Fantasporto 2006
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Fantasporto 2006
02 FORWARD A REVISTA DE TODOS OS FESTIVAIS >> Sundance Film Festival [EUA] Festival de Berlim Panorama ZagrebDox [Croácia] Santiago a Mil [Chile] Angoulême BD [França] Arco Madrid Arte Fiera [Itália] ENTREVISTA WrayGunn Ilse van Verzen Costa Gavras << REWIND Nippon Koma Experimenta design Recontre des labos [Bélgica] Quinzena de dança Wintercase [Espanha] Trans musicales [França] Fantasporto 2006 Entrevistas a Beatriz Pacheco Pereira e Mário Dorminsky O essencial do Fantas www.festforward.com ISSN 1646-3056 inverno 2006 | trimestral | 2€ (IVA inc.) PANORAMA MOSTRA DO DOCUMENTÁRIO PORTUGUÊS 27JAN. 05FEV. 2006 FÓRUM LISBOA em amília s o uma f m o c é ários cument sem do ís a p ." s m ia "U raf e fotog dor. álbum d zman, realiza u G Patricio as e debates volta de 11 tem em os ad m Do sair | ra rios prog lco | Retratos | 90 documentá o | Detrás do pa aç es sobre Filmes tr m do Fil | ás tr um m De Da Memória | Acabar | Em Co A | r ze Oliveira Fa A de | el dade mentário Mano Da Terra | Da Ci ursos no Docu uês? rc ug Pe rt l: Po cia rio pe tá Es Programa ra o Documen e Panorama Pa Debate final: Qu es: org maçõ infor calisboa. s i a e M t o t e p d i i. 6 90 www.v pordoc.ub 93 870 1 / a . 9 www 887 16 3 1 tel: 2 PRODUÇÃO APOIOS FEST APRESENTA Saco de Gatos 06 Phono 08 E D I T O R I A L «Soon our work is done, All of us one by one. Still we live our lives, As if all this stuff survives.»* “Big City Life”, Mattafix Uma das missões da FEST é aproximar o nosso país da cultura europeia, reflectindo sobre o que pode ser melhorado nos festivais portugueses. Esta publicação de âmbito cultural prova que há um longo caminho a percorrer para que certas áreas da cultura possam ter festivais com F maiúsculo. Mas há excepções. Os nossos festivais de cinema estão cada vez melhores, com público e convidados internacionais de renome. Já os de música parecem estagnados na mediocridade e o público português, tido como bêbado e idiota continua condenado a ouvir sempre a mesma cantiga. Claro que há uma contra-corrente que trabalha com poucos meios e que merece ser apoiada por todos no combate a esta situação dominante. Em ano de eleições presidenciais anuncia-se mais uma luta entre David e Golias. Teremos um D. Quixote disposto a combater moinhos de vento? Ou será antes um D. Sebastião numa acção suicida? Maio anuncia-se tremendamente quente com novo episódio Rock In Rio vs Super Rock. Por enquanto estamos no Inverno, a estação do ano na qual poucos arriscam fazer festivais, sobretudo em Portugal. Por isso destacamos o mais carismático festival de cinema do país, o Fantasporto. Conversámos com duas pessoas que vivem e respiram cinema, Beatriz Pacheco Pereira e Mário Dorminsky. Na FEST, o destaque vai para a directora do Fantas, que sai do lugar sombra para o qual é geralmente votada (pela comunicação social), para o mais do que merecido protagonismo. Outras conversas ocorreram com Carlos Matos, do Festival Fade In, com o realizador CostaGavras, com a documentarista Ilse van Velzen (num exclusivo de Filipe Araújo, em Amesterdão) e com os Wraygunn, regressados de diversos concertos muito bem sucedidos em França e Inglaterra. Vale também a pena ler com atenção os diversos postais ilustrados que o nosso amigo Alexandre Nunes de Oliveira envia de Barcelona, um festival de cidade.• FORWARD DESTAQUE Entrevista Beatriz Pacheco Pereira 10 Fantasporto 2006 11 Entrevista Mário Dorminsky 16 FORWARD Cinema Teatro BD Artes Plásticas Música 18 24 26 27 30 REC Carlos Matos — Fade In Wray Gunn Ilse Van Verzen Costa Gavras 32 33 34 36 STOP Cd’s 38 Dvd’s 39 Livros 40 REWIND Cinema Design Pluridisciplinar BD Dança Artes Plásticas Música 42 52 53 54 55 56 57 PLAY Janeiro 64 Fevereiro 65 Março 66 *Edição dedicada à vida e obra de José Ernesto Barreiros Mateus, impulsionador deste projecto e de tantos outros. Filipe Pedro . D I R E C T O R - A D J U N T O Gonçalo Guedes Cardoso . D I R E C T O R A D E A R T E Filipa Lourenço . E D I T O R E S João Pedro Correia, Ricardo Duarte . C O N S U LT O R D E E D I Ç Ã O Luís Pedro Oeiras Fernandes . R E D A C T O R E S Alexandre Nunes de Oliveira (Barcelona), Cátia Monteiro, Dora Carvalhas, Pedro Moreira . C O L A B O R A M N E S TA E D I Ç Ã O Ana Baptista, Ana Rocha Duarte, Catarina Medina, Filipe Araújo, Fred Huiban (Paris), Gonçalo Tocha, Ana Isabel José (revisão), Joaquim Beleza, Jota Assis, Laura González, Lino Ramos, Luís Mateus, Pedro Miguel Guimarães, Raquel Ribeiro, Ricardo Lourenço Nunes, Rui A. Cardoso (fotografia) . E N T I D A D E P R O P R I E T Á R I A AIFPS . N I F 506 788 342 . M O R A D A Rua do Cerrado do Zambujeiro, n.º 27, 2.º Frente 2610-036 Amadora . N . º D E R E G I S T O D O I C S 124836 . D E P Ó S I T O L E G A L 236878/05 . I S S N 1646-3056 . T I R A G E M 8.000 exemplares . D I S T R I B U I Ç Ã O Logista Portugal — Av. República da Coreia, 34 Ranholas 2710-460 Sintra . P E R I O D I C I D A D E Trimestral . E M A I L [email protected] . P U B L I C I D A D E pub@festforward. com . I M A G E M D E C A PA Hawl, de Kim Ki-Duk DIRECTOR | 05 João Mota [esq.] e André Braz [dir.] Adam Green título O primeiro filme português na Coreia do Norte Novos realizadores Esta é uma história de estreias. O primeiro filme português a ser exibido na Coreia do Norte é a primeira curta-metragem de um jovem realizador, nasceu a partir do seu primeiro romance e a viagem é, também, a estreia internacional da fita. Além disso, João Mota ainda arrastou André Braz para o cinema, tendo realizado juntos a curta Saco de Gatos, que estreia em Janeiro. É a primeira vez que um filme português é exibido na Coreia do Norte, um dos últimos redutos do comunismo autoritário centralizado. João Mota é o realizador e argumentista de Philidor, a curta-metragem que competirá no 10.º Festival Internacional de Cinema de Piongjang, entre 8 e 18 Abr. «Aceitei logo, sem saber quando era nem como iria até lá», recorda João, agora que o filme está legendado (em castelhano) e enquanto aguarda ansiosamente pelo dia de embarque. «O filme tem muitos erros, porque fiz o Philidor para mim, queria que englobasse tudo o que eu tinha visto», reconhece o realizador, que chegou ao cinema como autodidacta e com apenas alguns apoios téc06 | Fest apresenta nicos reunidos. «Juntei uma equipa muito disponível e em que só uma pessoa sabia o que estava a fazer», revela em tom risonho, referindo-se a João Salomão, co-realizador de Philidor e, na altura, estudante na escola ETIC. «Arrisquei», assume, explicando como acordou com a Sony Portugal o empréstimo dos meios para fazer o filme, com o compromisso de, durante dois anos, apresentar vários conteúdos audiovisuais. Contudo, nenhuma das propostas agradou à multinacional, nem a curta-metragem, nem um episódio piloto para uma série televisiva de humor, Cuecas Curtas (2005). O convite para a ida à Coreia do Norte surgiu depois da passagem de Philidor pelo circuito nacional de curtas em 2004, em que foi nomeado para vários prémios. O último reduto do comunismo A Coreia do Norte é «o país menos visitado, menos conhecido e menos compreendido do mundo», pode ouvir-se na abertura de A State Of Mind, docu- mentário britânico que reporta o quotidiano de duas ginastas norte-coreanas e que fez furor na edição anterior do festival. Na verdade, até à data de fecho desta edição, a FEST apenas conseguiu confirmar a presença da fita portuguesa e mais algumas informações. Assim, nesta 10.ª edição, cujo programa ainda não está definido, estarão presentes mais de 40 países, que se espera que apresentem mais de uma centena de filmes, entre curtas-metragens e documentários, as duas categorias do evento. Num misto de filmes independentes, e até contestatários, e de fitas glorificando o regime do país — como este norte-coreano Glory Of Our People In Holding the Great Leader In High Esteem, apresentado em 1992, — o festival vem mostrando uma tendência de abertura cultural. Prova disso foi a projecção de fitas japonesas, pela primeira vez, na edição de 2000 e agora a inclusão de um filme português cinematografia. Este evento, originalmente denominado festival Internacional de cinema de Piongjang para os não-alinhados e outros países em desenvolvimento, iniciouse em 1987 e desde 1990 que tem carácter bienal. Saco de Gatos estreia em Janeiro João Mota e André Braz não se conheciam até ao momento em que o segundo disse: «vi o teu filme, e não gostei». Em Julho passado filmaram Saco de Gatos, curta-metragem em que repartem a realização. «Pensei que ele não me voltasse a falar», confessa André, 23 anos, recordando como se conheceram, uma manhã, no bar da faculdade, obrigados pelo vigilante a acabar o cigarro na esplanada, ao frio. «Gostei da frontalidade com que o André me disse que não tinha gostado do Philidor», acrescenta João, 25 anos. A história de Saco de Gatos — cujo teaser a FEST já viu e está disponível em www.c7nema.net — desenvolveu-se a partir de uma ideia de André, aparentemente banal: uma perseguição a pé, em ambiente urbano. João construiu o argumento, num ritmo dinâmico e invertendo a ordem cronológica dos acontecimentos. Os autores descrevem-na como «a história de um assalto a um banco, em que as personagens não são o que parecem». Saco de Gatos, curta-metragem que vai buscar o nome a uma expressão portuguesa que designa uma grande confusão, estreia em Janeiro.• T João Pedro Correia Phono’05 Serviço público a precisar de apoio público O Phono preenche um espaço essencial na apresentação de novas bandas. A edição de 2005 pautou-se por lotações esgotadas consecutivas e pelas boas actuações dos Novembro e Bicho de 7 Cabeças. Apesar das excelentes competências da organização, uma coisa é certa: a Fonoteca necessita de mais apoios e de uma nova casa, com mais condições e um anfiteatro para concertos. O início do concerto dos Eroscópio foi penoso, com som de baixo exagerado, bateria esmagadora e guitarra acústica inaudível. Um dos trunfos da banda é a voz de António Revéz, meio contador de histórias, meio radiofónica. Contudo, as músicas soam inacabadas, com finais abruptos. Excepções feitas para “O Encontro”, de Natália Correia (hilariante e bem tocado) e “O Ofício De Amar”, de Al Berto. No dia seguinte, a guitarra foi demasiado proeminente, deitando por terra um trabalho que se poderia aproximar das bandas sonoras para filmes de Emir Kusturica. Falamos da Orquestrinha do Terror, onde coabitam uma série de ideias soltas. Contudo, o facto de cada elemento puxar para seu lado resulta numa cacofonia desinteressante. Foi um verdadeiro Bicho de 7 Cabeças albergar todos quantos quiseram ver a banda na Fonoteca. A banda apresentou uma excelente conjugação instrumental, com um sentido estético misto de contemporaneidade e de tradição. Apesar do longo trabalho a percorrer, a música tradicional portuguesa poderá ter aqui descendentes do GAC e dos Gaiteiros De Lisboa. Os temas “Dom Quixote” e “Cantar Da Popa” resultaram muito bem ao vivo. Sem desprimor para os Novembro, a voz de Miguel Filipe tem algo de Paulo Bragança. João Pécurto e Mark Harding completam a formação, na guitarra portuguesa e no Roland V Drums, respectivamente. “Desordeiro” foi a sua música mais Pop, com uma bateria mais convencional e uso de pandeireta. “Jornada Dos Passos Cegos” e “Plenitude” resultaram bem ao vivo, tal como “Algemas”, de Amália Rodrigues, que apontou para novos caminhos, incorporando guitarra baixo numa interessante combinação de Fado com Pop. Já os New Connection tiveram alguns problemas iniciais com o som de palco, nomeadamente o que saía da bateria de Jorge Nunes. A vocalista Sandra Cachaço demonstrou presença e à-vontade, e os temas que contaram com João Alves, convidado especial na cítara, ganharam uma certa dinâmica, muito embora a sensação de visto (e revisto) nunca deixasse de estar presente ao longo de toda a actuação. Ainda assim, os temas “Window Dummies” e “Little Tommy” resultaram melhor ao vivo do que na compilação Phono’05, distribuída gratuitamente aos visitantes da Fonoteca.• T Filipe Pedro I Rita Carvalho www.cm-lisboa.pt/fonoteca 08 | Fest apresenta Entrevista a Beatriz Pacheco Pereira Cinema: ‘o respeito pela imagem grande’ A Directora de Programação do Fantasporto é uma pessoa muito peculiar. Para além de respirar cinema, escreve, pinta, faz cerâmica e jardinagem. Em pequena queria ser actriz, assustou-se com O Feiticeiro de Oz e catalogava escrupulosamente os filmes que via, em pequenos cadernos. Contagiada pela magia do cinema, a FEST trocou a ordem natural das coisas: Beatriz Pacheco Pereira assume o protagonismo, enquanto Mário Dorminsky desce à segunda posição. Estando tão próxima do mundo do cinema, nunca se sentiu tentada a realizar algum projecto nesse âmbito? Digamos que sou muito boa espectadora de cinema e, como gosto de apreciar e depois criticar, reflectir, 10 | Forward Destaque escrever, etc. ainda não passei por essa fase. Já tive várias tentações de escrever um guião, de realizar a partir de trabalhos de outras pessoas, mas nunca se concretizou. Não me parece que seja a minha vocação, porque se fosse já tinha dado por ela. Não tenho muita pressa, prefiro outras coisas. O que é estranho, porque normalmente as pessoas querem é fazer filmes. Diversos críticos já fizeram… São poucos os críticos de cinema que resistem à tentação de fazer um filme, mas normalmente quando fazem são muito maus. Eu prefiro a parte artístico-literária. E a reflexão sobre os filmes, como é que eles reflectem os tempos em que nós vivemos. Ver como é que através deles se podem conhecer todas as épocas e todos os sentimentos humanos, como se articula o mun- do do passado e o do futuro com os nossos dias. Gosto particularmente da ficção científica porque nos permite ler as linhas mestras do nosso presente em relação ao que poderá vir a ser o futuro. Júlio Verne e William Gibson, por exemplo. Exactamente. Há na ficção científica um lado premonitório, mas que se estiver totalmente desligado da realidade acaba por não funcionar. Gosto muito dessa ligação entre passado, presente e futuro. Quais foram os filmes que marcaram a sua infância ou adolescência? O Feiticeiro De Oz, por exemplo, um filme que marcava toda a gente que o via. Porque era um filme que tinha uma história muito simples, mas ao mesmo tempo tinha uma imaginação delirante e um lado brincalhão. Ou seja, não era cinema de crianças, não era cinema de horror, não era cinema do imaginário, mas ao mesmo tempo era tudo isso. Além de que estava muito bem feito. Fiquei assustadíssima com O Feiticeiro De Oz. Gostei ainda dos filmes históricos que se faziam nas décadas de 50 e 60, que eram bastante frequentes nos nossos cinemas. Filmes que se passavam na Segunda Guerra Mundial, que eram filmes relativamente recentes quando tinha 15 anos. Gostei também de ver como os antigos, ainda no tempo dos mudos, contavam a história. Como a narrativa se fazia quase sem palavras, só com aqueles quadros intercalares. A narrativa cinematográfica é uma coisa fascinante. Podemos ter um só plano, sem palavras e dizer-se imenso. Tal como existem planos cheios de diálogos onde não se diz nada. Na altura já tinha curiosidade de descobrir pormenores cinematográficos por detrás dos filmes? Não, não. Comecei como espectadora que reflecte sobre os filmes depois de os ver. Tinha um caderno onde apontava tudo, com uma espécie de sinalética, porque não queria que ninguém percebesse o que andava a fazer. Tinha símbolos para os actores, o realizador, a história, etc. Depois agrupava-os por categorias, em géneros e subgéneros. Mais tarde comecei a ver cinema europeu e senti de imediato uma certa diferença, porque o cinema que chegava à nossa televisão, na altura, era o cinema americano. Por um lado foi muito bom, porque me permitiu ver os grandes clássicos dos anos 30, 40 e 50. Depois, quando comecei a ver o cinema europeu consegui ver outra coisa muito interessante, que é a relação entre cinema e literatura. Vivi sempre numa casa que tinha imensos livros e a minha vocação do cinema é tão precoce que aos sete anos já lia revistas de cinema e tudo o que apanhava. As fotonovelas, por exemplo, tinham sempre uma secção de cinema. E sigo um bocado o gosto que os meus pais também tinham pelo cinema... Fale-nos da influência cinéfila dos seus pais. A minha mãe fazia desenhos de actores e o meu pai levava-me ao cinema. O colégio onde eu andava tinha sessões de 35 mm. Ao lado havia a igreja de Nossa Sra. da Conceição, onde também havia sessões de cinema. Portanto, havia cinema por todo o lado na minha vida. Mais, a televisão chegou a Portugal era eu muito miudinha e foi assim um vislumbre, senti uma iluminação. Eu queria ser actriz, atenção. Achava que era natural para mim ser actriz. Voltando ao tema do cinema europeu, este está geralmente mais próximo da literatura do que o americano. Nomeadamente o cinema francês e o italiano, que se via muito naquela época. O francês vive muito da palavra. Os meus inícios fazem-se com o cinema americano clássico e com o cinema europeu. Mais tarde, nos meus 20 anos, por altura do 25 de Abril, começa a chegar o cinema dos países de leste. Agenda Fantasporto 2006 www.fantasporto.com Ciclo de Cinema Neo-Zelandês Passos Manuel 12 a 16 Jan, 18h e 21h30 12 Jan — The Price Of Milk, de Harry Sinclair 13 Jan — The Ugly, de Scott Roberts 14 Jan — Rain, de Christine Jeffs 15 Jan — Desperate Remedies, de Stewart Main e Peter Wells 16 Jan — Toy Love, de Harry Sinclair Exposição de Manu Gomez Biblioteca Almeida Garret, Galeria Sala Maior 1 Fev a 15 Mar mundo das artes plásticas. Na Biblioteca Almeida Garret e na Galeria Sala Maior, na Rua Miguel Bombarda, 498, é inaugurada uma exposição dos trabalhos de Manu Gomez. Homens que se transformam em peixes, figuras disformes, olhos que têm barbatanas e nadam, variações sobre a crucificação de Cristo, imagens que reunidas formam o mundo mágico, mutante e surreal de Manu Gomez. Este artista belga, verdadeiro homem dos sete ofícios, espalha o seu perfume criativo por diversificados domínios da arte, seja o cinema, a escultura, o design ou a pintura. Artista polivalente, pinta, desenha e esculpe em vários suportes e em diferentes materiais. Já expôs em Paris, em muitos outros locais de França e no Palácio da UNESCO em Beirute. Com a Exposição de Manu Gomez, o Fantasporto entra no Forward Destaque | 11 Abre-se então um espectro enorme e aí arrancamos com o Fantasporto. Numa altura mais do que propícia para tal. Para mais, já editavam a revista Cinema Novo. Sim, 1981 era a altura perfeita. O grande salto da palavra para a imagem faz-se na altura em que tudo é possível, ou seja, todo o cinema que nós tínhamos visto até ao 25 de Abril era um cinema cortado, censurado e limitado — não tínhamos acesso a todos os países nem a todas as cinematografias. A revista surge para absorver essa abundância de informação. De 1978 a 81, dá-se o nosso salto (meu e do Mário Dorminsky, já na altura, claro), para ver o que é que se fazia lá fora em termos de festivais de cinema. Por exemplo, o festival de Sitges era uma coisa organizada por um senhor que tinha uma loja de fotografia. Mas já tinha alguns anos quando começou o Fantas… E era um festival de horror puro, não era de imaginário. Horror, horror. Mas nós também íamos ao festival da Figueira da Foz e ao festival de Santarém... Eu e o Mário achámos que havia que dar o passo, e o Fantasporto surge numa conversa de café. E por que é que nós apostámos sempre numa revista? O meu grande sonho era ter uma belíssima revista de cinema e em 1981 não havia Premieres. Era pela palavra que nós chegávamos a todo o manancial de filmes que havia lá fora. Quando começámos a ter a possibilidade de os trazer para o Porto, para o Fantas, ficámos com a sensação de que o filme é que era. Anos depois fizemos mais uma tentativa com a revista Estreia [que começou em 1989, durou até há bem pouco tempo e continua em formato blog]. 125 dias de Fantasporto comemoram, no biénio 2005/06, 25 anos de festival. Não se torna complica- do explicar como é que um festival pode ter quatro meses de actividades quase permanentes? Não, não é nada complicado. Nós estamos, e com muito gosto, na cidade do Porto. Quando as pessoas dizem que não se passa nada durante determinadas épocas do ano, nós gostamos de dizer que podemos animar a baixa. Para além disso, o Fantasporto tem excesso de oferta nas diversas retrospectivas. Se vamos integrar tudo no Fantas, as pessoas não têm tempo para ver. Por exemplo, este ano há uma belíssima retrospectiva de cinema húngaro. Quantas pessoas terão tempo para ver as sessões competitivas e o cinema húngaro? Portanto fizemos uma separação de águas. Separámos algumas retrospectivas para outras épocas do ano em que o cinema, como animação cultural, é mais necessário. Foi por isso que inventámos o programa dos 125 dias. Como é que será a animação da baixa em Janeiro e Fevereiro? Entre outras coisas, haverá uma mostra do cinema espanhol e outra dedicada ao cinema de horror. Tornase premente manter o nome do Fantasporto porque há muitas pessoas que, inclusivamente por falta de informação ou falta de leitura de jornais, não se apercebem do que de facto se passa no Porto. E uma das coisas que o Fantasporto sempre teve orgulho foi em nunca mostrar apenas cinema, mas promover também exposições, a edição de livros, concertos desde a música clássica ao Rock, etc. E a homenagem a Bollywood? Quem conhece sabe que o cinema indiano contemporâneo é absolutamente fascinante. Não falo apenas do cuidado que eles colocam nas cores e nos cenários, mas também daquela música contagiante. Saímos de lá com uma enorme vontade de dançar. Além disso, as histórias não são idiotas e a questão mais delicada 15, 16 Fev — Sangre Eterna, de Jorge Olguín 17, 18 Fev — The Irrefutable Truth About Demons, de Glenn Stranding 19, 20 Fev — The Last Horror Movie, de Julian Richards 21, 22, 23 Fev — Meet The Feebles, de Peter Jackson 26.º Fantasporto Diversos locais do Grande Porto 20 Fev a 5 Mar Horror Film Fest Passos Manuel 9 a 23 Fev, 18h e 21h30 09, 10 Fev — Audition, de Takashi Miike 11, 12 Fev — Braindead, de Peter Jackson 13, 14 Fev — The Texas Chainsaw Massacre, de Tobe Hooper 12 | Forward Destaque São muitas as novidades para a 26.