2 Vol XVIII 2009 - Revista Nascer e Crescer

Transcrição

2 Vol XVIII 2009 - Revista Nascer e Crescer
Vol. 18, nº 2, Junho 2009
18|
2
Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto
Ano | 2009 Volume | XVIII Número | 02
Directora | Editor | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Associated Editor | Margarida Guedes
Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves
Corpo Redactorial | Editorial Board
Artur Alegria, MJDinis - CHP; Carmen Carvalho, MJDinis CHP; Conceição Mota, H Maria Pia - CHP; Laura Marques,
H Maria Pia - CHP; Miguel Coutinho, H Maria Pia - CHP; Rui
Chorão, H Maria Pia - CHP
Editores especializados | Section Editors
Artigo Recomendado – Helena Mansilha, H Maria Pia - CHP;
Maria do Carmo Santos, H Maria Pia - CHP; Tojal Monteiro,
ISCBAS
Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, INSRJ-INSA
Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP;
Altamiro da Costa Pereira, FMUP
A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – Abílio Reis, CHP;
António Marinho, HUC; Fátima Pinto, HS Marta; Maria Ana
Sampaio, H Cruz Vermelha; Maria João Baptista, HS João;
Paula Martins, H Pediátrico de Coimbra; Rui Anjos, HS Cruz;
Sílvia Álvares, H Maria Pia;
Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Armando Pinto, IPO;
Carla Carvalho, HSMMaior; Conceição Santos Silva, CHPVVC;
Fátima Santos, CHVNG-Espinho; Fernanda Manuela Costa,
HSAntónio-CHP; Helena Jardim, HS João; Isolina Aguiar,
CHAA; Joaquim Cunha, CHVS; Miguel Costa, CHEDV; Rogério
Mendes, MJDinis - CHP; Rosa Lima, H Maria Pia - CHP; Sofia
Aroso, HPHispano; Sónia Carvalho, CHMA; Susana Tavares,
HS Sebastião - CHAA
Caso Endoscópico – Fernando Pereira, H Maria Pia - CHP
Caso Estomatológico – José Amorim, H Maria Pia - CHP
Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, H Maria Pia
- CHP; Margarida Reis Lima, INSRJ-INSA
Caso Radiológico – Filipe Macedo, SMIC
Pequenas Histórias – Margarida Guedes, HSAntónio - CHP
Coordenação Técnica | Editorial Coordenation
Margarida Lima, HSA - CHP
Conselho Técnico | Consultant
Gama de Sousa, H Maria Pia - CHP
Conselho Científico Nacional |
| National Scientific Board
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- Almerinda Pereira, HS Marcos
- Álvaro Aguiar, FMUP, HS João
- Ana Maria Leitão, HSM Maior
- Ana Maria Ribeiro, CHEDV
- Ana Ramos, H Maria Pia - CHP
- António Lima, CHEDV
- António Martins da Silva, ICBAS
- António Vilarinho, CHVNG - Espinho
- Arelo Manso, H Vila Real - CHTMAD
- Arlindo Oliveira, HF Zagalo
- Braga da Cunha, H Pe Américo - CHTS
- Carlos Duarte, H Maria Pia - CHP
- Cidade Rodrigues, H Maria Pia - CHP
- Clara Barbot, H Maria Pia - CHP
- Conceição Casanova, H Póvoa de Varzim - CHPV-VC
- Eloi Pereira, H Maria Pia - CHP
- Eurico Gaspar, HS Pedro - CHTMAD
- Fátima Praça, CHVNG
- Filomena Caldas, H Maria Pia - CHP
- Gama Brandão, HS Oliveira - CHAA
- Gonçalves Oliveira, H Famalicão - CHMA
- Henedina Antunes, HS Marcos
- Ines Lopes, CHVNG - Espinho
- José Barbot, H Maria Pia - CHP
- José Carlos Areias, FMUP, HS João
- José Carlos Sarmento, CHVS
- José Castanheira, HS Teotónio
- José Cidrais Rodrigues, HPHispano
- José Pombeiro, MJDinis – CHP
- Lopes dos Santos, HPHispano
- Lucília Norton, IPO
- Luís Januário, H Pediátrico de Coimbra
- Luís Lemos, H Pediátrico de Coimbra
- Luís Vale, HS António - CHP
- Manuel Salgado, H Pediátrico de Coimbra
- Manuela Selores, HS António - CHP
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- Maria Salomé Gonçalves, H Maria Pia - CHP
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- Óscar Vaz, H Mirandela - CHN
- Paula Cristina Ferreira, HS António - CHP
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- Raquel Alves, H Maria Pia - CHP
- Rei Amorim, HS Luzia - CHAM
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- Rodrigues Gomes, F Calouste Gulbenkian
- Rosa Amorim, H Maria Pia - CHP
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- D. L. Callís (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron
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- Francisco Alvarado Ortega (Madrid), Hospital Infantil
Universitario La Paz
- George R. Sutherland (Edinburgh), University Hospital
- Harold R. Gamsu (Londres), Kings College Hospital
- J. Bois Oxoa (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron
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- José Quero (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz
- Juan Tovar Larrucea (Madrid), Hospital Infantil Universitario
La Paz
- Juan Utrilla (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
índice
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
número2.vol.XVIII
71 Editorial
73 Artigos Originais
Pedro Lopes Ferreira, Ana Escoval, Constantino Sakellarides
Esferocitose Hereditária. Esplenectomia e Colecistectomia.
Experiência de um Hospital Pediátrico
Susana Soares, Berta Bonet, Ferreira Sousa, Carlos Enes,
Cidade Rodrigues, Marika Bini Antunes, José Barbot
78
O Estado da Saúde Oral de Crianças em Idade Pré-Escolar de uma Área Urbana
Marta João Silva, Ana Carla Ferreira, Cesarina Santos Silva,
Maria Elisa Teixeira, Carlos A. Pratas Valente
85 Casos Clínicos
Trombose dos Seios Venosos Cerebrais em Criança com Síndrome Nefrótico:
Caso Clínico
Filipa Balona, Graça Ferreira, Eduarda Marques, António Vilarinho
89
Síndrome de Apert: Caso Clínico
Bernarda Sampaio, Susana Nunes, Eduardo Monteiro, Albina Silva, Almerinda Pereira
de Pediatria Inter-Hospitalar
93 Ciclo
do Norte
Pneumonia com Pneumatocelos: Caso Clínico
E. Moreira, L. Machado, C. Costa, C. Xavier, I. Quintal, J. Cunha, C. Garrido
96 Artigo Recomendado
99
101
103 Perspectivas Actuais em Bioética
Helena Ferreira Mansilha
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
A Selecção de Dadores de Gâmetas e o Eugenismo
Helena Pereira de Melo
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
106 Pediatria Baseada na Evidência
Avaliação Crítica e Implementação Prática de Ensaios – Clínicos Aleatorizados
Luís Filipe Azevedo, Altamiro da Costa Pereira
Cardiologia Pediátrica na Prática
120 AClínica
Coarctação da Aorta – Detecção Tardia
Sílvia Álvares, Conceição Mota, Marisa Carvalho, Marília Loureiro
124 Qual o seu Diagnóstico?
Caso Endoscópico
Fernando Pereira
126
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim
128
Caso Radiologico
Filipe Macedo
130
Genes, Crianças e Pediatras
Mafalda Barbosa, Jorge Pinto-Basto, Margarida Reis Lima,
Ana Maria Fortuna, Gabriela Soares
133 XXI Reunião do Hospital Maria Pia
135 Normas de Publicação
Programa
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
summary
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
number2.vol.XVIII
71 Editorial
73 Original Articles
Pedro Lopes Ferreira, Ana Escoval, Constantino Sakellarides
Hereditary Spherocytosis. Splenectomy and Colecistectomy.
The Experience of an Paediatric Hospital
Susana Soares, Berta Bonet, Ferreira Sousa, Carlos Enes,
Cidade Rodrigues, Marika Bini Antunes, José Barbot
78
Preschool and School Age Children Oral Health in an Urban Setting
Marta João Silva, Ana Carla Ferreira, Cesarina Santos Silva,
Maria Elisa Teixeira, Carlos A. Pratas Valente
85 Case Reports
Cerebral Sinovenous Thrombosis in a Child with Nephrotic Syndrome:
Case Report
Filipa Balona, Graça Ferreira, Eduarda Marques, António Vilarinho
89
Apert Syndrome: Case Report
Bernarda Sampaio, Susana Nunes, Eduardo Monteiro, Albina Silva, Almerinda Pereira
93 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting
Pneumonia with Pneumatocele - Case Report
E. Moreira, L. Machado, C. Costa, C. Xavier, I. Quintal, J. Cunha, C. Garrido
96 Recommended Article
99
101
103 Current Perspectives in Bioethics
Helena Ferreira Mansilha
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
Selection of Gamete Donors and Eugenism
Helena Pereira de Melo
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
106 Evidence Based Paediatrics
Critical Appraisal and Pratical Implementation of Randomised Controlled Trials
Luís Filipe Azevedo, Altamiro da Costa Pereira
Cardiology in Clinical
120 Paediatric
Practice
Coarctation of the Aorta: Delayed Detection
Sílvia Álvares, Conceição Mota, Marisa Carvalho, Marília Loureiro
124 What is your diagnosis?
Endoscopic Case
Fernando Pereira
126
Oral Pathology Case
José M. S. Amorim
128
Radiological Case
Filipe Macedo
130
Genes, Children and Paediatricians
Anabela Bandeira, Grabriela Soares, Carla Valongo, Fernanda Manuela,
Margarida Reis-Lima, Lígia Almeida, Maria Luís Cardoso, Esmeralda Martins
133 XXI Meeting of Hospital Maria Pia
135 Instructions for Authors
Programme
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
editorial
RAZÕES PARA CONTINUAR
O Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), na persecução de realizar anualmente um exercício compreensivo de análisa rigorosa da dinâmica das políticas de saúde e, num sentido mais lato, do sistema de saúde nacional, assume como
compromisso a procura de um contributo para o benefício público reforçando princípios
de solideriedade, equidade, eficiência, qualidade e transparência
Este ano completa-se uma década, sobre a criação do OPSS, o qual seguiu, analisou e relatou anualmente o desenvolvimento do sistema de saúde português e a evolução da qualidade da governação da saúde, através do seu Relatório de Primavera (RP).
É também o ano em que se comemoram os 30 anos do Serviço Nacional de Saúde.
Está ainda por fazer a análise detalhada desta observação mas, parece ser desde
já possível afirmar-se que a aceitação deste processo de análise e comunicação por
parte dos agentes políticos e sociais tem melhorado progressivamente no decurso dos
últimos anos. Assim, entendeu o OPSS reflectir sobre os dez anos de observação e fazer um balanço da governação em saúde nesta década e avaliar o impacto de algumas
das análises e sugestões ao longo deste período. É manifesto que existe um conjunto
de questões de saúde, situadas próximas da intersecção da saúde com o conjunto da
sociedade, que são cada vez mais aparentes, cuja gestão é particularmente difícil e em
relação às quais os progressos observados, apesar de muitas vezes evidentes, são necessariamente lentos. Estão aqui incluídas as questões associadas ao envelhecimento
da população e à necessidade de cuidados continuados a pessoas socialmente dependentes, as situações relacionadas com a evolução da tuberculose pulmonar e das
questões sociais e sanitárias que lhe estão associadas e a sustentabilidade política,
económica e financeira dos sistemas de protecção social, incluindo o da saúde.
Sente-se, assim, necessidade de desenvolver modelos de governação que correspondam a essa complexidade. A solução provavelmente passa pela constatação
do valor acrescentado que justifique o investimento - criar mais valor e fazer mais e
melhor com os recursos consagrados à saúde deve ser a primeira escolha de qualquer
Governo.
Apesar disto, no decurso dos últimos anos é possível identificar um conjunto de
situações que assinalam importantes progressos na governação da saúde em Portugal.
De entre elas, podemos referir os progressos na promoção e protecção da saúde, particularmente naquilo que diz respeito (i) à adopção e implementação da “lei do tabaco” na
óptica da protecção da saúde, (ii) à evolução observada nas listas de espera cirúrgicas,
tendo havido nos últimos anos ganhos substanciais, (iii) à revitalização dos processos
de contratualização, e (iv) à reforma dos serviços de saúde, particularmente naquilo que
diz respeito aos cuidados de saúde primários e à criação da Rede Nacional dos Cuidados Continuados Integrados.
editorial
71
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Embora a situação do sistema de saúde em Portugal seja francamente mais positiva do que há 10 anos, persiste, independentemente de quem governa e das políticas
que adopta, uma ausência de um centro tangível de análise e de direcção estratégica na
saúde. Algumas das consequências são óbvias, como são os casos, relativamente bem
documentados, da “boa utilização do medicamento”, em que alguma evolução e uma
melhor e mais racional utilização estão longe de ser satisfatórias. É também a situação
das parcerias público-privado (PPP), em que, não ignorando a necessidade de uma boa
cooperação entre sectores, se sente a premência de análises das vantagens e inconvenientes das várias modalidades possíveis de PPP e caminhar experimentalmente com
acompanhamento de avaliações rigorosas e transparentes.
Há também necessidade de se apostar num maior envolvimento do cidadão no
sistema de saúde, o que passa por um maior grau de literacia em saúde. As estratégias
de saúde têm de estar mais próximas das realidades locais.
O RP 2009 foi apresentado em 18 de Junho na Fundação Calouste Gulbenkian e
contou com uma conferência proferida pelo Dr. David McDaid do Observatório Europeu
dos Sistemas de Saúde, que incidiu sobre a análise de formas de tradução da evidência
resultante de investigação económica, em especial, de avaliações de tecnologia em
saúde, na política de saúde e na prática clínica, na valoração de cuidados informais e de
que forma as avaliações económicas podem ser usadas em áreas mais complexas de
bem-estar social, da promoção da saúde e da saúde pública.
Todos nós sabemos fazer relatórios e muitos de nós se queixam de que as mensagens contidas nos relatórios nem sempre chegam aos destinatários desejáveis. Normalmente, isto acontece porque há uma linguagem específica, uma forma de comunicação que é desconhecida quer pelos investigadores quer pelos restantes agentes
do sistema. Também aqui há que aproximar os produtores da informação dos seus
principais destinatários.
Importa ressalvar que as mudanças em saúde não acontecem a curto prazo, mas no
médio prazo. Assim sendo, a influência do Relatório na saúde em Portugal começa agora
a tornar-se visível, daí a importância de um balanço após 10 anos de observações.
A coordenação do OPSS
Pedro Lopes Ferreira
Ana Escoval
Constantino Sakellarides
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Esferocitose Hereditária
Esplenectomia e Colecistectomia
Experiência de um Hospital Pediátrico
Susana Soares1, Berta Bonet2, Ferreira Sousa2, Carlos Enes2, Cidade Rodrigues2, Marika Bini Antunes3, José Barbot3
RESUMO
Objectivos: Avaliar as indicações
para a esplenectomia e colecistectomia,
os seus resultados e complicações em
crianças com esferocitose hereditária.
Material e Métodos: Realizou-se
uma revisão retrospectiva das crianças
com diagnóstico de Esferocitose Hereditária (EH) seguidas na consulta de Hematologia entre Janeiro de 1992 e Agosto
de 2007. Os parâmetros avaliados foram:
idade actual; sexo; grau de gravidade da
EH avaliado de acordo com os critérios
publicados pela British Society for Haematology em 2004; co-hereditariedade
de síndrome de Gilbert; doentes submetidos a esplenectomia e colecistectomia;
idade à data da cirurgia; método cirúrgico
usado (laparotomia/laparoscopia; esplenectomia total/parcial); parâmetros relevantes na decisão de esplenectomia e/ou
colecistectomia (anemia, reticulocitose,
esplenomegalia, dependência transfusional, litíase vesicular, hematopoiese extramedular e outras) ; parâmetros analíticos
pré e pós-cirúrgicos (hemograma, contagem de reticulócitos, bilirrubina total e
bioquímica do ferro); atitudes profiláticas
relativas a complicações de esplenectomia (vacinação prévia, antibioterapia
profilática e terapêutica) e registo de possíveis complicações (sépsis, trombose,
lítiase vesicular) nos doentes submetidos
a esplenectomia. Procedeu-se a análi-
__________
11
Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar do
Alto Ave, Guimarães
2
Serviço de Cirurgia Pediátrica da Unidade do
Maria Pia, CHP
3
Serviço de Hematologia da Unidade do Maria
Pia, CHP
se estatística com recurso ao Software
SPSS® versão 13.
Resultados: O número de doentes
com o diagnóstico de EH foi de 52. Destes 19 eram classificados como EH ligeira,
24 como EH moderada e nove como EH
grave. Em 15 doentes foi efectuada esplenectomia total (ET) e em três doentes
esplenectomia parcial (EP). Os motivos
mais relevantes na decisão da esplenectomia foram: anemia com elevada reticulocitose (n=14), esplenomegalia severa
(n=14), dependência transfusional (n=4),
litíase vesicular (n=5) e pancreatite litiásica (n=2). O incremento médio de hemoglobina pós-esplenectomia foi de 4,95 g/
dl (1,6-10,1). A erradicação de hemólise,
entendida como correcção da anemia,
reticulocitose e valor de bilirrubina total,
após a esplenectomia, verificou-se em 11
casos, três mantiveram reticulocitose moderada (2EP+1ET), dois reticulocitose severa (1ET+1EP). Não foram observadas
complicações graves pós-esplenectomia.
Em seis doentes observou-se trombocitose sustentada. Cinco das dezoito crianças
submetidas a esplenectomia realizaram
esplenectomia com colecistectomia concomitante, por lítiase vesicular. Nove doentes realizaram apenas colecistectomia
num único tempo cirúrgico.
Conclusões: As opções seguidas
estão de acordo com as recomendações
da literatura, ou seja, a maioria das EH
graves foram esplenectomizados precocemente, apenas algumas EH moderadas mais tardiamente, enquanto que os
casos ligeiros não foram esplenectomizados. A colecistectomia isolada, realizada
em nove doentes, contraria a generalidade da literatura, que recomenda face
a indicação para colecistectomia, a reali-
zação em simultâneo, de esplenectomia.
Esta recomendação fundamenta-se num
eventual risco de recorrência de litíase
nas vias biliares.
Palavras chave: Esferocitose hereditária, esplenectomia, colecistectomia
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 73-77
INTRODUÇÃO
A Esferocitose Hereditária (EH)
constitui a causa mais frequente de hemólise e anemia hemolítica não imune(1,2,3). Trata-se de uma patologia que
resulta de alterações quantitativas e/ou
qualitativas das proteínas da membrana
do eritrócito(4) . Apresenta um padrão de
transmissão autossómico dominante em
75% dos casos, sendo os restantes 25%
recessivos ou associados a mutações de
novo(1,2,5). Tradicionalmente esta patologia
é classificada como ligeira, moderada ou
grave na base de parâmetros clínicos e
laboratoriais(1,2,6). A anemia e a litíase vesicular constituem as duas componentes
principais da morbilidade da doença(1,2). A
co-hereditariedade com o Síndrome de
Gilbert aumenta o risco de desenvolvimento de lítiase vesicular nestes pacientes(3). Muito frequentemente a doença
manifesta-se no período neonatal com
icterícia precoce. No primeiro ano de vida
a necessidade de suporte transfusional é
mais frequente dada a diminuída capacidade do recém-nascido de compensar
a hemólise com resposta eritropoiética
adequada(5,7). As formas ligeiras correspondem ao grupo mais numeroso e não
necessitam geralmente de nenhum tipo
de intervenção terapêutica. O recurso a
esplenectomia é de ponderar nas formas
artigo original
73
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
moderadas e é obrigatório nas formas
graves(1,2,5. Os riscos inerentes a este
procedimento podem tornar difícil a sua
decisão. A esplenectomia se por um lado
erradica/diminui o processo hemolítico,
assim como as complicações que lhe são
inerentes, está associada a riscos a curto
e a longo prazo. A complicação mais temida refere-se ao risco acrescido de sépsis
por bactérias capsuladas. A possibilidade
de ocorrência de fenónemos de caractér
tromboembólico é também de considerar(1,2,5). Neste contexto pode tornar-se
difícil estabelecer uma relação risco/ benefício em que seja clara a oportunidade
de realização da esplenectomia. A sua
indicação será indiscutível mesmo, em
grupos etários pré-escolares, nas formas
mais graves em que existe dependência
transfusional(1,2,5,8). No extremo oposto
encontram-se as formas ligeiras ou assintomáticas em que a esplenectomia terá o
único objectivo de prevenir a litíase vesicular. Neste contexto os riscos do procedimento poderão exceder os benefícios.
Nas formas moderadas sintomáticas a
indicação do procedimento poderá ser
clara embora possam persistir dúvidas
na altura da sua realização(1,5). De referir,
contudo, que a mortalidade estimada por
sépsis refere-se a estudos retrospectivos
realizados antes da introdução sistematizada da vacinação antipneumocócica e
da profilaxia antibiótica(2,9).
A eficácia destas vacinações tem
sido documentada em estudos recentes
que referem uma clara diminuição da mortalidade por sépsis pós-esplenectomia
quando os doentes são vacinados(2,9).No
entanto a emergência de estirpes pneumocócicas penicilino e multi-resistentes
traz novas preocupações.
Em crianças em idade pré-escolar e
com esferocitose hereditária severa uma
opção possível poderá ser a esplenectomia parcial (ou quase total) com o objectivo de preservar a função imunológica
do baço diminuindo, contudo, o grau de
hemólise(10,11,12,13).
A cirurgia laparoscópica em relação
à cirurgia convencional parece relacionarse com menos dor e desconforto, internamentos hospitalares de menor duração e
maior rapidez no regresso à actividade
diária(5,14,15).
74
artigo original
MATERIAL E MÉTODOS
No presente estudo realizamos uma
revisão retrospectiva das crianças com
diagnóstico de Esferocitose Hereditária
(EH) seguidas na consulta de Hematologia entre Janeiro de 1992 e Agosto de
2007. Procedemos a uma análise estatística com recurso ao software SPSS® 13.
Avaliamos prioritariamente as indicações
que conduziram à esplenectomia e colecistectomia, assim como os seus resultados e complicações. Os parâmetros avaliados foram: idade actual; sexo; grau de
gravidade da EH avaliado de acordo com
os critérios publicados pela British Society
for Haematology em 2004; co-hereditariedade de síndrome de Gilbert; doentes
submetidos a esplenectomia e colecistectomia; idade à data da cirurgia; método cirúrgico usado (laparotomia/laparoscopia;
esplenectomia total/parcial); parâmetros
relevantes na decisão de esplenectomia
e/ou colecistectomia (anemia, reticulocitose, esplenomegalia, dependência transfusional, litíase vesicular, hematopoiese
extra-medular e outras); parâmetros analíticos pré e pós-cirúrgicos (hemograma,
contagem de reticulócitos, bilirrubina total
e bioquímica do ferro); atitudes profiláticas
relativas a complicações de esplenectomia (vacinação prévia, antibioterapia profilática e terapêutica) e registo de possíveis
complicações (sépsis, trombose, lítiase
vesicular) nos doentes submetidos a esplenectomia. Procedeu-se a análise estatística com recurso ao Software SPSS®
versão 13.
RESULTADOS
A população em estudo incluiu cinquenta e duas crianças com EH (34 do
sexo masculino e 18 do sexo feminino). A
idade média à data da última observação
era de 11 anos. Dezanove crianças eram
classificados como EH ligeira, 24 EH moderada e 9 EH grave segundo os critérios
publicados pela British Society for Haematology em 2004 (ver Tabela 1).
A esplenectomia foi realizada em 18
crianças. Em 5/18 havia história familiar
de EH e em 2/18 Síndrome de Gilbert associada.
Quanto à classificação da EH nos
esplenectomizados, 10/18 correspondiam a EH moderada e 8/18 a EH grave.
A média de idade na data da esplenectomia foi de 8 anos (min. 3 e máx. 18) .
Seis doentes com EH grave foram esplenectomizados antes dos seis anos. Nove
doentes tinham entre seis a doze anos e
três acima de doze anos.
Como pode ser observado na Tabela 2, as indicações mais referidas para a
esplenectomia foram: anemia com elevada reticulocitose, esplenomegalia severa,
dependência transfusional, lítiase vesicular e pancreatite litiásica .
Em 15 doentes foi efectuada esplenectomia total (ET) e em 3 doentes
esplenectomia parcial (EP). Este último
procedimento cirúrgico foi realizado em
três crianças com idade inferior ou igual
a seis anos com um processo hemolítico
exuberante. Quatro realizaram cirurgia
por laparoscopia (3ET+1EP) e quatorze
por laparotomia (12ET+2EP).
Cinco dos dezoito realizaram esplenectomia com colecistectomia concomitante, por lítiase vesicular. De referir
que 9/52 doentes realizaram apenas colecistectomia num único tempo cirúrgico,
sendo que dois vieram a realizar esplenectomia posteriormente (por anemia
grave com elevada reticulocitose caso
nº 11 e 13 ) e um já havia realizado esplenectomia total anteriormente (caso nº
6- criança com anemia grave dependente
de transfusão).
O tempo médio de seguimento pósesplenectomia foi de 5,38 anos .
O incremento médio de hemoglobina pós-esplenectomia foi de 4,95 g/dl
(intervalo:1,6-10,1). O decréscimo médio
do valor de bilirrubina total foi de 13,99
μmol/L.
A erradicação de hemólise após esplenectomia entendida como correcção
da anemia, reticulocitose e bilirrubinemia,
verificou-se em 11 casos. Três mantiveram reticulocitose moderada (2EP + 1ET
caso), dois reticulocitose severa (1ET +
1EP caso). Esta informação não estava
disponível em dois casos.
O doseamento de ferritina média no
ano anterior ao da esplenectomia era de
220 ng/ml (intervalo: 54 –1027), com valores mais elevados obtidos nas 4 crianças inicialmente dependentes de transfusões. Ocorreu a normalização deste
parâmetro após esplenectomia.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Tabela 1 – Classificação da esferocitose e indicações para esplenectomia
Classificação
Traço
Ligeiro
Moderado
Severo
Hemoglobina (g/dl)
Normal
11-15
8-12
6-8
Contagem de
reticulócitos %
Normal
3-6
>6
>10
Bilirrubina (μmol/l)
<17
17-34
> 34
>51
Espectrina por
eritrócito
(% of normal)
100
80-100
50-80
40-60
Não necessária
Geralmente não
necessária durante a
infância/adolescência
Necessária durante
a idade escolar antes da puberdade
Necessária protelar
até aos 6 anos, se
possível
Esplenectomia
Traduzido de: Bolton–Maggs PHB, Stevens RF, Dodd NJ, Lamont G, Tittensor P, King MJ.
Guidelines for the diagnosis and management of hereditary spherocytosis.
British Journal of Hematology 2004;126:455-474.
Tabela 2
Caso número
(*Idade esplenectomia)
Anemia
com elevada
reticulocitose
Esplenomegalia
severa
1 (*4)
X
X
3 (*6)
X
X
X
4 (*6)
X
5 (*4)
X
X
X
X
X
X
X
Dependência
transfusional
X/-
2 (*10)
X/X
6 (*4)
7 (*13)
Lítiase vesicular/
Pancreatite
litiásica
8 (*18)
X/X
9 (*6)
X
10 (*4)
X
X
11 (*10)
X
X
12 (*3)
X/-
X
13 ( *8)
X
X
14 (*9)
X
X
15 (*5)
X
X
16 (*12)
X
X
17 (*13)
X
18 (*11)
X
X
X/-
Todos os doentes submetidos a esplenectomia total ou parcial efectuaram
vacinação pneumocócica adequada préesplenectomia e profilaxia com penicilina
oral após esplenectomia (125 mg, 2 x dia
se < 3 anos; 250 mg, 2 x dia se > 3 anos).
Relativamente às complicações
pós-esplenectomia, não foram observados casos de sépsis. Em seis doentes
foi observada trombocitose sustentada,
sendo que em nenhum destes foi prescrita profilaxia de tromboembolismo. Em
nenhum dos casos foram documentadas
complicações tromboembólicas.
DISCUSSÃO
As formas de EH situadas nos pólos
opostos do espectro de gravidade clínica
são as que apresentam maior consensualidade em termos de atitude terapêutica.
Este facto verifica-se de forma natural no
conjunto de doentes analisados: as EH
graves foram esplenectomizadas de forma sistemática e precoce em quanto que
as formas ligeiras não o foram de todo.
É nas formas moderadas que a esplenectomia se torna mais controversa e
a percentagem de casos moderados submetidos a esta cirurgia (42%) comprova
a dificuldade em ponderar a razão risco/
benefício deste procedimento .
No grupo dos esplenectomizados
apenas 28% tinha história familiar de EH
enquanto que no grupo dos não-esplenectomizados esta estava presente em
74% dos casos, o que está concordante
com a literatura (as formas mais graves
têm hereditaridade recessiva ou esporádica).
Os motivos que conduziram à esplenectomia nos dez doentes com EH
moderada pode ser visualizado na tabela
2 (casos 2,4,7,8,9,11,13,16,17,18). Três
apresentaram lítiase vesicular como motivo principal para a esplenectomia.
Razões como referência a astenia
e crescimento inadequado também interferiram na decisão. De referir que se
trata de um contexto em que factores de
ordem psicossocial podem de alguma
maneira interferir na decisão. É o caso
de efeitos negativos da icterícia na autoimagem dos doentes, assim como na
dificuldade em admitir os riscos a longo
prazo da esplenectomia por parte de pais
artigo original
75
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
que foram objectos desta intervenção há
muitos anos sem qualquer complicação.
De salientar que apenas 4 doentes
realizaram esplenectomia por via laparoscópica.
Esta discrepância relaciona-se sobretudo com a disponibilidade da cirurgia
laparoscópica à data da esplenectomia.
Em nove doentes foi efectuada colecistectomia isoladamente. Esta atitude
contraria a generalidade da literatura que
recomenda face a indicação para colecistectomia, a realização em simultâneo,
de esplenectomia. Esta recomendação
baseia-se num eventual risco de recorrência de litíase nas vias biliares se o
processo hemolítico não for erradicado
através da esplenectomia.
Trata-se, no entanto de uma indicação baseada num baixo grau de evidência científica e que tem um carácter
histórico anterior à emergência de cirurgia laparoscópica que veio legitimar de
forma clara o eventual recurso às duas
cirurgias (colecistectomia e esplenectomia) em tempos diferentes.
Na população em estudo nenhum
dos doentes que realizou colecistectomia
isoladamente apresentou recorrência de
litíase. Isso parece confirmar a necessidade de estudos longitudinais e randomizados para comprovar os benefícios
desta recomendação.
CONCLUSÕES
A esferocitose hereditária apresenta
uma variabilidade fenotípica e genética
sendo importante o seguimento dos doentes em centros especializados.
Em termos gerais, as opções seguidas estão de acordo com as recomendações da literatura: a maioria das EH
graves foram esplenectomizadas precocemente, 42 % das EH moderadas foram esplenectomizados e, sempre mais
tardiamente, enquanto que nenhum caso
ligeiro foi objecto de esplenectomia.
A colecistectomia isolada efectuada
em nove doentes contraria, como já referido, a maioria das recomendações nesta
matéria. Estas recomendações defendem
a realização em simultâneo da esplenectomia. Fundamentam-se num eventual
risco de litíase extravesicular face a um
processo hemolítico não erradicado.
76
artigo original
Sobre esta questão devemos referir
o seguinte:
- Trata-se de uma recomendação histórica, elaborada numa época em
que a cirurgia laparoscópica não era
disponível. O advento deste tipo de
cirurgia veio dar maior legitimidade
a uma intervenção em dois tempos,
já que uma colecistectomia laparoscópica não cria, em princípio, condições adversas a uma esplenectomia em segundo tempo.
- Os receios inerentes ao risco de
sépsis grave pós-esplenectomia
vêm aumentando nos últimos anos
dada a emergência de estirpes de
pneumococos resistentes à penicilina ou mesmo multi-resistentes.
- Não existem estudos longitudinais
bem elaborados que demonstrem
risco acrescido de lítiase extra-vesicular uma vez removida a vesícula biliar, se o processo hemolítico
não tiver sido erradicado através
da esplenectomia.
A esta recomendação, publicada
pela British Society for Haematology em
20041, é atribuído um grau de evidência
IV [recomendação fundamentada em opiniões de especialistas e em experiências
clínicas de autoridades reconhecidas] e
recomendação de grau C [o que indica
uma ausência de estudos clínicos de boa
qualidade directamente aplicavéis].
Como tal parece-nos, que face a
uma criança com processo hemolítico
bem compensado que faz lítiase vesicular mesmo que não sintomática, será legítimo proceder à colecistectomia e protelar a esplenectomia, que a iria fragilizar
em termos de risco infeccioso.
HEREDITARY SPHEROCYTOSIS. SPLENECTOMY AND COLECISTECTOMY.
THE EXPERIENCE OF AN PAEDIATRIC
HOSPITAL
ABSTRACT
Objective: To evaluate the indications for splenectomy and cholecystectomy, its results and complications
in children with diagnosis of Hereditary
spherocytosis (HS).
Material and methods: The authors
retrospectively reviewed all cases of HS
followed in the Haematology Department
of our hospital between January of 1992
and August of 2007.The parameters evaluated were: actual age, sex, HS classification accordingly to the criteria published
by the British Society for Haematology in
2004, co-inheritance of Gilbert Syndrome,
patients submitted to splenectomy and
cholecystectomy; age at surgery; surgical
method (laparotomy/laparoscopy; total/
partial splenectomy); relevant parameters
for splenectomy and cholecystectomy
(anemia, reticulocits number, transfusion
dependence, splenomegaly, gallstones;
extramedullary hematopoiesis and others); analytic results before and after surgery (hemogram, reticulocits count, total
bilirrubin, iron bioquimics); prophylactic
attitude in respect of complications due
to splenectomy (previous vaccination,
prophylactic and therapeutic antibiotics);
assessment of possible complications
(sepsis, thrombosis, gallstones) in patients submitted to splenectomy. It was
performed a descriptive analysis recurring to the software SPSS, 13rd version.
Results: Fifty-two patients were diagnosed with HS. Nineteen patients were
classified as mild HS, 24 as moderate HS
and nine as severe HS. Total splenectomy
(TS) was performed in 15 patients and
partial splenectomy (PS) in three patients.
The most relevant motives in the decision
to splenectomy were: anaemia with high reticulocyte count (n=14), severe splenomegaly (n=14), transfusion dependence (n=4),
gallstones (n=5) and pancreatitis by cholelithiasis (n=2).The median haemoglobin
increment after splenectomy was 4.95g/dl
(1,6-10,1). The eradication of haemolysis,
perceived as anaemia, reticulocitosis and
bilirrubinemia correction, after splenectomy,
was observed in 11 patients, three maintained moderate reticulocytosis (2PS+1TS)
and two maintained severe reticulocytosis
(1TS+1PS). We did not observe severe complications after splenectomy. In six patients
persistent thrombocytosis was observed.
