Baixar o arquivo - Centro de Documentação D. João VI

Transcrição

Baixar o arquivo - Centro de Documentação D. João VI
Padre Jacob Joye
Anotações sobre a viagem dos
imigrantes suíços em 1819
2ª Edição
Revisada e Ampliada
Tradução
Vera de Siqueira Jaccoud
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Associação Fribourg - Nova Friburgo
Todos os direitos reservados 2005
CAPA
Acampamento dos imigrantes suíços em Mijl, na Holanda, em julho e
setembro de 1819 – aquarela de Isaak Schouman
Diagramação e Arte
Nelson Bohrer
Juiz Forana Gráfica e Editora
Juiz de Fora MG
www.juizforana.com.br
Tel: (32) 3215 1988
2
Apresentação
Na História das migrações dos povos, são poucos os acontecimentos
semelhantes à da colonização suíça que redundou na fundação de Nova Friburgo.
Constituiu-se ela na primeira colonização não portuguesa havida no Brasil, em
caráter permanente. A fantástica viagem, de início realizada ao longo do Rio Reno
e, depois, da Holanda ao Rio de Janeiro, em sete veleiros que atravessaram o
Atlântico, teve início com a participação de 2006 pessoas, homens e mulheres, de
todas as idades. Durante seu decurso nasceram 14 pessoas e 289 encontraram a
morte. Num dos veleiros, o Urânia, que transportou 437 colonos, todos do cantão de
Fribourg, inclusive Joye, 109 tiveram o Atlântico por túmulo. Num só dia, sete
corpos foram lançados ao mar.
Embarcaram, na Europa, dois padres, Jacob Joye e Joseph Aeby, o
segundo morreu afogado em Santo Antonio de Sá, quando se banhava no Rio
Macacu, às vésperas de chegar ao destino.
Ao embarcar no porto de Estavayer-le-Lac, no Lago de Neuchâtel, no cantão de Fribourg,
Joye contava com 29 anos de idade. Aqui teve uma vida de muitas e seguidas lutas, mas não
conseguiu, sequer, construir sua igreja paroquial. Teve de se haver com vultosos problemas religiosos
para a época, surgidos com a inopinada chegada a Nova Friburgo, em 3 de maio de 1824, de 342
alemães chefiados por um pastor luterano, que veio como condutor da primeira leva de protestantes a
se instalar na América Latina. Oswald Friedrich Sauerbronn, líder dos alemães, conseguiu erguer
seu templo, na vila, muito antes de Joye, embora representante da religião oficial do então Reino do
Brasil, o Catolicismo, apesar de suas intensas e inglórias lutas a respeito. Chegou, inclusive, a iniciar,
com a devida licença da Câmara Municipal, a construção da sua Igreja Matriz, mas teve o
desencanto de vê-la paralisadas por determinação da própria Câmara.
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Jacob Joye não resistiu à humilhação. Abandonou a vila e refugiou-se em
São José do Ribeirão, aonde veio a falecer em 8 de julho de 1866, com a idade de
75 anos.
A vida do padre Jacob Joye, homem austero e correto, constituiu-se num
exemplo dos mais edificantes.
Esta tradução foi feita do original arquivado nos “Arquives de l’Etat,
Fribourg- Suíça” sobre cópia autêntica, que nos foi remetida por Martin Nicoulin.
Nova Friburgo, 24 de junho de 2004
Carlos Jayme de S. Jaccoud
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Notas sobre a viagem dos colonos suíços do primeiro
comboio dirigindo-se o seu destino no Brasil.
(1819-1820)
Em 4 do mês de julho do ano de 1819, os colonos de Fribourg,
Vallet e de Vaud, formando o primeiro comboio da colônia (1), saíram
do porto de Estavayer-le-lac, por volta do meio dia, sob o ruído dos
canhões, após terem recebido a benção de Sua Grandeza Monsenhor
Bispo de Lausanne, que foi às margens do lago, acompanhado de parte
do seu clero. Uma multidão incontável de espectadores, vindo de todos
os lados, convergia todas as atenções ao porto. Três grandes barcas e
uma pequena suplementar, que não partiram senão por volta das 7
horas da noite, conduziam os colonos, em número aproximado de
1.111, até Soleur.
Como não havia vento os colonos não chegaram a Soleur senão
na terça feira à noite, 6 do corrente. No primeiro dia foi feito o
desembarque em Thielle, às 11 horas da noite, na extremidade do lago
de Neuchatel; teríamos prosseguido nosso caminho, mas é perigoso
passar este ponto à noite (2).
No dia seguinte atravessamos o lago de Biase e, após uma
pequena parada em Nidau, fomos dormir em Brug, pequena vila, a duas
léguas (3) mais abaixo que Nidau . Nossa intenção era ir mais longe,
mas uma tempestade, das mais terríveis, nos obrigou a desembarcar em
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meio a trovões, relâmpagos e uma chuva de granizo de tirar o fôlego.
Foi bem triste espetáculo ver-se todos os colonos , mulheres e crianças,
vararem a chuva e não terem sequer um estábulo para refúgio e passar a
noite.
No lago Bienne alguns de nós saímos dos barcos e fomos visitar
a encantadora ilha de Saint Pierre. É um pequeno paraíso terrestre e
não me surpreendeu o fato de ter J.J.R. (4) tê-la deixado, com tanta
pena. Visitamos o quarto que foi por ele ocupado, onde não vimos
senão a inscrição sobre a parede.
Na manhã do dia 6, tendo penetrado no rio Aar, chegamos em
Soleur à noite, sob o vibrar dos gritos de alegria e pelo troar de salvas
de canhões.
Em 8 partimos de Soleur em 6 chatas, visando passar a noite em
Brug e no dia seguinte em Bale. Em Soleur pode ser vista a Igreja de
Sta.Ursula e um eremitério distante ¾ de légua da cidade e, a 6 léguas
de Soleur, o Castelo de Aarbourg e, mais abaixo, Gotten, convento dos
capuchinhos, o que me trouxe gratas recordações.