ª edição do Fantas. Retrospectivas sobre o Cinema Expressionista Alemão, a Bollywood, aos Irmãos Shaw e a Bill Plympton. O Fantasporto realiza-se entre 20 Fev e 5 Mar, em diversas salas do Grande Porto — no Teatro Municipal Rivoli, no Cinema Passos Manuel, na Biblioteca Almeida Garret, no Palácio de Cristal e nos Cinemas AMC do Arrábida Shopping. é o facto de os filmes durarem sempre três ou quatro horas. Isso obriga-nos a dispor de mais um espaço de projecção, neste caso a Biblioteca Almeida Garrett. Pretendemos decorar o recinto a rigor para as pessoas verem o melhor cinema indiano de diversas épocas. Possivelmente vamos ter danças indianas e húngaras. Portanto este ano vai ser o ano da dança (risos). O Fantassound mantém-se? Sim, mas não terá lugar durante o festival, como sucedeu em 2005. Vamos tentar conferir ainda maior relevância à música portuguesa no Fantassound. Nota-se uma disponibilidade enorme por parte dos grupos portugueses por tocarem no contexto do Fantasporto. O que é um orgulho para nós. Somos do cinema e não do Rock, mas gostamos muito deste cruzamento entre as várias artes. E o 26.º Fantasporto propriamente dito, como será? Este ano vai ser uma boa colheita. Em competição teremos uma espécie de ópera de terror húngara, novos filmes de nomes japoneses e coreanos conceituados, como Shinya Tsukamoto (Female) e Kim Ki-duk (Hwal), filmes espanhóis fascinantes, como Inconscientes, de Joaquín Oristrell, excelentes filmes do Quebec e bons filmes portugueses — pela primeira vez o Fantasporto vai abrir com um filme português a concurso, Coisa Ruim, de Tiago Guedes. A primeira longa-metragem de Tiago Guedes após uma mão cheia de curtas interessantes. E é um sério candidato a prémios de interpretação. Aliás há outro filme português muito bom. Chama-se Animal e trata-se de uma co-produção portuguesa, francesa e inglesa, com o Diogo Infante como protagonista. Este ano espero que o prémio de actores fique cá em Portugal (risos). Isto na secção do Cinema Cinema Húngaro e Bollywood por um dia Grande Auditório do Rivoli 20 a 23 Fev, às 15h, 17h, 21h15 e 23h15 Uma Retrospectiva do Cinema Húngaro será o prato forte do Pré-Fantas. Alguns dos melhores filmes daquele país vão ocupar as tardes cinéfilas. Contudo, uma dessas tardes, é dedicada ao cinema que se faz em Bombaim. A Retrospectiva Bollywood terá o seu centro nevrálgico no auditório municipal da Biblioteca Municipal Almeida Garret, mas aqui vamos ver Devdas, uma história de amor acima de tudo, até da vida. O programa será complementado com diversas antestreias nacionais. Fantástico, atenção. Vamos também passar o Espelho Mágico, de Manoel de Oliveira, realizador que aos 97 anos está a fazer um novo filme e merece, sem dúvida, a nossa homenagem. Temos ainda curtas metragens de grande qualidade e uma Semana Dos Realizadores muito boa. Vamos ter um filme muito engraçado chamado Cineastas Contra Magnatas. Soa a documentário. Exacto, são dois documentários muito recomendáveis do catalão Carlos Benpar (o segundo chama-se Das artes marciais, à ópera Huangmei, passando pela comédia, o Fantas homenageia os Irmãos Shaw, os mais profícuos produtores do cinema chinês. Por outro lado, vamos ter a oportunidade de ver os filmes de animação mais importantes de Bill Plympton, como é I Married a Strange Person. Resta espaço, ainda, para o Cinema Expressionista Alemão. Clássicos como Nosferatu, Metropolis ou Fausto são projectados no Pequeno Auditório. Os Irmãos Shaw, Bill Plympton e o Expressionismo Alemão Pequeno Auditório do Rivoli 20 a 23 Fev Forward Destaque | 13 Cineastas Em Acção), concorrentes aos prémios Goya. Como se vê, vamos ter um programa muito variado. Apesar da massificação do DVD, cinema é para ver no cinema? Para mim é. Em televisão também, mas como complemento. Gosto de cinema é em ponto grande. A magnitude do cinema marcou-me desde criança. O cinema para mim é de impacto. Há uma espécie de respeito, meu, pela imagem grande. Os vossos comentários, a vossa disposição e o vosso empenho é constante. É essa a receita do sucesso Fantas? Eu e o Mário damos a cara. Não há nenhum festival do nosso nível em que o director e a directora estejam ali para falar com os convidados e com o público sem problemas. É uma vantagem de Portugal. Qualquer trabalho que se faça com amor, empenho e reflexão, acaba sempre por ter sucesso. Nós nunca tivemos medo do contacto pessoal com o nosso público. Mesmo quando dizem «não gostei deste filme» ou «este filme não devia estar cá», tentamos explicar que aquele filme tem uma vertente que é importante para o festival, que se deve mostrar. Nesse aspecto nós damos a cara com muito gosto. Como é que se sente no conjunto mulher, mãe, professora, escritora e directora do Fantas? Também faço cerâmica, pinto, faço jardinagem, vou às compras, passeio o cão... de tudo um pouco (risos). Mas à custa de muitas horas de trabalho. A parte de ser escritora era a que gostaria de explorar melhor agora, até porque estou a ter bastante sucesso. Mais sucesso desde há quatro anos do que em quarenta anos de cinema. Apesar de não ser nada rentável, gostava de explorar a parte da escrita, pelo prazer de saber que se tem leitores. Por exemplo, este de O Porto E As Suas Mulheres acabou por me dar um feedback bastante gratificante das pessoas que estão lá retratadas. Em relação ao livro anterior, que era de crónicas, chamado Do Porto E Do Olhar, recebi elogios de figuras públicas como Marcelo Rebelo de Sousa, que disseram coisas muito bonitas sobre o livro. Antes desse foi o romance. Houve quem gostasse, quem não gostasse, mas as pessoas não ficam indiferentes. Como é que foi o processo de recolha para O Porto E As Suas Mulheres? Tinha visto um dicionário de personalidades com 600 entradas de homens e 60 de mulheres, das quais 30 eram do Porto. Depois achei que muitas das pessoas que estavam nesse livro não eram aquelas que conheço e que sei que fazem coisas. Algumas que lá estavam não eram de facto personalidades, mas sim pessoas conhecidas de quem fez o dicionário. Achei que havia pessoas que mereciam estar registadas e foi para isso que fiz o livro, para registar. O livro tem uma parte biográfica e depois tem os depoimentos das pessoas. E essa parte dos testemunhos acabou por ser muito mais interessante porque me deu uma perspectiva do mundo em função da história social portuguesa desde os anos cinquenta. Isso foi muito interessante. Até a conquista do próprio direito ao estudo, mudou imenso. As mulheres do Porto já fundaram companhias de teatro e já fizeram trabalhos pioneiros na área da medicina. E quais são as próximas edições? Tenho programado outro volume de contos e tenho um romance a meio. Mas, e tempo? Antes do Fantasporto não vou ter tempo para fazer nada. É uma vida muito preenchida. Quando morrer espero que as pessoas digam «ah, aquela fulana valeu a pena ter vivido». Se pelo menos disserem isso já não é mau (risos).• T Filipe Pedro Bollywood no Palácio de Cristal Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garret 22 Fev a 3 Mar, 15h e 19h O cinema de Bombaim em destaque. A Retrospectiva Bollywood leva o Fantasporto ao Palácio de Cristal. São exibidos alguns dos maiores sucessos do cinema indiano da actualidade. Love Connection Passos Manuel 24 Fev a 2 Mar, 18h e 21h30 O Cinema Passos Manuel é o Quartel General da Secção Love Connection. O amor já não é o que era. O ser humano tende para um relacionamento diferente do habitual. O normal estraga o amor. Os cineastas estão, cada vez mais, a explorar estas relações diferentes, estranhas, excitantes! O Fantasporto criou um espaço para elas… De mulheres que encontram a cura para 14 | Forward Destaque as doenças através do sexo, a jovens prostitutos perdidos numa França demasiado marginal, há de tudo um pouco. Sessão Oficial de Abertura Grande Auditório do Rivoli 24 Fev, 21h15 É a abertura oficial do Fantas com a exibição em antestreia mundial de um dos grandes filmes da nova produção nacional: Coisa Ruim, de Tiago Guedes, por certo uma das grandes surpresas do ano cinematográfico. Cinema Fantástico e Semana dos Realizadores Rivoli 25 Fev a 5 Mar Até 5 Mar, com os seus dois principais sectores competitivos — Secção de Cinema Fantástico e Semana dos Realizadores. Cinematografias de todo o Mundo estarão representadas, em particular a norte-americana e a europeia, que voltam em força ao certame portuense. Orient Express Rivoli 24 Fev a 5 Mar Foram escolhidos os melhores filmes da produção oriental, Japão, Coreia do Sul e Tailândia, entre outros. O Fantas é responsável pela introdução no nosso país desta cinematografia. Sentido o peso da responsabilidade, só os melhores filmes vêm ao Porto. A audiência é exigente e está atenta. Cinema de terror, acção e ficção científica com carimbo do Oriente constrói esta secção. Baile dos Zombies Sá da Bandeira 27 Fev, 23h59 Panorama do Cinema Português (Porto em Curtas) Rivoli 2 a 4 Mar Este ano o Fantasporto vai homenagear Manoel de Oliveira, projectando uma das suas últimas obras. Manoel de Oliveira é do Porto e, tal como o Fantasporto, leva o nome da cidade invicta a todo o mundo. É uma homenagem mais do que merecida. Sessão Oficial de Encerramento (Entrega de Prémios) Rivoli 4 Mar, 21h15 Baile dos Vampiros Sá da Bandeira 4 Mar, 23h59 Premiados do Fantas 2006 Rivoli 5 Mar Condições de acesso ao Fantas 2006 O bilhete para qualquer sessão normal do Rivoli pode ser adquirido por 3,5 euros; o bilhete para as galas e sessões de Abertura e de Encerramento custa 4 euros; o Livre Trânsito Rivoli — que inclui entradas para todo o programa do Grande Auditório do Rivoli, para o Pequeno Auditório do Rivoli (mediante requisição e sujeito à disponibilidade de lugares) e catálogo, cartaz e postal do festival — custa cem euros; os bilhetes bónus Rivoli — colecção de dez bilhetes que podem ser trocados nas bilheteiras do Rivoli para todas as sessões normais do Festival a terem lugar no Grande e Pequeno Auditório do Rivoli (excepto para as sessões de Abertura e Encerramento). Anima-te Rivoli 25 Fev a 5 Mar O Festival Internacional de Cinema do Porto criou uma secção oficial especificamente dedicada ao cinema de animação. Esta secção incluirá uma mão cheia de longas metragens inéditas em Portugal, vindas de todo o mundo, da França aos EUA, passando pela Alemanha, Espanha e Coreia do Sul. Além de curtas-metragens serão exibidas diversas longas-metragens inéditas, bem como, algumas que passaram desapercebidas do grande público, pérolas perdidas da animação. DVDs Fantas no Público www.publico.pt Alguns dos melhores filmes do Festival Internacional de Cinema do Porto vão chegar ao público em DVD, numa edição conjunta com o jornal Público. Oportunidade para deitar a mão a filmes de culto como Bug, de Phil Hay e Matt Manfredi, Sangre Eterna, de Jorge Olguin, O Auto Da Compadecida, de Guel Arraes e An Angel At My Table, de Jane Campion, entre outros. A melhor maneira de começar o ano é esta, dar aos fãs do Fantas aquilo que eles querem, os filmes que muitas só viram uma vez e agora podem possuir em DVD.• Forward Destaque | 15 Entrevista a Mário Dorminsky Tiques fantásticos Não é que as criaturas da noite e do terror tenham sido banidas do Fantasporto, mas aqui a noção de fantástico ultrapassa um género, para englobar «tudo o que é imaginário». O apelo da fantasia de um festival maduro e reconhecido a nível internacional, aqui dissecado por Mário Dorminsky, director do Fantas. O Fantasporto recebeu uma medalha de mérito atribuída pelo Estado Português, para além de ter sido considerado pela revista Variety como um dos 16 | Forward Destaque 25 festivais mais importantes do mundo. Foi a confirmação da maioridade do Fantas? A maioridade do festival já existe, do meu ponto de vista, desde os dez anos, altura em que a base do festival actual ficou criada, com a introdução da Semana dos Realizadores e o alargamento do âmbito do certame, não só da área do fantástico como do cinema em geral. A partir daí o festival foi crescendo no sentido de conquistar mais públicos, mais divulgação e prestígio internacional. A Variety, que é uma bíblia do espectáculo, considera o Fantasporto um dos 25 festivais mais importantes do mundo. E isso é notável, não é uma questão de ser uma honra mas sim o respeito por um trabalho que tem sido feito ao longo de 25 anos. O que permitiu a transição da mostra para o formato de festival? A mostra foi um ciclo normal que nós realizámos em 1981. Fizemos uma revista de cinema que durou cerca de 15 anos, que era a Cinema Novo, lançada em 1978 por um grupo de cineclubistas. E as pessoas que faziam parte dessa revista acharam que seria muito interessante também a realização de eventos, ciclos, retrospectivas. Eram mostras dedicadas a uma diversidade de temas e um dos que nós escolhemos foi o cinema fantástico, que a determinada altura achámos que estava a emergir no panorama internacional. Tinham aparecido dois grandes filmes que de alguma forma tinham alterado o tipo de produção que se fazia, os Encontros Imediatos Do Terceiro Grau, de Steven Spielberg, e A Guerra Das Estrelas, de George Lucas. Decidimos apostar num projecto na área do fantástico, só que com características diferentes. O fantástico para muita gente é monstros, vampiros, sangue, terror e coisas desse género. Para nós nunca foi isso. É o oposto da realidade. Tudo o que não é real, tudo o que é imaginário, é fantástico. Como tem sido a afluência de público? Eu diria de uma forma objectiva e real que nós não podemos ter mais público do que temos. E por uma razão simples: as sessões que não estão esgotadas não o estão porque as pessoas que têm cartões não foram às sessões. Quer dizer que não há hipótese de ter mais gente a assistir ao Fantasporto. Isto nesta sala, mas também não queremos mudar. Preferimos garantir salas cheias e bom ambiente, garantir que as coisas funcionem como têm funcionado, num regime de grande festa, do que ter salas semivazias só para dizer que temos muitas salas com grande capacidade. Este projecto teve sempre viabilidade financeira? Sempre teve viabilidade financeira porque sempre se realizou. O problema é que nós não temos hipótese nenhuma de protestar, porque se dizemos que estamos em crise, isso em termos públicos altera a nossa imagem de vencedor para uma imagem de perdedor. Agora, que temos sofrido violentamente, especialmente nos últimos quatro anos com a recessão económica, temos, e tem sido extremamente difícil garantir a manutenção do festival. Como é a relação do Fanstasporto com o circuito de distribuição comercial português? A relação é total. Integra-se no mundo da indústria do cinema, e é assim que um festival se deve colocar. Um festival de longa-metragem, que no fundo pretende fazer parte do grupo dos tais leading festivals of the world. E porquê isso? Por uma razão extremamente simples: os grandes festivais internacionais de cinema são meios para promover os filmes, as cinematografias, novos realizadores. Promover e lançá-los para o mercado. E o Fantasporto, sobretudo a partir do ano 2000, começou a ter praticamente todos os filmes que exibia com a chancela de vários distribuidores que iam comprando, ou antes ou depois, os filmes que nós íamos exibindo. A taxa de filmes que o Fantasporto exibe e que posteriormente ao festival têm exibição comercial em Portugal atinge quase os 95 por cento, o que para nós eu acho que é fantástico. Quais as preocupações inerentes à escolha dos filmes que integram a programação do Fantas? Qualidade, qualidade, qualidade. Gozo, gozo, gozo. Isto é, pode haver gozo com qualidade, pode haver só gozo, ou pode haver bom cinema. Por exemplo, quando apresento um filme como o Night Of The Living Dorks, aviso claramente na sessão de apresentação que «vamos ver um filme à Fantas antigo». Isto é, um filme série B, um filme que é para as pessoas se divertirem. E isso aí é exibir bom cinema? Não, mas é uma forma de animar as pessoas. Por outro lado, a selecção oficial competitiva da área do fantástico tende a ser difícil e isso é algo que tem que ver com o nosso sistema de patamares, que para nós é fundamental. Trata-se de garantir que possamos cada vez mais mostrar os filmes que queremos mostrar, sem ter problemas com o público. Mas continua a haver a necessidade de usar determinados filmes mais fáceis como isco, até para a comunicação social? Teoricamente há dois tipos de comunicação social. Há aquela que se considera inteligente e então não é comunicação social, é crítica. E há a comunicação social que faz jornalismo. A que faz jornalismo conhece pouco de cinema. Eu lembro-me perfeitamente de anunciar o Guillermo del Toro e o Vincenzo Natali a virem cá e nenhum jornal pegou nisso. Quer dizer que eles nem sequer conhecem quem é o homem que faz o Hellboy, não sabem quem é o homem que faz o Cubo. Independentemente de Portugal não servir rigorosamente para nada em termos da promoção internacional dos nomes que neste momento fazem o cinema, a vinda deles cá será pelo puro gozo de estar num espaço em que eles se sintam bem. E vêm descobrir uma cidade, o que creio ser um papel fundamental no turismo cultural. O Fantasporto pode e deve integrar aquilo que é a indústria da cultura e do turismo. Mas nesse aspecto terá de ser muito mais bem aproveitado por aqueles que o patrocinam, que é o Estado. Só que não é com as verbas com que apoiam actualmente os festivais de cinema que o Estado vai garantir esse impacto mediático internacional. Tem de haver apoios mais substanciais para que os certames que já existem e que têm algum impacto internacional possam ter um impacto muitíssimo maior.• T Cátia Monteiro F Rui A. Cardoso Forward Destaque | 17 28.º Festival Sundance A referência em cinema independente Park City — Utah, EUA 19 a 29 Jan | www.sundance.org Para a edição de 2006 deste Sundance foram seleccionados 120 filmes, incluindo 84 estreias mundiais, em representação de 29 países, e 18 estreias norte-americanas. A participar na categoria de curtas-metragens estarão filmes tão distintos como Dealbreaker, realizado por Gwyneth Paltrow e Mary Wigmore, ou Your Dark Hair Ihsan, uma produção conjunta entre os EUA e Marrocos, dirigido por Tala Hadid. O festival abre com a estreia absoluta de Friends With Money, escrito e realizado por Nicole Holofcener, que actua no seu próprio filme, ao lado de Jennifer Aniston e Joan Cusack. A fechar o evento, outra novidade, Alpha Dog, escrito e realizado por Nick Cassavetes, com Justin Timberlake e Sharon Stone. O Festival de Cinema de Sundance tornou-se, ao longo dos anos, no local ideal para ver cinema norteamericano independente. Filmes míticos como Sexo, Mentiras E Vídeo, de Steven Soderbergh, Stranger Than Paradise, de Jim Jarmusch, ou Blood Simple, dos irmãos Coen, foram descobertos no certame. Tudo começou em 1978, quando um grupo de jovens cineastas se juntou para organizar o Utah/US Film Festival, em Salt Lake City, que durante sete dias apresentou uma competição para filmes independentes americanos. O primeiro filme de Quentin Tarantino, Reservoir Dogs – Cães Danados, teve a sua estreia neste festival, depois de produzido com o apoio do Instituto Sundance. Foi este instituto, fundado por Robert Redford em 1981, que alargou o evento para 10 dias e incluiu uma nova categoria de cinema internacional.• T Jota Assis 18.º Premiers plans d’Angers Plano de abertura Angers, França 20 a 29 Jan | www.premiersplans.org Jacques Tati A objectiva foca os realizadores novatos, com a selecção de primeiras obras para as secções competitivas. No entanto, e como também o cinema tem uma História para apresentar, mostram-se as histórias de realizadores consagrados em diversos ciclos especiais. Abolidas as restrições de género ou temática, as curtas e longas-metragens europeias perfazem um total de 60 primeiros trabalhos que encontram em Angers uma montra privilegiada. Fora da competição incluemse obras mais experimentais e segundos trabalhos de cineastas descobertos no festival. No âmbito da programação especial, faz-se uma visita à Turquia, com a apresentação de alguns valo18 | Forward Cinema res ali emergentes. O ciclo temático Une Journée Particulière transporta-nos entre Há Festa Na Aldeia, de Jacques Tati, ou Mulheres À Beira De Um Ataque De Nervos, de Almodóvar, num conjunto de filmes cuja acção decorre em apenas algumas horas. Completa-se o cardápio com outras projecções, debates e ateliers. O plano aperta e termina com o anúncio dos vencedores do Premiers Plans. Sob o lema descobrir para dar a conhecer, já se focaram ali os primeiros passos de referências como François Ozon ou Jim Sheridan. Reserva-se, por isso, o efeito surpresa.• T Cátia Monteiro F Robert Doisneau Documentários, curtas e fantásticos 5.º Doc point – Festival de cinema documental de Helsínquia Helsínquia, Finlândia 25 a 29 Jan | www.docpoint.info O Doc point é o ponto de encontro do documentário na Europa do Norte. Confirma o crescente interesse por este formato a nível global e faz chegar as ferramentas também aos mais novos. Parece que a descendência está assegurada. O Dokkino Programme permite a alunos dos ensinos básico e secundário envolverem-se com as técnicas do documentário, apoiados por realizadores. Resultam dessa colaboração obras que são visionadas em antestreia no Doc Point e que concorrem numa competição específica avaliada pelo público. Em paralelo, o Doc View dedica-se ao que de mais recente se tem feito no cinema documental nos países que rodeiam o golfo da Finlândia. O festival foca ainda a produção de outros países e complementa a exibição de obras recentes a concurso com a mostra de clássicos que definiram a história do género. Na Doc View Videotheque os profissionais credenciados têm acesso a todos os trabalhos enviados para o Doc Point, enquanto os debates e colóquios são abertos ao público. O programa contempla ainda outros prémios e mostras que no conjunto visam contribuir para a visibilidade do documentário, numa perspectiva edificante. Uma que permita compreender a linguagem deste formato, que é em si uma forma particular de comentar o real, documentando-o.