Historia do Blues

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Historia do Blues
História do Blues
O Blues nasceu do choque cultural entre o escravo africano e a civilização norte-americana.
Por que os negros da África não fizeram o Blues no Brasil, por exemplo? Acontece que as
variáveis, neste caldo cultural, eram diferentes. Primeiro, é preciso levar em conta as origens
de cada leva de escravos. O musicólogo Marshall Stearns explica esta diversidade:
“Fazendeiros Brasileiros – supridos desde cedo com escravos senegaleses pelos traficantes
portugueses – preferiam desde então escravos do Senegal. Do mesmo modo, fazendeiros
espanhóis preferiam iorubás; fazendeiros ingleses preferiam ashantis; e fazendeiros franceses
optaram por negros de Daomé. Houve exceções, é claro, mas de maneira geral o padrão
sobrevive até hoje: a música africana predominante em Cuba (originalmente espanhola) é
iorubana; na Jamaica (britânica) é ashanti; e no Haiti, antigamente colonizado pela França, é
do Daomé. Os do Daomé eram os adoradores originais do Vodu – deus serpente Damballa é
uma de suas divindades – e o fato de que Nova Orleans foi por algum tempo uma colônia
francesa ajuda a explicar por que esta cidade é a capital „hoodoo‟ dos Estados Unidos, até
hoje, e oferece uma pista para explicar como o jazz nasceu em Nova Orleans.”
Existem analogias. Na semelhança da instrumentação, por exemplo: o berimbau é a versão
brasileira do one–string. Ou bow diddley, o violão rudimentar do Sul dos Estados Unidos; o
nosso berimbau-de-boca parece-se com a Jew´s harp do Blues. Em Música de feitiçaria no
Brasil (1933), Mário de Andrade, o pai de Macunaíma – que foi também um grande
pesquisador musical - , mostra a proximidade das músicas rurais do Brasil e do Sul dos
Estados Unidos:
“Nos congados, moçambiques e sambas de negros rurais ou já de caipiras de São Paulo, as
frases de recitativo entre as danças são propositalmente dadas com tais glissandos e
portamentos, com tão prodigiosa indecisão melódica , que não é possível grafar estes
recitativos. Na realidade, a impressão que se tem é que existe um tema, exclusivamente virtual,
que é impossível por isso determinar com exatidão, sobre o qual os cantadores variam sempre
em quartos de tom, desafinação voluntárias, nasalações sonoramente indiscerníveis,
arrastados e portamentos de voz. Tudo isso pela sua própria pobreza deixa cantador e ouvinte
numa indecisão pasmosa, completamente desnorteado e tonto: porque esse é realmente o
processo de tornar mais forte, mais eficaz, o poder hipnótico da música”.
Parece uma descrição do Blues, mas o blues permaneceu um gênero especificamente afroamericano e não se repetiu em outros países de cultura européia que tenham recebido
populações negras. Talvez o equivalente do blues no Brasil seja o samba. Claus Schreiner, um
brasilianista musical, escreve que “o que Bessie Smith foi para o blues americano, Clementina
de Jesus foi para a música afro-brasileira. O blues americano invadiu o mundo e foi submetido
a imitações. Fala-se até de um “blues branco” – ou de britânico”- , embora historicamente o
blues seja de uma criação exclusiva do negro norte-americano. Graças aos modernos meios
de comunicação, o blues expandiu-se pelo mundo e chegou também ao Brasil. Ironicamente –
apesar de ser mais antigo – foi o último dos estilos musicais a invadir a nossa praia.
Já nos anos 20, graças ao cinema (o primeiro soundie, filme falado, foi O Cantor de Jazz, com
Al Jolson, em 1927) e principalmente ao rádio e aos discos, o jazz aportou com força por aqui.
