Entrevista ao Semanário Angolense

Transcrição

Entrevista ao Semanário Angolense
44
Sábado, 30 de Março de 2013.
Cultura
Director da editora portuguesa Pedago ao SA
«Pretendemos contribuir para a projecção
internacional dos investigadores angolanos»
a oportunidades de viagens a este
país, que me permitiram tomar
contacto com o quotidiano dos angolanos em diversas províncias. Por
outro lado, devo referir também os
primeiros contactos, em 2008, com
o actual decano da Faculdade de
Ciências Sociais, o Professor Víctor
Kajibanga. Nessa altura, o Professor
Kajibanga pretendia iniciar uma
revista científica, à qual queria dar
uma dimensão internacional. Nós
avançamos com esse projecto em
conjunto com a Sociedade Angolana
de Sociologia e a publicação dessa
revista – a «Revista Angolana de Sociologia» – marca o início das nossas
relações editoriais com Angola.
Ilídio Manuel
Docente no Instituto Superior de Ciências Educativas
(ISCE) de Portugal, Pedro
Manuel Patacho é igualmente director das Edições Pedago. Encontra-se
em Angola no âmbito de
uma parceria entre a instituição que dirige e a Faculdade de Ciências Sociais
da Universidade Agostinho
Neto, o que tem permitido
a edição regular da revista científica «A Mulemba»;
uma cooperação que se
estende ao lançamento de
livros, já que esta semana
foram apresentadas mais
duas obras, intituladas
«A invenção de África» e
«Sociologia das Brazzavilles Negras», de autoria de
dois eminentes pensadores contemporâneos.
Nesta conversa com o Semanário Angolense, Pedro
Patacho, aborda essa cooperação e anuncia os projectos em carteira, para
seis colecções de livros
que a Faculdade vai criar
ao longo deste ano.
Semanário Angolense (SA) Qual é o objecto social das Edições Pedago?
1FESP 1BUBDIP 11
As Edições
Pedago são parte do Grupo Pedago,
que há mais de 40 anos se dedica à
gestão de estabelecimentos de ensino
em Portugal, desde a educação pré-escolar ao ensino superior. A determinada altura da história do grupo
sentimos necessidade de criar uma
editora que reforçasse o nosso posicionamento no campo da educação
e formação. Na altura, olhámos para
o panorama editorial em Portugal
e verificámos que imensos autores
críticos no campo da educação não
estavam traduzidos para a língua
portuguesa. Transformámos essa
constatação numa oportunidade e
foram precisamente esses autores e
SA- Contas feitas: já lá vão 5
anos de cooperação com entidades angolanas…
O pensamento endógeno africano no domínio das ciências
sociais é praticamente desconhecido em Portugal
e essa é a grande aposta das Edições Mulemba, em parceria
com as Edições Pedago: traduzir e publicar em língua
portuguesa um vasto leque de autores que se tornaram
referências nas ciências sociais em África
o trabalho de tradução que estruturaram os nossos primeiros planos
editoriais. A editora rapidamente
se fez notar no vasto campo das ciências sociais e, entretanto, muitos
autores portugueses consagrados
aproximaram-se do nosso projecto e
começaram a publicar connosco. Foi
assim que a Pedago se tornou numa
referência. Hoje é uma editora lida e
prestigiada no meio académico, que
publica tanto autores traduzidos
como originais em língua portuguesa, em vários domínios no campo
das ciências sociais.
SA- Quando começou a sua relação com Angola?
PP- Há dois aspectos importantes
que contribuíram para a construção
de uma forte relação com Angola e,
particularmente, com os professores
e investigadores angolanos. Por um
lado, é importante referir as minhas próprias experiências como
professor do ensino superior. Há já
algum tempo que tenho recebido
na instituição em que lecciono – o
Instituto Superior de Ciências Educativas (ISCE) – vários estudantes
angolanos que escolheram o ISCE
para realizar a sua formação pós-graduada. Isso conduziu-me não
apenas a experiências e trabalho
com esses estudantes, mas também
PP-Sim. Como lhe disse, o arranque das nossas relações com a
produção científica angolana foi
através da «Revista Angolana de
Sociologia». O sucesso dessa revista
científica foi enorme. Ela é hoje assinada por prestigiadas universidades como Harvard e Oakland, nos
Estados Unidos, e requisitada por
dezenas de universidades em todo o
mundo.
