Máquinas a vapor e a Revolução Industrial

Transcrição

Máquinas a vapor e a Revolução Industrial
Curso de Formação Continuada
Física – 2° Série – 1° Bimestre
Coordenador:
Ricardo de Oliveira Freitas
Colaboradores:
João Ricardo Quintal
Marcos Corrêa da Silva
Márcio Nasser Medina
Saionara Moreira Alves das Chagas
Thales Gomes de Moura Estevão
Máquinas a vapor e a Revolução Industrial
A Revolução Industrial é caracterizada pela transição para novos
processos de fabricação que ocorreram entre 1760 e 1840. Esta transição é
marcada pela passagem dos métodos de produção artesanal para as
máquinas, pelo uso crescente de energia a vapor e pelo estabelecimento do
carvão como principal recurso energético. Teve início na Inglaterra e em
algumas décadas se espalhou para a Europa Ocidental e os Estados Unidos.
A invenção e aperfeiçoamento de três máquinas se destacam neste período.
Em 1698 Thomas Savery inventou a primeira máquina a vapor,
inaugurando a exploração de uma nova fonte motriz. Em 1764 James
Hargreaves inventa a máquina de fiar, uma máquina que permitia a um
único artesão realizar o trabalho de oito pessoas. Em 1768 Richard
Arkwright associa o funcionamento de uma máquina de fiar ao fluxo
constante de um rio, inventando assim o tear hidráulico e criando a
primeira fábrica na Inglaterra.
Estas três máquinas receberam diversos aperfeiçoamentos que
resultaram em um aumento expressivo na produtividade da indústria têxtil
inglesa e provocaram mudanças profundas nas sociedades européias, desde
a simples passagem da manufatura artesanal para a maquinofatura
industrial até as revoluções sociais que eclodiriam na Europa no século
XIX. Destas três invenções, a evolução da máquina a vapor é aquela que
nos desperta um maior interesse já que levará ao surgimento de um novo
campo de estudos, a Termodinâmica.
Assim, apresentaremos nas próximas sessões uma breve revisão
histórica do surgimento e da evolução das primeiras máquinas a vapor,
destacando a importância delas não apenas no campo científico e
tecnológico, mas sobretudo nas mudanças que elas trouxeram para os
cidadãos e para a sociedade.
O surgimento das máquinas a vapor
Desde o momento que nós, seres humanos, ganhamos consciência
dos nossos atos começamos a moldar o ambiente em que vivemos de
acordo com nossos desejos e necessidades. Construímos moradias que se
tornariam vilas e cidades até chegar as nossas imponentes metrópoles.
Usamos, e muitas vezes abusamos, dos recursos naturais que tínhamos a
nossa disposição para mudar o ambiente de acordo com nossa vontade.
Nossos antepassados primitivos só possuíam seus próprios músculos
para trabalhar e somente fogo como elemento transformador, mas não
tardou muito para que surgissem as primeiras ferramentas e máquinas que
multiplicariam o esforço de nossas mãos em dezenas, centenas e milhares
de vezes.
Com o surgimento das primeiras civilizações, nosso conhecimento a
respeito destas ferramentas e máquinas simples (polias, roldanas,
alavancas, etc) foi sendo aprimorado, surgindo assim leis e teorias para
explicar o funcionamento destas máquinas e ferramentas. Dos vários
filósofos e cientistas que contribuíram para esse campo de estudos, um
deles em particular nos chama a atenção, o matemático grego Heron de
Alexandria.
As máquinas simples foram o seu objeto de estudo, tratando delas em
sua obra Mecânica, um conjunto de três livros onde apresenta as máquinas
simples e os problemas mecânicos da vida diária. Curiosamente, a sua obra
que mais nos interessa neste momento foi considerado, em sua época, um
engenhoso brinquedo. A Eolípila.
Fig.1 – Imagem e representação de uma Eolípila.1
A Eolípila pode ser considerada uma das primeiras tentativas do
homem em compreender como o vapor poderia ser utilizado para realizar
trabalho. O seu funcionamento é bem simples. O aparelho consiste uma
bacia com água onde o vapor será produzido, a bacia é conectada por meio
de tubos a uma câmara esférica ou cilíndrica, esses tubos transportam o
vapor para a câmara e também lhe servem como eixo. A câmara possui
dois tubos curvados em direções opostas por o vapor é expelido, fazendo
assim a câmara girar.
