O Papel dos MMORPG na aprendizagem de

Transcrição

O Papel dos MMORPG na aprendizagem de
O Papel dos MMORPG na
aprendizagem de Social Skills
GONÇALO BRITO, nº59748
Mestrado Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação 2012/2013
2º SEMESTRE
Unidade Curricular Redes Sociais Online
Docentes Prof. Doutor Gustavo Cardoso
O Papel dos MMORPG na aprendizagem de Social Skills – Gonçalo Brito
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ABSTRACT
Massive Multiplayer Online Role Playing Games (MMORPGs) are an extremely popular
worldwide form of entertainment. MMORPGs are a videogame genre, played
exclusively online (usually via a PC) in which people from around the world coexist on
the same virtual persistent world (permanently online). This article explores the notion
that MMORPGs are social networks with specific features that help players develop
precious social skills which will be vital for the construction and development of their
social capital.
Keywords: social capital, social networks, video games, mmorpgs, social skills,
literacy
RESUMO
Os Massive Multiplayer Online Role Playing Games (doravante, MMORPGs) são uma
popular forma de entretenimento praticada em todo o mundo. Trata-se de videojogos
jogados exclusivamente online (normalmente via PC), nos quais pessoas de todo o
mundo partilham um universo virtual persistente (que está sempre online) dentro do
qual interagem entre si cooperativa e/ou antagonicamente. Este artigo tem como
objectivo explorar a ideia de que os videojogos do género Massive Multiplayer Online
Role Playing Game (MMORPG) são em si redes sociais online, que, pelas suas
características, ajudam a dotar os seus utilizadores de determinadas social skills,
essenciais para a construção do seu capital social.
Palavras-chave: capital social, redes sociais, videojogos, mmorpg, social skills,
literacias, aprendizagem
ENQUADRAMENTO
Este artigo baseia-se nos pressupostos teóricos estudados na Unidade
Curricular, Redes Sociais Online, e na experiência do autor deste artigo, jogador de
MMORPGs há cerca de 10 anos e ex-jornalista na área dos videojogos e tecnologia de
consumo, profissão que exerceu durante 7 anos. Tem como objectivo explorar a ideia
de que os videojogos do género Massive Multiplayer Online Role Playing Game
(MMORPG) são em si redes sociais online, que, pelas suas características, ajudam a
dotar os seus utilizadores de determinadas social skills, essenciais para a construção do
seu capital social.
Sobre redes sociais online, Castells refere que “estudos de painel, como os que
realiza o principal investigador de sociologia empírica das comunidades da Internet,
Barry Wellman da Universidade de Toronto, mostram a realidade da vida social na
Internet. Os resultados demonstram que as comunidades virtuais são também
comunidades, isto é, geram sociabilidades, relações e redes de relações humanas, não
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sendo, porém, idênticas às comunidades físicas. As comunidades físicas têm
determinadas relações e as comunidades virtuais têm outro tipo de lógica e outro tipo
de relações. Que tipo de relações? Qual a lógica específica da sociabilidade online? O
mais interessante é a ideia de que são comunidades pessoais, comunidades baseadas
em interesses individuais e nas afinidades e valores das pessoas. Nas nossas
sociedades, onde se desenvolvem projectos individuais que procuram dar sentido à
vida, a partir do que eu sou ou quero ser, a Internet permite essa conexão
ultrapassando os limites físicos do quotidiano, tanto no local de residência como no
local de trabalho, gerando, portanto, redes de afinidades.” (Castells, N.D.)
COMPREENDER OS MMORPGs
Os Massive Multiplayer Online Role Playing Games (doravante, MMORPGs) são
uma popular forma de entretenimento praticada em todo o mundo. Trata-se de
videojogos jogados exclusivamente online (normalmente via PC), nos quais pessoas de
todo o mundo partilham um universo virtual persistente (que está sempre online)
dentro do qual interagem entre si cooperativa e/ou antagonicamente. Os MMORPGs
são um subgénero dos Massive Multiplayer Online Games (MMOG). A diferença é
simples: os MMOG podem assumir qualquer estilo de jogo, ao passo que os MMORPGs
incluem obrigatoriamente um componente de role play.
