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A PREOCUPAÇÃO COM O REGISTRO DO MOVIMENTO SEMPRE FOI UMA OBSESSÃO PARA O HOMEM,
que, desde os primórdios de seu processo evolutivo, buscou formas para registrar
sua existência, no intuito de transmitir conhecimento e passar informações, ou
seja, criar seus próprios meios de comunicação. As pinturas nas cavernas são prova
concreta disso; o jogo de sombras, a câmera escura e a lanterna mágica também.
Muitos anos se passaram até que Thomas Alva Edison, o inventor da lâmpada
elétrica, após uma visita ao laboratório do fisiologista francês Etienne-Jules Marey,
inventor do cronofotógrafo, criasse, em 1891, o cinetoscópio contínuo, um
aparelho que roda película de 35 milímetros – cujo rolo tinha, em média, 15 metros
de comprimento e, os filmes, não passavam de 20 segundos –, mostrando,
individualmente, uma sucessão de fotografias que davam impressão de movimento.
Esse aparelho foi aperfeiçoado por seu assistente, William Kennedy Laurie Dickson.
Foi o pontapé inicial para a invenção que revolucionou o mundo do entretenimento, no final do século XIX.
Tudo começou com dois irmãos franceses, Louis e Auguste Lumière. O
primeiro era físico e o segundo, químico. É deles o mérito pela invenção do cinematógrafo, mas não é deles o mérito de transformar tais imagens em meio de
entretenimento, diversão, manipulação, ou seja, em um veículo de massa. O
cinematógrafo é um aparelho fotográfico instantâneo que projetava imagens em
movimento, fundamentado no cronofotógrafo, no cinematógrafo de Leon Bouly
(criado e patenteado por ele em 1893) e no cinetoscópio de Edison, só que mais
fácil de utilizar e transportar, pois, além de não necessitar de energia elétrica, ele
era o que chamamos hoje de “aparelho 3 em 1”, sendo usado para registrar as
imagens, projetá-las e copiá-las.
O nascimento oficial do cinema data de 28 de dezembro de 1895, em Paris,
França. Foi no Le Grand Cafe da capital francesa que os Lumière fizeram sua quinta
projeção de imagens com o novo invento; porém, foi a primeira vez que eles o
fizeram em público. Na ocasião, 33 pessoas pagaram 1FF (um franco) de entrada
para assistir à película A saída dos operários da fábrica Lumière (La sortie de l’usine
Lumière à Lyon – 1895), que retrata operários da fábrica da família Lumière, o
primeiro de uma série de curtas que incluem ainda O regador regado (L’arroseur
arrosé – 1895), com algumas tiradas cômicas.
Nesse mesmo ano, Louis e Auguste projetaram A chegada do trem à estação
(L’arrivée d’um train em gare de La Ciotat – 1895), película que, segundo reza a
lenda, provocou pavor no público que a assistia, fazendo com que alguns
espectadores até se escondessem debaixo de mesas e cadeiras. Alguns historiadores,
no entanto, afirmam que tal fato não procede. Hoje, mais de cem anos depois,
realmente é difícil acreditarmos em tal história, mas, se pensarmos como o público
do Le Grand Cafe, que não estava acostumado a ver imagens em movimento, dá
para entender o porquê de tanto medo. Talvez muitos dos presentes achassem que
o trem invadiria o café, de forma brutal e violenta, ferindo a todos. Não imaginaram
que aquelas imagens, banais e precárias, retratavam apenas um fato cotidiano,
comum à época em que viviam.
O período entre 1895 e 1910 constitui o que chamamos de “o primeiro
cinema” e o espetáculo cinematográfico, proporcionado pela invenção do cinetoscópio e do cinematógrafo, era apresentado em nickelodeons, feiras livres, carroças
etc. Seu público era o proletariado e suas produções geralmente não ultrapassavam
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cinco minutos. Eram curtas que enfatizavam situações cômicas e cotidianas, até
mesmo escatológicas e pornográficas, e, por mostrarem pessoas se alimentando,
defecando e fazendo sexo, essas imagens acabavam atraindo as camadas mais
pobres da sociedade industrial da época. É estranho pensarmos hoje, na Era dos
Blockbusters, que o simples ato de defecar atraísse as massas, mas é verdade. Era
uma espécie de realidade grotesca, que ainda contava com a fantasmagoria, a
excentricidade e o imaginário do Homem.
