Cemiterio Logistico

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Cemiterio Logistico
‘CEMITÉRIO LOGÍSTICO' TRAVA INVESTIMENTOS EM SETOR FERROVI...
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‘CEMITÉRIO LOGÍSTICO'
TRAVA INVESTIMENTOS
EM SETOR FERROVIÁRIO
Espalhados por todo o País, pátios logísticos acumulam milhares de vagões e
locomotivas enferrujando, que são entrave à operação das concessionárias
André Borges
13 Dezembro 2014 | 18h 12
IPERÓ, SOROCABA E MAIRINQUE (SP) - O governo anunciou
planos de construir 11 mil quilômetros de novas ferrovias e erguer
mais de 800 aeroportos regionais, mas há anos não consegue
executar uma tarefa básica: limpar os trilhos e os aeroportos que já
existem.
Em dezenas de pátios logísticos espalhados País afora, milhares de
vagões e locomotivas ainda enferrujam a céu aberto,
transformados em abrigo para usuários de drogas e entrave na
operação diária de concessionárias que assumiram a malha
ferroviária nacional, privatizada na década de 90.
Nos aeroportos, onde o pouco espaço disponível é disputado a tapa
pelas companhias aéreas, dezenas de aviões e carcaças
abandonadas ainda são um estorvo sem data para acabar.
Resultado da burocracia jurídica e da dificuldade do governo em
concluir programas criados para desobstruir o caminho do
transporte de cargas e passageiros, esses cemitérios logísticos
estão escancarados em trechos como os da ferrovia Malha Paulista,
que foram percorridos pelo Estado.
Ao longo da estrada de ferro que corta a região de Sorocaba (SP),
linha que hoje é operada pela América Latina Logística (ALL), a
reportagem flagrou centenas de vagões abandonados, estações
históricas caindo aos pedaços e trânsito livre para o comércio de
drogas.
Cabe ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
(Dnit) dar um destino aos bens da extinta Rede Ferroviária
Federal (RFFSA) que não foram repassados às atuais
concessionárias.
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No processo de privatização, realizado 18 anos atrás, todo o
patrimônio da RFFSA considerado necessário à operação (malha
ferroviária, vagões, locomotivas, equipamentos e oficinas) foi
arrendado às empresas.
Ficou a cargo do Dnit cuidar dos bens considerados não
operacionais e obsoletos, milhares de vagões e locomotivas antigas
sem condições econômicas de recuperação. A autarquia do
Ministério dos Transportes chegou a criar um programa para isso,
mas simplesmente não consegue tirá-lo do lugar.
cemitérios-logisticos
Dados do mapa ©2014 Google, Inav/Geosistemas SRL, Mapcity
Termos
Sem interesse. Em 2012, o Dnit concluiu uma primeira etapa de
inventário dos vagões, com 1.175 unidades fichadas
individualmente. Dessas, 600 foram avaliadas para venda em
leilão, incluindo grandes volumes que estão entulhados nos pátios
de Triagem Paulista, em Bauru (SP), e de Samaritá, na cidade de
São Vicente, litoral paulista. Uma licitação para venda dos vagões
foi realizada dois anos atrás, mas o Dnit afirma que não teve
interessado. Eram aproximadamente 400 vagões.
“Abrimos leilão em setembro deste ano para Triagem Paulista e
Samaritá, mas não houve interessado, ou seja, o preço oferecido
pelo Dnit estava fora do mercado”, declarou a autarquia, por meio
de nota.
Nas contas da Associação Nacional dos Transportadores
Ferroviários (ANTF), que representa as concessionárias, um total
de 5.400 vagões e locomotivas não foi arrendado no processo de
privatização e, portanto, trata-se de material que precisa ser
removido. Outras 7.400 unidades entraram nos pacotes de
concessão, mas já estão em fase de devolução, por conta do fim de
vida útil.
