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ISSN 1517-2422
cadernos
metrópole
configuração urbana
Cadernos Metrópole
v. 12, n. 24, pp. 295-605
jul/dez 2010
Book CM24_final.indb 295
09/11/2010 13:05:15
Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,
Semestral
ISSN 1517-2422
A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22
1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos.
I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências
Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles
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Periódico indexado na Library of Congress – Washington
Cadernos Metrópole
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configuração
c
o n f i g u r a ç ão u
urbana
rbana
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metrópole
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sumário
303 Apresentação
dossiê
configuração urbana
Popula on and formal jobs spa al dispersion 309 Dispersão espacial da população e do emprego
in contemporary Brazilian influence regions
formal nas regiões de influência do Brasil
contemporâneo
Carlos Lobo
Ralfo Matos
Metropolises and produc ve structures: 331 Metropolização e as estruturas produ vas:
spa al-temporal convergences and divergences
convergências e divergências espaço-temporais
Luiz César de Queiroz Ribeiro
Marcelo Gomes Ribeiro
Inequali es in the metropolitan 349 Desigualdades nos mercados de trabalho
and non-metropolitan Brazilian labor markets
metropolitano e não metropolitano brasileiro
(1981-2006)
(1981-2006)
Hipólita Siqueira
Alexandre Gori Maia
Demographic deconcentra on 369 A desconcentração demográfica paulista
of São Paulo in perspec ve
em perspec va
Douglas Sathler
Vitor Miranda
The s gma of living far away from the city: 395 O es gma de morar longe da cidade: repensando
rethinking the Brazilian “dormitory towns”
o consenso sobre as “cidades-dormitório” no Brasil
consensus
Ricargo Ojima
Eduardo Marandola Jr.
Rafael Henrique Moraes Pereira
Robson Bonifácio da Silva
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Ci es with horizontal growth: fair territorial 417 Cidades que crescem horizontalmente:
o ordenamento territorial justo da mudança
anning of rural-urban use change
de uso rural para urbano
Paula Freire Santoro
Patricia Lemos Cobra
Nabil Bonduki
Urbaniza on trends and non-metropolitan 441 Tendências da urbanização e os espaços
urban spaces
urbanos não metropolitanos
Renato Pequeno
Denise Elias
Recent territorial dynamics: 467 Dinâmicas territoriais recentes: rupturas
ou manutenção de tendências?
ruptures or trends’ maintenance?
Rosa Moura
Territorial plan urban deriva on: what are 491 A deriva urbanís ca do planeamento territorial:
que consequências para o desenvolvimento local?
the consequences for the local development?
Jorge Gonçalves
Neoliberal globaliza on, urban changes 507 Mundialización neoliberal, cambios urbanos
and state policies in La n America
y polí cas estatales en América La na
Emilio Pradilla Cobos
Globaliza on as reterritorializa on: 535 A globalização como reterritorialização:
the re-scaling of urban governance
o reescalonamento da governança urbana
in the European Union
na União Europeia
Neil Brenner
The city of Vitoria and the port in the early modern 565 A cidade de Vitória e o porto nos princípios
urbaniza on at the beginning of the 20th century
modernos da urbanização no início do século XX
Maria da Penha Smarzaro Siqueira
From differences in scale to scaling differences 585 Das diferenças de escala à escalada das diferenças
Le cia Peret Antunes Hardt
Carlos Hardt
Marlos Hardt
302
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Apresentação
A realidade metropolitana brasileira é vista, nesta edição, de maneira rica e variada, desde
sua natureza intrínseca à comparação com outras situações do planeta. Não só os núcleos centrais
dos assentamentos são estudados: focam-se também a natureza de sua área de influência, os processos de suburbanização, as formas múltiplas em que se expande a mancha ocupada. As contribuições vêm de um espectro diverso de formações disciplinares: geografia (a maioria), arquitetura
e urbanismo, sociologia, demografia, história, economia.
Na escala maior, temos os trabalhos de Emilio Pradilla Cobos e Neil Brenner. Pradilla reflete
sobre a mundialização neoliberal, as mudanças urbanas e as políticas estatais. Num panorama
que tende rapidamente à “urbanização total”, mostra como ela é hoje constituída por “cidades-região”, um tecido multifacetado, constituído por 1) “grandes desenvolvimentos imobiliários mistos”, 2) “centros comerciais socialmente diferençados” e 3) “unidades habitacionais fechadas”.
Em todos identifica formas antiurbanas de desenvolvimento, envolvendo a primazia ao carro como
modo de transporte (em detrimento do transporte público), a interiorização de atividades urbanas
centrais (que antes estavam diretamente relacionadas ao âmbito público, como ruas e praças), e
a segmentação das próprias residências, agora fechadas em guetos habitacionais, soluções que se
disseminam por todas as faixas de renda. Conhecemos bem as versões no Brasil.
Brenner aborda o tema mais processual que fisicamente. Discute as formas de governança
metropolitana, basicamente na Europa. Descreve o processo de globalização como “desterritorialização” da nacionalidade pelo enfraquecimento dos Estados nacionais na regulação de suas economias e de seu espaço. E usa provocativo neologismo: progressivamente testemunhamos uma lógica espacial “glocal” a presidir a intervenção do capital globalizado nos empreendimentos pontuais
em nossas cidades. As cidades – e seus processos de governança – se reestruturam para inserir-se
competitivamente numa hierarquia urbana mundial. Isso implica um redesenho do “campo de batalha”, útil analogia para caracterizar desde sempre os conflitos de interesses na arena urbana.
Talvez possamos deduzir da leitura de Brenner que o controle do Estado tende a confinar-se em
nichos mais restritos e estrategicamente periféricos ante os interesses do capital mundial.
Numa abrangência espacial menor, temos os trabalhos sobre processos de urbanização dos
quais as metrópoles são um elemento constituinte. Entre os artigos, isso é feito em várias perspectivas. Na interface entre aspectos demográficos e do mercado de trabalho há os trabalhos de
Carlos Lobo e Ralfo Matos, e de Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia. Lobo e Matos questionam
a tendência à “reversão da polarização” pela qual empregos e habitantes, pelas deseconomias de
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Apresentação
aglomeração (congestionamentos, preço de imóveis, criminalidade, etc.) estariam provocando uma
dispersão dos investimentos e uma rarefação da urbanização na direção de pontos cada vez mais
distantes do núcleo central. Sim, há uma desconcentração, mas os autores argumentam que, melhor que uma “reversão de polarização”, o processo poderia ser descrito como o de um “desenvolvimento poligonal”, com investimentos ainda concentrados, se não nos núcleos históricos, numa
área de influência bem próxima deles. As atividades econômicas continuariam a usufruir das economias de aglomeração sem, contudo, sofrer mais diretamente os impactos das “deseconomias”.
A “dispersão espacial” é um fato, mas “é equivocado absolutizar o processo de desconcentração
espacial”. Sua contribuição quanto às “regiões de influência”, de primeiro, segundo e terceiro
níveis, lança importante luz sobre o assunto.
Siqueira e Maia informam o leitor mediante um histórico mais longo, considerando os
períodos de crescimento de 1930-1970, o período de “dinâmica amplamente desfavorável ao mercado de trabalho” dos anos 1980-1990 e uma “certa recuperação industrial” no início do novo
século. Apontam uma desconcentração da indústria, mas parecem corroborar as conclusões de
Lobo e Matos, num outro recorte, o das desigualdades regionais: elas “permanecem inaceitáveis,
tanto nas regiões ‘mais pobres’ como nas ‘mais ricas’”. Citando Cano, comentam das “causas estruturais regionais que perpetuam um quadro social com índices deploráveis de pobreza e de enfrentamento das estruturas (regionais) de dominação: renda, propriedade, controle político, acesso
ao Estado, etc.”. Quiçá os recentes investimentos industriais, por exemplo, nos grandes empreendimentos do Nordeste (que estão fora do escopo temporal do texto) minimizem a perversidade.
Nos aspectos demográficos, há o trabalho de Douglas Sathler e Vitor Miranda, num marco
espacial menor: a realidade paulista. Seu interesse reside no contraponto oferecido aos argumentos de concentração antes comentados. Para o âmbito paulista, os autores sugerem que, sim, houve
significativo aumento da importância demográfica de cidades médias, e que a “Região Metropolitana de São Paulo vem repartindo o seu dinamismo econômico e populacional com o interior do
estado”. Teria havido movimentos a contrariar “tendências históricas” e a “migração de retorno”
chega a levar, para o interior, “problemas antes exclusivos da RMSP”. Como as análises anteriormente citadas centram o foco no emprego formal ou em produção industrial, é possível não haver
contradição entre o presente texto e aqueles: as novas tendências aqui apontadas poderiam estar
relacionadas a um crescimento demográfico com empregos em serviços e predominantemente informais – uma hipótese a ser verificada.
Por sua vez, Rosa Moura analisa o tema concentração/dispersão sob o olhar do impacto
das novas tecnologias, particularmente as telecomunicações. Supostamente, como quer parte da
literatura, elas estariam na base de um novo modelo aespacial de relações sociais, tornando irrelevantes as distâncias físicas, inclusive mediante o teletrabalho. Desde Castells (1999) banalizou-se
a expressão “sociedade em rede” para descrever as novas interações humanas numa sociedade
“pós-urbana”. O erro é duplo. Primeiro, a contemporaneidade não inventou a “sociedade em rede” – todas, em todos os tempos e espaços, sempre o foram. Apenas, eram mais limitadas, na
medida dos recursos disponíveis, tecnológicos ou simbólicos (Hillier e Netto, 2001). A diferença,
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Apresentação
pois, é de quantidade, não de qualidade. Segundo, a suposta desimportância do lugar tampouco
ocorre, pelo contrário: a importância da identidade do lugar cresce porque ainda não inventaram
uma maneira de enviar a Praia de Copacabana pela internet... William Mitchell o demonstrou num
brilhante texto, The revenge of place [A vingança do lugar] (2001).
Mediante extensa pesquisa empírica, Moura revelou, em contraste com certa tendência da
literatura (inspirada por Castells?...), que as novas tecnologias não criam uma sociedade “pós-urbana”, “deslocalizada”, com ruptura das relações centro-periferia, etc. Ao contrário, os arranjos urbano-regionais no Brasil implicam uma contínua concentração (desigual) da atividade econômica,
e a “proximidade espacial permite a articulação de estratégias de desenvolvimento entre os segmentos atuantes na produção do espaço”. Está se consolidando uma fase “pós-metropolitana”,
mas não no sentido da decadência desses grandes aglomerados, porém no de sua transformação.
Importante atributo dela é o fortalecimento de densos eixos de atividades, a usufruírem dos intensos fluxos circulatórios, até certo ponto a “costurarem” a fragmentação e descontinuidade da
mancha urbanizada. O fenômeno é muito claro, por exemplo, em Brasília, cidade fragmentada por
excelência. Modelos morfológicos associados a modelos de transportes demonstram que os eixos
fisicamente mais acessíveis à metrópole como um todo atraem os fluxos veiculares mais fortes,
que por sua vez “puxam” atividades centrais para suas faixas lindeiras (Barros, 2006).
Moura cita oportunamente as análises de François Ascher (2010) referidas à realidade francesa. Este último autor fala de um assentamento complexo e organicamente estruturado, onde podemos identificar quatro “cidades”: 1) as áreas centrais, habitadas por uma população cosmopolita de alta renda que consegue enfrentar o mercado imobiliário de altos valores; 2) uma população
de rendas mais modestas, que foge dos altos preços centrais, mas ainda frequenta rotineiramente
os equipamentos metropolitanos; 3 ) uma população multimotorizada que opta por pagar o preço
de uma vida semirrural – os “rurbanos” – viajando grandes distâncias, servindo-se ainda, contudo, dos equipamentos centrais e 4) os moradores da “habitação social”, semiencerrados em seus
bairros-gueto subequipados, pouco frequentadores do centro da cidade. Isto tende a ser, propõe
Ascher, a realidade metropolitana hodierna – nova a ponto de merecer específica denominação:
a metápole. Decerto as metápoles brasileiras não são como as francesas (e estes artigos ajudam
a detectar sua identidade peculiar), mas Moura sugere que, também no Brasil, testemunhamos
algo novo. E mostra, mais uma vez, que teoria não é como vinho – não é “de origem controlada”,
com qualidade atestada pelo local de fabricação... Uma coisa é transpor interpretações empíricas
concretas para realidades estranhas. Outra é inspirar-se em reflexões abstratas, e repensar nossa
realidade empírica à luz delas. Como tantas ideias, dos quatro cantos do planeta, as de François
Ascher são inspiradoras.
Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro exploram uma tipologia metropolitana brasileira, ao estudar quinze unidades identificadas pelo Observatório das Metrópoles. Os
tipos são construídos a partir do espectro das atividades econômicas, divididas em quatro grandes
setores: indústria, serviços, construção civil e comércio. Detecta-se uma transformação no tempo,
advinda da transferência de atividades antes alocadas como “indústria”, para “serviços”, porém
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Apresentação
serviços de tecnologia de ponta, ainda relacionados à produção material. A rigor, portanto, não
há um decréscimo na produção de bens tradicionais e de bens duráveis, mas uma “mudança no
padrão de produção industrial”. Mais importante, “as atividades ligadas às novas tecnologias (...)
têm nas metrópoles o locus principal do seu desenvolvimento”.
A partir de análise fatorial e de análise de cluster, Ribeiro e Ribeiro classificam as metrópoles brasileiras em quatro grupos, diferençados por seu perfil econômico. O primeiro é de metrópoles de serviços, embora complementares à atividade produtiva, compreendendo Belém, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Recife e Rio de Janeiro. O segundo resume-se a Brasília e à Região
Integrada do Entorno (RIDE), metrópole tipicamente terciária, mas agora de prestação de serviços
às “empresas, famílias e finanças, aluguéis e agrícola”. A atividade do terceiro grupo são as commodities, o grupo formado por Salvador e Vitória. O quarto grupo relaciona-se às atividades industriais, “tanto relativas à produção de bens tradicionais e bens duráveis como referente à produção
de bens difusores de progresso técnico”. Compreende Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Manaus,
Porto Alegre e São Paulo. Mediante procedimentos diversos, os autores corroboram conclusões de
outros estudos, ao verificarem que as metrópoles continuam exercendo centralidade na economia
nacional: apesar de sua perda relativa na participação em ramos de atividades consolidados até os
anos 1970, elas concentram (a aumentam) sua participação relativa às atividades decorrentes de
progresso técnico.
Vejamos agora estudos de caso de metrópoles específicas. Maria da Penha Smarzaro Siqueira analisa Vitória e as relações da cidade com o porto (lembremos que o estudo de Ribeiro e
Ribeiro a qualifica essencialmente como metrópole exportadora de commodities, junto com Salvador). Mostra como, na esteira das reformas urbanísticas higienistas do início do século XX, que
de uma maneira ou de outra mudaram a face de inúmeras capitais brasileiras (no caso de Vitória
isso se deu em 1920), as obras que visaram “garantir a salubridade da região que permeava os
portos” mudaram a fisionomia da cidade, “marcando a grande e longa parceria entre a cidade e
seu porto”. Estudos morfológicos futuros, por exemplo, utilizando técnicas da Teoria da Sintaxe
Espacial (Medeiros, 2006; Holanda, 2010), poderão lançar mais luz sobre o interessante processo,
ao considerar o impacto de tais obras na malha viária da cidade, e como elas mudam a estrutura
das acessibilidades urbanas.
Letícia Peret Antunes Hardt, Carlos Hardt e Marlos Hardt estudam Curitiba. Suas conclusões
também ratificam conclusões anteriores sobre o processo da crescente importância demográfica e
econômica das metrópoles brasileiras, apesar de uma certa “concentração decentrada” vis-à-vis
o núcleo central: no Paraná, dos dezoito municípios com taxa estimada de crescimento superior a
3% ao ano para a primeira década do século XXI, dez encontram-se na região metropolitana de
Curitiba”. Isso implica igualmente uma “exportação” para estes municípios dos graves problemas
sociais do núcleo central.
A seguir mudamos novamente a escala. Os estudos analisam a realidade “perimetropolitana” – áreas de expansão urbana, pequenos municípios, “cidades-dormitório”, etc. Eles funcionam como bom contraponto aos estudos metropolitanos propriamente ditos – um “outro lado da
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Apresentação
moeda” que ajuda a compreender melhor a própria metrópole. Jorge Gonçalves revisita o planejamento territorial, particularmente o local, no contexto da globalização, para o caso dos municípios
portugueses. Mostra como o processo tornou-se mais complexo, com a “multiplicação dos atores
presentes”: “o tempo da Câmara Municipal, enquanto agente único, acabou”. Mas sua visão não
é pessimista: “existiu um amadurecimento generalizado no domínio do desenvolvimento, estimulado pelas obrigações resultantes da integração do país na União Europeia e noutras esferas supranacionais”. O processo de integração à economia global, quase escusado dizer, é pois contraditório: mesmo uma visão empírica de quem visita Portugal periodicamente permite identificar as
profundas modificações pelas quais o país passou, modificações que reverberam até nas menores
e mais “locais” localidades.
As “cidades-dormitório” no Brasil são tema de Ricardo Ojima, Eduardo Marandola Jr., Rafael Henrique Moraes Pereira e Robson Bonifácio da Silva. O estudo insurge-se contra o “estigma”
em torno desse tipo de núcleo no Brasil, que ficou associado, nos estudos urbanos brasileiros,
sobretudo nos anos 1970, a processos de marginalização e periferização da pobreza. A realidade
hoje, mostram os autores, é bem diferente: “todos os estratos sociais aprenderam a lidar com a
distância e com a possibilidade de fugir da cidade”. Resulta uma realidade multifacetada, policêntrica, como a apontada por Ascher e corroborada por vários outros estudiosos (Bertaud, 2003), em
que, frequentemente, ao contrário do que reza a literatura, os “rurbanos” são um contingente de
renda elevada que optam por pagar os altos custos de uma intensa motorização (vários veículos
por família) e de deslocamento rotineiro, dado o tecido rarefeito das regiões que habitam (nelas, é
impossível implantarem-se sistemas eficientes de transporte público). No Brasil não é diferente, e
Brasília, como uma das cidades mais dispersas do mundo, talvez seja exemplo emblemático (Ribeiro e Holanda, 2006; Ribeiro, 2008).
Paula Freire Santoro, Patrícia Lemos Cobra e Nabil Bonduki estudam o espraiamento das
cidades brasileiras, particularmente a partir dos anos 1980, e as implicações das transformações
correlatas de mudança de solo rural para urbano. Ilustram, mediante o exemplo de empreendimentos em São Carlos, como instrumentos como a Outorga Onerosa de Alteração de Uso pode
ser utilizada, primeiro, para melhorar controlar os processos de expansão urbana, segundo para
captar recursos que possam ser utilizados em programas de urbanização ou habitação de interesse social.
Preocupam-se também com mudanças do Brasil rural para o Brasil urbano, estudando espaços não metropolitanos, Renato Pequeno e Denise Elias. Debruçam-se sobre o caso de Mossoró
(RN), onde a utilização dos novos instrumentos de desenvolvimento urbanístico previstos no Estatuto da Cidade não revertem na estruturação de uma cidade mais democrática. Pelo contrário, a
edificação compulsória (que se limita a áreas sem importância) ou a delimitação de ZEIS (que se
limita a zonas periféricas) apenas reforçam e reproduzem uma organização espacial segregacionista. Aqui, como em São Carlos ou em qualquer lugar, são as correlações de força que definem
se os instrumentos formais de controle da urbanização disponíveis (como o Estatuto da Cidade)
resultam (ou não) em letra morta.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 303-308, jul/dez 2010
Book CM24_final.indb 307
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Apresentação
Enfim, o conjunto de artigos compreende um rico panorama da questão metropolitana
brasileira e de (alguns) espaços que lhe são periféricos. Este volume não é para ser lido, é para
ser cuidadosamente estudado. Ilumina a compreensão de um dos fenômenos socioespaciais mais
importantes da atualidade – algo de cuja natureza multifacetada só recentemente estamos nos
dando conta. Algo, talvez, que conduza, mais cedo do que pensamos, e de forma mais generalizada, a novas configurações. Em outras palavras: das metrópoles de ontem às metápoles de amanhã.
Frederico de Holanda
UnB, Brasília
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Dispersão espacial da população
e do emprego formal nas regiões
de influência do Brasil contemporâneo
Population and formal jobs spatial dispersion
in contemporary Brazilian influence regions
Carlos Lobo
Ralfo Matos
Resumo
Desde finais da década de 1970, vários autores
aventaram a hipótese de reversão da polarização
no Brasil, como proposto pelos modelos aplicados
nos países desenvolvidos. Diante das controvérsias,
o objetivo deste trabalho foi avaliar a magnitude
da dispersão espacial da população nas Regiões
de Influência das principais metrópoles brasileiras,
definidas pelo IBGE. Foram utilizadas as bases dos
últimos Censos Demográficos e da Relação Anual
das Informações Sociais, a partir das quais foi possível identificar os fluxos da população e da mão de
obra ativa formal. Os resultados indicam a intensificação na ocupação dos espaços além das Regiões
Metropolitanas. No caso da metrópole paulista, o
crescimento desses deslocamentos para sua Região
de Influência direta parece confirmar uma espécie
de “dispersão polinucleada”.
Abstract
Since late 1970s, several authors have worked on
the polarization reversion hypothesis in Brazil, as
suggested by the models applied in the developed
countries. Considering the existing controversies,
this research aims at evaluating the current
population spatial dispersion magnitude on the
main Brazilian metropolises Influence Regions,
defined by IBGE. The data for this research was
extracted from the last Demographic Censuses and
from the Annual Relation of Social Information,
based on which it was possible to identify
population and active formal workers flows. The
results indicate the occupation of spaces expansion
beyond the of Metropolitan Regions limits. In the
case of São Paulo metropolis the increase of these
population flows to its Influence Region seems to
confirm a kind of “polynucleated dispersion”.
Palavras-chave: dispersão espacial; migração;
mobilidade de trabalhadores formais; regiões de
influência e dispersão polinucleada.
Keywords: spatial dispersion; migration; formal
workers mobility; influence regions; polynucleated
dispersion.
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Carlos Lobo e Ralfo Matos
Introdução
população e é por essa lacuna que este estudo
Além das controvérsias que resultaram da di-
da dispersão espacial da população e da força
fusão de expressões como “reversão da polari-
de trabalho no Brasil, tendo como recorte es-
zação”, “desconcentração concentrada”, “de-
pacial de análise as Regiões de Influência das
senvolvimento poligonal”, entre outras, há um
principais metrópoles, estabelecido pelo IBGE.1
relativo consenso acerca das evidências empíri-
Pode-se perguntar se haveria um rearranjo dos
cas de declínio do crescimento demográfico de
fluxos migratórios e dos deslocamentos da for-
grandes centros metropolitanos brasileiros nas
ça de trabalho ativa no interior das Regiões de
últimas décadas do século passado. Embora os
Influência das principais cidades brasileiras.
processos de urbanização e metropolização no
Seria a dispersão espacial evidenciada pela
Brasil sejam ainda relativamente recentes – o
intensificação e difusão da influência metropo-
que exige cuidado no uso de expressões como
litana? Ou essa dispersão é ainda muito inci-
despolarização ou mesmo desconcentração –
piente, estando ainda restrita às periferias das
os dados referentes aos dois últimos Censos De-
metrópoles?
pretende trilhar.
O objetivo é avaliar a atual magnitude
mográficos parecem confirmar uma tendência
Diante desse propósito, foram utilizadas
de dispersão espacial da população, a despeito
as bases referentes aos Censos Demográficos de
de os principais centros metropolitanos conti-
1991 e 2000 e à Relação Anual das Informações
nuarem mantendo suas posições hierárquicas
Sociais (RAIS) de 1996 a 2005, a partir das quais
do ponto de vista macrorregional, atraindo ex-
foi possível identificar os estoques e fluxos da
pressivos contingentes populacionais.
população residente e da População Ativa For-
Mesmo tendo em vista as contribuições
mal (PAF). O pressuposto principal é de que es-
da economia regional estrito senso, há um de-
sa dispersão se materializa no crescimento dos
bate que requer aprofundamento quanto à dis-
estoques de pessoas residindo e/ou trabalhando
tribuição espacial da população, notadamente
fora e em espaços mais distantes das principais
no que se refere aos movimentos migratórios
Regiões Metropolitanas do país, bem como no
e aos deslocamentos da força de trabalho. No
incremento do volume dos fluxos de população
âmbito da geografia regional, são poucos os
migrante e dos deslocamentos da PAF para os
trabalhos sobre migrações internas que se uti-
municípios de cada uma das Regiões de Influên-
lizam de informações censitárias para estimar
cia, considerada a distância envolvida nos veto-
os movimentos da população no espaço. Escas-
res que representam esses fluxos.
sas também são as pesquisas voltadas para a
Ainda que não seja o objetivo deste tra-
análise espacial dos estoques e deslocamentos
balho investigar os fatores sociais, políticos ou
da população inserida no mercado de trabalho
econômicos determinantes da dispersão espa-
formal. A investigação sobre a distribuição e
cial, a elaboração e divulgação de indicadores
os fluxos da população permite reconhecer di-
específicos podem ser úteis à elaboração e
mensões ainda pouco exploradas do processo
proposição de políticas públicas necessárias à
de desconcentração ou dispersão espacial da
redução das desigualdades regionais no país.
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Dispersão espacial da população e do emprego formal...
Em várias circunstâncias, a redistribuição da
solo); do aumento do custo de vida devido aos
população residente e dos trabalhadores for-
gastos crescentes de transporte e habitação
mais deixa de ser uma mera consequência de
(explicados em parte pelas altas do preço da
determinados processos espaciais, tornando-se
terra); da expansão da criminalidade e piora
catalisadora de profundas mudanças na reali-
das condições de vida.
dade regional, a exemplo do papel da migração
Para Redwood III (1984), o momento de-
na dinamização do estado de São Paulo ou do
cisivo de início da RP refere-se à intensificação
Centro-Oeste brasileiro.
das deseconomias de aglomeração e reflete incrementos derivados da elevação dos custos de
moradia e trabalho. Esse processo caracteriza-
Reversão da polarização,
desconcentração ou dispersão
espacial da população.
Aspectos teóricos
e conceituais
se pela mudança da tendência de polarização
espacial na economia nacional, a partir da qual
ocorreria a dispersão espacial para fora da região central. Essa mudança manifesta-se por
uma sequência de fases: no início haveria um
processo bem definido de concentração econômica, quando se estabelece um centro e uma
Richardson (1980) é um dos textos-referência
periferia; em sequência ocorreriam transforma-
sobre o processo de reversão da polarização
ções estruturais na área central, momento em
(RP). Nessa obra, o autor afirmava que o cres-
que os núcleos adjacentes passariam a apre-
cimento continuado da concentração das ativi-
sentar crescimento mais acelerado que o cen-
dades econômicas não leva ao aumento con-
tro; o terceiro estágio marcaria o início do pro-
tinuado da eficiência. Os benefícios marginais
cesso de reversão da polarização, quando a dis-
derivados da escala urbana e da concentração
persão ganharia maior amplitude; na sequência
produtiva tendem a diminuir a partir de certo
a dispersão também atingiria os centros secun-
tamanho de população. Os custos médios de
dários; e finalmente a área central começaria
prover infraestrutura física, serviços públicos
a perder população. 2 Ainda de acordo com
e administração governamental local aumen-
Redwood III (ibid.), o crescimento demográfico
tam em termos per capita com o crescimento
e econômico das cidades secundárias reflete a
da cidade. Dessa forma, a relação custo-be-
combinação de diversos fatores, que em várias
nefício altera-se diante dos custos crescentes.
circunstâncias exigem a intervenção pública na
Richardson sugere que o ponto de inflexão e
economia local.
os custos sociais marginais refletem o começo
Richardson, todavia, para além da ex-
de crescentes deseconomias de aglomeração
pansão das cidades secundárias no entorno do
resultantes do incremento de diversos tipos
core metropolitano, afirma que a difusão regio-
de congestionamentos urbanos; da elevação
nal do crescimento é a própria manifestação do
do preço médio da terra urbana (que passa a
processo de reversão da polarização.3 Para esse
sofrer concorrência entre usos alternativos de
autor, a
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Carlos Lobo e Ralfo Matos
Polarization reversal may be defined as
the turning point when spatial polarization
trends in the national economy give way
to a process of spatial dispersion (grifo
nosso) out of the core region into other
regions of the system. [...] This process of
interregional dispersion is the main feature
of PR. (Richardson, 1980, pp. 67-68)
das cidades secundárias, que cumprem papel
fundamental na eficiência econômica e no desenvolvimento regional. Ao examinar o desenvolvimento econômico regional, o autor sugere
que certos tipos de atividade industrial tendem
naturalmente a se localizar nessas cidades. As
indústrias de bens intermediários baseadas em
recursos naturais (química, plásticos, madeira,
Talvez seja exatamente essa dispersão re-
papel e metalurgia, incluindo aço) podem es-
gional o principal aspecto controverso sobre a
tar localizadas próximas de grandes cidades, de
ocorrência da reversão da polarização no Brasil.
modo a reduzir custos de transportes valendo-
Várias foram as tentativas de aplicação desses
se da proximidade dos mercados. Outro grupo
modelos para o caso brasileiro, cujas particula-
de indústrias se dirige às cidades secundárias
ridades estruturais e setoriais oferecem difi-
para se servir dos mercados locais protegidos
culdades à interpretação desse fenômeno. Um
da concorrência externa, dados os custos de
dos primeiros trabalhos que avaliou a possível
transportes relativamente altos. Alguns serviços
reversão da polarização no Brasil foi realizado
de maior magnitude e mais especializados, tais
por Townroe e Keen (1984). Esses autores con-
como universidades, hospitais, algumas ativi-
sideram que esse processo se verifica a partir
dades comerciais, também procuram se instalar
do ponto em que a concentração da população
em centros médios.
urbana na região central começa a declinar, de
Apesar de atraentes, as proposições so-
modo que a razão entre a população da maior
bre a reversão da polarização no Brasil sofre-
cidade e a população total do estado começa a
ram inúmeras críticas. As controvérsias envol-
decrescer.4
vem desde as evidências empíricas, até o tipo
Redwood III (1984) apresentou outras
de variáveis e a metodologia utilizada. Azzoni
evidências sobre o caso brasileiro. Com a cons-
(1986), por exemplo, critica o fato de o tama-
tatação da perda da participação do estado de
nho da cidade ser considerado com indicador
São Paulo a partir de finais da década de 1950,
de economias aglomerativas. Ao admitir que as
esse autor acreditava que estaria em curso um
vantagens aglomerativas estão presentes no
processo de desconcentração das principais
ambiente urbano, a exemplo da linha de pola-
áreas metropolitanas que favorecia os centros
rização psicológica e do transporte de ideias, é
secundários mais próximos. Ao trabalhar com
imprescindível considerar a região como capaz
as principais tendências demográficas e a lo-
de gerar um campo de atração sobre novos in-
calização da atividade industrial, foram encon-
vestimentos. A ideia essencial é que a atração
tradas evidências de que os processos de su-
regional transcende o ambiente urbano, embo-
burbanização, de descentralização urbana e de
ra os custos locacionais sejam essencialmente
reversão da polarização se difundiam em todo
urbanos. Para Azzoni, era no mínimo apressada
5
o sistema urbano (ibid.). É essencial, nessa in-
a suposição de que haveria um processo de re-
terpretação, a atenção dirigida às necessidades
versão da polarização no Brasil. Pelo contrário,
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[...] as evidências indicam que, longe
de constituir-se um sinal de reversão da
polarização, o fenômeno observado em
São Paulo estaria mais próximo de um
espraiamento da indústria dentro da área
mais industrializada do país, em um processo do tipo “desconcentração concentrada”. Seria aproximadamente um tipo
de suburbanização das atividades industriais em âmbito mais abrangente, o que
é possível pelas oportunidades abertas
pelo desenvolvimento tecnológico, em um
sentido amplo, e separação das atividades
produtivas das atividades de comando
empresarial. (Ibid., p. 126)
Azzoni acreditava que a Região Metropolitana de São Paulo não deve ser tomada como
referência para análise das alterações espaciais
no estado paulista. Ao considerar a ação de um
“campo aglomerativo”, o autor apontou um
conjunto de cidades, num raio de aproximada-
desconcentração regional da indústria. Avaliando o processo recente de desenvolvimento
industrial e desconcentração econômica, esse
autor propõe um novo tipo de dualismo espacial. A área desenvolvida e verdadeiramente
dinâmica estaria restrita a um “polígono” que
abrange o Sul e parte do Sudeste brasileiro, estendendo-se de Belo Horizonte a Porto Alegre,
ficando de fora o Rio de Janeiro e a maior parte
do território brasileiro. Nesse espaço,
[...] é mais apropriado considerar o Brasil
como um caso de desenvolvimento poligonal, onde um número limitado de novos
polos de crescimento ou regiões tem capturado a maior parte das novas atividades
econômicas. O resultado está longe de ser
uma verdadeira desconcentração, especialmente porque os novos centros estão
no próprio estado de São Paulo ou relativamente próximos dele. (Ibid., p. 35).
mente 150 km da Região Metropolitana, com
alto poder de atração sobre os investimentos
industriais e consequentemente sobre a população. À medida que aparecem novos avanços
tecnológicos, esse campo aglomerativo ampliase e reduz o próprio poder de atração do núcleo central.6
Diniz (1993), ao contestar alguns dos
pressupostos e os resultados apresentados por
Azzoni, incorpora uma série de outros aspectos
a considerar, além das economias de aglomeração.7 Desses aspectos, Diniz destaca cinco: a) a
distribuição espacial dos recursos naturais; b)
o papel do Estado; c) o processo de unificação
do mercado nacional e suas implicações para
Para Diniz, era restrita a abrangência espacial da suposta reversão da polarização para
o caso brasileiro. O autor ainda acrescenta
[...] não parece que esta tendência de reversão em sentido amplo continuará até
o final do século. Ao contrário, a grande
ênfase em indústrias de alta tecnologia
e o relativo declínio e fracasso das políticas regionais e do investimento estatal
abrem uma terceira possibilidade. Nesta,
o processo de desconcentração será enfraquecido e o crescimento tenderá a se
circunscrever ao estado de São Paulo e ao
grande polígono em torno dele. Estamos
chamando este processo de aglomeração
poligonal. (Ibid., p. 54)
a concorrência intercapitalista e para as estrutu ras produtivas regionais; d) as economias
As conclusões de Diniz (ibid.) introduzem
de aglomeração; e) a concentração regional
a ideia de que o resto do país estaria à margem
da pesquisa e renda, que cria obstáculos à
dos efeitos cumulativos do desenvolvimento do
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core paulista. Na verdade, o autor não traba-
alternativas. A migração pode responder aos
lhou com uma temporalidade prospectiva de
fatores de expulsão do meio urbano (nota-
longa duração e, assim, não vislumbrava de-
damente aos custos de moradia e à escassez
terminadas possibilidades de desenvolvimento
de emprego), mas pode também se associar a
econômico para o resto do país fora do padrão
outro grupo de causas, não econômicas, rela-
técnico-moderno que as sociedades de con-
cionadas à melhoria da qualidade de vida e/
sumo dos países desenvolvidos prefiguram, e
ou busca de amenidades, como no retorno às
que, evidentemente, se encontra presente nos
localidades de origem após a aposentadoria. É
grandes centros urbanos do Centro-Sul brasilei-
indiscutível que boa parte da expansão da ur-
ro (Matos, 2003). Análises com base nas redes
banização do país nas últimas décadas deriva
geográficas e, particularmente, nas redes urba-
dos efeitos multiplicadores de espraiamento da
nas mostram-se mais eficientes à reflexão eco-
concentração urbana e industrial do Sudeste.
nômico-espacial do que as análises baseadas
Esse processo estimulou o adensamento da re-
em uma visão cartográfica dual do território
de urbana e os vínculos de complementaridade
brasileiro presentes em recortes espaciais como
entre as centralidades. A suposição que a reali-
o do polígono “virtuoso” de Diniz, onde o país
dade brasileira possa se enquadrar no modelo
se resume a dois, o que está dentro do polígono
analítico da reversão da polarização, ou mesmo
e o que está fora. As redes podem expressar di-
em uma mudança de tendência demográfica
mensões abstratas, mas comumente traduzem
de longo prazo, parece uma generalização sim-
materialidades espaciais. São espaços e subes-
plista, conquanto o país esteja de fato passan-
paços em movimento. São lugares articulados
do por um ciclo de descompressão do cresci-
por fluxos multivariados. Fluxos de pessoas, ca-
mento urbano central, no qual os movimentos
pitais, informações, ideias e culturas. As redes
migratórios internos e os deslocamentos da
mais importantes estão carregadas de técnica
força de trabalho assumem importante papel
e história social, sendo, portanto, construções
explicativo.
dinâmicas relativamente duráveis. As redes
urbanas, por exemplo, são depositárias de estruturas sociais pretéritas e futuras, tradicionais
ou modernas, que dão forma e sentido à vida
de milhares de pessoas, famílias e instituições.8
Fluxos migratórios
e dispersão espacial
Matos (1995) acredita que importantes
mudanças no padrão de distribuição espacial
Os deslocamentos da população e a organi-
da população estão em curso, sem se conhecer,
zação do espaço regional são nexos impor-
no entanto, qual é o real alcance desse fenôme-
tantes na literatura há muito tempo. Quando
no, e se as explicações existentes são suficien-
Ravenstein formulou suas teses sobre os movi-
temente abrangentes. É seguro dizer, contudo,
mentos migratórios, ainda em finais do século
que tanto as pessoas quanto as atividades
XIX, apresentava explicitamente a relação
econômicas reagem aos impactos das deseco-
entre as atividades econômicas e os desloca-
nomias de aglomeração buscando localizações
mentos espaciais da população. As principais
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regularidades encontradas por esse autor di-
de expulsão”. Os primeiros referem-se à neces-
ziam respeito à distância, aos movimentos
sidade de mão de obra decorrente do cresci-
por etapas, à configuração das correntes e
mento da produção industrial e da expansão do
contracorrentes, à predominância da migração
setor de serviços urbanos que funcionam como
feminina e também ao fato de que as migra-
forças de concentração espacial. Os fatores de
ções tendiam a gerar movimentos sucessivos a
expulsão podem ser divididos em: “fatores de
partir de áreas próximas a um centro industrial
mudança”, decorrentes da penetração do capi-
ou comercial.9 Quase um século mais tarde, Lee
talismo no campo e a adoção de um sistema
(1980) retomou as formulações de Ravenstein,
poupador de mão de obra; e os “fatores de es-
incorporando informações a respeito dos movi-
tagnação”, associados à pressão demográfica
mentos internos nas sociedades de capitalismo
sobre a disponibilidade de terras. Para Singer,
tardio. Na interpretação desse autor, a decisão
a distinção entre áreas de emigração (sujeitas
de migrar está vinculada a uma decisão que le-
aos fatores de mudança) e de estagnação per-
va em conta os chamados fatores positivos e
mite visualizar melhor suas consequências. As
negativos nas áreas de origem e destino. Lee
regiões de mudança perdem população, mas
também acredita que a migração nunca é com-
a produtividade aumenta, o que permite, pelo
pletamente racional. Dessa forma, é natural
menos em princípio, uma melhora nas condi-
que pessoas distintas sejam afetadas de ma-
ções de vida locais. Já as áreas de estagnação
neira diferente por uma série de obstáculos ou
apresentam deterioração da qualidade de vida,
incentivos à possibilidade de migrar.
funcionando às vezes como “viveiros de mão
Singer (1973), contudo, considera a migração como um reflexo da estrutura e dos me-
de obra” para os latifundiários e as grandes
empresas agrícolas.
canismos de desenvolvimento do sistema ca-
Nessa mesma perspectiva estruturalista,
pitalista, cujo motor principal é o acirramento
há, tanto na economia como na demografia,
das desigualdades regionais. Para esse autor,
vários autores que expressam a migração como mobilidade, estreitamente vinculada à cria-
É claro que qualquer processo de industrialização implica uma ampla transferência de atividades (e, portanto, de pessoas)
do campo às cidades. Mas, nos moldes capitalistas, tal transferência tende a se dar
a favor de apenas algumas regiões em
cada país, esvaziando as demais. Tais desequilíbrios regionais são bem conhecidos
e se agravam na medida em que as decisões locacionais são tomadas tendo por
critério apenas a perspectiva da empresa
privada. (Ibid., p. 222)
ção, expansão e articulação dos mercados de
trabalho do país. O desenvolvimento desigual
do sistema capitalista faz com que a população se distribua seguindo a mesma lógica de
intensificação dos espaços econômicos, formando grandes reservatórios de mão de obra.
Apesar de seu mérito, boa parte dessas teses
responde apenas parcialmente a determinadas causas da migração, não vinculadas tão
somente às necessidades estruturais do capitalismo. Além disso, essas formulações não
Ao analisar a migração, Singer identifica
enfatizaram as externalidades que poderiam
os chamados “fatores de atração” e os “fatores
transformar os espaços de destino dos fluxos
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Carlos Lobo e Ralfo Matos
migratórios, ignoravam as vantagens comparativas a favor das localidades não centrais e
não puderam avaliar o peso da imigração de
origem urbana nem da migração de retorno
As regiões de influência das
cidades (REGICs): a dimensão
regional da dispersão
(Matos, 1995). Também investiram de modo
insuficiente no entendimento dos efeitos posi-
De acordo com o IBGE, a delimitação das
tivos que a migração pode gerar na dinamiza-
Regiões de Influência das Cidades dá conti-
ção das regiões de destino, no que diz respeito
nuidade à tradição de estudar a rede urbana
à oferta de mão de obra qualificada, a certas
brasileira e visa construir um quadro nacional,
possibilidades de novos investimentos e de
apontando as permanências e as modificações
intercâmbio técnico, por exemplo. Nesse senti-
registradas. Os estudos anteriores realizados
do, mais que um indicador de concentração ou
nos anos de 1966, 1978 e 1993 definiram os
dispersão das atividades econômicas, a migra-
níveis da hierarquia urbana e estabeleceram
ção reflete processos sociais mais complexos,
a delimitação das regiões de influência das
cujas consequências vão além dos aspectos
cidades brasileiras a partir de questionários
estruturais da economia.10
que investigaram a intensidade dos fluxos de
Se o modo como são organizados os
consumidores em busca de bens e serviços. A
elementos do espaço pode ser visto como
atualização realizada em 2007 e divulgada em
um resultado histórico da atuação dos agen-
2008 retoma a concepção utilizada nos primei-
tes sociais, os fluxos de informação, capitais
ros estudos realizados pelo IBGE em 1972, que
e pessoas, por exemplo, permitem alimentar
resultaram na Divisão do Brasil em regiões fun-
o dinamismo das formas e funções que com-
cionais urbanas.
põem e caracterizam o espaço geográfico. Para
A atual proposta estabeleceu uma classi-
Santos (1996), a necessidade de fluidez é uma
ficação hierárquica dos centros metropolitanos
das mais importantes características do mundo
do país e delimitou suas áreas de atuação, de-
atual que é, ao mesmo tempo, causa, condição
nominadas Regiões de Influência (RI). Foi privi-
e resultado. Essa condição de fluidez é parti-
legiada a função de gestão do território, como
cularmente relevante nos estudos sobre as mi-
sugerido por Corrêa, quando observou que o
grações internas, que por definição envolvem
centro de gestão do território
o movimento de populações entre pontos do
espaço, em um determinado intervalo de tempo. As migrações são, em essência, fluxos que
se manifestam e se materializam no espaço. A
abordagem regional torna-se, nesse aspecto,
relevante para a compreensão dos deslocamentos da população e da força de trabalho e
para a explicação de diferenciações espaciais
que se consolidam.
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[...] é aquela cidade onde se localizam, de
um lado, os diversos órgãos do Estado e,
de outro, as sedes de empresas cujas decisões afetam direta ou indiretamente um
dado espaço que passa a ficar sob o controle da cidade através das empresas nela
sediadas. (Corrêa, 1995)
Duas etapas metodológicas são centrais
na definição e hierarquização dos centros de
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Dispersão espacial da população e do emprego formal...
gestão do território e na delimitação de sua
de influência e a articulação das redes no terri-
região de influência. De modo simplificado, a
tório. Para investigar a articulação desses cen-
hierarquização da rede de cidades privilegiou
tros, foram considerados os eixos de gestão pú-
dois níveis de centralidade: a Gestão Federal,
blica e de gestão empresarial, complementados
avaliada a partir da existência de órgãos do Po-
pelos serviços de saúde. As áreas de influência
der Executivo e do Judiciário Federal; e a Gestão
dos centros foram delineadas a partir da inten-
Empresarial, conjugada com a presença de dife-
sidade das ligações entre as cidades, com base
rentes equipamentos e serviços (estabelecimen-
em dados secundários e informações obtidas
tos de ensino superior, saúde, comércio e servi-
por questionário específico da pesquisa, e per-
ços, instituições financeiras, redes de televisão
mitiram identificar 12 redes de primeiro nível.
aberta, conexões aéreas e internet). Classifica-
A partir de algumas adaptações dessa proposta
dos em seis níveis de hierarquia, conforme sua
divulgada pelo IBGE, as Regiões de Influência
posição no âmbito da gestão federal e empre-
(RIs) utilizadas neste trabalho estão representa-
sarial, integram o conjunto final 711 centros de
das na Figura 1, que identifica as onze divisões
gestão do território. A intensidade das ligações
regionais que compõem o primeiro nível hierár-
entre as cidades permitiu estabelecer suas áreas
quico estabelecido nas REGICs 2007.
Figura 1 – Regiões de Influência direta das principais metrópoles brasileiras
(REGIC 1997)
Fonte: Extraído e adaptado de IBGE 2007.
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Carlos Lobo e Ralfo Matos
Os recortes espaciais das Regiões de Influência das principais metrópoles brasileiras
do IBGE (2008), sobrepostos à divisão municipal conforme divisão político-administrativa
(Re)distribuição espacial
da população e do emprego
formal
de 2000, serviu de referência às tabulações e
à análise de dados explorados nesta pesquisa.
Sinais de dispersão espacial da população bra-
Mais que isso, essa regionalização permitiu
sileira podem ser identificados pelas entradas e
avaliar a intensidade da dispersão espacial da
saídas de população nos municípios das prin-
população no interior das respectivas Regiões
cipais Regiões Metropolitanas do país, consi-
de Influência. Essa atualização metodológica
deradas a partir dos fluxos referentes a migra-
trazida pela REGIC 2007, mesmo que possa
ção de Data Fixa,11 nos períodos 1986/1991 e
suscitar ressalvas e limitações, oferece um re-
1995/2000. No caso da RMSP, o saldo migra-
trato mais aproximado das relações de inter-
tório manteve-se negativo e consideravelmente
dependência que se estabelecem no espaço,
elevado nos dois quinquênios, resultado direto
onde os fluxos de migrantes e da força de tra-
do sensível crescimento no volume de emigran-
balho são especialmente relevantes.
tes. Como observado na Tabela 1, no intervalo
Tabela 1 – Fluxos migratórios entre as regiões metropolitanas
e os municípios da mesma REGIC (fluxos intra-REGIC)
Migração de Data Fixa - 1986/1991 e 1995/2000
RMs
1986/1991
1995/2000
Entradas
Saídas
Saldo
Entradas
Saídas
Saldo
124.526
419.329
-294.803
142.783
510.260
-367.477
Rio de Janeiro
60.736
107.527
-46.791
70.522
135.482
-64.960
Brasília
39.946
74.360
-34.414
48.035
114.159
-66.124
Manaus
24.468
13.100
11.368
36.871
30.575
6.296
Belém
69.329
31.989
37.340
74.900
52.217
22.684
137.316
41.847
95.469
95.655
60.349
35.306
São Paulo
Fortaleza
Recife
84.726
43.235
41.490
70.342
49.030
21.312
Salvador
111.880
52.045
59.835
108.251
70.901
37.349
Belo Horizonte
145.143
62.638
82.505
152.081
75.126
76.955
Curitiba
125.602
41.323
84.279
140.653
60.587
80.066
Porto Alegre
165.872
87.068
78.804
144.252
106.932
37.320
Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1991 e 2000 (dados da amostra).
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Dispersão espacial da população e do emprego formal...
1986/1991 cerca de 410 mil pessoas emigra-
Determinadas evidências surgem quan-
ram da RMSP para sua Região de Influência.
do discriminadas as trocas de população entre
Entre 1995/2000 o volume desse fluxo atingia
as RMs e os municípios das respectivas RIs.
mais de meio milhão de migrantes. Nesse mes-
Novamente, o caso da RISP deve ser mencio-
mo período, o número de imigrantes na RMSP
nado. De 1995 a 2000, como resultado das
foi inferior a 150 mil. Por outro lado, à exceção
trocas de migrantes com a RMSP, foram veri-
das RMRJ e Brasília, que também exibiam sal-
ficados ganhos de população em grande parte
dos negativos, as demais RMs analisadas apre-
dos municípios de sua Região de Influência.
sentavam saldo positivo nos dois períodos. No
Como representado na Figura 2, de um total
entanto, mesmo que essas Regiões Metropoli-
de 808 municípios que integravam a RISP,
tanas funcionassem como núcleos de atração
mais de 89% deles (722) exibiram saldo po-
de população em suas respectivas Regiões de
sitivo. No quinquênio anterior, eram 626 mu-
Influência (RIs), o número absoluto de imigran-
nicípios nessa condição. Apenas em alguns
tes foi reduzido quando comparados os dois
municípios localizados no Triângulo Mineiro
quinquênios. Muito mais relevante, entretanto,
e no sul de Mato Grosso do Sul foi maior a
foi o crescimento na emigração metropolitana,
frequência de saldos migratórios negativos.
observado em todas as REGICs.
No entanto, mesmo nesses espaços, bastante
Quando avaliados os vetores migratórios
diferenciados geograficamente, com caracte-
que representam os deslocamentos espaciais
rísticas físicas peculiares, como relevo, clima e
da população, nota-se um aumento generali-
hidrografia, os vínculos com a metrópole pau-
zado no número de municípios que receberam
lista também configuram campos de atração
emigrantes das respectivas Regiões Metropoli-
de população.
tanas. Mesmo que parte desse crescimento ti-
Algumas observações devem ser con-
vesse sido resultado direto das emancipações
sideradas quando incorporada a dimensão
municipais entre 1991 e 2000, o aumento da
distância na análise dos fluxos migratórios.12
frequência e do volume de emigrantes proce-
Discriminados em três Regiões de Influência,
dentes das RMs sugere um novo arranjo na di-
RI-1, RI-2 e RI-3,13 conforme tercis de distân-
nâmica migratória regional do país. O caso da
cia em relação ao núcleo metropolitano, em
RM de São Paulo, cujos volumes são mais ex-
vários casos, os resultados indicam um au-
pressivos, novamente deve ser mencionado. No
mento no volume da população migrante que
período 1995/2000, 788 municípios da Região
se dirigiu às áreas mais próximas da Região
de Influência de São Paulo (RISP) receberam
Metropolitana. Em todas as REGICs, nos dois
emigrados da RM, enquanto no intervalo ante-
quinquênios observados, mais da metade dos
rior eram 702. Em alguns casos, como na REGIC
emigrados das RMs encaminharam-se para a
de Porto Alegre, o crescimento no número de
sub-região RI-1. Em Brasília e Fortaleza, por
vetores foi ainda mais significativo, elevando-
exemplo, a proporção de emigrantes que se
se de 387 de 1986/1991 para 510 municípios
dirigiu para a RI-1, nos dois quinquênios, foi
entre 1995/2000.
superior a 90%.
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Carlos Lobo e Ralfo Matos
Figura 2 – Saldo migratório nas trocas entre os municípios da RISP e a RM
1986/1991 e 1995/2000
Fonte: IBGE: Censos Demográficos de 1991 e 2000 (dados da amostra).
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Dispersão espacial da população e do emprego formal...
Ainda que fosse esperado um maior vo-
formal no Brasil contemporâneo? Uma infor-
lume de migrantes com destino a RI-1, tendo
mação relevante diz respeito aos números refe-
em vista a predominância da migração de cur-
ridos aos trabalhadores de carteira assinada se
ta distância, como já descrita por Ravenstein,
analisados os dados da já mencionada Popula-
acrescenta-se o fato de também ter ocorrido,
ção Ativa Formal (PAF). Os indicadores extraí-
em todas as REGICs, exceto as de Belo Horizon-
dos das bases da RAIS,15 que se referem a uma
te e Manaus,14 um crescimento absoluto e rela-
parcela importante da população, permitem
tivo no número de imigrantes procedentes das
avaliar a distribuição espacial de parte da força
RMs. Entre 1995/2000, dos 135.482 emigrados
de trabalho. Avaliadas as séries anuais do pe-
da RMRJ, 85.456 dirigiram-se para a RI-1, o que
ríodo 1996/2005, os resultados referentes aos
correspondia a 63,08%. No quinquênio ante-
estoques da PAF confirmam, em certa medida,
rior, essa proporção era de 52,68%. No caso de
a perda relativa na participação da RMSP na
São Paulo, a proporção de migrantes com des-
REGIC de São Paulo, ainda que em termos ab-
tino a RI-1 passou de 62,84% (1986/1991) pa-
solutos tivesse ocorrido um importante incre-
ra 68,19% (1995/2000), o que perfaz 347.957
mento nesse decênio. Em 1996, a PAF na RMSP
pessoas de um universo de 510.260 emigrantes
agregava um volume próximo a 5 milhões de
da RM com destino a toda a RI nesse último
pessoas, o que correspondia a 55,98% do total
quinquênio.
da REGIC (ver Tabela 2). No ano de 2005 eram
Diante dessas evidências, o que se pode
pouco mais de 6,4 milhões, o que representava
afirmar sobre a dispersão espacial do emprego
51,83% de toda REGIC. Se a parcela relativa da
Tabela 2 – Número e percentual da população formal ativa
na RM e nas RIs da REGIC São Paulo
1996 a 2005
Ano
RM
RI-1
RI-2
RI-3
N
%
N
%
N
%
N
%
1996
5.306.121
55,98
2.339.810
24,68
1.046.249
11,04
786.512
8,30
1997
5.370.550
55,56
2.392.710
24,75
1.071.228
11,08
831.186
8,60
1998
5.338.769
55,09
2.437.679
25,16
1.065.011
10,99
848.673
8,76
1999
5.387.028
54,60
2.504.488
25,38
1.097.451
11,12
877.427
8,89
2000
5.603.159
54,10
2.658.119
25,66
1.169.096
11,29
926.860
8,95
2001
5.694.868
53,39
2.764.271
25,92
1.220.508
11,44
986.543
9,25
2002
5.840.923
53,01
2.860.420
25,96
1.282.877
11,64
1.034.496
9,39
2003
5.931.732
52,46
2.951.009
26,10
1.339.481
11,85
1.084.426
9,59
2004
6.198.726
51,97
3.142.180
26,34
1.429.342
11,98
1.157.174
9,70
2005
6.470.277
51,82
3.330.611
26,67
1.479.634
11,85
1.206.297
9,66
Fonte: MTE. RAIS 1996 a 2005.
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Carlos Lobo e Ralfo Matos
PAF na Região Metropolitana reduziu-se no de-
A Figura 3 identifica a densidade média
cênio 1996/2005, o mesmo não ocorreu nas três
dos deslocamentos anuais da PAF procedentes
sub-regiões de Influência de São Paulo. Em todas
da RMSP no período de 1996 a 2005. Nela des-
essas RIs houve um crescimento, tanto absoluto
tacam-se quatro principais eixos direcionais de
quanto relativo. Cabe, porém, citar o significati-
dispersão, coincidentes com os principais tron-
vo aumento da PAF observado na RI-1. De 1996
cos viários do estado: 1) o da via Dutra, no vale
a 2005, ocorreu a incorporação de quase 1 mi-
do Paraíba do Sul, cujos núcleos são Taubaté
lhão de trabalhadores na PAF dessa sub-região,
e São José dos Campos; 2) o da Anchieta/Imi-
que passou a integrar 3,3 milhões de pessoas ao
grantes, na Baixada Santista, onde o papel cen-
final do período (em 1996 eram 2,3 milhões). Em
tral é exercido por Santos; 3) o da Anhanguera/
termos relativos, a RI-1, em 2005, já compreen-
Bandeirantes, cujos centros polarizadores são
dia 26,67% da PAF total da REGIC. No ano de
Jundiaí e Campinas; e 4) o da Castelo Branco,
1996, essa proporção era de 24,68%.
onde se destaca o município de Sorocaba. Na
Considerados os fluxos anuais, obtidos
RI-2 e RI-3, a densidade ainda era marcada pe-
a partir da declaração do município de tra-
la existência de polos de atração menos inte-
balho, o número referente à PAF que deixou
grados, o que denotava certa “nuclearização”
a RM evoluiu de 83.690 para 90.351 entre
espacial.
1996/1997. Grande parte desses deslocamen-
Dessa forma, além dos estoques da PAF,
tos tinha como destino os municípios da RI-1,
as informações referentes aos deslocamentos
os quais absorviam 78,26% dos fluxos no inter-
espaciais também indicam um crescimento no
valo 2004/2005 (parcela que envolvia 70.709
volume da força de trabalho formal que dei-
pessoas). No período 1996/97 essa proporção
xou a Região Metropolitana de São Paulo. Esse
era de 70,61%, o que representa um cresci-
crescimento no fluxo de trabalhadores para
mento de quase 8% nos deslocamentos da PAF
fora da Região Metropolitana parece confir-
para a RI de São Paulo. Nas duas outras RIs foi
mar a atratividade e o dinamismo de um grupo
verificada uma redução relativa nos fluxos pro-
de municípios da Região de Influência de São
cedentes da RM. No caso da RI-3, observou-se
Paulo, notadamente aqueles da RI-1 que for-
uma redução no volume de trabalhadores que
mam uma “segunda” periferia metropolitana.
vieram se ocupar na região, de 10.104 entre
Nesse espaço, consolidam-se centros nodais
1996/1997 para 5.297 entre 2004/2005. Boa
com notável função polarizadora e formam-
parte dessa diminuição ocorreu em função da
-se espaços contíguos de alta densidade que
diminuição nos deslocamentos para Campo
têm atraído parcelas crescentes e significativas
Grande e área de influência, tradicional frontei-
da força de trabalho regional, inclusive aque-
ra de expansão receptora de trabalhadores da
la que, em algum momento, vinculava-se ao
REGIC de São Paulo.
mercado de trabalho metropolitano.
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Dispersão espacial da população e do emprego formal...
Figura 3 – Densidade dos deslocamentos anuais médios da PAF
procedentes da RM para as regiões de influência da REGIC de São Paulo
1996 a 2005
Densidade
Muito baixa
Baixa
Média
Alta
Muito alta
Fonte: MTE. RAIS 1996 a 2005.
Considerações finais
As últimas três décadas do século passado são decisivas na análise da dinâmica demo-
Existem incertezas acerca dos padrões de dis-
gráfica brasileira. Se a progressiva queda nas
tribuição espacial da população brasileira. A
taxas de fecundidade foi responsável direta pe-
crença na suposta reversão da polarização ou
la forte desaceleração no ritmo de crescimento
mesmo de desconcentração espacial, como
demográfico do país, de outro lado, as migra-
sugerida por determinados autores e proposta
ções internas tornaram-se fundamentais para
nos modelos clássicos da economia regional,
entender o processo de redistribuição espacial
tem se mostrado pouco adequada à análi-
da população. A partir da década de 1970, co-
se do caso brasileiro. Contudo, a progressiva
mo resultado da dinâmica migratória interna,
queda no peso econômico e demográfico dos
ampliaram-se as evidências acerca da redução
principais centros urbanos do país, bem como
do peso relativo das metrópoles. Mesmo que as
a desaceleração no ritmo de crescimento popu-
metrópoles e suas periferias continuem atrain-
lacional das principais Regiões Metropolitanas,
do expressivos contingentes demográficos, a
requer um maior aprofundamento na avaliação
intensificação nos fluxos de emigrantes tem re-
de novas tendências e padrões na distribuição
fletido diretamente no crescimento demográfi-
espacial da população brasileira.
co de vários núcleos urbanos fora das principais
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Carlos Lobo e Ralfo Matos
Regiões Metropolitanas brasileiras, tornando
desses fluxos direcionados aos principais polos
mais densa a rede de cidades em cada uma de
de atração da região foi tão expressivo que re-
suas Regiões de Influência.
duziu os escores de distância ponderada, o que
Os resultados obtidos neste trabalho
sugere tratar-se de uma forma de dispersão po-
não confirmam a integralidade da reversão
linucleada (Lobo, 2009), por onde se observam
da polarização nos termos de Richardson,
claros sinais de expansão no interior da Região
nem a suposta desconcentração econômico/
de Influência, para além dos modestos 150 km
demográfica destacada por Redwood III, en-
do campo aglomerativo de Azzoni.
tre outros, mas oferecem claros sinais de dis-
Outra conclusão deste trabalho refere-se
persão espacial da população, já proeminente
à necessidade de se utilizarem ferramentas de
em determinados casos, como na Região de
geoprocessamento na análise espacial, ainda
Influência de São Paulo. Ainda que as maio-
pouco exploradas na Economia, na Demografia
res Regiões Metropolitanas brasileiras tenham
e na Geografia. O estudo dos fluxos migrató-
mantido sua centralidade regional – o que
rios associados à variável distância é um exem-
torna equivocado absolutizar o processo de
plo das possibilidades oferecidas às pesquisas
desconcentração espacial –, o crescimento
nas áreas de Ciências Humanas e Ambientais.
demográfico acelerado de vários pontos da
O recorte espacial oferecido pelas Regiões de
rede urbana brasileira têm feito aumentar sua
Influência das Cidades, proposto pelo IBGE,
participação na atração de migrantes, o que
mesmo que seja passível de críticas pontuais
indica uma redistribuição espacial da popula-
tendo em conta os conceitos adotados e os ele-
ção no interior das Regiões de Influência das
mentos metodológicos utilizados, permite uma
principais metrópoles do país.
análise diferenciada das tradicionais aborda-
No caso da Região de Influência de São
gens desenvolvidas pela Economia. Por último,
Paulo, os efeitos dessa dispersão espacial da
cabe também destacar a importância, nota-
população mostram-se mais consolidados, so-
damente para a Geografia da População e os
bretudo no interior da rede de cidades mais
estudos relativos às migrações, de se explorar
próximas à capital. A denominada Região de
mais acuradamente as bases de dados extraí-
Influência 1 (RI-1) compreende muitos muni-
das de fontes como o Censo Demográfico e a
cípios que têm atraído um crescente número
RAIS. São possibilidades que ganham relevân-
de pessoas que deixaram a RMSP. O volume
cia tendo em vista o novo Censo de 2010.
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Dispersão espacial da população e do emprego formal...
Carlos Lobo
Doutor em Geografia. Fundação João Pinheiro. Universidade Federal de São João Del-Rei. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
[email protected]
Ralfo Matos
Doutor em Demografia. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) Cabe, contudo, expor algumas considerações iniciais. Uma primeira refere-se à adoção da Região
Metropolitana (RM) como centro de dispersão. Ainda que outras pesquisas tenham considerado o núcleo e a periferia como en dades dis ntas e separadas, optou-se em manter a unidade
dessas regiões, tendo em vista tratar-se, em geral, de espaços com razoável con guidade sica
e forte nível de interdependência, tanto econômica, quanto polí ca. Mesmo que existam diferenças quando comparadas as diversas Regiões Metropolitanas no Brasil, resultado de critérios
dis ntos na delimitação e definição dos municípios que integram cada uma delas, parece pouco
razoável não considerar as RMs em sua integralidade. Veja os exemplos de São Paulo/Guarulhos, Rio de Janeiro/Niterói, Belo Horizonte/Contagem, etc. Embora sejam unidades polí cas e
administra vas dis ntas, são espaços altamente ar culados, cujas inter-relações jus ficaram o
próprio estabelecimento das Regiões Metropolitanas. Outro ponto diz respeito à não adoção de
um único núcleo polarizador. Em estudos anteriores, foi comum a u lização de São Paulo, seja
o município, RM ou Estado, como centro aglu nador, a par r do qual era avaliada a suposta
desconcentração espacial. Contudo, parece pouco plausível supor que a aceleração do crescimento demográfico das Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte, Curi ba, Recife e Salvador,
por exemplo, possa representar um quadro de desconcentração espacial da população. Além
do mais, São Paulo e região man veram sua relevância demográfica e econômica e ainda exercem forte influência em grande parte do território nacional. A análise centrada nas Regiões de
Influência das principais regiões metropolitanas do país pode conduzir a resultados mais consistentes e coerentes com a realidade atual. Mais que uma ampliação de escala, essa abordagem
regional permite iden ficar processos espaciais que ocorrem em níveis hierárquicos inferiores,
mais próximos das relações que se estabelecem entre os centros regionais e os demais municípios de sua área de influência. Outro aspecto que também não deve ser ignorado refere-se à
reduzida série histórica dos dados referentes aos movimentos migratórios. Ante a necessidade
de u lização dos fluxos intermunicipais, a análise restringiu-se aos dois quinquênios dos úl mos
intervalos censitários (1986/1991 e 1995/2000). Assim, a iden ficação de tendências muito definidas em duas contagens consecu vas não é de todo conclusiva, mas convém não desconhecer
que esse período foi de forte desaceleração no ritmo de crescimento populacional das principais
metrópoles brasileiras.
(2) Na literatura econômica, como indicado por Lo e Salih (1991), são listadas as seguintes condições para a ocorrência do processo de reversão da polarização: a) existência de pleno emprego (o que pode fomentar os fluxos migratórios procedentes de áreas rurais); b) aparecimento
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Carlos Lobo e Ralfo Matos
de deseconomias de aglomeração (o que faria com que novos empreendimentos buscassem as
regiões periféricas); c) ocorrência de efeitos de espraiamento em larga escala; d) aumento da
complexidade organizacional nas a vidades empresariais.
(3) Richardson analisou os casos do Japão e da Coreia, onde teria verificado o processo de reversão
da polarização. Contudo, a experiência americana, com a perda expressiva de população das
grandes cidades do Nordeste e o grande crescimento dos centros do Sul do país, é aquela que
mais se aproxima do modelo proposto.
(4) Townroe e Keen, além de calcularem índices de reversão da polarização, sugerem certa dualidade dos fatores que levam à concentração das a vidades econômicas, representados pelo papel
concentrador de determinadas forças sociais e econômicas, que a par r de um ponto passariam a atuar na direção oposta: da desconcentração. A transição demográfica, os graus de desigualdade social e econômica, os padrões de desenvolvimento rural e as formas ins tucionais
e sociais de difusão de informações e inovações podem incrementar ou não a concentração na
distribuição da população urbana.
(5) Uma constatação feita por Redwood III foi a redução na par cipação do estado de São Paulo na
produção industrial nacional, que passou de 48,3% em 1970/75 para 47,3 em 1980. Esse autor
também chama a atenção para a queda na proporção do emprego industrial na Região Metropolitana de São Paulo, que reduziu de 70,7% em 1959 para 63,3% em 1977/79. Na área de
influência da RMSP, a tendência foi inversa, com valores rela vos que subiram de 29,3% para
36,4% no mesmo período.
(6) Para Negri (1996), a abordagem de Azzoni cons tui-se, na verdade, uma crí ca aos pressupostos metodológicos dos economistas da polarização reversa, mas não transcende esse quadro
e busca indicar que a perda de importância rela va da região metropolitana de São Paulo foi
compensada pelo crescimento do interior do estado. De acordo com esse autor, há ainda várias
questões a serem qualificadas. Em primeiro lugar, a análise locacional deixa de lado uma série
de contribuições novas da moderna organização industrial (formação de oligopólios e barreiras
comerciais; novas estruturas de mercado; novos padrões de compe ções capitalistas; e diversificação da produção visando ocupar mercados potenciais). Em segundo, houve subes mação da
ação do Estado, cujos inves mentos diretos e desdobramentos nem sempre são ditados pelas
regras de mercado. Por úl mo, a existência de um conjunto de outras determinações externas à
indústria e ao plano microeconômico das decisões locacionais, que também se cons tuíram em
determinantes específicos de desconcentração.
(7) Para Diniz o “espraiamento” industrial brasileiro não ocorreu apenas dentro do limitado raio de
150 km da área metropolitana de São Paulo. Após a incontestável concentração econômica e
demográfica verificada até finais da década de 1960, iniciou-se em um primeiro momento o processo de reversão dessa polarização. Entretanto, o processo de desconcentração não teria ocorrido de modo ampliado e sim em espaços sele vos bem equipados e ricos em externalidades,
refle ndo, sobretudo, o espraiamento para o interior de determinados estados brasileiros. Em
uma segunda fase, ocorreria a rela va reconcentração no polígono definido pela região formada
por Belo Horizonte – Uberlândia – Londrina/Maringá – Porto Alegre – Florianópolis – São José
dos Campos – Belo Horizonte.
(8) As redes urbanas podem ser expressas mediante técnicas que combinam um grande número de
dados econômicos, sociais e geográficos, preferentemente transcritos em intensidades variáveis
de fluxos entre as localidades. O dado populacional está sempre presente nas formulações teóricas e é sempre u lizado em qualquer técnica de regionalização, não raro subs tuindo variáveis
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de fluxos inexistentes. Sobre os significados da população enquanto variável-controle, especialmente das populações em movimento, convém observar que elas não só exprimem a sociedade,
a cultura e a ação polí ca, real ou virtual, mas impactam também os ambientes onde se reproduzem, por cons tuir força de trabalho e mercados de consumo, fatores-chave para a geração
de riqueza. Ademais, o estudo das populações, sobretudo com base em dados censitários, permite conhecer em detalhe diversas caracterís cas dos fluxos de pessoas entre as localidades,
pré-requisito para a formação de redes geográficas e redes sociais (Matos, 2003).
(9) Para Ravenstein (1980, p. 26), as grandes cidades “proporcionam facilidades tão extraordinárias
à divisão e à combinação do trabalho, ao exercício de todas as artes e à prá ca de todas as profissões que, a cada ano, um número maior de pessoas nelas possa habitar”. Para o autor, outros
aspectos que também induzem a migração são as facilidades educacionais, a salubridade do
clima ou a cares a de vida.
(10) Na discussão sobre os fatores que atuaram na quebra do padrão concentrador, vários autores
chamam a atenção para o perfil de desenvolvimento rural e urbano, as formas ins tucionais e
sociais de difusão de informações e inovações, a inserção tardia ou avançada na transição demográfica e os graus de desigualdade regional. De acordo com Matos (2003), novas abordagens
devem levar em conta as alterações recentes no padrão migratório brasileiro, marcado pela
perda de primazia dos fluxos do campo para a cidade e pela dinamização da rede urbana. Em
grande parte, essas mudanças respondem à difusão de determinadas possibilidades oferecidas
na periferia e novos fluxos migratórios podem se reorientar espacialmente, reagindo a fatores
de atração presentes nas cidades secundárias.
(11) Conforme Carvalho e Rigo (1998), as informações ob das a par r desse quesito referem-se
ao conceito de migrante semelhante àquele implícito no saldo migratório por técnica indireta.
Dessa forma, o migrante de data fixa é definido como a pessoa que residia em locais diferentes
no início e ao final do quinquênio considerado.
(12) É importante destacar que parte do incremento no volume de emigrantes metropolitanos pode
ser explicada pelo próprio aumento no estoque de população residente, consequência direta do
crescimento demográfico verificado no intervalo entre os dois levantamentos censitários.
(13) Convém observar que, ao trabalhar com o fator distância, vários aspectos geográficos das Regiões
de Influência explicam, direta ou indiretamente, possibilidades de trajetórias migratórias consideradas a origem e des no dos migrantes. Nas Regiões de Influência com vários municípios
localizados na faixa litorânea, por exemplo, há interferência de atributos rela vos às condições
morfoclimá cas, aos recursos naturais disponíveis e a fatores culturais. Já nos espaços interioranos, também há barreiras sicas similares e/ou específicas que podem restringir e/ou favorecer
a imigração.
(14) Tendo como base o recorte cartográfico referente à divisão polí co-administra va de 2000,
adotado no Censo Demográfico de 2000, u lizou-se como referência as coordenadas geodésicas
de referência da sede municipal do core metropolitano, de acordo com critérios estabelecidos
pelo próprio IBGE. A partir desse ponto, para cada uma das REGICs, foram identificadas as
distâncias em linha reta em relação à sede de cada município. O conjunto desses valores permite
agrupar os municípios de cada REGIC conforme tercis de distâncias, denominados de RI-1, RI-2
e RI-3 (o primeiro é formado pelos municípios mais próximos do Core Metropolitano e o úl mo
pelos mais distantes). Dessa forma, cada uma das RIs compreende aproximadamente 1/3 dos
municípios de cada REGIC em 2000. Por exemplo, na REGIC de São Paulo as sub-regiões RI-1,
RI-2 e RI-3 possuem 270, 269 e 269 municípios, respec vamente. As distâncias em relação a
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São Paulo são ob das pelos seguintes raios de circunferência: RI-1  até 240,32 km; RI-2  de
240,33 km a 453,52 Km; e a RI-3  mais de 453,53 km.
(14) Nesses dois casos, a pequena queda na proporção de migrantes metropolitanos na RI-1 parece ser
um reflexo da estrutura e organização espacial da rede de cidades de cada REGIC, bem como de
caracterís cas geográficas singulares. Na RI de Belo Horizonte, um aspecto que provavelmente
influencia essa dispersão da migração associa-se ao fato de que boa parte das Capitais Regionais
localiza-se nas RI-2 e RI-3, que atuam como importantes centros de atração de população.
Das seis Capitais Regionais consideradas pelo IBGE, excluídos os municípios de Uberlândia e
Juiz de Fora (que integram as REGICs de São Paulo e Rio de Janeiro, respec vamente), apenas
Divinópolis e Ipa nga compõem a RI-1. Já na RI de Manaus o quadro é ainda mais dis nto. Além
de uma dispersão rela va à própria estrutura da rede urbana regional, fortemente limitada
pelas condições naturais, o principal centro de polarização da RI é Boa Vista (RR), muito além
dos 303,82 km que delimitam a RI-1 Manaus.
(15) A Relação Anual das Informações Sociais (RAIS) foi ins tuída pelo Decreto n. 76.900, de 2 de
dezembro de 1975. Originalmente, a RAIS foi criada para obter informações acerca da entrada
da mão de obra estrangeira no Brasil e os registros relativos ao FGTS, úteis ao controle de
arrecadação e concessão de bene cios pelo Ministério da Previdência Social, e para servir de
base de cálculo do PIS/PASEP. A RAISMIGRA é uma base de dados derivada do registro da RAIS
e visa o acompanhamento geográfico, setorial e ocupacional da trajetória dos trabalhadores
ao longo do tempo. A base está organizada de forma longitudinal, permi ndo a realização de
estudos de mobilidade, duração e reinserção de indivíduos no mercado de trabalho, o que
não é permi do pela base RAIS convencional, que está organizada por ano de referência da
declaração dos vínculos emprega cios. Trata-se de uma forma de levantamento censitário de
registro administra vo. Contudo, essa cobertura é variada no tempo e espaço. De acordo com
o próprio MTE, a cobertura atual dessa base oscila em torno de 97% do universo do mercado
formal brasileiro (MTE, 2009).
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Texto recebido em 22/fev/2010
Texto aprovado em 2/jun/2010
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Metropolização e as estruturas
produtivas: convergências
e divergências espaço-temporais
Metropolises and productive structures:
spatial-temporal convergences and divergences
Luiz César de Queiroz Ribeiro
Marcelo Gomes Ribeiro
Resumo
A interpretação da configuração territorial das atividades econômicas está geralmente associada às
mudanças estruturais ocorridas no país, principalmente a partir dos anos 70. Até essa década, as
metrópoles ganharam importância por terem sido
responsáveis por grande parcela da riqueza produzida e dos empregos gerados no país. Inversão dessa tendência verificou-se nos anos 70 em diante. E,
na atualidade, parece haver tendências de novas
mudanças da geografia econômica (metropolitana
e não metropolitana). Por esse motivo, este trabalho procura se inserir nesse debate ao discutir possíveis tendências territoriais da economia a partir
das principais metrópoles brasileiras, tendo como
base a conformação histórico-econômica da rede
urbana brasileira. Espera-se, portanto, compreender a estrutura da organização econômica dos espaços metropolitanos.
Abstract
The economic activity territorial configuration
interpretation in Brazil is generally associated
with structural changes in the country, mainly
since the 70s. Until that decade, cities had gained
importance because they were responsible for
a large portion of the wealth produced and of
the employment generated in the country. This
trend started being reversed during the 70s.
Nowadays there seems to be changing trends in
the new economic geography (metropolitan and
non-metropolitan). For this reason, this paper
intends to join this debate by discussing possible
territorial economic trends in the main Brazilian
metropolises, based on the economical history of
the Brazilian urban network. It therefore aims at
the understanding of metropolitan areas economic
organization structure.
Palavras-chave: metrópole; atividade econômica;
reconfiguração territorial.
Keywords: metropolis; economic activity; territorial
reconfiguration.
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Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro
Introdução
A ocorrência da desconcentração econômica das metrópoles brasileiras tem sido tema
de debate recorrente na contemporaneidade,
mesmo se tratando de um fenômeno colocado
Brasil) tornou-se, na média, medíocre e,
com isso, o arrefecimento da dinâmica de
acumulação inibiu também o crescimento
periférico. Isso causou uma inflexão no
processo de desconcentração econômica
que, em muitos casos, apresentou resultados mais “estatísticos” do que efetivos.
(Ibid., p. 312)
em curso no país há cerca de 30 anos ou mais.
Há, porém, algumas interpretações que têm
Em face do processo de desconcentra-
refletido sobre uma possível reconcentração
ção econômica, autores como Diniz (1993) e
econômica, decorrente, sobretudo, de mudan-
Diniz e Crocco (1996) já apontavam que seu
ças no padrão de produção que tem reconfigu-
espraiamento industrial não se deu para to-
rado as atividades econômicas no âmbito das
do o território nacional. Numa primeira fase,
metrópoles. Nesse sentido, o presente traba-
ocorreu para o interior do estado de São Paulo
lho pretende colaborar neste debate a partir
e para quase todos os estados brasileiros. Nes-
de dados empíricos das atividades econômicas
se caso, o tipo de indústria que se deslocava
das metrópoles brasileiras e, com isso, levan-
era aquela vinculadas à expansão da frontei-
tar hipóteses para o processo em curso no ter-
ra agrícola e mineral, que requeria volumosos
ritório nacional.
recursos naturais, como foi o caso do Centro-
Na década de 1990, foi intenso o debate
-Oeste do país, ou era aquela que procurava
que procurou caracterizar o processo de des-
diminuir seus custos produtivos, principalmen-
concentração econômica que tinha na Área
te os de mão de obra, como se verificou nos
Metropolitana de São Paulo seu “polo” mais
estados do Espírito Santo, Minas Gerais e nos
expressivo, que havia se constituído, principal-
estados da região Nordeste.
mente até 1970. Esse processo de desconcen-
Na segunda fase, ocorreu um proces-
tração apresentou duas fases distintas, segun-
so de reconcentração econômica no polígono
do Wilson Cano:
que se estende de Belo Horizonte, passando
Entre 1970 e 1985, período em que consolidamos a implantação de nossa matriz industrial e, por isso, a acumulação
exigia esforço periférico de articulação
ainda mais intenso, usamos ainda mais
nossa base de recursos naturais – água,
terra, minérios – e, com isso, a periferia
mais bem dotada de recursos foi mais
acionada. (1998, p. 311)
Entre 1985 e 1995, quando convivemos,
primeiro, com a “crise da dívida”, e agora,
também com políticas neoliberais, o crescimento econômico de São Paulo (e do
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por Uberlândia (Triângulo Mineiro), Londrina/
Maringá, Porto Alegre, Florianópolis, São José
dos Campos e Belo Horizonte. A característica principal das indústrias que se implantam
nesse polígono são as de alta tecnologia. Ou
seja, nesse período estaria havendo um processo de desconcentração da Área Metropolitana
de São Paulo em favor do interior do estado de
São Paulo ou dos estados mais próximos. Nesse
sentido, Diniz procura analisar os fatores que,
conjugados, poderiam contribuir para essa dinâmica. Segundo ele, podemos considerar:
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Metropolização e as estruturas produtivas
a) deseconomias de aglomeração na Área
Metropolitana de São Paulo e sua criação
em outros centros urbanos ou regiões;
b) o papel do Estado, seja através de
políticas regionais explícitas, seja pela
consequên cia de outras decisões de
importância;
c) disponibilidade diferenciada de recursos naturais;
d) unificações do mercado e mudanças de
estrutura produtiva;
e) concentração da pesquisa e da renda.
(1993, p. 39)
Paulo e Rio de Janeiro, seja em momento posterior, dado o processo de desconcentração
econômica. Uma nova configuração espacialeconômica estaria se estabelecendo, para além
dos centros metropolitanos do país? É na tentativa de levantar hipóteses a essas questões,
que se coloca este trabalho.
O artigo está dividido em quatro seções,
além desta introdução e da conclusão. Na primeira, procura-se demonstrar as aglomerações
urbanas com funções metropolitanas existentes
na contemporaneidade. Na segunda, apresen-
Em período mais recente, o mesmo au-
ta-se o peso da estrutura econômica das me-
tor, ao analisar o desempenho econômico das
trópoles brasileiras no conjunto da economia
nove regiões metropolitanas tradicionais, tem
do país. Na terceira, procura-se apreender a
demonstrado a perda de participação na pro-
relação existente entre as metrópoles. Por fim,
dução industrial, no período de 1980 a 2005,
procura-se elaborar uma tipologia econômi-
à exceção de Fortaleza, Porto Alegre, Curitiba e
ca das metrópoles, tentando demonstrar suas
Belo Horizonte, que, apesar de algumas oscila-
diferenças.
ções, têm conseguido assegurar ou mesmo ampliar sua participação no conjunto da economia
brasileira (Diniz e Diniz, 2007).
Assim, por decorrência do processo de
reestruturação produtiva, colocado em curso no
país desde a década de 1980, mas, sobretudo,
As aglomerações urbanas
brasileiras com funções
metropolitanas
a partir dos anos 90, tem ocorrido uma reespacialização econômica que estaria configurando
As primeiras regiões metropolitanas do país fo-
uma Cidade-Região que teria como centro ir-
ram institucionalizadas na década de 1970 pe-
radiador a Região Metropolitana de São Paulo,
la União. Em 1973, criaram-se as de São Paulo,
mais especificamente o município de São Paulo,
Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador,
e integraria as regiões paulistas de Campinas,
Recife, Fortaleza e Belém. Em 1974, depois da
São José dos Campos, Sorocaba e Santos.
fusão do estado do Rio de Janeiro e do estado
Nesse contexto histórico-econômico, fi-
da Guanabara, foi criada a região metropolita-
ca a indagação do papel que têm cumprido as
na do Rio de Janeiro, constituindo-se um total
metrópoles brasileiras na estrutura econômica
de nove metrópoles (Davidovich, 2004).
do país, haja vista que elas tiveram importância
Novas regiões metropolitanas só vieram
decisiva para o desempenho da economia do
a se constituir com amparo jurídico depois da
país, seja no período de intensa concentração
Constituição Federal de 1988, que atribuía aos
industrial, que se fazia principalmente em São
estados e, não mais à União, a competência
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Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro
para sua institucionalização. Desse período
do agrupamento realizado pelo Observatório
em diante, os critérios para criação das regiões
das Metrópoles, a partir de tabulação especial
metropolitanas foram vários, atendendo,
pedida ao IBGE (Ferraz, 1996).
sobretudo, interesses políticos. Mas muitas
Nesta tabulação especial procurou-se
metrópoles que foram institucionalizadas cor-
organizar as atividades econômicas, compre-
responderam às mudanças ocorridas na rede
endendo aquelas capazes de serem realizadas
urbana brasileira provocada pelo crescimento
no espaço urbano, sobretudo no espaço metro-
populacional em vários contextos, que culmi-
politano, em quatro grandes setores: indústria,
nou no surgimento de diversas aglomerações
serviços, construção civil e comércio. Cada um
urbanas.
desses setores foi desagregado em sub-setores
As metrópoles consideradas neste traba-
ou ramos de atividade, na tentativa de obten-
lho são as aglomerações urbanas com funções
ção dos aspectos diferenciadores interno a ca-
metropolitanas definidas pelo estudo elabora-
da setor e, ao mesmo tempo, pela formação de
do pelo Observatório das Metrópoles intitula-
uma composição que expressasse a natureza
do “Identificação dos Espaços Metropolitanos
de sua atividade e a posição nos encadeamen-
e Construção de Tipologias”, que corresponde
tos dos processos econômicos (produção, distri-
ao total de 15 metrópoles, que são: Belém, Belo
buição, etc.).
1
Horizonte, Brasília , Campinas, Curitiba, Floria-
A partir da classificação das atividades
nópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Ale-
econômicas, realizou-se a análise da condição
gre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo
das metrópoles no contexto nacional, mas é
e Vitória. Essa definição está baseada no grau
preciso reconhecer que a produção de indica-
de integração entre os municípios de várias
dores econômicos para a escala metropolitana
aglomerações urbanas existentes no país e re-
sempre envolve determinadas dificuldades que
conhecidas pelo IBGE (Observatório, 2005).
tornam a análise para esse contexto comprometida em função dos dados organizados nessa dimensão. Por esse motivo, neste trabalho,
Estrutura econômica das
metrópoles brasileiras
vis-à-vis a economia nacional
considerar-se-á a massa salarial, classificada
pelos ramos de atividade econômica, como
proxy da estrutura econômica das metrópoles,
embora se reconheçam os seus limites. Inclusive, uma das dificuldades envolvidas refere-se
Os dados econômicos utilizados para análise
à dimensionalidade dessa variável, pois não
das metrópoles brasileiras são provenientes do
é capaz de apreender nem a estrutura, nem a
Cadastro CEMPRE do IBGE, que agrupa infor-
dinâmica da economia informal. Mesmo assim,
mações de várias pesquisas setoriais segundo
optou-se pela utilização dessa variável por ser
as atividades econômicas, distribuídas por nú-
uma das componentes da renda nacional e ser
mero de empresas, pessoal ocupado e massa
a variável de maior composição, expressando
salarial. Estes dados foram trabalhados segun-
de algum modo as condições econômicas da
do os ramos de atividade econômica decorrente
sociedade.
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Metropolização e as estruturas produtivas
Pode-se observar que a participação eco-
serviços às empresas registraram aumento. Isso
nômica das metrópoles no contexto nacional
pode sugerir uma interpretação da mudança na
foi reduzida ao longo do período de 1996 a
organização da estrutura econômica das me-
2004, de acordo com os dados da Tabela 1, pois
trópoles levada a cabo, sobretudo, pelas trans-
passou de 67,2%, naquele ano, para 62,7%,
formações no processo produtivo e de trabalho
neste. Essa redução foi conduzida por todos os
que foram muito mais efetivas nos setores in-
setores de atividade, principalmente quando se
dustriais e, portanto, nas metrópoles onde esse
verifica o setor industrial, à exceção do setor de
setor produtivo tendeu a se concentrar. E isso,
serviços. Com esses dados gerais poderíamos
por sua vez, teria provocado a migração de ati-
chegar à conclusão de que as metrópoles estão
vidades antes inseridas nas indústrias para o
passando por um processo de desconcentração
setor de serviços, devido a sua natureza.
econômica, mas é preciso tomar certa cautela
A participação das metrópoles referente
para não sermos conduzidos a interpretações
ao setor de construção civil também sofreu re-
“afoitas” nesse processo.
dução, embora de menor magnitude que aque-
O debate da desconcentração econômica
la registrada no setor industrial. Mas quando se
está baseado, significativamente, no processo
verifica a atividade “Obras de infraestrutura p/
de desconcentração das atividades industriais.
energia elétrica e p/ telecomunicações”, obser-
Quando se verificam os dados do setor indus-
va-se significativo crescimento, pois passou de
trial, percebe-se também uma redução na par-
49,6%, em 1996, para 67,4%, em 2004, embo-
ticipação desse setor na economia do país em
ra tenha atingido a marca de 72,9%, em 2000;
pouco mais de 5% no período de 1996 a 2004.
ou seja, cresceu em oito anos quase 20 pontos
Porém, embora se verifique que as atividades
percentuais. Isso quer dizer que as atividades li-
industriais de bens tradicionais e de bens du-
gadas às novas tecnologias, que têm a ver com
ráveis tenham decrescido, as atividades di-
as transformações estruturais ocorridas desde
fusoras de progresso técnico apresentaram
os anos 80, têm nas metrópoles o lócus princi-
considerável crescimento. Essa constatação é
pal de seu desenvolvimento.
relevante, na medida em que se trabalha com
O setor comércio, que também faz parte
a hipótese de estar ocorrendo nas metrópoles
do setor de serviços, está separado e desagre-
uma mudança no padrão de produção indus-
gado em seis atividades. Este foi o setor que
trial. Se for esse o fato, a redução da massa
teve a maior queda na participação das metró-
salarial pode ser um fenômeno que ocorre pari
poles na economia nacional, em mais de 6 pon-
passu ao crescimento do produto nesse setor,
tos percentuais. Mas esse setor de atividades
sendo resultado das mudanças tecnológicas
econômicas tem a característica de existir em
do processo produtivo.
todo o território nacional e, portanto, não apa-
Corrobora com essa constatação o com-
rece como atividade diferenciadora da estrutu-
portamento exercido pelo setor de serviços;
ra econômica. O seu comportamento não ajuda
pois, embora algumas atividades tenham sofri-
a explicar a dinâmica da economia e, principal-
do redução, aquelas vinculadas à prestação de
mente, as tendências existentes.