Durante o período do primeiro cinema, os realizadores não tinham vergonha
nem medo de exprimir, em seus filmes, preconceitos étnicos, sociais, sexuais e
profissionais, nem de ridicularizar as figuras de autoridade. Os filmes depreciavam imigrantes (chineses, latinos, judeus, eslavos), ridicularizavam mulheres e
exibiam retratos pouco edificantes de padres, policiais e da própria justiça. Tal
falta de escrúpulos não era censurada porque o cinema era uma atividade
marginal, tanto econômica quanto culturalmente, estando fora das atividades
consideradas recomendáveis, saudáveis e familiares. Inicialmente, nenhum
organismo institucionalizado disciplinava de maneira explícita o conteúdo, os
assuntos e as formas de representação do novo divertimento, que se desenvolvia
fora do alcance das normas culturais dominantes.1(COSTA, 2005: 211, 212)
Naquele tempo, o cinema nem sonhava em ser o que é hoje: uma poderosa
e avassaladora indústria de entretenimento, um grande veículo de comunicação
de massa. Atualmente conhecidos também sob o conceito de “cinema de atrações”,
os primeiros filmes eram exibidos para um público a que roteiro e história não
interessavam mais detidamente; importantes eram as imagens em movimento que,
em sua maioria, mostravam algum tipo de singularidade, esquisitice ou aberração.
Talvez esse tenha sido o motivo pelo qual, inicialmente, a elite da sociedade não
se tenha interessado pelo cinema e não o respeitasse como arte.
O que é, precisamente, o cinema de atrações? Em primeiro lugar, é um cinema
que se baseia na... sua habilidade de mostrar alguma coisa. Em contraste com o
aspecto voyeurista do cinema narrativo analisado por Christian Metz, este é um
cinema exibicionista. Há um aspecto do primeiro cinema... que representa esta
relação diferente que o cinema de atrações constrói com seu espectador: as
frequentes olhadas que os atores dão na direção da câmera. Essa ação, que mais
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tarde é considerada um entrave à ilusão realista do cinema, aqui é executada enfaticamente, estabelecendo contato com a audiência. Dos comediantes que
interpelam a câmera à gestualidade afetada e reverente dos prestidigitadores nos
filmes de mágica, este é um cinema que mostra sua própria visibilidade, disposto
a romper o mundo ficcional autossuficiente e tentar chamar a atenção do espectador. Na verdade, o cinema de atrações não desaparece com a dominância da
narrativa, mas fica submerso em certas práticas da vanguarda ou como componente de filmes narrativos.2 (GUNNING, 1986)
Em 1896, o mágico Georges Méliès procurou Louis e Auguste para comprar
os direitos do cinematógrafo, negociando com o pai deles, Antoine Lumière. Com
a resposta negativa dos dois e com a tentativa frustrada do patriarca da família
Lumière de fazê-lo desistir dessa ideia, afirmando que aquele era um invento sem
futuro, Méliès procurou o inglês Robert William Paul, que havia criado aparelho
semelhante. Em meio a tudo isso, os Lumière travavam uma guerra jurídica contra
o americano Thomas Edison, que, em 6 de outubro de 1891, fez a primeira projeção de cinema em laboratório e patenteou o cinetoscópio contínuo (1891) e o
vitascópio (1895).
Em 1902, o mágico lançou Viagem à Lua (Le Voyage dans la Lune – 1902),
em que pessoas viajavam para a Lua e lá encontravam seus bizarros habitantes,
que lembravam índios canibais. Com isso, ele quebrou a barreira realidade/sonho
e permitiu que o cinema não parasse mais de encantar as pessoas. Esse filme foi
também o precursor das produções de ficção científica, responsáveis por grandes
sucessos do cinema. Conta com a participação de Bleuette Bernon (como a senhora
na Lua), Henri Delannoy (como capitão do foguete), Brunnet, Farjaut e Kelm
(como astrônomos), Georges Méliès (como o professor Barbenfouillis), entre outros
não creditados. Os filmes de Méliès são totalmente diferentes; os irmãos Lumière
exploravam cenários naturais e verdadeiros para ambientar suas histórias, caracterizando o chamado realismo documentário, conhecido como “atualidades”, já o
mágico criava situações ficcionais repletas de trucagens e comicidade, utilizando
os recursos de corte e montagem.
Existiam também filmes de outros realizadores que mesclavam cenas reais
com encenações de estúdio, chamados por muitos historiadores e estudiosos
de“atualidades reconstituídas”. É importante ressaltar que, durante os primeiros
anos do cinema de atrações, a maioria dos filmes tinha único plano e câmera fixa,
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impedindo a visualização nítida dos atores e a apresentação de personagens
psicologizados, comuns no cinema narrativo. Em suas projeções, havia ao menos
uma pessoa responsável por direcionar o público para as imagens em movimento,
deixando-o fascinado e curioso com a nova tecnologia. Com o tempo, o “mostrador” passou a “narrador”. À medida que o sucesso do “teatro filmado” aumentava, crescia também o entretenimento e a diversão das pessoas de baixa renda e,
consequentemente, o incômodo da população de maior poder aquisitivo. Assim,
o cinema tinha de se reinventar por meio da moralização de seus filmes e espaços
de exibição, considerados impróprios para toda a família, especialmente mulheres
e crianças.