Nas contas do Dnit, ainda é preciso concluir a avaliação dos
maquinários abandonados nos pátios de Belo Horizonte, Rio de
Janeiro e em capitais do Nordeste, como Fortaleza, que concentra
grande quantidade das sucatas.
O material que será vendido por meio de leilões passará por
avaliação de uma comissão de peritos da “inventariança da extinta
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RFFSA”, processo que teve início em 2007 e que deveria ser
concluído em 2015, mas que provavelmente terá de ser
prorrogado. “Precisa ser concluído o inventário de torres de
eletrificação elétrica em São Paulo, e depois transferir para Dnit”,
informou o órgão.
Legado. No processo de liquidação dos bens da RFFSA, a
Secretaria do Patrimônio da União (SPU) assumiu o compromisso
de desembaraçar mais de 52 mil imóveis que pertenciam à antiga
Rede. Bens de valor cultural ficaram aos cuidados do Instituto de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), enquanto a
Advocacia-Geral da União (AGU) assumiu aproximadamente 40
mil processos trabalhistas.
Ao mostrar para a reportagem a situação atual em que se encontra
a estação ferroviária de Iperó, o funcionário aposentado pela
Ferrovia Paulista (Fepasa) Dejair de Almeida faz as promessas
oficiais parecerem folclore. “Veja a que situação chegamos.
Estamos sozinhos aqui. Até os prédios que pertenciam à Fepasa
foram invadidos. Ninguém fiscaliza nada. É lamentável ver o que
fizeram com a ferrovia.”
Dejair Almeida trabalhou durante 22 anos na malha da antiga
Estrada de Ferro Sorocabana (ESF). Aposentou-se quando um
acidente o deixou cego do olho direito, enquanto trabalhava nas
instalações elétricas da estação ferroviária da cidade. Hoje, cuida
do Sindicato dos Ferroviários de Iperó. Durante a reportagem,
enquanto apresentava o que restou da estação ferroviária, foi
obrigado a recuar. Atrás do prédio, a polícia abordava um grupo de
jovens, em busca de drogas.
'DÁ DÓ NA GENTE VER
TUDO ISSO; NÃO
ENTENDO O QUE
ACONTECE'
Nasci e vivi quase toda a minha vida em São Roque (SP). Comecei
na ferrovia com 23 anos, no cargo de trabalhador. Era desse jeito
que chamavam o ajudante-geral, um faz-tudo que cuidava do
trabalho pesado, na linha do trem. Era o cargo mais baixo da
ferrovia. E eu amava aquilo.
Sempre gostei da ferrovia, desde menino. Entrei na Estrada de
Ferro Sorocabana em 1958. Saí dela no dia 1.º de dezembro de
1987. Foram quase 30 anos de trabalho na ferrovia. Nesses anos,
passei por todas as estações. Eram 800 quilômetros de linha. A
gente ia até Presidente Epitácio, passava por Iperó, Sorocaba,
Mairinque e São Roque. Seguia até a Estação Júlio Prestes. Era
uma coisa linda. Fico lembrando, todos os dias. É muita coisa para
lembrar. Não entendo por que acabou.
Virei um especialista em eletricidade, cuidava da rede elétrica dos
trens. Fui parar na estação Júlio Prestes, em São Paulo. Trabalhei
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lá por oito anos. Cuidava de todo tipo de trem. Tinha carro de
passageiro, de carga, superluxo, restaurante, carro dormitório e
até carro funerária.
Os trens viajavam cheios. A ferrovia era o futuro. Todo mundo
queria trabalhar nela. Mas era difícil entrar. Tinha de fazer exame,
processo seletivo. As pessoas faziam uma fila enorme para fazer a
inscrição.
Muita gente nem conseguia preencher a ficha e tinha de voltar no
outro dia.
