Tobias Barreto - Centro de Documentação do Pensamento
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Tobias Barreto - Centro de Documentação do Pensamento
LUIZ ANTÔNIO BARRETO TOBIAS BARRETO SOCIEDADE EDITORIAL DE SERGIPE 1994 1 Este livro, com defeitos de repetições, por se tratar de reunião de ensaios e artigos diversos, foi motivado pela efeméride de 1989, e pela edição das Obras Completas de Tobias Barreto, a partir de 1990. Não deixa de ser, então, uma homenagem, um elogio distante, que repõe à vida e à obra o exato efeito dos fatos, sublinhando a coerência de um intelectual que soube viver o seu tempo, e mais que outros soube antecipar o futuro aos brasileiros. 2 ÍNDICE A Fé e a Razão ........................................................................ .6 Tobias Barreto e a Crítica ..........................................................45 Tobias Barreto e a Luta pelo Direito ..........................................66 Tobias Barreto, a Abolição da Escravatura e a Organização da Sociedade...........................................................83 Tobias Barreto e a Filosofia no Brasil .......................................153 O Pensamento e a Ação Política de Tobias Barreto ....................188 Nova Missão Tobiática no Recife ..............................................214 Tobias Barreto e Seus Seguidores ..............................................256 Tobias Barreto um Agitador Social ............................................285 Tobias Barreto e a Ideologia do Progresso ................................ 290 Tobias Barreto e o Preconceito Racial ...................................... 295 Tobias Barreto e a República ................................................... 300 A Escola do Recife e a Propaganda Republicana ....................... 304 Tobias Barreto e as Causas da Liberdade .................................. 309 O Poeta em Salvador ................................................................ 314 Tobias Barreto e o Brasil que ele Queria Novo .......................... 320 Tobias Barreto e o Maranhão ................................................... 326 Tobias Barreto nas Alagoas ...................................................... 331 Tobias Barreto e a Educação da Mulher .................................... 330 Tobias Barreto e o Compromisso Democrático .......................... 341 A Edição dos Livros de Tobias ................................................. 347 As Obras Completas de Tobias Barreto ..................................... 354 Tobias Barreto e a Imprensa Alemã .......................................... 359 O Jornal Alemão de Tobias Barreto .......................................... 365 Tobias, Jhering e Losano .......................................................... 369 3 Este é um livro de elogios. Ninguém pode ficar indiferente diante de Tobias Barreto, mulato pobre de Sergipe, que se projetou, ousadamente, como jornalista, advogado, professor e crítico, compondo uma obra plural e interdisciplinar, marcando com sulcos pro fundos a vida intelectual de Pernambuco e do Brasil, na segunda metade do século XIX. Tobias Barreto é um sedutor. Seduziu os jovens nordestinos, alunos da Faculdade de Direito do Recife, destronando os velhos conceitos embolorados nos compêndios sacralizados. Seduziu as galerias nas sessões da Assembléia Provincial de Pernambuco, defendendo teses sobre a educação da mulher. Sed uziu, também o povo de Escada, que o acompanhou nas audiências, pressionando juízes e promotores para a boa administração da justiça. Somente os que não conhecem a obra tobiática, e nem o contexto que a gerou, passam ao largo da figura genial do poeta e filósofo, um dos poucos a fazer do Brasil o objeto de suas preocupações e dos seus estudos. Como Tobias Barreto foi um divisor de águas, muitos foram os seus críticos e alguns dos seus detratores. Outros, contudo, fizeram o elogio da obra, como Sílvio Romero, Artur Orlando, Graça Aranha, e mais recentemente Hermes Lima, Antônio Paim, Miguel Reale, Jackson da Silva Lima, Virgílio Campos. 4 As novas gerações não conhecem Tobias Barreto. Este livro pretende ser uma contribuição, porque mesclado de informações biográficas, repleto de circunstâncias, cujo poder influi sobre as várias facetas da obra, está destinado a guiar os mais novos nos caminhos da descoberta da cultura brasileira, especialmente no capítulo que teve como personagem, no centro dos debates, Tobias Barreto. 5 A FÉ E A RAZÃO 6 O concurso para a cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano, que disputou com José Soriano de Souza, em 1867, e a leitura, durante a aprendizagem da língua alemã, da História do Povo de Israel, (1 ) de Ewald, marcaram, sem dúvida, a evolução de Tobias Barreto, desapegando-se das raízes religiosas herdadas no convício de sua terra, no contato com o Seminário da Bahia, onde era professor o frei Itaparica, (2 ) e no magistério de latim, na Província de Sergipe, que largou, com licença do Governo, para estudar direito no Recife. Tobias, na verdade, participa de dois concursos. O primeiro, em 1865, para a cadeira de Latim do Curso Preparatório da Faculdade de Direito do Recife. Concorreu com seu conterrâneo e parente padre Félix Barreto de Vasconcelos, e com Samuel Wallace MacDowel, Francisco Jacinto de Sampaio e Joaquim José Henrique da Silva. As provas foram realizadas no dia 4 de abril, e apresentaram um resultado que qualificava em primeiro lugar o padre Félix, em s egundo Tobias Barreto, e os demais em terceiro lugar. A Comissão examinadora, formada pelo Diretor da Faculdade, o Visconde de Camaragibe, José Nicácio, padre Joaquim Graciliano de Araújo e o dr. Pedro Autran da Mata Albuquerque, respondia pela classificação, encaminhada ao Ministro do Império com as seguintes observações: “O padre Féliz é aqui professor particular de latim, natural de Sergipe, e apresenta documentos de serviços prestados em diversas 7 províncias. O candidato Tobias Barreto de Menezes é estudante do segundo ano desta Faculdade, moço aplicado e inteligente. V. Excia. resolverá o que lhe parecer acertado.” Leopoldino Antônio da Fonseca, por não ter sua inscrição aceita no concurso, representou contra o Diretor da Faculdade junto ao Ministro do I mpério, e o concurso, e em 13 de julho de 1865, “julgando não serem satisfatórias as provas que exibiram os concorrentes”, foi anulado, mandando o Ministro que fosse feita nova prova. O novo concurso foi realizado nos dias 27 e 28 de novembro do mesmo ano, concorrendo padre Féliz, Tobias, Francisco Jacinto de Sampaio e Leopoldino Antônio da Fonseca. Na Comissão examinadora estavam os padres Joaquim Graciliano de Araújo e Inácio Francisco dos Santos. Mais uma vez o julgamento beneficiou o padre em primeiro lugar, com Tobias em segundo. (3 ) O resultado do concurso não abateu o jovem poeta sergipano. Poeta de escola própria, engajada. Seus versos, cheios de patriotismo, agitavam as massas recifenses, com o mote da guerra do Brasil contra o Paraguai. Nas ruas da capital pernambucana, Tobias era mais que um poeta condoreiro., era um orador do povo, inflamado, devolvendo a coragem de lutar aos bravos nordestinos de Pernambuco que guardavam, ainda, as amarguras das derrotas dos movimentos libertários de 1817, 1824, 1842 e 1848, vivos na memória da “cabocla civilizada.” (4) O mesmo não se poderá dizer do concurso para a cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano. 8 Contra José Soriano de Souza é o estudante contra o mestre, é o jovem formando seu espírito, de um lado, e um professor experiente, médico e doutor pela Universidade de Louvain, na França, que exercia forte influência sobre professores e estudantes e jornalistas, do outro. Do concurso o próprio Tobias trata, em carta a Carvalho Lima Júnior: “Não obstante ir em primeiro lugar fui preterido por esse doutor, alegando -se como razão da preferência o ele ser casado e eu solteiro.” (5) Tobias Barreto não iria esquecer a injustiça de não ter sido o nomeado, embora guardasse um certo orgulho por ter defendido, naquele co ncurso, modernas idéias de filosofia, contrariando os ensinamentos espiritualistas de Taparreli, Sanseverino e Kleutgen, que seguramente balizavam a formação filosófica do dr. José Soriano de Souza. A Juventude e a religião A Faculdade de Direito do Recife, que fora fundada em Olinda, no Mosteiro de São Bento, quando dirigida por Pedro Autran da Mata Albuquerque, era um santuário da catequese dos moços nordestinos, oriundos de várias províncias da região. Desde 1856 que havia sido ereta, na Igreja de São Francisco, a Confraria Acadêmica Nossa Senhora do Bom Conselho, sob os aplausos dos professores, como se pode testemunhar com a leitura deste texto da Memória Histórica Acadêmica, de 1857: (6 ) “A instalação da Irmandade Religiosa, no Convento dos Franciscanos, sob a invocação 9 de Nossa Senhora do Bom Conselho, foi uma prova de convicção de que só a religião oferece uma verdadeira e real garantia à ordem e tranqüilidade pública de que só ela pode sancionar de uma maneira positiva e dogmática a Moral social, e prevenir e acautelar crimes cuja alçada e investigação escapam às leis humanas.” Pelo seu valor como documento de época, como mostruário das idéias dominantes na Faculdade de Direito e no ambiente em que vivia a juventude no Recife, vale trazer a público algumas outras manifestações de professores daquela Casa. Diz um texto da Memória Histórica Acadêmica de 1862: “Muito faz esta juventude, que, dotada geralmente de fervor religioso, sustenta, por meio de algumas associações e escritos pela imprensa, as et ernas verdades do Cristianismo e pugna pela difusão das boas doutrinas.” (7 ) Em 1863, (8 ) começam a surgir sintomas de que nem todos estavam de acordo com a catequese e com o controle religioso do conhecimento. Eis o que diz o autor da Memória: “O indiferentismo de poucos estudantes – sectários do sistema da razão livre ou do puro Racionalismo (sinônimo de Protestantismo), felizmente não pode ainda influir nos louváveis atos de quase totalidade, que por aqueles é qualificada de ascética.” Mais adiante, dizia o professor: “Sem a fecunda aliança da ciência com a religião, e da liberdade com a ordem, dissolvidos estão, sem dúvida, os vínculos sociais.” 10 O ambiente da Faculdade era reproduzido na rua, na medida em que os mestres do direito continuavam com suas pregações destinadas a conter o crescimento das que reagiam ao controle. O professor Antônio Vasconcelos Menezes de Drummond, ao discursar em 7 de agosto de 1867, analisando a Constituição brasileira, afirma categórico: “A religião cristã, obra da Sabedoria Divina em prol do bem da humanidade (assim como o Protestantismo é a obra da fraqueza humana e para sua destruição), sendo a única capaz de fazer a felicidade nesta vida, e também a única capaz de fazer a felicidade na vida futura, foi pela Constituição preferida, sob cuja sombra já havia prosperado a abençoada terra da Santa Cruz, há trezentos anos.” O Curso Preparatório da Faculdade, criado em 1832, no Seminário de Olinda, como Colégio das Artes, seguia a mesma tradição catequética, e seu corpo docente era repleto de padres. A situação era idêntica no Ginásio Pernambucano, fundado em 1855, pelo des dobramento do Liceu, abrigando padres, como Inácio Francisco dos Santos e Joaquim Graciano de Araújo, que ensinavam, respectivamente, latim, e geografia, retórica e filosofia. (9 ) Era, portanto, muito forte a influência religiosa no ensino pernambucano, aumentada ainda mais a partir de 1867, quando é fundado o Colégio São Francisco Xavier, confiado aos jesuítas. Abre -se um novo capítulo na questão do controle do ens ino e da cultura em Pernambuco, dando consistência ao mo vimento que entre os professores era liderado pelo Conselheiro Pedro Autran da Mata Albuquerque e pelos 11 irmãos Braz Florentino, Tarquínio Bráulio e José Soriano de Souza. Os jesuítas chegaram a Pernambuco “como operários da educação da mocidade” a partir de 12 de fevereiro de 1866. Os primeiros que chegaram foram os padres Bento Shembri, logo designado Padre Espiritual dos Seminaristas, Márcio Arcionni, lente de Moral, e Tomé Vitale, lente de Teologia Dogmática. Em princípios de 1867 chegaram os padres Candiami e Clemente Maria Negri. Os jesuítas, mais que os outros padres e que os professores das diversas escolas e da Faculdade de Direito, atraíram a afeição da mocidade. Eles haviam sido convidados pelo Bispo de Olinda, Dom Manoel do Rego Medeiros, e estavam destinados ao auxílio da educação nos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Alagoas. Em homenagem a Santo Inácio, no dia 31 de julho, fundam o Colégio de São Francisco Xavier , com finalidade primeira da “educação religiosa da mo cidade”, que não consistia apenas no ensino do catecismo, “mas também em formar o coração dos alunos para bem cumprirem com os seus deveres, esclarecendo-lhes a inteligência nas verdades e preceitos da religião cristã com progressivas instruções.” Ao lado das intenções educacionais, o Colégio fixava uma rígida disciplina para os seus alunos, que eram proibidos de saírem para visitas, nem nas férias, bem assim de mandar para fora do Colégio cartas, bilhe tes e recados, senão por intermédio do Diretor ou Vice -Diretor. 12 Os jesuítas do São Francisco Xavier estavam realizando, em limites menores e em u niversos restritos, os planos do anfitrião Bispo de Olinda, que dentre os seus planos para a educação em Pernambuco incluía a criação de um “Curso de Ciências Ecle siásticas”, com as seguintes matérias: Direito natural e das Gentes, Direito Público Civil, Direito Civil Pátrio, Direito Público Eclesiástico, in si e em suas relações com o Direito Civil Brasileiro, História Eclesiástica Geral e Peculiar do Brasil, Escritura Sagrada, ou Exegética, ou Explanação dos Fundamentos da Autenticidade, Canonicidade e Integridade dos Livros Bíblicos, Teo logia Dogmática, fundamental e polêmica. (10 ) O que dominava, com rotunda, a ação dos jesuítas em Pernambuco era o que chegava ao Recife, através da Revista Contemporânea de Paris, porta-voz do Neotomismo que contagiava o grupo chefiado por José Soriano de Souza, reforçando o binômio educação confessionário, espécie de estandarte dominante nas casas de ensino recifenses. A visão religiosa daquele tempo não tardaria em freqüentar as publicações especializadas que circulavam no Recife, como a Revista Mensal de Instrução Pública de Pernambuco. A Religião e a Imprensa Diversos jornais e revistas começaram a circular com objetivos definidos de propagação da fé religiosa. Alguns deles alcançaram repercussão maior, e causaram efeitos também maiores no convício com o corpo social. 13 Entre os jornais e revistas que circularam tendo em seu grupo redacional estudantes da Faculdade de Direito, professores e sacerdotes estão: O Santa Cruz, 1860; A Verdade, 1861; O Constitucional, 1861; O Lidador Acadêmico, dirigido por Tarquínio Bráulio, 1861; A Religião, 1862; A Situação, redigido por alunos do 4º ano da Faculdade de Direito, tinha no cabeçalho o seguinte: “Religião, Autoridade Forte, Monarquia Prestigiada, Lei, Conservação e Progresso”, 1862; O Íris da Verdade, 1864; O Oito de Dezembro, 1864; A Esperança, redigido por José Soriano de Souza, 1865; O Vinte e Cinco de Março, do padre Joaquim Pinto de Campos, 1865; O Oriente, 1866; O Democrata Federativo, 1868; A União Democrática, 1869; O Católico, dirigido inicialmente por Pedro Autran da Mata Albuquerque e depois, em 1872, por José Soriano de Souza, 1869; A Santa Cruz, 1871; A União, dirigido por José Soriano de Souza, 1872; O Verdadeiro Católico, 1873; Cáritas, Caridade, 1874; e O Estudante Católico, dirigido por Albino Meira, 1875. Ninguém conseguia escapar dessa participação compulsória na propaganda religiosa pela imprensa. Num jornalzinho de 1863 – A Primavera – estão reunidos Antônio Joaquim de Passos, Castro Alves e Franklin Távora. Estava lá, no artigo de fundo de seu número único, de 17 de maio, o perfil. “Filho de uma idéia grande e generosa, vai ele professar e ensinar a verdade da ciência e o conhecimento de Deus e da humanidade, derramando a educação no seio das famílias por meio de teologias sublimes, como a religião 14 dos mártires.” E acrescentava: “A religião é a sua profissão de fé e basta para recomendar a cada cabeça um sinal de respeito e proteção ao nosso filho das letras, que vem agora à luz da imprensa.” Ainda que fossem de vida efêmera, os jornais e revistas estavam destinados ao cumprimento de uma missão, e cada órgão novo que circulava era um ânimo novo em defesa das mesmas teses, continuamente alimentando o fogo inquisitorial da propaganda, como freio antes que surgissem e proliferassem as idéias novas, que também procuravam abrigo nas páginas dos jornais recifenses. As publicações religiosas tomavam a dianteira na vigilância do conhecimento, insistindo com as velhas teses conservadas pelos ultramontanos que estavam, com os jesuítas, na retaguarda da pregação pela imprensa. Para ilustrar o pensamento comum no meio dos mentores da mocidade acadêmica e estudantil em geral, basta citar a teoria da Revista Contemporânea de Paris, repetida pela Revista Mensal da Instrução Pública de Pernambuco, que, sem rodeios, ensinava que: “O progresso das ciências, das artes e da indústria parece favorecer o desenvolvimento dos instintos menos nobres da nossa natureza.” Num discurso que pronunciou numa festa do Colégio São Francisco Xavier, sobre “O Estudo da Filosofia Natural e Racional”, o padre jesuíta Francisco Rodina alerta que “a ciência sem a virtude é tão fatal ao indivíduo como à sociedade.” Outro jesuíta, Clemente Negri, em carta publicada pela mesma Revista, (11 ) 15 afirma categoricamente que “a liberdade de ensinar, dada a todos é essencialmente imoral, e por conseguinte ilícita, visto que franqueará o ensino ao incrédulo, ao racionalista, ao protestante, etc.” O ambiente fazia da escola e da imprensa instrumentos do mais direto e claro uso catequético, controlando de forma ampla e quase total não apenas o conhecimento, mas e principalmente as reações e insurgências que pudessem aparecer entre os jovens nordestinos residentes no Recife. Alguns jornais não escondiam suas pretensões, como A Esperança, cuja finalidade era “operar pela palavra, pela imprensa e pelos exemplos uma saudável reação religiosa, se se quer salvar o País do abismo para que caminha a olhos vistos.” Mais do que o mostruário de intenções, das escolas e dos jornais, havia uma idéia básica, sedimentada, alicerçando o edifício do pensamento do minante. Numa vertente, ela está no interior da Faculdade de Direito, incrustada na cátedra de Direito Natural, como deixara o Conselheiro Zacarias de Goes e Vasconcelos, em 1851, abrindo o curso do ano. Dizia ele que: “O Cristianismo, senhores, a que a humanidade deve tantos benefícios, foi que despertou no ânimo do homem o sublime conceito do direito da natureza, conceito cuja verdadeira origem, por conseqüência, é toda celeste, toda evangélica.” Mais do que o Conselheiro Autran José Soriano de Souza era um exemplo de um escudeiro, fiel e leal seguidor de trilhas antigas, que ampliava com sua 16 diligente participação na vida cultural pernambucana. Em 1871 publica, em Paris, o livro Lições de Filosofia Elementar; Racional e Moral, distribuído em Pernambuco pela Livraria Acadêmica de São Wa lfredo de Medeiros. É a melhor referência para servir de contraponto do pensamento dominante em relação à reação esboçada em fins dos anos 60 e por diante por Tobias Barreto e outros desbravadores da nova cultura, animada pelas luzes da ciência que despont ava na Europa alemã. As Lições de Soriano O livro do dr. José Soriano de Souza termina com uma nota de sujeição, nos seguintes termos: “Sujeitos estas Lições de Filosofia ao juízo indefectível da Santa Igreja Romana, isto é, à correção do Soberano Pontíf ice, Pai e Mestre infalível de todos os cristãos; e com ele digo, e tenho como verdade que é obrigação rigorosa, quer do filósofo, que deseja ser filho da Igreja, quer da mesma filosofia, não dizer nada contra o que a Igreja ensina, e retratar-se desde que ela o adverte; e bem assim que inteiramente errônea e soberanamente inju riosa à Fé e à Igreja e à sua autoridade e doutrina que ensina o contrário disto.” (12 ) Retirados do corpo do livro, eis alguns ensinamentos do dr. Soriano, característicos como prod uto de uma mentalidade largamente respeitada entre os católicos, como destaca o jornal O Católico, na sua edição de 20 de setembro de 1871: “Certamente per 17 correndo-a, com satisfação temos notado sólida robustez de argumentos, clareza de exposição, exatidão de definições, propriedade de linguagem científica, e o que mais vale, bom critério na escolha das opiniões mais recebidas entre os autores católicos (S. Agostinho, S. Tomás, Audísio, Taparelli, etc.).” O jornal cita longo trecho do livro que, pela sua importância como justificativa teórica para a prática catequética, merece transcrição. Diz o autor das Lições, sobre a Igreja: “A Igreja é uma sociedade perfeita, absolutamente independente da sociedade civil em seu fim, meios e origem. Com efeito, chama-se perfeita aquela sociedade que é completa em sua natureza, e tem em si mesma todos os meios necessários e suficientes para atingir ao seu fim; ora, neste caso está a Igreja de Jesus Cristo, logo é uma sociedade perfeita. A menor deste argumento provamos logo: o fim próprio da Igreja é a salvação eterna dos homens, o culto divino, o ensino da doutrina de Jesus Cristo: ofícios estes que não lhe foram atribuídos por nenhuma outra sociedade, senão pelo mesmo Jesus Cristo, como foi dito: ao passo que o fim da sociedade civil é em substância a segurança e a felicidade temporal, e o que a ela se refere, de tal sorte porém que se não oponha ao fim último do homem. E porque este fim último, como tal que é, há de dominar os fins intermédios ou temporais, segue-se que longe do fim da Igreja ser subordinado ao do Estado, é ao contrário o fim deste que é sujeito ao daquela, como exige a razão, por ser a matéria naturalmente sujeita ao espírito.” O Católico faz o comentário: “Deste modo vê18 se que o claro autor segue nas su as Lições de Filosofia Elementar os sãos princípios, que são como a chave, para refutar os sofismas miseráveis da moderna incredulidade. Haveria pois estudo filosófico mais sério e mais útil para a mocidade católica do Brasil?” A pergunta fica realçando a preocupação afirmativa dos tradicionalistas que tinham no professor José Soriano de Souza um autêntico e aplicado porta-voz. Ninguém melhor que ele, que afirmava a subordinação da Filosofia à Teologia, para consolidar teorias destinadas a recrutar adeptos entre os jovens estudantes, na defesa de uma sociedade cujo poder político só poderia vir de Deus, sendo inadmissível se originar de um dos seus membros. Uma sociedade composta pela “desigualdade de méritos individuais, proveniente de ter a natureza dotado desigualmente aos homens, que consiste a verdadeira igualdade perante a lei social e não em que todos têm igual direito de pretender tudo, como propalam os ultrademocratas, porque essa igualdade material destrói o valor pessoa, a liberdade, e a mesma sociedade, que não pode existir sem ordem, e por conseguinte sem hierarquia social.” Tobias e a Religião Enquanto a figura de José Soriano de Souza era, para Tobias Barreto, a encarnação das velhas doutrinas, que “ao que parece, crê-se destinado a uma grave missão. É fabricar no Recife o melhor contraveneno das idéias perigosas” (13 ) , o livro de Ewald era uma imensa 19 porta por onde o sergipano iria penetrar nas questões religiosas mais profundas. A um tempo, Tobias aprendia, sozinho, o alemão, que conhecia de contatos baianos, quando passara algum tempo junto a Francisco Muniz Barreto de Aragão, (14 ) e tomava conhecimento histórico do povo de Israel, sendo levado a discutir, pelos jornais recifenses, aquilo que de novo aprendia em suas leituras. Com tal leitura, Tobias faz passagem pelos autores franceses, entre eles os positivistas, com quem Tobias Barreto parecia ter intimidade, pondo uns contra outros, no jogo dialético do confronto que permitia adotar a evolução das idéias. Discute, com esse seu método de raciocínio crítico, a questão da relig8ã e da ciência, opondo Vacherot ao padre Gatry, para quem “a ciência e coisa de fantasia”, como assinalara Tobias em Sobre a Religião natural de Jules Simon, em agosto de 1869, pouco depois que escreveu A Luta de Gigantes. (15 ) Em Moisés e Laplace opõe a cosmogonia à concepção bíblica da origem do mundo. Surgem os nomes até então ignorados, ou pronunciados com reserva pelos escritores católicos e autores de compêndios e manuais de filosofia. Em “Notas de Crítica Religiosa”, “Os Livros Mosaicos, ou Assim Considerados” e “Uma Excursão de Diletante pelo Domínio da Ciência Bíblica”, Tobias se vale de Ewald para fixar seus novos horizontes na interpretação dos textos religiosos. Ewald é a porta para os demais autores alemães que Tobias incorpora aos seus estudos, muitos deles a partir da Revista de 20 Teologia de Strasburgo, onde segundo o pensador sergipano acharam eco todas as grandes questões bíblicas levantadas durante os últimos 50 anos.” (1 6) A ação intelectual de Tobias Barret o, nos últimos dois anos como estudante e logo depois de formado, concorre para alterar o seu perfil. O poeta das ruas e das récitas teatrais, agitando o povo ou disputando o amor das belas mulheres e artistas, cede lugar ao teórico da organização política brasileira, de feição liberal, como atestam seus artigos em O Liberal (17) e O Americano, (18) e ao crítico da religião, intuindo a busca de respostas filosóficas para as questões que desejava solucionar, como intérprete da evolução do conhecimento humano. Um compromisso que levou até o final da vida, enfrentando os dias ásperos e cruéis de sua jornada existencial. Tobias Barreto casara, em 11 de fevereiro de 1869, com Grata Mafalda dos Santos, no Oratório do Engenho Riqueza, do seu sogro João Félix dos Sant os, no município de Escada. Em princípios de 1871 Tobias fez a opção por fixar residência em Escada, ainda Termo da Comarca de Santo Antão. Advogado, Curador de Órfãos e de Escravos, Juiz Municipal Substituto, editor, em tipografia própria, de diversos jor nais, incluindo o Deutscher Kaempfer, inteiramente redigido em língua alemã, Tobias Barreto molda, definitivamente, com a publicação de Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica, seu perfil de pensador e de crítico, filiando -se completamente ao germanismo. 21 O germanismo de Tobias Barreto leva a que compreenda, de forma desapaixonada, o alcance, a extensão da reforma luterana do século XVI. Tobias passa a entender a reforma como uma nova teoria da fé, e, qualificando Martinho Lutero como “o mais valente orador alemão”, duvida se seria possível Kant sem Lutero. Para ele os feitos do pensamento alemão após a reforma levantam um novo princípio de moralidade, o qual, em oposição à Renascença, corresponde essen cialmente ao espírito alemão, repousando sobre o lar e a família. Estava claro, para Tobias, que as transformações operadas pela reforma fixavam uma nova ciência e uma nova cultura, que dificilmente vicejariam no húmus do Catolicismo tradicional. Impressiona, no entanto, que a visão esclarecida e singular de Tobias não o leve a participar das questões mais ruidosas do seu tempo de crítico de religião: a polêmica do general Abreu e Lima, assinando-se Cristão Velho, com o padre Joaquim Pinto de Campos e com outros católicos, que resultou, anos mais tarde, na posição radical da administração eclesiástica de negar sepultura ao general de Bolívar, finalmente enterrado no cemitério dos ingleses, e a chamada Questão Religiosa, envolvendo os maçons e o bispo Dom Vital. Tobias estava nas páginas dos seus jornais, como a Razão e a Regeneração, O Americano, e de outros que se abriam para a crítica religiosa no Recife, prin cipalmente a partir de 1869, como a Consciência Livre, que precedeu ao Americano, Correio Pernambucano, O 22 Liberal e o Jornal do Recife, o mais antigo deles. Era a imprensa aberta às contribuições mais novas, combatendo aquele outro grupo de jornais católicos, todos com disposição férrea para a pro paganda religiosa tradicionalista. A única das questões de evidência que atrai Tobias é a discussão sobre a infalibilidade papal, antes e depois do Concílio de 1870. Entre os católicos havia o temor contra a Igreja. É o bispo Cardozo Ayres, em texto de 29 de setembro de 1869, publicado em O Católico de 17 de outubro do mesmo ano, que diz ser “notório o incremento que vão tomando em algumas folhas públicas desta diocese as idéias anti-religiosas, e sendo de esperar que esse espírito de iniqüidade se exacerbe, durante os trabalhos do sagrado Concílio.” Ao ser concluído, com a afirmação do dogma, o Concílio foi entusiasticamente saudado pelo O Católico, que desabafa: “A definição da infalibilidade pontifícia foi o ato mais brilhante do Concílio Vaticano, a suprema idéia para que Deus o quis reunir. De feito, donde, a não ser deste dogma, dependeria o triunfo do Cato licismo sobre o Racionalismo, e a firmeza do reino de Jesus Cristo sobre a terra? Portanto, definir a infalibilidade pontifícia importava tanto quanto importa a duração do reino de Jesus Cristo sobre a terra: especialmente nesta nossa época, quando o alvo da atual guerra satânica é destronizar a Jesus Cristo, e despedaçar-lhe o cetro. Não podia pois o Concílio Vaticano prestar ao século XIX serviço mais relevante que proclamar a infalibilidade do Pontífice Romano.” (19 ) 23 A Igreja não estava disposta a ceder nada em sua forma de ver e de compreender o mundo e firmava, cada vez de forma mais radical, a sua postura, tomando como inimigos a todos os que questionavam ou queriam respostas para questões antigas, que antes sequer eram discutidas. A Maçonaria, animada pela discussão dos jornais contra o jesuitismo, fortalecia suas lojas, festejava o gesto de Pombal, um século antes, e atraía grande número de adeptos. Jornais e jornalistas tinham ligações com as lojas Regeneração, Restauração Pernambucana, Seis de Março, Segredo e Amor da Ordem, as que funcionavam legalmente no começo da década 70. Com os liberais, e entre eles Tobias Barreto, os maçons tratavam com interesse da questão da escravidão e em suas festas costumavam alforriar alguns escravos. O ambiente agitado do Recife não era ignorado por Tobias, que em seu refúgio de Escada, zona da mata sul de Pernambuco, com 120 engenhos de açúcar, de senhores conservadores e liberais, mas sempre senhores, continuava mergulhado na leitura dos autores alemães, como se verá em 1874, ao editar o seu primeiro jornal, Um Signal dos Tempos, trazendo à cena da cultura nomes como o de Strauss, por ocasião de sua morte, e de Eduard von Hartmann, cuja obra, em sua edição alemã, Filosofia do Inconsciente, é objeto de análise, três anos antes que apareça no Recife a edição francesa. É em Escada que Tobias Barreto aperfeiçoa o seu entendimento das diversas correntes transformadoras, que desde o Positivismo influem na mente dos jovens 24 insubmissos ao controle da Igreja. Os autores alemães , em número cada vez maior, ocupam Tobias. Não há como separar a crítica religiosa, a filosofia, o direito, a ciência política, da influência germânica. Charles Darwin, Ernest Haeckel, Rudolf von Jhering, Hermann Post, Eduard von Hartmann passam a exercer sobre o sergipano uma decisiva orientação, a partir da qual, em todos os campos em que atua, Tobias exporá o conjunto das novas idéias. Assim faz nos jornais escadenses, no Clube Popular, quando pronuncia “Um discurso em Mangas de Camisa”, em 1877, como de putado à Assembléia Provincial, e discute a questão da educação da mulher, quando publica a “Jurisprudência da Vida Diária”, em 1878, quando mantém correspondência com autores alemães e colabora com jornais germânicos editados no Rio de Janeiro, em São Pau lo e em Porto Alegre, ou em jornais da Alemanha, ou ainda quando concorre à cadeira de Lente da Faculdade de Direito do Recife. É evidente que a posição de Tobias Barreto gerara grandes incômodos. Em 1870, quando ainda engatinhava em seus estudos alemães, Tobias enfrentou ou católicos tradicionalistas do jornal O Católico, sob a chefia do Conselheiro Autran. Em 1875, ao publicar seu livro de estudos filosóficos, mede forças com Albino Meira, do Culto às Letras, e na Assembléia Provincial, como deputado e orador muito aplaudido, tem um projeto rejeitado, sob a justificativa de teorias antigas, atrasadas, que predominaram. (2 0) Mas, ao anotar o seu “Um Discurso em mangas de Camisa”, em 11 de 25 fevereiro de 1879, revela sua opção filosófica irrevogável: “não sou judeu para crer no Messias, nem tenho a ingenuidade dos primitivos cristãos para acreditar na parousia; mas sou filósofo em confiar nas leis da história, que regulam os destinos dos povos, e essas hão de também cumprir -se entre nós.” Tobias e o Direito Ao retornar ao Recife, carregando a dura experiência de uma convivência atribulada, onde não faltaram ameaças e agressões, como no cerco feito a sua casa, a caça de escravos que ele alforriara, por sua mulher, seu cunhado e outros herdeiros de João Félix dos Santos, Tobias era, já, o pensador maduro, com a cabeça fértil para desencadear o mais notável movimento intelectual do século XIX. Começa por escrever Algumas Idéias Sobre o Chamado Fundamento do Direito de Punir, em 1881, e Sobre uma Nova Intuição do Direito, 1881/1882. Neste último desabafa, numa nota de pé de página, anunciando trabalho inédito – Die akademischen Lehrkraefte an der juristischen Facultaet in Pernambuco: ein Beitrag zur Kunde des geistigen Lebens in Brasilien – irônico: “Assim Deus me ajude; não só o Deus da teologia, mas também o Deus da ciência econômica, a substância spinosística do mundo, na qual... vivimus, movemur et sumus.” O germanismo que abrira os olhos de Tobias para o futuro encantava os moços da Faculdade de Direito, pela voz do candidato a uma cadeira de professor de 26 Direito. O concurso de Tobias Barreto, em 1882, representa, na opinião unânime dos historiadores das idéias do século passado, uma ruptura formal com o atraso, com o domínio das velhas teorias mofadas nos compêndios, da lavra de professores que bebiam no Catolicismo tradicional as “verdades” imutáveis que transmitiam aos jovens acadêmicos nordestinos. Demolindo, com o fogo das novas idéias, a construção antiga da filosofia e do direito, Tobias Barreto causava grande impacto na sua geração e impunha uma derrota sem precedentes aos ultramontanos que abanavam a fogueira velha da inquisição cultural. A partir daquele momento de reação, o Brasil, como viria mais tarde a dizer Graça Aranha,(21) uma das testemunhas arrebatadas pela palavra do mestre. A vitória das idéias novas, festejada nas ruas recifenses pelos moços da Faculdade, dava a Tobias Barreto a certeza de que havia conquistado a adesão dos estudantes, retirando-os da tutela intelectual a que estavam, historicamente, submetidos. A Escola do Recife – assim ficou conhecido o movimento emancipador da cultura brasileira, liderado por Tobias Barreto – produziu uma geração de abolicionistas, de republicanos, de democratas, de socialistas, de agnósticos e materialistas que, de volta aos seus Estados, seguiam com a demolição de todas as velhas estruturas. A reação não tardara. Ao pronunciar discurso de paraninfa de colação de grau, Tobias aprofundara sua visão do direito, dizendo: “É mister bater, bater cem 27 vezes, e cem vezes repetir: o direito não é um filho do céu, é simplesmente um fenômeno histórico, um produto cultural da humanidade.” Adiante, na mesma oração, diz: “Tal é a concepção que está de acordo com a intuição monística do mundo. Perante a consciência moderna, o direito é o modus vivendi, é a participação da antagonismo das forças sociais, da mesma forma que, perante o telescópio moderno, os sistemas planetários são tratados de paz entre as estrelas.” Na mesma ordem de idéias, afirma categoricamente: “... mas s omos nós os primeiros a tratar de reformar-nos; somos os primeiros que devemos munir-nos de abnegação e de coragem, tanto quanto havemos mister de coragem e abnegação para despirmo-nos das nossas bocas, mofadas de teorias caducas, e tomarmos trajo novo. Releva dizer à ciência velha: retira-te; e à ciência nova: entra moça. Darwinista ou Haeckeliana, pouco nos importa, o que queremos é a verdade. As faculdades não são somente estabelecimentos de instrução, mas ainda e principalmente, como diz Henrique von S ybel, verdadeiros laboratórios, oficinas de ciência. É preciso também pensar por nossa conta. Eis aí tudo.” (22 ) O discurso propagou-se em todo o Nordeste e, ao ser publicado em O País, no Maranhão, mereceu severas restrições do órgão oficial religioso Civilização, levando a uma longa polêmica, que toma todo o segundo semestre de 1883. Mas, enquanto as críticas, os insultos, as mesmas e velhas cantilenas tradicionalistas, que repercutem no Recife e são transcritas no Diário de Pernambuco, visam a atacar Tobias, ele produz, mais e 28 mais, artigos de interpretação da literatura, da Bíblia, sem esquecer de fustigar aquele seu velho adversário, José Soriano de Souza, que parece estar escondido, ao anonimato, na produção e na divulgação das críticas. Tobias Barreto cresce na admiração e no respeito dos seus alunos, que incorporados assinam nota de repúdio contra o médico Antônio de Siqueira Carneiro da Cunha, que usava o pseudônimo de Hunger par atacar o autor do instigante discurso. Em 1884, refeito da ruidosa polêmica e animado pela boa repercussão que obtivera o seu livro Estudos Alemães, publica Menores e Loucos, onde revela a face, também inovadora, do criminalista. E lá, com todas as letras, define-se: “Não faço mistério da minha fé filosófica: eu sou um materialista, no bom sentido da palavra. Não me insurjo nem mesmo contra a tentativa de fazer-se da chamada Ciência da alma um compartimento da meteorologia. ‘O homem é o que ele come’, disse o autor de Kraft um Stoff, e não hesito em glosar: o homem é todo feito a imagem e semelhança, não de Deus, porém da natureza, isto é, do céu que ele contempla, do ar que respira, da terra em que pisa, do leito em que dorme, e até das flores que colhe, se não até dos lábios que beija.” (23 ) Tobias Diante da Morte Doente, recolhido por longo período ao leito, com saídas esporádicas, e sofrendo as mesquinhas perse guições do meio, Tobias Barreto produzia, mais e mais, 29 com suas leituras, uma vasta contribuição ao direito à filosofia, aos estudos literários, à ciência política, e ainda aceitava encomendas de trabalhos especiais, como a apresentação e notas da Gramática de Castro Nunes, (24 ) em 1883, saudada efusivamente pela crítica, e Gramática Latina do mesmo padre Féliz, do Concurso de 1865, que fez prólogo e notas, em 1889. (25) Nos últimos meses de vida tentou uma viagem à Europa, ajudado por subscrições de estudantes, alguns amigos da colônia alemã, alguma pessoas da Província de Alagoas. Embarca com um dos seus filhos no piquete Alagoas, com destino inicial ao Rio de Janeir o, no dia 18 de março de 1889. No dia seguinte, como piorara, nem podia ler e nem escrever. Assim, alternando ligeiras melhoras, com pioras cada vez mais irreversíveis, Tobias Barreto morreu na noite de 26 de junho. A sua morte comoveu o Recife e enlutou o Nordeste todo. Estava em silêncio aquele que dera ao Brasil o direito de pensar por si, e de buscar construir um futuro para o seu povo. A morte era o final triste de uma vida criadora. Sentida por muitos, mas esperada e até mesmo antecipada, nos jornais, por outros, que não tendo como refutar as idéias queriam a liquidação física do mestre. Esses mesmos, tomados de estranha atitude, espalham pelas ruas e pelos jornais a reconciliação de Tobias, no leito de morte, com a Igreja. Falam em confissão, e até mesmo um padre – João Vaessen – lazarista do Convento das Missões, em Fortaleza, Ceará, dissera anos mais tarde que “confessou e ministrou a comunhão a Tobias Barreto.” Em julho de 30 1939, quando do Cinqüentenário da Morte de Tobias, seu filho João Barreto de Menezes foi a Fortaleza e colheu do velho padre a informação de que houvera engano de nomes no caso da confissão de Tobias Barreto, difundida pelos jornais brasileiros. O padre esclarecera, em entrevista à Agência Meridional, que chegara ao Brasil, procedente da Holanda, em 1897, oito anos após a morte de Tobias. É o próprio padre quem diz: “faço a questão de restabelecer a verdade. Em 1897, eu ainda era clérigo, não podendo confessar.” Dele fica, para a história, a coerência de uma vida de lutas, na síntese que o Diário de Pernambuco, em 1939, traçou-lhe: “Entretanto, esse homem de poderosa personalidade encheu uma época e quase foi todo o seu tempo. Há Faculdade de Direito, pode-se dizer que o vulto enorme desse mestiço de talento tomava a casa toda. Tobias era a academia. A sua ânsia de renovação e de reforma dos estudos de Direito, a sua veia poética e o s4eu gênio oratório, tudo fazia dele um homem diferente dos outros. No Recife, transcorreu a parte mais brilhante dessa existência romântica e inquieta. Tobias foi um precursor e daqui fez jorrar pelo País inteiro um pensamento novo. Esse é, aliás, o destino heróico do Recife: aqui brotou a primeira idéia da República, aqui se venceu a batalha da Abolição, aqui se reformou a ciência do Direito, aqui se deu ao Brasil o que ele nunca possuiu: a crítica filosófica. A glória de Tobias é também a glória do Recife.” (26 ) 31 O Legado de Tobias A geração de seguidores de Tobias Barreto her dou a mesma força de luta e esteve na vanguarda das grandes transformações das últimas décadas e da virado de século. Em seus estudos fundaram jornais, revistas, associações, faculdades, assumiram posturas críticas, públicas, como germanistas, agnósticos, anticlericais e, em muitos casos, amargaram a reação desmedida da Igreja. O alemão Carl von Koseritz, divulgador de textos em alemão de Tobias Barreto, em sua Koseritz Deutsche Zeitung, em Porto Alegre, havia sido excomungado pelo bispo do Rio Grande do Sul, pela publicação do livro Roma Perante o Século. Almáchio Dizin, na Bahia, sofrera igual sanção, por causa de uma obra literária. Fausto Cardoso, um dos diletos discípulos de Tobias, enfrentou, até com o sacrifício da vida, a oligarquia do padre Olímpio Campos, escudada em figuras originárias da Faculdade de Direito do Recife, co mo Coelho e Campos e Pelino Nobre, formados na escola do dr. Braz Florentino – o Ensaio Filosófico Pernambuca. (27 ) Está ainda por ser feito um inventário completo da seqüência de fatos culturais, a partir da geração da Escola do Recife. Nelson Saldanham (2 8 ) Dagoberto Carvalho Júnior, (29 ) Aluízio Bezerra Coutinho (30) e Antônio Paim (3 1 ) trataram, em suas obras, da influência da Tobias Barreto sobre a geração que depois dele ocupou as cátedras, redigiu os compêndios e os programas das Faculdades, assumiu cargo s públicos, editou jornais e revistas, levando o Brasil a sedimentar 32 as suas referências e a fazer a interface com a história dos outros povos. Os seguidores de Tobias Barreto (32 ) herdaram a razão científica, como troféu da afirmação vitoriosa contra a espada afiada da fé, na luta mais que simbólica pela cultura, em seu múltiplo e infinito poder de transformar a natureza, em função da vida, do bem e do belo. NOTAS (1) História do Povo de Israel, Ein leitung in die Geschichte des Volkes Israels, por Heirinch Ewald, 8 volumes, 1864. (2) Tobias Barreto deve ter assistido ao Discurso proferido pelo padre Fr. Antônio da Virgem Maria Itaparica, por ocasião da abertura da aula de Filosofia do Seminário da Bahia, em março de 1861. Nele o padre exorta os alunos com versos de “um Sapientíssimo e Santo Bispo: Quem não louva Deus, é um ingrato./Quem se opõe a que o louvem é realmente um monstro.” Em Diário da Bahia, 27 de março de 1861. (3) O padre Félix havia perdido, em 1863, concurso para a mesma cadeira de Latim, quando saiu vencedor Joaquim José Henrique da Silva. (4) Verso do poema “À vista do Recife”, de 1862, o primeiro dos grandes poemas patrióticos de Tobias Barreto, publicado em Dias e Noites, edição de 1881 e seguintes. (5) Carta de 13 de setembro de 1880. (6) Memória Histórica Acadêmica, 1857, pelo professor José Antônio de Figueiredo. 33 (7) Memória Histórica Acadêmica, 1861, pelo professor João Capistrano Bandeira de Melo Filho, Recife, 1862. (8) Memória Histórica Acadêmica, 1863, pelo professor Antônio Vasconcelos Menezes de Drummond. Recife, 1864. (9) O nome do padre Joaquim Graciano de Araújo é também grafado, por alguns autores, como Joaquim Graciano de Araújo. (10) Ver Ensino, Jornalismo e Missões Jesuíticas em Pernambuco, por padre Ferdinand Azevedo, FASA, Recife, 1983. (11) Revista Mensal de Instrução Pública de Pernambuco. Recife, 1872. (12) Trata-se da Declaração do Autor, no livro Lições de Filosofia Elementar, Racional e Moral. Paris, 1871. (13) Sobre o livro de Soriano, Tobias escreveu três artigos, sob o título de “O Atraso da Filosofia entre Nós”, publicados no Jornal do Recife, nos dias 20 de julho, 3 de setembro e 18 de novembro de 1872. (14) Francisco Muniz Barreto de Aragão, parente de Tobias, era diplomado em Direito e em Filos ofia pela Universidade de Heidelberg, e foi grande propagandista da cultura alemã, através dos jornais O Monitor, Diário da Bahia, Gazeta da Bahia, Diário de Notícias e Jornal de Notícias, com artigos sobre filosofia, crítica, política, finanças, economia política e literatura, além de publicar Das Verfassungs – Wesen in Brasilien. Francisco Muniz Barreto de Aragão era pai do poeta Egas Muniz, o Petion de Vilar, professor de alemão do Ginásio da Bahia, redator da Revista do Grêmio Literário e considerado por Arno Philipp, redator -chefe da Deutsche Zeitung, como “o único escritor brasileiro que hoje (1903) estuda com perseverança e entusiasmo o germanismo e continua a obra de Tobias Barreto.” (15) Este artigo foi publicado em 1869 e é dos mais antigos trabalhos de Tobias Barreto. Por muito tempo figurou nas edições de Tobias como de 1871. 34 (16) A Faculdade de Direito do Recife está reunindo, em estantes separadas, as obras de autores alemães que pertenceram à biblioteca pessoal de Tobias Barreto. São mais de 200 volumes, muitos dos quais foram citados por Vamireh Chacon em Da Escola do Recife ao Código Civil. Organização Simões, Rio de Janeiro, 1969, e em artigo do mesmo autor, na Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, LXVII, 1971. (17) Os Homens e os Princípios. 1870. (18) Política Brasileira, artigos de fundo, 1870. (19) O Católico, 20 de agosto de 1870. (20) Trata-se do projeto nº 129, criando o Partenogógio do Recife, escola superior, profissionalizante, para moças. Em 1880, quando já não era deputado, o seu projeto mereceu defesa do Barão de Nazaré, que enfrentou a reação do médico Ermírio Coutinho, no seu projeto Tobias abria alternativa para, enquanto não houvesse prédio próprio, a escola – também chamada de Liceu para moças – funcionasse no Ginásio Pernambucano. O dr. Ermínio Coutinho considerara que esta idéia concorria para a promiscuidade, alegando condicionamentos climáticos que, no seu entender, fomentavam as paixões. Apesar da defesa do Barão de Nazaré, o projeto foi esmagado pela reação e terminou arquivado na Comissão de Instrução Pública. (21) O Meu Próprio Romance, por Graça Aranha, 1931. Também em Obras Completas, INL, Rio de Janeiro, 1969. (22) Discurso proferido na cerimônia de colação de grau de doutor em direito. 10p., Recife, 1883. Incluído, sob o título de Idéia do Direito, no volume Estudos de Direito-1, das Obras Completas – Edição Comemorativa. O termo Monismo, explicitado por Tobias no discurso, não foi convenientemente compreendido. Mais do que a sua força – como sinônimo de materialismo científico, que impor6ta sublinhar para realçar a posição progressista de Tobias Barreto e dos integrantes da Escola do Recife que adotaram o Monismo, discutiu-se as diversas correntes 35 monistas, e seus líderes, como principalmente Er nest Haeckel e Ludwig Noiré, sublimando a essência doutrinária do conteúdo do termo. O Monismo não era um eufemismo vazio, mas uma afirmação categórica dos que escapando das rédeas do controle clerical abraçavam o materialismo científico, como o fez, com clareza, Tobias, seguido por Fausto Cardoso. A concepção materialista explica, de algum modo, o fato de o fundador da Escola do Recife ter passado ao largo das discussões sobre a Bíublia, de fundo protestante, e sobre a Questão Religiosa, de fundo maçônico. (23) Menores e Loucos em Direito Criminal; estudo sobre o artigo 10 do Código Criminal Brasileiro, Rio de Janeiro, Laermmert, 1884. (24) Compêndio Elementar de Gramática Nacional, por J. A. de Castro Nunes. Livraria Francesa, I. W. Medeiros, Pernambuco, 1883. Nova edição reformada e muito melhorada pelo dr. Tobias Barreto de Menezes. (25) Resumo de Gramática Latina ou arte explicatória das regras indispensáveis nos estudantes de latim, pelo padre Félix Barreto de Vasconcelos (obra póstuma), com um prólogo e notas do dr. Tobias Barreto de Menezes, Livraria Francesa, Recife, 1889. (26) Diário de Pernambuco, 8 de junho de 1939. (27) O Ensaio Filosófico Pernambucano era, ao mesmo tempo, nome de uma sociedade e de um periódico, científico e literário, que no nº 6, de julho de 1860, publica artigo de Seve Navarro, A Fé e a Razão, que começa dizendo: “Renegando o homem a fé para integrar-se livre, absoluta, e exclusivamente a sua razão e reflexão privada, jamais poderá chegar à verdade duma maneira fácil, infalível e sem mancha de erro; portanto ele tem necessidade para assenhorear-se da verdade, esta luz medianeira entre o espírito e a coisa, de abraçar a fé naquilo que lhe for superior, e que a sua vista não puder atingir, a fim de que coligando-se à crença e prestandolhe um assentimento forte, inabalável e consciencioso, possa aportar são e salvo ao porto da verdade.” 36 (28) A Escola do Recife, Nelson Saldanha, 2ª edição, Editora Convívio/INL/Fundação Pró-Memória, 1985. (29) A Escola do Recife, Reflexos no Piauí, Dagoberto Carvalho Jr., Revista Presença, Ano IV, nº 9, outubro/dezembro, 1983. (30) A Filosofia das Ciências Naturais na Escola do Recife, por Aluízio Bezerra Coutinho. Editora Universitária da UFPE, Recife, 1988. (31) A Filosofia da Escola do Recife, Antônio Paim, Editora Convívio, São Paulo, 1981. (32) Tobias Barreto e seus Seguidores, Luiz Antônio Barreto, série de 9 artigos, publicados na Gazeta de Sergipe, de 4 a 22 de março de 1989. Vide, também, Nova Missão Tobiática no Recife, Por Luiz Antônio Barreto, série de 13 artigos. Gazeta de Sergipe. 37 NOTAS COMPLEMENTARES ÀS POLÊMICAS SOBRE RELIGIÃO POLÊMICA COM O CATÓLICO Tobias Barreto participava, a partir de 1868, da agitação em torno de temas religiosos. Cria e participa de redação de diversos jornais, como A Regeneração, O Vesúvio, Correio Pernambucano, Jornal do Recife, O Liberal, A Crença, que juntamente com A Consciência Livre, jornal que antecedeu a O Americano, abre uma verdadeira campanha contra a Igreja católica. Alguns assuntos dominam as sessões literárias, as colaborações, as publicações solicitadas. Possivelmente a chegada dos jesuítas “como operários da educação da mocidade”, a partir de 1866, dava nova conformação às discussões religiosas. Mas é a partir de 1869, com o grande d ebate em torno da negativa do bispo Cardozo Ayres de conceder sepultura ao general Abreu e Lima, que as opiniões se dividem e os debates se tornam apaixonados. A autoridade eclesiástica resolveu punir Abreu e Lima que, também pela imprensa, havia mantido u ma polêmica com alguns padres, entre eles o monsenhor Pinto de Campos, sobre as Bíblias falsas, negando -lhe sepultura no Cemitério de Santo Amaro. Os ingleses permitiram o sepultamento no cemitério que tinham no Recife, mas a questão mereceu longa discussão pelo Jornal do Recife. Em 1870, repercute no Recife a 38 notícia de que os gabinetes europeus, entre os quais figuravam os da França, Itália, Inglaterra, Rússia e Espanha, fizeram chegar ao Vaticano uma nota declarando ao Santo Padre que o dogma da infalibilidade papal não seria admitido e que deixava com Pio IX toda a responsabilidade pelo que produziria a promulgação do novo dogma. A Igreja, reunida em Concílio, aprovou, na terceira sessão, em 24 de abril de 1870, pela vontade unânime de 667 padres, a Constituição dogmática da fide catolica. Aparece no Jornal do Recife, assinando artigos intitulados “Resumo Histórico do Desenvolvimento da Supremacia dos Papas”, para servir de introdução ao estudo da questão da sua infalibilidade, ao lado de “O Jesuitismo Entre Nós”, do mesmo jornal. O Americano, com os artigos de crítica religiosa de Tobias Barreto, participa desse momento de agitação, que bem pode ser testemunhado pela carta enviada a Tobias por Antônio dos Santos Pontual, datada do Engenho Cabeça de Negro, Escada, de 11 de agosto, que entre outras coisas diz: “Apesar de minha pouca capacidade para apreciar o estilo útil de que usa o dito jornal, e que muito nos convém, para algum dia sairmos deste estado de jesuitismo que nos acabrunha, com tudo declaro que é o jornal de que mais tenho gostado.” Logo o jornal O Católico não tinha apenas O Americano, e nem somente Tobias Barreto, para se preocupar. O Conselheiro Autran, Diretor do Jornal, mantinha uma seção – “Crônica dos Disparates” – na qual refutava as críticas dos diversos jornais. E mais uma vez se valeu desse espaço para combater as 39 idéias de Tobias Barreto. Os textos que vão aqui reproduzidos seguem a cronologia e a ordem com que apareceram nos jornais, para melhor proveito dos leitores. As notas de O Católico começam em 28 de agosto de 1870. Sobre um Escrito de A. Herculano A publicação deste ensaio no Liberal, a partir de 3 de julho de 1873, gerou uma ligeira polêmica de Tobias com Franklin Távora, que, assinando Lessingh, no Diário de Pernambuco, investe contra o germanismo do sergipano, em artigo de 19 de julho, recebendo respostas em 27 de julho, pelas páginas de O Liberal: Tobias ao dito Lessing do Diário de 19 do corrente. Mais tarde, em 1879, o ensaio merece de Artur Leal, no seu Impressões Acadêmicas – ensaios Críticos (Tipografia do Correio da Noite, Recife, 1879) o seguinte comentário, à página 20: “O distinto alemão Tobias Barreto, envenenado pelo fel do seu pessimismo, qual D. Quixote de lança em riste, arremete contra Portugal, apedreja sua literatura, corre os seus literatos, e por último põe fogo no feudal castelo de um Alexandre Herculano.” É desta mesma época, da publicação do ensaio, 1873, que datam os primeiros comentários críticos contra o germanismo de Tobias. No Culto às Letras Albino Meira faz crítica, recebendo forte reprimenda de Sílvio Romero, através de O Liberal, ainda quando assinava Sílvio da Silveira Ramos. Sílvio, conterrâneo e discípulo, além de enaltecer Tobias aponta 40 as ligações do sergipano com os cultores do direito, da filosofia, da crítica religiosa, aí aparecendo o autor da História do Povo de Israel. Sobre David Strauss (Um Fragmento Biográfico) Artigo de maio de 1874, incluído no livro Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica, edição de 1875. O primeiro livro de Tobias Barreto sofreu pesada crítica de Albino Meira, escondido sob o pseudônimo de O Carvoeiro, na revista acadêmica Culto às Letras. Apesar de tratar apenas de um dos artigos do livro – “Socialismo em Literatura” – o crítico investe contra Tobias, perguntando “com que direito um tribunal composto de materialistas julgaria um autor espiritualista?” Não, em sua resposta, insinua que Albino Meira estava a serviço de um “dr. filósofo que me odeia”, possivelmente referindo a José Soriano de Souza. Convém anotar que Albino Meira, à época, era presidente da União da Mocidade Católica e redator do jornal O Estudante Católico. Logo, havia razão ideológica para as críticas, pelo Culto às Letras, respondidas por Tobias em A Província, de 24 e 29 de agosto de 1875. Em compensação, Strauss, que por muito foi lido e seguido por protestantes, terminou redescoberto pelos católicos, especialmente depois da Encíclica Divino Afflante Spiritu, de 1943, de Pio XII. E Tobias Barreto, que fez a síntese biográfica do autor de A Vida de Jesus, que teve tradução francesa do 41 positivista Littré, no ano de sua morte, está sendo lembrado no prefácio do padre José Nogueira Machado ao livro Cristo Nasceu em Belém, do padre Victor Notter, que vive em Taiwan, na China, justamente pela compreensão que teve e pela divulgação que fez de Strauss. Polêmica com a Civilização O discurso pronunciado por Tobias Barreto, numa colação de grau, em abril de 1883, levou a que o jornal religioso A Civilização, editado em São Luiz, Maranhão, levantasse um escudo de proteção e de defesa do Catolicismo e de tudo o que dele decorria em termos de controle da informação, da educação e da cultura. O discurso de Tobias abrira mais uma clareira entre os jovens nordestinos que estudavam no Recife e obteve, de imediato, grande repercussão, sendo publicado em jornais e avulso. No Maranhão coube ao jornal O País, dirigido por Temístocles Aranha, pai de Graça Aranha, então aluno de Tobias, divulgar o discurso no Maranhão, merecendo pronta resposta da Civilização. Três pessoas – o padre Raimundo Alves da Fonseca, o monsenhor João Tolentino Guedelha Mourão e o poeta Euclides Farias – comandaram a reação a Tobias, produzindo textos que variaram da defesa de princípios até a ofensa pessoal, eivada de preconceito racial, como está na série de Cartas ao Pai Tobias, em versos por Euclides Farias, sob o pseudônimo de Lourenço Gomes Furtado. Os artigos da Civilização, que começaram a 42 sair em 7 de julho de 1883, foram reproduzidos no Diário de Pernambuco, palco da polêmica, a part ir de 3 de agosto. Antes, em 28 de julho, alguém, que poderia ser o próprio Tobias, sob o pseudônimo de Baur, desagrava o fundador da Escola do Recife, com um longo artigo intitulado O dr. Tobias Barreto de Menezes e a Civilização do Maranhão. No dia 8 de agosto, Tobias comparece ao Diário de Pernambuco com o artigo “Os Teólogos da Civilização”, e leva, até final de outubro, a polêmica com a Civilização e com adeptos pernambucanos, como Antônio de Siqueira Carneiro da Cunha, que se assinava Hunger, produzindo, para resposta direta e indireta, os seguintes termos, publicados no Diário de Pernambuco, na seguinte ordem: “Os Teólogos da Civilização” (8.8), “Teoria do Peruísmo ou Filosofia do Peru” (11.8), “Ao Sacerdos Pernambucensis” (14.8), “Ainda os Sacerdos Pernambucensis” (17.8), “O Doutor Hipnótico” (17.8), “O Almocreve Padre Joaquim de Albuquerque” (7.9), “Uma Nova Contribuição à Filosofia do Peru” (8.9), “Um Esclarecimento” (11.9), “Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica Alemã”-I (12.9), “Ensaio de Préhistória de Literatura Clássica Alemã” -II (15.9), “Ainda o Padre do Maranhão” (18.9), “Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica Alemã”-III (21.9), “Os Decotes da Bíblia” (23.9), “Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica Alemã”-IV (27.9), “Declaração” (2.10), “Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica Alemã” -V (4.10), “Que Padre Danado” (5.10), “Ensaio de Pré história de Literatura Clássica Alemã” -VI (7.10), 43 “Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica Alemã” VII (9.10), “Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica Alemã”-VII (10.10), “Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica Alemã”-IX final (11.10), “É Mentira” (13.10), “Um Capítulo da História da Renascença-Leão X” (13.10), “Um Capítulo da História da Renascença-Leão X”-II (14.10), “Uma Pequena Excursão no Domínio da Teologia” (16.10), “Um Quadro da Igreja Romana – Vitória Accoramboni”-I (21.10), “Um Quadro da Igreja Romana – Vitória Accoramboni”-II (23.10). Para tornar mais compreensível o embate intelectual travado por Tobias Barreto contra os padres e agregados do jornal Civilização é que se reúne os textos, publicando -os pela ordem de saída no Diário de Pernambuco. Não apenas os textos de Tobias, mas também os textos dos seus opositores, republicados no mesmo Diário. 