análise das narrativas dos desenhos animados Naruto e Caverna

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análise das narrativas dos desenhos animados Naruto e Caverna
TCC I – Trabalho de Conclusão de Curso I
CESNORS
Centro de Educação Superior Norte
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Universidade Federal de Santa Maria
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Departamento de Ciências da Comunicação
Curso de Comunicação Social – Jornalismo
04 a 08 de Janeiro de 2010
SOBRE FANTASIA E SOCIEDADE: ANÁLISE DAS
NARRATIVAS DOS DESENHOS ANIMADOS NARUTO E
CAVERNA DO DRAGÃO
THAIS SCHAUENBERG GARCIA
Artigo científico apresentado ao Curso de Comunicação Social – Jornalismo como requisito para
aprovação na Disciplina de TCC I, sob orientação da Profª. Ms. Caroline Casali e avaliação dos
seguintes docentes:
Profª. Ms. Caroline Casali
Universidade Federal de Santa Maria
Orientadora
Profª. Ms. Juliana Petermann
Universidade Federal de Santa Maria
Prof. Ms. Fábio Silva
Universidade Federal de Santa Maria
Prof. Dr. Elias José Mengarda
Universidade Federal de Santa Maria
(Suplente)
Frederico Westphalen, 08 de janeiro de 2009
TCC I – Trabalho de Conclusão de Curso I
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Departamento de Ciências da Comunicação
Curso de Comunicação Social – Jornalismo
04 a 08 de Janeiro de 2010
Sobre Fantasia e Sociedade: Análise das Narrativas dos Desenhos Animados Naruto e
Caverna do Dragão
Thais Schauenberg Garcia
Profª. Ms. Caroline Casali
RESUMO
O respectivo artigo apresenta a análise de desenhos animados de diferentes épocas, visando
apontar as diferenças entre as narrativas e estratégias discursivas, bem como suas relações com o
contexto social do período em que foram veiculados. Os desenhos propostos para análise são:
Caverna do Dragão, da década de 1980, e Naruto, da década de 2000. O estudo baseia-se na
semiótica greimasiana, por meio da aplicação dos conceitos do modelo de percurso gerativo de
sentido proposto por Greimás. A pesquisa pretende desvendar em que medida as estratégias
discursivas e configurações expressivas destes desenhos passaram por mudanças, ao longo dos
tempos, e quais as transformações ocorridas na sociedade para justificar tais fenômenos.
PALAVRAS-CHAVE: Desenho Animado; Narrativa; Semiótica Greimasiana.
1. Considerações Iniciais
Os desenhos animados fazem parte do imaginário infantil nas gerações pós-televisão.
Com o avanço das tecnologias, principalmente com a emergência de ferramentas digitais, os
desenhos tradicionais foram sendo modificados e empreendem, hoje, novas formas de
linguagem, narrativa e produção.
Com o declínio das antigas fórmulas e o vislumbro da possibilidade de abarcar
novos espectadores, os desenhos animados contemporâneos teceram uma
estrutura narrativa mais densa e multifacetada, marcada por deixas intertextuais,
paródias, sátiras e por um novo panorama social que coloca a criança e o adulto
dentro de uma mesma obra (GOMES & SANTOS, 2007, p. 3).
O objetivo desta pesquisa é investigar as estratégias discursivas e manifestações narrativas
em dois desenhos animados de décadas diferentes, enfatizando as relações entre o texto midiático
e a sociedade na qual se insere. Para tanto, os desenhos animados escolhidos para compor o
corpus de análise foram Caverna do Dragão, produzido na década de 1980, e Naruto, em 2000.
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Caverna do Dragão é uma série de 27 episódios, produzidos em 1983 pela Marvel
Productions, em associação com a Dungeons & Dragons Corporation. O desenho foi inspirado no
famoso jogo RPG Dungeons & Dragons1.
O desenho Caverna do Dragão enfoca a história em que um grupo de seis crianças,
durante um passeio a um parque de diversões, resolve entrar em um novo brinquedo chamado
Caverna do Dragão, uma espécie de trem fantasma. O problema é que o brinquedo era, na
verdade, uma passagem que levava os garotos a outro mundo, de guerreiros, dragões, magos, etc.
Chegando lá, os jovens são recepcionados pelo Mestre dos Magos2, que se apresenta como o guia
no reino da Caverna do Dragão e os ajuda entregando armas mágicas para que se defendam dos
muitos perigos do local, inclusive do Vingador3, considerado a força do mal. Na passagem,
conhecem Uni4, um unicórnio que vira amigo das crianças e os acompanha na jornada. A série
gira em torno da busca dos heróis pelo caminho de volta para casa.
Já Naruto, produzido em 2002 pelo Studio Pierrot é um desenho animado japonês,
também conhecido como animê5 adaptado de uma série de mangás6. O desenho trata de um
vilarejo ninja, de nome Konoha, que fora atacado pelo monstro Bijuu Kyuubi (uma raposa
gigante de nove caudas). Nesse ataque, ninjas morreram e casas foram destruídas. O Hokage7 da
vila, Yondaime, considerado o ninja mais forte, lutou com Kyuubi e vendo que não tinha como
vencer a raposa de nove caudas usou uma técnica proibida: selaria tal raposa dentro do corpo de
uma criança e morreria no processo. Assim o fez, e prendeu a besta dentro do corpo do menino
Uzumaki Naruto, que dá nome a série. O Hokage Sandaime, líder anterior a Yondaime, voltou ao
posto e proibiu a todos, que soubessem do passado do menino, de falar sobre o assunto. Naruto
cresceu sem família e foi ajudado por um programa do vilarejo. Por causa de sua história
1
RPG é a sigla de Role-Playing Game que significa “jogo de representação de papéis”, em que o jogador entra em um mundo de
imaginação ou realidade, onde ele poderá escolher a sua personalidade, seus ideais e ter um objetivo a ser alcançado na aventura.
Dungeons & Dragons, D&D, é um RPG de fantasia medieval criado por Gary Gygax e Dave Arneson.
2
Mestre dos Magos é o guia dos seis amigos, aparece em alguns momentos do desenho no intuito de ajudar os jovens. O Mestre
surge de lugares inesperados trazendo informações, muitas vezes, enigmáticas.