As origens dos MMORPGs remontam aos tempos da ARPANET (a precursora da
internet) e ao videojogo MUD (Multi-User Dungeon – o nome deste jogo viria tornar-se
no nome do género), uma aventura role play de texto, que, em 1980, se tornou no
primeiro MMORPG a estar disponível na internet. Em MUD, cada jogador controlava
um avatar e todos coexistiam num universo virtual comum, participando em
demandas cuja conclusão era recompensada com pontos de experiência. O objectivo
de cada jogador era acumular o máximo de pontos para poder desenvolver o seu
avatar, conferindo-lhe poderes especiais e, por fim, alcançar o estatuto de “Wizard”, o
mais elevado do jogo. Para além de jogar, os utilizadores podiam também conversar
via texto.
Hoje, os MMORPGs têm uma expressividade impressionante. No seu auge
(2010), o MMORPG mais popular do mundo (World of Warcraft) contava com mais de
12 milhões de subscritores (que pagavam uma mensalidade de 12 euros), segundo
comunicado oficial da empresa responsável pelo jogo, a Blizzard Entertainment.
Embora não existam números oficiais do total de utilizadores de MMORPGs em todo o
mundo, algumas publicações da especialidade (como a icónica PC Gamer) afirmava
existirem 400 milhões de utilizadores de MMOG, em 2012.
“The internet has dramatically increased the possibilities of social networking.
Sites such as Facebook build their entire business model on facilitating social contacts
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and interactions. But networking is not only done via social websites: online games
have also gained widespread acceptance, with players competing against each other
over the internet. In 2009 there were 46 million players of online games, generating an
industry revenue of 3.8 billion US$ for the United States alone. According to these
numbers, statistically speaking, a fifth of the US population participate in online
games.” (Safferling, 2011).
Embora o género MMORPG tenha evoluído muito tecnicamente ao longo das
décadas que sucederam os jogos MUD, o princípio mantem-se imutável até aos dias de
hoje. Isto acontece porque o verdadeiro elemento de atracção de qualquer MMORPG
não reside no acto de “jogar”, mas sim de socializar. É uma conclusão comum entre os
jogadores assíduos do género MMORPG, mas também entre quem tem estudado esta
matéria. Um bom exemplo disso são os estudos sobre o MMORPG, Habitat, que deu
origem ao artigo The Lessons of Lucasfilm's Habitat, no qual os autores referem “The
essential lesson that we have abstracted from our experiences with Habitat is that a
cyberspace is defined more by the interactions among the actors within it than by the
technology with which it is implemented.” (Morningstar e Farmer, 1991).
Isto não significa, é claro, que não tenham existido mudanças nos
comportamentos. Por um lado, conforme a internet se vai banalizando, também a
confiança geral tem vindo a aumentar, o que tem levado ao abandono crescente do
anonimato em redes sociais online (como o IRC) a favor da exibição de perfis virtuais
que mostram com alguma fiabilidade o humano que pretendem representar. Isto
representa uma entrega maior, que pode também ser verificada entre os utilizadores
de MMORPGs.
É esse sentido de confiança que levou ao surgimento de Guildas nos
MMORPGs, que, como o próprio nome indica, consistem em sub-grupos, ou equipas,
de jogadores, unidos pelo sentido de pertença que só um grupo pequeno consegue
transmitir. Uma guilda virtual é uma associação, com hierarquias, condições de acesso
e regras de conduta. É uma espécie de família dentro do jogo, que promove a
solidariedade entre membros e actividades em grupo – como vimos antes, o factor de
apelo central de qualquer MMORPG. Tal como na vida real.