O sucesso foi tão grandes que
neste momento vai-se candidatar a
revista a uma plataforma de acesso
livre, para que fique virtualmente
disponível em todo o mundo, à distância de um clique. Claro que, com
este sucesso, começámos a pensar
noutros projectos de cooperação e é
assim que surgiu a ideia da co-publicação de livros com a Faculdade
de Ciências Sociais, através das suas
Edições Mulemba. A ideia é pensar
conteúdos em Angola para promovê-los não apenas aqui, mas sobretudo nas livrarias e na academia em
Portugal.
O pensamento endógeno africano no domínio das ciências sociais
é praticamente desconhecido em
Portugal e essa é a grande aposta
das Edições Mulemba, em parceria
com as Edições Pedago: traduzir e
publicar em língua portuguesa um
vasto leque de autores que se tornaram referências nas ciências sociais
em África. Mas não publicaremos
apenas traduções. Haverá também
originais em língua portuguesa, de
autores angolanos e de outras nacionalidades.
SA- Como antevê a vossa coo-
45
Cultura
Sábado, 30 de Março de 2013.
peração com Angola?
SA- Serão criadas outras colecções na Faculdade de Ciências
Sociais?
PP- Não sei qual será o futuro da
nossa cooperação com Angola, mas
sei bem qual foi o passado e o que
tem sido o presente, pelo que antevejo que o futuro não poderá ser
diferente. Quero com isto dizer que
a nossa cooperação tem de ser sempre aquela que foi até aqui, ou seja,
uma cooperação genuinamente preocupada com os interesses e as necessidades da academia angolana,
desde que compatíveis com os nossos
próprios interesses de intervenção
editorial. Creio que este não é um
entendimento difícil, pelo que antevejo que continuaremos a traduzir e
a publicar obras, em parceria com
a Faculdade de Ciências Sociais da
Universidade Agostinho Neto.
SA- As Edições Pedago têm
capacidade para editar os livros
e revistas de uma faculdade tão
grande como a de Ciências Sociais?
PP- Claro que sim! A editora terá
de se adaptar às necessidades e exigências da Faculdade. Nós começámos com uma revista científica,
a «Mulemba – Revista Angolana
de Ciências Sociais», e com uma
colecção de livros intitulada Reler
África, que já publicou 3 volumes.
Mas existem planos para expandir
o projecto e iniciar a publicação de
pelo menos mais 4 novas colecções.
É, na realidade, um desafio para o
qual esperamos estar à altura.
A nossa cooperação tem de ser sempre
aquela que foi até aqui, ou seja, uma
cooperação genuinamente preocupada
com os interesses e as necessidades da
academia angolana, desde que compatíveis com os nossos próprios interesses
de intervenção editorial. Creio que este
não é um entendimento difícil, pelo que
antevejo que continuaremos a traduzir
e a publicar obras, em parceria com a
Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto.
SA- Que leitura faz das publicações «Mulemba» e da «Revista
Angolana de Sociologia»?
PP- Ambas revistas são projectos muito importantes. Como lhe
disse, a RAS – Revista Angolana de
Sociologia- foi a primeira de cunho
científico que publicámos e o projecto foi muito bem acolhido internacionalmente. Foram feitas várias
apresentações públicas da revista
fora de Angola, desde a publicação
do primeiro número em 2008, e ela
é regularmente enviada para imensas universidades espalhadas pelo
mundo. Tornou-se já num espaço de
referência em que muitos investigadores querem publicar o seu trabalho. Como acontece com as revistas
prestigiadas, a RAS tem hoje uma
grande lista de espera de propostas
de publicação oriundas de todo o
mundo, o que mostra que alcançou
um estatuto de prestígio.
