manejo e beneficiamento de sementes de palmeiras para
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manejo e beneficiamento de sementes de palmeiras para
MANEJO E BENEFICIAMENTO DE SEMENTES DE PALMEIRAS PARA ARTESANATO NA RESERVA EXTRATIVISTA CHICO MENDES, ACRE, BRASIL1 *1 *2 *3 Maria Aparecida Alves Pereira , Evandro José Linhares Ferreira , Juari Paulo da Silva ¹Engenheira Agrônoma do Banco da Amazônia; ²Pesquisador do Núcleo de Pesquisas no Acre do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA; ³Tecnólogo do Herbário do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre. E-mail: [email protected] RESUMO Foram avaliadas aspectos do manejo e beneficiamento comunitário de sementes das palmeiras paxiubinha, jarina, paxiubão, açaí e patauá, realizada por uma comunidade de moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Estado do Acre. A atividade é desenvolvida de acordo com um plano de manejo aprovado pelo IBAMA em 2003. A metodologia utilizada para a coleta das informações incluiu observações do cotidiano dos extrativistas, entrevistas e a análise de documentos. O manejo é realizado em 284 hectares de floresta e a coleta de sementes é no solo (paxiubão, paxiubinha e jarina) e na copa (açaí e patauá). O beneficiamento das sementes é feito com ferramentas manuais e equipamentos elétricos rústicose atualmente a comunidade oferece ao mercado 22 tipos de sementes beneficiadas. A inserção do manejo e beneficiamento de sementes no cotidiano extrativista contemporâneo se revelou um processo demorado e complexo, sendo adotado mais facilmente pelos jovens, tendo em vista que os mais velhos ainda preferem desenvolver atividades extrativistas tradicionais relacionadas com a exploração da castanha e da borracha. Palavras-chave: palmeiras; reservas extrativistas; Acre; sementes; beneficiamento. 1. INTRODUÇÃO A consolidação das reservas extrativistas (RESEX) que foram criadas no Acre a partir dos anos 90 depende da conciliação entre o desenvolvimento sócio-econômico de seus moradores e a conservação dos recursos naturais presentes nestas Reservas. Parece simples, mas é um desafio muito grande porque na maioria das vezes a renda dos habitantes das RESEX depende da exploração de poucos produtos. No Acre, por exemplo, as principais fontes de renda dos extrativistas continua a ser a coleta da castanha (Bertholletia excelsa) e a extração do látex da seringueira (Hevea brasiliensis). Pesquisas recentes para viabilizar o manejo de outros recursos florestais nãomadeireiros em áreas extrativistas do Acre sugerem como produtos promissores o óleo de copaíba (Copaifera spp.), o “vinho” de jatobá (Hymenaea courbaril), o látex de sangue de grado (Croton lechleri), as folhas de ubim (Geonoma deversa), a casca do mulateiro-de-várzea (Calycophyllum spruceanum) e a coleta de sementes para a elaboração de artesanatos (Rocha, 2005). A coleta, beneficiamento e comercialização de sementes florestais para elaboração de artesanato, incluindo as biojóias, é uma das alternativas econômicas mais promissoras pois existe um mercado consolidado para uma grande variedade de sementes nativas da Amazônia, com destaque para o mulungú (Erythrina spp.), tucumã (Astrocaryum aculeatum), açaí, jarina e paxiubinha. O manejo de sementes também se caracteriza pelo baixo impacto e alta sustentabilidade quando realizado em conformidade com um plano de manejo (Muxfeldt e Menezes, 2005; Rocha e Pontes, 2006; Maciel, 2003). A atividade de manejo e beneficiamento de sementes na RESEX Chico Mendes iniciou-se com a elaboração e implementação, a partir de 2003, do “Plano de manejo florestal sustentável comunitário de açaí (Euterpe precatoria), patauá (Oenocarpos bataua), paxiubão (Iriartea deltoidea), jarina (Phytelephas macrocarpa) e paxiubinha (Socratea exorrhiza) para a produção de polpa para consumo in natura e sementes para artesanato”. Passados alguns anos da implantação do plano de manejo, é oportuno e necessário compreender e tentar responder questões elementares sobre as variáveis ambientais e organizacionais que foram fundamentais para que os extrativistas envolvidos tenham continuado a realizar a atividade. Este trabalho, portanto, teve como objeto de estudo as experiências na utilização sustentável proporcionada pelo manejo e beneficiamento de sementes de uma comunidade de extrativistas da RESEX Chico Mendes. 