações nos ajudam a resolver problemas futuros e a nos
preparar psicologicamente para enfrentá-los. A preparação psicológica
pode diminuir o estresse e a ansiedade na hora do confronto com o problema. O medo de fracassar nos estimula a fazer as tarefas com mais
cuidado e a nos prepararmos com mais interesse e motivação, melhorando nosso desempenho.
O medo de doenças nos faz prevenir contra elas, como por exemplo evitar o uso de gorduras animais, carne vermelha, leite integral, manteiga, queijo, etc., para que o colesterol não aumente no sangue levando
a doenças como o enfarte do coração e hipertensão arterial.
As emoções reprimidas podem produzir efeitos maléficos no organismo, tanto as negativas, raiva, medo e tristeza, quanto as positivas,
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alegria e afeto. Um dos efeitos negativos da repressão das emoções na
criança é formar um adulto insensível, indiferente às suas emoções e às
dos outros .
Steiner (1998) refere resultados de pesquisas em que presidiários
condenados por assassinatos cruéis relataram viver em estado de profunda insensibilidade emocional e que são praticamente desprovidos de
sensações emocionais. Dizem que cometem violências com outras pessoas na esperança de que tais atos rompam sua insensibilidade e os
façam sentir algo. Estes homens foram vítimas de agressões e de diversos traumas emocionais e físicos em suas vidas. Uma maneira de lidar
com esta situação é fazer educação das emoções, o aprendizado da
consciência emocional e desenvolvimento da empatia.
Segundo Accioly (1996), o medo reprimido pode ser substituído
pela raiva, tristeza ou falsa alegria. Já a alegria, o afeto, a raiva e a tristeza, quando reprimidos, podem ser substituídos pelo medo. Em vez de
sufocar as emoções, o que possibilitará que cresçam despercebidas,
elas devem ser controladas. Para isto devemos identificá-las e compreendê-las e modificar a situação em nosso benefício. Primeiro, é preciso
que se tome consciência da existência da emoção, prestando atenção a
nossas reações corporais: coração batendo forte, respiração acelerada,
suores no rosto e nas mãos, músculos tensos, etc. Segundo é preciso
atenção aos nossos pensamentos e que façamos um diálogo conosco
mesmos ou nos concedamos uma trégua, saindo da situação durante
algum tempo para tentar controlar nossas atitudes.
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Ansiedade
A ansiedade é uma reação natural do organismo diante de certas
situações da vida: antes de um exame médico ou de uma prova, diante
de uma mudança importante em nossa vida, diante de um futuro incerto.
Ela é útil enquanto nos ajuda a preparar-nos para lidar com algum perigo. Pode surgir diante de situações do dia a dia ou pode ser criada pelo
pensamento, em situações que realmente não ocorrerão.
Alguns autores fazem diferença entre a ansiedade e o medo: acham que no medo a reação é contra uma ameaça precisa, determinada
e que na ansiedade a reação é contra algo vago e não específico. Quanto à relação entre ansiedade e angústia, a angústia é considerada como
uma continuação da ansiedade, um estágio mais avançado dela.
A ansiedade passa a ser maléfica quando é excessiva ou se instala de maneira crônica. A pessoa passa a se sentir doente, com falta de
ar, palpitações no coração, formigamentos, cansaço, muita tensão muscular, dores nos músculos, dorme mal, tem queixas do estômago, intestinos, etc. Pode comprometer o funcionamento do sistema responsável
pelas defesas do organismo, facilitando as infecções. Pode levar ao infarto do coração, causar úlcera do estômago e intestino, desencadear
acesso de asma, etc.
A ansiedade interfere negativamente nas atividades intelectuais,
inclusive na aprendizagem e na avaliação do rendimento escolar a preocupação que cursa com ela é a essência desta ação negativa. Mesmo
em pessoas bem dotadas intelectualmente a ansiedade perturba a atividade intelectual e elas produzem menos do que o que poderiam produzir
se não estivessem ansiosas. Segundo Goleman (1996), pesquisas de
141
Alpert mostraram que a apreensão antes e durante a prova interfere na
clareza do pensamento e na memória do estudante.
Daí sua repercussão no rendimento escolar: quanto mais a pessoa
tem tendência para preocupar-se mais fraco poderá ser seu desempenho
na escola, em notas de provas ou testes. Ela tende a ter pensamentos automáticos negativos, do tipo “não vou conseguir fazer isto” ou “não sou bom
nisto” e começa a atividade achando que vai fracassar.
Segundo o autor retro-citado foi realizada pesquisa com pessoas
sem tendência a preocupações, pedindo-se a elas que antes de executarem
novamente a tarefa que já tinham executado antes se preocupassem com
alguma coisa e o resultado é que suas capacidades de realização foram
reduzidas.
O relaxamento interfere positivamente sobre a atividade intelectual
de pessoas preocupadas - mostrou uma pesquisa com preocupados que
tiveram um período de relaxamento de quinze minutos antes de realizar
determinada tarefa. Depois do relaxamento eles tiveram melhores resultados do que antes, pois o relaxamento diminui o nível de preocupação.
Quanto maior o número de preocupações maior a redução da capacidade de executar determinada tarefa, pois a energia mental que
deveria ser normalmente utilizada para executá-la é desviada pela preocupação. Neste sentido, as preocupações encaminham a pessoa ao
fracasso. Pessoas capazes de administrar adequadamente suas emoções podem usar a ansiedade que precede a execução de qualquer tarefa - prova, teste, apresentação, discurso, etc. - para motivar-se e preparar-se melhor para a tarefa. Por outro lado, os estados de espírito positivos, em que predominem a descontração e o bom humor, aumentam
142
a capacidade de pensar com maior flexibilidade e levam a maior facilidade para encontrar soluções para problemas.
Daí a recomendação de que imediatamente antes das provas o
melhor é relaxar, distrair-se e ouvir uma boa piada. Não adianta ficar
estudando de última hora, pois isto só aumentará a ansiedade e prejudicará o rendimento na prova. Estudos mostraram que pessoas que acabaram de ver um vídeo de humor na televisão eram melhores na solução
de um quebra-cabeça, do que outros que assistiram antes um filme sobre matemática.
Como agir na Ansiedade
O relaxamento é útil para administrar a ansiedade pois diminui a
frequência dos batimentos do coração e o número de respirações por
minuto. Se tiver uma raiva por trás da ansiedade e da angústia esmurrar
umas almofadas pode ser útil, segundo Filizolat (1998).
Outra forma é exprimir o que sente através de uma carta para a
pessoa de quem se está com raiva (não precisa mandar), pintar, desenhar, cantar, tocar o instrumento que gosta.
143
144
6.
Como agir na tristeza
A morte do amado
Ana e Roberto conheceram-se ainda jovens, ele com vinte anos e
ela com dezoito. Namoraram, noivaram, casaram, tiveram dois filhos e
durante muitas dezenas de anos tiveram uma vida de harmonia, compreensão e afeto, um sempre procurando agradar o outro. Ao longo do
convívio se habituaram um ao outro, celebraram juntos as mesmas alegrias, choraram juntos as mesmas tristezas, comungaram dos mesmos
medos e das mesmas ansiedades, sentiram as mesmas raivas.
Acostumaram-se ao apoio que se davam mutuamente e havia um
vínculo existencial muito grande, uma ligação muito forte entre eles. De
repente Roberto morre, vítima de um enfarto fulminante. Ana sente muita falta, e tem um grande estresse, pois perdeu algo que fazia parte íntima de sua vida, que era uma parte de seu eu. Fica desvitalizada, sempre chorando, sem ânimo para enfrentar a vida, muito triste, arredia,
querendo ficar só o tempo todo. Com o tempo foi se recuperando e com
o afeto dos filhos e netos, aos poucos, foi recobrando o ânimo para viver.
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Esta história caracteriza bem a tristeza: é uma reação do organismo a uma perda ou a uma decepção, que leva a pessoa à paralisação
ou ao isolamento, diferentemente de outras emoções que levam ao movimento. Pode resultar de estímulos externos ou internos, sendo que os
externos podem ser perdas materiais ou afetivas, de objetos ou pessoas
com grande significado existencial.
A tristeza decorrente de estímulos internos pode ser porque a pessoa está frustrada por ter errado quando queria acertar, não foi satisfeita
em seus desejos, fracassou ao não ter conseguido fazer algo, ou foi
forçada a satisfazer outra.
A pessoa habitualmente triste já nasce com esta tendência. Segundo Goleman (2006) o psicólogo Jerome Kagan acredita que a pessoa quando nasce pode ser portadora de um temperamento melancólico. Ser triste ou alegre é uma tendência com que a pessoa nasce, relacionada com sua constituição genética.
A finalidade da tristeza é permitir à pessoa aceitar uma realidade
que não pode mudar e criar condições de afastamento para que se reestruture psicologicamente. Ela volta sua energia para dentro de si mesma,
para seu interior, cumprindo uma etapa de repouso necessária para a
reconstrução do seu eu atingido. A pessoa faz um investimento em seu
ser interior. Ela precisa de um tempo para recompor-se psicologicamente, para reestruturar suas forças, pois a perda a deixou fragilizada perante a vida. Este tempo varia de pessoa para pessoa, em função do afeto
e do vínculo que existiam.
Nos casos de morte quem fica, fica triste, recolhe-se dentro de si,
volta sua energia para dentro de si próprio porque precisa dela para o
trabalho de reconstrução. Não tem alegria para divertir-se e para fazer
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vida social. Entra num trabalho de luto, que é muito importante para a
aceitação da nova realidade que não pode ser mudada e para a elaboração de novos planos de vida e de novo modelo existencial, substituindo àquele que existia.
Às vezes a ligação era muito intensa e o membro do casal que fica
é incapaz de recompor-se psicologicamente e vive o resto da vida triste
ou deprimido ou morre pouco tempo depois. Cada um de nós conhece
ou já ouviu falar de um caso destes. A tristeza pode ser decorrente da
morte, ou de qualquer situação em que haja perda de algo muito importante para a pessoa.
Existem muitos disfarces da tristeza com diversos nomes, sendo
chamada de depressão no terreno da doença. (ACCIOLY, 1996 E
GOLEMAN, 1996). Estas são algumas denominações: desilusão, melancolia, nostalgia, sofrimento, mágoa, desalento, desânimo, solidão, desamparo, desespero. Às vezes a pessoa refere estar desprezada, desgostosa, rejeitada, amargurada, consternada ou desencorajada.
Reação de luto e conseqüências da tristeza
A reação de luto é provocada pela necessidade de submissão de
uma pessoa a uma situação que ela tem de aceitar. Ela é impotente diante de grande perda na vida e a alternativa que lhe resta é chorar.
Ela é vivida quando há morte de um ente querido e em outras situações: separação, perda, mudança de casa, entrada em aposentadoria,
mudança de trabalho, esperança decepcionada, perda de um objeto ao
qual se é apegado, etc. No trabalho de luto é importante a pessoa chorar. A repressão da tristeza, através da repressão do choro, leva à interrupção do trabalho de luto que é importante para a solução adequada da
147
situação. Segurar o choro significa gastar energia para impedir que as
lágrimas corram, além de inserir tensões em nosso corpo.
Fillizolat (1998), descreve cinco etapas do luto, sendo que de início a
pessoa reage à nova realidade, e luta contra ela, para finalmente render-se.
● A primeira é a da negação:
A realidade ainda não pode ser encarada e a pessoa procura se
proteger de emoções mais intensas. Ela não aceita a situação e não
quer compreende-la. Então, é melhor negar tudo: “Não, ele não morreu,
não é possível”; “Não, ele não me deixou, é tudo mentira”, e assim por
diante.
• A segunda é a da raiva.
A pessoa se sente frustrada com a perda do que queria continuar
a ter e fica enraivecida. Passa a protestar e a acusar a todos em volta de
si ou a si própria. Fica a remoer seu sentimento de culpa: “Ele morreu
porque os médicos foram incompetentes! Este hospital tem um péssimo
atendimento!”. Ou então: “A culpa é minha, eu devia ter visto que eles
eram incompetentes!”
• Na terceira etapa, a pessoa se põe a negociar e a fazer promessas, para ter o que perdeu de volta.
• A quarta etapa é da depressão, em que há aceitação da realidade imutável. A energia que era utilizada na cólera e na negociação
acaba, a pessoa se entrega. Fica abatida e se larga, dizendo: “É isto
mesmo, não o verei mais, acabou tudo”.
• Na última etapa, a pessoa aceita tudo e está preparada para investir suas energias em novos laços. A pessoa fez o luto.
O luto é um processo de adaptação à nova realidade e cada etapa
é importante para estruturar a seguinte e se não é resolvido leva a blo-
148
queios emocionais de conseqüências maléficas devido às emoções que
ficam bloqueadas. É o que ocorre quando acontece algo horrível e procuramos reprimir o acontecimento desagradável, fazendo de conta que
nada ocorreu, utilizando pensamentos do tipo: “Não quero sentir, isto
não tem importância, não vou mais pensar nisto”.
Há dois tipos de tristeza: a natural e a adquirida. A natural é inata,
a pessoa nasce com ela nos temperamentos melancólicos e vem na
programação genética. A tristeza aprendida é adquirida durante a vida, e
o estímulo que a produz é interno, vem do pensamento. A pessoa aprende no convívio com outras, principalmente na família, com pais, irmãos e parentes. É o caso de alguém que convive desde criança com
pessoas melancólicas e deprimidas e que termina triste e deprimida,
pois as emoções são contagiosas.
Para Accioly (1996), a tristeza pode ser devida à pessoa ter errado, não ter sido satisfeita, não ter conseguido executar algo que desejava, em conseqüência de ter satisfeito alguém, ou ter participado de rituais coletivos entristecedores (enterros, cerimônias religiosas, etc.)
As conseqüências da tristeza podem surgir em diversas áreas: no relacionamento inter-pessoal, na área profissional e na área existencial. No relacionamento inter-pessoal, a pessoa pode se sentir desvitalizada no seu
relacionamento. A nível profissional, devido a seu pensamento pessimista, a pessoa deixa de ser competitiva e é menos criativa. Leva à estagnação e à incapacitação profissional, com diminuição da produtividade
no trabalho. No campo existencial a soma de todos estes fatores negativos leva a uma grande limitação existencial ou mesmo anulação, maior
ou menor a depender da intensidade e duração da tristeza. O portador
149
de tristeza crônica não tem alegria para viver, graças aos efeitos corporais desvitalizantes da emoção.
A reação do organismo à tristeza é a paralisação e o isolamento,
com pensamento pessimista. As reações corporais surgem tanto na inata
quanto na aprendida e uma grande característica da pessoa triste está em
sua face: os cantos dos lábios ficam caídos e a expressão do olhar é melancólica, sem vida, sem brilho, de desânimo.
Depressão
A depressão representa a tristeza sob a forma de doença. A tristeza faz parte de nossa vida, mas pode transformar-se em depressão, que
pode durar meses ou anos, podendo atingir todas as idades, desde crianças, adolescentes até adultos, tanto do sexo masculino quanto do
feminino.
Há dois tipos de depressão: a reativa ou situacional e a endógena.
A reativa ou situacional é uma reação do organismo a determinado acontecimento externo, como a perda de um ente querido. Pode aparecer
devido à perda de sentido de vida da pessoa, como no caso de alguém
que se aposentou e não sabe o que fazer com sua vida. Às vezes descamba para o alcoolismo, procurando fugir desta situação que lhe é insuportável.
A depressão endógena é causada por fatores internos do organismo e acredita-se que algumas pessoas podem estar geneticamente
predispostas a ela.
Quem sofre de depressão tem diminuição da serotonina e da noradrenalina, substâncias relacionadas com a transmissão do impulso de
uma célula nervosa para outra. Acredita-se que a fadiga física, lentidão
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mental, falta de energia e de motivação existentes no deprimido estejam
relacionadas com baixos níveis de noradrenalina em seu corpo, por isto
as novas medicações estão se voltando para corrigir a falta de noradrenalina e da serotonina que é responsável pelos estímulos sexuais, impulsos e irritabilidade em indivíduos saudáveis.
A depressão pode aparecer de forma bem evidente ou surgir de
forma velada aparentando outras doenças. É então denominada de depressão latente ou branca. São referidos como fatores que interferem no
aparecimento da depressão, estresse mantido, carência afetiva, comportamento punitivo dos pais, pais muito severos, estresse dos pais, pais
que perderam sua auto-estima, inclusive por desemprego, existência de
conflitos conjugais.
Para que uma pessoa seja considerada portadora de depressão é
preciso que apresente pelo menos cinco das queixas seguintes, durante
pelo menos duas semanas seguidas:
• Sentimento de tristeza ou vazio, durante todo o dia, durante
muitos dias.
• Perda de vontade de alimentar-se.
• Diminuição ou perda da vontade de manter relações sexuais.
• Dificuldade para dormir ou sono interrompido ou acordar muito
cedo pela manhã.
• Sensação de fadiga e de cansaço exagerado.
• Perda de interesse ou do prazer nas atividades habituais.
• Lentidão ou agitação nas atividades.
• Diminuição da capacidade de concentrar e de pensar.
• Pessimismo, tendência a se ver de forma negativa, desvalorização de si mesmo, pensamentos com auto-acusação.
151
• Pensamentos de morte e idéias suicidas.
A depressão pode variar de uma pessoa para outra, apresentando-se
em algumas com predomínio de agitação e ansiedade e em outras com
lentidão e diminuição das atividades. Deve-se pensar na possibilidade de
depressão quando uma criança ou adolescente ficar retraído dos amigos, o
rosto sério, sem expressar emoções positivas ou negativas, o ar ausente.
Se, ao contrário, ele se mostrar irritadiço, ansioso, agitado, teimoso e insatisfeito, isto também pode corresponder à depressão.
A depressão atinge atualmente tanto adultos quanto crianças.
Pesquisas indicam que cerca de 2% da população infantil e 10% dos
adolescentes são atualmente atingidos pela depressão, segundo Filizolat
(1998).
Como lidar com a Tristeza e a Depressão
Pode-se enfrentar a tristeza comum e a depressão leve utilizandose as estratégias que se seguem, de forma isolada ou combinada. e a
depressão for mais forte, deve ser procurada a assistência necessária.
• Dar sentido à vida:
Uma das causas da depressão é a perda do sentido de vida. Como
a vida não tem um sentido único mas sim diversos sentidos, para evitar a
depressão recomenda-se que pessoa procure estabelecer, no início de
cada dia, uma meta, um sentido imediato para sua vida.
Devemos estabelecer todas as manhãs uma meta ou algumas metas para o dia que está começando, respondendo à seguinte pergunta:
que vou fazer durante o dia? Por exemplo: “Hoje de manhã irei para a
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escola, à tarde estudarei, verei televisão e à noite verei o namorado(a)
ou conversarei com amigos. É importante que se saiba o que fazer com
o tempo, preenchendo-o com coisas significativas e agradáveis, para
que a vida não fique vazia e sem sentido.
Quando alguém está motivado, sabe o que vai fazer, sabe qual a
direção que vai tomar, daí a importância das metas. A meta é um objetivo específico que estimula a canalização das energias em uma determinada direção, enchendo a vida de significado e sentido e devem ser estabelecidas metas estimulantes.
• Distração:
Devemos programar intencionalmente acontecimentos agradáveis
que nos distraiam: r passear no shopping, ao cinema ver um filme cômico, ao teatro ver uma peça de humor, ver uma partida de futebol, ir à
praia, encontrar-nos com pessoas que gostemos, com os amigos, ler
livros e revistas, etc. Estudos mostram que pessoas que vêem muita
televisão ficam mais deprimidas depois de assisti-la (GOLEMAN,1996).
• Praticar exercícios físicos:
As pesquisas mostram que andar e fazer ginástica são exercícios
úteis para combater a depressão leve - tristeza profunda, desânimo e
sentimentos de autodepreciação - porque mudam o estado de espírito. A
ginástica traz maior estímulo para o organismo, contrapondo-se ao baixo
estímulo da depressão.
Pesquisas mostram que o exercício físico freqüente é tão eficaz
quanto a psicoterapia no tratamento da depressão leve ou moderada,segundo Goleman (1997). O exercício parece melhorar o humor através de seus efeitos fisiológicos sobre o sistema nervoso e também atra-
153
vés de seus efeitos psicológicos diretos, proporcionando uma distração
das preocupações do dia-a-dia e diminuindo o estresse. Qualquer forma
prazerosa de exercício pode proporcionar melhora psicológica e ajudar a
contrabalançar os efeitos do estresse.
A ginástica facial feita com regularidade é útil para reverter os efeitos
da tristeza sobre os músculos da face. Quando a pessoa está triste um dos
efeitos corporais da emoção é a contração muscular da comissura labial
para baixo. Toda vez que houver esta contração, será evocada a tristeza e
tudo se passará como se ela estivesse presente. Os cantos dos lábios ficam puxados permanentemente para baixo na tristeza crônica. Um bom
exercício é forçar os cantos dos lábios para cima como se estivesse sorrindo e prender durante alguns segundos, três a quatro sessões de dez
elevações ao dia. Esta é uma forma indireta de combater a tristeza.
• Sorrir
Independentemente da ginástica facial, devemos sorrir sempre,
mesmo que não tivermos motivo real para isto. Quando sorrimos mandamos uma mensagem positiva para o cérebro, pois o ato mecânico de
sorrir evoca a alegria na memória, pois ela condicionou a alegria ao ato
de sorrir. Segundo Assaglioli (1992), uma lei básica da psicologia ensina
que os atos podem evocar emoções, em recíproca ao fato de que a emoção provoca o ato: quando estamos alegres, sorrimos porque estamos alegres e quando sorrimos podemos evocar a alegria.
• Contestar os pensamentos tristes e pensar em coisas alegres.
Devemos procurar mostrar a nós mesmos que a coisa não é tão preta
quanto parece, verificando o lado bom da situação que nos deprimiu. Se a
tristeza é porque alguém perdeu o namorado, lembrar daquelas situações
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em que o relacionamento não era tão bom e nas brigas que tiveram. Lembrar que o mundo não acabou e que a Terra não vai parar. Procurar ter
pensamentos agradáveis e não se entregar: recordar situações divertidas e
momentos de felicidade.
• Melhorar a auto-imagem: tratar bem da aparência, usar o perfume que gosta, vestir-se bem, e se for mulher fazer uma boa maquiagem.
• Ajudar a outras pessoas: ao ajudar os outros, a pessoa se
sentirá útil por estar fazendo o bem e ao mesmo tempo estará desviando
sua atenção de suas preocupações e ruminações, o que será benéfico.
Pesquisas mostram que lançar-se ao trabalho voluntário é um dos mais
poderosos modificadores do estado de espírito negativo.
• Orar: pesquisas mostram que rezar é um meio eficaz para combater a tristeza e a depressão. A pessoa se sente fortalecida e esperançosa ao buscar ajuda sobrenatural.
• Escrever sobre a tristeza: segundo Goleman (1996), James
Pennebaker mostrou que se a pessoa fala ou escreve sobre sua tristeza
quinze ou vinte minutos por dia, durante cinco dias seguidos tem um
efeito benéfico. É o poder do “desabafo”.
• Relaxamento: segundo Goleman (1996) o relaxamento leva o
corpo a uma baixa estimulação e funciona bem para a ansiedade, mas
não tão bem para a depressão,salvo se houver ansiedade.
Conduta na tristeza ou depressão
• Não comer demais pois seguramente isto vai causar malefícios,
principalmente para quem tem tendência para engordar. A pessoa vai se
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arrepender depois e comer demais não vai melhorar seu estado de espírito.
• Não tomar bebidas alcoólicas pois o álcool é um depressor do
sistema nervoso central e só vai piorar a tristeza e depressão. Fuja do
álcool!
• Não usar tóxicos: maconha, cocaína, crack, etc. Os tóxicos não
resolvem nenhum problema nosso. Pelo contrário, só fazem piorá-los,
levando a pessoa à dependência química e psicológica, com suas conseqüências em termos de degradação pessoal, profissional e existencial.
• Não ficar sozinho, para não sofrer com a solidão.
• Não ver filmes e peças de teatro tristes, nem escutar músicas
fúnebres ou depressoras, pois só irão piorar a tristeza, porque vão induzir a acentuação do estado de espírito negativo.
• Não ficar ruminando a tristeza pois isto fará sentir-se pior.
Quando a pessoa triste ou deprimida se entrega à preocupação se fixa
no que está sentindo: no cansaço, na pouca energia que tem na pouca
motivação para executar suas tarefas habituais, no pouco trabalho que
está fazendo. E isto só vai piorar sua situação. Para complicar entram
em campo os pensamentos automáticos, sempre negativos, dizendo-lhe
que todos vão rejeitá-lo, que nunca vai ficar bom, etc. A pessoa deve
reagir e não se entregar.
• Não ficar o tempo todo chorando e se lamentando. O choro é útil
durante o trabalho de luto e não deve ser reprimido. Entretanto entregarse excessivamente ao choro vai fazer a pessoa prisioneira da tristeza e
da depressão.
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Não reprimir a tristeza
As emoções reprimidas podem produzir efeitos maléficos no organismo e a tristeza é importante para a pessoa aceitar uma realidade que
não pode mudar, dando um tempo através de um afastamento para reestruturar-se psicologicamente.
A repressão da tristeza, através da repressão do choro, leva à interrupção do trabalho de luto, tão útil para a saúde mental. O luto não
resolvido leva a bloqueios emocionais e a emoção fica reprimida, com
prejuízos para a pessoa.
Em vez de sufocar as emoções, devemos controlá-las. Devemos
compreendê-las e usar esta compreensão para modificar a situação em
nosso benefício. Para isto é preciso primeiro tomar consciência da existência da emoção, prestando atenção para suas reações corporais, que
no caso da tristeza são: diminuição da capacidade de fazer as coisas,
sensação de moleza no corpo e de cansaço fácil, cantos dos lábios caídos, olhar vago, fixo, entristecido.
Atenção às reações mentais e comportamentais: isolamento, lentidão do pensamento, diminuição da capacidade de concentração, falta de
prazer ao executar tarefas que habitualmente são agradáveis, alteração
do sono, diminuição do apetite alimentar e sexual.
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158
7.
Alquimia Emocional
Introdução
O sonho dos alquimistas era transformar o chumbo em ouro e o carvão em diamante pois a alquimia é um processo de transformação. O
conceito se estendeu para a psicologia e numa visão metafórica ,a alquimia psicológica consiste em transformar determinados estados interiores em outros. Este é o significado da Alquimia Emocional: transformar
emoções negativas perturbadoras da mente e dos relacionamentos em
outras adequadas ao convívio harmônico e respeitoso.
Em nossa mente habitualmente há uma efervescência de emoções
que aleatoriamente se organizam-se em padrões emocionais capazes de
se expressam em nossos comportamentos, passando a comandá-los,
independentemente de nossas vontades e de forma não consciente.
Ao longo de nossa vida em contacto com a cultura em que vivemos
aprendemos determinados comportamentos emocionais que são expressões de emoções aprendidas, diferentes das inatas, com as quais nascemos. Pessoas mais próximas que exerceram maior influência na nossa socialização são responsáveis pela transmissão de tais emoções,que
159
se expressam em nossos comportamentos sob a forma de padrões. Eles
se repetem em nosso dia a dia sem nos apercebemos na maioria das
vezes.
Tais hábitos emocionais têm por finalidade simplificar nossa vida no
mundo caótico em que vivemos e são semelhantes aos hábitos motores
que temos como dirigir automóvel, montar bicicleta, etc. Devemos nos
esforçar para identificar nossos hábitos emocionais pois somos comandados automaticamente por eles da mesma forma que um avião é conduzido pelo piloto automático em momentos de turbulência e má visibilidade.
Os hábitos emocionais inadequados podem dificultar ou deteriorar
nossos relacionamentos, por isto devemos identificá-los e reconhecê-los
no momento em que surgem e fazer um esforço para compreendê-los e
estabelecer estratégias para modificá-los. Isto nos tornará mais donos de
nossas vidas.
Os hábitos emocionais podem ter origem em acontecimentos traumáticos da infância ou ser aprendidos com pessoas de nosso convívio
íntimo. Citaremos o caso de Roberto, filho único de um casal, que desde
os primeiros anos de sua vida presenciou brigas constantes entre os
pais, com troca de insultos e ameaças de separação. Aos poucos, desenvolveu-se nele o medo de perder o pai ou a mãe ou os dois, o medo
de ser abandonado.
Adulto, Roberto desenvolveu o padrão emocional do medo de abandono e passou a ter medo de ser abandonado pelas pessoas importantes de sua vida. No seu dia a dia é incapaz de suportar pequenas ausências de familiares e pessoas queridas – sempre lhes pede que telefone
logo que chegar ao destino de uma viagem ou que retorne imediatamen-
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te um telefonema não atendido ou um recado deixado na secretária eletrônica. Quando não é atendido, fica magoado, ressentido e triste. A
perspectiva de ficar sozinho lhe desperta profunda tristeza e sentimento
de isolamento, resultando medo incontrolável ou pânico.
Segundo Kabat-Zinn (1990, 2001), a Plena Consciência , método de
análise da mente utilizado há milênios pelos budistas, é extremamente
útil no processo de identificação de padrões emocionais inadequados.
Objetiva ver as coisas como elas realmente são e com mais clareza, sem
tentar modificá-las, entretanto. É um modo de treinar a mente para expandir a consciência. Difere da meditação concentrativa.
em que a atenção é centrada em apenas um objeto , pois na plena
consciência a atenção permanece receptiva a qualquer evento consciente, sobre o qual ela se atém temporariamente, por ser o evento mais
evidente naquele momento. A atenção não deve fixar-se em um determinado objeto e sim passar para outro que a solicite.
A Plena Consciência é de grande utilidade para o reconhecimento
de nossas emoções e particularmente para a identificação de padrões
emocionais inadequados ocultos, trazendo-os à luz da percepção, permitindo que os identifiquemos e nos libertemos de seus domínios.
A partir das últimas décadas do século XX vem se desenvolvendo
um ramo da terapia cognitiva denominado Esquematerapia que tem por
objetivo tratar hábitos emocionais inadequados e um de seus expoentes
é Bennett – Goleman (2001). Para ela a Plena Consciência provoca uma
transformação no cérebro que faz as emoções perturbadoras se converterem em emoções positivas devido à maleabilidade cerebral, que permanece ao longo da vida e nos permite desafiar e vencer antigos hábitos
emocionais inadequados.
161
Para a esquematerapia um esquema é um conjunto de maneiras
que a mente organiza, armazena e age com relação a uma determinada
tarefa. São considerados dez esquemas principais, cada um com muitas
variações e admite-se que a maioria das pessoas tem um ou dois dos
esquemas principais ao lado de outros.
Há dois grupos de esquemas: os que se desenvolvem na vida pessoal, no amor, família e amizades e os que aparecem na vida socialescola, trabalho e comunidade. Na vida pessoal são descritos os esquemas de carência, submissão, medo de abandono, desconfiança e
incapacidade de ser amado. Na vida social são considerados: exclusão,
vulnerabilidade, fracasso, perfeccionismo e superioridade. Subjacentes a
cada esquemas e servindo de base emocional para eles estão diversas
emoções: medo, raiva, tristeza, pânico, solidão, mágoa, ressentimento,
ansiedade, vergonha, humilhação.
A identificação de um ou mais destes esquemas em nossa mente
é um trabalho para a Plena Consciência. Com o exercício permanente
da plena atenção podemos detectar o que ocorre em nossa consciência
e perceber o momento exato em que nosso comportamento passa a ser
guiado por determinado esquema em que perdemos o controle consciente do comportamento, passando a ser reféns de padrões emocionais
enraizados em nossa mente que nos conduzem de modo automático.
Neste momento deixamos de ser nós mesmos e podemos fazer coisas
das quais podemos nos arrepender depois.
Um modelo para a Mente
A maioria esmagadora das informações que chegam a nossa mente
passa despercebida de nossa consciência: são percebidas, mas não
162
temos conhecimento da existência delas porque não atingem o nível de
percepção consciente. Segundo Bennett- Goleman (2001) menos de um
por cento das informações que a mente recebe alcança a percepção
consciente, conseqüentemente a maior parte do que registramos em
nossa mente e a maneira como reagimos aos acontecimentos são
controlados por uma parte invisível dela, embora tenhamos a impressão
que sabemos tudo que se passa conosco.
É importante sabermos que a mente seleciona apenas alguns
aspectos do mundo em nossa volta para trazer ao raio de ação de nossa
atenção e que a maioria das informações fica fora de nossa percepção
consciente.
Nossas
reações
automáticas
e
muitos
de
nossos
pensamentos e sentimentos não são conscientemente percebidos: eles
existem e podem interferir em nossas atitudes e comportamentos.
Da mesma forma que um comportamento motor repetido se
transforma em hábito e passa a ter existência própria repetindo-se
automaticamente, independentemente da atenção e vontade, um
comportamento emocional repetido muitas vezes transforma-se em
hábito e passa a ter existência própria, repetindo-se automaticamente.
Os hábitos emocionais podem ser aprendidos com pessoas de
nosso convívio: uma criança que conviveu com uma mãe com medo de
barata aprende este medo e, quando adulta, ao ver uma barata, até
mesmo de brinquedo, se descontrola emocionalmente e foge gritando.
Um menino que conviveu com um pai autoritário que sempre
queria ter suas ordens e vontades imediatamente satisfeitas, pode
desenvolver quando adulto um hábito emocional da superioridade e
querer que todas suas vontades sejam imediatamente satisfeitas. Uma
criança que presenciou brigas freqüentes entre seus pais, aprende que
163
os problemas de relacionamento devem ser resolvidos com agressões,
insultos, gritaria e afastamento. E tudo se passa sem que a pessoa
tenha conhecimento. A causa de tudo está escondida em sua mente
determinando
uma
conduta
inadequada
prejudicial
para
seus
relacionamentos e para sua vida pessoal.
Hábitos Emocionais
Segundo Bennett-Goleman (2001),Gerald Edelman, neurocientista
vencedor do prêmio Nobel, acredita que nossos hábitos de pensar, sentir
e reagir têm uma base neuronal e adquirem forma ao nível dos
neurônios através do impacto de suas repetições, agindo sobre as
conexões entre as células cérebrais . À medida que um hábito é repetido
com regularidade os neurônios que estão sendo utilizados para sua
realização vão se fortalecendo, enquanto outras conexões não
relacionadas com o hábito se tornam mais fracas.
O mesmo ocorre com os hábitos emocionais. Se você aprender a
reagir de forma impulsiva e a entregar-se sempre à raiva quando for
contrariado e repetir este comportamento toda vez que não for atendido
em seus desejos, terminará adquirindo o hábito emocional inadequado
de querer sempre ser satisfeito imediatamente e isto poderá trazer
problemas em seus relacionamentos.
Você deve procurar reconhecer o hábito inadequado no momento
em que ele ocorre e esforçar-se para controlá-lo. Verá que com o passar
do tempo o hábito se enfraquecerá e tenderá a extinguir-se. Mas para
isto é preciso uma decisão efetiva de combatê-lo e uma vigilância
permanente sobre sua mente – você deve ficar vigilante, esperando que
o hábito se manifeste a qualquer momento. A plena consciência deve ser
164
praticada principalmente nas situações em que você sabe que o hábito
poderá se manifestar.
A extinção do hábito é progressiva. Com o tempo as ligações
neuronais responsáveis pela sua existência irão se enfraquecendo e
outras serão criadas pelo novo comportamento, cuja repetição regular
terminará por prevalecer sobre as do hábito pernicioso. Esta é a base
neurológica para extinção dos hábitos inadequados – na medida em que
eles
forem
desativados
pelo
desuso
perderão
suas
forças
e
desaparecerão.
Segundo Bennet Goleman (2001), o monge budista Nyanaponika
Thera descreve um hábito como um impulso momentâneo, um prazer
ocasional, um capricho passageiro que pode através da repetição tornarse um hábito difícil de erradicar, um desejo difícil de controlar e
finalmente uma função automática que não é questionada. Através da
satisfação repetida de um desejo, o hábito é formado, e assim o
condicionamento pode se transformar em compulsão.
Os esquemas
O esquema é um modo que a mente utiliza para simplificar nossas
ações diante da complexidade da vida resultante das múltiplas
informações que recebemos através da visão,audição, tato, olfato, etc.
Eles são responsáveis pela seleção do que deve entrar ou não no
compartimento invisível da mente e funcionam como modelos mentais de
nossa experiência, servindo para lhe orientar como agir diante de novas
situações. São valiosos pois não temos condições de analisar
logicamente cada nova situação vivida e lançamos mão dos esquemas
armazenados na mente, prontos para serem utilizados.
165
Usamos os esquemas com tanta freqüência que, depois de praticálos
algumas
vezes
os
colocamos
em
ação
sem
pensar,
automaticamente. E sem gastar maior quantidade de energia mental,
que teria de utilizar se fosse analisar,compreender e encontrar uma
solução lógica para resolver toda situação nova com a qual se
deparasse. A utilidade e a eficiência dos esquemas decorrem de que
você não precisa prestar atenção quando os executa: basta colocá-los
em ação e eles lhe ajudarão a administrar sua vida.
Os esquemas facilitam nossas vidas. Entretanto no caso das
emoções, embora a maioria dos esquemas seja útil podem surgir alguns
que em vez de ajudar a resolver problemas passem a criar novos
problemas
prejudicando
os
relacionamentos.
É
importante
ter
consciência da existência de tais esquemas deletérios e saber que eles
podem ser modificados, desde que levemos uma atenção consciente a
estes hábitos.
É preciso sabermos que quando sob o comando dos esquemas
inadaptados reagimos a determinadas situações sempre da mesma
forma, impelidos por um mesmo conjunto de pensamentos, sentimentos
e ações inadequadas, decorrentes de nossa confusão emocional.
Segundo Bennett-Goleman (2001) os esquemas determinam a
própria realidade e o fato de reconhecermos esses padrões ocultos nos
ajuda a ver mais as coisas como elas realmente são, baseados em uma
percepção mais plena e precisa. Ao reconhecermos o princípio
organizador em funcionamento, não mais precisamos nos sentir tão
indefesos e vítimas das velhas reações pois podemos a transformar
nossa paisagem interna.
166
Tipos de hábitos emocionais inadequados
Analisaremos a seguir os esquemas da vida pessoal de carência,
submissão, medo de abandono, desconfiança e incapacidade de ser
amado e faremos a análise de cada um deles.
Medo de abandono – no esquema do medo de abandono a pessoa
tem medo de ser abandonada porque na infância viveu uma situação de
verdadeiro abandono ou sentiu-se simbolicamente abandonada. Bennett
– Goleman (2001) traz o exemplo de uma cliente sua que perdeu a mãe
quando tinha três a quatro anos, sentindo-se sozinha a partir de então.
Outro cliente desenvolveu medo de abandono aos sete anos, quando o
pai morreu com um ataque cardíaco e sua mãe sempre era ausente ou
viajava freqüentemente.
Quem tem medo de abandono teme que as pessoas importantes de
sua
vida
possam
deixá-las
e
passam
a
dar
uma
dimensão
completamente irreal a situações que outras pessoas normalmente não
dariam maior importância. São causas do medo de abandono:
■ Situações em que houve abandono real da pessoa na infância,
como no caso de morte de pai ou mãe, ou quando um dos pais abandona o lar.
• Situações em que houve um abandono simbólico como ter pai
ou mãe instável, não confiável ou emocionalmente distante. Um pai ou
mãe alcoólatra, que às vezes está de bom humor e às vezes está muito
zangado pode induzir medo de abandono.
As emoções características destas pessoas são tristeza e sentimento de isolamento com o medo e o pânico conseqüentes. A reação natural
de uma criança ao medo de perder uma pessoa importante em sua vida
167
é agarrar-se cada vez mais a ela, levando ao apego, de natureza compensatória. O problema surge quando a criança se torna adulta e reage
da mesma forma, criando um apego ansioso em relação a pessoas que
lhe são caras.
A pessoa fica preocupada com seus comportamentos temendo que
uma conduta errada sua leve o parceiro a abandoná-la , e passa a ter
necessidade de uma reafirmação constante de que o relacionamento
está firme e seguro. Este apego ansioso super- compensatório, pode
afugentar o parceiro.
As estratégias de evitação utilizadas segundo a autora BennnetGoleman (2001), são:
• fazer concessões e aceitar um mau relacionamento, com medo
que o parceiro vá embora;
• fugir de um relacionamento antes que o parceiro vá embora;
• passar o maior tempo possível com o parceiro;
• fazer sempre acusações ciumentas, hipersensível a qualquer
indício real ou simbólico que será abandonado.
O portador de medo de abandono deve aprender a identificar e rastrear este esquema logo que ele se manifeste, ficando atento para hipersensibilidade à separação, para o medo de ser deixado, o apego desesperado às pessoas e ao pavor ao isolamento. Deve se conscientizarque
não irá se desestruturar se ficar sozinho se alguém lhes deixar, e convencer-se que não há motivo para ser abandonado.
Carência - é um padrão emocional inadequado que decorre da pessoa não ter suas necessidades de atenção, amor e carinho satisfeitas
durante a infância. Quando adulta ela se torna carente da atenção e dos
168
cuidados dos outros, principalmente de seu parceiro mais íntimo. A crença fundamental da pessoa com o esquema da carência é que suas necessidades não serão satisfeitas. B ennet- Goleman (2001), relata o caso
de uma cliente filha de pais alcoólatras que não teve atenção e carinho
quando criança, e não era escutada quando solicitava as coisas que necessitava. Quando adulta sentia dificuldade em pedir ao marido o que
desejava.
A causa da carência pode estar em pais sempre ocupados com seu
trabalho ou com seus próprios problemas, pais alcoólatras ou que não se
importam com as necessidades emocionais dos filhos e nunca estão
disponíveis. A manifestação da carência no adulto pode ser a hipersensibilidade a qualquer indício de que não está sendo notada ou não está
recebendo a atenção e os cuidados devidos, principalmente de seus parceiros íntimos.
As emoções fundamentais da carência são tristeza, solidão e desesperança, pelo fato da pessoa achar que não é devidamente valorizada e compreendida. Além disto vem a raiva, decorrente das necessidades não serem atendidas.
As estratégias adotadas na carência são variáveis. Algumas pessoas ficam muito zangadas e ressentidas quando não são atendidas em
suas necessidades e agridem as pessoas que as desapontam. Outras
procuram autogratificação comendo demais ou gastando muito consigo
mesmas e são muito exigentes com os outros, de modo que nunca se
mostram satisfeitas. Outras pessoas para não se magoarem em seus
relacionamentos, adotam um padrão de evitação: procuram manter os
outros à distância, se mostram reservadas e habitualmente não revelam
seus sentimentos e necessidades.
169
Bennet-Goleman (2001) relata o caso de um cliente extremamente
solícito e prestativo, sempre disposto a fazer favores e que ficava muito
triste porque ninguém parecia querer lhe dar atenção e apoio, sem se
lembrar que ele não era capaz de expressar suas necessidades.
Ela recomenda ao portador de carência um esforço para identificar e
reconhecer o esquema logo que ele se manifestar e procurar convencerse que é capaz de ser objeto do amor, carinho e atenção dos que o cercam. Outra recomendação é que aprenda a comunicar suas necessidades, pois só assim os outros poderão atendê-las.
Subjugação – é um padrão emocional que surge em pessoas que
durante a infância foram submetidas a relacionamento opressivo e castrador com seus pais ou um deles e foram sempre coagidas a fazer o
que era determinado, independentemente de sua vontade. Como a pessoa foi acostumada a atender às ordens, leva para a vida de adulto a
crença que sempre deve satisfazer aos outros.
Bennet Goleman (2001) relata o caso de uma paciente cuja mãe era
extremamente dominadora e tomava todas as decisões por ela, mesmo
quando adolescente. Não tinha o direito de opinar. Ela comprava seus
sapatos e roupas sem perguntar do que ela gostava.Tudo sempre era da
maneira que a mãe queria.Hoje, nos seus relacionamentos ela não consegue exigir o que quer e sempre aceita o que a outra pessoa deseja.
A crença fundamental do portador da subjugação é: “tudo é sempre
do jeito que você quer, nunca como eu quero”. Suas necessidades
nunca têm prioridade, prevalecendo as do outro. Embora a pessoa ceda
com facilidade, cada vez que cede surge um ressentimento e a mágoa
170
vai se acumulando e termina por se manifestar sob a forma de raiva,
emoção fundamental deste esquema.
A causa deste esquema está em pai ou pais controladores que
negaram
à
criança
o
direito
de
opinar,desconsiderando
suas
necessidades de autonomia. A autoridade paterna pode se manifestar
diretamente sob a forma de violência com agressão física, ou sob a
forma de controles enérgicos com olhares reprovadores , franzir de
sobrancelhas ou mudanças de tom de voz ,toda vez que a criança
pretendia manifestar seus desejos.
A criança aprende, no convívio , que seus desejos, sentimentos e
necessidades não são importantes e que a outra pessoa que impõe sua
vontade sempre. Aprende que é impotente, no sentido de fazer valer
seus desejos e necessidades.
Quando adultos, estão tão habituados aos outros lhes darem ordens
que perdem o contacto com o que sentem, querem ou precisam. Quando
perguntadas se querem ir ao teatro ou ao cinema ou sobre o filme que
querem ver, respondem que é indiferente - aquilo que o outro escolher é
bom para ela.
Uma das estratégias utilizadas pelos portadores do esquema de
subjugação é a evitação – aprenderam quando crianças que o melhor
era fugir dos pais, com medo de sofrer retaliação se os enfrentassem e
levam este comportamento para a vida adulta. Pensam que assim
garantem a paz interior e nos seus relacionamentos.
Outra estratégia é a rendição - procuram sempre agradar ao outro,
desprezando suas carências e necessidades. Podem ficar amarguradas,
mas assim se sentem seguras em seu relacionamento. Outra estratégia
171
é a fuga: evitam assumir compromissos para não se sentirem
encurraladas ou controladas.
O uso da plena atenção é útil para identificar o padrão de
subjugação, tomando como indícios o fato da pessoa raramente
defender suas opiniões, preferências ou necessidades em seus
relacionamentos íntimos, ou sentir-se usado ou controlado pelos outros,
ou ficar zangado ou ressentido com freqüência, sem exteriorizar seus
sentimentos, procurando se vingar indiretamente fazendo aquilo que a
outra pessoa não gosta. A pessoa deve entrar em contato com estes
sentimentos de ressentimento, frustração e raiva e procurar fazer valer
seus desejos e necessidades.
Desconfiança
A crença fundamental da pessoa com o esquema da desconfiança é
que não pode confiar nas pessoas, pois vão se aproveitar dela ou traí-la
no futuro.
Bennet-Goleman (2001) cita o exemplo de um caso que tomou
conhecimento através do jornal: Mary, uma das 11 filhas de uma mãe
alcoólatra, foi sexualmente molestada por um parente, quando criança.
Depois de apalpá-la ele a ameaçou de bater se contasse a alguém.
Quando contou o ocorrido à mãe, teve como resposta que ela devia ter
se equivocado em relação às intenções do parente. Depois deste
episódio, Mary passou a desconfiar de todos que se aproximam dela,
tratando-os com hostilidade, pois a raiva é a emoção dominante deste
esquema.
Os portadores deste esquema mostram-se permanentemente
vigilantes nos relacionamentos, temendo que os outros se utilizem dela
172
ou serem traídas, e têm muita dificuldade de se aproximarem das
pessoas e de se abrirem com elas.
As causas da desconfiança geralmente estão em abusos: sexuais,
físicos ou emocionais, praticados na infância, ou de maus tratos
impingidos à criança. O abuso físico, sob a forma de surras e corretivos
semelhantes, muitas vezes é utilizado no sentido de “corrigir” a criança; o
abuso emocional pode se expressar sob a forma de críticas severas,
humilhantes e destrutivas ou uma rejeição extrema, alternada com
períodos de delicadeza excessiva.
O abuso sexual geralmente é praticado por uma pessoa da família,
em quem a pessoa deveria confiar, se sentindo traída por ele, com
sentimentos de traição, medo, vergonha e raiva.Quanto maior o abuso e
mais persistente for, maior a desconfiança.
A pessoa pode reagir ao esquema de diversas formas: uma é fugir
de qualquer relacionamento que envolva confiança; outra é idealizar um
parente ou amigo como protetor e irritada com uma suposta traição
voltar-se contra ele. A terceira é praticar também o abuso em outros.
As manifestações do esquema de desconfiança são variadas: uma é
a crença de que as pessoas têm segundas intenções e sempre querem
conseguir algo. Por isto evitam fazer novos relacionamentos temendo
que as pessoas possam magoá-la ou usá-la. Podem torcer as coisas
fazendo com que elas pareçam traições ou tentativa de manipulação,
sendo estas suspeitas mais fortes nas relações íntimas.
O uso da plena atenção é útil para identificar o esquema e as
pessoas alvo de abuso sexual devem procurar um terapeuta para a
devida assistência.
Incapacidade de ser amado
173
A crença fundamental do esquema da incapacidade de ser amado,
também chamado de imperfeição, é que a pessoa não se sente capaz de
ser amada, admitindo ter algo defeituoso e ser imperfeito.
As emoções mais importantes são vergonha e humilhação. Na
origem da imperfeição podem estar pais hipercríticos, ofensivos e
humilhantes, que enviavam mensagens constantes de desaprovação á
criança, do tipo “você não é bom o suficiente”, mensagens estas que
passavam para ela uma imagem detrimental de si mesma. A mensagem
podia ser verbal ou não verbal, do tipo arquear as sobrancelhas e usar
tom de voz sarcástico.
Resulta profundo sentimento de vergonha na criança, devido à
exposição de suas fraquezas, mesmo senda elas não verdadeiras. O
sentimento de vergonha é levado pela adolescência, até a fase de
adulto. A pessoa sente vergonha de si mesma e pensa que quem vier
realmente a conhecê-la não gostará dela, pois ela é imperfeita e cheia de
defeitos.
Para Bennet-Goleman (2001), dois tipos de comportamentos podem
ocorrer nas pessoas com esquema de
incapacidade de ser amado:
algumas sucumbem diante da sensação de desmerecimento e assumem
que ninguém pode confiar nelas.Se escondem e revelam muito pouco de
seus pensamentos e sentimentos, dificultando assim que sejam melhor
conhecidas pelos outros. Defendem-se desta forma da rejeição que
poderiam ter, e têm medo de serem criticadas e desprezadas, vivendo
com um eu falso e superficial. Outras escondem sua imperfeição com
uma fanfarronice arrogante, esforçando-se para serem aduladas.
Este esquema dificulta o relacionamento de seus portadores com as
pessoas, principalmente com as mais íntimas, daí muitos preferirem
174
relacionamentos com parceiros mais distantes. Os indícios deste
esquema são sutis e pode ocorrer uma profunda tristeza quando a
pessoa está sozinha, aliada a pensamentos de que ninguém quer estar
com ela. Outro sinal é humilhar-se perante os outros ou perante si
mesma.
Quem tem incapacidade de ser amado deve fazer um esforço para
desafiar os pensamentos que amplificam seus defeitos e dúvidas em
relação a si mesmos, pois esta é uma maneira de neutralizá-los. Além
disto deve procurar mudar o comportamento procurando acreditar que
seus entes queridos o conhecem bem e o amam como é.
175
176
PARTE II
ASPECTOS SOCIOLÓGICOS
E ANTROPOLÓGICOS
DA EMOÇÃO
177
178
8.
Sociologia e Antropologia
das Emoções
Abordagem antropológica e sociológica da Emoção
Do ponto de vista sociológico a emoção se expressa sob a forma
de um sentimento e há uma relação íntima entre ambos, pois o sentimento, segundo Espinheira (2006), é o “resultado de uma emoção”. Para ele o sentimento não é o mesmo que emoção mas sim o que restou
dela. A emoção é efêmera, passageira e o sentimento pode permanecer
sentido como nova forma de ser, após um acontecido.
Para a perspectiva sociológica importa a expressão da emoção,
que é feita sob a forma de ações com as quais o indivíduo transporta
para sua conduta a emocionalidade, o conteúdo afetivo de suas emoções. Na análise antropológica e sociológica o que importa são as palavras, gestos, expressões corporais e comportamentos do indivíduo, pois
é através deles que podem ser inferidos e compreendidos seus sentimentos e emoções. O importante é a forma de sentir dos que interagem
diretamente no processo sócio-emocional e dos que participam indiretamente do processo através do imaginário social.
179
A concepção de emoção adotada pela Sociologia da Emoção é
concordante com a concepção atual da neurociência e da psicologia,
que consideram o sentimento como percepção da emoção, como uma
conseqüência da emoção (DAMÁSIO, 2004).
O significado da emoção e do sentimento é dado e modelado pela
cultura pois a expressão das emoções dos agentes sociais é modelada,
condicionada, normatizada e ritualizada pela cultura em que eles vivem.
No oriente, na China, Japão e outras culturas asiáticas, o indivíduo é
modelado desde o início de seu desenvolvimento para não externar facilmente suas emoções. Já nas culturas ocidentais, como na cultura americana, italiana e latino-americana, a pessoa é modelada para expressar livremente suas emoções.
Para a Sociologia e a Antropologia das Emoções a emoção é um
agente que pode conformar, estruturar, transformar e mudar a estrutura
social, pois há interação entre os processos sociais e a dinâmica das
emoções de modo que a influência da cultura reflui sobre as expressões
dos sentimentos, podendo haver modificação de suas naturezas
(KOURY, 2005, ESPINHEIRA, 2006).
A Sociologia da Emoção tem por objeto captar os sentimentos que
envolvem o fato sociológico e não o fato em si mesmo. Diferentemente
da Psicologia das Emoções, considera que os elementos constitutivos
das emoções são socialmente dados e estão para além dos indivíduos,
com uma condição social semelhante ao modo de ser, nascer,comer e
morrer (ESPINHEIRA, 2006). Exemplifica citando a morte, em que o
foco sociológico está nos sentimentos que acompanham o luto e não
nas formas de morrer, nem nas cerimônias do luto, que variam de cultura para cultura. Importa para a análise sociológica os sentimentos pre-
180
sentes na situação de perda do ente querido que vão desde a simples
negação, até a raiva, ódio, desespero,prostração e impotência.
A grande dificuldade e a grande limitação da Sociologia da Emoção
reside na captação e classificação dos sentimentos dentro de categorias
sociológicas. Nos casos de violência, o importante não é o fator desencadeador mas sim os sentimentos envolvidos na situação, que são o
objeto analítico da disciplina.
Para Khoury (2004), a emoção é um elemento interativo que orienta as relações sociais. É uma categoria de entendimento capaz de apreender a noção de humano e da sociedade como um todo. Considera
como um dos objetos da Sociologia das Emoções o estudo das relações
sociais que emergem dos atores sociais de populações expostas a situações de risco devido a crises ou tragédias. A emoção seria a medida do
sofrimento social vivenciado pela população exposta.
Outro objeto é: o estudo das expressões individualizadas da emoção objetivando compreender as configurações sociais da subjetividade
do sujeito social que as vivencia. A configuração social é a forma como é
compreendida e compartilhada por uma coletividade espacial e temporalmente dada, a experiência individual da emoção de determinado sujeito social Esta é questão básica: qual a configuração social da subjetividade da emoção vivenciada por determinado sujeito em determinado
lugar, em determinado instante? Devem ser respondidas as seguintes
perguntas: qual o espaço na sociedade para a configuração da emoção
vivida por determinado ator social? Quais as reações dos sujeitos sociais
envolvidos em determinada situação social? Como a coletividade reage
à emoção nela expressada por determinado indivíduo social?
181
A Sociologia da Emoção se ocupa com as repercussões da emoção na sociedade e procura entender a emoção como fenômeno sociológico, estabelecendo canais entre as dimensões micro e macrosociológicas. Resultou de um movimento surgido na Sociologia a partir de 1970,
que procurava dar um valor maior a categorias do self, particularmente à
emoção, na formação, consolidação e movimento das estruturas sociais,
em reação às tendências estruturalistas (KHOURY, 2005).
Ela pretende responder a questões do tipo: a emoção é uma construção inteiramente sócio-cultural? Até que ponto a cultura modula a
expressão da emoção e a própria experiência da emoção? Quais os fatores sociais que influenciam a produção e a expressão da emoção? Até
onde vai esta influência?
Estas questões são válidas na medida que, na perspectiva das
neurociências, a construção de muitas emoções é exclusivamente biológica, sendo elas uma reação adaptativa do organismo a mudanças do
meio orgânico interno.
Antropologia das Emoções como disciplina
A Antropologia das Emoções como especialidade em busca de suas próprias fronteiras, surgiu no mudo ocidental, a partir da metade dos
anos setenta do século XX, segundo Koury (2005:1):
“Sua emergência parece obedecer a uma série de
fatores advindos do conjunto de críticas no interior
do campo das ciências sociais desde os fins da década de cinqüenta e toda a década de sessenta do
século passado, à lógica linear das análises sociais
de cunho mais estrutural que relegavam para o segundo plano a ação social individual e por conseguinte, os atores sociais e sua vida emocional”.
182
Os estudos iniciais procuraram identificar a questão da intersubjetividade como parâmetro da análise sociológica, em autores clássicos da sociologia. No Brasil, a emoção está presente nas obras de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Roger Bastide, mas sem sob a
forma de categoria analítica. Como campo disciplinar surge no Brasil a
partir dos anos noventa do século XX e, até o momento, não tem sido
utilizada como objeto de pesquisa próprio, funcionando no máximo como
variável interveniente na análise social (KOURY, 2005:3).
Segundo Koury (2005:2), a emoção é, enquanto objeto analítico
das Ciências Sociais:
“Uma teia de sentimentos dirigidos diretamente a
outros e causada por uma interação com outros,
em um contexto e situação social e cultural determinados”.
