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A Campos Escritórios Associados atua
na Advocacia Empresarial, através
de sociedades distintas e autônomas nas
áreas cível, trabalhista, penal, tributária,
societária, imobiliária, desportiva,
ambiental, e de comércio exterior,
sucessão familiar, energia, petróleo e gás.
Este livro traz textos de alguns de seus
membros enfocando temas do Direito
de grande interesse e atualidade.
C
M
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CM
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K
Dois textos muito especiais integram
a publicação: Prescrição e decadência, de
João Armando Bezerra Campos,
desembargador aposentado, advogado
e fundador da Campos Escritórios
Associados, e Liberdade de expressão,
de Fernando Ernesto Corrêa.
Direito no plural é um livro jurídico
porque contém muitos ensinamentos
e textos legais. Mas, como nosso
trabalho no dia a dia, esperamos
que ele mostre que a vida é muito mais
sobre valores e pessoas.
No Direito, como na vida, devem
prevalecer os valores e as pessoas.
Sempre. Felizmente.
Marco Antonio Bezerra Campos
DIREITO NO PLURAL
COORDENADORES:
Fábio Siebeneichler de Andrade
e Ana Cláudia Redecker
Campos Escritórios Associados
2012
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Copyright © 2012 Campos Escritórios Associados
Coordenação editorial
Gustavo Faraon
Capa
Gabriel Gama
Projeto gráfico e diagramação
Guilherme Smee
Revisão
Gabriela Koza
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
D598 Direito no plural / organizador Ana Cláudia Redecker, Fábio
Siebeneichler de Andrade. Porto Alegre: 2012.
288 p.; 23 cm.
1. Direito – Ensaios. 2. Direito – Coletânea. I. Redecker, Ana Cláudia. II. Andrade, Fábio Siebeneichler de.
CDD 340.04
Bibliotecária responsável: Ginamara Lima Jacques Pinto (CRB 10/1204)
Produzido pela Editora Dublinense Ltda.
Todos os direitos desta edição reservados
à Campos Escritórios Associados.
Av. Praia de Belas, 1554
Praia de Belas – Porto Alegre – RS
www.camposea.adv.br
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Liberdade de expressão
Fernando Ernesto Corrêa
“Notícia é aquilo que alguém, em algum lugar,
quer que seja abafado. Todo o resto é propaganda”.
Lord Northcliffe, então proprietário do Times de Londres
Literalmente, nasci na redação de um jornal. Em 1936, minha família morava
no último andar do prédio do Diário de Notícias, na Praça da Alfândega, em
Porto Alegre, e eu vim ao mundo naquele local pelas mãos de uma parteira. O
Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo.
Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral do jornal e cuidava com especial
carinho de sua redação.
Alfabetizei-me durante a 2ª Guerra Mundial lendo jornal. Durante a convivência com meu inesquecível pai, sempre ouvi dele que a liberdade de imprensa – aqui registrada como liberdade de expressão – era algo sagrado, que devia
ser respeitada e venerada pela sociedade, por ser pressuposto inafastável da democracia. Para ele, a liberdade de imprensa era um dogma de vida, dedicada ao
jornalismo, e mais tarde também à cátedra na Faculdade de Comunicação da
UFRGS, da qual foi um dos fundadores.
Liberdade e verdade foram os dois pilares básicos sobre os quais ele construiu sua carreira profissional e que transmitiu para mim e para meus irmãos
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Paloca e Faveco, o primeiro repórter e editor de periódico e o último jornalista
e publicitário. Para Faveco, a liberdade de propaganda também precisa ser ressaltada como fundamental para uma imprensa sadia num país de economia de
mercado como o nosso.
Recordo-me de algumas passagens inesquecíveis em que meu pai, um importante
homem de jornal, recusou favores de terceiros porque poderiam de alguma maneira
contaminar seu julgamento sobre determinada matéria. Certa vez, um grande empresário, que se dizia seu amigo, ofereceu-lhe um Chevrolet, carro mais famoso da época,
com desconto e financiamento a custo zero. Ele recusou a oferta e manteve seu velho
Nash 38 porque disse que se aceitasse o favor ficaria com sua liberdade de opinião prejudicada quanto ao pretenso amigo e ao setor da economia em que ele atuava. Morreu
pobre como nasceu, mas deixou para seus filhos a herança da dignidade e do respeito
à liberdade de manifestação do pensamento. Foi dentro desses princípios e com essa
visão de jornalismo que eu me criei e me formei.
Aos 18 anos entrei na Faculdade de Direito e fui trabalhar como repórter no
Diário de Notícias, onde permaneci durante 5 anos, até concluir meu curso superior. Desde lá deixei a condição de aluno curioso e de espectador para passar à
condição de protagonista (ou pelo menos coadjuvante) do desenvolvimento da
comunicação social em nosso estado e em nosso país.
Como repórter, recebi mais lições de liberdade e verdade do meu pai. Cobrindo um evento, confundi a mulher do chefe da Casa Civil do Governo do
Estado com ele próprio. Fiz uma matéria equivocada, mancheteando que o secretário acumulava o seu cargo com um emprego suspeito na iniciativa privada.
O emprego era da mulher dele, que não era funcionária pública. Ele repreendeume asperamente, dizendo que aquele erro prejudicava gravemente a credibilidade do jornal. “Meu filho, disse, a liberdade de imprensa que defendemos pressupõe responsabilidade e a busca incessante da verdade. A liberdade de imprensa
só se mantém se baseada na responsabilidade e na verdade”.
No final de 1959, formado em Direito, fui advogar, e como tal prestei assessoria na fundação da AGERT (Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão). Foi nessa condição que participei do primeiro grande embate na defesa
da liberdade de expressão. Colaborei na luta de um punhado de comunicadores
gaúchos, com destaque para os saudosos Maurício Sirotsky e Flávio Alcaraz Gomes, que se integrou à entidade nacional do setor (ABERT) para derrubar alguns vetos que o presidente João Goulart apôs à Lei 4112/62 (Código Brasileiro
de Telecomunicações). Se os vetos do presidente fossem mantidos – o que era e
é a regra geral –, a radiodifusão e, por efeito dominó toda a comunicação social,
estariam inevitavelmente rumando para a censura e para a estatização.
Dou um exemplo claro com o art. 54 do Código que diz: “São livres nos
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veículos de radiodifusão as críticas e os conceitos desfavoráveis, ainda que veementes...”. João Goulart vetou esse artigo. Numa ação coordenada e eficiente,
conseguiu-se derrubar o veto no Congresso. A contrário senso, se o veto persistisse, não seriam livres as críticas e os conceitos desfavoráveis e consequentemente os veículos não seriam independentes entre nós. Esse respeito à liberdade
de opinião na radiodifusão foi ratificado pelo art. 66 do Decreto 52.795/63, que
regulamentou o CBT. Essa foi a primeira ameaça moderna à liberdade de expressão afastada com a minha secundária participação.
Em 1963, pelas mãos de Ary dos Santos, entrei na Rádio Gaúcha como comentarista esportivo. Em pouco tempo, acumulei àquela a função de advogado
do Grupo RBS, que se implantava com a inauguração do Canal 12, que se unia
à Radio Gaúcha. Somei-me ao Maurício, ao Jayme e mais adiante ao Nelson, e
passamos a ter uma presença mais forte na ABERT, AGERT na ANJ (Associação Nacional de Jornais). Integrei-me às respectivas diretorias nas quais a maior
bandeira que defendemos foi e continua sendo a liberdade de imprensa que,
ao longo do tempo, foi e persiste questionada por setores da extrema esquerda
estatizante e da extrema direita religiosa.
As cartas constitucionais, diga-se a bem da verdade, expressaram e expressam o reconhecimento à liberdade de imprensa. Todavia, na prática, o seu respeito exige nossa permanente atenção, face às ameaças contra esse princípio
surgidas de várias frentes.
O próprio regime militar, em que os direitos e garantias individuais foram suprimidos ou restringidos, não teve coragem de abater formalmente a liberdade
de expressão. O parágrafo 8º, do art. 153 da carta outorgada em 1969, Emenda
nº 1, diz que “é livre a manifestação do pensamento, da convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura”.
Na prática, porém, durante a ditadura militar tivemos que enfrentar enormes
dificuldades, tais como censura prévia e autocensura. Lembrem-se do Estado de
São Paulo que publicava poesias nos espaços destinados a notícias censuradas.
Foi difícil, mas sobrevivemos, em que pese nesse período das trevas a liberdade
de expressão ter sido mitigada, pois os veículos foram tutelados e o espírito crítico muito reduzido. Tivemos que sobreviver fazendo uma imprensa com escassa
opinião, em geral registradora dos fatos acontecidos ou por acontecer. Foi um
tempo duro, muito duro.
O grande teste, porém, para o saudável e duradouro exercício da comunicação
social ocorreu durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1988.
Dediquei-me em tempo integral, com alguns grandes companheiros, como Joaquim Mendonça, Luis Eduardo Borgerth e Afrânio Nabuco, também da ABERT,
visando a deixar gizada na Constituição Federal a liberdade de expressão.
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Não foi essa barbada. A esquerda poderosa e representativa estava ansiosa
pela abertura. Quanto aos meios de comunicação, porém, pretendia estabelecer
a prevalência do serviço público sobre a iniciativa privada. Ela buscava uma liberdade tutelada, baseada no exemplo mexicano, em que o Estado tinha a mídia
sob controle. Por exemplo, naquele México era o Estado o único comprador de
papel de jornal e distribuía essa essencial matéria-prima entre os periódicos a
seu exclusivo critério político.
A Constituinte de 88 foi dividida em Comissões Temáticas. O presidente da
Comissão que tratou da mídia, o senador Artur da Távola, posto que jornalista,
conduziu os trabalhos com o viés da prevalente operação pública dos veículos.
Tivemos debates incríveis com ele e com outros parlamentares, conduzidos na
contramão pelo senador Mario Covas, que resultou num impasse insuperável.
Das oito Comissões Temáticas, a da Comunicação foi a única que não conseguiu produzir um relatório final.