Five from the eighteen children submitted to
splenectomy realize both splenectomy and
cholecystectomy, because of the presence
of gallstones. Nine patients were submitted
to cholecystectomy in one surgical time.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Conclusions: The options followed
agreed with the recommendations suggested in the literature: the majority of
the severe HS were splenectomized
early, some of the moderate forms were
splenectomized later and the milder
forms were not submitted to splenectomy.
The isolated cholecystectomy, realized
in nine patients, refute the general literature, that recommends at the same time
of the cholecystectomy the realization
of splenectomy. This recommendation
fundaments in the eventual risk of recurrence of gallstones in biliar routes.
Key words: Hereditary spherocytosis, splenectomy, colecistectomy.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 73-77
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CORRESPONDÊNCIA
Susana Lopes de Araújo Soares
Serviço de Pediatria
C H Alto Ave, Guimarães
Telefone: 961 356 408
[email protected]
artigo original
77
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
O Estado de Saúde Oral de Crianças
em Idade Pré-Escolar e Escolar
de uma Área Urbana
Marta João Silva1, Ana Carla Ferreira2, Cesarina Santos Silva2, Maria Elisa Teixeira2, Carlos A. Pratas Valente2
RESUMO
Introdução: A cárie dentária e a
má oclusão são importantes problemas
odontológicos da infância e têm etiologia
multifactorial.
Objectivos: Determinar a prevalência de cárie dentária e de má oclusão em
crianças com idade escolar e pré-escolar
e identificar os hábitos de saúde oral de
risco.
Métodos: Foi avaliado o estado de
saúde das peças dentárias e aplicado o
índice de estética dentária em crianças
da pré-escola e do segundo ano do ensino básico inscritas em escolas públicas
de uma área urbana, efectuado inquérito
às crianças e seus encarregados de educação acerca dos hábitos de saúde oral e
calculado o índice socioeconómico.
Resultados: Foram elegíveis 224
das 277 crianças inscritas. A idade média
foi de seis anos (variou entre os três e os
dez anos) com duas modas, nos cinco e
nos sete anos. Foi registada cárie num
total de 127 crianças (56,7%), em 52,8%
das crianças com idade igual ou inferior
a seis anos e em 61,4% das com idade
superior a seis anos. Na dentição temporária o índice de cpod foi 1,84 no total
das crianças (1,5 cariados, 0,067 perdidos devido a cárie e 0,27 obturados),
1,72 (1,45 cariados, 0,033 perdidos devido a cárie, 0,24 obturados) nas crianças
com idade igual ou inferior a seis anos
e 1,99 (1,58 cariados, 0,11 perdidos devido a cárie, 0,30 obturados) nas crian-
__________
1
2
Serviço de Pediatria do Hospital de São
João, Porto
Centro de Saúde de Ermesinde
78
artigo original
ças com idade superior a seis anos. Na
dentição permanente o índice de CPOd
total foi de 0,17 (0,17 dentes cariados),
0,008 (0,008 cariados) nas crianças com
idade inferior ou igual a seis anos e 0,38
(0,38 cariados) nas crianças com idade
superior a seis anos. A presença de cárie
dentária foi mais frequente nas crianças
que não escovavam os dentes com ritmo
diário (68,9% vs 52%, p < 0,05), nas que
consumiam açucares pelo menos uma
vez por dia (67% vs 48%, p< 0,05) e nas
que pertenciam a classes sociais mais
baixas. Má oclusão dentária foi encontrada em 50 crianças (21,1% das crianças
com idade inferior ou igual a seis anos
e em 23,8% das crianças com idade superior a seis anos) tendo sido mais frequente nas que usavam chupeta (55%
vs 19,1%, p< 0,05) ou nas que a usaram
para além dos três anos de idade (31,1%
vs 10,7%, p<0,05), nas que tinham o hábito de sucção digital (63,6% vs 20,2%,
p< 0,05), nas que ingeriam diariamente doces de longa duração (33,3% vs
19,3%, p <0,05) e nas que usavam biberão (34,3% vs 20,1%, p < 0,05). O uso de
biberão associou-se ao hábito de sucção
na chupeta (25,7% vs 5,8%, p< 0,05)
assim como ao hábito de sucção digital
(27,3% vs 8,0%, p <0,05).
Discussão: Quando comparados
os resultados obtidos com os de estudos
epidemiológicos nacionais anteriores,
verifica-se um aumento da proporção
de crianças livres de cárie. Um baixo
nível socioeconómico, a ingestão diária
de doces e a não escovagem diária dos
dentes, são factores que se associam
à presença de cárie. A presença de má
oclusão relacionou-se com os hábitos de
sucção não alimentar (digital e na chupe-
ta), principalmente se mantidos após os
três anos de idade.
Conclusões: A prevalência de cárie e má oclusão dentárias são elevadas,
tendem a aumentar com a idade e associam-se a vários factores que podem ser
prevenidos.
Palavras-chave: Cárie dentária;
Má oclusão; Índice estética dentária; Prevalência; Hábitos; Saúde oral.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 78-84
INTRODUÇÃO
A cárie dentária é a doença crónica mais frequente em Pediatria(1). É uma
doença infecciosa, transmissível e progressiva que resulta de um complexo
processo em que vários factores microbiológicos, genéticos, imunológicos, comportamentais e ambientais contribuem
para o risco e gravidade da doença1. A
cárie constitui uma causa de mal-estar
que se pode manifestar na fisionomia,
disfunção da mastigação, halitose e focos de infecção que podem repercutir-se
no estado geral provocando doenças graves(2). Os principais agentes causais são
as bactérias do grupo Streptococcus mutans, estas parecem ter um papel central
na iniciação da cárie, colonizando a boca
das crianças logo após a erupção do
primeiro dente(3-4). O principal substracto
necessário para a formação de cáries é
obtido através do açucar na dieta, especialmente a sacarose(1-5). A retenção oral
prolongada de componentes alimentares
cariogénicos, quer pela frequência da ingestão quer pela permanência na boca,
leva a períodos mais longos de produção
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
de ácido e desmineralização e períodos
mais curtos de remineralização dentária
contribuindo para a formação da cárie5.
A susceptibilidade anatómica do esmalte
dentário, uma higiene oral inadequada, a
pobreza, a não utilização de flúor ou de
pastas fluoretadas, uma dieta rica em
carbohidratos ou a ingestão frequente
de açucares são factores de risco para a
formação de cáries(1-5). O uso regular de
pasta dentífrica fluoretada reduz significativamente a formação das cáries(1).
A má oclusão define-se como a alteração do crescimento e desenvolvimento
que afecta a oclusão dos dentes. Pode
interferir negativamente na qualidade de
vida, prejudicando a interacção social e o
bem-estar psicológico das crianças afectadas6. Segundo estudos efectuados
em vários países, a má oclusão dentária
pode atingir 17 a 79,3% dos indivíduos
tendo sido considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o
terceiro maior problema odontológico e
de saúde pública mundial(6-7). A oclusão
dentária varia entre indivíduos de acordo
com o tamanho e forma dos dentes, posição dentária, época e sequência da erupção, forma e tamanho do arco dentário e
padrões de crescimento craniofaciais(7-8).
A oclusão resulta da relação entre os factores genéticos e os ambientais que influenciam as modificações no desenvolvimento pré e pós natal(7). A desarmonia
de base óssea com protrusão da maxila
ou mandíbula, dentes supra-numerários,
anomalias na forma e tamanho dos dentes ou discrepâncias ósseo-dentárias são
alguns factores hereditários que podem
contribuir para a má oclusão(8). Os factores ambientais podem ser pré-natais maternos (nutricionais, doenças, traumas)
ou embrionários (nutricionais, doenças,
traumas, falta de coalescência, má posição) ou pós-natais intrínsecos (cáries
extensas ou perdas precoces) ou extrínsecos (hábitos deletérios como os hábitos de sucção na chupeta, sucção digital,
interposição lingual ou uso prolongado
de biberão)(7).
O conhecimento da situação de
saúde oral de diferentes grupos populacionais é fundamental para o desenvolvimento de propostas de acções adequadas às necessidades e riscos, bem como
para a possibilidade de comparações
que permitam avaliar o impacto destas
acções.
OBJECTIVOS
Determinar a prevalência de cárie e
de maloclusão dentária nas crianças em
idade pré-escolar e escolar da freguesia
de Alfena e identificar os hábitos de saúde oral de risco.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo transversal com base numa
amostra constituída por todas as crianças
matriculadas na pré-escola e no 2º ano
do ensino básico em três escolas públicas da freguesia de Alfena (Cabeda, Codiceira e Barreiro).
Inserido na actividade de rotina de
saúde escolar da área foi efectuado, em
Junho de 2005, o exame clínico na própria escola, por um único observador, utilizando sempre o mesmo tipo de material
(espátulas, espelhos bucais e lanterna
portátil com lâmpada de 12 v/20 W). Foi
registado o estado de saúde das peças
dentárias e a presença de má oclusão
segundo os métodos estabelecidos pela
Organização Mundial de Saúde (OMS)(9).
Foram calculados os índices cpod/CPOd
(dentes cariados, perdidos por cárie e obturados) referentes à dentição temporária/permanente, respectivamente.
A oclusão dentária foi avaliada pelo
índice de estética dentário (dental aesthetic index – DAI), que incluiu a avaliação das seguintes condições: ausência
de dentes anteriores, apinhamento e espaçamento nos segmentos incisais, diastema, irregularidade maxilar e mandibular
nos dentes anteriores, sobressaliência
ou overjet maxilar e mandibular, mordida
aberta vertical anterior, e relação molar
antero-posterior(9). Após a avaliação, realizava-se a equação para o cálculo dos
valores obtidos. O DAI fornece quatro
possibilidades de desfecho: ausência de
anormalidade ou maloclusões leves (DAI
< 25); maloclusão definida (DAI = 26-30);
maloclusão severa (DAI = 31 a 35) e maloclusão muito severa ou incapacitante
(DAI > 36)(9).
Foi efectuado o mesmo inquérito
a todos os encarregados de educação,
na presença das crianças, por entrevis-
ta individual. Foram avaliados hábitos
de higiene oral (escovagem dos dentes),
hábitos alimentares (aleitamento materno, introdução do leite de vaca, ingestão
de doces), hábitos de sucção digital ou
na chupeta, uso de biberão, seguimento
em dentista, suplementação com fluor e
índice socioeconómico através do nível
de escolaridade mais elevado dos pais
ou encarregado de educação, do número
do agregado familiar e da classificação
social da família segundo a classificação
social internacional de Graffar(10)). Foi
questionada a frequência de ingestão de
doces em geral, que incluía os de curta e
longa duração, e, especificamente, a frequência de ingestão de açucares de longa duração (rebuçados, chupa-chupas,
gomas ou pastilhas elásticas).
Os dados foram tratados estatisticamente utilizando o Statistical Package
for the Social Sciences (SPSS®, Student
version 11.0 for Windows, SPSS Inc.
2001). Foram usadas variáveis dicotómicas e usada regressão logística tendo
sido calculado o Odds ratio (OR) como
medida de associação directamente estimada devido a tratar-se de um estudo
transversal. Foi aplicado o teste do x2
para comparação de proporções, considerando-se como estatisticamente significativo quando p <0,05.
RESULTADOS
Foram avaliadas 224 das 277 crianças inscritas (53 crianças não se encontravam na escola nos dias do exame).
Pertenciam ao sexo feminino 116 crianças
(51,8%). Cento e onze crianças (49,6%)
estavam na pré-escola. A média e mediana de idade foi de seis anos (variando entre três e dez anos), com moda nos cinco
e nos sete anos (Figura 1). Relativamente ao nível de escolaridade, 19,6% dos
representantes legais das crianças referiram ter a escolaridade primária, 56,7%
a escolaridade básica, 14,3% a escolaridade complementar e 5,4% licenciatura. Cento e dezanove crianças (53,1%)
pertenciam à classe social média baixa,
51 (22,8%) à classe média, 32 (14,3%)
à classe baixa e 12 (5,4%) à classe média alta. O número médio e mediano de
agregado familiar foi de quatro pessoas
(variando entre dois e nove). Vinte e sete
artigo original
79
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
crianças tinham selantes, tendo referido
ter ido ao dentista 21,4% das crianças. A
maioria das crianças escovava os dentes
(95,5%), com ritmo diário em 76,3% dos
casos. Referiram que as crianças efectuaram aleitamento materno 179 encarregados de educação (79,9%), 34,4% até
aos primeiros três meses, 36,6% até aos
doze meses e 8,9% para além dos doze
meses (variando entre os quinze dias e
os 36 meses de idade). A idade de introdução do leite de vaca foi mencionada
antes do primeiro ano de vida em 54,5%
dos casos. Oitenta e três crianças referiram ter deixado o biberão após os três
anos ou ainda manter o hábito, a idade
média de deixar o biberão foi de 2,4 anos
com mediana e moda de dois anos e desvio padrão de 1,34 (variando dos seis meses aos seis anos). Tomavam leite antes
de dormir 76,3% das crianças. A ingestão
diária de doces foi referida por 43,3% das
crianças (foi considerada ingestão diária
de doces a todas as crianças que referiram consumir sumos, refrigerantes, chocolates, bolos, doces, rebuçados, chupachupas ou pastilhas elásticas pelo menos
uma vez por dia). Não usavam chupeta
84,4% das crianças, tendo sido a idade
média de deixar de usar chupeta de 2,5
anos com mediana e moda de dois anos
e desvio padrão de 1,28 (variando entre
o um e os sete anos). Cerca de 40,2%
das crianças mantinham o hábito de sucção na chupeta ou o deixaram após os
três anos de idade. O hábito de sucção
Idade
Figura 1 - Distribuição por idades.
80
artigo original
digital foi referido por onze crianças. Problemas de saúde foram mencionados em
52 crianças, a doença mais frequente foi
a asma (11,2%) seguida das infecções
respiratórias de repetição (5,8%). O uso
diário de medicação em xarope foi referido em 5,4% das crianças. A idade média
de começar a lavar os dentes foi de 2,2
anos, com mediana e moda de dois anos
e desvio padrão de 1,06 (variando entre
um e sete anos). Tomavam flúor tópico
71,9% das crianças. Foi registada cárie
num total de 127 crianças (56,7%), em
52,8% das crianças com idade igual ou
inferior a seis anos e em 61,4% das com
idade superior a seis anos. Na dentição
temporária o índice de cpod foi 1,84 no
total das crianças (1,5 cariados, 0,067
perdidos devido a cárie e 0,27 obturados),
1,72 (1,45 cariados, 0,033 perdidos devido a cárie, 0,24 obturados) nas crianças
com idade igual ou inferior a seis anos e
1,99 (1,58 cariados, 0,11 perdidos devido a cárie, 0,30 obturados) nas crianças
com idade superior a seis anos. Na dentição permanente o índice de CPOd total
foi de 0,17 (0,17 dentes cariados), 0,008
(0,008 cariados) nas crianças com idade
inferior ou igual a seis anos e 0,38 (0,38
cariados) nas crianças com idade superior a seis anos. Cárie no primeiro molar
definitivo foi observada em 23 crianças
(10,3%), 22 delas com idade superior a
seis anos.
A proporção de crianças que apresentaram cáries foi maior entre aquelas
pertencentes às classes mais baixas pela
classificação de Graffar adaptada (62,3%
das Classes Média Baixa ou Baixa vs
41,3% das Classes Média ou Média Alta,
p <0,05), estas crianças baixas apresentaram 2,35 vezes mais frequentemente
cáries dentárias dos que as pertencentes
a classes mais altas (Quadro I).
A proporção de crianças que apresentaram cáries foi maior entre aquelas
que ingeriam doces diariamente (67% vs
48%, p <0,05). Estas crianças apresentaram 2,2 vezes maior proporção de cárie
dentária do que as que não ingeriam doces com ritmo diário (Quadro I). Das 97
crianças que ingeriam doces diariamente
51 ingeriam diariamente doces de longa
duração e 46 ingeriam diariamente apenas doces de curta duração. As crianças
que referiam ingerir diariamente doces
de longa duração apresentaram mais
cárie do que as que não ingeriram doces
(66,7% vs 48,0%, p <0,05) , assim como
as que ingeriam diariamente doces de
curta duração (67,4% vs 48,0%, p <0,05).
Não se encontrou diferença significativa
da frequência de cárie dentária nestes
dois tipos de ingestão de doces (apresentaram cárie 66,7% das crianças que ingeriam diariamente doces de longa duração
vs 67,4% das crianças que ingeriam diariamente apenas doces de curta duração,
p <0,05). As crianças que referiam ingerir diariamente doces de longa duração
apresentaram maior frequência de cárie
dentária mas sem significado estatístico
(66,7% vs 53,2%, p >0,05).
A ingestão diária de doces foi mais
frequente nas crianças que pertenciam
a classes de Graffar mais baixas (28,6%
nas classes baixa ou média baixa vs
51,0% nas classes média ou média alta,
p <0,05). A proporção de crianças que
apresentaram cárie foi maior entre aquelas que não escovavam diariamente os
dentes (68,9% vs 52%, p< 0,05), estas
crianças apresentaram 2,04 mais frequentemente cárie dentária do que as
que escovavam os dentes com ritmo diário (Quadro I). As crianças que escovavam os dentes, mesmo sem ritmo diário,
apresentaram menor frequência de cárie
dentária, com uma significância estatística limiar (55,1% vs 87,5%, p = 0,07).
Não se encontrou associação significativa entre a presença de cárie dentária e o
sexo, o aleitamento materno ou a duração deste, a idade de introdução do leite
de vaca inteiro, o uso de biberão, o hábito
de beber leite antes de dormir, o hábito
de sucção digital ou na chupeta, o uso de
xaropes e de flúor.
Má oclusão dentária foi encontrada
em 22,3% do total das crianças (21,1%
das crianças com idade inferior ou igual a
seis anos e em 23,8% das crianças com
idade superior a seis anos). Má oclusão
severa ou muito severa foi encontrada
em 5,4% das crianças (8,1% das crianças com idade inferior ou igual a seis
anos e 2,0% das crianças com idade
superior a seis anos). A má oclusão foi
agrupada dicotomicamente em ausente e presente (englobando as formas
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
ligeiras e graves) tendo-se associado,
de forma estatisticamente significativa,
ao uso de biberão (34,3% vs 20,2%, p
< 0,05), ao hábito de sucção na chupeta (55% vs 19,4%, p < 0,05), ao uso de
chupeta para além dos três anos (31,1%
vs 10,7%, p < 0,05) , ao hábito de sucção digital (63,6% vs 20,2%, p < 0,05) e
à ingestão diária de doces de longa duração (33,3% vs 19,3%, p <0,05). O uso
de biberão associou-se ao uso de chupeta (25,7% vs 5,8%, p <0,005) assim
como ao hábito de sucção digital (27,3%
vs 8,0%, p <0,05). As crianças que ainda usavam chupeta ou que abandona-
ram esse hábito após os três anos de
idade apresentaram, respectivamente,
3,16 e 3,76 vezes mais frequentemente
má oclusão (Quadro II). A má oclusão foi
6,92 vezes mais frequente nas crianças
com o hábito de sucção digital (Quadro
II) e 2,09 vezes mais frequente nas que
ingeriam diariamente açucares de longa
duração (Quadro II). A presença de cáries dentárias não se associou, de forma
significativa, à presença de má oclusão
dentária (25,2% vs 18,6%, p >0,05).
Apesar da má oclusão ter sido mais frequente entre as crianças que apenas fizeram aleitamento materno até aos três
meses de idade, esta diferença não foi
estatisticamente significativa (25,3% vs
17,3%, p >0,05).
DISCUSSÃO
O Estudo Nacional de Prevalência
da Cárie Dentária na População Escolarizada (ENPCDPE) realizado em 1999, estudou a prevalência de cárie dentária na
população escolarizada aos seis, doze
e quinze anos(11). Na nossa amostra, a
distribuição etária das crianças estudadas neste estudo foi bimodal nos cinco e
nos sete anos com apenas 25 crianças
apresentando seis anos de idade. Esta
Quadro I - Principais factores de risco para a presença de cárie dentária
Factores de risco
Cárie dentária
Sim
Não
Total
%
Cárie
Odds Ratio
(intervalo de confança 95%)
Classificação de Graffar
p
<0,05
Média baixa/ Baixa
94
57
151
62,3
2,35 (1,30 a 4,26)
Média Alta/ Média
26
37
63
41,3
1
Ingestão de doces
< 0,05
Diariamente
65
32
97
67,0
2,20 (1,27 a 3,80)
Não diariamente
60
65
125
48,0
1
Não diariamente
31
14
45
68,9
2,04 (1,02 a 4,07)
Diariamente
89
82
171
52,0
1
Escovagem dos dentes
< 0,05
Quadro II - Principais factores de risco para a presença de mal oclusão
Factores de risco
Mal oclusão
Sim
Não
Total
%
Mal oclusão
Odds Ratio
(intervalo de confança 95%)
Sucção na chupeta
p
<0,05
Sim
11
9
20
55,0
3,14 (1,70 a 5,78)
Não
39
165
204
19,1
-
Idade de deixar a chupeta
< 0,05
>= 3 anos
28
62
90
31,1
3,76 (1,71 a 8,28)
< 3 anos
9
75
84
10,7
-
Sim
7
4
11
63,6
6,92 (2,25 a 18,9)
Não
43
170
213
20,2
-
Sim
17
34
51
33,3
2,09 (1,05 a 4,16)
Não
33
138
171
19,3
Sucção digital
< 0,05
Doces de longa duração
< 0,05
artigo original
81
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
diferente distribuição etária, associada
ao facto da avaliação do estado das peças dentárias ter sido efectuada por um
observador diferente do ENPCDPE sem
validação inter ou intra observador, dificulta a comparação dos resultados obtidos com os do estudo epidemiológico
nacional anteriormente mencionado. No
entanto, a prevalência de crianças livres
de cárie dentária na nossa amostra foi
de 43,3% do total de crianças (47,2%
das crianças com idade inferior ou igual
a seis anos e 38,6% das crianças com
idade superior a sete anos), proporção
sempre superior à que foi observada no
total de crianças de seis anos estudadas
no ENPCDPE (33%), sendo esta diferença ainda maior se comparada apenas
com as crianças de seis anos da Região
Norte (29,1%)(11). Salvaguardando algum
erro na comparação, pelas razões já referidas, estes valores traduzem ganhos em
saúde estando porém, aquém da meta
dos 50% de crianças livres de cáries preconizada pela OMS para 2000(11,12,13).
A prevalência de cárie dentária na
dentição temporária das crianças estudadas, representada pelo índice de cpo, foi
mais baixa do que a encontrada a nível
nacional no ENPCDPE (3,56), sendo ainda maior a diferença quando comparada
apenas com as crianças da Região Norte
(3,85)(11).
A prevalência de cárie dentária na
dentição definitiva, representada pelo índice CPOd, foi bastante mais baixa nas
crianças com idade igual ou inferior a seis
anos do que a encontrada no ENPCDPE
(0,23), esta diferença é menor quando
comparada apenas com as crianças da
Região Norte (0,21)(11). Nas crianças com
idade superior a seis anos o índice de
CPOd encontrado foi superior ao do referido estudo sustentando o facto referido
por vários estudos, que a prevalência da
cárie dentária aumenta com a idade(11-13).
A cárie dentária na dentição definitiva
deveu-se à presença de cárie no primeiro molar definitivo, tendo correspondido
a todos os casos de doença na dentição
permanente. De modo semelhante a estudos anteriores, a doença na dentição
permanente de crianças com seis anos
de idade corresponde à doença no primeiro molar definitivo(11).
82
artigo original
Outros estudos realizados em Portugal(14), também encontraram um declínio
na prevalência de cárie dentária, o que
poderá traduzir um melhoramento das
práticas de higiene oral e um acesso aos
serviços médicos mais facilitado apesar
de apenas 21% das crianças das nossa
amostra ter referido já ter ido ao dentista,
proporção semelhante aos 20,5% encontrados no ENPCDPE em 1999(11).
A associação encontrada entre a prevalência de cárie dentária e a classe social
não foi consistente. Níveis socioeconómicos mais baixos associaram-se à presença de cárie dentária apenas quando o nível
socioeconómico foi avaliado pela classificação de Graffar(10), não se demonstrando
quando comparada com outros indicadores como o nível de escolaridade dos pais/
educadores ou o número de agregado familiar. A classificação social internacional
de Graffar encontra-se deslocada no tempo pois valoriza aspectos de qualidade de
vida hoje ubiquitários em quase todas as
faixas sociais tendo perdido boa parte da
sua capacidade discriminativa. No entanto, apesar de pouco idónea, continua a ser
um instrumento de classificação social da
família muito utilizado e o único que permitiu, no presente estudo, encontrar uma
associação significativa entre a presença
de cárie dentária e níveis socioeconómicos mais baixos, conforme é referido por
vários autores(5-10-14). Esta associação sugere que crianças provenientes de níveis
sociais mais desfavorecidos devam beneficiar mais de serviços preventivos mais
intensivos e mais frequentes devendo ser
feito um maior esforço de educação e promoção da saúde oral neste sector da população. A redução do imposto nos produtos de higiene dentária, que são taxados
com o escalão mais elevado do Imposto
de Valor Acrescentado (IVA), é uma das
medidas que pode ser instituída.
No estudo apresentado, não foi
encontrada qualquer relação estatisticamente significativa entre o aleitamento
materno e a presença ou não de cáries
dentárias o que está de acordo com outros estudos(13). Também não foi encontrada relação entre a idade de introdução
do leite de vaca inteiro e a presença de
cárie dentária, o que não confirma os resultados encontrados em alguns estudos
animais que mostram que o leite de vaca
não só não é cariogénico como tem acção cariostática(15).
A proporção de crianças que apresentaram cárie foi maior entre aquelas
que referiram ingestão diária de doces em
geral. Este resultado confirma o de outros
estudos que apontam como um dos mais
importantes factores ambientais para a
presença de cárie, a ingestão de açucares(5-14). Apesar dos açucares de longa
duração serem apontados como tendo
maior potencial cariogénico, no presente
estudo não se encontrou uma diferença
significativa entre a ingestão diária deste
tipo de açucares e a de açucares de curta
duração(5). Na nossa amostra, as crianças
que ingeriam doces diariamente apresentaram maior proporção de cárie dentária,
independentemente do tipo de açúcar ingerido. Apesar de não ser encontrada explicação para este resultado, a associação
entre a ingestão de todo o tipo de doces
e a presença de cárie dentária valoriza a
importância de eliminar a sua ingestão na
dieta diária, dificultando o seu acesso e
promovendo hábitos alimentares saudáveis junto das crianças e seus familiares.
O uso de biberão e o hábito de sucção na chupeta ou digital não se associaram a uma maior prevalência de cárie
o que está de acordo com estudos anteriores(15).
Alguns estudos referem o efeito benéfico do flúor tópico na prevenção de cáries dentárias. O seu uso é recomendado
após os seis anos na forma de bochechos
fluoretados quinzenais no Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral (PNPSO). Na nossa amostra, não se encontrou
associação entre o uso de flúor e a presença de cáries mas encontrou-se uma
associação entre o hábito de escovar os
dentes e a ausência de cáries o que está
de acordo com os resultados encontrados
noutros estudos que associam ao hábito
de escovar os dentes um efeito preventivo
do aparecimento de cáries e suporta as
medidas do novo PNPSO que incentiva
à escovagem diária dos dentes desde a
erupção do primeiro dente(1-4-16-17). Existe uma grande dificuldade em efectuar
a análise comparativa de prevalência de
má oclusão mediante a heterogeneidade
de critérios de classificação adoptados(17).
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
A prevalência de má oclusão na nossa
amostra foi de 22,3%, este valor não é
muito elevado quando comparado com
estudos anteriores cujas prevalências
variam entre os 17 e os 79,3%(6-18-19-20). A
persistência de hábitos deletérios, como a
sucção digital ou na chupeta, para além
dos três anos, associou-se a um maior risco de má oclusão, pois é nesta fase que
se observa o maior potencial para ocasionar anomalias persistentes da oclusão
dentária(17-18-19). A presença deste tipo de
hábitos, associada ou não ao uso de biberão, envolve os músculos orofaciais de tal
forma que faz com que o seu impacto no
palato seja o presumível responsável pelo
mau alinhamento dentário(19-20). As crianças que referiram ingerir diariamente doces de longa duração apresentaram maior
percentagem de má oclusão. Esta relação
pode dever-se ao tipo de envolvimento
dos músculos orofaciais que este tipo de
alimentos requer e que poderão provocar
alterações no palato responsáveis pelo
mau alinhamento dentário. Outros estudos são necessários para confirmar esta
hipótese. Vários estudos apontam o aleitamento materno como preventivo da má
oclusão dentária sendo este considerado
como o estímulo ideal para o desenvolvimento dos componentes muscular e esquelético do complexo orofacial(20-21). Este
dado não foi confirmado no nosso estudo,
pois apesar da proporção de má oclusão
ter sido menor nas crianças que fizeram
aleitamento materno para além dos três
meses, esta associação não foi estatisticamente significativa.
CONCLUSÕES
Estes resultados traduzem ganhos
em saúde por apresentarem menor prevalência de cárie dentária do que estudos epidemiológicos anteriores. Porém,
mais de metade das crianças estudadas
apresentaram cárie dentária não tendo,
assim, sido atingida a meta estabelecida
pela OMS para o ano 2000. A cárie dentária associa-se a vários factores que têm
de ser considerados aquando da concepção de programas de promoção da saúde oral nomeadamente, classes socioeconómicas mais baixas, maus hábitos
alimentares (como a ingestão diária de
doces) e hábitos de higiene oral deficitá-
rios (a não escovagem dos dentes). A má
oclusão dentária é também um problema
de saúde pública que tem de ser prevenido, associa-se a hábitos deletérios como
a sucção não alimentar devendo estes
ser desencorajados principalmente após
os três anos de idade. O aleitamento materno previne a má oclusão e deve ser
encorajado.
A prevalência de crianças acompanhadas pelo médico dentista no sentido
da prevenção e tratamento da cárie e da
má oclusão pouco tem aumentado sendo
ainda muito deficitária, o acesso a este
tipo de cuidados de saúde deve ser facilitado e estimulado.
Existe uma relação causal directa
entre o declínio da cárie dentária e a implementação de programas preventivos
no entanto, a actual situação da saúde
oral ainda requer muitos melhoramentos
sendo importante dar mais ênfase à implementação efectiva de programas preventivos dirigidos à promoção de saúde
oral nas escolas e na população em geral
focando, em especial, as classes socioeconómicas mais desfavorecidas.
PRESCHOOL AND SCHOOL AGE
CHILDREN ORAL HEALTH IN AN
URBAN SETTING
ABSTRACT
Introduction: Dental caries and
malocclusion are important odontologic
problems in childhood and have multifactorial etiology.
Objectives: To assess the prevalence of dental caries, malocclusion and
oral heatlh habits in preschool and school
age children.
Methods: Dentition status and dental aesthetic index of preschool and second degree children from public schools
in an urban area was evaluated. Children
and caregivers completed a questionnaire
about dental health habits. The socioeconomic status was determined.
Results: Among the population of
277 children, 224 were elligible. Mean
age was six years old (three to ten years
old) with five and seven years old mode
ages. Dental caries were registered in 127
children (56.7%), 52.8% among children
with six years old or younger and 61.4%
of the children older than six years old. In
temporary dentition the dmf índex among
all children was 1.84 (1.5 decayed, 0.067
missing due to caries and 0.27 filled),
1.72 (1,45 decayed, 0.033 missing due
to caries and 0.24 filled) in children with
six years old or younger and 1.99 (1.58
decayed, 0.11 missing due to caries and
0,30 filled) in children older than six years
old. In permanent dentition the DMF index was 0.17 (0.17 decayed), 0.008
(0.008 decayed) in children with six years
old or younger and 0.38 (0.38 decayed)
in children older than six years old. A significant higher prevalence of caries was
found in children who did not wash their
teeth daily, (68.9% vs 52%, p < 0.05), that
ingested sugars at least once daily (67%
vs 48%, p< 0,05) and that belonged to a
lower socioeconomic status. Fifty children
presented malocclusion (21.1% among
children with six years old or younger and
2.0% of the children older than six years
old). The presence of malocclusion was
associated with the use of a pacifier (55%
vs 19.4%, p< 0.05) and in those children
who stopped using a pacifier after the
age of three years (31.1% vs 10.7%, p<
0.05), with finger-sucking habit (63.6%
vs 20.2%, p< 0.05), with long-lasting
sources of sugars daily ingestion (33.3%
vs 19.3%, p <0.05) and with the use of
bottle-feeding (34.3% vs 20.2%, p< 0.05).
Bottle-feeding was associated with the
use of a pacifier (25.7% vs 5.8%, p< 0.05)
and finger-sucking habit (27.3% vs 8.0%,
p <0.05).
Discussion: When compared with
previous nacional epidemiologic studies
a higher proportion of free-caries children
were found in this study. Malocclusion
was associated with the presence of finger sucking and a pacifier sucking habit
beyond three years old.
Conclusion: Dental caries and
malocclusion prevalence are high, higher
in older ages, multifactorial and associated to many preventable factors.
Key-words: Dental caries; Malocclusion; Dental aesthetic index; Prevalence; Habits; Oral health.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 78-84
artigo original
83
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
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CORRESPONDÊNCIA
Marta João Silva
Rua das Mimosas nº 39
4475-079, Maia
E-mail: [email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Trombose dos Seios Venosos Cerebrais
em Criança com Síndrome Nefrótico:
Caso Clínico
Filipa Balona1, Graça Ferreira1, Eduarda Marques1, António Vilarinho1
RESUMO
As crianças com síndrome nefrótico
(SN) têm um risco aumentado de complicações tromboembólicas. A trombose
dos seios venosos cerebrais (TSVC) é
uma complicação rara nesta população,
com poucos casos descritos na literatura, mas tem sido diagnosticada cada vez
com maior frequência.
Descreve-se o caso de uma criança
do sexo masculino, de três anos e meio
de idade, com síndrome nefrótico corticodependente e cefaleias, a quem foi diagnosticada trombose do seio longitudinal
superior e dos componentes laterais dos
seios transversos por ressonância magnética (RMN) cerebral com angio-ressonância (angio-RM). Iniciou tratamento
com heparina de baixo peso molecular,
com resolução da trombose, após três
meses e meio de tratamento.
A partir do nosso caso e da revisão
da literatura, realça-se a importância da
RMN cerebral com angio-RM no diagnóstico da TSVC em crianças com SN,
que desenvolvam sintomas neurológicos
e a necessidade de iniciar, de imediato,
o tratamento hipocoagulante, de forma a
evitar complicações graves.
