Luis CLáuDio Da siLva ChavEs

Transcrição

Luis CLáuDio Da siLva ChavEs
2º semestre de 2009
Editora Del Rey | Ano XI | Edição 22
Direito Civil
Primeiras
considerações sobre
a recente reforma na
lei de Locações de
Imóveis Urbanos
Leonardo de Faria
Beraldo
Filosofia do
Direito
A Resolução
número 75 do CNJ
e a importância da
Filosofia do Direito
Fernando
Armando Ribeiro
Direito
Constitucional
Nosso Distrito
Federal é mesmo
Federal?
Ricardo Arnaldo
Malheiros Fiuza
Crônica
O Estado é laico?
João Baptista
Villela
Ensino Jurídico
Direito e Literatura
Paulo Roberto
Gouvêa Medina
www.livrariadelrey.com.br
Entrevista com o advogado
Luis Cláudio
da Silva Chaves
Presidente da Seção de Minas Gerais da
Ordem dos Advogados do Brasil.
EDITORIAL
Cláudia Cunha
A riqueza dos temas desta Revista
Arnaldo
Oliveira
Continuando em sua missão divulgadora da Ciência Jurídica, a Livraria e
Editora Del Rey tem o prazer de entregar a seus clientes, amigos e colaboradores – todos a exercerem seus misteres no campo do Direito – mais uma edição
de sua revista “Del Rey Jurídica”, já consagrada no Brasil e em Portugal.
Esta Edição 22, correspondente ao 2° semestre de 2009, vem plena de
importantes artigos sobre temas do momento, como a situação esdrúxula
do nosso Distrito Federal; a nova Lei do Mandado de Segurança, a suscitar
críticas; a nova Lei de Locações de Imóveis Urbanos, com suas novidades; a
importância da Filosofia do Direito para os operadores do Direito; o estudo
instigante sobre a SAP – Síndrome da Alienação Parental; a “Guerra Justa” do
Presidente Obama; os novos Juizados Especiais da Fazenda Pública estadual
e municipal; o tópico da extradição e o papel do STF; e diversos outros temas
de atual interesse.
As colunas especiais “Crônica” e “Ensino Jurídico” dão, como sempre o
toque literário a esta edição.
Por último, mas não por menos, destaca-se a matéria de capa: a entrevista
com o novo Presidente da OAB-MG, professor Luis Cláudio da Silva Chaves,
versando sobre assuntos tais como a importância da advocacia preventiva, a
defesa das prerrogativas do advogado, o combate geral à corrupção e o necessário entrosamento construtivo da Ordem com os órgãos do Poder estatal.
Com relação à OAB-MG, a Del Rey
pretende trabalhar em conjunto com esse
prestigioso órgão de classe, por meio da
realização de palestras, seminários e a publicação de obras jurídicas, começando com a
edição do livreto “Direito, Cidadania, Ética”,
com uma tiragem de 100 mil exemplares,
a serem distribuídos em todas as faculdades de Direito, aos advogados e estagiários.
Essa publicação contém a famosa “Oração
aos Moços”, de Rui Barbosa, o artigo “A
importância do bacharel em Direito”, do
professor Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza, o
“Código de Ética e Disciplina da OAB” e “Os
10 Mandamentos do Advogado”, notável e
sucinto texto de Couture.
Belo Horizonte, dezembro de 2009.
Diretor-Presidente
e Fundador da
Livraria e Editora
Del Rey.
Editorial
Arnaldo Oliveira
Diretor-Presidente da Livraria
e Editora Del Rey
3
SUMÁRIO
EDITORIAL
3
ENTREVISTA
5
A riqueza dos temas desta revista
Arnaldo Oliveira
Luis Cláudio da Silva Chaves
Presidente da OAB-MG
DIREITO DE FAMÍLIA 38
Da relativização da Coisa Julgada nas Ações de investigação de
Paternidade
Carolina da Cunha Pereira França Magalhães
DIREITO DO CONSUMIDOR 42
DIREITO CONSTITUCIONAL 10
Banco de dados – Atraso no cancelamento de restrições – Prazo –
Relação de Consumo – Cancelar quem deve
Edelberto Gomes Lima
DIREITO CONSTITUCIONAL 14
O direito e os limites do ex-empregado ao plano de saúde
Marlus Keller Riani
DIREITO PÚBLICO 16
Juizados Especiais da Fazenda Pública
Dalmar Pimenta
Nosso Distrito Federal é mesmo Federal?
Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza
A nova Lei do Mandado de Segurança: Retrocessos
Zênia Cernov
Ao Estado tudo, aos Cidadãos o rigor da lei!
Rodrigo Badaró de Castro
DIREITO PENAL 18
Considerações acerca dos crimes de lavagem ou ocultação de bens,
direitos e valores descritos na Lei n° 9.613, de 03 de março de 1998.
Geraldo Vieira
DIREITO INTERNACIONAL 20
A doutrina Obama da “Guerra Justa”
André Bandeira
DIREITO INTERNACIONAL 22
A extradição e seu controle pelo STF
Carlos Velloso
DIREITO DO CONSUMIDOR 44
DIREITO PROCESSUAL 46
DIREITO JUDICIÁRIO 48
Mutirões do Judiciário
José Fernandes Filho
DIREITO EMPRESARIAL 50
Nome empresarial, nome de domínio, título de estabelecimento e marca:
Contribuições doutrinárias e jurisprudenciais
Rodrigo Bernardes Braga
DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL 54
Brazilian Law and the Internationalization of law as positive
factors for foreign and domestic investment
João Dácio Rolim
DIREITO TRIBUTÁRIO 56
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO 24
Incidência de PIS e Cofins sobre receitas decorrentes do pagamento
de juros sobre capital próprio
Flávio de Sá Munhoz
DIREITO CIVIL 26
A resolução número 75 do CNJ e a importância
da Filosofia do Direito
Fernando J. Armando Ribeiro
DIREITO AMBIENTAL 30
O Estado é laico: abaixo os impostos!
João Baptista Villela
Os princípios jurídicos na fase de execução trabalhista e a busca pela
efetividade do direito material
Davidson Malacco Ferreira
Primeiras considerações sobre a recente reforma na Lei de Locações de
Imóveis Urbanos (Lei. Nº 12/112/2009)
Leonardo de Faria Beraldo
Autonomia do Direito Ambiental
Célia Pimenta Barroso Pitchon
DIREITO AUTORAL 32
A nova roupagem do plágio em face das inovações tecnológicas
Arnaldo Oliveira Junior
FILOSOFIA DO DIREITO 60
CRÔNICA 62
ENSINO JURÍDICO 64
Direito e Literatura
Paulo Roberto de Gouvêa Medina
DIREITO DE FAMÍLIA 36
Quero te amar, mas não devo: A síndrome da alienação parental como
elemento fomentador das famílias compostas por crianças órfãs de pais vivos
Ana Surany Martins Costa
Del Rey Jurídica, Ano 11, nº 22 | Produzida pela Editora Del Rey | ISSN:1981-7649 | Diretor-Presidente: Arnaldo Oliveira| Direção Cultural e Científica:
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Revista Del Rey Jurídica
ENTREVISTA
Luis Cláudio da Silva Chaves
Foto: Assessoria OAB - MG
A IMPORTÂNCIA DA ADVOCACIA PREVENTIVA
O advogado Luis Cláudio da Silva Chaves é o
novo presidente da Seção de Minas Gerais da Ordem
dos Advogados do Brasil.Eleito em 21 de novembro
deste ano de 2009, chegou ao cargo após brilhante
carreira na administração da entidade, onde fundou
e foi o primeiro presidente da Comissão OAB Jovem e
atuou como tesoureiro e vice-presidente na diretoria.
Além de advogado militante ele também se dedica ao
magistério, lecionando na Faculdade Milton Campos e
Entrevista
na Faculdade Dom Helder. Nesta entrevista, concedida
aos jornalistas Luiz Carlos Bernardes, Orlando Leite e
Daniel Tolentino, especialmente para a revista “Del Rey
Jurídica”, ele fala sobre os planos de sua diretoria para
a gestão dos próximos três anos e aborda aspectos
importantes das atividades de defesa da cidadania e
do Estado Democrático de Direito, histórica vocação
de entidade.
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Del Rey Jurídica – Quais as principais metas de seu
programa de trabalho à frente da OAB/MG?
Luis Cláudio – Nossa conduta à frente da OAB será a
de lutar pela defesa das prerrogativas da advocacia, com o
entendimento de que elas constituem elemento fundamental
para o Estado Democrático de Direito. Somente um advogado
autônomo e independente poderá defender o seu cliente, em
juízo ou fora dele, de forma a atender o direito de defesa e de
ação. De outro lado, nosso compromisso é também o da defesa
da cidadania, lutando pelo cumprimento da Constituição da
República, pelo aperfeiçoamento da legislação, especialmente
a processual, pela melhoria da prestação jurisdicional em
todo o Estado de Minas Gerais e nas grandes campanhas de
mobilização em prol dos movimentos sociais, de combate
às drogas, da diminuição da violência urbana, do resgate do
respeito e da moralidade administrativa. Essas são nossas
metas fundamentais.
DRJ – Há alguma campanha em vista, em parceria
com outras entidades da sociedade civil, de combate
à corrupção?
LC – Nosso objetivo, especialmente neste ano de 2010, é
o de fazer uma campanha de conscientização da importância
do voto e da busca da referência ao currículo do candidato.
Já que não é ainda cabível o uso de uma legislação sobre o
candidato chamado “ficha suja”, é importante que o eleitor
saiba quem é o cidadão que pretende ser eleito, qual o seu
passado, qual a sua especialização e o que ele poderá fazer em
prol da coletividade e não a favor de seus interesses individuais.
Essa campanha já está estruturada para ser veiculada na mídia
a partir do mês de junho próximo, em parceria com a CNBB
e outras entidades que nos ajudem a fazer a veiculação,
principalmente as entidades ligadas à imprensa.
DRJ – Na eleição passada, o TRE de Minas divulgou
a lista dos “ficha limpa” e dos “ficha suja”. Uma ação
idêntica poderia ser adotada pela OAB?
LC – O caminho que temos que adotar é o de mostrar
a importância da adoção de medidas preventivas pela
sociedade, seja para a solução dos conflitos pessoais, que
é o papel do advogado, seja na solução dos conflitos sociais,
políticos e econômicos. Se eu moro em um condomínio e lá
existe um regimento interno bem elaborado, a possibilidade
de haver conflitos é muito menor. Isso nós queremos mostrar
à sociedade, destacando a importância da advocacia
preventiva, o cidadão procurando o advogado para fazer
sua consulta, intensificar o acesso ao advogado pacificador.
Por exemplo, quantas pessoas no Brasil fazem testamento?
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Quantas fazem pactos antenupciais antes de casar? Muito
poucas. As pessoas só procuram o advogado depois que o
conflito está armado. Isso aumenta muito o número de
demandas judiciais. Queremos mostrar o advogado como
agente preventivo dos litígios. E isso vale também para
o plano político e econômico, pois, a partir do momento
em que o cidadão perquirir quem é o candidato a cargo
eletivo, se ele responde a processo, se tem histórico de
improbidade administrativa, ele pode deixar de votar nele
e escolher outro que tenha conduta ilibada. Isso vai refletir
em benefício para a nação.
DRJ – Além dessa participação na formação do
cidadão no que diz respeito à escolha de seus candidatos,
de que outra forma a entidade pode ajudar na formação
do cidadão para que ele tenha maior consciência de
seus direitos?
LC – Estamos estudando um projeto através da
Comissão OAB/Jovem, que se chama “A OAB vai à escola”,
com o objetivo de formar o cidadão do futuro, explicitando
especialmente o estudo da Constituição da República,
do Direito Constitucional de uma forma mais moderna,
para alunos do ensino fundamental e médio. Para isso a
OAB Jovem irá trabalhar em conjunto com a Comissão de
Direito Constitucional para que possamos ensinar à nossa
juventude, não só a importância de conhecer seus direitos,
mas também a de cumprir seus deveres como cidadão. Hoje
o cidadão brasileiro já entrou na era do direito, mas ainda
não incorporou a era dos deveres. Exemplo: todos clamam
por um meio ambiente mais saudável, mas a população
continua jogando lixo no rio, entupindo os bueiros, jogando
o copinho de plástico na rua, no mar. Então ele já está
ciente dos direitos que a Constituição lhe deu, mas não tem
ainda a visão cidadã de seu dever em relação ao outro. Não
precisaríamos de tantas leis restringindo o fumo se todos
tivessem respeito ao próximo. O Brasil tem um excesso de
leis exatamente porque o brasileiro só respeita efetivamente
o que se torna preceito e sanção.
DRJ – A Ordem tem realizado, em anos eleitorais,
debates com os candidatos, além de instalar a Ouvidoria
Eleitoral. O senhor pretende continuar com esse
programa?
LC – Sim, nosso objetivo é o de intensificar os
debates, projetando-os na mídia e cobrando dos candidatos
o cumprimento das promessas de campanha, além de
campanhas propositivas, transparência na utilização
dos recursos financeiros. A meu ver, Minas tem que ser
Revista Del Rey Jurídica
ENTREVISTA
Luis Cláudio da Silva Chaves
DRJ – Entre suas metas apresentadas durante a
campanha para a eleição na Ordem, o senhor propunha
uma gestão participativa, com o advogado mais presente
na instituição. Em razão disso foram criadas várias
Comissões. Qual a importância dessas Comissões?
LC – A administração da OAB, para ser atuante e
eficiente, deve ser participativa
e contar com o trabalho de
inúmeros colegas voluntários
que nos ajudem a defender as
prerrogativas da advocacia e a
cumprir nossos compromissos
de campanha. No campo da
prerrogativa, por exemplo,
nosso objetivo é, além de
ampliar o “Disque Prerrogativa”,
distribuir uma “Cartilha das
Prerrogativas” para todos os
advogados mineiros e para as
autoridades judiciárias, fazer
grandes congressos sobre
o assunto, e instalar postos
avançados de defesa das
prerrogativas em todo o estado
de Minas Gerais, contando com
mais de 300 companheiros que
vão nos auxiliar nesse trabalho,
todos eles especialistas na área
criminal. O objetivo é o de que
possamos equiparar o arsenal
do Tribunal de Ética e Disciplina
com o de defesa das prerrogativas. Sabemos da importância
da ética dentro da OAB, mas não podemos utilizar mais
recursos para defender a ética do que para defender as
prerrogativas. Temos que empatar essas contas.
Outras Comissões importantes também vão
receber a mesma atenção, como a de Direitos Humanos.
É inconcebível que a OAB não tenha uma participação
ativa na luta pelos Direitos Humanos, que não se refere
apenas ao direito da vítima. O que se busca com os Direitos
Humanos é o cumprimento da Constituição no que se
refere à dignidade da pessoa humana, qualquer que seja
o ponto do conflito em que a pessoa estiver. Temos que
defender o Estado Democrático de Direito e lutar por
Entrevista
um Judiciário eficiente, para banir qualquer ideia de
impunidade e de autotutela.
DRJ – O que pode ser feito para termos um
Judiciário eficiente?
LC – Vamos analisar uma situação prática: o
Legislativo cria determinado número de comarcas no Interior
do estado. Grande parte dessas comarcas não são instaladas
por falta de recursos materiais e humanos. Então para que
serve uma Lei de Organização Judiciária que cria Varas e
abre vagas para juízes, se
o Executivo e o Judiciário
não se obrigam a instalar
esses postos? Temos hoje
em Minas várias comarcas
que estão sem juízes. E
uma comunidade que
não tem um juiz acaba
virando uma terra sem
lei, pois o aplicador da lei
é o magistrado. Assim, um
cidadão, por exemplo, se
acha no direito de sustar,
sem qualquer motivo, um
cheque de sua emissão
porque sabe que não há
ninguém para executálo. Ou acha que pode
agredir sua mulher por
saber que não haverá
consequência. Então a
ideia de uma sociedade
sem uma estruturação
forte do Judiciário,
mostra ser uma sociedade
desorganizada. Também se percebe, com frequência, a
ausência de Defensores Públicos e a utilização de defensores
dativos. São necessários investimentos maciços no Judiciário
para que se possa obrigá-lo a cumprir a Lei de Organização
Judiciária.
Foto: Assessoria OAB - MG
exemplo para o país e temos a percepção de que a eleição
federal deste ano, necessariamente irá passar, com grande
importância, pelo eleitorado mineiro.
DRJ – Como será o trabalho de criação de novas
Subseções da OAB no Interior, especialmente nas cidades
menores?
LC – Sou a favor da criação de Subseções porque
o trabalho dos diretores da Ordem é voluntário, não
remunerado, e onde houver pessoas bem intencionadas e
interessadas em executar o trabalho de defesa da cidadania
7
ENTREVISTA
Luis Cláudio da Silva Chaves
e das prerrogativas dos advogados, temos que dar ênfase
à criação dessas unidades. Existindo o número mínimo de
15 advogados, adimplentes com a OAB, e havendo sede de
comarca na cidade, vamos criar Subseções. Basta haver um
pedido dos interessados para compor a diretoria.
custos. A não instalação desse Tribunal revela um aspecto
muito ruim: a União não tem interesse em celeridade nos
tribunais federais porque ela, na maior parte das vezes, é
a ré nos processos. O poder público é o maior demandista
na Justiça brasileira.
DRJ – Como será a parceria entre a OAB de Minas
e a OAB federal?
LC – O Conselho Federal da Ordem deveria responder
com mais empenho aos pedidos dos advogados por um
acompanhamento legislativo que impedisse a aprovação
de algumas leis que não só atrapalham o advogado como
a rotina forense. Exemplo: a extinção das férias coletivas
do Judiciário e a criação dos Juizados Especiais Cíveis, no
que se refere à dispensa do advogado nas causas de valor
até 20 salários mínimos. A primeira delas desorganizou
todo o sistema de férias forenses. Hoje é muito difícil haver
julgamento nas Câmaras dos Tribunais que dependam do
número completo de desembargadores. Os magistrados
têm 60 dias de férias por ano e, geralmente, tiram essas
férias fora do período de recesso do fim do ano, do dia
20 de dezembro a 6 de janeiro. O advogado tem então
que se contentar apenas com esse breve recesso entre o
Natal e o Ano Novo, que sabemos que é um período muito
conturbado para se descansar. E depois, durante o ano, ao
executar o seu trabalho, pressionado por seu cliente que
quer celeridade, ele vê seu julgamento prejudicado pela
ausência do juiz, ou do promotor, ou do defensor. A solução
é a adoção de férias coletivas durante o mês de janeiro para
todos, correndo apenas os processos de urgência que são
solucionados pelos plantões.
No que se refere aos Juizados Especiais, criou-se a
legislação como um desafogo do Judiciário, dispensando-se
o advogado. Como resultado, vemos que os Juizados estão
congestionados e o cidadão vai sem advogado e, muitas
vezes, fica prejudicado por fazer um acordo muito aquém
de seus direitos, o que desmerece a ideia que defendemos de
que a assistência judiciária deve ser garantida pelo Estado
a todos os cidadãos.
DRJ – No recente episódio envolvendo o Legislativo
e o Executivo do Distrito Federal, o Judiciário poderia
intervir de alguma forma para que os fatos divulgados
sejam discutidos e julgados?
LC – O Judiciário pode ser chamado a intervir através
de uma ação de improbidade administrativa, na qual os
envolvidos teriam o seu direito de defesa. No que se refere
ao impeachment, por força da Constituição, o assunto está
entregue ao Legislativo local. O que a OAB pode fazer e tem
feito é campanha pela mobilização popular para pressionar
os políticos. O episódio do afastamento do presidente Collor
é emblemático.
DRJ – Uma das prioridades da OAB/MG é a
continuação da luta pela instalação de um Tribunal
Regional Federal em Minas. Isso irá colaborar para
aumentar a celeridade da Justiça Federal no estado?
LC – Sem dúvida. Minas Gerais já merece há muito
tempo a instalação de um TRF. Grande parte dos processos
que tramitam no Tribunal da 1ª Região é oriunda de Minas.
É uma questão não só de celeridade como de redução de
8
DRJ – Como o senhor encara o estabelecimento
de parcerias entre a Ordem e empresas privadas ou
entidades públicas?
LC - É importante salientar que a OAB, apesar de
ter um papel de defesa da cidadania, não recebe nenhuma
verba pública. Sobrevive exclusivamente com as anuidades
pagas pelos advogados. Mas ela tem a obrigação de, não só
ser uma entidade de natureza corporativista, mas assume
um compromisso bem maior que é o da defesa da cidadania.
Para melhor cumprir esse compromisso ela necessita fazer
parcerias que resultem em recursos materiais de modo a
permitir que ela se manifeste publicamente. Por essa razão
buscamos parceiros na iniciativa privada ou pública, desde
que os parceiros tenham o mesmo compromisso que temos
com a coletividade.
DRJ – Como a OAB pretende exercer a fiscalização
da qualidade do ensino jurídico no estado?
LC – Seguindo a orientação do Conselho Federal, a
OAB de Minas tem se mantido na oposição à criação de
qualquer curso jurídico se não apresentar alguma inovação
ou se ele não se destinar a atender a uma região desassistida,
o que em Minas Gerais é muito pouco provável que aconteça, pois temos cursos pulverizados por todo o estado. A OAB
não será tolerante com a comercialização do ensino jurídico.
Deve-se destacar também que, com a unificação do Exame
de Ordem, passamos a ter um importante instrumento de
avaliação dos cursos jurídicos, no plano da Ordem. É claro
que esse não é o único meio de avaliação.
Revista Del Rey Jurídica
DIREITO CONSTITUCIONAL
sxc.hu
Fernando Fiuza
NOSSO DISTRITO FEDERAL É MESMO FEDERAL?
Ricardo
Arnaldo
Malheiros
Fiuza
Professor convidado
de Teoria do Estado
da Faculdade
de Direito
“Milton Campos”.
Membro da
Academia Mineira
de Letras Jurídicas.
Editor da revista
“Del Rey Jurídica”.
Diretor da “Revista
do Instituto dos
Advogados de
Minas Gerais”.
10
O Estado Federal ou Federação, forma
de Estado criada pela Constituição Americana
(1787) e adotada pelo Brasil em 1891, tem
características marcantes que devem ser
seguidas pelos países, ou melhor, pelos
Estados que a adotam, sob pena de, em não
as obedecendo, deformar tal forma.
Uma dessas características, básica
aliás, é a existência de dois planos de governo
completos por sobre os municípios: o plano
federal, sede da soberania da União, e o plano
estadual, situado nos estados-membros ou
estados federados, onde mora a autonomia
política.
Tanto a União quanto os estadosmembros dispõem dos três órgãos
montesquianos do Poder Estatal: o Executivo,
o Legislativo e o Judiciário. Suas competências
estão elencadas na Constituição Federal (o
parâmetro obrigatório) e nas Constituições
Estaduais.
Os que estão a ler este artigo decerto
irão pensar que o escrevo em razão da vergonhosa situação moral que se abate sobre a terra
brasiliense. Porém os meus alunos da “Milton
Campos” sabem que sempre falei da posição
exdrúxula da capital do Brasil. E, afinal, qual é a
capital do Brasil? Brasília ou o Distrito Federal?
***
Quando do Império, o Brasil era
um Estado Unitário, dividido em províncias
administrativas, sem autonomia política. E
a Cidade do Rio de Janeiro, capital imperial,
era corretamente considerada um município
neutro. Com sua conhecida clareza, Kildare
Gonçalves Carvalho (Direito Constitucional, 15ª
ed., Del Rey, 2009) explica: “O Distrito Federal
sucedeu ao Município neutro que era a sede
do Governo e Capital do Império. Ao município
neutro era atribuída organização própria,
diversa dos demais municípios. Não integrava o
território de nenhuma província, sendo a Cidade
do Rio de Janeiro a sede do Governo com o
estabelecimento da Família Imperial em seu
território”. Portanto, ali “mandava” a Coroa...
***
O art. 2º da Constituição de 1891 (que
adotou a Federação e a República) estabeleceu
que cada uma das antigas províncias passava
a ser um estado-membro da União e que o
antigo “município neutro” (Rio de Janeiro)
passava à condição de Distrito Federal (DF),
Revista Del Rey Jurídica
continuando a ser a Capital do Brasil,
enquanto não houvesse a mudança para
o Planalto Central (a previsão já havia).
E o art. 34, tratando da competência
privativa do Congresso, decretava, em
seu nº 30, caber ao Legislativo da União
legislar sobre a organização municipal
do DF, bem como sobre a polícia, o
ensino superior e os demais serviços
que na Capital fossem reservados para
o Governo da União.
***
A Constituição (legítima) de
1934, de efêmera duração, por causa
do golpe do Estado Novo, em seu
art. 1º falava na “união indissolúvel
dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios”. E, em seu art. 5º, inciso
XVI, dizia caber privativamente à
União organizar a administração dos
Territórios e do DF e dos serviços neles
reservados ao Governo Federal. O
art. 15 estabelecia claramente que o
DF deveria ser administrado por um
prefeito, nomeado pelo Presidente da
República, com aprovação do Senado
Federal, cabendo funções apenas
deliberativas a uma Câmara Municipal
eleita. E não legislativas.
***
A Constituição (outorgada) de
1937, em seu art. 7º, prescrevia secamente que o então Distrito Federal (Rio
de Janeiro), enquanto sede do Governo
da República, seria administrado pela
União. Nesse ponto, a nosso juízo, andou bem a tão criticada Constituição de
Vargas. O art. 30 arrematava a questão,
determinando que o prefeito (nada de
governador) do DF seria nomeado e
demitido pelo Presidente da República,
cabendo as funções deliberativas para
o DF ao Conselho Federal (câmara alta
do Parlamento Federal, o qual nunca,
diga-se de passagem, foi eleito e instalado no Estado Novo...). Não aceitando
evidentemente a Ditadura que então
se implantou (1937 a 1945), merece,
Direito Constitucional
“O Governo Federal precisa
estar em sua casa”.
(João Barbalho Ulhôa
Cavalcanti)
porém, elogio o tratamento dado na
Carta à Capital Federal.
