ISSN 1139-7365 GRAFFITI: DEMONSTRATION OF URBAN ART

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ISSN 1139-7365 GRAFFITI: DEMONSTRATION OF URBAN ART
ISSN 1139-7365
GRAFFITI: DEMONSTRATION OF URBAN ART. GRAFITE: MANIFESTAÇÃO DE
ARTE URBANA
Anna Lúcia dos Santos Vieira e Silva . Universidad de Barcelona
SUMMARY
These paper intents to develop an approach to Graffiti as kind of urban art. Graffiti can be seen as an operation, either individual
or of a group, which enables to transform places, to establish communication, to improve city aesthetic quality. It allows people
to participate in the transformation of urban spaces, it refines the dynamicity of forms, and puts color on grey walls, but is still
considered illegal.
Graffiti artists interfere in public spaces through informal appropriation. This action started around the end of the 60s
in the ghettos of New York and represented an innovative and revolutionary way to mark a territory where Hip-hop, Rap and
Skate culture were growing and demanding visibility (Poato, 2006). Later grafitters started covering city walls with subtle and
creative demonstrations of art, ethics claims and they established a kind of clandestine communication.
Nowadays, graffiti is considered and legitimated as an artistic trend, but rises continuously polemical questions. Between
the boundaries of vandalism and art, anonimity and identity, it acquires acknowledgement, while it develops aesthetically. The
performance itself is more important than the aesthetic results, because it qualifies the language of graffiti as a practice and as a
process created in urban spaces.
Graffiti’s art can be described as “deprived art”, in the sense that the artist is conscious he will loose any kind of
possession of his work, in the moment when he leaves the physical space, where his artistic creation took place. Once accomplished,
the work of art is liable to any kind of interference, possibly erased or overlapped by another work. Therefore can be said that
Grafitti is subjected to the informal laws of the city, on the other hand, is the city itself being transformed.
There are different technics in the making of graffiti, but two streams are predominating: Graffiti rises on unused walls
of constructions or demolitions. It avoids public patrimony and private spaces, uses paintings and strong colors and can take
months to be finished. Writer (scribbler, tagger, trow-up) is an intervention of illegible nicknames. The writers consider the risk to
mark prohibited places such as high, invigilated, inaccessible public spaces, private walls, edifices, bridges, train stations and
sculptures, but they affirm: “When we have some place in our mind there are no limits, no barriers” (intervewee in Poato, 2006, p. 35)”.
Among these streams, lots of interventions are accomplished: stencils, writing painters (piece), stickers, etc. With some
exceptions, all of them are prohibited. Two reasons why they are prohibited can be suggested: the first one is that it is not clear
defined where vandalism finishes and art begins, the second can be recognized in the fact that “workers” arrogate themselves the
right to interfere in public space, without asking for previous approval.
In a generic sense the city is complex and mutable. In a subjective sense the city is everyday’s life experience. Both
aspects are considerated by analysing the practice of graffiti. If we understand urban art as an aehstetic dimension of the city and
the city not only as language, but also as a growing practice, graffiti increases the variety of aesthetic communication and works
against an inactive and passive social behaviour. Do grafitti language and method only keep their original meaning and coherence
if they are illegal? What is the right posture of public politics? Shoudn’t be stimulated as a policy open to citizen participation and
free comunication?
To begin, we will see the city like an integrator element, context and suport of this practice.We will then approach many
kinds of contemporary arts related to graffiti. To end, some paradoxes of this art will be brought up to discussion.
RESUMO
Este trabalho pretende desenvolver uma abordagem de Graffiti como forma de arte urbana. O Graffiti pode ser visto como uma
operação, quer individual, quer de um grupo, que permite transformar lugares, para estabelecer a comunicação, melhorar a
qualidade estética da cidade. Permite as pessoas a participar na transformação dos espaços urbanos, que refina a dinâmica das
formas, e tira fora a cor cinzenta das paredes, mas ainda é considerada ilegal.