Palavras-chave: Síndrome nefrótico; Trombose dos seios venosos cerebrais; Ressonância magnética com angio-ressonância; Heparina de baixo peso
molecular
INTRODUÇÃO
O síndrome nefrótico (SN) está associado a um estado de hipercoagulabilidade e risco aumentado de complicações
tromboembólicas. A incidência destas
complicações em crianças com SN varia
entre 2 e 5%(1), sendo mais baixa do que
nos adultos(1,2), o que se pode dever ao
facto de a nefropatia membranosa ser a
causa mais frequente de SN idiopático
em adultos, lesão que está mais associada a trombose (2,3). Em crianças, o SN por
lesões mínimas é a lesão mais comum
e tem o risco mais baixo de trombose(2).
No entanto, a verdadeira incidência pode
estar subestimada, uma vez que muitos
eventos tromboembólicos são assintomáticos(4).
A trombose pode ser venosa ou,
menos frequentemente, arterial. Os
vasos atingidos com maior frequência
são a veia renal, a artéria pulmonar, as
veias profundas dos membros inferiores, veia cava inferior e artéria femoral/
ilíaca(4,5). A trombose dos seios venosos
cerebrais (TSVC) apesar de pouco frequente em crianças com SN, com poucos casos descritos na literatura e na
sua maioria publicados isoladamente,
pode estar associada a uma maior morbilidade quando comparada com outras
localizações(6).
Os autores, a propósito do caso
descrito, tecem algumas considerações
sobre TSVC e SN.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 85-88
__________
1
Serviço de Pediatria do C H de Vila Nova de
Gaia / Espinho, EPE
CASO CLÍNICO
Criança do sexo masculino, raça
caucasiana, três anos e meio de idade,
com SN diagnosticado aos dois anos e
oito meses. Vinte dias após suspender a
corticoterapia, teve primeira recidiva do
SN e um mês e meio depois, quando em
fase de redução da corticoterapia (prednisolona oral, 40 mg/m2/dias alternados),
recorreu ao serviço de urgência (SU) por
cefaleias frontais com três dias de evolução, acompanhadas de fotofobia e vómitos esporádicos.
À admissão no SU apresentava-se
prostrado, irritado, apirético, normotenso,
com sinais meníngeos negativos e exame neurológico normal.
Os exames complementares revelaram hemograma, função renal, ionograma e proteína C reactiva normais,
proteínas totais 5,0 g/dL (N: 6,0-8,0),
albumina 2,6 g/dL (N: 3,8-5,4) e proteinúria de 3,7 mg/m2/h. Tomografia computorizada (TC) cerebral sem contraste
e citoquímica do líquor normais. Por
persistência das cefaleias, prostração
e fotofobia, e para excluir uma TSVC,
realizou ressonância magnética (RMN)
cerebral com angio-ressonância (angioRM) (Figuras 1, 2, 3 e 4), que revelou
“Ausência completa de fluxo no seio
longitudinal superior e significativa, embora parcial, nos componentes laterais
dos seios transversos, traduzindo a sua
oclusão / trombose …”. O estudo da coagulação foi normal, excepto um ligeiro
aumento do fibrinogénio (536 mg/dL; N:
200-400). O estudo protrombótico revelou níveis de antitrombina III 127% (N:
80-120), proteína C 135% (N: 70-130),
proteína S 63% (N: 64-105) e inibidor
lúpico 23,2 seg (N: 31-43). O rastreio
de trombofilias hereditárias foi negativo
para a mutação do factor V de Leiden e
demonstrou heterozigotia para a mutação G20210A do gene da protrombina,
homozigotia para a variante termolábil
C677T do gene da metilenotetrahidro-
casos clínicos
85
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Figuras 1 e 2 – A área de hiperssinal em T2 FLAIR, também identificada em T1 (setas), traduz a
presença de trombo.
Figuras 3 e 4 – A angio-ressonância mostra ausência completa de fluxo no seio longitudinal superior e significativa, embora parcial, nos componentes laterais dos seios transversos.
Figuras 5 e 6 - A ausência de área de hiperssinal em T2 FLAIR e em T1, traduz a resolução do
trombo.
Figuras 7 e 8 – A angio-ressonância mostra que todos os seios durais estão patentes, embora de
calibre irregular.
86
casos clínicos
folato reductase (MTHFR), com homocisteína total 6,6 μmol/L (N: 4,2-14,6) e
homozigotia para o polimorfismo 4G/5G
do gene do inibidor do activador do plasminogénio - tipo 1 (PAI-1).
Iniciou tratamento com heparina de
baixo peso molecular subcutânea (enoxaparina), 1 mg/Kg/dose de 12/12h, com
rápida melhoria clínica. Repetiu RMN cerebral com angio-RM (Figuras 5, 6, 7 e 8),
aos três meses e meio de hipocoagulação, que revelou: “Todos os seios durais
estão actualmente patentes, embora de
calibre irregular, reflectindo recanalização do processo de trombose visível anteriormente”. A enoxaparina foi mantida
durante seis meses, seguida de profilaxia
com ácido acetilsalicílico, na dose de 5
mg/Kg/dia.
Actualmente, a criança encontra-se
assintomática e sem qualquer sequela
neurológica.
DISCUSSÃO
A TSVC em crianças é um distúrbio raro, com uma incidência é de 0,67
casos por 100 000 crianças por ano, o
que é provavelmente um subestimativa
da verdadeira frequência(7). É uma complicação rara do SN, quer seja corticossensível ou corticorresistente(6,8), mas o
aumento no número de casos descritos
sugere que possa ter sido subdiagnosticada no passado(6). Divekar et al encontraram apenas um caso de TSVC em
700 crianças com SN seguidas durante
um período de 17 anos(9). A incidência
exacta é desconhecida, mas parece representar entre 4,7 % e 6% de todos os
casos de TSVC em crianças, excluindo
os recém-nascidos(6).
Vários factores contribuem para o
estado de hipercoagulabilidade em crianças com SN. Estes incluem aumento
da actividade procoagulatória (aumento
dos níveis plasmáticos de fibrinogénio,
factores V e VIII), perda urinária de antitrombina III, alteração do sistema fibrinolítico (aumento de α2-antiplasmina e
diminuição de plasminogénio), trombocitose e aumento da activação e agregação plaquetárias(4,6,10,11). A hemoconcentração, resultado da contracção do
volume plasmático, pode contribuir para
o estado de hipercoagulabilidade(6,12) e a
NASCER E CRESCER
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
hiperlipidemia por si só também pode ser
protrombótica(6). O uso de diuréticos, infecção, imobilização, desidratação e traumatismos vasculares podem constituir
factores predisponentes adicionais(4,6,8). A
contribuição dos corticóides permanece
controversa(6).
No maior estudo de crianças com
SN e TSVC, que incluiu um total de 21
casos, o défice de antitrombina foi a
anomalia da coagulação encontrada
com maior frequência, não tendo sido
identificados défices de outros inibidores da coagulação (proteína S, proteína
C). No entanto, uma hipoalbuminemia
grave (< 2,0 g/dL) foi o factor de risco
mais frequente. Esta condiciona hipovolemia, com consequente aumento da
viscosidade do sangue. No mesmo estudo, apesar de não estarem disponíveis
dados relativos a trombofilias hereditárias na maioria dos casos descritos, foi
documentado apenas um caso (mutação
do Factor V de Leiden), sugerindo que
anomalias da coagulação adquiridas,
mais do que genéticas, estão envolvidas no desenvolvimento de trombose(6).
Um outro factor importante a considerar
é o aumento da lipoproteína (a) [Lp(a)],
que está associado a um compromisso
da fibrinólise(6) e mostrou ser o factor de
risco protrombótico independente mais
importante em crianças com TSVC(13). O
nosso doente apesar de não apresentar
proteinúria no momento do diagnóstico,
encontrava-se ainda com dose elevada
de corticóide e albumina sérica baixa,
por recidiva recente. Tal como ainda não
havia normalização dos valores da albumina, é plausível que as alterações da
coagulação que acompanham o SN ainda persistissem, o que associado às alterações congénitas encontradas no estudo pró-trombótico seriam factores de
risco para trombose. O doente apresentava um nível de fibrinogénio ligeiramente aumentado e heterozigotia para a mutação G20210A do gene da protrombina,
que é um factor de risco para trombose
venosa cerebral(14). O defeito genético
mais comum responsável pela hiperhomocisteinemia, factor de risco para trombose venosa e arterial, é a homozigotia
para a variante termolábil da MTHFR(15).
Apesar do nosso doente apresentar ho-
mozigotia para esta mutação, os níveis
séricos de homocisteína eram normais.
O polimorfismo 4G/5G no gene do PAI1 pode influenciar a expressão do PAI-1
e, como tal, comprometer a fibrinólise(16).
Este polimorfismo parece aumentar o
risco de trombose venosa em doentes
com trombofilia hereditária(16), mas o seu
papel na trombose venosa cerebral precisa de ser esclarecido.
O diagnóstico de TSVC permanece
difícil devido à sintomatologia neurológica
inicial ser subtil e variável, como se verificou no caso descrito, mas um diagnóstico precoce é necessário para prevenir
morbilidades graves(6,7).
Porque o quadro clínico de TSVC
é inespecífico, o diagnóstico é dependente da imagem(11). A TC cerebral é
geralmente o primeiro exame de imagem realizado em crianças e adultos
com sintomas neurológicos(6). Na maioria dos casos, o diagnóstico de TSVC
pode ser feito com base nos achados
da TC(10). No entanto, a TC convencional
pode não detectar a presença de TSVC
em até 40% das crianças e subestimar
a extensão do trombo e a presença de
enfartes venosos(6,17), sendo a RMN com
angio-RM, o método de diagnóstico de
escolha da TSVC em crianças(6,7,10,11,18).
A combinação de um sinal anormal num
seio venoso e a correspondente ausência de fluxo na angio-RM confirma
o diagnóstico de trombose(18). Os estudos de imagem de crianças com TSVC
e SN constatam uma predilecção pelo
envolvimento do seio sagital superior,
com envolvimento menos frequente do
sistema venoso profundo e raras lesões
do parênquima(6), o que está de acordo
com os estudos publicados sobre trombose venosa cerebral em crianças(7,14,17)
e com o caso descrito. A ausência de
anomalias do parênquima cerebral contribui para o bom prognóstico, geralmente, encontrado nesta população(7,17). No
nosso doente, a presença de um quadro
de cefaleias, irritabilidade e prostração,
fez-nos insistir na possibilidade de complicação tromboembólica ao nível do sistema nervoso central pelo que, apesar
de uma TC cerebral normal, se procedeu à realização da RMN cerebral com
angio-RM, que confirmou o diagnóstico.
O tratamento de eleição é a hipocoagulação com heparina não-fraccionada
ou heparina de baixo peso molecular
(HBPM) durante cinco a sete dias, seguida de HBPM ou antagonistas da vitamina K durante três a seis meses(6,17),
ou enquanto o doente tiver proteinúria
nefrótica, um nível de albumina inferior
a 2,0 g/dL ou ambos(10,11). A hipocoagulação em crianças com TSVC mostrou
ser segura e eficaz(7,17,18) e tem como objectivo prevenir a propagação do trombo
e diminuir a morbilidade e mortalidade
associadas(7). Uma vez que o tratamento
com heparina requer níveis adequados
de antitrombina, que estão frequentemente reduzidos em doentes com SN, a
reposição de antitrombina ou a administração de plasma fresco congelado pode
ser necessária(6).
A hipocoagulação profilática permanece controversa(6). Ela não é recomendada, a menos que o doente tenha
tido um evento tromboembólico(4,6) ou
tenha um alto risco de trombose com
base numa concentração de albumina
inferior a 2,0 g/dL, um nível de fibrinogénio superior a 6 g/L ou um nível de
antitrombina III inferior a 70% do valor
normal(4,6,19,20). O uso de ácido acetilsalicílico em baixas doses (2-5 mg/Kg/
dose) foi considerado, mas não foram
realizados estudos controlados que demonstrem a sua eficácia na prevenção
de tromboses(6). Durante uma recaída
do SN, o uso prudente de diuréticos, a
evicção de infecções e a manutenção
do nível de albumina são todas medidas preventivas úteis(5). No caso descrito, dado o episódio de trombose e a
presença de trombofilia hereditária optou-se por manter profilaxia com ácido
acetilsalicílico.
CONCLUSÃO
A TSVC é uma complicação conhecida do SN. Como tal, deve ser considerada em qualquer doente com SN
que apresente sintomas neurológicos,
ainda que inespecíficos. Perante a suspeita de TSVC, deve ser realizada de
imediato uma RMN com angio-RM porque um diagnóstico e tratamento precoces são fundamentais para reduzir a
morbilidade.
casos clínicos
87
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
CEREBRAL SINOVENOUS
THROMBOSIS IN A CHILD WITH
NEPHROTIC SYNDROME:
ABOUT A CASE REPORT
ABSTRACT
Children with nephrotic syndrome
have an increased risk of thromboembolic complications. Cerebral sinovenous
thrombosis is a rare complication in this
population, with few cases reported in
the literature, but is being increasingly
recognised.
We report the case of a three and
a half years old boy with a steroid dependent nephrotic syndrome and headache, to whom superior sagittal sinus
and transverse sinuses thrombosis was
diagnosed by brain magnetic resonance
imaging with magnetic resonance angiography. Began treatment with low molecular weight heparin, with resolution of the
thrombosis after three and a half months
of treatment.
Through our case and the review of
the literature, we emphasize the importance of brain magnetic resonance imaging with magnetic resonance angiography
in the diagnosis of cerebral sinovenous
thrombosis in children with nephrotic syndrome, who develop neurological symptoms and the need to immediatly start hypocoagulation therapy, to prevent serious
complications.
Keywords: Nephrotic syndrome;
Cerebral sinovenous thrombosis; Magnetic resonance imaging with magnetic
resonance angiography; Low molecular
weight heparin
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 85-88
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CORRESPONDÊNCIA
Filipa Balona
Centro Hospitalar de Vila Nova de
Gaia / Espinho, EPE
Serviço de Pediatria
Rua Francisco Sá Carneiro, 4430 Vila
Nova de Gaia
Telefone: 227865100
e-mail: fi[email protected]
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Síndrome de Apert: Caso Clínico
Bernarda Sampaio1, Susana Nunes1, Eduardo Monteiro2, Albina Silva1, Almerinda Pereira1
RESUMO
O Síndrome de Apert (SA) é uma
doença genética, rara. Recém-nascido
do sexo feminino, de termo, nasceu por
parto eutócico, fruto de uma gestação
vigiada e sem intercorrências. As ecografias pré-natais foram relatadas como
“normais”. O exame objectivo revelou
turribraquicefalia, occipital plano, acrocefalia, andar médio da face recuado, pavilhões auriculares de implantação baixa,
hipertelorismo, exoftalmia, pirâmide nasal curta e larga, desvio inferior dos ângulos das comissuras labiais, mandíbula
proeminente, fenda palatina no palato
mole, úvula bífida e sindactilia completa
dos pés e dos quatro dedos das mãos
com polegares livres. Foi colocada a hipótese de SA. Enquanto não obtivermos
correção do defeito molecular, a abordagem desta patologia é multidisciplinar. O
tratamento deverá ser individualizado às
características clínicas distintas do fenótipo do doente.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 89-92
INTRODUÇÃO
O Síndrome de Apert (Acrocefalosindactilia tipo 1) é uma doença genética rara, descrita pela primeira vez em
1906(1,2). A sua incidência é de 1 para
160.000 nascimentos(3), sendo responsável por 4,5% de todas as craniossinostoses(1,4,5). Apesar da transmissão autossómica dominante, 98% das situações
surgem por mutações espontâneas (sendo a frequência mais elevada nos casos
em que a idade paterna é mais avança-
__________
1
2
Serviço de Pediatria do H de São Marcos
Serviço de Cirurgia Plástica do H de São
Marcos
da)(1,6,7). O diagnóstico é efectuado essencialmente no período neonatal pela
observação da tríade, craniossinostose,
alterações cranio-faciais e sindactilia das
mãos ou pés(1,6).
Face à raridade desta patologia,
apresentamos o seguinte caso clínico,
para reforçar a necessidade de uma
abordagem multidisciplinar para uma correcta orientação terapêutica.
CASO CLÍNICO
Recém-nascido do sexo feminino,
de termo, filha de pais jovens (Mãe com
29 anos, Pai com 27 anos), saudáveis e
não consanguíneos. A gestação foi vigiada, sem intercorrências e com serologias
maternas: Toxoplasmose IgM (-) IgG (+),
Rubéola IgM (-), VDRL (-), Atg HBs (-),
anti HIV (-). As ecografias pré-natais foram relatadas como “normais”. Parto eutócico às 38 semanas e 5 dias. Índice de
Apgar de 9 ao primeiro minuto e de 10
ao quinto e décimo minutos. Somatometria adequada à idade gestacional: peso:
3050g (P25), comprimento: 48cm (P25)
e perímetro cefálico: 33,5cm (P10-25). O
exame objectivo revelou turribraquicefalia, occipital plano, acrocefalia, andar médio da face recuado, pavilhões auriculares de implantação baixa, hipertelorismo,
exoftalmia, pirâmide nasal curta e larga,
desvio inferior dos ângulos das comissuras labiais, mandíbula proeminente, fenda palatina no palato mole, úvula bífida e
sindactilia completa dos pés e dos quatro
dedos das mãos com polegares livres (Figura 1 e 2). Foi colocada a hipótese de
Síndrome de Apert. A radiografia do crânio revelou fusão das suturas coronais,
turribraquicefalia, hipertelorismo e hipoplasia maxilar (Figura 3). A radiografia
das mãos e dos pés mostrou sindactilia
membranosa.
A tomografia axial computorizada
(TAC) crânio-encefálica confirmou os
achados radiológicos.
A ecografia abdominal e cardíaca
não evidenciaram alterações. A criança
teve alta aos 3 dias de vida e foi orientada para as Consultas de Pediatria Geral,
Cirurgia Plástica, Genética Médica, Neurocirurgia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia.
Foi observada por Neurocirugia que
manteve atitude conservadora face à
evolução favorável do perímetro cefálico.
Iniciou correcção cirúrgica da sindactilia aos 21 meses (Figura 4). Aos 2
anos teve diagnóstico de miopia do olho
direito (- 4,00 dioptrias). Exame audiológico normal. Crescimento estaturo-ponderal adequado.
Actualmente com 3 anos (Figura 5),
apresenta um atraso do desenvolvimento
psico-motor condicionado pela sua limitação física apesar da correcção da sindactilia, nas vertentes da motricidade fina
e comportamento e adaptação social. Na
motricidade fina: pega em objectos grosseiramente, não constrói torres de cubos,
nem imita a cruz, tem limitação na oponência do polegar e no comportamento e
adaptação social: não come com colher
e garfo, nem se despe. Na motricidade
grosseira não apresenta limitações (sobe
escadas alternadamente, desce com os
pés no mesmo degrau, tem equilíbrio
momentâneo num pé). Na linguagem tem
pouco vocabulário, diz o primeiro nome
e faz frases com 4 palavras. Encontra-se
actualmente em Consultas de Terapia da
Fala e Ocupacional.
DISCUSSÃO
Ao longo das últimas décadas inúmeros estudos foram efectuados com o
intuito de prevenir e tratar as alterações
casos clínicos
89
NASCER E CRESCER
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Figura 1 - Turribraquicefalia, acrocefalia, andar médio da face recuado,
pavilhões auriculares de implantação baixa, hipertelorismo, exoftalmia,
pirâmide nasal curta e larga, extremidades dos lábios desviadas inferiormente, mandíbula proeminente e sindactilia completa dos 4 dedos das
mãos com polegares livres
Figura 2 - Sindactilia dos pés
90
casos clínicos
genéticas, no entanto os síndromes polimalformativos constituem uma importante causa de morbilidade. Mesmo conhecendo-se o modo de transmissão, muitos
ocorrem esporadicamente, o que torna a
sua erradicação impossível, tornando-se
portanto necessário o conhecimento máximo destas situações(7).
O defeito genético advém de mutações missense no gene do receptor dois do factor de crescimento do
fibroblasto,(FGFR2) mapeado no cromossoma dez(1,5,8). Pensa-se que estas
mutações causem uma resposta exagerada dos androgénios nas epífises, ocasionando uma fusão epifisária precoce e
as alterações esqueléticas que o caracterizam(2,6). Foram encontradas duas mutações, a Pro253Arg e a Ser252Trp com
expressões fenotípicas distintas, sendo a
sindactilia mais pronunciada na primeira
e as alterações craniofaciais mais marcadas na segunda(1,5).
As características clínicas que caracterizam este síndrome são várias,
nomeadamente a fusão precoce da sutura coronal, acarretando o aspecto de
turricefalia com achatamento do occipital
e proeminência da fronte. As fontanelas
encerram tardiamente e o andar médio
da face é recuado. Os pavilhões auricula-
Figura 3 - Fusão das suturas coronais, turribraquicefalia, hipertelorismo e hipoplasia maxilar
NASCER E CRESCER
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
res são de implantação baixa, por vezes
existindo défice auditivo. Hipertelorismo,
proptose, exoftalmia, estrabismo, ambliopia e atrofia óptica são as manifestações
oculares mais frequentes(1,6,9). A pirâmide
nasal é larga e curta, podendo por vezes
estar presente a estenose ou a atrésia
das coanas. Em 40% dos doentes verifica-se algum compromisso das vias aéreas o que pode originar apneia de sono
e problemas anestésicos(1,6). A mandíbula
é proeminente, há desvio inferior dos ângulos das comissuras labiais, o palato é
arqueado e a úvula é bífida. Poderá ocor-
rer dentição supranumerária, má oclusão e atraso na dentição(1,6,9). Sindactilia
membranosa ou óssea, incompleta ou
completa das mãos ou pés é um achado
frequente. Algumas das características
clínicas supracitadas estão presentes na
nossa doente, no entanto a inexistência
de compromisso das vias aéreas é uma
mais-valia para o seu prognóstico. As alterações do sistema nervoso central são
vastas; ventriculomegalia, agenesia do
corpo caloso, malformações das estruturas límbicas e do feixe piramidal. Em
situações de aumento súbito da pressão
Figura 4 - Correcção cirúrgica da sindactilia
Figura 5 - Aspecto actual da doente
intracraneana, poderá surgir edema da
papila e atrofia óptica com défice visual
consequente(1). Um número significativo
de doentes apresenta quoeficiente de inteligência (QI) dois desvios padrões abaixo da média(9), no entanto estão descritos
casos de doentes com QI normal. Pensase que o atraso mental, esteja directamente relacionado com a presença de
malformações cerebrais(1). A nossa doente não apresenta malformações cerebrais
e até ao momento apresenta um atraso
do desenvolvimento psico-motor, no entanto não podemos ainda estabelecer um
QI. As limitações da motricidade fina e
do comportamento social que a mesma
apresenta estão relacionadas com a patologia a si inerente. As lesões cutâneas
características são a hiperhidrose, as lesões acneiformes, a hipopigmentação e
a hiperqueratose plantar(1). As lesões dermatológicas não estão presentes no caso
relatado. Malformações cardiovasculares
(defeitos do septo auricular, ventricular,
estenose pulmonar, coarctação da aorta,
dextrocardia, Tetralogia de Fallot), genitourinárias (rim poliquístico, hidronefrose,
útero bicórnio, atrésia vaginal, clitoromegalia, criptorquidismo), gastro-intestinais
(estenose pilórica, atrésia esofágica,
ânus imperfurado) e respiratórias (fístula
traqueo-esofágica, aplasia pulmonar, ausência do lobo médio pulmonar) apresentam neste Síndrome a frequência 10%,
9,6%, 1,5% e 1,5%, respectivamente(1,6).
No caso descrito nenhuma destas malformações foi diagnosticada.
O atraso do crescimento é característico deste Síndrome, tornando-se este
mais pronunciado na adolescência(4).
O diagnóstico é primariamente clínico, comprovando-se a craniossinostose
pela realização de radiografias craneanas. A TAC ou ressonância magnética
raquidiana cerebrais evidenciam a existência de malformações cerebrais. A realização de radiografias da coluna, das
mãos e dos pés comprovam a existência
de outras malformações. Será necessário excluir a existência de malformações
cardíacas, genito-urinárias, gastro-intestinais e respiratórias através de exames
adequados(1). Uma avaliação do défice
cognitivo e da condução neurossensorial
deverão ser realizadas(10).
casos clínicos
91
NASCER E CRESCER
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
O tratamento médico baseia-se na
prevenção das infecções e no tratamento das complicações. O aconselhamento
psicológico e genético é imprescindível.
O tratamento cirúrgico das malformações craniofaciais poderá iniciar-se
aos três meses de idade, no entanto
sendo necessárias reconstruções seriadas. Por vezes, será necessário realizar
derivações ventriculo-peritoneais para
diminuir a pressão intracraneana. A reparação cirúrgica da sindactilia é efectuada
para melhorar a capacidade funcional.
Enquanto o defeito genético não puder
ser corrigido, estes doentes dependerão
de uma abordagem multidisciplinar(1,6). O
tratamento deverá ser individualizado de
acordo com as características fenotípicas
presentes(7). No caso supracitado foi efectuada a reparação cirúrgica da sindactilia,
que é realizada seriadamente e optou-se
por uma abordagem mais conservadora
relativamente à craniossinostose, tendose decidido intervir cirurgicamente apenas se ocorrerem sinais ou sintomas de
aumento da pressão intracraneana, dado
a doente apresentar uma evolução favorável do perímetro cefálico.
O prognóstico depende essencialmente das malformações cerebrais associadas, estando as do septo pelúcido
directamente relacionadas com uma diminuição no QI. O ambiente familiar em
que a criança se enquadra é outro factor
determinante da capacidade intelectual,
apresentando as institucionalizadas um
QI três vezes inferior(1).
Na inexistência de história familiar, o
diagnóstico pré-natal é dificilmente efectuado por ecografia fetal(8). Várias são as
alterações ecográficas inespecíficas durante a gestação que levam ao diagnóstico de Síndrome de Apert, nomeadamente ventriculomegalia, agenesia do corpo
caloso e anomalias cardíacas, contudo,
à excepção da ventriculomegalia, as
restantes apenas são visíveis a partir do
segundo trimestre de gestação. A turricefalia e o hipertelorismo, típicos deste Síndrome invulgarmente são observados no
segundo trimestre de gestação tornandose evidentes apenas no terceiro trimestre. A avaliação pormenorizada das mãos
92
casos clínicos
não consta do protocolo de avaliação
ecográfica pré-natal, no entanto há uma
descrição de identificação da sindactilia
às 17 semanas, num feto com história
familiar desta patologia. Quintero-Rivera
recomenda que após observação de
ventriculomegalia ou agenesia do corpo
caloso, seja realizada uma amniocentese
e se o cariótipo não revelar alterações,
se deva efectuar estudo molecular para
o Síndrome de Apert(11).
A correcta orientação deste doente
através de uma abordagem multidisciplinar permitiu a identificação de todas as
malformações subjacentes à sua patologia e consequentemente a prevenção
das complicações associadas, proporcionando assim um melhor prognóstico.
APERT SYNDROME: CASE REPORT
ABSTRACT
Apert syndrome is a rare genetic disorder. A term female newborn was born by
a euthocic delivery of an uncomplicated
pregnancy. The prenatal ultrasound was
reported as normal. On examination the
girl´s skull appeared turribrachycephaly
with a flat occiput. She also presented
retruded midface, low-set ears, exophthalmia, slight hypertelorism, short broad
nose, prominent mandible, down-turned
corners, cleft palate, bifid uvula and symmetric syndactyly of the fourth digits of the
hands and all the toes of the feet. A provisional diagnosis of Apert’s Syndrome was
established. Until there is a means to correct the molecular defect, management
must rely on a strong multidisciplinary
approach. Treatment should be tailored
to each individual patient’s needs.
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Nascer e Crescer 2009; 18(2): 89-92
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CORRESPONDÊNCIA
Bernarda Sampaio
Rua Bartolomeu Velho nº 759
Bloco 3B 3ºB 4150 - Porto
E-mail: [email protected]
Telefone: 965 312 222
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Pneumonia com Pneumatocelos
Caso Clínico
E. Moreira 1, L. Machado 1, C. Costa 1, C. Xavier 1, I. Quintal 1, J. Cunha1, C. Garrido 1
RESUMO
Os pneumatocelos são cistos preenchidos por ar que se desenvolvem
no parênquima pulmonar geralmente no
decurso de uma pneumonia. Embora vários agentes possam estar implicados, a
etiologia mais frequente é a pneumonia
estafilocócica. O tratamento é o da pneumonia de base com antibioterapia adequada. O seu curso natural é a resolução
lenta sem sequelas.
Os autores apresentam um caso
clínico de uma lactente de um mês com
pneumonia com pneumatocelos, sem
isolamento de agente e com evolução
favorável.
Palavras- chave: Pneumonia, Staphylococcus aureus, pneumatocelo.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 93-95
INTRODUÇÃO
Os pneumatocelos são cavidades
de paredes finas preenchidas por ar, no
parênquima pulmonar.
A inflamação e edema dos brônquiolos distais conduz à formação de um
fenómeno de válvula que, por sua vez,
leva ao aprisionamento de ar e sobredistensão dos espaços alveolares distais
com destruição das paredes alveolares e
consequente aparecimento de cavidades
císticas(1).
Geralmente surgem no decurso de
uma pneumonia, mas podem ser causados por traumatismo ou ingestão de hidrocarbonetos(2).
A incidência dos pneumatocelos
após pneumonia é de 2-8%, mas pode
__________
1
Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar
Tâmega e Sousa - EPE
atingir os 45-65% no caso de se tratar de
pneumonia estafilocóccica(3). Raramente
são visíveis na radiografia inicial, surgindo após o quinto dia de doença.
A história clínica e o exame físico
são inespecíficos e o diagnóstico é feito
pela radiografia pulmonar. A tomografia
computorizada pode ser necessária para
uma melhor caracterização da lesão, sendo objectivos fundamentais a exclusão
de patologia malformativa e a presença
de abcesso pulmonar.
O tratamento é o da patologia de
base e no caso dos pneumatocelos de
causa infecciosa a antibioterapia é quase sempre empírica, dada a dificuldade
de isolamento de agente. No entanto, a
opção terapêutica deve ter em consideração que os agentes mais frequentemente
implicados são o Staphylococcus aureus
e o Streptococcus pneumoniae. No período neonatal deve ser considerada a
possibilidade de infecção por Escherichia
coli(4).
As complicações são raras e na
maioria dos casos a evolução é favorável,
com resolução completa sem sequelas.
Os autores descrevem um caso de
uma lactente com 1 mês de vida, com lesões císticas no parênquima pulmonar. A
particularidade deste caso reside na idade da criança, que condiciona um maior
leque de hipóteses de diagnóstico.
CASO CLÍNICO
Lactente com 1 mês e 6 dias, referenciada ao Serviço de Urgência por quadro de obstrução nasal, tosse e recusa
alimentar com 2 dias de evolução. Sem
febre ou gemido.
Trata-se de uma primeira filha de
pais não consanguíneos, fruto de gravidez vigiada e sem intercorrências. Foi realizado rastreio de Streptococcus agalac-
tiae que foi negativo. Parto por cesariana
às 38 semanas com índice de Apgar 9/10
e antropometria adequada à idade gestacional. Fez sempre aleitamento materno
exclusivo com boa evolução ponderal.
Sem antecedentes familiares patológicos relevantes.
Ao exame objectivo apresentava
bom aspecto geral, boa perfusão periférica, tiragem subcostal, com uma frequência respiratória de 50 ciclos/ minuto
e saturação de oxigénio em ar ambiente
de 100%.
Na auscultação pulmonar eram audíveis sons respiratórios simétricos com
tempo expiratório prolongado e crepitações dispersas. O restante exame era
irrelevante.
Os exames auxiliares de diagnóstico revelaram anemia (Hbg de 7,8g/dl);
leucopenia (3,5x109/L com 44,8% de neutrófilos e 43,1% de linfócitos), Proteína C
Reactiva (PCR) negativa e exame virulógico de secreções nasofaríngeas positivo para Vírus Sincicial Respiratório. A
radiografia pulmonar evidenciou infiltrado
intersticial difuso e imagem de condensação no lobo superior direito (figura 1).
Foi internada com o diagnóstico de
bronquiolite complicada com atelectasia
segmentar do lobo superior direito. No segundo dia de internamento houve um agravamento da dificuldade respiratória com
necessidade de oxigenoterapia. Ao quinto
dia iniciou febre pelo que repetiu estudo
analítico que revelou ligeiro aumento da
PCR (2,1mg/dL) com leucograma normal
e radiografia pulmonar com imagem de
hipotransparência heterogénea de contornos mal definidos na metade inferior do
hemitórax esquerdo (figura 2).
Por suspeita de sobreinfecção bacteriana iniciou terapêutica antibiótica com
ampicilina e gentamicina, tendo ficado
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
93
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Figura 5
94
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
apirética após 2 dias. A hemocultura foi
estéril.
Ao 12º dia constatou-se novo agravamento clínico com reaparecimento de
febre, gemido e má perfusão periférica. A
investigação efectuada mostrou leucocitose com neutrofilia, PCR de 10,8mg/dL e
agravamento radiológico (figura 3).
Por se tratar de uma pneumonia
adquirida em meio hospitalar sob antibioterapia prévia, optou-se por alterar antibioterapia para amicacina, vancomicina e
ceftriaxone, com melhoria do quadro nos
dias seguintes. Também nesta altura a
hemocultura foi estéril.
Foi requisitada radiografia pulmonar
de controlo ao 20º dia que evidenciou lesões cavitadas na metade inferior do hemitórax esquerdo (figura 4). A Tomografia
computorizada torácica confirmou lesões
císticas lobuladas no lobo inferior esquerdo (figura 5).
Perante o diagnóstico de uma pneumonia nosocomial complicada com a
presença de pneumatocelos sem agente
identificado foi decidido manter antibioterapia com vancomicina 21 dias.
Após a alta hospitalar foi orientada
para a Consulta de Pediatria do Centro
Hospitalar Tâmega e Sousa e para a
Consulta de Pneumologia Pediátrica do
H.S.João.
O estudo imunoalergológico e a radiografia torácica ao fim de 6 meses foram normais.
Manteve vigilância durante 3 anos
sem intercorrências.
DISCUSSÃO
A pneumonia é uma doença frequente na idade pediátrica, com uma incidência de 1 a 4,5 casos/ 100 crianças/
ano(5).
Nos últimos anos tem-se assistido a
um acréscimo da incidência de complicações das pneumonias(6), cujo mecanismo
ainda não é totalmente conhecido. As
hipóteses colocadas são a alteração da
virulência ou dos padrões de resistência
dos agentes habitualmente implicados e
a modificação da resposta imunitária do
hospedeiro(6).
Os autores apresentam um caso clínico de uma lactente com 1 mês e 6 dias
internada, inicialmente, por uma bron-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
quiolite a Vírus Sincicial Respiratório,
com sobreinfeção bacteriana posterior e
formação de pneumatocelos.