No seu estudo sobre este tema, Safferling aborda esta questão, embora se
foque na vertente de desempenho e economia de jogo. “Players meet and form “clan”
organisations exclusively online. Socialising increasingly becomes a regular activity for
many, just as the internet has long evolved into a regular marketplace to trade all kinds
of goods and services. In contrast with the pure exchange of personal information in
social networks,online game players are very performance-orientated. Readily
available online game data can therefore provide an outlook on future developments
and business potential in the internet economy. In this paper, we are specifically
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interested in investigating the emergence of “virtual” social capital that enhances
individual performance.” (Safferling, 2011).
É portanto correcto afirmar que os MMORPGs estão na origem das redes
sociais online, conforme a definição de Social Network Sites, de Boyd e Ellison “We
define social network sites as web-based services that allow individuals to (1) construct
a public or semi-public profile within a bounded system, (2) articulate a list of other
users with whom they share a connection, and (3) view and traverse their list of
connections and those made by others within the system.” (Boyd e Ellison, 2007).
O CAPITAL SOCIAL
Portanto, se os MMORPGs são redes sociais online, interessa compreender em
que medida contribuem para a aquisição de social skills e para a formação do capital
social de cada indivíduo.
A definição de capital social está longe de ser consensual, mas para efeitos de
fundamentação teórica, este artigo baseia-se na “reconceptualização” da definição
realizada por Philip E. Agre, que resume de forma brilhante o percurso do estudo do
capital social: “The concept of social capital draws on a long tradition, starting with
medieval sources and Tocqueville. But the phrase "social capital", as well as its
connection with the mapping of social networks, begins with Loury (1977), for whom it
served as part of an explanation of poverty in terms of poorly-functioning community
support systems. Social capital for Loury was the sum total of other people's capital
(e.g., equipment available for borrowing) to which an individual has access through
social connections of friendship and association. A related concept, mainly intended to
explain the persistence of social stratification, originates with Bourdieu and Passeron
(1977). Social capital was then theorized more fully by Coleman (1990) and by such
scholars of social networks as Lin (1982, 2001). The idea of social capital entered broad
circulation, however, with Robert Putnam's Making Democracy Work (1993). By "social
capital", Putnam refers to two things: the stock of social network connections and the
prevailing atmosphere of trust that is conducive to making such connections.” (Agre,
2004).
Agre defende que a teoria de Putman está incompleta e propõe um terceiro
factor que considera decisivo para se obter capital social: social skills. “Many people
grow up in environments where the necessary social skills do not exist, either because
everyone is too busy scratching out a subsistence living, or because they have acquired
the social skills they need to live in a different kind of society, or because they have
internalized conservative ideologies that keep them from creating associations that
might threaten established interests. People from such a disadvantaged background
might excel in school and get a good job, only to stall in their careers because they are
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not building strong networks. People whose careers stall in this way are often
mystified; they are working hard, doing what they are told, projecting a positive
attitude, and generally exercising the skills that are required to get along in a
clientelistic world. But they lack the skills of association. Indeed, they probably lack
even a clue that the skills of association exist.” (Agre, 2004).
Para Agre, o capital social é então composto pelo tamanho da rede social do
indivíduo, a atmosfera prevalecente de confiança nele e as habilidades sociais desse
indivíduo, ou a capacidade que ele tem de expandir a sua rede e de transmitir
confiança.
Este artigo explora a ideia de que jogar MMORPGs pode potenciar a
aprendizagem da gestão destes três factores, consciente ou inconscientemente.
Porque os MMORPGs são espaços sociais frequentados por humanos, as regras de
socialização prevalecentes são transportadas do mundo real para o mundo virtual. No
entanto, as regras de socialização apreendidas do mundo virtual podem depois
replicadas no mundo real. Será um processo bilateral?