44 TOBIAS BARRETO E A CRÍTICA 45 Toda a obra de Tobias Barreto é de crítica, ainda quando, ao modo de Kant, formula teorias, indica caminhos, questiona roteiros estéticos, ou valores éticos, ou ainda compromissos ideológicos. O manejo da crítica em toda a obra tobiática equivale ao efeito caleidoscópico da sua coerência como um bom juiz de valores, um perspicaz observador diante das expe riências, com capacidade para distinguir uma das outras, e um experimentador ousado, atributos que combinam com a idéia das qualificações do crítico, segundo J. A. Richards. (1 ) Na poesia, entendendo-a como a “expressão das lutas da alma humana”, o autor de Dias e Noites agitou as massas nordestinas no Recife, fazendo -se poeta do povo. A sua obra poética está repleta de pr ofecias, de denúncias e de crítica. Nos jornais, anos mais tarde, é crítico de religião, tomando partido no Iluminismo alemão – o Aufklarung – que produzira dois eminentes vultos que passam a freqüentar os escritos de Tobias nos jornais pernambucanos: Immanuel Kant e Gotthold Lessing, pondo em evidência o poder da razão humana. Tão forte e entranhada é a sua crítica que a série de artigos Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica Alemã pode ser enquadrada nos limites da apreciação literária, ou como exegese que faz aflorar questões religiosas. (2 ) Da crítica de religião à filosofia, e desta ao direito, e deste à organização da sociedade, cresce o intérprete do seu tempo, buscando a estatura do seu século. 46 Não deve causar surpresa, portanto, que em sua maioria os escritos de Tobias Barreto sejam de crítica. Sejam recensões, no sentido típico da palavra, anunciando a obra ou o espetáculo, discutindo o assunto e fazendo a apreciação dos seus méritos e defeitos. Sejam as animadversões, com suas censuras. Sejam ainda, como ele próprio o diz, “quase sempre um trabalho, não por assim dizer de fisiologia, mas de anatomia literária”, (3 ) considerando a crítica como um estudo de cadáveres. Este tom de sarcasmo, comum em Tobias, remete ao fato comum de que a crítica, n a literatura brasileira, tem uma função post-mortem. O trabalho do crítico se confunde, então, com o de um arqueólogo, em permanente investigação do passado. Não raro, a crítica literária tem sido produzida a posteriori, já na distância do tempo entre a obra e o público. Por outro lado, há uma crítica geralmente feita pelos próprios criadores, abrindo caminho à compre ensão das obras literárias. Assim foi com o Modernismo de 1922, com a Geração de 45, com o Concretismo, de 1956, e com o Poema-Processo, em 1965. A crítica revelou-se desaparelhada para compreender o sentido renovador da estética nova dos modernistas, dos concretistas e de outros grupos da vanguarda literária do País. O Brasil guarda os textos históricos, manifestos e ensaios, produzidos pelos poetas, e ao mesmo tempo críticos, dos movimentos, muitos dos quais se tornaram também intérpretes da vida literária do País, como os Mário de Andrade, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Wladimir Dias Pino. 47 Tobias Barreto foi um crítico do seu t empo, como tinha sido um poeta engajado nas lutas da sua fase estudantil. Combateu o ars gratia artis que animava a muitos escritores do século, e estabeleceu uma longa discussão entre o romantismo, de França e Portugal, e o germanismo. Esse debate, presente em toda a obra crítica do pensador sergipano, é a chave da melhor compreensão das posições assumidas pelo fundador e pelos integrantes da Escola do Recife, uma espécie mesmo de marca registrada, que se constituiu na mais renovadora contribuição ao pensamento brasileiro, na segunda metade do século passado e que levou Graça Aranha, um dos modernistas, a declarar que Tobias emancipou, intelectualmente, o Brasil. (4) Não ficou assunto, ainda que fosse árido, que não merecesse uma abordagem crítica por parte de Tobias Barreto, nos jornais recifenses, nos seus pequenos periódicos de Escada, ou nas preleções e discursos, transformados em veículos de vulgarização cultura. Até mesmo sua passagem pela Assembléia Provincial, como deputado liberal, serviu para informar aos seus pares das suas leituras científicas sobre a mulher. O poder crítico de Tobias é algo que ainda falta ser dimensionado, porque a leitura de sua obra sempre revela ângulos novos, informações e contribuições singulares, apre ciações originais, que dão grandeza ao ofício jornalístico do trato recensor. É possível, então, levantar-se o itinerário do pensamento brasileiro, na segunda metade do século assado, a partir da obra de Tobias Barreto. Não apenas 48 naquilo que ele operou de transformação, a par tir dos seus contatos com autores alemães e com a própria língua de Kant, mas também na fixação das idéias dominantes, dentro e fora da velha Faculdade de Direito do Recife, que foram objeto da crítica tobiática. Mais importante se torna esse inventário intelectual, quando se sabe, com certeza, que a discussão ditou dois corpos distintos em peleja: o dos professores, intelectuais de formação religiosa, tradicionalistas, ultramontanos, de um lado, e a mocidade, formada por estudantes, jornalistas, maçons, liberais, do outro. Tobias é a grande figura que desfralda aos ventos nordestinos do Recife a bandeira dos novos tempos, com a essência das novas idéias, que espalharam rápido as teorias européias, principalmente alemãs, da ciência, em oposição aos dogmas e compromissos da fé. Como escritor e como crítico Tobias fundava suas convicções no avanço da ciência e da arte, como asas do espírito humano. Circunscrevendo o seu entendimento, a filosofia prima entre as ciências e a poesia entre as artes. Daí sua crença de que os poetas e os sábios devem ser iguais. No âmbito menor da discussão, Tobias chega a afirmar que os padres são, em geral, inimigos da poesia, porque eles gostam do culto da morte, enquanto a poesia é liberdade e liberdade é vida. Na projeção maior, ideológica, Tobias Barreto chega a citar, em 1872, diversos exemplos das mudanças sociais e po lít icas da Europa, graças ao poder dos romances que propagaram, por exemplo, as idéias anarquistas. Na esteira da mesma discussão, lembra que a França 49 moderna possuía um idioma compacto, resultado da autoridade e da concentração literária, ao lado da autoridade e da concentração política, que dificultava a expressão intelectual, de criação, para ele comum na Alemanha, onde o “ato de escrever é sempre, mais ou menos, um ato criador.” Em 1875, passando uma vista ampla e demolidora por sobre a vida intelectual brasileira, pugna por uma “Internacional de Crítica”, citando, pela primeira vez, Karl Marx. (5 ) Seu trabalho mereceu forte reação por parte de Albino Meira, na revista Culto às Letras. Tobias Barreto reduziu a reação de Albino Meira a duas ou três páginas de resposta, mas acompanhou com todo o interesse a polêmica entre Sílvio Romero, que então se assinava Sílvio da Silveira Ramos, e o redator do Culto às Letras. Essa não fora a única fonte das discórdias de Tobias Barreto no mundo cultural pernambucano. Suas críticas a Alexandre Herculano e a outros autores portugueses, aos tomistas e neotomistas, tiveram o mesmo efeito provocador que os seus estudos alemães, publicados a partir de 1874 no jornal escadense Um Signal dos Tempos. Para Tobias a “Internacional de Crítica” deveria ser uma espécie de fórum, de espíritos cultos e independentes, ao qual seriam submetidas “todas as obras frívolas, que têm firmado a reputação de certos vultos em Portugal e Brasil.” Para ele, os escritos que fossem publicados deviam ser enviados para análise imparcial dos homens competentes, onde receberiam o placet ou o não presta. Arremata Tobias: “Destarte, à 50 face do mundo inteiro, e sem abalos de ordem alguma, poríamos fogo no castelo feudal de um Alexandre Herculano; deitaríamos por terra a vila senhoril de um José de Alencar, e tantos outros enfatuados de uma nomeada toda local...” (6 ) Com a crítica e pela crítica Tobias Barreto marcou sua presença na luta intelectual que travou em Pernambuco, de 1862 a 1889, deixando em todos os seus escritos o traço inquieto do investigador, do intérprete, do pensador, revelando e abrindo caminhos ao futuro. A Licenciatura Para Tobias, literatura tinha a significação de vida espiritual. Contrariando os conceitos vigentes, que limitavam a literatura ao poema e ao romance, ele aprofunda a questão, ainda em 1872, numa nota de crítica ao livro do dr. José Soriano de Souza. (7 ) Sendo, como Tobias assim a entendia, a literatura uma estatística aprofundada de todas as produções inte lectuais de um País, em uma época dada, são incorporadas, com suas valorações próprias, a ciência, a filosofia, a poesia, o teatro, o romance, e até a pintura e a música. Diz Tobias: “Assim se compreende na Alemanha, onde os livros ou tratados de literatura nos dão a conhecer não só Goethe e Schiller, como Kant e Hegel, não só Freytag e Stiffer, como Strauss e Baur, não só Beethoven e Mozart, como Cornelius (pintor), etc., etc.” (8 ) 51 A vastidão do quadro literário, segundo a aprendizagem alemã de Tobias Barreto, explica seus vôos de longo alcance sobre obras e autores que trataram de Religião, como Ewald, de Filosofia, como Kant, de Educação, como Frederico Diesterweg, de Cultura, como Júlio Froebel, de Psicologia, como Eduardo von Hartmann, de Economia Política, como Karl Marx, de Antropologia, como Hermann Post, de Direito, como Rudolf Von Jhering, de Psicologia Feminina, como Adolfo Jellinck, e de tantos e tantos outros temas que interessaram e moveram a sua curiosidade crítica. Está, portanto, decodificado o facho luminoso que Tobias lançou sobre o seu tempo e seus contemporâneos: o amplo espectro da sua crítica, correspondente ao corpus cultural objeto do seu interesse. Vocacionado para a crítica, menospreza o livro de Ferdinand Wolf (9 ) e não poupa, sequer, seu amigo, conterrâneo, e parceiro Sílvio Romero, quando publica a História da Literatura Brasileira. (10) A obra de crítica literária de Tobias supera, em muito, as informações e inventários de época, ainda que alguns, como o próprio livro de Sílvio Romero, preencham lacunas na bibliografia brasileira. Não causa espécie, por isso mesmo, que os críticos brasileiros e portugueses, lançando os olhos sobre a literatura, isolem Tobias, negando-lhe as qualidades de escritor e de filósofo. O Brasil Mental, de Bruno, (11 ) é um exemplo que proliferou, lá e cá, como uma posição sobre o mulato sergipano. Ainda que tenha testemunhado, apaixo 52 nadamente, sobre a genialidade de Tobias, Sílvio Romero faz menor a poética condoreira, divide a primazia do germanismo, e assume posturas de outras escolas, contradizendo a evolução intelectual do mestre. Mais que isto, Sílvio faz de Tobias, não raro, um escudo, com o qual enfrenta as rivalidades fluminenses. Assim, torna-se comum ao historiador da literatura, ao apresentar Tobias Barreto aos leitores, diminuir o valor de outros poetas e escritores, criando dificuldades para o seu apresentado. Isto é visível na apreciação feita pelo poeta Luiz Delfino do livro Dias e Noites, em sua primeira edição, de 1881. No longo artigo o poeta se ocupa de rebater as afirmações de Sílvio Romero, terminando por julgar, de forma apressada, a obra em versos de Tobias que deveria ser o objeto da crítica. Sílvio Romero chega ao cúmulo de inserir, nos textos de Tobias, citações de nomes de forma desfavorável, como ocorreu num dos artigos do ensaio O Atraso da Filosofia entre Nós. (12 ) Tanto a amplitude dada à literatura, em sua crítica, por Tobias Barreto, quanto sua disposição de brigar pelas verdades que defendia, e mais a atitude partidária de Sílvio Romero, devem ter concorrido para que a obra do mestre não merecesse, no inventário da história e da crítica literária, o juízo justo, o exame correto. Fala-se mais de Tobias por ouvir dizer, do que mesmo pelo conhecimento de seus textos, todos eles de reflexão, por circunstanciais que possam parecer. Pois essa é uma característica permanente na obra de Tobias: a reflexão. 53 Conceituando de forma larga e refletindo sobre suas leituras, To bias construiu um monumento de crítica, valendo-se da ferramenta contundente que, de cedo, preferiu para o trabalho intelectual: o ger manismo. Com ele, penetra seu olhar agudo por sobre várias literaturas, comparando-as, identificando raízes e arquétipos, formas e compromissos. É pioneiro em estudos comparados, acreditando que “segundo o plano da história, que muitos chamariam de a economia providencial do universo, todo o povo que progride e se desenvolve tem uma dupla missão: ima interna e outra externa; uma volvida para si mesmo e outra para os demais povos.” (13 ) Daí a literatura ter, no seu entender, caráter universalizante. Apoiado em George Brandes, aprecia, comparativamente, as literaturas da França, da Itália e da Alemanha, tendo esta última como uma espécie de modelo. Será a primeira vez, no Brasil, que os estudos literários ganham um método, o comparativo. Com ele Tobias sente firmeza para explorar, com seu agudo espírito crítico, todo o campo intelectual. Citando Henrique Klenke, para quem os povo s são divididos em três grupos – os solares, os planetários, e os de transição – Tobias Barreto não hesita em colocar o Brasil na terceira categoria, a da transição, diferenciando os brasileiros dos povos planetários, os do lado noturno da humanidade, e do s solares, os do lado “diurno”. A transição é o lado “crepuscular” da humanidade, valendo para os povos que se levantam ou que decaem. Tal divisão, insólita no âmbito dos estudos literários, retorna hoje ao interesse 54 da ciência política, quando história e memória se contrapõem, trabalho e lazer criam éticas diversas, e a humanidade assiste à agonia dos sistemas liberal e socialista, segundo Octavio Paz as duas grandes heranças da modernidade ocidental. (14 ) Também sobre esse enfoque, Tobias avançou com sua intuição genial, antecipando-se a discutir referências fundamentais que o desenvolvimento dos povos constrói e que servem de contato para a humanidade. A adesão de Tobias Barreto ao estudo da literatura comparada supera a visão interna da produção literária do Brasil. Sem dúvida ele intuiu sobre as migrações dos autores, bafejados pelo Poder, que por sua vez deriva da prosperidade econômica. No Brasil é fácil cartografar a evolução literária, na mesma escala em que ocorrem os surtos do progresso econômico. Assim, a poesia de Bento Teixeira, louvatória e de circunstância – a Prosopopéia – reflete o bom sucesso econômico da Capitania de Pernambuco, que explorava todas as riquezas do Norte do Brasil. O barroco baiano cuja oralidade produziu Gregório de Matos, re sponderia, nas letras, ao florescimento da Capitania da Bahia, ampliada com a incorporação das terras vizinhas, de Ilhéus, Porto Seguro, Sergipe d’El Rey. A descoberta das minas auríferas das gerais explica, com certeza, o Arcadismo dos Gonzaga, Costa e Pe ixoto. A concentração do Poder, no Rio de Janeiro, com a chegada da família Real portuguesa, dá nova dimensão e centraliza a literatura brasileira, sedimentando uma hege monia que não apenas serve para abafar a reação 55 nordestina, como entra no século XX devastando os focos regionais de cultura. Não é sem razão, portanto, que Tobias Barreto chega a aludir, na sua intenção de criar uma ”Internacional de Crítica”, fazendo uma liquidação itinerária, exaltando o mérito, só o mérito real, “sem manejos diplomáticos e ridículas mistificações.” (15 ) Como crítico, Tobias Barreto inicia uma tradição sergipana de intérpretes da obra literária, que passa por Sílvio Romero, João Ribeiro, Laudelino Freire, Liberato Bitencourt, Mário Cabral, e mais recentemente Jackson da Silva Lima. (16) Poesia & Prosa O volume de Crítica de Literatura e Arte, que integra o plano geral das Obras Completas de Tobias Barreto, tem uma composição que escapa ao simplesmente literário, porque representa um apanhado de parte da obra crítica, naquilo que de mais próximo está nas manifestações de poetas, romancistas, pro sadores em geral. Alguns temas teóricos, de lingüística, da gramática, da estilística, ou ainda dos contextos nos quais surgem as produções literárias. O volume é aberto com duas apreciações sobre jovens poetas: Paes de Andrade e Licurgo de Paiva, que ficaram, como tantos outros, perdidos no esquecimento do tempo. Mais do que examinar o conteúdo dos dois livros, Tobias aproveita para conceituar sobre a poesia, dando base ao seu edifício crítico que mais tarde 56 aparecerá, imponente e resistente, no curso da sua evolução intelectual. São escritos estudantis, de 1865, 1866, certamente solicitados ao vitorioso poeta das ruas do Recife, profético e panfletário, do que ao mestre da crítica literária. Mas, o verdadeiro dos escritos não os torna menos importantes na obra de Tobias, mesmo porque lá estão os sinais da sua insatisfação vulcânica: “Seja qual for o vigor do seu talento, a grandeza de suas concepções, o poeta é sempre um homem, e como tal sujeito às leis que regem a natureza humana” (...) Ou: “O coração do poeta é o clepsidro em que soam sempre adiantadas as noras da vida do mundo. Os poetas e os sábios devem ser iguais.” (1 7) Tratando da literatura bíblica, uma de suas per manentes paixões, ele tem a certeza crítica de colocar o livro de Naum no centro dos seus interesses, para mostrar o quanto de poesia tem a Bíblia – “imensa como a onipotência, ardente como os sopros do deserto” – e afirmar, como uma advertência que permanece válida ainda hoje, que os tradutores são, invariavelmente, menores que os criadores das obras literárias. Mostrando uma de suas virtudes, a de latinista, Tobias chega a exercitar traduções que põe como alternativas mais adequadas aos textos transcritos de Naum. No estudo do romance de Maurício de Azevedo – “Um Romance e um Romancista” – artigo de 1874, Tobias reclama da apatia brasileira, em termos de criação literária, reduz a expressões mais simples au tores como Joaquim Manoel de Macedo e José de Alencar, elegendo o romance como a narrativa por 57 excelência nacional, portadora da vida do povo, na medida dos grandes romancistas como Walter Scott. No mesmo artigo, publicado no jornal Um Signal dos Tempos, de Escada, Tobias Barreto mantém a mesma técnica técnica de tomar uma obra como pretexto para aprofundar as suas críticas, sem poupar quem quer que seja, independentemente da posição ou da fama. Nas suas severas apreciações estão Braz Florentino, que morreu quando exercia a presidência do Maranhão, o Barão do Rio Branco, José de Alencar, Macedo, Tavares Bastos, Franklin Távora, Taunay, José Soriano de Souza, e muitos e muitos outros, incluindo aí Castro Alves, de quem foi amigo e desafeto, e Joaquim Nabuco a quem nunca reconheceu mérito. Causou enorme júbilo entre os jovens pernambucanos, rapazes e moças, a atitude de Tobias Barreto, quando deputado, no biênio 1878/79, em defesa da mulher, quando da discussão sobre um auxílio que deveria ser dado, pela Província de Pernambuco, a duas moças que queiram estudar medicina nos Estados Unidos e na Suíça. A atualidade do tema, o acervo de informações, a convicção dos argumentos científicos fizeram com que Tobias fosse seguidamente aplaudido e tivesse sua cabeça alvejada pelas pétalas de rosa que, das galerias, lhe atiravam os admiradores. Foi um momento especial na vida daquela casa legislativa, cujo registro, nos anais e na imprensa do Recife, é um documento indesmentível. Não fora ali a única vez em que Tobias Barreto colocava a mulher como centro de seus interesses de 58 estudo. Na sua visão de crítico, ele soube distinguir e ressaltar o papel da mulher os salões europeus. Não aquelas das vulgares meias pretas, mas as blas-bleu, com suas meias azuis, de lã, força “civilizatriz”, no dizer do próprio crítico. O artigo é, na verdade, além de uma clara tomada de posição em favor da mulher, um inventário da importância que os salões tinham nos círculos intelectuais da Europa. Ao lê -lo, fica difícil distinguir o jogo das influências, pois Tobias, com seu partidarismo feminino, iguala a influência do salão à influência da mulher, abrindo crédito novo no livro de contas da literatura. Estudando estilo, Tobias Barreto procede a uma das mais geniais de suas críticas, porque delimita cate gorias que condicionam, segundo seu entender, a própria criação intelectual. Para ele o que difere, no seu século, o estilo da antiga e da nova prosa é a velocidade. “O que antes era largo e vagaroso torna-se, pouco a pouco, rápido e precípite.” (18 ) Mais do que para a dinâmica da vida, o estilo – como relativo a diferentes épocas e diferentes povos – está também em relação até as diferenças de raça, afirma Tobias, exemplificando: “Assim a nação francesa, que é a mais culta das nações latinas, exprime no seu estilo o maior grau de antítese etnológica, entre a essência românica e a essência germânica. Em nenhum ponto melhor se manifestam os distintivos de uma e de outra raça.” Nesse seu pequeno ensaio Tobias chega a antever a função concreta da palavra, sentenciando que “a tendência para a frase, para a escolha da palavra, 59 somente por ela mesma, torna-se inevitável.” Este parece ser um dos fundamentos das literaturas de vanguarda, que passou na batéia crítica de Tobias Barreto. Outras abordagens, sempre ferramentado com o germanismo, fazem da obra de crítica de literatura de Tobias Barreto uma fonte de consulta útil, que radiografa o tempo, na sua interiorizada moldura, e nas tendências novas que sopravam, inquietantes, por sobre o dorso da rotina atrasada do Brasil, como uma recepção sintônica, universalizada. A Arte No que diz respeito à arte, ainda que sob o campo restrito da música e do teatro musical, Tobias Barreto se vale, também, do método comparativo do dinamarquês Brandes. E faz um grande painel, de porte e enver gadura, do que traçou nos dez artigos – de uma série de cinqüenta que prometeu – sobre a literatura comparada do século XIX, povoado de grandes nomes da criação operística, da música e da representação cênica. Confesso admirador de Vicenzo Bellini, autor de óperas, reconhecidamente espontâneo e melodioso, próximo do popular, Tobias se fez um crítico militante, freqüentador assíduo do Teatro Santa Isabel e de outros locais de espetáculos, apesar de escrever, em 1877, que pertencia “à categoria dos diletantes que vão ao teatro para gostarem e não ara julgarem.” (1 9) Mais adiante diz ele: “A verdadeira crítica musical é a que se restringe a 60 ser simplesmente um pedaço de psicologia, isto é, a exposição do que se sentiu ou deixou de sentir, sem o direito, porém, de tornar o próprio sentimento, su bjetivo ou personalíssimo, bitola do mérito artístico. ” (2 0) Há uma proximidade, ou pelo menos havia no século passado, entre a música e a filosofia. Conta -se, na biografia de Franz Liszt, que numa de suas primeiras viagens à Genebra, ao assinar a ficha do hotel, assim se qualifica: Profissão – músico-filósofo; Nascido – ao Parnaso; Oriundo – das dúvidas; com destino – à verdade. O certo é que mais do que sogro, Liszt foi um grande profeta da genialidade de Richard Wagner. Recolhido na pequena cidade de Escada, de onde uma vez por quinzena viajava ao Recife, Tobias Barreto pôde estar atento ao ambiente musical da velha Europa, onde as genialidades eram sucedidas celeremente. Nas suas críticas estão os mais célebres compositores da música, alguns deles, como o próprio Wagner, presente também como crítico, a fornecer munição para os embates intelectuais, como na polêmica com o sr. Taunay, a propósito de Meyerbeer e de suas óperas Roberto, o Diabo, e Os Hunguenotes. A Tobias, como crítico musical, não escapa o sentido da história, nem o da estética. Na música, como na literatura, o crítico mapeava a Europa com os limites da ópera da França, da Itália e da Alemanha, intercalando todas as trocas de influências que, sem perda dos conteúdos e matizes próprios, univer salizam a criação musical. A ópera romântica estava embebida de intuições transcendentais, dando margem a que o 61 homem, e não apenas o instrumento musical, transformasse a manifestação artística. A dramaticidade, o recitativo, ocupam importância fundamenta l nos estilos dos compositores, sinalizando um processo significativo de evolução, desdobrado para outras partes do mundo, como para o Brasil, onde vem a pontificar Carlos Gomes, mestre aclamado em Milão, onde faz representar algumas de suas óperas no Teat ro Scala. Atento ao que se passava na Alemanha e no resto da Europa, o crítico exercia, no Recife, um papel insubstituível de propagandista da ópera e dos seus maiores compositores. Poucos críticos, no Brasil, ocuparam espaço tão definido, tão conscientemente exercido, como o fez Tobias Barreto, em Pernambuco. Depois da militância jornalística, Tobias reúne algumas de suas críticas e publica, em 1883, no livro Estudos Alemães. Ele próprio identificava e localizava sua missão musical nos limites do seu germanismo. Completava-se, assim, o círculo cultural que fazia da Alemanha um modelo capaz de ser utilizado como ferramental comparativo. Compreendendo-se a amplitude do germanismo tobiático não há porque não reter num abrigo óbvio como os dos Estudos Alemães a sua crítica musical, agora enfeixada no volume de Crítica de Literatura e Arte. Esses ajustes não passam de mera organização quantitativa, porque, em essência, toda a obra de Tobias Barreto, em todo o seu luminoso espectro de inves tigação crítica, é de forma e fundo germânicos. 62 Diante das óperas de Carlos Gomes, o crítico parece sentir a falta do velho Lied alemão, numa de suas três categorias: o Volkslied, verdadeiramente popular, folclórico até, seja lírico ou dançante, o Volkstumliches Lied, de criação original, mas concebido e realizado à maneira dos cantos populares, e o Kunstlied, ou Lied artístico, com preocupações eruditas, ainda que não interfira nas origens populares. (21 ) Em 1884, numa de suas últimas apresentações de crítica, lamenta a falta de gosto pelo drama, escrevendo o artigo de fundo de um pequeno jornal – Arte Dramática (22 ) – prometendo seriar suas observações, ainda que reconhecesse, com Honegger, que a história do teatro era, naquele momento, a história da decadência. Parecia compor, como crítico musical, sua última profecia. NOTAS (1) A. Richards – Princípios de Crítia Literária. Citado por Harry Shaw, in Dicionário de Termos Literários. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1982. (2) Os artigos de Ensaio de Pré-História da Literatura Clássica Alemã, de 1883, estão no volume de Crítica de Religião, desta edição comemorativa das Obras Completas de Tobias Barreto. (3) In Um Romance e um Romancista. (4) In O Meu Próprio Romance, 1931. Também em Obras Completas. INL, Rio de Janeiro, 1969. 63 (5) O artigo “Socialismo e Literatura”, escrito em novembro de 1874, foi publicado em 1875, na primeira edição dos Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica. (6) In Socialismo e Literatura. (7) Lições de Filosofia Elementar, Racional e Moral. Paris, 1871. (8) In “O Atraso da Filosofia entre Nós.” Jornal do Recife, 18 de novembro de 1872. (9) Le Brésil Litteraire, 1863. (10) Em carta de 6 de abril de 1888, Tobias escreve a Sílvio Romero e diz: “Pondo de parte o que me diz respeito, devo declarar-lhe que achei o seu trabalho muito bom, exceto num ponto – permita-me a franqueza. Foi no ponto em que o sr., a meu ver, deturpou a sua História falando de gente que nada vale. Geralmente, a que propósito falar de Aníbal Falcão, um verdadeiro lobo, positivista e ortodoxo, bacharel taquígrafo, e taquígrafo medíocre? Isto é gente que deva ocupar lugar numa história séria? Não decerto.” (11) Pseudônimo do escritor português José Pereira de Sampaio. (12) No texto que está publicado no Jornal do Recife, Tobias não faz qualquer menção de nomes. A citação de Alencar, Macedo, Taunay e Machado de Assis é da responsabilidade de Sílvio Romero, quando publica os artigos de Tobias no volume Vários Escritos, em 1900. (13) In Traços de Literatura Comparada do Século XIX. (14) Eis o texto do pensador Octavio Paz, publicado no jornal espanhol ABC, edição de 2 de abril de 1989: “Padecemos um grande vazio, sobretudo um grande vazio moral. A nova filosofia moral e política do século XXI terá que enfrentar o grande (o nosso) vazio. As duas grandes heranças da modernidade ocidental, 64 o Liberalismo e o Socialismo, se enfrentam em seu próprio esgo tamento ao haver perdido de vista suas referências fundamentais.” (15) In Socialismo e Literatura. (16) Sílvio Romero escreveu, dentre outros: Estudos de Literatura Contemporânea, 1885, História da Literatura Brasileira, 1888; João Ribeiro é autor de Autores Contemporâneos. Compêndio de História da Literatura Brasileira, em colaboração com Sílvio Romero, Clássicos e Românticos Brasileiros; Laudelino Freire é autor de Sonetos Brasileiros, 1904;Mário Cabral escreveu Cadernos de Crítica, 1944, e Jackson da Silva Lima é autor da História da Literatura Sergipana, vol. 1, 1971, vol. 2, 1986. (17) In Flores da Noite. (18) In Idéias e Princípios da Estilística Moderna. (19) In O Benefício da sra. Cortesi. (20) In O Benefício da sra. Cortesi. (21) Sobre o Lied alemão recomenda-se a leitura de Expressões e Comunicação na Linguagem da Música, do professor e maestro Sérgio Mangani. Editora da UFMG, Belo Horizonte, 1989. (22) Nº 1, 14 de fevereiro de 1884. 65 TOBIAS BARRETO E A LUTA PELO DIREITO 66 Ao organizar o Clube Popular Escadense, em 1877, realizando um anseio que desde 1874 impulsionava o seu espírito, Tobias Barreto dava um pa sso consciente para realçar o seu papel de intelectual na pequena vila de Escada. O clube era um outro estágio de uma mesma luta iniciada em 1872, quando pela primeira vez apela ao público para buscar reforço de opinião a propósito de questão jurídica em q ue funcionara como Curador Geral dos Órfãos. Ao instalar sua própria tipografia – a Comercial – e editar o seu primeiro jornal – Um Signal dos Tempos – aprofunda sua participação, desdobrada, em diversas outras pequenas folhas, veículos de críticas, de denúncias, mas também de reflexão e difusão cultural. Nas três dimensões – a do Curador que faz de uma injustiça contra órfãos razão de protesto e de luta; a do jornalista que estabelece diretamente com o povo o contato da informação verdadeira; e a do intelectual que cria o lugar de reunião para tratar dos problemas comuns da comunidade escadense – Tobias Barreto firma o compromisso que não é como o da classe econômica “porque a sua vida se limita a uma luta pelo capital, e nada tem a ver com as nossas lutas pelo direito.” (1) Um Discurso em Mangas de Camisa pronunciado na segunda reunião do Clube Popular Escadense (2) é um manifesto de natureza política que encerra algumas das teorias abraçadas por Tobias Barreto. Teorias que não se 67 filiavam à “lei da natureza”, de que tratou Locke, (3 ) mas que permitiam exercer o poder de influir, como mais instruído, sobre os menos instruídos, como ensinara o também inglês Stuart Mill. (4 ) Tobias, contudo, não se proclamava um salvador do povo; ao contrário, dava ao povo a oportunidade de salvar-se, através da formação da consciência do próprio valor, como está explicitado no célebre discurso.A luta pelo direito que Tobias Barreto deflagrou em Escada projetou-se nos seus estudos jurídicos, quando do seu retorno ao Recife, no seu ingresso, como lente, na Faculdade de Direito e em seus ensinamentos reformistas. Diz ele: “Desde que na idéia do direito entrou a idéia de luta, desde que o direito nos aparece não mais como um presente do céu, porém como um resultado de combate, como uma conquista, caiu por terra a intuição de um direito natural.” (5) Uma luta permanente, cujo lampejo final é a proteção à sua própria memória, que encerrava a proteção à sua reputação de homem de idéias próprias, com as quais renovou o pensamento brasileiro, algo como o direito à imagem, como está em sua correspondência com Sílvio Romero: “Peço -lhe uma coisa: se eu morrer, salve a minha memória das garras dos tratantes.” (6 ) A luta pelo direito acabou sendo mais forte que a inaptidão para a profissão de advogado, manifestada pelo próprio Tobias. Uma espécie de sublimação, alimentada pelo apetite voraz com que tomava contato com a efervescência das idéias, especialmente aquelas originárias da Europa alemã. Não falta razão a Jackson 68 da Silva Lima, quando, ao estudar a participação forense de Tobias Barreto, diz que sua falta de vocação “não implica dizer que o sergipano tenha sido um desleixado no patrocínio das causas ajuizadas. Muito pelo contrário: conduziu-as com afinco, dignidade profissional, consciente da responsabilidade assumida, mesmo quando designado como curador dos interesses de incapazes, miseráveis na forma da lei, sobretudo escravos.” (7) Na verdade, pouca diferença havia entre os “incapazes, miseráveis na forma da lei” e a quase totalidade da população de Escada, da qual Tobias se faz tutor intelectual, no melhor sentido da palavra. De um lado, Escada apresentava, segundo o próprio Tobias, um quadro social de extrema carência: 90% de necessitados, quase indigentes; 8% dos que vivem sofrivelmente; 1,5% dos que vivem bem; e 0,5% dos ricos, em relação aos demais. (8) De outro lado, Escada parecia, aos olhos do jovem bacharel, o covil das “três desgraças” de que mais tarde se ocupou Lourenço Moreira Lima, Secretário da Coluna Invicta, que varou o Brasil na década de 20: “O chefe político, um coronelão boçal que furta as rendas do município, o juiz a serviço dos fazendeiros, e o delegado venal e subserviente.” (9) A rigor, para pelejar com essa realidade em suas duas faces, Tobias Barreto contava apenas com o poder da palavra, em sua mais precisa investidura profética, como guia do povo, na arbitragem do destino coletivo dos escadenses. A sociedade escadense onde Tobias funcionava com sua palavra de advogado, de curador, de juiz 69 substituto, de jornalista e de escritor era escrava ou subalterna em suas classes, manejadas pelos cordões dos 120 senhores de engenho, travestido de chefes políticos conservadores e liberais. Toda e qualquer conquista dos dominados impunha, necessariamente, a cessão de direito, por parte da classe dominante. Sim, porque não havendo no Brasil uma Poor Law, (10 ) como em outros países, os pobres têm sido apenas bafejados com melhorias de natureza quase sempre clientelista e de interesse eleitoreiro. A evolução dos direitos entre os pobres segue, mais ou menos, a mesma trajetória que foi seguida em relação aos escravos: lenta e gradual. Os direitos políticos foram secundariamente tratados e não raros apareceram como favores, como benefícios paternalistas, do que como resultado de luta, trofé u conquistado na liça, como quis Tobias Barreto. A Cidadania A ação pública de Tobias Barreto, em sua integralidade, deu sensível contribuição ao processo de construção da cidadania no Brasil. Como definiu Marshall, três elementos compõem, a cidadania: “Uma parte civil, relativa aos direitos necessários à liberdade individual (que sapo garantidos pelos Tribunais de Justiça); uma parte política, referente ao direito de participar no exercício do poder político (exercida nos Parlamentos e nos Conselhos”; e uma parte social – tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar 70 econômico e segurança, ao direito de participar, por completo, na herança social.” (11 ) Tobias tinha a nítida convicção de que o direito era como algo distante do povo, e que faltava alguma coisa em favor dos cidadãos escadenses, para neutralizar as desigualdades das classes. Seu papel foi de um combatente, desbravando o campo tímido, medroso, do frágil corpo social daquele lugar pernambucano, exemplo, em micro, de um quadro comum no Brasil do Nordeste, que o tempo sequer alterou signifi cativamente. De fato, não havia a parte civil da cidadania, por faltar a liberdade individual. Não havia, de igual modo, a parte política, porque o povo – ainda que aquela porção indefinida, formada ao lado da nobreza e do clero, ou a plebi, como queria o Bispo Cardozo Ayres, citado por Tobias no Discurso (12) – não tinha qualquer forma de participação no poder político ali formado. Nem havia, também, parte social, produto de um legado social, posto que este também era inexistente. Pela sua oportunidade, mesmo tendo sido escrito de 1870, vale repetir o que disse Tobias Barreto no artigo de fundo de A Crença: “Se houver a imprudência de aí erguer-se um brinde à liberdade de consciência, o Brasil não o poderá acompanhar, porque mantém em si a escravidão religiosa; se um brinde à liberdade natural ou civil, o não poderá satisfazer, porque tem o escravo; se um brinde à liberdade política, o não poderá satisfazer, porque não tem o cidadão.” (13) Tal escrito pode servir de marco teórico da luta do sergipano em favor da cida dania do brasileiro, evidentemente nos limites geo 71 gráficos de sua atuação imediata, ainda que tenha havido repercussão de suas prédicas em várias partes do país, especialmente no Maranhão, Ceará e Bahia, onde seus textos eram objeto de discussão, muito particularmente A Idéia do Direito, discurso de paraninfia, pronunciado em abril de 1883, que gerou a polêmica com os padres do jornal maranhense Civilização, (14 ) e Menores e Loucos em Direito Criminal, de 1884, assunto de debate no Clube Literário de Fortaleza, sob a liderança intelectual de Júlio César. (1 5) É também de 1870 a frase: “O cidadão é a forma social do homem, como o Estado é a forma social do povo”, que roteiriza uma visão penetrant e da realidade, tanto no sentido de revelar, em diagnóstico, seu estágio de carência, dependência e subalternidade, quanto no sentido de esboçar uma saída, por mais romântica que seja, como a que proclamou ao findar seu Discurso perante os assistentes do Clube Popular Escadense: “... Mas tem o intuito de incutir no povo desta localidade um mais vivo sentimento do seu valor, de despertar -lhe a indignação contra os opressores e o entusiasmo pelos oprimidos. E há momentos – já disse com razão alguém – há momentos em que o entusiasmo também tem o direito de resolver questões.” (16 ) Ao longo de sua permanência em Escada, Tobias fez crescer a sua participação, com o mesmo ideário. A sua coerência, tantas vezes salientada quando se declara da sua evolução mental de crítico – social, político, da religião, da filosofia, do direito, da literatura e da arte em geral – aparece igualmente no campo da militância 72 como teórico da organização da sociedade. A construção da cidadania é uma referência permanente na ação tobiática. Daí sua importância no contexto de sua obra, como momento existencial rico, e de certo modo deixado ao largo pelos seus biógrafos. Não causa estranheza, portanto, que haja simetria perfeita entre a atividade forense e a propaganda jornalística da sua pequena tipografia, ou entre seus artigos contra juízes, promotores, delegados, autoridades do poder e seus discursos de arregimentação popular, ou ainda entre seus despachos, na eventualidade dos cargos, com seus pronunciamentos do deputado provincial, ou, por fim, entre as suas novas concepções do direito e a alforria que impunha, solenemente, aos escravos dos demais herdeiros do seu sogro. A coerência é traço fundamental, marcante, que singulariza a vida e a obra de Tobias Barreto de Menezes. Há, embutida na cronologia da presença de Tobias Barreto em Escada uma clara ação que leva ao edifício da cidadania, quase como uma obstinada luta, sob todos os aspectos desigual, travada com os mandatários da localidade. Em 1879, após o exercício de mandato como deputado, perdeu a indicação à reeleição, como punição pelas suas atitudes de crítico do Governo Liberal instalado na Província de Pernambuco. Eleito vereador, em 1880, tem contra si o fato de renunciar ao mandato, aceitando uma suplência de Juiz Municipal. Seu gesto leva o chefe liberal escadense, Antônio dos Santos Pontual, o Barão de Frexeiras, a pedir, em carta ao senador Luiz Felipe, a retirada de 73 Tobias de Escada, nem que seja para “uma destas diretorias de colônias alemãs que tem o Brasil, pois sendo possível arrumar-se isto, ou mesmo outro qualquer emprego, será um serviço que V. Exa. prestará à Escada, de uma importância extraordinária para a paz da localidade, além do partido.” (17 ) Em 1880, ainda, foi enquadrado em crime de imprensa; Tobias levantou o povo em sua defesa. Como acontecera nas ruas do Recife, na década de 60, quando era o poeta e o orador do povo, ou a tribuna da Assembléia, quando as galerias exultavam com sua presença e oratória, também em Escada o povo acompanhava Tobias nas audiências. Em 12 de abril de 1880 testemunha o escrivão Antônio Joaquim Machado, em informação prestada ao juiz, que na ocasião da defesa do seu constituinte Manoel Francisco de Barros, “Tobias Barreto foi calorosamente aplaudido por muita gente que se achava presente.” Disse ainda o escrivão que “seguiram-se mais duas audiências, com grande número de pessoas. Na ocasião em que o dr. Tobias censurava o procedimento do juiz e da parte, apareceram alguns murmúrios aprobatórios.” Na mesma data, em Certidão, oficial e porteiro do juiz, Manoel Tomaz de Albuquerque diz que “as audiências do Juiz Municipal têm sido mais ou menos tumultuadas, isto porque o senhor doutor Tobias Barreto de Menezes, tendo de estabelecer sua defesa em processo por uso indevido da imprensa está sendo instaurado por denúncia do doutor Promotor Público, tem sido acompanhado à casa das audiências por crescido número de pessoas que por 74 gestos, palavras e aplausos tem interrompido as audiências.” (1 8) A longa lista de registros oficialmente dirigidos ao juiz sobre a popularidade de Tobias Barreto se completa com a reclamação que o próprio Juiz Jerônimo Materno Pereira de Carvalho dirigiu ao Presidente da Província, Franklin Dória, de que “aquele bacharel, confiado no grupo de adeptos que o cerca, leva o tumulto e a desordem às audiências, procurando conver tê-las em praças públicas, para exaltação dos ânimos com o fito de erguer opinião contra as autoridades judiciais da Comarca, de quem se tem tornado gratuito desafeto, no que infelizmente vai mais ou me nos encontrando imitadores.” Mais adiante, na mesma re clamação, o Juiz Materno arremata: “Venho, pois, com o exposto, em nome da lei rogar a V. Exa. que se digne de providenciar nos sentido de ser garantida a este juízo a livre administração da justiça, manutenção da ordem e princípio da autoridade sempre que como nas audiência as que falo, se procure subvertê-las aos caprichos e desvairadas pretensões.” (19 ) O juiz de Escada chega a requisitar forças policiais para garantir as audiências, no que foi aten dido com 24 praças do 14º Batalhão de Linha, comandados por um oficial. Tobias não se intimida, prossegue com sua atividade, até que tem, em 1881, sua casa cercada. Ameaçado, ofendido, pega em armas e faz sua defesa, conforme relata o Juiz José Brandão da Rocha: “Cercada a casa do doutor Tobias Barreto de Menezes, onde se achavam os escravos e foram apreendidos, depois de 75 muita resistência por parte do mesmo dr. Tobias. (20 ) No final do seu ofício, reportando-se ao artigo de Tobias no Jornal do Recife, denunciando a agressão, o juiz diz que o sergipano tinha o “fim de chamar a odiosidade pública contra as autoridades.” Uma luta levada, verdadeiramente, ao extremo da participação. A presença de pessoas – e nelas descobrese a função de face, como queriam os gregos, e não de disfarce, como fizeram prevalecer os romanos – indica, claramente, que o discurso do agitador social encontrou guarida em Escada. Ali onde estava mais obviamente explicitado que “o povo brasileiro não se constituiu, foi constituído”, (21 ) ali onde era notória a diferença entre uma e outra situação, Tobias operara a ação evange lizadora que anunciara em 1876: “Nós cremos na so berania do povo. Ele há de despertar.” (22 ) A Opinião Pública Assim como Tobias Barreto pode, sem favor, aparecer entre os que mais decididamente ofereceram contribuição pessoal ao processo de construção da cidadania brasileira, como teórico da organização da sociedade, pode, também, figurar entre os que primeiro buscaram apoio na opinião pública, valendo -se do conduto da imprensa. E o faz ao chegar a Escada e ao ter uma de suas primeiras causas, como Curador Geral dos Órfãos, julgada. Para ele, que defende ardo rosamente o direito que patrocinou, a injustiça não 76 atinge apenas as partes, mas também a quem as representa. Em 3 de junho de 1872, assinando escrito no Jornal do recife, começa por dizer: “Apelo para o público – tal foi a idéia que primeiro me ocorreu, quando vi ultimamente praticada uma injustiça notável, e da qual não deixei de ser também atingido.” Na sua exposição, Tobias conta aos leitores os detalhes do feito, fazendo como que transbordar para o conhe cimento público o direito contido nos autos. Com isso estabelece uma relação de advogado com a sociedade, induzindo a que esta seja também fiscal da administração da justiça. A busca da solidariedade social intui sobre a noção de que o saber não pode ser privativo de um pequeno grupo, ainda mesmo quando a função do intelectual pressupõe a hegemonia do mais ilustrado. Assinando os seus escritos ou simulando -os, como fez no mesmo jornal e data, Tobias pratica na sutileza da identificação um jogo que iria ser característica per manente de sua personalidade como crítico. Para ele valia aparecer por completo, ou protegido por pseu dônimos como “Um Importuno”, “O Advog ado Queixoso”, e tantos outros utilizados em sua esgrima intelectual, principalmente contra a justiça e contra os políticos e seus partidos. O fundamental, para Tobias, era o respeito ao direito, pois nele estava resguardado o avanço do corpo social que o produzia, a despeito de todas as adversidades. 77 No mesmo escrito em 1872, depois de levar o juiz ao ridículo, que era uma de suas formas de luta, assevera que aquela autoridade cometera dois erros: o da sua decisão e o de pensar que ele era de bom acomodar . Realmente, nada faz com que Tobias se acomode em sua luta permanente pelo direito. Seguidor de Kant, vive a fazer uso público da própria razão, em todos os campos. Tomando para si a tarefa de esclarecer o povo sobre os seus direitos, podia muito bem repetir as palavras de Cícero: “Unus sustineo tres personas – Mei, Adversarii et Judicis” (Eu me constituo em três pessoas: a minha própria, meus adversários e os juízes). (23 ) Na sua luta, Tobias queria mais do que o mero juízo de valores, queria que a opinião pública criasse juízo de fato, fruto do entendimento do direito, que ele, com esforço, tornava ao alcance de todos. Ele não queria a administração da justiça nas mãos exclusivas do Juiz e do Promotor. Queria o povo ciente do andamento e das decisões do processo. Essa é a sua linha, por ela respondeu a processo por crime de imprensa, e nela baseou sua mais clara e moderna concepção de direito, como “processo de adaptação das ações humanas à ordem pública, ao bem-estar da comunhão política, ao desenvolvimento geral da sociedade.” (24) Ora, a opinião pública nasce no debate e tem como objeto a coisa pública, logo pressupõe uma sociedade livre, articulada, separada ou distinta do Estado. Foi essa, na verdade, a grande contradição enfrentada por Tobias Barreto ao professar teses antecipadoras, num ambiente que lhe negava o mais 78 comezinho princípio de liberdade política. Na sua formulação de uma opinião pública que tomasse conhecimento dos feitos forenses de Escada ele requeria liberdade de expressão, pela imprensa, que exerceu, diga-se de passagem, em toda a plenitude possível, graças à coração que teve de fundar e redigir jornais, graças ao apoio que mereceu de companheiros de geração e de ideário. A prova positiva da relação opinião pública/liberdade de imprensa foi o enquadramento em crime de imprensa, em Escada, quando escapou, camuflado nas próprias malhas da lei, que não considerava jornal as publicações cuja circulação era restrita a poucos exemplares. Nem uma nem duas vezes apenas Tobias se valeu das brechas da lei para fustigar as autoridades escadenses. Em 1876, com Copo em Punho, radiografou personalidades, sem reação jurídica, salvo em depoimentos sem valor, que mencionava o avulso. (25 ) Nos seus escritos estão os melhores testemunhos de sua atuação. E à medida que mais escritos chegam ao conhecimento público, mais ainda se mostra agigantada a figura do crítico social, que na tentativa de passar o Brasil a limpo foi também um crítico dos costumes, um implacável gestor daquilo que mais tarde foi iden tificado como interesse público. Munido da verdade que julgava possuir, Tobias Barreto arquitetou para o Brasil uma sociedade organizada a partir do interesse dos próprios brasileiros, tendo a liberdade como fundamento da ordem, tendo o direito como uma conquista cultural, formando o cidadão, no micromundo da comunidade, e a 79 opinião pública, na universalização dos mesmos conceitos emancipadores. Sua obra pode até não ter sido concluída, mas são muitos os seus êxitos como intelectual ativo, conduzindo o processo de evolução cultural do seu tempo. NOTAS (1) Um Discurso em Mangas de Camisa, pronunciado em setembro de 1877, no Clube Popular Escadense, logo publicado nas páginas do Jornal do Recife, e em 1879 editado como plaqueta. (2) Não se tem, com exatidão, a data da primeira reunião do Clube. O próprio Tobias, em 1879, ao escrever uma pequena introdução ao Discurso, cita apenas o mês e o ano: setembro de 1877. Sabe-se, no entanto, que, através do jornal Um Signal dos Tempos, em 1874, ele convidou o povo para organizar uma sociedade. (3) John Locke. Segundo Tratado sobree o Governo (1681). In A Representação, Leituras Universitárias, Fundação Projeto Rondon, Brasília, sd. (4) John Stuart Mill. Consid erações .sobre o Representativo (1860-61). In A Representação, Universitárias, Fundação Projeto Rondon, Brasília, sd. Governo Leituras (5) Tobias Barreto. Menores e Loucos em Direito Criminal. II. Laemmert & D. Editores. Rio de Janeiro, 1884. (6) Correspondência de 22 de setembro de 1888. (7) Jackson da Silva Lima. Tobias Barreto e sua Atuação no Foro, que serve de Introdução à primeira parte deste volume, a de “Escritos Forenses”. O autor tratara deste aspecto da obra de 80 Tobias Barreto em artigo na Revista do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, nº 6, 1984, e no volume de Esparsos e Inéditos de Tobias Barreto, editado em 1989. (8) In Um discurso em Mangas de Camisa. (9) Lourenço Moreira Lima. A Coluna Prestes, Marchas e Combates. Editora Brasiliense, São Paulo, 1945. (10) “Lei dos Pobres”, citada em Cidadania e Classe Social, com base nas The Marshall Lectures, conferências dedicadas, em Cambridge, a Alfredo Marshall. Brasília, 1988. (11) In The Marshall Lectures, introdução de Walter da Costa Porto. Brasília, 1988. (12) In Um Discurso em Mangas de Camisa. (13) A Crença, nº 4, de 30 de maio de 1870. Tipografia do Correio Pernambucano, Recife. (14) Toda a polêmica de Tobias Barreto com os padres do jornal Civilização, do Maranhão, transcrita do Diário de Pernambuco, segundo semestre de 1883, está no vol ume Crítica de Religião, que integra a edição comemorativa das Obras Completas de Tobias Barreto, Record, 1989. (15) Luiz Antônio Barreto. “Tobias Barreto e seus seguidores” III. In Gazeta de Sergipe, Aracaju, 10 de março de 1989. (16) In Um Discurso em Mangas de Camisa. (17) Carta em manuscrito, original, encontrada por Luiz Antônio Barreto entre os papéis do senador Luiz Felipe, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Publicada na sua íntegra por Jackson da Silva Lima in Esparsos e Inéditos de Tobias Barreto, Aracaju, 1989. (18) As correspondências, certidões, registros de audiências estão no Arquivo Público do Estado de Pernambuco. Os textos citados, 81 copiados dos originais por Luiz Antônio Barreto, foram divulgados in “Tobias Barreto, um Agitador Social”, Diário de Pernambuco, 20 de novembro de 1987. (19) Luiz Antônio Barreto. “Tobias Barreto, Um Agitador Social”, Diário de Pernambuco, 20 de novembro de 1987. (20) Luiz Antônio Barreto. Tobias Barreto, a Abolição da Escravatura e a Organização da Sociedade. Recife, 1988. (21) In “Política Brasileira”, série de artigos de O Americano, Recife, 1870. (22) Epígrafe de O Povo da Escada, jornal editado por Tobias Barreto, em 1876. (23) Citado por Thomas Hobbes (1588-1679) in Leviatã, Capítulo XVI, conforme o caderno de Leituras Universitárias A Representação. Brasília, sd. (24) Tobias Barreto. Menores e Loucos em Direito Criminal. (25) O avulso “Copo em Punho”, objeto da denúncia no Foro escadense, circulou, conforme testemunho de Luiz de França Batista dos Santos, editado por Tobias Barreto na sua Tipografia Comercial. A tipografia foi adquirida de Antônio Pedro Gomes Magnata, morador de Afogados, bairro do Recife, cliente e amigo de Tobias. A montagem, na rua do Comércio, 22, em Escada, foi feita por José Francisco Durães. Ao escrever, em A Província, um dos seus artigos de crítica, Tobias revela a autoria do avulso “Copo em Punho”, o que leva a crer ser das primeiras manifestações jornalísticas do pensador sergipano em Escada. Sobre a vida de Tobias Barreto em Escada é recomendável a leitura de Escada e Joaboatão, memória apresentada por Samuel Campelo ao VI Congresso de Geografia, em 7 de julho de 1919. O autor recolheu do povo escadense o seguinte dito, atribuído a Tobias: “Os homens ilustres de Escada contam-se como os dedos de u’a mão ao se tomar uma pitada de rapé e ainda ficam dedos.” 