Tal como na maioria dos casos descritos(7) os pneumatocelos não eram visíveis nas radiografias iniciais e surgiram
ao vigésimo dia de internamento. O exame físico era inespecífico e o diagnóstico
foi feito através da radiografia pulmonar,
que revelou a presença de lesões radiolucentes com limites bem definidas sem
níveis hidroaéreos (Figura 4).
Os diagnósticos diferenciais colocados foram os de cisto broncogénico e
malformação adenomatoide cística.
O cisto broncogénico, apesar de ser
uma malformação congénita raramente é
diagnosticado ao nascimento, porque só
se torna visível quando infecta.
A malformação adenomatoide cística (MAC), embora rara, é uma das lesões
congénitas pulmonares mais frequentes,
com menor prevalência após o primeiro
ano de vida. É uma lesão hamartrosa caracterizada pela paragem da maturação
bronquiolar(8). O diagnóstico pode ser difícil ao nascimento porque a maioria das
lesões são assintomáticas(9). A radiografia de tórax pode ser normal nos doentes
com MAC, mas geralmente não existe
alteração do seu padrão radiológico e por
isso, neste caso, estaria presente na primeira radiografia efectuada.
Com a Tomografia computorizada
conseguimos uma melhor caracterização das lesões permitindo o diagnóstico
mais provável de pneumonia com pneumatocelos.
Pela impossibilidade de isolamento
de agente através dos exames culturais,
o que acontece frequentemente(5), foi
decidido instituir antibioterapia empírica
para os agentes mais frequentemente
envolvidos, nomeadamente Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae e
bacilos gram negativo.
Considerando que a percentagem
de Staphylococcus aureus meticilinoresistentes pode atingir os 10%(4) na comunidade e, segundo alguns estudos(10),
29% em meio hospitalar, optou-se por
manter vancomicina na dose de 40mg/
kg/dia durante 21 dias.
As complicações descritas na literatura(11), como o pneumatocelo de tensão,
pneumotórax ou pneumatocelo infectado, são raras, mas potencialmente fatais
e podem exigir ventilação assistida com a
transferência para uma Unidade de Cuidados Intensivos.
Uma vez que uma infecção pulmonar anormalmente grave é a forma mais
frequente de apresentação de uma imunodeficiência primária(6), é importante a
realização de estudo imunológico para
avaliar esta hipóteses diagnóstica.
PNEUMONIA WITH PNEUMATOCELE CASE REPORT
ABSTRACT
Pneumatoceles are air-filled cysts
that develop in the pulmonary parenchyma usually during pneumonia. Staphylococcus aureus is the most frequent
agent. Treatment of the underlying pneumonia with antibiotics is the first line of
therapy. The natural course is slow resolution with no further squeal.
The authors report a case of pneumonia with pneumatocele in a one month
old infant without identification of the
agent with a complete resolution.
Key-words: Pneumonia, Staphylococcus aureus, pneumatocele
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 93-95
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CORRESPONDÊNCIA
Eunice Moreira
C H do Tâmega e Sousa, EPE
Lugar do Tapadinho
4564-007 Guilhufe- Penafiel
E-mail: [email protected]
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
95
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Advancing from immunonutrition to a pharmaconutrition:
a gigantic challenge
Yves M. Dupertuisa, Michael M. Meguidb and Claude Picharda
Current Opinion in Clinical Nutrition and 2009, 12:398-403
Purpose of review: This review
presents some difficulties encountered
to develop and translate immunonutrition into clinical practice, and sugests
moving forward to a pharmaconutrition
approach.
Recent findings: Immunonutrition suffers from inconclusive and
contradictory data due to the design of
many of experiments and clinical studies conducted so far. The concept of
a single immunonutrient formula applicable to various types of patients has
also contributed to leave the medical
COMENTÁRIOS
O interesse da reflexão sobre este
artigo reside no encarar os nutrientes
numa outra perspectiva que não a clássica, dando origem à introdução de novos conceitos como os de Imunonutrição,
Farmaconutrição, Econutrição.
Desde há cerca de duas décadas
que nutrientes específicos têm vindo a
ser adicionados às fórmulas nutricionais
na tentativa de modular a resposta inflamatória, imunológica e status oxidativo
associadas à doença(1).
De facto, perante a doença aguda,
ou seja, perante o stress, dá-se início a
um processo inflamatório que tem por
objectivo a limitação e reparação da entidade nosológica, qualquer que seja a
sua etiologia (trauma, cirurgia, sépsis,
queimaduras). Esta resposta inflamatória
fisiológica normal ao stress pode tornarse exagerada, superactivada, sendo
perdido o controlo local destas reacções
conduzindo ao Sindroma da Resposta
Inflamatória Sistémica (SRIS), ou seja,
uma reacção inflamatória anormal e generalizada, atingindo órgãos à distância
e que pode culminar no Sindroma de Dis-
96
artigo recomendado
world in a state of uncertainty. We propose to move forward to the concept
of pharmaconutrition where a diseasededicated nutrition therapy is developed following a rigorous step-by-step
procedure. Nutrients are selected according to their pharmacological properties and after an in-depth evaluation
of their biological interactions when
mixed together. The optimum administration schedule (i.e. dose, route, timing and duration) of the new formulae
is then determined in well conducted
projective clinical trials where it is ad-
função Multiorgânica e morte(2). Assim,
dependendo da gravidade e duração da
agressão estarão certamente presentes
algum grau de hiperinflamação, disfunção celular imunológica, stress oxidativo
e disfunção mitocondrial. Consequentemente, o suporte nutricional, por via entérica ou parentérica, deve ser considerado
não só como integrando o tratamento básico destes doentes, mas também como
veículos moduladores das respostas inflamatória e imunológica inerentes.
Apesar do grande de volume de investigação nesta área e dos numerosos
trabalhos publicados não foi possível
demonstrar resultados positivos inequívocos do benefício da suplementação de
determinados nutrientes com o intuito de
obtenção de um efeito que não exclusivamente nutritivo.
Porque tem sido difícil obter evidência científica nesta área?
Antes de mais, a medicina baseada
na evidência é, de facto uma mais-valia.
Ela ajuda a eliminar procedimentos e terapêuticas não compatíveis com uma boa
prática clínica, mas também cria um paradoxo em que os clínicos se sentem apri-
ministered apart from the standard
nutrition to ensure full delivery of the
expected doses.
Summary: This review suggests
moving forward to a pharmaconutrition
approach where a rigorous step-by-step procedure would allow overcoming of the difficulties encountered to
translate immunonutrition into clinical
practice.
Keywords: ω-3 polyunsaturated
fatty acids, arginine, dietary nucleotides,
folate, glutamine, immunonutrition, pharmaconutrition
sionados, lamentando que, porque não há
evidência clínica, nada pode ser feito. Esta
noção é de facto preocupante, quer pelo
perigo de estagnação da medicina, mas
também como uma filosofia emergente no
tratamento dos doentes. Segundo Walter
B Shelley (dermatologista de renome):
“O nilismo terapêutico pode ser a forma
correcta de abordar factos, mas não doentes.”. O facto de, até à data não ter sido
possível, pelas mais variadas razões, estabelecer uma relação causa efeito entre
uma atitude terapêutica e um bom resultado não quer dizer que ela não exista.
Neste tema, nos estudos publicados
até agora são usadas várias combinações de nutrientes em populações muito
heterogéneas e muitas vezes de pequenas dimensões, utilizando metodologias
diferentes, e portanto o efeito positivo de
determinado nutriente num grupo particular de pacientes pode estar alterado,
neutralizado e/ou diluído pelas interacções com outros nutrientes presentes. De
facto, neste trabalho são evidenciadas e
exemplificadas várias dessas interacções:
glutamina/arginina, glutamina/nucleótidos,
glutamina/folatos e ácidos gordos poliin-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
saturados/vitamina E. Além disso, como
a suplementação se faz integrando as
fórmulas de administração entérica ou parentérica usadas como aporte nutricional,
e como é sabido que nestes doentes quer
o volume do aporte quer a sua tolerância
estão geralmente comprometidos, deixará
muito a desejar o rigor do cumprimento da
suplementação que é proposta.
Assim, o conceito de imunonutrição
tenderá a dar lugar ao de farmaconutrição, já que os nutrientes parecem dever
ser testados, utilizados e manejados à semelhança de quaisquer outros fármacos,
no sentido da procura de evidência científica. Portanto, cada um dos nutrientes em
questão (dissociados do esquema nutricional do doente) deveriam ser ensaiados
do mesmo modo que outros fármacos, ou
seja, discernindo uma dose precisa, modo
e via de administração numa população
seleccionada de doentes, fazendo parte
de uma estratégia terapêutica activa.
Quais são esses nutrientes?
Arginina
A arginina é um aminoácido não
essencial conhecido por modular a imunofisiologia por aumento da proliferação
e citotoxicidade dos linfócitos(3), podendo
deste modo ter um papel importante na
prevenção de complicações infecciosas,
nomeadamente na cirurgia electiva e na
sepsis relacionada com cateteres(4,5). No
entanto, pode servir de substrato à iNOS
(inducible nitric oxide synthase), resultando numa produção aumentada de óxido
nítrico que pode prejudicar a microcirculação e a disfunção orgânica nos estados
inflamatórios(6). Assim, outros estudos
randomizados serão necessários para
demonstraram benefício na administração de dieta suplementada com arginina,
e em que contextos clínicos particulares
esse benefício se evidencia.
Glutamina
A glutamina é um aminoácido condicionalmente essencial, isto é, perante o
stress metabólico as necessidades deste
aminoácido podem exceder a sua síntese
__________
1
Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria
e aporte através da proteólise, resultando
em depleção das reservas. Tem muitas
funções metabólicas importantes: (1) é
um substrato (fuel) para células de divisão
rápida como os enterócitos, colonócitos e
linfócitos, (2) é um percursor da glutationa,
fazendo esta parte de um dos principais
sistemas anti-oxidantes e (3) é o substrato mais importante na amoniogenese
renal integrando a função de transporte
de nitrogénio pelo organismo. Portanto, a
glutamina protege a integridade estrutural
e funcional (nomeadamente imunológica
celular) da mucosa intestinal3. Numerosos
trabalhos recentes têm tentado demonstrar os seus benefícios, quer como suplementação entérica quer como parentérica(7,8,9) embora, sabendo que o mecanismo
de acção da glutamina tem lugar no tracto
gastrointestinal, parece fazer todo o sentido que a via entérica deva ser preferida.
Antioxidantes
Os antioxidantes fazem parte de um
sistema de defesa endógeno complexo
destinado a proteger os tecidos dos efeitos deletérios do stress oxidativo causado por quantidades excessivas de ROS
(reactive oxygen species) e RNOS (reactive nitrogen-oxygen species). No doente
crítico, as reservas de antioxidantes estão reduzidas, o que tem sido associado
a um aumento da formação de radicais livres, um aumento da resposta inflamatória sistémica, um aumento da falência de
órgãos e mesmo maior mortalidade3. Os
trabalhos publicados têm tentado evidenciar essencialmente os efeitos do selénio,
do zinco e das vitaminas A, C e E(10). O
selénio tem merecido especial atenção,
particularmente quando utilizado em doses elevadas(11).
Ácidos gordos n-3
Os ácidos gordos possuem uma
grande variedade de efeitos imunomoduladores relacionados com a sua pronta
incorporação nos fosfolipídeos das membranas das células inflamatórias. Os ácidos gordos e seus metabolitos também
podem influenciar a expressão génica
das células imunológicas por activação
de factores de transcrição nuclear PPAR
(peroxisome proliferator-activanted receptors)(3). A família n-3 (óleos de peixe)
antagoniza a produção de eicosanoides
proinflamatórios do ácido araquidónico
(n-6) como o leucotrieno B4, o tromboxano A2 e a prostaglandina E2, sendo percursora de outro tipo de eicosanoides como
o tromboxano A3, a prostaglandina E2 e
o leucotrieno B5, resultando num efeito
anti-inflamatório. Trabalhos recentes têm
tentado demonstrar os seus benefícios,
quer como suplementação entérica quer
como parentérica(12,13).
Então, qual é o desafio?
Uma vez que os clínicos apresentam alguma relutância na adesão à imunonutrição enquanto os seus mecanismos de acção e benefícios inequívocos
não são claramente conhecidos e o seu
impacto no prognóstico completamente
demonstrado, a farmaconutrição pode
ser a resposta.
De facto, o estudo REDOXS (Reducing Deaths due to Oxidative Stress) que
está a decorrer abraça um novo desenho
metodológico, uma vez que os nutrientes
são fornecidos por via entérica ou parentérica, mas dissociados da nutrição. Representa, de facto, o paradigma de estudo que pode dar-nos algumas respostas,
uma vez que contempla a translação da
Imunonutrição para a Farmaconutrição(14).
Especialmente no doente crítico, o
suporte nutrimetabólico tem vindo a ser
cada vez mais valorizado como factor
determinante de um melhor prognóstico.
Para além da necessidade em cumprir e
ajustar aportes proteico-calóricos ao estado clínico da criança doente (evitando
a hipo e a hipernutrição), a qualidade dos
nutrientes e o seu uso como fármacos
(farmaconutrientes ou nutricêuticos), bem
como o seu papel na econutrição (pré e
probióticos) são áreas que têm merecido
muita atenção por serem, sem dúvida,
promissoras(2). Apesar disso e até agora,
os resultados da sua eficácia não têm
sido animadores, e a sua tradução na
prática clínica tem sido negligenciável.
Helena Ferreira Mansilha1
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 96-98
artigo recomendado
97
NASCER E CRESCER
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Allergy in day care children:
prevalence and environmental risk factors
Katija Hatakka, Laura Piirainen, Tuija Poussa, Erkki Savilahti, Riitta Korpela
Acta Paediatrica 2009; 98:817-822
ABSTRACT
Aim: To investigate the prevalence of atopic disease among Finnish day care children and the relationship between atopy and environmental factors.
Methods: A cross-sectional study
of 594 day care children aged 1 – 6 years
from Helsinki, Finland. Each child’ history of atopic diseases and environmental
exposure was collected in a questionnaire completed by the parents.
COMENTÁRIOS
Este é mais um estudo sobre os benefícios do aleitamento natural e sobre
a prevenção das doenças atópicas, doenças cuja prevalência, como sabemos,
têm vindo a aumentar nas últimas décadas, embora se tenha a vindo a registar
nos últimos um leve declínio(1-4).
Os autores apontam alguns factores
de risco em investigação como a predisposição genética, a exposição e sensibilização precoces a alergénios, a ocorrência de infecções, obesidade, predisposição imunológica, poluição, exposição a
tabaco durante a gestação e pós-parto,
ácaros do pó, animais, frequência de infantários e ausência de amamentação.
Acrescentam que há muitas controvérsias nos resultados dos estudos destes
possíveis factores de risco, incluindo a
amamentação pois há trabalhos que referem que esta prática alimentar é um
factor de risco para o desenvolvimento
da atopia. Citam um estudo que aponta
neste sentido, mas em que o período de
amamentação foi muito curto e dois outros que, pelo contrário, se registou um
período longo. Dizem ainda que na Su-
Results: The prevalence of diagnosed asthma was 0.9% for the 1 – 3
years old and 5.5% for the 4 – 6 years
old, atopic eczema/dermatitis was 16%
in both groups, and allergic rhinitis 5%
in the younger group, 9% in the older
group. According to multivariable logistic regression models, breastfeeding
(exclusive ≥months or partial≥ months)
reduced the risk of atopic diseases
(OR=0.60; Cl 95 0.39-0.93, p =0.021).
Atopic diseases were more common in
the oldest age group, 5 – 6 years old,
écia, 68% dos lactentes são amamentados em regime de exclusividade, por
um período igual ou superior a 4 meses.
Amamentam mais, mães mais educadas
e menos, as mais jovens.
Como possíveis mecanismos a explicar os benefícios da amamentação na
prevenção da atopia referem a presença
no leite materno de imunomodeladores,
como células, citocinas, ácidos gordos de
cadeia longa e IgA os quais contribuem
para a maturação do sistema imunitário,
ser uma fonte de bifidobactérias e lactobacilus, não haver exposição a proteínas
do leite de vaca e que o leite de mães
atópicas pode conter citocinas que reduzam o desenvolvimento de atopia nos
seus filhos.
Terminam o artigo referindo que verificaram que períodos de amamentação
em regime de exclusividade de quatro
meses e parcial de pelo menos seis meses, em crianças urbanas, frequentando
o infantário, se associaram a uma redução do risco de atopia e que, apesar da
controvérsia gerada por outros estudos,
deve considerar-se a amamentação em
regime de exclusividade durante quatro a
compared to the youngest, 1 – 2 years
olds (OR = 2.18; CI 95 1.14 – 4.15, p =
0.018). One parent with atopic disease
increased the child’s risk (OR = 1.89;
CI 95 1.20 – 2.97, p = 0.006), more so if
both parents had a history (OR = 3.17;
CI 95 1.48 – 6.78, p = 0.003).
Conclusion: Our results support
the hypothesis that breastfeeding for at
least six months may protect against atopic diseases. The child’s greater age (5
– 6 years) and parental history of atopic
diseases increased the risk of atopy.
seis meses como a pedra de toque para
promoção da saúde.
Outros benefícios da amamentação, recentemente comprovados, foram
a contribuição para a redução em cerca
de 50% da morte súbita, recomendandose incluir a amamentação no primeiro
semestre, nas campanhas de prevenção(5), e a protecção contra a negligência
e outros maus tratos por parte da mãe,
particularmente quando a amamentação
se prolonga por quatro ou mais meses(6).
Ainda sobre a relação chupeta, redução
da amamentação e chupeta redução da
morte súbita, havia a ideia que a chupeta
contribuiria para uma redução do número
de amamentados e da duração da amamentação e que podendo contribuir para
a redução da morte súbita, ela deveria
ser introduzida depois da amamentação
estar estabelecida, aí pelo final do primeiro mês. Mas uma revisão sistemática
sobre a contribuição para a redução da
amamentação, mostrou não haver suporte para esta ideia. A associação chupeta/
redução da amamentação reflectirá sim
outras dificuldades com a amamentação
ou intenção de desmamar(7). Para a mãe,
artigo recomendado
99
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
amamentar traz igualmente vantagens,
como é sabido. E regularmente os estudos vão reafirmando benefícios, como a
contribuição para o controlo do peso após
a gestação. Para tal é preciso amamentar
pelo menos 6 meses(8).
A prevenção da atopia / asma tem
sido motivo de polémica, particularmente
após a formulação da hipótese da higiene, depois de se verificar que viver em
ambiente rural constituía uma protecção
contra a atopia. Com efeito, os estudos
a este respeito têm revelado resultados
contraditórios, talvez porque a asma não
seja uma doença, mas antes uma síndroma. A exposição precoce a endotoxinas ou a outras exposições microbianas
associadas a contactos com animais ou
leite não pasteurizado tem dois efeitos
opostos: protege contra a atopia, mas
constitui um risco para asma não atópica e sibilância(9). A colonização neonatal
da orofaringe, isolada ou combinada,
com Streptococus Pneuminiae, Haemophilus Influenzae, Moraxella catarhalis
leva a um risco aumentado de sibilância
recorrente e asma nos primeiros anos
de vida, o que está em desacordo com
a hipótese da higiene(10). Mais de acordo
com esta hipótese está a verificação que
quanto mais antibióticos prescrevermos
a uma criança, mais lhe aumentamos o
risco de asma(11). Talvez seja necessário
haver uma exposição pré-natal a agentes
ou produtos bacterianos, exposição que
deve ser continuada após o nascimento,
para que as crianças camponesas estejam mais protegidas da asma, da rinite
e do eczema(12). Mas também a alimentação da grávida pode desempenhar um
papel importante na prevenção da asma,
como parece deduzir-se de um estudo
de 16 anos, em que se demonstrou essa
protecção, com a ingestão, no final da
gestação, de óleo de peixe, rico em n-3
PUFAS(13).
Uma outra explicação para o aumento da prevalência das doenças atópicas pode estar no sol, ou melhor, na
__________
1
Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA
100
artigo recomendado
ausência dele, ou melhor ainda no défice
em vitamina D, como já foi aflorado num
artigo anterior(14) e revisto, melhor, é claro, recentemente(15).
Do que acabamos de expor, podemos concluir que, ao que parece, e como
de resto seria de esperar, cumprir a natureza pode ajudar a haver menos asma:
amamentar, apanhar sol e saber comer.
E já agora, sabermos quando a criança
necessita mesmo de antibióticos: em ambulatório muito poucas vezes.
Tojal Monteiro1
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 99-100
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Overriding competent medical treatment
refusal by adolescents: when “no” means “no”
Carolyn Johnston
Archives of Disease in Childhood 2009;94:487-491
In 2007 the General Medical Council (GMC) published 0–18 years: guidance for all doctors1 which briefly sets
out the relevant ethical and legal principles for medical treatment of young
people under 18 years of age. It recognises that “Children and young people
are individuals with rights that should
be respected” (paragraph 7) and that
COMENTÁRIOS
Neste artigo discutem-se os aspectos a considerar na avaliação da capacidade de um adolescente para poder
recusar um tratamento: a idade, a sua
experiência de doença, a natureza e eficácia do tratamento, como também os
limites à autonomia do adolescente para
tomar decisões.
O artigo relembra que na publicação 0-18 years guidance for all doctors,
pelo General Medical Council, em 2007,
“as crianças e jovens são indivíduos com
direitos que devem ser respeitados”, incluindo-se aqui a necessidade de se discutir com eles os cuidados de saúde.
Podem surgir situações delicadas,
como as de jovens que ao recusar tratamento médico, se colocam em perigo de
vida ou em risco grave para a sua saúde. Em Inglaterra, tornou-se mediático
o caso de Hannah Jones, à altura com
13 anos de idade, que o tribunal reconheceu em Novembro último, como tendo o direito a recusar uma proposta de
transplante cardíaco. Esta situação teve
aspectos particulares, como a sua idade
tão jovem, aliada a uma experiência longa de doença, internamentos múltiplos e
tratamentos a uma leucemia, desde os 4
anos de idade.
they should be engaged in dialogue
about their care. However, a dilemma
for both the medical and legal communities is whether a young person’s
refusal of medical treatment should be
respected where this would put him/her
at risk of death or serious harm. The
GMC guidance states that “You should
seek legal advice if you think treatment
As comunidades médica e judicial,
têm que avaliar quando é que um adolescente pode decidir sobre estas matérias, quando tem menos de 16 anos,
visto que o consentimento informado dos
jovens é obrigatório a partir desta idade.
A competência de um jovem para aceitar tratamento sem autorização parental, abaixo dos 16 anos, foi reconhecida
pela primeira vez em 1985 em Inglaterra,
quando Victoria Gillik se insurgiu contra
uma determinação de política de saúde
que aconselhava os médicos a propor a
contracepção aos jovens(1). A partir daí,
passou a utilizar-se este conceito no direito médico inglês e em alguns países
de língua inglesa, definindo-se que um
jovem pode consentir em tratamento médico sem autorização ou conhecimento
parental, se mostrar que compreende totalmente o tratamento proposto. Esta capacidade é conhecida como competência
de Gillik, e como corolário, assume-se
que esta capacidade se pode estender
para a recusa de tratamento.
A recusa de tratamento tem contudo que ser avaliada num balanço entre a
necessidade de respeitar a autonomia do
adolescente e a necessidade de o proteger de decisões que podem não servir os
seus melhores interesses. É o caso em
is in the best interests of a competent
young person who refuses” (paragraph
31). The aim of this article is to explain
the legal position and to demonstrate
the views of professionals involved with
young people, gained through interviews, . .] (The first 150 words of the
full text)
que aquelas determinam consequências
graves para a sua saúde ou o colocam
em perigo de vida.
A autora reconhece que a recusa de
medidas que salvam a vida está geralmente associada a jovens (e seus pais)
com fortes convicções religiosas. Porém,
as situações de não-colaboração com os
tratamentos ou o abandono dos serviços
de saúde são menos raras e também problemáticas.
Neste trabalho, foram exploradas
através de entrevista, as opiniões de 8
técnicos (psiquiatra da adolescência,
pediatra, técnico de serviço social de psiquiatria, juízes e representantes de instituições de protecção) acerca do equilíbrio
a fazer entre as suas responsabilidades e
o respeitar das decisões dos adolescentes sobre os cuidados de saúde.
Os profissionais de saúde salientam
a importância do diálogo com os jovens
e famílias., no processo de tomada de
decisões. Aspectos como a idade e sobretudo, a experiência prévia de doença,
são aceites por todos como determinantes em promover maior capacidade para
o jovem decidir. São também unânimes
a identificar o papel paternalista da sociedade na defesa do adolescente e a
necessidade de “proteger” os jovens dos
artigo recomendado
101
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
perigos das suas decisões erradas. Isto
significa portanto, que há que colocar limites à autonomia dos adolescentes para
decidir sobre questões de saúde.
A natureza e eficácia do tratamento
também são factores importantes na avaliação da recusa do tratamento. Poucas
dúvidas restam de que, em último caso,
tratamentos que sustentem a vida, devem ser levados a cabo contra a vontade
de um jovem. Mas a aplicabilidade de administrar um tratamento pode tornar-se o
factor chave ao determinar-se se um tratamento sem colaboração será do melhor
interesse para um jovem. Tratamentos
continuados e repetidos como quimioterapia e diálise, ainda que necessários,
podem ser impossíveis de impor, pela resistência física e impedimento do jovem.
E os participantes dão exemplos em que
a ordem de tratamento não é dada, ou
em que tendo sido imposta, a ordem não
é cumprida pela impossibilidade de a pôr
em prática.
Os limites à imposição de um tratamento que um jovem recuse podem
também apoiar-se no conceito de agir
nos seus “melhores interesses”, se este
conceito incluir questões médicas, emocionais e outras de bem-estar.
__________
1
Pedopsiquiatra do Hospital Maria Pia/CHPorto
102
artigo recomendado
Salienta-se a importância do diálogo e o estabelecimento de uma relação
de respeito entre o jovem, família e profissionais de saúde. A aceitação de um
tratamento pode ser encarada como um
processo, em que o trabalho conjunto que
proporcione a explicação, a negociação
e a partilha de informação, podem evitar
“batalhas” indesejáveis. Os profissionais
podem, inadvertidamente, não dar voz
aos jovens, aos dar-lhes explicações insuficientes ou ao não perguntar-lhes se
têm dúvidas.
O artigo procura mostrar que há que
ter em conta múltiplos aspectos quando
se avalia uma recusa por um adolescente
competente, e que por vezes há que nos
apoiar no julgamento clínico em vez da
lei, para decidir quem é competente para
aceitar ou recusar um tratamento.
Termina com o exemplo de Hannah Jones, para nos mostrar como uma
realidade complexa e única foi entendida pelos meios judiciais, que resultou
no reconhecimento do direito ao “Não”
por esta jovem. Na comunicação social,
enfatizou-se o “direito a morrer em casa
junto da família”. Curiosamente, no mês
passado, Hannah submeteu-se a um
transplante cardíaco(2), e referia que toda
a gente tem direito a mudar de opinião.
Este exemplo vem justamente mostrar
que com adolescentes, a resistência não
é intransponível e a determinação transforma-se muitas vezes em insegurança.
E estas dificuldades talvez se possam
vencer, na maioria dos casos, com uma
comunicação clara, disponibilidade e tolerância.dos profissionais.
Maria do Carmo Santos
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 101-102
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
A Selecção de Dadores de Gâmetas
e o Eugenismo
Helena Pereira de Melo*
“Que estoy ofendida, ofendida y rebajada hasta lo último, viendo que los trigos
apuntan, que las fuentes no cesan de dar agua, y que paren las ovejas cientos de corderos, y las perras, y que parece que todo el campo puesto de pie me enseña sus crías
ternas, adormiladas, mientras yo siento dos golpes de martillo aquí, en lugar de la boca
de mi niño”.
LORCA, García (1994), Yerma, Poema Trágico
en Tres Actos y Seis Cuadros (texto original:
1933 – 1934), Madrid: Alianza Editorial, p. 56.
RESUMO
Embora a inseminação artificial com
recurso a dador tenha tido início em finais
do século XIX, nos séculos seguintes a
procriação medicamente assistida rapidamente se tornou um recurso importante para os casais estéreis que desejem
ter filhos, sobretudo aqueles que querem prevenir a transmissão de doença
hereditária grave. A dação de gâmetas
masculinos e femininos é precedida da
selecção de dadores, com vista a excluir
os que ofereçam um risco de transmissão elevado, sendo de difícil escolha,
em muitas situações práticas, quais os
dadores mais “sãos”, que poderão garantir a melhor “qualidade genética”. As
decisões a tomar deverão ter em conta
a Lei sobre Procriação Medicamente Assistida Portuguesa, nomeadamente o n.º
1 do artigo 10.º, sob pena de serem opções que sejam ofensivas da dignidade
humana do nascituro gerado através do
recurso a dação de gâmetas masculinos
ou femininos.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 103-105
__________
* Professora de Direito da Saúde. Sub-directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
A primeira inseminação artificial com
dador de espermatozóides de que se tem
conhecimento foi realizada cem anos antes, em 1884, por PANCOAST, em Filadélfia,
tendo vindo a ser cada vez mais frequente
ao longo dos últimos cento e vinte anos.
A procriação medicamente assistida com
recurso a selecção de gâmetas tornou-se
de tal modo frequente na Europa, ao longo
do século XX, que, por exemplo, em França, um recém-nascido em cada trezentos
nasce de dação de gâmetas(1). Esta dação
com frequência é de espermatozóides
embora seja tecnicamente possível, desde 1983, também a dação de ovócitos(2).
Recorrem à dação de gâmetas masculinos casais estéreis que desejam ter
filhos e casais que embora sejam férteis
apresentam um risco grave de transmitirem
à descendência uma doença hereditária e
1
De igual modo entre nós esta dação tende a, com o decurso do tempo, ser absorvida pela
cultura jurídica familiar. Aludindo a esta realidade
e referindo-se em especial à inseminação artificial
heteróloga, GUILHERME DE OLIVEIRA prevê que “os filhos aceitarão a ausência do pai quando, para a
gravidez da mãe, não tenha havido alternativa melhor do que o fornecimento da substância adequada pela instituição competente”. Vid., na matéria,
OLIVEIRA, Guilherme de (1998), Critério Jurídico
da Paternidade, reimp., Coimbra: Livraria Almedina, pp. 501 – 502
2
CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL considera que
com a possibilidade de várias mulheres participarem na geração de uma criança “revolucionou-se
o mundo jurídico neste campo, caindo ‘verdades
seculares’ como a afirmação de que mater semper certa”. Cf. CORTE-REAL, Carlos Pamplona
(1996), Direito da Família e das Sucessões, Relatório, Lisboa: Lex, p. 95.
não desejem recorrer ao diagnóstico préimplantação nem ao diagnóstico pré-natal,
com a subsequente selecção embrionária
ou interrupção voluntária da gravidez(3). Recorrem também a esta dação as mulheres
que desejam ter um filho fora de uma relação heterossexual. Por exemplo o art. 6.º,
n.º 1, da Lei Espanhola n.º 14/2006, de 26
de Maio, sobre Técnicas de Reprodução
Humana Assistida permite que sejam beneficiárias das mesmas todas as mulheres
maiores de dezoito anos e com plena capacidade de exercício de direitos seja qual
for o seu estado civil(4).
Por sua vez, recorre-se à dação de
gâmetas femininos em caso de esterilidade feminina causada, por exemplo, por
uma menopausa precoce ou em caso de
doença genética transmitida por via mitocondrial. No Reino Unido em Setembro
de 2005, a HUMAN FERTILIZATION AND EMBRYO3
Vid., na matéria, MELO, Helena Pereira
de (2000), “Problemas Jurídicos Suscitados pela
Inseminação Artificial com Recurso a Dador de
Gâmetas” in Genética e Reprodução Humana (coord.: Rui Nunes e Helena Melo), Porto: Serviço de
Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina
do Porto, pp. 159 – 272.
4
De igual modo a Lei da Estónia de 11 de
Junho de 1997 sobre inseminação artificial e protecção do embrião reconhece à mulher solteira, no
§ 22.º, o direito a recorrer à inseminação artificial
com esperma de dador. Sobre esta forma de inseminação como “meio de reivindicação emancipatória da mulher” vid. REYS, Lesseps L. (1990),
“Aspectos Éticos e Legais Relativos à Reprodução
Humana”, in Introdução ao Estudo da Medicina
Legal, vol. I, Lisboa: Associação Académia da Faculdade de Direito de Lisboa, p. 88.
perspectivas actuais em bioética
103
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
autorizou a criação in vitro de um embrião com duas “mães” do
ponto de vista genético, para prevenir a
transmissão à criança a nascer de uma
doença geneticamente determinada de
que uma delas era portadora.
Têm também sido invocados motivos de conveniência pessoal não terapêuticos, como sucedeu por exemplo na
Itália (com a equipa de ANTINORI) e nos
Estados Unidos da América (com a equipa de SAUER), que recorreram à dação
de ovócitos para obter uma gravidez em
mulheres pós-menopáusicas. A questão
da licitude da gravidez pós-menopáusica
é também uma questão de igualdade de
tratamento entre os sexos, uma vez que
a sociedade admite acriticamente que
um homem seja pai depois dos cinquenta anos, apesar de a esperança de vida
para os homens ser menor do que para
as mulheres. A dação de ovócitos temse tornado mais frequente, por força do
avanço da idade de procriar das mulheres e da procura por parte de pacientes
cuja esterilidade era antes insolúvel.
A dação de gâmetas masculinos e
femininos é precedida da prévia selecção de dadores, da responsabilidade de
um médico (ou de um biólogo), que a faz
à luz de critérios de natureza médica e
social. Independentemente do sexo dos
dadores, procede-se a uma selecção médica dos mesmos para prevenir a transmissão de doenças e deficiências para a
criança que nascerá através do recurso à
procriação medicamente assistida.
Se o dador for do sexo masculino,
o controlo médico incidirá sobre a capacidade fecundante dos espermatozóides
e sobre a “qualidade genética” dos mesmos. Será igualmente verificado se não
se encontra afectado por doença infectocontagiosa (como a Hepatite), nomeadamente por uma doença sexualmente
transmissível (como o HIV/SIDA), o que supõe que se proceda à crio-conservação
dos seus espermatozóides(65). Do ponto
LOGY AUTHORITY
5
Atento o perigo de transmissão de doenças hereditárias e do SIDA o Decreto-Lei n.º 319/86,
de 25 de Dezembro veio, entre nós, proibir a execução da fertilização artificial com sémen fresco de
um dador. Esta exigência de criopreservação do
sémen do dador foi reafirmada no art. 19.º, n.º 2,
da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, sobre Procriação Medicamente Assistida.