A definição citada envolve como objeto da análise da Antropologia
das Emoções os sentimentos dirigidos por um indivíduo a outros atores
sociais; a interação de tais atores sobre o indivíduo como causa dos sentimentos considerados; o contexto social, ou seja, a natureza da cultura
em que os atores estão imersos; uma situação social e cultural específica. Não contempla a possibilidade de que os sentimentos dirigidos por
um indivíduo a seus parceiros sociais possam ter origem interna e não é
compatível com o conhecimento atual das Neuro-Ciências e da Psicologia das Emoções, que consideram a emoção como uma reação adaptativa orgânica automática, que faz parte da evolução dos seres vivos e se
expressa em seu corpo, sua mente e em seu comportamento, como
resposta a estímulos vindos do meio orgânico interno ou do meio ambiente externo.
183
Acredita o Autor deste livro que mesmo não sendo o estudo das
causas internas da emoção objeto analítico das Ciências Sociais, no seu
conceito esta relação causal deva ser contemplada.
Na concepção da Sociologia e da Antropologia da Emoção o indivíduo é um ser no mundo agindo e interagindo permanentemente com
outros indivíduos e grupos sociais. Na medida que ele interage com outros indivíduos, motivado pela emoção, são geradas em ambos reações
que podem modelar a forma de expressão da emoção original ou mesmo
modificar sua natureza. Se um indivíduo A se relaciona com outro B,
dentro de determinado contexto cultural e social, sob determinadas condições, através do amor romântico e o indivíduo A ama e deseja o indivíduo B, a primeira hipótese que pode ocorrer é que B corresponda ao
afeto de A e o aceite como parceiro para acasalamento. Tal situação vai
modelar o sentimento original do indivíduo A, provavelmente aumentando sua intensidade.
Se não houver a correspondência do afeto, provavelmente o sentimento do indivíduo A se extinguirá em pouco tempo, mas se houver consolidação do amor romântico, o sentimento poderá durar em média de
um a três anos.
Na segunda hipótese, se a reação do indivíduo B é de indiferença ou
rejeição ao sentimento de A, isto poderá modelar o sentimento de A inibindo-o, diminuindo sua intensidade até a extinção ou poderá haver uma
ambivalência do sentimento que mudará de afeição para rejeição. O amor se transformará no sentimento oposto que poderá ir de raiva passageira ou mágoa profunda até ódio mortal. Quantos casos de amor não
correspondido já resultaram em crimes passionais hediondos !
184
A emoção como agente de transformação social
Para a Sociologia e a Antropologia a emoção é um agente transformador social que pode modificar a estrutura sócio-cultural. Na primeira
hipótese considerada, em que os indivíduos A e B evoluem para o acasalamento e procriação, a prole advinda interferirá futuramente nos processos sociais da cultura em que se situam, não só na força de trabalho
social como na própria estrutura sócio- econômica e cultural.
Em relação à capacidade de transformação social da emoção, o que
foi considerado para o amor romântico é válido para outras emoções
como alegria, tristeza, raiva, ódio, medo, vergonha, alegria, que podem
contagiar determinado grupo social e a emoção básica ser modelada,
reforçada ou modificada pela emoção dos participantes do grupo. Menezes (2005), comprovou que os modos de agir e de significar do indivíduo
e a formação dos sujeitos sociais estão relacionados com suas emoções
no seu estudo sobre “A modelagem sócio-cultural na expressão das emoções”. Campos (2005), aborda o papel das emoções na construção
da sociabilidade no seu estudo “Imagens do sofrimento e caridade em
Juazeiro do Norte”. (KHOURY,2005)
Koury (2005:10) vem estudando a relação entre medo e cidade
desde 2001 e considera que
“ em toda e qualquer forma de sociabilidade o medo encontra-se presente como uma das principais forças organizadoras do social “. Ele é fundamental para se pensar os embates
de configuração e processos de sociabilidade e de formação
dos instrumentos da ordem e da desordem que desenham
dialeticamente a ação dos sujeitos e grupos em relação”.
185
Interação emoção, cultura e indivíduo
A cultura influi no comportamento humano e uma mesma cultura
pode influenciar diferentemente indivíduos que nela vivem. Uma explicação das ciências sociais está em um aspecto das culturas ocidentais que
as diferenciam das orientais: a forma com que o indivíduo vê a si próprio,
variável esta que influencia suas emoções e sentimentos.
Para Tsai (2003:245):
“o núcleo interior do eu parece menos dominado pela
cultura, ao passo que a camada externa parece sofrer
forte influência da cultura”.
As perspectivas do “eu” de um indivíduo na cultura em que vive ocorrem em uma série contínua de possibilidades, podendo ir de um extremo a outro. Para os psicólogos Hazel Markus e Shinobu Kitayama, no
limite,o indivíduo que vive em culturas ocidentais tem um tipo de camada
externa do “eu”, chamada “eu independente” , que lhe permite encarar a
si mesmo como algo separado dos outros, inclusive dos pais, irmãos,
parentes, amigos e colegas de trabalho. Ele vê seu “eu” como algo resultante de atributos internos, de seus valores, crenças e convicções
(MARKUS,1991).
Por outro lado, indivíduos estudados nas culturas japonesa, chinesa, coreana e tawianesa têm um "eu interdependente”, típico de culturas
asiáticas. Eles percebem seu “eu” vinculado aos outros, se sentem fazendo parte do contexto social e conectados com o grupo social em que
vivem. O “eu” interdependente é definido pelas relações sociais. Obviamente em ambas as culturas podem ser encontradas situações intermediárias às descritas.
Perguntando-se a uma pessoa “Quem é você” pode-se saber seu
tipo de “eu”. Os americanos com eu independente diriam “Sou extrovertido, simpático, inteligente, uma boa pessoa”. Membros das culturas asiá-
186
ticas se definiriam em relação a seus papéis sociais e diriam “Sou filha
ou filho de fulano, trabalho em tal empresa, toco piano” (TSAI 2003:246).
As metas de alguém com “eu independente” são diferentes das
metas de quem tem “eu interdependente”. As metas e objetivos do “independente” o levam a destacar-se e distinguir-se dos outros através da
expressão de suas convicções interiores, da declaração de suas opiniões, da ênfase em sua importância, principalmente em relação a outras
pessoas.
Já as metas de uma pessoa com eu interdependente são vinculadas aos outros e a estabelecer relações com eles. O eu interdependente
é moderado na expressão de suas convicções e valores e na importância
de sua comparação com outras pessoas.
Estas perspectivas divergentes do “eu” influem grandemente em
diversos aspectos da emoção. Segundo Tsai (2003: 247 ) elas interferem na escolha das emoções que devam ser consideradas como “desejáveis”; no nível básico de excitação emocional do indivíduo; no foco de
atenção da pessoa durante a interação com outros que envolvam emoções; na forma de sentir determinadas emoções, inclusive em suas intensidades.
No que se refere ao que deva ser considerado como “emoção desejável”, enquanto os ocidentais dão valor à auto-estima, à autoavaliação positiva, gostando de dizer coisas positivas a respeito de si
mesmos, os orientais preferem a auto-anulação, a sub-valorização de si
mesmos, cultivando a baixa auto-estima pois aprenderam a comportarse desta forma em suas culturas. Os povos sob a influência do Budismo
têm como traço cultural um auto-apreço diminuído e um valor central do
Budismo Tibetano é a compaixão, considerada um de seus valores fun-
187
damentais, sendo ensinada aos discípulos práticas específicas de meditação para cultivá-la.
Uma técnica prescrita por Gyatso(1995:98) recomenda que
“Contemplemos os sofrimentos de todos os seres sencientes, de modo que possamos gerar compaixão por
eles”.
A auto-estima, percepção dos sentimentos que o indivíduo tem sobre si mesmo, é muito valorizada na cultura americana. Para os americanos é bom ter auto-estima elevada e ruim quando ela é baixa, pois sua
diminuição poderia estar relacionada com ansiedade e depressão. Eles
acreditam que o indivíduo que não se tem em alta conta tem algum problema e recentemente, numa demonstração de apreço ao cultivo da auto-estima, o sistema escolar da Califórnia recebeu milhões de dólares
para melhorá-la em seus alunos (Tsai ,2003: 248).
A cultura modela a emoção
Tsai (2003), relata a avaliação da auto-estima feita em americanos
e asiáticos através de questionários com seguintes declarações: em geral estou satisfeito comigo; acho que tenho um bom número de boas
qualidades; tenho opinião positiva a meu respeito.
Encontrou que pessoas com auto-estima elevada concordaram veementemente com as asserções enquanto as de auto-estima baixa não
concordaram. Na avaliação de grandes grupos houve diferença estatisticamente válida entre os membros da cultura americana e da cultura asiática e os americanos alcançaram média mais elevada do que a dos
japoneses. A pesquisa foi realizada com universitários e mostrou os se-
188
guintes níveis de auto-estima, partindo-se dos valores mais baixos para
os mais altos:
1. Japonês que nunca esteve em outro país.
2. Japonês que já esteve no exterior.
3. Imigrantes asiáticos recentes.
4. Imigrantes asiáticos de longa data.
5. Asiático-canadenses de segunda geração
6. Asiático-canadense de terceira geração;
7. Euro -canadenses.
Os euro-canadenses formaram o grupo que teve auto-estima mais
alta e quanto mais tempo de convivência tinha o grupo com a cultura
americana maior a auto-estima, indicando que a cultura modela e conforma a emoção e o sentimento dos indivíduos.
Pesquisa recente de Tsai (2003: 249), feita entre casais de namorados euro-americanos e sino-americanos para avaliar emoções desejáveis, mostrou que nos seus relacionamentos os casais ocidentais valorizam mais a discordância do que os asiáticos. Na discordância eles têm
oportunidade de expressar seu estado interior, pois dão valor a serem
diferentes dos outros, enquanto os orientais dão mais valor a serem semelhantes aos outros.
Cultura, expressão corporal e intensidade da emoção
A cultura influi na expressão da reação corporal das emoções.
Quando um indivíduo tem uma emoção pode expressá-la através de sinais corporais com maior ou menor intensidade, e até certo ponto a pessoa pode controlá-los. As expressões corporais das emoções podem
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incomodar ou não a quem as presencia, dependendo da sua cultura de
origem e estrutura de personalidade.
Pesquisas mostram que o euro-americano, que com seu “eu” independente dá mais valor a si mesmo, considera mais agradável um estado de grande excitação emocional e deixar aflorar livremente seu estado
emocional, mesmo que isto seja desagradável ou incomodo para quem
esteja próximo (TSAI,2003:251).
Diferentemente, o euro-asiático,com seu “eu” interdependente, é
mais contido emocionalmente, sente-se melhor e dá mais valor a estados de baixa excitação corporal. Face a seu apreço pelo outro, durante a
emoção ele procura evitar incomodar as pessoas próximas ao expressar
suas emoções.
Outras pesquisas de Tsai (2003) mostraram que crianças sinoamericanas eram mais capazes de se acalmar depois da agitação do
que as euro-americanas, havendo indícios de que esta diferença seja
mantida quando ficam adultas.
A cultura parece influir tanto na direção que o indivíduo dá a sua
atenção durante a emoção, quanto na sua intensidade. Segundo Tsai
(2003: 254) durante a emoção, de um modo geral, os asiáticos costumam concentrar-se nos outros e os ocidentais em si mesmos. A explicação passa pelas razões já conhecidas: os ocidentais, devido ao se “eu”
independente, pensam em si mesmos durante a interação social,enquanto os asiáticos com o “eu” interdependente , pensam mais nas
pessoas com que interagem.
Em relação à intensidade das emoções, perguntados sobre as ocasiões em que tiveram emoções mais intensas, os asiáticos se referiram mais a situações em que se relacionaram com outras pessoas, en-
190
quanto os ocidentais se referiram mais a eventos ocorridos consigo
mesmos. Os asiáticos sentem mais vergonha e culpa que os ocidentais,
inclusive de acontecimentos que não participaram, mas que pessoas de
sua família se envolveram, evidenciando a importância do outro em seu
universo emocional. Situação semelhante há em relação ao orgulho.
A visão cultural que o indivíduo tem de si mesmo parece influenciar
na forma como ele vivencia suas emoções :na emoção que ele considera
desejável, no comportamento em relação à expressão de suas emoções,
no foco de sua atenção durante a emoção nele mesmo ou no outro e na
intensidade das emoções. As tradições religiosas das culturas asiática e
ocidental podem explicar as diferentes influências culturais sobre as emoções.
Para o Dalai Lama (2003:256), as diferenças apontadas como originadas nas culturas podem não residir nelas propriamente e se originarem nas tradições religiosas por elas herdadas. E argumenta:
“Na tradição judaico–cristã, na qual o foco principal está numa divindade e toda orientação espiritual se volta
para alcançar uma união transcendental, há menos ênfase na correção da vida emocional interior ou na criação de equilíbrio dentro de si mesmo. A fé genuína no
Deus criador e agir com base no amor genuíno por
Deus, leva ao amor genuíno pelos outros seres humanos. Coisas como matar, roubar , ou estuprar, portanto,
são contra a fé em Deus. (...)
Mas a aspiração suprema do budismo é alcançar o Nirvana. A ênfase está dentro de si mesmo, portanto estas emoções negativas e os atos resultantes se tornam
importantes; temos de saber o que acontece dentro da
mente.(...). Da perspectiva cultural os budistas têm
uma orientação fundamentalmente distinta no tocante
às emoções (...). Portanto, talvez a diferença venha
mesmo da orientação fundamental, rumo ao transcendente ou ao desenvolvimento interior”.
191
192
9.
Relacionamento
Objetivos do Relacionamento
Relacionar-se com outras pessoas significa aproximar-se delas para atender necessidades ou trocar informações. O relacionamento é a
capacidade que temos, em maior ou menor grau, de convivermos e comunicarmos com nossos semelhantes.
Qualquer relacionamento deve atender a três objetivos principais:
suprir as necessidades mútuas das pessoas, manter relação durável nos
relacionamentos de longo prazo e trocar informações sobre pensamentos, idéias e sentimentos.
Quando duas pessoas se relacionam o propósito delas é suprir algumas de suas necessidades. Quando você precisa de uma informação
para resolver um problema de Matemática, procura seu professor e pede
uma explicação. Quando precisa saber o dia da prova de qualquer disciplina, procura a Supervisão para obter esta informação. Quando carente
de carinho e afeto, procura seu namorado(a) em busca do atendimento
de suas necessidades. Se tem necessidade de dinheiro, procura seu Pai
para pedir; se está com fome compra um sanduíche.
Devemos ter em mente que em qualquer relacionamento as necessidades de ambas as partes devem ser atendidas para ele durar. Se
193
forem atendidas apenas as necessidades de uma pessoa, o relacionamento tenderá a acabar pois tendem a ser de curto prazo aqueles em
que há atendimento unilateral das necessidades.
Se você quiser que sua namorada(o) continue a ser carinhosa(o),
deverá retribuir o afeto e o carinho que recebeu. É dando que se recebe.
Para o relacionamento durar, cada pessoa deve se esforçar para atender
as necessidades, expectativas e desejos da outra, pois caso contrário a
outra se sentirá insatisfeita e você não poderá mais contar com ela.
Como saber as necessidades do outro
Uma das maneiras de saber as necessidades da outra pessoa é utilizar a técnica de comunicação que Weisinger (1997) chama de Escuta
Ativa ou Dinâmica, na qual você se esforça para compreender a outra
pessoa e para ouvir realmente aquilo que ela está dizendo.
Para você se tornar um ouvinte dinâmico deve escutar realmente
aquilo que seu interlocutor quis dizer e você deve repetir com suas próprias palavras o que entendeu, pedindo ele para confirmar ou corrigir se
for o caso.
Se você está conversando com uma colega e ela disse que haverá
uma festa no sábado na casa de um amigo, sem ficar claro se lhe convidou para ir à festa, para tirar a dúvida você pergunta:
“Isto significa que você está convidando para irmos juntos para a
festa sábado?”
Outras sugestões seguem abaixo:
• Mostre a seu interlocutor que está prestando atenção à conversa
usando expressões do tipo “Estou entendendo”, “É isto mesmo”, etc.
194
• Quando a outra pessoa estiver lhe comunicando seus sentimentos deixe claro que os percebeu, pois a comunicação de sentimentos é
uma demonstração de confiança que fortifica o relacionamento. Deixe
claro que compreendeu, dizendo-lhe: “Percebo o que você acha e sente
sobre o assunto”.
• Utilize a comunicação não verbal para mostrar ao interlocutor que
está entendendo tudo. Olhe nos seus olhos, faça sinais de que está concordando balançando a cabeça em gestos de assentimento, incline-se
para ele.
Outra maneira de avaliar as necessidades da outra pessoa é perguntar a ela diretamente: “O que você quer? Diga que me esforçarei para atender.”
Ou então: “Posso ajudá-la em alguma coisa em retribuição ao auxílio que você me deu? Você precisa de alguma coisa?”
A identificação da necessidade e do interesse do outro sempre deve ser uma preocupação no relacionamento, principalmente quando o
objetivo é procurar a solução de conflitos ou o consenso. Se há um atrito
entre dois colegas seus, já descambando para a agressão pessoal e
você quer ser o mediador, a primeira coisa que deve fazer é ouvir, em
separado, as razões de cada um, para depois atuar com isenção e imparcialidade, buscando a solução do problema.
Agradecimentos e duração do relacionamento
Todos nós temos necessidade de reconhecimento, por isto você
deve sempre agradecer à pessoa que lhe fez um obséquio - ela ficará
satisfeita com o reconhecimento e quando você precisar de novo será
atendido com boa vontade. Este é o sentido de dar gorjeta aos garçons -
195
quando você voltar naquele restaurante será bem atendido, com um sorriso nos lábios. Se você não der gorjeta, será atendido com má vontade
e os pedidos demorarão para chegar.
Que lhe custa fazer um carinho ou qualquer gesto de afeto para
seu Pai quando ele lhe der sua mesada? Porque não agradecer ao professor ou ao colega que lhe deu ajuda para fazer um trabalho, dizendolhe que espera a oportunidade para servi-lo? Isto é importante para a
manutenção de um bom clima de relacionamento, além de contribuir
para que ele seja duradouro.
Além dos fatores mencionados, é importante para a duração de um
relacionamento que ele seja desenvolvido em um clima mútuo de confiança, respeito, consideração e apoio. Em cada novo relacionamento devemos estar atentos para conhecer melhor a outra pessoa, identificando
traços de sua personalidade e de seu comportamento.
Devemos identificar a pessoa de auto-estima baixa para não magoá-la com críticas inoportunas e Identificar a pessoa reservada que não
gosta de muitos contatos sociais, para respeitar sua privacidade. Um
exemplo: Bete sabe que seu colega Roberto, é bom em Matemática e vai
estudar com ele. No primeiro dia deve estar atenta para identificar as
necessidades dele - será que precisa de ajuda em Biologia que ela domina bem? Se Bete ajudá-lo em Biologia as necessidades mútuas estarão sendo atendidas e eles podem ser parceiros por muito tempo.
Bete deve procurar conhecer Roberto melhor em determinados aspectos. Será que ele tem auto-estima baixa? Se tiver, será muito sensível a críticas e ela deverá ser cuidadosa pois uma crítica inoportuna poderá deixa-lo magoado. Será que ele é uma pessoa reservada, pouco
sociável, que não se sente bem junto com muita gente? Se for, ela não
196
deve chamar outros colegas para estudarem juntos, pois o deixaria bastante desconfortável.
Segundo Steiner (1998), a duração de um relacionamento depende
muito do respeito mútuo e ele passa pela sinceridade, lealdade e franqueza de cada parceiro, concorrendo para o desenvolvimento de confiança mútua, fundamental para a duração do relacionamento.
Pensamentos, Sentimentos e Idéias
O relacionamento pode ir da troca de informações sobre fatos, para a esfera dos sentimentos e idéias. No caso de Bete e Roberto, mais
cedo ou mais tarde, haverá troca de informações sobre seus sentimentos
e idéias, num processo interativo - o que um conta ou faz produz impacto
no outro.
Um dia Bete foi estudar na casa de Roberto e o encontrou de mau
humor, irritadiço e logo no início da conversa, a tratou de forma áspera.
Ele estava com raiva e em vez de entrar na raiva dele, Bete procurou
conscientizá-lo do que estava ocorrendo, dizendo-lhe:
“Você está sendo ríspido comigo. Isto nunca ocorreu antes. Será
que você está com algum problema em casa? Vamos, conte para mim;
sou sua amiga e quero lhe ajudar. Desabafe. Vamos juntos encontrar
uma solução para o problema.”
Roberto contou-lhe que teve uma briga com o Pai e que ela poderia ajudá-lo. Foi bom para ela que cresceu enquanto pessoa, para Roberto que descarregou suas preocupações e para o relacionamento que se
desenvolveu na base de confiança recíproca.
Segundo Weisinger( 1997) e Goleman (1999a) as seguintes recomendações são úteis para compartilhar de sentimentos e idéias:
197
• Sempre você deve vigiar seu estado de espírito. Se você estiver
de bom humor poderá perceber melhor o que a outra pessoa diz e controlar melhor suas reações. Se estiver de mau humor, enraivecido, magoado ou ressentido, evite qualquer situação que possa descambar para
um atrito.
• Preste atenção ao estado de humor e reações da outra pessoa pois
uma avaliação correta da situação lhe orientará para o que deve ser feito. É
importante saber a hora de falar, de ouvir e de calar.
• Se a conversa for desagradável, comunique seu desagrado ao interlocutor e peça para mudar de assunto. Conversar sobre assuntos
pessoais contribui para melhor relacionamento, principalmente a nível de
trabalho, graças ao clima de intimidade e confiança que se desenvolve.
Como relacionar-se bem e expectativas do relacionamento
Para você relacionar-se bem deve levar em conta a análise do relacionamento e a capacidade para comunicar-se em níveis adequados. A
análise deve considerar questões sobre: limites e expectativas do relacionamento, como você percebe o interlocutor e como ele lhe percebe,
revisão dos diálogos e avaliação dos resultados.
Devemos ter em mente que o relacionamento tem um limite que
nunca deve ser ultrapassado, sob pena de influir negativamente na relação ou até mesmo determinar sua extinção que às vezes é muito tênue e
de difícil demarcação que deve ser estabelecido pela outra pessoa no
tocante a ela, a depender de ser reservada ou sociável.
As pessoas reservadas não sentem necessidade de muita companhia e de muita conversa. Não gostam de contatar com muitas pessoas
198
ao mesmo tempo e sentem-se mais à vontade trabalhando sozinhas ou
no máximo com uma ou duas pessoas.
Trabalham silenciosamente, sem chamar atenção. Introspectivas,
gostam de tarefas individuais, são emocionalmente distantes e autoconfiantes. Conversam o necessário para obter informações para a solução de problemas específicos ou atingir determinados objetivos.
Estão mais preocupadas com seus pensamentos e sentimentos e
concentram-se em questões referentes ao seu trabalho, seus interesses,
desejos e planos. Limitam as atividades ao mundo por elas criado e no
qual gostam de viver, geralmente de difícil acesso. Gostam de estabelecer limites para outras pessoas e querem privacidade para seus sentimentos, emoções, problemas e vida pessoal.
O relacionamento com pessoas reservadas merece cuidado, para
não ultrapassar os limites estabelecidos. No caso de Bete e Roberto,
antes referido, se ele fosse uma pessoa reservada, ao ser solicitado para
desabafar poderia ter respondido: “Não se preocupe. São problemas que
logo passarão. Desculpe se fui grosseiro com você. Não era minha intenção.” E mudaria de assunto, afastando a interlocutora de seus problemas. Não adiantaria ela forçar: poderia provocar mal estar ou uma
reação mais violenta.
As pessoas sociáveis, têm sociabilidade elevada, gostam de interagir com os outros, de companhia e de conversar muito, no trabalho, no
divertimento e em casa. Gostam de participar de grupos e integram-se
facilmente a eles, sendo estimuladas pela conversa e pela proximidade
de outras pessoas. Relacionam-se com facilidade e gostam de “casa
cheia”, sempre convidando amigos para um bate-papo, almoçar, jantar
ou saírem juntos. Detestam estar sozinhas e não estabelecem limites e
199
barreiras para os outros e são abertas em seus sentimentos, emoções e
problemas íntimos. No exemplo de Bete e Roberto ele é sociável e por isto
contou a ela, com detalhes, a briga que teve com o Pai e pediu conselhos.
Ao estabelecer um relacionamento devemos ter em mente o que pretendemos e definir os limites de possibilidade que ele pode nos oferecer. Se
não fizermos isto poderemos frustrar nossas expectativas esperando resultados que ele não pode nos oferecer, levando a decepções, frustrações ou
ressentimentos.
Sílvio simpatizou muito com sua colega Júlia e fez amizade com ela,
iniciando-se um relacionamento prazeroso. Conversavam muito, trocavam
confidências e iam para passeios e festas juntos. Com o passar do tempo,
Sílvio notou que seus sentimentos estavam mudando e que não era apenas
amizade o que sentia - ele passou a amar Júlia, e desenvolveu novas expectativas de relacionamento.
Certo dia lhe disse que gostaria de namorar com ela. Júlia respondeu-lhe que gostava dele como amigo e que não via possibilidade de ir
além da amizade. Sílvio, chocado com a resposta, teve uma decepção
muito grande, ficou muito ressentido e deixou de falar com Júlia. Ele errou na avaliação e desenvolveu expectativas que o relacionamento não
poderia oferecer.
Nossas expectativas devem ser realistas e razoáveis e não devemos esperar que os outros façam coisas além de suas capacidades ou
vontades. Devemos saber exercitar uma das maiores virtudes humanas
que é a tolerância, aceitando as limitações e defeitos das pessoas s que
convivemos.
Faça sempre expectativas razoáveis de seus relacionamentos. Se
vai jogar com seu time de futebol, por melhores que sejam seus compa-
200
nheiros, não espere vencer todos os dias. Seja tolerante pois assim terá
um convívio melhor e mais duradouro com outras pessoas. Se você vai
estudar com um colega com a intenção de que ele lhe ajude, desde o
início deve ter em mente que ele não pode saber tudo. Quando pedir
para resolver um problema e ele não souber seja tolerante, não se irrite,
nem o ridicularize.
Perceba o outro avaliar o resultado
Esforce-se para perceber o outro de forma objetiva, evitando qualquer preconceito, de raça, religião, comportamento sexual ou sexo. Você
pode saber como o outro lhe percebe de duas maneiras: uma é perguntando diretamente como ele o percebe, outra é analisando as reações
que você provoca, através de suas expressões faciais, voz e olhos. Isto
é importante para você conduzir bem o relacionamento.
Uma técnica eficiente para saber o que se passou durante um contato com outra pessoa, principalmente se houve desentendimento é relembrar a conversa, prestando atenção aos os detalhes, inclusive aos
gestos, voz e expressão do outro. É útil quando queremos identificar a
causa de um problema de relacionamento.
Se você teve um atrito com um amigo que culminou em discussão
por motivos que não estão claros, pode utilizar esta técnica. Recorde as
cenas desde o início do atrito e procure responder às seguintes perguntas: será que me comuniquei com clareza? Será que compreendi corretamente o que ele disse? Será que o ofendi sem querer? Será que ele se
comunicou com clareza? Será que ele me compreendeu? Será que poderia ter me conduzido de outra maneira?
201
Quando analisar um relacionamento procure ver se os resultados
correspondem às suas expectativas para saber se ele está no rumo certo
e caso não esteja o que precisa fazer para atingir os objetivos. Por exemplo: você contratou um professor para lhe dar aulas, visando melhorar para a prova. Ao fazer avaliação do progresso que está tendo, responda a si mesmo as seguintes perguntas: Será que estou estudando o
suficiente? Será que o professor está sendo claro nas explicações? Será
que o tempo de duração da aula é o suficiente?
A depender das respostas você poderá tomar as medidas necessária para atingir as metas desejadas. Se o problema for de pouco estudo,
deverá se dedicar mais ao estudo; se o professor não estiver sendo claro, delicadamente, diga-lhe que não está compreendendo as aulas, e
peça para mudar de método; se a aula estiver sendo muito curta, aumente a duração. Podem existir outros fatores que determinem o baixo aprendizado, mas o importante que você tenha a atenção despertada para
a análise da situação, buscando atingir o resultado esperado.
Níveis de Comunicação
Quando duas pessoas se relacionam a profundidade da relação
depende do vínculo entre elas. Para que exista este vínculo, é preciso
que utilizem os mesmos níveis de comunicação, ficando em sincronia e à
vontade para compartilhar seus pensamentos, sentimentos e idéias.
Há cinco níveis de comunicação: das trivialidades, de informação
de fatos, de pensamentos e idéias, dos sentimentos e o culminante. O
nível das trivialidades é o básico e é utilizado na comunicação rápida, em
cumprimentos e saudações. Ocorre quando você encontra um amigo e
diz: “Como vai ? Tudo bem ? Tudo certo ?”
202
Serve apenas para mostrar que o viu e notou sua presença. É um
vínculo frágil e devemos estar muito atento quando ele ocorre, pois geralmente indica que a outra pessoa está apressada ou não tem interesse
em estabelecer um nível mais profundo de comunicação no momento.
Se o interlocutor se comunica neste nível, não trate de nenhum assunto
que exija mais atenção, que poderá se esquivar e criar constrangimento.
O que você deve fazer é combinar outra hora para conversarem, dizendo-lhe, por exemplo: "Depois lhe telefono para conversarmos.”
No nível de trivialidades preste atenção aos indicadores de emoção
da outra pessoa e não somente às suas palavras. Atente para seu tom
de voz, sua linguagem corporal, seu modo de andar, se apressado (indicando estresse) ou lento e encurvado (indicando depressão). Repare em
sua expressão facial (que pode indicar medo, tristeza, alegria, raiva, depressão, etc.). Lembre-se que sentimentos e emoções são expressos
por palavras e pelas atitudes e gestos e fique atento para eles.
Nível de informações de fatos: quando duas pessoas se comunicam neste nível querem transmitir informações sobre fatos que ocorreram ou ocorrerão. É o caso de um professor dando aula, cuja intenção é
transmitir orientação para seus alunos; de uma troca de opiniões sobre
um filme, de comentários sobre uma prova, sobre um jogo de futebol,
sobre uma briga que teve em casa. A natureza dos assuntos tratados
varia desde os mais simples até os mais sérios e complexos.
Nível de Pensamentos e Idéias - neste nível procuramos comunicar
pensamentos e idéias utilizando afirmações que começam com frases
do tipo: “Eu penso...”, “Seria uma boa idéia se...”, “Eu acho que...”. É o
caso de uma reunião da turma para escolher o nome do jornal que vai
ser editado, oportunidade em que serão pedidas sugestões aos presen-
203
tes e você se levanta e diz: "Eu acho que deve ser Informativo Castro
Alves”. Outro colega diz: "Eu penso que deve ser Castro Alves
News”.Este nível ocorre quando você expressa para um colega sua opinião sobre qualquer coisa: “Eu acho que aquela gata é um avião”. E assim por diante.
Quando você estiver se comunicando neste nível e tiver pensamento diferente do seu interlocutor, apresente sua discordância de forma
elegante e nunca de modo arrogante e presunçoso, querendo ser o dono
da verdade. O outro poderá sentir-se magoado, desistir de continuar a
conversa e não dar idéias.
Sempre devemos ouvir as opiniões dos outros sobre nós mesmos
pois só conseguimos ver o mundo através de nossos filtros da realidade
e ter uma visão distorcida porque não enxergamos a maioria de nossos
defeitos. Isto não quer dizer que devemos fazer aquilo que os outros
querem, mas que devemos tomar decisões levando em consideração as
opiniões das pessoas com quem convivemos.
Nível dos Sentimentos - a comunicação a nível dos sentimentos
permite que sejam compartilhados nossos sentimentos com outras pessoas. Isto às vezes é difícil pois não estamos acostumados a expressar
sentimentos, inclusive porque podemos nos sentir vulneráveis aos outros
ao confiar-lhes nossos segredos.
A comunicação de sentimentos ao interlocutor cria condições para
que ele revele os seus e aumenta a ligação com ele. Às vezes após algumas confidências o relacionamento se torna mais íntimo e são confessadas coisas em confiança, fortalecendo a relação.
A comunicação a nível dos sentimentos geralmente implica em afirmações do tipo: “Eu sinto...”, “Eu fico emocionado quando...”
204
Nível Culminante - é o nível máximo de relacionamento e envolve
os níveis anteriormente analisados e nele as pessoas estão em sincronia
e sintonia e a comunicação flui naturalmente, sem interrupções ou constrangimentos. Ocorre quando você se senta para conversar com um amigo e comenta sobre o tempo (nível trivial), fala sobre os últimos acontecimentos de suas vidas (nível de informações sobre fatos). Depois trocam opiniões sobre coisas que ocorreram recentemente (nível de pensamentos e idéias) e terminam trocando confidências sobre o que sentem a respeito de suas namoradas, já no nível de sentimentos.
Por ser o mais alto nível de comunicação nem todas as pessoas
conseguem atingi-lo, mas como é o mais produtivo, devemos nos esforçar para chegar a ele.
Em seus relacionamentos deve existir uma preocupação para que
a comunicação se estabeleça em um mesmo nível: se seu interlocutor
estiver no nível trivial, você deve se manter neste nível. Se alguém passar na rua, passo acelerado, estressado, e lhe disser “Bom dia, tudo bem
?”, você não deve tentar parar a pessoa para conversar ou pedir sua
opinião sobre qualquer assunto. Deve responder simplesmente: “Tudo
bem e com você?”
Se uma pessoa estiver no nível de fatos e a outra no de pensamentos e idéias a comunicação não progredirá. Se a supervisora vai dar
um aviso na sala sobre o horário das provas finais, no nível de informações de fatos, não cabe alguém interromper dizendo, no nível de opiniões, “Eu acho que não devia ter prova dia de Sábado”, pois ela está
dando informação de um fato e não pedindo opiniões para um planejamento.
205
Em qualquer relacionamento devemos ter em mente que quando
as pessoas se comunicam em diferentes níveis é difícil uma comunicação coerente, pois enquanto uma fala de uma coisa a outra fala de outra
e nenhum vínculo pode ser estabelecido.
Procure identificar seu nível de comunicação e o do interlocutor e
adaptar-se ao nível dele. Atente para os sinais não verbais do interlocutor,
pois suas palavras podem dizer uma coisa e o tom de voz indicar outra. A
pessoa pode dizer que está satisfeita com uma coisa porém sua voz denunciar raiva, traindo-a. Se você não prestar atenção na sua voz e na sua expressão facial, não perceberá realmente o que está ocorrendo.
É útil falar com as pessoas olhando diretamente em seus olhos e
analisando sua expressão facial. Fazendo isto você atuará no sentido de
que seus relacionamentos interpessoais sejam mais produtivos.
Mude seu nível de comunicação quando:
• o interlocutor estiver muito zangado. Passe para o nível de fatos,
pois ele não consegue raciocinar. Se não conseguir, deixe para conversar depois, pois se insistir corre o risco de perder o controle também.
• quiser despertar a confiança de seu interlocutor. Mude para o nível
de idéias e sentimentos, principalmente se estiver mediando um conflito ou
na busca de consenso.
• estiver fazendo resolução de problemas.
Mude para o nível fa-
tual ou de pensamentos.
• não estiver preparado para passar para um nível mais profundo de
comunicação fique no nível das trivialidades.
206
Relacionamentos especiais
Com pessoa reservada: para relacionar-se bem com uma pessoa
reservada de modo que ela se sinta à vontade e evitando conflitos, respeite seu modo de ser introspectivo, calado e voltado para seu mundo
interior. Eis algumas sugestões valiosas:
• Quando for tratar de um assunto vá direto a ele, e não demore
muito conversando.
• Trate exclusivamente do assunto que motivou o contato e fale
apenas o necessário.
• Se não for solicitado por seu interlocutor, não trate da sua vida pessoal,
nem aborde seus sentimentos mais profundos.
• Respeite a necessidade da pessoa reservada dispor de tempo
para si mesma, permitindo que ela fique solitária, sem incomodá-la.
• Nunca force a pessoa reservada para desenvolver atividades que
incluam muitas pessoas ao mesmo tempo.
• Quando perceber que alguém é do tipo reservado, tome a iniciativa de iniciar a conversação, sem entretanto forçá-lo a conversar quando
não desejar.
• Respeite sua posição de não querer perder tempo com conversas
inúteis e evite pedir que ela atenda ao público ou entretenha aos outros.
Com pessoa sociável: para relacionar-se bem com uma pessoa
sociável, que gosta de companhia e de conversar muito, respeite seu
modo de ser sociável e voltado para o mundo exterior. Eis algumas sugestões valiosas:
• Dê muita atenção à sua conversa e passe algum tempo conversando com ela.
207
• Sempre que possível, inclua na conversação e nas atividades outras pessoas, pois elas gostam muito da interação grupal e da proximidade de outros.
• Expresse por sua capacidade de relacionar-se bem com os outros.
• Procure colocá-la em contato com outras pessoas sociáveis.
Com pessoa de auto-estima baixa : segundo Simmons (1999),
auto-estima é a tendência que a pessoa tem para aceitar-se e dar valor a
si mesma. Existem pessoas que têm auto-estima baixa, em decorrência
de não terem recebido amor e afeto adequados dos pais e da família ou
por terem se desenvolvido em um ambiente com críticas e comentários
negativos sobre elas constantemente.
A pessoa com baixa auto-estima pode ser identificada porque se
sente ofendida e magoada com facilidade diante de rejeição ou crítica.
Como ela dá pouco valor a si mesma, é modesta e se sente inferior aos
outros deve merecer atenção especial nos relacionamentos, pois se ressente com facilidade.
São orientações úteis para relacionar-se com pessoa de baixa auto-estima:
• Sempre que possível, diga que ela tem valor e enalteça suas qualidades e comportamentos. Os elogios devem ser discretos para não
chocá-la ou deixar de acreditar neles, pois elas se sentem pouco à vontade quando elogiadas. Se você sabe que um colega tem auto-estima baixa e tirou uma nota alta em uma prova deve elogiá-lo e parabenizá-lo pelo
sucesso, pois isto será importante para ele.
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• Não faça críticas que possam atingi-la diretamente. Quando precisar fazer críticas, faça sem feri-la e deixando claro que está criticando
seu ato ou comportamento e não sua pessoa.
• Procure ser modesto no relacionamento e seja humilde, em vez
de arrogante, pois ela se sente inferior aos outros.
• Não deixe que suas ações sejam interpretadas como rejeição.
209
210
10.
Inteligência Social
Conceito de Inteligência Social
A Inteligência Social é a capacidade de compreender e administrar
adequadamente os relacionamentos humanos. Edward Thorndike, em
1920, criou o conceito para designar “a capacidade de entender e administrar homens e mulheres”. (GOLEMAN,2007).
Uma análise mais profunda das idéias de Howard Gardner, da Universidade de Harvard, criador do conceito de Inteligências Múltiplas,
mostra que ele considerou o conceito de Inteligência Social, ao propor a
Inteligência Interpessoal como parte da inteligência pessoal.
Em revisão recente, Gardner (2001), considera que a inteligência
interpessoal denota “a capacidade de entender as intenções, motivações
e desejos do próximo e, consequentemente,de trabalhar de modo eficiente com terceiros”. Está claro que se refere ao relacionamento social ao
declarar que vendedores, professores, clínicos, líderes religiosos, líderes
políticos e atores precisam ter uma inteligência interpessoal aguda.
Damásio (2001, 2004), trata em seus livros das emoções sociais e
considera que elas surgem quando o indivíduo se relaciona socialmente.
Mesmo sem usar o termo inteligência social, considera que o estímulo
211
para aparecer uma emoção social está no relacionamento e trata das
condições para seu aparecimento.
Albrecht (2006), considera que a Inteligência Social é a habilidade de se relacionar com outras pessoas e conseguir a cooperação delas. É uma combinação entre a compreensão básica das
pessoas e um conjunto de técnicas para interagi com elas que deve ser desenvolvida em todos os níveis de educação, da escola
fundamental até às faculdades.
O efeito da Inteligência Social nos relacionamentos é grande, pois
através de nossas ações afetamos as emoções e o estado de humor dos
outros, bem como o funcionamento de seus corpos. Através das emoções positivas como amor e alegria podemos ajudar a conservar ou melhorar o estado de saúde de outra pessoa e através de emoções negativas como raiva, medo e tristeza podemos influenciá-las negativamente.
Abordagem e componentes da Inteligência Social
Numa abordagem epistemológica, pode-se considerar dois fatores
na Inteligência Social: um é o sujeito cognoscente e o segundo tem dois
componentes: o objeto a conhecer, que é a outra pessoa, e o meio social
que o envolve.
Numa interação social o processo cognitivo do sujeito cognoscente
passa por diversas etapas: na primeira, denominada de Empatia Primordial, ele percebe as emoções, sentimentos e pensamentos do outro; na
segunda etapa, denominada de Sintonia, ele tenta estabelecer um vínculo com o outro concentrando sua atenção na sua expressão corporal, em
seus sentimentos e pensamentos. Na terceira etapa o sujeito procura o
212
compreender os sentimentos e pensamentos do outro, através da Precisão Empática e, finalmente, procura identificar os elementos componentes do meio social circundante, para contextualizar socialmente o relacionamento, na etapa da Cognição Social.
Para Goleman (2007) a inteligência social deve passar da perspectiva de uma pessoa para a de duas, interagindo em um relacionamento, e
deve ser feito um esforço para entender tanto nossos interesses e necessidades pessoais quanto os dos outros. Desta forma a inteligência
social terá uma perspectiva ética pois enriquecerá os relacionamentos
com sentimentos da empatia, compaixão e solidariedade.
Os elementos básicos dos relacionamentos devem participar da definição de Inteligência Social sob pena dela pecar pela ausência dos valores humanos, empobrecendo-a muito.
A inteligência social inclui aptidões cognitivas, relacionadas com o
pensamento e com a compreensão intelectual e aptidões não cognitivas
relacionadas com as emoções e a intuição, que são automáticas e não
precisam ser pensadas para serem executadas. Exemplo de atividade
automática você tem quando está ao volante de um carro, percebe um
barulho e desvia imediatamente o volante para o lado oposto, sem pensar. Só depois toma conhecimento do movimento rápido e não consciente que fez para livrar-se do perigo.
Isto ocorre porque a velocidade dos impulsos nos neurônios em que
trafegam os estímulos conscientes é de alguns segundos, enquanto a
velocidade dos estímulos nos neurônios que processam as emoções é
de milissegundos ou microssegundos. Significa que a velocidade dos
estímulos com que trafegam as informações não conscientes é mil a um
milhão de vezes maior do que a velocidade das informações conscientes,
213
daí você primeiro virar o volante para o lado e só depois perceber o movimento feito.
Goleman (2007) entende que considerar a inteligência social, além
da inteligência emocional, possibilita uma nova maneira de pensar sobre
a aptidão humana para o relacionamento. Considera nela dois componentes, a consciência social e a facilidade social. A consciência social
abrange a capacidade de sentir instantaneamente o estado interno do
outro, compreendendo seus sentimentos e pensamentos, além das situações sociais. Tem quatro componentes: empatia primordial, sintonia,
precisão empática e cognição social.
A empatia primordial permite a compreensão dos sentimentos da
outra pessoa. A sintonia possibilita que a pessoa se conecte com a outra,
enquanto a precisão empática possibilita a compreensão do que o outro
sente. A cognição social permite saber como o mundo social funciona e
como resolver os problemas sociais com os quais nos deparamos. Considerar-se os relacionamentos sociais só numa perspectiva cognitiva negligencia seu componente emocional e deixa de lado a empatia primária
e a sincronia.
A facilidade social é outro componente da inteligência social e permite utilizar os componentes da consciência social nos relacionamentos
para que eles se tornem produtivos e eficazes. Não basta apenas sentir o
que o outro sente e saber o que ele pensa ou pretende fazer: é importante utilizar estes conhecimentos para tornar a interação social produtiva.
A facilidade social inclui quatro elementos: sincronia, apresentação
pessoal, influência e preocupação. A sincronia é baseada na interação
não verbal com a outra pessoa e permite que a relação social flua naturalmente através de uma inter-relação não verbal harmônica entre os
214
atores sociais. Seu fundamento está na capacidade de ler os sinais não
verbais emitidos pelo outro através de sua face, olhos, membros e corpo.
São sinais não verbais de sincronia saber sorrir para o outro na hora certa, balançar a cabeça em sinal de concordância com o que ele diz
ou faz ou inclinar o corpo para sua direção na hora certa. São sinais de
assincronia ficar balançando as pernas nervosamente ou permanecer
imóvel durante a interação social.
O segundo elemento da facilidade social é a Apresentação Pessoal,
importante para causar a impressão e o impacto desejados é relevante
nas interações sociais. Influem muito em nosso relacionamento a forma
como nos apresentamos, desde a roupa e o penteado até a capacidade
de despertar no outro as emoções que sentimos e fazer com que ele
embarque em nossas emoções, desde o entusiasmo e alegria até raiva e
tristeza.
Outro elemento da facilidade social é a Influência Social, capacidade que a pessoa tem de moldar construtivamente o resultado de uma
interação social sabendo expressar-se de forma adequada, de modo a
deixar seu interlocutor à vontade. Por fim, a Preocupação Social consiste
na capacidade de sentir as necessidades e interesses do outro e esforçar-se para ajuda-lo.
O cérebro social
O termo “cérebro social” se refere a um conjunto de circuitos cerebrais que entra em funcionamento quando uma pessoa se relaciona com
outra. Algumas estruturas cerebrais são os caminhos neuroanatômicos
da Inteligência Social e desempenham papeis significantes nos relacionamentos, mas não parece existir nenhuma zona mais importante que
215
outra,nem exclusivamente dedicada à vida social. Os neurônios cerebrais
estão funcionalmente organizados em módulos e a atividade de determinado módulo pode reverberar em todo o sistema.
As neurociências deram grande contribuição para a compreensão
da inteligência social fazendo o mapeamento das zonas do cérebro ativadas durante os relacionamentos sociais com imagens produzidas pela
ressonância magnética funcional e pela tomografia por emissão de prótons. Estudos preliminares permitiram identificar duas vias, a via principal
e a via secundária, cujos aspectos neurais precisam ser melhor desvendados para serem melhor compreendidas.
Segundo Goleman (2007), a “via principal” opera com o controle voluntário, exige esforço e intenção consciente e nela os estímulos, relacionados com a cognição e a razão, andam com menor velocidade. A “via
secundária” opera no automático, com grande velocidade e não estamos
conscientes de suas operações. Está relacionada com os processos automáticos afetivos e inclui em suas estruturas as amígdalas cerebrais, o
córtex cingulado anterior, áreas do córtex frontal e de regiões relacionadas com o processamento das emoções.
A via principal e a secundária funcionam em paralelo combinando
em proporções variadas as funções automáticas e as controladas pela
vontade. Não existe uma função mental que seja do âmbito exclusivo da
“via principal”.
A consciência social e a facilidade social abrangem algumas habilidades pertencentes a via secundária e outras da via secundária articuladas com habilidades da via principal. A empatia e a sincronia são habilidades relacionadas com a via secundária, enquanto a precisão empática
e a influência utilizam habilidades da via secundária e da via principal.
216
Há diversos testes e escalas capazes de avaliar de forma adequada os
componentes da inteligência social.
Empatia
A palavra empatia vem do alemão einfühlung e significa “entrar na
pele do outro” e tem três significados: conhecer os sentimentos do outro;
sentir o que o outro sente e reagir com compaixão ao sofrimento do outro. Na prática da empatia: você observa o outro, sente o que ele sente e
pratica uma ação para ajudá-lo. Ela só existe quando sintonizamos nossos sentimentos e pensamentos com os de outra pessoa. Nela há associação entre a percepção e a ação: se você ouve um grito de alguém que
está apavorado, sente o que ele sente, pensa no que pode estar ocorrendo e age para ajudá-lo.
A base neural da empatia está nos neurônios-espelho, descobertos
por Rizzolati em 1996. Eles explicam o contágio das emoções e explicam porque você ri quando outras pessoas riem, tendo sido sua descoberta feita em macacos, quando Rizzolati procurava identificar neurônios
que aumentavam suas atividades ao animal estender a mão para pegar
uma banana. Num intervalo dos trabalhos um ajudante da pesquisa comia uma banana e foi verificado que no macaco imóvel, foram ativados
os neurônios correspondentes aos que eram ativados no colaborador
(GOLEMAN,2007 e KLEIN 2005).
Pesquisas com ressonância magnética mostram que quando um
indivíduo pratica uma ação e outro o observa, no cérebro do observador
entram em atividade os neurônios espelhos correspondentes aos neurônios da pessoa observada. Através deles podemos nos projetar em outras pessoas, fazer com que eles nos imitem e experimentar seus senti-
217
mentos, emoções e pensamentos. Pelos olhos de uma pessoa somos
capazes de saber se ela gosta ou não de nós.
Quando duas pessoas estão em sintonia, estabelece-se pelo olhar
uma “comunicação sem fio” que permite a uma intuir os pensamentos e
sentimentos da outra.Se você olha nos olhos de alguém que está com a
mente tranqüila, se sente tranqüilo também. Os neurônios-espelho são
responsáveis pelo reconhecimento de outras pessoas, interpretação de
suas ações e expressões corporais e são muito importantes no relacionamento social. Localizam-se nos lobos frontal inferior, parietal superior,
temporal superior, da ínsula e no córtex pré-motor .
No momento em ocorre a empatia nossas emoções e pensamentos
entram em sintonia com os da outra pessoa: se você vê alguém chorando em um enterro, sente o que ele sente e tem pensamentos tristes também.
Quando nos concentramos em nós mesmos eliminamos a compaixão e a empatia, contraimos nosso mundo e avultamos nossas preocupações. Se voltamos a atenção para os outros aumentamos a capacidade de conexão e sintonia, nosso mundo se expande e nossos problemas
parecem ser menos importantes.
Pesquisas indicam que a compaixão parece ser um traço comum
em diversas espécies animais e não uma característica humana. Ratos
presos em gaiolas saem em socorro de outros que sofrem. Macacos rhesus diminuem espontaneamente sua quantidade de comida e até mesmo
passam fome para que um companheiro de jaula não sofra tomando
choques elétricos dolorosos (GOLEMAN,2007).
Nos seres humanos a empatia é constatada entre bebês desde o
nascimento, pois eles choram quando vêm outros bebês chorando, mas
218
não choram quando ouvem seu próprio choro gravado. Depois dos quatorze meses, além de chorar com o sofrimento dos outros os bebês procuram aliviá-los. Quanto mais desenvolvidos mais tentam ajudar, indicando que os seres humanos nascem bons.
A empatia primária envolve áreas cerebrais que dependem dos
sentimentos vivenciados pelo outro no momento. Pesquisas mostram que
para ela existir é necessário prestar atenção ao outro e ela é tanto mais
forte quando maior a atenção. Interferem no processo empático as prioridades existenciais da pessoa, seu grau de socialização e diversos fatores psicológicos e sociais. Desempenha papel importante na atenção a
memória de trabalho que reside no córtex pré-frontal e pode ser utilizada
a qualquer momento, determinando a quais sinais devemos prestar atenção e nos orientando para o que dizer e fazer em uma situação.
O papel da atenção no desenvolvimento da empatia foi realçado em
pesquisa feita com seminaristas preocupados em fazer um sermão cujo
tema era o “Bom Samaritano”. Eles encontraram em seus caminhos um
homem sofrendo, gemendo e não lhe dedicaram maior atenção, pois
estavam muito preocupados com o sermão que deveriam fazer logo depois (GOLEMAN,2007).
Para os sociólogos as pessoas nas ruas movimentadas não dão atenção para uma pessoa caída porque estão absorvidas com seus problemas, no chamado “transe urbano”, que tem a finalidade de nos autoproteger da sobrecarga de estímulos em nossa volta. Pesquisadores relatam que quando as pessoas param para ajudar outras que sofrem, o
fazem por sofrem junto com elas, devido à empatia.
A empatia primordial é a capacidade de sentir imediatamente as
emoções e pensamentos do outro. É intuitiva, rápida e automática, pois
219
mesmo sem falar, uma pessoa geralmente exterioriza suas emoções,
através de suas expressões faciais e corporais. Foi criado um teste para
avaliar a empatia primordial, o PONS, que avalia as leituras de sinais não
verbais, fazendo a medida do perfil de sensibilidade não verbal da pessoa. Nele pede-se à pessoa para adivinhar o que acontece emocionalmente com outra, depois de assistir por dois segundos um filme que
mostra seu rosto ou corpo e de ouvir sua voz. Os trabalhadores que se
saem bem no PONS conseguem melhores avaliações que seus colegas
em tarefas interpessoais. Os pacientes de médicos que foram bem avaliados no teste se dizem mais mais satisfeitos com eles e os professores
mais bem avaliados são considerados mais eficientes. As pessoas melhor avaliadas no teste são consideradas mais queridas nos seus relacionamentos. O PONS revela que as mulheres com filhos são melhores
decodificadoras não verbais do que as da mesma idade que não têm
filhos.
Córtex Órbito-Frontal e Neurônios Fusiformes
Nos olhos, além das terminações do nervo ótico,há fibras nervosas
que dão acesso aos sentimentos da pessoa, pois levam a uma estrutura
crucial para a empatia, a área orbito-frontal do córtex pré-frontal. Quando
os olhos de duas pessoas se cruzam, ligam suas regiões órbito-frontais e
permitem que elas identifiquem suas emoções. Por isso você sabe, olhando nos olhos de alguém, se ele está triste ou alegre, com medo ou
raiva, daí os poetas dizerem que “os olhos são os espelhos da alma”.
O córtex órbito-frontal (COF) está localizado atrás e acima das órbitas e nele se juntam a parte mais baixa do córtex cerebral, o cérebro racional, a via principal e as amígdalas, parte mais elevada dos centros
220
emocionais, a via secundária. Há também ligação destes centros com o
tronco cerebral que é responsável por reações motoras automáticas.
O córtex órbito-frontal faz ligação instantânea entre pensamento,
sentimento e ação ao unir a via principal com a secundária. Através dele
podemos fazer avaliação social instantânea: saber como nos sentimos
em relação a outra pessoa, como ela se sente em relação a nós e decidir
como nos comportaremos. Ele contém neurônios sintonizados para detectar emoções no rosto e nos olhos das outras pessoas e nos permitem
trocar mensagens em interações sociais.
A ressonância magnética da mãe de um recém nascido olhando o
retrato de seu bebê, mostra que de seu córtex órbito-frontal se ilumina,
não ocorrendo o mesmo quando ela vê o retrato de um bebê desconhecido.O córtex órbito-frontal avalia também o cheiro das pessoas, o que
pode evocar os sentimentos de gostar ou não gostar dela. No caso de
dois amantes que se beijam, o córtex órbito-frontal além de avaliar a situação e permitir a constatação do amor entre eles, guia as duas bocas
na velocidade e trajetória certas, para que se unam sem choque.
Os neurônios fusiformes, recentemente descobertos, são células
especiais cujo corpo é até quatro vezes maior do que os neurônios normais. Seus axônios são mais longos, permitindo aos estímulos transitarem com maior velocidade. Parecem estar relacionados com a função da
intuição e fazem conexões entre o córtex órbito-frontal e o córtex cingulado anterior (CCA), área do cérebro responsável pelo direcionamento da
atenção, coordenação dos pensamentos, emoções e reação corporal aos
sentimentos.
Quando fazemos um julgamento inicial para saber se começaremos
um namoro com alguém, grande parte da decisão ocorre no primeiro
221
encontro e depende dos neurônios fusiformes, ricos em receptores de
serotonina, dopamina e vasopressina, neurotransmissores importantes
na empatia, amor, humor, prazer e interações sociais.
Exames realizados com ressonância magnética mostram que os
neurônios fusiformes se concentram numa área do córtex órbito-frontal
que fica mais iluminada durante a empatia, quando a pessoa olha o retrato da pessoa amada e quando conhece alguém atraente ou julga estar
sendo enganado. Tais células são abundantes numa área do córtex cingulado anterior que tem papel importante no reconhecimento da expressão facial das emoções. Sabe-se que pessoas mais conscientes de uma
maneira interpessoal têm maior atividade no córtex cingulado anterior
(GOLEMAN, 2007).
Uma tomada de decisão começa com a ativação do cingulado, espalha-se pelas células fusiformes do córtex órbito-frontal e daí vai para os
circuitos emocionais, onde surge um sentimento que pode ser consciente
ou não. O córtex cingulado e o córtex órbito-frontal entram em atividade
sempre que fazemos uma escolha e atribuímos valor a alguma coisa.
Num encontro com alguém o córtex cingulado e o córtex órbitofrontal permitem que façamos seu julgamento em 0,05 do segundo, enquanto as áreas pré-frontais dão informações sobre o contexto social e
nos levam ao afastamento ou aproximação. É grande a importância do
córtex órbito-frontal nas interações sociais pois ele orienta nossas ações
dando informações para que nos comportemos de forma adequada.
Sintonia, Precisão Empática e Cognição Sociala
Na sintonia há conexão com a outra pessoa e ela só existe se dirigirmos a atenção para ela. Para haver sintonia devemos ouvir a pessoa
222
atentamente e procuramos entendê-la, sendo que levamos em conta o
que ela sente, diz e faz. Podemos melhorar nossa capacidade de sintonizar dando mais atenção às outras pessoas e ouvindo-as pacientemente,
tentando compreender suas emoções e sentimentos. Resulta um diálogo
que pode atender às necessidades de ambos, cada um falando o que
sente.