82 TOBIAS BARRETO, A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E A ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE 83 A Dinâmica dos movimentos sociais nem sempre faz justiça aos que, de muitas formas, deles participam. É o caso de Tobias Barreto de Menezes, sergipano de Campos do Rio Real, que estudou Direito na Faculdade do Recife e se transformou no principal teórico brasileiro à testa do movimento renovador das idéias denominado de Escola do Recife, que ainda hoje repercute no Brasil e em algumas partes do mundo civilizado. O nome de Tobias Barreto não tem aparecido, devidamente, no amplo registro que se tem feito em todo o País por ocasião do Centenário da Abolição da Escravatura. É preciso reler, revisar e recontar a história do Brasil para que não sejam remetidos ao definitivo esquecimento os nomes daqueles que inovaram, e, de alguma forma, até revolucionaram a vida nacional brasileira. Tobias Barreto tem assento destacado entre as figuras que construíram o Brasil como povo. O movimento em defesa da liberdade dos negros escravos pode ser dividido em três fases distintas, cada uma com sua importância. A primeira delas, eminentemente literária, constou de um engajamento intelectual principalmente no Nordeste brasileiro, com ênfase para Pernambuco, tendo como maior expoente o poeta baiano Castro Alves (1847-1871). Seus poemas arrebatados de humanidade ecoavam como disparos destinados a sacudir a consciência escravocrata do 84 minante. Nos saraus, nas récitas, nas páginas soltas dos bandos, e nos livros, as vozes poéticas dos primeiros abolicionistas abriam caminho para uma luta mais ampla em defesa da liberdade. A partir de 1879, Joaquim Nabuco detonou uma movimentação enorme de imediata r epercussão social, em defesa da liberdade dos cativos. A imprensa passava a ter, muito mais que antes, o papel da tribuna permanente da discussão em torno da questão servil e da abolição da escravatura. Muitos vultos surgiram no cenário do combate, dentre eles André Rebouças, que aprofundava o estudo da abolição para desdobrá-la num projeto de longo alcance, segundo o modelo francês das fazendas centrais. Ao tempo em que tomava dimensão nacional a luta, eram criadas as Sociedades abolicionistas, eram fundados os jornais que nas Províncias sustentavam o fogo, em defesa da liberdade dos negros. Era a vibração da segunda e mais ruidosa fase do movimento abolicionista. A terceira e última fase, voltada para a libertação dos escravos e para a organização da sociedade pela via econômica do trabalho livre, tem em Tobias Barreto a sua maior liderança. E nesta fase, como se verá adiante, que a campanha abolicionista dilata seu alcance para um ampla crítica social, através da atuação, algumas vezes até planfletária, de Tobias Barreto, na tentativa de levar o povo à consciência da cidadania. O Nordeste da segunda metade do século passado era a região pobre, dividida entre os proprietários dos engenhos de açúcar, os criadores de gado, escravos e 85 agregados, distantes das decisões do Império. Na sua história estavam ainda vivas as cicatrizes das insurgências, guardando a ousadia e o heroísmo de muitos sonhadores de liberdade. Foi em meio a esta realidade que deslocou-se de Sergipe para Pernambuco o mulato Tobias Barreto de Menezes, a quem, muito injustamente, se comete a omissão e o distanciamento da causa da libertação dos negros. Injustiça, aliás, que vem de Evaristo de Morais e de outros autores citados e repetidos, até os dias atuais quando a omissão de alguns biógrafos alimenta a dúvida e estimula a condenação, como ocorreu com Medo à Utopia – O Pensamento Social de Tobias Barreto e Sílvio Romero – de Evaristo de Morais Filho, um incompleto ensaio que reprisa a mesma e surrada má vontade expressa anteriormente, em 1977, pelo mesmo autor quando da introdução ao livro A Questão do Poder Moderador e outros ensaios brasileiros, da Editora Vozes, organizado por Hildon Rocha. A biografia de Tobias Barreto de Menezes, desde que chegou ao Recife, em 1862, é facilmente resumível. Nos primeiros anos foi estudante de Direito, professor particular e jornalista. Nesta época é poeta da escola hugoana, ou condoreira, ao lado de Castro Alves, José Jorge de Siqueira e outros, arrebatando as platéias nos saraus, nos teatros, nas residências, nas praças públicas. Sua poética está afinada com seu tempo. Os jornais recifenses guardam seus poemas saudando os Volun tários de Pernambuco. Nas suas, se faz orador do povo. Nos jornais combate o clericalismo em memoráveis 86 polêmicas, enquanto professava a fé liberal através de uma série de 5 artigos sob o título único de O Homem e os Princípios. Participa de três concursos – dois para a cadeira de Latim do Curso Preparatório e um para a cadeira de Filosofia do Ginásio Provincial. Nos dois primeiros, concorreu com seu parente Padre Félix Vasconcelos Barreto, ficando no segundo lugar. No concurso de Filosofia, concorre com José Soriano de Souza e apesar de superá-lo nas provas perde o lugar. Ou seja: ganha, mas não leva. O episódio do concurso do Ginásio Pernambucano confirma definitivamente, a antipatia recíproca entre Tobias Barreto e o Clero. Formado em Direito vai advogar na Comarca de Vitória, fixando -se no termo de Escada, por motivos de família. Criada a Comarca de Escada Tobias Barreto se dedica aos estudos jurídicos, ao mesmo tempo que se lança ao domínio da língua e da cultura alemã e se fez, pelos seus pequenos jornais, quase volantes ou bandos distribuídos nas feiras, teórico da organização da sociedade. Em Escada Tobias Barreto amadurece a sua visão de crítico e de pensador, lançador as bases de uma nova ordem cultural e social. Dois exemplos, mais oque outros, ilustram esta afirmação: a fundação do Clube Popular Escadense, com o monumental Discurso em Mangas de Camisa, no qual utiliza o método estatístico para sublinhar as mazelas do município e a sua presença na Assembléia Provincial, como deputado, defendendo direto novos como aquele em favor da mulher. De volta ao Recife, Tobias Barreto entra na última fase criadora de sua vida de intelectual, como 87 professor da Faculdade de Direito e como líder de um movimento fecundo, de grande repercussão nacional, conhecido sob a denominação de Escola do Recife. Pernambuco estabelecia, no Nordeste, o compromisso engajado da sua Faculdade de Direito, em contr aponto ao descompromisso da Faculdade de Direito de São Paulo, onde uma geração de poetas abstraía a realidade de uma sociedade em formação para intimizar seus sentimentos e seus perplexidades. Mais uma vez Per nambuco evoca para si os vínculos com a nacio nalidade, com as causas sociais, com o futuro, deste feita tendo à frente a figura de Tobias Barreto. Como muitos poetas do seu tempo, Tobias Barreto também engajou a sua poesia na defesa da liberdade dos negros. E o fez de três formas: exaltando a morena, mestiça brasileira, deplorando a escravidão, de forma explícita, e inflamando as massas em torno das idéias de liberdade. Cantando a morenidade,Tobias Barreto toma o tema em O Beija-flor, de 1860: “Neste empenho o seis ambos Deixa ver, inconhos jambos De algum celeste pomar.” (1) Repete-o em Lenda Civil, de 1865: “Inflamável morena, que esperdiça De seu rosto suado as bagas de oiro. Anda, brinca, sorri, deusa morena.” 88 Em Tabaréus, de 1866, o poeta colhe a cena popular e nele insere sua predileção pela musa mestiça: “Amor de minha morena? Quebrantos de seu olhar? Consta-me que há muito arrojo Nos festejos de São João. Vim hoje ver a novena E conversar com a morena Que trago no coração. Conversar? e vim disposto. A carregá-la também.” Mais tarde, já em Escada, pai de filhos, sublima a tentação pelo sonho com a mulher amada. Os versos são de Brincadeira, 1874: “Bastos, crespos cabelos de mulata, Sendo ela aliás de pura raça ariana, Olhos d’águia, mãozinha de criança Boca de rosa e dentes de africana... É esta a imagem que peguei num sonho Sonho de amor, febril e delirante; A mais moça, a mais quente das dez virgens, A que o reino dos céus é semelhante.” 89 Ao lado do cântico moreno, Tobias Barreto explicou sua participação poética na tua abolicionista, com o poema A Escravidão, de 1868. “Se Deus é quem deixa o mundo Sob o penso que o oprime, Se ele consente o crime, Que se chama escravidão, Para fazer homens livres Para arrancá-los do abismo, Existe um patriotismo Maior que a religião. Se não lhe importa o escravo Que a seus pés queixas deponha, Cobrindo assim de vergonha A face dos anjos seus, Que em delírio inefácil, Praticando a caridade Neste hora o mocidade Corrige o erro de Deus.” Não ficou no poema único. A mesma temática ressurge em Ignorabimus, o antológico soneto, e em outros poemas tobiáticos. Em 1881, quando do cerco à sua casa, em Escada, mais uma vez Tobias Barreto recorre à poesia para expressar sua margura: “Cercam-me a casa p’ra tirar escravos... O juiz que tal ordem preparou 90 É mais negro que o negro da senzala, Pois a reles mandões se escravizou. Esses cativos só brandura querem Nos grilhões das cadeias onde estão Mas o senhor despótico é quem mancha A própria mancha dessa escravidão.” Erra quem compara a produção poética de Tobias Barreto com a de Castro Alves. São coisas diferentes, incomparáveis naquilo que se relaciona com a temática. No entanto, enquanto o poeta baiano se fixa no tema da libertação dos negros, Tobias Barreto avança dilatando o conceito de liberdade, como um plan fletário a mobilizar a opinião pública em torno de outras questões, correlatas. São exemplos da agitação das massas os versos de A Polônia, de 1864: “Só é grande a liberdade eu sacode a majestade E arranca a juba dos reis.” Desde aí que Tobias Barreto investe contra a Monarquia brasileira, ao tempo em que exalta o nacio nalismo como no poema Sete de Setembro, de 1865: “Rolam os astros, os dias, E o grande dia não vem: Cada povo o seu Messias Aguarda, espera também; 91 Suporta, suspira, anseia Pelo homem, pela idéia, Que passa e se faz Nação... Para que tudo estremeça, Basta erguer-se uma cabeça, Cheia de revolução.” Revolução, está aí uma palavra aplicável ao compromisso de Tobias Barreto, em todas as manifestações do seu talento, até os últimos dias de s ua vida, no gesto audaz de quem enfrentando incompreensões, dificuldades, insiste em manter-se no combate das idéias revolucionárias. Em Decadência, poema de 1870, o sergipano ameaça: “Por que não te ergues, ó Brasil fecundo, Por vastas ambições, por fortes brios? Que glória é esta de mostrar ao mundo, Em vez de grandes homens, grandes rios?... Que o povo fale, isto [e, prenda na boca A escuma, a raiva, o fel dos oceanos E a brasa dos vulcões! Matéria pouca Para cuspir na face dos tiranos. Tiranos? Sim que matam o progresso, Que sufocam a luz e o direito. Para quem toda a idéia é um excesso... 92 Nas ruas de Pernambuco, como orador do povo, Tobias Barreto alimentava o sentimento nacional com frases assim – “a Pátria somos nós” – dita perante os Voluntários pernambucanos, de volta da Guerra do Paraguai. Mais do que o lastro humanitário dos poetas, Tobias Barreto impregnava a sua participação de uma antevisão política, como que a pregar uma campanha cívica, patriótica, pela mocidade, assim chamados os estudantes, tanto para libertar os escravos, como para corrigir “o erro de Deus”. No batente da imprensa pernambucana, no jornal recifense A Crença, em 1870, Tobias Barreto patrocina editorias com textos assim: “Se houver a imprudência de aí erguer-se um brinde à liberdade de consciência, o Brasil não o poderá acompanhar, porque mantém em si a escravidão religiosa; se um brinde à liberdade natural ou civil, o não poderá satisfazer, porque tem o escravo; se um brinde à liberdade política, o não poderá satisfazer, porque não tem o cidadão.” (2 ) Está aí uma temática que conviveu na variada obra de Tobias Barreto: na imprensa, nos discursos, nos livros. Recolhido ao interior, como advogado e mais tarde Curador dos Órfãos, vereador à Câmara Municipal de Escada, deputado liberal à Assembléia Provincial de Pernambuco, e Juiz Municipal Substituto. Em Escada, Tobias Barreto de Menezes praticou essa tríplice busca: da liberdade religiosa, da liberdade aos negros e da organização da sociedade e afirmação do cidadão. Consciente de que Escada, com seus 120 engenhos 93 ditando sua vida, era uma representação pernambucana, Tobias Barreto foi um agitador a bradar contra as formas de injustiça que uniam, não raro, a Igreja, a justiça e o poder constituído. Para combatê-los, em todas as frentes, Tobias dispôs de uma tipografia montada para editar seus jornais, muitos dos quais distribuía gratuitamente, na feira, com o povo. Um Signal dos Tempos, 1874, A Comarca de Escada, 1875, Devaneio Literário, 1875, O Povo de Escada, 1876. O Escadense, 1877, Aqui para nós, 1877, A Igualdade, 1878, Contra a Hipocrisia, 1879, a revista Estudos Alemães, 1880, e O Martelo, 1881, eram os veículos de comunicação direta de Tobias Barreto com o povo escadense, tratando de uma variedade imensa de questões, percorrendo um largo espectro do conhecimento, com o direito, a filosofia, a religião, a sociologia, a literatura, as artes, mas também as peculiaridades locais, muitas delas ligadas “as três desgraças”, mais tarde fixadas por Lourenço Moreira Lima, Secretário Oficial da Coluna Invicta, no final da década de 20 deste século: “o chefe político – um coronelão boçal que furta as rendas do município – o juiz, a serviço dos fazendeiros e o delegado venal e subserviente.” (3 ) Está no jornal O Povo de Escada, de 1876, a frase: “Nós cremos na soberania do povo. Ele há de despertar.” (4 ) Mais do que a idéia, há a prática. Tobias Barreto fundou, em 1877, o Clube Popular, pronunciando o célebre Discurso em Mangas de Camisa, que a imprensa recifense – o Jornal do Recife – publica com 94 destaque no mesmo ano. Nele, traçando um painel da realidade escadense e pernambucana, Tobias Barreto conclui: “O Clube Popular Escadense, meus senhores, não nutre pretensão, que seria ridícula, de vir levantar um dique de resistência contra a co rrente de tantos males, cujo ligeiro esboço acabo de fazer, mas tem o intuito de incutir no povo desta localidade um mais vivo sentimento de seu valor, de despertar-lhe a indignação contra os opressores, e o entusiasmo pelos oprimidos. E há momentos, já disse com razão alguém, em que o entusiasmo também tem direito de resolver questões.” (5) Um Discurso em Mangas de Camisa é, ainda hoje, um notável documento que radiografa, com perfeição, a realidade nutrida pela açucarocracia pernambucana, como gostava de nomear, Tobias Barreto, aos coronéis senhores de engenhos, divididos, artificiosamente, em liberais e conservadores, alternando-se, sempre, no Poder. Não apenas o Clube Popular, mas também a ação pessoal de Tobias Barreto como advogado pode ser inserida em sua biografia de agitador social. Em Escada, nas audiências, o povo era presença constante, locando as dependências do foro, aplaudindo a cada frase o orador que defendia uma nova intuição do direito, ao tempo em que pregava a organização livre da socied ade. Em 1879, escrevia no seu jornal Contra a Hipocrisia: “Eu desejo a abolição de todas as instituições caducas, que são outras tantas afrontas à dignidade do homem; desejo a extinção de todas as excrescências, de todos os órgãos rudimentares e deturpantes da sociedade humana. 95 Neste caso está, sem dúvida a escravidão. Porém en tendamo-nos: neste caso está também a Monarquia.” (6) Foi, no entanto, em 1881, ainda em Escada, que Tobias Barreto tomou mais a sério a sua participação na luta abolicionista, ao declarar livres os escravos que herdara do seu sogro, bem assim os demais que pertenciam ao mesmo inventário e que mereceram dele uma petição, dirigida ao Juiz, para alforriá-los. Em carta a seu amigo e conterrâneo Sílvio Romero, Tobias diz: “Não deve passar desapercebido que eu, reagindo contra o inventariante dos bens do meu sogro, que requerera o cerco da casa, para apreensão dos escravos do inventário, que me tinham procurado, alforriei a to dos.” (7 ) A atitude foi a gota d’água, pois cercada a casa pela polícia, tendo a justiça em seu encalço como incurso por delito de imprensa, Tobias Barreto não teve outra alternativa, que não a de retornar ao Recife, para continuar vivo. A luta de Escada, tão bem referenciada na imprensa recifense, aponta o confronto entre o advogado e tantas vezes Curador de Escravos nas audiências da Comarca e a Justiça, a serviço dos escravocratas. Mais do que a denúncia do próprio Tobias Barreto, nas cartas em que relata o cerco à sua casa, aos insultos de Cabra, de Bode, de Turco dos Diabos e outras ofensas, vale reproduzir trecho da correspondência dirigida ao então Presidente da Província de Pernambuco, José Antônio de Sousza Lima, pelo Juiz Municipal José Brandão da Rocha. Diz o Juiz: “1º - Que foi expedido o mandado de apreensão, a requerimento do dr. Samuel Pontual na 96 qualidade de inventariante do espólio do Cel. João Félix dos Santos; 2º - Que por força do mesmo mandado, foi cercada a casa do dr. Tobias Barreto de Menezes, onde se achavam os escravos e foram apreendidos, depois de muita resistência por parte do mesmo dr. Tobias.” (8 ) Não poderia haver mais exata e nem melhor certidão do comportamento libertário de Tobias Barreto, frente aos escravos, do que o documento do Juiz Municipal. Dr. José Brandão da Rocha não fora o primeiro Juiz a merecer censura por causa do envolvimento com os senhores de escravos. Antes dele, Jerônimo Materno Pereira de Carvalho foi acusado de proteger alguns senhores de escravos alforriados pelo Fundo de Emancipação. Tobias Barreto chamava a atenção, a propósito, para o uso indevido do Fundo de Emancipação, que geralmente beneficiava ao senhores mais importantes e de maior poder político, citando o exemplo de “um escravo já idoso, pertencente ao dr. Epaminondas de Barros Correia, Vice -Presidente da Província, foi avaliado em 1.800$000, o passo que um outro, mais moço e mais sadio, de profissão igual a daquele, mas de propriedade de Francisco Urbano, que não tem a posição política do seu Epaminondas, foi avaliado em 900$000.” (9 ) A denúncia, faz parte da defesa levada a efeito por Tobias Barreto, em novembro de 1880, em favor do Coletor João Batista Gomes Pena, através do artigo intitulado “A Justiça da Escada”, publicado no Jornal do Recife de 2 de dezembro de 1880. 97 Mais do que alforriar escravos, defendê -los como Curador, e protegê-los como advogado fiscalizando a ação da justiça, Tobias Barreto dedicou parte de sua permanência em Escada para denunciar as diversas formas de injustiças ali praticadas contra os negros e contra o povo. Num pequeno artigo int itulado Dê Remédio quem Puder, publicado no jornal Um Signal dos Tempos, ele narra um fato que é, a um tempo, um quadro de penúria e um grito de revolta: “Tivemos de presenciar aqui, há poucos dias, o triste espetáculo de um escravo doente, abandonado por seu senhor, que veio a esta cidade mendigar o pão. Aí esteve com efeito exposto sob o telheiro da feira, despertando a compaixão sobre ele e a indignação sobre o senhor sem alma, que assim o expelira de casa. Dizem ser João Lopes Ferreira, do Engenho Capindão; e não é a primeira vez que deste modo procede. Seria bom que se lhe fizesse aplicável o parágrafo 4º do artigo 6º da Lei de 28 de setembro; menos por amor de uma liberdade que se importa pouco ao infeliz, do que para obrigar o bárbaro senhor a aliment á-lo.” (10 ) O texto é de 31 de outubro de 1874. Ainda em Escada, em 1875, Tobias Barreto escreve no jornal Desabuso que “Repugna aos sentimentos da dignidade humana ver-se um homem, nosso igual, escravizado a um senhor, como seu instrumento de trabalho.” (11 ) No mesmo ano de 1875, a propósito do tratamento de Cabra, Tobias Barreto, no mesmo jornal, esclarece sua posição perante a chamada fidalguia pernambucana: “O escritor destas linhas que não tem 98 outros títulos de nobreza, senão a honra dos seus pais, está disposto a não apelar da sentença, com que aqui se o condenou a ser um cabra, no sentido pernambucano da palavra” – (segundo Pereira da Costa, no Vocabulário Pernambucano, Cabra, Bode, é o mestiço de negro, é mulato). Continua Tobias: “Assim fique assenta do que eu aceito o apelido. Entretanto, importa observar que a nós, os cabras é que pertence o futuro, pois somos nós quem tem a preponderância do número. Dest’arte suponhamos que os cabras aqui da cidade, por exemplo se reunissem para dar uma surra de cansanção e uma ajuda de malaguetas em todos os brancos, reais e presumidos, qual é o que teria a coragem de afrontar o martírio de sua branquidade?” (12 ) Os biógrafos de Tobias Barreto, ainda não levantaram, completamente, a presença intelectualmente rica, genial mesmo, do autor de Estudos Alemães em Escada. Pois o farto material existente no foro, nos jornais, certamente desmentiria a malfadada omissão de que alguns escritores e críticos têm tratado, na questão da abolição. O já citado Evaristo de Morais Filh o com certeza mudaria a sua opinião de que “Tobias foi mais do que um omisso ou um ausente, foi um desafeto”, contida na página 159 do livro Medo à Utopia. (13 ) Nem omisso, muito menos ausente, como é fácil provar com fatos, com textos, com documentos, algu ns dos quais ainda inéditos. Desafeto, pode ser, de algumas das muitas figuras que foram, a um tempo, abolicionistas e monarquistas, que festejaram a Lei Áurea da Princesa Isabel e que enviuvaram, a seguir, com a 99 proclamação da República. Desafeto, talvez, com os abolicionistas que queriam importar braço da Europa para uma colonização que isolava o negro a ser libertado. Mais do que defender a abolição da escravatura, Tobias Barreto defendeu uma nova ordem política, econômica e social. Em 26 de março de 1878, no jornal O Escadense, ele dá a receita do desenvolvimento: “Criar escolas para o ensino agrícola, abrir vias de comunicação, fundar bancos rurais, que livrem os agricultores da agiotagem dos correspondentes, animar e facilitar todos os trabalhos que aumentem o valor da terra, essa mina inesgotável e sempre generosa da fortuna dos povos, eis a missão do governo.” (14 ) Inimigo da escravidão, mas também da Mo narquia, Tobias Barreto cunhava frases que tinham gran de efeito e que provocavam, não raro, o mis to de admiração e de repulsa, entre admiradores e desafetos. Em 1879, em Escada, escreve: “A enxada ou a foice na mão do escravo que só trabalha para outrem, é de fato um hediondo anacronismo; não é menos hediondamente anacrônico o simbólico cetro na mão do Imperador, que é um mendigo ilustre, que só consome e nada produz.” (15 ) Mais do que futucar o Imperador. Tobias cumpre o papel de crítico da celebrada Lei de 28 de Setembro, dizendo: “Chamo a atenção para o seguinte: O artigo 1º, parágrafo 1º da lei det ermina que os ingênuos ficarão em poder dos senhores de suas mães até a idade de 8 anos; depois do qual os senhores terão a opção ou de serem indenizados pelo Estado, entregando 100 lhe os mesmos ingênuos, ou de utilizarem-se dos seus serviços até 21 anos completos.” (16 ) Tobias Barreto concluía seu juízo mostrando que a lei criava analfabetos obrigados, que mais tarde, por força da reforma eleitoral, ficaram sem direito de votar. Logo, a lei libertava o ventre, mas não criava o cidadão. Ainda hoje muitos não compreendem como alguém – e no caso Tobias Barreto – pode defender a abolição da escravatura e ao mesmo tempo condenar a legislação anterior, como a Lei de 28 de setembro. Fosse apenas um abolicionista, preocupado única e exclu sivamente com o fim da escravidão, e poderia ser exigido de Tobias que ele silenciasse o seu comentário com relação a Lei do Ventre Livre. Mas, o que movia o pensador era a visão mais ampla do problema social, que assimilava e de algum modo engolia o drama racial. Tobias Barreto cobrava leis que mais do que a liberdade de ir e vir, desse a liberdade de sobreviver com dig nidade. Ao contato com toda a sua obra, colhe -se a coerência que justifica sua posição nova, inovadora, além dos limites de todas as propagandas e campanhas. Após o famigerado cerco à sua casa, ameaçado e ofendido, Tobias Barreto retorna ao Recife, aquela mesma “cabocla civilizada” a quem dedicara um poema, logo ao chegar de Sergipe, e continua firme na defesa das liberdades. Lança-se com afinco aos livros, produz para os jornais e participa da vida intelectual e social pernambucana. Em Glosas Heterodoxas a um dos Motes do Dia, ou Variações Anti-sociológicas, Tobias Barreto expõe, 101 sem temos, seu pensamento: “Realmente eu digo que o característico da sociedade é lutar co ntra a luta natural pela existência, tratando sobretudo de corrigir seus maus efeitos. Ser natural não livra de ser ilógico, falso e inconveniente. As coisas que são naturalmente regu lares, isto é, que estão de acordo com as leis da natureza, tornam-se pela maior parte outras tantas irregularidades sociais; e como o processo geral da cultura, inclusive o processo do direito, consiste na eliminação destas últimas, dará o antagonismo entre a seleção artística da sociedade e as leis da seleção natural. Assim, e por exemplo se alguém hoje ainda ousa repetir com Aristóteles que há homens nascidos para escravos, não seja motivo de estranheza. Sim – é natural a existência da escravidão. Há até espécies de formigas, como a polyerga nibescens, que são escravocratas; porém é cultural que a escravidão não exista.” (1 7) 1822 é o grande ano da afirmação intelectual de Tobias Barreto. Na Faculdade de Direito ele faz con curso para Lente Substituto e arrebata a platéia de professores e estudantes com suas novas idéias, como a de que “O ensino deve ser gratuito e obrigatório”, (18) embutida na sua tese, e que ainda hoje, mais de 100 anos depois, ainda é uma palavra de ordem dos grupos progressistas e engajados que lutam em defesa da sociedade brasileira. Poeta e orador, compositor e crítico musical, Tobias Barreto é convidado constante dos saraus artísticos, das tertúlias, dos encontros culturais pernambucanos. 102 Estava sempre entre os primeiros oradores e foi ele o primeiro inscrito para falar na festa do dia 9 de julho de 1883, em homenagem ao compositor Carlos Gomes, quando seriam libertados dois escravos. O Diário de Pernambuco de 8 de julho diz que “Às 4 horas da tarde em ponto, partirão do largo do Arsenal da Marinha, incorporados e precedidos da Banda Musical do Corpo de Polícia, indo no centro da marcha o carro triunfante com o símbolo do Guarani, seguindo -se a Comissão promotora da festa após da qual irão os escravos libertos em honra do laureado maestro.” No seu discurso emocionado, Tobias Barreto diz a Carlos Gomes: “Depois de mil preitos rendidos à sua pessoa, chegou também momento de esquecermo -nos dela, para somente prestarmos homenagem a uma de suas grandes obras. Mas, vêde bem; essa obra não é nenhuma das suas brilhantes composições musicais, é um produto muito mais brilhante, porque é um ato humanitário, porque é a liberdade, em seu nome e por sua causa, restituída a dois infelizes.” (19 ) Não seriam estas as únicas palavras de Tobias Barreto em favor dos escravos do Recife. Nem aquele, o único ou último ato público do pensador sergipano em defesa da liberdade dos negros. Ao ingressar na So ciedade Nova Emancipadora, encarregada da libertação do município do Recife, Tobias Barreto se faz orador de suas solenidades e diante das multidões assume sua condição de abolicionista, em plena campanha, ao ano de 1883. Um original manuscrito, ainda inédito em sua vasta obra, dá a verdadeira dimensão do homem público, 103 do intelectual engajado, do agitador social, do orador da liberdade. Vale a longa citação da oração de Tobias Barreto diante dos membros do Clube Carlos Gomes, no Recife. “Senhores do Carlos Gomes, A Sociedade Nova Emancipadora, a que tenho a hona de pertencer, encarregou-me de vir, em seu nome, manifestar-vos os seus sentimentos de profunda gratidão pela generosidade com que vos dignastes de prestar o vosso auxílio à causa que ela defende. Refiro -me ao concerto dado em seu benefício no dia 19 do corrente, cujo produto econômico foi destinado à libertação de tantos escravos que hoje aqui mesmo, e para melhor (acentuar) a parte da glória que tendes em semelhante feito, vem receber os seus títulos de liberdade. Não foi sem um certo propósito que eu usei a expressão produto econômico destinado à alforria de alguns escravos, pois que o concerto que destes, também tem um produto moral, que há de contribuir o mais cedo possível, nós o esperamos, sim e como disse o americano Emerson, não há esperança, bem nutrida e bem fundada, que não traga já em si o princípio da sua realização. Prezado Clube Carlos Gomes, A Nova Emancipadora tem motivos bastante valiosos para dar um grande peso ao auxílio que lhe prestastes. Além do fato altamente meritório de concorrerdes assim para o bem da humanidade, o que 104 em toda e qualquer condição seria digno de louvor, acresce que nas circunstâncias do momento, diante da luta travada com as larvas do passado que querem sufocar no horizonte a estrela do futuro, houve de vossa parte um ato de coragem em tomardes o nosso lado, um ato de heroísmo não comum nessa profissão de fé cantada, nessa declaração feita por música de que sois também adeptos da idéia que nos anima. Prezados do Carlos Gomes, Eu não vim fazer um discurso, nem aqui se trata de discursar, mas é bom nunca perder de vista as dificuldades do problema que nos propomos resolver, nunca deixar de estar atentos para a carranca da esfinge, que nos diz: decifrai-me, ou eu vos devoro. Sim, Prezados do Clube – Jacta est alea – nós aceitamos a luta com os deuses, nós ousamos querer galgar o cimo da montanha e dar combate ao abutre que rói as entranhas de Prometeu. Nesta conjuntura é muito natural que os rochedos rolados do alto tentem embargar a nossa passagem. E eles, com efeito continuam a rolar, como nós também continuamos a subir.” (20) Está aí mais do que uma bela peça de retórica do mestre. Está um compromisso em pleno resgate, na mais insofismável participação, que, revelado, não tem o sentido de querer a glória tardia para adornar o perfil de Tobias Barreto, mas apenas registrar o fato, com toda a sua integridade histórica, toda a sua importância social, toda a sua responsabilidade cultural. A presença de Tobias Barreto integrando a Sociedade Emancipadora é 105 citada por Coriolano de Medeiros, no Movimento da Abolição no Nordeste, no O Livro do Nordeste, de 1925. Ao lado de Tobias Barreto, formando uma “Comissão de Homens Ilustres” figuravam Barros Sobrinho, João Barbalho, Braz Florentino, Barros Guimarães, Paula Baptista, Figueiroa de Farias, José de Vasconcelos, Martins Júnior, Gomes de Matos e Artur Orlando, com a incumbência de promover a libertação no município do Recife.(21) No Manifesto da Nova Emancipadora, lançado em 31 de março de 1883, há um recado: “Podem os senhores de escravos dormir tranqüilos acerca dos intuitos da Comissão Emancipadora do Município do Recife, que são os mais legítimos e honrosos.” (2 2) O insuspeito Mauro Mota, voltando a tratar da Sociedade Nova Emancipadora, diz em artigo intitulado O Recife no Tempo da Escola do Recife, publicado no Diário de Pernambuco, em 11 de agosto de 1977, que “Ultrapassando o proselitismo, a Escola do Recife acompanha as reivindicações do seu tempo. Apesar do Hino Abolicionista (Os dois tribunos da Pátria/no Congresso Nacional/Mariano a nossa glória/Nabuco nosso fanal) Tobias e Artur Orlando dirigem a Comissão Emancipadora do Recife. Assumindo como seus, os compromissos da Sociedade Nova Emancipadora do Recife começa a circular, a partir de 9 de abril de 1883, o jornal O propulsor, que também proclama a organização do trabalho livre, através do editorial – O Motivo e o Fim deste Jornal. (23 ) 106 A fama de Tobias Barreto espalha-se por todo o Nordeste, por conta de suas colaborações na imprensa, pela sua passagem pela Assembléia Provincial, onde defendeu, magistralmente, o direito da mulher, seu germanismo, seu concurso na Faculdade, sua obra literária e, também, sua participação ativa nas lutas abolicionistas. Viaja a Sergipe e na passagem por Maroim, centro comercial importante, é festejado e homenageado em sessão especial do Gabinete de Leitura. O coronel José de Faro Rollemberg, após ouvilo entusiasmado enaltecer a mocidade sergipana, abraçao e manda anunciar, pelo dr. João Moreira de Magalhães, que, em sua homenagem, alforriava uma escrava. O fato está contado por Joel Aguiar, em livro de 1927 sobre o Gabinete de Leitura de Maroim. (2 4) De volta ao Recife continua a luta. Pereira da Costa o relaciona entre os benfeitores que contribuíram para os festejos da libertação dos escravos no Ceará, em 1884. Em 1885, a Associação Mista Redentora dos Cativos e Protetora dos Ingênuos promove, no dia 19 de maio no Teatro Santa Isabel, uma Sessão Literária para arrecadar fundos para a libertação dos negros. No convite o destaque: “Nela tomará parte o talentoso e ilustrado dr. Tobias Barreto de Menezes.” (2 5) Na Faculdade de Direito, então já um centro irradiador das idéias renovadoras de Tobias Barreto e de outros que se agrupavam em torno da Escola do Recife, os programas refletiam as mudanças propostas pelo combativo sergipano. João Viera, professor da Faculdade, inclui no programa de Direito Civil o Direito 107 Autoral, idéia nova de Tobias Barreto, conforme comentário de Benilde Romero, em O Sahara, de abril de 1883. Comentando o livro Lendas e Superstições do Norte, de João Alfredo de Freitas, Tobias Barreto defende mais estudo para determinar o quinhão africano na gênese das lendas e superstições populares, e ensina: “A parte da introdução relativa ao africano, como fator da superstição brasileira, permita que lhe diga, merecia um pouco mais de pesquisa. Da pouca ou nenhuma religiosidade dos negros não deriva logicamente que eles deixassem de ser supersticiosos, que não tivessem muitas fábulas e lendas grosseiras, que bem puderam chegar até nós e incorporar-se aos nossos contos.” (26 ) O germanismo de Tobias Barreto, que não significa apenas o domínio da língua e da cultura alemã, mas também afinidades com a evolução filosófica, econômico e jurídica, fez com que o Príncipe Henrique, da Prússia, irmão do mais tarde Imperador Guilherme II, em cruzeiro pelo mundo, ao tocar o Recife, a bordo da corveta Olga, manifestasse int eresse em conhecer o pensador sergipano. Em casa, de blusa de pijama, Tobias saudou aquela visita dizendo: “Permita a este caboclo te abraçar, filho da Germânia.” (27 ) Caboclo, Tobias Barreto parecia encontrar sua condição nordestina, como ele próprio dizia “indivíduo de uma raça, ou sub-raça, que ainda se acha em vias de formação.” (28 ) Poucos, como Tobias Barreto, ousaram tratar da questão racial brasileira, quando a realidade da misci108 genação conflitava-se com as teorias arianas vigorantes. Diz Tobias: “Quanto ao ponto relativo às raças, - isso é apenas o efeito de outra mania do nosso tempo; a mania etnológia. Eu quisera que Lilienfeld viesse ao Brasil, para ver-se atrapalhado com a aplicação de sua teoria ao que se observa entre nós. As chamadas raças inferiores nem sempre ficam atrás. O filhinho do negro, ou do mulato, muitas vezes leva de vencida o seu coevo de puríssimo sangue ariano.” A questão racial, da forma como foi tratada, tornou-se mais um legado do “mulato de Sergipe”, como ele próprio proclama va, mais tarde inventariado e genialmente estudado por Gilberto Freyre, no conjunto de suas obras antecipadoras. São também múltiplos os campos de estudos sugeridos pela vida e pela obra de Tobias Barreto. Voltando sempre ao tema, ao discursar, em 1884, em julho, numa solenidade acadêmica, não abre mão do entendimento do direito, ao explicar o que entendia como antíteses do direito: “... o direito in fieri e o direito factum, o que se faz e o que se passa, ou melhor o direito novo e o direito velho, de que é exemplo, quanto ao primeiro, a questão do dia – o Abolicionismo – direito que se forma, que está lutando para garantir -se, o direito da liberdade dos escravos, e a propriedade escrava, direito já feito, sobre o qual a lei dispensa proteção.” (29) É com O INDUSTRIAL, finalmente, que anuncia o encerramento da escravidão e lança as bases de uma sociedade progressista. É do primeiro número da publicação: “A abolição da escravidão caminha com 109 uma tenacidade irresistível – tanto mais forte quanto mais necessária infunde-se pela força natural da lei do progresso, que não conhece barreiras em sua marcha impetuosa e fatal. À semelhança desses organismos, que uma vez preenchida sua missão em uma certa época, tendem naturalmente para a decomposição e subse qüente desaparecimento, a escravidão é uma questão vencida.” (3 0) Sem faltar com sua participação nas duas fases da luta, Tobias Barreto liderava, ele próprio, uma terceira e última fase abolicionista, voltada para o trabalho livre, para a perspectiva do desenvolvimento econômico e social, embasado numa certa ideologia do progresso. A fase começa em 1883 com a publicação, em janeiro, do primeiro número da revista de indústrias e artes O INDUSTRIAL, de propriedade da fábrica Apolo. A revista, redigida por Tobias e mais três professores da Faculdade de Direito – José Higino, Barros Guimarães e Graciliano Baptista – circulou mensalmente por todo o ano de 1883 e defendeu, tanto nos editoriais redigidos por Tobias Barreto, como em artigos de seus colaboradores, inclusive o próprio intelectual sergipano, a dignidade do trabalho, libertando o homem do papel de motor, apresentando-o como condutor de forças. Uma novidade que casava bem com o pensamento de Tobias, de que “não somos nós que temos tudo a esperar do futuro; é o futuro que tem tudo a esperar de nós.” (31) O novo jornal começa a circular em 15 de janeiro de 1883 e seu ideário pode ser resumido assim: 110 Atualizar as forças de trabalho com os últimos progressos da ciência e da técnica, nos domínios superiores da atividade industrial; esclarecer que a riqueza privada de quem quer que seja não fica exposta a perigo algum pelo fato de procurar-se aperfeiçoar a indústria existente, criar novas e contribuir para a consecução de todos os melhoramentos necessários à fe licidade e bem-estar social; garantir o direito de informação sobre qualquer processo industrial e artístico; prestar assessoria jurídica em negócios industriais e artísticos; fundar a manter Asilos Agrícolas; fundar Bancos Populares para os Operários; Bancos Provinciais com juros moderados e pagamentos a longo prazo; habilitar os industriais e artistas aos grandes recursos que a adoção de máquinas pode proporcionar -lhes; renovar o pensamento de tudo depender -se dos Governos, como erro que os bons princípios econômico s fulminam e condenam; e transformar e modificar o País de acordo com as tendências e leis do progresso. Eis aí, a síntese de uma plataforma que incorporava a idéia, o método, o modelo de organizar a economia para a produção industrial, a partir do trabalho livre.” (3 2) O surgimento de uma publicação dedicada aos novos tempos, no Nordest4e, coincide com a nova ordem de idéias que sacudiam a Europa e que chegavam ao Brasil, modernizando a economia. Capitais europeus, muitos deles fugindo do avanço socialista e das conquistas dos trabalhadores, são transferidos para o Brasil e participam da alavancagem industrial. O Nordeste, apesar dos esforços, não acompanhou o desenvol111 vimento do centro-sul, passando a exportar sua mão-deobra, grandemente desqualificada, para concorrer com o operariado paulista, formado, em parte, por estrangeiros. O INDUSTRIAL não tinha forças para garantir a implantação de uma nova ordem econômica, sintonizada com a evolução dos países civilizados do mundo, tangidos pelos ventos progressistas, e interpretados pela aguda percepção da realidade de Karl Marx, a quem, desde 1883, Tobias Barreto dedicara atenção, citando O Capital, edição alemã, em 2 volumes, que possuía entre os livros da sua grande estante germânica. (33 ) Mas, certamente, era um veículo de propaganda, valioso para a fixação de um modelo novo, atualizado, capaz de promover o desenvolvimento por igual da sociedade, partindo do trabalho livre e da mentalidade produtiva industrial. A fase da luta em defesa da libertação do negro encontrava uma proposta concreta de saída para a crise no qual o País, escravocrata e atrasado, estava mergulhado. Houve, então, grande eco. Passaram a ser comuns, por exemplo, as exposições de “artes e de indústrias”, desde 1882 sugeridas pelo próprio Tobias e por outro como Antônio Pepes Barreto de Vasconcelos. As sociedades organizadas em função das novas idéias, tentam harmonizar os direitos dos oprimidos com o interesse da ordem social, enfatizando que em nome da prosperidade nacional, que só progrediria com o trabalho livre. O Congresso Agrícola de 1884 foi, no dizer de Manoel Gomes de Matos, (34 ) uma reação dos senhores de escravos e de terras, atestando o incômodo da 112 pregação tobiática e de outros engajados na linha de O INDUSTRIAL. Agitador, e por isto mesmo combatido de todas as formas, polêmico e nesta condição desafeto de Castro Alves, com quem trocou desaforos pela imprensa, ainda quando estudantes do curso jurídico, e de Joaquim Na buco, a quem destratou, também pela imprensa, Tobias Barreto não foi destacado pelos historiadores do mo vimento abolicionista. A verdade histórica, no entanto, é que recomenda uma luz nova sobre o passado, resgatando não apenas a maiúscula e esclarecida figura de um homem genial, pobre e mulato, que foi identificado por Haeckel como parecer pertencer à raça dos grandes pensadores, agora que se aproxima o duplo evento do Sesquicentenário do seu Nascimento e Centenário de sua Morte, 1989, mas para fazer justiça ao seu papel de abolicionista, defensor do trabalho livre, teórico da organização da sociedade, a partir das profundas investigações e reflexões que fez ao longo do seu contato com o povo. Ao chegar o dia 13 de maio de 1888, já doente e afastado da Faculdade de Direito, Tobias Barreto atende ao apelo dos estudantes e esculpe a frase que encima, na primeira página do jornal especial em homenagem ao dia da abolição – A ACADEMIA: “A honra do trabalho livre – já o disse alguém – é a condição fundamental da saúde de qualquer Estado, principalmente de uma democracia. Está, pois, lançado entre nós o alicerce de um novo edifício; está assentada a 113 base de uma nova ordem de coisas. Esperemo-la, portanto; e se ela tardar e, vir, é justo que provoquemo-la.” (35) NOTAS (1) Os textos poéticos foram retirados de Dias e Noites, Edição do Governo do Estado de Sergipe, 1926. (2) CRENÇA – Periódico literário. Recife. Tipografia do Correio Pernambucano, Nº 4, de 30 de maio de 1870. (3) A Coluna Prestes – Marchas e Combates, Lourenço Moreira Lima. Editora Brasiliense. São Paulo, 194 5. (4) Epígrafe de O Povo de Escada, jornal editado por Tobias Barreto, em 1876, na Tipografia Comercial, Rua da Cadeia, 22, Escada PE). (5) Parágrafo final de Um Discurso em mangas de Camisa, pronunciado por Tobias Barreto, em setembro de 1877, quando pensou em organizar um Clube Popular. O texto citado foi retirado de A Questão do Poder Moderador e Outros Ensaios Brasileiros, de Tobias Barreto, Seleção e Coordenação de Ilildon Rocha, Editora Vozes, em convênio com o INL, 1977, p. 184. (6) Artigo de fundo do jornal Contra a Hipocrisia, nº 6, de 5 de outubro de 1879. (7) Carta de Tobias Barreto a Sílvio Romero, datada de Recife, 24 de outubro de 1887. (8) Correspondência do Juiz Municipal de Escada, José Brandão da Rocha, a José Antônio de Souza Lima, Presidente da Província, de 7 de agosto de 1881. Arquivo Público do Estado de Pernam buco – Juiz Municipal, Códice 48, ano 1881. 114 (9) A Justiça de Escada é o título de uma colaboração de Tobias Barreto, publicado no Jornal do Recife, de 2 de dezembro de 1880. (10) Um Signal dos Tempos, jornal redigido por Tobias Barreto, em Escada, Ano I, nº 8, 31 de outubro de 1874. (11) Os Bispos Anistiados, artigo publicado em O Desabuso, jornal escadense de Tobias Barreto, ano I, nº 4, 2 de outubro de 1875. (12) Fidalguias Pernambucanas, em O Desabuso, nº 4, 2 de outubro de 1875. (13) Medo à Utopia – o pensamento social de Tobias Barreto e Sílvio Romero, Evaristo de Morais Filho. Editora Nova Fronteira, em Convênio com o INL, Rio de Janeiro, 1985. (14) Algumas Considerações sobre o Estado Agrícola do Brasil, em O Escadense, Ano 1, nº 15, de 26 de março de 1878. (15) Vários Escritos, p. 204. Edição do Governo do Estado de Sergipe, 1926. (16) Idem, Ibidem, p. 205. (17) Questões Vigentes, p. 55, Edição do Governo do Estado de Sergipe, 1926. (18) Teses do Concurso de 1882, parte referente ao Direito Público. Em Estudos de Direito, vol. II, p. 233. Edição do Governo do Estado de Sergipe, 1926. (19) Discurso pronunciado no dia 10 de julho – Dia do Trabalho – de 1882. Em Discursos. p. 166. Edição do Governo do Estado de Sergipe, 1926. (20) Manuscrito recentemente encontrado pelo autor, entre os papéis de Artur Orlando, sob a guarda da Fundação Joaquim Nabuco. 115 (21) O Livro do Nordeste. Edição do Arquivo Público do Estado de Pernambuco, 1975. (22) Manifesto citado por Coiolano de Medeiros em O Movimento da Abolição no Nordeste, em O Livro do Nordeste, Recife, 1975, 2ª edição. (23) O Propulsor – órgãos dos interesses abolicionistas, industriais, agrícolas, literários, etc. Ano 1, nº 1, de 9 de abril de 1883. Tipografia Mercantil, Recife. (24) Escorço Histórico do Gabinete de Leitura de Maroim – 18771927, por Joel Aguiar. Gráfica Guttemberg, Aracaju, 1927. pp. 61 a 63. (25) Diário de Pernambuco, 19 de maio de 1885. (26) A Folha do Norte, nº 92, de 3 de maio de 1884. (27) Citado por Carlos II. Oberacker Jr. em Tobias Barreto de Menezes o mais significativo germanista do Brasil. Revista Humboldt, nº 53, 1986. (28) Trecho de Deixemo-nos de Lendas, em Estudos Alemães, p. 513. Edição do Governo do Estado de Sergipe, 1926. (29) Preleção, na Faculdade de Direito do Recife, em 5 de julho de 1884. Em Vários Escritos, pp. 285-286. (30) O Industrial, Ano 1, nº 1, de 15 de janeiro de 1883. (31) Em Política Brasileira, série de artigos de O Americano, 1870. (32) O último número de O Industrial circulou em 15 de dezembro de 1883. (33) A edição alemã de O Capital de 1883 – DAS KAPITAL – Drite Vermehrts Auflase – que pertenceu a Tobias Barreto e por ele anotada, está na Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife, 116 juntamente com quase duas centenas de outras obras alemãs que formavam a biblioteca particular do fundador da Escola do Recife. (34) Jornal do Recife, de 17 de julho de 1884. (35) A Academia – homenagem dos estudantes de Direito ao 13 de maio. Comissão de redação: Bianor de Medeiros, Samuel Martins, Galdino Loreto. Recife, PE. 117 Documentário(* ) * Referente à participação de Tobias Barreto na Campanha Abolicionista. 118 A CARLOS GOMES( * ) Meus senhores! Já houve quem dissesse que as musas não eram somente as nove conhecidas, porém havia uma outra, e a mais importante de todas, que era a saúde. Esta décima, esta outra musa não me inspira na hora presente. É meu dever declará-lo; e sirva isto, ao mesmo tempo, de preliminar e de desculpa. Confesso achar-me colocado em um tal ou qual embaraço. Ainda uma festa, depois de tantas outras, como tributo de admiração ao componista brasileiro! O vocabulário dos predicados pomposos, o tesouro dos epítetos ornantes está esgotado; o que posso mais dizer? Creio que nada. E todavia sinto -me obrigado a satisfazer o encargo, que me foi cometido, e que eu * Carlos Gomes mereceu muitas festas e demonstrações de admiração dos pernambucanos, como aconteceu no Teatro Santa Isabel, quando da apresentação da Ópera Salvatore Rosa. Tobias Barreto falou duas vezes, no terceiro intervalo e ao final da festa. Em outra ocasião, Tobias Barreto foi o primeiro inscrito para falar, na festa do dia 9 de julho, em homenagem a Carlos Gomes, quando seriam libertados escravos. O Diário de Pernambuco, ao registrar o acontecimento, diz que “às 4 horas da tarde em ponto, partirão do largo do Arsenal da Marinha, incorporados e precedidos da banda marcial do Corpo de Polícia, indo no centro da marcha o carro triunfante com o símbolo do Guarani, seguindo-se a Comissão Promotora da festa após da qual irão os escravos libertos em honra ao laureado maestro.” Tobias, que ía na frente do povo, pronunciou o discurso onde ressalta a obra maior “é a liberdade, em seu nome e por sua causa, restituída a dois infelizes.” (LAB) 119 aceitei, de também aqui aparecer e falar. Mas falar o quê? É a grande questão; pois não se trata mais de entoar um hino ao mérito do maestro, e tampouco de prometer-lhe, em nome do futuro, que muitas vezes não passa de um tempo de verbo na gramática, ou de uma simples esperança messiânica na escatologia dos povos modernos, um sem-número de monumentos mais duradouros do que o bronze. Não se trata de repetir, pela milésima vez, que Carlos Gomes é um gênio e suas obras outras tantas revelações do espírito nacional. Tudo isto está dito. Insistir sobre este assunto, variar sobre este tema, que já tornou-se vulgar, com o concurso mesmo de novas flores e novas palmas, é uma espécie de pleonasmo estético. Entretanto, apresso-me em pedir que não se me traduza ao pé da letra. Ainda que eu tivesse as melhores idéias a opor ao frenesi provocado pela presença do maestro seria ao certo fazer ato de desazo, quando não de criminosa incivilidade, querer temperar o vinho que transborda da taça dos outros com a água da minha taça. Mais do que uma incivilidade, seria até uma tolice; e pois que eu seja daqueles que, em colisão de tolices, antes querem praticá-las do que dizê-las, não cairia na fraqueza de praticar uma tal. Bem pode parecer, pela maneira de exprimir-me, que na acho num estado de anestesia intelectual em ralação aos motivos que determinam presentemente o arroubo popular. Nada, porém, de mais errôneo. Nin 120 guém compreende melhor do que eu a significaç ão e importância dos aplausos derramados sobre a cabeça do ilustre componista, como também, mais do que eu, não há quem sinta a necessidade de ver a nação inteira – esta grande águia, que vive aliás em perpétuo choco – reunirse no pensamento de uma glória comum, qual é a posse de uma notabilidade artística, e deste modo manifestar se ao mundo debaixo de outra forma, que não a de um simples conceito geográfico, e por alguma coisa de mais do que gestos e atitudes de uma superioridade, que ela de fato não trem. Eu sei que dificilmente pode agradar aos patriotas de bon aloi, quem não está pelos seus adjetivos e pelas suas interjeições. Mas nem por isso julgo-me com direito ao monstrari digiti como um pirrônico e um pessimista intolerante. Contenho -me dentro dos justos limites. A moderação também entra no reino do entusiasmo. Neste sentido subscrevo de bom grado as palavras do notável italiano Francisco de Sanctis: Non conosco arma più violenta che la moderazione del linguaggio accompagnata con la buona fede: ne nasce uma persuazione irresistibile. – Uma verdade pois, falada ou escrita, uma só verdade, moderadamente expressa, é muito mais honroso para o nosso componismo do que cinqüenta mentiras ditirambicamente cantadas. Meus senhores! Lembro-me de ter lido na Emília Galotti, de Lessing, as seguintes profundas palavras, que o poeta colocou na boca do príncipe conversando com o pintor: “Vós bem sabeis, Conti, que o maior 121 louvor que podemos tecer a um artista é esquecermo -nos dele, absorvidos pela contemplação da su a obra.” Quero crer que estas palavras encerram um princípio verdadeiro, porém, ao certo, de difícil apli cação. Quem seria capaz de deixar -se sempre medir por semelhante bitola? Se o maior elogio que se fizesse ao artista consistisse justamente em não pe nsar na sua pessoa, por amor da sua obra, podia-se então assegurar que o maestro brasileiro não foi até aqui suficientemente elogiado, pois ninguém ainda esqueceu-se dele para só recordar-se dos seus trabalhos. Mas eu aceito a rigorosa verdade expressa pelo célebre prógono da literatura alemã. É uma medida talhada para tomar -se o tamanho de gigantes. Tanto melhor. Quero aplicá -las ao nosso componista. Depois de mil preitos rendidos à sua pessoa, chegou também o momento de esquecermo -nos dela, para somente prestarmos homenagem a uma das suas grandes obras. Mas vede bem: essa obra não é nenhuma das suas brilhantes composições musicais; é um produto muito mais brilhante, porque é um ato humanitário, porque é a liberdade, em seu nome e por sua causa restituída a dois infelizes. Aqui e agora é que compreendo a exatidão com que um escritor dos nossos dias Karl Fuchs, em seu interessante opúsculo, Virtuos und Dilettant, pôde dizer que há na música alguma coisa que não se ouve. Perfeitamente. Essa alguma coisa, que não se ouve, acabo de compreendê-lo, é o bem que a musica nos faz; mais ainda do que isso, é o bem que ela nos obriga a 122 fazer aos outros. Eis o caso; e o caso é convosco, maestro. Tendes tido toda a sorte de triunfos. Se tudo que Pernambuco já havia até hoje feito para glorificarnos não correspondia exatamente ao merecimento do artista, ao menos é inegável que chegava para satisfazer a vaidade do homem. Nesta conjuntura, uma grande porção da classe comercial do Recife, por uma feliz inspiração, entendeu que devia pôr o indivíduo, com todos os seus triunfos, com todas as suas glórias, a serviço da humanidade; e vós que até o presente tínheis sido o objeto supremo do entusiasmo geral, vos convertestes em pretexto e ocasião de um ato generoso. E não há dúvida de que servir de motivo, prestar-se como meio para a prática de uma nobre ação, é mil vezes mais glorioso do que ser alvo de quantas manifestações se inventem para festejar o talento de um homem. Permiti, ilustre senhor Carlos Gomes, que vos diga uma verdade. A deusa da verdade não costuma pintar o rosto, nem usa véu. Mas oito ou dez gerações, e as vossas músicas, hoje tão apreciadas – ninguém mais cantá-las-á. Posso afirmá-lo em nome do progresso e da cultura humana. Mas este quadro, como quaisquer outros semelhantes, que se executem por vossa causa, nunca será esquecido. O ruído dos aplausos e ovações, que suscitais, talvez não chegue nem sequer à altura em que as águias voam, e muito menos àquela, em que se diz que os anjos cantam; porém, bem alto, aos ouvidos do grande alguém, se é que lá existe alguém que nos observa, 123 chegarão as bênçãos emanadas dos lábios e do coração destes entes, que por amor de vós acabam de ser libertados e entregues à sociedade, que ansiosa e agra decida os espera. 124 Palavras ao Clube Carlos Gomes( * ) (1883) Senhores A Sociedade Nova Emancipadora, a que tenho a honra de pertencer, encarregou-me de vir, em seu nome, manifestar-vos os seus sentimentos de profunda gratidão pela (1 ) generosidade com que vos dignastes de prestar o vosso auxílio à causa que ela defende. Refiro -me ao concerto dado em seu benefício no dia 19 do corrente, concerto esse cujo produto econômico foi destinado à libertação de tantos escravos, que hoje aqui mesmo, e para melhor acentuar (2 ) a parte de glória que tendes em semelhante efeito, vêm receber os seus títulos de liberdade. Não foi sem um certo propósito que eu usei a expressão – produto econômico – destinado à alforria de alguns escravos, pois que o concerto que destes também tem um produto moral, que há de contribuir, o mais cedo possível, nós o esperamos, para a libertação de todos eles. Nós o esperamos, sim, e como disse o americano Emerson, não há esperança, bem nutrida e bem fundada, que não traga já em si o princípio da sua realização. * Manuscrito encontrado por Luiz Antônio Barreto entre os papéis de Tobias em poder da família de Artur Orlando, hoje sob a guarda da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife – PE. 125 Prezado (3 ) Clube C. Gomes! A Nova Emancipadora tem motivos bastante valiosos para dar um grande peso ao auxílio que lhe prestastes. Além do fato alta mente meritório de concorrerdes assim para o bem da humanidade, o que em toda e qualquer condição seria digno de louvor, acresce que nas circunstâncias do momento, diante da luta travada com as larvas do passado, que querem sufocar no horizonte a estrela do futuro, houve de vossa parte um ato de coragem em tomardes o nosso lado, que se malsina, um ato de heroísmo não comum nessa profissão de fé cantada, nessa declaração feita por música de que sois também adeptos da idéia que nos anima. Prezado (4 ) Clube C. Gomes! Eu não vim (5 ) fazer um discurso, nem aqui se trata de discursar, mas é bom nunca perder de vista as dificuld ades do problema que nos propomos resolver, nunca deixar de estar atentos para a carranca da esfinge, que nos diz: decifrai-me ou eu vos devoro. Sim Prezado (6 ) Clube – Jacta est alea – nós aceitamos a luta com os deuses, nós ousamos querer galgar o cimo da montanha e dar combate ao abutre que rói as entranhas de Prometeu. Nesta conjuntura, era muito natural que os rochedos rolados do alto tentassem embargar a nossa passagem. E eles, com efeito, continuam a rolar, como nós também continuamos a subir. Falemos sem imagem: A Nova Emancipadora, cujo intuito grandioso de remir o município do Recife desencadeou uma tempestade de iras contra os porta dores de tão santa idéia, está firme no seu propósito, não 126 cedeu nem cederá jamais um passo d(ado) (7 ) nesse terreno. E não se pergunte de que meios ela dispõe para levar avante o seu desígnio. Esta pergunta que tem ares de irresponsável é simplesmente um dislate, e como tal só pode achar eco no espírito daqueles, para quem o mundo inteiro, inclusive a ciência e a virtude, é um conjunto de frações diversas, que se reduzem a um mêsmo denominador, o denominador comum do dinheiro. Mas não é assim. No meio das alavancas da mecânica social, a par do interesse, que é muito justo nos limites da indi(...) (8) , a par da coação que su(bmete) (9 ) as vontades rebeldes à disciplina da vida legal, também figura o dever que faz o homem de bem, e a obrigação que faz os heróis. Quando nos faltem as duas primeiras (10 ) molas, não é lícito contar com as duas últimas, que são tanto mais eficazes quanto mais nobres e elevadas? É possível que se duvide, e eu quero ser generoso com os céticos; quero crer que se tenha razão de duvidar. Mas o que importa? Sae acreditam na nossa sinceridade, e não obstante julgam ilusória a nossa pretensão, de modo que tudo isto não passa de uma espé(cie) d(e meta)física (1 1 ) humanitária, permiti que respondamos com o(s) fa(tos). (1 2) O coração também. Deixem-nos pois arcar com a nossa impossibilidade. Se porém(...). (13) NOTAS 127 (1) Está, no original, riscada a palavr a modo. (2) A palavra está incompleta, por dilaceração do texto (a.c.... tuar/accentuar). (3) P s do (abreviação da palavra Prezado, então escrita com /s/). (4) Idem (nota anterior). (5) Foi riscada a expressão nem quero. (6) Idem (nota 3 e 4). (7) Texto dilacerado (d...). (8) Antes da palavra incompleta indi(...), foi riscado outro termo, também incompleto (explica...). Não seria – da individualidade? do individual? (9) Texto dilacerado (su....). (10) No original, a palavra está abreviada (1 a s ). (11) Texto dilacerado (espe...d....física). (12) Trecho ilegível (o. fa....). (13) O rascunho tobiático ficou interrompido. Logo abaixo, com letra e tinta diferentes, em tom esmaecid, aparecem os nomes de Treitschke, Longfellow, e a frase ou frases: T. de Sophocles e logo abaixo Zeus de Pluvius. Em Tobias Barreto: A Abolição da Escravatura e a Organização da Sociedade, Recife, 1988. Luiz Antônio Barreto traz a reprodução facsimilar desse documento (pp. 35v-37) e transcreve, no corpo do livro, parte do seu conteúdo (pp. 17-18). (Notas de Jackson da Silva Lima, em Esparsos e Inéditos de Tobias Barreto, Aracaju, 1989). 