***
A democrática Constituição
de 1946, em seu art. 1º, §1º, estabelecia
que a União compreendia, além dos
Estados (membros), o Distrito Federal
e os Territórios. No §2º ditava que o
DF era a Capital da União. O art. 26,
começou, a nosso entender, a complicar
a questão, ao determinar que o DF fosse
administrado por um Prefeito, nomeado
pelo Presidente da República (até aí,
tudo bem) e que tivesse uma Câmara,
eleita, com funções legislativas. O
art. 60 complicou mais ainda, ao
estabelecer: “O Senado Federal compõese de representantes dos Estados e do
Distrito Federal (...)”. Por quê senadores
para uma entidade federal? Sabe-se
que, em uma federação autêntica, os
componentes da câmara alta são os
representantes da autonomia política
dos estados-membros perante o
Legislativo da União (é o bicameralismo
federal). A EC n. 2, de 3/7/56, foi mais
além, ao estatuir que o DF passava a ser
administrado por um Prefeito, cabendo
as funções legislativas a uma Câmara
de Vereadores eleitos, estes e aqueles,
por sufrágio direto. Na verdade, o que
estava acontecendo, então? A estranha
transformação de um distrito federal
em uma unidade curiosamente dotada
de autonomia política sui generis, com
a possibilidade da eleição de deputados
federais (o que pode ser aceitável, pois
os componentes da câmara baixa são
representantes do povo, conjunto de
eleitores, e, na capital republicana,
obviamente há povo!) e senadores (
o que não já se justifica, como dito
anteriormente). Washington-DC,
capital dos Estados Unidos da América,
não tem representantes com voto no
Capitólio, é bom que se diga.
***
A Constituição de 1967, também
outorgada, equiparou, de certa forma, o
DF aos Territórios Federais, ao localizar
essas entidades federais em um capítulo
especial do seu Título I. No art. 42, inciso
III, aparece a figura de um governador,
nomeado pelo Presidente da República
(como nos Territórios), ouvido o Senado.
Cabendo, ainda, a essa câmara alta discutir
“os projetos de lei concernentes ao serviço
público, ao pessoal, ao orçamento e aos
tributos do Distrito Federal”. A EC n.
25/1985 elevou, de maneira incorreta,
s.m.j., o DF à condição de ente federativo
autônomo.
***
Finalmente, a “Constituição
Cidadã” (1988), em seu art. 32, liquida
o assunto, não o corrigindo e, sim, a
nosso ver, agravando a situação. Senão
vejamos, com a simples leitura do caput
e dos quatro parágrafos do referido
artigo. O topo do dispositivo proíbe que
o DF seja dividido em municípios. Cria a
necessidade de uma lei orgânica (uma
“constituiçãozinha”?) a ser elaborada
e aprovada pela Câmara Legislativa
“distrital” (uma “assembleinha”
constituinte decorrente?). O §1º
estabelece que o DF terá as competências
atribuídas aos estados-membros e aos
municípios (?!). O §2º cuida da eleição
do Governador e do Vice-Governador
e dos deputados distritais. O §3º dá aos
deputados distritais, e à própria Câmara,
as garantias, prerrogativas e vantagens
concedidas aos deputados estaduais.
O §4º toca em um ponto delicado ao
prescrever que “lei federal disporá sobre
a utilização, pelo Governo do Distrito
11
DIREITO CONSTITUCIONAL
Uma autarquia especialíssima, a ser
administrada diretamente pelo Governo
da União, com suas contas submetidas
ao Congresso Nacional, após parecer do
Tribunal de Contas da União (nada de
internacionais questionaram os fatos
acontecidos na Capital da República,
sede do Governo da União, sem que este
nada pudesse fazer! E até que poderia,
mas já seria uma intervenção (art. 34,
incisos II e VII, b da CRFB)!
***
Rui Barbosa, em seus Comentários à nossa primeira Constituição
Republicana, já dizia que o nosso DF era
“um semi-estado, um quase-estado”.
É de se imaginar o que diria o grande
baiano ao analisar o DF de agora, assim
esquisitamente estruturado por motivos
obviamente políticos e eleitoreiros.
Entendemos que nada disso
deveria acontecer. O DF deveria ser, em
nossa opinião, como que uma autarquia
federal, como o são os territórios
federais, estruturada por lei federal.
TCDF!...). O Administrador do DF (nem
prefeito e muito menos governador)
seria um servidor público, a ser
designado e demitido pelo Chefe do
Executivo Nacional. Para coadjudivar
esse grande síndico, um Conselho
Deliberativo, a elaborar posturas, de
acordo com lei federal.
O professor americano Robin
Brett Parnes, em objetivo artigo (http://
viagem.hsw.uol.com.br), explica que, em
contraste com os Estados (federados),
as posturas e os orçamentos do DC
(Washington) são revisados e modificados
pelo Congresso dos Estados Unidos.
Quanto ao Judiciário, notese que, no DF, esse órgão do Poder é
organizado e mantido pela União, mas
é um judiciário local e não integra a
Justiça Federal. Vê-se aí logo um tem-
Arquivo CYB
Federal, das polícias civil e militar e do
corpo de bombeiros”. É bom lembrar aqui
da recente ação desastrada da PMDF,
a deixar perplexos os observadores
do mundo inteiro. Os noticiários
12
pero de confusão. É bom lembrar que
os Magistrados de Brasília, primeira e
segunda instâncias, já o são do Distrito
Federal e Territórios.
Lembra o citado Parnes que,
diferentemente dos Estados, os quais
organizam seu Judiciário e nomeiam seus
juízes e tribunais, no DC, o Presidente
dos Estados Unidos é que é os nomeia,
à maneira dos Juízes Federais.
***
Os que, porventura (por ventura
minha), lerem este artigo, por favor não
pensem nas pessoas atuais, que exercem
as funções de Governador, de ViceGovernador, de deputados distritais e até de
Presidente da República e, sim, na estrutura
técnica que possa ser a melhor para nossa
Capital Federal, livre dessa política pequena
e dessa dubiedade de comandos que hoje
ali reinam ou imperam (no pior sentido
das palavras). E pensem no grande João
Barbalho, citado em destaque: uma casa
com dois chefes gera o caos. (Dezembro
de 2009).
Livros
indicados:
DIREITO
CONSTITUCIONAL
COMPARADO
4ª edição
Ricardo Arnaldo
Malheiros Fiuza
Editora Del Rey
AULAS DE
TEORIA DO
ESTADO
2ª edição
Ricardo Arnaldo Malheiros
Fiuza, Mônica Aragão M.
F. e Costa
Editora Del Rey
www.delreyonline.com.br
Revista Del Rey Jurídica
DIREITO CONSTITUCIONAL
Arquivo CYB
Amagis
A NOVA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA: RETROCESSOS
Zênia
Cernov
Advogada.
14
A advocacia tem pouco a comemorar
com a promulgação da nova Lei do
Mandado de Segurança. Embora tivesse
em seu bojo a intenção de atualizar
esse remédio processual à regência
da Constituição Federal e consolidar o
entendimento jurisprudencial a respeito
do tema, veio ao mundo jurídico permeada
de retrocessos e inconstitucionalidades
flagrantes. Alguns pontos das previsões
contidas na Lei nº. 12.016, de 7 de agosto
de 2009, devem ser destacados.
A nova lei insere a pessoa jurídica de
direito público a que pertença a autoridade
impetrada como verdadeira parte
processual, e confere-lhe prerrogativas
de inequívoco e abusivo protecionismo
ao Estado. Isso se conclui da regência do
art. 6º, que determina que o impetrante
indique, além da autoridade impetrada,
a “pessoa jurídica que esta integra, a
qual se acha vinculada ou da qual exerce
atribuições”, tendo a lei conferido a tal
pessoa jurídica prerrogativas como: a) a de
ser cientificada do conteúdo do mandado
de segurança, com cópia da inicial (art.
7º, II); b) de “ingressar no feito” (art. 7º,
II, última parte); c) de ser cientificada em
48 horas da concessão de liminar, pelas
autoridades administrativas, as quais
ainda devem indicar-lhe os elementos
necessários a instruir pedido de suspensão
da medida e a defesa do ato impetrado (art.
9); c) de ser ouvida antes de despachado o
pedido de liminar, no caso de mandado de
segurança coletivo (art. 22, § 2º).
Essas prerrogativas estão ainda ancoradas de outros elementos protecionistas, pois que, se a pessoa jurídica de direito
público obtiver a suspensão da segurança,
o agravo da parte impetrante contra tal
decisão não terá efeito suspensivo (art. 15)
e, caso provido, o ente público poderá renovar o pedido de suspensão de segurança
diretamente ao STJ e ao STF, conforme for
o caso de possível cabimento de recurso
especial ou extraordinário, ou seja, a lei
brindou o Estado com meios de protelar
ao máximo a exequibilidade do mandado
de segurança.
Soma-se a isso a extensão do direito
de recorrer dado à autoridade coatora (art.
14), a manutenção da vedação à concessão
de liminar para reclassificação ou equiparação de servidores públicos, concessão
de aumento ou extensão de vantagens
ou pagamento de qualquer natureza (art.
7º, § 2º) e ainda a inserção, pelo mesmo
artigo, de vedação à concessão de liminar
que tenha por objeto a compensação de
Revista Del Rey Jurídica
LANÇAMENTOS
Direito Constitucional
Livros
indicados:
O Mandado
de Segurança
segundo a Lei nº.
12.016
Foto: Dúnia Catelli
Werther Botelho Spagnol, o autor e Augusto Tolentino.
Foto: Dúnia Catelli
lei, aliado aos entraves em desfavor
do cidadão, limitam a eficácia do
mandado de segurança, em total detrimento de sua função constitucional de proteger a cidadania contra os
abusos administrativos. Cria-se mais
uma vez a infeliz – e já costumeira
- violação ao direito de tratamento
igualitário entre as partes processuais, pois que a balança da justiça
brasileira tem pendido cada vez mais
em favor do poder público e pesando
de modo desumano nas costas de
nosso povo.
Arnaldo Oliveira, da Del Rey, o autor, Fernando Gonzaga
Jayme e José Anchieta da Silva, Presidente do IAMG.
***
Em 11 de agosto, Dia do Advogado, na Galeria Portinari, do Ritz
Plaza Hotel, em Juiz de Fora, houve o
lançamento do livro “Editais de Licitação – Técnicas de Elaboração e Sistema
de Registro de Preços”, de autoria do
advogado Wladimir de Oliveira Andrade,
e prefaciado pelo professor Carlos Pinto
Coelho Motta.
Foto: Thiago Soares
Nossos legisladores, além
de imporem ao cidadão o
ônus de arcar com a verba
honorária, dificultaram
mais ainda o seu
acesso à utilização do writ.
Humberto Theodoro
Junior
Editora Forense
O autor, Wladimir Andrade e Márcia Scoralick.
Nova Lei do
Mandado de
Segurança
Cássio Scarpinella
Bueno
Editora Saraiva
www.delreyonline.com.br
Foto: Thiago Soares
créditos tributários ou a entrega de
mercadorias e bens provenientes do
exterior.
Na contramão constitucional,
a nova lei defende a presença direta
do Estado no rito do mandamus, mas
fixa serem incabíveis honorários de
advogados (art. 25). Não se pode
afirmar que se trata de mera absorção
das Súmulas 105 do STJ, e 512 do STF
pois essas foram editadas na vigência
da Lei 1.533/51, na qual a presença
do Estado era menos importante e
tais honorários seriam, a princípio,
suportados pela autoridade impetrada.
Na nova regência, o Estado “ingressa
no feito”, como previsto no art. 7º,
II, e passa a integrar diretamente a
lide, portanto deveria arcar com os
ônus da sucumbência. E soma-se a
esse argumento a incompatibilidade
de tal dispositivo com a previsão
constitucional de ser o advogado
indispensável à administração da
justiça, marcando de inquestionável
inconstitucionalidade o dispositivo,
que está sendo questionado
pela sempre vigilante Ordem dos
Advogados do Brasil, mediante a
competente ADIN.
Nossos legisladores, além de
imporem ao cidadão o ônus de arcar
com a verba honorária, dificultaram
mais ainda o seu acesso à utilização do writ, ao possibilitar que seja
exigido do impetrante a prestação
de caução, fiança ou depósito como
pressuposto da concessão de liminar,
com o objetivo de “assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica” (art. 7º,
III), dispositivo que foi classificado
pelo presidente da Comissão Nacional de Legislação da OAB, Marcus
Vinícius Furtado Coelho, como um
verdadeiro apartheid no Judiciário.
Como se vê, o protecionismo
evidente ao Estado, por meio de privilégios inseridos ou mantidos pela
No dia 6 de agosto, na Livraria
Del Rey Aimorés, em Belo Horizonte, foi
realizado lançamento do livro “Teoria e
Prática da Arbitragem”, do advogado Rodrigo Bernardes Braga, gerente geral da
Vale Soluções em Energia e membro do
CBAr – Comitê Brasileiro de Arbitragem.
Prefaciado pelo professor Humberto Theodoro Júnior.
João César Novaes, Wladimir Andrade e Tarcísio Delgado
15
DIREITO PÚBLICO
Arquivo pessoal
AO ESTADO TUDO, AOS CIDADÃOS O RIGOR DA LEI!
Advogado Sócio
da Azevedo Sette
Advogados.
Pós-Graduado em
Direito Empresarial
pela FGV-DF e
Conselheiro Federal
eleito da OAB pela
Seccional do Distrito
Federal.
16
Arquivo CYB
Rodrigo
Badaró
de Castro
Lendo a biografia do Stalin fiquei
imaginando como o ditador russo estaria,
se vivo hoje, a aplaudir os acontecimentos
políticos promovidos por alguns líderes do
Cone Sul, principalmente os caricatos Hugo
Chavez e Evo Morales, e agora a mais recente pantomima política e diplomática de
Honduras.
Voltando os olhos e pensamentos
para minha advocacia e o Brasil, motivado
pela leitura sobre a história de tão marcante
personagem, causaram-me preocupação o
teor das novas leis publicadas e os projetos
de lei em curso, sem falar no uso inadequado
daquelas já em vigor. Logo pensei na antiga e
conhecida máxima, de autoria atribuída pela
incerteza a Pinheiro Machado ou Getúlio
Vargas, recomendando: “aos amigos tudo e
aos inimigos o rigor da lei”.
Com efeito, tomando emprestada a
afirmativa acima, não é absurdo considerar
hoje que vivemos num país onde prevalece
para os cidadãos o rigor da Lei, enquanto
que o Estado tenta sempre escapar do imperativo dever de seu cumprimento.
Ao mesmo tempo em que notamos o
aumento da discricionariedade e do poder
dos agentes públicos, há nas novas leis evidente tentativa de limitação de defesa e uma
proteção excessiva dos atos administrativos.
Cito como exemplo o corriqueiro abuso das
penalidades administrativas previstas na Lei
de Licitação. O que vemos hoje são agentes públicos ameaçando e aplicando penas
de forma abusiva e desproporcional, como
atestado de inidoneidade ou suspensão de
contratar com órgãos públicos atingindo
mortalmente as empresas que têm o Estado
como maior cliente, às vezes sem respeito
aos princípios básicos da Constituição e
das normas administrativas, como a ampla defesa, razoabilidade, e impessoalidade.
Além disso, deparamo-nos com a nova lei
do Mandado de Segurança, que cria um
apartheid judicial ao engessar este remédio
heróico, criando barreiras em seus termos
que somente beneficiam o Estado. Lembro
ainda o Projeto de Lei 5139/2009 - propondo
mudança na Lei que regula as Ações Civis
Públicas - que vem limitar direitos de defesa,
promover a execução imediata logo após o
sentenciamento, ampliar os legitimados a se
valerem de um procedimento especial.
Relembro a absurda PEC 12, conhecida como o CALOTE OFICIAL dos precatórios,
infelizmente aprovada em novembro deste
ano pela Câmara dos Deputados. Nela, como
já é de conhecimento de todos, os credores
do ESTADO ficarão à mercê de uma estrutura
desigual que aumentará em muitos anos, ou
ad eternum, o tempo de recebimento do que
lhes é devido. Ao revés, o ESTADO pode tudo,
Revista Del Rey Jurídica
LANÇAMENTOS
Direito Público
Livros
indicados:
Nós, Povo
Soberano.
Fundamentos
do Direito
Constitucional
Coleção Del Rey
Internacional
Foto: Eugênio Goulart
Tribunal de Contas da União. Pois já
querem limitar os efeitos das decisões
do TCU e “abrandar” apenas para o
Estado as limitações da Lei das Concorrências (Ao Estado Tudo!).
Terminando de ler a biografia
do famoso e cruel ditador, e acompanhando a evolução legislativa ora
comentada, fico a imaginar se um dia
não acordaremos a parafrasear o famoso Sr. K, de Franz Kafka, e indagar:
“Mas como posso ser detido? E desta
maneira?”.
Jorge Henrique de Oliveira Souza, autor.
Jorge Henrique de Oliveira Souza
e Roque Antonio Carrazza.
***
A Escola Judicial “Des. Edésio Fernandes”, do TJMG, e a Livraria Del Rey
Editora promoveram, no dia 27 de agosto,
importante conferência sobre o tema “Os
Tribunais internacionais contemporâneos
e o direito de acesso à Justiça Internacional”, proferida pelo conhecido jurista
mineiro Antônio Augusto Cançado Trindade, que foi Juiz Presidente da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, na
Costa Rica, e atualmente é Juiz da Corte
Internacional de Haia. Autor de diversos
livros jurídicos, entre os quais “Direito
das Organizações Internacionais” , cuja 4ª
edição, revista e atualizada, foi lançada
pela Del Rey logo após a conferência.
Fotos: Rossana Souza
A Lei 12.016/09 que
modificou o
processamento do
Mandado de Segurança,
vem impor aos cidadãos
restrições ao uso desta
medida judicial.
Bruce Ackerman
Editora Del Rey
Transformação
do Direito
Constitucional.
Nós, Povo
Soberano
Coleção Del Rey
Internacional
Cançado Trindade e Des. Reynaldo Ximenes.
Fotos: Rossana Souza
por meio dos procedimentos especiais
para execução fiscal, a intransigência
na cobrança e voracidade na fiscalização.
A Lei 12.016/09, citada nesta
observação, que modificou o processamento do Mandado de Segurança, que
sempre serviu de contrabalanceamento
aos abusos dos agentes públicos, vem
impor aos cidadãos restrições ao uso
desta medida judicial, dificultando o
acesso ao Judiciário e ainda diminuindo a possibilidade legal de contenção
de abusos. Temos fundadas dúvidas
sobre a constitucionalidade dessas
restrições, enfim da nova lei.
Como exemplo, a Lei, logo em
seu primeiro artigo começa a restringir, pois pelo § 2º do artigo 1º fica
vedado o uso do Mandado de Segurança contra atos de gestão comercial
praticados pelos administradores de
empresas públicas, de sociedade de
economia mista e de concessionárias
de serviço público.
As condições para concessão da
liminar em Mandado de Segurança são
absurdas para se tornarem objeto de
previsão legal, tais como a exigência
de realização prévia de caução, depósito ou fiança para o deferimento
da medida liminar, além da surreal e
estapafúrdia exigência de oitiva prévia
do representante da pessoa jurídica de
Direito Público, como condição para a
concessão da liminar em Mandado de
Segurança coletivo.
Em outra esfera, aproveitando
a alegria coletiva pelas Olimpíadas
do Rio de Janeiro, fico imaginando os
riscos e os problemas que serão vividos pelos empresários que irão prestar
serviço ao Estado, diante das restrições
legais hoje existentes para questionar
abusos do administrador público, a banalidade na aplicação das penas, sem
falar na necessidade de ficar vigilante
à louvável e forte atuação técnica do
Foto: Eugênio Goulart
No dia 20 de agosto, na Livraria
Martins Fontes, em São Paulo, aconteceu
o lançamento do livro “Tributação e Meio
Ambiente” (Del Rey), do advogado Jorge
Henrique de Oliveira Souza, mestre em Direito
Tributário pela PUC São Paulo, prefaciada
pelo professor Roque Antonio Carrazza.
Bruce Ackerman
Editora Del Rey
www.delreyonline.com.br
Cançado Trindade e Arnaldo Oliveira.
17
DIREITO PENAL
Arquivo CYB
Arquivo pessoal
Considerações acerca dos crimes de lavagem ou ocultação de bens,
direitos e valores descritos na Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998
Geraldo
Vieira
Advogado.
Presidente do
Grupo GV. Mestre
pela FECAP–SP
em Contabilidade
e Controladoria,
em Administração
pela FEAD-MG
e mestrando em
Planejamento
Tributário pela
FUCAP - ES.
18
A expressão “lavagem de dinheiro”
tem origem nos Estados Unidos (money
laundering), a partir da década de 1920
quando lavanderias na cidade de Chicago
teriam sido utilizadas por gangsters para
despistar a origem ilícita do dinheiro,
ou seja, por intermédio de um comércio
legalizado, buscava-se justificar a origem
criminosa do dinheiro arrecadado com a
venda ilegal de drogas e bebidas.
Pela definição mais comum, a
lavagem de dinheiro constitui um conjunto
de operações comerciais ou financeiras
que buscam a incorporação na economia
de cada país dos recursos, bens e serviços
que se originam ou estão ligados a atos
ilícitos.
Lavagem de dinheiro é o processo
pelo qual o criminoso transforma recursos
ganhos em atividades ilegais em ativos
com uma origem aparentemente legal.
Essa prática geralmente envolve múltiplas
transações, usadas para ocultar a origem
dos ativos financeiros e permitir que eles
sejam utilizados sem comprometer os
criminosos. A dissimulação é, portanto, a
base para toda operação de lavagem que
envolva dinheiro proveniente de um crime
antecedente.
Em termos mais gerais, lavar
recursos é fazer com que produtos de crime
pareçam ter sido adquiridos legalmente.
Especialistas estimam que cerca de US$500
bilhões em “dinheiro sujo” – cerca de 2%
do PIB mundial - transitam anualmente na
economia. Trata-se de uma ameaça global
crescente e as medidas para controlar
o problema tornaram-se foco de um
intenso esforço internacional. Durante os
últimos dez anos, inúmeras organizações
envolveram-se na luta contra a lavagem de
dinheiro, promovendo a cooperação para
assegurar que as instituições financeiras
tomem as providências necessárias a fim
de minimizar os efeitos danosos dessa
prática.
Conceitualmente, a lavagem de
dinheiro merece séria consideração sob
Revista Del Rey Jurídica
EM DESTAQUE
PRINCÍPIOS UNIDROIT
Direito Penal
Foto: Arquivo Pessoal
param para pensar sobre a gravidade
do problema, principalmente porque
a lavagem de dinheiro parece distante
de nossa realidade.
Entretanto, observa-se que,
assim como todo tipo de crime organizado, o tema tem merecido bastante reflexão tanto por parte dos
operadores do direito como por parte
da sociedade tendo em vista constituir-se uma ameaça global crescente
que desafia o estudo de medidas para
seu controle, tendo o problema se
tornado foco de um intenso esforço
internacional. Durante os últimos dez
anos, inúmeras organizações envolveram-se na luta contra a lavagem de
dinheiro, promovendo a cooperação
para assegurar que as instituições
financeiras tomem as providências
necessárias a fim de minimizar os
efeitos danosos dessa prática.
Livros
indicados:
Lavagem de
Dinheiro
Aspectos Penais
da Lei nº. 9.613/98
André Luis Callagari
Editora Livraria do
Advogado
Lavagem de
Dinheiro
Análise Crítica da
Lei nº. 9613/98
Flagrantes do lançamento.
VISITA
A Editora Del Rey recebeu a visita
do Ministro Adhemar Ferreira Maciel,
Presidente da Academia Mineira de
Letras Jurídicas, sendo recepcionado
pelos Editores Arnaldo Oliveira e Ricardo
Fiuza.
Foto: Arquivo Del Rey
dois principais aspectos. Primeiro,
permite a traficantes, contrabandistas
de armas, terroristas ou funcionários
corruptos - entre outros - continuarem com suas atividades criminosas,
facilitando seu acesso aos lucros
ilícitos. Além disso, o crime de
lavagem de dinheiro mancha as
instituições financeiras e, se não
controlado, pode minar a confiança
pública em sua integridade.
Numa época de rápido avanço
tecnológico e globalização, a lavagem de dinheiro pode comprometer
a estabilidade financeira dos países.
Vigilância constante é necessária por
parte de reguladores, bancos, centros
financeiros e outras instituições vulneráveis para evitar que o problema
se intensifique.
Nas duas últimas décadas, a
lavagem de dinheiro e os crimes correlatos – entre os quais, narcotráfico,
corrupção, sequestro e terrorismo –
tornaram-se delitos cujo impacto não
pode mais ser medido em escala local.
Se antes essa prática estava restrita
a determinadas regiões, seus efeitos
perniciosos hoje se espalham para
além das fronteiras nacionais, desestabilizando sistemas financeiros
e comprometendo atividades econômicas.
Por causa da natureza
clandestina da lavagem de dinheiro,
fica difícil estimar o volume total
de fundos lavados que circulam
internacionalmente. As técnicas
de análise disponíveis envolvem a
mensuração do volume de comércio
em atividades ilegais tais como tráfico
de drogas, de armas ou fraude. Por essa
razão, o tema tornou-se objeto central
de inúmeras discussões realizadas em
todo o mundo. Chefes de Estado e
de governo, bem como organismos
internacionais, passaram a dispensar
mais atenção à questão. Poucas pessoas
Foi lançada na cidade de
São Paulo, na Sala Visconde de São
Leopoldo da Faculdade de Direito da
USP, no dia 27 de agosto, a edição
brasileira dos Princípios UNIDROIT
Relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004. A obra, que saiu
pelo selo da Editora Quartier Latin do
Brasil, tem apresentação de José Ângelo
de Estrella Faria, Secretário-Geral do
Instituto Internacional para a Unificação
do Direito Privado (UNIDROIT), sediado
em Roma.
A edição brasileira deste importantíssimo instrumento jurídico para
regular as trocas econômicas internacionais é o fruto de um meticuloso empreendimento dirigido pelo Prof. João
Baptista Villela, autor que também publica pela Editora Del Rey, e executado
por um grupo de trabalho constituído
prevalentemente de jovens professores
ou egressos da Faculdade de Direito da
UFMG.
Carlos Márcio Rissi
Macedo
Editora Juruá
www.delreyonline.com.br
19
DIREITO INTERNACIONAL
André
Bandeira
Diplomata e Auditor
do Instituto de
Defesa Nacional,
presentemente
exercendo funções
diplomáticas como
Cônsul de Portugal
em Minas Gerais,
foi anteriormente
Conselheiro de
Investigação do
Colégio de Defesa
da OTAN, em Roma
20
Na Idade Média, S. Tomás de Aquino, a meio do Séc. XIII,
numa Revolução que
nada teve de trevas,
disse claramente “Ergo
bellare semper est
peccatum…” (Summa
Theologiae, Secunda
Secundae, Quaestio
39, a 3). Havia exceções mas, em princípio, guerrear era sempre pecado. Não nos
adianta que Obama
diga do alto duma
cátedra, que pode haver Guerra justa e que uma “Guerra Santa”
nunca é justa, mesmo se as cruzadas foram
coisas terríveis. Entristece ouvir da parte dele
que há glória nos soldados que morrem pela
sua Pátria ou pelos seus camaradas, mas que
a Guerra nunca é gloriosa. Como pode haver
glória, na infâmia? Ao fim, justifica este
paradoxo: temos que continuar a admitir
o facto da Guerra e, mesmo assim, lutar
pela Paz, pois, de outro modo, não haveria
progresso.