104
de vista genético com esta selecção, visa-se evitar a transmissão de doenças de
que o dador seja portador e originar um
risco acrescido de transmissão de uma
doença (por exemplo, de uma doença
autossómica recessiva), em resultado da
combinação dos patrimónios genéticos
do dador e da receptora dos gâmetas.
Para que essa combinação do dador com
a receptora seja a “melhor” do ponto de
vista genético há, pois, que analisar também a constituição genética da receptora
dos gâmetas que será, em princípio, a
mãe uterina e social.
Alguns estabelecimentos onde se
praticam as técnicas de procriação medicamente assistida fixam ainda uma idade máxima para a dação de gâmetas e
limitam o número de vezes que o sémen
de um dador pode ser utilizado para obter uma gravidez evolutiva, para que não
seja aumentado o risco de consanguinidade na população em geral(6).
Selecção paralela é feita relativamente às dadoras de gâmetas femininos.
Procede-se a uma análise viral, hormonal, ecográfica, fisiológica e genética da
dadora e da receptora dos ovócitos, bem
como a uma análise dos factores de risco
de transmissão de doença genética, resul6
O Código da Saúde Pública francês determinava no art. L. 1244-4 que “o recurso aos
gâmetas de um mesmo dador não pode deliberadamente conduzir ao nascimento de mais de cinco
crianças”. O CONSEIL D’ÉTAT no relatório que elaborou sobre as “Leis da Bioética” francesas (a Lei n.º
94-548, de 1 de Julho de 1994, sobre o tratamento de dados pessoais no âmbito da investigação
científica no domínio da saúde; a Lei n.º 94-653,
de 29 de Julho de 1994, sobre o respeito devido ao
corpo humano; a Lei n.º 94-654, de 29 de Julho de
1994, sobre a dação e a utilização de elementos
e produtos do corpo humano, a assistência médica à procriação e o diagnóstico pré-natal, e a Lei
n.º 2004-800 de 6 de Agosto de 2004 relativa à
bioética) propôs ao legislador que se aumentasse este número atento o facto de “várias crianças
poderem nascer no mesmo casal do mesmo dador em resultado de uma gravidez múltipla ou de
dações sucessivas sem aumentar o risco de consanguinidade” e de “as estatísticas demográficas
demonstrarem que esse risco só é aumentado
para mais de vinte crianças por dador”. Esta proposta foi acolhida tendo a Lei n.º 2004-800, de 6
de Agosto relativa à bioética alterado a aludida disposição, substituindo a expressão “cinco crianças”
pela “dez crianças”. De igual modo a referida lei
da Estónia estabelece um limite na matéria. Fá-lo,
no entanto, não em função do número de crianças
a nascer por dador, mas sim do número de mães
que podem ser inseminadas com gâmetas de um
mesmo dador, fixando-o, no § 13.º em seis. Cf.
CONSEIL D’ÉTAT (1999), Les Lois de Bioéthique:
Cinq Ans Après (coord.: Conseil D’État), Paris: La
Documentation Française, p. 48.
perspectivas actuais em bioética
tantes da combinação do ovócito objecto
de dação com os espermatozóides do homem que será o pai biológico da criança.
Para além de se procurar evitar a
transmissão de uma doença e/ou deficiência, procede-se também a uma escolha do dador(a) de gâmetas em termos
sociais, ou seja, em função das características que se quer na criança, como sejam a cor da pele, dos cabelos, dos olhos
e o tipo de grupo sanguíneo.
O médico procurará, pois, seleccionar um dador cujas características físicas
sejam muito próximas das do pai social,
no caso da dação de gâmetas masculinas, ou de uma dadora que seja muito
parecida com a mãe uterina e social, no
caso da dação de gâmetas femininos.
Esta selecção de gâmetas pode
constituir uma forma de eugenismo negativo, na medida em que se escolherão
os gâmetas em função do risco apresentado de transmissão de doença hereditária, excluindo os que ofereçam um risco
mais elevado. Com efeito, e pelo menos
sempre que a dação é anónima, os dadores são seleccionados em função do
risco que apresentam de transmissão de
doenças hereditárias. Esse risco pode
ser de determinação fácil (por exemplo,
nas doenças de transmissão autossómica dominante) ou difícil (por exemplo, no
caso das doenças multifactoriais) e pode
ser elevado ou reduzido.
Sendo impossível excluir todo o
dador que apresente qualquer risco de
transmissão de doença ou de predisposição para doença, coloca-se o problema
de saber a que critérios obedece a sua
selecção. A generalidade das equipas
que praticam técnicas de procriação medicamente assistida com recurso a dador
excluem os dadores que revelem risco de
transmissão de doença grave à descendência. Através desta exclusão visa-se
reduzir a frequência de genes considerados deletérios na população. Põe-se também o problema de saber o que é uma
doença “grave” nem sempre havendo
consenso, na matéria, entre os médicos.
Porém, onde o problema se faz sentir
com mais acuidade é nas situações em que
o dador apresenta risco de transmitir uma
doença ou uma deficiência cuja severidade
é questionável, como é o caso da surdez
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
ou do lábio leporino. Devem ser excluídos
da dação de gâmetas os dadores afectados
por estas doenças? A que critérios deve
obedecer a avaliação da gravidade de uma
doença ou deficiência? É exactamente no
que concerne a esta avaliação que a selecção genética dos dadores de gâmetas
pode derivar para o eugenismo. Acresce
ser esta selecção efectuada pelo médico e
não pelos progenitores sociais da criança
que irá nascer, em resultado da aplicação
das técnicas de procriação medicamente
assistida, os quais em regra ignoram que
essa decisão é tomada.
Em relação a este poder de seleccionar os dadores e de, ulteriormente, distribuir
os gâmetas segundo critérios biológicos e
sociais, de que são detentores os médicos, pode perguntar-se: Até onde pode ser
exercitado? Sob o pretexto da prevenção,
não irão aqueles empreender uma verdadeira acção de selecção eugénica?
Pode ainda questionar-se se a este
poder reconhecido ao pessoal de saúde
corresponderá a obrigação de seleccionar um dador que corresponda às características fenotípicas desejadas e se
podem ser responsabilizados em caso
de erro (por exemplo, na etnia) ocorrido
nessa selecção(7). Ou, também, se esta
escolha e a posterior combinação dos
gâmetas de uma mulher e de um homem
em função de critérios médicos e sociais
não constitui um privilégio estabelecido
em favor das pessoas que recorrem a
dação de gâmetas, em relação às outras
que têm filhos sem interferência médica
e que, por isso, não controlam com tanta precisão a transmissão de doenças
hereditárias à sua descendência. Este
controlo da “qualidade genética” dos dadores de gâmetas no sentido de prevenir
a transmissão de doenças e deficiências
7
Sobre o problema de saber se a selecção
dos dadores configura uma obrigação de fim ou
uma obrigação de meios vid. ANDORNO, Roberto
(1996), La Distinction Juridique entre les Personnes
et les Choses à L’Épreuve des Procréations Artificielles, Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, pp. 242 - 243. Na mesma linha de ideias
AMÉLIA COSTA realça a “pesada responsabilidade” que
recai sobre os médicos que procedem à selecção,
uma vez que estes podem vir “a ser responsabilizados pelas anomalias e incompatibilidades que
podiam ou deviam ter detectado e pela má qualidade do material genético fornecido e aplicado”. Cf.
COSTA, Amélia (2000), Perspectiva Jurídica de um
Acto de Amor, A Procriação Assistida, Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa, p. 139.7
pode ser discriminatório em relação aos
candidatos a dador que sejam excluídos
em função do seu património genético(8).
A selecção de dadores pode igualmente configurar uma forma de eugenismo positivo, na medida em que se escolhem os dadores que sejam não apenas
“sãos”, mas também portadores de características físicas ou psicológicas consideradas desejáveis. Escolhem-se, assim, os
gâmetas que ofereçam maior probabilidade de a criança vir a apresentar determinadas características fenótipicas.
Configura deste modo uma medida
de eugenismo positivo a criação de bancos
de esperma com selecção de dadores cuja
“qualidade genética” se declare ser “garantida”. Esta criação foi nomeadamente
sugerida por HERMANN MÜLLER, prémio Nobel
em 1946, que propôs, nos anos sessenta,
para o melhoramento da espécie humana a criação de um banco de esperma de
prémio Nobel e de outros indivíduos considerados intelectualmente superiores. Esta
proposta foi concretizada, em 1971, no Sul
da Califórnia, por ROBERT GRAHAM, que criou
a FOUNDATION FOR GERMINAL CHOICE, tendo já
nascido vários “bebés Nobel”.
A predeterminação do património
genético da criança a nascer em resultado da selecção dos dadores de gâmetas
representa portanto, e como refere LUÍS
ARCHER, a escolha de “rumos de futuro
para um ‘melhoramento’ que dificilmente recolherá um consenso da sociedade
e que poderá ser inteiramente contrário
aos desejos das gerações futuras” - caso
em que estaremos a instrumentalizá-las
com “o completo descalabro da liberdade
humana e do seu sentido ético”(9).
Se a infertilidade for considerada
uma doença, o recurso à dação de gâmetas constitui um dos métodos pos8
Poder-se-ia, porém, colocar o problema
oposto: o de o dador pretender restringir a utilização do seu esperma às mulheres pertencentes
a um certo grupo, por exemplo, às mulheres de
raça branca. A Doutrina de uma forma geral temse pronunciado contra a possibilidade de o dador
fazer destinações deste tipo. Sobre este problema
vid., por todos, OLIVEIRA, Guilherme de (1993)
“Procriação com Dador. Tópicos para uma Intervenção” in Procriação Assistida, Colóquio Interdisciplinar (12-13 de Dezembro de 1991), Coimbra:
Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 35.
síveis de a suprir. A partir do momento
em que há selecção destes, esta tem de
obedecer a critérios pré-definidos e estes
sempre implicam que se venha a considerar a transmissão de determinado tipo
de constituição genética desejável e de
outra indesejável.
É esta, aliás, a solução contida
no número 1 do artigo 10.º da Lei sobre
Procriação Medicamente Assistida Portuguesa, que permite o recurso à dádiva
de ovócitos e de espermatozóides “desde
que sejam asseguradas condições eficazes de garantir a qualidade dos gâmetas”.
Esta exigência de “garantia da qualidade
dos gâmetas” tem de ser criteriosamente
interpretada pelas equipas que aplicam as
técnicas de procriação medicamente assistida, sob pena de poder configurar uma
medida de eugenismo negativo e/ou positivo, ofensiva da dignidade humana do
nascituro gerado através do recurso a dação de gâmetas masculinas ou femininas.
SELECTION OF GAMETE DONORS
AND EUGENISM
ABSTRACT
Although artificial insemination using donor sperm started at the end of the
nineteenth century, in the XXth century
medically assisted procriation has rapidly
become a vital resource, not only for infertile couples who desire to have children
but also for couples who wish to avoid the
transmission of some hereditary diseases. Donation of male and female gametes
is preceded by selection from potential
donors, in order to exclude those donors
in which there is an elevated risk of transmission of this type of disease. This may
be a difficult choice in many practical situations, to select more “healthy” donors
and therefore ensure the best “genetic
quality”. These decisions have to take
account of the Medically Assisted Procriation Law in Portugal, specifically point
number 1 of article 10, as these options
may be offensive to the human dignity of
the newborn, generated through recourse
to donated male or female gametes.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 103-105
9 ARCHER, Luis (2006), Da Genética à Bioética, Porto: Serviço de Bioética e Ética Médica, p. 230.
perspectivas actuais em bioética
105
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Avaliação Crítica e Implementação Prática
de Ensaios Clínicos Aleatorizados
Luís Filipe Azevedo1, Altamiro da Costa Pereira1
RESUMO
A Medicina Baseada na Evidência
(MBE) é genericamente definida como a
aplicação consciente, explícita e criteriosa
da melhor evidência científica disponível na
tomada de decisões sobre o cuidado individual dos doentes. Nesta rubrica de Pediatria Baseada na Evidência têm vindo a ser
abordados os aspectos conceptuais, metodológicos e operacionais relativos à prática
da MBE no âmbito específico da Pediatria.
Neste artigo é apresentado um exemplo
prático de aplicação dos conceitos, métodos e competências abordados nos artigos
anteriores, debruçando-se especificamente
sobre a avaliação crítica e aplicação prática
de ensaios clínicos aleatorizados (ECA’s).
É apresentado um cenário clínico em que
surge a necessidade de encontrar e avaliar a evidência científica existente sobre a
eficácia da utilização de antibióticos no tratamento da otite média aguda em crianças
com menos de 2 anos. São discutidos os
métodos de pesquisa da evidência mais
actual e mais apropriada à questão; e é sugerida uma metodologia sistemática para
a avaliação crítica de ECA’s incluindo três
fases distintas: (1) avaliação da validade ou
qualidade metodológica do ECA; (2) avaliação da importância científica e prática dos
seus resultados e (3) avaliação da aplicabilidade prática dos mesmos.
Palavras-chave: Ensaios clínicos
aleatorizados, medicina baseada na evidência, otite média aguda, antibióticos,
observação expectante.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 106-119
__________
1
Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e Centro de Investigação em
Tecnologias e Sistemas de Informação em
Saúde – CINTESIS.
106
pediatria baseada na evidência
INTRODUÇÃO
A Pediatria Baseada na Evidência
foi genericamente definida, no primeiro
artigo desta série(1), como a aplicação
consciente, explícita e criteriosa da melhor evidência científica disponível na
tomada de decisões sobre o cuidado individual dos doentes pediátricos(2-4). No
segundo e terceiro artigos da série(5,6) foram desenvolvidos em maior detalhe os
aspectos relacionados com a formulação
de questões clínicas, a eficaz pesquisa
da evidência científica e a avaliação crítica da mesma (validade ou qualidade
metodológica, importância científica e
prática dos resultados e aplicabilidade
prática dos mesmos). No quarto artigo(7)
foi iniciada a apresentação de um conjunto de exemplos e cenários práticos
que exemplificam a aplicação dos métodos e competências abordadas, tendo
sido o primeiro exemplo dedicado à avaliação crítica e implementação prática
de revisões sistemáticas e estudos de
meta-análise.
Neste quinto artigo da série será
apresentado um cenário prático no qual
se exemplifica a aplicação destes conceitos, métodos e competências no âmbito
da avaliação crítica e implementação prática de ensaios clínicos aleatorizados.
CENÁRIO CLÍNICO
Manuel, de 18 meses de idade, é
trazido pelas sua mãe ao consultório do
seu pediatra assistente com febre, há
cerca de 12 horas, e depois de ter estado acordado, choroso e irritado durante
a noite. O Manuel ainda consegue manter uma hidratação adequada e não está
prostrado, no entanto, é visível que tanto
ele como a sua mãe estão exaustos devido à noite mal dormida. No exame físico
a única alteração relevante é a existência
de alterações na otoscopia, com rubor e
ligeiro abaulamento da membrana timpânica à direita. O Manuel é uma criança
sem antecedentes patológicos ou familiares relevantes e sem história de otites
prévias. Não apresenta história de alergias a antibióticos ou outros medicamentos. O diagnóstico do seu pediatra assistente é de otite média aguda (OMA).
A mãe do Manuel, exausta e ligeiramente preocupada, solicita ao pediatra
a prescrição de um antibiótico, referindo
que esse é o único tratamento que funciona no seu sobrinho de 5 anos que está
constantemente a ter otites.
O pediatra do Manuel assistiu recentemente a uma sessão de formação sobre
utilização racional de antibióticos e prevenção de resistências, e está consciente da necessidade de evitar, tanto quanto
possível, a utilização excessiva de antibióticos. Adicionalmente, lembra-se de um
colega pediatra mais experiente lhe ter referido, durante a semana anterior, que não
utiliza por rotina antibióticos no tratamento de otites médias agudas (OMA), facto
que o deixou algo surpreendido. Neste
cenário, o pediatra assistente do Manuel
questiona-se sobre a necessidade de instituir terapêutica antibiótica neste caso, e
decide procurar evidência científica que
lhe permita apoiar a sua decisão.
FORMULAÇÃO DA QUESTÃO
Neste contexto, coloca-se ao pediatra uma questão relativa à eficácia da
terapêutica antibiótica no tratamento da
otite média aguda (OMA) numa criança com menos de dois anos. Assim, ao
pensar na formulação de questão clínica, dever-se-ão ter em atenção os seus
quatro elementos essenciais(5): (1) a população são crianças com menos de dois
anos, sem antecedentes relevantes, com
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
um quadro de OMA sem outras complicações; (2) a intervenção a avaliar será a
terapêutica antibiótica; (3) a intervenção
alternativa será o tratamento placebo e/
ou a observação expectante e (4) as variáveis de resultado clínico relevantes neste caso dizem respeito à resolução clínica
e à prevenção de complicações a curto,
médio e longo prazo.
PESQUISA DA EVIDÊNCIA
Tendo em conta que a questão clínica de interesse é a da eficácia de uma
intervenção terapêutica, a procura de evidência científica dever-se-á focar, essencialmente, nos ensaios clínicos aleatorizados (ECA), pois estes são os estudos
primários com maior nível de evidência
científica neste tipo de questões.
Neste caso, o pediatra começou
então por fazer uma pesquisa bibliográfica utilizando o serviço de acesso à
base de dados Medline da PubMed(5),
com o objectivo de encontrar ECA’s sobre a eficácia da terapêutica antibiótica
no tratamento da OMA, em crianças com
menos de dois anos. Para isto, começou
por identificar os termos MeSH(5) associados a acute otitis media, tendo verificado que só existe o termo MeSH “otitis
media”. Em seguida, decidiu utilizar, para
a identificação da patologia, a seguinte
query (acute AND "Otitis Media"[Mesh]).
Adicionou termos para identificação do
grupo etário de interesse (crianças com
menos de 2 anos) e exclusão de outros
grupos etários, com auxílio dos termos
MeSH aplicados através da utilização da
funcionalidade Limits do Pubmed. Assim,
a segunda parte da query utilizada foi
("Infant"[Mesh:NoExp] NOT ("child"[MeSH
Terms:noexp] OR "adolescent"[MeSH
Terms] OR "adult"[MeSH Terms:noexp])).
Adicionou também um termo para a identificação da intervenção em causa – antib* (a utilização do asterisco – wildcard
character – permite incluir na pesquisa
todos os possíveis termos que tenham a
raiz comum identificada antes do mesmo,
neste caso, serão incluídos por exemplo,
antibiotic, antibiotics, antibacterial, antibiotherapy, etc). Utilizando estas três
partes da query ligadas por operadores
booleanos AND, aplicou a funcionalidade
clinical queries da Pubmed para adicio-
nar filtros de pesquisa metodológicos específicos para questões de tratamento.
Esta versão final da query de pesquisa permitiu-lhe, à data de realização
da pesquisa, a identificação de 40 artigos. Uma rápida análise dos títulos destes resultados permitiu-lhe identificar pelo
menos um artigo altamente relevante,
sobre a questão em análise e no grupo
etário pretendido. Na posição 17 da lista, encontrou o artigo de Damoiseaux et
al., publicado em 2000, no British Medical
Journal e intitulado “Primary care based
randomised, double blind trial of amoxicillin versus placebo for acute otitis media
in children aged under 2 years”(8). O passo seguinte foi aceder à versão integral
do artigo e iniciar a sua análise crítica.
AVALIAÇÃO CRÍTICA DA EVIDÊNCIA –
ENSAIOS CLÍNICOS ALEATORIZADOS
Os ensaios clínicos aleatorizados
são o exemplo paradigmático de estudos
experimentais em investigação clínica.
Estes distinguem-se dos estudos observacionais pela existência de um controlo
directo da intervenção a avaliar e pela
existência de uma atribuição aleatória
da mesma pelos participantes no estudo
(aleatorização ou randomização).
Pela sua natureza controlada e
pelo uso da aleatorização, os ECA’s são
considerados como o método padrão de
avaliação da eficácia de intervenções
terapêuticas, sendo hoje uma parte fundamental do processo regulamentar de
obtenção da autorização de introdução
no mercado de qualquer medicamento
ou dispositivo médico, e essenciais para
justificar a utilização de qualquer intervenção terapêutica ou preventiva de uma
forma geral. Neste âmbito, a discussão
será feita em particular sobre os designados ensaios clínicos de fase III.
Tendo encontrado o ensaio clínico
aleatorizado que pretendia, o desafio
seguinte que se coloca ao pediatra assistente do Manuel será, então, definir e
aplicar um conjunto de critérios que lhe
permitam avaliar este artigo relativamente a três aspectos fundamentais (Tabela
1): (A) a sua validade ou qualidade metodológica; (B) a importância dos seus
resultados e (C) a aplicabilidade prática
dos mesmos.
(A) Avaliação da validade ou qualidade metodológica
Apesar dos ECA’s serem o padrão
metodológico na resposta a questões sobre a eficácia de intervenções terapêuticas, devido ao seu carácter controlado e
à aplicação da aleatorização, a verdade
é que a qualidade destes está, tal como
qualquer outro tipo de estudo, dependente
do controlo de um vasto conjunto de outras
importantes fontes de erros sistemáticos
e aleatórios que devem ser conhecidas,
detectadas e prevenidas. Neste contexto,
definem-se habitualmente os seguintes
critérios (Tabela 1) para avaliação da validade ou qualidade metodológica de ensaios clínicos aleatorizados(9-15):
1) Houve uma adequada atribuição
aleatória das intervenções (aleatorização ou randomização)?
O processo de atribuição aleatória das intervenções – aleatorização – é
um pilar fundamental dos estudos experimentais em humanos, garantindo o
controlo de potenciais erros sistemáticos
decorrentes do confundimento e de viéses de selecção(9-12). Esta é a vantagem
fundamental dos ECA’s relativamente
aos estudos observacionais. Nestes segundos, a potencial existência de confundimento e viéses de selecção, por não
haver aleatorização das intervenções ou
factores em estudo, são barreiras formais
à interpretação causal directa dos efeitos
observados(9-12).
Num ECA, o processo de atribuição
aleatória da intervenção, se adequadamente executado, permite criar grupos
(experimental e de controlo) comparáveis
e homogéneos quanto às características
ou variáveis que podem potencialmente
influenciar o resultado clínico subsequente, sendo as diferenças entre estes grupos devidas unicamente ao processo aleatório que os determina. Por este motivo,
é lícito interpretar as diferenças observadas prospectivamente entre estes grupos,
quanto às variáveis de resultado clínico
relevantes, como sendo resultantes do
efeito causal da intervenção, desde que
essas diferenças estejam para além das
que seriam de esperar pelo mero acaso.
A decisão sobre se as diferenças estão
ou não além das esperadas decorre da
pediatria baseada na evidência
107
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
aplicação de testes estatísticos de hipóteses adequados, que permitem decidir,
precisamente, se as diferenças são ou
não estatisticamente significativas.
Do ponto de vista prático, a verificação da existência de um método adequado de atribuição aleatória das intervenções passa pela confirmação de que
o processo utilizado foi realmente aleatório. A expressão “atribuição aleatória da
intervenção” tem um significado técnico
preciso, e implica que cada participante
tenha uma probabilidade conhecida de
pertencer a um ou outro grupo, definida por um processo aleatório; sendo, no
entanto, impossível prever, à partida, a
intervenção a que cada participante será
submetido. Na generalidade dos casos,
hoje em dia, este processo é feito através
de aplicações informáticas específicas,
que utilizam algoritmos que garantem um
processo aleatório de alocação das intervenções. Frequentemente, o processo é
coordenado por centros de aleatorização,
que remotamente e de forma independente controlam e garantem a qualidade da
aleatorização. Continuam a encontrar-se,
por vezes, métodos mais simples, mas
quando bem usados igualmente eficazes
(se bem que são de fácil manipulação e
consequente risco de uso inadequado),
como por exemplo a utilização de tabelas
de números aleatórios ou outros métodos
tradicionais de geração de resultados aleatórios (ex: a moeda ao ar)(9-12).
A avaliação do processo de aleatorização deverá incluir também a verificação da existência de aleatorização estra-
Tabela 1: Critérios de avaliação de ensaios clínicos aleatorizados relativamente
a três aspectos fundamentais: (1) validade ou qualidade metodológica, (2) importância
dos resultados e (3) aplicabilidade prática dos resultados.
(A) Avaliação da validade ou qualidade metodológica:
1. Houve uma adequada atribuição aleatória das intervenções (aleatorização ou randomização)?
2. A lista de atribuições aleatórias foi ocultada aos profissionais de saúde ou investigadores
responsáveis pelo recrutamento dos participantes e atribuição das intervenções?
3. Todos os participantes foram analisados nos grupos em que foram inicialmente alocados
(análise segundo o princípio da intenção-de-tratar)?
4. Existiu ocultação (blinding ou masking) do grupo de intervenção a que cada participante
pertence em todos os parceiros envolvidos na execução do estudo?
5. O seguimento (follow-up) dos participantes foi suficientemente longo e completo?
6. As variáveis de resultado clínico consideradas na análise são adequadas e adequadamente
definidas?
7. As intervenções de comparação foram adequadamente seleccionadas?
8. Os grupos experimental e de controlo eram comparáveis, no início do estudo, relativamente a
outras variáveis que possam eventualmente influenciar os resultados do mesmo?
9. São apresentados e adequadamente enquadrados e discutidos os resultados de análises de
subgrupos?
(B) Avaliação da importância científica e prática dos resultados
10. Qual é a magnitude e consequente importância científica, prática ou clínica do efeito da
intervenção em estudo?
11. Qual é a precisão da estimativa de efeito da intervenção apresentada?
(C) Avaliação da aplicabilidade prática dos resultados
12. Serão os resultados do estudo aplicáveis ao meu doente, tendo em conta as suas
características específicas e individuais? Serão os resultados do estudo generalizáveis?
13. No contexto onde me insiro, estarão as intervenções terapêuticas avaliadas disponíveis e
serão estas aplicáveis na prática clínica?
14. Quais são os potenciais benefícios e malefícios das intervenções terapêuticas no meu doente
em particular?
15. Quais são as opiniões, valores e expectativas do meu doente relativamente aos resultados
clínicos esperados e à intervenção terapêutica proposta?
108
pediatria baseada na evidência
tificada e/ou aleatorização permutada em
blocos (incluindo o tipo e tamanho dos
blocos utilizados)(9).
A aleatorização estratificada resulta
da aplicação de um processo independente de aleatorização das intervenções
em determinados subgrupos de participantes, criados em função de variáveis
especialmente relevantes no contexto do
estudo(9,16). Por exemplo, fazer uma aleatorização estratificada em função do sexo
implica desenvolver o processo de atribuição aleatória da intervenção, independentemente, no subgrupo de participantes
do sexo feminino e no subgrupo do sexo
masculino (garantindo a comparabilidade dos grupos de intervenção e controlo
assim formados em cada um dos subgrupos). Este processo permite ter um controlo adicional (além do garantido pela aleatorização) sobre variáveis de confusão
mais importantes ou sobre variáveis que
suspeitamos possam ser modificadoras
do efeito da intervenção em estudo. Na
generalidade, a estratificação só pode ser
feita em função de um grupo restrito de
variáveis (devido às limitações no tamanho da amostra). Sublinhe-se, no entanto,
que no plano formal, só esta estratégia
garante a possibilidade de interpretar os
resultados das frequentemente usadas
análises de subgrupos directamente como
efeitos causais (ver abaixo)(16).
A aleatorização permutada em blocos é um método utilizado para controlar
as flutuações ao acaso dos tamanhos
dos grupos a comparar(9). Fazer uma aleatorização permutada em blocos implica
não fazer atribuição aleatória da intervenção indivíduo a indivíduo, mas antes em
grupos de indivíduos. Por exemplo, tipicamente uma aleatorização permutada
em blocos de 10 elementos, num ECA
para comparação de duas estratégias
alternativas (com distribuição 1:1, isto é,
com igual número de participantes nos
dois grupos), é feita definindo à partida
de forma aleatória, para cada conjunto
sequencial de 10 participantes, qual a
permutação escolhida com 5 elementos
alocados a cada grupo (ex: ECCECEEECC, em que o primeiro participante
seria do grupo experimental, o segundo
e terceiro do grupo de controlo, e assim
sucessivamente). Este método garante
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
uma distribuição aleatória dos participantes pelos grupos, mas simultaneamente
controla exactamente o tamanho de cada
um dos grupos. Recomenda-se habitualmente a utilização de blocos de grande
tamanho e, de preferência, com tamanhos de bloco a variar aleatoriamente.
A avaliação do artigo de Damoiseaux et al. [8], em análise neste caso, permite verificar que os autores implementaram, de facto, um processo aleatório
de atribuição das intervenções, descrito
na subsecção “Assignment and blinding”
da secção “Methods”. Da descrição feita
parece ter havido uma atribuição aleatória da intervenção, feita centralmente
utilizando uma aplicação informática e
aplicando um método de aleatorização
permutada em blocos. Apesar de satisfatória, os autores poderiam ter sido um
pouco mais detalhados na descrição do
processo, do tamanho e tipo de blocos
utilizados. A expressão usada no artigo
“two block randomisation” não permite
perceber claramente o que foi feito.
2) A lista de atribuições aleatórias
foi ocultada aos profissionais
de saúde ou investigadores responsáveis pelo recrutamento dos
participantes e atribuição das intervenções?
Um processo de atribuição aleatória da intervenção eficaz depende, na
prática, de dois aspectos intrinsecamente ligados: a adequada geração de uma
sequência imprevisível de atribuições e
a ocultação dessa sequência aos responsáveis pelo recrutamento dos participantes, até a alocação da intervenção
ter tido lugar(9,17-19). Uma questão fundamental será garantir a imprevisibilidade
da sequência de atribuições(20). O método de alocação das intervenções deverá
ser implementado de forma a garantir
que seja impossível aos responsáveis
pelo recrutamento dos participantes saber, prever ou manipular a intervenção
a atribuir ao próximo participante recrutado. Esta característica é mais comummente conhecida pela sua designação
em inglês – allocation concealment(17,18).
Existe evidência empírica que demonstra
a importância deste critério, sendo que
este impede que a acção consciente ou
inconsciente do clínico ou investigador
responsável pelo recrutamento e alocação das intervenções possa perturbar a
comparabilidade dos grupos criada pelo
efeito da aleatorização(18,19,21).
Infelizmente, a descrição que é feita
nas publicações de ECA’s relativamente
a este ponto, não é geralmente muito
satisfatória, sendo muitas vezes difícil julgar sobre a existência de um adequado
allocation concealment(17-21). Sempre que
o processo de aleatorização e alocação
das intervenções esteja a cargo de um
centro de aleatorização, independente e
fisicamente separado do local onde os
participantes estão a ser recrutados, este
critério estará a ser muito provavelmente
cumprido. Outros métodos frequentemente usados para garantir este ponto são,
por exemplo, a utilização de envelopes
selados e sequencialmente numerados e
o uso de embalagens incaracterísticas e
sequencialmente numeradas(9,19).
No artigo de Damoiseaux et al.(8) é
possível verificar, na subsecção “Assignment and blinding” da secção “Methods”,
que os autores do estudo utilizaram embalagens não identificáveis e uma lista de
atribuições que era gerida por um centro
independente (farmácia do hospital),
garantindo desta forma uma adequada
ocultação da lista de atribuições e do processo de alocação das intervenções.
3) Todos os participantes foram analisados nos grupos em que foram
inicialmente alocados (análise
segundo o princípio da intenção-de-tratar)?
A análise de resultados num ECA
deverá seguir, em primeira instância e
de acordo com as recomendações nesta
área(9,22,23), o princípio de intenção-de-tratar (intention-to-treat analysis – ITT). Isto
significa que a comparação dos grupos
em avaliação, relativamente às variáveis
de resultado clínico analisadas, deverá
considerar todos os indivíduos alocados a
cada um dos grupos, respeitando a atribuição aleatória da intervenção inicial,
independentemente do que acontece depois dessa alocação; incluindo todos os
participantes independentemente do tratamento de facto realizado, subsequente
abandono do estudo ou alteração do pro-
tocolo do mesmo(9,22-25). Assim, deverão
ser considerados na análise, e nos grupos
inicialmente definidos, todos os participantes mesmo que estes: (1) tenham saído
do estudo e não tenham seguido a intervenção que lhes foi atribuída (drop-out);
(2) tenham, por qualquer razão, saltado
do braço de controlo para o braço experimental (drop-in); (3) não tenham, total ou
parcialmente, aderido ao tratamento atribuído (noncompliance); (4) tenham, por
qualquer razão, deixado de ser seguidos
no contexto do estudo (lost to follow-up);
(5) tenham abandonado voluntariamente
o estudo (withdrawn) ou (6) não tenham,
por qualquer razão, seguido o protocolo
do estudo (protocol violations).
A alternativa a uma análise segundo
o princípio da intenção-de-tratar é uma
análise em que são só considerados os
participantes em função das intervenções
de facto realizadas ou do protocolo de
facto seguido (on-treatment analysis ou
per-protocol analysis)(23,24). Esta análise
alternativa poderá complementar a análise segundo o princípio de intenção-detratar mas não deverá substituí-la(9).
A análise ITT é mais adequada que
as alternativas por três razões essenciais(9,23,25). Em primeiro lugar, a análise
ITT é o método mais apropriado para
preservar a comparabilidade dos grupos
que resulta da aleatorização inicialmente
feita num ECA. A consideração unicamente dos participantes que são de facto
submetidos às intervenções ou que completam o protocolo do estudo leva a uma
avaliação enviesada do efeito da intervenção por romper a aleatorização inicial
do estudo. Na generalidade, as violações
do protocolo, as saídas do estudo ou a
não-adesão estão associadas simultaneamente às intervenções (geralmente são
mais frequentes no grupo experimental,
devido por exemplo às reacções adversas) e às variáveis de resultado clínico
(geralmente os doentes que saem ou
abandonam têm pior prognóstico), logo,
a sua exclusão leva à não comparabilidade dos grupos e ao enviesamento na
avaliação do efeito da intervenção (geralmente sobrestimação). Em segundo
lugar, a análise ITT responde à questão
essencial e pragmática que tem, na generalidade, mais interesse para o clínico
pediatria baseada na evidência
109
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
– será que a decisão de utilizar determinada intervenção e a sua recomendação/
prescrição estão associadas a um melhor
resultado clínico? Na verdade, esta questão é mais relevante e diferente daquela
que uma análise per-protocol ou on-treatment permite responder. Numa análise
per-protocol a questão que é respondida
é – será que a utilização de facto da intervenção, caso o indivíduo cumpra escrupulosamente o protocolo do estudo e
as recomendações sobre a aplicação da
intervenção, está associada a um melhor
resultado clínico? Como já foi referido, a
resposta que é possível dar neste tipo de
análise será sempre potencialmente enviesada, para além de não ser geralmente
a resposta mais útil para o clínico. Em terceiro lugar, uma análise ITT proporciona
uma metodologia para o tratamento dos
casos de quebras de protocolo, desistências e perdas de follow-up mais apropriada, mais segura e menos sujeita a potenciais manipulações(9,22). Estas situações
são frequentes e muitas vezes de difícil
definição e tratamento, pelo que podem
ser alvo fácil de manipulação. A análise
ITT (se adequadamente implementada)
obriga a um tratamento padronizado e
não ambíguo destes casos(9,22).