A APRENDIZAGEM E AS LITERACIAS
Antes de mais, convém chamar a atenção para um factor importante: um típico
jogador de MMORPGs reúne em si um elevado nível de literacias digitais dos novos
media, conforme propostas por Sonia Livingstone (2004). Qualquer jogador bemsucedido de MMORPGs consegue “access, analyse, evaluate and create messages
across a variety of contexts” (Livingstone, 2004). A ausência de qualquer uma destas
skills é suficiente para que determinado indivíduo não se torne num utilizador de
MMORPGs. O utilizador tem de ter acesso a um computador e ao jogo. Tem de saber
instalar o jogo, configurar uma subscrição, correr o jogo no computador e, pelo menos,
saber como mover o seu avatar e interagir com o universo de jogo e com os seus
utilizadores.
Isto significa que os jogadores que coexistem nestes universos virtuais têm mais
em comum do que apenas o “gosto” por videojogos e pelo tema do MMORPG que
estão a jogar, como explica Castells “O que acontece é que a sociabilidade se está a
transformar mediante o que alguns designam de a privatização da sociabilidade, que é
a sociabilidade entre pessoas que constroem laços electivos não com os que trabalham
ou vivem num mesmo lugar, fisicamente coincidentes, mas pessoas que se procuram:
eu quero encontrar alguém que goste de sair de bicicleta comigo, mas tenho que
procurar primeiro. Por exemplo, como criar um clube de ciclismo? Como criar um
clube de pessoas que se interessem por espeleologia? É esta formação de redes
pessoais que a Internet permite desenvolver mais fortemente.” (Castells, N.D.).
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A um nível primário, todos os utilizadores têm semelhantes literacias, o que os
coloca no patamar ideal para socializar e trocar skills sociais, mas não só. O facto de se
estar a jogar rodeado de outros humanos significa que as limitações às habilidades
individuais do utilizador deixam de ser tão… limitadoras. Basta pedir ajuda.
Assim, a compreensão do funcionamento do interface de jogo (como procurar
um grupo? Como equipar um item no avatar?), a compreensão dos objectivos
impostos pelas demandas do jogo (que envolve frequentemente a resolução de
puzzles), a aprendizagem do sistema de combate (quais os melhores itens e
movimentos para lidar com diferentes tipos de inimigos?) e do sistema de profissões
(como criar um item?), é facilitada pela comunicação e por trocas do foro social. Existe
neste sistema um genuíno processo de aprendizagem de elementos que podem vir a
ter utilidade posteriormente no mundo real.
A AQUISIÇÃO DE SOCIAL SKILLS
“Users in fact take these environments very seriously. Other survey data also
show that the majority of users indicate that the way they behave and interact with
others in these environments is very close to how they behave and interact with
others in the material world. In other words, most users are simply being themselves
rather than experimenting with new identities or personalities. It is also easy to
assume that nothing serious or meaningful happens in or can be derived from these
environments because they are merely semi-sophisticated forms of play. The following
sections provide multiple lines of evidence to argue that many different kinds of
serious social phenomena occur in these environments.” (Yee, Harris, Jabon e
Bailenson, 2011).
Quais são, então, as social skills (ou, habilidades sociais) que um utilizador pode
potencialmente aprender e/ou desenvolver por jogar assiduamente pelo menos um
MMORPG?
Relações Comunicacionais
Como vimos anteriormente, comunicar e socializar com outros humanos são as
actividades que alicerçam qualquer MMORPG. Hoje, a comunicação mais superficial
dentro do jogo é feita através de texto e emotes (gestos e sons realizados pelo avatar),
mas a um nível mais sério, são usados serviços de comunicação por voz. Comunicar
dentro de um MMORPG requer a aprendizagem, ou potencia o desenvolvimento, de
um leque de skills técnicas e comportamentais. Em termos técnicos, cada utilizador
tem de, pelo menos, saber configurar e usar um serviço de comunicação por voz e
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saber escrever e falar em inglês, com um sotaque suficientemente perceptível para
todos.