O «Professor Obama» diz que não há
“Guerra justa”, sem “Paz justa” mas interessa-lhe a Paz, ou interessa-lhe o Progresso?
Uma “Paz” cheia de adjetivos é algo que,
nem os soldados nas trincheiras todos os
dias, sujeitos a obuses e cargas, nem ninguém, acreditam. Obama admite que é necessário “imaginação moral” e que a temos
de ir sempre alargando. Nisso consiste a
moral de Obama… puxar pela cabeça para
dar uma volta aos problemas que se têm
de enfrentar, passando por estreitos morais
pouco abertos. É certo que, sem um esforço
moral, não saberíamos escolher as leis mais
certas, e teríamos apenas normas técnicas.
É certo que, no Paraíso, Adão e Eva conheceram o Bem e o Mal, mas não criaram o
Bem e o Mal.
Por duas vezes, Obama repete no seu
discurso que “o mal existe”. Talvez ele deGoogle.com.br/gforum.tv
Arquivo pessoal
A Doutrina Obama da “Guerra Justa”
Obama fez um discurso em Oslo, ao
receber um prêmio Nobel da Paz que não
mereceu. Ele merece ainda o nosso apoio
mas quem lhe deu este prêmio, deixou-o
cair no chão.
O discurso de Obama repete vários
precedentes no Direito Internacional. Como
no caso Caroline (Caso Caroline, de 1837
que determina, na jurisprudência internacionalística norte-americana, o direito de
legítima defesa anticipatória, se a “Necessity
of self-defence is instant, overwhelming,
leaving no choice of means and no time for
deliberation”), de novo os EUA reafirmam
o seu direito de atuar unilateralmente, em
legítima defesa antecipada e até em intervenção humanitária quando tal entenderem. Tudo isto, ao arrepio do art.51 da Carta
das Nações Unidas que revogou o Direito
anterior em matéria de legítima defesa, o
qual já tinha sido revogado pelo Tratado
Briand-Kellog. Mas Obama é Presidente dos
Estados Unidos e jurou defender a segurança
da sua Nação. Por isso, enviou mais 30.000
soldados para uma guerra do Afeganistão,
que é alimentada pela droga, quer do lado
governamental, quer dos guerrilheiros, e
por uma população paquistanesa com armas e mísseis que receberam dos próprios
americanos, quando os soviéticos estavam
em Cabul.
Revista Del Rey Jurídica
vesse usar a sua “imaginação moral”
para descobrir que o mal não existe
apenas no adversário, em quem pensa
diferente dele, mas que o mal a que
se refere, é uma realidade transversal
que não escolhe partido, nem confissão, nem um tipo de guerra justa,
mais justa que a do adversário. Nesta
confusão, Obama dá-nos um ou dois
tópicos: é justa a guerra humanitária,
nomeadamente contra o genocídio e
não se pode dizer que um país falhado
onde os Direitos Humanos não são
respeitados, esteja “em paz”. De novo,
Obama é impreciso: os Direitos Humanos não são direitos políticos, são
direitos constitucionais, inseparáveis
uns dos outros, não se pode dar o direito à palavra a uma população que
nem consegue abrir a boca para mastigar os grãos de trigo que apanha no
chão. Mas Obama não se detém e diz
que é tão importante no seu conceito
de “Paz justa” a firmeza do soldado
numa missão de paz, como a coragem
do jovem manifestante num país sem
liberdade de expressão, como uma
mulher que junta os seus tostões para
mandar a filha para a escola, num país
fundamentalista.
Ora, Obama esquece-se que
o “soldado da paz”, envolvido numa
“Guerra justa”, não escapa à lei histórica da Guerra, ou seja a de que
morrem cada vez mais civis do que
militares, apesar de as armas serem
todas cada vez mais sofisticadas. Esquece-se que o jovem se manifesta
mas que o seu pai faz parte do sistema e o vive de um modo diferente,
permitindo ao jovem manifestante
comer e dormir quando volta da manifestação. E Obama esquece-se que
o fundamentalista que entende que
a menina não deve ir à escola, perdeu
metade da família, perdeu um olho e
um pé, durante trinta anos de guerra,
fugindo com a menina às costas por
Direito Internacional
vales e montanhas, escapando a um
invasor que disparou sobre ele em
nome da paz e do progresso. Ora a
História, como justificação, não é só o
Progresso, é também dor e regresso.
O mal de Obama é que não
consegue vencer uma contradição
essencial, que se diria até juvenil, da
sua parte: os princípios universais que
pretende aplicar, não lhe passa sequer
pela cabeça, que também tem de os
aplicar a si próprio. Mas ninguém
o consegue interromper, no fluxo
encadeado das suas belas palavras
pois quem fala tão bem como ele,
não pode deixar de ter razão e que,
portanto, o seu modo de aplicar e
combinar os princípios defendidos é
tão perfeito quanto a fluência do seu
discurso e a cadência dos aplausos.
Em suma, Obama teve a situação infeliz de receber o Prémio Nobel
da Paz, em 2009. Nem o Comité Nobel
o obrigou a nada, nem ele se sentiu
obrigado. De novo venceu a lei de
uma competição estúpida em que o
único vencedor é aquele que chega primeiro. O Comitê Nobel pensou
que se anteciparia e Obama pensou
que anteciparia o sentido do prêmio
Nobel. Nem um nem outro o conseguiram e algures, no Paquistão, ou na
Chechênia, na Indonésia ou em África,
alguém receberá um outro prêmio,
em outra Língua, que soará mais ou
menos como Ansar-al-Islam, o “Companheiro da Paz Universal”.
Obama, até agora, não conseguiu suscitar consenso entre as Nações e os sujeitos de Direito Internacional para lançar o seu precedente
de “Guerra justa” (Vd. Ian Brownlie
in Principles of Public International
Law, Cambridge University Press,
Cambridge, 2ºEdição,p. 4). Na verdade, próximos que estamos duma
Guerra que escalou até às bombas
atômicas de Hiroshima e Nagasaki,
falar em “Guerra justa” é igual a falar
em «massacre justo».
Um precedente, para ser lançado em Direito Internacional, não
precisa apenas de que se grite mais
alto. É preciso apanhar a comunidade internacional a jeito, mesmo que
não saibamos quem compõe esta Comunidade Internacional… e não são
somente as grandes potências.
Os soldados de amanhã não
serão apenas militares. Eles serão
construtores, médicos, engenheiros,
enfermeiros, assistentes sociais. Farão Segurança e Defesa em todo o
lado. Não sei se farão a Guerra. Essa
ficará para os que não são soldados,
mesmo que, orgulhosamente, continuem sendo guerreiros. Mas não
serão soldados.
Livros
indicados:
Direito das
Organizações
Internacionais
4ª edição
Antônio Augusto
Cançado Trindade
Editora Del Rey
Direito
Internacional
Público
4ª edição
Roberto Luiz Silva
Editora Del Rey
www.delreyonline.com.br
21
DIREITO INTERNACIONAL
Arquivo CYB
Arquivo Pessoal
A EXTRADIÇÃO E SEU CONTROLE PELO STF
Carlos
Velloso
Ministro,
ex-Presidente do
STF (Supremo
Tribunal Federal)
e do TSE (Tribunal
Superior Eleitoral),
professor emérito
da Universidade
de Brasília (UnB)
e da Pontifícia
Universidade
Católica de Minas
Gerais (PUC
Minas), em cujas
Faculdades de
Direito foi professor
titular de Direito
Constitucional e
Teoria Geral do
Direito Público,
autor do ensaio
“A Extradição
e seu Controle
pelo Supremo
Tribunal Federal”,
em “Terrorismo e
Direito”, Forense,
2003, é advogado.
22
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da extradição de Cesare Battisti, pedida
com base no Tratado existente entre o Brasil e
a Itália, decidiu que a decisão do ministro da
Justiça, concessiva do refúgio, fora proferida
contra a lei brasileira e a Convenção de Genebra
de 1951, além de usurpar competência do Supremo Tribunal. É que a Convenção de Genebra,
de 1951, estabelece que não será concedido
refúgio a quem haja praticado crime de direito comum. A lei brasileira, Lei 9.474, de 1997,
artigo 3º, inciso III, veda a concessão de refúgio
aos que tenham cometido crime hediondo. O
CONARE – Comitê Nacional para os Refugiados,
órgão técnico do Ministério da Justiça, indeferira o pedido de refúgio formulado por Battisti,
porque Battisti fora condenado pela Justiça
italiana pela prática de quatro homicídios qualificados que, pela lei penal brasileira, são crimes
hediondos. Convém esclarecer que as sentenças
condenatórias foram confirmadas pela Corte
de Cassação italiana. A Justiça francesa, em
atenção ao pedido de extradição formulado
pela Itália, deferira o pedido, pelas suas mais
altas instâncias, o Tribunal de Apelação de Paris,
a Corte de Cassação e o Conselho de Estado.
Battisti recorreu à Corte Européia de Direitos
Humanos, que negou provimento ao recurso.
Havia, pois, desfavoráveis a Battisti, sete decisões: duas decisões da Justiça italiana, três da
Justiça francesa, a decisão da Corte Européia
de Direitos Humanos e a decisão brasileira do
CONARE. O decidido pelo Supremo Tribunal
não teve, de conseguinte, sabor de novidade.
Esclareça-se, ademais, que o Estatuto dos Estrangeiros, Lei 6.815/80, artigo 77, inciso VII, §§
1º e 2º, estabelece que “caberá, exclusivamente,
ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do
caráter da infração”, ou seja, se o crime praticado pelo extraditando é político, ou se “o fato
constituir, principalmente, infração da lei penal
comum, ou quando o crime comum, conexo ao
delito político, constituir o fato principal.”
O Tribunal, em seguida, deferiu a extradição, pelo voto dos ministros Cezar Peluso,
Ricardo Levandowski, Ellen Gracie, Carlos Britto
e Gilmar Mendes. Até aí, tudo bem. A Corte,
simplesmente exercera competência que lhe é
Revista Del Rey Jurídica
LANÇAMENTOS
Direitos Internacional
base na Constituição (C.F., art. 102, I, “g”),
na lei (Lei 6.815/80, artigos 76-94) e no
RI/STF (artigos 207 a 214). O que há é
que a entrega do extraditando poderá
ser adiada, se estiver ele acometido de
moléstia grave comprovada por laudo
médico (art.89, parágrafo único). Não
há, nos dispositivos mencionados, constitucionais ou infraconstitucionais, vale
repetir, nada que autorize o Presidente da
República a deixar de cumprir o decidido
pelo Supremo Tribunal. A menos que seja
ressuscitado o que o constitucionalismo
sepultou há mais de duzentos anos: o
direito divino dos reis e imperadores, que
podiam decidir contra a lei.
(Artigo publicado originariamente
na “Folha de São Paulo”, de 25.11.2009)
Foto: Arquivo Pessoal
O autor e convidadas.
***
Na noite de 24 de setembro , na
sede da Academia Mineira de Letras, foi
lançado o livro “Política, ainda é possível?”, escrito pelo professor Antônio Carlos Doorgal de Andrada, Conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado de Minas
Gerais e ex-Deputado Estadual.
Foto: Alessandro Prenassi
Livro
indicado:
Desembargadora Federal Vera Lúcia Jucovsky(SP),
Henrique A. Mourão, Beatriz Souza Costa e Lúcio
Aparecido Souza e Silva, diretor da CAA/MG.
Foto: Arquivo Pessoal
Não há na lei, portanto, uma
só palavra que autorize o
Presidente da República a
deixar de cumprir a decisão
concessiva da extradição.
Humanização
do Direito
Internacional
Antônio Augusto
Cançado Trindade
Editora Del Rey
www.delreyonline.com.br
O autor e o acadêmico Murilo Badaró, Presidente da
Academia Mineira de Letras.
Foto: Alessandro Prenassi
conferida pela Constituição. A surpresa
veio depois. O Supremo, por cinco votos
a quatro, decidiu que, mesmo tendo sido
deferida a extradição, caberia ao Presidente da República a palavra final. É
dizer, o Supremo autolimitou-se, o que é
inédito, porque nunca ocorrera a hipótese
de o Presidente da República descumprir
decisão concessiva de extradição.
E essa hipótese nunca ocorreu,
porque nem a lei nem a Constituição isso
autoriza. Em Estado de Direito tudo se faz
de conformidade com a lei. A lei brasileira,
Lei 6.815/80, o Estatuto dos Estrangeiros,
artigos 76 a 94, cuida minuciosamente do
tema. Concedida a extradição, será o fato
comunicado, pelo Ministério das Relações
Exteriores, à Missão diplomática do Estado requerente, que, no prazo de sessenta dias, deverá retirar o extraditando do
território nacional (art.86). Se não o fizer,
o extraditando será posto em liberdade,
sem prejuízo da expulsão, se o motivo
da extradição o recomendar (art. 87). É
que o Brasil não pode transformar-se em
valhacouto de criminosos. Se o extraditando estiver sendo processado, ou tiver
sido condenado no Brasil, a extradição
será executada depois da conclusão da
ação penal ou do cumprimento da pena,
ressalvado o disposto no art. 67 (art. 89).
É dizer, ele poderá ser expulso, ainda que
haja processo ou tenha ocorrido condenação (art. 67). Todavia, o Governo poderá entregar o extraditando, ainda que
responda a processo ou esteja condenado
por contravenção (art. 90; Extradições
947-Paraguai; 859-Uruguai). Seguem-se
os trâmites finais da extradição (art. 91).
Depois de entregue ao Estado estrangeiro,
se ele escapar à ação da Justiça e homiziar-se no Brasil, será detido, mediante
pedido feito por via diplomática, e de
novo entregue sem outras formalidades.
Não há na lei, portanto, uma só palavra
que autorize o Presidente da República
a deixar de cumprir a decisão concessiva da extradição, decisão que encontra
Em 17 de setembro, no Minascentro, em Belo Horzionte, realizou-se o
lançamento do livro “Patrimônio Cultural
como um bem difuso – O Direito Ambiental brasileiro e a defesa dos interesses
coletivos por organizações não governamentais”, escrito pelo professor Henrique
Augusto Mourão.
O autor e o Desembargador José Tarcízio de Almeida Melo,
Presidente do TRE-MG.
23
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO
Arquivo Pessoal
OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS NA FASE DE EXECUÇÃO TRABALHISTA E A BUSCA
PELA EFETIVIDADE DO DIREITO MATERIAL
Davidson
Malacco
Ferreira
Mestre em Direito do
Trabalho pela
PUC Minas;
Advogado e
Professor de Direito
do Trabalho da
PUC Minas.
24
O escopo do presente trabalho é o
apontamento avaliativo dos princípios jurídicos aplicáveis no âmbito trabalhista, à luz
do mandamento constitucional e processual, refletindo essencialmente sua relevância
quanto à efetividade da tutela jurisdicional
satisfativa.
Insta esclarecer inicialmente a derradeira temática da função jurisdicional, do
ponto de vista do eminente Rosemiro Pereira Leal, atrelada à construção histórica do
conceito de Processo, hoje definida como
garantia principiológica assegurada nas leis
fundamentais, enfatizando o entendimento
de que “a Jurisdição, por si mesma, não pressupõe critérios de julgar ou proceder, mas
atividade de decidir subordinada ao dever de
fazê-lo segundo os princípios fundamentais
do Processo”. (Teoria Geral do Processo. 5 ed.,
São Paulo: Thonsom IOB, 2004, p. 41)
Destarte, a criação de institutos jurídicos atinentes a ramos de Direito autônomo deve levar em consideração a efetiva
atuação da norma material posta, a fim de
não se tornar a mesma letra morta ou norma meramente utópica. Assim não o fosse, a
Ciência do Direito permaneceria estagnada e
travaria seus debates, no campo dogmático,
arquétipo e cânone, prescindindo a crítica
científica consistente da atividade produtora
de conhecimentos e de esclarecimentos do
conhecimento para desenvolver, aperfeiçoar
e melhorar a técnica.
Modernamente, no contexto acadêmico-dogmático, surgem novos debates sobre o
significado dos princípios constitucionais no
ordenamento jurídico, citando desta forma as
teorias adotadas por Robert Alexy e Ronald
Dworkin, já que ambos formam pensamentosmodelo da hermenêutica jurídica ocidental.
Tomando por base as reflexões do
emérito professor Marcelo Campos Galuppo, explicando a teoria de Alexy na defesa
do entendimento de que os princípios não se
aplicam integral e plenamente em qualquer
situação. Antes, esses princípios são identificados como “mandado de otimização”. Assim
como as regras, os princípios são normas, mas,
diferentemente das regras, eles são normas
jurídicas que dizem que algo deve ser realizado na maior medida possível. Tal como
Alexy menciona, “princípios são normas que
ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível, dentro das possibilidades
jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem
ser cumpridos em diferentes graus, e que
a medida devida de seu cumprimento não
só depende das possibilidades reais, como
também das jurídicas (Revista de Informação
Legislativa, Brasília, 36 n. 143 jul/set, 1999,
p. 191-209).
Já Dworkin, citado por Galuppo, na
concepção das democracias contemporâneas,
destacando a aplicação dos princípios, salienta que “na prática, por causa da exigência
de integridade, apenas os argumentos de
princípio podem desempenhar a tarefa de
resolver os casos difíceis sem se comprometer
a democracia. Uma vez que os argumentos
de princípio estabelecem direitos individuais e os argumentos de orientação política
estabelecem metas coletivas”. (Revista de
Informação Legislativa, Brasília, 36 n. 143
jul/set, 1999).
Lapidar a lição do insigne José Joaquim
Gomes Canotilho, destacando o caráter fundamental dos princípios jurídicos visto que
estes são, “no plano da justificação, o fundamento formal normativo dos demais direitos,
o seu ponto de partida. Os princípios, entre
outras características, possuem o caráter de
fundamentabilidade do sistema, e, portanto
uma natureza normogenética, uma vez que
são fundamentos de regra, isto é, são normas
que estão na base ou constituem a ratio de
regras jurídicas”. (Direito Constitucional, 6
ed., Coimbra: Almedina, 1993, p. 167).
Injusto restaria este escrito, se não sublinhasse a definição de Plá Rodriguez que
princípios são “linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou
indiretamente uma série de soluções, pelo
que podem servir para promover e embasar
a aprovação de novas normas, orientar a
Revista Del Rey Jurídica
interpretação das existentes e resolver
casos não previstos”. (Los Princípios
de Derecho del Trabajo, Montevidéu,
1975., P. 17).
Relativamente aos específicos
trabalhistas depreende-se que poucos
são os autores duvidosos da existência
de princípios próprios do Direito Processual do Trabalho. Todavia, seguindo
os passos do ilustre Wagner Giglio, ficaremos apenas com os efetivamente
próprios, ou seja, privativos da disciplina acima mencionada.
Não parece a idéia de hierarquizar tais fundamentos basilares do
fenômeno jurídico, todavia, o princípio protecionista, além de essencial
no domínio trabalhista, na presente
reflexão denota, a meu ver, o caminho
para efetividade do ordenamento juslaboral. Como dito, Giglio vaticina que
“o caráter tutelar do Direito Material
do Trabalho se transmite e vigora também no Direito Processual do Trabalho”.
(Direito Processual do Trabalho. 16 ed.,
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 85).
Por oportuno, a temática executória deve ser explorada em seu
conceito, mesmo que singelo, a fim de
levar ao leitor, a posteriori, seu objetivo
precípuo e via de consequência partir
para a análise da efetividade, sob o
manto desses mandamentos basilares.
Manoel Antônio Teixeira Filho,
no ensaio de um conceito específico
sobre a execução forçada, no âmbito
do processo do trabalho, preleciona:
“Execução forçada é a atividade jurisdicional do Estado, de índole essencialmente coercitiva, desenvolvida
por órgão competente, de ofício ou
mediante iniciativa do interessado,
com o objetivo de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação
contida em sentença condenatória
transitada em julgado ou em acordo
judicial inadimplido ou em título extrajudicial previsto em lei”. (Execução
Direitos Processual do Trabalho
no Processo do Trabalho. 5 ed. São
Paulo: LTr, 2001 p. 33)
Enfatizando, ainda, o escopo de
tal procedimento, leciona Cleber Lúcio
que: “A execução tem objetivo, em suma,
a satisfação do direito reconhecido na
sentença (título executivo judicial) ou
em ato negocial ao qual a lei confere
força executiva (título executivo extrajudicial), ou segundo Francesco Carnelutti, proporcionar ao titular do Direito
subjetivo ou do interesse protegido, a
satisfação sem ou contra a vontade do
obrigado”. (Direito Processual do Trabalho. Ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2006,
p. 830).
Pelo contexto acima delineado, o
que se depreende é a indicação conceitual da essência satisfativa, por excelência, do processo executório, sendo certo
que, nesta fase, a atividade jurisdicional
deve se tangenciar ao estrito cumprimento do comando sentencial, respeitando, por óbvio, as garantias processo
- constitucionais do Estado Democrático
de Direito.
Mais do que isso, o legislador deverá criar mecanismos de avanços de
modo a impedir ao devedor retardar o
cumprimento da coisa julgada injustificadamente, ocorrendo em certos
casos de a execução prolongar-se por
muito mais tempo que a fase anterior
cognitiva, o que de pronto, se torna
inadmissível.
As presentes indicações e reflexões, em torno dos princípios jurídicos,
não deixam dúvidas que para o caminho
da efetividade da norma jurídica posta
em sociedade, o operador do Direito deve
se despir do apego à proteção formal ao
devedor e buscar acima de tudo, porém
com o digno tratamento jurídico e social, a essência satisfativa do processo
executório, em prestígio, inclusive, da
própria decisão jurisdicional.
Sem nos esquecer, contudo, de
que todo provimento executivo tem a
sua eficácia constantemente ameaçada
pelo transcurso do tempo, que usualmente é visto como vilão declarado e
incansável do processo, hoje, inclusive
com prerrogativa constitucional indicativa no título dos direitos e garantias
fundamentais, qual seja, o tempo razoável de duração do processo.
Especificamente, em matéria
trabalhista, os princípios jurídicos aplicáveis não permitem delongas, não só
pela urgência ditada pela necessidade
de satisfação econômica de direitos,
em grande parte de natureza alimentar, como também em decorrência dos
imperativos sociais e políticos.
A solução, como dito, passa
pela efetividade e correta aplicação
dos princípios dessa ciência jurídica,
ademais pelos fins colimados pelo Direito do Trabalho, ou melhor, pelo “direito fundamental ao trabalho digno
e protegido”.
Livros
indicados:
Direito
Processual do
Trabalho
3ª edição
Cleber Lúcio de
Almeida
Editora Del Rey
Direito
Processual
do Trabalho
Comparado
Manoel Carlos
Toledo Filho, Vitor
Salino de Moura Eça
(coordenadores)
Editora Del Rey
www.delreyonline.com.br
25
DIREITO CIVIL
Arquivo CYB
Arquivo pessoal
PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A RECENTE REFORMA NA LEI DE
LOCAÇÕES DE IMÓVEIS URBANOS (LEI N. 12.112/2009)
Leonardo
de Faria
Beraldo
Advogado em Belo
Horizonte. Mestre
em Direito pela
PUC Minas.
Especialista em
Processo Civil.
Professor em cursos
de graduação e
pós-graduação
de Direito Civil e
Processual Civil.
Membro da
Lista de Árbitros
e do Conselho
Deliberativo da
CAMARB – Câmara
de Arbitragem
Empresarial Brasil.
Diretor-Segundo
Secretário do
Instituto dos
Advogados de
Minas Gerais.
Diretor SecretárioGeral e Professor
da Escola Superior
de Advocacia da
OAB/MG.
26
1. INTRODUÇÃO
No dia 9 de dezembro de 2009 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n. 12.112,
que altera a Lei n. 8.245/91 (Lei de Locação),
para aperfeiçoar as regras e procedimentos sobre
locação de imóvel urbano.
Algumas alterações são novidades, por
outro lado, outras são apenas a positivação de
questões que já estavam consolidadas nos nossos
tribunais, em especial pelo Superior Tribunal de
Justiça – STJ.
A lei entra em vigor no dia 23 de janeiro
de 2010. Como não há prazo expresso para a sua
vigência, a vacatio legis é de 45 dias, nos termos
do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil e,
para fins da contagem desse prazo, aplicar-se-á
o disposto no art. 8º, § 1º, da Lei Complementar
n. 95 de 1998.
Cumpre, ainda, informar que o Instituto
Brasileiro de Defesa dos Lojistas de Shoppings
(IDELOS) ajuizou, no Supremo Tribunal Federal STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn)
n. 4.366, sob a relatoria da Ministra Ellen Gracie,
arguindo que o art. 59, § 1º, IX (despejo liminar
por falta de pagamento de aluguel ou acessórios),
da nova lei, é inconstitucional. Alega o referido
instituto que o dispositivo legal afronta os arts.
1º, III; 5º, LV; e 170, caput, todos da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988. A
nosso ver, trata-se de tentativa desesperadora e
infeliz de impedir que a nova lei cumpra o seu
verdadeiro papel na nossa sociedade, que é o de
punir o mau locatário, e, ao mesmo tempo, o de
proteger o locador que está em dia com suas
obrigações.
2. AS APARENTES NOVIDADES
A mídia vem trazendo alguns temas
como se fossem grandes novidades, porém, conforme demonstraremos a seguir, já existiam na Lei
n. 8.245/91 ou então já eram matérias pacificadas
na jurisprudência.
O art. 4º possui uma nova redação:
“Durante o prazo estipulado para a duração do
contrato, não poderá o locador reaver o imóvel
alugado. O locatário, todavia, poderá devolvê-lo,
pagando a multa pactuada, proporcionalmente
ao período de cumprimento do contrato, ou, na
sua falta, a que for judicialmente estipulada”.
Ocorre que, antes da nova Lei, o locatário já poderia devolver o imóvel antes de findo o contrato
e pagar multa proporcional. A diferença é que a
disposição legal anterior fazia menção ao art. 924
do Código Civil de 1916, correspondente ao art.
413 do Código Civil de 2002, que permite ao juiz
reduzir a cláusula penal de forma proporcional.
Portanto, a conclusão a que se chega é a de que
isso não é nenhuma inovação.