Lembro da estação de Mairinque. Ela era linda. Você já passou por
lá? Hoje não tem mais nada, tudo abandonado, uma coisa feia. Dá
dó na gente ver tudo isso que aconteceu. Não entendo por que
fizeram isso. Como é que acabam com uma coisa dessas? A gente
ouve, às vezes, que a ferrovia não serve mais pra nada, que não é
rápida, essas coisas. Então eu lembro quando o trem chegava em
Presidente Epitácio. As pessoas desciam as mercadorias das barcas
que paravam no Rio Paraná, pra colocar as coisas no trem e seguir
viagem. A ferrovia funcionava, e muito bem. Pois é.
Hoje, a gente fica atolado no trânsito, dentro de carro. Uma
viagem de Sorocaba até São Paulo demora até três horas. O trem
fazia essa viagem em uma hora. Não faz sentido uma coisa dessas.
Hoje as cidades cresceram. Muito mais gente precisa do trem. Por
que ele não volta? É uma pena. Tinha de voltar tudo.
ESTRADA DE FERRO
SOROCABANA PASSOU
POR VÁRIAS MÃOS
À primeira vista, a fachada imponente da estação da Estrada de
Ferro Sorocabana (EFS), em Sorocaba, sugere que o prédio está
bem conservado.
Erguida em estilo inglês, a estação recebeu seu primeiro trem nos
idos de 1875. Basta se aproximar um pouco, porém, para perceber
o estado de abandono em que se encontra a estação. As paredes
estão apodrecendo. Na área interna, onde funcionava o embarque
e desembarque de passageiros, telhas estão despencando. Para
evitar acidentes, o centro de informações turísticas, que funciona
numa das poucas salas preservadas do prédio, decidiu limitar o
acesso de excursões escolares.
Toda a área da estação, teoricamente, está fechada para a
circulação pública. A reportagem, no entanto, flagrou pessoas
circulando pela estação e pelas dezenas de vagões apodrecidos. O
consumo de crack corre solto, à luz do dia. Apesar de o entorno da
estação ser fechado por alambrados, alguns trechos da proteção
foram abertos.
Construída 140 anos atrás, a Sorocabana foi fundada por
fazendeiros da região de Itu e empreendedores de Sorocaba. A
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ferrovia foi implementada para escoar algodão, mas logo passaria
a ser usada para o transporte de café.
História. Inicialmente, tinha 120 km de extensão, entre São
Paulo e Ipanema, passando por Sorocaba. Depois, incorporaria a
malha da Companhia Ituana de Estradas de Ferro, chegando a 820
km de trilhos. Não faltaram donos para a Sorocabana, que trocou
de mãos diversas vezes, passando por empresários, governo de São
Paulo e União.
Em 1971, a EFS fez parte do bloco de ferrovias que seria
incorporado pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA), antiga
Fepasa. Seguiria dessa forma até 1994, quando foi incorporada
pela CPTM. Cinco anos depois, em janeiro de 1999, passou para as
mãos da concessionária Ferroban. Hoje, a malha é operada pela
América Latina Logística (ALL).
Questionada sobre os problemas, a ALL informou que, ao longo do
ano, removeu cerca de mil vagões obsoletos. Material que, segundo
a empresa, estava devidamente guardado em pátios operacionais
da companhia. “A concessionária, atendendo rigorosamente aos
contratos de concessão e arrendamento, vem adotando
regularmente medidas de destinação de ativos inservíveis para
casos em que não exista possibilidade de manutenção.”
Espera. Sobre o amontoado de vagões e locomotivas sem uso, a
concessionária esclareceu que “os vagões que aguardam
recuperação, manutenção ou baixa definitiva estão estacionados
nos pátios ferroviários ao longo na malha férrea.
A respeito da demora na solução dos problemas, a companhia
ressaltou que “todo processo de baixa de ativos necessita ser
conduzido pela agência reguladora (ANTT)”.
Quanto à circulação de usuários de drogas, a empresa informou
que mantém “segurança regular em toda a extensão da malha
férrea”.