O debate foi todo transferido para o plenário, no qual desenvolvemos um esforço extraordinário, contando com a simpatia discreta do relator-geral Bernardo Cabral e com o apoio irrestrito e decisivo de Fernando Henrique Cardoso,
Nelson Jobim e José Fogaça, especialmente. Por delegação dos líderes, passamos
a estabelecer uma relação direta com o então deputado Antonio Britto, jornalista de profissão, que se posicionou com grande habilidade e coerência. Com
Antonio Britto conseguimos subsidiar a redação do Capítulo da Comunicação
Social, salvando – esperamos que de forma definitiva – a liberdade de expressão.
O senador Pompeu de Souza, então dirigente da Associação Brasileira de
Imprensa (ABI), tentou reproduzir o texto da Primeira Emenda da Constituição
Norte-Americana que diz simplesmente que “o Congresso não pode fazer leis
contra a liberdade de expressão e a imprensa”. Não foi possível passar esse texto libertário. Tivemos que fazer algumas concessões para vencer o impasse que
prevaleceu por 2 anos, e acabou sendo aprovado um texto que diz que nenhuma
lei conterá dispositivos que possam constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, mas com
algumas importantes ressalvas. Eis o texto aprovado, em vigor:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV,
V, X, XIII e XIV.
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§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
As observações dizem respeito ao anonimato, ao direito de resposta, à violação da intimidade e vida privada e ao resguardo ao sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional. Embora sejam essas ressalvas razoáveis, a
interpretação extensiva que a ela tem sido dada em algumas decisões judiciais
alcança a liberdade de expressão, consagrada na Constituição Federal não da
forma irrestrita e absoluta como pretendiam o senador Pompeu de Souza e as associações de classe do setor, mas com o resguardo de alguns direitos de outrem
que também receberam a guarida constitucional.
Está estabelecido desde advento da atual Carta Magna um debate doutrinário e no Poder Judiciário sobre a questão dos limites da liberdade de expressão
vis-à-vis outros direitos fundamentais da pessoa e entidades. Não há dúvida que
deve ser observado o direito do cidadão a sua intimidade e vida privada. Todavia, também esse direito não é absoluto e, quando se confronta com o direito à livre informação, entendo que, havendo dúvida razoável, o intérprete ou julgador
deve decidir pela prevalência do interesse público da liberdade de manifestação
do pensamento.
Já referi que liberdade de expressão pressupõe o amplo direito de informar e
também de não ser ameaçado economicamente pelo Poder Público. É por essa
razão que os periódicos gozam de imunidade tributária (art. 150, inciso VI, letra
“d” da CF), da mesma forma que se distinguem no texto constitucional as telecomunicações da comunicação social, para que a essa última possa ser estendida
a não incidência tributária. Não há liberdade política sem liberdade econômica.
Liberdade de imprensa e democracia são irmãs siamesas. Uma não existe
sem a outra. Essa assertiva já é um lugar-comum. Realmente se dermos uma percorrida pelo mundo verificaremos que a liberdade de expressão que almejamos
só existe em países democráticos. Nas ditaduras ou regimes autoritários de qualquer natureza a imprensa é coartada. Vou mais longe, só pode existir liberdade
de imprensa onde prevalecer o modelo de operação privada do serviço. A dependência da comunicação pública ao Estado sem dúvida mitiga a liberdade de
expressão. A independência – seja do setor público ou privado – é pré-requisito
para a livre manifestação do pensamento. Aliás, independência é a essência da lição que nos transmitiu Lord Northcliffe na ementa que emoldura este trabalho.
É claro que foi muito grande a influência que na minha formação profissional
tiveram Ernesto Correa e meu amigo e irmão Maurício Sirotsky, ambos defensores permanentes da liberdade de imprensa. Já falei sobre a convivência com meu
pai. Quanto ao Maurício, estive com ele diuturnamente por 25 anos na RBS,
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ABERT, ANJ e na AGERT até seu precoce falecimento em 1986. Para eles, a
liberdade de imprensa não devia ser adjetivada, a não ser pelo acréscimo da palavra responsabilidade.
A essa altura, cabe fazer a pergunta que fulcra esse trabalho: “A liberdade
de expressão deve ser absoluta como querem alguns ou relativa como propõem outros?”.
Como executivo de um grupo de comunicação e como dirigente das associações de classe, defendi por 35 anos uma liberdade de expressão sem ressalvas. O texto constitucional vigente, entretanto, por ser fruto de negociação,
referendou o princípio da liberdade com algumas considerações paralelas que
a relativizaram.
Agora, mais experiente e vivido, afastado da posição do dia a dia, analisando
o problema com o necessário distanciamento emocional, considero que é correto que o direito de expressão seja tratado pelo nosso ordenamento jurídico e
institucional como um direito relativo, que precisa ser exercitado levando em
conta outros direitos de magnitude igual ou semelhante. Se nem o direito à vida,
que é o maior de todos, é absoluto (pode-se matar uma pessoa em legítima defesa, por exemplo), é inviável sustentar que o direito de expressão não admita
algum tipo de limitação.
Liberdade de expressão, não censura e direito de resposta formam um conjunto que necessita ser examinado e interpretado no seu contexto. Podemos e devemos informar com liberdade, mas temos que informar com cuidado, para não
atropelarmos os direitos individuais e coletivos que também merecem respeito.
Hoje, face à omissão, quase falência de importantes segmentos do setor público, a imprensa está sendo chamada a exercer um papel fiscalizador que a rigor
não lhe compete. Dizem alguns críticos – não sem alguma razão – que a imprensa indicia, denuncia, julga e condena (ou absolve) pessoas e instituições. Editorias investigativas são criadas e reconhecidas por seu poder nas redações dos
veículos de comunicação. Muitas vezes a origem das notícias é a própria Polícia
ou Ministério Público. E fica tudo muito complexo, a exigir redobrada cautela na
verificação dos fatos, a partir do exame da idoneidade e do interesse das fontes.
“A reportagem política contabiliza vários acertos neste ano, mas precisa evitar o linchamento midiático.” Essa manifestação não é de um adversário da liberdade de expressão. Ao contrário, é de Suzana Singer, ombudsman da Folha de
S.Paulo (edição de 30 de outubro), ao criticar o aval que o jornal deu a uma
fonte por ela considerada inidônea, no caso das denúncias que resultaram na
demissão do ministro do Esporte. É por isso que enfatizo que o ético exercício
da liberdade jornalística pressupõe o ponderado exame da notícia.
Como a toda a ação corresponde uma reação, pessoas que se consideram
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agravadas têm recorrido ao Poder Judiciário que, felizmente em decisões minoritárias, tem aplicado censura aos veículos, o que é claramente inconstitucional.
Censura é constitucionalmente vedada (Art. 220, parágrafo 2º da CF). Há que se
distinguir entre censura prévia e póstera. A primeira é absolutamente inadmissível. Deve ser livre a circulação da informação por qualquer meio ou veículo. Há
casos de censura prévia que não têm cabimento em nosso regime republicano.
Ademais, a liberdade de expressão sem censura prévia existe exatamente
para que se critique, ofenda, denigra quem quer que seja. Se fosse apenas para
elogiar, louvar e honrar outrem, não seria necessária a garantia constitucional.
Os excessos porventura cometidos haverão de ser posteriormente punidos pelas
vias negociais ou pelo Judiciário.
Referindo ao humorista Rafinha Bastos que costuma xingar e humilhar suas
“vítimas”, diz a revista Época (Edição de 17/10/11):
“Por maior que seja a indignação causada por suas palavras, a liberdade de expressão inclui o direito de dizer asneiras.”
Aquele que faz mal uso da liberdade de expressão acaba pagando um alto
preço, seja ao ser punido pelo Poder Judiciário, seja por ser condenado pela opinião pública que o repudia ou o relega ao esquecimento.
No que tange ao que por equívoco se denomina censura posterior ao fato, ela
é na realidade uma pena imposta pelo Poder Judiciário ao veículo que comprovadamente deu guarida a uma notícia falsa ou agravante. A pena (e não censura) é
aplicada para que o veículo não reitere o agravo, como muito bem sustenta o meu
companheiro Marco Antonio que é um estudioso desse tema e desenvolve uma
tese à qual me incorporo. Proibir a divulgação de uma notícia é censura prévia, o
que é inconstitucional. Não há hipótese de ser admitida. Reparar um agravo cometido por um veículo de comunicação é uma penalidade – e não censura – que, se
razoável, merece ser acolhida pelo nosso sistema democrático de direito. Repõe o
equilíbrio relativo entre a liberdade de expressão e os direitos individuais.
Mais do que nunca, ao se ampliar a área de investigação, os veículos precisam
ter consciência da necessidade de serem céticos e críticos, mas não caóticos. A
busca da verdade é um princípio a ser permanentemente cultivado. Penso que o
papel ampliado que circunstancialmente a mídia está exercendo faz com que ela
multiplique sua responsabilidade e zelo quanto ao que venha a divulgar.
A Lei de Imprensa caiu recentemente perante o Supremo Tribunal Federal.
Ela legislava detalhadamente sobre o direito de resposta. Nesse vácuo legal restou o mandamento genérico constitucional (inciso IV do art. 5º da CF) que
assegura o “direito de resposta proporcional ao agravo”.
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Considero que o adequado exercício do direito de resposta é parte integrante do conjunto liberdade de expressão/não censura/direito de resposta. Na minha opinião, via de regra , os veículos de comunicação não tratam com o devido
respeito o direito de resposta. Se por um lado a Constituição Federal foi sábia
ao dizer que a resposta deve ser proporcional (e não igual) ao agravo, por outro
lado ele não deve ser menosprezado pela mídia. Uma matéria de capa de um
jornal não precisa receber outra matéria de capa com o mesmo destaque, o que
nem sempre é jornalístico. Mas, também, a retificação não pode se circunscrever
a duas linhas nas “cartas do leitor”. São equívocos que a mídia comete na pretensa defesa de sua inviolável liberdade de imprensa. Cabe, ainda, considerar que o
direito de resposta quando reconhecido pelo veículo ou quando imposto pelo
Judiciário tem que ser cumprido com presteza. Uma resposta velha e deslocada
no tempo não conforta o agravado e pode até mesmo ampliar o agravo pela rememorização do fato.