3
O Vingador é um feiticeiro maléfico que deseja as armas do poder para dominar o reino.
4
Uni é um unicórnio que se torna mascote das crianças. Por pertencer ao reino, ele não pode voltar ao mundo real.
5
Animê é o nome dado a todos os desenhos animados vindos do Japão.
6
Mangá é um termo utilizado para designar as histórias em quadrinhos japonesas.
7
Honkage é o título dado ao líder dos ninjas da aldeia. Esse é considerado o ninja mais forte e inteligente de todos os ninjas da
vila.
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pregressa, todos os adultos o desprezavam e, em conseqüência, seus filhos também o ignoravam.
Naruto não era bom nas técnicas de luta, mas seu maior desejo era se tornar o melhor ninja de
todos os tempos para, assim, ter o reconhecimento de todos. Seu único amigo e protetor era seu
professor da academia, Umino Iruka.
Nessa perspectiva, pretende-se avaliar, neste artigo, de que forma as narrativas desses
desenhos refletiram e/ou negaram os valores sociais postos na sociedade a quem foram
apresentados, já que ambos os desenhos – Caverna do Dragão e Naruto – transmitidos no Brasil,
pela TV aberta Rede Globo de Televisão, sempre tiveram altos índices de audiência.
Para a análise, selecionaram-se dois episódios de cada desenho animado, sendo um deles
o episódio inicial da série. Além disso, foram investigadas também as aberturas dos dois
desenhos, buscando os valores investidos sobre elas para a identificação do público-alvo.
Ressalta-se que os episódios analisados dos referidos desenhos animados são
representativos de toda a série, pois há uniformidade nas narrativas dos episódios que a compõem
como um todo.
2. Referencial Teórico-Metodológico
Considerando os desenhos animados como textos, que forma um todo de sentido, dentro
de um contexto social determinado, examinaram-se as estruturas narrativas, discursivas e
fundamentais de Caverna do Dragão e Naruto de acordo com os conceitos de Greimás (1975)
sobre percurso gerativo de sentido.
A teoria semiótica greimasiana considera, na construção do sentido de determinado texto,
a necessidade de um percurso gerativo estabelecido em três etapas, do mais simples ao mais
complexo:
a) Nível fundamental ou das estruturas fundamentais: é a etapa mais simples e abstrata do
percurso, na qual “surge à significação como uma oposição semântica mínima” (BARROS, 2005,
p. 9). Determina-se, nessa fase, o mínimo de sentido pelo qual o discurso se constrói.
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b) Nível narrativo ou das estruturas narrativas: organiza a narrativa do ponto de vista de
um sujeito. Descreve a estrutura da história contada e determina os participantes e o papel que
representam na história. Caracteriza-se pela relação entre dois actantes: o sujeito e o objeto.
c) Nível do discurso ou das estruturas discursivas: em que a narrativa é assumida pelo
sujeito da enunciação. Apresenta os aspectos de atores, tempo e espaço.
Na narrativa greimasiana, o sujeito é o actante que se relaciona transitivamente com o
objeto, ou seja, aquele que deseja o objeto. Essa relação entre sujeito e objeto se dá de duas
formas: pela junção ou pela transformação. O estado de junção é estabelecido por verbos de
estado como ser, parecer e estar. Nessa etapa, o sujeito pode estar em uma relação harmônica
(junção) ou desarmônica (disjunção) com seu objeto de desejo. Isto é, o sujeito da narrativa pode
ter o que deseja (relação harmônica) ou não ter o que deseja (relação desarmônica). No estado de
transformação, o sujeito parte para ações de fazer, em busca de seu objeto.
Para Greimás (1975), o texto narrativo apresenta quatro fases: manipulação, competência,
performance e sanção. Na manipulação, o sujeito é levado a agir por estratégias de manipulação
como a tentação, a intimidação, a sedução e a provocação. Usando dessas estratégias, um
destinador-manipulador8 busca fazer o sujeito agir em conformidade com seu objetivo (fazfazer). O percurso do destinador-manipulador dá-se em duas etapas: destinador e sujeito
partilham das mesmas vontades; e, depois, manipulador doa ao sujeito competências modais
(querer, dever, saber, poder) usando de quatro principais estratégias de manipulação: tentação,
intimidação, sedução e provocação.
A persuasão segundo o poder caracteriza a tentação (em que é proposto um
objeto-valor positivo) e a intimidação (em que é proposta uma doação
negativa), enquanto a persuasão segundo o saber é própria da provocação (com
um juízo negativo: ‘Tu és incapaz de ...’) e da sedução (que manifesta um juízo
positivo) (GREIMAS & COURTÈS, 1993, p.270).
Já a competência, é a capacidade do sujeito agir em conformidade com o seu
manipulador. Depois de dadas as competências, o sujeito parte para a ação denominada
8
Destinador-manipulador é o personagem que propõe um contrato e busca convencer o sujeito a aceitá-lo através das estratégias
de manipulação: tentação, intimidação, provocação e sedução (BARROS, 2005).
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performance, que consiste na mudança de estado propriamente dita, quando o sujeito da narrativa
busca sair do estado em que estava para partir para outro estado, sendo este de junção ou
disjunção com o objeto.
A sanção é o resultado final da performance, sendo realizada ou não. Quem responde por
essa sanção nas narrativas é o destinador-julgador, sujeito que pratica a sanção cognitiva
(interpretativa) ou pragmática (retribuição). Na sanção cognitiva ou de interpretação acontece
apenas uma explicação dos atos do sujeito. Já na sanção pragmática ou de retribuição o sujeito
ganha um retorno pela sua performance, podendo ser uma recompensa ou punição.
A presente pesquisa desenvolveu-se, justamente, a partir da investigação dessas etapas de
geração de sentido nos desenhos animados analisados, de forma que pudesse ser desvendada a
relação entre discurso e narrativa dos desenhos com a sociedade em que se inscrevem.