128 Redenção do Município do Recife( * ) Manifesto A Comissão Emancipadora do Município do Recife julga hoje oportuno, senão de urgente necessid ade, tornar solenemente públicos os intuitos que a dirigem no desempenho do honroso encargo, que lhe foi cometido pela benemérita sociedade Nova Emancipadora. Não obstante ter dado publicidade aos seus trabalhos preliminares, fazendo inserir nos jornais de sta capital as atas de suas sessões: e posto que até este momento não haja praticado ato algum capaz de admitir a mínima dúvida acerca da legitimidade de seus desígnios, não quer todavia que, por carência de uma explicação clara e definitiva, ganhem crédito no ânimo das pessoas de boa fé os desarrazoados conceitos, que o único ato de sua organização tem injustamente suscitado. * Manifesto lançado pela Sociedade Nova Emancipadora do Recife, publicado no diário de Pernambuco de 5 de abril de 1883, no qual Tobias Barreto de Menezes figura ao lado de José Mariano, Martins Júnior, Artur Orlando, João de Oliveira e outros abolicionistas. Cumpre sublinhar que a Nova Emancipadora foi a primeira grande sociedade abolicionsita, antes que o Clube Relâmpago, o Clube do Cupim e Ave Libertas fossem organizadas, projetando muitas das figuras que assinaram o Manifesto, como José Mariano e João de Oliveira, e especialmente Joaquim Nabuco, que a partir de 1884, com suas conferências no Teatro Santa Isabel, toma a dianteira na campanha que antes empreendia pelo jornal. O Manifesto é um dos documentos comprobatórios da participação de Tobias Barreto na luta em favor da liberdade dos negros, luta, aliás, omitida na sua bibliografia. (LAB) 129 A Comissão considera-se inteiramente dispensada de demonstrar que a existência da escravidão estabelece para o Brasil uma situação anormal no concerto das nações civilizadas: também não precisa fazer o triste inventário dos males com que essa monstruosidade social aflige a Pátria brasileira, quer debaixo do ponto de vista puramente econômico, quer pelo que respeito à moral pública e do méstica. Tudo quanto neste sentido pudesse expender ficaria aquém da temerosa realidade e interior à convicção de todos os homens ilustrados e ao sentimento geral do País, que por todos os modos tem patenteado quanto lhe é incômoda e antipática a permanência dessa infamante instituição, que um infeliz passado nos legou. Todas as divergências, mais aparentes que reais, acerca da extinção do elemento escravo estão – podemos dizê-lo desvanecimento – limitadas ao campo da realização prática, adstritas à escolha dos meios mais conducentes à satisfação pronta dessa nobre aspiração, que irrompe de todos os corações numa corrente magnífica e irresistível de grandes sentimentos humanos. Em teoria não há certamente no Brasil um só espírito infenso ao movimento abolicionista, que em todo o vasto território desta nacionalidade se propaga, para honra dos seus habitantes dos sentimentos humanitários deste século. Efetivamente não se pode dizer que o povo brasileiro cerrasse ouvidos impenitentes ao generoso apelo, que há longos cinqüenta anos passados, lhe 130 dirigia nestas soberbas palavras o venerante José Bonifácio, esplêndida glória nacional: “Generosos cidadãos do Brasil, que amais a vossa Pátria, sabei que sem a abolição total do infame tráfico da escravatura africana e sem a emancipação sucessiva dos cativos, nunca o Brasil formará a sua independência nacional, e segurará e defenderá a sua liberal constituição, nunca aperfeiçoará as raças existentes e nunca formará, como imperiosamente o deve, um exército brioso e uma marinha florescente. Sem liberdade individual não pode haver civilização nem sólida riqueza; não pode haver moralidade e justiça, e sem estas filhas do céu não há nem pode haver brio, força e poder entre as nações.” A estas frases repassadas de verdade e sent imento patriótico corresponderam dignamente as leis de 7 de novembro de 1831 e 2 de setembro de 1840, o grande espírito de Euzébio de Queiroz, a magnânima lei de 28 de setembro de 1871, e, final mente, todo esse extenso movimento emancipador, animado no País pelo nobilíssimo exemplo do Visconde do Rio Branco e pelas cláusulas do ato legislat ivo, a quem o nome desse eminente estadista permanecerá eternamente ligado. A existência da Comissão Emancipadora do Município do Recife é apenas um aspecto da evo lução moral e intelectual que se opera no País; não é uma causa, mas simplesmente um efeito, um dos multíplices fenômenos da invencível lei, que se impõe aos indivíduos como aos povos, e por força da qual o amor 131 do próximo há de ir progressivamente conquis tando ao egoísmo os benefícios da sociabilidade. A Comissão não exerce ação isolada, nem é original na sua intenção, o que torna inexplicável e estranho o ardor excepcional com que o simples incidente de sua organização está sendo hostilizado. A idéia da emancipação por município neutro acaba de adotá-la com os mais francos aplausos da imprensa duminenso e da suprema autoridade eclesiástica da diocese do Rio de Janeiro, mas com adesão fervorosa do próprio imperante. Dir-se-á que todos esses homens, que todas essas autoridades máximas pretendem conflagrar a nação e violar a propriedade? Lê-se, entretanto, o que no assunto escreveu a admirável pena de Tavares Bastos: “São os poderes locais que hão de completar a obra iniciada pelo Estado, pondo em contribuiçã o, para o fim comum, a estatística, o imposto, a polícia, a justiça e a escola.” Junte-se a essa sintética, mas criteriosíssima indicação inelitamento constante da caridade pública e liberalidade particular entre os que compõem o nosso grupo comunal, e eis aí exposto e completo o programa da Comissão Emancipadora do Município do Recife, pelo que respeita à sua necessária ação total. Em que pode semelhante desideratum perturbar a serenidade da justiça, que deve acompanhar todos os progressos sociais? 132 É evidente que a Comissão não tem, nem podia ter a pretensão injustificável de decretar a abolição instantânea da escravidão neste município, por isso que amplamente conhece ser o tempo um fator imprescindível de todas as transformações, quer na esfera cosmológica, quer no campo menos vasto, porém mais complicado e espinhoso da sociologia. Semelhante pretensão só poderia ser sugerida por um cego e impotente espírito revolucionário, em absoluto oposto aos precedentes e critério dos indivíduos que a Comissão const ituem. Não, ela não quer revoltas, nem sedições, nem a violação de direitos: o que deseja é interessar a sua causa de paz, de justiça e humanidade todos os homens bons, todas as classes sinceramente conservadoras e sobretudo os poderes públicos, já locais, já centrais, sem cujo auxílio seria, senão de todo improfícuo, ao menos pouco opulento em resultados o maior esforço que empregasse para alcançar o almejado fim a que se propôs. Para que desvairamentos da paixão não se apoderem dos espíritos na resolução de um problema, cuja própria reflexão é calma; para que o coração dos oprimidos em tremendas iras e rancores, é que a Comissão Emancipadora do Município do Recife, como todas as que, com as mesmas intentas dela, se alistarem na sagaz cruzada da liberdade, tem o indispensável direito de esperar, em vez de baldões e afrontas, toda a possível coadjuvação, não só por parte dos poderes do Estado e da Igreja, mas também de todas as pessoas 133 dignas e sinceramente interessadas no bem-estar presente e futuro da sociedade brasileira. O que pode sem dúvida ameaçar a tranqüilidade nacional não é por certo o trabalho meritório e altamente reparador das corporações emancipadoras, mas pelo contrário a manifesta acrimônia com que é encarado esse generoso ofício por aqueles – venturosamente poucos – a quem a conduta de ânimo ou intransigente egoísmo não deixa ver claro a situação social, nem a verdade de seus próprios interesses. Quanto não ganharia em moralização e prosperidade o trabalho agrícola deste País, se por meio de medidas sábias, que a Comissão não deixará de solicitar dos poderes competentes, o abjeto regime da escravidão fosse proficuamente transformado no da servidão ao solo, com as modificações correspondentes à nova condição dos trabalhos! A Comissão esforçar-se-á intimamente para dar dos iludidos, dos que são vítimas de velhos preconceitos ou da conspiração da calúnia, a nítida consciência dos perigos, que de inconsidera e tumultuária oposição poderia advir à sociedade brasileira, cujos sentimentos em prol da remissão dos cativos – é necessário dizê-lo muitas vezes – já não é possível sufocar. Podem, pois, os senhores de escravos dormir tran qüilos acerca dos intentos da Comissão Emancipadora do Município do Recife, que são os mais legítimos e honrosos. Além do concurso indispensável dos poderes públicos e das classes diretoras, a Comissão só conta 134 com a boa vontade e conhecido humanitarismo da nossa população, a quem falará sempre em nome do bem, do justo e do honesto. Talvez se diga: “mas é isto o que até hoje t êm feito todas as sociedades constituídas nesta cidade em favor da libertação dos escravos.” Perfeitamente. A Comissão não quer atribuir -se as glórias de uma iniciativa que é honra do País inteiro. Ela apenas vem dar objetivo definido porventura mais eminente ao movimento dessas distintíssimas incor porações, auxiliando-as, secundando-as nos seus egrégios esforços por todos os modos prescritos pela lei, pela religião, pela moral e pelo mais ardente patriotismo.” Recife, 31 de março de 1883. Manoel Gomes de Mattos Juvino Cesar Paes Barreto Dr. Antônio Joaquim de Barros Sobrinho João Barbalho Uchôa Cavalcante Annibal Falcão Dr. João Capistrano Bandeira de Mello Antônio de Souza Pinto Luiz Emygdio Rodrigues Vianna João de Oliveira Joaquim Felippe da Costa Oscar Falktisen 135 Bellarmino Carneiro João Duarte Filho Braz Florentino H. de Souza Dr. J. A. de Barros Guimarães José Domingos da Costa Dr. Graciliano de Paula Baptista Dr. João Thomé da Silva Dr. Tobias Barreto de Menezes Henrique da Silva Ferreira José Mariano Carneiro da Cunha Dr. Raymundo Bandeira José Joaquim Dias Fernandes Dr. Malaquias Antônio Gonçalves Felippe de Figueroa Faria José de Vasconcellos Candido José Lisboa Dr. José Austregésilo Rodrigues Lima Dr. João Bastos de Melo Gomes Antônio Carlos Ferreira da Silva José Isidoro Martins Júnior Artur Orlando da Silva Antônio Gomes de Matos Dercio de Aquino Fonseca João José Rodrigues Mendes José Joaquim Moreira Joaquim Olinto Bastos Francisco C. R. Campelo Affson Octaviano P. Guimarães Argemiro Alvez Aroxa José Jacinto Borges Diniz 136 Antônio C. F. da Luz Dario Cavalcante do Rego Albuquerque Francisco Ignacio Pinto Antônio José da Costa Ribeiro 137 TOBIAS BARRETO COMO TEÓRICO DA ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE 138 Nos vários momentos da vida e da obra de Tobias Barreto são encontrados e revelados aspectos de sua contribuição à cultura brasileira que fica difícil distinguir no qual ele foi mais genial. Na renovação da estética literária, como poeta social, condoreiro, nas ruas do Recife agitando o povo, tendo como mote a guerra contra o Paraguai. No jornalismo político e polêmico, afirmando sua convicção liberal e guerreando contra o clericalismo dominante. Na advocacia de Escada, seguido de grande acompanhamento popular nas audiências, ou como Curador de Órfãos, de Escravos, ou ainda Juiz Municipal Substituto, na Comarca de Escada. (1 ) Também em Escada, o panfletário impressor de pequenos jornais, em português e em alemão, (2 ) para distribui-los com o povo, gratuitamente, nas feiras, e fundador do Clube Popular Escadense, no qual pronunciou a célebre oração Um Discurso em Mangas de Camisa. (3 ) De volta ao Recife, demolindo os conceitos de sociedade e de direito, vigentes na Faculdade, para a qual fez concurso, selando com a mocidade nordestina uma das mais d uráveis e eficazes alianças ideológicas e intelectuais. Publicando livros com estudos literários, filosóficos, críticos, religiosos, sociais. Como deputado à Assembléia Provincial, como orador do povo, nas ruas e, nos teatros, empolgando com sua pregação as primeiras manifestações públicas em favor da abolição da escravatura. Em qualquer destes momentos, Tobias Barreto dá prova de sua disposição 139 mental, uma capacidade infinda de assimilar o que de mais novo o mundo produzia em termos de idéias. Não há, portanto, como enquadrá-lo num clichê qualquer, por mais atrativo que o seja. A obra de Tobias Barreto nos jornais e nos livros, nas ruas e nas cátedras, na tribuna da Assembléia ou do Foro, é sublinhada por uma coerência pouco conhecida no Brasil até então, e marcada pela força do pensamento próprio, reflexivo diante de uma realidade adversa para todos os brasileiros dos meados do século passado, salvo algumas exceções de senhores de terras e de escravos, e particularmente adversa para ele próprio, pela sua condição racial e de pobreza. No âmago da obra tobiática duas vertentes, muito próximas, andaram marcando a sua atividade intelectual: a da sociedade e a do direito. Em ambas, a revelação revolucionária, fruto de suas convicções, alicerçadas nos ensinamentos de Darwin, Haeckel, Jhering, Noiré e outros. Antes de Tobias Barreto os estudantes da Fa culdade de Direito do Recife aprendiam que a socie dade, como o direito, tinha origem divina. O Contrato Social, de Rousseau, era combatido por mestres e alunos da Faculdade. Havia uma única e exclusiva história humana, aquela narrada na Bíblia. Fora daí, tudo era uma grande novidade, mas era, também, uma rebeldia que provocara fortes reações. Entre os professores, como afirma José Antônio de Figueiredo, numa das Memórias da Faculdade de Direito do Recife, era regra comum ensinar que “só a religião oferece uma verdadeira e real garantia à ordem e à tranqüilidade 140 pública, de que só ela pode sancionar de uma maneira positiva e dogmática a moral social e prevenir e acautelar crimes cuja alçada e investigação escapam às leis humanas.” (4) Em 1862, em outra Memórias, o professor João Capistrano Bandeira de Melo Filho des taca que a mocidade, “dotada geralmente de fervor religioso sustenta, por meio de algumas associações e de escritos pela imprensa, as eternas verdades do Cristianismo e pugna pela difusão das boas doutrinas.” Mesmo tendo recebido uma formação religiosa, católica, convivido com padres e aprendido o latim, Tobias Barreto rejeitou a aliança da ciência com a religião, com a mesma ênfase que refugou a aliança da liberdade com a ordem, ambas defendidas no âmbito da Faculdade de Direito do Recife, como fez o professor Antônio de Vasconcelos Menezes de Drummond, co mentando o ano de 1863, justo o primeiro ano de estudante do jovem mulato sergipano. (5 ) Sobre a liberdade, Tobias tem expressões antológicas, como esta de 1870, que diz que “Nenhum povo é realmente grande, senão ela liberdade, que tem ou que conquista.” (6) Bastaria a única frase para derrubar a doutrina que estava de pé, sendo ensinada na Faculdade de Direito do Recife. O conceito de liber dade, para Tobias Barreto, mexia com a ordem, esta tida, à época como ainda hoje, como o predomínio da força inspirando o temor ou a obediência. Enquanto a ordem era a submissão do homem, a liberdade era uma conquista, logo, não podia haver aliança entre uma e outra. 141 Em 1864, ao escrever o poema A Polônia, Tobias Barreto dizia que: “Só é grande a liberdade que sacode a majestade e arranca a juba dos reis.” Em 1865, falando, como acadêmico de direito, na sessão festiva do dia 7 de setembro, no Teatro Santa Isabel, ele diz que “ainda é de notar, senhores que ao tempo em que o direito divino rolava na poeira com a cabeça de Luís XVI, o direito do povo pendia ludibriado com o pender da fronte de um brasileiro – mas o último suspiro do mártir encontrou logo no espaço o primeiro grito de liberdade, essa grande função que Deus deu ao homem, que Bruto deu a Roma, que a revolução deu aos povos.” (7 ) Em 1877, discursando para o povo, em Escada, ele ensinava q1ue “a liberdade é alguma coisa, de que o homem pode dizer: eu sou”, e afirmava que “a realização da liberdade satisfaz ao mais nobre impulso do coração e da consciência humana”, exortando o povo escadense: “Abramos mãos de nossos prejuízos, de nossas reservas, de nossos temores, e sejamos um povo livre.” E conclui: “é a liberdade que nos falta.” (8 ) No mesmo discurso Tobias Barreto fixa sua po sição: “Não pertenço à escola de teoréticos pacientes, que julgam o povo ainda não maduro para a liberdade. Como se fosse possível aprender a nadar sem meter -se dentro d’água, ou aprender equitação sem montar a cavalo. 142 Dislates iguais aos dos que querem que o povo passe por um tirocínio da liberdade, sem aliás exercê-la. (9) Na visão ampla do teórico a liberdade é uma insurgência, uma insubmissão aos domínios do Poder. Nos versos e frases, a panfletagem libertária: “A Pátria somos nós.” (10 ) “Nós cremos na soberania do povo, ele há de despertar.” (11 ) “O Clube Popular Escadense... tem o intuito de incutir no povo desta localidade um mais vivo sentimento de seu valor, despertar -lhe a indignação contra os opressores, e o entusiasmo pelos oprimidos.” (1 2) A voz do mestre tem um sólido compromisso com a liberdade, o que é o mesmo que dizer, com a ruptura da ordem, e com a organização do povo. *** O Racionalismo, ou Cientificismo de Tobias Barreto tem servido para que muitos dos seus críticos cometam injustiças e peças imerecidas contra o sergipano. Serviu, igualmente, para que padres e líderes católicos, em Pernambuco e no Maranhão, escrevessem artigos de combate ao pensamento e à obra tobiática. Sem fraquejar, Tobias assume, sem ligações com a Maçonaria, ou com o Protestantismo, posição clara de defesa da ciência, para engrossar as teses da origem cultural e social do direito. No concurso para Lente Substituto da Faculdade de Direito do Recife, 1882, Tobias Barreto oficializa, perante uma banca examinadora e centenas de jovens estudantes, seus conceitos novos, que assombram, impressionam, embe bedam os 143 assistentes, enquanto fulmina e remete para a história os compêndios em uso, com suas velhas verdades, rançosas, carcomidas pelo tempo. Na prova escrita do concurso, respondendo à questão Conforma-se com os princípios da ciência social a doutrina dos direitos naturais e originários do homem? Tobias Barreto afirmou que: “A concepção de um direito superior e anterior à sociedade é uma extravagância da razão humana, que não pode mais justificar-se. O homem é um ser histórico, o que vale dizer que ele é um ser que se desenvolve. A idéia de um direito natural e originário do homem envolve a um direito, quero dizer, que não está sujeito a relatividades, nem no espaço, nem no tempo. Um direito universal é um direito que existe, para todos os povos; um direito permanente é um direito móvel, isto é, um direito que não se desenvolve; mas, de acordo com as noções correntes da própria Sociologia, que se forma, tudo está subordinado à lei do desenvolvimento, da qual não escapa o direito mesmo. É concludente, portanto, qu e a teoria dos direitos naturais não se harmoniza com a ciência social.” Adiante com sua doutrina nova, na mesma Prova Escrita, Tobias Barreto diz que “Desde que na idéia do direito entrou a idéia da luta, desde que o direito nos aparece, não mais como um presente do céu, porém como um resultado do combate, como uma conquista, caiu por terra a instituição de um direito natural. Bem como as artes, bem como as ciências, o direito é um produto da cultura humana.” Categórico, ee afirma: 144 “Não há direitos naturais e originários; o que nós hoje chamamos direito é uma transformação da força, que limitou-se e continua a limitar-se no interesse da sociedade. Os direitos como teses, quer como condições de existência, quer como condições evolucionais da vida social, são da mesma natureza, e são – no justamente, porque saem da mesma fonte: esta fonte é a sociedade.” Na mesma esteira dos novos argumentos, e diante de uma oportunidade rara na vida cultural pernambucana, Tobias Barreto aproveitou para expor, de forma total, seu compromisso científico e filosófico com a sociedade e com o direito. Concluindo sua Prova, diz: “E seja-me ao terminar, permitido repetir o que aqui já tive ocasião de exprimir oralmente: Em nome da religião, disse o sublime gnosta, autor do quarto evangelho – no princípio era o Verbo; em nome da poesia, disse Goethe – no princípio era o ato; em nome das ciências naturais disse Carus Sterne – no princípio era o carbono; em nome da filosofia, em nome da intuição monística do mundo, quero eu dizer – no princípio era a força, e a força estava junto ao homem, e o homem era a força. Desta força, conservada e desenvolvida, é que tudo tem-se produzido, inclusive o próprio direito, que em última análise não é um produto natural, mas um produto cultural, uma obra do homem mesmo.” Desde 28 de abril de 1882, data do Concurso, em sua Prova Escrita, que a Faculdade de direito do Recife abraçou o pensamento científico, incorporando idéias que soavam fortes como rajadas nos ouvidos inquietos 145 dos jovens estudantes. O Brasil estava emancipado intelectualmente, pela sensibilidade e pela consciência de Tobias Barreto de Menezes, ao fazer ecoar no meio pobre do Nordeste as vozes mais novas, mais atualizadas, do mundo civilizado, que de certo modo a Alemanha da época representava. O Concurso de Tobias Barreto é, assim, um dos muitos divisores de água que o autor sergipano construiu, dialeticamente, na interface com a realidade. Depois da noção do direito como fenômeno cultural, nascido e evoluído na sociedade e esta mesma com seus avanços e conquistas, amoldando a força, foi fácil captar outros conceitos, queimar etapas, levar a mocidade a ler e a refletir com o pensamento filosófico mais novo e mais revolucionário. Segura mente por isto é que sai da Escola do Recife a geração de abolicionistas, republicanos, democratas, federalis tas, socialistas, e outros que agitam bandeiras reno vadoras e revolucionárias. O próprio Tobias, em 1884, dá o exemplo, ao citar O Capital, a obra máxima de Karl Marx, edição de 1883, mais tarde inco rporada à Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife, ao lado de quase duas centenas de outros livros de autores alemães, com os quais o fundador da Escola do Recife travava contatos. Por tal via, o Brasil troca sua bibliografia e com ela troca os conceitos que balizavam sua cultura. *** Há um forte apelo de modernidade na obra de Tobias Barreto. Não apenas nas suas aulas de preleções 146 da Faculdade de Direito do Recife, nos seus escritos em jornais e livros, mas também em atitudes objetivas, concretas, que podem ser conferidas no simples exame da memória histórica pernambucana. A idéia do Direito Autoral, enaltecida até mesmo por Gondin Filho, em artigo publicado no Diário de Pernambuco, em 8 de fevereiro de 1944, aproveitada pelo professor João Vieira, no seu Programa de Direito Civil, evoluiu até os nossos dias e ainda hoje atrai a atenção de tratadistas e dos organismos arrecadadores e fiscalizadores. Em 1883, com mais três professores da Faculdade de Direito do Recife, os mais abertos – José Higino, Barros Guimarães e Graciliano Baptista – Tobias Barreto assume a redação da revista de artes O Industrial, preconizando uma nova era para a vida econômica pernambucana, pela via do trabalho livre, da formulação de uma política agrícola, de crédito fácil, de preparação de mão-de-obra e pela mecanização. O Industrial, pertencente à Fábrica Apolo, estampava as suas edições o mais novo maquinário posto à disposição dos produtores rurais e urbanos, que estavam atolados no atraso de um modelo escravocrata, arca ico de produção, sem qualquer forma participativa dos trabalhadores na riqueza do Brasil. O Industrial teve 12 edições, de janeiro a dezembro de 1883 e neles Tobias Barreto publicou diversos artigos, todos eles voltados para uma nova ordem econômica e social, alguns destinados à educação e ao melhor aproveitamento profissional da mulher, a 147 partir de tendências e sensibilidades reconhecidas. A síntese programática da revista era a de: - - - - - atualizar as forças de trabalho com os últimos progressos da ciência e da técnica, nos domínios superiores da atividade industrial; esclarecer que a riqueza privada de quem quer que seja não fica exposta a perigo algum pelo fato de procurar-se aperfeiçoar a indústria existente, criar novas e contribuir para a consecussão de todos os melhoramentos necessários à felicidade e bem-estar social; garantir o direito de informação sobre qualquer processo industrial e artístico; prestar assessoria jurídica em negócios industriais e artísticos; fundar e manter asilos agrícolas; fundar Bancos Populares, para os operários; Bancos Provinciais com juros moderados e pagamentos a longo prazo; habilitar os industriais e artistas aos grandes recursos que a adoção de máquinas pode proporcionar-lhes; renovar o pensamento de tudo depender-se dos Governos, como erro que os bons princípios econômicos fulminam e condenam; transformar e modificar o País de acordo com as tendências e as leis do progresso. 148 Síntese feliz, contida em editorias e artigos de O Industrial, que incorporava a idéia, o método, o modelo de organizar a economia. Já em 1884 uma forte reação, partida dos senhores de terra, levara a organização de Congresso Agrícola, que longe de parecer um teste munho negativo, serve de atestado, passado e recibado, do incômodo que as novas idéias defendidas por Tobias Barreto causava entre setores conservadores de Pernambuco. Antes mesmo de assumir a redação de O Industrial e de inspirar a redação de O Propulsor, (13 ) jornal de 1883, fundado como órgão dos interesses abolicionistas, industriais, agrícolas, literários, etc., Tobias Barreto participara do esforço teórico pela organização de exposições de artes e indústrias das Províncias do Norte e Nordeste, reunindo com Antônio Pepes Barreto de Vasconcelos, Martins Júnior e outros, no Gabinete Português de Leitura, público interessado em acelerar o desenvolvimento regional. A ciência tinha, portanto, um sentido prático de utilização direta em favor do progresso econômico e do bem-estar da sociedade. Combinava-se, então, a luta cultural em favor da liberdade e do direito, com a aplicação da técnica e da ciência, como primado capaz de alterar o quadro fatalístico da economia senhorial e escravocrata. Tobias Barreto mudava o enfoque que pressupunha a organização da sociedade, sugerindo q 1ue ela deixasse de ser uma mera representação dos in teresses do capital e dos seus detentores que a orga nizavam, em moldes exploratórios, para ser organizada a partir das potencialidades e possibilidades do povo. A 149 ação do pensador batia com seu enuncia do de que a sociedade brasileira não se organizara, fora organizada, chamando a atenção para a diferença. Esta observação focal, lúcida, feliz, serve para nortear os dois diferentes caminhos tomados pelo povo brasileiro: um, a partir dos interesses dos dominadores e colonizadores; outro, a seguir os auspícios das carências e dos anseios sociais. Embutida nessa constatação que põem, de forma frontal, interesses de fora para dentro e anseios internos de liberdade e de justiça, está a noção de cidadania, no se u aspecto mais novo, o dos direitos sociais, como preconizados em Um Discurso em Mangas de Camisa. Tobias Barreto está entre os adversários e críticos do primeiro, e pugnadores e artífices das lutas do segundo, constituindo-se, de forma antecipada, num teó rico da organização da sociedade, com teses ainda válidas hoje, quando o Brasil evoca sua figura e sua obra, por conta dos 150 anos do seu nascimento e do Centenário de sua Morte. NOTAS (1) A Fundação Joaquim Nabuco microfilmou 77 processos nos quais Tobias Barreto aparece como Advogado, Curador de Órfãos, Curador de Escravos e Juiz Municipal Substituto. (2) Em Escada, Tobias Barreto redigiu e editou, na sua própria Tipografia, os seguintes jornais: Um Signal dos Tempos, 1874, A Comarca de Escada, 1875, Devaneio Literário, 1875, O Desabuso, 1875, O Povo de Escada, 1876, O Escadense, 1877, Aqui prá Nós, 1877, A Igualdade, 1878, Contra a Hipocrisia, 150 1879, O Martelo, 1881, e ainda a revista Estudos Alemães, 1880. Em alemão Tobias Barreto editou o Deutscher Kaempfer, 1875. (3) A instalação do Clube Popular Escadense ocorreu em setembro de 1877. Um Discurso em Mangas de Camisa foi publicado, logo depois pelo Jornal do Recife, e em fevereiro de 1879 apareceu em plaquete, em pequena nota introdutória do seu autor. (4) Memória Histórica Acadêmica, apresentada à Congregação dos Lentes da Faculdade de Direito do Recife, pelo dr. José Antônio de Figueiredo. Recife, Tipografia Universal, 1857. (5) Memória Histórica Acadêmica, apresentada à Congregação dos Lentes da Faculdade de Direito do Recife, na sessão de 15 de março de 1864, pelo dr. Antônio de Vasconcelos Menezes de Drummond. Pernambuco, 1864. (6) Política Brasileira, na série de artigos publicados de junho a dezembro de 1870 no jornal O Americano, do Recife. Incluído em Vários Escritos, 1800. (7) Trecho do discurso Libertas quae sera tamem, pronunciado na sessão solene de 7 de setembro de 1865, no Teatro Santa Isabel. Diário de Pernambuco, 11 de setembro de 1865. (8) Um Discurso em Mangas de Camisa, in A Questão do Poder Moderador e Outros Ensaios Brasileiros, seleção e coordenação de Ilildon Rocha. Editora Vozes, em convênio com o Instituto Nacional do Livro. Petrópolis, 1977. (9) Idem, Ibidem. (10) Verso do poema Volta dos Voluntários, de 1870. Em Dias e Noites. Edição do Governo do Estado de Sergipe, 1926. (11) Epígrafe do jornal O Povo de Escada, 1876. (12) Um Discurso em Mangas de Camisa. 151 (13) O nº 1 do jornal O Propulsor circulou em 9 de abril de 1883, e informava que seu ideário abolicionista se guia a linha da Sociedade Nova Emancipadora, do Recife, a qual Tobias Barreto pertencia. Sobre o assunto, ler Luiz Antônio Barreto. Tobias Barreto, A Abolição da Escravatura e a Organização da Sociedade. Recife, 1988. 152 TOBIAS BARRETO E A FILOSOFIA NO BRASIL 153 A recente publicação das Obras Completas de Tobias Barreto, (INL/Editora Record) revigora o in teresse pela cultura nacional, na medida em que valoriza o conjunto das reflexões assumidas pelo intelectual sergipano no seu tempo e no ambiente histórico, econômico e social onde estava situado. É forçoso admitir, de saída, que a existência de uma preocupação crítica, voltada ao domínio do conhecimento, representava uma reação diante de uma situação cultural de dependência. O Brasil de Tobias Barreto tinha a conformação de um satélite, fatalmente atrelado a um centro de exploração e de dominação. Por margem larga de tempo os habitantes do Brasil emolduraram a estampa exótica do fazer, extraindo e produzindo riqueza. Não haviam escolas, nem jornais, nem expressões livres de arte. O quadro era agravado pela multiplicidade e pela complexidade das relações de trabalho e de trabalhadores, tanto pela origem do poder senhorial, como pela escravidão dos negros africanos, com toda a sua patologia. E a tudo a Igreja dava a sua bênção e empreendia, catequeticamente, a semeadura da conformação. Nem sempre foi fácil separar os interesses do Estado brasileiro, organizado para proteger e legitimar a propriedade, com os interesses de um clero que exerceu, no tempo, a função auxiliar da colo nização, no cumprimento de um projeto de cris tianização, aplicado com extrema competência nos países periféricos aos centros católicos de Espanha e Portugal. 154 O simples saber cultural, desprovido de crítica, foi conquista tardia do Brasil. Um saber rançoso, repleto de antigüidades dogmáticas, de segunda mão, que alcançou a glória das cátedras, na reprodução elitizada do modelo de dominação vigente. Pensar, portanto, era uma atitude de superação pessoal, um exercício mental que retirava da solidão, para o convívio solidário das idéias e dos autores, o indivíduo preso como membro compulsório de um corpo social criado à imagem e semelhança dos interesses dos colonizadores. Pensar era, assim, um exercício de liberdade, como, em geral, ocorreu nos diversos países da América Latina. Não é sem razão que no Brasil, como no México, no Uruguai, no Peru, na Argentina, os corpos letrados abraçaram o Positivismo, pelos seus diversos porta-vozes, ao tempo em que eram esboçadas as reações populares e militares que tratavam da liberdade política destes países. Diferenciado em seus ângulos e mentores, como nas épocas em que floresceu, o Positivismo representou, na história do pensamento latino -americano, um momento especial de vigência insubmissa, rebelde, questionadora, que tem valor maior do que mesmo as suas qualidades intrínsecas como sistema filosófico. O Positivismo foi comum aos latino -americanos, porque também a situação histórica de dependência e de domínio era comum a toda a América Latina. Uma situação que se altera, de algum modo tarde, antes no Brasil e depois nos demais países irmanados pela mesma subalternidade e controle. A filosofia voltava a exercer, nesses países, papel relevante, na medida em que 155 colocava o conhecimento e a massa crítica que dele decorria pelo trabalho filosofante dos pensadores ao alcance do corpo social. Tem-se como verdade a formação de correntes de adoção de pensamento filosófico, entre estudantes nordestinos no Recife, com maior ardor que o engajamento nas disputas políticas e eleitorais. No Brasil a filosofia de algum modo precedeu a ciência política, ainda quando esta foi fartamente divulgada pelos liberais, na segunda metade do século passado. Há uma razão insuspeita para isso. A política dos partidos reduzia, aos termos locais, os interesses de uma mesma classe de senhores, enquanto o pensamento filosófico impunha, necessariamente, uma revisão de conceitos e de posturas, renovando, em maior ou em menor intensidade, o conhecimento comum ao corpo social. Essa singularidade explica, por exemplo, a sintonia perfeita entre abolicionistas e monarquistas, quando a lógica formal sinalizava para a comunhão de idéias entre aqueles e os republicanos, democratas, socialistas, que se enfileiravam em grupos novos na vanguarda das novidades. Foi nesse tempo e no ambiente do Recife, como fórum nordestino, que a filosofia mereceu uma fixação clara, objetiva, como instrumento crítico do conhe cimento, com seu vetor científico, experimental, que produz uma verdade operacional, mantendo a especulação inexperimental, diferente da crença que o espiritualismo impingia, e até da metafísica conciliadora entre a fé e a razão. E no centro da reflexão portava -se, com invulgar talento, Tobias Barreto de Menezes. 156 Mais do que pela mesma ocupação geográfica do espaço e pela comunhão da língua o corpo social brasileiro teve como vínculo de identidade a história, no cômputo da subalternidade esmagadora. No Brasil a história situa-se entre a memória codificada como fonte de tradições de mando, abrandadas pela cumplicidade do compadrio paternalista, e a filosofia, esta entendida como uma permanente e secreta, porque íntima, cons piração. O filosofar era mais incômodo do que a declarada guerra contra autoridades, porque a evolução mental abalava o prestígio dos mestres e dos ensinamentos oficiais, com os quais e nos quais estava assentado o edifício do poder. Ao lado do campo absoluto dos dominadores, com seus fossos e arma dilhas, apareceram gerações de insurretos, inadaptados ao convívio omisso. Foi a freqüência objetiva de insurgências que quebrou com a rotina monótona de um ensino esclerosado, de nítidas intenções redutoras. Os sistemas filosóficos eram cometas no céu da curiosidade dos jovens nordestinos reunidos no Recife. Embriagados de conhecimentos novos, logo estavam ressacados, buscando outras novidades, com a pressa própria dos que conspiram. Para o combate ao domínio dos poderosos, os jovens construíram barricadas na imprensa, nas lojas maçônicas, nos corredores da Faculdade de Direito, nas ruas e nos teatros, espalhando teorias, cada um com a sua função amplificada, na dimensão do anseio da liberdade que unia aqueles sedentos de saber novo. Ao desembarcar no cais do Recife, com uma carta de professor de latim licenciado 157 em sua Província, Tobias Barreto parecia auscultar o silêncio dos revoltados, solto no ar que varria as ruas daquela “cabocla civilizada”. Diante da cidade evocou seus heróis e suas lutas, pranteando a homenagem de quem se iguala na mesma postura batalhadora. Aquele tempo Brasil e Paraguai estavam em guerra. O clamor heróico dos que ficavam distantes do campo de batalha servia de motivação para exaltar qualidades guerreiras, sufocadas pela força dos ven cedores. Com o mote da guerra Tobias Barreto alvoroçou as massas pernambucanas, fazendo das ruas o palco especial do contágio para a resistência. O patriotismo genérico, indefinido, mascarava a organização do povo em torno de questões do dia. Ao fim da guerra o Brasil recifense era outro. Os temas científicos introdu ziam suas obras e autores. A poesia sacrificava o sentimento de intimidade para projetar -se como instrumento de consciência moral, pelo qual os poetas, como os sábios faziam da ciência, pudessem fazer da arte asa do espírito humano. A poesia era, naquele momento, afirmação de liberdade. Na esteira do tempo a religião, o direito, a filosofia, todo o conhecimento fervilhava em confrontos amiudados pela legião de combatentes intelectuais. O positivismo arrastara o Evolucionismo, o Trans formismo e batia duro no costado dos espiritualistas. Cientificismo e Racionalismo pareciam, diante de tomistas e ultramontanos, heresias do Materialismo e do Protestantismo. Tobias Barreto, na vanguarda da crítica, opta pelo Monismo, acelerando a rotação do entendimento filosófico, permitindo que fossem dadas 158 as múltiplas explicações às inquietantes indagações do tempo. No cotejo das teorias, de Haeckel e Noiré, de Hartmann a Kant, Tobias afirmava e negava conceitos com a velocidade de quem corria em revezamento, tendo como parceiros da disputa, com todos os méritos, os autores alemães que introduziram e discutiram as novidades da ciência, como filosofia, em confronto com a fé, como dogma indiscutível. O Positivismo parecia produzir uma reação antipositivista, apontando ca minhos diversos para a reafirmação da liberdade, como condição instrumental de construção da história nacional. Aquela sociedade, constituída, como denunciara Tobias, por outrem, assistia anestesiada pela alienação da maior parte dos seus componentes, ao ma is ágil e completo motor de reação: a emancipação intelectual do País. Na sintonia latino -americana registra-se, mais tarde, no México, a contribuição de José Vasconcelos, com seu Monismo Estético, no Peru, com Alexandro Deustua que dava a liberdade como princípio informador de toda a beleza, integrando os conceitos de ordem e de liberdade em uma síntese superior, ou ainda na Argentina, quando a cátedra de Alexandro Korn fazia voltar a Kant e os cursos de José Ortega Y Gasset difundiam o pensamento alemão. Tobias Barreto havia chegado, muito antes, às mesmas conclusões e posições. Adotou o Monismo e lhe fez reparos, afirmou a liberdade como fundamento da ordem e abriu portas e janelas do Brasil para a cultura alemã, voltando a Kant e aplicando o mais indefensável golpe no Positivismo, 159 reabilitando, a princípio, a velha metafísica que os positivistas tinham como morta. Defendendo a sua legitimidade e até preconizando a sua necessidade, Tobias Barreto eu à metafísica o mesmo valor que José Ingenieros, anos mais tarde, na Argentina, proclamou, para glória do pensamento portenho. O pensamento filosófico, em toda a América Latina, teve como estuário natural as cátedras das escolas, por onde desfilaram as idéias, os sistemas, e seus autores e divulgadores. Tanto o Positivismo, como as reações antipositivistas, o Cientificismo, o Materialismo, freqüentaram as escolas com desembaraço, in dicando um controle menos rígido da educação e dos meios de ensino. No Brasil, ao tempo de Tobias Barreto, as escolas eram tuteladas pela Igreja e reproduziam, em todos os seus níveis, os saberes dominantes, de interesse permanentemente conversor. Do Maranhão a Sergipe uma única Faculdade, a de Direito do Recife, e dezenas de escolas de grau intermediário, sob orientação oficial, como as Escolas Normais, os Liceus, os Ginásios, e outras tantas sob o rigor de uma disciplina aplicada pelos grupos católicos, inspirados ou diretamente sujeitos a orientação dos jesuítas. A fronteira intelectual superior do Brasil nordestino era com a Bahia, em cuja Faculdade de Medicina prosperou, nos anos 70 em diante, uma reação renovadora, iniciada, provavelmente, pela tese, rejeitada, do doutorando Domingos Guedes Cabral, sobre as Funções do Cérebro, seqüenciada pela presença de estudantes sergipanos – Felisberto Freire, Joviniano 160 Romero, Rodrigues Dória – que refletiam, à distância, a inquietude intelectual de Tobias Barreto. No Recife, sede nordestina da cultura em todo o século XIX, a cátedra era a mais eloqüente tribuna de manutenção dos velhos conhecimentos, intocados pela auréola de divindade que ornava a verdade clerical. O próprio Tobias experimentou, por três vezes, furar o bloqueio do controle do ensino em Pernambuco. Candidatou-se duas vezes a uma cadeira de Latim, no Colégio das Artes, que funcionava em anexo e como preparatório à Faculdade de Direito, e uma vez à cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano. Nos dois primeiros concursos perdeu para o padre sergipano Félix Vasconcelos Barreto e no último foi derrotado, mesmo tendo maior nota, pelo dr. José Soriano de Souza, divulgador neotomista, filiado à propaganda da Revista Contemporânea de Paris, que no Recife teve na Revista Mensal da Instrução Pública de Pernambuco, veículo especial de difusão. Não houve, de nenhum modo, atividade se melhante àquela da Faculdade de Filosofia e Letras de Buenos Aires, primeiro como Rodolfo Ricarola e depois com Alexandro Korn, ou do Colégio Livre de Estudos Superiores de Buenos Aires, ou ainda das Escolas Normais de Paraná e de Mercedes, da Faculdade de Humanidades de La Plata, ou do Colégio Novecentista, fundado sob influxo dos cursos ministrados, em 1916, por Ortega Y Gasset, todos na Argentina, onde o Positivismo não tomou a feição religiosa que adquiriu no Brasil. Vários pensadores e divulgadores da fi losofia mais nova, como Alexandro O. Deustua, no Peru, 161 Antônio Caso, no México, Carlos Vaz Ferreira, no Uruguai, fizeram da cátedra a mais contundente função crítica, projetando sobre as gerações latino -americanas a sentença de uma filosofia compromissada com o fazer histórico da liberdade. No Brasil Tobias Barreto foi dos raros pensadores a ser aceito no ambiente da Faculdade de Direito, onde fora aluno e desafeto dos surrados e embolorados compêndios. Seus companheiros, como Sílvio Romero e Artur Orlando, com quem manteve total entrosamento e intimidade, foram barrados na entrada da escola, derrotados nos concursos a que se submeteram. Por isso mesmo a Faculdade de Direito do Recife, cenário e depois palco das transformações mentais da juventude, não produziu, depois de Tobias, qualquer vertente inovadora de cultura, ainda que por ela passassem figuras notáveis que honraram a memória do combate intelectual. A Escola do Recife não se fez na Faculdade de Direito, mas nos jornais recifenses e pernambucanos, que representaram o conduto esclarecido das mudanças de atitudes diante do repertório de conhecimentos. Os jornais, muitos deles pequenas folhas, como os periódicos escandeses de Tobias Barreto, as revistas, as publicações avulsas, serviram de suporte para a resistência filosófica dos brasileiros do Nordeste. Cir cularam, do Maranhão a Sergipe, entre 1862 e 1889 (data da chegada de Tobias ao Recife e de sua morte) mais de 1.600 jornais e periódicos, sendo cerca de 700 em Pernambuco, quase 400 no Ceará, mais d e 150 em Alagoas, mais de 100 no Piauí, quase 100 em Sergipe e 162 no Maranhão, mais de 60 na Paraíba e no Rio Grande do Norte. Esse acervo, desaparecido ou degradado, serviu de meio eficaz de luta, fixando posições, divulgando novidades, que compensava a estrutura monolítica de controle da educação por parte das classes dominantes. A imprensa, como a filosofia, teve profundos compro missos com as lutas da liberdade. A independência mental de Tobias Barreto, diante dos sistemas e das correntes filosóficas, desnorteou a trajetória das idéias no Brasil. O comportamento nor mal, nos países latino-americanos, que também vigorava no Recife ao tempo de Tobias, era o da união perpétua entre o leitor e o autor, o professor e o filósofo, a cátedra e a pregação das idéias abraçadas. Com Tobias Barreto as idéias perderam o tônus de ensinamentos permanentes, para serem ferramentas efêmeras de transformação cultural. O pensador sergipano percorreu escolas e sistemas, desbravando-os, num processo contínuo e coerente de reflexão, deixando nos jornais e nos livros a marca de seu labor crítico. A circunstância que teve poder mais largo e profundo foi a do vetor germanista da postura tobiática. Um germanismo denso, encorpado nas fontes mais sedimentadas da evolução intelectual, capaz de banhar com a essência poética da emoção as cruas revelações da ciência de Darwin, aperfeiçoada por Ernest Haeckel, ou a penetrante confissão psicológica do inconsciente de Eduardo Von Hartmann, ou a instigante luta pelo direito, de Rudolf von Jhering, tendo a crítica kantiana permeado sua conduta. 163 Mesmo não se engajando na questão religiosa, entre padres chefiados por Dom Vital, e maçons das diversas lojas recifenses, ou não tomando partido da peleja jornalística entre Abreu e Lima e Pinto de Campos, sobre bíblias falsas, Tobias viveu, em dois momentos distintos de sua existência, a mesma situação, de travar embates com representantes do pensamento católico. Uma vez em 1870, quando pelo seu jornal O Americano discuto com o velho professor Autran da Mata Albuquerque, do jornal O Católico, e segunda vez, em 1883, quando pelo Diário de Pernambuco polemiza com os padres e seus redatores do jornal maranhense Civilização. Embates virulentos, cruéis até, desgastantes, que deixaram feridas expostas, que jama is cicatrizaram. Para a administração da Igreja Tobias Barreto era a encarnação de toda a reação ideológica ao primado da fé, mesmo quando referendado pela decisão tomada no Concílio do Vaticano, em 1870. O germanismo operara em Tobias Barreto uma profunda mudança de atitude, a visão universal da cultura, esta vivida como lei da história humana perante a natureza, transformando-a para o bem e para o belo, fez de Tobias Barreto um sistematizador de conceitos, um exegeta das idéias, um conciliador de sistemas . Seu retorno a Kant, em 1887, mesclado de estudos ante riores, a partir de 1874, é um sinal de vitória, sobre os espiritualistas, sobre os positivistas, precedendo a evo lução materialista da história. Quando retorna a Kant, Tobias não extrai, da filosofia alemã, apenas aquilo que ele havia produzido no passado. Vai mais adiante, numa 164 releitura kantiana que antecede a outros autores, tanto na América Latina, quanto no resto do mundo, O pastor Hermamm Dohms, presidente do Sínodo, escreveu no jornal evangélico de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em 1932, que Tobias Barreto, sem conhecer a teologia de A. Ritschl, conhecia no entanto a situação espiritual em que se desenvolveu a teologia daquele autor, na base filosófica da conexão com Kant. Para Dohms, a repetição de uma grande experiência e o desespero diante da própria experiência eleva e aponta para uma confissão de fé. O movimento teológico protestante vicejou ao tempo de Tobias. Em Sergipe dois fatos obtiveram enorme repercussão: a queda da obrigatoried ade do ensino religioso na Escola Normal, decretado por Inglês de Souza, que passara pela Faculdade de Direito do Recife e presidia a Província onde Tobias nascera, e a presença, como clínico, em Laranjeiras, interior sergipano, do médico baiano Guedes Cabral, à mesma época. Logo depois, em 1883, os pastores Blackford e Finley realizaram pregações evangélicas e em 1884 fundaram duas igrejas protestantes em Sergipe: uma em Laranajeiras, e outra no povoado Lavandeiras, entre Laranjeiras e Itabaiana. Por todo o Nordeste surgiram os templos protestantes, ocupando um espaço na população que não temia conviver com a fé reformada. O ambiente criado pela posição filosófica de Tobias Barreto pro piciou o debate das idéias religiosas na população, através das Igrejas protestantes, como na vertente do Materialismo permitiu o surgimento de agremiações 165 socialistas, formadas por discípulos seus, como foi o caso de Manoel dos Passos de Oliveira Teles, em Sergipe, associações sindicais, anarquistas e utópicas, centros operários marxistas, num evoluir perfeito de discussão ideológica. Assim como pensar e escrever em alemão era a transgressão maior de um dominado em luta, a divulgação das idéias alemãs de Lutero a Kant, de Hartmann a Jhering, de Hegel a Marx, era o produto social e histórico da liberdade intelectual brasileira. Parafraseando o pensador sergipano, quando a propósito de Kant criou Herman Hettner, voltar a Tobias Barreto é progredir. As suas Obras Completas são documentos da vida brasileira, que afirmam a condição pensante do homem em seu processo histórico de evolução cultural, num País ainda hoje preso ao atraso e à dependência nas suas relações com o mundo. 166 Bibliografia Recomendada O Brasil Mental, por Bruno (José Pereira de Sampaio), Porto, 1898. Sobre la Filosofia en América, por Francisco Romero, Buenos Aires, 1952. La Filosofia Classica Alemana em Cuba; por Antônio Sanchez de Bustamante y Montoro, Havana, 1984. Horizontes do Direito e da História, por Miguel Reale, São Paulo, 2ª edição, 1977. História da Faculdade de Direito do Recife, por Clóvis Bevilácqua, Rio de Janeiro, 2ª edição, 1977. A Filosofia no Brasil, por João Cruz Costa, Porto Alegre, 1945. A Filosofia da Escola do Recife, por Antônio Paim, Rio de Janeiro, 1966. Tobias Barreto na Cultura Brasileira, por Paulo Mercadante e Antônio Paim, São Paulo, 1972. Da Escola do Recife ao Código Civil, por Vamireh Chacon, Rio de Janeiro, 1969. Ensino, Jornalismo e Missões Jesuíticas em Pernambuco por padre Ferdinand Azevedo, Recife, 1983. Tradicionalismo Católico em Pernambuco, por Tiago Adão Lara, Recife, 1980. Aspectos do Pensamento Alemão na Obra de Tobias Barreto, por Lílian de Abreu Pessoa, São Paulo, 1984. A Escola do Recife, por Nelson Saldanha, São Paulo, 2ª edição, 1985. 