Resumindo, defendo a liberdade de expressão a mais ampla possível, levando em conta os outros direitos fundamentais das pessoas e instituições. Na dúvida, o direito à informação deve prevalecer sobre os direitos individuais, porque
o interesse público se sobrepõe ao privado. A censura prévia que, a rigor, é a
única censura, por ser claramente inconstitucional, não pode ser admitida em
nenhuma hipótese. E o direito de resposta precisa ser valorizado pelos veículos
de comunicação no que tange à tempestividade, alcance e dimensão desse recurso reparador. A arrogância pontual da mídia, ao se considerar infalível e dona da
verdade, merece uma reflexão madura, pois não contribui para o fortalecimento
do princípio da livre manifestação do pensamento em nosso país.
Saudemos a liberdade de expressão que nos envolve, sem censura prévia e
adornada dos atributos da verdade, responsabilidade e independência.
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FERNANDO ERNESTO CORRÊA
Advogado, administrador de empresas e jornalista. Sócio
e membro do Conselho de Acionistas do Grupo RBS. Foi
presidente da AGERT – Associação Gaúcha de Emissoras
de Rádio e Televisão, vice-presidente da ABERT –
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão e
vice-presidente da ANJ – Associação Nacional de Jornais.
Prescrição e decadência tributárias
João Armando Bezerra Campos
Costumo adotar o conceito de Pontes de Miranda sobre prescrição, por
considerá-lo o mais completo. Dizia aquele eminente jurista que (Tratado de
Direito Privado, Parte Geral, tomo VI, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo,
1983, 4ª edição, pág.100) prescrição “é a exceção que alguém tem contra o que
não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou
ação”. A prescrição pressupõe, portanto, pretensão ou ação eficacizada, inércia
do titular, fluência do prazo e ausência de causa com eficácia neutralizante (impeditiva, suspensiva ou interruptiva).
Para perfeita compreensão do conceito, há necessidade da exposição de três
outros institutos: o da exceção, o da pretensão e o da ação. Pretensão, também
no dizer de Pontes, é a posição subjetiva de exigir de outrem alguma prestação
positiva ou negativa. A exigência premível corresponde ao dever. A ação surge
quando a pretensão ou o direito mesmo exercido não é satisfeito e o titular age.
Esta ação exerce-se, principalmente, por meio da “ação” (remédio jurídico processual), isto é, pela dedução de pretensão à tutela jurídica estatal. A exceção é
contradireito, de natureza declarativa, que encobre, no plano da eficácia, outro, a
pretensão, a ação, ou exceção, a que se opõe. É direito de recusa à prestação ou ao
exercício do direito. A prescrição não atinge, de regra, somente a ação, atinge a
pretensão, cobrindo a sua eficácia e, pois, o direito, quer quanto à sua ação, quer
quanto ao seu exercício. Assim, pelo acolhimento da exceção de prescrição, o
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direito tem prescrita a pretensão (ou a ação) que dele se irradiava; o direito não
se encobre por exceção de prescrição.
A prescrição ocorre quando o seu suporte fático se compõe. São seus pressupostos de existência: a) a possibilidade da pretensão ou ação; b) a prescrição da
pretensão ou da ação; e c) o tempus (transcurso do prazo prescricional) e o vazio
do exercício pelo titular da pretensão ou da ação.
Pontes de Miranda definia decadência como forma de preclusão. Dizia que
preclui o que deixa de estar incluído no mundo jurídico. Preclusão é extinção
de efeito – de efeito dos fatos jurídicos, de efeitos jurídicos (direito, pretensão,
ação, exceção, “ação” em sentido de direito processual). O direito cai, não decai.
Assim, nos prazos preclusivos, ditos decadenciais, o que importa é o tempo, independentemente de qualquer ligação subjetiva. Todavia, a doutrina tradicional
distingue decadência e preclusão. Maria Helena Diniz define a decadência como
a extinção do direito pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal
ou voluntariamente fixado para seu exercício. Segundo Riccio se constitui no
decurso infrutuoso de seu termo. Para Chiovenda, preclusão consistia na perda
de uma faculdade processual por se haverem tocado os extremos fixados pela lei
para o exercício dessa faculdade no processo ou numa fase do processo.
O termo prescrição teve origem no vocábulo latino praescriptio, derivado do
verbo praescribere, formado de prae e scribere, significando “escrever antes” ou
“escrever no começo”.
No Direito romano pré-clássico, todas as legis actiones eram perpétuas. Com
sua extinção, decorrente do exagerado formalismo das praxes, surgiu o processo
formulário. Assim, como ocorria no sistema anterior, a instância se dividia em
duas fases sucessivas: a in iure (perante o magistrado) e a apud iudicium (frente
ao juiz popular). Revestia-se de menos formalidade e mais celeridade; a fórmula
era escrita; o magistrado tinha maior atuação e a condenação era exclusivamente
pecuniária. A fórmula era um esquema abstrato previsto no Édito dos Magistrados, que servia de modelo ao iudicium, documento escrito que fixava o objeto da
demanda para julgamento pelo juiz popular.
A fórmula, segundo Gaio (Institutas, IV, 39), continha partes principais e
acessórias. As partes principais diziam respeito à pretensão apresentada pelo
autor; a intentio (pretensão), a demonstratio (para pretensões incertas), a condemnatio (poder dado ao juiz popular de condenar ou absolver o réu) e a adiudicatio (poder dado ao juiz popular de adjudicar a coisa a algum dos litigantes). As
partes acessórias eram aquelas que eram inseridas na fórmula a pedido de uma
das partes, quando ocorressem determinadas circunstâncias. Uma delas era a
praescriptio, que era escrita no começo da fórmula, antes da demonstratio e da
intentio. As praescriptiones podiam ser a favor do autor (pro actore) ou do réu
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(pro reo). A praescriptio pro actore ocorria nas hipóteses de limitação do pedido
nas relações jurídicas de prestação sucessiva e em uma hipótese assemelhada ao
moderno chamamento ao processo. Já a praescriptio pro reo inseria na fórmula o
julgamento de uma questão prejudicial.
Com o tempo as praescriptiones pro reo caíram em desuso, sendo substituídas
pelas exceptiones (exceção). A exceptio era parte acessória da fórmula pela qual o
réu, invocando direito próprio ou determinada circunstância, afastava o direito
do autor. Era uma cláusula condicional negativa colocada após a intentio. Se o réu
não pedia a inclusão da exceptio na fórmula, não poderia alegar o fato perante o
juiz popular. As exceptiones podiam ser perpétuas (peremptórias) ou temporárias (dilatórias), rei cohaerentes (invocáveis por qualquer interessado) ou personal cohaerentes (invocáveis apenas por certas pessoas).
Somente em 424 d.C., no Império Romano do Oriente, surgiu a prescrição
com os contornos da sua atual noção, quando Teodosiano II estabeleceu que as
ações perpétuas (as temporárias permaneceram observando aos preceitos anteriores) se extinguiriam em 30 anos, dispondo o réu da exceptio longi temporis ou
longi temporis praescriptio.
Foi neste período, no Direito romano pós-clássico, que a Escola do Oriente,
pela primeira vez, tratava da questão dos efeitos da prescrição. Alguns sustentavam que, prescrita a ação pessoal, a obrigação se transmutava em natural, não
podendo o credor exigir o crédito através da actio, mas alegá-la através de exceptio, que era imprescritível. A maioria, entretanto, reconhecia que, com a prescrição, também ocorria a extinção do direito.
Decadência origina-se do verbo latino cadere, composto do prefixo de (de
cima de) e do sufixo entia (ação em estado) designando a ação de decair ou o
estado daquilo que caiu.
A controvérsia surgida no Direito romano sobre as distinções entre prescrição e decadência permanece até hoje, sugerindo a doutrina, ao longo dos anos,
diversos critérios para diferenciá-las.
Assim, por exemplo, Planiol defendeu critério calcado na limitação temporal
do direito, denominando a decadência de delai préfix. Windscheid estabeleceu
critério baseado na inação do titular, conduzindo à prescrição da actio e, portanto, à extinção da pretensão e, como consequência, da obrigação, em oposição
a Kelsen para quem o prazo de prescrição extingue o próprio direito. Modina
propôs critério calcado na apreciação dos caracteres intrínsecos e extrínsecos
do direito ou da relação jurídica atingida. Pugliese adotava critério baseado na
natureza do direito e do modo de sua aquisição.
No Direito brasileiro o critério dominante estabelece que o elemento de
distinção entre os dois institutos está no campo de incidência de cada um: a
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prescrição atinge diretamente a ação e, por via indireta, faz desaparecer o direito
por ela tutelado; a decadência, ao inverso, atinge diretamente o direito e, por via
indireta, extingue a ação.
A maior crítica a esta distinção reside no fato de que busca nos efeitos o critério distintivo, o que, na prática, torna extremamente difícil a verificação de
uma ou outra hipótese, pois nas duas a situação fática consequente se assemelha.
Câmara Leal adotava critério segundo a origem da ação. Esclarecia aquele
doutrinador que é de decadência o prazo estabelecido pela lei ou pela vontade
unilateral ou bilateral quando prefixado ao exercício do direito pelo seu titular.
E será de prescrição quando fixado, não para o exercício do direito, mas para o
exercício da ação que o protege. Quando, porém, o direito deve ser exercido por
meio de ação, originando-se ambos do mesmo fato, de modo que o exercício da
ação representa o próprio exercício do direito, o prazo estabelecido para a ação
deve ser tido como prefixado ao exercício do direito, sendo, portanto, de decadência, embora aparentemente se afigure de prescrição.
Do ponto de vista prático, portanto, para se saber se um prazo estatuído para
a ação é de decadência ou prescrição basta indagar-se se a ação constitui, em si,
o exercício do direito, que lhe serve de fundamento, ou se tem por fim proteger
um direito, cujo exercício é distinto do exercício da ação. No primeiro caso, é
extintivo de direito e o seu decurso produz a decadência; e, no segundo caso, o
prazo é extintivo da ação e o seu decurso produz a prescrição. Não é, todavia, um
critério científico, mas, como admitia o próprio Câmara Leal, uma “discriminação prática do prazo”.
Outro critério bastante difundido na nossa doutrina, principalmente por
Agnelo Amorim Filho e Christiano Almeida do Valle, é aquele baseado na classificação dos direitos individuais estabelecida por Chiovenda: direitos a uma
prestação, que prescreveriam; e direitos potestativos (direitos tendentes à modificação do estado jurídico existente), que decairiam.