• T Cátia Monteiro 36.º Festival internacional de curtas metragens de Tampere Tampere, Finlândia 8 a 12 Mar | www.tamperefilmfestival.fi Na Europa do Norte é o maior e mais antigo dentro do formato. Entende-se por formato obra audiovisual em vídeo ou película até 30 minutos. A curta-metragem é o único factor de homogeneidade, e ainda assim meramente formal, num festival que pretende nesta edição abordar temáticas como a cultura cigana ou o islamismo. Enquanto lança um olhar sobre o mundo do futebol, arrisca ainda uma passagem por filmes brasileiros. Se a isto somarmos uma competição internacional e outra finlandesa, para além de um espaço dedicado à animação, conseguimos antever o programa de um festival adulto, que contou na última edição com mais de 30 mil visitantes. Para a secção profissional, o festival de Tampere oferece o International Short Film Market, que congrega a generalidade das obras enviadas para concurso, aí disponíveis para visionamento. A completar a oferta decorrem exibições, painéis e concertos, para além de eventos nocturnos de confraternização, esses provavelmente não limitados pela regra da meia hora.• T CM 13.º Festival de Gérardmer — Fantastic’arts Gérardmer, França 25 a 29 Jan | www.gerardmer-fantasticart.com O fantástico é um género de cinema que joga com as emoções. Na edição número 13 a ficção cinematográfica alia-se ao místico e à superstição, num esbatimento cada vez mais forte entre realidade e fantasia. Já foram premiados em Gerardmer autores como Peter Jackson, aqui um pouco diferente daquele que reconhecemos pela trilogia de O Senhor dos Anéis, ou Vincenzo Natali, pelo objecto singular que constitui o seu Cubo. Ao falar do Fantastic’Arts sente-se um pouco o sabor a Fantasporto, uma vez que partilham critérios de programação, fantasmas e vampiros. A par da selecção de autores do circuito profissional, o festival francês procura destacar este ano o trabalho desenvolvido por alunos do liceu e da faculdade, num concurso de primeiras obras que narrem nos domínios do fantástico. Para além desta apresentação de argumentos, o incentivo à criação jovem concretiza-se igualmente numa exposição intitulada Jeunes Talents, que abrange formas de expressão tão díspares como pintura, escultura, fotografia, artes gráficas ou multimédia. Um encontro multiforme do bizarro onde os pesadelos se vivem à luz do dia.• T Cátia Monteiro Forward Cinema | 19 56.º Festival de cinema internacional de Berlim Caça ao urso Berlim, Alemanha 9 a 19 Fev | www.berlinale.de Tudo começou a 6 de Junho de 1951, quando Rebecca de Alfred Hitchcock foi apresentado na sessão de abertura do primeiro festival. Agora, numa capital reconstruída e mais cosmopolita do que nunca, irá acontecer a 56.ª edição do Festival de Cinema Internacional de Berlim, vulgo Berlinale. Como é habitual, o festival acaba por piscar o olho aos Óscares, fazendo quase sempre uma antevisão de possíveis nomeados para a gala americana. Cerca de 350 filmes de todo o mundo inundam a cidade alemã durante 10 dias. Os números são colossais: mais de 150 mil bilhetes são vendidos e 16 mil profissionais da sétima arte visitam o festival, entre os quais 3.600 jornalistas de 80 países diferentes. O menu do Berlinale apresenta seis secções distintas: Competição, onde são atribuídos os Ursos de Ouro e os Ursos de Prata, Panorama, Fórum internacional de cinema contemporâneo, Kinderfilmfest, Perspectivas alemãs e Retrospectiva. No entanto, o Berlinale não trata apenas de filmes. Há ainda debates e encontros promovidos pela organização. O mais recente dá pelo nome de Berlinale Talent Campus, realizando-se pela quarta vez em 2006. 500 jovens cineastas de todo o mundo são convidados a visitar a Casa da Cultura Mundial em Berlim, onde se reúnem com os profissionais da indústria em oficinas e debates. Agora resta esperar pelo próximo mês de Fevereiro e ver qual será a nova residência das estatuetas. Do Brasil ao Japão, cada urso pode ir parar a qualquer ponto do globo.• T Catarina Medina F Berlinale ZagrebDox — Festival international de cinema documental Festival do sudeste europeu Zagreb, Croácia 20 a 26 Fev | www.zagrebdox.net Ao contrário da maioria dos festivais da região, que mostram documentários como um suplemento do seu programa principal de longas-metragens, o ZagrebDox dedica-se em exclusivo à exibição deste tipo de filmes, oferecendo ao seu público a oportunidade de assistir a uma antevisão completa dos mais recentes espécimes desta categoria cinematográfica. O objectivo principal do ZagrebDox — Festival internacional de cinema documental de Zagreb, é apresentar o melhor da produção mundial e regional, sem levar em conta a duração dos filmes ou a tecnologia empregue na sua produção. O critério principal é a qualidade cinematográfica da fita. 20 | Forward Cinema O programa do Festival internacional de cinema documentário de Zagreb tem previstas três competições: um Programa regional de competição (com filmes da Albânia, Bósnia Herzegovina, Bulgária, Croácia, Macedónia, Moldávia, Roménia, Eslovénia e Sérvia e Montenegro); um Programa internacional de competição (com filmes de todos os outros países do mundo); e um programa de Retrospectivas e Eventos. Os realizadores, produtores e autoridades nacionais de cinema podem submeter películas para a Competição internacional regional. Os outros programas são criados e definidos pelo director de programa do festival.• T Luís Mateus ANIMAC — Mostra internacional de cinema de animação Anima-te, Catalunha! Lleida, Catalunha, Espanha 2 a 6 Mar 2006 | www.animac.info Christine Panushka A 10.ª edição do ANIMAC (Mostra internacional de cinema de animação da Catalunha) terá lugar em Lleida, entre os dias 2 (5.ª) e 5 (dom) de Março, sendo que os preparativos para se atingir uma década de cinema de animação já estão em marcha. O festival é uma mostra não competitiva, dirigida aos artistas que utilizam a animação como instrumento de expressão pessoal. Criado em 1996 e inicialmente chamado CINEMÀGIC, é organizado e produzido pelo departamento da cultura da região de Lleida e a sua importância é confirmada pela qualidade dos participantes e convidados, além do programa de projecções, que, ano após ano, atrai cada vez mais entusiastas espectadores. O festival ANIMAC tem conseguido, ao longo das suas nove edições, um lugar de destaque no calendário espanhol dos certames de animação, sendo, assim, a mostra mais importante da Catalunha no que se refere à indústria de animação. Transgredindo e questionando os limites da narrativa tradicional, o certame procura visionários, trabalhos independentes e arriscados que potenciem e enriqueçam a capacidade expressiva do cinema. De Espanha para o mundo inteiro os anos é convidado um país estrangeiro a divulgar a sua actividade e produção na área da animação — a Índia teve esse privilégio no ano passado. Acrescida projecção tem tido, também, o projecto ANIMAC On Tour, que, com a forma de mostra itinerante, leva pelo mundo fora uma selecção de 17 curtas-metragens de autores catalães e espanhóis. O ANIMAC On Tour começou já a sua viagem na China, em Junho passado, tendo continuado a sua rota pela Hungria até chegar à Colômbia. Ao longo desta jornada, a mostra catalã aproxima-se assim da indústria de animação de vários países, cumprindo um dos objectivos primordiais: criar pontes de relação entre a criação espanhola e os centros de produção, formação e exibição de animação do mundo. Em suma, o ANIMAC é um lugar onde se encontram artistas e obras, um laboratório em que se geram ideias e se estabelecem relações entre as distintas disciplinas artísticas. É o espaço onde se sonha e se projectam as inovadoras histórias do futuro, bem como as do passado e do presente, abordando todas as técnicas de animação. Sem dúvida um festival muito interessante e apelativo tanto para os apaixonados como para os apenas apreciadores dessa arte dentro da sétima arte que é o cinema de animação.• T Jota Assis O ANIMAC não se esgota no plano nacional. Todos Forward Cinema | 21 10.º Festival international de cinema de Sófia Uma outra Bulgária Sófia e Burgas, Bulgária 9 a 19 Mar | www.sofiaiff.com O Festival internacional de cinema de Sófia tem como objectivos principais, por um lado, a promoção dos trabalhos mais inovadores e significativos do cinema contemporâneo mundial para o público local e, por outro, a promoção do cinema regional para uma audiência internacional. A finalidade é encorajar a cooperação dos autores locais com os realizadores internacionais. Existe uma competição internacional para curtas e longas-metragens. São também organizadas conferências prévias à exibição dos filmes e ainda a mostra simultânea de filmes da região balcânica. O programa do Festival internacional de Sófia inclui as secções Programa Oficial (competição internacional e exibições especiais), Longas-Metragens Búlgaras, Showcase dos Balcãs, Secção Europeia, Secção Mundial, Curtas-metragens Búlgaras, Documentários, Tributos e Retrospectivas, Acontecimentos Especiais. Um júri internacional de cinco membros julgará as películas nas competições nacional e internacional de curtas-metragens. A competição internacional incluirá 12 longas-metragens produzidas depois de 1 Set de 2004, enquanto a competição nacional de curtas-metragens até 30 minutos terá 12 filmes, produzidos por autores búlgaros e realizados depois de 1 Jan de 2004. A secção de longas-metragens búlgaras incluirá filmes feitos a partir de 30 Mar de 2005.• T Luís Mateus 5.º RAF — Revija amaterskog filma O público é quem mais ordena Zagreb, Croácia 19 a 25 Mar | www.revijaamaterskogfilma.hr A primeira Revija amaterskog filma (RAF) — Festival de cinema amador — ocorreu em Março de 2002, em Zagreb. Setenta e quatro filmes de sete países deram entrada no festival e todos foram exibidos. Em 2005, no quarto RAF, 180 filmes foram enviados para a sede da organização e uma vez mais, todos foram apresentados — 164 no programa oficial e os restantes num programa paralelo. Uma das característica que distingue o RAF de outros festivais do género, é o facto de não existir uma verdadeira competição e do único júri ser a própria audiência. «Quem somos nós para dizer que o que é e o que não é bom, para depois filtrar essa informação para os outros?», comentou Oliver Sertic, um dos organizadores do festival. Em 2006 o RAF celebrará seu quinto aniversário, 22 | Forward Cinema uma ocasião especial. Oliver não quis avançar com as propostas mais sonantes para a edição de Março, mas sublinhou que «a nossa política é mostrar todos os filmes que nos são enviados, porque queremos que os autores ouçam os comentários do público, em contacto directo. Assim poderão trocar ideias, organizar novos projectos e projecções de filmes, tudo neste mesmo lugar. Do nosso ponto de vista, o que é importante é esta sinceridade, a eliminação de fronteiras entre profissionais e amadores, entre os organizadores e a audiência. Porque, no final de contas, um bom filme é sempre um bom filme, não importando a quantidade de dinheiro que se gastou na sua produção», disse. Em 2005, uma lista de filmes foi feita pelo público do RAF (na sua maioria curtas, mas também filmes de animação, documentários ou experimentais), que escreveu os nomes das suas fitas favoritas num pedaço de papel. Vinte e três filmes da Holanda, Áustria, Sérvia e Montenegro, Eslovénia, Bósnia Herzegovina e Croácia foram seleccionados. A esta selecção deu-se o nome de RAF on the Road que, durante o mês de Julho, integrou um dos maiores festivais de cinema dos Balcãs, O Motovun Film Festival.• T Luís Mateus Panorama — Mostra de documentário português O que é nacional é bom Fórum Lisboa — Lisboa 27 Jan a 5 Fev | www.apordoc.ubi.pt/panorama.html A primeira edição da Panorama — Mostra de documentário português — traz à cidade de Lisboa uma perspectiva geral do que melhor se faz neste género cinematográfico em Portugal ou por portugueses. Depois do DocLisboa, eis que se aproxima uma mostra composta exclusivamente por trabalhos lusitanos. Dá pelo nome de Panorama e tem como missão explorar a realidade de forma parcial e subjectiva, ou não se tratasse de documentários. A mostra é um evento não competitivo, cujo objec- tivo se resume a três verbos: conhecer, partilhar e fortalecer. Dar a conhecer o documentário português e os seus autores, proporcionando o encontro fácil entre eles e o público e a consequente partilha, conseguindo assim fortalecer a comunidade do documentário nacional. A Panorama é o resultado de um esforço conjunto entre a Videoteca municipal de Lisboa e a Apordoc – Associação pelo Documentário. Mais de cem trabalhos chegaram à organização, mas apenas os melhores integram a programação deste evento.• T Catarina Medina Festival internacional de cinema de Las Palmas Um festival multicultural Las Palmas, Canárias, Espanha 24 Mar a 1 Abr | www.festivalcinelaspalmas.com Este é um certame que evidencia cada vez mais a sua vocação para encurtar a distância entre o chamado cinema de periferia, como são o asiático, o ibero-americano, o africano e do leste europeu, e o centro da cidade cinematográfica, os EUA e a Europa. A sétima edição do Festival internacional de cinema de Las Palmas chega com a Primavera, entre 24 Mar (6.ª) e 1 Abr (sáb). As ilhas Canárias são, geograficamente, um local periférico, porém privilegiado por vários motivos: estão cultural e politicamente integradas na modernidade europeia, unidas por fortes laços históricos e afectivos com a Ibero-América e compostas ainda, desde há muitos anos, por uma numerosa população de origem asiática. O Festival de Las Palmas vai beber a tudo isso. Para se ter uma noção da variedade de culturas que compõem os filmes apresentados, na última edição foi a concurso uma produção conjunta entre Arménia, França, Itália e Suíça — Vodka Lemon, de Hinner Saleem. Um outro exemplo é Bab El Chams/La Porte Du Soleil, de Yousry Nasrallah, um filme sobre a Palestina, igualmente exibido na edição de 2005 — a grande particularidade desta fita foi a sua duração: 278 minutos. Assim, como se pode comprovar, o projecto composto para esta iniciativa não pode senão basear-se em oferecer uma pluralidade de olhares sobre o mundo inteiro. Na edição passada, até a sede do festival passou dos subúrbios para o centro da cidade, tendo sido adicionadas mais duas importantes colaborações para a organização do evento, a da Universidade de Las Palmas de Gran Canaria e a do Centro Atlântico de Arte Moderna. Para visionar as películas e afins, para além do Auditório Alfredo Kraus, outros centros, como o complexo de cinemas Monopol e o Gabinete Literário, são cenários de projecções, apresentações e exposições programadas. Dar voz ao cinema de autor Os festivais de cinema são eventos excepcionais, capazes de concentrar numa semana as energias de uma cidade inteira, constituindo hoje em dia um círculo cultural e industrial específico, alimentado por uma produção de cinema artístico, ou de autor, que, por sua vez, não poderia existir se tal circuito não existisse também. Assim, os festivais têm uma tendência cada vez maior para diferenciar a sua oferta num panorama competitivo crescente. Apesar de tal facto, ou talvez por ele mesmo, o festival de cinema de Las Palmas acolhe a grande parte da sociedade que anda em busca da diversidade de culturas cinematográficas, tendo todos os anos uma oferta de grande qualidade, vinda dos quatro cantos do grande ecrã que é o Mundo.• T Jota Assis Forward Cinema | 23 Ange De La Mort, Jan Fabre Santiago a Mil — Festival internacional de teatro Arte espanhola no Chile Santiago, Chile 2 a 22 Jan | www.stgoamil.cl Santiago a Mil convida a população chilena a conhecer as artes de Espanha. Em palco haverá teatro, dança e artes plásticas. Trazendo seis companhias, Espanha será o país em destaque nesta 13.ª edição do Santiago a Mil, que terá lugar na capital chilena. La Viuda Y Sol Pico apresenta Amor Diesel, um espectáculo de dança moderna que nasce da ideia de fazer uma coreografia sobre uma retroescavadora. É uma história de amor algo surrealista entre bailarinas e escavadoras. Ainda na área da dança, a companhia Eva La Yerbabuena apresenta um espectáculo de Flamenco. A líder deste projecto, Eva Garrido, foi recentemente galardoada nos Prémios Max de las Artes Escénicas na categoria de Melhor Intérprete de Dança e provará que o paraíso nunca envelhece. A organização, que se baseia numa estreita colaboração entre o Ministério da Cultura Espanhol e o próprio festival, promete uma programação ambiciosa. O objectivo é oferecer à população chilena uma visão ampla do que são hoje as artes do palco em Espanha. La Zaranda traz o seu trabalho Homenaje A Los Malditos, já aplaudido em festivais de teatro em Paris e Espanha. O Xarxa Teatre leva a palco Déus O Bèsties, uma cerimónia festivo-teatral. Desde 1983 que este 24 | Forward Teatro grupo tem vindo a inovar a linguagem artística com espectáculos que apostam muito na componente visual. Há uma junção do teatro a elementos festivos, tais como o fogo de artifício, cativando um número maciço de espectadores, que já foi comparado ao dos eventos desportivos. Chegarão companhias da Argentina, da Bolívia, de França, da Bélgica e até dos EUA ou do Japão. Entre os espectáculos nacionais estarão os melhores de 2005, assim como projectos emergentes. Paralelamente acontecerão seminários sobre teatro contemporâneo e mesas-redondas. Na área das artes plásticas a organização avança duas sugestões. No novo museu de Arte Contemporânea será exposta a colecção IVAN, da Equipa Crónica. Uma exposição com obras de Rafael Salles e Manuel Valdés, que representam a arte Pop hispânica, uma resposta ao regime de Franco. A segunda sugestão é Ange De La Mort, do artista belga Jan Fabre, com inspiração em Andy Warhol. Este trabalho aposta na interacção entre a dança, o teatro e as artes plásticas. A actriz croata Irene Joziv interage com as imagens. Esta performance terá lugar de 18 Jan (4.ª) a 22 (dom) e Fabre dedica-a a William Forsythe, director e coreógrafo pioneiro do Ballet De Frankfurt.• T Ana Rocha Duarte F cedida pela organização Escena contemporánea — Festival alternativo de las artes escénicas Movimentos de vanguarda Madrid 30 Jan a 26 Fev | www.escenacontemporanea.com Escena Contemporánea regressa à capital espanhola em Fevereiro de 2006 e ocupa os palcos com uma programação diversificada. Teatro, ciclos de música, dança e conferências são algumas das sugestões da Asociación Cultural y Teatral Escena Contemporánea e da ¡mira!. A organização propõe-se apresentar uma programação vanguardista nos palcos de Madrid durante um mês. A inaugurar o festival no dia 30 Jan (2.ª), Atlas, de Mal Pelo, um espectáculo de teatro coreográfico, já apresentado no Festival Don Quijote (Paris). O Teatro del Temple apresentará Ventajas De Viajar En Tren, uma peça que não deixa espaço para a criação de identificação com a realidade, desde que o público ouve a primeira frase: «Imagina uma mulher…» O Teatro del Velador apresentará uma comédia-retrato de sete imigrantes que ocupam a cozinha de um restaurante de luxo francês. A peça tem como nome La Belle Cuisin e é de Juan Caballeros, um dos directores artísticos mais inovadores no teatro espanhol. Na área da música podemos contar com um ciclo do Japão. Por toda a cidade serão apresentados outros ciclos, entre os quais alguns de autor. Destaque para o ciclo de Heiner Miller, nesta sexta edição do Festival Alternativo de Artes Cénicas.• T Ana Rocha Duarte F Jordi Bover Forward Teatro | 25 33.º Festival internacional de BD de Angoulême Viagem ao centro da BD Angoulême, França 26 a 29 Jan | www.bdangouleme.com Kotobuki Shiriagari Todos os quadradinhos vão dar a Angoulême. Ao maior festival de Banda Desenhada do mundo chegam as mais variegadas propostas, das mais recônditas latitudes. Este ano, até um concerto de desenhos está previsto, além de muitas léguas submarinas para ressuscitar o imaginário de Júlio Verne. Do Japão, da Finlândia e de África. Três das principais exposições da 33.ª edição do Festival Internacional de Banda Desenhada de Angoulême encontram a sua identidade para lá dos palcos habituados aos holofotes dos média e do público. O que se faz além da cultura manga, ou o que nasce num dos países mais pequenos da União Europeia, mas com grande historial na nona arte, ou, ainda, o que brota das savanas subsarianas, pode ser descoberto agora, em abordagens artísticas e didácticas. Perspectiva também adoptada nas duas grandes mostras individuais do festival. A primeira, dedicada ao japonês Kotobuki, nascido em 1958, autor de tiras e histórias espalhadas por revistas e álbuns. A segunda, ao tunisino George Wolinski, 71 anos, que preside ao júri dos galardões, ele que, na edição passada, foi distinguido com o Grande Prémio Cidade de Angoulême pelo conjunto da sua já vasta 26 | Forward Cinema obra, sempre acutilante, subversiva e comprometida. Um dos pontos altos será, no entanto, a reinterpretação do imaginário fantástico e científico das aventuras de Júlio Verne. Numa co-produção entre o Museu de Nantes, onde o escritor francês nasceu, em 1905, e o próprio festival, apresentam-se obras de duas dezenas de autores das mais variadas expressões estéticas. Com a programação ainda em aberto à data de fecho desta edição, o festival incluirá, ainda, homenagens às revistas Pilotes, que agora cumpre 30 anos de publicação e de onde saíram alguns dos principais nomes da BD francesa, e Capsule Cosmiquei, lançada em 2004 com o objectivo de divulgar novos talentos e novas tendências. Não faltarão, também, ciclos temáticos de cinema de animação, debates e encontros informais com o público, sessões de autógrafos e concertos. Repetindo o sucesso de 2005, os desenhos voltam a actuar num espectáculo único. Nesta performance, a audiência é desafiada a assistir à criação de uma banda desenhada em tempo real, projectada numa tela, inspirada numa música também ela tocada ao vivo. São improvisos que revelam toda a magia do mundo das histórias aos quadradinhos, numa autêntica viagem, ao ritmo da criatividade, rumo ao centro da BD.