3. Caracterização Discursiva do Público dos Desenhos
O desenho Caverna do Dragão se volta para o público infantil, o que fica evidenciado
pelas marcas discursivas que remetem a brincadeiras, jogos, fantasia, magia. Essas marcas
consistem em brinquedos do parque de diversão, que lembram brincadeiras e estão postos logo na
abertura do desenho animado. Além disso, os personagens da narrativa recebem vestimentas
como: de feiticeiro, bárbaro, cavaleiro, ranger, acrobata, capa e armas de poder que remetem ao
mágico e ao fantástico. Percebe-se também, a tematização baseada na amizade do grupo de
crianças, característica com a qual o público infantil se identifica.
A trilha sonora contribui, ainda, para a configuração do público infantil enquanto
enunciatários do discurso do desenho, pois usa melodias que lembram canções que desde cedo
envolvem o universo das crianças, alternadas com trilhas que remetem ao suspense de uma
narrativa sobre as aventuras de seis jovens em outro mundo.
Da mesma forma, o desenho animado Naruto também se volta ao público infantil, o que
logo se percebe na abertura, já que trabalha com marcas discursivas da fantasia, tais como
monstros e lendas (como a raposa Kyuubi). Percebe-se a tematização baseada em batalhas, que
são evidenciadas por golpes e lutas. Nessa mesma perspectiva, o desenho traz, ainda, um menino
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como personagem principal, em um ambiente escolar, com professor e outras crianças. Esse
ambiente trata da identificação do público infantil com tal cotidiano.
Contudo, os personagens da narrativa são dotados de características excêntricas, que dão o
caráter fantástico ao desenho animado. Essas características são cabelos bem coloridos, marcas
no rosto do personagem principal e competências que seres humanos não possuem como pulos
em altas alturas e poder de transformação.
Sempre levando broncas, o menino Naruto lembra perfeitamente garotos do mundo real.
Garotos, esses, na faixa de idade entre, aproximadamente, 6 a 15 anos que aprontam na escola,
em casa ou na rua. O desenho trabalha com marcas muito presentes no imaginário de meninos
dessas idades, como combates em que o sujeito mais forte é vencedor, lutas entre o bem e o mal e
golpes surreais que engrandecem o sujeito. Além disso, apresenta características da realidade, tais
como: questão da aceitabilidade na escola e dedicação que cada pessoa tem de ter para atingir
seus objetivos.
O sujeito do desenho também comete erros naturais de toda a criança que está em fase de
aprendizado, como infringir as regras e não distinguir direito o certo e o errado. Ao trabalhar
marcas como combates entre ninjas, golpes e malandragens do sujeito, o desenho tende a atrair,
principalmente, o público masculino. Devido a essas características, combinadas com uma
narrativa menos espetacular que Caverna do Dragão, Naruto pode também seduzir um
telespectador mais velho, que se envolve e se encanta com a trama de duelos.
Tanto em Caverna do Dragão quanto em Naruto, a classe social a qual esses se voltam,
não está clara. Os dois desenhos podem atingir desde classes sociais baixas até altas, pois
perpassam o consumo de valores e não de bens materiais.
Diferente de Naruto, Caverna do Dragão abrange, igualmente, o público feminino e
masculino, por apresentar personagens femininas com poder semelhante ao masculino.
4. Narrativa em Caverna do Dragão e Naruto
Em Caverna do Dragão, logo na abertura do desenho, animação recorrente antes de todos
os episódios, fica evidente o esquema básico da narrativa que será apresentada: seis jovens,
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sujeitos da narrativa, estão em um parque de diversões, ou seja, seguem em conjunção com o
objeto de valor, caracterizado pela diversão e segurança do parque. Ao entrarem em uma
montanha russa chamada Caverna do Dragão, este estado modifica-se, pois os meninos são
enviados a outro mundo, chamado o Reino da Caverna do Dragão. Esse mundo é desconhecido,
o que fica evidenciado pelas expressões de susto e espanto dos amigos.
No novo mundo, as roupas de crianças normais são trocadas por fantasias, tais como: de
bárbaro, de mago, capas e luvas. O menino Eric9 ganha roupa e poderes de cavaleiro; Hank10
ganha um arco mágico e vestimenta de arqueiro; Diana11 torna-se acrobata e recebe um bastão
mágico; Sheila12 torna-se a ladra, ganhando capa e capuz que a deixam invisível; Presto13 tornase mágico com vestimentas de feiticeiro; e Bobby14, com roupas de bárbaro, recebe um tacape,
espécie de bastão mágico.
Após o espanto de inserir-se nesse mundo novo e ganhar fantasias, as crianças se deparam
com um dos sujeitos-manipuladores – um dragão – e os jovens, então, ganham competências para
combaterem tal sujeito. Essas competências são saberes que lhes foram designados pelo Mestre
dos Magos, outro sujeito-manipulador da narrativa, representante do bem.
Depois das batalhas, enquanto lutas para que os sujeitos entrem em conjunção com seu
novo objeto de valor – a segurança do lar – o Mestre dos Magos exerce a etapa de sanção, ao
interpretar o que aconteceu e se oferecer como guia para levá-los pelos caminhos do novo
mundo. Ele os ensina também sobre como combater o Vingador, a força do mal.
Por flash back, a abertura de Naruto inicia mostrando o desastre acontecido há doze anos
em um vilarejo ninja, de nome Konoha. Repentinamente, a aldeia foi atacada pelo Bijuu Kyuubi,
uma raposa gigante de nove caudas. Através da narração, sabe-se que o monstro de nove caudas
destruiu a vila, matou ninjas e derrubou casas, até que o líder e ninja mais forte, Quarto Hokage,
9
Eric é o vice-líder do grupo. Constantemente arrogante e egoísta coloca, muitas vezes, os amigos em perigo. Pelo seu
temperamento é motivo de piada do grupo. Na sua vida no mundo real é filho de família rica.
10
Hank é o mais velho dos seis amigos, por sua experiência assume como líder do grupo.
11
Diana é a mais equilibrada, centrada e confiante do grupo.
12
Sheila é irmã mais velha de Bobby.
13
Presto é tímido e inseguro. Com seu óculos “fundo de garrafa” ganha um estereótipo de “nerd”. Por ser atrapalhado é motivo de
risadas na turma.
14
Bobby, mais novo do grupo, é inconseqüente, impetuoso e temperamental. Não gosta de ser tratado como criança.