Pereira Braga apresentou um critério prático de distinção entre os institutos a partir de suas diferenças quanto ao objeto, direito, ação, exercício da ação,
consequências e efeitos. Existe, ainda, o critério distintivo sob a forma de especificação legislativa.
A doutrina tributária brasileira controverte, há quatro décadas, sobre os institutos da decadência e prescrição no Código Tributário Nacional.
Para Fábio Fanucchi, a partir da doutrina de Ernst Blumenstein, o lançamento representava um marco básico, antes do qual só se poderia falar de decadência, e, depois do qual, só entraria em cogitação a prescrição.
Em 1975, Aurélio Pitanga Seixas Filho sustentou que, adotado o critério baseado na classificação dos direitos individuais estabelecida por Chiovenda, não
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seria decadencial o prazo estabelecido no artigo 173 do Código Tributário Nacional, pois o direito da Fazenda lançar não é um direito potestativo.
Já em 1980, Carlos da Rocha Guimarães, em seu livro “Prescrição e Decadência”, defendeu que, do exame do Código Tributário Nacional, se conclui pela inadequação da decadência à obrigação tributária, devendo suas normas serem sempre adaptadas aos princípios que regem a prescrição, salvo exceção legal específica.
Bernardo Ribeiro de Moraes diz que, antes da constituição do crédito tributário, o que existe é decadência, e, após, cogita-se, apenas, de prescrição, que,
além de extinguir a ação para a cobrança do crédito tributário, atinge também o
próprio direito protegido pela ação, isto é, atinge o crédito tributário.
Sacha Calmon Navarro Coelho sustenta que, no Direito Tributário pátrio,
a teor do Código Tributário Nacional, tanto a decadência quanto a prescrição
extinguem o crédito tributário.
Não é outro o ensinamento de Leandro Paulsen ao afirmar que, por força do
artigo 156, inciso V, do Código Tributário Nacional, a prescrição atinge não apenas a ação, como o próprio direito material, eis que extingue o crédito tributário.
Roque Joaquim Volkweiss, por igual, alerta que a decadência e a prescrição
não representavam, no Direito Tributário, apenas a perda ou a extinção, respectivamente, do direito de lançar um crédito e de cobrar judicialmente um crédito
já lançado, mas a extinção do próprio crédito.
Carlos Roberto Canibal, em sua obra “Estudos de Direito Constitucional
Tributário e Processo Civil”, sustenta que o prazo previsto no artigo 174 do Código Tributário Nacional, dito prescricional, não o é, pois o que se extingue é o
próprio direito e não a ação que o assegura.
Rubens Gomes de Sousa dizia que a prescrição é o desaparecimento de um
direito pelo decurso de um certo período de tempo, fixado em lei, sem que este
direito tenha sido exercido. Seriam suas espécies: a caducidade e a prescrição
propriamente dita. Caducidade, também chamada de decadência, seria o desaparecimento do próprio direito, pelo fato de não ser exercido dentro do prazo
da lei; prescrição propriamente dita é o desaparecimento da ação que possa ser
proposta no prazo da lei, muito embora o próprio direito continue a existir. E
concluía, afirmando que as consequências práticas de caducidade e prescrição
são iguais, a saber, o desaparecimento ou a inutilidade do direito do credor.
Ensinava que, no Direito Tributário, a prescrição apresentava-se sob suas
duas figuras. Surgindo a obrigação tributária da ocorrência do fato gerador, desde então teria o fisco o direito de efetuar o lançamento; se o lançamento, entretanto, não é efetuado no prazo previsto em lei, aquele direito desaparece ou se
extingue: trata-se, portanto, de um caso de caducidade. Mas se o fisco efetua,
dentro do prazo, o lançamento, inicia-se a fluência do prazo dentro do qual o
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tributo pode ser cobrado. Se o fisco não promove a cobrança dentro deste prazo,
a obrigação propriamente dita não desaparece, mas extingue-se o direito de cobrar o crédito: trata-se, agora, de hipótese de prescrição.
O seu anteprojeto de Código Tributário não fazia distinção entre os institutos, mencionando, sempre, aquilo que considerava o gênero prescrição (artigos
184 e 212 a 216). O anteprojeto foi alterado no Congresso dando origem ao
Código Tributário Nacional.
O Código Tributário Nacional, no inciso V do seu artigo 156, estabelece que
a prescrição e a decadência extinguem o crédito tributário. Já o artigo 173 dispõe que o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extinguese após cinco anos contados das hipóteses que especifica. O artigo 174 estatui
que a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos contados da data da sua constituição.
Entendo que as dificuldades de interpretação dos dispositivos do Código
decorrem das tentativas de adaptação do anteprojeto à doutrina tradicional referente aos dois institutos. Como referi, diversamente do que entendia Rubens
Gomes de Sousa, decadência não é espécie do gênero prescrição. Se a prescrição
encobre, no mundo jurídico, no plano da eficácia, direito, pretensão, ação ou
exceção, a decadência exclui do mundo jurídico, extingue um daqueles efeitos
jurídicos. Não é exato, por conseguinte, afirmar que suas consequências práticas
são iguais.
O direito de efetuar o lançamento não se confunde com o direito ao crédito
tributário e nem com a ação processual para cobrá-lo. Do direito do fisco de efetuar o lançamento tratou o artigo 173 do Código Tributário Nacional, dizendo que
extingue-se, portanto, exclui-se do mundo jurídico o direito-efeito de lançar. Já o
artigo 174 daquele diploma legal dispõe expressamente que prescreve a ação para
cobrança do crédito tributário em cinco anos, portanto, contradireito, de natureza
declarativa, que encobre, no plano da eficácia, a ação a que se opõe. Sua eficácia
ipso iure, pela sua pronúncia de ofício, comum no direito público, não pode ser
usada para desnaturá-la, aliás como já advertia Pontes de Miranda em seu “Tratado
de Direito Privado”, ao tratar do nascimento da exceção de prescrição.
Assim, no meu ponto de vista, existem duas hipóteses legais, restando vazia
a disposição do inciso V do artigo 156 do Código Tributário Nacional, em consonância com a melhor doutrina, pois, segundo ela, não há cogitar de prescrição
ou decadência de direito a crédito.
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João Armando Bezerra Campos
Desembargador aposentado, advogado.
Aspectos práticos do contrato
particular de promessa de compra
e venda de bem imóvel
André Difini Leite
Sumário: Introdução. 1. Princípios Contratuais. 2. Promessa de Compra e Venda. Conceito. 3. Principais Cláusulas. 4. Escritura x Promessa x Cessão = Valor da Transação.
Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
RESUMO
Tem este artigo a finalidade de destacar questões importantes do contrato particular de promessa de compra e venda no tocante à sua formalização jurídica. Ao
mencionar os aspectos práticos a serem observados, visando a uma maior segurança jurídica nas transações imobiliárias, quer este artigo contribuir na efetiva
prevenção de futuros conflitos judiciais.
Palavras-chave: Promessa de Compra e Venda, Cláusulas, Aspectos Relevantes.
ABSTRACT
The purpose of this article is to highlight important issues of the contract promise of sale made in a private document, with respect to its legal formalization.
Mentioning the practical aspects that has to be observed, leading to further legal
certainty in real estate transactions, this article wants to contribute to the effective prevention of future legal conflicts.
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Keywords: Promise of Sale, Clauses, Relevant Aspects.
Introdução
Nas transações imobiliárias, é o contrato de promessa de compra e venda,
usualmente, o instrumento eleito para a formalização preliminar do negócio jurídico. Não raro, em virtude das estratégias comerciais adotadas pelas empresas
voltadas à incorporação imobiliária e de intermediação, onde a emoção do cliente é fator fundamental para a rapidez na concretização da venda de um imóvel,
nos deparamos com disposições contratuais dúbias, complexas, frágeis e muitas
vezes nulas, pondo em risco a segurança jurídica das partes contratantes.
Longe de pretender enfrentar esta temática com exaustão, até porque é vasta
a doutrina que dela se ocupa, destacarei, neste artigo, questões eminentemente
práticas no tocante à formação e execução deste tipo de contrato, uma das principais fontes das obrigações1, sem antes mencionar, à guisa de complementação,
os princípios contratuais.
1. Princípios contratuais
A doutrina é rica e profunda na abordagem dos princípios norteadores do
contrato. Elencaremos, aqui, os principais, haja vista o propósito prático destas
linhas.
1.1 Função social
É o princípio magno dos contratos. A partir do Código Civil de 2002, este
princípio materializou-se através do preceito2: “A liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Não havia, no Código de 1916, expresso esta norma, embora já bastante aplicado e estudado pela
jurisprudência pátria. É a função do contrato, não só focado em garantir interes1 A doutrina, costumeiramente, aponta as seguintes fontes das obrigações: os contratos, as declarações unilaterais da vontade, os atos ilícitos e a lei. Aliás, esta é a fonte principal que comanda
as demais. De modo didático, podemos também classificar as fontes das obrigações da seguinte
maneira: a lei, a maior de todas, considerada como fonte única onde todas as demais se submetem;
o comportamento humano lícito que pode ser unilateral (proposta de compra, por exemplo) e
bilateral (contratos), e o comportamento humano ilícito, onde através de uma ação ou omissão
voluntária, negligente ou imprudente, decorra a violação de um direito causando dano a outrem,
obrigado se está a reparar.
2 Código Civil, Art. 421.
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se privado, mas também e, principalmente, priorizando a incidência do interesse
coletivo (social) ao particular propiciando, por consequência, uma maior segurança jurídica ao contrato e às partes.
Vale mencionar, aqui, os ensinamentos dos professores Nelson Nery Júnior e
Rosa Maria de Andrade Nery3, ao comentarem o referido artigo:
“A função mais destacada do contrato é a de propiciar a circulação da riqueza, transferindo-a de um patrimônio para outro
(Roppo, Il contratto, p.12 et seq.). Essa liberdade parcial de contratar, com objetivo de fazer circular riqueza, tem de cumprir sua
função social, tão ou mais importante do que o aspecto econômico do contrato. Por isso fala-se em fins econômico-sociais do
contrato como diretriz para sua existência, validade e eficácia.