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Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro
Tabela 1 – Brasil: participação econômica¹ das metrópoles²
segundo o setor de atividade
Ano
Setor de atividade econômica
1996
2000
2004
Indústria
Duráveis
Tradicionais
Progresso técnico
Commodities
61,5
73,0
63,9
69,0
45,9
59,4
68,5
60,1
67,3
47,1
55,2
62,9
57,1
70,9
41,9
Serviços
Limpeza urbana e esgoto
Financeiros, aluguéis e agrícolas
Transporte e distribuição
Prestados às empresas
Prestados às famílias
75,7
81,3
85,9
70,1
78,5
74,8
76,7
75,1
84,6
68,8
82,0
72,6
75,3
71,9
73,4
66,7
82,2
70,0
Construção civil
Aluguel de equipamentos de construção e demolição com operários
Obras de acabamento
Obras de infraestrutura para energia elétrica e para telecomunicações
Obras de instalações
Preparação do terreno
Construção de edifícios e obras de engenharia civil
73,0
79,7
75,5
49,6
80,6
75,4
73,6
69,6
28,3
78,2
72,9
80,3
63,5
67,0
69,2
68,4
78,0
67,4
79,8
64,9
67,8
Comércio
Comércio atacado
Comércio varejo
Comércio transporte
Comércio combustível
Representantes
Outros
64,4
68,1
64,3
60,2
51,4
81,4
73,6
60,5
67,5
59,2
58,4
43,6
76,5
64,3
57,9
66,5
55,3
55,2
42,5
78,3
67,3
Total
67,2
66,0
62,7
( ¹ ) Refere-se à massa salarial.
( ² ) São as aglomerações urbanas com funções metropolitanas: Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campinas, Curitiba,
Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.
Fonte: Organizado pelo Observatório das Metrópoles. IBGE, cadastro Cempre.
Nesse sentido, ao concentrar o esforço
reduzido sua participação em detrimento do au-
numa análise mais apurada da evolução da par-
mento de outras, sobretudo aquelas que exigem
ticipação das atividades econômicas industriais,
maior desenvolvimento tecnológico. Assim, as
de serviços e as voltadas à construção civil,
metrópoles brasileiras continuam sendo os es-
observa-se que está havendo mudanças no pa-
paços da realização de grande parte das ativi-
drão produtivo das metrópoles brasileiras, que
dades econômicas do país e, por isso, possuem
faz com que determinadas atividades tenham
forte tendência em reafirmar sua centralidade.
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Metropolização e as estruturas produtivas
1996 a 2004, na ordem de 7,4%. Essa redução
Estrutura econômica
intermetropolitana
no total das metrópoles foi decorrente do crescimento negativo das metrópoles de Belém,
Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro
Em face da importância que têm ocupado as
e São Paulo. Esta última metrópole, apesar de
metrópoles brasileiras na economia do país, é
ter registrado queda de 15,3%, teve redução
mister compreender a relação entre elas, anali-
relativamente pequena na participação do con-
sada comparativamente. Para tanto, a tabela 2
junto das metrópoles, passando de 47,7% para
apresenta a participação de cada uma das me-
43,6%, no mesmo período. Belo Horizonte e
trópoles no conjunto e a variação relativa no
Fortaleza, não obstante a redução na variação
período de 1996 a 2004. Neste último aspecto,
percentual de 1996 a 2004, tiveram aumento
observa-se que o conjunto das metrópoles so-
na participação do conjunto das metrópoles,
freu redução da massa salarial, no período de
mesmo que tenha sido pequeno.
Tabela 2 - Participação das regiões metropolitanas no conjunto
das metrópoles brasileiras¹ segundo a massa salarial e variação relativa
1996, 2000 e 2004
Região Metropolitana
Belém
Belo Horizonte
Brasília2
Campinas
Curitiba
Florianópolis
Fortaleza
Goiânia
Manaus
Porto Alegre
Recife
Rio de Janeiro
Salvador
São Paulo
Vitória
Total
Ano
1996
2000
2004
Variação (%)
2004/1996
1,0
6,2
2,5
4,5
4,5
0,9
1,7
1,3
1,3
5,9
2,6
15,5
3,1
47,7
1,4
1,0
6,1
2,7
5,1
5,0
1,0
1,7
1,4
1,4
5,8
2,6
14,9
3,0
46,9
1,4
1,0
6,7
3,2
5,5
5,1
1,1
1,8
1,5
1,7
6,1
2,5
15,2
3,4
43,6
1,7
-9,8
-0,9
20,9
13,3
3,7
16,2
-3,4
12,4
24,8
-3,4
-13,0
-9,4
2,6
-15,3
9,7
100,0
100,0
100,0
-7,4
( ¹ ) São as aglomerações urbanas com funções metropolitanas.
( ² ) Compreende a Região de Desenvolvimento Integrado do Distrito Federal (RIDE).
Fonte: Organizado pelo Observatório das Metrópoles. IBGE, Cempre 1996, 2000 e 2004.
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Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro
Além disso, observa-se que as outras me-
seguiu aumentar sua participação 0,7%, pas-
trópoles tiveram crescimento positivo no mes-
sando de 2,5%, em 1996, para 3,2%, em 2004.
mo período. Nestas, destacam-se o crescimento
O maior destaque em termos de aumento na
de Manaus (24,8%) e de Brasília (20,9%), ape-
participação do conjunto das metrópoles é de
sar de esse crescimento ter possibilitado o au-
Campinas que, com variação de 13,3% entre
mento da participação da primeira de apenas
1996 e 2004, passou de 4,5% para 5,5%, no
0,4% do conjunto das metrópoles. Brasília con-
mesmo intervalo temporal.
Tabela 3 – Participação das atividades econômicas¹
no conjunto das metrópoles brasileiras²
Ano
Setor de atividade econômica
1996
2000
2004
Indústria
Duráveis
Tradicionais
Progresso técnico
Commodities
39,9
7,2
19,4
5,9
7,4
36,1
6,0
18,1
5,6
6,4
38,7
6,1
18,0
6,1
8,5
Serviços
Limpeza urbana e esgoto
Financeiros, aluguéis e agrícolas
Transporte e distribuição
Prestados às empresas
Prestados às famílias
35,3
0,8
2,1
10,2
16,2
5,9
38,8
0,6
2,1
9,5
19,8
6,8
36,9
0,7
1,7
8,8
19,8
5,8
6,9
0,0
0,4
0,3
0,6
0,4
5,2
6,0
0,0
0,5
0,9
0,7
0,3
3,7
5,9
0,1
0,3
0,6
0,7
0,3
4,0
17,9
4,9
9,2
2,5
0,7
0,4
0,2
19,0
5,0
10,2
2,4
0,8
0,4
0,2
18,6
5,4
10,0
2,0
0,7
0,4
0,2
100,0
100,0
100,0
Construção civil
Aluguel de equipamentos de construção e demolição com operários
Obras de acabamento
Obras de infraestrutura para energia elétrica e para telecomunicações
Obras de instalações
Preparação do terreno
Construção de edifícios e obras de engenharia civil
Comércio
Comércio atacado
Comércio varejo
Comércio transporte
Comércio combustível
Representantes
Outros
Total
( ¹ ) Refere-se à massa salarial.
( ² ) São as aglomerações urbanas com funções metropolitanas: Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campinas, Curitiba,
Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.
Fonte: Organizado pelo Observatório das Metrópoles. IBGE, cadastro Cempre.
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Metropolização e as estruturas produtivas
Diante da análise entre as metrópoles,
principalmente, os ramos de atividade do co-
observa-se, na Tabela 3, a participação das ati-
mércio atacado e comércio varejo, que são os
vidades econômicas no conjunto das metrópo-
principais componentes desse setor de ativida-
les brasileiras. A indústria apresentou redução
de econômica.
na participação entre 1996 e 2000, mas apre-
Observamos, mais uma vez, que, embo-
sentou recuperação no ano de 2004, apesar de
ra tenha havido redução na participação das
não ter sido suficiente para atingir o mesmo
metrópoles brasileiras na economia nacional e
patamar de 1996. Nesse setor, constata-se que
crescimento no conjunto das mesmas, no perío-
os ramos de atividade econômica indústria de
do de 1996 a 2004, quando se analisam os ra-
bens duráveis e indústria de bens tradicionais
mos de atividade que exige maior desempenho
apresentaram queda, entre 1996 e 2004, e os
tecnológico, as metrópoles ganharam impor-
ramos de atividade denominados indústria de
tância, tanto no que se refere aos ramos indus-
difusão de progresso técnico e indústria de
triais que sofreram primeiramente os impactos
commodities registraram crescimento, embora
das transformações tecnológicas quanto nos
com oscilação para baixo no ano de 2000.
serviços que passaram a ter conotação maior
O setor de serviços apresentou crescimen-
na medida em que várias etapas do processo
to na participação do conjunto das metrópoles
produtivo, que antes se concentravam na in-
entre 1996 e 2004, apesar de neste último ano
dústria, foram transferidas para este setor.
ter atingido um patamar inferior ao registrado
Assim, fica claro que o debate acerca
em 2000. O único ramo de atividade econô-
da territorialidade das mudanças econômicas
mica que alcançou crescimento no período de
no Brasil não pode desconsiderar a centrali-
1996 a 2004 na participação no conjunto das
dade desempenhada pelas metrópoles, que
metrópoles foi o de serviços prestados às em-
continuam sendo lócus da concentração econô-
presas. Todos os demais de ramos de atividades
mica do país, embora tenha ocorrido uma re-
tiveram participação reduzida nesse período, o
lativa diversificação das atividades econômicas
que demonstra o quanto aquele ramo de ativi-
existentes no seu interior.
dade econômica foi responsável pelo aumento
no setor de serviços.
O setor de construção civil teve redução
na participação econômica no conjunto das
metrópoles, passando de 6,9%, em 1996, para
5,9%, em 2000. Essa redução foi decorrente,
Definição de uma tipologia
econômica das metrópoles
brasileiras
sobretudo, do crescimento negativo do subsetor construção de edifícios e obras de cons-
Para compreensão da organização das metró-
trução civil.
poles brasileiras segundo os ramos de ativida-
Apesar da oscilação, o setor de comércio
de econômica, foi realizada análise fatorial por
apresentou crescimento na participação eco-
correspondência binária, um procedimento es-
nômica no conjunto das metrópoles entre os
tatístico capaz de resumir dados multivariados
anos de 1996 e 2004. Colaboraram para isso,
segundo os principais aspectos diferenciadores
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Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro
e que demarcam da melhor forma a distribui-
Observa-se na análise fatorial que dois
ção das variáveis (atividades econômicas) na
eixos são responsáveis pela explicação de
relação com as metrópoles. A partir dos prin-
74,1% da variância dos fatores, que diz respei-
cípios de organização das metrópoles observa-
to ao modo como as metrópoles se distribuem
dos na análise fatorial, foi realizado outro pro-
segundo as atividades econômicas, sendo que
cedimento estatístico para agrupamento das
o primeiro eixo corresponde a 52,2% e o se-
metrópoles, chamado de análise de cluster.
gundo a 21,9%, conforme Gráfico 1. Entender
o que significa cada um desses eixos é importante para a compreensão dos princípios de
Análise fatorial
organização econômica das metrópoles brasileiras, tendo em vista que se acredita que esse
Na análise fatorial por correspondência biná-
percentual de explicação é muito robusto esta-
ria, a interpretação dos resultados precisa ser
tisticamente.
vista de forma relativa, na medida em que o
O primeiro fator (eixo) expressa a opo-
posicionamento de cada metrópole se refere
sição entre as categorias industriais de bens
ao conteúdo que carrega das atividades econô-
duráveis, bens tradicionais e bens difusores de
micas em relação às demais metrópoles. Nesse
progresso técnico, de um lado, e categorias de
sentido, não se pode considerar sua posição de
setores econômicos diversos, por outro lado,
forma substantiva, porque cada metrópole é
tais como commodities, prestação de serviço
sempre definida numa análise de conjunto.
às empresas e construção de edifícios e obras
Gráfico 1 – Distribuição percentual da variância dos fatores
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Metropolização e as estruturas produtivas
de engenharia civil (Gráfico 2). Essa oposição
caracterizam pelas atividades ligadas mais ao
revela a diferenciação que a indústria tem dos
processo produtivo e outras mais aos serviços
outros setores de atividade econômica. E isso
voltados a suprir a atividade produtiva.
significa que ela se destaca como atividade que
Quando se considera o resultado do se-
marca distinção entre as metrópoles que estão
gundo fator, observa-se que as metrópoles que
sendo analisadas.
exercem influência segundo as atividades eco-
As metrópoles que exerceram influência
na oposição descrita em relação ao primeiro
nômicas antes descritas são Salvador e Vitória,
de um lado, e Brasília e São Paulo, de outro.
fator são Campinas, Manaus e São Paulo, onde
De acordo com os resultados da análise
destacam-se as atividades industriais, e Brasí-
fatorial referentes ao conteúdo expresso pelos
lia, Rio de Janeiro e Salvador, onde as ativida-
dois primeiros fatores explicativos, podemos
des de commodities, prestação de serviços às
considerar que a atividade produtiva, sobre-
empresas e construção de edifícios são mais
tudo a industrial, coloca-se como aspecto di-
expressivos em relação às demais metrópoles.
ferenciador da estrutura econômica existentes
O segundo fator (eixo) refere-se à opo-
entre as metrópoles, inclusive as atividades
sição entre as categorias commodities e trans-
que se destacam dos demais setores econômi-
porte e distribuição, de um lado, e prestação de
cos são aquelas subsidiárias da indústria. Essa
serviço às empresas e serviços financeiros, alu-
constatação revela que a atividade produtiva
guéis e agrícolas, de outro lado (Gráfico 2). Es-
é a principal forma de organização econômica
sa oposição revela que algumas metrópoles se
das metrópoles brasileiras.
Gráfico 2 – Plano cartesiano das atividades econômicas e metrópoles
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Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro
Diversidade produtiva das metrópoles
de serviços às famílias (8%). O setor de serviços é acompanhado pela Indústria (27,9%),
A análise de cluster efetuada neste trabalho foi
que tem como destaque as indústrias de bens
definida com base nos princípios de organiza-
tradicionais (14,6%) e commodities (9,6%). O
ção das metrópoles segundo as atividades eco-
setor de comércio participa com 21,6% e, nesse
nômicas. Esses princípios são condizentes com
setor, destacam-se o comércio varejista (12,4%)
a definição dos fatores (eixos) considerados na
e o comércio atacadista (5,9%). O setor de
análise fatorial por correspondência binária.
construção civil corresponde apenas a 6,9%,
O procedimento executado considerou
a dispersão entre as metrópoles de um mes-
em que a principal atividade é construção de
edifícios e obras de engenharia civil (4,5%).
mo grupo, que precisa ser baixa, e a dispersão
O segundo grupo se define principalmen-
entre os grupos formados, que precisa ser al-
te pelas atividades de prestação de serviços às
ta. Assim, a partir de uma variância intraclasse
empresas, prestação de serviços às famílias e
de 18,5% e da variância interclasse de 81,5%,
finanças, aluguéis e agrícola. Estas são ativi-
foram formados quatro grupos de metrópoles,
dades essencialmente do setor de serviços, e é
conforme o Quadro e o Mapa 1.
isso que caracteriza a metrópole contida nesse
A caracterização de cada grupo corres-
grupo, que é a região de desenvolvimento inte-
ponde às atividades que o diferencia em relação
grado do Distrito Federal (RIDE). Como se trata
aos demais grupos e ao conjunto das metrópo-
da capital do país, as atividades de serviços são
les. Nesse sentido, o primeiro grupo, composto
diferenciadoras em relação às outras metrópo-
por seis regiões metropolitanas, caracteriza-se
les e ao conjunto das mesmas.
pelas atividades de transporte e distribuição e
O setor de serviços é o setor de maior
prestação de serviços às empresas. Embora se-
composição do grupo 2, como pode ser obser-
jam atividades do setor de serviços, elas pos-
vado na Tabela 3, com participação de 59,7%.
suem a característica de serem atividades com-
O setor de comércio aparece como o segundo
plementares da atividade produtiva. Esse grupo
setor de maior composição nesse grupo, com
também possui a segunda maior composição
22,8%, mas essa participação é relativamente
nas atividades industriais de bens tradicionais,
comum a todos outros grupos. As atividades
comparativamente aos outros grupos.
que se destacam nesse grupo são: comércio va-
O setor de atividade econômica de maior
rejista e comércio atacadista. A construção civil
participação no grupo 1, conforme a Tabela 4,
participa com 8,8% das atividades econômicas
é Serviços, com 43,6%. Nesse setor, destacam-
do grupo 2 e a indústria com 8,7%. Nesta últi-
se Prestação de serviços às empresas (21,4%),
ma, o único destaque é para indústria produto-
Transporte e distribuição (11,3%) e Prestação
ra de bens tradicionais (5,5%).
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Metropolização e as estruturas produtivas
Quadro 1 – Classificação econômica das metrópoles brasileiras
Grupo 1
Grupo 2
Belém
Florianópolis
Fortaleza
Goiânia
Recife
Rio de Janeiro
Brasília
Grupo 3
Grupo 4
Salvador
Vitória
Belo Horizonte
Campinas
Curitiba
Manaus
Porto Alegre
São Paulo
Mapa 1 – Tipologia econômica das metrópoles brasileiras
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Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro
Tabela 4 – Perfil dos grupos segundo as atividades econômicas – 2004
Atividades econômicas
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 Grupo 5
Indústria
Bens duráveis
Difusora de progresso técnico
Bens tradicionais
Commodities
27,9
0,8
2,9
14,6
9,6
8,7
0,3
0,8
5,5
2,1
34,8
1,9
1,5
9,9
21,5
43,9
8,4
7,7
20,4
7,5
38,7
6,1
6,1
18,0
8,5
Serviços
Limpeza urbana e esgoto
Financeiros, aluguéis e agrícolas
Transporte e distribuição
Prestados às empresas
Prestados às famílias
43,6
1,3
1,6
11,3
21,4
8,0
59,7
2,2
6,5
3,0
39,6
8,3
36,1
1,3
0,9
11,8
16,5
5,6
33,7
0,4
1,6
8,1
18,6
4,9
36,9
0,7
1,7
8,8
19,8
5,8
6,9
0,1
0,8
0,3
0,3
0,9
4,5
8,8
0,0
0,7
0,1
0,2
0,8
6,9
10,0
0,1
0,2
0,5
0,5
1,0
7,7
5,1
0,0
0,5
0,3
0,3
0,6
3,4
5,9
0,1
0,6
0,3
0,3
0,7
4,0
21,6
5,9
12,4
2,0
0,7
0,4
0,2
22,8
4,6
13,0
3,2
1,5
0,2
0,2
19,1
4,5
11,2
2,2
0,8
0,2
0,1
17,3
5,3
8,9
2,0
0,6
0,4
0,1
18,6
5,4
10,0
2,0
0,7
0,4
0,2
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Construção civil
Aluguel de equipamentos de construção e demolição c/ operários
Obras de infraestrutura p/ energia elétrica e p/ telecomunicações
Preparação do terreno
Obras de acabamento
Obras de instalações
Construção de edifícios e obras de engenharia civil
Comércio
Comércio atacado
Comércio varejo
Comércio transporte
Comércio combustível
Representantes
Outros
Total
Fonte: Organizado pelo Observatório das Metrópoles. IBGE, cadastro Cempre.
A atividade definidora do terceiro grupo
o setor industrial não chega a ser o setor de
é, principalmente, commodities, cuja partici-
maior composição, pois participa com 34,8%
pação no conjunto das atividades econômi-
contra a participação do setor de serviços, que
cas corresponde a 21,5%. Nos outros grupos,
corresponde a 36,1%, como se vê na Tabela 4.
a participação dessa atividade não ultrapassa
Neste último setor, destacam-se as atividades
7,5%, o que demonstra sua importância para
prestação de serviços às empresas (16,5%) e
composição do grupo 3.
transporte e distribuição (11,8%). O setor de
Embora as commodities sejam a ativida-
comércio tem participação de 19,1% e as ativi-
de econômica diferenciadora do terceiro grupo,
dades mais significativas são comércio varejista
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Metropolização e as estruturas produtivas
(11,2%) e comércio atacadista (4,5%). O setor
porção do território nacional, que correspon-
de construção civil, não obstante ser o setor de
de ao polígono definido por Diniz (1993). As
menor composição do grupo 2, possui a maior
outras metrópoles se baseiam, principalmente,
participação nesse grupo ao comparar com os
em atividades de serviços ou são subsidiárias
demais grupos, atingindo 10% da participação.
do setor industrial.
O quarto grupo se caracteriza pelas atividades industriais, tanto relativas à produção
de bens tradicionais e bens duráveis, como referente à produção de bens difusores de pro-
Conclusão
gresso técnico. À exceção de Manaus, todas as
metrópoles que fazem parte desse grupo estão
Este trabalho procurou analisar o peso das
nas regiões Sul e Sudeste do país, onde se tem
atividades econômicas das metrópoles brasi-
concentrado parte significativa da indústria
leiras na economia nacional, na perspectiva de
brasileira, principalmente a partir do processo
contribuir para o debate realizado na contem-
de desconcentração econômica da área me-
poraneidade acerca da desconcentração e/ou
tropolitana de São Paulo (Diniz, 1993; Diniz e
reconcentração econômica. Nesse sentido, foi
Crocco, 1996).
possível chegar a algumas conclusões, mesmo
O setor de atividade de maior composição é também o industrial, com 43,9%. Os des-
que preliminares, que podem ser resumidas da
seguinte forma:
taques são principalmente as atividades indus-
1) Há perda na participação das atividades
triais produtoras de bens tradicionais (20,4%),
econômicas nas metrópoles, principalmente
indústrias produtoras de bens duráveis (8,4%)
nos ramos de atividade que se haviam consoli-
e bens difusores de progresso técnico (7,7%).
dado até a década de 1970 no país, sobretudo
Nestas duas últimas atividades, a participação
em São Paulo;
nesse grupo é aproximadamente três vezes
2) Em atividades decorrentes de progresso
mais a participação que essas atividades têm
técnico, a tendência verificada é a de que as
nos outros grupos.
metrópoles tendem a concentrá-las, pois há re-
O setor de serviços aparece como a segunda maior composição (33,7%). Neste se-
gistro de aumento na participação das metrópoles no conjunto da economia nacional;
tor, destacam-se as atividades de prestação
3) Embora as tendências acima estejam se
de serviços às empresas (18,6%) e transporte
verificando para o conjunto das metrópoles,
e distribuição (8,1%). O setor de comércio é
não se pode considerá-las da mesma forma.
o que possui a menor composição em relação
Comportamentos diferentes têm sido observa-
aos outros grupos, com 17,3%. O mesmo ocor-
do entre elas, enquanto algumas metrópoles
re com o setor de construção civil, que aparece
como São Paulo e Rio de Janeiro apresentam
com 5,1%.
queda na variação temporal da participação
Desse agrupamento formado, observa-se
econômica do seu conjunto, outras como Ma-
que mesmo entre as metrópoles brasileiras as
naus, Brasília e Campinas possuem resultados
atividades industriais estão concentradas numa
completamente inversos.
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Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro
Em função das diferenças existentes en-
As metrópoles que fazem parte do quar-
tre as metrópoles, foi construída uma tipologia
to grupo, à exceção de Manaus, estão localiza-
econômica em que se formaram quatro grupos.
das no polígono econômico definido por Diniz
Os grupos 1 e 2 possuem forte presença das ati-
(1993) e Diniz e Crocco (1996), o que sugere
vidades de serviços, o que os diferencia dos de-
que as atividades econômicas continuam cen-
mais. Os grupos 3 e 4, pelo contrário, se carac-
tralizadas nessa porção do território do país. E
terizam, principalmente, pela presença das ati-
mais que isso, que essas metrópoles continuam
vidades industriais. O grupo 3 é marcado mais
exercendo centralidade na economia nacional.
pela presença das commodities, enquanto o
As tendências observadas neste trabalho são
grupo 4 destaca-se pela presença das indústrias
uma constatação, contudo, precisam ser melhor
de bens tradicionais, indústrias de bens duráveis
aprofundadas sob a utilização de outros dados
e indústrias difusoras de progresso técnico.
econômicos.
Luiz César de Queiroz Ribeiro
Sociólogo. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
[email protected]
Marcelo Gomes Ribeiro
Economista e Sociólogo. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
Brasil.
[email protected]
Nota
(1) Refere-se à Região de Desenvolvimento Integrada do Distrito Federal (RIDE).
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Metropolização e as estruturas produtivas
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Observatório das Metrópoles. Disponível em: www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br. Acessado em: 22 de julho de 2008.
Texto recebido em 16/nov/2009
Texto aprovado em 21/mar/2010
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Desigualdades nos mercados de trabalho
metropolitano e não metropolitano
brasileiro (1981-2006)
Inequalities in the metropolitan and non-metropolitan
Brazilian labor markets (1981-2006)
Hipólita Siqueira
Alexandre Gori Maia
Resumo
O objetivo deste artigo é analisar os impactos das
mudanças na economia brasileira sobre o mercado de trabalho nas áreas metropolitanas e não
metropolitanas durante o período 1981-2006. A
hipótese central é de que houve piora em alguns
dos importantes e já precários indicadores do mercado de trabalho brasileiro, sobretudo nas áreas
metropolitanas, as quais concentram as maiores e
melhores possibilidades de inserção ocupacional e
de captação de renda. Para cumprir com o objetivo proposto, analisa-se a dinâmica dos indicadores
de quantidade e qualidade das ocupações (taxa de
ocupação, desemprego, subemprego e informalidade), a distribuição dos ocupados segundo setores
de atividade econômica e a distribuição dos rendimentos entre as principais aglomerações metropolitanas e não metropolitanas do Brasil.
Abstract
The aim of this paper is to analyze the impacts
of Brazilian economy changes on metropolitan
and non-metropolitan areas labor market during
the period 1981-2006. The central hypothesis
is that some important and precarious labor
market indicators have worsened, especially
in the metropolitan areas which hold the best
occupational insertion and income generation
opportunities. In order to reach such purposes,
this paper analyzes the dynamics of quality and
quantity occupation indicators (employment rate,
unemployment, underemployment, informality
and wages) as well as their distribution according
to major geographical region and economic
sectors.
Palavras-chave: desigualdades territoriais; mercado de trabalho; regiões metropolitanas e regiões não
metropolitanas; economia brasileira; informalidade.
Keywords: territorial inequalities; labor market;
metropolitan and non-metropolitan areas;
Brazilian economy; informality.
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Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia
Introdução
acesso a bens públicos teriam contribuído para
a redução da capacidade do Estado de promover políticas de desenvolvimento (industrial, re-
As transformações no ambiente econômico
gional, agrícola, social, etc.). Em geral, os anos
brasileiro nos anos 80 e 90 determinaram em
1990 foram marcados por elevada instabilida-
grande medida uma dinâmica amplamente
de nas taxas de crescimento econômico, de-
desfavorável ao mercado de trabalho, tanto em
terminando um ambiente de grande incerteza
regiões metropolitanas como em regiões não
para a realização de investimentos, apesar da
metropolitanas, sendo importantes o aumento
atração de certo volume de investimento direto
do desemprego e a deterioração das condições
externo.1 O ajuste produtivo ocorreu com mo-
de inserção no mercado de trabalho (Maia,
dernização das empresas e aumento do com-
2009). No início dos anos 80, a interrupção do
ponente importado, porém, de modo bastante
crédito internacional provocou o colapso da
defensivo, sem a implantação de novos setores
dívida externa brasileira, a qual crescera consi-
capazes de compensar a destruição dos postos
deravelmente na década de 70. Sem conseguir
de trabalho e de gerar novas ocupações.
renegociar a dívida, o governo brasileiro foi
Com a alteração nos preços relativos
obrigado a adotar uma política macroeconômi-
pós-desvalorização cambial ao final da década
ca que forçou uma adaptação da economia à
de 90, o crescimento do comércio internacio-
restrição externa através de uma profunda re-
nal no início da década de 2000 e as melho-
cessão entre os anos de 1981 e 1983. Como re-
rias nos preços das commodities, houve uma
sultado, houve uma brusca interrupção na tra-
recuperação no dinamismo da economia bra-
jetória de crescimento da economia brasileira e
sileira, com inserção externa mais favorável.
a estagnação iniciou-se com uma forte queda
Embora em meio a políticas macroeconômicas
do PIB, do poder de compra das remunerações
ainda bastante restritivas e sem a remoção dos
do trabalho e o avanço de uma cada vez mais
obstáculos estruturais ao crescimento susten-
descontrolada inflação. Seguiram-se inúmeras
tado (elevadas taxas de juros, restrição fiscal
tentativas frustradas de estabilização da eco-
e financeira do Estado, frágil financiamento de
nomia até o plano real de 1994.
longo prazo, ausência de política industrial e
Os anos 90 foram ainda marcados pela
persistência de importantes gargalos na infra-
disseminação de processos de abertura comer-
estrutura econômica e social), houve certa re-
cial e financeira, os quais ocorreram paralela-
cuperação do crescimento industrial e amplia-
mente à adoção de políticas de estabilização
ção do consumo de bens e serviços (Amitrano,
monetária, mediante elevadas taxas de juros,
2006). Este último aspecto também decorrente
valorização cambial e intensificação da con-
da intensificação das políticas de transferência
corrência externa. O aumento da dívida pública
de renda, de valorização do salário mínimo e da
decorrente desses ajustes resultou em grave
expansão do crédito pessoal (Quadros, 2008).
deterioração do financiamento dos gastos e
No que se refere às estruturas produtivas
investimentos do setor público. Ao mesmo tem-
regionais, foram mais acionadas aquelas refe-
po, as privatizações de empresas estatais e do
rentes ao agronegócio e à indústria extrativa
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Desigualdades nos mercados de trabalho...
mineral. Também se alterou o quadro de baixo
metropolitanas (ANM) brasileiras durante o
dinamismo do mercado de trabalho caracterís-
período de 1981-2006. Desse modo, visa con-
tico dos anos 1990. Segundo as avaliações de
tribuir para o debate sobre as desigualdades
Baltar et al. (2006) e de Leone e Baltar (2007),
regionais do mercado de trabalho brasileiro. A
a queda das ocupações agrícolas foi interrom-
hipótese central é a de que houve uma piora
pida e ocorreu uma recuperação do crescimen-
dos já precários indicadores do mercado de
to das ocupações não agrícolas, sobretudo do
trabalho brasileiro, especialmente nas AM.
emprego assalariado em estabelecimentos
No período mais recente, as menores taxas de
com maior nível de formalização dos vínculos.
desemprego observadas nas ANM não indica-
Entretanto, os autores argumentam que a me-
riam melhores condições em seus mercados
lhoria no crescimento econômico foi insuficien-
de trabalho. Por outro lado, são reforçadas as
te para gerar ocupações em nível compatível
evidências de que os impactos negativos das
com o intenso crescimento da PEA na primeira
transformações econômicas foram mais signi-
metade da década atual.
ficativos sobre os mercados de trabalho metro-
Convém ressaltar que, apesar das me-
politanos, os quais, guardadas as especificida-
lhorias recentes nas taxas de crescimento eco-
des regionais, concentram as maiores possibi-
nômico, análises como a de Carneiro (2008)
lidades de inserção ocupacional e de captação
apontam para uma diminuição do adensamen-
de renda fora do mercado de trabalho.
to das cadeias produtivas, determinada pelas
Além desta seção introdutória e das
políticas macroeconômicas adotadas (libera-
considerações finais, o artigo contém mais
lização comercial, elevadas taxas de juros e
duas seções principais. Na seção seguinte, é
períodos recorrentes de apreciação da moeda
feita uma breve análise sobre a situação mais
nacional) e a instauração de um padrão de
recente das desigualdades nas estruturas pro-
crescimento comandado pela demanda do-
dutivas regionais brasileiras, destacando que
méstica e pelas exportações líquidas, em que
apesar da continuidade das tendências de des-
os investimentos assumem papel subordinado.
concentração da atividade econômica no terri-
Isso ocorreu nos segmentos industriais mais
tório nacional, de maior ímpeto na década de
dinâmicos do capitalismo contemporâneo
1970, elas não foram capazes de alterar radi-
(intensivos em tecnologia e de maior valor
calmente a divisão inter-regional do trabalho.
agregado), com graves consequências para as
Na terceira seção, são analisadas a dinâmica
estruturas produtivas regionais mais diversifi-
dos indicadores de quantidade e qualidade das
cadas e integradas.
ocupações (taxa de ocupação, desemprego,
Nesse contexto de profundas transfor-
subemprego e informalidade), a distribuição
mações econômicas, o objetivo deste artigo
dos ocupados segundo setores de atividade
é analisar os impactos no mercado de traba-
econômica e a distribuição dos rendimentos
lho das áreas das metropolitanas (AM) e não
entre as principais AM e ANM do Brasil.
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Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia
Desigualdades nas estruturas
produtivas regionais
ao direito à cidade, exceto em suas modalidades e porções territoriais “ilegais”, em que não
vigoram os preceitos jurídicos e urbanísticos
estabelecidos.
Os aspectos estruturais da questão regional
A crise da dívida dos anos 1980 e as re-
brasileira, sob o prisma da integração do mer-
formas liberalizantes dos anos 1990 dificulta-
cado nacional, foram tratados por Cano (2008)
ram sobremaneira as políticas nacionais de de-
através da proposição de uma periodização
senvolvimento, importantes para a estruturação
bem definida. O período de crescimento eco-
dos processos descritos brevemente nos pará-
nômico (1930-1970) foi marcado pela forte
grafos anteriores. Sendo assim, determinaram
concentração industrial no estado de São Pau-
uma dinâmica macroeconômica amplamente
lo e complementaridade com as demais es-
desfavorável ao crescimento econômico e um
truturas produtivas. A partir da década de 70,
ambiente de grande incerteza para a realização
inicia-se um período marcado por particulares,
de investimentos autônomos. Houve ampliação
heterogêneos, complexos e controvertidos pro-
das lógicas de valorização financeira e o ajuste
cessos de desconcentração regional produtiva.
produtivo e patrimonial foi bastante defensivo,
Os determinantes desses processos (expansão
pautando-se, sobretudo, pelas privatizações,
da fronteira agrícola, políticas estatais, fluxos
ampliação da participação de empresas es-
migratórios, etc.) foram amplamente discuti-
trangeiras, aumento de componentes importa-
dos pela literatura da área de economia re-
dos, cortes significativos do pessoal ocupado e
gional (Cano, 2008; Diniz, 1995; Azzoni, 1986;
estratégias de terceirização/subcontratação e
Pacheco, 1998; Guimarães Neto, 2002; Araújo,
concentração em atividades-fim (core business)
2000).
das empresas.
No que se refere especificamente à ques-
Ao longo das décadas de 1980 e 1990, o
tão dos processos que atuaram na urbanização
crescimento econômico foi inexpressivo, apre-
e nos mercados regionais de trabalho, em meio
sentando forte instabilidade. De acordo com
à “fuga para a frente” da contínua apropriação
Carneiro (2008), a instauração de um regime
privada territorial e da constante interiorização
de mercado desregulado e de um padrão de
(Tavares, 1999), a expansão da fronteira agríco-
crescimento ciclotímico, comandado pela de-
la e os processos de industrialização intensifi-
manda doméstica e pelas exportações líquidas,
caram a formação de amplos estoques de mão
teve graves consequências para a estrutura
de obra nos distintos espaços urbanos brasi-
produtiva nacional. Diminuiu o adensamento
2
leiros. Embora o período de 1960-1980 tenha
das cadeias produtivas, especialmente da in-
sido caracterizado pelo dinamismo na geração
dústria de bens intensivos em trabalho e em
de ocupações, tanto na indústria como no setor
tecnologia. Tal padrão contrasta com o período
terciário, boa parte desse excedente de mão de
anterior, em que o crescimento acompanhava
obra não foi incorporado aos segmentos mais
expressiva diversificação da estrutura produti-
organizados do mercado de trabalho. Tampou-
va, num movimento de catching up com os paí-
co houve acesso aos mercados habitacionais e
ses desenvolvidos.
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Desigualdades nos mercados de trabalho...
Nesse sentido, a interrupção dos proces-
2009). Reduziram as remunerações e a taxa de
sos econômicos e sociais estruturantes e seus
assalariamento no mercado de trabalho urba-
efeitos podem ser observados em várias di-
no, já bastante precarizado pelo elevado peso
mensões: inserção externa vulnerável do país;
das ocupações informais (trabalhadores sem
manutenção de baixo nível de investimento e
carteira, domésticos e por conta própria). A dis-
inversões de capital de baixa qualidade em ter-
tinção em relação ao período de 1950-1980 é
mos de encadeamentos; desadensamento da
que as maiores taxas de crescimento econômi-
estrutura produtiva; precarização do mercado
co, determinadas pela diversificação das estru-
de trabalho; tendências pontuais de desconcen-
turas produtivas no âmbito da implementação
3
tração “espúria”; ampliação das desigualda-
de blocos descontínuos de investimento reper-
des regionais e socioeconômicas; entre outras.
cutiam na expansão das ocupações urbanas de
As exorbitantes taxas de inflação e a cri-
classe média, do emprego de maior qualifica-
se fiscal gerada pelo comprometimento com o
ção na administração pública e serviços sociais
serviço da dívida refletiram-se em drástica re-
e do emprego nas grandes empresas, privadas
dução dos investimentos em infraestrutura e
e estatais. Desse modo, refletiam-se em possi-
desmontagem das instituições de planejamen-
bilidades de ascensão social num movimento
to regional e urbano criadas no período ante-
de estruturação do mercado urbano de traba-
rior. Fagnani (2005) chama a atenção para o
lho assalariado (Siqueira, 2010b).
fato de essas condições ocorrerem justamente
No plano regional, apesar da reversão do
no processo de redemocratização do país, no
clico de crescimento econômico com a crise da
âmbito da implementação da Constituição Fe-
dívida externa nos anos 1980, a maturação dos
deral de 1988 e da proliferação dos movimen-
empreendimentos do II PND e as políticas de
tos sindicais e sociais. Com isso, a defesa dos
exportação para dar conta do serviço da dívi-
rendimentos dos salários contra os aumentos
da permitiram a continuidade dos movimentos
de preços torna-se prioridade na retomada da
de desconcentração regional da indústria. De
ação sindical.
acordo com Pacheco, entre 1980-1995, isso
Nos anos 1990, o aumento do desemprego e a restrição das oportunidades de ocupação no mercado de trabalho nacional foram
drásticos. Em termos gerais, houve diminuição do emprego em estabelecimentos e das
ocupações nos setores agrícola, da indústria
de transformação, construção civil, financeiro,
serviços de utilidade pública e transportes,
e aumento das ocupações no heterogêneo
setor terciário. O aumento do desemprego e
ocorreu de maneira menos intensa do que nos
anos 1970, sendo acompanhada por
[...] uma crescente heterogeneidade no
desenvolvimento interno das regiões brasileiras, com o surgimento de “ilhas” de
produtividade em quase todas as regiões,
crescimento relativo maior das “antigas
periferias” nacionais e uma importância
maior do conjunto das “cidades médias”.
(1998. p. 169)
a redução da oferta de trabalho contribuíram
Cano (2008) argumenta que, no movi-
ainda para uma piora generalizada nas con-
mento de desconcentração regional do “perío-
dições de inserção dos trabalhadores (Maia,
do neoliberal” (1990-2005), alguns processos
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Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia
estariam atuando em dois sentidos. Num senti-
valor agregado) e desconcentração (dos seto-
do inter-regional, em prejuízo ao estado de São
res intensivos em trabalho e recursos naturais)
Paulo, tendo como principais determinantes: a)
num quadro geral de desigualdades sociais
os benefícios financeiros e fiscais concedidos
(pobreza, miséria e desemprego aberto). De-
pela guerra fiscal; b) a continuidade da expan-
sigualdades estas que ainda permanecem ina-
são da fronteira agrícola e de recursos mine-
ceitáveis, tanto nas regiões “mais pobres” co-
rais; c) a expansão urbana em regiões menos
mo nas “mais ricas”, e reforçam a questão da
desenvolvidas, uma vez que a crise afetou mais
insuficiência da desconcentração da indústria
a economia paulista e inibiu o movimento mi-
para a redução das desigualdades regionais.
gratório inter-regional; e d) as políticas de in-
Igualmente, ressalta a necessidade de se ques-
centivo ao turismo nacional. Simultaneamente,
tionarem as “causas estruturais regionais que
teria ocorrido um reforço da concentração nos
perpetuam um quadro social com índices de-
ramos industriais de maior avanço tecnológico
ploráveis de pobreza” e de enfrentamento das
no estado de São Paulo. Num sentido intraesta-
“estruturas (regionais) de dominação: renda,
dual, outros fatores favoreceram a indústria do
propriedade, controle político, acesso ao Esta-
interior paulista: melhorias e transformações
do, etc.” (ibid, p. 18).
na infraestrutura de transporte; modernização
Como ressaltado em Siqueira (2010a),
agrícola e agroindustrial (beneficiados pela
os investimentos realizados e projetados mar-
melhoria nos preços de produtos como carne
cam novas tendências locacionais e, ao mes-
bovina e açúcar); implantação de projetos de
mo tempo, confirmam tendências na divisão
polos tecnológicos; guerra fiscal entre municí-
inter-regional de períodos anteriores, no sen-
pios paulistas; e a recuperação dos preços in-
tido de algumas especializações regionais já
ternacionais do petróleo e melhores condições
existentes e na manutenção do estado de São
cambiais, favorecendo a produção de álcool.
Paulo como principal núcleo de acumulação. A
Por outro lado, para Cano (2008), no pe-
análise do desempenho dos principais setores
ríodo que se inicia com a crise da dívida dos
produtivos das macrorregiões brasileiras e da
anos 1980, alguns processos impediram um
distribuição regional das intenções de investi-
aprofundamento ainda maior das desigualda-
mento confirma a configuração de uma dinâ-
des regionais. Foram estes: a) o crescimento da
mica regional caracterizada por tendências de
urbanização nas regiões mais periféricas deter-
desconcentração, as quais foram determina-
minada pela continuidade da expansão da fron-
das pelo acirramento da guerra fiscal e pela
teira agrícola e mineral; b) pequeno crescimen-
proximidade das fontes de recursos naturais
to industrial; c) expansão dos gastos sociais a
(agronegócio e indústria mineral extrativa).
partir da Constituição de 1988; e d) expulsão
Simultaneamente, são fortes as tendências
de trabalhadores em atividades agrícolas.
de reconcentração regional, as quais mais re-
Todavia, o autor assinala a importân-
centemente dizem respeito não só a alguns
cia de considerar essa “acomodação” e os
setores dinâmicos e de maior conteúdo tecno-
movimentos de reconcentração (da atividade
lógico, mas também a outros fatores como, por
industrial com maior conteúdo tecnológico e
exemplo, as macroestratégias governamentais
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Desigualdades nos mercados de trabalho...
de fortalecer a indústria naval e os desdobra-
previdenciária, jornada inferior a 35 horas de
mentos do Pré-sal, dos Jogos Olímpicos e do
trabalho e rendimento médio/hora no trabalho
Trem-Bala. Nesse movimento, atuam impor-
principal.
tantes “requisitos locacionais”, dentre eles, a
Na composição da População Economi-
oferta de mão de obra qualificada, eficiente
camente Ativa (PEA), foram considerados como
infraestrutura de transporte, proximidade a
ocupados os indivíduos com 10 anos ou mais
mercados consumidores de maiores dimensões
de idade que tinham trabalho remunerado na
e de alta renda. Porém, outro fator de grande
semana ou que exerciam trabalho não remune-
importância diz respeito à inércia e rigidez
rado durante pelo menos 15 horas na semana.
locacional determinada pelo alto custo de ca-
Como desempregados, foram considerados os
pital da saída das grandes metrópoles e das
indivíduos com 10 anos ou mais de idade que
aglomerações já consolidadas em uma econo-
não estavam ocupados na semana, mas que,
mia em regime de baixo crescimento.
num período de 2 meses, estavam à procura de
Por fim, encerrando essa seção, caberia
trabalho. A taxa de desemprego foi estimada
ressaltar a necessidade de investigações críti-
pelo percentual de desempregados em relação
cas e interdisciplinares que possibilitem inter-
à PEA e a taxa de participação pelo percentual
pretações mais aprofundadas dos complexos
da PEA em relação à População em Idade Ativa
processos de urbanização, de reorganização
(PIA), ou seja, pessoas com 10 anos ou mais de
econômica, de aprimoramento ou não de nos-
idade.
sas forças produtivas, dos mercados de traba-
Estimou-se ainda a percentagem de
lho, das condições sociais e outras, em análises
ocupados sem contribuição previdenciária e
que pudessem tratar esses processos de manei-
com jornada inferior a 35 horas semanais como
ra devidamente regionalizados.
aproximações, respectivamente, das condições
da informalidade e subemprego no mercado de
trabalho. Esse procedimento justifica-se pela
O mercado de trabalho
metropolitano e não
metropolitano brasileiro
ausência de informações específicas sobre esse tema nos questionários da PNAD que permitam uma comparação ao longo do tempo
delimitado.
No conjunto das AM foram consideradas
Procedimentos metodológicos
as 10 principais da PNAD: Distrito Federal (Região Centro-Oeste); São Paulo, Rio de Janeiro
Os resultados deste trabalho apoiaram-se nas
e Belo Horizonte (Região Sudeste); Porto Ale-
informações disponibilizadas pela Pesquisa
gre e Curitiba (Região Sul); Salvador, Recife e
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),
Fortaleza (Região Nordeste) e Belém (Região
do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
Norte). Os setores de atividade econômica fo-
tística (IBGE), para os anos de 1981 a 2006.
ram agregados em 14 categorias: 1) ativida-
Serão apresentadas análises sistematizadas
des agrícolas; 2) indústria da transformação;
segundo setores de atividade, contribuição
3) outras atividades industriais; 4) construção
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civil; 5) comércio e reparação; 6) alojamento
reduz no Norte (apenas Belém) (de 26% para
e alimentação; 7) transporte, armazenagem
20%) e no Sul (de 47% para 45%) e se man-
e comunicação; 8) administração pública; 9)
tém em 16% no Nordeste. Essas mudanças
educação, saúde e serviços sociais; 10) serviços
podem indicar maior pressão sobre os merca-
domésticos; 11) setor financeiro; 12) atividade
dos de trabalho das AM que aumentaram suas
a empresas; 13) serviços pessoais e recreativos;
participações, porém tal afirmação exige um
14) outros serviços.
exame detalhado dos fluxos migratórios re-
Os níveis econômicos da população
ocupada foram analisados a partir do rendi-
gionais, o que, por sua vez, excede os limites
deste trabalho.
mento da ocupação principal. Todos os valores
O período analisado abrange, em sua
foram deflacionados para (R$) Reais de 1º de
maioria, uma trajetória bastante errática de
outubro de 2007 a partir do INPC (Índice Na-
crescimento econômico no Brasil, marcada por
cional de Preços ao Consumidor), corrigido pa-
elevadas taxas de inflação na década de 1980
ra a PNAD. Porém, foi feito um ajuste no índice
e início de 1990 e miniciclos de crescimento
de inflação para que esse captasse as variações
das taxas anuais do PIB (1984-87; 1993-97;
percebidas no dia 1º de cada mês, período de
2000; 2004-06). Junto com as mudanças no
referência para os rendimentos coletados pela
contexto econômico internacional e o conjun-
PNAD e, com isso, não permaneça centrado no
to diverso de políticas econômicas internas
dia 15 de cada mês, como originalmente prevê
adotadas, representadas por uma série de pla-
sua metodologia (Corseuil e Foguel, 2002).
nos de estabilização inflacionária, a abertura
comercial e financeira, privatizações, etc., os
horizontes de baixo crescimento econômico
Resumo e discussão dos resultados
determinaram cenários bastante instáveis para
a realização de investimentos com consequên-
Com uma população total de 27 milhões de
cias extremamente negativas para a geração
ocupados, as 10 principais AM identificadas
de ocupações.
pela PNAD concentravam um terço da popu-
Entre 1981-2001, a taxa anual de cresci-
lação ocupada nacional em 2006, sendo que
mento das ocupações é a mesma para o total
este percentual praticamente não se altera en-
das AM e ANM (Tabela 2). Porém, há distintas
tre 1981-2006 (Tabela 1). No que se refere ao
taxas regionais: as ocupações das AM crescem
total das macrorregiões, a maior concentração
mais no Nordeste e no Sul; e crescem menos no
das ocupações nas AM em 2006 foi observa-
Norte (Belém) e no Sudeste. No Centro-Oeste, a
da no Sul e a menor no Nordeste. Porém, ao
diferença não é significativa. No período 2001-
longo do período analisado, esses percentuais
2006, de melhor crescimento econômico do PIB
sofrem alterações divergentes. A concentração
nacional, a taxa total das AM é maior, o que
aumenta nas AM do Sudeste (de 16% para
se repete em todas as regiões, com exceção do
20%) e do Centro-Oeste (de 19% para 26%),
Norte (Belém).
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Desigualdades nos mercados de trabalho...
Tabela 1 – Distribuição dos ocupados segundo região geográfica
e área censitária – Brasil1 1981, 2001 e 2006
1981
AM
Região
(1.000)
pessoas
2001
ANM
%
(1.000)
pessoas
AM
%
(1.000)
pessoas
2006
ANM
%
(1.000)
pessoas
AM
%
(1.000)
pessoas
ANM
%
(1.000)
pessoas
%
Norte
268
26,3
753
73,7
691
21,0
2.594
79,0
858
20,1
3.401
79,9
Nordeste
1.974
16,3
10.126
83,7
3.884
19,6
15.933
80,4
4.458
20,0
17.871
80,0
Sudeste
9.792
47,4
10.868
52,6
14.476
44,8
17.845
55,2
16.848
44,9
20.693
55,1
Sul
1.576
18,9
6.761
81,1
3.099
25,0
9.273
75,0
3.567
25,8
10.271
74,2
Centro-Oeste
467
16,3
2.395
83,7
916
15,3
5.069
84,7
1.103
16,1
5.749
83,9
Total
14.077
31,3
30.903
68,7
23.065
31,3
50.715
68,7
26.833
31,6
57.985
68,4
Fonte: PNAD, microdados, IBGE.
(1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
Tabela 2 – Taxa anual de crescimento das ocupações,
segundo região geográfica e área censitária
Brasil1 (2001/1981 e 2006/2001)
Região
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
Total
2001/1981
2006/2001
AM
ANM
AM
ANM
4,8
3,4
2,0
3,4
3,4
2,5
6,4
2,3
2,5
1,6
3,8
2,5
4,4
2,8
3,1
2,9
3,8
3,1
5,6
2,3
3,0
2,1
2,6
2,7
Fonte: PNAD, microdados, IBGE.
(1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
Antes de avaliar a qualidade das ocupa-
dos já precários indicadores do mercado de tra-
ções nos diversos setores econômicos das AM
balho brasileiro (Maia, 2009). No Brasil, a taxa
e ANM brasileiras, é essencial ressaltar o com-
de desemprego entre 1981 e 2006 teve aumen-
portamento da economia e suas consequên-
to expressivo de 5,9% para 10,7%. Nas AM,
cias para o mercado de trabalho no período. O
a taxa de desemprego, que já era elevada em
baixo crescimento da economia observado nos
1981 (8,7%), chegou a 13,8% em 2006. Como
últimos 26 anos pode ser apontado como um
podem ser observadas na Figura 1, as taxas
dos principais determinantes da deterioração
de desemprego são mais elevadas nas AM do
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Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia
que nas ANM, o que estaria mais relacionado
nas ANM. O desemprego voltou a subir na
ao funcionamento diferenciado dos mercados
segunda metade da década de 1990, quando
de trabalho nas AM (estruturas ocupacionais
novamente pioraram as taxas de crescimento
mais complexas e heterogêneas, pressões mi-
da economia. Tanto nas AM quanto nas ANM,
gratórias, elevadas taxas de rotatividade, etc.)
os picos das taxas de desemprego foram ob-
do que a uma suposta maior capacidade de ge-
servados na metade do segundo mandato
ração de emprego das ANM. Ademais, ambas
do Governo FHC, em 2000, e no segundo
apresentaram a mesma trajetória de aumento
ano do mandato do Governo Lula em 2003.
do desemprego no período analisado.
Desde então, a retomada do crescimento da
O desemprego cresceu, sobretudo entre
economia mundial tem impulsionado a eco-
1990 e 1992, como reflexo das taxas negati-
nomia brasileira e vem reduzindo a taxa de
vas de crescimento econômico e elevados ín-
desemprego do país. Entretanto, a taxa de
dices de inflação. Entre 1993 e 1996, maiores
desemprego em 2006, de 13,8% nas AM e de
taxas de crescimento do PIB podem ter impe-
9,1% nas ANM, era bastante superior às ta-
dido o crescimento do desemprego, que ficou
xas observadas em 1981, de 8,7% e de 4,5%,
estabilizado em 11% da PEA nas AM e 7%
respectivamente.
Figura 1 – Taxa de Participação (TP) e Taxa de Desemprego (TD)
segundo área censitária – Brasil1 1981 a 2006
Fonte: PNAD, microdados, IBGE.
(1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
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Desigualdades nos mercados de trabalho...
As taxas de participação (TP: participa-
26% para 16% entre 1981-2006 (Tabela 3).
ção da PEA no total da PIA) das AM e ANM
Em menor medida, também houve uma queda
foram praticamente semelhantes. Na década
nas ocupações dos setores da construção civil,
de 1980, o crescimento da TP esteve associa-
administração pública e serviços financeiros.
do, sobretudo, à maior parcela de ocupados
Dentre os demais setores, não houve aumen-
na PIA, visto que a taxa de desemprego não
tos significativos de participação de nenhum
cresceu nesse período. A partir da década de
setor considerado individualmente. O setor
1990, o crescimento da TP passou a estar asso-
de comércio e reparação, que já tinha contri-
ciada, sobretudo, ao crescimento do número de
buição importante no total das ocupações em
desempregados.
1981 (17%), aumentou sua participação para
Ocorreram ainda mudanças importantes
20% em 2006. Também tiveram aumentos de
na composição setorial das ocupações. Nas
percentuais relativos: atividades a empresas,
AM, a mudança mais importante foi a brusca
educação, saúde e serviços sociais, alojamento
redução da participação relativa das ocupa-
e alimentação, serviços pessoais e recreativos,
ções industriais no total das ocupações, de
serviços domésticos e outros serviços.
Tabela 3 – Distribuição dos ocupados segundo setor de atividade
e área censitária – Brasil1 1981 e 2006
1981
Setor de atividade
Atividades agrícolas
Indústria transformação
Outras ativ. industriais
Construção civil
Comércio e reparação
Alojam. e alimentação
Transp., armaz. e com.
Administração pública
Educ., saúde e serv. soc.
Serviços domésticos
Setor financeiro
Atividades a empresas
Serviços pes. e recreat.
Outros serviços
Total
AM
Pessoas
(1.000s)
253
3.642
197
1.214
2.356
463
856
948
1.127
1.113
546
572
440
351
14.077
2006
ANM
%
1,8
25,9
1,4
8,6
16,7
3,3
6,1
6,7
8,0
7,9
3,9
4,1
3,1
2,5
100,0
Pessoas
(1.000s)
13.017
3.965
415
2.411
3.378
605
1.073
1.030
1.693
1.606
376
404
570
362
30.903
AM
%
42,1
12,8
1,3
7,8
10,9
2,0
3,5
3,3
5,5
5,2
1,2
1,3
1,8
1,2
100,0
Pessoas
(1.000s)
337
4.185
211
1.895
5.432
1.293
1.681
1.392
2.915
2.316
582
2.095
1.260
1.283
26.833
ANM
%
1,3
15,6
0,8
7,1
20,2
4,8
6,3
5,2
10,9
8,6
2,2
7,8
4,7
4,6
100,0
Pessoas
(1.000s)
13.253
8.065
515
3.769
10.195
2.080
2.358
3.028
5.028
4.401
488
1.864
1.653
1.290
57.985
%
22,9
13,9
0,9
6,5
17,6
3,6
4,1
5,2
8,7
7,6
0,8
3,2
2,9
2,2
100,0
Fonte: PNAD, microdados, IBGE.
(1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
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Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia
Nas ANM reduziu-se expressivamente a
se diferenciam em seus contextos regionais. O
participação relativa das ocupações agrícolas
mesmo pode ser identificado em termos das
(de 42% em 1981 para 26% em 2006), o que
articulações das atividades de serviços com as
estaria associado à expansão de culturas alta-
industriais e agrícolas (refletindo as estraté-
mente mecanizáveis, pouco intensivas em mão
gias empresariais de reestruturação produtiva)
de obra. Por outro lado, comércio e reparação
e intrassetorias, como a diversidade de ativi-
foi o setor que mais aumentou seu percentual
dades que compõem os agregados comércio e
relativo, de 11% para 18%. Também aqui não
reparação, atividades a empresas e alojamento
houve aumento significativo da participação
e alimentação.
relativa de nenhum setor considerado indi-
No entanto, para além do que as diferen-
vidualmente. À exceção de outras atividades
cia, a qualidade dessas ocupações pode ser um
industriais, construção civil e setor financeiro,
aspecto geral que as iguala. Essa hipótese pode
todos os demais tiveram pequenos aumentos
ser atestada pelo aumento dos índices de in-
em seus percentuais.
formalidade e subemprego dos trabalhadores.
Apesar de essas mudanças terem ocor-
A parcela de trabalhadores sem contribuição
rido no sentido do aumento das atividades de
previdenciária oficial, como indicador de apro-
serviços, a elevada heterogeneidade desse se-
ximação da condição de informalidade, passou
tor não permite determinar tendências gerais
de 25% dos ocupados das AM em 1981 para
para esse movimento, sobretudo considerando
39% em 2006 (Tabela 4).
as diferenças existentes não só nas estruturas
Entre as AM, Brasília apresentou o menor
produtivas entre ANM e as AM, mas também
crescimento da informalidade e as AM do Sul,
entre e no interior das próprias AM. A queda
onde a informalidade era a menos expressiva,
do emprego industrial pode estar sendo puxa-
o maior crescimento. Nas ANM, houve uma li-
da pelas metrópoles onde a indústria é mais
geira redução dessa participação (de 61% para
importante, como a de São Paulo, o que, por
54%), embora os trabalhadores sem contribui-
sua vez, mereceria uma análise mais apurada.
ção previdenciária continuem representando
Porém, os movimentos sugerem os impactos
parcela majoritária da população ocupada.
negativos das políticas macroeconômicas e
Contribuíram para esse processo, sobretudo,
dos sucessivos ajustes produtivos que resulta-
o crescimento da contribuição nas ANM da
ram bastante prejudiciais aos setores de maior
Região Sul e Sudeste. Nas regiões menos de-
contribuição no total das ocupações. As alter-
senvolvidas, Norte e Nordeste, a infomalidade
nativas ao desemprego foram dadas principal-
é mais acentuada. Os dados do período 2001-
mente pela inserção em serviços com lógicas
2006 sugerem ainda uma tênue redução geral
organizacionais extremamente diversas como
da informalidade, embora permaneça bastante
comércio e reparação; atividades a empresas e
acentuada em Belém e nas AM do Nordeste e
serviços domésticos que, por sua vez, também
nas ANM de todas as macrorregiões.
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Desigualdades nos mercados de trabalho...
Tabela 4 – Percentagem de ocupados sem contribuição previdenciária oficial
segundo grande região e área censitária – Brasil1 1981, 2000 e 2006
Região
1981
2001
2006
AM
ANM
AM
ANM
AM
ANM
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
33,5
35,3
24,0
20,1
25,5
49,1
76,6
49,4
60,0
58,6
56,3
51,5
38,3
38,2
36,9
61,4
76,1
45,9
51,4
59,8
56,4
48,7
36,7
35,8
33,2
57,5
73,1
41,3
44,8
53,6
Total
25,4
61,3
41,0
58,6
39,1
53,9
Fonte: PNAD, microdados, IBGE.
(1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
Em termos setoriais, a construção civil,
pessoais e construção civil, seja um dos setores
reconhecida pela elevada informalidade de
onde a contribuição previdenciária é bem me-
suas ocupações, apresentou a pior dinâmica
nor nas AM.
para a contribuição previdenciária nas AM:
Nas ANM, as mudanças positivas ocor-
cresceu 32 pontos percentuais entre 1981 e
reram com o aumento do percentual de traba-
2006, superando a elevada taxa observada no
lhadores com contribuição previdenciária nos
setor doméstico e permanecendo atrás ape-
serviços domésticos e nas atividades agrícolas.
nas do historicamente precário setor agrícola
Assim como nas AM, além do crescimento eco-
(Tabela 5). O percentual de trabalhadores sem
nômico positivo, isso pode estar também rela-
contribuição previdenciária também cresceu de
cionado a uma maior atuação do Estado nos
modo significativo e generalizado nos demais
últimos anos no que se refere à formalização
setores, tanto naqueles que diminuíram sua
dos vínculos de emprego, como observado em
participação relativa no total das ocupações,
Baltar et al. (2006). No entanto, também hou-
indústria de transformação e setor financeiro,
ve um forte movimento de informalização em
como naqueles que aumentaram, por exemplo,
alguns setores, como pode ser observado no
comércio e reparação, atividades a empresas
aumento do percentual de não contribuição
e alojamento e alimentação. Uma tendência
de trabalhadores em transporte, armazenagem
positiva pode ser observada na redução de 5,5
e comunicação, construção civil, alojamento e
p.p no percentual de não contribuição dos ser-
alimentação, setor financeiro, comércio e repa-
viços domésticos, embora junto com serviços
ração e atividades a empresas.
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Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia
Tabela 5 – Percentagem de ocupados sem contribuição previdenciária oficial,
segundo setor de atividade e área censitária – Brasil1 1981 e 2006
1981
Setor de atividade
2006
AM
ANM
AM
ANM
Atividades agrícolas
Indústria transformação
Outras ativ. industriais
Construção civil
Comércio e reparação
Alojam. e alimentação
Transp., armaz. e com.
Administração pública
Educ., saúde e serv. soc.
Serviços domésticos
Setor financeiro
Atividades a empresas
Serviços pes. e recreat.
Outros serviços
72,6
15,2
5,2
31,2
30,4
31,4
10,6
17,2
12,7
68,0
3,0
13,6
57,8
22,7
91,9
33,1
23,4
51,8
40,5
48,4
25,2
16,2
14,3
83,3
3,9
23,8
71,9
38,1
78,4
32,0
10,5
63,2
44,7
49,9
28,4
18,0
19,9
62,5
13,4
25,1
60,6
38,0
83,7
35,6
19,9
70,7
51,0
61,2
44,4
13,9
16,0
74,2
17,2
32,5
71,5
49,8
Total
25,4
61,3
39,1
53,9
Fonte: PNAD, microdados, IBGE.
(1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
Tabela 6 – Percentagem de ocupados com jornada inferior a 35 horas semanais
segundo grande região e área censitária – Brasil1 1981, 2000 e 2006
Região
1981
2001
2006
AM
ANM
AM
ANM
AM
ANM
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
15,8
18,0
15,3
15,2
12,2
14,3
26,3
13,4
16,3
13,3
22,8
24,7
18,4
19,2
20,3
21,4
35,4
20,6
22,8
23,0
28,2
23,8
19,8
19,8
19,5
24,1
39,9
21,7
25,1
24,6
Total
15,6
18,3
19,8
26,0
20,7
28,4
Fonte: PNAD, microdados, IBGE.
(1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
No que se refere à parcela de trabalhado-
ocupados nas AM e 28% nas ANM (Tabela 6).
res com jornada inferior a 35 horas semanais,
Os dados também sugerem que o subemprego
utilizada como aproximação para a mensura-
teria aumentado mesmo no recente período de
ção do subemprego, essa aumentou nas duas
crescimento econômico, sobretudo nas ANM da
regiões, porém de forma mais intensa nas
região Nordeste, onde já era mais acentuada
ANM. Em 2006, estes representavam 21% dos
em 1981.
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Desigualdades nos mercados de trabalho...
A deterioração dos indicadores de jorna-
Apesar de ter ocorrido uma melhora no ren-
da de trabalho também ocorreu de modo bem
dimento médio/hora do trabalho principal das
generalizado entre os setores de atividade, po-
ANM entre 1981-2006, este continuava infe-
rém com maior vigor em atividades agrícolas,
rior ao das AM em 2006 (R$ 2,3 a menos do
alojamento e alimentação e serviços domésticos
que o dos trabalhadores das AM) (Tabela 8). A
(Tabela 7). Associada aos indicadores de infor-
tendência de queda do rendimento médio nas
malidade de parcela expressiva das ocupações,
AM continuou mesmo no período 2001-2006.
o crescimento da subjornada sugere o cresci-
Entretanto, são observadas importantes distin-
mento expressivo do subemprego, ou seja, de
ções entre as regiões que de modo geral refle-
ocupações em caráter parcial e temporário nos
tem o padrão desigual da distribuição de renda
mercados de trabalho das AM e das ANM, como
do país: aumento do rendimento na RIDE de
forma de inserção precária num contexto de ma-
Brasília, superior tanto às demais AM como às
nutenção das taxas elevadas de desemprego.
ANM; melhores rendimentos nas AM do Sul e
Diferenças expressivas entre as AM e
Sudeste; queda dos rendimentos nas AM Norte
ANM são também observadas em relação ao
(Belém) e Nordeste; rendimentos bastante infe-
padrão de remuneração dos trabalhadores.
riores nas ANM do Nordeste.
Tabela 7 – Percentagem de ocupados com jornada inferior a 35 horas semanais,
segundo setor de atividade e área censitária – Brasil1 1981 e 2006
Setor de atividade
1981
2006
AM
ANM
AM
ANM
Atividades agrícolas
Indústria transformação
Outras ativ. industriais
Construção civil
Comércio e reparação
Alojam. e alimentação
Transp., armaz. e com.
Administração pública
Educ., saúde e serv. soc.
Serviços domésticos
Setor financeiro
Atividades a empresas
Serviços pes. e recreat.
Outros serviços
16,2
8,3
4,8
4,5
13,2
11,2
6,8
21,1
40,7
19,3
22,4
15,3
46,2
22,6
18,3
14,5
5,4
11,1
14,0
14,5
6,7
16,1
46,3
19,1
19,4
12,4
53,8
20,5
35,2
13,0
7,4
10,6
16,6
19,1
9,2
20,4
37,4
36,7
20,0
16,2
37,0
18,9
39,9
16,7
9,7
8,8
21,4
24,5
15,1
25,6
43,3
41,0
25,6
21,0
45,0
28,1
Total
15,6
18,3
20,7
28,4
Fonte: PNAD, microdados, IBGE.
(1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
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Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia
Tabela 8 – Rendimento médio/hora do trabalho principal na semana1
segundo grande região e área censitária – Brasil2 1981 e 2006 (em Reais)
Região
1981
2001
2006
AM
ANM
AM
ANM
AM
ANM
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
5,3
5,5
7,7
6,9
8,8
4,9
2,5
4,6
4,2
4,2
5,3
4,8
7,5
6,5
9,5
4,3
2,2
4,9
4,3
4,5
4,6
4,8
7,1
6,6
10,8
4,8
2,7
5,2
5,2
4,9
Total
7,3
3,8
6,9
3,9
6,7
4,4
Fonte: PNAD, microdados, IBGE.
(1) Valores em 1º de outubro de 2007 (INPC corrigido para a PNAD, IPEA).
(2) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
Tabela 9 – Rendimento médio/hora do trabalho principal na semana1
segundo setor de atividade e área censitária – Brasil2 1981 e 2006 (em Reais)
Setor de atividade
Atividades agrícolas
Indústria transformação
Outras ativ. industriais
Construção civil
Comércio e reparação
Alojam. e alimentação
Transp., armaz. e com.
Administração pública
Educ., saúde e serv. soc.
Serviços domésticos
Setor financeiro
Atividades a empresas
Serviços pes. e recreat.
Outros serviços
Total
1981
2006
AM
ANM
AM
ANM
5,7
7,6
13,0
5,1
6,0
4,5
8,0
10,6
10,2
1,6
14,6
8,6
4,8
9,8
2,6
4,3
7,1
3,0
4,5
3,4
5,6
6,4
6,3
0,9
13,1
5,7
3,0
4,5
3,2
6,1
12,3
4,3
5,3
4,4
6,3
13,7
9,9
2,9
12,7
9,2
6,8
6,9
2,2
4,6
7,4
3,6
4,4
3,2
5,3
8,2
7,5
2,1
10,9
7,7
4,8
5,5
7,3
3,8
6,7
4,4
Fonte: PNAD, microdados, IBGE.
(1) Valores em 1º de outubro de 2007 (INPC corrigido para a PNAD, IPEA).
(2) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
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Desigualdades nos mercados de trabalho...
Em termos setoriais, os rendimentos por
tanto à busca pela sobrevivência como proces-
hora de trabalho caíram principalmente em al-
sos de reestruturação das empresas (terceiriza-
guns dos setores mais importantes e estrutura-
ção, subcontratação, etc.). Esse processo ocorre
dos da economia: indústria de transformação,
em um contexto de elevada instabilidade no
outras atividades industriais, administração pú-
que se refere ao crescimento econômico, re-
blica, educação, saúde e serviços (Tabela 9).
dução dos investimentos públicos e privados,
Nas AM, houve queda do rendimento
sendo que as mudanças ocorridas não foram
médio/hora de trabalho em praticamente to-
suficientes para alterar o padrão da divisão
dos os setores, à exceção de administração
inter-regional do trabalho, caracterizado por
pública (R$3,1 de acréscimo), serviços pessoais
elevadas desigualdades regionais. Portanto, as
e recreativos (R$2 de acréscimo), serviços do-
menores taxas de desemprego das aglomera-
mésticos (R$1,3 de acréscimo) e atividades a
ções não metropolitanas não estão relaciona-
empresas (R$0,6 de acréscimo). Nas ANM, as
das à sua maior capacidade de geração de em-
melhorias no rendimento médio/hora de tra-
prego, mas sim a uma maior pressão das trans-
balho foram mais relevantes em atividades a
formações observadas nas últimas décadas
empresas (R$2 de acréscimo), administração
sobre as estruturas mais complexas (produtivas
pública e serviços pessoais e recreativos (am-
e ocupacionais) das áreas metropolitanas.
bos, R$1,8 de acréscimo).
O contexto macroeconômico mais recente de retomada do crescimento das atividades
econômicas, inclusive da industrial, promovido
Considerações finais
pelas melhorias no comércio internacional certamente terá maiores impactos nas estruturas
metropolitanas com estruturas produtivas de
Embora tenha sido destacado o aumento do
maior complexidade e diversidade. No entanto,
emprego no interior do país em contraste com
faz-se necessária a retomada de uma trajetória
as grandes áreas urbanas, vem ocorrendo uma
sustentável de crescimento e de investimentos
piora nas estruturas das ocupações, tanto nas
nas infraestruturas sociais urbano-regionais
AM como nas ANM brasileiras desde a década
visando reduzir desigualdades na divisão inter-
de 1980. Isso pôde ser observado no aumento
regional do trabalho, bem como a reversão do
das ocupações em atividades de serviços com
quadro de precarização dos mercados de traba-
diversas lógicas de organização que se referem
lho metropolitano e não metropolitano.
Hipólita Siqueira
Economista. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, Brasil.
[email protected]
Alexandre Gori Maia
Estatístico e doutor em Economia Aplicada. Universidade Estadual de Campinas Campinas,
São Paulo, Brasil.
[email protected]
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Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia
Notas
(1) Em função de sua grande par cipação nas operações de priva zação e de fusão e aquisição em
detrimento do aumento de capacidade produ va, os recursos atraídos não foram capazes de
alterar significa vamente a taxa global de inves mentos da economia brasileira. Por outro lado,
num contexto de guerra fiscal, contribuíram para um movimento pico de desconcentração da
indústria de bens de consumo no sen do das regiões Sul, Nordeste e Centro-Oeste (Siqueira,
2010a).
(2) Convém destacar que, como afirma Barbosa de Oliveira (1998), o excedente estrutural de mão de
obra não surge a par r desses processos e tem suas origens históricas relacionadas à ocupação
econômica do território brasileiro no período colonial-escravista.
(3) Segundo Cano (2008), de modo contrário à desconcentração “virtuosa” entre 1970 e 1980, que se
deu sob impactos de polí cas de desenvolvimento nacional e regional, nível elevado de inves mentos e de taxas de crescimento econômico e resultaram no aprofundamento da integração
do mercado nacional, no período pós-“crise da dívida” a desconcentração ocorre sob pífio crescimento econômico e guerra fiscal, sendo a estrutura produ va do centro dinâmico da acumulação, Região Metropolitana de São Paulo, mais afetada pelas perdas de crescimento.
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Texto recebido em 18/fev/2010
Texto aprovado em 12/abr/2010
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A desconcentração demográfica
paulista em perspectiva
Demographic deconcentration
of São Paulo in perspective
Douglas Sathler
Vitor Miranda
Resumo
A redistribuição espacial da população no estado
de São Paulo (SP), em paralelo ao arrefecimento no
ritmo de crescimento demográfico da Região metropolitana de São Paulo (RMSP) nas últimas décadas, apresenta reflexos evidentes no que tange a
formação de “novas espacialidades” predominantemente urbanas. Não obstante, a emergência dos
pequenos municípios de economia mais diversificada, após terem experimentado décadas de declínio
populacional, indica que a dispersão da população
extrapola os limites das novas aglomerações metropolitanas e das cidades médias do interior paulista. O presente estudo tem o intuito de contribuir,
em alguma medida, para o entendimento da desconcentração demográfica no estado, a partir de
uma metodologia própria de análise do crescimento populacional e de mapeamento dos movimentos
migratórios intraestaduais recentes.
Abstract
The population spatial redistribution in the state of
São Paulo (SP), parallel to the slacking in the RMSP
demographic growth rhythm in the last decades,
presents clear reflexes of “new spatialities”
formation, mostly urban ones. Notwithstanding, the
arising of small municipalities with more diversified
economy, after having experimented decades of
population decrease, indicates that the dispersion
of the population exceeds the new metropolitan
agglomerations and the medium cities of São
Paulo’s countryside limits. The present study aims
to somehow contribute to the comprehension of
the lack of demographic concentration in the state,
based on a proper methodology of population
growth analyses and recent inter-state migratory
movement mapping.
Palavras-chave: demografia; migração; São Paulo;
polos de crescimento; desconcentração.
Keywords: demography; migration; São Paulo;
growth poles; deconcentration.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
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Douglas Sathler e Vitor Miranda
O presente estudo tem o intuito de con-
Introdução
tribuir para o entendimento da desconcentra-
Os dados publicados no Censo 2000 e na Con-
ção demográfica no estado a partir de uma
tagem da População 2007 (IBGE, 2008) reve-
metodologia própria de análise do crescimento
lam que a dispersão demográfica continua a
populacional e de mapeamento dos movimen-
redesenhar os padrões migratórios e de cres-
tos migratórios intraestaduais recentes. Ainda,
cimento populacional no estado de São Paulo
procura estabelecer uma discussão sobre o sig-
(SP). A mudança da direção e do sentido dos
nificado dessas recentes transformações para
fluxos migratórios contribuiu de maneira deci-
complementar as análises empíricas.
1
siva para a formação de novos polos de crescimento demográfico em SP, não apenas capazes
de incorporar um maior volume de imigrantes
ao seu estoque populacional, mas também de
reter parte dos fluxos que em décadas anteriores se dirigiam à Região Metropolitana de São
A desconcentração
demográfica no estado
de São Paulo
Paulo (RMSP).
O estado de SP, dono da rede urbana
A desaceleração no ritmo de crescimento popu-
mais completa e diversificada do Brasil, conta
lacional das principais metrópoles brasileiras é
com um conjunto de “novas espacialidades”
uma realidade que já perdura há algumas dé-
que passaram a se destacar, nas últimas dé-
cadas. A RMSP está em conformidade com essa
cadas, pelo notável desempenho econômico
tendência, uma vez que as Taxas de Crescimen-
e crescimento demográfico. O surgimento de
to Geométrico (TCG) nos períodos de 1980-
novas aglomerações metropolitanas e a emer-
1991, 1991-2000 e 2000-2007 (1,88, 1,70 e
gência de centros não metropolitanos de porte
1,04% a.a.) possuem valores distantes do cres-
médio, assim como o verificado crescimento
cimento populacional registrado na década de
populacional dos pequenos municípios mais di-
1970 (4,46% a.a.). Nesse sentido, o interior do
nâmicos, evidenciam que a RMSP vem repartin-
estado de São Paulo assume uma posição de
do o seu dinamismo econômico e populacional
maior destaque em relação à RMSP, apresen-
com o interior do estado.
tando maiores taxas de crescimento demográ-
Um dos elementos mais centrais das mudanças verificadas em SP é, inegavelmente, a
fico e se tornando destino preferencial de um
expressivo contingente de migrantes.
radical alteração dos movimentos migratórios,
O processo de desconcentração demo-
que passam a contrariar tendências históricas de
gráfica paulista ganha maior visibilidade em
concentração espacial, com a existência de um
paralelo à redução das taxas de crescimento da
novo padrão desconcentrador. Assim, a migra-
RMSP durante a década de 1980. Nas três últi-
ção de retorno e seus efeitos indiretos, em con-
mas décadas, a predominância dos movimentos
junto com a capacidade de atração populacional
migratórios do tipo urbano-urbano vem contri-
de alguns polos regionais, causaram grandes
buindo para uma expansão sem precedentes,
impactos na dinâmica demográfica paulista.
por meio de uma rede urbana mais dispersa e
370
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
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A desconcentração demográfica paulista em perspectiva
interiorizada, dotada de novas aglomerações
município de São Paulo. Os períodos de 1980-
metropolitanas e de muitos núcleos urbanos de
1991 e 1991-2000 foram marcados pela queda
porte médio com áreas de influência significati-
significativa do crescimento demográfico do
va (Matos e Baeniger, 2004).
núcleo metropolitano (1,17 e 0,88% a.a. res-
Ademais, percebe-se uma crescente im-
pectivamente) e também nas áreas periféricas
portância dos pequenos municípios intimamen-
que tiveram valores significativamente superio-
te conectados com os polos paulistas para o
res aos exibidos pelo município de São Paulo
entendimento da dispersão da população pelo
(3,21 e 2,85% a.a. entre 1980-1991 e 1991-
interior do estado. A diversificação econômi-
2000, respectivamente). Já os dados da Conta-
ca e a formação de espaços multifuncionais
gem da População do IBGE (2007), indicam que
nessas áreas, que, em alguns casos, dialogam
essa tendência se aprofundou após a virada do
com a agricultura moderna e a terceirização
milênio, uma vez que o município de São Paulo
das partes produtivas, causam impactos cada
teve TCG de 0,61% a.a., contra 1,63% a.a. da
vez mais evidentes na distribuição espacial da
periferia. No entanto, sabe-se que o fenômeno
população.
da dispersão demográfica no estado de SP ex-
De acordo com a definição de Richardson
trapola os limites da grande metrópole.
(1980), a desconcentração espacial da popula-
A partir da década de 1970, o processo
ção atravessa algumas etapas, a saber: a) a
de desconcentração econômico espacial, tam-
primeira envolveria a periferia imediata do
bém denominado reversão da polarização, pro-
core, com a população e as atividades econô-
porcionou a dispersão das atividades industriais
micas descentralizando-se nos satélites dentro
e de pessoas para fora dos limites da RMSP. De
da região core (o equivalente às áreas de uma
acordo com Matos (1995), “a desconcentração
grande região metropolitana); b) num segundo
demográfica coincide com a desconcentração
momento, também chamado de fase de des-
econômica em vários aspectos”. Sendo assim,
centralização concentrada, a dispersão atingi-
as deseconomias de aglomeração não somente
ria alguns centros de maior expressão; c) o pro-
atingem a distribuição geográfica das ativida-
cesso se completaria com a repetição da des-
des econômicas como também produzem no-
centralização intrarregional em outras regiões
vos rearranjos espaciais da população.
do sistema urbano, resultando numa hierarquia
urbano-regional estável.
A presença da indústria no interior de
São Paulo não pode ser considerada uma no-
Na RMSP, o processo de “periferização”
vidade.2 Na verdade, o novo está no aumento
sinalizava para uma mudança nas configura-
do grau de importância dessa região nas últi-
ções espaciais da população, uma vez que o
mas décadas, que assumiu o posto de segunda
maior ritmo de crescimento demográfico das
maior concentração industrial do país, supera-
periferias em relação ao núcleo metropolitano
da apenas pela RMSP (Lencioni, 2003).
indicava que a dispersão demográfica cumpria
Os principais fatores que impulsionaram
a primeira etapa definida por Richardson. Na
o crescimento industrial no interior paulista, a
década de 1970 a TCG da periferia metropoli-
partir da década de 1970, foram: a) a moderni-
tana era de 6,34% a.a. contra 3,67% a.a. do
zação da agricultura, que propiciou condições
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Douglas Sathler e Vitor Miranda
favoráveis para a estruturação dos complexos
O estudo realizado pelo Sebrae-SP (2007),
agroindustriais; b) a ampliação dos investi-
denominado “Onde estão as Micro e Pequenas
mentos do estado, principalmente do governo
Empresas em São Paulo”, analisou o comporta-
federal, com destaque para a instalação de re-
mento de empresas entre 2000 e 2004, cons-
finarias de petróleo em Paulínia e São José dos
tatando um expressivo aumento do número de
Campos, a consolidação do polo petroquímico
pequenos negócios no interior do estado. Ain-
de Cubatão e a expansão da Companhia Side-
da, o Anuário do Trabalho na Micro e Pequena
rúrgica Paulista (Cosipa), assim como a instala-
Empresa (Sebrae, 2008) destaca que as
ção de plantas industriais no setor de eletrônica,
informática e telecomunicações em Campinas,
além do pró-álcool, que estimulou o surgimento de novas indústrias complementares, como
a de bens de capitais; c) a política estadual de
[...] companhias menores têm papel importante na interiorização da economia,
gerando renda, emprego e retendo a população local com a oferta de empregos
cada vez mais qualificados.
construção de uma malha viária ampla e moderna, que diminuiu os custos de transporte e
propiciou novas alternativas locacionais para as
indústrias; d) a elevação dos custos de aglomeração na RMSP (Seade, 1998).
A dispersão da indústria para o interior
paulista foi acompanhada pelo aumento da
interligação e do relacionamento empresarial
dessas áreas com a grande metrópole nacional.
Segundo Gomes:
Nesse contexto de novos investimentos
no interior paulista, não se pode esquecer que
a dispersão da população pelo estado também
é reflexo do aumento do desemprego e precarização do trabalho na RMSP. Traduzem o surgimento de novas opções que se abrem a um
grande número de trabalhadores pouco dispostos a se engajarem novamente como mão de
obra barata, por exemplo, no emprego urbano-industrial formal, em que teriam de contabi-
[...] muitas empresas que se localizam no
Interior e capitais regionais possuem escritório em São Paulo, seja administrativo,
marketing ou comercial. Nesse sentido, a
relação do Interior com a metrópole não
se dá apenas com as empresas que a
deixaram, mas também com aquelas que
nunca estiveram localizadas na metrópole, geradas por capital local. (2009, p. 10)
Cleps (2003, p. 67) destaca que
lizar elevados custos de transporte e moradia
(Matos et al., 2004, p. 15).
Não obstante, mesmo que os fatores
econômicos sejam os principais definidores da
intensidade dos padrões migratórios recentes
verificados no estado de SP, deve-se ressaltar
a crescente importância dos fatores não econômicos relacionados à qualidade de vida e ao
bem-estar, cada vez mais decisivos no processo
de dispersão populacional.
[...] acompanhando o desenvolvimento industrial e a sua relativa desconcentração,
o que se percebeu foi um importante crescimento das atividades do setor terciário,
não só na capital como também em todo
o estado.
372
Book CM24_final.indb 372
A presença marcante de uma série de fatores atrativos em algumas regiões do interior
paulista, em conjunto com os fatores repulsivos
na RMSP, destacam a importância que os movimentos migratórios intraestaduais recentes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
09/11/2010 13:05:24
A desconcentração demográfica paulista em perspectiva
assumem para o entendimento da desconcentração demográfica no estado. Ademais, após
décadas de declínio da fecundidade em todo
o país e com grande intensidade no estado
de São Paulo, a contribuição da migração para as variações nas taxas de crescimento dos
municípios se torna cada vez mais evidente,
até porque, como destacam Amorim Filho e
Rigotti (2002, p. 2), “o crescimento vegetativo
da população é um processo mais lento e regular do que as flutuações resultantes dos fluxos
migratórios”.
Os próximos tópicos analisam a influência dos movimentos migratórios na evolução
da desconcentração demográfica em SP a partir
dos dados censitários de 1991 e 2000 e da Contagem da População 2007 (IBGE, 2008), destacando a relevância das novas aglomerações
metropolitanas, das cidades médias e dos pequenos municípios que fazem parte das microrregiões dos maiores polos regionais do interior
paulista no desenvolvimento desse processo.
se transformaram recentemente em áreas
metropolitanas: Campinas e Santos.3
A Região Metropolitana de Campinas
(RMC), constituída por uma rede urbana densa e articulada, conta com a mais expressiva
concentração industrial do interior paulista,
abrigando setores modernos e plantas industriais organizadas em complexas cadeias produtivas. Já a Região Metropolitana da Baixada
Santista (RMBS), com população superior a 1,6
milhões de habitantes em 2007 (IBGE, 2008),
destaca-se pela presença marcante das atividades comerciais. Segundo Caiado (2004, p. 5), na
RMBS “a indústria de transformação e o setor
terciário, baseados principalmente nas atividades portuárias, são os principais setores da
economia regional”. Assim, as transformações
geradas pelo intenso processo de interiorização
da industrialização nos anos 1970 extrapolaram os limites municipais de Campinas e Santos, consolidando no entorno desses municípios
importantes aglomerações urbanas.
De acordo com Baeninger (2004, p. 6), as
As novas aglomerações
metropolitanas paulistas:
migração e crescimento
populacional
novas aglomerações metropolitanas
[...] distinguem-se das antigas metrópoles, tanto por seu papel no contexto
do desenvolvimento econômico do país
quanto pelo menor poder de sua área de
influência, abrangendo espaços regionais
bastante restritos.