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apareceu para lutar contra Kyuubi, em um combate mortal. Vendo que não tinha como ganhar,
usou uma técnica proibida – selou a raposa dentro do corpo de uma criança, Uzumaki Naruto.
Nesta perspectiva, percebe-se, já na abertura, a existência de um personagem principal, o
menino Naruto que é, ao mesmo tempo, representante do bem e do mal na narrativa, o que difere
da história contada em Caverna do Dragão.
O primeiro episódio analisado do desenho Caverna do Dragão denomina-se A noite sem
amanhã. Logo em seu início, mostra-se a disjunção dos personagens principais com o objeto de
valor – à volta para casa. Os seis jovens estão subindo uma montanha, justamente, para tentar
encontrar algo que possa levá-los para casa, o que fica evidente na fala de Hank: “daqui de cima
talvez consigamos ver o caminho de volta para casa”. Subitamente, então, um dragão aparece,
sujeito este, que atrapalha o caminho dos amigos e os faz usar de suas competências para derrotálo. Quando, enfim, prendem o dragão, o Mestre dos Magos – sujeito-manipulador – aparece e, em
uma etapa de sanção, elogia os personagens por sua performance: “bela manobra”.
Nesse momento, Éric exige que o Mestre dos Magos dê uma resposta definitiva sobre um
caminho que os leve de volta para casa. O Mestre diz que é necessário outro saber – a paciência –
e, como sujeito-manipulador, explica que devem seguir para o norte, ter cuidado e reconhecer a
face do mal “por uma coisa branca”. Assim, talvez encontrem algo que os faça voltar para casa.
A partir disso, fica clara a persuasão das personagens, pois o sujeito-manipulador utilizase de estratégias de manipulação, a saber: da tentação e da intimidação. Essas estratégias ficam
evidentes nas falas: “paciência, cavaleiro. Todas as coisas têm um propósito, inclusive a sua
presença aqui. Hoje a noite é a comemoração na vila de Heric, vocês viajarão rumo ao norte para
lá. Talvez encontrem alguma coisa que os ajude a voltar para casa”. Assim, o sujeito-manipulador
oferece um objeto positivo em troca de uma ação (tentação) e oferece um objeto negativo – não
encontrar nada que os ajude a voltar para casa – caso eles não hajam em conformidade com o que
o Mestre aconselha (intimidação).
Os garotos aceitam o papel de que não sabem como voltar para casa e seguem o caminho
indicado pelo Mestre. No percurso, rumo ao norte, encontram dificuldades como: a fome, o
cansaço, o calor e a saudade de casa. Tais enunciados ficam expressos pelos personagens
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principais: “toda essa caminhada tem sido inútil”; “eu trocaria qualquer coisa pelo carrão do meu
pai agora”; “pois eu trocaria o carrão do seu pai por um sanduíche de queijo com banana”;
“também estou com fome Bobby”.
Essa tematização, da riqueza e da sua insignificância frente à fome, remete ao discurso de
pais e educadores quanto ao senso comum de que é importante que a criança entenda o valor da
comida. Frases comuns emitidas por pais – “não brinque com a comida”; “coma tudo, há muita
gente que não tem o que comer e passa fome” – são referenciadas no desenho animado, refletindo
o cotidiano infantil.
Após o diálogo, continuam andando até encontrar o castelo de Merlin15. Para entrar no
castelo enfrentam mais uma dificuldade: subir até as nuvens. Nesse momento, algum sujeitomanipulador, ainda não identificado, dota os personagens de outra competência: uma escada que
aparece para possibilitar que os garotos subam até o castelo de Merlin. Então, novamente, o
caminho dos jovens é atrapalhado pelo dragão. Após derrotarem-no, Merlin – enquanto sujeitomanipulador – induz Presto, por tentação e intimidação, a ficar no castelo. Tais estratégias de
manipulação são evidenciadas pelos enunciados: “eu tenho 70 anos, meu rapaz; nessa idade eu
começo a procurar alguém para ensinar os meus segredos”... “Vi sua mágica e fiquei muito
impressionado, posso lhe ensinar todas as minhas mágicas, mas somente se você ficar aqui o
resto da vida”. Decidido a ficar no castelo, Presto começa a aprender feitiços. Merlin o seduz a
olhar o livro de mágicas, dizendo: “a resposta para todas as perguntas estão aqui, neste livro”.
Enquanto isso, os amigos de Presto, magoados, tentam entender sua escolha e sentem-se
culpados: “eu não acredito; não acredito mesmo!”; “a culpa foi nossa sabiam? Sempre zombando
dele quando suas mágicas saiam erradas”. Com o livro, Presto faz uma mágica para tentar
encontrar algo sobre o caminho de volta para casa, o que acaba soltando os dragões aprisionados
por Merlin. Neste momento, Merlin mostra sua verdadeira face, a de o Vingador, força do mal.
Enquanto isso, os dragões invadem a aldeia e os jovens procuram Presto para refazer uma mágica
para prendê-los novamente. Tudo resolvido, Presto explica suas intenções, os amigos o perdoam
15
Merlin é um personagem lendário que foi mago, profeta e conselheiro.
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e o Mestre dos Magos – destinador-julgador – em outra etapa de sanção, devolve o chapéu de
Presto em retribuição por ele ter tentado fazer o bem e refeito a mágica de prender os dragões.
Novamente, aqui, tem a referência ao cotidiano infantil de recompensas por atos de
bondade e de castigo – como não voltar pra casa – pela desobediência.
O episódio termina sem que a performance seja concluída e com a piadinha de que Éric
quer “algo” só para ele montar. Presto, então, providencia uma vaca, e todos riem.
O bom humor do fim do desenho alude à idéia de que, ainda que a volta para casa não
tenha acontecido, houve um final feliz – evocando a esperança de um próximo episódio vitorioso.
O segundo episódio analisado do desenho Caverna do Dragão é o vinte e sete,
denominado A Caverna das Fadas-Dragão. A narrativa começa com os personagens principais –
sujeitos da narrativa – em estado de conjunção com o divertimento e alegria do banho na
cachoeira. Como se percebe nas expressões de alegria e nas risadas dos personagens. De repente,
aparece o Mestre dos Magos lembrando sobre o objeto de valor dos jovens: voltar para casa.