Ao nível comportamental, o sucesso social, e consequentemente a expansão
qualitativa da rede social virtual de cada utilizador, está dependente das skills
comunicacionais que usamos no mundo real, como a capacidade de adaptação a cada
situação. É necessário saber ser cordial em todas as situações. O que significa isto?
Significa saber falar “a sério” quando estão a ser discutidos assuntos considerados pelo
grupo como sérios (como realizar uma tarefa de grupo, ou que medidas tomar para
aumentar as probabilidades de sucesso futuro da guilda), e saber lidar com os
diferentes sentidos de humor e personalidades dos utilizadores.
Significa também saber conversar com pessoas de diferentes nacionalidades e
proveniências. No processo de socialização dentro de um MMORPG, é comum os
utilizadores passarem uma boa parte do seu tempo simplesmente a conversar sobre as
diferenças e semelhanças entre os seus países de origem. Este processo não só leva a
que os utilizadores aprendam informação sobre culturas que poderiam desconhecer,
como os ajuda a criar um quadro conceptual comunicacional adaptado a cada cultura.
“I play MMORPGs with my husband as a source of entertainment. Overall it can
be a cheaper form of entertainment where you can spend quite a bit of time with a
significant other. To play well you end up developing more ways of communicating.
*female, 31+.” (Yee, Harris, Jabon e Bailenson, 2011).
Um exemplo frequente acontece com jogadores que nunca tenham interagido
na vida real com utilizadores de nacionalidade germânica. Existe uma tendência
natural por parte de utilizadores não germânicos de falar sobre a época da Alemanha
Nazi. Quando a interacção e a troca comunicacional acontecem dentro dos MMORPGs,
os utilizadores não germânicos rapidamente aprendem que esse é um assunto que os
utilizadores germânicos não gostam, normalmente, de discutir. Tal como na vida real.
Por outro lado, os utilizadores germânicos ganham também a percepção (se
antes não a tivessem) que o resto do mundo tem uma propensão natural para abordar
o tema da Alemanha Nazi, numa primeira fase de interacção com utilizadores alemães.
Neste caso, as habilidades sociais de ambas as partes beneficiam de uma melhoria que
pode vir a reflectir-se na vida real ou no chamado mundo físico.
Yee, expande um pouco mais a questão comunicacional no seu estudo,
explicando que “Indeed, the ingredients that Walther proposed for hyperpersonal
interactions – interactions that are more intimate, more intense, more salient because
of the communication channel – all exist in MMORPGs. First, the communication
channel allows the sender to optimize their self-presentation because interactants do
not have to respond in real-time. Second, the receiver forms an impression of the
sender by inflating the few pieces of information that the sender has optimized. Third,
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participants can reallocate cognitive resources typically used to maintain socially
acceptable non-verbal gestures in faceto-face interactions and focus on the structure
and content of the message itself, which comes across as more personal and
articulate. Finally, as interactants respond to personal messages with equally personal
and intimate messages, the idealized impressions and more personal interactions
intensify through reciprocity. The cumulative effect is that the interaction becomes
more intimate and positive. (Yee, 2011).
Relações de grupo
Nos MMORPGs, cada utilizador vai desenvolvendo uma reputação, podendo vir
a ficar famoso junto dos outros pelas melhores ou piores razões.
Existem dois tipos de grupos nos MMORPGs: os PUGs (Pick Up Groups) e as Guildas. O
primeiro é um grupo casual de jogadores que se une por pequenos períodos de tempo,
de forma a tentar completar um objectivo de jogo. Para criar um PUG, cada jogador
manifesta publicamente a sua disponibilidade para participar numa determinada
demanda. É comum os intervenientes não se conhecerem e nem sequer comunicarem
para além do estritamente necessário para concluir a tarefa. No final o grupo dissolvese e os indivíduos poderão nunca mais se voltar a cruzar. Ocasionalmente pode
acontecer que alguns ou todos os elementos de um PUG se dêem de tal forma bem,
que passam a ser “amigos” virtuais, a jogar cooperativamente regularmente e até a
pertencer à mesma Guilda. O processo de evolução de intimidade relacional é idêntico
ao tradicional do mundo físico.