As jazz-bands eram uma verdadeira epidemia. Em São Paulo, a Jazz Manon funcionava desde
1921. No Rio. A Carlito Jazz, de 1926, acompanhou Josephine Baker em Paris; a Jazz Band
Sul-Americana, que também excursionou pela Europa e pelos Estados Unidos, teve entre seus
membros o famoso saxofonista Booker Pittman. Em Pernambuco, Capiba criou a Jazz Band
Acadêmica em 1931. Em Porto Alegre, de 1923 a 1932, o jazz Espia Só animava os bailes da
Sociedade Philosophia e do Clube Caixeral.
Vieram depois as big bands – cópia carbono das grandes orquestras da Era do swing, nos
anos 30 / 40. Artistas como Dick Farney descobriram o jazz moderno e já em 1956 acontecia o
1° Festival Brasileiro de jazz, no Teatro de Cultura Artística de São Paulo. Ao mesmo tempo
em reação ao bebop e outras modernidades, surgia um revival do jazz tradicional, através de
bandas como a Paulistânia Jazz Band, a São Paulo Dixieland Band e a tradicional Jazz Band.
Os blues pegou carona no repertório do jazz, como pegou carona nos movimentos seguintes: o
rock`n roll dos anos 50, o rock britânico e americano dos anos 60, até os antípodas New Wave
e punk dos anos 70. Só em meados dos anos 70 começaram a brotar por aqui as primeiras
bandas exclusivamente de blues, em sua maioria formadas por jovens brancos de classe
média saturados do rock e que não conseguiram encontrar na MPB uma identificação para
seus anseios e seu estilo de vida.
Os festivais de jazz de São Paulo (1978 e 1980), Rio-Montery (1980) e Free Jazz (Rio & SP, a
partir de 1985), trouxeram ao Brasil importantes figuras do blues, como John Lee Hooker,
chanpion Jack Dupree, B.B. King. Albert King, Albert Collins, Joe Williams, clarence “
Gatemouth” Brown , Bo Diddley. A Noite de Blues do Free Jazz tornou-se a mais concorrida do
festival, reunindo bluesmen de todos os matizes, velhos e novos, brancos e negros.
O interesse pelos blues no Brasil cresceu tanto que, nos final dos anos 80, começaram a
acontecer por aqui festivais especializados. O 1° Festival de Blues reuniu em julho de 1989, em
Ribeirão Preto, cobras como Buddy guy, Junior Wells, Albert Collins, Magic Slim e Etta James,
tendo ainda a participação de brasileiros como o Blues Etílicos e André Christovam. André
trabalhou nos Estados Unidos como roadie de Albert Collins, ou seja, carregava os
amplificadores e ajudava a montar o palco nos shows e turnês. Dez anos depois, os dois se
reencontram em Ribeirão, Collins reconhece imediatamente Christovam e o carrega no colo. A
atmosfera do festival foi de admirável descontração, ajudada – segundo muitos – pelas virtudes
excepcionais da água da cidade, a única do mundo abastecida totalmente por poços
artesianos.. ou seja: a pureza da água de Ribeirão garante a qualidade de sua cerveja e do seu
chope, considerados os melhores do país. Durante o evento, só na tradicional choperia
Pinguin, rolaram para a garganta dos bluesmen 4.500 litors de quatro dias de festival. Com as
gargantas bem lubrificadas, os músicos retribuíram à altura em suas apresentações. Foram
até: Albert Collins tocou viola caipira no hall do hotel com dupla sertaneja Lourival e Lourenço.
E John Primer- guitarrista de Magic Slim que já fez parte da banda do lendário Muddy Waters –
desfilou numa kombi pelas ruas de Ribeirão cantando blues para divulgar o festival.
Em 1990. O 2°Festival de Blues repetiu a dose, trazendo para o ginásio do Ibirapuera, em São
Paulo, cartazes como Koko Taylor, Bo Diddley, Magic Slim, John Hammond, The Kinsey Report
& Big Daddy Kinsey. E o marketing entrou na jogada em maio de 1994 como o festival Nescafé
& Blues, que trouxe a Saõ Paulo, entre outros, além do blueseiro (ex-roqueiro) britânico Eric
Burdon, cobras como Robert Cray, Otis Clay, Como Montoya, Robben Ford e Lonnie Brooks.