Graças ao baixo custo da mão de obra escrava na Antiguidade a
energia provida pelo vapor não despertou um interesse imediato, para os
casos onde o esforço disponibilizado pelos escravos fosse insuficiente a
tração animal ou a energia provida pelos moinhos d’água e de vento
forneciam a força necessária para a maioria das necessidades da época,
mesmo durante a maior parte da Revolução Industrial as máquinas das
indústrias eram alimentadas pela energia provinda dos moinhos.
As máquinas a vapor são certamente um dos maiores legados
deixados pela Revolução Industrial, promovendo enormes impactos em
diferentes setores da sociedade, mas até que elas se tornassem uma
realidade foram necessários quase um século de muitas pesquisas e
1
http://pt.wikipedia.org/wiki/Eolípila
aprimoramentos desde que a primeira máquina a vapor comercial foi
construída.
A máquina a vapor de Thomas Savery
Em meados do século XVIII, a Inglaterra havia passado por uma
série de reformas que permitiram a burguesia mercantil inglesa um grande
acúmulo de capitais, possibilitando-os investir na aquisição de máquinas
para o aumento da sua produção. A crescente demanda por essas máquinas
levou ao rápido desmatamento das florestas inglesas para a produção de
carvão vegetal, combustível até então utilizado nos fornos para a separação
do ferro dos minérios.
Com a escassez do carvão vegetal os ingleses passaram a utilizar o
carvão mineral como substituto, para tanto construíram centenas de minas
ao longo do país, chegando a extrair cerca de 100 milhões de toneladas de
carvão por ano, ao longo do século XVIII.
As minas podiam chegar a 400 metros de profundidade e apesar do
crescente avanço tecnológico que se observava nas indústrias inglesas, este
avanço ainda não havia chegado à mineração. As minas contavam com
pouca tecnologia, pôneis e mulas puxavam pequenos vagões cheios de
carvão, moviam elevadores e erguiam os pesados tonéis de água que
freqüentemente inundavam as minas e foi este problema em particular que
motivou o surgimento das primeiras máquinas a vapor, sendo um dos
elementos mais marcantes da Revolução Industrial.
Para minas de pequena profundidade o principal recurso para o
escoamento da água era o uso de bombas a vácuo, entretanto o uso destas
bombas era extremamente limitado já que a pressão atmosférica não era
capaz de retirar a água de profundidades acima de 11 m. Com as minas
chegando facilmente a profundidade na casa das centenas, a extração dá
água era feita por meio de tonéis erguido por humanos ou animais, uma
realidade que começou a mudar em 1698 quando Thomas Savery patenteou
uma máquina a vapor para extrair água das minas. A ilustração abaixo
mostra um esquema desta máquina e seu funcionamento.
Fig. 2 – Máquina a vapor de Thomas Savery
(Adaptação do Projeto Harvard – Unidade 3)
Com as válvulas A e B fechadas o vapor d’água preenche o cilindro
vazio. Em seguida fecha-se a válvula C e joga-se água fria no cilindro até
que o vapor se condense e crie vácuo no cilindro, abre-se então a válvula
A. A pressão atmosférica empurra a água para o cilindro, preenchendo o
espaço vazio que ali existia. A válvula A é fechada e as válvulas B e C são
abertas, permitindo que o vapor d’água expulse a água presente no cilindro,
empurrando-a para a superfície.
Savery argumentava que sua máquina era capaz de realizar a mesma
tarefa que um conjunto de cavalos trabalhando ao mesmo tempo, um meio
qualitativo de estimar a potência produzida pela máquina. Outra forma de
mensurar a capacidade da máquina era em medir a pressão do vapor
produzido em sua caldeira, uma de suas máquinas montadas em Londres
para propósito de demonstração teria produzido um vapor cerca de oito a
dez vezes mais fortes que o ar comum (8 a 10 atmosferas). A medida horse-
power seria posteriormente resgatada por James Watt e que daria origem a
unidade de potência horse-power.