Graffiti: artistas interferir nos espaços públicos, através de dotação informal. Esta acção começou em torno do final dos anos 60
nos guetos de Nova Iorque e representou uma forma inovadora e revolucionária para marcar um território onde as culturas
Hip-hop, Rap, Skate foram crescendo e exigindo visibilidade (Poato, 2006). Mais tarde começou grafitters abrangendo muralhas
com sutis e criativas manifestações da arte, ética e alega que estabeleceram uma espécie de comunicação clandestina.
Atualmente, o graffiti é considerado e legitimado como uma tendência artística, mas aumenta continuamente questões
polémicas. Entre as fronteiras da arte e vandalismo, o anonimato e de identidade, ela adquire reconhecimento, ao mesmo tempo
que se desenvolve esteticamente. O desempenho em si é mais importante do que o resultado estético, pois qualifica a linguagem
do grafite como uma prática e como um processo criado em espaços urbanos.
A arte do Graffiti pode ser descrita como “arte privado “, no sentido de que o artista está consciente ele solta qualquer
tipo de posse do seu trabalho, no momento em que ele deixa o espaço físico, onde a sua criação artística teve lugar. Uma vez
realizado, a obra de arte é passível de qualquer tipo de interferência, possivelmente apagados ou sobreposta por um outro
trabalho. Por isso podemos dizer que Graffiti é submetido a leis informais da cidade, é por outro lado, a própria cidade se
transformou.
Existem diferentes técnicas na realização de graffiti, mas duas orientações são predominantes: Graffiti utilizados em
paredes de construções ou demolições. Evita espaços de patrimônio público e privado, e usa pinturas com cores fortes e pode
levar meses para ser concluída. Escritor (escrevinhador, pegador, pensar-up) é uma intervenção de apelidos ilegível. Os autores
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consideram o risco de marcar lugares proibidos, como alta, “invigilated”, inacessíveis os espaços públicos, privados paredes,
edifícios, pontes, estações ferroviárias e esculturas, mas eles afirmam: “Quando temos algum lugar em nossa mente que não existem
limites, não obstáculos “(intervew em Poato, 2006, p. 35)”.
Entre estes fluxos, muitas das intervenções são realizadas: stencil, escrita, pintada (peça), autocolantes, etc Com algumas excepções,
todos eles são proibidos. Duas razões podem ser sugeridas: a primeira é que não é claro e definido onde vandalismo acaba e a
arte começa, o segundo pode ser reconhecido no fato de que “os trabalhadores” arrogar a si próprios o direito de interferir no
espaço público, sem solicitando aprovação prévia.
Em um sentido genérico a cidade é complexa e mutável. Em um sentido subjetivo da cidade é cada dia da experiência
de vida. Ambos os aspectos são considerados através da análise da prática do graffiti. Se entendemos a arte urbana como uma
dimensão estética da cidade e da cidade não apenas como linguagem, mas também como uma prática cada vez maior, aumenta a
variedade dos grafites que utilizam estética de comunicação e obras mortas contra um comportamento social passivo. Do graffiti
linguagem e método apenas manter o seu sentido original e de coerência, se é ilegal? Qual é o direito de política pública? Não
deveria ser estimulada como uma política aberta para a participação cidadã e a livre comunicação?
Para começar, vamos ver a cidade como um elemento integrador, contexto e suporte desta prática. Iremos então
abordagem muitos tipos de artes contemporâneas relacionadas com pichações. Para terminar, alguns paradoxos desta arte serão
trazidos à discussão.
Keywords: Graffitti, Urban Art, Culturas Urbanas
CIDADE MUTANTE
“El arte tiene también que hacerse transitorio, acompañar pasajes y derivas de los ciudadanos, amoldarse a la
dinámica de espacios de la ciudad viva que modifica sin parar, someterse a una perpetua transformación.” (Ardenne,
2006, p. 70)
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A cidade é viva, um organismo complexo, onde diversas dimensões se integram para sua projeção,
manifestação e funcionamento. Observaremos a cidade atual, conscientes de que assuntos contemporâneos
implicam um paradoxo: estamos tão imersos como coniventes, direta ou indiretamente, com tudo que é
atual, embora necessitemos um distanciamento crítico para uma análise que objetive projetos futuros. Um
distanciamento imersivo. Os dias de hoje não estão congelados em um instante presente. A mutabilidade
traz consigo cicatrizes e sortilégios históricos, desejos e tendências.