O promotor de todos estes festivais, Cesar Castanho, foi também o responsável por uma série
de apresentações de blues no 150 Club do hotel Maksoud Plaza, em São Paulo. Em 1983, ele
conseguiu o feito de trazer ao Brasil uma das maiores lendas vivas do blues, a cantora Alberta
Hunter. Ela mostrou que “ ainda há uma porção de boas canções neste velho violino”. Alberta
gostou tanto que voltou no ano seguinte, em junho de 1984: O povo e as frutas que vocês têm,
honey, são os melhores do mundo. Quando apareceu este convite, larguei tudo para voltar. E
vou voltar sempre, baby, pode escrever aí.” A esta altura, com 89 anos, a frágil Alberta passava
o dia inteiro deitada no quarto do hotel, comendo caqui, e depois era conduzida ao palco numa
cadeira de rodas, oculta do público. O público só a via já de pé, quando as luzes do palco se
acendiam, cantando, gesticulando e dando o máximo de sua energia. Ao se despedir do Brasil
em 1984, Alberta prometeu voltar no ano seguinte para festejar seus noventa anos no 150
Club, com um bolo cheio de velinhas. Mas ela morreu antes, em outubro de 1984. O famoso
crítico do Village Voice, Stanley Crouch, confirma:
“Tinha 89 anos e planejava comemorar o próximo aniversário em 1° de Abril no Brasil, onde
havia emocionado tanto seus ouvintes em duas viagens nestes últimos anos que eles
pretendiam armar uma grande festa para celebrar seus 90 anos.”
O episódio ganha importância na biografia Alberta Hunter / A Celebration of the Blues, do
jornalista Frank C. Taylor em colaboração com o pianista da cantora, Gerald Cook. O livro
registra a acalorada discussão entre Alberta e o empresário Barney Josephson, que a acolhera
como atração permanente no the Cookery, do Greenwich Village, desde o seu retorno triunfal
aos seus 82 anos. “Isto vai te matar. Você voltara do Brasil num caixão e não vou assinar teu
atestado de óbito” , disse Barney.
“Estes shows no Brasil são única coisa que o mantêm viva”, argumenta o advogado da cantora,
William Krazilowsky. “Ela já estaria morta há muito tempo se você não a tivesse feito trabalhar
de novo. Se tiver de morrer, que morra feliz, num avião ou no alto de uma montanha.” E Alberta
Hunter acabou com a discussão: “Só faço o que tenho vontade de fazer: vou ao Brasil.
Outro que tornou gosto pelo Brasil através do 150 Club – onde se apresentou pela primeira vez
em 1985 – foi Buddy Guy. Guitarrista e cantor, trouxe o parceiro inseparável desde 1956, o
gaitista Junior Wells. Entre temporadas no Marksoud e apresentações nos festivais, Buddy Guy
já veio ao Brasil sete vezes. Teve seus discos lançados aqui por selos de blues como Black
and Blues e Jazz and Blues. Além destes, outros selos independentes entraram na onda do
blues, como o Antone´s, o carioca Imagem e o paulista Brasidic. E as grandes gravadoras
também se ligaram: a Earner lançou as coleções Atlantic Blues, Atlantic Rhythm & Blues, The
Legacy of the blues (da Sonet) e Blues Anthology (da chess).A Sony investiu pesado na
totalidade da obra de Bessie Smith e Robert Johnson e saiu com uma coleção básica
importante, a Roots ´n´Blues.