A desconcentração da indústria e de pessoas
em direção ao interior paulista produziu novas
Do ponto de vista demográfico, tanto a RMC
formas de organização territorial em visível con-
como a RMBS têm se destacado por apresen-
traste com o que dominava no passado. Bae-
tarem TCG relativamente elevadas se compara-
ninger e Gonçalves (2000, p. 7) ressaltam que
das ao da RMSP nas últimas décadas, além de
[...] as regiões que mais concentraram
atividades e população, nesse processo de
desconcentração industrial, foram as que
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
Book CM24_final.indb 373
se tornarem destino preferencial de um expressivo contingente de imigrantes procedentes da
grande metrópole.
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Douglas Sathler e Vitor Miranda
A RMBS e a RMC, mesmo diante da verificada tendência de diminuição do ritmo de
Baeninger e Gonçalves (2000, p. 31) destacam que
crescimento populacional durante o período de
[...] a estruturação da área, distribuição
espacial da população e o processo de
crescimento, expansão e ocupação do novo território metropolitano não podem ser
entendidos sem referência ao fenômeno
migratório.
1970-2007, ainda apresentam TCG superiores
ao que é observado na RMSP no final desse
período. Assim como verificado na RMSP, os
núcleos das novas aglomerações metropolitanas paulistas já não sustentam altas taxas de
crescimento entre 2000-2007. O dinamismo
Diante disso, este tópico demonstra de maneira
demográfico exibido pelas periferias metropo-
clara e breve a contribuição dos movimentos
litanas ainda consegue manter as TCG da RMC
migratórios recentes, para o processo de dis-
e da RMBS a níveis ainda significativos (ver Ta-
persão populacional e formação dos novos nú-
bela A1, anexo).
cleos metropolitanos no interior paulista.
Diante disso, parece claro que o processo
A Tabela 14 traz informações referentes
de periferização exerce um papel importante na
aos movimentos migratórios na RMBS, RMC
dinâmica demográfica das novas aglomerações
e RMSP entre 1986-1991 e 1995-2000. Nes-
metropolitanas. Segundo Sugimoto (2005, p.
se trabalho, consideraram-se como migrantes
10), na RMBS, “os mapas da dinâmica metro-
as pessoas maiores de 5 anos que em 1986 e
politana indicam movimentos migratórios im-
1995 não moravam no município de residência
portantes, principalmente da população pobre,
atual, respectivamente, em 1991 e 2000 (Data
do chamado núcleo duro formado por Santos
Fixa).5
e São Vicente para áreas periféricas”. Na RMC,
O saldo migratório (SM) pode ser enten-
a periferia apresenta um ritmo de crescimento
dido como o resultado da diferença entre imi-
notoriamente maior do que é verificado no mu-
grantes e emigrantes (Data Fixa), considerando
nicípio de campinas entre 2000 e 2007 (de 2,20
os efeitos indiretos do fluxo (Carvalho e Rigotti,
contra 1,00% a.a.).
1998, p. 341). Entretanto, o “saldo migratório”
Tabela 1 – Número de imigrantes, emigrantes (data fixa) e “saldo migratório” (SM)
para a RMC, RMBS e RMSP em 1986-1991 e 1995-2000
Região
metropolitana
Santos
Campinas
São Paulo
Imigrantes
1986-1991
Emigrantes
1986-1991
112.692
234.633
940.174
58.749
71.002
810.302
SM
1986-1991
53.942
163.631
129.872
Imigrantes
1995-2000
Emigrantes
1995-2000
SM
1995-2000
132.933
210.525
874.193
77.046
121.434
1.014.216
55.887
89.091
-140.023
Fonte: Censos demográficos de 1991 e 2000.
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A desconcentração demográfica paulista em perspectiva
calculado não está em plena conformidade
A Tabela 2 demonstra a procedência dos
com a conceituação teórica, pois desconside-
imigrantes da RMBS e da RMC de acordo com
ra os migrantes com menos de cinco anos de
os dados disponíveis nos Censos Demográficos
idade na data do recenseamento (efeito direto
de 1991 e 2000. Verifica-se um aumento signifi-
e indireto) e, também, não contabiliza o efeito
cativo de imigrantes originados da RMSP, assim
da migração internacional. Apesar disso, deve-
como da proporção em relação ao total, nas
se admitir que o “saldo migratório” ainda pode
novas aglomerações metropolitanas do estado.
ser considerado uma importante ferramenta de
Na RMBS o acréscimo no número de imigran-
investigação.
tes originados da RMSP foi de 15.721 pessoas
Tanto a RMC como a RMBS apresentam
do primeiro para o segundo período analisa-
SM positivos nos dois períodos analisados.
do. A proporção de imigrantes procedentes da
Verifica-se um pequeno aumento no SM para
maior metrópole do país na RMBS passou de
a RMBS, enquanto que na RMC o SM, ainda
36,73% para 42,97%, um aumento de 6,24 %.
positivo (89.091), diminuiu consideravelmen-
A RMC está em conformidade com o que ocor-
te entre 1986-1991 e 1995-2000. Chama a
reu na RMBS, já que apresentou um expressivo
atenção o fato de que a RMSP apresenta de-
aumento de imigrantes procedentes da RMSP
créscimo significativo do valor referente ao SM
(7.603) que passaram a representar, segundo o
nos dois períodos analisados (de 129.872 pa-
Censo de 2000, 28,68% do total.
ra -140.023), já que o número de pessoas que
Observa-se, também, um aumento sig-
deixam a grande metrópole para o interior do
nificativo de imigrantes procedentes do res-
estado e para outras regiões do Brasil chega a
tante de SP. Nesse sentido, a RMBS passou a
superar o volume de imigrantes na RMSP em
contar com um contingente de 21.780 imigran-
1995-2000.
tes provenientes do restante do estado, o que
Tabela 2 – Procedência dos imigrantes (data fixa) das novas aglomerações
metropolitanas do estado (1986-1991 e 1995-2000) por regiões predefinidas
Município
RMSP
Restante de SP
Outros estados
Total
Pessoas
%
Pessoas
%
Pessoas
%
Pessoas
%
Data Fixa (1986-1991)
RMBS
RMC
41.394
52.776
37
22
16.120
70.325
14
30
55.178
111.532
49
48
112.692
234.633
100
100
Data Fixa (1995-2000)
RMBS
RMC
57.115
60.379
43
29
21.780
64.916
16
31
54.038
85.230
41
40
132.933
210.525
100
100
Fonte: Censos demográficos de 1991 e 2000.
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Douglas Sathler e Vitor Miranda
corresponde a 16,38 % do total . No caso da
De acordo com Lajugie (1974, p. 12), a
RMC, verifica-se um tímido aumento da pro-
cidade média se define, antes de tudo, por suas
porção de imigrantes originados do restante do
funções, pela posição que ela ocupa na rede ur-
estado (de 29,97 para 30,84%).
bana, entre a metrópole, com vocação regional,
Os dados revelam com clareza que, nas
e os pequenos municípios, com influência pu-
últimas décadas, as novas aglomerações me-
ramente local (ibid., p. 4). Entretanto, a escolha
tropolitanas de SP contribuíram de maneira
dos limiares populacionais para a definição das
expressiva para a evolução da dispersão da
cidades médias depende não apenas do con-
população pelo estado. O próximo tópico irá
texto socioeconômico e cultural, mas também
realizar uma discussão sobre o papel de desta-
dos objetivos particulares de cada estudo. Em
que assumido pelas cidades médias do interior
regiões mais estagnadas e com particularida-
paulista no que tange ao desenvolvimento des-
des espaciais, a exemplo da Amazônia Legal
se processo.
brasileira, as cidades de médio porte demográfico nem sempre estão preparadas para servirem como intermediadoras de fluxos (bens, in-
Polos de crescimento
populacional: as cidades
médias do interior paulista
formações, serviços, mercadorias, entre outros).
Por outro lado, considerando o nível de complexidade e de amadurecimento da rede urbana
(ou redes urbanas) de São Paulo, a definição de
cidade média a partir de um critério estritamen-
6
As cidades médias paulistas, assim como ve7
rificado no estado de Minas Gerais, têm tido
te demográfico pode, se realizada com cautela,
gerar resultados positivos para a análise.
um crescimento populacional mais significativo
Sendo assim, um critério bastante razoá-
se comparado aos demais níveis hierárquicos
vel e que será adotado neste paper, define os
urbanos. De uma forma geral, essas cidades
municípios médios como aqueles não metropo-
desempenham papel fundamental no equilíbrio
litanos com população variando entre 200.000
e no funcionamento das redes urbanas de que
e 500.000 habitantes. Dessa forma, os municí-
fazem parte.
pios que guardam os nomes das microrregiões
Os limiares demográficos que definem
analisadas neste tópico são: Sorocaba, São Jo-
uma cidade média não são universais. No caso
sé do Rio Preto, Franca, São José dos Campos,
brasileiro, país populoso e com um imenso ter-
Bauru, Limeira, Piracicaba, Ribeirão Preto, Jun-
ritório marcado por profunda heterogeneidade
diaí, Marília e São Carlos.8 Em SP, essas cidades
social, cultural e econômica, segundo Amorim
de médio porte populacional apresentam ta-
Filho e Rigotti (2002, p. 13), “não poderíamos
manho demográfico e funcional suficiente para
esperar outra coisa se não grande variabilidade
que possam oferecer um leque diversificado de
na hierarquia e no relacionamento das cidades
bens e serviços ao espaço microrregional em
com a região e o sistema urbano dos quais fa-
que estão inseridas, desempenhando o papel
zem parte”.
de centros de crescimento econômico regional.
376
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A desconcentração demográfica paulista em perspectiva
De maneira agregada, a TCG dos muni-
As informações contidas na Tabela 3 su-
cípios médios de SP (2,2% a.a.) é superior ao
gerem que o dinamismo demográfico exibido
valor encontrado para os demais municípios
recentemente pelas cidades médias deve-se,
não metropolitanos sedes de microrregião pre-
em grande medida, à contribuição dos SM fran-
sentes no estado (1,7% a.a.). Apenas os muni-
camente positivos para a maior parte dos muni-
cípios de Ribeirão Preto, Piracicaba e Jundiaí
cípios estudados nos dois períodos em questão.
não apresentam TCG superior a 2% a.a. entre
Sorocaba, São José do Rio Preto, São José dos
1991 e 2000 (ver Tabela A2, anexo). Apesar da
Campos, Bauru e São Carlos se destacam pelos
tendência decrescente das TCG para o total de
valores de SM mais elevados. Apenas o muni-
municípios de médio porte de 1970 a 2000, de-
cípio de Jundiaí apresentou SM negativo nos
ve-se ressaltar que a dispersão demográfica se
dois períodos analisados, apesar do verificado
manifestou com maior nitidez nas últimas déca-
aumento de imigrantes em relação à pequena
das analisadas, sobretudo, devido à diminuição
queda no número de emigrantes.
mais expressiva do crescimento demográfico
Entretanto, os dados demonstram que a
da RMSP. Os dados da Contagem da População
redução do crescimento populacional das cida-
revelam que os municípios médios de SP apre-
des médias paulistas nas duas últimas décadas
sentaram, no total, uma TCG de 1,39%a.a. en-
analisadas (ver Tabela A2, anexo) se deve em
tre 2000-2007, com impactos significativos nos
boa parte à diminuição significativa do SM que,
valores absolutos já que essa taxa incidiu sobre
só entre 1986-1991 e 1995-2000, no total, pas-
um estoque populacional superior aos das dé-
sou de 140.035 para 108.085.
cadas anteriores, refletindo em um incremento
de 383.912 pessoas em apenas sete anos.
As Tabelas 4 e 5 permitem o melhor entendimento da evolução da procedência dos
Tabela 3 – Número de imigrantes, emigrantes (data fixa) e “saldo migratório” (SM)
para as cidades médias paulistas em 1986-1991 e 1995-2000
Município
Sorocaba
São José do Rio Preto
Franca
São José dos Campos
Bauru
Limeira
Piracicaba
Ribeirão Preto
Jundiaí
Marília
São Carlos
Total
Imigrantes
1986-1991
Emigrantes
1986-1991
SM
1986-1991
Imigrantes
1995-2000
Emigrantes
1995-2000
SM
1995-2000
41.168
42.977
24.402
47.690
30.202
19.067
22.014
36.529
22.037
17.540
15.961
22.375
15.296
8.491
23.349
13.602
8.235
12.256
24.173
31.714
12.815
7.244
18.793
27.681
15.911
24.340
16.600
10.831
9.758
12.356
-9.677
4.725
8.717
50.783
44.937
18.090
48.858
31.463
16.967
22.847
39.003
28.231
19.476
20.109
30.151
23.666
14.377
31.808
18.798
11.722
14.278
35.893
31.073
11.693
9.219
20.632
21.271
3.713
17.050
12.664
5.246
8.569
3.111
-2.843
7.783
10.891
319.585
179.550
140.035
340.763
232.678
108.085
Fonte: Censos demográficos de 1991 e 2000.
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Douglas Sathler e Vitor Miranda
imigrantes entre 1986-1991 e 1995-2000 nas
da grande metrópole aumentou em oito dos
cidades médias paulistas. A desconcentração
onze municípios analisados. Apenas os muni-
demográfica no estado é evidenciada pelo au-
cípios de São José do Rio Preto, Ribeirão Preto
mento do número de imigrantes originados da
e Bauru, apesar do ligeiro aumento do valor
RMSP, com o acréscimo de 12.245 imigrantes
absoluto deste último, não apresentaram au-
entre os períodos analisados (2,3% do to-
mento da proporção de imigrantes que vieram
tal). A proporção de imigrantes procedentes
da RMSP.
Tabela 4 – Procedência dos imigrantes dos municípios polos
(data-fixa) 1986-1991 por regiões predefinidas
Microrregião
Município
Sorocaba
São José do Rio Preto
Franca
São José dos Campos
Bauru
Limeira
Piracicaba
Ribeirão Preto
Jundiaí
Marília
São Carlos
Total
RMSP
Restante
Pessoas
Outros estados
%
Pessoas
%
Total
Pessoas
%
Pessoas
%
Pessoas
2.955
6.629
3.427
3.860
3.891
757
1.414
2.569
895
2.235
874
7,20
15,40
14,00
8,10
12,90
4,00
6,40
7,00
4,10
12,70
5,50
10.705
9.042
2.710
10.299
7.259
3.482
4.216
8.177
4.268
4.841
3.170
26,0
21,0
11,1
21,6
24,0
18,3
19,2
22,4
19,4
27,6
19,9
14.619
17.616
4.148
8.791
12.255
6.084
7.535
12.871
5.632
7.141
6.062
35,5
41,0
17,0
18,4
40,6
31,9
34,2
35,2
25,6
40,7
38,0
12.889
9.691
14.117
24.739
6.797
8.743
8.848
12.912
11.241
3.323
5.855
31,1
22,5
57,9
51,9
22,5
45,9
40,2
35,3
51,0
18,9
36,7
41.168
42.977
24.402
47.690
30.202
19.067
22.014
36.529
22.037
17.540
15.961
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
%
29.505
9,20
68.169
21,3
102.754
32,2
119.157
37,3
319.585
100
Fonte: Censo demográfico 1991.
Tabela 5 – Procedência dos imigrantes dos municípios polos
(data-fixa) 1995-2000 por regiões predefinidas
Município
Sorocaba
São José do Rio Preto
Franca
São José dos Campos
Bauru
Limeira
Piracicaba
Ribeirão Preto
Jundiaí
Marília
São Carlos
Total
Microrregião
RMSP
Restante
Pessoas
Outros estados
%
Pessoas
%
Total
Pessoas
%
Pessoas
%
Pessoas
5.432
6.222
2.308
3.867
4.480
727
1.394
2.871
3.171
2.309
893
10,7
13,8
12,8
7,9
14,2
4,3
6,1
7,4
11,2
11,9
4,4
16.824
8.311
2.826
10.867
7.354
3.499
4.924
6.488
8.910
5.461
4.950
33,1
18,5
15,6
22,2
23,4
20,6
21,6
16,6
31,6
28,0
24,6
16.532
20.328
4.803
10.454
13.004
6.770
8.621
13.391
7.424
8.225
8.368
32,6
45,2
26,5
21,4
41,3
39,9
37,7
34,3
26,3
42,2
41,6
11.994
10.075
8.153
23.670
6.625
5.972
7.908
16.253
8.726
3.481
5.899
23,6
22,4
45,1
48,4
21,1
35,2
34,6
41,7
30,9
17,9
29,3
50.783
44.937
18.090
48.858
31.463
16.967
22.847
39.003
28.231
19.476
20.109
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
%
33.673
9,9
80.414
23,6
117.921
34,6
108.755
31,9
340.763
100
Fonte: Censo demográfico 2000.
378
Book CM24_final.indb 378
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A desconcentração demográfica paulista em perspectiva
Mesmo com o decréscimo da proporção
A partir da coleção de mapas represen-
de imigrantes procedentes da própria micror-
tados na Figura 1 torna-se evidente a exis-
região em seis dos onze municípios analisa-
tência de um maior nível de relacionamento,
dos, no total, ocorreu um aumento de 9,2 para
em termos de volume de imigrantes, das ci-
9,9%, com destaque para o acréscimo observa-
dades médias paulistas com a RMSP do que
do em Jundiaí e Sorocaba (7,1 e 3,5% respec-
com as próprias microrregiões a que fazem
tivamente). De um modo geral, os decréscimos
parte.
nos municípios de São José do Rio Preto, Fran-
Nos municípios de São Carlos, Limeira,
ca, São José dos Campos, Piracicaba, Marília e
Piracicaba, Sorocaba e Jundiaí, o aumento da
São Carlos foram pouco expressivos, sem im-
proporção de imigrantes entre os períodos ana-
plicar grandes variações no número absoluto
lisados pode ser visualizado facilmente a partir
desses imigrantes.
dessa representação cartográfica (verificar es-
Os municípios de Franca, São José dos
pessura das setas).
Campos e Jundiaí ainda apresentaram alta
Em Franca, o maior distanciamento geo-
proporção de imigrantes procedentes de outras
gráfico em relação à RMSP implica menor
unidades da federação em 1995-2000, mesmo
proporção de imigrantes da grande metrópole
com o decréscimo em relação a 1986-1991. No
tanto em 1986-1991 quanto em 1995-2000.9
total, a evolução da proporção de imigrantes
Isso também pode ser observado para São José
interestaduais (de 37,3 para 31,9%) está de
do Rio Preto e, até mesmo, para Ribeirão Preto,
acordo com a tendência observada para o esta-
que em 1995-2000 apresentavam níveis de re-
do como um todo.
lacionamento baixos com RMSP se comparado
O mapeamento da procedência dos imigrantes das cidades médias paulistas se revela
ao que ocorre nas outras cidades médias do
estado.
extremamente importante para o avanço das
O próximo tópico discute a desconcentra-
discussões referentes à dispersão demográfica
ção demográfica no estado de São Paulo a par-
em SP, uma vez que os mapas permitem pen-
tir do verificado crescimento populacional dos
sar sobre o impacto exercido pelo componente
pequenos municípios pertencentes às microrre-
geográfico no que tange aos diferentes padrões
giões das cidades médias não metropolitanas.
migratórios. Segundo Matos (1995), “torna-se
Esse tipo de análise se demonstra cada vez
indispensável visualizar no espaço geográfico a
mais relevante, sobretudo, devido ao recente
redistribuição dos fluxos migratórios focalizan-
aumento dos fatores de atração populacional
do as localidades que mais participam como
apresentado por esses conjuntos de pequenos
receptoras e emissoras”.
municípios.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
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379
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Douglas Sathler e Vitor Miranda
Figura 1 – Coleção de mapas: distribuição proporcional
da procedência dos imigrantes das cidades médias paulistas
(polos de crescimento demográfico) nos períodos 1986-1991 e 1995-2000
Polos paulistas
Municípios que compõem a
microrregião do polo
Demais regiões
Delimitador das microrregiões
selecionadas
Legenda
Porcentagem de imigrantes
Imigrantes provenientes da
RMSP e microrregião do polo
Delimitador da microrregião
selecionada
Imigrantes provenientes do
restante de SP e outros estados
Microrregião amplida
Legenda
Imigrantes provenientes da
RMSP e microrregião do polo
Imigrantes provenientes do
restante de SP e outros estados
Book CM24_final.indb 380
0 a 9,99
2000
0 a 9,99
10 a 19,99
10 a 19,99
20 +
20 +
Porcentagem de imigrantes
Delimitador da microrregião
selecionada
1991
Microrregião amplida
0 a 9,99
2000
0 a 9,99
10 a 19,99
10 a 19,99
20 +
20 +
Porcentagem de imigrantes
Legenda
380
1991
Imigrantes provenientes da
RMSP e microrregião do polo
Delimitador da microrregião
selecionada
Imigrantes provenientes do
restante de SP e outros estados
Microrregião amplida
1991
0 a 9,99
2000
0 a 9,99
10 a 19,99
10 a 19,99
20 +
20 +
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09/11/2010 13:05:25
A desconcentração demográfica paulista em perspectiva
Porcentagem de imigrantes
Legenda
Imigrantes provenientes da
RMSP e microrregião do polo
Imigrantes provenientes do
restante de SP e outros estados
Delimitador da microrregião
selecionada
1991
Microrregião amplida
0 a 9,99
2000
0 a 9,99
10 a 19,99
10 a 19,99
20 +
20 +
Porcentagem de imigrantes
Legenda
Imigrantes provenientes da
RMSP e microrregião do polo
Delimitador da microrregião
selecionada
Imigrantes provenientes do
restante de SP e outros estados
Microrregião amplida
Legenda
Imigrantes provenientes da
RMSP e microrregião do polo
Imigrantes provenientes do
restante de SP e outros estados
1991
0 a 9,99
2000
0 a 9,99
10 a 19,99
10 a 19,99
20 +
20 +
Porcentagem de imigrantes
Delimitador da microrregião
Delimitador da microrregião
selecionada
selecionada
Microrregião amplida
Microrregião amplida
1991
0 a 9,99
2000
0 a 9,99
10 a 19,99
10 a 19,99
20 +
20 +
Fonte: Censos Demográficos de 1991 e 2000.
Elaboração: Douglas Sathler (Cedeplar/UFMG).
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381
09/11/2010 13:05:25
Douglas Sathler e Vitor Miranda
São Paulo dos pequenos
notáveis
Estudos recentes10 enfatizam a crescente
diversificação econômica e a emergência de
espaços multifuncionais a partir da disseminação de novas formas de produção e de sobre-
No que diz respeito à proliferação de centros
vivência nos pequenos municípios e nas áreas
locais na rede urbana paulista, deve-se ter em
rurais brasileiras. Nesse sentido, a pluriativida-
mente que esse fenômeno pode responder, em
de no Brasil aparece como importante alterna-
maior ou em menor medida, a uma tendência
tiva de emprego e renda, já que o desemprego
nacional: os centros locais estão mais urbani-
e o subemprego nas atividades tradicionais
zados e mais integrados do que se observava
eram decisivos na manutenção das altas taxas
há décadas atrás. Sob essa perspectiva, pode-
de êxodo que incidiam sobre essas áreas.
se inferir que existe no Brasil, atualmente, uma
O crescimento no número de micro e pe-
maior integração desses pequenos municípios
quenas empresas nos pequenos municípios de
com os demais centros urbanos inseridos nas
São Paulo, identificado com base na pesquisa
redes, assim como uma maior participação des-
do Sebrae (2007), entre 2000 e 2004, é resul-
tes como nós com relação aos diversos fluxos
tado de um conjunto de vantagens compara-
materiais e imateriais. Sendo assim, para en-
tivas que, de acordo com Tiago (2008), têm
tender a maior inserção dos pequenos muni-
contribuído para o crescimento das economias
cípios nas redes urbanas, deve-se não apenas
locais e são capazes de evitar o êxodo para as
olhar para as mudanças que estão ocorrendo
capitais. Com relação às transformações dos
fora desses lugares, mas, também, perceber as
pequenos municípios próximos às áreas mais
transformações que estão ocorrendo no interior
dinâmicas do país, Tiago destaca que
desses pequenos centros locais.
No Brasil, de forma geral, esse aumento da urbanidade nas pequenas cidades, que,
anteriormente, tinham sua economia menos
diversificada e apoiada, quase que exclusivamente, nas atividades ligadas à terra, está
relacionado a um conjunto de fatores, tais como: a) melhoria no nível geral das condições
de vida e diminuição da pobreza; b) maior
acesso à informação e a sensação de que as
distâncias são menores do que no passado;
c) melhoria na infraestrutura regional e intra-
[...] o crescimento econômico vivido nos
últimos anos, o avanço do agronegócio e
a migração da indústria das regiões metropolitanas para as cidades do interior
são incentivos importantes para a criação
de um ambiente de fomento aos negócios
de menor porte. Juntam-se a isso incentivos fiscais oferecidos pelos municípios,
custos menores para a compra de terrenos ou aluguéis de galpões e mão de obra
mais barata. (2008, p. 3)
Com relação ao trabalho, o autor ressalta
que, nos pequenos e médios municípios,
municipal; d) maior integração dos moradores com pessoas que residem em municípios
médios ou grandes, a exemplo de parentes e
amigos, ou mesmo com migrantes retornados
(Sathler, 2009).
382
Book CM24_final.indb 382
[...] a mão de obra está mais qualificada,
atraindo negócios. Com o avanço da internet e o crescimento de universidades
no interior, o conhecimento é muito mais
disseminado. (Ibid., p. 3)
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
09/11/2010 13:05:25
A desconcentração demográfica paulista em perspectiva
As indagações sobre as mudanças que
Entre 2000 e 2007, os dados impressio-
vêm ocorrendo nos pequenos municípios e nas
nam, já que a população total desses conjuntos
áreas rurais do país chegam a impressionar,
de pequenos municípios passou de 1.015.016
sobretudo, ao se recordar que há não muito
para 1.200.476 e a TCG, nesse período, foi de
tempo, vários estudiosos temiam o esvazia-
2,43%a.a, bem superior ao que foi calculado
mento dessas áreas, alardeando-o como ten-
para as décadas anteriores. Nesse período, os
dência inexorável (Matos et al., 2004). Sathler
conjuntos de pequenos municípios de Sorocaba
(2005, p. 13) destaca a crescente capacidade
(7,56%a.a.) e Jundiaí (4,14%a.a.) continua-
das áreas rurais e dos pequenos municípios de
ram a se destacar, sobretudo diante da posição
reter e atrair trabalhadores, ou seja, de uma
estratégica dessas microrregiões, próximas à
forma geral, já não se sobressaem os fatores de
maior aglomeração urbana do país. Ainda, os
repulsão populacional nas regiões com maior
pequenos notáveis de Marília (6.89%a.a.) me-
diversificação econômica.
recem destaque nesse período.
Assim, esta seção pretende lançar mão
Com relação aos pequenos municípios de
de alguns dados que refletem essas transforma-
Sorocaba, a ideia da criação de espaços funcio-
ções, analisando alguns aspectos da dinâmica
nais parece estar de acordo com os achados do
demográfica dos municípios paulistas não me-
Sebrae (2008). Esses pequenos municípios fa-
tropolitanos com população inferior a 30.000
zem parte do que a pesquisa chamou de “um
habitantes (pequenos municípios) pertencentes
bom exemplo de polo que está atraindo novas
às microrregiões das cidades médias trabalha-
empresas”. Considerando toda a microrregião
das no tópico anterior. Será realizada uma bre-
de Sorocaba, a pesquisa destaca que, “o grupo
ve discussão sobre o crescimento populacional
de municípios recebeu, nos últimos dez anos,
e os movimentos migratórios dos pequenos
25 fábricas (14 só em Sorocaba). Estas em-
municípios pertencentes às microrregiões que
presas migraram, em esmagadora maioria, da
guardam o nome das cidades médias paulistas.
RMSP” (Sebrae, 2008, p. 4).
A Tabela A3 (anexo), que representa a
Os pequenos municípios de Marília se in-
população e as TCG entre 1970 e 2007 dos
serem em um contexto regional de investimen-
conjuntos de pequenos municípios contidos
tos recentes, com destaque para a instalação
nas microrregiões das cidades médias paulis-
de indústrias de alimentos, bebidas e de insu-
tas, demonstra que, no total, existe uma clara
mos agrícolas. Parece claro que essas indústrias
tendência de aumento das taxas de cresci-
possuem potencial gravitacional suficiente pa-
mento com o passar das décadas, passando de
ra atrair indústrias e empresas prestadoras de
0,61%a.a. na década de 1970 para 1,98%a.a.
serviços, diretos e indiretos, de menor porte,
entre 1991-2000. Verifica-se que os conjuntos
o que diversifica a economia e coloca os pe-
de pequenos municípios de todas as microrre-
quenos municípios da região no rol daqueles
giões em estudo apresentaram TCG positivas
com maior poder de retenção e atratividade
entre 1991 e 2000, com destaque para os pe-
populacional.
quenos municípios de Sorocaba (4,03%a.a.) e
Jundiaí (4,3%a.a).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
Book CM24_final.indb 383
A microrregião de Jundiaí possui posição privilegiada do ponto de vista das
383
09/11/2010 13:05:25
Douglas Sathler e Vitor Miranda
Tabela 6 – Número de imigrantes, emigrantes (data fixa)
e “saldo migratório” (SM) para os conjuntos de pequenos municípios
pertencentes às microrregiões das cidades médias paulistas em 1986-91 e 1995-2000
Município
Sorocaba
São José do Rio Preto
Franca
São José dos Campos
Bauru
Limeira
Piracicaba
Ribeirão Preto
Jundiaí
Marília
São Carlos
Total
Imigrantes
1986-1991
Emigrantes
1986-1991
SM
1986-1991
Imigrantes
1995-2000
Emigrantes
1995-2000
SM
1995-2000
7.297
21.043
6.671
2.650
10.738
7.897
9.069
17.857
10.268
7.653
7.920
1.855
17.342
5.746
1.059
12.780
3.514
3.733
7.365
1.744
7.715
4.374
5.442
3.702
924
1.591
-2.042
4.383
5.336
10.492
8.523
-62
3.546
9.303
25.408
7.054
2.785
12.245
8.684
10.414
18.877
11.502
7.789
8.070
3.717
15.461
4.851
1.373
9.973
4.239
4.682
10.693
3.900
6.443
4.740
5.587
9.946
2.202
1.413
2.273
4.445
5.733
8.184
7.602
1.346
3.330
109.063
67.226
41.837
122.133
70.072
52.061
Fonte: Censos demográficos de 1991 e 2000.
*Deve-se tomar cuidado na confiabilidade dos dados referentes ao conjunto de pequenos municípios da micro. de São José
dos Campos, já que a amostra é pequena.
oportunidades econômicas, já que está encai-
em grande medida, aos saldos migratórios po-
xada entre a RMC e a maior região metropo-
sitivos exibidos por essas regiões. A partir da
litana do país, a RMSP. No pequeno município
observação da Tabela 6,11 percebe-se que em
de Louveira, a atividade industrial teve um im-
1986-1991 apenas dois conjuntos de pequenos
portante incremento a partir de 1997, com a
municípios apresentavam SM negativos. Já em
implantação da Procter & Gamble do Brasil &
1995-2000, todos os conjuntos de pequenos
Cia que, de acordo com as informações da pre-
municípios estudados apresentaram SM positi-
feitura da cidade, gerou 870 empregos diretos.
vo. Diante disso, no total, o aumento observado
Já Itupeva tem se destacado pelo incremento
no SM entre os períodos de 1986-1991 e 1995-
das atividades turísticas, chácaras de lazer e
2000 foi bastante significativo.
condomínios residenciais. Segundo os dados
Os números surpreendem, sobretudo,
da prefeitura da cidade, o desenvolvimento da
ao pensar que, no caso das cidades médias,
indústria e do setor de serviços tem proporcio-
que no total abrigavam uma população de
nado o aumento da arrecadação tributária e do
3.791.969 em 2000, o SM foi de 108.085 pa-
número de empregos.
ra 1995-2000, enquanto que os conjuntos de
Essa tendência de recuperação do cres-
pequenos municípios das microrregiões que
cimento demográfico exibida pelos conjuntos
guardam os nomes dessas mesmas cidades
de pequenos municípios em estudo se deve,
médias apresentaram, quando somados, SM
384
Book CM24_final.indb 384
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
09/11/2010 13:05:26
A desconcentração demográfica paulista em perspectiva
pouco inferior à metade do que foi observado
da RMSP passou de 18.702 em 1986-1991 para
no total para esses polos regionais (52.061),
26.765 em 1995-2000.
mas abrigando um estoque populacional que,
O mesmo ocorre com a proporção de
no total, correspondia a quase um quarto (cer-
imigrantes procedentes da sede da própria mi-
ca de 26,7%) do que possuem as sedes das
crorregião que, no total, passou de 14,9% para
microrregiões em estudo no ano de 2000. Fa-
17,9% entre 1986-1991 e 1995-2000. Porém,
zendo uma interpretação um pouco grosseira,
verifica-se que as proporções de imigrantes
pode-se dizer que os conjuntos de pequenos
oriundos do restante do estado e de outras uni-
municípios analisados tiveram maior capacida-
dades da federação diminuíram entre os dois
de de atratividade populacional (o dobro) do
períodos analisado.
que o total das cidades médias trabalhadas no
tópico anterior.
Parece claro que a desconcentração demográfica que esteve em curso na década de
Ainda, as Tabelas 7 e 8 permitem avaliar
1990 também teve a participação dos peque-
a procedência dos imigrantes das áreas pre-
nos municípios inseridos nas microrregiões
dominantemente rurais em estudo.
mais dinâmicas do estado. Apesar da ausência
O que mais chama a atenção é o fato
de dados sobre migração para os pequenos no-
de que entre 1986-1991 e 1995-2000 ocorreu
táveis após a virada do milênio, os dados da
um aumento da proporção de imigrantes pro-
Contagem da População 2007 (IBGE, 2008)
cedentes da RMSP para essas áreas de 17,1%
indicam que esses movimentos populacionais
para 21,9%, o que evidencia mais uma vez o
se intensificaram, o que ressalta a importân-
papel importante que os pequenos municípios
cia desses municípios na rede de centralidades
assumem para a evolução do processo de des-
paulista, com impactos que devem ser levados
concentração demográfica em SP. Em termos
em consideração pelos gestores e formuladores
absolutos, o número de imigrantes nessas áreas
de políticas públicas municipais e estaduais.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
Book CM24_final.indb 385
385
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386
Book CM24_final.indb 386
1.854
Franca
1.026
1.180
Marília
São Carlos
14,9
14,9
13,4
26,0
10,8
14,0
5,2
10,8
6,0
27,8
14,2
21,4
%
6.047
0
1.048
31
1.253
839
619
428
288
0
1.108
431
Pessoas
5,5
0,0
13,7
0,3
7,0
9,3
7,8
4,0
10,9
0,0
5,3
5,9
%
Resto da Micro
18.702
1.200
1.111
1.724
2.803
1.953
735
2.048
896
583
3.889
1.760
Pessoas
17,1
15,0
14,5
16,8
15,7
21,5
9,3
19,1
33,8
8,7
18,5
24,1
%
Microrregião
38.584
3.470
3.138
3.063
5.745
2.413
2.513
5.437
389
1.594
8.749
2.073
Pessoas
RMSP
35,4
43,8
41,0
29,8
32,2
26,6
31,8
50,6
14,7
23,9
41,6
28,4
%
29.531
2.070
1.330
2.784
6.126
2.595
3.618
1.664
918
2.639
4.317
1.471
Pessoas
27,1
26,1
17,4
27,1
34,3
28,6
45,8
15,5
34,6
39,6
20,5
20,2
%
Resto de SP
109.063
7.920
7.653
10.268
17.857
9.069
7.897
10.738
2.650
6.671
21.043
7.297
Pessoas
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
%
Outros estados
Fonte: Censo Demogrático 1991.
* Deve-se tomar cuidado na confiabilidade dos dados referentes ao conjunto de pequenos municípios da micro de São José dos Campos, já que a amostra é pequena.
16.198
2.666
Jundiaí
Total
1.930
Ribeirão Preto
411
1.269
Limeira
Piracicaba
1.160
Bauru
159
2.981
São José do Rio Preto
São José dos Campos
1.563
Pessoas
Sede da Micro
Sorocaba
Município
340.763
20.109
19.476
28.231
39.003
22.847
16.967
31.463
48.858
18.090
44.937
50.783
Pessoas
Total
%
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
Tabela 7 – Procedência dos imigrantes dos pequenos municípios integrantes da microrregião polo (data fixa) – 1986-1991
Douglas Sathler e Vitor Miranda
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
2.459
Franca
1.920
1.226
1.473
Jundiaí
Marília
São Carlos
17,6
18,3
15,7
16,7
17,3
11,2
6,7
15,5
7,5
34,9
20,4
22,2
620
7.069
0
779
415
1.067
1.011
793
521
376
0
1.487
5,8
0,0
10,0
3,6
5,7
9,7
9,1
4,3
13,5
0,0
5,9
6,7
%
Resto da Micro
Pessoas
RMSP
26.765
1.291
1.726
2.491
3.072
3.022
1.217
3.044
1.296
711
5.394
3.500
Pessoas
21,9
16,0
22,2
21,7
16,3
29,0
14,0
24,9
46,5
10,1
21,2
37,6
%
37.952
3.176
3.104
2.759
5.319
2.959
2.519
5.802
265
1.811
8.052
2.186
31,1
39,4
39,9
24,0
28,2
28,4
29,0
47,4
9,5
25,7
31,7
23,5
%
Resto de SP
Pessoas
933
28.888
2.130
954
3.916
6.148
2.253
3.570
980
639
2.072
5.292
23,7
26,4
12,2
34,0
32,6
21,6
41,1
8,0
22,9
29,4
20,8
10,0
%
Outros estados
Pessoas
Total
122.133
8.070
7.789
11.502
18.877
10.414
8.684
12.245
2.785
7.054
25.408
9.303
Pessoas
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
%
Fonte: Censo Demogrático 1991.
* Deve-se tomar cuidado na confiabilidade dos dados referentes ao conjunto de pequenos municípios da micro de São José dos Campos, já que a amostra é pequena.
21.459
3.271
Total
1.169
Ribeirão Preto
586
Limeira
Piracicaba
1.898
Bauru
209
5.183
São José dos Campos
2.065
São José do Rio Preto
%
Sede da Micro
Pessoas
Sorocaba
Município
Tabela 8 – Procedência dos imigrantes dos pequenos municípios integrantes da microrregião polo (data fixa) – 1995-2000
A desconcentração demográfica paulista em perspectiva
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Considerações finais
Diante disso, define-se uma nova realidade urbana no interior paulista, na qual os
A redução dos expressivos ganhos populacio-
problemas antes exclusivos da RMSP passam a
nais que ocorreram na maior parte do século
se apresentar também nas novas aglomerações
XX constitui uma importante evidência que si-
metropolitanas e, em menor medida, nas cida-
naliza para um estado de um novo tempo. Os
des médias, o que torna crescente a demanda
SM positivos das novas aglomerações metropo-
por novos instrumentos de ordenação e gestão
litanas paulistas e de todas as cidades médias
territorial urbana
entre 1995-2000 (exceto Jundiaí) confirmam a
A desconcentração demográfica no es-
importância do estudo dos movimentos migra-
tado é um processo que parece não ter mais
tórios para o entendimento da desconcentra-
volta. Nada indica que os contingentes de mão
ção demográfica no estado.
de obra excedentes dos setores formais voltem
Parece claro o papel de destaque que a
a reingressar efetivamente em atividades rees-
RMSP assume para a manutenção das elevadas
truturadas em um novo ciclo de crescimento
TCG das novas aglomerações metropolitanas
econômico. São muitos os fatores que atraem
do estado, uma vez que a proporção de imi-
as pessoas para fora da RMSP em direção às
grantes procedentes da grande metrópole che-
cidades médias paulistas e os pequenos muni-
ga até mesmo a ultrapassar, como no caso da
cípios mais dinâmicos do estado.
RMBS, a proporção de imigrantes oriundos de
Ao final, estudos posteriores poderão de-
todo o restante de SP. O aumento da proporção
monstrar com clareza a dimensão do impacto
de imigrantes originados da RMSP também é
da migração de retorno no crescimento dos
observado em grande parte das cidades médias
polos paulistas para as últimas décadas, assim
paulistas e nos conjuntos agregados dos pe-
como nos pequenos municípios investigados
quenos municípios estudados.
neste trabalho.
Douglas Sathler
Geógrafo. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
[email protected]
Vitor Miranda
Economista. University of Pennsylvania. Philadelphia, Estados Unidos.
[email protected]
388
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A desconcentração demográfica paulista em perspectiva
Notas
(1) A Contagem da População 2007 (IBGE, 2008), mesmo diante de suas limitações no que diz respeito à qualidade dos dados gerados, parece confirmar algumas tendências que se desenhavam
com base nos resultados dos dois úl mos censos demográficos.
(2) De acordo com Lencioni (2003), já na década de 1920, por volta de 30% da produção industrial
paulista era proveniente do interior, com destaque para as regiões de Sorocaba e de Campinas,
que concentravam 21,2% dos operários do estado de SP.
(3) A criação da RMC foi aprovada pela Assembleia Legisla va do Estado em 24/5/2000. Já a RMBS,
foi ins tuída anteriormente pela lei complementar estadual número 815, em 30/7/1996.
(4) Deve-se deixar claro que os dados mais recentes sobre migração provenientes da PNAD 2008 são
bastante limitados em termos de poder analí co. Sendo assim, os Censos Demográficos e os
dados/es ma vas presentes na Contagem da População 2007 (IBGE, 2008) são u lizados para
lançar luz sobre os problemas inves gados nesse tópico.
(5) Não devem ser contabilizados como migrantes os movimentos de indivíduos que não estabelecem residência permanente no local de des no, uma vez que o conceito de migração “referese às mudanças de residência entre unidades espaciais bem definidas”. Os limites territoriais a
serem transpostos devem ser especificados e, após o recorte temporal ser definido, só serão
consideradas as mudanças de residências nesse período (Carvalho e Rigo , 1998, p. 339).
(6) Todos os dados inves gados nesse tópico consideram o município como unidade de análise.
(7) Ver Umbelino e Sathler (2005).
(8) Os municípios de São José dos Campos (539.313 hab.), Ribeirão Preto (504.923 hab.), São Carlos
(192.998 hab.) e Marília (197.342 hab.) extrapolam em pouco os limiares populacionais estabelecidos para o ano de 2000.
(9) A alta proporção de imigrantes interestaduais nesse município nos períodos analisados pode ser,
em boa parte, explicada pela grande proximidade geográfica com o Sul de Minas Gerais, região
que conta com cidades importantes do ponto de vista regional.
(10) Ver Sathler (2005) e Matos et al. (2004).
(11) Nessa tabela, os imigrantes e emigrantes não foram simplesmente somados para se chegar ao
SM. Nesse cálculo, todos os movimentos migratórios que ocorreram dentro de cada conjunto de
pequenos municípios não foram contabilizados.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
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Douglas Sathler e Vitor Miranda
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Texto recebido em 22/fev/2010
Texto aprovado em 5/abr/2010
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
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Book CM24_final.indb 392
8.139.705
5.924.612
2.215.093
RMSP
Núcleo
Periferia
4.095.528
8.493.217
12.588.745
612.235
664.566
1.276.801
544.566
416.677
961.243
1980
5.795.423
9.649.519
15.444.942
1.019.290
846.737
1.866.027
791.326
428.923
1.220.249
1991
2000
7.444.451
10.434.252
17.878.703
1.368.752
969.396
2.338.148
1.028.798
448.022
1.476.820
Fonte: IBGE, Censos de 1970-2000. IBGE, contagem da População (2007).
304.962
680.826
RMC
Periferia
307.800
Periferia
375.864
345.630
Núcleo
Núcleo
653.430
RMBS
1970
8.337.379
10.886.518
19.223.897
1.594.226
1.039.297
2.633.523
1.188.575
418.288
1.606.863
2007
6,34
3,67
4,46
7,22
5,86
6,49
5,87
1,89
3,94
TCG
70-80
3,21
1,17
1,88
4,74
2,23
3,51
3,46
0,26
2,19
TCG
80-91
Tabela A1 – População e TCG das novas aglomerações metropolitanas
paulistas (núcleo e periferia) e da RMSP entre 1970 e 2007
ANEXO
2,85
0,88
1,65
3,36
1,53
2,56
2,99
0,49
2,16
TCG
91-2000
1,63
0,61
1,04
2,20
1,00
1,71
2,08
-0,98
1,21
TCG
2000-2007
Douglas Sathler e Vitor Miranda
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
1980
2.546.230
2.265.173
119.535
121.768
258.809
318.544
214.307
150.561
186.659
287.513
148.990
188.599
269.888
3.216.449
3.123.317
158.221
161.149
289.269
431.225
278.715
207.770
261.112
442.370
233.098
281.382
379.006
1991
População
Fonte: IBGE, Censos de 1970-2000. IBGE, Contagem da População (2007).
1.848.459
85.425
São Carlos
Total - demais municípios (43)
98.176
Marília
1.480.741
169.076
Jundiaí
Total
212.879
Ribeirão Preto
90.963
Limeira
152.505
131.936
Bauru
Piracicaba
148.332
São José dos Campos
93.638
122.134
Franca
São José do Rio Preto
1970
175.677
Sorocaba
Município
2000
3.638.063
3.791.969
192.998
197.342
323.397
504.923
329.158
249.046
316.064
539.313
287.737
358.523
493.468
2007
3.847.690
4.175.881
212.956
218.113
342.983
547.417
358.108
272.734
347.601
594.948
319.094
402.770
559.157
3,25
4,34
3,42
2,18
4,35
4,11
3,46
5,17
3,53
6,84
4,75
4,44
4,39
1970-1980
2,15
2,96
2,58
2,58
1,02
2,79
2,42
2,97
3,10
3,99
4,15
3,70
3,13
1980-1991
TCG
1,39
2,20
2,25
2,30
1,26
1,79
1,88
2,05
2,17
2,25
2,39
2,75
3,00
1991-2000
Tabela A2 – População residente e TCG (% a.a.) nas cidades médias não metropolitanas
e demais municípios não metropolitanos sedes de microrregião (total) de São Paulo entre 1970-2007
0,80
1,39
1,42
1,44
0,84
1,16
1,21
1,31
1,37
1,41
1,49
1,68
1,80
2000-2007
A desconcentração demográfica paulista em perspectiva
393
09/11/2010 13:05:26
394
Book CM24_final.indb 394
97.669
30.904
38.084
Bauru
Limeira
Piracicaba
38.087
São Carlos
701.785
49.011
70.425
20.511
122.318
48.087
41.370
99.021
12.895
49.240
161.190
27.717
1980
852.021
65.781
68.495
34.401
160.336
66.622
58.063
100.850
16.598
55.038
183.470
42.367
1991
População
Fonte: IBGE, Censos de 1970-2000. IBGE, Contagem da População (2007).
660.441
80.629
Marília
Total
13.525
Jundiaí
105.016
10.517
Ribeirão Preto
56.164
São José dos Campos
166.965
22.881
1970
Franca
São José do Rio Preto
Sorocaba
Município
1.015.016
78.817
69.144
50.069
194.511
82.451
75.259
106.330
21.302
62.546
214.335
60.252
2000
1.200.476
81.873
110.215
66.526
220.834
98.412
83.603
117.895
21.819
65.235
233.726
100.338
2007
0,61
2,55
-1,34
4,25
1,54
2,36
2,96
0,14
2,06
-1,31
-0,35
1,94
1970-1980
1,78
2,71
-0,25
4,81
2,49
3,01
3,13
0,17
2,32
1,02
1,18
3,93
1980-1991
TCG
1,98
2,05
0,11
4,30
2,19
2,42
2,95
0,60
2,84
1,44
1,76
4,03
1991-2000
Tabela A3 – TCG da população total dos conjuntos de municípios pequenos (<30.000 habitantes)
pertencentes às microrregiões das cidades médias não metropolitanas
2,43
0,54
6,89
4,14
1,83
2,56
1,51
1,49
0,34
0,60
1,24
7,56
2000-2007
Douglas Sathler e Vitor Miranda
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010
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O estigma de morar longe da cidade:
repensando o consenso sobre
as “cidades-dormitório” no Brasil*
The stigma of living far away from the city:
rethinking the Brazilian “dormitory towns” consensus
Ricardo Ojima
Eduardo Marandola Jr.
Rafael Henrique Moraes Pereira
Robson Bonifácio da Silva
Resumo
No Brasil, o termo cidade-dormitório costuma ser
utilizado com uma carga pejorativa para os municípios que apresentam baixo nível de desenvolvimento econômico e social, precárias condições
de assentamento e de vida para sua população e
nítida dependência econômica de um polo regional. O objetivo geral deste artigo é problematizar
o termo cidade-dormitório e os contextos envolvidos em sua utilização, na tentativa de desmistificar
o seu uso generalizado no país. Do ponto de vista
teórico, realizou-se uma revisão da literatura internacional e nacional buscando compreender alguns
pontos de convergência sobre o termo, bem como
a discussão em torno da noção de estigmatização e
estigma territorial. A partir de uma análise dos dados censitários e de alguns exemplos de pesquisa,
buscou-se uma abordagem que permita repensar a
dimensão de morar em uma “cidade-dormitório”
e suas repercussões nas interações espaciais em
áreas urbanizadas no Brasil.
Abstract
In Brazil, the term “dormitory town” is often
used pejoratively to refer to municipalities that
present low social and economic development
levels, poor settlement and life conditions for its
population and clear economic dependency of
a regional center. The main goal of this paper
is to problematize the term dormitory town and
the contexts related to its use in an attempt
to demystify its generalized use in Brazil. In a
theoretical view point, a national and international
bibliographical review was performed seeking to
comprehend some convergence points on the term
as well as the discussion concerning the stigma
and territorial stigma notion. Using the Brazilian
census data and some research examples, we
used a methodological approach that allow us
to rethink the dimension of living in a dormitory
town and its reflects on spatial interactions in
Brazilian urbanized areas.
Palavras-chave: segregação espacial; cidadedormitório; mobilidade pendular; estigma; subúrbio;
urbanização brasileira.
Keywords: spatial segregation; dormitory
town; commuting; stigma; suburb; Brazilian
urbanization.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010
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Ricardo Ojima et al.
Introdução
exposição a diversos riscos ambientais, com
No Brasil, o termo cidade-dormitório costuma
blicos (como educação, saneamento e trans-
ser utilizado com uma carga pejorativa para
porte público), com baixos níveis de renda e
os municípios que apresentam baixo nível de
escolaridade e baixo acesso as oportunidades
desenvolvimento econômico e social, precárias
de trabalho.
péssimo acesso a infraestrutura e serviços pú-
condições de assentamento e de vida para sua
Por outro lado, as cidades-dormitório po-
população e nítida dependência econômica de
dem assumir as feições de uma agradável cida-
um polo regional. Os trabalhos acadêmicos no
de bucólica, onde vivem populações com boas
país de maneira geral mantiveram essa carga
condições socioeconômicas e que desfrutam de
semântica do termo cidade-dormitório, embora
ótima infraestrutura urbana e fácil mobilidade
não tenham desenvolvido um conteúdo concei-
(sobretudo, calcada em meios de transporte
tual mais claro do termo.
individuais). 1 Apesar dessas divergências, o
Assim, a noção de cidade-dormitório fi-
elemento fundamental que define a ideia de
cou associada aos processos de marginalização
uma “cidade-dormitório” nesses dois polos do
e periferização da pobreza nos contextos de
fenômeno é o mesmo: áreas residenciais com
expansão metropolitana nos estudos urbanos
elevada proporção de pessoas que realizam
brasileiros, sobretudo após 1970. No entanto,
suas atividades cotidianas (trabalho, estudo
diferentemente dessa conotação pejorativa
ou lazer) em outra cidade, geralmente na sede
que as cidades-dormitórios assumem em par-
metropolitana, originando os fluxos de deslo-
te da literatura especializada no Brasil, as no-
camento pendular.
ções correspondentes a cidade-dormitório na
A motivação deste estudo é colocar em
bibliografia internacional são vistas de forma
questão o significado da noção de cidade-dor-
menos pessimista, sendo comumente associa-
mitório, procurando interpretá-la para além do
das ao processo de suburbanização das classes
contexto da periferização dos anos 1970, ques-
médias.
tionando o que significa uma “cidade-dormi-
A complexidade dos diferentes proces-
tório” no Brasil urbano de hoje. As motivações
sos de produção do espaço justifica, em parte,
são pelo menos duas. Em primeiro lugar, cida-
a existência da grande diversidade de abor-
de-dormitório, tal como aparece na literatura
dagens sobre tal modelo de urbanização que
urbana nacional, não expressa a complexidade
ora a elogia e ora a condena. Numa pequena
dos fenômenos associados à urbanização brasi-
amostra da bibliografia pesquisada é possível
leira contemporânea, cujos movimentos de dis-
identificar que o perfil socioeconômico e de
persão e de formação de aglomerações urbanas
desenvolvimento urbano de uma cidade-dor-
têm marcado tanto a forma urbana quanto os
mitório varia entre os extremos das condições
estilos de vida de sua população (associados às
de desenvolvimento humano. Por um lado,
escolhas de local de moradia e de trabalho e ao
descrevem-se assentamentos cujas populações
crescimento e generalização da pendularidade
possuem precárias condições de moradia com
observados nos últimos anos).
396
Book CM24_final.indb 396
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010
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O estigma de morar longe da cidade
Em segundo lugar, o uso do termo cidade-
deslocamentos pendulares possui certo poten-
dormitório, seja no cotidiano, nas políticas pú-
cial de informação sobre os estilos de vida da
blicas ou pela própria academia, constituiu um
população e a forma de organização do tecido
estigma (Goffman, 1982; Wacquant, 2007) que
urbano. Em vista disso, procuramos embasar a
atinge moradores e cidades que, mesmo que
discussão acerca das cidades-dormitório a par-
não possuam mais uma relação com aqueles
tir de uma caracterização desses municípios a
processos urbanos típicos dos anos 1970 (co-
partir dos dados sobre o seu grau de pendulari-
mo a periferização da população de baixa ren-
dade e de seu nível de desenvolvimento urbano
da via especulação imobiliária) ou mesmo que
pensado sob alguns aspectos socioeconômicos,
apresentam características socioeconômicas
reforçando a necessidade de repensar o con-
diferentes daquelas consideradas em muitos
senso construído em torno desse fenômeno no
estudos, permanecem cristalizados no imaginá-
país.
rio e na política urbana. O estigma que uma ci-
O quarto, por sua vez, recupera as dis-
dade recebe é uma iniquidade social que marca
cussões teóricas acerca do conceito de estigma
o espaço e a paisagem da cidade, somando-se
(Goffman, 1982) e fazem algumas reflexões
a outras formas de exclusão e segregação no
acerca da classificação de cidades-dormitório
espaço regional e dificultando a análise crítica
enquanto manifestação de estigma territorial
dos processos socioespacias contemporâneos.
(Wacquant, 2007). O quinto e último tópico do
Para isso, o segundo tópico do texto bus-
estudo busca analisar a categoria da cidade-
ca “decifrar” o termo “cidade-dormitório” na
dormitório presente na literatura brasileira
tentativa de compreender a heterogeneidade
dentro do contexto histórico de desenvolvi-
dos contextos envolvidos em sua utilização
mento urbano que se deu no país sobre forte
com ênfase na realidade brasileira, realizando
influência de um modelo modernista de desen-
o seu questionamento e buscando dados e evi-
volvimento industrial. Ainda são feitas algumas
dências que expressam tal heterogeneidade.
considerações sobre o estigma da cidade-dor-
Para tanto, procuramos mostrar que as dife-
mitório enraizado em nosso imaginário urbano,
rentes concepções do termo na bibliografia na-
começa a ser redesenhado, na medida em que
cional e internacional respondem às diferentes
um novo tipo de “cidade-dormitório” no Brasil,
formas históricas do desenvolvimento urbano
baseada nos condomínios fechados, se consti-
nesses países (no caso do Brasil com seu mode-
tuiu nos últimos 30 anos.
lo centro-periferia; e nos EUA com seu modelo
de subúrbios de classe média).
Na terceira parte do texto são utilizados os dados do Censo Demográfico (IBGE)
sobre os deslocamentos pendulares para se
A cidade-dormitório
na literatura
discutir a noção de cidade-dormitório.2 Além
de possibilitar alguma informação sobre os
No Brasil, diversos são os fatores apontados
diferentes arranjos espaciais de rede urbana e
como causa do surgimento das cidades-dor-
diferentes dinâmicas populacionais, o dado de
mitório. Dentre eles, podem ser destacados
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Ricardo Ojima et al.
os processos de conurbação e metropoliza-
primeiro em áreas de conurbação e depois em
ção marcados pela expansão urbana de áreas
municípios muito próximos. À medida que al-
com baixo dinamismo econômico, elevado
guns municípios aplicavam rígidas normas pa-
crescimento populacional e que, via de regra,
ra controlar a expansão do uso do solo, outros
são ocupadas por população de baixa renda
permitiram e incentivaram a chegada de con-
residente em assentamentos precários (Villa-
tingentes populacionais de outros municípios,
ça,1998; Santos, 2005, Correa, 2006). Há uma
em especial do polo regional. Em vista disso,
associação quase que imediata do processo de
a distância casa-trabalho a percorrer se tornou
metropolização ao surgimento das “cidades-
maior, mais custosa e penosa, o que exacerba
-dormitório” baseado no modelo dicotômico
as imagens que se aplicam às áreas mais afas-
“centro-periferia”.
tadas dos centros urbanos tradicionais.
Num estudo publicado em 2007, Ojima
É, portanto, na análise da produção so-
et al. apontam que, embora pareça, essa re-
cial do espaço, da distribuição territorial do tra-
lação entre cidades-dormitório e regiões me-
balho e na periferização baseada no mercado
tropolitanas não é tão simples e mecânica. Os
do solo urbano que a literatura dos anos 1970
autores identificaram que entre os municípios
e 1980 encontram as principais condicionan-
com mais de 20% de sua população ocupada
tes para a localização dos grandes contingen-
realizando deslocamentos pendulares no ano
tes populacionais provenientes da área rural e
de 1980, 51% pertenciam a Regiões Metropo-
dos grandes fluxos migratórios inter-regionais
litanas (RMs). Entretanto, em 2000, a partici-
(Nordeste-Sudeste, por exemplo) nas periferias
pação dos municípios em RMs diminuiu para
metropolitanas.
40%. Ou seja, a maior parte desses municípios
Na literatura internacional, por sua vez, o
está localizada fora de RMs, o que aponta que
uso de termos similares como dormitory-town
a vinculação que se faz entre “cidades-dormi-
ou satellite-city não costumam ser usados den-
tório” e metrópoles não é tão simples quanto
tro desse contexto. Ao contrário, costumam ser
parece.
atribuídos às áreas ocupadas por população de
Na urbanização e metropolização brasi-
média e alta renda representada pelos subúr-
leira, esse processo foi reforçado pela especula-
bios norte-americanos. Entretanto, o elemento
ção imobiliária que coordenou a incorporação
fundamental que define a ideia de uma “cida-
do solo urbano, cuidando de levar conjuntos
de-dormitório” é o mesmo: áreas residenciais
habitacionais destinados às classes sociais
com grande proporção de pessoas que realizam
mais pobres para longe da cidade, garantindo a
suas atividades cotidianas (trabalho, estudo ou
valorização de áreas intermediárias no cinturão
lazer) em outro núcleo urbano, geralmente na
periurbano (Cano, 1988). Esse processo, que se
própria metrópole.
repetiu em outras localidades, contribuiu para
Nos Estados Unidos, estudos como o de
a distância física dessa população, reificando
Schnore (1957) consideram o termo subúrbio
no espaço a distância social.
como uma comunidade formalmente constituí-
Em áreas com maior densidade urbana,
da, município ou não, sendo contígua e de-
esse processo de segregação social ocorreu
pendente de uma grande cidade. Esse autor
398
Book CM24_final.indb 398
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O estigma de morar longe da cidade
distingue os subúrbios das satellite cities ao
empregos, também consideradas como satellite
analisar suas principais características. Ain-
cities por Schnore, as dormitory town apresen-
da que ambas sejam partes constituintes da
tam maior proporção de pessoas brancas, po-
estrutura metropolitana, as satellite cities se-
pulação com maior escolaridade e a renda é
riam compostas por: (a) cidades que oferecem
consideravelmente maior.
emprego tanto para sua população residente
Outros estudos, como o de Goldstein e
quanto para uma pequena parcela de pessoas
Moses (1975), enfatizam a questão do trans-
residentes em outros municípios, sendo ca-
porte, especialmente o uso de automóvel par-
racterizadas como “subúrbios de produção”
ticular e a localização da residência geralmente
(Douglass, 1925 apud Schnore, 1957); e por (b)
afastada do centro. Nesta análise, dois elemen-
cidades que se restringem a fornecer apenas
tos merecem destaque: a elevação do custo do
moradias para as pessoas que trabalham em
transporte e a redução do preço do aluguel à
outras cidades, daí os termos dormitory town e
medida que se vai afastando do centro. Ques-
bedroom city, ou “cidades-dormitório”.
tão clássica considerada crucial na tomada de
Já os subúrbios cidades-dormitório, pa-
decisão de onde morar nas mais variadas ver-
ra Schnore (1957), se localizariam nas áreas
tentes de estudos urbanos (Gottdiener, 1993).
metropolitanas das grandes regiões, sendo
Blumenfeld (1964) observa que a vinda das
frequentemente integradas às grandes cida-
pessoas para a metrópole visa (a) minimizar os
des-polo que as subordinariam pela oferta
custos de se deslocar para o trabalho e, quando
de emprego. Tais cidades-polo são, portanto,
isto não acontece, (b) maximizar as oportuni-
receptáculos da força de trabalho da cidade-
dades ao partir dos deslocamentos intrametro-
dormitório.
politanos, já que elas podem se valer de uma
Numa comparação empírica na década
de 1940 com as cidades que oferecem emprego,
ampla possibilidade de emprego presente na
metrópole.
as dormitory town consideradas por Schnore
Ainda em Blumenfeld (1949), encontra-
(ibid.) teriam populações mais envelhecidas
mos referências às cidades-dormitório como
com status socioeconômico mais elevado que a
uma opção individual ou familiar que permite
média verificada nos subúrbios em geral. Esse
a essas pessoas residir em um espaço urbano
autor detectou também elevadas taxas de cres-
ao mesmo tempo contínuo e afastado do gran-
cimento populacional nas cidades-dormitório,
de centro urbano. Em larga medida, essa opção
que seriam explicadas pelas altas taxas de imi-
pode ser interpretada como uma estratégia so-
gração de pessoas provavelmente atraídas por
cial de localização no espaço da cidade onde
amenidades ambientais.
estão em jogo espacial, em poucas palavras, a
Em um estudo posterior, Schnore (1963)
fuga de inúmeros problemas típicos das gran-
avança na diferenciação entre as satellite cities
des cidades (como violência, congestionamen-
do estado de Nova Iorque através da análise
tos, poluição, etc.) e, simultaneamente, uma
de suas características sociais, econômicas e
maior proximidade de amenidades ambientais
demográficas. Em comparação com as cida-
que possibilitem melhor qualidade de vida, ain-
des que possuem alguma oferta mínima de
da que afastada do local de trabalho.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010
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399
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Ricardo Ojima et al.
Nesse debate, o papel dos transportes
sobre a expansão metropolitana e a configura-
foi um tema bastante estudado pelos norte-
ção de sua forma. Além disso, ressalta que, de-
americanos como sendo um elemento estru-
vido à medição da interação pelos fluxos pen-
turador e primordial das cidades-dormitório. A
dulares, eles clarificam as posições e funções
modernização dos meios de transporte desem-
das cidades metropolitanas dentro da região.
penhou papel crucial ao possibilitar o aumento
das distâncias percorridas e tornar viável que
inúmeras pessoas residam a uma distância
considerável do seu local de trabalho. No Canadá, o estudo de Holmes (1971), por sua vez,
aponta como os serviços de transporte coletivo
Deslocamentos pendulares:
problematizando a cidadedormitório
por ônibus desempenham importante papel no
transporte de trabalhadores das siderúrgicas
Na manifestação concreta das “cidades-dormi-
entre Belmont e Toronto e atuando como fa-
tórios”, seja naquelas relatadas pela bibliogra-
tor primordial para a manutenção e aumento
fia nacional ou internacional, uma das evidên-
do fluxo de pessoas entre esses dois municí-
cias empíricas que caracterizariam a essência
pios. Yapa et al. (1971) destacam, ainda, como
das “cidades-dormitório” é o fato de que essas
a melhoria nos transportes possibilitaram a
seriam cidades que possuem importantes con-
descentralização industrial e residencial. Esses
tingentes de sua população economicamente
dois processos seriam forças importantes no
ativa trabalhando fora do município. São cida-
atual processo de ocupação do espaço e dos
des que tiveram um crescimento populacional
constantes fluxos populacionais verificados
acentuado e descompassado em relação ao seu
principalmente nas regiões metropolitanas.
crescimento econômico ou à expansão do seu
Ao estudarem a estruturação do espa-
mercado de trabalho.
ço metropolitano no estado de Rhode Island,
Seria possível, portanto, identificar as
Goldstein e Mayer (1964) destacam a migra-
cidades que poderiam ser consideradas como
ção de pessoas para outras cidades que não
“dormitório” a partir de um critério elementar
o centro metropolitano devido à descentraliza-
que caracterizaria uma situação típica: uma ele-
ção espacial da indústria daquele estado, fe-
vada proporção de pessoas que não trabalham
nômeno que foi apontado também em nosso
no município onde residem. Uma das maneiras
país anos mais tarde e dentro de um contexto
de captar empiricamente a dinâmica popula-
diferente (Santos, 2005; Correa, 2006).
cional que configura as chamadas cidades-dor-
Enfim, Hughes (1993) salienta que os
mitório é através do Censo Demográfico onde
subúrbios já não servem mais como dormitó-
é possível identificar o volume de pessoas que
rio, pois estão se transformando em centros de
possuem local de residência e de trabalho loca-
emprego com atividades de consumo, cultura
lizados em municípios distintos e, além disso, o
e administração, ocasionada pelo processo
seu perfil socioeconômico.
de descentralização industrial. Dessa forma,
A partir do Censo poderemos então
tal transformação leva-nos a um novo pensar
responder às perguntas: existe uma cidade
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O estigma de morar longe da cidade
dormitório “tipicamente” brasileira? Ou ain-
significativa. As evidências encontradas pelas
da, quem são as pessoas que moram em um
análises contribuem de maneira importante
município e trabalham/estudam em outro? E
para se relativizar ou, pelo menos, problema-
em que medida o seu perfil socioeconômico se
tizar o uso do termo “cidade-dormitório” de
aproxima do estigma de um morador daquela
forma a questionar a carga pejorativa que ele
cidade-dormitório cristalizada no imaginário e
carrega consigo.
na política urbana (cidade periférica, economi-
E quanto ao segundo bloco de perguntas
camente dependente, com baixas escolaridade
sobre o perfil socioeconômico daquelas pessoas
e renda)?
que realizam os deslocamentos pendulares?
Em estudo anterior, Ojima, Silva e Perei-
Inúmeros estudos brasileiros vêm apontando
ra (2007) empreendem o esforço exploratório
quão heterogêneo é o perfil socioeconômico
sobre essas perguntas.3 Utilizando dados dos
daquelas pessoas que moram e trabalham em
censos demográficos de 1980 e 2000, os au-
municípios distintos.4 O imaginário cristalizado
tores buscam contrapor aquelas percepções
sobre as “cidades-dormitório” (estigmatizadas
usualmente presentes sobre as características
por características socioeconômicas e de de-
de uma “típica cidade-dormitório” (como per-
senvolvimento urbano precário), contudo, não
tencimento a alguma região metropolitana,
parece passar por uma reconstrução (atualiza-
baixo nível de desenvolvimento, elevado ritmo
ção) acerca das diversas condições reais de de-
de crescimento populacional, baixo Produto
senvolvimento urbano correntes no Brasil nos
Interno Bruto – PIB, etc.) àquelas característi-
últimos anos.
cas empiricamente encontradas nos municípios
Mesmo um rápido diagnóstico das con-
brasileiros segundo a proporção de sua popula-
dições de renda e escolaridade daqueles mu-
ção que realiza deslocamentos pendulares.
nicípios que possuem mais de 20% de sua
As análises indicam que:
população residente economicamente ativa
(a) existe uma correlação positiva e estatisti-
trabalhando em outro município (municípios
camente significativa entre taxa de crescimen-
que, por esse critério demográfico, facilmente
to populacional e proporção de deslocamentos
seriam classificados como “cidades-dormitó-
pendulares, de certa maneira confirmando a
rio”) permite apontar certa incoerência entre
ideia de que cidades-dormitório vivenciam in-
as evidências empíricas e o estigma carrega-
tensos ritmos de crescimento populacional;
do por essas cidades e seus moradores. Afinal,
(b) existe uma correlação negativa, estatica-
apenas 7,4% dos 5.507 municípios existentes
mente significativa, entre Índice de Desenvol-
em 2000 se enquadrariam dentro desse critério
vimento Humano Municipal (IDH-M) e a pro-
de cidade-dormitório.
porção de deslocamentos pendulares, proble-
Considerando o nível de renda, ao se
matizando a ideia de que cidades-dormitórios
comparar a população que trabalha no mesmo
seriam eminentemente subdesenvolvidas;
município onde reside com aqueles que “con-
(c) a correlação entre proporção de des-
tribuem” para a denominação da cidade-dor-
locamentos pendulares e PIB municipal per
mitório, estes costumam ter maiores rendas
capita não se apresentou estatisticamente
individuais e maior escolaridade. O Gráfico 1
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Ricardo Ojima et al.
Gráfico 1 – Distribuição da população segundo renda
(em salários-mínimos) e por situação de pendularidade
Pendular
Mesmo município
Renda (em salários mínimos)
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.
mostra que, tanto entre as faixas de dois a cin-
Os dados elucidam a diversidade de con-
co salários como na de cinco ou mais salários
textos urbanos que poderiam ser classificados
mínimos, a proporção de pessoas que realizam
como “cidades-dormitórios” caso fossem con-
movimentos pendulares é maior do que a da-
siderados unicamente o critério do grau de
queles que trabalham no mesmo município on-
pendularidade. Essa pluralidade contribui para
de residem.
uma reflexão crítica acerca da percepção cor-
Na literatura internacional, alguns au-
rente em parte da literatura especializada de
tores, como Renkow e Hoover (2000), tam-
uma única periferia urbana (Gottdiener, 1993;
bém desenvolvem trabalhos indo nessa di-
Lago, 2000).
reção ao apontar que os trabalhadores mais
Os dados reforçam ainda a ideia de um
especializados tendem a receber melhores
novo padrão de “cidade-dormitório” presente
salários e realizarem com mais frequência os
no estudo de Cunha et al. (2006). Uma cida-
movimentos pendulares.
de-dormitório que, ao invés de abrigar uma
Quando observamos a distribuição da
população não escolarizada e de baixa remu-
população segundo anos de estudo, podemos
neração, cidades pequenas e médias sem in-
notar que também existe uma significativa
fraestrutura urbana muito complexa começam
participação de pessoas mais instruídas entre
a receber uma população de maior renda e
aquelas que realizam os movimentos pendula-
qualificação que para ali migra, mas que man-
res (ver Gráfico 2).
tém seus laços cotidianos com a cidade-polo, o
402
Book CM24_final.indb 402
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O estigma de morar longe da cidade
Gráfico 2 – Distribuição da população segundo escolaridade
(em anos de estudo) e por situação de pendularidade
Pendular
Mesmo município
Estudos (em anos completos)
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.
que explica parte do aumento observado nos
migrantes são responsáveis pela pobreza urba-
últimos anos do número de pessoas que rea-
na? Sem adiantar o argumento, uma pista para
lizam deslocamentos pendulares. Assim, tais
a resposta a essas perguntas reside no próprio
“cidades-domitório” possuem elevado grau de
aumento da pobreza e da periferização precária
articulação espacial e integração territorial (via
urbana como, sobretudo, entre 1960 e 1970.
conexão com diversos lugares e fluidez), mas
baixo grau de interação social e poucos laços
de compartilhamento do território. Como se
trata de outro processo, oriundo de novas dinâmicas de estruturação e produção do espaço
Repensando o estigma
da cidade-dormitório
urbano na escala regional, há necessidade de
rever o significado do termo “cidade-dormitó-
A origem do termo estigma vem dos romanos,
rio” e do estigma a ela associado, atualizando
entre os quais era um sinal externo, corporal,
assim o debate sobre o tema.
de identificação, demarcando aqueles que ti-
Neste sentido, porque associamos a ideia
nham aspectos particulares a um grupo como
de cidade-dormitório àquela da população mais
um defeito, fraqueza ou desvantagem. O con-
pobre? Talvez seja o imaginário construído em
ceito formal de estigma foi difundido e siste-
torno da imagem de que o migrante traz con-
matizado por Erving Goffman, que o fez a partir
sigo a pobreza a construção social de que os
de uma longa carreira dedicada ao estudo dos
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processos que operam por detrás da interação
possui também o caráter de reafirmação da ca-
simbólica dos indivíduos e que se concretizou
tegoria de “normalidade”, daquilo que é bem
em uma dezena de livros sobre o tema. A obra
visto e socialmente desejado. Essa perspectiva
que consolida formalmente o conceito de es-
se apresenta como uma essência do conceito
tigma (intitulada Notas sobre a manipulação
de “estigma”, ou seja, a noção de que os estig-
da identidade deteriorada) foi originalmente
matizados só existem enquanto conflito com o
publicada em 1963 e delimita a questão em
grupo “normal”. A identificação de uma anor-
torno da construção de expectativas (enquanto
malidade se faz na identificação e reafirmação
representações sociais compartilhadas) acerca
de uma normalidade desejada socialmente
do desempenho de papéis sociais em situações
(Goffman 1982; Winkin, 1999).6 O próprio es-
socialmente definidas (Goffman, 1982).5
tigma, portanto, acaba por produzir grupos
Embora essas expectativas sociais inter-
sociais “normais” e “anormais” que compar-
nalizadas nos indivíduos possuam certo caráter
tilham determinados signos estabelecendo
normativo (apontando quais desempenhos se-
uma forma específica de identidade a partir do
riam ou não socialmente aceitos para determi-
estereótipo.
nados papéis em determinados contextos), elas
Aqui nos interessa destacar, particular-
não são refletidas, mas sim baseadas em práti-
mente, o compartilhamento do local de resi-
cas e papéis sociais subjacentes à ordem da in-
dência enquanto um elemento de estigmatiza-
teração face-a-face (Winkin, 1999). O estigma
ção, ou seja, a influência que a representação
surge quando se descortina a incongruência
simbólica sobre determinados espaços físicos
entre o que se espera do indivíduo (a expectati-
exerce sobre a posição social dos atores que
va proporcionada pela sua identidade virtual) e
ocupam esses espaços. Trata-se do que Wac-
o que ele realmente é (a sua identidade real).
quant (2007) denomina estigma territorial ou
A estigmatização possui, essencialmen-
estigmatização territorial.7
te, uma natureza de desqualificação social do
Embora seja possível identificar afinida-
estigmatizado por parte dos “normais”, na
des entre a marginalização de guetos estuda-
medida em que a identidade real do indivíduo
dos pela Escola de Chicago (Park, 1974) e a no-
aponta atributos físicos, morais ou grupais que
ção de estigma territorial, esta reforça a ideia
são negativos àquela expectativa que antes se
de que propriedades simbólicas atribuídas aos
tinha sobre sua identidade social virtual. O es-
espaços se transmitem aos seus moradores. Por
tigma, portanto, não é analisado como um sim-
um lado, se no campo simbólico os bairros no-
ples “estado” em si, mas sim como um proces-
bres enobrecem os seus habitantes, por outro,
so histórico de desqualificação social ao longo
os bairros estigmatizados possuem o poder de
da própria carreira moral (Goffman, 1999) do
degradar os seus habitantes.
indivíduo.
Subjacente a essa ideia de estigma terri-
Se, por um lado, a rotulação opera en-
torial está a postulação de Bourdieu (1997) de
quanto uma forma de controle social que des-
que existiria certa correlação entre as posições
valoriza o estigmatizado categorizando-o como
ocupadas pelos atores sociais no espaço físi-
“anormal”, por outro lado, a estigmatização
co e a posição que ocupam espaço social (as
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O estigma de morar longe da cidade
classes sociais a que pertencem). Wacquant e
relação aos moradores daquele bairro. Como
Bourdieu compartilham da ideia de que há uma
efeitos dessa estigmatização territorial, o fato
relação dupla de mútua influência entre a posi-
de morar em determinados bairros se colocaria
ção ocupada pelo indivíduo no espaço físico e
enquanto um obstáculo adicional para se con-
sua posição ocupada no espaço social. Ou seja,
seguir um emprego.8
ao mesmo tempo em que a ocupação de deter-
No prefácio de seu livro, Goffman simpli-
minados bairros por uma classe social despres-
fica a ideia de estigma enquanto a “situação
tigiada pode depreciar as percepções da popu-
do indivíduo que está inabilitado para a acei-
lação sobre aquele bairro, a própria percepção
tação social plena” (1982, p. 7), o que suscita
depreciativa que a cidade possui do bairro in-
indagar: qual a origem do estigma que recai
fluencia a maneira como a população se rela-
sobre as cidades-dormitório? Que propriedades
ciona com seus moradores. Portanto, não existe
degradantes essas cidades teriam para que lhes
apenas uma sobreposição entre o estigma ter-
fosse conferida essa mácula?
ritorial e os estigmas da pobreza e da margi-
Pensar o morador da cidade-dormitório
nalidade, há uma retroalimentação entre eles.
como alguém estigmatizado passa, em primei-
A mácula do estigma alija a pessoa da aceita-
ro lugar, por retomar a dimensão espacial do
ção social por ter sua própria condição humana
estigma. Se o estigma está no corpo, na con-
negada. O indivíduo estigmatizado passa a ser
duta ou na classe social, conforme análise de
entendido como subumano e incompleto pelo
Goffman, ela também tem de estar nos lugares
seu defeito.
das pessoas e nas suas paisagens. Assim como
Ainda que não seja foco do presente ar-
projetam imagens e representações, os luga-
tigo, cabe mencionar que os efeitos da estig-
res podem ostentar sinais que os diferenciam
matização não são exclusivamente simbólicos.
no contexto do espaço, não tendo aceitação
O próprio Goffman já havia alertado sobre
social plena. As paisagens e os lugares são in-
suas implicações para o constrangimento de
tencional e socialmente produzidos; possuem
oportunidades e para exclusão social. Em suas
qualificativos que os singularizam ou os iden-
palavras:
tificam: paisagens do medo, amáveis, saudosas,
Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos
vários tipos de discriminações, através
das quais efetivamente, e muitas vezes
sem pensar, reduzimos suas chances de
vida. (1982, p. 15)
terríveis, tenebrosas, medonhas, feiosas, agradáveis (Tuan, 2005). A paisagem é a expressão
da relação sociedade-natureza num determinado tempo-espaço, e por isso nela estão, tanto
quanto no lugar, materializados os sentidos,
os tempos e os significados sociais e culturais (Claval, 2004). Por outro lado, as pessoas
Nesse sentido, os aspectos negativos de
são os seus lugares, no mesmo sentido que os
um bairro degradado exerceriam influência so-
lugares são as suas pessoas (Casey, 1993; Bour-
bre a atitude e o comportamento das pessoas
dieu, 1997; Wacquant, 2007). Assim como fazer
em geral (como empregadores, políticos, agen-
parte de um grupo identitário traz consigo seu
tes públicos, prestadores de serviços, etc.) em
estigma, morar ou estar associado a um lugar
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estigmatizado traz sobre a pessoa o mesmo es-
uma cidade plena, é apenas uma subcidade,
tigma de seu lugar.
uma quase-cidade (Tuan, 1980).
É importante ter em mente essa asso-
Essa noção de subúrbio surgiu na era
ciação direta, viceral, pois ela não se processa
moderna, na Inglaterra do século XVIII, quan-
apenas no campo das representações sociais;
do a Revolução Industrial tornou a cidade um
ela se concretiza em experiências cotidianas
lugar topofóbico, poluído, com ambiente hostil,
no mundo da vida (Schutz, 1979). Se queremos
insalubre, fedido, com massas de trabalhadores
pensar a constituição ou não de uma estigma-
pobres apinhados em residências de igual esta-
tização de pessoas que moram em determina-
do. As elites que tiveram condições de sair da
dos lugares, é importante ter em mente a di-
cidade, assim o fizeram, pois talvez pior que o
mensão intersubjetiva dessas construções e as
espaço físico hostil, o era o espaço social, peri-
mediações sociais que passam pela construção
goso, opressivo e desagradável. Mas essa fuga
de identidades territoriais e de suas frontei-
da cidade não foi um retorno à Inglaterra agrá-
ras, resistências, impedimentos e autocontro-
ria, mas tão somente às virtudes do campo e da
les. Tais mecanismos, estudados por Goffman
natureza que permaneceram cuidadosamente
como o controle da informação (e o controle
preservadas na memória e no imaginário oci-
da identidade virtual) e o alinhamento grupal
dental, até hoje (Thomas, 1998).
têm um viés espacial cujo entendimento se faz
necessário.
Isso é evidente na construção da ideia de
cidade-dormitório. A história urbana é uma história de segregações, de controle e de seletividade territorial. Os lugares com amenidades ou
privilegiados sempre estiveram à disposição (ou
foram tomados) por aqueles que tinham meios
de espacializar seu poder, o que, em certo sentido, desloca a dimensão da cidade-dormitório
Quando as cidades são vistas como paradigmas cósmicos ou centros de civilidade
e liberdade, viver longe delas – nos subúrbios – é estar fora dos limites, é estar
em uma zona intermédia onde os homens
não podem alcançar a sua plena humanidade. Por outro lado, quando as cidades
são descritas como abominações, “antros
de iniquidade”, os subúrbios adquirem
um brilho romântico, quando não sagrado. (Tuan, 1980, p. 261)
do tempo presente para a própria essência da
cidade (Villaça, 1998; Bourdieu, 1997). A noção
Tuan (1980, 2005), Mumford (1998) e
básica por detrás dessa ideia de cidade-dormi-
Williams (1989), entre outros autores, discor-
tório e, em alguma medida da noção de subúr-
rem sobre esse processo de amor e ódio à ci-
bio (embora em contextos espaço-temporais
dade que se sucedeu e se modificou ao longo
distintos), é a da não-cidade que, por não ser
da história ocidental. No entanto, é importan-
uma cidade plena, recebe um adjetivo que a
te notar que o sentido da negação é sempre o
desqualifica enquanto uma cidade incompleta
mesmo: fugir das mazelas e dos perigos, mas
tendo uma única função: a moradia. Por isso a
manter-se urbano, atrelado à cidade. A ideia
ideia de subúrbio está no mesmo horizonte: o
dos subúrbios é exatamente esta: deixar a cida-
sub é o prefixo da incompletude, que transmi-
de, mas ficar numa cidade diminuída que, além
te a noção de cidade-de-menos, alijada de ser
de manter aspectos da civilidade e urbanidade,
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permite a conexão e acesso à cidade sempre
mesma orientação daquela do subúrbio rico, é
que necessário. Foi assim como os primeiros
direcionada a locais menos conectados ou va-
subúrbios ingleses, baseados nos trens no sé-
lorizados, construindo assim vários subúrbios,
culo XVIII, com os subúrbios americanos no
várias periferias, várias esferas.
início do século XX com os automóveis, e com
Quando se fala, no Brasil, de uma nova
as cidades-dormitório brasileiras (e latino-ame-
periferia e de uma nova forma de produção do
ricanas) a partir dos anos 1970, com os auto-
espaço urbano que se contrapõem ao modelo
móveis e com o transporte público de massa.
clássico centro-periferia, na verdade, se está a
Em qualquer um desses casos, o princípio é ne-
falar da modificação da lente dos cientistas que
gar a cidade, mas mantê-la ao alcance, e isto
acompanham o processo. Assim, num primeiro
só se tornou possível com o desenvolvimento
momento, aquele elevado grau de desigualda-
dos sistemas de transporte e de comunicação
de espacial na distribuição da população pobre
(Ascher, 1998).
(segregada nas periferias) e das atividades eco-
Talvez uma lacuna pouco desenvolvida de
nossa literatura é encarar a “periferização” ou a
“suburbanização” brasileira, corriqueiramente
associada ao surgimento das cidades-dormitório, como um processo que atinge primeiramente os mais pobres. A história mostra que esse
processo, assim como toda a produção do espaço urbano, é comandado pelas elites (Villaça,
1998). Elas são as primeiras a saírem das cidades e construírem os subúrbios ricos. As classes
médias seguem as primeiras e só mais tarde as
classes mais baixas conseguem, também elas,
construir seus subúrbios. É tão nítida a diferença entre tais fenômenos que comumente não
se encara como sendo o mesmo processo, muitas vezes devido à sua complexidade. Os vastos
bairros residenciais operários de casas similares (quando não idênticas) afastados dos poluídos centros industriais urbanos aparecem já na
Inglaterra do século XIX, compondo o conjunto
de ganhos sociais que as classes trabalhadoras
conseguem gradativamente por meio de programas habitacionais (?), incluindo ao longo do
século XX o automóvel individual e a possibilidade também deixar a cidade (Tuan, 1980). Tal
produção do espaço, embora esteja dentro da
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nômicas e de infraestrutura básica (concentradas nos centros)
[...] foram as bases empíricas para que a
perspectiva dual predominasse nos estudos sobre segregação urbana nos anos 70
e 80, embora o núcleo e a periferia nunca
tenham se constituído em espaço socialmente homogêneos. (Lago, 2000, p. 15)
Num segundo momento, as recentes transformações nas dinâmicas metropolitanas acirram
a necessidade de se rever o modelo dual (de
centro-periferia) adotado nas análises espaciais
mais tradicionais (Gottdiener, 1993). Tal modelo
sempre existiu em um nível teórico de análise,
embora alguns estudos apontem que, empiricamente, com um viés ideológico muito acentuado, não possuindo respaldo na história nem
nas principais teorias da morfologia urbana.
Pode-se então dizer que há um estigma contra
quem mora nas chamadas cidades-dormitório?
Se sim, como se construiu esse estigma?
A questão está amarrada justamente à
origem do termo: cidade-dormitório no Brasil foi a alcunha dada a cidades em contextos
metropolitanos que mantinham dependência
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(serviços, cultura, economia, lazer, educação)
(e servem) simbolicamente como medidas de
das sedes metropolitanas. Seriam consideradas
desenvolvimento expressos no orgulho dos
cidades incompletas, que não teriam a capaci-
cidadãos. Uma cidade que não produzia, mas
dade de fornecer a seus cidadãos o básico que,
que tão somente fornecia mão de obra para
por este motivo, têm de buscar a satisfação de
outras era vista como uma cidade menor, uma
suas necessidades em outra cidade. Seriam sub-
subcidade, que não tinha ela mesma os meios
cidades (subúrbios no sentido lato do termo),
de produzir e assim se desenvolver. Essa visão
cidades incompletas e seus habitantes subpes-
da modernidade urbano-industrial – enquanto
soas, subcidadãos, subcitadinos. O ponto cen-
padrão de normalidade urbana no Brasil dos
tral dessa discussão, no entanto, não é a for-
anos 1950 a 1980 – é uma das fontes do es-
mação dos subúrbios nem a dependência entre
tigma sobre uma cidade que tivesse apenas a
as cidades nem a rede de hierarquia urbana. A
função residencial.
questão que permite entender essa estigmati-
Outra fonte para o estigma construído
zação é a modernidade brasileira e nossa visão
em torno das cidades-dormitórios no país é a
desenvolvimentista do progresso associado ao
própria pobreza associada às periferias metro-
urbano e à indústria.
politanas que foram se formando ao longo do
O sentido histórico do subúrbio apon-
acelerado processo de urbanização vivenciado
tado na bibliografia internacional, que é o
no Brasil entre as décadas de 1940 e 1980.
mesmo que agora aflora para o senso comum
Como muitas daquelas periferias constituíam
(e para a academia) acerca dos condomínios
de fato áreas socialmente excluídas (com pre-
fechados no Brasil, é o da não-cidade inten-
cárias condições de assentamento e de acesso
cional. A incompletude é proposital para ga-
à infraestrutura e serviços públicos) e desem-
rantir as amenidades e as virtudes associadas
penhando função de dormitório, sua própria
ao imaginário da natureza e às condições de
consolidação enquanto cidade reforçou a as-
saúde e comunidade (Tuan, 1980). No caso
sociação entre pobreza e cidade-dormitório.
das cidades-dormitório, seu sentido histórico
E essa associação foi reforçada a tal ponto
cristalizado no imaginário urbano brasileiro
que raramente se observam cidades e bairros
aponta no sentido de uma privação involuntá-
(como Alphaville em São Paulo, por exemplo)
ria, não necessariamente planejada, tornando-
com elevada pendularidade onde residem pes-
se ela um estigma da sub-habitação e da sub-
soas de elevada escolaridade e renda serem
cidadania.
consideradas cidades-dormitório.