• T Ricardo Duarte Cochabamba, Demian Flores Arco – Feira de arte contemporânea Há 25 anos na feira do costume Madrid 9 a 13 Fev | www.arco.ifema.es E já lá vão 25 anos a marcar o ritmo da arte contemporânea internacional. A Arco, uma das mais prestigiadas feiras do mundo, oferece um programa de luxo na edição em que comemora as bodas de prata. Representada por 22 galerias, a Áustria é o país convidado. Os números falam por si. As 269 galerias, provenientes de 32 países, incluindo Portugal, mostram a vitalidade da Arco, uma das mais antigas e prestigiadas feiras internacionais de Arte Contemporânea. Esta edição é também marcada pela comemoração do 25.º aniversário da feira, oportunidade para se fazer o balanço do caminho percorrido e para estabelecer novos horizontes. A Áustria, terra natal do arquitecto Adolf Loos, do pintor Oskar Kokoschka e do fotógrafo Erwin Wurn, só para referir os mais sonantes, é o país convidado, com uma selecção de 22 galerias e exposições individuais. Uma das novidades deste ano é 17x17: como metáfora da diversidade cultural espanhola, um projecto, comissariado por Maria de Corral, que pretende homenagear artistas espanhóis consagrados através de obras de jovens criadores. Esta mostra insere-se no programa de exposições paralelas à zona de galerias que inclui, ainda, Theblacbox@arco’06, comissariado por Christianne Paul, Yukiko Shikata, Mark Tribe, Jemima Rellie e Karin Ohlenschlager, uma reunião de obras que recorrem a novos suportes tecnológicos. Além dos Project Rooms, terreno privilegiado para a experimentação, com propostas de todo o mundo e coordenação geral de Agustín Pérez-Rubio e Octávio Zaya. De salientar são também as exposições que compõem a área Novos Territórios, vocacionada para a arte emergente e divulgação de artistas com menos de 40 anos. Em On Youth Culture, comissariado por Pedro Alonzo e Peter Doroshenko, os trabalhos reflectem a influência que o espaço urbano exerce sobre a produção contemporânea. Por seu turno, Cityscapes dá a conhecer a estética em voga nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Nova Iorque, Los Angeles, Tóquio, Pequim, entre outras. Ao longo da feira, que se realiza no Parque Ferial Juan Carlos, decorre também o 4.º Fórum Internacional de Especialistas em Arte Contemporânea, com conferências sobre os mais diversos aspectos das artes plásticas, do coleccionismo à museologia, da formação às novas tecnologias, passando pela teoria da arte e o papel dos média. Tudo isto rodeado de um intenso programa social e cultural que se estenderá a toda a cidade de Madrid, com inaugurações nos principais museus da cidade, intervenções de arte pública, festas, sessões fotográficas e outros entretenimentos que se desejam em qualquer aniversário. Porque, na verdade, 25 anos também só se fazem uma vez.• T Ricardo Duarte Forward Artes Plásticas | 27 Pequenas e grandes bienais e feiras de arte Arte fiera 2006 Bolonha, Itália 27 a 30 Jan | www.artefiera.bolognafiere.it A loiça bem pode encher o lavatório, tal como a água pode transbordar da banheira, ou o frigorífico esvaziar-se com a passagem dos dias. Entre 27 Jan (6.ª) e 30 (2.ª), só a arte importa. É com este espírito, de primeiro a Arte depois o quotidiano, que se realiza a 30.º edição da Feira Internacional Bolonha, que reúne mais de 200 galerias italianas e estrangeiras, em articulação com um conjunto de museus, instituições culturais, editores de livros e revistas da especialidade. A divulgação de jovens artistas é um dos principais destaques deste ano, com a organização de mostras temáticas. Uma delas, sob o espírito da Arte Nova, fruto da construção de um hall de entrada segundo um desenho original de Le Corbusier, agrupará uma selecção de novas galerias. A própria cidade de Bolonha, onde nasceu a primeira universidade do mundo, servirá de palco a uma exposição de instalações de Arte Contemporânea. E um conjunto de eventos, intitulado Eas28 | Forward Artes Plásticas tWards, dará a conhecer a dinâmica cultural e artística dos países do leste europeu. Debates e conversas com o público encerram a programação de uma feira que, com o passar dos anos, tem ganho cada vez mais protagonismo entre coleccionadores, galeristas e artistas.• T RD F Arte Fiera Feira internacional de arte contemporânea Innsbruck, Áustria 24 a 27 Fev | www.art-innsbruck.at É na encruzilhada de três países, Alemanha, Suíça e Itália, que se projecta a Feira Internacional de Arte Contemporânea de Innsbruck, uma cidade do extremo Oeste da Áustria. Esta 10.ª edição premeia a dedicação de uma organização que vê na máxima «pequena, boa e bem sucedida» a chave do seu sucesso. É uma feira feita com o «coração». Sem querer perder a sua especificidade, a organização aposta, por isso, num máximo de 70 galerias mo», algures entre «o dia e a noite». Tema abordado em várias exposições que percorrem o amplo leque de manifestações artísticas da contemporaneidade, com especial incidência em pintura, escultura e vídeo. A edição de um catálogo com mais de 800 páginas e a atribuição de um prémio complementam as propostas da Bienal.• T RD The Armory show Nova Iorque, EUA 9 a 13 Mar | www.thearmoryshow.com É já a caminho do Central Park, junto ao rio Hudson, nos cais 90 e 92, entre as avenidas 12, 52 e 50, que se realiza uma das mais importantes feiras do mundo. É The Armory Show, herdeira da exposição com o mesmo nome de 1913, em que participou Amadeu de Souza-Cardoso, que introduziu a Arte Contemporânea nos Estados Unidos da América. Razões não faltam para visitar a cidade que junta mais coleccionadores, críticos e artistas por metro quadrado. Um conjunto de 153 galerias, provenientes de 38 cidades dos cinco continentes, seleccionadas entre as mais de 500 que se candidataram, dá corpo a esta oitava edição, que se propõe apresentar o que «ainda não foi visto» no campo das artes plásticas contemporâneas. O programa cultural continua, no entanto, no segredo dos deuses. Ao artista plástico John Wesley coube a criação de toda a identidade visual da feira, impregnando a edição deste ano do sensualismo pop, próximo dos registos de Roy Lichtenstein, Andy Warhol e Donald Judd, que caracteriza a sua obra.• T RD Bienal de arte contemporânea de Berlim seleccionadas, equilibrando, também, a atenção dada a novos e consagrados artistas. Um dos programas especiais deste ano é o Nice Price, uma mostra de obras, entre pintura, desenho, escultura, instalação, fotografia, novos média e outros, cujo preço não ultrapassará os dois mil euros.• T RD Bienal Whitney de arte contemporânea Nova Iorque, EUA 2 Mar a 28 Mai | www.whitney.org Day For Night é o título da edição de 2006 da Bienal de Arte Contemporânea, fundada em 1932 pelo Museu Whitney. Inspirado no filme homónimo de François Truffaut, o trabalho dos curadores Chrissie Illes e Philippe Vergne, que já escolheram 109 artistas, procura perceber de que forma o irracional, a religião, o oculto, o erotismo e a violência influenciam a cultura americana. É, pois, uma reflexão, como salientam os comissários, sobre a Arte Contemporânea que, actualmente, «se situa entre os parâmetros do pré e pós-modernis- Berlim, Alemanha 25 Mar a 28 Mai | www.berlinbiennale.de Ainda não começou e já dá que falar, ou melhor, entrevistar. Em colaboração com a revista Zitty, os curadores da Bienal, Maurizio Cattelan, Massimiliano Gioni e Ali Subotnick, têm vindo a publicar uma série de conversas com artistas que actualmente trabalham em Berlim. São retratos de uma geração em busca de um tempo por conquistar, acompanhando a evolução que, a olhos vistos e a cada dia que passa, se vê pela cidade. Com o mesmo intuito, o de antecipar o que se verá entre 25 Mar (6.ª) e 28 Mai (3.ª), foram organizadas várias exposições na galeria Gagosian e foi lançado um catálogo com o nome do famoso posto de controlo russo e americano, Checkpoint Charley, com imagens e documentações sobre os mais de 700 artistas contactados no trabalho de prospecção dos comissários. Trabalho de fundo que sublinha o objectivo de reflectir a diversidade da cena artística berlinense, patente na exposição principal, Of The Mice And Men, que ocupará não só o recinto central, como toda a Augustrasse, eixo principal do bairro histórico Mitte.• T RD Forward Artes Plásticas | 29 Big day out Um dia que são dias Austrália e Nova Zelândia 20 Jan a 5 Fev | www.bigdayout.com 2 Many Dj’s A organização apresenta-o como «o maior campo de férias em movimento à escala mundial». Entre a Austrália e a Nova Zelândia, no espaço de alguns dias, podem ver-se artistas separados por centenas de quilómetros de distância, sem sair do mesmo festival. Actuam nesta 14.ª edição bandas como os White Stripes, duo de parentescos ambíguos, ou os Franz Ferdinand, rapazes que fazem concertos para verem as raparigas dançar. Outras escolhas recaem sobre os dupla face 2 Many Djs/Soulwax ou Iggy Pop & The Stooges. O alinhamento é extenso, e a um conjunto de bandas que marcam o panorama musical internacional reúnem-se artistas locais, com algumas presenças já habituais. O Big Day Out conduz o espírito nómada a um extremo. Quer para os artistas, que podem actuar em vários dos palcos agendados, quer para o público, que encontra aqui a oportunidade de fazer a sua própria tour. O passe de Inter Rail adaptado aos termos melómanos contempla a capital australiana, bem como Melbourne e outras três cidades, enquanto na Nova Zelândia o destino único é o recinto montado em Auckland. O Big Day Out tem conhecido uma popularidade crescente desde que estreou, em 1993, com uma conhecida banda de Seattle.• T Cátia Monteiro Baja prog fest 2006 Rock Progressivo no México Hotel Araiza e Teatro del Estado — Mexicali, Baja California, México 8 a 11 Mar | www.bajaprog.com Apesar de relativamente desconhecido do público português, o Baja prog fest (BPF) é um dos maiores eventos internacionais dedicados ao Rock Progressivo. Para tal, muito contribui a sua localização na fronteira entre o México e o Estado da Califórnia, nos EUA. Na origem do festival esteve um concerto, em 1997, dos americanos Lands End, que contou com duas bandas de suporte: os argentinos Ekus e os locais CAST, dos quais faz parte o organizador do festival, Alfonso Vidales. A edição deste ano promete ser a melhor de sempre, indo o grande destaque para as duas actuações acústicas dos Los Trios Marillos, um trio formado a partir dos ingleses Marillion, composto por Steve Hogarth, Steve Rothery e Pete Trewavas. Igualmente interessante será o regresso ao activo dos americanos 30 | Forward Música Mirthrandir, apesar da escassez de novidades discográficas dos últimos anos, e a presença dos suecos The Flower Kings, que deverão centrar a sua actuação no último álbum da banda, Adam & Eve. Além da actuação inaugural da banda de Alfonso Vidales, uma tradição com origem nas primeiras edições do festival, o BPF vai contar com actuações dos franceses Lazuli, do teclista argentino Sergio Alvarez, dos italianos Odessa, dos ingleses Hatfield And The North, Nektar, Mostly Autumn e England, dos suecos Trettioåriga Kriget, dos japoneses Interpose+ e Kinzokuebisu, dos mexicanos Toccata e Arbatel, dos chilenos Evolucion, dos holandeses Flamborough Head, dos espanhóis Amarok e dos polacos SBB.• T Pedro Moreira Conversa com Carlos Matos — Festival Fade In Levantar sons alternativos Uma entidade faz Fade In nos sons de culto, em Leiria. O Festival está a descentralizar-se, a crescer e, no espaço de cinco anos, começa a ser alvo de romaria para algumas ovelhas tresmalhadas, porém fiéis a este evento. Carlos Matos é a cara e o fundador do Fade In. Diz-se melómano, de gostos ecléticos e revela uma relação próxima com a música que passa pela sua exbanda, Ode Filípica, a actividade de DJ, a radiofonia e o jornal de Leiria. O Fade In cresceu e até já viajou para outras cidades, mas no início era diferente. O festival concretizouse em 2001, a partir «da necessidade de dar visibilidade aos projectos musicais do distrito de Leiria». Actualmente o evento é palco para nomes do gabarito de Jarboe e recebe concertos únicos, como aconteceu com Deine Lakaien, em formato acústico. «O crescimento que o festival tem tido deve-se, sobretudo, à programação cirúrgica e ao arrojo da nossa directora artística, Célia Ribeiro Lopes. A qualidade e singularidade das nossas propostas são a imagem de marca do festival. Tem sido essa peculiaridade que tem fidelizado o público.» A política do festival mudou e isso vincou a postura do evento. «Quando começámos a programar o Fade In 2003, verificámos que havia pouquíssimas bandas locais que preenchessem os requisitos de qualidade atingidos nas duas edições anteriores. Ao delinear uma estratégia diferente, não só elevámos o nível e a qualidade do Fade In, como o dotámos de um potencial de projecção nacional e internacional», explica. A vinda de bandas de culto de todo o mundo atrai fãs oriundos de outras paragens também. «É vulgar termos espanhóis nos espectáculos. Já aconteceu virem ingleses ou alemães propositadamente assistir a concertos do Fade In.» A estrutura tem crescido, mas continua a funcionar sem fins lucrativos. Todo o dinheiro ganho com cada concerto serve de investimento para o seguinte. Este ano fecha com saldo negativo, revela Carlos Matos. «Isto tem que ver com o investimento que fizemos nalguns nomes que deram projecção ao festival, mas que nem lotações esgotadas conseguiriam viabilizar. O tempo dirá se esta foi a estratégia correcta.» Dependendo de apoios institucionais, meramente a nível logístico, as receitas que suportam o Festival provêm da discoteca Alquimia, em simultâneo o principal apoio e um dos projectos de Carlos Matos. Nestes cinco anos, a vida na cidade do Fade In mudou e isso reconhece-se dia a dia. «Não existe em Leiria outro projecto com um conceito urbano tão definido e profundo como o Fade In. Hoje a cidade cohabita pacífica e harmoniosamente com um festival que não é “politicamente correcto”, nem na forma nem nos conteúdos. Isso foi uma conquista nossa, mas acaba também por ser um reconhecimento da própria cidade ao nosso trabalho.»• T Dora Carvalhas F Gil de Lemos www.fadeinfestival.com Destroyer 32 | Rec Música Many Fingers Wraygunn Faíscas na Gália Alguém endireitou o arrogante nariz dos franceses. Ao que parece bastam uns tons de Blues misturados com qualidade para que os loucos gauleses percebam que neste jardinzeco não se canta só o fado. Quase 8.500 cópias vendidas, salas cheias um pouco por toda a França e actuações em importantes programas radiofónicos e televisivos exibiram os portugueses Wraygunn ao país de Asterix. Deviam ter contado o segredo aos romanos. A explicação pode estar no Blues, diz Paulo Furtado. «Se nós começarmos a pensar na carreira de uma série de artistas norte-americanos, França recebeu sempre de braços abertos este tipo de sonoridade. Mas, sobretudo, acho que as pessoas gostaram. Em algumas críticas existia um certo racismo, em frases do género “como é que é possível esta banda tão boa ter vindo de Portugal?” Por um lado, isto é um insulto para nós, como portugueses, mas por outro é um louvor como músicos. Achar que somos bons demais para Portugal não é, de modo algum, o que eu penso, mas ainda existe este tipo de ideia.» Raquel Ralha diz que «a surpresa, como contraponto desse preconceito, apanhou as pessoas desprevenidas. Suscitou curiosidade para ver outra realidade». Finalmente perceberam que por aqui até se fazem umas coisas, enquanto estamos virados para a aragem do oceano. Paulo Furtado recusa enrolar-se na conversa do emigrante que diz que «lá em França é que é bom», mas reconhece que algumas estruturas, no que concerne ao circuito de salas de espectáculos, funcionam muito melhor — muito embora se trate de estruturas apoiadas pelo Estado. Mas até esse deveria ser um passo a dar pelas entidades portuguesas. Inevitavelmente, o fio condutor da conversa chega ao festival de Blues que, todos os anos muito a custo, Paulo Furtado tenta organizar. Autênticas epopeias de apoios institucionais retirados fragilizaram a base de um evento que faz toda a falta e sentido em Portugal. «Não tenho neste momento a certeza de que consiga fazer o festival de Blues. Daqui para a frente não sei como é que se vai conseguir realizar, mas se calhar vamos ter de regredir um pouco no formato e fazer uma coisa mais comedida.» Em França os Wraygunn foram bem recebidos em toda a parte: nos programas conceituados de TV, rádio e, mais importante que tudo, nos palcos. «É bom perceber que lá, ao contrário de cá, as pessoas também estão a apostar em nós como uma banda de primeira linha internacional e que as rádios também têm essa ideia. É algo bastante diferente do que estamos habituados em Portugal.» Os planos dos Wraygunn não param por França. O tempo começa a escassear, mas pretendem esticar ao máximo a amplitude geográfica da sua música. Actuaram no festival Atlantic Waves, em Inglaterra, e é aí que vão lançar o disco, embora com atraso — deveria estar pronto duas semanas antes da actuação da banda em Londres, mas devido a «uns problemas no fabrico, acabou por ser adiado para Fevereiro. Queremos incluir um DVD com videoclips e concertos para fazer uma edição especial.» Os planos futuros incluem o regresso a França para mais cinco espectáculos e a participação num festival organizado pela Fnac Europa, no qual são a banda internacional convidada. Ainda na primeira metade do ano editarão um DVD com os melhores momentos da digressão que passou por Portugal e mostrou os Wraygunn a França e Inglaterra.• T Dora Carvalhas F EMI www.wraygunn.com Rec Música | 33 Entrevista a Ilse van Velzen, documentarista ‘As pessoas estão fartas da realidade’ Ilse van Velzen tem 25 anos, é holandesa e faz do documentário a sua profissão desde que, em 2003, se aventurou com a irmã a mergulhar no universo do vídeo em cenários conturbados. Ainda este ano lançou na Holanda um filme sobre os refugiados angolanos repatriados. Embalada pela atmosfera aconchegante do 11.º andar do mais panorâmico bar de Amesterdão, aproveita agora o encerramento da última edição do Festival Internacional de Documentários da cidade (IDFA — um dos cinco mais importantes na Europa) para falar sobre o ac34 | Rec Cinema tual estado do género. Aviso à navegação: não é uma actividade fácil. Não fosse o biscate semanal que mantém num restaurante e levar este sonho avante seria para Ilse uma missão quase impossível. Há uns anos atrás, era quase impossível falar-se do documentário sem associar o género a um tipo de trabalho de cariz jornalístico, com um narrador sempre presente, ao bom estilo das produções da BBC. Hoje em dia, porém, muita coisa mudou. Pelo que se pôde ver no IDFA, as linguagens diversifica- ram-se e a produção estética ganhou terreno, passando-se a tratar o material quase como na ficção. O que aconteceu? Quando só se faziam filmes em película, tudo saía muito caro. Era impensável produzir-se um documentário sem um guião detalhado e muita precisão. Os passos eram todos cumpridos e havia mais regras a seguir. Desde que se democratizou o acesso ao género, através do aparecimento das câmaras de vídeo digitais, tremendamente mais acessíveis, passou a haver muito mais gente a trabalhar em documentário. E se isso por um lado é bom, porque promove uma grande diversidade de temas e de linguagens, fazendo de qualquer um de nós um potencial realizador, por outro leva-nos a cair numa quebra de qualidade generalizada. Sentiu isso nesta edição do Festival? Sim, sim. Apesar de ter gostado muito de dois trabalhos (projectos sérios, com qualidade: um deles levou sete anos a fazer), vi vários filmes inexperientes, longos demais e filmados sem guião prévio. Resultado: certos temas que poderiam ser interessantes tornaram-se simplesmente aborrecidos. Não teres uma história à partida leva-te a recaíres mais na pós-produção. E o problema é que se a coisa não é bem feita acaba por soar a falsa. Como chegou a este mundo? Meti-me nisto com a minha irmã gémea. Decidimos criar uma produtora caseira (a IF Productions) e lançarmo-nos no meio com o auxílio das nossas câmaras digitais e computadores. Na verdade, começámos a aventura em 2003. O filme Return To Angola [selecção oficial da edição especial deste festival] foi o nosso primeiro grande projecto. Tínhamos como premissa acompanhar três refugiados angolanos a viver na Holanda durante o seu processo de repatriamento e regresso a casa, aos 18 anos. Encontraram muitos obstáculos? Sim. Não é nada fácil… Sobretudo porque quando ainda não tens nome não há quem te apoie em projectos de risco. Fomos à televisão, andámos por aí e não conseguimos nada. Ainda assim, decidimos avançar com o projecto por nossa conta e risco. Como conseguiram fazê-lo? Estivemos uns dez meses à volta dos refugiados a tentar conseguir uma permissão para filmar. Depois de a conseguirmos e de já termos iniciado o projecto, houve uma fundação que nos apoiou. Com o dinheiro, fomos duas vezes a Angola. Seguimos os refugiados por dois anos. Acabámos por conseguir passar o filme na televisão. Como foi filmar em Angola? Difícil. Apesar de termos filmado o grosso do filme com uma câmara apenas, optámos por levar três aparelhos para o caso de nos roubarem ou confiscarem o material. A legislação sobre a matéria é ainda muito deficiente em Angola, pelo que éramos muitas vezes abordadas pelas autoridades. Acabámos por conseguir um papel do Ministério da Cultura que nos foi resolvendo o problema. Por curiosidade, ainda mantém os contactos com os refugiados do filme? Sim, sim, com a rapariga. Tivemos de criar uma relação forte com eles para fazer o filme. Ligamos-lhe com frequência. E em termos materiais, já é possível viver só do documentário na Europa? Se és famoso, sim. Num caso como o nosso, todavia, é preciso ser-se tremendamente persistente. E mesmo assim é complicado sobreviver. Eu, por exemplo, tenho de trabalhar uma vez por semana num restaurante para estar mais à vontade. Qual é o segredo: os subsídios? Os subsídios são muito importantes, claro. Mas para os conseguires precisas de ter alguém a trabalhar nisso a tempo inteiro. É quase como ter uma outra profissão. Para dar um exemplo, estamos agora a iniciar um documentário no Congo. Apesar de haver um produtor interessado, acabou por não nos apoiar para não se comprometer. Filmar em palcos de guerra é muito complicado e ninguém gosta de se arriscar. Vou acabar por fazê-lo só com a minha irmã: as duas sozinhas. Por isso, o importante agora é convencer uma televisão a dar-nos o aval, mostrando intenções de passar o filme. Se o conseguirmos, passa a ser muito mais fácil conseguir um subsídio. Quais as regras de ouro para se ser bem sucedido no género? Há duas muito importantes. Primeira: nunca desistir perante os obstáculos, que serão sempre muitos — não dá para tentar despachar a coisa só porque tens uma data marcada, além de que os grandes trabalhos podem levar anos. Segunda: criar uma relação de grande confiança com as tuas personagens. São elas que vão contar a história. Se não houver honestidade nem à-vontade, é trabalho perdido. Terá o documentário espaço para ganhar mais força nos cinemas e, quem sabe um dia, massificar-se? Não acredito, ainda que o panorama esteja bastante melhor hoje do que há uns anos atrás. Adoraria, por exemplo, que existissem clubes de vídeo só com documentários e que fosse possível encontrar este tipo de filmes em todos os cinemas. Não creio, contudo, que a massificação generalizada aconteça. As pessoas estão fartas da realidade, não querem ver a miséria. Para isso, já têm a televisão e os telejornais.