O Blues está vivo no Brasil – mais vivo do que nunca – e mora no Grande Rio e na Grande São
Paulo. Uma pequena história para ilustrar a vitalidade de gênero. Mal começa a cair uma chuva
no Rio de Janeiro e se ouve a má notícia: “Não passa ninguém na praça da Bandeira!” O
anúncio – parece até letra de blues – inferniza a vida dos que trabalham na Zona Sul e moram
na Zona Norte e não conseguem atravessar a barreira da Bandeira para chegar em casa. Pois
foi na Praça da Bandeira, numa Sexta-feira de dezembro de 1993, debaixo de muita chuva,
que uma pequena multidão de bluesófilos se juntou para vibrar com a noitada final do 1°
Garage Underblues Festival. O evento aconteceria numa estranha – mas muito requisitada –
casa de rock, o Garage, na rua Ceará, também celebrizada por concentrar no Rio o point das
oficinas especializadas em motos e por ser uma espécie de QG dos fanáticos da Harley
Davidson. Vinícios Rocha, 29 anos, ex-publicitário, vocalista da banda Mr. Blues e organizador
do festival, explica o aspecto heterogêneo da platéia: “Aqui não tem modelito, cada um vem na
sua. A roupa do blueseiro é a sua alma.” Graças ao festival, Vinícios e seu sócio no clube
Garage conseguiram catalogar mais de 400 bandas de blues na região do Grande Rio.
As bandas finalistas do Garage Underblues dão uma idéia do movimento . A vencedora do
festival – a Carinha da Gaita Blues Band - , da Zona Sul, é liderada por Fernando Louzada, o
“Carinha da Gaita”, que diz Ter o blues no sangue: “Sou de uma família de ciganos, tenho
parentes que contrabandearão uísque. Acho que sou um negro que veio à terra disfarçado de
branco.” Como prêmio pelo primeiro lugar, a Carinha da Gaita ganhou a gravação de um
videoclip e de uma fita demo, mais uma apresentação no Garage, dividindo o programa com
Celso Blues Boy e a banda da casa, Mr. Blues.
Alost Ballantynes, Segunda banda colocada no festival, faz blues na Baixada Fluminense. O
gaitista / vocalista Osema Xavier e o baixo Ricardo Infante se conheceram no Colégio
Salesiano, do bairro de Rocha Miranda, e fundaram a banda em 1988. Ganham a vida como
digitador e técnico em química, mas estão sempre tocando em bares à margem dos trilhos da
Central do Brasil, um lance bem Delta Blues. Vinícios rocha Miranda e sua Mr. Blues são de
Niterói e ensaiam três vezes por semana num estúdio alugado. Seus componentes são um
advogado trabalhista, um biólogo, um programador visual, dois músicos profissionais que
tocam e dão aulas (guitarra e baixo) e Vinícios é ainda sócio da Garage, com Fábio Costa, um
torneiro mecânico de 33 anos, pai de três filhos, trocou a profissão pelo blues. Fábio começou
como discotecário de rock em bailes de subúrbio e acha que o momento é este: “Estamos aqui,
desde 1990, e só agora o blues veio se juntar às outras tribos – e talvez seja a mais
underground de todas.”
Os Ballantynes são um estranho no ninho da baixada: conseguiram invadir o espaço de
pagode, da axé music e do Funk em Duque de Caxias, Nova Iguaçu e são João de Meriti,
cantando em inglês, embora precisem de ajuda de um tradutor para compor suas letras. Já o
Carinha Da Gaita acha que dá para cantar blues em português. É o que pensa também um dos
papas do blues nativo, Celso Blues Boy: “Somos brasileiros e devemos cantar na nossa língua.
Celso Ricardo Furtado de Carvalho, 37 anos tirou o seu “Blues Boy” do nome do ídolo B.B.
King e considera cantar o blues “uma missão que devo cumprir até o fim de meus dias.”