Se pensássemos todas as cidades envolvidas em uma, deveríamos levar em consideração a cidade
que cada morador leva dentro de si até para dentro de casa. A cidade cotidiana diz respeito ao mapa que
cada indivíduo constrói ao consumar suas passagens e paradas fora do ambiente doméstico. É o espaço
representacional (Lefebvre, 1971), da experiência do dia a dia com todas as interações nela envolvidas,“the
lived and felt spaces of everyday life known through its associated images, and envolve non-verbal
comunications, appropriation, rituals, riots, markets and other aspects of life in the street.” (Malcon Miles,
1997, pg. 46)
Esta cidade, generalizada em sua dimensão mutável e subjetivada em sua dimensão cotidiana será
analisada neste escrito através de uma prática urbana em duas cidades específicas: o Grafite, com exemplos
das cidades de São Paulo e Barcelona. O grafite será defendido por sua coerência de iniciativa artística em
um ambiente que é ao mesmo tempo seu contexto, suporte, linguagem e elemento integrante. As duas
metrópoles foram intensamente vivenciadas em seu cotidiano, e escolhidas para que a prática não contradiga
a teoria.
Um sentido que rege o funcionamento de fazer grafite é seu despojamento. No fundamento de sua
prática, está sujeito a qualquer tipo de interferência. O artista deve necessariamente ser desapegado do
seu produto, ainda que em uma visão ampla seu produto seja a própria cidade transformada. Não vamos
fingir que um trabalho muito elaborado possa ser medido pela satisfação de seu autor em vê-lo desfeito,
apagado ou com outro trabalho sobreposto, nem sempre de qualidade superior. Mas estas possibilidades
existem, ocorrem e estão incluídas na lógica correspondente à mutabilidade da própria cidade.
Certeau (1990) aborda a cultura ordinária, não como um pano de fundo de uma atividade social,
mas como sua própria articulação: “las prácticas del espacio tejen en efecto las condiciones determinantes
de la vida social.” (op. cit. p. 108). O enfoque do autor passa por análises de relações, operações e ações
que implicam em práticas e métodos individuais, interativos, capazes de se apropriar dos espaços da cidade
e transformá-los criativamente através de um “modo de fazer” cotidiano.
Atualmente indivíduos e grupos independentes tomam a iniciativa de interferir esteticamente nos espaços
públicos através de apropriações informais. Existem diferentes estilos e técnicas, mas predominam duas
vertentes com peculiaridades em suas atuações.
O grafite geralmente se apropria de muros de construções em andamento, demolições, grandes
murais de espaços abandonados e evitam patrimônios públicos e propriedades privadas. Possui um cuidado
técnico e elaborado com cores, desenhos e pinturas que pode tardar meses para ser concluído.
A outra vertente é chamada no Brasil de pichação, em Barcelona se usa o termo pintadas e em
livros norte americanos encontramos o termo writer. É a atitude de interferir no espaço público com
riscos, escritos que normalmente são assinaturas ilegíveis em viadutos, muros de propriedades privadas,
patrimônios públicos e altos edifícios. No processo da pichação o que vale é o risco de marcar lugares
proibidos ou perigosos, seja pela altura, inacessibilidade ou vigilância. “Quando se tem em mente um lugar
para pichar, ai não se encontram barreiras nem limites” (depoimento de pichador em Poato, 2006, p. 35).
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São geralmente de cor preta, traço rápido, ação rápida. Esta atitude é considerada vândala, suja, e costuma
caracterizar lugares metropolitanos onde a violência urbana é temida. Entre estas duas principais linhas de
ação muitos tipos de intervenção são realizados.
Não defendemos a pichação como arte, mas tampouco negamos sua dimensão participativa de
intervenção no espaço público. Uma maneira de dizer algo e uma necessidade da cidade para dizê-lo.