Em meados da primeira década do século XX, a cinematografia teve de se
adaptar às novas exigências do público, que desejava mais do que apenas imagens
em movimento sobre escatologia e pornografia. As outras camadas da sociedade,
burguesia e aristocracia, também começaram a se interessar pela magia do
cinematógrafo. Dessa forma, o freak show tinha de se transformar em historinhas
com narrativa – começo, meio e fim –, como as do teatro e dos folhetins, especialmente os melodramáticos. Com isso, o cinema, que entrou no século XX como o
veículo de comunicação que representava a era moderna, começou a chamar a
atenção da burguesia industrial e, anos mais tarde, ficou conhecido como a “arte
da burguesia”.
A utilização de vários planos e diversas câmeras, a montagem, o psicologismo dos personagens, entre outros fatores, ajudaram a compor a transparência
narrativa no cinema. A partir daí, a cinematografia não parou mais de evoluir.
Verdadeiras obras de arte foram produzidas ainda no cinema mudo. Já nos Estados
Unidos, o novo mundo anunciado como fruto e efeito da modernidade, o cineasta
David W. Griffith lançou o polêmico O nascimento de uma nação (The birth of a nation –
1915), o primeiro marco do cinema americano, não apenas por sua história, mas,
também, por todo o processo de produção inovador para a época, como será
abordado adiante. Na realidade, Griffith transformou a cinematografia em todos os
sentidos, moralizando-a com bastante competência, tornando-se um dos maiores
nomes da história da sétima arte. Se os irmãos Lumière são os “pais” do cinematógrafo, podemos dizer que Griffith é o “pai” do cinema como linguagem, afinal
foi ele quem deu a esse novo meio de comunicação o status de arte.
Com a explosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1919) e a Europa devastada pelo conflito, a produção americana, que já caminhava muito bem, ganhou
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força e mercado. A guerra deu o impulso que faltava para os Estados Unidos se
tornarem referência mundial no que diz respeito à arte cinematográfica.
1.1 O início em Hollywood
Engana-se quem pensa que, em seus primórdios, o cinema americano já havia se
instalado no condado de Los Angeles, Califórnia, mais precisamente em Hollywood.
No início do século XX, enquanto dava seus passos iniciais rumo a uma infraestrutura invejável, cujo principal objetivo era criar produções superqualificadas
e de alta tecnologia, o cinema escolheu como “casa” a região do Brooklyn, na cidade
de Nova York. Foi na Big Apple, capital do mundo, que a maior potência da
cinematografia mundial nasceu.
A mudança para a Califórnia se deu por vários motivos, principalmente
porque, em Nova York, as produções estavam sujeitas ao jugo da censura. Outros
fatores que contribuíram para a mudança foram a disputa acirrada por patentes, a
grande variedade de cenários naturais (paisagens) que a Califórnia oferecia e o
clima ameno da Costa Oeste dos Estados Unidos, que nem de longe lembra o de
Nova York. Por ser um lugar com sol quase o ano inteiro, e que ainda por cima
contava com a ajuda providencial de praias, montanhas e deserto, era bem mais
adequado para a demanda cinematográfica, que aumentou com a iminência da
Primeira Guerra Mundial e com a paralisação das produções europeias causada
pelo conflito.
Inicialmente chamada de Hollywoodland (Bosque Sagrado) – o “land” caiu
na década de 1940 por falta de manutenção do letreiro –, Hollywood, uma
subdivisão da cidade de Los Angeles, era uma comunidade tranquila e avessa a
atores e badalações do mundo do show business. A antipatia era tamanha que, certa
vez, o Hollywood Hotel colocou um cartaz proibindo a entrada de cachorros e
atores. O letreiro de Hollywood é situado em Beachwood Canyon e, em 1973,
se tornou monumento histórico-cultural. Com mais de 130 metros de largura e
15 metros de altura, logo virou um dos pontos turísticos e cartões postais mais
famosos da cidade.