Nascido no Rio, morou em Blumenau, Santa Catarina, dos 6 aos 14 anos. Começou na guitarra
aos nove, aprendendo com o pai (“ele só tocava três acordes, acho que foi o primeiro Punk do
mundo”). Primeiro, Celso acompanhava a irmã pianista tocando Bach (Jesus, Alegria dos
Homes). Desencaminhando por um tio, mergulhou nos discos de rock e blues. Depois de tocar
em alguns bailes em Blumenau, rompeu com a família e pegou a estrada – um autêntico
rambles. Aos 17, acompanhava Sá & guarabira, depois Raul Seixas (“ O Diabo é o pai do
rock”) e em 1976, aos 19, formou o Legião Estrangeira. Veio então a fase da pesada., os
tempos do Appaloosa, um clube de blues na Barata Ribeiro, em Copacabana. O Appaloosa era
praticamente a casa de Celso. Um dia depois de beber com amigos, foi até lá. No lugar do
palco, encontrou um bando de mulheres nuas. O Appaloosa tinha transformado numa boate de
strip-tease e Celso esquecera. E esquecido ficou ele, também, até o início dos anos 80,
quando um aluno de guitarra insistiu para que gravasse uma demo e a levou à Rádio
Fluminense. Dias depois, o som de Celso Blues Boy estava no ar. Eram os tempos em que os
Fluminenses, “a onda maldita”, fazia a cabeça da rapaziada e os shows da pesada começavam
a acontecer no Circo Voador, na Lapa, e nas Noites Cariocas, no morro da Urca (os
espectadores subiam pelo bondinho do Pão de Açúcar.) Celso lançou o primeiro de seus seis
discos em 1984, Som na guitarra, e emplacou um hit com a canção-manifesto Aumenta Que
isso Aí é Rock ´N Roll. Para o quarto álbum, Blues Forever, todo cantado em inglês – uma
exceção na carreira de Celso - , ele fez eleições diretos no Circo Voador: o próprio público
escolhia o repertório do disco. Com uma média de 20 shows por mês pelo país (até nisso
segue o exemplo do workaholic ídolo B.B. King), Celso confessa: “Desde pequeno ouço B.B.,
que funcionava para mim como um ponto de referência. Clapton, meu ídolo, entra como ponto
de equilíbrio e Hendrix como desabafo. Recentemente, Celso lançou a grife Blues Boy: óculos
escuros e palhetas para guitarra e baixo. Afinal um pouco de marketing não faz mal a um
blueseiro apaixonado pela Fórmula-1: “Na Fórmula-1 é um cara sozinho com uma coisa bruta e
a guitarra é também uma coisa bruta. É tão perigoso tocar um carro de Fórmula-1 como pilotar
uma guitarra, tem que ter reflexos rápidos, não pode errar.”
Outras máximas do nosso Blues Boy:
“Eu não preciso me investir no rock, falar como rock, agir como rock, nem sei como se faz isso.
Sei que todo dia de manhã, depois do café, leio os jornais com minha fender no colo.”
“Acredito piamente que a guitarra tem uma alma, uma força simbólica. É como o crucifixo ou a
cruz para o cristão, um símbolo que tem um poder muito grande e esse poder às vezes sufoca,
muitas vezes eu tenho vontade de arrebentar com ela, mas só faria isso se pudesse Ter ela
inteirinha de novo.”
Sobre sua composição fumando na /escuridão: “Essa é o meu xodó, fala de uma cara sozinho
num trem – em trem está sempre blues – e o cara lá, sem Ter nada pra fazer, a não ser fumar
no escuro porque não há ninguém no maldito vagão.”
Um episódio revelador: em 1986, convidado pela revista Roll para entrevistar B.B. King, que se
exibia no Brasil, Celso chorou de emoção. King emprestou-lhe sua guitarra, a famosa Lucille,
que Celso dedilhou com carinho e competência. B.B. convidou-o para visitá-lo em Indianápolis
e talvez até gravar com ele lá. Celso acabou não indo.
Algumas cantoras brasileiras se aproximaram do blues, como a paulista Rosa Maria. Elis
Regina tinha uma sensibilidade blueseira, mas não aprofundou. Cida Moreira, que lançou um
álbum chamado Abolerado Blues, encara sempre o repertório de cabaré de blues. Angela Rô
Rô também é chegada: “Sessenta e nove foi o ano em que saí de casa. fui morar com uns
hippies internacionais numa casa lá na ladeira Saint Romain, aqui no rio, já estava com minha
cabecinha para os rocks, para os blues, cantarolando aqui e ali.”