A cidade de Arau, o castelo de Sotemberg, margem direita do
Aar, o salto de Bruck, onde este se lança sobre o Reno, é uma passagem
amedrontadora, quer pela rapidez da água quer pelo seu ecoar entre os
rochedos.
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Em Loffenbourg, 4 a 5 léguas mais abaixo de Bruck, pode-se
ver a cachoeira do Reno. Ali se tornou necessário descarregar
inteiramente as barcas e descê-las por meio de cordas.
Chegamos a Bale no dia 9 e partimos a 13, de manhã, em seis
barcas cobertas com tábuas e duas outras suplementares não possuíam
nenhuma cobertura. Nas primeiras, havendo fogões, os colonos podiam
cozinhar. Nas duas outras, que não possuíam coberturas e que tão
somente eram cobertas por lonas de panos de má qualidade, arrumaram
alguns tijolos para servirem de fogão. Os que foram embarcados nestas
últimas, sofreram mais do que os outros.
No dia 13, à noite, dormimos em Vieux-Brussac, a 14 léguas do
Grão Ducado de Brussac, depois, no Grão Ducado de Baliens e de
Strasbourg. Esta pequena cidade sofreu muito com as últimas guerras,
ela é situada sobre um monte e oferece uma vista deliciosa sobre as
duas margens do Reno.
Em 14, chegamos a Kheel, perto de Strasbourg, onde os
primeiros barcos aguardaram a chegada dos demais, afim de se
reunirem.
Strasbourg, estando apenas a uma légua de distância, a
curiosidade levou-me a ir até lá, onde pude ver a torre da soberba
catedral, monumento antigo. Ela tem 300 pés (5) de altura e 658
degraus. O grande sino tem 7 pés de diâmetro e 8 de altura. Nota-se,
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ainda, a Igreja de St. Thomas, o soberbo túmulo do marechal de Saxe,
iniciado por Luis XV e terminado por Luis XVI. Custou três bilhões.
Em 15, todos reunidos, pusemo-nos a caminho e não
desembarcamos senão à noite, em Fort-Luís, território francês. À noite
batizei uma criança, ao relento, na margem do Reno, a quem foi dado o
nome de Bonaventure. Fomos obrigados a acampar.
Em 17, em Guemersheim, chegamos à Baviera. Na manhã
seguinte celebrei uma missa ao ar livre, na margem do Reno. Vimos a
vila de Phillisbourg e Sur. No dia 18, em Manheim, encantadora cidade,
quer por sua arborização quer por seu traçado regular.
A 19, acampado próximo da porta da cidade de Stuckstad,
percorri toda a cidade em vão, a procura de um alojamento e de
qualquer coisa para comer. Os habitantes foram tão honestos que
disseram-nos que estavam proibidos de fazê-lo e se insistíssemos
corríamos o risco de levar pancadas (6).
Dia 20 dormimos em Mogúncia, quando os colonos não
deixaram de fazer provisões de presunto, ocasião em que puderam
constatar que os mesmos não são melhores do que os da Suíça. O acaso
fez com que uma banda militar austríaca estacionada nessa cidade, com
40 músicos, apresentava-se no local em que desembarcamos e assim
pudemos ouvi-la com muita satisfação.
Dia 21, em Beupart.
Dia 22, em Ordenat, na Prússia.
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Dia 23, em Colônia, grande cidade, porém muito mal
construída.
Dia 24, em Guimmelgest, pequena vila na margem direita, onde
fomos obrigados a acampar, exceto umas poucas pessoas.
Dia 25, domingo, chegamos a Düsseldorf, na Prússia, onde
celebramos uma missa cantada na Igreja paroquial, para surpresa de
toda a população. À noite dormimos em Wessel, última cidade da
Prússia, fronteira da Holanda.
Em 26, antes da partida, três colonos caíram no Reno mas
foram salvos rapidamente. À noite dormimos, ou melhor, fomos
obrigados a acampar duas noites em Sorvitt, local da primeira alfândega
dos Países Baixos. A demora havida nesse lugar foi ocasionada pela
ausência de comissários, que foram a outra cidade para obter franquia
de pedágio no território da Holanda, bem como a dispensa de severas
exigências que nos teriam ali retido por vários dias.
Em 28 dormimos em Nijmegen, bonita cidade construída sobre
uma pequena elevação, pátria do reverendo padre comissário. Nesse
ponto deixamos o Reno e passamos a navegar no Val, afluente na
margem esquerda daquele rio.
Em 29, chegamos a Dordrecht.
Em 30 de julho chegamos a Mijl, a um quarto de légua dessa
cidade, onde permanecemos até o novo embarque em Gravendel, uma
légua mais abaixo de Dordrecht, onde embarcamos em 12 de setembro
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A estada dos colonos nesse trecho foi muito desagradável e
perniciosa à sua saúde porque foram, em grande parte, acampar nas
margens do rio e dormirem no chão, em depósitos de cereais, de
mercadorias e de lenha, onde contraíram o germe de uma febre
intermitente que foi a causadora da grande mortalidade no mar.
Durante a minha permanência em Dordrecht, fui por 4 a 5
vezes a Rotterdamm, a 4 léguas de distância, para realizar gestões do
interesse da colônia esperando fazer, ao mesmo tempo, um passeio para
mais longe, mas, de cada vez, sempre fui obrigado a voltar, sem
demora, ao acampamento.
Somente em 24 de agosto pude realizar o projeto com o qual
sonhara, o de visitar Amsterdam. Propus ao senhor Thorin fazer a
viagem de visita e ele aceitou. Partimos logo para Rotterdamm, no “coche
d’eau” e daí para Delphte, onde chegamos, às dez horas da noite. No dia
seguinte, de madrugada, fomos visitar o soberbo túmulo do príncipe
holandês Guilherme de Nassau, em quatro andares, com estátuas de
bronze. A cidade de Delphte tem treze mil habitantes. De lá fomos a
Goie, onde, não tendo encontrado o Sr. Replar, conhecido do Sr.