A Mulemba – Revista Angolana
de Ciências Sociais- é um projecto
mais jovem, mas não tenho dúvidas
de que seguirá o mesmo caminho. É
também uma revista científica de
grande qualidade e que cumpre com
a maior parte dos requisitos editoriais das grandes revistas. Por isso, é
necessário continuar com o trabalho
desenvolvido até aqui, rigoroso e diligente, porque estou convencido que
a revista se vai impor no panorama
das ciências sociais.
Neste momento, estamos a preparar a candidatura de ambas revistas a duas grandes plataformas
mundiais de revistas científicas. É
um processo complexo, moroso e
muito exigente, mas se a candidatura for aprovada – e eu penso que
estão reunidas condições para que
possa ser – estas duas revistas angolanas passarão a circular por todo
o mundo em formato electrónico. A
projecção que terá os investigadores angolanos no mundo será então
avassaladora.
SA- Qual é a sua opinião acerca
dos três livros sobre África já publicados na colecção Reler África?
PP- São livros extraordinários.
Tenho muita dificuldade em compreender como foi possível chegarmos até hoje sem que ninguém tenha tomado a iniciativa de traduzir
essas importantes obras para a língua portuguesa. Não posso deixar
de reconhecer a visão da Faculdade
de Ciências Sociais e das suas Edições Mulemba. De facto, a tradução
e publicação destas obras impunha-se como obrigatória. «O Antigo e o
Moderno. A Produção do Saber na
África Contemporânea», de Paulin
Hountondji, apresenta uma importante discussão sobre a necessidade
de articulação dos saberes endógenos com a ciência moderna. É uma
discussão vasta e importante que
abarca o campo da educação, da
saúde, do direito, entre muitas outras áreas.
O livro «A Invenção de África.
Gnose, Filosofia e a Ordem do
Conhecimento», de Valentin Mudimbe, questiona o que significou
no passado e o que significa hoje
África e ser africano, bem como
as condições de possibilidade para
a produção de um pensamento
científico original em África. O
clássico estudo de George Balandier, «Sociologia das Brazzavilles
Negras», é também um livro muito
importante em virtude das inovações teóricas e práticas que trouxe
para as ciências sociais em África.
Mas estes são apenas três exemplos de obras muito relevantes já
publicadas. Para além destas, temos em preparação muitas outras
e posso dizer já que até Junho próximo serão publicadas pelo menos
mais 5 novas obras, e não apenas
na colecção Reler África.
PP-A colecção Reler África, que
já tem três volumes publicados, é
dirigida pelo sociólogo Víctor Kajibanga, que é também o decano
da faculdade. Em Junho próximo
vão ser criadas as colecções Oficina de Ciências Sociais e Humanas
(dirigida pelo sociólogo Paulo de
Carvalho) e a Biblioteca de Ciências Sociais e Humanas, a cargo de
Arlindo Barbeitos. A primeira vai
ocupar-se de matérias sensíveis ligadas à metodologia e às técnicas de
investigação em ciências sociais, enquanto na segunda vão ser publicados autores clássicos e modernos de
relevo. Mais tarde, vamos preparar
outros livros nas colecções Estudos
Angolanos (coordenada pela historiadora Maria da Conceição Neto),
Horizontes das Ciências Sociais e
Humanas (dirigida pelo antropólogo Virgílio Coelho) e Incubadora
de Ciências Sociais e Humanas (a
cargo da historiadora Luzia Milagre). Nesta última colecção, vão ser
publicados os melhores trabalhos de
fim de curso de licenciatura da Faculdade de Ciências Sociais. Quer
dizer que, daqui a dois ou três anos,
teremos acima de vinte novos livros
nessa faculdade, para apoio aos investigadores e docentes, e para apoio
aos estudantes dos cursos de pós-graduação. Trata-se, pois, de um
investimento sério, que precisa de
ser acarinhado por todos.