O Mestre – como sujeito-manipulador – traz notícias sobre o caminho de casa, dizendo
aos garotos que, “quando tudo parecer perdido”, devem procurar “o que reflete o que são e o que
mais desejam”, mas lembra que pode ser exigido um “sacrifício para salvar um pequeno amigo,
porém uma pequena boa ação pode levá-los a uma grande recompensa”.
Tais enunciados revelam, novamente, as estratégias de manipulação por intimidação e
tentação. O Mestre, então, induz os jovens a saírem do estado de conjunção com o divertimento
para ir ao estado de transformação em busca de seu objeto de valor.
Dotados de “saber o que fazer” por meio das indicações do Mestre dos Magos, os garotos
partem em busca do objeto de valor. Eric demonstra impaciência e egoísmo ao dizer para o
Mestre frases como: “eu não quero ouvir isso”; “a única recompensa que quero é ir para casa”.
Neste instante, aparecem formigas gigantes atrapalhando o caminho dos sujeitos, que derrubam
Eric fazendo-o não encontrar suas roupas.
Frases como as de Eric lembram colocações de garotos mimados e intolerantes,
geralmente de famílias com classe social mais elevada, que é o que Eric representa no desenho.
Esse “castigo”, que Eric recebe na trama do episódio, conota a idéia de que crianças arrogantes e
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egoístas, geralmente acabam sofrendo punições pela própria vida. Com isso, traz implícita a
mensagem de que as pessoas devem ser humildes, flexíveis e bondosas com as demais.
Os jovens ficam encurralados. Uma voz os chama para dentro de uma caverna, um
caminho de fuga. A voz que manipula e dá competência ao sujeito para fugir das formigas com a
frase: “depressa, por aqui”, é a de uma fada-dragão chamada Âmber. Como no primeiro episódio,
os garotos aceitam o papel de que desconhecem os caminhos daquele mundo e, se vendo sem
saída, seguem a indicação da voz. A fada – em uma etapa de sanção – explica aos jovens sobre as
formigas gigantes e chama Eric de “bobo”, como punição por acordar as formigas.
A palavra “bobo” remete, neste momento, a uma chamada de atenção. Cabe ressaltar que
certa ingenuidade no termo “bobo” difere do uso de xingamentos em Naruto, que trabalha com
palavras mais grosseiras como: merda, medíocre e idiota.
Os jovens perguntam a Âmber como fazer para sair daquele lugar. Ela responde dandolhes competências para irem à busca da saída da caverna. Âmber faz amizade com Presto e
acompanha os amigos. Quando, finalmente, saem da caverna encontram outra fada-dragão que se
assusta com os garotos. Âmber diz à fada que os meninos são amigos. A fada-dragão fala que
precisam de ajuda, pois a rainha foi presa pelo Rei Varão – sujeito que atrapalha a narrativa.
Vendo que as fadas estavam em disjunção com seu objeto de valor, como recompensa – etapa de
sanção de retribuição por salvá-los – os jovens decidem ajudar as fadas a encontrarem a Rainha.
Âmber explica que o rei quer todo o tesouro das fadas e mostra o castelo de Varão aos
jovens. Com um pouco de dificuldade, mas com suas competências, armas do poder e instruções
dadas por Âmber, os jovens conseguem entrar no castelo. Ali, os jovens encontram muitas
dificuldades, inclusive a perda dos poderes de suas armas, competências. O rei Varão que, mais
uma vez, atrapalha o caminho dos meninos, aparece e os prende em um calabouço.
Presos, a rainha conta aos jovens sobre a floresta encantada, que fora destruída. As fadasdragão, assim como os sujeitos da narrativa, têm o objeto de valor que é encontrar seu lar. Por
uma mágica de Presto, todos acabam conseguindo fugir da cela. Com a união de todos, os jovens
encontram uma maneira de enganar o exército do rei e fugir.
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Neste momento, fica clara a mensagem sobre a importância das amizades e colaboração
entre as pessoas. Transmite-se a idéia de união e companheirismo, valores postos para as crianças
desde que elas são pequenas com dizeres como: “você deve compartilhar suas coisas” ou “você
precisa ajudar os coleguinhas”.
A rainha das fadas, como sanção, agradece a ajuda dos garotos e por retribuição mostralhes o salão do tesouro. Em uma sanção pragmática de retribuição a rainha quer doar todo o
tesouro aos jovens, que não o aceitam, pois o que querem mesmo é ir para casa. Nessa etapa,
busca-se transmitir o valor da bondade, da doação sem querer nada em troca.
O exército do rei, então, invade a caverna e todos se trancam na sala do tesouro. Eric
comenta: “que hora para o Mestre dos Magos se enganar! Está parecendo que está tudo perdido.
E cadê a nossa casa?”. Neste momento, um velho espelho que estava na sala reflete o mundo real
e a casa dos garotos, enquanto passagem secreta para outros mundos. Para salvar as fadas, os
jovens pedem ao espelho para refletir o lugar para onde as fadas desejam ir. As fadas entram no
espelho e os garotos passam o tesouro para elas. Sem tempo para que os jovens entrem no
espelho, Eric se lembra do dizer do Mestre sobre a pequena boa ação: “uma pequena boa ação?
Então lá vai”, e quebra o espelho para que o exército não possa ir atrás das fadas.
Com uma mágica, Presto se livra do exército e com tudo resolvido os amigos conversam
sobre terem perdido o caminho de volta para casa: “Você tomou uma decisão difícil naquele
espelho não foi Eric?”, diz Presto. “É, pois é eu sei” responde Eric. “Mas nós perdemos outra
chance de voltar para casa”, contesta Bobby triste. “Nós vamos ter outras chances Bobby”
consola a amiga Sheila. Carinhosamente, Eric também consola o pequeno amigo Bobby:
“desculpa baixinho. Todos nós queríamos ir para casa, mas...”. Hank, como líder, acrescenta em
tom de liderança: “mas, como o Mestre dos Magos disse, um sacrifício enorme foi necessário
para salvar nossos amiguinhos”.