Revista Del Rey Jurídica
Também vem sendo falado que
a nova lei beneficia o fiador, tendo em
vista que o art. 12, § 2º, dispõe que “o
fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de 30 (trinta) dias
contado do recebimento da comunicação
oferecida pelo sub-rogado, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante
120 (cento e vinte) dias após a notificação
ao locador”. Contudo, já estava assentada
na jurisprudência tal possibilidade (STJ,
REsp n. 540.669/RJ ou REsp n. 316.173/
RJ), até mesmo em razão da primitiva redação do parágrafo único do mencionado
artigo, que hoje deixou de existir, pois
possui redação melhorada e com nova
numeração.
Segundo os jornais de grande
circulação, com a nova lei, o fiador ficará
vinculado ao contrato mesmo que ele
seja prorrogado, automaticamente, por
prazo indeterminado, haja vista o teor
do art. 39: “Salvo disposição contratual
em contrário, qualquer das garantias da
locação se estende até a efetiva devolução
do imóvel, ainda que prorrogada a locação
por prazo indeterminado, por força desta
Lei”. Todavia, ocorre que o STJ já vem decidindo, desde o ano de 2006, que “continuam os fiadores responsáveis pelos débitos
locatícios posteriores à prorrogação legal
do contrato se anuíram expressamente a
essa possibilidade e não se exoneraram
nas formas dos artigos 1.500 do CC/16 ou
835 do CC/02, a depender da época que
firmaram a avença” (STJ, REsp n. 821.953/
RS ou AgRg no Ag n. 776.039/MG).
Por fim, outra alteração que se
tem colocado como uma novidade supostamente benéfica ao fiador é a da possibilidade de ele poder se exonerar do seu
dever de garante da obrigação de pagamento do locatário, desde que o contrato
seja prorrogado por prazo indeterminado.
Para tanto, basta que ocorra a “prorrogação da locação por prazo indeterminado
uma vez notificado o locador pelo fiador
de sua intenção de desoneração, ficando
Direito Civil
obrigado por todos os efeitos da fiança,
durante 120 (cento e vinte) dias após a
notificação ao locador” (art. 40, X). Nessa hipótese, o fiador poderá se livrar de
seu encargo e o locador poderá exigir,
do locatário, uma nova garantia. Aqui,
uma vez mais, pode-se afirmar que não
há qualquer novidade, pois ele já poderia
assim proceder, tendo em vista o disposto
nos arts. 1.500 do CC/1916 ou 835 do
CC/2002. A jurisprudência do STJ era tranqüila a esse respeito e permitia facilmente
a sua concretização.
3. AS INOVAÇÕES MAIS RELEVANTES
Nesse tópico analisaremos, superficialmente, algumas das reais novidades trazidas pela Lei n. 12.112. A propósito,
nem mesmo todas elas podem ser vistas
como novas criações do nosso legislador,
pois, em alguns casos, já existia solução
semelhante no nosso ordenamento jurídico.
A nosso ver, a mais importante
delas diz respeito à ação de despejo. O art.
59, § 1º, trouxe quatro novas hipóteses do
chamado despejo liminar, isto é, situações
nas quais o locatário será citado para sair
do imóvel em apenas quinze dias. Os únicos dois requisitos para que isso aconteça
são: i) a ocorrência de uma das situações
previstas no § 1º do art. 59 e ii) que o
locador preste caução de valor referente
a três meses de aluguel. Vale lembrar que
essa decisão judicial deve ser tomada sem
a audiência do réu e desafia o recurso de
agravo de instrumento, que, em nenhuma hipótese, poderá ser convertido em
agravo retido pelo tribunal, pois nessas
circunstâncias sempre haverá risco de
dano irreparável ou de difícil reparação.
Com efeito, os quatro novos
incisos (VI a IX) de despejo sumário do
rol do art. 59, § 1º, que é taxativo, são os
seguintes: “VI – o disposto no inciso IV
do art. 9º, havendo a necessidade de se
produzir reparações urgentes no imóvel,
determinadas pelo poder público, que não
possam ser normalmente executadas com
a permanência do locatário, ou, podendo,
ele se recuse a consenti-las; VII – o término do prazo notificatório previsto no
parágrafo único do art. 40, sem apresentação de nova garantia apta a manter a
segurança inaugural do contrato; VIII – o
término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30
(trinta) dias do termo ou do cumprimento
de notificação comunicando o intento de
retomada; IX – a falta de pagamento de
aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de
qualquer das garantias previstas no art.
37, por não ter sido contratada ou em
caso de extinção ou pedido de exoneração
dela, independentemente de motivo”.
O mais importante de todos é,
sem dúvida, o inciso IX, pois permite o
despejo imediato do locatário que não
honra com a sua obrigação de pagar o
aluguel e acessórios (v.g., o condomínio
e o IPTU) em dia. Não se pode tolerar
mais que o inquilino não cumpra a sua
obrigação e, mesmo assim, ainda possa
ficar residindo no imóvel até o deslinde
da demanda.
Destarte, após uma leitura dos
incisos acima transcritos, podemos formular os seguintes questionamentos:
1º) Caso o locatário apresente
um novo fiador, com 5 dias de atraso,
poderá o locador despejá-lo com fulcro
no inciso VII? Na nossa opinião, cabe ao
juiz verificar as particularidades do caso
concreto. Como o inadimplemento deu-se
por pouquíssimos dias, e se se constatar
que o locatário sempre cumpriu com afinco e pontualidade suas obrigações, não
há porque não permitir que ele fique no
imóvel.
2º) Será possível o ajuizamento de
ação de despejo nas locações comerciais,
com base no inciso VIII, poucos dias após
o término dos trinta dias previstos na lei?
Ou seria esse um prazo decadencial? Nesse
27
DIREITO CIVIL
28
legal é completamente desprovido de
lógica. Por que é que o locador que tem
uma garantia deve esperar a sentença ser proferida para tirar o locatário
inadimplente do imóvel, que, aliás, corre
inclusive o risco de nunca receber os valores devidos, e o locador sem qualquer
garantia dispõe do benefício do despejo
sumário? Com todo o respeito, trata-se
de uma opção legislativa equivocada e
que deve ser obtemperada pelos advo-
cador? Essas respostas certamente não
são fáceis de ser respondidas, e demandariam muitas linhas para tanto, o que
infelizmente não dispomos nessa oportunidade, mas é algo que a comunidade
jurídica deve parar para pensar.
Com efeito, no tocante aos
questionamentos de números 2 e 4,
vale lembrar que, caso a liminar seja
indeferida com base no descumprimento da letra fria da lei, sempre será
viável o pedido de antecipação de tutela,
na forma do art. 273
do CPC, e que certamente será deferida,
desde que os requisitos estejam presentes,
conforme já decidiu o
STJ inúmeras vezes.
Dentre elas, destacase o Recurso Especial
n. 445.863/SP.
Outra criação da lei nova foi a
de possibilitar que o
fiador possa purgar a
mora do locatário na
ação de despejo (art.
62, II). Antigamente,
essa faculdade era exclusiva do locatário.
Portanto, vê-se
que essas são algumas
situações que facilmente irão surgir e caberá à jurisprudência resolvê-las da melhor maneira
possível, sempre valendo-se dos princípios da boa-fé objetiva, da razoabilidade e da proporcionalidade.
Arquivo CYB
mesmo artigo já havia um inciso que
permitia a concessão de liminar. Estamos
nos referindo ao inciso III, que permite
o despejo liminar desde que ocorra o seguinte: “o término do prazo da locação
para temporada, tendo sido proposta a
ação de despejo em até trinta dias após
o vencimento do contrato”. Na doutrina
especializada sobre o tema, todos são
unânimes em não admitir a possibilidade
de deferimento da liminar na ação de
despejo, se ultrapassados
os tais 30 dias. Todavia,
o fundamento legal
utilizado por todos é o
fato de o art. 50 e o seu
parágrafo único disporem que, caso não seja
ajuizada a ação no prazo legal, presumir-se-á
prorrogada a locação por
tempo indeterminado,
somente podendo ser
desfeita após 30 meses
ou nas hipóteses do art.
47 (denúncia cheia). Por
outro lado, a nova hipótese trazida pela Lei
n. 12.112 não cria uma
conseqüência para o não
cumprimento do prazo.
Destarte, fica a dúvida se
esse prazo seria ou não
decadencial. A nosso ver,
trata-se de decadência
sim, e, caso seja inobservado, caducará
o direito de obter a liminar na forma do
inciso VIII do art. 59.
3º) E com relação ao despejo por
falta de pagamento? Ele será cabível,
com amparo no inciso IX, mesmo quando
o locatário tiver apresentado alguma
garantia? Apesar de ser muito mais fácil
concordar com o legislador e não permitir o despejo sumário quando o contrato
de locação tiver sido garantido por um
fiador, preferimos defender a tese contrária, na medida em que o dispositivo
gados e magistrados.
4º) E quando o locatário tiver
realizado benfeitorias no imóvel, e o
locador não as quiser compensar com
o valor do aluguel? Qual será a medida
legal que o locatário deverá tomar para
ilidir o despejo liminar do inciso IX? Seria
possível manejar a ação de consignação
em pagamento para impedir a efetivação
da liminar de despejo? Ou o caminho
correto seria pagar o valor do integral
do aluguel e, logo em seguida, ajuizar
uma ação de cobrança em face do lo-
4. DIREITO INTERTEMPORAL
Quando falamos em direito intertemporal, estamos nos referindo à
dúvida que pode vir a existir sobre qual
lei deverá ser aplicada ao caso concreto,
a revogada ou a vigente. Nesse caso,
Revista Del Rey Jurídica
então, existem duas regras básicas que
devem ser observadas pelo aplicador do
Direito: i) a lei processual tem aplicação
imediata; ii) o direito das obrigações é
regido, na formação do vínculo, pela
lei vigente no momento da celebração
do pacto; iii) os seus efeitos, contudo,
são regulados pela lei nova, ex vi do
disposto no art. 2.035 do CC/2002; e
iv) não retroage, respeitando-se o ato
jurídico perfeito, a coisa julgada e o
direito adquirido.
Para melhor compreensão disso, passemos à análise de três exemplos.
No primeiro, verifiquemos o
teor do art. 62, parágrafo único: “Não
se admitirá a emenda da mora se o
locatário já houver utilizado essa faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses
imediatamente anteriores à propositura da ação”. Poder-se-ia pretender
sustentar que a purgação da mora a
que se faz menção seria apenas aquela
que teria ocorrido já na vigência da
nova lei. Entretanto, esse não parece
ser o melhor entendimento. A nosso
ver, se no dia 11/01/2009, ou seja, um
ano antes da vigência da nova lei, o
locatário purgou a mora ao ser citado
para responder a uma ação de despejo,
e, no dia 18/05/2010 ele é citado para
responder a uma outra ação de despejo, do mesmo imóvel, ele não poderá
purgar a mora dessa vez. A vedação
decorre da regra acima mencionada
que, certamente, tem aplicação imediata. Dessa forma, podemos afirmar
que o art. 62, parágrafo único deve
ser aplicado mesmo se a purgação da
primeira mora tenha ocorrido antes da
vigência da Lei n. 12.112.
No segundo, fica a dúvida
se algumas das hipóteses de despejo
liminar do art. 59 poderão ser aplicadas, a partir da vigência da lei nova,
aos processos que já estão tramitando.
A nossa resposta é positiva. Assim, se
Direito Civil
foi ajuizada uma ação de despejo por
falta de pagamento no ano de 2008
ou 2009, e o réu (locatário-devedor)
ainda continua no imóvel, não há porque não permitir que lhe seja dado o
prazo de 15 dias para entregar o bem
espontaneamente, sob pena de despejo
compulsório. A lei não está retroagindo, está apenas efetivando um novo
direito do locador, e assim o faz sem
violar situações consolidadas à luz da
lei velha.
No terceiro, vejamos o que dispõe o art. 64: “Salvo nas hipóteses das
ações fundadas no art. 9º, a execução provisória do despejo dependerá de caução
não inferior a 6 (seis) meses nem superior
a 12 (doze) meses do aluguel, atualizado
até a data da prestação da caução”. Dessa
feita, se a ação de conhecimento iniciouse à luz da lei velha, será perfeitamente
possível que a execução provisória ou o
cumprimento provisório de sentença, que
comece já sob a vigência da nova lei, se
valha dessa caução mais branda. Ora, se
a lei produz efeitos imediatamente, não
há porque pretender aplicá-la apenas aos
processos ajuizados a partir de 23 de janeiro de 2010. Caso, no entanto, já esteja
em andamento a execução provisória, e a
caução já tiver sido prestada, não poderá
o juiz permitir que o exeqüente levante
a diferença, pois, nessa situação, estamos
diante de ato processual já consumado à
luz da lei velha, que não pode ser alcançado pela lei nova.
Portanto, o que se pode perceber
é que a lei posterior pode atingir a fase
estática da situação jurídica, sem que,
com isso, se ofenda os ditames legais e
constitucionais acerca da vigência da lei
no tempo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após essa análise breve e sem
muita profundidade da Lei n. 12.112, podemos concluir que a nova lei veio para
trazer maior proteção para o locador, sem,
contudo, injustiçar o bom e honesto locatário. Aquele locatário que cumprir com
suas obrigações, conforme avençado, não
terá o menor problema durante o prazo
de vigência do contrato e nem mesmo
será penalizado. O fiador, por sua vez,
deve pensar bem antes de garantir algum inquilino, pois as conseqüências do
inadimplemento dele são muito sérias,
podendo o fiador, até mesmo, perder o
seu bem de família, conforme já decidiu,
por várias vezes, o STF e o STJ.
Finalmente, quanto ao Judiciário, este deve buscar compreender o
melhor sentido da norma, dentro, claro,
do ordenamento jurídico como um todo.
A idéia, como já asseveramos, é a de se
proteger o locador e a de se punir, cada
vez mais, o mau locatário. Há uma série
de situações que ocorrerão, e obviamente
nem todas foram abordadas nesse sucinto artigo, que não têm uma solução
pronta e acabada na lei e que deverão ser
criadas, sempre diante do caso concreto,
pelo magistrado. Princípios como o da
boa-fé objetiva, o da razoabilidade e o
da proporcionalidade sempre devem ser
lembrados e aplicados, seja nos casos nos
quais a lei parece ser clara, mas é injusta,
seja naqueles em que a lei é obscura.
Livro
indicado:
Inovações na Lei
do Inquilinato
Lei nº.12.112
Humberto Theodoro Junior
Editora GZ
www.delreyonline.com.br
29
DIREITO AMBIENTAL
Arquivo CYB
Cláudia Cunha
AUTONOMIA DO DIREITO AMBIENTAL
Célia
Pimenta
Barroso
Pitchon
Advogada
ambientalista.
Representou a OAB
no Conselho de
Política Ambiental
do Estado de
Minas Gerais e no
Conselho Estadual
da Instituição. Foi
Diretora da Escola
de Advocacia no
ramo do Direito
Ambiental e Juíza
do Tribunal Regional
Eleitoral do Estado
de Minas Gerais,
representando
a classe dos
advogados.
Presidenta do
Movimento das
Advogadas Mineiras
- MAM
30
A crescente produção de normas motivada pelos justificados anseios sociais para
o controle das atividades do homem sobre o
meio ambiente impactou o sistema jurídico,
que protegia os recursos naturais apenas de
forma periférica e assistemática.
A construção da nova doutrina e da
jurisprudência representa instigante desafio
para os juristas na solução das complexidades oriundas da adaptação do sistema
jurídico ao novo ramo do direito e seus princípios. A divergência sobre a autonomia do
direito ambiental é apenas uma das questões
jurídico-ambientais com as quais se deparam
os operadores do direito e sua elucidação necessária para a adequada pedagogia do tema,
que se revela de fundamental importância
para o homem contemporâneo.
As mais diversas correntes doutrinárias perpassam pelo entendimento acerca da
completa autonomia do direito ambiental ,
para aquela que o caracteriza como direito
especializado e, finalmente, abrigar a que
nega a sua independência como ramo autônomo do direito.
Os defensores da autonomia sustentam
que o surgimento de princípios próprios e
peculiares, por si só, caracterizaria a independência do direito ambiental. A doutrina que
defende a especialização busca solucionar
o antagonismo decorrente da constatação da
presença de normas ambientais em inúmeros
outros ramos do direito, coexistência que
dá sustentação aos juristas que asseguram
a inexistência da autonomia do direito ambiental.
O ilustrado Prof. Hely Lopes Meirelles,
em artigo denominado “Proteção Ambiental
e Ação Civil Pública” (Revista Justitia, volume
n° 135 ) sustenta a tese da autonomia do
Direito Ambiental:
“(...) A proteção ambiental visa à preservação da Natureza em todos os elementos
essenciais à vida humana e à manutenção
do equilíbrio ecológico, diante do ímpeto
predatório das nações civilizadas que, em
nome do desenvolvimento, devastam florestas, exaurem o solo, exterminam a fauna,
poluem as águas e o ar. Essa ação destruidora da Natureza é universal e milenar, mas
agravou-se neste século em razão do desmedido crescimento das populações e do
Revista Del Rey Jurídica
avanço científico e tecnológico, que
propiciou à humanidade a mais completa dominação da terra, das águas
e do espaço aéreo. Viu-se, assim, o
Estado moderno, na contingência de
preservar o meio ambiente para assegurar a sobrevivência das gerações
futuras em condições satisfatórias de
alimentação, saúde e bem-estar. Para
tanto, criou-se um direito novo - o
direito ambiental - destinado ao estudo dos princípios e regras tendentes
a impedir a destruição ou a degradação dos elementos da Natureza. Daí o
surgimento das limitações de proteção ambiental, sob os aspectos de: a)
controle da poluição; b) preservação
dos recursos naturais; c) restauração
dos elementos destruídos; d) ação civil
pública (...)”
Édis Milaré entende que “... o
Direito do Ambiente, pelo fato de
estabelecer-se sobre princípios específicos- alguns deles quase com caráter
de exclusividade – vem erigindo-se
em ramo científico acentuadamente
peculiar ( seria prematuro chamá-lo
autônomo). Este fenômeno não é particular às ciências jurídicas, vez que o
mesmo ocorre com outras ciências que
se ocupam do meio ambiente, como a
Ecologia e a Economia, que dão origem a novos conhecimentos científicos interdisciplinares, alguns deles
já autônomos...” ... “O movimento de
cidadãos conquista espaços políticos
que se materializam em leis de conteúdo, função e perspectivas bastante
diversos do conhecido pela ordem jurídica tradicional. O Direito Ambiental
inclui-se entre os novos direitos como
um dos mais importantes. Vale dizer,
um ramo especializado dentro da velha
árvore da ciência jurídica renovada.
Sim, um Direito especializado- e não
autônomo –, certo que o Direito é um
só, no qual a influência e a relação
contínua entre os seus diversos raDireito Ambiental
mos é inevitável (Milaré, Edis. Direito do
Ambiente. São Paulo. Editora Revista dos
Tribunais, 2005, p.173/175).
Toshio Mukai não reconhece a
autonomia do direito ambiental por
vislumbrar um conjunto de normas
e institutos jurídicos pertencentes a
vários ramos do Direito, reunidos por
sua função instrumental para a disciplina do comportamento humano em
relação ao seu meio ambiente (MUKAI,
Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002, p. 11/13 ).
Se o dano ambiental não respeita fronteiras políticas, o mesmo se
pode dizer das fronteiras do direito
ambiental, que não se contêm em seu
próprio arcabouço. Porém, o fenômeno da extraordinária ramificação das
regras ambientais no sistema jurídico
não é capaz de sustentar a conclusão
de que não há autonomia do novo
ramo do direito. Evidentemente , não
há autonomia absoluta de qualquer
especialidade do direito, todos têm
autonomia relativa, como membros
de um único corpo.
A presença de normas de cunho
ambiental nos mais diversos ramos do
direito decorre da supremacia do bem
que o direito ambiental pretende proteger que, em última análise, é a vida
humana. Pela importância vital do
bem protegido, as normas são projetadas para outros ramos do direito, o
que não descaracteriza a autonomia
mas ao contrário reforça sua relevância e a independência .
O direito ambiental é um ramo
autônomo do direito, possui princípios singulares e suas regras, pela
importância vital do bem protegido,
transpassam pela ordem jurídica, como
feixe de luz.
Aos juristas interessados na
proteção ecológica cabe a inescusável missão de explicitar o conteúdo
e o alcance das novas regras para a
sociedade e contribuir para a construção da nova doutrina, elucidando
sérias questões jurídicas como, por
exemplo, a legitimidade concorrente do direito do usuário dos recursos naturais , do empreendedor e
do proprietário da terra, da ampla
competência ambiental, material e
legislativa , atribuída aos entes da federação , gerando uma complexa teia
normativa de difícil compreensão e o
aparente choque de princípios entre
diferentes ramos do direito e aqueles
introduzidos pelo direito ambiental. O
enfrentamento de tais questões pela
doutrina se traduzirá em contribuição inestimável para o alcance
do desenvolvimento sustentável, em
prol da qualidade de vida da presente
e futuras gerações.
Livros
indicados:
Introdução ao
Direito Ambiental
Talden Farias
Editora Del Rey
Patrimônio
Cultural
como um Bem
Difuso
Henrique Augusto
Mourão
Editora Del Rey
www.delreyonline.com.br
31
DIREITO AUTORAL
Arnaldo
Oliveira
Junior
Advogado, Editor e
Especializando
em Direito
Processual Civil pela
Universidade Gama
Filho
32
O plágio na era moderna tem sido facilitado diante das novas formas de expressão
dos trabalhos intelectuais, propiciando neste
novo formato a facilitação do uso ou furto das
ideias alheias.
Se fosse necessário dizer em poucas palavras o que é o plágio, bastava dizer que se trata
da atividade de copiar algum autor de trabalho
intelectual, tendo todo o cuidado de esconder
a identidade do verdadeiro criador. Em alguns
momentos, pode-se pensar que os plagiários
são sujeitos sem criatividade. Ao contrário do
que muitos pensam, às vezes são criativos até
demais.
Plagiário ou plagiato é aquele que surrupia a obra alheia, se apropria de seu conteúdo
como se fosse ele próprio o criador. É assim
que começou o plágio,
como bem explica Elisângela Menezes: “A
idéia do plágio não é
nova. Já na antiguidade romana, os chamados plagiários eram
verdadeiros assaltantes, que roubavam
dos viajantes os bens
artísticos que esses
levavam consigo, tais
como pinturas, poemas, letras de músicas, para mais tarde
se apresentarem como autores dessas obras,
propondo sua venda. Seu comportamento era
abominado pela sociedade.” (Curso de Direito
Autoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 132).
Certa feita, um professor de um curso de
pós-graduação de referência no Brasil relatava
a esperteza de um dos seus orientandos que
apresentou um texto plagiado como de sua autoria na maior parte de sua dissertação. Só que
o texto original foi publicado em outro país e o
“criativo” plagiário teve ainda o labor de traduzir
toda obra. Dessa feita, não esperava que seu
orientador conhecesse o texto original, o que lhe
rendeu reprovação em sua pós-graduação.
Nota-se, no entanto, que o plágio é uma
forma de reconstrução de texto, que tem como
base um texto pré-existente, e, para configurarse, é necessário que o plagiador omita a referência do texto original. Para que seja feito, é
fundamental a vontade do agente plagiador em
apropriar-se do que não lhe pertence e tentar dar
o seu perfil. É como o crime de furto tipificado
no CP no qual o indivíduo toma para si ou para
outrem coisa alheia móvel. Tem que ser feito
na surdina, para que não seja desmascarado. O
infrator burla um livro da noite para o dia. Pedro
Orlando os descreve como animais, ao dizer:
“Entretanto, como verdadeiras aves de rapina,
aí estão e por aí pululam, os aproveitadores do
trabalho alheio, os quais vivem a se locupletar
à custa do esforço e do valor dos que produzem, dos que vencem pela
idéia, pela concepção de
um mundo melhor, de
uma vida melhor, escrevendo, compondo, traduzindo, construindo, para
uso e gozo da coletividade
(...)” (Direitos Autorais. Rio
de Janeiro: Nova Jurisprudência, p. 9).
Para caracterização do plágio é imprescindível que o plagiador
dê publicidade ao material plagiado, tornando-o
acessível ao público. Da
mesma maneira, pode-se
afirmar que só é possível plagiar obra que esteja
também disponível ao público. Pouco importando, no caso in concreto, se essa disponibilização
se dá de forma gratuita ou onerosa, e, ainda, seja
qual for a sua forma, se editada e publicada, se
disponibilizada em formato eletrônico, áudio,
ou qualquer outro tipo de mídia. Mesmo que
esta forma de disponibilização seja distinta da
forma original da obra plagiada, bastando para
a sua consumação a simples divulgação da obra
plagiada. (PONTES NETO, Hildebrando. Aspectos
sobre o plágio in ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva;
MORAES, Rodrigo. Propriedade intelectual em
perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008,
p. 136)
google.com/ipd.gov.hk
Arquivo pessoal
A NOVA ROUPAGEM DO “PLÁGIO” EM FACE
DAS INOVAÇOES TECNOLÓGICAS
Revista Del Rey Jurídica
Tendo em mente que o plágio não
pode ser constatado pelo simples fato do
uso de uma idéia alheia, uma vez que as
idéias não são abrangidas na proteção
autoral, tão pouco se for copiada somente a forma de expressão, sobra então
a composição. Esta, sim, é a raiz, onde
nasce o plágio. Para que o mesmo ocorra
é necessário que uma ideia tome forma
expressa sob uma composição singular.
Nesse sentido, Carvalho Santos afirma
que “temos, então, em toda obra, três
elementos fundamentais: idéia, composição e forma de expressão. Ora, como
o primeiro e o último são previamente
conhecidos, conclui-se em última análise, a exclusividade do Direito Autoral
é restrita à proteção da composição.”
(Repertório enciclopédico do direito
brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1947,
v. XXXVII, p. 190-191).
Torna-se necessário sempre avaliar
o que de fato é o objeto do plágio. Visto
que apenas ideias, ainda sem forma, não
são objeto de proteção. No entanto, com
as facilidades tecnológicas, está mais fácil
o acesso ao material que ainda não tomou
uma forma ou sequer fora divulgado. Através de um hacker uma obra intelectual
pode ser acessada antes mesmo que seu
criador a divulgasse. Recentemente no
Brasil dois programas de televisão tiveram um embate: Casa dos Artistas e o
Big Brother. O primeiro foi acusado, no
âmbito judicial, de ter incorrido em plágio
ao levar ao ar um programa parecido com
o segundo, antes mesmo que este estivesse
estreado no Brasil. Não houve confirmação de plágio, uma vez que a ideia e a
forma até poderiam ser parecidas, mas a
composição era totalmente diferente. Sob
a afirmação do ilustre e saudoso jurista Carvalho Santos, “haverá, portanto,
plágio quando houver semelhança no
tratamento da composição da obra
plagiada; salvo quando, pela própria
natureza do assunto da obra (anatomia, geografia, cosmografia, etc.), sua
Direito Autoral
composição não comportar tratamento
diverso.” (CARVALHO SANTOS, 1947).