Assim, a apresentação de uma análise ITT é um critério importante e que
está associado à qualidade metodológica
global do ECA(22,23,25). A verificação deste
critério é, no entanto, por vezes difícil,
dado que os artigos descrevem muitas
vezes de forma incompleta a análise e o
percurso de cada um dos participantes
no ECA e utilizam de forma inadequada
a expressão “análise segundo o princípio
de intenção-de-tratar” (referindo-a mas
não a aplicando). Na prática, a avaliação
do tipo de análise feita implica a verificação dos participantes considerados na
mesma, idealmente contemplando todos
os indivíduos segundo as alocações iniciais. As únicas situações em que poderá
ser lícito excluir participantes da análise
são: (1) participantes que, por qualquer
razão, são erradamente incluídos no estudo e que não cumprem os critérios de
inclusão; (2) participantes que foram prematuramente aleatorizados e a quem lhes
foi atribuída uma intervenção que, de facto, nunca chegaram a receber, desde que
110
pediatria baseada na evidência
a alocação ao grupo experimental não
influencie a probabilidade de se receber
a intervenção; (3) participantes para os
quais não foi possível obter dados sobre
as variáveis de resultado clínico analisadas (note-se que é obrigatório num ECA
desenvolver todos os esforços para a obtenção dos dados relativos às variáveis
de resultado em todos os participantes,
especialmente no caso de abandonos ou
perdas de seguimento), dado que naturalmente neste caso é impossível incluílos na análise.
No artigo de Damoiseaux et al.(8) é
possível verificar, no segundo parágrafo da subsecção “Sample size and data
analysis” da secção “Methods”, que os
autores referem ter utilizado uma análise
segundo o princípio de intenção-de-tratar.
A avaliação subsequente da secção de resultados permite confirmar que, de facto, a
análise feita segue o princípio de intençãode-tratar, dado que é possível verificar o
que aconteceu com todos os participantes
do ensaio no flow-chart apresentado nesta
secção e é possível verificar, na tabela 2,
que o cálculo das medidas de efeito consideraram todos os participantes (para os
quais existem dados disponíveis) segundo as alocações iniciais.
4) Existiu ocultação (blinding ou
masking) do grupo de intervenção
a que cada participante pertence
em todos os parceiros envolvidos
na execução do estudo?
O termo ocultação (blinding ou
masking) no contexto de um ECA referese à existência de desconhecimento do
grupo de intervenção a que cada participante pertence por parte dos próprios
participantes e dos investigadores e profissionais de saúde responsáveis pelo
seu seguimento, pela recolha de dados,
pela avaliação das variáveis de resultados ou pela análise dos resultados, de
forma a garantir que este conhecimento
não possa afectar o seu comportamento
ao longo do ECA e enviesar os resultados do mesmo(26,27). A ocultação é genericamente uma ferramenta metodológica
muito importante, mas a sua relevância
prática dependente do contexto clínico,
do tipo de intervenções e do tipo de variáveis de resultado clínico em análise(26,27).
A ocultação dos participantes do estudo é fundamental para evitar a influência que o conhecimento da intervenção
pode ter na manifestação e observação
do resultado clínico; e visa evitar viéses
relacionados com os efeitos não específicos da intervenção. A ocultação ao nível
dos participantes e dos investigadores
ou profissionais de saúde responsáveis
pelo seguimento e recolha de dados visa
evitar viéses relacionados com eventuais
diferenças no seguimento, tratamento
ou cuidados prestados (ou exigidos) aos
participantes de diferentes grupos (viéses de desempenho – performance bias).
A ocultação ao nível dos investigadores
responsáveis pela avaliação das variáveis
de resultado clínico é fundamental, pois
impede que esta avaliação seja afectada
consciente ou inconscientemente pelo
conhecimento da intervenção e permite
evitar viéses de informação, de observador ou de avaliação (observer, ascertainment ou assessment bias). A ocultação
ao nível dos investigadores responsáveis
pela análise dos dados é hoje também
recomendada; e impede eventuais influências no tipo e profundidade da análise
estatística efectuada(26-30).
Existe abundante evidência empírica
que demonstra a importância da ocultação nos vários níveis referidos, sendo que
a não implementação ou inadequada descrição dos métodos de ocultação parecem
estar associados a uma avaliação enviesada dos efeitos das intervenções, na generalidade sobrestimando-os(18,21,26,31).
É frequente haver descrições incompletas dos métodos de ocultação utilizados
e existe grande heterogeneidade no significado dado a expressões como “double
blinding”. Por este motivo, recomenda-se
que a descrição do processo de ocultação
seja o mais completa e explícita possível
e que sejam mencionados os vários níveis em que esta foi implementada e os
métodos que foram utilizados [27-31]. A
avaliação deste critério está dependente
da verificação, para cada nível, do tipo e
métodos de ocultação que foram implementados, e das garantias que estes dão
sobre a eficácia da ocultação.
No artigo de Damoiseaux et al.(8) é
possível verificar, na subsecção “Assignment and blinding” da secção “Methods”,
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
que os autores referem ter feito a ocultação ao nível das crianças participantes,
dos seus pais e dos investigadores envolvidos no estudo. Apesar da referência, não
são dadas explicações adicionais sobre os
métodos de ocultação dos investigadores
e sobre a ocultação aquando da avaliação
das variáveis de resultado clínico. É referido que o placebo utilizado tinha uma cor e
sabor idênticas ao antibiótico aplicado no
grupo experimental, garantindo a ocultação das crianças e dos seus pais. É ainda
descrito o facto de ter havido ocultação
dos pais e investigadores como garantia
de um tratamento igual dos participantes
nos dois grupos ao longo do estudo.
5) O seguimento (follow-up) dos
participantes foi suficientemente
longo e completo?
O seguimento dos participantes no
contexto de um ECA é, muitas vezes,
longo e complexo. É de todo o interesse, a bem da qualidade do estudo, que o
seguimento dos participantes seja o mais
completo possível, uma vez que as características e os resultados clínicos dos
participantes perdidos são, na generalidade, diferentes daqueles que são completa e adequadamente seguidos(10,18,21).
É recomendada a implementação de
métodos que visem maximizar a probabilidade de sucesso no seguimento dos
participantes; e no caso de haver perdas,
dever-se-á desenvolver esforços para
obter o máximo de informação possível
sobre o ocorrido e, de preferência, dados
sobre as variáveis de resultado clínico.
Não existem recomendações estritas
sobre o que será um nível aceitável de
perda de seguimento, no entanto, alguns
autores usam a referência dos 80% de
participantes com seguimento completo
como o mínimo aceitável(10).
A duração do seguimento é também
um factor decisivo, já que esta deve garantir a possibilidade teórica e prática de
observação, em todos os participantes,
de todos os eventos clínicos relevantes
relacionados com as variáveis de resultado importantes no contexto clínico em
causa (ex: se estamos interessados na
avaliação da mortalidade num ensaio
sobre eficácia de anti-hipertensores em
doentes de 50 anos, um período de se-
guimento de 1 mês ou 3 meses será claramente insuficiente)(10). Simultaneamente, no entanto, o seguimento deverá ser o
mais curto possível de forma a minimizar
as perdas de seguimento e ser o menos
intrusivo possível na vida dos participantes. O equilíbrio entre estes dois objectivos antagónicos é difícil mas deverá ser
procurado da melhor forma.
A verificação da descrição feita sobre a magnitude e causas das perdas de
seguimento e sobre a duração média do
seguimento são, portanto, critérios fundamentais na avaliação da qualidade de
ECA’s(9-11).
No artigo de Damoiseaux et al.(8) é
possível verificar, no flow-chart e no texto da secção “Results”, que os autores
descrevem adequada e detalhadamente
todos os casos em que existiu perda de
seguimento e não foi possível obter informação sobre as variáveis de resultado
clínico. Neste estudo existiu uma duração
de seguimento adequada às variáveis de
resultado clinicamente relevantes e as
proporções de perda de seguimento foram muito satisfatórias (as proporções de
participantes com seguimento completo
foram de 98%, 91% e 88%, respectivamente para os 4 dias, 11 dias e 6 semanas de seguimento).
6) As variáveis de resultado clínico consideradas na análise são
adequadas e adequadamente definidas?
O desenho e execução de um ECA
implica sempre a medição de variáveis
de resultado clínico (outcomes) para
comparação dos grupos e efectiva avaliação do efeito da intervenção em análise. As variáveis de resultado primárias
(primary outcomes) são as variáveis de
maior interesse no estudo, deverão ser
em número limitado (idealmente só uma)
e geralmente são utilizadas para o cálculo do tamanho da amostra. As variáveis
de resultado secundárias são complementares relativamente às primárias,
sendo importante que incluam, além de
variáveis de eficácia, variáveis relativas à
segurança das intervenções (ex: eventos
ou reacções adversas)(9-11).
A escolha de quais as variáveis de
resultado clínico a considerar num ECA
deverá ter em conta as recomendações
existentes na área clínica específica (ex:
documentos de consenso de sociedades
científicas internacionais) e, idealmente,
estas deverão estar devidamente estudadas e validadas, de forma a garantir a qualidade das medições e a comparabilidade
com outros estudos. As variáveis de resultado deverão ser descritas de forma detalhada e completa, indicando claramente
quais as primárias e quais as secundárias.
A descrição deverá incluir a sua definição,
demonstração da sua relevância e indicação da metodologia seguida na sua
medição. Aspectos importantes são, por
exemplo, a indicação de quem fez a observação das variáveis; se houve ou não
observadores múltiplos; se a observação
foi com ou sem ocultação; se existiu mais
que um ponto de avaliação ao longo do
tempo (e se sim, qual o momento considerado na definição da variável de resultado) e o protocolo e tecnologia utilizada
nas medições (se apropriado)(9-11).
Dois problemas importantes relacionados com a definição de variáveis de
resultado num ECA são: primeiro, a utilização de variáveis de resultado indirectamente relacionadas com as variáveis
clinicamente mais importantes num determinado contexto (surrogate outcomes
ou endpoints); segundo, a utilização de
variáveis de resultado compostas, que
resultam da agregação de vários eventos clinicamente relevantes mas distintos
(composite outcomes ou endpoints).
Frequentemente num ECA a utilização das variáveis de resultado realmente
relevantes do ponto de vista clínico (ex:
mortalidade global, mortalidade cardiovascular, mortalidade devido a cancro,
incapacidade a longo prazo, perda de
acuidade visual ou de outras funções relevantes, etc.) podem implicar longos períodos de seguimento e um grande número
de participantes. Por este motivo, e devido à pressão comercial e à necessidade
de resultados rápidos e baratos, tem-se
tornado cada vez mais frequente a utilização de variáveis de resultado que, apesar
de não serem as de maior interesse clínico, se assume estarem directamente relacionadas com as variáveis clinicamente
mais importantes (surrogate outcomes),
permitindo fazer estudos mais curtos,
pediatria baseada na evidência
111
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
pequenos e baratos (ex: reduções de
tamanho de tumores, diminuições de níveis de colesterol, diminuições de níveis
de pressão arterial, contagens de células
CD4+, etc.). Em muitos casos, este aspecto pode ser perfeitamente aceitável,
no entanto, convém chamar a atenção
para dois factos: primeiro, é fundamental
estudar, sempre que possível, as variáveis que são na realidade clinicamente
relevantes; segundo, frequentemente a
assumpção fundamental de uma relação
estrita e linear entre os surrogate outcomes e as variáveis de resultado realmente importantes não é, por razões várias,
verdadeira, implicando isto que não seja
lícito concluir sobre os segundos na base
de resultados sobre os primeiros(14,32).
As variáveis de resultado compostas são frequentemente utilizadas e resultam da consideração conjunta de vários
eventos potencialmente relevantes numa
única variável. Por exemplo, é habitual
em ensaios clínicos da área cardiovascular considerar uma variável composta
de “eventos cardiovasculares relevantes”
que resulta da junção de angina, enfarte do miocárdio não fatal e morte. Neste
caso a variável “evento cardiovascular
relevante” estará presente se qualquer
um dos eventos que a compõem acontecer. A utilização de variáveis de resultado
compostas é também uma estratégia que
permite aumentar a eficiência estatística
dos ensaios clínicos, no entanto, o seu
uso reveste-se de vários problemas que
devem ser considerados. Primeiro, uma
variável composta junta frequentemente
eventos com relevâncias muito diversas
(ex: angina e morte); segundo, os eventos
mais relevantes podem ser bastante mais
raros que os restantes (ex: um efeito detectado poderá reflectir maioritariamente
reduções na angina e não na mortalidade); terceiro, o efeito da intervenção pode
ser diferente nos vários componentes da
variável composta (ex: uma intervenção
poderá ter um efeito na redução da angina mas não na mortalidade). Assim, se
os eventos clinicamente mais relevantes
são raros ou se há suspeita da existência de efeitos diferentes nos vários componentes, não será aconselhável olhar
só para as variáveis compostas, mas
antes verificar o efeito da intervenção
112
pediatria baseada na evidência
nos vários componentes isolados, ainda
que isto possa implicar algumas perdas
na precisão das estimativas dos efeitos
(relacionada com a raridade dos eventos
mais relevantes)(33).
No artigo de Damoiseaux et al.(8)
é possível verificar, na subsecção “Outcome measures” da secção “Methods”,
que existe uma descrição detalhada e
completa das variáveis de resultado primárias e secundárias consideradas no
estudo. Foram utilizadas as variáveis de
resultado clínico geralmente encontradas
em estudos desta natureza, são descritos
os métodos utilizados na sua medição e,
no caso do diagnóstico de derrame no
ouvido médio às 6 semanas, apresentadas referências que suportam a validade
do método utilizado. A variável de resultado primária aplicada neste estudo foi a
persistência de sintomas ao quarto dia,
avaliada pelo médico assistente e definida como a persistência de otalgia, febre
(≥38ºC), choro ou irritabilidade, este é um
exemplo de uma variável de resultado
composta, dado que implica a presença,
aos 4 dias, de qualquer um dos 4 eventos componentes. Embora clinicamente
muito útil, esta variável permite, eventualmente, classificar da mesma forma uma
criança unicamente com persistência de
otalgia (não muito fácil de avaliar nesta
idade) e uma criança com persistência
de febre e irritabilidade aos 4 dias. Este
exemplo extremo ilustra o problema do
uso das variáveis compostas, no entanto
neste caso a sua utilização revela-se útil
e necessária. A variável de falência terapêutica aos 11 dias utilizada no estudo
é também um exemplo de uma variável
composta.
7) As intervenções de comparação
foram adequadamente seleccionadas?
Várias revisões sistemáticas têm
demonstrado que ensaios clínicos realizados pela indústria farmacêutica tendem a apresentar efeitos de intervenções
mais positivos que os ensaios realizados
por entidades sem fins lucrativos(34,35).
Uma das aparentes razões deste fenómeno está relacionada com a escolha
apropriada das intervenções de comparação(33,35,36). Apesar de ensaios clínicos
que utilizam o placebo como comparador
serem muito importantes no plano cientifico e regulamentar, clinicamente a comparação mais relevante será, na maioria
das vezes, com as outras intervenções
já habitualmente utilizadas no contexto
clínico em causa; sendo do interesse do
clínico a vantagem adicional que a nova
intervenção poderá ter relativamente às
armas terapêuticas já disponíveis e não
relativamente ao placebo. Neste contexto, será importante também considerar
a escolha de comparadores adequados
e justos, por exemplo, em doses adequadas (ex: será muito fácil demonstrar
maior eficácia do que uma intervenção
alternativa em doses sub-terapêuticas)
e utilizando vias de administração apropriadas (ex: se a intervenção de comparação não tem boa absorção oral, a sua
utilização por via oral poderá levar-nos a
observar um efeito inexistente)(33).
Destaca-se, no entanto, que quando a comparação não pode ser feita com
outros tratamentos activos, a utilização
do placebo é de extrema importância,
uma vez que permite controlar o efeito
não específico relacionado unicamente
com o facto de os indivíduos estarem a
ser submetidos a uma intervenção (mesmo que esta não tenha um efeito activo
demonstrado no contexto clínico em causa) – efeito placebo(37-40). Daí a sua importância científica e regulamentar. Um
outro efeito não específico comum neste
contexto é, por exemplo, o chamado efeito de Hawthorne, que resulta unicamente
do facto de os indivíduos estarem a ser
seguidos num estudo(37,41).
Na avaliação deste critério deverse-á ter em atenção a escolha que foi feita da intervenção de comparação. Deverse-á avaliar o que será mais importante
no contexto clínico em causa, se uma
comparação com placebo ou uma comparação com um tratamento habitual já
disponível. Quando aplicável, dever-se-á
ter extremo cuidado na análise da forma
farmacêutica, dose e método de administração da intervenção de comparação.
No artigo de Damoiseaux et al.(8) é
possível verificar, na subsecção “Intervention” da secção “Methods”, que as
intervenções avaliadas neste caso são o
tratamento habitual mais a utilização de
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
placebo (representativo de uma alternativa de observação expectante e tratamento habitual, sem inclusão de antibiótico) versus o tratamento habitual mais
a utilização de antibiótico (amoxicilina 40
mg/Kg/dia). No artigo é possível verificar
uma cuidadosa e completa descrição das
intervenções comparadas e verifica-se
também que as doses e vias de administração do antibiótico são as esperadas
neste contexto.
8) Os grupos experimental e de controlo eram comparáveis, no início
do estudo, relativamente a outras
variáveis que possam eventualmente influenciar os resultados
do mesmo?
Se o processo de atribuição aleatória da intervenção foi eficaz, espera-se
que entre os grupos haja uma distribuição homogénea das características mais
relevantes na determinação das variáveis
de resultado em estudo. Em geral, os artigos que reportam resultados de ECA’s
apresentam uma tabela inicial em que
são comparados os grupos experimental
e de controlo relativamente a um conjunto de variáveis. A avaliação desta tabela
e das diferenças encontradas entre os
grupos permitirá ter uma noção sobre a
eficácia do processo de aleatorização e
sobre a necessidade de aplicar ajustamentos estatísticos relacionados com as
diferenças detectadas (potenciais variáveis de confusão)(9-11).
No artigo de Damoiseaux et al.(8) é
possível verificar, na secção “Results”,
que os autores descrevem, na tabela
1, as características e variáveis clínicas
mais importantes neste contexto, permitindo avaliar a comparabilidade dos
grupos. Nesta tabela e no texto da secção de resultados é possível observar
a descrição de diferenças significativas
entre os grupos à partida, relativamente
às variáveis antecedentes de recorrência de OMA, frequência de infantário e
hábitos tabágicos dos pais. Na subsecção “Sample size and data analysis” da
secção “Methods” e na secção “Results”,
é possível verificar que os autores descrevem, correctamente, ter complementado a sua análise estatística através da
aplicação de uma técnica de modelação
que permite ajustar a estimativa do efeito
da intervenção para estes desequilíbrios
encontrados nestas variáveis (modelo de
regressão logística múltipla). A aplicação
desta técnica de modelação permitiu
verificar que o ajustamento para essas
diferenças não alterou minimamente a
estimativa de efeito apresentada.
9) São apresentados e adequadamente enquadrados e discutidos
os resultados de análises de subgrupos?
É muito frequente, especialmente
em ensaios com resultados negativos
(ausência de efeito da intervenção em
análise), encontrar reportados resultados
sobre efeitos significativos (portanto aparentes resultados positivos) em determinados subgrupos de doentes. A apresentação e a interpretação de resultados de
subgrupos deverão ser feitas com extremo cuidado, pois a comparabilidade dos
grupos, que é garantida pelo processo
de aleatorização, só é aplicável aos participantes na sua globalidade e não aos
subgrupos(42-44). Portanto, na análise de
subgrupos a apresentação de resultados
estará sempre potencialmente afectada
pelo enviesamento relacionado com a
quebra da aleatorização inicial(9-11,42-44). As
únicas excepções, como referido anteriormente, são os casos em que foi utilizada
uma aleatorização estratificada em função da variável que define os subgrupos,
estando nesses casos a comparabilidade
dos grupos salvaguardada também nos
subgrupos(16). A análise de subgrupos está
também associada ao aumento da probabilidade de erros devido a fenómenos do
acaso, uma vez que, naturalmente, se o
investigador olhar para um número suficientemente grande de subgrupos irá,
muito provavelmente, encontrar alguns
efeitos estatisticamente significativos que
são, no entanto, meros achados devidos
ao acaso e não efeitos reais(43).
Desta forma, os resultados de análises de subgrupos deverão ser avaliados sempre com extremo cuidado(44).
Recomenda-se que estas só sejam consideradas hipóteses credíveis quando
cumulativamente foram verificadas as
seguintes condições: (1) o efeito específico no subgrupo faz sentido do ponto
de vista clínico e biológico; (2) o efeito
no subgrupo é clínica e estatisticamente significativo; (3) o efeito no subgrupo
foi colocado como hipótese inicialmente,
sendo referido o seu estudo no protocolo
do ECA (não sendo, portanto, produto de
análises exploratórias dos dados após a
realização do estudo); (4) o efeito no subgrupo foi já verificado por outros estudos
independentes(10).
No artigo de Damoiseaux et al.(8)
não são apresentados quaisquer resultados relativos a análise de subgrupos.
(B) Avaliação da importância científica e prática dos resultados
A avaliação da importância dos resultados passa pela adequada interpretação e contextualização das medidas e estatísticas aplicadas na apresentação dos
mesmos. Genericamente, a avaliação da
importância dos resultados deverá considerar dois aspectos essenciais(3,45):
10) Qual é a magnitude e consequente importância científica, prática
ou clínica do efeito da intervenção em estudo?
Este ponto implica a avaliação das
medidas e magnitude dos efeitos apresentados, a sua adequada interpretação
e a sua devida contextualização clínica.
A situação mais habitual em ECA’s
na área biomédica é a consideração de
variáveis de resultado clínico categóricas,
geralmente dicotómicas e relacionadas
com a ocorrência ou não de um determinado evento clinicamente relevante (ex:
morte, enfarte agudo do miocárdio, resolução clínica de sintomas, etc.), ao longo
do seguimento prospectivo dos participantes do estudo. Neste contexto, as medidas
de efeito mais comummente encontradas,
hoje em dia, na apresentação de resultados de ECA’s são o risco relativo (RR), a
redução absoluta de risco (RAR), a redução relativa de risco (RRR) e o númeronecessário-para-tratar (NNT)(10).
Central ao cálculo destas medidas
é o conceito de risco de desenvolvimento de em determinado evento. O risco é
definido como a probabilidade de desenvolvimento de um evento ao longo de um
determinado tempo de seguimento, este
está intimamente associado aos concei-
pediatria baseada na evidência
113
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
tos de incidência cumulativa do evento
ou da taxa de incidência do mesmo, dependendo do desenho do estudo realizado (a discussão da diferença entre estas
duas medidas está fora do âmbito deste
artigo). Considere-se, por exemplo, um
ECA em doentes internados em unidade
de cuidados intensivos (UCI) e em que
foram seguidos um grupo experimental
submetido a uma nova intervenção, que
visa reduzir a mortalidade destes doentes, e um grupo de controlo submetido a
um placebo. Imaginemos que cada grupo
era constituído por 100 indivíduos que foram seguidos até ao fim do internamento
hospitalar, tendo-se verificado que 20 do
grupo controlo e 10 do grupo experimental morreram durante esse período. Neste exemplo simples temos duas medidas
de risco fundamentais:
Risco do evento no grupo de controlo (REC) – Definido como a probabilidade
de ocorrência do evento (morte) durante o período de seguimento (neste caso
considera-se o período de internamento
hospitalar), podendo então afirmar-se que
a mortalidade hospitalar (risco de morte)
no grupo de controlo é estimada através
do cálculo da proporção de participantes
deste grupo que morreram durante esse
período (REC = 20/100 = 0,2 = 20%).
Risco do evento no grupo experimental (REE) – Definido da mesma forma, poderá afirmar-se que a mortalidade
hospitalar no grupo experimental é estimada pela proporção de participantes
deste grupo que morreram durante esse
período (REE = 10/100 = 0,1 = 10%).
A partir destas medidas de risco
será possível calcular as medidas de
efeito (também designadas medidas de
associação) atrás referidas:
O risco relativo (RR) – É uma medida relativa de efeito, estimada a partir da
razão entre o risco no grupo experimental
e o risco no grupo de controlo (RR = REE/
REC = 0,1/0,2 = 0,5), dando uma noção
relativa da frequência do evento no grupo experimental em comparação com o
grupo de controlo. Neste caso, um RR de
0,5 significa que existem 1 evento no grupo experimental para cada 2 no grupo de
controlo (1/2), ou seja, o evento é 2 vezes
mais frequente no grupo de controlo relativamente ao experimental.
114
pediatria baseada na evidência
A redução absoluta de risco (RAR) –
É uma medida absoluta de efeito, estimada a partir do valor absoluto da diferença
entre o risco no grupo de controlo e o risco
no grupo experimental (RAR = REC-REE =
0,2-0,1 = 0,1 = 10%). Esta medida assume
uma redução do risco do evento no grupo
de controlo e é interpretada como a redução absoluta do risco do evento associada à intervenção, neste caso, poder-se-á
afirmar que o efeito da intervenção implica
uma redução do risco de morte de 10%.
A redução relativa de risco (RRR) –
É uma medida de impacto potencial (estritamente não é uma medida de efeito ou
de associação), estimada a partir da razão entre a redução absoluta de risco e o
risco no grupo de controlo (RRR = RAR/
REC = 0,1/0,2 = 0,5 = 50%). Esta medida
estima o impacto da intervenção sobre o
risco basal do evento na população a que
os participantes pertencem e é interpretada como a proporção desse risco basal
que poderá ser potencialmente reduzida
pela implementação da intervenção. Neste caso, temos como estimativa do risco
basal da população o risco no grupo de
controlo (estimativa do risco do evento
quando a intervenção não está presente)
e assumimos que a intervenção provoca
uma redução desse risco basal que é estimada pela RAR. Assim, a proporção de
risco basal que é aparentemente reduzida
pela intervenção é dada pela razão entre
o RAR e o REC, isto é, 50%. Portanto a
intervenção parece potencialmente reduzir em 50% o risco do evento.
O número-necessário-para-tratar
(NNT) – É uma medida absoluta, estimada a partir do inverso aritmético da
redução absoluta de risco (NNT = 1/RAR
= 1/0,1 = 10). Esta medida estima o número de indivíduos que seria necessário
tratar com a intervenção em avaliação de
forma a prevenir um único evento (morte). Neste caso, seria necessário tratar 10
indivíduos com a intervenção de forma a
prevenir uma morte. Esta é uma medida que tem vindo a ser crescentemente
utilizada dada a sua interpretabilidade, a
utilidade clínica do seu resultado, e por
permitir comparar intervenções de uma
forma mais fácil e adequada.
A compreensão da utilidade clínica
do NNT e das vantagens e desvantagens
das medidas relativas atrás mencionadas,
poderá ser melhor ilustrada através de um
segundo exemplo trivial em que o ECA
atrás descrito foi repetido, exactamente da
mesma forma, para uma outra intervenção, mas os resultados desta vez indicam
a existência de uma morte no grupo experimental e 2 mortes no grupo de controlo.
Neste segundo exemplo, teremos que o
REC = 0,02 = 2%; o REE = 0,01 = 1%; o
RR = 0,01/0,02 = 0,5; a RAR = 0,02-0,01
= 0,01 = 1%; a RRR = 0,01/0,02 = 50% e o
NNT = 1/0,01 = 100. Este exemplo ilustra
que, apesar de esta intervenção ser muito
diferente da anterior, por condicionar uma
redução do risco de morte de apenas 1%,
portanto, dez vezes inferior à anterior, tem
medidas de efeito relativas com o mesmo
valor. Para as duas intervenções observase um RR = 0,5 e uma RRR = 50%. Um
investigador interessado em apresentar
evidência da vantagem da intervenção
poderá apresentar selectivamente as medidas relativas e não as restantes, eventualmente induzindo em erro o leitor. Repare-se que, do ponto de vista clínico, será
mais fácil perceber as diferenças entre as
duas intervenções ao observar e interpretar a RAR = 1% e o NNT = 100. Percebemos claramente que a primeira intervenção é clinicamente mais importante pois
condiciona uma redução absoluta do risco
de morte 10 vezes maior e é necessário
tratar um número muito menor de doentes para prevenir uma morte. Idealmente
a apresentação de medidas absolutas de
efeito deverá sempre acompanhar a apresentação das medidas relativas.
Atente-se ao facto de medidas
como a RAR, a RRR e o NNT assumirem intrinsecamente a redução de risco
de um evento lesivo ou adverso no grupo
experimental relativamente ao controlo.
Situações em que sejam considerados
aumentos de risco de um evento lesivo
ou adverso no grupo experimental relativamente ao controlo poderão levar
ao cálculo análogo de medidas como o
aumento absoluto de risco (AAR = REEREC), o aumento relativo de risco (ARR
= AAR/REE) e o número-necessário-para-lesar (NNL = 1/AAR; do inglês NNH –
number-needed-to-harm).
Obviamente, existem muitas situações em que num ECA as variáveis
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
de resultado clínico consideradas não
são categóricas dicotómicas, mas antes
quantitativas contínuas ou discretas ou
categóricas ordinais. Nesses casos as
medidas atrás referidas não são directamente aplicáveis, no entanto existem
medidas específicas para estas outras
escalas (ex: diferença entre as médias)
que permitem a comparação dos grupos
de uma forma análoga; e por vezes há
lugar à categorização dessas variáveis
permitindo a aplicação indirecta das medidas acima referidas.
No artigo de Damoiseaux et al. [8] é
possível verificar, na tabela 2 da secção
“Results”, que relativamente à variável de
resultado primária – persistência de sintomas aos 4 dias – é descrita uma diferença estatisticamente significativa entre
os grupos com uma RAR de 13% (risco
no grupo placebo de 72% e no grupo de
amoxicilina de 59%), correspondendo a
um NNT de 8 crianças. Adicionalmente,
foram também encontradas diferenças estatisticamente significativas relativamente
à duração da febre (mediana de 2 dias no
grupo da amoxicilina e mediana de 3 dias
no grupo placebo) e ao consumo de analgésicos durante os primeiros 10 dias (média de 2,3 doses no grupo da amoxicilina
e média de 4,1 doses no grupo placebo).
Estas diferenças poderão ser vistas eventualmente como relevantes, no entanto, é
fundamental sublinhar que os autores não
encontraram diferenças significativas entre os grupos estudados relativamente ao
exame objectivo da membrana timpânica
aos 4 dias, proporção de falência terapêutica aos 11 dias, a duração de sintomas
como a dor e o choro e na presença de
derrame no ouvido médio, recorrências,
uso de antibióticos e referências a especialistas às 6 semanas.
11) Qual é a precisão da estimativa
de efeito da intervenção apresentada?
Este ponto implica a verificação das
medidas de precisão das estimativas dos
efeitos apresentados, geralmente na forma de intervalos de confiança.
As medidas de efeito apresentadas num ECA são sempre estimativas
de um verdadeiro valor desse parâmetro
na população em causa, resultantes da
análise da amostra de participantes no
estudo (subconjunto finito da população,
geralmente muito menor que esta). Naturalmente, uma estimativa de efeito resultante do estudo de uma amostra de 1000
participantes será mais precisa (menos
sensível aos erros aleatórios relacionados com o processo de amostragem)
que uma estimativa proveniente de um
estudo com 50 participantes. O tamanho
da amostra é um dos mais importantes
determinantes da precisão da estimativa de efeito, no entanto, a frequência
do evento nos grupos, a variância da
variável de resultado considerada e o nível de confiança assumido são factores
também relevantes. A forma mais comum
de reportar a precisão da estimativa de
um efeito é através da apresentação do
seu intervalo de confiança, geralmente de 95% (IC 95%). A definição formal
mais correcta diz-nos que os IC 95%
são intervalos que, construídos na base
da metodologia de inferência estatística
aplicável, nos dão a garantia que, caso
a experiência em causa fosse repetida
muitas vezes, 95% dos intervalos assim
construídos conteriam dentro de si o verdadeiro valor do parâmetro populacional
que pretendemos estimar. Numa simplificação deste conceito, muitas vezes
usada por ser mais útil (mas formalmente
menos correcta), pode-se pensar nos IC
95% como intervalos onde podemos com
95% de certezas encontrar o valor do parâmetro populacional.
Assim, é fundamental perceber qual
a qualidade e precisão das estimativas de
efeito apresentadas num ECA, através da
avaliação dos seus IC 95%, já que disso
dependerá a interpretação e potencial
aplicação prática que lhes podemos dar.
No artigo de Damoiseaux et al. [8] é
possível verificar, na tabela 2 da secção
“Results”, que relativamente à variável de
resultado primária – persistência de sintomas aos 4 dias – é descrita uma diferença estatisticamente significativa entre
os grupos com uma RAR de 13% (com
maior risco de persistência de sintomas
no grupo placebo), sendo correctamente
apresentado também o IC 95% para esta
estimativa [1% – 25%]. Deverá ter-se em
atenção que os dados apresentados são
compatíveis tanto com resultados bastan-
te modestos de 1% como com resultados
de 25%, pelo que a estimativa não é particularmente precisa. Na tabela 2 do artigo
são igualmente reportados os IC 95% para
as outras estimativas apresentadas.
(C) Avaliação da aplicabilidade prática da evidência
A última questão a ser abordada
no processo de avaliação crítica da evidência será a questão da aplicabilidade
prática da evidência científica encontrada. O objectivo do profissional de saúde
será, na maior parte dos casos, a eventual aplicação da evidência científica aos
seus problemas clínicos e aos seus doentes, logo, a avaliação da aplicabilidade
prática é uma questão fundamental neste
contexto(3,13,45). Esta avaliação deverá,
idealmente, contemplar três aspectos essenciais – questões biológicas, questões
socioeconómicas e questões epidemiológicas(3). O objectivo fundamental será o
adequado enquadramento da evidência
científica, dadas as características específicas do profissional de saúde, do contexto da sua prática clínica e das características específicas do seu doente. Os
critérios fundamentais para avaliação da
aplicabilidade prática de evidência científica são os seguintes:
12) Serão os resultados do estudo
aplicáveis ao meu doente, tendo
em conta as suas características
específicas e individuais? Serão
os resultados do estudo generalizáveis?