Apesar do seu grande pioneirismo, a máquina de Thomas Savery
apresentava sérios problemas em relação ao seu projeto e ao seu
funcionamento que dificultaram seu disseminamento pela Inglaterra. Um
deles era o seu baixíssimo rendimento. Boa parte da energia consumida
pela máquina era usada para gerar o vapor e aumentar sua pressão, porém
como era o próprio vapor que empurrava a água, havia enormes perdas de
calor na troca entre o vapor e água. Hoje se estima que o rendimento da
máquina de Thomas esteja em torno de 1%.
Outro problema era o fato de que o funcionamento da máquina
estava relacionado à necessidade de uma alta pressão do vapor. Quanto
maior fosse a altura que a água deveria ser expelida, maior deveria ser a
pressão do vapor. Conseqüentemente maior seria sua temperatura, assim
pequenos acidentes costumavam ter graves conseqüências. Somado isso ao
fato de que as tubulações da época não eram capazes de suportar altas
pressões fez com que as máquinas de Savery geralmente funcionassem com
a pressão do vapor em torno de 4 atmosferas. O que era suficiente para
elevar a água em apenas algumas dezenas de metros. Apesar destes
problemas a invenção de Savery se tornou um marco na história das
máquinas térmicas e motivou as buscas pelo aperfeiçoamento da máquina a
vapor.
A Máquina a vapor de Thomas Newcomen
Além dos problemas já relatados na secção anterior a máquina de
Thomas Savery tinha um sério inconveniente, ela não era de fato uma
máquina. Por não ter partes móveis, com exceção das válvulas, a máquina
de Thomas Savery não era capaz de transportar o trabalho realizado para
qualquer mecanismo externo à máquina, limitando assim suas aplicações.
Este e vários outros problemas referentes ao funcionamento da máquina de
Thomas Savery foram solucionados por Thomas Newcomen ao elaborar
um sistema composto por um cilindro e um pistão móvel. A figura a seguir
ilustra, de forma simplificada, o funcionamento da máquina de Thomas
Newcomen.
Fig.3 – Ilustração da máquina a vapor de Thomas Newcomen.2
Ela consistia de uma caldeira, geralmente situado diretamente abaixo
do cilindro. Diferente da máquina de Savery, a pressão do vapor produzido
era bem baixa, não mais do que 0,14 atm. A ação do motor era transmitida
através de um bracelete que repousava sobre uma sólida parede. As hastes
do bracelete eram ligadas em uma extremidade à carga que se desejava
mover e a outra ao pistão que se movia no interior do cilindro.
O vapor era produzido na caldeira A, quando a válvula V era aberta o
vapor preenchia o cilindro B, empurrando o pistão P para cima. Quando o
pistão chega na extremidade superior do cilindro, a válvula V’ é aberta e
água fria é jogada no cilindro por meio de um tanque de água. Com a
condensação do vapor, o pistão P é empurrado para baixo por ação do seu
2
http://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Newcomen
próprio e da pressão atmosférica que atua sobre ele. Quando o pistão chega
na extremidade inferior do cilindro, a válvula V’’ é aberta e a água
resultante da condensação do vapor é expelida do cilindro, logo em seguida
a válvula V é aberta e o vapor novamente preenche o cilindro e empurra o
pistão.
As inovações apresentadas por Newcomen fizeram com que sua
máquina a vapor pudesse ser efetivamente utilizada para o escoamento da
água das minas, realizando esta tarefa de forma mais rápida e barata que a
tração animal usada até então.
A máquina a vapor de James Watt
Ao longo do século XVIII o número de máquinas sendo instalados
nas minas para a extração da água foi crescendo gradativamente e estima-se
que em 1800 a potência proveniente das máquinas a vapor estivesse em
torno de 10.000 horse-power, porém nos anos seguintes o número de
máquinas instaladas na Inglaterra aumentou consideravelmente e em 1815
estima-se que este valor tenha subido para 210.000 horse-power.3 Esse
abrupto aumento não se deveu somente a um maior número de máquinas
instaladas, mas também a uma série de inovações aplicadas na máquina de
Thomas Newcomen que aumentaram sua eficiência e ampliaram o seu uso,
muitas destas inovações podem ser creditadas a James Watt.