SA- A terminar, diga-me se
já antes tinha lido Mudimbe ou
Hountondji…
PP- Devo dizer-lhe sinceramente que não, pelo que não conhecia
o importante trabalho destes eminentes intelectuais africanos, como
nunca tinha sequer ouvido falar
nos seus nomes. Existe um silenciamento brutal e indesculpável destes
e de outros nomes nas academias
ocidentais. Como é possível ler, investigar e escrever sobre África sem
conhecer o trabalho e o pensamento
destas pessoas? Simplesmente não
entendo como é possível. O que resulta daí só pode ser um olhar verdadeiramente míope sobre o continente africano. É por isso que este
trabalho que estamos a fazer com
as Edições Mulemba da Faculdade
de Ciências Sociais é tão importante. Na prática trata-se de promover
estes autores no exterior, em língua
portuguesa. Estou grato aos colegas
da Faculdade de Ciências Sociais
por terem partilhado connosco a
sua visão e dirigirem cientificamente este projecto de publicação
conjunta. Acredito que estas obras
encontrarão o seu espaço nas livrarias e nas academias em Portugal e
contribuirão de forma decisiva para
uma mudança de perspectiva no
trabalho de muitos investigadores.
Apenas continuarão a ser míopes os
que quiserem.
■
Fadista
portuguesa
Carminho actua
em Angola
A
GBEJTUB $BSNJOIP DPOTJEFSBEB VNB
EBT NBJPSFT
SFGFSÐODJBT EP GBEP BDUVB QFMB QSJNFJSB WF[
FN"OHPMBBEF.BJP
OVN FTQFDUÈDVMP RVF
UFSÈ MVHBS OP )PUFM &QJD
4BOBFN-VBOEB
0 TIPX Ï QBSUF JOUFHSBOUF EB UPVS j"MNBx
RVF B GBEJTUB UFN BQSFTFOUBEPFNWÈSJPTQBMDPT
EP NVOEP " BDUVBÎÍP
EF$BSNJOIPFN"OHPMB
EFDPSSF EVSBOUF VN KBOUBS EF HBMB OVN EPT FTQBÎPT NBJT QSFTUJHJBEPT
EB DBQJUBM F DPOUB BJOEB
DPNBQBSUJDJQBÎÍPFTQFDJBM EB DBOUPSB BOHPMBOB
EFSFOPNF:PMB4FNFEP
$BSNJOIP DBOUB P
GBEPEFTEFTFNQSF0TFV
QSJNFJSP ÈMCVN FEJUBEP FN F JOUJUVMBEP
j'BEPx BGJSNBB DPNP
jB NBJPS SFWFMBÎÍP EP
GBEP EB ÞMUJNB EÏDBEBx
TFHVOEP B SFWJTUB 5JNF
0VUFGPJOPNFBEPQFMB
DPODFJUVBEB SFWJTUB CSJUÉOJDB 4POHMJOFT DPNP
VNEPTEF[j#FTU"MCVN
x
7JTUBDPNPVNTÓNCPMP EB TVB HFSBÎÍP $BSNJOIP UPSOPVTF FN
OB &NCBJYBEPSB
QPSUVHVFTBEPQSPHSBNB
j:PVUI PO UIF .PWFx B
DPOWJUFEB$PNJTTÍP&VSPQFJB+ÈFNFEJUB
j"MNBx P TFV TFHVOEP
EJTDP F MPHP BMDBOÎB P
jHBMBSEÍP 1MBUJOBx CFN
DPNP P QSJNFJSP MVHBS
EPTUPQTMVTPTEFWFOEBT
0 ÈMCVN UFWF FEJÎÍP
TJNVMUÉOFB OB 4VÏDJB
'JOMÉOEJBFFN&TQBOIB
POEF GPJ DBUBQVMUBEP
QBSB B MJEFSBOÎB EP UPQ
EFWFOEBTQFMPBDMBNBEP
EVFUPj1FSEPOÈNFxDPN
PDBOUPS1BCMP"MCPSÈO
1BTTBEP VN BOP TPCSF
B FEJÎÍP EF j"MNBx P
EJTDP DPOUJOVB B WJHPSBS
OPT UPQT F GPJ SFDFOUFNFOUF FEJUBEP OP #SBTJM
POEF B GBEJTUB DPOUPV
DPN B DPMBCPSBÎÍP FTQFDJBM EF $IJDP #VBSRVF .JMUPO /BTDJNFOUP
F /BOB $BZNNJ USÐT
HSBOEFT OPNFT EF SFDPOIFDJNFOUP NVOEJBM EB
DBOÎÍPCSBTJMFJSB
■