• TF Filipe Araújo www.idfa.nl Rec Cinema | 35 Entrevista a Costa-Gavras ‘O mais difícil em cinema é fazer a pergunta certa’ Era importante mostrar no arranque do filme que esta era uma personagem que faz coisas terríveis, que detestamos e rejeitamos violentamente. Mas queria construir o argumento para que ao longo do filme o espectador fosse simpatizando com ele. No final queria que o espectador se perguntasse «mas por que gosto eu desta personagem que é um assassino?». E a moral do filme é quando o espectador tenta responder a esta questão que se colocou. Penso que a resposta é que ele é simpático pela forma como se relaciona com quem encontra e pelo modo como enfrenta os seus problemas. E também porque os assassinatos não nos parecem muito credíveis. O lançamento da Festa do Cinema Francês fezse com Golpe a Golpe, sátira de teor político engenhosamente sintetizada pelo realizador grego Costa-Gavras. Um golpe no fantasma do desemprego que assola a França, mas também na consciência individualista. Para o realizador, um filme deve colocar questões, este vai desferindo-as golpe a golpe. Há uma ironia neste filme: o protagonista recusa-se ser vítima da sociedade, mas os outros tornam-se suas vítimas… Toda a história ronda o facto de as outras personagens aceitarem a vitimação, a humilhação de trabalhar em algo que não corresponde nem ao seu carácter, nem à sua classe ou aos seus estudos… Porém, todos têm sempre uma esperança: a de que um dia tudo vai mudar. Entretanto, a perda do trabalho e do salário acaba por destabilizar o ambiente familiar, a moral, a ética familiar, mas conduz também à perda da própria dignidade, da auto-estima. É essa a pior das coisas. Mas o protagonista não está disposto a perder tudo isso. Então, decide fazer guerra. Não podemos considerar Bruno Davert como um assassino convencional, porque as circunstâncias e ele mesmo são bastante bizarros. Qual a preocupação inerente à construção desta personagem? 36 | Rec Cinema Porque é que procurou um actor de comédia [José Garcia] para encarnar esta personagem? Acredito que podemos obter bastante de um actor quando o deslocamos. Se ele aceita o desafio, pode tornar-se muito bom. E penso também que os actores cómicos têm uma capacidade formidável de representar o dramático. No filme, Bruno Davert depara-se frequentemente com anúncios de mulheres em lingerie. Este detalhe serve para ajudar a caracterizá-lo? O protagonista não pode mais comprar essas coisas. O que se converte numa frustração permanente. Uma outra razão para a presença desse nu é mostrar como na publicidade só existem mulheres muito jovens, Lolitas, que surgem sem cabeça, como obsessões sexuais, fantasmas sexuais dos homens. E isto está organicamente no filme porque a filha da família, quando enfrenta os polícias… Serve-se de quê? Não da sua inteligência, mas da sua beleza feminina. Ela sabe que vai resultar porque o observou na rua. Numa altura em que se assiste na televisão a uma discussão política vazia e as pessoas se interessam cada vez menos por estas questões, poderá o cinema servir para reavivar o tema? Sim, penso que o cinema pode desempenhar um papel, mas não pode mais do que colocar questões sobre a sociedade. Não creio que possa fornecer respostas. E ainda menos fazer promessas. E o mais difícil é colocar a pergunta certa. T Cátia Monteiro F Mars Distribution assinaturas A FEST FORWARD MAGAZINE, em parceria com a editora Pop Stock, tem para oferecer às 25 primeiras assinaturas anuais [4 edições] os seguintes CDs Numere por ordem os títulos do seu interesse: 1 2 3 4 5 1 Stuart A. Staples . Lucky Dog Recordings 03-04 2 Boedekka . The Piper, The Devil, The Poet & The Priest 3 Damon & Naomi . The Earth Is Blue 4 Xiu Xiu . La Foret 5 Destroyer . Your Blues Nome _______________________________________________________________________________ Morada _____________________________________________________________________________ Localidade _________________________________________ Código Postal __________-______ E-mail _____________________________________________________________________________ Telefone __________________________________ Data de Nascimento _____-_____-_________ Profissão __________________________________________________________________________ Enviar cheque no valor de 8 euros à ordem de Associação Infinitos Frames Por Segundo para Rua Cerrado do Zambujeiro, n.º 27, 2.º Frente, 2610-036 Amadora F O T O C O P I E E S TA P Á G I N A The Piper, The Devil, The Poet & The Priest Boedekka Pop Stock, 2005 Os ingleses Boedekka demonstram grande capacidade de reciclagem e manipulação de sons, constituindo a inversão, o scratch, a distorção e a variação de pitch as técnicas mais frequentes. No entanto, o embrulho é Pop Rock, como demonstram os temas “Forecourt Juntie” e “Nated Angel”. Outros sugerem influências tão díspares quanto Primal Scream ou Pink Floyd, como “Carnival Of The Antichrist”, “Velvet Sties” ou “Emergency Exit”. Pelo meio, há ainda os deliciosos instrumentais psicadélicos “Microdot Maintenance”, “Jeg Elster At Spille Tabale” e “Strom The Palace”. Outro tema, “Devil On My Back”, inclui o peculiar registo sonoro de um modem a estabelecer a ligação (tão comum durante os anos 90), enquanto a curiosa faixa extra cruza influências nipónicas com os ruídos típicos de um telemóvel.• FP The Greatest Pop Stock, 2006 www.catpowerthegreatest.com Chan Marshall pode dar concertos insatisfatórios — Primavera Sound‘02 e Festival do Porto’03 —, mas a verdade é que a cantautora continua a produzir excelentes músicas. Exemplos disso são “The Greatest” e “Where Is My Love”, onde belíssimos diálogos entre o piano e o violino fazem canções simples mas cheias de força. Em “Lived In Bars” e “Willie” coabitam piano, saxofone e nostalgia na voz de Chan, que se assume como contadora de histórias. Por outro lado, “After It All” casa Blues e Swing, num ambiente de bar. “Islands” é uma ilha no álbum, onde o imaginário havaiano marca presença. “Hate” vai ao baú Cat Power retirar guitarra, voz e melancolia, constituindo elo de ligação com o passado num exercício de auto-reflexão e “Love & Communication” é uma amálgama que sintetiza muito bem The Greatest como álbum.• FP Abertura Single Lupanar, 2005 Bor Land, 2005 Lupanar www.lupanar.org Três aspectos se destacam neste Abertura: canções que não o são, no sentido tradicional do termo, a assustadora amplitude vocal que Ana Bacalhau demonstra nalguns temas e a musicalidade rica e cheia. Traz à memória algumas referências de música tradicional popular portuguesa, para o que contribui o acordeão, sobejamente usado. Abertura é o disco de estreia e os seus 13 temas são uma constante surpresa. Há-os com uma guitarra acústica predominante, outros dão lugar à eléctrica, o contrabaixo sente-se, um trompete espreita e além da voz principal, os coros completam. Mas há mais: acordeão, tambor, djambé e darabuka, num elenco bastante longo. Depois de subir ao pódio num Termómetro Unplugged e participar na homenagem a Carlos Paredes, em Movimentos Perpétuos, os Lupanar e este seu Abertura são ousados. E “Roubadores” fica no ouvido.• JPC 38 | Stop Cd’s Cat Power Carlos Bica www.carlosbica.com Single é um disco maior. Nele Carlos Bica cumpre com o prometido: explorar o espectro sonoro do contrabaixo, totalmente a solo. Ao longo de 17 temas, Bica dá voz ao instrumento, toca as cordas e maneja o arco como que por desígnio, numa diversidade de arranjos e andamentos — “Dança Para Um Folclore Imaginário” é o melhor exemplo. Mas, e o que dizer de “Softly as”, “Introdução/Chão e Bolero” ou mesmo “White Wall”? Apenas isto: ouça-se. Impossível de categorizar, em Jazz ou qualquer outra gaveta, Single é desde logo uma peça de culto. Pela captação, a cru, do som do contrabaixo; pela ausência de elementos digitais; pela embalagem cartonada branca e amarela e porque não se pode ouvir em headphones ou qualquer outra coisa — Single requer um potente amplificador e colunas, à antiga, para que se note todas as nuances da sua sonoridade. Delicioso.• JPC Wal Mart Mind My Gap Brave New Films, 2005 Chalet Pointu, 2005 Robert Greenwald www.walmartmovie.com Longe de ser uma obra-prima, Wal-Mart é um complemento interessante aos mais incisivos Corporation (inédito em Portugal), Surplus (prémio do público em Vila do Conde) e Big One (de Michael Moore). Em boa verdade, Wal-Mart é um documentário mais específico do que os outros exemplos dados, denunciando as implicações sociais, económicas e políticas do gigante de hipermercados no dia-a-dia dos americanos. Contudo, as violações dos direitos humanos chegam-nos através de relatos, em discurso directo, de funcionários chineses que quase têm de pagar para trabalhar (pagam, e bem, com o corpo), tais são as condições sub-humanas a que se sujeitam. Tudo em nome do lucro e do bem-estar dos accionistas sem escrúpulos da Wal-Mart. No final, a redenção de ex-funcionários e exclientes passa pelas dezenas de acções bem sucedidas na recusa do hipermercado dos preços baixos em determinadas cidades dos EUA.• FP Rosto A. D. www.rostoad.com A trilogia Mind My Gap inclui os capítulos “Beheaded”, “Anglobilly Feverson” e “Jona/Tomberry”. Este último foi apresentado mundialmente no Festival de Cannes, em 2005, onde ganhou o Gran Prix Canal+. O filme é um prodígio tecnológico, encontro multimédia de 3D, filmagens HD, desenhos e fotografias, onde Rosto cruza as influências do escritor Jorge Luís Borges (jogos de espelhos) e do cineasta F. W. Murnau (expressionismo alemão). Se a concepção visual aconteceu na Holanda, a excelente banda sonora foi elaborada do outro lado do Atlântico, nos EUA. O DVD inclui ainda um detalhado making of de “Jona/Tomberry”, um slideshow Mind My Gap e as primeiras obras do Estúdio Rosto AD — The 4 Trailers Of Dog, Live To Work, Work To Live, além de quatro vídeos da banda de Rosto, os mauzões do Rock’n’Roll, The Wreckers (Whip In My Valise, Together In A Car, The Wreckers Sing! e Animatin’ Wrecker Folley).• FP Live 8 The Ross McElwee DVD Collection EMI, 2005 First Run Features, 2005 www.live8livedvd.com www.firstrunfeatures.com Vários Desta vez não foi necessário aguardar quase 20 anos pelo registo vídeo. O DVD do concerto que tinha como missão levar os líderes dos oito países mais ricos do mundo (G8) a perdoar a dívida aos países africanos, a 2 Jul 2005, demorou apenas quatro meses a ser editado. Bob Geldof é um herói para muitos, mas a realidade é que em Edimburgo o clima geral era de cepticismo e interrogação em relação às reais repercussões das suas acções no terreno. Ainda assim, a constelação de estrelas reunidas foi impressionante (claramente superior à de 1985), com filmagem e edição da irrepreensível BBC. O DVD permite esquecer a péssima cobertura da RTP, onde se confundiram milhares de milhão com biliões, se falou cinco vezes mais do que o suposto, deixando de fora actuações essenciais, se alterou a transmissão de canal sem avisar e se pediu contribuições para um número SMS duvidoso, quando o importante era a inscrição no site oficial.• FP Ross McElwee Documentarista da corrente cinema verite, Ross McElwee é um pensador com um sentido de humor mordaz. Ross assume o protagonismo nos seus próprios filmes, afirmando que é mais fácil filmar em modo auto-biográfico a família e os amigos (e os amigos destes) do que invadir a privacidade de desconhecidos. Charleen (1978), o primeiro filme, retrata um mês na vida da excêntrica poetisa Charleen Swansea. Já Backyard (1984) debate a relação de Ross com o seu pai. Em Sherman’s March (1986), Ross sente na pele as crises do general Sherman durante a guerra civil americana, enquanto filma a passagem de diversas mulheres pela sua vida. Casamento, vida e morte são os temas de Time Indefinite (1993), enquanto que em Six O’Clock News (1997) Ross percorre os EUA de carro de forma a registar as notícias mais recentes por oposição à manipulação televisiva. Por fim, em Bright Leaves (2004), Ross fala do seu avô e da indústria do tabaco.• FP Stop Dvd’s | 39 Roteiro Breve Da Banda Desenhada Em Portugal Dádá-Zen – Pintura-Escrita Eurico Gonçalves Carlos Pessoa Quasi Dar a conhecer a evolução das histórias aos quadradinhos no nosso país é o objectivo do livro que Carlos Pessoa lançou durante o Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. Roteiro Breve Da Banda Desenhada Em Portugal é, assim, uma viagem aos primórdios da nona arte, desde a primeira banda desenhada assinada, em 1872, por Rafael Bordalo Pinheiro, à série A Pior Banda Do Mundo, de José Carlos Fernandes, um dos mais destacados e profícuos nomes da actualidade. Socorrendo-se dos estudos que têm vindo a ser publicados, o jornalista do Público traça uma panorâmica da BD nacional, incidindo a sua análise nos principais acontecimentos, revistas e autores. Num registo rigoroso, acessível e profusamente ilustrado, fica-se a saber que o séc. xix é dominado por criações dirigidas a um público adulto, que 1915 é uma data chave na afirmação da BD, com Quim e Manecas, de Stuart de Carvalhais, e que as revistas Mosquito e Cavaleiro Andante configuraram, nas décadas de 30 e 40, os anos de ouro da BD em Portugal. Há, ainda, referências à explosão dos anos 60, época em que o álbum substituiu a imprensa como meio de divulgação da BD, ao papel da revista Visão, nos anos 70, na ruptura com os modelos do passado, à crise dos anos 80, e, por último, ao triunfo dos autores que se tem verificado na última década.• RD Mais do que um livro, Dádá-Zen – Pintura-Escrita é um testemunho de uma vida inteiramente dedicada à Arte. Através da pintura e do desenho, ou da análise do trabalho dos seus companheiros de geração, Eurico Gonçalves, distinguido este ano com o Grande Prémio da 13.ª Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira, na qual participa desde a primeira edição, tem sido um espectador participante dos novos rumos da Arte Contemporânea, sobretudo no campo da arte abstracta e gestual. Nesta autobiografia do olhar e sentir poético, como poderia chamar-se, o pintor, nascido em Penafiel em 1932, passa em revista os principais nomes das artes plásticas nacionais, bem como o seu próprio percurso artístico, tentando definir uma arte poética que se estabelece, à semelhança do Budismo Zen, Dadaísmo e Gestualismo, pela recusa, pela negação de qualquer intenção, conceito, ou planeamento. É neste campo vazio, mas aberto à liberdade do inconsciente humano, defendido por André Breton, que Eurico Gonçalves assenta a sua filosofia Dádá-Zen e caligrafia pictória, que está na origem das despinturas e desdobragens que tem vindo a realizar nos últimos 30 anos.• RD CTT 40 | Stop Livros Imago 2005 — Festival internacional de cinema jovem Pequenos prazeres entre amigos Fundão 1 a 8 Out | www.imagofilmfest.com Premiados Imago 2005 Grande Prémio Cidade do Fundão The Raftman’s Razor, de Keith Bearden Prémio Jovem Realizador Europeu A Bras Le Corps, de Katell Quillévéré Prémio do Júri da Competição Internacional City Paradise, de Gaelle Denis Melhor Filme Competição Docs in Shorts: Undressing My Mother, de Ken Waerdrop Menção Especial Against The Sun, de Valentin Vasyanovych City Paradise, Gaelle Denis O Imago 2005 foi sinónimo de uma criteriosa selecção de filmes, de excelentes propostas musicais e filmes concerto e de retrospectivas de Terry Gilliam e Jess Franco. «Este filme apresenta duas actrizes muito talentosas», afirmou Jess Franco na apresentação de Snakewoman, a sua última longa-metragem. Se alguém tem dúvidas em relação à taradice lésbica do realizador espanhol, bastará alugar Snakewoman na secção pornográfica de um clube de vídeo. Terry Gilliam foi alvo de uma justíssima homenagem no Imago, com a passagem de clássicos como Monthy Python And The Holy Grail e a curta The Crimson Permanent Assurance. Constituiu também um enorme prazer deparar com a instalação que deu origem à capa do álbum de estreia de Badly Drawn Boy, The Hour Of Bewilderbeast (exposição de Sleeve-Art de Andy Votel) e com uma exposição de pintura e multimédia do holandês Rosto. Por outro lado, em 2006 o Imago necessitará de melhorar as condições de visualização de filmes e espaços de concertos. Há que calendarizar mais eficazmente, evitando momentos mortos e a perda desnecessária de algumas sessões. Por fim, faltam sessões com os filmes premiados. Aparentemente mais melómano do que cinéfilo, o público do Imago marcou presença em peso nos momentos musicais. Na cerimónia de abertura do festival, a electro-acústica dos Canal Zero encaixou na perfeição na curta Walking, de Ryan Larkin (Canadá, 1969), tal como Kubik e o maestro Luís Cipriano trabalharam 42 | Rewind Cinema Under 25 — Melhor Filme Internacional Bow Tie For Squareheads, de Stephan Flint Müller Under 25 — Melhor Filme Nacional Lixo, de Mário Filipe Faria Prémio 2: Onda Curta The Raftman’s Razor, de Keith Bearden Time Zone Explained By Use Of Light, de Nicolai Ostergaard Un Beau Matin, de Serge Avedikian Willow Drive, de Jarob Rorvik Menção Especial do Júri Onda Curta Phantom Limb, de Jay Rosenblatt Prémio Júri Jovem Bow Tie For Squareheads, de Stephan Flint Müller Menção Honrosa Júri Jovem Hope, de Fernando Carmo Prémio do Público — Competição Internacional Cashback, de Sean Ellis Prémio do Público — Competição Docs in Shorts Undressing My Mother, de Ken Waerdrop Prémio do Público — Competição Under 25 Bow Tie For Squareheads, de Stephan Flint Müller muito bem uma banda sonora electro-orquestral para Entr’Acte, de René Clair (França, 1924). No encerramento, Kid Koala, acompanhado pelos DJs Jester e PLove, demonstrou toda a perícia no controlo de pitch e scratch. Pelo meio, destaque para o turco residente em Berlim, Namosh. Old Jerusalem, Erlend Oye (apesar de engripado), Toolshed (projecto de Graham Massey) e os Norton constituem sempre apostas seguras. No campo dos erros de casting ficaram Golden Pistolas, Ana (João Marrucho) e Alex (das Chick On Speed).• T Filipe Pedro Caché, Michael Haneke 6.ª Festa do cinema francês Seduzir para distribuir, em francês Fórum Lisboa e Instituto Franco-Português — Lisboa 6 a 16 Out | www.festadocinemafrances.com Sobraram confetti para os outros dias do ano. Que é como quem diz, os filmes, vai ser possível sabo–reá-los mais tarde, depois do banquete de uma semana e meia. A Festa do cinema francês tem procurado, sobretudo, incentivar na distribuição nacional a cinematografia francesa, razão pela qual a maioria dos filmes se apresenta com a etiqueta de valor seguro. As Bonecas Russas é disso exemplo. Após o culto gerado em torno d’A Residência Espanhola, a acção transporta as personagens para outros destinos, simultaneamente geográficos e relacionais. Cédric Klapich apela de novo ao colorido cruzamento de referências culturais dispersas, ainda com o recurso à ciência da estereotipia. Romain Duris move-se com à-vontade num papel que se revela mais complexo com o avançar do filme. O mesmo actor converte-se ainda em Arsène Lupin, sob a direcção de Jean-Paul Salomé. Na pele do famoso ladrão de jóias que nada deve à classe ou ao charme, fica prejudicado pelo recurso excessivo a efeitos especiais e artifícios formais que descaracterizam a personagem face à narrativa original. Luc Jacquet conseguiu n’A Marcha dos Pinguins um documentário de singular beleza. Envolvido por uma banda sonora original que invoca o estilo da Björk, o cenário reveste-se de branco e azul, numa fotografia límpida e majestosa. A narrativa é equilibrada, a tempos afectuosa sem se tornar piegas. E os pinguins são actores de talento ímpar. Arnaud Desplechin consegue com Reis e Rainha uma das obras mais notáveis do cinema actual. A narrativa apresenta o trunfo de uma empatia natural com as vivências que ali se jogam, suportada por interpretações talentosas. No domínio do imprevisível plantam-se âncoras de reconhecimento que permitem ao espectador acompanhar as diferentes velocidades praticadas no filme. Verosímil sem ser banal, único sem se tornar extravagante, objecto revelador da vida humana. No festim figuraram ainda obras de relevo como La Moustache, de Emmanuel Carrère, história sobre o impacto que uma porção de pêlos faciais poderá operar na vida de um homem — em sentido metafórico, claro. Uma homenagem à Escola Superior de Teatro e Cinema deu espaço a curtas-metragens de estudantes portugueses e franceses, num intercâmbio que permitiu esclarecimentos mútuos. E como de costume a Festa alastrou a outros pontos do país, cada vez com mais público e candidaturas de outras cidades à passagem do cinema francês. Uma Festa para a qual todos parecem querer ser convidados.• T Cátia Monteiro Rewind Cinema | 43 The Wayward Cloud, Tsai Ming-Liang 38.