Thorin, um empregado nos conduziu até um parente dele, que teve a
bondade de nos fornecer uma carta de recomendação para Amsterdam.
Esta nos serviu para ver o que havia de mais interessante nesta grande
cidade. Nosso guia, o empregado do Sr. Replar, nos levou a visitar o
Palácio Real em todo o seu interior. Ele é bonito, mas sem luxo. É o
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palácio em que habitou Luís Napoleão. Não vimos o interior do palácio
do Rei atual porque lá se faziam grandes reformas. Mesmo em vésperas
de fazermos uma grande viagem pelo oceano, estávamos curiosos de
ver o mar. Dirigimo-nos a Schevering, pequena cidade a três quartos de
légua, com ruas retas e sombreadas por árvores, o que a torna muito
agradável. Vimos na beira do mar uma centena de construções de
pescadores e muitas pessoas que passeavam de carros, o que muito nos
distraiu. Haia é a mais agradável cidade da Holanda pela beleza dos seus
edifícios, das praças e avenidas. Próximo à cidade há um parque
delicioso onde há sempre uma grande afluência de pessoas. À tarde
fomos a Lawe, grande cidade com cerca de 28.000 habitantes, muito
bonita, mas com pouco movimento. Às nove horas da noite partimos
para Amsterdã numa pequena barca puxada por um cavalo que segue
pela margem do canal. É a maneira de viajar pelos canais da Holanda e
somente para passageiros. Chegamos à Amsterdã às seis horas da
manhã. Cidade encantadora, bastante populosa e extremamente
movimentada onde, com dinheiro, se encontra tudo o que se pode
desejar. Vimos o interior do Palácio Real, a sala do trono e, do alto da
torre vislumbramos, de um só relance, todos os 36 sinos que formam
seu extraordinário carrilhão. De lá fomos ao estaleiro, local onde se
constroem navios e onde vimos o arcabouço de uma dezena de grandes
vasos de guerra em construção. No arsenal há miniaturas de todos os
navios modernos e antigos, assim como lembranças de acontecimentos
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relativos aos mesmos. Fomos ao porto que é muito grande e bonito e
onde, facilmente, se contam mil construções. O dia que passamos nessa
cidade de 24.000 habitantes não nos pareceu longo e não foi, senão às
oito hora da noite que, com pesar, iniciamos a nossa partida. O carro
chegou às 6 horas da manhã a Gouda, cidade onde se faz cachimbos de
barro. De lá tomamos a diligência até Rotterdam e desta a Dordrecht,
em um pequeno barco que nós alugamos e que nos levou à nossa
hospedagem, onde chegamos por volta das 10 horas da noite, depois de
uma viagem cansativa mas agradável.
A longa permanência em Dordrecht foi ocasionada por atrasos
e dificuldades que tivera Mr. Gachet para obter os vistos necessários,
por causa de um cargueiro que, ao sair do porto, foi levado por uma
tempestade e destruiu a repartição encarregada de fornecê-los. Somente
em 11 de setembro o nosso primeiro navio, o Daphné, devidamente
aparelhado, pôde partir. Os outros seguiram no dia seguinte.(7)
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Travessia do Oceano
Urânia
Em 12 de setembro de 1819 (8), por volta das 10 horas da
manhã, tendo a bordo 437 colonos, de todas a idades e sexos, saímos
do porto de Gravendeel, no nosso Urânia, com ventos favoráveis para
navegar no braço do rio, mas não para entrar no mar alto, o que nos
obrigou a lançar âncora a 5 léguas de distância e nos proporcionou a
vantagem de ainda termos água doce à vontade.
À tarde fiz a visita aos doentes com o Sr. Provos Duhjamar,
oficial de saúde do nosso navio. Encontramos várias pessoas
indispostas devido ao longo período de exposição na região pantanosa
da Holanda. Em estado grave, porém, encontramos apenas François
Butty (9), de Mesières, com uma febre violenta. Administrei-lhe os
santos sacramentos e extrema unção por volta das nove horas da noite,
o que fiz com bastante dificuldade, pois não foi nada fácil fazer as
unções porque como os doentes estavam deitados em seus catres foi
preciso que eu ficasse em uma posição nada agradável.
Em 13, pela manhã, levantamos âncora e prosseguimos nossa
viagem. O tempo tornou-se mau e após a oração da manhã – que se faz
todo dia em comum, bem como a oração da noite – procedi ao
sepultamento do menino Pierre, filho de Jacques Perrier, de
Vuisternens, falecido com fraqueza extrema. As cerimônias de
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sepultamento no mar não são grandes. Um sudário e um pequeno saco
de areia amarrado aos pés, eis tudo. Promovi, no tombadilho, todas as
cerimônias religiosas de praxe e, a um dado sinal, lança-se o cadáver no
mar, no qual imediatamente desaparece.
Esta triste cerimônia foi repetida na noite do mesmo dia para François
Butty, vitimado por uma febre. Ele foi envolvido da mesma forma que
o precedente. Durante a cerimônia o corpo foi colocado na borda do
navio, sobre uma prancha que simplesmente foi levantada em uma das
extremidades e o corpo, caindo, foi logo envolvido pelas ondas. Já
havia, pois, duas mortes antes de entrarmos no oceano. Isto foi apenas
o início das penosas perdas que tivemos durante a travessia, das quais
mais tarde darei o total.
A tarde lançamos âncora perto de uma pequena cidade e o nosso
Capitão desembarcou para pegar a autorização de saída e trocar de
piloto. Após duas horas de espera estávamos em condições de fazer
velas, apesar de tarde da noite e de enfrentarmos passagens perigosas
oferecidas pelos bancos de areia, antes da saída para o mar. Para evitálos havia bóias colocadas de distância em distância, mas que não
podiam ser vistas na escuridão e nosso piloto não conseguia enxergar
os sinais.