1 Trabalho realizado com apoio financeiro da Fundação Ford/Funbio e do Ministério do Desenvolvimento Agrário/UFPA/UFAC 2. METODOLOGIA O estudo foi desenvolvido na comunidade extrativista ‘Chico Mendes’, cujos moradores residem nos seringais São Cristóvão, Montevidéu e Pindamonhangaba, localizados na porção leste da RESEX Chico Mendes, com acesso a partir do km 52 da BR 317, no trecho que ligas os municípios de Brasiléia e Assis Brasil, no Acre. O clima na região é, segundo a classificação de Köeppen, do tipo AM (clima tropical úmido), e caracteriza-se por apresentar temperatura média entre 26 e 27°C, apresentando uma estação seca de pequena duração e elevada precipitação. A estação chuvosa vai de novembro a abril. A umidade relativa do ar é alta, apresentando valores médios superiores a 85% (Rocha et al., 1999). A coleta das informações consistiu num resgate do processo de implantação do plano de manejo e incluiu leituras de documentos, entrevistas com dois técnicos e quinze extrativistas e participação nas reuniões comunitárias. As entrevistas deram um panorama da comunidade e do processo de manejo e de beneficiamento realizado, incluindo a identificação das principais dificuldades enfrentadas. O conhecimento do processo de beneficiamento foi feito através do acompanhamento in loco das atividades. 3. RESULTADOS E REFLEXÃO 3.1. Mapeamento das áreas exploradas Os extrativistas foram capacitados para realizar o mapeamento de seus recursos florestais usando o método proposto por Rocha (2001). Com isso, eles puderam auxiliar na localização e mapeamento de 284 hectares de áreas florestais ricas em palmeiras produtoras de sementes, que corresponde a 4,7 % da área de todos os envolvidos no plano de manejo, que é de 6,5 mil hectares. Esta desproporção entre a área efetivamente trabalhada e a área total decorre de uma característica conhecida das florestas tropicais: a grande diversidade de espécie por hectare. 3.2. Coleta das sementes O acesso às áreas de coleta normalmente é feito por trilhas usadas para a exploração do látex da seringueira (Hevea brasiliensis), conhecidas como ‘estradas de seringa’. Os extrativistas dão prioridade às palmeiras com frutos maduros ou quase maduros. Antes da coleta é feito uma verificação visual das condições de segurança para uma eventual subida nas plantas. 3.2.1. A coleta na copa: é feita com o uso de cinto de segurança e esporas ou ‘peconha’. A adoção de equipamentos de proteção individual (EPIs) se deu a partir de 2003, por ocasião da implementação do plano de manejo e da capacitação dos extrativistas para o uso dos equipamentos, fato que contribui para melhorar a produtividade dos coletores, que hoje coletam até 15 palmeiras por dia. A coleta na copa é mais utilizado para o açaí e o patauá, cujos frutos se destinam tanto para a produção de ‘vinho’ (suco), como para o beneficiamento das sementes. O coletor é o responsável pela separação, seleção e transporte dos frutos até a casa do extrativista. A produção de sementes é medida em quilogramas. 3.2.2 A coleta no solo: é mais simples, exige menos equipamentos e recursos, e geralmente é realizada pelas famílias dos extrativistas. É mais indicada para a coleta dos frutos ou sementes de jarina, paxiubão e paxiubinha. Em geral, sementes de boa qualidade são coletadas logo após a queda dos frutos, antes de serem danificadas pela fauna ou iniciarem o processo de germinação. A única exceção são as sementes de jarina, que são resistentes e demoram um longo tempo para germinar (superior a um ano). 3.3 Seleção das Sementes Na coleta realizada no solo, é dada preferência aos frutos que não apresentam sinais de brocas ou outros danos visíveis. A seleção das sementes de jarina é feita com base na cor do endosperma, dando-se preferência àquelas com tegumento de cor uniforme (cinza), ausência de manchas escuras (sementes velhas), tegumento queimado e pouco peso (sementes brocadas). 3.4 Beneficiamento das Sementes O beneficiamento das sementes nas áreas extrativistas fez cessar a comercialização do produto in natura das espécies manejadas. Graças à capacitação em técnicas de beneficiamento, a comunidade foi capaz de criar e ofertar no mercado 22 produtos derivados das cinco espécies manejadas. Em sua maioria são sementes inteiras, furadas ou não, e algumas vezes tingidas. A obtenção destes produtos está resumida no fluxograma ilustrado na figura 01. PRODUTOS PROCESSOS Sementes Despolpa: retirada da polpa para a limpeza das sementes e preparo do vinho de açaí e patauá. Sementes secas Secagem: realizado para a eliminação da água presente nas sementes e para facilitar o processo de limpeza. Sementes descascadas Descascamento: retirado do tegumento externo da semente. Sementes classificadas Classificação: separação por tamanho das sementes secas descascadas e qualidade. Sementes beneficiadas Lixamento: realizado para limpeza, definição de cor, polimento e brilho das sementes; Seleção: Realizado para a retirada de sementes estragadas, com tegumento amarelado e de qualidade indesejável. Furação: realização de furos nas sementes a partir da localização do embrião com brocas escolhidas de acordo com o tipo de semente e finalidade; Pintura: realizado para a obtenção de sementes coloridas; Secagem: Realizado para a eliminação da água retida pelas sementes durante o processo de pintura. Inteira polida ou Inteira polida com furo: • Açaí e paxiubão branco; • Açaí e