Em 1915, foi criada a Fox Film Corporation que, depois da fusão com a
20th Century Pictures, em 1935, passou a se chamar 20th Century Fox. Dois anos
depois, em 1915, a Universal Studios, criada em 1912 na cidade de Chicago, abriu
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sua sede em Los Angeles, a Universal City. O ano de 1917 foi decisivo para a
transformação de Hollywood. Foi nesse ano que o centro cinematográfico americano se mudou de Nova York para a até então pacata Los Angeles. A partir daí,
Hollywood não parou mais de crescer. Na década de 1920 surgiram The Walt
Disney Company (1923), Warner Brothers (1923), Columbia Pictures (1924) e
Metro-Goldwyn-Mayer (MGM – 1924).
O primeiro grande clássico da história do cinema americano é O nascimento
de uma nação (The birth of a nation – 1915), de David W. Griffith. Esse filme é considerado ponto de referência por seu tempo de duração (2h45) e, principalmente, por
usar uma sucessão de planos diferentes (ao todo foram 1.500) para compor sua
narrativa: uma novidade para a época. Rodado em dois meses, com orçamento de
US$ 110 mil – valor absurdo para os padrões do início do século XX –, conta a
história de duas famílias: os Stoneman (norte) e os Cameron (sul) durante a Guerra
Civil Americana. É polêmico e exalta a organização segregacionista Ku Klux Klan
(KKK), chegando a apresentar uma cavalgada da KKK de forma épica. Há a suspeita
de que a organização tenha financiado parte do filme, pois viu nele um meio de
propagar sua ideologia – tudo de maneira bem natural, pois Griffith, que cresceu
ouvindo as histórias de seus pais sobre a Guerra Civil Americana e de como o sul dos
Estados Unidos foi totalmente devastado pelas batalhas, não se considerava racista.
Com: Lillian Gish (como Elsie Stoneman), Ralph Lewis (como Austin Stoneman),
Henry B. Walthall (como coronel Ben Cameron), Mae Marsh (como Flora Cameron),
Miriam Cooper (como Margaret Cameron), entre outros. Em 1992, recebeu o
National Film Registry, concedido pelo National Film Preservation Board.
Em 1916, o diretor lançou outro marco: Intolerância (Intolerance: love’s struggle
throughout the ages), que narra quatro histórias diferentes, em tempos distintos, de
intolerância. Ele foi da Babilônia até a América do século XX e é considerado por
muitos um dos maiores clássicos da história do cinema, apesar de não repetir o
sucesso do anterior. Alguns estudiosos afirmam que o principal motivo para a
produção de Intolerância foram as duras críticas recebidas pelo conteúdo racista de
O nascimento de uma nação. A grandiosidade desses filmes fez com que o cinema
começasse a ganhar status de arte. Ambos não são falados. Em 1989, a produção
recebeu o National Film Registry. Com: Mae Marsh (como The Dear One), Howard
Gaye (como Cristo e cardeal Lorraine), Lillian Langdon (como Maria), Alan Sears
(como mercenário), Frank Bennett (como rei Charles IX), Seena Owen (como
princesa Attarea), Alfred Paget (como príncipe Belshazzar), entre outros.
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Depois de duas décadas de existência, os palácios de cinema, ou salas de
exibição, como costumamos dizer, viraram locais de socialização. Àquela altura, o
cinema já trabalhava histórias adaptadas à realidade do público, apresentando
personagens psicologizados, estereotipados – principal característica do cinema
narrativo. Tudo tinha de ser muito natural para o espectador. O cinema narrativo
é aberto ao proletário, porém, como o proletariado não consumia narrativa, tudo
tinha de ser muito bem explicado, para que o filme e seus personagens atingissem
também a burguesia e a aristocracia decadente. Era preciso que essas três camadas
se identificassem com o produto final, garantindo sucesso e lucro. Dessa maneira,
o enredo dos filmes começou a se codificar em estruturas antagônicas, como, por
exemplo: bem versus mal; bandido versus mocinho; masculino versus feminino.
Era o início da coerência e da transparência narrativa na sétima arte.
No final da década de 1920, o cinema ganhou som. Música, ruídos e outros
efeitos sonoros ajudavam na composição dos filmes e sua assimilação por parte do
público. A montagem dos diferentes planos compõe a narrativa do filme e,
consequentemente, sua linguagem tem de ser simples para que o espectador
compreenda a história e se identifique com os personagens.
Os anos entre 1910 e 1950 constituem o período clássico de Hollywood.
Nessa fase, o mundo pôde conhecer estrelas e produções memoráveis, tanto no
cinema mudo quanto na Era de Ouro, como ficaram conhecidas as décadas
de 1930 e 1940, famosas pelos musicais da Metro e pela inovação de Walt
Disney. Algumas produções dessa época são aclamadas até hoje, e dificilmente
serão esquecidas.