Corremos o maior perigo de ficarmos encalhados pois a sonda não
registrava mais de 19 pés de água e nosso navio calava 14 pés. Graças à
Providencia passamos sem acidentes. Nosso piloto foi imprudente por
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nos expor dessa forma. Também fez papel de pateta: as pessoas que
deveriam vir buscá-lo para levá-lo para terra pensaram que não
havíamos partido e não vieram encontrá-lo e, assim, ele foi forçado a
seguir conosco até avistarmos uma casa de pescador em Douvre;
fizemos sinal e uma pequena chalupa veio até o navio e o reconduziu
até à terra. Ele foi obrigado a viajar mais de 100 léguas para voltar à sua
habitação.
Dia 13, à noite, entramos em mar alto e começamos a sentir o balançar
do navio que ocasionava enjôo. Foi bem triste assistir o espetáculo que
os passageiros ofereciam. Em todos os lugares ouviam-se lamúrias,
queixas, vômitos. Os que socorriam seus vizinhos, rapidamente
estavam na mesma situação. Se não tivéssemos sido prevenidos de que
não havia nenhum perigo, teríamos ficado apavorados. Dir-se-ia que
estávamos prestes a morrer. Tais cenas foram seguidamente repetidas
durante uma dezena de dias. Dei graças a Deus por me ter favorecido,
pois não sofri enjôo.
Em 15 de setembro, antes do nascer do sol, entramos no Canal da
Mancha. Não percebemos a passagem nem de Dover nem de Calais,
mas, durante o dia, o vento norte nos aproximou da Inglaterra e vimos
a costa perto de Londres (10). À tarde os ventos mudaram e fomos
obrigados a ficar à deriva por algum tempo. Durante a noite passamos a
ilha de Wrigth.
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Em 16, de manhã, os ventos mudaram de forma favorável e como eram
fortes, acompanhados de chuva, faziam o navio jogar. Os colonos,
novamente, sofreram de enjôo. Na ponte do navio o cheiro era
insuportável, pelos vômitos contínuos. Nesse mesmo dia estávamos à
altura de Cherbourg e de Partzmont, mas muito mais próximo deste
último.
Em 17, os ventos e a agitação do mar eram sempre os mesmos e os
colonos continuavam indispostos com os enjôos. Vimos terra pela
última vez e o condado de Devonshire, a mais ou menos dez léguas de
Plimouth.
Em 18 havia oito pessoas com a febre e tremores. O número de
doentes e de mortes aumentava cada dia. Nesse dia morreram cinco
pessoas.
Em 19, durante a noite, o balanço do navio tornou-se muito violento.
Tudo que não estava solidamente amarrado foi derrubado. Os tonéis
rolavam de todo lado. Os pratos e garrafas foram na maior parte
quebrados. As pessoas tinham dificuldade de ficar em seus leitos. O
vento não diminuiu na manhã, ao contrário, tornava-se cada vez mais
violento. Por volta das três e meia ouvimos um grande barulho; era o
grande mastro que havia partido e caído sobre a ponte do navio. O
capitão logo determinou recolher os cabos e velas que ainda estavam
suspensos. Foi tudo uma confusão, mesmo no camarote do capitão,
onde uma garrafa contendo xarope rolou pelo quarto e foi espatifar
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uma cesta de ovos, acontecendo o mesmo com grãos, vinhos, livros e
papéis. Tudo misturado no quarto, o que nos ofereceu um espetáculo
de marionetes, que nos divertiu bastante pois não se sabia onde pisar.
Este acidente não deixou de atrasar a viagem pois, somente,
conseguimos recolocar um novo mastro quatro dias depois, em virtude
da agitação das ondas e do trabalho decorrente. Não é fácil recolocar
um mastro com mais de 80 pés de comprimento e com o navio jogando
continuamente.
Em 20 de setembro estávamos na altura do
Cabo Finisterra.
Em 21, a 13 graus de longitude e /.../ de latitude.
Em 22 ocorreu uma morte comovente.
Por volta das quatro horas da tarde encontramos um navio que
vinha de Riga e ia para Cadiz. O nosso Capitão pediu ao comandante
do navio para fazer saber em Cherbourg que ele vira, em 22 do
corrente, em pleno mar, o navio Urânia.
Eu acreditava passar o dia 24 sem mortes mas esse foi o dia
mais terrível de toda a viagem: à tarde sete corpos foram lançados ao
mar. Passei a omitir as cerimônias religiosas para, dessa forma, não
atemorizar as pessoas doentes com os cânticos fúnebres da cerimônia.
Em 25, em frente à África, a 38 graus e 12 minutos de latitude e
16 graus e 24 minutos de longitude (11).
Em 27, a 33 graus e 3 minutos de latitude e 16 graus e
25 de longitude, vimos a ilha da Madeira. Nosso capitão veio acordar-
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nos para nos dar esta notícia. Subimos todos à ponte para ver aquela
massa de rochedos, o que foi um verdadeiro prazer. O nosso capitão
nos havia avisado, de véspera, o que iria ocorrer e, como ele não errou
nos cálculos, ficou de muito bom humor, porquanto aquela ilha era um
ponto referencial de direção para ele. Só tínhamos a nos felicitar por
sua conduta em relação a nós e em relação aos colonos. Ele é um
homem muito humano e perfeito marinheiro, de cuidados e exatidão
perfeitos. Os senhores oficiais de bordo são, também, excelentes, bem
como toda a tripulação. Com tais marinheiros chegaremos, sem dúvida,
a bom porto. Nossa viagem teria sido muito agradável se os colonos
tivessem gozado de melhor saúde. Assim, a longa duração da viagem e
o depauperamento de muitos espalham nuvens sombrias mesmo nos
mais belos dias.
Em 28, quando ainda não tínhamos perdido de vista a
Madeira, ocorreu uma calmaria que durou dois dias. Uma brisa, vinda
de frente, nos obrigou a navegar contra o vento. Não foi senão a 2 de
outubro que o vento se tornou mais favorável.
O senhor Capitão autorizou o oficial de saúde a
distribuir, cada dia, 50 litros de água doce aos enfermos.
Em 3 de outubro, dia do Rosário, estávamos à altura das
Canárias e não vislumbramos senão Palma.
Em 6 de outubro, a 24°18’ de latitude e a 19°55’ de longitude.