A avaliação da aplicabilidade dos
resultados de um ECA ao meu doente
passa, em primeira instância, pela análise
crítica dos critérios de selecção (inclusão
e exclusão) dos participantes aplicados
no estudo. A utilização de critérios estritos
de selecção de participantes num ECA é
uma ferramenta metodológica importante,
pois permite maximizar a validade interna
do estudo; proporcionar condições experimentais mais controladas; diminuir perdas de seguimento e desistências; excluir
subgrupos particularmente vulneráveis
ou com riscos particulares (ex: grávidas,
crianças, etc.). No entanto, o reverso da
medalha é que quanto mais estritos forem
os critérios de selecção, menor será a va-
pediatria baseada na evidência
115
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
lidade externa do estudo e, portanto, menor será a capacidade de generalização
dos resultados do estudo para a população em causa, para outras populações e,
em última análise, para o meu doente. A
avaliação crítica das critérios de selecção
de um ECA implica a comparação das características do meu doente (sócio-demográficas, biológicas e patológicas) com as
características dos participantes do estudo na tentativa de verificar se as primeiras
são de tal forma diferentes das segundas
que tornem os resultados não aplicáveis
àquele doente em particular. Dever-se-á
ter em conta, no entanto, que a maior parte das vezes as diferenças não serão, de
facto, tão grandes que justifiquem ignorar
por completo os resultados do ECA, e na
ausência de melhor evidência, estes poderão constituir o melhor ponto de partida
disponível(10).
Ao considerar a comparação entre
as características individuais do meu doente e as características dos participantes
no estudo dever-se-á fazer uma chamada
de atenção especial para a utilização de
resultados provenientes de análises de
subgrupos (uma tentação grande neste
contexto). Relembra-se que as análises
de subgrupos num ECA devem ser vistas
sempre com grande cuidado e a sua consideração deverá ter sempre em conta os
critérios que atrás foram referidos.
No artigo de Damoiseaux et al.(8) é
possível verificar, na subsecção “Study population” da secção “Methods”, que no estudo foram incluídas 240 crianças entre os
6 e os 24 meses de idade, recrutadas no
contexto dos cuidados primários de saúde
numa região da Holanda, com um quadro
de OMA (segundo a definição padrão usada na Holanda e aceite mundialmente);
tendo sido considerados como critérios de
exclusão o uso de antibióticos nas 4 semanas precedentes, alergia comprovada
à amoxicilina, imunodepressão, anomalias
cránio-faciais ou Sindrome de Down. Neste caso, parece sensato concluir que os
resultados deste estudo são passíveis de
serem generalizados, por exemplo, para a
população de crianças portuguesas, sendo muito provavelmente aplicáveis a uma
qualquer criança portuguesa nesse grupo
etário com um quadro de OMA sem outras
complicações ou factores de risco.
116
pediatria baseada na evidência
13) No contexto onde me insiro, estarão as intervenções terapêuticas
avaliadas disponíveis e serão estas aplicáveis na prática clínica?
Um ponto adicional na avaliação
da aplicabilidade dos resultados provenientes de um ECA será a verificação de
questões práticas relacionadas com a
aplicação da intervenção em causa, nomeadamente, a disponibilidade da intervenção no meu contexto clínico específico;
a disponibilidade dos meios necessários
para a administração e monitorização da
intervenção e o eventual seguimento dos
doentes; a disponibilidade do sistema de
saúde para financiar a intervenção e a
sua custo-efectividade(10).
No artigo de Damoiseaux et al. são
comparados o tratamento com amoxicilina versus placebo, em crianças com
OMA e menos de dois anos de idade.
Estas duas alternativas são perfeitamente aplicáveis e já em uso em qualquer
contexto habitual. Neste caso, deverão
adicionalmente ser ponderados os riscos
associados à eventual utilização indevida
de antibióticos (reacções adversas desnecessárias, o problema das resistências
aos antibióticos e os custos desnecessários).
14) Quais são os potenciais benefícios e malefícios das intervenções terapêuticas no meu doente
em particular?
É fundamental ter em conta na avaliação da evidência e na tomada de decisão tanto os dados relativos à eficácia
da intervenção quanto os dados relativos
aos potenciais malefícios associados à
mesma (risco de reacções ou eventos
adversos).
Caso tenhamos concluído que a
intervenção em causa é aplicável e a
evidência da sua eficácia é válida e clinicamente importante, o passo seguinte na
decisão será a de considerar as características específicas do meu doente para
estimar os seus potenciais benefícios e
malefícios. Para isto dever-se-á, de forma mais ou menos quantitativa(10), ajustar
as estimativas de efeito da intervenção e
as estimativas de probabilidade de reacções ou eventos adversos às características clínicas particulares do doente.
No artigo de Damoiseaux et al.(8) são
comparados o tratamento com antibiótico
versus o placebo (tido como representativo da alternativa de observação expectante sem tratamento antibiótico), em
crianças com menos de dois anos com
OMA, tendo-se verificado que o benefício
do antibiótico é uma redução significativa modesta da persistência de sintomas
aos 4 dias, com uma RAR de 13% e um
NNT de 8, e uma redução de um dia na
mediana de duração da febre. Não foi
possível demonstrar diferenças significativas entre os grupos no exame objectivo
da membrana timpânica aos 4 dias; na
proporção de falência terapêutica aos 11
dias e na presença de derrame no ouvido
médio, recorrências, uso de antibióticos
e referências a especialistas às 6 semanas. Adicionalmente, neste artigo são
reportadas reacções adversas, tendo-se
verificado que o potencial malefício do
antibiótico passava por um aumento do
risco de diarreia aos 4 dias, com um AAR
de 7% e um NNL de 14.
15) Quais são as opiniões, valores e
expectativas do meu doente relativamente aos resultados clínicos
esperados e à intervenção terapêutica proposta?
Finalmente, a decisão sobre a aplicabilidade dos resultados do ECA ao meu
doente deverá ter em conta o equilíbrio
entre benefícios e malefícios da intervenção no seu caso particular e incorporar
também os seus valores e expectativas.
Dever-se-á incorporar a valorização individual que o doente faz sobre os potenciais
benefícios e os potenciais malefícios da
intervenção como factores de ponderação
na comparação entre estes. Para isto, dever-se-ão utilizar métodos mais ou menos
quantitativos e mais ou menos explícitos
de elicitação e integração das valorizações dos doentes(10). Por exemplo, se um
doente atribui um peso grande à valorização das potenciais reacções adversas que
podem advir da aplicação da intervenção,
isto deverá ser tido em consideração na
decisão, mesmo que esta tenha um benefício claro demonstrado. Num caso extremo, e mesmo que a intervenção possa ter
um claro benefício, o doente poderá optar
por não aderir à intervenção por causa
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
das suas potenciais reacções adversas.
Se isto acontecer, é preferível que seja
no momento da decisão, com o conhecimento e apoio do médico e integrando-se
no próprio processo de decisão, em vez
de ser feito depois da decisão do clínico e
sem o seu conhecimento.
No artigo de Damoiseaux et al.(8)
são apresentados resultados que demonstram a existência de potenciais
benefícios e malefícios com o uso de antibióticos no tratamento de crianças com
menos de dois anos com OMA. Tendo
em conta estes resultados, o cenário que
deverá ser explicado ao doente, ou neste
caso aos seus pais, é que a utilização de
antibióticos no tratamento da OMA deverá ser ponderada pensando, por um lado,
na valorização de uma modesta redução
do risco de persistência de sintomas aos
4 dias de 13% e NNT de 8 crianças e, por
outro lado, na valorização de um aumento do risco de diarreia aos 4 dias de 7%
e NNL de 14 crianças. Acrescentandose que as avaliações aos 11 dias e às 6
semanas não demonstraram quaisquer
vantagens significativas do uso de antibióticos. É perfeitamente plausível pensar
que na maioria dos casos a valorização
dos potenciais benefícios e dos potenciais malefícios, neste caso, sejam muito
próximos. Se aceitarmos este pressuposto, torna-se ainda menos importante o já
por si pequeno benefício que o uso de
antibióticos parece ter neste caso.
CONCLUSÃO
Os ensaios clínicos aleatorizados
são o tipo de estudos primários considerados como padrão metodológico na
resposta a questões sobre a eficácia
de intervenções terapêuticas, devido ao
seu carácter controlado e à aplicação da
aleatorização. Ao longo deste artigo foi
possível verificar que a qualidade destes
está dependente do controlo de um vasto
conjunto de importantes fontes de erros
sistemáticos e aleatórios que devem ser
conhecidas, prevenidas e detectadas. A
aplicação de uma conjunto de critérios
básicos para a avaliação da qualidade
metodológica de ECA’s e da importância
e aplicabilidade dos seus resultados foi
discutida e ilustrada através de um exemplo prático.
O ensaio clínico de Damoiseaux et
al.(8), sobre a eficácia dos antibióticos no
tratamento de OMA, em crianças com
menos de dois anos, foi apresentado e
discutido ao longo deste artigo. Verificouse que este estudo apresenta uma excelente qualidade metodológica, sendo os
únicos aspectos a apontar a necessidade
de uma descrição um pouco mais clara e
completa dos métodos de aleatorização
e ocultação.
Voltando ao caso específico do pediatra assistente do Manuel, que é uma
criança de 18 meses de idade com o
diagnóstico de OMA sem complicações
ou factores de risco, a decisão a tomar
será a de prescrever ou não antibióticos,
tendo em atenção os resultados do estudo discutido. Neste contexto, dever-se-á
reflectir sobre quais são os objectivos clinicamente mais relevantes no tratamento
da OMA numa criança e qual a sua ordem
de prioridade. Será eventualmente consensual que os objectivos do tratamento
são o alívio sintomático (a curto prazo) e
a prevenção de complicações e sequelas que possam advir de um episódio de
OMA (a curto, médio e longo prazo).
O estudo de Damoiseaux et al. demonstra um efeito significativo moderado dos antibióticos no alívio sintomático
(RAR de 13% e NNT de 8), que tem que
ser equacionado com um risco de reacções adversas – diarreia – de magnitude
comparável (AAR de 7% e NNL de 14),
e uma ausência de efeito significativo no
que às variáveis relacionadas com a prevenção de complicações ou sequelas diz
respeito. Na verdade, os mesmos autores
publicaram recentemente um outro estudo(46), onde apresentam os resultados do
seguimento de três anos das crianças incluídas no ECA analisado, tendo concluído que, durante estes três anos de seguimento, não foram observadas diferenças
significativas entre as crianças nos dois
grupos (antibiótico versus placebo) na
frequência de referências a especialistas
nos cuidados secundários (pediatras ou
otorrinolaringologistas) e na frequência de
cirurgias do foro de otorrinolaringologia;
mas encontraram um aumento estatisticamente significativo de 20% (IC 95% [5%
– 35%]) no risco de recorrências de OMA
no grupo submetido a antibiótico. Este in-
teressante resultado leva os autores a colocar a hipótese de este poder dever-se ao
efeito do uso da antibioterapia no aumento
da frequência de estirpes resistentes.
Embora os resultados do estudo de
Damoiseaux et al.(8) sejam adequados e
importantes, será sensato verificar os resultados de outros ensaios clínicos para
verificar se estes são confirmados. A forma mais eficiente de fazer isto é através
da procura e avaliação crítica de revisões
sistemáticas e meta-análises que tenham
respondido à mesma questão de investigação. Apesar da análise crítica deste
tipo de estudos estar fora do âmbito deste artigo (tendo já sido focada no número
anterior desta série), verifica-se a existência de pelo menos quatro revisões sistemáticas e meta-análises neste âmbito
já publicadas(47-50). As conclusões apontadas nestes estudos são semelhantes
às já descritas, ou seja, o antibiótico está
associado a uma moderada redução na
persistência de sintomas e a um aumento
de magnitude comparável no risco de reacções adversas como diarreia, não sendo melhor que o placebo ou a observação
expectante na redução falências terapêuticas ou de complicações ou sequelas a
curto ou médio prazo. Os estudos incluídos nestas revisões sistemáticas incluem
maioritariamente participantes entre os 6
meses e os 12 anos de idade, no entanto,
não é apresentada evidência clara que
demonstre diferenças destes resultados
específicas para o grupo etário abaixo
dos 2 anos de idade.
Assim, na base da evidência científica apresentada e discutida, a decisão sobre a utilização de antibióticos no
tratamento de OMA’s, em crianças com
menos de 2 anos de idade, deverá ter
em conta que: (1) estes têm um benefício moderado na melhoria sintomática,
(2) têm um risco de reacções adversas
de nível semelhante, (3) não diminuem o
risco de falências terapêuticas, complicações ou sequelas a curto e médio prazo,
(4) têm o potencial de agravar o problema das resistências aos antibióticos e
(5) têm custos para o sistema de saúde
associados.
Voltando finalmente ao cenário clínico apresentado, o pediatra assistente
do Manuel, depois de uma conversa es-
pediatria baseada na evidência
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NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
clarecedora com a mãe e num processo
de tomada de decisão partilhada, optou
por não prescrever antibióticos, tendo
recomendado a utilização de medicação
analgésica e antipirética, hidratação adequada e uma reavaliação no caso de persistência ou agravamento dos sintomas.
Embora ainda com algumas apreensões,
a mãe do Manuel decidiu que seria melhor, atendendo ao bem-estar futuro do
seu filho, tentar seguir esta estratégia.
CRITICAL APPRAISAL AND
PRACTICAL IMPLEMENTATION OF
RANDOMISED CONTROLLED TRIALS
ABSTRACT
Evidence Based Medicine (EBM) is
generally defined as the conscientious,
explicit and judicious use of current best
evidence in making decisions about the
care of individual patients. In this section
devoted to Evidence Based Paediatrics
the conceptual, methodological and operational issues related to the practice of
EBM in the field of Paediatrics have been
covered. In the present article a practical
example is developed allowing the application of concepts, methods and competencies covered in previous articles
and specifically devoted to the critical
appraisal and practical implementation
of randomised controlled trials (RCT’s).
A clinical scenario is presented and explored regarding the search and critical
appraisal of scientific evidence about the
efficacy of antibiotic therapy in children
younger than two years with acute otitis
media. Methods for searching the current best evidence are discussed and a
systematic approach for the critical appraisal of RCT’s is suggested, including:
(1) assessment of validity and methodological quality of RCT’s; (2) assessment
of scientific and practical impact of study
results and (3) assessment of their practical applicability.
Key-words: Randomised controlled
trials, evidence based medicine, acute
otitis media, antibiotic therapy, watchful
waiting.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 106-119
118
pediatria baseada na evidência
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pediatria baseada na evidência
119
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Coarctação da Aorta – Detecção Tardia
Sílvia Alvares1, Conceição Mota2, Marisa Carvalho2, Marília Loureiro1
RESUMO
As causas mais frequentes de hipertensão arterial na população pediátrica variam com a idade. No lactente e
criança mais pequena é habitualmente
secundária a doença cardíaca ou renal.
No adolescente e criança mais velha,
obesos e com história familiar de hipertensão, a etiologia mais frequente é a hipertensão essencial ou idiopática.
Apresenta-se o caso clínico de uma
adolescente de 12 anos, referenciada à
consulta de Cardiologia Pediátrica para
avaliação das repercussões cardíacas
de hipertensão arterial de difícil controlo.
A hipertensão arterial tinha sido detectada há dois anos e a investigação anterior não revelara causa secundária. De
relevante ao exame físico apresentava
obesidade, sopro sistólico de ejecção,
com irradiação para o dorso, ausência
de sopro abdominal, pulsos femorais
diminuídos relativamente aos radiais e
um gradiente de pressão arterial com
diferencial de 50 mmHg entre os membros superiores e inferiores. O ecocardiograma transtorácico mostrou hipertrofia concêntrica ventricular esquerda;
o estudo ecocardiografico supraesternal
não foi conclusivo; detectou-se fluxo de
coarctação da aorta a nível da aorta abdominal. A angiorressonância confirmou
a existência de coarctação da aorta
após a emergência da artéria subclávia
esquerda tendo efectuado tratamento
cirúrgico.
Este caso é exemplo da importância
de um exame físico completo na abordagem da criança com hipertensão arterial,
__________
1
2
Serviço de Cardiologia Pediátrica, H Maria
Pia - CHP
Serviço de Nefrologia Pediátrica, H Maria
Pia - CHP
120
nomeadamente a palpação dos pulsos
periféricos e a avaliação da pressão arterial nos 4 membros. Perante a suspeita
clínica de coarctação da aorta e um estudo ecocardiográfico/Doppler inadequado,
salienta-se que os registos de Doppler
pulsado a nível da aorta abdominal revelam informações valiosas relativamente à
presença de coarctação.
Palavras chave: hipertensão arterial, criança, adolescente, coarctação da
aorta
to, o estreitamento pode ter outras localizações na aorta torácica ou raramente,
na aorta abdominal. Em alguns casos, a
coarctação atinge um longo segmento
sob a forma de hipoplasia tubular. É responsável por 6 a 8 % de todas as malformações cardíacas congénitas e é 2 a 5
vezes mais frequente no sexo masculino.
A maioria dos casos ocorre esporadicamente e a recorrência familiar é rara(2).
Os autores descrevem um caso
de coarctação da aorta com diagnóstico
tardio.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 120-123
INTRODUÇÃO
Têm sido registados avanços significativos nas últimas quatro décadas na
área da hipertensão arterial (HTA), tais
como a identificação genética de algumas formas da HTA, novas técnicas de
imagem e o desenvolvimento de fármacos mais selectivos para o tratamento da
HTA na criança e adolescente(1). Apesar
dos avanços tecnológicos, a história e o
exame físico continuam a ser o alicerce
na avaliação da criança com HTA
Numa primeira avaliação de uma
criança com HTA é obrigatório a medição da pressão arterial (TA) em ambos
os braços e nos membros inferiores, com
braçadeiras adequadas ao tamanho dos
membros. Habitualmente a TA nos membros inferiores excede em 10 a 20 mmHg
a dos membros superiores. Se a TA é menor nos membros inferiores, se os pulsos
femorais são fracos ou atrasados relativamente aos radiais, ou ausentes deve
suspeitar-se de coarctação da aorta(2).
A coarctação da aorta caracterizase habitualmente por um estreitamento
da aorta torácica, imediatamente distal
à artéria subclávia esquerda. No entan-
a cardiologia pediátrica na prática clínica
CASO CLÍNICO
Adolescente de 12 anos, sexo feminino, referenciada à Consulta de Cardiologia Pediátrica para avaliação do atingimento cardíaco no contexto de HTA de
difícil controlo.
Dois anos antes iniciou queixas de
cefaleias frequentes que motivaram várias
idas ao serviço de urgência do hospital da
área e consequente seguimento em consulta por hipertensão arterial (TA sistolica150mmHg e TA diastolica-100mmHg). A
investigação foi negativa e o ecocardiograma bidimensional/doppler revelou ligeira hipertrofia ventricular esquerda.
Os antecedentes pessoais eram
irrelevantes. Na família a avó e tios paternos tinham HTA e o pai tinha sido operado a coarctação da aorta aos 10 anos e
a recoarctação aos 18 anos.
Ao exame físico apresentava um
sopro sistólico de ejecção, com irradiação para o dorso, ausência de sopro abdominal, pulsos femorais menos amplos
que os radiais e um gradiente de pressão
arterial com diferencial de 50 mmHg entre os membros superiores e inferiores.
O ecocardiograma bidimensional/
/Doppler mostrava hipertrofia concêntrica
do ventrículo esquerdo, sem outras mal-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
formações intracardíacas. Na abordagem
supraesternal o estudo do arco aórtico
por Doppler contínuo não revelou fluxos
anormais. A investigação por Doppler
pulsado da aorta abdominal foi diagnóstico e está representada na figura 1.
Realizou angio-RM que mostrou o local da coartação logo após a emergência
da artéria subclávia esquerda (figura 2).
A doente foi submetida a correcção
cirúrgica que consistiu em aortoplastia
com flap de subclávia (figura 3). Actualmente, seis meses após a cirurgia, está
medicada com inibidores da enzima de
conversão e apresenta TA sistólica no
P50-90. A monitorização ambulatória da
pressão arterial regista HTA sistólica nocturna (>P95), não dipper.
COMENTÁRIOS
A HTA na criança e adolescência
contribui para a aterosclerose prematura e para o desenvolvimento precoce de
doença cardiovascular. Neste contexto a
perspectiva clínica da TA em idade pediátrica tem-se alterado nos últimos anos
com a sistematização da avaliação da TA
introduzida na Fourth Task Force Report
de 2004(3). De acordo com essas recomendações a medição da TA deve fazer
parte do exame físico na consulta de saúde infantil, a todas as crianças com idade superior a 3 anos. Nas crianças com
idade inferior deverá ser avaliada a TA
se tiverem história de complicações neonatais requerendo cuidados intensivos,
doença cardíaca congénita, infecções
do tracto urinário, hematúria, proteinúria,
doença renal ou urológica conhecida,
história familiar de doença renal congénita, transplante de órgãos sólidos ou
medula óssea, malignidade, tratamento
com fármacos conhecidos por aumentar
a TA, outras doenças sistémicas associadas a HTA ou evidência de hipertensão
intracraniana. Apesar destas recomendações, ainda continua a haver detecção
tardia de HTA na criança, como no caso
descrito, o que nos adverte para a necessidade de uma maior atenção nesta área
nas consultas de saúde infantil.
A história e exame físico nesta adolescente são compatíveis com o diagnóstico de coarctação da aorta torácica.
A hipertensão arterial ou sopro cardíaco
Figura 1 - Registos de Doppler pulsado em abordagem subcostal. O fluxo na aorta
abdominal mostra um fluxo antegrado continuo, com predomínio sistólico de baixa
amplitude; sem retorno à linha de base do traçado em diástole.
Figura 2 - Angio-RM que mostra o local da coartação logo após a emergência da
artéria subclávia esquerda
a cardiologia pediátrica na prática clínica
121
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Figura 3 - Reparação de Coarctação da aorta com retalho de subclavia (adaptado
de Waldhausen JA, Surg Nahrwold DA. Repair of coarctation of the aorta with a
subclavian flap. J Thorac Cardiovasc 1966;51:532)
são formas frequentes de apresentação
da coarctação da aorta no adolescente e
criança. Algumas crianças podem referir
claudicação intermitente dos membros
inferiores ou cefaleias frequentes. A idade de diagnóstico pode ser tardia, como
no caso presente, dado que a maioria
das crianças estão assintomáticas e os
sinais físicos podem ser frustres. A média de idade de diagnóstico encontrada
por Stratford e col num estudo de revisão
(1969-1978) em doentes acima do ano
de idade foi de 10 anos; a HTA ou sopro
cardíaco foram os motivos de referência
mais frequentes e só em 14% dos casos
fora estabelecido o diagnóstico de coarctação pelo médico assistente(4). Os sinais
físicos patognomónicos de coarctação da
aorta são a diminuição, atraso ou ausência de pulsos femorais comparativamente aos pulsos radiais e a diferença de TA
nos membros inferiores e superiores. À
auscultação cardíaca é habitual um sopro
sistólico de ejecção mais audível nos focos da base e audível no dorso, mas depende da existência de lesões cardíacas
associadas(2).
O ecocardiograma bidimensional/
Doppler é o meio de diagnóstico de eleição, permitindo a avaliação anatómica e
122
fisiológica na grande maioria dos doentes. Para além de possibilitar a detecção
de anomalias cardíacas associadas, a
abordagem supraesternal visualiza a coarctação típica como um estreitamento
localizado abaixo da origem da artéria
subclávia esquerda. O estudo por Doppler
contínuo estima a gravidade hemodinâmica da coarctação, medindo o gradiente
instantâneo através da coarctação. Nos
doentes com uma imagem supraesternal
inadequada, a investigação por Doppler
pulsado a nível da aorta abdominal (abordagem subcostal) é fundamental para o
diagnóstico. No caso descrito registou-se
um fluxo anterógrado contínuo, confirmando o diagnóstico clínico(5).
A ressonância magnética define a
localização e severidade da coarctação,
permite a avaliação de fluxos e estima
gradientes de pressão. A Angio-TC também proporciona um diagnóstico anatómico preciso em doentes com coarctação
e anomalias do arco aórtico. O tempo de
aquisição de imagens é muito rápido mas
tem a desvantagem de exposição a uma
dose elevada de radiação(6,7). O cateterismo cardíaco é habitualmente desnecessário perante as novas técnicas imagiológicas menos invasivas.
a cardiologia pediátrica na prática clínica
O tratamento da coarctação da aorta
actualmente é ainda um tema controverso, sendo alternativas a reparação cirúrgica ou o tratamento por cateterismo de
intervenção. A mortalidade da cirurgia da
coarctação da aorta simples em crianças
aproxima-se de 0%. As complicações no
pós-operatório incluem HTA paradoxal,
isquemia da espinal-medula e paralisia
(rara) lesões dos nervos frénico ou laríngeo, quilotórax, hemorragia e infecção(2).
A angioplastia por balão é uma alternativa menos invasiva para o tratamento
da coarctação localizada. Inicialmente
utilizada para o tratamento da recoarctação, tem sido usada desde 1982 no tratamento da coarctação nativa, embora esta
estratégia continue a ser polémica. As
complicações agudas (lesão da artéria
femoral e trombose) estão descritas sobretudo em lactentes. Os resultados com
sucesso a curto prazo estão na redução
do gradiente e no aumento do diâmetro
na região da coarctação da aorta. Ainda
controversos são os resultados a longo
prazo, nomeadamente reestenose ou recoarctação e a formação de aneurismas
no local da dilatação. Na recoarctação a
dilatação por balão é considerado o procedimento de eleição, seguro e eficaz a
longo prazo(8-12).
Também os stents intravasculares
representam um tratamento alternativo
à cirurgia ou angioplastia na coarctação
da aorta (nativa ou recoarctação). A sua
utilização está limitada a crianças mais
velhas e adolescentes e ainda não há
informação suficiente relativa à necessidade de redilatação com o crescimento
do doente(13).
Após o tratamento da coarctação
simples na criança é de esperar um crescimento e desenvolvimento normais. Se
o gradiente sistólico é inferior a 10 mmHg
em repouso, se a pressão arterial é normal em repouso e em exercício, a criança
pode manter uma actividade física normal, limitando-se a prática de exercício
isométrico intenso ou com risco de colisão torácica(2).
Embora a coarctação da aorta seja
uma lesão aparentemente simples, é
uma doença que continua a desafiar os
investigadores, clínicos e cirurgiões, uma
vez que o seguimento a longo prazo dos
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
doentes mostra morbilidade e mortalidade significativas. Apesar de uma correcção cirúrgica adequada os doentes
têm risco de HTA (70%), recoarctação
(8-54%), aneurismas da aorta/pseudoaneurismas e morte súbita. A necessidade de reintervenção por recoarctação
estima-se em 15% aos 5 anos e 30%
aos 10 anos. O prognóstico a longo prazo pode ser afectado pela presença de
alterações fisiológicas importantes, sob a
forma de hipertrofia ventricular esquerda,
HTA sistémica (independente do sucesso
no alívio do obstáculo aórtico e eventualmente relacionada com disfunção dos
baroreceptores e/ou alterações primarias
da parede arterial) ou doença vascular
arteriosclerótica precoce, descritas muitas décadas após o procedimento inicial,
pelo que estes doentes devem manter-se
em seguimento em consulta de Cardiologia(2,14-16).
COARCTATION OF THE AORTA –
STILL A MISSED DIAGNOSIS
ABSTRACT
The causes of arterial hypertension
in the pediatric population are related
to the age of the child. In the infant and
younger children it is usually secondary
to cardiac or renal diseases. For the adolescent with mild elevation of blood pressure, overweight and a strong family history of hypertension, primary or essential
hypertension is most likely.
We present a case report of a 12
year- old girl referred for cardiac evaluation in the setting of hypertension difficult
to control. Diagnosis of hypertension was
established at the age of ten and former
investigation was inconclusive.
On physical examination she presented a precordial systolic ejection murmur with irradiation to the back, no abdominal murmur, diminished and delayed
pulses in the right femoral artery compared with the right radial artery and an
arm-leg pressure gradient of 50 mmHg.
Two D/Doppler Echocardiogram
showed concentric LV hypertrophy, with
no other structural cardiac malformations;
Doppler investigation of the aorta from
the suprasternal view was not conclusive.
Pulsed wave Doppler recordings from
the abdominal descending aorta showed
a continuous antegrade flow signal, with
no evidence of flow reversal or cessation.
MR angiography located the coarctation
just distal to the left subclavian artery.
Surgical repair consisted in the subclavian flap aortoplasty procedure.
Aortic coarctation is still a missed
and late diagnosis. This case report is an
examples of the importance of a complete
physical examination in the presence of
arterial hypertension in children, namely
the palpation of radial and femural pulses
and the leg-arm pressure gradient.
In the presence of clinical suspicion
of coarctation of the aorta, and in those
patients with inadequate supraesternal
notch echocardiography or Doppler
examinations, pulsed Doppler recording
from the abdominal descending aorta can
supply valuable indications of the presence of a thoracic coarctation
Key-words: arterial hypertension,
children, adolescents, coarctation of the
aorta
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 120-123
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123
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Caso Endoscópico
Fernando Pereira1
Uma adolescente de 15 anos de
idade foi observada na consulta de Gastroenterologia Pediátrica por um quadro
de anorexia, emagrecimento, astenia
acentuada com duas semanas de evolução e anemia grave, de instalação
progressiva e bem tolerada. Não referia
perdas hemáticas digestivas ou urinárias
e as perdas menstruais eram aparentemente normais.
Apresentava-se prostrada e pouco
colaborante, com palidez cutâneo-mucosa acentuada e tumefacção epigástrica
de grandes dimensões, não móvel, dura,
sem pulsatilidade e aparentemente sem
Figura 1
__________
1
Serviço de Gastroenterologia
Hospital Maria Pia / CHPorto
124
qual o seu diagnóstico?
dor à palpação. O restante exame objectivo não evidenciava alterações.
Tratava-se de adolescente sem
antecedentes patológicos significativos,
filha de pais separados há alguns anos
mas sem patologia conhecida e com adequado desenvolvimento e aproveitamento escolar.
O estudo analítico que efectuou, revelou hemoglobina de 5,8 g/dl, leucocitose 22900/mmc, com 74% de neutrófilos,
trombocitose 683000/mmc e ferropenia.
A proteína C reactiva e a velocidade de
sedimentação eram normais, bem como
a função renal e hepática. A radiografia
Figura 2
abdominal simples mostrou a presença
de material do tipo sólido, amorfo na cavidade gástrica (figura 1) e a teleradiografia
pulmonar era normal.
Efectuou endoscopia digestiva alta
que permitiu obter a imagem que mostramos na figura 2.
Tendo em consideração o quadro
clínico da nossa doente e as imagens 1 e
2 qual lhe parece ser o diagnóstico mais
provável?
1 – Tumor benigno do estômago
2 – Hamartoma gástrico
3 – Bezoar
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
COMENTÁRIOS
A radiografia abdominal simples
que apresentamos na fugura 1 mostranos uma câmara gasosa do estômago
com bordo inferior convexo, sugerindo a
presença de estrutura ocupando espaço
na cavidade gástrica. A história de anemia crónica com ferro baixo, associada
à presença de tumefação epigástrica e
com esta imagem radiológica obrigava
à realização de endoscopia digestiva
alta para esclarecer a natureza da lesão
gástrica. A imagem da figura 2 mostranos o antro gástrico com mucosa ligeiramente granitada, o piloro aberto e uma
estrutura, corpo estranho com aspecto
fusiforme, constituído por material fibrilar, ocupando parte da cavidade gástrica
e ultrapassando o piloro. À observação
endoscópica, a cavidade gástrica encontrava-se totalmente preenchida por um
corpo estranho com a estrutura que se
observa na figura 2 e havia também uma
úlcera na parede posterior com cerca de
10mm. Na figura 3 podemos observar o
cárdia e a estrutura já descrita.
Tratava-se de facto de um tricobezoar volumoso que ocupava todo o estômago e que se estendia para o duodeno.
Inquirida sobre a ingestão de cabelo, a doente confessou ter esse hábito de
longa data, trincando o seu cabelo que
depois ingeria.
Tendo em consideração a dimensão
e a natureza do material em presença
não foi considerada a hipótese de extracção por via endoscópica e a doente foi
submetida a laparotomia com gastrotomia e extracção do bezoar, que decorreu
sem complicações.
A doente recuperou bem, deixou
o hábito de ingerir o cabelo e melhorou
rapidamente da sua anemia e ganhou
peso.
Foi orientada para a consulta de
Psiquiatria da Infância e Adolescência.
Os tricobezoares são relativamente
raros, são mais frequentes em crianças
com perturbações comportamentais e
ocorrem ao longo de vários anos. A natureza fibrilar do cabelo impede a sua
expulsão para o intestino e a sua não
digestão gástrica conduz à progressiva
acumulação. Os sintomas só aparecem
quando o corpo estranho atinge dimensão considerável. O corpo estranho pode
estender-se de forma contínua ao longo
do intestino delgado constituindo o que
se designa por sindroma de Rapunzel. A
oclusão ou a rotura visceral podem ocorrer com risco elevado. A sua remoção
deve ser cirúrgica.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 124-125
BIBLIOGRAFIA
1. Rabie EM, Arishi AR, Khan A, Ageely
H, El-Nasr GAS, Fagihi. “Rapunzel
syndrome: The unsuspected culprit”.
World Journal of Gastroenterology
2008; 14(7):1141-1143.
2. Levy RM, Komanduri S. “Trichobezoar”. Images in clinical Medicine.
NEJM 2007, 357(21) e23.
3. Silva AP, Carvalho J, Pinho R, Fernandes S, Sousa P, Fraga J. “Giant
gastric and duodenal tricobezoar”.
Endoscopy 2007; 39:E12-E13.
Figura 3
qual o seu diagnóstico?
125
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim1
Criança de 10 anos de idade que
foi enviada à consulta de Estomatologia
deste hospital, devido a alterações do
esmalte dentário, provocadas por ranger dos dentes durante o sono. Estas
alterações foram aparecendo progressivamente desde há alguns meses. Apresenta queixas de sensibilidade dentária
com a variação da temperatura dos ali-
mentos. Ao exame oral não apresentava
lesões de cárie mas o esmalte dentário
dos dentes molares e caninos decíduos
apresentava-se muito desgastado, de
acordo com o aspecto que se pode observar na figura 1.
Antecedentes pessoais e familiares
irrelevantes.
Figura 1
__________
1
Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto
126
qual o seu diagnóstico?
Face ao descrito:
Qual o seu diagnóstico?
Qual a sua atitude?
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
COMENTÁRIOS
Entre todos os hábitos que podem
alterar o crescimento do complexo craniofacial, o bruxismo (ou bricismo) devido
à sua complexa etiologia e efeitos variados sobre o sistema estomatognático,
pode causar danos à ATM, aos músculos,
ao periodonto e à oclusão.
Este hábito é definido como uma
actividade parafuncional do sistema mastigatório que inclui apertar ou ranger os
dentes em actividades não funcionais do
sistema estomatognático. Ele pode ocorrer durante o dia (bruxismo diurno) ou à
noite (bruxismo nocturno), geralmente realizado de maneira inconsciente.
O bruxismo pode ser ainda classificado como cêntrico ou excêntrico.