O Brasil dos anos 1970 ainda busca no
Há uma sobreposição de estigmas ou,
crescimento econômico de base industrial al-
talvez, um ocultamento de um estigma pelo
cançar ganhos econômicos e sociais. É com
outro, em que o verdadeiro sinal indesejável
base num modelo de modernidade desen-
seja aquele da pobreza, do migrante, do dife-
volvimentista que as cidades pautaram seus
rente que não eu, que é sub-humano vivendo
próprios crescimentos. O tamanho da popula-
uma subvida em uma subcidade. A força desta
ção, a quantidade de indústrias, o número de
exclusão é a principal razão do descompasso
edifícios altos nos centros comerciais serviam
do significado cultural no Brasil da ideia de
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O estigma de morar longe da cidade
subúrbio com a construção da ideia na Europa
A ideia de um lugar exclusivamente re-
e nos Estados Unidos, estando colado o estig-
sidencial já é aceitável socialmente, e se ainda
ma da pobreza ao estigma da cidade-dormi-
persiste o estigma é justamente porque seu
tório, e vice-versa, o que não acontece nesses
principal componente não é o de pendular ou
outros países.
de morar longe, mas é justamente a pobreza e
O que temos hoje, portanto, é uma espé-
o ser migrante que estão fazendo permanecer
cie de ajustamento histórico do caso brasileiro
o estigma. Utilizar tal ideia, portanto, é uma
a um contexto mais amplo do processo de su-
forma de reificar uma iniquidade social que
burbanização. Todos os extratos sociais, hoje,
alija as pessoas de sua condição humana e so-
aprenderam a lidar com a distância e com a
cial, retirando até de seus lugares a dignidade
possibilidade de fugir da cidade. As cidades
e o respeito.
não desejam, necessariamente, ter um, dois ou
três milhões de habitantes. Várias cidades procuram controlar seu uso do solo, evitando um
crescimento populacional muito acentuado.
Nas fronteiras da cidade
As indústrias, principalmente as sujas,
não são mais bem vistas, muito menos como
Espera-se que tenha ficado claro ao longo do
promotoras de desenvolvimento. Várias cidades
texto que a classificação de uma cidade en-
têm optado pelo turismo, prestação de serviços
quanto “cidade-dormitório” no Brasil tem sido
ou outras atividades que lhe garantem receita
historicamente baseada num modelo de mo-
sem mudar seu caráter ou dimensão. E mesmo
dernidade tipicamente industrial e desenvolvi-
aquelas que nos anos 1970 e 1980 eram cha-
mentista. E espera-se também ter ficado claro
madas de cidades-dormitório, na verdade, ve-
como essa classificação de “cidade-dormitório”
mos hoje que apenas apresentam um grande
constitui uma manifestação de estigma territo-
fluxo de pendularidade, o que não implica que
rial (Goffman, 1982; Wacquant, 2007).
sua única função ou sua principal função seja a
residencial.
As análises empíricas sobre a realidade
das cidades brasileiras que possuem pelo me-
Cidades que poderiam ser tomadas como
nos 20% de sua população ocupada realizan-
exemplos da ideia de cidade-dormitório, com
do deslocamentos pendulares no ano de 2000
a descentralização e involução metropolita-
apontam novos contextos urbanos em que o
na, desenvolveram serviços e atividades que
aumento das proporções de movimentos pen-
apontam para um modelo de urbanização e
dulares não está necessariamente associado a
de metropolização menos concentrado, onde
uma precarização socioeconômica e urbana,
a sede da região tem seu peso relativo muito
tornado necessário repensar a formação his-
menor do que se viu durante a industrialização.
tórica e econômica dessas cidades, bem como
A heterogeneidade e complexidade das redes e
sua rede de interações espaciais regionais.
formas urbanas mudaram tais relações, o que
Esse fenômeno destaca ainda o fato de
torna o uso do termo cidade-dormitório acade-
que esse novo padrão de cidade-dormitório
micamente impreciso.
(Cunha et al., 2006) se diferenciam muito
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daquelas típicas áreas periféricas dos anos
urbana e ao processo de periferização da popu-
1960 e 1970 apontadas por parte da literatura
lação de baixa renda. Em algumas regiões, por
brasileira. Não se trata simplesmente de áreas
exemplo, embora sejam identificados processos
socialmente excluídas onde a infraestrutura
clássicos de regionalização e polarização, não
está ausente e a população do município-sede
se trata de municípios em que o processo de
se refugia, (repelida) impelida pelo processo
expansão urbana se deu unicamente através
de periferização via especulação imobiliária.
de conurbação ou mesmo de um crescimento
Existe uma diversidade de situações que me-
da mancha urbanizada do município-sede em
recem ser avaliadas, sobretudo nos casos em
direção às suas “periferias”.
que todos os indicadores apontam para áreas
Enfim, essa discussão ainda é carente de
de melhores condições de vida e de dinamismo
estudos sistemáticos. Embora o emprego do
econômico.
termo cidade-dormitório seja antigo no Brasil,
O que parece importante é reconhecer
pouco se desenvolveu para efetivamente ca-
que a “periferia” das grandes cidades brasilei-
racterizar e verificar se esse uso era válido. Um
ras tem se tornado cada vez mais heterogênea
estudo de casos típicos poderia trazer mais ele-
e plural, e que o uso do termo “cidade-dormi-
mentos e permitiria identificar algumas novas
tório” não tem contribuído para explicitar essa
evidências (Ojima, Pereira e Silva, 2008). O en-
diversidade de situações. Ao contrário, a clas-
tendimento das dinâmicas imobiliárias e demo-
sificação por critérios não técnicos de algumas
gráficas, do processo de expansão urbana e das
cidades e não de outras enquanto cidade-dor-
características dos setores da economia que
mitório apenas contribui para reforçar a retro-
moldam essas regiões poderia trazer elemen-
alimentação entre os estigmas da pobreza e do
tos importantes para reconhecer os desafios
território.
do planejamento urbano e regional, evitando
É importante destacar, portanto, que a
a conveniência de se simplificar parte dos in-
compreensão acerca das cidades-dormitório
teresses políticos, sociais e econômicos apenas
não seja reduzida à questão da expansão
sob a noção de “cidade-dormitório”.
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O estigma de morar longe da cidade
Ricardo Ojima
Demógrafo. Núcleo de Estudos de População/Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São
Paulo, Brasil.
[email protected]
Eduardo Marandola Jr.
Geógrafo. Núcleo de Estudos de População/Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São
Paulo, Brasil.
[email protected]
Rafael Henrique Moraes Pereira
Sociólogo. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Brasília, Distrito Federal, Brasil.
[email protected]
Robson Bonifácio da Silva
Geógrafo. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, Brasil.
[email protected]
Notas
(*) Uma primeira versão deste ar go foi apresentada durante o 32º Encontro Anual da ANPOCS, no
Grupo de Trabalho “A cidade nas ciências sociais: teoria, pesquisa e contexto”, em Caxambu, em
2008. Este estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto: “As dimensões humanas das mudanças ambientais globais, seus impactos e consequências na urbanização contemporânea: novos
paradigmas para as ciências sociais?” (Edital MCT/CNPq 03/2008 - Ciências Humanas, Sociais e
Sociais Aplicadas; 400303/2008-6).
(1) Tais feições da cidade-dormitório no contexto de outros países podem ser percebidas, por exemplo, em alguns estudos como os de Goldstein e Mayer (1964) e Goldstein e Goldstein (1984).
(2) Segundo o IBGE (2003), deslocamentos pendulares compreendem aqueles deslocamentos que
as pessoas realizam entre suas residências e seus respec vos locais de trabalho/estudo quando
estes se encontram localizados em municípios dis ntos. Segundo Beaujeu-Garnier (1974), o nome “pendular” se relaciona ao vai e vem do movimento entre os dois municípios, semelhante à
oscilação de um pêndulo.
(3) Após breve discussão metodológica, os autores assumem que seria um recorte razoável para
inclusão de um município na classe de “cidade-dormitório” caso ele possua pelo menos 20% de
sua população residente economicamente a va trabalhando em outro município, ou seja, realizando deslocamentos pendulares.
(4) Ver, por exemplo, os estudos de An co (2003), Cunha e Miglioranza (2006); Erva
e os estudos de Sobreira (2005 e 2007).
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e Jardim (2006)
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Ricardo Ojima et al.
(5) O estudo de Link e Phelan (2001) é muito elucida vo da heterogeneidade conceitual ao redor da
noção de es gma. Segundo os autores, essa diversidade se deve, dentre outros fatores, pelo
(1) caráter mul disciplinar desse conceito (apropriado por psicólogos, geógrafos de cien stas
sociais em geral), e pela (2) aplicação desse conceito a uma grande variedade de circunstâncias
(doenças mentais, gênero, raça, etnia, nacionalidade, doenças, etc.) sob diferentes abordagens
e ênfases. Apesar de uma grande diversidade de abordagens, e mesmo de definições conceituais, o presente estudo se esforça para que o conceito de es gma aqui u lizado se aproxime
ao máximo daquele sen do teorizado por Goffman (presente em suas obras de 1982 e 1999) e
analisados por Winkin (1999).
(6) Segundo Link e Phelan (2001), a cristalização de um es gma poderia ser decomposta em quatro
diferentes componentes inter-relacionados entre si, quais sejam: (1) dis nção e rotulação de um
desempenho “inadequado” de um papel social; (2) a associação dessas diferenças/incongruências a atributos deprecia vos; (3) a separação do “nós normais” e “eles anormais”; e (4) perda
de status e discriminação onde relações assimétricas de poder estão presentes.
(7) Segundo Goffman (1982), haveria três pos de es gma: es gmas relacionados ao corpo (deformidades sicas), aqueles relacionados a culpas de caráter (vícios, crenças, paixões) e os es gmas
tribais (raça, nação, religião). Dentro desse “catálogo”, Goffman não menciona, contudo, alguma dimensão territorial do es gma. Nesse sen do, são úteis as reflexões presentes no estudo
de Wacquant (2007). Essa dimensão territorial do es gma também se encontra presente nos
estudos de Barbio (2006) e Gourlay (2007).
(8) Syrett (2008) apresenta uma revisão da literatura que discute os chamados Area effects ou
neighbourhood effects, conceitos que se debruçam sobre a dimensão territorial por detrás do
es gma/discriminação e seus efeitos. Outros autores que também alertam sobre os efeitos não
simbólicos da es gma zação territorial são Barbio (2006), Kaztman e Wormald (2002), Kaztman
(2006), Gourlay (2007) ou mesmo os estudos revisados por Link e Phelan (2001).
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Texto recebido em 18/jan/2010
Texto aprovado em 4/maio/2010
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Cidades que crescem horizontalmente:
o ordenamento territorial justo
da mudança de uso rural para urbano
Cities with horizontal growth:
fair territorial planning of rural-urban use change
Paula Freire Santoro
Patricia Lemos Cobra
Nabil Bonduki
Resumo
O planejamento territorial brasileiro enfrenta permanentemente o desafio de gerir territórios que
convertem suas terras rurais em urbanas, resultado do crescimento urbano. Nos anos 1980, o Brasil
vivenciou processos de alteração demográfica e
de reversão da concentração nas grandes cidades associados à desconcentração e às alterações
no desenvolvimento industrial e ao surgimento
de novas formas condominiais de urbanização. O
crescimento horizontal dessas cidades exige novas
estratégias de planejamento de forma que ajudem
na construção preventiva de espaços urbanos qualificados e inclusivos. Este artigo debate as possibilidades da utilização de instrumentos da legislação
brasileira para esta gestão, em especial a Outorga
Onerosa de Alteração de Uso, e propõe novas formas de ordenamento do território, em particular,
planos de expansão urbana.
Abstract
Brazilian planning policy permanently faces
the challenge of managing territories that
convert rural into urban land as the outcome of
urban growth. In the 80s, Brazil experienced
demographic change and concentration reversion
processes in major cities, which were associated
with deconcentration and changes in the
industrial development and with the emergence
of new condominium housing forms. These cities’
horizontal growth raises the need of new planning
strategies towards the creation of including
and qualified urban territories in a preventive
manner. This article debates the odds in using the
Brazilian law to manage for such management
focusing on the Award with Costs of Alteration
in Use instrument, and proposes new planning
instruments, such as urban growth plan.
Palavras-chave: urbanização; mudança ruralurbano; valorização da terra; Outorga Onerosa de
Alteração de Uso; Planos Diretores; planos de expansão urbana.
Keywords: urbanization; rural-urban
transformation; land value appreciation, Award
with Costs of Alteration in Use; master plans,
urban expansion plans.
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Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki
Introdução1
debateram (e hoje somam-se a outros que
reveem) um esquema de análise que se generalizou, o chamado padrão periférico de cresci-
Os gestores dos municípios brasileiros enfren-
mento, baseado em loteamento periférico-casa
tam permanentemente o desafio de administrar
própria-autoconstrução, e que gerou o con-
territórios urbanos resultantes da conversão de
ceito de espoliação urbana (Kowarick, 1980;
terras rurais, resultado do crescimento horizon-
Kowarick, Rolnik e Someck, 1990).
tal das cidades. A expansão urbana é um pa-
Esses trabalhos influenciaram a inter-
drão bastante adequado, desde que planejado,
pretação sobre processos em outras cidades,
a uma realidade de crescimento populacional
não integrantes das regiões metropolitanas
e físico explosivo, como aquela experienciada
paulistas, principalmente sobre as que exer-
por um grande número de cidades brasileiras
cem influência regional ou local. Essas cidades,
até a década de 1980, fruto de processo de in-
entretanto, como afirma Feldman (2003), não
tensa urbanização do país, no âmbito da pas-
geraram suas próprias periferias extensivas e
sagem da economia agrário-exportadora para
ocupam parcela diminuta do território muni-
a urbano-industrial impulsionada pelo Estado
cipal, o que aponta para a necessidade de di-
(Oliveira, 1972; Cano, 1997; Negri, 1996). O
ferenciarmos as análises das cidades conside-
processo de urbanização acelerada dos anos
rando a sua posição na rede de cidades,2 o que
1960 e 1970, além de promover a transferên-
significará diferenciar as estratégias e os inte-
cia populacional da área rural para a urbana,
resses dos atores que promovem a expansão
concentrou boa parte do fluxo migratório em
urbana nesses diferentes grupos de cidades.
poucos territórios, geralmente grandes e médias cidades, sobretudo as metrópoles.
Sem deixar de apresentar um quadro
de expansão urbana baseado em loteamen-
A literatura voltada para os estudos ur-
tos populares, o território periurbano dessas
banos pesquisou essa dinâmica de crescimento
cidades que não integram as regiões metro-
centrada, sobretudo, na acelerada expansão
politanas (espaço onde se dá a transforma-
das metrópoles. Nessa direção, a partir da se-
ção de uso rural para urbano) tem sido palco
gunda metade da década de 1970, houve uma
de novas dinâmicas imobiliárias: pós-anos 80,
larga produção científica sobre o crescimento
como a expansão de loteamentos horizontais
periférico em São Paulo, estudos que identifi-
residenciais, distritos industriais e programas
cavam os processos imobiliários e sociais da
de uso múltiplo, estimulada por programas de
urbanização veloz e horizontal, baseada na
financiamento habitacional, pelo baixo preço
precarização das condições de moradia e vi-
das terras periurbanas e por políticas de mo-
da urbana (Kowarick, 1980; Sampaio e Lemos,
bilidade baseadas nos veículos individuais e no
1978; Maricato, 1979 e 1996; Bonduki e Rolnik,
rodoviarismo (Mattos, 2007; Reis, 2006); e nos
1979; Rolnik, 1997; Bonduki, 2004). Baseados
anos 1990 e 2000, as oscilações no mercado
em análise de cunho marxista e no âmbito da
agrícola rural no interior paulistano – ora valo-
crítica ao modelo econômico implementado pe-
rizando, ora desvalorizando as culturas de cana
lo regime militar, diversos autores construíram,
e laranja – têm estimulado a mudança do solo
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Cidades que crescem horizontalmente
rural para urbano através da abertura de novos
loteamentos residenciais (Bonduki, 2009).
Demógrafos como George Martine,
Cunha e Baeninger alinham-se com economis-
No campo da literatura urbana, por um
tas como Cano (1997), Azzoni (1989) e Negri
lado, a interpretação da expansão urbana
(1996) e dissertam sobre processos de altera-
horizontal tem sido associada às mudanças
ção da concentração populacional nas metró-
demográficas pós-anos 80 no Brasil, com o
poles e grandes cidades associado à fase da in-
crescimento da população urbana nas cidades
dustrialização pesada (expressão utilizada por
dinâmicas; por outro, é associada às estraté-
Cano), mostrando a desconcentração relativa
gias dos mercados imobiliários que estimulam
da indústria e da urbanização, principalmente
o crescimento horizontal. Estes o fazem ora via
nos aspectos de crescimento de sua população
mercado informal, que busca a economia de re-
urbana. Defendem a tese de uma reversão da
dução de custos que se apresenta através da
polarização das metrópoles na urbanização
implantação da urbanização em uma estrutura
brasileira, interpretação que requer observação
difusa e dispersa; ora via mercado formal, que
e que precisa ser tratada com cuidado, sobretu-
busca a inovação do produto imobiliário oferta-
do considerando que o padrão de crescimento
do pelo mercado, como, por exemplo, um con-
das metrópoles é desigual e que esse processo
domínio horizontal fechado onde não há, ou
ocorreu num período de baixo crescimento da
exclusividade no lugar escolhido para um novo
economia, que pode estar sendo alterado pelo
loteamento, como os loteamentos ditos “ecoló-
atual ciclo de expansão dos anos 2000.
gicos”, entre outros similares.
No campo do estudo do mercado imobi-
No campo da demografia, Martine (1994)
liário, um dos principais autores que se debruça
resgata o crescimento populacional dos anos
sobre as estratégias dos atores que promovem
1960 e 1970, e demonstra que a década de
a expansão urbana e a morfologia resultante
80 aponta para uma mudança significativa do
destas é Pedro Abramo (2007, 2009). Abramo
padrão de urbanização brasileiro, com uma re-
(2009) afirma que as cidades latino-americanas
dução significativa do ímpeto da concentração
possuem “uma estrutura ‘híbrida’, ao mesmo
populacional em grandes cidades, com declínio
tempo compacta e difusa, produzida pelo mer-
relevante da migração rural-urbana e inter-re-
cado informal e formal que, por razões vincula-
gional (ibid., p. 43). Cunha e Baeninger (2007)
das às suas próprias lógicas de funcionamento,
afirmam que nos anos 80 houve a intensificação
produzem a cidade COM-FUSA”.4
da migração urbano-urbano e, nos anos 90, um
Segundo o autor, as estratégias dos
maior número de deslocamentos migratórios
agentes dos submercados informais de solo
interestaduais, e reforçam que há uma relação
urbano dividem-se principalmente em busca
entre a desconcentração econômica e os fluxos
da economia da proximidade, que traz soluções
migratórios, oferecendo possíveis explicações
de estrutura compacta (favelas poderiam ser
para novos destinos migratórios e afirmando
exemplos nesta direção), e busca da economia
que o papel da metrópole como atratora popu-
de redução de custos, que se apresenta atra-
lacional muda em face da desconcentração e
vés da implantação de uma estrutura difusa (os
crise do emprego metropolitano.
3
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loteamentos dispersos em manchas urbanas
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Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki
distantes dos centros urbanos poderiam ser
de projetos urbanos,6 embora nelas também
exemplos nesta direção). A lógica de cresci-
possam ocorrer empreendimentos alternativos
mento urbano pautada pela “COM-FUSÃO”
com apelo de mercado. Para essas intervenções
fruto da estratégia dos submercados informais,
acontecerem, frequentemente há resistências
como propõe Abramo (2009), dá-se fortemente
às mudanças e os custos são altos. Já nas de-
nas regiões metropolitanas, onde o mercado in-
mais cidades, fora das regiões metropolitanas,
formal apresenta-se de forma quantitativamen-
a distinção pode acontecer na região periur-
te mais significante e alinha-se com a produção
bana (ou de transição urbano-rural), onde há
da literatura sobre as periferias já comentada,
pouca ou nenhuma resistência à mudança de
mas que também está presente nas demais ci-
uso rural para urbano, ante as oscilações dos
dades brasileiras de todos os portes.
5
preços agrícolas e a alta rentabilidade da im-
Em relação às estratégias do mercado
plantação de preços urbanos, o que aponta pa-
formal, trabalhos anteriores de Abramo (2007)
ra a facilidade de opção pela mudança de uso
mostravam que a estratégia desses atores, di-
(Santoro e Bonduki, 2009).
ferente dos do mercado informal, consiste em
Nessas cidades, parece ser mais intensa a
procurar distinção socioespacial. As famílias
opção pela estratégia da difusão, em face da di-
buscam estar próximas dos seus próximos e a
ficuldade de atrair recursos para projetos urba-
forma utilizada para o consumo dos produtos
nos, pela própria concorrência com as grandes
imobiliários é a diferenciação dos imóveis, pro-
cidades e metrópoles, e, no caso das cidades
curando manter a liquidez de imóveis novos.
menores, pela forte dependência dos recursos
Dentro da estratégia da diferenciação encontra-
federais para qualquer intervenção de maior
se, necessariamente, um deslocamento espacial
porte. Nelas, a inovação pode se dar através de
da oferta – oferecer um produto diferente em
diferenciais do produto de mercado – como, por
uma espacialidade diferente – desvalorizando
exemplo, um condomínio horizontal fechado
e valorizando espaços simultaneamente, em es-
onde esse modelo ainda não estava implemen-
paços de relocação e alocação dos ocupantes e
tado, como os “Dahma”, em São Carlos-SP ou
usos, em um movimento caleidoscópico (Abra-
loteamentos “ecológicos”, como o “Ecovile”
mo, 2007). Segundo o autor, o fato gerador do
em Curitiba-PR (Polucha, 2009).
efeito caleidoscópico é a inovação espacial: um
Como afirma Abramo:
novo produto imobiliário em uma nova espacialidade urbana associada ao deslocamento
da externalidade de vizinhança, ou seja, mantendo a distinção espacial em relação aos outros (ibid., 2009, p. 18).
Nas metrópoles, necessita-se de uma
inovação em grande escala para produzir distinção socioespacial, envolvendo grande parte
do mercado imobiliário, de forma coordenada,
por isso a grande procura para a realização
420
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Uma forma de minorar essa incerteza
em relação as inovações espaciais é a
de promover essas inovações com uma
estratégia locacional de contiguidade
espacial. Assim, nas últimas décadas podemos sugerir que as inovações espaciais
nas grandes cidades latino-americanas se
manifestaram a partir de um processo de
extensificação da “cidade” formal a partir da contínua promoção de inovações
espaciais para os estratos superiores da
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Cidades que crescem horizontalmente
pirâmide da distribuição de renda. Em
termos da estrutura urbana, essa estratégia de atuação dos capitais imobiliários
é promotora de uma cidade de estrutura
difusa. (2009, p. 18)
a explicação para o crescimento urbano se
desvincula da associação ao crescimento da
população urbana ou do padrão periférico de
crescimento.
Como podemos perceber pelas teses
urbanísticas, geográficas, demográficas e relativas à economia urbana, a explicação para o
crescimento periférico se complexizou consideravelmente. Até os anos 80, era frequente na
Da continuidade da expansão
urbana e a lenta reação
do planejamento urbano
literatura a associação do crescimento urbano
com o crescimento populacional, associado à
Com causas mais complexas e diferenciadas,
migração rural-urbana para construção de um
os processos de expansão urbana continuam
exército populacional para a indústria fordista,
intensos, com frequentes processos de es-
numa abordagem estruturalista que era com-
praiamento, sinalizando um processo de ex-
patível com o momento político de denúncias
pansão física contínua das áreas urbanas que
ao modelo político e econômico do desenvol-
se dá sobre o que aqui está se chamando de
vimentismo conservador e do regime militar;
“periurbano” (Santoro e Bonduki, 2009), tam-
pós anos 80, quando muda o padrão de urba-
bém denominado por outros autores “transi-
nização brasileiro e o mercado de trabalho, as
ção rural-urbano”.
alterações na economia e nos padrões migra-
A mensuração desse processo e do que
tórios sugerem que sejam desenvolvidos novos
ele representa no âmbito da área urbana dos
caminhos teóricos para explicar o crescimento
municípios brasileiros requer ainda muitas pes-
urbano. E essa mudança se aplica tanto para
quisas, os estudos existentes trazem diferentes
metrópoles como para aglomerações urbanas
interpretações. A estimativa de áreas urbaniza-
não metropolitanas, pois as forças de atração e
das, geralmente, tem sido elaborada através da
repulsão modificam o padrão migratório desses
interpretação de imagens de satélite cujas me-
territórios.
todologias, nem sempre comparáveis, dificul-
Já em relação ao mercado imobiliário,
tam a generalização das interpretações. A de-
alguns processos sintetizam as explicações pa-
finição da imagem pode estar sujeita a grandes
ra a expansão da mancha urbana das cidades
imprecisões, dependendo da sua resolução e da
paulistas: a (1) oscilação na valorização das
intensidade da fonte luminosa (Garcia e Matos,
terras rurais – que gerava muito pouca resis-
2005); ademais, existem limites operacionais
tência à mudança de uso rural para urbano no
em face do elevado custo das imagens, de seu
território periurbano – associada à (2) inova-
processamento e análise (Ojima, 2007).7
ção promovida pela expansão da tipologia do
Limitando-se a dois estudos que têm
loteamento horizontal de casas como um dife-
como objetivo mensurar a área urbana brasi-
rencial, (3) o sistema rodoviário e o estímulo ao
leira (Garcia e Matos, 2005, e Embrapa, 2006)
uso de carros. Aos poucos, ao se complexizar,
pode-se ter uma boa ideia das dificuldades
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Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki
metodológicas e conceituais encontradas no
Entre inúmeros exemplos, podem ser ci-
aprofundamento desse tema. O trabalho de
tados: Sorocaba, que ao rever seu plano dire-
Garcia e Matos retira da área total dos muni-
tor em 2004 quase duplicou sua área urbana
cípios a metragem correspondente aos setores
(Santoro et al., 2007);10 Pereira Barreto, que te-
censitários rurais do IBGE (2000), chegando
ve sua população diminuída por diversas ações
assim a uma dimensão da área urbana pró-
de desmembramento, mas, na revisão do plano
xima ao que está definido como zona urbana
diretor, criou uma área de expansão que corres-
oficial pelos municípios. Os autores concluem
ponde a quase três vezes a dimensão atual da
que as áreas urbanas brasileiras, se somadas,
área urbana (Santoro, 2009);11 Andradina, que
correspondem a apenas cerca de 1,06%8 do
apresentou taxas diminutas de crescimento de-
total do território brasileiro. Enquanto isso, a
mográfico (0,58% entre 1991 e 2000 e -0,10%
Embrapa, analisando fotos de satélite a partir
entre 2000 e 2007, segundo o IBGE), embora
de uma amostra de municípios e extrapolando
tenha criado, no plano diretor, três áreas de
com procedimentos estatísticos, conclui que a
expansão que correspondem a um acréscimo
área efetivamente urbanizada do Brasil chega
de 58,51% da área urbanizada (Klintowitz,
a apenas cerca de 22 mil km2 ou 0,25% do to-
2009);12 Americana, que apresenta uma área
tal do território brasileiro (Embrapa, 2006).
de expansão de 45km2 (Carvalho, 2009).
Mesmo considerando a dificuldade de
Associada a esse tipo de expansão da
mesurar a expansão urbana, esses números
zona urbana, consolidou-se na literatura e no
mostram que as zonas urbanas oficiais corres-
senso comum um discurso, que se tornou tra-
pondem a aproximadamente quatro vezes as
dicional, que reitera a ideia de que a mudança
áreas efetivamente urbanizadas mapeadas por
de terra rural, que tinha seu preço calculado
satélite, o que dá indícios de que os municípios
em alqueires ou hectares, para urbana, comer-
têm ampliado exageradamente seus limites
cializada por metros quadrados, promove uma
urbanos, movidos por diferentes causas: inte-
significativa valorização, geralmente apropria-
resses fundiários e imobiliários, aumento do
da pelo proprietário, em processos que nem
IPTU, pressão para implementação de empre-
sempre, ou quase nunca, garantem a produção
endimentos habitacionais, etc.
do solo urbano infraestruturado acessível às di-
Desenvolvemos a hipótese de que as
versas classes sociais.
cidades têm ampliado suas manchas urbanas,
Diversos autores da economia urbana
pressionadas, sobretudo, pelos interesses imo-
afirmam que a valorização na mudança de solo
biliários e fundiários. A análise do recente ciclo
rural para urbano corresponde à maior valori-
de planos diretores elaborados pós-Estatuto
zação na “vida” de um terreno (Borrero, 2002;
da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01) dá exem-
Biderman, 2007). Essa valorização é apropriada
plos de diversas cidades no estado de São
pelos proprietários de terras e torna essa ope-
Paulo que estão estimulando o espraiamento
ração muito interessante para os que veem a
urbano, inclusive algumas onde ocorreu uma
terra como mercadoria. Recente pesquisa que
diminuição de população.
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está sendo desenvolvida em municípios do
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Cidades que crescem horizontalmente
estado de São Paulo procura apresentar dados
O instrumento tributário mais utilizado
empíricos que, por um lado, sustentam essa
nos municípios médios e pequenos é o Imposto
argumentação, por outro, mostram as nuances
Predial Territorial Urbano (IPTU). Ao estabelecer
desse processo, mostrando suas ambiguida-
valores das propriedades, representados em
13
des (Santoro e Bonduki, 2009).
uma planta genérica de valores, estes servem
Embora a produção das diversas moda-
de base para a cobrança do IPTU. A atualização
lidades de solo urbano seja bastante atraente
dos valores da terra que passou pelo proces-
para proprietários de terras e empreendedores,
so de urbanização pode levar o município, em
esta tem implicações bastante distintas para o
tese, a receber um imposto correspondente ao
estado. A expansão da mancha urbana signifi-
novo valor da terra, ganho que, embora não re-
ca, para as prefeituras, além da possibilidade
cupere totalmente a valorização da terra que é
de cobrar o IPTU, a necessidade de extensão de
apropriada pelo proprietário, ao menos permite
serviços urbanos e a construção e manutenção
uma tributação justa relativa ao novo valor de
de novos equipamentos, entre outras despesas.
mercado.
Além disso, muitas vezes, a abertura de novos
No entanto, no Brasil, mesmo esse ga-
parcelamentos periféricos ocorre simultanea-
nho gerado pelo IPTU não é cobrado com efi-
mente a dinâmicas de esvaziamento popula-
cácia e equidade, por vários motivos: muitos
cional, subutilização e deterioração do parque
municípios nem cobram o imposto ou têm
edificado de áreas centrais, esvaziando áreas
grande volume de isenções; a planta genérica
onde o estado já investiu, implantando infraes-
de valores, base da cobrança, tem cadastros
trutura e equipamentos sociais, que continuam
desatualizados, obsoletos, incompletos; há
requerendo manutenção. Quase nunca novos
fortes resistências políticas a uma cobrança
parcelamentos periféricos estão vinculados à
justa, como consequência, há dificuldade de
escassez de imóveis urbanos, sendo comum
aprovação de atualização de valores pela Câ-
verificar municípios onde há milhares de lotes
mara; os prefeitos não querem ficar marcados
vazios ao mesmo tempo que a implantação de
como os que aumentaram impostos; existem
novos loteamentos é intensa. São dinâmicas
interpretações jurídicas que obstruem altera-
que seguem a lógica do mercado fundiário e
ções; falta de confiança no sistema tributário;
imobiliário, fortemente especulativo.
eficiência na arrecadação causada por altos
No campo do planejamento urbano, a
índices de ineficiência. Essas razões mostram
dinâmica de expansão urbana tem sido acom-
porque, mesmo sendo o instrumento tributá-
panhada de significativas transformações no
rio mais disseminado, o IPTU não consegue
campo das regulamentações, que possuem
sequer tributar corretamente os novos valores
princípios e diretrizes no sentido de exigir a
assumidos pela terra transformada em urbana,
recuperação da valorização fundiária. No en-
para dar conta das necessidades de serviços
tanto, ainda são escassos os exemplos em
públicos que estas áreas requerem.
que os poucos instrumentos existentes para
Ainda em processo de revisão atualmen-
essa recuperação deram efetivamente algum
te, a legislação federal de parcelamento do solo
resultado.
urbano, a Lei Federal nº 6.766/79 (Lei Lehman),
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em sua versão atual, exige uma contrapartida
urbanizar ou mudar de um uso menos rentável
na abertura do loteamento – não financei-
para um mais (geralmente mudança de uso
ra, mas através da doação de áreas para uso
habitacional para comercial, entre outras
institucional e áreas verdes. Embora seja atra-
possíveis).
vés dela que o Estado permite a expansão ur-
De fato, o Outorga Onerosa de Alteração
bana ao autorizar a possibilidade de urbanizar,
de Uso (OOAU), associada à elaboração dos
a Lei Lehman não prevê nenhuma forma de re-
planos de expansão urbana, parece ser o ins-
cuperação da valorização obtida com a mudan-
trumento mais adequado para capturar a valo-
ça de uso do solo rural para urbano.
rização imobiliária gerada pela transformação
O projeto de revisão em debate na Câma-
de terra rural em terra urbana. No entanto, os
ra dos Deputados (Projeto de Lei nº 3.057/00)
debates sobre esse instrumento e sua aplicação
tramita há alguns anos e inova um pouco nessa
ainda são embrionários no Brasil.
direção, ao propor a exigência de uma porcen-
Ante o quadro institucional atual, mar-
tagem dos lotes (entre 10 e 15%) para habi-
cado pela consolidação do Estatuto da Cidade,
tação de interesse social – reivindicação dos
parece injustificável que os municípios brasilei-
movimentos de luta por moradia – em todos
ros que se caracterizam por uma forte expan-
os parcelamentos. No entanto, a proposta es-
são horizontal não sejam capazes de imple-
tá longe de ser acordada. Em uma das versões
mentar um instrumento urbanístico novo, como
que foi apresentada, apenas tende a mudar
a Outorga Onerosa de Alteração de Uso – nos
a destinação das áreas de interesse público,
textos de leis dos planos diretores aprovados
substituindo a exigência de doações de áreas
nesse período. Considerando o processo contí-
verde e institucional por habitação social, al-
nuo de conversão de terras rurais em urbanas;
ternativa que institucionalizaria a precariedade
a valorização da terra existente nesse proces-
urbanística no país.
so, obtida de forma privada; e os princípios e
Já a Constituição Federal de 1988 e o
diretrizes do Estatuto da Cidade que exigem
Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01)
a recuperação da valorização para a coletivi-
explicitam que os municípios têm não apenas
dade, considera-se que, em face da dinâmica
o direito, mas o dever de intervir em processos
imobiliária que esses municípios vivenciam, seu
especulativos que resultem em valorizações
planejamento deveria ter avançado na direção
excessivas da terra (Levy et al., 2005). Dentre
da utilização da Outorga Onerosa de Alteração
os instrumentos criados pelo Estatuto que mais
de Uso nos seus planos diretores recentemente
diretamente incidem sobre a recuperação da
aprovados.
valorização da terra está a Outorga Onerosa
Essa hipótese levou a pesquisa a identifi-
do Direito de Construir (OODC), que pode ser
car os municípios no estado de São Paulo que
cobrada sobre a permissão de construir e a
preveem, em lei, esse instrumento, investigan-
Outorga Onerosa de Alteração de Uso (OOAU),
do os conteúdos referentes à sua aplicabilidade
que pode ser cobrada sobre a permissão de
no plano diretor e em lei específica.
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Cidades que crescem horizontalmente
As origens da utilização
Outorga Onerosa de Alteração
de Uso: a experiência
do Distrito Federal
possibilidade de mudanças de uso dentro da
área urbana, desde que respeitado o que estabelecem os planos locais e mediante outorga
onerosa.19
Essa lei estabelecia que toda a valorização
auferida através de peritos que trabalhariam
Pouco se investigou sobre como se deu a inser-
caso-a-caso seria cobrada e que os recursos
ção do instrumento Outorga Onerosa de Altera-
obtidos iriam 95% para o Fundo de Desenvol-
ção de Uso no Estatuto da Cidade (Lei Federal
vimento Urbano do Distrito Federal (Fundurb) e
nº 10.257/01). Em uma revisão dos encontros
5% para o Fundo do Meio Ambiente do Distrito
que marcaram o urbanismo brasileiro,14 perce-
Federal.20 O valor da ONALT seria atribuído pela
be-se que o tema da Outorga Onerosa do Di-
Terracap, cuja fórmula de cálculo é apresentada
reito de Construir esteve sempre presente (em-
pela fórmula VO = A (VUP - VUA), onde:
bora sob o novo de Solo Criado), enquanto que
a de Alteração de Uso não é nem citada. Inspirados nos modelos de desenvolvimento urbano
francês e americanos, alguns desses encontros
pautaram propostas de regulação do mercado
imobiliário pouco interventivas ou preventivas,
como veríamos nos anos subsequentes à aprovação do Estatuto da Cidade com o estudo de
experiências de Outorga Onerosa do Direito de
Construir em doze municípios (Cymbalista et
al., 2007).
•
VO é o valor a ser pago pela outorga one-
rosa da alteração de uso;
•
VUP é o valor do metro quadrado da uni-
dade imobiliária com o uso pretendido, obtido
pelo Laudo de Avaliação;
•
VUA é o valor do metro quadrado da uni-
dade imobiliária com o uso atual, de acordo
com a Pauta de Valores Imobiliários;
•
"A" é a área da unidade imobiliária (De-
creto nº 22.121/2001, art. 19).21
José Roberto Bassul, que acompanhou o
Embora não haja informações sistema-
processo de aprovação do Estatuto da Cidade
tizadas sobre a aplicação desse instrumento,
no Senado Federal e publicou livro sobre essa
o mais importante é sua novidade diante do
experiência, afirma que esse instrumento en-
objetivo inicial do instrumento. Pensado inicial-
trou no Projeto de Lei do Estatuto da Cidade
mente para regularizar a situação de postos de
em função da utilização que já ocorria no go-
gasolina em Brasília, hoje é possível encontrar
verno do Distrito Federal desde 2000.
casos como o Plano Diretor Local de Taguatinga
15
Desde 1996, durante o governo de Cris-
(Lei Complementar no 90/1998), que determina
tóvão Buarque, o Distrito Federal já tinha pre-
ser aplicável a cobrança de ONALT para casos
visto o instrumento da Outorga Onerosa do
de habitação coletiva, e chegou a ter casos de
16
Direito de Construir, mas foi em 2000 que o
exigência da ONALT como forma de compensar
que tratará
o adensamento da infraestrutura urbana que
de alteração de uso residencial para comercial
ocorreria pela alteração de uso de uma área
e usos especiais instituindo a Outorga Onero-
industrial para residencial, embora existam ar-
Distrito Federal promulga a lei
sa da Alteração de Uso,
18
17
que considerava a
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gumentações no Tribunal de Justiça do Distrito
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Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki
Federal e dos Territórios considerando abusiva
22
Alteração de Uso, esse instrumento aparece ci-
a exigência do pagamento da ONALT. Dessa
tado no art. 29 e regulado, juntamente com a
forma, percebe-se que houve uma ampliação
OODC, nos artigos 30 (estabelece necessidade
do objetivo inicial do instrumento, voltado para
de lei específica) e 31 (determina finalidades de
regularização de postos de gasolina, para um
utilização dos recursos obtidos), mas ele apa-
instrumento de gestão social da valorização
rece muito pouco conceituado e existe pouca
da terra que recuperaria a valorização da terra
argumentação em torno da sua defesa.
obtida na mudança de usos urbanos mais ren-
No entanto, efetivamente, o Estatuto da
táveis. Essa mudança parece enfrentar fortes
Cidade determina que o planejamento deverá
resistências no mundo do direito, que considera
envolver o território como um todo, conside-
essa recuperação uma argumentação jurídica,
rando área urbana e rural (art. 40, parágrafo
não uma forma preventiva de evitar saturação
2º), buscando a integração e a complementa-
da infraestrutura existente.
riedade entre as atividades desenvolvidas nes-
Percebe-se também que o debate se dá
ses dois espaços, embora seus instrumentos
apenas sobre as áreas urbanas, ainda não há
tenham forte caráter urbano e metropolitano.
a ideia de incidir na alteração de uso do solo
Para enfrentar o desafio de planejar o rural,
rural para urbano, essa concepção parece ter
inicialmente, era necessário “ler o território”
surgido após interpretações sobre o Estatuto
(Nakano, 2004, p. 25), propondo novas meto-
da Cidade, logo após a sua aprovação.
dologias e formas de integração desses universos que possuem diferentes atores sociais
envolvidos na sua gestão.
A Outorga Onerosa
da Alteração de Uso
no Estatuto da Cidade
Após a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001, foram aprovados diversos planos
diretores e alguns deles, em especial, debruçaram-se sobre a questão rural procuran do
desenvolver propostas de intervenção sobre
O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº
as áreas de transição rural-urbana. É o ca-
10.257/2001) baseia-se nos princípios da sepa-
so de Piracicaba, em São Paulo, por exemplo,
ração do direito de construir do direito de pro-
que propôs em seu plano a Região do Entorno
priedade do terreno e na função social da pro-
Imediato (REI), que procurava superar a es-
priedade para conceituar o instrumento da Ou-
tagnação da atividade agrícola tradicional no
torga Onerosa do Direito de Construir (OODC).
entorno do núcleo urbano municipal (Sparovek
“De uma certa forma, reconhece-se que o direi-
et al., 2004, pp. 14-24). São Carlos foi um dos
to de construir tem um valor em si mesmo, in-
municípios cujo plano diretor (Lei Municipal no
dependente do valor da propriedade, podendo
13.691/2005) também procurou intervir sobre
agregar ou subtrair valor a esta” (Brasil, 2002,
esse espaço e adotou a OOAU como instru-
p. 65). Há toda uma argumentação e interpre-
mento para recuperar a valorização da terra
tação desse instrumento no Estatuto da Cidade,
obtida na mudança de uso rural para urbano,
mas, efetivamente, sobre a Outorga Onerosa de
como falaremos mais adiante.
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Cidades que crescem horizontalmente
Exemplos pontuais de intervenção em
áreas rurais a partir do plano diretor parecem
está vinculada expressamente a um objetivo ou
estratégia do plano diretor.
sinalizar um esforço de planejar sobre o rural
Diversos desses 23 municípios que citam
que merece ainda a ser investigado, tanto em
o instrumento definem regras no plano diretor
termos do que foi proposto como em termos de
para sua aplicação, muitas vezes associadas
seus resultados, ainda difíceis de medir em fun-
ao instrumento da Outorga Onerosa do Direito
ção da atualidade do tema.
de Construir, como a destinação dos recursos
obtidos para um fundo ou as finalidades onde podem ser aplicados os recursos. O próprio
A utilização da Outorga
Onerosa da Alteração de
Uso nos planos diretores
no estado de São Paulo
Estatuto da Cidade também associa os instrumentos nesse regramento e os municípios seguem o Estatuto como “modelo”. Dentre os 23,
dezessete definem a aplicação do instrumento
em macrozonas ou zonas demarcadas em mapas anexos.
Para investigar como os planos diretores no
Alguns dos municípios aplicam sobre to-
estado de São Paulo estavam lidando com
da a zona urbana, indiferenciando o objetivo do
suas áreas de expansão urbana e se estavam
instrumento, eventualmente até confundindo-o
propondo OOAU para recuperar a valorização
com a OODC.24 Mas há oito municípios que
da terra obtida nesse processo, iniciou-se uma
parecem se alinhar na concepção de utilização
investigação específica a partir do projeto de
do instrumento para áreas de expansão.25 Cin-
Avaliação dos Planos Diretores Participativos
co dos 23 planos estabelecem um prazo26 para
no Estado de São Paulo, coordenado no esta-
aprovação de lei específica que regulamenta a
do pelo Instituto Pólis. Esse projeto compõe a
aplicação do instrumento e apenas dois muni-
Rede Nacional de Avaliação de Planos Direto-
cípios efetivamente têm essa lei: São Carlos e
res Participativos sob coordenação central do
Diadema.27
IPPUR-UFRJ e do Ministério das Cidades (2008-
Dentro desse grupo de oito municípios
2009) e analisou 91 planos diretores participa-
que pensam o instrumento para a área de ex-
tivos. Uma revisão feita sobre essas análises
pansão, apenas São Carlos e Tatuí afirmam que
permitiu destacar alguns resultados de sua
um conselho municipal – Conselho Municipal
implementação.
23
de Habitação e Desenvolvimento Urbano de
Dos 91 planos estudados, apenas 23 ci-
São Carlos e do Conselho Municipal de De-
tam o instrumento e quatorze apenas mencio-
senvolvimento Urbano de Tatuí – aprovaria o
nam o instrumento. Dentre os planos diretores
instrumento. A maioria dos municípios deter-
que possuem o instrumento, nenhum consegue,
mina que será o poder público municipal que
a partir do seu plano diretor, aplicar a OOAU,
aprova.
todos exigem leis específicas, ou seja, nenhum
Sobre a definição da fórmula de cálculo
tem caráter autoaplicável. Dos 23, apenas em
das contrapartidas, três do grupo de oito
nove municípios a aplicação do instrumento
municípios estabelecem valores e fórmulas
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quase idênticas: Boituva determina que o valor
por meio da utilização adaptada de instrumen-
da outorga será correspondente a 5% do valor
tos para indução da política urbana” (Silva e
de mercado da parte a ser edificada, além dos
Peres, 2009, p. 1). No caso, as autoras afirmam
limites do Coeficiente de Aproveitamento Bási-
que esses municípios previram Áreas Especiais
co; Tatuí, 5% do valor de mercado do imóvel
de Interesse – AEIs, adaptando-se e criando um
onde incidirá o parcelamento; São Carlos, 5%
zoneamento que enfocasse temas que se dão
do valor de mercado do imóvel onde incidirá o
sobre as áreas rurais – recuperação ambiental,
parcelamento.
proteção de mananciais, conservação do patri-
Dentre os 23 municípios que citam o ins-
mônio, entre outros.28
trumento, quinze definem finalidades para o
Para exemplificar a aplicação desse ins-
destino dos recursos obtidos com as contrapar-
trumento, foram elencadas duas experiências
tidas arrecadadas na aplicação do instrumento,
de aplicação da OOAC em São Carlos, possivel-
e diversos deles definem que os recursos vão
mente os casos mais desenvolvidos no estado.
para fundos municipais.
A partir desse quadro, podemos concluir
que, apesar de muito inicial, houve no processo
de construção dos planos diretores participativos pós-Estatuto da Cidade uma pequena disseminação da possibilidade de utilização desse
instrumento nos municípios preocupados com
sua expansão urbana. Essa percepção é pos-
Duas experiências
de aplicação da Outorga
Onerosa de Alteração
de Uso em São Carlos
sível a partir da demarcação da utilização do
instrumento da OOAU em áreas de expansão
ou de transição urbano-rural, ou periurbanas; e
A cidade de São Carlos29 instituiu e regulamentou o instrumento de Outorga Onerosa de Alte-
também pela utilização de uma fórmula muito
ração de Uso através da lei de seu plano diretor
semelhante para o cálculo dos valores a serem
(Lei Municipal nº 13.691 de 25 de novembro de
arrecadados.
2005) e de lei específica (Lei nº 14.059 de 16
Há pouca literatura sobre a OOAU, embora, recentemente, Silva e Peres (2009) destacaram, dentre as possibilidades do Estatuto da
Cidade, a elaboração de planos diretores que
envolvam o planejamento de áreas rurais e urbanas e apresentam São Carlos e Santa Cruz do
Rio Pardo, ambos no estado de São Paulo, como
municípios que buscaram enfrentar a dimensão
expressiva de seu território rural através de
de abril de 2007).
O instrumento de OOAU foi proposto
com o objetivo de
[...] coibir a especulação imobiliária em
zonas pertencentes ao meio rural, mas
contíguas à macrozona urbana, buscando
controlar os processos de expansão aleatória das fronteiras urbanas e rurais, valorizando a ocupação de glebas urbanas
vazias. (Silva e Peres, 2009)
seus planos diretores, “consolidar diretrizes por
meio de recortes territoriais que constituíram o
Além desse objetivo principal, a OOAU de-
zoneamento e as áreas especiais de interesse, e
ve obter recursos (ou imóveis) vinculados à
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Cidades que crescem horizontalmente
realização de obras de interesse social que vi-
Alteração de Uso, principalmente considerando
sem a qualificação urbanística e a melhoria dos
a diversidade de atores envolvidos na urbani-
espaços públicos e equilibrar a ocupação do
zação dessa região, dentre eles a universidade
solo urbano otimizando a utilização de infraes-
que pretendia expandir, os empreendedores de
trutura existente.
loteamentos, os agricultores, entre outros.30 Es-
Segundo a lei que regulamenta o ins-
sa observação de Lucchese levanta hipóteses
trumento no município, a Outorga Onerosa
de que nas áreas onde houve resistência, possi-
de Alteração de Uso do Solo poderá ser apli-
velmente o instrumento não foi marcado.
cada nas propriedades localizadas na Zona
Além da demarcação da utilização do
4 – Regulação e Ocupação Controlada e Zona
instrumento sobre essas zonas, o plano diretor
5 – Proteção e Ocupação Restrita (vide mapa).
determina alterações na lei de parcelamento
Cabe ressaltar que os Empreendimentos de Ha-
do solo que, dentre outras, prevê que as áreas
bitação de Interesse Social localizados nessas
reservadas para uso institucional ou verde pu-
zonas são passiveis de isenção do pagamento
dessem ser compensadas em outro local ou em
da OOAU
doação em dinheiro ao Fundo Municipal de
Entretanto, Maria Cecilia Lucchese apon-
Habitação e Desenvolvimento Urbano; que par-
ta que, ao mesmo tempo que a opção de uti-
celamentos não habitacionais deveriam fazer
lizar a OOAU foi inovadora, o instrumento foi
Estudo de Impacto de Vizinhança; e que par-
aplicado fora de lugar:
celamentos em zonas rurais seriam permitidos
através do instrumento de Outorga Onerosa de
O plano diretor trabalha de forma interessante com a área rural do município,
e ao admitir a existência de uma área de
transição entre o meio urbano e o rural
assume uma forma de controle sobre seu
desenvolvimento através do instrumento
da Outorga Onerosa de Alteração do Uso
do Solo, que é um instrumento inovador.
Mas como nesse setor da cidade predominam loteamentos clandestinos e irregulares, o que mostra uma dificuldade de
fiscalização por parte do Poder Público, a
aplicação de um instrumento de outorga
onerosa pode não frear o desenvolvimento de novos parcelamentos e ao contrário
aumentar o número de irregulares e clandestinos. (Lucchese, 2009, p. 6)
Alteração do Uso do Solo.
A lei específica da OOAU determina que,
para iniciar o processo de aprovação do parcelamento, inicialmente, deve-se aprovar a transformação da propriedade rural em uma gleba
de fins urbanos. Para a aprovação dos parcelamentos com uso da OOAU, deve ser apresentado à prefeitura municipal um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV).31 Após a realização
do EIV, a utilização do instrumento deve ser
aprovada pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Carlos através dos
pareceres da Câmara Técnica de Parcelamento
do Solo e da Câmara Técnica de Legislação Urbana. Com os pareceres favoráveis à alteração,
Entrevistas com responsáveis pela ela-
instrumento deve ser averbado na matrícula do
boração do plano diretor mostram que houve
imóvel e a prefeitura municipal deve realizar a
grande dificuldade na demarcação das áreas
cobrança da contrapartida do empreendedor.
passíveis de cobrança da Outorga Onerosa de
O pagamento integral da contrapartida deve
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Mapa Macrozona de Uso Multifuncional Rural do Município de São Carlos, 2005
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Cidades que crescem horizontalmente
ser realizado antes da aprovação definitiva do
Parque Eco-Tecnológico Damha I e II (2008) e
empreendimento, somente após o pagamento
Terra Nova São Carlos I e II (2009) com a apli-
da contrapartida será emitido um decreto que
cação do instrumento da OOAU.
altera a zona da propriedade.
O empreendimento Parque Eco-Tecnoló-
A contrapartida que o empreendedor
gico Damha I e II foi construído em um terreno
deve pagar ao poder público correspondente a
localizado na Zona 4 – Regulação e Ocupação
5% (cinco por cento) do valor de mercado do
Controlada próximo à Rodovia SP-318 (Eng.
imóvel a ser parcelado. Esse valor é determina-
Thales de Lorena Peixoto Jr.). O projeto, apre-
do por um laudo da Comissão de Avaliação de
sentado pela Empreendedora Encalso Constru-
Bens Imóveis da Prefeitura Municipal de São
tores Ltda., possui uma área total de 462.798
Carlos baseado na Planta Genérica de Valo-
m2 que foi subdividida em lotes para abrigar
res que corresponde a 70% (setenta por cen-
indústrias e empresas sem risco ou com baixo
to) do valor de mercado do imóvel. De acordo
risco ao meio ambiente.37
com Ricardo Martucci e Alberto Engelbrecht32
O empreendimento Terra Nova São
o critério utilizado para estabelecer o valor de
Carlos I e II, também localizado Zona 4 – Re-
mercado do imóvel é o valor das áreas mais
gulação e Ocupação Controlada, é formado
próximas e semelhantes do empreendimento
por dois loteamentos destinados a posterior
na Planta Genérica de Valores (PGV). Segundo
construção de quatro condomínios de casas
33
Diretor do Departamento
populares destinados a famílias com renda de
de Planejamento Territorial, a Comissão deve
cinco a dez salários mínimos. O projeto, apre-
realizar também uma pesquisa junto às imobi-
sentado pela Rodobens Negócios Imobiliários,
liárias da cidade para confirmar o valor obtido
possui duas glebas com áreas de 107.912 m2
com a Planta Genérica de Valores do ano. Esse
e 536.553 m2 que abrigarão aproximadamen-
procedimento não está na lei específica, foi um
te 1.700 casas térreas e sobrados geminados,
mecanismo criado pelo Conselho Municipal de
previsto para serem entregues em 2011. Após
Desenvolvimento Urbano para ter uma “avalia-
o processo de aprovação do loteamento com
Daniel Mazziero,
34
aplicação da OOAU, iniciou-se o processo de
ção com valor de mercado”.
Os recursos obtidos através da aplicação
da OOAC devem ser destinados ao Fundo Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urba35
aprovação dos condomínios que ainda está em
andamento.38
Os loteamentos Terra Nova São Car-
no e a definição de como o recurso será apli-
los I e II pagaram como contrapartida para
cado cabe ao Conselho Municipal Habitação e
o município R$660.000,00 e o Parque Eco-
Desenvolvimento Urbano de São Carlos.
36
Tecnológico Damha R$447.988,46, totalizan-
Apesar das dificuldades em definir parâ-
do R$1.107.988,46. Esse valor corresponde
metros para a aplicação do instrumento e em
a aproximadamente 0,27% do total de re-
aprovar a lei específica de OOAU, o município
ceitas orçamentárias de 2009 (Lei Municipal
de São Carlos aplicou duas vezes o instrumen-
nº 4.832/2009), no entanto, equivale aos
to. Desde 2007, ano de promulgação da lei es-
recursos gastos com um programa de mo-
pecifica, foram aprovados os empreendimentos
radia solidária (Mutirão São Carlos VIII) e a
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produção de unidades habitacionais novas
de alta renda e hoje já disseminadas como
(Monte Carlo). Ou seja, poderia ser revertido
modelo de parcelamento de solo que retrata
em projetos urbanos habitacionais que deem
o modo de vida centrado no rodoviarismo, no
conta dos déficits e atendessem aos que não
veículo individual, no controle da circulação e
têm condições de comprar sua moradia no
na implementação de sistemas de vigilância. A
mercado formal.
urbanização através de condomínios ou lotea-
As contrapartidas representam a recupe-
mentos traz a necessidade de o poder público
ração da valorização da terra na mudança do
repensar suas estratégias de planejamento e
uso rural-urbano e o montante recuperado foi
sua atuação como gestor do parcelamento do
destinado ao Fundo Municipal de Habitação
solo, e revisitar instrumentos de gestão social
e Desenvolvimento Urbano. Segundo Daniel
da valorização da terra pode ser um proce-
Mazziero,39 os recursos do fundo ainda não fo-
dimento inspirador para se pensarem novas
ram utilizados em nenhum projeto desenvolvi-
formas de atuar e agir preventivamente para
do pela secretaria.
gerar espaços urbanos qualificados, infraestruturados e justos.
Nesse sentido, é necessário, sim, enfren-
Considerações finais
tar as possibilidades dos instrumentos mais
tradicionais de recuperação da valorização da
Este trabalho procurou mostrar que, ao se com-
terra, tais como IPTU, e aprofundar as possibili-
plexizar, a explicação para o crescimento urba-
dades de utilização de novos instrumentos, de
no se desvincula da associação ao crescimento
forma criativa e inovadora, tais como a OOAU,
da população urbana ou do padrão periférico
compreendidos dentro de um projeto urbano
de crescimento e que há novas formas de urba-
para as áreas de expansão.
nização que demandam que sejam concebidas
Os estudos realizados sobre os municí-
novas formas de intervenção pensadas a partir
pios do estado de São Paulo mostraram que
de dinâmicas não metropolitanas, deslocando-
há ainda pouquíssima disseminação sobre as
se dos trabalhos que têm a metrópole como
possibilidades de utilização do instrumento da
principal fonte inspiradora.
Outorga Onerosa de Alteração de Uso, embora
Esse deslocamento é importante em face
ela já esteja aparecendo nos planos diretores,
dos novos processos de alteração demográfica
muito em função do reconhecimento de áreas
que o país viveu no pós-1980, uma reversão
de urbanização ou de necessidade de controle
do processo de concentração nas metrópoles
urbano, moldadas em propostas já em anda-
e grandes cidades associado à desconcentra-
mento, ainda que tímidas e pouco expressi-
ção da indústria (Martine, 1994 e Cano, 2007);
vas em termos de recursos, a exemplo de São
ante as alterações atuais no processo produ-
Carlos. Embora ainda tímida na sua aplicação,
tivo, tais como a aceleração do agronegócio,
a OOAU pode ser concebida como parte de
e, principalmente, ante o surgimento e disse-
um conjunto de instrumentos que trabalhem
minação das formas condominiais de urbani-
para a promoção da urbanização de for-
zação, envolvendo inicialmente classes mais
ma preventiva, induzida pelo poder público,
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Cidades que crescem horizontalmente
colaborando para distribuir entre ele (repre-
os desejos dos cidadãos e o cumprimento da
sentando o interesse coletivo) e proprietários
função social da propriedade.
de terra a valorização obtida nesse processo.
O Plano Nacional de Habitação do Bra-
Para essa aplicação, exige que a gestão públi-
sil também propõe e procura estimular a for-
ca repense seu papel, atuando de forma mais
mulação de planos de expansão urbana. Essa
pró-ativa e interventiva, ainda que reguladora,
proposta visa articular projeto urbano com
sobre o crescimento urbano das aglomerações
qualidade e também equacionar os ônus e
urbanas.
benefícios decorrentes da urbanização, de for-
Se essa recuperação da valorização da
ma a não privilegiar grandes proprietários de
terra obtida na mudança de uso rural para
terra e produzir territórios urbanos com qua-
urbano é necessária, mais que isso, ela deve
lidade. Por isso, planos de expansão deveriam
ser parte de um processo de urbanização com
ser acompanhados de projetos urbanos que
qualidade, caso contrário esvaziam-se seus ob-
articulem moradia, educação, equipamentos
jetivos urbanos. Nesse sentido, a experiência
sociais e culturais, mobilidade, que podem ser
internacional do planejamento territorial pode
obtidos com instrumentos como Planos Locais,
ser um caminho indicativo, pois são muitos os
Planos de ZEIS, a partir de EIVs, Consórcio Imo-
países que planejam sua expansão urbana,
biliário ou outras figuras; com participação
além dos que consideram percentuais de desti-
cidadã e através de processos democráticos e
nação de áreas para habitação como parte das
transparentes; devem conter cálculos sobre os
obrigações urbanísticas do parcelador (Alema-
custos e a valorização final da terra obtida; e
nha, Inglaterra e Espanha). A Colômbia, por
prever instrumentos que trabalhem para essa
exemplo, prevê que cada ampliação de perí-
recuperação e para o cofinanciamento da ur-
metro deve ser feita com planes parciales com
banização desejada.
reajuste de terras que medem e repartem os
Propõe-se aqui que os planos de expan-
custos e benefícios da urbanização com objeti-
são deveriam, portanto, articular instrumentos
vo de construir pedaços de cidade nas áreas de
de forma a enfrentar a resistência dos pro-
expansão. Espera-se, com essa definição, que
prietários de terra nas áreas periurbanas ou
haja o reconhecimento de que os custos da im-
de transição rural-urbana, admitindo que o
plantação de infraestrutura têm sido divididos
crescimento de nossas cidades tem se dado
entre poder público e mercado privado, e que
sobre esse território e tende a continuar acon-
sejam propostas parcerias e processos nego-
tecendo em face das dinâmicas do mercado
ciados onde haja projeto urbano, traduzindo
imobiliário.
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Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki
Paula Freire Santoro
Arquiteta urbanista. Instituto Pólis. São Paulo, São Paulo, Brasil.
[email protected] / [email protected]
Patricia Nogueira Lemos Cobra
Arquiteta urbanista. Instituto Pólis. São Paulo, São Paulo, Brasil.
[email protected] / [email protected]
Nabil Bonduki
Urbanista. Universidade de São Paulo. São Paulo, São Paulo, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) Este ar go foi desenvolvido no âmbito da pesquisa em Polí cas Públicas apoiada pela Fapesp,
in tulado “Urbanização e preço da terra nas franjas urbanas em municípios do Estado de São
Paulo”, que está sendo desenvolvido pelo Pólis – Ins tuto de Estudos, Formação e Assessoria
em Polí cas Sociais e pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
e que contou com o apoio do Lincoln Ins tute of Land Policy (2007) e da Oxfam (2008-2009).
Este texto apresenta e discute os resultados parciais da segunda fase de pesquisa.
(2) Feldman (2003), ao iniciar uma inversão do olhar do planejamento sobre a metrópole, propõe no
tulo de seu ar go que o planejamento se debruce sobre “cidades não metropolitanas”, que
consistem nas grandes e médias cidades com importância econômica regional, polos de rede
de cidades, com crescente população e dinâmica econômica. Considerando que essas diferem
entre si, procuraremos nesse ar go não u lizar esse termo “cidades não metropolitanas” como
um conceito de cidade, mas sim como uma forma de referenciarmos a essa outra mirada do
planejamento urbano, desfocando das metrópoles.
(3) Em relação ao estado de São Paulo, Gonçalves (1994) afirma que um novo patamar de configuração da rede urbana estaria em processo, envolvendo uma nova ar culação interna às regiões
paulistas e, por outro, podendo-se iden ficar, por um lado, novas relações entre elas e a metrópole.
(4) Abramo (2009), referenciando-se às cidades dos países centrais, afirma que a crise do fordismo
urbano nos anos oitenta “se manifesta, sobretudo, através da crise do urbanismo modernista e
regulatório com a flexibilização urbana e com a crise de financiamento estatal da materialidade
urbana (habitação, equipamentos e infraestrutura) e alguns serviços urbanos cole vos” (p. 2).
Diante da crise, há o retorno do mercado como ator determinante da produção da cidade, papel
antes mediado pelo Estado na definição das regras de uso do solo, decisões de inves mentos,
entre outras. O autor desenvolve, portanto, a tese de que as cidades modernas dos países la no-americanos resultam do funcionamento das duas lógicas modernas (Mercado e Estado), mas
também de uma terceira lógica, a lógica da necessidade – referindo-se ao “padrão periférico de
crescimento” já comentado através do trio “loteamento periférico-casa própria-autoconstrução” –, que promoveu a produção de “cidades populares”. Nos dois casos, o mercado ressurge
como principal mecanismo de coordenação da produção da cidade.
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Cidades que crescem horizontalmente
(5) Estudo sobre os setores subnormais do IBGE 2000 (Marques, 2007) mostra sua presença em um
grande número de municípios.
(6) A estratégia de trazer megaeventos espor vos como a Copa 2014 e as Olimpíadas 2010 é uma
dessas estratégias, por exemplo.
(7) Ojima (2007) procura construir um indicador de dispersão urbana e introduz seu ar go trazendo parte dos trabalhos sobre morfologia urbana e de análise de modelos de dispersão/coesão
ou densidade urbana. Dentre eles, destaca o estudo de Angel, Scheppard e Civco (2005) sobre
quatro mil cidades no mundo com população superior a 100 mil habitantes, os trabalhos da
Columbia University com o estudo dos pontos de luz emi dos pelas aglomerações urbanas, e o
trabalho de Garcia e Matos (2005) sobre a Malha Digital de Setores Censitários Rurais a par r de
informações do IBGE.
(8) Isso sem considerar Sergipe, cujos setores censitários não foram ob dos até esse momento da
pesquisa.
(9) O projeto de avaliação dos Planos Diretores Par cipa vos no Estado de São Paulo é coordenado
pelo Ins tuto Pólis, que compõe a Rede Nacional de Avaliação de Planos Diretores Par cipa vos, sob a coordenação central do Ministério das Cidades e do Ins tuto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IPPUR/UFRJ. O processo
de pesquisa envolve uma análise detalhada dos conteúdos dos planos diretores aprovados produzidos após o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01). Envolve, em uma segunda fase,
a capacitação dos diversos atores para implementação dos planos diretores como instrumento
de democra zação do acesso à terra e par cipação popular. Seus resultados ainda estão sendo
processados e serão publicados na página da internet do projeto.
(10) No caso de Sorocaba, Santoro et al. (2007) mostram antes do plano diretor que a área urbana e
área industrial somadas ocupavam 233,14 km2 e correspondiam a 51,12% do território municipal; após o plano, elas somavam 375,76km2 e correspondiam a 82,4% do território, mostrando
um crescimento de 61%.
(11) Santoro (2009), no estudo de caso do Plano Diretor de Pereira Barreto, mostra que o município criou uma área de expansão que corresponde a 275% da área atualmente urbanizada, para
abrigar “ranchos”; ao mesmo tempo que se percebe que perdeu população entre 1991 e 2000,
numa taxa nega va de -7,39% da população total (TGCA).
(12) Cálculos ob dos a par r da análise do Plano Diretor de Andradina feita por Klintowitz (2009),
cujas áreas de ZEIS permitem aferirmos o percentual da zona de expansão.
(13) A pesquisa mostra que a valorização não é tão rápida e nem tão fácil como o senso comum afirma; e em alguns casos não é ela que opera a decisão por urbanizar, nessa perspec va é necessário comparar rentabilidades dos solos urbano e rural para compreender a urbanização (Santoro
e Bonduki, 2009, p. 7).
(14) Dentre eles, é possível citar o “Seminário sobre uso do solo e loteamento urbano” em Salvador,
1969; e o que culminou com a Carta de Embu, em Embu, 1976.
(15) É dele o livro que descreve esse processo (Bassul, 2005).
(16) Lei nº 1.170/1996; Decreto nº 19.436/98 e Lei nº 1.832/1998.
(17) Lei nº 2.526/2000.
(18) Lei Complementar nº 2.526/2000, regulamentada através do Decreto nº 22.121/2001
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Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki
(19) A lei diz: “Art. 2° A outorga onerosa da alteração de uso cons tui-se em cobrança, mediante
pagamento de valor monetário, pela modificação ou extensão dos usos e dos diversos pos de
a vidades que os compõem, previstos na legislação de uso e ocupação do solo para a unidade
imobiliária ou quaisquer dos seus pavimentos, que venham a acarretar a valorização dessa unidade imobiliária.
§ 1º Considera-se modificação de uso a mudança de um uso ou po de a vidade para outro diferente daqueles previstos para a unidade imobiliária nas normas de edificação, uso e gabarito
vigentes.
§ 2º Considera-se extensão de uso a inclusão de um novo uso ou po de a vidade não previsto
para a unidade imobiliária, mantendo-se o uso previsto nas normas e edificação, uso e gabarito
vigentes” (Lei Complementar nº 294/2000).
(20) A Lei complementar 294/2000 criou os procedimentos para sua u lização, seja por mudança de
uso ou extensão de uso ao uso original por um outro po de a vidade e estabelece que os Planos Diretores Locais aprovados que determinarão as a vidades permi das e a possível cobrança
por isso através da Outorga Onerosa de Alteração de Uso – ONALT. Esta, para efe vamente
ser outorgada, deverá ter um laudo de avaliação da Terracap (proprietária das terras do DF) e
apresentar esse laudo na Administração Regional. Os Planos Diretores Locais podem exigir um
Estudo Prévio de Viabilidade Técnica – EPVT, a ser pago pelo empreendedor, para implantação
de determinada a vidade antes mesmo do processo junto à Terracap. As modificações de uso já
aprovadas por lei complementar específica teriam que ser regularizadas através de procedimento administra vo junto à Administração Regional.
(21) Os valores do metro quadrado serão calculados levando em conta o novo valor de mercado do
imóvel em face do novo uso, e tem como base as Normas Brasileiras Registradas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), considerando tabelas de avaliação do Terracap e da
SEDUH, através da contratação de peritos. Os recursos con nuam dividindo-se nos fundos já
citados. Se o valor da ONALT não for pago totalmente, o alvará de construção defini vo não é
emi do.
(22) Fonte: Matéria da TV Jus ça de 09/02/2009 “Pedido de suspender alvará de construtora para
erguer residencial em área industrial do DF é indeferido”, disponível em h p://www.tvjus ca.
gov.br/maisno cias.php?id_no cias=9673.
(23) Foram destacadas as perguntas de número 51 a 66 do ques onário orientador, que tratam de
temas correlatos ou diretamente relacionados com a OOAU.
(24) Esses são: Assis, que define a zona 1 e zona 2 em toda a Macrozona Urbana; Diadema, sobre as
Zonas de Uso e Áreas especiais; Ilha Solteira, em toda a zona urbana; Ourinhos, sobre a Macrozona Urbana. Dentre os municípios que parecem delimitar áreas para OODC e colocam sobre a
mesma área OOAU, estão: Ita ba, que aplica na Zona Predominantemente Residencial de Alta
Densidade e na Zona Comercial de Alta Densidade, cujo próprio nome já indica se tratar de
área adensável em termos constru vos; São Bernardo, sobre as áreas das operações urbanas
consorciadas; Vargem Grande Paulista que demarcou uma zona cujos imóveis estão sujeitos à
aplicação desse instrumento.
(25) Eles são: (1) Boituva, que aplica sobre a Zona de Ocupação Controlada Rural; (2) Mogi Guaçu,
em Zona de Urbanização Específica; (3) Peruíbe, que marcou sobre as áreas 1 – Áreas situadas
na Macrozona de Qualificação Urbana, 2 – Áreas situadas na Macrozona Turís ca de Sol e Praia
e 3 – Macrozona de Expansão Urbana; (4) Poá, que delimitou sobre a Macrozona de Proteção
Ambiental e na Macrozona de Uso e Ocupação Controlados; (5) Porto Feliz, sobre a Zona de
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Cidades que crescem horizontalmente
Ocupação Controlada Rural – Zona 4 e na Zona de Produção Agrícola Sustentável – Zona 5; (6)
Santa Cruz do Rio Pardo, sobre as Zona 5 (A e B) – Zona de Influência Urbana e Zona 6 – Recuperação e Preservação de Manancial; (7) São Carlos, sobre a Zona de Regulação e Ocupação Controlada e a Zona de Preservação e Ocupação Restrita; (8) Tatuí, na Zona 4, mudança de uso rural
para urbano.
(26) Dentre esses cinco que estabelecem prazo para a prefeitura elaborar legislação específica, apenas um deles não faz parte desse grupo de oito municípios que dão fortes indícios de u lizarem
o instrumento da forma com o obje vo de recuperar a valorização na mudança de uso rural
para urbano: Assis, que propôs 20 meses para fazer a legislação específica; Boituva propôs 360
dias; Porto Feliz, 360 dias; e Tatuí, 540 dias a contar da data de aprovação do plano diretor.
(27) A análise de Santa Cruz do Rio Pardo afirmou que o município não possui o instrumento em lei
específica, no entanto, Silva e Peres (2009) afirmam que o instrumento existe e já está sendo
u lizado, embora não descrevam experiências. Pode ser que as temporalidades das pesquisas
tenham sido diferentes, o que ocasionou essa dúvida.
(28) Um olhar rápido sobre o quadro de zonas rurais nesses municípios mostra que Santa Cruz do Rio
Pardo propõe recuperação ambiental e demarca áreas de risco de erosão, trabalhando o instrumento no sen do de evitar ocupação e promover recuperação; já São Carlos propõe zonas de
controle de ocupação, mas de proposta de produção agrícola familiar ou manutenção de usos
rurais, com um aspecto menos impedi vo e mais proposi vo (ver Silva e Peres, 2009, p. 12).
(29) São Carlos está localizada na mesorregião de Araraquara no interior do estado de São Paulo e
possui cerca de 220.463 habitantes, es ma va da Fundação Seade para 2009, com base nos
dados do Censo IBGE.
(30) Em especial, agradecemos aos arquitetos urbanistas Ricardo Martucci, Laila Mourad, Gisela Leonelli e Raquel Rolnik, as úl mas eram do Ins tuto Pólis e trabalharam na elaboração do plano
diretor de São Carlos, por cederem material e conhecimento sobre a cidade de São Carlos-SP.
(31) O EIV tem como obje vo prever os principais impactos do empreendimento durante as fases do
projeto, contemplando propostas para adoção de medidas mi gadoras ante os impactos iden ficados. Esse estudo deve ser aprovado previamente pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano e pela Companhia de Tecnologia em Saneamento Ambiental (Cetesb) do estado
de São Paulo.
(32) Informação coletada da ata da reunião do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano do
dia 11 de setembro de 2008.
(33) Entrevista realizada em agosto de 2009 para a pesquisadora Patricia Cobra como parte da pesquisa “Urbanização e preços da terra nas franjas urbanas em três municípios no estado de São
Paulo”.
(34) Caso a pesquisa junto às imobiliárias não esteja de acordo com o valor es pulado pela Comissão, o beneficiário poderá entrar com um recurso. Esse recurso deverá ser acompanhado de um
laudo técnico elaborado por um profissional habilitado no Conselho Regional de Engenharia,
Agricultura e Agronomia do Estado de São Paulo (CREA/SP).
(35) Segundo a lei do plano diretor, os recursos do fundo podem ser u lizados para a aquisição de
áreas infraestruturadas des nadas a empreendimentos habitacionais de interesse social (EHIS);
projeto e execução de equipamentos de esporte, cultura e lazer ou geração de trabalho e renda
e a consolidação, conservação e proteção das áreas dos Córrego do Monjolinho, Córrego do
Gregório ou Ribeirão do Feijão.
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(36) O plano diretor determina, entre suas atribuições, que o Conselho deve monitorar a gestão do
plano diretor, elaborar propostas, examinar e emi r pareceres nos temas afetos à polí ca urbana ou quando solicitado, e supervisionar a aplicação dos instrumentos determinados na lei do
plano.
(37) Extraído de um documento elaborado por Daniel Mazziero – Diretor do Departamento de Planejamento Territorial, no dia 27 de maio de 2009.
(38) Até dezembro de 2009, somente um dos quatro condomínios estava aprovado pela Secretaria de
Desenvolvimento Urbano de São Carlos.
(39) Entrevista realizada em agosto de 2009 pela pesquisadora Patricia Cobra como parte da pesquisa “Urbanização e preços da terra nas franjas urbanas em três municípios no Estado de São
Paulo”.
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Texto recebido em 27/jan/2010
Texto aprovado em 11/abr/2010
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Tendências da urbanização
e os espaços urbanos não metropolitanos
Urbanization trends and non-metropolitan urban spaces
Renato Pequeno
Denise Elias
Resumo
No Brasil, com a expansão dos sistemas de objetos voltados a dotar o território de fluidez para os
investimentos produtivos, ocorre uma descentralização da produção, acirrando a divisão territorial
do trabalho, resultando em redefinições urbanas e
regionais de várias naturezas. Os estudos sobre os
espaços urbanos não metropolitanos em diferentes regiões do país representam um dos caminhos
necessários para avançar na compreensão da complexidade da realidade brasileira contemporânea.
O presente texto reflete parte de uma pesquisa
em desenvolvimento que tem como objeto alguns
desses espaços e tem como objetivo principal apresentar uma das características que se tem mostrado recorrente a todas as cidades estudadas, qual
seja, o aprofundamento das desigualdades socioespaciais. A moradia é a variável principal escolhida
para análise.1
Abstract
In Brazil, the expansion of systems objects
which attempts to bring productive investments
fluidity for the territory results in production
decentralization and provides the work territorial
division, resulting in urban and regional
redefinitions of several natures. The studies
on non-metropolitan urban spaces in different
country areas represent one of the necessary ways
of moving forward in the understanding of the
complexity of the contemporary Brazilian reality.
This text reflects part of an ongoing research
that has as object some of these spaces and
as main target presenting one of the recurrent
characteristics to all studied cities whatsoever, the
probing of social-spatial inequalities. Housing is
the main variant chosen for analysis.
Palavras-chave: urbanização; espaços não metropolitanos; cidades médias; desigualdades socioespaciais; moradia.
Keywords: urbanization; non-metropolitan spaces;
medium size cities; social-spatial inequalities;
housing.
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Renato Pequeno e Denise Elias
Introdução
econômico nas últimas três décadas, sejam
associados à difusão do agronegócio, do comércio e dos serviços especializados, seja à
No Brasil, entre 1940 e 1980, deu-se verdadei-
descentralização da produção industrial. Com
ra inversão quanto ao lugar de residência da
a generalização do fenômeno da urbanização
população brasileira, caracterizando a deno-
da sociedade e do território que o Brasil atinge
minada passagem do Brasil rural para o Bra-
no final do século XX, os trabalhos de inves-
sil urbano. Com a expansão dos sistemas de
tigação científica sobre esses espaços em tais
objetos e sistemas de ação (Santos, 1996) vol-
condições têm sua relevância reforçada.
tados a dotar o território de fluidez para os in-
O presente texto reflete, por um lado,
vestimentos produtivos, os fatores locacionais
parte de uma pesquisa desenvolvida de 2006
clássicos são redimensionados, ocorrendo uma
a 2009.2 A pesquisa tem como objetivos prin-
descentralização da produção.
cipais: a) analisar as diferentes funções de-
Nesse contexto, até a década de 1980,
sempenhadas por um conjunto de espaços
muitos lugares que, do ponto de vista da di-
urbanos não metropolitanos escolhidos para
visão internacional do trabalho, compunham
estudo; b) avaliar as diferenças entre eles,
o que Santos (1993) chamou de “exército
distinguindo os que mais rapidamente se mo-
de lugares de reserva”, tornam-se atrativos
dernizam daqueles que mantêm papéis regio-
à produção moderna e são incorporados aos
nais herdados de período histórico anterior;
circuitos produtivos globalizados de empre-
c) realizar uma pesquisa que contribua para
sas nacionais e multinacionais hegemônicas
o adensamento da reflexão sobre as novas
em diferentes ramos da economia. Acirra-se,
tendências da urbanização brasileira e amplie
assim, a divisão territorial do trabalho e das
os conhecimentos sobre os espaços urbanos
trocas intersetoriais, resultando em reestrutu-
não metropolitanos, em diferentes regiões
rações urbanas e regionais de várias naturezas
brasileiras.
e magnitudes por todo o território nacional.
Neste texto, temos como principal ob-
Diante das novas características eco-
jetivo apresentar algumas das evidências
nômicas e territoriais do Brasil, os antigos es-
já constatadas a partir de um dos temas da
quemas utilizados para classificar a sua rede
pesquisa, qual seja, o do aprofundamento
urbana, as divisões regionais, as regiões metro-
das desigualdades socioespaciais no espaço
politanas que, até hoje, são amplamente em-
urbano, tendo na moradia a variável principal
pregados, necessitam de uma revisão que dê
escolhida para análise, apresentando um con-
conta da complexidade da realidade atual.
junto de processos adjacentes.3 Como objeto
Entre os caminhos para avançar nesse
de análise, temos a cidade de Mossoró, no Rio
sentido, destacamos a premência de estudos
Grande do Norte, na qual vários dos processos
não só sobre as metrópoles ou suas respecti-
supracitados como importantes para análise
vas regiões metropolitanas, mas também sobre
da pesquisa maior se destacam, evidenciando
a ampla gama de espaços urbanos não metro-
as especificidades e as singularidades que a
politanos que apresentam grande dinamismo
caracterizam (Figura 1).
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Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos
Figura 1 – Mossoró – Situação geográfica
São apresentados alguns elementos
derivados e as possíveis respostas até aqui
metodológicos utilizados, visando a contribuir
propostas pelos diferentes agentes produtores
com a formulação de uma síntese que possa
do espaço.
nortear as similaridades entre as realidades
O arcabouço teórico-conceitual para a
percebidas nos diferentes municípios ana-
explicação de tais processos e impactos socio-
lisados na pesquisa como um todo. São dis-
espaciais encontra-se em construção, até por-
cutidos, também, os principais processos até
que muitos ainda estão em curso. Mas acre-
aqui constatados, objetivando-se sistematizar
ditamos ser possível citar alguns caminhos,
o conjunto de pressões que levam à ocor-
sempre com o objetivo de avançar na análise
rência dos mesmos, assim como os impactos
e na síntese dos mesmos.
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Renato Pequeno e Denise Elias
Mossoró: entre verticalidades
e horizontalidades
de decisão e comando, todos localizados fora
da região e mesmo fora do país.
Contribuem para tal as políticas promovidas pelos governos federal, estadual e munici-
Entre as partes do Brasil recentemente incor-
pal, as quais têm alocado recursos em infraes-
poradas aos circuitos produtivos globalizados
trutura necessária ao incremento da economia,
de empresas nacionais e multinacionais he-
bem como garantido subsídios que possam
gemônicas em diferentes ramos da economia,
atrair empresários de diferentes setores. Nes-
destacaremos aqui um exemplo do semiárido
se particular, não podemos deixar de destacar
brasileiro que, na sua maior parte, permaneceu
a forte representação que Mossoró possui, há
à margem de tais circuitos até pouquíssimo
décadas, nas diferentes instâncias dos pode-
tempo.
res estaduais e mesmo no congresso nacional,
Mas, desde a década de 1980, de forma
com os “filhos da terra” fazendo-se presentes
intensa, essa área assume novos papéis na di-
enquanto deputados federais e mesmo senado-
visão internacional do trabalho e tem ramos
res, beneficiando totalmente a cidade na vinda
econômicos inseridos na dinâmica da produ-
de recursos públicos. Estudos de Felipe (2001)
ção moderna e vive, desde então, importantes
comprovam tal afirmação.
transformações socioespaciais (Elias e Peque-
Mossoró (RN) e ampla região sob sua
no, 2006, 2007), incluindo o próprio discurso
influência estão entre as novas áreas dinâmi-
sobre suas possibilidades econômicas. Podería-
cas do Brasil, nas quais é possível observar as
mos dizer que, em algumas instâncias, busca-
transformações na produção que se processa,
se construir um novo imaginário social sobre
cada vez mais, com utilização intensiva de ca-
algumas de suas partes, consideradas com vá-
pital, tecnologia e informação, principais forças
rias vantagens comparativas, para as quais se
produtivas do presente período histórico, sendo
vislumbram amplas oportunidades para alguns
visível a substituição crescente do meio natural
negócios, em geral associados às riquezas na-
e do meio técnico pelo meio técnico-científico-
turais dessa região.
informacional (Santos, 1988, 1996), com forte
Partes do semiárido passam a ser consi-
incremento da urbanização e do tamanho da
deradas, a partir desse momento, como fração
cidade. Entre nossas principais preocupações
do espaço do planeta cada vez mais aberta às
nesta pesquisa, está justamente compreender
determinações exógenas e aos novos signos
a dinâmica dessa urbanização, especialmente a
contemporâneos. Isso é ainda mais verdade
partir dos novos agentes econômicos.
no relacionado aos mercados, cada vez mais
Mossoró, em pleno semiárido brasileiro,
longínquos e competitivos; aos preços, alguns
é a segunda cidade mais importante do Rio
geridos pelas principais bolsas de mercadorias
Grande do Norte. Localiza-se no noroeste poti-
do mundo; aos pacotes tecnológicos adotados,
guar, entre duas regiões metropolitanas, Forta-
muitas vezes induzidos pelos interesses de
leza (CE) e Natal (RN), e dista cerca de 200 km
multinacionais hegemônicas nos respectivos
de cada uma. Conta hoje com cerca de 220 mil
ramos, e, sobretudo, no referente aos centros
habitantes e encabeça uma área de influência
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Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos
regional com mais de um milhão de habitantes,
todos os continentes, uma das três mais im-
composta por cerca de 75 municípios, especial-
portantes empresas produtoras e exportadoras
mente do próprio estado, mas também do Cea-
de frutas do mundo, assim como a Petróleo
rá e da Paraíba,4 em especial para a prestação
Brasileiro S/A (Petrobras). A instalação dessas
de serviços e atividades comerciais.
empresas em Mossoró ou na região sob sua
Na área de influência de Mossoró, reali-
influência constitui um verdadeiro marco para
za-se parte dos circuitos espaciais da produção
qualquer periodização que se faça sobre a ci-
(Santos, 1986) de três importantes atividades
dade ou região, dados os profundos impactos
econômicas, que apresentam destacado cres-
socioeconômicos e espaciais que advêm desde
cimento desde a década de 1980 e juntas são
então.
responsáveis por parte do crescimento urbano
É importante lembrar que Mossoró é
desse município e por significativas reestrutu-
hoje o primeiro produtor brasileiro de petró-
rações urbanas e regionais. Trata-se do agro-
leo com exploração em terra e o segundo em
negócio da fruticultura tropical (especialmente
volume geral (terra e mar). Da mesma forma,
melão e banana); da exploração do petróleo e
concentra a quase totalidade da extração de
do gás natural e da extração e beneficiamento
sal do país, assim como é o principal produtor
do sal.
brasileiro de melão, voltado, em grande parte,
Das três atividades, a extração de sal é
para a exportação para a Europa e Estados
a que ocorre há mais tempo, cerca de um sé-
Unidos. Dessa forma, em Mossoró e em região
culo, tendo passado por forte reestruturação
sob sua influência, teríamos os territórios do
produtiva na década de 1970, comandado por
petróleo, do sal e do agronegócio da fruticul-
capitais externos, nacionais e multinacionais,
tura tropical.
de destaque no ramo, resultando em significa-
Mossoró concentra os serviços e comér-
tivas metamorfoses no processo produtivo, as-
cios mais importantes para todas essas ativi-
sim como em forte concentração no setor, que
dades, tais como os escritórios das principais
passou a se constituir por cerca de ¼ do total
empresas agrícolas, a sede da Petrobrás e das
de empresas existentes antes do processo de
respectivas prestadoras de serviços, a sede de
reestruturação.
algumas das mais importantes extratoras e be-
As outras duas atividades, por sua vez,
neficiadoras de sal e vários outros nós dos res-
poderíamos dizer que estão entre as mais re-
pectivos circuitos espaciais da produção que se
centes e importantes realizadas em Mossoró e
dão, em parte, na região sob sua influência, co-
região, fruto, em parte, das novas possibilida-
nectados com várias outras partes do mundo.
des produtivas advindas da revolução tecnoló-
Tais atividades têm interessado aos capi-
gica e da fluidez do espaço. A elas está associa-
tais hegemônicos dos respectivos ramos, pro-
da a chegada de capitais externos, nacionais e
movendo a instalação de diversas empresas de
multinacionais, entre os mais significativos no
capitais não locais, as quais imprimem novas
mundo nos respectivos ramos, tais como a mul-
formas de produção, distribuição, armazena-
tinacional Del Monte Fresh Produce, que atua
mento e consumo; expandem-se muitos novos
na fruticultura em mais de cinquenta países em
fixos a partir dos quais se dão múltiplos novos
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Renato Pequeno e Denise Elias
fluxos, seja de matéria ou de informação, sen-
e informação ao espaço agrário, obrigando
do que parte significativa deles é totalmente
Mossoró a suprir suas demandas por insumos
comandada por interesses exógenos, predo-
materiais e intelectuais. Vale lembrar que, para
minando as verticalidades, por mais que se ex-
a difusão do consumo produtivo agrícola, deve-
pandam as horizontalidades. Tudo isso culmina
mos considerar os sistemas de objetos, os sis-
em significativo aumento da densidade técnica
temas de ação (Santos, 1996) e todos os fluxos
e normativa do espaço urbano e agrícola de
correspondentes.