Participar em PUGs pode parecer uma tarefa menos exigente em termos
sociais, mas isso não é necessariamente verdade. O facto de não se saber nada sobre
as pessoas com quem se está a trabalhar cooperativamente requer uma abordagem
comunicacional mais subtil e cuidada, para evitar mal entendidos (algo comum na
comunicação não presencial) e conflitos que possam prejudicar a experiência de jogo
ou a reputação pública do jogador.
O caso das guildas, como já vimos, é diferente. Uma guilda virtual é uma
associação, com hierarquias, condições de acesso e regras de conduta. A guilda é um
grupo organizado, uma espécie de clube, é a família do jogador dentro do universo de
jogo. Existem várias formas de se vir a pertencer a uma guilda, e todas elas têm
correspondência com procedimentos do mundo real. Eis as mais comuns:
. Um grupo de amigos do mundo real decide criar uma guilda.
. O jogador vai desenvolvendo a sua rede social e um dia trava conhecimento
com alguém que o convida a juntar-se a uma guilda.
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. A reputação do jogador é de tal forma notória que este passa a receber
convites para ingressar em diferentes guildas.
. O jogador pede publicamente para se juntar a uma guilda qualquer e aguarda
que alguém esteja disposto a convidá-lo.
Ser um membro activo e de sucesso dentro de uma guilda requer uma
combinação abstracta de social skills. Acontece amiúde determinado utilizador não
estar inicialmente na posse de todas as social skills necessárias para ser bem-sucedido
dentro do grupo, mas vir a desenvolvê-las ao longo do tempo, graças ao convívio e às
trocas sociais com os outros membros da guilda e jogadores em geral. É uma situação
testemunhada frequentemente pelo autor do presente artigo, e observada no estudo
de Yee.
“These highly social and structured environments also allow us to explore
whether certain valuable skills learned in an MMORPG can transfer to the material
world. Personal advancement in MMORPGs typically involves collaboration among
groups of users in na attempt to achieve a challenging task. Thus, a prime candidate
for acquired skills is leadership skills. In emergent groups within the MMORPG
environment, leaders deal with both administrative as well as higher-level strategy
issues, most of which arise and have to be dealt with spontaneously. Administrative
tasks include: role assignment, task delegation, crisis management, logistical planning,
and how rewards are to be shared among group members. Higher-level strategy tasks
include: motivating group members, dealing with negative attitudes, dealing with
group conflicts, as well as encouraging group loyalty and cohesion. These issues are
even more salient in long-term social groups, such as guilds, which have formalized
membership and rank assignments. In other words, MMORPGs provide many
opportunities for short-term and long-term leadership experiences.” (Yee, 2011).
Nas entrevistas levadas a cabo por Yee, um jogador refere a influência que os
MMORPGs têm desempenhado na sua capacidade de liderança. “ I've never been one
who is particularly comfortable with a leadership role in real life. In the game, friends
and I left another guild that no longer suited us for various reasons and formed our
own. I was approached by several of these friends to assume leadership of the guild
and agreed, even though I was uncertain of my suitability. I've grown more
accustomed now to directing various aspects of running the guild and providing a
vision and leadership to the members. Follow-up and assertiveness now feel more
natural to me even in real life. It has been an amazing opportunity to push myself
beyond my boundaries and a rewarding experience. *female, 46+.” (Yee, 2011).