'FERRUGEM’ TAMBÉM
CONDENA EXPANSÃO DE
AEROPORTOS
A ferrugem da máquina pública também se espalha pelos
aeroportos. Em fevereiro de 2011, a Corregedoria do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), indignada com a situação dos aviões
abandonados nos maiores aeroportos do País, resolveu criar o
Programa Espaço Livre. O objetivo era remover as aeronaves que
estavam sob custódia da Justiça ou que foram apreendidas em
processos criminais. A maior parte das sucatas pertencia à massa
falida das companhias aéreas Varig, Varig Log, Vasp e Transbrasil.
Foi contabilizado um total de 119 aviões, a maior parte deles de
grande porte. A ideia era que a Agência Nacional de Aviação Civil
(Anac) avaliasse as aeronaves ainda em condições de uso. As que
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estivessem sucateadas seriam removidas com a ajuda do Exército,
com desmonte e leilão de suas peças.
A Corregedoria do CNJ deu início ao trabalho. À época, conseguiu
boa repercussão na imprensa. Apoio institucional também não
faltou: Infraero, Ministério da Defesa, Agência Nacional de
Aviação Civil (Anac), Aeronáutica, Tribunal de Contas da União,
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e Ministério Público de
São Paulo. Todos queriam ajudar a retirar as espeluncas dos
aeroportos brasileiros.
Paralisação. Quase quatro anos depois, o programa está
absolutamente parado, sem ter desmontado nem sequer 50%
daquilo que se previa. Dos 119 aviões listados em 2011, somente 50
estão em fase de remoção ou já foram totalmente removidos. O
Estado tentou insistentemente falar sobre o assunto com a
Corregedoria do CNJ, mas o órgão não quis se manifestar. As
informações dão conta de que o programa estaria em fase de
reformulação.
Para Marlos Melek, que implantou o programa Espaço Livre
quando era juiz auxiliar da Corregedoria do CNJ, entre 2011 e
2012, o sentimento é de frustração. “Sempre ouvi dizer que isso
não era problema da Justiça. Mas muitos aviões ainda continuam
lá, atrapalhando a vida das pessoas, das empresas, gerando custo,
enrolados em processos judiciais. Isso não é problema da
Justiça?”, questiona.
Ex-piloto, Melek diz que as ambições do programa eram grandes.
“Como o programa vinha dando certo, chegamos a analisar a
possibilidade de estendê-lo também para as ferrovias. Mas as
coisas pararam, deixaram de ser prioridade.”
INVENTÁRIO DA RFFSA SÓ
DEVE ACABAR EM 2015
O processo de inventário da extinta Rede Ferroviária Federal
(RFFSA) está previsto para acabar daqui um mês. O prazo original
era dezembro de 2013, mas foi prorrogado pelo Ministério dos
Transportes por mais dois anos, dado o volume de trabalho e
processos que parece não ter fim.
Tudo indica que, mais uma vez, o prazo será estendido. Por meio
da Lei de Acesso à Informação, a Inventariança da RFFSA
informou que a nova expectativa de encerramento do inventário é
dezembro de 2015.
Todo o patrimônio da Rede que não foi repassado para as
concessionárias de ferrovias voltou para as mãos da União. Para se
ter uma ideia, a quantidade de imóveis devolvidos ao governo
chega a 49.533 unidades, sendo 24.010 terrenos e 25.523 prédios.
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Em muitos desses prédios vivem ex-funcionários da própria
empresa, mas muitos estão em estado de abandono ou foram
simplesmente invadidos.
Pela Lei de Acesso, o Estado enviou uma série de perguntas ao
Ministério dos Transportes, na tentativa de apurar qual seria,
afinal de contas, o passivo total atualmente acumulado no
processo de liquidação da RFFSA.
Os questionamentos foram replicados entre a Inventariança e a
Advocacia-Geral da União. Uma resposta concreta, no entanto,
não foi dada pelo governo.
O que se sabe é que milhares de processos trabalhistas se
acumulam na AGU, formando um contencioso civil e trabalhista
sem data para ser concluído.
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