167 Tobias Barreto e a Teologia Protestante Alemã do Século XIX, por Hermamm Dohms, in Deutsche Evangeliche Bläter, 7 e 8, 9 e 10, São Leopoldo, 1932. Tobias Barreto, A Abolição da Escravatura e a Organização da Sociedade, por Luiz Antônio Barreto, Recife, 1988. Obras Completas de Tobias Barreto, Edição Comemorativa, organização de Antônio Paim e Paulo Mercadante, Direção Geral de Luiz Antônio Barreto, com a colaboração de Jackson da Silva Lima, INL/ Editora Record, Rio de Janeiro, 1989/1990, 10 volumes, conforme sumários a seguir: Estudos de Filosofia Sumário Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio Barreto. Introdução, por Antônio Paim e Paulo Mer cadante. Parte I – Período de Formação em Escada Guizot e a Escola Espiritualista do Século XIX A Propósito de uma Teoria de São Tomás de Aquino Teologia e Teodicéia não são ciências Fatos do Espírito Humano Sobre a Motricidade Sobre a Religião natural de Jules Simon A Religião Perante a Psicologia 168 A Ciência da Alma Ainda e Sempre Contestada O Atraso da Filosofia entre Nós Sobre a Filosofia do Inconsciente Parte II – Período Final em Escada Deve a Metafísica ser Considerada Morta? O Partido da Reação em Nossa Literatura O Haeckelismo na Zoologia Algumas Idéias sobre o Chamado Fundamento do Direito de Punir Sobre uma Nova Intuição do Direito Uns Ligeiros Traços sobre a Vida Religiosa no Brasil Parte II – Última fase (Período do Recife) Dissertação de Concurso Notas a Lápis sobre a Evolução Emocional e Mental do Homem Relatividade de Todo Conhecimento Glosas Heterodoxas a um dos Motes do Dia, ou Variações Anti-sociológicas Recordação de Kant A Irreligião do Futuro Introdução ao Estudo do Direito Fortuna Crítica A Trajetória Filosófica de Tobias Barreto, por Antônio Paim Nota sobre a Noção de “Monismo” em Tobias Barreto e na Escola do Recife, por Nelson Saldanha 169 Estudos de Direito I Sumário Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio Barreto Tobias Barreto na Cultura Brasileira, por Miguel Reale I – Filosofia do Direito Idéia do Direito Apêndice: Teses do Concurso de 1882, Programas da Faculdade de Direito, Jurisprudência da Vida Diária II – Direito Público Constitucional Comentário à Dissertação de Luiz de Souza da Silveira, sobre o art. 5º da Constituição do Império A Questão do Poder Moderador O Artigo 32 do Ato Adicional O Direito Público Brasileiro A Província e o Provincialismo Responsabilidades dos Ministros no Governo Par lamentar Reforma da Constituição Selfgovernment III – Direito Privado Novo Direito que é Preciso Reconhecer O que se Deve Entender por Direito Autoral Algumas Palavras sobre a Teoria da Mora Direito Romano 170 Estudos de Ciência Financeira Coisas Lições de Abertura do Curso de Economia Política IV – Direito Processual História do Processo Civil Fortuna Crítica Um Triunfo Esplêndido, por Gumercindo Bessa A Caricatura do Direito Natural, por Djacir Menezes Estudos de Direito II Sumário Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio Barreto Tobias Barreto e o Direito Penal, por Everardo Luna Menores e Loucos Prolegômenos do Estudo do Direito Criminal Comentário Teórico e Crítico ao Código Criminal Brasileiro Delitos por Omissão Ensaio sobre a Tentativa em Matéria Criminal Mandato Criminal A Co-delinqüência e seus Efeitos na Praxe Processual Fortuna Crítica Tobias Barreto, Criminalista, por Aníbal Bruno Tobias Barreto, Pensador do Direito Criminal, por Virgílio Campos 171 Estudos de Direito III Sumário Tobias Barreto, Uma Biobibliografia, pr Luiz Antônio Barreto Parte I – Escritos Forenses Tobias Barreto e sua Atuação no Foro, por Jackson da Silva Lima 1. Curador Geral de Órfãos 2. Advogado 3. Juiz Municipal Suplente 4. Processo-crime contra Tobias Barreto Tobias Barreto e a Luta pelo Direito, por Luiz Antônio Barreto Apelo para o Público Leia quem Tiver Interesse Um Processo de Injúrias Verbais Amostra do Pano Escada I Escada II Negócios da Escada I Negócios da Escada II Ainda a Questão do Arbitramento Um Processo Singular Mais uma Pitada nas Ventas da Parelha Judiciária A Justiça da Escada Escada: um Outro Escândalo do sr. dr. Materno O Cerco da Casa: Cidade da Escada 172 Escada O Cerco da Minha Casa I O Cerco da Minha Casa II Fortuna Crítica: A Filosofia Jurídica de Tobias Barreto, por Manoel Cabral Machado Crítica de Religião Sumário Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio Barreto O Acadêmico Uma Luta de Gigantes Theologia Rationalis Teologia Racional (refutação) Notas de Críticas Religiosas Moisés e Laplace Os Livros Mosaicos ou Assim Considerados Polêmica com “O Católico” Uma Excursão de Diletante pelo Domínio da Ciência Bíblica Sobre um Escrito de Alexandre Herculano Sobre David Strauss Encore um Pelerin Mais um Peregrino Polêmica com “A Civilização” Os Pontos de Filosofia do padre dr. Jerônimo Thomé O Último Livro de E. Renan e o sr. Oliveira Martins 173 Fortuna Crítica: Tobias Barreto, o seu Ponto de Vista Religioso, por Artur Orlando Crítica Política e Social Sumário Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio Barreto Tobias Barreto, por Evaristo de Morais Filho O Patriotismo Ao Sete de Setembro Os Homens e os Princípios Política Brasileira Política da Escada Ainda Politica da Escada Fidalguias Pernambucanas Os Bispos Anistiados Apelo Ajuste de Contas Um Discurso em Mangas de Camisa Verificação de Poderes Manifestações ao dr. Jsé Mariano Oposição ao sr. Adolfo de Barros Oposição ao sr. Adolfo de Barros II Educação da Mulher Educação da Mulher II Ainda a Educação da Mulher Projeto de um Partenogógio 174 Projeto nº 129 O Grande Dia Reforma Eleitoral A Próxima Eleição Ao Corpo Eleitoral Um Ligeiro Boato Morte de Osório Revolução do Vintém Henrique von Treitschke e o Movimento Antijudaico na Alemanha O Martelo dos Tratantes A Política Brasileira A Carlos Gomes Redenção do Município do Recife - Manifesto Palavras ao Clube Carlos Gomes A Academia Apêndice – artigos e notas de jornais Fortuna Crítica: Tobias Barreto, por Brasil Brandechi Tobias Barreto e a Teoria Política no Brasil, por Gláucio Veiga Monografias em Alemão Sumário Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio Barreto Tobias Barreto e Dom Pedro II: Duas Faces do Germanismo Brasileiro, por Vamireh Chacon 175 O Lutador Alemão O Brasil como Ele é Considerado do Ponto de Vista Literário Uma Carta Aberta à Imprensa Alemã Fortuna Crítica: Tobias Barreto de Menezes, o Mais Significativo Germanista do Brasil, por Carlos H. Oberacker Jr. Dias e Noites Sumário Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio Barreto A Obra Poética de Tobias Barreto, por Jackson da Silva Lima Parte I – Gerais e Naturalistas Elegíacas: Dia de Finados no Cemitério Pela Morte de um Amigo Viúva e Filhos do Capitão Pedro Afonso Pressentimento Morte de um Pai D. Hermínia de Araújo Filosóficas: Juízo Final Anelos Aspiração 176 Vôos e Quedas A Caridade O Gênio da Humanidade Epicurismo Ignorabimus A Glória O Coração Últimos Versos A Morte Campestres: Cena Sergipana O Beija-flor Os Trovadores das Selvas Lenda Rústica Os Tabaréus Ano Bom Mágoas Diversas: Maria Victor Hugo Mãe e Filho No Álbum de um Poeta Inspiração Lenda Civil Oito Anos A Luva A Escravidão Hino ao Trabalho 177 Je Sais Discípulo e Discípula Improviso No Álbum de uma Discípula Porque Volto? Filia Pulchra et Mater Pulchrior Charadas Parte II – Patrióticas: Guerra Holandesa À Vista do Recife A Polônia Os Voluntários Pernambucanos Os Leões do Norte Aos Oficiais da Guarnição da Paraíba SS. AA. Imperiais Sete de Setembro Em Nome duma Pernambucana Partida de Voluntários Num Dia Nacional Capitulação de Montevidéu Caxias e Herval Queda da Assunção Fim da Guerra Volta dos Voluntarios Diante de um Batalhão que Voltava da Campanha Minha Pátria O General Deodoro da Fonseca Guerra do Paraguai 178 Parte III – Estéticas: A uma Mulher de Talento Depois de Ouvir a Ária Final da Traviata Artur Napoleão O Pianista Hermenegildo O Rabequista Moniz Barreto Ainda Moniz Barreto Uma Cantora Adelaide do Amaral De Novo Adelaide do Amaral Joaquim Augusto Mr. Reichert Ainda à mr. Reichert Ainda à Adelaide do Amaral À Bottini Polca Imperial À Júlia Tamborini Ainda à Tamborini Líbia Drog Giuseppina de Senespleda Ida Giovanni Ainda Líbia Drog Desânimo À Augusta Cortesi A uma Cantora Parte IV – Amorosas Criança Eu Amo o Gênio Deusa Ignota 179 Glosa Amália Teus Olhos Uma Poetisa Um Pouco de Música Penso em Ti Idéia Haec Olim Meminisse Juvabit Pelo Dia em que Nasceste Leocárdia Suprema Visio Amar É Cedo Carmem Consente A Mulher Como? Nós as Estrelas Sobre as Asas Querúbicas O Beijo Súplica Contemplação Tão Longe Assim Dize-me Sempre Oh! Isto Mata Não Falei em Mim Sê Meiga e Terna Porque me Feriste? Como é Bom! Cantai Malévola 180 Lutas D’Alma Fatalidade Jerônima Por Brincadeira Que Mimo! Ainda e Sempre Incrédula Nada Impossível Sempre Bela Variação à Heine Paráfrase Uma Sergipana À Pilhéria Improviso Improviso Um Sonho em Vigília Parte V – Satíricas: Decadência! O Rei Reina e não Governa Conselheiro Pedro Autran de Albuquerque Papel Queimado Namoro não é Crime O Mal da Humanidade Homo Homini Lupus Sê Leão! Diante do Retrato de D. Josefa A.F. de Oliveira Cena Cômica 181 Chapa Dr. José Brandão da Rocha O Coronel João Félix Ainda o Coronel João Félix Uma Rima p’ra Camelo Padre Fonseca Ainda Padre Fonseca Dr. Joaquim Nabuco José Higino Ainda José Higino Dr. Carneiro da Cunha Dr. Fagundes Coelho Lá Vai Verso, Rapaziada! Academia Apêndice Tentação Quando à Mesa dos Prazeres Elegus Elegia Nênia Ao Promotor Leandro Borges Dois de Julho Veni de Libano, Sponsa Mea Camões Ao Padre Benvindo A um Velho Latinista Padre J. A. de Faro Leitão Hino à Virgem Soneto 182 Soneto Ode Sáfica (em Latim) Ode Sáfica (Tradução) Elogio (em latim) Elogio (tradução) A Imagem da Minha Amada Minhas Lágrimas Fortuna Crítica: Tobias Barreto, o Poeta, por Mário Cabral. Crítica de Literatura e Arte Sumário Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio Barreto Tobias Barreto e a Crítica, por Luiz Antônio Barreto A Paes de Andrade Flores da Noite Literatura Bíblica: Naum O Romance no Brasil A Influência do Salão na Literatura Auerbach e Victor Hugo Idéias sobre os Princípios da Estilística Moderna A Musa da Felicidade Carolina Michaellis e a Nova Geração Literária em Portugal Socialismo em Literatura A Última Carta de Victor Hugo ao Congresso de Genebra 183 O Dia de Camões Um Romance e um Romancista Sobre Lingüística Nota sobre o Romantismo Alemão Ligeira Conjectura sobre o Nome de Camões Lendas e Superstições do Norte do Brasil O que Nós Queremos Nota sobre a Literatura da América do Norte Traços da Literatura Comparada do Século XIX Prálogo (Gramática Latina) O Benefício da sra. Cortesi O Último Espetáculo da Companhia Lírica Alguma Coisa Também sobre Meyerbeer Ainda Alguma Coisa Também sobre Meyerbeer Minha Contribuição Um Pedaço de Autopsicologia Algumas Palavras sobre o Lírico A Traviata e a sra. Lucia Avalli Companhia Lírica As Últimas Representações do Fausto Belini e a Norma Carlos Gomes e sua Ópera Salvator Rosa A Senhora Drog como Elvira Não Há mais Gosto pelo Drama Sobre Lucinda Fortuna Crítica: Três Mestres do Direito no Batente do Jornal, por Luiz do Nascimento 184 Estudos Alemães (e Vários Escritos) Sumário Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio Barreto O Germanismo de Tobias Barreto, por Paulo Mercadante Prólogo Como Introdução Carta ao Redator do Deutsche Zeitung The Position of Women in Germany A Alma da Mulher A organização Comunal da Rússia Apresentação do Der Deutsche Kaempfer (alemão) Apresentação do Der Deutsche Kaempfer (tradução) Pedido Is Die Metaphysik Als Zu Betrachten De quem é o Erro. Da Autora ou da Tradução? As Faculdades Jurísticas como Fatores do Direito Nacional Carta a Karl von Koseritz J. C. Frederico Zollner Política Prussiana Notas a Lápis Tobias ao dito Lessing do Diário do Dia 19 do Corrente A Mulher e o Amor Miséria do Império e sua Corte O Príncipe de Bismarck e o Visconde do Rio Branco Uma Anticrítica, ou Melhor, uma Andidescompostura Nem Filósofo nem Crítico Reforma do Regimento 185 Privilégio dos Carros Fúnebres Há entre Nós uma Verdadeira Eloqüência Parlamentar? Avis au Lector Aviso ao Leitor Um Lente de São Paulo Julgando um Colega do Recife 1879 Fundação Bluntchli O Monismo O Monismo O Industrial As Artes e a Indústria Artística As Flores Perante a Indústria Memória Acadêmica do Ano de 1883 A Fotografia como Ramo de Indústria Próprio das Mulheres Himmel-und Escadafahrt Avulsos Idéias Introdutórias ao Estudo da História Correspondências: A Carvalho Lima Júnior Aos Estudantes Sergipanos da Faculdade de Medicina da Bahia A Sílvio Romero A Artur Orlando De Autores Alemães para Tobias De Sílvio Romero a Artur Orlando, sobre Tobias Fortuna Crítica: O Germanismo de Tobias Barreto, por Mário G. Losano 186 O Radicalismo Crítico de Tobias Barreto (seu pensamento filosófico e político), por Vamireh Chacon 187 O PENSAMENTO E A AÇÃO POLÍTICA DE TOBIAS BARRETO 188 Introdução Debater as idéias que marcaram a história do Brasil, na quadra da sua emancipação política, é exer citar o compromisso da liberdade, ao qual Tobias Barreto concorreu com o seu talento, sua genialidade. Um compromisso permanente, de afirmação nacional. Quem ensina é o próprio Tobias, ao dizer que “a liberdade é uma condição, uma lei. Não é porém uma lei da existência social, porque as sociedades não se faze m, não existem livremente; é uma lei do seu desenvolvimento, por ser a condição de todo o progresso moral intelectual e econômico.” O Brasil, como todos os países do Novo Mundo, experimentou, ao longo da sua trajetória histórica, diversos modelos de econo mia que impuseram modelos de sociedade e de cultura. Tobias Barreto é, no contexto nacional do Brasil, uma referência, uma vertente, à qual se poderá sempre recorrer para compreender todo o processo de reação cultural, na visão multidisciplinar do crítico, reformando conceitos, demolindo o edifício dominante do estabelecido como verdade imutável. Assim, a obra de Tobias Barreto adquire um liame afirmador de sua coerência diante das indagações do seu tempo. A literatura, sob o ponto de vista do poeta e do crítico, a religião, a filosofia, o direito, a ciência política, 189 tudo converge para uma mesma postura diante do mundo e do destino da humanidade. O foco sobre qualquer dos aspectos do pensamento e da ação de Tobias Barreto fornece, de saída, a oportunidade reveladora, graças à contribuição que o fundador da Escola do Recife deu às idéias no Brasil. Voltar a Tobias é ter a oportunidade de acompanhá-lo no trabalho de passar o Brasil a limpo, na feliz expressão de Antônio Paim. Ou, valendo -se do próprio Tobias, e parafraseando Hermann Hettner, voltar a ele é progredir. O tema que desenvolverei, centrado no PENSAMENTO E AÇÃO POLÍTICA DE TOBIAS BAR RETO, permitirá, esquemativamente, contextualizá -la na ambiência histórica, econômica, social e cultural do Brasil, na segunda metade do século XIX. É o que farei, a seguir. O Brasil no Tempo de Tobias O Estado brasileiro, erigido politicamente com a Independência de 7 de Setembro de 1822, e juridicamente com a Constituição de 1824, pareceu sempre ter como “objetivo grande e principal” a preservação da propriedade, como ensinara John Locke. (1 ) A descoberta da América e do Brasil, não afirmou apenas o poder navegador da época, mas projetou o ideário cristia nizador ibérico, que lastreou, historicamente, as presenças espanholas e portuguesa do Novo Mundo. O signo da cruz, nas caravelas, como na consideração da 190 infidelidade de índios e negros, norteou a posse e a ocupação, a exploração e a colonização do Brasil, determinando um rígido controle da sociedade e da cultura que ela deveria produzir. Ao longo de 350 anos, desde o Governo Geral de Tomé de Souza até à queda de Pedro II, passando pelo período de sede do Reino, das Regências e dos Impérios, o Brasil permaneceu como uma grande propriedade, intocada naquilo que deve ria render à Coroa, ou naquilo que ela deveria dar aos seus sesmeiros, posseiros, arrendatários, exploradores, colo nos, senhores. É evidente um quadro diversificado, de acordo com as fases da história. Os conflitos e disputas com outros povos, principalmente com os franceses, espanhóis e holandeses, contudo, não alteraram a base econômica da exploração fundiária. Bem assim a descoberta das minas, no século XVIII, não alterou a antiga relação senhorial das lavouras nordestinas, ou dos criatórios espalhados no Nordeste, e para o Centro e para o Norte do Brasil. E ao lado da proteção da propriedade em seu duplo aspecto, foi protegida a fé, de todos s questionamentos. O Brasil, não é demais repetir, não teve escolas e nem imprensa até 1808, salvo as de formação religiosa e as “gazetas subversivas”, a exemplo das distribuídas pelo padre Eusébio Dias Laços, na primeira metade do século XVIII. A rigor, não foi possível configurar uma sociedade nacional, antes da Independência do Brasil, de 1822, ainda que insatisfações proliferassem por diversas partes do País, culminando com a Inconfidência Mineira, que reuniu intelectuais, magistrados, e 191 militares, sob a liderança de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Por isso mesmo, não havia o que poderia ser identificado como cultura brasileira. O espírito nacional formou-se aos saltos, embutido nos movimentos difusos que marcaram o período de sede do Reino, como a Revolução Pernambucana de 1817, do Primeiro Reinado, como a Confederação do Equador, 1824, ou do Segundo Reinado, como a Revolução Liberal, de 1842, a partir de São Paulo, e a Revolução Praieira, de Pernambuco, em 1848, além de outros movimentos localizados, menores, mas sinalizadores de uma inquietação social no País. Tais insurgências, no entanto, fracassaram e deixaram profundo abatimento na alma nacional. Faz mister dizer que, ao mesmo tempo, o Brasil empreende o seu esforço de crescimento econômico, gerando, em conseqüência, uma produção cultural, da qual é expoente o Romantismo, em todas as suas manifestações. Em 1827, ainda no Primeiro Império, a criação dos Cursos Jurídicos impulsiona o saber letrado, nos moldes dos compêndios dos autores europeus, traduzidos em Portugal. Ao lado dos autores do Direito, chegam os autores da crítica religiosa, da filoso fia, marcando com um sulco profundo o controle da educação e da cultura. O Brasil do século XIX tomava emprestado um saber velho, de segunda mão, que transplantado com atraso embotava a formação da mocidade. Não havia, por exemplo, muita diferença intelectual entre o que era ensinado pelos padres e frades, de um modo geral pelos jesuítas, em especial, e 192 o que ensinavam os professores da Faculdade de Direito do Recife, como José Antônio de Figueiredo, Antônio Vasconcelos Menezes de Drummond, ou do Ginásio Pernambucano, como José Soriano de Souza que seguia a mesma linha dos meus irmãos Braz Florentino e Tarquínio Bráulio. José Antônio de Figueiredo dizia, em 1857, que “A instalação da Irmandade Religiosa, no Convento dos Franciscanos, sob a invocação de Nossa Senhora do Bom Conselho, foi uma prova de convicção de que só a religião oferece uma verdadeira e real garantia à ordem e tranqüilidade pública de que só ela pode sancionar de uma maneira positiva e dogmática a Moral social, e prevenir e acautelar crimes cuja alçada e investigação escapam às leis humanas.” (2 ) O professor Drummond (3 ) afirmava, 10 anos depois, em 1867, que “A religião cristã, obra da Sabedoria Divina em prol do bem da humanidade (assim como o Protestantismo é obra da fraqueza humana e para sua destruição) sendo a única capaz de fazer a felicidade nesta vida, e também a única capaz de fazer a felicidade na vida futura, foi pela Constituição pre ferida, sob cuja sombra já havia prosperado a abençoada terra da Santa Cruz, há trezentos anos.” No seu livro Lições de Filosofia Elementar, Racional e Moral, (4 ) o dr. José Soriano de Souza, com quem Tobias Barreto disputara uma vaga de professor de Filosofia do Ginásio Pernambucano, pregava que o Estado era a matéria e a Igreja o espírito, devendo aquele estar sempre subordinado a esta. Soriano anota 193 ao final do seu livro: “Sujeito estas Lições de Filosofia ao juízo indefectível da Santa Igreja Romana, isto é, à correção do Soberano Pontífice, Pai e Mestre infalível de todos os cristãos; e com ele digo, e tenho como verdade que é obrigação rigorosa, quer do filósofo que deseja ser filho da Igreja, quer da mesma filosofia, não dizer nada contra o que a Igreja ensina, e retratar -se desde que ela o adverte; e bem assim que inteiramente errônea e soberanament e injuriosa à Fé e à Igreja e à sua autoridade a doutrina que ensina o contrário disso.” Não era sem razão que o Conselheiro Autran, com quem Tobias polemiza, em 1870, exultava com o livro de Soriano, dizendo: “Deste modo vê-se que o claro autor segue nas sua Lições de Filosofia Elementar os sãos princípios, que são como a chave para refutar os sofismas miseráveis da moderna incredulidade. haveria pois estudo filosófico mais sério e mais útil para a mocidade católica do Brasil?” (5 ) Os jesuítas, que regressavam ao Recife em 1866, como “operários da educação da mocidade” fundaram, já em 1867, o Colégio São Francisco Xavier e assumiram a redação da Revista de Instrução Pública de Pernambuco, onde diziam que “O progresso das ciências, das artes e da indústria parece favorecer o desenvolvimento dos instintos menos nobres na nossa natureza”, e que “A liberdade de ensinar, dada a todos, é essencialmente imoral, e por conseguinte ilícita, visto que franqueará o ensino ao incrédulo, ao racionalista, ao protestante, etc.” (6 ) 194 As citações, todas elas, reforçam a preocupação da classe dominante e o controle que ela exercia sobre a educação, nas escolas e através dos jornais, e sobre a cultura, desdobrando-se na condenação à ciência. Era esse ambiente do Recife – a cabocla civilizada – como a vira Tobias em 1862, ao chegar da Província de Sergipe. Aquele ambiente, ponto de convergência da mocidade nordestina, mesclava-se apenas do lirismo dos ainda muito jovens poetas que freqüentavam os teatros como o baiano Castro Alves, o cearense Júlio César, o pernambucano Vitoriano Palhares, o sergipano Tobias Barreto, entre muitos outros que existiram meteo ricamente na história luminosa das letras brasileira. O Poeta da Guerra A ação política de Tobias Barreto, esta entendida como o engajamento na luta social, precede a for mulação do seu pensamento, filiado ao Liberalismo. Ainda estudante da Faculdade de Direito se faz, a partir de 1865, poeta do sentimento patriótico e nacionalista, tomando como mote do seu canto a Guerra do Br asil contra o Paraguai. Antes disso, já o estro de Tobias evocara as tradições guerreiras de Pernambuco, numa alusão às batalhas vencidas contra os invasores ho landeses, que estão na base dos sentimentos brasileiros de liberdade. Em 1864, protestando ao mundo em favor da Polônia, Tobias agita o Teatro Santa Isabel com versos como este: 195 Só é grande a liberdade Que sacode a majestade E arranca a juba dos reis. Pernambucano, pois, renasce, nas ruas, com a Guerra do Paraguai. O heroísmo dos padres de 1817 e de 1824, dos liberais de 1842 e dos praianos de 1848, aflorava novamente, como síntese de lutas perdidas, sufocadas pelas forças das armas. Tobias Barreto adotou uma estética poética nova dentro do Romantismo vigorante, inclinada ao social, em substituição ao intimismo dos outros poetas do seu tempo. A nova poesia, à qual também se filiou Castro Alves, Tobias a levou a Pernambuco por influência de poetas de Sergipe que, segundo o escritor, crítico e historiador sergipano Jackson da Silva Lima (7 ) o precederam, como atestam jornais baianos e sergipanos, na maneira de poetar. O Condoreirismo fez escola e entre os críticos existem os que emprestam ao movimento poético de Tobias Barreto um sentido de marco, espécie de primeiro momento da Escola do Recife. O que é certo é que o poeta se declara, de todo, enfático na luta pela liberdade e pela pátria. É ele mesmo quem diz, aos Oficiais da Guarnição da Paraíba, em 1865: É uma canção magoada, Que a Pernambuco votei; Quando a luz da sua espada, Em prol da pátria invoquei. 196 No mesmo poeta Tobias cunha a frase são os do Norte que vêm, que ficou, antológica, no repertório nordestino, como um grito guerreiro de afirmação e de ênfase na coragem de luta do povo do Nordeste, que Manuel bandeira e Ariano Suassuna, em épocas diferentes, renovaram. Liberdade e patriotismo são as duas medidas proféticas da poesia de Tobias Barreto, como estão no improviso, no Teatro Santa Isabel, em 7 de setembro de 1865: Para que tudo estremeça, Basta erguer-se uma cabeça Cheia de revolução. Ergueu-se uma: foi decepada, Mais outra: ainda calcada... Ao longe o brado se ouviu Era o espírito das matas, Os turbilhões democratas Que a liberdade produz. Mais tarde, refazendo o poema, ele completa: Fazendo os tronos vergarem E os reis se descoroarem, Cortejando a nova luz. Em Capitulação de Montevidéu, também em 1865, ele diz: 197 Juntem as almas gratas De colegas e de irmãos; Que o vento que acorda as matas Nos toma os livros das mãos: A vida é uma leitura, E quando a espada fulgura, Quando se sente bater No peito heróica pancada Deixa-se a página dobrada Enquanto se vai morrer. A Guerra do Paraguai, mais que os levantes internos forjava a têmpera de uma nova classe que crescia a sua influência no Brasil: a dos militares. Tobias percebe o fato e se apressa em dar aos militares uma função patriótica, libertária, democrática, com responsabilidade política. Diz ele, exaltando o brio de dois militares: A frente augusta da história Assoma um grupo imortal; Que um mesmo raio de glória Ligou Caxias a Herval: Fulgor de duas espadas, Que sóbrias, enfastiadas Daquele sangue servil, São as pontos do compasso Que traçou longa no espaço A evolução do Brasil. Caxias e Herval, 1869. 198 O poeta insiste: Não, não! A pátria não mente, De tudo ela é inocente, Pois a pátria somos nós. Volta dos Voluntários, 1870. A temática patriótica leva Tobias a traduzir o poema Minha Pátria, de Hofmann, publicado, em alemão e na tradução, no seu jornal O Americano, em 1870. É este o canto: Constante amor até rolar no túmulo, Eu te juro com a destra ao coração; O que sou e o que tenho, pátria minha, Devo a ti – sinto arder-me o coração. E não somente em cantos e palavras É grato o peito meu para contigo É nas ações que eu quero demonstrar-te, Nos combates, na luta e no perigo. Na ventura, bem como na desgraça, Ante amigos e adversos grito altivo: “Eternamente unidos nós serems, E meu consolo és tu, por ti só vivo.” 199 A poética da guerra encerra-se, em Dias e Noites, com o improviso, sem data, recolhido entre amigos pelo filho João Barreto. (8) Patrícios! O drama é sério! Juntao ao trono armas erguei! Nós mesmos somos o Império! Nós mesmos somos o rei. Não pensemos no monarca. Um homem que os passos marca, Vale o povo varonil, Pois agora o insulto feito Vibra a honra do Brasil. Bastaria, pois, a agitação patriótica para exaltar o poeta Tobias Barreto na história da literatura brasileira. E esta parte da obra, sob nenhum pretexto, pode ficar fora da consideração crítica, porque ela encerra um posicionamento que servirá, mais adiante, como um roteiro conseqüente de participação de Tobias Barreto na vida política, cultural e social do Brasil. O pensador está no poeta, como, aliás, já disse Miguel Reale, quando proferiu conferência, sem Sergipe, por ocasião das celebrações do Centenário de Tobias. Ademais, a poesia de Tobias era a primeira resposta ao meio dominado pelo saber livresco e de sacristia, numa reação que teria enorme conseqüência e que mudaria o curso da história da cultura no Brasil. 200 O Teórico da Liberdade O anticlericalismo de Tobias Barreto não é uma atitude isolada de um desafeto pessoal, mas uma forma de combate que o Liberalismo, nas suas várias tendências, patrocinou contra a Igreja e contra o Catolicismo, porque estes pareciam estruturalmente ligados à velha sociedade aristocrática do ancião regime. A reação liberal, que a partir de 1869 integra “o surto das idéias novas”, como ensina Paim, (9) contagia Tobias, que passa a ocupar espaço na imprensa, principalmente nos jornais O Liberal, órgão oficial do Partido, e O Americano, de sua propriedade, para difundir o Liberalismo que, no seu entender, tinha o verdadeiro solar na democracia. Para Tobias o Estado era a sabedoria do Poder e o Partido Liberal não tinha e nem deveria ter um programa e sim um ideal, e ideal não se discutia. Em O Liberal Tobias escreve uma série de 5 artigos – Os Homens e os Princípios – no início de 1870, assumindo a pregação teórica e partidária, ainda que mantivesse a autonomia do pensamento, conciliando sua convicção. Já no segundo artigo produz fr ases assim: “O cidadão é a forma social do homem, como o Estado é a forma social do povo.” “Onde o povo não é tudo, ele torna-se nada.” Os artigos servem, também, para produzir um diagnóstico do comportamento partidário brasileiro, ou seja, para realçar as atitudes dos Partidos Conservador e Liberal, que nem honravam os princípios que defendia, nem tinham nomes qualificados 201 para o exercício da política, naquela quadra especial da vida brasileira, quando era organizado, no Rio de Janeiro, o Clube Republicano , Tobias não poupa seus companheiros, ao comparar a idéia liberal ao Judaísmo político “esperando e prometendo ardentemente o reinado messiânico da liberdade, só nos críticos momentos de perseguição e de penúria; mas desde que céu se azula e a tempestade serena, adeus messias, adeus esperanças.” Mantendo-se na mesma postura crítica, mesmo ampliando o campo de seus estudos, Tobias produz outra série, de 26 artigos, que saem sem assinatura no jornal O Americano, ainda em 1870. Trata-se, sem dúvida, de um documento precioso de ciência política, pelo qual a sociedade, o Estado e os partidos são vistos, radiografados e contextualizados. Ninguém, nem em Pernambuco e nem em outra qualquer parte, realizou semelhante tarefa, com independência, isenção e espírito crítico. A autonomia do pensamento é a marca constante da obra de Tobias Barreto. A sua contribuição à ciência política foi recentemente destacada por Gláucio Veiga, na Aula Magna que proferiu em 1989, na Faculdade de Direito do Recife. (10 ) E certamente o será por outros estudiosos que têm, agora, acesso aos escritos de Tobias, através da edição das Obras Completas. Não cabe, nesta rápida abordagem, arrolar os textos que tratam da liberdade, mas vale citar alguns deles, justamente dessa fase primeira da sua pregação liberal. Os textos seguintes foram extraídos dos artigos Política Brasileira, do jornal O Americano, 1870. 202 “O povo brasileiro não se constituiu, foi constituído. Vêde bem a diferença. Como atividade, como força, como espírito, ele não deu-se a si mesmo os órgãos e funções da sua vida social. Tudo lhe foi outorgado, como a um autômato mesmo que devesse bulir só por virtude aquela mágica e suprema chave de toda a organização política.” Considero este texto um claro enunciado que coloca a questão da sociedade brasileira em termos situações concretas, porque in clusive aborda a presença passiva do povo, como destinatário de uma decisão superior, de conquista e de Poder, faltando aclarar o papel político que deveria ter na organização do Estado. Não é demais lembrar que o Brasil de Tobias Barreto tinha uma economia primária, movida pelo braço escravo. O conceito de povo prometia para uma casta de homens “bons e abastados”, que juntamente com a nobreza e com o clero eram os agentes da vida brasileira. Tobias Barreto não se referia, com certeza, ao conceito estereotipado de povo, comum no seu tempo, mas a partir da redescoberta romântica, desdobrada na composição da realidade nacional, na interface do Estado com a Nação, e na perspectiva de mobilização popular em favor de partidos fortes, representativos, como condutos de expressão transformadora. Também nisso Tobias apresentou-se como um antecipador. Noutro texto ele diz: “Nenhum povo é realmente grande, senão pela liberdade que tem ou que conquista.” Mais a diante, pondera: “Os que cremos no triunfo inevitável do direito 203 não nos impacientemos com o seu vagaroso andar. Não aceitemos a resignação, virtude estéril, que em política mal difere da humilhação, ms também não esqueçamos o poder das circunstâncias.” Ou mais esta afirmativa observação: “O povo brasileiro quer ser livre, mais livre do que permitem-no as suas instituições. Podê-lo-á conseguir? Eis a questão. O linguajar profético soava como o mais apropriado à sua condição de reformador, incorruptível, que não transacionava com os seus princípios. Achava se até, como confessou, um nominalista, pois que não dava às idéias e proposições gerais, vulgarmente acre ditadas, a realidade e o valor que queriam ter. Vigoroso na crítica, aprofunda a análise da vida e da política brasileira, qualificando o Governo constitucional representativo como “um complexo de altas medidas po liciais, um sistema de prevenções, a organização das desconfianças.” Mais tarde, no seu pequeno jornal O Desabuso, editado em Escada, complementa, dizendo: “Só conheço bem o Governo do meu País sob a forma do Coletor, que me exige o imposto, e sob a forma do soldado, que me faz medo.” Em dois outros momentos, em 1870 e em 1873, Tobias trata do isolamento político das Províncias, em relação ao Império. Uma vez afirmando que sem municípios não poderia haver Província, e sem Pro víncia jamais haveria o Império. Ele justificava -se dizendo que “A capital, donde partem as leis e os regulamentos e os avisos e as ordens secretas e todo este tecido administrativo que nos embrulha, não é uma fonte 204 de idéias, não é uma capital do pensamento.” Noutro, criticando a obra de Tavares Bastos – A Província – de 1870, quando se definiu contrário a aceitar a tese rude de que o que era bom para os Estados Unidos era bom para o Brasil. No seu trabalho Tobias, em três artigos, um dos quais permaneceu desconhecido do público, por não constar em livro, vai fundo na análise dos pressu postos da centralização/descentralização, ao mesmo tempo em que chama, para abonar as suas palavras, a Alexis Tocqueville, que com seu Democracia na América mereceu respeito e citação obrigatória. Não houve, assim, aspecto geral ou particular, que inte ressasse ao Brasil, que não passasse pela visão crítica de Tobias Barreto. “É nosso entender que o destino do século XIX – dizia ele – sendo a crítica leal e sincera de todas as coisas e por todas as formas, os homens e as idéias políticas não devem ficar fora do seu alcance.” Isto confirma sua consciência de crítico, ainda que o ambiente da Província, infenso às novidades, sufocasse o seu esforço e guardasse os ressentimentos, alimen tando, aprioristicamente, um julgamento desfavorável que sobreviveu à sua morte. A Organização da Sociedade Tobias Barreto não estacionou na crítica. Procurou, em diversos momentos da sua atribulada vida, contribuir, prática e objetivamente, para a organizaç ão da sociedade, segundo os princípios que ardentemente defendia. Em 1871, formado em Direito, transfere 205 residência para Escada, localidade da zona da mata su l de Pernambuco, onde seu sogro – João Félix dos Santos – possuía alguns dos 120 engenhos do município. Em 1874, montando, por conta própria, uma tipografia, edita seu primeiro jornal – Um Signal dos Tempos – pelo qual difunde o pensamento alemão, mas também os dramas, as dificuldades, as queixas do povo escadense, convocando-o a organizar-se. Em 1877 funda o Clube Popular Escadense, pronunciando Um Discurso em Mangas de Camisa, que é uma síntese, até ali, do pensamento político daquele homem conturbado pelo sofrimento, o próprio e dos seus iguais mestiços. Um Discurso em Mangas de Camisa radiografa Escada, o poder econômico dos senhores conservadores e liberais, o funcionamento parcial da justiça, e o estado depauperado do povo, oferecendo um diagnóstico preciso, estatístico, da realidade escadense. Tobias identificava naquela população de três mil pessoas, “90% de necessitados, quase indigentes, 8% dos que vivem sofrivelmente, 1,5% dos que vivem bem, e 0,5% de ricos, em relação.” Seguindo com sua estatístic a, Tobias revela que da receita municipal apenas 10% tinha como destino a instrução pública, mas 20% a polícia. O quadro de domínio dos senhores foi definido, por Tobias, como produto da açucarocracia, casta dos donos dos engenhos, que por possuírem o maio r número de bois, cavalos e escravos, se julgava com o direito à posse de todos aqueles que vieram tarde e não encontraram um pouco de terra para chamarem sua, e dentro 206 desse domínio manejaram sem piedade o bastão da prepotência. Tobias enunciava, diante dos integrantes do Clube, uma equação onde poderiam estar potencializados os da classe econômica, com a “luta pelo capital” e os que estavam, com ele, em “luta pelo direto”, e entre ambos o povo. É essa situação passiva do povo que o leva a dizer, no mesmo discurso, que “Entre nós o que há de organizado é o Estado, não é a Nação; é o Governo, é a administração, pelos seus altos funcionários na Corte, por seus sub-rogados nas Províncias, por seus ínfimos caudatários, nos municípios; não é o povo, o qual permanece amorfo e dissolvido, sem outro liame entre si a não ser a comunhão da língua, dos maus costumes e do servilismo.” Aos escadenses o Discurso causa impacto, mas não surpreende, porque Tobias, nos seus pequenos jornais, prometia “avivar no espírito de sta gente o sentimento do seu direito, bem como a necessidade de pugnar por ele.” (1 1) No jornal O Desabuso, de apenas quatro folhas pequenas, distribuído com o povo nas feiras, Tobias escreveu isto: É preciso que nos convençamos: a magna questão dos tempos atuais não é política, nem religiosa, é toda social e econômica. O problema a resolver não é achar a melhor forma de governo para todos, porém a melhor foram de viver para cada um, não é tranqüilizar as consciências, porém, tranqüilizar as barrigas. Que importa ao homem do povo que lhe dêem o direito de votar em quem quiser, se ele não tem o direito de comer o que quiser? Que lhe aproveita a liberdade de ir ao templo, quando queira, e 207 orar a Deus, como lhe aprouver, se ele não tem o poder de ir ao mercado, quando lhe apraz, e comprar o que precisa.” (12) Tanto nos jornais, como no Clube Popular Esca dense, de vida e atividades efêmeras, Tobias Barreto discute uma variedade imensa de questões, percorrendo a religião, a filosofia, a política, o direito, com a preocupação de aprofundar seus posicionamentos como crítico que não se deixou sectarizar por qualquer das causas e escolas que abraçou. Este é um outro traço da personalidade do mulato sergipano, o de progredir sempre, tangido pela capacidade investigativa , pela sensibilidade de distinguir autores atualizados, refor mistas, quando muitos deles apenas estavam iniciando suas obras. Uma das mais notáveis discussões de Tobias, nesse seu período de Escada, prendeu-se a dificuldade de conciliar Liberdade e Igualdade, como queriam os liberais, os maçons, e outros propagandistas. Além de achar a trilogia da Revolução Francesa um “estribilho da moda”, Tobias afirmava, categoricamente, que a liber dade e a igualdade são contraditórias e repetem-se mutuamente. E explica: a liberdade é um direito, que tende a traduzir-se no fato, um princípio de vida, uma condição de progresso e desenvolvimento; a igualdade, porém, não é um fato, nem um direito, nem um princípio, nem uma condição.” “A liberdade é alguma coisa de que o ho mem pode dizer eu sou, a igualdade alguma coisa, de que ele somente diz: quem me dera ser.” 208 A discussão parece ser, ainda hoje, de grande atualidade, como se observa com as declarações de Achille Occheto, deputado e Secretário do Partido Comunista Italiano. Diz ele: “A Revolução Francesa proclamou liberdade e igualdade. mas em que medida esses dois termos conseguiram conciliar -se efetivamente nas sociedades do século passado? Em quase nada: a liberdade logo concedida cedo se encontrou em contradição com uma igualdade quase nunca alcançada, quase sempre traída. Eis aí: a Revolução de Outubro, longe de resolver esta contradição, a exasperou, forçando os sentidos de igualdade. Assim, distanciou -se ainda mais da solução. Resultado: hoje temos ainda de enfrentar a tarefa de realizar de verdade a Revolução Francesa, integrando igualdade e liberdade. Este é ainda o grande problema das sociedades modernas do fim do século XX.” (1 3) Creio ser dispensável cotejar um e outro texto, ainda que entre o de Tobias e o de Occheto a marcha da história registre 113 anos. A simples menção deve já servir para acentuar a objetiva preocupação de Tobias com a liberdade e com a igualdade, como se pode verificar no seu célebre Discurso. Voltando ao tempo de Tobias, quando ele proferiu tais sentenças proféticas, cabe assinalar, não apenas a conexão do seu pensamento com as correntes alemãs que renovavam o mundo das idéias, mas também os embates locais, de refutação aos temas principais de sua análise crítica. Em 1870 entrou em polêmica com o Conselheiro Pedro Autran da Mata Albuquerque, sobre religião, com Albino Meira, em 209 1875, por defender uma Internacional da literatura, no primeiro dos seus livros: Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica, onde cita Marx, pela primeira vez no Brasil, e por fim com Franklin Távora, sobre Alexandre Herculano, o que, aliás, não ocorreu apenas uma vez. Artur Leal, no seu Impressões Acadêmicas – Ensaios Críticos – de 1879, toma a defesa de Herculano com o seguinte comentário: “O distinto alemão Tobias Barret o, envenenado pelo fel do seu pessimismo, qual D. Quixote de lança em riste, arremete contra Portugal, apedreja sua literatura, corre os seus literatos e por último põe fogo no feudal castelo de um Alexandre Herculano.” Escada encerra todo um círculo, inic iado com a panfletagem poética, a profissão de fé liberal, a teorização da liberdade, a organização da sociedade, o germanismo, os mandatos políticos e a vivência partidária, e, ainda, a luta pelo direito. A Luta pelo Direito Em Escada Tobias Barreto fo i Curador Geral de Órfãos, Advogado e Juiz Municipal Substituto. Nas três funções teve o mesmo comportamento que lhe valeu ferrenhas inimizades com juízes, promotores, chefes políticos e delegados, um processo por delito de imprensa e um cerco armado à sua casa, que resultou no seu retorno, em 1881, ao Recife. Tobias usara para si o direito de influir, como mais instruído, sobre os menos instruídos, como ensinara Stuart Mill, mas enfrentava um ambiente que 210 mais tarde foi descrito, por Lourenço Moureira Lima , Secretário Oficial da Coluna Invicta – Coluna Prestes – como cenário das “três desgraças: o chefe político – um coronelão boçal que furta as rendas do município – o juiz, a serviço dos fazendeiros e o delegado venal e subserviente.” (1 4) A luta pelo direito era, como ainda hoje, uma luta contra os privilégios. Tobias abraçou a causa e nela deu sensível contribuição ao processo da construção da cidadania, na medida em que tornava o direito mais próximo do cidadão, tentando neutralizar as desigualdades das classes. Neste sentido mais do que atuar no Foro, Tobias leva para a imprensa, como apelo ao público, as questões que patrocinava, principalmente quando a parcialidade do juiz atropelava a boa administração da justiça. Cidadania e opinião pública, contidas na ação política de Tobias Barreto, o escritor das Cartas Abertas, numa localidade onde o comum era a carta anônima. Conclusão Voltando ao Recife, Tobias faz concurso e ingressa na Faculdade de Direito, como Lente Substituto. Amadurecido, convicto do seu papel de crítico, ele se torna guia da mocidade, vendo despontar entre alunos, colegas nordestinos, amigos e admiradores, Co fundadores da Escola do Recife, para coroar a sua luta devotada. O Brasil mudou depois dele, com a geração dos abolicionistas, do s republicanos, dos democratas, 211 dos socialistas, modernistas, que fundam instituições, revistas, escolas, ocupam posições e cargos no Poder, redigem leis, códigos, enfim ordenam a vida brasileira. Em nenhum momento Tobias foi omisso diante das questões do seu tempo. Republicano, abriu seu jornal ao Manifesto do Clube da Corte, e teceu comentários seguidos de propaganda. Abolicionista, redigiu Manifesto, integrou a Sociedade Nova Emancipadora do Recife, foi orador de clubes e de saraus libertários, e pregou, através da revista O Industrial, que redigiu em 1883, o trabalho livre, deixando ali um ideário para o Brasil, com os olhos pregados no futuro. Enquanto viveu, fiel ao seu próprio evoluir, Tobias Barreto revelou o Brasil aos brasileiros e com eles apostou na soberania do povo e no triunfo do direito. 101 anos depois de sua morte, ele vive na atualidade dos seus textos, no patriotismo de sua vida pública, no merecimento de sua fortuna crítica. 212 NOVA MISSÃO TOBIÁTICA NO RECIFE 213 No dia 4 de maio de 1925, perante o Presidente Maurício Graccho Cardoso e selecionada e atenta platéia, no salão do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Manoel dos Passos de Oliveira Teles relatou aquilo que ele denominou de Missão Tobiática no Recife, que lhe fora confiada pelo Presidente do Estado e que consistia no levantamento e na organização da obra dispersa do genial pensador sergipano Tobias Barreto de Menezes, de quem o próprio orador era discípulo, guardando do Mestre as recordações e as saudades da Facu ldade de Direito do Recife, das récitas, das noitadas, da boemia intelectual que mesclava o espírito inquieto do gênio sergipano. Manoel dos Passos de Oliveira Teles de Aracaju, a bordo do vapor Íris, em fins de 1924, para resgatar, em 90 dias, a obra disp ersa de Tobias Barreto, em cerca de 46 jornais, sendo 32 editados no Recife, 11 de responsabilidade do próprio Tobias, editados em Escada, e 3 jornais editados em língua alemã. Ainda que contando com a colaboração de João Barreto de Menezes, filho de Tobias, e com a colaboração de muitos pernambucanos e sergipanos em postos de destaque na vida administrativa do Recife, não foi possível ao pesquisador ter acesso, nem na Faculdade de Direito, nem na Biblioteca Pública do Estado, a todos os jornais que tiveram Tobias Barreto como redator ou colaborador. Os jornais estavam em pedaços, ou desaparecidos. 214 Em 1907 Alfredo de Carvalho chamava a atenção, nos Anais da Imprensa Periódica Pernambucana, para a raridade em que já se constituía alguns dos jornais publicados por Tobias Barreto ou que receberam sua colaboração em prosa e verso. Mas, ainda assim, a Missão Tobiática no Recife teve grande êxito, porque permitiu a primeira organização da Obra Completa, a partir das edições diversas até 1889, das publicações feitas, postumamente, por Sílvio Romero, acrescidas, todas elas, dos textos recolhidos no Recife por Manoel dos Passos de Oliveira Teles. Coube ao mesmo Governo que bancou a idéia da recolha, editar, em 10 volumes toda a obra de Tobias Barreto, legando às novas gerações de sergipanos e de brasileiros o conhecimento do repertório intelectual que renovou, na segunda metade do século passado, o direito, a filosofia, a ciência social e a literatura, emancipando mentalmente o Brasil. Mesmo coberta do sucesso que dá a Manoel dos Passos de Oliveira Teles os mais justos louvores a Missão Tobiática no Recife deixou de reunir, dentre outros, o trabalho de Tobias Barreto como advogado, como Curador dos Órfãos e como Juiz Municipal – substituindo – no Termo, depois comarca de Escada, onde o mestre viveu por cerca de 10 anos, e de onde lançou mais longe suas vistas de intelectual, de pensador e de teórico social, e de onde saiu eleito deputado à Assembléia Provincial de Pernambuco, ou ainda foi eleito Vereador à Câmara Municipa l. A vida intelectual de Tobias Barreto em Pernambuco tem, pelo 215 menos, três fases distintas: aquela inicial, de acadêmico de direito, publicando poesias e artigos variados nos pequenos jornais, a de Escada, e a de Lente Substituto da Faculdade de Direito, e de jornalista, a partir do seu retorno ao Recife e até a sua morte, em 1889. Foram 27 anos de intensa atividade, desde a chegada ao Recife, em dezembro de 1862, com 23 anos de idade, pobre e desconhecido, superando o meio e as adversidades da vida. Ainda é possível, com os mais velhos, recolher em Escada a impressão deixada por Tobias Barreto. No cartório da rua João Manoel Pontual, nº 220, sob a guarda do Tabelião e Escrivão José Maria Correia, estão os Processos, dezenas deles, nos quais Tobias funcionou. De muitos dos Processos Maria Andrelina de Melo, em nome da extinta Subsecretaria de Cultura do Estado de Sergipe – SUCA – tirou cópias de peças e procurações que atestam a lide forense de Tobias Barreto de Menezes. Mais recentemente, os pesquisadores do Instituto de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco, orientados à distância por Jackson da Silva Lima, empreenderam a novo levantamento, relacionando, registrando e micro filmando Processos, com vistas a revelar essa faceta inédita de Tobias Barreto, preliminarmente referenciada por Jackson da Silva Lima, em artigo publicado na Revista do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Tem início, assim, Nova Missão Tobiática no Recife, ampliada para Escada, Vitória de Santo Antão, Cabo Rio Formoso, Ipojuca, Gameleira, 216 Serinhaem, Palmares e Barreiros, em busca de Processos nos quais Tobias Barreto tenha funcionado como advogado. Mais que isto, estão sendo procurados os jornais recifenses e escadenses, nos quais Tobias Barreto deixou a marca de sua genialida de. *** Aos 23 nos, ajudado pelo Governo da Província de Sergipe, Tobias Barreto chegou ao Recife, segundo suas próprias palavras, no dia 10 de dezembro de 1862, com apenas 95 mil réis. Sem dinheiro e doente, viu frustrada a sua entrada na Faculdade de Direito. Passara, com muitas dificuldades o ano de 1863. Mas, a partir de 1864, quando consegue matrícula como acadêmico de Direito, começa a ativar uma vida intelectual, mantida ininterruptamente, através da imprensa periódica. Poucos intelectuais bras ileiros se valeram tanto e de forma tão íntima e definitiva, da imprensa como Tobias Barreto. Foi redator, editor, diretor, colaborador de jornais e de revistas, deixando seu nome em pelo menos 32 periódicos pernambucanos, segundo Alfredo de Carvalho – Anais da Imprensa Periódica Pernambucana, 1821-1908, Recife, 1908 – Luiz do Nascimento – História da Imprensa de Pernambuco – e outros informantes, incluindo o próprio Tobias Barreto em carta de 6 de agosto de 1880, dirigida a Carvalho Lima Júnior. 217 Os levantamentos que estão em curso, no âmbito do Instituto de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco, sugerem a organização da seguinte lista de jornais e revistas, todos do Recife: Ensaio Literário do Recife: Ensaio Literário, 1864, O Futuro, 1864, A Palmatória, 1865, O Acadêmico, 1865, Revista Ilustrada, 1866, A Luta, 1867, A Regeneração, 1868, O Vesúvio, 1869, Correio Pernambucano, 1869, Jornal do Recife, 1869, O Americano, 1870, A Crença, 1870, O Liberal, 1870, O Movimento, 1872, Jornal do Comércio, 1872, A Província, 1874, Escola, 1875, O Século, 1878, Correio da Noite, 1879, A Lyra, 1881, A Estação Lírica, 1882, Homenagem a Cargos Gomes, número único, 1882, A Tribuna, 1882, O Sahara, 1883, 218 O Industrial, 1883, Folha do Norte, 1883, A Arte Dramática, 1884, Revista das Artes, 1885, A Academia, 1888, Homens e Letras, 1888, Revista Acadêmica, 1888, e, em várias épocas, Diário de Pernambuco. Dos 32 periódicos listados, apenas 23 podem ser encontrados, sob a guarda do Arquivo Público do Estado. 9 deles não são mais e ncontrados em Instituições de documentação de Pernambuco. São eles: Revista Ilustrada, A Luta, A Regeneração, A Crença, O Movimento, O Século, Homenagem a Carlos Gomes, Revista das Artes, Revista Acadêmica. Alguns desses periódicos sobreviventes estão microfilmados pela Fundação Joaquim Nabuco, dentro do Plano Nacional de Microfilmagem, orientado pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A Nova Missão Tobiática tem tido como uma de suas 219 preocupações localizar e conferir tal acervo que guarda a obra jornalística e literária do gênio sergipano. Há indícios de colaborações de Tobias Barreto em outros jornais e revistas, dos quais a informação é escassa. Além da falta, preocupa o estado degrado dos jornais, muitos dos quais sem condições de consulta. Urge s alvar o que ainda não foi perdido e tem sido esta a providência da FUNDAJ, com a colaboração do Arquivo Público do Estado. *** Uma rua em Vila Alegre, em Jaboatão, na grande Recife, uma importante rua do Bairro do São José, no centro comercial do Recife e um luxuoso prédio de apartamentos, na rua Navegantes, no agitado bairro de Boa Viagem, na zona sul da capital pernambucana, guardam o nome de Tobias Barreto, o genial sergipano que, nascido em Campos do Rio Real, hoje Tobias Barreto, em 1839, fez carreira de estudante de direito, de bacharel, professor e escritor em Pernambuco, de 1862 até 1889, quando morreu, aos 50 anos, deixando vasta obra dispersa na imprensa recifense e de Escada, nos livros que publicou em vida, cobrindo diversos campos do conhecimento, aos quais emprestou colaboração original. Ainda hoje as novas gerações de estudantes da velha Faculdade de Direito do Recife guardam respeito e veneração a figura daquele que 220 liderou a chamada Escola do Recife, movimento irrompido na segunda metade do século XIX, e que renovou a idéia dominante sobre a filosofia, o direito e a sociedade brasileira. “Ídolo da mocidade acadêmica” ou “feiticeiro” do germanismo, assim ficou conhecido a partir de quando assumiu o lugar de Lente substituto da Faculdade de Direito do Recife, para o qual foi nomeado em 31 de julho de 1882, pelo Imperador Pedro II, “atendendo ao merecimento e às habilitações que concurso mostrou o Bacharel Tobias Barreto de Menezes.” Casa de Tobias, assim é chamada, por professores e alunos, a Faculdade de Direito na qual o Mestre foi aluno até 1869 e professor. Retratos, assinados por vários artistas renomados de Pernambuco, e um monumento em bronze, nos jardins da Escola, inaugurada em 14 de dezembro de 1925, guardam a imagem de Tobias Barreto, na homenagem recifense e pernambucana ao talento fulgurante que marcou a vida intelectual de Pernambuco e do Brasil. De seus hábitos, sabe-se, pela informação de Manuel dos Passos de Oliveira Teles, que levava consigo, sempre, um vidrinho de perfume, água de colônia, que cheirava para combater tonturas que sofria constantemente. Quando morava em Afogados, no Recife, depois que voltara de Escada, costuma ficar longos períodos numa rede, tendo ao lado uma esteira nesta muitos livros que devorara, um a um, a todos, segundo testemunhos de familiares do Padre Pedrosa, seu vizinho e amigo. Quando morava em Escada cos221 tumava visitar o Recife, de 15 em 15 dias, para publicar artigos nos jornais, freqüentar teatro, reabastecer sua biblioteca. Era uma viagem de t rem, que durava mais de 3 hortas, cortando canaviais, ao cheiro dos engenhos fumegantes. Em Escada, Tobias Barreto era, para seus desafetos, o “Turco”, que significava na época, como ensina o próprio Tobias, Homem terrível, homem-fera. “Turco do Inferno” ou “Tobias do Diabo”, assim gritaram insultos, na madrugada de 1º para 2 de agosto de 1881, no famoso cerco à sua casa, quando Samuel dos Santos Pontual, acumulando função testamenteira e de delegado em exercício, queria capturar 6 escravos que estavam na casa e sob a proteção de Tobias e de seu cunhado Sinfronio, que desde 1874 morava com ele. Os insultos indicavam a animosidade e correspondiam, em agressividade, ao tom utilizado por Tobias Barreto nos jornais que publicava em Escada, nos quais não poupava sátiras contra seu sogro João Félix dos Santos e, mais tarde, os herdeiros, principalmente os irmãos Samuel e Antônio dos Santos Pontual, este o Barão de Frexeiras. Poucas pessoas têm lembranças, em prosa ou verso, de Tobias Barreto em Escada. Uma sobrinha -neta de sua mulher, em idade avançada, tenta lembrar que Tobias era amável e carinhoso com os filhos. Os mais velhos arriscam uma estória na qual Tobias Barreto é personagem principal, enquanto outros preferem, com uma ponta de inimizade, lamentar que o mestre tenha dito que as escadas, todas elas, servem para subir, mas aquela Escada só servia para descer. Mas, além das 222 queixas, a cidade de Escada guarda retrato de Tobias, sua letra nos processos em que funcionou como advogado, como Curador dos Órfãos, co mo Juiz Municipal e do Comércio, como integrante da Junta Eleitoral da Paróquia, como vereador à Câmara Mu nicipal, como guarda seus jornais, editados ali, em pequenas tiragens, quase sempre em tipografia própria. Um Signal dos Tempos, 1874, A Comarca de Escada, 1875, Devaneio Literário, 1875, O Desabuso, 1875, O Povo de Escada, 1876, O Escadense, 1877, Aqui para Nós, 1877, A Igualdade, 1878, Contra a Hipocrisia, 1879, a revista Estudos Alemães, 1880, e O Martelo, 1881. Além destes, Tobias Barreto editou em Escada o Deutscher Kaempfer, 1875, O Brasilien wil is ist, 1876, e o Ein Offner Brief an Die Deutsche Press, 1878. Esta a contribuição jornalística de Tobias Barreto em Escada, complementando a sua permanente presença na imprensa do Recife, com artigos de fundo, ensaios e críticas, poemas e comentários sobre artes, política, religião, fatos da história e tudo o mais que despertava o interesse do gênero sergipano. *** Alguns períodos da vida de não foram devidamente esclarecidos de sua biografia. Seus biógrafos, Sebrão Sobrinho, Junot Silveira, Tobias Barreto ainda na composição global como Hermes Lima, Omer Mont’Alegre, 223 tratam das partes separadamente, sem a preocupação de juntá-las no único perfil de vida de 50 anos completos. Assim, Tobias Barreto é visto na Bahia, para onde foi por pouco tempo, em Lagarto e em Itabaiana, em Sergipe, no Recife e em Escada. Tem faltado a ligação de todas essas partes, bem como a revelação ampla da vida e do fazer cultural do grande sergipano, Mestre da Escola do Recife, movimento intelectual da segunda metade do século XIX que ainda hoje tem conseqüência prática, motivando estudos como o recente “Um Pensador da Escola do Recife” (Sá Pereira e sua Época) de autoria de Virgílio Campos, editado pela FUN DARPE, no Recife. Falta ainda incorporar à biografia de Tobias Barreto as suas andanças por Maceió, capital de Alagoas, pelo menos em duas fases distintas de sua vida: quando passava de Sergipe para estudar, com licença da Assembléia Legislativa Provincial, na Faculdade de Direito do Recife, em Pernambuco, em 1862, e quando doente, em 1889, três meses antes de morrer, ali esteve recolhido ao leito sob os cuidados de médicos locais. Nas duas vezes Tobias Barreto foi destacado pela imprensa alagoana – Diário do Comércio e Diário das Alagoas, em 1862, ORBE, em 1889. Tobias Barreto de Menezes, em caminho do Recife, fez escala no Porto de Maceió. Em novembro de 1862 estava lá, como professor público de Latim, da vila do Lagarto, em contato com a mocidade alagoana, como o fez no dia 29 de novembro, assistindo à récita da Sociedade Dramática Particular Maceioense. No Palco, 224 os jovens autores alagoanos representavam o drama Luiz e Camões, de Burgian, tendo como estrela maior Catarina de Ataíde. Na platéia, o jovem professor sergipano. – Camões à cena, gritou Tobias ao fim do espetáculo, num chamado ao jovem atos que interpretou o papel do grande poeta luso. Aberta a cortina, apareceu o ator e diante dele, de pé, 66 declamou um poema de homenagem a Camões, conforme o Diário das Alagoas de 2 de dezembro do mesmo ano, em nota de primeira página. Entre surpresa e espantada a platéia ouviu uma das produções poéticas daquele que, mais tarde, viria a rivalizar com Castro Alves na produção da poesia brasileira, como romântico, na fase condo reira ou hugoana que, teve como ambiente o Recife. Não fora essa a única aparição, nem o único contato dos alagoanos com Tobias Barreto. Um dia antes, a 28 de novembro, o Diário do Comércio estampara um longo poema do jovem sergipano intitulado Veni de Líbano, Sponsa Mea..., de 15 estrofes, datado de 1862. É um poema sem rima de estrofes sem número regular de versos, que não consta em sua obra poética DIAS E NOITES. Não há indicação de que seja por exemplo, uma tradução, o que explicaria a falta de rimas e de uma estrutura estrófica e métrica mais definida. O poema passa a ser, como aquele dedicado a Camões, mais um esparso de Tobias Barreto, dos quais tem cuidado o pesquisador tobiático Jackson da Silva Lima. 225 No dia 30 de novembro deixa Maceió com destino a Recife, para dar início a um período decisivo de sua vida, que consagra sua inteligência e sua genialidade. Os jornais de Maceió continuam a se ocupar com o jovem sergipano, como a acompanhar sua glorificação intelectual. Assim, Tobias Barreto retorna aos espaços da imprensa alagoana, em 1889, doente, sob os cuidados dos doutores Luiz Joaquim da Costa Leite, Antônio Francisco Gouveia e dr. jambeiro, que tudo fazem em favor da saúde do mestre. Recolhido ao leito, Tobias Barreto é alvo de muitas homenagens, de freqüentes visitas e rodeado do carinho alagoano, como se verifica nas notícias de primeira página do jornal ORBE, dos dias 22 e 24 de março de 1889. Diz o ORBE de 22 de março: “Tem conseguido melhoras nesta cidade o ilustrado sr. dr. Tobias Barreto. Sempre cercado de amigos e admiradores, durante o dia e a noite, o ilustrado enfermo vai se animando muito, principalmente com os cuidados do distinto facultativo dr. Costa Leite. O ORBE deseja de coração o pronto restabelecimento do grande professor de direito e eminente poeta.” No dia 24 dizia o ORBE: “O ilustre sr. dr. Tobias Barreto vai obtendo melhoras. Nós, os alagoanos, temos procurado cercar o ilustre mestre do maior desvelo possível. Ele nos merece mais. O talentoso sr. dr. Costa Leite, médico assistente do ilustre enfermo, tem sido admirável por sua constância no exercício da hu manitária missão que exerce. Os distintos facultativos drs. Gouveia e Jambeiro têm prestado também grandes 226 serviços. O ilustre enfermo tem sido muito visitado. As exmas. sras. D. Maria Lúcia Duarte e sua irmã a acadêmica D. Ana Sampaio foram cumprimentar o venerando Mestre. Deus apresse o restabelecimento do nosso eminente hóspede.” No dia 27, o mesmo jornal informa que no dia anterior, 26 de março, Tobias Barreto, acompanhad o do advogado José Ferrão, redator da Revista do Norte, embarcou no vapor costeiro Sergipe com destino ao Recife. Ao seu lado todos os amigos que acompanharam a sua doença em Maceió. A capital alagoana homenageou Tobias Barreto dando o seu nome, após a morte, a uma rua, no bairro de Bebedouro. *** Há quem destaque apenas o germanismo de Tobias Barreto de Menezes quando de sua presença em Escada. É um engano, que enquanto exalta a condição intelectual do grande sergipano de travar contato com uma nova cultura, professando-a na língua germânica e estabelecendo relações com figuras de época da Alemanha, encobre o loca, de invulgar importância, desenvolvido através de muitos jornais que editou, redigiu e dirigiu naquele município do interior per nambucano. Ali Tobias Barreto iria encontrar “as três desgraças que liquidavam o Brasil”, como fixou 227 Lourenço Moreira Lima, Secretário Oficial da Coluna Invicta, no final da década de 20 deste século: “O chefe político – um coronelão boçal que furta as rendas do município – o juiz a serviço dos fazendeiros e o delegado venal e subserviente.” O cronista da Coluna Prestes ao fazer, como observador dos jovens militares que percorreram um grande pedaço do Brasil, a constatação, estava confirmando um quadro que, em Escada, enfrentou Tobias Barreto. Munido de um diploma de advogado, Tobias Barreto chegou em Escada quando ainda vila e Termo da Comarca de Santo Antão, depois Vitória de Santo Antão. Instalada a Comarca de Escada, Tobias Barreto passa a funcionar como advogado, como Curador dos Órfãos e, depois como Juiz Municipal e do Comércio, Substituto, exercendo uma prática forense que vai se refletir, a partir do Concurso para Lente Substituto da Faculdade de Direito do Recife, em sua obra jurídica, como um renovador do direito, num dos momentos mais importantes da chamada Escola do Recife, fundada em torno do próprio Tobias, de Sílvio Romero, reunindo figuras como Virgílio Sá Pereira, Martins Junior, Artur Orlando, Phaelante da Câmara, os sergipanos Gumercindo Bessa, Fausto Cardoso, Nobre de Lacerda, Prado Sampaio, Manoel dos Passos de Oliveira Teles, em meio a muitos outros, citados por Clóvis Beviláqua, na sua História da Faculdade de Direito. Três vertentes, portanto, ficam definidas da presença de Tobias Barreto em Escada. A do direito, principalmente a partir da Instalação da Comarca, 228 através da Lei Provincial nº 1.092, de 24 de maio de 1873; a do germaniano, com a publicação dos jornais em alemão e da revista Estudos Alemães; e a da agitação popular, tanto pelos jornais que editou, como pelo Clube Popular de Escada, onde proferiu o célebre Discurso em Mangas de Camisa. Assim como o povo tem, ainda hoje, apenas o direito de preferir, diante de um Reisado ou de um Pastoril, entre os cordões Azul e Encarnado, a população de Escada, na segunda metade do século passado tinha – os que eram livres para preferir entre senhores de engenho conservadores e senhores de engenho liberais, disputantes dos dois partidos que brigavam pelo Poder. Foi nesse contexto, nessa realidade, que Tobias Barreto organizou seu trabalho, instalando uma tipografia e nela editando, como verdadeiras armas de luta, seus jornais, a partir de 1874, com Um Signal dos Tempos, seguindo-se A Comarca de Escada, Devaneio Literário e O Desabuso em 1875, O Povo de Escada, em 1876, O Escadense e Aqui para nós, em 1877, A Igualdade, em 1878, Contra a Hipocrisia, de 1879, Estudos Alemães, de 1880, e O Martelo, de 1881. Dos jornais editados por Tobias Barreto em Escada, 11 em língua portuguesa e mais três publicações em alemão, apenas 6 – Devaneio Literário, O Desabuso, O Escadense, Contra a Hipocrisia, Estudos Alemães e O Martelo, são encontrados, em raros números, no Arquivo Público do Estado de Pernambuco e na Biblioteca Presidente Castelo Branco, no Recife. Neles, 229 em artigos de fundo, em comentários e no noticiário local Tobias Barreto se faz porta-voz do povo escadense e com ele estabelece uma relação que visa, sem dúvida, a organização social. O Devaneio Literário é dedicado aos jovens de Escada, saindo duas vezes por semana, editado pela Tipografia Comercial na rua da Cadela, nº 22. O Desabuso, impresso na mesma oficina gráfica, saía quantos números fossem possíveis no mês e além dos números destinados aos assinantes, 100 exemplares eram distribuídos com o povo, em dia de feira. O Escadense era semanal, com formato maior, dedicado a publicações literárias também impresso na Tipografia Comercial. Outro jornal semanal – Contra a Hipocrisia – tinha a mesma função do precedente. Estudos Alemães, uma revista mensal, dedicada a filosofia, direito, literatura e crítica, com fascículos editados pela mesma tipografia, com capas e papel colorido. Por fim O Martelo, cujo primeiro número circulou em 20 de março de 1881, como periódico literário e crítico, sem dia certo para sair. No artigo de fundo, datado de 18 de março de 1881, está dito que “A história nos dá testemunho de mais de um Martelo, que em vez de exercer o seu ofício na cabeça dos gregos, exercia -o de preferência, na cabeça dos homens. O presente jornalzinho pretende filiar-se a esta última classe. Ao lado das velhas expressões martelo dos ímpios, martelo dos hereges, não é estranhável que apareça também um martelo dos tratantes, cuja missão não é preciso explicar, o próprio título a indica por si mesmo.” 