Enfim compreendem que fizeram bem a um amigo em uma etapa de auto-sanção. Sem
que a performance seja concluída, ao longe, o Mestre dos Magos – destinador-julgador – aparece
fazendo uma sanção de interpretação ao falar que eles estão mais próximos de casa do que
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imaginam: “correto cavaleiro, estão mais perto do que imaginam. O lar é o reflexo do coração,
reflexo que já estão começando a entender”.
Ressalta-se, com ênfase, que a bondade, amizade e doação são valores presentes em toda a
narrativa, que busca transmiti-los ao público infantil, da mesma forma que o fazem os pais. Esses
valores postos nos episódios muito têm em comum com o dia-a-dia das crianças que, em fase de
aprendizado, são ensinadas por seus pais e pessoas próximas a entender e adquirir tais valores.
O primeiro episódio analisado do desenho Naruto denomina-se Naruto Iuzumaki
Chegando. Neste, logo se apresenta o personagem principal da narrativa em disjunção com seu
objeto de valor, que é obter atenção e respeito das pessoas da aldeia. Para conquistar isso, Naruto
está aprontando mais uma de suas malandragens, já que se julga esperto, como se evidencia na
frase: “vocês não têm coragem de fazer o que eu faço, perdedores medíocres. Vocês nunca me
pegarão”.
Portanto, está clara a estratégia de provocação evocada pelo personagem principal da
narrativa. Diferentemente de Caverna do Dragão, é Naruto – o sujeito da narrativa – quem
provoca os demais personagens, importunando-os para que ajam como ele. Fica evidente que não
é a primeira vez que o menino tenta a performance, pois algumas pessoas da aldeia dizem: “é o
Naruto de novo”. Também se constata que a performance de conquistar atenção foi realizada.
O garoto foge das pessoas da aldeia. Iruka, seu professor e amigo, aparece como
destinador–julgador, repreendendo o menino: “eu já cansei Naruto. Você não passou nos testes de
ontem e nem nos anteriores”. Com uma sanção de retribuição, Iruka pune Naruto e seus colegas
fazendo–os repassar todos os Jutsus de Transformação16.
Percebe-se que Naruto não é benquisto pelos colegas quando uma menina diz: “a gente
sempre paga pelas suas mancadas”. Ainda que de forma diferenciada de Caverna do Dragão,
também há, aqui, a alusão ao cotidiano infantil, através da gíria “mancada” dita pela personagem.
Essa cena remete ao contexto da amizade e elucida o castigo que certas crianças sofrem por
andarem em grupos formados por pessoas pouco comportadas.
16
Jutsu de Transformação é um tipo de golpe usado pelos ninjas do desenho para se transformar em outra pessoa ou coisa.
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Na escola, Naruto ainda faz mais uma piadinha para chamar a atenção. Como destinador–
julgador, Iruka faz o menino limpar a estátua que havia pichado anteriormente. Com a frase:
“você não vai para casa até ter limpado a última gota de tinta”, Iruka demonstra que ele deve
cumprir a tarefa. Revidando a imposição, assim como muitas crianças fazem, Naruto tenta
mostrar-se indiferente: “e daí, não tem ninguém me esperando em casa”, e continua limpando.
Buscando manipular Naruto, Iruka se utiliza da tentação para motivá-lo, dizendo que se o menino
limpar toda a estátua podem sair para comer lamen17 (sua comida preferida).
Novamente na escola, Naruto não passa no teste para se tornar ninja. Todos seus colegas
comentam sobre sua reprovação. Muito triste – em disjunção com seu objeto de valor – afasta-se
da turma. Misuki18, percebendo a insatisfação do garoto, mostra-se seu amigo e em uma etapa
como destinador–manipulador conta-lhe um segredo: aquele que conseguir fazer um jutso do
pergaminho passa no teste. Como esta fala de Mizuki não foi mostrada no episódio, só percebemse as estratégias usadas quando Naruto diz para Iruka: “é assim que funciona, quem aprende um
jutso do pergaminho passa não é? Misuki me contou, estou certo, ele me disse onde achar o
pergaminho e sobre esse lugar”.
A manipulação de Misuki se dá, portanto, através da tentação: “se você fizer um golpe do
pergaminho passa no teste”. A narrativa apresenta, neste momento, a atribuição de competência
por Misuki, que manipula Naruto contando-lhe como conseguir o pergaminho. Naruto, em um
enunciado de transformação, rouba o objeto.
Pessoas da aldeia ficam sabendo do roubo e vão atrás de Naruto para recuperar o
pergaminho. Misuki deseja o objeto para destruir a aldeia e, por isso, motivou Naruto a roubá-lo.
Iruka – como destinador-julgador – pratica uma sanção cognitiva ao explicar ao garoto que no
pergaminho há jutsos que podem colocar a aldeia em perigo, e diz: “Misuki usou você para pegar
o pergaminho para ele, para o seu próprio poder”. Em contrapartida, Misuki – como destinadormanipulador – coloca Naruto contra Iruka e contra toda a aldeia, contando-lhe o segredo de doze
anos atrás: que a raposa de nove caudas está dentro de Naruto e por isso todos o odeiam.
17
Lamen ou Ramen é um alimento japonês composto por filamentos de massa alimentícia com ervas e legumes temperados com
carne de porco ou peixe de água doce.
18
Mizuki é um personagem do episódio que aparece para atrapalhar a narrativa.
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Iruka lembra-se das palavras ditas pelo Hokage, homem velho escolhido como atual
mestre da aldeia: “Iruka, Naruto jamais teve uma mãe ou um pai que se preocupasse com ele. Foi
marginalizado e não sabe o porquê, muitas pessoas sequer o olham... É por isso que se mete em
confusão, é para que as pessoas o notem”. Neste momento, no desenho, encontram-se falas que
remetem ao cotidiano de muitas crianças. Meninos e meninas demonstram, através de seus
comportamentos, as situações vivenciadas em seu ambiente.
Naruto, nesta narrativa, ora tem atitudes de má educação, ora é vitimizado pelos
companheiros, porém essas atitudes são justificadas, no texto, pela sua criação sem pais e sua
vida sofrida, fazendo com que o público se identifique com o personagem e continue a aprová-lo.