Funciona como um sinal, uma mensagem que enfatiza o caos visual, o excesso, um diagnóstico sócio
ambiental onde os jovens declaram que possuem identidade e lugar na cidade.
Quando esta atitude transcende a auto-afirmação, deixa de ser uma ação rebelde se transforma
em ato poético, produtor de sentido e visualidade, capaz de oferecer maior abrangência comunicativa e
aceitação social. Muitos artistas de grafite dão o depoimento de terem iniciado suas ações de intervenção
urbana com a pichação. (Poato, 2006)
“La emergencia, pronto irreprimible, de la pintada en las metrópolis americanas (particularmente en East
Village, en Nueva York) a finales de los años 60, constituye unas de las mejores pruebas que existen de ese deseo
de una afirmación sin justificación estética anterior.” (Ardenne, p. 48)
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Salvo algumas exceções, o grafite não é aceito pelos poderes públicos.Ação proibida.Talvez porque
as bordas entre o grafite e a pichação não sejam explícitas, talvez porque o artista arroga para si o direito
de intervir no espaço público como queira, sem a prévia aprovação institucional.
“Activista, volátil, el arte público no programado suscita la aprobación o la ira de los poderes públicos, que
dejan hacer o prohíben según la relación de fuerzas del momento o que también recuperan este arte de insumisión,
a buen precio, que les permite hacer valer en sitio público su gusto por lo ‘subversivo’.” (Ardenne, p. 56)
Em São Paulo o grafite ganha força nos anos oitenta, mas apenas em meados dos anos noventa é
relativamente aceito pelo governo, que promove oficinas e admite em alguns pontos da cidade sua realização,
principalmente quando se trata de propostas de autores consagrados no meio artístico. Quanto o artista
é flagrado fora das prerrogativas impostas pela ordem pública, sofre violência da polícia, e é julgado depois
de ser preso. Em Barcelona, para que o grafite seja aceito pelo poder público é necessário um processo no
qual o artista apresenta a proposta, elege o espaço e um esboço da obra, mas os murais permitidos são
restritos e a insistência em realizar a obra sem aprovação implica em multa.
ARTES DO ESPONTÂNEO
“O que é arte? É o direito de poder se expressar, é a liberdade de colocar para fora tudo aquilo que está preso em
sua mente. A arte não tem limites e regras, é livre, cada um faz o que quer e da forma que quer. Não existe uma
pessoa aqui na terra para julgar se está bem ou mal feito; a arte é sua, quem tem que gostar é você.” (Entrevista
com Does, grafiteiro de São Paulo, por Binho Ribeiro, in Poato, 2006, p.115-116)
Mesmo se o universo que determina o que é arte fosse o da limitada elite que dirige e coordena
as instituições artísticas: grafite é arte. Arte urbana, contextual, processual, participativa, street art, sitespecificity, arte espontânea, efêmera, pública, arte contemporânea. E esta abrangência não está afirmada
apenas porque grafiteiros representativos estão em Bienais Internacionais, Documentas e no circuito das
galerias de arte e museus das grandes metrópoles. O alcance das artes do grafite diz mais respeito ao seu
método e atitude voluntária de transformação da cidade em sua dimensão estética e processual.
“The terms ‘art’ and ‘public’ fit no more easily together in the twentieth century, and a definition of ‘public
art’ is fraught with yhe contradiction that whilst modernist art has occupied the hermetic space of the white-walled
galery, art forms more closely linked to areas of everyday life, such as ‘community arts’ or ‘outsider art’, have been
marginalized by the art establishment as lacking ‘aesthetic quality’.” (Malcom Miles, 1997, p. 85)
Nas bases de seu fundamento o lugar do grafite é na rua. Primeiro se apresenta como gesto
rebelde, vândalo, de auto-expressão e desafio, logo se transforma, inicialmente nos guetos de Nova York,
em comunicação clandestina. E no curso de sua evolução, passa por manifestações sutis e criativas,
reivindicações éticas, críticas sociais, e enquanto ocupa mais espaços no caos metropolitano, desenvolvese através de diferentes técnicas, afirmando-se esteticamente por uma linguagem de cores fortes e resultados
elaborados (Popper, apud Ardenne, 2006). São gestos criadores, produtores e de uso de lugares urbanos
potenciais e degradados.