Mossoró e região e, consequentemente, em
São inúmeras as atividades associadas ao
processos de reestruturação urbana e regional.
consumo produtivo agrícola geradas pelo agro-
O crescimento das atividades supracita-
negócio, especialmente do melão e da banana,
das acaba por propiciar a instalação de um nú-
em Mossoró: empresas comerciais (máquinas e
mero grande e diversificado de estabelecimen-
implementos agrícolas, sementes selecionadas,
tos que oferecem comércios e serviços especia-
produtos veterinários, agrotóxicos, etc.); empre-
lizados, alguns bastante modernos, antes res-
sas de serviços (pesquisa agropecuária, análise
tritos às principais capitais do país, associados
de solos, aviação agrícola, consultoria agrícola,
ao consumo produtivo (Santos, 1988, 1996), ou
telefonia rural, irrigação, manutenção de máqui-
seja, aqueles inerentes às demandas primor-
nas agrícolas, informática, empresas de gestão
diais das três principais atividades econômicas,
de recursos humanos, de transporte de cargas,
em especial, as que evidenciam a atuação de
entre outras). É possível observar, inclusive, cer-
novos agentes econômicos na cidade e região.
ta especialização na cidade voltada à comercia-
Tais produtos e serviços são oferecidos
lização de tais insumos, ao longo da BR 304.
por empresas modernas e são bastante impor-
Entre as consequências desse crescimen-
tantes, especialmente para o agronegócio e
to das atividades econômicas, temos uma gran-
para a extração de petróleo e gás, acirrando a
de atração de mão de obra de várias partes
divisão territorial e social do trabalho, intensifi-
do país, especializada ou não. Isso somado ao
cando as trocas de várias naturezas, com pro-
êxodo rural promovido pela concentração fun-
fundos impactos na vida social e no território.
diária com a instalação das empresas agrícolas
Poderíamos destacar, por exemplo, que parte
contribui, sobremaneira, para novas dinâmicas
do processo produtivo comandado pela Petro-
populacionais em Mossoró e região. Somente
brás é todo terceirizado para uma série de ou-
citando Mossoró, a população total do muni-
tras empresas, muitas multinacionais, as quais
cípio passa de pouco mais de 97 mil para cer-
realizam várias e complexas atividades econô-
ca de 214 mil habitantes, de 1970 a 2000, de
micas vinculadas à extração do petróleo.
acordo com dados do IBGE (Sidra). Em igual
O consumo produtivo agrícola, por sua
período, o crescimento da população urbana
vez, como ocorre em todas as áreas de di-
foi ainda superior, quando passa de cerca de
fusão do agronegócio no Brasil (Elias, 2003,
79,5 mil para 199 mil habitantes. Dessa forma,
2006, 2007), é um elemento estruturante da
em trinta anos, a população urbana cresceu
economia urbana de Mossoró e cresce, parale-
cerca de 2,5 vezes. No que tange à taxa de ur-
lamente, a incorporação de ciência, tecnologia
banização, atinge os 93% no ano 2000.
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Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos
O dinamismo da economia contribuiu para significativas mudanças nas relações sociais
realizam parte de seus circuitos espaciais de
produção em Mossoró e região.
de produção, com a expansão do mercado de
Observa-se, também, uma elevação da
trabalho formal, mesmo na agricultura, até en-
média salarial dos trabalhadores especializa-
tão baseada praticamente em relações pouco
dos, associados aos novos agentes econômi-
ou não monetarizadas, imprimindo muitas no-
cos instalados na cidade e região, expandindo
vas sociabilidades ao setor. Os dados do mer-
a classe média. Para isso contribui, também, o
cado de trabalho formal constituem um bom
aumento de funcionários públicos; de profissio-
indicador para podermos observar caracterís-
nais liberais; de técnicos associados à extração
ticas importantes da estrutura, evolução e di-
de petróleo; de agrônomos trabalhadores das
namismo da economia de Mossoró. Utilizando
empresas agrícolas, etc. Devemos considerar,
dados da Relação Anual de Informações Sociais
também, o pagamento dos royalties por parte
(RAIS) e do Cadastro de Empregados e Desem-
da Petrobrás, a qual injeta uma quantidade de
pregados (CAGED) do Ministério do Trabalho e
dinheiro considerável na cidade e região.
Emprego (MTE), temos que o número de em-
Mesmo que a classe média ainda seja
pregados formais em todas as atividades eco-
relativamente pequena perante a população
nômicas em Mossoró somava cerca de 19,5 mil
total, possui poder aquisitivo mais elevado e
e 47,5 mil, em 1991 e 2007, respectivamente.
suficiente para propiciar o surgimento de um
Vale destacar que algumas característi-
número importante de casas comerciais e de
cas da urbanização de Mossoró acompanham a
serviços especializados voltados às demandas
realidade nacional, tais como a de urbanização
da população e às novas lógicas do consumo,
recente fortemente inerente à difusão do co-
contribuindo sobremaneira para o crescimento
mércio e serviços. Assim sendo, desde a década
do consumo consumptivo.
de 1990, é possível observar predominância do
Poderíamos destacar os inerentes à saúde
setor no total de pessoas empregadas formal-
especializada; educação superior; transportes
mente, somando 46,5% no ano de 2007. Se a
rodoviários intermunicipais e interestaduais;
essas somarmos os empregados em adminis-
serviços de segurança privada; administração
tração pública, o percentual sobe para 60%.
pública, etc. Podem ser observados, também,
Conhecer a expansão do consumo, seja
através da implantação de ramos de atividades
produtivo, seja consumptivo, e suas formas,
representativas da atuação dos novos agentes
intensidades, qualidades e natureza dos fluxos,
econômicos, de redes de venda de eletrodo-
de matéria e de informação, são importantes
mésticos e eletrônicos; de empresas do setor
para indicar o leque de novas relações entre a
imobiliário; de supermercados e hipermerca-
cidade e o campo, entre os espaços urbanos da
dos; de agências bancárias, etc.
região sob influência de Mossoró, assim como
Recentemente, a entrada de capitais ex-
as relações desta com o restante do mundo,
ternos vem gerando novas lógicas de locali-
explicitando formas de organização interna da
zação das atividades comerciais e de serviços,
cidade e as novas relações entre os diferen-
redefinindo a centralidade de Mossoró em
tes elos das empresas que, de alguma forma,
suas diferentes escalas. Em julho de 2007, foi
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Renato Pequeno e Denise Elias
inaugurado o primeiro shopping center, tendo à
frente capital italiano atuante no ramo da construção civil sediado em Fortaleza. Entre as mais
Aprofundamento das
desigualdades socioespaciais
recentes inaugurações, podemos citar, também,
a instalação de um outro grande equipamen-
É possível reconhecer um quadro de agrava-
to defronte ao shopping center, em agosto de
mento das desigualdades socioespaciais em
2008, o primeiro hipermercado de capital mul-
Mossoró, nas escalas regional e intraurbana,
tinacional, o Atacadão, pertencente à mesma
mediante a análise das variáveis associadas às
holding na qual está inserido o Carrefour.
Todo esse crescimento urbano ocorreu
sem o devido acompanhamento de uma política de desenvolvimento urbano eficaz, pautada em instrumentos de planejamento urbano
adequados ao controle da especulação imobiliária, resultando no crescimento das irregularidades fundiárias e numa série de conflitos de
uso e ocupação do solo, além de problemas de
circulação e mobilidade.
Na ausência de políticas de desenvolvimento urbano e habitacional associadas a
processos de planejamento, prevaleceu, nos
últimos anos, a lógica do projeto urbano através da qual a gestão do espaço intraurbano
passou a ser conduzida mediante intervenções
pontuais, orientadas segundo critérios estrategicamente definidos.
Dessa forma, do crescimento urbano de
Mossoró emergem, além de formas precárias
de moradia associadas à carência de redes de
infraestrutura urbana e de equipamentos sociais, os espaços de riqueza, onde passam a
predominar condomínios horizontais e verticais, bem como centros comerciais e de serviços, estabelecendo um quadro de segregação
socioespacial, configurando-se intensas disparidades intraurbanas.
suas condições de moradia. Os processos aqui
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abordados, com o intuito de indicar essas disparidades, associam-se diretamente às transformações ocorridas na estrutura econômica
do município e de sua região de influência, evidenciando-se a compreensão de que o espaço
urbano, na forma como é produzido, reflete as
mudanças históricas nos processos produtivos
(Corrêa, 2003).
Com o intuito de identificar os principais
processos associados às desigualdades socioespaciais presentes no espaço intraurbano
de Mossoró, buscaremos associá-los, em uma
primeira análise, aos agentes produtores do espaço urbano, notadamente aqueles voltados à
produção residencial.
Nesse sentido, buscaremos analisar as
diferentes “cidades” que se superpõem no intraurbano de Mossoró, distinguindo-as da seguinte maneira: a) a cidade das políticas públicas, onde prevalece a localização de conjuntos
habitacionais de interesse social; b) a cidade
espontânea e informal, correspondente às formas de moradia predominantemente precárias;
c) a cidade do mercado imobiliário, agrupando
as áreas sob influência do mercado imobiliário voltadas para aqueles com maior poder
aquisitivo.
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Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos
Entretanto, faz-se necessário ressaltar
residenciais reconhecidamente homogêneas
que reconhecemos claramente a presença de
no seu conteúdo socio-ocupacional, concentra-
interseções derivadas de associações entre os
das ao norte da área central. Com isso, ficou
diferentes agentes produtores do espaço, nem
estabelecido, ao longo de sua evolução urbana,
sempre explícitas, as quais se tornam, por ve-
uma diferenciação entre uma parte que reunia
zes, visíveis através da análise dos instrumen-
o centro comercial e seus bairros residenciais
tos de planejamento e gestão do solo urbano,
adjacentes, melhores providos de serviços ur-
formulados pelo poder local.
banos, e outra ao norte, onde vivia a mão de
obra salineira, predominando as moradias inadequadas e a precariedade urbana.
A cidade das políticas
habitacionais de interesse
social
A década de 1970 é um marco para a
história de Mossoró. Intensificaram-se os movimentos populacionais do campo para a cidade, motivados pelas recorrentes dificuldades da
agricultura de subsistência, atividade até então
Quando analisamos o processo de crescimento
predominante no semiárido nordestino, e, em
urbano de Mossoró, em suas diferentes fases, é
especial, pela substituição da força-de-trabalho
possível verificar seu forte atrelamento à distri-
manual pela mecânica na salinicultura. Além
buição espacial das atividades econômicas de
disso, reduzem-se as oportunidades de traba-
maior importância para a região, ao longo do
lho dada à decadência das atividades agroin-
tempo. Com isso, a cada mudança na sua es-
dustriais de beneficiamento de oleaginosas,
trutura produtiva, a morfologia da cidade sofre
principalmente a partir da crise da produção de
alterações, definindo-se historicamente os frag-
algodão, ocasionada por pragas nas plantações,
mentos que representam o processo desigual
trazendo para a cidade um cenário pouco alen-
como o espaço intraurbano mossoroense vem
tador, ampliando-se os espaços da pobreza.
sendo produzido.
Entretanto, é nessa mesma década que,
Consolidada como núcleo urbano a par-
por conta de sua condição como segundo maior
tir da sua localização como entroncamento de
município potiguar, equidistante entre Fortale-
vias provenientes do Sertão, onde as relações
za e Natal, constituindo-se num centro regional
comerciais associadas à pecuária, à cultura do
consolidado, Mossoró passou a ser alvo de pro-
algodão e ao extrativismo de recursos naturais
gramas nacionais de desenvolvimento urbano,
da caatinga se estabeleciam, Mossoró teve a
vindo a ser incluído em Programa Nacional de
salinicultura como atividade motriz capaz de
Desenvolvimento Urbano para Cidades de Por-
atrair grandes contingentes populacionais, ga-
te Médio.
nhando posição de destaque na rede urbana
Nesse período, o Estado passa a inter-
regional. Considerando o grande número de
vir no âmbito da produção habitacional nas
postos de trabalho originados com a fase ar-
suas diferentes esferas: a) federal, a partir da
tesanal de extração do sal, motivando progres-
liberação de recursos provenientes do Sistema
sivos fluxos migratórios, formaram-se áreas
Financeiro da Habitação (SFH), obtidos junto
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Renato Pequeno e Denise Elias
ao Banco Nacional da Habitação (BNH); b) es-
visto que essas áreas passaram a contar com
tadual, através da Companhia Estadual de
redes de infraestrutura urbana e serviços. Além
Habitação (Cohab-RN), construindo milhares
disso, segundo o Plano Diretor de Mossoró, de
de moradias e implementando redes de infra-
1975, contribuiu como fator de escolha dessas
estrutura urbana; c) municipal, mediante a de-
localizações periféricas, em especial a noroes-
sapropriação de imóveis para implantação de
te, a localização de distrito industrial, então em
conjuntos habitacionais, assim como através da
implantação, às margens da BR 304, seguindo
formulação de Plano Diretor de Organização do
a lógica do binômio localização das indústrias
Espaço Urbano de Mossoró, em 1975, o qual
e política pública de habitação.
passava a definir, em seu zoneamento, os usos
Mesmo distantes do Centro e dos servi-
compatíveis com as possibilidades trazidas com
ços urbanos, fatores como a presença de infra-
a política nacional de desenvolvimento urbano
estrutura básica e a motivação pelo “sonho da
estabelecida pelo governo federal.
casa própria” tornaram esses conjuntos atraen-
Como ocorreu em todo o restante do
tes para o tipo de demanda habitacional local,
Brasil, observa-se, desde a implantação do
em especial as associadas às classes de renda
primeiro conjunto habitacional em Mossoró,
média-baixa. Vale aqui ressaltar que, nesse
ainda nos anos 1960, a adoção da localização
período, os recursos provenientes do estado
periférica desses assentamentos. No caso, o
foram utilizados não apenas para as classes
primeiro conjunto habitacional de Mossoró foi
populares como também para a classe média,
construído no bairro de Alto São Manoel, ao
mediante a obtenção de financiamentos para
leste, no outro lado da margem do rio Mossoró,
a construção da casa própria, utilizando taxas
sendo o baixo custo do terreno a justificativa
de juros inferiores aos de mercado, assim como
sempre apresentada para tais escolhas. Com
longos prazos para o seu pagamento.
isso, pretendia-se induzir a expansão da cidade
Com isso, observa-se que em Mossoró,
para o sudeste, em direção a Natal, capital do
como na maior parte das cidades brasileiras,
estado.
a população em situação de exclusão social só
Em meados dos anos 1970, por ocasião
não ficou totalmente à margem das políticas
do Programa Estadual Habitacional, a prefeitu-
habitacionais por conta de sua inclusão como
ra passou a interferir mais diretamente na ex-
mão de obra para a execução de moradias e
pansão urbana de Mossoró, ao definir as áreas
redes de infraestrutura.
a serem desapropriadas, via decreto, situadas
Ao analisar o processo de urbanização
a noroeste e a sudeste, nas quais os conjuntos
de Mossoró, Pinheiro (2006) destaca que a
habitacionais foram implantados.
produção habitacional com recursos do Siste-
É possível afirmar que a escolha dos terre-
ma Financeiro de Habitação através dos pro-
nos para assentamentos residenciais populares
gramas do BNH, executados pela Cohab-RN
veio favorecer os proprietários de glebas vizi-
e pelo Inocoop, representaram as principais
nhas em áreas intermediárias entre o centro da
intervenções urbanas dos anos 1970 e 1980,
cidade e essas frentes periféricas onde os con-
influenciando diretamente na configuração de
juntos habitacionais vieram a ser implantados,
um novo eixo de expansão da cidade associado
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Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos
às direções para Fortaleza ao noroeste e para
imobiliário, a oeste da área central, onde mais
Natal ao sudeste.
tarde veio a se conformar um eixo de segrega-
Cumpre ressaltar que as diferenças de
ção residencial.
público-alvo da Cohab-RN e do Inocoop in-
Nos anos 1990, outros conjuntos vieram
fluenciaram na definição da localização dos
a ser construídos. Em parte, os novos núcleos
mesmos. Os conjuntos populares mais distan-
residenciais reforçaram o setor noroeste, porém
tes, promovidos pela Cohab-RN, voltaram-se
em terrenos mais distantes do centro. Outros
para segmentos sociais de renda média-baixa
vieram a ser implementados a leste e a sudeste,
situados na direção noroeste, enquanto que
porém tendo como público-alvo setores de ren-
outros, vinculados ao Inocoop, abrigaram
da média-baixa associados aos usos vizinhos,
segmentos relativamente superiores, mais
como as universidades públicas e a Petrobrás,
próximos das áreas de interesse do mercado
ao longo da BR 304 (Figura 2).
Figura 2 – Mossoró: conjuntos habitacionais, 2008
Fonte: Cohab-RN/PMM, 2008.
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Em decorrência da implantação desses
conjuntos habitacionais, a cidade passou a
cem ainda hoje como desafios para os gestores
municipais.
vivenciar um processo de crescimento des-
Mais recentemente, a produção pública
contínuo. Entretanto, devemos destacar que a
de habitação de interesse social passa a ter
localização majoritariamente periférica levou
nas formas de moradia subnormal, como as fa-
a um quadro de disparidades socioespaciais
velas e as áreas de risco, o principal indicador
no acesso aos equipamentos sociais, predomi-
para quantificação da demanda, evidenciando
nantemente concentrados no centro e bairros
processo de fragmentação da provisão de mo-
vizinhos. Tratando-se de cidade média, onde os
radia, comprovado pelo número reduzido de
serviços públicos de transporte ainda não se
unidades habitacionais de cada intervenção. Da
faziam presentes, os moradores desses novos
mesma forma, algumas iniciativas vêm sendo
setores passaram a enfrentar problemas coti-
retomadas, tendo como alvo grupos sociais de
dianos de mobilidade. Vale aqui ressaltar que
renda média, utilizando recursos oriundos da
os problemas da mobilidade urbana remanes-
Caixa Econômica Federal (Figuras 3 e 4).
Figura 3 – Pequeno conjunto
habitacional destinado
às famílias de favela urbanizada
Fonte: Renato Pequeno, 2008.
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Figura 4 – Programa de arrendamento
residencial implantado
com recursos da CEF
Fonte: Renato Pequeno, 2008.
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Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos
A cidade informal
e espontânea
primeiro, do norte da área central a noroeste,
aglutinando-se a partir das bordas dos bairros
populares ao norte do centro da cidade (outrora bairros mais empobrecidos) em direção ao
Na forma como foram implementadas, as polí-
noroeste, onde se localizaram conjuntos ha-
ticas habitacionais de interesse social das dé-
bitacionais posteriores à fase do BNH; b) um
cadas de 1970 e 1980 levaram à consolidação
outro que agrega áreas de ocupação próximas
de áreas de exclusão social preexistentes onde
às áreas de preservação permanente ao sul e
viviam os trabalhadores braçais da extração
outras a sudeste, lindeiras aos loteamentos
do sal, assim como ao surgimento de dezenas
populares e conjuntos habitacionais situados
de áreas de ocupação irregular, trazendo para
nessa direção.
a cidade novos setores marcados pelo acesso
A presença da cidade ilegal, justamente
desigual às redes de infraestrutura urbana, di-
a mais desigual, reúne, todavia, empreendi-
retamente associados à distribuição de equipa-
mentos habitacionais dos diferentes agentes
mentos sociais.
produtores do espaço urbano. Dados da Secre-
Com a extinção do BNH, em 1986, e a
taria Municipal de Desenvolvimento Territorial
consequente redução da intervenção estatal
da Prefeitura de Mossoró, obtidos em 2008,
na produção social da moradia, a favelização
indicam a presença de quinze loteamentos irre-
passa a predominar como alternativa para
gulares, promovidos pelo setor imobiliário pri-
provisão habitacional por parte das classes so-
vado e destinados à população de baixa renda,
ciais menos favorecidas. Desde então, as áreas
desde a década de 1990, conformando um arco
de favelas passaram por processo de adensa-
periférico entre o noroeste e o sudeste, passan-
mento, num primeiro momento, através da sua
do pelas partes mais distantes dos bairros ao
expansão para terrenos vagos nas vizinhanças
norte e a leste da cidade (Figura 5).
ainda disponíveis para ocupação. Em seguida,
A irregularidade apontada para esses as-
essas ocupações irregulares tiveram seus lotes
sentamentos populares diz respeito à ausência
ocupados ao extremo, passando posteriormen-
de infraestrutura urbana, assim como à indefi-
te a ser alvo de verticalização autoconstruída,
nição de áreas públicas institucionais, que ape-
substituindo-se as coberturas de telha por lajes,
sar de constarem na Lei Federal de Parcelamen-
nas quais novos compartimentos vieram a ser
to do Solo, Lei 6766/1979 como obrigatórias,
edificados. Todavia, é nas franjas periféricas ao
não foram consideradas na sua totalidade.
sul e nas proximidades de faixas de preserva-
Com o intuito de reduzir os custos do
ção permanente que as ocupações espontâneas
empreendimento e maximizar seus lucros, os
vêm sendo mais numerosas e precárias, tornan-
empreendedores veem nesse modelo de pro-
do a favela o alvo preferencial das políticas pú-
dução da cidade uma maneira de atender às
blicas de habitação mais recentes.
demandas populares não supridas pelo poder
No que se refere à localização das áreas
local através de políticas públicas. Todavia, na
de favela na cidade de Mossoró, é possível per-
forma precária e inadequada como esses as-
ceber a presença de dois agrupamentos: a) um
sentamentos são implantados, tem-se, como
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Figura 5 – Mossoró: favelas – 2008
Fonte: Prefeitura Municipal de Mossoró, 2008.
consequência, a produção de fragmentos peri-
posteriores à extinção do BNH e da Cohab-RN,
féricos desprovidos de saneamento, cujos espa-
esses núcleos de moradia popular mais recen-
ços livres terminam por alojar favelas, reunindo
tes acabam por não atender aos parâmetros
grupos ainda mais empobrecidos.
mínimos da legislação urbanística municipal,
No caso de Mossoró, paradoxalmente, a
que também não se adequou à nova realida-
produção irregular da moradia é também cons-
de. Sendo o município seu próprio controlador
tatada a partir da produção habitacional pelo
e fiscal, abrem-se assim as oportunidades pa-
Estado, reunindo cerca de cinquenta assenta-
ra a implantação de formas irregulares com a
mentos populares. Em parte, representam pe-
anuência dos órgãos municipais.
quenos conjuntos habitacionais voltados para
Esse processo de favelização, reconhecido
áreas de ocupação (favelas) que teriam sido ur-
em blocos, porém disperso e fragmentado pelas
banizadas ou removidas, mas cujas condições
franjas periféricas da cidade, tem representado
de relocação ficaram aquém dos requisitos
a principal demanda por políticas públicas de
legais. Tratando-se de medidas emergenciais
habitação mais recentes. Tratando-se de fave-
no atendimento às demandas sociais ou mes-
las de pequeno porte no que se refere ao nú-
mo do uso de recursos pulverizados nos anos
mero de famílias, o poder local tem buscado
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Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos
viabilizar a sua remoção, especialmente em
complementar que viabilize a regularização
duas situações: a) localizações estratégicas as-
sustentável dessas áreas (Figura 7).
sociadas a investimentos futuros de parcerias
Trabalhos de campo realizados em 2008,
público-privadas; b) ocupações em áreas de
quando percorremos áreas periféricas da cida-
preservação ambiental permanente (Figura 6).
de, fizeram-nos concluir que a realidade da de-
Noutros casos, observa-se que a alterna-
sigualdade urbana, em relação à expansão de
tiva tem sido a urbanização da área com um
áreas de ocupação se dá em progressão geo-
mínimo de necessidade de remoção definitiva
métrica, ampliando o desafio do poder local no
de moradias, dando-se preferência à implanta-
enfrentamento da questão habitacional.
ção das redes de infraestrutura, ao remaneja-
Ainda que tenha havido a tentativa de
mento de partes de algumas moradias para a
erradicar as moradias feitas de taipa, a cada
abertura de vias e instalação de saneamento.
dia, novas casas são erguidas utilizando tal
Como medida de menor custo, progressiva-
material, refletindo o quadro de modernização
mente adotada nas gestões desde meados dos
excludente que tem predominado na cidade,
anos 1990, as práticas de urbanização permi-
onde as oportunidades atraem a muitos, mas
tiriam ao município estabelecer um horizonte
efetivamente são alcançadas por poucos. Em
futuro no qual Mossoró não mais teria fave-
sua maior parte, essas novas moradias têm
las. Permanece, em muitos casos, a indefinição
sido construídas em situações de risco, seja às
quanto à situação fundiária posterior à urba-
margens de recursos hídricos, seja ao longo das
nização, requerendo-se assim um programa
linhas de alta tensão.
Figura 6 – Favela em área de risco
às margens de córrego canalizado
Fonte: Renato Pequeno, 2008.
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Figura 7 – Favela urbanizada
através de programa municipal
Fonte: Renato Pequeno, 2008.
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Renato Pequeno e Denise Elias
Deve-se aqui ressaltar a importância que
dinamismo desse setor na cidade, notadamente
a questão habitacional vem tendo por parte
pela concentração de empreendimentos a oes-
do poder local, o qual demonstrou ter compre-
te do centro tradicional em direção à nova cen-
endido que as ações nesse setor deveriam ser
tralidade que está se formando, onde já estão
empreendidas a partir do âmbito municipal.
o shopping center, o hipermercado de capital
Apesar da extinção da Cohab-RN, o municí-
multinacional (Atacadão), a universidade pri-
pio buscou recursos para realizar intervenções
vada e alguns loteamentos fechados, dentre os
voltadas para amenizar o problema habitacio-
quais o recém-lançado Alphaville Mossoró, in-
nal, inclusive elaborando, em 2003, um Plano
tegrante da famosa rede de empreendimentos
Estratégico para Moradias em Assentamentos
imobiliários original de São Paulo.
Subnormais (PEMAS), visando a formulação de
A verticalização na cidade de Mossoró
política municipal de habitação, junto ao Pro-
encontra-se em sua maior parte concentrada
grama Habitar Brasil, com recursos da Caixa
desde o centro tradicional indo em direção a
Econômica Federal (CEF) e do Banco Interame-
oeste, onde os loteamentos fechados passam
ricano de Desenvolvimento (BID).
a ser implantados. Voltados para famílias de
Todavia, constata-se que até aqui não
renda média-alta, os condomínios verticais
houve um processo de planejamento na con-
ocupam grandes lotes remanescentes da pri-
dução dessas ações, as quais se configuram
meira fase de ocupação do bairro Nova Betâ-
como intervenções pontuais realizadas a partir
nia, marcada pela construção de residências
de oportunidades de recursos obtidos junto a
unifamiliares em grandes lotes (Figura 8).
diversas fontes, evidenciando o que Cardoso
Destacamos aqui a crescente presença,
(2002) denominou lógica perversa da munici-
em Mossoró, de condomínios horizontais co-
palização das políticas habitacionais.
mo uma forma diferenciada dos loteamentos
fechados, em sua maioria localizados no mesmo bairro que concentra a verticalização. Com
A cidade do mercado
imobiliário
porte igual ou menor ao de uma quadra, esses
condomínios residenciais apresentam um número reduzido de residências, semelhantes em
sua forma e conteúdo, tendo as áreas de lazer,
A compreensão das desigualdades sócio-ha-
via de acesso interno e os serviços condomi-
bitacionais em Mossoró torna-se mais clara
niais compartilhados (Figuras 9 e 10).
quando se buscam identificar as áreas nas
Mais recentemente, passam a ser lan-
quais têm havido maiores investimentos do
çados pelo mercado imobiliário alguns lotea-
setor imobiliário formal. Ainda que as empre-
mentos fechados, os quais se diferenciam pelo
sas atuantes no setor imobiliário sejam pouco
tamanho da área e pela presença de sistema
numerosas e recentemente instaladas, inclusive
viário privativo entre muros. A Figura 11 reúne
havendo espaço para a chegada de empreende-
os loteamentos fechados aprovados nos últi-
dores do setor provenientes de Fortaleza (CE),
mos anos no espaço intraurbano de Mossoró.
Natal (RN) e João Pessoa (PB), é perceptível o
Observa-se que os mesmos se concentram em
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Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos
Figura 8 – Mossoró: processo de verticalização – 2008
Fonte: Trabalho de campo, 2008.
Figura 9 – Novos condomínios verticais
concentrados no bairro Nova Betania
Fonte: Renato Pequeno, 2008.
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Figura 10 – Condomínios horizontais
e verticais justapostos no mesmo setor
Fonte: Renato Pequeno, 2008.
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Renato Pequeno e Denise Elias
dois setores: na porção oeste da cidade, próxi-
Tomando como ponto de partida a espa-
mos a grandes áreas vazias; na parte leste, em
cialização de processos de produção de mora-
direção a Areia Branca.
dia voltados para famílias de maior poder aqui-
Somados aos condomínios verticais e
sitivo, como da verticalização e a produção de
horizontais presentes no Bairro Nova Betânia,
condomínios horizontais e loteamentos fecha-
essas formas de parcelamento do solo se apre-
dos, é possível identificar a presença intensiva
sentam como grandes alvos de especulação
do setor imobiliário desde o centro da cidade
imobiliária, induzindo a implantação de infra-
em direção ao setor oeste, configurando verda-
estruturas urbanas – como as redes de água e
deiro eixo de segregação residencial, onde, co-
esgotamento sanitário – e sistema viário nes-
mo afirma Villaça (1998), se reproduz a lógica
sas direções, em detrimento de vasta periferia
da apropriação por parte das elites dominantes
desprovida de boas condições de habitabilida-
dos investimentos públicos feitos em infraes-
de urbana (Figura 11).
trutura (Figura 12).
Figura 11 – Mossoró: loteamentos fechados – 2008
Fonte: Trabalho de campo, 2008.
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Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos
Figura 12 – Mossoró: eixo de segregação
Fonte: Trabalho de campo, 2007.
Outros bairros a sudeste foram alvo de
mais próximos ao centro, junto às áreas resi-
investimentos imobiliários privados voltados
denciais tradicionais que ainda remanescem
para a produção de residências unifamiliares,
próximas ao centro; b) trecho intermediário
porém, diante das condições existentes de in-
onde se observa a presença de residências uni-
fraestrutura urbana, findaram por não vingar
-familiares de maior porte e melhor padrão jus-
com a mesma intensidade, passando a preva-
tapostas a novos edifícios residenciais verticais
lecer a implantação de loteamentos populares.
e de condomínios horizontais, prosseguindo até
Tratando-se das melhores localizações da
a BR 304; c) trecho final, desde a BR 304 em
cidade, dotadas inclusive de maiores condições
direção a oeste, onde ocorre a nova frente de
de mobilidade e de acessibilidade aos serviços
expansão do mercado imobiliário agrupando
urbanos, esse eixo se subdivide em três partes
o trinômio: loteamentos fechados, shopping
center e universidade privada.
distintas: a) trecho inicial com edifícios verticais
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Ressalta-se, todavia, a complementari-
Mossoró passou a contar, assim, com
dade entre essa nova centralidade e o centro
portentosos investimentos públicos na área
tradicional mediante a interligação viária fa-
central, configurando-se num processo de em-
cilitada entre os mesmos através de avenida
belezamento de seus espaços públicos, recupe-
estruturante do eixo de segregação, tornando-
ração de alguns equipamentos socioculturais
se ambos disponíveis aos setores privilegiados
e mesmo a implantação de novos edifícios
que se apropriaram das melhores localizações
e equipamentos para realização de grandes
no espaço urbano.
eventos, todos eles situados em volta da área
Análise realizada nos anúncios populares
central. Merece ser destacada uma intervenção
contidos nos dois periódicos diários locais para
urbanística ao longo do trecho central da via
5
os anos de 2007 e 2008 comprovam essa aná-
férrea, trazendo um novo significado para es-
lise, dada a presença de imóveis residenciais
se setor da cidade, reunindo num só conjunto:
para locação ou venda situados nesses bair-
museu, teatro, memorial, parque infantil, praça
ros a preços inferiores em relação aos imóveis
de alimentação, entre outros,
com as mesmas características situados nos
Constatamos estar diante de uma situa-
bairros atravessados pelo eixo de segregação
ção na qual se consolida uma bipolarização de
residencial.
centralidades principais da cidade, interligadas
Acreditamos que diante da realidade lo-
por avenida que se constitui em eixo da segre-
cal, similar ao que ocorre com a grande maio-
gação residencial, onde, por um lado, o centro
ria das cidades brasileiras, não exista demanda
tradicional foi complementado com investimen-
com poder de compra suficiente para que duas
tos públicos nesses novos equipamentos e, por
áreas distintas sejam alvo de investimentos
outro, a nova centralidade se consolida a cada
imobiliários, remanescendo por conta disso al-
novo empreendimento imobiliário residencial
guns empreendimentos imobiliários na direção
ou inerente ao terciário. A facilidade de acesso
sudeste repletos de vazios e com infraestrutu-
através de vias regionais, como a BR 304, tam-
ras urbanas inacabadas, ainda que tenham sido
bém confirma essa hipótese, visto que as duas
destinados à classe média.
centralidades, quando associadas, assumem
Seguindo claramente um caminho de politização e espetacularização de algumas festas
um caráter regional, atendendo a demandas de
outros vários municípios vizinhos.
tradicionais à cidade e região como forma de
Percebe-se ainda que, nas margens dessa
legitimar o poder, a oligarquia que está à frente
intervenção urbanística na área central, já se
do executivo municipal, há décadas, fez a op-
delineia a presença de futuros investimentos
ção pela realização de vultosos investimentos
imobiliários verticalizados por conta de novos
para a construção de alguns equipamentos pa-
edifícios residenciais já realizados ou em cons-
ra receber grandes eventos. Numa sociedade
trução. Esse adensamento pode ser associado
na qual a cultura adquire valor de mercado, tal
ao aumento do preço da terra no mercado imo-
processo tem rebatimento na reorganização do
biliário, o que leva à intensificação do uso do
espaço urbano (Bezerra, 2007).
solo urbano, à progressiva homogeneização de
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Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos
sua população e à segregação residencial. Com
modificações nos padrões de urbanização e de
isso, abre-se o caminho para processos espe-
estruturação da cidade.
culativos nesse setor, que poderão significar o
Apesar do quadro de desigualdades iden-
retardamento da implantação de investimentos
tificado a partir das condições de moradia, a
públicos em infraestrutura e equipamentos so-
recente elaboração do Plano Diretor Municipal,
ciais nos bairros periféricos populares, amplian-
elaborado em 2006, segundo os princípios pro-
do-se, assim, a profundidade do fosso entre os
postos pela Lei Federal 10.257/2001 – Estatuto
diferentes grupos sociais presentes na cidade.
da Cidade – leva-nos a perceber um cenário
em que as desigualdades até aqui identificadas tendem a remanescer. A partir da análise
À guisa de conclusão
desse Plano, constata-se que o mesmo pretende a utilização de quase todos os instrumentos
disponibilizados pelo Estatuto supracitado,
Considerando as análises realizadas para os di-
seja para regularização fundiária, seja para
ferentes temas da pesquisa, é possível reconhe-
combate da especulação imobiliária ou mes-
cer um conjunto de aspectos, os quais podem
mo para a promoção da gestão democrática e
ser mencionados como singularidades, desse
participativa.
peculiar espaço urbano não metropolitano
Por um lado, aponta para a criação de
organizado por Mossoró. A expansão da pro-
Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) nas
dução e do consumo de produtos modernos e
franjas periurbanas de Mossoró, ao norte e
sofisticados, inerente ao período histórico atual
ao sul, próximas às áreas em que predomina
evidencia mudanças no espaço urbano de Mos-
a exclusão social. Por outro, destaca a criação
soró, assim como seu reforço enquanto cidade
de zonas especiais de adensamento, reunindo
que polariza um mercado regional.
os bairros próximos ao centro, induzindo in-
Parece-nos, então, que, em termos de
vestimentos imobiliários que reforçam as boas
funções regionais, Mossoró exerce alguns pa-
localizações da cidade. Além disso, ao definir
péis regionais clássicos de cidade média para
uma superfície de 2.000 metros quadrados
atividades como ensino superior, saúde, comér-
como limite mínimo de vazio que não esteja
cios e serviços especializados. Da mesma forma,
cumprindo com a função social da proprieda-
desempenha um papel importante no ofereci-
de, restringindo-se à mesma zona especial de
mento de parte das demandas das principais
adensamento, favorece os processos de espe-
atividades produtivas que se dão na sua área
culação imobiliária presentes na direção oeste,
de influência, compondo um conjunto urbano
onde se configuram a nova centralidade e os
e econômico maior. Vale destacar que esses
novos investimentos.
papéis regionais se combinam com interesses
Com isso, investidores privados do setor
e comandos advindos de outras escalas. Tudo
imobiliário tendem a se voltar para um mesmo
isso tem resultado, entre outros impactos, em
setor da cidade, atendendo a uma demanda
mudanças na estrutura fundiária, transforma-
específica das classes de maior poder aquisiti-
ções nas relações de trabalho e, especialmente,
vo. Assim, consolida-se um eixo de segregação
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Renato Pequeno e Denise Elias
residencial, promovendo-se cada vez mais a
à especulação imobiliária, disponibilizados nes-
sua diferenciação social em relação às demais
sa lei e adotados no Plano Diretor municipal vi-
áreas e bairros.
gente, têm sua eficácia comprometida, em fun-
Analisado segundo a presença de no-
ção de sua utilização restrita ao centro e aos
vos instrumentos de gestão do solo urbano e
bairros limítrofes onde os vazios são de peque-
considerando a realidade sócio-habitacional
no porte e em reduzida quantidade. Vale apon-
diagnosticada através de trabalhos de campo,
tar que o limite mínimo considerado para que
observa-se que as áreas consideradas como
um vazio urbano não esteja cumprindo com a
ZEIS inclusas no plano diretor se situam, majo-
função social da propriedade é da ordem de 2
ritariamente, nas franjas periféricas da cidade,
mil metros quadrados. Entretanto, observa-se
ao norte, a noroeste, a sudoeste e ao sul, onde
que os fragmentos desse porte, que remanes-
o quadro de exclusão social é a regra. Por outro
cem sem ocupação, são em número bastante
lado, os instrumentos voltados para o combate
reduzido (Figura 13).
Figura 13 – Mossoró: instrumentos de combate à especulação imobiliária – 2006
Fonte: Prefeitura Municipal de Mossoró, 2006.
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Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos
Além disso, nas áreas onde a especula-
demais áreas e bairros. Configura-se, assim, a
ção imobiliária se mostra mais forte, como nas
partir do que a nova política urbana estabelece,
áreas de expansão a oeste e a noroeste, além
a reprodução de velhos processos com novas
da BR 304, não se encontra previsto o uso do
roupagens: a consolidação de uma cidade di-
parcelamento, edificação e utilização compul-
vidida entre a cidade do mercado imobiliário
sória, instrumento que antecede a aplicação do
e a cidade informal; a disponibilidade de gran-
imposto predial e territorial urbano progressi-
des vazios periféricos como alvo para novos
vo. Ressaltamos a presença de grandes glebas
programas habitacionais, pautados em velhos
vazias em notável processo de especulação, co-
modelos.
mo a Fazenda São João, as quais passaram a
Há o interesse de que a pesquisa que
abrigar os novos empreendimentos imobiliários
estamos realizando ofereça elementos con-
residenciais e do terciário.
sistentes à análise desse espaço urbano não
Ainda que se possam identificar enormes
metropolitano, verificando em que medida ele
espaços vazios na cidade, por conta de seu
estabelece identidades com outras cidades de
processo desordenado de crescimento, o Plano
mesmo porte, com as mesmas ou distintas fun-
Diretor delimita como Zona Especial de Aden-
ções, já que o movimento de expansão do capi-
samento o conjunto de bairros adjacentes ao
talismo tende a promover homogeneidades. Por
centro (direções norte e sul) e outros, que de
outro lado, sabemos que uma mesma variável
modo contínuo se orientam para o oeste, indo
tem diferentes impactos conforme o lugar na
até a BR 304, onde a ocupação tem sido mais
qual se apresenta, para tanto dependendo do
intensivamente produzida.
jogo de relações entre os mais diferentes pares
Essa mesma Zona de Adensamento coin-
dialéticos (Santos, 1988) possíveis para análi-
cide com a utilização de outros instrumentos
se do espaço e da sociedade. Essa constatação
de combate à especulação imobiliária, dentre
estimula o estudo e a análise do papel de dife-
os quais o parcelamento, a edificação e a uti-
rentes atores que alteram de forma diversa os
lização compulsória, antecedendo a adoção do
processos de estruturação urbana e regional.
IPTU progressivo no tempo, o qual apresenta
Dessa forma, nossa pesquisa reflete, de
percentual de crescimento nas alíquotas bas-
um lado, um caminho que vem sendo trilhado
tante reduzido. Assim, o Plano Diretor deverá
e, ao mesmo tempo, mostra que há muito tra-
consolidar essa área como aquela favorável a
balho a ser feito para que possamos, de fato,
novos investimentos do setor imobiliário.
conhecer melhor as mudanças que vêm se pro-
Com isso, investidores privados e con-
cessando nos papéis desempenhados pelos es-
sumidores de moradia produzida pelo setor
paços urbanos não metropolitanos no Brasil, à
imobiliário tendem a voltar os olhos para um
medida que se amplia o movimento de ocupa-
mesmo setor da cidade, promovendo, cada vez
ção do território brasileiro e o integra de forma
mais a sua diferenciação social em relação às
mais articulada à economia globalizada.
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Renato Pequeno e Denise Elias
Renato Pequeno
Arquiteto e Urbanista. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil.
[email protected]
Denise Elias
Geógrafa. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) O presente texto é composto de fragmentos de dois relatórios de pesquisa, respec vamente Elias
e Pequeno, 2008 e 2009. Uma versão preliminar desse trabalho foi apresentada durante o XI
Simpósio Nacional de Geografia Urbana - 20 anos de reflexões sobre o urbano e a cidade - Transformações e Tendências, ocorrido em Brasília, em 2009.
(2) In tulada Cidades médias brasileiras: agentes econômicos, reestruturação urbana e regional, coordenada pelas professoras Maria Encarnação Sposito, da Unesp, campus Presidente Prudente,
e Denise Elias, da UECE, com o apoio do CNPq Edital 07/2006. Como objeto de estudo, a pesquisa teve um conjunto de oito cidades representa vas da realidade brasileira: Mossoró (RN), Campina Grande (PB), Itajaí (SC), Londrina (PR), São José do Rio Preto (SP), Marília (SP), Passo Fundo
(RS) e Uberlândia (MG). Para informações sobre a pesquisa pode ser visto Sposito et al. (2007).
(3) A pesquisa teve quatro temas principais como pilares, notadamente a difusão do agronegócio; a
descentralização da produção industrial; a difusão do comércio e dos serviços especializados; e
o aprofundamento das desigualdades socioespaciais.
(4) Estudos do IBGE para definição das regiões de influência de cidades apontam, desde 1993, que
municípios do oeste paraibano, do litoral leste e do baixo Jaguaribe no Ceará encontram-se sob
influência de Mossoró.
(5) Dados coletados junto aos arquivos dos periódicos locais: Gazeta do Oeste e O Mossoroense, pesquisados entre o segundo semestre de 2007 e o primeiro semestre de 2009.
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Texto recebido em 13/fev/2010
Texto aprovado em 2/jun/2010
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Dinâmicas territoriais recentes:
rupturas ou manutenção de tendências?*
Recent territorial dynamics:
ruptures or trends’ maintenance?
Rosa Moura
Resumo
Teorias recentes sobre desconcentração, deslocalização, positividade do efeito-proximidade,
ruptura das relações centro-periferia, entre outras, vêm influenciando a pesquisa e a produção
acadêmica no Brasil. Estariam elas correspondendo às dinâmicas territoriais contemporâneas em
curso em território nacional? Este artigo faz uma
reflexão sobre esse questionamento. Toma como
referência os resultados de pesquisa que identifica arranjos espaciais peculiares às dinâmicas
territoriais brasileiras, movidas pela concentração e periferização, e suportadas por infraestruturas ainda carentes das novas tecnologias de
comunicação.
Abstract
Contemporary theories on deconcentration,
relocation, positivity of proximity effect, breakingoff centre-periphery relations, among other
themes, have been influencing research and
academic production in Brazil. Would they be
matching the ongoing contemporary territorial
dynamics on national territory? This article aims
to discuss this question. It takes as reference the
results of a research that identifies singular spatial
arrangements in Brazilian territorial dynamics,
led by the concentration and peripherization
processes and supported by poor infrastructures
which still lack new communication technologies
implementation.
Palavras-chave: arranjos urbano-regionais;
dinâmicas territoriais; concentração; proximidade;
periferização.
Keywords: urban-regional arrangements;
territorial dynamics; concentration; proximity;
peripherization.
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Aderência entre aporte
teórico e realidade
releitura de algumas concepções da literatura
consagrada, e refletir sobre sua pertinência no
cenário de mudanças contemporâneas. Para
tanto, vale-se de estudo sobre as dinâmicas ter-
Algumas hipóteses definidas a partir da literatura especializada, particularmente a internacional, que exploram processos espaciais, peculiaridades morfológicas e transformações nas
relações intraurbanas resultantes de avanços
nas tecnologias de comunicação e informação
e na reestruturação produtiva apontam que
se engendram espaços “pós-urbanos”, com a
“deslocalização” da cidade pelos efeitos dessas tecnologias – muitas das quais indisponíveis nos países periféricos.
Entre outras, destaca-se ainda a hipótese
de que a proximidade valoriza as articulações
entre lugares e sujeitos, pelas possibilidades de
trocas, criação, inovação, e por potencializarem
recursos que levam à inserção do território nos
circuitos mais modernos da divisão social do
trabalho. Tamanha positividade se restringe ao
próprio reconhecimento, por muitos autores, de
que os efeitos positivos da proximidade não al-
ritoriais afetas à metropolização no Brasil, que
revela a configuração de espacialidades ainda
mais concentradoras e desiguais – os arranjos
urbano-regionais – que as que caracterizaram
as fases precedentes da urbanização brasileira.
A abordagem inicia com uma síntese das
características, da natureza e do conteúdo dos
arranjos urbano-regionais, introduzida pela
breve descrição da metodologia adotada para a
identificação dos arranjos no conjunto dos mais
de 5 mil municípios brasileiros. A síntese realizada serve de referencial para a sequência do
artigo, que comenta algumas transposições do
debate teórico ao universo dos arranjos identificados. As conclusões sinalizam que há uma
tendência quase natural de incorporar, ajustar
o uso e paradigmatizar conceitos e perspectivas
teóricas, sem se aperceber e absorver nas pesquisas as particularidades e singularidades dos
processos que peculiarizam cada geografia.
cançam a totalidade do território e dos sujeitos
atuantes, reforçando a fragmentação, a desigualdade e a exclusão.
Tais hipóteses, de certa forma impregnadas na literatura nacional, tornaram-se objeto
Arranjos urbano-regionais:
uma categoria concentradora
de alguns estudos que, mais que buscar a aderência à realidade brasileira, tentam confirmar
Densidade e extensão
seus pressupostos e os conceitos a elas subjacentes por meio de estratagemas teóricos que
O estudo realizado sobre as dinâmicas territo-
quase sempre acabam por mistificar a essência
riais que caracterizam a fase contemporânea
dos processos e dinâmicas territoriais, bem co-
da metropolização no Brasil identificou recor-
mo de seus resultados efetivos.
tes espaciais morfologicamente aglutinadores
O objetivo deste artigo é colocar em dis-
de aglomerações e centros, concentradores de
cussão a pertinência das hipóteses recorrentes
população, com elevada densidade urbana, re-
à realidade brasileira, fundamentando-se na
levância econômico-social e da infraestrutura
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Dinâmicas territoriais recentes
científico-tecnológica, os quais denominou
identificar e descrever padrões de associação,
arranjos urbano-regionais (Moura, 2009). Tais
principalmente de agrupamentos de áreas com
arranjos possuem forte articulação regional e
valores semelhantes (aglomerados espaciais ou
extrema complexidade, devido à multiplicidade
clusters), com base no Índice de Moran Local
de fluxos multidirecionais de pessoas, mercado-
(Estatística LISA – Local Indicators of Spatial
rias, conhecimento e de relações de poder que
Association), conforme Anselin (1995). Foram
perpassam seu interior, por realizarem ativida-
empregados indicadores mais atualizados que
des intensivas em conhecimento e tecnologia,
os considerados nos estudos precedentes –
tendo como segmentos estruturadores os mais
dois expressando concentração (tamanho po-
modernos da indústria de transformação ou
pulacional, com base na Contagem da Popula-
funções terciárias superiores. Caracterizam-se,
ção 2007 e estimativas populacionais para os
fundamentalmente, pela multiplicidade esca-
municípios com população superior ao limite
lar, que é elemento ao mesmo tempo poten-
para a Contagem, e tamanho da economia, ou
cial e complexo para o desempenho de ações
PIB total município, de 2005) e dois expressan-
articuladas, práticas de cooperação e união na
do movimento (intensidade dos deslocamentos
busca do desenvolvimento e da realização de
pendulares ou fluxos de pessoas para trabalho
funções públicas de interesse comum.
e/ou estudo em município que não o de resi-
A identificação dos arranjos baseou-se
dência, em 2000, e participação do número de
numa sequência de procedimentos que incluiu,
pessoas que saem do município para trabalho
como primeiro passo, o resgate de classifica-
e/ou estudo sobre o total de pessoas do muni-
ções precedentes, construídas com outras fina-
cípio que trabalham e/ou estudam) – e contem-
lidades, mas com resultados comparáveis, ten-
plou todos os municípios do Brasil criados até o
do sido mapeados todos os municípios aponta-
Censo Demográfico de 2000. A espacialização
dos como integrantes de aglomeração urbana,
dos resultados revela áreas de concentração
segundo o IPEA (2002), de áreas de concen-
mais densas, prolongadas por áreas menos
tração de população, conforme IBGE (2008), e
densas que se estendem em descontinuidade,
os inseridos em algum tipo de unidade insti-
configurando grandes manchas que se indivi-
tucionalizada (região metropolitana – RM, re-
dualizam no conjunto do território. Essas man-
gião integrada de desenvolvimento – RIDE, ou
chas formam desenhos mais complexos que os
aglomeração urbana – AU), destacando nela os
de aglomerações singulares, pois aglutinam
municípios classificados nos níveis de integra-
desde grandes aglomerações urbanas a peque-
ção entre médio a muito alto, segundo Ribeiro
nos aglomerados e centros isolados em proxi-
(2009). O mapa produzido revelou as áreas nas
midade, assim como suas áreas rurais. Entre as
quais se manifesta o fenômeno da aglomera-
porções mais concentradoras de população, PIB
ção urbana (Figura 1).
e com maior densidade de fluxos pendulares de
Seguidamente, procedeu-se à combi-
população para trabalho e/ou estudo, classifi-
nação da análise fatorial com métodos da es-
cadas pela análise de autocorrelação espacial
tatística de autocorrelação espacial, utilizan-
em HH (high/high), HL (high/low) e LH (low/
do a localização geográfica dos dados para
high), as espacializações mais aglutinadoras
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Rosa Moura
de unidades espacialmente autocorrelaciona-
e o AUR do Leste Catarinense avança pelo eixo
das (ou aglomerações) foram destacadas co-
da BR 101, aproximando as aglomerações ur-
mo possíveis arranjos urbano-regionais: São
banas de Joinville, Itajaí, Blumenau e Florianó-
Paulo, Rio de Janeiro, Brasília/Goiânia, Porto
polis. As aglomerações de Fortaleza e Manaus
Alegre, Curitiba/Leste Catarinense, Belo Hori-
demonstram importância urbano-regional,
zonte, Salvador e Recife/João Pessoa (Figura
porém não descrevem espacialidades morfo-
2). Observou-se que há forte aproximação dos
logicamente aglutinadoras e ampliadas que as
resultados da análise de autocorrelação espa-
classifiquem entre os arranjos mais complexos.
cial ao conjunto de municípios apontados nas
Observou-se que há forte aproximação dos re-
classificações precedentes (ver Figuras 1 e 2).
sultados da análise de autocorrelação espacial
O AUR de São Paulo é fortemente aglutinador de outros grandes e pequenos arranjos
ao conjunto de municípios apontados nas classificações precedentes (ver Figuras 1 e 2).
vizinhos do próprio estado, do sul de Minas Ge-
Identificados os arranjos, procedeu-se à
rais e da aglomeração de Volta Redonda/Barra
análise de sua natureza, a partir de compara-
Mansa, no estado do Rio de Janeiro, estabele-
ções com os padrões descritos pelos movimen-
cendo com eles articulação produtiva. Abrange,
tos pendulares da população, com base em
em seu núcleo contínuo, as aglomerações urba-
tipologia desenvolvida especificamente para
nas de São Paulo, Santos, Campinas, Sorocaba e
a pesquisa, e pelos estudos sobre a escala da
São José dos Campos. O AUR do Rio de Janeiro
rede urbana e regiões de influência das cidades
extrapola a divisa estadual e se estende em di-
(IBGE, 2008), escala da polarização econômica
reção a Juiz de Fora, em Minas Gerais, além de
e tecnológica, particularizada para grandes es-
estabelecer relações com o AUR de São Paulo,
paços urbanos – GEUBs (Ruiz e Pereira, 2008),
pela articulação da aglomeração industrial de
presença aglomerações e atividades industriais
Volta Redonda. O AUR de Belo Horizonte arti-
inovadoras (Lemos et al., 2005), e de atividades
cula municípios do entorno metropolitano e do
industriais com perfil de exportação (Moro et
Vale do Aço; o de Brasília/Goiânia incorpora
al., 2006). Observou-se, em todos os arranjos,
Anápolis em relações que perpassam unidades
a prevalência de elevada participação do con-
da federação; o de Salvador extrapola os limi-
junto da unidade no total da população e do
tes do aglomerado metropolitano, em direção a
produto interno bruto dos respectivos esta-
Feira de Santana; o de Recife adentra o estado
dos e regiões, assim como os maiores e mais
da Paraíba, incorporando João Pessoa, e orien-
intrincados fluxos de população para traba-
ta-se a outras centralidades do litoral a norte e
lho e/ou estudo em município que não o de
a sul. No sul do Brasil, o AUR de Porto Alegre se
residência. Observou-se também que esses
articula à aglomeração urbana de Caxias do Sul
arranjos se estruturam a partir das principais
e a pequenas aglomerações do entorno, como
centralidades da rede urbana do Brasil e que
Santa Cruz do Sul, Lajeado/Estrela, Gramado/
suas regiões de influência funcional, econômi-
Canela; o de Curitiba articula-se à aglomera-
ca e técnico-científica ultrapassam os limites
ção de Ponta Grossa e à ocupação contínua do
dos estados/regiões onde se inserem. As prin-
litoral paranaense, centralizada por Paranaguá;
cipais aglomerações industriais brasileiras e
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Dinâmicas territoriais recentes
aglomerações industriais de exportação situam-
o fenômeno da concentração expandida. Os
se nesses arranjos, o que aponta para uma for-
elementos observados confirmaram a natureza
te associação entre a atividade da indústria e
urbano-regional dos arranjos identificados.
Figura 1 – Aglomerações urbanas identificadas
em classificações precedentes - Brasil
Número de identificações do município
Em 5 classificações
Em 4 classificações
Em 3 classificações
Em 2 classificações
Em 1 classificação
Fonte: IPEA (2002), Castello Branco (2003), Observatório das Metrópoles (2005), IBGE (2008) e legislações pertinentes.
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Figura 2 – Arranjos urbano-regionais – Brasil
Classes de municípios
H-H
H-L
L-H
L-L
NS
Fonte: elaboração da autora.
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Dinâmicas territoriais recentes
Conectividade e polarização
Além da densidade física, o grau de polarização e a região de influência econômica dos
arranjos se reforçam a partir de sistemas urba-
A abrangência da polarização das centralida-
no-regionais internamente diferenciados e com
des posicionadas nas classes superiores da
fortes conexões inter-regionais por intensos
hierarquia da rede urbana brasileira, majorita-
fluxos de mercadorias e de pessoas. Os nove
riamente estruturadoras dos arranjos urbano-
arranjos identificados têm como centralidades
-regionais, assim como o desenho espacial
principais os GEUBs1 que possuem as maiores
dos arranjos condicionam-se à presença de
escalas de polarização da população e do PIB,
um sistema de circulação de melhor qualida-
em relação aos demais GEUBs (Ruiz e Perei-
de, expresso na malha viária principal dos res-
ra, 2008). Também a capacidade tecnológica,2
pectivos estados. Internamente aos arranjos
que reflete uma força polarizadora superior à
urbano-regionais, a integração de um maior ou
expressa na geração e apropriação de renda,
menor número de municípios e aglomerações
se concentra nos arranjos urbano-regionais. O
ou centralidades vizinhas também se associa à
Índice de Capacidade Tecnológica (ICT) mos-
existência desse sistema e de suas ramificações
tra que, em geral, os GEUBs pertencentes aos
locais. Tal sistema viabiliza conexões e permite
arranjos urbano-regionais são centros tecnoló-
a aceleração de fluxos internos aos arranjos,
gicos e alguns incluem nessa condição municí-
dando suporte a uma relativa dispersão de ati-
pios de sua área de influência, denotando uma
vidades e à expansão horizontal da área ocupa-
significativa dispersão espacial da capacidade
da, que alcança distâncias cada vez maiores. A
tecnológica na polarização.
descontinuidade física do espaço construído é
As áreas que configuram arranjos urba-
superada pela intensidade dos fluxos favoreci-
no-regionais também guardam relação com
dos por esse sistema, como confirma o elevado
a presença de aglomerações industriais que
movimento pendular da população para traba-
reforçam as relações internacionais e a inser-
lho e/ou estudo e sua multidirecionalidade in-
ção do arranjo na divisão social do trabalho.
terna aos arranjos.
É o que torna evidente o estudo de Lemos et
Contribui para o adensamento ao longo
al. (2005) ao explicar a existência de indústrias
do eixo viário principal e suas ramificações o
favorecendo-se dos efeitos de transbordamen-
interesse das empresas em garantir elevada
tos e encadeamentos potencializados a partir
acessibilidade à infraestrutura e aos serviços,
dos fluxos entre localidades geograficamente
assim como a facilidade do contato com
próximas.3 A análise, que identificou 15 aglo-
abastecedores e clientes. Isso explica a
merações industriais relevantes (AIEs) que
localização de novas atividades ao longo desses
agrupam 254 dos 5.507 municípios brasileiros
corredores viários, "formando verdaderas redes
considerados e concentram 75% do produ-
de núcleos interrelacionados y especializados en
to industrial do conjunto das firmas do país,
actividades diversas que contribuyen, a su vez,
concluiu que mais de 90% do produto dessas
a que se produzca una difusión por contigüidad
aglomerações provêm de firmas que inovam
de las mismas” (Caravaca Barroso, 1998, p. 13).
e diferenciam e de firmas especializadas em
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produtos padronizados, e que a interação en-
e diversidade produtiva" (ibid., p. 116). Elegem,
tre essas firmas, por meio da proximidade geo-
portanto, os arranjos urbano-regionais como
gráfica, é um fator possivelmente relevante de
localização privilegiada, ao mesmo tempo em
dinamismo do conjunto da aglomeração. Esse
que reforçam o padrão concentrador e a escala
dinamismo pode beneficiar inclusive firmas, aí
de polarização desses arranjos.
localizadas, com menor produtividade e que
não diferenciam produtos.
A distribuição espacial das AIEs é for-
Relevância e disparidade
temente concentrada no território brasileiro,
particularmente em corredores industriais bem
Os resultados desse conjunto de trabalhos,
delimitados nas regiões Sul e Sudeste. Com-
tendo em vista os arranjos urbano-regionais
parativamente aos arranjos urbano-regionais
identificados, sugerem que a indústria ainda é
identificados, exceto o de Brasília/Goiânia, to-
o elemento constitutivo determinante. Porém,
dos incorporam as mais importantes das AIEs
o arranjo pode prescindir da presença da in-
identificadas.
dústria para realizar fluxos em alta densidade,
A mesma metodologia, aplicada para
expandir-se geograficamente e assumir fun-
estimativas do grau de correlação espacial en-
ções de natureza urbano-regional, como con-
tre municípios com base em firmas industriais
firma o arranjo urbano-regional de Brasília/
com potencial exportador, aponta um conjunto
Goiânia. Sugerem também que nem sempre
bastante similar de aglomerações industriais
a presença da indústria altera a natureza das
exportadoras (AIEX) (Moro et al., 2006). Den-
relações de um polo ou cria nexos indutores da
tre elas se distinguem as aglomerações de São
expansão física e articulação com outros cen-
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Volta Re-
tros e aglomerados, seja por decorrer de uma
donda, Salvador, Porto Alegre/Caxias do Sul,
produção especializada, seja por incidir sobre
Joinville e Curitiba, totalizando 213 municípios
uma localização geográfica na qual não ocor-
que concentram 61,8% do VTI e 53,5% das ex-
rem centros ou aglomerações importantes nas
portações. A discussão posta nesta análise evi-
proximidades – casos de Manaus e Fortaleza,
dencia possíveis transbordamentos espaciais
com morfologias singulares de aglomeração
entre municípios contíguos, ou seja, a existên-
urbana.
cia de um efeito multiplicador do potencial exportador num espaço contínuo.
Deixam claro que há regiões “ganhadoras”, como apontam Benko e Lipietz (1994) e
Tais aglomerações expressam a conti-
evidenciam que o contrário também é verda-
guidade geográfica como força centrípeta da
deiro, pois seguem existindo regiões à margem
atividade exportadora das firmas industriais,
do processo mais dinâmico expresso no terri-
exatamente daquelas com “elevados requisitos
tório. Regiões essas que sustentam a consoli-
locacionais, especialmente os relacionados às
dação e a expansão das regiões ganhadoras.
atividades intensivas em informação e conheci-
Evidenciam ainda que no interior dos próprios
mento, que requerem escalas urbanas elevadas
arranjos ganhadores há porções e segmentos
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Dinâmicas territoriais recentes
menos ou mais incluídos em sua dinâmica.
Tal desigualdade encontra ressonância no que
Morfologias concentradoras
e desiguais
observa Caravaca Barroso (1998, p. 14) quanto a que “no todo son ventajas en los espacios
A hipótese que orientou a pesquisa sobre os
considerados privilegiados en el nuevo modelo
arranjos urbano-regionais foi de que proces-
territorial por su capacidad para competir en la
sos concentradores vêm induzindo dinâmicas
economía-mundo”.
territoriais que resultam em arranjos espaciais
Verifica-se, assim, a complexidade da
organização produtiva nacional, com enorme
aglomerados, cada vez mais expandidos, descontínuos, porém articulados e desiguais.
concentração do progresso técnico, o que gera
Concentração, conhecimento, mobilida-
uma modernização econômica altamente dife-
de e conectividade, que agem como elementos
renciadora no âmbito das estruturas produtivas
essenciais no processo de metropolização, são
regionais, cria um mosaico variado em termos
inerentes à dinâmica produtiva em sua dimen-
de produção e produtividade, amplia a desi-
são urbano-regional, estando relacionados aos
gualdade entre setores produtivos e regiões,
estágios mais avançados da inserção do territó-
e reforça a heterogeneidade estrutural. Em tal
rio na divisão social do trabalho. Dialeticamen-
organização, os arranjos urbano-regionais se
te, operam como condicionantes e resultantes
colocam como as mais propícias localizações à
dessa inserção, acionando as mais diversas
reprodução do capital, podendo ser considera-
escalas, ou seja, emanam da escala urbana, al-
dos espaços ganhadores por excelência.
cançam uma perspectiva regional e se inserem
Observa-se, então, que o modelo de de-
na escala nacional, constantemente se relacio-
senvolvimento mantém seu viés polarizador,
nando com a escala global. Tais elementos be-
mesmo que se percebam alguns movimentos
neficiam-se da proximidade, mas, mesmo que
difusores, e que a acumulação segue pro-
desenvolvam um conjunto de atividades arti-
vocando a desigualdade, a concentração do
culadas, complementares e dependentes, não
crescimento nas grandes aglomerações urba-
configuram arranjos espaciais homogêneos,
nas e acentuando as disparidades intra e inter-
que unam funcionalmente todo o conjunto (de
regionais, articulando e incluindo os territórios
municípios, atividades ou pessoas) na mesma
funcionais e rentáveis, e excluindo os ineficien-
dinâmica produtiva ou que revertam com equi-
tes ou pouco competitivos. O que diferencia
dade as riquezas da produção.
essa fase de fases anteriores é o caráter ainda
A pesquisa desenvolvida confirmou a hi-
mais seletivo do modelo de acumulação. Por
pótese de que a concentração, em uma confi-
se basear na existência de redes, torna-se ao
guração espacial cada vez mais extensa e com-
mesmo tempo mais interdependente e mais
plexa, dá a tônica às dinâmicas territoriais no
fragmentado. Nesse contexto, os arranjos ur-
Brasil. Essa confirmação encontrou eco na lite-
bano-regionais ampliam suas contradições e a
ratura especializada nacional, embora tenha se
desigualdade interna entre suas partes.
deparado com autores que equivocadamente
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forçam transposições simplificadas de teorias e
cuja mudança se dá mais pela transformação
hipóteses internacionais. Refutou, para o caso
dos principais centros em aglomerações
dos arranjos urbano-regionais analisados, as
urbanas que pela agregação de novas centra-
tendências de deslocalização, homogeneização
lidades (Ipardes, 2000; IPEA, 2002).
dos efeitos da proximidade e ruptura das rela-
Apesar do processo de reestruturação,
ções centro-periferia anunciadas pela literatura
particularmente da atividade industrial, consta-
internacional. A discussão sobre essas hipóte-
ta-se que a própria indústria continua requeren-
ses, introduzidas por questões, é aprofundada
do a concentração. Lencioni (2003a e b) mostra
na continuidade deste artigo.
que a cisão territorial entre produção e gestão
redesenha as proximidades e as distâncias de
um território e instaura uma lógica descontínua
Hipóteses recorrentes:
aderência e desajustes
que constitui a nova lógica da localização industrial. Como as condições de produção não
estão disponíveis em toda a parte, mesmo a
dispersão territorial da indústria encontra seus
Desterritorialização ou reconcentração
da atividade econômica?
limites territoriais. Portanto, a ideia de desterritorialização da indústria, expressando extrema
liberdade de localização do capital industrial,
No quadro de reestruturação produtiva, parti-
também deve ser colocada em seus devidos
cularmente pela desconcentração da atividade
termos, recomenda a autora.
econômica a partir do polo dinâmico do Sudes-
De certa forma, esses limites dimensio-
te brasileiro, as aglomerações, ou suas partes
nam os arranjos urbano-regionais. Cabe res-
dinâmicas, beneficiam-se da reprodução dos
saltar, porém, que as relações de proximidade
processos de desconcentração do polo nacional
alcançam espaços cada vez mais extensos
mais dinâmico e de reconcentração em novas
ao longo dos caminhos que tentacularmente
(ou nem tão novas) áreas (Cano, 1995; Diniz,
fazem expandir as aglomerações, e por con-
1993 e 1999; Diniz e Crocco, 1996; Pacheco,
seguinte os arranjos que se consubstanciam
1998). Grande parte dos arranjos urbano-regio-
graças à intensa mobilidade de fluxos de pes-
nais identificados no Brasil encontra-se na rota
soas e mercadorias, mesmo que sob condições
desse processo desconcentrador; beneficiam-se
precárias.
dele, firmam-se como os principais centros na
Num panorama de manutenção das lógi-
rede urbana brasileira e se consolidam como
cas que acionam as dinâmicas em curso, sus-
pontos (re)concentradores.
tentadas por estratégias de desenvolvimento
As alterações recentes da rede urbana,
regional fragilizadas ou pactuadas sob condu-
provocadas pela materialização espacial do
ção majoritariamente corporativa na produção
processo de reestruturação produtiva e reorga-
do espaço, e do modelo de produção e de apro-
nização internacional do capital nos anos 1990,
priação da riqueza gerada, pode-se vislumbrar
sintetizam esse perfil concentrador, posto que
que são ínfimas (ou inexistentes) as possibili-
se definem pela permanência de uma estrutura
dades de reversão do processo concentrador.
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Dinâmicas territoriais recentes
Mesmo em um cenário de reestruturação
para o reordenamento do território, voltados
produtiva e reorganização espacial do capital,
a um Brasil policêntrico, visando reverter a
as centralidades concentradoras que se emer-
tendência concentradora da rede urbana. Seria
gem em território nacional – como produtos ou
esse então um caminho?
possibilidades a esse processo – reproduzem
o mesmo perfil, acentuando os traços atuais
dos arranjos expandidos multidirecionalmente, tornando-os ainda mais concentradores e
desiguais.
Esse é o lado perverso da concentração:
os indicadores de ótimo desempenho econômico, social e institucional não refletem processos
capazes de impulsionar a inserção de todos os
municípios que se agregam na aglomeração,
muito menos alçar a uma condição de desenvolvimento a totalidade do território. É o que
se deduz dos resultados constatados nas detidas análises intrarregionais e inter-regionais do
O efeito-proximidade supera
disparidades?
A proximidade espacial permite a articulação
de estratégias de desenvolvimento entre os
segmentos atuantes na produção do espaço, de
modo a criar externalidades que favorecem o
conhecimento e a inovação, conjugando ações
materiais, como a adequação, implantação e
renovação de infraestruturas, e ações imateriais, movidas pelas trocas de conhecimento
e informações. Mais que isso, reforça a representatividade política e o exercício de poder.
arranjo urbano-regional de Curitiba, tomado
Constata-se, entretanto, que a diversidade pro-
como caso, em relação a outros recortes do es-
dutiva e a diversificação social se restringem
tado do Paraná (Moura, 2009).
às porções centrais dos arranjos espaciais con-
Assim, faz-se necessária a discussão de
figurados, que estabelecem relações verticais
alternativas de desvio do curso dos processos,
com outras aglomerações e centros da região/
com base em estratégias e políticas de desen-
país/mundo, sem inserir a totalidade do conjun-
volvimento, o que requer uma profunda com-
to na mesma interlocução, conforme já dito. A
preensão da natureza do fenômeno urbano-
densidade dos fluxos de pessoas, mercadorias,
-regional, de sua origem, suas características
capitais e informações é intensificada entre
e da multiplicidade de escalas que interagem
poucos municípios, sem definir nexos que efe-
em sua órbita, para que se possam trabalhar
tivamente consolidem articulações horizontais
perspectivas de mudanças, possibilidades de
no espaço enquanto unidade, e sem romper
reverter dinâmicas e resultados. Nessa dire-
com a totalidade contraditória que caracteriza
ção, o “Estudo da Dimensão Territorial para o
tais arranjos.
Planejamento” (Brasil, 2008), formulado pelo
O estudo desenvolvido confirma a refle-
Ministério do Planejamento, Orçamento e Ges-
xão de Benko e Lipietz (1994) quanto a que
tão, defende o reforço à polinucleação como
a criação de externalidades envolve e decorre
medida de desconcentração das áreas de maior
dos municípios ou de partes de seu território
densidade do país. O estudo está pautado na
que já detêm um mínimo de condições técnicas,
proposição de macro e mesopolos estratégicos
científicas e institucionais capazes de contribuir
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no processo inovativo. Esse conjunto melhor
capaz de fundar, pela coordenação que dela re-
dotado passa a criar recursos para a atração
sulta, um processo de reforço que lhe assegura
e reprodução de atividades e investimentos, e
durabilidade.
a proximidade física, institucional e cultural, a
Na mesma linha, Torre e Rallet (2005) ar-
condicionar a organização da base produtiva.
gumentam que, mesmo numa economia cada
A dimensão espacial dessa dinâmica de proxi-
vez mais globalizada, marcada pelo crescente
midades remete ao reforço e à expansão das
nomadismo de firmas e mobilidade de indiví-
aglomerações e a uma valorização do solo, a
duos, a proximidade ainda importa. Porém, a
partir de investimentos urbanos que criam um
simples proximidade geográfica pode não ge-
espaço ao mesmo tempo diverso e desigual,
rar sinergias nem criar interações entre atores
concentrador e excludente. Os municípios ou
econômicos e o nível local, precisando ser ati-
partes do território de alguns não dotados
vada pela proximidade organizacional – caso
dessas condições, e com pouca capacidade de
dos clusters, distritos e meios inovativos. Mais
articulação para conseguir um salto de qualida-
que isso, Gilly e Lung (2005) destacam a proxi-
de, permanecem à mercê de tênues relações de
midade institucional, que representa a adesão
vizinhança, das sobras do processo, ou comple-
dos atores às regras da ação comum, explícitas
tamente à sua margem.
ou implícitas, a um sistema comum de repre-
Assim, desconstrói-se a hipótese de que a
sentações ou mesmo de valores. Essa proximi-
proximidade (espacial como não espacial) é ca-
dade não depende de uma adesão perene de
paz de propagar homogeneamente a inserção
todos os atores, mas resulta de compromissos
de lugares e sujeitos na dinâmica do desenvol-
cotidianos provisórios entre os atores e seus in-
vimento. Percqueur e Zimmermann (2005) mos-
teresses divergentes e contraditórios.
tram que a relação face a face cria as condições
Portanto, condições históricas e culturais
para o espaço facilitar o desempenho da coor-
locais e a densidade de relações técnicas e po-
denação, seja pela proximidade espacial, que
líticas consolidadas dão efetividade aos bene-
permite o encontro, portanto o relacionamento
fícios da proximidade. A inexistência ou insufi-
de agentes com potencial a uma proximidade
ciência dessas condições cria uma articulação
institucional, seja pela transferência da relação
frágil e efêmera, que pouco extrai dos efeitos
de um contexto de imersão a um outro, seja
dos encadeamentos e externalidades propi-
ainda pela interação direta, quando a relação
ciados pela proximidade. Certas abordagens,
é estabelecida e, sobretudo, quando compensa
desconsiderando esse elemento fundamental,
uma ausência ou insuficiência de proximidade
exaltam a capacidade endógena da escala lo-
não essencialmente espacial (organizacional
cal ou microrregional, como se estas por si só
ou institucional). Para esses autores, os dispo-
fossem capazes de desencadear um virtuoso
sitivos de coordenação não podem depender
processo de desenvolvimento.
da única dimensão espacial, ou geográfica, da
Brandão (2007) faz uma crítica a essas
proximidade, mas de sua conjunção com as
vertentes teóricas simplificadoras, centradas no
outras formas não essencialmente espaciais,
endogenismo. Estudos ligados a elas sugerem
como as já citadas. Então, essa conjunção é
que os complexos produtivos territorializados
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Dinâmicas territoriais recentes
seriam capazes de gerar a cooperação e den-
pode significar ter que se arcar com efeitos
sificar as relações sociais a partir da aprendi-
subjacentes a essa dinâmica, sem usufruir os
zagem e de aquisições diferenciais acumuladas,
benefícios dela resultantes – as cidades dor-
dada a proximidade física e o exercício da ge-
mitórios são um dos exemplos concretos dessa
ração e apropriação de “sinergias coletivas”.
contradição.
Fazem crer na irrestrita possibilidade do voluntarismo, do empreendedorismo, em forças
espontâneas, na capacidade de se coordenarem ações cooperativas e reflexões coletivas,
Desmetropolização ou fabulações
em torno do fenômeno metropolitano?
baseadas na reciprocidade entre os integrantes
da comunidade local, fortalecendo o tecido
No início dos anos 1990, Santos apontava ten-
socioprodutivo, mas relegando o papel do Es-
dência à aceleração do fenômeno da urbani-
tado e de fatores macroeconômicos. Negligen-
zação no Brasil e discutia a questão da “des-
ciam hierarquias inter-regionais e a realidade
metropolização” – expressão muito em voga a
de que o comando dos processos pode estar
partir da divulgação dos resultados do Censo
fora do território singular, além de relevarem
Demográfico de 1991, que revelava o baixo
a hegemonia e o poder político. Em síntese,
crescimento das metrópoles principais. Mostra-
desconsideram as determinações profundas
va que, longe de representar uma reprodução
do regime social de produção capitalista, “que
do fenômeno da “desurbanização” encontrado
necessariamente leva às últimas consequências
em países do primeiro mundo, aqui o que “se
a mercantilização e a penetração recorrente da
está verificando é a expansão da metropoli-
divisão social do trabalho em todas as possí-
zação e, paralelamente, a chegada de novas
veis dimensões temporais e escalas espaciais”
aglomerações” cuja principal característica é
(Brandão, 2007, p. 51). Escapam, portanto, a
o desvanecimento da fronteira entre os muni-
essas abordagens, as possibilidades de trata-
cípios (Santos, 1993, p. 83). Tendência que se
mento adequado das heterogeneidades estru-
confirma tanto na expansão periférica quanto
turais dos países subdesenvolvidos.
no surgimento de inúmeras outras aglomera-
Os arranjos urbano-regionais comprovam
ções urbanas em território nacional, seja no en-
essa argumentação. Se, por um lado, conduzi-
torno das capitais de estados, seja no interior,
das pelas centralidades principais, partes des-
mas particularmente acercando-se das pionei-
ses arranjos apresentam indicadores crescentes
ras aglomerações metropolitanas. Esse proces-
de positividade na expansão e diversificação
so prenunciava os arranjos urbano-regionais.
da atividade econômica e das funções urbanas,
Na Europa, Ascher (1995) coloca em pers-
por outro, porções incrustradas ou vizinhas ao
pectiva histórica e confirma a tendência de que
seu conjunto mantêm desempenho irrelevante
a metropolização, longe de assistir a um recuo
e indicadores sociais de aguda criticidade. Re-
das metrópoles, e hoje a formação das metá-
velam que estar próximo não é suficiente pa-
poles, não aparece como fenômeno contingen-
ra integrar e interagir com áreas imersas em
te, mas como forma avançada de um processo
dinâmicas de alta performance, pelo contrário,
de urbanização que começou muito cedo na
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história da humanidade e que não cessou de
se liberam de sua condição patológica e reto-
progredir até nossos dias. A metápole emerge
mam sua importância no pulsar da economia.
como uma fase nesse processo de urbanização
Com as mudanças advindas da globaliza-
supra-histórico, como uma forma urbana coes-
ção nas escolhas locacionais do capital, o forta-
truturada pelo uso das novas técnicas de comu-
lecimento das metrópoles se dá como suporte
nicação, de conservação e de deslocamento dos
às relações internacionais, nas quais se locali-
bens, pessoas e informações. Metropolização e
za o comando do capital. Ao mesmo tempo, a
metapolização constituem, assim, um quadro
centralidade urbana reitera seu papel funda-
no qual atuam forças econômicas, sociais, po-
mental na estruturação do espaço nacional.
líticas e culturais, influenciando sua dinâmica e
Storper e Venables (2005, p. 22) salientam as
evolução. Segundo o autor, tal processo descar-
fortes evidências de que as inovações informa-
ta a ideia da desmetropolização como o declí-
cionais ou na estrutura física de transporte “não
nio das grandes cidades pela perda eventual de
acarretaram o fim das tendências urbanizantes
população de cidades centrais, pois esse fenô-
do capitalismo moderno. Ao contrário, reforçam
meno não é em nada contrário à metropoliza-
a localização industrial e o consequente cresci-
ção, dado que exprime a recomposição funcio-
mento das cidades”. Ademais, a força econô-
nal e social dos espaços metropolitanos. O que
mica do contato face a face, propiciado pelas
perfeitamente cabe no caso brasileiro.
cidades, contribui para a aglomeração espacial
Também para Veltz (1996), a metropoli-
da atividade econômica e das pessoas, seja pe-
zação da economia se afirma como a tendência
los efeitos de encadeamentos para frente e pa-
principal do final do século XX, caracterizando-
ra trás das firmas, incluindo acesso aos merca-
-se como uma “economia de arquipélago”.
dos, seja pela aglomeração dos trabalhadores
Nesse arquipélago, as aglomerações principais
e pelas interações localizadas promotoras da
das redes urbanas nacional/regionais desem-
inovação tecnológica. Em tais contatos ocorre
penham papel fundamental. As aglomerações
tanto o que chamam de “burburinho das cida-
metropolitanas reforçam sua centralidade e se
des” quanto a inserção dos segmentos sociais,
apoiam no conjunto de outras aglomerações
instituições, empreendedores e trabalhadores
urbanas, que também se consolidam e permi-
e seus interesses no âmbito das decisões que
tem fluir as relações, expressando um movi-
regem a alocação espacial de atividades e pes-
mento de recentralização do poder e recon-
soas, como mostra Markusen (2005).
centração da riqueza. A concentração urbana
Os arranjos urbano-regionais do territó-
(metropolitana) retoma seu papel estratégico
rio brasileiro, todos polarizados por aglomera-
na atração e fixação de ativos, na valorização
ções metropolitanas, refletem, mesmo em um
do capital, agora como elo, por excelência, das
quadro de relativa desconcentração nacional,
articulações que se processam com a globali-
como já abordado, a persistência da concentra-
zação da produção, do consumo e dos circui-
ção espacial da atividade econômica, sob co-
tos financeiros. Confirma-se o que Davidovich
nexões geográficas mais complexas e mais di-
(2004) chama de “a volta das metrópoles”, que
nâmicas, estabelecidas a partir da nova divisão
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Dinâmicas territoriais recentes
social e territorial do trabalho. Desmontam,
“desindustrialização”. Diniz e Campolina (2007)
assim, a hipótese referente à desmetropoliza-
registram que, de fato, a queda no indicador de
ção e contrariam as observações de estudos
emprego na indústria de São Paulo não corres-
que detectam uma inflexão no fenômeno da
pondeu à queda na produção, até porque sofreu
concentração territorial no Brasil, suscitando a
os efeitos de compensação do aumento do em-
ideia de que as deseconomias de aglomeração
prego nos setores de comércio e serviços, o que
têm induzido o deslocamento das atividades
poderia indicar uma reestruturação produtiva
produtivas para as cidades médias interioranas
e não uma desindustrialização. Assim, tanto as
e, consequentemente, elevado seu crescimento
análises dos arranjos urbano-regionais quanto
demográfico. A análise deixa claro que há uma
outras, complementares, levam a concluir que
importante participação de centralidades e
há mais fabulações que fatos a confirmar a des-
aglomerações vizinhas às metrópoles na con-
metropolização e outras noções correlatas em
figuração dos arranjos urbano-regionais, mas
território brasileiro.
dentro da limitação do espaço aglutinador desses arranjos, reforçando seu papel polarizador
no sistema urbano nacional.
Contribuindo para clarificar algumas mis-
Mudanças ou rupturas nas relações
centro-periferia?
tificações quanto às cidades de porte médio,
Ribeiro e Rodrigues (2008) recomendam caute-
A extensão dos arranjos urbano-regionais e
la ao se definir conceitual e operacionalmente
as diferentes morfologias que se aglutinam
essas categorias, posto que cidades que fazem
dando-lhes unidade, assim como a densidade
parte de aglomerações metropolitanas pos-
de fluxos que perpassam seu interior, por vezes
suem dinâmicas distintas de cidades, do mes-
levam a crer que as relações centro-periferia
mo tamanho, isoladas ou que polarizam algum
cedem lugar a conexões variadas e polidire-
outro tipo de aglomeração urbana. Municípios
cionadas. Entretanto, ao se analisar o perfil
de porte médio inseridos em aglomerações
das atividades desenvolvidas entre os distintos
metropolitanas apresentam desempenhos su-
municípios que compõem os arranjos, observa-
periores aos demais, seja no que se refere ao
se que a centralidade principal se distingue so-
PIB, seja no crescimento da população, além de
bremaneira dos demais municípios, pelo peso
que, mesmo com perda relativa perante o to-
da concentração econômica, populacional e
tal do Brasil, é neles que se verificam os mais
técnico-científica, pela diversidade funcional
substanciais aumentos de postos de trabalho
e, fundamentalmente, pelo poder que delas se
na indústria de transformação, com incremen-
emana. Em sua órbita, os demais municípios
to da produtividade e de atividades com maior
cumprem papéis complementares sob um es-
grau de tecnologia.
pectro de relações que varia em graus de auto-
Tais observações também desconstroem
nomia e dependência. Dessa forma, prevalece
alegações de que a metrópole, particularmente
o binômio centro-periferia, mas se admite que
a paulistana, estaria vivendo um processo de
tanto se transformam os centros e as periferias
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como se complexificam as relações entre eles,
liberalização econômica, desregulação e das
pela multiplicidade de fluxos e de escalas que
novas tecnologias, configurando o que Sassen
lhes dão sentido.