1.2 Charles Chaplin e o cinema mudo
Quando se trata de cinema mudo, pensamos em Charles Chaplin e seu inesquecível
Carlitos. A primeira aparição do personagem foi em Corrida de automóveis para
meninos (Kid auto races at Venice – 1914), porém, foi em Dia chuvoso (Between
showers – 1914) que o adorável Vagabundo fez sua primeira aparição notável.
Dirigido por Henry Luhrman, o filme mostra a disputa de dois homens para ajudar
uma jovem a atravessar uma rua totalmente enlameada. Os dois brigam, a polícia
chega, prende o rival (personagem de Ford Sterling), e a moça consegue atravessar
a rua. No final do filme, de costas para a plateia, Carlitos sai andando de um jeito
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bastante peculiar, usando o guarda-chuva como bengala. Foi o boom do personagem, e Chaplin se tornou o maior nome do cinema mudo. Com: Charles Chaplin
(como Masher), Emma Bell Clifton (como a moça), Chester Conklin (como o
policial) e Sadie Lampe (como o policial amigo da moça).
O garoto (The kid – 1921) conta a história de uma mãe solteira que, por não
ter condições de criar seu filho, abandona-o no banco de uma limusine, sem saber
que ele pararia nas ruas e seria achado pelo Vagabundo (interpretado por Chaplin).
Anos depois, já estabilizada como cantora de ópera, a mãe (personagem de Edna
Purviance) se torna voluntária de um orfanato na esperança de reencontrar o filho.
A confusão começa quando Vagabundo decide que quer ficar com a criança e a leva
do orfanato. Bom filme, com direção do próprio Chaplin, que, assim como em
muitos filmes dos quais participou, assumiu roteiro, produção e edição (não creditada). Com: Jackie Coogan (como o garoto), Tom Wilson (como policial), Carl
Miller (como a artista), Baby Hathaway (como o garoto bebê), entre outros.
Em Luzes da cidade (City lights – 1931), também dirigido por Chaplin, o
Vagabundo (personagem de Chaplin), apaixonado por uma florista cega, faz o possível para conseguir dinheiro e pagar a cirurgia que lhe devolveria a visão. Assim,
conhece um milionário alcoólatra, salva sua vida e ganha uma gorda quantia,
suficiente para arcar com as despesas médicas de sua amada. Apesar de ter sido
produzido em uma época em que o som e a fala já eram realidade concreta no
cinema, utilizou apenas música e alguns efeitos sonoros. Considerado um dos
melhores filmes da carreira de Charles Chaplin, recebeu o National Film Registry,
em 1991. Com: Virginia Cherrill (como a florista cega), Harry Myers (como o
milionário), Florence Lee (como a avó da florista), entre outros.
Outro bom filme dirigido, roteirizado e estrelado por Chaplin é Tempos
modernos (Modern times – 1936), uma crítica aberta à industrialização, que preteriu
o homem à máquina. O funcionário de uma fábrica (personagem de Chaplin), na
qual as máquinas engolem os trabalhadores, é perseguido pela polícia e pelas
autoridades, que o prendem sempre que possível e o proíbem de namorar. Conta
com recursos sonoros, sem diálogos, sendo o último filme mudo de Chaplin. Produção sensacional, vencedora do Jussi Awards (1974), na Finlândia, de melhor cineasta estrangeiro para Chaplin, também por O grande ditador (The great dictator – 1940),
e do National Film Registry, em 1989. Com: Paulette Goddard (como a jovem),
Chester Conklin (como mecânico), Tiny Sandford (como Big Bill), Al Ernest Garcia
(como presidente da Electro Steel Corp.), entre outros.
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O humor ácido de Chaplin, um dos poucos atores a lutar contra o advento
do som e da fala no cinema, foi responsável por levar à tela grande os mais variados
problemas sociais, políticos e econômicos de sua época, sempre em tons de
comédia – não a pastelão, e sim a inteligente, recheada de deboche e ironia –, o que
fez dele uma das personalidades mais odiadas por alguns governantes. Chaplin
chegou até mesmo a se exilar na Suíça, após ser expulso dos Estados Unidos sob
a acusação de participar de ações antiamericanas e de divulgar propaganda
comunista em seus filmes, no conturbado período do macarthismo. Sua trajetória
foi contada na tela grande em Chaplin (1992), dirigido por Richard Attenborough
e com Robert Downey Jr. no papel principal. O elenco ainda contou com sua filha,
Geraldine Chaplin (como Hannah), Kevin Kline (como Douglas Fairbanks),
Sir Anthony Hopkins (como George Hayden), Maria Pitillo (como Mary Pickford),
entre outros. Indicado ao Oscar de melhor ator para Downey Jr., direção de arte e
trilha sonora original; ao Globo de Ouro de trilha sonora original, atriz coadjuvante
para Chaplin e ator drama para Downey Jr., e ao BAFTA Film Awards de produção,
figurino e maquiagem, recebeu apenas o BAFTA de melhor ator para Downey Jr.,
que ainda recebeu o ALFS Awards de ator do ano concedido pelo London Critics
Circle Film Awards.