Nos princípios dos anos 90 o grafite foi incorporado e discutido em seu teor atístico. O mural, tal
como era feito nas ruas foi transferido para dentro do Museu de Arte Contemporânea do Ibirapuera, em
São Paulo. Tão contraditório e impróprio quanto a imposição de uma arte contemporânea deslocada da
instituição para as ruas por não se adaptar com coerência às especificidades do lugar onde se encontra.
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Mais de dez anos depois, a lógica de apropriação ganha adequação.Artistas são convidados para desenvolver
sua linguagem, que em uma primeira instância é de rua, e inserir diferentes propostas nos museus e
galerias. Desta vez o artista não é deslocado das ruas para o espaço institucional, mas elabora sua arte no
museu, para o museu, sem dissimulações, com a mesma lógica de qualquer outro artista. Por suposto,
grafiteiros nos museus trazem obras carregadas por conceitos e estética que surgiram nas ruas. Mas o
processo é outro. A obra que é feita especificamente para o museu não é a mesma que está nos muros
urbanos, ainda que se assemelhe esteticamente. A diferença se fundamenta principalmente por outro
propósito e outro processo. “O muro apresentado, não é mais uma apropriação indevida e aleatória, agora é
controlada.” (Estrella, C. in Poato, 2006, p.21) E ali, está protegida por uma instituição.
O artista ganha identidade e a obra não está sujeita às intempéries da rua. Dentro da mesma
ordem de pensar e usar o espaço onde estarão, grafiteiros preenchem criativamente as salas fechadas e
condicionadas das galerias. Ainda que esteja coerente, no museu, é grafite? A linguagem e o método de
fazer grafite só mantém seu sentido e coerência se for ilegal?
ural dos Gêmeos (Gustavo e Otávio Pandolfo) na Av. 23 de maio, em São Paulo. Expuseram seus trabalhos em instituições de arte em São Paulo, Japão,
Estados Unidos e Europa. 1
Ardenne (2006) em suas diversas definições de arte utilizadas para afirmar e identificar a arte contextual
define arte participativa como uma mostra da solicitação e busca de implicar o espectador, sua adesão
física, uma obra aberta ao processo e submetida à negociação. “una realización donde la intersubjetividad se
revela como mecanismo de creación, su naturaleza procesal hace de la obra un acontecimiento, un opus: lo que se
obra y no lo que, por fin acabado, se dá como obrado.” (op. cit. p. 122-123)
Em Barcelona, no bairro Raval, os grafites são encontrados em quase todos os muros que separam
as construções das ruas e calçadas. O muro diante do CCCB, ao lado do MACBA, foi um verdadeiro work
in progress, no processo de construção a Faculdade de Geografia, História e Filosofia da Universidade de
Barcelona. Oficinas de grafite, geralmente feitas pelos próprios skatistas, proporcionavam ao lugar um
novo desenho a cada semana.
Uma vez que o muro foi destruído com a obra arquitetônica terminada, ações de depredação e
pichação apareceram. Quando destóem um Mac Donalds se entende que algumas pessoas que representam
uma parcela da sociedade local dizem de maneira brutal que não estão de acordo com o que esta cadeia
simboliza na sociedade global. Quando seguem pintando o muro da Universidade ao perder o muro de
livre expressão em um lugar tão específico, um apelo reivindicativo toma voz através de infrações. O que
foi estimulado e permitido é agora proibido. A idéia de manter o muro não poderia ter sido integrada à
proposta arquitetônica, observados o contexto e a história do bairro?