Muito utilizado no meio universitário, o plágio virtual é uma das influências das novas tecnologias. Trata-se
de plágio como outro qualquer, sendo
que o diferencial são os meios utilizados em face da facilidade tecnológica. O
mesmo se dá no âmbito da informática,
onde é possível encontrar na internet
sites específicos em dar suporte a alunos
para arranjos com o fim de se fazer um
trabalho ou monografia. Nesses casos o
plagiário se utiliza de textos disponíveis
na rede e através de pequenos ajustes
e/ou correções transforma a autoria do
trabalho ou texto em discussão para sua
própria autoria. Esse furto intelectual, termo utilizado por Pedro Orlando,
é que tem contribuído para uma baixa
produção acadêmica nas universidades
brasileiras, visto que o individuo capaz
de cometer tal infração é um indivíduo
com poucas possibilidades de contribuir
num futuro próximo com a criação ou
qualquer novidade intelectual. Será sempre uma pessoa escorada nas idéias de
outros e dificilmente terá êxito em suas
tentativas de criação.
Muito embora a tecnologia seja
extremamente útil, e mais, motivando
e induzindo as pessoas a ler e escrever
mais, traz consigo o comodismo e a facilidade de trazer para os leitores algo que
verdadeiramente não reflete o íntimo do
suposto autor.
Esse tipo de prática ilícita tem se
tornado cada vez mais comum e alcançado até mesmo pós-graduandos. É o
famoso control c, control v, quando se
copia e na sequência se cola o conteúdo
copiado. Verdadeiramente aqui se aplica
o dito popular de que nada se cria, tudo
se copia. Alguns professores, já cansados
de ter que ficar pesquisando se determinados textos são oriundos ou não de um
plágio virtual, estão exigindo, em pleno
século XXI, que os trabalhos acadêmicos
sejam entregues em formato manuscrito.
Já que o indivíduo vai copiar mesmo, pelo
menos que tenha o trabalho de escrever,
para, por consequência, ler o que está
entregando. Afinal, com tal facilidade
de tecnologia, as pessoas não estão se
dando ao trabalho de sequer lê-lo. E o
problema não vem de agora. Pedro Orlando, em pleno início da década de 1940,
já trazia a lume as dificuldades da vida
moderna daquela época dizendo: “Frente
aos imprevistos da hora atual, em face
dos imperativos da vida moderna, nada
há mais frequente, nem mais inevitável
do que o furto intelectual de obras literárias, artísticas, técnicas ou científicas.
Nada há mais inconteste do que o direito
de autor, dadas as próprias características da obra. Nada há mais característico,
por exemplo, do que o estilo, o plano do
trabalho, o assunto, o motivo, a origem,
a forma usada e quantos pontos de referência possam ser apontados em abono
da propriedade literária, científica ou
artística.” (ORLANDO).
Livros
indicados:
Curso de
Direito
Autoral
Elisângela Dias
Menezes
Os contratos
de cesão
de direitos
autorais e
as licenças
virtuais
creatives
commons
2ª edição
Hildebrando Pontes
www.delreyonline.com.br
33
34
Revista Del Rey Jurídica
Direitos Humanos
35
Ana Surany
Martins
Costa
Especialista
em Direito
Previdenciário.
Advogada militante.
36
QUERO TE AMAR, MAS NÃO DEVO: A SÍNDROME DA
ALIENAÇÃO PARENTAL COMO ELEMENTO FOMENTADOR
DAS FAMÍLIAS COMPOSTAS POR CRIANÇAS ÓRFÃS DE
PAIS VIVOS
A responsabilidade parental que desenvolveu a consciência dos direitos da personalidade dos filhos e dos genitores, ampliando
o exercício das funções parentais, trouxe alguns aspectos negativos, tais como a SAP –
Síndrome da Alienação
Parental, implantação
de falsas memórias
ou ainda Síndrome de
Medeia.
A SAP consiste em programar uma
criança para que, depois
da separação odeie um
dos pais, sendo mais
praticada por quem
possui a guarda do filho, por meio de artifícios condenáveis, tais
como a maledicência,
mentiras, acusações
falsas etc.
O combate a tal
Síndrome é relevante,
tendo em vista que a
sociedade é composta
de indivíduos que têm
sua bagagem psíquica construída com base
na educação recebida pelos pais, reiterando
o comportamento destes.
A SAP se torna perniciosa ao Judiciário, mormente, por meio de falsas denúncias de abuso sexual (incesto) via manejo de
ação cautelar, seja na forma incidental ou
preparatória.
Dessarte a cautelar se torna um instrumento jurídico perigoso por, geralmente,
concretizar, de modo rápido, a pretensão
do alienador que consegue ver deferida sua
pretensão de ver suspensa a visitação do pai
ao filho.
Ademais, tem-se ainda a responsabilização do pai acusado em processo-crime,
face à necessidade de se apurar o incesto
noticiado, o que é feito por meio do exame
de corpo de delito.
Acerca de tal exame, há que se ter em
mente que o registro de vestígios de violência
do suposto abuso, tais como manchas, marcas
roxas ou lesões símiles, além de membros
quebrados etc, podem ser um ardil da mãe
alienadora que pode
ter se aproveitado, por
exemplo, de um acidente doméstico ocorrido
com o filho para imputar falsamente aquele
incesto ao genitor nãoguardião.
A morosidade da
apuração dessas denúncias ocasiona a perda de
precioso tempo de convivência pai-filho, em
função da suspensão
das visitas, por ser essa
a primeira providência
a ser tomada em casos
de denúncia de abuso
sexual.
Nesse passo,
verbera-se a necessidade de o Direito não
servir de veículo a retaliações pessoais, já
que sua função primeira é a Justiça, a qual,
na concepção aristotélica, corresponde a dar
a cada um o seu.
Os operadores da ciência jurídica devem ter atenção na identificação do real
intento da parte que pleiteie a suspensão
da visitação ou até mesmo a destituição do
poder familiar ao argumento de existência
de incesto, seja por meio de cautelares ou por
manifestação em processo ainda em curso.
O magistrado deve analisar com atenção as provas detectadoras da SAP, que têm
como principal espécie aplicável a de cunho
pericial, já que esta é ricamente elaborada
(através de entrevistas, estudos sociais, testes
etc), sendo incomum magistrados que possuem formação específica em psicanálise e/
ou psiquiatria.
Arquivo CYB
Arquivo pessoal
DIREITO DE FAMÍLIA
Revista Del Rey Jurídica
Isso eleva o labor dos peritos e
assistentes técnicos em tais áreas da
medicina como longa manus do Estado
para o alcance do Direto e do ideal de
justiça, contribuindo para que o juiz da
seara familiar valore a prova pericial com
acuidade extrema.
Punitivamente, contra a SAP, é
possível a indenização do dano moral
sofrido pelo não guardião, já que a cumulação de dano material e moral é cabível
quando advindos do mesmo fato, pois
a regra civil indenizatória é genérica e
projetável para todo o ordenamento jurídico.
Também se pode responsabilizar o alienador por meio da reversão da
guarda, da destituição do poder familiar,
multa, fixação de visitas, advertências e
encaminhamento dos pais a tratamento
psicológico ou psiquiátrico.
A guarda compartilhada também
serve de solução, podendo-se lançar mão
da psicoterapia familiar ou individual.
Futuramente, será possível visualizar a SAP através de um salutar corpo
normativo, tal como o do Projeto de Lei nº
4.053/2008 que se destaca por adicionar
outros membros da família como possíveis
agentes alienadores, determinando que
os peritos apresentem histórico profissional ou acadêmico que lhes assegurem
conhecimento do que seja a alienação
parental e de como caracterizá-la.
Em que pese as medidas punitivas,
a principal arma para combater a SAP
consiste no uso da razão, observação,
acuidade e prudência, atributos esses
que não estão tão distantes assim do
homem-médio.
É preciso empenho pelos membros
do Judiciário, notadamente, em primeira instância, no exercício da observação,
pois dos relatos contraditórios, comportamentos exagerados, gestos bruscos ou
controlados ao extremo, timbres de vozes
alteradas, olhares vingativos ou perdidos,
pequenos lapsos, reiterações, omissões,
Direito de Família
A guarda compartilhada
também serve de
solução, podendo-se
lançar mão da
psicoterapia familiar
ou individual.
associação entre assuntos aparentemente
díspares, recordações, expressões faciais
etc, torna-se possível identificar, parcial
ou totalmente, a SAP, vez que o discurso
latente do sujeito franqueia o acesso à
sua dinâmica intrapsíquica, ou seja, ao
seu animus.
Está-se diante de uma questão de
sensibilidade, já que o verbo sentir não se
aplica apenas e tão somente às sensações
individuais, mas também em relação ao
outro com alteridade, sendo mister nesse
milênio que se judique sentindo o outro,
interpretando-se a personalidade psíquica
dos agentes em foco (indivíduos alienador
e alienado).
Nesse ambiente, papel relevantíssimo será o desempenhado pelo juiz que é
o pai social, ou seja, a porta inaugural por
onde a lide passa e recebe primeira assistência jurídica, cabendo a ele ter atenção
e sensibilidade com todos os aspectos
do processo, notadamente, por ocasião
das audiências, tendo atenção redobrada
com as palavras proferidas pelas partes
em juízo, vez que a boca fala o que vai
cheio o coração.
E lutar contra a SAP é uma obrigação social, devendo-se velar pela observância dos direitos fundamentais apostos
na CF/88 (caput do seu art. 227), bem
como no ECA (notadamente em seu art.
18), onde se asseguram prerrogativas às
crianças/adolescentes, tais como a inviolabilidade da integridade física, psíquica
e moral.
A SAP deve ser combatida e, se
possível, minada por consistir em verdadeira amputação psíquica que extirpa o
amor paterno-filial que guarda liame com
o afeto que se resume no locus do Direito de Família no século XXI, por colocar
em risco a higidez psicológica de vários
infantes e adolescentes que podem até
mesmo ser vitimados por anos por tal
Síndrome.
Portanto, a alienação parental
deve ser eficazmente combatida para
que os menores vivenciem, amplamente, os elementos preenchedores da célula
familiar, ou seja, a convivência arrimada
no amparo, solidariedade, afeto e, sobretudo, na liberdade de amar e ser amado,
tanto por seu pai, quanto por sua mãe,
ou até mesmo por um terceiro, se for o
caso, deixando de serem crianças órfãs de
pais vivos, para que a SAP, que sob a ótica
infantil pode ser traduzida sinteticamente
na frase quero te amar, mas não devo,
ceda lugar a outra oração, qual seja, quero
e posso te amar.
Livros
indicados:
Direito de
Família
2ª edição
Dimas Messias
Editora Del Rey
Código das
Famílias
Comentado
Leonardo Barreto
Moreira Alves
(coordenador)
Editora Del Rey
Afeto e
Estruturas
Familiares
Maria Berenice Dias,
Eliene Ferreira Bastos
e Naime Márcio
Martins Moraes
(coordenadores)
Editora Del Rey
www.delreyonline.com.br
37
DIREITO DE FAMÍLIA
Arquivo CYB
Arquivo pessoal
DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NAS AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO
DE PATERNIDADE
Carolina
da Cunha
Pereira
França
Magalhães
A força da coisa julgada ante os
desafios da verdade biológica
Formada pela
Universidade
FUMEC,
pós-graduada e
especialista em
Direito Civil pela
Fundação Getúlio
Vargas.
Atua como
advogada no
escritório França
Magalhães e
Advogados
Associados S/C.
38
Com o surgimento do exame de DNA,
a questão da imutabilidade da coisa julgada, nas ações de investigação de paternidade, passou a ser questionada, trazendo
a lume a discussão sobre a relativização
desse instituto.
Até meados da década de 1990,
o entendimento predominante era o da
irreversibilidade das decisões transitadas
em julgado. Somente se admitia a sua modificação em sede de ação rescisória, nos
casos previstos em lei.
Diante da evolução científica,
com a precisão trazida pelo exame de
DNA, nasceu a discussão da possibilidade
de relativizar a coisa julgada nas ações de
investigação de paternidade, quando essa
já houver sido declarada.
Torna-se necessária a indagação
acerca da sustentação da imutabilidade
do julgado, advindo da presunção relativa,
consubstanciada numa decisão judicial que
forma uma verdade ficta, distante de uma
verdade real.
A discussão maior gira em torno da
relativização da coisa julgada material. Ainda que enumerada constitucionalmente
como direito fundamental, ela não pode
apresentar caráter absoluto, quando em
confronto com outros princípios também
protegidos pelo sistema jurídico. A Constituição da República lista outros direitos
fundamentais, tais como o acesso à ordem
jurídica justa, a proporcionalidade, a legalidade, a boa-fé, a dignidade da pessoa
humana, entre outros.
Considerando os conceitos de coisa
julgada formal e material, defende-se aqui
a tese de que, nas ações de investigação
de paternidade, não ocorrerá o fenômeno da coisa julgada material quando não
houver exaustão na produção das provas,
permitindo-se a sua ocorrência somente
nos casos em que foram esgotados todos os
meios de prova convencionais e, inclusive,
o exame pericial de DNA.
A doutrina e a jurisprudência vêm
consolidando o entendimento de que, em
se tratando de ações de estado, que tratam de direitos indisponíveis da pessoa,
Revista Del Rey Jurídica
a autoridade da coisa julgada deve
ser relativizada, sob pena da segurança jurídica se sobrepor à própria
justiça.
É o embate entre dois princípios constitucionais: o da segurança
jurídica, certificado pela coisa julgada e o direito de estado de filiação,
princípio da dignidade humana.
O rigor do instituto da coisa
julgada, em inúmeros casos, conduz
à injustiça, o que leva ao entendimento de que devem ser impostos
limites à imutabilidade dos efeitos
do julgado, buscando-se sempre a
verdade real, e não a verdade do
trânsito em julgado de uma sentença. Isto principalmente, quando
é sabido que o Estado não proporciona à pessoa amplo acesso aos meios
probatórios essenciais à averiguação
da paternidade.
Na maioria das vezes o indivíduo não possui recursos para arcar
com o preço do exame de DNA, e o
Estado informa que não há possibilidade de realizá-lo de pronto, em
razão do elevado número de pessoas aguardando na mesma situação.
Diante disso e de inúmeros outros
fatores, nos deparamos com casos
em que ou a paternidade é injustamente declarada com base em provas
escassas ou, até mesmo, declarada
pela revelia do investigado, que se
queda inerte por desconhecer as
consequências jurídicas do seu ato.
Diante de decisões declaratórias da paternidade, que poderão ser
contraditadas no futuro, seja pelo
surgimento de um DNA negativo, seja
pela descoberta de que o indivíduo
não pode ter filhos, ou até mesmo
pela simples revelação da verdadeira
paternidade pela mãe biológica ao
suposto pai, o argumento da força da coisa julgada é questionável,
tendo em vista que ali se encontram
Direito de Família
O rigor do instituto da
coisa julgada, em inúmeros
casos, conduz à injustiça, o
que leva ao entendimento
de que devem ser impostos
limites à imutabilidade
dos efeitos do julgado,
buscando-se sempre a
verdade real.
interesses indisponíveis de todas as
partes.
Não é crível que o rigor formal,
justificado pela segurança jurídica,
se sobreponha à justiça, impedindo o
indivíduo de obter a prova necessária
em juízo para declarar a verdadeira
paternidade. Trata-se de um direito
de mão dupla, e não apenas de uma
das partes interessadas.
Em precedente firmado no Superior Tribunal de Justiça concluiuse pela relativização da coisa julgada
nas questões de estado, em que o
interesse público avulta com maior
intensidade na efetivação do direito da personalidade, baseando-se
nas transformações familiares e nas
descobertas genéticas, que colocam
o magistrado diante do grau máximo
de certeza, nada justificando que se
ponha no mundo jurídico o que não
está na verdade biológica. (Recurso
Especial 226.436-PR, de relatoria do
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).
Nesse sentido, o Ministro do
STJ José Augusto Delgado comenta:
“Há de se ter como certo que a segurança jurídica deve ser imposta.
Contudo, essa segurança jurídica
cede quando princípios de maior
hierarquia postos no ordenamento
jurídico são violados pela sentença,
por, acima de todo esse aparato de
estabilidade jurídica, ser necessário
prevalecer o sentimento do justo
e da confiabilidade nas instituições”.
Com a promulgação da Lei
n. 12.004/2009, que alterou a Lei
n. 8.560, consolidando o entendimento de presunção da paternidade
nos casos em que o suposto pai se
nega a realizar o exame de DNA ou
submeter-se a qualquer outro meio
científico de prova, restou claro o
entendimento de que a recusa aos
exames torna verdadeira a paternidade.
Essa presunção não deve ser
mantida quando do surgimento de
prova nova, realizada inclusive com
o consentimento das duas partes
envolvidas. Não há porque perpetuar uma situação de fato inverídica,
punindo o indivíduo com uma declaração falsa, atribuindo a ele uma
responsabilidade que não é sua.
De acordo com o texto constitucional e infraconstitucional, por
tratar-se de direito personalíssimo,
indisponível e imprescritível, pode-se
questionar a condição de filho, ou de
pai, com base em novos elementos,
reabrindo a discussão na justiça.
Considerando essas questões
e o entendimento predominante na
doutrina e jurisprudência pátrias,
tem-se que a coisa julgada deve ser
preservada quando realmente proteger o direito que está, em tese,
garantido à parte. Mas quando ela,
como instituto processual, obstaculizar o exercício de um direito que não
pôde ser exercido por insuficiência
de provas, em determinada época,
não deverá sobrepor-se à verdade
real.
Não se trata de assolar
o Estado com novas ações de
investigação de paternidade ajuizadas
posteriormente à aludida declaração.
39
Arquivo CYB
DIREITO DE FAMÍLIA
Ocorre que, tendo o indivíduo prova
nova e robusta, que contraria a
decisão judicial, deve ser concedido
a ele o direito de questionar aquela
declaração.
Assim, diante da fragilidade
das provas colhidas no curso das
ações de estado, entende-se por demais injusto aceitar a imutabilidade
das verdades oriundas das decisões
judiciais, presumidas pelo julgador
e atribuídas aos indivíduos por toda
a vida, implicando inclusive em direitos sucessórios.
Como visto, os direitos da
personalidade devem ser sopesados
com os demais direitos consagrados no texto constitucional. Quando ocorre a colisão de interesses e
valores presentes na sociedade é
aceitável reduzi-la a uma colisão de
direitos fundamentais, averiguando
o peso e valor de cada um.
Todas essas considerações
nos levam a ponderar e repensar o
equilíbrio dos valores de justiça e de
40
segurança. No estado democrático
de direito não deve ser permitida a
superestimação da proteção constitucional da coisa julgada, uma vez
que essa proteção é relativa diante
de situações como esta.
Admitir que as normas ditadas pelo Estado se sobreponham ao
direito ao verdadeiro reconhecimento à origem da pessoa, portanto, de
sua dignidade, é aceitar que esse
direito perca seu principal suporte para uma sociedade desprovida
de qualquer discernimento entre o
justo e o injusto, entre o certo e o
errado.
O estado de pai e filho não
impera devido a uma sentença judicial, mas nasce com o ser humano,
se desenvolve pela vida e cria vínculos muito mais complexos do que
aqueles nascidos em um processo.
Não se impõe a ninguém uma filiação biológica, tampouco afetiva.
Nesse contexto de diversas
opiniões, princípios e ideologias
impera a validade dos valores consagrados ao longo dos anos. Diante
de prova nova autoexcludente, resta
ao Estado fazer valer esses valores,
alcançando a verdade e a justiça.
Por último, fazendo uma
analogia à idéia de justiça, cabe
apenas a citação do que foi dito
por Antígona, na tragédia grega de
Sófocles:
Mas Zeus não foi o Arauto
delas para mim, nem essas leis
são as ditadas entre os homens
pela Justiça... E nem me pareceu
que tuas determinações tivessem
força para impor aos mortais até
a obrigação de transgredir normas
divinas, não escritas, inevitáveis:
não é de hoje, não é de ontem, é
desde os tempos mais remotos que
elas vigem, sem que ninguém possa
dizer quando surgiram.
Livros
indicados:
DNA,
Paternidade e
Filiação
Daniel Blikstein
Editora Del Rey
Manual de
Direito das
Famílias e das
Sucessões
Ana Carolina
Brochado Teixeira
Editora Del Rey
www.delreyonline.com.br
Revista Del Rey Jurídica
Direito de Família
41
DIREITO DO CONSUMIDOR
Cláudio Cunha
BANCO DE DADOS - ATRASO NO CANCELAMENTO DE RESTRIÇÕES –
PRAZO - RELAÇÃO DE CONSUMO - CANCELAR QUEM DEVE
Edelberto
Augusto
Gomes
Lima
Advogado e
membro do
Conselho Editorial
da Editora Del Rey
42
O consumidor-devedor quita, junto ao
credor, a dívida que ocasionou a negativação
de seu nome em Bancos de Dados, popularizados com a denominação de SPC. Ao pagar, crê
estar habilitado para contrair novos créditos,
mas é surpreendido ao ver o seu nome ainda
negativado. Esse artigo pretende trazer algumas
considerações em torno.
Quando há menção ao tema, o Código de Defesa do Consumidor dispõe: ”Deixar
de corrigir imediatamente informação sobre
consumidor constante do cadastro, banco de
dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber inexata: Pena de um a seis meses ou
multa”. (art.73).
A dificuldade é conceituar o tempo da
expressão “imediatamente”. Após as mais variadas interpretações, a questão foi submetida
ao STJ, que por sua vez não contribuiu para
a segurança jurídica, posto que nos diversos
julgamentos realizados evitou apresentar o
conceito.
Cito apenas três. Na 4ª Turma, no AgRg
no AI 606174-DF, o Relator, no que foi acompanhado pelos seus Pares, declarou que “...sideral
é a distância entre a lei e a dura realidade da
complexa sociedade em que vivemos. Com efeito, as dimensões da instituição bancária apelada-...., com diversos setores para fins de baixa na
contabilidade de dívida que perdurava há mais
de um ano, afasta eventual reconhecimento
de ilicitude na permanência da negativação
do nome dos apelantes por cerca de um mês e
alguns dias. (...).
Por sua vez a 3ª Turma, também em votação unânime, manteve acórdão de tribunal
regional vazado nos seguintes termos: “O dano
moral se configura não pelo tempo de permanência indevida da anotação (no caso 5 meses),
mas pela simples manutenção indevida dela e
independentemente de prova de ocorrência
de algum dissabor ou vexame concreto”. (Resp.
292045).
Finalmente, a mesma 3ª Turma, no AI
350506-MG, decidiu que “–A expressão ‘imediatamente’, constante do tipo do art. 73 da lei
n.º 8.078/90 deve ser interpretada caso a caso.
A correção de dados sobre a inadimplência do
consumidor em cadastro de restrição ao crédito
pode ser feita dias depois do pagamento, se as
circunstâncias do caso indicarem ser razoável
o prazo”.
Como se observa, os precedentes não
contribuem para a segurança jurídica tão essencial em uma sociedade civilizada e democrática,
de modo a não deixar livre a interpretação do
texto legal. Para evitar essa imprevisibilidade e
insegurança, o STJ tem a missão constitucional
de unificar a interpretação do direito federal
de modo a criar balizas claras e objetivas. Para
alcançar esse desiderato, a interpretação da expressão “imediatamente” deve e pode ser feita
em sintonia com a do §3º do art.43 do CDC, cuja
redação é a seguinte: “O consumidor sempre que
encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros
poderá exigir sua imediata correção, devendo o
arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das
informações incorretas”.
A contagem do prazo inicia-se do primeiro
dia útil subsequente.
A conjugação dos dois artigos com o sistema operacional dos Bancos de Dados permite
a criação de uma interpretação lógica, benéfica
a todos.
Os Bancos de Dados no país, embora cada
um tenha personalidade jurídica própria, funcionam, com raras exceções, interligados através de
um eficiente sistema de informatização e, mediante convênios que celebram, repassam entre
si, via essa rede eletrônica, os dados contidos em
seus cadastros. Dessa forma, o credor ao constatar
uma inadimplência envia o nome do devedor a um
Banco de Dados e esse o repassa imediatamente
(on line) para os conveniados. Esse sistema, quando
se trata de negativar, funciona como uma engrenagem de modo a não dar tempo para quem for
negativado obter crédito em outro local. O Banco
de Dados, que, em face da eficiente informatização
do sistema, demorar cinco dias úteis para negativar
um devedor estará sujeito, ante a concorrência,
a ficar ultrapassado. Se a negativação ocorre em
tempo quase que real essa mesma engrenagem
pode e deve funcionar quando for para beneficiar
o consumidor, seja para corrigir inexatidões, seja
para cancelar restrições.
Revista Del Rey Jurídica
Obviamente, os Bancos de Dados
não possuem o poder da onipresença.
Daí, se a iniciativa for do credor, deverá o mesmo, até cinco dias úteis após
receber a dívida, avisar ao Banco de Dados para o qual enviou originalmente
o pedido de negativação. O Banco de
Dados que primeiro negativou tem mais
cinco dias úteis para avisar as demais
redes de cadastros de inadimplentes
conveniadas.
Alguns Bancos de Dados fazem a
cobrança em nome do credor. Nesse caso,
não há necessidade de aviso do credor.
Qualquer credor ou Banco de Dados que romper a engrenagem estaria cometendo ilícito, passível de indenização.
O consumidor, ao apurar que
continuou negativado, pode aforar ação
judicial de indenização por dano moral e
material, se for o caso, c/c cancelamento
da restrição contra os que mantiveram a
negativação e também contra o credor,
caso não tenha tomado a iniciativa. Dentro desse critério, não haverá dificuldades
em apurar se já decorreram os prazos para
cancelamentos.
O consumidor poderá propor a
ação no foro de seu domicílio, independentemente da localização dos Réus no
território nacional. Em que pese a solidariedade, somente o caso concreto
propiciará apurar quem deverá figurar
no polo passivo. O que não se pode é
transferir para o consumidor o dever de
avisar aos Bancos de Dados. Por sua vez,
todas as partes envolvidas estarão diante
de critérios objetivos.