paxiubão branco transparente; • Açaí e paxiubão rajado; • Açaí, paxiubão e jarina pintado; • Jarina branca SEMENTES açaí e patauá açaí, patauá, jarina, paxiubão paxiubinha jarina EQUIPAMENTOS E MATERIAIS Panela e garrafa Secador ou Galpão de secagem a sombra Martelo açaí, patauá, jarina, paxiubão paxiubinha açaí, patauá, jarina, paxiubão paxiubinha Bole; Lixa de ferro n° 60, 100 e 180; Lixa d’água n° 320; Disco de couro; Broca; Tintura; caldeirão; Estufa. Figura 1 – Fluxograma do beneficiamento de sementes na RESEX Chico Mendes 4. RELAÇÃO DO TRABALHO COM A SUSTENTABILIDADE A experiência de manejo de sementes de palmeiras para a produção de artesanato em curso na RESEX Chico Mendes é um bom exemplo de uma atividade sustentável, com perspectivas positivas de continuidade no longo prazo pois os extrativistas podem explorar recursos que conhecem muito bem. O fato da mesma ter sido implementada simultaneamente com um plano de manejo mostra a importância que o planejamento e a capacitação da comunidade têm para o sucesso de iniciativas similares em outras regiões. Apesar disso, o lado comercial da atividade, que em última instância determinará o sucesso ou o fracasso da mesma, ainda é um desafio grande para os extrativistas, cujo nível de compreensão do mercado está aquém do mínimo necessário para que possam manejar o mesmo de forma favorável ao sucesso de sua nova atividade. 5. CONCLUSÕES E LIÇÕES APRENDIDAS A elaboração de um plano de manejo de produtos florestais não-madeireiros envolvendo populações tradicionais tem grande possibilidade de sucesso quando são usados, de forma equilibrada, o conhecimento tradicional destas populações e o conhecimento técnico-científico. Outro aspecto muito importante é a visão comercial e mercadológica da atividade, que sempre deve ser colocada em primeiro plano. A implementação do plano de manejo para a coleta e beneficiamento de sementes na RESEX Chico Mendes fez surgir no âmbito das comunidades envolvidas, novas classes de trabalhadores: os mapeadores, os coletores e os beneficiadores de sementes. A inserção da atividade de beneficiamento de sementes nas atividades tradicionais do extrativismo é um processo mais complexo do que aparenta e as técnicas requeridas são realizadas mais facilmente pelos jovens da comunidade. Os mais velhos ainda preferem realizar atividades tradicionais ligadas basicamente ao extrativismo da castanha e da borracha. Apesar do potencial positivo que o manejo de sementes mostra na comunidade estudada, algumas barreiras ainda precisam ser ultrapassadas. Tais como: a construção de um código de ética da comunidade para favorecer o exercício da cooperação e o fortalecimento da organização social que envolve o trabalho de manejo e beneficiamento (no caso Associação) e a criação do elo que ligará a comunidade ao mercado consumidor. O manejo e beneficiamento de sementes dentro dessas comunidades extrativista devem trazer um diferencial para o produto ofertado, fato que vai alem do processo, sendo necessário para isso incentivar a criatividade entre os beneficiadores de sementes, para que os mesmo levem ao mercado um produto que espelhe a origem, a cultura e identidade da comunidade. O manejo e o beneficiamento devem ser levados às escolas da comunidade para fomentar discussões sobre a atividade e, quem sabe, posteriormente fazer surgir um novo grupo de artesãos, capaz de colocar em suas peças um pouco da sua realidade, da identidade e da cultura extrativista típica daqueles que vivem e progridem economicamente em uma Reserva Extrativista. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Maciel, R. C. G. Ilhas de alta produtividade: inovações essenciais para a manutenção dos seringueiros nas Reservas Extrativistas. Dissertação de Mestrado. Unicamp. Campinas. 2003. 88p. Muxfeldt, R. E. e Menezes, R. S. Pesquisa censitária para levantamento de coletores e produtores de sementes para artesanato no vale do Rio Acre. SEBRAE – AC. Rio Branco. 2005. 54p. Rocha, A. A. Plano de manejo da Reserva Extrativista Chico Mendes - Programa de produtos florestais não madeireiros: plano operacional anual – POA, safra 2004. Relatório de Pesquisa, Universidade Federal do Acre, Parque Zoobotânico. Rio Branco. 2004. 76p. Rocha, A. A. Análise do transecto-trilha: uma abordagem rápida e de baixo custo para avaliar espécies vegetais em florestas tropicais. Rio Branco, 2001. 77p. Dissertação (mestrado). Universidade Federal do Acre. Rocha, A. A. et al. Plano de Desenvolvimento da Reserva Extrativista Chico Mendes. Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. Brasília, CNPT/IBAMA. 1999. 102p. Rocha, A. A. e Pontes, F. T. Sementes nativas para uso em artesanatos: é viável beneficiá-las diretamente nas comunidades extrativistas? Disponível em: <http://ambienteacreano.blogspot.com/2006/03/sementes-nativas-para-uso_114175807218113269.html#links> Acesso em: 15 abr 2009.