Pesquisa mostra que quanto maior é a atenção maior a sintonia
com o outro. Um bebê de dois meses, para sintonizar com a mãe que se
aproxima, fica quieto, acalma a respiração, se volta para sua direção e
olha para seus olhos e lábios, atento ao que ela diz ou faz.
Os melhores líderes, professores e gerentes têm grande capacidade de ouvir. A sintonia aumenta ao fazer perguntas para entender melhor
a situação e sem ela qualquer relacionamento tende a extinguir-se, por
falta de conexão das pessoas.
A precisão empática possibilita a compreensão do que a outra pessoa pensa e sente e é um avanço em relação à empatia primordial, pois
além de contatar com os sentimentos e pensamentos do outro procuramos compreendê-los. É uma habilidade cognitiva que envolve circuitos
da via primária do neocórtex cerebral, especialmente os localizados nas
áreas pré-frontais. Enquanto a empatia primordial é de natureza emocional e relacionada com a via secundária, a precisão empática é emocional e cognitiva, envolvendo ambas as vias. Elas se completam.
A precisão empática parece ser um dos segredos do sucesso de
um casamento, principalmente nos seus primeiros anos. Pesquisa realizada com casais mais precisos na leitura dos parceiros mostrou que entre eles há níveis mais elevados de satisfação, tendendo o casamento a
durar mais (GOLEMAN,2007).
223
Na precisão empática, para sentir e entender o que outra pessoa
sente, utilizamos os mesmos circuitos cerebrais que usamos em nossa
própria experiência. Quando uma pessoa imita a expressão facial de felicidade, raiva ou medo de outra, isto gera nela própria a mesma emoção
e ficam ativos os mesmos circuitos cerebrais que são ativados quando
ela sente espontaneamente a emoção.
A cognição social é o conhecimento de como o mundo social funciona. A pessoa competente em cognição social sabe o que esperar de
uma situação, a maneira certa de se comportar nela e sabe interpretar os
sinais sociais de um grupo e localizar onde está o poder em uma organização. Uma manifestação de cognição social está na capacidade de encontrar soluções adequadas para problemas sociais do tipo como fazer
amigos e como organizar uma mesa em que inimigos vão se sentar.
As habilidades da consciência social interagem entre si: a precisão
empática se baseia na capacidade de ouvir e na empatia primordial e
todas três citadas anteriormente ampliam a cognição social, enquanto a
adequada percepção interpessoal é o alicerce para a facilidade emocional. Para navegar no mundo interpessoal e compreender os acontecimentos sociais é fundamental uma boa cognição social, principalmente
na interação com outras culturas, com seus ritos e normas diferentes.
Sincronia, Apresentação Pessoal, Influência e Preocupação
A sincronia entre os movimentos e expressões corporais de duas
pessoas que interagem cria harmonia no relacionamento e uma conexão
fundamental para seu sucesso. A sincronia inconsciente entre os corpos
de duas pessoas faz a interação fluir naturalmente através da comunicação não verbal.
224
As pessoas que sofrem de “dissemia”, que é a incapacidade de ler
os sinais não verbais do interlocutor,têm problemas sociais e em crianças
pode levar à rejeição social. Nestas pessoas as expressões faciais não
correspondem aos sentimentos e elas perdem a capacidade de perceber
os sentimento do outro. A dissemia se manifesta nos adultos como incapacidade de seguir pistas não verbais no relacionamento e pode levar ao
isolamento social, podendo decorrer de trauma emocional e ocorrer sem
déficits neurológicos, como no autismo.
Na apresentação pessoal o vestuário da pessoa deve ser compatível com a situação: numa cerimônia, ela deve vestir-se de forma adequada, com terno e gravata se for o vaso e não com um short e uma camisa
feita para prática de exercícios físicos. Um dos aspectos da apresentação
pessoal é a capacidade de comunicar suas emoções. Um dos fatores do
sucesso do grande líder ou palestrante é a facilidade de transmitir suas
emoções e entusiasmar os ouvintes fazendo eles entrarem em sintonia.
Um dos segredos é a utilização da voz, aumentando ou diminuindo de
ritmo e de intensidade, permitindo a transmissão das emoções.
Outro segredo está em saber controlar a expressão das emoções
de modo a atender às normas sociais da cultura. Se a cultura não valoriza a expressão de emoções nos locais de trabalho, esta regra deve ser
respeitada. Na nossa cultura aceita-se que as mulheres expressem medo, tristeza e choro na vida privada, mas não no trabalho. Para os homens o choro é desaprovado em qualquer situação e os meninos desde
pequeno ouvem que “homem não chora”. A raiva é aprovada, inclusive
no trabalho.
A influência é a capacidade de obter bons resultados numa interação social, utilizando a sensibilidade e o auto-controle. Deve-se fazer
225
com que o interlocutor sinta-se à vontade e uma forma de conseguir isso
é a pessoa expressar suas emoções, o que causa boa impressão nele
deixando-o mais cômodo.
Uma boa cognição social é importante para a influência, assim como ter a capacidade de adequar a expressão das emoções à situação.
Dosar adequadamente a expressão corporal e facial, a intensidade e o
tom da voz e ser discreto socialmente são condutas úteis em qualquer
contexto para evitar reações inconvenientes.
A preocupação reflete a capacidade de compaixão da pessoa para
com alguém. É conseqüência da empatia, pois sentir as necessidades do
outro serve de estímulo à ação para ajudá-lo. Pessoas mais sensíveis ao
sofrimento alheio se mobilizam mais para ajudar e pesquisas sugerem
que estimular a atenção e a preocupação das crianças para as necessidades alheias pode ser eficaz para aumentar a compaixão nelas
(GOLEMAN,2007).
Educação da Via Secundária
Ekman (2008) desenvolveu uma técnica, denominada de METT
(Micro Expression Trainig Tool), para ensinar as pessoas a melhorar a
empatia primordial. É baseada nas microexpressões faciais da pessoa
observada que levam cerca de 1/3 do segundo para desaparecer da face
e dão uma pista de como ela se sente naquele momento.
Elaborou um CD para treinamento que leva menos de 1 hora onde
são apresentados os rostos de pessoas com expressões neutras ou de
raiva, medo, felicidade, tristeza, surpresa, nojo ou desprezo. O observador tenta identificar a emoção em cada expressão apresentada, primeiro
com a velocidade de 1/15 do segundo, depois com velocidades de até
1/30 do segundo, sucedidas por imagens congeladas para permitirem ver
226
melhor cada expressão e também a avaliação de todas as tentativas feitas.
Segundo Ekman a maioria das pessoas acerta 40 a 50% na primeira tentativa e depois de 20 minutos de treinamento acerta de 80 a 90%.
Quanto mais treinar, maior o acerto. Isto mostra que os circuitos nervosos da via secundária podem aprender, desde que submetidos a treinamento adequado.
Doux conta que, no início do século XX, um neurologista fez um experimento com uma portadora de amnésia tão grave a ponto do médico
ter de se apresentar de novo a cada consulta. No experimento o médico
escondeu uma tachinha na sua mão e estendeu-a para a mulher que
sentiu dor ao aperta-la. Ele saiu e voltou pouco depois, perguntando à
paciente se ela o conhecia tendo recebido um não como resposta. Em
seguida o médico estendeu a mão para apertar a da paciente mas ela se
recusou, numa evidência que se lembrava da dor que sentira. A causa da
amnésia da paciente era uma lesão da via principal no lobo temporal e
por isto os fatos relacionados com a cognição eram esquecidos. Como
sua via secundária, a amígdala, estava intacta, ela guardou a lembrança
da dor produzida pela tachinha, por isto se negou a apertar a mão do
médico novamente.
227
228
11.
Relacionamento e Saúde
É muito importante o apoio social para nossa saúde e para entendermos melhor seu significado analisaremos seu conceito. Para Ornish (
1999), médico e pesquisador, o apoio social é uma informação que a
pessoa tem que a induz a acreditar ser protegida, amada e respeitada, e
que faz parte de uma rede de obrigações sociais mútuas. O apoio social
permite à pessoa supor que é amada, respeitada e protegida por aqueles com que convive.
Hegelson (1996) considera três categorias de apoio social: emocional, informativo e instrumental. O apoio emocional consiste na comunicação verbal ou não verbal de interesse e preocupação pela pessoa, de
que ela é amada, tem oportunidade para a intimidade e seu valor é reconhecido. Propicia uma sentimento de significado para a vida da pessoa e
de que ela pertence efetivamente ao mundo em que vive.
O apoio informativo permite à pessoa o acesso a informações variadas, a conselhos, avaliação e orientação de outras pessoas em quem ela
confia. O apoio instrumental garante à pessoa assistência física e material, como dinheiro, transporte e ajuda em tarefas diárias. Na essência,
estas categorias fazem parte de uma categoria maior e mais ampla que
pode ser sintetizada na questão da pessoa sentir-se amada e protegida.
229
Cientistas sociais medem o apoio social através de um critério quantitativo, do número de relações sociais, ou de um critério qualitativo, da
qualidade destas relações. A quantidade das relações é importante, mas
a qualidade é mais importante pois expressa o quanto há de amor e proteção no vínculo social.
Em relação à quantidade do apoio social, os pesquisadores perguntam sobre:
• número de pessoas que você se encontra durante a semana;
• número de pessoas que compartilha seus interesses;
• número de amigos que podem visitá-lo a qualquer hora sem embaraçá-lo;
• número de pessoas com que você pode falar francamente.
Em relação à qualidade do relacionamento consideram se há:
• alguém especial em que pode se apoiar;
• alguém que você sente muito perto de si (proximidade);
• alguém com que você pode compartilhar seus sentimentos;
• alguém em que você confiar;
• alguém para abraçá-lo e reconfortá-lo;
• alguém em casa que aprecia o que você faz por ele ou ela.
Alguns pesquisadores fazem perguntas para saber se alguém gosta
de você, quer ajudá-lo e em quem você pode confiar:
• se você ficasse doente, teria um amigo para levá-lo ao hospital ou
teria de tomar um taxi?
• se você precisasse de dinheiro agora teria um amigo para lhe emprestar?
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• se você estivesse doente teria um amigo para tomar conta de seus
filhos até você ficar bom?
Pesquisas mostram que quando a pessoa não se sente com apoio
social o risco de morte prematura e de ficar doente por qualquer causa é
de três a cinco vezes maior, ou até mais para alguns pesquisadores. As
doenças que podem ocorrer são infarto no coração, derrame cerebral,
doenças infecciosas como a tuberculose e outras, alguns tipos de câncer, alergia, doenças das articulações, alcoolismo, uso de drogas, depressão evoluindo para suicídio, etc. Outras pesquisas mostram que é
tão importante o afeto que a pessoa recebe, quanto o que ela dá: é importante dar e receber amor e intimidade e um estudo com mais de setecentos idosos1 mostrou que a diminuição dos efeitos da velhice tinham
mais a ver com o que eles contribuíam para sua rede social do que com
o que eles recebiam da comunidade (ORNISH,1999).
Ao contribuir com os outros as pessoas criam um sentido para suas
vidas. Frankl (1978), psicólogo alemão que sobreviveu ao campo de
concentração de Auschwitch, relatou em seus livros que os judeus que
sobreviveram às atrocidades dos nazistas, não foram os mais jovens
nem os mais fortes. Foram os que desenvolveram um sentido de vida
muito profundo, os que viveram para ajudar e apoiar seus parentes ou
amigos ou queriam sobreviver para contar à humanidade as atrocidades
que foram vítimas. A medicina reconhece hoje a necessidade do sentido
de vida na promoção e manutenção da saúde.
Importância do Amor e da Intimidade para a Saúde
Segundo Ornish (1999), pesquisas da década de 90 demonstram a
importância do amor e do relacionamento íntimo para a saúde. O amor e
231
a intimidade têm poder de promover e manter a saúde, além de poder
curativo: se a pessoa se sente amada, que tem alguém que a ama e
quer seu bem, que se preocupa com ela, que quer ajudá-la e em quem
ela pode confiar, isso tem poder curativo. Os efeitos da interação do indivíduo com a comunidade, de sua comunhão com os seus parceiros sociais, são altamente benéficos para a saúde. O isolamento e a solidão
produzem efeitos nocivos, podendo influenciar no surgimento de doenças ou mesmo desencadear morte prematura.
Quando nos sentimos amados e apoiados por nossa família e
amigos e somos respeitados pela comunidade em que vivemos, temos
muito mais probabilidades de ter saúde e ser felizes. O isolamento, a
separação, a solidão, hostilidade, raiva, ódio, medo, preocupação, ansiedade, estresse, tristeza, auto- estima baixa e todos os sentimentos semelhantes podem ser fatores desencadeadores de doenças.
As seguintes pesquisas mostram a importância do amor e da intimidade para a saúde humana:
• O New England Journal of Medicine, em 1993, publicou pesquisa
realizada por Seeman na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, em
que foi utilizada a angiografia coronária, uma radiografia especial das
artérias que distribuem o sangue no coração, em 119 homens e 40 mulheres. A pesquisa mostrou que aqueles que se sentiam mais amados a
protegidos socialmente tinham menor grau de obstrução das artérias
coronárias. Este resultado era independente dos fatores de risco que
podem concorrer para o aparecimento de obstrução das artérias: colesterol elevado, obesidade, fumo, hipertensão arterial, diabetes, ausência
de exercícios físicos e história familiar de doença coronariana.
232
Os pesquisadores concluíram que quando a pessoa se sente amada
e emocionalmente apoiada isto favorece o não aparecimento de obstrução das artérias do coração. Não ser amado e querido são indicadores
mais importantes da gravidade da obstrução das artérias do coração do
que o número de relacionamento que a pessoa tem. Importava mais a
qualidade do relacionamento que a pessoa tem do que a quantidade
deles. Pode-se inferir que é mais importante que você tenha poucos relacionamentos sinceros e leais, do que muitos relacionamentos com
pessoas nas quais você não possa confiar(ORNISH,1999).
• Ornish (1999) fez pesquisa com 131 mulheres suecas utilizando
arteriografia coronária e concluiu que as mulheres com intensos relacionamentos emocionais tinham grau menor de obstrução das artérias do
coração, independentemente dos outros fatores de risco que poderiam
influir na extensão da doença.
• Gould (1995) publicou pesquisa realizada na Case Western Reserve University de Cleveland, envolvendo cerca de 10.000 homens casados que não apresentaram no passado queixa de dor no peito (angina).
Todos os homens estudados tinham diversos fatores de risco, desde
colesterol elevado no sangue, pressão arterial alta, diabetes, eletrocardiograma com alterações. Foi feita a seguinte pergunta a todos: “Sua mulher demonstra que tem amor por você?
Os homens que responderam que a mulher demonstrava ter amor
por eles tinham uma incidência muito menor de dor no peito (angina). Os
que responderam que suas companheiras não demonstravam seu amor
apresentavam uma incidência de dor no peito quase duas vezes maior.
Ou seja, os homens que a companheira demonstrava amor tinham a
233
metade da incidência de dor, em relação àqueles que a companheira
não demonstrava amor.
Analisando os prontuários dos participantes da pesquisa, os pesquisadores concluíram que quanto mais alto o nível de colesterol, mais alta
a pressão arterial e quanto maiores a ansiedade e o estresse dos pacientes, mais importante era a demonstração de amor da companheira na
prevenção dos efeitos prejudiciais da doença. Verificaram que os pacientes com conflitos familiares com a mulher e os filhos e problemas de ansiedade tinham freqüência maior de dor no peito.
Nas conclusões da pesquisa os pesquisadores declaram que os
resultados apontam para duas direções, a primeira é que medidas preventivas como deixar de fumar, reduzir o colesterol, a pressão arterial e o
peso, provavelmente ajudam a diminuir a incidência de infarto do miocárdio e, em menor extensão, a angina de peito. Mas na segunda direção, por melhor que tudo isso seja feito, as principais fontes de risco da
doença não serão atingidas a não ser que o processo seja acompanhado
por uma investigação detalhada da situação pessoal, familiar e ocupacional do paciente enfatizada a necessidade de uma cobertura dos aspectos físico, emocional e social de suas vidas a fim de prevenir, retardar
ou diminuir a doença.
Embora sejam muito importantes as medidas convencionais adotadas para reduzir o índice de mortalidade da doença resultante da obstrução das artérias do coração é muito importante também um relacionamento amoroso do paciente com seus familiares.
234
Raiva e morte prematura
Segundo Miller (1996), a hostilidade mostrou ter grande influência no
desencadeamento da morte prematura e no aparecimento de doença em
quarenta e cinco estudos que ela apareceu como importante variavel da
personalidade de portadores de doença das artérias que irrigam o coração. Desde os anos setenta que os cardiologistas sabiam disto: os efeitos da hostilidade são iguais ou maiores em magnitude que os dos tradicionais fatores de risco da doença cardíaca: colesterol alto, pressão alta
e outros.
A hostilidade é uma manifestação de solidão e isolamento. As pessoas que se sentem solitárias e isoladas geralmente são irritadas e hostis, e ao agirem de modo hostil afastam ainda mais outras pessoas. Criam um círculo vicioso que as fazem se sentir cada vez mais solitárias e
isoladas.
Para Ornish (1999), minimizar a solidão pode ter efeito curativo pois
programas que reduziram 50% os índices de morte de pacientes depois
de um enfarte, compartilham o mecanismo terapêutico comum de dar
apoio emocional ao paciente, para que ele deixe de se sentir isolado.
Sendo o homem gregário por natureza, quando ele se sente isolado
fica frustrado pois gostaria de estar se relacionando com seus semelhantes. Uma conseqüência natural da frustração é a raiva, a hostilidade, que
é extravasada nas pessoas com quem ele eventualmente conviva. Além,
da hostilidade, os pesquisadores consideram que a desconfiança e o
ceticismo são fatores que interferem no maior risco de mortalidade dos
doentes coronarianos. Quando assumimos um compromisso com alguém, nos sentimos mais seguros e confiantes, se sabemos que o compromisso vai ser honrado pelo outro. Ficamos mais abertos no relacio-
235
namento. Quando estamos desconfiados, nos isolamos, podemos cair na
armadilha do isolamento-solidão-hostilidade, que pode levar à doença e
à morte prematura.
Segundo Ornish(1990) a quantidade de colesterol depositada nas
artérias depende da quantidade em parte do colesterol ingerido nos alimentos, mas em parte depende da quantidade de colesterol metabolizada pelo organismo, que é afetada pelo amor e pelo relacionamento, que
interferem assim na probabilidade de haver um infarto ou morte cardíaca
súbita.
Pesquisa foi realizada com 8.500 homens sadios, que não tinham
queixas de úlceras de estômago ou duodeno. Durante os cinco anos
seguintes 254 deles tiveram úlceras e os que tinham referido em um
questionário preenchido no início da pesquisa baixo nível de amor e apoio das partes de suas companheiras, tiveram duas vezes mais úlceras
que os outros. Os homens que responderam não serem amados por
suas mulheres apresentaram um número três vezes maior de úlceras em
relação àqueles que disseram que suas mulheres demonstravam amor e
apoio. A pesquisa mostrou que o amor e o apoio estavam mais associados ao aparecimento de úlceras do que o fumo, idade, estresse e outros
fatores (ORNISH,1999).
A Medicina de hoje sabe que grande parte das úlceras pépticas é
causada pela bactéria Helicobacter pylori, entretanto sabe-se que a infecção é um pré-requisito necessário mas não suficiente para desencadear a doença: alguém pode ser portador da bactéria e não ficar doente.
Muitos homens pesquisados que provavelmente estavam infectados, se
sentiam amados pela companheiras e eram mais protegidos da ação da
bactéria de certo modo.
236
Defesa do organismo e apoio social. O estudo da Harvard
Uma defesa do organismo se faz através do sistema imunológico,
constituído pelos anticorpos e por diversas células, leucócitos principalmente, que nos protegem contra agentes agressores externos e internos.
Segundo Ornish (1999), existem provas de que estas defesas são
protegidas e reforçadas pelo amor e pelo relacionamento, aumentando
nossa resistência às doenças. Nem todos que entram em contato com
vírus, bactérias, fungos e outros microorganismos ficam doentes. A exposição é necessária para desencadear doença, mas não é suficiente
para provocá-la. A maioria das pessoas é portadora do bacilo da tuberculose, presente nos seus gânglios linfáticos, mas as bactérias ficam
confinadas a eles e não se propagam para o organismo. Os índices mais
altos de tuberculose são registrados em pessoas isoladas, com pouco
apoio social, mesmo morando em bairros ricos.
Pesquisa publicada por Cohen (1997), mostra que o amor e a intimidade com a família e amigos, colegas de trabalho e a comunidade podem nos proteger contra doenças infecciosas. Foram recrutados 276
voluntários saudáveis, de dezoito a cinqüenta anos de idade, que receberam, nas narinas gotas de uma solução com vírus de resfriado comum. Quase todos os pesquisados ficaram infectados com o vírus (passaram a ter o vírus no organismo), mas nem todos os infectados tiveram
os sinais de resfriado (coriza, espirros, febre, etc.).
Estudando os relacionamentos sociais dos pesquisados, incluindo
relacionamento com o companheiro(a), filhos, parentes mais chegados,
vizinhos, amigos, companheiros de trabalho, de lazer, da escola, igreja e
outros, viu-se que o número dos relacionamentos teve papel importante
237
na proteção dos que não ficaram resfriados. Isto é: o apoio social aumentou a resistência ao resfriado em pessoas infectadas pelo vírus da
doença.
Na cidade da Guatemala, era comum as mulheres ficarem sozinhas
durante o parto, sem família e companheiro e foi avaliada a influência de
uma companheira chamada doula, no trabalho de parto. O grupo que
teve o filho sem acompanhamento teve trabalho de parto médio de 19,3
horas e o grupo que teve assistência da doula teve duração de apenas
8,7 horas, menos da metade, portanto. Um estudo feito em quatrocentas
mulheres grávidas, na Clínica Cleveland, mostrou que apenas 8% das
que tiveram constante apoio emocional precisaram de cesariana, enquanto 18% do grupo de mulheres que não teve nenhum apoio emocional precisou de cesariana.
O apoio social durante a gravidez favorece o crescimento do feto, e
diminui o tempo de trabalho de parto. Estudos feitos em Londres concluíram que os índices de partos prematuros foram significativamente menores entre as mulheres com um companheiro confidente do que entre as
que não tinham este apoio (ORNISH,1999).
Russek (1997), pesquisou 126 alunos de Harvard escolhidos ao
acaso, de 1952 a 1954 e acompanhou durante trinta e cinco anos, aos
quais foi perguntando sobre o relacionamento que tinham com a mãe e
com o pai. A resposta deveria ser escolhida entre quatro alternativas:
muito próximo: 1, caloroso e amigo: 2, tolerante: 3, tenso e frio: 4.
A pesquisa comprovou que todos (100%) que declararam não ter relacionamentos calorosos com os pais tinham diagnóstico de doenças
graves na meia idade: doenças coronárias, pressão alta, úlcera de duodeno e alcoolismo. Por outro lado, apenas 47% dos que tinham relacio-
238
namento caloroso e íntimo com os pais tiveram doenças diagnosticadas
na meia idade. Os outros dois grupos eram intermediários.
Os pesquisadores concluíram que a percepção do amor pode vir a
ser um preventivo central bio-psico-social-espiritual, reduzindo o impacto
negativo dos agentes estressantes e patogênicos e reforçando a função
imunológica e a cura.
Outras duas perguntas foram feitas aos participantes da pesquisa:
“Que tipo de pessoa é sua mãe? “ Que tipo de pessoa é seu pai?”
Os pesquisadores contaram o número de palavras negativas ou positivas das respostas dadas pelos pesquisados. Concluíram que aqueles
que fizeram mais avaliações positivas dos pais tiveram melhor saúde do
que aqueles que fizeram avaliações negativas. 95% dos que usaram
poucas palavras positivas e classificaram o relacionamento com os país
pouco amoroso, tiveram doença diagnosticada na meia idade. Apenas
29% dos que usaram muitas palavras positivas e definiram o relacionamento com os pais como caloroso e próximo tiveram doenças diagnosticadas na meia idade.
239
240
PARTE III
ASPECTOS FILOSÓFICOS DA
EMOÇÃO:
VALOR, RAZÃO E EMOÇÃO
241
242
12.
Emoção e Valor
Introdução
Para elaborar este capítulo procuramos responder as seguintes indagações: a emoção é parte constituinte do valor? Como elas constituem
o valor? As emoções denotam valores e permitem revelá-los e identificálos? É possível estabelecer uma relação determinada emoção e o valor
que ela denota? A emoção propriamente dita e a competência emocional
são valores? Qual o significado epistemológico das emoções nos processos de auto-conhecimento e conhecimento do outro? Qual a importância da emoção nos processos de valoração e avaliação? E na elaboração de juízos de valor e de julgamentos morais e éticos? A emoção é
importante no aperfeiçoamento pessoal e nas tomadas de decisão?
Como introdução do estudo, fizemos a análise do conceito e significado
de valor nas perspectivas filosófica, psicológica e sociológica, e continuamos
com o conceito e significado axiológico das emoções, fundamentados nas
recentes idéias do neurofisiologista António Damásio e do psicólogo Csikszentmihayi. Abordamos a relação entre emoção e valor, concluindo que ela é
importante na constituição dos valores, daí sua importância axiológica. Continuamos com a análise da competência emocional, com ênfase nas perspectivas de Perrenoud, Goleman e Boyatzis mostrando seu significado axiológico.
243
Segue a análise das relações entre valoração, avaliação e emoção ficando
realçada a importância das emoções e dos afetos, tanto na valoração quanto
na avaliação.
No curso das reflexões surgiu outro objetivo, de fornecer elementos para concepção e construção, por parte de sua comunidade docente, discente
e administrativa, do “Paradigma da Faculdade Castro Alves”. Tal paradigma,
dentro da concepção paradigmática de Thomas Kuhn, que considera um
paradigma como expressão de um compromisso grupal, tem por finalidade
construir, clarificar e institucionalizar os valores, crenças e generalizações
simbólicas que devem ser considerados pelos membros da comunidade da
Instituição em suas atividades. Neste momento a Faculdade Castro Alves
está constituindo uma comunidade científica para o estudo das emoções,
particularmente para aplicação prática no campo da educação das emoções, em que tem sólida experiência bem sucedida, desde sua fundação
há nove anos.
Daí a necessidade de constituir e explicitar um paradigma para a
Instituição, dentro dos preceitos de Kuhn, com conceituação de seus
valores, de suas crenças em determinadas idéias e modelos, de suas
generalizações simbólicas que funcionem como normas institucionais,
com definição de tipos de predições qualitativas e quantitativas e margens de erros a serem aceitas, de critérios para coerência interna, de
modo que a comunidade se constitua em um todo que funcione de modo
coerente.
Entendemos que a construção coletiva de um paradigma diminuirá a
possibilidade de existência da entropia psíquica entre os membros da
comunidade, entropia esta que levará a atritos internos e conseqüente
diminuição da produtividade acadêmica. A definição clara de princípios e
244
normas que fundamentarão e nortearão as atividades grupais permitirá
melhor compreensão humana entre os membros do grupo e maior coerência em suas atitudes e ações.
EMOÇÃO E VALOR
De início analisaremos a relação entre os conceitos de emoção e valor,
suas naturezas, em que consistem e para tal, estabeleceremos um quadro
referencial teórico, explicitando os conceitos considerados.
Conceito e significado de Valor
O valor é um construto psico-social de cuja ontogênese participam
as necessidades humanas e as motivações, emoções, sentimentos, desejos e vontade , ou seja, a afetividade humana.
Para Hessen (1980a) a palavra valor pode significar três coisas diferentes: a vivência de um valor, referente ao domínio da consciência do
sujeito cognoscente; a qualidade de valor de uma coisa, que expressa
uma propriedade do objeto conhecido, um modo de ser da coisa; a idéia
de valor em si mesma, que consiste no gênero sob o qual incluimos o
conteúdo de todas as nossas vivências da mesma espécie.
Numa abordagem fenomenológica e sem admitir nenhum conceito apriorístico considera que valor é tudo aquilo que for apropriado para satisfazer
determinadas necessidades humanas e leva em conta as necessidades vitais, relacionadas com a biologia e as espirituais, incluídas aí as éticas,
estéticas e religiosas. Para o autor, todo valor só existe para um determinado sujeito e o valor só é valor para alguém, pois
245
“ lor é a qualidade de uma coisa que só pode
pertencer-lhe em função de um sujeito dotado
com uma certa consciência capaz de a registrar.”(HESSEN ,1980 A P.47)
Para Brameld (1980) a importância dos valores na tomada de decisões na escolha é relevante e assume particular importância no caso da
educação, pois através dela se dá a transmissão e enriquecimento dos
valores explícitos e implícitos de uma cultura. A educação deve prescrever os valores necessários para garantir que os fins da cultura a que serve sejam buscados e conquistados.
Para Santos (1987) a posição assumida em relação aos valores é
função dos princípios filosóficos adotados. O idealista sustenta haver
uma hierarquia de valores em cujo topo estão os espirituais. O realista
situa os valores racionais no topo, pois eles ajudam no ajustamento à
realidade objetiva, às leis da natureza e às regras da lógica. O pragmatismo nega a existência de hierarquia fixa de valores e considera uma
atividade tão boa quanto outra se for satisfeita uma determinada necessidade da pessoa ou tiver significado instrumental para ela atingir seus
propósitos.
Para Jones(1976), o valor expressa uma relação entre os sentimentos de uma pessoa e determinadas categorias cognitivas. Uma guerra
(objeto pertencente à categoria cognitiva) é má (expressão de um sentimento) e um valor negativo. Um alimento (categoria cognitiva) é bom
(expressão de um sentimento) e é um valor positivo. Assim, sob o ponto
de vista psicológico, o valor implica na existência de uma relação entre
elementos cognitivos e afetivos. Allport (1976) coloca o conceito de valor
no centro da vida e das aspirações humanas ao conceituá-lo como uma
crença que o homem se baseia para atuar por preferência
246
Para Rokeach (1972), m valor é uma crença duradoura em que um
modo específico de conduta ou um estado definitivo de existência, é
pessoal ou socialmente preferível a um modo inverso ou oposto de conduta ou estado definitivo de existência. Dá como exemplos ser honesto,
tolerante, bondoso e de estados definitivos de existência segurança,
tranqüilidade, etc.
Weil (2002, p 47) considera que
"Valor é uma variável da mente que faz com
que o ser humano decida ou escolha se comportar numa determinada direção e dentro de
determinada importância”.
Para ele o valor tem três dimensões: uma cognitiva, uma afetiva e
uma conativa. Na cognitiva e como causa de ação, é um pensamento,
uma idéia ou uma representação mental. Na afetiva o valor é acompanhado de atitudes ou emoções. A dimensão conativa do valor está na
decisão que leva posteriormente à ação.
O autor considera dois tipos de valores, construtivos e destrutivos.
Os construtivos estimulam comportamentos que favorecem a existência
dos seres vivos no tocante a sua manutenção, felicidade e participação
social produtiva. Os destrutivos são os que contribuem para a desagregação da existência dos seres vivos, impedindo ou prejudicando suas
evoluções nas direções citadas.
Para Raths (1966), o valor é um guia que dá direção à vida da pessoa e orienta o que ela faz com seu tempo e energia. Os valores animam
as pessoas e fazem elas se movimentarem no ambiente em que vivem
em busca de elogios e prazeres. São as marcas das experiências vividas
e uma mudança nos padrões de experiências pode gerar suas modifica-
247
ções pois da mesma forma que as experiências se modificam, modificam-se os valores.
Adotaremos a concepção de Raths (1966), na qual o processo de
valoração tem máxima importância. Só é valor algo que satisfaça a três
condições básicas: existência de escolha prévia, apreciação do escolhido
pela pessoa que se sente satisfeita com ela e que seja praticada a ação
para concretizar a preferência.
Um valor deve atender aos seguintes critérios: liberdade de escolha;
escolha entre alternativas; escolha ponderada considerando as conseqüências; apreciação e estima da alternativa escolhida; afirmação pública da preferência; ação em relação à preferência, repetidamente.
Em síntese, o valor é escolhido livremente, dentre alternativas, com
apreciação da escolha, sentimento de satisfação em relação a ela, ação
de acordo com a preferência, publica e repetida.
Indicadores de Valor - o indicador de valor, segundo Raths (1966),
não é um valor propriamente dito, pois não atende os critérios anteriores,
mas indica a presença de um valor. Considera os seguintes indicadores:
propósitos, aspirações, atitudes, interesses, sentimentos, crenças, convicções, atividades, preocupações, problemas e obstáculos.
Os propósitos são desejos que dão direção à vida e podem organizar a existência de quem se propõe a atingi-los. As aspirações são desejos aparentados com os propósitos que diferem deles por sua realização
em prazo mais longo. As atitudes expressam o modo pelo qual algo é
aceito ou rejeitado, uma tendência à ação ou a um sentimento. O interesse geralmente significa que gostaríamos de ouvir alguém falar sobre
algo ou que gostaríamos de ler algo mais sobre determinada área. Os
248
sentimentos são manifestações de alegria, depressão, tristeza, mágoa
ou excitação e são uma reação psicológica a determinada situação, não
se enquadrando nos critérios de valor. As crenças, convicções, atitudes,
preocupações, problemas e obstáculos podem se tornar valores, mas
não necessariamente.
Para Hayes (2005), os valores são escolhas de direções que guiam
nossas vidas. Considera uma metáfora em que nossa vida é como um
ônibus que dirigimos ao longo de nossa existência, no qual vão entrando
diversos passageiros: memórias,sentimentos, emoções, pensamentos,
sensações corporais, impulsos, desejos, ansiedades, etc.
No decorrer da vida temos de escolher para onde o ônibus deve ir,
qual direção devemos tomar: para o vale do norte, subir a montanha do
sul, para a praia do leste ou para a floresta do oeste? Para onde ir? Qual
direção tomar? São os valores que dão a direção de nossa vida e geralmente a escolha deles não é feita de modo consciente, pois vivemos
no “piloto automático”. Daí a importância de aprendermos a identificar e
clarificar nossos valores, para poder orientar adequadamente nossas
vidas.
A escolha de um valor não é necessariamente um processo racional,
embora ela possa ser feita levando em consideração determinadas razões. A escolha difere do julgamento racional porque ao utilizar o julgamento para selecionar uma alternativa dentre outras, comparamos cada
alternativa com determinado padrão de referência. Se você prefere comer peixe em vez de sanduíche com presunto e maionese, deve decidir
entre os dois alimentos e para isto considera como padrão ter uma boa
alimentação para manter bem o coração e ter boa qualidade de vida.
249
O valor é diferente do julgamento: é uma escolha que não leva em
conta a avaliação do escolhido. Avaliar algo implica em comparar o avaliado com determinado padrão. Quando você gosta mesmo de alguém, a
pessoa amada é um valor seu e ao escolher gostar dela em vez de outra, você não a comparou com nenhuma outra, antes de escolher. Você
gosta dela porque gosta, e pronto. O valor é em si mesmo e não depende da ação da razão, pois sua escolha não é guiada por uma avaliação
prévia com participação racional.
Stocker ( 2002), diferencia valor e valoração. Valoração é um processo
de atribuição de valor a algo, no qual a pessoa seleciona uma alternativa
dentre outras depois de justificar para si mesma sua preferência.
Os valores são sempre expressos por verbos pois indicam ação e é
alguma coisa que você faz. Não é um objeto, um substantivo, nem um
adjetivo. A verdade enquanto objeto ideal procurado pelo homem não é
um valor, mas a busca da verdade, a ação de buscar a verdade é, pois é
uma ação. Vale tanto para a busca da verdade imanente, lógica, intrínseca ao pensamento, quanto para a busca da verdade transcendente,
que transcende ao pensamento e representa a adequação da idéia referente a um objeto com o objeto propriamente dito.
Significado axiológico de Emoção
A emoção propriamente dita não é um valor pois na condição de objeto observado e conhecido pelo self do sujeito cognoscente não pode
ser valor. Segundo Hessen (1980a), na perspectiva do subjetivismo axiológico, o valor é propriedade do sujeito, pertence a ele e não ao objeto.
Se uma pessoa sofre uma agressão, numa reação natural, fica com
raiva do agressor. Ela não escolhe se vai ou não ficar com raiva, portan-
250
to a raiva não pode ser considerada um valor para ela pois não foi atendido o critério da escolha.
Mas o efeito comportamental da emoção é um valor pois a pessoa
poderá escolher um determinado comportamento: entregar-se ao impulso de lutar com seu agressor ou controlar sua raiva e não partir para a
agressão. Depois de escolher livremente qual comportamento deve ter e
de apreciar sua escolha, ela poderá então praticar a ação correspondente e agir repetidamente desta forma. E este comportamento é um valor.
Dentro desta perspectiva, medo, alegria, raiva, tristeza e outras emoções não são valores em si por serem objetos da consciência do sujeito cognoscente. Os efeitos comportamentais destas emoções são valores, depois de passar pelo processo de valoração e serem escolhidos
pelo sujeito.
A análise feita acima é pertinente para as emoções conscientes,
percebidas sob a forma dos sentimentos correspondentes. Mas as emoções propriamente ditas, segundo Damásio (2001,2004), não são percebidas pelo córtex cerebral, mas sim reações automáticas do organismo
reguladas pelo processo homeostase. Para Zajonc (1988) há emoções
que não são percebidas pelo consciente e as preferências emocionais de
uma pessoa podem ser formadas sem qualquer registro consciente. A
emoção propriamente dita, jamais pode ser um valor pois seus efeitos
cognitivos não são percebidos pela pessoa e não podem passar pelo
processo de valoração.
Relação entre emoção e valor
Para Stocker (2002) as emoções são importantes porque além de
serem reveladoras de valores, são também seus constituintes essenci-
251
ais. Quando você se orgulha de algo ou de alguém, isto indica que este
algo ou alguém tem valor para você que preferiu orgulhar-se dele e não
de outro, tendo havido escolha portanto..
Se você ama alguém essa pessoa tem valor para você que a preferiu para amar e não a outra. Se você fica triste porque perdeu alguma
coisa, ela valor para você que ficou triste por ela e não por outra coisa.
Ontogênese dos valores - ao fazer-se a ontogênese dos valores,
constata-se que as emoções são constituintes deles. Dentro dos critérios
de Raths (1966) algo para ser considerado valor, deve ser primeiro selecionado livremente dentre alternativas.
Esta escolha é fundamentada nas emoções do sujeito valorante,
participando dela a emoção agradável, pois ninguém, em condições de
normalidade escolhe algo que lhe é desagradável. Um dos princípios
básicos da psicologia humana ensina que quando alguém escolhe algo,
prefere aquilo que lhe dá prazer e não dor e sofrimento. Então Stocker
(2002), tem razão ao dizer que as emoções são internas aos valores, tão
internas que se tornam inseparáveis deles.
Continuando o processo de valoração a pessoa faz a apreciação, a
avaliação da escolha realizada que depende de fatores afetivos como
sua atitude, interesses, emoções e sentimentos e de fatores extraemocionais da emoção, de padrões a ela subjacentes como de sua atenção, desejos e pensamentos. É importante que após a apreciação a
pessoa se sinta satisfeita com a escolha feita.
Nenhuma pessoa normal, saudável escolhe como valor algo que lhe
seja desagradável. Mesmo aqueles que escolhem como valor o sofrimento como os masoquistas, têm satisfação com sua escolha, tanto que
repetem a situação causadora de sofrimento repetidas vezes, como os
252
masoquistas sexuais que sentem prazer em serem chicoteados e maltratados fisicamente durante o ato sexual.
Somente depois da apreciação e de ser colocado em ação repetidamente o objeto passa a ser um valor para aquela pessoa. Percebe-se
assim que a emoção é parte constituinte do valor, ficando fácil compreender porque as emoções são reveladoras de valores e que elas denotam valores.
Significado axiológico de Competência Emocional
A análise do significado da expressão “competência emocional” passa pelo exame do significado dos vocábulos “competência” e “emocional”. A palavra competência vem do latim competentia e segundo Ferreira (1986), é a “qualidade de quem é capaz de apreciar e resolver certo
assunto, fazer determinada coisa; capacidade, habilidade, aptidão, idoneidade”.
Para Perrenoud (2000), competência é a faculdade de mobilizar um
conjunto de recursos cognitivos (saberes, informações, capacidades,
etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações.
Como as emoções participam do ato da vontade na fase de decisão,
acreditamos que deva ser levada em conta a dimensão afetiva no conceito de competência e trabalharemos com o seguinte conceito: competência é a faculdade que uma pessoa tem de mobilizar os recursos cognitivos e afetivos necessários para solucionar com pertinência e eficácia
uma situação.
O conceito de competência engloba cognição e ação além da dimensão afetiva. A competência de alguém para executar algo implica
que tenha os recursos cognitivos e afetivos indispensáveis, bem como as
253
habilidades necessárias para modificar a situação da realidade através
de ações eficientes e eficazes.Um médico competente é um profissional
que tem experiência e a cultura médicas que lhe propiciem as informações necessárias e suficientes para dar o diagnóstico da doença de seu
paciente e fazer a terapêutica necessária.
A competência é um valor pois atende aos critérios de seleção, apreciação e ação. A pessoa escolhe se quer ser ou não ser competente
em determinado aspecto de sua vida profissional ou pessoal. Ela escolhe
se adquirirá ou não as informações e os saberes necessários para ter
determinada competência e aprecia, se gosta da escolha e se vai executar ou não as ações correspondentes a sua escolha. Ela pode, inclusive
mudar, deixar de executar a escolha selecionada, se verificar que não
está mais satisfeita com ela.
A competência emocional é um valor definido como a faculdade de
uma pessoa de mobilizar seus recursos cognitivos e afetivos para solucionar com pertinência e eficácia situações em que é envolvido pelas
emoções, de modo a ter autoconsciência, autogestão e consciência social delas e saber administrar adequadamente seus relacionamentos. A
validação do conceito surge da leitura dos comentários feitos a propósito
do conceito de competência e da aplicação dos elementos do processo
de valoração a ele.
Para Goleman e Boyatzis (2002), as competências emocionais básicas são duas, a pessoal e a social, e pertencem aos quatro domínios da
inteligência emocional: autoconsciência, autogestão, consciência social e
administração de relacionamentos.
A competência emocional pessoal engloba a autoconsciência emocional e a autogestão emocional. As competências da autoconsciência
254
emocional são três: identificar as próprias emoções e seus impactos;
usar a “intuição” para guiar as decisões; fazer auto-avaliação precisa:
conhecer nossos limites e possibilidades; desenvolver autoconfiança: um
sólido senso de nosso próprio valor e capacidade.
As competências da autogestão emocional são seis: autocontrole
emocional: controlar as emoções e os impulsos destrutivos; transparência: ser honesto, íntegro e digno de confiança; adaptabilidade: flexibilidade na adaptação a novas situações ou na superação de obstáculos.;
superação: ímpeto para melhorar o desempenho a fim de satisfazer padrões interiores de excelência; iniciativa: prontidão para agir e aproveitar
oportunidades; otimismo: ver o lado bom dos acontecimentos.
A competência emocional social engloba a consciência social e a
administração de relacionamentos. As competências da consciência social são três: empatia: perceber as emoções alheias, compreender seu
ponto de vista e interessar-se ativamente por suas preocupações; consciência organizacional: identificar as tendências, as redes de decisão e a
política em nível organizacional; serviço: reconhecer e satisfazer as necessidades dos subordinados e clientes.
As competências da administração de relacionamentos são seis: liderança inspiradora: orientar e motivar com visão instigante os colaboradores; influência: dispor de uma variedade de táticas para persuasão;
desenvolvimento dos demais: cultivar as capacidades alheias por meio
do feed-back e da orientação; catalisação de mudanças: iniciar, gerenciar e liderar em uma nova direção; gerenciamento de conflitos: solucionar
divergências; trabalho em equipe e colaboração cooperação e criação
em grupo.
255
Emoção, Valoração e Avaliação
Para Stocker (2002) devemos diferenciar os conceitos de valor e valoração. O valor consiste em uma preferência natural da pessoa, como o leite para
uma criança que está sendo amamentada : ela escolhe o leite materno e o
ingere por um impulso natural, que surge devido às suas necessidades biológicas, às suas carências de proteínas, gorduras, glúcidas e minerais. O leite é
um valor para ela.
É diferente de um adulto que come uma verdura, como a cenoura:
pode ser até que ele não goste, mas aprendeu que seu organismo precisa da vitamina A e dos beta carotenos contidos na cenoura e por isto
passa a comê-la diariamente. A pessoa se convence da necessidade de
ingerir determinado alimento através de um processo de cognição e reflexão e ele passa a ser um valor para ela. Houve um processo de valoração do objeto, que passou a ser um valor para a pessoa.
A valoração é um processo de atribuição de valor a algo que é lógico
pois a pessoa explica e justifica para si mesma porque algo deve ser
valor para ela. A emoção participa da valoração quando se considera se
o objeto valorado é agradável ou não e ao fazer sua apreciação e avaliação. Neste momento entra em ação a dimensão afetiva da emoção propriamente dita. No caso da cenoura, se a pessoa não gostar do seu sabor, dificilmente conseguirá comê-la e ela não será valor para ela. O exercício físico não é valor para muitas pessoas, mesmo elas sabendo de
suas vantagens para a saúde, simplesmente porque elas não gostam de
fazer exercício físico.
Para um dado sujeito são coisas diferentes avaliar algo (objeto, situação ou pessoa) e considerar algo como valor. Para Dorsch (2004) avaliação significa triagem, valorização e interpretação de informações sobre
256
o efeito de ações e tem como finalidade avaliar e legitimar as ações, decidir sobre elas e melhorá-las.
Entendemos que avaliar algo significa identificar qualitativa e quantitativamente as características de um objeto, situação ou ação, situá-lo
em um contexto e inferir sua importância, significado, valor e utilidade em
relação a determinado referencial.
Avaliar uma guerra significa identificar mentalmente seus horrores e
o sofrimento dos que dela participam e, comparar o quadro mental elaborado com uma situação de paz, completando o trabalho de avaliação.
Para Stocker (2002) toda avaliação leva em si mesma uma carga afetiva do avaliador. Mesmo sem estar consciente ele leva em conta sua
atitude em relação ao objeto observado, seus interesses, sentimentos,
emoções e também elementos não afetivos de suas emoções a elas
subjacentes, que são seus pensamentos, atenção, desejos e valores.
Diariamente estamos sempre avaliando pessoas, acontecimentos e
circunstâncias que nos cercam para decidirmos o que fazer e nos adaptarmos às mudanças contínuas da realidade. Nossas avaliações dependem de nossas emoções e a cada momento estamos exercitando nossa
emocionalidade exteriorizando as emoções com maior ou menor intensidade de forma continuada. Ás vezes nossas emoções são bem evidentes e dominam nosso comportamento, nas grandes raivas, alegrias, medos, tristezas ou outras emoções fortes.
É um erro pensar-se que as emoções só ocorrem episodicamente em
nossas vidas. Isto decorre de não voltarmos a atenção para elas devidamente
por que não fomos educados para percebê-las e identificá-las. É um traço de
nossa cultura que geralmente as pessoas só tomam conhecimento de suas
emoções quando são muito intensas, principalmente quando seus efeitos são
257
danosos para si mesmas ou para outras pessoas, numa raiva muito intensa ou
medo muito forte que as deixam descontroladas.
Nossa educação tem como tradição voltar-se de forma predominante para a razão em decorrência da filosofia do Iluminismo realçado por
Descartes no famoso “cogito ergo sum” - penso logo existo, que induziu
na nossa cultura a depreciação das emoções e de tudo que é ligado a
elas (PADOVANI ,1974).
Sob o ponto de vista ontogenético e filogenético o enunciado correto
deveria ser “cogito et sinto ergo sum” - penso e sinto, logo existo, pois
primeiro surgiram a emoção e os sentimentos, concomitantemente ao
desenvolvimento do sistema límbico e depois veio a razão, conseqüência
do desenvolvimento do córtex cerebral.
Daí a necessidade da educação das emoções, para podermos avaliar adequadamente a importância delas e dos sentimentos na vida humana, na elaboração de pensamentos e julgamentos avaliadores e na formação de juízos de valor éticos. É importante a empatia na avaliação,
pois através dela uma pessoa pode compreender melhor o outro a que
se propõe avaliar.
Stocker (2002), lembra que filósofos modernos como Schachtel, Krystal e
Tomkins sustentam que nossas vidas são basicamente emocionais e que as
emoções são essenciais para a pessoa poder avaliar, elaborar julgamentos
morais e praticar atos válidos eticamente.
Reproduzimos a seguir a citação de Falk feita por Stocker( 2002, p.
140):
“Que algo tenha o poder de favorecer uma
verdadeira compreensão do que pareça ser
(isto é, do que seja bom), dependeria em
parte da coisa que pareça ser e em parte da
afetividade dos que experimentam isso ou o
contemplam pelo que parece ser. Nada po-
258
deria ter provavelmente valor exceto para os
que podem amar ou odiar”.
Strawson citado por Stocker (2002,p. 392) declara que:
“A existência de um quadro referencial de atitudes é algo que nos é dado com a ocorrência da
sociedade humana”.
Para ele ter atitudes reativas é essencial para ser reconhecido como
pessoa, para entender a importância da avaliação e fazer avaliações
sobre pessoas e comunidades.
As emoções são epistemologicamente importantes para as avaliações e para o conhecimento avaliador, não sendo verdade dizer que elas
colocam numa posição epistemológica ruim quem está avaliando. Isto só
ocorre em emoções muito fortes e prejudicarem a percepção da realidade pelo observador. Erros de avaliação ocorrem tanto na presença de
emoções como em julgamentos racionais quando eles se baseiam em
crenças, fatos ou premissas não verdadeiras.
Estamos permanentemente avaliando o mundo e as avaliações que
fazemos têm um processo emocional subjacente, do qual participa a
emoção propriamente dita e o pensamento, desejo, atenção e valores do
avaliador. As emoções são mais importantes em nossas vidas do que
pensamos. Em cada avaliação pode predominar o componente emocional ou o racional, assim como pode haver equilíbrio entre eles. Se na
avaliação predomina o componente emocional, provavelmente ela será
inadequada e deverá ser refeita em outro momento, após a cessação
dos efeitos da emoção dominante.
Ao avaliarmos as qualidades de uma pessoa querida num momento
de enlevo afetivo, seguramente estaremos superestimando suas quali-
259
dades e a veremos com menos defeitos do que ela tem. De forma semelhante, se avaliarmos as qualidades de uma pessoa de quem estamos
com raiva, seremos muito severos e veremos mais defeitos do que ela
tem. A “cabeça fria” sempre será um juiz melhor do que a “cabeça quente”.
A emoção é especialmente importante para avaliação de outra pessoa. Se o avaliador for emocionalmente frio, terá dificuldades para estabelecer empatia com o outro e isto dificultará que ele se coloque no lugar
dele e tenha sua visão de mundo. No campo da patologia, pacientes portadores de alexitimia têm dificuldades para expressar suas emoções e de
distinguir quais emoções estão sentindo e em conseqüência têm dificuldades no relacionamento social, vivendo em constantes brigas com seus
parceiros sociais, graças à incapacidade de avaliá-los corretamente.
Educação dos Valores
Consideraremos a Clarificação de Valores de Raths (1966) e a Análise de Valores proposta por Coombs (1982). Ambas objetivamo levar a
pessoa a perceber os valores que são significativos para ela, seu grupo
e as instituições em que atuam e perceber os juízos de valor veiculados
na cultura em que vive.
A partir da conscientização de seus valores, a pessoa terá condições
de conhecer-se melhor e às pessoas com quem convive. Situando-se
enquanto pessoa singular, ganha condições para definir suas semelhanças e diferenças com “o outro” e definindo seu campo de valores poderá
situar-se melhor nele e ampliá-lo.
Análise dos Valores - enquanto a clarificação de valores faz abordagem fenomenológica-existencial dos valores, a análise dos valores é uma
260
abordagem racionalista e expressa a perspectiva de um ser humano racional, que pode resolver as questões referentes a seus valores aplicando
a razão e o método. Procura levar o educando a raciocinar sobre princípios e fatos relevantes, subjacentes a seus juízos de valor.
Limita o significado de valor a um julgamento de valor — é o julgamento que avalia as coisas com respeito aos seus merecimentos. Os
critérios de avaliação adotados são de natureza moral, estética, econômica, etc., e os objetos são avaliados de acordo com os valores assumidos pela pessoa. Seu propósito básico é auxiliar a usar o raciocínio lógico e procedimentos da investigação científica no tratamento das questões referentes aos valores e seu principal objetivo é questionar as razões que suportam os julgamentos de valor.
Clarificação de Valores - Raths (1966) acredita que o tipo de sociedade atual, com suas mudanças rápidas e excessivas determina certa
confusão de valores nas pessoas que passam a ter dificuldades em estabelecê-los e ficam sem objetivos claros. Elas não sabem claramente a
favor do que ficam, para onde estão indo e o porque de suas ações.
Quando os valores não são explicitados, a pessoa perde a direção de sua
vida e os critérios de escolha do que fazer com seu tempo, com sua energia e com seu ser.
A confusão de valores pode levar à apatia, desinteresse, conformidade e incapacidade de realização. Há evidências que a clarificação de
valores ajuda as pessoas a se tornarem mais cheias de propósitos, mais
entusiasmadaos e mais conscientes daquilo que vale a pena esforçar-se
para obter.
A clarificação de valores se preocupa mais com o processo de valoração do que com o valor propriamente dito e Dewey (1982) é o suporte
261
desta visão pois para ele o campo de valores pertence a esfera comportamental, no sentido de que deixam os fatos abertos a observação e ao
teste, ficando assim excluída qualquer hipótese que trate o valor como
independente do processo de vida.
Bicudo (1982) considera oportunos os pressupostos teóricos de Raths, pois abrem uma oportunidade para trabalhar com os valores. Enfatiza que a aprendizagem da pessoa sobre seus sentimentos é um importante caminho da auto-conscientização, representando uma ampliação
do domínio de valores do estudante. Ao verificar que sua forma de sentir
é a mesma dos outros o aluno se percebe como ser singular mas também como um ser que partilha da comunidade humana.
Apresentamos a seguir um guia por nós elaborado para ajudar a identificar e clarificar seus valores.
GUIA PARA IDENTIFICAÇÃO DE VALORES
Valores
Pessoais
Identificar suas próprias emoções
Ter autocontrole;
Ter humildade e modéstia;
Ser bondoso e generoso;
Ter bom humor nas situações da vida;
Ser prudente e moderado;
Preservar sua privacidade;
Ter respeito a si próprio;
Ser independente;
Buscar a sabedoria;
Buscar a verdade;
Informar-se para manter-se atualizado;
Divertir-se;
Praticar religião ou equivalentes;
Desejar paz e tranqüilidade;
Desejar felicidade, bem estar, prazer e alegria;
Praticar exercícios físicos regularmente;
Ter alimentação saudável;
Não fumar e não usar drogas;
262
Valores
Sociais
Ter atividade sexual regular;
Esforçar-se para ter sucesso;
Ter disciplina mental e social;
Ser honesto e responsável;
Esforçar-se para ter prestígio, poder e dinheiro;
Ter entusiasmo, esperança e otimismo;
Ter coragem;
Cultivar a criatividade
Agredir,ser hostil e cruel, destruir, ferir;
Ter vaidade excessiva;
Entregar-se à raiva, mágoa e ressentimento,
medo e tristeza; gostar de humilhar.
Orgulhar-se de más ações;
Ser egoísta, possessivo e dominador;
Guardar ódio / rancor e ser vingativo;
Ter ciúme ;
Identificar emoções dos parceiros sociais;
Compreender a visão de mundo dos parceiros;
Respeitar os outros;
Ter paciência e tolerância;
Manter o diálogo e cultivar a compreensão;
Praticar a solidariedade;
Agir com compaixão;
Amar e aceitar ser amado;
Dar apoio material, intelectual e emocional;
Cultivar o perdão;
Cultivar a gratidão;
Ser justo nos julgamentos;
Praticar responsabilidade social e ecológica;
Preservar sua liberdade de pensar e agir nos
relacionamentos;
Conhecer e obedecer as leis básicas do país
e respeitar as autoridades;
Identificar e exercer seus direitos e deveres;
Colaborar com a comunidade;
Fazer parte de grupos, sendo leal e dedicado;
Respeitar a natureza e a vida;
263
264
13.
Emoção e Razão
Paradigma do Iluminismo
Abordaremos a complexa relação entre emoção e razão numa visão
histórica situando a razão na perspectiva do Paradigma do Iluminismo,
que introduziu na cultura ocidental uma importante ou mesmo dominante
forma de pensar, perceber, sentir e agir.
Um paradigma é um conjunto de idéias preconcebidas que se instala
na mente de uma pessoa e da cultura a que ela pertence, influenciando
de forma não consciente o modo que ela percebe, sente, vive, pensa e
age. Geralmente a pessoa não se dá conta da existência do paradigma
que a orienta, daí a necessidade de conscientiza-la. (WILBER,2001).
Para compreender o Paradigma Iluminista devemos conhecer o processo da evolução das cosmovisões da humanidade ao longo de sua
história, saber como evoluíram as formas do homem ver o mundo desde
seu estágio inicial de desenvolvimento até a Revolução Industrial, quando surge o Paradigma Iluminista.
A humanidade na sua evolução passou por diversos períodos. No
primeiro, o forrageiro, o homem era nômade e sua sobrevivência era
garantida pela caça e pesca. O segundo foi o horticultor, caracterizado
pela cultura manual da terra, em torno do século 100 a.C. e o terceiro
265
período foi o agrário quando foi introduzido o arado na agricultura, entre
20 a 40 a.C. O quarto período da Revolução Industrial, iniciou-se no século XVII e foi caracterizado pelo uso das máquinas a vapor e outras
tecnologias, sendo sucedido pela Sociedade Pós-Moderna ou Informacional.