Existem também zonas e ruas específicas do Raval que eram território dos grafiteiros, como
espaço atrás do mercado da Boqueria e a Rua Jerusalém, em frente a Praça de la Gardunya. Estes espaços
não se modificavam de acordo com um controle ou oficina de grafite, e sim através de apropriações por
tribos urbanas. “La apropiación es el objetivo, el sentido, la finalidad de la vida social”. (Lefebvre, 1971, p.165)
Novas leis foram impostas e neste espaço atualmente os grafites foram substituídos pelo cinza.
Pol (1996) aborda a apropriação através de dois componentes que interagem: a identificação
simbólica e a ação-transformação.“Compreende os processos simbólicos, cognitivos, afetivos e interativos,
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tanto evolutivos como estruturais, através dos quais um espaço vem a ser um lugar e se produz a identificação
do sujeito ou grupo social com o entorno.” (Pol, 1996, pg. 19). A ação-transformação vem definida pela
conduta territorial manifesta, não apenas instintiva, mas planejada, seguida de uma proposição definida
onde a vontade e a voluntariedade são determinantes. No caso do grafite, a apropriação do espaço público
é espontânea e improvisada e até certo ponto, ilegal, pois esbarra nos limites do vandalismo e da privacidade.
Como diz Brünzels (2001) sobre os grafites e outras táticas urbanas, são “zonas temporalmente autônomas,
nunca confian em concervalas por mucho tiempo, no estan em uma posición que lês permita definir el espacio
permanentemente”.(op. cit. p. 456).
Por táticas urbanas entendemos o sentido apresentado e desenvolvido por Michel de Certeau,
onde o grafite se enquadra integralmente: “Aún que sean relativas a las posibilidades ofrecidas por las
circunstancias, estas tácticas transversales no obedecen a la ley del lugar. No están definidas por el lugar: A
este respecto, no están más localizables que las estratégias tecnocráticas (y escriturarias) que tienden a
crear lugares conforme modelos abstractos. Esto es lo que distingue unas de las otras: los tipos de operaciones
que las estratégias son capaces de producir, cuadriculas y imponer estos espacios, mientras que las tácticas
pueden solo utilizarlos, manipularlos, tergiversalos (detourner)” (Certeau, 2001) 2
Se entendermos a arte urbana como uma dimensão estética da cidade, e esta, não apenas como linguagem,
mas como prática crescente, o grafite amplia seu potencial estético e comunicativo e se manifesta contra
um comportamento geral, mudo, sem objetivos autênticos, refletido em hábitos amortecidos e coletivos.
É uma arte destinada a “uma nova forma de vida” ou “dedicado a tareas de transformación de la vida
(desde el diseño o entreteinement hasta las intervenciones militantes) que pasan eventualmente por la
crítica de este uso mismo del museo.” (Rancière, 2005, p. 71)
O Grafite figura a tendência de uma proposta artística sem pretensão de permanecer. Um gesto
simples que causa uma perturbação local e temporal onde o objetivo se confunde entre a busca de um
efeito e o gesto em si. Marca o território onde se insere e contradiz a primazia do objeto artístico como
simbólico e referencial, permanente e acabado. Impera por seu método, reivindica espaço de comunicação
e arte no ambiente urbano. Arte efêmera, que permanece como atitude, mas muda constantemente como
resultado. “Importante meio de comunicação embasado na livre expressão e sua inegável contribuição
social”.(Poato, 2006) A permanência de uma intervenção artística em um espaço público pode realizar uma
mudança de uso ou de significado do lugar, o que representa uma qualificação simbólica e de identidade,
mas o tempo de duração da obra não implica necessariamente em sua qualidade. Uma obra efêmera é
adaptável, flexível, permite que outras obras se manifestem no mesmo espaço, não é impositiva e deixa
seus reflexos de permanência na memória (Phillips, 1992).
Aqui, não está sendo defendida a arte efêmera em relação a propostas artísticas duradouras. Se
levamos em conta a importância da regeneração urbana, é positivo gerar no espaço público referências
permanentes de atualidade, para que estas sejam um dia o passado histórico de um determinado ambiente
social. Defendemos, isto sim, que as obras de criação espontânea não devem ser julgadas por sua vida
breve ou por não estarem nos padrões gerados pela arte modernista.