No dia seguinte, por volta do meio dia, passamos o trópico de Câncer.
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Em 8 de outubro, a 21°35’ de longitude e 21°6’ de latitude,
vento muito favorável. Por volta de dez horas da noite nós fazíamos 9
milhas e ¾, o que corresponde a 16 léguas em quatro horas. Nós vimos
nesse dia uma quantidade muito grande de peixes voadores. Os
marinheiros encontraram muito deles sobre a ponte, entretanto eles não
voam, normalmente, a mais de 5 a 8 pés de altura da água para fugirem
à perseguição de outros peixes maiores, sobretudo dos golfinhos.
Em 11 estávamos bem em frente às ilhas do Cabo Verde, que
não pudemos ver por causa da neblina. Passamos pelo banco de areia
entre o cabo e as ilhas. A água tinha mudado de cor. Lançamos a sonda
e encontramos mais de 700 pés de profundidade. Não havia perigo.
21°13’ longitude e 14°15’ de latitude.
Em 17, pela manhã, muitos colonos viram um tubarão que
seguia o navio. À noite vimos dois. Os marinheiros se divertiram em
pescá-los, uns armados de arpões e outros com anzóis. Logo um
tubarão, com 18 pés, foi vítima da sua cupidez. Posto por sobre a
ponte, após muito trabalho, teve logo cortada a extremidades da cauda
e, em seguida, abriram o seu ventre e ficamos muito surpresos de
encontrar, em suas vísceras, uma pequena criança com a cabeça e uma
parte do corpo intactos, com exceção de um dos braços. Presumimos
que se tratasse da filhinha de Pierre Joseph Oddin, de Méziéres, que
morrera durante a noite precedente. À vista do achado o tenente
ordenou aos marinheiros para, imediatamente, atirarem o conjunto ao
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mar, a fim de não chocar os colonos. O peixe é, entretanto, bom para
comer. Os marinheiros pregaram as pontas do rabo do tubarão na parte
de traz do navio, como uma marca de triunfo.
Até 27 de outubro o número de passageiros havia diminuído a
cada dia, mas nesse dia foi aumentado pelo nascimento de Sebastienne
Elizabeth, filha de Claude Equez, de Villariaz. Ela foi batizada
solenemente na ponte, em presença de todos os passageiros, tendo sido
observadas, tanto quanto possível, todas as cerimônias do costume.
Comemorou-se a ocasião com a ração de ¼ de litro de vinho para
todos os colonos.
Tínhamos passado uma vintena de dias de calmaria e com
ventos contrários fracos. Nada mais aborrecido sobre o mar que esses
dias de calmaria, porque não se avança e se é continuamente balançado.
Esses dias também causaram aos colonos a doença “du pays” (?).
A 30 de outubro, por volta das sete horas e meia da noite, já
escuro e sem a claridade da lua, o capitão, sentado perto da cobertura,
levantou-se de repente para buscar a luneta, dizendo que avistara um
navio. Somente após olhar longamente na direção indicada pelo capitão
e após grande esforço para ver, conseguimos perceber alguma coisa
bem longe. No dia seguinte nada mais vimos. Era sempre um prazer
renovado para os colonos todas as vezes que percebíamos, mesmo de
bem longe, um navio, o que nos aconteceu algumas vezes.
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Em 5 de novembro nasceu uma criança e foi batizada no Urânia
como Frederic Joseph, filho do falecido François Butty, de Mézieres
(12), que recebeu este nome por ser o do capitão.
Em 6 de novembro, por volta das 8 horas da noite, passamos a
linha de 26 graus de latitude. Há a observar que em toda a travessia não
sentimos maior calor do que nos dois primeiros dias da nossa viagem,
no Lago Estavayer e de Bienne.
Em 7 de novembro, depois da oração da manhã, seguiu-se a
cerimônia de batizado da “linha”(13). Cinco dos marinheiros na ponte,
representando Netuno, sua mulher e seus arqueiros, enfeitados, faziam
elogios a Netuno. Este, com um tridente, perguntava ao capitão: que
navio era este, de onde vinha e para onde ia. O capitão dava todas as
respostas. Então Netuno, carregado por dois marinheiros, aproximouse da ponte de comando, onde o capitão o recebeu em uniforme de
gala. Como ele já tinha passado muitas vezes pela linha, Netuno disse
que já o conhecia bem e que satisfizera plenamente as “leis da linha”.
Ele fez vir, em seguida, o imediato de bordo, vedou-lhe os olhos e o
conduziu para perto de um grande tonel de água, onde o fez sentar-se
na borda e, em seguida, tendo-lhe pintado o rosto com “preto de
Lyon”(14) misturado com óleo, barbeou-o com uma lâmina de ferro,
tendo por cabo um grande pedaço de madeira. De repente, tiraram-lhe
a tábua que o sustentava, mergulhando-o na barrica, jogaram sobre a
sua cabeça uma grande quantidade de potes de água. A mesma
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solenidade foi repetida com o tenente e todos os marinheiros que ainda
não tinham atravessado a “linha”. Antes da diversão que realizaram,
fizeram uma subscrição para obter o dinheiro necessário a uma
comemoração festiva, com bebidas, a ser realizada oportunamente.
Os senhores passageiros do quarto (15) e os serventes de
serviço subscreveram uma quantia para dar bebida a toda a tripulação
que havia sido excluída das “cerimônias” por estarem em serviço,
conforme o costume, alguns deles eméritos bebedores... Logo depois
das “formalidades” foi jogada água sobre todos os presentes. O Sr.
capitão teve o prazer de se fazer molhar para, também, molhar todos os
outros. Um grande número e, sobretudo, senhoras e moças foram se
esconder na entre-ponte. Foram procurados, por bem ou por mal, de
tal forma que todo mundo a bordo, com exceção dos enfermos, foram
molhados. Foi assegurado que se alguém, sutilmente conseguisse
escapar, teria o batismo no dia seguinte. Terminamos o dia nos
divertindo bastante.