230 Com seus jornais, Tobias Barreto fustigou os senhores da classe dominante, a justiça, e defendeu, de forma abnegada e destemida, suas novas idéias de organização do povo. Denunciado e processado por uso indevido da Imprensa, Tobias Barreto fez sua própria defesa, acompanhado por legião de homens simples que aplaudiam sua coragem, sua bravura, sua palavra inflamada e única na defesa dos desafortunados escadenses. *** Ainda estudante de Direito, Tobias Barreto fez, no Recife, três Concursos para professor. Dois, em 1865, à cadeira do Curso Preparatório da própria Faculdade de Direito e um, em 1867, à cadeira de Filosofia Provincial de Pernambuco, conhecido como Ginásio Pernambucano. Nos três Tobias Barreto consegue aprovação, muito embora não consiga ser aproveitado. Ele próprio escrevendo de Escada, em 13 de setembro de 1880 a Carvalho Lima Júnior, informa: “Não me recordo dos dias, mas apenas dos meses e anos, em que concorri com o Padre Félix à cadeira de Latim. O primeiro concurso foi em março de 1865, este sendo anulado pelo Ministro, deu-se segundo, que teve lugar em novembro do mesmo ano. Não sei a que outro motivo, se não à superioridade do meu contendor, deva 231 eu atribuir o não ter sido nomeado. A não ser essa razão, só posso explicar o fato por infelicidade minha.” Apesar de não endereçar suspeitas, Tobias Bar reto lança sobre o passado uma ironia fina. Os Concursos de Tobias Barreto, salvo aquele de Lente Substituto da Faculdade de Direito do Recife, em 1882, não interessaram aos seus biógrafos, ainda que po ssam servir, como de fato servem, para esclarecer um relacionamento sempre inamistoso entre o pensador sergipano e o Clero pernambucano. E, também, para identificar a “superioridade do contendor” ou a “infelicidade” do próprio Tobias, concorrendo com o Padre Félix Barreto de Vasconcelos. Os Concursos, segundo os assentamentos nos livros do Arquivo do Curso Preparatório e da Faculdade de Direito, foram realizados, respectivamente, nos dias 4 de abril o primeiro, e 27 e 28 de novembro, o segundo. No primeiro Tobias Barreto concorreu com Samuel Wallace Mac Dowel, Francisco Jacinto de Sampaio, Joaquim José Henrique da Silva e o Padre Félix Barreto de Vasconcelos. No dia 5 de abril, os examinadores e membros da Comissão Julgadora – Visconde de Camaragibe – Diretor da Faculdade, José Nicácio, Padre Joaquim Graciano de Araújo e doutor Pedro Autran da Mata e Albuquerque – assinam o seguinte parecer: “Atendendo às provas escritas e orais dos candidatos, qualificamos no primeiro lugar o reverendo Padre Félix Barreto de Vasconcelos; em segundo Tobias Barreto de Menezes: ambos por unanimidade de votos, em terceiro conjuntamente Joaquim José Henrique da Silva, Samuel 232 Wallace Mac Dowel, e bacharel Francisco Jacinto de Sampaio, sendo o exmo. sr. Conselheiro Autran de parecer que os três últimos não estavam no caso de entrar na classificação.” No dia 8 de abril, encaminhando o parecer da Comissão, o Visconde de Camaragibe, depois de tecer comentários sobre as provas dos dois primeiros candidatos, ambas com imperfeições, diz: “Por esta razão parece desnecessário propô-los. O Padre Félix é aqui professor particular de Latim, natural de Sergipe, e apresenta documentos de serviços prestados em diversas Províncias. O candidato Tobias Barreto de Menezes é estudante do segundo ano desta Faculdade, moço aplicado e inteligente. Vossa Excia. resolverá o que lhe parecer acertado.” Ocorreu que Leopoldino Antônio de Fonseca, por não ter sua inscrição aceita no Concurso, representou contra o Diretor da Faculdade, e, em 13 de julho de 1865, alegando “não serem satisfatórias as provas que exibiram os concorrentes.” O Ministro dos Negócios do Império anula o Concurso, autorizando a que outro seja feito. Abertas as inscrições apareceram quatro candidatos: Tobias Barreto de Menezes, Padre Félix B arreto de Vasconcelos, Francisco Jacinto de Sampaio e Leo poldino Antônio da Fonseca. As provas foram realizadas nos dias 27 e 28 de novembro, sendo examinadores os padres Joaquim Graciano de Araujo e Inácio Francisco dos Santos. O julgamento dos padres fo i o seguinte, sobre as provas de Tobias Barreto: “Julgamos boa esta prova (de composição), não obstante alguns defeitos que 233 vão sublinhados. A parte dos defeitos que não vão sublinhados, julgamos boa esta prova (de tradução).” Sobre as provas do Padre Félix Barreto de Vasconcelos: “Boa composição e muito boa a tradução.” Estava ali, um tiro seco, no julgamento que repetia o resultado anterior: em primeiro lugar, o Padre Félix, em segundo Tobias Barreto. Por Decreto de 30 de dezembro de 1965, Padre Félix Barreto de Vasconcelos foi nomeado Professor de Latim do Curso Preparatório da Faculdade de Direito do Recife para o qual havia concorrido três vezes. Duas com Tobias, nos Concursos de 1865, e uma, em 1863, com Joaquim José Henrique da Silva. No Concurso de 1863, “porque a tradução não era boa”, segundo um ofício reservado, o Padre Félix perdeu. Nos de 1865, ganhou os dois, sempre seguido do seu conterrâneo e parente. Por pura ironia do destino, coube a Tobias Barreto, num dos seus últimos trabalhos, escrever o Prólogo e anotar o Resumo da Gramática Latina (ou Arte Explicatória das Regras Indispensáveis aos estudantes de Latim), obras póstumas do Padre Félix Barreto de Vasconcelos, editadas pela Livraria Francesa de João Walfredo de Medeiros, em 1889. Tobias Ba rreto dá a lição do mestre que domina a matéria sobre a qual escreve, consagrando-se aí, também, como um latinista. EM outubro de 1867, Tobias Barreto volta a concorrer num outro concurso para Professor, já então para a cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano, enfrentando o médico e doutor em filosofia José Soriano 234 de Souza. Tobias ganha, mas não leva. É o que revela a Carvalho Lima Júnior, na carta de 1880. *** Tobias Barreto tinha 28 anos, era estudante do terceiro ano da Faculdade de Direito do Recife, quando concorreu com o já famoso professor José Soriano de Souza, à cadeira de Filosofia do Ginário Provincial de Pernambuco. Soriano era médico, doutor em Filosofia pela Universidade de Louvain, tinha um livro de Filosofia publicado em 1862 e já ensinava, em caráter precário, no próprio Ginásio, antes do Concurso. Em carta a seu conterrâneo Carvalho Lima Júnior, de 13 de sete,brp de 1880, Tobias Barreto d[a sua informação sobre o Concurso, realizado no dia 24 de outubro de 1867: “Não obstante ir em primeiro lugar fui preterido por esse doutor, alegando-se como razão da preferência, o ele ser casado e eu solteiro”...” Os livros de Atas e de Relatórios do Ginásio Pernambucano, que ainda se conservam, muitos deles, no velho prédio da rua da Autora, no Recife, não esclarecem as dúvidas deixadas à posteridade pernambucana e brasileira pelo fundador da Escola do Recife. Nas vezes em que se referiu ao Concurso, o mestre exibe um certo orgulho por ter defendido modernas idéias de filosofia, num tempo de extr ema dominação religiosa, especialmente na dependência ao espiritualismo de Taparelli, Sanseverino e Kleutgen, que seguramente balizava a formação filosófica do dr. José 235 Soriano de Souza, mais tarde redator do jornal A União e figura destacada entre os que dirigiam o Colégio de São Francisco Xavier, dos Padres da Companhia de Jesus, fundado no justo ano de 1867. Os padres, de um modo geral, dominavam o ensino em Pernambuco e estavam no Curso Preparatório da Faculdade de Direito, no Ginásio Pernambucano e no São Francisco Xavier. O pensamento dominante era aquele esposado pela Revista Contemporânea de Paris, tomado pela Revista Mensal de Instrução Pública de Pernambuco, que dizia que “O progresso das ciências, das artes e da indústria parece favorecer o desen volvimento dos instintos menos nobre da nossa natureza.” Nos anos seguintes, a propaganda educa cional religiosa aumenta, tendo como um dos seus teóricos o jesuíta Francisco Rondina que, numa festa do Colégio São Francisco Xavier, pronunciou um discurso intitulado “O Estudo da Filosofia Natural e Racional”, publicado na Revista Mensal de 1872, quando entre outras coisas diz: “pois a ciência sem a virtude é tão fatal ao indivíduo como à sociedade.” Outro jesuíta, o padre Clemente Negri, em carta publicada pe la mesma revista, sempre citada por Padre Ferdinand Azevedo no seu Ensino, Jornalismo e Missões Jesuíticas em Pernambuco, considerou “que a liberdade de ensinar, dada a todos, é essencialmente imoral, e por conseguinte ilícita; visto que franqueará o ensino ao incrédulo, ao racionalista, ao protestante, etc.” O ambiente, portanto, não era propício a abrigar um talento cujas idéias eram sucessivamente colocadas, 236 na razão da própria evolução do espírito inquieto e sempre disposto a aprender com as novidades q ue o mundo dos homens de letras, dos filósofos, tornava possível. Não tardaria e o próprio Tobias Barreto tra vava polêmica com os redatores do jornal O Católico, entre os quais iria figurar o mesmo Soriano de Souza, através do jornal O Americano. Parecia estar, definitivamente, criada a distância cultural e ideológica entre Tobias Barreto e o clero pernambucano. Passando por aí, por esse julgamento, será possível entender a desclassificação de Tobias Barreto no Concurso de Filosofia do Ginásio Pernambucano, dirigido, em 1867, pelo Padre Augusto Franklin Moreira da Silva. A animosidade chegou ao ponto do jornal O Católico argüir, em 28 de agosto de 1870, que Tobias Barreto estava levantando a questão dos arianos e as preocupações do Concílio Niceno. Dos examinadores dos dois primeiros Concursos, de Latim, no Curso Preparatório da Faculdade de Direito, em 1865, a quase totalidade tinha as mais íntimas lgações com as propagandas religiosas. Pedro Autran da Mata e Albuquerque estava, em 1864, na redação do jornal A Esperança, cuja finalidade era a de “operar pela palavra, pela imprensa e pelos exemplos uma saudável reação religiosa, se se quer salvar o País do abismo para que caminha a olhos vistos.” Padre Joaquim Graciano de Araújo chega, em 1877, a Governador do Bispado. E o Padre Inácio Francisco dos Santos era, à época, professor de Latim do Ginásio Pernambucano. Havia, portanto, um ambiente preparado 237 e disposto a barrar as novas idéias às quais Tobias Barreto estava, de cedo filiado. Por Portaria nº 22, de 28 de novembro de 1867, O Barão de Vila Bella, Presidente da Província, nomeou José Soriano de Souza que, a no dia 27, prestara juramento e tomara posse na cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano. No seu Relatório anual o Padre Augusto Franklin Moreira da Silva, Regedor, dizia: “tenho esperança de que em breve este instituto mostrará quanto lucro com essa nomeação.” Em 1874, José Soriano de Souza estava defendendo a criação do Partido Católico, em carta a Zacarias de Goes e Vasconcelos, enquanto Tobias Barreto, em Escada, publicava em seu jornal Um Signal dos Tempos (31.10.1874) artigo intitulado “O Capítulo do Amor na Filosofia do Inconsciente”, apresentando Eduard von Hartmann aos leitores brasileiros. Aprofundavam-se as diferenças. *** Muitos dos jornais pernambucanos, editados no Recife e no interior, se perderam. Alfredo de Carvalho e Luiz do Nascimento, dois dos historiadores da imprensa de Pernambuco, relacionaram mais de um mil e seis centos jornais, que circularam entre 1821 e 1907, dos quais poucos restam, sob a guarda do Arquivo Público do Estado de Pernambuco. Na Biblioteca Pública 238 existem alguns poucos jornais, na seção de Obras Raras, que não foram transferidos para a guarda no Arquivo Público. Na Biblioteca do Ginásio Pernambucano não existem jornais. Da velha Biblioteca do Liceu de Artes e Ofícios, hoje incorporada à Universidade Católica de Pernambuco, restam alguns volumes encadernados do Diário de Pernambuco, do Jornal do Recife e de outros jornais pernambucanos. A Fundação Joaquim Nabuco, que incorporou a Biblioteca da Associação dos Empregados do Comércio do Estado de Pernambuco, conserva algumas coleções, incompletas, de jornais famosos como O Liberal, A Província, A União, Diabo a Quatro, Cáritas Caridade, já microfilmados. Dos jornais que contaram com a redação e a colaboração de Tobias Barreto, muitos desapareceram. Por isto mesmo seus biógrafos e organizadores de suas obras, como Sílvio Romero e Manoel dos Passos de Oliveira Teles, deixaram escapar diversos artigos, poemas e outras colaborações do gênio sergipano. A série de artigos, “O Homem e os Princípios”, por exemplo, é composta de cinco colaborações, sendo que apenas três aparecem em livro. “Carolina de Michaelis e a Nova Geração de Intelectuais Portugue ses”, outra série de artigos de jornal, dos quais apenas um, o primeiro, e ainda assim incompleto, está em livro. Os demais estão no jornal e um deles, o IV, faltando uma parte, foi encontrado entre manuscritos do autor. Dos jornais redigidos e editados em Escada, Um Signal dos Tempos, de 1874, não consta do acervo do Arquivo Público. Encontrei, recentemente, um exem239 plar, em bom estado, entre documentos de Artur Orlando, depositados na Fundação Joaquim Nabuco. Um outro jornal – Copo em Punho – é completamente desconhecido dos historiadores pernambucanos. Nem o próprio Tobias Barreto, na carta endereçada a Carvalho Lima Júnior, menciona a existência do jornal. A notícia de Copo em Punho, a encontrei no depoimento de Luiz de França Baptista dos Santos, em fevereiro de 188 0, em processo movido pelo Promotor Público de Escada contra Tobias Barreto, por causa do artigo intitulado “Desmentido a Queima Roupa”, publicado no nº 15 do jornal Contra a Hipocrisia, de 1º de fevereiro de 1880. Ao depor como testemunha, Luiz de França Baptista dos Santos esclarece que foi ele quem pagou a José Francisco Durães para transportar de Afogados, no Recife, para Escada, a Tipografia adquirida por Tobias Barreto a Antônio Pedro Gomes. Na Tipografia Co mercial, Tobias editou todos os seus jorna is escadenses, vendendo assinaturas, ou distribuindo -os gratuitamente na feira, como fazia com o Desabuso. Tobias Barreto foi processado por crime de imprensa, escapando da condenação, depois de inocentar a todos os que trabalhavam na sua tipografia e aos distribuidores dos jornais. A crítica aos membros da Justiça – o Juiz e o Promotor – continuou sendo a característica básica da ação jornalística de Tobias Barreto em Escada, ou ainda através das cartas publicadas nos principais jornais do Recife. Copo em Punho seria, então, o oitavo jornal editado por Tobias Barreto em Escada e mais um em sua 240 longa lista de periódicos, nos quais deixou a marca de sua genialidade, sempre disposto a provocar a polêmica e o debate em torno das diversas questões que abordou. A imprensa, para Tobias Barreto, era uma arma de combate, com a qual afirmava sua disposição para a luta evolucionária da cultura. *** No artigo IV da Nova Missão Tobiática no Recife, publicado nesta mesma Gazeta de Sergipe de 22/23 de novembro de 1987, fiz referência a duas passagens de Tobias Barreto por Maceió. A primeira, quando viajava de Sergipe para Pernambuco, em 1862 e a segunda, doente, em março de 1889. Retomo o assunto, complementando a informação a respeito da segunda presença do gênio ser gipano na capital alagoana, cercado do carinho de amigos e admiradores e assistido por médicos que tentavam minorar o sofrimento de Tobias Barreto. A presença em Maceió é explicada pela tentativa de viagem feita por Tobias Barreto, para tratamento no Rio d e Janeiro. No dia 18 de março de 1889, Tobias Barreto acompanhado de um dos seus filhos, embarca no paquete Alagoas, com destino ao Rio de Janeiro. Estava muito doente e, quando piorava o seu estado de saúde nem podia ler e nem escrever. Aos seus amigos, q ue o 241 levaram ao embarque, apresentou as despedidas dizendo: “É preciso não deixar no silêncio, até que me seja permitido agradecer pessoalmente, a generosidade da Província das Alagoas, da Cidade do Recife, do povo de Escada, da colônia alemã, o desvelo do s médicos, a dedicação dos amigos, sobretudo daqueles amigos que passaram as noites em claro, curando -me não tanto pelas frias prescrições da ciência como pela poderosa força do desejo de verem-me são.” A bordo do paquete, Tobias Barreto piora e muda seus planos de viagem para o Rio de Janeiro, desembarcando em Maceió no dia seguinte. Na capital alagoana Tobias permanece até o dia 26 de4 março, sendo tratado por uma junta médica, na qual se destaca o doutor Costa Leite, que o acompanha no regresso ao Recife, onde chegam no dia 27. Frustrado o sonho da viagem ao Rio de Janeiro, a primeira que faria o mestre, a doença domina inteiramente, sem perspectiva de cura. Em fevereiro já alguns amigos e o próprio Tobias Barreto desmentem, pelos jornais recifenses, a onda de boatos sobre a morte do autor de Dias e Noites. A sua esperança de viver e de continuar dominando o mundo intelectual de Pernambuco perde para a morte que colhe o gênio às 10 horas e 15 minutos do dia 26 de junho de 1889, na casa número 3 da rua do Hospício. O Jornal do Recife, no qual eram redatores Artur Orlando e Prado Sampaio, dois diletos discípulos e amigos, noticia a morte de Tobias Barreto na sua edição do dia 27 de junho, anunciando o enterro, no Cemitério Público, para 242 às 4 horas da tarde do dia 27. O Diário de Pernambuco só noticia a morte de Tobias Barreto no dia 28, quando dá notícia também do sepultamento. Vários amigos, admiradores, colegas da Faculdade e mais de 300 estudantes acompanham o corpo do sergipano até o cemitério, onde vários discursos, recitativos serviram para manifestar o respeito e reconhecimento ao mérito de Tobias Barreto de Menezes. Doente e pobre, Tobias não deixou qualquer recurso que pudesse ao menos custear seu enterro e garantisse a sobrevivência de sua mulher, D. Grata Barreto e seus 9 filhos menores. Uma subscrição foi aberta para levantar dinheiro para as despesas com o sepultamento. Outra, mais tarde, foi liderada por J. J. Seabra, na Faculdade de Direito, para a família de Tobias. Em vários Estados, nas ruas do Recife, correram listas com a finalidade de angariar fundos para a manutenção da viúva e dos filhos de Tobias Barreto. A Faculdade de Direito, autorizada pelo Ministro do Império, adquiriu a biblioteca particular de Tobias, incorporando-a. Foi assim, em meio a muitas dificuldades, que a família de Tobias Barreto viveu os primeiros tempos depois de sua morte. O Jornal do Recife manteve por muito tempo, uma campanha aberta em favor da família de Tobias Barreto, chegando, na sua edição de 23 de julho, a comparar a situação da viúva de Tobias com a situação da viúva de Braz Florentino – D. Custódia Carolina Augusta de Souza – que recebia, mensalmente, 83$333 réis, terminando por estabelecer, também, um paralelo 243 entre os dois mortos, comparando a contribuição d e ambos à cultura do País. Na verdade, estava ali, nas páginas do jornal, uma demonstração apaixonada de admiração pelo mestre. Uma admiração que era coletiva entre os estudantes da Faculdade de Direito, reunidos pelo Centro 11 de Agosto para louvar a memó ria de Tobias, e, mais tarde angariando recursos para a aquisição de um retrato a óleo, exposto no estabelecimento de Joseph Krause & Cia, feito pelo afamado artista Piereck. O retrato, um pouco estragado( *), está no acervo da Faculdade de Direito do Recife. Dele, diz emocionado Manoel dos Passos de Oliveira Teles, no dia 4 de maio de 1924, em conferência no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe: “Há sim um retrato que é a verdadeira expressão, que é ele mesmo, e não dá lugar para a dúvida. É o retrato a óleo que lá está na respectiva sala da Academia. Observando -o, vendo-o, a saudade revolveu-me a fonte das emoções, afluíram lágrimas aos olhos do discípulo e ocorreu-me o propósito de mandar reproduzi-lo.” *** Ao casar-se com Dona Grata Mafalda dos Santos, filha natural de João Félix dos Santos e de Ignácia * A Fundação Joaquim Nabuco restaurou o retrato, entregando-o de volta ao acervo da Faculdade durante o Seminário comemorativo do Centenário da Morte de Tobias Barreto. 244 Laurinda do Nascimento, no dia 11 de fevereiro de 1869, no Oratório do Engenho Riqueza, Tobias Barreto dera um outro destino à sua vida de poeta. Era, ainda, estudante de direito, mas tinha nome feito nas rodas intelectuais e com o povo recifense, mercê de sua poesia engajada, guerreira, levantando os brios pernambucanos e alimentando o heroísmo pátrio dos nordestinos mandados à guerra contra o Paraguai. Os aplausos nos teatros e nas ruas era o prêmio conquistado pelo poeta condoreiro, fixando a estética nova do Romantismo nacional. O ano de 1869 marcou o compromisso com Escada, o pequeno mas próspero município do interior pernambucano, para o qual Tobias se mudaria em 1871. Casado e com filhos, Tobias Barreto chega a Escada para fixar residência e advogar. Escada era, ainda, Termo da Comarca de Vitória, e Tobias o Curador Geral dos Órfãos, cumulativamente com as atividades de advogado, sendo, algumas vezes, designado Curador de Escravos. Nos pr imeiros anos em Escada o mulato sergipano, munido de uma gramática e de alguns livros, dedica-se ao estudo da língua e dos autores alemães. Somente a partir de 1874 é que edita, em tipografia própria, seu primeiro jornal escadense – Um Signal dos Tempos – no qual tratava, ao mesmo tempo, dos negócios políticos de Escada e dos problemas de alta indagação que a língua da ciência – como ele chamava o alemão, lhe impunha. Um Signal dos Tempos nº 8, de 31 de outubro de 1874, que é o único existente que se saiba, repete na sessão para o Grande Público o artigo de Tobias O 245 Capítulo do Amor da Filosofia do Inconsciente, apreciação do livro Philosophie des Unbewussten, de Eduard Von Hartmann, cuja edição francesa – Philosofie de L’Inconscient, em 2 volumes, traduzida do alemão por D. Nolen, chegaria ao Recife somente em 1877, anunciada pelo aviso de livros novos da Livraria Francesa, que havia saído no nº 7, de 24 de outubro. No mesmo nº 8, Tobias dedica extenso espaço no seu jornal para as pequenas questões escadenses, para reclamar contra maltratos aos escravos e, enfim, para convidar o povo para uma reunião na sua residência, a rua da Boa Vista, 23, com o objetivo de organizar uma Sociedade, cujo ideário seria exposto às 4 horas da tarde do domingo, 8 de novembro de 1874. A Sociedade pretendida por Tobias Barreto em 1874 antecipa o Clube Popular Escadense, de 1877, no qual foi pronunciado o Um Discurso em Mangas de Camisa. Em 1875 Tobias Barreto está dedicado aos jornais da sua Tipografia Comercial. A Comarca de Escada, Devaneio Literário e O Desabuso circulam para um público fiel de leitores e para o povo, através de distribuição direta, na feira. A ordem de circulação foi A Comarca de Escada, no começo do ano, em substituição a Um Signal dos Tempos, Devaneio Lit erário, cujo primeiro número é de 15 de junho, circulando duas vezes por semana, deixando de circular em agosto, para voltar em 1º de dezembro, com seu número 13, trazendo no editorial uma reafirmação de compromisso com a mocidade escadense, dizendo que “o seu único e a nosso ver louvável fim é fazer tentativas no intuito de arrancar 246 a mocidade escadense ao marasmo e gelada indiferença em que permanece à cerca dessa instrução, que se pode adquirir pelo generoso esforço de uma vontade robusta.” Mais adiante conclui: “se acaso o Devaneio Literário sair-se bem terá a glória de com o seu, ainda que muito diminuto cabedal, concorrer para a grandiosa obra de progresso intelectual; se ao contrário baquiar, restar lhe-á a doce convicção de seu nobre esforço.” O terceiro jornal a circular foi O Desabuso, em 1º de setembro. O nº 4, de 2 de outubro, parece ser o último e publica pelo menos dois artigos admiráveis do seu redator: Fidalguias Pernambucanas e Os Bispos Anistiados. O primeiro, que permanecia inédito e foi recentemente incluído entre os Esparsos e Inéditos coligidos e anotados por Jackson da Silva Lima, publicado pelo Governo de Sergipe, repele com fina ironia o preconceito racial que setores da política pernambucana demonstravam para com Tobias Barreto. O segundo trata do desvio da questão da libertação dos escravos, em favor do retorno à Questão Religiosa. *** O ano de 1875 foi de fundamental importância para a projeção intelectual de Tobias Barreto. Naquele ano ele adere a germanismo, no sentido amp lo da palavra, passando a escrever e a publicar em língua alemã. É de 1875 o jornal Deutscher Kaempfer (O Campeão Alemão), “periódico literário e acidentalmente 247 político, destinado à expansão do germanismo no Norte do Brasil.” O jornal, segundo o seu prosp ecto, datado de 1º de julho, tinha como objetivo mais amplo “ajudar à nossa pátria entrar na grande e livre corrente do movimento intelectual alemão. Der Deutsche Kaempfer surge, sem proclamar qualquer ato de fé.” Os 5 números do jornal alemão, que saíram de agosto a setembro de 1875, são inteiramente des conhecidos. No entanto, a reação que despertou entre os críticos e inimigos de Tobias Barreto são ainda guardadas entre a documentação intelectual e política pernambucana. Em 14 de dezembro, o sr. José Vic ente Meira de Vasconcelos, faz editar no Recife a folha Dthynk, ridicularizando Tobias. O pequeno jornal era uma grande mistura de letras tipográficas, dando a impressão de língua estrangeira empastelada. A crítica, contudo, correspondia ao grande destaque alcançado por Tobias Barreto ao publicar, no mesmo ano, o seu primeiro livro: Estudos e Ensaios de Filosofia e Crítica. O sr. Albino Meira de Vasconcelos (veja -se a coincidência do sobrenome com o redator do Dthynk) atacou, com violência, a Tobias, através de um longo artigo, sob o pseudônomi de “Um Carvoeiro”, na revista Culto às Letras. Na raiz da crítica, o fato de que Albino Meira era, aquela altura, presidente da União da Mocidade Católica e redator do jornal O Estudante Católico. Explica-se: ao seguir para Escada a impressão que Tobias Barreto deixa no Recife é do racionalista, intérprete das novas idéias filosóficas que por causa de 248 seus artigos no jornal O Americano, do qual era redator e proprietário, merece os disparates condenatórios do jornal O Católico, dirigido e redigido pelo dr. Pedro Autran da Mata Albuquerque. Tobias estava afastado da Igreja, inconciliado com os tradicionalistas católicos, ultramontanos que acompanham seus passos, sempre dispostos a criticá-lo. O germanismo, que lhe dera fama e amizade com eminentes figuras da Alemanha, que honrara com a elogiosa citação de Ernest Haeckel, aquela que dizia que Tobias parecia pertencer a raça dos grandes pensadores, e que levara o Príncipe Henrique, em viagem pela América do Sul, a visitá-lo e a recepcioná-lo como convidado no banquete do Clube alemão Concórdia, também lhe valeria alguns apelidos, como “Um alemão de Escada”, “von Tombienser”, “Alemão”, mais tarde transferidos para o movimento denominado de Escola do Recife, apelidado pelos críticos de Escola Teutosergipana. Dominando a língua alemã e nela publicando um jornal, e sendo autor de um livro de filosofia e de crítica, Tobias Barreto se apresentava ornado de todas as condições para merecer respeito intelectual. A religião, a filoso fia, o direito, a literatura, eram matérias da crítica, tomando preferência da poesia. Tivesse Tobias permanecido no Recife e talvez sua obra tivesse outros desdobramentos. Escada, portanto, é fundamental na formação intelectual e na formulação da obra tobiática. Sob os mesmos impulsos nasce, naquele tempo, o crítico musical, que freqüentava os teatros 249 recifenses, vibrando com os programas das companhias líricas, com as performances dos atores e atrizes e com os textos teatrais levados à cena. Nenhuma de su as atividades profissionais impediu o interesse, a freqüência e o acompanhamento do movimento artístico em Pernambuco, muito menos os diversos artigos que publicou nos jornais recifenses, muitos dos quais estão ainda inéditos em livro, dependendo de organização. *** Entre 1876 e 1877 Tobias Barreto editou mais três jornais em Escada: O Povo de Escada, Aqui para Nós e O Escadense. Tinham quase as mesmas feições e aspectos, apesar de serem raridades bibliográficas, registrados por alguns poucos estudiosos da vida e da obra de Tobias e pelos historiadores da imprensa pernambucana Alfredo de Carvalho e Luiz do Nascimento. Além dos jornais, Tobias Barreto escreve uma monografia em alemão – Brasilien Wie est ist Literarischer hinsicht betrachtet – O Brasil, como ele é, sob o ponto de vista literário, uma espécie de painel crítico da vida cultural brasileira, como resultado da própria organização econômica e social do País. A monografia mereceu pesadas críticas da imprensa alemã, que tinha, quase toda ela, em grande conta o Imperador Pedro II, cuja imagem de homem culto, aberto, e progressista contrastava cm o estado de coisas descrito 250 por Tobias em sua monografia. A resposta sairia em 1878, através de nova monografia – Ein offener brief an die deutsche presse – Carta Aberta à Imprensa Alemã – cujo teor não apenas dava ênfase a situação do Brasil, como cobrava maior e melhor informação por parte dos jornalistas alemães, chegando Tobias a apontar biblio grafia atualizada, na Alemanha, que deveria ser consultada quando a imprensa tivesse de tratar do Brasil. Em 1877, no mês de setembro, funda o Clube Popular Escadense e nele pronuncia o célebre Um Discurso em Mangas de Camisa. Naquele momento, Tobias sintetiza seu pensamento liberal e demonstra, na prática, seu engajamento no Partido Liberal, como um dos seus próceres em Escada. Mais do que um programa partidário, Um Discurso em Mangas de Camisa é um documento de sociologia política, um manifesto de teorização da sociedade, do qual se tira o mais claro diagnóstico da realidade escadense que, por extensão, bem poderia representar a vida interiorana pernambucana e nordestina da época. Ninguém fizera antes abordagem tão objetiva, verdadeira, isenta. Ali, naquela pela oratória, estava lançada a idéia de uma militância política independente, que marcou a vida pública de Tobias Barreto. O Clube ou o Discurso, ou ambos, contribuíra para que Tobias Barreto fosse eleito deputado à Assembléia Provincial, para um mandato bienal que, na verdade, não durava um ano inteiro entre as sessões preparatórias e o final da legislatura. Incluído numa chapa que também contava com o nome de um seu 251 amigo e companheiro dileto, Sílvio Romero, Tobias conquistou votos no Recife, em Olinda, em várias comarcas e principalmente em Escada, onde era uma espécie de candidato oficial do Partido Liberal. A mudança do Poder, de cima para baixo, fizera trocar, na Província, a administração conservadora, pelo governo liberal do dr. Adolfo de Barros. Os liberais exultavam e ocupam espaços em toda a Província, para a tristeza dos conservadores, que tinham o jornal O Tempo o mais insatisfeito porta-voz. Tobias Barreto é, muitas vezes, vítima das críticas de O Tempo, respondendo-as em artigos de fundo e artigos assinados, em A Província. A vida política e as atribulações do mando liberal em Escada e mesmo o mandato de deputado provincial não afastam Tobias Barreto dos estudos reformadores a que se propôs. E tanto é assim que ele publica, em 13 de julho de 1878, no mesmo A Província, o longo artigo intitulado A Jurisprudência da Vida Diária, sobre brochura, de igual título, do romancista alemão dr. Rudolf von Jhering. O mesmo artigo, ampliado e reformado, foi publicado em O Repórter, do Rio de Janeiro, em 1879, e mais tarde incluído em Questões Vigentes, despido dos comentários com os quais Tobias encerrava o artigo em A Província. Dizia Tobias, em defesa de Jhering, que o “autor não ideou e executou o seu trabalho se não para uso acadêmico.” Mais adiante o próprio Tobias pondera: “Nem eu também tive outro intuito que não fosse o de despertar, por meio desta recensão, a curiosidade dos moços. Quanto ao mais o leitor julgue e desculpe-me.” 252 *** Quem dá uma boa idéia sobre o deputado Tobias Barreto é o jornal conservador O Tempo, na seção Falase, quando diz que “To bias declara não ter gosto pelos negócios da Assembléia, por não encontrar ali quem com ele discutir.” Parece mesmo ter havido uma certa convivência apenas formal, entre Tobias e a Assembléia Provincial de Pernambuco, para a qual fora eleito em 1878. É curioso que O Tempo tenha, a respeito de Tobias Barreto como deputado, duas óticas: a primeira, de elogios, destacando-lhe a “franqueza desbragada que o caracteriza”, qualificando-o de “o menos galhofeiro dentre os deputados.” Mas, enquanto destacava as qualidades, fazendo de Tobias uma exceção entre os liberais, o jornal dirigia severas críticas ao deputado escadense, tratando-o pelos apelidos de Alemão, Alemão de Escada, Alemão von Tobienser, Cachimbeiro Ideoso. O mesmo jornal publica quadras de sátiras cont ra Tobias e outros deputados liberais, chamados de calafanges, que segundo os dicionários queria significar homem vil, desprezível. São quadras assim: “Vem Tobias – um bruxo amarelo – Resmungando, com ar carrancudo, Faz trejeitos, querendo engolir Os Licurgos com tripas e tudo. Que o Tobias alemão, 253 Plagiando Ernest Boer, Fará uma preleção Sobre o crâneo da mulher.” A presença de Tobias Barreto na Assembléia não era constante. Mas, em todas as vezes que comparecia ao plenário, usava da palavra e tratava das questões que considerava de maior importância, como a discussão do orçamento da Província, o privilégio da Santa Casa de Misericórdia para o sepultamento no Recife, ou a educação da mulher. Este tema mereceu especial tratamento por Tobias, que ao ter conhecimento do trâmite de um projeto, originário da Presidência da Província, em favor de um auxílio para que a srta. Josefa Agueda de Oliveira pudesse estudar Medicina nos Estados Unidos ou na Suíça. O projeto, que tomou o número 61, foi duramente combatido pelo médico Malaquias Gonçalves, que arguía “que a mulher é destinada tão somente aos misteres do lar, e que, ainda quando ela seja levada por um esforço de vontade ao estudo e à ilustração do espírito, não pode atirar -se às grandes ciências pela natureza fraca de sua massa encefálica, incontestavelmente inferior ao do homem.” Quando o projeto entrou na 3ª discussão, na sessão de 22 de março de 1879, Tobias foi, como ele mesmo disse – e registra O Tempo – “protestar contra uma tese falsa e insustentável, que lhe constava ter sido enunciada naquele recinto.” Com argumentos novos e irrefutáveis, Tobias defendeu a educação da mulher em pro 254 nunciamentos que foram vivamente acompanhados pelas galerias. Na Assembléia Tobias Barreto voltou a contar com os aplausos das multidões. O Tempo trata, algumas vezes, das manifestações de simpatia das galerias da Assembléia Provincial, quando Tobias usava da palavra para defender as suas idéias e pontos de vista a respeito das matérias tratadas pelos deputados pernambucano s. Numa das vezes Tobias Barreto mereceu uma chuva de pétalas de flores, sendo preciso, em alguns casos, que o próprio orador pedisse a colaboração da assistência que o aplaudia. Para o mesmo jornal conservador, a Assembléia lembrava um teatro e Tobias o artista, a tirar efeito de sua presença e de sua participação na vida legislativa. O deputado completa a sua defesa em favor da mulher com a apresentação de um projeto de lei, o de nº 129, criando o Partenogógio do Recife, escola superior, profissionalizant e, para o sexo feminino, ao modo da educação alemã das escolas integradas – média e superior. Bastaria as suas posições a respeito da educação da mulher para que fosse justificado como muito útil o cumprimento do mandato de deputado por Tobias Barreto de Menezes.( *) * Josefa Agueda Felisbela Mercedes de Oliveira e Maria Augusta Generoso Estreli estudaram medicina nos Estados Unidos, tendo a segunda colado grau em 29 de março de 1881, pelo New York Medical College and Hospital for Women. Na revista A Mulher, que editava em Nova Iorque, Josefa Agueda de Oliveira agradeceu a Tobias Barreto pela defesa que fez, na Assembléia Pernambucana, da sua cau sa, lamentando em 1881, que o Governo da Província de Pernambuco não tenha ainda liberado a bolsa. 255 256 TOBIAS BARRETO E SEUS SEGUIDORES 257 Duas coisas distinguem Tobias Barreto dos seus contemporâneos, poetas e escritores românticos, pro fessores e jornalistas: viveu muito mais que a média do seu tempo – 50 – e fez escola, deixando grande número de seguidores em várias partes do País, alguns dos quais com obras referenciais das mais importantes para a cultura brasileira, O comum era a morte prematura, no verdor dos anos, silenciando os mais talentosos poetas e escritores da segunda metade do século passado. Em São Paulo entre alunos da Faculdade de Direito, morreram muitos jovens, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire, Macedo Júnior, Franco de Sá, todos desapareceram com pouco mais de 20 anos. Do Recife, Castro Alves morreu com 24 anos, de volta à sua terra baiana. José Jorge de Siqueira Filho, sergipano morreu em Alagoas – em Porto Calvo – com 21 anos. Vitoriano Palhares, sofreu muito jovem, até que morreu, doença que aos poucos lhe tirou os movimentos musculares e cerebrais. Tito Lívio de Castro viveu apenas 26 anos. Os que viveram mais de 40 anos, como Fausto Cardoso, 42, Martins Júnior, 44, foram minoria, exceção de uma realidade marcante da vida intelectual brasileira. Ao viver mais que os outros do seu tempo, Tobias Barreto teve condições de organizar uma obra densa, de pensador e de crítico, como pôde, com suas idéias novas, transformar a Faculdade de Direito do Recife num centro irradiador de novidades, revolucionando o pensamento dos estudantes e criando com a E scola do Recife, uma irreversível corrente seguida por muitos, quando regressavam de Pernambuco para os seus 258 Estados, levando mais que diploma de Bacharel em Direito, as idéias novas do Direito como produto da sociedade. Os que escaparam da tísica, da angi na, do tifo e da escarlatina – doenças comuns entre os estudantes da Faculdade de Direito do Recife nos anos 60 e seguintes do século passado – tinham que arcar com a responsabilidade da opção de militar nos diversos grêmios e sociedades atreladas ao conservadorismo dos tradicionalistas católicos, ou de enfileirar entre os que seguiam os passos geniais do mestre sergipano. Cearenses como Clóvis Bevilácqua, Rocha Lima, maranhenses como Graça Aranha, Urbano Santos, Benedito Leite, piauienses como Higino Cunha , João Alfredo de Freitas, Anísio de Abreu, César do Rego Monteiro, pernambucanos como Artur Orlando, Faelante da Câmara, Martins Júnior, Souza Bandeira, Aprígio Guimarães, Virgílio de Sá Pereira, baianos como Leovegildo Filgueiras e Almáquio Diniz, sergip anos como Fausto Cardoso, Prado Sampaio, Manoel dos Passos de Oliveira Teles, Gumercindo Bessa, e mineiros como Augusto Franco, podem ser apontados como outros, como devotados seguidores de Tobias Barreto, como descendentes da sua Escola do Recife, ou, no mínimo com testemunhas da revolução intelectual liderada pelo grande mestre, Augusto Franco, mineiro nascido em 1876 – tinha portanto 13 anos quando morreu Tobias Barreto – e que morreu na Alemanha aos 33 anos, foi, como é fácil verificar em seus escritos, um seguidor intransigente, um defensor apaixonado do fundador da Escola do Recife. No jornal O Estado de 259 Minas Gerais, e em muitos dos seus trabalhos, como os Ensaios Literários, Augusto Franco não apenas evoca a figura veneranda do mestre como evoca, de forma virulenta, seus críticos como José Veríssimo. Nas Cartas que escreveu a Artur Orlando o escritor mineiro, jovem e irriquieto, abraça a Escola do Recife e se proclama seguidor de Tobias Barreto. Em 1904, diz a Artur Orlando: “Dos amigos do grande Tobias acho que somos hoje os mais unidos e intransigentes: Sílvio, o dr., o Clóvis e eu.” Ainda em 1904, em carta de 28 de agosto exalta o “extraordinário valor do grande e inolvidável mestre.” Mais adiante, em 1905, ao se referir a trabalhos de João Barreto, diz: “Quero travar relação com esse forte espírito, filho do grande mestre.” No dia 2 de agosto de 1906, escrevendo a propósito do livro sobre o Pan-americanismo, de Artur Orlando, Augusto Franco trata dos merecimentos do autor, “cuja orientação filosófica se prende ao tronco comum – a Escola do pranteado e adorado chefe espiritual, o extraordinário Tobias.” No post-scriptum, volta a exaltar o mestre: “Sempre triunfante a geração sacudida por Tobias.” A respeito da crítica de José Veríssimo diz Augusto Franco em carta de 22 de outubro de 1906: “Esse medalhão é um grande pulha, que vive a atacar ao nosso bem amado, e, num concurseto a que se submete, faz essa inaudita fiasqueira, esquecendo ou obscurecendo que o grande pensador dos Estudos Alemães e se submeteu a vários concursos sérios, difíceis, brilhando em todos eles.” 260 Todas as manifestações em torno de Tobias Barreto e da Escola do Recife tomam agora no amo do duplo evento do Sesquicentenário do Nascimento e Centenário da Morte do sergipano, uma importân cia maior, a de permitir o levantamento geográfico do efeito irradiador do movimento intelectual do Recife, bem como dos seus desdobramentos no tempo. Tudo, com certeza, aumentará e fará ainda maior a glória de Tobias Barreto. *** Ao morrer na Alemanha, em 1906 ou 1909, Augusto Franco cumpria missão do Governo de Minas Gerais no campo do ensino. Era um germanista dos mais convictos, como deixa claro nos seus Estudos e Escritos, editados em Belo Horizonte, em 1906, pela Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. Nas provas de Filosofia do Direito, tratando do Método, como na prova sobre a Origem, Elementos, Estrutura e Evolução da Sociedade, Concepção Mecânica e Orgânica, ambas na Faculdade de Direito de Belo Horizonte, Augusto Franco faz declaração pública de germanista, abraçando os autores alemães e citando Tobias Barreto, com a admiração e o respeito que o mestre lhe inspirava. Depois de citar, na prova sobre a sociedade que Tobias Barreto havia negado a sociologia como ciência, o jovem escritor mineiro ressalva, adiante, que “se Tobias 261 não tivesse morrido tão cedo, seria hoje, sem dúvida, um dos mais fervorosos defensores da nova ciência social.” Estudos e Escritos tem a feição de um livro de estudos alemães, porque todo ele dedicado a exaltar o germanismo, como o faz ao comentar o livro de Liberato Bittencourt, tratando da Classificação das Ciências. A mesma medida intelectual está nas Questões Brasileiras, ou ainda no discu4rso, parte do qual dedica ao cearense Rocha Lima, em 1903, e mais tarde Pr efácio do livro Passe Recibo do seu amigo e também mestre Sílvio Romero. Tão apegado estava ao germanismo, como a Tobias Barreto, como testemunha o texto da Prova Escrita de Direito Penal ou Criminal, realizada em 6 de dezembro de 1905. Diz: “O direito, lo nge de ser um presente do céu, ou uma dádiva divina é ao invés, um produto essencialmente cultural, como o conceitua Tobias Barreto.” O germanismo tem sido uma forte característica da obra intelectual de Tobias Barreto. Mais do que um diletante, e do que dominar a língua alemã, Tobias Barreto fez do germanismo uma forte alavanca para sacudir o mundo cultural do seu tempo, todo ele entorpecido por uma mistura vinda da França, cujos ingredientes principais eram o Contrato Social de Rosseau, e o lema da Liberdade, Igualdade e Fraternidade que a revolução francesa espalhara como símbolo do novo regime, e pela enorme reação desencadeada pela Igreja e pelos seus fiéis defensores. Uma simples passada de olhos nos jornais estudantis 262 publicados no Recife nos anos 60, e nas memórias da Faculdade de Direito do Recife, é suficiente para que se compreenda o ânimo cruzado dos religiosos, estudantes e professores, contra os que eles consideravam “sec tários do sistema da razão livre ou do puro racio nalismo”, entre os quais estaria filiado, certamente, Tobias Barreto de Menezes. O germanismo foi o meio mais ágil e mais eficaz que Tobias Barreto encontrou para revolucionar o seu tempo. Quer parecer que o germanismo do sergipano tenha origens nos contatos que, de Sergipe, fe z com que seus parentes na Bahia, especialmente com Francisco Moniz Barreto de Aragão, formado em Direito e em Filosofia pela Universidade de Heidelberg, o pai do poeta Egas Moniz Barreto de Aragão, o Pethion de Vilar, este também um germanófilo, de quem Arno Phillipp, redator-chefe do Deutsche Zeitung, disse ser “o único escritor brasileiro que hoje (1903) estuda com perseverança e entusiasmo o germanismo e continua a obra de Tobias Barreto.” O vínculo do germanismo não serviu apenas a Augusto Franco. Rocha Lima, o prodígio cearense, teve como uma de suas bandeiras a transformação literária pela erudição germânica. Nada mais tobiático que isso. No Ceará, para onde voltou em 1872, doente, rocha Lima levou da Faculdade de direito e da Escola do Recife as “idéias novas, tocado do espírito de renovação que empolgava a capital pernambucana – idéias religiosas, idéias revolucionárias, idéias filosóficas em barulhento entrechoque, como registram Raimundo 263 Girão e Maria da Conceição Souza, no Dicionário da Literatura Cearense, editado em 1987 pela Imprensa Oficial do Ceará. Virgílio Brígido, bacharel do Recife na turma de 1880 e José Carlos Júnior, da turma de 1882, além da participação que tiveram como integrantes do Clube Literário, associação intelectual renovadora cearense, instalada em Fortaleza, foram professores de alemão do Liceu do Ceará, por onde passaram algumas gerações de cujos quadros saíram figuras notáveis de brasileiros. O germanismo de Tobias Barreto foi, também, um elemento de aglutinação dos seus seguidores, expandindo até o Rio Grande do Sul, por exemplo, a influência da Escola do Recife, como lembrou, em palestra proferida no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, em Natal, o jurista e escritor José Francisco de Araújo, de quem se ocupou Nilo Pereira, nas suas Notas Avulsas, do Jornal do Comércio, de 15 de julho de 1988. *** Vivendo mais que os do seu tempo e fazendo escola, Tobias Barreto pode ser apontado, sem favor algum, como dos poucos intelectuais brasilerios que exerceu sobre a juventude do Norte e do Nordeste, que estudava no Recife, a mais forte influência, a ponto de expandir, pelas duas regiões, principalmente, vez que 264 também chegou ao centro, como em Minas Gerais Augusto Franco é um bom exemplo, e ao Sul, através de Carlos von Kozeritz, e de outros, suas idéias revo lucionárias no campo do direito, da filosofia, da crítica e da organização política e social do Brasil. Os que ficaram fascinados com o poeta social dos anos 60, com o jornalista político e o orador do s anos 70, com o germanista, o fundador do Clube Popular Escadense, também dos anos 70, em Escada, o professor Lente da Faculdade de Direito do Recife, doutor e catedrático, dos anos 80, eram jovens de 14, 15, 16 e 17 anos, como Graça Aranha do Maranhão, Rocha Lima do Ceará, José Jorge de Siqueira Filho de Sergipe, Sílvio Romero, Fausto Cardoso, também de Sergipe, e muitos outros que conheceram e conviveram com o mestre. Lúcia de Azevedo, em carta a Capistrano de Abreu, datada de Lisboa, e mencionada nos Estudos, 4ª série, recordando a sua mocidade no Pará lembrava da impressão profunda que produziram então, em Belém, os rapazes que voltavam, nas férias, dos estudos no Recife, todos ecoando ainda as idéias demolidoras de Tobias Barreto; Este não é o único depoimento sobre o efeito das novas idéias produzidas no Recife por Tobias Barreto, seus companheiros e seguidores. No Ceará, por exemplo, sabe-se que a vinda de Raimundo Antônio da Rocha Lima ao Recife, quando tinha apenas 14 anos, em 1871, foi suficiente para que no ano seguinte, em Fortaleza, fundasse, com outros, a Academia Francesa do Ceará, movimento que obteve grande repercussão, como informa Dolor Barreira, em sua História da 265 Literatura Cearense. Sob o mesmo influxo, começou a circular em São Luiz, no Maranhão, a partir de 1881, o jornal O Futuro, órgão de propaganda progressista, que tinha como epígrafe o seguinte texto de Haeckel, extraído da História da Criação dos Seres Organizados: “Colher os frutos da árvore do saber eis a pretensão da ciência; pouco lhe importa que as suas conquistas prejudiquem ou não as fantasias da fé.” As idéias de Tobias Barreto, na verdade, estavam enfeixadas numa vertente inovadora, revolucionária, que contrariava o pensamento dominante, manipulado pela vertente conservadora dos tradicionalistas católicos, ultramontanos, e seus adeptos, protegidos pela Igreja. Daí, por exemplo, a explicação para o fato de que, no geral, tanto Tobias Barreto, como seus seguidores, enfrentaram, aqui acolá, reações, algumas transformadas em polêmicas, outras em afronta que, com igual vigor mereceram respostas. Pode estar aí, na gênese das colocações, a razão pela qual os padres do Maranhão, principalmente o cônego Raimundo Alves da Fonseca, fizessem do jornal Civilização dirigido pelo Monsenhor João Tolentino Guedelha Mourão, órgão de ataque a Tobias Barreto. A fundação da Academia Francesa do Ceará aglutinou um grupo de jovens em torno de estudo e de divulgação das idéias novas. Para difundi-las, o grupo liderado por Rocha Lima criou a Escola Popular, de funcionamento noturno, destinada aos operários e as outras categorias de trabalhadores. Na Escola Popular os jovens da Academia se revezavam como con266 ferencistas, abordando os temas mais novos, mais empolgantes, que dominavam as cabeças renovada s pela Faculdade de Direito do Recife. Um dos jovens, Rocha Lima, morreu com pouco mais de 20 anos, deixando no entanto um grupo que deu continuidade ao seu trabalho de desbravador intelectual. Quando da publicação, no Recife, de Menores e Loucos, em sua segunda edição, já estava funcionando em Fortaleza o Clube Literário, fundado por Júlio César e outros herdeiros intelectuais de Rocha Lima. O Clube Literário realizava também, conferências para o povo e uma delas, proferida pelo próprio Júlio César, no dia 28 de abril de 1887, teve como tema o livro de Tobias Barreto. Júlio César da Fonseca, antes de chegar a Fortaleza e de fundar o Clube Literário, tinha realizado um grande trabalho de propaganda em Aracati, editando em 1869, o Barrete Frigio, impresso em papel vermelho e que dizia-se “monitor da revolução e da república.” O jornalzinho foi apreendido e o seu redator procurado pela polícia, para ser mandado, como recruta, para o Sul. Em 1870, ainda em Aracati, faz circular a Tribuna do Povo, dedicado à propaganda republicana. Em 1872 publica a Voz da América, republicano, e em 1873, o Jornal do Aracati. Em 1879, já em Fortaleza, integra a redação de O Município e em 1880 é redator da Gazeta do Norte, órgão liberal. Mais adiante, como destaca Antônio Paim em A Filosofia da Escola do Recife, com a fundação da Faculdade de Direito do Ceará, maior ainda se fez a in fluência de Tobias Barreto, através de ex-alunos, segui267 dores fiéis da Escola do Recife, como Antônio Adolfo Coelho de Arruda e Manoel Soriano de Albuquerque. *** Embora não tenha sido maçom e nem tenha participado da Questão Religiosa, sabe-se que Tobias Barreto inspirou a muitos jovens que abraçaram a Maçonaria em Pernambuco, em Sergipe, na Bahia, no Maranhão e nbo Ceará. A Maçonaria foi, de algum modo, o refúgio, das novidades, sustentando contra o Clero uma luta de ressonância nacional. Vale evocar, como ilustração, a série de artigos de Tobias Barreto publicada no jornal O Americano, em 1870, sobre religião, gerando estridente polêmica com os católicos como Pedro Autran da Mata Albuquerque, velho professor e autor de compêndios da Faculdade de Direito, e José Soriano de Souza, que em 1867 havia sido batido por Tobias num concurso para a cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano, mas que log rara ser nomeado, segundo o que circulou, pelo fato de ser casado e o sergipano solteiro. O Americano foi, depois, porta-voz dos maçons. Os jovens que passavam pela Faculdade de Direito do Recife e que tinham acesso aos debates em torno de novas idéias, ao regressarem aos seus Estados de origem, abraçavam causas comuns: a Maçonaria, ou o anticlericalismo, a abolição da escravatura e a Repú 268 blica. Os jovens do Ceará são um bom exemplo, porque tentam reproduzir em Fortaleza o clima de agitação que marcava a vida acadêmica e intelectual do Recife. Rocha Lima, que morreu em 28 de julho de 1878, aos 23 anos, em Maranguape, não apenas fundou a irônica Academia Francesa do Ceará, como integrou, com outros parceiros de pregação, a redação do jornal Fraternidade com o qual os maçons fustigavam o Clero cearense. A religião era, para os estudantes de direito, um divisor de águas. A direção e os professores da Faculdade fomentavam a redução religiosa, convictos de que, como afirma o professor José Antônio de Figueiredo, na sua Memória Histórica de 1857, “só a religião oferece uma verdadeira e real garantia a ordem e a tranqüilidade pública, de que só ela pode sancionar de uma maneira positiva e dogmática a moral social e prevenir e acautelar crimes cuja alçada e investig ação escapam às leis humanas.” Em 1862, nas Memórias do ano de 1861, João Capistrano Bandeira de Melo Filho destaca que a mocidade, “dotada geralmente de fervor religioso sustenta, por meio de algumas associações e de escritos pela imprensa, as eternas verdades do Cristianismo e pugna pela difusão das boas doutrinas.” O professor cita e louva a Irmandade do Bom Conselho, fundada em 1855, no Convento dos Franciscanos o Instituto Pio Literário e o Atheneu Pernambucano, e, ainda, Lidador Acadêmico, redigido pelo professor Tarquínio Bráulio – irmão de Braz Florentino e de José Soriano de Souza – e por acadêmicos da Faculdade. 