(2007) denomina uma grande rede global de
Veltz (1996) utiliza a metáfora das bo-
cidades transfronteiriças que funcionam como
necas russas para representar a superação da
pontos estratégicos para as operações econô-
expressão territorial hierarquizada em zonas
micas globais. Ressalta-se que essa expansão
embutidas, onde as atividades e funções se dão
dos fluxos transfronteiriços conecta não só as
em cascatas da cidade capital aos núcleos ru-
cidades e aglomerações globais, como as cida-
rais, e demonstrar que emerge um território de
des dos diversos níveis da hierarquia urbana,
redes, onde o local e o global se interpenetram
em fluxos que operam em circuitos altamente
e realizam a economia de arquipélago. Refere-
especializados e diferenciados, multidirecio-
se ao espaço facilitado pelas redes de comu-
nais. Distintos circuitos especializados estariam
nicações e transportes, o território-rede, sob
se constituindo e redes particulares estariam
efeitos da teleatividade e das conexões túnel.
conectando grupos particulares de cidades,
No caso das últimas, trata-se do desapareci-
conforme seus diferentes papéis na dinâmica
mento dos efeitos da travessia entre duas pa-
internacional da economia.
radas, com as novas tecnologias de transporte
Essas concepções aplicam-se a territórios
rápido e comunicações desativando a posição
onde a densidade técnica constrói sistemas
de meia distância, que outrora se beneficiou
fluidos e eficientes. No caso das cidades bra-
do dinamismo das pontas, conforme Ascher
sileiras, as tecnologias recentes pouco têm fa-
(1995). Esse território é caracterizado por um
vorecido os meios de deslocamentos urbanos,
crescimento organizado geograficamente em
e mesmo quando fortalecem, persistem nítidos
filamentos, em redes lineares, em polímeros
sinais de saturação e ineficiência. Em se tratan-
que contrastam com o modelo aureolar da geo-
do de transportes intraurbanos, a marca das ci-
grafia tradicional, em completa ruptura com o
dades brasileiras é o crescimento da frota sem
padrão christalleriano.
a compatível adequação das vias de circulação;
Tal reflexão contrapõe o modelo da eco-
pesa sobre isso um sistema de transporte cole-
nomia territorial, no qual centro e periferia
tivo obsoleto e uma crescente demanda repri-
se opõem desigualmente, porém se acoplam
mida, o que dá margem a serviços clandestinos
ligados por mecanismos de interdependên-
e precários. Grandes congestionamentos ocor-
cia, ao modelo da divisão versus exclusão, do
rem no dia a dia e se replicam nas cidades lati-
espaço globalizado, no qual as solidariedades
no-americanas. Lamentando-se sobre a Cidade
geográficas se fragilizam, o crescimento dos
do México, Villoro (2007, p. 6) metaforiza que
polos se deixa nutrir mais da relação hori-
“las calles de la ciudad son un estacionamiento
zontal com outros polos que das verticais, no
que a veces se mueve”.
próprio país.4 Essa relação horizontal conso-
A precariedade também caracteriza os
lida as cidades como centros nodais em tor-
sistemas de circulação intermunicipal nas aglo-
no dos quais se articulam as novas dinâmicas
merações metropolitanas. Contornos ou anéis
da acumulação, sob impulso das políticas de
que desviem o trânsito de longa distância do
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Dinâmicas territoriais recentes
interior das áreas centrais, assim como meios
Tal privilégio contribui para a expansão dos
de transporte rápidos, que agilizem as cone-
espaços aglomerados e para a formação do
xões entre os vários pontos integrados desses
que, mais tarde, veio a chamar de megarregião
espaços – incluindo os acessos aos aeroportos,
(Sassen, 2007), que emerge como um territó-
que são os verdadeiros portais do contato ma-
rio diverso em seu interior, no qual coexistem
5
terial com a escala global – ainda são reivindi-
múltiplos tipos de economias de aglomeração,
cações pouco esperançosas de atenção.
distribuídos entre diversos espaços econômicos
Assim, se no mundo desenvolvido man-
e escalas geográficas.
tém-se ou recoloca-se a importância das metró-
É bom lembrar que, embora algumas das
poles, a despeito da densificação das relações
principais metrópoles, a exemplo de São Paulo,
em rede e da suposição de que os avanços nas
estejam globalmente interconectadas ao arqui-
tecnologias de comunicação e informação ten-
pélago transfronteiriço, há todo um conjunto
deriam a romper a importância das economias
de importantes aglomerações que apenas par-
de aglomeração na organização do espaço ur-
ticipam do diálogo global mediado pelas cen-
bano-regional, nos países periféricos esse tema
tralidades principais dos respectivos países, o
é apenas virtual. Ou seja, em pouco se concre-
que torna necessária uma leitura mais atenta
tizaram as hipóteses quanto aos efeitos deslo-
às reflexões da literatura consagrada. Pradilla
calizadores e desconcentradores das novas tec-
(1997, p. 46) observa que os territórios homo-
nologias, ao contrário, as grandes metrópoles
geneizados e incluídos pelo capital no sistema
e suas aglomerações se reforçam no processo
de acumulação em escala mundial, de fato, não
de reestruturação do capital. São as regiões ga-
são contínuos, e seu número reduzido os situa
nhadoras, conforme Benko e Lipietz (1994).
como “ilhotas” de prosperidade em um “mar”
Essa permanência da importância da me-
de crescente atraso. Ilhotas essas que, agrega-
trópole, como já abordado, adquire ainda maior
se, restringem-se muitas vezes a partes interio-
dimensão. Tanto confirma a acepção de Veltz
res das próprias metrópoles.
(1996) sobre a metropolização da economia,
Dessa forma, transformam-se as relações
quanto embasa a reflexão de Scott et al. (2001)
entre centro e periferia, mas não a ponto de
sobre cidade-região global, que estende o sig-
menosprezá-las. Essas relações permanecem
nificado do conceito em termos econômicos,
acionadas em países nos quais as redistribui-
políticos e territoriais, e reitera o papel dessas
ções estatais são escassas e as relações entre
como nós espaciais essenciais da economia
centros da rede mundial de cidades restringem-
global e como atores políticos específicos na
se a essas poucas e desiguais ilhotas. Enquanto
cena mundial. Também Sassen (1998, p. 76)
o modelo contemporâneo de acumulação do
admite que “as cidades são lugares fundamen-
capital, nos países centrais, provoca cada vez
tais para a produção de serviços destinados
mais a divisão e a exclusão, percebe-se nas
às empresas”, no entanto, o crescimento dos
aglomerações latino-americanas o que Santos
serviços ocorre de modo diferenciado, de acor-
(1996) chama de um jogo dialético entre forças
do com a inserção da cidade na rede urbana
de concentração e dispersão na organização
nacional, privilegiando porções do território.
do espaço, no qual, neste período, as primeiras
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são poderosas, mas as segundas permanecem
privilegiadas à reprodução do capital, num
igualmente importantes.
modelo de desenvolvimento que se mantém
polarizador e que acentua as disparidades regionais, privilegiando territórios funcionais e
Mais que rupturas
e manutenção de
tendências: transformações
rentáveis, em detrimento dos ineficientes ou
pouco competitivos. Modelo esse ainda mais
seletivo, interdependente e fragmentado, particularmente pela sua vertente reticular.
A partir da leitura atenta da dinâmica
Entre o ímpeto em se vislumbrarem tendências
dos arranjos urbano-regionais, as análises refu-
de novas configurações espaciais decorrentes
tam algumas teorias em voga. Concluem que,
dos avanços tecnológicos, posto na literatura
apesar da densificação das relações em rede e
internacional, e o desejo de encontrar referên-
da ideia de que as tecnologias recentes de co-
cias no território brasileiro que confirmem tais
municação e informação tenderiam a romper
tendências, percebido em parte da literatura
a importância das economias de aglomeração
nacional, a análise dos arranjos urbano-regio-
na organização do espaço urbano-regional,
nais oferece elementos que permitem discernir
mantém-se ou se recoloca a centralidade da
entre verdades e especulações.
metrópole e, consequentemente, das aglome-
A importância atual da concentração
rações em seu entorno. Ou seja, em pouco se
no Brasil se confirma nos arranjos urbano-
concretizaram as hipóteses quanto aos efeitos
-regionais, que emergem como a manifestação
deslocalizadores e desconcentradores dessas
espacial de maior relevância e complexidade
tecnologias, ao contrário, as grandes metrópo-
nas dinâmicas territoriais engendradas pela
les se reforçam no processo de reestruturação
metropolização. Tais arranjos correspondem às
do capital, passando a ditar o comportamento
porções mais concentradoras e dinâmicas dos
do sistema global. Refutam ainda a hipótese
respectivos estados/regiões – a maioria dentro
de que as relações centro-periferia sucumbem
da própria “região concentrada” do Sul/Su-
diante de um novo modelo, fragmentador e
deste brasileiro, na concepção de Santos e Sil-
excludente. Constata-se que esse padrão de
veira (2001) –, que sustentam a divisão social
relações assume processos mais complexos e
do trabalho em sua perspectiva hegemônica.
formas mais diversificadas, sempre associados
Sequer a reestruturação produtiva, a difusão
ao modo de produção e acumulação do capi-
de novas tecnologias de informação e comu-
tal, no qual interagem forças de concentração
nicação e a reorganização espacial do capital
e de dispersão na organização do espaço.
lograram reverter as centralidades concentra-
De modo geral, a rede urbana brasileira
doras que se consolidam em território nacio-
se mantém concentrada, mas se verifica a ex-
nal, como produtos ou possibilidades a esses
pansão das aglomerações urbanas, tanto no
processos. Diante dessa constatação, os arran-
sentido espacial quanto em sua reprodução
jos urbano-regionais tornam-se as localizações
em novas localizações em território nacional,
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e a consolidação das principais centralidades,
atividades beneficiadas pelas externalidades
agora incorporando extensas áreas aglutina-
da economia de aglomeração e pelas relações
das, que configuram arranjos urbano-regionais.
de proximidade. Tais condições remetem a no-
Neles se constata a concentração da riqueza
vos desafios de gestão e exigem a reorientação
em um número limitado de grandes centralida-
do perfil de políticas públicas, adequando-as a
des, com forte assimetria entre a economia dos
essa natureza e dimensão híbrida. Políticas que
centros e das periferias.
efetivem e reproduzam as tendências impulsio-
Confirma-se que a criação das externa-
nadoras do desenvolvimento, neles verificadas,
lidades que privilegiam os arranjos urbano-
mas que sejam mais abrangentes, e que sua
regionais decorre (de) e envolve municípios
implementação se abra ao diálogo necessário
ou partes de seu território que já detêm um
entre as várias escalas em interação, operando
mínimo de condições técnicas, científicas, ins-
em dimensão transescalar. Na garantia de es-
titucionais e culturais capazes de contribuir no
tratégias de desenvolvimento, essas políticas
processo de transformação. Favorecidos pela
devem organizar as relações e resgatar o terri-
proximidade, tais municípios qualificam-se pa-
tório em sua totalidade.
ra a atração e sustentação de atividades e in-
Ao fim e ao cabo, tais políticas públicas
vestimentos, portanto, para a acumulação e re-
devem contemplar a outra divisão do traba-
produção do capital, passando a condicionar a
lho, como ressalta Santos (2006), decorrente
organização da base produtiva. Os municípios
da grande mobilidade de atores em quadros
ou partes do território de alguns não dotados
ocupacionais não formais, sobreviventes na
dessas condições ou com pouca capacidade
flexibilidade tropical. Dessa divisão do traba-
de articulação para conseguirem um salto de
lho, há que se valorizar o efeito de vizinhança
qualidade permanecem marginais ao processo,
emergente da força diversificada e renovadora
registrando os limites da amplitude das possi-
das massas em movimento. Força que constrói
bilidades sinérgicas do efeito-proximidade.
localmente novas solidariedades e negociações
Os arranjos urbano-regionais confor-
cotidianas entre territórios, e que podem forta-
mam, assim, um território diverso e desigual,
lecer horizontalmente e igualitariamente esses
que concentra ao mesmo tempo riqueza e es-
arranjos, incorporando municípios, regiões e
cassez, no qual coexistem múltiplos tipos de
segmentos ora excluídos.
Rosa Moura
Geógrafa. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Urbano. Curitiba, Paraná, Brasil.
[email protected]
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Notas
(*) A autora agradece a contribuição de Olga Lucia C. de F. Firkowski, pela orientação e debate teórico-conceitual ao longo de toda a pesquisa que resultou na iden ficação e análise dos arranjos
urbano-regionais no Brasil, voltada à obtenção do tulo de doutora dentro do Programa de PósGraduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná.
(1) Ruiz e Pereira (2008) tomam como universo de pesquisa as unidades adotadas pelo Observatório
das Metrópoles para a classificação das regiões metropolitanas (Ribeiro, 2009), ou seja, RMs e
RIDEs ins tucionalizadas, capitais de estados e suas respec vas aglomerações urbanas, reunindo
a esses 37 espaços urbanos a RIDE Petrolina/Juazeiro. Os 38 GEUBs agregam 489 municípios,
aproximadamente 76 milhões de habitantes (45% da população nacional) que possuem uma
renda agregada mensal de aproximadamente R$ 31 bilhões (61% da renda nacional, em 2000).
Cabe observar que aglomerações urbanas importantes, como por exemplo Caxias do Sul, pelo
fato de não terem sido ins tucionalizadas como RMs, e por não serem polarizadas por capitais,
foram desconsideradas pelo estudo, integrando, em alguns casos, as áreas de influência dos
GEUBs polarizados pelas capitais.
(2) O indicador de capacidade tecnológica resulta da média da par cipação do GEUB no total das
patentes nacionais, ar gos cien ficos, população com mais de 12 anos de estudo e valor bruto
da transformação industrial (VTI) das firmas que inovam em produto e processo, de acordo com
dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) e da Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC), ambas
do IBGE, 2000 (Ruiz e Pereira, 2008).
(3) Lemos et al. (2005) também emprega em seus estudos o método de análise exploratória espacial,
fazendo uso da esta s ca Moran local, como indicador da significância e do sen do da autocorrelação espacial. U lizam o VTI, de 2000, do município (rela vo à média de seus vizinhos)
na construção da pologia, e a PINTEC, de 2000, do IBGE, nas análises para avaliar a inovação
e diferenciação de produtos. No estudo das AIEs, a definição incorpora apenas os municípios
cujo produto industrial (VTI) está esta s camente correlacionado com a média de seus vizinhos,
compondo quatro pos: HH, HL, LH e LL. “Do ponto de vista da iden ficação das AIEs, o primeiro
po (HH) é o único relevante, pois expressa a correlação espacial de dois ou mais municípios
com elevado produto industrial, sugerindo a existência de transbordamentos e encadeamentos
produ vos espaciais, através de complementaridades e integração industrial regional” (Lemos
et al., 2005, p. 342).
(4) Inversamente, a conceituação de Milton Santos (1996, 1999) entende as relações “horizontais”
como as de proximidade, enquanto as “ver cais” expressam aquelas entre pontos distantes, sob
conexões em rede.
(5) Anota-se que reivindicações dessa ordem cons tuem a base dos grandes projetos urbanos para
os quais se pleiteiam financiamento, com vistas à adequação das cidades para os jogos da Copa
do Mundo de 2014.
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Texto recebido em 21/jan/2010
Texto aprovado em 24/mar/2010
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A deriva urbanística do planeamento
territorial: que consequências
para o desenvolvimento local?
Territorial plan urban derivation: what are the
consequences for the local development?
Jorge Gonçalves
Resumo
A preocupação em clarificar a atual situação do
planeamento de raíz local face aos imperativos
do desenvolvimento constitui a razão de ser deste
artigo. O presente contexto social e econômico é
particularmente interessante para fazer essa avaliação, dada a multiplicidade das estratégias de
desenvolvimento seguidas pelas autarquias locais
e demais entidades, privadas, associativas e outras
de natureza pública (regionais e nacionais) e ainda
face aos processos de revisão de Planos Diretores
Municipais que estão num momento de generalização. O pressuposto aqui assumido e que configura o desenvolvimento da reflexão é que o planeamento territorial por incapacidade e cedência
foi descolando da vocação que historicamente lhe
foi atribuída enquanto instrumento quase exclusivo
para o desenvolvimento.
Palavras-chave: planeamento; desenvolvimento;
instrumentos de gestão territorial; coesão social;
competitividade territorial.
Abstract
This article rises from the need of clarifying the
current conditions of local planning against the
imperative of development. Concerning the social
and economic context in Portugal, it is particularly
interesting to compose this assessment given the
multiplicity of development strategies pursued
by local authorities and other entities as private,
associative and other types of public (national
and regional) and against the procedures for
review of territorial municipal plans are in a
time of generalization. The assumption made
here, in which consists the development of this
deliberation is that the territorial planning for
incapacity and offer has been set apart from the
goal that has been historically attributed almost
exclusively as a tool for development.
Keywords: planning; development; territorial
management tools; social cohesion; territorial
competitiveness.
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Jorge Gonçalves
As inquietações
Se fosse possível centrar a nossa atenção num
dado território ao longo das duas últimas décadas, iríamos com certeza verificar as transformações profundas e radicais ocorridas no processo de condução do desenvolvimento socioeconômico com repercussões territoriais. A constatação pode ser feita por via da observação
direta a partir dos elementos materializados em
equipamentos, áreas de acolhimento empresarial, infraestruturas ou por via da avaliação do
trabalho desenvolvido pelos serviços municipais
ligados aos domínios sociais, educação, cultura,
desporto e ainda pelas múltiplas entidades públicas, privadas ou associativas que agem isoladamente ou em parceria nestes campos.
A multiplicação dos atores presentes, as
suas estratégias, eficácia e eficiência, designadamente, social e econômica mostra bem como o tempo da Câmara Municipal, enquanto
agente único, acabou. Um outro sinal de fim
de ciclo respeita à propensão e complexidade
das “ferramentas” disponíveis localmente para
o desenvolvimento, quase sempre com acesso
a financiamentos municipais, mas também beneficiando de apoios regionais e comunitários,
cuja incorporação nos instrumentos de gestão
territorial, com os de natureza municipal se torna mais difícil.
Os desafios vão ganhando, nesta fronteira entre planeamento e desenvolvimento, uma
dimensão nem sempre bem avaliada ou, se se
quiser, ainda nem sequer devidamente ponderada, o que faz com que aquele se tenha vindo a afastar do cerne da vida coletiva, sendo
convocado apenas para dirimir os processos
urbanísticos. Estes são, porém, mais o resultado
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das dinâmicas do desenvolvimento que o seu
catalizador.
Esse desafio é ampliado porque o atual
momento é ainda especialmente complexo já
que a par da intensa competitividade que afeta
os territórios (regiões, concelhos, cidades, áreas
protegidas) na busca por atenção, investimentos, utilizadores, residentes, emprego surgem,
como em nenhum outro período, dinâmicas
associativas “oportunistas” procurando ganhar
escala e relevância na promoção e valorização
de domínios concretos.
Essa convergência territorial, visível entre
concelhos, associações de municípios e cidades,
podem ter como catalizador Programas propostos pela Administração Central (p.e., Programa
Polis XXI)1 ou quaisquer outras preocupações
genuínas sentidas pelos territórios em causa.
Para além desses movimentos, há ainda
a marcar a realidade interna de cidades e concelhos processos de planeamento do desenvolvimento, de responsabilidade municipal, mas
também de outras entidades públicas, associativas e privadas, consubstanciadas em Planos e
Estudos Estratégicos, de Urbanismo Comercial,
de Revitalização Urbana, de Marketing Territorial, Carta Educativa, Plano de Desenvolvimento Social, Plano de Ação, Plano de Desenvolvimento Econômico, Estudo de Oportunidades
Econômicas, entre outros.
Assim, ação, competitividade e parcerias/
sinergias, são processos muito explícitos no
quadro atual do planeamento do desenvolvimento em Portugal e que suscita interrogações
face à capacidade do sistema de gestão territorial em os integrar e de com eles conviver
na manutenção da oposição clássica entre o
planeamento normativo (apesar dos quadros
normativos reforçarem agora a ideia de es-
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A deriva urbanística do planeamento territorial
tratégia) e planeamento das oportunidades. É
aqui que se incluem os múltiplos trabalhos de
caráter operativo, visando a ação, a mobilização e o apoio à decisão.
A discussão deve centrar-se, então, em
torno da capacidade ou mesmo do interesse do
urbanização das sedes dos seus municípios, em ordem a obter a sua transformação e desenvolvimento segundo as
exigências da vida econômica e social,
da estética, da higiene e da viação, com
o máximo proveito e comodidade para os
seus habitantes.
sistema de gestão territorial em alimentar proativamente o desenvolvimento ou na sua conti-
Era, como se percebe, um instrumento
nuação num mundo à parte, anichando-se em
de caráter urbanístico sem ambições de outra
definitivo no mundo do planeamento territorial,
natureza, embora este último quadro legal dei-
deixando os esforços objetivos de resolução de
xasse a porta aberta ao planeamento de “zonas
bloqueios ou disfunção que afetam as comuni-
rurais intermédias” desde que fosse importante
dades para outros instrumentos e práticas.
para o conjunto da estrutura urbana em causa
(art. 2º, alínea c).
Com a entrada em vigor da Lei 79/77,
A gestão territorial e o processo
de desenvolvimento local:
articulação legal
de 25 de outubro, surge pela primeira vez um
quadro legal que suscita a atenção para o planeamento municipal. Com efeito, avança-se
com a responsabilização da autarquia face ao
novo modelo de sociedade que se estava então
O planeamento do território é uma atividade
que se exerce sobre a globalidade dos usos territoriais possíveis, sejam eles urbanos ou rurais
e visa uma racionalização no seu consumo, ao
mesmo tempo que se preocupa com a compatibilização das diversas vocações. O resultado
deveria ser a qualificação das áreas envolvidas.
a desenhar à data. Não sendo uma lei sobre o
planeamento territorial não se alheou dele propondo que a assembleia municipal pudesse, se
o entendesse, deliberar sobre o Plano Diretor
(Art. 48º, alínea i): “Deliberar sobre o plano diretor do município e, se necessário, ordenar a
sua elaboração”.
Até 1977, vigorou em Portugal uma le-
Não estando descrito em nenhum outro
gislação que, através do Plano Geral de Urba-
documento legal, na realidade o Plano Diretor
nização, apenas incidia sobre áreas urbanas
Municipal (PDM) nasce juridicamente com o
legando sobretudo muitos anteplanos gerais de
Decreto-Lei 208/82, de 26 de maio, na sequên-
urbanização. Desde 1934 que esta figura existia,
cia da regulamentação da referida Lei 79/77.
reforçada pelo Decreto-Lei 560/71, de 17 de de-
Esta primeira luz sobre o planeamento de es-
zembro. Aqui, no seu artigo 1º, afirmava-se que
cala municipal operou uma revolução não só
As câmaras municipais do continente
e ilhas adjacentes são obrigadas a promover a elaboração de planos gerais de
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porque veio ocupar um espaço vazio como pela
ambição que nele estava contido acerca do desenvolvimento social e econômico.
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Jorge Gonçalves
Com efeito, logo no seu artigo 1º, dispõe
pouca capacidade das estruturas técnicas
municipais para acompanhar a elaboração e, posteriormente, a implementação
dos Planos; reduzida experiência dos
gabinetes técnicos privados aos quais foi
adjudicada a elaboração dos PDM; falta
de preparação da Administração Regional
e Central para coordenar tão grande número de PDM; ausência de objetivos de
desenvolvimento e de ordenamento supramunicipal e regional; limitado esclarecimento dos objetivos e âmbito dos PDM.
que
[...] as metas a alcançar nos domínios do
desenvolvimento econômico e social do
município nas suas relações com o ordenamento do território, são um instrumento de planeamento de ocupação, uso e
transformação do território do município
pelas diferentes componentes setoriais da
atividade nele desenvolvida e um instrumento de programação das realizações
e investimentos municipais que, respeitando as normas urbanísticas existentes,
constituirá um meio de coordenação dos
programas municipais com os projetos
de incidência local dos departamentos
da administração central e regional, articulando-se com os planos ou estudos de
caráter nacional e regional.
Justifica-se então que se apresente uma
nova legislação que simplifique e acelere o processo de elaboração do PDM, o que veio a suceder com o Decreto-Lei 69/90, de 2 de março,
através da eliminação de fases, compressão dos
estudos de diagnóstico e supressão da programação de investimentos, agora tornada faculta-
Este desígnio era reforçado logo no artigo
tiva.
3º, alínea a): “Traduzir as metas programáticas
A aceleração aconteceu de fato, permi-
nos domínios do desenvolvimento econômico e
tindo chegar ao final da década de 90 com 272
social, do planeamento territorial e urbano, do
PDM aprovados. Mas ela deu-se à conta de
fomento das atividades, das infraestruturas e
uma simplificação que também atingiu os ante-
dos equipamentos”.
riores desígnios no campo social e econômico.
Já a necessária operacionalização não foi
Com se afirmava no preâmbulo do DL 69/90,
tão clarividente, propondo-se que fossem considerados 12 tipos de espaços e 6 disposições
obrigatórias. Esta densidade de exigências explica que no final dessa década de 80 apenas 5
municípios2 tenham levado a bom termo a tarefa de elaborar os seus PDM. Terêncio (2006)
adianta mais algumas justificações pertinentes
para esse insucesso:
A escassez de informação de base, insuficiência e desatualização da cartografia e
ausência de meios informáticos; longo e
complexo faseamento (estudos sumários,
programa preliminar, estudos prévios,
programa base, projeto de plano, plano);
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Urge, (...), proceder à revisão dessa legislação, de forma que ela constitua um todo
coerente e claro, liberte, o mais possível,
de subjetivismos a elaboração, apreciação
e aprovação dos planos, garanta às populações a devida consideração dos seus
anseios e vontades e ao Governo a sua
adequação ao interesse nacional e constitua ainda, para o município, um enquadramento correto para a sua estratégia de
desenvolvimento.
Assim, o que se torna relevante para o
caso presente é que a dimensão econômica e
social que o anterior quadro legal consagrava
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A deriva urbanística do planeamento territorial
ao PDM (entendível num contexto de inexistência de quaisquer outros instrumentos de
política) foi deixada cair focalizada que ficou a
lei no PDM como instrumento orientado para a
regulação da ocupação do solo remetendo para montante e para uma putativa flexibilidade
as exigências dali resultantes.
Os objetivos gerais constantes do artigo
5º, ponto 2, mostram bem como agora o planeamento territorial, mais que definir metas,
servirá sobretudo para apoiar esse desenvolvimento estabelecendo um quadro territorial
apropriado:
a) Definir e estabelecer os princípios e regras para a ocupação, uso e transformação do solo;
b) Apoiar uma política de desenvolvimento econômico e social;
c) Determinar as carências habitacionais,
enquadrando as orientações e soluções
adequadas no âmbito da política de
habitação;
d) Compatibilizar as diversas intervenções
setoriais;
e) Desenvolver e pormenorizar regras e
diretivas estabelecidas em planos de nível
superior;
f) Fornecer indicadores para o planeamento, designadamente para a elaboração de outros planos municipais ou de
planos de caráter sub-regional, regional
ou nacional;
g) Servir de enquadramento à elaboração
de planos de atividade do município.
Apesar de, em 2003, a cobertura total do
território municipal pelo planeamento se ter
concretizado através dos PDM e não obstante
a expurga de parte substancial dos conteúdos
originais, as limitações continuaram a verificar-se como volta a sublinhar Terêncio (2006):
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(...) os municípios não ganharam clara
autonomia face a pareceres e decisões
externas, permanecendo uma forte tutela
de inúmeras entidades, sobre o território;
os PDM, se por um lado condicionam administrativamente as decisões e intervenções municipais e do setor privado, por
outro não vinculam a Administração Central à execução dos investimentos e programas previstos nos planos; o território,
como resultado de um sobredimensionamento generalizado do solo urbano/urbanizável necessário para o processo de urbanização na vigência do PDM, continua
fragmentado, mantém-se a dispersão urbana e a dificuldade em implementar, com
este “modelo” de ocupação, um sistema
racional de transportes e infraestruturas.
Entretanto, a pulverização dos instrumentos de ordenamento do território, assim como a
enfâse colocada no desenvolvimento sustentável, obrigou a publicar uma moldura legal mais
ajustável a essas preocupações, bem como
àquelas que resultaram do balanço efetuado
aos PDM da 1ª geração. Surge, neste contexto,
a Lei de Bases de Ordenamento do Território e
do Urbanismo, Lei 48/98, de 11 de agosto, que
seria regulamentada em grande parte pelo Decreto-Lei 380/99, de 22 de setembro.
Os seus objetivos, no que respeita ao planeamento municipal, mais uma vez sublinhavam que aqui se trata apenas da concretização
espacial das estratégias de desenvolvimento de
âmbito nacional, regional e local. O artigo 70.º
(Objetivos)
a) A tradução, no âmbito local, do quadro
de desenvolvimento do território estabelecido nos instrumentos de natureza estratégica de âmbito nacional e regional;
b) A expressão territorial da estratégia de
desenvolvimento local; c) A articulação
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Jorge Gonçalves
das políticas setoriais com incidência local; (...) h) Os critérios de localização e
distribuição das atividades industriais, turísticas, comerciais e de serviços; (...) i) Os
parâmetros de uso do solo; (...).
lidades e referências aos usos múltiplos
possíveis; i) A definição de programas na
área habitacional.
A introdução destas alterações visam dar
resposta às críticas de ausência de linhas progra-
Mais uma vez se identifica que o PDM
continua a não ser produtor de política
econômica e social de base local, mas sim o
seu tradutor espacial. Todavia, como quase
sempre sucede, a ausência destas orientações
máticas suficientemente sólidas que apoiassem
as decisões em matéria territorial. Mas as múltiplas referências à estratégia não fazem e nunca
poderiam fazer dele um plano estratégico e, deste modo, tornam inconsequentes estes objetivos.
obrigam à realização de estudos de base que
suportem as decisões de planeamento.
Os sucessivos ajustamentos ao DL 380/99,
concretizados pelo DL 310/2003 e DL 316/2007
foram sendo enriquecidos com alguns novos
Constatar clivagens,
delimitar insuficiências
olhares, sobretudo neste último, onde, para o
Plano Diretor Municipal, se exige no domínio
As ausências e os equívocos na relação entre o
do seu conteúdo material (artigo 85º)
planeamento urbano/territorial e o desenvolvimento local fez com que, na larga generalida-
a) A caracterização econômica, social e
biofísica, incluindo da estrutura fundiária
da área de intervenção; b) A definição e
caracterização da área de intervenção,
identificando as redes urbana, viária, de
transportes e de equipamentos de educação, de saúde, de abastecimento público
e de segurança, bem como os sistemas
de telecomunicações, de abastecimento
de energia, de captação, de tratamento
e abastecimento de água, de drenagem
e tratamento de efluentes e de recolha,
depósito e tratamento de resíduos; d) Os
objetivos de desenvolvimento estratégico a prosseguir e os critérios de sustentabilidade a adotar, bem como os meios
disponíveis e as ações propostas; f) A
identificação das áreas e a definição de
estratégias de localização, distribuição e
desenvolvimento das atividades industriais, turísticas, comerciais e de serviços;
g) A definição de estratégias para o espaço rural, identificando aptidões, potencia-
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de, estes IGT continuem a ser apenas um regulamento e um zonamento (como aliás consta
do artigo 86º do DL 316/2007). A obrigatoriedade de regular um território fragmentado por
vocações muito rígidas deixa pouco espaço para um estatuto mais estratégico e flexível destes documentos. É a conhecida clivagem entre
o planeamento normativo e o planeamento de
oportunidades, que continua por resolver.
As insuficiências enunciadas quanto às
necessidades do desenvolvimento estão um
pouco por todo o lado, mas talvez seja útil relembrar algumas delas:
●
O volume das decisões de suspensão e
alteração dos PDM é revelador da incapacidade
destes instrumentos em conduzir o processo de
desenvolvimento ou sequer de se ajustar a ele
de forma adequada. Numa avaliação recente,
a Quercus3 identificou entre setembro de 2007
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A deriva urbanística do planeamento territorial
e outubro de 2008, 27 suspensões parciais,
plantação empresarial, turística ou até mesmo
quase sempre por dois anos e com uma argu-
urbanística, foi a motivação para esse consumo
mentação recorrente, sublinhando a “alteração
de espaço protegido.
significativa das perspectivas de desenvolvi-
●
Mesmo no que de mais profundo havia
mento social para o local, incompatíveis com
nos objetivos dos Planos Municipais de Orde-
as opções contidas no atual PDM”. Aqui cabem
namento do Território, como o controle da dis-
razões ligadas a projectos PIN, áreas industriais
persão edificada, até aí se revelou a sua inca-
e empresariais ou projetos turísticos. Só resi-
pacidade como tem sido amplamente revelada
dualmente surgem justificações associadas a
e comentada por alguns dos principais atores
equipamentos dirigidos para respostas sociais.
do planeamento (cf. Soares, 2002).
A revisão e republicação do 380/99, de
●
Se se recuar aos anos 80 e até meados
22 de setembro, pelo DL 316/2007, de 19 de se-
dos anos 90, observa-se a centralidade que os
tembro, não deixa margem para dúvidas quan-
instrumentos de gestão territorial possuíam no
to à intenção de limitar o acesso à suspensão e
quadro do desenvolvimento local, sendo qua-
promover a figura da alteração:
se em exclusivo os documentos sobre o qual
recaía a estratégia municipal, coerente de res-
Procede-se, assim, à reclamada delimitação conceptual das figuras da revisão e
da alteração dos instrumentos de gestão
territorial, autonomizando-se procedimentos específicos de alteração quanto
aos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares. Reservando o
conceito de revisão para as situações mais
estruturais de mutabilidade do planeamento, pretende-se flexibilizar e agilizar
os procedimentos de alteração em função
das dinâmicas de desenvolvimento econômico, social e ambiental, obviando ao
recurso sistemático à figura da suspensão
do plano (Preâmbulo);
to com a primeiro moldura legal dos PDM (DL
208/82). Daí que se tenha presente a extensão
dos estudos de caracterização, a profundidade
da recolha de informação e o alargado campo
de abrangência dos temas constantes do PDM
(antropologia, toponímia, urbanismo comercial.
Despojados que ficaram os Instrumentos
de Gestão Territorial (IGT) destas obrigações,
restava socorrerem-se de outros documentos
que podiam ou não existir. Mais uma vez se relembra que mesmo quando os IGT, num assomo
de coragem, procuram ir mais além, encontram
dificuldades sérias ou mesmo intransponíveis
Ainda neste levantamento genérico
de concretização das ideias veiculadas porque
das insuficiências demonstradas pelos IGT, es-
os seus documentos operacionais não deixam
tão, por exemplo, as decisões que levam a um
de ser, no caso dos PMOT, a carta de ordena-
consumo crescente de áreas de REN para usos
mento e o regulamento e nos restantes IGT a
urbanos. Essa ampliação das áreas urbanas a
diferença não é significativa (mesmo naqueles
partir da REN feita em sede de Conselho de Mi-
considerados estratégicos).
●
nistros atingiu, por exemplo, de acordo com a
Relembra-se, a título exemplificativo, o
Quercus, de 1º de janeiro de 2007 a 25 de mar-
caso do PROT-AML onde as consequências da
ço de 2008, 43 municípios. Mais uma vez, a im-
delimitação e definição dos espaços motores,
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Figura 1 – Modelo territorial do Plano Regional de Ordenamento
do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROT AML)
Limite do AML
Rede rodoviária fundamental
Rede ferroviária fundamental
Áreas dinâmicas periféricas
Espaços naturais protegidos
Espaços motores
Espaços emergentes
Espaços problema
Áreas críticas urbanas
Áreas com potencialidades de reconversão e renovação
Fonte: Comissão de Coordenação Regional e Desenvolvimento de Lisboa e Vale do Tejo.
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A deriva urbanística do planeamento territorial
emergentes, problemas, entre outros no mode-
Social
lo territorial, foram escassas apesar do interes-
• Carta Social
se inequívoco das propostas.
• Programa Local de Habitação
• Programa local de emprego/para a
empregabilidade
Os verdadeiros motores
do desenvolvimento local
O vazio que foi ficando, quer do empobrecimento do conteúdo dos IGT em nome de uma
• Guia de marketing social
• Carta Desportiva
• Contrato local de segurança
Educação
• Carta Educativa
maior eficácia e celeridade de elaboração,
Saúde
quer de instrumentos que conduzam ao de-
• Carta de Recursos para a Saúde
senvolvimento social e econômico, a par de
Cultura
uma gradual exigência colocada na gestão
• Carta Cultural
dos recursos financeiros próprios ou disponi-
• Plano de desenvolvimento cultural
bilizados por outras instâncias (administração
• Carta do Patrimônio
central,instituições comunitárias, financiamento bancário), foi sendo colmatado com programas setoriais agrupados ou não em sede de
planeamento estratégico.
Muitos destes documentos que foram
sendo produzidos no âmbito municipal ou mes-
Economia
• Projeto de Urbanismo Comercial
• Estudo de ordenamento das atividades
comerciais
• Plano setorial (turismo, restauração, etc.)
mo regional e sub-regional podem integrar-se
Acessibilidades
no que se poderia designar como planeamento
• Plano de acessibilidade
informal (cf. Gonçalves, 2003) já que incidem
• Plano de estacionamento
sobre o território, mas não de acordo com a
• Plano de mobilidade sustentável
matriz de planos formais. É assim com os pla-
Ambiente
nos de mobilidade, acessibilidade e estaciona-
• Plano verde
mento, com os estudos de urbanismo comer-
• Agenda local XXI
cial, com os projetos de espaços públicos, ver-
• Plano de sustentabilidade
des ou mineralizados, estudos de revitalização
Desenvolvimento urbano/territorial
urbana, etc.
• Estudo de enquadramento urbanístico
A multiplicação deste esforço deu origem a um leque quase infinito de instrumentos
• Estudo estratégico de desenvolvimento
urbano
hoje na posse de municípios e associações de
• Estudo de revitalização urbana
municípios, cujo levantamento aqui se propõe
• Estudo de reabilitação urbana
(embora se saiba já das limitações de uma lista
dessa natureza):
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• Plano estratégico de cidade/concelho/
sub-região
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Figura 2 – Exemplos de instrumentos alternativos
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A deriva urbanística do planeamento territorial
• Estudo de enquadramento estratégico
No domínio da educação e para a Carta
• Carta estratégica
Educativa, percebeu-se cedo que a lógica de
• Guia de marketing urbano
programa de equipamentos coletivos adotada
• Estudo de enquadramento a candidaturas
nos instrumentos de gestão territorial poderia
polis XXI
metodologicamente estar correta para a deter-
• Plano de ação
minação de carências, mas o universo da efi-
• Plano de proteção civil
ciência necessária para o seu funcionamento
• Plano de Desenvolvimento Local
exigia um outro entendimento que as regras
Cada um desses documentos encerram
para a elaboração da Carta Educativa vieram
em si próprios metodologias, ações, tem-
permitir. Sugere-se a título de exemplo a me-
pos, financiamentos, parceiros e formas de
todologia seguida para a elaboração da Carta
governação, entre outros recursos, que con-
Educativa da Cidade do Porto (Figura 4).
figuram novos universos e novas especializa-
Para quase todos estes instrumentos será
ções que o planeamento (estruturas, técnicos,
de imediato possível o seu acesso em tempo real,
instrumentos) têm dificuldade em compreen-
o que faz deles exercícios de excelência ao nível
der, quer por inércia, quer por incapacidade
do envolvimento e mobilização de vontades e
de fato.
atitudes, mas prolonga o seu efeito para lá do
Veja-se, por exemplo, as áreas de inter-
momento da sua elaboração ao ficarem expostos
venção propostas no Contrato Local de Segu-
de modo contínuo ao escrutínio da comunidade.
rança no município de Loures, celebrado em
A abrangência deste novo planeamento
2009 por ocasião dos problemas sociais ocor-
do desenvolvimento é revelador de uma reali-
ridos no Bairro da Quinta da Fonte:
dade complexa, mas que interessa, para este
“Áreas de Intervenção
Os outorgantes acordam que são consideradas prioritárias as seguintes áreas de
intervenção do Contrato Local de Segurança:
a) Delinquência juvenil
b) Pequena criminalidade
c) Violência doméstica
d) Comportamentos antissociais
e) Fenômenos de insegurança”
caso, relevar sobretudo:
• o aprofundamento e qualificação dos esforços em domínios não exclusivamente territoriais possibilitando a obtenção e a avaliação
de resultados cujos efeitos nesses campos se
têm manifestado como nucleares. O território
surge mais como uma matriz de acolhimento
destes esforços e é nessa medida que lhe é solicitado o seu contributo;
• a setorialização desses esforços, a mobili-
Fonte: Câmara Municipal de Loures, Contrato
zação dos atores e da participação pública tem
Local de Segurança, 2009.
sido uma garantia do sucesso observado para
Ou, ainda, no caso da Agenda XXI de
este planeamento do desenvolvimento com a
Cascais, é possível identificar a densidade do
particularidade dos domínios abordados se te-
documento produzido pela Câmara Municipal a
rem vindo a multiplicar. Essa preocupação de
partir de um esquema síntese que sistematiza a
dar resposta a públicos cada vez mais especia-
sua estrutura (Figura 3).
lizados revelou-se adequada para seduzir cada
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Figura 3 – Agendas Cascais 21
Fonte: Câmara Municipal de Cascais.
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Fonte: Câmara Municipal do Porto.
Figura 4 – Carta Educativa da Cidade do Porto
A deriva urbanística do planeamento territorial
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Jorge Gonçalves
vez mais atores e interessados em geral para
pela insuficência do corpo técnico e político é
um exercício ativo da cidadania;
visível a olho nu um pouco por todo o lado. Ao
• o planeamento territorial não consegue
mesmo tempo assistiu-se a uma complexifica-
incorporar nos seus instrumentos toda es-
ção dos mecanismos visando a operacionaliza-
ta riqueza, optando por responder apenas às
ção dos processos de transformação territorial,
exigências materiais que lhe são colocadas
buscando uma maior celeridade, justiça finan-
(equipamentos, infraestruturas, densidades,
ceira e fiscal, equilíbrio de custos e receitas e
qualidade ambiental) e, em casos excepcionais,
a possibilidade de constituição de parcerias
sugerir de acordo com as expectativas manifes-
público-privadas.
tadas pelos atores, novas frentes urbanas ou a
Mas, por outro lado, existiu um ama-
reorganização e requalificação das existentes
durecimento generalizado no domínio do
disponibilizando-as para novos usos.
desenvolvimento, estimulado pelas obrigações
resultantes da integração do país na União
Europeia e noutras esferas supranacionais, e
Remediação ou oportunidade?
visível na delimitação dos diagnósticos prospectivos, na constituição de parcerias e mobilização de recursos ou ainda na montagem de
Não pretendendo esgotar a discussão, consi-
estruturas operacionais e de monitorização.
deramos ser tempo, no entanto, de retomar a
Esse amadurecimento permitiu algo que
questão inicial. A constatação do percurso que
nunca foi possível antes: trabalhar em rede
está a ser feito, de modo generalizado, pelos
quer para alcançar níveis mais elevados de efi-
municípios portugueses, mas inscrito numa
ciência, quer para ser mais preciso nos resul-
dinâmica visível a outras escalas (Peel e Lloyd,
tados aproveitando as mais-valias de cada um
2005), permitindo-lhes munir-se de um leque
dos atores e recursos adotados.
diversificado de instrumentos para o desenvol-
Se fosse posível estabelecer uma sequên-
vimento, com uma qualidade que é observada
cia temporal, acreditamos que, num primeiro
na sua capacidade propositiva e na sua dimen-
momento, esta divergência de trajeto foi
são operativa coloca uma primeira questão de
mais uma estratégia de remediação saída
importância prática relativa: a deriva urbanís-
da dificulda de de dar resposta a problemas
tica do planeamento municipal foi uma con-
complexos mas, num segundo momento, o
sequência do desenvolvimento local ou a sua
que foi encarado como um problema revelou-
justificação?
-se como uma oportunidade essencial para a
Parece ficar claro que a resposta não tem
teia de apoio ao desenvolvimento que se foi
um sentido único, identificando-se contributos
tecendo e alastrando a todos os territórios por
importantes em cada uma das perspectivas.
mais específicos que sejam e se calhar até mais
Com efeito, a incapacidade que, em termos
intensamente nesses.
gerais, a gestão territorial revelou para dar
Confirmando-se esses percursos di-
resposta aos imperativos do desenvolvimento
vergen tes à escala local (e cuja explicação
local, seja por limitação do quadro legal, seja
procurou-se sinteticamente demonstrar), a
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A deriva urbanística do planeamento territorial
reflexão a fazer deve centrar-se na atitude a
até à impossibilidade de se reverter esta situa-
assumir perante esta realidade antevendo-se,
ção a médio prazo.
O esforço ciclópico de expurgar con-
para já, três possibilidades:
• Manutenção do atual distanciamento, penalizando ambos os domínios;
tinuamente o sistema de planeamento dos
problemas que o tornam ineficiente e ineficaz
• Condução do esforço para uma maior in-
debilitou-o em várias frentes e nem a ambi-
tegração, na lógica preexistente, mas cuja
ção de ser o fiel depositário da estratégia
dificuldade se prenuncia dado o grau de ma-
de desenvolvimento territorial (como sucede
turação que ambos os dominios têm vindo a
no caso dos PDM) lhe permitirá ir mais além
revelar;
que a afirmação de um mero estatuto de re-
• Estabelecer um quadro de relação que formaliza a distinção mas que garanta a articula-
gulamento das dinâmicas definidas noutros
fóruns.
Embora os IGT sejam hoje dispensados
ção proveitosa e que ainda está por fazer.
sempre que possível, em alguns casos eles integram o planeamento informal (cf. estudos es-
Conclusão
tratégicos de áreas críticas urbanas, por exemplo) sendo também verdade que eles próprios
Mais que acusar aqui o papel dos IGT na per-
se obrigam a incorporar os resultados daqueles
sistência das assimetrias sociais, econômicas
exercícios “informais” (como sucede com a
e urbanísticas visíveis desde há muito mesmo
carta educativa, social, etc.).
em áreas de grande densidade de planos (cf. o
A natureza tem horror ao vazio e tam-
exemplo do Algarve com os seus planos regio-
bém aqui a gestão territorial foi encontrando
nal, turismo, POOC, POAP, PDM, etc.) trata-se
substitutos mais dirigidos, abrangentes, eficien-
sobretudo de chamar a atenção para a perda
tes e eficazes para dar resposta a desafios que
da centralidade destes instrumentos na condu-
o sistema clássico de planeamento, onipresente
ção dos territórios rumo ao desenvolvimento e
e onipotente, nunca conseguiu.
Jorge Gonçalves
Geógrafo. Instituto Superior Técnico. Lisboa, Portugal.
[email protected]
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Jorge Gonçalves
Notas
(1) Disponível em www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos.../20070411_MAOTDR_Doc_
Poli ca_Cidades.htm, acesso em 15 de Junho de 2009.
(2) Concelhos de Évora, Mora, Ponte de Sor, Moita e Oliveira do Bairro
(3) Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza
Referências
GONÇALVES, J. M. (2003). A informalidade no ordenamento do território. Geoinova, n. 7, pp. 167-178.
______ (2004). ReciproCidade: apropriação e exclusão em urbanismo. Arquitectura, 2-4, pp. 171317.
MEDEIROS, C. A. (org.) (2006). Planeamento e ordenamento do território. Colecção Geografia de Portugal, Círculo de Leitores, Lisboa.
PEEL, D. e LLOYD, M. G. (2005). Development Plans, Lesson-drawing and Model Policies in Scotland.
Interna onal Planning Studies, v. 10, n. 3-4, pp. 265–287.
SIMÕES, J. M. (2008). Ordenamento municipal e desenvolvimento local. Uma reflexão. InforGeo,
20/21, pp. 39-48.
SOARES, L. B. (2002). A realidade incontornável da dispersão. Sociedade e território, n. 33. Porto,
Afrontamento, pp.123-129.
TERÊNCIO, M. H. (2006). Dos PDM de 1.ª geração aos PDM de 2.ª geração. O que pode mudar?. Disponível em: h p://www.ordeng.webside.pt/Portals/0/Ing94-Destaque2.pdf.. Acesso em 2 de
junho de 2009.
Texto recebido em 22/set/2009
Texto aprovado em 20/fev/2010
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Mundialización neoliberal, cambios
urbanos y políticas estatales
en América Latina
Neoliberal globalization, urban changes
and state policies in Latin America
Emilio Pradilla Cobos
Resumo
Os investimentos em políticas assistenciais
que objetivam solucionar o chamado problema
da “violência urbana” indicam uma via da
configuração das periferias das grandes cidades ou
das chamadas cidades globais, como campos de
concentração a céu aberto. Este artigo analisa um
projeto de aplicação de medidas socioeducativas
em meio aberto para os chamados adolescentes
infratores como elastificação da prisão-prédio
na composição desses campos de concentração
em áreas consideradas de risco e/ou habitadas
por jovens classificados como em situação de
vulnerabilidade social. O conceito sociológico de
gueto, colocado por Wacquant, problematizando-o
a partir da noção de campo de concentração a céu
aberto proposta por Edson Passetti e da análise
genealógica de Michel Foucault.
Abstract
The investments in assistential policies that
aim to solve the so-called problem of “urban
violence” indicate a way of the configuration of
the major cities peripheries – or the so-called
global cities –, as borderless concentration
camps. This article analyses the application
program of socio-educative measures in openspace for the so-called adolescent offenders as
an “elastifi cation” of the prison-building in the
production of these concentration camps in areas
considered of risk and/or inhabited by youngsters
classified as in situation of social vulnerability.
Towards this, the sociological concept of
“ghetto”, presented by Wacquant, problematizing
it through the notion of “borderless concentration
camp” proposed by Edson Passetti and by the
genealogical analysis developed by Michel
Foucault.
Palavras-chave: campo de concentração a céu
aberto; prisão-prédio; polícia; abolicionismo penal;
gueto.
Keywords : borderless concentration camp;
prison-building ; police; penal abolitionism;
ghetto.
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Emilio Pradilla Cobos
Introducción
Las nuevas formas arquitectónico-urbanas
actúan como vectores de la privatización y
mercantilización de lo público, contribuyen
A lo largo de cerca de tres décadas de
a la segregación y exclusión socio-territorial
aplicación, el patrón neoliberal de acumulación
de los ámbitos ocupados por los segmentos
de capital, con sus crisis recurrentes, ha
de población empobrecida y, por tanto, a la
producido profundos cambios en las estructuras
fragmentación social del territorio.
económicas, sociales y territoriales de las
En el neoliberalismo, el urbanismo y la
ciudades latinoamericanas, sobre todo en las
planeación urbana, fragmentados en el nivel
metrópolis, cuyas contradicciones marcarán las
metropolitano, han perdido su legitimidad
próximas décadas y plantearán serios retos a
política e ideológica y se debilitan ante el
las políticas, la planeación y la gestión urbanas.
predominio de las políticas modernizadoras
Mientras continúa el proceso de
pragmáticas cuya mítica meta es “lograr la
urbanización y nos acercamos a su conclusión,
competitividad en un mundo global”.
crece el número de grandes ciudades en
la región, se multiplican las metrópolis y
observamos el surgimiento de nuevas formas
socio-territoriales como las ciudades región o
Las promesas incumplidas
del neoliberalismo
los sistemas urbanos regionales.
Las economías urbanas se han
Desde la crisis generalizada del capitalismo
terciarizado en forma polarizada, con un
a inicios de los años ochentas del siglo
dominio cuantitativo del empleo informal
XX, el neoliberalismo y su globalización 1
de baja productividad. La industria tiende
fueron presentados al mundo como el nuevo
a reubicarse en las periferias urbanas o
paradigma del desarrollo mundial, como la
metropolitanas lejanas, y sobre todo en los
forma de organización social que llevaría al
intersticios semi-rurales de los sistemas urbanos
“fin de la historia” y aseguraría el bienestar
regionales, o en otras ciudades y regiones de
de todas las naciones y sus habitantes. Tres
los territorios nacionales.
décadas después, este patrón de acumulación
El capital inmobiliario, asociado al
se mantiene en medio de las crisis causadas
financiero, ha ganado un nuevo protagonismo
por su sector dominante, el financiero
en la economía y la configuración urbana con
especulativo, las recesiones productivas
la promoción de grandes centros comerciales,
periódicas, las mega-fusiones de grandes
unidades habitacionales cerradas y de “interés
monopolios trasnacionales, la quiebra de
social” e inmuebles corporativos.
grandes empresas o sectores enteros de la
De la centralidad única del pasado, las
economía, el bancario y el automotriz, por
metrópolis transitaron a la multi-centralidad,
ejemplo; los escándalos generados por los
y hoy se observa la tendencia en algunas
actos ilegales de las trasnacionales, y los
metrópolis a su reestructuración a partir de una
multimillonarios rescates realizados por los
red de corredores terciarios.
gobiernos, a costa de sus contribuyentes.
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
La acumulación de capital en los países
Los países latinoamericanos y del Caribe
dominantes, sometida como siempre a ciclos
tomados en su conjunto, endeudados con la
recesivos, se sostiene gracias al excedente
banca mundial y con su sistema bancario-
extraído a sus trabajadores y los de los países
financiero interno controlado por los capitales
atrasados; a la expoliación poco racional de
extranjeros, estancados en su industrialización
los recursos naturales; a las sobre-ganancias
y el avance tecnológico, sin motores internos
monopólicas y tecnológicas; al creciente
de crecimiento y dependientes del dinamismo
control de los mercados internos de los
cíclico de las economías hegemónicas, la de
países dominados por las trasnacionales allí
Estados Unidos en particular, han dado marcha
localizadas; al libre mercado internacional
atrás en su historia económica, perdiendo en
utilizado para ampliar sus mercados saturados;
muchos casos lo logrado durante la onda larga
y al papel que juegan en la nueva fase de
expansiva de la economía posterior al conflicto
acumulación originaria de capital en los países
mundial, en términos de crecimiento económico
ex socialistas del este europeo, en China y
y de aumento del producto por habitante
otros países de Asia.
(Cepal, 2001 y 2005; ver Cuadro 1 y Gráfico 1).
Gráfico 1 – América Latina: tasa anual de variación del PIB y del PIB per cápita
(en dólares constantes del 2000 y en porcentaje)
Fuente: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal), sobre la base de cifras oficiales.
Nota: Tomado de “Balance premilinar de las economias, de América Latina y el Caribe, de 2007”, p. 44.
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Emilio Pradilla Cobos
Cuadro 1 – América Latina y el Caribe: principales indicadores económicos
Año
1972*
1973*
1974*
1975*
1976*
1977*
1978*
1979*
1980*
Producto interno bruto (1)(3)
7.0
8.3
7.0
3.8
5.4
4.8
5.1
6.5
5.9
Producto interno bruto por habitante (1)(3)
4.3
5.6
4.3
1.2
2.8
2.2
2.5
3.9
3.3
–
–
–
–
7.7
7.4
6.8
6.0
5.7
1981
1982o
1983o
1984o
1985o
1986a
1987a
1988a
1989a
1.7
-1.4
-2.4
3.4
2.8
3.6
2.9
0.6
1.1
-1.0
-3.7
-4.6
1.0
0.4
1.3
0.7
-1.5
-1.0
5.9
7.0
8.1
8.2
7.5
–
–
–
–
1990”
1991”
1992”
1993”
1994”
1995^
1996^
1997^
1998’
0.3
5.3
3.7
2.5
4.7
1.1
3.8
5.1
2.5
-2.0
2.9
1.3
0.3
2.5
-0.6
2.1
3.4
0.8
6.1
8.5
8.9
8.9
7.8
8.5
9.2
8.8
10.3
1999’
2000’
2001’
2002’
2003’
2004’
2005’
2006’
2007’
0.2
3.9
0.3
-0.5
2.1
6.2
4.6
5.6
5.6
Producto interno bruto por habitante (1)(3)
-1.3
2.4
-1.1
-1.8
0.8
4.8
3.3
4.2
4.2
Tasa de desempleo urbano (4)
11.0
10.4
10.2
11.0
11.0
10.3
9.1
8.6
8.0
Tasa de desempleo urbano (4)
Año
Producto interno bruto (1)(3)
Producto interno bruto por habitante (1)(3)
Tasa de desempleo urbano (4)
Año
Producto interno bruto (1)(3)
Producto interno bruto por habitante (1)(3)
Tasa de desempleo urbano (4)
Año
Producto interno bruto (1)(3)
(1) Sobre la base de cifras oficiales expresada en dolares
(2) Variación de Diciembre a Diciembre
(3) Tasa de crecimiento
(4) Porcentaje
Fuente * : Estudio Economico de América Latina y El Caribe, 1981, Cepal
Fuente 0 : Estudio Economico de América Latina y El Caribe, 1985, Cepal
Fuente a : Comercio Exterior, v. 40, n. 2, México, febrero de 1990, Banco Nal. de Comercio Exterior
Fuente “ : Comercio Exterior, v. 47, n. 3, México, febrero de 1997, Banco Nal. de Comercio Exterior
Fuente ^ : Balance Preliminar de las Economias de América Latina, 2003, Cepal
Fuente ‘ : Balance Preliminar de las Economias de América Latina, 2007, Cepal
De la observación de las estadísticas de
que desde 1980 ha sufrido tres recesiones
la Comisión Económica para América Latina
profundas (1981-1982 la cual marco el quiebre
(CEPAL) se derivan tres conclusiones básicas:
entre los dos patrones de acumulación, 2002 y
• Desde 1982, en el período neoliberal,
el promedio de las tasas de crecimiento del
2008 en adelante), y tres desaceleraciones muy
fuertes (1988-1990, 1995 y 1999).
Producto Interno Bruto (PIB) de la región ha
• Las tasas de crecimiento del producto
sido muy inferior al de igual período en número
interno por habitante han seguido un curso
de años en el intervencionismo estatal (1954-
similar en ambos patrones de acumulación:
1980), mostrando nítidamente su inferioridad
crecen menos que el PIB cuando éste crece, y
como patrón e instrumento de la acumulación
caen más que el PIB cuando éste cae, dando
de capital.
cuenta, en ambas situaciones de la desigualdad
• Durante el período intervencionista,
la economía no enfrentó recesiones, mientras
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creciente en la distribución de la riqueza entre
capital y trabajo.
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
• Sin embargo, el notorio crecimiento
al exigir a los estados, sobre todo a los de
del PIB en el período intervencionista permitió
los países desarrollados (EEUU, Comunidad
el del PIB por habitante, mientras que en el
Eu r o p e a , J a p ó n ) , r e s c a t e s m a si v o s y
neoliberal, este indicador crece mucho menos
multimillonarios de grandes trasnacionales
o cae por el bajo crecimiento del PIB y por las
in d u s t r ial e s ( s o b r e t o d o l o s g i g a n t e s
recesiones.
automotrices), inmobiliarias, financieras y
La recesión en curso, que se inició
bancarias, por parte de los gobiernos, que han
en Estados Unidos en 2008, y se expandió
llevado a una nueva participación de éstos en
rápidamente en América Latina (Gráfico
la propiedad de grandes empresas, contraria a
2 ) , es considerada la más prof unda y
los dogmas neoliberales. Al menos, se habla
estructuralmente compleja desde la Gran
ya entre los gobernantes de las potencias
Depresión de 1929 -1930, y ha puesto a
económicas, de la necesidad de implantar
discusión la validez del patrón neoliberal de
“una regulación estatal mundial más estricta
acumulación y del libre mercado mundial,
de los flujos financieros internacionales”.
Gráfico 2 – América Latina y El Caribe:
tasa de variación del PIB y del PIB per cápita
(en dolares constante del 2000 y en porentajes)
Fuente: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal), sobre la base de cifras oficiales.
Nota: Las tasas de variación indiadas en el gráfico corresponden a la tasa de variación media de cada uno de los subperíodos
del PIB per cápita.
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Emilio Pradilla Cobos
Al impacto de la recesión en los
atrasados pero con ventajas comparativas
países desarrollados, trasmitida a América
ambientales y altos subsidios, y por la caída
Latina y el Caribe a través de la salida de
constante y acumulativa de los precios de
capitales especulativos, la disminución de
las materias primas agrícolas en el mercado
la demanda y los precios de los productos
mundial. Muchos produc tores rurales ,
agrícolas y manufacturados, y el cierre de
hundidos en la crisis y el hambre, se han
filiales de trasnacionales, hay que añadir
refugiado en el cultivo de estupefacientes
la caída de las remesas enviadas por los
(coca en Bolivia, Perú y Colombia, marihuana y
trabajadores emigrantes sobre todo mexicanos,
amapola en México) en la selva o la montaña,
centroamericanos, colombianos y ecuatorianos
a pesar de la inclemente persecución de los
y, sobre todo, la contracción de la masa y
aparatos represivos locales y/o de Estados
el precio de las exportaciones petroleras de
Unidos. Estos procesos siguen empujando
México, Venezuela y Ecuador.
campesinos a la migración hacia los centros
Salvo la industrialización semi-
urbanos, incrementados en algunos países por
autónoma de los tigres asiáticos previa al
la violencia rural ejercida por el narcotráfico,
neoliberalismo (Fajnzylber, 1983), y la actual
los movimientos armados y los paramilitares.
semi-industrialización de Brasil, Rusia, India y
El crecimiento urbano periférico, la
China, los países atrasados han tenido como
formación de ciudades-región y sistemas
política industrial casi única la subcontratación
urbanos regionales, la acción del capital
internacional, la fabricación de piezas o el
inmobiliario, y la suburbanización resultante de
ensamblaje para las trasnacionales (maquila
la multiplicación de las viviendas secundarias
en México) por cuya instalación y permanencia
de sectores urbanos de altos ingresos, han
compiten ferozmente; pero China es hoy el gran
sido otros tantos factores de la expulsión del
verdugo del crecimiento de este sector en otros
campesinado y la transformación de la tierra
países, incluido México, gracias a sus ventajas
rural en urbana (Pradilla, 2002).
competitivas, algunas espurias, como muy
En medio de la onda larga recesiva
bajos salarios, alta calificación, férrea disciplina
iniciada a principios de los ochentas y sin
laboral, control estatal de los trabajadores y
visos de superación del estancamiento de la
represión de sus reivindicaciones.
industrialización y del cambio tecnológico en
L a desaparición de la producción
diversos sectores de la economía, en América
campesina latinoamericana ha continuado
Latina aumenta el desempleo, crecen el trabajo
i n e xo r a b l e m e n t e, a l e n f r e n t a r e n l o s
precario y la informalidad como formas de
mercados abiertos la desigual competencia
subsistencia, y se mantiene o aumenta el
con los productos agropecuarios, forestales
empobrecimiento de la población (Tokman y
y pesqueros, sobre todo transgénicos,
O´Donnell, 1999; Cepal, 2001 y 2004; Portes y
importados de los países desarrollados o
Roberts, 2005).
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
Cuadro 2 – América Latina: incidencia de la pobreza y la indigencia, 1980-2007a
(en porcentajes de personas)
Pobres b
Ano
Indigentes c
Total
Urbana
Rural
Total
Urbana
Rural
1980
40,5
29,8
59,9
18,6
10,6
32,7
1990
48,3
41,4
65,4
22,5
15,3
40,4
1997
43,5
36,5
63,0
19,0
12,3
37,6
1999
43,8
37,1
63,7
18,5
11,9
38,3
2002
44,0
38,4
61,8
19,4
13,5
37,9
2005
39,8
34,1
58,8
15,4
10,3
32,5
2006
36,3
31,0
54,0
13,3
8,5
29,2
2007
34,1
28,9
52,1
12,6
8,1
28,1
Fuente: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal), sobre la base de tabulaciones especiales de las
encuestas de hogares de los respectivos países.
a
– Estimación correspondientes a 18 países de la región más Haiti.
b
– Porcentaje de personas con ingresos inferiores a la línea de pobreza. Incluye a las personas que se encuentran en
situación de indigencia.
c
– Porcentaje de personas con ingresos inferiores a la línea de indigencia.
Entre 1980 y 2007, antes de estallar la
y la ZMVM (Zona Metropolitana del Valle de
recesión mundial en curso, en América Latina
México), según otra fuente y otra metodología,
y Caribe la pobreza total disminuyó -6.4%,
llegó al 72.3% en el 2000 (Boltvinik, La Jornada,
la rural -7.8% y la urbana solo un -0.9%; en
25-1-2002). Hay que anotar, que en la mayoría
ese mismo período, la indigencia total bajo
de los casos, estos porcentajes son mayores
un -6.0%, la rural -4.6% y la urbana solo un
que la media urbana indicada por la Cepal para
-2.5%. Sin embargo, en número de personas
esos años.
estaríamos hablando en 2007 de 48 millones
Aunque no disponemos de cifras más
más de pobres, y 6 millones más de indigentes
recientes sobre la pobreza y la informalidad en
que en 1980 (ver Gráfico 3).
las metrópolis de la región, todos los analistas
Una investigación comparativa
coinciden en señalar que la profunda recesión
coordinada por Portes, Roberts y Grimson
iniciada en el 2008 esta agravando seriamente,
(2005, p. 44) da las siguientes cifras de
en lo cuantitativo y lo cualitativo, la situación
pobreza para algunas metrópolis: Buenos Aires
de la pobreza en los países y ciudades de
el 51.7% (2002/2003); São Paulo el 55.8%
América Latina y Caribe.
(2000); Santiago el 12.7% (2000); Lima el
La delincuencia incidental (individual,
45.2% (2000); Montevideo (2000) el 23.9%;
ocasional, para subsistir), la organizada y la
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Emilio Pradilla Cobos
Gráfico 3 – América Latina: evolución de la pobreza y la indigencia, 1980-2008a
(en porcentajes y millones de personas)
Porcentaje de personas
Volumen de población
Indigentes
Pobres no indigentes
Fuente: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal), sobre la base de tabulaciones especiales de las
encuestas de hogares de los respectivos países.
a
Estimación correspondiente a 18 países de la región más Haiti. Las cifras colocadas sobre las secciones superiores de las
barras representan el porcentaje y número total de personas pobres (indigentes más pobres no indigentes)
b
Proyecciones.
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
Cuadro 3 – Evolución de la pobreza y la indigencia
en seis países latinoamericanos (porcentaje)
Argentina
Buenos Aires
Brasil
1980
1990
1995
2000
2002/3
–
–
–
35,9
54,7
5,0
33,7
24,8
28,9
51,7
39,0
48,0
35,8
27,5
–
Rio de Janeiro
–
–
–
–
–
San Pablo
–
27,1
56,6
55,8
–
45,1
38,6
27,5
20,6
–
33,8
28,5
17,8
12,7
–
28,0
47,7
52,9
41,1
39,4
Chile
Santiago
México
Ciudad de México
–
76,6*
–
72,3*
–
46,0
50,2
45,8
47,7
54,8
Lima
–
47,8
35,5
45,2
–
Uruguay
–
28,3
21,7
22,8
–
–
28,6
21,3
23,9
–
Perú
Montevideo
Fuente: Portes, Alejandro y Bryan R. Roberts, 2005.
* Tomado de Julio Boltvinik, La Jornada, “Economia Moral”, 25 de enero del 2002, Distrito Federal, México.
globalizada cuyos giros son el narcotráfico
y el contrabando de armas, mercancías,
inmigrantes, mujeres y niños, y mercancías
robadas, como formas de subsistencia para
Urbanización
y metropolización
en América Latina
unos y de enriquecimiento para otros, se
están adueñando de las ciudades, haciéndolas
Como efecto de la intensa urbanización
violentas y modificando durablemente los
generada por la industrialización posterior a
patrones de vida cotidiana en ellas.
la 2ª Guerra Mundial, en 1990, en promedio,
Estas evidencias nos llevan a la
los países de América Latina y Caribe habían
conclusión de que el patrón de acumulación
alcanzado un nivel de urbanización del 71.4%,
neoliberal globalizado no ha cumplido,
similar al de Europa Occidental y superior al
al menos en América Latina y Caribe, sus
de Europa del Este (United Nations, 1996, pp.
promesas de crecimiento económico sostenido
55 y 66), y del 75,5% en el 2000. El ritmo de
y mejoramiento de la calidad de vida de la
urbanización de la región, es y seguirá siendo
mayoría de la población.
similar al de Norte América y Oceanía, superior
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Emilio Pradilla Cobos
Cuadro 4 – Tasa de urbanización en el mundo
Nivel de
urbanización – %
Población urbana
Estimaciones y proyecciones (en miles)
Tasa de cambio – %
2000
2030
2000
2010
2020
2030
2000-2010 2010-2020 2020-2030
Total mundial
47.1
60.8
2,856,927
3,505,347
4,215,397
4,944,679
2.1
1.9
1.6
África
37.1
53.5
295,348
417,186
568,199
748,158
3.5
3.1
2.8
Asia
37.1
54.5
1,366,980
1,770,494
2,214,364
2,664,282
2.6
2.3
1.9
Europa
72.7
79.6
529,058
533,808
540,068
545,369
0.1
0.1
0.1
América Latina
75.5
84.6
392,982
471,708
542,392
601,726
1.8
1.4
1.0
Norteamérica
79.1
86.9
249,995
286,479
321,968
354,081
1.4
1.2
1.0
Oceania
72.7
74.9
22,564
25,564
28,405
31,063
1.3
1.1
0.9
Fuente: United Nations Human Settlements (UN-Habitat), 2005, Financing urban shelter. Global report on human settlements
2005. Tabla A.1, p. 186.
al europeo que se mantiene casi estático, y será
notoriamente en sus tasas de urbanización,
superado por el de Asia y África, actualmente
unos muy rurales y otros muy urbanos. Este
con menor grado de urbanización (Cuadro 4).
proceso, marcado por el desarrollo desigual,
En el año 2030, según las proyecciones
ha producido múltiples formas urbanas que
de las Naciones Unidas, América Latina habrá
se combinan complejamente, y que van de la
alcanzado un nivel de urbanización del 84,6%,
pequeña ciudad semi-rural a la extensa ciudad-
apenas inferior al de Norte América, aunque
región,2 con tallas poblacionales y estructuras
el grado de desarrollo socioeconómico sea
económico-sociales muy distintas.
notoriamente desigual entre ambas regiones, y
América Latina contaba en el 2000 con
superior al de los demás continentes, llegando
49 aglomeraciones urbanas ubicadas en el
a la urbanización casi total.
intervalo entre 1 millón y 17 millones 803 mil
La urbanización de los países
habitantes, que actuaban como núcleos de
latinoamericanos y caribeños ha sido desigual,
intensos procesos de metropolización; 6 de ellas
en función de la magnitud y características
sobrepasaban los 5 millones de habitantes y son
particulares del doble proceso de
hoy los nodos dominantes de la estructuración
industrialización urbana y de penetración del
de ciudades-región, a las que habría que añadir
capitalismo en el campo y de destrucción de las
otras que se articulan a sistemas binacionales
viejas estructuras agrarias (Pradilla, 2009, cap.
(por ejemplo, Ensenada – Rosarito, Tijuana en
VI). En 2000, aún habían en la región países con
México y San Diego – Los Ángeles, San José y
niveles de urbanización inferiores al 60% (Haití,
el esto de la conurbación californiana en EEUU),
Belice, Costa Rica, El Salvador, Guatemala,
cuyo grado de integración metropolitana no
Honduras, Nicaragua, Panamá, Guyana y
es reconocido por las estadísticas oficiales
Paraguay); y los países-islas de Caribe diferían
(Cuadro 5).
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
Cuadro 5 – Grandes ciudades en el mundo, años 2000 y 2015
2000
Total mundial
África
Asia
2015
+1’000,000
habitantes
+5’000,000
habitantes
+1’000,000
habitantes
+5’000,000
habitantes
404
39
451
56
42
3
45
6
202
22
235
32
Europa
64
5
69
5
América Latina
49
6
58
9
Norteamérica
41
3
48
4
6
–
6
–
Oceania
Fuente: United Nations Centre for Human Settlements (Habitat), 2001, Cities in a globalizing world. Global report on human
settlements 2001. Tabla B.1, p. 186.
Si tuviéramos indicadores económicos
los núcleos más excluidos de los inmigrantes
comparables, veríamos que la estructura y
de países atrasados en las ciudades del mundo
el rango económico de las metrópolis de los
desarrollado.
países desarrollados y las de los atrasados son
En 2005, al menos 23 ciudades
muy distintos a lo que muestra el indicador
latinoamericanas alcanzaron una talla de más
poblacional. Nueva York, Londres y Tokio
de 2 millones de habitantes, las cuales, a pesar
son catalogados como ciudades globales
de lo aleatorio del límite empírico, podemos ca-
dominantes (Sassen, 1991), mientras que las
racterizar como metrópolis. A ellas habrá que
mayores metrópolis del tercer mundo, incluidas
añadir otras no registradas por las estadísticas,
México, São Paulo y Buenos Aires, con mayor
en particular las resultantes de la conurbación de
población que Nueva York y Londres, apenas
ciudades colocadas a ambos lados de fronteras
son desiguales eslabones locales y regionales
nacionales, como la que separa a México de
subordinados en el sistema urbano de la
Estados Unidos. Ocho de estas metrópolis
globalización (Pradilla, 2008b). Encontraríamos
superaban los 5 millones de habitantes: Buenos
una diferenciación aún mayor en el nivel
Aires, Argentina; Belo Horizonte, Rio de Janeiro
promedio y la distribución social del ingreso,
y São Paulo, Brasil; Santiago, Chile; Bogotá,
la cobertura y la estructura del empleo, y la
Colombia; Ciudade de México, México y Lima,
calidad de vida de la población metropolitana;
Perú, las cuales se mantendrán en este rango
por ejemplo: las ciudades latinoamericanas
hasta el 2015. Por su dimensión y complejidad
son escenario de un empobrecimiento masivo
territorial, económica y social, y su inserción
y profundo, solo comparable al observado en
en estructuras territoriales más complejas, las
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Emilio Pradilla Cobos
caracterizamos como núcleos metropolitanos
y fueron su motor en el pasado, podríamos
de ciudades-región en formación, que la
deducir que el estancamiento de las primeras
estadística demográfica no recoge aún.
es un factor del de las segundas.
Habría que añadir algunas metrópolis más
La caída del ritmo nacional y regional de
que no alcanzan los 5 millones de habitantes,
crecimiento de la industria desde la crisis de los
pero presentan la complejidad que permite
ochentas, responsable en gran medida de la
caracterizarlas como tales; así como a las que
pérdida de dinamismo de toda la economía, ha
se forman binacionalmente, como Tijuana-
sido motivada por el atraso y la dependencia
Ensenada, (México) inserta en la ciudad-
tecnológicas, la desigual competencia de la
región californiana (EEUU) y la conurbación de
industria local con las trasnacionales externas
Saltillo-Ramos Arizpe, Monterrey, las cercanas
e internas, y su restringido mercado interno
ciudades fronterizas de México y Estados
carcomido por el desempleo masivo y la caída
Unidos y algunas ciudades del sur de ese país,
histórica de los salarios e ingresos reales de sus
desbordando la vigilada frontera binacional
trabajadores y penetrado por las mercancías
(Pradilla y Márquez, 2007).
importadas.
Las metrópolis latinoamericanas en
general, han sufrido la pérdida de muchas
de sus empresas industriales, sobre todo las
Desindustrialización
y terciarización
de las metrópolis
grandes, establecidas en las primeras décadas
de industrialización, y que con el crecimiento
metropolitano quedaron ubicadas al interior
de la áreas densamente urbanizadas, las cuales
En medio de la actual fase de extensión y
han cerrado sus puertas por el peso negativo
profundización del proceso multisecular
de las deseconomías de aglomeración, las
de mundialización del capital, denominada
políticas públicas de desconcentración, las
globalización, las economías metropolitanas
opciones abiertas en el mercado inmobiliario,
latinoamericanas atraviesan desde inicios
la competencia desigual en el libre mercado
de los años ochentas, una fase de perdida de
internacional, la quiebra en las recesiones
3
periódicas, o en el mejor de los casos se han
y/o relocalización de la industria fuera de
trasladado a sus periferias, a localizaciones
5
en los intersticios de las ciudades-región
dominada por la informalidad, 6 cuyas
en formación, o se han relocalizado en
implicaciones son: pérdida de productividad,
otros lugares del territorio nacional, por el
contracción del empleo productivo estable y
surgimiento en ellos de nuevas economías
bien remunerado, agudización de la desigual
de localización como el comercio fronterizo
distribución del ingreso, y persistencia de la
(Márquez y Pradilla, 2008).
dinamismo, signada por la desindustrialización
4
sus ámbitos, y la terciarización polarizada,
pobreza relativa y de la masa de pobres. Puesto
Metrópolis como la del Valle de México
que las economías metropolitanas concentran
– ZMVM – (Pradilla y Márquez, 2004) o Rio de
una parte muy significativa de las nacionales,
Janeiro (Valladares, Preteceille y otros, 2005),
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
han sufrido la reducción del peso relativo de
Al tiempo que la industria aumenta
su industria en la economía metropolitana, en
su productividad y reduce la mano de
la nacional, y/o la disminución absoluta de su
obra necesaria, o desaparece del ámbito
base productiva; se han desindustrializado en
metropolitano por su relocalización. El sector
términos relativos y absolutos. En la región
terciario crece, pero en forma polarizada: un
Metropolitana de São Paulo – RMSP –, la
reducido sector moderno (gran comercio,
industria se ha desplazado hacia la ciudad-
servicios especializados para la economía y
región y otros lugares del Estado (Prosperi
el consumo, banca y finanzas, educación y
y otros, 2004, p. 412; Ferreira, 2007, pp. 60 y
salud privados, etc.) de alta rentabilidad, poca
7
ss.7). En la zona metropolitana de Buenos
utilización relativa de mano de obra calificada,
Aires, como en otras grandes ciudades
uso intensivo de tecnología y salarios
latinoamericanas, la industria se ha desplazado
adecuados; y un enorme sector informal
de las áreas centrales hacia la periferia de
de muy baja productividad, mano de obra
municipios conurbados. Un conjunto de
descalificada, inestabilidad laboral, reducidos
deseconomías de aglomeración surgidas en
ingresos, sin seguridad social, que obtiene
las metrópolis determinan esta migración:
su subsistencia en el comercio callejero, la
altos costos del suelo, legislación ambiental
prostitución, la piratería, o el trabajo en la
restrictiva, costos y tiempos de transporte
economía negra como el narcotráfico, la trata
intra-metropolitano, salarios más altos, mayor
de personas, el contrabando y la venta de
sindicalización, etc.; las políticas públicas de
objetos robados, etc.
desconcentración actúan en el mismo sentido
(Márquez y Pradilla, 2008).
Según los datos disponibles, la participación
del trabajo informal en el total de la población
En todos estos casos, la gran perdedora
ocupada urbana de los principales países
ha sido la fuerza laboral que, a diferencia del
latinoamericanos aumentó entre 1980 y 1999,
capital, carece de las condiciones materiales
en un 4.6%, colocándose en un 46.4% del total.
para una relocalización territorial inmediata y
El dato es claro: casi la mitad de la población
simultanea a la de las empresas; la vivienda
urbana ocupada lo hace en el sector informal.
propia del trabajador, que le ha significado
La investigación comparativa coordinada
años de sacrificio, se vuelve una condición
por Portes, Roberts y Grimson (2005, p. 40) da
desfavorable para la movilidad permanente,
las siguientes cifras de trabajo informal para
mientras que las carencias del transporte
el 2002/2003: Buenos Aires el 47,5%; Rio de
colectivo y el tiempo-costo de desplazamiento
Janeiro el 39,2%; São Paulo el 50,8%; Santiago
lo son para una movilidad diaria. Este impacto
el 33,9%; y ciudad de México el 50,0%; Lima
viene a añadirse al generado por el incesante
(2000) el 61,3%; y Montevideo (2000) el
cambio tecnológico en los procesos de trabajo,
27,9%. Con excepción de Montevideo, en la
tanto en el sector secundario como el terciario,
totalidad de los casos, este porcentaje es mayor
que al elevar la productividad en un mercado
que el registrado en 1980 o 1990. Seguramente
laboral estrecho, da lugar a la reducción del
hoy, en medio de la profunda recesión en curso,
empleo necesario (Márquez y Pradilla, 2008).
estas cifras habrán aumentado.
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Emilio Pradilla Cobos
Las actividades de subsistencia, incluidas
metropolitanos específicos, por lo general en
las asóciales (narcotráfico, delincuencia,
centralidades, subcentralidades o corredores
prostitución, contrabando, piratería de
terciarios, los deterioran física y socialmente, y
marcas, etc.) desarrolladas por esta gran masa
contribuyen de múltiples formas a los procesos
informal, ocupan vialidades, plazas y territorios
de fragmentación y exclusión socio-territorial.
Cuadro 6 – América Latina: distribución de la población ocupada en las zonas
urbanas según el segmento del mercado de trabajo y contribución de cada
categoria de inserción laboral, zonas urbanas – 1990-1999 (porcentaje)
Composición de la ocupación urbana
Tipo de inserción laboral
1990
1999
100,0
100,0
Total sector formal
58,9
53,6
Total sector informal
41,1
46,4
Total ocupados
Fuente: Cepal, sobre la base de tabulaciones especiales de las encuestas de hogares de los respectivos países.
Cuadro 7 – Evolución del trabajo informal en seis países latinoamericanos
(porcentaje)
1980
Argentina
1990
1995
2000
2002/3
23,0
–
–
45,0
41,8
–
41,5
39,7
43,6
47,5
27,2
37,3
42,6
41,8
–
Rio de Janeiro
–
31,8
37,7
39,6
39,2
São Paulo
–
23,1
37,4
37,5
40,8
27,1
39,2
38,8
37,2
35,6
–
30,8
31,3
32,3
33,9
35,8
35,1
38,2
35,4
44,1
–
44,7
57,4
50,6
50,0
40,5
–
59,7
60,3
61,5
Lima
54,9
55,2
53,8
61,3
–
Uruguay
23,1
33,0
35,1
34,7
–
–
30,6
28,9
27,9
–
Buenos Aires
Brasil
Chile
Santiago
México
Ciudad de México
Perú
Montevideo
Fuente: Portes, Alejandro y Bryan R. Roberts, 2005.
520
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
De la centralidad
a los corredores terciarios
El resultado de nuestra investigación nos
indica que en la zona metropolitana del Valle
de México (y muy probablemente en otras
metrópolis mexicanas y latinoamericanas)
Las ciudades y metrópolis latinoamericanas
esta etapa de formación de múltiples
configuradas por el proceso de industrialización
subcentralidades urbanas fue de transición.
y urbanización acelerada de la posguerra
Desde los años ochentas cedió el paso al
(1940-1980), están sometidas a procesos
surgimiento de múltiples formaciones lineales
intensos de reestructuración desde hace
de esas mismas características, corredores
cerca de tres décadas. La continua expansión
urbanos terciarios desplegados a lo largo y
poblacional y física, que desbordó ampliamente
sobre algunos de los ejes principales de flujos
las fronteras administrativas de las ciudades
de vehículos y personas, que reproducen y
originales y dio lugar a la metropolización,
profundizan la segregación socio-territorial.
llevó a la desconcentración del comercio y
Los 72 corredores registrados en 2008 en la
los servicios públicos y privados, buscando
ZMVM se entrecruzan en forma irregular en la
a los consumidores o usuarios en las nuevas
estructura urbana, constituyendo una asimétrica
periferias residenciales o populares de los
y desigual red o trama de corredores urbanos
diversos sectores sociales.
terciarios.8 Estos corredores urbanos terciarios
El movimiento centrífugo de la población
presentan distintos grados de consolidación
y la vivienda, es decir, de los compradores-
y de intensidad de implantación (densidad
usuarios, impactó también a los sectores
inmobiliaria, altura de las edificaciones), poseen
comerciales y de servicios. A la centralidad
una capacidad de atracción diferencial sobre los
originaria compleja (administrativa, política,
usuarios-compradores a escala metropolitana,
religiosa, cultural, comercial, de servicios públicos
urbana o local, y se combinan en algunos
y privados y oficinas), formada por la ciudad
casos paradigmáticos con nuevos desarrollos
patrimonial y su transformación-expansión en
inmobiliarios para oficinas o viviendas de
las primeras seis décadas del siglo XX, se fueron
sectores de ingresos altos y medios (Pradilla y
y siguen añadiendo en forma espontánea o
Pino, 2004; Pradilla y otros, 2008)
inducida por grandes proyectos comerciales
Los componentes fundamentales de los
e inmobiliarios, diversas subcentralidades o
corredores terciarios son los centros y plazas
nuevas centralidades, que sustituyeron a la
comerciales y los agrupamientos longitudinales
antigua centralidad, parcial y fragmentariamente
de pequeños y medianos comercios, las oficinas
debido al dominio casi excluyente de las
bancarias y de otras actividades financieras,
actividades mercantiles (comercio, servicios para
los servicios privados o públicos orientados
la economía y el consumo, banca y finanzas,
hacia las actividades económicas y hacia los
recreación comercial, etc.), con la ausencia
usuarios domésticos individuales, servicios de
casi total de elementos culturales, políticos,
reparación, hoteles, restaurantes y lugares de
religiosos, simbólicos, o de espacios públicos y
entretenimiento mercantil, ocasionalmente
lugares de encuentro colectivo.
actividades culturales comerciales, y oficinas de
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Emilio Pradilla Cobos
gestión de las diversas empresas e instituciones
aparecen como seudo-centralidades, dominadas
públicas y privadas.
por la mercancía: las “centralidades” de la
Evidentemente, la presencia de vivienda
ciudad neoliberal.
sobreviviente del pasado, de nuevos desarrollos
residenciales empresariales, o los nuevos
diseños de proyectos de usos mixtos integrados
de vivienda, comercio, oficinas y hotelería,
no modifica sustantivamente al corredor si lo
Las nuevas formas
arquitectónico-urbanas
terciario es dominante; por el contrario, les
aportan consumidores y usuarios localizados.
En el conjunto de las metrópolis latinoamericanas
La red de corredores terciarios sobre
encontramos tres componentes que se han
vías de alta intensidad de flujos de personas y
multiplicado desde la implantación del patrón
vehículos, atrapa en su interior a las antiguas
neoliberal de acumulación de capital: los
áreas de vivienda a las cuales sirven como
grandes desarrollos inmobiliarios mixtos, los
lugares de intercambio, de aprovisionamiento
centros comerciales socialmente diferenciados,
de mercancías y servicios, y de entretenimiento,
y las unidades habitacionales cerradas.
dando lugar a un efecto de fragmentación
En diversas metrópolis del continente
de las antiguas áreas integradas. Muchos
se llevan a cabo en la actualidad inmobiliarios
corredores se han formado desplazando,
mixtos desarrollos – megaproyectos – muy
destruyendo y sustituyendo por nuevas
importantes, que en muchos casos forman parte
edificaciones, o en su defecto, reformando
de la estructuración de los corredores urbanos
zonas de vivienda, sin o con valor patrimonial
mediante intervenciones puntuales, y en otras
no protegidas adecuadamente por la legislación
asumen la forma de grandes complejos semi-
sobre conservación patrimonial, por ejemplo,
autónomos de desarrollo inmobiliario mixto
en Paseo de la Reforma, Insurgentes Centro o
(oficinas, hotelería, vivienda de lujo, comercio y
Álvaro Obregón en la ciudad de México.
servicios, etc.). Puerto Madero en Buenos Aires,
Estos corredores, como sus antecesoras
Marginal Pinheiros y Avenida Berrini en São
las subcentralidades, no constituyen verdaderas
Paulo, Paseo de la Reforma y Complejo Santa
centralidades urbanas. Son solo agrupaciones
Fe en ciudad de México, para citar solo los
mercantiles organizadas en función del
megaproyectos inmobiliarios más conocidos
intercambio, que carecen de muchas de las
de la región, han reutilizado áreas recuperadas
actividades públicas propias de la vida urbana
a actividades portuarias, basureros, industrias
colectiva: espacios de encuentro público,
relocalizadas o cerradas, antiguas viviendas
cultura, religión, política, espectáculo callejero
desplazadas, o baldíos interiores o periféricos,
libre, etc.; se forman para el automóvil, no
etc. Una característica generalizada es el uso
para el peatón, carecen de vida de relaciones
intensivo del suelo, de alto precio, mediante la
humanas directas; solo los centros comerciales
construcción en altura.
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
Aunque los centros comerciales
En la ZMVM, nuestro levantamiento
empezaron a aparecer en América Latina en
registró, hasta julio de 2008, 200 centros o
los años sesentas del siglo XX, sucediendo a
plazas comerciales, 188 de las cuales fueron
los antiguos pasajes comerciales de finales del
construidas luego de 1980. Como señalamos
siglo XIX e inicios del XX, su generalización
antes, los centros comerciales juegan hoy
coincidió con la implantación del patrón
un papel sustantivo en la formación de los
neoliberal de acumulación, desde el inicio de
corredores terciarios a la cual inducen al generar
los años ochenta. Al principio fueron orientados
un polo de concentración de compradores que
hacia los sectores de ingresos medios y altos en
puede ser usado como mercado por otras
sus zonas de vivienda periféricas, pero en años
actividades terciarias, o a los cuales se adosan
recientes tienden a generalizarse para todos los
dado que en los corredores ya existe un flujo
estratos sociales y sus territorios (López Levi,
importante de compradores y, por tanto,
1999; Lulle y Paquette, 2007; Duhau y Giglia,
economías de aglomeración localizadas (Ver
2008; Pradilla y otros, 2008).
plano).