Como a função social é cláusula geral, o juiz poderá preencher
os claros do que significa “função social”, com valores jurídicos,
sociais, econômicos e morais. A solução será dada diante do que
se apresentar, no caso concreto, ao juiz. Poderá reclamar a inexistência do contrato por falta de objeto; declarar sua nulidade
por fraude à lei imperativa (CC 166 VI), porque a norma do CC
421 é de ordem pública (CC 2035 par.ún.); convalidar o contrato anulável (CC 171 e 172); determinar a indenização da parte
que desatendeu a função social do contrato etc. São múltiplas as
possibilidades que se oferecem como soluções ao problema do
desatendimento à cláusula geral da função social do contrato.”
Vê-se, pois, que o exercício do direito de contratar está condicionado aos fins
sociais do contrato, implicando, por consequência, a prática de uma justiça mais
distributiva que meramente retributiva.
1.2 Boa-fé e probidade
Estes princípios são os norteadores na formação do contrato e balizam a vontade das partes em contratar. É a verdadeira intenção da parte ao contratar. É a
ausência do interesse de uma parte em lesar a outra, obedecendo a um padrão
de conduta segundo normas sociais preestabelecidas. Agir com honestidade e
lealdade. O Código Civil de 2002 consagrou, expressamente, estes princípios
ao dispor: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do con3 Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados. Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 181.
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trato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé4.” No dizer do
professor Arnaldo Rizzardo5:
“A probidade envolve a justiça, o equilíbrio, a comutatividade
das prestações, enquanto a boa-fé exige a transparência e clareza
das cláusulas”. Prossegue, “Como já referia Orlando Gomes6 , o
princípio da boa-fé diz respeito mais à interpretação: por ele se
significa que o literal da linguagem não deve prevalecer sobre a
intenção manifestada na declaração de vontade, ou dela inferível.
Ademais, subentendem-se, no conteúdo do contrato, proposições que decorrem na natureza das obrigações contraídas, ou se
impõem por força de uso e da própria equidade.”
1.3 Justiça contratual
É o equilíbrio entre os direitos e obrigações das partes contratantes que embasa este princípio. Deve haver a equivalência das prestações do contratante e
contratado, do credor e devedor. O contrato não deve ser utilizado como uma
ferramenta de exploração econômica.
Vários dispositivos legais encontramos no ordenamento jurídico que consagram este princípio. Sobre a resolução do contrato por onerosidade excessiva,
assim determina o Código Civil7: “Nos contratos de execução continuada ou
diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com
extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”. Na mesma esteira, a lei objetiva refere-se sobre o enriquecimento sem causa, dizendo8: “Aquele que, sem justa
causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente
auferido, feita a atualização dos valores monetários”. O Código Consumerista,
ao dispor sobre a proteção do consumidor, elenca entre os seus direitos básicos9
“a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
4 Código Civil, Art. 422.
5 Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, página 33.
6 ORLANDO GOMES, Apud Arnaldo Rizzardo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 33.
7 Código Civil, Art. 478.
8 Código Civil, Art. 884.
9 Lei nº 8.078, de 11/09/1990, Art. 6º, inc. V.
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1.4 Autonomia da vontade
Com quem contratar, o que contratar, como contratar. A vontade humana
criando direitos e obrigações. As partes decidindo seus ajustes, disciplinando as
condições jurídicas e econômicas de seus negócios, utilizando-se dos contratos
nominados relacionados no Código Civil e inominados.
No dizer do professor Silvio Rodrigues10, “o princípio da autonomia da vontade consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na
órbita do direito, desde que submetam às regras impostas pela lei e que seus fins
coincidam com o interesse geral, ou não contradigam. Desse modo, qualquer
pessoa capaz pode, pela manifestação de sua vontade, tendo objeto lícito, criar
relações a que a lei empresta validade. Não estão as partes adstritas à escolha de
determinado contrato nominal; antes, podem usar da liberdade que lhes reconhece a lei, para recorrer a um contrato atípico, ou para combinar várias espécies
de contratos, a fim de regular o eventual conflito entre seus interesses”.
Dita liberdade para contratar, entretanto, está restrita à função social do contrato, conforme exposto acima, onde são vedadas estipulações que violem a moral, os bons costumes e a ordem pública.
1.5 Obrigatoriedade do contrato
Os contratos devem ser cumpridos, assim como a lei deve ser obedecida. Livre as
partes para contratarem, obrigadas ficam naquilo que estipularam. Ficam obrigadas a
respeitar as cláusulas jurídicas e econômicas que pactuaram. Na mesma medida que
a ordem jurídica concede esta autonomia, ela mesma impõe o dever de cumprir o
pactuado. Pacta sunt servanda, brocardo que muito bem traduz este princípio.
Pelo princípio da autonomia da vontade, ninguém é obrigado a contratar. A
ordem jurídica concede a cada um a liberdade de contratar e definir os termos e
objeto da avença. Os que o fizerem, porém, sendo o contrato válido e eficaz, devem cumpri-lo, não podendo se forrarem às suas consequências, a não ser com a
anuência do outro contraente. Como foram as partes que escolheram os termos
do ajuste e a ele se vincularam, não cabe ao juiz preocupar-se com a severidade
das cláusulas aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocação dos princípios
de equidade. O princípio da força obrigatória do contrato significa, em essência,
a irreversibilidade da palavra empenhada11.
10 Direito Civil. Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 15-16.
11 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições, cit., v. III, p. 14-15, apud GONÇALVES, Carlos
Roberto. Direito Civil Brasileiro, Contratos e Atos Unilaterais, v. III. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 28.
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1.6 Interpretação subjetiva
Nos contratos e demais negócios escritos, a análise do texto (interpretação
objetiva) conduz, em regra, à descoberta da intenção dos pactuantes. Parte-se,
portanto, da declaração escrita para se chegar à vontade dos contratantes (interpretação subjetiva), alvo principal da operação.
Quando, no entanto, determinada cláusula mostra-se obscura e passível de
dúvida, alegando um dos contratantes que não representa com fidelidade a vontade manifestada por ocasião da celebração da avença, e tal alegação está demonstrada, deve-se considerar como verdadeira esta última, pois o art. 112 do
Código Civil declara que nas “declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas do que no sentido literal da linguagem”.
Parte-se da declaração, que é a forma de exteriorização da vontade, para se
apurar a real intenção das partes. Esta deve, pois, ser considerada, não no sentido do pensamento íntimo dos declarantes, pois não se buscam os seus motivos
psicológicos, mas sim o sentido mais adequado a uma interpretação que leve em
conta a boa-fé, o contexto e o fim econômico do negócio jurídico12.
É a verdadeira intenção das partes que deve preponderar sobre a interpretação literal, objetiva.
1.7 Dirigismo contratual
Princípio limitador da autonomia da vontade. Também denominado princípio da supremacia da ordem pública ou regulamentação legal do contrato. O Estado intervindo nas regras dos contratos privados em virtude de razões sociais,
morais e econômicas. Restringe o Estado a liberdade de contratar em prol de
preservar a igualdade das partes, o equilíbrio econômico e jurídico das disposições por elas estabelecidas. É o que se vê no contrato de locação, no contrato de
trabalho e em tantos outros onde a intervenção estatal é fundamental.
Vale aqui uma referência ao ensinamento de Washington de Barros Monteiro neste particular: “O natural limite, que fixa o campo da atividade individual, é
estabelecido pelo segundo princípio, da supremacia da ordem pública, que proíbe estipulações contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes, que
não podem ser derrogados pelas partes.
Assim, não podem elas avençar taxa de juros superior a doze por cento ao
ano (Dec. n. 22.626, de 7-4-1993, art.1º); não podem igualmente majorar aluguel, salvo nos casos legais; não podem, outrossim, cominar cláusula penal de
12 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Contratos e Atos Unilaterais, v. III. São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 41.
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valor excedente ao da obrigação principal (Cód. Civil de 2002, art. 412). Nesses
e noutros casos excepcionais, inspirados pelo bem público, a vontade individual
é deliberadamente cerceada. O Código de Defesa do Consumidor traz inúmeras
hipóteses de cláusulas contratuais consideradas abusivas e, por isso, nulas de pleno direito (Lei n. 8.078, de 11-9-1990, arts. 51, 52, §2º, 53).”13
2. Promessa de compra e venda. Conceito
A obrigação decorrente do Contrato de Promessa de Compra e Venda, ou
também como é chamado Compromisso de Compra e Venda, é a de transferir a
propriedade definitivamente mediante a celebração, no futuro, de outro contrato, denominado Escritura Pública de Compra e Venda.
Nesse sentido, Silvio Rodrigues14:
“O compromisso de venda e compra, como contrato preliminar que é, tem por objeto um contrato futuro de venda
e compra. Assim sendo, pode ser definido como ajuste de
vontades por meio do qual os contratantes prometem, reciprocamente, levar a efeito uma compra e venda.”
Pontes de Miranda15 assim o define:
“No caso de pluralidade subjetiva, se obrigam a concluir
outro negócio jurídico, dito negócio principal, ou contrato
principal.”
Podemos distinguir a Compra e Venda da Promessa de Compra e Venda
dizendo que aquela é um contrato definitivo, cujo objeto é a transferência do
domínio, enquanto esta é um contrato preliminar, onde o objeto é a compra e
venda, é a promessa de contratar.
Antes da vigência do Código Civil de 2002, a Promessa de Compra e Venda era regulada por leis especiais: o Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de
1937, que dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para o pagamento
em prestações e a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o
13 Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações, 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 10.
14 Direito Civil. Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 171.
15 Tratado de Direito Privado, vol. 13. Rio de Janeiro: Borsoi, 1977, p. 30.
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Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências. Em síntese, aplicava-se
para os imóveis loteados a Lei nº 6.766/79 e, para os imóveis não loteados, o
Decreto-Lei nº 58/37.
Com o advento do Código Civil de 2002, expressamente, o legislador disciplinou o instituto da Promessa de Compra e Venda no Livro III – Do Direito
das Coisas –, Título IX – Do Direito do Promitente Comprador –, nos artigos
1.41716 e 1.41817.
Vê-se, aqui, a constituição de direito real do instrumento de promessa de
compra e venda, devidamente inscrito no Ofício Imobiliário e sem cláusula de
arrependimento. Aliás, já no artigo 1.22518 do mesmo diploma legal, o legislador
elencou o direito do promitente comprador do imóvel como uma das fontes de
direito real. Daí decorre a eficácia erga omnes dos direitos reais permitindo, ao titular do bem, perseguir o respectivo objeto onde quer que este se encontre e fazer prevalecer o seu direito sobre outro, mesmo que anteriormente constituído,
ou sobre outro direito real constituído posteriormente e com ele incompatível.