Se eu pretendesse regressar, teria antes de comparecer a uma comissão de
inquérito no Departamento de Imigração, para responder a acusações referentes
à matéria política e idoneidade moral (...) Crisparam-me todos os meus nervos
(...) Encontrava-se nos Estados Unidos tudo quanto eu possuía (...) Pensando
assim, contentei-me em declarar solenemente que estava disposto ao regresso
para responder às acusações e que minha licença não era um “farrapo de papel”,
mas um documento que o Governo dos Estados Unidos me fornecera de boa fé
(...) e por aí fui tocando.3 (CHAPLIN, 1989: 470).
Ainda em Hollywood, Chaplin fez seu primeiro filme falado, O grande
ditador (The great dictator – 1940). Mesmo quem nunca assistiu ao filme conhece
sua cena mais marcante: a de Chaplin vestido com o uniforme do Terceiro Reich,
encarnando Adolf Hitler ao brincar com uma bola que representa o globo terrestre.
Nem é preciso dizer que a produção despertou a ira e o ódio de Hitler. O filme se
tornou um dos maiores clássicos de Chaplin, principalmente pela coragem que ele
teve de fazê-lo durante a Segunda Guerra Mundial e o ápice do regime nazista. Em
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1991, ocorreu mais uma polêmica em torno dessa cena antológica: a novela de
Gilberto Braga, “O dono do mundo” (1991), exibida pela Rede Globo de Televisão,
colocou a sequência do filme na íntegra, como abertura do folhetim, gerando problemas com a família do astro, que exigia pagamento de direito autoral. Com o
problema solucionado, a abertura foi ao ar até o final da novela, sem sofrer qualquer tipo de modificação. Com: Charles Chaplin (como Adenoid Hynkel, o ditador/barbeiro judeu), Paulette Goddard (como Hannah), Jack Oakie (como Benzini
Napaloni), Reginald Gardiner (como Schultz), Henry Daniell (como Garbitsch),
entre outros.
A produção é ótima e foi indicada ao Oscar de melhor filme, roteiro original,
trilha sonora original, ator para Chaplin e ator coadjuvante para Oakie. Recebeu
alguns prêmios, como: o New York Film Critics Circle Award de melhor ator para
Chaplin, que se recusou a aceitá-lo; o Jussi Awards, na Finlândia, de cineasta estrangeiro para Chaplin, em 1974 (mesmo ano em que recebeu por Tempos modernos); o Kinema Junpo Awards, no Japão, de melhor filme estrangeiro em 1961; e
o National Film Registry, em 1997. Charles Chaplin assumiu diversas funções em
O grande ditador. Além de protagonizá-lo, ele foi responsável por direção, produção,
roteiro e trilha sonora (trabalho não creditado).
Nascido em 16 de abril de 1889, em Londres, Inglaterra, Charles Spencer
Chaplin teve uma infância problemática causada pelo divórcio de seus pais, Charles
e Hannah, e pelos problemas psicológicos da mãe. Quando criança, passou bastante tempo em orfanatos ao lado do irmão Sydney. Estreou na vida artística cedo,
aos 5 anos, substituindo sua mãe em um número musical. Aos 8 anos integrou o
elenco do musical The eight Lancaster lads e não parou mais de encantar plateias do
mundo inteiro. Foi para os Estados Unidos em 1913 e, depois de ser contratado
por Mack Sennett, da Keystone, iniciou uma longa e bem-sucedida carreira cinematográfica. Sua estreia foi em Carlitos repórter (Making a living – 1914), curta-metragem que lhe abriu as portas para o sucesso. Ainda em 1914, trabalhou em cerca
de 35 curtas e, nos anos seguintes, passou por várias companhias até, finalmente,
em 1919, fundar a United Artists, ao lado de Mary Pickford, Douglas Fairbanks e
David W. Griffith.