“Por definición, el espacio público es un espacio disputado, en el que compiten varios poderes y otras
muchas energías. Un espacio siempre en vía de perdida o confiscación, que, por lo tanto, no podemos
detener o controlar una vez por todas. De ahí la importancia del carácter efímero del arte contextual,
importancia que sobrepasa la mera cuestión de estilo. La duración, en efecto, haria que el arte contextual
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entrase en un registro de tiempo que sobrepasaria el contexto. Perpetuado, ya no sería paso del arte en el
tiempo, sino monumentalización, perenización de la presencia – una contradicción en los términos.” (Ardenne,
2006, p. 58)
IDENTIDADE ANÔNIMA
Alguns paradoxos envolvem o processo e produção do grafite: a criação de lugares que recebem
permanentemente intervenções provisórias; o anonimato do grafiteiro e seu reconhecimento pelo grupo
ou por sua linguagem idiossincrática identificada em diferentes partes da cidade; os tags ou escritas, assinaturas
de seus autores, que afirmam suas identidades através de letras ilegíveis; a liberdade de expressão proibida.
Alguns limiares caracterizam seu alcance: vandalismo e arte; despojamento e elaboração; aventura e
compromisso; visibilidade e invisibilidade; identidade e anonimato.
A principal característica de um lugar que o diferencia de um espaço qualquer, é seu atributo de
identidade. Os aspectos físicos e estruturais de um espaço não são suficientes para determiná-lo como
lugar, e sim o conjunto social, político, funcional, simbólico e afetivo de um contexto complexo que implica
vivência e identificação (Duarte, 2002). “(...) o indivíduo integra progressivamente os elementos e as
configurações espaciais em seus esquemas cognitivos e deixa ao mesmo tempo sua marca, transforma o
entorno, o qual exercerá uma importante devolução e afirmação de seu próprio eu. Esta definição integra
tanto os aspectos de ação, de imagem, identificação, interação, projeção e personalização, territorialidade
e privacidade em um espaço e em um tempo determinados.” (Pol, 1996, p. 21.)
A linguagem específica do grafite é regida por normas informais de convivência entre as pessoas
que formam esta “tribo urbana”. Uma vez que um indivíduo ou grupo não está de acordo com o que se
apresenta nas ruas, se sente no direito de destruir ou reinventar, sobrepondo o que se identifica ou o que
os identificam. Um mural pode ser completamente desapercebido por um transeunte distraído e ao mesmo
tempo cobiçado e disputado por grafiteiros. Na mesma lógica podemos nos deslumbrar diante de um
grafite sem ter a mínima noção de quem o fez enquanto quem é do grupo não apenas identifica o autor
como sua maneira de agir, o que pode repercutir em respeito ou destruição. Um grafiteiro é reconhecido
não apenas pela qualidade e quantidade de sua produção, mas principalmente por uma postura humilde em
relação aos demais, dedicação constante e linguagem idiossincrática.
“Pintar con spray apresuradamente, en un gesto de conquista y de recubrimiento de las superficies urbanas,
su pseudónimo, signo de reconocimiento y nombre tribal a la vez: que sea de naturaleza narcisista o que
emane del deseo de una expresión directa y democrática, este gesto refuerza la tesis del arte como asunto
de existencia, al contrario del arte como discurso construidoo como simples ofrende de formas plásticas.
(…)Se auto-justifica sin complejos mediante el enunciado psicológico subjacente a su formulación visual
desbordante de efecto, enunciado tan invariable como apremiante: ‘1-Existo’, ‘2-Es aquí donde existo’. La
pintada, una firma en público, firma el espacio público. Con su gesto, el grafitero impone a la sociedad la
expresión de su nombre (su apodo más bien, deslizamiento nominativo que le permite a la vez ser reconocido
por los suyos, de manera tribal, y no serlo por la autoridad” (Ardenne, p. 48).