O STJ, por sua 3ª Turma, decidiu
que “não tem força a argumentação que
pretende impor ao devedor que quita a
sua dívida o dever de solicitar seja cancelado o cadastro negativo (...). Quitada a
dívida, sabe o credor que não mais é exata
a anotação que providenciou, cabendolhe, imediatamente, cancelá-la”. (Resp.
292045).
A 4ª Turma, por sua vez, através
Direito do Consumidor
do voto do ministro relator, decidiu que
“paralelamente, ao direito de negativar o
devedor, há, em contrapartida, o de, em
havendo quitação, providenciar, aquele
mesmo que o inscreveu, a atualização
dos dados cadastrais, apontando o pagamento e, em consequência, o desaparecimento do fato que motivou a restrição
ao crédito, para que as entidades que
mantem o serviço façam a baixa respectiva”. (Resp. 299456).
Muitas vezes os Bancos de Dados
municiam-se com informações extraídas
de dados públicos, tais com Cartórios de
Protestos de Títulos e da distribuição de
processos judiciais. Cancelado o protesto
e o processo judicial por qualquer meio
extintivo de obrigações, esses cadastros,
independentemente de serem avisados,
deverão cancelar as restrições no prazo
de cinco dias úteis, contados da data
do cancelamento do protesto e da em
que o Diário oficial publica a extinção
da ação. O risco em extrair esses dados
públicos e repassá-los a terceiros é dos
Bancos de Dados, risco esse inerente a
atividade econômica.
Quanto aos extraídos do CCF
(Cadastro de Cheques Sem Fundos do
Banco Central) o procedimento é outro.
O emitente do cheque procura o credor
e resgata a posse do cheque e, com o
comprovante de pagamento, procura o
Banco sacado (que enviou o seu nome
ao CCF) para que esse providencie, imediatamente (em cinco dias úteis) o cancelamento no CCF. Os Bancos de Dados
que utilizam do CCF para negativar a
partir daí terão os mesmos cinco dias
úteis para cancelar.
Em ocorrendo prescrição, ainda
que a dívida não seja paga, os Bancos
de Dados devem, por iniciativa própria,
cancelá-la no prazo de cinco dias úteis. A
matéria foi objeto da Súmula 323 do STJ,
cujo enunciado é o seguinte: “A inscrição
de inadimplente pode ser mantida nos
serviços de proteção ao crédito por, no
maximo, cinco anos”. A contagem do
prazo prescricional, segundo entendo,
inicia-se a partir do dia subsequente ao
vencimento da obrigação e não da data
da negativação e será sempre de cinco
anos, não importando a existência de
prazo prescricional maior.
Na existência de outros registros
desabonadores, o eventual atraso no
cancelamento não gerará dano moral,
embora persista o dever de proceder ao
cancelamento. Aplicável na espécie a
Súmula 385 do STJ, cujo enunciado é o
seguinte: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe
indenização por dano moral, quando
preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito do cancelamento”. Como
essa Súmula pode estimular os Bancos
de Dados a manter a negativação, eis
que a única penalidade será cancelar a
restrição, entendo que, nessa conjuntura,
se o devedor notificar o Banco de Dados
para efetuar o cancelamento no prazo de cinco dias úteis (§3º do art.43 do
CDC) e esse se mantiver omisso, haverá
a ocorrência do dano moral.
Quanto ao protesto, em havendo
relação de consumo, segundo precedentes do STJ, caberia ao credor cancelá-lo
junto ao Cartório de Protesto, de acordo
com os arts. 43, §3º, e 73 do CDC. Essa
posição do STJ embora correta, deveria
ser aplicada se o protesto tiver sido ilícito. Contudo, tratando-se de protesto
regular, lavrado em face de inadimplência, o seu cancelamento, em decorrência
da quitação, deveria ser de iniciativa de
quem deu causa, no caso o devedor. O
artigo 26 da Lei 9492/97 (disciplina o
cancelamento de títulos) em que pese
não regular relações de consumo, poderia ser aplicado na espécie, até por se
tratar de uma lei especial sobre protestos
de títulos cambiais.
43
DIREITO DO CONSUMIDOR
Arquivo CYB
Arquivo pessoal
O DIREITO E OS LIMITES DO EX-EMPREGADO AO PLANO DE SAÚDE
Marlus
Keller Riani
Especialista Jurídico
da Unimed Belo
Horizonte.
Conselheiro Fiscal
da BRASILCON
Nacional.
Coordenador do
Curso de Direito
do Consumidor da
Escola Superior de
Advocacia da OAB/
MG.
44
A atividade econômica desenvolvida
por determinadas empresas no segmento de
plano de saúde foi amplamente regulamentada com o advento da Lei Federal nº 9.656
de 1998. Entre várias novidades trazidas
pela legislação específica ao setor de saúde
suplementar, destacamos a possibilidade de
permanência do ex-empregado no plano de
saúde coletivo empresarial ou coletivo por
adesão, assunto pouco difundido no meio
jurídico, apesar dos 10 anos de vigência da
lei de plano de saúde.
Está esculpido no artigo 30, caput,
da Lei nº 9.656/98 que “Ao consumidor que
contribuir para produtos de que tratam o
inciso I e o §1º do art. 1º desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso
de rescisão ou exoneração do contrato de
trabalho sem justa causa, é assegurado o
direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura
assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que
assuma o seu pagamento integral.”.
Do referido dispositivo legal percebemos que só é possível o direito do exempregado manter-se no plano de saúde
caso preencha os seguintes requisitos: a)
demitido sem justa causa (quer dizer, por
liberalidade do empregador); b) ter contribuído (pagar ou ser descontado qualquer
valor da mensalidade). A justa causa é de
fácil comprovação, basta a conferência no
TRCT (Termo de Rescisão do Contrato de
Trabalho). Em relação à contribuição, vale
destacar que não há uma estipulação, seja
legal ou infralegal, do valor para se alcançar
a efetividade deste requisito, bastando ser
de R$0,01 (um centavo) até a integralidade
da mensalidade.
Registre-se que para os planos de
saúde que utilizam o fator moderador denominado “coparticipação”, ele por si só não
satisfaz o requisito da contribuição quando
o empregado paga, apenas e tão somente,
valor referente à “co-participação”, devendo,
como já dissemos pagar pelo menos R$0,01
(um centavo) a título de mensalidade. Não
nos esqueçamos que, caso o ex-empregado
opte por permanecer no plano de saúde
contratado pelo empregador, deverá arcar
com o custo integral da mensalidade, ou
seja, com o que ele contribuía enquanto
estava na ativa e com a contribuição que era
dada por sua empresa empregadora.
Pode o ex-empregado ficar sine die
vinculado ao contrato de sua ex-empresa
empregadora? A resposta é não.
A própria Lei nº. 9.656/98 impôs limites, determinando duas situações distintas. A primeira delas diz respeito ao prazo
determinado do tempo de permanência do
Revista Del Rey Jurídica
ex-empregado no plano de saúde, estando consignado no § 1º do artigo 30
que diz: “O período de manutenção
da condição de beneficiário a que se
refere o caput será de um terço do
tempo de permanência nos produtos
de que tratam o inciso I e o §1º, ou
sucessores, com um mínimo assegurado de seis meses e um máximo de
vinte quatro meses.”.
A contagem do tempo será apurada mediante equação matemática
simples, ou seja, anota-se os meses em
que o empregado laborou, divide -se
por 3 e multiplica-se por 1, sendo que
resultado nunca pode ser inferior a 6
meses. Para melhor visualização, imagine que o empregado permaneceu
na empresa por 12 meses, dividido por
3 e multiplicado por 1, encontramos 4
meses. Caso o ex-empregado opte por
permanecer no plano de saúde não
ficará somente 4 meses, mas sim 6
meses que é o mínimo legal. Lembrese que o prazo máximo é de 24 (vinte
e quatro) meses.
Já a segunda limitação está
prevista no § 5º do mesmo artigo,
ao afirmar: “A condição prevista no
caput deste artigo deixará de existir
quando da admissão do consumidor titular em novo emprego.”. Tal
situação é de difícil aplicação e implementação na prática, pois tanto a
operadora quanto a ex-empregadora
não têm mecanismos eficazes para
controlar a entrada e saída de cidadãos no mercado de trabalho.
O artigo 30 da Lei nº 9.656/98
foi regulamentado pelo Conselho
de Saúde Suplementar (CONSU) por
meio da Resolução nº 20, de 23 de
março de 1999. Vale registrar que o
referido CONSU foi criado pela Lei nº
9.656/98 (art. 35-A).
Dentre as normas positivadas,
destacamos o artigo 2º da Resolução
nº 20/99 “Para manutenção do exoDireito do Consumidor
nerado ou demitido como beneficiário de plano ou seguro de assistência
à saúde, as empresas empregadoras
devem oferecer plano próprio ou contratado e as empresas operadoras ou
administradoras de planos ou seguros de assistência à saúde devem
oferecer à empresa empregadora,
que o solicitar, plano de assistência
à saúde para ativos e exonerados ou
demitidos.”.
Do citado ato normativo extraise que é dever da empresa empregadora oferecer ao seu ex-empregado
o direito de opção pela manutenção
ou não do plano de saúde, de acordo
com as regras já mencionadas pela
Lei nº 9.656/98. Deve, também, a
empresa empregadora solicitar esta
modalidade de contratação (para exempregado) às operadoras de plano
de saúde, pois de acordo com a Resolução Normativa nº 195/2009 que
estabeleceu nova redação ao art. 2º, §
2º da Resolução nº 20/99, temos que:
“§ 2º No caso de manutenção de planos separados para ativos e inativos,
e ambos os planos forem contratados
com operadoras, é obrigatório que a
empresa empregadora firme contratos coletivos empresariais para os
ativos e para os inativos, em nome
dos empregados e ex-empregados,
respectivamente, para ambos os planos, com uma única operadora, devendo, também o plano de inativos,
abrigar o universo de aposentados”.
Nesse sentido, enfatize-se que
as operadoras de plano de saúde não
são as responsáveis pelo oferecimento
do plano de saúde para o ex-empregado, mas sim, as empresas empregadoras, cabendo as primeiras terem o
produto registrado perante a Agência
Nacional de Saúde Suplementar para
quando solicitado pelas segundas disponibilizá-lo para a devida contratação, garantindo-se assim, o direito do
trabalhador e o fiel cumprimento da
legislação. Cumpre-se apontar que
a operadora de plano de saúde tem
obrigação, por força da Resolução
Normativa ANS nº. 100/2005, quando
da contratação inicial com a empresa
empregadora, informar e estabelecer
no pacto firmado entre as partes, os
direitos do ex-empregado e aposentado.
É importante afirmar que as
coberturas assistenciais serão as
mesmas que haviam sido contratadas quando o ex-empregado estava
na ativa, alterada a forma do pagamento, passando a receber boleto de
cobrança diretamente da operadora,
sendo que o “não-pagamento da
mensalidade por período superior a
sessenta dias, consecutivos ou não”
(art. 13, Lei nº. 9.656/98), implicará
na extinção da nova relação jurídica que foi estabelecida entre o exempregado e a operadora.
Caso o empregador não cumpra
a sua parte, deixando de oferecer o
plano ao ex-empregado, entende-se
que ele poderá ajuizar a competente
ação perante a Justiça do Trabalho ou
na Justiça Comum, no intuito de fazer
valer seu direito ao plano de saúde
dentro dos limites legais.
Livro
indicado:
Planos de Saúde –
saúde e contrato
na CONTEMPORANEIDADE
Gabriel Schulman
Editora Renovar
www.delreyonline.com.br
45
DIREITO PROCESSUAL
Arquivo CYB
Arquivo pessoal
JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA
Dalmar
Pimenta
Advogado, Sócio do
Escritório Dalmar
Pimenta Advogados
Associados,
Membro do
Conselho Editorial
da Editora Del Rey.
46
Com a celebração do II Pacto Republicano em 13 de abril de 2009, pelos
Chefes dos Três Poderes da União, entre
as várias medidas definidas como prioritárias constava aquela que determinava de
tornar-se mais célere o processo judicial.
Com isto, acelerou-se a tramitação do
Projeto oriundo do Senado de n°. 7087/06
que, aprovado nas duas casas legislativas
se transformou em 23 de dezembro último, na Lei n°. 12.153. Pela simples leitura
da referida lei, constata-se que a mesma
possui enorme semelhança com a Lei n°.
10.529/01, que trata dos Juizados Especiais Federais. Vê-se pela lei, que os Juizados Especiais da Fazenda Pública serão
orientados pelos princípios da oralidade,
simplicidade, informalidade, economia
processual, celeridade, conciliação, publicidade e gratuidade no primeiro grau
de jurisdição, sem prejuízo, contudo, da
condenação do litigante declarado de máfé. Como previsto na lei, a mesma entrará em vigor cento e oitenta dias após a
sua publicação oficial, ou seja, em 23 de
junho de 2010, preenchendo assim uma
lacuna existente na composição dos atuais Juizados Especiais. Também de acordo
com a lei, os novos Juizados Especiais da
Fazenda Pública deverão ser criados no
prazo máximo de dois anos e os Tribunais
de Justiça dos Estados poderão, segundo a
lei, aproveitar totalmente ou parcialmente
as estruturas das atuais varas da Fazenda
Pública. Referidos Juizados terão competência absoluta para processar, conciliar e
julgar causas cíveis além da discussão da
cobrança de ICMS, IPTU e IPVA, multas de
trânsito e ambiental de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios,
dos Municípios, bem como de autarquias,
fundações e empresas públicas a eles vinculadas.
Excluem-se de sua competência as
ações de mandado de segurança, execuções fiscais, demandas sobre direitos ou
interesses difusos e coletivos, entre outros
citados no parágrafo 1º do artigo 2º da Lei
12.153/09. O valor da causa não poderá
ultrapassar 60 salários mínimos, hoje em
Revista Del Rey Jurídica
torno de R$ 30.600,00. Como determina o inciso I, do artigo 5º da referida lei, as pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte,
terão doravante, reais possibilidades
de discutir questões antes relegadas
a empresas e pessoas físicas que possuíam condições financeiras de arcar
com as custas judiciais, trazendo com
isto, uma maior efetividade ao combate às ilegalidades administrativas
em governos estaduais e municipais.
As citações e intimações deverão
observar as disposições contidas no
Código de Processo Civil, tornando
dispensável a intimação pessoal dos
representantes das Fazendas Públicas
Estaduais e Municipais, bastando para
tanto aquela realizada através do Diário de Justiça. Tornaram-se dispensável, também, os prazos diferenciados
para as pessoas jurídicas de direito
público. Assim, não haverá prazo diferenciado para os representantes das
Fazendas Públicas Estaduais e Municipais, sendo que audiência inicial de
conciliação deverá ser agendada com
antecedência mínima de trinta dias.
É de se frisar que após implantação
dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, os mesmos terão competência
absoluta para processar e julgar ações
até o valor de 60 salários mínimos,
afastando assim, a competência das
Varas de Fazenda Pública. Entretanto, diferentemente da competência
inderrogável para julgar até o valor
de 60 salários mínimos, infelizmente
a lei, quanto à execução de sentença
através de RPV (Requisição de Pequeno Valor) será de 40 salários mínimos
quanto aos Estados e Distrito Federal
e de 30 salários mínimos, quanto aos
municípios, até que uma nova lei de
cada ente da Federação defina o seu
pequeno valor. Os valores acima dos
patamares anteriormente fixados e
que não ultrapassem 60 salários míDireito Processual
Com certeza a lei n°.
12.153/09 representa um
significativo avanço para o
Judiciário e em especial para
as pessoas físicas,
microempresas e empresas de
pequeno porte.
nimos serão objeto do famigerado
rito do precatório, objeto de “calote
oficial” através da Emenda Constitucional n°. 62/09. A lei reforça a
possibilidade de conciliação entre as
partes, determinando em seu artigo
8º que “os representantes judiciais
dos réus presentes à audiência poderão conciliar, transigir ou desistir
nos processos da competência dos
Juizados Especiais, nos termos e nas
hipóteses previstas na lei do respectivo ente da Federação. Uma indagação
ainda pendente de resposta está na
obrigatoriedade ou não de assistência
por parte de advogado. A lei se omite
quanto a este aspecto, determinando,
porém, que se deve aplicar subsidiariamente, o C.P.C. e as leis 9.099/95
e 10.259/01, que tratam dos demais
Juizados Especiais. Entendemos que
pela maior semelhança desta nova
lei com a de n°. 10.259/01, que criou
os Juizados Especiais Federais, provavelmente a assistência de advogado
nos Juizados Especiais da Fazenda
Pública será facultativa. A nova lei
confere ao Juiz poderes para deferir
qualquer providência cautelar e antecipatória no curso do processo, para
se evitar dano de difícil reparação.
Outro aspecto interessante da lei é
que, devido à busca incessante pela
celeridade processual, somente será
admitido recurso contra a sentença
e contra as decisões liminares proferidas em caráter de urgência. Porém,
não proíbe a utilização de embargos
declaratórios frente a qualquer decisão obscura, omissa ou contraditória. Com certeza a lei n°. 12.153/09
representa um significativo avanço
para o Judiciário e em especial para
as pessoas físicas, microempresas
e empresas de pequeno porte que
passam a ter um fórum especial para
discussão de suas pendências com
Estados e Municípios. Porém, o fato
de que a maioria das microempresas e
empresas de pequeno porte, estarem
hoje inscritas no regime simplificado
do Supersimples, as grandes causas
tributárias ainda continuarão a ser
decididas no Judiciário comum. O
avanço também se dá quanto à sociedade em geral, com a determinação
de designação de Juízes Leigos o que
demonstrará a participação popular
na administração da Justiça, um dos
grandes pilares do Estado Democrático de Direito.
Livros
indicados:
O Processo
nos Juizados
Especiais
Cíveis
Estaduais
Antônio Pereira
Gaio Júnior
Editora Del Rey
Comentários
à Nova Lei
dos Juizados
Especiais
da Fazenda
Pública
Luiz Manoel Gomes
Junior e outros
Editora Revista
dos Tribunais
www.delreyonline.com.br
47
DIREITO JUDICIÁRIO
Arquivo CYB
MUTIRÕES DO JUDICIÁRIO
José
Fernandes
Filho
Ex-Presidente do
Tribunal de Justiça
do Estado de Minas
Gerais.
48
Há quase dois decênios, a magistratura mineira se impôs ao respeito nacional: reduziu em dois terços a massa de
processos pendentes de decisão. Trabalho
de muitas mãos, também dos advogados e
do Ministério Público, a vitoriosa iniciativa
nos permitiu olhar nos olhos do jurisdicionado, sem medo ou remorso.
O tempo passou, o acervo de pendências cresceu, chegando hoje a números
assustadores. Explosiva, a demanda revela
confiança nos homens da lei. Mas também
lhes arqueia os ombros, clamando por julgamentos que não se eternizem, mesmo
porque preceito constitucional “a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Muito já se escreveu sobre a chamada crise do Judiciário. Na verdade, crise
de homens e instituições, porque estas, ao
final, serão grandes ou pequenas como
eles.
A chamada opinião pública – mais
“publicada” do que pública – atribui ao
Judiciário duas graves omissões: não res-
ponder prontamente à demanda crescente e não oferecer segurança jurídica às
partes, porque os julgamentos, singulares
ou coletivos, cabeça de cada juiz, geram
reconhecida insegurança.
Improcede a segunda queixa: rica e
dinâmica, a jurisprudência, mesmo pacificada, deve obediência à lei, sobre refletir
os anseios de uma sociedade em constante processo de transformação. Mais
duradouros do que as normas, e delas
inspiração, os princípios, estes sim, são
permanentes, orientando e referenciando
o magistrado.
Procede, porém, a primeira objeção,
diante da lentidão do Judiciário, que não
consegue aplacar a angústia da legião de
injustiçados, a clamarem, ainda reverentes,
pela reparação de seus direitos.
Em pregação recorrente, tenho sustentado que a prática da conciliação é
o melhor caminho para a redução dos
acervos processuais e, também, ensolarada janela aberta para a construção da
paz social.
Revista Del Rey Jurídica
LANÇAMENTOS
Direito Judiciário
Livros
indicados:
Compromisso
com o Direito
e a Justiça
Foto: Arquivo Pessoal
Leonardo Barreto Moreira Alves (coordenador) e Patrícia
Diniz Gonçalves Moreira Alves (coautora).
Foto: Arquivo Del Rey
na massa, isto é, os juízes. De nada
valerão as boas intenções desacompanhadas de gestos de grandeza e
compreensão do CNJ, que, sozinho,
nada conseguirá. Baixar resoluções,
que fixam prazos e metas, é fácil.
Difícil é criar a cultura de que, todos,
somos responsáveis pelo desafio.
É hora de mudança, mas
também de entrega, de doação, de
crença na economia do bem: sem
estes valores, faltará alma a qualquer
projeto.
Leonardo Barreto Moreira Alves, Rômulo de Carvalho
Ferraz (Presidente da AMMP), Dimas Messias de
Carvalho e convidados.
***
Em 17 de novembro, na Livraria
Del Rey Aimorés, foi lançada a obra coletiva “Abordagem Multidisciplinar sobre a Moralidade no Brasil”, coordenada
pela advogada Célia Pimenta Barroso
Pitchon, Presidente do MAM – Movimento das Advogadas Mineiras, entidade
responsável pela coedição do livro.
Foto: Cláudio Cunha
Cumpre proclamar,
entretanto, que os
mutirões carecem de uma
chama, pequena que seja,
mas candeia acesa, que
ilumine e aqueça, faça
chuva ou sopre o vento.
Sálvio de Figueiredo
Teixeira
Editora Del Rey
Célia Pitchon, Misabel Derzi e Antonio Augusto Anastasia.
Prática da
Mediação
e Acesso à
Justiça
Foto: Cláudio Cunha
Redescobertos pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), os mutirões judiciários poderão mudar
a imagem, nada lisonjeira, que se
abate sobre nós. Além disso, ensejarão imperdível oportunidade para
o exercício da solidariedade entre
os juízes, abrindo-lhes infinitos horizontes, nem sempre alcançáveis no
solitário ofício de julgar.
Os mutirões já realizados pelo
CNJ em penitenciárias têm restituído a liberdade a muitas pessoas que
permaneciam detidas sem qualquer
justificação. Resgata-se-lhes a dignidade, na medida em que, devolvidas
ao convívio social, podem vivenciar a
cidadania, de que estavam despossuídas por cruel omissão do Estado.
Outro fato, digno de registro,
é a louvável tentativa de sentenciamento nos processos distribuídos até
31 de dezembro de 2005.
O grande acervo processual
poderá impedir o cumprimento integral da chamada “Meta 2”, do mesmo Conselho. Não importa; importa,
sim, o propósito de mudar, reclamado
pela sociedade. Importa, também,
o testemunho dos magistrados, sabidamente exaustos, à desumana
sobrecarga de trabalho.
Cumpre proclamar, entretanto, que os mutirões carecem de uma
chama, pequena que seja, mas candeia acesa, que ilumine e aqueça,
faça chuva ou sopre o vento. Impostos, desprovidos de amorosa adesão,
terão o amargo sabor de encargo
adicional para quem já trabalha muito. Assumidos e consentidos, serão
obra de cada participante, pacificados ao resultado obtido, que redime
e liberta.
O louvável propósito do Conselho Nacional de Justiça só vingará se seus condutores souberem
envolver aqueles que porão a mão
Em 27 de outubro, na Livraria Del
Rey Aimorés, realizou-se o lançamento do
livro coletivo “Código das Famílias Comentado”, coordenado pelo professor Leonardo
Barreto Moreira Alves, Promotor de Justiça
em Minas Gerais e membro do IBDFAM,
que é coeditor da obra.
Walsir Edson
Rodrigues Junior
Editora Del Rey
www.delreyonline.com.br
Arnaldo Oliveira e colaboradores da obra coletiva.
49
DIREITO EMPRESARIAL
Rodrigo
Bernardes
Braga
Advogado, Gerente
Geral Jurídico
da Vale Soluções
em Energia
S.A., membro
da Associação
Brasileira da
Propriedade
Intelectual e do
Comitê Brasileiro de
Arbitragem.
50
1. Harmonizando os conceitos:
O que é nome empresarial? O que é
nome de domínio? O que é título de estabelecimento? O que é marca? Vejamos:
Nome empresarial é aquele com que o
empresário, pessoa física ou jurídica, se apresenta em suas relações com terceiros. É, em linhas
gerais, o nome usado pelo empresário para
individualizá-lo e distingui-lo de outros. Está,
portanto, diretamente vinculado
ao sujeito que
exerce a atividade empresarial.
D e v e
atender aos
princípios da
veracidade e
da novidade. A
veracidade se
traduz na necessidade do
nome empresarial ser fidedigno com o nome,
por extenso ou
abreviado, do
c o m e rc i a n t e
individual, ou
com o nome do
sócio ou sócios
que compõem
a sociedade,
quando se tratar
de firma ou razão social.
Já a novidade requer que o nome empresarial seja único, uma vez que o legislador
quis tutelar o crédito e a clientela, evitando
confusões que pudessem colocar o empresário idôneo na condição de devedor, bem
como preservar a clientela que poderia ser
enganada facilmente. No exame de eventual colidência entre nomes empresariais terá
preferência aquele que depositou os seus atos
constitutivos em primeiro lugar, aplicando-se
o princípio da anterioridade.
O texto da Convenção da União de Paris
(CUP), de 20 de março de 1883, da qual o Brasil
foi signatário e aderente, estatui que “o nome
comercial será protegido em todos os países
da União sem obrigação de depósito ou de
registro, quer faça ou não parte de uma marca
de fábrica ou de comércio.” Esse princípio de
proteção do nome empresarial sem registro
nunca foi acolhido entre nós, prestigiando
o empresário estrangeiro em detrimento do
nacional. A atual Lei de Registro Mercantil (Lei
n. 8.934, de 18
de novembro
de 1994) é
expressa ao
determinar o
arquivamento
(art. 32, II): - a)
dos documentos relativos à
constituição,
alteração, dissolução e extinção das firmas mercantis
individuais,
sociedades
mercantis e
cooperativas.
E, em seu art.
33, está referido que:
“
A
proteção ao
nome empresarial decorre
automaticamente do arquivamento dos atos
constitutivos de firma individual e de sociedades, ou de suas alterações.”
Já o nome de domínio é a identificação
do empresário em página da rede mundial
de computadores. Em realidade, trata-se de
uma combinação única de letras ou nomes
perceptíveis à linguagem humana, números
ou travessões e códigos que encaminham informações entre usuários do sistema.