Exilado na Suíça no duro período do macarthismo, retornou aos Estados
Unidos, em 1972, para receber o Oscar honorário por seu efeito incalculável na
indústria cinematográfica no século XX. Esse foi o segundo prêmio especial que
recebeu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood
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(Academy of Motion Pictures Arts and Sciences – AMPAS); o primeiro foi em 1929,
quando a AMPAS decidiu retirar seu nome da competição de melhor ator por seu
desempenho em O circo (The circus – 1928), para lhe conceder o Oscar honorário
por sua versatilidade e genialidade como ator, roteirista, diretor e produtor. Casou-se quatro vezes, com: Mildred Harris (1918-1920), com quem teve um filho,
Norman, falecido com 3 dias de vida; com Lita Grey (1924-1927), com quem teve
Sydney e Charles Chaplin Jr.; com Paulette Goddard (1936-1942) e com Oona
Chaplin (1943-1977), com quem teve Geraldine, Michael, Josephine, Victoria,
Eugene, Jane, Annette-Emilie e Christopher. Carlitos, como é conhecido, faleceu
em 25 de dezembro de 1977, em sua casa na Suíça. Em março de 1978, seu corpo
foi roubado do cemitério Corsier-Sur-Vevey, sendo encontrado apenas em maio
daquele ano, quando foi enterrado novamente.
Ao longo de sua carreira, Chaplin foi agraciado com alguns prêmios importantes, como: o Oscar na categoria trilha sonora original por Luzes da ribalta
(Limelight – 1952), além dos honorários citados acima; o DGA Honorary Life
Member Award, do Directors Guild of America, em 1974; o Career Golden Lion,
no Festival de Veneza, em 1972; o Academy Fellowship, do BAFTA (British
Academy of Film and Television Arts) Awards, em 1977; o Gala Tribute, concedido
pela Film Society of Lincoln Center, em 1972; o honorário Bodil Award, na
Dinamarca, em 1959, entre outros. Recebeu uma estrela na Calçada da Fama de
Hollywood em 1972 e, no ano de 1975, foi condecorado pela rainha Elizabeth II
com o título de Cavaleiro inglês, por isso, em alguns créditos, podemos encontrar
“Sir” Charles Chaplin. Entre seus filmes estão: O vagabundo (The tramp – 1915);
Casa de penhores (The pawnshop – 1916); O imigrante (The immigrant – 1917);
Carlitos nas trincheiras (Shoulder arms – 1918); Casamento ou luxo? (A woman of
Paris – 1923); Em busca do ouro (The gold rush – 1925); Monsieur Verdoux (1947);
Um rei em Nova York (A king in New York – 1957) e A condessa de Hong Kong
(A countess of Hong Kong – 1967).
Como o gênero comédia estava em alta, muitos atores ficaram conhecidos
por seus papéis em filmes “pastelão”. Muita gente, só de olhar para a tela e ver
Buster Keaton, já começava a rir. O mais curioso é que Keaton nunca ria em seus
filmes. Assim como Chaplin, Buster Keaton é considerado um dos maiores nomes
do cinema. No final da década de 1920, ele se consagrou com dois filmes: A general
(The general – 1927) e Marinheiro de encomenda (Steamboat bill – 1928), mas, apesar
de sua contribuição e seu sucesso diante do público, recebeu apenas um Oscar
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honorário por seu talento em comédias e duas estrelas na Calçada da Fama
de Hollywood, nas categorias cinema e televisão, ambas em 1960. O cinema
mudo serviu também para dar ao mundo o carisma dos Irmãos Marx e o primeiro
“casal 20” hollywoodiano, formado por Mary Pickford e Douglas Fairbanks.
Ainda hoje, o cinema mudo é cultuado por cinéfilos mundo afora. Sua
transição para o cinema falado e sonoro se deu de forma gradativa e proveitosa,
dentro e fora de Hollywood. Muitos filmes europeus, principalmente os produzidos
no intervalo entre as duas grandes guerras mundiais, são verdadeiras obras de arte,
como: O gabinete do Dr. Caligari (Das kabinett des Dr. Caligari – 1919), uma das
produções mais famosas do expressionismo alemão, e O encouraçado Potemkim
(Bronenosets Potyomkim – 1925), de Sergei Eisenstein, um dos maiores clássicos do
cinema russo.
O advento do som revolucionou a sétima arte, possibilitando o surgimento
daquele que seria o maior gênero das duas décadas seguintes da chamada Era de
Ouro de Hollywood: o musical. O primeiro filme sonorizado foi Don Juan (1926),
no entanto, O cantor de jazz (The jazz singer – 1927) foi o primeiro a mesclar som
e fala. Ambos são de Alan Crosland e foram produzidos pela Warner Brothers. Reza
a lenda que, em suas apresentações, parte do público chegou a procurar por
músicos e orquestra nas salas de cinema, acreditando que a utilização de efeitos
sonoros em filmes fosse impossível.