º Festival internacional de cinema de Sitges O mundo numa praia Sitges, Catalunha 9 a 18 Out | www.cinemasitges.com Foi da América do Norte e do Extremo Oriente que vieram as principais vedetas do certame. Os extremos voltaram a tocar-se na maravilhosa enseada de Sitges, tão pacata como cosmopolita. Quase quarenta anos impõem respeito e, por isso mesmo, os símbolos deste ano foram dois monstros sagrados do cinema: o Tubarão (assinalando três décadas sobre o primeiro filme da saga spielberguiana) e o King Kong, em antecipação do novo filme de Peter Jackson. Sitges não é Cannes, mas quem ali vai durante estes dias sabe que se pode deparar com ídolos inextricáveis do cinema actual. Além de toda a galeria de mediáticos espanhóis, grande parte só para consumo doméstico (a maior celebridade foi mesmo Álex de la Iglesia), os notáveis vieram da Ásia mais longínqua e também do Canadá e dos EUA, como se segue: o coreano Chan-Wook Park (vencedor em 2004 com o inesquecível Old Boy), a japonesa Chiaki Kuriyama (a adorável assassina de Kill Bill 1) e o seu maestro, Quentin Tarantino, além de Jodie Foster, David Cronenberg e Viggo Mortensen. Destes, Tarantino foi quem despertou o momento de maior delírio do festival. A sua presença em Sitges era supostamente um segredo, mas houve fuga de informação... Na verdade, foi o próprio director do Festival, Ángel Sala, a não resistir e passar a palavra à comunicação social. Resultado mais que 44 | Rewind Cinema previsível: uma multidão de cinéfilos e curiosos ficaram à porta (e à chuva!) da esgotadíssima sessão surpresa, na qual o director de Pulp Fiction apresentou Hostel, película gore do seu afilhado Eli Roth, também presente. A obra arranca com o que parece ser uma banal viagem à Europa de três amigos americanos, que acabam por envolver-se incautamente numa espiral de violência sanguinária e escabrosa. Na concorridíssima mesa-redonda que se seguiu à projecção, Tarantino adiantou que o seu próximo projecto é uma nova parceria com Robert Rodríguez: «Será um filme de terror e chamar-se-á Grind House. Estará dividido em duas partes, uma rodada por mim e outra pelo meu amigo Rodríguez», esclareceu. A gozar um período auspicioso precisamente desde a sua colaboração com Tarantino (Kill Bill), a jovem actriz nipónica Chiaki Kuriyama também cruzou o promontório de Sitges, para promover o filme Yokai Daisenso, assinado por Takashi Miike e que participou na secção Fantástico. Trata-se de uma saga guerreira com muitos efeitos especiais, entes e forças sobrenaturais, inspirada numa lenda tradicional do Japão que já tinha sido levada ao grande ecrã em 1968. O papel de Chiaki é afinal secundário e a sua presença foi basicamente de prestígio e visibilidade. O mesmo não se pode dizer de Chan-Wook Park, que se apresentou em concurso, também na sec- Hard Candy, David Slade ção Fantástico, com Sympathy For Lady Vengeance. Este sul-coreano de 42 anos, licenciado em Filosofia, afirmou-se mundialmente com Old Boy, filme que venceu 13 festivais em todo o mundo, incluindo Sitges e Cannes. Mas este ano não repetiu o título, embora tão-pouco tenha voltado de mãos vazias, já que o júri atribuiu a Lee Yeong-Ae o prémio de Melhor Actriz. O filme conclui a trilogia sobre a vingança que centrou nos últimos anos as atenções criativas de Park, mas acaba por reiterar um pouco os mecanismos narrativos e psicológicos já usados em Old Boy. Finalizando com as vedetas, estes sim totalmente fora de competição, o canadiano David Cronenberg, acompanhado do nova-iorquino Viggo Mortensen, respectivamente realizador e protagonista de A History Of Violence. Cronenberg volta a reflectir sobre o sentido da existência e da condição humana neste filme maduro em que a vida de um comerciante muda totalmente após matar dois delinquentes que assaltam a sua loja. A personagem torna-se um herói nacional, o que acarreta porém a perda da sua privacidade. Mortensen está à altura do papel e foi merecidamente ovacionado pelo público. Os premiados Como dizíamos, não só os principais convidados do Festival eram oriundos da América do Norte e do Extremo Oriente, como também foram estas as cinematografias que dominaram o certame. De facto, os galardões mais relevantes repartiram-se entre The Wayward Cloud, de Tsai Ming-Liang (Taiwan), e Hard Candy, de David Slade (EUA), num empate técnico de 3 a 3. O primeiro arrecadou o Prémio Especial do Júri, Melhor Actor (Lee Kang-Sheng) e ainda o Prémio da Crítica. Quanto ao segundo, foi distinguido com o Grande Cirkus, Thomas Pors Prémio do Público, Melhor Argumento (Brian Nelson) e Melhor Filme. Ou seja, um domínio indiscutível para estas duas obras envolventes e provocatórias, nas quais se desenrolam romances pícaros e improváveis. Mais filmes da América do Norte e do Oriente a serem contemplados, embora com prémios menores, foram Election (Melhor Realizador e Prémio Jurado Jovem), de Johnnie To (Hong Kong), Seven Swords (Melhor Fotografia para Keung Kwok Man, também de Hong Kong), The Dark Hours, do canadiano Paul Fox (Prémio Midnight X-Treme), e The Girl From Monday, do nosso bem conhecido Hal Hartley, que conseguiu vencer na categoria Noves Visions e mostrar que o seu cinema ainda é capaz de pequenas surpresas. Num festival que dispõe de sete secções competitivas seria fastidioso enumerar todos os premiados, mas realmente a presença europeia ficou abaixo das expectativas e praticamente só se destacou na Animação (secção Anima’t), onde os Prémios de Melhor Curta e Melhor Longa-Metragem recaíram respectivamente sobre Cirkus (Thomas Pors, Dinamarca) e The District (Áron Gauder, Hungria). Finalmente, como curiosidade, refira-se que o decano realizador bávaro Werner Herzog, conhecido pelo seu cinema ultra-autoral, teve a ousadia (ou a originalidade) de apresentar dois filmes diferentes a concurso: The Wild Blue Yonder e Grizzly Man. E a verdade é que ambos lograram Menções Especiais por parte do júri, tendo também semeado confusão e celeuma entre o público, pois os espectadores não sabiam se se tratava de documentários ou ficções. Apesar de tudo, Herzog não deverá ser um dos homenageados do próximo ano, edição que, como já foi tornado público, focará a obra e a carreira de David Lynch. O mesmo é dizer: bom pretexto para ir ou voltar.• T Alexandre Nunes Oliveira Rewind Cinema | 45 Gosto de Ti Como És, Sílvia Firmino DocLisboa Ver para crer Culturgest — Lisboa 15 a 23 Out | www.doclisboa.org A terceira edição do DocLisboa superou todas as expectativas. Durante nove dias a Culturgest fezse casa do documentário português e estrangeiro. Os sintomas são claros e reveladores: olheiras profundas, café na mão esquerda, programa do DocLisboa na mão direita todo rabiscado, bilhetes laranjas e brancos nos bolsos e um recorrente chamar de casa à Culturgest. Assim se descreve alguém que tenha vivido entre um pequeno e grande auditório durante nove dias. Tudo resultou num visionamento exaustivo de 90 filmes, das 11h às 23h. Mas terá compensado para quem cumpriu o programa à risca? A resposta é afirmativa. Ana Isabel Strindberg, responsável pela direcção do DocLisboa, confirma: «O festival é uma visão transversal do mundo, que este ano resultou em mais secções, sessões, debates, prémios, masterclasses, uma oficina de cinema e mais público» — uma média de 1 900 espectadores por dia, num total de 17 mil. Mas não vale esquecer o motor do festival — os filmes. Nomeadamente os cerca de 80 que não foram premiados, entre eles Sereias, de Dina Campos Lopes, sobre o barco do aborto, ou Meet Me In The Rothko Room, de Rob John, no qual é permitido ao espectador olhar para os observadores dos quadros de Rothko. Já em Nous, de Danielle Arbid, é documentado o processo de morte do seu pai. Retrato, de 46 | Rewind Cinema Premiados Doclisboa 2005 Grande Prémio de Longa-Metragem Before The Flood, de Yan Yu e Li Yifan Alimentation Générale, de Chantal Briet Grande Prémio de Curta-Metragem Samagon, de E. Schlegel e S. Heinzel Melhor Primeira Obra Documental Before The Flood, de Yan Yu e Li Yifan Menção Especial Samagon, de E. Schlegel e S. Heinzel Menção Especial Primeira Obra Falta-me, de Cláudia Varejão Melhor Documentário Português Gosto De Ti Como És, de Sílvia Firmino Melhor Documentário Português (dist. em sala) Natureza Morta, de Susana de Sousa Dias Melhor Documentário de Investigação Massaker, de M. Borgmann, L. Slim e H. Theissen Menção Especial Occupation: Dreamland, de Garrett Scott e Ian Olds Melhor Longa-Metragem Documental (IPJ) By The Ways, de Vincent Gérard e Cédric Laty Melhor Filme Português (IPJ) Gosto De Ti Como És, de Sílvia Firmino Carlos Ruiz Carmo, mostra as singularidades de um casamento de 40 anos. Já aos filmes premiados fica a conquista de um troféu, um diploma, uma recompensa em dinheiro… e, claro, a promessa de que para o ano o mundo inteiro regresse e invada de novo Lisboa.• T Catarina Medina 29.º Cinanima Premiados Cinanima 2005 Filmes até sete minutos The Kiss Thief, de Elena Madrid Before, de Gabor Ulrich Menção Honrosa The Last Knit, de Laura Neuvonen Filmes de sete a 21 minutos About Ivan The Fool, de Mikhail Aldashin e Oleg Uzhinov The Old Crocodile, de Koji Yamamura Filmes de 21 a 52 minutos — Menção Honrosa The Mysterious Geographic Explorations Of Jasper Morello, de Anthony Lucas Primeiro Filme Overtime, de Oury Atlan, Thibaut Berland e Damien Ferrié Menção Honrosa Cytoplasm In Acid Environment, de I. Iborra, D. Gautier e E. Puertas Melhor Filme Português Menu, de Joana Toste Melhor Animação num Filme Europeu The Gates Of Heaven, de Lucy Lee Prémio Especial do Júri História Trágica Com Final Feliz, de Regina Pessoa Grande Prémio Cinanima 2005 Milch, de Igor Kozalyov Prémio Melhor Banda Sonora Vent, de Erik Van Schaaik Prémio Jovem Cineasta Português (até 18 anos) A Ovelha Azul, do Colectivo Cinema Jovem Prémio Jovem Cineasta Português (m. 18 anos) O Remédio Maravilhoso De Jorge, de Jorge Marques Menção Honrosa Uma Carta Para Ronaldo, das educandas do Internato de S. João Prémio 2: Onda Curta The Mysterious Geographic Explorations Of Jasper Morello, de Anthony Lucas The Last Knit, de Laura Neuvonen About Ivan The Fool, de Mikhail Aldashin e Oleg Uzhinov Menção Especial do Júri Onda Curta História Trágica Com Final Feliz, de Regina Pessoa Prémio António Gaio História Trágica Com Final Feliz, de Regina Pessoa Prémio Melhor Longa-Metragem Laura’s Star, de T. Rothkirch e P. Rycker Prémio Alves Costa — Imprensa História Trágica Com Final Feliz, de Regina Pessoa Prémio do Público Maestro, de Géza Tóth Pura magia Centro Multimeios — Espinho 7 a 13 Nov | www.cinanima.pt Os olhos brilham, a voz vibra e o tom é emocionado. Ouvir António Gaio, director do Cinanima, apresentar o novo cartaz para 2006 não nos deixa indiferentes. A experiência fala por si: 30 anos de uma vida dedicados ao cinema de animação. Há muita qualidade no Cinanima. Qualidade nas sessões competitivas até 52 mins, na exposição de Abi Feijó, na homenagem a Rafael Bordalo Pinheiro, nas retrospectivas da Escola Polaca de Animação, da Escola de Artes de Utrecht, da Academia de Artes de Turku e de Phil Mulloy (sobretudo em Love Is Strange e The Christies), no jornal diário do festival e nas condições do Centro Multimeios. Qualidade reconhecida pela presença notável de realizadores internacionais e na incontestável lista de premiados, a merecer transcrição directa para DVD. De fora dos prémios ficaram outras curtas importantes. Um homem enlouquecido pela rotina entra em parafuso na curta 529, dos holandeses Niek Castricum e Maarten De With; a bela história de amor platónico entre Lupe & Bruno, de Marc Riba e Anna Solanas; aceitar ou não o destino de andar sempre em linha recta n’A Revolução Dos Caranguejos, de Arthur De Pins; a bela e o monstro na personalidade de Emily & The Baba Yaga, de Clive Tonge; tudo aquilo de que precisa saber para namorar em The Instructional Guide To Dating, de Siobhan Bowers; uma mulher que nunca acerta na roupa adequada ao estado do tempo em Notice, de Roelof Van Den Bergh; como se processa a passagem de testemunho de um demónio em The Demon, de Shin Hosokawa; e um morcego desesperado por umas horas diurnas bem dormidas torna-se um vizinho generoso em Nightshift, de Samppa Kukkomen, Sara Wahl e Simo Koivunen. Por outro lado, não se entende como é que o júri de selecção deixa de fora a longa essencial The District!, de Aron Gauder — a única justificação possível é o enquadramento na competição de longas-metragens, sendo claramente superior às seleccionadas. Notámos ainda a falta de uma zona de debates com os convidados internacionais e de uma categoria independente para telediscos, anúncios e genéricos de filmes. Na cerimónia de encerramento aperaltaram-se os políticos para falar da melhoria das condições para o Cinanima, de apoios financeiros superiores e de uma escola para profissionais de animação em Espinho. Pela obra feita, o Cinanima bem merece.• T Filipe Pedro Rewind Cinema | 47 FIKE — Festival internacional de curtas de Évora Rule Britannia Évora 18 a 26 Nov | www.fikeonline.net The Man Who Was a Shoe — Among Other Things, Jonas Arnby (Prémio Dom Quixote) A filmografia do Reino Unido dominou indiscutivelmente a quinta edição do certame alentejano, chamando a si boa parte dos prémios. Pequena crónica de um festival que ruma contra o marasmo e a falta de apoios. Conheceu horas contínuas de cinema o Festival internacional de curtas metragens de Évora (FIKE), que aconteceu entre 18 Nov (6.ª) e 26 (sáb). Desde a primeira edição, em 2001, foi política da casa manter uma selecção oficial aberta e abrangente e este ano não foi excepção. Em concurso estiveram 115 obras, divididas em sessões maratónicas que por vezes se aproximaram das três horas de duração. Tudo em nome da divulgação do cinema de autor, que, diga-se, não aparece muito numa cidade onde só existem duas salas com programação diária. As sessões competitivas decorreram integralmente no auditório da universidade local, de razoáveis condições e dimensão. De maneira geral, o nível exibido foi bastante alto, em particular no capítulo da animação, de que vimos películas deslumbrantes, das quais The Last Knit, da finlandesa Laura Neuvonen, ou Beak, da holandesa Lucette Braune, que afinal foi considerada a melhor pelo júri. O filme retrata a vida de uma menina que nasceu pássaro e evidencia inspirações de Dalí e Fellini. Embora houvesse curtas oriundas dos cinco continentes, os prémios do evento foram repartidos por 48 | Rewind Cinema produções europeias e, entre estas, houve ainda uma clara hegemonia da cinematografia das ilhas britânicas. Foi o caso da Melhor Ficção, Waverley, de Piers Thompson, magnífica fotografia e direcção, recriando a ambiência obscura e fantasmagórica na vida de uma idosa solitária. A menção honrosa atribuída pelo júri contemplou a igualmente britânica Cashback, de Sean Ellis, uma divertida fantasia erótico-artística improvavelmente passada num supermercado, sobre a qual recaiu ainda o Prémio do Público. O Melhor Documentário era também de terras de sua Majestade: Last Man Standing, de Sasha Djurkovic. Um trabalho nada mais que razoável sobre a falta de perspectivas da juventude na Inglaterra interior. Refira-se a simpática presença portuguesa, encabeçada pela profissionalíssima Uma Noite ao Acaso, de Victor Candeias, aziaga aventura nocturna de táxi por Lisboa, bem como a truculenta animação A Dama da Lapa, de Joana Toste. Receberam respectivamente o galardão Melhor Curta Portuguesa e o Prémio Cidade de Évora. O FIKE quer ser um evento marcante, mas para isso necessita de alargar a sua estrutura. O tecido empresarial da região prefere apoiar eventos desportivos e a autarquia de Évora parece não compreender o potencial que o evento representa, destinando-lhe apenas uma soma de 20 mil euros, manifestamente insuficiente para a sua profissionalização.• T Alexandre Nunes Oliveira [com Laura González] Nippon Koma 2005 Entre a tradição e a modernidade Culturgest — Lisboa 28 Nov a 5 Dez | www.culturgest.pt No espaço que medeia a tradição espiritual e a tecnologia de ponta, os japoneses traçam um caminho irregular, aberto a inúmeras subculturas. O Nippon Koma, festival de cinema de animação japonês, projectou na tela algumas dessas visões particulares de um mundo que encara a globalização cada vez mais fragmentado. O Oriente tem sido apontado como uma espécie de guru espiritual do mundo ocidental, com as suas filosofias de tradição milenar. Não obstante, um país como o Japão é hoje palco de uma forte dependência dos mecanismos tecnológicos e de uma entrega ao entretenimento audiovisual como forma de alienação do anonimato humano. Uma herança do passado e o questionar do legado futuro, que aqui se exploraram em diferentes domínios. Nas animações de Kawamoto Kihachiro, de uma nítida beleza formal, reconhece-se a invocação da mitologia oriental e de caracteres religiosos. Há uma representação de valores e papéis tradicionais que se reforçam num meio natural, virgem de qualquer vaga de industrialização. Em contrapartida, o documentário Peep “TV” Show, de Yutaka Tsuchiya, transporta-nos para um Japão em crise de identidade, à deriva entre a apatia e uma atitude reaccionária de pessoas que procuram um modelo de vida alternativo numa sociedade estranha às suas inquietações. Os formatos potenciam visões distintas de realidades que se tocam. No trabalho de Ono Satoshi podemos observar Bom Dia Yokohama, relato visual das condições absurdas em que os habitantes daquela cidade portuária apanham o comboio na hora de ponta matinal. Parece não caber mais ninguém e ainda assim novos passageiros empurram os restantes, sucessivamente, até as portas se fecharem sobre uma densa mistura de carne humana. Já na animação Plataforma, em que recorre de forma brilhante à técnica de argila, duas carruagens de sentidos opostos abrem as portas em simultâneo para um encontro de jornal em riste. Paranoia Agent, Kon Satoshi Homens de fato digladiam-se perante o olhar incrédulo de dois jovens, num retrato satírico e humorado. Na mostra do Nippon Koma passeámos por retratos de vida em formato documental, como Sombra, em que Kawase Naomi explora a convulsão de sentimentos que se gera quando uma mulher aos 30 anos conhece o pai biológico. No campo da animação houve investidas mais poéticas (Pó De Giz), experimentação técnica sem grande lugar para estrutura narrativa (Série Fundir Em Branco) e várias concretizações alternativas da narrativa aliada à técnica, pontuadas de um humor singular (Um Homem Velho E Um Boião). No escuro do auditório as reacções espelhavam fascínio, surpresa, reconhecimento ou incompreensão. Sem dúvida um espaço de descoberta de uma outra dimensão que nos é, afinal, bastante próxima.• T Cátia Monteiro Rewind Cinema | 49 A vida contínua de Barcelona CCCB — Barcelona, Espanha Numa cidade onde há praticamente um festival a cada semana, há também um espaço que se destaca pela sua capacidade de organizar e acolher eventos desta natureza: trata-se do Centre de Cultura Contempòrania de Barcelona (CCCB), do qual aqui destacamos duas actividades recentes — Festival L’alternativa de cinema independente e a Festa da literatura Kosmópolis. O Raval (Arrabalde) de Barcelona foi durante séculos uma zona de grandes conventos. Com a extinção liberal das ordens religiosas, aqueles espaços foram adaptados a outras funções, os claustros passaram a ser praças públicas e alguns edifícios tornaram-se pólos culturais. Assim aconteceu com o Mosteiro das Monjas de Montalegre, hoje transformado num moderno complexo que alberga o Museu de Art Contemporani (MACBA) e o CCCB, ambos de gestão pública. Festival l’alternativa de cinema independente 11 a 16 Nov | www.cccb.org Entre 11 Nov (6.ª) e 19 (sáb) decorreu o 12.º Festival de cinema independente de Barcelona, também dito L’alternativa, no hall do antigo mosteiro, um dos espaços escolhidos para a exibição de filmes, com entrada grátis. No entanto, para assistir às secções oficiais deveria ir-se ao Auditório (ou ao Cinema Meliés) e aí a entrada era a dinheiro. Mas o ambiente de confraternização cinéfila que se gera no hall, onde se 50 | Rewind Cinema ouve falar todas as línguas, é de facto impagável. A participação portuguesa voltou a fazer-se notar, aqui através do programa VS Project (resultante da colaboração entre o festival e o Imago do Fundão), o qual, na verdade, parecia mais video-arte do que cinema. Quanto aos galardões, a Melhor Longa-Metragem foi Melegin Düsüsü (La Caída Del Ángel), de Semih Kaplanoglu (Turquia), e nas Curtas destacou-se A Bras Le Corps, de Katell Quillévéré (França). Festa da literatura Kosmópolis 2 a 4 Dez | www.cccb.org Dos múltiplos eventos que tomam lugar no CCCB, destacamos o terceiro Kosmópolis, festa internacional da literatura, que teve lugar no fim-de-semana de 2 a 4 Dez. À semelhança dos outros anos, um certame notável, que só pecou pela duração tão reduzida. Verdadeiro caldeirão pós-moderno, este ano apresentou no menu propostas tão variadas quanto a celebração do quarto centenário da publicação de Dom Quixote (Quijote Reloaded) e, em simultâneo, um concurso de Hip Hop/Spoken Word, intitulado Em Busca Do MC Definitivo, com eliminatórias e prémios. Além da projecção de filmes, colóquios, palestras e exposições, cumpre destacar ainda a soberba instalação vídeo ocupando o claustro do antigo convento, iluminando-o com imagens, palavras e textos em movimento, uma criação colectiva de vários artistas designada Lector Mundi.