Para aquele instrumento particular de compromisso de compra e venda não
levado a registro, somente efeitos obrigacionais dele decorrerão.
Vale lembrar questão que foi muito debatida na doutrina e jurisprudência
a respeito da obrigatoriedade do registro da promessa para fins de adjudicação
compulsória19. A Súmula 239, do Superior Tribunal de Justiça, bem encaminhou
a solução, pacificando a matéria, afirmando que a adjudicação compulsória não
se condiciona ao registro da promessa no cartório de imóveis.
Tema não menos importante que a adjudicação compulsória é a hipótese do
não cumprimento do contrato pelo promitente comprador, independentemente de registro do contrato de promessa. Caso o promitente vendedor opte pela
via da rescisão contratual cumulada com a reintegração de posse, sempre haverá
a necessidade prévia de notificar judicialmente o promitente comprador para
16 “Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactou arrependimento,
celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis,
adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel”.
17 Art. 1.418. “O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de
compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao
juiz a adjudicação do imóvel.”
18 Código Civil, Art. 1.225. São direitos reais: ... VII – o direito do promitente comprador do imóvel.
19 Arnaldo Rizzardo conceitua adjudicação compulsória: “Ocorrendo a negação em honrar o
ajuste, não permanece desprotegido o credor do título. O Estado deve socorrê-lo, como de fato
acontece. Chamado a intervir, com sua autoridade impõe o cumprimento da obrigação, mediante
uma sentença constitutiva, suprimindo a manifestação espontânea do consentimento do inadimplente. Como o Estado se manifesta? Qual o caminho jurídico para fazer valer o direito da parte
lesada? É a ação de adjudicação compulsória”. (Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, página
425-426).
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constituí-lo em mora. Entretanto, caso o caminho eleito seja o da execução do
contrato, não há a necessidade de proceder referida notificação, pois a própria
citação a suprirá. Por absoluta cautela, recomenda-se, mesmo nesta hipótese,
tendo em vista alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça20, notificar-se
judicialmente o promitente comprador inadimplente.
3. Principais cláusulas
Não raro depara-se com disposições contratuais extensas, dúbias, desnecessárias e incompletas. Quer-se, neste item, de maneira sucinta e objetiva, focar
os principais elementos que devem constar no instrumento particular de promessa de compra e venda a fim de gerar uma segurança jurídica entre as partes
contratantes. Estas cláusulas, a seguir elencadas, vão materializar o contrato em
si, daí a relevância de seus conteúdos, podendo ou não gerar, de per si, o negócio
jurídico válido21. Passemos a analisá-las, obedecendo a uma lógica de inclusão e
desenvolvimento do contrato.
3.1 Das partes
3.1.1 Promitente Vendedor: o nome, por extenso, e o de sua esposa ou companheira22, qualificados pela nacionalidade, estado civil (se casado, data do casamento e o regime de bens adotado), profissão, residência e menção aos documentos de identidade e CPF. Recomenda-se, caso o estado civil seja solteiro,
incluir uma declaração que não vive em união estável.
3.1.2 Promitente Comprador: mencionar os mesmos dados acima.
3.1.3 Havendo representação por procurador, mencionar e indicar as procurações, lembrando que devem conter poderes especiais e expressos, e serem elaboradas por instrumento público.
20 Resp. nº 576038/BA, 3ª Turma, DJ publ. em 06/11/2007, p. 168, Rel. Min. Castro Filho,
Ementa: Contratos de Promessa de Compra e Venda regidos pela Lei nº 4.864/65 Execução –
Prévia Constituição em Mora – Necessidade. Sem a prévia notificação para a constituição em
mora do devedor, a execução carece de condição de procedibilidade, que não é suprida pela citação.
21 Código Civil, Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito,
possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.
22 Código Civil, Art.1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplicase às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
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3.1.4 Incluir Anuentes, quando titulares de direitos sobre a propriedade, na hipótese de cessão de direitos contratuais: mencionar os mesmos dados referidos
no item 3.1.1 supra.
3.2 Do objeto do contrato
3.2.1 Descrever o imóvel conforme consta na matrícula respectiva do Registro
de Imóveis, incluindo suas características, medidas, confrontações, metragem
quadrada, benfeitorias e edificações. Mencionar o número da matrícula. Para
não tornar a descrição extensa, sendo o objeto do contrato um apartamento ou
uma loja, por exemplo, não há a necessidade de caracterizar também o terreno
onde se assenta a construção, havendo esta obrigatoriedade somente no caso de
casas ou, é claro, de terrenos objetos da promessa de compra e venda. A descrição perfeita do imóvel, além da análise, pelo registrador imobiliário, das outras
cláusulas contratuais, permite o competente registro do instrumento no fólio
real, atribuindo-lhe efeitos erga omnes.
3.2.2 Fazer referência à titularidade do imóvel, isto é, indicar o título de propriedade do Promitente Vendedor, sua matrícula imobiliária; caso o imóvel não
esteja registrado em seu nome, deve-se esclarecer o histórico da origem, mencionando ser o Promitente Vendedor, então Cedente, possuidor dos direitos
contratuais (hipótese de cessão). Nesse caso, segundo já sublinhado no item
3.1.4 supra, impõe-se a participação no contrato do Anuente, titular da propriedade imobiliária, se comprometendo a outorgar a Escritura Definitiva de Compra e Venda ao Cessionário, tão logo seja autorizado pelo Cedente.
3.2.3 Mencionar se o imóvel encontra-se livre e desembaraçado de qualquer
ônus23 e dívidas24. Caso houver, indicar o encaminhamento da solução.
3.2.4 Indicar as condições físicas do imóvel transacionado, informando se a promessa de compra e venda tem natureza ad mensurum25 ou ad corpus26.
23 Código Civil, Art. 502. O vendedor, salvo convenção em contrário, responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição.
24 Código Civil, Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em
relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios
25 Código Civil, Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão,
ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões
dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de
reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.
26 Código Civil, Art. 500, § 3º. Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o
imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às
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3.3 Do preço e forma de pagamento
3.3.1 Mencionar o preço total e, se parcelado, a forma de pagamento estabelecendo, se houver, o índice de correção, na sua falta, seu substituto e juros.
3.3.2 Deve ser determinado ou determinável, podendo ser fixado em função de
índices ou parâmetros27.
3.3.3 Admite-se sua fixação com base em moeda estrangeira; mas, nesta hipótese, o pagamento deve ser efetivado em moeda corrente nacional (reais).
3.3.4 Não pode ser vil, pois poderá caracterizar uma doação.
3.3.5 Não há necessidade da emissão de notas promissórias, já que o próprio
contrato se constitui em título executivo extrajudicial28.
3.3.6 Parte do preço poderá ser pago com outros bens, na forma de dação em pagamento, devendo descrevê-los com suas características, atribuindo-lhe o valor
no negócio jurídico em questão.
3.4 Do inadimplemento
3.4.1 Na hipótese de atraso no pagamento das prestações do preço, é de praxe
fixar juro moratório de 1% (um por cento) ao mês, mais correção monetária
baseada em índice eleito pelas partes contratantes e, ainda, mais uma multa moratória de 2% (dois por cento), se for uma relação jurídica de consumo; caso
contrário, poderá ser de 10% (dez por cento).
3.4.2 Estabelecer cláusula de vencimento antecipado das parcelas vincendas,
evitando-se, assim, aguardar o vencimento de todas as prestações para fins de
execução judicial.
3.5 Da posse
3.5.1 Fixar, de maneira clara, a data em que o promitente comprador será imitisuas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.
27 Código Civil, Art. 487. É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde
que suscetíveis de objetiva determinação.
28 Código de Processo Civil, Art. 585, inc. II. São títulos executivos extrajudiciais: I – ... II – ... o
documento particular assinado por duas testemunhas; ...
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do na posse, mencionando que, a partir daí, todas as despesas incidentes sobre o
imóvel serão de única e exclusiva responsabilidade deste.
3.5.2 A posse que decorre do contrato de promessa de compra e venda é sempre
justa, legítima, de boa-fé29. Logo, dizer que a posse é precária, como usualmente
encontramos nos instrumentos contratuais, não coaduna com a melhor etimologia jurídica.
3.6 Da escritura
3.6.1 Mencionar que a Escritura Pública de Compra e Venda somente será outorgada, pelo Promitente Vendedor, após a quitação integral do preço, salvo a
hipótese de inclusão de “cláusula resolutiva expressa30/31”, usualmente utilizada
naquelas transações imobiliárias onde há a exigência, pelo Promitente Comprador, da outorga da Escritura pendente, ainda, a quitação do preço.
3.6.2 Conforme já mencionado no item supra 3.2.2, no caso de cessão de direitos contratuais e havendo a participação do Anuente proprietário, o que aqui
se recomenda, cláusula regulando a outorga da Escritura é fundamental para a
segurança jurídica das partes contratantes.
3.7 Das despesas
3.7.1 Inserir cláusula detalhando a responsabilidade de cada parte contratante no tocante às despesas decorrentes do contrato32, tais como, exemplificativamente, imposto de transmissão de bens imóveis, honorários de corretagem,
emolumentos de Tabelionato e Registro de Imóveis, etc.
3.8 Da irretratabilidade
3.8.1 Declarar, no contrato, que o negócio jurídico celebrado é irretratável33, fa29 Código Civil, Art. 1.201, § único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé,
salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.
30 Código Civil, Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita, depende
de interpelação judicial.
31 Código Civil, Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato,
se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas
e danos.
32 Código Civil, Art. 490. Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a
cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.
33 A Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766, de 19-12-1979) derrogou o Decreto-
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zendo-se menção à eventual exceção na hipótese de inadimplemento contratual
originado por uma das partes, o que justificaria a ocorrência da resolução do
pacto, com a incidência da cláusula penal a ser fixada.
3.9 Da resolução
3.9.1 Caso haja alguma hipótese de resolução prevista no contrato, mencioná-la,
sem esquecer-se de excepcionar na cláusula da irretratabilidade (vide 3.8 supra).