Depois da passagem da “linha” distraímo-nos pescando, pois
víamos uma quantidade prodigiosa de peixes que seguiam o navio.
Pescamos uma tão grande quantidade que os distribuímos a todos os
colonos. Os peixes que pescamos, em maior número, foram /.../,
depois alguns /.../ e um só golfinho. Vimos, um dia, um enorme peixe
que seguia o navio. Ele tinha na cabeça uma longa espada com muitos
pés de comprimento e uma espécie de serra. Chamam-no de espadarte.
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Em 18 de outubro tivemos uma tempestade que durou quase 24
horas. À tarde as vagas eram tão grandes que vinham bater no alto do
navio, cobriam de água as janelas do quarto do capitão e o convés.
Neste instante, o oficial de saúde lia perto da vigia e ficou encharcado
pela água. Ele foi obrigado a testemunhar seu reconhecimento a
Netuno, fazendo-lhe “presente” de sua tabaqueira e um lenço, que
foram levados pelas ondas.
O dia 19 foi ainda mais tempestuoso. Não se podia ficar em pé
na ponte, sem um apoio. Muitos caíram. De noite, Josephine Gauthier,
que estava sentada em cima da tampa de uma caixa dos marinheiros, foi
arrastada, com a caixa, até a borda do navio, escapando de ter as pernas
quebradas. Ela dava gritos terríveis e foi transportada imediatamente
para a cabine do oficial da saúde. Felizmente ela nada fraturou mas
passou dores cruéis por causa das contusões que sofreu. À tarde uma
vaga entrou pela ponte e levantou a tampa que vedava o quarto do
comandante e molhou os que lá estavam. À noite, quando os
marinheiros serviam a ceia uns dois permaneceram para velar pela
segurança das refeições. Uma violenta onda, todavia, revirou tudo que
estava sobre a mesa.
Em 20, o tempo melhorou. Tivemos sol a pino.
Em 25, dia de Santa Catharina, vimos, à tarde, duas
embarcações de cabotagem. Como se dirigiam para nós, o capitão
mandou dar um tiro de canhão, para fazê-los aproximarem-se, a fim de
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obter informações. Um era um português que nos fez saber estarmos a
uma dezena de léguas de Cabo Frio, como calculara o nosso capitão.
Uma parte dos colonos, especialmente as mulheres, foi tomada de
pavor pelo barulho do canhão e porque poderia tratar-se de corsários
ou piratas. Bem que o português tinha essa aparência..., mas
poderíamos ter sido avisados com antecedência.
Por volta das seis horas da tarde subi ao local do comando e,
depois de algum tempo, descobri Cabo Frio, indiquei ao capitão e ele
viu que era fato. Anunciamos a descoberta com gritos de “terra!” e
fomos respondidos, pelo restante do navio, com o mesmo grito. No dia
seguinte todos puderam ver esse ponto de rocha, o que muito reanimou
os colonos.
Demoramos três dias para chegarmos à frente de Cabo Frio. Ora era a
calmaria, ora as correntes e ora ventos contrários que nos obrigavam a retroceder
Não foi senão em 28, domingo do Advento, que soprou uma
leve brisa favorável e nos aproximou do forte São João, por onde se
entra na baía, mas como a noite estava próxima, voltamos a mar aberto.
O vento estava tão violento que fomos empurrados para bem longe, de
forma que no dia seguinte não pudemos recuperar o que havíamos
perdido durante a noite. Aqui as tempestades chegam de forma muito
imprevista, como experimentamos no dia 29 à noite. Nós dobramos
logo as velas e continuamos, aproximadamente, na mesma posição,
porque não se pode chegar perto da terra durante a noite, sobretudo
quando há uma rota de pilotagem para entrar no porto.
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Em 30, veio uma brisa favorável que nos conduziu, felizmente,
ao porto do Rio de Janeiro.
A entrada na baía é soberba. É impossível gozar-se de mais bela
vista. Passando em frente ao forte de Santa Cruz um piloto veio ao
nosso encontro e, pouco depois, vieram outros dois. A visita de
diferentes funcionários prolongou-se até à noite. Ficaram chocados
quando lhes dissemos que havíamos perdido 109 (16) pessoas na
travessia e mais três crianças nascidas a bordo. Disseram-nos que
estivéssemos prontos para partir para Tamby (17), a sete léguas da
cidade, em 2 de dezembro, logo que S. Majestade nos tivesse passado
em revista. Os oficiais de bordo obtiveram permissão para irem ao Rio
de Janeiro, mas não os colonos. Aproveitei com prazer esta permissão.
Os arredores são mais bonitos do que a cidade. O calçamento é
detestável, as casas bastante mal construídas. Na maior parte não têm,
senão, um andar. Durante o dia não vimos senão negros, eles fazem
todo o trabalho. A maneira como são tratados me causou uma
impressão extremamente sensível, tanto que não podia esperar o
momento para voltar a bordo. Indo apresentar minhas homenagens à
Sua Excelência (18) mas ele estava ocupado em Tamby com os
interesses e boa recepção dos colonos. Seu auxiliar me propôs ir à
Capela do Rei. Era uma festa de aniversário na Corte. Toda a família
Real assistiu à missa; vi na procissão todo o clero secular e regular, que
é muito numeroso Durante a missa o seu ajudante de campo me disse
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que me apresentaria ao Rei, após o ofício. Agradeci a honra e a atenção
que ele tinha comigo. Depois, fomos ao Palácio Real, onde aguardamos
por algum tempo até que vieram dizer-nos que eu seria admitido à
Audiência do Rei. S. M. estava de pé diante de uma mesa, eu o saudei
com três profundas reverências, de distância em distância. Chegando
perto beijei-lhe a mão, conforme o uso dos portugueses. Ele conversou
durante um quarto de hora, mais ou menos, sobre nossa viagem e a
situação física e moral dos colonos.
Agradeci a sua majestade a bondade que tivera em me receber e
me retirei fazendo profundas inclinações. O primeiro chanceler veio
acompanhar-me até à porta. Fiquei extremamente lisonjeado pela a
maneira afável e bondosa pela qual fui acolhido por sua majestade.