O título de estabelecimento é o elemento de identificação do próprio estabelecimento
explorado pelo empresário. Daí porque a sua
Arquivo CYB
Arquivo Pessoal
Nome Empresarial, Nome de Domínio, Título de Estabelecimento e
Marca: Contribuições Doutrinárias e Jurisprudenciais.
Revista Del Rey Jurídica
estreita ligação com o ponto. O título,
não raro, vem estampado na fachada
da loja como sinal distintivo perceptível
pelos consumidores, também chamado
de expressão de fantasia.
Por fim, marca é o sinal gráfico
escrito ou simbolizado, que serve para
distinguir um produto ou um serviço
de outro igual ou semelhante.
A marca está indissociavelmente vinculada ao produto ou serviço do
empresário, enquanto o nome empresarial está vinculado ao sujeito. A qualidade da marca distinguir o produto
do empresário chama-se capacidade
distintiva.
O registro da marca no INPI
(Instituto Nacional da Propriedade Industrial) confere direito de propriedade, assegurando ao requerente o uso
exclusivo em todo o território nacional.
Diz-se, portanto, que o registro tem
efeito constitutivo. Nesse particular,
convém expor a nossa opinião. Para fins
do direito marcário, entendemos que o
registro no INPI, efetivamente, é atributivo, isto é, atribui a propriedade da
marca ao empresário. Contudo, entendemos que a lei põe a salvo os direitos
de uso da marca independentemente
de registro para evitar a concorrência
desleal. É o que veremos em seguida.
2. Tutela legal dos institutos:
A proteção legal do nome empresarial decorre automaticamente do
registro. É o que diz a lei. Em 1996, o
Decreto n. 1.800, de 30 de janeiro, que
regulamentou a Lei de Registros Mercantis (Lei 8.934/1994), afirmou que a
proteção ao nome comercial decorre
do arquivamento dos atos constitutivos
da empresa, mas que tal proteção se
circunscreve à unidade federativa de
jurisdição da Junta Comercial, a teor
dos exatos termos do art. 61, parágrafo
1º.
Direito Empresarial
Por fim, marca é o sinal
gráfico escrito ou simbolizado, que serve para
distinguir um produto ou
um serviço de outro igual
ou semelhante.
O efeito da proteção há de ser
limitado e restrito, por força de expressa
disposição legal. Tanto é que o parágrafo 2º do mesmo art. 61 diz que a
proteção ao nome empresarial poderá
ser estendida a outras unidades da Federação, a requerimento da empresa
interessada, observada instrução normativa do Departamento Nacional do
Registro do Comércio (DNRC).
O Código Civil, em seu art. 1.166,
reafirma o âmbito limitado da proteção conferida ao nome empresarial,
deixando a cargo do interessado a faculdade de estendê-la de acordo com
a lei especial, in casu, a lei de registros
mercantis.
Em frontal violação às normas
que regem o registro de nome empresarial, algumas decisões têm sustentado
a extensão da proteção legal em nível
nacional e, para além de tudo isso, em
nível internacional, com esteio na Convenção da União de Paris – CUP, art.
8. Ocorre que a CUP, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto n. 75.572,
de 08/04/1975, coloca-se em rota de
colisão com o Código Civil, com a Lei
de Registro Mercantil e mesmo com a
nossa Constituição Federal. Isto porque
ela estaria conferindo ao empresário
estrangeiro um privilégio condenável
– proteção sem registro – em completa
dissintonia com o tratamento dispensado ao nacional, que carece do registro
na Junta Comercial. Esse tratamento
desigual fere a Constituição (art. 5º,
inc. XXIX). A esse respeito, confira jul-
gado do STJ, EEARES 200400493190
– 653.609-RJ, 4ª T., Rel. Min. Jorge
Scartezzini, DJ 27.06.05, p. 408.
2.1 Defesa do nome empresarial e
da marca pela via indireta: a concorrência desleal
A despeito de a proteção legal ao nome empresarial cingir-se ao
estado onde a Junta exerce a sua jurisdição, nada impede que se busque
a sua tutela em âmbito nacional com
fundamento no direito da concorrência
(inc. V do art. 124 e inc. III do art. 195
da Lei n. 9.279/96 - Lei da Propriedade
Industrial). Com efeito, a proteção ao
nome empresarial se dará, assim, indiretamente, pela tutela que a lei confere à
leal concorrência. Como essa tutela é de
âmbito nacional, o prejudicado poderá
ter seu nome de empresa resguardado
para além dos limites de jurisdição da
Junta em que a sociedade estiver registrada. Nota-se, porém, que a pretensão
terá de ser alicerçada em provas robustas da concorrência desleal, o que supõe o uso indevido por aquele que atua
no mesmo ramo de comércio do titular
da ação judicial, enquanto o registro
dos atos constitutivos da empresa nas
unidades federativas de seu interesse
protege o empresário quanto ao uso
de nome idêntico independentemente
do ramo de comércio em que atua o
usurpador.
Já a proteção da marca pressupõe o registro no INPI, cujo título
confere direito de propriedade, oponível erga omnes. O registro, efetivamente, é atributivo, mas o direito
marcário só se completa pela equação: registro + uso. O uso, per se, sem
registro, confere direitos equivalentes
ao da posse.
A diferença entre a marca registrada e a marca sem registro é que
enquanto a primeira investe o seu
51
Arquivo CYB
DIREITO EMPRESARIAL
titular de um direito exclusivo oponível erga omnes, a segunda coloca o
seu detentor na condição de defender
o direito apenas contra aquele que
com ele concorre, provando-se o ato
confusório com a eventual possibilidade de desvio de clientela.
3. Conflito entre nome empresarial,
marca e título de estabelecimento
O conflito entre nome empresarial, marca e título de estabelecimento é
plenamente possível, sobretudo quando
a marca emerge de parte ou da totalidade do nome de terceiro, sendo parte
integrante deste. Diz-se que o critério
a ser observado nesses casos é o que
vincula a atividade social ao elemento individualizador da denominação,
evitando-se o registro ou o uso de nomes que reproduzam ou imitem outro
nome empresarial ou marca registrada
ou depositada de outrem.
Não discrepa a jurisprudência,
que manda aplicar, em casos tais, os
princípios da anterioridade e da espe52
cificidade (REsp n. 32.263, DJU 18-111996). No mesmo sentido: AgRg nos
EDcl no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº
805.623 - PR(2006/0178880-5), RELATOR MINISTRO ARI PARGENDLER.
Desta forma, assentado o conflito, deve este resolver-se segundo os
princípios da especificidade e anterioridade, aplicáveis a situações em que a leal
concorrência, em geral, se vê abalada ou
minimamente ameaçada. Se inexistente
a concorrência, isto é, se as empresas
atuam em ramos distintos, não dando
margem a confusões entre a clientela,
nada impede a convivência simultânea
das marcas e nomes comerciais no universo mercantil.
Já a proteção da marca
pressupõe o registro no INPI,
cujo título confere direito de
propriedade, oponível erga
omnes.
de âmbito nacional e o nome empresarial é registrado na junta comercial de
âmbito estadual - e com fins diversos. A
solução que a jurisprudência vem dando
é a aplicação dos princípios da especificidade – verificação da atuação no mesmo
ramo de atividade – e da anterioridade
– registro prévio ou antecedente ao do
concorrente.
Para efeito do direito concorrencial sequer se tem levado em consideração o próprio registro, pois o uso
da marca sem registro também tem se
prestado a esse propósito, máxime em
caso de marca de alto renome, se o sujeito prova que exerce o direito a longos
anos antes do concorrente.
Livros
indicados:
Curso Avançado
de Direito
Comercial
Marcelo M. Bertoldi
Editora RT
4. Conclusões:
Por vezes, determinadas marcas
são idênticas ou muito similares a nomes
empresariais alheios (arts. 124, V, e 195,
V, da LPI), havendo um conflito, cuja solução gera certa dificuldade, na medida
em que são bens registrados em órgãos
diversos - a marca é registrada no INPI
Manual
de Direito
Comercial
- Direito de
Empresa
Fábio Ulhoa Coelho
Editora Saraiva
www.delreyonline.com.br
Revista Del Rey Jurídica
Direito Empresarial
53
DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL
João Dácio
Rolim
Founding partner of
Rolim, Godoi, Viotti
& Leite Campos
Advogados, LLM
at London School
of Economics, PhD
at UFMG, Fellow
researcher at
QMUL, professor of
Tax Law at FGV.
54
Bilateral investment treaties, bilateral or
regional free trade agreements, double taxation
conventions, World Trade Organization (WTO)
and World Intellectual Property Organization
(WIPO) agreements, human rights conventions
and several other species of international treaties are increasingly frequent. The doctrine of
Westphalia, based on absolute national sovereignty in the name of equality between
countries, may
be but a part of
history.
With the
countless bilateral and multilateral treaties currently in
force, a criterion
for evaluating
which countries
are good hosts
to foreign investment might
provide the international business
community with
minimum standards of protection and certain
fundamental values, promoting
reciprocal trust
and sustainable
cooperation. Let
us take as an example the countries held as the
most promising actors in the international stage,
from the social, political and economic standpoint: the BRIC group (Brazil, Russia, India and
China).
Despite China is not yet a party to human rights conventions, or to OECD’s anti-corruption convention, it integrates the WTO and
WIPO and it participates in several bilateral investment treaties, double taxation agreements
and other regional trade agreements (Among
which is the commercial agreement entered
into by China with the Association of Southeast
Asian Nations (ASEAN), a regional free trade
area composed by ten countries. According
to the Asian Development Bank, the number
of bilateral free trade agreements in Asia has
grown from 25 in 1995 to over 150 in 2009
(The Economist, September 5th 2009, p. 68)).
Similarly, even if Russia is still not a party to the
WTO or to OECD’s anti-corruption convention,
it integrates the European Convention
of Human Rights,
WIPO and others.
Also, although India has not adopted
the European Convention of Human
Rights, it is a party
to WTO, WIPO and
several treaties,
commercial or not.
Finally, Brazil is already a party to the
WTO, the WIPO, and
Mercosur, having
also entered into
several treaties,
commercial agreements and double
taxation conventions, in addition to
the Inter-American
Convention of Human Rights and the
OECD anti-corruption convention. It
is likewise probably
a matter of time before Brazil enters into bilateral investments treaties (The main protections
provided by investment treaties are the “fair
and equitable” treatment, the right to indemnification for fair expropriation and international arbitration. Still, if the treaty does not
set forth the possibility of arbitration, fair and
equitable treatment must be granted according to domestic law, as an obligation imposed
on the Judiciary Branch). Still concerning the
international legal order as a whole, is also reArquivo CYB
Arquivo pessoal
Brazilian Law and the Internationalization of Law as Positive
Factors for Foreign and Domestic Investment
Revista Del Rey Jurídica
LANÇAMENTOS
Direito Tributário Internacional
Artigo escrito para a London School of Economics.
Livros
indicados:
Sistema
Constitucional
Tributário
Foto: Cláudio Cunha
O coautor Ricardo Fiuza e parte da Família
Malheiros Fiuza.
Foto: Cláudio Cunha
tween investors. However, there are legal
mechanisms, as well as precedents of
penalties and foreign economic agents,
including those from BRIC, evidencing
that it is possible to promote large investments in Brazil without resorting to
unlawful competition, corruption or human rights violation.
In summary, from the institutional
standpoint, Brazil is on the path to the
“international rule of law”, creating
reasonable guarantees and stability for
investors, which are fairly and equitably
treated by Brazilian institutions.
O coautor com membros da Família Ferreira Pinto.
***
No dia 1° de dezembro, no Carpe Diem Restaurante, em Brasília, DF,
lançou-se a obra coletiva “Família e Jurisdição III”, coordenada por Eliene Ferreira Bastos, Arnoldo Camanho de Assis
e Marlouve Moreno Sampaio Santos,
todos altos dirigentes do IBDFAM-DF,
entidade parceira na edição.
Foto: Arquivo Pessoal
Brazilian multinationals
are prepared to operate
overseas in conditions of
equality with its foreign
counterparts.
Humberto Ávila
Editora Saraiva
Ministro Cláudio Santos e Eliene Bastos, Lúcia e Ministro
Aldir Passarinho Júnior.
Tributação e
Meio Ambiente
Foto: Arquivo Pessoal
markable that even within the European
Union nationals of third countries enjoy
freedom of movement of capital, even if
they have no liaison to or establishment
in Europe.
From the outlook of liens with
international legal systems, Brazil may
the best-placed BRIC country. Domestic
law is relatively predictable, certain and
protective of foreign investments. The
existence of a Judiciary Branch struggling for swiftness but without losing
its relative consistency, and of modern
legislative initiatives that protect private investments without ignoring social
consequences, are specially noticeable
characteristics of the seemingly complex
dynamics of Brazilian domestic law.
The number of Brazilian companies not only competing in the international market, but also controlling other
companies and performing industrial
activities or rendering services abroad
is systematically increasing. Brazilian
multinationals, having developed in an
apparently complex but relatively safe
legal environment, are prepared to operate overseas in conditions of equality
with its foreign counterparts.
Entrepreneurs from BRIC countries may feel safer to invest in Brazil
than investors from developed countries,
which may represent an intangible competitive advantage for the first. This is
due to the fact that such entrepreneurs
have their own domestic legislations as a
basis for comparison, which, according to
a western concept of international rule
of law, would be held as being relatively
less safe than that of Brazil.
Naturally, there is a wide gap
between formal and actual freedoms
and guarantees, since the simple fact of
signing anti-corruption, human rights
or intellectual property conventions and
taking the appropriate legal measures
to implement them does not, by itself,
ensure fair and actual competition be-
Em ambiente verdadeiramente
familiar, na manhã do sábado, dia
21 de novembro, na Livraria Del Rey
Aimorés, foi lançada a obra “Encontro
de duas famílias”, escrito pelos juristas
e acadêmicos Diogo Leite de Campos
(Portugal) e Ricardo Arnaldo Malheiros
Fiuza (Brasil). Editado pela tipografia
Guerra, de Viseu /Portugal, o livro é uma
coletânea ilustrada de crônicas sobre fatos
e costumes das famílias dos coautores.
Jorge Henrique de
Oliveira Souza
Editora Del Rey
www.delreyonline.com.br
Ministro José Castro Meira e Terezinha, Ministro Cláudio
Santos, Desembargador Arnoldo Camanho e Eliene
Bastos.
55
DIREITO TRIBUTÁRIO
Arquivo CYB
Arquivo pessoal
Incidência de PIS e Cofins sobre receitas decorrentes
do pagamento de juros sobre capital próprio
Flávio de
Sá Munhoz
A definição acerca da natureza jurídica
dos juros sobre o capital próprio instituídos
pelo artigo 9º da Lei nº 9.249/95 é de suma
importância para a determinação da incidência
das contribuições PIS e Cofins, em face do que
dispõem os artigos 1º, §§1º e 3º, inciso V, “b”
das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003 que, a
despeito de determinarem como base de cálculo das referidas contribuições a totalidade das
receitas auferidas pela pessoa jurídica, excluem
da tributação as receitas de dividendos.
Os juros sobre o capital próprio têm origem na figura societária denominada “juros
de construção”, instituídos pelo Decreto-Lei
2.627/40, que assim dispunha:
Advogado. ExConselheiro da
Câmara Superior
de Recursos Fiscais
do Ministério da
Fazenda
56
“Art. 129. (…)
Parágrafo único. Feito o inventário do
ativo e passivo, a estimação do ativo obedecerá
às seguintes regras:
e) nas despesas de instalação deverão
ser incluídos os juros pagos aos acionistas
durante o período que anteceder o início das
operações sociais. Os estatutos fixarão a taxa
de juro, que não poderá exceder de 6 % (seis por
cento) ao ano, e o prazo para a amortização.”
O pagamento de juros aos acionistas
também foi tratado pelo art. 179, inciso V da
Lei nº 6.404/76:
“Art. 179. As contas serão classificadas
do seguinte modo:
V - no ativo diferido: as aplicações de
recursos em despesas que contribuirão para a
formação do resultado de mais de um exercício
social, inclusive os juros pagos ou creditados
aos acionistas durante o período que anteceder
o início das operações sociais.”
Tendo em vista a extinção da correção
monetária de balanço (artigos 4º e 36 da Lei nº
9.249/95) e em face da necessidade de manter o
equilíbrio das demonstrações financeiras, a Lei nº
9.249/95, no seu art. 9º, criou a possibilidade de
dedução, para efeito de apuração do lucro real,
do valor pago a título de juros sobre o capital
próprio, nestes termos:
Art. 4º Fica revogada a correção monetária das demonstrações financeiras de que
tratam a Lei nº 7.799, de 10 de julho de 1989
e o art. 1º da Lei nº 8.200, de 28 de junho de
1991.
Revista Del Rey Jurídica
Parágrafo único. Fica vedada a
utilização de qualquer sistema de correção monetária de demonstrações financeiras, inclusive para fins societários.”
Art. 36. Ficam revogadas as disposições em contrário, especialmente:
II - os art. 2º a 19 da Lei nº 7.799,
de 10 de julho de 1989;” (Correção Monetária das Demonstrações Financeiras)
“Art. 9º A pessoa jurídica poderá
deduzir, para efeitos da apuração do
lucro real, os juros pagos ou creditados
individualizadamente a titular, sócios
ou acionistas, a título de remuneração
do capital próprio, calculados sobre as
contas do patrimônio líquido e limitados
à variação, pró rata dia, da Taxa de Juros
de Longo Prazo - TJLP.”
Assim, surgiu a figura dos Juros
sobre o Capital Próprio - JCP, com as
seguintes características: (i) pagamento
ou creditamento individualizado a titular,
sócios ou acionistas, (ii) a título de remuneração do capital próprio, (iii) calculado
sobre as contas do patrimônio líquido,
(iv) limitado à variação, pró-rata dia, da
Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.
Cumpre destacar que os juros sobre o capital próprio previstos na legislação tributária são diferentes daqueles
dispostos na legislação societária. Neste
sentido, vale transcrever a regulamentação baixada pela Secretaria da Receita
Federal, aplicável no âmbito tributário, e
a regulamentação adotada pela Comissão de Valores Mobiliários, a ser observada no âmbito societário:
IN SRF nº 11, de 21/2/1996, art. 29, § 4º, a:
Art. 29. (…)
§ 4º Os juros a que se refere este
artigo, inclusive quando exercida a opção
de que trata o § 1º ou quando imputados
aos dividendos, auferidos por beneficiário
pessoa jurídica submetida ao regime de
tributação com base no:
a) lucro real, serão registrados em
Direito Tributário
De rigor observar que a
maior parte dos países da
Europa e os Estados Unidos
consideram que os juros
sobre capital próprio têm
natureza de dividendos,
enquanto que países
como a Espanha e o Chile
atribuem à figura natureza
de receita financeira.
conta de receita financeira e integrarão lucro real e a base de cálculo da contribuição
social sobre o lucro;
IN SRF nº 41, de 22/4/1998, art. 4º:
Art. 4º Na hipótese de beneficiário
pessoa jurídica o valor dos juros creditados ou pagos deve ser escriturado como
receita, observado o regime de competência dos exercícios.
Deliberação CVM nº 207/96
(…) no conceito de lucro da lei societária, remuneração do capital próprio,
paga/creditada aos acionistas, configura
distribuição de resultado e não despesa”
“I- Os juros pagos ou creditados
pelas companhias abertas, a título de
remuneração do capital próprio, na forma
do art. 9º da Lei nº 9.249/95, devem ser
contabilizados, diretamente à conta de
Lucros Acumulados, sem afetar o resultado do exercício.
Verifica-se, portanto, que na regulamentação da legislação tributária,
baixada pela Secretaria da Receita Federal,
os juros sobre o capital próprio recebidos
por pessoa jurídica são tratados como
“receita financeira”, enquanto na regulamentação da legislação societária, adotada pela CVM, o tratamento dispensado
é de “dividendo”.
De rigor observar que a maior
parte dos países da Europa e os Estados
Unidos consideram que os juros sobre capital próprio têm natureza de dividendos,
enquanto que países como a Espanha e
o Chile atribuem à figura natureza de
receita financeira.
A doutrina também diverge a
respeito da sua caracterização.
Fábio Ulhôa Coelho (Curso de Direito Comercial, vol. 2, Saraiva, São Paulo,
2002, p. 342) e Edmar Oliveira Andrade
Filho (Perfil jurídico do juro sobre o capital social no direito tributário e no direito
societário, MP Editora, São Paulo, 2006,
p. 44) sustentam a natureza de receita
financeira, ao passo que Modesto Carvalhosa (Comentários à Lei das Sociedades
Anônimas, vol. 1, Saraiva, São Paulo, 1997,
p. 139) e Bulhões Pedreira (Imposto sobre
a Renda – Pessoas Jurídicas, vol. I, Justec,
Rio de Janeiro, 1979, p. 474) (que trata
dos juros sobre a remuneração do capital
de um modo geral e não dos JCP previstos
na Lei nº 9.249/95) adotam a classificação
de dividendos.
Algumas características aproximam os juros sobre o capital próprio dos
dividendos. Dentre elas, pode-se destacar
que os JCP são calculados sobre o patrimônio e pressupõem a existência de lucro,
nos termos do que estabelece o art. 9º, §1º
da Lei nº 9.249/95:
§ 1º O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da
dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante
igual ou superior ao valor de duas vezes
os juros a serem pagos ou creditados.
Além disso, os juros sobre o capital
próprio podem ser imputados aos dividendos obrigatórios, conforme dispõe o art.
9º, §7º da Lei nº 9.249/95:
§ 7º O valor dos juros pagos ou
creditados pela pessoa jurídica, a título de
57
Arquivo CYB
DIREITO TRIBUTÁRIO
remuneração do capital próprio, poderá
ser imputado ao valor dos dividendos de
que trata o art. 202 da Lei nº 6.404, de
15 de dezembro de 1976, sem prejuízo
do disposto no § 2º.”
Por outro lado, ainda que o fato
de serem calculados sobre o patrimônio
aproxime os juros sobre o capital próprio dos dividendos, é importante ressaltar que o seu pagamento é facultado
mesmo em casos em que há impossibilidade de distribuição de dividendos,
como na situação em que eventuais
prejuízos acumulados em anos anteriores absorvam o lucro corrente; o que
nos parece decisivo para comprometer
a caracterização dos juros sobre o capital próprio como dividendos.
Com efeito, a legislação tributária utiliza conceito de “lucro líquido”
distinto do Direito Societário. Entre eles
há uma distinção de objetos.
Conceito de Lucro Líquido: Direito Tributário
RIR/99:
Art. 248. O lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica
do lucro operacional (Capítulo V), dos
resultados não operacionais (Capítulo
VII), e das participações, e deverá ser
58
determinado com observância dos preceitos da lei comercial.”
Conceito de Lucro Líquido: Direito Societário
Lei n º 6.404/76:
Art. 191. Lucro líquido do exercício é o resultado do exercício que
remanescer depois de deduzidas as
participações de que trata o Art. 190.
Art. 190. As participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias serão
determinadas, sucessivamente e nessa
ordem, com base nos lucros que remanescerem depois de deduzida a participação anteriormente calculada.
Art. 189. Do resultado do exercício serão deduzidos, antes de qualquer
participação, os prejuízos acumulados
e a provisão para o imposto sobre a
renda.”
Portanto, o conceito de “lucro líquido” atribuído pelo art. 248 do RIR/99
é distinto do conceito de “lucro líquido” da legislação societária. O “lucro
líquido”, de acordo com a legislação
tributária, não sofre dedução de prejuízos acumulados e da provisão para
o imposto de renda. A conseqüência
é que a Lei nº 9.249/95, de natureza
tributária, não poderia atribuir (e não
atribuiu) aos juros sobre capital próprio,
“figura societária”, caráter de “lucro ou
dividendo”.
Além disso, a imputação dos
juros sobre o capital próprio ao valor
dos dividendos obrigatórios constitui
mera faculdade, que depende da aprovação dos acionistas/ quotistas ou de
disposição estatuária/ contratual. Caso
caracterizassem espécie de dividendos,
não haveria a necessidade da determinação constante do art. 9°, § 7º da Lei
n° 9.249/95.
Sob tais fundamentos, pode-se
concluir que os juros sobre o capital
próprio recebidos por pessoa jurídica
não constituem dividendos. Tendo em
vista que resultam de investimentos dos
sócios, enquadram-se no conceito de
“receita”. Em razão de utilizarem índice
financeiro (Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP) para cálculo da remuneração,
se enquadram no conceito de “receita
financeira”, alcançada pela tributação
das contribuições PIS e Cofins.
Livro
indicado :
Direito
Tributário –
Constituição
e Código
Tributário
Leandro Paulsen
Editora Livraria do
Advogado
www.delreyonline.com.br
Revista Del Rey Jurídica
Novidades e reedições Del Rey
Código Civil Comentado
3ª Edição
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10ª Edição
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Almeida Salles
O Desembargador José Costa
Loures, ex-Presidente do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais, em
parceria com a advogada Taís Maria
Loures Dolabela Guimarães, analisa
e comenta os artigos do Código
Civil (Lei n. 10.406/2002) e suas
mais recentes alterações. O autor,
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trinta e sete anos de magistratura
e trinta e quatro de magistério, traz
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do Direito uma visão amadurecida
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cada tema. Na Parte Geral aborda os princípios sobre os
quais se apoia todo o sistema penal e na Parte Especial
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Direito Civil Atualidades IV
é o quarto volume da série,
organizada pelos civilistas
César Fiuza, Maria de Fátima
F. de Sá e Bruno Torquato, traz
como tema “Teoria e Prática
no Direito Privado”. Composta
por artigos de professores
civilistas, abordam matérias
diversas do direito civil como:
anencefalia; transexualidade;
biotecnologia; genética;
paternidade; poder familiar;
direitos do portador de deficiência mental; função
social do contrato; planos de saúde; condomínios;
direitos autorais; registro de marcas; entre outros.
2010 - ISBN: 978853780035 / Broch. – 708p.
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Direito Civil - Curso completo
14ª Edição
César Fiuza
É uma obra singular “no contexto
do direito civil contemporâneo, quer
pelo conjunto de autores reunidos,
quer pela temática enfrentada, quer
pela perspectiva metodológica que
os instiga”. Os temas tratados nesta
obra coletiva são de total atualidade,
decorrentes da Lei Maior, do Código
Civil e de legislações recentíssimas.
São assuntos que nos foros e
nos tribunais estão em grande
discussão.