3.9.2 Sobre a resolução contratual, assim preleciona o professor Arnaldo Rizzardo34:
“Por resolução, apropriada para o caso de falta de cumprimento,
de inadimplemento, sempre superveniente, ou ocorrendo depois
da formação do contrato. Há a resolução voluntária, decorrente
da deliberada vontade de não cumprir; a resolução involuntária,
a qual está baseada na impossibilidade absoluta, sem culpa do
devedor, como na abrupta mudança das circunstâncias objetivas
existentes quando da efetivação do contrato, ou quebra da base
objetiva do negócio, na ocorrência da onerosidade excessiva, na
verificação de caso fortuito ou de força maior.”
3.10 Da cláusula penal
3.10.1 A necessidade de se regular uma cláusula penal decorre do inadimplemento contratual. Ocorrendo o desfazimento do contrato, ela prefixa as perdas e
danos nesta hipótese. Nada mais é do que a estipulação de uma multa moratória.
3.10.2 Embora haja divergência jurisprudencial no tocante ao percentual a ser
retido do Promitente Comprador em face da resolução contratual, oscilando de
10% (dez por cento) a 20% (vinte por cento, no máximo), importante discriminar, no contrato, os percentuais a serem descontados e a que título, por exemplo,
publicidade, corretagem, administrativo/contrato, etc.
Lei nº 58/37, que hoje se aplica somente aos loteamentos rurais. O art. 25 da referida lei declara
irretratáveis e irrevogáveis os compromissos de compra e venda de imóveis loteados. Qualquer
cláusula de arrependimento, nesses contratos, ter-se-á, pois, por não escrita. Em se tratando de
imóvel não loteado, lícito afigura-se convencionar o arrependimento, afastando-se, com isso, a
constituição do direito real. Mas a jurisprudência não vem admitindo o exercício dessa faculdade
se o cumprimento do compromisso já foi iniciado. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil
Brasileiro, Contratos e Atos Unilaterais, v. III. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 142.
34 Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 202.
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3.11 Do foro
3.11.1 Fixar o foro de eleição. Em regra, o foro é o da localização do imóvel objeto do contrato. Entretanto, podem as partes, se assim desejarem, escolher outro,
desde que não seja uma relação jurídica de consumo pois, neste caso, o foro será
o do domicílio do autor35.
3.12 Local e data
3.12.1 Mencionar o local e a data do negócio.
3.13 Assinaturas de todas as partes contratantes, anuentes
e testemunhas
3.13.1 Recomenda-se reconhecer as firmas, por autenticidade, a fim de firmar a
data do contrato e afastar, de maneira absoluta, no futuro, eventual alegação de
falsidade de assinatura.
3.13.2 Da mesma forma, reconhecer as firmas, por autenticidade, das testemunhas porque, a falta destas, retira a condição de título executivo extrajudicial do
contrato36.
4. Escritura x Promessa x Cessão = valor da transação
Questão relevante que está sempre presente por ocasião da conclusão dos
negócios jurídicos imobiliários é o de determinar o valor da transação para a empresa incorporadora-construtora, então Promitente Vendedora; para o Promitente Comprador e para o Interveniente Anuente naquelas hipóteses de cessões
intermediárias daqueles direitos contratuais. A solução correta para a fixação do
valor é fundamental para fins contábeis e fiscais, tanto para as pessoas físicas,
35 Eleição de foro diverso daquele em que se acha domiciliado o consumidor. Mecanismo que
dificulta a defesa do consumidor e lhe afronta direitos básicos (CDC 6.º VIII). Em tais circunstâncias, a cláusula de eleição de foro é abusiva. Não se trata, portanto, de declaração ex officio de
incompetência relativa, coibida pelo sistema processual civil (STJ 33), mas de reconhecimento
de nulidade absoluta de cláusula contratual abusiva, ex vi das regras do CDC, lei especial que se
sobrepõe às regras gerais do CPC” (TJSP, Câm. Esp., CComp 31553-0, rel. Des. Luís de Macedo, j.4.7.1996). No mesmo sentido: STJ, 2ª Seç., CComp. 19301-MG, rel. Min. Ruy Rosado de
Aguiar, j.11.11.1998, v.u., DJU 17.2.1999, p. 108.
36 Código de Processo Civil, Art. 585, inc. II. São títulos executivos extrajudiciais: I – ... II – ... o
documento particular assinado por duas testemunhas; ...
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como para as pessoas jurídicas, à luz da legislação do imposto de renda.
Cumpre destacar, preliminarmente, que nos negócios jurídicos imobiliários,
para fins de imposto de renda, o registro público da transmissão do bem é desnecessário. Qualquer documento que formalize o negócio jurídico particular
realizado entre as partes vale como prova da operação real efetuada. Portanto,
a operação é considerada perfeita e acabada pela data do primeiro instrumento
que evidencia a realização da transação.
Desnecessário aqui indicar, especificamente, a vasta legislação federal que
regula a matéria tributária em questão, já que encontramos, nesta esfera, um
número considerável de diplomas legais, tais como, leis, medidas provisórias,
instruções normativas, atos declaratórios e interpretativos, regulamentos, decretos e portarias. Fugiria, com certeza, do escopo deste artigo em ser objetivo e
didático, com foco nas questões principais do contrato de promessa de compra
e venda.
Entretanto, para bem resumir o tema enfocado neste item, trazemos à colação o parecer37 exarado pelo então Superintendente da Receita Federal na 10ª
Região Fiscal, Luiz Jair Cardoso, que de forma precisa assim se pronunciou a
respeito:
“No caso em tela, como relatado, houve diversas cessões de direitos imobiliários, sendo que o construtor/incorporador irá
outorgar a escritura pública de compra e venda ao último adquirente/cessionário do imóvel, o qual não transacionara com
o construtor/incorporador, mas com o cessionário/cedente
anterior. Assim, para fins da legislação do Imposto de Renda, o
valor a ser considerado na escritura pública de compra e venda é
o valor correspondente à alienação originária (preço pelo qual o
imóvel/direitos foi transacionado à época), entre o construtor/
incorporador e o primeiro adquirente. Este, aliás, é o valor que
deve constituir receita do construtor/incorporador (que, para
efeito da legislação do Imposto de Renda, é pessoa jurídica/sociedade ou então se equipara à pessoa jurídica/empresa individual). Afigura-se-nos que a escritura, a fim de melhor espelhar a
situação, deveria fazer a menção à transação originária, aos primitivos contratantes e à existência de cessões de direitos.
Entretanto, para o último adquirente/cessionário do imóvel, o
valor que irá constituir o preço de aquisição deste imóvel, para
fins de Imposto de Renda, não é o valor constante da escritura
37 Ofício nº 01/618/SRRF/10ª RF emitido em 20/11/1998.
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pública neste caso (item 4) – na qual figura na condição de outorgado –, mas o valor pago ao cessionário/cedente anterior, de
quem adquiriu o imóvel (aquisição de direitos).
Assim, sob o prisma da legislação federal (Imposto sobre a Renda), o ciclo fecha-se. Será considerada receita do construtor/incorporador o preço contratado na primeira transação. De outro
lado, para o último adquirente/cessionário do imóvel, o custo de
aquisição corresponderá ao preço efetivo da operação (aquisição
de direitos) realizada com o cessionário/cedente anterior. Quanto às demais cessões de direitos imobiliários, intermediárias,
também são passíveis de tributação como ganhos de capital.”
Concluindo, podemos afirmar que, na outorga da escritura pública de compra e venda de imóvel, o valor constante na mesma deverá ser, sempre, o valor
da transação do contrato de origem, inclusive sem os acréscimos de correção
monetária e juros, ou seja, o valor do primeiro negócio jurídico ocorrido, desconsiderando as demais cessões, forma e condições de pagamento.
Considerações finais
A promessa de contratos ou contrato preliminar, cujo objeto é a conclusão
do contrato definitivo, deve conter, de forma expressa e segura, as cláusulas do
contrato futuro para que não surjam dúvidas por ocasião da sua elaboração. De
natureza autônoma, vincula as partes às obrigações que assumiram e só podem
ser liberadas em decorrência das causas gerais da rescisão dos contratos.
Relevante instrumento particular utilizado nas transações imobiliárias, o
contrato de promessa de compra e venda deve ser redigido utilizando-se da boa
técnica jurídica, estabelecendo-se cláusulas claras e precisas que retratem, efetivamente, o negócio jurídico em curso, obedecendo, rigorosamente, aos princípios contratuais norteadores da sua validade jurídica38. Só assim, as partes contratantes terão a necessária segurança jurídica de expressar, formalmente, suas
vontades a fim de que produza seus efeitos no mundo jurídico.
38 Código Civil, Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito,
possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.
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Referências bibliográficas
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Contratos e Atos Unilaterais, v. III. São Paulo: Saraiva, 2004.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, vol. 13. Rio de Janeiro: Borsoi, 1977.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações, 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2003. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de
Janeiro: Forense, 2004.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos Contratos e das Declarações Unilaterais
da Vontade. São Paulo: Saraiva, 2002.
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André Difini Leite
Advogado, coordenador da área do Direito Imobiliário da Campos Escritórios
Associados.
Considerações sobre o desenvolvimento
dos direitos da personalidade e sua
aplicação às relações de trabalho
Fábio Siebeneichler de Andrade
Sumário: Introdução. 1. Evolução dos Direitos da Personalidade: de Instrumento Pontual de Tutela para Meio de
Proteção Geral dos Interesses da Esfera Pessoal. 2. Direitos
da Personalidade e Relações do Trabalho. Considerações
Finais. Referências Bibliográficas.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo o estudo dos Direitos da Personalidade e possibilidade de aplicação no Direito do Trabalho. Inicialmente, tratou-se
do desenvolvimento teórico dos Direitos da Personalidade. Após, analisou-se a
possibilidade de aplicação dos Direitos da Personalidade e seus desdobramentos no âmbito das relações de trabalho.
Palavras-chave: Direito da Personalidade, Relações de Trabalho, Direito do Trabalho.
ABSTRACT
This paper focuses on the study of personality rights and the possibility of its
application in the sphere of the Brazilian Work Law. At first, a study of the development of the personality rights was carried out. After that, we analyse the
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application of personal rights in the sphere of work relations.
Keywords: Personality Rights, Work Relations, Work Law, Employer, Employee.