James Watt foi um matemático e engenheiro escocês e que no início
de sua carreira trabalhou como fabricante de instrumentos da Universidade
de Glasgow, durante esse período, Watt se interessou pela tecnologia dos
motores a vapor e construiu um modelo da máquina de Newcomen, mas
que não funcionou de forma satisfatória. Watt prossegue com seus
3
Referência retirada da Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/Industrial_Revolution#cite_note-37
Landes, David. S. (1969). The Unbound Prometheus: Technological Change and Industrial Development
in Western Europe from 1750 to the Present. Cambridge, New York: Press Syndicate of the University of
Cambridge. p. 104.
experimentos e começa a ler o que pode sobre o assunto e descobre da
importância do calor latente para o funcionamento da máquina. Ele
percebeu que o vapor d’água perdia boa parte de seu poder ao aquecer o
cilindro que havia sido resfriado momentos antes para a criação do vácuo.4
Em 1763 Watt recebe na oficina da faculdade um modelo da
máquina de Newcomen que precisava ser consertado, mas mesmo após o
conserto o modelo funcionava mal, parando completamente após alguns
ciclos. Após muitas investigações Watt tinha conseguido demonstrar que ¾
do calor do vapor estava sendo desperdiçado, gasto no aquecimento do
cilindro que havia sido resfriado anteriormente para a produção do vácuo,
assim a máquina gastava muito mais energia aquecendo o cilindro do que
realizando de fato um trabalho mecânico.
Watt teve a percepção de que se este problema levava o modelo a
parar de funcionar após alguns ciclos, certamente ele comprometia o
rendimento da máquina real e então em maio de 1765 Watt teve a intuição
de adicionar um segundo cilindro onde ocorreria a condensação do vapor.
Essa pequena modificação feita por Watt aumentou em cinco vezes a
eficiência da máquina de Newcomen e reduziu o consumo de combustível
em cerca de 75%. A ilustração a seguir mostra um esquema da máquina de
James Watt com as suas duas inovações.
4
Hoje podemos afirmar que o vapor d’água troca calor com o cilindro e que nessa troca o vapor d’água
cede boa parte da energia que ele recebeu.
Fig. 4 – Ilustração da máquina a vapor de James Watt
(Adaptação do Projeto Harvard – Unidade 3)
Nos anos seguintes Watt tentou produzir e comercializar suas
máquinas, tendo sucesso a partir de 1775 e nos seis anos seguintes Watt
estaria bastante ocupado instalando suas máquinas, a maioria para a
retirada de água das minas. O campo de aplicação de sua invenção foi
altamente ampliado quando seu sócio, Matthew Boulton, o convenceu a
converter o movimento alternativo do êmbolo em um movimento
rotacional para a moagem, tecelagem e fresamento, tendo elaborado um
dispositivo para este fim em 1781.
O trabalho, a potência e o rendimento das máquinas a vapor
Apesar do grande sucesso comercial de sua invenção Watt e Boulton
tinham concorrentes que faziam os seus próprios aprimoramentos nas suas
máquinas e disputavam o mercado com as máquinas de Watt e uma das
regras básicas do comércio é afirmar que o seu produto é melhor que o do
concorrente
havia,
entretanto,
sérias
dificuldades
em
estabelecer
parâmetros confiáveis para comparar a eficiência de duas máquinas
diferentes.
Embora conceitos como potência e trabalho fossem usualmente
utilizados por físicos, matemáticos e engenheiros para descrever o
desempenho das máquinas a falta de uma compreensão mais acurada sobre
energia e sua conservação limitavam o uso destes conceitos e dificultavam
a medição da eficiência das máquinas a vapor. Trabalho, potência e
rendimento começariam a ser elaborados da forma como os conhecemos
hoje somente por volta de 1829, com a publicação do artigo Du calcul de
l'effet des machines, de Gaspard Gustave de Coriolis5.
Assim, durante o século XVIII e o início do século XIX a eficiência
das máquinas a vapor era medida a partir do trabalho mecânico realizado
pelas máquinas ou de grandezas associados ao trabalho. O termo horsepower6 sugerido por Savery e resgatado posteriormente por Watt é um
exemplo.