A cosmovisão, visão de mundo que uma pessoa tem, depende de
cada estágio de evolução da consciência humana e é característica dele.
Ela é a expressão da sua percepção do kosmos, soma das percepções
da realidade física (cosmos), da vida (biosfera), das idéias e pensamentos (noosfera) e do contexto espiritual (tudo que transcende ao cosmos,
à biosfera e à noosfera).
No período forrageiro a cosmovisão era arcaica, no período horticultor era mágica, no período agrário era mística e as explicações sobrenaturais serviam para explicar os fenômenos naturais.
Conforme Wilber (2001), a partir da revolução industrial a cosmovisão passou a ser fundamentada na razão e a grande característica da
cosmovisão racional é que o homem despreza as explicações sobrenaturais dos fenômenos naturais. Esta é a essência do Paradigma Fundamental do Iluminismo, também chamado de Paradigma Moderno, que só
considera válido o conhecimento resultante da representação correta e
precisa do mundo empírico, real, concreto, sensório, na forma como ele
é percebido por um sujeito-observador.
Para o Paradigma do Iluminismo, a representação do mundo pode
ser feita mediante uma teoria, mapa, hipótese, idéia, tabela ou conceito e
só é verdadeira se representar corretamente o mundo natural observado
e descrito. Sua crença básica é que há um mundo empírico que pode ser
descrito pela razão desde que seja utilizada metodologia e instrumentos
adequados para a situação observada.
Crítica ao Iluminismo - embora o iluminismo tivesse trazido grandes avanços para o progresso e desenvolvimento humano, a partir do
266
século XVIII começou um movimento contestatório que ficou conhecido
como Movimento Pós-Moderno ou Movimento Pós-Iluminismo que marcou o início da Era Pós-Moderna ou Pós-Modernidade. A crítica fundamental ao Iluminismo segundo Wilber (2001), é que ele ignora em sua
metodologia o sujeito-observador, que participa da elaboração da representação do mundo mas não é considerado nos resultados.
Esta reação começou com o idealismo de Imanuel Kant, continuou
com Hegel e no século XX com os filósofos existencialistas Schopenhauer e
Heidegger, além de Nietsche, Foucault e outros, grandes teóricos da pósmodernidade. Para eles o sujeito da observação é parte dela, pois cada sujeito tem uma história, uma organização psíquica e um desenvolvimento que
influenciam e governam o que ele vai ver, o que ele pode ver e como ele vai
ver.
Esta linha de argumentação tornou-se consistente com o advento da
Psicologia Cognitiva no último quartel do século XX. Ela defende que a
maioria esmagadora de nossas percepções não atinge o nível consciente
e que muitos estímulos que a ele chegam se tornam objetos da consciência do observador.
Outra crítica ao paradigma Iluminista é que ele parte da crença que
o mundo é pré-definido, pré-determinado, fixo. Para os pós-modernistas
a realidade observada existe em um contexto, que tem uma história e um
desenvolvimento. A depender do estágio de evolução da consciência do
observador ele fará de uma mesma situação, descrições bem diferentes,
pois sua cosmovisão será diferente a depender do estágio evolutivo de
sua consciência, a qual por sua vez recebe grande influência do estágio
de evolução da sociedade e da cultura em que ele vive ou com a qual
tem contacto.
O sujeito-observador está situado em contextos e correntes do desenvolvimento humano que comandam suas descrições do mundo empí-
267
rico. Existe uma influência em sua percepção e em seu mundo interior da
sua afetividade, de suas atitudes, interesses, emoções, sentimentos,
desejos e estados de humor, todos contribuindo para a composição da
representação de mundo que ele faz. Uma grande descoberta da pósmodernidade é que as cosmovisões se desenvolvem e evoluem, pois o
observador e o mundo observado não são fixos e pré-determinados.
Santos (2000, 252) critica o Paradigma Educacional CognitivoRacional, expressão do Iluminismo na filosofia da educação, argumentando
que:
“Ao adotar a linha behaviorista o paradigma cognitivo-racional afastou o educando de seu mundo
interior, castrando-o emocionalmente, impedindo
seu auto-conhecimento e seu autocontrole. Sem
dúvidas, este foi um de seus grandes equívocos.
Provavelmente é a ausência do conhecimento
mais íntimo de seu ser responsável pelo grande
número de pessoas infelizes, desequilibradas e
frustradas e pela ruptura do tecido social que hoje vemos. Isto sentencia à falência o paradigma
cognitivo-racional enquanto modelo exclusivo e
aponta para a necessidade da busca de outros
paradigmas baseados em novos parâmetros psicológicos, perseguindo o objetivo maior e último
da educação - criar condições para que o educando possa buscar sua felicidade”.
Benefícios do Iluminismo - apesar das críticas há um consenso
quanto aos benefícios que o Paradigma Iluminista trouxe para a humanidade. O Iluminismo criou condições para o afloramento dos direitos humanos, independentemente de raça, credo, sexo, religião ou crença,
principalmente do direito das mulheres e dos negros; para o término da
escravidão em muitas sociedades racionais-industriais; a expansão da
democracia; a separação entre o Estado e Igreja e a separação entre
Ciência, Consciência e Moral, promovendo o desenvolvimento científico.
268
Os pós-modernistas consideram que um aspecto negativo do Paradigma Iluminista é o predomínio da Ciência sobre a Consciência e a Moral. A ciência do Iluminismo considera real apenas o sensorial e empírico
e impôs uma metodologia de contemplação monológica experimental do
mundo sensorial, desprezando a subjetividade e o método dialógico, importante para conhecimento da realidade de setores do interior individual
(consciência) e do interior coletivo (cultura).
Para Wilber (2001) a Ciência transformou-se em “cientismo” pois
passou a ser dona de uma verdade absoluta, negando à consciência e à
cultura a possibilidade de ter suas verdades próprias ao pois reduziu o
real a apenas aquilo que pode ser observado, descrito e quantificado.
Passou a haver um predomínio da Razão sobre a Emoção, a Intuição e o
mundo subjetivo humano, que são fatores importantes da personalidade
humana e determinantes de atitudes e comportamentos.
É exatamente aí que reside o grande desafio do Paradigma das
Emoções: desenvolver um novo paradigma educacional que restaure a
unidade da consciência e promova a integração da razão, emoção e intuição, sem privilégio para nenhuma delas. O Educador da PósModernidade no início do século XXI, deve ter como meta estimular o
desenvolvimento da consciência do educando e criar condições para que
ela passe por seus diferentes estágios evolutivos, levando em conta a
razão, a emoção e a intuição.
Porque surgiu o primado da Razão
O Paradigma Iluminista levou a uma supervalorização da razão e da
racionalidade, em detrimento da afetividade e da emoção. Tais idéias
tinham o apoio de Platão, que defendia que o homem é como uma carruagem conduzida pelo cocheiro que era a razão e dois cavalos, um era
os impulsos e outro as emoções (STEINER, 1998).
269
Ao supervalorizar a racionalidade o Iluminismo relega a segundo
plano a afetividade e sua importância na vida humana. Por afetividade
compreendemos as atitudes, interesses, desejos, sentimentos, emoções
e estados de humor sendo o pano de fundo das ações humanas pois
está sempre presente em nossa vida, sem percebermos. Sempre temos
emoções, sentimentos, atitudes, desejos e afetos de um modo geral, às
vezes de intensidades pequenas ou mesmo não conscientes e imperceptíveis, mas sempre influenciando nossas ações.
Já a razão não é utilizada de forma continuada em nossas vidas.
Nós refletimos relativamente pouco pois grande parte de nossos atos
são automáticos e executados sem reflexão prévia. Quantos de nós somos advertidos ou advertimos aos outros para que reflitam mais antes de
agir? Portanto não parece razoável dar mais valor à razão e menos valor
à emoção, nem haver o primado da razão.
O Paradigma da Razão introduziu em nossa cultura de forma clara
ou velada uma série de “verdades”, de truísmos, sobre as emoções que
aprendemos desde pequenos e propagamos em nossas vidas sem fazer
a análise devida e sem contestá-los. Analisaremos estas “verdades”,
elencadas por Stocker (2002) que serão analisadas ao trtar do Paradigma das Emoções.
É evidente que em muitas situações as emoções interferem de modo negativo em nossas vidas, principalmente quando há seqüestro emocional e o indivíduo tem comportamento violento e destrutivo, prejudicial
para si mesmo ou para os outros como raiva e mesmo uma alegria muito
intensa pode ser prejudicial à saúde. Mas é um erro generalizar-se para
todas as emoções e dizer que todas interferem de modo negativo no
comportamento humano em todas as situações.
Na realidade, muitas emoções são extremamente úteis. Lembrar a
importância do medo para a preservação da espécie humana: se não
fosse o medo que nossos ancestrais tiveram das feras que tentaram
270
comê-los, não estaríamos vivos agora. Outro erro freqüente é ter como
referencial para as emoções as que são muito intensas e que ocorrem
de forma incontrolável. Na verdade, se cada um de nós fizer uma análise
das emoções de grande intensidade que sentimos em um dia normal
verificará que são em pequeno número e na sua maioria de pequena e
média intensidades. O problema é que não fomos educados para identificar, perceber e avaliar nossas emoções e sentimentos por isto não podemos lhes dar as importâncias devidas em nossas vidas.
Na verdade as emoções fazem parte contínua do nosso cotidiano e
ocorrem a cada momento em que nos adaptamos a novas circunstâncias
da vida, a qualquer mudança em nossos relacionamentos ou nas circunstâncias que nos cercam. A emoção é uma forma de adaptação automática que se processa de modo não consciente em nosso organismo.
A fria racionalidade pode ser até perigosa, se os raciocínios desenvolvidos forem baseados em dados incorretos ou tiverem erros de lógica,
de valoração ou de tomada de decisão. Basta lembrar os erros cometidos pelos engenheiros que resultam em desmoronamentos de pontes e
edifícios pelo mundo afora ou os cometidos no lançamento de naves
espaciais que mataram seus tripulantes. A razão não é infalível e tem
sérias limitações.
Stocker (2002,p.125) cita William Brenner, ex-Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos ao dizer
“Os autores da Constituição dos Estados Unidos
operaram dentro de um universo político e moral
que experimentara a paixão arbitrária como a
maior afronta à dignidade do cidadão... No nosso
tempo, a experiência nos ensina que a maior
ameaça é a razão formal, separada da visão alcançada pela paixão”.
271
Emoção e Epistemologia
Em certas situações epistemológicas a emoção é mais importante
que a razão. Na avaliação do comportamento humano, a compreensão
intelectual baseada na razão e na lógica é insuficiente para a percepção
e compreensão da situação. É o que deixa claro Morin (2000), ao admitir
duas formas de compreensão: a intelectual ou objetiva e a humana ou
intersubjetiva. Compreensão vem do latim comprehendere e significa
abraçar junto, abraçar as partes e as inter-relações existentes entre elas,
perceber o uno e o múltiplo, o texto e o contexto, em toda sua complexidade.
A compreensão intelectual implica na inteligibilidade e passa pela
explicação. Implica no discurso lógico, com conclusões sustentadas pelas premissas correspondentes, esclarecendo ao interlocutor os significados das proposições. A compreensão humana exige a sensibilidade de
quem quer compreender. Ele deve orientar sua percepção para os pensamentos, sentimentos, emoções, atitudes e comportamentos da outra
pessoa e estar atento às suas reações. A compreensão humana transcende à explicação lógica pois está além dela, ultrapassando a compreensão intelectual pois é uma apreensão direta da realidade, imediata,
intuitiva, não racional.
A compreensão humana resulta de um processo misto de empatia,
identificação e projeção, através do qual nos colocamos no lugar do outro e procuramos enxergar o mundo com seus olhos e sentimentos. O
outro não é percebido de forma objetiva, como outra pessoa, mas sim
como alguém com quem nos identificamos, em quem nos projetamos.
Para Morin (op.cit.): “A compreensão humana pede abertura, simpatia,
generosidade”. Em certo sentido há superioridade da compreensão humana emocional e afetiva sobre a racional.
272
Stocker (2002, p 126) cita as seguintes situações em que a fria racionalidade pode ficar fora do controle da pessoa e levá-la a erros: credulidade ou ceticismo indevido; aceitação ou rejeição indevida de tradição, de autoridade ou de formas de trabalhar ou de levantar dados; subestimar a importância, a evidência ou a probabilidade de serem corretas
certas crenças e teorias; manter teorias e crenças errôneas não comprovadas devidamente.
Porque rejeitar o primado da Razão
A questão fundamental do primado da razão está em admitir-se como ponto de partida de modo preconceituoso e sem fundamentação científica a prioridade da razão sobre a emoção. Começa-se pensando
bem sobre a razão, admitindo-se que ela é benéfica e superior e pensase mal sobre a emoção, considerando-a inferior e produzindo ações negativas. As conclusões resultantes são naturalmente viciadas, comprometidas e levam a outras conclusões elaboradas a partir das premissas
iniciais falsas.
Os defensores do primado da razão consideram premissas fundamentais que a razão é superior à emoção e que a racionalidade fria é
cognitivamente mais acurada e benéfica que a emoção. Para eles a emoção perturba os conhecimentos e os pensamentos, ela é má e prejudicial a eles de um modo geral, em todas as situações e de forma universal.
O conhecimento atual das neurociências, da psicologia, antropologia, sociologia, axiologia e filosofia mostram que isto não é verdade. Mas
estas idéias estão tão arraigada na cultura ocidental, a emoção está tão
estigmatizada de forma pejorativa que quando nos referirmos a uma
pessoa que tem comportamento psicológico inadequado dizemos que
ela é “emocional” ou “age emocionalmente”.
273
Na nossa cultura a palavra “emocional” passou a ser sinônima de ruim e desequilibrado. Quando se diz que “Antônio é uma pessoa emocional realmente se quer dizer que ele é desequilibrado, imprevisível e de
difícil relacionamento. Por outro lado, se queremos fazer elogio a um
negociador, dizemos que ele é frio e calculista, querendo dizer que é
uma pessoa controlada, racional e por isto tem mais possibilidades de ter
sucesso. A razão é colocada em primeiro lugar.
É freqüente rotular de “emocional” a conduta má e perigosa de alguém. Emocional do seu significado original, de “estar ligado às emoções” passou a significar mau e perigoso. A conduta emocional passou a
ser necessariamente má e perigosa, não porque seja efetivamente má e
perigosa, mas só porque é chamada de “emocional”.
Quando alguém faz uma coisa que leva ao resultado desejado seu
comportamento é considerado racional e adequado. Mas se o comportamento não atinge o objetivo esperado é rotulado preconceituosamente
de “emocional”. A emocionalidade é invocada quando se quer dizer que
as coisas estão indo mal, erradas. Um debatedor que quer desqualificar
seu opositor o acusa de emocional, mesmo se ele estiver usando argumentos lógicos, consistentes, racionais.
O primado indevido e irreal da razão é fundamentado em um paradigma distorcido para as emoções, consideradas sem maior importância,
perturbadoras da mente e causadores de tumulto nos relacionamentos.
Realmente as emoções podem causar perturbações de percepção, julgamento e decisão das pessoas, porém isto não é verdade para todas as
emoções e todas as situações. Isto acontece a depender da natureza da
emoção e quando ela é muito intensa e é errado generalizar a proposição para todas as emoções.
Os comentários feitos acima passam de forma subliminar mas efetiva a idéia de que as emoções de um modo geral são perigosas e más e
que devemos ter muito cuidado com elas e não devemos deixar aflorá-
274
las para não perdermos o controle e termos condutas inadequadas e
Esta é uma das causas da apreciação negativa da emoção, que se tornou tradição e perpetuou-se em nossa cultura.
A questão da razão sem emoção
Analisaremos agora a seguinte questão: é possível haver razão fria
sem interferência da emoção ou da afetividade? É possível razão sem
emoção?
Stocker (2001,p132) sustenta que a razão necessita de emoções e
defendendo sua proposição cita Platão em Fedro (253 ss) e na República 580 e SS): “a razão tem e requer para sua perfeição os seus próprios
prazeres e desejos”.
Continua citando Schachtel:
“Não há ação sem afeto, é claro que nem sempre um afeto intenso e dramático como (...) em
uma ação impulsiva de raiva, mas mais freqüentemente uma atitude total, às vezes bem madura, às vezes muito sutil e quase despercebida
que no entanto constitui um fundamento essencial para cada ação”.
E conclui:
“O ideal da razão não emocional ou do raciocínio
não emocional é completamente irrealizável. Realmente, é tão irrealizável que deve ser sumariamente rejeitado”
.
Para Stocker (2001 p213):
“O ideal de uma vida de razão desprovida de
emoção (...) é, na verdade, uma vida psicológica
e avaliatoriamente impossível: psicologicamente
impossível pois não está entre as psicologias
que uma pessoa pode ter; avaliatoriamente im-
275
possível, pois é intolerável ou seriamente falha,
uma vida de severa incapacitação, até mesmo
de insanidade”.
Realmente, para que possamos ter uma vida competente em termos
de avaliação precisamos usar outros instrumentos além da razão, principalmente para compreender os seres humanos. Para nos relacionarmos
bem precisamos algo além da compreensão intelectual: precisamos muito mais de nossos sentimentos e afetos do que da razão. Só assim podemos compreender os sentimentos e afetos do outro.
A vida baseada exclusivamente na razão fria seria intolerável. O
grande sentido da vida do homem é ser feliz e a felicidade resulta de um
estado de bem estar para o qual participam diversas emoções. Por outro
lado as emoções precederam à razão no desenvolvimento humano e
existiram independentemente dela.
Emoções,desempenho intelectual,decisões e planejamento
As emoções podem desempenhar papel importante no desempenho
intelectual. Quando uma pessoa motivada pelo ódio planeja e executa
friamente a morte de alguém, um assalto ou um roubo, o planejamento e
a execução são a princípio racionais, mas contribuem de forma substancial elementos afetivos e emocionais. Eles também contribuem para planejamento e execução de uma ação piedosa como a ajuda humanitária
às vítimas de um terremoto, de furacões e de outras catástrofes ambientais.
Damásio (1996,p155) demonstrou o papel importante das emoções
e sentimentos nas decisões e no raciocínio humano considerando-os
indispensáveis nestas duas funções psíquicas. Para ele, cada experiência social de nossa vida é sempre acompanhada por certo grau de emoção, em grau maior ou menor, ora sutil, ora mais intensa, particularmente
quando lidamos com problemas de natureza pessoal ou social importan-
276
tes, movidos pela simpatia ou pelo medo. Nossas emoções e os sentimentos correspondentes são componentes obrigatórios de nossas experiências individuais e sociais.
Uma capacidade importante do nosso comportamento refere-se ao
planejamento, capacidade de prever o futuro mediante a comparação do
passado com o presente através da imaginação, abrindo a possibilidade
de antevermos o futuro e nele nos situarmos. Moldamos de forma benéfica as ocorrências futuras com maiores ou menores possibilidades de
acerto, a depender de nossos esforços e potencialidades.
Para Damásio(1996,p157):
“Sob a influência das emoções sociais (da simpatia e da vergonha ao orgulho e à indignação
moral) e das emoções que são induzidas pelas
punições e recompensas (que são variantes da
alegria e da mágoa), somos capazes de categorizar gradualmente as situações de que temos
experiência.
Categorizamos os erros em que participamos
(...) e somos capazes, além disso, de associar
as categorias conceituais que vamos formando
(...) com os dispositivos cerebrais que desencadeiam as emoções. Por exemplo, diferentes opções de ação e diferentes resultados futuros acabam sendo associados a diferentes emoções
e sentimentos. Em virtude destas associações
(...) somos capazes de desencadear rápida e automaticamente a emoção que lhe corresponde”.
Quando uma emoção e seu sentimento são desencadeados num
contexto apropriado de planejamento do futuro, sua presença indica aquilo de bom ou mau que poderá ocorrer neste futuro este papel preditivo das emoções pode ser consciente ou não consciente.
Podemos concluir que as emoções e sentimentos são partes constituintes importantes e indispensáveis do processo racional do planejamento humano. A emoção é componente da razão e dela faz parte.
277
Segundo Assagioli (1993)a prática de qualquer ação é a culminância
de um ato de vontade, constituído por seis fases sucessivas: definição
do objetivo, deliberação, escolha e decisão, afirmação, planejamento e
execução. Estas fases são ligadas de modo que o sucesso do ato de
vontade depende da eficácia de cada uma. Na primeira etapa é definido
o objetivo e deliberado sobre a preferível dentre as possíveis. Escolhida
a meta é tomada a decisão de executá-la e se segue o planejamento
com previsão das ações necessárias que depois são execuitadas.
Pesquisas de Damásio( 1996,2004) mostram que emoções interferem na fase de decisão e que a execução também é influenciada pelas
emoções momentâneas da pessoa e pesquisas recentes da psiconeuroimunologia mostram que o impulso emocional tem origem no sistema
límbico, situado na base e no interior do cérebro, mas a expressão das
emoções é regulada por estruturas situadas no córtex cerebral préfrontal.
Cada lado do córtex pré-frontal lida aparentemente com diferentes
reações emocionais - as emoções que nos fazem recuar, como o medo
e a repulsa, são reguladas pelo lado direito e os sentimentos positivos,
como a felicidade, esperança e otimismo, são regulados pelo lado esquerdo. As emoções que sentimos e a maneira de lidarmos com elas são
governadas por circuitos neruronais localizados no córtex pré-frontal e
por outros circuitos cerebrais interligados. Podemos interferir na fase de
decisão do ato de vontade, através do controle das expressões de nossas emoções, por isto elas não podem ser mais ignoradas nos raciocínios que formulam teorias sobre o pensamento e a conduta humana.
Damásio (2004) estudou vários indivíduos que eram inteiramente
normais e sofreram acidentes com lesões cerebrais do córtex pré-frontal,
tiveram a capacidade de decidir fortemente comprometida. Comprometeram a capacidade de governar seus comportamentos sociais e suas capacidades de decidir, especialmente em situações de grande incerteza.
278
Relata o caso de um paciente que tinha dificuldade até para marcar a
data da consulta de retorno a seu consultório. Nestes doentes casamentos foram dissolvidos, relações familiares se deterioraram e muitos perderam os empregos. As personalidades se modificaram e a capacidade
de planejar atividades ficou comprometida, tanto para o futuro imediato
como para o distante, principalmente no tocante ao planejamento financeiro. Tudo como conseqüência de lesões de estruturas cerebrais que
ligam o sistema límbico com o córtex cerebral que são responsáveis pelo
processamento das emoções.
Segundo Damásio (op.cit.) fica melhor a capacidade de análise e de
decisão quando determinados sinais emocionais, desencadeados automaticamente por nosso organismo (tipo palpitação do coração, falta de
ar discreta ou cólica abdominal) são colocados em ação. Eles chamam a
atenção para que devemos fazer melhor avaliação da situação e escolher dentre alternativas de decisões anteriormente ignoradas, livrandonos assim de conseqüências negativas. Estes sinais emocionais aparecem antes de ser feita a escolha com base no raciocínio, na razão e nos
alertam para possível situação de perigo. Eles não substituem o raciocínio, mas atuam de forma auxiliar, colaborando para melhorar a decisão a
ser tomada e aumentando sua eficiência.
Fica assim evidenciada pelas neurociências a importância das emoções para processos psicológicos anteriormente admitidos como exclusivamente racionais, como o de decisão.
Irredutibilidade da emoção à razão
Os defensores de que as emoções podem ser reduzidas à razão argumentam que elas têm conteúdo cognitivo e por isso são a ele redutíveis. Muitos teóricos defendem que o conteúdo cognitivo das emoções é
a crença e argumentam que quando alguém tem medo de uma cobra
279
quando a vê, na essência deste medo está a crença que a cobra é perigosa e pode lhe fazer mal. A pessoa acredita que a cobra é perigosa
mas se ela não acreditasse nesse perigo não teria medo da cobra. Logo
o substrato do medo estaria na crença.
Encarado em sua universalidade este argumento perde sua validade
pois há muitas emoções que não são conscientes. Existe emoção sem
haver crença prévia a ela não havendo portanto consciência da emoção
pois a dimensão cognitiva está ausente. A existência de emoções não
conscientes não depende da cognição do sujeito e ele não precisa acreditar em algo para ter a emoção, logo ela não pode ser reduzida a uma
simples crença. Não se pode aceitar a redução da emoção à razão.
Outro forte argumento contra a redutibilidade da emoção à razão está na vergonha pois ela não depende de qualquer crença ou pensamento
prévio. Quando uma pessoa sente vergonha, tem vergonha em relação a
algo, a algum ato mau que praticou ou a alguém que a envergonha, e
isto não depende de nenhuma crença prévia.
Defensores da redutibilidade das emoções à razão argumentam que
os sentimentos e as emoções devem ser entendidas como formas proposicionais da razão e são complexos de crenças, avaliações e ações.
Não se pode negar que as emoções têm um conteúdo cognitivo em sua
constituição mas além dele têm também o conteúdo afetivo, o avaliativo
e o desiderativo, relacionado com o desejo. É um erro querer reduzir
todos os conteúdos a apenas ao cognitivo, racional o que levaria ao primado da razão. Não se pode descartar o conteúdo afetivo das emoções
pois ele é o conteúdo essencial delas.
Damásio (2004,p 93)), favorável à irredutibilidade das emoções à razão declara que :
“A minha hipótese não é compatível com a idéia
de que a essência dos sentimentos, ou a essência das emoções quando emoções e sentimentos são considerados sinônimos, é simplesmente
uma coleção de pensamentos com certos temas
280
ligados a um certo rótulo emocional, como por
exemplo pensamentos de situações de perda em
relação a tristeza e referidos ao objeto que os
causou”.
Para ele a idéia tradicional de sentimento não é aceitável por não levar em consideração o estado de funcionamento do corpo, o que esvazia
os próprios conceitos de sentimento e de emoção.
Damásio tem uma idéia dinâmica de sentimento, que considera ser
a percepção de mapas cerebrais do corpo, elaborados continuamente
por certo número de estruturas cerebrais. Estas estruturas vão desde o
tronco cerebral, hipotálamo, prosencéfalo basal, amígdala cerebral até
aos córtices cerebrais de associação de alta ordem. A origem do sentimento está na vida do corpo, tanto assim que quando morremos não
temos mais sentimentos e emoções. Em síntese, o sentimento é a percepção da representação de um determinado estado de funcionamento
do corpo, conhecido através de um “mapa” elaborado a partir de determinados parâmetros fisiológicos, característicos de cada órgão ou sistema considerado. Estes parâmetros emergem de reações homeostáticas
que se processam no organismo, relacionadas com suas pulsões, motivações, emoções, impulsos, etc. e que são percebidos pela pessoa sob
a forma dos sentimentos.
O corpo é continuamente mapeado por estruturas cerebrais que recebem informações a serem utilizadas para controlar as funções orgânicas, harmonizar seu funcionamento e manter a saúde. Damásio (op.cit.
pág. 92) considera que:
“Um sentimento é a percepção de um certo estado do corpo, acompanhado pela percepção de
pensamento com certos temas e pela percepção
de certo modo de pensar”.
281
Por exemplo, o coração é permanentemente mapeado pelo cérebro,
que recebe informações sobre a velocidade com que está batendo, sobre a intensidade da sua força de contração e se o ritmo está regular.
Não temos consciência disto, nem da elaboração de mapas do funcionamento do rim, pulmão, fígado, sangue, estômago, ossos, músculos e
do próprio cérebro.
Se houver funcionamento inadequado de qualquer órgão, através do
sistema nervoso autônomo o organismo toma as providências necessárias para restaurar seu funcionamento regular.
Damásio acredita que os sentimentos de fundo são expressões do
funcionamento regular do organismo e que são responsáveis por nos
sentirmos em determinados dias com mais entusiasmo para a vida e
outros dias apáticos, sem muita vontade para fazer as coisas. Por causa
deles um dia estamos mais calmos e outros dias mais estressados e
ansiosos.
Dentro desta perspectiva, os sentimentos de emoções são diferentes dos pensamentos porque a essência dos sentimentos está no ato do
corpo reagir a certos objetos e situações e nós pensarmos sobre o corpo
assim surpreendido.
Não é lógico descartar-se a afetividade enquanto conteúdo das emoções, pois ela não pode ser alcançada ou descrita por meio de explicações lógico-discursivas devido a ter natureza diferente da razão.
O Autor deste trabalho entende que Razão, Emoção e Afetos são
formas complementares e integradas para se perceber e não podem ser
reduzidas umas às outras. Elas não são excludentes e se associam, interpenetram e complementam. Para que possamos perceber e compreender o mundo de forma adequada, devemos utilizar como instrumentos
razão, emoção, afetos e intuição.
Utilizamos em nosso dia a dia com mais freqüência sentimentos,
emoções e afetos e a razão com menos freqüência. Infelizmente a imen-
282
sa maioria das pessoas não tem consciência da extensa gama de emoções que utiliza para viver, principalmente das emoções de fundo: entusiasmo, apatia, bem estar, mal estar, calma e ansiedade, além das emoções primárias e das sociais.
Através da Educação das Emoções nos libertaremos do primado da
razão e aprenderemos que a emoção é um elemento constitutivo dos
valores, tem grande significado epistemológico e deve ser parceira da
razão e da intuição para melhor percepção e compreensão do mundo.
283
284
14.
Paradigma das Emoções:
Contribuição ao Estudo
Introdução
É necessário fazer esforços visando clarificar o significado e o sentido da emoção na vida humana pois só assim poderá ser compreendido
seu verdadeiro papel.
O estudo científico da emoção é recente, prosperou a partir do início
dos anos 90 e tem embasamento científico nas neurociências, particularmente na anatomo-neuro-fisiologia humana e na psico-neuro-imunologia,
na psicologia e na sociologia.
À medida que tenhamos consciência do significado real da emoção
em nossa vida, do seu valor no processo de adaptação permanente e
continuado do ser humano às mudanças ambientais, do seu valor epistemológico na elaboração dos conhecimentos seguramente mudará o
preconceito da cultura e da sociedade em relação a ela, que então terá o
lugar devido na constelação de instrumentos utilizados para perceber,
analisar e interpretar o mundo e a vida, ao lado da razão e da intuição.
A emoção é fonte importante de saber e uma das finalidades de Educação das Emoções é mostrar seu verdadeiro valor epistemológico,
285
cultural e social e sua importância para o indivíduo e a sociedade. Daí
nossa crença em poder dar uma contribuição para o estudo e elaboração
de um Paradigma das Emoções.
De início refutaremos, as “verdades”, os truísmos divulgados pelo
Paradigma da Razão, conforme citados por Stocker(2002) e abaixo relacionados e a refutação de cada um deles permite ao mesmo tempo a
construção dos pilares do Paradigma das Emoções.
Eis as “verdades” difundidas pelo Paradigma da Razão:
Quanto mais racionais e frios formos, seremos melhores e mais
aptos para vencer na vida. A proposição não é verdadeira, pois é impossível a existência da razão sem emoção. Não há ação sem afeto. Nem
sempre intenso e dramático como numa explosão de raiva, mas freqüentemente mais sutil, pouco intenso, quase despercebido, como um sentimento de aproximação ou afastamento, constituindo o fundamento essencial de cada ação.
O ideal da razão fria sem emoção ou do raciocínio sem emoção é
completamente irrealizável e pesquisas recentes das neurociências mostram que as emoções desempenham papel importante no desempenho
intelectual. (DAMÀSIO,2004). Uma pessoa motivada pelo ódio para planejar e executar friamente a morte de alguém e para o planejamento
conta com o auxílio de elementos emocionais que contribuem de forma
decisiva para sua execução do plano, ao lado da razão. De modo semelhante a emoção contribui grandemente para planejamento e execução
de uma ação piedosa, como a ajuda às vítimas de um terremoto.
Sob o ponto de vista psicológico de pessoas mentalmente sadias o
ideal de uma vida desprovida de emoção é impossível e não aceitável
dentro dos conhecimentos atuais da psicologia. Por outro lado, fazemos
286
avaliações a cada hora do que nos cerca e é impossível avaliar-se qualquer coisa sem utilizar a emoção, sentimentos e afetos, principalmente
quando se trata de compreender sentimentos e afetos de outra pessoa.
Como poderíamos ser felizes vivendo só com a fria razão, se a própria felicidade é um sentimento?
Não devemos dar importância àquilo que não é racional e combater o que é prejudicial à razão
Não é verdade: devemos dar tanta importância à emoção quanto à
razão. As emoções e a afetividade têm grande importância em nossas
vidas porque nos tornam verdadeiramente humanos e nos fazem felizes.
Adiante relacionaremos situações que mostram a importância das emoções sob os pontos de vista epistemológico, ético e moral, axiológico,
psicológico e biológico.
As emoções sempre nos deixam em má situação ou posição desconfortável quando temos de avaliar ou emitir julgamentos de valor a
respeito de algo, pois prejudicam a capacidade de avaliação.
Não é verdade pois as emoções são importantes nos processos de
avaliação, valoração e julgamentos morais.
A razão fria é o ponto de partida ideal para fazer investigações de
qualquer natureza e a participação da emoção compromete a validade
do resultado.
Não é verdade. O paradigma pós-moderno que sucedeu e substitui
o paradigma do iluminismo considera que o sujeito observador participa
do resultado das pesquisas e que suas emoções interferem nas avaliações, valorações, valores e decisões, juntamente com outros componentes afetivos.
287
As emoções sempre interferem de forma negativa em nossas vidas, a menos que estejam sob o controle da razão.
Não é verdade. A emoção não interfere sempre de modo negativo e
pode participar de modo positivo, constante e continuado como elemento
regulador da vida, fazendo com que o organismo se adapte continuadamente às novas circunstâncias. O erro está também na generalização da
proposição, pois se algumas vezes a emoção interfere de modo inadequado na vida de alguém, isto não ocorre sempre mas somente quando
é muito forte e não controlada.
Proposta do Paradigma das Emoções
Segundo Santos (2006a), o Paradigma das Emoções deve utilizar
um método que seja compatível com o estágio atual da epistemologia, e
leve em conta a participação do sujeito na observação,segundo Wilber
(2004) e Goleman (1999) e que seja dialógico ou monológico, conforme
Morin (2000), a depender das circunstâncias e necessidades do momento. Deve expressar a percepção da realidade na perspectiva do conhecimento atual das neurociências,da psicologia,da antropologia e da sociologia das emoções e considerar fatos comprovados por diferentes
pesquisadores e já aceitos pela comunidade científica.
A proposta de Paradigma a seguir apresentada foi elaborada com
fundamento em pesquisas realizadas por diversos autores e que foram
citadas ao longo deste livro. Propõe que :
As emoções são reações adaptativas do organismo humano determinadas por estímulos emocionalmente competentes que ocorrem
quando ele tem de adaptar-se a mudanças do meio externo ou interno;
288
As emoções são agentes sociais que podem conformar, estruturar,
transformar e promover mudanças na estrutura social;
As emoções influenciam nos modos de agir e de significar do indivíduo, bem como na formação de sujeitos sociais;
As emoções são uma das principais forças organizadoras do social, principalmente o medo;
As emoções sociais desempenham papel importante no comportamento social do indivíduo e quando há defeito na produção delas sua
conduta social é prejudicada;
As emoções sociais, ao lado das emoções em geral, desempenham papel fundamental para que o indivíduo possa elaborar seus princípios e normas éticas;
As emoções e os sentimentos são modelados e conformados pela
cultura, variando a natureza e o nível da influência com a natureza da
cultura;
As emoções vivenciadas pelo indivíduo são influenciadas pela visão cultural que ele tem de si mesmo;
As emoções ocorrem mais freqüentemente em nossas vidas do
que percebemos e predominam quantitativamente sobre a razão em
nosso cotidiano;
As emoções ocorrem na maioria das vezes com pequenas intensidades, não sendo percebidas pela pessoa;
As emoções são fundamentais para o auto-conhecimento;
As emoções são úteis para o conhecimento de outras pessoas;
As emoções são úteis para identificação dos valores humanos;
As emoções são partes constituintes dos valores humanos;
289
As emoções são úteis para elaborar juízos de valor e julgamentos
morais e éticos;
As emoções são úteis para elaboração do conhecimento avaliador,
de avaliações e de valorações;
As emoções são úteis para aperfeiçoamento das pessoas;
As emoções são fundamentais para tomada de decisão;
As emoções são fundamentais para defesa do indivíduo;
As emoções são e foram fundamentais no processo da evolução
dos indivíduos e das espécies;
As emoções são fundamentais para perpetuação das espécies;
Com respeito à educação propomos considerar que:
A Educação das Emoções deve ser constituinte obrigatório dos
projetos pedagógicos das instituições educacionais de nível fundamental,
médio e superior e de qualquer formação profissional;
No processo educacional de qualquer instituição deve ser dada à
emoção a mesma importância dada à razão, desenvolvendo-se no educando as competências emocionais pessoais e sociais da autoconsciência e gestão das emoções, consciência social e administração de relacionamentos.
290
Utilidade das Emoções
Analisaremos a seguir algumas utilidades das emoções realçando a
importância delas em nossas vidas, sem incluir todas as situações
em que elas são importantes.
As emoções são úteis para o auto-conhecimento:
Podemos nos conhecer melhor através da percepção de nossas
emoções, sentimentos, atitudes, interesses e desejos, bem como dos
modo como reagimos às emoções a nível corporal, mental e comportamental.
As emoções são úteis para conhecimento das pessoas:
Através dos processos de empatia e identificação podemos conhecer melhor os outros e compreendê-los enquanto seres humanos, em
seu universo afetivo. A empatia e a simpatia permitem a compreensão
humana e o verdadeiro conhecimento do outro só é possível através da
compreensão humana e não com a simples compreensão intelectual.
As emoções são úteis na identificação de valores:
As emoções denotam nossos valores e os dos outros, se devidamente interpretadas. Quando uma pessoa se orgulha de algo ou de alguém é porque este algo ou alguém tem significado para ela, que o preferiu em vez de fazer outra escolha. Se me orgulho de meu pai, é porque
ele é importante e é um valor para mim.
As emoções são elementos essenciais na constituição de valores:
Para que algo seja considerado como valor de uma pessoa, deve
ser selecionado livremente dentre alternativas e o processo de escolha
291
passa necessariamente por suas emoções, se o objeto apreciado é ou
não agradável. Ninguém escolhe livremente algo que lhe dá desprazer.
Depois é feita a apreciação da escolha que depende de fatores afetivos e após a apreciação, se a pessoa está satisfeita com a escolha,
coloca-a em ação repetidamente e o objeto se torna um valor para ela.
Logo a a emoção é parte essencial do processo de elaboração de um
valor e faz parte dele.
As emoções são fundamentais para fazermos avaliação:
Sempre estamos fazendo avaliações ao elaborar pensamentos e julgamentos avaliadores, juízos de valor éticos e morais ou praticar atos
com validade ética.
E em todo processo de avaliação há sempre uma carga afetiva maior ou menor do avaliador, a depender das circunstâncias. Ao avaliar um
objeto ele é influenciado por sua atitude em relação a ele, favorável ou
desfavorável, por seus interesses, sentimentos e emoções do momento,
por seus pensamentos, desejos, valores e pela atenção que lhe dedica.
É próprio das sociedades humanas ter um referencial de atitudes e é
fundamental para o indivíduo ter atitudes reativas para ser reconhecido
como pessoa.
Ao avaliar as pessoas, acontecimentos e circunstâncias que nos envolvem, temos emoções continuadas, mais ou menos intensas. É um
erro pensar que emoções só ocorrem episodicamente em nossas vidas,
mas geralmente só tomamos conhecimento quando elas são muito intensas e nos descontrolam ou quando produzem efeitos danosos pessoais ou em outros, como quando temos grandes raivas, alegrias ou medos.
292
Em cada avaliação pode predominar o componente emocional ou o
racional, assim como podem estar equilibrados. Se predominar o emocional a avaliação será inadequada e deverá ser refeita, cessados os
efeitos da emoção. A emoção é especialmente importante na avaliação
de outras pessoas e se o avaliador for emocionalmente frio, terá dificuldade para estabelecer um processo de empatia com o outro e para proceder a avaliação.
As emoções são úteis para aperfeiçoar a pessoa:
Analisaremos a importância do orgulho bom no aperfeiçoamento de
alguém. Uma pessoa se orgulha de algo que realizou porque teve prazer
no processo de realização e satisfação quando constatou a qualidade do
produto elaborado.
O orgulho é bom quando a ação geradora do sentimento é eticamente boa e promove o bem de outra pessoa, como no caso do orgulho
de um salva-vidas por ter salvo alguém do afogamento. Porém se pessoa superestimar sua ação ou a si mesma, o orgulho passa a ser mau e
censurável, principalmente se ela sentir-se superior aos outros após sua
realização e expressar este sentimento de superioridade com atos, menosprezando-os. O orgulho bom ajuda a pessoa a aperfeiçoar-se e a
tornar sua vida melhor, à medida que funcione como estímulo e motivação para praticar ações benéficas semelhantes a outras pessoas.
Dentro da visão de Aristóteles, exposta na Ética a Nicômaco (Stocker, 2002), as emoções são maneiras de experimentar prazer ou dor,
sendo o orgulho uma forma da pessoa experimentar prazer. Praticamos
ações das quais nos orgulhamos devido ao prazer que temos ao praticálas e depois quando sentimos orgulho por tê-las praticadas.
293
O autor de um livro, de um filme ou peça de teatro sente-se orgulhoso do produto de seu trabalho e tem prazer ao sentir orgulho dele, assim
como nos sentimos orgulhosos por realizar atividades benéficas para os
outros: o médico que salva a vida do paciente, o advogado que ganha
causa difícil, o arquiteto que projeta prédio admirado por todos, o escultor que faz estátua admirável, o aluno do curso de graduação ou pósgraduação que recebe o diploma de conclusão do curso e assim por diante, todos sentem orgulho dos trabalhos realizados.
Este orgulho bom e legítimo é uma emoção positiva louvável e geralmente funciona como estímulo e motivação para a pessoa praticar
ações semelhantes com grande validade ética
Assim a emoção pode ser fator de aperfeiçoamento pessoal pois o
indivíduo procura se aperfeiçoar cada vez mais para sentir-se cada vez
mais orgulhoso e ter mais prazer com o resultado de seu trabalho, melhorando sua auto-estima, sua qualidade de vida e fazendo bem a seus
semelhantes.
Mas o orgulho pode ser ruim, mau. Se ação praticada por alguém for
má para outra pessoa e o agente se orgulhar dela, este será um mau
orgulho. É o caso de alguém que consegue levar vantagem na venda de
um imóvel, numa transação enganosa feita por um valor acima do valor
real ou de alguém que se orgulha de ganhar um jogo de baralho trapaceando.
O prazer pode servir para nosso aperfeiçoamento pois ele é um revelador de valores. Quando sentimos prazer ao fazer alguma coisa a
ação praticada tem valor para nós, do contrário não a praticaríamos. Se
você tem prazer em ajudar seus semelhantes é porque ajuda-los é um
valor para você, que está movido pela compaixão e solidariedade. Como
294
a prática da compaixão e da solidariedade lhe dão prazer, você é estimulado a praticá-las cada vez mais aperfeiçoando-se eticamente através de
suas ações de benemerência, melhorando sua qualidade de vida e sentindo mais prazer.
Podemos inferir que a prática de emoções apropriadas pode tornar
nossas vidas melhores, tendo em vistas os casos analisados do orgulho,
prazer, compaixão e solidariedade.
As emoções são úteis para elaborar juízos de valor
As emoções são importantes para a racionalidade, para a elaboração do conhecimento e para a valoração. Para Stocker(2002), ter certas
emoções certas significa estar epistemologicamente em boa situação
para fazer bons julgamentos valorativos. Em contrapartida, não ter as
emoções certas está relacionado com estar em má posição para julgar.
Pessoas muito frias emocionalmente são epistemologicamente pouco habilitadas para fazerem julgamentos valorativos, porque percebem
menos os valores contidos em seus julgamentos e decisões. As pessoas
conscientes de suas emoções e falhas emocionais são mais habilitadas
para perceberem os valores que praticam.
Algumas pessoas respondem bem ao estresse e precisam dele para
prestar atenção ao que fazem e obter sucesso. Enquanto isso o estresse
gerado em outras pessoas pelo medo e ansiedade podem gerar falhas
epistemológicas de valoração pois elas quando medrosas, ansiosas ou
estressadas têm dificuldades para pensar claramente e perceber a situação, comprometendo suas capacidades de avaliação.
As emoções são úteis para elaborar julgamentos morais e éticos
Nas avaliações morais de uma pessoa estão presentes seus valores
que influenciam suas avaliações, ações e suas práticas. Por isso as e-
295
moções têm importância vital para a ética e na elaboração de julgamentos morais e éticos.
A presença ou ausência de certas emoções numa pessoa pode indicar a presença ou ausência de valores morais em sua conduta e permitem avaliar seu caráter, bom ou mau. Por exemplo, uma pessoa boa
expressa sua bondade praticando ações bondosas e permite que sejam
feitos julgamentos morais e éticos dela pela observação de sua conduta.
Já uma pessoa má que pratique más ações permitirá que se avalie seus
princípios morais e éticos reprováveis através delas.
A gratidão é um excelente indicador de um bom caráter. Uma pessoa que manifeste gratidão de público pelo bem que recebeu, através
desta emoção está expressando seu valor gratidão e permite que seja
feito bom julgamento moral e ético a seu respeito. Por outro lado, não
sentir gratidão pelos benefícios recebidos ou não sentir remorsos por
danos causados, podem ser indicadores de sérios defeitos morais revelados pela ausência de sentimentos de gratidão e culpa.
As emoções são úteis para nos defender do perigo
Em certas circunstâncias de perigo a emoção de uma pessoa se antecipa à sua compreensão, a seu pensamento e a sua razão. Quando
estamos diante de um perigo nos defendemos reagindo automaticamente e só depois tomamos consciência da ameaça sofrida e do comportamento defensivo que tivemos, o que evidencia uma situação em que a
emoção é mais importante para a vida do que a razão.
As emoções interferem em nossas decisões
Podemos interferir na execução de nossas decisões pelo controle
das emoções, à medida que tenhamos sido preparados para isso. Indivíduos que tiveram lesões cerebrais pré-frontais, tiveram as capacidades
296
de decidir comprometidas e as personalidades se modificaram. Por outro
lado, melhoram as capacidades de análise e decisão quando determinados sinais emocionais são desencadeados automaticamente por nosso
organismo.
As emoções são fundamentais no processo da evolução das espécies e na perpetuação delas.
As emoções desempenharam papel importante na evolução das espécies. Foi graças ao medo que os animais mais fracos conseguiram
sobreviver aos mais fortes, fugindo deles para não serem devorados.
É relevante o papel das emoções na evolução dos seres humanos,
pois permitiram que se adaptassem e sobrevivessem a cada nova circunstância ditada pelo meio ambiente. Nos animais, a perpetuação das
espécies se deu graças às emoções aproximativas, que permitiram acasalamento e a reprodução.
297
298
PARTE IV
CONSCIÊNCIA, CIÊNCIA DO
SENTIMENTO, DO AMOR E DA
FELICIDADE
299
300
15.
Consciência
Manifestações da consciência nos seres vivos
Uma reflexão sobre a Educação enquanto disciplina do saber humano passa pela análise da natureza da consciência para esclarecer o
significado e a importância do desenvolvimento da consciência humana
no processo educacional. Conhecer a natureza da consciência nos aproximará do conhecimento da natureza da Educação.
Segundo Damásio (2001), a consciência é uma reação do organismo humano a um estímulo produzido por um objeto, que pode ser real
ou evocado e surge na evolução dos organismos vivos como uma adaptação ao meio ambiente.
A análise da evolução da consciência humana passa pela análise
da evolução da consciência nos seres vivos, nos quais se manifesta em
função de seu estágio de desenvolvimento. A irritabilidade, capacidade
de responder ativamente a estímulos ambientais é uma propriedade fundamental das células vivas, e pode ser considerada uma manifestação
rudimentar de “consciência”.
Surge sob a forma de uma sensação rudimentar nos primeiros organismos metabólicos, como por exemplo nas plantas pois determinados
vegetais têm a capacidade de movimentar suas folhas quando submeti-
301
dos a estímulos mecânicos ambientais, tipo toque com um estilete. Eles
têm certo grau de percepção aos estímulos advindos do meio ambiente.
Ascendendo na escala biológica constata-se que organismos mais simples como os protoneurônicos, têm sensação mais diferenciadae apresentam em sua constituição uma rede neurônica, como ocorre nos coelenterata. Os organismos neuronais já possuem neurônios diferenciados,
como os anelídeos (vermes)e têm grau mais acurado de percepção, graças à presença de um cordão neural.
Organismos mais desenvolvidos possuem uma haste neural, como
os peixes e anfíbios e associam à sua capacidade de percepção uma
outra, a de ter impulsos como respostas a estímulos ambientais. Por isto
quando nos aproximamos de um peixe em um aquário ele se afasta como se tivesse “medo” de nós: ele tem um impulso que equivale ao medo
e visa preservar a espécie. Na realidade os peixes ainda não têm emoção pois ainda não tiveram o desenvolvimento de um sistema nervoso
capaz de produzi-la, o que vai ocorrer em estágio posterior da evolução
das espécies.
Para Damásio (2001) as emoções surgem na escala biológica
quando é desenvolvida a haste cerebral nos répteis, que têm impulsos
ligados a emoções. As emoções ligadas a imagens representativas da
percepção da realidade surgem somente nos paleomamíferos que desenvolvem em seus cérebros um sistema límbico rudimentar, sede das
emoções. A capacidade de elaborar símbolos, fundamental para o surgimento da consciência, surge concomitantemente ao aparecimento do
neo-córtex dos primatas, enquanto a capacidade de elaborar conceitos e
o pensamento conceitual surge apenas nos humanos com o desenvolvimento completo do neo-córtex.
302
Para Csikszentmihayi (1998B), a consciência é o resultado da evolução do sistema nervoso central constituída por um sistema de informações capaz de diferenciar uma grande quantidade de estímulos, selecioná-los e focalizar-se numa parte deles e com a capacidade de armazenar as informações recebidas de forma a poder recuperá-las posteriormente, de um modo utilizável. Para Damásio (2001), a consciência de
um organismo é o conhecimento da percepção do estímulo nele provocado por um objeto, real ou evocado e esta percepção se faz no córtex
cerebral através de padrões neurais, de uma imagem que pode ser visual, auditiva, tátil, gustativa, olfativa ou visceral. É graças à nossa consciência que sabemos de nossa própria existência, de nossas idéias, pensamento, de nosso corpo e dos objetos que nos cercam.
A consciência surge em um organismo quando ele percebe que foi
alterado pela ação de um objeto e tem um sentimento de que isto ocorreu. Ela apareceu como conseqüência do processo de evolução dos seres vivos e está vinculada à sobrevivência. É uma resposta, uma reação,
à necessidade de adaptação do organismo, tanto ao ambiente externo
que o envolve, quanto ao ambiente interno que o constitui, a seu próprio
corpo, seus órgãos e fluidos, para garantir sua sobrevivência. Por isto,
quando o organismo morre, como a consciência perde sua função,ela se
extingue.
Para Damásio(2001), os organismos equipadas com consciência
desenvolvem a capacidade de saber que têm sentimentos e emoções e
por isto possuem maior capacidade de regulação, pois a consciência
permite que os sentimentos, que são experiências mentais das emoções,
sejam conhecidos, bem como as emoções que os determinaram, possibilitando a ocorrência de uma relação com o processo de pensamento
303
que traz melhores resultados para as funções adaptativas orgânicas e a
sobrevivência. As emoções são formas de adaptação dos seres vivos às
mudanças da realidade.
O autor citado (op.cit.) diferencia a mente da consciência, e para
ele a mente é mais ampla que a consciência, que é a parte da mente
relacionada com o sentido manifesto do self. Ela contém, além da consciência, as imagens e os padrões neurais originados no proto-self, que
por suas próprias naturezas, não são conscientes. Argumenta que em
um paciente em estado vegetativo, a mente funciona, mas ele não tem
consciência.
Para ele as raízes profundas do self encontram-se no conjunto de
mecanismos cerebrais que, de modo contínuo e inconsciente, mantém o
estado corporal dentro de limites estreitos e na relativa estabilidade necessários para a sobrevivência . Estes mecanismos representam de forma continuada, de modo não consciente, o estado do corpo vivo, em
todas suas dimensões. Ele chama de proto-self ao estado de atividade
deste conjunto de mecanismos, que é o precursor inconsciente do self
que surge em nossa mente como protagonista de nossa consciência.
A consciência está composta de três sub-sistemas funcionais: a atenção, o conhecimento e a memória. A atenção tem por função receber
as informações disponíveis e possibilitar o surgimento desta informação
na consciência. No homem ela se limita a discriminar um máximo de sete
bits de informação por unidade de tempo. Por outro lado, os humanos
podem estar conscientes de até 126 bits de informações por segundo,
no máximo.
Para Csikszentmihayi (1998), a consciência engloba todos os processos que têm lugar na mente depois da pessoa prestar atenção a um
304
bit de informação. Inclui etapas tais como reconhecer os estímulos, classificá-los, depois de compará-los com informações previamente existentes na memória, e nela conservá-los ou esquecê-los. Na atividade da
consciência considera três processos mais importantes: emoção ou sentimento, pensamento ou cognição e volição ou conação. A emoção é a
atitude que a consciência adota em relação à informação que está sendo
processada, tendo como referência básica o eixo “agradável - desagradável”.
A volição é o processo mediante o qual a atenção permanece centrada em certa gama de estímulos, em vez de transferir-se para outros.
O pensamento ou cognição se refere aos vários passos mediante os
quais os bits de informação se reconhecem e se relacionam entre si. A
atenção é a “energia psíquica”, pois é o agente que possibilita a produção de fatos no interior da consciência. As ações não reflexas para serem executadas requerem a utilização da energia psíquica da atenção para escutar e compreender uma conversa com outra pessoa, gastamos
um terço da energia psíquica disponível naquele momento.
A mente tem uma capacidade de processamento de informação limitada e quando executamos tarefas como pegar um jornal para ler,
recordar o número de um telefone, ou mesmo servir uma xícara de café,
utilizamos uma parte da energia psíquica disponível sob a forma de atenção.
O segundo sub-sistema da consciência é o conhecimento, responsável pela interpretação das informações recebidas através da atenção.
A memória é o terceiro sub-sistema, e tem por função armazenar as informações. O conteúdo da consciência é a experiência, soma de todas
as informações que ela contém com as interpretações correspondentes.
305
Natureza da consciência
A consciência é uma função biológica que nos permite saber se
sentimos tristeza, alegria, prazer,sofrimento,vergonha,orgulho ou outras
emoções. Saber se temos fome, sede, necessidade sexual, lágrimas,
riso, prazer, intuição, pensamentos, sentimentos, palavras, histórias,
crença, música, poesia, felicidade e êxtase. E nos ajuda a cultivar o interesse por outras pessoas e aperfeiçoar a arte de viver.
A pessoa com consciência plena está em estado de vigília, desperta e é capaz de prestar atenção aos objetos que a cercam, orienta-se
bem no espaço e no tempo. Para haver plena consciência é necessária a
integridade do cérebro, principalmente do tronco cerebral pois uma lesão
de sua face ventral pode levar o indivíduo ao estado de coma que é a
perda completa da consciência, da sensibilidade e da motilidade.
A consciência é um elemento importante do processo de regulação
da vida dos organismos e surgiu na evolução dos seres vivos com a finalidade de contribuir para a sobrevivência e manutanção das espécies
O corpo humano possui um processo regulador de suas próprias
funções que é a homeostase, cujo controle é exercido pelo proto-self,
cuja base anatômica está no cérebro, como adiante veremos. Da atividade do proto-self resulta um sentimento não consciente na mente do
indivíduo. A certa altura do desenvolvimento do indivíduo surge em sua
mente o sentido self, capaz de perceber de modo não consciente suas
emoções, impulsos e sinais eletro-químicos que chegam ao cérebro pelo
sangue e a controlá-los de modo que seus parâmetros não tenham
grande variação e fiquem incompatíveis com a vida do organismo.
Quando surge a consciência a mente toma conhecimento do que
está ocorrendo no organismo. Os sentimentos se tornam conscientes e e
306
passam a ser conhecidos pelo indivíduo junto com seus pensamentos,
de modo que o organismo é capaz de conhecer a si mesmo e a saber
da existência dos objetos que o cercam.
A consciência é um dos elementos que contribuem para o processo de regulação da vida e esta é esta é sua essência: ela é o conhecimento do que se passa no interior do organismo e do que ocorre no
meio que o envolve. A partir do momento em que a consciência surge
ela passa a contribuir com a regulação da vida pois o organismo, através
da razão, pode refletir sobre as ações que vai praticar, planejar adequadamente o que vai fazer, avaliar o resultado de suas ações, controlá-las
e controlar suas emoções
No processo de regulação da vida do corpo de um organismo, o
primeiro elemento a considerar é a homeostase que regula os processos
básicos dos metabolismos. É responsável por ela o proto-self, que tem
suas bases anatômicas no cérebro e cujas atividades são percebidas
pela mente através de sentimentos não conscientes, por meio do sentido
do self . O cérebro toma conhecimento do que ocorre no corpo através
dos impulsos nervosos que caminham através dos nervos e dos sinais
eletroquímicos conduzidos pelo sangue que circula em seu interior.