• T Alexandre de Oliveira Nunes F Susana Gellida Rencontre des labos Resistência ao fim da película Bruxelas, Bélgica 2 a 10 Dez | www.nova-cinema.com O que acham da ideia de existir um espaço em Portugal onde se possa revelar, processar, editar e projectar em película Super 8 e 16 mm, de uma forma independente e autónoma e com custos reduzidos? Pode parecer irreal mas é isto que existe há alguns anos em várias cidades europeias. Espaços com material técnico próprio, trabalhando em colectivo, abertos à comunidade. Servem como focos de resistência contra a ideia generalizada do fim da película. Para tal, a fórmula é simples: tornar os materiais acessíveis a todos. Teve lugar em Dezembro a terceira edição do Rencontre des labos, estes chamados laboratórios de cinema independente, cuja organização quase perfeita da Cinema-Nova — sala de cinema alternativo em Bruxelas — deu um impulso fundamental para o crescimento deste movimento que agora se espalha a outros países do Sul e do Leste da Europa. A representação portuguesa esteve a cargo do Incrível Club, antiga sala de cinema em Almada, que desde há dois anos vem fazendo uma intensa programação cultural no domínio das artes de rua, música, teatro e cinema. O Incrível Club, em colaboração com o Nucivo (Núcleo de Cinema e Vídeo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), organizou uma mostra de cinema português experimental, apresentando filmes curtos de Paulo Abreu, Edgar Pêra, Pedro Sena Nunes, Renata Sancho, Nuno Cera, Miriam Sampaio, Tiago Afonso, Ricardo Leite e Sal. Este programa integrou as várias compilações — 14 no total — de filmes experimentais apresentados pelos vários laboratórios presentes, juntamente com obras de realizadores independentes. Quatro filmes foram apresentados em sessões especiais, incluindo o documentário português Natureza Morta, de Susana Sousa Dias, integrado numa discussão sobre preservação e recuperação de arquivos. Tanto este como os outros filmes portugueses apresentados tiveram excelentes reacções do público, com possibilidade de outras exibições em alguns festivais europeus. A programação foi feita também de debates, instalações, concertos e performances com múltiplos projectores 16 mm e Super 8, com destaque dado ao puro deslumbramento visual realizado pelo colectivo MTK. No final destes encontros ficou a possibilidade de em dois anos e meio o próximo Rencontre des labos ser organizado em Portugal, pelo Incrível Club, o que seria um excelente impulso para dotar esta mítica sala de todas as condições necessárias para a projecção e se poder formar, entretanto, um laboratório em película neste espaço.• TF Gonçalo Tocha Rewind Cinema | 51 ExperimentaDesign 2005 Design enquanto comunicação Lisboa 15 Set a 30 Out | www.experimentadesign.pt matar o design», declaração que agitou e demonstrou à audiência o porquê de ser considerado o mais mediático e prestigiado designer em actividade. Manipular e ser manipulado Catalysts Durante mês e meio, a ExperimentaDesign – bienal de Lisboa confirmou ser um amplo e bem sucedido espaço de apresentação e reflexão das diversas áreas do Design. Apesar dos significativos cortes no orçamento para esta quarta edição, o programa apresentado e os números já divulgados (só na primeira semana estiveram 17 mil visitantes) vêm confirmar a crescente relevância da bienal ExperimentaDesign no panorama nacional e internacional. Apresentando um programa multidisciplinar, o evento espalhou-se por vários espaços da cidade de Lisboa, promovendo a interacção entre criadores e visitantes. A vinda a Portugal de Philippe Starck foi um dos pontos altos da bienal, numa intervenção que encerrou o ciclo de conferência, que esgotou todos os dias a lotação das salas do CCB. Autor de centenas de objectos, alguns deles já verdadeiros ícones do design moderno, Starck apresentou alguns trabalhos e esclareceu o seu constante interesse em democratizar o Design e interrogar o papel dos objectos na sociedade e cultura moderna. Num ambiente descontraído e bem humorado desafiou a plateia: «Podem perguntar-me tudo, mas o primeiro que fizer perguntas sobre design está morto», para depois afirmar: «O meu trabalho é 52 | Rewind Design A forma como cada um de nós assimila e interage com a informação que nos é disponibilizada diariamente foi o mote da exposição Catalysts, que esteve patente no CCB, comissariada por Max Bruinsma. Dividida em núcleos temáticos, Acredita, Seduz, Informa, Compromete-te, Cronologia e Pânico Moral, da responsabilidade de seis designers convidados (Ed Annink, Fernando Brízio, Pierre di Sciullo, Erik Adigard+M-A-D, Jan Van Toorn e Rob Schröder), a mostra incidia sobre a forma como as expressões visuais podem manipular e ser manipuladas no processo comunicativo, apresentando ao mesmo tempo a importância do Design como elemento catalisador da nossa cultura de comunicação. Sob o desígnio O meio é a matéria, tema da edição deste ano da bienal, o ciclo de cinema apresentado na Culturgest focou a abordagem crítica aos meios de criação e representação do cinema, a partir de um conjunto de obras de cineastas americanos. O destaque foi para o premiado Los Angeles Plays Itself, uma obra apresentada pelo próprio realizador, Thom Andresen. Relativamente ao impacte desta edição junto do público e da cidade, destaca-se o Lounging Space ,que devolveu à cidade, embora temporariamente, o magnífico palácio de Santa Catarina (recebendo por dia mais de 300 pessoas), a associação com o projecto britânico Live Language, que permitirá o acesso através da Internet a várias comunicações realizadas nas Conferências de Lisboa e nas Open Talks, bem como o compromisso com um promotor imobiliário que aceitou construir na localidade de Sarilhos Pequenos, no concelho da Moita, os projectos apresentados por 12 ateliers de arquitectura na exposição A Casa Portuguesa. Estes são alguns exemplos que, associados aos números que comprovam uma grande adesão do público durante todo o evento, provam a vitalidade e a importância desta bienal, cada vez mais um marco no panorama internacional dos eventos relacionados com o Design.• T Ricardo Lourenço Nunes F Maria Machado Festival temps d’images Outono imaginário Lisboa e Faro 6 a 29 Out | www.tempsdimages-portugal.com | www.tempsdimages.org Imagem foi a palavra de ordem. Co-produzido pela Duplacena, Devir/CAPA e pelo Centro Cultural de Belém (CCB), o temps d’images proporcionou a divulgação de novos artistas e de outros mais conceituados. Um festival pluridisciplinar que contou este ano com a quarta edição e que, segundo a organização, veio para ficar, assegurando inícios de Outono de intensa imagem e arte. À tarde, num fim-de-semana de Outubro, a Praça do Museu do CCB deu lugar a um recreio de crianças entusiasmadas por uma ambulância que suscita curiosidade. Alain Moureau e o Tof Théâtre criaram um espectáculo que ganha pela exploração do universo das histórias infantis, de uma forma quase surrealista, ao exagerar no uso de objectos comuns numa operação médica feita a um ser escondido. Um jogo entre o real e o imaginário, a envolver a narrativa interpretada pela marioneta-cirurgião. O mundo dentro da barriga de um lobo, alcançado por uma pequena câmara, num espectáculo de nome Bistouri. No campo da dança, dois espectáculos a destacar: Set Up e Sand Table. O coreógrafo Rui Horta, um dos mais conceituados coreógrafos do momento, convida o público a esquecer-se do seu nome e olhar para o palco numa nova perspectiva. As pessoas são levadas por um caminho não convencional para o palco do Grande Auditório do CCB. Sentadas perante duas cortinas que dividem o espaço cénico, sentem que deixa de haver uma divisão linear entre palco e plateia. Set Up joga com a urgência da fala, com a resposta do corpo perante outro corpo e, pensando no mote do festival, com a imagem. Esta, juntamente com o tacto, serve de impulso aos bailarinos, que se questionam e nos questionam: «Se não tens um nome, não tens cara. Consegues imaginar-te a falar com alguém sem cara?» Saído deste espectáculo, o público é convidado a ficar para vinte minutos de pura intensidade. Sand Table é uma instalação viva, surgida de um encontro entre a coreógrafa Meg Stuart e a artista visual Magali Desbazeille. Visto de cima, a acontecer no Foyer do Grande Auditório do CCB, a areia é um instrumento de interacção entre corpos e imagens. Dois bailarinos movimentam-se, trabalhando o conceito de efemeridade. O temps d’images contou ainda com outros espectáculos nas áreas da dança, teatro, artes plásticas e ciclos de arte. William Kentridge apresentou vídeos e instalações no Museu do Chiado, naquela que foi a sua primeira exposição em Portugal. Outra grande novidade foi a de João Botelho. O realizador estreou-se com Sonho de Verão, a sua primeira criação para palco, que contou com Suzana Botelho na interpretação. Todos os trabalhos tiveram como objectivo incentivar o encontro entre artistas de várias áreas e países. Depois de Lisboa, partiram para Faro, alargando o festival, que começou em França, pela mão do canal ARTE e da associação cultural Ferme du Buisson, a novas cidades.• T Ana Rocha Duarte F Chris van der Burgh Sand Table, Magali Desbazeille e Meg Stuart Coreógrafos, bailarinos, encenadores, actores, realizadores e outros artistas cruzaram-se em espaços lisboetas antes de rumarem a Faro. O Festival temps d’images trouxe-nos projectos inovadores, que cruzaram o poder do palco com a intensidade da imagem. Quem os perdeu terá a oportunidade de se deixar surpreender no próximo Outono. Rewind Pluridisciplinar | 53 16.º Festival internacional de banda desenhada da Amadora Amadora aos quadradinhos Amadora 21 Out a 6 Nov de 2005 | www.amadorabd.com Tu és a mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos, João Fazenda e Pedro Brito Pais, filhos e todo o género de feitios voltam a encontrar-se num dos acontecimentos mais plurais do ano. A Amadora continua a ser a encruzilhada de todas as bandas desenhadas. Foi detectada uma cama voadora no Metropolitano de Lisboa. Entre os últimos dias de Outubro e os primeiros de Novembro último, o fenómeno foi visível por todos os utentes da estação da Amadora Este. O objecto voador inesperadamente identificado marcava a entrada de um universo paralelo: o Festival internacional de banda desenhada da Amadora (FIBDA). Empoleirado aos pés da cama, assim como um capitão ao leme, é Little Nemo, personagem do autor norte-americano Winsor McCay, quem liderava todo o festival. Este menino que acordava no final de todas as histórias fez cem anos e a mais importante exposição 54 | Rewind BD do festival foi-lhe dedicada, num ano em que o tema foi o Sonho. O destaque vai para três pranchas originais que nunca tinham estado em exposição pública e que fizeram as delícias de aficionados e estudiosos. Outros públicos, com a mesma idade que o Little Nemo terá sempre, preferem exposições de autores e personagens mais recentes. O grande sucesso deste ano entre a miudagem foi o autor Ricardo Ferrand e a sua galinha. Entrevistado no passado número da FEST, este jovem talento apresentou uma BD sem texto em que o leitor se torna autor da aventura. Pequenas fontes bem informadas garantiram-nos que não se trata de uma galinha mas de um peru disfarçado. Certo é que havia grande expectativa para uma sequela protagonizada, desta vez, por um coelho e a ser editada também pela Witloof. O FIBDA é, sobretudo, lugar de muitas e desvairadas gentes, desde caçadores de autógrafos que levam meia hora a serem desenhados, passando por estudantes de artes, por experientes engenheiros electrotécnicos e coleccionadores até ruidosos adeptos de galináceos sem texto. André Moreira, 31 anos, um habitual do FIBDA desde que há festival, vai para «descobrir autores novos e comprar qualquer coisa». A sua filha Alice, de três anos, não presta declarações à imprensa, mas é a segunda vez que visita o festival. Percebe-se que está deliciada com tudo, sobretudo com o espaço infantil, onde pode fazer os seus próprios desenhos e pendurá-los na parede como os autores grandes. Entre crescidos, este ano, a atenção recaiu sobre José Carlos Fernandes, cujo trabalho A Última ObraPrima De Aaron Slobdj, das Edições Devir, ganhou o Prémio juventude e o Prémio melhor argumento de autor português. Na categoria de melhor desenho foi distinguido Filipe Abranches, com As Aventuras Formativas De Fortunata, Maria e Garção, do IEFP. Com ou sem cama voadora, em Outubro próximo a romaria repete-se.• T Luís Pedro Oeiras Fernandes Man in Skirts, Women — Too!?, Tala Dance Center Quinzena de dança de Almada – Festival internacional de dança contemporânea Coreografar o sonho Almada 28 Out a 13 Nov | www.cdanca-almada.pt Sonho, corpo e cultura. Foi sob o signo desta artística trindade que decorreu a última edição do Festival internacional de dança contemporânea, uma quinzena a provar que nem só de teatro vive Almada. Houve de tudo. Espectáculos que nasceram de residências, oportunidades para jovens coreógrafos e espaço para troca de experiências. Com artistas de várias nacionalidades, a Quinzena de dança de Almada, simultaneamente Festival internacional de dança contemporânea, afirmou-se como uma das montras portuguesas mais importantes no campo da reflexão, exibição e criação dos novos territórios da Dança. O poder imagético e inventivo dos sonhos, as várias fronteiras do corpo humano, nas suas semelhanças e diferenças em relação ao outro, e o cruzamento de culturas e linguagens artísticas foram as áreas em destaque nesta 13.ª edição, que também se dedicou aos mais novos quer em coreografias, quer em actividades paralelas. Neste sentido, a quinzena promovida pela Companhia de dança de Almada (CDA), dirigida, desde a sua fundação, em 1990, por Maria Franco, trouxe a Portugal o cubano Guillermo Horta Betancourt, que apresentou Árbol Periférico O Poema Del Contorno, uma reflexão sobre o teatro do corpo. Assim como a companhia polaca Silesian Dance Theatre, pioneira na era pós-URSS, criada e dirigida por Jacek Luminski, com Glour Of A Mundane – Dream From A Saint, um intenso ensaio sobre a realidade enquanto espartilho dos nossos sonhos. Na secção Plataforma Coreográfica Internacional, que desafia bailarinos e instituições a proporem trabalhos para eventual apresentação pública durante o festival, estiveram presentes 19 coreógrafos oriundos de 10 países, como Dinamarca, Espanha, México, Suécia ou França. Esta área esteve dividida em três temas, Ligações: sonhos e realidades, Natureza: encontros e desencontros e Híbridos: linguagens, géneros e culturas, contando com os portugueses Alexandra Nogueira, Ana de Castro, Ana Martins, Ana Mira, Carla Jordão, Filipa Pires, Maria José Bernardino, Rita Judas e Sílvia Pinto Coelho. As honras da casa estiveram a cargo de Rita Galo, que na abertura interpretou uma nova versão da sua coreografia …Embriagar De Sonho O Silêncio Das Coisas…, e da própria CDA, que com Cenas (Dês)Compostas II aproximou dança e crianças, numa abordagem pedagógica e lúdica. Ao longo da quinzena houve tempo ainda para três workshops, com Liou Shaw-Lu, do Taipei Dance Circle de Taiwan, Marie-Gabrielle Rotie, coreógrafa e bailarina inglesa, e Arantxa Sagarday, directora da compahia Patal Arriba de Espanha, e um atelier de dança para crianças. Refira-se, ainda, uma mostra internacional de vídeo, com projecção contínua de trabalhos de vários coreógrafos, um seminário sobre formação e um encontro informal entre artistas e público.• T Ricardo Duarte F Tomaz Zakizewkl Rewind Dança | 55 Arte Lisboa – Feira de arte contemporânea A prova dos nove Lisboa 24 a 28 Nov | www.fil-artelisboa.com Penn Ave. Washington, 2005, Roland Fischer Em Portugal, não há feira como esta. Artistas, galeristas, coleccionadores e amantes da arte encontraram-se para ver que rumo segue a contemporaneidade. Na sua quinta edição, a Arte Lisboa conquistou a sua viabilidade, impondo-se na cena artística nacional e estrangeira. A prova foi superada. À quinta edição a Arte Lisboa – Feira de arte contemporânea de Lisboa, afirmou-se com um importante espaço de divulgação da produção nacional e internacional no campo das artes plásticas, ultrapassando, assim, as principais dificuldades sentidas no ano passado, no plano da organização e divulgação. O número de galerias seleccionadas, 58, mais sete do que em 2004, entre portuguesas, espanholas, 56 | Rewind Artes Plásticas brasileiras, alemãs e uma russa (a Stella Art Gallery, uma estreia absoluta em Portugal) são disso um bom testemunho. Não esquecendo as enchentes que se verificaram todos os dias, afluência, no entanto, diluída nos cerca de sete mil metros quadrados de exposição. Se ao nível da produção, este ano da responsabilidade de Fátima Vila Maior, directora de feiras da FIL, e de Ivânia Gallo, em dedicação exclusiva, o equilíbrio foi a nota dominante, também ao nível das propostas artísticas se sentiu uma harmonia entre gerações, suportes e linguagens. A aparente dispersão da arte contemporânea, que hoje em dia faz conviver o vídeo mais minimalista com a mais elaborada composição pictórica, de matriz figurativa, não se sobrepôs a uma ideia de pesquisa comum a todos os artistas. Ainda que tudo isso se tenha evidenciado de uma forma inconsciente, na medida em que cada galeria apresentou os seus artistas segundo critérios comerciais — a Arte Lisboa é, ao fim e ao cabo, uma feira comercial. Nomes como Adriana Molder, Cristina Canmpino, João Onofre, João Pedro Croft, João Pedro Vale, João Pombeiro, José Maçãs de Carvalho, Manuel Gantes, Pedro Cabrita Reis (em desenho), Pedro Casqueiro, para não falar nos veteranos Costa Pinheiro, Cruzeiro Seixas, Helena Almeida, Jorge Martins, ou Nikias Skapinakis, ou nos internacionais Gerard Richter e Peter Klasen, entre outros, destacaram-se pelo rigor das suas pinturas, esculturas, desenhos, vídeos ou fotografias, embora alguns jovens artistas tenham apresentado percursos pessoais interessantes e amadurecidos. Para se afirmar definitivamente como um dos pontos altos do ritmo anual das artes plásticas nacionais, talvez falte à Arte Lisboa exposições paralelas, temáticas, vocacionadas para a divulgação de linhas de fundo e rupturas na Arte Contemporânea. Refira-se, ainda, o bem sucedido espaço Arte Lisboa Kids, que proporcionou aos mais novos um contacto com o poder da criatividade, bem como as visitas guiadas, para curadores e galeristas estrangeiros, aos ateliers de Joana Vasconcelos, João Louro, Julião Sarmento e Miguel Palma. A par dos debates, este ano sobre coleccionismo, importância do sector e relação público-privado, foram iniciativas que enquadraram os participantes desta feira, contextualizando os segredos das obras, as regras do mercado e os requisitos da apresentação pública. O que, no seu conjunto, representou uma prova dos nove desta iniciativa. Agora, seguramente a repetir.• T Ricardo Duarte 6.º Festival Número – Festival internacional de multimédia, filme e música de Lisboa Um Número discreto Lisboa 04 a 13 Nov 2005 | www.numerofestival.com A sexta edição do Festival Número passou por Lisboa sob o tema «Jogos neurológicos», mas pouca gente terá dado por ele, pelo menos no aspecto musical. Pecando por se querer movimentar na fronteira do mainstream com as sonoridades menos convencionais, o cartaz acabou por não apelar nem a um nem a outro público. Uma agradável excepção foi a conferência «Portugal: um retrato musical», que encheu o auditório da Fonoteca Municipal. A prova desta fraca adesão do público, inferior a outras edições, percebeu-se melhor no Clube Lua (Jardim do Tabaco) nos dias 11 Nov (6.ª) e 12 (sáb), dedicados à música. Na primeira noite a sala apenas ficou composta até à actuação de Jay Jay Johanson, o mais aguardado, e assim que o concerto terminou o público dispersou, deixando a sala praticamente vazia e com apenas alguns corpos para se abanarem ao som de Producers & Hana BI e Schneider TM vs Rechenzentrum. Jay Jay Johanson já esteve em melhor forma, apesar de a actuação ter sido equilibrada, com temas de todos os álbuns e com alguns novos, incluídos em Rush, o mais recente registo. Pelo Clube Lua passaram também as bandas portuguesas MAU, Lithium e U-Clic. Estes últimos, apesar de serem um pouco repetitivos, tornaram-se interessantes graças ao VJing. Na segunda noite pisaram o palco os Bangguru, Nel’ Assassin, os Mécanosphére — um outro projecto de Adolfo Luxúria Canibal, vocalista dos Mão Morta, que se move na electrónica e na percussão —, os dinamarqueses Opiate e o inglês DJ Rupture, que tocou para poucas dezenas de pessoas. Destaques extramusicais Durante dez dias de festival, divididos entre o Clube Lua, Teatro Taborda, Fórum Lisboa e Fonoteca Municipal, houve de tudo, desde cinema, vídeo, exposições e poesia. Nos debates marcaram presença Manoel de Oliveira e Regina Guimarães (cinema), além de Hen- Schneider TM rique Amaro (música). Também houve espaço para a entrega dos prémios portugueses de multimédia do ICAM (Instituto do Audiovisual e Multimédia). No entanto, o grande destaque deste festival foi a conferência «Portugal: um retrato musical». Mesmo na ausência dos representantes do Estado e da Associação de Editoras Independentes, convidados para o evento, a troca de ideias teve como pano de fundo o estado da música portuguesa. À semelhança de um qualquer debate sobre o estado da nação, a discussão não gerou quaisquer conclusões, mas, ainda assim, falou-se de quotas de música portuguesa nas rádios, de novos talentos, de editoras e de algumas sugestões que ajudariam a que a música portuguesa fosse mais assimilada ou mais divulgada. Sem dúvida um dos eventos com mais público deste Número — um festival ainda demasiado cerebral.• T Ana Baptista e Pedro Miguel Guimarães F Gerard von Foris Rewind Música | 57 Quarteto Miguel Zenón Seixal Jazz 2005 Desfile de individualidades Seixal 20 a 22 e 27 a 29 Out 2005 | www.cm-seixal.pt/seixaljazz Na edição de 2005 do Seixal Jazz não houve um único ponto alto, mas vários. Três conjuntos presentearam-nos com excelentes bateristas. Dois sujeitos pareceram dançar com o contrabaixo. Dois saxofones-altos ganharam vida em palco. Dois trompetes vieram matar saudades. Uma de três guitarras levou o público ao rubro. E um rapaz que comentava com o pai, enquanto esperavam na fila, que, por ter guitarra, o concerto que iam ver não era mesmo jazz, «e ainda bem», foi enganado. Único no figurino, por ser bienal e por contemplar dois espectáculos por noite com bilhetes distintos, o Seixal Jazz (SJ) é diferente. Ao longo de oito edições tem reforçado o estatuto de referência, construído o seu público e mostrado capacidade de atrair iniciados e espectadores mais jovens, facto a que não é alheio o palco paralelo e em jeito de bar, o Seixal Jazz Clube. Coube ao quinteto de Wayne Escoffery (saxofone) a abertura do SJ 2005. O músico fê-lo de forma muito controlada, com o próprio bastante discreto, deixando, então, a descoberto uma secção rítmica que também não fez melhor. Para além dos discos e das pautas, salvou-se Jeremy Pelt (trompete), verdadeiramente ligado ao público, inventivo quando pôde, sempre enérgico, com solos curtos mas fortes e bons momentos em improvisação. A presença portuguesa no festival coube a Lau58 | Rewind Música rent Filipe (trompete), Mário Delgado (guitarra), Rodrigo Gonçalves (piano), Nelson Cascais (contrabaixo) e Alexandre Frazão (bateria), reunidos para fechar a apresentação em palco de Luz (2004), último registo de originais de Filipe. O trompetista deu, aliás, novas roupagens a vários temas do disco, através das misturas com pedais sintetizadores. Alexandre Frazão destacou-se, uma vez mais, pela diversidade de recursos de que fez uso na bateria, algo que não é novo em Frazão e só veio mesmo confirmar — se dúvidas houvesse — que o baterista é um portento. E a plateia, já mais composta naquela noite de 6.