Inicialmente o horse-power tinha um aspecto mais qualitativo,
comparara-se o trabalho da máquina com aquele realizado por um conjunto
de cavalos. É Watt que irá exatamente estabelecer um valor para a unidade,
sendo definida como a potência desenvolvida por uma máquina capaz de
erguer 33.000 libras de água a altura de 1 pé em 1 minuto. Em unidades do
Sistema Internacional de Unidades um horse-power seria uma potência
equivalente a 745,7 W.
Outras unidades de desempenho foram utilizadas mas Watt percebeu
que seria necessário determinar o desempenho de suas máquinas a partir do
trabalho realizado pelo próprio vapor no interior do cilindro.
5
Para os professores que desejarem conhecer mais sobre o trabalho de Coriolis ou a evolução do conceito
de trabalho a partir do funcionamento das máquinas, recomendamos a tese: A evolução do conceito físico
do trabalho no contexto das máquinas. Que pode ser acessada no link abaixo.
http://teses.ufrj.br/COPPE_D/AgamenonRodriguesEufrasioOliveira.pdf
6
A tradução para horse-power seria cavalo-vapor, entretanto como as duas unidades não são iguais,
preferiu-se utilizar o termo original.
Após algumas tentativas não muito bem sucedidas, um dos seus
engenheiros, John Southern, apresentou-lhe um dispositivo que era capaz
de medir o valor da pressão no interior do cilindro em todos os instantes do
ciclo e registrar estes resultados em uma folha de papel. Esse dispositivo
ficou conhecido como diagrama indicador e seus resultados dariam
importantes contribuições para o desenvolvimento da termodinâmica, as
figuras a seguir ilustram como seria um diagrama indicador e qual o
princípio do seu funcionamento.
Fig. 4 – Diagrama indicador utilizado nas máquinas de James Watt.7
O indicador simplesmente registra, em um pedaço de papel, a
pressão do vapor nas extremidades do cilindro. Quando se abre a válvula de
passagem e o vapor adentra cilindro, a pressão no cilindro aumenta e faz
com que o lápis na parte superior do êmbolo se levante. Se o papel não está
se movendo, o lápis simplesmente desenha uma linha vertical conforma a
pressão sobe e desce com a admissão e exaustão do vapor no cilindro. No
7
http://steamtraction.farmcollector.com/steam-engines/story-steam-engine-indicator.aspx
entanto, se o papel pode se mover para frente e para trás conforme o
êmbolo sobe e desce, o lápis desenha um diagrama indicando a pressão no
interior do cilindro em cada ponto do ciclo. Para conseguir isto, uma corda
é simplesmente ligada a um ponto do pistão, de modo que o papel e o
pistão movem-se juntos. A figura 5 mostra um diagrama idealizado
semelhante ao criado pelo lápis do indicador. Este diagrama mostra a
pressão dentro do cilindro em vários pontos do ciclo da máquina.
Fig. 5 – Curva idealizada.8
Olhando a figura 5 percebemos facilmente ali um diagrama de
pressão por volume de uma máquina térmica operando em ciclos, sabemos
que a área desta curva corresponde ao trabalho realizado pela máquina.
Para nós o resultado do diagrama indicador não traz nenhuma novidade
mas revelou importantes descobertas para James Watt e Bolton. Eles
perceberam que a área da figura desenhada podia ser considerada uma
estimativa do trabalho desempenhado pela máquina, eles também
perceberam que ajustes finos do diagrama indicador poderiam ser
correlacionados com outros aspectos do funcionamento do motor, tais
8
http://steamtraction.farmcollector.com/steam-engines/story-steam-engine-indicator.aspx
como as configurações das válvulas, permitindo que o diagrama a ser
utilizado para o diagnóstico de avarias e "ajuste" do motor.
Em 1824 Nicolas Léonard Sadi Carnot publica sua única obra,
"Réflexions sur la Puissance Motrice du Feu et sur les Machines Propres a
Développer Cette Puissance" (Reflexões sobre Potência Motriz do Fogo e
Máquinas Próprias para Aumentar essa Potência), no qual faz uma revisão
das importâncias industrial, política e econômica da máquina a vapor.