Naruto lembra, assim, o clássico exemplo de anti-herói que é o personagem Robin Hood, um
lendário fora da lei que roubava dos ricos para dar aos pobres.
Continuando a narrativa, após ouvir uma conversa entre Misuki e Iruka, Naruto se
comove com as palavras do amigo e enfrenta Misuki, chamando-o de idiota e usando a técnica
avançada para derrotá-lo.
O amigo e professor Iruka, em uma sanção pragmática, reconhece a superação nas
técnicas de Naruto e lhe entrega a faixa ninja como retribuição. Como sanção cognitiva, Iruka
pensa que “agora que Naruto já é um ninja o caminho será mais difícil”, mas se cala. Enfim, o
sujeito Naruto completa o seu percurso, conquistando a performance.
O próximo episódio analisado é o quinto da série, denominado A decisão de Kakashi. Para
compreendê-lo, resume-se também o quarto episódio, em que o professor Iruka dividiu a turma
de Naruto em trios. Cada trio ganhou um treinador que tinha o dever de guiar o grupo. Naruto
ficou no time sete, junto dos amigos e também ninjas Sakura Haruno e Sasuke Uchiha, liderados
por Kakashi Hatake. Após as apresentações do grupo, o treinador Kakashi atribuiu uma tarefa aos
alunos. Com dois sinos pendurados na cintura, o aluno que conseguisse pegar os sinos passaria
no teste. Porém, havia apenas dois sinos, o que significaria que um dos garotos rodaria. Além
disso, o professor mandou que viessem ao teste sem tomar café da manhã, o que dificultou a
missão, pois todos estavam com muita fome. Neste episódio, aconteceram, ainda, lutas e Naruto
caiu em uma armadilha e ficou preso.
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No quinto episódio, A decisão de Kakashi, Naruto e seus dois colegas – sujeitos da
narrativa – estão em disjunção com o objeto de valor: os sinos, para passarem no teste. Baseados
no objeto modal de querer, os garotos estão em estado de transformação – performance –
buscando o objeto de valor para se tornarem ninjas. O sujeito que estimulou os três colegas foi o
professor Kakashi. Como sujeito-manipulador, Kakashi usou estratégias de tentação, intimidação
e provocação para fazer os alunos agirem conforme seu interesse. A tentação e a provocação
ficam evidenciadas no ritual proposto por Kakashi: seria necessário realizar a prova para
conseguir o sino e passar no teste. A intimidação evidencia-se pelo enunciado: “pense antes de
usar um jutsu, ou será usado contra você e também não caia em armadilhas tão obvias, idiota”.
Considerando-se esperto, Naruto, amarrado a uma árvore, corta sua corda, dizendo:
“merda, eu não irei cair em suas estúpidas armadilhas outra vez”. Contudo, ao cortar a corda,
Naruto cai e é preso por outra armadilha, reclamando: “eu cai!”. A narrativa lembra aqui a típica
conduta de crianças que se julgam “espertas”, não obedecendo ao que pessoas mais velhas
aconselham e, normalmente, sofrendo punições por isso. Prevalece, na narrativa, a sabedoria do
professor frente à prepotência de Naruto.
Em outro local, Kakashi engana Sakura Haruno, ao se fazer passar por Sasuke. Sakura
gosta de Sasuke e desmaiou vê-lo machucado. Neste momento, a história faz alusão aos namoros
da adolescência. A menina que gosta do menino que, por sua vez, não gosta dela. O público que
assiste ao desenho é envolto nessa realidade. Namoros de escola estão no imaginário infantil e o
desenho usa esta estratégia para envolver seu público alvo.
Ao ouvir gritos de Sakura, Sasuke entende o acontecido e, em uma etapa de sanção de
interpretação, explica: “genjutsus, uma forma de hipnose com alucinações. Ela caiu nessa
técnica”. Mostrando-se prepotente o garoto continua: “mas eu não sou igual a eles”. Kakashi,
então, aparece para Sasuke que o ataca e quase pega os sinos do professor. Kakashi – como
destinador-julgador – elogia Sasuke: “eu devo confessar que você é diferente daqueles dois”.
Novamente preso, Naruto enxerga lanches em cima de uma pedra que foram postos pelo
professor como forma de tentação, para os alunos que estavam sem café da manhã. Conseguindo
se livrar da armadilha, Naruto come os lanches: “em vez de ficar gastando meu tempo tentando
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pegar o sino, eu posso me esconder e comer os lanches agora”, vangloria-se Naruto. Ou seja, o
menino ignora as regras impostas pelo seu líder e julga-se mais esperto que os colegas de batalha.
O tempo para a prova se encerra. Naruto, como punição, está outra vez preso a um tronco,
entre seus dois colegas. Kakashi – como destinador-julgador – faz uma etapa de sanção de
interpretação e recompensa: “vocês três devem desistir de ser ninjas. (...) Isso significa que vocês
são moleques e não merecem ser ninjas. (...) Vocês não entenderam o significado dos três
formarem um time? Se vocês tivessem me atacado, juntos, poderiam ter pego os sinos”. Kakashi
explica que o objetivo das provas era ver quem, nas dadas circunstâncias, sacrificaria seus
interesses e trabalharia como um time, e aponta os defeitos da equipe: “é verdade que os talentos
individuais de um ninja são importantes, mas o mais importante é o trabalho em equipe”. Neste
instante, com a sanção, o episódio perpassa os valores da amizade e trabalho em equipe.
Depois das explicações, Kakashi resolve dar mais uma chance aos garotos, atribuindolhes outra tarefa: Sasuke e Sakura poderiam almoçar para recuperar as energias e continuar as
provas. Naruto, como sanção de retribuição por tentar comer toda a comida sozinho, não poderia
almoçar. Neste momento, o desenho aborda outra mensagem transmitida às crianças: um sermão
sobre individualidade e egoísmo.
Kakashi vai embora. Enquanto Sasuke e Sakura comem, Naruto se mantém forte. Porém,
seu estomago ruge de fome. Sasuke oferece comida a Naruto, explicando: “após o almoço nós
iremos trabalhar juntos para pegar os sinos. Se ele não puder ajudar, somos nós que vamos ter
prejuízos”. Sakura se convence e também alimenta o menino. Kakashi, ao longe, vê a generosa
cena, e aparece aos garotos como se estivesse muito brabo. Os meninos defendem-se dizendo que
formam um time. Kakashi, então, grita: “vocês passaram”.