269 No seu segundo ano de Faculdade, Tobias Barreto ouvia do professor Antônio de Vasconcelos Menezes de Drummond, a respeito do funcionament o da escola em 1863, que “o indiferentismo de poucos estudantes – sectários do sistema da razão livre ou do puro Racionalismo (sinônimo de Protestantismo), felizmente não pôde ainda influir nos louváveis atos da quase totalidade, que por aqueles é qualific ada de ascética.” Em outra parte da sua Memória, Drummond afirmava que “sem a fecunda aliança da ciência com a religião e da liberdade com a ordem, dissolvidos estão os vínculos sociais.” O professor fazia, perante Tobias Barreto e os demais alunos, uma co nfissão de medo, como a antever profeticamente, que o espírito religioso dos alunos da Faculdade de Direito do Recife perigava. Em outras oportunidades, como quando abriu o curso de Direito Natural, em 16 de março de 1864, Drummond bate o mesmo martelo contra os que ele classifica de “febricitantes”, que de outro modo pensam e opinam. Rocha Lima, antes de criar a sua Academia Francesa do Ceará, ou seja, antes de vir estudar no Recife e de travar contato com Tobias Barreto, organizara, em 1870, a Fênix Estudantil, sob a proteção de São Luiz de Gonzaga. Em 1872, já com a Academia, ancorava ali o agnosticismo que se irradiou pela Escola Popular, pelo Fraternidade, de algum modo pelo Clube Literário e até mesmo pela Padaria Espiritual, espécie de troça contra francesismo. Integrando a Academia, Xilderico Araripe de Faria, bacharel no Recife em 1873, publicou u pequeno livro sobre a Liberdade Religiosa, 270 em 1874, Tristão de Alencar Araripe Júnior formado na turma de Tobias, em 1869, esteve entre os acadêmicos e também participou da redação do jornal maçônico Fraternidade. Outro, com os mesmos méritos, foi Tomás Pompeu de Souza Brasil, o filho, que mais tarde foi um dos fundadores da Faculdade de Direito do Ceará, sendo Lente e Diretor. A questão da religião e da ciência vigorou por muito tempo, separando em campos definidos os que condenavam as novas idéias e os que a partir delas realizaram o movimento conhecido como Escola do Recife. Na Bahia, Almáquio Diniz, um dos seguidores de Tobias Barreto, chegou a ser excomungado pelo Bispo, por ter publicado um romance considerado inconveniente pela Igreja. Em Sergipe, Fausto Cardoso, outro tobiático, monista, enfrentou a reação do grupo político do padre Olímpio Campos, até que tombou sem vida, varado por uma bala de fuzil, depois de derrubar o Governo de Guilherme Campos e Pelino Nobre. Através de estudantes pernambucanos da Fa culdade de Direito que editaram a revista Agitação a questão da ciência e da religião voltou à tona, em março de 1933, por iniciativa de Methodio Maranhão, que refaz a trajetória da Escola do Recife em sua vertente mais polêmica. *** 271 Dos seguidores sergipanos de Tobias Barreto um experimentou a glória de ter a multidão atenta às suas pregações: Fausto Cardoso, um dos jovens embriagados com as teorias revolucionárias da Escola do Recife. Aos 19 anos, já experiente na luta acadêmica, mantém um jornal – O Sahara – impresso na tipogafia Apolo, a mesma que publicava mensalmente, no mesmo ano de 1883, O Industrial, revista de artes redigida por Tobias Barreto. Nas páginas do Sahara estão alguns testemunhos de Fausto Cardoso e de Benildes Romero sobre o impacto das idéias do gênio sergipano. Pelo menos três fatos mereceram do jornal publicação e comentários, centrados na figura de Tobias Barreto. O primeiro informando que o professor João Vieira, a partir de 1822, passara a incluir em seu programa de Direito Civil o estudo do Direito Autoral, uma das novidades do mestre. O segundo, o texto da carta de 22 de outubro de 1882, redigida por Tobias e assinad a por vários professores da Faculdade de Direito, dirigida ao dr. F. von Holtzendorff, de Munique, sobre a fundação Bluntschli, com sua resposta, datada de 22 de novembro do mesmo ano de 1882. O terceiro fato refere -se às impressões causadas pelo discurso de Tobias Barreto, no dia 10 de abril de 1883, quando da colação de Grau em doutor aos srs. Afonso Octaviano e Hermenegildo Militão. A formação intelectual e política de Fausto Car doso deveu-se, inquestionavelmente, ao movimento de idéias do Recife, sob a liderança de Tobias Barreto. Até mesmo quando discordava do mestre, como no caso do 272 Monismo, Fausto Cardoso guardava o respeito que nutria pelo seu conterrâneo, de quem seguia os ensinamentos em muitos outros campos do conhecimento, como manifestara em seus escritos, e também em seus discursos na Câmara Federal, notadamente ao responder ao sr. Asísio(Anísio?) de Abreu, relator do parecer nº 27, de 1902, sobre a denúncia apresentada pelo próprio Fausto contra o Presidente da República, que havia atribuído a Tobias Barreto uma citação sobre omissão, considerada equivocada. Além de responder ao seu colega, Fausto Cardoso entrega a esse relator obras de Tobias, citando-a longamente para demonstrar o erro do Parecer. Mais que qualquer outro discípulo de Tobias Barreto, Fausto Cardoso deu vazão ao pendor político, assumindo em Sergipe, quando da propaganda repu blicana em Laranjeiras, depois de proclamada a República e na Câmara Federal, como deputado, uma postura progressista, de renovação dos métodos administrativos, chamando o povo à organização e a par ticipação. Havia uma oligarquia no Poder, em nome da liderança do Monsenhor Olímpio Campos, monarquista fervoroso que aderiu à República, três dias depois de proclamada. Assim como é fácil buscar as raízes ideológicas da política faustista, é fácil, também, recompor o perfil conservador do grupo olimpista, formado pelo próprio Olímpio Campos, Coelho e Campos e Pelino Nobre, dentre outros. Coelho e Campos e Pelino Nobre estudaram na Faculdade de Direito do Recife, e no começo dos anos 273 60 estavam participando dos movimentos tradicio nalistas, sob a liderança do dr. Braz Florentino. Pelino Francisco de Carvalho Nobre era sócio efetivo da Sociedade Acadêmica Atheneu Pernambucano, que tinha como Presidente Honorário o dr. Braz Florentino Henrique de Souza, que mais tarde viria a ser um dos grandes desafetos de Tobias Barreto. José Luiz Coelho e Campos integrava, Segundo Secretário, a Sociedade Ensaio Filosófico Pernambucano. Pelino Nobre participava da redação do Atheneu Pernambucano, enquanto Coelho e Campos colaborava com O Ensaio Filosófico Pernambucano, que também contava com a participação redacional do dr. Braz Florentino. Em Aracaju, em 1873, Coelho e Campos e Pelino Nobre redigiram A Crença, órgão conservador. Ao lado de Olímpio Campos, Pelino Nobre participava da redação da Gazeta de Aracaju, que circulou de 1879 a 1889. De 1889 a 1890, Coelho e Campos e Olímpio Campos eram os redatores do jornal Estado de Sergipe. Não é sem razão, portanto, que Fausto Cardoso, dentre outras coisas, diz que Coelho e Campos era “uma inteligência com 50 anos de atraso.” O ideário republicano de Fausto Cardoso, conforme se pode observar no trabalho de Francisco Rollemberg – Perfis Parlamentares, Fausto Cardoso – havia sofrido o revés do oportunismo dos monarquistas, reciclados de última hora, como Olímpio Campos, que passavam a ganhar espaço na administração do Presidente Felisbelo Freire. Pe. Olímpio é nomeado Prefeito de Aracaju, enquanto Fausto Cardoso, por sair 274 em defesa de negros e mestiços do baixo São Francisco, reprimidos pelo Governo, perde a Promotoria que exercia. Construindo novas alianças, Fausto Cardoso aprofunda sua pregação social, reúne o povo da região produtora de açúcar e conquista com apoio do seu antigo adversário Coelho e Campos, novo mandato de Deputado Federal, assumindo o comando da oposição sergipana. Em 1906, em agosto, funda em Sergipe o Partido Progressista e depõe o Governo do Presidente Guilherme Campos, irmão de Olímpio Campos, e do Vice-presidente Pelino Nobre. Ao fazer a revolução é morto, não sem antes afirmar que “a liberdade só se prepara na história com o cimento do tempo e o sangue dos homens.” Tombava na luta um intelectual que levou até às últimas conseqüências o ideário libertador da Escola do Recife e do mestre Tobias Barreto. *** Antes de sair do Maranhão para o Recife, Graça Aranha tomava contato com o jornal O Futuro, encimando uma epígrafe de Ernest Haeckel, fundado em junho de 1881 como órgão da propaganda progressista. No Recife, depois de encontrar Tobias Barreto, o menino de treze anos e meio dizia-se preparado para receber a sua força educativa de negação e crítica. “Eu estava apto para receber todas as demolições do Direito Natural e da Teologia e propagar todas as revoltas 275 contra a metafísica, contra a ordem política e social”, confessou o autor de Canaã, logo na primeira página do O Meu Próprio Romance, pedaço de memória escrito em 1931, ao da morte de Graça Aranha. O jovem ma ranhense é mais um seguidor do mestre amado, desde que, como disse, operou-se o “milagre de Tobias Barreto, o milagre da libertação”, “certos de que, condu zidos por Tobias Barreto estávamos emancipando a mentalidade brasileira, afundada na Teologia, no Direito Natural, em todos os abismos do conservador ismo.” Antes de Tobias, não custa lembrar, além do direito a sociedade civil tinha a sua origem e fundamento na vontade divina, como escrevia no Ensaio Filosófico Pernambucano o professor da Faculdade de Direito Antônio Lopes da Silva Barros. Ora, a sacralização da sociedade mascarava a resistência a mudar de atitude, diante do reconhecimento do direito. Os conservadores, quando adiantados, queriam diminuir o ônus que a pobreza representava, sem contudo alterar o padrão de desigualdade do qual resultava a própria pobreza, como Tobias Barreto revela no seu magistral Um Discurso em Mangas de Camisa, pronunciado em Escada, em agosto de 1877, no Clube Popular Escadense que ele fundou para reunir o povo em torno de suas idéias, anunciando que o direito não era anterior à sociedade, mas um produto cultural desta. No seu Clube o mestre, depois de afirmar que 90% dos escadenses eram necessitados, quase indigentes, que 8% viviam sofrivelmente, que um e meio por cento viviam bem e apenas meio por cento eram ricos em re lação aos 276 demais, queria “incutir no povo desta localidade um mais vivo sentimento do seu valor, de despertar -lhe a indignação contra os opressores e o entusiasmo pelos oprimidos.” Tobias Barreto havia escrito em 18709, em Política Brasileira, série de artigos publicados em O Americano, que “nenhum povo é realmente grande, senão pela liberdade, que tem ou que conquista.” Com Tobias e a partir de Tobias instaurou-se no Brasil uma consciência de que era possível abolir os modelos arcaicos da vida política e suas decorrentes econômica e social. A pregação entre os moços, a cultura, eram vias amplas de mudanças, para as quais muito concorreu o seu germanismo. Graça Aranha, como Rocha Lima, Augusto França, Xelderico de Faria Fausto Cardoso, compunha o grupo imenso dos jovens que ouviam e seguiam o mestre. A mocidade era sua faixa preferencial de sintonia, como deixa claro, em 1883, em Maroim, no interior sergipano, ao visitar o Gabinete de Leitura e ser homenageado pelo Coronel José de Faro com o alforriamento de uma escrava. Dirigindo -se ao coronel, pediu-lhe que amasse a mocidade sergipana e “assim como Umboldt descobriu nas florestas do Amazonas um papagaio, única testemunha de uma nação extinta, também ele encontrou seu papagaio, mas esse não lhe repetia vozes de uma língua morta, porque sempre lhe dava alviçaras do porvir: a mocidade sergipana.” Era o espírito moderno que impulsionava a vida intelectual de seu tempo e de sua geração, chamada pelo professor Antônio de Vasconcelos Menezes de 277 Drummond de “febricit antes, que de outro modo pensam e opinam, são verdadeiros sectários do racionalismo, que deu origem ao Protestantismo; essa fatal doutrina, que tão copiosas lágrimas e tanto sangue fez correr na Europa, e foi estrada para o ateísmo revolucionário da França, onde tudo se profanou, e até se rendeu culto a uma prostituta sob a denominação de Deusa Razão, onde tudo se urdiu para igualizar, republicanizar, democra tizar o mundo inteiro.” Graça Aranha, ele próprio, simbolizou o espírito moderno adquirido no seu contato com o mestre da Escola do Recife, ao renovar a estética, promovendo a revolução modernista da Semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922, quando já cresciam novamente as reações conservadoras aos princípios do movimento liderado por Tobias Barreto, e quando o Marxismo parecia canalizar as correntes insatisfeitas, que nutriam perspectivas de avanço na vida brasileira, acolhendo sentimentos e idéias que atravessaram as décadas, tangidas pelo entusiasmo dos seus defensores. O Brasil moderno deve a Tobias Barreto se não o modelo de sua organização política, pelo menos a ousadia de ter tentado organizar a sociedade, fundada no direito, de cujo exemplo, em muitos campos da vida nacional, são seus seguidores, muito justamente, credores do reconhecimento público. *** 278 Muitos dos seguidores de Tobias Barreto e das idéias da Escola do Recife abraçaram a vida pública. O próprio Tobias, ao definir-se politicamente em 1870, com as séries de artigos Os Homens e os Princípios e Política Brasileira, entra para o Partido Liberal e por ele conquista dois mandatos, o de Deputado Provincial, no biênio 78-79, e o de Vereador à Câmara de Escada, a partir de 1881, renunciando para ser nomeado Juiz Municipal Substituto. Sílvio Romero foi Deputado Federal, como Fausto Cardoso, Felisbelo Freire, representando Sergipe. Artur Orlando foi Deputado por Pernambuco, Clóvis Bevilácqua pelo Ceará. Do Maranhão, do Piauí, do Ceará muitos chegaram ao Senado e à Câmara e alguns ao Governo dos seus Estados, como Felisbelo Freire, em Ser gipe, logo depois de proclamada a República. Eram descendentes da Escola do Recife, dentre outros, Dantas Barreto, intelectual e militar, que gover nou Pernambuco e que teve destacada vida pública e Graccho Cardoso, que começou sua vida cultural no Ceará, e lá mesmo ocupou função pública relevante na administração do Estado, vindo a Sergipe foi Presidente do Estado, de 1922 a 1926, continuando na vida pública como parlamentar. A marca singular das administrações de Dantas Barreto e de Graccho Cardoso, que c hamou a atenção, à época, era o sentido de modernidade, acompanhado dos compromissos de promover, acelerada mente, o progresso econômico, cultural, e o bem-estar social. 279 Graccho Cardoso havia sido um dos cadetes da Escola Militar do Ceará, inaugurada em 1º de maio de 1891. A Escola ajudo a consolidar o movimento de cultura dos moços cearenses, editando uma Revista, a Primeira de Maio, que circulou a partir de junho de 1891, o jornal Silva Jardim e ainda a revista Evolução, os dois últimos de natureza crítica, científica e literária. Além de participar do movimento dos cadetes da Escola Militar, Graccho Cardoso ajudou na redação da revista A Pena, que surgiu em Fortaleza a 10 de outubro de 1895, publicando o estudo crítico Pescadores da Taíba. Na mesma época, o Ceará ainda fazia vibrar com seus movimentos de jovens, como o Centro Literário, fundado em 27 de setembro de 1894 e que tinha entre os sócios correspondentes eleitos, dentre outros tobiáticos, Sílvio Romero, Artur Orlando, Araripe Junior, Samuel de Oliveira, Liberato Bitencourt, Martins Júnior. Depois de viver a atividade cultural do Ceará e de integrar o Governo cearense, Graccho Cardoso retornou a Sergipe e em 1922 lançou uma plataforma moder nizadora para o Estado, candidatando -se a Presidente. No Governo, Graccho Cardoso montou uma equipe de intelectuais, a partir de Cláudio Gans, escritor maçom, e de cientistas, como Parreiras Horta, que havia estudado na França, no centro de Pasteur. Empreendendo uma obra verdadeiramente revolucionária, criou o Departamento Estadual do Algodão e através da presença do técnico norte-americano Thomás Day fez aparecer um surto de produção algodoeira, que motivou o Estado. Fundou o Banco do Estado, modernizou Aracaju com 280 bondes elétricos, criou as Faculdades de Farmácia e de Direito, montou um projeto de colonização, com famílias alemãs, no Quissamã, saneou e abasteceu Aracaju, construiu dezenas de prédios públicos, transformou cadeias em escolas, como ensinava Victor Hugo, comentado pela sua revista Primeiro de Maio. As cadeias de Lagarto e São Cristóvão foram transformadas em grupos escolares: Sílvio Romero e Vigário barroso, respectivamente em Lagarto, em homenagem ao filho ilustre, e em São Cristóvão, onde o vigário tinha exercido brilhante sacerdócio, reconhecido pelo vigor de suas orações. Completando a sua obra cultura, Graccho Cardoso patrocinou a Missão Tobiática no Recife, de Manoel dos Passos de Oliveira Teles, atribuindo ao discípulo do mestre, levantar os textos, dispersos em revistas e jornais, reunindo-os às Obras Completas que o Governo de Sergipe editou, em 1926, na mais expressiva homenagem já prestada ao fundador da Escola do Recife. Criando o Instituto Parreiras Horta, para a produção de vacinas, o Instituto Coelho e Campos, para a preparação profissional dos jovens sergipanos e editando, ainda, o Dicionário Biobibliográfico Sergipano, de Armindo Guaraná, Graccho Cardoso procurou cumprir com um id4eáriod e modernidade, lúcido e progressista, que vem daquele que ao ter a sensibilidade de abraçar o que de mais novo havia no mundo – Tobias Barreto – revolucionava o seu tempo, propagando entre os moços tudo aquilo que na medida em que fazia vibrar o povo, gerava grande incômodo e temores entre os 281 poderosos. De certo modo, Graccho Cardoso cumpriu a missão, interrompida, de Fausto Cardoso. *** A Faculdade de Direito do Recife continuou a ser, por toda a década de 20, um grande centro polêmico. Muitos dos seus professores e alunos mantinham a tradição da Casa, do mesmo modo como encontravam fortes reações, Em 1927, o cearense Joaquim Pimenta, discípulo de Manoel Soriano de Albuquerque fundou, na Faculdade de Direito do Recife, o Centro de Cultura Sociológica, “para estudo e discussão dos grandes problemas sociais contemporâneos.” Pimenta, que em 1928 publica Sociologia e Direito, trouxe para o Recife aquilo que adotara no Ceará,a preocupação com a sociologia, adquirida na Faculdade de Direito daquele Estado, a primeira a adotar a cadeira de Sociologia em seu curso. Trouxera, também, o anti-clericalismo que tanto o prendia a Soriano de Albuquerque – que sofreu em 1907, uma forte reação da ortodoxia católica ao assumir a cátedra de Filosofia do Direito – como a Escola do Recife. A Faculdade de Direito do Recife abrigava, aquele tempo, o curioso Centro de Estudos Russos, fundado e dirigido por José Cordeiro, tido como o mais avançado estudante do seu tempo, pelo raciocínio dialético, como testemunha Benjamim Coutinho, em pequeno artigo da revista O Tacape. O professor Joaquim Pimenta funda, 282 ainda, em 11 de agosto de 1928, a Federação Universitária do Recife, sendo seu Presidente, com o fim de “instituir Centros de Estudos Científicos, tendo mais em vista os de ordem sociológica, promover Congressos e Conferências públicas, fundar uma Revista, uma Biblio teca de ciências sociais, organizar Centros Artísticos e Recreativos, apoiar os movimentos em prol do bem-estar das classes populares.” A direção da FUR caberia a um Conselho Executivo, composto do Presidente do Centro Acadêmico das Faculdades de Direito e de Med icina, e das Escolas de Engenharia, Farmácia, Odontologia e Comércio, e de um representante de cada ano do Curso, eleitos pelos colegas de classe. Juntamente com os colegas Methódio Maranhão. Raul Azedo e com o jornalista João Barreto de Menezes, filho de Tobias Barreto, Joaquim Pimenta integra a redação da revista O Tacape, que começa a circular, quinzenalmente, a partir de janeiro de 1928. Entre os colaboradores da revista estão Fernando de Sá, Leo nardo Mota e Luiz da Câmara Cascudo, entre outros. A feição da revista é a de um órgão de luta, fustigando a Igreja, abordando assuntos científicos, políticos e filosóficos. Methódio Maranhão, que no mesmo ano de 1928 publica o livro O Direito e a Religião é o mais veemente crítico, sobre quem o próprio periódico ironiza. Nos versos intitulados Impossibilidades publicados na segunda quinzena de abril de 1928: “Tudo no mundo é possível E mesmo ao perigo escapa 283 Evita a água ao açúcar Quem não quer fazer garapa. O que entanto ninguém pode Por maior esforço humano É carregar o Methódio Nos braços do Vaticano.” Comentando uma notícia de que a Faculdade de Direito da Bahia havia colocado numa de suas paredes a imagem de Cristo, a redação de O Tacape escreve que “edifício contendo imagem religiosa de qualquer espécie, pode ser tudo, menos Faculdade de Direito.” Era a velha luta de novo travada. Joaquim Pimenta escrevia os editoriais, alguns artigos, e abria espaço para comentários de autores espanhóis e mexicanos, a respeito da luta travada entre os partidos Liberal e Católico, do México, apontando de forma documentada a participação da Igreja na tentativa de abolir as Leis de Reforma e Juarez(?), enquanto os liberais as defendiam. João Barreto de Menezes, redator de política e de problemas da população recifense, aqui e ali dava sinais da sua origem e até mesmo chegava a citar posições de seu pai, como quando escreve sobre Luiz Carlos Prestes. Sobre Tobias Barreto, diz Fernando de Sá, em artigo sobre a Intelectualidade Nordestina, que “não apareceu com um simples evangelizador de uma nova ciência mas sim como um demolidor da existente.” Artur Azedo, o cientista de quem se ocupa Aluízio Bezerra Coutinho, escreve uma série de artigos 284 sobre questões da atualidade científica, sendo responsável, na revista, pela pregação ma is metodológica, seguindo a tradição da Escola do Recife. O Tacape publica, em seus números de 1928 e 1929, série de artigos denunciando o entreguismo do Governo brasileiro, citando a consecussão de terras, no Amazonas, a Henri Ford, bem como outras facili dades criadas para a ocupação amazônica por pessoas e entidades estrangeiras. Com tal preocupação, além de cumprir itinerário ligado ao pensamento da Escola do Recife, O Tacape antecipava ao Brasil uma questão seriíssima, que, por coincidência ou ironia, e stá na ordem do dia neste ano de celebrações em torno da figura singular de Tobias Barreto de Menezes. 285 TOBIAS BARRETO, UM AGITADOR SOCIAL 286 Dialético, Tobias Barreto era liberal contra os conservadores, sem abdicar do direito de crítica aos liberais, como fizera da tribuna da Assembléia, quando deputado, eleito em 1878, contra o Presidente da Província. Na Assembléia, Tobias Barreto tratou do direito de crítica propondo alterar o Regimento da Casa para justificar os apupos ao seu correligionário Adolfo de Barros, mas também para elogiar a José Mariano. E mais: combateu os privilégios e defendeu, em sessões memoráveis, a educação da mulher, em favor de moças pernambucanas que pretendiam estudar fora do Brasil. Depois de cumprir mandato de deputado à Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco, Tobias Barreto elegeu-se vereador à Câmara Municipal de Escada, para o período de 1881 a 1884. Ao tomar posse, em 1881, prefere optar pelo cargo de Juiz Municipal Substituto, conforme ofício do Barão de Frexeiras – Antônio dos Santos Pontual – de 13 de janeiro, endereçado ao Presidente da Província Franklin Américo de Menezes Dória. Os dois fatos a eleição de vereador e a opção deliberada para ser Juiz Municipal Substituto acrescentam informações novas e preciosas à biografia de Tobias Barreto de Menezes, ajudando a compreender a sua luta como teórico da organização da sociedade, e como agitador, na imprensa e no Fórum no pequeno município de Escada predominantemente controlado pelos muitos senhores dos 120 engenhos que circundavam e sitiavam a cidade. Dos 9 vereadores eleitos, Tobias Barreto alcançara a 6ª votação, o que indica prestígio entre os 287 eleitores escadenses. Preferia, no entanto, trocar o mandato de vereador pela 1ª Suplência do Juiz Municipal, cargo que, de algum modo, escutava sua pessoa nos constantes embates com a própria justiça escadense, manipulada, segundo sua opinião, pelos interesses de algum integrante da classe dominante, muito especialmente a família Pontual. Na verdade, a suplência não tinha início ali, na opção que o tirou da Câmara, mas sim em 18 de março de 1880, quando prestou juramento perante o Presidente da Província. No cargo, ficou até que, em 26 de março de 1881, alegando “um conjunto de circunstâncias” e por achar -se “gravemente enfermo”, pediu demissão. Ele enfrentara forte campanha da parte do Juiz Municipal titular, Jerônimo Materno Pereira de Carvalho, e tivera, pelo mesmo Juiz, contestado o seu juramento como Suplente, enquanto fora denunciado, pelo Promotor, por “uso indevido da imprensa.” Em Escada, Tobias Barreto de Menezes foi Curador dos Órfãos, Advogado e Juiz Municipal do Comércio Substituto, servindo ainda de Avaliador e, em alguns casos, de Redator Testamenteiro. Sua condição de suplente de Juiz Municipal era, para o Juiz titular, um impedimento à sua função de advogado. Evidentemente ele não comungava das idéias de Jerônimo Materno, pedindo esclarecimento superior ao Presidente da Província e ao Tribunal de Relação, argumentado que “a cooperação nos feitos crimes pertencentes aos Suplentes é uma cooperação possível e não real nos processos que possam aparecer e uma vez prevenida a jurisdição do doutor Juiz Municipal 288 efetivo, por queixa de denúncia dada perante ele, nenhum motivo parece existir para que o seu Suplente fique prevenido igualmente e como que a espera de qualquer emergência possível, Isto é tanto mais absurdo quanto se vê que por semelhança lógica chegar-se-ia até de excluirse o advogado de ser vereador da Comarca, ou viceversa, porque como vereador corre a possibilidade de funcionar no crime, como suplente do Juiz Municipal, em circunstâncias que não são raras.” A discussão apenas encobria divergência mais forte e mais profunda entre Tobias Barreto e a Justiça da Comarca de Escada. Tobias exercia, pela imprensa, liderança social e sua presença no Fórum, quase sempre, era uma festa. Em ofício de 24 de novembro de 1880 o Juiz titular reclama ao Presidente da Província que “aquele bacharel, confiado no grupo de adeptos que o cerca, leva o tumulto e a desordem às audiências, procurando convertê-las em praças públicas.” O escrivão Antônio Joaquim Machado, em informação prestada ao Juiz diz, em 12 de abril de 1880, que na ocasião da defesa de um seu constituinte Manoel Francisco de Barros – Tobias Barreto “foi calorosamente aplaudido por muita gente que se achava presente.” O escrivão disse ainda que “seguiram-se mais duas audiências, com grande número de pessoas, na ocasião em que o doutor Tobias censurava o pro cedimento do Juiz e da parte, apareceram alguns murmúrio aprobatórios.” Quem dá mais outro depoimento sobre as audiências nas quais Tobias Barreto participava como advogado é o oficial e porteiro do 289 Juiz, Manuel Thomaz de Albuquerque. Diz ele, em Certidão de 12 de abril de 1880, que “as audiê ncias do Juiz Municipal têm sido mais ou menos tumultuadas, isto porque o senhor doutor Tobias Barreto de Menezes, tendo de estabelecer sua defesa em processo que por uso indevido da imprensa está sendo instaurado por denúncia do doutor Promotor Público, t em sido acompanhado à Casa das audiências por crescido número de pessoas que por gestos, palavras e aplausos, tem interrompido as audiências.” É longa a lista dos registros que apontam a popularidade de Tobias Barreto como advogado em Escada, principalmente quando em sua própria defesa ou na daqueles cujo direito patrocinava. Uma popularidade incômoda para o Juiz Municipal que chega ao extremo de requerer força policial para garantir o funcionamento da Justiça, no que foi atendido com 24 praças do 14º Batalhão de Linha, comandados por um oficial. A vida forense de Tobias Barreto foi marcada, toda ela, pelo tom polêmico de suas participações e pelo sentido social dado ao direito e à administração da Justiça. Toda a ação de Tobias Barreto nos Fóruns pernambucanos está sendo objeto de levantamentos pelo Instituto de Documentação da Fundação Joaquim Nabuco, com o concurso colaborador do tobiático Jackson da Silva Lima, autor da História da Literatura Sergipana, e das pesquisadoras Tânia Amorim e Betty Malta, já com vistas ao duplo evento de 1989, o Sesquicentenário de Nascimento e o Centenário da Morte do mestre da Escola do Recife. 290 TOBIAS E A IDEOLOGIA DO PROGRESSO 291 Atualizar as forças de trabalho com os últimos progressos da ciência e da técnica, nos domínios superiores da atividade industrial; esclarecer que a riqueza privada de quem quer que seja não fica exposta a perigo algum pelo fato de procurar-se aperfeiçoar a indústria existente, criar novas e contribuir para a consecução de todos os melhoramentos necessários à felicidade e bem-estar social; garantir o direito de informação sobre qualquer processo industrial e artístico; prestar assessoria jurídica em negócios industriais e artísticos; fundar e manter Asilos Agrícolas; Bancos Populares para os operários; bancos Provinciais com juros moderados e pagamentos a longo prazo; habilitar os industriais e artistas aos grandes recursos que a adoção de máquinas pode proporcionar lhes; renovar o pensamento de tudo depender -se dos Governos, como erro que os bons princípios econômicos fulminam e condenam; e transformar e modificar o País de acordo com as tendências e leis do progresso, eis, em síntese, o enunciado de um compromisso, de caráter ideológico, proclamado de janeiro a dezembro de 1883, no Recife, através de O Industrial, revista de indústrias e artes, de propriedade da Fábrica Apolo, de Antônio Pereira da Cunha. Na redação, José Higino Duarte Pereira, Tobias Barreto de Menezes, Barros Guimarães e Graciliano Baptista, professores da Faculdade de Direito, intelectuais, homens públicos. O que é mutável caminha em direção do progresso, ensinara Darwin, enquanto Spencer afirmava 292 que a evolução era um progresso, um progresso que só terminará com a maior perfeição e a mais completa felicidade. Tais conceitos vigoravam e empolgavam o tempo de Tobias Barreto, um dos redatores e a quem se atribui grande parte do que está publicado nos 12 números de O Industrial. O Positivismo de Comte, o Evolucionismo de Spencer, pareciam abrir caminho à dialética materialista que afirmava a política, o direito, a religião, a cultura científica e artística como fenômenos de super-estrutura, variáveis segundo as modificações da infra-estrutura econômica, pelos seus teóricos Marx e Engels. Sintônico com uma nova ordem de idéia s, Tobias Barreto e seus companheiros de redação faziam de O Industrial porta-voz de novos tempos, reabilitando a dignidade do trabalho, libertando o homem do papel de motor, apresentando-o como condutor de forças. É de Tobias Barreto a afirmação, bem a propósito, de que “Não somos nós que temos tudo a esperar do futuro; é o futuro que tem tudo a esperar de nós.” Mais do que defender um ideário progressista, O Industrial assumir a propaganda de maquinários, tanto aqueles oriundos de várias partes, estampado s nas páginas da revista, como aparelhos fabricados nas oficinas da Fábrica Apolo , pensados e planejados para ajudar na agricultura e na indústria. O Industrial era o único no seu gênero e nasceu, como disse Tobias Barreto no editorial de nº 1, de 15 de janeiro de 1883, aceitando a missão que foi confiada, a de buscar uma linguagem nova, atualizada pela ciência e 293 pela técnica, para encarar e enfrentar velhos problemas, como o da mão-de-obra escrava, responsável pela exploração do campo, tanto em Portugal co mo no Brasil, que limitava a indústria dos antigos. Enquanto o Brasil seguia atrasado, aceleravam-se as descobertas e com elas aceleravam-se, também, o progresso industrial. A sensibilidade de Tobias Barreto diante da realidade do seu tempo, que o fez inovador no campo da filosofia, do direito, da crítica e da literatura, o levou também a professar o progresso como base de uma evolução de alterar, profundamente, a face de Pernambuco e do Brasil. A crença inspirou a muitas idéias, todas elas enfeixadas numa única diretriz, a de organizar a economia para a produção industrial. Amparado pela ciência Tobias trouxe a idéia, o método, o modelo, na tentativa de realizá-lo. No entanto, depois de um ano de pregação progressista, O Industrial deixa de circular, perguntando e concluindo: “Quem se importa com os processos industriais e seus progressos O Industrial, como se vê não pode viver no meio social existente, é forçado a desaparecer: a atmosfera que o rodeia, não é favorável à sua existência.” Assim, vencido pela realidade, o jornal progressista de Tobias Barreto e de outros circulava pela última vez no dia 15 de dezembro de 1883, deixando para a posteridade o exemplo e o testemunho de luta em favor do trabalho livre, em favor do progresso, da industrialização do Brasil e da organização social e cultural decorrente dessa faceta ideológica. 294 O Industrial era um instrumento revolucionário, manejado por um pensador que dizia ser o “cidadão a forma social do homem, como o Estado é a forma social do povo.” A biografia de Tobias Barreto de Menezes fica, pois, enriquecida pela sua participação como o redator de O Industrial, ângulo diferenciado do seu talento e da sua responsabilidade de intelectual múltiplo. 295 TOBIAS BARRETO E O PRECONCEITO RACIAL 296 Há quem acuse Tobias Barreto de “omisso” e de “ausente” e até mesmo de “desafeto” da campanha abolicionista, como o fez Evaristo de Morais Filho em seu livro Medo à Utopia, de 1985. É mais que uma injustiça, é uma inverdade. Tobias Barreto teve uma participação insofismável na defesa da liberdade dos negros, tanto pela poesia engajada na luta, como na condição de advogado e de curador de escravos, em Escada, como integrante da Sociedade Nova Eman cipadora, do Recife, como orador popular nos clubes abolicionistas e nas festas em favor da libertação de escravos, ou ainda com redator da revista de artes O Industrial, que circulou no Recife de 15 de janeiro a 15 de dezembro de 883. O que faltou dizer, a respeito de Tobias Barreto, foi sobre o mais cruel preconceito racia l que marcou suas relações em Pernambuco, tanto no Recife como em Escada, com seus contendores. Mulato, que tantas vezes exaltou a sua morenidade, Tobias Barreto recebeu, pela imprensa, pelas cartas anônimas, insultos e apelidos que diziam bem do clima ina mistoso provocado pela sua inteligência inovadora. Turco do Inferno, Tobias dos Diabos, assim gritaram contra ele os que participaram do cerco à sua casa, em Escada, em agosto de 1881. Dois termos, mais que outros, visavam Tobias Barreto, para marcá-lo racialmente: Cabra e Bode. Termos que segundo o Vocabulário Pernambucano de Pereira da Costa eram pejorativos de mulato e mestiço. Soavam como as mais duras ofensas, numa sociedade 297 escravocrata, formada por senhores de engenhos de escravos, de cujo prestígio político ainda hoje se tem notícia. Tobias Barreto conviveu, desde as primeiras polêmicas que sustentou com os redatores de O Católico e com alguns padres e seus defensores, com tais ofensas, assumindo sua origem mestiça, sua mulatice sergipana. Em Escada, no jornal O Desabuso, publica um artigo intitulado “Fidalguias Pernambucanas”, no nº 4, de 2 de outubro de 1875, ironizando com os seus detratores. Diz ele: “O escritor destas linhas que não tem outros títulos de nobreza, senão a honra dos seus pais, está disposto a não apelar da sentença, com que aqui se condenou a ser um cabra, no sentido pernambucano da palavra. Assim fique assentado que eu aceito o apelido.” Em 1883, já no Recife, é chamado de “... animal, ignorante, paquiderme, bode”, por Antônio de S iqueira Carneiro da Cunha, encoberto pelo pseudônimo de Hunger, que saiu em socorro dos padres maranhenses e pernambucanos com os quais Tobias polemizava. Ao responder Tobias Barreto dizia: “Deixe -se de tolices, moço. S.S., não pode falar em bode, nem isto me incomoda. Acho muito mais suave passar por cabra, do que entrar em pesquisas genealógicas para saber quem foram os meus vigésimos avós, que como o de qualquer homem somam a bagatela de 2.097.155; e mostrar que em todo este imenso batalhão de ascendentes não havia macacos, nem bodes, nem perus, é um trabalho difícil.” Na mesma polêmica com os padres do Maranhão e de Pernambuco, Tobias desabafa: “Geralmente entre 298 nós, as pequeninas mediocridades, quando são forçadas a uma discussão pela imprensa se não apuram branquidades, vem logo apurar gramática. Uma tolice é igual a outra; pois ambas só denunciam a pobreza intelectual de quem as praticam.” O preconceito racial contra Tobias Barreto pode ser avaliado pelas inúmeras provocações contidas nos jornais recifenses, que ainda hoje podem ser consultadas, Suas respostas, estão dispersas pelos jornais que editou em Escada e pelos vários artigos, reunidos em livros. Uma testemunha acima das paixões das contendas literárias, religiosas ou políticas, e que viveu os memoráveis tempos da Academia de Direito – José Joaquim Seabra – atestou a dificuldade de Tobias Barreto diante da sociedade pernambucana do seu tempo. Em entrevista ao jornal A Tarde, de Salvador, de 3 de maio de 1939, J. J. Seabra diz que Tobias Barreto teria sido “Combatido mais porque era mulato”. Seabra, que foi colega de cátedra de Tobias, e que falou, em nome da Congregação, no enterro do mestre sergipano disse também, na mesma entrevista, que “Tobias era vítima de uma ditadura – a dos preconceitos raciais, como se fosse possível admitir no Brasil semelhante disparate.” O preconceito alimentava o insulto e este não tinha limites. Doente, várias vezes seus desafetos espalharam boatos da sua morte, enquanto outros exploravam a sua doença sem qualquer pie dade humana. Tobias superou a tudo e a todos, pois sobreviveu ao século e sua memória está vivíssima, provocando 299 estudos e celebrações para o duplo evento do próximo ano: o Sesquicentenário do seu Nascimento e o Centenário de sua Morte, 100 anos depois da Abolição, embora não de todo livre dos preconceitos, Tobias Barreto pode ser lembrado como a grande vítima do preconceito racial. 300 TOBIAS BARRETO E A REPÚBLICA 301 Tobias Barreto não foi, certamente, um republicano engajado, do tipo Martins Júnior. A idéia republicana não vicejava na cabeça revolucionária do fundador da Escola do Recife que, como a República, também inspira celebração centenária. Abolicionista ele foi, conforme está na memória da imprensa pernambucana na bibliografia mais especia lizada e na farta documentação reunida em Tobias Barreto a Abolição da Escravatura e a Organização da Sociedade plaqueta publicada no ano do Centenário da Abolição, como forma de repor mais um justo pedaço de dignidade a biografia do gênio mulato de Sergip e. Alguns críticos foram responsáveis pela errônea informação sobre a “ausência e omissão” de Tobias diante da questão abolicionista. No caso da República não há, felizmente, a mesma pecha infame. E no entanto, sem querer tornar maior aquele que já é, reco nhecidamente, grande, vale reler, por oportuno, alguns escritos de Tobias Barreto, muito especialmente seu ideário político – Os Homens e os Princípios e Política Brasileira – de 1870 e as Preleções de Direito Constitucional, de 1882, que permaneceram inéditas por muito tempo, conservadas por Gumercindo Bessa e Manoel dos Passos de Oliveira Teles, discípulos que ouviram o mestre e anotaram em aulas particulares. Definindo-se contra a Monarquia, Tobias Barreto não era, necessariamente, um republicano. Mas ni nguém n Brasil, entre 1868 e 1889, foi mais duro crítico da Monarquia brasileira do que o autor de Dias e Noites. Num dos seus escritos de condenação a escravidão, 302 como instituição caduca, condenava pela mesma de crepitude a Monarquia. O combate ferrenho a o Império foi permanente em seus poemas, discursos, artigos de jornais, escritos vários, numa luta consequentemente que ajudou, sem dúvida, a formar entre a mocidade uma opinião nova, que fluiu para a pregação objetiva da República. Seus grandes amigos e d iscípulos eram republicanos, integravam clubes, dirigiam jornais e nas ruas chamavam pela República, como Martins Júnior, Graça Aranha, Sílvio Romero e muitos outros. Compondo uma alegoria, para situar a forma de governo, a partir da análise do artigo 3º d a Constituição de 1824, Tobias Barreto diz: “A questão velha e muito debatida sobre a melhor forma de Governo não é uma questão de verdade, é uma questão de beleza. Não é um assunto de Ciência Social, é um assunto de Estética. Formas não são verdadeiras nem falsas, são o que são. A República deveras e uma forma de governo mais bonita do que a Monarquia, mas nenhuma é mais verdadeira ou mais falsa do que outra. É mais bonita e vou dar razão. Os organismos vivos: as plantas, os animais, são estudados em sua morfologia, isto é nas formas de seus órgãos, e em sua fisiologia, isto é, nas funções desses órgãos. É uma lei fisiológica que a morfologia do organismo influi em suas funções, de sorte que organismos mais ou menos desenvolvidos produzem funções mais ou menos completas. Uma morfologia produz uma fisiologia. A função depende da capacidade do órgão. Ora, já vimos que o Estado é um organismo, sua morfologia vem a ser a sua forma de governo. Sua 303 fisiologia dependerá da capacidade da forma de seus órgãos. Aplicando a Monarquia e a República, como formas de governo, aqueles princípios, veremos que a Monarquia, forma anacrônica, com seus apêndices indispensáveis, dá como conseqüência funções morosas, incompletas no organismo do Estado. A República, com sua morfologia mais simples, mais desenvolvida, produz incontestavelmente funções completas e rápidas. A morfologia republicana é mais bela, esta razão. Acresce a isto que a Monarquia, com seu estado perpétuo e hereditário, é uma tutela política, desagrada ao povo, porque ninguém quer ser dirigido pelos outros, e o caráter da perpétua minoridade é ultrajante a nação. Por isso a forma republicana é mais aplaudida, mas é sempre uma forma, e não uma verdade.” É de 1872, no entanto, sua frase mais incisiva, tratado da República, retirada do seu caderno de apontamentos – Notas a Lápis – inseridas em Vários Escritos, edição do Governo de Sergipe, de 1926: “Um dia virá que a escola dar-nos-á mães e esposas republicanas e reanimara o vigor dos costumes, sem os quais não pode existir um povo verdadeiramente grande.” Tobias Barreto morreu no Recife, aos 50 anos, no dia 26 de junho de 1889, cinco meses antes da Proclamação da República, pelo Marechal Deodoro da Fonseca de quem em 1887, ele disse: “Vós sois do número desses Que em prol da Pátria adorada Abrem caminho as estrelas Com a ponta da sua espada.” 304 A ESCOLA DO RECIFE E A PROPAGANDA REPUBLICANA 305 A República deita raízes nos movimentos liber tários do Nordeste, sufocados pela repressão da Coroa portuguesa e seus prepostos. Os primeiros líderes republicanos são, também, os grandes mártires da pátria nordestina. A partir de 1853 desponta, pela imprensa alternativa, aquela das folhas distribuídas diretamente ao povo, a figura de Romualdo Alves de Oliveira, com seu O Artista Pernambucano, a informar O QUE É A REPÚBLICA, artigo de fundo, dedicado à propaganda de uma assembléia constituinte, chamado de Congresso Republicano, para “Fazer as leis gerais para manter a República; marcar os limites dos territórios dos Estad os; fixar os gastos gerais de toda República; estabelecer as contribuições; regular sua arrematação e tomar conta do governo de sua inversão; contrair dívidas para o bem público, e cuidar também de liquidá-las; determinar as forças de mar e terra e a cota de homens que deve dar cada Estado; criar e suprimir empregos; aumentar a ciência, as artes, a agricultura; regular os pesos e medidas sem prejuízo dos nacionais; promover a ilustração geral; proteger a liberdade de imprensa; dirigir a pública prosperidade; ditar as leis conducentes; afirmar a independência da nação e sua segurança; procurar conservar a paz, a boa ordem nas Províncias; sustentar a igualdade proporcional dos direitos e obrigações que todos têm perante a lei.” Antes de tornar-se pensador, Tobias Barreto foi, no Recife, orador do povo, poeta das massas, devolvendo aos pernambucanos a capacidade de orga306 nização e de luta. O mote do poeta era a guerra contra o Paraguai, recrutando voluntários, levantando a mocidade, engajando a Faculdade de Direito, da qual Tobias era, aquele tempo, aluno. Na mesma medida que exalta a “cabocla civilizada”, evoca as personagens da história, que ficaram no tempo como exemplo da bravura pernambucana que o Recife sempre expressou. Tobias Barreto deixa na alma do povo nas ruas do Recife a chama revolucionária da democracia, e faz, pela imprensa, a sua profissão de fé liberal, como partidário e como teórico da organização política. No jornal O Liberal, Tobias Barreto escreve uma série de artigos sob o título de Os Homens e os Princípios, no início de 1870. No mesmo ano, no jornal O Americano, publica diversos editoriais, mais tarde reunidos sob o título geral de Política Brasileira. Faz, em notas soltas e em outros artigos de fundo, a propaganda republicana e divulga, com exclusividade no Recife, o Manifesto do Clube Republicano da Corte. Ao mesmo tempo, abre espaço para a reprodução de discursos e artigos do político espanhol Emílio Castelar. Deixando o Recife para fixar residência em Escada, Tobias Barreto inicia, daquele local do interior pernambucano, a publicação de suas apreciações críticas sobre o Poder Moderador, a partir da leitura de textos do Conselheiro Zacarias de Goes e Vasconcelos e do doutor Braz Florentino, falecido Presidente da Província do Maranhão. Em Escada, a partir de 1874, publica pequenos jornais e funda o Clube Popular Escadense, no qual 307 pronuncia o célebre Um Discurso em Mangas de Camisa, radiografando a realidade escadense e propondo a organização do povo como forma possível de vencer a adversidade econômica. Ao retornar ao Recife, em 1881, encontra a cidade aberta às suas idéias filosóficas, germânicas, científicas e jurídicas, consagradas no Concurso para Lente Substituto da Faculdade de Direito, onde firma com a mocidade a mais duradoura aliança intelectual. Aqueles jovens enfeitiçados pela sabedoria do mestre integram a geração dos abolicionistas e dos republicanos, assumindo as duas campanhas nos velhos corredores da Escola. Crescia, sob a liderança inte lectual de Tobias Barreto, dentro e fora da Faculdade de Direito, a Escola do Recife, com seu caráter emancipador. Sílvio Romero, Fausto Cardoso, alunos e amigos de Tobias Barreto, ao lado de outro sergipano, Felisbelo Freire, ao lado de outros, fundaram em Laranjeiras, pequena cidade sergipana, produtora de açúcar e onde havia sido fundada a primeira Igrega protestante, em 1884, o Clube Republicano e um jornal dedicado à propaganda. Os três tiveram, com a República, lugar destacado no cenário nacional. Felisbelo Freire foi Ministro da Fazenda e das Relações Exteriores do Governo de Floriano Peixoto. E foi Governador de Sergipe. Fausto Cardoso participou do Governo de Felisbelo Freire, em Sergipe, e foi deputado federal. Sílvio Romero também foi deputado federal por Sergipe. No Recife, Martins Junior, Artur Orlando e outros integrantes da Escola do Recife assumiram papéis 308 definidos na fase da propaganda e depois de proclamada a República. Outros discípulos de Tobias Barreto, ao voltarem para seus Estados, levaram a idéia republicana e todo o múltiplo ideário da Escola do Recife. A República resultara, assim, de longo processo de luta, fermentado no tempo, e finalmente decidido pela participação armada de figuras que ganharam a honra nacional de combatentes na Guerra do Paraguai e em outros episódios que mereceram cantos e louvores de alguns dos poetas da Escola do Recife. Mais do que combater a Monarquia, para Tobias Barreto uma instituição caduca, a Escola do Recife alicerçou a República, finalmente proclamada em 15 de novembro de 1889, poucos meses depois da morte do fundador e mestre Tobias Barreto de Menezes. 309 TOBIAS BARRETO E AS CAUSAS DA LIBERDADE 310 Há, ainda, muito o que se aprender com Tobias Barreto. Sua poética engajada, servindo de panfleto nas ruas do Recife, nos anos 60 do século passado, tendo como mote a ida dos batalhões de nordestinos para a luta contra o Paraguai, reflete um momento peculiar da vida pernambucana, devolvendo ao povo derrotado dos movimentos de 1817, 1824, 1842 e 1848, a capacidade de empreender uma nova luta. A guerra com o Paraguai foi o canal, o dreno, o suspiro às aspirações de liberdade, mais tarde novamente empunhadas em defesa da libertação dos escravos, pela voz de Castro Alves, Tobias Barreto, em crítica aberta ao clero e em favor da Maçonaria envolvida com o Bispo Dom Vital na Questão Religiosa, novamente com Tobias Barreto, e com Vitoriano Palhares, ou na pregação contra a Monarquia e em favor da República, mais uma vez com Tobias Barreto, e com Martins Junior. O jornalismo de Tobias Barreto tem, também, forte apelo participativo e social. Em 1870, por exemplo, ao participar da redação dos jornais O Liberal, A Crença e O Americano, não apenas faz sua profissão de fé liberal, defendendo a liberdade como fundamento da ordem, como abriga todo o ideário abolicionista e republicano. Em defesa da libertação dos escravos. O Americano publica, precedendo de elogiosos comentários, a brochura de 1825, de José Bonifácio de Andrada e Silva, com projeto sobre a libertação da escravatura no Brasil. Depois publica, em diversos números, a partir de 11 de setembro, o longo discurso pronunciado por 311 Emílio Castelar, em defesa da abolição imediata da escravidão. Sempre noticiando o andamento da pregação abolicionista, o jornal de Tobias Barreto publica, comentando, projeto de A. Cochin – A Abolição da Escravidão. Muitos outros informes, defesas e pro pagandas estão nos números de O Americano, entre junho e dezembro de 1870, quando de propriedade e redigido por Tobias e por Minervino A. de S. Leão. A partir de 20 de novembro de 1870 abre espaço para a propaganda republicana, tratando do Manifesto do Clube Republicano da Corte, para o qual chama a atenção dos leitores. A citação de Hegel e a linguagem indicam, sem erro, que as notas editoriais, como outras tantas que publicou e mais tarde organizou sob o título de Política Brasileira, são da lavra de Tobias Barreto. Até que seja encerrado o ano de 1870 os comentários estão centrados na idéia da República. A partir do afastamento de Tobias Barreto, que logo no início de 1871 transfere sua residência do Recife para Escada, no interior pernambucano, o jornal perde sua clareza combativa, seu engajamento objetivo em favor da abolição e da República, duas causas abraçadas pelo sergipano. Em Escada, ainda como jornalista, To bias edita e distribui com o povo, diretamente nas feiras, seus pequenos jornais, defendendo o povo escadense, vítima da açucarocracia, classificação dada aos 120 senhores de engenho que dominavam o município, divididos em conservadores e liberais. A ousad ia de alguns artigos, como os publicados no jornal Contra a Hipocrisia, que 312 denunciam o conluio entre a justiça e os senhores de terra e de escravos, leva Tobias Barreto a responder processo por crime de imprensa. O alforriamento de escravos do espólio do seu sogro contraria o poder local e Tobias tem a sua casa cercada, sua integridade física ameaçada, resistindo de arma na mão, até não mais poder. De volta ao Recife, mais do que o jornalista engajado, o político do Clube Popular Escadense, com seu célebre Um Discurso em mangas de Camisa, de 1877, que tanto é um preciso diagnóstico da realidade social escadense, como um libelo em favor da reação popular à dominação, convive em Tobias o germanista, disposto a abrir, com todo o vigor de sua competência intelectual, novos caminhos ao entendimento do direito, da filosofia, da religião, da cultura e da crítica. Afinado com as mais revolucionárias e novas idéias que dominam o mundo sábio de então, Tobias Barreto empolga, em 1882, a mocidade nordestina que cursava Direito na Faculdade do Recife, Derrubando velhas teorias, fechando surrados compêndios, e oferecendo o poder das novas idéias, Tobias Barreto iniciou a mais profunda das transformações, a da cultura, criando a Escola do Recife, desdobrando -a com as gerações de abolicionistas, republicanos, federalistas, socialistas, que tanto aplaudiram e deram quorum as idéias de Tobias Barreto na Faculdade, como levaram para as suas Províncias e Estados o que de mais novo e revolucionário havia no Brasil. No Amazonas e no Pará, no Maranhão, no Piauí, no Ceará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Pernambuco, em Alagoas, em 313 Sergipe, na Bahia, e em outros lugares do País os seguidores e descendentes de Tobias Barreto e da Escola do Recife levantaram bem alto o estandarte das causas libertárias e progressistas, com as quais a sociedade brasileira tem procurado reagir a todas as formas, velhas e novas, de dominação. Ninguém serviu mais que Tobias Barreto às causas da liberdade no Brasil. O duplo evento do Sesquicentenário de seu Nascimento e Centenário de sua Morte – 7 de junho e 26 de junho – permite ao Brasil de hoje conviver com o pensamento de Tobias Barreto, conferindo a sua atualidade. 314 O POETA EM SALVADOR 315 São muitas as ligações de Tobias Barreto com a Bahia. O genial mulato sergipano, nascido na então Vila de Campos, nos sertões do Rio Real, em 7 de junho de 1839, teve parentes, mestres, amigos e seguidores baianos. O condoreirismo poético, o germanismo, e a pregação abolicionista são três vertentes da a ção tobiática, que aproximam o pensador sergipano com a Bahia. É quase ignorada a presença de Tobias, em 1861, de março a dezembro, em Salvador, onde deveria tornar se aluno da Faculdade de Medicina da Bahia, como querem alguns críticos de suas obras, entr e eles Aluízio Bezerra Coutinho, no seu recente e notável A Filosofia das Ciências Naturais na Escola do Recife. São poucas, até agora, as informações sobre os quase dez meses vividos por Tobias Barreto na capital baiana e nem ele próprio, nas cartas auto-biográficas que dirigiu, em 1880, ao seu conterrâneo Carvalho Lima Júnior, ou “Aos moços sergipanos, estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia”, em dezembro de 1882, a quem iria dedicar seu livro Estudos Alemães, esclareceu sobre o fazer cultural baiano. Devem estar nos jornais baianos da época a colaboração de Tobias Barreto em Salvador. Dificilmente ele passaria por uma cidade como a capital baiana sem deixar o fulgor de sua presença. Em Maceió, quando em 1862 seguia de Sergipe para Pernambuco, deixou pelo menos dois poemas: um, recitado em improviso após uma apresentação teatral de homenagem a Camões, outro – Veni de Libano, Sponsa Mea – 316 deixado no Diário do Comércio, de 28 de novembro de 1862. Na Bahia Elziário da Lapa Pinto (1839-1897), poeta segipano, companheiro de José Maria Gomes de Souza, outro vate patrício, (1839 -1892), a quem Jackson da Silva Lima, em sua História da Literatura Sergipana, atribui a sua condição de líder sergipano de uma escola poética condoreira. Escola à qual estaria filiado o Elziário da Lapa Pinto e o próprio Tobias Barreto, como se verificará mais tarde, já no Recife, quando encanta as ruas da “cabocla civilizada” com seus versos sociais e engajados, tendo como parceiro o baiano Castro Alves. Ao chegar ao Recife, portanto, Tobias levara uma poesia nova, forte, capaz de estabelecer uma comunicação direta, imediata, com o povo nas ruas, nos teatros, clamando por liberdade, tendo como rotunda a guerra contra o Paraguai. Em Sergipe como na Bahia, em contato com José Maria Gomes de Souza e com Elziário da Lapa Pinto, Tobias Barreto assume a influência que Victor Hugo espalha pelo mundo. Castro Alves seria seu parceiro, seu amigo, e mais tarde seu rival. É de Castro Alves, em carta a Augusto Álvares Guimar~\es, de 24 de fevereiro de 1868, a expressão “tubiático”. Diz Castro ao amigo distante: “Escrevo-te para dizer que não te escrevo. Isto está tubiático.” A aparente gozação remete a uma constante do pensamento de Tobias Barreto, o raciocínio dialético, com o qual cumpriu uma das ma is amplas e ricas contribuições ao País, como líder da Escola do Recife, berço do culturalismo e de outras tantas 317 novidades que serviram ao desenvolvimento da cultura e da ciência no Brasil. Outro traço característico da obra de Tobias Barreto, o germanismo, parece ter raízes no seu convívio baiano com o parente Francisco Moniz Barreto de Aragão, que era diplomado em direito e em filosofia pela Universidade de Heidelberg, e que propagou, através de jornais como O Monitor, Diário da Baia, Gazeta da Bahia, Diário de Notícias e Jornal de Notícias, a cultura alemã, em artigos sobre filosofia, crítica, política, finanças, economia política e literatura, além de publicar Das Verfassungs – Wesen in Brasilien. Francisco Moniz Barreto de Aragão era o pai de Egas Moniz, o Phetion de Vilar, o grande poeta baiano, professor de alemão do Ginásio da Bahia, redator da Revista do Grêmio Literário e considerado o “único escritor brasileiro que hoje (1903) estuda com perseverança e entusiasmo o germanismo e continua a obra de Tobias Barreto”,no dizer de Arno Philipp, redator-chefe da Deutsche Zeitung. O germanismo de Tobias chegou a Minas Gerais com Augusto Franco, ao Ceará, com Virgílio Brígido e José Carlos Júnior, ou ainda no Rio Grande do Sul, através do jornal Koseritz Deutsche Zeitung, dirigindo por Carlos von Kosetitz. Como Castro Alves, Tobias Barreto também abraçou a causa abolicionista, tanto como poeta, quanto como jornalista, redigindo o seu próprio jornal – O Americano – em 1870, dedicado à propaganda da libertação de escravos, ou como advogado e Curador de Órfãos e também de escravos, em Escada, ou alforriando 318 escravos do espólio do seu sogro, ou, por fim, como integrante da Sociedade Nova Emancipadora, encarregada da libertação dos negros no Recife, da qual assina Manifesto, em 1883, não sem antes ser seu orador, na recepção ao compositor Carlos Gomes, em 1882, ocasião em que foram libertados alguns escravos, adquiridos pelos fundos levantados nas récitas dos intelectuais pernambucanos e nordestinos. Os docu mentos que comprovam a participação de Tobias Barreto, na campanha abolicionista estão em Tobias Barreto, A Abolição da Escravatura e a Organização da Sociedade, que publiquei no Recife, em outubro de 1988. Em defesa de Tobias Barreto, de quem fez o elogio à beira do túmulo, em nome próprio e em nome, por sua conta e risco, da Congregação da Faculdade de Direito, sai, em entrevista ao jornal A Tarde, em 3 de maio de 1939, o velho colega da Faculdade, J.J. Seabra, lembrando que o sergipano “era vítima de uma ditad ura – a dos preconceitos raciais, como se fosse possível admitir no Brasil semelhante disparate.” Ao teste munhar, 50 anos depois do desaparecimento do colega, que Tobias foi “combatido mais porque era mulato” Seabra repara a injusta pecha que pesava na biografia do fundador da Escola do Recife. Outros baianos, como Almáchio Diniz, Virgílio de Lemos, mantiveram vivo, na Bahia, o nome de Tobias Barreto. Sua morte no Recife, no dia 26 de junho de 1889, despertou a sensibilidade baiana, como lembra Cid Teixeir a em Bahia em Tempo de Província, ao tratar de espetáculo 319 do Circo Chileno, na Festa de Caridade em benefício da viúva e dos filhos de Tobias Barreto, no dia 9 de julho de 1889, no Polyteama Bahiano. Muitos são, portanto, os laços de Tobias Barreto com a Bahia, revividos agora quando o Brasil celebra o duplo evento do Sesquicentenário do Nascimento e Centenário de Morte do pensador sergipano, responsável, segundo o insuspeito depoimento de Graça Aranha, pela emancipação intelectual do País. 320 TOBIAS BARRETO E O BRASIL QUE ELE QUERIA NOVO 321 A história do pensamento brasileiro remete, com freqüência, Tobias Barreto, o sábio mulato sergipano, nascido em 7 de junho de 1839 e que morreu no Recife, na mais absoluta miséria, em 26 de junho de 1889. É que Tobias teve a sensibilidade de distinguir na fonte do pensamento mundial as águas mais novas, capazes de causar maior impacto no contato com os brasileiros. A Europa pensante alimentava o Novo Mundo através da França, da Espanha e de Portugal. Coube a Tobias Barreto, mais que a outros, e de forma sistemática, trazer ao Brasil a Europa alemã, justamente aquela que Emile Brehier, em sua Histoire de la Philosophie (1) (Tomo II, página 573), interpreta os novos rumos do pensamento, na marca da segunda metade do século XIX. Ao filiar-se ao germanismo Tobias Barreto deslocou o Brasil do foco da influência ibérica e francesa. E trouxe ao convívio acadêmico, dos jornais, o pensamento renovado pelo tempo: o espírito crítico e de análise, que se manifesta em honra de Kant e de Condilac; a filosofia pura; a crítica em substituição a metafísica; a física e a química substituindo a filosofia da natureza; a política prática; econômica e social em lugar do Profetismo e do Messianismo. É a época de Renan e de Marx Müller, de Taine, de Renouvier, de Cournet e dos Neokantianos, do Socialismo marxista, e das favoritas doutrinas que dominaram a época: o Darwinismo, e o Evolucionismo de Spencer. 