Outro nesta trilha, misturando MPB, pop & blues, é Edvaldo Santana, 39 anos, do subúrbio de
São miguel Paulista, que lançou em 1993 seu primeiro álbum solo, lobo Solitário. Edvaldo foi
louvado pelo poeta Haroldo Campos(“... é um ferroqueiro brutalista, pedras cantanyes na
garganta, capaz de rock e rocha”) e pelo ex-Titã Arnaldo Antunes (“herdeiro da malandragem
que não vê obstáculo algum na senda que vai do samba ao blues...”). Em seu álbum,
acompanhando da banda Swing-Blues, /edvaldo canta até um The Bluesman. Ele conta: “eu
vivia como vagabundo, jogando futebol e tocando violão. Foi quando comecei a juntar o
suíngue brasileiro e a melancolia do blues.”
O Rio de Janeiro é solo fértil para blues. Houve até, em junho de 1994, um tributo a Robert
Johnson no Circo Voador. Em agosto rolou no Jazzmania o Top Cat Blues Festival, com
músicos como Charlie Musselwhite, Roy Roggers e Duke Robillard. Existem dinossauros como
o Atlântico Blues, formado em 1977 no Rio, fazendo ramal com Acrlito de Chess Carlito Discos.
Uma Jimmy Shields Blues Band, de um americano, apresentou-se no Blues & Rock Fest no
ginásio do Fluminense. O bairro Méier tem Suburblues. Há bandas sólidas como Big Alambick,
fundada no começo de 1992; o Baseado em Blues; o Overblues, que vai de Willie Dixon a
Robben Ford; Os Srs., do ex-roqueiro Affonso Jr., tocando Willie Dixon e Carl Perkins. O Zé da
Gaita, o Blues Session e outras mais. O Blues Etílicos, com oito anos de vida, cinco álbuns, já
dividiu o palco com celebridades como Buddy Guy, Junior Wells e Albert Collins. Entre seus
componentes está um americano do Mississippi, Greg Wilson (vocais guitarra), e um brasileiro,
Flávio Guimarães (gaita e vocais), que já tocou em Chicago. Além de composições originais, o
Blues Etílicos interpreta blues de Robert Johnson, Charlie Musselwhite e Som house. E
incorpora o toque brasileiro: no último disco, Salamandra, que usou o engenheiro de som
americano Tom Swift (de B.B. King, Eric Clapton, Miles Davis e Rolling Stones), o Etílicos
entrou com a participação da clarineta de Paulo Moura e do vozeirão de Ed Motta. Já participou
também de um disco de Erasmo Carlos, que é pai do baterista do grupo, Gil Eduardo. O Blues
Etílicos arriscou até uma versão em blues de um poema de Edgar Allan Poe: “Este espírito de
blues parece só baixar na língua inglesa. Querer o contrário é o mesmo que ouvir samba
cantando em inglês.”
Existe vida inteligente no blues brasileiro além do Rio de Janeiro. O americano Roy Roggers
(que produziu o recente álbum de John Lee Hooker, (The Healer), esteve aqui recentemente
com os seus Delta Rhythm Kings e declarou-se muito feliz com o blues que ouviu no Brasil,
particulamente em Curitiba e Belo Horizonte. Blues de Bolô? Uai!...
Mas uma das forças do blues made in Brazil é mesmo o chamado Blues da Goroa – o som da
Grande São Paulo. Alí, muita coisa boa já rolou em locais como o Aeroanta, ou nas noitadas de
blues da Cultura Inglesa; e surgiram recentemente clubes especializados como o blue Note
Jazz Bar, nos Jardins; o Brittania, na Vila Mariana; e o Bourbon Street Music Club, em Moema,
que não fez por menos: trouxe para a festa de sua inauguração, em Dezembro de 1993, o
lendário B.B. King. Entre as muitas bandas que tocam nestes clubes estaõ a Companhia
Paulista de Blues (seu vocalista, Marcello Porto, gravou um jingle para a pizza Hut), e a banda
Blues Jeans (que divide o guitarrista, o slider Marcos Ottaviano, com a Companhia Paulista de
Blues).