Quando o sentido do self se aprimora surge na mente a consciência e o
organismo passa a ter a capacidade de ter conhecimento de suas emoções e impulsos por intermédio de sentimentos conscientes, tornando-se
capaz de refletir, planejar e avaliar.
A figura que se segue sintetiza os processos descritos
307
Fig. 14.1 Regulação da vida
REGULAÇÃO DA VIDA
Refletir, planejar ações, Avaliar sentimentos
CONSCIÊNCIA
(Sentimento consciente)
Sentido do Self
Emoções, impulsos, sinais eletro-químicos
Sentimento não consciente (mente)
Proto-self (cérebro)
Homeostase
Corpo
O sentimento é a representação mental da emoção e a porta de
entrada para a consciência por intermédio do sentido do self. Através do
sentido do self o organismo sabe o que ocorre no corpo, inclusive das
modificações fisiológicas nele produzidas pelas emoções.
Chama-se de imagem a um padrão mental que representa qualquer modalidade sensorial, desde a sensação sonora e visual até a tátil
ou gustativa e ao bem estar do indivíduo. A imagem comunica à mente
as características físicas de um objeto. Mas existem as imagens dos planos que fazemos em relação a um objeto, se gostamos ou não dele e de
suas relações com outros objetos. Elas são a representação de diferentes objetos desde uma pessoa, um lugar ou uma melodia até uma dor de
308
dente, um estado de êxtase, etc. As imagens são padrões neurais construídos a partir dos objetos que representam as qualidades sensoriais
simples encontradas nos objetos, desde o azul do céu ao som produzido
por um violoncelo.
Três fenômenos distintos devem ser considerados em relação à
consciência de uma emoção: ter a emoção, perceber esta emoção e
tomar conhecimento que a está sentindo. Podemos ter uma emoção e
sem ter consciência de sua existência e até ter o comportamento por ela
influenciado
O primeiro problema neurobiológico da consciência é compreender
como o cérebro elabora os padrões mentais que representam as imagens de um objeto, saber como obtemos uma representação mental que
nos permite ter a visão, a audição, o paladar, o tato, o olfato e as sensações viscerais. Como é que o cérebro produz padrões neurais nas células nervosas e como consegue converter tais padrões neurais em padrões mentais, transformando-os em imagens?
O segundo problema da consciência é saber como o cérebro utiliza
o sentido do self no ato de conhecer, simultaneamente ao processo de
elaboração das imagens de um objeto. O self relaciona a pessoa consigo mesma, permitindo que ela saiba de sua própria existência, e a relaciona também com objetos reais ou virtuais de objetos internos ou externos que a cercam, bem como com as imagens destes objetos,que são
padrões neurais construídos a partir deles. Do relacionamento sujeitoobjeto surge uma imagem no self que percebe através dela a presença
do objeto por intermédio de um sentimento. Possuir um sentido do self
além de ser necessário para conhecer, pode influenciar o processamento do que é conhecido.
309
Mente, Comportamento e Cérebro
Na consciência estão contidas as emoções e os sentimentos, sendo que as emoções são públicas enquanto os sentimentos são privados,
pois as emoções podem se exteriorizar no indivíduo através de suas manifestações corporais enquanto os sentimentos são percebidos apenas
pela pessoa que os tem. Distinguir entre emoção e sentimento ajuda a
investigação de ambos pois os sentimentos do outro não podem ser observados por nós, mas podemos observar suas emoções através de seu
corpo.
Alguns aspectos dos processos da consciência podem ser relacionados a operação de regiões e sistemas cerebrais específicos o que
abre caminho para a descoberta de uma arquitetura neural que sustente
a consciência.
A consciência pode ser afetada numa forma de epilepsia caracterizada por períodos de ausência nas quais o paciente perde a capacidade
de prestar atenção aos objetos que o cercam, tem movimentos involuntários automáticos e perde a capacidade de saber o que se passa em
sua volta. Ele está desperto e atento mas não tem consciência normal,
de modo que podemos separar consciência, estado de vigília e atenção
básica. Já consciência e emoção são inseparáveis pois quando a consciência de um indivíduo é comprometida o mesmo ocorre com suas emoções.
Para Damásio (2001), há dois tipos básicos de consciência, a
central e ampliada. A central fornece ao organismo um sentido de self
referente a um momento determinado, agora, e a um lugar específico,
aqui. Ela não é exclusivamente humana e seu campo de ação é o aqui e
agora, não contemplando o futuro nem o passado.
310
Já a consciência ampliada fornece a identidade da pessoa ao situá-la
em seu tempo histórico individual deixando-a ciente do passado vivido e do
futuro previsto. Possui muitos níveis e graus, está presente em alguns não
humanos e tem vários níveis de organização e evolui no decorrer da vida do
organismo. Depende tanto da memória convencional quanto da operacional,
é intensificada pela linguagem no ser humano e permite a percepção conjunta do passado e do futuro antevisto juntamente com o aqui e agora, situando a pessoa em seu tempo histórico individual.
A consciência central permite o acesso ao conhecimento mais simples e
a consciência ampliada permite acessar níveis de conhecimentos mais complexos, como os da criatividade humana. A consciência ampliada é construída
sobre o alicerce da consciência central e em pacientes neurológicos ela pode
ser comprometida, permanecendo íntegra a central. Porém quando há lesão
da consciência central a consciência ampliada não permanece íntegra.
A cada tipo de consciência corresponde um tipo de self: o self central é
ligado à consciência central e o self autobiográfico é ligado à consciência ampliada. O self central é transitório e sempre recriado para cada objeto com o
qual o cérebro interage. O self autobiográfico não é transitório, emerge do self
central e está ligado à idéia de identidade, correspondendo a um conjunto não
transitório de fatos e modos de ser que caracterizam a pessoa. Depende de
lembranças de situações em que a consciência central participou do processo
de conhecer as características da vida de um organismo, de seus gostos e
aversões, seu nome, sua forma de reagir a certas situações.
O estudo de pacientes neurológicos indica que a consciência central não depende da linguagem, da memória operacional, da razão e da
atenção, que são necessárias para gerar o self autobiográfico e para as
funções superiores da consciência ampliada.
311
Para Damásio (2001) mente e consciência são diferentes pois a consciência faz parte da mente que é mais ampla que ela. É a consciência que
se que se relaciona com o sentido manifesto do self por isso uma teoria da
consciência deve abranger o que se passa no cérebro e o que se passa na
mente, onde são representados os pensamentos, atenção, atitudes, interesses, emoções e sentimentos. A mente contém a consciência e também os
padrões neurais originados no proto-self, que não são conscientes.
Defendendo a existência do proto-self Damásio argumenta que
num paciente em estado vegetativo são mantidas suas funções vitais e
sua a mente funciona, tanto assim que ele está vivo, embora ele esteja
não consciente. Para ele os processos mais simples da consciência fazem parte da evolução biológica e a representação não consciente do
organismo pode sustentar o desenvolvimento da identidade do indivíduo.
A atenção básica difusa precede à consciência e a atenção focalizada só
surge com o desenvolvimento dela.
Caminhos para a Consciência
Analisaremos a seguir os caminhos que os estímulos vindos de um
objeto percebido por um sujeito seguem no corpo até se tornarem conscientes. Seja o caso dos estímulos visuais advindos de um objeto: eles
chegam ao olho do observador, atravessam a córnea, o cristalino e atigem a retina, onde têm acesso aos axônios do nervo óptico, seguindo
então para o núcleo do nervo óptico, localizado no cérebro. Daí o estímulos vão para as regiões S1 e S2 do córtex cerebral sensitiva onde se
formam os padrões neurológicos que constituem a imagem do objeto,
que é percebida pela mente através do sentido do self central através de
um sentimento, de uma sensação específica. Devido a conexões do cór-
312
tex cerebral com o sistema límbico, que é responsável pela produção das
emoções, é associada à imagem percebida o sentimento do objeto ser
agradável ou desagradável para a pessoa.
A figura abaixo indica os passos do processo descrito:
Fig 14.2 Caminhos para a consciência
Objeto
Olho
Córnea
Cristalino
Retina
Axônios do nervo óptico
Núcleo do nervo óptico(cérebro) Córtex cerebral sensitiva (regiões S1 e S2)
Padrões neurológicos= Imagem
Sentido do self central (mente)
Sentimento (sensação)
(percepção da imagem do objeto)
Sistema Límbico (gostar ou não do objeto)
313
Busca do Self e sua origem
O problema da consciência é considerado em termo de dois atores
e da relação entre eles: o organismo, no qual a consciência ocorre e o
objeto, que é aquilo a ser conhecido. Os conteúdos da consciência representam as relações entre o organismo e o objeto e o processo de
construção do conhecimento requer um cérebro que receba sinais do
objeto, construa padrões neurais e forme imagens representativas do
objeto e das relações existentes entre os dois.
Para a biologia da consciência é importante saber: como o cérebro
é capaz de mapear o objeto; como se dá a representação do objeto e a
relação entre eles. A representação do objeto é conhecida por estudos
sobre percepção, aprendizagem, memória e linguagem.
Na atividade de relacionar executada pela consciência o objeto é
exibido na forma de padrões neurais nos córtices sensoriais apropriados
para mapear suas características. Tomando o caso das características
visuais elas são exibidas nos córtices visuais que trabalham para representar os vários aspectos visuais do objeto.
O corpo humano também é objeto para o organismo e é representado no cérebro por diferentes padrões neurais que expressam as mudanças que ele sofre. As regiões do cérebro que fazem a regulação da
vida, produzem um mapa instantâneo do corpo cujos parâmetros variam
numa gama limitada de valores para a vida ser mantida. Este estado de
equilíbrio é governado pelo cérebro através de um mecanismo neural
complexo capaz de detectar variações mínimas na composição química
do meio interno e comandar ações para corrigir as variações detectadas.
Este sistema regulador parece ser um provável precursor biológico do
sentido do self e tem dentro de si uma espécie de modelo do organismo
314
todo. É composto por diversas unidades sendo que as mais importantes
se localizam no tronco cerebral, hipotálamo e prosencéfalo basal.
As raízes profundas do self parece que se encontram no protoself,conjunto de mecanismos cerebrais que de modo não consciente
mantém as variáveis do estado corporal dentro de estreitos limites que
permitam a continuidade da vida. Os estados internos são significantes
não verbais para o conjunto de valores do organismo e em estágios anteriores da evolução os organismos não tinham consciência de suas existências, embora produzissem algumas ações adequadas, mesmo sem
seus conhecimentos. Nestes estágios os organismos têm corpo e cérebro e alguma representação do corpo mas seu dono não tem conhecimento de sua existência. A consciência só emergiu quando um objeto
alterou o estado do corpo e foi utilizado um vocabulário não verbal de
sinais corporais que permitiu ao organismo saber da situação por ele
vivenciada. O proto-self, possível precursor do self, evoluiu para o self
central e o self autobiográfico.
É importante assinalar que os mecanismos reguladores da vida e
os mapas corporais são indispensáveis para a existência da consciência
central mas não são capazes de gerar esta consciência pois se processam sem termos conhecimento de suas existências. O organismo é representado no cérebro e essa representação está vinculada ao processo
de manutenção da vida, logo vida e consciência estão intimamente entrelaçadas.
Damásio (2001), acredita que a consciência prevaleceu na evolução pelo fato de que conhecer os sentimentos causados pelas emoções
é indispensável para o indivíduo poder continuar viver.
315
Vida e Consciência
A sobrevivência de um organismo depende da incorporação de
fontes de energia e de prevenir as situações que o ameacem e sem estas ações ele não sobrevive. Sem a orientação dada por imagens externas e internas o organismo não poderia fazer o planejamento de ações
adequadas e com os efeitos desejados pois são as imagens mentais que
permitem escolher melhor as ações e otimizar suas execuções.
A função básica da consciência é processar manipular as imagens
dos objetos de modo a otimizar as ações do organismo e uma de suas
conseqüências é a criatividade que é baseada na capacidade de criar e
transformar imagens e cenários mentais.
A consciência permite a um organismo, que tem a capacidade de
regular seus metabolismos, exercitar seus reflexos e de aprender por
condicionamento, tornar-se portador de uma mente que possa orientar
suas reações para atender os interesses da sua própria vida.
Quando um organismo se relaciona com um objeto reage ao estímulo recebido alterando seu estado. Nós nos tornamos conscientes do
que acontece quando os mecanismos de representação do organismo
tomam conhecimento de que seu estado foi alterado pelo objeto. Este é
um tipo de conhecimento sem palavras, direto, não linguístico, simbólico.
Assim, a consciência é conseqüência das alterações existentes
no organismo feitas pelo objeto. O sentido do self no ato de conhecer um
objeto é um conhecimento gerado pelo objeto com o qual o organismo
interage sofrendo mudanças que induzem padrões mentais no protoself. Nesta situação um conhecimento sem palavras emerge na mente
através do sentimento de conhecer, do que acontece quando o organismo processa um objeto. Só depois ocorrem interferências ligadas ao
316
sentimento de conhecer. Segundo Damásio (2001) consciência é conhecimento e conhecimento é consciência.
A função do sentido do self é conhecer o objeto através de sua imagem. O sentimento das mudanças que acontecem acompanha a produção de diferentes tipos de imagem dentro do organismo, de natureza
visual, auditiva, tátil ou visceral. Tal sentimento identifica estas imagens
como nossas e nos permite dizer que vemos, ouvimos ou percebemos
algo pelo tato. Os organismos não equipados para gerar a consciência
central podem produzir ocasionalmente imagens visuais, auditivas ou
táteis, mas não são capazes de conhecer o que produziram.
Emoção e sentimento
Os organismos equipados com consciência desenvolvem a capacidade de saber que têm sentimentos e emoções pelo sentido do self e
graças a eles possuem maior capacidade de regulação, pois emoções
são formas de adaptação dos seres vivos. A consciência permite que
sejam conhecidos os sentimentos e emoções que os determinaram, havendo uma relação com o processo de pensamento que traz melhores
resultados para as funções adaptativas e para a sobrevivência do organismo que desenvolve a capacidade de planejar suas ações.
O estado de sentir não implica que o organismo tenha consciência
da emoção causadora do sentimento, nem mesmo do próprio sentimento
do que está acontecendo. Tendemos a ter consciência de nossos sentimentos mas não de todos. Muitas vezes, de repente, percebemos que
estamos ansiosos e inquietos, satisfeitos e descontraídos e estes sentimentos podem ter começado antes de serem percebidos e ocorrerem
sem manifestação na consciência.
317
Há três estágios de processamento mental: estado de emoção não
consciente, estado de sentimento não representado na consciência e
estado de sentimento representado na consciência. As conseqüências
das emoções e sentimentos humanos se fazem sentir na consciência
mas seus indutores podem não ser reconhecidos por ela.
A consciência está relacionada com a sobrevivência do indivíduo
da mesma forma que a emoção e se alicerça na representação do corpo.
Geralmente quando a consciência ampliada está ausente não existe
emoção. A emoção em vez de ser um luxo ou mero vestígio evolutivo,
representa a concretização da lógica da sobrevivência.
A relação entre consciência e comportamento se dá em ciclos nos
quais emoções seguidas por sentimentos se tornam conhecidos e geram
novas emoções que são acompanhadas de pensamentos específicos e
de ações comportamentais.
Damásio (2001), conta o caso do paciente David como indicativo
que o mecanismo biológico subjacente à emoção independe da consciência. Ele teve lesão nos lobos temporais, hipocampo (aí se originam
lembranças de fatos novos) e na amígdala. Apresentava distúrbios da
aprendizagem e da memória não conseguindo reconhecer uma pessoa
pelo rosto. Uma pesquisa revelou que ele podia manifestar preferência
emocional não consciente para uma determinada pessoa que o tivesse
tratado cordialmente e que gostava mais dela do que de outra pessoa
que o tivesse maltratado. Isto ocorria mesmo sem haver na sua consciência uma razão que justificasse a escolha daquele que o tratou cordialmente e a rejeição do outro, pois ele não era capaz de reconhecer seus
rostos.
318
Então a preferência deve estar relacionada com as emoções que
lhe foram induzidas no experimento, em que o bonzinho fez coisas agradáveis e o malvado o maltratou. É importante ressaltar que certas
estruturas cerebrais de David estavam intactas: tronco cerebral, tálamo,hipotálamo,a maior parte dos córtices do cíngulo e
praticamente
todas as estruturas sensoriais e motoras, cujas integridades são importantes para processamento das emoções.
Depois de sentir uma emoção você pode não ter certeza de sua
causa, mesmo depois de uma investigação cuidadosa. A causa pode ter
sido um acontecimento com potencial para ser consciente e que não o
foi porque ocorreu quando sua atenção estava voltada para outra coisa.
Ou ela pode não ter sido a imagem de um objeto, mas sim a de uma
alteração transitória na composição química do seu meio interno devida
a alteração de sua saúde, dieta, clima, ciclo hormonal, exercício físico,
preocupações,etc.
Estas alterações, mesmo não representadas por imagens sensoriais em sua mente consciente, podem produzir reações emocionais e
serem percebidas sob a forma de sentimentos. As emoções podem ser
induzidas de modo não consciente e afigurar-se ao self consciente como
imotivadas. Nós podemos induzir emoções positivas em uma pessoa
pedindo que ela pense em coisas agradáveis e assim diminuir sua entropia mental, trazendo ordem e bem estar à sua mente.
Não temos muita influência sobre o mecanismo indutor de nossas
emoções e o acionamento consciente delas geralmente não é bem sucedido, salvo quando há um treinamento específico, como ocorre com os
atores. É o caso do sorriso espontâneo causado por um prazer genuíno
que é gerado em estruturas profundas do tronco cerebral, sob controle
319
do cíngulo e no qual não podemos interferir. Por isso o falso sorriso é
reconhecido com facilidade, o mesmo ocorrendo com as emoções provocadas artificialmente de um modo geral.
Somos tão incapazes de impedir que uma emoção surja porque os
centros cerebrais que a produzem estão fora do controle da vontade. O
máximo que podemos fazer é desenvolver a capacidade de disfarçar as
manifestações externas das emoções, o que nem sempre conseguimos.
Não podemos bloquear as mudanças automáticas que ocorrem em nossas vísceras e no meio interno devido às emoções e se tentarmos suprimir uma emoção verificamos que isto não é possível. Mesmo o controle voluntário do efeito das emoções sobre a freqüência cardíaca e a
pressão sanguínea é difícil, salvo para pessoas que tenham treinamento
específico.
Cosmovisão e Consciência Humana
Para que possamos compreender adequadamente um paradigma
educacional, devemos compreender os estágios de desenvolvimento da
consciência do homem, que passa por diversos estágios partir de seu
nascimento. Segundo Ken Wilber (2001), além de um estágio inicial denominado de “matriz primária”, há seis estágios de desenvolvimento da
consciência: nascimento do eu físico, nascimento do eu emocional, nascimento da mente representacional, nascimento do eu operacional, nascimento da consciência operacional formal e estágio da visão lógica
.Além deles há os chamados estágios “transpessoais”: sutil, psíquico e
causal. O ser humano é capaz de passar por este processo evolutivo,
desde que encontre condições e ambiente adequados.
A consciência se desenvolve passando de degraus inferiores para
superiores e em cada novo degrau o processo tem três etapas – de fu-
320
são, diferenciação e integração. No processo de fusão a consciência se
identifica com a nova realidade; na segunda etapa se integra com ela e
na terceira etapa a consciência se diferencia da realidade atual transcendendo-a e englobando-a.
Matriz primária - quando a criança nasce é um organismo essencialmente sensório motor e se identifica com as sensações percebidas e
com seus movimentos. Na matriz primária a consciência do eu é predominantemente direcionada para a matéria - a criança se identifica com o
mundo físico e é incapaz de distinguir o interno do externo, de distinguir
seu eu do mundo físico, que são percebidos de forma integrada. Neste
estágio um brinquedo e o braço da criança são percebidos por ela como
a mesma coisa, pois ela não tem a competência psicológica necessária
para diferenciá-los. A matriz primária se desenvolve na medida em que
vão se diferenciando e amadurecendo os neurônios responsáveis pela
percepção no córtex cerebral.
Nesta fase denominada de narcisismo primário, a criança não é
capaz de perceber o papel do outro e não tem a capacidade de experimentar sentimentos como o amor intersubjetivo, nem a capacidade de se
colocar no lugar do outro. Não é capaz de ter empatia, e predomina o
narcisismo, com ausência de compaixão, benevolência e altruísmo.
No estágio 1 há o nascimento do Eu Físico e no seu no início o self
está fundido com o mundo sensório–motor e sua identidade é fisiocêntrica, fundida com a fisiosfera. Em torno dos cinco meses a criança tem a
consciência mais desenvolvida, e percebe a diferença entre seu corpo e
o meio ambiente – percebe que se morder o dedo vai doer, mas que não
sentirá dor se morder o cobertor.
321
Neste momento começa a fase de diferenciação do estágio 1 que
se completa entre os cinco e nove meses de vida e marca o verdadeiro
“nascimento” da criança, e a partir dele ela se diferencia do meio ambiente, com o nascimento do eu físico.
Havendo desenvolvimento adequado começará o estágio 2, com
nascimento do eu emocional e a criança vai diferenciar suas emoções
das dos que a cercam, tomando consciência delas. Esta independência
emocional é atingida entre os 15 meses e dois anos de idade. Surge um
self emocionalmente distinto, permitindo à criança vivenciar seus medos
e alegrias autênticas e a partir deste momento é colocada no verdadeiro
mundo de dores e sofrimentos e há o verdadeiro nascimento psicológico.
Neste estágio, impulsionada por seus impulsos e emoções, por seu eu
vital-emocional, a criança transcende o estágio anterior no qual se percebia como parte do mundo físico que a rodeava.
Nascimento da Mente Representacional – se tudo corre de forma
adequada neste estágio a próxima etapa de desenvolvimento da consciência é o estágio 3, com o surgimento do eu mental ou eu conceitual
quando há transcendência do eu emocional e identificação do self com
a mente representacional que é constituída por imagens, símbolos e
conceitos percebidos pela criança. A imagem, representação mental de
um objeto, surge em torno de sete meses de idade: se a criança vê um
gato é capaz de representá-lo em sua mente com uma imagem que se
parece com o animal representado.
No processo de desenvolvimento da dimensão cognitiva da consciência a criança desenvolve a capacidade de criar símbolos, que são diferentes das imagens, pois enquanto a imagem se parece com o objeto
representado, o símbolo não precisa parecer com ele. A capacidade de
322
criar símbolos é uma tarefa cognitiva mais elaborada e mais difícil de ser
executada. No caso do gato seu símbolo pode ser o nome que lhe foi
atribuído, “Pretinho”, por exemplo.
A capacidade de produzir símbolos surge em torno de dois anos de
idade e a criança é capaz de dizer “mamã” ou “ papá”, símbolos que representam sua mãe ou seu pai. Aos quatro anos surgem os conceitos,
que predominam até os sete anos de idade. Enquanto um símbolo representa apenas um objeto, o conceito representa toda uma classe de
objetos. O conceito de gato passa a representar todos os gatos do mundo e não apenas o “Pretinho”. As imagens, símbolos e conceitos são
estruturas básicas que emergem na consciência que ficam disponíveis
para serem utilizadas pelo eu.
Quando os conceitos emergem surge o estágio da mente conceitual e quando a mente do sujeito se identifica com essa mente completase o estágio 3, no qual o eu além de conter sensações, impulsos e emoções, contém também símbolos e conceitos. Há então condição para a
criança entrar no mundo lingüístico, no mundo das idéias, na noosfera.
Assim, o self evoluiu, desenvolveu-se da fisiosfera (estágio 1), para a
biosfera (estágio 2) e para a noosfera (estágio 3 )
O estágio 4 é o do eu operacional em que a consciência da criança
tem a capacidade de elaborar regras mentais e de assumir papéis mentais, podendo inclusive assumir o papel do outro. Começa aos 6-7 anos e
domina a consciência até 11 a 14 anos. É uma fase importante sob o
ponto de vista ético pois a criança pode assumir o papel do outro e modificar sua cosmovisão que passa a ter uma perspectiva menos egocêntrica e começa a perceber que sua visão de mundo não é a única possível.
323
É a primeira grande mudança de paradigma para a criança, pois
ela pode agora assumir o papel do outro. Sua atitude muda de uma posição egocêntrica para outra convencional, conformista, na qual ela se
conforma com as convenções e com as regras e papéis que lhe são apresentados se adapta a eles sem contestá-los. Há mudança acentuada
na identidade do eu, em seu sentido moral e em suas necessidades e
diminuição progressiva do egocentrismo durante a evolução da consciência. O narcisismo diminui com o aparecimento do eu conceitual, face
ao aumento da capacidade de empatia da criança.
Durante o processo do nascimento do eu físico e do eu emocional
o grande desafio da consciência é adaptar-se aos impulsos e emoções
da criança e na fase operacional concreta o grande desafio é ela adaptar-se aos papéis que pode assumir em seu grupo, na família, na sociedade e na escola. A criança se diferenciou e transcendeu a seu eu, reconhecendo que ele não é o único eu no mundo, evoluindo do egocentrismo inicial para uma posição sociocêntrica em uma mudança total de
cosmovisão .
No estágio 5 há o nascimento da Consciência Operacional Formal
em torno de 11 a 15 anos e a consciência tem a capacidade de poder
realizar operações de lógica formal, podendo operar com abstrações, no
domínio do pensamento. No estágio do Eu Operacional ela só operava
no mundo concreto e agora o adolescente pode imaginar vários mundos
possíveis, sendo capaz de sonhar ,de elaborar regras mentais e de assumir papéis mentais, inclusive o papel do outro. Ele pode pensar sobre
o pensamento, desenvolver a capacidade da introspecção e descobrir
seu mundo interior, o que lhe permite aumentar seu espaço psicológico e
pode julgar os papéis e as regras. Sua instância moral muda de conven-
324
cional, em que ela aceitava irrefletidamente as regras, para pósconvencional, em que ela pode criticar as regras apresentadas, refletir
sobre elas e decidir se as aceita ou rejeita. Passa do estágio sociocêntrico para o cosmocêntrico.
No estágio 6 há nascimento da Visão Lógica e a estrutura básica
da consciência é a visão lógica, um tipo de consciência de síntese e
integração que transcende a consciência operacional formal. No estágio
da visão lógica a consciência soma as partes que observa e vê as cadeias de interação entre elas e os objetos, constituindo a base de uma personalidade integrada, de um eu que pode habitar uma perspectiva integrada. Nele o eu está consciente da mente e do corpo, enquanto experiências existenciais. O eu observador transcende a mente e o corpo e
pode estar consciente deles, enquanto objetos da percepção mental. A
mente se torna um objeto do eu observador.
Neste nível, também chamado de existencial, a pessoa deixa de
ser egocêntrica e etnocêntrica e habita um espaço cosmocêntrico onde
as perspectivas são mais universais. É uma nova consciência em que a
pessoa não se apega mais a uma visão lógica exclusiva e predominante
das coisas. Os horizontes ficam relativos pois não há mais as certezas
decorrentes da segurança que a lógica traz.
Neste estágio a pessoa aprende que a lógica é uma propriedade
do pensamento humano e não das coisas e que ela foi criada pelo homem para ter um pensamento coerente, sempre de acordo consigo
mesmo. Como os acontecimentos não ocorrem de modo lógico mas sim
de forma aleatória, a pessoa se apercebe de que todas as perspectivas
são relativas e que ela não pode confiar em uma possibilidade mais do
que em outra. Tudo é relativo pois não existe melhor nem pior. Não há
325
critério para saber o que é melhor e dentre as múltiplas causas de um
acontecimento você não tem elementos para afirmar com segurança a
causa que efetivamente o desencadeou. Tudo parece confuso, sem
perspectiva e sem orientação.
326
16.
Ciência do Sentimento
Natureza do Sentimento: os Mapas cerebrais
O corpo humano tem diversos órgão e sistemas que devem funcionar de modo integrado e harmônico para haver saúde e bem estar. Se
você resolve dar uma corrida, vai fazer um esforço maior e seus músculos precisam de mais energia, de mais força para o deslocamento.
A energia que eles precisam vem através do sangue e seu coração
vai bater mais depressa e mandar mais sangue para as pernas. Como
será necessário mais oxigênio para os músculos se contraírem, seus
pulmões vão trabalhar mais, sua respiração vai ficar mais rápida e mais
forte.
A energia muscular vem da queima da glicose e você vai precisar
mais dela no sangue, que será lançada pelo fígado e, se tudo funcionar
de modo harmônico e integrado, você correrá sem sentir nada. Existe no
organismo um controle não consciente do funcionamento dos órgãos
que os faz funcionar de forma equilibrada, dentro de certos limites, de
modo que uns atendem às necessidades dos outros. Para você correr o
coração, pulmão e fígado trabalhem mais rapidamente e integradamente
para atender as necessidades dos músculos.
327
A coordenação do funcionamento dos órgãos é feita pelo cérebroque permanentemente faz um levantamento da situação do corpo através de dados coletados nele e com base nestes dados, elabora um mapa do seu estado naquele momento. As estruturas cerebrais recebem
informações internas do corpo e as utilizam para controlar as funções
orgânicas, integrar o funcionamento dos órgãos e manter a saúde.
A homeostase (homeos= igual, stase= estase) é a propriedade autoreguladora de um sistema ou organismo, que permite manter o estado
de equilíbrio de suas variáveis essenciais e de seu meio ambiente. A
homeostase é expressão da tendência à estabilidade do meio interno do
organismo.
Ela garante o equilíbrio das funções do corpo e na sua origem estão
mecanismos cerebrais que o mantém funcionando de forma equilibrada
dentro de certos limites, de modo contínuo e não consciente, com a estabilidade necessária à sobrevivência. Os mecanismos da homeostase
são representados no cérebro continuadamente e forma não consciente
expressam o estado de vida do corpo, a situação momentânea dos componentes do organismo.
Para Damásio (2004) o sentimento resulta de informações recebidas
pelo o cérebro do estado do corpo em um dado momento e sua origem
está na vida do corpo, tanto assim que quando morremos não temos
mais sentimentos que são expressões da vida
Conteúdo e estrutura do sentimento. Sentimentos de Fundo
O conceito exposto implica na existência de dois componentes no
sentimento: a experiência do sentir, que é o sentimento propriamente
dito e o pensamento que o acompanha, indissociável do sentimento e
328
que se refere ao seu objeto, a temas vinculados ao sentimento considerado No caso do ódio o pensamento de quem odeia pode ficar dominado
pela imagem da pessoa odiada amada de tal forma que ele pensará nela
de forma obsessiva, dia e noite, compulsivamente.
O pensamento que acompanha qualquer forma de sentimento tem
determinada forma, que varia de emoção para emoção: na alegria, o
pensamento é rápido, e na tristeza é mais lento que o habitual. Se você
perde algo ou um ente querido, experimenta o sentimento da tristeza,
que traduz o estado de vida do seu organismo naquele momento e que
reflete a situação atual dos mapas do estado de seu organismo.
Concomitantemente à tristeza sentida você tem pensamentos tristes,
ligados ao objeto ou à pessoa querida perdida, que se caracterizam por
serem pobres em imagens e por atraírem muito sua atenção, que fica
presa a eles.
Situação diferente ocorre quando você recebe um presente de alguém, gosta dele e fica alegre. O estímulo emocionalmente competente,
o presente recebido gera em seu corpo a experiência do estado de alegria, inclusive devido à liberação de substâncias químicas como dopamina e noradrenalina. Seu cérebro ao fazer o mapeamento do corpo detecta a mudança e a percebe sob a forma do sentimento da alegria. Você
se sente alegre e em sua mente surgem pensamentos que se referem à
situação vivida, ao presente recebido. Tais pensamentos são ricos em
imagens, mas não há grande concentração de sua atenção sobre elas,
diferentemente do que ocorreria se os pensamentos fossem ligados à
tristeza.
Para Damásio (2004), os sentimentos podem ter origem em emoções, impulsos, pulsões ou apetites desde quando estejam presentes
329
estímulos devidamente competentes para desencadeá-los. Os sentimentos podem emergir de qualquer reação homeostática que atinja nível
crítico de intensidade que permita às estruturas cerebrais sua percepção
ao registrar o mapa corporal daquele momento.
O coração, por exemplo, é permanentemente mapeado pelo cérebro, que recebe informações sobre a velocidade de seus batimentos, a
intensidade de sua força de contração e a regularidade do seu ritmo,
além de outras referentes ao seu metabolismo. Nós não temos consciência dos mapas do coração elaborados, nem da forma como são feitos
e isto é válido para os outros órgãos: rins, pulmões, fígado, sangue, estômago, ossos, músculos, etc.
Para Damásio (2004) as estruturas que elaboram os mapas do organismo situam-se em diversas regiões do sistema nervoso desde o
tronco cerebral, hipotálamo, prosencéfalo basal e amígdala cerebral até
aos córtices cerebrais mais diferenciados. O cérebro elabora mapas do
seu próprio funcionamento, para fazer seu próprio controle. Quando
qualquer órgão funciona de modo inadequado, o cérebro toma as providências necessárias para restaurar o funcionamento regular.
Em síntese, o sentimento é a percepção da representação de um
determinado estado de funcionamento do corpo, conhecido através de
um “mapa” elaborado com dados coletados em cada órgão. As informações utilizadas na elaboração dos mapas emergem de reações homeostáticas que se processam em todo o organismo, com a finalidade de equilibrar seu funcionamento e estão relacionadas com as pulsões, motivações, emoções, impulsos, etc.
Para Damásio (2004), a idéia tradicional de sentimento não é aceitável por não levar em consideração o estado de funcionamento do corpo
330
e tal concepção esvazia os conceitos de sentimento e de emoção, que é
uma reação natural do corpo a estímulos. Considera a existência dos
sentimentos de fundo, que são expressões do funcionamento do organismo. Eles são responsáveis por nos sentirmos bem em determinados
dias, entusiasmados com a vida e outros dias apáticos, sem muita vontade para fazer as coisas.
Por causa dos sentimentos de fundo tem dias que quando acordamos estamos calmos e em outros estamos irritados, estressados e ansiosos. Eles são responsáveis pelo mal estar que sentimos quando estamos doentes ou pelo vigor que temos quando estamos com saúde, e a
explicação para suas existências é que sinais eletroquímicos vindos do
tronco cerebral e hipotálamo entram continuamente na consciência originando-os.
Dentro desta perspectiva, sentimentos e pensamentos são coisas diferentes. A essência dos sentimentos está no ato do corpo reagir a certos objetos e situações. Só depois pensamos sobre o corpo, surpreendido em sua reação. As reações corporais e as substâncias químicas liberadas nas emoções são diferentes, na alegria e na tristeza, na raiva e no
amor, no medo e no apego.
Por trás da alegria do apaixonado está o aumento da concentração
da dopamina e da noradrelina no sangue cerebral, e atrás da tristeza do
deprimido porque perdeu a pessoa amada, está a redução da serotonina
no cérebro. Tanto é verdade que eles melhoram tomando antidepressores que promovem aumento da concentração da serotonina no
sangue cerebral.
331
Transmissão de sinais para o Cérebro
Os sinais que chegam ao cérebro se originam no meio externo ou no
meio interno corporal. Os de origem externa são percebidos pela exterocepção e os vindos do meio interno pela interocepção, como os sinais
vindos das emoções.
As estruturas envolvidas na transmissão de sinais para o cérebro
são a medula espinhal, tronco cerebral, nervo vago, hipotálamo e tálamo.
No córtex cerebral são importantes as regiões somatosensitivas, ínsula
anterior e posterior, região anterior do cíngulo e parte da região frontal.
Fig. 15.1 Transmissão de sinais do corpo para o cérebro
Córtex cerebral: cíngulo, insula, regiões somatosensitivas
Tálamo, hipotálamo
Tronco cerebral
Medula espinhal
Os sinais sensitivos internos chegam ao cérebro por dois
caminhos diferentes: pelo sangue ou pelos nervos. O
sangue leva substâncias químicas que ativam diretamente o hipotálamo ou órgãos outros.
Pelos nervos chegam sinais eletroquímicos ao hipotálamo e órgãos
ventriculares, originados nas vísceras, músculos, ossos, articulações e
332
nos órgãos dos sentidos: tato, olfato, paladar, visão e audição, sendo
então conduzidos para a percepção no córtex cerebral.
Fig. 15.2 Transmissão de sinais corporais
Cérebro
Nervos
Nervos
Sinais Exteroceptivos (externos): visão, audição, tato,
olfato, gosto.
Sangue
Sinais Interoceptivos (internos): vísceras, músculos,
ossos, articulações, etc.
Córtex Sensorial
Os sinais externos recebidos pelo corpo e os internos,
nele originados, chegam ao cérebro pelo sangue e pelos
nervos.
No córtex cerebral, a insula recebe sinais ligados à temperatura corporal, dor, coceiras, sensações viscerais e genitais, estímulos vindos do
coração, pulmão, vasos, sinais referentes ao grau de acidez e alcalinidade dos líquidos, do nível de glicose no sangue e de diversas outras substâncias sanguíneas.
Do mapa cerebral ao sentimento
Quando o organismo funciona são enviados sinais através do sangue e dos nervos para o cérebro a cada instante e são elaborados mapas sensitivos referentes à situação vivida pelo corpo. Estes sinais são
estímulos para os neurônios do córtex cerebral que entram em atividade
333
e produzem determinados padrões de atividade, determinados padrões
neurais que, por mecanismos ainda não bem elucidados, transformamse em imagens mentais as quais servem como substratos para a elaboração de sentimentos e pensamentos (DAMÁSIO, 2004).
Uma característica da imagem mental é que ela pode surgir devido à
representação de um objeto real percebido ou devido à evocação de um
objeto guardado na memória. No caso de excitação sexual, por exemplo,
um homem ou uma mulher pode ficar excitado devido à visão real de
uma cena eroticamente estimulante ou com a lembrança de uma cena
erótica por ele vivida anteriormente, guardada em sua memória e por ele
evocada.
O diagrama seguinte mostra o caminho seguido pelos estímulos resultantes do funcionamento do corpo desde a origem até a formação dos
sentimentos e pensamentos, de acordo com Damásio (2004)
334
Fig. 15.3 Origem dos Sentimentos
Sentimentos
Pensamentos
Imagens Mentais
Padrões Neurais
Mapas Sensitivos Cerebrais
Funcionamento do Corpo
Sinais enviados para o cérebro são estímulos para os
neurônios corticais produzirem padrões neurais que se
transformam em imagens mentais que são substratos
para elaboração dos sentimentos e pensamentos.
335
Sentimentos positivos e negativos
A regulação ótima dos processos homeostáticos da vida do organismo é acompanhada dos sentimentos correspondentes a este estado
fisiológico ideal a ser mantido, chamados de sentimentos “positivos” que
se caracterizam pela percepção de diferentes formas de prazer e pela
ausência de dor e sofrimento. O significado atribuído ao termo positivo é
de que o prazer está presente e a dor ausente.
Por outro lado, há estados do organismo nos quais o equilíbrio orgânico está comprometido e os processos vitais se empenham em recuperá-lo, retornando para o equilíbrio perdido. Os sentimentos que acompanham estes estados do organismo são considerados “negativos”, no sentido de que a dor está presente e ausente o prazer (DAMÁSIO 2004)
Santos (2005) acredita que os processos de regulação homeostática
do organismo visam diminuir ao mínimo a entropia orgânica. Sustenta
que as emoções positivas desempenham papel importante na redução
da entropia psicossomática e que as negativas contribuem para aumentá-la e que a questão básica do funcionamento da mente humana e da
busca da felicidade é a do equilíbrio mental. Nossa satisfação e nosso
bem estar dependem da existência de ordem em nossa mente, para que
tenhamos quietude, tranqüilidade e paz por isso devemos buscar permanentemente um equilíbrio entre a ordem e a desordem, reduzindo a entropia psíquica a um valor mínimo possível.
336
17.
Ciência do Amor
Amor Romântico e suas raizes
Para Branden (1998), no amor romântico existe uma atração entre
um homem e uma mulher com três componentes: uma atração sexual,
um envolvimento emocional e uma afinidade entre eles. Nos apaixonados há grande admiração pelo outro, física, intelectual ou espiritual, existem muitos valores em comum, suas perspectivas existenciais são semelhantes e uma sensação que se completam, pois “foram feitos um para o
outro”.
Há um vínculo emocional, sexual e espiritual entre os apaixonados
que reflete a estima e o valor que um tem para o outro e pode ocorrer
em qualquer idade, não sendo privilégio de adolescentes e jovens. Os
amantes de qualquer idade sentem alegria e excitação quando estão na
presença um do outro e têm um impulso para se entregarem de corpo e
alma. Tem poder rejuvenescedor e faz com que pessoas mais maduras
sintam mais entusiasmo pela vida e a vejam com mais alegria e prazer.
A felicidade, direito natural de todo ser humano, passa naturalmente pelo caminho do amor romântico e privilegiados são os que têm a ventura de viver uma paixão.
O que faz uma pessoa se apaixonar por outra é a presença de estímulos capazes de desencadear a excitação romântica, de desencadear
337
a percepção do sentimento do amor graças à ativação de determinadas
áreas do sistema nervoso, fazendo surgir a atração entre elas.
Quando um apaixonado encontra a pessoa amada sente-se feliz,
alegre, tem prazer e bem estar. Sente aumentar sua energia, fica agitado, o coração bate mais depressa, a respiração acelera e ele fica ofegante e ansioso. Tudo corre por conta do aumento da concentração de
duas substâncias em seu cérebro: dopamina e noradrenaina que fazem
parte do sistema de recompensa do organismo, um sistema capaz de
identificar recompensas para nossos comportamentos, motivar-nos para
alcançá-las e promover as estratégias adequadas para atingir os objetivos.
O amor de um modo geral é uma reação emocional que a pessoa
tem diante de algo significante e se expressa como uma experiência de
prazer e alegria quando se percebe o objeto amado, com sua proximidade ou ao interagir com ele. Leva a um encantamento com o objeto amado, a uma satisfação com sua presença e contato e satisfaz a profundas
necessidades psicológicas de quem ama.
Em última análise, o amor é uma reação psicológica automática,
avaliada de modo não consciente para permitir saber se o relacionamento é benéfico ou prejudicial. A emoção do amor nos leva a fazer uma
avaliação do objeto amado e a ter uma tendência à ação em relação a
ele. Toda emoção contém em sua estrutura dois componentes, de avaliação e de ação. A avaliação é um julgamento automático da situação
com a finalidade de julgar se o estímulo que a desencadeia é bom ou
ruim para a pessoa.
Como no amor o amado não representa perigo para os valores da
pessoa, ela se aproxima dele. Pelo contrário, na raiva e no medo, a avaliação indica que os estímulos são prejudiciais e que a pessoa deve afastar-se deles ou afastá-los.
338
Temos o ímpeto de agir de acordo com cada emoção por isto no
amor há tendência para aproximação do amado devido à atração para o
prazer da emoção sentida com a proximidade e faz parte da natureza
humana a tendência de aproximação das coisas agradáveis, que trazem
satisfação e afastamento das coisas desagradáveis, que trazem sofrimento e dor. Por isso nos aproximarmos de quem amamos e nos afastarmos do quem nos amedronta ou enraivece.
O amor em si é uma disposição do self para ver o ser amado como
personificação de importantes valores pessoais e como fonte de alegria,
prazer e satisfação. Daí sermos atraídos e nos entregar-nos a ele.
Para Branden (1998), há diversas formas de amor: o amor entre
pais e filhos, entre filhos e pais, entre parentes de uma família. Uma forma especial de amor é a amizade e Aristóteles sugeriu que a amizade
existente entre amigos que tiveram desenvolvimentos semelhantes e que
possuem valores comuns, fosse um modelo comparativo para o amor.
Esta comparação parece ser adequada.
O amor surge para atender às necessidades psicológicas de companhia, de interagir com pessoas, confidenciar, admirar, respeitar e valorizar. O desejo de ter companhia e amizades faz parte da natureza humana pois sentimos necessidade de estar junto de alguém, de conversar
com alguém, de sermos compreendidos por outra pessoa e de compartilhar experiências, pensamentos e sentimentos com ela.
Necessitamos e desejamos ter intimidade emocional e cognitiva
com outro ser humano e por uma questão de sintonia psíquica, preferimos conviver com pessoas que tenham valores semelhantes aos nossos. Desenvolvemos sentimentos de afeição e benevolência para pessoas com valores similares aos nossos, com percepção da vida parecida
com a nossa e que agem como agimos.
Uma das necessidades humanas básicas é a necessidade de amar
e sua origem está na necessidade de encontrar no mundo alguém a que
339
possamos dar valor, que seja importante para nós e nos estimule, inspire
e sirva de referência e apoio, emocional, material e espiritual.
Para Santos (2006b), são nossos valores que orientam as escolhas
em nossa vida e dirigem nossos relacionamentos e interações sociais.
Eles são forças que nos ligam ao mundo e nos fazem praticar ações para conseguirmos aquilo que acreditamos ser bom para nós, que nos
permita ter experiências agradáveis e aumente nossa experiência existencial. Eles dão força a nossas vidas e levam à satisfação de nossa
necessidade de amar, que é ligada a nossos valores.
Temos necessidade de admirar outras pessoas, de apreciar e valorizar seres humanos altruístas que façam realizações que os dignifiquem
e façam respeitáveis. A necessidade de amar é uma força que nos impele a nos entregar a outra pessoa ou a uma causa. Quando a pessoa tem
nível de auto-estima saudável, pode sentir admiração pelos outros, mas
se seu nível de auto-estima é baixo, em vez da admiração pode ter inveja, ciúme ou ressentimento daqueles que realizaram mais na vida e que
vive mais satisfeitos e mais felizes.
A necessidade de receber amor convive paralelamente com a de
amar, é tão importante quanto ela e às vezes pode ser até mais forte.
Sexo e amor romântico - uma característica fundamental do amor
romântico é o desejo da união sexual e sua finalidade é procriar para a
manutenção e perpetuação da espécie. A grande importância do sexo no
relacionamento romântico está no intenso prazer que ele oferece aos
amantes e a atender uma profunda necessidade psicológica delese o
sexo proporciona um dos prazeres mais intensos em nossa vida. O prazer pode ser considerado como um sentimento de bem estar resultante
da satisfação de um desejo devido a uma ação bem sucedida.
O sexo proporciona uma experiência direta de nossa competência
para lidar com a realidade e obter sucesso, envolvendo tanto o sentimen-
340
to quanto o pensamento e seu exercício nos faz sentir poderosos. O prazer e a alegria que ele proporciona são a razão de ser do seu poder em
nossas vidas ao integrar o corpo e a mente, percepções, emoções, valores e pensamentos indo ao íntimo de nosso self.
No sexo o indivíduo, além de encontrar-se com o parceiro, encontra-se a si mesmo e vivencia a forma mais intensa e prazerosa de autoconsciência. O ideal é que exista amor na relação sexual, pois nela os
amantes mostram seus mais profundos valores e a vida explode, inundando-os numa torrente de alegria, felicidade e excitação.
Os sintomas e a química do Amor Romântico
Segundo Fischer (2003), as características centrais do amor romântico são atenção focalizada no amado, forte motivação e comportamento orientado para objetivos. Os apaixonados preferem a pessoa amada, focalizam-se intensamente nela, concentram-se em suas qualidades positivas, recordam-se facilmente de acontecimentos e objetos a ela
referentes. Pesquisas mostram que níveis elevados de dopamina no cérebro produzem estes comportamentos daí admitir-se que a dependência
e o anseio dos apaixonados sejam decorrentes de seus efeitos.
Foi constatado que viciados em álcool, morfina e cocaína apresentam níveis elevados de dopamina no cérebro, por isto alguns estudiosos
consideram o amor romântico como vício. A dependência do apaixonado
pode ser tão grande que pode gerar síndrome de abstinência e alguns
vão ao desespero e suicidam-se, no caso de rompimento.
O apaixonado pode ter aumento da testosterona, hormônio responsável pelo desejo sexual, que o estimula a fazer sexo com o amado.
Outras características do amor romântico decorrem de efeitos da noradrenalina, como energia aumentada, insônia, perda de apetite e aumento
da memória que faz o amante lembrar de mínimos detalhes dos momentos passados com o amado.
341
Outra característica do amor romântico é a obsessão, que leva o
apaixonado a pensar frequentemente no amado. No distúrbio obsessivocompulsivo há redução do nível de serotonina e o doente tem fixação do
pensamento em objetos ou situações. Pesquisas mostram que nos apaixonados há redução do nível de serotonina por isto é levantada a hipótese que a causa da sua obsessão seja o baixo nível de serotonina. É possível que os sentimentos, desejos e obsessão dos apaixonados decorreram dos níveis cerebrais aumentados de dopamina e noradrenalina e da
redução de serotonina.
Conforme Kein (2005), a dopamina é uma substância produzida no
cérebro com diversos efeitos no seu funcionamento. Sua grande fonte é
a região denominada “substância negra”, do tamanho de uma unha, localizada no centro do cérebro, sendo também produzida na rea tegmentar ventral. Destes dois núcleos saem neurônios para diversas partes do
cérebro, sendo a distribuição feita para diversas áreas onde receptores
apropriados executam as ações propriamente ditas. A levodopa (Ldopa), precursora da dopamina, é produzida no cérebro.
Centros do córtex cerebral que recebem a dopamina são responsáveis pela perseverança para vencer certos desafios e pelo controle da
musculatura voluntária. A dopamina vai também para núcleo accumbens,
localizado na região frontal, para a amígdala cerebral e para núcleos
outros, daí sua grande influência na nossa forma de pensar, desejar,
sentir e agir. A dopamina participa do processo de sono e vigília, ajuda a
concentrar a atenção, acentua a curiosidade, a capacidade de aprendizado, a imaginação e o desejo, inclusive o sexual. Quando desejamos
algo ou alguém a dopamina interfere no processo, ativa o controle dos
músculos voluntários e faz o corpo obedecer aos comandos mentais.
Influencia no funcionamento da mente, pois chama atenção para o
que acontece de mais importante em torno de nós e interfere na memória ao enviar às células cinzentas mensagens para registrarem as expe-
342
riências. É o motor de nosso sistema de recompensas, conjunto de neurônios que entra em atividade quando recebemos um estímulo capaz de
desencadear um desejo, ao qual procuramos atender. Se você vê algo
ou alguém que gosta, graças à dopamina, seu sistema de recompensas
é ativado: se você passa por uma loja em um shopping vê uma roupa e
gosta, seu cérebro libera dopamina imediatamente e você sente um sentimento agradável de alegria e excitação que o impele a comprá-la.
Sua atenção aumenta, o cérebro manda aos músculos ordem para
que eles se movimentem e você entra na loja. Sua memória fica mais
alerta para receber as informações do vendedor, sua mente toma uma
decisão rápida e transforma-a em ação. Você compra o objeto desejado
e sente prazer. A dopamina é um combustível que nos move, uma força
que nos anima e nos dá motivação, entusiasmo, otimismo para fazermos
as coisas, contribuindo para criar um sentimento de prazer e alegria.
O caso de Leonard
Relata Klein (2005) que Leonard, paciente do médico Oliver Sacks,
teve aos 46 anos, uma inflamação cerebral que atingiu a “substância
negra” que produz a dopamina. Parecia uma múmia ambulante: seu rosto era liso, sem rugas e incapaz de expressar qualquer emoção na face.
Não se mexia e ficou com os membros enrijecidos. Perdeu a voz. Só se
comunicava através de um quadro onde ele apontava as letras. Sua única alegria era ler, um enfermeiro passando as páginas do livro.
O Dr. Sacks estava experimentando um novo medicamento, a levodopa (L-dopa), precursora da dopamina no cérebro e fez a primeira
observação em Leonard, em março de 1969. O efeito foi tão espetacular
que o médico comparou com a ressurreição de um morto. Duas semanas depois podia caminhar, se extasiava com as flores do jardim, com
seus perfumes, em lua de mel com a felicidade. Leonard disse então que
343
Sinto que fui salvo, que ressuscitei. Eu me sinto como
um amante apaixonado, rompi as barreiras que me separavam do amor. Tenho a sensação de saúde que parece uma dádiva divina (KLEIN, 2005, p. 87).
Voltou a dirigir e sair para a noite de sua cidade, New York. Para
ele a
L-dopa é um santo remédio. Abriu as minhas janelas
interiores que estavam cerradas. Se todos se sentissem tão bem quanto eu, ninguém pensaria em conflitos
ou guerra, poder ou posse. Todos simplesmente estariam felizes consigo mesmos e com os outros. Saberiam que o céu é aqui mesmo, na Terra (KLEIN, 2005, p.
87).
Mas a felicidade de Leonard durou apenas duas semanas. Sua alegria se transformou em mania. Falava com uma velocidade inacreditável e passou a ter desejo sexual tão intenso que agredia sexualmente as
enfermeiras na clínica. Chegou ao ponto de pedir a seu médico que escalasse mulheres para ficarem a seu serviço durante a noite.
Passou a ter alucinações e idéias paranóicas, julgando-se perseguido por demônios, dizendo que em seu redor tinha armadilhas com
cordas para enforcá-lo. O Dr. Sacks resolveu suspender a medicação
depois de uma crise em que Leonard tentou se asfixiar com um travesseiro. Morreu em 1981, depois de alguma tentativas frustradas de tratamento com outros remédios.
344
A paixão muda com o tempo
Com o tempo a paixão e o êxtase diminuem e tendem a terminar.
O desejo, o anseio e a obsessão podem ser substituídos por novos sentimentos de amizade, união, parceria, conforto e tranqüilidade por estar
junto com o parceiro. Com o passar do tempo, variando de pessoa para
pessoa, o ardor da paixão diminui e ela pode ser substituída por amizade
e afeto muito profundos, que desafiam o passar dos anos.
Fischer (2006) acredita que os seres humanos desenvolveram um
sistema de ligações inato expresso por comportamentos específicos,
baseados em reações fisiológicas fundamentadas em reações químicas.
Estas reações, responsáveis pela ligação com o parceiro, pela sensação
de fusão com o companheiro de longo prazo, estariam relacionadas com
a ocitocina e a vasopressina.
A ocitocina é produzida, no homem, no hipotálamo e testículos e
nas mulheres, no hipotálamo e ovários. É liberada nas fêmeas de mamíferos durante o parto e dá início às contrações uterinas, além de estimular as glândulas mamárias para produzirem leite. É secretada na mulher
durante o ato sexual, no orgasmo e quando são estimulados os genitais
e mamilos. No homem aumenta acentuadamente a vasopressina, durante o orgasmo, secretada pelo hipotálamo.
Há evidências que níveis maiores de ocitocina podem interferir na
ação da dopamina e norepinefrina, diminuindo assim seus efeitos excitatórios. Isto abre a possibilidade química para a diminuição ou extinção do
romance. A evidência comportamental desta possibilidade está no fato
de que, em todas as culturas do mundo, a exaltação dos apaixonados
diminui à medida que o tempo aumenta. Por outro lado, o relacionamento entre o casal pode tornar-se cada vez mais seguro, estável e fundamentado na amizade, respeito mútuo, carinho e atenção recíproca. Não
ocorrendo isto, podem advir separações, muitas vezes traumáticas ou
trágicas.
345
A interpretação antropológica da substituição do amor romântico
pela ligação com o parceiro, segundo Fischer (2006), é que o propósito
fundamental do amor romântico é levar homens e mulheres a escolher
parceiros específicos para o acasalamento. Feita a escolha, os parceiros
devem permanecer juntos o tempo suficiente para conceber um filho e
depois para criá-lo durante certo tempo, como fazem todos os animais.
Com o nascimento do filho os pais precisam de novo conjunto de
substâncias químicas e surge a química da ligação, que com o tempo faz
esmaecer a intensidade do amor romântico original. Parece ser um processo natural a diminuição do êxtase do romance e sua substituição por
um sentimento de união e ligação com o parceiro.
Escolha no amor romântico
Amor à primeira vista
O amor romântico surge para atender a necessidades psicológicas
básicas dos parceiros como as de ter companhia, de amar e ser amado,
de satisfação sexual e de construir um universo privado para os amantes. Começa com um desejo que os levam a comportamentos que devem lhes trazer prazer e alegria, em vez de dor e sofrimento. O prazer e
a alegria funcionam como reforço para os amantes e intensificam o amor
e o desejo que por sua vez fazem a união ficar cada vez mais forte,
quando não aparecem fatores que interferem negativamente.
Os neurônios-espelho têm papel importante na atração inicial existente entre os amantes que junto com a paixão e a fascinação podem
surgir logo no primeiro encontro. Mas o amor mesmo se desenvolve com
o tempo, com o convívio e a evolução de um relacionamento harmonioso
em que os valores comuns sejam compartilhados.
346
O amante, pelo olhar do seu parceiro, percebe o que se passa na
mente dele e entra em sintonia com seus neurônios-espelho. Através do
olhar podemos ter acesso aos sentimentos mais íntimos de uma pessoa
e através de seus olhos o amante sente o amor e os sentimentos de ternura e estima que o ser amado lhe dedica.
Como vimos, as neurociências explicam o mecanismo desta comunicação através do olhar pois os olhos têm terminações nervosas que os
comunicam diretamente com uma estrutura cerebral fundamental para a
empatia, que é a área orbitofrontal do córtex pré-frontal permitindo a identificação dos seus estados emocionais, se a outra pessoa está sentindo amor, admiração, ternura, raiva, medo, tristeza ou outras emoções.
Semelhanças básicas e diferenças complementares
Para que o amor romântico cresça e se mantenha é necessário
que sejam atendidas algumas condições referentes à percepção e concepção da vida dos amantes. Para Branden (1998) a percepção da vida
é a reação emocional através da qual vemos a existência e nossa relação com ela. Reflete nossas atitudes em relação ao mundo, à vida e a
nós mesmos. Pode ser o reflexo de uma auto-estima saudável e de um
senso de grande valor dado à vida, mas pode ser também o reflexo de
uma baixa auto-estima e de que a vida não vale a pena ser vivida.