O estudo referido conclui também que 40 por cento dos inquiridos afirma ter
aprendido apenas um pouco sobre gestão de grupos, embora dez por cento dos
inquiridos tenham admitido ter aprendido muito sobre gestão de grupos. Pode parecer
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pouco, mas é um número muito significativo e que atesta a ideia de aprendizagem de
social skills que são depois transportadas para a vida real. “This sentiment is shared by
many users. In the survey study [28], 10% of users felt they had learned a lot about
mediating group conflicts, motivating team members, persuading others, and
becoming a better leader in general, while 40% of users felt that they had learned a
little of the mentioned skills. This is striking given that these environments are not
structured pedagogically to teach leadership. Acquisition of leadership skills in these
environments is in fact an emergent phenomenon. But more importantly, these
findings demonstrate that real-life skills can be acquired or improved upon in these
environments. Certainly, self-reported assessments are not robust assessments, but
these findings lay the foundation for more controlled studies of the acquisition of
complex social skills in these environments.” (Yee, 2011).
ROLE EXPLORTION E SKILL TRANSFER
O facto de os jogadores de MMORPGs poderem assumir uma identidade virtual
à sua escolha, também dá azo a situações de aprendizagem que podem potenciar as
suas social skills. Um bom exemplo disso acontece quando os utilizadores assumem
identidades cujo género é o oposto ao seu (masculino ou feminino). Isto permite aos
homens “colocar-se na pele” das mulheres e vice-versa. É um fenómeno a que Yee,
Harris, Jabon e Bailenson chamam de Role Exploration e Skill Tranfer. Um homem
inquirido nesse estudo refere que “In reality I'm an Army Officer, very assertive and
aggressive. In MMORPGs I'm more like I wish I could be, quiet, introspective and
sensitive of other's feelings. Taking on different roles has also taught me to 'walk a
mile' in other shoes before judging - not useful as an army officer, perhaps, but very
useful in becoming a quality human being. [male, 42]”. (Yee, 2011).
Ainda no mesmo estudo, uma mulher reflecte sobre a sua experiência na “pele”
de uma personagem masculina: “When I play my male characters, other male
members of the party will listen to me better, take me more seriously. In my male
form I could give orders and have them listened to, where as a female, my characters
aren't always taken quite as seriously. Also, where my female characters were given
many gifts by random players when they were young, I didn't see it happening with my
males, which I didn't mind at all. I've enjoyed the higher level of "respect" for my
abilities that seems to come with playing in a male body. [female, 22]. (Yee, 2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme referido inicialmente, este artigo não tem como objectivo fazer
prova da eficácia dos MMORPGs enquanto veículos potenciadores de social skills e
enriquecimento do capital social dos indivíduos. É, na verdade, um artigo provocador e
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que pretende contribuir para o debate deste assunto e desmistificação do papel dos
MMORPGs, peças multimédia interactivas consumidas por tantos em todo o mundo,
como refere Thomas Apperley, que refere também a importância dos videojogos no
processo criativo – também ele essencial para uma sociabilidade salutar. “This is
illustrated by the normalcy of digital games in contemporary computerized, networked
life: they are used to advocate, educate, proselytize, and train. More importantly, they
are regarded as a pathway into intangible forms of knowledge—collective, creative,
procedural, systemic—that are essential for post-industrial labor. The rhythms of
digital games are not just playful, they insinuate themselves into the necessities and
compulsions of everyday life. Yet they provide an unprecedented platform for creative
improvisation.” (Apperley, 2010).
Porque o virtual e o real são cada vez menos lugares divorciados, não seria
surpreendente se os argumentos apresentados neste artigo viessem a revelar-se
verdadeiros em futuros estudos. Afinal, como explica Castells, “A Internet (…) tem
fundamentalmente um efeito cumulativo entre sociabilidade real e sociabilidade física
– porque o virtual também é real - e sociabilidade virtual.” Não por acaso, algo
semelhante foi proferido por Gordon Walton, que é, desde 1977, responsável por
centenas de videojogos, muitos deles MMORPGs icónicos:
“O coração não consegue distinguir entre ser magoado online ou offline.”
(Walton, 2005)
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