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Introdução ao Direito Ambiental
1ª Edição
Talden Farias
O livro Introdução ao Direito
Ambiental tem por objetivo fazer
com que o estudante de graduação
e de pós-graduação, bem como os
profissionais do Direito e das demais
áreas que trabalham com o meio
ambiente, tenham uma visão geral
e ao mesmo tempo prática do
Direito Ambiental. A partir de uma
abordagem crítica, contempla os
principais temas da disciplina, ao
mesmo tempo em que se enfatiza
assuntos pouco trabalhados pela
maior parte da doutrina especializada.
2009 – ISBN: 9788538400219 / Broch. 280p. 21 x 14 x 2cm – Del Rey
59
59
FILOSOFIA DO DIREITO
Fernando
J. Armando
Ribeiro
Pós-doutor pela
University of
Carlifornia Berkeley (bolsista da
Fulbright)
Juiz Togado do
Tribunal de Justiça
Militar de Minas
Gerais
Professor da PUCMinas
60
A crise de paradigmas que acompanha a própria evolução do Direito na
modernidade, enquanto rito de superação histórica, faz-se sumamente aguda
no século XX – e mais especificamente no
após Segunda Guerra – quando as soluções
propostas pelo Estado de Direito viram-se
defrontar com as alarmantes disparidades produzidas por
tantas de suas
próprias bases de
sustentação. Assim em um tempo
de culto à razão e
à produção do conhecimento científico, fizeram-se
os juristas muitas
vezes reféns de
açodado tecnicismo, legando a um
quase esquecimento o complexo
e sofisticado arcabouço de sentidos
que estrutura e
conforma o Direito como ciência
social e humana.
Assim, é
com recobrada
alegria que vemos
a edição da Resolução número 75
do CNJ. Esta, ao dispor sobre a uniformização de regras para a realização de
concursos públicos para a magistratura
nacional, veio a inserir como disciplinas
obrigatórias das provas subjetivas a Filosofia do Direito, a Teoria Geral do Direito, a
Teoria Política, a Hermenêutica e a Sociologia Jurídica. A elevação das denominadas
disciplinas zetéticas ao nicho de matérias
obrigatórias do universo dos concursos
públicos pode acarretar certas indagações, mas penso serem muito maiores as
esperanças que esta renovação propicia. O
esgotamento dos postulados positivistas e
cientificistas dos séculos XIX e XX exige dos
juristas o afastamento de toda concepção
que possa ver no Direito um mero artifício
técnico ou abstrato, isolado da sociedade
e da história, infenso a questionamentos
e problematizações.
Aristóteles, repetindo ensinamento
platônico, dizia que a Filosofia começou
com a perplexidade (thauma), ou melhor,
com a atitude
de assombro do
homem perante a natureza,
o que o leva a
problematizála (aporia) em
um crescendo
de dúvidas, iniciando por buscar a unidade na
multiplicidade e
a permanência
na mudança até
se atingir a euporia (solução).
A Filosofia não
existiria se todos os filósofos
culminassem em
conclusões uniformes, idênticas. A Filosofia
é, ao contrário, uma atividade perene do
espírito ditada pelo desejo de renovar-se
sempre a universalidade de certos problemas, embora a diversidade das situações
de lugar e de tempo possa condicionar a
formulação diversa de antigas perguntas.
O que distingue, porém, a Filosofia é que
as perguntas formuladas por Platão ou
Aristóteles, ou Kant ou Hegel, não perdem a sua atualidade, visto possuírem um
significado universal, que ultrapassa os
horizontes dos ciclos históricos.
Reconhecer a importância das
disciplinas teóricas para o chamado
Scuola di Atenas - Raffaello Sanzio - Palácio Apostólico, Vaticano - Detalhe Platão e Aristóteles
Arquivo Pessoal
A Resolução número 75 do CNJ e a importância
da Filosofia do Direito
Revista Del Rey Jurídica
operador jurídico é afastar um dos
legados mais obtusos da tradição
positivista. Esta, ao se estabelecer
enquanto discurso de clarificação
e cientificização do jurídico,
em homenagem à construção
epistemológica prevalente nas
ciências naturais e exatas, esqueciase de problematizar os seus próprios
pressupostos e pré-suposições. Daí
o seu afastamento da filosofia
que, como ensina Joaquim Carlos
S a l g a d o , g ra n d e j u s f i l ó s o f o
mineiro, não é uma reflexão sobre
a realidade imediatamente dada
à consciência, mas uma reflexão
sobre a realidade mediatizada pelo
conhecimento científico. A filosofia
é, nesse sentido, uma reflexão a
partir do conhecimento científico
do seu tempo, sendo intrínseca e
necessariamente crítica.
Retornar à Filosofia e ao nicho de disciplinas que lhe são conexas representa, a um só tempo,
rechaçar o dogmatismo que, sob o
argumento de garantir segurança e
certeza, deixava de lado elementos
insuprimíveis à manifestação do Direito e à própria condição humana,
bem como assegurar a necessária
inserção de toda produção cultural
humana no mundo da vida. Acima
de tudo, busca-se assegurar o fundamental predicado humano, essencialmente humano, de pensar.
Apesar de invisível, o pensamento tem força ingente sobre
a vivência humana. Sócrates, um
dos precursores do pensamento filosófico na Grécia antiga, chegou
mesmo a compará-lo com os ventos. Apesar de invisíveis possuem
uma força manifesta para todos, e
sentimos sempre a sua aproximação
e o seu impacto. Ademais, a história nos tem demonstrado a força
das ideias e do pensamento como
Filosofia do Direito
instrumento de transformação da
realidade. Certamente, as revoluções modernas das quais resultaria
a criação do Estado de Direito não
teriam sido possíveis sem a força
das ideias de Jean Jacques Rousseau,
Montesquieu e Kant, assim como as
transformações criadoras do chamado Estado Social, do qual brotariam
os direitos sociais, não teriam sido
possíveis sem o impacto do pensamento socialista e da doutrina social
da Igreja. Como nunca cansava de
advertir o notável advogado Geraldo
Ataliba, “nada mais prático do que
uma boa teoria”.
Com a resolução n. 75, o CNJ
vem a conectar-se a todo um movimento que se tem consagrado à laboriosa tarefa de repensar não apenas
as possibilidades do fazer científico
jurídico, o método e a práxis jurídica,
como também a problematizar a própria questão do fundamento do Direito. Tem-se a partir daí a possibilidade
de uma construção científico-jurídica
que se distancie da abstração da pura
epistemologia de feições positivistas,
abrace a concretude da faticidade
histórica, e realize-se como “acontecer” (Ereignen) da “problemáticojudicativa realização concreta do Direito”, na síntese feliz de Castanheira
Neves.
O esquecimento da filosofia
acarreta um esvaziamento do sentido humano e humanístico de que se
deve nutrir sempre o Direito. Ademais,
traz como consequência direta o esquecimento hermenêutico, mantendo a questão do conhecimento e da
interpretação em bases puramente
instrumentalistas, infensas às grandes contribuições que o pensamento
filosófico – sobretudo no século XX
– veio a legar. Como tem sido constatado por sérios estudiosos, trabalhar a
hermenêutica em moldes instrumen-
talistas e o Direito apenas nas dimensões sintático-semânticas termina por
ser uma das razões do déficit de racionalidade, eficácia e coerência que
tantas vezes tem atingido o Direito
brasileiro, tornando a própria Constituição refém das aporias advindas
da metódica das velhas teorias da
interpretação. São visões abstracionistas que terminam por continuar
justificando conceitos como o de
“normas constitucionais programáticas”, identidade entre texto legal
e norma, e “vontade do legislador”,
dentre muitos outros exemplos.
O jurista que se esquece da
filosofia esquece-se mesmo do fundamental. Após a denominada reviravolta linguística e hermenêutica
operada no século XX, especialmente
após Gadamer podemos dizer, sem nenhum exagero, que sem filosofia não
há hermenêutica, e sem hermenêutica
não há Direito, apenas textos!
Livros
indicados:
Fundamentos
de História do
Direito
5ª edição
Antonio Carlos Wolkmer
(Organizador)
Editora Del Rey
Hermenêutica
Constitucional
Coleção Del Rey
Internacional
Laurence Tribe,
Michael Dorf
www.delreyonline.com.br
61
CRÔNICA
João
Baptista
Villela
Professor Emérito
na Faculdade
de Direito da
Universidade
Federal de Minas
Gerais
62
A julgar pela frequência com que se
invoca a condição laica do Estado brasileiro,
conclui-se que a expressão caiu mesmo no
gosto popular. Do real significado de Estado laico parece, contudo, que não se pode
dizer o mesmo. Nem é para menos. Estado
laico é conceito que carrega seu quanto de
ambiguidades.
Se nos perguntarmos, por exemplo,
a que se opõe Estado laico, uma possível
resposta é Estado teocrático. Ocorre que um
Estado pode não ser laico sem ser teocrático.
Por exemplo, o Reino Unido ou a Dinamarca. Até o ano
2000 também
a Suécia. No
Reino Unido e
na Dinamarca,
o Estado assume oficialmente uma
cor religiosa,
digamos assim:
o anglicanismo
no primeiro e
o protestantismo luterano na
segunda. Mas,
sendo monarquias regidas por estatutos democráticos,
não promovem a sua religião, não hostilizam as demais e garantem a todas a livre
manifestação do culto e da palavra. Não é
o caso das teocracias islâmicas. Os Estados
islâmicos são projetos políticos preordenados à implantação de uma sociedade universal recortada segundo as leis do Alcorão.
De resto, este foi também o figurino pelo
qual se regeram as sociedades europeias ao
tempo das Cruzadas e na época dos Descobrimentos. Empenhavam-se em expandir a
fé católica, de modo a que chegasse também
aos chamados infiéis e aos gentios. Neste
empreendimento abrigavam ademais ambições políticas e econômicas, que resultariam
em sangrentos conflitos e um vasto espectro
de destruição.
Seria um erro pensar que os Estados
que não são laicos padecem de atraso institucional. Voltando ao Reino Unido e ao Reino da Dinamarca, por exemplo, sabe-se que
estão hoje entre os países com os melhores
índices de desenvolvimento econômico e
educacional. O Reino Unido tem o sexto
maior PIB do mundo e deu absolutamente
notáveis contribuições à ciência, às artes
e à cultura. Quanto à Dinamarca, não só
foi classificada como o segundo país mais
pacífico do mundo, depois apenas da Nova
Zelândia, como detém, junto com a Suécia,
a condição de o menos corrupto de todos
os Estados, segundo
dados de 2008. Por
sua vez, o Brasil, que
é uma República laica, ocupava em 2004
o nada lisonjeiro 74º
lugar no ranking da
corrupção. E quando
foi Império, associado
à Igreja Católica, teve
um dos períodos de
maior estabilidade
política de toda sua
história.
Quer isso então dizer que é ruim
ser laico e bom ser confessional? De modo
algum. Tampouco o inverso faz qualquer
sentido.
O que conduz, nas democracias ocidentais, qualquer país a optar pelo formato
confessional ou laico são fatores de natureza histórica ou até mesmo puramente
acidental, como foi o caso da Inglaterra.
Todos sabem que a Inglaterra esteve unida à Igreja de Roma e dela só se separou
quando e porque o Rei Henrique VIII não
obteve do Papa Clemente VII a anulação
de seu casamento com Catarina de Aragão.
Vigorava na época o princípio segundo o
qual cada um tinha de professar a religião
de seu Estado: cujus regio, ejus religio. Uma
curiosa exceção ocorreu em Sachsen, quando o Príncipe Eleitor Frederico Augusto I
manifestou a ambição de se candidatar a Rei
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Arquivo Pessoal
O ESTADO É LAICO: ABAIXO OS IMPOSTOS!
Revista Del Rey Jurídica
da Polônia, para o que era necessário
ser católico. Augusto abjurou então
da fé luterana e “converteu-se” ao
catolicismo. Encontrou, porém, forte
resistência de seus súditos e de sua
própria mulher, que se conservaram
protestantes. Configurou-se então o
caso singular de um Estado de população protestante, regido por um
soberano católico.
Quando uma Nação faz a escolha de se constituir em Estado democrático laico, não está tomando
posição contrária a qualquer religião
ou sistema de valores, senão apenas
distanciando-se prudentemente de
todos para melhor assegurar à sua população o livre exercício das próprias
opções. Não é de estranhar por isso
que a laicidade costume vir acompanhada de outra nota que, de certo
modo, a explica e a complementa: o
pluralismo. A República Federativa do
Brasil, por exemplo, já pelo Preâmbulo
de sua Constituição, quer ser “uma
sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos”. Mais enfática declaração de respeito aos credos e religiões,
impossível. Pouco importa, para este
fim, que a República se declare laica
ou confessional. Aqui cabem todos
com igual título de cidadania: católicos, protestantes, evangélicos, budistas, muçulmanos, etc., mas também
ateus, agnósticos, hereges, santarrões
e anticlericais.
Equivoca-se, pois, e gravemente, quem toma a laicidade como
amoralidade ou assepsia política em
relação aos valores de qualquer credo
religioso. A moral intrínseca da laicidade está mais no respeito à diversidade das crenças do que na olímpica
distância daquilo que elas propõem.
Lugar-comum sazonal que costuma aparecer na mídia e nos foros
de discussão sempre que o tema do
aborto ganha o interesse público é a
Crônica
exaltação da laicidade para contrastá-la com a posição da Igreja Católica.
Diz-se, nesses momentos de intenso
fervor laico, que o aborto deve, sim,
ser admitido porque o Estado não
está sujeito às posições da Igreja, que
é contrária à interrupção voluntária
da gravidez. Como se ao Estado laico
tudo fosse permitido e a Igreja Católica tivesse o poder de marcar com o
selo da malignidade política todas as
posições que assume.
Essa forma de raciocinar fundamenta-se em pilares rigorosamente negativos. Um é negativo porque
nada diz em favor do aborto. Ora, o
aborto deveria ser discutido a partir
de matriz ética, examinados e ponderados os argumentos favoráveis
e os contrários. Não em função do
que pensam as igrejas. Outro pilar é
também negativo porque estigmatiza,
gratuitamente, a posição da Igreja
Católica. Como alguém que dissesse:
“Ah, a Igreja Católica é contra? Então
o correto é ser a favor”.
Ora, uma política de Estado
não é obscura porque coincide com
a de um credo religioso. Nem esclarecida só porque a contraria.
Não fosse assim, um mínimo de
coerência nos levaria a extrair conclusões que, de tão bizarras, nem o
mais fero detrator da Igreja Católica
estaria disposto a subscrever.
Vejamos uma só delas.
Sabe-se que a tradição da
Igreja sempre foi pela admissão dos
direitos de o Estado recolher tributos.
No célebre episódio em que fariseus e
herodianos tentam embaraçar Jesus,
perguntando-lhe se era lícito pagar o
tributo a César, a resposta os reenvia
à própria iniquidade (cf. Mateus, 22,
15-22). Ali estavam os arquipatronos
dos sonegadores de todos os tempos e lugares. Diz o Evangelista que
queriam confundir a Jesus. Mas isso,
creio, não é tudo. Certamente perseguiam também o aval da religião para
sua cupidez e suas fraudes. Hoje, em
termos populares, diríamos que foram
apanhar lã e saíram tosquiados. Em
vão buscará o direito constitucional
mais adequada legitimação do poder
do Estado de tributar que a histórica
e lapidar resposta de Jesus: “Dai a
César o que é de César”.
Primeira conclusão, portanto:
Os impostos são uma instituição perversa porque os Evangelhos, dos quais
a Igreja é guardiã e propagadora, os
admitem.
Mas, se os impostos estão aí, o
que fazer? Muito fácil. Querem ver?
No Catecismo da Igreja Católica, baixado com a Constituição
Apostólica Fidei Depositum (1992),
do Papa João Paulo II, depois de se
exaltar o dever do cidadão de participar da vida pública, sentencia-se:
“A fraude e outros subterfúgios pelos
quais alguns escapam às malhas da lei
e às prescrições do dever social devem
ser firmemente condenados, por serem incompatíveis com as exigências
da justiça” (cânon 1916).
Ora - continuando no rigor do
raciocínio - se a Igreja condena “a
fraude e outros subterfúgios”, só pode
ser porque eles são práticas sadias e
virtuosas, às quais há que se opor. A
solução, vê-se logo, está na ponta dos
dedos. Ou no bolso das calças (cintos, cuecas e meias também servem):
Os impostos devem ser radicalmente
eliminados, como se viu. Enquanto
esse patamar de fina evolução não
se alcança, a ordem é fraudar. Fraudar com obstinação política e ardor
cívico. Simples assim.
Está aí, portanto, o que nos
faltava para dar a largada do grande
festim antitributário. Impostos não é
preciso, sonegar é preciso.
63
ENSINO JURÍDICO
Paulo
Roberto
de Gouvêa
Medina
Professor Emérito da
UFJF.
Conselheiro Federal
da OAB.
64
A literatura sempre encontrou nas Faculdades de Direito ambiente propício ao seu
florescimento. Poetas e prosadores de todos
os tempos saíram das nossas instituições de
ensino jurídico, que, em muitos casos, lhes proporcionaram, durante os cinco anos do curso,
mais do que o ensino do Direito, oportunidade
de armazenar cultura e cultivar o verbo. Bacharéis em Direito foram José de Alencar, Jorge
Amado, Luiz da Câmara Cascudo, dentre tantos
outros. Bacharéis foram também poetas iluminados como
Augusto dos
Anjos, Raul
de Leoni,
Raimundo
Corrêa, Alphonsus de
Guimaraens
– os dois últimos, aliás,
Juízes de
Direito, cabendo frisar
que, ao autor de Ismália, Carlos
Drummond
de Andrade,
num belo
poema, cognominou de “Meritíssimo poeta
do luar”. Significativamente, nas Arcadas do
Largo de São Francisco, lêem-se logo na entrada, gravados em grandes vitrais, os nomes de
três ex-alunos que se destacaram menos pelo
senso jurídico do que pela inspiração poética
– Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes
Varela. Afonso Arinos de Mello Franco, que
fez seu curso na antiga Faculdade Nacional de
Direito, na década de vinte do século passado,
observa, nas memórias, que as preocupações
dominantes entre os estudantes de seu tempo
eram muito mais literárias do que jurídicas.
A despeito disso, é recente a utilização
da literatura como forma de aprendizado jurídico, nos nossos cursos de Direito. Descobriuse, efetivamente, nos últimos anos, que textos
literários prestam-se, muitas vezes, à análise
jurídica, podendo, assim, servir de motivação
aos estudantes para o estudo de determinados
temas jurídicos. Além de tornarem mais ameno o trato de certos assuntos técnico-jurídicos,
quando utilizados com propriedade podem
acrescentar boa soma de conhecimentos humanísticos à formação dos acadêmicos de
Direito. As habilidades e competências que
as vigentes diretrizes curriculares recomendam para os cursos jurídicos, como a leitura,
compreensão e elaboração de textos, assim
como o desenvolvimento do
raciocínio jurídico, podem realizar-se de forma sem dúvida
mais agradável
e proveitosa por
meio de textos
literários conjugados às matérias jurídicas.
Uma nova perspectiva se abre,
pois, para o ensino do Direito,
na medida em
que este passa
a prevalecer-se
da literatura para o exame de alguns dos seus
temas.
Publicações vindas a lume no último
decênio evidenciam a importância que se tem
atribuído ao binômio Literatura-Direito na formação dos novos bacharéis. A série “Direito e
Literatura” lançada pela Livraria do Advogado,
de Porto Alegre é exemplo marcante do que
se vem de dizer. Nesse contexto, não pode
deixar de ser mencionado o livro pioneiro da
Profa. Eliane Botelho Junqueira, “Literatura e
Direito” – “Uma outra leitura do mundo das
leis”, editado, em convênio, por Letra Capital
Editora e IDES, Instituto Direito e Sociedade,
do Rio de Janeiro, em 1998. De nossa parte,
temos também contribuído, ainda que modestamente, para a bibliografia dedicada a
essa temática, como dão conta os trabalhos
Arquivo CYB
Waneska Diniz
Direito e Literatura
reunidos em “Ensino Jurídico, Literatura
e Ética”, que a Editora OAB publicou
em 2006.
Se essas obras, ao traçar o perfil
de certos personagens que aparecem
nos romances e contos de Machado de
Assis e Lima Barrreto, especialmente,
fornecem-nos farto material para uma
análise sócio-jurídica da atuação dos
bacharéis no Segundo Império, outros
textos da literatura universal, enfocando problemas de natureza essencialmente jurídica, na trama de preciosos
contos, fábulas e peças teatrais, podem
servir de instrumentos auxiliares à metodologia do ensino jurídico. Algumas
dessas obras foram por nós referidas em
recente palestra sobre o tema.
Tomando como objeto de análise a fábula O lobo e o cordeiro, de La
Fontaine, procuramos mostrar como
aquele texto clássico, de certa forma,
antecipa-se à Emenda nº 5 à Constituição dos Estados Unidos, ao chamar
atenção para a importância do devido
processo legal no comentário do autor
sobre as circunstâncias em que o pobre
cordeiro foi sacrificado – sans autre
forme de procès. Na mesma linha de
orientação, referimo-nos a um exemplo
típico de processo kafkaniano – aquele
a que responde o desditoso verdureiro Crainquebille, no conto de Anatole
France. Em torno da peça de Sófocles,
Antígona, tecemos considerações sobre
o direito de sepulcro, sobre os limites
da autoridade, sobre a distinção que
cumpre estabelecer entre a vontade
do soberano e o papel do Estado, sobre pontos fundamentais, em suma,
de Ciência Política e de Direitos Humanos. Detendo-nos no exame das
implicações jurídicas de O Mercador
de Veneza, de Shakespeare, salientamos que, ali, se encontrava do ponto
de vista do direito civil, exemplo surreal
de contrato leonino, agravado pela imposição de uma condição puramente
Ensino Jurídico
A literatura é um dos pilares
do humanismo, de par com
a história, a filosofia e a
sociologia. E o humanismo
é o pano de fundo da cena
social em que atua o Direito.
potestativa e fisicamente impossível,
além de caracterizar-se, na cena, sob
o aspecto processual, curiosa forma de
julgamento, em que alguém, fazendo-se
passar pelo magistrado, praticava ato
jurídico inexistente, ao mesmo tempo
que protagonizava surpreendente forma
de justiça por equidade, ao condicionar
a extração de uma libra de carne, do
corpo do devedor – Antonio -- a que
o credor – o judeu Shylock --, assim
procedendo, não lhe retirasse uma gota
de sangue sequer, já que isso não estava
previsto no contrato...
A literatura é um dos pilares do
humanismo, de par com a história, a
filosofia e a sociologia. E o humanismo
é o pano de fundo da cena social em
que atua o Direito. Desde os tempos de
Cícero, a humanitas exprime a educação do homem como tal, constituindo
preocupação dos que lhe pretendem
infundir uma base cultural condizente
com o sentido da vida humana. Se a
filosofia aponta a busca da felicidade
como o objetivo supremo do homem, o
Direito tem em vista reger a vida social
em condições tais que permitam o desenvolvimento das aspirações de cada
um, em harmonia com as de seus concidadãos, na realização daquele ideal. O
Direito não pode perder de vista, pois, o
desenvolvimento das potencialidades do
homem, de forma a alcançar uma vida
feliz, no exato sentido do termo. E, para
tanto, como diria Drummond, as leis não
bastam, os lírios não nascem das leis...
É preciso que as normas e os princípios
jurídicos sejam temperados pelo sal da
vida - o que quer dizer: por tudo o que
o espírito humano é capaz de conceber,
no sentido de tornar a vida mais amena,
alegre e feliz. Aí é que entra o papel
da poesia, da imaginação literária, da
tessitura dos romances, como elementos
formadores do espírito humanista.
Ademais, a literatura é fonte de
cultura. E um rico cabedal de conhecimentos é indispensável ao jurista. Henri
Robert dizia que o advogado deveria
ter amplo conhecimento dos clássicos
da literatura e do direito e “um estilo
claro, exato, apropriado e conforme com
o que os magistrados têm o hábito de
ouvir.”.
Eis aí outro ponto a assinalar a
importância da literatura na formação
do futuro advogado. Este deve ter um
estilo apurado, que torne as peças de
sua lavra agradáveis de ler e capazes
de produzir o convencimento de quem
as leia.
O jargão forense hermético e pesado, que os críticos costumam qualificar
de juridiquês, deve ser substituído pelas
frases bem construídas, pelo estilo límpido, pelo bom vernáculo. Ao longo de
todas as épocas, os advogados que mais
se destacaram na sua profissão foram
aqueles que souberam aliar, ao conhecimento seguro do Direito, um linguajar
escorreito, despido de ornamentos e vulgaridades. São exemplos de profissionais
da advocacia que, peticionando em Juízo, foram sempre escritores primorosos,
Lafayette Rodrigues Pereira, Rui Barbosa,
San Tiago Dantas, Dario de Almeida Magalhães, dentre tantos outros.
Ora, para escrever bem é preciso
ler os bons autores. O estilo se apura
na medida em que nos abeberamos nas
boas fontes. E o Direito requer uma expressão correta, pura, cristalina, seja nas
leis, seja na doutrina, seja nos julgados.
65
COLEÇÃO DIREITO CIVIL - DEL REY
“Com a exceção de alguns pouquíssimos
bons autores, não há nas prateleiras jurídicas
um bom curso de Direito Civil, que reúna em
vários volumes toda a matéria que compõe o
currículo da graduação e da práxis forense. A
Coleção Direito Civil, dividida em oito volumes,
foi pensando assim que a Editora Del Rey, hoje
consagrada em todo o Brasil, reuniu grandes
nomes da civilística mineira (entre os quais tive
a honra de ser incluído), a fim de apresentar
ao público. “ (César Fiuza)
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Volume III
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Teoria geral do
direito civil
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SUCESSÕES
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Dimas Daniel de Carvalho
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PROMOÇÃO
VOLTA ÀS AULAS
Arquivo Del Rey
Realizou-se em 17 de outubro de 2009 o sorteio da “Promoção
Volta às Aulas Del Rey”. Foram contemplados os estudantes: 1.
Fernanda Rodrigues Menezes, da FAPAM – Pará de Minas (Livraria
Del Rey Assembleia); 2. Leandro Gomes de Paula – PUC Minas/
BH (Livraria Del Rey Goitacases); 3. Leandro Ribeiro Ambrósio –
Universidade Federal de Uberlândia (Livraria Del Rey Aimorés);
e 4. Giselle Ribeiro Costa – Faculdade Inforium/BH (Livraria Del
Rey Contorno). Cada um deles ganhou R$ 500,00 em títulos
Del Rey, em sorteio presidido pelo Professor Ronaldo Brêtas, na
presença dos Gerentes Marcos Almeida e Bruno Lomasso.
66
Revista Del Rey Jurídica
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