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Emilio Pradilla Cobos
Los centros comerciales de tamaño medio
y formas desde las horizontales y extensivas,
y grande, los prototípicos, están diseñados
hasta las verticales, según el patrón urbano
para el acceso en automóvil; interiorizan la
seguido o promovido por las acciones privadas
calle y las plazas y orientan toda su estructura
en relación con las políticas públicas: ciudad
arquitectónica sobre ellas sustituyendo a las
dispersa o ciudad compacta. Son la forma más
publicas exteriores; como ámbitos privados,
visible y agresiva de la privatización de la calle
son vigilados por guardias de seguridad
y la segregación social del territorio urbano y,
privadas y excluyen a las públicas; se han
por tanto, de su fragmentación.
convertido en los “modelos” del intercambio
En las metrópolis latinoamericanas,
mercantil en la fase actual del capitalismo; y
la aparición de las unidades habitacionales,
son un vector sustantivo de la privatización de
formadas con viviendas unifamiliares o
lo público urbano.
edificios multifamiliares, construidas por los
La tercera forma arquitectónico-urbana
organismos del Estado, se remonta hasta el
que se ha multiplicado en las metrópolis
inicio de las políticas estatales de vivienda en
latinoamericanas con el patrón neoliberal, es
medio del proceso acelerado de urbanización
la de urbanizaciones o conjuntos cerrados. Los
de mediados del siglo XX. Pero en la ZMVM y
factores sociales que impulsan este movimiento
otras ciudades mexicanas (y posiblemente en
son propios del patrón de acumulación o sus
otras metrópolis de otros países de la región),
consecuencias no deseadas: la inseguridad
desde los años noventa, el cambio en la
pública creciente generada por la violencia
política habitacional estatal que convirtió a sus
urbana, el individualismo imperante en la
instituciones promotoras de vivienda en bancos
vida cotidiana, las promociones publicitarias
hipotecarios o en organismos financieros
del capital inmobiliario, y la legalización de la
de “segundo piso”, y cedió la función de la
propiedad en condominio horizontal o vertical.
promoción y construcción de la vivienda “de
Es ilustrativo que el investigador Cabrales
interés social” a las inmobiliarias privadas, ha
señale que de los 71 trabajos de investigación
dado lugar a la multiplicación de gigantescos
sobre el tema publicados entre 1992 y 2002 en
desarrollos habitacionales de viviendas
América Latina que revisó, 63 se publicaron
mínimas (casas de una o dos plantas de cerca
entre 2000 y 2002, mostrando la emergencia
de 40 m 2 de área), en extensión, ocupando
del tema (Cabrales, 2003, p. 60; también,
áreas agrícolas en zonas periféricas, a gran
Ribeiro, 1996; y Ciudades, núm. 59).
distancia-tiempo de los centros de actividad
Estas urbanizaciones o conjuntos cerrados
laboral y carentes de comercio, abasto y
están rodeados de muros o rejas, se accede a
servicios. El objetivo de las inmobiliarias con
ellos por garitas, son vigilados por guardias
esta localización, es reducir al mínimo el costo
privadas y circuitos cerrados de televisión,
del suelo en el precio total de construcción 9
impiden el libre acceso a los automóviles y
(Duhau, 2008), pero al costo de la continua
transeúntes externos y fragmentan la trama
extensión urbana sobre áreas de cultivos o de
vial urbana, tienen muy diversas dimensiones
reserva ambiental.
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
La modernización capitalista
neoliberal de las metrópolis
la mercantilizada y mundializada (narcotráfico,
contrabando de mercancías, armas y personas,
etc.). Al mismo tiempo, los sectores populares
más empobrecidos se ghetifican en sus barrios
La modernización capitalista neoliberal de
y se ven sometidos al control de bandas
las metrópolis, cuyos objetos son las nuevas
armadas, muchas veces ligadas al narcotráfico
formas arquitectónico-urbanas antes descritas,
y otras formas de la delincuencia organizada.
ha tenido como fuerzas motoras o como
Esta segregación social, producto del
efectos-resultados, a procesos sociales como
mercado y de las políticas públicas, hace que
la privatización de lo público, la fragmentación
las metrópolis se fragmenten cada vez más en
socio-territorial por la exclusión de actividades
lo social y territorial. Este proceso, que surgió
como la producción o la vivienda de la
en el patrón intervencionista de acumulación,
población de bajos ingresos, y la hegemonía
y se acentuó con el neoliberal, avanza en
del automóvil privado sobre el transporte
sentido contrario a la lucha ciudadana por la
público. Sus actores fundamentales han sido
libre apropiación de la ciudad, el respeto de las
los poderes públicos, con pocas diferencias
diferencias y la eliminación de las limitaciones
prácticas cuando se declaran de derecha o de
en el uso de lo público: el derecho a la ciudad.
izquierda, y el capital inmobiliario-financiero
(Coalición..., 2008).
nacional y trasnacional.
En el mismo sentido de la privatización
La privatización de muchos servicios y
– exclusión – fragmentación socio-territorial
espacios públicos se ha producido mediante
actúa la hegemonía creciente del automóvil
su transferencia al capital privado – por venta,
privado en las metrópolis. Varios vectores se
concesión o asociación –, y la mercantilización
conjugan para ello: a) el atraso cuantitativo y
del acceso a los bienes básicos que prestan
el deterioro cualitativo del transporte público,
(vialidad, educación, salud, deporte, cultura,
al que los gobiernos no han dado la prioridad
etc.) o de su uso (parques e infraestructuras
necesaria para atender adecuadamente la
recreacionales, playas, etc.) (Pradilla, 2009), o
demanda creciente de la población de ingresos
su reducción o destrucción para abrir paso a
bajos y medios; b) la agresiva publicidad de
la vialidad confinada o primaria en función del
los distribuidores de autos, que ensalza los
predominio creciente del automóvil privado.
valores individualistas del automóvil; c) la
Los sectores de ingresos medios y altos
disminución relativa de los costos de los autos,
se segregan y protegen – bunkerizan – en
la multiplicación de los autos compactos a bajo
urbanizaciones o conjuntos cerrados, en
precio y los sistemas de venta a plazos, como
sus centros comerciales y clubes privados,
estrategas de las trasnacionales automotrices
reduciendo la libre movilidad de los habitantes,
para enfrentar su crisis de realización mercantil
es decir, privatizando los espacios públicos
acentuada por la recesión en curso; d) la opción
interiores, justificándolo con el incremento real
de los gobernantes por las grandes obras
de la inseguridad y la violencia, nutrida por la
de vialidad confinada (túneles, deprimidos,
informalidad, la delincuencia para sobrevivir y/o
highways , puentes y distribuidores viales,
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Emilio Pradilla Cobos
etc.), muy visibles y rentables en términos de
total de predios antiguos destinados a otros
la promoción política de los gobernantes; y d)
usos, o por integración de nuevas áreas, sus
la ideología individualista de las capas medias
ámbitos de operación y gestión, los cuales se
y altas, exacerbada por la cultura globalista
hicieron obsoletos en los viejos emplazamientos
neoliberal.
ante las nuevas condiciones tecnológicas de
Mientras las metrópolis se pueblan de
construcción, equipamiento y operación. En
ostentosas moles de concreto o socavones,
ellos, el capital inmobiliario logra recuperar
metidos con calzador en la estrecha estructura
para su revalorización, por la vía del mercado,
urbana, para el uso de una quinta parte de
áreas destinadas a otras actividades, sobre
la población, las cuatro quintas partes se
todo a la vivienda o la industria, cuyo precio
mueven en incómodos y sobresaturados
de producción ya fue recuperado y su precio
sistemas de transporte colectivo que ruedan
de mercado ha disminuido por el deterioro
a una velocidad mínima impuesta por el
físico o social, y así apropiarse de nuevas
80% de los automotores que realizan el
rentas del suelo, en particular diferenciales de
20 % de los desplazamientos. La ciudad
localización, creadas socialmente (Jaramillo,
deja de ser un territorio para los peatones,
1994, pp. 130-180).
amenazados constantemente por el automóvil,
En la construcción de oficinas, centros
enfrentando insalvables barreras físicas como
y plazas comerciales, o vivienda bunker
túneles, deprimidos, puentes o entradas de
para sectores de ingresos medios y altos,
estacionamientos, y teniendo que usar para
el capital inmobiliario y constructor lleva a
salvarlas elevados y tortuosos puentes u oscuros
cabo procesos de valorización de su capital
sótanos proclives a los actos de violencia. Las
productivo y genera nuevas rentas diferenciales
metrópolis neoliberales se modernizan para el
de localización que rentabilizan sus acciones
automóvil y los automovilistas (Pradilla y Sodi,
futuras realizadas en el mismo corredor
2006, pp. 100 y ss.).
terciario o zona, en un proceso continuo de
expansión de las áreas beneficiadas. Todos
los propietarios de suelo, aún los desplazados
El protagonismo del capital
inmobiliario
por la formación del corredor, se apropiarán,
en proporción a la extensión y situación del
terreno, de las rentas del suelo absolutas o
monopólicas y las de localización, generadas
La multiplicación de los centros comerciales, los
por el crecimiento urbano en su conjunto y por
desarrollos inmobiliarios mixtos y su articulación
la demanda de emplazamientos terciarios para
en la conformación de los corredores terciarios
atender sus necesidades.
constituyen una nueva estrategia de diversas
fracciones del capital.
Los procesos de formación de los
corredores terciarios han sido de diferente
Para el conjunto del capital, estas
naturaleza, pero en la mayoría de los casos han
formas urbanas significan la oportunidad para
sido el resultado de la combinación de múltiples
modernizar, por restauración o reconstrucción
acciones paulatinas de agentes sociales
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
(comerciantes pequeños y grandes, prestadores
acceder a ningún proyecto de vivienda público
de servicios, bancos y financieras, empresas,
o privado.
constructores y promotores inmobiliarios),
La combinación compleja de
para beneficiarse de la demanda dispersa en
reconstrucción y ver ticalización interna
el territorio urbano. En ocasiones, son parte
mediante el aumento signif ic ativo de
de grandes proyectos de renovación urbana
las alturas de los edificios y /o expansión
impulsados por el capital inmobiliario, con el
periférica dispersa, determinada por la lógica
apoyo o promoción estatal (por ejemplo, el
particular del capital inmobiliario y financiero
corredor de Paseo de la Reforma y el Desarrollo
y sus megaproyectos, y la especificidad de su
Santa Fe en la ZMVM). En otros casos, son el
relación con las políticas urbanas, define los
resultado de los planes de desarrollo urbano
procesos de producción – reproducción del
y las políticas urbanas de gobiernos locales
territorio metropolitano.
específicos, como el de Paseo de la Reforma,
En esta reestructuración urbana, el capital
promovido y apoyado directamente por el
inmobiliario, que está ligado estrechamente
gobierno local desde el año 2000, y de éste y
al capital financiero y bancario que maneja
otros ejes en el actual gobierno de la ciudad. En
el crédito a mediano y largo plazo y restituye
unos y otros casos, los proyectos se articulan en
el capital al inmobiliario para que siga
torno a las ideologías de la modernización y el
operando, y al sector hipotecario público en los
desarrollo urbano.
proyectos de grandes unidades habitacionales
Sin embargo, la expansión sobre las
horizontales de vivienda de interés social,
periferias de las ciudades y metrópolis, que
asume un papel determinante en la economía
devora a la naturaleza circundante, no ha
y la morfología urbanas, sin que hasta
cesado. En ellas siguen localizándose tanto
ahora haya logrado impulsar un crecimiento
los desarrollos horizontales o verticales de
sostenido y sustentable. En América Latina, el
sectores de ingresos medios y altos, como los
capital trasnacional, sea el inmobiliario y/o el
grandes conjuntos de viviendas mínimas de
financiero, está jugando un papel cada vez más
interés social construidos por las inmobiliarias
protagónico en esta modernización urbana, y se
privadas y las instituciones hipotecarias
habla con frecuencia también de que el sector
estatales que ahora siguen las fórmulas
inmobiliario es usado como lavadora de las
neoliberales de financiamiento, o, como ha
ganancias del crimen organizado globalizado.
ocurrido desde mediados del siglo X X, la
Esto ocurre ante la creciente debilidad
implantación de las viviendas precarias, en
e incapacidad de una planeación moribunda,
asentamientos irregulares de los sectores
subordinada a los invisibles equilibrios
más pobres de la población, sin capacidad de
automáticos del mercado.
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Emilio Pradilla Cobos
La extinción de la planeación,
los nuevos usos del urbanismo
y los límites de la participación
ciudadana
En estas acciones dominan los imperativos
de la llamada competitividad en el mundo
global, única vía reconocida para el desarrollo
urbano, o bien, la competencia entre ciudades
o porciones de la metrópoli por la inversión
nacional o, sobre todo, extranjera, que nutriría
La planeación urbana, que durante el período
el crecimiento económico urbano.
del intervencionismo estatal gozó de amplia
E n e s t e m a r c o, l a p a r t i c i p a c i ó n
difusión y legitimidad en el discurso político
ciudadana, aceptada solo en el discurso por
e intelectual, pero careció de instrumentos
los poderes locales, colocada en situación
suficientes y eficaces de intervención para
de debilidad e incapacidad decisoria en
orientar y regular el desarrollo urbano, ha
los organismos de planeación a los que se
sido despojada en esta fase neoliberal de su
permite acceder a los ciudadanos, que en
legitimidad por la reducción y el cambio en las
diversas realidades concretas ha reemplazado
funciones del Estado, el nuevo protagonismo
como reivindicación – fuerza a las luchas del
del capital inmobiliario-financiero, y tiende
movimiento social, consume ingentes recursos
a extinguirse, reducida al papel poco útil de
humanos y materiales, y sus tímidos logros
discurso político u obligación legal remanente
legales se desvanecen ante el verticalismo
(Pradilla, 2005)
de los gobiernos locales y nacionales, y la
Por las mismas razones, el urbanismo a
partidocrácia. La gran debilidad social de
escala urbana, popularizado a mediados del
quienes realizan esta participación ciudadana
siglo XX, ha sido sustituido por el urbanismo
es, sin duda, su falta de legitimidad, por ser
puntual de los megaproyectos inmobiliarios
seleccionados por el poder mismo, o por formar
o de infraestructura aislados, que a pesar de
parte de organismos no gubernamentales sin
los llamados “estudios de impacto urbano
una representatividad amplia, por lo general.
y ambiental”, no logran dar cuenta de los
procesos de cambio en el todo urbano que
explican estas intervenciones y los que ellas
producirán en la totalidad urbana y ambiental.
La gestión metropolitana, fragmentada
por múltiples límites administrativos y pugnas
Las teorías y modelos urbanos
de importación: un llamado
de atención
políticas entre sus distintos gobernantes,
carente de mecanismos eficaces de
Diversos investigadores explican estos procesos
coordinación o integración, se ha convertido
complejos mediante modelos, descripciones y
en una sumatoria pragmática y coyuntural de
conceptos tomados prestados a nuestros pares
políticas y acciones modernizantes, ejemplares,
de los países dominantes, elevados de rango –
definidas desde arriba por los gobernantes en
de la descripción a la teoría –, universalizados y
función de la rentabilidad económica o política.
mezclados, por que la “crisis de los paradigmas”
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
los autorizaría a borrar las fronteras teórico-
mecánicamente y con frecuencia sin pruebas
ideológicas. Porter, Krugman, Castells de ayer
empíricas.
y de hoy, Wallerstein y Harvey cabalgan juntos
En tanto, la investigación urbana
como D´Artagnan y sus mosqueteros, en extraño
latinoamericana languidece, dependiente de
salpicón, sin que se reconozcan sus diferencias
apoyos gubernamentales escasos, sometida
o antagonismos teórico-ideológicos. Muchos
a estratificaciones institucionales, y carente
de estos modelos descriptivos son tomados
de lectores qué la utilicen para construir la
de países con geografías, historias, culturas,
explicación concreta de los procesos urbanos
demografías y grados de desarrollo económico
concretos del continente. En muchos casos,
y territorial muy diferentes, elaborados en
los textos de investigación, plagados de
momentos histórico-sociales muy distintos
referencias “globalizantes”, no se refieren a
al actual (por ejemplo, Plazas Centrales de
la investigación pasada y presente realizada
Cristaller y Losch, Esquemas radiocéntricos de
en América Latina, lo que conduce a darles la
la Escuela de Chicago, Polos de desarrollo de los
razón a quienes afirman que no vale la pena
keynesianos franceses, etc.) sin tener en cuenta
gastar recursos en investigación social, pues
las serias críticas que generaron en su tiempo,
los mismos investigadores ni la consultan, ni la
ni el hecho de que quienes los usan hoy afirman
leen, ni la consideran útil (Pradilla, 2008b).
también que la globalización, omnipresente en
esos discursos, todo lo cambió.
Finalicemos diciendo que creemos urgente
revalorizar el trabajo de los latinoamericanos,
El problema no radica en que se trate
volver los ojos hacia nuestras realidades,
de caracterizar lo que hay de universal en
sus particularidades y diferencias, retomar
los procesos particulares y diferentes, en el
el papel crítico inherente a la teoría y a la
ámbito de la teoría; sino que se deja de lado lo
intelectualidad, someter a revisión detallada los
particular y diferente para generalizar modelos
aportes que llegan de los países hegemónicos
y conceptos usados para describir realidades
que, seguramente, pueden explicar su realidad
muy diferentes a las nuestras, aplicándolos
pero no necesariamente la nuestra.
Emilio Pradilla Cobos
Doctor en Economía del Desarrollo y en Urbanismo. Universidad Autónoma Metropolitana.
Xochimilco, México DF, México.
[email protected] / [email protected]
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Notas
(1) Hemos discu do ampliamente el carácter ideológico y mí co de los conceptos de globalización
y ciudades globales (Pradilla, 2008a y 2008b). En realidad, nos encontramos solo en una etapa
más del proceso multisecular de expansión mundial y profundización del capitalismo, de
mundialización del capital, iniciada a finales del siglo XV con los grandes descubrimientos y
conquistas territoriales, y la integración de los nuevos territorios descubiertos (América y África)
en la acumulación originaria de capital en Europa.
(2) Par mos del concepto desarrollado por Allen J. Sco ([1992] 1994 y 2001), que luego especificamos
para América La na: “Entendemos la ciudad-región como un gran sistema urbano uni o mul
céntrico, como una trama densa pero no necesariamente continua, de soportes materiales
de infraestructuras y servicios, viviendas, actividades económicas, políticas, culturales,
administra vas y de ges ón, resultante de la expansión centrífuga de una o varias ciudades o
metrópolis cercanas, que ar cula y/o absorbe a otros asentamientos humanos menores en su
periferia o a lo largo de las redes de vialidades y transportes que las unen, y a las áreas rurales
inters ciales; este conjunto esta integrado como un todo único pero contradictorio, por una alta
intensidad de relaciones y flujos permanentes de mercancías, personas, capitales, mensajes e
informaciones; en esta trama, la localización de ac vidades es rela vamente indiferente en la
medida que sus lugares comparten los efectos ú les de aglomeración y las ventajas compara vas
(Pradilla y Márquez, 2007).
(3) “Particularizando la caracterización de Coriat, que compartimos, nosotros señalamos que la
desindustrialización, como proceso, debe referirse a un ámbito territorial específico (un país,
una región, una metrópoli o ciudad), y entenderse como la disminución de su base industrial
durante un período mediano o largo de tiempo, que se expresa en: a) el cierre definitivo
de establecimientos industriales, ponderado por su tamaño para evaluar su importancia,
que conduce a la reducción del total de empresas; b) la disminución del número total de
trabajadores industriales; c) la reducción absoluta del capital fijo y/o del ritmo de su formación;
y d) la disminución del volumen de la producción industrial, medido en productos sicos, en
valor total o agregado. La tendencia a la disminución en términos reales – valores totales – de
varias de estas variables, en un período mediano o largo, mostraría una desindustrialización
absoluta. La desindustrialización puede producirse también en términos rela vos, es decir, la
pérdida de peso o par cipación de la industria de un ámbito territorial, siguiendo sus dis ntas
variables básicas, en el total de la economía local, o en el total del sector industrial nacional, o
de la economía nacional en su conjunto, aunque no se produzcan pérdidas absolutas” (Márquez
y Pradilla, 2008, p. 25).
(4) Por relocalización entendemos el desplazamiento de una industria existente, de un emplazamiento
a otro localizado en un ámbito territorial específico dis nto. Hablamos de implantación, cuando
se trata de la localización de una nueva empresa o filial en un ámbito territorial determinado.
(5) Con terciarización, nos referimos al proceso que lleva al crecimiento absoluto y/o rela vo de
las variables fundamentales de los distintos subsectores (comercio y servicios) del sector
terciario en su conjunto, en la economía de un ámbito territorial específico. Para nosotros, se
trata de un proceso dis nto al de servicialización (crecimiento del sector servicios) que u lizan
algunos autores, y que a veces, erráticamente, identifican al de terciarización. Al hablar de
polarización de la terciarización. descartamos cualquier interpretación que la relacione con la
dualización – la sociedad dual –; por el contrario, pensamos que se trata de los polos de una
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Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina
unidad contradictoria que no se explican el uno sin el otro y que están en permanente relación
de oposición: tal es el caso de la economía formal y la informal.
(6) Aunque compartimos las dudas planteadas por muchos investigadores sobre las múltiples
definiciones de la Informalidad, usamos esta noción, cuyo contenido concreto es reconocido por
todos, aunque no se comparta su teorización o ideologización.
(7) Compar mos plenamente con J. S. W. Ferreira (2007), su certera cri ca al mito ideológico de las
ciudades globales en América La na (Ver Pradilla, 2008a y 2008b).
(8) La revisión realizada en 2008 del recuento inicial hecho en 2001, arrojo un total de 72 corredores
urbanos terciarios en la ZMVM (Pradilla y otros, 2008)
(9) En el caso de la ZMVM, entre 1994 y junio del 2005 se construyeron 384.561 viviendas de este
po, en grandes conjuntos, sobre 6.830 hectáreas, en la periferia de los municipios conurbados
en la metrópoli (Dudau, 2008).
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Texto recebido em 17/nov/2009
Texto aprovado em 22/dez/2009
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A globalização como reterritorialização:
o reescalonamento da governança
urbana na União Europeia*
Globalization as reterritorialisation: the re-scaling
of urban governance in the European Union
Neil Brenner
Resumo
O presente artigo argumenta que os processos de
reterritorialização – a reconfiguração e o reescalonamento de formas de organização territorial, como cidades e Estados – constituem um momento
intrínseco do atual ciclo de globalização. A globalização é aqui concebida como uma reterritorialização dos espaços, tanto socioeconômico como político-institucional, que se desdobram simultaneamente em múltiplas escalas geográficas sobrepostas. A organização territorial dos espaços urbanos
contemporâneos e das instituições estatais deve
ser vista ao mesmo tempo como um pressuposto,
um meio e um resultado dessa dinâmica de reestruturação espacial global altamente conflitante.
Com base nisso, várias dimensões da governança
urbana na Europa contemporânea são analisadas
como expressões de uma política de escala que
está emergindo na interface geográfica entre os
processos de reestruturação urbana e de reestruturação do Estado territorial.
Abstract
This article argues that processes of
reterritorialisation – the reconfiguration and rescaling of forms of territorial organisation such as
cities and states constitute an intrinsic moment of
the current round of globalisation. Globalisation
is conceived here as a reterritorialisation of both
socioeconomic and political-institutional spaces
that unfolds simultaneously upon multiple,
superimposed geographical scales. The territorial
organization of contemporary urban spaces and
state institutions must be viewed at once as a
presupposition, a medium and an outcome of
this highly conflictual dynamic of global spatial
restructuring. On this basis, various dimensions
of urban governance in contemporary Europe
are analysed as expressions of a politics of scale
that is emerging at the geographical interface
between processes of urban restructuring and
state territorial restructuring.
Palavras-chave: globalização; reestruturação territorial; Estado; governança urbana.
Keywords: globalisation; territorial restructuring;
state; urban governance.
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Neil Brenner
Introdução
e imóveis – em particular, aglomerações regionais urbanas e instituições reguladoras de
Estado – que possibilitam esse movimento ace-
Na crescente literatura sobre globalização,
lerado. Segundo, e mais importante, tais aná-
muitos autores têm enfatizado o aparente de-
lises negligenciam as formas de que depende
sencaixe (disembedding) das relações sociais,
intrinsecamente o presente ciclo de globaliza-
econômicas e políticas de suas precondições
ção neoliberal, com as quais está entrelaçado,
territoriais locais. Argumenta-se, por exemplo,
e expresso através de grandes transformações
que o “espaço de fluxos” está suplantando o
da organização territorial em múltiplas escalas
“espaço de lugares” (Castells, 1989, 1996);
geográficas. Com base nessas críticas, a tese
que a territorialidade e a própria geografia es-
central deste artigo é que os processos de re-
tão sendo dissolvidas (Ruggie, 1993; O’Brien,
territorialização – a reconfiguração e o reesca-
1992); que as fronteiras nacionais se tornaram
lonamento de formas de organização territo-
irrelevantes, redundantes ou obsoletas (Ohmae,
rial, como cidades e Estados – devem ser vistos
1995); que as identidades político-culturais na-
como um momento intrínseco do atual ciclo de
cionalmente organizadas estão sendo “dester-
globalização.
ritorializadas” (Appadurai, 1996); e que os es-
Apoiando-se nos trabalhos de David
paços “supraterritoriais” baseados em “intera-
Harvey (1982) e Henri Lefebvre (1977, 1978,
ções sem distâncias e sem fronteiras” (Scholte,
1991), este argumento é elaborado por meio
1996) estão descentrando o papel das formas
de uma discussão sobre as várias formas como
socioinstitucionais territoriais e baseadas na lo-
as cidades e os Estados contemporâneos es-
calização geográfica. Quaisquer que sejam as
tão sendo reterritorializados e reescalonados
diferenças de ênfase, de objeto de pesquisa e
atualmente. A globalização é aqui concebida
de interpretação, essas diferentes análises de
como uma reterritorialização dos espaços,
globalização têm como ponto comum o foco
tanto socioeconômico como político-institu-
na acelerada circulação de pessoas, mercado-
cional, que se desdobram simultaneamente
rias, capitais, dinheiro, identidades e imagens
em múltiplas escalas geográficas sobrepostas.
no espaço global. Esses fluxos de circulação
A organização territorial dos espaços urbanos
acelerados e globais personificariam os proces-
contemporâneos e das instituições estatais de-
sos de desterritorialização por meio dos quais
ve ser vista ao mesmo tempo como um pressu-
as relações sociais estão sendo destacadas e
posto, um meio e um resultado dessa dinâmica
deslocadas de lugares e territórios em escalas
de reestruturação espacial global altamente
geográficas subglobais.
conflitante. Com base nisso, várias dimensões
Duas deficiências significativas carac-
da governança urbana na Europa contemporâ-
terizam as interpretações da globalização
nea são analisadas como expressões de uma
que focam unilateralmente fluxos, circulação
“política de escala” (Smith, 1993) que está
e processos de desterritorialização. Primeiro,
emergindo na interface geográfica entre os
tais análises tendem a negligenciar as formas
processos de reestruturação urbana e de re-
de organização territorial relativamente fixas
estruturação territorial do Estado. Uma breve
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Globalização como reterritorialização
conclusão propõe que novas representações
fossem cruciais para o fordismo do Atlântico
de “escalonamento” de práticas espaciais são
Norte, um ajuste relativamente apertado foi es-
necessárias para se compreender a organiza-
tabelecido entre o dinamismo urbano e o cres-
ção territorial em rápida mutação do capitalis-
cimento econômico nacional (Sassen, 1991).
mo mundial do final do século XX.
É essa configuração do capitalismo mundial centrada no Estado – estabelecido com
base em um relacionamento espacialmente iso-
Cidades, Estados e a geografia
histórica do capitalismo
mórfico entre a acumulação de capital, urbanização e regulamentação dos Estados – que
vem se revelando desde a crise econômica global do início dos anos 70. Nessas circunstân-
O célebre estudo histórico de Fernand Braudel
cias, segundo Taylor (1995), o relacionamento
sobre os primórdios da Europa moderna, The
historicamente consolidado de “mutualidade”
Perspective of the World (1984), resume o pa-
entre as cidades e Estados territoriais vem se
pel essencial das cidades e Estados na geo-
desgastando significativamente, resultando
grafia histórica do capitalismo a longo prazo.
em novas geografias de urbanização global
O trabalho de Braudel acompanha a mudança
e de acumulação de capital que não mais se
de época ocorrida no século XVIII das “econo-
sobrepõem equitativamente às geografias do
mias centradas na cidade” (Stadtwirtschaft)
poder territorial do Estado. Em escalas espa-
de Gênova, Veneza, Antuérpia e Amsterdã
ciais supranacionais, novas macrogeografias
para a “economia territorial” britânica (Ter-
de acumulação de capital têm se consolidado
ritorialwirtschaft), baseada em um mercado
à proporção que as economias nacionais fordis-
nacional agrupada em torno de Londres. Após
tas-keynesianas são suplantadas por uma con-
o início do período moderno, as economias ter-
figuração da economia mundial dominada pe-
ritoriais dos Estados-nação uniram grandemen-
los blocos super-regionais da Europa, América
te as geografias das cidades e a urbanização.
do Norte e Ásia Oriental (Altvater e Mahnkopf,
Conforme as cidades se subordinam ao poder
1996). Em escalas espaciais subnacionais, a
político dos Estados, passam a integrar ainda
competição interespacial tem se intensificado
mais firmemente os regimes de acumulação
entre as regiões urbanas, que se esforçam para
escalonados nacionalmente (Arrighi, 1994;
atrair investimento de capital e subsídios do Es-
Tilly, 1990). No início da segunda revolução in-
tado (Leitner e Sheppard, 1998; Krätke, 1991;
dustrial, no final do século XIX, as cidades do
Mayer, 1992; Swyngedouw, 1989). Enquanto
velho mundo industrializado passaram a ser
isso, novas hierarquias urbanas mundiais tam-
máquinas da produção em massa fordista, in-
bém começaram a cristalizar-se, dominadas
fraestrutura urbana de um sistema global com-
por cidades globais como Nova Iorque, Londres
partimentado em distintos Estados territoriais
e Tóquio, nas quais as funções centrais do ca-
sob a hegemonia geopolítica e geoeconômica
pital transnacional têm sido crescentemente
dos EUA (Altvater, 1992; Scott e Storper, 1992).
concentradas (Hitz et al., 1995; Knox e Taylor,
Embora as ligações interurbanas transnacionais
1995; Sassen, 1991). Finalmente, e em especial
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Neil Brenner
desde os anos 80, Estados de toda a economia
mundial têm se esforçado para se reestruturarem simultaneamente, para se ajustarem às
intensificadas interdependências econômicas
Cidades e Estados como
formas de organização
territorial
globais e para promoverem o investimento e
a acumulação renovada de capital dentro de
O ponto de partida desta análise é o proble-
seus limites territoriais (Cerny, 1995; Hirsch,
ma endêmico da organização territorial den-
1995; Jessop, 1993, 1994; Röttger, 1997).
tro do capitalismo teorizado por David Harvey
Os estudos de Braudel sobre os primór-
(1982) e Henri Lefebvre (1978 e 1991). Como
dios da Europa moderna focam mais direta-
demonstrou detalhadamente Harvey, o capital
mente a transição histórica de uma configu-
está inerentemente voltado para a eliminação
ração do capitalismo centrada na cidade para
das barreiras espaciais ao processo de circula-
outra, centrada no Estado, do que a mudança
ção – a “aniquilação do espaço pelo tempo”
das relações entre cidades e Estados como
evocada na famosa formulação de Marx (1973
modos entrelaçados de organização socioe-
[1857], p. 539) desenvolvida nos Grundrisse. A
conômica, política e geográfica. No entanto,
consideração fundamental de Harvey é que es-
as considerações anteriores indicam que as
se movimento rumo à aceleração temporal con-
cidades e os Estados contemporâneos ope-
tínua da circulação de capital, ou “compressão
ram não como mutuamente exclusivos ou
do tempo-espaço”, baseia-se na produção do
como configurações geográficas competindo
espaço e na configuração espacial. É unicamen-
pelo desenvolvimento capitalista, mas como
te por meio da construção de infraestruturas de
formas de organização territorial interdepen-
transporte, comunicações e de regulamentação
dentes, densamente sobrepostas. Cidades e
institucional relativamente fixas e imóveis –
Estados estão sendo reconfigurados, reterri-
uma “segunda natureza” de configurações
torializados e reescalonados em conjunto com
de organização territorial socialmente produ-
o mais recente ciclo de globalização capita-
zidas – que esse acelerado movimento físico
lista, mas ambos permanecem sendo formas
das mercadorias através do espaço pode ser
essenciais de organização territorial sobre as
obtido. Assim, segundo Harvey (1985, p. 145),
quais se baseia a circulação de capital em es-
“a organização social é necessária para suplan-
cala mundial. Este artigo analisa essas trans-
tar o espaço”. Harvey apresenta a noção de
formações macrogeo gráficas das cidades e
“solução espacial” (spatial fix) para teorizar as
dos Estados como momentos intrinsecamente
matrizes complexas da configuração espacial
relacionados dentro de uma única dinâmica
socialmente produzida e a dimensão temporal
de reestruturação capitalista global. Para este
correspondente, expressa pelo tempo de rota-
fim, a próxima sessão examina mais de perto
ção médio socialmente aceitável de circulação
o papel das cidades e dos Estados territoriais
dos capitais em uma dada conjuntura histórica.
como estruturas geográficas dentro, sobre e
Harvey (1982, p. 416) defende que uma solução
por meio das quais o desenvolvimento capita-
espacial é assegurada pela construção de con-
lista se desenrola.
figurações socioterritoriais imóveis nas quais a
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Globalização como reterritorialização
acumulação expandida de capital possa ser ge-
administrar o espaço ‘em grande escala’”. Em
rada; isso envolve “a conversão das restrições à
seus escritos que evocam sua teoria de Esta-
acumulação, de temporais para espaciais”.
do, a afirmação mais geral de Lefebvre (1978,
O papel das cidades como modelos de
pp. 278-280, 307, 388) é que os Estados ter-
territorialização do capital tem sido ampla-
ritoriais desempenham papéis essenciais na
mente reconhecido. As cidades territorializam
moldagem das relações sociais do capitalismo
o capital pela aglomeração de infraestruturas
em configurações geográfico-organizacionais
relativamente fixas e imóveis, tais como sis-
relativamente estáveis associadas a padrões
temas de transporte, suprimento de energia,
históricos distintos de acumulação de capital
redes de comunicação e outras externalida-
e urbanização.1
des que sustentam formas específicas históri-
O trabalho de Lefebvre sugere que cada
cas de produção, troca, distribuição e consu-
solução espacial urbana para o capital pressu-
mo (Gottdiener, 1985; Harvey, 1982, 1989b;
põe uma maior “solução escalar” (scalar fix)
Krätke, 1995; Scott, 1998a; Storper e Walker,
(Smith, 1995) composta por formas distintas
1989). O papel dos Estados territoriais como
de organização territorial – incluindo aglome-
modelos de territorialização do capital tem
rações regionais urbanas, instituições esta-
sido analisado menos frequentemente. No
tais e a economia mundial – que abrangem e
entanto, Lefebvre argumentou extensivamen-
transcendem a escala urbana. Essa forma de
te nos quatro volumes de seu negligenciado
análise permite que Lefebvre veja as escalas
trabalho De l’État (1976-1978), os Estados têm
espaciais como uma estrutura geográfica so-
operado igualmente como estruturas geográfi-
cialmente produzida sobre a qual, dentro da
cas fundamentais através das quais a circula-
qual e por meio da qual as formas diferenciais
ção de capital tem sido continuamente territo-
de capital são sucessivamente desterritoriali-
rializada, desterritorializada e reterritorializa-
zadas e reterritorializadas durante o curso do
da, sobretudo a partir da Segunda Revolução
desenvolvimento capitalista (Brenner, 1998b).
Industrial do final do século XIX. Segundo
Essa conceitualização de solução escalar tam-
Lefebvre, a fixidez territorial das instituições
bém apresenta implicações substanciais para
estatais fornece uma estrutura geográfica es-
a análise das relações mutáveis entre cidades
tável para a circulação da força de trabalho,
e Estados no capitalismo contemporâneo. Por
de mercadorias e do capital em múltiplas es-
um lado, pode-se argumentar que a dinâmica
calas. Os Estados obtêm essa territorialização
contraditória de desterritorialização e reterri-
de capital provisória de várias formas – por
torialização é endêmica do capitalismo como
exemplo, por meio de regulamentação mone-
sistema histórico-geográfico, e que vem sus-
tária, códigos jurídicos, medidas de proteção
tentando cada onda de reestruturação induzida
social e, mais importante, pela produção de
por crises verificada desde a Primeira Revolu-
configurações espaciais em larga escala, que
ção Industrial, em meados no século XIX (Man-
servem como forças específicas territoriais de
del, 1975; Soja, 1985). Em cada um dos casos,
produção. Lefebvre (1978, p. 298) observa que
a agitada dinâmica transformativa do capital
“somente o Estado pode assumir a tarefa de
torna suas próprias precondições geográficas
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específicas históricas obsoletas, induzindo a
argumentaremos aqui que uma das consequên-
uma onda de reestruturação com a finalidade
cias geográficas mais importantes do ciclo de
de reterritorializar, e assim, reativar o proces-
globalização capitalista pós-anos 70 foi a des-
so de circulação. Por outro lado, essa dinâmica
centralização da escala nacional de acumula-
recorrente de desterritorialização e reterritoria-
ção, urbanização e regulamentação estatal em
lização tem sido organizada por meio de uma
favor de novas configurações territoriais sub e
grande variedade de configurações escalares,
supranacionais.
cada uma delas produzida pelo enredamento
de redes urbanas e estruturas territoriais estatais, que juntas constituem uma infraestrutura
geográfica relativamente fixa para cada ciclo
histórico da expansão capitalista. Assim, à proporção que o capital é reestruturado em perío-
“Glocalização”:
a desnacionalização
da territorialidade
dos de crises econômicas prolongadas, as configurações escalares em que se fundamenta o
No presente contexto, o termo globalização
capital são igualmente reorganizadas, a fim de
refere-se a um processo dialético ambivalente,
criar uma nova estrutura geográfica para uma
onde o movimento de mercadorias, capitais,
nova onda de crescimento capitalista.
moedas, pessoas e informações no espaço geo-
Até o início dos anos 70, os processos
gráfico é continuamente expandido e acelera-
de desterritorialização e reterritorialização
do; e infraestruturas espaciais relativamente
ocorriam primariamente no interior da estru-
fixas e imóveis são produzidas, reconfiguradas
tura geográfica da territorialidade do Estado.
e/ou transformadas para permitir tal movimen-
Apesar das tensões explosivas e dos conflitos
to expandido e acelerado. A partir dessa pers-
causados pela competição interestatal e inter-
pectiva, a globalização envolve uma interação
capitalista, o sistema interestatal moderno for-
dialética entre o movimento endêmico rumo à
neceu ao capital, a partir do século XVII, uma
compressão do tempo-espaço no âmbito do ca-
estrutura territorial relativamente estabilizada
pitalismo (momento de desterritorialização) e
para o crescimento econômico e a expansão
a produção e reconfiguração contínua de con-
geográfica (Arrighi, 1994, Taylor, 1993). Nesse
figurações espaciais relativamente fixas – por
sentido, a territorialidade do Estado geralmen-
exemplo, as infraestruturas territoriais de aglo-
te opera mais como uma plataforma institu-
merações regionais urbanas e Estados (mo-
cional para a reestruturação capitalista do que
mento da reterritorialização) (Harvey, 1989a,
como objeto direto. Durante o século XX, em
1996; Lefebvre, 1977, 1978, 1991). Assim de-
face da política econômica e da hegemonia dos
finida, a globalização não ocorre meramente
EUA, o papel da escala nacional como detentor
através da extensão geográfica do capitalismo
da acumulação do capital e da urbanização foi
para abranger progressivamente zonas maio-
intensificado a tal ponto que a historicidade do
res do globo, mas emerge somente quando a
nível escalar era frequentemente nacionalizada
expansão e a aceleração da acumulação do
ou não reconhecida (Taylor, 1996). Entretanto,
capital estão intrinsecamente fundamentadas
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Globalização como reterritorialização
na construção de infraestruturas territoriais em
escala nacional como detentor exclusivo das
larga escala, uma “segunda natureza” de con-
relações socioeconômicas, intensificando simul-
figurações espaciais socialmente produzidas
taneamente a importância dos modelos de or-
tais como ferrovias, rodovias, portos, canais,
ganização territorial sub e supranacionais. Este
aeroportos, redes de informação e instituições
processo de reescalonamento da territorialida-
estatais que permitem a circulação do capital
de pode ser considerado a differentia specifica
ainda mais rápido.
da atual reconfiguração do capitalismo mundial
Lefebvre (1977, 1978, 1991, p. 37) si-
(Brenner, 1998c).
tua essa transformação de época “da pro-
Conforme definido, o momento da terri-
dução de coisas no espaço para a produção
torialização mantém na era contemporânea a
do espaço” no fim do século XIX, quando o
mesma importância fundamental que sempre
“neocapitalismo” e o “modo de produção esta-
teve no processo de circulação de capital. En-
tal” (le mode de production étatique) foram pri-
tretanto, as escalas em que esse processo se
meiramente consolidados em escala mundial.
produz não são mais espacialmente coexten-
Lash e Urry (1987) descreveram essa configu-
sivas em relação às matrizes nacionalmente
ração centrada no Estado do desenvolvimento
organizadas da territorialidade estatal que
capitalista mundial como um “capitalismo or-
definiram as geografias geopolítica e geoeco-
ganizado” e – juntamente com diversos outros
nômica do capitalismo. Nesse sentido, o atual
pesquisadores (vide, por exemplo, Arrighi, 1994;
ciclo de globalização reconfigurou a organiza-
Lipietz, 1987; Jessop, 1994; Scott e Storper,
ção escalar da dinâmica endêmica do capital
1992) – interpretaram as crises econômicas
da desterritorialização e da reterritorialização,
mundiais do início dos anos 70 como um meio
provocando o que Jessop (1998, p 90) apro-
e uma consequência de sua evolução. Consi-
priadamente nomeou de “relativização de es-
dero o ciclo mais recente da reestruturação
cala” (relativisation of scale):
do capitalismo em escala mundial, pós-anos
70, como a segunda maior onda de globalização capitalista, através da qual interdependências socioeconômicas globais estão sendo
Em contraste com as prerrogativas da economia nacional e do Estado nacional no
período do fordismo atlântico, nenhuma
escala espacial é privilegiada atualmente.
simultaneamente intensificadas, aprofundadas
e expandidas, em estreita associação com a
O conceito de “glocalização” introduzido
produção, a reconfiguração e a transformação
por Swyngedouw (1997, 1992, p. 61) para indi-
da organização territorial concomitantemen-
car “o processo combinado de globalização e
te, em escalas espaciais urbano-regionais, na-
de reconfiguração territorial local” também res-
cionais e supranacionais. Enquanto a onda da
salta oportunamente esse processo de reestru-
globalização capitalista do final do século XIX
turação altamente conflitante, o entrelaçamen-
evoluiu amplamente no âmbito da estrutura
to e a rediferenciação das escalas espaciais.
de territorialidades estatais organizadas na-
O restante do presente artigo concretiza essa
cionalmente, a onda de globalização pós-anos
concepção de globalização/reterritorialização
70 descentralizou significantemente o papel da
examinando as várias formas como as cidades
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e Estados territoriais estão sendo atualmente
diferentes escalas espaciais ainda não foi sis-
reescalonados em relação às geografias cada
tematicamente confrontado. Muito da pesquisa
vez mais “glocais” do capital.
das cidades globais é composto de estudos que
enfocam amplamente uma única escala, em
geral, a urbana ou a global. Enquanto a pes-
Reescalonamento de cidades
quisa sobre a geografia socioeconômica das
cidades globais tem se concentrado predominantemente na escala urbana, os estudos das
Uma maneira de interpretar a proliferação
hierarquias urbanas mutáveis têm enfocado
de pesquisa sobre a formação da cidade glo-
principalmente a escala global. As escalas do
bal desde a publicação do clássico artigo de
poder do Estado territorial têm sido na prática
Friedmann e Wolff (1982) representa um esfor-
totalmente negligenciadas pelos pesquisadores
ço contínuo para analisar as formas como a re-
das cidades globais (Brenner, 1998a), e os es-
cente consolidação de uma nova divisão inter-
forços para integrar escalas espaciais diferen-
nacional de trabalho tem se entrelaçado com
ciais em uma única estrutura analítica ainda
uma reterritorialização concomitante da urba-
são relativamente raros dentro dos parâmetros
nização em diferentes escalas espaciais (Hits et
da teoria da cidade global. Eu, todavia, defen-
al., 1995; Knox e Taylor, 1995). Enquanto alguns
do que a teoria da cidade global contém várias
pesquisadores das cidades globais as têm con-
considerações metodológicas que podem ser
cebido como uma classe distintiva de cidades
prontamente desdobradas com esse propósito.
no ápice das hierarquias localizadas no centro
Talvez ainda mais sistematicamente que
da escala mundial, eu vejo a estrutura analítica
qualquer outro pesquisador das cidades glo-
da teoria da cidade global de forma mais am-
bais, Sassen (1991, 1993) enfatizou a inerente
pla, como um meio de investigação das formas
dependência do lugar do processo de globali-
em que o atual ciclo de globalização capitalista
zação. As cidades globais são concebidas co-
tem envolvido uma reorganização territorial do
mo locais urbanos territorialmente específicos,
processo de urbanização simultaneamente em
onde ocorrem vários processos de produção
escalas globais, nacionais e urbano-regionais
cruciais para a globalização, sobretudo aqueles
(ver também Kräkte, 1995).
associados às indústrias de produção e de ser-
Na medida em que a teoria da cidade
viços financeiros, de que depende amplamente
global afeta as “relações contraditórias entre
o capital transnacional (por exemplo, serviços
a produção em uma era de gestão global e a
bancários, contábeis, publicitários, de consulto-
determinação política de interesses territo-
ria financeira e de gestão, direito empresarial,
riais” (Friedmann, 1986, p. 69), ela se concen-
seguros e similares). Do ponto de vista da pre-
tra na problemática da escala geográfica, em
sente discussão, a análise de Sassen pode ser
sua organização político-econômica e em seu
vista como uma aplicação empírica da teoriza-
papel na articulação de conflitos sociopolíti-
ção de Harvey sobre a dinâmica espaço-tem-
cos. Na prática, esse desafio metodológico de
poral do capital. A consolidação das cidades
analisar as ligações históricas mutáveis entre
globais é entendida como uma forma histórica
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Globalização como reterritorialização
específica de aglomeração urbano-industrial
(1995/1968) e Friedmann (1973; Friedmann e
que vem ocupando um papel propulsor crucial
Miller, 1965) há três décadas, foi uma primeira
no mais recente ciclo da globalização. Por um
tentativa de compreender esse padrão emer-
lado, os custos mais baixos do transporte, os
gente e multicêntrico diversificado de urbani-
modos de organização industrial cada vez mais
zação supralocal durante o período do “Alto
flexíveis e descentralizados e o desenvolvimen-
Fordismo”. Sudjic (1993) descreveu mais recen-
to de novas tecnologias da informação melho-
temente o grande alastramento dos mosaicos
raram significativamente a habilidade do capi-
da urbanização pós-fordista como “cidades de
tal de coordenar os fluxos de valor em escala
100 milhas” (100-mile cities). Similarmente, So-
global. Por outro lado, as estratégias por meio
ja (1992) cunhou o sugestivo termo “exópolis”
das quais o capital procura simultaneamente
para capturar os padrões geométricos transfor-
comandar e aniquilar o espaço dependem ne-
mados da expansão urbana que se cristalizou
cessariamente do investimento e do controle
nas tecnópoles do sul da Califórnia. A exópolis,
dos lugares específicos, em que a infraestrutura
de acordo com Soja (1992, p. 95), não é sim-
territorializada tecnológica, institucional e so-
plesmente uma cidade sem um centro, mas
cial da globalização é garantida. Esses lugares,
uma cidade “voltada para fora” (inside-out) e
argumenta Sassen, são ambientes construídos,
“voltada para dentro”(outside-in) ao mesmo
economias de aglomeração, infraestruturas
tempo. Entretanto, independentemente de co-
tecnológico-institucionais e mercados de traba-
mo possa ser rotulada, alguma versão dessa
lho locais das cidades globais. A consolidação
forma de reconfiguração urbana parece ocor-
de uma hierarquia mundial, desde os anos 80,
rer em cidades-regiões tão diversas como Los
de cidades globais concorrentes, embora in-
Angeles, Amsterdã/Randstad, Frankfurt/Rhein-
terdependentes, pode, então, ser vista como a
-Main, a região de Zurique, Tóquio/Yokohama/
concretização territorial desse último ciclo da
Nagoya e Hong-Kong/Guandong, entre tantas
compressão do tempo-espaço.
outras. À proporção que a escala do processo
Uma segunda e igualmente importante
de urbanização abarca progressivamente are-
dimensão dessa reterritorialização do processo
nas geográficas maiores, os sistemas urbanos
de urbanização é a grande recomposição da
articulam novas geometrias cada vez mais po-
forma urbana. Por meio de seu papel articula-
licêntricas, que indefinem os modelos herdados
dor entre as economias local, regional, nacional
de centralidade urbana, enquanto reconstituem
e global, as cidades são hoje regiões urbanas
simultaneamente os padrões de polarização
compactas e policêntricas, melhor descritas se-
centro-periferia através dos quais o capital afir-
gundo os termos da noção de megalópole de
ma seu poder sobre o espaço, o território e o
Jean Gottmann (1961), do que pelas lentes da
lugar (Keil, 1994).
tradicional Escola de Chicago ou pelos modelos
Em terceiro lugar, e mais importante, a
de lugar central descritos nos padrões concên-
reterritorialização do capital transnacional em
tricos de uso e ocupação do solo em torno a
grandes regiões urbanas está estreitamente
núcleos metropolitanos centralizados. O con-
vinculada a um reescalonamento mais am-
ceito do campo urbano, já definido por Lefebvre
plo do processo de urbanização em escalas
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suprarregionais. Enquanto a hierarquia urbana
altamente conflitante. Nesse contexto, o local
mundial durante os séculos XIX e XX corres-
está inserido e sobreposto ao global, enquanto
pondia, de modo geral, à hierarquia geopolítica
processos globais parecem permear simulta-
dos Estados, hoje o poder geoeconômico das
neamente todos os aspectos do local (Amin e
cidades vem sendo progressivamente desar-
Thrift, 1994; Prigge, 1995). Como Veltz (1997,
ticulado das matrizes territoriais do sistema
p. 84) observou recentemente:
interestadual (Scott, 1998; Taylor, 1995). Hoje,
é amplamente sabido que as cidades contemporâneas estão inseridas em fluxos de capital
transnacional, de mercadorias e de força de
trabalho – segundo Friedmann (1995, p. 25),
um “espaço de acumulação global” (space of
global accumulation) – que nenhum Estado
pode controlar totalmente, e essa valorização
do capital nas cidades globais não se converte
necessariamente em crescimento econômico
nacional. Assim, as cidades não devem mais ser
concebidas como componentes subnacionais
de regimes de acumulação exclusivos, autocêntricos e nacionalmente escalonados, e sim
como “nódulos neomarshallianos das redes
globais” (Amin e Thrift, 1992), como “motores
regionais da economia global” (Scott, 1996) e
como conglomerados locacionais flexivelmente
especializados em um “mosaico global de regiões” (Storper e Scott, 1995). Nessas circunstâncias, considerando que as regiões industriais
periféricas competem com os núcleos urbanos
em termos de investimento de capital, subsí-
Foi-se o tempo em que era possível mostrar, como fez Braudel, um mundo econômico organizado em camadas bem
definidas, onde grandes centros urbanos
se ligavam, por si próprios, a economias
adjacentes “lentas”, com o ritmo muito
mais rápido do comércio e das finanças
de larga escala. Hoje, tudo ocorre como
se estas camadas sobrepostas estivessem
mescladas e interpermeadas em (quase)
todos os lugares. Interdependências de
curto e longo alcance não podem mais ser
separadas umas das outras.
Assim, a fronteira que separa as escalas
espaciais está se tornando tão indefinida que
talvez seja cada vez mais apropriado conceber
a organização escalar do capitalismo contemporâneo como uma sequência contínua de interação globalizada – como uma “morfologia
hierárquica estratificada”, segundo a terminologia de Lefebvre (vide, por exemplo, Lefebvre
1976, pp. 67-69) – na qual e através da qual
o último ciclo de reterritorialização de capital
está se desdobrando.
dios estatais e outros bens coletivos, formas
intensificadas de desenvolvimento geográfico
desiguais estão surgindo (vide, por exemplo,
Duncan e Goodwin, 1988; Peck e Tickell, 1994,
Reescalonamento de Estados
1995; Smith, 1997).
Estas considerações sugerem que as
Esse processo de reescalonamento da urba-
regiões urbanas contemporâneas devem ser
nização tem sido analisado detalhadamente
concebidas como espaços preponderantemen-
através de estudos urbanos contemporâneos,
te “glocais”, nos quais múltiplas escalas geo-
contudo, outros processos concomitantes de
gráficas se interceptam de maneira potencial e
reescalonamento não têm recebido a mesma
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Globalização como reterritorialização
atenção. Especificamente, muitas das pesquisas
de costume” na economia mundial, onde as
urbanas sobre globalização baseiam-se na con-
instituições estatais nacionalmente escalona-
cepção de soma zero do poder do Estado em
das detêm o controle regulador soberano sobre
relação à economia mundial: o poder e a im-
os sistemas econômicos nacionais.
portância do Estado tendem a diminuir à pro-
Em contraste a ambas as posições, pro-
porção que a globalização se intensifica. Como
ponho que o papel do Estado como forma de
resultado, a exemplo de muitos outros pesqui-
(re)territorialização do capital é analiticamente
sadores da globalização (vide, por exemplo,
distinto da significância estrutural da escala es-
Albrow, 1996; Appadurai, 1996; Ohmae, 1995;
pacial nacional em fluxos de capital circunscri-
Ruggie, 1993; Strange, 1996), os urbanistas
tos, transações econômicas, hierarquias urba-
têm concluído frequentemente que uma glo-
nas e relações sociais. Desse ponto de vista, os
balização econômica intensificada leva a uma
globalistas estão de fato corretos ao enfatizar
erosão da territorialidade do Estado. De acor-
o processo de descentralização da escala na-
do com essa posição globalista, a mobilidade
cional da regulamentação político-econômica,
geográfica supostamente maior do capital e as
mas erram ao interpretar esse desenvolvimen-
crescentes escalas de operação enfraquecem
to como evidência de uma contração, recuo ou
irreversivelmente a habilidade do Estado em
dissolução da territorialidade do Estado. Ao
regular as atividades econômicas dentro limi-
mesmo tempo, os estadistas estão igualmente
tes de suas fronteiras. Por outro lado, dentre os
corretos ao enfatizar a importância contínua
autores que enfatizam a importância contínua
da territorialidade estatal, mas erram ao ad-
das instituições estatais na atual configuração
mitir que esse papel está indissociavelmente
do mundo capitalista (vide, por exemplo, Hirst
ligado às instituições e políticas de Estado na-
e Thompson, 1995; Mann, 1997), a territoria-
cionalmente escalonadas. A meu ver, ambos os
lidade é frequentemente entendida como um
argumentos falham na apreciação das várias
contentor geográfico relativamente estático e
transformações em andamento da organização
imutável, não modificado qualitativamente pe-
territorial do Estado, por meio das quais novas
lo processo de globalização. Desse ponto de
instituições e formas de regulamentação são
vista, o Estado reagiria à intensificada interde-
qualitativamente produzidas em escalas sub e
pendência econômica global construindo novas
supranacionais; e o papel da escala nacional
formas de política socioeconômica nacional,
como nível de governança está sendo radical-
mas não seria em si transformado qualitativa-
mente redefinido, em resposta ao atual ciclo da
mente por essas novas interações globais-na-
globalização capitalista. Esse reescalonamento
cionais. Essas posições estadistas materializam
da organização territorial do Estado deve ser
a territorialidade do Estado em uma estrutura
visto como um momento constitutivo e propul-
não histórica de intervenção socioeconômica,
sor do processo de globalização.
que não é fundamentalmente transformada
Apesar de os Estados altamente centra-
através de seu papel em processos de reestru-
lizados e burocratizados da era fordista-key-
turação capitalista global. Elas produzem, as-
nesiana convergirem em torno à escala nacio-
sim, um sentido equivocado de “negócio como
nal como lugar organizacional predominante,
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desde as crises econômicas mundiais do início
dos anos 70, os Estados mais velhos da América do Norte e da Europa Ocidental foram
consideravelmente reestruturados, a fim de
prover capital com cada vez mais precondições
territoriais essenciais e bens coletivos em escalas espaciais sub e supranacionais (Cerny,
1995). Esse processo de reescalonamento da
territorialidade transmite o poder do Estado
para níveis superiores, para agências supranacionais como a União Europeia (UE) e, simultaneamente, transfere-o para baixo, de volta aos
níveis locais e regionais do Estado, que estão
melhor posicionados para promover e regular a reestruturação regional urbana. Jessop
(1994, p. 264) argumenta:
O estado nacional está agora sujeito a
várias mudanças que resultam em seu
“esvaziamento”. Isto envolve duas tendências contraditórias porque, enquanto
o estado nacional ainda continua a ser
politicamente importante e retém muito
de sua soberania nacional [...], suas capacidades de projetar seu poder, mesmo
dentro de suas fronteiras nacionais, estão
absolutamente enfraquecidas... pelo movimento em direção a sistemas de produção internacionalizados e flexíveis (mas
também regionalizados) [...] Esta perda
de autonomia cria em contrapartida a necessidade de coordenação supranacional
e um espaço de ressurgimento subnacional. Algumas capacidades do estado são
transferidas a um crescente número de
corporações panregionais, plurinacionais
ou internacionais com uma ampla gama
de poderes; outras são devolvidas a níveis
de governança locais ou regionais reestruturados no estado nacional; e outras
ainda são usurpadas por redes horizontais de poder emergentes – locais e regionais – que contornam os estados centrais
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e conectam localidades ou regiões em
várias nações.
Em toda a União Europeia e na América
do Norte, em particular, essa dinâmica de reescalonamento do Estado emergiu como uma
importante estratégia neoliberal de reestruturação industrial e de gestão da crise, visando
ao mesmo tempo melhorar a eficiência administrativa de instituições estatais, capacitar novas formas de mobilidade de capital no âmbito
supranacional para promover a competitividade global de grandes polos de crescimento
subnacionais, e executar a desvalorização e a
revalorização do capital nas cidades e regiões
em declínio.
Muito parecidas com as infraestruturas
baseadas no local das cidades globais, essas
novas instituições estatais emergentes reescalonadas podem ser vistas como formas essenciais de reterritorialização do capital. Como
mencionado acima, em vez de abandonar o
conceito da urbanização em face das formas
policêntricas emergentes de “alastramento
global” (global sprawl) (Keil, 1994), os pesquisadores das cidades globais propõem modelos geométricos revisados de crescimento,
forma e hierarquia urbanos. Uma estratégia
metodológica formalmente idêntica pode ser
empregada para caracterizar a forma espacial
reconfigurada dos Estados territoriais na era
atual. Se a forma espacial das cidades-regiões
globais hoje se aproxima progressivamente da
“exópolis” analisada por Soja (1992), pode-se
argumentar de maneira análoga que a forma
espacial dos Estados territoriais na era do capitalismo global está sendo “glocalizada” (vide
também Swyngedouw, 1997). Como a exópolis,
expressão urbana das formas pós-fordistas de
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Globalização como reterritorialização
industrialização capitalista, o “estado glocal” é
do Estado pode ser visto como uma estraté-
uma configuração geométrica polimórfica que
gia neoliberal de “desregulamentação” pa-
está, do mesmo modo, voltada para fora e para
ra desmantelar as operações redistributivas
dentro, simultaneamente – voltada para fora,
de ordem fordista-keynesiana configuradas
na medida em que tenta promover a competiti-
nacionalmente, em geral através do ques-
vidade global de suas cidades e regiões; e vol-
tionamento de funções de bem-estar social
tada para dentro, na medida em que agências
de instituições municipais. Por outro lado, e
supranacionais tais como a União Europeia, o
igualmente importante, o reescalonamento
Fundo Monetário Internacional e o Banco Mun-
do Estado tem servido como uma estratégia
dial passam a desempenhar papéis ainda mais
de “re-regulamentação” para construir novas
diretos na regulamentação e reestruturação
capacidades institucionais a fim de promover
de seus espaços territoriais internos. Esse pro-
o investimento de capital nos grandes polos
cesso de “glocalização” do Estado rearticula
de crescimento urbano, geralmente através de
as geografias políticas herdadas, de maneira
políticas de trabalho social local ou regional-
a desprivilegiar sistematicamente as organiza-
mente organizadas, ONGs não eleitas, e outras
ções institucionais estruturadas nacionalmente
iniciativas empresariais tais como parcerias
e formas regulamentares. Assim entendida, a
público-privadas. Nessas circunstâncias, o pa-
territorialidade do Estado conserva atualmente
pel dos níveis locais e regionais do Estado está
um papel crítico como precondição geográfica
sendo significantemente redefinido. Estados
de formas contemporâneas de acumulação de
contemporâneos locais e regionais não mais
capital, mas esse papel não está mais funda-
operam como agentes gestores de programas
mentado em uma correspondência territorial
de consumo coletivo escalonados nacional-
isomórfica entre instituições estatais, sistemas
mente, mas servem como agências empreen-
urbanos e circuitos de acumulação do capital,
dedoras de “capital financiado pelo Estado”
2
concentrados em torno da escala nacional.
destinado à manutenção e melhoria de vanta-
Cerny (1995, p. 618) referiu-se vivida-
gens locacionais de suas jurisdições territoriais
mente a essa fragmentação simultânea e redi-
delineadas (Gottdiener, 1990; Mayer, 1994).
ferenciação do espaço político como um “efei-
De fato, é sobretudo através de seu papel fun-
to serra”, através do qual cada nível do Estado
damental na mobilização do espaço urbano
procura reagir a uma variedade de pressões,
como força de produção que os Estados lo-
forças e limitações sub e supranacionais qua-
cais e regionais, em particular, têm adquirido
se esmagadoras. No contexto atual, uma
uma crescente importância estrutural dentro
consequência geográfica particularmente fun-
de cada hierarquia administrativa de Estado
damental desse “efeito serra” é a mobilização
territorial. Um dos objetivos principais dessas
intensificada de instituições estatais centrais,
instituições estatais “glocalmente” orienta-
regionais e locais com o propósito de promo-
das é melhorar as vantagens de localização
ver a reestruturação industrial nas escalas
e capacidades produtivas de suas jurisdições
subnacionais de grandes aglomerações regio-
territoriais como nódulos de competitividade
nais urbanas. Por um lado, o reescalonamento
máxima na economia mundial.
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Em toda a Europa Ocidental, essa cres-
Nesse sentido, o atual ciclo de globali-
cente fragmentação interna, rediferenciação
za ção neoliberal está reescalonando, e
e polarização dos antigos espaços econômi-
não erodindo, a territorialidade estatal: a
cos também vêm se intensificando desde o
desnacionalização da economia nacional e das
início dos anos 80 através da implantação de
hierarquias urbanas não está degradando o
novas formas de política estrutural regional,
papel do Estado como forma de territorializa-
orientada para o desenvolvimento “endóge-
ção do capital, mas “desnacionalizando” sua
no” de grandes regiões urbanas (Albrechts e
estrutura escalar para privilegiar níveis supra
Swyngedouw, 1989; Heeg, 1996); e da cons-
e subnacionais de intervenção regulamentar e
trução de novas formas e níveis de organiza-
de valorização do capital. As instituições “glo-
ção territorial do Estado, particularmente em
calizadas” regulamentadoras resultantes estão
escalas urbano-regionais ou metropolitanas
reterritorializando o poder do Estado em múl-
(Evans e Harding, 1997; Lefèvre, 1998; Sharpe,
tiplas escalas espaciais que não convergem en-
1993; Voelzkow, 1996). Em grandes regiões
tre si na escala nacional, nem constituem uma
urbanas por toda a União Europeia, institui-
totalidade nacional isomórfica e exclusiva (An-
ções regulamentadoras escalonadas nacional-
derson, 1996; Cerny, 1995). Entretanto, assim
mente estão sendo planejadas, promovidas
como as cidades-regiões globais continuam a
e construídas como um meio de assegurar
ser aglomerações urbanas, os Estados pós-for-
vantagens locacionais inerentes a um lugar
distas e pós-keynesianos que se consolidaram
específico. Esses novos espaços estatais de
no antigo mundo industrializado, a partir do
regulamentação do crescimento urbano estão
início dos anos 80, continuam também sendo
sendo justificados não como componentes de
significantemente Estados territoriais. À medida
programas socioeconômicos nacionais ou co-
que as escalas de organização territorial estatal
mo unidades funcionais dentro de sistemas
continuam a circunscrever as relações sociais,
administrativos nacionalmente hierarquizados,
econômicas e políticas dentro de fronteiras
mas como pré-requisitos institucionais de um
geográficas delineadas, as instituições estatais
lugar específico para manter a competitivida-
mantêm seu caráter essencialmente territorial.
de estrutural de determinada região urbana.
O ponto crucial no contexto atual é que a terri-
Uma consequência preponderante desse pa-
torialidade do Estado está hoje sendo progres-
drão emergente de política locacional sub-
sivamente configurada em estruturas escalares
nacional tem sido a maciça intensificação de
“glocalizadas” em vez de nacionais.
desenvolvimento geográfico desigual, uma vez
Em meados dos anos 70, Henri Lefebvre
que “explosões” temporais de crescimento são
já havia começado a esboçar alguns dos am-
promovidas por instituições estatais em locais
plos contornos dessa forma reescalonada re-
geográficos cuidadosamente delineados.
cém-emergente de poder territorial do Estado,
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Globalização como reterritorialização
na qual “a economia e a política se fundem”
(Lefebvre, 1977, 1986, p. 35), e suas implicações para as relações do Estado com seu espaço territorial. Como Lefebvre observa no capítulo de conclusão de The Production of Space
Novos espaços estatais:
o reescalonamento
da governança urbana
na União Europeia
(1991, p. 378):
O relacionamento [entre o Estado e o espaço] [...] está se estreitando: o papel espacial do Estado [...] está mais evidente.
Os aparatos administrativos e políticos
do Estado não são mais suficientes (se é
que já foram) para meramente intervir de
uma maneira abstrata no investimento
de capital [...] Hoje o Estado e seus aparatos burocráticos e políticos intervêm
continua mente no espaço, e fazem uso
do espaço em seu aspecto instrumental,
a fim de intervir em todos os níveis e por
meio de todas as agências do âmbito
econômico.
A implementação dos reescalonamentos urbano e estatal é um processo altamente contestado e conflitante, mediado por uma vasta cadeia
de lutas sociopolíticas pelo controle hegemônico do espaço social que se articulam, por sua
vez, em múltiplas escalas espaciais. Por um
lado, como discutido acima, o reescalonamento urbano e o reescalonamento estatal podem
ser entendidos como duas formas distintas de
reterritorialização que emergem com o mais
recente ciclo de globalização capitalista induzido pela crise (como resumido no Quadro 1).
Por outro lado, os processos de reestruturação
Essa tendência à fusão de instituições
urbano-regionais e territorial do Estado estão
estatais em um circuito de capital é essencial-
estreitamente entrelaçados, na medida em que
mente capacitada por estratégias de reescalo-
cada forma de reterritorialização influencia e
namento estatal, que se traduzem em formas
transforma continuamente as condições em
reconfiguradas de regulamentações locais e re-
que a outra se desenrola. Primeiramente, os
gionais que permitem ao capital extrair e valo-
processos de reestruturação urbano-regionais
rizar o excedente. As resultantes configurações
induzidos pela crise global econômica do início
reescalonadas de poder territorial do Estado
dos anos 70 contribuíram muito para as estra-
estão firmemente entrelaçadas com o capital
tégias neoliberais de reescalonamento do Esta-
em escalas espaciais diferenciais e, consequen-
do. O reescalonamento estatal funcionou como
temente, cada vez mais sensíveis aos ritmos e
uma grande estratégia de gestão neoliberal de
contradições de cada circuito de capital (vide
crise e revalorização do capital, aplicada pelo
Poulantzas, 1978, pp. 166-179). Conforme o
Estado em uma ampla variedade de contextos
Estado passa a operar como um momento cres-
urbano-regionais de regiões manufatureiras
centemente ativo na mobilização das forças
fordistas a novos distritos industriais e cidades-
produtivas de cada território, sua organização
-regiões globais. O reescalonamento estatal
escalar assume um papel central na mediação
pode, portanto, ser visto como uma estratégia
e circunscrição do crescimento capitalista.
de acumulação fundamental, que está sendo
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Quadro 1 – Globalização como reterritorialização:
reescalonamento de cidades e estado
Escala espacial do acúmulo de capital
Forma de (re)territorialização
Global
Nacional
Urbano-regional
Cidades
- Reescalonamento urbano
- Formação da cidade global
Formação de uma hierarquia
urbana global.
Competição interespacial
intensificada entre as cidades
em toda a economia mundial.
Rearticulação de sistemas
de cidades nacionais em
hierarquias globais e
urbanas suprarregionais.
Desvinculação do crescimento
da cidade global do
crescimento econômico
nacional.
Formação de “exópolis”:
recomposição da forma
urbana: emergência de regiões
urbanas policêntricas e novos
distritos industriais.
Estados
- Reestruturação territorial do
Estado
- Emergência dos “Estados
glocais” neoliberais
Estados territoriais voltados
“para dentro” (outside-in):
reescalonados para cima,
para os níveis supranacionais
de regulamentação, onde
instituições como União
Europeia, FMI e Banco
Mundial reestruturam o
espaço do Estado.
“Desnacionalização” da escala
nacional.
Estado Central transfere
várias tarefas para cima, para
agências supranacionais, e
retorna outras para baixo, para
instituições estatais locais e
regionais.
Estados territoriais virados
“de dentro para fora”:
redimensionados para
baixo em direção ao níveis
subnacionais. Estados
promovem investimento por
corporações transnacionais
dentro das maiores regiões
urbanas. Construção de
“novos espaços estaduais”
para regulamentar “novos
espaços industriais”.
atualmente implementada por regimes políti-
em outro lugar, nem abandonados sem custos
cos neoliberais por toda a Europa, com o intui-
consideráveis de desvalorização. Dessa manei-
to de reestruturar espaços urbanos e regionais.
ra, por meio de processos de reescalonamento
Em segundo lugar, os processos de reescalo-
do Estado, as escalas de organização territorial
namento do Estado têm, por sua vez, reconfi-
do Estado se tornam mediadoras centrais da
gurado significantemente o relacionamento
reestruturação industrial capitalista. Pode-se
entre capital, instituições estatais e forças so-
argumentar, por conseguinte, que a governan-
ciopolíticas territorialmente circunscritas nas
ça dos padrões de urbanização contemporânea
maiores regiões urbanas europeias. Enquanto
envolve não apenas a construção de “novos
o capital se empenha continuamente para a
espaços industriais” para formas pós-fordistas
melhoria da mobilidade espacial, diminuindo a
de industrialização (Scott, 1988b), mas tam-
local-dependência, os Estados contemporâneos
bém, e igualmente importante, a consolidação
“glocais” tentam fixar o capital, cada vez mais
do que se define como novos espaços estatais
diretamente, dentro de seus territórios, através
para melhorar a capacidade de cada Estado
da provisão de bens imóveis, específicos e de
de mobilizar o espaço urbano e regional como
externalidades que não podem ser encontrados
força produtiva.
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Globalização como reterritorialização
Na medida em que, hoje, nem a urbanização, nem a acumulação, nem a regula-
na União Europeia contemporânea podem ser
brevemente identificados.
mentação estatal privilegia uma escala espacial única, exclusiva e circunscrita, os limites
geográficos das relações sociais se tornaram
objetos diretos de contestação sociopolítica. Assim, emerge uma “política de escala”
Cidades globais e geopolítica
de integração europeia
(Smith, 1993, 1995) em que as escalas geográficas operam simultaneamente como locais e
As localizações das cidades globais desempe-
marcos do conflito sociopolítico. No entanto,
nham um papel importante na disputa entre os
muitas discussões contemporâneas sobre go-
Estados europeus para o acolhimento de escri-
vernança urbana pressupõem uma estrutura
tórios governamentais da UE em seus territó-
jurisdicional urbana ou regional relativamente
rios. Essa forma de competição interespacial é
fixa, onde as precondições regulatórias para
mediada diretamente pelos Estados anfitriões
a urbanização capitalista sejam asseguradas
das cidades globais, visto que são eles que
(para um panorama atual, vide Hall e Hubbard,
definem os termos e o ritmo da integração eu-
1996). Nesse sentido, as escalas de governan-
ropeia. Tais decisões locacionais resultam, em
ça urbana são encaradas mais como platafor-
parte, de compromissos estratégicos entre os
mas pré-constituídas para a política urbana,
poderes hegemônicos da Europa, como ilus-
do que como um de seus momentos, dimen-
tra a escolha de Bruxelas para acolher a sede
sões ou objetos ativos e socialmente produzi-
administrativa da União Europeia. Entretanto,
dos. Em contraste, a análise precedente indica
a recente decisão de localizar o Banco Central
que novas geografias da governança urbana
Europeu em Frankfurt foi um momento crítico
estão atualmente se cristalizando na interface
na disputa geopolítica e geoeconômica entre o
multiescalar existente entre os processos de
Reino Unido e a Alemanha, que visava atrair o
reestruturação urbana e de reestruturação ter-
centro de gravidade locacional da Europa para
ritorial dos Estados. Assim, os dilemas e con-
seus respectivos territórios (Londres recebeu
tradições contemporâneos da governança ur-
somente um ínfimo prêmio de consolação, o
bana devem ser analisados em cada uma das
Escritório Europeu de Patentes). O processo de
escalas espaciais nas quais esses processos
integração monetária europeia também tem
entrelaçados de reterritorialização se intercep-
implicações potencialmente maiores para os
tam, desde as escalas regionais urbanas até as
padrões de competição espacial entre centros
nacionais e europeias. Apesar de não ser pos-
financeiros europeus. Londres ainda é, atual-
sível elaborar, no atual contexto, uma análise
mente, o mais importante centro de serviços
detalhada de cada uma dessas escalas e suas
financeiros da União Europeia. A introdução
interconexões complexas, alguns dos maiores
do euro, no entanto, pode proporcionar no-
mecanismos socioinstitucionais que ligam os
vas oportunidades para Frankfurt e Paris, que
processos de reestruturação urbano-regionais
estão atualmente desenvolvendo novas infra-
e os processos de reescalonamento estatal
estruturas regulatórias e tecnológicas para os
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mercados financeiros globais, e cujos Estados
a consolidação de uma forma neoautoritária de
anfitriões integraram instantaneamente o sis-
governança imposta centralmente na região de
tema de moeda única (vide The Economist ,
Londres (Duncan e Goodwin, 1998). No outro
9/5/1998, Financial Centres Survey, p. 17). Por
extremo, a reestruturação estatal na Repúbli-
esse motivo, o reescalonamento ascendente
ca Federal da Alemanha no início dos anos 80
dos estados territoriais europeus, em direção
representou um papel crescentemente descen-
à União Europeia, pode favorecer a eventual
tralizado para o Estado federado (Länder) e as
formação de um eixo integrado Frankfurt-Paris-
municipalidades na formulação e na implemen-
-Londres, articulando a super-região Europeia
tação da política industrial (Herrigel, 1996).
com a economia mundial (Taylor, 1997).
Entre esses polos, na Holanda, debates sobre
reestruturação centro-local proliferaram em
todos os níveis do Estado holandês desde me-
Cidades globais e relações
intergovernamentais
ados dos anos 80, levando o Estado central, as
províncias e as municipalidades a convergirem
para o objetivo de formação de cidade global
na megalópole ocidental de Randstad como
Desde o início dos anos 80, as relações centro-
uma prioridade compartilhada para política
-locais se transformaram radicalmente em toda
socioeconômica nacional (Dieleman e Mus-
a Europa Ocidental. À medida que os Estados
terd, 1992). A natureza da governança urbana
concebem suas subunidades territoriais como
nas cidades-regiões globais é, por conseguinte,
camadas administrativas funcionalmente equi-
fortemente condicionada por padrões de rela-
valentes, e não como nódulos de urbanização
ções intergovernamentais de seus Estados an-
geograficamente distintivos, os processos de
fitriões. Conforme as conexões do Estado local
formação da cidade global são raramente
com os níveis central e regional do Estado são
discutidos em debates da política de Estado
reconfiguradas, o mesmo ocorre com as capaci-
central sobre relações intergovernamentais (o
dades institucionais e financeiras de regulação
debate na Holanda sobre as “províncias” no
das contradições urbanas da globalização.
início dos anos 90 é uma exceção recente significativa). Todavia, reconfigurações de relações
intergovernamentais podem ter ramificações
importantes para a governança de grandes regiões urbanas, na medida em que elas reorde-
Cidades globais e política
territorial
nam as conexões administrativas, organizacionais e financeiras do Estado local com o Estado
A dinâmica de coalizões de crescimento local
central e, dessa forma, afetam sua capacidade
foi detalhadamente analisada por teóricos do
de mobilizar as fontes regulatórias (Cox, 1990).
regime urbano (Logan e Molotch, 1987). Entre-
Em um extremo, a onda thatcherista de reestru-
tanto, a articulação das dinâmicas políticas mu-
turação centro-local no Reino Unido acarretou
nicipais nas cidades globais, com constelações
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Globalização como reterritorialização
políticas regionais e nacionais mais vastas,
serviços estatais de bem-estar social a novas
não tem sido extensivamente investigada (vi-
“líderes” do crescimento econômico (Terhorst e
de, contudo, Logan e Swanstrom, 1990). No
Van De Ven, 1995). Em toda a União Europeia,
entanto, como salientam Friedmann e Wolff
a geografia político-econômica das cidades
(1982, p. 312):
globais se estende além do alcance jurisdicio-
Sendo essenciais ao capital transnacional
e aos interesses políticos nacionais, as cidades globais podem tornar-se moeda de
troca em disputas subsequentes.
nal do estado local para reconfigurar alianças
político-territoriais em níveis de múltipla escala
de seus Estados anfitriões. Consequentemente,
da mesma forma que a estrutura territorial do
Estado condiciona as políticas de escala dentro
A pergunta crucial, partindo dessa pers-
das cidades globais, assim também o processo
pectiva, é como a disjunção econômica entre
de reescalonamento dos processos de urbani-
a cidade global e a economia territorial de seu
zação se entrelaça com o reescalonamento da
estado anfitrião é administrada politicamente.
política e das contestações políticas dentro do
O Reino Unido é indubitavelmente o exemplo
Estado territorial.
europeu mais contundente dessa disjunção e
de uma política territorial associada altamente polarizada. Desde meados dos anos 70, o
dinamismo do sudeste da Inglaterra como
cidade-região global fundamentou-se predo-
Regiões urbanas e sistemas
de planejamento espacial
minantemente em uma economia extraterritorial, derivada do papel da cidade como centro
Como observado anteriormente, novas geo-
financeiro global, amplamente desvinculado
grafias de política espacial estatal estão emer-
das cidades e regiões em declínio localizadas
gindo em toda a União Europeia, e se orientam
em outros lugares do Reino Unido. A ascensão
para os potenciais “endógenos” dos territórios
do thatcherismo nos anos 80 pode ser interpre-
subnacionais delineados, tais como regiões
tada como uma “declaração de independência
urbanas, que cada vez mais são encaradas
do sul da Inglaterra, comunidade dependente
como fundações geográficas do desempenho
de Londres como cidade global” (Taylor, 1995,
industrial nacional. Por exemplo, na Alemanha
p. 59). Entretanto, mesmo na Holanda, onde a
contemporânea, recentemente, a Lei de Plane-
região de Amsterdã/Randstad é amplamente
jamento Espacial ( Raumordnungsgesetz ) foi
considerada como o motor urbano da econo-
radicalmente redefinida com a finalidade de
mia nacional, a mobilização de políticas cen-
abandonar o tradicional projeto pós-guerra de
trais e locais ao redor do objetivo da formação
“equalização das condições de vida” em escala
de cidade global durante o final dos anos 80,
nacional, em benefício da promoção das regi-
implicou a construção de uma “coalizão de
ões urbanas, posicionadas como o mais impor-
crescimento urbano nacional” a fim de con-
tante “nível de implementação política” (Bren-
verter as cidades centrais, de provedoras de
ner, 1997b). Igualmente, na Holanda, o projeto
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pós-guerra de “desconcentração”, que tentou
expandir a urbanização para além dos aglomerados ocidentais de Randstad, foi radical-
Regiões urbanas e governança
metropolitana
mente revertido no final dos anos 80 por meio
de uma nova política de “cidades compactas”.
Em meio a esses reescalonamentos supraurba-
As estruturas nacionais revisadas para o pla-
nos, o problema de se construírem configura-
nejamento espacial holandês introduzidas nos
ções de organização territorial em escalas ur-
anos 90 também promoveram ativamente a
bano-regionais relativamente fixas continua a
recentralização do crescimento industrial den-
ser mais urgente do que nunca. As instituições
tro dos núcleos urbanos ocidentais (Amsterdã,
político-regulamentares das regiões urbanas
Roterdã, Utrecht e Hague) e definiram inequi-
são frequentemente fragmentadas em múlti-
vocamente a megalópole de Randstad como
plas agências e departamentos, com jurisdições
motor urbano-regional nacional de crescimen-
e tarefas diferentes. Ainda assim, o processo
to econômico (Faludi e Van Der Valk, 1994).
de globalização econômica está criando inter-
Reorientações bastante análogas de sistemas
dependências socioeconômicas mais densas
de planejamento espacial organizados na-
em escalas urbano-regionais que, em geral,
cionalmente se produzem em toda a União
suplantam o alcance de cada um desses níveis
Europeia (Albrechts e Swyngedouw, 1989).
administrativos. Os problemas de governança
Enquanto isso, no próprio nível da União Eu-
metropolitana estão, por conseguinte, voltan-
ropeia, o objetivo clássico de mediação da
do à frente das discussões e debates políticos
polarização núcleo-periferia por meio de polí-
em muitas cidades europeias. Enquanto os
ticas estruturais regionais está da mesma for-
debates sobre instituições metropolitanas du-
ma sendo redefinido para promover potenciais
rante as décadas de 60 e 70 concentravam-se
“endógenos” para o desenvolvimento econô-
predominantemente em questões de eficácia
mico regional por todo o espaço territorial eu-
administrativa e prestações de serviços locais,
ropeu (Tömmel, 1996). Essa tendência tende a
as discussões contemporâneas sobre gover-
intensificar-se à proporção que o programa de
nança regional enfatizam de modo crescente
estrutural de fundos é redefinido, em associa-
a necessidade de flexibilidade administrativa,
ção com a expansão da União Europeia. Co-
estratégias de desenvolvimento econômico
mo esses exemplos deixam claro, os espaços
coordenadas regionalmente e o problema da
estatais nacionalmente organizados em toda
competição interespacial global intensificada.
a União Europeia estão atualmente sendo re-
Nesse contexto, formas regionais de regula-
-hierarquizados e rediferenciados em um mo-
mentação têm sido justificadas como pré-
saico altamente desigual de espaços econômi-
-requisitos essenciais para a manutenção das
cos urbano-regionais relativamente distintos,
vantagens locacionais de uma cidade na eco-
cada um definido de acordo com sua posição
nomia mundial. Por toda a Europa, de Londres,
específica dentro das divisões supranacionais
Amsterdã, Roterdã, Bruxelas, Lyon e Paris até
do trabalho.
a aglomeração do Ruhr, Hanôver, Frankfurt,
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Globalização como reterritorialização
Stuttgart, Munique, Zurique, Bolonha e Milão,
a política econômica urbana está cada vez
mais diretamente ligada a diversas formas de
A organização territorial
das cidades globais
planejamento espacial, ao investimento e à
regulamentação em escalas regionais (vide
Entretanto, é basicamente na escala urbana
Lefèvre, 1998; Wentz, 1994). Essas formas de
que as capacidades produtivas de organização
cooperação regional recém-emergentes em
territorial são mobilizadas. Hoje, governos mu-
grandes regiões urbanas se baseiam em uma
nicipais em toda a Europa estão adotando di-
variante pós-fordista de “solidariedade” que
retamente esse objetivo, através de um amplo
implica uma lógica econômica de maximização
leque de estratégias de oferta, que abrangem
de competitividade de um espaço de produção
a demarcação, a construção e a promoção de
capitalista delimitado territorialmente, em vez
lugares urbanos estratégicos para desenvolvi-
de uma lógica social de redistribuição do exce-
mento industrial – por exemplo, centros empre-
dente econômico no espaço social de uma úni-
sariais, parques industriais, redes telemáticas,
ca “sociedade” coerente (Ronneberger, 1997).
terminais de transporte e marítimos e vários
Por outro lado, essa preocupação globalmente
outros tipos de estabelecimentos de varejo,
induzida em estabelecer formas regionais de
entretenimento e culturais. Essas formas emer-
regulamentação é frequentemente desafiada
gentes de “empreendedorismo urbano” foram
por pressões vindas de baixo em defesa da
extensivamente analisadas em relação ao pa-
autonomia local, de interesses específicos rela-
pel crucial das parcerias público-privadas para
cionados ao âmbito locacional e escalar e da
a facilitação do investimento de capital em
contínua fragmentação jurisdicional do Estado
megaprojetos situados em locais estrategica-
local (Ronnenberger e Schmid, 1995). Nessas
mente designados da cidade (Gottdiener, 1990;
condições, a organização territorial do Estado
Harvey, 1989c; Mayer, 1994). As Docklands lon-
se torna, ao mesmo tempo, arena e objeto das
drinas são talvez o mais espetacular exemplo
contendas sociopolíticas nas escalas regionais
europeu desse tipo de investimento estatal
e locais. Essas perspectivas opostas sobre a re-
maciço na infraestrutura urbana do capital
gulamentação regional se chocam dentro das
global, porém, exemplificam uma mudança
regiões urbanas contemporâneas, ocasionando
estratégica mais ampla na política urbana, que
disputas pelo controle regulatório do processo
pode ser observada nas cidades globais. Como
de urbanização mediado por meio de contesta-
Harvey (1989c, pp. 7-8) indica, tais megapro-
ção sociopolítica na(s) escala(s) de governança.
jetos financiados pelo Estado são designados
Enquanto as regiões urbanas em toda a Euro-
primariamente para melhorar a capacidade
pa competem entre si em busca de vantagens
produtiva de lugares urbanos dentro dos fluxos
locacionais nas hierarquias urbanas europeia
globais de valor, mais do que para reorganizar
e global, as escalas de organização territorial
as condições de vida e trabalho de modo mais
urbana e regional se tornam ainda mais im-
amplo dentro das cidades. Ao mesmo tempo,
portantes, como instrumentos regulatórios do
porém, as capacidades locacionais desses lu-
Estado e como locais de conflito sociopolítico.
gares urbanos dependem necessariamente de
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uma infraestrutura de organização territorial
É nesse sentido que a atual desnaciona-
relativamente fixa, que permita extrair e ca-
lização da urbanização, da acumulação e do
pitalizar valor em intervalos de tempo de cir-
poder territorial estatal abre espaço para que
culação globalmente competitivos. Em toda a
as próprias escalas se tornem objetos diretos
Europa, essa ligação entre os processos de re-
da disputa sociopolítica. Nessas circunstâncias,
escalonamento urbano e estatal está institucio-
as escalas não circunscrevem meramente as re-
nalmente incorporada no papel fundamental
lações sociais dentro de fronteiras geográficas
de várias agências paraestatais recentemente
determinadas, mas constituem um momento
criadas, envolvidas no planejamento e na co-
ativo, socialmente produzido e politicamente
ordenação do investimento desses megapro-
contestado dessas relações. Como campos de
jetos locais (por exemplo, a Organização para
força densamente organizados, nos quais o ca-
o Desenvolvimento das Docklands Londrinas,
pital transnacional, os Estados territoriais e as
a Organização para o Desenvolvimento Econô-
relações sociais localizadas se interceptam, as
mico de Rhein-Main em Frankfurt, a Organiza-
cidades globais são terrenos geográficos nos
ção para o Desenvolvimento do Aeroporto de
quais os riscos sociopolíticos dessa política de
Schiphol e muitas outras).
escala são particularmente substanciais, tanto
Essa ampla visão geral é apenas o início
em termos geopolíticos como geoeconômicos.
da análise das complexidades das várias esca-
A conclusão central política e analítica que
las geográficas nas quais essas disputas pela
emerge dessa análise é que os problemas de
organização territorial da governança urbana
governança urbana não podem mais ser con-
se desenrolam na Europa contemporânea e de
frontados simplesmente em escala urbana, co-
suas interconexões complexas e rapidamen-
mo dilemas de regulação municipal ou mesmo
te mutáveis. As escalas do poder territorial
regional, mas devem ser analisados também
do Estado representam o meio e o resultado
em escala nacional, supranacional e global do
dessa vertiginosa dialética multiescalar de
poder territorial do Estado, pois é basicamente
transformação “glocal”, que hoje se encontra
nessas escalas supraurbanas que a geografia
muito longe do fim. Os conflitos que surgem
política intensamente contraditória do neolibe-
em razão da organização territorial do Estado
ralismo é configurada.
em cada uma dessas escalas são, obviamente,
também condicionados pela configuração organizacional territorial de outras escalas sobre
as quais estão sobrepostos. Ao mesmo tempo, esses conflitos sociopolíticos circunscritos
Conclusão: escalonar
a política, politizar as escalas
podem se tornar altamente voláteis e “saltar
escalas” (jumping scales) (Smith, 1993) para
O atual desdobramento dos reescalonamentos
influenciar, reestruturar ou mesmo transfor-
de urbanização e do poder territorial do Esta-
mar a estrutura organizacional de configura-
do gerou uma transformação importante na
ções de escala mais amplas, nas quais estão
organização geográfica do capitalismo global.
enredadas.