O grande aumento das forças oclusais geradas pelo bruxismo resulta em
cargas extras para a dentição, o osso alveolar, o periodonto e a articulação temporomandibular. Todas as formas de bruxismo acarretam contacto forçado entre
as faces oclusais dos dentes superiores
e inferiores, observando-se que, no ranger ou bruxismo excêntrico, esse contacto envolve movimentos mandibulares e
sons desagradáveis.
Os factores que predispõem ao
bruxismo podem ser divididos de forma
didáctica em:
1) factores locais (contactos prematuros, interferências oclusais);
2) factores sistémicos (indivíduos portadores de asma ou rinite, pacientes
com distúrbios do SNC);
3) factores psicológicos (stress, ansiedade);
4) factores ocupacionais (prática de
desportos de competição);
5) factores hereditários.
O bruxismo pode ainda estar relacionado com distúrbios do sono ou com
parassomias, fenómenos que ocorrem exclusivamente durante o sono, associado
a graus diferentes de excitação (enurese
nocturna, falar dormindo, sono agitado).
As possíveis consequências desse
hábito são:
- desgaste dental excessivo com perda de dimensão vertical,
- sensibilidade e mobilidade dental,
- traumatismo de tecidos moles,
- dores de cabeça,
- sensibilidade dos músculos da mastigação,
- progressão da doença periodontal,
- distúrbios da ATM.
Esse hábito ainda pode estar relacionado com desordens envolvendo a
trompa auditiva, como nos casos de otite
média crónica;
A forma de tratamento mais indicada
depende do factor etiológico, bem como
dos sinais e sintomas apresentados, sendo portanto fundamental o diagnóstico
correcto. Pode-se destacar os tratamentos psicológicos, os medicamentosos,
os procedimentos restauradores, o uso
de placa de mordida e o ajuste oclusal,
que devem ser usados em conjunto e
de preferência de forma multidisciplinar,
envolvendo profissionais como pediatras,
odontopediatras, psicólogos e otorrinolaringologistas.
Neste caso procedeu-se à recuperação da altura dentária perdida, pelo fenómeno de ranger os dentes, com compósito fotopolimerizável.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 126-127
BIBLIOGRAFIA
Cawson´s Essentials of Oral Pathology
and Oral Medicine – R.A. Cawson –
seventh edition – Churchill Livingstone, 2002 - Pag.65-66
qual o seu diagnóstico?
127
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Caso Radiológico
Filipe Macedo1
Criança de 5 anos de idade, faz
RX do tórax na sequência de episódio
febril. Devido aos achados decide-se
por realização subsequente de TC do
tórax.
Figura 1 – RX do tórax , face
Figura 2 e 3 – TC do tórax, janela pulmonar
__________
1
Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC - Porto
128
qual o seu diagnóstico?
Qual é o seu diagnóstico?
NASCER E CRESCER
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Figura 4 e 5 – TC do tórax, janela mediastínica
COMENTÁRIOS
No Rx observa-se opacidade arejada projectada na vertente posterior
da base pulmonar esquerda, de contorno superior regular. A imagem gasosa
do estômago mantém-se na sua localização intraabdominal habitual.
Nas imagens de TC confirma-se
que a opacidade corresponde a eventração diafragmática postero-lateral esquerda, contendo o rim esquerdo e o
ângulo esplénico do cólon.
DIAGNÓSTICO
Eventração diafragmática postero-lateral esquerda.
DISCUSSÃO
A eventração diafragmática distingue-se da hérnia por persistirem
fibras de músculo estriado do diafragma, ainda que dispersas e finas, não
havendo pois comunicação directa entre as cavidades pleural e peritoneal(1).
Esta distinção pode ser muito difícil de
fazer mesmo utilizando todos os tipos
de imagem disponíveis, dada a dificuldade em observar a integridade do
diafragma, sobretudo do lado direito. À
esquerda, a presença de contorno superior regular é a favor de eventração.
Pequenas eventrações diafragmáticas são geralmente assintomáticas e
descobertas de forma casual no RX de
tórax realizado por outros motivos.
As hérnias diafragmáticas ocorrem
por encerramento incompleto do canal
peritóneo-vaginal. A hérnia de Bochdalek é a mais importante, sendo causa
frequente de dificuldade respiratória no
recém-nascido. É postero-lateral, mais
frequentemente esquerda. A hérnia de
Morgagni é menos frequente, sendo raramente causa de dificuldade respiratória significativa. É antero-medial. As hérnias para-esofágicas e do hiato esofágico associam-se mais frequentemente a
vómitos do que a dificuldade respiratória.
Localizam-se na região cardiofrénica, a
nível mediano ou para-mediano.
IMAGIOLOGIA
Rx do tórax (face e perfil)
É geralmente o primeiro exame,
fazendo frequentemente o diagnóstico.
As características da lesão dependem
das vísceras contidas. Do lado direito
observa-se topografia alta do fígado. À
esquerda observa-se geralmente imagem arejada/parcialmente arejada na
base pulmonar.
A incidência de perfil é geralmente
necessária para avaliar a topografia da
lesão.
Fluoroscopia
Permite apenas avaliar a mobilidade respiratória do diafragma, ajudando
ao diagnóstico diferencial com paralisia
do nervo frénico. Utiliza radiação ionizante.
Rx esogastroduodenal/intestinal
contrastado
Pode ser útil nas lesões medianas
e do lado esquerdo, para confirmar a
topografia do estômago e das ansas intestinais. Utiliza radiação ionizante.
Ecografia
Tem um papel importante na avaliação da patologia do diafragma, no-
meadamente da sua mobilidade e na
avaliação de lesões justa-diafragmáticas(2). Contudo, a sua acuidade é elevada apenas no recém-nascido e lactente, tornando-se depois um exame
bastante mais difícil.
TC do tórax
O mais informativo. Permite o
diagnóstico diferencial com outras
opacidades torácicas e permite caracterizar o conteúdo do saco herniário.
Utiliza elevada quantidade de radiação
ionizante.
RMN torácica
Tem todas as vantagens da TC(3),
sem o inconveniente da radiação ionizante. Contudo tem o inconveniente da
provável necessidade de sedação
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 128-129
BIBLIOGRAFIA
1. Moccia W, Kandi J., Felman AH.
Congenital eventration of the diaphragm. Diagnosis by ultrasound.
Pediatr Radiol 1981;10:197-200
2. Merten DF, Bowie JD, Kirks DR,
Grossman H. Anteromedial diaphragmatic defects in infancy: current approaches do diagnostic imaging. Radiology 142:361-365
3. Yamashita K, Minemori K, Matsuda
H. Takaharu O, Matsunobe S. MR
imaging in the diagnosis of partial
eventration of the diaphragm. Chest
1993;104:328
qual o seu diagnóstico?
129
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
Genes, Crianças e Pediatras
Mafalda Barbosa1, Jorge Pinto-Basto2, Margarida Reis Lima3, Ana Maria Fortuna1, Gabriela Soares1
Criança do sexo masculino, com 4
anos e 4 meses, enviada à consulta de
Genética por ADPM e manchas hiperpigmentadas. Trata-se do primeiro filho de
um casal jovem e não consanguíneo. A
mãe apresentava alterações pigmentares
semelhantes às do filho. O pai é saudável. Restante história familiar irrelevante.
Gestação vigiada e sem intercorrências.
Parto eutócico hospitalar às 36 semanas.
Apgar 9/10.
Antropometria ao nascimento (percentis corrigidos para a idade gestacional): peso - 2668g (P50-75), comprimento - 45cm (P25) e perímetro cefálico
- 33,5cm (P75).
No período neonatal foram detectadas manchas tipo café com leite de
bordos suaves (Figura1). Nos primeiros
2 anos de vida teve 5 episódios de convulsões tónico-clónicas em períodos de
pirexia que foram controladas após tratamento com ácido valpróico.
Ao exame físico apresentava boa
evolução estaturo-ponderal com macrocefalia relativa: peso no P25, comprimento
no P10-25, perímetro cefálico no P75-90. A
tensão arterial era 93/67 mm Hg. A postura
e a marcha eram normais. Foram observadas mais de 18 manchas café com leite
disseminadas (com mais de 0,5 cm de diâmetro) e efélides axilares e inguinais; sem
outras alterações cutâneas. A visão, a audição e o exame neurológico eram normais.
Restante exame físico normal.
A avaliação formal (teste de Griffiths) do desenvolvimento mostrou um QD
de 74,6 aos 4 anos e 5 meses. O perfil
__________
1
2
3
Centro de Genética Médica Jacinto Magalhães - INSA
Instituto de Biologia Molecular e Celular – UP
Hospital Privado da Boavista
130
qual o seu diagnóstico?
psicométrico revelou algumas assimetrias com áreas mais prejudicadas (área
da motricidade grosseira-53, motricidade
fina–64, raciocínio prático-68) e outras
mais adequadas(sociabilidade-86, audição/linguagem-94, realização-83).
A RMN cerebral efectuada quando
tinha 2 anos de idade mostrava lesão supra e infratentorial na substância branca
e cinzenta. O EEG revelou actividade lenta de predomínio no hemisfério direito.
Uma vez que a mãe apresentava
alterações cutâneas foi também avaliada em consulta. Quando questionada foi
perceptível que tinha tido algumas dificuldades escolares, tendo atingido o 8º
ano aos 15 anos. Apresentava mais de
6 manchas café-com leite (com mais de
1,5cm de diâmetro), mais de 2 de neurofibromas assim como efélides axilares
Figura 1
(Figura 2) e inguinais. A observação oftalmológica permitiu detectar nódulos
de Lisch em ambas as íris. Foi realizada RMN cerebral que revelou glioma do
nervo óptico.
RESUMO
Criança do sexo masculino avaliada pela primeira vez na consulta de
Genética aos 4 anos e 4 meses, com de
manchas café com leite, efélides axilares
e inguinais, convulsões e compromisso
do desenvolvimento psicomotor A mãe
do doente apresenta QI borderline, manchas café com leite, neurofibromas, axilar
e inguinal, nódulos de Lisch e glioma do
nervo óptico.
Qual é o seu diagnóstico?
Figura 2
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
COMENTÁRIOS
O diagnóstico deste doente é: Neurofibromatose tipo 1 (NF1) ou Doença
de Von Recklinghausen, MIM +162200.
.
A NF1 é uma das doenças genéticas mais comuns, com uma prevalência
de 1:3000 indivíduos.
De acordo com os critérios desenvolvidos pelos NIH (National Institutes of
Health), o diagnóstico clínico de NF1 é
estabelecido na presença de 2 ou mais
dos seguintes critérios: 6 ou mais manchas café com leite (com mais de 0,5 cm
em individuo em idade pré-pubertária ou
com mais de 1,5 cm pós-puberdade); 2
ou mais neurofibromas de qualquer tipo
ou um neurofibroma plexiforme; efélides
axilares ou inguinais; glioma óptico; 2 ou
mais nódulos de Lisch (hamartomas da
íris); lesão óssea específica (ex. displasia esfenoide ou pseudoartorse da tíbia);
familiar em 1º grau com diagnóstico clínico de NF1 de acordo com os critérios
supracitados.
Os critérios de diagnóstico da NIH
têm elevada sensibilidade e especificidade para doentes em idade adulta.
Contudo, apenas metade das crianças
com suspeita de NF1 mas sem história
familiar satisfaz os critérios de diagnóstico NIH aos 12 meses de idade. Isto
acontece porque muitas das características da NF1 aumentam de frequência
com a idade (penetrância dependente da
idade), sendo que por volta dos 8 anos,
quase todos os doentes já cumprem os
critérios. No caso de crianças com história familiar de NF1, o diagnóstico pode
ser facilmente estabelecido antes dos 12
meses uma vez que o diagnóstico requer
apenas mais um critério além de uma história familiar positiva. Esse sinal clínico é
geralmente manchas café com leite múltiplas, que se desenvolvem na infância,
em mais de 95% dos indivíduos.
A somatometria é habitualmente
normal mas cerca de 13% dos doentes
têm baixa estatura e 24% dos doentes
tem macrocefalia. O ADPM está presente em cerca de um terço dos doentes
sendo a maioria (30%) leve a moderado.
Nos restantes doentes, apesar de terem
um QD/QI normal, é comum a referência a dificuldades de aprendizagem em
áreas específicas, nomeadamente nas
áreas da motricidade fina e raciocínio
prático.
A história natural da doença pode
incluir múltiplas e diferentes complicações que podem surgir em diferentes faixas etárias cuja revisão está para além
do âmbito deste artigo mas cuja detalhada descrição poderá ser consultada
nas referências bibliográficas. Apesar de
muitas vezes o prognóstico ser favorável,
estudos demonstram que a esperança
de vida destes doentes está encurtada
em cerca de 15 anos estando esta redução substancialmente relacionada com
a transformação maligna de tumores do
tecido conjuntivo.
Há mais de 100 doenças genéticas
que cursam com manchas café com leite
ou outros sinais clínicos partilhados com
a NF1 mas, efectivamente, raramente
essas entidades são confundidas com
NF1. Entre os diagnósticos diferenciais
mais importantes encontram-se: Síndrome de Noonan, Síndrome NF1-like (gene
SPRED1), Neurofibromatose tipo 2,
Schwanomatose e Sindrome LEOPARD.
Na abordagem inicial de um doente
é importante avaliar a extensão da doença colhendo cuidadosamente a história
familiar, história pessoal e exame físico,
focando com particular atenção os sistemas e aparelhos em que reconhecidamente a NF1 pode trazer mais complicações: pele, esquelético, cardiovascular
e neurológico. Deverá ser solicitada observação por oftalmologia e feita uma
avaliação formal do desenvolvimento. Os
restantes exames complementares de
diagnóstico deverão ser pedidos consoante a clínica de cada doente.
No acompanhamento destes doentes é recomendável a monitorização
anual com: exame físico detalhado, exame oftalmológico, avaliação do desenvolvimento psicomotor e pressão arterial. A
monitorização de problemas relacionados com o sistema nervoso, esquelético
ou cardiovascular deverá ser feito pelos
respectivos especialistas e personalizado
para cada doente. O doente e a família
deverão ser referenciados a uma consulta de Genética Médica para confirmação
molecular do diagnóstico e realização de
Aconselhamento Genético.
A NF1 é causada por mutação do
gene NF1 (locus 17q11.2) que é um gene
com 60 exões Estão descritas mais de
500 mutações diferentes. A doença resulta de mutação pontual (identificada
por sequenciação) em 90% dos doentes,
deleções/duplicações (detectável por
MLPA-multiplex ligantion-dependent probe amplification) em cerca de 6% dos doentes e de rearranjo cromossómico (detectável em cariótipo com bandas de alta
resolução) em menos de 1% dos doentes. Por este motivo a análise molecular
deste gene torna-se morosa e complexa.
O gene NF1 codifica a proteína Neurofibromina, que é um putativo supressor
tumoral/regulador do ciclo celular. A mutação do gene condiciona na maioria dos
casos perda de função da proteína.
No doente descrito, o diagnóstico
clínico foi confirmado molecularmente
tendo sido identificada uma mutação patogénica no exão 10c do gene NF1: uma
deleção de 2 pares de bases (causando mutação do tipo frameshift): c.15411542delAG.
Em cerca de 50% dos doentes
verifica-se que um dos progenitores é
também afectado. Tratando-se de uma
doença autossómica dominante, o risco de recorrência em irmãos é de 50%.
Uma vez detectada a alteração genética
no probando, pode ser oferecido Diagnóstico Pré-Natal específico. No entanto,
deverá ser explicado que esta é uma doença com significativa variabilidade intrafamiliar o que significa que a detecção da
mutação num feto permite afirmar que ele
será seguramente afectado (penetrância
completa) mas não é possível prever a
gravidade da doença com base na historia da doença nos indivíduos afectados
da família (expressividade variável). Poderá ser também discutido com o casal
a possibilidade de Diagnostico Genético
Pré-Implantação.
Nos restantes doentes, com uma
mutação aparentemente de novo, é recomendável que os progenitores sejam
observados, com particular atenção ao
exame dermatológico e deverá ser sistemicamente solicitada a colaboração de
Oftalmologia para exclusão da presença
de nódulos de Lisch nos pais. Confirmando-se que efectivamente nenhum
qual o seu diagnóstico?
131
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
dos progenitores é clinicamente afectado, o risco de recorrência em irmãos
do probando é baixo mas ainda assim
superior ao da população geral devido
à possibilidade de mosaicismo gonadal.
Por esse motivo, se o estudo molecular for conclusivo no probando, deverá
também ser oferecido DPN específico a
estes casais.
Nascer e Crescer 2009; 18(2): 130-132
132
qual o seu diagnóstico?
BIBLIOGRAFIA
1. Ferner RE. Practical Geenetics: Neurofibromatosis 1. Eur J Hum Genet.
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Practice of Medical Genetics (5th edition)
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5. Jones K L. Smith’s Recognizable Patterns of Human Malformation (6th edition)
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1. In: Genereviews at GeneTests: Medical Genetics Information Resource
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7. Orphanet: www.orpha.net
NASCER E CRESCER
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
XXI Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia
Centro Hospitalar do Porto, EPE
Da Infância ao Adulto Jovem
22 a 25 de Novembro de 2009 • Hotel Ipanema Park, Porto
ENVIO DOS RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES ORAIS/POSTERS ATÉ 26/10/2009
Programa Definitivo
Curso Técnicas de Comunicação de Sucesso
Cursos Pré-Congresso | 22 de Novembro | Domingo
Curso de Suporte de Vida Pediátrico
Curso Creditado pelo CPR e ERC
10 horas de formação | 12 inscrições | Formadores: Grupo de Reanimação Pediátrica
08h00
Recepção dos Candidatos e Introdução
08h30
Reconhecer a Criança Gravemente Doente – Sessão Teórica
09h00
Abertura do Secretariado e Distribuição de Documentação
09h15
Sessão de Abertura
09h30
O orador de sucesso – ultrapasse-se!
Cláudia Telles de Freitas
11h00
Coffee Break
Café
11h30
Atrair a audiência: dicas e truques
Cláudia Telles de Freitas
António Miguel Teixeira
09h00
Suporte Básico de Vida – Sessão Teórica
09h15
Suporte Básico de Vida – Sessão Prática
10h15
Intervalo
13h00
Almoço
10h30
Abordagem da Via Aérea e Ventilação – Sessão Teórica
14h30
11h00
Criança Traumatizada – Sessão Teórica
O discurso de excelência – técnicas e segredos da comunicação
Cláudia Telles de Freitas
Isabel Luísa Pinto
11h30
Bancas Práticas (duas rotações de 45’):
Via Aérea – sala 1
Acesso Intraósseo- sala 2
16h00
Coffee
Café Break
16h15
Audiovisuais para o êxito – seja exímio!
Jorge Remondes
18h00
Encerramento
13h00
Almoço
14h00
Paragem Cardíaca na Criança – Sessão Teórica
14h30
Bancas Práticas (duas rotações de 30’):
Assistolia e Fibrilhação Ventricular – sala 1
Desfibrilhação – sala 2
15h30
Demonstração de Cenários Clínicos
16h00
Casos Clínicos – Sessão prática (rotações de 30’)
18h00
Teste e Avaliação Prática
19h30
Reunião de Instrutores
19h45
Reunião Final com os Candidatos
20h00
Encerramento
Organização: Grupo de Reanimação Pediátrica
Coordenador: Ricardo Costa
Formadores: Ana Carriço, Dulce Oliveira, Maria João Baptista e Pedro Pina
SECRETARIADO
Apoio:
Hospital de Crianças Maria Pia, Centro Hospitalar do Porto
Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto – Tel: 226 089 988 – Tlm: 925 542 332
[email protected]
[email protected]
notícias
133
NASCER E CRESCER
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ano 2009, vol XVIII, n.º 2
23 de Novembro | 2ª feira
08h30
09h00
09h00
09h20
09h40
10h15
10h45
10h45
11h05
11h25
11h45
12h45
13h00
14h30
14h30
14h50
15h10
15h30
16h00
Abertura do Secretariado
Controvérsias em Nefro/Urologia
Moderadores: Conceição Mota (H Maria Pia - CHP)
Armando Reis (H Maria Pia - CHP)
Infecções de trato urinário
Célia Madalena (CH Póvoa de Varzim/Vila do Conde)
Nefrópatia de refluxo
Carmen do Carmo (H Maria Pia - CHP)
Discussão
Comentadores: Isabel Castro (H Dona Estefânia)
Clara Gomes (H Pediátrico de Coimbra) Paula Matos (HSA - CHP)
Café
Mesa Redonda: Criança alérgica
Moderadores: Lopes dos Santos (H Pedro Hispano),
Helena Falcão (H Maria Pia - CHP)
Alergia Alimentar
Leonor Bento (H Santa Maria)
Alergia a Fármacos
Eva Gomes (H Maria Pia - CHP)
Discussão
Comunicações orais (sala Ipanema)
Moderadores: Eurico Gaspar (HS Pedro - Vila Real),
Ana Maria Leitão (HS Maria Maior – Barcelos)
Posters (sala Coimbra)
Moderadores: Rosa Lima (H Maria Pia – CHP)
Esmeralda Martins (H Maria Pia – CHP)
Sessão de Abertura
Almoço
Controvérsias: Crio preservação de células do cordão umbilical
Moderador: Sérgio Castedo (HS João)
A favor
Perpétua Pinto do Ó (IBMC)
Contra
Susana Roncon (IPO Porto)
Discussão
Café
Comunicações orais (sala Ipanema)
Moderadores: Almerinda Pereira (HS Marcos)
Braga da Cunha (H Pe Américo)
Posters (sala Coimbra)
Moderadores: Catarina Prior (HSA – CHP)
Lurdes Morais
Ermelinda
Silva(H(HMaria
MariaPia
Pia––CHP)
CHP)
25 de Novembro | 4ª feira
08h30
Comunicações orais (sala Ipanema)
Moderadores: Conceição Casanova (HU Póvoa de Varzim)
Rei Amorim (HS Luzia)
Posters (sala Coimbra)
Moderadores: Emília Costa (H Maria Pia – CHP)
Alzira Sarmento (H Maria Pia – CHP)
09h15
Mesa Redonda: Adolescência – Desafios Actuais
Moderadores: Zulmira Correia (H Maria Pia - CHP)
Paula Fonseca (H Maria Pia - CHP)
09h15
Sexualidade na adolescência
Luís Pimentel (ARS Norte)
24 de Novembro | 3ª feira
08h30
09h30
10h15
10h45
10h45
11h05
11h25
11h45
12h05
12h30
14h00
14h00
14h20
14h40
15h00
15h30
16h00
Comunicações orais (sala Ipanema)
Moderadores: Gonçalves Oliveira (H Famalicão)
Pedro Freitas (HS Oliveira)
Posters (sala Coimbra)
Moderadores: Lurdes
Ermelinda
Silva(H(HMaria
MariaPia
Pia– –CHP)
CHP)
Morais
Cristina Rocha (HS Sebastião)
Conferência: Alimentação – experiências precoces e impacto futuro
Presidente: Margarida Medina (CHP)
Convidado: Gonçalo Cordeiro Ferreira (H Santa Maria)
Café
Mesa Redonda: Actualidades na Alimentação
Moderadores: Paula Regina Ferreira (HSA - CHP)
Virgílio Senra (H Maria Pia - CHP)
Diversificação Alimentar
Ricardo Ferreira (H Pediátrico de Coimbra)
Alimentação no Prematuro
Ana Cristina Braga (Maternidade Júlio Dinis - CHP)
Vegetarianismo
Leonor Sasseti (H Dona Estefânia)
Desporto e Nutrição
Carla Rego (HS João)
Discussão
Almoço
Mesa Redonda. Alimentação em situações especiais
Moderadores: António Guerra (HS João)
Herculano Rocha (H Maria Pia - CHP)
Fibrose quística
Paula Guerra (HS João)
Dislipidémias
Helena Ferreira (H Maria Pia - CHP)
Doença neurológica
Lúcia Gomes (CH Entre Douro e Vouga)
Discussão
Café
Sessão Clínica Interactiva:
Moderadores: Ana Ramos (H Maria Pia - CHP)
Fernanda Marcelino (H Maria Pia - CHP)
• Neonatologia – Sandra Rocha (H Maria Pia – CHP)
• Ortopedia Pediátrica – Jorge Seabra (HSA – CHP)
• Cirurgia Pediátrica – Mónica Recaman (H Maria Pia – CHP)
Cursos Pós-Congresso | 25 de Novembro | 4ª feira
A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica
14h00
Abertura
14h10
Mesa Redonda: A criança com suspeita de cardiopatia congénita
Moderadores: Sílvia Alvares (H Maria Pia - CHP),
José Carlos Areias (HS João)
14h10
Abordagem clínica
Maria Ana Sampaio (H Cruz Vermelha)
14h30
Auscultação cardíaca (sessão prática)
José Diogo Martins (HS Marta)
09h35
As Tribos Urbanas
Helena Sofia (HSA - CHP)
09h55
As Tecno-dependências
Justino Gonçalves (CHTMAD, Vila Real)
15h50
Discussão
16h00
Café
10h15
Discussão
16h15
10h35
Café
11h00
Mesa Redonda: Adolescência – Desafios Actuais
Moderadores: Otília Queiroz (H Maria Pia - CHP)
Susana Pinto (HSA - CHP)
Sessão Interactiva I
Moderadores: Marília Loureiro (H Maria Pia)
Fernando Maymone Martins (HS Cruz)
16h15
Obstáculos ao coração esquerdo
Ana Teixeira (HS Cruz)
11h00
“Feeling blue – what can I do”
José Garrido (Departamento de Pedopsiquiatria - Coimbra)
16h45
11h20
As novas drogas
Raquel Moreira (CAT – Porto)
11h40
Discussão
Obstáculos ao coração direito e hipertensão pulmonar
Dina Rodrigues (HUC)
Sessão Interactiva II
Moderadores: Fátima Pinto (HS Marta)
Eduardo Castela (H Pediátrico de Coimbra)
12h00
Conferência: Organização de uma Consulta de Adolescentes
Presidente: Ana Maria Ribeiro (CH Entre Douro e Vouga)
Convidado: Carlos Figueiredo (H Viseu)
17h30
Shunt esquerdo direito
Ana Luísa Neves (HS João)
Edite Cunha (HS João)
12h45
Sessão de Encerramento
18h00
Dor precordial, síncope
Lúcia Ribeiro (H Pediátrico de Coimbra)
18h30
Encerramento
Entrega de Prémios
Organização:
Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital Maria Pia | Centro Hospitalar do Porto
134
notícias
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
INSTRUÇÕES AOS AUTORES
A Revista NASCER E CRESCER dirige-se
a todos os profissionais de saúde com interesse
na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos
científicos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência,
Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural
são publicados a pedido da Direcção da Revista. A
revista publica artigos originais, de revisão, casos
clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos
não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo
de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados ficarão de inteira propriedade da Revista
e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em
parte, sem prévia autorização dos editores.
Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer
– Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista,
827 – 4050-111 Porto, ou endereçados a
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ou
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como documento anexo em qualquer versão actual
de Microsoft Word, acompanhados da declaração
de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconografia, se remetidos por correio, devem
ser enviados em formato electrónico.
Os artigos deverão ser redigidos conforme
as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a
responsabilidade de os:
- aceitar sem modificações,
- aceitar após alterações propostas,
- ou rejeitar,
com base no parecer de pelo menos dois revisores
que os analisarão de forma anónima. Os pareceres
dos peritos e os motivos de recusa serão sempre
comunicados aos autores.
Consentimento informado e aprovação
pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os
princípios éticos e deontológicos, bem como, a
legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores
mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a
aprovação do protocolo pela Comissão de Ética.
Deve constar declaração de conflito de interesses
ou financiamento.
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
A Revista Nascer e Crescer subscreve os
requisitos para apresentação de manuscritos a
revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to
biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated
October 2008). Todos os elementos do trabalho
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O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem:
1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras-chave e Key-words; 4- Texto; 5- Bibliografia;
6- Legendas; 7- Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos.
As páginas devem ser numeradas segundo
a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser
enviado em formato electrónico.
Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o
mais conciso e explícito possível. A indicação dos
autores deve ser feita pelo nome clínico ou com
a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida
do apelido e devem constar os títulos ou cargos de
todos os autores, bem como as afiliações profissionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou
outros em que os autores exercem a sua actividade,
o centro onde o trabalho foi executado, os contactos
do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone).
Resumo e palavras-chave: O resumo
deverá ser redigido na língua utilizada no texto e
sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no
máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o
seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material
e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos
de revisão devem ser estruturados da seguinte
forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento
e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos,
não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/
Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar
uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão
de base à indexação do artigo. Os termos devem
estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH).
Texto: O texto poderá ser apresentado em
português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos
originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão
devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução,
Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os
casos clínicos devem ser exemplares, devidamente
estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão
sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As
abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação anterior. Não se aceitam abreviaturas
nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores
medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions,
WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a
10 devem ser escritos por extenso, excepto quando
têm decimais ou se usam para unidades de medida.
Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase.
Bibliografia: As referências devem ser
classificadas e numeradas por ordem de entrada
no texto, com algarismos árabes. Os números
devem seguir a ordem do texto, e ser colocados
superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores
devem verificar se todas as referências estão conformes aos Uniform Requirements for Manuscript
submitted to biomedical journals (www.nlm.nih.
gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam
os nomes abreviados das publicações adoptadas
pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar
a página NLM’s Citing Medicine relativamente às
recomendações de formato para os vários tipos de
referência. Seguem-se alguns exemplos:
a) Revistas: listar os primeiros seis autores,
seguidos de et al se ultrapassar 6, título
do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e
páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al.
Intravenous Immunoglobulin for prevention
of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65.
b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s)
autor(es) do capítulo ou da contribuição.
Nome e iniciais dos autores médicos, título
do livro, cidade e nome da casa editora, ano
de publicação, primeira e última páginas do
capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner
BM, editors. Hypertension: pathophysiology,
diagnosis, and management. 2nd ed. New
York: Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es).
Título do livro. Número da edição. Cidade e
nome da casa editora, ano de publicação e
número de página. Ex.: Berne E. Principles
of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26.
Figuras e Quadros: Todas as ilustrações
deverão ser apresentadas em formato digital de
boa qualidade. Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência
no texto, ser apresentado em página individual e
acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos
necessitam de legenda. Se a figura ou quadro é
cópia de uma publicação ou modificada, deve ser
mencionada a sua origem e autorização para a sua
utilização quando necessário. Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir
a sua identificação devendo ser acompanhadas
pela autorização para a sua publicação dada pelo
doente ou seu responsável legal.
O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para
os casos clínicos. As figuras ou quadros coloridos,
ou os que ultrapassam os números atrás referidos,
serão publicados a expensas dos autores.
Agradecimentos e esclarecimentos: Os
agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum dos autores ou financiamento do
estudo devem figurar na última página.
Modificações e Revisões: No caso do artigo
ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem
ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias.
As provas tipográficas serão enviadas aos autores
normas de publicação
135
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 2
em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da Revista. O não respeito do prazo desobriga
a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma
efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista.
INSTRUCTIONS FOR AUTHORS
The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest
in the area of Maternal and Child/Adolescent Health
and publishes scientific articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management.
The Editorials, the articles of Homage and articles
of cultural scope are published under request of the
Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have
been published previously in any form. The opinions
therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal
and may not be reproduced, in full or in part, without
the prior consent of the editors.
Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E
CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista,
827 – 4050-111 Porto, Portugal, or to
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or
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and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should
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Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two
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- accepted with corrections or modifications,
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Authors will always be informed of the reasons
for rejection oro f the comments of the experts.
Informed consent and approval by the
Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and
deontological principles, as well as legislation and
norms applicable, as recommended by the Helsinki
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MANUSCRIPT PREPARATION
Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements
for manuscripts submitted to biomedical journals.
http://www.icmje.org. Updated October 2008).
All the components of the paper, including
images must be submitted in electronic form. The
136
normas de publicação
papers must be presented as following: 1- Title in
Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in
Portuguese and English and key words; 4- Text;
5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables;
9- Acknowledgements.
Pages should be numbered according the
above sequence. If a second version of the paper
is submitted, it should also be sent in electronic
format.
Title and Authors: The first page should
contain the title in Portuguese and English. The
title should be concise and revealing. A separate
page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional affiliations, the name and the
contact details of the corresponding author (postal
address, electronic address and telephone), and
the name of the Institutions where the study was
performed.
Abstract and Key-words: The abstract
should be written in the same language of the text
and always in Portuguese and English, provide on
a separate page of not more than 250 words for
original papers and a 150 words for case reports.
For original papers the abstract should consist of
four paragraphs, labelled Background, Methods,
Results and Conclusions. Review articles should
obey the following: Introduction, Past landmarks
and Present developments and Conclusions. Case
report abstracts should contain an Introduction,
Case report and Discussion/Conclusions. Do not
use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed key-words in Portuguese
and English in alphabetical order, minimum of three
and maximum of ten. Use terms from the Medical
Subject Headings from Index Medicus (MeSH).
Text: The text may be written in Portuguese,
English, French or Spanish. The original articles
should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion
and Conclusions. The structure of review articles
should include: Introduction, Past landmarks and
Present developments and Conclusions. The case
reports should be unique cases duly studied and
discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion
or Conclusion. Any abbreviation used should be
spelled out the first time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed
in international (SI units, The SI for the Health
Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1
to 10 should be written in full, except in the case
of decimals or units of measurements. Numbers
above 10 are written as figures except at the beginning of a sentence.
References: References are to be cited in the
text by Arabic numerals, and in the order in which
they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports.
The journal complies with the reference style in the
Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to
Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_
requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus.
Authors should consult NLM’s Citing Medicine for in-
formation on its recommended formats for a variety
of reference types. The following details should be
given in references to (a) journals, (b) chapters of
books by other authors, or (c) books written or edited
by the same author:
a) Journals: Names of all authors (except if there
are more than six, in which case the first three
are listed followed by “et al.”), the title of the
article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume
and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al.
Intravenous Immunoglobulin for prevention of
sepsis in preterm and low birth weight infants.
Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65
b) Chapters of books: Name(s) and initials of the
author(s) of the chapter or contribution cited.
Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors,
title of book, city and name of publisher, year
of publication, first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM,
editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York:
Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Books: Name(s) and initials of the author(s).
Title of the book. City and name of publisher,
year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford
University Press, 1966:26.
Tables and Figures: All illustrations should
be in digital format of high quality. Each table and
figure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They
should each have their own page and bear an
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abbreviations and symbols need a caption. If the
illustration has appeared in or has been adapted
from copyrighted material, include full credit to the
original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or
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The total number of figures or tables must
not exceed eight for original articles and five for
case reports. Figures or tables in colour, or those in
excess of the specified numbers, will be published
at the authors’ expense in the paper version
Acknowlegments: All authors are required
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Modifications and revisions: If the paper
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submitted within fifteen days of notification. Proof
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the Journal’s staff.

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