Um dos gurus do blues paulista é um branco nascido em Angola, Nuno Mindelis, 38 anos.
Começou na guitarra aos sete anos de formou seu primeiro grupo aos 12, Em Luanda. Desde
então, Nuno nunca mais largou o blues: “Este som faz parte da minha formação, é como a
minha caligrafia.” No Brasil há 18 anos, Nuno partiu para a carreira solo em 1986 e lançou o
primeiro disco (Long Distance Call) em fins de 1992. Sua banda chama-se Cream Crackers,
porque os músicos costumavam devorar os biscoitos dos três filhos de Nuno durante os
ensaios. É a família que ainda mantêm Mindelis trabalhando na gerência de uma companhia
aérea, mas o blues ocupa cada vez mais o seu tempo livre.
A grande estrela do blues paulista é André Christovam, 36 anos, nascido “na rua Amaral
Gurgel, no dia 29 de agosto, o mesmo dia de Charlie Parker, na minha casa sobre uma
rotisserie.” Garoto ainda, ele descobriu lendo as contracapas dos discos de rock britânicos dos
anos 60: Cream, Animals, Stones, todos falavam sempre de bluseiros como Robert Johson,
Leadbelly, Muddy Waters.
“A primeira vez que ouvi estes caras foi bastante indigesta para mim, era tão mal gravado e
esquisito. Senti medo de Howlin´Wolf, aquela voz parecia a voz de todos os pesadelos algo
assombroso, demoníaco. Mas adorava os sons da guitarras. Com o tempo, não queria ouvir
outra coisa...”
O pai de André (a família era espírita) queria que ele tocasse música erudita. Um meio místico
mudou tudo. O próprio André relatou, numa entrevista ao Estadão em 1989:
“André tinha 14 anos e queria uma guitarra. Durante o sono viu um clarão que falava. E a voz
dizia para ele escolher entre a garota e guitarra – as duas opções eram seu sonho. André
vacilou mas abraçou a moça. Esperou um segundo. Deixou a garota de lado e se interessou
pela guitarra. ´Posso dar uma olhadinha? Perguntou á voz. Era só uma olhadinha, mas ele não
conseguiu desgrudar mias daquelas cordas. No dia seguinte, avisou ao pai: “Estou pirando.
Sonhei de novo com a guitarra”. E o velho resistiu ao apelo.”
Outro lance meio do além. Aos 20 anos, o pai de André morre e ele vendo a casa que herdou e
parte para os Estados Unidos. Vai estudar no Guitar Institute of Technology (parece até coisa
da NASA...) de Los Angeles, onde conheceu o baixista Dan Duran (ex-Aretha Frankling). Duran
torna-se o seu guru. Todo dia faz André ouvir os discos de velhos bluesmen e cobra o dever de
casa na manhã seguinte, obrigado André a tocar certas passagens. Duran tinha uma loja de
guitarras antigas onde André costumava passar o dia inteiro. Foi lá que topou com o bluesmen
Albert Collins e se tornou seu roadie. Fez também amizade com Buddy Guy. Quando Buddy
esteve no Brasil, foi André quem lhe emprestou o equipamento para tocar. Em retribuição,
Buddy o convidou a apresentar –se na sua casa de blues de Chicago, o Legend´s Bar. Mas isto
ficaria para muitos anos depois. Em 1974, André tinha formado o power trio Fickle Pickle.
Rodou o mundo (morou em Los Angeles, Nova Iorque, Lisboa, Paris e Londres) e voltou ao
Brasil em 1985, formando o Heróis do Brasil com Kid Vinil. E, 1989, André mostrou que era um
dos raros bluesmen nativos capazes de traduzir para o português o espírito de blues, no LP
Mandinga.
Como na fixa Pedaço de Cristo:
“Camêlo vendendo adoidado chaveiro de lasca de pedra genuíno pedaço de Cristo. Não gasta.
Não sula. Não quebra...”