Voltei logo a bordo do navio pois senti renascer em mim a
melancolia ao percorrer a cidade do Rio de Janeiro, com as suas ruas
mal calçadas, de uma sujeira repugnante e o espetáculo que oferecem os
negros e os escravos, a maneira como são vestidos e tratados,
verdadeiramente entristecedora para os estrangeiros. Em
2
de
dezembro, por volta das 8 horas da manhã, o Rei e toda a família Real,
vieram visitar-nos a bordo. Ele circulou várias vezes pelo navio ao som
das aclamações e gritos de “Viva o Rei”. Logo em seguida entramos
nos barcos que nos levaram a Tamby, a 4 léguas da capital, onde
repousamos até o dia 6. Monsenhor Miranda, chanceler do Reino e
Inspetor da Colônia, lá estava para receber os colonos e prover a todas
27
as suas necessidades; seria impossível expressar com que bondade e
generosidade todos os colonos foram acolhidos. Dia 6, todos os
colonos foram transportados para Macacu (19), onde os doentes e
enfermos permaneceram até estarem em condições de continuar a
viagem. Em 7, em duas etapas, fomos para Colégio, em charretes e
carroças, puxadas por seis ou oito bois. De Colégio às terras do coronel
Ferreira (20), onde paramos dois dias. No dia 10 dormimos no Registro
da serra. Em 11, todo o nosso grupo chegou, a pé, ou em mulas, a
Morro Queimado, ou Nova Friburgo, local de nosso destino, onde os
colonos embarcados no Daphné e Debby Elisa já tinham chegado há
alguns dias.
Sua Majestade tinha mandado construir não barracas,
como dizia o tratado, mas casas com quatro cômodos, mas sem
cozinha. Nas colônias se faz fogo em pleno quintal, ou nos quartos.
Estamos, atualmente, na estação das chuvas que duram diversos meses.
Quase não há dia que não chova. Isto faz com que fazer o fogo seja
impraticável, em vista da encharcada terra argilosa. A posição da Vila é
num pequeno plano, com montanhas muito altas em todos os lados,
muito íngremes, o que torna difícil cultivá-las. O solo, entretanto,
parece muito bom.
A divisão das casas e terras não será feita senão após a chegada
de todos os colonos (21). Isto faz com que os primeiros que chegaram
estejam inativos, embora possam, trabalhar como diaristas para o
governo e ganham 3 cents (?) por dia, ou mais, proporcionalmente à sua
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habilidade, alguns recebem até 4 francos por dia, além do seu subsídio
(22). Isto é uma benevolência do governo que não procura, senão,
favorecer os colonos.
Os colonos embarcados no navio Daphné, em
Rotterdam, em 11 de setembro de 1819, em número de 192, chegaram
ao Rio de Janeiro em 4 de novembro e ao Morro Queimado, em 15,
tendo perdido 31 pessoas durante a travessia.
Os colonos embarcados em Rotterdam no navio Debby
Elisa, capitão Spranel, em 12 de setembro, em número de 233,
chegaram ao Rio de Janeiro em 26 de outubro de 1819 e ao Morro
Queimado em 6 de dezembro, tendo perdido 26 pessoas na travessia.
Os colonos embarcados em Rotterdam no navio Urânia,
Capitão Bochs, em 12 de setembro, em número de 437, chegaram ao
Rio de Janeiro em 30 de novembro de 1819 e ao Morro Queimado em
11 de dezembro, tendo perdido 109 pessoas na travessia.
Os colonos embarcados em Amsterdam, no navio
Elisabeth Marie, capitão Struyk, em 10 de outubro, em número de 228,
chegaram ao Rio de Janeiro em 7 de dezembro de 1819 e ao Morro
Queimado em 18, tendo perdido 19 pessoas na travessia.
Os colonos embarcados em Amsterdam, no navio
Heureux Voyage, capitão Van der Cerar, em 10 de outubro, em número
de 437, chegaram em 17 de dezembro ao Rio de Janeiro e ao Morro
Queimado em 27, tendo perdido 40 pessoas na travessia.
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Os colonos embarcados em Gravendel, perto de
Rotterdam, em 12 de setembro de 1819, no navio Deux Catherine,
capitão Bot, em número de 357, chegaram ao Rio de Janeiro em 4 de
fevereiro de 1820, tendo perdido 77 pessoas na travessia.
Os colonos embarcados no navio Camillus, em Den
Helder, perto de Amsterdam, capitão Grippensee, em 10 de outubro de
1819, chegaram ao Rio de Janeiro em 8 de fevereiro de 1820, tendo
perdido 11 pessoas na travessia. Este navio encalhou na areia e foi
obrigado a aportar em Ramsgate, porto da Inglaterra.
Todos os colonos chegaram ao seu destino, Morro
Queimado, dez dias após a sua chegada ao porto do Rio de Janeiro
Monsenhor Miranda, Grande chanceler do Rei e
Inspetor da Colônia, chegou a Nova Friburgo em 4 de março de 1820.
Ele se ocupou da organização das famílias que foram compostas
voluntariamente (23) por até 16, 17 ou 18 pessoas. Feita essa operação
passou-se à preparação dos terrenos para jardins e obras públicas, como
abertura de canais, vias públicas, etc.(24).
Em 17 de março ocorreu a cerimônia da inauguração da
Vila, de forma bem solene. O Sr. Porcelet (25) discursou para os
colonos num palanque construído no meio da praça, feito sob os gritos
de Viva o Rei, etc. À noite houve iluminação defronte de todas as casas.
Em 30 de abril, 15 pessoas da religião reformada,
entraram para o seio da Igreja Católica Apostólica Romana. A abjuração
30
foi pública, antes do ofício da Paróquia. Monsenhor Miranda foi o
padrinho de todos na cerimônia do batizado sob condição.