Don Juan estreou como o precursor de uma nova Era Cinematográfica, como
Will Hays afirmou, em sua primeira exibição. O filme conta a história de um homem
que aprende com o pai que as mulheres só lhes dão três coisas específicas: vida,
desilusão e morte. A ação se desenrola a partir disso, mostrando ainda um duelo.
Com: John Barrymore (como Don Jose de Marana/Don Juan de Marana), Jane
Winton (como Donna Isobel), Montagu Love (como Count Giano Donati), Warner
Oland (como Caesar Borgia), Estelle Taylor (como Lucrezia Borgia), entre outros.
O cantor de jazz mostra Jakie Rabinowitz (interpretado por Al Jolson), um
rapaz judeu apaixonado por jazz que desafia o próprio pai ao trocar de nome para
Jack Robin. Pelo jazz ser um estilo musical cuja raiz está na cultura negra americana, ele, inclusive, pintava o rosto com tinta preta em shows. Quando está
prestes a realizar seu sonho, na Broadway, seu pai fica à beira da morte, e ele se
sente na obrigação de resgatar as tradições judaicas, ocupando o lugar do pai como
cantor em cerimônias religiosas. Após o falecimento do pai, Jakie consegue uma
segunda chance no show business e estreia nos palcos, com o apoio da mãe. Esse
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Como tudo começou
filme não é totalmente falado. Ele mistura letreiros explicativos com poucos
diálogos, e ganhou o Oscar honorário por seu pioneirismo no cinema falado, que
revolucionou a indústria cinematográfica, e a estatueta de melhor roteiro adaptado.
Em 1996, recebeu o National Film Registry. Com: Warner Oland (como cantor
Rabinowitz), Eugenie Besserer (como Sara Rabinowitz), May McAvoy (como Mary
Dale), Richard Tucker (como Harry Lee), Otto Lederer (como Moisha Yudelson),
entre outros.
Nessa época, Hollywood começou a assimilar com bastante perspicácia as
características das vanguardas europeias – movimentos que surgiram no período
entre guerras (expressionismo alemão, surrealismo, cinema russo, entre outros).
Frankenstein (Frankenstein – 1931), de James Whale, é um bom exemplo da influência europeia nas produções hollywoodianas. Inspirado no romance de Mary
Shelley, definiu a linguagem dos filmes de horror ao contar a história do médico
que cria um monstro em seu laboratório após juntar vários membros de pessoas
mortas. Sua fotografia (preto e branco), o cenário artificial e a atmosfera sombria
e fantasmagórica mostram o quanto foi influenciado pelo expressionismo alemão,
principalmente, por O gabinete do Dr. Caligari (Das kabinett des Dr. Caligari – 1919)
e Nosferatu (Nosferatu, eine Symphonie des Grauens – 1922).
Serviu também para lançar Boris Karloff (o monstro), até então um ator
secundário, como um dos maiores intérpretes do gênero. Em 1998, o diretor Bill
Condon lançou Deuses e monstros (Gods and monsters) sobre a vida de Whale,
baseado no livro Father of Frankenstein, de Christopher Bram. Sir Ian McKellen –
mais conhecido como Gandalf e Magneto, seus personagens nas trilogias O senhor
dos anéis (The lord of the rings – 2001, 2002, 2003) e X-men (2000, 2003, 2006),
respectivamente – dá vida a Whale, em uma belíssima e tocante interpretação que
lhe valeu uma indicação ao Oscar de melhor ator. Com: Colin Clive (como
dr. Henry Frankenstein), John Boles (como Victor Moritz), Edward Van Sloan
(como dr. Waldman), Marilyn Harris (como Maria), entre outros. Em 1991,
recebeu o National Film Registry, do National Film Preservation Board. O filme
teve ainda uma continuação: A noiva de Frankenstein (Bride of Frankenstein – 1935).
Outros filmes das décadas de 1910 e 1920: 20.000 léguas submarinas (20,000
leagues under the sea) – 1916); Civilização (Civilization – 1916); The narrow trail
(1917); A casta Susana (True heart Susie – 1919); A marca do Zorro (The mark of
Zorro – 1920); Ace of hearts (1921); Nossa hospitalidade (Our hospitality – 1923);
O cavalo de ferro (The iron horse – 1924); O ladrão de Bagdá (The thief of Bagdad –
A fantástica fábrica de filmes
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1924); O fantasma da ópera (The phantom of the opera – 1925); What price glory
(1926); O pirata negro (The black pirate – 1926); A vida privada de Helena de Troia
(The private life of Helen of Troy – 1927); O vento (The wind – 1928); O homem das
novidades (The cameraman – 1928); No hotel da fuzarca (The cocoanuts – 1929) etc.
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Como tudo começou