Em São Paulo uma iniciativa chama a atenção pela escolha de onde os grafites se inserem. As obras
do Zelão3 operam na conjugação de lugares degradados com o descontrole metropolitano. Seus grafites
não estão no circuito de qualquer cidadão: em baixo de pontes onde dormem sem teto ou intencionalmente
escondidas no esgoto da cidade. O artista se expõem a riscos para marcar espaços e situações renegadas.
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Zelão nos remete ao questionamento recorrente do espaço da arte. De uma maneira radical nos
obriga a considerar que mesmo os piores cantos da cidade podem ser espaços de expressão artística. Não
busca espectadores, não quer aparecer, mas sim mostrar o que geralmente não quer ser percebido na
cidade.
Rancière associa o espaço da arte a diferentes práticas: “Esta reconfiguración de los datos es la que puede dar
a la tendencia de los espacios del arte contemporáneo a comparar las prácticas identificadas como prácticas del
arte con otras prácticas, como las de la información y de la discución: ya sea que propuestas artísticas específicas
traten de borrar las fronteras, ya sea que el espacio del arte organice la circulación entre espacios en los que se ve,
espacios en los que se aprende, espacios en los que se debate y en los que pueda reconocerse la capacidad de
qualquiera.” (op. cit., p. 77)
Esta análise de Rancière se aproxima da visão das práticas cotidianas de Certeau (1990) e da vida
no mundo moderno de Lefebvre (1984), mas apresenta um rumo ideológico distinto de algumas práticas
contemporâneas de inserção da arte no espaço urbano, que insistem em vincular a qualidade e o status da
arte a uma iniciativa exclusivista, assinada por um único artista, eleito por críticos e curadores como
referência de produção.
Considerações Finais
Grafiteiros fazem da arte seu meio de vida, buscam uma possibilidade de expressão nas ruas, incorporamse ao ambiente cotidiano, desmascaram convenções. Como uma tarefa militante, atua de maneira concreta,
provoca e instiga opiniões, posicionamentos e um intercâmbio comunicativo e estético. Concentra-se na
operação e acompanha o processo de transformação da cidade. Um gesto que causa uma perturbação
local e temporal onde o objetivo se confunde entre a busca de um efeito e o gesto em si. Marcar o
território onde se insere, contradizendo a primazia do objeto artístico como simbólico e referencial,
permanente e acabado.
O Grafite só tem sentido reivindicativo e militante se for ilegal? Sua linguagem está diretamente
vinculada ao fazer o que não é permitido? Qual seria a postura correta dos poderes públicos diante da
evolução desta atitude artística nas cidades? Não deveriam ser estimuladas políticas de ação, abertas para
cidadãos, usando o grafite como forma de intervenção, comunicação e livre expressão?
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Muitos programas que pretendem inserir a participação cidadã não sabem como chamar as pessoas,
como instigar interesse de opinião e esclarecer as posturas dos cidadãos em relação às mudanças que lhes
dizem respeito. Enquanto isso o Grafite se apresenta através de iniciativas diretas que são fontes de
informação e comunicação.
Acreditamos que uma vez legitimado o grafite pode ser referência para propostas participativas.
Murais liberados para livre expressão, sem repressão nem censura. Espaços na cidade onde qualquer
pessoa, artista ou não, possa deixar sua marca e identificar-se aqui e agora.
Bibliografia
ARDENNE, Paul. Un Arte Contextual: Creación artística en medio urbano, en
situación, de intervención, de participación. Trad. Françoise Mallier. Murcia: Azarbe,
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NOTAS
Fotos dos artistas, extraídas de POATO, S. O Graffiti na Cidade de São Paulo e sua
Vertente no Brasil, p. 19 e 23, respectivamente. As fotos que não possuem referência
são de Anna Lúcia dos Santos.
2
Em BLANCO, P. CARRILLO, J. CLARAMONTE, J. EXPOSITO, M. (editores) Modos
de Hacer:Arte Crítico, Esfera Pública y Acción Directa. Salamanca: Universidad de Salamanca,
2001, p.393
3
Fotos dos artistas, extraídas de POATO, S. O Graffiti na Cidade de São Paulo e sua
Vertente no Brasil, p. 106-111.
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