As escalas espaciais de produção capitalista,
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Globalização como reterritorialização
urbanização e regulação do Estado estão sen-
geográficos. Essas configurações reescalonadas
do hoje radicalmente reorganizadas, de ma-
da organização territorial do Estado, por sua
neira tão drástica que vocabulários herdados
vez, transformam as condições sob as quais o
para descrever a hierarquia encaixada das
processo de urbanização se desdobra. Entre-
escalas que entrelaçam o capitalismo mundial
tanto, se essas estratégias desarticuladas de re-
não mais fornecem ferramentas de análise
territorialização nas cidades europeias podem
apropriadas para conceituar o caráter multica-
vir a estabelecer novas soluções espaciais para
madas altamente contraditório e densamente
acumulação de capital sustentada, a desordem
entrelaçado das práticas espaciais contempo-
global-local do final do século XX é um pro-
râneas. Ante a crescente dinâmica espaço-tem-
blema que só pode ser resolvido por meio das
poral “glocal” do capital, as infraestruturas ter-
próprias políticas de escala, através da contí-
ritoriais da urbanização e de regulamentação
nua disputa pelo controle hegemônico de lugar,
do Estado não mais se coalescem ao redor do
território e espaço.
nível de escala nacional. Enquanto as cidades
Henri Lefebvre (1995, 1991, 1978) argu-
hoje operam crescentemente como nódulos
mentou extensivamente que as disputas pela
urbanos em uma hierarquia urbana mundial,
organização territorial do processo de urbani-
os Estados estão se reestruturando rapidamen-
zação expressam o duplo caráter das escalas
te para melhorar a competitividade global de
espaciais do capitalismo, ou seja, seu papel
suas grandes cidades e regiões.
como estrutura para as relações sociais co-
Pelo fato de as regiões urbanas ocupa-
tidianas e como forças produtivas para os ci-
rem a interface altamente contraditória entre
clos sucessivos de acumulação de capital em
a economia global e o Estado territorial, elas
escala mundial. Portanto, cada escala na qual
se encaixam em uma multiplicidade de proces-
o processo de urbanização se desdobra simul-
sos sociais, econômicos e políticos organizados
taneamente vincula relações sociais dentro de
em escalas espaciais sobrepostas. A resultante
arenas geográficas determinadas, hierarquiza
política de escala no âmbito das instituições
lugares e territórios dentro de amplas configu-
político-regulatórias de grandes regiões urba-
rações de desenvolvimento geográfico desigual
nas pode ser interpretada como uma sequência
e intermedeia a disputa incessante do capital,
de experimentações, estratégias de tentativa e
buscando expandir seu comando e controle
erro para gerenciar essas forças intensamente
por todo o espaço abstrato da economia glo-
conflituosas, através de um processo contínuo
bal. As políticas de escala emergentes em rela-
de construção, desconstrução e reconstrução
ção à governança urbana nas regiões urbanas
de configurações relativamente estáveis da or-
contemporâneas apresentam ainda uma outra
ganização territorial. O reescalonamento da ur-
dimensão de organização territorial no âmbito
banização leva ao reescalonamento concomi-
do capitalismo, à qual Lefebvre também de-
tante do Estado, através do qual, simultanea-
votou considerável atenção – seu papel como
mente, a organização territorial é mobilizada
campo de práticas políticas potencialmente
como força produtiva e as relações sociais são
transformativas, onde “contraplanos“, “con-
circunscritas dentro de determinados limites
traprojetos” e “contraespaços” podem ser
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Neil Brenner
construídos (Lefebvre 1978, pp. 413-444; 1991,
Hoje, há uma necessidade urgente de novas
pp. 383-384). A organização territorial de go-
conceituações de escala para se obter uma so-
vernança urbana nas cidades contemporâneas
lução analítica – e política – para os atuais pro-
é, portanto, um enorme campo de batalha, no
cessos de reterritorialização e suas implicações
qual cada uma dessas dimensões entrelaçadas
na organização geográfica das relações sociais
de práticas espaciais se encontra sobreposta.
em uma era de globalização neoliberal.
Neil Brenner
Sociólogo. Universidade de Chicago. Chicago, Estados Unidos.
[email protected]
Notas
(*) Texto originalmente publicado em Urban Studies, v. 36, n. 3 (1999, pp. 431-451). Revisão técnica
de Elaine Philippe.
(1) Apesar de muito da teoria de estado de Lefebvre focar o papel do Estado como forma de territorialização do capital, ele também dedica atenção extensiva a formas nas quais o Estado opera
como o mais importante mediador ins tucional de desenvolvimento geográfico desigual do capital. A mediação do Estado no desenvolvimento geográfico desigual sempre ocorre por meio de
estratégias regulatórias historicamente específicas e formas ins tucionais que frequentemente
se erguem contra aquelas orientadas para a territorialização do capital. Sobre a teoria de estado
de Lefebvre, vide Brenner (1997a, 1998b).
(2) Na teoria de Mann (1998, 1993), vejo o atributo essencial do Estado territorial moderno em sua
forma territorialmente centralizada, em oposição a todos os outros agentes de poder no sistema do mundo capitalista (empresas capitalistas, associações cívicas, ONGs, etc.). Essa definição
leva a uma análise do processo de globalização contemporâneo, sobreposto à rede mundial de
territorialidades do Estado, mais do que significando uma erosão unilinear da territorialidade.
Em contraste, muitos autores que definem o Estado em termos de conexão isofórmica entre
território e soberania como detentor exclusivo dos processos econômico, polí co e/ou cultural;
ou como um local de sociedade e iden dade cole va interpretam as transformações contemporâneas como um processo de declínio do Estado (vide, por exemplo, Appadurai, 1996; Cerny,
1995; Ruggie, 1993).
(3) Após mais de uma década de controle central estatal sobre Londres, a Confederação da Indústria
Britânica (Confedera on of Bri sh Industry) promoveu a construção de uma Agência de Desenvolvimento Londrina responsável pelo planejamento do crescimento urbano de todo o sudeste;
enquanto isso, um Conselho Municipal de Londres foi recentemente aprovado por referendo
local. Na região de Frankfurt/Rhein-Main, várias facções polí cas e econômicas defenderam um
novo modelo moderno de governança regional sob a égide de um “Condado Regional de Rhein-Main”, que se encarregaria da organização local administra va e das capacidades produ vas
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Globalização como reterritorialização
sob uma única estrutura regulatória do Estado. Mesmo na região de Randstad na Holanda, onde
as propostas do Estado central para construir novas “cidades-província” regionalmente organizadas foram esmagadoramente rejeitadas em referendos locais realizados em 1995 em Amsterdã e Roterdã, novas formas de coordenação ins tucional informal estão, todavia, ainda sendo
desenvolvidas em Randstad para regulamentar e promover o crescimento urbano em escalas
regionais.
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Texto recebido em 14/jul/2010
Texto aprovado em 2/ago/2010
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A cidade de Vitória
e o porto nos princípios modernos
da urbanização no início do século XX
The city of Vitoria and the port in the early modern
urbanization at the beginning of the 20th century
Maria da Penha Smarzaro Siqueira
Resumo
As principais iniciativas de reforma urbana ocorridas em Vitória no início do século XX, no ideário
do poder público, aliaram saneamento, circulação
e remodelação da cidade. A noção de conferir a
Vitória um caráter moderno, no sentido do progresso e da civilidade, apoiou-se nos discursos
sanitaristas que direcionaram o projeto modernizador. Assim foi concebido um plano em três
dimensões: as obras de estruturação e aparelhamento do porto, saneamento da cidade e a reforma urbana. Seguindo o novo modelo urbanístico
que predominava no Brasil em fins do século XIX
e início do século XX, nos princípios da higienização/modernização europeia, Vitória aliou às reformas urbanas as obras do porto, enquanto agente
maior do progresso do Estado e da modernização
da cidade.
Palavras-chave: cidade; porto; modernização; urbanização; discurso político.
Abstract
The major initiatives of the urban reform project
occurred in the city of Vitória at the beginning of
the 20th century, considering the idea that the
public power had regarding the urban action on
the city combining sanitation, traffic, and urban
remodeling. The intention of attributing Vitória a
modern character according to the progress ideals
and on behalf of the civilization development was
supported by the hygienists’ speeches that gave
meaning to these reforms. In this context a plan
was designed in three dimensions: the structure
outworks and the port rigging, the city’s sanitation
and urban reform. Following the new predominant
town planning model in Brazil at the end of the 19th
century and during the first half of the 20th century,
influenced by European sanitation/modernization
ideas, Vitoria bounded the port recast to the urban
reforms, as the major agent of the state progress
and city modernization.
Keywords: town; port; modernization;
urbanization; political speech.
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Maria da Penha Smarzaro Siqueira
Introdução
econômicas e culturais. No campo do saber, a
razão, como exigência universal, promove o
desenvolvimento do saber científico e a racio-
O grande desenvolvimento das cidades, princi-
nalidade para explicar o mundo. Sob a ótica do
palmente a partir do final do século XIX e início
progresso e da modernidade, o europeu avança
do XX, tornou-se um dos principais fenômenos
para o século XX expandindo o sentimento de
que caracterizam o mundo contemporâneo. A
civilidade expresso, principalmente, nas formas
modernidade se alojou nas cidades, transfor-
modernas de interações sociais; agir, pensar e
mando-as em espaço perfeito para reprodução
se sentir de forma moderna, ou seja, estabilizar
de sua prática, suas inovações e suas contra-
e propagar a “cultura do moderno” (Rouanet,
dições. Nesse sentido, cidade e modernidade
1999).
serão o verso e o reverso de um novo tempo,
É na cidade que se dá a realização das
marcado, simultaneamente, por um lado, de
mudanças promovidas pela modernidade, em
novos conflitos e, por outro, “em meio a uma
um movimento dinâmico, abrangente aos di-
desconcertante abundância de possibilidades”
versos segmentos da sociedade: civil, político,
(Berman, 1997, p. 21).
econômico e religioso, estendendo-se aos de-
Para Berman (ibid.), o século XX marca a
mais grupos que nela vivem e sobrevivem. Sua
última fase do projeto sociocultural da moder-
infraestrutura urbana, além de fundamental
nidade (iniciado em meados do século XVI),1 na
para o desenvolvimento econômico, promove a
qual se dá uma grande expansão do processo
construção diversa de representações refletindo
de modernização, abarcando o mundo todo, e
a realidade socioeconômica, cultural e política.
a cultura mundial da modernidade alteraria,
Nessa perspectiva, a ideia do progresso
com triunfo, as condições econômicas, sociais
vai caminhar aliada à ideia de civilidade, ne-
e o pensamento humano, sob novos conceitos
cessária à força modernizadora que ultrapassa
de política e valores. Nesse percurso histórico,
os limites do tradicional atraso, derrubando
a cidade vivenciou os paradigmas do moder-
padrões e valores antigos, dando lugar a no-
no e o ideário da modernidade em contraste
vos paradigmas universais de pensamento e
com o antigo e com o tradicional, principal-
ação.
mente na Europa Ocidental, onde essa noção
Nessa trajetória, as cidades mudam e, no
representava o que estava estabelecido antes
Brasil, a partir do final do século XIX e início do
da industrialização, de sua expansão e de seus
XX, essa força modernizadora ganha destaque
benefícios.
quando se colocam em prática ações de um dis-
A modernidade colocava novas pers-
curso no qual se privilegiam a urbanização e a
pectivas no processo de desenvolvimento das
higienização das cidades, delimitando os distin-
sociedades, principalmente a partir do século
tos espaços urbanos; o político, o econômico, o
XVIII, com o movimento intelectual e cultural
habitacional e o cultural na funcionalidade da
do Iluminismo, que exerceu profunda influên-
urbe. Aqui se estabelece o grande momento de
cia no pensamento e nas ações da humanida-
mudança das cidades brasileiras, com destaque
de, em dimensões filosóficas, políticas, sociais,
para as cidades portuárias.
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A cidade de Vitória e o porto...
Historicamente os portos são a entrada
de mercadorias, costumes e valores, ou desvalores, pensamento comum desde a antiguidade
clássica. Os portos as cidades portuárias têm
distribuição de riquezas e à melhoria do
sistema de transporte, daria novo incentivo às funções comerciais dos núcleos
urbanos, estimulando o desenvolvimento
dos portos.
desempenhado, ao longo dos tempos, um papel determinante no desenvolvimento do mun-
A partir da segunda metade do século
do moderno, constituindo-se como os principais
XIX, começam a ocorrer, no Brasil, alguns mo-
"nós" de uma rede de fluxos comerciais, finan-
vimentos importantes que vão criar novas
ceiros, de mercadorias e de informação, em es-
perspectivas na estrutura econômica e social
cala global (Dal Ri Júnior, 2004). A identidade
do país, contribuindo para o desenvolvimento
portuária e marítima das cidades sempre repre-
relativo do mercado interno e estimulando o
senta fator estratégico de desenvolvimento e o
processo de urbanização. Nesse quadro inicial
porto, naturalmente, integra-se à paisagem da
de mudanças se incluem, num contexto refor-
cidade como uma referência de vida urbana.
mador, a transição do trabalho escravo para o
É no contexto dessas questões que de-
trabalho livre, a instalação da rede ferroviária,
senvolvemos nosso trabalho, tendo como lócus
a entrada de imigrantes estrangeiros, o movi-
de pesquisa a cidade de Vitória (capital do Espí-
mento republicano, as tentativas de industriali-
rito Santo, situado no Sudeste do Brasil), e seu
zação e o desenvolvimento do sistema de cré-
porto, na lógica da modernização urbana do
ditos. Esses movimentos derrubaram obstáculos
início do século XX.
na trajetória do Brasil para a modernidade e
para a urbanização (ibid.).
O grande incremento urbano pelo qual
A cidade e as mudanças
urbanas no Brasil
passavam determinados países europeus a partir do final do século XIX, refletidos nos aspectos econômico, científico, cultural e material,
expressos no ideal da Belle Époque,2 caracteri-
Desde o início do século XIX, com a transferên-
zado por uma nova maneira de o homem ver e
cia da sede do governo português para o Brasil
pensar o mundo, refletia-se no mundo ociden-
e a abertura dos portos, em 1808, promovendo
tal e, principalmente, no Brasil, que buscava se
o rompimento do sistema de monopólio até en-
inserir no contexto do “moderno” procurando
tão predominante, e a Independência, em 1822,
estabelecer no país modelos que simbolizas-
criaram-se novas condições para o processo de
sem civilidade dos centros mais desenvolvidos
urbanização. De acordo com Costa (2007, p.
da Europa, que representavam o centro dinâmi-
186), a interação do Brasil em movimentos in-
co da modernidade e das reformas urbanas.
ternacionais de comércio,
[...] eliminando a mediação portuguesa,
numa fase em que o mercado internacional se achava em plena expansão graças
ao crescimento da população, à maior
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No Brasil, o processo de europeização se
dá pela importação de noções fundamentais
do mundo moderno, ainda que inicialmente
pelo viés da dimensão comercial. A chegada
da modernidade europeia, pautada nas bases
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Maria da Penha Smarzaro Siqueira
capitalista, é tardia no Estado brasileiro. No en-
como um código de valores que implementa-
tendimento de Souza (2000), as ideias burgue-
va um modelo, na égide da civilidade europeia,
sas e os valores universais entram no Brasil no
materializando-se, sobretudo, na Inglaterra e
século XVIII através do movimento mercantil,
na França. As mudanças que se processavam
que trazia também noções de civilidade “a mo-
no Brasil – desenvolvimento das redes de
dernidade chega ao Brasil de navio, na esteira
transportes; abolição da escravatura; imigração
da troca de mercadorias” (ibid., p. 245).
e industrialização –, enquanto agentes práticos
Essas considerações nos remetem ao
que simbolizavam modernidade, estimularam
pensamento clássico de que os portos são a
a urbanização, mas não foram suficientes para
entrada de “mercadorias, costumes e valores”.
alterar de forma efetiva a orientação da econo-
No Brasil, esse movimento vai estabelecer o
mia (Costa, 2007).
ideário da modernidade, aquele da Europa Mo-
Assim, os padrões tradicionais de urba-
derna e não ibérica, que desembarca no início
nização também não sofriam alterações, com
do século XIX com a chegada da Família Real
exceção dos principais centros portuários ex-
e que traz elementos importantes de uma or-
portadores. As cidades permaneciam com suas
dem moderna. As mudanças que passam a se
funções urbanas limitadas e pouco se trans-
processar no Brasil desde o início do século
formavam. A historiografia registra o grande
XIX perpassam a noção de modernidade, im-
contraste que havia entre as cidades portuárias
pulsionando mudanças culturais, econômicas,
mais movimentadas e mais modernizadas e os
ideias liberais e de conhecimento, mas como
núcleos urbanos do interior, que se mantinham
resultado de uma forma específica de euro-
na condição de extensões das zonas rurais. No
peização ou reeuropeização. Trata-se de uma
final do século XIX e início do XX, a industriali-
revalorização de valores ocidentais da cultura
zação viria promover a ampliação das funções
europeia (Freire, 1990). Esse processo ganha
urbanas e alterar o perfil de algumas cidades,
vulto nas principais cidades brasileiras, a partir
incluindo cidades não portuárias, mas que se
da independência (1822), principalmente com
destacavam pela existência de um mercado
a instauração dos princípios de uma nova cul-
interno mais desenvolvido e com melhor in-
tura urbana, que passa a considerar a oposição
fraestrutura na área de transporte, principal-
entre valores locais tradicionais e os valores
mente ferroviário. A ideia do progresso aliada
europeus, mais universais e modernos, inicial-
à indústria, embora em estágio principiante,
mente estabelecidos na cidade do Rio de Janei-
passa a ganhar espaço ao lado da prosperida-
ro, então capital do Brasil.
de promovida pela dinâmica da economia ca-
Até o final do século XIX, as noções de
feeira (ibid.).
modernidade e a modernização, aliadas à ur-
Nesse contexto, novos fatores viriam a se
banização, fizeram-se dentro dos limites das
somar aos já existentes, promovendo mudanças
cidades político-econômicas mais importan-
sociais, econômicas e urbanas nas mais impor-
tes do país. As principais funções urbanas se
tantes capitais brasileiras, sobretudo naquelas
concentraram nos centros exportadores, que
de crescimento emergente, localizadas na re-
assimilavam os princípios de modernidade
gião Sul e Sudeste do país.3
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A cidade de Vitória e o porto...
As cidades iniciaram, na ultima década
Foi inegável a crescente força da ideolo-
do século XIX, um processo de modernização
gia da higiene sobre alguns setores da socieda-
que priorizou, notadamente, até os anos de
de brasileira da época, noção que vai percor-
1930, a infraestrutura, o saneamento/higieni-
rer o ideal de reforma urbana até meados do
zação e o embelezamento urbano dos antigos
século XX, aliando o pensar médico e o saber
centros, na busca pelo ideário do moderno e ci-
técnico da engenharia. A higiene das cidades
vilizado. Os grandes centros urbanos brasileiros,
tornara-se um tema para a administração pú-
num movimento sincronizado, vão perdendo as
blica e os engenheiros sanitaristas se transfor-
suas vestes arcaicas que trazem desde os tem-
maram então nos grandes pensadores urbanos
pos coloniais. Nesse movimento, observamos
do país (Abreu, 2002).
que na passagem do século XIX para o XX, no
Nas cidades litorâneas, essa política tam-
conjunto da modernização urbana, a reforma
bém se desenvolvia acompanhada de projetos
portuária e o saneamento urbano entram em
de ampliação e modernização das instalações
pauta como signos do progresso econômico e
portuárias, para adequá-las à economia agro-
da instalação da modernidade. Exemplos des-
exportadora e para inserir as cidades nos fluxos
te processo são a cidade do Rio de Janeiro e
globais ligados ao movimento comercial. Assim,
a cidade portuária de Santos, modelo seguido
os planos de urbanização se apoiavam em três
pelas demais cidades portuárias do Brasil.
vertentes: a primeira, a do enfrentamento e eli-
O progresso científico na área da saúde
minação de epidemias com ações sanitaristas;
contribuiu muito para a prática higienista que
a segunda, das medidas que visavam ao remo-
acompanhou as transformações implementa-
delamento do espaço urbano e a terceira, a da
das no espaço urbano e na habitação popular
modernização das estruturadas portuárias.
coletiva (estalagens, cortiços, casas de cômo-
Os Códigos Municipais estabeleciam as
dos e vilas) que apresentavam um quadro de
regras para a higienização das propriedades
insalubridade no qual se agravavam periódicos
públicas e privadas e para a limpeza pública da
surtos de epidemias que atingiam as principais
cidade. No que se refere à fiscalização, o poder
cidades brasileiras. Para a adoção dos princí-
público estabelecia Inspetorias Sanitárias, con-
pios sanitaristas nas práticas urbanas, as inicia-
tando com fiscais do Serviço Sanitário do Esta-
tivas exigiam, num primeiro plano, demolições
do, para o trabalho de inspeção das condições
e saneamento de áreas inundáveis, degradadas
higiênicas e para fazer cumprir as determina-
e insalubres, para promover a abertura de es-
ções previstas na legislação. Nessa perspecti-
paços públicos disponíveis para novos investi-
va, leis e normas apoiadas na necessidade de
mentos urbanos, a eliminação de focos de con-
limpar a cidade, abrir espaço de circulação, are-
centração de epidemias e o estabelecimento de
jamento e no combate as doenças epidêmicas
normativas para as construções. A inclusão de
que não representavam novidade para a po-
alguns sistemas de infraestrutura, como redes
pulação brasileira, “ganham atualidade e são
de água e de esgoto, são exemplos em que se
combinadas com as mais modernas descober-
percebe a inclusão conectada à modernização
tas científicas do campo biológico” (Bertucci,
urbana.
1996, p. 83).
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Maria da Penha Smarzaro Siqueira
A ideia da salubridade, como meio de ga-
reformas, na lógica do progresso e em nome
rantir e prevenir doenças contagiosas, aliada à
do alcance da civilização. Esse discurso estará
intervenção transformadora no espaço urbano,
presente em todas as capitais brasileiras, pro-
passava de forma articulada entre os planos
movendo as reformas urbanas, com influência
de reformulação e ordenamento do espaço e
europeia para pautar a urbanização, os melho-
os projetos das obras de desenvolvimento do
ramentos e o embelezamento das cidades.
porto. O espaço de circulação comercial, de en-
No âmbito das intervenções do planeja-
trada e saída de mercadorias, obrigatoriamente
mento urbano, os princípios da cidade moderna
deveria ser higienizado, afastando as condições
nas propostas para as áreas centrais portuárias
de insalubridade e precariedade. É nesse con-
estarão diretamente associados à higienização
texto que o projeto de salvar a cidade de epide-
do espaço urbano e à medicina urbana, dian-
mias que ameaçavam a saúde pública priorizou
te do rápido crescimento comercial dos portos,
as reformas urbanas no final do século XIX e
em função da dinâmica da economia cafeeira,
início do XX, em nome da modernidade.
que expandia as atividades e o movimento
As cidades portuárias sempre constituí-
portuário para além dos limites predefinidos
ram um suporte fundamental no processo de
tradicionalmente no espaço urbano, fato que
desenvolvimento. Com as exigências às novas
intensificava a associação funcional e espacial
estratégias da reformulação urbanística, as
direta entre cidade e porto.
mesmas deveriam estar em sintonia com os objetivos comuns conjugados na relação cidadeporto. Relação onde se cruzam, no mesmo espaço de interesses interligados em favor do desenvolvimento, o porto (com seu componente
maior orientado para as relações econômicas,
principalmente externas, projetando a cidade
em âmbito nacional e internacional) e a cidade
(voltada para a promoção do bem-estar de sua
população, conciliando o desenvolvimento econômico com as condições de vida urbana).
A interdependência porto-cidade, que
se estabelece nas cidades portuárias, e a forma como ambos se afetam mutuamente em
De acordo com Pechman e Fritsch (1985,
p. 142)
A descoberta da insalubridade estava
detrás da crise que se desenvolvia nas cidades em franco processo de crescimento
[...] iria levar à fundação da urbanística
moderna. A higienização das cidades demandava a adoção de medidas tão amplas em seu tecido urbano que, no fim e
ao cabo, saneá-las acabava por significar
reformá-las em toda sua amplitude [...]
tratava-se, em verdade, de replanejar as
cidades, de escorá-las em novos fundamentos, de submetê-las a novas formas
de organização.
termos de uso do espaço sempre exigiu a de-
No início do século XX, a cidade do Rio
finição de estratégias urbanísticas promovendo
de Janeiro, principal porta de entrada do país,
uma harmonia e uma cooperação entre o porto
maior centro urbano nacional e capital do Bra-
e a cidade, conciliando o movimento portuário
sil, abrigava o mais importante porto brasileiro
e a diversidade da vida urbana.
(Follis, 2004) e materializou todo o interven-
Nessa perspectiva, o discurso sanitaris-
cionismo urbano, sobretudo nas obras de me-
ta/higienista vai dar forma e sentido a essas
lhoramentos do porto “no aterro de pântanos,
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A cidade de Vitória e o porto...
na construção do sistema de esgoto sanitário,
era fundamental escoar o café das distantes
na condenação das habitações coletivas, e no
fazendas até os portos. A construção das fer-
apoio a um urbanismo que promovia a cons-
rovias dinamizou a comercialização do café e
trução de ruas largas e de ‘casas higiênicas’”
os serviços de melhoramentos dos portos. Esse
(Abreu, 2002, p. 168), que o processo de mo-
processo veio promover as primeiras iniciati-
dernização urbana colocou em marcha. A
vas para as novas intervenções urbanas, que
capital superava o urbano modesto do século
passariam a mudar o perfil das cidades que se
XIX, avançando na modernização técnica do
despiam das antigas configurações coloniais
sistema urbano e na construção de um cenário
e ganhavam um perfil urbano mais moderno,
burguês.
marcando a emergência de um urbanismo liga-
A partir do início do século XX, esse pro-
do ao sanitarismo e à engenharia (ibid.).
cesso de modernização urbana, que já vinha
Nessa perspectiva histórica, as cidades
sendo implementado de forma tímida, passou
portuárias brasileiras, principalmente enquan-
a sofrer intensas alterações nas cidades, onde
to espaço de intercâmbio comercial interno e
o poder público passou a colocar em prática
externo, desenvolveram uma estreita relação
critérios técnicos aliados ao ideário higienista,
entre o cotidiano urbano e o porto no contexto
viabilizando as grandes reformas urbanísticas.
das reformas urbanas e os ideais de moderni-
Reis Filho (2000, p. 100) diz que:
As mudanças institucionais estabelecidas
pela República, principalmente a completa [...] liberdade de organização empresarial que permitiu em curto prazo o início
da exploração dos recursos tecnológicos
já disponíveis no mercado internacional
e a concessão de autonomia aos estados e municípios, para a instalação de
infra-estrutura [...] foram de fundamental importância e necessárias [...] para a
modernização técnica do sistema urbano
e dos padrões urbanísticos das cidades
brasileiras [...].
No final do século XIX e início do XX,
dade e do capitalismo.
Em Vitória, a construção do porto e o saneamento da cidade no início do século XX foram obras interligadas no quadro de transformação urbana e fizeram parte de um processo
através do qual se reorganizaram o espaço e a
própria face da cidade, num plano que articulou
as obras de estruturação e o aparelhamento do
porto, o saneamento da cidade e as primeiras
iniciativas de reforma urbana.
A cidade de Vitória e o porto
o aperfeiçoamento e a expansão do sistema
ferroviário simbolizavam o progresso no país,
No final do século XIX, Muniz Freire,4 presiden-
marcando as inter-relações entre economia
te do estado do Espírito Santo, assim se referia
cafeeira-ferrovia-porto. Se, de certa forma, no
à capital (Vitória) e ao porto:
plano nacional a ampliação das ferrovias visava atender às necessidades de integração
nacional, nas cidades portuárias essa iniciativa
seria coroada por razões de ordem econômica,
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Vitória, cidade velha de aspecto colonial,
pessimamente construída, sem alinhamento, sem esgoto, sem arquitetura, seguindo os caprichos do território, apertada
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Maria da Penha Smarzaro Siqueira
entre a baía e um grupo de montanhas,
não tem campo para desenvolver-se sem
a dependência de grandes despesas. Entretanto possui um porto em condições
admiráveis, indiscutivelmente muito superior a todos os outros do Estado e um dos
melhores do Brasil. (Freire, 1896, p. 17)
e de transporte estadual e urbana da capital
(Siqueira, 1995).
Apesar de toda a deficiência dos métodos de produção e dos meios de transporte, no
final do Império, o Espírito Santo já marcava
sua presença como um dos grandes produtores nacionais de café, enquadrando-se na con-
A cidade de Vitória5 teve seu desenvolvi-
juntura econômica brasileira, tradicionalmente
mento inicial nas proximidades do porto. Junto
estruturada na produção de poucos produtos
ao porto, em terrenos conquistados com ater-
para exportação. A agricultura de exportação
ros, surgiram as primeiras ruas de comércio da
constituía a base da econômica no Brasil, sen-
parte baixa, onde se instalaram os trapiches. Do
do o café o produto principal e maior gerador
lado da colina, voltadas para o interior, havia
de rendas e riquezas, marcando a economia
algumas outras ruas ao redor de uma pequena
nacional, desde o início do século XIX até a dé-
enseada, aonde chegavam pequenas embarca-
cada de 1930, quando o Brasil inicia seu pro-
ções. Até o final do Império, as ruas estreitas, o
cesso de desenvolvimento industrial. Processo
porto desorganizado com trapiches, um simples
esse que vai superar a agricultura na compo-
cais de madeira, o trânsito de centenas de car-
sição do Produto Nacional Bruto somente em
roças e as epidemias marcavam o espaço urba-
meados dos anos de 1950 (Fausto, 2008).
no da capital capixaba, que mantinha um perfil
tipicamente colonial.
No Brasil, o desenvolvimento e a modernização dos principais portos estão, ao longo
A partir desse contexto, podemos visua-
da história, intimamente ligados à economia
lizar como ocorreram as mudanças urbanas
cafeeira. Em Vitória, como nas demais cidades
iniciais em Vitória, apoiadas nos marcos da
portuárias e exportadoras de café, os portos
modernidade, em princípios capitalistas e em
cresceram se mantendo por muito tempo em
valores burgueses que viriam a orientar a evo-
condições insalubres, com o mínimo de meca-
lução urbana da cidade ao longo do século XX.
nização e espaços desorganizados. Além desse
Nessa perspectiva, estruturou-se um plano de
quadro de precariedade, as condições de higie-
reformulação urbana em três dimensões; as
ne e salubridade do porto e da cidade compro-
obras de estruturação e o aparelhamento do
metiam o trânsito socioeconômico urbano, pro-
porto, o saneamento da cidade e a reforma
piciando o aparecimento de doenças de caráter
urbana, aspectos que marcaram o perfil socio-
epidêmico. Esse cenário, principalmente nos
espacial da cidade, dinamizado pelo comércio
portos de Santos e do Rio de Janeiro, começa a
do café que direcionava as relações cidade-
sofrer algumas alterações a partir da indepen-
porto. O crescimento da economia cafeeira
dência (1822).
mostrava o que era preciso para o desenvol-
Desde o meado do século XIX que come-
vimento da produção e comercialização do
çaram a se delinear planos de melhoramentos
café e alertava os governos do Estado quanto
dos portos, visando atender as necessidades
à ausência de infraestrutura socioeconômica
sempre crescentes do movimento comercial
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A cidade de Vitória e o porto...
marítimo, principalmente em função da expor-
No início da República (1889), teve iní-
tação do café, produto que comandava as ex-
cio um modesto processo de desenvolvimento
portações do país e que naturalmente passaria
da cidade de Vitória, com a construção de pré-
a exigir melhoramentos nas precárias condi-
dios públicos, tendo como modelo as linhas do
ções de atracação e operacionalidades dos por-
urbanismo francês, alargamento de ruas para
tos. Nessa tendência, o porto do Rio de Janeiro,
abrigar as novas casas comerciais e as empre-
principal porto brasileiro e maior exportador de
sas de importação e exportação de café. A au-
café do país, seguido pelo porto de Santos, são
sência de infraestrutura agravava o quadro das
os marcos iniciais do processo de moderniza-
constantes epidemias que se mantinham pre-
ção (organização e aparelhamento) portuária
sentes na capital, sendo, nesse sentido, e com
nacional no final do século XIX. O porto de Vi-
o objetivo de afastar focos de doenças, que se
tória vai iniciar esse processo somente a partir
buscou alargar as ruas centrais próximas ao
6
de 1908.
porto, onde se concentravam o comércio, as
Nos primeiros tempos da República até
primeiras casas de importação e exportação e
a primeira década do século XX, Vitória ainda
a sociabilidade urbana. Entretanto, o problema
não havia sofrido alterações em seu espaço
persistia e as intervenções seguintes realiza-
urbano, mantinha seu traçado colonial, regis-
das até o final do século XIX e início do sé-
trado nos trapiches e pequeno cais de madei-
culo XX, principalmente aquelas realizadas no
ra que atendiam ao porto, nas ruas estreitas
primeiro governo de Muniz Freire (1892-1896),
e desalinhadas, nas edificações, nas ladeiras
direcionavam-se a intervir na urbanização do
e escadarias ligadas à parte plana beirando o
centro da cidade com o propósito de mudar
mar, a cidade alta, que concentrava a elite, e
as condições de precariedade com obras de
o poder local (político e religioso), na falta de
saneamento e aterros de áreas pantanosas e
saneamento e no contexto socioeconômico. Os
alagadiças, aliando aos trabalhos, as primeiras
morros e o mar marcavam os limites permitin-
tentativas de estruturação do porto de Vitória
do a ocupação em uma estreita faixa na parte
(Pires, 2006).
baixa da cidade expandindo-se para a parte al-
Apesar das crises de mercado e de pro-
ta fronteira ao mar. O maior problema urbano
dução que atingiam a economia cafeeira, a
centrava-se na questão do saneamento. Não
expansão e a prosperidade desse produto agrí-
se registrava nenhum tipo de infraestrutura,
cola, aliadas à grande demanda e ao aumento
água, esgoto e energia (Derenzi, 1965).
de preços no mercado externo, diversificavam
Vitória abrigava em 1900 um total de
os comércios locais. Em Vitória, as atividades
11.850 habitantes, e as relações de trabalho se
comerciais relacionadas ao café/movimento
concentravam principalmente nas funções ad-
do porto, intensificavam a função comercial
ministrativas, no comércio e em poucas ativi-
da cidade. E foi para acolher e dinamizar esse
dades liberais (Oliveira, 2008). Todo movimen-
comércio que se desenvolveram as primeiras
to se dava no centro, nas mediações do porto,
obras de aterros na parte plana da cidade, pró-
notadamente na Rua da Alfândega e na Rua
xima ao porto, alargando e aproximando ruas
do Comércio.
7
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até as mediações do cais do Imperador.8
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Maria da Penha Smarzaro Siqueira
A antiga aspiração política de transformar Vitória em um grande centro comercial,
e abrigo natural de novas ideias de progresso,
melhoramentos e mudanças”.
em função do seu porto, vai começar a se ma-
As mudanças que se processaram a partir
terializar a partir de 1908, no início do governo
do governo de Jerônimo Monteiro seguiram um
de Jerônimo Monteiro (1908-1912). No sentido
novo e amplo conjunto de reformas urbanas,
de que o porto traz tradições, novos conceitos
buscando incorporar à capital um modelo mo-
e negociações, e que essa tradição divulga o
derno de hábitos e urbanização, tendo o centro
porto e consequentemente a cidade de origem,
da cidade como referência maior para implan-
Vitória, a partir desta época, começa a se es-
tação de obras, diante da emergência de ações
truturar num plano de urbanização aliando
públicas em investimentos em infraestrutura
cidade/porto. A emergência não estava apenas
urbana.
em urbanizar a cidade, e sim em urbanizar pro-
A centralidade da cidade, enquanto por-
movendo condições para o desenvolvimento e
to, estava atraindo comerciantes e alterando o
expansão do porto.
perfil da população. Os antigos problemas ur-
O crescimento do porto estabeleceu a
banos viam-se ampliados com o movimento do
necessidade de uma remodelação urbana, nu-
porto que, sem nenhuma estrutura e/ou siste-
ma concepção que envolvia ações de saúde
ma de vigilância sanitária, agravado com a si-
público-sanitária, medidas vinculadas aos no-
tuação urbana de insuficiente sistema de água
vos pressupostos de higienização que se alia-
e esgoto e moradias precárias, fazia com que a
vam ao projeto de tornar o porto moderno e
cidade fosse constantemente assolada por epi-
organizado, buscando eficiência comercial e
demias (Monteiro, 1909).
operacional, pautada no binômio civilização e
Tendo como prioridade as obras de sa-
progresso. Princípios que envolviam o plano de
neamento público da capital, os trabalhos se
urbanização da cidade em vários aspectos.
desenvolveram no sentido de estabelecer um
Nesse contexto, as principais cidades
sistema de água, esgoto, energia e, inclusive,
brasileiras no final do século XIX e início do
bondes elétricos, aterro de mangues, cons-
XX, preparavam-se para dar passagem a um
trução de parques, construção de novas ruas,
processo de transição para uma cidade capi-
alargamento e calçamento de ruas antigas,
talista. Embora a predominância estivesse
construção de edifícios públicos, da Santa
sob domínio do capital mercantil, a nova po-
Casa de Misericórdia e enterramento de ce-
lítica econômica republicana era determinante
mitérios localizados no centro da cidade per-
quanto à necessidade de mudanças urbanas,
tencentes às irmandades religiosas existentes
adequando as cidades ao crescimento eco-
na capital,9 construção de um novo cemitério
nômico e às atividades de exportação. Em
público, em local distante do centro e das
Vitória, a reestruturação do espaço urbano
mediações da área comercial e residencial, o
vai atender aos ideais da economia mercantil
existente ficava em anexo ao Convento de São
pautada num ideário universal de que “as ci-
Francisco, na cidade alta. “Monteiro elaborou
dades representavam, o locus da modernidade
os primeiros processos transformadores de ur-
e lugar de culminância de novas sociabilidades
banização ocorridos em Vitória e preparou a
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A cidade de Vitória e o porto...
Figura 1 – Cidade e porto em 1910
Fonte: Acervo da Biblioteca Pública Estadual. Vitória.ES. Vista de Vitória em 1910. Cais do Imperador e Cais da Alfândega.
cidade para um projeto maior de urbanização
como cartão postal do estado, devendo estar
moderna, ocorrida posteriormente no governo
limpa e saneada em todos os aspectos” (Pa-
de Florentino Ávidos (1924-192)” (Siqueira,
lácios, 2007, p. 136). Neste caso, percebemos
1995, p. 79). A Figura 1 mostra a cidade e o
que as ações se realizavam não por uma mo-
porto em 1910.
tivação unicamente política e econômica, mas
Toda essa preocupação relacionada à
também pela relevância do caráter ideológico
questão de higiene na capital inseria-se num
do projeto modernizador da cidade, que funda-
contexto de saneamento material e ideoló-
mentou a gestão do governo de Monteiro, num
gico que se buscava impor aos habitantes de
projeto público voltado para a reformulação do
Vitória. “Seria necessário não só dotar a cida-
espaço urbano, buscando atender um conjunto
de de infraestrutura, mas também moldar com
de demandas socioeconômicas e políticas in-
hábitos higiênicos as camadas sociais, desde
terligadas num quadro de mudanças gerais da
as mais humildes, pois Vitória se apresentaria
capital.
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O perfil urbano de Vitória muda a partir
da primeira década do século XX, reforçando as
portuários atrelados à função comercial (ibid.,
p. 46).
funções urbanas da cidade no sentido comer-
Para isso, foram projetados inicialmente
cial. Até os anos 1950, Vitória vai manter sua
os aterros de mangues e áreas alagadiças da
função administrativa, enquanto sede política
região central da cidade e aterros ao longo da
do governo estadual, aliada à função comer-
parte fronteira ao Palácio do Governo (região
cial e à de prestação de serviços. “O espaço
de abrigo do Cais do Imperador), para alarga-
urbano expressava a modelação impressa pela
mento de ruas, possibilitando as obras do porto
lógica comercial” (Campos Júnior, 2002, p. 45).
de Vitória. Região nobre e privilegiada da cida-
A dinâmica econômica local dava-se pelo mo-
de, a área do cais do porto completava o ce-
vimento comercial do porto voltado, eminente-
nário composto pelo antigo conjunto arquite-
mente, para o comércio exportador do café.
tônico, a escadaria, o palácio e a Igreja de São
A função de porto natural da capital
Tiago, aglomerado na cidade alta em frente ao
capixaba permitia acessibilidade do café, em
mar. Esse conjunto foi despido do simples estilo
princípio só da região central e posteriormente
colonial para receber uma nova roupagem com
de todo estado, a outras regiões do país e ao
a completa reconstrução do Palácio do Gover-
mercado externo. Tal condição dava a Vitória
no e seu conjunto, seguindo um estilo fran-
a especificidade para desenvolver os serviços
cês, nobre, moderno e suntuoso (Bittencourt,
Figura 2 – Palácio Anchieta e escadaria – 1908
Fonte: Arquivo Público Estadual. Vitória. ES. Palácio Anchieta e escadaria em 1908. Em frente ao Cais do Imperador.
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A cidade de Vitória e o porto...
2006).10 Nesse plano de reconstrução, a fren-
porto, em 1911, com trabalhos de drenagem
te do palácio se transporta da lateral (lado da
do banco do porto e aterros às margens do
Igreja São Tiago para a parte fronteira ao Cais
canal, a fim de expandir o espaço físico para
do Imperador, ficando o ponto nobre da cida-
construção da primeira seção e segunda seção
de assim composto: palácio/escadaria/porto.
do cais, devendo formar uma plataforma on-
A Figura 2 mostra o palácio e a escadaria em
de seriam construídos seis armazéns de 75 por
1908.
15 metros cada um. Três dos armazéns seriam
Das principais áreas alagadas do centro,
destinados exclusivamente à exportação de
a região do Campinho recebeu drenagem e
café, e os outros dois destinados à importação
aterro e no seu lugar se estabeleceu a principal
e exportação diversa. As duas estradas de fer-
área de lazer da cidade o “Parque Moscoso”,
ro, a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo e a
local de grande empreendimento paisagístico,
Estrada de Ferro Vitória Minas Gerais construi-
preferido para residências das elites mais abas-
riam, nesta plataforma, uma estação para em-
tadas da capital.
barque e desembarque de suas mercadorias. O
Aliadas aos projetos de melhoramentos
porto seria dotado de equipamentos técnicos e
urbanos, tinha seguimento as obras de constru-
mecânicos modernos, para o serviço de carga e
ção do porto. Em maio de 1910, a Companhia
descarga de mercadorias (Siqueira, 1995).11 A
Porto de Vitória assinou contrato com a firma
Figura 3 mostra o cais e os trapiches do porto
C.H.Walker & Cia., que deu início às obras do
em 1911.
Figura 3 – Porto de Vitória e trapiches – 1911
Fonte: Arquivo da Codesa. Vitória. ES. Porto de Vitória e trapiches em 1911.
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Entre 1911 e agosto de 1914, os trabalhos
populares, ruas pavimentadas, praças e jardins
de melhoramentos do porto desenvolveram-se,
públicos, o Palácio do Governo Estadual e sua
com obras internas no canal, e externas, ini-
escadaria reformados com nova arquitetura. O
ciando o lançamento de concreto nos alicerces
transporte urbano, antes de tração animal, foi
do cais, quando foram interrompidos devido à
eletrificado, estendendo-se ao longo da cida-
crise financeira provocada pela Primeira Guerra
de, atingindo bairros próximos ao centro e as
Mundial, permanecendo paralisadas até 1924.
obras do porto em pleno desenvolvimento (Pa-
A Figura 4 mostra parte do cais e condições das
lácios, 2007).
obras em 1914.
Num curto espaço de tempo, a cidade
Até o final de 1912, Vitória torna-se mais
ganha um novo perfil urbano, num cenário de
habitável quanto às condições sanitárias, com
cidade civilizada, com ares de modernidade.
serviço de água, energia pública e doméstica,
Reinava a celebração do novo, num ideário de
esgoto, serviço regular de limpeza pública, hos-
urbanizar e civilizar, em um conjunto de mu-
pital, isolamento para doenças contagiosas,
danças que buscava atender princípios moder-
cemitério público, polícia domiciliária, casas
nos de estética, urbanísticos e econômicos.
Figura 4 – Cais e condições das obras – 1914
Fonte: Acervo do Arquivo Público Estadual. Vitória. ES. Avenida Capixaba no final da década de 1930.
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A cidade de Vitória e o porto...
Até 1924, os novos governos do Estado
agrário exportador, que estava consolidando o
não conseguiram manter o ritmo dinâmico dos
capitalismo internacional e integrava o Espírito
investimentos na condução das obras públicas,
Santo na conjuntura econômica nacional.
principalmente aquelas relacionadas à urbani-
Foram reiniciados os serviços de melho-
zação e ao porto. No início dos anos 20, a pro-
ramentos urbanos da cidade e as obras do por-
dução de café estadual elevou o Espírito Santo
to, que constavam de duas naturezas: internas
ao 3º lugar na produção nacional, enquanto
e externas, como conclusão de obras no canal
Vitória, o principal centro de comércio do ca-
da baía de Vitória e estruturação natural e
fé, permanecia em condições urbanas difíceis
técnica para encostamento de navios no cais,
e insuficientes, e com precária infraestrutura
conclusão da primeira seção do cais com sua
portuária. Em 1924, o café, que mantinha um
devida infraestrutura técnica e mecânica. A in-
movimento crescente, estava gerando 90% das
fraestrutura da ponte seria o saneamento dos
rendas estaduais, exigindo novos investimentos
encontros norte e sul (cidade x continente) com
urbanísticos para sua crescente movimentação
o assentamento dos pilares sob o canal e da
comercial. Nesse contexto, assume o gover-
superestrutura metálica da ponte, juntamente
no do estado o engenheiro Florentino Avidos
com as obras de urbanização e infraestrutura
(1924-1928), com uma visão de progresso e de
básica da área que permeava a região da ponte
evolução à frente de seu tempo (Bittencourt,
dando seguimento ao porto.12
2006).
Das obras de urbanização da cidade, Flo-
Com uma situação econômica mais fa-
rentino Avidos conclui e ampliou os trabalhos
vorável e com apoio técnico da Secretaria de
que davam forma ao projeto modernizador
Serviços de Melhoramentos Urbanos, criada
iniciado por Jerônimo Monteiro, seguindo prin-
em 1923, o novo governo procurou orientar
cípios sanitaristas, urbanísticos e de embeleza-
sua política para o caminho das grandes obras
mento, notadamente sob a grande influência
urbanas aliadas às obras do porto. Nesse senti-
que exercia as ideias do urbanismo europeu,
do, as metas políticas para a continuidade das
principalmente o francês.
obras que até então permaneciam sem inves-
Das obras do porto, foram concluídas a
timento público em Vitória, concentraram-se
ponte ligando Vitória ao continente, os servi-
em quatro áreas prioritárias: melhoramento
ços de saneamento da região do porto, obras
urbano e remodelação da capital; serviços de
internas no canal de acesso,13 alargamento da
obras do porto e ponte metálica para ligação
primeira seção do cais e aterros para continui-
do porto ao continente, estabelecendo a comu-
dade da extensão do cais e posterior constru-
nicação ferroviária até a plataforma do cais;
ção dos armazéns. A Figura 4 mostra a baía de
ampliação dos serviços de água, esgoto e ener-
Vitória, o porto e a cidade ao longo da Avenida
gia, destacando os serviços de saneamento bá-
Capixaba no final da década de 1930.
sico da cidade e o transporte enquanto agente
A partir deste período, não houve mais
prioritário para o bom funcionamento do porto.
interrupções nas obras do porto e da urbani-
Procurou incrementar a consolidação da base
zação da cidade. Gradativamente, os trabalhos
econômica (cafeeira), e os interesses do setor
foram sendo concluídos e, no início da década
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de 1930, estavam construídos os armazéns I, II
de circulação, o saneamento e a urbanização
e III da primeira seção do cais, sendo que esse
das cidades portuárias, objetivando garantir a
cais foi concluído em 1937, quando apresentou
salubridade da região que permeava os portos
condições operacionais e técnicas, permitindo
e a maior eficiência do movimento comercial
a segura operação dos navios diretamente no
portuário. As grandes transformações urba-
porto. Entretanto, apenas em 1940 ocorreu a
nas são realizadas procurando, entre outros
conclusão geral do porto, com o acabamento
objetivos, dinamizar o funcionamento dos
da plataforma interna e seu aparelhamento
portos, evitando a proliferação de doenças
técnico, sendo inaugurado o “Cais Comercial
contagiosas.
de Vitória”, assinalando o começo do atual
complexo portuário do Espírito Santo.
14
Apoiados principalmente na legislação
de concessão dos serviços públicos, voltados
para transporte, saneamento, infraestrutura e
serviços portuários, a política urbana atuou na
Considerações finais
Nas primeiras décadas do século XX, no Brasil, o ideário de urbanização se pautava em
projetos influenciados por modelos europeus,
respaldados pela teoria higienista, através de
planos integrados de saneamento, criando o
cenário de modernidade urbana. A lógica da
política higienista e do projeto modernizador
materializam um amplo plano de reformulação
urbana e embelezamento das cidades, marcando um novo tempo na sociedade brasileira. A
cidade, lócus da dinâmica mercantil da economia, enfrentaria mudanças urbanas capazes,
principalmente, de promover o desenvolvimento do complexo agrário-exportador. Nesse sentido, tanto no final do Império quanto na República, passaram a priorizar as infraestruturas
direção de prover as cidades de instrumentos
que viabilizassem seu melhor funcionamento
econômico e sociourbano.
Em Vitória, as mudanças seguiram a lógica da reforma urbanística nacional, sobretudo
em relação ao importante elo entre a cidade
e o porto. As obras de urbanização e organização portuária demarcaram as novas funções
da cidade e de seus espaços para novas demandas sociais e econômicas que emergiam
na capital, principalmente em função da economia cafeeira.
No contexto das transformações urbanas, o porto mudou o sítio primitivo da cidade
e, na década de 1920, o cais do porto e a ponte sobre a baía deram a Vitória uma nova fisionomia urbana, intimamente relacionada com
as atividades portuárias, marcando a grande e
longa parceria entre a cidade e o seu porto.
Maria da Penha Smarzaro Siqueira
Historiadora Econômica e Socióloga. Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, Espírito Santo,
Brasil.
[email protected]
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A cidade de Vitória e o porto...
Notas
(1) O projeto sociocultural da modernidade, iniciado em meados do século XVI e que vai se consolidar no século XVIII, representa a primeira fase da modernidade, na qual a sociedade começava
a experimentar a vida moderna, mas sem percepção do contexto e sem ideia do que as a ngia.
Uma segunda fase vai ser marcada pela revolução francesa e se estenderá até o início do século
XX, fase revolucionária que dá vida a um grande público moderno e se expressará também na
forma de viver e de ver o mundo. No século XX, terceira e úl ma fase, o processo de modernidade se expande de forma universal, a cultura mundial do modernismo vai a ngir as sociedades
em toda sua dimensão. Ver Berman (1997).
(2) A Belle Époque é o período caracterizado pela expressão de grande entusiasmo vinda do triunfo
das conquistas materiais e tecnológicas, entre outras invenções, nas úl mas décadas do século
XIX e primeiras do XX. A época é também marcada pela ampliação das redes de comércio internacional e pela crença de que o progresso trazido pelo avanço tecnológico equacionaria tecnicamente os problemas da humanidade. As cidades tornam-se o local privilegiado desse momento e passam a se modernizar este camente, renovando suas feições de modo a se mostrarem
progressistas e civilizadas, termos comuns no período. A modernização urbanís ca tem como
marco inaugural a grande reforma urbana implementada em Paris pelo barão Georges Eugène
Haussmann, entre 1853 e 1869, que tornou a cidade o modelo urbano para varias regiões do
mundo. Ver Follis (2004).
(3) Com destaque para a capital federal – Rio de Janeiro –, as capitais de São Paulo (São Paulo), Minas
Gerais (Belo Horizonte), Paraná (Curi ba) e Rio Grande do Sul (Porto Alegre). O Espírito Santo,
embora localizado na região geoeconômica mais dinâmica do país (Sudeste), produtor de café, e
sendo sua capital – Vitória – cidade portuária, a mesma não se destacava enquanto cidade com
potencial de crescimento emergente, pela deficiência dos métodos de produção no estado, dos
meios de transporte, da infraestrutura, pela condição de dependência do Rio de Janeiro e inexpressivas ar culações polí cas com o poder central. Ver Siqueira (1995).
(4) José de Melo Carvalho Muniz Freire, jornalista e advogado, foi presidente do estado do Espírito
Santo em dois governos, o primeiro no período: 1892-1896 e o segundo: 1900-1904. Inaugurando no seu primeiro governo a fase inicial de reformas urbanas na cidade de Vitória, com obras
de saneamento e a elaboração do projeto Novo Arrabalde (um novo bairro), prevendo abrir
espaço para expansão urbana da cidade, anexando uma área cinco vezes maior que aquela que
abrigava a capital (Oliveira, 2008).
(5) A conformação geo sica da cidade de Vitória – ilha montanhosa de reduzida extensão (é uma das
de menor território do Brasil), com área de apenas 93,381 km². Desenvolveu-se de forma conges onada entre as orlas, os morros e o braço de mar (seu porto). Siqueira (2001).
(6) O marco oficial da inauguração do Porto de Santos é 2 de fevereiro de 1892, quando a então
Companhia Docas de Santos – CDS, entregou à navegação mundial os primeiros 260m de cais
organizado. O porto do Rio de Janeiro foi oficialmente inaugurado em 20 de julho de 1910, com
armazéns e equipamentos em 800 metros de retroárea. O porto de Vitória oficialmente organizado foi inaugurado em 1940, colocando em condições técnicas e operacionais o Cais Comercial
de Vitória. Veja Siqueira (1995). O Porto e a Cia. Docas de Santos. Santos, CDS, 1997. Cia.Docas
do Rio de Janeiro. Inauguração do Porto do Rio de Janeiro. 20 de julho de 1910.
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(7) Rua da Alfândega, atual Avenida Jerônimo Monteiro e Rua do Comércio, atual Avenida Floren no
Ávidos, ruas principais do centro da cidade.
(8) Cais do Imperador, construído em 1859, para o desembarque do Imperador D. Pedro II, quando o
mesmo veio pela primeira vez veio visitar a Província do Espírito Santo, ficando assim denominado. Ma os (1864). Este cais originou o Cais Comercial de Vitória – an go cais do Imperador.
(9) A Irmandade da Misericórdia, Irmandade do Rosário e Irmandade do Carmo. No Convento de São
Francisco foi estabelecido o primeiro cemitério público de Vitória, todos com funcionamento
em condições precárias, mo vo de preocupação das autoridades públicas desde metade do século XIX. A Santa Casa da Misericórdia foi construída seguindo as noções higienistas da época,
em local de nível elevado aos mangues, permi ndo segurança em relação à saúde pública (Piva
(2005). O cemitério público foi inaugurado em 1912, no distante arrabalde de Santo Antonio,
extremo oposto no contorno da ilha, como outra medida de caráter saneador, obra que deu fim
aos enterramentos nos an gos cemitérios localizados no centro da cidade (Palácios, 2007).
(10) O projeto de reconstrução do palácio do governo foi desenvolvido pelo engenheiro francês Jusn Norbert, constando no mesmo contrato a construção da Escola Normal e a reconstrução
da escadaria de acesso ao Palácio, obedecendo aos mesmos traços de arquitetura do Palácio
(Bi encourt, 2006).
(11) A primeira seção do cais, num trecho 355m de extensão, e a segunda com 500m de extensão.
Guindastes, guinchos, escadas, bollards, rampas, equipamento de segurança (Monteiro, 1912).
(12) Não cabe neste trabalho analisar e dissertar sobre as questões financeiras referentes às obras
em questão, bem como aos projetos técnicos e contratos nacionais e internacionais que implicaram esse empreendimento. Nosso ar go pretende mostrar a relação direta do processo de
modernização e urbanização da cidade de Vitória com o desenvolvimento do seu porto.
(13) Revisão da dragagem do canal de acesso, dragagem dentro do ancoradouro e desmonte de rocha submarina, num volume de total de 27.000m³ (Avidos, 1928).
(14) Cais Comercial de Vitória, an go Cais do Imperador construído em madeira em 1859, deu origem ao atual Complexo Portuário do Espírito Santo, que chegou ao final do século XX como o
maior em movimentação de cargas e número de portos do Brasil e da América La na.
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A cidade de Vitória e o porto...
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Texto recebido em 4/fev/2010
Texto aprovado em 19/maio/2010
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Das diferenças de escala
à escalada das diferenças
From differences in scale
to scaling differences
Letícia Peret Antunes Hardt
Carlos Hardt
Marlos Hardt
Resumo
As migrações têm desempenhado papel fundamental na configuração da estrutura dos municípios
brasileiros. Esse fenômeno tem ocorrido segundo
escalas variadas de causas e efeitos, que têm,
nas regiões metropolitanas, e em particular na
Região Metropolitana de Curitiba, resultado em
consequências marcantes, notadamente em relação
às diferenças na concentração simultânea de riqueza e pobreza, assim como na convivência de múltiplas características e funções. O objetivo principal
deste estudo consiste em sistematizar reflexões a
respeito desse fenômeno a partir de três escalas de
abordagem – nacional, estadual e metropolitana –,
em que, respectivamente, expansão, transformação
e segregação formam uma tríade de características
que permitem concluir pela relevância da assunção
de políticas públicas que deem respostas à escalada de diferenças que atingem as realidades locais.
Abstract
Migrations have performed a fundamental role
in the configuration of Brazilian municipalities
structure. This phenomenon has happened
according to different scales of cause and effect,
which have produced in metropolitan regions,
and especially in Curitiba Metropolitan Region,
remarkable consequences, notably with respect to
the differences in the simultaneous concentration of
wealth and poverty, as well as to the daily contact
between multiple characteristics and functions. This
paper has the purpose of systematizing reflections
concerning this phenomenon from three approach
scales – national, state and metropolitan – in
which expansion, transformation and segregation
form respectively a characteristics triad that allows
us to conclude for the relevance of assuming public
policies that may give answers to the increase in
differences that reach local realities.
Palavras-chave: expansão nacional; transformação estadual; segregação regional; Região Metropolitana de Curitiba.
Keywords: national expansion; transformation
state; regional segregation; Curitiba Metropolitan
Region.
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Introdução
houve profunda alteração na sua estrutura produtiva e na distribuição da sua população, com
reflexos diretos sobre as condições sociais e es-
Villaça (1998) comenta que, no Brasil, as abordagens conceituais sobre a metrópole relacionam-se, substancialmente, com a importância
social, econômica e cultural de determinado
centro urbano. Assim, é caracterizada como a
principal cidade com influência funcional sobre outros núcleos menores em uma região
metropolitana.
Por sua vez, Matos (2005, p. 73) se refere
à metrópole como “a reunião de expressivos estoques populacionais em áreas geograficamente muito mais extensas do que as das cidades
do passado ou de quaisquer povoados rurais”,
sendo conformada pela configuração espacial
de sucessivas periferias, a partir de um centro
denso, alvo de constantes fluxos migratórios.
Relacionada ao movimento de pessoas,
grupos ou povos, de um lugar para outro, a mi-
paciais paranaenses.
Certamente, a Região Metropolitana de
Curitiba (RMC) corresponde ao espaço estadual
que mais diretamente sofre as consequências
desse processo, com a escalada acentuada de
diferenças, quer pela concentração simultânea
de riqueza e pobreza, muitas vezes em espaços
segregados, quer pela convivência de múltiplas
características e funções, distribuídas em variadas tipologias de centros urbanos.
A partir desses pressupostos, o presente
estudo tem por objetivo precípuo sistematizar
os resultados de uma leitura reflexiva sobre
processos de concentração populacional e de
possível desconcentração urbana na RMC, a
partir de três escalas de abordagem, com vistas
ao estabelecimento de subsídios à gestão de
cidades e regiões.
gração consiste em um fenômeno muito antigo,
com variadas causas, frequências e intensidades. Para IMDH (2007), as migrações no início
do século XXI são caracterizadas pela globali-
Escala nacional: a expansão
zação, superpopulação em determinados centros ou regiões, violação de direitos, desempre-
Do ponto de vista demográfico, a expansão do
go, desestruturação de economias tradicionais,
processo de urbanização no Brasil foi acentua-
perseguições e discriminação, dentre outros
da a partir da década de 1960, quando o cres-
aspectos.
cimento populacional registrou o acréscimo de
Os movimentos migratórios ocorrem em
aproximadamente 50 milhões de habitantes,
diferentes escalas, com resultados igualmente
quase duplicando a população registrada no
diversos. Nesse sentido, Gonçalves (2007) afir-
país em 1950 (Santos, 2005), ocorrendo, a par-
ma que três adjetivos ilustram de forma ade-
tir de então, a concentração de grande parte da
quada o panorama contemporâneo das migra-
população em alguns centros urbanos de maior
ções: intensas, diversificadas e complexas. Co-
porte (Moura, 2004).
mum no cenário brasileiro, esse contexto também é encontrado no Paraná, onde, a partir do
expansionismo do desenvolvimento nacional,
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A expansão e a diversificação do consumo, a elevação dos níveis de renda e a
difusão dos transportes modernos, junto a
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uma divisão do trabalho mais acentuada,
fazem com que as funções de centro regional passem a exigir maiores níveis de
concentração demográfica e de atividades. (Santos, 2005, p. 73)
Na escala hierárquica da estrutura urbana nacional nos primórdios do século XXI,
destaca-se a Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP) isoladamente na categoria 1,
seguida, com elevado desnível, pela do Rio de
Janeiro, também inserida individualmente na
categoria 2. A RMC posiciona-se na categoria
As profundas modificações ocorridas
nas relações de trabalho e na estrutura
agrária resultaram em intensos fluxos
migratórios internos e externos às fronteiras estaduais. Embora se observe a
relativa desaceleração no processo de
urbanização do estado e que os fluxos
migratórios de longa distância paulatinamente cederam lugar a movimentos de
proximidade, o intenso ritmo e a horizontalidade com que se realizou esse processo deram a tônica ao movimento de
transição das últimas décadas. (Paraná et
al., 2006, p. 9)
3, correspondendo à sexta posição dos espaços
urbanos (Paraná et al., 2006).
Ao longo do século XX, o Paraná apre-
Há importante alcance de Porto Alegre
sentou uma dinâmica populacional própria,
e Curitiba na Região Sul, com níveis máximos
especialmente em função dos efeitos da migra-
de centralidade, determinada a partir do seu
ção (Magalhães, 2003).
forte poder de atração (Tourinho, 2007). Além
Esses processos migratórios, heterogê-
de transcender sua influência para o estado de
neos e de intensidades diferenciadas ao longo
Santa Catarina, Curitiba polariza toda a rede
do tempo reproduziram dinâmicas distintas
urbana paranaense (Moura e Werneck, 2001).
de crescimento populacional, o que provocou
constantes reorganizações da população no
território.
Escala estadual:
a transformação
De 1950 a 1970, as taxas de crescimento
populacional paranaense se posicionaram próximas a 5% ao ano; de 1970 a 1990, caíram
para patamares inferiores a 1% a.a., especial-
No Paraná, também foi acentuado o cresci-
mente devido à redução da migração externa;
mento populacional no período posterior a
de 1990 a 2000, o incremento se aproximou de
1950, sobretudo nas últimas décadas, com mu-
1,40% a.a., associado à acentuada elevação da
danças relevantes na estrutura econômica es-
população urbana (Figura 1). Paralelamente a
tadual, representadas pela superação do setor
municípios com crescimento contínuo superior
primário pelo secundário e caracterizadas pelo
ao do estado, outros apresentaram constan-
esvaziamento de áreas rurais com consequen-
te redução populacional, correspondendo, em
te migração para os principais centros urbanos
2000, a cerca da metade das unidades munici-
(Ipardes, 2003).
pais (Ipardes, 2002) (Figura 2).
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O mesmo quadro de decréscimo da população rural de quase 75%, em 1950, para
cerca de 19%, em 2000 (Figura 3), é registrado
para o Brasil e para o Paraná. Apenas o ritmo
é diferenciado, sendo gradativo no país e concentrado no período de 1970 a 1990 no estado,
“quando o grau de urbanização saltou de 36%
para 78%, prosseguindo em alta até o final do
século – números que confirmam um relacionamento intrínseco entre a reestruturação da
acirrada disputa ao trabalho, bens e
serviços, ao acesso ao solo e à cidade.
Se nas cidades as contradições sociais
já se faziam presentes, a urbanização,
em tal intensidade, ampliou as malhas construí das, fazendo surgir novos
loteamentos, adensando os bairros
existentes, verticalizando habitações e
agudizando os conflitos e a segregação
socioespacial, ao criar áreas servidas e
equipadas ao lado de favelas e periferias carentes. (Ibid., p. 11)
economia e os movimentos populacionais” (Paraná et al., 2006, p.10).
Na década de 1950, a população rural
era superior à urbana em quase 95% dos mu-
Migrantes oriundos dos campos ou de
pequenos municípios deixaram seu
modo de vida tipicamente agrário ou
peculiar de pequenas vilas, para se
somarem aos habitantes urbanos, na
nicípios paranaenses; em 2000, essa situação
era presenciada em apenas 29% deles (Figura
3), sendo 37% dos municípios relacionados a
graus de urbanização de 50% a 75%.
Figura 1 – Gráfico da população total, rural e urbana do Paraná
1950 a 2000
Fonte: Elaborado por Paraná et al. (2006) com base em IBGE (1950-2000) e Ipardes (2002).
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Das diferenças de escala à escalada das diferenças
Figura 2 – Mapa das taxas de crescimento populacional (% a.a.)
dos municípios paranaenses – 1991 a 2000
Abaixo de -3,50
De -3,50 a -1,50
De -1,50 a 0,00
De 0,00 a 1,50
De 1,50 a 3,50
Acima de 3,50
Fonte: Paraná et al. (2006).
Nota: Taxas expressas em % a.a.
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Figura 3
Gráfico do grau de urbanização dos municípios paranaenses – 1950 a 2000
Fonte: Elaborado por Paraná et al. (2006) com base em IBGE (1950-2000) e Ipardes (2002).
Em 2000, 81,4% dos municípios paranaen ses superaram a média estadual
de urbanização, gerando expressivas
concentrações urbanas no território
paranaen se. [...] A intensidade desse
processo sobrecarregou as estruturas
urbanas existentes, provocando impactos nas infraestruturas e equipamentos
urbanos disponíveis. Num curto intervalo
de tempo, as administrações municipais
tiveram que se adaptar para responder a
demandas ampliadas e modificadas (Paraná et al., 2006, p. 12).
formado por 399 municípios, é fortemente conectada à capital, com influências diretas até
os limites estaduais mais distantes (Figura 4),
apesar das fortes relações de algumas regiões
do Paraná com outros estados limítrofes.
Além da forte pressão sobre sua periferia imediata, Curitiba também exerce efeitos de
centralidade sobre as redes urbanas associadas
a todos os outros centros regionais, configurando-se como polo na escala estadual. O eixo
da RMC inclui as centralidades de Paranaguá e
Ponta Grossa, concentrando 32% da população
Para Paraná et al. (ibid.), a rede das cidades paranaenses, integrante de um conjunto
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total do estado e 58% da produção estadual
(Figura 5) (ibid.).
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Figura 4 – Mapa de principais fluxos migratórios
intermesorregionais no Paraná – 2000
Migrantes
Mais de 20.000 hab.
Mais de 10.000 hab.
Menos de 10.000 hab.
Fonte: Paraná et al. (2006).
Notas: São consideradas migrantes as pessoas maiores de 5 anos que, em 1986, não residiam no município de residência
atual. Estão representados os dois maiores fluxos de saída de cada mesorregião.
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Figura 5 – Mapa de concentrações de população e produção no Paraná – 2000
Polos: Ponta Grossa, Cidade Metropolitana e Paranaguá
Porcentagem da população do estado: 32%
Porcentagfem do valor adicionado fiscal do estado: 61%
Polos: Londrina, Apucarana e Maringá
Porcentagem da população do estado: 16%
Porcentagfem do valor adicionado fiscal do estado: 9%
Polos: Toledo, Cascavel e Foz do Iguaçu
Porcentagem da população do estado: 8%
Porcentagfem do valor adicionado fiscal do estado: 9%
Maiores produções agrícolas de larga escala
Maiores produções agrícolas de pequena e média escala
Municípios com maiores proporções de pobreza
Principais cidades
Rota principal
Fonte: Paraná et al. (2006).
Nota: VAF = Valor Agregado Fiscal.
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Escala metropolitana:
a segregação
demandas sociais, sendo registradas elevadas
taxas de carência, tanto nos municípios periféricos aos grandes centros urbanos – reduzidos
à situação de “cidades-dormitórios” – quanto
Formada originalmente por 14 municípios, a
RMC conta atualmente com 26 unidades mu-
naqueles com decréscimo populacional.
Nos municípios que cresceram no Paraná:
nicipais, compondo uma área de aproximadamente 15,5 mil km², equivalente a menos de
8% do território estadual (Comec, 2006).
Para Hardt, Hardt e Resende (2007, p. 3),
devido aos critérios utilizados para a composição da RMC, depara-se com a “configuração
de um espaço heterogêneo sob vários aspectos
inerentes à caracterização de uma região metropolitana, fazendo-se necessário o seu tratamento de forma diferenciada”.
Nesse contexto, o IPEA (2002) subdivide o
território regional em três categorias espaciais:
a) Núcleo Urbano Central, conformado pela
malha urbana da capital paranaense, áreas conurbadas e municípios com forte interação com
o polo;
b) Primeiro Anel Metropolitano, estruturado
por municípios não limítrofes a Curitiba, mas
sujeitos a significativos vetores de polarização;
c) Segundo Anel Metropolitano, compreendido por áreas incorporadas recentemente à
RMC, com incipiente configuração urbana.
[...] o processo de ocupação do solo sob
a lógica da mercantilização da terra e da
moradia, abriu espaço ao mercado informal da habitação. Favelas, ocupações e
loteamentos irregulares adentraram áreas
ambientalmente vulneráveis, tornando
ainda mais instável a vida das populações
obrigadas a essa condição de moradia. A
ausência de investimentos maciços em infraestrutura e serviços urbanos, voltados
à atenção de demandas da coletividade,
privou grandes e crescentes contingentes
de moradores dos serviços de saneamento básico, saúde, educação e de transporte público. E como mais grave constatação, a incompatibilidade entre a oferta
de postos de trabalho e a demanda por
vagas, somada à precariedade do emprego, acentuaram a pobreza, reforçaram a
insegurança e impuseram cada vez mais
ao Estado o papel de provedor. (Paraná et
al., 2006, p. 13)
No período de 1970 e 2000, Curitiba
quase triplicou sua população, comportando
Nas últimas décadas do século passado,
quase 1 milhão de novos moradores, parale-
a RMC destacou-se entre as metrópoles brasi-
lamente a um crescimento superior a 870 mil
leiras de crescimento mais acelerado. Nos anos
pessoas nos seus municípios vizinhos (IBGE,
1990, enquanto o Paraná registrou ligeira ele-
1950-2000).
vação das taxas demográficas, a RMC manteve
Todavia, essa área com maior grau de
seu crescimento a um dos ritmos mais elevados
urbanização no estado (Figura 6), embora apre-
do país.
sente indicadores sociais que refletem grandes
Segundo o Ipardes (2003), a infraestrutu-
desigualdades, responde pelos índices mais ex-
ra e os equipamentos ociosos nos municípios
pressivos da atividade econômica, com padrões
paranaenses que perderam população não eli-
de concentração tanto da riqueza quanto de
minaram a desigualdade no atendimento às
espaços empobrecidos.
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Figura 6 – Mapa de concentração de população urbana e rural no Paraná – 2000
Fonte: Elaborado por Paraná et al. (2006) com base em IBGE (1950-2000) e Ipardes (2002).
Nota: Municípios da RMC em destaque.
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Do ponto de vista regional no espaço es-
Essa situação ultrapassa um mero posi-
tadual, apenas a área metropolitana apresenta
cionamento físico central ou de elevada con-
significativos saldos migratórios positivos ao
centração de pessoas e riqueza sobre um es-
longo do período de 1970 a 2000 (Tabela 1).
paço, em relação à área de abrangência de
Considerada polo de um dos 12 siste-
suas funções, pois a capital paranaense sempre
mas urbanos identificados no Brasil no início
ocupou lugar de destaque nas análises de ta-
do século XXI e classificada como “metrópole
manho e hierarquia, confirmando sua posição
nacional”, juntamente com apenas mais sete
de metrópole no cenário nacional. Essa caracte-
capitais estaduais (IPEA, 2002), Curitiba assu-
rística torna-se ainda mais relevante quando da
me elevados níveis de representatividade no
confrontação do seu posto, em 2000, em rela-
território da Região Sul.
ção aos demais municípios do Paraná (Figura 7).
Tabela 1 – Taxas médias geométricas de crescimento anual da população
segundo mesorregiões geográficas do Paraná
1970-1980, 1980-1991 e 1991-2000
Taxa média geométrica de crescimento anual (%)
Mesorregião
1970-1980
1980-1991
1991-2000
Noroeste
-2,51
-1,17
-0,25
Centro-Ocidental
-2,34
-0,68
-1,24
Norte Central
-0,28
0,93
1,24
Norte Pioneiro
-2,09
-0,26
-0,15
Centro-Oriental
2,90
1,35
1,46
Oeste
2,47
0,51
1,28
Sudoeste
1,56
-0,78
-0,13
Centro-Sul
2,97
0,93
0,69
Sudeste
1,23
1,30
0,89
Metropolitana de Curitiba
4,95
2,84
3,13
Paraná
0,97
0,93
1,40
Fonte Elaborada por Ipardes (2004) com base em IBGE (1950-2000).
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Figura 7 – Gráfico da relação tamanho-hierarquia
considerando a população total dos municípios paranaenses – 2000
Fonte: Elaborada por Paraná et al. (2006) com base em IBGE (1950-2000).
Nota: Diagrama de Zipf em escala bi-logarítmica.
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Das diferenças de escala à escalada das diferenças
O movimento pendular daquelas pessoas
Segundo a mesma fonte, cerca de 200
que se deslocam do seu lugar de residência
mil pessoas se deslocam diariamente na RMC
para trabalhar ou estudar em outro município
de um município a outro para estudar ou traba-
representa importante fenômeno no interior
lhar, sendo que aproximadamente 80% se diri-
do estado, sendo profundamente relacionado
gem a Curitiba, que, por sua vez, também envia
à evolução da distribuição espacial da popula-
volumes elevados para alguns municípios da
ção e ao padrão de urbanização, influenciados,
região metropolitana. Assim, percebe-se a al-
por sua vez, pela concentração das atividades
teração nas formas de concentração, especial-
econômicas em determinados espaços (Paraná
mente no Núcleo Urbano Central e no Primeiro
et al., 2006). A seletividade do mercado imobi-
Anel Metropolitano, revelando a sua importân-
liário tem expulsado a população das cidades
cia como receptores de população.
de maior porte para municípios no seu entor-
Todavia, pela análise da relação entre o
no, incrementando o crescimento populacional
número de pessoas que realizam movimentos
da periferia e intensificando a mobilidade pen-
pendulares para o polo e o total de habitantes
dular, fenômeno particularmente identificado
municipais com idade acima de 15 anos (Ta-
na RMC.
bela 2), evidencia-se a continuidade da força
Tabela 2 – Relação entre movimentos pendulares e população ativa
em municípios centrais da Região Metropolitana de Curitiba – 2002
Município polo
Curitiba
Município polarizado
Relação (%)
Almirante Tamandaré
39,01
Piraquara
34,71
Pinhais
32,80
Colombo
32,36
Fazenda Rio Grande
29,35
Campo Magro
24,79
Quatro Barras
21,39
Campina Grande do sul
21,16
Itaperuçu
18,11
São José dos Pinhais
16,35
Araucária
14,02
Campo Largo
12,50
Rio Branco do Sul
8,94
Fonte: Elaborada por Paraná et al. (2006) com base em IBGE (1950-2000) e Ipardes (2002).
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concentradora no centro regional, com os
quantidade de domicílios carentes, significa-
maiores percentuais registrados em municípios
tiva deficiência de infraestrutura e alto déficit
das duas categorias espaciais anteriormente
habitacional.
citadas.
Cabe ressaltar que tais condições tam-
Da interpretação da Figura 8, depreende-
bém se dispersam no Núcleo Urbano Central
se que, ao largo do desenvolvimento econômi-
e no Primeiro Anel Metropolitano. Assim, vá-
co da RMC, é significativa sua escalada de pro-
rias outras cidades passam a compartilhar os
blemas sociais, com vários de seus municípios
efeitos de questões anteriormente peculiares
apresentando, na entrada do século XXI, eleva-
àquelas com dependência quase exclusiva da
da incidência de número de pobres, expressiva
metrópole.
Figura 8 – Mapa de classificação dos municípios paranaenses
a partir dos indicadores sociais: elevada incidência de número de pobres,
domicílios carentes, deficiência de infraestrutura e déficit habitacional – 2000
Fonte: Elaborado por Paraná et al. (2006) com base em Ipardes (2003).
Nota: Municípios da RMC em destaque.
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Das diferenças de escala à escalada das diferenças
Conclusão
dos graves problemas sociais do Núcleo Urba-
Para Paraná et al. (2006), a migração continua-
ciadas dessas questões, relevando o processo
rá desempenhando papel central no perfil da
de desconcentração urbana.
no Central por cidades anteriormente distan-
distribuição espacial da população no território
O aumento tendencial da população e
paranaense, com as principais correntes migra-
das riquezas na RMC traz consigo uma esca-
tórias estaduais direcionadas para a RMC. Dos
lada sem precedentes das diferenças entre as
18 municípios com taxa estimada de cresci-
condições de vida dos diversos segmentos da
mento superior a 3% ao ano para a primeira
sociedade metropolitana. Assim, esse conjun-
década do século XXI, 10 encontram-se na Re-
to de fatores leva a concluir pela premente
gião Metropolitana de Curitiba.
necessidade de adoção de políticas de plane-
Embora as tendências populacionais
jamento e gestão urbana e regional que deem
apontem para a continuidade do padrão de
conta da segregação oriunda de deliberações
concentração na RMC, onde as projeções pre-
impetradas por níveis decisórios hierarquica-
veem que, ao final de 2010, seus oito principais
mente superiores, nem sempre sensíveis às
municípios, além de Curitiba, concentrarão 31%
realidades locais, tampouco conscientes dos
da população estadual (IBGE, 2006), também
novos modelos de configuração urbana no es-
é previsível a expansão do compartilhamento
paço metropolitano.
Letícia Peret Antunes Hardt
Arquiteta e urbanista. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil.
[email protected]
Carlos Hardt
Arquiteto e urbanista. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil.
[email protected]
Marlos Hardt
Arquiteto e urbanista. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil.
[email protected]
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PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL, XII. Anais eletrônicos.
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IPARDES – Ins tuto de Desenvolvimento Econômico e Social (2002). Indicadores e mapas temá cos
para o planejamento urbano e regional. Curi ba, Ipardes. 1 CD-ROM.
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www.ipardes.gov.br>. Acesso em: 25 jan 2010.
IPEA – Ins tuto de Pesquisa Econômica Aplicada (2002). Configuração atual e tendências da rede urbana no Brasil. Brasília, IPEA (Série Caracterização e Tendências da Rede Urbana no Brasil, 1)
MAGALHÃES, M. V. (2003). O Paraná e suas regiões nas décadas recentes: as migrações que também
migram. Tese de Doutorado. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais.
MATOS, R. (2005). Periferias de grandes cidades e movimentos populacionais. Cadernos Metrópole,
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MOURA, R. (2004). Paraná: meio século de urbanização. RA’E GA: O Espaço Geográfico em Análise.
Curi ba, Editora da Universidade Federal do Paraná, v. 8, n. 8, pp. 33-44.
MOURA, R. e WERNECK, D. Z. (2001). Rede, hierarquia e região de influência das cidades: um foco
sobre a Região Sul. Revista Paranaense de Desenvolvimento. Curi ba, Ins tuto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social – IPARDES, n. 100, jan./jun., pp. 25-56.
PARANÁ – Governo do Estado; SEDU – Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano / SERVIÇO
AUTÔNOMO PARANÁCIDADE; SEPL – Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral
/ IPARDES – Ins tuto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social; UFPR – Universidade
Federal do Paraná (2006). Planos regionais de desenvolvimento estratégico para o estado do
Paraná – PRDE: cenário atual. Curi ba, SEDU.
SANTOS, M. (2005). A urbanização brasileira. São Paulo, Edusp (Coleção Milton Santos).
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010
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Das diferenças de escala à escalada das diferenças
TOURINHO, A. de O. (2007). Do centro às novas centralidades: uma trajetória de permanências terminológicas e rupturas conceituais. Disponível em: <h p://books.google.com.br/books?id=I->.
Acesso em: 10 out 2009.
VILLAÇA, F. (1998). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel; Fundação de Amparo à
Pesquisa no Estado de São Paulo – Fapesp; Lincoln Ins tute.
Texto recebido em 22/fev/2010
Texto aprovado em 6/mar/2010
Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010
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Instruções aos autores
ESCOPO E POLÍTICA EDITORIAL
A revista Cadernos Metrópole, de periodicidade semestral, tem como enfoque o debate de
questões ligadas aos processos de urbanização e à questão urbana, nas diferentes formas que assume
na realidade contemporânea. Trata-se de periódico dirigido à comunidade acadêmica em geral,
especialmente, às áreas de Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Demografia e
Ciências Sociais.
A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos da temática urbana, que dialogam
com o debate sobre os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema
político-institucional das cidades e os desafios colocados à adoção de modelos de gestão baseados na
governança urbana.
CHAMADA DE TRABALHOS
A revista Cadernos Metrópole é temática, com chamadas de trabalho específicas para cada
número. Os textos deverão ser encaminhados dentro do prazo estabelecido e deverão atender aos
requisitos exigidos na chamada.
AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS
Os artigos recebidos para publicação deverão ser inéditos e serão submetidos à apreciação
dos membros do Conselho Editorial e de consultores ad hoc para emissão de pareceres. Os artigos
receberão duas avaliações e, se necessário, uma terceira. Será respeitado o anonimato tanto dos
autores quanto dos pareceristas.
Caberá aos Editores Científicos e à Comissão Editorial a seleção final dos textos recomendados
para publicação pelos pareceristas, levando-se em conta sua consistência acadêmico-científica, clareza
de ideias, relevância, originalidade e oportunidade do tema.
COMUNICAÇÃO COM OS AUTORES
Os autores serão comunicados por email da decisão final, sendo que a revista não se compromete a devolver os originais não publicados.
OS DIREITOS DO AUTOR
A revista não tem condições de pagar direitos autorais nem de distribuir separatas. Cada autor
receberá três exemplares do número em que for publicado seu trabalho.
O Instrumento Particular de Autorização e Cessão de Direitos Autorais, datado e assinado
pelo(s) autor(es), deve ser enviado juntamente com o artigo.
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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS
Os artigos podem ser redigidos em português ou espanhol. Os artigos apresentados em outros
idiomas serão traduzidos para a língua portuguesa.
A fim de garantir o anonimato dos autores, os artigos apresentados não devem conter dados
referentes aos autores ou indicações que os identifiquem. Os nomes dos autores devem ser informados
em uma folha de rosto, constando formação acadêmica, filiação institucional, cidade, estado, país e
e-mail.
Os trabalhos devem ser encaminhados em CD, 2 (duas) vias impressas e a folha de rosto.
Os artigos devem ser enviados em Word, digitados em espaço 1,5, fonte Arial tamanho 11,
margem 2,5 cm; tabelas e gráficos em Excel; imagens em formato TIF, com resolução mínima de 300
dpi e largura máxima de 13 cm, sendo que os gráficos e imagens devem ser em tons de cinza.
Os artigos devem ter um resumo de, no máximo, 120 (cento e vinte) palavras em português
ou na língua em que o artigo foi escrito e seu correspondente em inglês, com indicação de 5 (cinco)
palavras-chave, nas duas línguas.
Os trabalhos devem ser enviados para: Caixa Postal 60022 – CEP 05033-970 – São Paulo, SP,
Brasil, respeitando-se a data-limite de postagem estabelecida na chamada de trabalho. Após seu recebimento, os trabalhos serão enviados aos pareceristas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
As referências bibliográficas, que seguem as normas da Educ, adaptadas da ABNT, deverão ser
colocadas no final do artigo, seguindo rigorosamente as seguintes instruções:
Livros
AUTOR ou ORGANIZADOR (org.) (ano de publicação). Título do livro. Cidade de edição, Editora.
Exemplo:
CASTELLS, M. (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
Capítulos de livros
AUTOR DO CAPÍTULO (ano de publicação). “Título do capítulo”. In: AUTOR DO LIVRO ou ORGANIZADOR (org.). Título do livro. Cidade de edição, Editora.
Exemplo:
BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O último dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em Salvador”. In: VALLADARES, L. do P. (org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro, Zahar.
Artigos de periódicos
AUTOR DO ARTIGO (ano de publicação). Título do artigo. Título do periódico. Cidade, volume do periódico, número do periódico, páginas inicial e final do artigo.
Exemplo:
TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado. Dossiê Movimentos
Sociais. Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28.
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Trabalhos apresentados em eventos científicos
AUTOR DO TRABALHO (ano de publicação). Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, número, ano, local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e final.
Exemplo:
SALGADO, M. A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da sociedade civil: mecanismos de controle
social, monitoramento e execução, parceiras e financiamento. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL
ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília, MPAS/SAS, pp. 193-207.
Teses, dissertações e monografias
AUTOR (ano de publicação). Título. Tese de doutorado ou Dissertação de mestrado. Cidade, Instituição.
Exemplo:
FUJIMOTO, N. (1994). A produção monopolista do espaço urbano e a desconcentração do terciário de
gestão na cidade de São Paulo. O caso da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Dissertação de
mestrado. São Paulo, FFLCH.
Textos retirados de Internet
AUTOR (ano de publicação). Título do texto. Disponível em. Data de acesso.
Exemplo:
FERREIRA, J. S. W. (2005). A cidade para poucos: breve história da propriedade urbana no Brasil. Disponível em: http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/index.html. Acesso em 8 set. 2005.
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Cadernos Metrópole
vendas e assinaturas
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Assinatura anual (dois números): R$36,00
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Paulo – SP – Brasil.
Telefax: (11) 3368.3755 Cel: (11) 9931.9100
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