Neste trabalho Carnot argumenta que uma máquina térmica funciona
de forma semelhante a uma roda d’água, cuja eficiência depende da
diferença da altura da queda. As máquinas a vapor funcionariam de forma
parecida, com o calor fluindo da caldeira juntamente com o vapor d’água
(fonte quente), realizando o trabalho e sendo expelido depois para a
atmosfera (fonte fria). A eficiência da máquina térmica dependeria então da
diferença de temperatura entre as fontes quente e fria.9
O trabalho de Carnot foi fundamental para o surgimento e
estabelecimento da Termodinâmica, mas o seu trabalho propriamente dito
seria inicialmente deixado de lado. Anos mais tarde o físico e engenheiro
francês Émile Clapeyron iria usar os diagramas de Watt para introduzir o
trabalho de Sadi Carnot à comunidade científica de sua época.
O desenvolvimento das máquinas térmicas
As máquinas a vapor foram as primeiras máquinas térmicas de nossa
história, máquinas capazes de converter calor em trabalho. Por cerca de 150
anos as máquinas a vapor eram a melhor forma de realizar trabalho, sendo
rapidamente explorada em vários setores da economia, da indústria aos
transportes.
9
O aprofundamento sobre a teoria de Carnot e o cálculo do rendimento a partir das temperaturas das
fontes quentes e frias serão desenvolvidos em outra sessão.
Os primeiros carros a vapor vão impulsionar a busca e o
aprimoramento do seu uso nos transportes, tornando a navegação mais
rápida e o popularizando o ferroviário. Embora os carros a vapor não
tenham tido o sucesso esperado, não conseguindo substituir o uso de
animais no transporte individual, as buscas pelo seu aprimoramento levaria
ao surgimento dos primeiros motores de combustão interna.
Carro a vapor
O primeiro carro movido a vapor foi produzido pelo engenheiro
militar francês Nicolas-Joseph Cugnot, o veículo tinha duas rodas na parte
traseira e uma na frente. Esta roda dianteira apoiava a caldeira de vapor e o
mecanismo de condução do vapor. Uma versão funcional da sua máquina a
vapor circulou em 1769 e no ano seguinte construiu uma versão melhorada.
De acordo com Cugnot o veículo tinha capacidade para carregar até
4 toneladas a uma velocidade de 8 km/h mas devido a vários problemas de
desempenho raramente chegava a esta velocidade. O projeto do veículo
tinha uma má distribuição de peso, tornando-o particularmente instável em
terrenos irregulares, além disso, o desempenho da caldeira também era
particularmente baixo, mesmo para os padrões da época, com a necessidade
de reacender o fogo e aquecer o vapor a cada quinze minutos, reduzindo
consideravelmente a velocidade total.
Fig. 6 – Modelo em miniatura do carro a vapor de Cugnot.10
Outros engenheiros e inventores também tentaram construir veículos
movidos a vapor mas será somente por volta de 1800, com a locomotiva,
que o vapor utilizado como fonte de energia nos transportes alcançou
efetivamente algum sucesso. Coube a Richard Trevithick a façanha de
conseguir construir um veículo movido a vapor para o transporte de cargas
e passageiros que usasse uma ferrovia, construindo assim as primeiras
locomotivas a vapor.
Locomotiva a vapor
Trevithick nasceu em 1771 em uma vila de mineração em Cornwall,
Inglaterra. Desde criaça Trevithick exibia um talento natural com o uso e
manipulação de ferramentas e máquinas. Em 1790, Trevithick foi trabalhar
como um técnico de motores a vapor. Em suas horas de folga, ele trabalhou
em um projeto próprio, uma locomotiva a vapor que seria poderosa o
suficiente para transportar pessoas e cargas, mas compacta o suficiente para
ser prática.
10
http://cargarage.com.br/um-projeto-militar-o-fardier-de-cugnot/
Para alcançar esta meta Trevuthick trabalhou com motores que
funcionassem a alta pressão, uma iniciativa perigosa mas também
extremamente versátil, se tivesse sucesso seus motores poderiam ser
utilizados para trabalhar nas minas, nas fazendas, nas fábricas e em
qualquer tipo de transporte.