322 As forças que controlavam a informação, a educação e a cultura em Pernambuco, na se gunda metade do século XIX, que tinham como cruzados os professores Autran da Mata Albuquerque, Braz Florentino, José Soriano de Souza, estavam filiadas ao velho Tomismo, e, graças a presença de padres jesuítas, ao Neotomismo de procedência francesa, que vivia ancorado na Revista Contemporânea de Paris. Todos esses religiosos, no dizer do próprio Tobias, tinham uma “grave missão. É de fabricar no Recife o melhor contraveneno das idéias perigosas.” (2) O livro síntese do pensamento dominante em Pernambuco est á no livro do professor José Soriano de Souza, Lições de Filosofia Elementar, Racional e Moral, editado em Paris, em 1871, que mereceu de Tobias Barreto uma série de artigos sob o título de O Atraso da Filosofia entre nós. Depois de agitar, sob a emoção da guerra contra o Paraguai, o povo nas ruas do Recife, alimentando -o de novas idéias libertárias, com versos como estes: “A Pátria somos nós”, “... Para que tudo estremeça Basta erguer-se uma cabeça Cheia de revolução. Ergueu-se: foi decepada Ergueu-se outra: caiu Mais outra: ainda calcada Ao longe um brado se ouviu Era o espírito das matas Os turbilhões democratas Que a liberdade produz 323 Fazendo os tronos vergarem E os reis se descoroarem Cortejando a nova luz.” (3 ) Tobias Barreto faz sua profissão de fé liberal, ingressa no Partido dos liberais, transfere sua residência para Escada, no interior pernambucano – um município cercado por 120 engenhos de açúcar – e lá, como advogado e como redator de pequenos jornais que distribui com o povo nas feiras, dá in ício ao seu trabalho de demolição do pensamento dominante e das práticas políticas, jurídicas e sociais vigorantes. Dominando, como autodidata, a língua alemã, Tobias Barreto edita o jornal Deutscher Kaempfer, em 1875, e as monografias Brasilien Wie es ist Literarischer hinsicht betrachtet, em 1876, e Ein offner brief an die deutsce presse, em 1878, nas quais faz uma vigorosa análise da realidade brasileira, da economia escravocrata, res ponsabilizando a Monarquia pelo descalabro do Brasil. A crítica contida nas duas monografias – O Brasil como ele é sob o ponto de vista literário e Carta aberta à imprensa alemã – tem o sentido de contradizer a imprensa alemã, que tratava com bom governante e como homem ilustrado e aberto o Imperador Pedro II, então em viagem pela Europa. Também em Escada, em 1877, Tobias Barreto funda o Clube Popular Escadense e nele pronuncia Um discurso em Mangas de Camisa, no qual faz uma síntese da situação do povo escadense, animando -o a se levantar em busca da liberdade, da riqueza e da justiça. Na 324 esteira do seu Clube e da sua pregação, é eleito deputado à Assembléia Provincial, biênio 1878/79, e lá, dentre outras coisas, faz a defesa da educação da mulher, revelando-se atualizado com o pensamento mais novo do direito, da filosofia e da ciência. Por fim, em 1881, quando alforriou escravos deixados pelo seu sogro, teve sua casa cercada e sua vida ameaçada pelos dirigentes e pela justiça escadense, por quem já havia sido processado, enquadrado em delito de imprensa, abandonando a cidade e voltando ao Recife, não sem antes narrar os fatos e apontar os responsáveis. Em 1882 faz concurso para Lente Substituto da Faculdade de Direito do Recife e assombra, com suas idéias, o mundo acadêmico. Os estudantes tomam o seu lado e ocupam as salas e os corredores da Faculdade como se estivessem conhecendo, pela primeira vez, os caminhos da liberdade intelectual, da emancipação mental, com todas as possibilidades de desdobramentos na vida prática. A partir do concurso de Tobias Barreto, momento singular da formulação da Escola do Recife, o Brasil mudou. Os conceitos antigos, como os compêndios em uso nas escolas pernambucanas e nordestinas, foram trocados. A ciência de Darwin, aperfeiçoada por Ernest Haeckel, era a arma de luta contra os postulados da fé dominante. A religião, o direito, a psicologia, a educação, a sociologia, a economia política, a filosofia, o trabalho livre, nada escapava ao exame crítico de Tobias Barreto. Dezenas de autores, principalmente alemães, entravam em circulação no Recife, pelos jornais e nas cátedras, na 325 mesma medida em que novos conceitos e novas áreas de estudo e de preocupação entravam em cena, mudando o Brasil. Ao morrer, em 1889, Tobias Barreto deixou em sua casa mais de 200 obras de autores alemães, das quais 170 já estão catalogadas na Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife, entre elas o Das Kapital, de 1883, em 2 volumes, citados algumas vezes pelo mestre sergipano, a partir de 1884. E deixou uma geração de seguidores: abolicionistas, republicanos, democratas, federalistas, socialistas, que continuaram a revolução intelectual que Tobias Barreto empreendeu em Pernambuco, espalhando -a por todo o Nordeste, pelo Norte e por outras partes do País, como um imenso legado de idéias, muitas delas de maior atualidade. NOTAS (1) Presses Universitaires, Paris, 1932, citado por Antônio Sánchez de Bustamante y Montoro em La Filosofia Clasica Alemana en Cuba – 1841-1898. Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 1984. (2) Tobias Barreto concorreu, em 1867, com José Soriano de Souza à cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano, sendo aprovado em primeiro lugar, embora o nomeado fosse o professor José Soriano, pelo fato de ser casado e Tobias solteiro. (3) A obra poética de Tobias Barreto está reunida no livro Dias e Noites, um dos 10 volumes das Obras Completas editadas pelo Governo de Sergipe, em 1926. 326 TOBIAS BARRETO E O MARANHÃO 327 São muitos os laços de Tobias Barreto, o genial mulato sergipano que renovou o pensamento nacional com sua Escola do Recife, síntese de u ma vasta obra de cultura e de crítica, nos campos da literatura, da religião, da filosofia, do direito, da arte, com o Maranhão. Certamente aquela Província constava da poética engajada, quando diante de jovens que formavam os batalhões de guerra, Tobias exortava o amor à Pátria, na peleja contra o Paraguai. Foi em 1868, no entanto, a sua primeira relação com o Maranhão, através das anotações que fez, quando ainda estudante, às Teses dissertadas, naquele ano, pelo bacharel Luiz de Souza da Silveira, tendo como tema o artigo 5º da Constituição do Império, combinando o fato de uma religião de Estado com o princípio de liberdade de consciência. Mais do que as anotações, que não são poucas, Jackson da Silva Lima sugere, no seu Esparsos e Inéditos de Tobias Barreto, que também o texto da dissertação tem claramente, o dedo de Tobias. O ano de 1882 divide a história mental do Brasil. Tobias Barreto, afamado como poeta, tendo já publicado Dias e Noites, Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica, um jornal em alemão, expandindo o germanismo que abraçou e com o qual percorreu uma evolução constante do pensamento universal, também se fazia mestre do direito. Não apenas por ganhar o Concurso de Lente Substituto da Faculdade do Recife, mas por levar para aquela velha Casa as novas idéias do direito, no bojo das novas idéias sobre a cultura e sobre as sociedades. 328 Ali, naquele cenário vestuto, entre lestes e catedráticos, Tobias eletrizou o auditório de jovens nordestinos. Um deles, meninote ainda, atira-se nos braços do mestre: Graça Aranha, natural do Maranhão, a quem o Brasil iria dever, mais tarde, a renovação de sua estética literária. De Tobias, Graça Aranha diria, em 1931, no seu O Meu Próprio Romance, que “emancipara intelectualmente o Brasil.” Um ano mais tarde, em 1883, o discurso de paraninfia, numa Colação de Grau, pronunciado por Tobias Barreto mereceu ser transcrito no jornal maranhense O País, sob a direção do pai de Graça Aranha. A concepção monística do direito fascinara a muitos, mas provocara uma forte e desmedida reação por parte do jornal Civilização, de São Luiz, do qual eram redatores o padre Raimundo Fonseca, o Monsenhor Guedelha Mourão, e o poeta Euclides Farias. O jornal maranhense, encarnando o sentimento religioso mais tradicional, irrompe contra Tobias, em série de artigos que provocam a célebre polêmica, por todo o segundo semestre de 1883, da qual tratou o também maranhense Josué Montelo (A Polêmica de Tobias Barreto e os Padres do Maranhão). O Diário de Pernambuco, do Recife, republicou os artigos da polêmica, transcrevendo A Civilização, bem assim as críticas assinadas por Lourenço Gomes Furtado, em versos, sob o título de Carta a Pai Tobias. Soube-se, mais tarde, que aquele nome fictício encobria a ação do poeta Euclides de Farias. Tobias usou d o mesmo Diário para sustentar a disputa, respondendo aos 329 ataques, muitos dos quais grosseiros e preconceituosos. Ao mesmo tempo, Tobias Barreto fazia publicar diversos artigos, de fundo germânico, que enalteciam a contribuição do e Lutero e da fé reformada para o desenvolvimento da ciência e da cultura. Era sua forma, muito pessoal, de polemizar, em duas frentes. No final do século, já Tobias morto, Graça Aranha presta-lhe uma grande homenagem, fundando na Academia Brasileira de Letras a Cadeira de Tobias Barreto. Aquele bravo maranhense guardava a memória do pensador sergipano, dando-lhe a imortalidade do sodalício nacional, ao lado das mais eminentes figuras do País. De lá para cá a Cadeira de Tobias tem sido ocupada por diversos brasileiros ilustres: Sant os Dumont, Celso Vieira, Maurício de Medeiros, José Américo de Almeida e José Sarney. Coube justamente a este último, maranhense como Graça Aranha, ouvir do Governador Antônio Carlos Valadares e dos senadores Albano Franco, Francisco Rollemberg e Marco Mac iel, o clamor de justiça, em nome das novas gerações de brasileiros, em favor da edição das Obras Completas de Tobias Barreto, comemorativas do Sesquicentenário de Nascimento e Centenário de Morte, eventos de 1989. O Presidente da República ouviu e atendeu, determinando ao Ministério da Cultura, através do Instituto Nacional do Livro, a edição das obras de Tobias, cuja organização, para o INL, fora feita, na década de 60, pelos críticos Antônio Paim e Paulo Mercadante. Hoje, quando o sr. José Sarney vem a Sergipe apresentar as suas despedidas, trás consigo os 330 primeiros exemplares dos volumes editados pelo convênio INL/Editora Record. E os entrega, com a emoção de um maranhense, com a alegria de ser ele o ocupante da Cadeira de Tobias na ABL, e com a responsabilidade de ser Presidente da República, dando ao momento um caráter simbólico forte, que reata as antigas relações de Tobias Barreto com o Maranhão. 331 TOBIAS BARRETO NAS ALAGOAS 332 Em dois momentos especiais de sua vida – quando viajava de sua terra natal, a Província de Sergipe, para estudar no Recife, e quando viajava em busca de cura para a sua doença, no ano de sua morte – Tobias Barreto fez parada e demorou-se em Maceió, na então Província das Alagoas. A primeira vez, em novembro de 1862, era um jovem professor de Latim, licenciado, que ia para o Recife matricular -se na Faculdade de Direito. Na escala do Porto de Maceió Tobias Barreto aproveita para freqüentar as rodas intelectuais, colaborar na imprensa e publicar poesias. O Diário do Comércio, de 28 de novembro, publica o longo poema Veni de Libano, Sponsa Mea, de 15 estrofes, que não figura em Dias e Noites, livro que reúne sua produção poética. No dia 29 de novembro, do mesmo ano de 1862, assiste à exibição da Sociedade Dramática Particular Maceioense, e ao fim do drama de Burgian – Luiz de Camões – Tobias Barreto gritou: “Camões à cena”, pedindo a presença no palco do ator que representou o grande gênio poético português, diante de quem recitou versos dedicados ao autor de Os Lusíadas. O fato está registrado, na edição de 2 de dezembro, pelo Diário das Alagoas. Mesmo residindo no Recife e em Escada, em Pernambuco, Tobias Barreto tem muitos dos seus trabalhos, em verso e em prosa, publicados por jornais alagoanos, de Maceió e de outros po ntos da Província. Sua fama de poeta social, condoreiro, de jornalista político, de profissão de fé liberal, de crítico da religião 333 e de germanista, chega às Alagoas e repercute nos meios intelectuais e entre os jovens alagoanos, que mais tarde, na Faculdade de Direito do Recife, travam contato pessoal com o pensador sergipano, como foi o caso de Ana Sampaio, que em 1889 era uma das poucas mulheres cursando Direito na Faculdade do Recife, à Casa de Tobias, de onde ele lançou as bases definitivas para o movimento de renovação intelectual que ficou conhecido como Escola do Recife. No dia 18 de março de 1889, bem doente, Tobias Barreto, acompanhado de um de seus filhos, embarca no Porto do Recife, no paquete Alagoas, com destino ao Rio de Janeiro, em busca de melhorar sua saúde. Já não lia e nem escrevia, mas dirigiu, aos seus amigos que compareceram ao embarque, estas palavras de despedidas: “É preciso não deixar em silêncio até que me seja permitido agradecer pessoalmente, a generosidade da Província das Alagoas, da cidade do Recife, do povo de Escada, da colônia alemã, o desvelo dos médicos, a dedicação dos amigos, sobretudo aqueles amigos que passaram as noites em claro, curando -me não tanto pelas frias prescrições da ciência como pela poderosa força do desejo de verem-me são.” Em viagem, Tobias piora e desce na escala de Maceió, no dia 19 de março. Forma -se uma junta médica, formada pelos doutores Costa Leite, Antônio Francisco Gouveia e Jambeiro. O jornal Orbe, de 22 de março e de 24 de março, noticia a pre sença do ilustre doente, registrando o zelo dos médicos e os carinhos de amigos e admiradores que fazem visita ao mestre da 334 Escola do Recife, como a acadêmica Ana Sampaio e sua irmã D. Maria Lúcia Duarte. Frustrada a viagem para o Rio de Janeiro, a mais lo nga que empreenderia, Tobias Barreto retorna ao Recife, no dia 26 de março, acompanhado do advogado José Ferrão, redator da Revista do Norte, da qual o sergipano era um dos colaboradores. O vapor costeiro Sergipe zarpou de Maceió levando de volta ao Recife o doente que teria apenas mais três meses de vida. Em 26 de junho de 1889, às 10:30 horas, morreu Tobias Barreto, deixando viúva e 9 filhos. As subscrições, que já existiam em muitas Províncias em auxílio quando de sua prolongada doença, eram novamente um mote que levava jovens e intelectuais às ruas, levantando recursos para as despesas com o funeral e com a sobrevivência da família. No dia 3 de julho de 1889, no jornal O Movimento, da Matriz de Camaragibe, Fernandes Lima desabafa emocionado: “Quem poderá crer que o astro mais fulgurante, centro do sistema planetário do desenvolvimento científico e literário do nosso País, fosse buscar o seu ocaso na penumbra de uma cova estreita. É sem dúvida uma aberração pensar -se que um Himalaia de saber de desfizesse num momento para circunscrever-se a sete palmos de terra. A imortalidade de Tobias vai começar agora, porque os grandes homens, di-lo Madame de Stael, são contemporâneos dos séculos futuros, por seus pensamentos.” Finalizando o seu artigo, que foi escrito no dia 29 de junho, Fernandes Lima conclama: “Vingar -lhe a memória, 335 continuando a sua obra de reação poderosa dentro do círculo de ferro das pequenas e doentias aspirações dos nossos compatriotas, é o nosso dever. Moços, seja o nome do Mestre Imortal a nossa bandeira de guerra.” Alagoas continuo destacando a memória do poeta, pensador do direito, da filosofia, da cultura e da organização da sociedade, e numa pequena rua do bairro Bebedouro, em Maceió, ainda está afixado o nome de Tobias Barreto, invocado ho je em honra do Sesquicentenário de seu Nascimento – 7 de junho – e do Centenário de sua Morte – 26 de junho – como glória intelectual do Brasil. 336 TOBIAS BARRETO E A EDUCAÇÃO DA MULHER 337 Parte da vida cinqüentenária de Tobias Barreto foi dedicada à educação. Ainda em Sergipe, em Lagarto e Itabaiana, foi professor de Latim, com uma titulação passada para toda a Província. No Recife dedicou -se ao magistério particular e tentou, por três vezes, o ingresso no ensino secundário: duas vezes concorreu à cadeira de Latim, do Curso Preparatório da Faculdade de Direito, perdendo para o seu conterrâneo e parente, o padre Félix Vasconcelos Barreto, e uma vez à cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano, passando em primeiro lugar, mas sendo preterido pelo Governo, que deu preferência ao professor José Soriano de Souza, que obteve o segundo lugar, pelo fato de ser casado e Tobias solteiro. Nos seus jornais, dedicou atenção especial ao problema da educação da mulher e, em geral, à condição feminina, como um pioneiro ainda hoje atual com sua visão inovadora e algumas vezes revolucionária. Seu trbalho sobre A Alma da Mulher, de comentário a Die Psyche des Weibes, de Adolpho Jellinek, judeu alemão, pregador da sinagoga de Berlim, editado em 1873, é um libelo em favor da educação feminina, tema familiar ao autor do projeto nº 129, na Assembléia Provincial de Pernambuco, criando o Partenogógio do Recife. Quando deputado, representando o Partido Liberal e o eleitorado de Escada, no biênio 1878/79, Tobias Barreto se envolveu na discussão parlamentar, principalmente com o médico Malaquias Antônio Gonçalves, em defesa de um auxílio, a ser dado pelo Governo da Província, no valor de cem mil réis, para 338 que Josefa Felisbela de Oliveira pudesse estudar medicina nos Estados Unidos ou na Suíça. Além de defender a concessão do auxílio, Tobias Barreto apresentou uma emenda em favor de outra moça, Maria Amélia Florentina, para o mesmo estudo no exterior. No calor da discussão, Tobias Barreto refutou, um a um, os argumentos utilizados pelo dr. Malaquias para vetar o auxílio, todos eles inferiorizando a mulher. Para realçar sua defesa, Tobias Barreto chama a atenção do Plenário e especialmente do dr. Malaquias, dizendo: “Nós sabemos da grande importância, do grande desenvolvimento, que tem tido a doutrina da Seleção Natural de Darwin, sobretudo reformada e engrandecida em mais de um ponto por Ernest Haeckel. Pois bem: entre as leis da conformação ou adaptação indireta, de que fala Haeckel, está em primeiro lugar aquela que ele chama da adaptação individual, segundo a qual os indivíduos de uma mesma espécie nunca são totalmente iguais.” E arremata: “E sendo assim, como, querer-se, comparando a mulher com o homem, deduzir de pequenas diferenças no órgão do pensamento uma enorme distância entre um e outro na capacidade intelectual? É inadmissível.” Tobias Barreto ganhara a questão e sua emenda, aprovada, garantia a Maria Amélia Florentina o direito ao auxílio da sua Província para estudar medicina no exterior. Enquanto discutia, em várias sessões legislativas, o Projeto 61/79 dos auxílios, Tobias Barreto apresentou, debaixo de longa justificativa, o seu Projeto de Lei, nº 129, criando o Partenogógio do Recife, estabelecimento 339 público, de cultura literária e profissional para as moças, dividido em duas Escolas: Escola Média, ao modelo alemão das Mittelschule, e a Escola Superior, a Honore Schule. O Projeto foi lido na sessão de 28 de março de 1879 e aprovado em primeira discussão no dia 2 de maio do mesmo ano. O que movia Tobias, segundo ele próprio, era os ensinamentos de Frederico Diesterweg, que com Pestalozzi e Froebel, integrava uma tríade de pedagogos modernos, ao dizer que “A liberdade do povo, e a felicidade do povo, pela cultura do povo, não pode ser conseguida por meio de instrução parcial, ministrada a um só sexo.” A novidade não estava na criação de uma escola feminina, pois já existia no Recife a Escola Normal, atendendo, naquele ano de 1879, a 42 alunas. Mas, sim, na criação de uma Escola Superior, ao lado de uma Escola Média, po is equivaleria a libertar a mulher daquela condição de portadora de uma certa cultura da vaidade, formada por um pouco de música, um pouco de desenho e pelo gaguejar de uma ou duas línguas estrangeiras, como fixa, em sua justificativa, o próprio Tobias, abonado por Eduardo von Hartmann. Quando o Projeto voltou ao Plenário da Assembléia para a segunda discussão, em 5 de março de 1880, já Tobias Barreto não era deputado. A defesa coube ao Barão de Nazaré, também signatário do Projeto, que enfrentou a reação forte do deputado Ermírio Coutinho, para quem o projeto não acautelava suficientemente a moralidade do sexo feminino. O deputado baseava -se no fato de que o Projeto autorizava, num dos seus artigos, 340 que o Governo da Província, enquanto não dispusesse de condições para construir o Partenogógio, matriculasse as suas alunos no prédio do Ginásio Pernambucano. A proximidade das moças do Partenogógio do Recife com os poucos alunos, crianças e rapazes, do Ginásio Pernambucano representava, na visão do deputado Ermírio Coutinho, uma promiscuidade. Utilizando -se de teoria sobre a influência do clima no desenvolvimento físico e nas paixões, o crítico demove o Plenário e faz aprovar requerimento do deputado Ayres Gama, remetendo o Projeto de Partenogógio do Recife para a Comissão de Instrução Pública, de onde nunca mais voltou. Em 1881, quando escrevia sobre o rabino Jellinek, Tobias Barreto evoca o seu Projeto, mas não comenta as razões da rejeição à sua idéia de uma Escola Superior para o sexo feminino. A hegemonia do homem sobre a mulher, os preconceitos, e as formas dominantes de cultura abordaram a criação do Partenogógio do Recife, muito embora não tenham arrefecido a disposição do pensador sergipano em continuar defendendo a mulher, sua cultura elevada, sua condiç ão social. No jornal-revista O Industrial, em 1883, Tobias Barreto volta a dedicar-se à causa da educação da mulher e a sua preparação para o trabalho, emancipando-a economicamente. No conjunto de sua obra, Tobias Barreto põe a mulher em lugar destacado, tanto pela ótica da poética, como da filosofia, da ciência, e do direito. 341 TOBIAS BARRETO E O COMPROMISSO DEMOCRÁTICO 342 A biografia de Tobias Barreto de Menezes (1839/1889) (1 ) é uma lição coerente de compromisso democrático. Desde que chegou ao Recife, na segunda metade do século XIX, para estudar direito, que assumiu, nas ruas da capital pernambucana, a paternidade panfletária, restaurando a coragem de lutar das gentes frustradas com as seguintes derrotas de 1817, 1824, 1842 e 1848. A guerra do Paraguai serviu de mote para que Tobias Barreto revelasse o poeta social, condoreiro, inflamando a massa com versos como estes: “Patrícios, o drama é sério... Junto ao trono armas erguei, Nós mesmos somos o Império, Nós mesmos somos o Rei.” (2 ) Em 1870, combatendo em outra frente, a dos jornais – O Liberal e O Americano – Tobias faz sua profissão de fé política, engajando -se no Partido Liberal. Os artigos Os Homens e os Princípios e Política Brasileira, publicados nos dois jornais recifenses servem de ideário para uma geração inteira de jovens bacharéis que reforçam os quadros políticos da Província. O jornal O Americano, de sua propriedade e redação, juntamente com Minervino Leão, é uma tribuna aberta à propaganda abolicionista e republicana. Tobias Barreto assume, como o fizera nas ruas como poeta, a sua condição de abolicionista da primeira hora. 343 Em 1871, fixa residência em Escada, termo da Comarca de Vitória de Santo Antão, mais tarde Comarca. Ali, com sua própria tipografia, edita alguns jornais para distribuir com o povo, nas feiras, nas ruas. (3 ) Funda, em 1877, o Clube Popular Escadense e nele profere a magistral Um Discurso em Mangas de Camisa, convocando o povo escadense para reagir àquilo que ele classificava de exploração da açucarocracia. A antológica pela literária é, ainda hoje, um roteiro de crítica social, um correto diagnóstico da realidade nordestina, e um caminho válido de ração aos donos do Poder. O eleitorado de Escada o elege deputado |à Assembléia Provincial. Lá, entre muitos momentos de eloqüência, faz a defesa da liberdade da mulher e da educação feminina, não apenas defendendo o direito de uma moça pernambucana ir aos Estados Unidos ou à Suíça estudar medicina, mas também tentando criar uma escola superior, o Partenogógio do Recife, dedicada às mulheres. Depois de cumprir um biênio, que era o tempo que durava um mandato de deputado à época, (4 ) Tobias Barreto conseguiu ser eleito vereador em Escada, trocando o mandato, no entanto, pela nomeação para o cargo de Juiz Municipal Substit uto. Sua atuação forense, como advogado, como Curador de Órfãos e como Juiz, é marcada pela mesma disposição de luta que caracterizou o poeta e o jornalista. Em conflito com a Justiça, com a Igreja e com o Poder em Escada, Tobias Barreto enfrentava forte 344 reação da parte do Barão de Frexeiras – Antônio dos Santos Pontual – chefe político local. Ao alforriar escravos do inventário do seu sogro, o coronel João Félix dos Santos, Tobias atraiu para si a fúria dos senhores de escravos, que cercaram a sua casa e ameaçaram a sua integridade física e de sua família. Sem ter como resistir, mais do que fizera, de arma em punho ao libertar os escravos, Tobias Barreto retorna ao Recife, em agosto de 1881. Em 1882 faz concurso para Lente Substituto da Faculdade de Direito do Recife e consegue, com suas teses defendidas nas provas escrita e oral, os aplausos arrebatados nos jovens estudantes. Funda -se, definitivamente, um movimento de renovação do pen samento do Brasil. (5) A condição humana, a organização social, o direito, a filosofia, tudo passa por transformações profundas, através da síntese cultural realizada por Tobias Barreto, em nome das novas idéias sobre a sociedade, sobre o direito, sobre a filosofia. Trava-se naquele cenário nordestino do Brasil, a mais árdua e profícua luta entre a fé e a ciência, emancipando, como diria mais tarde o escritor Graça Aranha, um dos jovens embevecidos por Tobias Barreto, intelectualmente o País. (6 ) Os jovens seguidores do genial mulato sergipano passaram a integrar, no Recife ou nas suas Províncias, quando regressavam de férias, as gerações de abo licionistas, republicanos, federalistas, democratas, so cialistas, provocando uma ebulição social de grande repercussão na parte norte do Brasil. Os compêndios 345 com os velhos autores tomistas, escolásticos ou neotomistas, foram substituídos pela leitura de Comte, Rousseau, Darwin, Haeckel, Kant, Hartmann, Marx, Bakunin, e muitos outros que balizaram a reação cultural da Escola do Recife. A morte de Tobias Barreto, em 26 de junho de 1889, não significou o fim do movimento intelectual que patrocinou. Sob sua inspiração o País, já republicano, redigiu seu próprio Código Civil, através de Clóvis Bevilácqua e de outros seguidores da Escola do Recife. Os jornais e revistas, as Faculdades livres de Direito, as entidades culturais, proliferaram como legado propulsor de Tobias Barreto, destinados a conquistar a liberdade e a democracia, a justiça e a prosperidade. (7 ) Não é sem razão, portanto, que Tobias Barreto ainda representa um ideário de novid ades, justo agora quando o Brasil procura encontrar saídas para o futuro. Voltar a Tobias é, no mínimo, retemperar a crença na luta, tendo como arma do combate o compromisso democrático, ou a construção, pela sociedade orga nizada, da Pátria brasileira. NOTAS (1) Tobias Barreto nasceu na então Vila de Campos, no sertão de Rio Real, em Sergipe, no dia 7 de junho de 1839. (2) A obra poética de Tobias Barreto está reunida no livro Dias e Noites. 346 (3) Em Escada, Tobias Barreto editou e redigiu os seguintes jornais: Um Signal dos Tempos, A Comarca de Escada, Devaneio Literário, O Desabuso, O Povo de Escada, O Escadense, Aqui pra Nós,A Igualdade, Contra a Hipocrisia, O Martelo e a Revista Estudos Alemães. (4) Tobias Barreto foi deputado à Assembléia Provincial de Pernambuco no biênio 1878/1879. (5) O movimento liderado por Tobias Barreto passou a ser conhecido como Escola do Recife. (6) Graça Aranha – O Meu Próprio Romance, 1931. (7) Sobre a repercussão das idéias da Escola do Recife em outras partes do País ver Tobias Barreto e seus seguidores, série de artigos de Luiz Antônio Barreto, publicados na Gazeta de Sergipe, de 4 a 22 de março de 1989. 347 A EDIÇÃO DOS LIVROS DE TOBIAS BARRETO 348 Em vida, de 1875 a 1889, Tobias Barreto publicou 13 obras, desde livros fundamentais, como os “Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica”, “Menores e Loucos”, “Dias e Noites”, “Questões Vigentes de Filosofia e de Direito”, até suas Teses, Dissertações, Monografias em alemão, Comentários mais tarde incorporados a outros volumes. Em maior volume do que fizera publicar, Tobias deixou esparsos e dispersos pelos jornais e revistas, dezenas de ensaios, críticas, poesias, reflexões, e muitos inéditos, manuscritos, parte dos quais fora inteiramente perdida. Sílvio Romero, amigo fraterno e discípulo, tentou ordenar as Obras de Tobias Barreto, publicando alguns volumes, su bordinados a um Plano extenso, que tem servido, até hoje, de base para a visão crítica da obra do pensador sergipano. Os volumes publicados por Sílvio Romero foram: Estudos de Direito, em 1892, Dias e Noites, 1893, Vários Escritos, 1900, Polêmicas, 1901. Enfrentando muitas dificuldades, Sílvio desistiu de levar adiante seu Plano, morrendo em 1914, antes de Graccho Cardoso, simpatizante da Escola do Recife, desde os tempos de aluno da Escola Militar do Ceará, de orientação positivista, eleito Presidente de Sergipe, encarregar Manoel dos Passos de Oliveira Teles de organizar a Obra tobiática. Um trabalho penitente, minucioso, seguindo o Plano de Sílvio Romero, foi executado no Recife pelo antigo aluno, resultando na preparação de 349 10 volumes, editados pelo Governo de Sergipe, com a casa Editora Pongetti, em 1926. As obras completas organizadas por Manoel dos Passos de Oliveira Teles tem os seguintes volumes: Estudos de Direito, I e II, Filosofia e Crítica, Estudos Alemães, Vários Escritos, Polêmicas, Discursos, Menores e Loucos, Questões Vigentes e Dias e Noites. Foi a primeira tentativa de sistematização da obra do fundador da Escola do Recife, que contou com a colaboração de João Barreto de Menezes, filho de Tobias, Arquivista da Faculdade de Direito e grande intelectual em Pernambuco. As falhas e omissões, compreensíveis e perdoáveis, não invalidam o esforço de Oliveira Teles em reunir parte do farto trabalho intelectual de Tobias Barreto. A edição de 1926 foi a mais durável, a mais conhecida e citada, sendo responsável, por isso mesmo, pela permanência de Tobias Barreto. Desde aquela época e até a década de 60, quase nada houve de edição nova, salvo os honrosos encômios de Antônio Simões dos Reis, o velho bibliógrafo sergipano, doublé de editor no Rio de Janeiro. Ou ainda a investida da Editora Progresso, da Bahia. Coube ao Instituto Na cional do Livro, desde os anos 60, retomar o assunto da obra de Tobias Barreto. Possivelmente Hermes Lima, que obteve projeção política e espaço no Poder, influiu para que o INL editasse alguns volumes, soltos, em formato de bolso, enquanto encarregava a Paulo Merca dante e Antônio Paim a elaboração de um novo Plano editorial para as obras do mestre sergipano. 350 Em 1968 os dois eminentes pesquisadores e críticos do pensamento brasileiro fizeram entrega de um Plano. Aliás, mais do que um Plano, eles conceberam e planejaram minuciosamente, volume por volume, a nova versão das Obras Completas de Tobias Barreto, em 12 volumes, a saber: Introdução Geral, por Hermes Lima, Estudos de Filosofia, I e II, Estudos de Direito, I e II, Estudos Alemães, Monografias em Alemão, Crítica de Religião, Crítica de Literatura, Crítica Político -Social, Depoimentos, Dias e Noites, Destes, apenas foram editados a Introdução Geral e os Estudos de Filosofia. Dez anos depois, graças a sensibilidade do Governador José Rollemberg Leite, houve uma tentativa de edição, pelo Governo de Sergipe, das Obras Completas, segundo o Plano de Paim e Mercadante, cujos originais estavam em poder do Instituto Nacional do Livro. A edição de 1978, de 9 volumes, ficou abaixo da expectativa, porque não teve qualidade gráfica, não circulou, e não foi completa. Saíram os seguintes vo lumes: Depoimentos, Estudos Alemães, Monografias (apenas uma apesar do título plural) em Alemão, Dias e Noites, Estudos de Direito, I e II, (edição separada), Crítica de Literatura e Crítica de Religião, 7 editados em Brasília e 2 em Aracaju. Ficava faltando do volume de Crítica Político-Social, os Estudos de Filosofia e a Introdução, de Hermes Lima. Novamente o INL, ao ensejo do Sesquicentenário de Nascimento e Centenário de Morte de Tobias Barreto, tomou a frente na organização de uma nova edição, esta comemorativa, 351 das Obras Completas, partindo do Plano de Paulo mercadante e Antônio Paim. A Edição Comemorativa, que tem Direção -Geral de Luiz Antônio Barreto, tem os seguintes volumes: Estudos de Filosofia, Estudos de Direito, I, II e III, (Tobias no Foro), Crítica Política e Social, Crítica de Religião, Crítica de Literatura e Arte, Estudos Alemães, Monografias em Alemão e Dias e Noites. 10 volumes, cada um deles com apresentação do Ministro da Cultura, José Aparecido de Oliveira, do Presidente da República , José Sarney que ocupa a Cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras, cujo Patrono é Tobias Barreto, uma Biobibliografia por Luiz Antônio Barreto, uma Introdução e uma Fortuna Crítica, reunindo avaliações criticas de várias épocas, sobre os diversos aspectos da obra tobiática. A Edição Comemorativa das Obras Completas de Tobias Barreto inova em termos de acréscimos de textos até então inéditos e esparsos, muitos dos quais foram recentemente publicados por Jackson da Silva Lima, que é colaborador da Educação. Eis, volume por volume o que há de novo: Em Estudos de Filosofia, o reordenamento cronológico dos textos e a atualização das Notas, sobre a origem dos textos. Em Estudos de Direito, I e II, o acréscimo de textos que estavam em outros volumes, e o comple mento de ensaios publicados de forma incompleta. O volume III de Direito é inteiramente inédito, e reúne os Escritos Forenses e os artigos em defesa do direito, publicados nos jornais recifenses. Dos Estudos Alemães foram retirados os 352 artigos de crítica musical, acrescidos outros, nitidamente germânicos, além da correspondência com intelectuais da Alemanha. O volume de Crítica PolíticoSocial passou a ser de Crítica Política e Social, abrindose para inéditos de Tobias sobre a vida brasileira, sobre os movimentos sociais do seu tempo, como a libertação dos escravos, e a organização da sociedade, a partir da sua experiência e participação em Escada. No volume de Crítica de Religião são restauradas as duas grandes polêmicas, sobre religião, de Tobias. Uma, co m o dr. Pedro Autran da Mata Albuquerque, do jornal O Católico, a outra, com os padres e agregados do jornal maranhense Civilização. A primeira, em 1870, a segunda, em 1883, transcrita pelo diário de Pernambuco, do Recife. O volume de Crítica de Literatura e Arte, ampliado com a parte de crítica, musical. As monografias em Alemão, desta vez as duas – O Brasil, como ele é, considerado do ponto de vista literário, e Carta Aberta à Imprensa Alemã – traduzidas por Vamireh Chacon. E finalmente Dias e Noites, em edição crítica, cotejada verso a verso pela maestria de Jackson da Silva Lima, além de consideravelmente aumentada. A Edição Comemorativa, sob a Direção Geral de Luiz Antônio Barreto, pretende ser a mais completa das Obras Completas de Tobias Barreto. Os primeiros volumes, editados pelo INL, pela Editora Record, do Rio de Janeiro, já estão prontos para lançamento, cumprindo-se, a mercê do atendimento que deu o Presidente da República ao pleito do Governador An tônio Carlos Valadares e dos senadores Albano Franco e 353 Francisco Rollemberg, a mais importante e definit iva homenagem ao gênio mestiço que Sergipe deu ao Brasil nos meados do século passado e que ainda é hoje, como bem o disse Mário Cabral, “um farol de brasilidade.” 354 AS OBRAS COMPLETAS DE TOBIAS BARRETO 355 A publicação de Obras Completas de Tobias Barreto (10 volumes, Editora Record/INL/Governo de Sergipe) dá ao mundo intelectual brasileiro uma oportunidade de travar contato com a visão plural, interdisciplinar e inovadora do poeta, jor nalista, crítico e pensador sergipano, que alvoroçou a segunda metade do século passado com sua presença inquieta no Recife, capital intelectual do Nordeste e do Norte do Brasil. Mesmo tendo sido um autor festejado, que publicou parte de sua obra em vida, e que teve edições póstumas organizadas por eminentes figuras como Sílvio Romero, Hermes Lima, Paulo Mercadante e Antônio Paim, e ainda como o sergipano Manoel dos Passos de Oliveira Teles, Tobias Barreto não penetrou na Universidade brasileira. A Universidade brasileira, a rigor, é posterior a Tobias. E as Universidades Católicas foram criadas com o sentido de combate às idéias novas, as quais os nomes de Tobias Barreto esteve sempre associado. Sergipe tem essa particularidade interessante, a de dar ao Bra sil a tese e a antítese, na figura de Tobias, o monista, forma de materialismo haeckeliano, aperfeiçoado por Ludwig Noiré, e de Jackson de Figueiredo, cujo projeto prin cipal de sua atuação cultural foi o de recristianizar a literatura brasileira, ou, mais adequadamente, recatolicizar os escritores do Brasil, que estavam afastados do seio da Igreja, atraídos pelas novidades que a ciência e a filosofia traziam continuamente, pondo o conhe cimento em permanente ebulição. 356 Tobias, foi, a princípio, professor d e Latim em algumas vilas de Sergipe. No Recife montou cursos particulares de diversas matérias e fez nome de pro fessor. Em 1882 ingressou no magistério superior, ao ser aprovado no concurso para a Faculdade de Direito do Recife, de onde elevou ao mais alt o grau de sua competência a revolução mental empreendida com suas observações críticas sobre a literatura, a religião, o direito, a filosofia e a ciência política. Para tanto, To bias contou com dois aliados: o germanismo, ferramenta de trabalho crítico, e a mocidade da Faculdade de Direito do Recife, que representava a ânsia pela novidade que o mestre, pela palavra, colocava ao alcance de todos. Longe de ser uma forma pedante de expressão, o germanismo de Tobias Barreto tinha uma nítida intenção de superar o tempo que empoeirava as estantes da Faculdade e das bibliotecas. O germanismo não apenas permitiu a Tobias trazer para o Brasil o século XIX, ou a contemporaneidade da cultura, como deu os novos parâmetros para a compreensão de todo o espectro cultural. Subsidiariamente, escrever em alemão significava pular a fogueira das nulidades, para travar um contato direto com quem produzia a reflexão mais nova, no mundo. Assim, norteando a sua própria reflexão, Tobias elegeu seus guias intelectuais, estudando e divulgando obras e tomando por empréstimos métodos e atitudes, para ser, de viva voz, na cátedra do Recife, portador das novidades que, no dizer de Graça Aranha, emanciparam intelectualmente o Brasil. 357 Georges Brandes, crítico dinamarquês, inspirou Tobias no estudo da Literatura Comparada, como Rudolf von Jhering foi mentor no campo do Direito, Ernest Haeckel, Ludwig Noiré e Emanuel Kant foram, no campo da Filosofia, as mais permanentes inspirações de Tobias, Hermam Post, na Antropologia Jurídica, e Ewald, no âmbito da Crítica Religiosa. Tobias teve outros mestres, porque percorreu, como poucos no seu tempo, um percurso enorme de contato com o que de mais expressivo e novo existia no mundo, naquela quadra especial da vida econômica e social dos povos, quando Karl Marx, uma de suas leituras de economia política, revolucionou a concepção do Estado, criando outra vertente do materialismo, engrossando a fileira das referências que mudaram o mundo. Como poeta, Tobias ocupa lugar especial na história literária, co m seus poemas de guerra, ao tom condoreiro, sob inspiração clara de Victor Hugo, onde bebeu igualmente Castro Alves. Como jornalista, Tobias foi um historiador das idéias. Como crítico, função permanente, atendeu ao método e ao interesse da história, da ciência e da evolução da sociedade, construindo uma obra que é repositório de muitos saberes, e referência especial na bibliografia da organização da sociedade e da cultura. Para Tobias a cultura era um compromisso, não no sentido beletrista, mas naquele sentido transformador, que modifica a natureza, para o bom e para o belo, o que não deixou de ser maus uma das antecipações, que deram ao pensador sergipano lugar destacado. 358 Em vida, ele teve como ser, perante os moços da Faculdade de Direito do Recife, um fa rol, cobrindo de luz os caminhos que sua palavra nova desbravava. Morto, ele teve os seus seguidores, nos mesmos moços da velha escola. As gerações da Escola do Recife se sucederam e realizaram, tanto em Pernambuco, como na Paraíba, como no Ceará, no Maranhão, no Rio Grande do Norte, em Alagoas, na Bahia, em Sergipe, no Piauí, transformações que dão ao mestre a glória da imor talidade. Cada Estado tem, no registro da história, guardado os nomes que honraram o mestre. Não é preciso citá-los, por enquanto. Com a edição especial das Obras Completas Tobias renasce para o ingresso, ainda que tardio, no ambiente universitário brasileiro, onde no mínimo causará espanto, pela atualidade de seus escritos, pela potência de sua palavra profética, pela condição de intelectual, em rebite a um ambiente impróprio à semeadura das idéias, porque dominado pela boçalidade dos senhores de terra, de escravos e de poderes, como foram os senhores dos 120 engenhos de açúcar de Escada, que formavam, na sábia denominação cunhada por Tobias, a açucarocracia. Estudos de Direito, I, II e III, Estudos Alemães, Crítica Política e Social, Crítica de Religião Crítica de Literatura e Arte, Monografias em Alemã, Estudos de Filosofia e Dias e Noites (poesia) formam os 10 volumes das Obras Completas, todos eles anotados, acrescidos de inéditos e esparsos, com introduções e estudos críticos que ampliam a avaliação de toda a produção tobiática. 359 TOBIAS BARRETO E A IMPRENSA ALEMÃ 360 Tobias Barreto teve a acuidade intelectual de perceber que a Alemanha produzia uma cultura nova e inovadora, diversa do repertório difundido ao Novo Mundo, da Inglaterra. Desde1870 que Tobias deu-se de amores ao pensamento alemão, reformando, ele próprio, o conhecimento eclético e positivista próprio da formação e do seu tempo. Na crítica de religião já se vale do livro de Heinrich Ewald – História do Povo de Israel – edição em 8 volumes, de 1864, refutando a posição dogmática do jornal O Católico, redigido pelo conselheiro Pedro Autran da Mata Albuquerque. Durante o período de Escada, de 1871 a 1881, o germanismo foi permanente na leitura e da divulgação de obras de Eduard von Hartmann, e de outros autores de filosofia, de Rudolf von Jhering, no âmbito do direito, e ainda Kant, Noiré, Lange, Haeckel, e mais muitos outros autores, no casto campo da preocupação intelectual do pensador sergipano. Em 1875 editou seu próprio jornal em língua alemã – Dier Deutsche Kaempfer – como órgão de propagação do germanismo no Norte do Brasil. No ano seguinte escreve, em alemão, uma monografia sobre o Brasil, sob o ponto de vista literário e em 1878 faz a Carta Aberta à Imprensa Alemã, traçando um perfil sócio-econômico e cultural do Brasil, desmistificando a imagem que o Império, pela figura bonachona de Pedro II, difundia na Europa. Também no ano de 875 publica o seu livro de Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica, de tendência, nitidamente alemã, citando diversos autores, 361 inclusive o então desconhecido Karl Marx. Em 1880 edita a Revista de Estudos Alemães, da qual retira o prólogo e alguns artigos para o livro Estudos Alemães, publicado em 1883, ano particularmente feliz para Tobias Barreto, pelo seu encontro com o Príncipe Henrique, em visita ao Brasil. O germanismo rendeu glórias e tristezas a Tobias Barreto. A glória de ser reconhecido por diversas personalidades alemãs, que destacaram a personalidade e o labor mental do sergipano, com citações altamente elogiosas e lisonjeiras, como a do célebre Ernest Haeckel ao dizer que Tobias parecia pertencer à raça dos grandes pensadores. E também a glória de ser, no Brasil, mentor de uma revolução cultural que abalou os alicerces da vida nacional, dando um novo rumo ao processo do conhecimento. As tristezas decorreram, certamente, da inveja, e do sectarismo de muitos professores, padres, jornalistas, políticos, inconformados com os desdobramentos culturais da ação da Escola do Recife, mesmo porque a orientação germânica carregava os vetores condenáveis àquele tempo, o do conhecimento científico, que desbancava a hegemonia da educação religiosa, e o do racionalismo atribuído aos protestantes, especialmente os luteranos. Nos momentos mais críticos das refregas culturais, Tobias recorria ao manancial das citações, notas e correspondências de autores alemães, refreando a sanha dos seus adversários. Em 1883 fez publicar, no Diário de Pernambuco, cartas de autores alemães, todas muito favoráveis ao seu labor intelectual. Nos jornais 362 saíram pequenas notas e comentários sobre a manifestação da imprensa alemã a respeito de Tobias Bar reto. Não apenas a imprensa alemã das províncias do Sul do Brasil, com especial destaque para a Koseritz Deutsche Zeitung, de Porto Alegre, dirigida, até 1881, por Karl von Koseritz, e depois por Hermann von Jhering, mas também jornais e revistas editados em cidades alemãs, que sempre manifestaram curiosidade sobre a vida e a obra de Tobias Barreto. Tobias não guardou esses exemplares da imprensa alemã a seu respeito. Não há, no Recife, qualquer sinal das publicações citadas pelo próprio Tobias e pelos seus biógrafos. Vamireh Chacon não localizou na Alemanha qualquer evidência sobre o pensador sergipano, achando que o País, passando por duas grandes guerras, viu destruído parte do seu acervo cultural. Agora, no entanto, graças aos esforços do professor e pesquisador italiano Mário G. Losano, autor de um trabalho sobre o germanismo de Tobias Barreto – La Scuola di Recife e l’Influenza Tedesca Sul Diritto Brasileiro – foi localizada a revista Gartenlaube e produzida a página 70, do ano de 1879, dedicada a Tobias Barreto . Trata-se, na verdade, de um artigo de Alfred Waldler – este era o pseudônimo de Albert Willhelm Sellin – sobre Tobias Barreto e seu jornal Deutsche Kaempfer. Na sua segunda visita a Sergipe (a primeira foi em junho de 1990) Mário G. Losano trouxe, para o acervo do Memorial Tobias Barreto, cópia, em papel fotográfico, da matéria sobre Tobias Barreto publicada na Gartenlaube. A ilustração central da matéria é uma 363 xilogravura, por Adolf Neumann, a partir de fotografia tirada pela casa alemã que atendia à família imperial brasileira, cujo original está em álbum, no Museu Imperial de Petrópolis, do qual foram tiradas cópias para o instituto Histórico e Geográfico do Brasil, no Rio de Janeiro, e o Memorial Tobias Barreto em Aracaju. A parte referente à pessoa de Tobias Barreto, escrita por Albert Sellin, está vazada nos seguintes termos, de acordo com a tradução de Marcela Varejão, a partir do texto italiano do próprio Mário Losano: “Mas agora basta de citações dos escritos de Tobias Barreto de Menezes.” Depois do que foi dito até aqui, não deverá haver nenhuma dúvida sobre o fato de que estamos diante de uma personalidade fora do comum e significativa. Surge, portanto, a questão: quem é efetivamente esse Tobias Barreto de Menezes? A resposta vem parcialmente no retrato aqui publicado. Um primeiro correr de olhos constata que nos encontramos diante de um mulato, daqueles que se acham freqüentemente em todos os países ame ricanos com a população mista de europeus e africanos, e dos quais teve ocasião de admirar constantemente a inteligência. A testa extraor dinariamente alta, os olhos inteligentes, os decididos contornos da boca nos fazem compreender logo que nesse corpo tomou forma uma quantidade de inteligência à qual não devemos faltar com nosso respeito.” 364 A reprodução do texto, ilustrado, da Gartenlaube tem o sentido de fixar, pela primeira vez, a repercussão do trabalho intelectual desenvolvido por Tobias Barreto de Menezes que continua a ser, para quem tem interesse na organização e na evolução da cultua brasileira, uma referência obrigatória, pela sua contribuição que per mit iu aos nordestinos e demais brasileiros o convívio contemporâneo com as mais representativas e significativas idéias do século XIX. 365 O JORNAL ALEMÃO DE TOBIAS BARRETO 366 Foram poucos os contemporâneos de Tobias Barreto que tiveram a honra da leitura do seu jornal alemão Deutscher Kaempfer, editado no Recife pela Tipografia Mercantil, de Carl Eduard Muhlert & Cia, a partir de 2 de agosto de 1875. Sílvio Romero, companheiro e amigo, genial divulgador do mestre, foi um dos privilegiados, tendo citado dois dos cinco exemplares que circularam. As notícias sobre o pequeno jornal foram dadas pela imprensa alemã, pelos jornais das colônias tedescas do Rio Grande do Sul, e pelo próprio Tobias que vez por outra evoca, em alguns trabalhos, os escritos do Lutador Alemão. Nos três anos de pesquisa em Pernambuco e em outros estados não consegui localizar qualquer exemplar do jornal alemão. Localizei quase todos os jornais escadenses, a começar elo raríssimo Um Signal dos Tempos, de 1874, e a terminar com a revista Estudos Alemães, de 1880, e aproveitei os artigos inéditos em livros nos volumes das Obras Completas, que acabam de sair. Por conduto de um pesquisador de São Paulo – Israel Souza Lima – consegui uma cópia do nº 1 do Deutscher Kaempfer, que imediatamente distribuí com entidades e pessoas que em várias partes do País se interessam pelos estudos tobiáticos. Pois ainda que não tenha em seu conteúdo uma notável contribuição ao conjunto da obra, o exemplar vale como curiosidade, na afirmação intelectual de um homem que fez a opção pela cultura germânica como forma de penetrar no que havia 367 de mais novo no campo das idéias, fazendo com que o Brasil penetrasse na vivência cultural do sécu lo. O nº 1 do Deutscher Kaempfer tem o seguinte conteúdo: Prefácio, repetindo, de algum modo, o ideário do jornal, como havia sido feito com a edição, em julho de 1875, do Prospecto anunciando o jornal; um artigo, inédito em livro, intitulado Estado e Igreja; um artigo – Deve a metafísica ser considerada morta? – em parte divulgado por Sílvio Romero e por Jackson da Silva Lima: uma adaptação, de autoria de Georges Brandes, do conto do Chapeuzinho Vermelho, comparando a menina ao pensamento livre, e o lobo mau aos críticos do pensamento livre; um poema – Der Jesuit – de autoria de Hermann Gilm; e uma Miscelania com transcrições e pequenas notas, destacando -se o anúncio do livro Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica, que seria editado no mesmo ano de 1875, e uma carta de Dom Pedro II, dirigida ao professor Virchow, de Berlim. A intenção de Tobias Barreto, ao lançar o seu jornal em alemão, era a de contribuir para a propagação do germanismo no Norte do Brasil. O jornal era uma “Folha literária e acidentalment e política”, que mantinha a linha editorial de outros periódicos de Tobias, como O Americano, de 1870, e Um Signal dos Tempos, de 1874. A crítica religiosa, a discussão filosófica, a insatisfação com o atraso cultural e com o estágio da literatura nacional, foram temas constantes do trabalho jornalístico de Tobias Barreto. E o primeiro número do Deutscher Kaempfer reflete isso em seus 368 artigos e notas, mais tarde seqüenciados, na trilha coerente do pensador. A transcrição da carta de Pedro II, com pitada de crítica, é também o início de uma posição que Tobias defendeu nas duas monografias em alemão – O Brasil como ele é considerado do ponto de vista literário, de 1876, e Carta aberta à imprensa alemã, de 1878 – nas quais desmistifica o conceito que o monarca brasileiro gozava nas rodas intelectuais da Europa, merecendo encômios dos jornais alemães. Tobias aproveita o gancho para revelar aos europeus, especialmente os alemães, o Brasil real, com uma economia que repousava no braço escravo, uma situação de penúr ia social, e mais completa ausência de espírito de união nacional. O seu artigo sobre a metafísica, provocado pelo concurso de Sílvio Romero na Faculdade de Direito do Recife, em 1875, e pela afirmação do seu dileto amigo de que a metafísica estava morta. O artigo de Tobias é uma reação contundente ao Positivismo e o estabelecimento de uma relação definit iva, permanente, com Kant e com a filosofia kanteana. O jornal alemão de Tobias Barreto, em seu primeiro número, é um espelho de parte fundamental de sua obra, realizada a partir exatamente do ano de 1875. 369 TOBIAS, JHERING E LOSANO 370 O próximo dia 7 de junho, segunda-feira, marca a data natalícia de Tobias Barreto de Menezes, o genial sergipano nascido na Vila de Campos, no sertão do Rio Real, em 1839. 104 anos depois de morto, Tobias continua despertando vivo interesse nos centros de pesquisa do Brasil e do exterior, surpreendendo aos pesquisadores com a coerência e a atualidade de sua vasta obra de pensador múltiplo. Nas Universidades do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, no Brasil, e de Milão, na Itália alguns estudiosos procuram, nas páginas dos dez volumes das Obras Completas de Tobias Barreto, edição comemorativa (1990/1991), Editora Record/ INL/Governo de Sergipe, os temas referenciais, co m os quais fazem a reflexão esclarecedora, sempre atribuindo ao mestre o encanto de sua visão contemporânea e, em alguns casos, inovadora. Mário G. Losano é um pesquisador italiano, especialista em estudos germânicos, que descobriu Tobias Barreto ao participar, com outros, da elaboração do “Materiali per uma storia della cultura giuridica”, concorrendo com o capítulo La Scuola di Recife e l’Influenza Tedesca sul Diritto Brasiliano, em 1974. De lá para cá cresceu o interesse e o entusiasmo de Losano sobre Tobias Barreto e sua obra jurídica, onde há, mais explicitada, a contribuição alemã. A partir de 1989, quando das celebrações do Sesquicentenário de Nascimento e Centenário de Morte de Tobias Barreto, Mário Losano empreendeu uma hercúlea tarefa de refazer a biblioteca alemã existente na Faculdade de 371 Direito do Recife, identificando livros e autores que foram lidos pelo pensador e intelectual sergipano. Semelhante encargo teve Vamireh Chacon, listando quase uma centena de títulos alemães do acervo pessoal de Tobias, adquiridos, quando de sua morte, pela Faculdade. Além dos livros, Losano cuidou dos corres pondentes alemães de Tobias, dos escritos germânicos, do jornal DeutscherKaempfer, sempre com uma aguda interpretação do valor da obra tobiática. Os estudos d e Mário Losano são publicados, inicialmente, em revistas de direito e de sociologia da Itália e da Alemanha, estando em preparo um livro reunindo os pequenos ensaios – seis ao todo – para edição no Brasil. O professor italiano é, atualmente, o mais dedicad o e profundo estudioso da obra de Tobias Barreto, como demonstram os seus trabalhos, prometendo continuar no esforço de cotejar e interpretar textos, com rigor metodológico de um mestre na pesquisa bibliográfica. Há uma outra face do trabalho de Mário Losa no que deve ser ainda mais realçada, porque original e única, que é a da pesquisa tobiática na Alemanha. Já foi possível encontrar, por exemplo, o exemplar da revista Gartenlaube, de 1879, estampando uma biografia, com excelente e, ... grande retrato, de Tobias Barreto, de autoria de Richard Lesser, que mais tarde dirigiu e redigiu o Welipost e no qual tratou, igualmente, do fundador da Escola do Recife. A comunidade intelectual brasileira pode, agora, entender melhor o germanismo de Tobias Barreto, na dimensão dos contatos e da 372 receptividade alemã, como atestam os registros en contrados e comentados por Mário Losano, prin cipalmente no seu I Corrispondenti tedeschi di Tobias Barreto (revista Sociolgia del Diritto, 1992) e Tobias Barreto e Richard Lesser: alle origini dell antropologia giuridica (na mesma revista italiana). Outra descoberta losaniana une, ainda mais, Tobias Barreto a Rudolf von Jhering. Tobias traduziu e comentou, em artigo publicado no jornal A Província, do Recife, em 13 de julho de 1878, o pequeno livro de Jhering, Jurisprudência da Vida Diária, valendo-se da edição de 1877, a terceira, publicada em Jena. O artigo de Tobias Barreto saiu no Rio de Janeiro, no jornal O Repórter, no ano seguinte. Um ou outro, contudo, chegou ao conhecimento do autor da Luta pelo Direito, que em 1891, numa nova edição ampliada do seu Jurisprudência da Vida Diária, a oitava, não apenas comenta como incorpora as observações feitas, no Brasil, por Tobias Barreto de Menezes. Diz Rudolf con Jhering, citado por Mário Losano em Tobias Barreto e la Recezione di Jhering en Brasile: referindo-se à tradução de Tobias: ein Auszug in portugiesischer Sprache in de Menezes.” Pena que Tobias Barreto, morto dois anos antes, não tenha podido colher esta glória de ser considerado pelo grande Jhering, numa troca de referências, numa afinidade de visão do mundo do direito e especialmente da luta pela sua afirmação no corpo das sociedades. A memória de Tobias Barreto passa a dever a Mário Losano mais essa contribuição, trazida pessoal373 mente a Sergipe no final da última semana, repetindo, pela segunda vez, as viagens de trabalho em Aracaju, junto ao acervo do Memorial Tobias Barreto, organizado e mantido pelo PESQUISE. 374