No primeiro caso a pessoa acredita que o mundo está accessível e
ela pode conquistá-lo, dependendo apenas de seus esforços e de sua
perseverança. Há uma crença básica de que a vida é um desafio a ser
enfrentado com coragem e disposição e que o sucesso só depende de
sabermos conquistar as coisas, através do trabalho, sacrifício e perseverança.
No caso da auto-estima baixa a pessoa enxerga um mundo hostil,
incompreensível e difícil de conquistar. O mundo é uma ameaça em vez
347
de um desafio, a vida é sempre cheia de angústias e ansiedades e há
uma luta desigual em que ela se sente impotente e submissa.
Quando encontramos uma pessoa que utiliza estratégias de sobrevivência semelhantes às nossas, que vive de modo parecido e usa processos de adaptação e luta que se parecem com os nossos há um choque de reconhecimento e um sentimento de entendimento profundo. Esta é a base do relacionamento romântico bem sucedido. Quando duas
pessoas com grandes diferenças de percepções da vida se encontram o
relacionamento não perdura, pois seus valores e suas formas de encarar
a vida são completamente diferentes, constituindo-se uma barreira intransponível para o amor romântico. A percepção da vida é a base para
a elaboração de todas as reações emocionais de uma pessoa e os parceiros “ideais” são aqueles que compartilham de percepções de vidas
semelhantes.
No relacionamento romântico a reação positiva de cada parceiro à
percepção que o outro tem da vida é crucial para a experiência do amor
e pode fazê-lo surgir no primeiro encontro.
A fundamentação de um relacionamento romântico está nas semelhanças básicas existentes entre os parceiros mas o estímulo para o desenvolvimento do amor está nas diferenças complementares. Ambos os
fatores são importantes para o sucesso do amor e formam o contexto em
que ele nasce e se desenvolve. Não existe uma pessoa totalmente igual
a outra, pois há diferenças em seus gostos, valores e comportamentos,
nunca havendo coincidência perfeita (BRANDEN,1998).
Uma pessoa pode se apaixonar por outra pelos seus aspectos físicos, intelectuais ou espirituais e as diferenças complementares existentes podem ser estimulantes e desafiadoras, representando uma força
para o crescimento do relacionamento, desde que não haja antagonismo
entre as diferenças. Se os modos de pensar, de agir, de se relacionar
com o mundo e com as pessoas forem muito diferentes em um casal,
348
naturalmente surgirá no convívio impaciência, irritação e atritos, que levarão a relação ao fim. Se em um casal um parceiro tem auto-estima
muito e grande confiança em si e o outro tem auto-estima baixa e não
confia em si suas cosmovisões serão diferentes e haverá dificuldade de
compreensão e de ter intimidade e sem elas o amor tende a acabar. O
mesmo ocorre em um casal que tem princípios e valores opostos, como
quando um é honesto e o outro desonesto.
Para que um casal mantenha o amor romântico cada parceiro deve
identificar no outro em que eles são parecidos e em que são diferentes.
Se as diferenças forem pequenas e encaradas de forma estimuladora
servirão de estímulo para o amor, desde que eles se respeitem mutuamente em seus modos de ser e de viver e valorizem as características
opostas do outro. O ritmo e a energia dos amantes podem influir no amor
romântico, pois as diferenças de ritmo biológico e do nível de energia de
cada um interferem no relacionamento.
O ritmo biológico pode ser visto no modo de falar, nos movimentos
do corpo, na velocidade e intensidade das reações emocionais de cada
um e se há grande diferença de um parceiro para o outro, um se movimentando, pensando ou sentindo mais rapidamente ou mais lentamente,
isto pode gerar falta de sintonia e se tornar uma barreira ao sucesso do
amor.
Atividade cerebral no amor romântico
Pesquisa de Damásio
A atividade dos neurônios do córtex cerebral pode ser investigada
através da medida do fluxo sanguíneo cerebral, com a técnica da Tomografia por Emissão de Prótons – PET. A distribuição do fluxo sanguíneo
nas diversas regiões do cérebro está relacionada com a atividade metabólica dos neurônios da região E se aumenta a atividade metabólica,
349
aumenta proporcionalmente o fluxo sanguíneo que chega à região, para
abastecê-la com as substâncias nutritivas necessárias. Quando durante
a execução de uma tarefa mental há aumento ou diminuição do fluxo
sanguíneo estatisticamente significativos em determinada região isto
indica que os neurônios da região estavam mais ou menos ativos.
Damásio (2004) fez pesquisa com PET em 40 pessoas sem doenças neurológicas ou psiquiátricas, para estudar os padrões de atividades
de seus cérebros ao sentirem felicidade, tristeza, medo ou raiva. As emoções foram desencadeadas pedindo a cada participante para lembrarse de uma situação vivida anteriormente em que tivesse vivenciado com
grande intensidade uma das emoções consideradas. Antes da experiência cada participante foi instruído sobre qual emoção devia recordar e
foram medidos seu ritmo cardíaco e a condutividade elétrica da pele,
desde antes da evocação da emoção até o final da observação.
Ao sentir a emoção o participante fazia sinal com o polegar e neste
momento era ligado o tomógrafo e captados os efeitos do sentimento na
atividade cerebral. Foi constatado que as áreas ativadas estavam distribuídas em diversos níveis do sistema nervoso central e que foram ativadas áreas do córtex cerebral, no cíngulo, regiões somatosensitivas S1 e
S2 e ínsula, hipotálamo e núcleos do tronco cerebral.
O cíngulo é uma região onde interagem as emoções, atenção e
memória ativa, relacionando-se também com a felicidade, autoconhecimento emocional e com os sentimentos do outro, na interação social,
inclusive do amor. O córtex da insula é responsável pelo processamento
de emoções e pela coleta de dados do corpo: do tato, temperatura externa, dor profunda e atividades do estômago, intestino e outras vísceras.
As áreas ativadas na alegria e na tristeza eram diferentes. Na alegria foram ativados o córtex do cíngulo anterior e posterior, o hipotálamo
e prosencéfalo basal. Na tristeza foram ativadas a insula, cíngulo e hipotálamo, em regiões diferentes das ativadas na alegria e com modos dife-
350
rentes de ativação. Durante a experiência foi constatado em todos os
participantes que as alterações da condutância da pele existiram antes
dele levantar o dedo indicando a percepção do sentimento. Isto é, antes
dele perceber o sentimento já havia alteração da condutância elétrica da
pele, indicando que os efeitos corporais da emoção existiam e apareciam
antes da percepção do sentimento. Pode-se concluir que a emoção existe previamente ao sentimento correspondente e que seus efeitos fisiológicos aparecem antes dele.
Um achado não previsto foi encontrado na experiência com a tristeza: a desativação das regiões laterais do lobo frontal que se relacionam com o pensamento. Este achado é compatível com a idéia de que
na tristeza o fluxo de pensamentos está reduzido. Na experiência em
que a emoção desencadeada foi a felicidade houve ativação das citadas
regiões laterais do lobo frontal, achado este compatível com a idéia que
na felicidade o fluxo de pensamentos está aumentado.
Pesquisas feitas por outros autores comprovaram os resultados de
Damásio, mostrando que o córtex da insula e do cíngulo aumentam suas
atividades quando a pessoa sente prazer, quando come chocolate, no
amor e na excitação sexual, reforçando a idéia que os sentimentos estão
relacionados com as regiões do cérebro citadas.
Pesquisa de Fischer
Fisher (2006) examinou com ressonância magnética, durante o enlevo romântico, o cérebro de homens e mulheres apaixonados felizes e
encontrou algumas regiões cerebrais mais ativas. A pesquisa foi realizada com 20 homens e mulheres recentemente apaixonados felizes e com
20 homens e mulheres apaixonados porém com o romance rompido recentemente.
Os sentimentos de amor romântico intenso podem surgir tanto
quando são mostradas fotos da pessoa amada ao amante, como quando
351
ele ouve músicas que a lembrem ou se lembra espontaneamente dela.
Os participantes olharam primeiro para a foto do amado ou amada e depois para a de um desconhecido e foram comparadas suas atividades
cerebrais durante a visão da foto do amado e durante a visão da foto do
desconhecido. Constatou-se que muitas partes do cérebro tornaram-se
ativas, particularmente o núcleo caudado e a área tegmentar ventral
(ATV).e quanto maior a paixão, maior a atividade do núcleo caudado.
Para impedir que pensamentos apaixonados existentes na mente
do participante após a visão do amado interferissem nos sentimentos
percebidos quando da visão das fotos dos desconhecidos, antes de serem apresentadas estas fotos, foi mostrado aos participantes um número
de 4 dígitos (tipo 8.245) e solicitado que contassem decrescentemente a
partir dele, de 7 em 7. É uma técnica para “limpar” s mentes.
O núcleo caudado faz parte do cérebro reptiliano, área primitiva do
cérebro humano localizada profundamente na porção central da base
cerebral e que antecedeu ao cérebro dos mamíferos na evolução. Faz
parte do “sistema de recompensas” do cérebro e é responsável pela excitação geral, por sentimentos de prazer e motivação que temos quando
tentamos conseguir uma recompensa, ajudando a detectar recompensas, discriminá-las e preferir uma específica. A área tegmentar ventral é
importante também no processo de prestar atenção e na aprendizagem,
sendo relacionada com a síntese da dopamina e com sua distribuição
para as regiões cerebrais, inclusive para o núcleo caudado.
Pesquisa de Londres
Segundo Fischer (2006), foi realizada pesquisa com ressonância
magnética fMRI, no University College, Londres, em 2000, com 17 homens e mulheres declarados apaixonados, utilizando fotografias. Os participantes olharam fotos dos amados e foram constatadas atividades no
núcleo caudado, córtex cingulado anterior e córtex insular, confirmando
352
outros achados. A duração média da paixão no estudo de Londres foi 2,3
anos e no estudo de Fischer, feito com paixões mais recentes, foi de 7
meses. No último estudo foi constatado nas paixões mais duradouras
ativação da ínsula e do cíngulo.
Parece que à medida que o relacionamento se prolonga regiões
cerebrais antes inativas entram em atividade bem como e reagem regiões associadas a emoções, memória e atenção e isto faz o amor mudar
com o tempo.
Porque termina o amor romântico
Segundo Varela (2006), duas teorias procuram explicar a vitalidade
do amor: a do reforço e a da igualdade. A Teoria do Reforço defende
que para qualquer conduta persistir é necessário haver um reforço positivo. No caso dos amantes, cada parceiro deve se preocupar em propiciar ao outro momentos agradáveis no convívio, um reforço positivo pois
isso o estimulará a retornar para novos contatos e fará o amor crescer e
se consolidar. Se os amantes se esforçam para que os encontros sejam
agradáveis, cheios de ternura, carinho e atenção, desenvolve-se entre o
casal um clima de confiança, descontração, alegria e harmonia que vitaliza o amor. Haverá reforço positivo para os comportamentos e a relação
pois crescerá e se fortalecerá.
Se ao contrário houver clima de agressão, desconfiança, medo, tensão, ansiedade, desrespeito e humilhação, a relação será desvitalizada e
tenderá a extinguir-se. O reforço negativo destrói o amor, que se debilita,
empobrece e morre. Para praticar o reforço positivo o parceiro pode agradar ao outro através de suas ações pessoais, com suas atitudes ou
com seus recursos e dentre as ações pessoais estão o embelezamento
353
para os encontros, o bom humor nos contatos, a prática da empatia, as
mostras de inteligência e cultura e outras ações positivas semelhantes.
As atitudes assumidas na relação têm o poder de vitalizar o amor
que cresce se os parceiros têm atitude afetuosa, carinhosa, atenciosa,
respeitosa, confiante, generosa, de compaixão, solicitude, de admiração,
de apoio emocional ou outras semelhantes. Recursos financeiros, status
social e possibilidades de contatos sociais interferem positivamente na
relação pois podem estimular e motivar os parceiros a continuar o relacionamento e impulsionar seus crescimentos.
A Teoria da Igualdade procura explicar a vitalidade do amor romântico admitindo que as pessoas são atraídas por outras que retribuem de
modo equilibrado as recompensas que lhes são proporcionadas. Um
amante é atraído por outro que lhe retribui tanto quanto recebe no intercâmbio amoroso pois como diz a sabedoria popular “amor com amor se
paga” e “ é dando que se recebe”. A teoria se fundamenta na tese do
“determinismo recíproco”: a atitude que adotamos em relação a outra
pessoa determina em grande parte sua atitude em relação a nós. Nossa
conduta tem efeito controlador sobre o comportamento dos outros em
relação a nós, até certo ponto: se você trata alguém com frieza e à distância, provavelmente ele tenderá a tratá-lo friamente também.
Este princípio é válido para as relações humanas de um modo geral
no trabalho, nos negócios e também para as relações amorosas. Se um
parceiro tem atitude de desconfiança com o outro provavelmente será
tratado com desconfiança; se ele age agressivamente a tendência do
outro é revidar suas agressões e se um amante é agredido com freqüência pelo parceiro o amor vai se debilitando e tende a extinguir-se.
354
Ocorre o oposto quando os parceiros se tratam com atenção e carinho: a relação se vitaliza, se consolida e cresce o vínculo, devido à reciprocidade e ao reforço positivo existentes. Se ambos se tratam mal, o
reforço negativo e a reciprocidade fazem a relação se deteriorar. A reciprocidade pode existir quando uma pessoa descobre que alguém está
apaixonado por ela pois isso pode ativar seu interesse pelo outro a ponto
de surgir o amor entre eles.
Diversos fatores determinam o fim do amor romântico e analisaremos a seguir alguns deles:
Falta de auto-estima - para Branden (1998), o fator mais importante para o sucesso do amor romântico é a auto-estima de cada parceiro.
Para que possamos amar ao outro é fundamental que amemos a nós
mesmos pois quem não se ama não pode amar a ninguém, porque não
acredita que possa ser amado. Ele não aceita o amor de outro pois não
se sente merecedor dele.
A auto-estima implica em autoconfiança e auto-respeito, em confiar
em suas capacidades de compreender, julgar, pensar e agir de modo
adequado. Se o indivíduo não confia em si mesmo, em suas ações e
idéias, se não se acha merecedor da satisfação de seus desejos, necessidades e vontades ele tem deficiência de auto-estima e não tem competência para viver de modo saudável pela falta de confiança em si mesmo.
Quando confiamos em nós a vida é um desafio mas se não confiamos
ela é uma ameaça e sempre teremos medo do que vai ocorrer no futuro.
A pessoa acha que não merece ser amado – a crença de uma
pessoa que ela não merece ser amada pode levar à destruição do relacionamento amoroso, pois seu comportamento pode se tornar cruel e
agressivo, sempre procurando “testar” o parceiro ou mesmo tentar controlá-lo e manipulá-lo.
355
A pessoa acha que não pode ser feliz - ocorre quando a pessoa
tem o sentimento de não ter o direito de satisfazer suas vontades e de
ser feliz. Ela acha que se for feliz por algum tempo, depois do período de
felicidade lhe ocorrerá algo trágico, portanto não vale a pena tentar ser
feliz. Isto pode ocorrer com indivíduos que vieram de um lar profundamente religioso, onde aprenderam que a felicidade não está na vida terrena e sim após a morte. São programados para serem infelizes pelos
pais que lhe ensinaram ser o sofrimento um passaporte para a salvação
e que a alegria não é uma coisa normal na vida, pois sempre dura pouco
e que o bom é sofrer.
Outros fatores que influem para o insucesso do amor romântico
são : o desrespeito e a humilhação porventura existente entre os parceiros; a falta de comunicação das emoções entre eles; a falta de comunicação de suas vontades, do que eles querem e esperam um do outro; o
não atendimento das necessidades sexuais recíprocas; a ausência de
admiração entre os parceiros e o ciúme.
A METÁFORA DOS SERES DIVIDIDOS
Platão, no “Banquete”, através de Aristófanes, dá uma interpretação metafórica do significado do amor romântico ao dizer que:
“ Com efeito, parece-me, os homens absolutamente
não terem percebido o poder do amor, que se o percebessem, os maiores templos e altares lhe preparariam,
e os maiores sacrifícios lhe fariam(...). É ele com efeito
o deus mais amigo do homem, protetor e médico desses males, de cuja cura dependeria sem dúvida a maior felicidade para o gênero humano (PLATÃO, 1972, p.
150).
356
E passa a discorrer sobre a natureza e forma do homem de outrora, diferente da de hoje. Conta que o gênero inicial dos seres humanos
era andrógino, masculino e feminino, ao mesmo tempo:
“Inteiriça era a forma de cada homem, com o dorso redondo, os flancos em círculo; quatro mãos ele tinha e
as pernas o mesmo tanto das mãos, dois rostos sobre
um pescoço torneado, semelhantes em tudo; mas a
cabeça sobre os dois rostos opostos um ao outro, era
uma só, e quatro orelhas, dois sexos (PLATÃO, 1972, p.
150).
Eram seres circulares e se locomoviam em círculos. Masculinos e
femininos ao mesmo tempo, tinham uma força e um vigor terríveis, eram
muito presunçosos, chegando a se voltarem contra os deuses do Olimpo. Tentaram até fazer uma escalada ao céu para investir contra os deuses que pediram providências a Zeus que decidiu cortar cada um em
dois, pois assim eles ficariam mais fracos e mais úteis, pois dobraria o
número deles.
Zeus cortou cada ser em dois. A partir deste momento em que
nossa natureza se mutilou em duas, cada ser passou a ansiar por sua
outra metade para unir-se a ela, lhe dar a mão e com ela enlaçar-se e
querendo fazer tudo juntos.
Esta é a grande lição de Platão, com a qual a Medicina e a Psicologia do século XXI estão de acordo: procure encontrar sua outra metade
e quando encontrá-la se entregue com todo sentimento, declare seu amor e se complete como ser humano. Assim terá uma vida de melhor
qualidade, com mais saúde e com mais felicidade.
357
358
18.
Ciência da Felicidade
Introdução
As neurociências, a psicologia, a neurobiologia, a antropologia e a
sociologia possuem hoje pesquisas que permitem buscar racionalmente
a felicidade, entendida como bem estar subjetivo. É possível se falar
numa Ciência da Felicidade que oriente a utilização de conhecimentos
científicos existentes para concretizar o desejo que temos de ser felizes.
Ela pode nos orientar para saber o que devemos fazer ou não para sermos mais felizes e para saber aquilo que pode nos ajudar na busca da
felicidade.
O objetivo deste capítulo é sistematizar resumidamente estes conhecimentos, para que sejam úteis aos que queiram aumentar o nível de
felicidade em suas vidas, de forma metódica e racional. Está dividido em
três partes: introdução à ciência da felicidade, características da felicidade e estratégias para busca da felicidade. Na primeira parte, Introdução
à Ciência da Felicidade, é estabelecido o conceito de felicidade, analisada a possibilidade da existência de uma ciência que tenha como objeto o
bem estar subjetivo de uma pessoa e da sua medida, bem como da relação entre felicidade e Psicologia Positiva.
359
Na segunda parte, Características da Felicidade, são abordados alguns princípios do bem estar subjetivo e considerado que a felicidade
está dentro do indivíduo. É colocada como questão fundamental que a
pessoa responda a si mesma a pergunta: o que me faz feliz?
Continua mostrando como a felicidade pode ajudar uma pessoa e
como a aprendizagem se processa no interior dos neurônios, na perspectiva das neurociências de hoje. Trata a seguir dos diferentes caminhos que as emoções positivas e negativas seguem no cérebro e da sua
importância na prática da Educação das Emoções. Por fim, justifica o
contágio da felicidade e de outras emoções com a recente descoberta
dos neurônios espelhos.
A terceira parte, Estratégias para Busca da Felicidade, trata de comportamentos que podem ser utilizados na busca do bem estar subjetivo,
enfatizando a identificação e clarificação dos valores, a prática do estado
de fluxo, o desenvolvimento da autoconsciência, o cultivo das emoções
positivas, o controle das emoções negativas, o cultivo dos relacionamentos agradáveis e do amor romântico. Termina com a análise de fatores
que podem levar o amor romântico ao insucesso.
Em síntese, o estudo parte do pressuposto que a felicidade é um estado de bem estar subjetivo resultante da presença em nossa mente de
diversas emoções ou estados emocionais positivos e de que é possível
construir uma ciência da felicidade, que pode ser medida através de metodologia e escalas apropriadas, conforme os preceitos da Psicologia
Positiva.
O autor acredita que a felicidade está dentro de cada um de nós e
que não existe felicidade permanente, pois não há nada permanente.
Defende que embora não exista nenhum modelo universal para sermos,
360
podemos aumentar o nível de felicidade em nossas vidas desde que saibamos identificar as situações que nos tragam bem estar. Postula que
podemos aprender a ser felizes e ter assim mais momentos felizes na
vida, se aprendermos a nos conhecer melhor e se desenvolvermos a
capacidade de identificar e clarificar nossos valores. Desde que aprendamos a cultivar emoções positivas (como alegria, prazer, gratidão, perdão, estados de fluxo, fé, esperança, confiança, otimismo e outras) e a
controlar emoções negativas (como raiva, medo, tristeza, ansiedade,
angústia e outras), substituindo-as por emoções positivas.
Considera importante promover nosso crescimento e desenvolvimento pessoal e nos relacionarmos harmonicamente, praticando a solidariedade, a compaixão, o amor e o respeito ao outro.
Medida da Felicidade
A felicidade é um estado da mente que se expressa sob a forma de
um sentimento de bem estar com intensidade variável de uma hora para
outra e se alterna com o sofrimento.
Segundo Caruso e Salovey (2007), a felicidade engloba estados em
que a pessoa está serena, feliz, jubilosa ou em êxtase. Os termos seguintes são relacionados com a felicidade: alegria, satisfação, prazer,
deleite, euforia, diversão, regozijo, sentir-se feliz pelos outros e compartilhar a alegria alheia e cursa geralmente com emoções positivas, agradáveis.
O psicólogo Paul Eckman, segundo Caruso e Salovey (2007), constatou em suas pesquisas que os seres humanos experimentam seis emoções básicas universais: felicidade, medo, raiva, tristeza, aversão (nojo) e surpresa. Segundo estes autores, Plutchik e Izard consideram como
361
emoção básica a alegria, em lugar da felicidade, enquanto Tomkins considera o deleite em vez da felicidade.
O conceito de felicidade contempla múltiplos sentimentos relacionados com diferentes situações vivenciadas pela pessoa e nas quais ela
sente bem estar. Quando você está feliz se sente bem, seguro, satisfeito
e se a felicidade for muito grande sentirá o corpo mais leve, como se
estivesse flutuando.
Quando você está feliz ri e sorri e tem animação grande para pensar
e fazer as coisas. Se a felicidade decorre de amor correspondido você
está sempre sorrindo, o coração bate mais depressa, a vida parece mais
bela e uma energia grande circula em seu corpo. Os amigos lhe dizem
que você está cheio de vida, seus olhos brilham muito e você vê vida cor
de rosa. Felicidade, alegria, prazer e suas variantes estão relacionados
com a recompensa, com a tendência à aproximação.
A felicidade é uma potencialidade humana pois o ser humano traz
em seu genoma os gens da alegria, prazer, medo, raiva e tristeza. Se ele
aprender a cultivar a alegria, o prazer, a satisfação e a felicidade, seguramente poderá ser mais feliz, então a felicidade pode e deve ser cultivada por nós.
Como a Educação tem por finalidade desenvolver as potencialidades
humanas, o cultivo da felicidade deve ser objeto da educação e uma meta para os educadores e não só uma preocupação para filósofos, poetas
e músicos. Um desafio para o educador está em ensinar as pessoas a
cultivar a felicidade.
A possibilidade da construção de uma ciência que tenha por objeto a
felicidade tem sido objeto da atenção de muitos pesquisadores a partir
362
do final do século XX e há um consenso hoje que é possível a ciência da
felicidade.
Gilbert (2007), professor de Psicologia da Universidade de Harvard e
Diretor do Laboratório de Psicologia Hedônica da Universidade de Harvard, acredita na ciência da felicidade e argumenta que quando as pessoas pensam em “ciência” geralmente imaginam coisas que podem ver
ou tocar como os planetas, aparelhos e robots. As pessoas sabem que
experiências subjetivas como a felicidade são importantes, mas não acreditam que possam ser estudadas cientificamente e estão enganadas.
Defende que o estudo científico de qualquer coisa consiste em sua medida e que as experiências emocionais subjetivas da felicidade podem
ser medidas pois podem ser expressas através de palavras, ações ou
expressões corporais.
Para Csikszentmihayi (1988a, 1998b, 1999), as experiências da
pessoa, o que ela vê, ouve, toca, saboreia, os odores percebidos e seus
sentimentos e pensamentos podem ser fontes fidedignas de dados sobre
os quais é construída a ciência da experiência que se baseia na informação dada pela pessoa.
Exemplo de ciência baseada na experiência é a optometria, através
da qual são prescritas com precisão lentes de contacto e óculos para
pacientes. As informações utilizadas pelo oftalmologista são fundamentadas no que o paciente vê e relata, indicando se enxerga melhor ou pior
as letras e números das tabelas apresentadas e com base em suas respostas são prescritas as lentes corretoras de sua visão. Então é possível
fazer ciência com base na experiência subjetiva da pessoa, com base no
que ela descreve.
363
Os pesquisadores propuseram diferentes métodos para medir a felicidade. Diener (2001), da Universidade de Illinois, depois de examinar
durante mais de duas décadas o que faz e o que não faz as pessoas se
sentirem satisfeitas com a vida, propôs um instrumento utilizado para
medir o bem estar, a Escala de Satisfação com a Vida.
Segundo Albuquerque (2004), quando é utilizada a Escala de Satisfação com a Vida, o pesquisado responde um questionário relacionado
com seus sentimentos e emoções positivas (alegria, animação, contentamento, entusiasmo, satisfação, etc.) e negativas (tristeza, raiva, agressividade, medo, preocupação, ansiedade, etc.) e outro sobre seus juízos
de valor a respeito de sua vida (satisfeito ou insatisfeito com a vida, minha vida poderia estar melhor, minha vida é sem graça, considero-me
uma pessoa feliz, etc.).Depois de analisados eles permitem saber o grau
de bem estar subjetivo da pessoa,numa escala de 1 a 7.
Csikszentmihayi (1988a, 1998b, 1999), utiliza o “Método da Amostra
de Experiência”, que avalia a satisfação da pessoa ao fazer diferentes
tarefas, utilizando beepers e computadores portáteis que as avisam
quando devem acionar uma escala de medida da satisfação.
Os beepers e computadores são ativados mediante um transmissor
de rádio, sete ou oito vezes ao dia, das 8 às 22 horas. Cada vez que o
receptor é ativado o participante responde atribuindo valores em uma
escala de 1 (valor mínimo) a 7 (valor máximo) e responde às seguintes
perguntas: que você está fazendo? O quanto gosta do que faz? Ele indica também se está só ou com outra pessoa.
Recentemente o psicólogo ganhador do prêmio Nobel, Kahneman
(2007), da Universidade de Princenton, publicou um método para avaliar
a satisfação, o Método da Reconstrução do Dia. Nele o participante pre-
364
enche um questionário detalhando o que fez no dia anterior, indicando
suas atividades e os sentimentos que as acompanharam, atribuindo a
cada um valores contidos numa escala de 1 a 7. Anotam se estavam
felizes, tristes, com raiva ou tranqüilos, impacientes, deprimidos, aborrecidos, cansados, etc.
O método foi testado em novecentas mulheres no Texas e as atividades positivas mais indicadas foram sexo, socialização, relaxamento,
oração ou meditação e comida. Seguem fazer exercício físico, ver televisão, cuidar das crianças, cozinhar e fazer trabalhos de casa.
Características da Felicidade
Não existem regras para transformar alguém numa pessoa feliz,
num passo de mágica. Para você ter mais momentos felizes em sua vida, vai depender de um esforço continuado para melhorar seu autoconhecimento e de que tenha um desejo verdadeiro de querer mudar
sua atitude diante da vida, de mudar seus hábitos emocionais inadequados. Acima de tudo é preciso paciência, perseverança e força de vontade. Podemos aprender a ser felizes da mesma forma que aprendemos a
raciocinar logicamente e a controlar nossas emoções. Cada ser humano
nasce com possibilidades de ser feliz, que pode identificar e desenvolver
ao longo da vida.
Para cultivar a felicidade alguns princípios são válidos para qualquer
ser humano.
A felicidade não é permanente: na vida não há nada permanente,
que nunca mude. Somente a mudança, a impermanência das coisas é
constante. Portanto não devemos esperar felicidade em todos os momentos da vida pois ela sempre se alterna com tristeza e sofrimento.
365
Existem, sim, momentos felizes, ao longo de nossa vida. Nossa existência é uma sucessão de sístoles e diástoles, de sofrimento e alegria e
devemos estar atentos para identificá-los. O sofrimento é natural em
nossa vida e devemos, em um dia, aceitá-lo sem revolta e gozar momentos de alegria e prazer em outro dia.
Podemos aprender a ser felizes: podemos aprender a ter mais
momentos felizes e a aumentar as durações de nossos prazeres, da
mesma forma que aprendemos outras coisas na vida. As neurociências
modernas constataram que a capacidade de aprendizagem do cérebro
humano não depende da idade. Se é verdade que aprendemos mais no
período da infância é também verdade que o cérebro é capaz de aprender coisas novas em idades avançadas, em decorrência da “plasticidade
cerebral”, capacidade que ele tem de se modificar.
Devemos cultivar emoções positivas, evitar as negativas ou
substituí-las por positivas:.quando estamos felizes os sentimentos de
bem estar resultam da presença de emoções positivas em nossa mente,
pois elas são agradáveis e nos dão satisfação. A questão básica do funcionamento da mente humana e da busca da felicidade está na busca do
equilíbrio mental. Nossa satisfação e nosso bem estar dependem da
existência da ordem em nossa mente, para que tenhamos quietude,
tranqüilidade e paz.
Para Santos (2005) e Csikszentmihayi (1999), devemos buscar permanentemente um equilíbrio entre a ordem e a desordem em nossa
mente e reduzir a desordem mental a um valor mínimo possível. As emoções positivas promovem ordem em nossa mente por isto devemos
aprender a cultivá-las para sermos mais felizes, além de criar sentido
366
para a vida, cultivar relacionamentos agradáveis e promover nosso desenvolvimento pessoal.
Para Csikszentmihayi (1999) uma vida sem sentido e sem objetivos
é vazia e perde a finalidade. Suas pesquisas mostram que grande fonte
do bem estar humano, de suas satisfações, está em seus relacionamentos agradáveis com outras pessoas, em suas interações sociais. Quem
não gosta de uma boa conversa, sobre um assunto interessante? Daremos sentido a nossa vidas descobrindo novas áreas de interesse, aumentando nosso acervo de conhecimentos e de habilidades. Desenvolver nossas competências sociais e profissionais nos trará um sentimento
de realização e de bem estar, elevando nosso nível de felicidade.
A felicidade está dentro de nós
A felicidade está dentro de nós e devemos procurá-la em nós mesmos. Não é algo espetacular que vai acontecer em nossa vida, que vai
nos trazer felicidade. Pesquisas comprovaram que ganhadores de loterias durante algum tempo melhoraram seus humores mas depois de cerca
de um ano retornaram aos seus humores habituais e os que eram tristes
e deprimidos voltaram a ser tristes e deprimidos (GOLEMAN, 2007).
A felicidade é algo que pode ser conquistada na medida em que
saibamos o que fazer e façamos o que é necessário com esforço, força
de vontade e perseverança. Quando pessoas diferentes sentem alegria,
as regiões cerebrais ativadas são as mesmas pois os cérebros humanos
reagem da mesma forma quando sentem alegria, prazer, felicidade. Os
estímulos capazes de produzir estes sentimentos variam de pessoa para
pessoa, mas cada uma tem sua forma própria de reagir. Dizendo de ou-
367
tra maneira, cada pessoa tem sua forma para ser feliz, cada uma tem
estímulos específicos que a fazem feliz.
O monge budista é feliz quando está meditando, um escultor quando
aprecia a escultura que fez, a beata católica quando reza durante a missa, o amante do sexo quando tem orgasmo, o violinista quando toca um
concerto que gosta, o maestro quando rege a orquestra tocando uma
sinfonia de seu agrado, o cientista quando conclui uma pesquisa que traz
a solução de um problema. E assim por diante: cada um é feliz a seu
modo.
A questão fundamental da busca da felicidade está em responder à
seguinte pergunta: o que é felicidade para você? Primeiro você deve
identificar os estímulos e situações que lhe fazem felizes. No mundo hoje
há cerca de 6,5 bilhões de pessoas e, em tese, existem portanto 6,5 bilhões de formas de chegar à felicidade.
Para Seligman (2004), a felicidade depende de três fatores: um é
genético, outro ligado às circunstância que a pessoa vive e o terceiro é
sua vontade. Nascemos com tendências genéticas que constituem cerca
de 50% de nossos traços de personalidade, de nossas disposições. Estas disposições nos levam a sermos mais tristes ou alegres, a termos
mais medo ou coragem e a sermos mais ou menos sociáveis. Isto está
no código genético e não pode ser alterado. Mas podemos atuar e modificar a expressão de nossas tendências, através de nossa vontade, dentro de certos limites.
O segundo fator relacionado com a felicidade está nas circunstâncias que envolvem a vida da pessoa, e contemplam uma vida social mais
rica, casamento, religião, relacionamento romântico, dinheiro e este fator
contribui com um percentual entre 8 a 10% do total. O terceiro fator é a
368
vontade da pessoa, que influi de forma expressiva no nível constante de
felicidade, entre 35% a 42% para a felicidade total.
Se a pessoa quiser e souber pode ser mais feliz e vale a pena fazer
um esforço para compreender os mecanismos capazes de aumentar a
felicidade e desenvolver as habilidades necessárias.
Ninguém está condenado geneticamente a ser infeliz pois cerca de
50% dos fatores que interferem na felicidade dependem de componentes
não genéticos, da vontade e das circunstâncias em que vivemos. Mesmo
alguns componentes genéticos podem ser controlados desde que a pessoa tome como desafio fazer as mudanças necessárias. Quem tem impulso para ficar sozinho e evitar o contato social, pode mobilizar sua vontade para socializar-se adequadamente. E a socialização é fator importante para o nível constante de felicidade, conforme . Csiskzentmihayli
(1998a), constatou em suas pesquisas. As pessoas mais felizes são
mais sociáveis pois parte dos estados de fluxo que nos trazem satisfações são experimentados em conversas agradáveis.
As emoções são dinâmicas
Caruso (2007), refere que para Plutchik as emoções são dinâmicas,
desenvolvem-se e evoluem seguindo um curso lógico em suas progressões, se as causas geradoras persistirem. Quando um adolescente apaixonado recebe um telefonema da amada fica contente ao ouvir sua voz,
depois satisfeito porque ela lembrou-se dele, depois entra num estado de
descontração, passa para o de humor positivo e tem um sentimento de
calma que evolui para serenidade, alegria, júbilo ou êxtase.
Por outro lado, se um estímulo lhe causa raiva aumenta de intensidade, ela aumenta também: quando aumenta a buzina irritante de um
369
carro no trânsito, aumenta também a intensidade da raiva que você sente, pois ela evolui.
Uma pequena contrariedade provoca de início um simples incômodo
ou uma irritação, mas pode evoluir para raiva ou ira, forma mais intensa
da raiva. Se o pintor de seu apartamento atrasa dois dias o prazo de
entrega isto lhe causa irritação. Mas se ele não cumpre o novo prazo e
atrasa mais uma semana, a irritação vira raiva. Se atrasa mais uma semana, a raiva se transforma em ira, que você tem de controlar para não
explodir.
Outras emoções têm curso natural semelhante, que pode ser previsto antecipadamente. A apreensão pode evoluir para o medo e terror, a
tristeza para mágoa, a surpresa para assombro, a aceitação para confiança e adoração.
Como a felicidade pode lhe ajudar
Segundo Fredrickson (APUD CARUSO, 2007), as emoções positivas
e a felicidade, além de trazer satisfação e bem estar, são úteis para nós.
Elas expandem nossos pensamentos, ajudam a criar novas idéias, estimulam a considerar novas possibilidades para a solução de problemas e
nos motivam para explorar o ambiente que estamos. Nosso comportamento fica mais flexível e com maior repertório de ações.
Emoções positivas e felicidade, nos fazem mais ousados, ajudam a
enxergar novos elos entre as coisas e a achar novas soluções para os
problemas. Nos indicam aquilo que devemos fazer, em oposição aos
sentimentos negativos que indicam o que não devemos fazer.
A felicidade ajuda nas interações sociais e facilita os relacionamentos pois quando uma pessoa nos vê rindo acha que estamos abertos e
370
disponíveis. Por outro lado, você pensa duas vezes antes de se aproximar de alguém com a cara amarrada, chateado, mau humorado ou
quando vê alguém triste e deprimido. Mas se vê uma pessoa sorridente,
cordial e amistosa, se aproxima com facilidade pois o sorriso autêntico
atrai as pessoas ao indicar que a pessoa está de bom humor e disponível emocionalmente.
As emoções positivas e a felicidade estimulam os relacionamentos
sociais e contribuem para que se estabeleçam vínculos sociais mais firmes no interior das redes sociais. O bom humor resultante da felicidade
faz com que a pessoa tenda a utilizar estruturas mais gerais do pensamento e a usar melhor as informações e dados disponíveis. Quando felizes podemos elaborar soluções mais inovadoras e criativas para os problemas, pensar com horizontes mais largos, com mais liberdade, planejar melhor e gerar mais idéias.
Segundo a psicóloga Alice Isen (APUD Caruso, 2007) o humor positivo aprimora a habilidade para decidir e melhora o desempenho da pessoa que faz “brain storming”, pois facilita o aparecimento de novas idéias. O bom humor torna as pessoas mais generosas, caridosas e amistosas.
Para Caruso (2007), o humor feliz pode levar a um otimismo exagerado e resultar em maior número de erros nas tarefas, devido ao excesso
de confiança que a pessoa passa a ter em si, prejudicando a solução dos
problemas. Por outro lado as emoções negativas e o humor negativo
proporcionam enfoque mais claro de situações específicas e permitem
que seus detalhes sejam melhor observados e que os erros cometidos
sejam percebidos de forma mais efetiva.
A aprendizagem é feita nos neurônios
371
Pesquisas recentes mostram que a aprendizagem resulta da reorganização dos neurônios cerebrais. Durante a aprendizagem são criadas
novas conexões entre os dendritos dos neurônios responsáveis pela
memória, localizados no lobo frontal e hipocampo. A memória utilizada
para guardar eventos recentes é a memória de trabalho e depende da
atividade de neurônios do lobo frontal. A memória de longo prazo, responsável pela guarda de acontecimentos do passado tardio, decorre da
atividade do hipocampo, situado no centro do cérebro.
Cada neurônio se comunica com os vizinhos através dos dendritos,
prolongamentos em forma de raízes de árvores em cujos términos estão
as sinapses, pontos de contato entre neurônios. Através delas as informações que chegam a um neurônio são conduzidas para os dendritos de
outros vizinhos, permitindo a circulação das informações e a criação de
uma rede de comunicação no cérebro. Nas sinapses atuam mediadores
químicos responsáveis pela passagem dos sinais eletroquímicos e pelas
informações de um neurônio para outro. Dentre os mais importantes estão dopamina, noradrenalina e serotonina, que garantem a comunicação
entre os neurônios do cérebro. Nas sinapses existem os receptores neuronais que são órgãos para recepção dos sinais.
Os neurônios são dinâmicos, se modificam continuamente e se adaptam aos sinais percebidos através dos receptores sinápticos, sofrendo transformações em suas estruturas e formas quando aprendem algo
novo. Reorganizam-se através de mudanças internas e externas e em
algumas regiões novos dendritos se formam enquanto em outras desaparecem, modificando a arquitetura cerebral.
As mudanças que se dão no interior do neurônio começam com o
fortalecimento das sinapses a curto prazo, ocorrendo alterações da al-
372
bumina que muda de forma. Ao mesmo tempo são liberados mediadores
químicos como dopamina e serotonina, além dos “fatores neurogênicos”
e abrem-se canais nas membranas celulares, como se fossem portas. A
fase seguinte é da memória a longo prazo, com de fortalecimento da
sinapse e então proteínas especiais atuam sobre determinados gens do
neurônio, promovendo mudança da sua forma. Surgem estímulos para a
produção de determinados aminoácidos que são utilizados na construção
de novas conexões neuronais.
Como resultado deste processo os dendritos crescem, novas sinapses surgem e há fixação das ramificações nas células vizinhas. Através
destes novos caminhos, os sinais recebidos e emitidos pelos neurônios
modificados são multiplicados.
Algumas áreas cerebrais aumentam quando submetidas a um processo de aprendizagem durante muito tempo. Pesquisa com imagens da
atividade cerebral de taxistas de Londres com tomografia por emissão de
pósitrons mostra que seus hipocampos estão aumentados, pois eles
dirigem em um trafego intenso e complexo. As emoções positivas facilitam a formação de novas conexões entre os neurônios (KLEIN ,2005).
Quando dois neurônios funcionam de forma sincronizada a conexão
sináptica existente é reforçada e quanto maior o reforço mais efetivo o
funcionamento dos neurônios que passam a exercer novas funções, decorrentes da aprendizagem. É o que ocorreu com os cães da experiência
de Pavlov que passaram a salivar depois de ouvir o toque de uma campainha anunciando a oferta de alimento. Na medida em que era mostrado o alimento e tocada a campainha as conexões entre os dendritos eram mais solidificadas e eles aprendiam o novo comportamento: salivar
ao ouvir o toque da campainha, mesmo sem ver o alimento.
373
A aprendizagem depende da repetição suficiente do estímulo pois só
assim ele é transformado em nova aprendizagem que será armazenada
na memória de longo prazo, no hipotálamo. É necessário que o estímulo
seja suficientemente repetido para haver formação de conexões permanentes entre os neurônios.
Só guardamos na memória novos aprendizados quando o estímulo
se repete em quantidade suficiente. O endereço ou o telefone novo de
um amigo só serão guardados se o repetirmos algumas vezes. Por outro
lado, o processo de aprendizagem é automático, não consciente, pois a
consciência não participa do processo de fortificação das sinapses, nem
do crescimento dos dendritos.
A hipótese do psicólogo Donald Hebb que a capacidade de aprender
está relacionada com os neurônios, feita em 1949, foi comprovada pelo
neurobiólogo Tobias Bonhoeffer em 1999, segundo Klein (2005).Ele observou diretamente o crescimento de neurônios de ratos, retirados da
região responsável pela memória mais antiga, através de um microscópio de última geração e registrou em vídeo. Primeiro retirou amostras
dos neurônios e coloriu com tinta fluorescente. Escolheu um par e ligou a
fios condutores de eletricidade do diâmetro de fios de cabelo e os estimulou simultaneamente. Os neurônios, antes de meia hora, começaram
a estabelecer contacto entre os dendritos estabelecendo ligações entre
eles. Foi preciso repetir os estímulos para consolidar a conexão entre os
neurônios.
Caminho das emoções no cérebro
Os sentimentos positivos e negativos são produzidos em nosso cérebro por sistemas diferentes. Não há um centro único capaz de produzir
sentimentos desagradáveis ou agradáveis, trazendo numa hora sofri-
374
mento em outra alegria. Existem no cérebro dois sistemas, um para alegria, prazer e felicidade e outro para dor, tristeza, raiva e medo que funcionam isolada ou concomitantemente. Por isso a pessoa pode sentir ao
mesmo tempo raiva e alegria, como no caso de um assassino que mata
um desafeto e ri diante do cadáver, pelo prazer de satisfazer seu ódio. O
mesmo se dá com o apaixonado que, apesar de amar sua parceira, a
agride movido pelo ciume.
Os mediadores químicos que atuam na felicidade e no sofrimento
são diferentes: no desejo e na satisfação sexual os mais importantes são
dopamina, ocitocina e betaendorfinas, enquanto no medo e estresse são
importantes acetilcolina, adrenalina e cortisol, enquanto na depressão
diminui a serotonina. As neurociências constataram que o prazer é originado de uma forma e o desprazer de outra. Pesquisas com imagens
cerebrais verificaram que na alegria só o hemisfério esquerdo é ativado e
na raiva, tristeza e medo ambos os hemisférios são ativados com predomínio da da ativação do lado direito.
Não há um centro cerebral para o prazer e outro para o sofrimento.
Klein (2005), relata pesquisas com ressonância magnética funcional evidenciando que quando o pesquisado tem um sentimento, agradável ou
desagradável, várias partes do cérebro são ativadas simultaneamente,
dentre elas o córtex cerebral de ambos os hemisférios. Nas emoções
desagradáveis o córtex frontal direito fica mais ativo e nas agradáveis
(alegria, prazer e felicidade) fica mais ativo o frontal esquerdo. Devido às
conexões entre os neurônios durante as emoções os hemisférios cerebrais funcionam de modo integrado, não só os córtices frontal, temporal,
parietal, da insula e do cíngulo, mas também o tronco cerebral, amígdalas e hipotálamo.
375
Quando se compara a atividade cerebral do medo com a da felicidade através de técnicas de imagem cerebral é como se tivesse uma parte
do cérebro destinada à felicidade e outra ao medo. Confirmam estes
achados o fato de pacientes com embolia cerebral com obstrução de
artérias da parte anterior do lobo frontal esquerdo entrarem em severa
depressão e acredita-se que o estado depressivo decorre de estar comprometida nestes pacientes a produção de alegria e felicidade.
Os doentes com coágulos do lado direito do lobo frontal ficam tranqüilos ou apáticos e há casos que o paciente nega a gravidade da doença porque ficam prejudicados os mecanismos que regulam a produção
da tristeza que eles não sentem.
Damásio (2004), descobriu neurônios no lobo frontal direito que só
reagem quando a pessoa sofre uma desgraça. A reação se dá com tal
rapidez que se antecipa à percepção consciente do infortúnio e o paciente opta, em centésimos de segundos, se a situação merece ou não que
ele chore.
Klein (2005), relata pesquisa com pessoas tímidas submetidas a estudos de imagens da atividade frontal direita que antes de fazerem uma
apresentação pública apresentam grande atividade nesta região, devido
ao medo que sentem. Acredita que a localização do controle das atividades das emoções nos lobos frontais seja porque eles são responsáveis
pelo comando do comportamento humano, no qual interferem as emoções.
Embora diferentes, os circuitos neurais das emoções positivas e negativas são interligados e integrados entre si, interagindo reciprocamente, permitindo que um estado de ânimo negativo seja substituído por outro positivo e vice-versa. Uma pessoa pode substituir a tristeza pela ale-
376
gria se utilizar técnicas adequadas, pois existem bases anatômicas e
fisiológicas para a substituição, portanto há base científica para se buscar a felicidade pela substituição de sentimentos desagradáveis por outros agradáveis. Quando a pessoa manda o estímulo da alegria para o
lobo frontal esquerdo os neurônios que fazem conexão com o frontal
direito o conduzem para o hemisfério direito, onde ele entra em competição com a tristeza existente. Pode até neutralizá-la a depender da intensidade e da repetição do estímulo alegria.
Você pode ser mais feliz se aprender a utilizar vivências agradáveis
para modificar a tristeza e o sofrimento. Por exemplo, pode ouvir músicas alegres quando estiver triste, pensar em coisas agradáveis ou recordar momentos de felicidade.
A região frontal esquerda favorece sentimentos agradáveis e está ligada à amígdala que é responsável pelo desencadeamento da raiva e do
medo. Acredita-se que através destes neurônios o lobo frontal esquerdo
envia impulsos que inibem a atividade da amígdala e as emoções negativas. O mecanismo descrito expressa uma forma de auto-controle da
natureza que criou o medo para avisar o organismo de um perigo, para
que ele se defenda. Dado o alarme o medo perde sua função, não tem
mais porque existir e o lobo frontal esquerdo inibe sua produção pela
amígdala:.funciona como um botão que desliga o medo.
Pesquisas de Davidson (APUD KLEIN, 2005), mostram que pessoas
com o hemisfério cerebral direito mais ativo são mais pessimistas e desconfiadas e as que têm maior atividade do hemisfério esquerdo são mais
otimistas, têm mais bom humor e são autoconfiantes. O pesquisador
acompanhou com o eletroencefalograma a evolução de correntes cerebrais de bebês até os dez anos e constatou que muitos com predomi-
377
nância da atividade frontal esquerda no início a transferiram para o lobo
frontal direito e vice-versa. Seus temperamentos foram modificados ao
longo da vida por suas experiências emocionais, graças a estímulos vindos do meio social.
As neurociências no seu estágio atual deixam claro que da mesma
forma que o cérebro pode ser reprogramado na criança, pode ser no
adulto, na medida que sejam utilizadas técnicas apropriadas e durante o
tempo necessário. Uma das formas de você ter mais momentos felizes e
menos sofrimento é aprender a controlar suas emoções negativas e
substituí-las pelas positivas.
A felicidade é contagiosa
Sabe-se há muito tempo que felicidade, alegria, prazer, raiva, medo
e tristeza são contagiosas. Já deve ter ocorrido você chegar num lugar
em que estão várias pessoas às gargalhadas e começar a rir também,
mesmo sem saber porque. Ou chegar num enterro e contagiar-se com a
tristeza dos parentes e amigos.
Em 1996, o neurocientista italiano Giaccomo Rizzolati, na Universidade de Parma, descobriu os neurônios-espelho e as neurociências passaram a ter explicação para o contágio das emoções (APUD GOLEMAN,
2007 e KLEIN, 2005).
A descoberta foi feita em macacos, quando os pesquisadores estavam estudando suas atividades motoras, procurando identificar neurônios que aumentavam as atividades quando o animal estendia a mão
para pegar uma banana. Durante uma pausa um colaborador pegou
uma banana para comer e para surpresa de todos foram ativados no
macaco os neurônios correspondentes aos que estavam em atividade no
colaborador, sem o macaco se mexer.
378
Pesquisas com ressonância magnética realizadas em seres humanos mostram que se um indivíduo executa uma ação e outro o observa,
entram em atividade no cérebro do observador os neurônios correspondentes aos ativados no cérebro de quem executa a ação. Daí a denominação de neurônios-espelho pois eles espelham a atividade que existe
na mente de outra pessoa.
Segundo Muotri (2006), através dos neurônios-espelho conseguimos nos conectar com outros indivíduos e experimentar seus sentimentos, emoções e pensamentos. São responsáveis pelo reconhecimento de
outros indivíduos, pela interpretação de suas ações e expressões, e pelo
relacionamento, daí sua grande importância social. São capazes de fazer
com que pratiquemos uma ação observada em outra pessoa, que a imitemos ou tenhamos o impulso para imitá-la. Através deles podemos reproduzir sentimentos, pensamentos e movimentos de outros indivíduos
de modo não consciente e involuntário e ser capazes de saber pelos
olhos de uma pessoa a quem fomos apresentados se ela gostou ou não
de nós.
Quando há sintonia entre duas pessoas, estabelecida pelo olhar, há
uma verdadeira “comunicação sem fio” entre elas, que permite a cada
uma intuir pensamentos e sentimentos da outra. Quantas vezes você
“adivinhou” o pensamento de outra pessoa e sabia o que ela iria falar
antes de ouvi-lo? Quantas vezes você teve certeza do sentimento de
outra pessoa a seu respeito antes dela dizer o que ela sentia? Se você,
numa situação de pânico, olhar nos olhos de outra pessoa, em centésimos de segundo poderá ler o medo no seu olhar e ter medo também,
mesmo sem saber de que.
379
Se você chega em um local em que todos estão alegres, rindo, felizes e entra em sintonia com o ambiente, sente-se alegre e feliz, graças à
ação automática de seus neurônios espelhos. Quando você fita os olhos
de uma pessoa que está com a mente quieta, tranqüila, em paz, sente
passar para você a paz, a tranqüilidade e a quietude dela. O inverso é
verdade: se a atmosfera do ambiente que você chega é de ansiedade,
medo, raiva e tristeza, automaticamente você receberá uma carga de
ansiedade, medo, raiva ou tristeza. O médico que atende um doente
ansioso percebe ansiedade em seu olhar e fica ansioso também.
Para Ramachandran (APUD MUOTRI, 2006), somente os seres humanos desenvolveram a linguagem porque a certa altura da evolução
seus neurônios espelho ficaram mais rápidos e mais numerosos do que
nos outros animais e isso permitiu que a aprendizagem através da observação se tornasse eficiente, permitindo a passagem de conhecimentos adquiridos diretamente de uma geração para outra e criando assim
as bases da herança cultural.
Fortalece esta hipótese o fato de que os neurônios-espêlho se localizam no cérebro humano no córtex do lobo frontal inferior, próximo à
área de Broca, região relacionada com a linguagem. Tais neurônios localizam-se também nos lobos parietal superior, temporal superior, da insula
e do córtex pré-motor (GOLEMAN, 2007, MUOTRI, 2006).
Neurônios-espelho e socialização - O papel dos neurônios-espelho
no funcionamento do cérebro é pouco conhecido pois sua descoberta é
recente mas há indícios que um distúrbio do sistema dos neurôniosespelho pode causar problemas na socialização dos indivíduos. Ramachandran e Iacoboni em trabalhos recentes mostram evidências da diminuição da ativação dos neurônios-espelho em relação a crianças normais
380
nos autistas.Embora com inteligência racional normal ou acima da média
apresentam isolamento social, falta de contato visual, capacidade reduzida de linguagem e comunicação, além de ausência de empatia (APUD
MUOTRI, 2006).
Estrategias para busca da Felicidade
Não há modelo para uma pessoa ser feliz mas algumas estratégias
podem ser adotadas tais como identificar e clarificar valores, praticar
situações que levem ao estado de fluxo, desenvolver a autoconsciência,
cultivar emoções positivas, controlar emoções negativas, cultivar relacionamentos agradáveis e cultivar o amor romântico. Reveja nos capítulos
correspondentes os assuntos acima mencionados
381
382
PARTE V
ENTROPIA PSÍQUICA
E
EDUCAÇÃO DAS EMOÇÕES
383
384
19.
Entropia Psíquica e
Educação das Emoções
Este capítulo é uma reflexão sobre as interfaces entre Educação
das Emoções, Paradigma Termodinâmico, Teoria dos Sistemas, Biologia, Medicina, Neurociências e Administração. Realça a importância do
conceito de entropia psíquica para a Educação das Emoções e considera
pesquisas realizadas no campo da psicologia na última década do século
XX e início deste século. Analisa a entropia na perspectiva do Segundo
Princípio da Termodinâmica, seu significado nos sistemas biológicos, a
entropia psíquica e a “entropia existencial”.
Os pressupostos epistemológicos das reflexões que se seguem
são o Paradigma Termodinâmico e a Teoria dos Sistemas.
(AKTOUF, O, 2004)
Paradigma Termodinâmico
O Paradigma Termodinâmico nos permite conceber e apreender
algumas facetas da realidade dentro da perspectiva de leis físicas universais. Ao adotá-lo como referencial epistemológico, não significa que
acreditemos que tal paradigma, fundamentado em leis estabelecidas
mediante a observação de um mundo inerte, não vivo, não consciente,
385
permita a compreensão global de todos os fenômenos da vida e da sociedade, relacionados com o ser vivo, o consciente. Significa que dentro
do instrumental epistemológico utilizado para a compreensão da realidade ele é epistemologicamente válido, na medida que as conclusões das
reflexões sejam apreciadas com suficiente senso crítico e convalidadas
por fatos experimentais consensualmente aceitos pela comunidade científica.
A Termodinâmica é a parte da Física que estuda as relações entre
as várias formas de energia, como as transformações do calor em trabalho e do trabalho em calor e fundamenta-se em dois princípios:
Primeiro Princípio da Termodinâmica - também conhecido como
Princípio da Conservação da Energia, tem o seguinte enunciado: ”É
constante a energia do universo”. Significa que é possível a transformação de qualquer forma de energia em outra, mas que a energia final do
sistema é igual à inicial. Durante as transformações energéticas o sistema não tem a capacidade de criar energia, mas apenas de transformá-la
em outra modalidade.
Este princípio estabelece a equivalência entre diversas formas de
energia e que é possível transformar-se energia térmica em elétrica (como nos geradores termoelétricos) ou mecânica (no trabalho mecânico
das máquinas, como as locomotivas a vapor); transformar energia elétrica em térmica (nos ferros elétricos) ou acústica (nos aparelhos de som),
e assim por diante. Mas, em qualquer caso, a energia total do sistema
considerado é constante.
Segundo Princípio da Termodinâmica - experimentalmente verificase que qualquer forma de energia pode ser integralmente transformada
em calor. Quando esfregamos uma mão na outra o trabalho mecânico é
386
transformado em calor e a mão fica aquecida. Mas a transformação inversa de calor em outra forma de energia não é possível de forma integral, pois sempre uma parte da energia calorífica não é transformada na
outra e é “degradada”. A transformação do calor em outras formas de
energia é feita pelas máquinas térmicas e o segundo princípio da Termodinâmica se refere aos limites e possibilidades desta conversão, podendo ser enunciado de diversas formas. Este é o enunciado de KelvinPlank segundo www.Física (2005):
“É impossível a qualquer máquina térmica que funciona por ciclos,
receber calor de uma única fonte e produzir uma quantidade de trabalho
equivalente ao calor recebido”.
Como não é possível a transformação de todo o calor fornecido ao
sistema em trabalho diz-se que a parte de energia calorífica não convertida é “degradada” e o conceito de entropia foi criado para aferir o nível
desta energia degradada.