Desta forma, o treinador – enquanto destinador-julgador, com uma sanção de retribuição –
passa os garotos no teste e – em outra sanção de interpretação – explica que eles estão sendo
recompensados por terem compreendido a lição: “um ninja deve ler pelas entrelinhas. No mundo
dos ninjas, aqueles que não respeitam as regras são chamados de lixo. Mas vocês sabem: aqueles
que não se importam com seus amigos são piores que lixo”. Enfim, o episódio se encerra com a
performance realizada e os alunos em conjunção com seu objeto de valor: tornaram-se ninjas.
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5. Considerações Finais
A partir das análises dos desenhos Caverna do Dragão e Naruto, é possível identificar os
fundamentos da teoria de Greimás. Percebe-se que os desenhos estudados, apesar de terem sido
produzidos e veiculados em diferentes épocas, partilham de uma mesma estrutura de sentido,
onde há um sujeito actante que deseja algo e realiza performances para entrar em conjunção com
o objeto desejado. Em meio a essa busca existe, ainda, um sujeito que atrapalha ou dificulta a
narrativa, outro que manipula e ainda outro que oferece competências para que o sujeito actante
possa agir.
Ambos os desenhos são dirigidos, especialmente, ao público infantil e abordam, muitas
vezes por meio de sanções, a tematização de valores semelhantes. Porém, a maneira de narrar
esses valores se diferencia, acompanhando o período em que se inscrevem.
Em Caverna do Dragão, a narrativa é linear e a história é descrita de forma que um
quadro remeta ao outro. O bem e o mal são, nesse desenho, facilmente diferenciáveis,
prevalecendo a ética social. Também, se percebe que os personagens são bem definidos: os
heróis, sempre, tomam atitudes que tencionam passar ao público a idéia de valores tidos como
corretos pela sociedade.
Harvey (2006), ao trabalhar as diferenças entre modernidade e pós-modernidade, cita a
narrativa linear, a utopia, o propósito e a ética como características da modernidade. Tais
elementos estão presentes e são essenciais em Caverna do Dragão.
Já em Naruto, tem-se um mesmo personagem ocupando a representação do bem e do mal.
O personagem principal da narrativa é, ao mesmo tempo, quem transgride regras e quem alcança
sucesso em seus propósitos finais, como se o projeto – tornar-se ninja – justificasse qualquer
ação, sendo essa boa ou má.
Características como jogos de linguagem, de imagens e prioridade estética frente à ética,
descritas por Harvey (2006) como elementos da pós-modernidade, regem uma narrativa marcada
por imagens rápidas e cenas que apresentam vários espaços ao mesmo tempo. Além disso,
Naruto apresenta um vocabulário de gírias e palavrões, também, indicativos da pós-modernidade,
ao contrário de Caverna do Dragão que utiliza um texto objetivo, ingênuo e mais simples.
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Os dois desenhos trabalham com o fantástico e o surreal, entretanto Naruto mostra-se
mais realista por empregar as vivências diárias da criança, utilizando-se de uma linguagem típica
da época. Naruto traz as dificuldades vivenciadas no cotidiano de meninos e meninas e aborda as
fragilidades humanas, demarcadas por personagens que não representam o bem o tempo todo,
mas que oscilam seu humor, suas ações e suas conquistas.
Os resultados das análises demonstram, ainda, que os desenhos partilham das mesmas
estratégias de manipulação, em que prevalecem a tentação e a intimidação. O personagem
manipulador que ora tenta o sujeito oferecendo-lhe um objeto positivo, ora manipula ofertando
um objeto negativo, é também a figura mais utilizada pelos pais do público-alvo dos desenhos.
São comuns frases familiares do tipo: “Coma tudo e poderá brincar” ou “Se não fizer a lição de
casa, não poderá entrar na piscina”, em que os pais utilizam, respectivamente, a tentação e a
intimidação para induzir seus filhos.
Em vias de conclusão, reforça-se a percepção de que os desenhos animados Caverna do
Dragão e Naruto trabalham com valores semelhantes e perenes: amizade, comunhão, respeito.
Certamente, a forma de abordar esses valores é diferenciada, pois acompanha a evolução dos
tempos e a rapidez no jogo de informações da pós-modernidade, porém a estrutura de sentido
permanece, conforme as teorias da semiótica já estabelecidas por Greimás.
6. Referências Bibliográficas
BARROS, D. L. P. de. Teoria Semiótica do Texto. 4 ed. São Paulo: Ática, 2005.
GOMES, L. A.; SANTOS, L. T. S.. O double coding na animação: a construção do desenho animado
contemporâneo para adultos e crianças. In: XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
Santos, 2007.
GREIMAS, A. J. COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. São Paulo: Cultrix, 1993.
GREIMAS, A. J. Sobre o sentido: ensaios semióticos. Petrópolis: Vozes, 1975.
HARVEY, D. Condição Pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
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ANEXO A – Links dos episódios analisados
Abertura do desenho Caverna do Dragão disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=llSPo9dpobE
Primeiro episódio de Caverna do Dragão disponível em:
http://episodiosdecavernadodragao.blog.dada.net/post/646453/Caverna+do+Drag%C3%A3o++Episodio+27++A+Caverna+Das+Fadas+Drag%C3%A3o+(Cave+Of+The+Fairie+Dragons)_NEW
Vigésimo sétimo episódio do desenho Caverna do Dragão disponível em:
http://episodiosdecavernadodragao.blog.dada.net/post/646453/Caverna+do+Drag%C3%A3o++Episodio+27++A+Caverna+Das+Fadas+Drag%C3%A3o+(Cave+Of+The+Fairie+Dragons)_NEW
Primeiro episódio do desenho Naruto disponível, com abertura, em:
http://naruto.foipararnanet.com/2009/06/naruto-episodio-1.html
Quinto episódio do desenho Naruto disponível em:
http://naruto.foipararnanet.com/2009/06/naruto-episodio-5.html
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