ª, pareceu concordar. Se as prestações se sucederam em crescendo, também a bilheteira sofreu o mesmo efeito, tendo sido pequeno o auditório municipal da cidade para acolher tantos quantos quiseram ver Kurt Rosenwinkel. O quinteto do jovem guitarrista protagonizou o concerto mais exuberante de todo o festival, musical e visualmente, ao que o público não duvidou em corresponder com notória satisfação. É verdade que no cômputo dos dois concertos o guitarrista não variou muito, quase sempre iniciou os temas com um solo e vociferou (como nos discos, aliás) por detrás da música, o que se pode questionar. Mas é inegável que a música ali produzida, ao longo de temas extensos e quase sempre com um ritmo forte, mostrou um Rosenwinkel tecnicista, mas sempre agradável e melódico. E porque a prestação daquele quinteto foi, talvez, a mais consensual de todos os conjuntos que se apresentaram no festival, igualmente inspirados estiveram Aaron Goldberg (piano), Omer Avital (contrabaixo) e Eric Harland (bateria). A cumplicidade entre estes três, para além de agradável de se ver nos seus rostos e caretas, abraçou sempre a guitarra, com Goldberg eléctrico e atacando o piano a saltos; Harland possante e alegre na bateria, quer em conjunto quer em solo; e Avital reunindo e escorando tudo aquilo, sempre de olhos fechados. Somente Chris Cheek (saxofone tenor), muito recatado, pareceu não jogar naquela equipa, sem contudo deixar de cumprir o seu papel preponderante — porque o fez, embora sem brilho. A primeira parte do SJ 2005 não poderia ter terminado com mais eloquente exemplo do que é Jazz. Mike Fahn contra a corrente A segunda semana do festival começou com o sexteto de David Binney (saxofone-alto), que quase conseguiu uma casa cheia no primeiro espectáculo e cuja boa prestação motivou uma corrida às bilheteiras após esse primeiro set — a estrutura deste festival propicia esta peculiaridade: se se gosta do que se vê, corre-se a comprar bilhete para a segunda parte. O espectáculo, quase ininterrupto, começou algo duro de roer — Binney é conhecido pelas suas composições complexas. Contudo, a performance foi crescendo e depois de uma aproximação ao free-jazz, com os saxofonistas tocando do fundo do palco e os restantes músicos realizando a seu bel-prazer, os dois últimos temas fecharam em apoteose. O baterista Dan Weiss destacou-se, pois que até com facas de mesa e sentado no palco tocou a bateria, sem despropósitos sonoros — era incontornável: se nada mais houvesse a dizer, a oitava edição do SJ estava sendo pródiga em revelar individualidades. A penúltima noite esteve reservada para Miguel Zenón e seu quarteto. O saxofonista porto-riquenho empenhou-se com grande e visível esforço, muito extrovertido, impetuoso e desenvolto na condução da música tocada pelo conjunto, um jazz de sabor latino. Do seu grupo, Luís Perdomo (piano) não teve o espaço que se desejaria, se se tiver em conta performances passadas, mas Henry Cole (uma vez mais, um baterista) deu espectáculo. A fechar o festival, o quinteto do casal norte-americano Mike Fahn (trombone) e Mary Ann McSweeney (contrabaixo) ofereceu dois espectáculos idênticos — até nos comentários e apresentação dos músicos — e sem brilho. O encerramento do SJ 2005 foi, então, e em certa medida, uma desilusão, especialmente para quem havia construído boas expectativas, ao ter reparado num Mike Fahn que, como que ansioso por subir ao palco, ensaiou alguns temas em plena rua, na noite anterior. Festival regressa em 2007 Segundo o balanço da autarquia, cerca de sete mil espectadores passaram por esta oitava edição do Kurt Rosenwinkel Laurent Filipe festival, entre os concertos no auditório municipal, o Seixal Jazz Clube, onde tocaram vários conjuntos portugueses, e as restantes actividades paralelas. O SJ mantém a sua periodicidade bienal, ficando agendada a nona edição para o Outono de 2007.• T João Pedro Correia F C. M. do Seixal Rewind Música | 59 4.º Wintercase — Festival itinerante de música independente Barcelona recebeu bandas na pré-reforma Barcelona 2 a 27 Nov 2005 | www.wintercase.com Os The Tears protagonizaram, com grande distância, o melhor momento do festival Wintercase de 2005. O novo grupo de Brett Anderson e Bernard Butler marcou a diferença, com uma actuação cheia de energia e glamour, num festival que ficou aquém das expectativas, em boa parte devido à idade avançada de muitos dos protagonistas. O conceito de festival itinerante de música independente tem em Espanha um nome de marca: Wintercase. Há quatro anos que atravessa Madrid, Valência, Bilbau e Barcelona, esta última a escolhida para a reportagem da FEST. O concerto de apresentação, ocorrido a 12 Out (4.ª), esteve a cargo de dois artistas nova-iorquinos e respectivas bandas: Jeffrey Lewis e Adam Green. Más escolhas, já que ambos resultaram aborrecidíssimos. O primeiro apenas conseguiu momentos emotivos nos dois temas em que recorreu a uns curiosos livros com ilustrações, um dos quais era uma «pequena história do comunismo». Mas, aparte as letras humoradas, a música apresentada não passou o umbral do Folk mais banal. Quanto a Adam Green, num momento de indiscutível reconhecimento internacional, tão pouco nos convenceu com uma mistura de Country e Pop. Apesar de tudo, caiu-nos bem a atitude de deixar o público es- colher os quatro temas do encore. Menos simpáticos foram os funcionários da sala Razzmatazz, que expulsaram do recinto, quase à força, os mil e muitos pagantes, a maioria visivelmente impreparada para enfrentar a brutal intempérie que entretanto se abatia sobre Barcelona — terá sido, para muitos, a molha do ano. Quase um mês depois, a 4 Nov (6.ª), arrancou oficialmente o Festival Wintercase, com The Delays, os veteranos Teenage Fanclub e os veteraníssimos GoBetweens. Destes três só os primeiros surpreenderam, com a sua boa dose de psicadelismo. Os australianos, profundamente quarentões, começaram por desfilar um best of de temas com quase duas décadas (“Streets Of Your Town” e “Spring Rain”), intercalando com outros mais recentes (“Here Comes A City”, “Finding You”). As canções podem ser preciosas, mas o desfile foi monótono, só animado pelo divertido episódio em que o vocalista foi servido de um café em pleno palco. Mas nem assim espevitou. Adolescentes só no nome Dos Teenage Fanclub esperava-se algo melhor, mas foi em vão. Também se notam os anos a esta banda escocesa — pelo que o nome deixou de ter sentido —, que nunca passou da segunda divisão. Vimos porquê: a música é um pouco mais elaborada e Ian Brown 60 | Rewind Música precisa que a dos Go-Betweens, pelo menos não soa tão arcaica, mas resulta demasiado neutral e apagada, como é o caso dos recentes singles, “Fallen Leaves” e “Did I Say”. A actuação foi parca de fantasia, e mesmo com alguns desafinanços — Teenage Fanclub é uma banda para animar um festival, mas não está apta a ser cabeça de cartaz. O Wintercase prosseguiu no dia 13 Nov (dom), com mais três projectos oriundos da Grã-Bretanha. A abrir esteve o espírito sabotador de I Am Kloot, que deixou terreno livre para a excelente actuação dos Supergrass, que durou uma vintena de minutos e foi mesmo um dos melhores momentos de todo o festival. Os Supergrass sabem de cor o abc do Rock, desde Beatles a Stones, passando pelo psicadelismo e o Blues, apresentando ao vivo uma proposta coesa e madura, através de temas como “Henry V” ou “Pumpin’ On Your Stereo”, além de comunicarem estupendamente com a assistência. O público, com alto contingente inglês, recebeu efusivamente Ian Brown, que não teve pudor em começar o concerto com “I Wanna Be Adored”, ao que a plateia não só obedeceu como embeveceu. Durante todo o concerto o músico executou simplórios passos de dança, como quem marcha sem sair do lugar, recorreu a uma pandeireta que moveu sempre da mesma forma, além de ter desafinado e cuspido um par de vezes. Mas tem carisma, é inegável. O grupo manteve-se sempre num nível competente, chamando a atenção o aplicado percussionista. Curiosamente, Brown acabou o concerto sem fazer encore, embora saudando efusivamente o público durante uns minutos sozinho em palco. The Tears foram estrelas para pouco público Novo encontro a 18 Nov (6.ª), iniciado com Clovis, único grupo espanhol do elenco. Começaram com gar- Go Betweens ra, mas rapidamente o nervosismo e a falta de rodagem em palco se fizeram sentir. O grupo canta em inglês e castelhano e tem alguns bons temas (como “Mundo”, escolhido para promover o festival), mas cai facilmente nas malhas das melodias redundantes. Em substituição dos Kaiserchiefs tocaram os The Tears, que assinaram o melhor concerto do certame, a larga distância. Tanto Brett Anderson como Bernard Butler estiveram exuberantes, dando verdadeiro espectáculo, Glam Rock em estado puro. Ao contrário de Ian Brown, que começou por captar o público com êxitos dos Stone Roses, os The Tears pretenderam distanciar-se totalmente de Suede — a sua anterior banda — e não interpretaram qualquer canção desse grupo. Mas um colectivo que tem como figuras principais Brett e Butler dificilmente poderá não soar a Suede... E realmente assim sucedeu com os temas mais destacados, “Refugees”, “Beautiful Pain” e “Imperfection”, que lembraram os hinos de Dog Man Star, numa actuação irrepreensível, mas marcada pela fraca adesão do público. Para a última jornada, decorrida a 27 Nov (dom), reservou-se o Folk aglutinador dos The Decemberists, com prestação regular; a interessante explosão experimental de Dirty Three, muito saudados pelo público; e, a encerrar, os Mercury Rev, que também não são propriamente uma banda jovem, exercitando estilo e quatro ou cinco canções de amplo mérito. Ao contrário de outras, a edição de 2005 do Festival Wintercase não deixou marca profunda. Superaram-no em interesse outros motivos, na verdadeira invasão musical ocorrida em Barcelona durante Novembro, alguns no próprio Razzmatazz, como Goldfrapp, Maxïmo Park ou Bloc Party — estes, diga-se, a rubricarem um concerto magistral, demonstrando que passa pelas suas veias a responsabilidade de salvar o Rock.• T Alexandre Nunes Oliveira F Laura González Gómez Clovis Rewind Música | 61 Treva Whateva GG Project Hayseed Dixie 27.º Rencontres trans musicales Demasiadas bandas para descobrir Rennes, França 8 a 10 Dez | www.lestrans.com | http://backstag3.free.fr/trans27 Desta edição permanecem três imagens na retina: DJ Champion, Birdy Nam Nam e Tiga, por nos proporcionarem o prazer de manter as mãos no ar. O pano desceu pela primeira vez ao som dos Nervous Cabaret, El Pres!dente, Strup X e dos Fugees, nomes que por si só justificariam uma deslocação de muito longe. Ainda assim, grande parte do público reconheceu no conjunto de Lauryn Hill e Wycleaf Jean uma interpretação abaixo da média, pouco beneficiada pela entrada tardia da vocalista em palco (30 minutos). Fontes bem colocadas garantem que a senhora preferiu ficar no backstage a rezar enquanto Wyclef permaneceu em palco sozinho interpretando temas de Bob Marley. No segundo dia, o primeiro nome da lista foi Dwight Trible, um cantor que diminuiu o fosso entre as culturas africana e europeia, mostrando que, mais do que um cantor sem vedetismo, é também um filósofo. Rendemo-nos, também, à interpretação de Rufus Harley, cuja originalidade resulta da fusão de gaita-defoles com Jazz moderno. Seguiu-se-lhe Treva Whateva (Ninja Tune) com uma refinada selecção de vinis e algum sex appeal. Sabem o que dizemos de homens que usam óculos? A rapariga que o filmou era linda! De volta ao Hall 5 fomos contagiados pela impaciência de ver uma das lendas do Rock’N’Roll — The Undertones. Serão eles os padrinhos dos modernos white trash rockers? Sem dúvida. Jean-Louis Brossard, o programador do festival acertou na mouche ao valorizar o original em prol da cópia (Radio 4, LCD Soundsystem, Franz Ferdinand e outros). Por falar em essência, podemos adivinhar que os Mattafix são o 62 | Rewind Música aroma que andará no ar por todo o lado nos próximos meses. Misturando a Índia com as Caraíbas e Londres, as suas letras ficam nos lábios de todos que os ouvem. Os Hayseed Dixie são uma banda de bluegrass atípica. São a prova de que a música Folk também pode estar na moda, enquanto se experimentam covers de AC/DC ao sabor de marijuana. De Montreal também chegou Rock com o som de DJ Champion And The G String Band, um projecto criado pelo guitarrista Punk Maxime Morin. Imaginem um DJ, uma vocalista, quatro guitarristas e um baixo a improvisar. Chegados ao último dia de festa, encontrámos Kwal, que, acompanhado por Ben, o segundo MC, reproduziu batidas obscuras e sons indianos tradicionais numa atmosfera visual ao estilo de Tim Burton. Apresentando-se em camisas apertadas, os bonitões Clap Your Hands Say Yeah brindaram-nos com um Rock previsível, devedor dos Sonic Youth mas sem a componente experimental destes. Sinceramente, temíamos que os Pure Reason Revolution pertencessem à mesma espécie, mas por sorte enganámo-nos. Tocaram um rock lo-fi perfeito, com uma boa dose de improviso, pleno de guitarras estridentes, teclados e um excelente baterista. Algumas horas depois pudemos assistir a uma alucinante lição de giradisquismo por parte dos Birdy Nam Nam, cuja actuação por si só justificaria o preço do bilhete. De seguida vimos Tiga. Durante uma hora e meia, este DJ de Montreal bombeou batidas electrónicas potentes para a pista de dança, num ambiente de gigantesco club, pleno de luzes. Para o ano lá estaremos de novo.• TF Fred Huiban [tradução Gonçalo Guedes Cardoso] Radian Festival Best Off Criar ilusões Casa da Música — Porto 7 a 10 Dez | www.casadamusica.com Programado para quatro dias, entre 7 Dez (4.ª) e 10 (sáb), e destinado a uma faixa apertada de público, o Festival Best Off agrupou algumas novidades do circuito electrónico na Casa da Música. O ponto de partida deu-se com os The Mitchell Brothers, Reel People e, para finalizar a noite, o ilustre Gilles Peterson. Os primeiros foram a surpresa da noite, com um hip-hop descontraído, londrino, a tentar captar a atenção do público. A sala encontrava-se pouco preenchida, fazendo anunciar uma noite bastante calma. Seguiram-se os Reel People, com a sua música Soul, cheia de clichés, mas que fez dançar parte do público presente, tendo conseguido preencher um pouco mais a sala. Por fim apresentou-se o popular Gilles Peterson, o homem das compilações, responsável pela divulgação de inúmeros projectos no seu programa de rádio, que se limitou a domesticar a noite, que já ia longa. No dia 8 Dez (5.ª) teve lugar um dos melhores concertos (senão o melhor) do festival. Os Radian trouxeram a sua mescla de electrónica com pós-Rock e não defraudaram as expectativas, juntando programações ao baixo e bateria. Num concerto breve, ainda que intenso, trouxeram algumas pessoas até ao corredor nascente para mostrar o que se faz pelos lados da Thrill Jockey — atenção ao último álbum produzido por John McEntire —, para apreciar a versatilidade do local e para perceber que há espaços em que a acústica podia ser melhorada, o que de resto não retirou brilho ao excelente concerto. Ao terceiro dia do festival surgiu o primeiro projecto português em palco. Kubik, no corredor nascente, pôde mostrar a sua versatilidade e desdobrar-se pelo palco em aventuras esquizofrénicas. O concerto foi intenso e merecia mais público para apreciar as virtudes do músico. A Kubik seguiu-se Hecker, que trouxe Tina Frank para acompanhar a performance em vídeo. Num conceito bastante distinto do anterior, Hecker aproveitou a oportunidade para prosseguir a exploração sónica, através do uso do seu laptop, um concerto a evitar para ouvidos sensíveis. O último dia, 10 Dez (sáb), parecia, no mínimo, promissor, mas não foi possível ser acompanhado pela FEST. Com um cartaz bastante eclético e na perspectiva de utilizar vários espaços da Casa da Música conseguiu-se atrair algum público até ao Best Off, sendo expectável o aperfeiçoamento deste festival, pela importância do evento e pelo dinamismo que é preciso imprimir a este pólo de actividade musical.• T Joaquim Beleza e Raquel Ribeiro F Joaquim Beleza Rewind Música | 63 Janeiro Artes Plásticas, BD, Cinema, Dança, Música, Teatro 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 Festival X . www.em-cena.com/olho FTAM - Festival Teatro a Mil . www.fitam.cl Flickerfest International Short Film Festival 2006 . www.flickerfest.com.au Sydney Festival 2006 . www.sydneyfestival.org.au Festival de Charolas . www.cm-tavira.pt Festival de Musiques Sons D’Hiver . www.sonsdhiver.org Festival C’est de la Danse Contemporaine 2006 . www.cdctoulouse.com Tromso International Film Festival . www.tiff.no Sundace Filme Festival . http://festival.sundance.org/2006 Festival Premiers Plans D’Angers . www.premiersplans.org Big Day Out . www.bigdayout.com 13.º Festival de Gerárdmer — Fantastic’Arts . www.gerardmer-fantasticart.com DocPoint - Helsinki Documentary Film Festival . www.docpoint.info International Film Festival . www.filmfestivalrotterdam.com Festival International de la bande desinée d’Angoulême . www.bdangouleme.com Clermont-Ferrand International Short Film Festival . www.clermont-filmfest.com Göteborg Film Festival . www.goteborg.filmfestival.org Arte Fiera . www.artefiera.bolognafiere.it Momix 2006 . www.momix.org Panorama — Mostra do Documentário Português . www.apordoc.ubi.pt/panorama.html Escena Contemporanea — Festival alternativo de las Artes Escénicas . www.escenacontemporanea.com 01 02 03 04 05 06 Música 64 | Play Janeiro 07 08 09 Dança 10 11 12 13 Teatro 14 15 16 17 18 19 Cinema . Video 20 21 22 23 24 25 26 Artes Plásticas 27 28 29 30 31 Fevereiro Artes Plásticas, Cinema, Dança, Música, Teatro 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 Going Underground - International Short Film Festival . www.interfilm.de Cap’Danse — Festival de danses urbaines de Toulouse Tampa International Film Festival . www.tampafilmfest.com Théâtres d’Hivers . www.theatresdhivers.com Festival International du Premier Film . www.annonaypremierfilm.org Festival de Musiques Sons D’Hiver . www.sonsdhiver.org Festival C’est de la Danse Contemporaine 2006 . www.cdctoulouse.com 10th Cheltenham Folk Festival . www.cheltenhamfestivals.com Arco — Feira de Arte Contemporanea . www.arco.ifema.es 56.º Festival de Cinema Internacional de Berlim . www.berlinale.de Big Day Out . www.bigdayout.com Pan African Film Festival . www.paff.org Take One! Online Movie Festival . www.takeonefest.com International Film Festival . www.filmfestivalrotterdam.com Boulder International Film Festival . www.biff1.com Clermont-Ferrand International Short Film Festival . www.clermont-filmfest.com Göteborg Film Festival . www.goteborg.filmfestival.org Almost Famous Film Festival . www.thea3f.net Momix 2006 . www.momix.org Panorama — Mostra do Documentário Português . www.apordoc.ubi.pt/panorama.html Escena Contemporanea — Festival alternativo de las Artes Escénicas . www.escenacontemporanea.com Riverside International Film Festival . http://riversidefilmfest.org ZagrebDox - International Documentary Film Festival . www.zagrebdox.net Houston Black Film Festival . www.houstonblackfilmfestival.org Feira Internacional de Arte Contemporânea . www.art-innsbruck.at Fantasporto — Festival Internacional de Cinema do Porto . wwww.fantasporto.com 01 02 03 04 05 06 BD . Ilustração 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 Pluridisciplinar Rewind Fevereiro | 65 28 Março Artes Plásticas, Cinema, Música 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 Bienal Whitney de Arte Contemporanea . www.whitney.org ANIMAC — Mostra Internacional de Cinema d’Animació . www.animac.info The Celtic Festival of Wales . www.cwlwmceltaidd.com Festival Internacional de Spoken Word de Sevilha Miami International Film Festival . www.miamifilmfestival.com Bergamo Film Meeting . www.alasca.it/bfm 8 a 12 Mar . Cinema . Tampere International Short Film Festival . www.tamperefilmfestival.fi The Armory Show . www.thearmoryshow.com Tiburon International Film Festival . www.tiburonfilmfestival.com Sofia International Film Festival . www.cinema.bg/sff Cinéma du réel - Festival Internacional de Cinema Documental etnográfico e sociológico . www.cinereel.org FIFA - Festival International du Film sur l’Art . www.artfifa.com Take One! Online Movie Festival . www.takeonefest.com The Independent Black Film Festival . www.indieblackfilm.com Festival Audiovisual zemos98 . www.zemos98.org River Run Film Festival . www.riverrunfilm.com The Other Venice Film Festival . www.veniceofilmfest.com RAF - Revija Amaterskog Filma . www.revijaamaterskogfilma.hr Canadian Filmmakers Festival . www.canfilmfest.ca Roma Independent Film Festival . www.riff.it Festival de Cinema de Las Palmas . www.festivalcinelaspalmas.com Bienal de Arte Contemporânea de Berlim . www.berlinbiennale.de Festival Audiovisual Black&White . www.artes.ucp.pt Available Light Film Festival . www.yukonfilmsociety.com Milano International Film Festival . www.miff.it Fantasporto — Festival Internacional de Cinema do Porto . wwww.fantasporto.com 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 Informações para a secção Play devem ser enviadas para [email protected] 66 | Play Março 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31