Entropia – a entropia afere a desordem de um sistema e a experiência seguinte esclarece seu significado: aquecendo-se um gás em um
recipiente a energia térmica fornecida vai se transformar em energia cinética das moléculas gasosas que aumentam suas velocidades, aumentando a pressão exercida pelo gás nas paredes do recipiente. Aumentará
o movimento das moléculas e a desordem no interior do sistema, aumentando sua entropia. Mas se as paredes do recipiente forem resfriadas
vai diminuir a energia cinética das moléculas gasosas, seus movimentos
passarão a ser menos caóticos, vai diminuir a desordem do sistema, vai
diminuir sua entropia.
A entropia pode aumenta ou diminui na medida em que aumente
ou diminua a desordem do sistema. Num gás resfriado até o zero absolu-
387
to de temperatura (-273 graus centígrados ou zero grau Kelvin), as moléculas gasosas ficarão paradas e a entropia do sistema é nula. Segundo
Csikszentmihayi (1998b), foi criado o conceito de negaentropia que afere
a ordem do sistema. No zero absoluto de temperatura, a negaentropia é
máxima e a entropia é nula pois o aumento de temperatura é entrópico e
a redução dela é negaentrópico.
Teoria dos Sistemas
Segundo Capra (1982) a concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e de integração em vez de considerá-lo constituído de
partes isoladas e de elementos que atuam independentemente uns dos
outros, conforme o concebe a cosmovisão do modelo cartesiano- newtoniano. Os sistemas são totalidades integradas cujas propriedades não
podem ser reduzidas às de suas unidades e tais propriedades dependem
da interação simultânea, da interdependência e da integração existente
entre suas unidades e determinantes de suas estrutura e atividades.
Os organismos vivos, dos mais simples aos mais complexos como
os humanos, são sistemas que atuam como totalidades integradas, e
para sobreviverem precisam trocar matéria e energia com o meio ambiente – são sistemas abertos às trocas de energia. As células são sistemas vivos assim como os tecidos e órgãos do corpo humano que constituem o sistema cardiovascular, o respiratório, o digestivo, o nervoso, etc.
O conceito de sistema é também aplicado aos organismos sociais: a
família, o formigueiro, a colméia, um cardume são exemplos de sistemas
sociais. Os ecossistemas são formas especiais de sistemas constituídos
por matéria inanimada e de uma variedade de organismos que interagem
mutuamente, constituindo uma teia complexa de relações. Todos os sis-
388
temas têm natureza dinâmica por excelência e suas estruturas são flexíveis e maleáveis, embora gozem de certo grau de estabilidade.
Entropia nos Sistemas Biológicos
Um sistema biológico é aberto, e para manter-se vivo necessita do
aporte de energia externa, principalmente sob a forma de alimentos.
Com o passar do tempo sua entropia tende a aumentar, e a ordem existente tende a transformar-se em desordem, com a deterioração das suas
funções, culminando com a morte do organismo. Daí dizer-se que o sentido da entropia é o sentido do tempo - quanto mais tempo um sistema
biológico vive, maior é a degradação da sua ordem interna. Nestes sistemas, pelo Segundo Princípio da Termodinâmica, parte da energia que
chega é transformada em energia útil e a parte restante é inútil e não
pode ser utilizada nos processos metabólicos. Como pelo Primeiro Princípio da Termodinâmica a energia dentro do sistema é constante e não
pode ser criada por ele, é necessário o aporte de energia externa para
manter sua estrutura, funcionar e lutar contra a entropia, compensando a
inevitável perda de sua própria energia.
Neste sentido que Schrodinger, prêmio Nobel de Física de 1933,
criador da mecânica quântica e da mecânica ondulatória, afirmou que o
organismo vivo “extrai ordem do próprio ambiente”. O organismo vivo
combate a desordem entrópica interna inerente ao seu processo de existir retirando energia do ambiente em que vive e tal condição estabelece a
diferença termodinâmica entre o vivo e o não vivo – a matéria viva tem a
capacidade de extrair do meio ambiente a energia que precisa para manter sua estrutura e diferenciação, para manter sua “ordem” e impedir que
a desordem entrópica impeça seu funcionamento.
389
A natureza, no sentido de garantir a manutenção e a perpetuação
das espécies, fatores negaentrópicos que atuam reduzindo os efeitos da
entropia e do tempo que surgem em um sistema biológico para aumentar
a ordem interna. É o caso das enzimas que agem catalizando reações
bioquímicas de modo a estabelecer uma certa “ordem” interna, garantindo o funcionamento adequadoa dos metabolismos das proteínas, glúcidas, lípidas e o metabolismo orgânico de um modo geral contribuindo
para a manutenção da homeostase sistêmica, para o equilíbrio do meio
interno. As enzimas são agentes anti-entrópicos que agem para manter
a ordem interna do sistema, dentro dos limites possíveis.
Um exemplo é a creatinofosfocinase, enzima que cataliza reversivelmente uma reação química na qual é liberada a energia biológica necessária para a manutenção da vida em que a creatina reage com o adenosinotrifosfato (ATP), na presença da creatinofosfocinase (CPK),
tendo como produto final o adenosinodifosfato (ADP) e a fosfocreatina,
com liberação de energia, que fica disponível para o metabolismo e para
as atividades orgânicas. Ela garante o funcionamento dos músculos,
como o coração que bombeia o sangue dos ventrículos para todo o corpo (SANTOS,1973).
O ser humano é entrópico, apesar de seu corpo funcionar como
um sistema aberto e receber aporte energético de várias fontes externas
de energia sob a forma de alimentos, de energia psíquica e sob outras
formas, como a térmica e a eletromagnética solar. A energia alimentar
introduzida no organismo humano é submetida a transformações metabólicas para ser utilizada pelos diferentes órgãos e sistemas, passando
pelas etapas do anabolismo (assimilação da energia) e do catabolismo
(degradação da energia). No processo metabólico há um certo grau de
390
“degradação” da energia que aumenta com a idade. Na idade avançada,
os sistemas biológicos responsáveis pela manutenção da homeostase
orgânica, graças ao aumento da desordem, da entropia, reduzem a capacidade funcional dos órgãos.
Na idade avançada há redução da atividade das enzimas e, no caso da CPK, a quantidade de energia necessária para os músculos se
contraírem de modo adequado, ficando o idoso com diminuição da força
muscular e dificuldades de locomoção. Na medida que o organismo envelhece, o catabolismo celular predomina sobre o anabolismo, e cresce
a entropia. Isto possibilita o surgimento de duas situações que evidenciam o caráter entrópico do ser humano: a doença e a morte. Se o catabolismo não predominasse sobre o anabolismo, se a entropia não preponderasse sobre a negaentropia, doença e morte não existiriam. Isto só
seria possível se os mecanismos orgânicos de auto-regulação de energia, pudessem igualar a velocidade de utilização da energia, à velocidade de sua produção, o que é impossível.
Somente uma fração da energia liberada pelos processos metabólicos é efetivamente utilizada pelas células e grande parte da energia
produzida não fica disponível para uso e é “degradada” sob a forma de
calor, perdendo-se em reações colaterais. Os mecanismos que convertem energia livre em formas úteis para o metabolismo, são realizados
com desperdício energético tanto na contração muscular, quanto na secreção e absorção renal e nas reações que geram os impulsos elétricos
nos nervos.
391
Entropia Psíquica e Emoções
Os processos descritos anteriormente ocorrem em todas as células
orgânicas e considerando os fenômenos psicológicos com epifenômenos
dos processos biológicos, conforme Del Nero (1997), acreditamos que os
processos entrópicos estão presentes na dimensão psicológica do ser
humano, tanto quanto na dimensão biológica. A mente humana é um
sistema constituído por vários componentes: atenção, conhecimentos,
memória, emoções, sentimentos, pensamentos, intenções, atitudes, vontade, impulsos, instintos, desejos, etc.
Para Csikszentmihayi (1999), as emoções atuam no sistema psíquico em dois sentidos – aumentando a entropia, a desordem, ou aumentando a ordem, diminuindo a entropia. As emoções negativas —
raiva, medo, tristeza, tédio, etc. — aumentam a entropia psíquica,a desordem mental. As emoções positivas — alegria, prazer, perdão, gratidão, fé, esperança, confiança, otimismo, etc. — diminuem a entropia
mental e aumentam a ordem psíquica. A entropia psíquica causa transtornos na consciência e prejudica sua eficiência pois a atenção é desviada de outras atividades para a área conflitiva. Para compensar a ação
entrópica das emoções negativas a mente utiliza a energia da atenção
numa tentativa de restaurar o equilíbrio e a atenção utilizada para restaurar o equilíbrio não pode ser usada para perceber estímulos externos e
para lidar com tarefas externas.
Quando você está com raiva ou medo sua atenção está voltada para o objeto gerador da emoção, para alguém que lhe frustrou ou agrediu
ou para algo que você teme, não podendo ser dirigida para o mundo
externo. Você perde a capacidade de perceber com clareza os acontecimentos externos e a capacidade de resolvê-los de forma conveniente,
392
pois sua atenção está voltada para recompor o equilíbrio psíquico e diminuir a entropia.
A questão básica do funcionamento adequado da mente humana é
a do equilíbrio mental, da busca permanente de uma situação de equilíbrio entre entropia e negaentropia, entre a ordem e a desordem. A meta
deve ser reduzir a entropia ao mínimo possível fazendo predominar ordem mental sobre a desordem.
Devido a estas razões um novo paradigma para a Educação PósModerna deve dar importância significante à educação da atenção e da
vontade, o que pode ser feito através da prática da Meditação, conforme
preconizado pela cultura oriental. A Meditação busca ordem, quietude e
equilíbrio da mente, quer seja ela praticada em repouso ou em movimento, com concentração em objeto externo ou interno, com caráter reflexivo
ou não reflexivo (SANTOS,2001).
Dentro desta perspectiva pode-se compreender melhor as Aflições
Mentais ou Delusões Mentais da Psicologia Budista, que são situações
em que há aumento da entropia psíquica. Wallace (2003), considera três
aflições mentais primárias, os chamados “três venenos”: apego, raiva e
ignorância. A raiva inclui ódio, hostilidade, ira (explosão de raiva), ressentimento ou mágoa (mais duradouro que a raiva), rancor, inveja/ciúme
(derivados do apego e da raiva), crueldade. O apego inclui avareza, empolgação (a mente fica agitada porque se desvia compulsivamente do
objeto da meditação para o objeto do desejo), apatia (falta de clareza
mental), auto-estima exagerada e ocultação de seus próprios defeitos
(ilusão decorrente da ignorância).
A diferença entre o apego e a raiva, é que o apego leva a uma fixação no objeto desejado, enquanto a raiva leva a um afastamento do
393
objeto. A ignorância ou ilusão inclui a fé cega (que se diferencia da virtude da fé porque não se baseia na realidade), falta de atenção introspectiva, indolência espiritual (preguiça) e negligência (ausência de meditação de mente alerta)
Csikszentmihayi (1999) atribui ação negaentrópica às emoções positivas argumentando que quando a entropia psíquica é pequena, a pessoa não precisa investir energia para refletir ou agir. Nas emoções positivas a energia psíquica flui livremente na mente para executar a tarefa ou
pensamento foco de atenção no qual estamos concentrados. Há uma
analogia com supercondutividade elétrica. os supercondutores são metais em que há desaparecimento quase total da resistência elétrica se
são submetidos a temperaturas muito baixas e nesta situação apresentam aumento da condutibilidade elétrica pois seus elétrons se movimentam com maior facilidade e fluem naturalmente em grandes velocidades.
Analogamente, a atividade psicológica da pessoa flui naturalmente
quando ela está com a mente em ordem e a entropia é pequena, devido
a uma emoção positiva. Por isso quando estamos alegres e felizes executamos nossas tarefas com mais facilidade e obtemos melhores resultados.
Entropia nas Organizações Sociais
As emoções positivas e negativas e seus efeitos nas mentes das
pessoas se difundem nas interações sociais, graças aos neurôniosespêlho, independentemente de haver comunicação verbal e só devido à
proximidade das pessoas as emoções podem se propagar entre elas ,
como ocorre nos grupos sociais.
A difusão das emoções nos grupos sociais nos permite inferir que
os conceitos de entropia e negaentropia psíquica podem ser aplicados
394
nas organizações sociais, particularmente nas organizações produtivas.
Podemos falar de Entropia nas Organizações e admitir que a entropia
interna de uma organização, a desordem em seu interior, deve interferir
na sua produtividade, na sua eficiência, eficácia e efetividade.
Acredita o Autor que possa ser desenvolvida uma Teoria Geral da
Entropia nas Organizações com a finalidade de conceber-se e compreender-se, de forma sistêmica e holística, as diversas modalidades de
entropia existentes nelas. Esta é uma tarefa que deve ser levada a cabo
num esforço transdisciplinar e interdisciplinar, cujo objetivo inicial deva
ser definir as diferentes formas que a entropia possa assumir no interior
de uma organização, além da psíquica.
Num esboço inicial acreditamos que podem ser consideradas as
seguintes formas de entropia numa organização: entropia cratológica ou
política, relacionada com o poder na organização; entropia das emoções,
abrangendo o clima emocional organizacional, identificando-se se ele é
de raiva e hostilidade, tensão e medo, tristeza e apreensão, alegria e
contentamento, bem como identificando-se as emoções dos colaboradores ; entropia contábil–financeira, relacionada com a organização dos
aspectos contábeis e financeiros da organização; entropia estrutural e
organizacional relacionada com a estrutura da organização, considerando seus recursos materiais, humanos e físicos; entropia operacional relacionada com os mecanismos operacionais para atingir os meios e os
fins da organização.
Diagnosticado o grau de entropia da organização as ações deverão ser voltadas para a gestão desta entropia tentando-se eliminar os
fatores entrópicos e estimular ações negaentrópicas.
395
O efeito das emoções positivas que reduzem o nível de entropia no
ambiente de trabalho é conhecido dos pesquisadores, segundo Goleman (2002) já tendo sido determinada sua importância para a produtividade. Para Seligman (2004) é impossível esclarecer se a maior satisfação no trabalho faz a pessoa mais feliz ou se a disposição de ser feliz
gera satisfação no trabalho, mas o fato é que pessoas mais felizes estão
mais satisfeitas com seus trabalhos. Cita pesquisa sugerindo que mais
felicidade causa maior produtividade e salário mais alto: foi medida a
quantidade de emoção positiva em 272 empregados de uma organização, e acompanhados seus desempenhos durante os 18 meses seguintes, sendo. verofocado que os mais felizes tiveram avaliações cada vez
mais positivas dos supervisores e conseguiram aumento de salário.
Outra pesquisa mostrou que crianças e adultos em estado de espírito positivo selecionam metas mais ambiciosas, têm desempenho melhor e persistem durante mais tempo nas suas tarefas Segundo Goleman
(2002), pesquisas realizadas na Yale University School of Management
mostram que as emoções são contagiosas principalmente alegria e cordialidade, sendo menos contagiantes raiva, irritabilidade e depressão.
Quando ri o indivíduo está relaxado e receptivo e não na defensiva ou
hostil. Segundo a pesquisa, o humor influencia a eficácia do trabalho, a
cooperação e o desempenho profissional e pode-se então inferir que é
bom criar nas organizações um clima de alegria, satisfação e contentamento para aumentar as produtividade.
Conceito importante da psicologia das emoções é o de humor - é a
expressão do nível médio dos sentimentos de estado, que são a alegria
e a tristeza. Quando o nível médio de sentimentos está mais para a alegria dizemos que há bom humor e quando está mais para a tristeza diz-
396
se que há mau humor. As emoções são mais intensas e duram menos
que o humor que é menos intenso e mais duradouro. Conforme resultado de pesquisas da Yale University, grupos que tomavam decisões executivas tiveram seu trabalho incrementado pelo humor positivo e sentimentos positivos e dificultados pelo humor e sentimentos negativos.
No corpo humano existem sistemas que se regulam a si mesmos,
são auto-reguladores, como o sistema circulatório, o pulmonar, e outros.
O funcionamento do sistema circulatório de uma pessoa não interfere no
de outra colocada próxima: se alguém que está perto de você tem pressão arterial alta, não é por isto que sua pressão vai ser alta também.
Com o sistema límbico, sede de muitas emoções humanas, ocorre o
contrário – quando ele funciona, pode agir no de uma pessoa próxima,
pois ele funciona em loop aberto, diferentemente dos sistemas autoreguláveis, como o circulatório, que funcionam em loop fechado.
No loop aberto, ao emitir sinais emocionais a pessoa pode induzir
modificações no organismo de outra e alterar seus níveis hormonais,
batimentos do coração, tensão arterial, ritmo de sono e até mesmo a
defesa do organismo, pela diminuição da produção de anticorpos. Como
as emoções são contagiosas o estado emocional de cada um de nós
depende do contacto com as emoções dos outros.
Segundo Goleman (2002), em qualquer ambiente de trabalho o riso indica a temperatura emocional coletiva, constituindo sinal do envolvimento das mentes e dos corações das pessoas – ele indica que está
tudo bem, porque as pessoas quando sorriem autenticamente estão satisfeitas. Em outro experimento foi verificado que mesmo sem as pessoas se falarem só com a aproximação física há difusão das emoções.
Pesquisa foi realizada com três estranhos que se sentaram juntos duran-
397
te alguns minutos em silêncio e o que tinha carga emocional mais expressiva transmitiu suas emoções para os outros dois sem pronunciar
uma palavra.
Segundo Goleman (2002), as emoções positivas estimulam a eficiência mental e melhoram a capacidade da pessoa de compreender informações e de aplicar regras para tomada de decisão, além de aumentar a flexibilidade do uso do pensamento. A alegria reforça a criatividade,
ajuda as pessoas a serem mais otimistas em relação a sua capacidade
de atingir um objetivo e as tornam mais solícitas.
Sempre que há conflito emocional em um grupo aumenta a entropia psíquica de cada membro que desvia sua atenção e sua energia das
tarefas que deve executar, com repercussões negativas sobre o desempenho grupal. Estudos com executivos de empresas mostram que quanto mais positivos forem os ânimos da equipe de gerência melhores poderão ser os resultados da empresa, daí a conveniência de avaliar-se os
ânimos das equipes de gerência das organizações e melhora-los.
Avaliação Quantitativa da Entropia Psíquica
Eventos psíquicos como as emoções, podem ser expressos de
modo comportamental (através das ações da pessoa), de modo fisiológico (através de repercussões nos diversos sistema e aparelhos do indivíduo) e de modo fenomenológico (através de sua experiência subjetiva),
havendo coerência entre a expressão fisiológica e o processo emocional.
Então sob o ponto de vista epistemológico é lógico inferir-se que a avaliação quantitativa das expressões fisiológicas de determinada emoção
possa ser considerada como avaliação indireta da própria emoção. Assim a medida dos efeitos fisiológicos da raiva sobre o coração e vasos
398
sanguíneos, sobre a freqüência respiratória e sobre a atividade cerebral
permitem sua avaliação.
Como a raiva é capaz de produzir aumento da entropia mental pode-se inferir que sua avaliação é avaliação indireta da própria entropia.
Ao avaliarmos os efeitos da raiva sobre o eletroencefalograma de um
indivíduo, estamos avaliando de forma indireta sua entropia mental.
O eletroencefalograma (2005) é o registro da atividade elétrica cerebral através de eletrodos colocados no couro cabeludo do indivíduo
que captam a atividades elétricas decorrentes das diferenças de potenciais existentes entre os neurônios cerebrais. Os sinais obtidos permitem
avaliação grosseira da atividade funcional neural. Na maioria dos adultos
o padrão do EEG de vigília consiste em ondas sinusoidais denominadas
alfa (α), beta (β), teta (θ) e delta (∆). As alfa têm freqüência de 8 a 12
ciclos por segundo (cps), são mais proeminentes nas áreas occipitais e
constituem o chamado ritmo alfa. Quando uma pessoa está em meditação há predomínio das ondas alfa no seu eletroencefalograma e diz-se
que ela está em estado alfa. As ondas beta têm freqüência superior a 12
cps, constituem o chamado ritmo beta e são normalmente encontrado
nas regiões frontais. As ondas delta têm freqüência entre 1 e 3 cps e as
ondas teta com freqüência entre 4 e 7 cps são encontradas na meditação.
Para avaliação dos efeitos da raiva no cérebro humano através do
eletroencefalograma foi realizada pesquisa por Harmon-Jones e Allen
(1998) entre adolescentes de escolas de ensino médio, de ambos os
sexos, cujas idades variavam entre 11 e 17 anos. Encontraram que a
raiva está associada com aumento da atividade elétrica cortical anterior
esquerda (lobo frontal esquerdo) e com uma assimetria da atividade das
399
ondas alfa. Recente pesquisa feita por Coan e Allen (2003), em 31 indivíduos com expressões faciais voluntárias de raiva mostrou uma atividade aumentada do EEG na região cortical esquerda anterior e assimetria
das ondas alfa. Pode-se concluir que a raiva produz alterações no traçado do EEG que são proporcionais a sua intensidade.
Metas e Intenções
Para Csikszentmihayi (1999), as intenções, metas e motivações de
uma pessoa se manifestam quando a ordem psíquica é maior e a entropia é menor, pois a ordem mental facilita que elas apareçam. Só podemos prestar atenção a ocorrências externas quando temos certa ordem
na mente, que torna possível aparecer a intenção de executarmos uma
atividade, inclusive a de estabelecer uma meta e executar uma tarefa.
A intenção focaliza e utiliza a energia psíquica a curto prazo e é diferente da meta que focaliza e utiliza a energia psíquica a longo prazo.
Se as metas de uma pessoa são coerentes ela tem possibilidade de investir sua atenção durante mais tempo nelas e de forma mais produtiva,
por isto devemos estabelecer metas coerentes entre si ao longo da vida.
Teleonomia é a tendência do organismo para reproduzir padrões
herdados geneticamente ou culturalmente. No caso de padrões biológicos, resultantes de características genéticas herdadas, diz-se que há
teleonomia genética e a pessoa origina suas metas em suas instruções
genéticas. Elas giram em torno de comer bem, ter comodidade, ter saúde e estar sexualmente satisfeito.
A teleonomia cultural é a tendência da pessoa para reproduzir em
seu comportamento padrões culturalmente herdados do ambiente social
em que vive. Ela tende a reproduzir em sua conduta normas e valores
400
sociais introjetados no processo de socialização e grande parte das metas que estabelecemos é conseqüência da teleonomia genética e da
teleonomia cultural. Existem outras metas que são estabelecidas de forma autônoma e livre pelo self de cada pessoa, devido à teleonomia do
self que é a tendência para alcançar metas escolhidas livremente entre
alternativas.
O tempo necessário para alcançar uma meta bem como a intensidade do esforço necessário para alcançá-la dependem de nossa motivação para atingi-la. As intenções, metas e motivações concentram a energia psíquica envolvida no processo, criam certa ordem na consciência e
permitem que se instale um estado mental percebido como Fluxo ou
Gratificação. As emoções negativas e situações que aumentam a entropia mental nos afastam do bem estar psicológico e as emoções positivas
e experiências de fluxo nos aproximam dele e da felicidade.
Como as emoções positivas são anti-entrópicas e como a entropia
diminui o tempo de vida dos sistemas biológicos pode-se inferir que as
emoções positivas devem aumentar o tempo de vida. O ser humano
com tem mais bem estar em sua vida, com mais emoções positivas e
mais gratificações tem condições para viver mais, se comparado com
outro com menos emoções positivas e menos estados de fluxo.
Seligman (2004), relata pesquisa com duzentas freiras para avaliar
a felicidade e longevidade delas. Foi constatado que entre as mais alegres 90% viveram até 85 anos, contra 34% das menos alegres. E 54%
das mais alegres viveram até 94 anos, contra 11% das menos alegres.
Parece que freira feliz vive mais.
Pesquisando sobre a distribuição das metas em um dia médio,
Csikszentmihayi (1998a), constatou que durante um terço do dia a pes-
401
soa faz certas coisas porque não tem nada melhor para fazer, sem motivação intrínseca (querer fazer) para realizar as tarefas e sem motivação
extrínseca (ter de fazer). Então ela pode melhorar a qualidade de sua
vida se preencher este tempo com metas livremente escolhidas e fazendo atividades nas quais entre em fluxo.
Papel das metas na construção do Self
Para Csikszentmihayi (1998b), as principais tendências da psicologia do século XX compartilham de uma epistemologia comum e elaboraram descrições reducionistas da ação humana com a intenção de serem
o mais científicas possíveis, ignorando ou menosprezando o aspecto
mais óbvio do fenômeno humano que é a existência do self consciente,
do eu consciente. Para ele a certa altura da ontogênese o indivíduo reconhece seu poder para orientar sua atenção como quiser e para pensar, sentir, desejar e recordar. A partir deste momento, seu self é desenvolvido como nova agência psíquica na condição de um epifenômeno
dos processos conscientes do indivíduo, como o resultado do reconhecimento que a consciência faz de si mesma.
A modelação do self é feita com informações advindas do próprio
corpo, das lembranças do passado e das metas futuras que a pessoa
pretende desenvolver e suas funções principais são manter-se e desenvolver-se, garantindo a autonomia da pessoa ao romper com o controle
imperativo das instruções genéticas.
O conjunto de metas coerentes que a pessoa estabelece em sua
vida lhe permite criar um self coerente e através delas o indivíduo cria
ordem em sua experiência existencial e dá sentido e significado à sua
vida. Quanto mais metas coerentes a pessoa tiver em sua vida, mais
402
ordem na mente e menos entropia psíquica e é estabelecendo e conquistando metas coerentes que a pessoa poderá ter mais bem estar,
melhor qualidade de vida e mais condições de ser feliz.
Se uma pessoa é mais alegre, dá e recebe mais amor, pratica a
compaixão e o perdão, exercita a gratidão, tem mais prazer e mais estados de fluxo, tem mais fé em si mesmo ou em algo sobrenatural, tem
esperança no futuro, tem mais confiança e otimismo, terá menos entropia em sua mente e qualidade de vida melhor, com mais bem estar e
felicidade, com vida próxima do que Aristóteles chamou de “vida boa”.
Metas e Entropia Existencial
A ausência de metas na vida da pessoa diminui a possibilidade dela ter boa qualidade de vida ou até mesmo continuar a viver. De acordo
com o depoimento de Frankl (1978) psicólogo judeu alemão que sobreviveu às atrocidades praticadas pelos alemães nos campos de concentração, os judeus sobreviventes das atrocidades nazistas, não foram os
mais jovens,nem os mais fortes. Foram os que, mesmo diante do sofrimento e da adversidade, desenvolveram metas para suas vidas, e um
sentido para suas existências, muito profundo e muito humano - ajudar e
apoiar seus parentes e amigos, dando-lhes conforto, carinho e solidariedade ou então tomaram como metas sobreviver, para dar seus testemunhos à humanidade das atrocidades que foram vítimas, juntos com parentes e amigos.
É a falta de metas e de sentido de vida que teme o aposentado ao
deixar de praticar qualquer atividade e não preencher sua vida, pois desaparecem suas metas profissionais e pode também desaparecer seu
sentido de vida e a ordem existencial proporcionada pela presença de
403
metas coerentes dirigidas para o presente e para o futuro. A entropia
prevalecerá em sua mente e será fonte de infelicidade, depressão, solidão e emoções negativas, com redução de sua auto-estima. Chamo a
este tipo de entropia, de entropia existencial que representa a institucionalização da desordem na vida da pessoa. Ela se propaga do terreno
profissional para o pessoal, familiar e sócio-cultural e transforma a pessoa num resto de ser humano que tem dificuldade para reunir forças e
arrastar o fardo pesado de sua vida.
Segundo Csikszentmihayi (1998b), para William James as metas
são importantes no processo de construção da auto-estima da pessoa e
a auto-estima de cada um de nós depende da relação entre as metas
propostas e os sucessos conseguidos. Quanto maior o número de metas
estabelecidas e alcançadas maior será nossa auto-estima. Se você estabelecer metas e desafios muito elevados, impossíveis de alcançar porque desproporcionais às suas habilidades, e não conseguir alcançá-los
pode desenvolver baixa auto-estima, pois a frustração fará com que perca a confiança em si mesmo. É o caso de um aluno que se propõe tirar
conceito muito bom em todas as disciplinas e só consegue na metade,
ficando frustrado e com auto-estima baixa, embora tivesse rendimento
escolar acima da média da classe.
Devemos estabelecer metas razoáveis, passíveis de ser executadas no tempo aprazado, trazendo sentimento de realização que reforce a
auto-estima. Este sentimento de realização desenvolvido ao longo da
vida traz confiança em nós mesmos e ajuda a sermos felizes. Ao elaborar suas metas existenciais devemos ter consciência que as elaboramos
a partir da herança genética e cultural e também a partir da teleonomia
404
do self, a partir de nossas escolhas, fundamentados na autonomia do
self em relação às tendências genéticas e culturais.
Para aumentar seu bem estar e felicidade, além de estabelecer
metas coerentes e exeqüíveis, motive-se constantemente para atingi-las.
Diz o ditado popular “mente vazia oficina do diabo”, então procure preencher sua mente com metas, pois na mente vazia a entropia pode crescer
e gerar a desordem.
Para Csikszentmihayi (1999), a entropia psíquica perturba o equilíbrio mental pois produz conflitos com as metas individuais, como ocorre
no medo, tédio, apatia, ansiedade, confusão mental, raiva,ciúme e outras
emoções negativas, pois a emoção pode entrar em conflito com uma
meta e impedir que ela seja alcançada. Ele mostra como repercute em
duas diferentes pessoas uma tempestade matinal que cai sobre um vale:
em um agricultor que planejou colher sua produção de trigo, provavelmente ela trará pânico ao perceber os prejuízos que advirão. Para uma
pessoa que planejou um passeio a repercussão será de discreta irritação
decorrente da frustração de seus planos.
ENTROPIA PSÍQUICA, ANOMIA E ALIENAÇÃO
Alienação
Quando uma pessoa interage em seu mundo social podem ocorrer
duas possibilidades extremas que dependem dela ter certeza ou incerteza na predição dos resultados de sua interação. Estas alternativas dependem, de um lado, dela poder utilizar ou não suas habilidades e recursos pessoais com certo grau de liberdade, e de outro lado da freqüência
e variedade dos desafios a que é submetida. Num extremo, quando as
405
habilidades são escassas e os desafios são baixos, a pessoa se sente
entediada ou ansiosa com as rotinas diárias oferecidas, com poucas variedades ou pequena freqüência de desafios, o que torna as interações
sociais monótonas e tediosas. Ela percebe sua rede de relações sociais
como constrangedora, e que seu mundo social não é um fato negociável,
pois não tem possibilidade dela expressar sua vontade e quase inexiste
sua participação autêntica em suuas atividades.
Devido à inflexibilidade da estrutura social que a constrange os resultados dos encontros sociais são facilmente previsíveis e suas metas
estão sujeitas à tirania do meio e por ele impostas. Ela recorre muito
pouco a suas habilidades e recursos pessoais, como o trabalhador de
uma fábrica durante sua jornada de trabalho que não tem autonomia
para expressar sua criatividade e pode predizer com razoável grau de
certeza o resultado de suas ações durante a jornada. Ele não tem liberdade para expressar sua vontade e criatividade e está alienado de seu
trabalho.
Na visão de Marx, numa perspectiva de ordem econômica, o trabalhador do sistema capitalista é alienado de seu trabalho e forçado a vendê-lo aos proprietários dos meios de produção, se distanciando de qualquer relação significativa com os bens que produz. Na alienação, numa
visão marxista, a experiência do trabalho é destituída de criatividade, e
se transforma em uma carga nociva, embora necessária para obtenção
do sustento do trabalhador (CSIKSZENTMIHALYI, 1998).
Para Mitchell, Jr.a alienação ocorre quando a pessoa pode prever
suas condutas dentro de uma ordem social pré-estabelecida, percebendo seu mundo constrangido por forças sociais nas quais não tem voz e é
limitada por regras que eliminam sua criatividade e espontaneidade . Ela
406
sabe antecipadamente o que vai fazer em determinada situação, independentemente de seu interesse, desejo e vontade e o mundo social
alienante é castrador, onipresente, repressivo. É o caso da vida em um
campo de concentração, em uma prisão ou em uma cadeia de montagem de uma fábrica, que proporcionam alto grau de certeza em relação
aos resultados das ações desejadas e obtidas (CSIKSZENTMIHALYI,
1998).
A alienação se manifesta de dois modos: o indivíduo se sente sem
poder, pois percebe que não pode modificar seu mundo social; ele
se
sente estranho a si mesmo pois não consegue recompensas em sua
vida social, em termos de conforto e posse de bens que atendam suas
necessidades básicas. A certeza dos resultados converte a interação
que deveria ser desafiante em tarefa tediosa e monótona.
Alienação na perspectiva da Educação das Emoções é fator determinante do aumento da entropia psíquica pois produz tédio, ansiedade, tristeza, e desesperança nos alienados e leva à da falta de sentido
em suas vidas. Os alienados devem se perguntar: para que e porque
viver?
Anomia
No outro extremo está a situação de uma pessoa cuja rotina diária
está cheia de situações com problemas urgentes e difíceis para resolver,
como o médico da emergência de um hospital, o corretor de ações durante o pregão da bolsa de valores ou o diretor de uma corretora de ativos financeiros.
Para executar as tarefas a pessoa está sujeita a estresse permanente e faz grandes esforços para executar as ações necessárias pois
seu mundo social se apresenta como uma grande esfinge e ela perma-
407
nentemente está diante da ameaça de “decifra-me ou devoro-te”. Ela
nunca tem certeza das conseqüências de seus encontros profissionais,
cujos resultados são imprevisíveis, incertos, confusos e contraditórios e
não pode ter certeza de que seus esforços foram adequados para resolver os desafios enfrentados e suficientes para controlar a situação.
Muitas vezes suas habilidades e recursos pessoais são inadequados ou insuficientes para controlar a situação e pode acontecer que os
meios necessários para resolver os problemas não sejam claros. Há certo caos no seu mundo social e ela não pode detectar regras claras ou
implícitas que norteiem suas interações sociais. Chama-se de anomia a
este estado de incerteza social, em que as normas inexistem ou não são
claras. Para Durkeim, citado por Mitchell, Jr., a anomia é um transtorno
de ordem social decorrente da ruptura de obrigações normativas. Quando as pessoas não estão constrangidas por uma ordem social estável a
atividade humana aspira naturalmente a limites além dos desejáveis e
podem
ser
estabelecidas
metas
impossíveis
de
alcançar
(CSIKSZENTMIHALYI, 1998b).
A falta de normas leva a desejos descontrolados que conduzem a
pessoa a certa desorientação e uma situação oposta à anomia é aquela
em que há excessiva regulação através de normas e disciplina opressiva. Mitchell, Jr. (op.cit.) considera alienação e anomia estados subjetivos
experimentados por atores sociais individuais, e as vê como pólos opostos da vida social que oscilam entre a certeza e a incerteza na experiência vital. A alienação conduz ao sufoco da criatividade e à aceitação apática da vida e a anomia deixa a pessoa confusa, sem direção e sem certezas.
408
A anomia é experimentada pelo ator social individual quando a incerteza sobre os resultados de sua conduta se estende à maior parte de
suas interações sociais e as regras aprendidas em encontros sociais
anteriores não são válidas para novos encontros. Os efeitos dos atos da
pessoa nas interações sociais são incertos e o mundo social se apresenta como efêmero, irregular e sem consistência. Ocorre no mundo dos
artistas, agentes secretos, motoristas profissionais de carretas, vendedores de um modo geral e diretores de empresas que operam em um mercado muito instável.
Ela se expressa de três formas: quando as normas conhecidas de
conduta social não funcionam ou não são aplicáveis; quando há falta de
sentido na ação, pois não há finalidades perceptíveis para o comportamento; quando a pessoa se isola ao perceber que o apoio social dos
companheiros é insuficiente.
O indivíduo anômico fica sem o apoio dos membros do grupo, não
tem elementos para ajudá-lo a selecionar alternativas que façam sentido
para sua vida e ficam sem direção e sem propósitos, sem limites, sem fé
que o guie e sem esperança que o conforte. A incerteza a respeito dos
resultados faz de sua vida um problema e a rotina em um sofrimento. A
meta natural de uma pessoa anômica é restabelecer a interação estável,
escapar da incerteza generalizada, reintegrar-se na ordem social compreensível e previsível e buscar um estado em que as demandas estejam em equilíbrio com suas capacidades e habilidades.
Coburn, citado por Mitchell, identifica duas condições que trazem
conseqüências negativas para a saúde do trabalhador: quando os desafios excedem suas capacidades e quando as capacidades são maiores
que os desafios existentes (CSIKSZENTMIHALYI, 1998).
409
Dentro da perspectiva da Educação das Emoções a anomia leva a
pessoa a um aumento da entropia psíquica na medida que gera grande
insegurança, devido ao medo do presente e do futuro e a uma desorientação existencial, com perda do sentido de vida.
Perspectiva sociológica do Fluxo
Com a finalidade de diminuir a entropia gerada pela anomia e pela
alienação os atores sociais anômicos ou alienados procuram formas para equilibrar suas habilidades com os desafios e responsabilidades a que
são submetidos. Na alienação procuram fazer coincidir os desafios a que
são submetidos com os recursos que possuem e avançam para um equilíbrio entre o que se sentem capazes de fazer e o que lhes é permitido.
Na anomia procuram equilibrar-se com o que lhes é exigido pelo meio
social e ao conseguir tal equilíbrio são recompensados com a satisfação
de praticá-las, enchendo suas vidas de sentido e restaurando o equilíbrio
psíquico.
Sob o ponto de vista psico-social as expectativas de um papel são
satisfeitas quando há uma atuação adequada e apropriada do ator social
ao executá-lo. Em termos neuro-psicológicos as pessoas estão motivadas para atuar sobre o meio social para reduzir a variabilidade dos estímulos quando eles são excessivos ou aumentá-los quando são inferiores
a um nível ótimo, buscando aquilo que White chamou de competência uma sensação de eficácia nas suas interações sociais, acompanhada da
percepção de crescimento pessoal. A competência cresce proporcionalmente às habilidades da pessoa e a suas aplicações significativas. Sentir-se competente para exercer determinado papel social significa sentirse qualificado, capaz, forte, suficiente e adequado para desempenhá-lo.
410
Quando o talento, as habilidades e os recursos pessoais são utilizados
de forma produtiva na superação de um desafio, problema ou dificuldade, a pessoa se sente competente e tem reforço da auto-estima
(CSIKSZENTMIHALYI, 1998).
Neste sentido, a competência é um pré-requisito para que se instale o fluxo, oposto da anomia e da alienação. Ele é gerado por uma atividade que resulta de uma tensão dinâmica psicossocial e nesta perspectiva é um processo de adaptação do indivíduo ao seu ambiente psicossocial.
Relacionamento e Entropia
Segundo Csikszentmihalyi (1999), para que você tenha um relacionamento sem entropia que leve ordem a sua mente e à do parceiro, devem ser satisfeitas duas condições: primeiro que haja compatibilidade
entre as metas dos parceiros e que elas sejam compartilhadas por ambos; segundo, cada parceiro deve investir sua atenção e interesse nas
metas do outro, esforçando-se para satisfazê-lo. As metas compartilhadas devem ser explicitadas com clareza por ambos e devem ser devidamente explicitadas.
A ordem de um relacionamento, a negaentropia, será tanto maior
quanto maior for a harmonia entre as metas dos parceiros e quanto eles
investirem suas atenções em metas partilhadas conjuntamente, o que
ocorre quando os interesses são coincidentes e é agradável o relacionamento. Se as metas e interesses não forem compartilhados a entropia
será grande e o relacionamento não persistirá. As raízes dos conflitos
entre pessoas costumam ser preocupação excessiva consigo mesmo e
incapacidade de prestar atenção às necessidades do outro. Isto gera
411
entropia e impossibilita a existência de metas compartilhadas que garantam ordem no relacionamento.
Educação das Emoções e redução
da Entropia Psíquica
O objetivo principal da Educação das Emoções no que tange à entropia psíquica é promover ações que levem ao equilíbrio mental, diminuindo a desordem (entropia) e aumentando a ordem (negaentropia). A
satisfação de uma pessoa é um sentimento de bem estar, de felicidade,
que surge quando sua mente está equilibrada, quieta, em ordem, com
pouca entropia. Ninguém se sente bem quando está com raiva, medo
tristeza, ansiedade, depressão, tédio e outras emoções negativas. As
emoções positivas nos fazem sentir bem - perdão, gratidão, prazeres
físicos e prazeres maiores, fé em nós mesmos ou em algo sobrenatural,
esperança, otimismo, entusiasmo, etc.
Acreditamos que a questão básica do funcionamento da mente
humana e da busca da felicidade é a do equilíbrio mental. Nossa satisfação, nosso bem estar dependem da existência de ordem em nossa mente, para que tenhamos quietude, tranqüilidade e paz. Devemos buscar
permanentemente um equilíbrio entre a ordem e a desordem, reduzindo
a entropia a um valor mínimo possível.
Os seguintes fatores aumentam ou contribuem para aumentar a
entropia psíquica: emoções negativas, estresse prolongado, devido a
doença física ou psíquica (ansiedade, angústia, depressão, psicoses,
neuroses, etc.), ou a problemas no trabalho, no lar e na família, problemas pessoais ou sociais e problemas financeiros; uso de drogas: álcool,
412
cocaína, crack, maconha, etc.; excesso de informações; paixão romântica; lembranças de fatos desagradáveis; auto-estima baixa.
A redução da entropia psíquica pode ser conseguida através do
aumento das emoções positivas, do aumento dos estados de fluxo e do
controle das emoções negativas. Para aumentar as emoções positivas
deve haver o desenvolvimento de competências emocionais a elas relacionadas, com utilização de metodologia adequada durante o tempo necessário, tendo-se em mente que a mudança de comportamento emocional demanda, além da vontade de querer mudar da pessoa, um esforço continuado com perseverança constante.
É significativa a contribuição que pode dar o aumento dos estados
de fluxo para a diminuição da entropia mental. Tanto mais que sua prática não depende do temperamento da pessoa e está ligada às suas forças de caráter, expressões de suas virtudes pessoais.
Comentários Finais
O Autor entende que o Paradigma Termodinâmico, fundamentado
nos princípios termodinâmicos da Conservação da Energia (Primeiro
princípio) e da Entropia (segundo princípio), é um instrumento de analise
válido, tanto sob o ponto de vista epistemológico, quanto sob o ponto de
vista cognitivo, pois ajuda a percepção e compreensão lógica da realidade, na medida em que seja utilizado de forma adequada.
Como Einstein descreveu na Teoria da Relatividade, qualquer forma material é a expressão da concentração da energia, através de uma
relação definida pela equação e = m . c2 (e = energia, m = matéria e c=
velocidade da luz) e tudo que encontramos no universo está sob a forma
de energia ou pode ser nela convertida.
413
Segundo Capra (1988), até o terceiro quartel do século XX a Física
acreditava que a matéria estava constituída de partículas, algumas estáveis e muitas outras instáveis que logo se desintegram após brevíssimo
intervalo de tempo. Entre as estáveis, de vida relativamente longa, estão
os léptons (neutrino, eletron e múon), os bárions (prótons, neutrons,
lambdas, sigmas,etc) e os mésons, correspondendo a cada partícula
uma antipartícula.
No final do século XX, Laszlo (1999) comenta que os cientistas não
podem mais identificar entidades básicas da matéria sob a diversidade
dos fenômenos manifestos, nem tampouco dizer se tais entidades existem realmente como partículas. No início do século XXI, não temos mais
nenhuma base para dizer o que são as partículas, nem o que elas fazem.
A Teoria dos Quanta, baseada no postulado de Max Plank, ensina
que a matéria emite energia em quantidades finitas e proporcionais à
freqüência, proporcionalidade esta garantida por uma quantidade fundamental de energia, o quantum de energia (E = h . f , em que E = energia, h = constante de Plank e f = freqüência). Ela nos fala de entidades
inconcebíveis ao senso comum, como nuvens de energia que estão simultaneamente presentes em mais de um lugar e nos fala de entidades
que são ondas e corpúsculos ao mesmo tempo, dependendo da forma
como interagimos com elas.
Na atual concepção quântica da Física subatômica, quando se faz
a fissão do átomo encontra-se as partículas clássicas referidas (protons,
nêutrons, elétrons, etc) e quando se faz a fissão destas partículas encontram-se os quarks. Na fissão dos quarks encontram-se as cordas, que
quando cindidas levam às super-cordas. Por isto a mecânica quântica
414
relativista descreve o Universo como uma teia complexa de relacionamentos, de campos energéticos ou ondas ou padrões de energia
(LASZLO, 1999 E CAPRA ,1988 ).
É nesse contexto que os princípios da Termodinâmica devem ser
interpretados. O Primeiro Princípio estabelece que a energia do universo
é constante e o Segundo Princípio estabelece as regras para a energia
transformar-se de uma modalidade em outra. Assim, a análise de qualquer fenômeno nos seres vivos e nos inanimados passa pela análise de
transformações de energia.
Se a mecânica quântica relativista descreve a realidade como
constituída por uma complexa teia de relações energéticas e se a energia constitui a essência da realidade, a análise racional desta realidade
passa pela aplicação das leis gerais da energia, pelas leis da Termodinâmica.
Com isto não estamos defendendo um fisicalismo absoluto, com a
tirania das leis físicas, nem que podemos compreender todos os fenômenos relacionados com os organismos vivos, suas relações e a própria
sociedade, exclusivamente através da aplicação das leis da Termodinâmica e de seus corolários. Defendemos, sim, que a utilização adequada
dos princípios da entropia e da constância da energia, associados com
outros conceitos e outros paradigmas - como o Paradigma Sistêmico e
os que regem as relações psicológicas e sociais – são úteis para a compreensão da realidade dos seres vivos e da sociedade.
As reflexões contidas neste trabalho são exemplo de um exercício
de lógica fundamentado nas idéias acima expostas. Depois de conceituar os Princípios da Termodinâmica os aplicamos aos sistemas vivos e
analisamos a entropia nos sistemas biológicos, fazendo uma interface
415
entre a Teoria dos Sistemas e o Paradigma Termodinâmico, apresentando evidências experimentais da validade desta associação.
Na etapa seguinte, considerando a indiscutível unidade entre o biológico e o psíquico dos seres humanos, analisamos a entropia na dimensão psicológica e o efeito das emoções sobre ela. Para não restar dúvidas a respeito da validade epistemológica do arcabouço conceitual considerado, incluímos na análise a avaliação quantitativa da entropia psíquica, respaldada em pesquisas científicas recentes, realizadas em respeitadas universidades.
Como conseqüência lógica das reflexões efetuadas, chegamos ao
conceito de Entropia Existencial, que se nos parece uma concepção válida para analisar e compreender o ser humano enquanto ser-no-mundo.
Fundamentado nas pesquisas e concepções de sociológos nos sentimos
à vontade para avançar em direção ao contexto social, mostrando a importância do conceito de entropia como instrumento de análise e compreensão da alienação, da anomia e do relacionamento social.
Por fim, chegamos ao objetivo maior das reflexões, de estabelecer
uma interface entre a entropia psíquica e Educação das Emoções, mostrando a importância do conceito de entropia psíquica enquanto instrumento de
reflexão para a educação. Em resumo, podemos dizer que se o propósito
maior da Educação é propiciar condições para que o educando seja feliz,
isto assume maior realce no caso da Educação das Emoções. E dentro de
uma cosmovisão entrópica, podemos considerar como o objetivo último da
Educação das Emoções que o educando desenvolva as competências necessárias para reduzir ao mínimo sua entropia psíquica, pois a felicidade,
como foi demonstrado nestas reflexões, cursa com a ordem mental, com
uma entropia psíquica tão reduzida quanto possível.
416
PARTE VI
PEDAGOGIA DAS EMOÇÕES
417
418
20.
Educação das Emoções
na Faculdade Castro Alves
Paradigma Educacional
A Faculdade Castro Alves adota um Paradigma Educacional Pósmoderno com os seguintes postulados: o educando deve ter consciência
de si mesmo; deve ser dada à educação das emoções a mesma atenção
dada à educação da razão; a educação deve contemplar a atenção, a
vontade, o cultivo da Intuição, a ética, a compreensão humana, a transdisciplinaridade e a interdisciplinaridade.
A educação das emoções deve ser contemplada porque as novas
gerações têm escassa competência emocional e social; aumenta a violência, intolerância, medo, depressão e suicídio entre jovens e adultos; a
UNESCO recomenda que a Educação deve contemplar as Emoções,
ensinando-se o “aprender a ser” e o “aprender a conviver” ( DELORS,
1998);
Princípios da Faculdade Castro Alves
Fundamentada no paradigma educacional referido a Faculdade
Castro Alves adota os seguintes princípios em suas atividades:
419
• dar à dimensão emocional do aluno destaque igual ao conferido à razão, sem privilégio para nenhuma delas;
• estimular o aluno a desenvolver a auto-consciência e o autoconhecimento, para aprender a ser e aprender e a conviver consigo mesmo e
com os outros, abrindo caminhos para um efetivo encontro consigo mesmo, isto
é, a conhecer suas emoções e sentimentos negativos e positivos, seus desejos,
vontade, atenção e intuição e não apenas o mundo externo, através da razão;
• utilizar a interdisciplinaridade como instrumento obrigatório do planejamento e operacionalização do processo educacional, para recuperar o homem do seu pensar fragmentado e abrir caminho para um saber humano unificado;
• Estimular o aluno a concretizar seus valores éticos e morais, como
resultado da educação das emoções suprimindo comportamentos inadequados, reduzindo a possibilidade de conflitos na família, no trabalho, nas instituições sociais. Levando-o a melhorar seus relacionamentos e a agir baseado
nos valores de respeito à vida e aos seres humanos, compreensão, solidariedade e compaixão.
• estimular nos alunos a compreensão e a tolerância, pois a incompreensão e a intolerância deterioram as relações na família e na sociedade, provocando ruptura do tecido social;
• promover regularmente a avaliação institucional que subsidiará o planejamento do desenvolvimento institucional e o estabelecimento de políticas,
diretrizes e estratégias para o cumprimento da missão institucional;
• explicitar para os gestores, professores, alunos e colaboradores os
fundamentos de suas atividades.
420
Valores
A Instituição procura concretizar em seus alunos os seguintes valores, expressos na sua Missão, Visão e Regimento Geral:
▪ Buscar a Verdade: valor prioritário da Instituição, é necessário para
a fundamentar os conhecimentos e ações do futuro profissional, que vai
atuar num mundo em permanente transformação.
▪ Buscar a Sabedoria: desenvolvendo a capacidade de aplicar na atividade diária as habilidades e conhecimentos adquiridos sobre ciências
exatas, humanas e comportamentais, utilizando-os na sua concepção de
mundo e na prestação de serviços profissionais, transformando-os em
competências profissionais.
▪ Desenvolver a disciplina mental: cultivar a capacidade de organizar
suas atividades físicas e mentais de modo ordenado e produtivo para
alcançar seus objetivos.
▪ Desenvolver a capacidade de rever princípios e descobrir fatos novos: estimulando a reconhecer que o conhecimento científico não é definitivo e sofre alterações com o progresso da ciência e que sempre deve
atualizar-se e rever criticamente seus princípios diante da descoberta de
novos conhecimentos e novos fatos.
▪ Estimular a criatividade, entendida como qualquer ato, idéia ou
produto que modifique um campo já existente, transformando-o em um
novo, é estimulada mediante a utilização de métodos ativos, colocando o
aluno no centro das atividades pedagógicas, para que ele construa o
próprio conhecimento e aprenda a aprender.
421
▪ Cultivar a Competência Emocional, faculdade da pessoa de mobilizar recursos cognitivos e afetivos para solucionar com eficácia situações
nas quais é envolvido pelas emoções, usando a autoconsciência, autogestão e a consciência social para administrar seus relacionamentos. É
um dos valores fundamentais da Faculdade Castro Alves.
▪ Praticar a Justiça, considerada como o ato de dar tratamento igual
às pessoas, de acordo com seus direitos. Nas normas da Faculdade
Castro Alves a justiça é sempre considerada, sobretudo na atribuição de
direitos e deveres dos membros da comunidade que nela desenvolvem
atividades.
▪ Cultivar o Amor, considerado no sentido de respeitar o outro como
pessoa e a si mesmo, querendo seu próprio bem; de desejar o bem do
outro ou de alguma coisa; de dedicação, devoção a uma causa, afeição,
amizade, simpatia.
▪ Praticar solidariedade e cultivar responsabilidade social, sendo a
solidariedade é considerada como uma dependência mútua entre indivíduos ou grupo social, permitindo a união entre pessoas que compartilhem das mesmas vantagens e vicissitudes, ao se auxiliarem ou defenderem mutuamente. Vincula o indivíduo aos interesses e responsabilidades de um grupo social e contribui para o desenvolvimento do indivíduo
como cidadão. O conceito de solidariedade é expandido até a Responsabilidade Social contemplando proprietários, colaboradores, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade e o meioambiente.
Na sua missão a Faculdade Castro Alves se propõe a contribuir com
o ensino, pesquisa e extensão para o desenvolvimento da comunidade
422
local e regional; participar da solução de problemas da comunidade e a
formar recursos humanos aptos para a inserção profissional. Ao justificar
seus valores declara que o educando que tiver adequada competência
emocional terá condições de agir mediante uma ética baseada no respeito à vida, no respeito aos outros seres humanos e na compreensão e
solidariedade.
Diversos programas praticam a solidariedade e a responsabilidade
social: Avaliação Institucional, Seminários de Extensão, Doação de Alimentos, Bolsa ao Mérito, Indique um Amigo, Estágio e Programas de
Financiamento Próprio.
▪ Respeitar a Vida e aos outros: respeito é considerado no sentido
de conceder ao outro o tratamento desejado para si mesmo e não sem
interferir no seu universo. Respeitar é acatar o estabelecido nas normas
e leis. É um direito de todo ser humano.
▪ Cultivar a coragem, entendida como a capacidade de controlar o
medo e continuar a desempenhar com eficiência sua missão. A coragem
física é a superação do medo ao dano físico no cumprimento do dever e
a coragem moral consiste em defender seus valores, princípios e convicções, mesmo enfrentando o perigo e contrariando os próprios interesses.
▪ Promover a satisfação da comunidade: a satisfação é a sensação
agradável que se manifesta na pessoa quando as coisas correm a seu
contento. Decorre da cessação de um desejo produzido pela posse do
objeto desejado. Uma das metas da Faculdade Castro Alves é promover
a satisfação de seus alunos, professores, corpo técnico administrativo,
colaboradores e da comunidade externa, na medida de suas possibilidades. Para isto elabora o planejamento de suas ações, acompanha suas
423
execuções e avalia a satisfação dos envolvidos, pela avaliação institucional.
▪ Cultivar a compreensão, que consiste em compreender, perceber,
alcançar o sentido profundo de algo e entender o que não se apresenta
com clareza. A compreensão humana se fortifica com a empatia e é obtida no relacionamento respeitoso com o outro e pressupõe a identificação
com ele, a percepção e comunhão com seus sentimentos, requerendo a capacidade de perceber suas intenções. Quanto mais se cultivar a compreensão, mais harmonioso pode ser o convívio e para seu cultivo é importante haver no relacionamento amor, compaixão, solidariedade e tolerância. A compreensão é um dos valores prioritários da Faculdade Castro Alves, é capaz de promover harmonia nas relações entre o corpo docente, discente
e técnico-administrativo.
Começa com a compreensão intelectual de seus objetivos, expressos no planejamento institucional e culmina com a compreensão humana, que transcende à intelectual. A compreensão na relação alunoprofessor fortalece e otimiza os resultados do processo educacional e o
bom relacionamento entre o corpo docente, discente e técnicoadministrativo passa pelo diálogo em que seus pensamentos possam ser
integrados, tendo como referencial maior os valores institucionais.
424
21.
Abordagem Transdisciplinar
e Interdisciplinar
Fundamentação Pedagógica
A Educação das Emoções na Faculdade Castro Alves é fundamentada em métodos pedagógicos ativos, no desenvolvimento de competências dos educandos, na interdisciplinaridade, na transdisciplinaridade, no
Relatório Delors/UNESCO e na Declaração de Locarno /UNESCO.
Métodos Pedagógicos Ativos
Dentro da perspectiva da pedagogia pós-moderna, considera-se o
educando um elemento ativo do processo ensino-aprendizagem, participante efetivo do mesmo e não apenas um coadjuvante. O professor é o
orientador do processo de construção de saber do educando, não apenas o detentor do conhecimento. Esta prática pedagógica adotada desenvolve as competências do educando por meio da conciliação da sua
vivência com os conteúdos abordados em sala, o que requer da Instituição e do professor uma constante inovação nas metodologias de ensino
utilizadas para privilegiar o princípio da construção do conhecimento pelo
educando que deve aprender a aprender.
425
Desta forma, o processo educacional resulta das trocas que o educando estabelece na interação com o meio social, profissional e cultural. O Professor é o mediador do processo educacional, um articulador
das interações do educando com o meio ambiente, objetivando desenvolver seu senso crítico cabendo-lhe assegurar um relacionamento respeitoso, baseado no diálogo. O conteúdo programático da disciplina, em
vez de ser simplesmente memorizado é a base da compreensão das
informações necessárias para a construção de seu conhecimento.