Em 1990, lança outro álbum, A Touch of Glass, alusivo ao cilindro de vidro que envolveu o seu
dedo para obter o efeito slide, deslizando sobre as cordas da guitarra. Em 1991, para resolver
um bloqueio criativo, André Christovam viajou às fontes. Resolveu gravar no lendário estúdio
da Chess em Chicgo, lar de gênios como Willie Dixon, Muddy Waters, Howlin`Wolf e Chuck
Berry, depois visitando pelas estrelas do rock britânico Animals, Yardbirds e Stones. Os Rolling
Stones chegaram a gravar uma faixa (do LP 12 x 5) nomeada em homenagem ao endereço do
estúdio da Chess, 2120 South Michigan Avenue. André foi buscar seus músicos no Legend`s
Bar de Buddy Guy e convocou, entre outros, o veterano Andrew Odom, batizando o álbum
como The 2120 Sessions.
Há pouco tempo, André Christovam tentou se descrever numa frase e acabou definindo o
dilema do blueseiro brasileiro em geral:
“Não acho que estou sendo mais um músico de Blues e sim um músico bluesy. É uma carga
muito pesada ser uma bluesman branco nascido em Santa Cecília...”
Livro: "Blues – Da lama à fama” Autor: Roberto Muggiati
De onde veio o termo "Blues"
O termo 'Blues', nos anos 30 e 40 do século 19, significava estar cansado da monotonia. Mais
tarde, junto com os escravos negros trazidos do oeste africano para o sul dos Estados Unidos,
vieram as raízes do que nós conhecemos hoje como o Blues.
Os africanos trouxeram um instrumento chamado banjo. O primeiro era feito de uma espécie
de abóbora, um pedaço de madeira e cinco cordas. O banjo, apesar de não ser o instrumento
que formou o Blues, contribuiu para o desenvolvimento das técnicas que antecederam ao
estilo.
O jeito afro-americano de cantar precisava de um instrumento para o seu timbre mais baixo e
um rítmo mais lento. Surgiu então, o violão, um instrumento relativamente barato, de fácil
transporte e podia ser tocado com vários outros instrumentos.
Sobre o bom e velho Rock n' Roll
A estrutura rítmica e melódica do rock'n roll teve origem nos negros, escravos, trazidos da
África para as plantações de algodão dos Estados Unidos. No início do século XX, os cantos
entoados pelos negros durante o trabalho dariam origem ao Blues, que era basicamente vocal
acompanhado por violão. Já nas grandes cidades era tocado o Jazz, por bandas maiores e
arranjos mais elaborados, com percussão e instrumentos de sopro.
Nas igrejas evangélicas, tocava-se a música gospel negra, caracterizada por um rítmo frenético
mas sensual, acompanhada por piano ou órgão. A tensão social e racial da época favoreceu o
encontro entre a música negra, o blues, e a música branca, o jazz e o country, surgindo o
rhythm and blues. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e com os Estados Unidos em pleno
crescimento econômico capitalista o consumo era fator principal para geração de empregos e
divisas buscando novos mercados consumidores. Nesta época, os jovens brancos começaram
a buscar na música negra, nos guetos, algo diferente. Com o poder aquisitivo mais alto da
população das grandes cidades a indústria fonográfica passou a investir neste novo estilo
aliando a ele uma imagem que pudesse ser vendida mais facilmente. Lançaram, então,
versões de música negra regravadas por artistas brancos e, por pressão do público, as
canções de amor deram lugar a letras mais picantes e ousadas em que as vezes era
nescessário criar versões mais atenuadas de alguns versos mais diretos.
O "inventor" do termo rock and roll e grande responsável pela difusão do estilo foi o disk jokey
Allan Freed, radialista de programas de "rhythm and blues" de Cleveland, Ohio. Em 1951,
começou a promover festas de dança com o mesmo nome, movidas inicialmente a blues e
rhythm & blues e mais tarde pelo novo rítmo, o qual ajudou a definir e divulgar. Suas festas,
embora com muitos tumultos que lhe custaram dezenas de processos por incitação à violência,
eram um grande sucesso.

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