A versão final do seu motor pesava mais de 1,5 toneladas e tinha
quatro rodas montadas em um chassi quadrada e uma plataforma de
passageiros de pequeno porte. O motor trabalhava com uma pressão de
vapor de aproximadamente 10 atm. Um único cilindro foi fixado
verticalmente no topo de uma extremidade da caldeira, com o forno e
chaminé na outra extremidade. O tubo de combustão interna era em forma
de U para aumentar a sua superfície de aquecimento e a caldeira estava
equipada com uma válvula de segurança.
Fig.7 – Réplica da Puffing Devil, a primeira locomotiva a vapor da
história.11
Na véspera do Natal de 1801, o motor de Trevithick estava enfim
pronto para um teste e ele levou com sucesso sete pessoas até Camborne
11
http://www.gracesguide.co.uk/Richard_Trevithick:_Puffing_Devil
Hill e, em seguida, para a aldeia vizinha de Beacon. Este evento é
considerado por muitos como a primeira demonstração inglesa de
transporte auto-propelido.
Em 1804, Trevithick colocou seu veículo sobre trilhos, ela tinha
cinco vagões carregados com 10 toneladas de ferro e 70 ferreiros e
percorreu cerca de 15 km a uma velocidade aproximada de 8 km/h.
Barco a vapor
A criação do barco a vapor dificilmente pode ser creditada a um
inventor particular, pois a adaptação do motor a vapor para propulsão de
embarcações foi tentada por vários projetistas, tanto na Europa quanto na
América. Às vezes, essa honra é atribuída a Henry Bell, projetista do
Comet, um vapor propelido a rodas que transportou passageiros no rio
Clyde, na Escócia, em 1812. Antes disso, porém, várias tentativas haviam
sido feitas e diversas patentes registradas.
A partir de meados do século XVIII, surgiram várias idéias e
patentes, que abrangiam não apenas a fonte de energia, mas também o
método de propulsão - remos individuais, rodas de água, hélices e mesmo
jatos de água. O primeiro êxito real ocorreu em 1783, quando o
Pyroscaphe, um vapor equipado com rodas, navegou durante 15 minutos
contra a corrente do rio Saône, na França. Seu projetista, o marquês De
Jouffroy d'Abbans, havia construído anteriormente, sem sucesso, um barco
propelido por um motor de Newcomen de dois cilindros. O Pyroscaphe
apresentava projeto mais aperfeiçoado, possuindo um simples cilindro
horizontal acionado por um pistão.
Nos anos seguintes, inventores de diferentes partes do mundo
apresentaram soluções diversas para o problema do mecanismo de
propulsão. Na América, John Fitch construiu uma embarcação cujo motor a
vapor aciona doze remos montados verticalmente, seis de cada lado. Esse
mecanismo testado no rio Delaware em 1786, permitia uma velocidade de
5 km/h.
Em 1787 outro inventor de origem americana, James Rumsey,
projetou um barco propelido por jatos de água bombeados da popa.
Também esse modelo funcionou, mas obteve pouca aceitação.
Em 1801, William Symington, projetou o Charlotte Dundas,
rebocador com uma única roda de pá colocada na popa, propulsionada por
um motor de Watt de dupla ação. Essa embarcação, que em março de 1803
rebocou duas barcaças carregadas ao longo de 31,4 km de um canal, tem
sido freqüentemente apontada como o primeiro barco a vapor realmente
bem sucedido.
O sucesso comercial do barco a vapor viria finalmente no mesmo
ano, com o projeto do americano Robert Fulton. De volta aos Estados
Unidos, depois de haver construído um barco experimental na França,
Fulton projetou o Clermont, com rodas de água laterais propelidas por um
motor de Boulton e Watt. Em setembro de 1803, o Clermont navegou pela
primeira vez levando passageiros ao longo do rio Hudson. Tinha esse vapor
50 metros de comprimento. O Clermont ia de Nova Iorque a Albany a um
pouco mais de 8 km/h. Quando, nove anos depois, o Comet fez sua viagem,
os navios a vapor já haviam se estabelecido como alternativas muito
superiores aos outros tipos de embarcação.
O desenvolvimento da navegação a vapor caracterizou-se depois
disso pela construção de navios cada vez maiores e mais potentes. Em
1819, um barco a vela equipado com um motor a vapor atravessou o
Atlântico.