Para alcançar os objetivos educacionais perseguidos o processo
educacional se desenvolve em ambientes estimuladores da educação
ativa e do aprender a fazer e a aprender a aprender, fazendo-se uma
educação na própria vida do educando. Os métodos de ensino compreendem estratégias e procedimentos que se caracterizam por ações
conscientes, planejadas e controladas, visando atingir os objetivos propostos no planejamento pedagógico e de acordo com as necessidades
de cada disciplina. São utilizados recursos didáticos onde o educando é
o centro das atividades, privilegiando sua iniciativa e criatividade, além
do trabalho em equipe na busca de soluções para os problemas.
As atividades pedagógicas são de natureza disciplinar, interdisciplinar, multidisciplinar e
transdisciplinar, estudos de caso, produção de
trabalhos e outras técnicas de educação ativa. Tais atividades pedagógicas facilitam o desenvolvimento pelo educando das competências e habilidades necessárias para que ele se sinta auto-suficiente, desenvolvendo
assim sua auto-estima, resultante de seu bom desempenho.
426
Interdisciplinaridade e Multidisciplinaridade
A partir da segunda metade do século XX o conhecimento humano
teve crescimento exponencial devido ao aumento do número de disciplinas, cada uma com seu campo de ação, objeto, conceitos e método definidos. Disciplina é aqui entendida como conjunto específico de conhecimentos com características próprias em termos de métodos, conceitos,
mecanismos de funcionamento, formação e planos de ensino. O aumento do número de disciplinas foi benéfico pois aumentou os conhecimentos mas trouxe um problema consigo relacionado com a compreensão
dos seus conteúdos e das relações com as demais disciplinas
Com o passar do tempo constatou-se que o conhecimento do objeto de uma disciplina era insuficiente para a compreensão adequada do
objeto e que ele poderia ser enriquecido se fosse analisado com a ótica
de outras disciplinas, utilizando-se conceitos e métodos diferente: que a
análise de um objeto por disciplinas diferentes permite melhor compreensão dele.
Daí a busca de “pontes” entre as diferentes disciplinas e uma delas é a Multidisciplinaridade ou Puridisciplinaridade. Exemplo: um educando que é o sujeito do conhecimento, tem como objeto de estudo do
coração. Ele pode visitá-lo e analisá-lo na perspectiva de diferentes disciplinas: através da anatomia terá visão da forma macroscópica do coração e da histologia conhecerá seus aspectos microscópicos. Utilizando
métodos e conceitos da fisiologia conhecerá seu funcionamento e através da patologia saberá sobre suas lesões e doenças. Com a fisiopatologia saberá como o coração funciona alterado por doenças e pela propedêutica cardiológica terá acesso ao diagnóstico das enfermidades car-
427
díacas e com a terapêutica terá acesso aos métodos de tratamentos das
doenças cardíacas.
Desta forma o educando construirá uma percepção integral do
funcionamento cardíaco e poderá desenvolver as competências necessárias para tratar de forma adequada um doente cardíaco.
Outro exemplo de multidisciplinaridade está na compreensão de
um quadro de Picasso com sua análise por óticas de diferentes disciplinas. A história da Arte e a história da Humanidade o situam no tempo; as
leis da Ótica permitem a compreensão de suas cores e matizes; a análise dos elementos químicos permite saber de sua autenticidade; a datação com carbono radioativo revela sua idade e a análise econômica
permite estabelecer seu valor no mercado.
A procura de novas pontes entre as disciplinas referentes aos diferentes saberes humanos conduziu à Interdisciplinaridade, nova forma de
saber e de conhecer capaz de enriquecer o conhecimento do objeto feito
por determinada disciplina através da apropriação dos conceitos e métodos de outra (s) disciplina (s) .
A palavra interdisciplinaridade, de origem latina, é composta de
três partes: a primeira um prefixo, inter , que significa posição ou ação
intermediária, interação; a segunda é um sufixo, dade, que substantiva
alguns adjetivos, atribuindo-lhes o sentido de ação ou resultado de ação
ou modo de ser; a terceira parte é – disciplina - que significa regime de
ordem imposta ou livremente consentida ou ordem que convém ao funcionamento de uma organização (FERREIRA,1986).
A interdisciplinaridade pressupõe uma intersubjetividade entre o
sujeito cognoscente e o outro sujeito com o qual se relaciona. Ela faz
428
uma “ponte” entre os dois sujeitos e busca recuperar o homem da esfacelação do seu pensar fragmentado, abrindo possibilidade para a comunicação com diferentes mundos vividos por diferentes pessoas, visando
a criação de um saber unificado. Caracteriza-se pelo intercâmbio entre
sujeitos cognoscentes e pela integração das disciplinas num mesmo
projeto pedagógico ou de pesquisa.
Para Lenoir (2001), pelo menos duas disciplinas devem interagir
para existir interdisciplinaridade que na sua essência contém uma mudança de atitude em relação ao problema do conhecimento: em vez da
concepção de um conhecimento fragmentado, está a de um conhecimento unitário.
Segundo Nicolescu (1994) podem ser distinguidos três graus de interdisciplinaridade :
1 - um grau de aplicação, em que os métodos e conceitos de uma
disciplina são aplicados em outra como na interação da Cardiologia com
a Física Nuclear. A Cardiologia passou a utilizar os conhecimentos dos
isótopos radiativos e a metodologia de medida da emissão de partículas
radioativas, próprias da Física Nuclear, com a finalidade de avaliar melhor o funcionamento do coração, que é seu objeto, para melhor avaliação cardíaca. Tal junção é muito útil para prever o futuro de doentes
com infarto do miocárdio, bem como em outras situações cardiológicas.
2 – Um grau epistemológico, em que os métodos da epistemologia de uma disciplina são utilizados por outra, como no caso da transferência dos métodos da lógica para o direito.
3 – Um grau de geração de novas disciplinas, como no caso da interação entre a Física Nuclear e a Medicina tendo como resultado a Me-
429
dicina Nuclear, com vasta aplicação nos conhecimentos teóricos e práticos, do diagnóstico ao tratamento de pacientes.
A Física Matemática surgiu da transferência dos métodos da Matemática para a Física; Arte Informática resultou da transferência dos
métodos da Informática para a Arte. Outros exemplos são: Biofísica,
resultante da interação da Física e da Biologia; Psicobiologia resultante
da Psicologia e da Biologia; Psiconeuroimunologia resultante da Psicologia, Neurologia e Imunologia; Psicofisiologia, resultante da interação
entre Psicologia e Fisiologia.
Enquanto a Multidisciplinaridade enriquece a exploração do objeto,
a Interdisciplinaridade, além de enriquecer a exploração do objeto, permite o encontro de novas soluções para os problemas e propicia o surgimento de novas aplicações do conhecimento e de novas disciplinas ou
epistemologias. Entretanto ambas não ultrapassam as disciplinas originais no tocante a suas finalidades e permanecem inscritas na pesquisa
disciplinar. Já a transdisciplinaridade transcende às disciplionas originais.
Finalidade da Interdisciplinaridade
O seminário da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizado na Universidade de Linköping, na Suécia, em 1985, considerou que além de uma finalidade epistemológica a
interdisciplinaridade tem também finalidade instrumental, da aplicação
do saber. Tal concepção implica em uma categoria de ação, de resolução de problemas concretos, práticos. Interessa a essa interdisciplinaridade um saber funcional, pragmático, útil para resolver problemas e esta
é a perspectiva adequada para o educador, ao se deparar com problemas
pedagógicos resultantes da crescente fragmentação do conhecimento, pois
430
é impossível o educando fazer uma síntese adequada dos saberes fragmentados oferecidos pelas diversas disciplinas dos currículos escolares(
LENOIR ,2001).
A finalidade primeira da interdisciplinaridade escolar é promover a
integração de aprendizagens e conhecimentos resultantes, contribuindo
para a formação do senso crítico do educando. Para atingi-la devemos:
colocar em prática condições apropriadas para o desenvolvimento de processos integradores de conhecimentos e aprendizagens, mediante adequada organização de conhecimentos a nível do curricular, didático e pedagógico. O nível pedagógico compreende os aspectos práticos cotidianos da
educação, na sala de aula ou em outros locais; estabelecer ligações entre
teoria e prática e entre os trabalhos de um segmento de estudo; ter como sistema de referência o educando, utilizar métodos ativos de educação e procurar estabelecer ligações de complementaridade e interação
entre as disciplinas escolares.
A integração das disciplinas escolares pode ser considerada sob
diferentes pontos de vista: do ponto de vista do educador implica na articulação curricular dos programas de estudo e de gestão, durante o planejamento educacional; do ponto de vista do educando, refere-se à integração de suas aprendizagens, durante sua interação com os objetos de
aprendizagem; como integração do conhecimento, refere-se ao resultado da aprendizagem do aluno que é conseqüência de um processo interno de construção cognitiva, feita exclusivamente por ele. Compete ao
professor criar condições didáticas que favoreçam a integração.
Consideramos três aspectos da interdisciplinaridade escolar. Num
primeiro nível está a interdisciplinaridade curricular que precede à didática e à pedagógica e é o ponto de partida para ações didáticas e peda-
431
gógicas seguras e conseqüentes. Consiste em estabelecer ligações de
interdependência, convergência e complementaridade entre as disciplinas de determinado nível de ensino, permitindo a criação de uma estrutura interdisciplinar integradora.
Pressupõe a existência de disciplinas específicas e objetiva incorporar os conhecimentos em um todo, numa perspectiva de troca e enriquecimento. Trabalha nas fronteira de cada disciplina, procurando romper as barreiras entre elas, exclui a hierarquização dominante de qualquer
disciplina e requer a colaboração de todas em termos de igualdade, complementaridade e interdependência.
No segundo nível a interdisciplinaridade didática trata do planejamento, organização e avaliação da intervenção educativa e representa
um instrumento operacional da interdisciplinaridade curricular. Propicia
um traço de união entre o plano curricular e o pedagógico e tem o objetivo de articular os conhecimentos das disciplinas e suas inserções nas
situações de aprendizagem. Ela dá conseqüências à curricular no processo pedagógico cotidiano e concebe os instrumentos conceituais que
guiarão as práticas educativas interdisciplinares integradas.
A interdisciplinaridade pedagógica é o terceiro nível da interdisciplinaridade escolar e torna concreto na sala de aula o processo iniciado
com a interdisciplinaridade curricular e continuado com a didática. Garante a efetividade dos modelos didáticos elaborados no planejamento
curricular e os insere em situações pedagógicas concretas e é fundamental para a análise e avaliação dos modelos adotados no plano curricular e didático, fornecendo dados para verificar suas adequações e
promover as modificações necessárias.
432
Necessidade da Interdisciplinaridade
A cultura disciplinar especializada foi desenvolvida pela humanidade em decorrência do aumento vertiginoso das disciplinas científicas que
tornou impossível a um mesmo ser humano abranger todos os conhecimentos, daí a necessidade de criar o especialista. Mas esta cultura trouxe diversos inconvenientes para a educação, na visão de Morin (2001).
Ele argumenta que as mentes formadas pelas disciplinas perdem suas
aptidões naturais para contextualizar os saberes e integrá-los em seus
conjuntos naturais.
Condena a hiperespecialização, por impedir a percepção do global
e do essencial, dificultando o tratamento correto dos problemas particulares que só podem ser propostos e pensados em seus contextos. Para
ele o conhecimento especializado abstrai o objeto estudado de seu contexto e de seu conjunto dificultando sua real percepção por considera-lo
algo abstrato e rompendo seus laços com a realidade.
Argumenta que nossa educação nos ensinou a dividir, separar e
isolar e não a unir conhecimentos e que quando somos colocados diante
de tal tarefa somos incapazes de realizá-la de modo adequado. E a incapacidade de organizar o saber disperso conduz à atrofia da disposição
mental natural de contextualizar e globalizar, destruindo as possibilidades de compreensão, reflexão, julgamento correto e visão a longo prazo.
Dentro destas perspectivas, cabe á Escola promover uma educação com
características transdisciplinares e interdisciplinares objetivando a reunificação do saber, mantendo a disposição mental natural de perceber o
todo, o uno.
A operacionalização da prática interdisciplinar pressupõe que seja
adotado um conceito operacional para interdisciplinaridade e a criação
433
de um grupo de trabalho interdisciplinar. A implantação da interdisciplinaridade numa escola deve ser a construção coletiva de um modelo pedagógico unificado resultante da integração dos conhecimentos de diferentes disciplinas, praticada a nível curricular, didático e pedagógico.
O pano de fundo das atividades interdisciplinares não é constituído
por conhecimentos bem estabelecidos, consensuais e os fundamentos
filosóficos e epistemológicos da interdisciplinaridade não são consensuais e sim alvos de discussões. Os passos devem ser dados criteriosamente e de forma judiciosa, com consenso grupal que gera maior confiança e entusiasmo na execução das tarefas e é fator relevante para o
sucesso do programa. É importante a criação de uma atitude interdisciplinar na Instituição, difundida entre todos, pois sua prática implica em
mudança de atitude mental diante da concepção e busca do conhecimento.
Transdisciplinaridade
A transdisciplinaridade é uma nova forma de conhecer e saber.
Conforme o prefixo trans indica, a palavra diz respeito ao que está ao
mesmo tempo entre as disciplinas consideradas, através delas e transcende a qualquer uma delas. O termo foi utilizado pela primeira vez por
Jean Piaget, em 1970 (Nicolescu, 1994) e o Centro de Transdisciplinaridade (CETRANS), da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
(USP) considera a transdisciplinaridade uma nova teoria do conhecimento.
O conhecimento transdisciplinar perpassa diferentes disciplinas,
tem por objetivo a compreensão do mundo presente e um de seus imperativos é a unidade do conhecimento, para que o mundo seja percebido
como um todo integrado e coerente. Exemplo do conhecimento transdis-
434
ciplinar é o conhecimento médico que começa com o conhecimento macroscópico e microscópico do corpo humano, objeto da Anatomia e Histologia, continua com o estudo do funcionamento do corpo, de seus órgão e sistemas, através da Fisiologia e conhece suas doenças com a
Patologia.
Para diagnosticar as causas das doenças utiliza-se a Propedêutica
Médica, que se reporta aos conhecimentos de anatomia, histologia, fisiologia, fisiopatologia e patologia. Além disto a Propedêutica utiliza conhecimento de outras disciplinas: do Laboratório Médico, Radiologia, Eletrocardiografia, Ultrassonografia, Tomografia e outros exames complementares, numa dinâmica interpretativa que leva ao diagnóstico anatômico,
fisiológico, sindrômico e funcional do paciente, num exercício de lógica
clínica. É este diagnóstico que permite ao médico utilizar-se de disciplina,
a Terapêutica, que é transdisciplinar por excelência.
O conhecimento transdisciplinar passa, necessariamente, pelo conhecimento disciplinar e alimenta-se dele. A transdisciplinaridade não é
uma nova disciplina, nem uma hiper-disciplina, conforme declara a Carta
de Transdisciplinaridade, adotada no Primeiro Congresso Mundial da
Transdisciplinaridade, realizado no Convento de Arrábida, Portugal, de 2
a 6 de novembro de 1994 (UNESCO, 2008). Ela é um novo conhecimento que ilumina de modo fecundo o conhecimento disciplinar, sem ser
antagonista a ele.
Disciplinaridade, Multidiscilinaridade, Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridaridade, são flechas que saem do mesmo arco do conhecimento: todas se ocupam em conhecer a realidade e podem ser confundidas muitas vezes.
435
A transdisciplinaridade tem como pressuposto que a realidade é
composta de diversos níveis e que o espaço entre estes níveis está
cheio de potencialidades, da mesma forma que o vazio quântico está
cheio de potencialidades que vão desde os quarks aos elementos pesados capazes de condicionar o aparecimento da vida. Na visão transdisciplinar a Realidade tem estrutura descontínua e não contínua, como é
admitido na concepção clássica. Sendo a estrutura descontínua sua representação e percepção têm também estrutura descontínua, assim como o espaço interdisciplinar. Enquanto a pesquisa disciplinar se refere a
fragmentos de um determinado nível de realidade, a pesquisa transdisciplinar interessa-se pela dinâmica gerada pela ação de vários níveis da
realidade, ao mesmo tempo, de modo complementar à pesquisa disciplinar.
Metodologia Transdisciplinar
O Centro de Transdisciplinaridade (CETRANS), da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo (USP) adota uma metodologia transdisciplinar baseada em três pilares :Níveis de Realidade, Complexidade e
Lógica do Terceiro Incluído.
Níveis de Realidade - Para Nicolescu (1994) a realidade é aquilo
que resiste a nossas experiências, representações, descrições, imagens
ou formalizações matemáticas e considera que as abstrações fazem
parte da realidade, pois na Física Quântica o formalismo matemático é
inseparável da experiência.
Para ele a concepção da Realidade é um construto coletivo com
uma dimensão trans-subjetiva. É constituída por níveis e cada nível é um
conjunto de sistemas sob a influência de determinadas leis gerais. Dá
436
como exemplo o nível quântico da Realidade, submetido às leis quânticas do mundo microfísico radicalmente diferentes das leis que governam
o mundo macrofísico, como ele é habitualmente percebido.
O mundo macrofísico obedece às leis da Mecânica Clássica Newtoniana e é substantivamente diferente do mundo macrofísico, que obedece às leis da Mecânica Quântica. Os dois níveis da realidade são diferentes em suas naturezas e quando passamos de um para outro, há ruptura de suas leis e de seus conceitos fundamentais, como por exemplo
do conceito de causalidade.
A constatação da existência de dois níveis de realidade diferentes
no estudo dos sistemas naturais marcou a história do conhecimento humano, mas eles coexistem e a prova está em nossa existência, pois nossos corpos possuem, ao mesmo tempo, estrutura macrofísica e estrutura
quântica. A Medicina Nuclear é comprovação disto, pois utiliza métodos,
técnicas e conceitos da física quântica e consegue excelentes resultados
práticos no diagnóstico dos pacientes, prevenção de doenças, manutenção da saúde e na cura de doenças, como o câncer.
Complexidade - ao logo do século XX a percepção da Complexidade instalou-se na consciência humana em todos os ramos de conhecimento. Ela se nutre da explosão da pesquisa disciplinar e determina a
aceleração do crescimento do número de disciplinas. Na própria Física,
disciplina de referência para outras, instalou-se a complexidade diante
das novas descobertas e grande número de questões físicas de natureza
matemática e experimental permanece sem solução (Nicolescu, 1994). A
complexidade instalou-se também nas ciências exatas e humanas, invadindo todas áreas do conhecimento. Sua origem é dupla: na própria
437
complexidade das teorias e modelos científicos e na complexidade advinda dos dados colhidos experimentalmente pelas diferentes disciplinas,
num reflexo da complexidade própria da natureza das coisas.
Lógica do terceiro Incluído - a Lógica Clássica se baseia em três
axiomas :
♦ Axioma da identidade: A é A;
♦ Axioma da não contradição: A não é não –A;
♦ Axioma do Terceiro Excluído: não existe um terceiro termo T,
que seja ao mesmo tempo A e não- A.
Para determinado nível de realidade, o segundo e o terceiro axiomas são equivalentes, pois o axioma da não contradição exclui automaticamente um terceiro termo. Não podemos afirmar, ao mesmo tempo, a
validade de uma coisa ( A ) e de seu oposto (não- A ).
O desenvolvimento da Física Quântica trouxe o conhecimento da
existência, no mundo microfísico, de pares de entidades que analisados
na ótica da Lógica Clássica, são mutuamente excludentes, isto é, são, ao
mesmo tempo, A e não – A. É o caso dos pares onda /corpúsculo e continuidade/descontinuidade, além de outros.
Para responder aos paradoxos das dualidades quânticas os físicos
criaram novas lógicas, denominadas “lógicas quânticas” que modificaram
e adequaram para a realidade quântica o terceiro axioma da lógica clássica, da não contradição. Lupasco propôs e demonstrou a validade de
uma nova lógica que modifica o terceiro axioma, transformando-o no
Axioma do Terceiro Incluído: para ele existe um terceiro termo que é ao
mesmo tempo A e não-A, existindo em outro nível de realidade. No caso
438
do par onda (A) e corpúsculo (não-A), o terceiro incluído (A e não- A) é
o fóton ( NICOLESCU, 1994).
Apesar dos pilares da transdisciplinaridade serem níveis de realidade diferentes, complexidade e terceiro incluído, ela pode ser aplicada
para um determinado nível de Realidade, para o macromundo, o mundo
habitual, como no exemplo citado da transdisciplinaridade médica.
Uma forma prática de aplicar a transdisciplinaridade é o sujeito
cognoscente (S ) analisar o mesmo objeto, sucessivamente, utilizando
de diferentes disciplinas ( D1, D2, ... ,D3 ), cujos conhecimentos vão ser
progressivamente enriquecidos com as aplicações dos métodos e conceitos de cada disciplina. As disciplinas podem estar em níveis curriculares diferentes, em semestres diferentes, sendo feita a articulação vertical
entre elas através de um projeto transdisciplinar. Será criado um “eixo”
transdisciplinar que fará uma “ponte” entre as disciplinas consideradas,
permitindo um conhecimento integrado e unificador do(s) objeto(s) aos
quais elas se reportam. Para isto é necessário que haja uma relação de
proximidade entre as disciplinas. Os conhecimentos de uma disciplina
vão se somando, de forma integrada, aos conhecimentos da outra, numa
relação de continuidade epistemológica, como se estivesse subindo uma
escada.
O método transdisciplinar é utilizado na educação médica como
mostra a técnica, apresentada a seguir, utilizada por um professor de
Clínica Médica em aula sobre estreitamento da válvula mitral, na junção
do o átrio esquerdo ao ventrículo esquerdo: revisão da anatomia do coração; revisão da fisiologia do coração; características da patologia da
estenose mitral; conseqüências da estenose mitral no funcionamento do
coração; como na doença se manisfesta no doente, na história e no e-
439
xame físico (Propedêutica Médica); como fazer o diagnóstico utilizando a
Radiologia, Eletrocardiografia, Ultrassonografia e outros exames subsidiários; como tratar o paciente (Terapêutica)
A técnica foi transdisciplinar perpassando várias disciplinas, utilizando seus conhecimentos, conceitos e métodos de raciocínio próprios,
ultrapassando sucessivamente seus campos de conhecimentos até obter
os novos conhecimentos desejados até fazer o diagnóstico da doença e
saber tratá-la.
Os conhecimentos utilizados foram fundamentados em diversas
disciplinas: os de anatomia foram indispensáveis para a compreensão
dos de fisiologia que foram fundamentais para a compreensão da fisiopatologia que, por sua vez, explicaram a origem das queixas do paciente, base da suspeita diagnóstica que confirmada pelos exames de laboratório permitiram estabelecer o diagnóstico do paciente e a terapêutica
necessária. A prática transdisciplinar implica na articulação vertical e
horizontal de diferentes disciplinas.
Evolução transdisciplinar do aprender
Em maio de 1997 a UNESCO patrocinou em Locarno, na Suíça,
um congresso internacional denominado “Que Universidade para o Amanhã ?”, em colaboração com o Centre Internacional de Recherches et d
Études Transdisciplinaires (CIRET). Por outro lado, a Declaração de Locarno inclui os métodos transdisciplinares na educação como fundamentais (UNESCO,1994).
O relatório da UNESCO, da Comissão Internacional sobre Educação no Século XXI, conhecido como Relatório Delors (DELORS,1998),
dá ênfase a quatro pilares para a educação: aprender a conhecer, a-
440
prender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Esta concepção
aponta para a valorização do ser humano, que é considerado tanto sujeito quanto objeto da educação.
Segundo Nicolescu (1994), aprender a conhecer, na perspectiva
transdisciplinar, significa ser capaz de estabelecer pontes entre os diferentes saberes, entre estes saberes e seus significados e seus significados para a vida cotidiana e para nossas capacidades interiores.
Não basta conhecer um objeto através de uma disciplina. É preciso
que o educando seja capaz de estabelecer relações entre o conhecimento advindo de determinada disciplina e o conhecimento vindo de outras
pela interdisciplinaridade e transdisciplinaridade e deve buscar o significado deste novo saber para a vida cotidiana e para suas capacidades
interiores. Para isto é necessário ele aprenda a utilizar a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade como instrumentos mentais durante o processo educacional.
Então teremos como produto do processo educacional pessoas
com a capacidade de se reciclarem permanentemente, capazes de se
adaptarem às novas exigências da vida, cada vez crescentes, tanto na
vida profissional quanto na vidas de relações sociais. As mudanças contínuas com que elas se depararão os encontrarão dotados de uma flexibilidade permanente que permitirá atualizar suas potencialidade. E um
dos objetivos da Educação deve ser desenvolver no educando a capacidade de atualizar suas potencialidades .
Aprender a fazer – Para Nicolescu (1994) “fazer” significa também
descobrir o novo, criar, trazer à luz nossas potencialidades. Aprender a
fazer é uma aprendizagem da criatividade que só pode ser feita com
441
métodos ativos de educação nos quais o aluno seja colocado no centro
do processo educacional. Deve-se procurar criar condições para o surgimento de pessoas autênticas, capazes de exercitar ao máximo suas
potencialidades criativas.
Aprender a viver junto – viver em conjunto significa tolerar as diferenças; saber administrar os conflitos; saber separar a vida interior da
vida exterior; aprender a ter uma atitude transcultural, transreligiosa,
transpolítica e transnacional que permitirão conhecer melhor nossa cultura e melhor defender os interesses de nossa nação, além de permitir
maior respeito a nossas convicções religiosas e políticas. A prática desta
visão trará uma maior tolerância ao mundo e mais paz para nós todos.
Aprender a ser - podemos fazer isto descobrindo nossos condicionamentos; identificando a harmonia ou desarmonia existente entre nossa
vida individual e nossa vida social; analisando melhor nossas convicções.
Ter como norma questionar a nós mesmos, questionar sempre.
Consideramos muito atuais as seguintes palavras de Nicolescu
(1994,p 141):
“A educação atual privilegia o intelecto, com detrimento da sensibilidade e do corpo. Isso foi certamente necessário em determinada época, para
permitir a explosão do conhecimento. Mas se este
privilégio continuar, nos arrastará para a lógica
louca da eficiência pela eficiência, que só pode
desembocar na nossa autodestruição”.
Programa de Educação das Emoções
442
O Programa de Educação das Emoções - PROEDEMO abrange todas as atividades acadêmicas e administrativas da Faculdade Castro
Alves e contempla os cursos de graduação, pós-graduação, atividades
de extensão, estudos e pesquisa praticadas na instituição e está presente em todos os projetos institucionais.
As responsabilidades pela condução do Programa estão em diversos órgãos da instituição: Diretoria, Conselho de Coordenação, Superintendência Acadêmica, Coordenações dos Cursos de Graduação de Administração, Psicologia, Turismo e Ciências Contábeis, Coordenação dos
Cursos de Pós – Graduação, Coordenação do Núcleo de Pesquisa, Estudos,
Extensão,
Pós-Graduação e Desenvolvimento Institucional
(NUPEDI), Coordenação da Comissão Própria de Avaliação e da Comissão de Monitoramento do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI).
Tem por objetivo geral desenvolver no educando as competências
da Inteligência Emocional, a autoconsciência e autogestão emocional,
consciência social e administração de relacionamentos.
São seus objetivos específicos desenvolver no educando:
►
a competência da autoconsciência emocional, para que adquira
as habilidades de identificar suas emoções e seus impactos e falar abertamente sobre elas; reconhecer seus valores básicos e usar a intuição
nas decisões; auto-avaliação, conhecendo seus limites e possibilidades,
saber pedir ajuda ; auto-confiança: ter consciência de seu valor e de suas capacidades e confiar nelas;
► a
competência de autogestão emocional, para adquirir autocon-
trole emocional, adaptabilidade, superação, iniciativa, otimismo;
►
a competência da consciência social, para adquirir as habilidades
de empatia e consciência organizacional e de administrar relacionamen-
443
tos, para que ele seja capaz de ter as habilidades de liderança inspiradora, influência, catalização de mudanças, gerenciamento de conflitos, trabalho em equipe e colaboração.
A metodologia será diversificada em função da natureza da atividade, didática, de pesquisa ou de estudos e de acordo com os objetivos
específicos a serem atingidos.
Avaliação do Programa
As disciplinas de Educação das Emoções,ao longo de nove anos
de existência da Faculdade Castro Alves, já foram cursadas por cerca de
5.000 alunos dos cursos de graduação e pós-graduação, tendo sido seus
excelentes resultados constatados através da avaliação institucional,
realizada pela Comissão Própria de Avaliação, que estabeleceu para isto
critérios e normas.
Nas avaliações efetuadas durante o ano de 2005, a média de aceitação da Educação das Emoções pelos alunos de Turismo e Ciências
Contábeis foi de 95% e de Administração foi de 91,4 %.
Foi realizada pesquisa sobre excelência profissional e competência
emocional com alunos da Faculdade Castro Alves matriculados nas
disciplinas Educação das Emoções I e II no primeiro semestre de 2001 e
segundo semestre de 2002,com ênfase na prática cotidiana e no
Inventário de Competência Emocional – Edição Universidade (ECI- U).
Foram aplicados 238 questionários em 119 alunos
dos cursos de
Administração,
os
Turimo
e
Ciências
Contábeis
e
resultados
comprovaram a importância da Educação das Emoções na vida dos
alunos, na sala de aula, no dia a dia, no ambiente familiar e no trabalho.
Foi constatada maior maturidade emocional para enfrentar as
dificuldades que surgem nos relacionamentos com outras pessoas. Além
444
dos resultados estatísticos a validade desta linha de atuação pode ser
confirmadas em declarações dos participantes, do tipo: “Hoje sei
controlar mais meus medos e consigo enfrentar a vida com mais
coragem” e “ Faço o possível para não entrar em choque com os
problemas que me fazem ficar com raiva, depois da educação das
minhas emoções” .
Atividades do Programa
Atividades no ensino de Graduação
Uma das atividades foi ministrar nos Cursos de Administração, Psicologia, Ciências Contábeis e Turismo as disciplinas Educação das Emoções I, Educação das Emoções II e Educação das Emoções III.
A primeira disciplina Educação das Emoções I fez parte da grade
curricular quando do credenciamento da instituição em 1999 e por solicitação dos alunos foi criada a segunda disciplina Educação das Emoções
II. Em 2008 foi criada a disciplina Educação das Emoções III, para aprofundar o estudo das emoções positivas e suas raízes sociológicas, antropológicas e filosóficas.
As ementas das disciplinas são as seguintes :
Educação das Emoções I: emoção: conceito, significado e mecanismos, respostas orgânicas, classificação, tipos, formas e manifestação. A educação das emoções: objetivos, bases psicológicas, aspectos
históricos, princípios e experiências. Autoconsciência e autoconhecimento. Autoconhecimento emocional. As emoções primárias. Estudo da raiva, medo, tristeza, alegria e afeto: causas, conduta da pessoa, efeitos
corporais e conseqüências. Controle e repressão das emoções. Empatia
na educação das emoções.
445
Educação das Emoções II: o estresse, conceito e significado. Estresse no trabalho. Escalas de necessidades. Comunicação. Regras básicas da comunicação interpessoal. Estilos de relacionamentos e estilos
gerenciais. Auto-imagem. Desempenho pessoal. Uso do tempo. A vida e
o tempo. Jogos psicológicos. A competência emocional. Os caminhos da
mudança. Dinâmica de grupo X mudanças.
Educação das Emoções III: emoções Positivas. Principais forças
pessoais e virtudes humanas. Relações entre virtudes, forças pessoais e
emoções positivas. As emoções na perspectiva de Damásio. Emoções,
valores e virtudes humanas. Importância das emoções no desenvolvimento do ser humano. Desenvolvimento da consciência humana. Ética
das emoções e valores humanos. Valor da ética das emoções para a
convivência do ser humano. Estrutura social, papel social e anomia. Cultura e interação social. Liberdade, família e democracia.
Atividades no ensino de Pós-Graduação
Foi ministrada a Educação das Emoçõpes como disciplina dos seguintes cursos: Gestão Estratégica das Emoções nas Organizações,
MBA em Gestão Organizacional e MBA em Planejamento da Logística
Empresarial
Atividades de Pesquisa
Foram realizadas as seguintes, sob a responsabilidade do Núcleo de
Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão, Estudos e Desenvolvimento Institucional -NUPEDI: entre os alunos da Faculdade Castro Alves para avaliação da mudança de suas competências emocionais, depois de cursarem as disciplinas de Educação Emocional I e Educação Emocional II;
446
entre alunos do Colégio Polivalente de Amaralina, em convênio com a
Secretaria de Educação do Estado da Bahia, para avaliação da mudança
de suas competências emocionais após a ministração de treinamento em
Educação das Emoções realizado por professores da Faculdade Castro
Alves, efetuada no ano de 2002; entre professores da instituição, no
curso de Educação de Valores, em 2006.
Atividades de Extensão
Realizadas sob a responsabilidade do Núcleo de Pesquisa ,PósGraduação, Extensão,Estudos e Desenvolvimento Institucional -NUPEDI
junto à comunidade interna da Faculdade Castro e à comunidade externa:
►
Programa de capacitação emocional através do qual a Faculdade
Castro Alves implanta na própria organização uma gestão calcada nos
princípios da Inteligência Emocional, sub-dividido em Capacitação funcional do corpo administrativo da Faculdade Castro Alves e do corpo
docente da Faculdade Castro Alves;
►
Orientação de alunos da Faculdade Castro Alves para realização
de Trabalhos de Conclusão de Curso;
►
Orientação de alunos de outras Instituições de Ensino Superior
para realização de Trabalhos de Conclusão de Curso sobre Educação
das Emoções;
►
Promoção de estudos sobre Educação das Emoções através do
Núcleo de Estudos de Educação Emocional (NEMO).
►Seminários
Interdisciplinares para alunos da Faculdade Castro Al-
ves, abertos à Comunidade;
447
►
III Fórum de Educação Emocional, realizado em convênio com a
Academia Baiana de Educação, em 7-11-2000
►
Seminário sobre Educação das Emoções realizado em 2 –6-2003,
na Fundação José Carvalho, Pojuca, Bahia;
Núcleo de Estudo das Emoções
O Núcleo de Estudos das Emoções - NEMO ,órgão destinado aos
estudos, reflexões e pesquisas sobre emoções, executou as seguintes
atividades:
►
Apreciação e discussão de livros :”Mistérios da Consciência”, de
Antònio Damásio (2008); “Liderança com Inteligência Emocional”, de
Caruso e Salovey (2007); “Por que amamos” de Helen Fisher ( 2006);
“Fórmula da Felicidade” de Stephan Klein”; “Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos” de Antonio Damásio (2004 e
2005);“Felicidade Autêntica” de Martin Seligman (2003);
►
Elaboração de projetos: Projeto da disciplina curricular “Estudo Interdisciplinar das Emoções” (2004/2005); Projeto de Curso de Extensão sobre “Estudo Interdisciplinar das Emoções” (2006); Projeto de Curso de Extensão sobre “Educação e Clarificação de Valores” (2006);
►
Seminários sobre temas avançados: Entropia Psíquica e Educação das Emoções (2004); Neurociências e Emoções (2005); Paradigma das Emoções (2005);Emoção e Valores (2006);
►
Participação em Congresso
Apresentação de painel sobre “Experiência da Faculdade Castro Alves em Educação das Emoções”, no XXVI CONGLAT, Congresso Inter-
448
nacional de Análise Transacional, realizado em Salvador, de 07 a 09 de
setembro de 2006, promovido Associação Latino Americana de Análise
Transacional – ALAT.
►
Atividades de Extensão
• Curso de “Estudo Interdisciplinar das Emoções”, no primeiro se-
mestre de 2006.
• Curso de “Educação dos Valores”, no primeiro semestre de 2006.
• Curso de Introdução à Educação das Emoções, no segundo se-
mestre de 2006.
• Implantação do Programa de Capacitação Emocional do corpo
técnico- administrativo e colaboradores da FCA.
• Programa de Capacitação Emocional dos colaboradores, a ser
oferecido a empresas.
• Orientação para trabalhos sobre educação das emoções, para
concluintes de cursos de Graduação e Pós-graduação, para alunos da Castro Alves e de outras Faculdades.
• Sub-programa de atividades para atualização em Educação das E-
moções oferecido a alunos da Faculdade Castro Alves, em 2006.
Para membros do NEMO, Coordenadores de Cursos e do NUPEDI e
Superintendente Acadêmica:
“Educação e Clarificação dos Valores da FCA”
► Seminários
interdisciplinares realizados
• Inteligência Social (2008)
• Ciência da Felicidade (2007)
• A Ciência do Amor (2007)
449
• A Ciência dos Sentimentos (2006)
• Educação das Emoções Positivas (2005),
• Liderança e Emoção (2004),
• Alquimia Emocional (2003),
• A Arte de Lidar com a Raiva (2002),
• Intuição (2001),
• Como Administrar Crises (2000);
• III Fórum de Educação Emocional (2000).
Publicações do Programa
Livros: Educação Emocional na Escola – 1999; Educação Emocional
na Escola–2a Ed. – 2000; Educação das Emoções – 2009; Paradigma das Emoções – 2007.
Revistas: Revista Acadêmica da FCA Pontos de Vista – n. 1 e n. 2,
financiada pela FAPESB – Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado da Bahia.
Monografias: Educação Emocional, Relacionamento e Saúde –
2000; Paciência, o Antídoto da Raiva – 2001; A Arte de Lidar com a
Raiva – 2001; Intuição – 2001; Alquimia Emocional – 2002; Interdisciplinaridade – 2003; Liderança e Emoção – 2004; Paradigma da
Educação Pós-Moderna-2004; Educação das Emoções Positivas –
2005; Entropia Psíquica e Educação das Emoções – 2005; Emoção
e Valores – 2006; Valores da Faculdade Castro Alves.
450
22.
Paradigma para a
Educação Pós-Moderna
Em busca de um paradigma
A busca de um paradigma para a Educação Pós-Moderna passa
pela resposta à seguinte questão: qual a herança recebida pela educação pós-moderna da educação moderna ? Respondida esta questão
pode ser estabelecidos princípios básicos para um paradigma da Educação Pós-Moderna.
Um dos elementos da herança recebida pela Educação PósModerna é o Relatório Delors, apresentado por Delors (1998) à
UNESCO. Nele é feito o resgate do pensamento de Sartre (1973), que
afirmou em seu livro em suas reflexões sobre existencialismo e humanismo que é procurando fora de si um fim que o homem se realizará como ser humano. A pessoa será mais humana ao abrir seu coração e
facilitará a busca e a conquista da felicidade. Estará a serviço de uma
nova ética, fundamentada no respeito à vida e no respeito ao outro, calcada na solidariedade e na compreensão.
Na introdução ao relatório Delors chama a atenção para a necessidade de considerar-se o homem como objeto da educação. E estabelece
451
como meta do processo educativo a construção da própria pessoa, o que
pressupõe a aprendizagem da autoconsciência e do autoconhecimento
como elementos fundamentais da educação. Para Delors no alvorecer
de um novo século cuja aproximação nos deixa indecisos entre a angústia e a esperança, impõe-se que todos os responsáveis prestem atenção
às finalidades e aos meios da educação. As políticas educativas devem
ser processo de enriquecimento dos conhecimentos, do saber-fazer e
talvez em primeiro lugar, uma via privilegiada de construção da própria
pessoa e das relações entre indivíduos, grupos e nações
Na introdução ao relatório, declara Delors (1998p.16):
“Tudo nos leva, pois, a dar novo valor à dimensão ética e cultural da educação e, deste modo,
a dar efetivamente a cada um, os meios de
compreender o outro, na sua especificidade, e
de compreender o mundo na sua marcha caótica para uma certa unidade. Mas antes, é preciso
começar por se conhecer a si próprio, numa espécie de viagem interior guiada pelo conhecimento, pela meditação e pelo exercício da autocrítica”. “Esta mensagem deve orientar qualquer
reflexão sobre educação (...)”.
Para ele, devemos
“Desenvolver a compreensão do outro e a percepção das interdependências (...) no respeito
pelos valores do pluralismo, da compreensão
mútua e da paz”.
Para Delors o objetivo maior da educação é a construção da própria pessoa e a construção das relações entre os indivíduos, grupos e
nações. Assim, a construção de um bom relacionamento entre as pessoas, grupos e nações é meta da educação. E o bom relacionamento da
pessoa, com ela mesma e com as outras, é o grande objetivo da Educação das Emoções, como defende Santos (2000)
452
Na pag 19 (op.cit.), Delors retorna ao tema:
“Mas a modificação profunda dos quadros tradicionais da existência humana, coloca-nos perante o dever de compreender melhor o outro, de
compreender melhor o mundo. Exigências de
compreensão mútua, de entre ajuda pacífica e,
por que não, de harmonia, são, precisamente,
os valores que o mundo mais carece”.
Declara no referido Relatório que (op.cit,p 102):
“Desenvolver a compreensão do outro e a percepção das interdependências – realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos –
no respeito pelos valores do pluralismo, da
compreensão mútua e da paz”.
Os sete saberes necessários à educação do futuro
Com o objetivo de aprofundar esta nova concepção de Educação,
a UNESCO solicitou ao filósofo Edgar Morin o aprofundamento destas
idéias e Morin (2001) as publicou chamando-os de os sete saberes necessários à educação do futuro, assim denominados: as Cegueiras do
Conhecimento: o erro e a ilusão; os Princípios do Conhecimento Pertinente; ensinar a Condição Humana; ensinar a Identidade Terrena; enfrentar as Incertezas; ensinar a Compreensão; a ética do gênero humano.
A análise de suas idéias mostra o homem como centro da educação devendo para ele convergir os esforços do educador. Os dois primeiros saberes apontados por Morin tratam do conhecimento, e relacionam-se com o pilar aprender a conhecer do Relatório Delors. Os saberes
relativos à condição humana e à identidade terrena, relacionam-se com o
pilar aprender a ser; o saber enfrentar as incertezas relaciona-se com o
453
aprender a fazer e os saberes ensinar a compreensão e a ética do gênero humano, relacionam-se com o pilar aprender a conviver.
Faremos a seguir uma análise de ensinar a compreensão.
Ensinar a Compreensão - Morin (2001) considera que um questão
crucial para o homem de hoje é a da Compreensão por isto ela deve ser
considerada uma das finalidades da educação. Para ele a incompreensão deteriora as relações familiares entre pais e filhos e entre maridos e
esposas e se expande como um câncer para a sociedade, na vida cotidiana, provocando calúnias, agressões e homicídios, psíquicos ou verdadeiros.
Comenta especificamente o mundo dos intelectuais, escritores e
universitários, onde deveria haver mais compreensão e que é o mais
impulsionado por auto-estimas hipertrofiadas, nutridas pela necessidade
de consagração e de glória.
Educação para os obstáculos à Compreensão - Morin(2001) trata
dos obstáculos que se opõemà compreensão intelectual e à humana e
daqueles que se referem exclusivamente à compreensão intelectual. Cita
como causas de incompreensão intelectual: a dificuldade de comunicação, como a gerada pela desatenção de um interlocutor; a polissemia de
uma proposição, que é enunciada com um sentido e entendida em outro;
ignorância de ritos e costumes do outro, principalmente dos ritos de cortesia; incompreensão dos valores imperativos de uma cultura por um
estranho a ela, como o menosprezo a crenças religiosas, o desrespeito
aos idosos,etc; incompreensão de imperativos éticos de determinada
cultura, como o imperativo da vingança nas sociedades tribais e o imperativo das leis nas sociedades evoluídas; impossibilidade de compreen-
454
são de uma estrutura mental em relação a outra, como por exemplo na
relação entre um camponês e um acadêmico da metrópole .
Como obstáculos que se opõem a ambas as compreensões, cita a
indiferença, o egocentrismo, o etnocentrismo e o sociocentrismo. A indiferença resultante da falta de atenção e consideração pelo outro e funciona como grande obstáculo a qualquer forma de compreensão.
Também os “centrismos”, o egocentrismo, sociocentrismo e etnocentrismo, fazem com que o possuidor se situe no “centro do mundo” e
considere tudo que é distante ou estranho como secundário, insignificante ou hostil. Há certo sentimento de superioridade em todo centrismo, um
certo orgulho de quem o possui em relação às outras pessoas que são
vistas e tratadas de cima para baixo. A humanidade ainda não esqueceu
o etnocentrismo da Alemanha hitlerista, baseado na falsa suposição de
que os alemães eram uma raça superior.
O egocentrismo cultiva a auto-ilusão, a tapeação de si próprio, a
autoglorificação. O egocêntrico tende a jogar sobre outrem a causa de
todos os males e percebe de modo pejorativo as palavras e atos alheios.
Passa a selecionar para os outros o que lhes for desfavorável, e a eliminar o que lhes for favorável. O egocêntrico se julga melhor que os outros
e desenvolve hipertrofia da auto-estima que o leva a problemas de relacionamento. Perante si mesmo se torna homem modelo e passa a ser a
medida para avaliar os outros.
Morin (op.cit.) chama a atenção para o fato de que a incompreensão de si é fonte muito importante da incompreensão do outro. Concordamos com a afirmativa pois o outro, embora diferente de nós, contém
os mesmos elementos biológicos e psicológicos comuns ao gênero humano que são responsáveis pela unidade da espécie. É este elo de liga-
455
ção que garante a possibilidade da compreensão entre os seres humanos. Partindo de minha autocompreensão e de meu autoconhecimento
conhecerei minhas carências e defeitos e poderei identificar e compreender as carências e defeitos dos outros, que são semelhantes aos
meus. Por isto devo aceitá-los e tolerá-los.
Espírito redutor - para Morin (2001), uma das causas de incompreensão é o espírito redutor que reduz um conhecimento complexo a apenas um de seus elementos, considerando-o o mais significativo, levando
a uma forma de pensar simplificadora. Um exemplo de reducionismo
está na redução da natureza humana a apenas uma de suas dimensões.
A natureza do homem é multidimensional com as dimensão biológica,
psicológica, axiológica , social, cultural e histórica. A redução ao psicológico implica no psicologismo; ao biológico no biologismo; ao social no
sociologismo; e assim por diante, com todas as conseqüências maléficas
de desconsiderar o todo em privilégio de uma das partes.
Cita como exemplo de incompreensão a resultante de um reducionismo em relação à da personalidade de uma pessoa, que é considerada
em apenas um de seus traços. Se o traço considerado for favorável haverá desconhecimento dos aspectos negativos da pessoa. É o caso do
amante que idolatra o ser amado e não consegue enxergar seus defeitos. Se o traço considerado for negativo, a pessoa será julgada em função dele – é o caso de quem comete um deslize ético e sempre é julgado em função dele, do criminoso é segregado pela sociedade depois de
cometer um delito.
456
Ética da compreensão - para Morin a ética da compreensão exige
compreender de modo desinteressado e compreender o fanático é compreender as raízes, as formas e as manifestações do fanatismo. A ética
da compreensão está em compreender a incompreensão e para praticála devemos argumentar e dialogar, em vez de discordar, condenar, excomungar ou excluir. São fatores que favorecem a compreensão: o “bem
pensar”, a introspecção, a abertura simpática em relação ao outro e a
interiorização da tolerância.
O bem pensar - é um modo de pensar que leva em conta os princípios do conhecimento pertinente e que considera o contexto da situação analisada; a globalidade do todo, na sua condição de conjunto de
partes ligadas entre si, interagindo reciprocamente; a multidimensionalidade do objeto análisado e sua complexidade. O conhecimento pertinente permite apreender as condições objetivas e as subjetivas do comportamento humano.
A introspecção - Morin considera a prática mental do auto-exame
permanente como necessária pois permite que reconheçamos e julguemos nosso egocentrismo, permitindo que não assumamos a condição de
juiz de todas as coisas. Santos (2000) considera a introspecção um instrumento fundamental para o autoconhecimento e que ela consiste em
dirigir a atenção para os fatos psicológicos conscientes.
É dirigir o “olho da mente” para os atores de nossa consciência e
observar o fluxo de acontecimentos, procurando identifica-los e observar
a sucessão deles. Identificar os pensamentos, emoções e sentimentos e
procurar percebê-los com a maior nitidez possível. Perceber quando
457
entram em cena a vontade e a atenção, observar a relação entre elas e
o efeito da atenção sobre a percepção.
Fazer a identificação dos pensamentos reflexivos e dos argumentos lógicos que os constituem, caracterizando as premissas e as conclusões suportadas por elas. Atentar para os pensamentos automáticos,
quase sempre negativos, e para a identificação das intuições que brotam
na mente.
Identificar a ocorrência de lembranças de fatos recentes ou remotos e a roupagem emocional que os envolve, se agradável ou desagradável. Caracterizar a imaginação, reconhecer os instintos (pulsões), impulsos e desejos que irrompem do inconsciente, além dos juízos de valor
(avaliações) que fazemos das coisas.
A tolerância - Para Morin, a tolerância verdadeira supõe convicção, fé, escolha ética e aceitação da expressão das idéias, convicções e
escolhas contrárias às nossas. Supõe sofrimento ao suportar a expressão de idéias negativas ou, segundo nossa opinião, nefastas,e a vontade
de assumir este sofrimento.
Para Santos (2001), a tolerância é uma das funções básicas da
paciência,que implica em conter nossos impulsos, aguardar a hora certa
para agir , que exige auto- controle. Isto requer o exercício da tolerância, que significa admitir e aceitar, num consentimento tácito, sem revolta, outras formas de agir , pensar e sentir.
Acreditamos que devam ser incluídos entre os fatores que favorecem a compreensão, além dos citados por Morin, o cultivo da meditação
e da intuição.
458
Um Paradigma para a Educação Pós-Moderna
Resultado de reflexões sobre a necessidade de um novo paradigma educacional apresento alguns princípios que considero pertinentes
para a contextualização do problema.
1. A educação pós-moderna deve estabelecer um Paradigma Educacional que explicite idéias e ações que a livrem da influência predominante
do iluminismo, do freudismo e do behaviorismo.
2. A educação pós-moderna deve criar condições para que o Educando tenha consciência de si mesmo.
O Educando, conforme recomenda Delors (1998), deve ser orientado para ter maior consciência de si mesmo, aumentar o autoconhecimento e a autoconsciência, aprender a ser e a conviver, conhecer melhor a si mesmo se descobrindo a cada dia, abrindo caminhos
encontrar a si mesmo. Para isso a educação deve ter como objeto o
mundo interno do educando, suas emoções, sentimentos, desejos, vontade, atenção e intuição, em vez de contemplar apenas o mundo externo
a ele através da razão.
3. A educação pós-moderna deve dar à Educação das Emoções a
mesma atenção que der à Educação da Razão, sem privilégio de nenhuma delas. Fundamentada na Psicologia Cognitiva deve contemplar
as emoções negativas e positivas do educando.
4. A educação pós-moderna deve contemplar a educação da atenção e da vontade.
A Meditação, forma de educação da atenção, visa desenvolver a
capacidade de concentração do educando. Tem por finalidade obter a
quietude da mente, mediante sua concentração em determinado objeto
ou tema. Para Santos (2000), é um dos meios mais efetivos para o auto-
459
conhecimento e abre a mente para o controle das emoções, sentimentos
e pensamentos.
5. A educação pós-moderna deve contemplar o cultivo da Intuição.
A intuição é uma forma de saber que não tem origem em dados conscientes e que surge na mente a qualquer hora, podendo prever possibilidades futuras. É um conhecimento imediato do qual não participa a razão que trabalha com informações adquiridas e armazenadas pela pessoa ao longo da vida as quais em determinado momento passam a ser
disponíveis para a consciência. Para Santos (2001b), o educando deve
ser orientado para aprender a identificar sua intuição e diferenciá-la de
suas pulsões, desejos, raciocínios e emoções, bem como desenvolvê-la
e utilizá-la adequadamente.
6 . A educação pós-moderna deve contemplar a Educação Ética
que tem como objetivo orientar a conduta do educando tanto quanto aos
seus fins, quanto aos meios necessários para atingi-los. Deve preocuparse com o que é certo ou errado, com o que é bom ou ruim, e voltar sua
atenção para as virtudes humanas. No mundo atual é fundamental despertar o educando para os valores éticos e para as regras da moralidade.
Para Yearley (1999) a Educação das Emoções interfere no comportamento da pessoa e pode induzir o surgimento de comportamento
virtuoso, mediante o estímulo de virtudes inata, ou através do controle de
expressões emocionais não virtuosas. Para Santos(2000), o educando
acostumado a controlar suas emoções adquire hábitos de auto-controle
que são introjetados em suas atitudes e comportamentos e desenvolve o
controle de comportamentos socialmente inadequados que leva à diminuição do número de conflitos em suas atividades, na família, no trabalho, na escola e na sociedade.
460
Com as competências emocionais desenvolvidas o educando terá
melhor relacionamento social e melhores condições para agir dentro de
uma ética baseada no respeito à vida, no respeito aos seres humanos,
na compreensão, na solidariedade e na compaixão.
7. A Educação Pós-Moderna deve cultivar a compreensão humana.
Como vimos Morin (2000) considera que uma questão crucial para a civilização atual é a da compreensão, pois a incompreensão deteriora as
relações entre pais e filhos e entre maridos e esposas, e expande-se
como um câncer para a sociedade, provocando calúnias, agressões e
homicídios, psíquicos ou verdadeiros.
Para Santos( 2001ª), a tolerância é uma das funções básicas da
paciência e implica em conter nossos impulsos, aguardar a hora certa
para agir e ter auto- controle. Significa admitir e aceitar, sem revolta,
outras formas de agir, pensar e sentir.
8. A Educação Pós-Moderna deve contemplar a transdisciplinaridade e a interdisciplinaridade. Suas dinâmicas recuperam o homem do
seu pensar fragmentado, abrindo possibilidade para a criação de um
saber humano unificado.
A cultura disciplinar especializada tornou impossível a um ser humano
abranger todos os conhecimentos, e trouxe diversos inconvenientes para a
educação. A educação moderna nos ensinou a dividir, separar e isolar e
não a unir os conhecimentos, e quando somos colocados diante de tal
tarefa, somos incapazes de realizá-la de modo adequado e a incapacidade de contextualizar prejudicando a compreensão da realidade e a
reflexão sobre ela.
461
462
PARTE VII
CONSIDERAÇÕES FINAIS
463
464
Ao longo de anos de trabalhos e reflexões sobre Educação das Emoções
e do esforço de implantá-la a nível médio e superior, muitas dúvidas afloraram a nosso espírito ao lado de algumas certezas. Dentre as premissas que julgamos logicamente válidas fazer, estão as seguintes:
► A Escola, enquanto agência de educação, deve envidar esforços
no sentido de implantar e implementar com urgência currículos e
programas de Educação das Emoções, num exercício de responsabilidade social.
► A Educação das Emoções seguramente é um instrumento útil para a profilaxia dos conflitos sociais, a nível da família, da escola e
da comunidade. Existe relato de que o conhecimento emocional
adquirido na escola por um aluno de 11 anos foi eficaz para conter a agressividade de seu pai na família, em uma discussão que
estavam envolvidos (Salovey,1999).
► A Educação das Emoções é útil para diminuir a violência. É logico
admitir que educandos com competências emocionais adequadamente desenvolvidas estarão aptos a lidar de forma mais efetiva com suas dificuldades e com o estresse decorrente de suas
frustrações.
► A Educação das Emoções deve começar no seio da família, precocemente, devendo ser oferecidos pelas escolas programas de
extensão visando o desenvolvimento das competências emocionais dos pais e responsáveis pelas crianças no lar. Face ao processo crescente de desagregação e desintegração da família é
necessária a intervenção da escola para estimular o desenvolvimento da inteligência emocional da criança.
465
► A Educação das Emoções deve estender-se a todos os níveis escolares, do fundamental ao superior pois é útil em todas faixas
etárias, contribuindo para melhorar a qualidade dos relacionamentos na família e na comunidade. Contribui também para a
melhoria da qualidade acadêmica dos educandos ao promover
seu crescimento emocional e intelectual.
► Um Programa de Educação das Emoções só será bem sucedido
se tiver a participação dos Professores que deverão receber treinamento e apoio adequados, pois serão agentes multiplicadores
junto aos alunos.
Acreditamos que as questões que se seguem são relevantes para a compreensão e a aplicação da Educação das Emoções:
► A Educação das Emoções é um novo ramo de conhecimento em
processo de elaboração e sua grande meta é desenvolver a inteligência emocional, enquanto potencialidade do educando, cujo
conceito está em fase de elaboração.
► A inexistência de um consenso sobre o conceito de emoção e sobre sua natureza é outra questão que deve ser considerada e cabe aos educadores conscientes esforçarem-se para encontrar os
caminhos adequados para vencer o desafio, pois o caminho ainda está por ser feito..
► Outra questão relevante é a do currículo adequado para a Educação das Emoções e quais as estratégias e metodologias mais satisfatórias para suas atividades pedagógicas.
Quais as consequências da elaboração e aplicação de um projeto
articulado seqüencial de controle das emoções desde o jardim de infância até ao último ano do ensino médio? Qual o currículo mais adequado
466
para a Educação das Emoções dos adultos? Obviamente tais currículos
devem respeitar e contemplar as diferentes peculiaridades das diferentes
fases do desenvolvimento da inteligência emocional da criança e do adulto.
► Quais os critérios para fazer a avaliação de um Programa de Educação das Emoções? Quais os critérios para fazer a avaliação
do educando? Quais as técnicas eficazes a serem utilizadas para
diagnosticar o estágio de desenvolvimento emocional dos alunos
em uma classe?
Como palavras finais queremos realçar nossa crença que os óbices
e dificuldades listados não devem ser desestímulo para quem pretende
se lançar na árdua tarefa de conceber, implantar e implementar um Programa de Educação das Emoções. Pelo contrário, devem funcionar como um estímulo e desafio às suas capacidades de realização, enquanto
professores, administradores escolares e educadores, face à importância
da Educação das Emoções para o homem dos tempos que vivemos.
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