Em 3 de maio o Monsenhor Miranda partiu para o Rio
de Janeiro. Ele foi acompanhado por umas trinta pessoas a cavalo até
uma meia légua da vila. Ele voltou em 22 de junho para uma festa Real
que teve lugar por ocasião da bandeira do Reino ser colocada na Capela
Real, da inauguração da Praça João VI, da casa das escolas e do hospital
(26), tendo-se feito a benção de cada um desses monumentos, após um
discurso pronunciado, para a Praça João VI, pelo senhor Quevrèmont,
Comissário geral de polícia, para a Escola, pelo senhor Porcelet e para o
Hospital, pelo Dr. Bazet, doutor da colônia. Seguiu-se o ofício divino,
quando o vigário fez um discurso de acordo com a festa e cantou-se um
Te Deum em ação de graças. Em 24 de junho o Vigário recebeu a
condecoração da Ordem do Cristo, com um decreto do Rei,
concedendo uma gratificação e um subsídio anual (27).
O Dr. Barzet recebeu a mesma condecoração, no dia da festa de
São Pedro, em 29 de junho, dia da festa do Monsenhor Miranda, com
um subsídio de 900$000 réis por ano, durante cinco anos.
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Notas
(1) - A partida dos colonos suíços que em 1819 demandaram o Brasil,
quando vieram fundar Nova Friburgo, foi realizada em três levas que
saíram, sucessivamente, de Fribourg, Soleur e Basiléia, tendo sido
integradas nesta última cidade.
(2) - No final deste trabalho há um esquema indicativo do itinerário
realizado na Europa pelos colonos.
(3) - Légua é uma antiga medida itinerária que variou de 4,5 a 6,6
quilômetros. Ainda hoje, no Brasil, é usada a légua de 6 km.
(4) - O autor referiu-se ao filósofo Jean Jacques Rousseau, que residiu
na ilha por algum tempo.
(5) - Cerca de 91,44 metros, dando-se ao “pé” o valor de 30,48
centímetro.
(6) - Esta é, segundo alguns, uma das provas de que alguém poderoso
opunha-se à vinda dos colonos suíços para o Brasil, tentando
obstaculizar o cometimento.
(7) - Partida dos navios: Daphné: 11.09.1819 = Debby Elisa: Urânia e
Deux Catherine 12.09 = Elizabeth Marie e Hereux Voyage, 10.10 e
Camillus, 11.10
(8) - Partida dos navios: Daphné: 11.09.1819 = Debby Elisa: Urânia e
Deux Catherine 12.09 = Elizabeth Marie e Hereux Voyage, 10.10 e
Camillus, 11,10
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(9) - François Butty, de Mézieres, Fribourg, embarcou com a mulher e
quatro filhas. Duas delas, Claude, de 12 anos e Madeleine, de 5,
também morreram na viagem.
(10) - Londres ficava há mais de 100 km. de distância
(11) - Presumimos que a posição do navio passou a ser medida,
também, por Joye, que teria aprendido a manejar o sextante com o
capitão, de quem, parece, tornou-se seu amigo.
(12) - François Butty foi o segundo óbito a bordo do Urânia.
(13) - Linha do Equador.
(14) - Negro de fumo, pigmento negro utilizado em tintas.
(15) - O trabalho executado pelos colonos, quando embarcados. Foi
uma condição imposta aos mesmos, com a principal finalidade de lhes
afastar o tédio.
(16) - Em outras fontes consta como sendo 107 os vitimados do
Urânia. Todavia há de se considerar que Joye foi a mais gabaritada das
testemunha que viajaram no Urânia
(17) - Hoje Itambi.
(18)- Monsenhor Miranda Malheiro, inspetor da colonização estrangeira
(19) - Vila de Santo Antonio de Sá, conhecida como Vila de Macacu,
hoje desaparecida e onde havia um grande convento que foi usado
como hospital para os colonos e onde faleceram 35 deles. A vila
desapareceu, talvez dizimada pela doença que trouxeram.
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(20) - Fazenda do coronel Ferreira, onde hoje está Cachoeiras de
Macacu.
(21) - A divisão dos lotes agrícolas ocorreu em 23 de abril de 1820.
(22) - O subsídio, no primeiro ano, foi de $100 por dia, por colono de 3
anos ou mais.
(23) - “Famílias artificiais” ou “famílias agrícolas”, foi uma engenhosa
idéia tida pelo Monsenhor Miranda para resolver o grave problema
criado por Gachet. D.João VI contratou com Gachet a vinda de cem
famílias e, para alojá-los provisoriamente em Nova Friburgo, mandou
construir 100 casas de quatro cômodos e demarcar uma centena de
áreas agrícolas, uma para cada família. Chegaram 1.600 pessoas com
quase 500 sobrenomes. Como fazer? Monsenhor Miranda recomendou
aos colonos que se organizassem em 100 grupos de pessoas amigas.
Cada grupo ocuparia uma casa e receberia um lote. Por isso algumas
casas foram ocupadas por mais de 20 pessoas.
(24) - Ainda hoje subsistem, no centro da cidade de Nova Friburgo,
canais aberto pelos suíços. Um deles, a “vala dos suíços”, aberta para
recolher as águas de chuva que desciam dos morros e servir de esgoto
para as casas, permanece funcionando por debaixo das casas do lado
leste da Praça Pres.Vargas.
(25) - Pierre-Louis de Porcelet, de Estavayer-le-Lac, dizia-se médico e
de origem nobre. Foi o primeiro friburguense a fazer um discurso em
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praça pública, em 17.04.1820, dia em que foi criada e constituída a
Câmara de Nova Friburgo.
(26) - Esta “inauguração” não passou do lançamento de “pedras
fundamentais”, que devem lá continuar, na
Praça Getúlio Vargas, debaixo dos aterros sucessivos que ela foi
recebendo com o passar dos anos.
(27) - O subsídio recebido por Joye foi de 600$000 réis, durante 5 anos.
35
Fac-símile da primeira página do original do relato de Padre Joye
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VILA DE NOVA FRIBURGO
1830
Gravura em Aquatinta de J. Steinmann
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Ilustração da partida de Estavayer-le-Lac, Domingo 4 de julho de 1819
(Aquarela de autor desconhecido)
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