Introdução
Constitui-se em tema fundamental da doutrina o desenvolvimento dos Direitos da Personalidade. Poucos são os assuntos de Direito Civil que, em curto
espaço de tempo, tiveram uma trajetória tão fulgurante: relegados a uma tratativa tópica na codificação do final do século XIX, como no caso do BGB, ou
mesmo ignorados pelo codificador, como no caso brasileiro, alcançaram o status
de direito fundamental antes do final do século XX.
Nesse sentido, no Direito brasileiro os Direitos da Personalidade foram tratados, inicialmente, no art. 5º, X, da Constituição Federal de 1988. Na esfera do
Direito Civil, coube ao Código Civil de 2002, nos artigos 11 a 21, introduzir
uma tratativa acerca desta matéria.
A afirmação dos Direitos da Personalidade não se restringe, porém, à topografia e ao seu status. Concebido como instrumento de tutela de interesses tópicos da pessoa, a fim de impedir o ataque de outrem à esfera privada do indivíduo, o Direito da Personalidade passa a ser utilizado também em outros campos,
alcançando novas projeções, a fim de regular casos em que a pessoa relaciona-se
com terceiros.
Um exemplo recente dessa circunstância constitui a vinculação existente entre os Direitos da Personalidade e o Direito do Trabalho. Sendo este um ramo
social do Direito, cujos objetivos iniciais eram precipuamente a tutela dos interesses do trabalhador frente ao empregador, debate-se igualmente a necessidade
de proteger a personalidade do empregado relativamente a novas práticas adotadas no mercado de trabalho.
No Direito brasileiro, não contempla a Consolidação das Leis do Trabalho,
ou mesmo a legislação especial, um tratamento específico quanto à proteção da
personalidade do empregado. Trata-se de situação que se distingue da de outros
países, em que se legislou especificamente sobre esta matéria1 e que tem sua
explicação no momento histórico em que se desenvolveu a disciplina do Direito
do Trabalho na ordem jurídica nacional.
Em face de regra expressa no parágrafo único do artigo 8º da Consolidação das
Leis do Trabalho, admite-se que o Direito comum seja fonte subsidiária do Direito
do Trabalho no que não for incompatível com os seus princípios fundamentais.
1 É o caso do Direito italiano que, no denominado Statuto dei Diritti dei Lavoratori, de 1970, contempla regras específicas sobre a dignidade e a liberdade do trabalhador.
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Por conseguinte, sendo o Direito Civil como um dos ramos admitidos como
Direito Comum ao Direito do Trabalho, constitui-se em ponto relevante a análise da aplicabilidade dos elementos da teoria dos Direitos da Personalidade,
especialmente os elencados no Código Civil de 2002, às relações trabalhistas2.
No presente estudo, busca-se, portanto, primeiramente, pontuar os principais momentos da evolução dos Direitos da Personalidade. Neste tópico, cumpre examinar, especialmente, o desenvolvimento da temática dos Direitos da
Personalidade, bem como apontar a relevância do reconhecimento de um Direito geral de personalidade no ordenamento nacional. Num segundo momento,
analisa-se a relação dos Direitos da Personalidade relativamente a temas pontuais do Direito do Trabalho, em especial para verificar a pertinência do tratamento dado à tutela dos direitos específicos de personalidade no Direito brasileiro.
I) Evolução dos Direitos da Personalidade: de instrumento
pontual de tutela para meio de proteção geral dos interesses
da esfera pessoal
A) A construção de uma teoria dos Direitos da Personalidade
É possível estabelecer uma preocupação com a defesa de interesses relevantes da esfera pessoal já no Direito romano. A defesa da honra aparece como um
exemplo relevante nesse sentido3.
Contudo, o espírito romano era avesso à elaboração de teorias4, razão pela
qual, muito embora seja defendida a tese de que a teoria dos Direitos da Personalidade remonte a autores do século XVI, como Donellus5, o certo é que, somente ao final do século XIX, foram estabelecidos, pela doutrina, os contornos
dos Direitos da Personalidade6.
Paulatinamente, passou-se a defender a existência e autonomia desta figura,
2 Ver, por exemplo, Luiz Eduardo Gunther/Cristina Maria Navarro Zornig, O Direito da Personalidade do Novo Código Civil e o Direito do Trabalho, in: O Impacto do Novo Código Civil no Direito
do Trabalho, p. 124 e segs., Ed. LTr, 2003.
3 Cf. Tiziana Chiusi,.A Dimensão Abrangente do Direito Privado Romano. In: Direitos fundamentais e direito privado, p. 11, 25, Ed. Almedina, 2007.
4 Ver, exemplificativamente, Tiziana Chiusi, A Dimensão Abrangente do Direito Privado Romano,
p. 15, op. cit.
5 Ver a respeito, Franz Mutzenbecher, Zur Lehre vom Persönchlichkeitsrecht, p. 15, 1909, Hamburg.
6 Nesse sentido, ver James Q. Whitman, The Two Western Cultures of Privacy, The Yale Law
Journal, 2004, p. 1171 et seq.; Hans Hattenhauer, Grundbegriffe des Bürgerlichen Rechts, p. 14, Beck
Verlag, 2a ed., 2000; na doutrina nacional, ver Orlando Gomes, Revista Forense, 1966, v. 216, p. 5;
Gustavo Tepedino, A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-Constitucional Brasileiro,
In: Temas de Direito Civil, p. 23, ed. Renovar.
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definida como os direitos que tinham por objeto garantir o domínio sobre a própria esfera pessoal7.
Em relação à sua natureza jurídica, os Direitos da Personalidade foram qualificados como sendo direitos privados8, considerando-os como direitos subjetivos – absolutos –, que deveriam ser por todos reconhecidos e observados, conferindo ao seu
titular poderes de proteção. Além disso, afirmava-se o seu caráter não patrimonial,
reconhecendo-se, porém, que eles poderiam ter um conteúdo patrimonial9.
Ao mesmo tempo, declarava-se que, em princípio, os Direitos da Personalidade
têm como característica a intransmissibilidade10. Aceitava-se, no entanto, que em alguns casos tanto o exercício quanto a substância dos Direitos da Personalidade poderiam ser objeto de transmissão11.
Acrescentava-se ainda que os Direitos da Personalidade consistiriam em um direito fundamental subjetivo, sobre o qual estariam fundados todos os direitos subjetivos
e que em si abrigava todos os direitos12.
Entre as primeiras decisões a respeito do tema, encontra-se no Direito alemão um caso célebre, de 1899, envolvendo o chanceler Bismarck, cujo corpo foi
fotografado no leito de morte, sem autorização, tendo sido proibida pelo Tribunal do Império a divulgação das fotografias feitas13. Vislumbra-se nesse exemplo
o germe da afirmação de um dos Direitos da Personalidade, o direito à imagem
da pessoa (Recht am einigem Bild).
Concomitantemente a esta decisão europeia, advogava-se na doutrina norteamericana o direito à privacidade, the right to privacy, em artigo célebre na literatura
jurídica14, a fim de resguardar uma, então, considerada nova necessidade da pessoa: o
direito de estar só15.
Se é possível reconhecer que, ao final do século XIX, a natureza jurídica essencial
7 Cf. Otto Gierke, Deutsches Privatrecht, Erster Band, p. 702, 1936, ed. Inalterada da 1ª ed., 1905.
8 No original: “Die Persönlichkeitsrecht sind Privatrechte”, in Otto Gierke, Deutsches Privatrecht,
p. 705, op. cit.
9 Otto Gierke, Deutsches Privatrechte, p. 706, op. cit. No original: Die Persönlichkeitsrechte sind
als solche keine Vermögensrechte. Sie können jedoch gleich den Rechten na anderer Persönlichkeit (den Familienrechten, den Körperschftsrechts u.s.w) einen vermögensrechtlichen Inhalt
aus sich entfalten oder in sich aufenhemen.
10 Cf. Otto Gierke, Deutsches Privatrecht, p. 707, op. cit.
11 Ver Otto Gierke, Deutsches Privatrecht, p. 707, op. cit
12 Cf: Otto Gierke, Deutsches Privatrecht, p. 703, op. cit. No original: Es ist das einheitliche subjetive Grudrecht, dass alle bensonderen subjektive Rechte fundamentirt um in sie alle hinreinreicht”.
13 Cf. RGZ 45 (1900), p. 170-174.
14 Samuel Warren/Louis Brandeis, The Right to Privacy, in Harvard Law Review, 1890, pg. 193
e segs.
15 No original: “Recent inventions and business methods call attention to the next step which
must be taken for the protection of the person, and for securit to the individual what Judge Cooley
calls the right “to be let alone”.
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dos Direitos da Personalidade fora delineada, o debate em torno dos seus precisos
contornos dogmáticos, porém, ainda não havia cessado plenamente, razão pela qual
o Código Civil alemão, de 1900, somente instituiu a disciplina relativa ao nome da
pessoa, abstendo-se de qualquer regulamentação geral.
Esta é igualmente a razão para a omissão do Código Civil brasileiro de
1916 em relação à matéria, pois, tendo sido o anteprojeto redigido por Beviláqua em 1899, a dogmática dos Direitos da Personalidade ainda não se encontrava devidamente difundida.
Observa-se, portanto, que neste estágio se tem apenas uma tutela tópica dos Direitos da Personalidade, em que alguns aspectos são protegidos pela jurisprudência e
pelo legislador. De modo que somente nas codificações do século XX, como servem
de exemplo o Código Civil italiano de 1942 e o Código Civil português de 1966, houve uma regulação estruturada e geral dos diversos Direitos da Personalidade.
Paralelamente a esta lenta evolução da teoria dos Direitos da Personalidade no
Direito Civil, porém, configurou-se a extraordinária evolução do Direito Público no
século XX, representado pelo fato de que a Constituição preocupa-se em dispor sobre
temas originariamente pertencentes ao Direito Privado. O objetivo da Constituição
deixa de ser, única e exclusivamente, o de estabelecer o Estado de Direito e limitar o
poder político e passa a ser o de estabelecer a moldura da atividade dos indivíduos.
Ela se transforma seja em centro de direção para a legislação ordinária, como em lei
fundamental do Direito Privado – e dos demais ramos do Direito. Trata-se de um
fenômeno tão relevante, que a ele se atribui o título de publicização do privado. Surge,
assim, uma crescente interação da esfera pública com o setor privado, que origina, no
Direito Privado, uma profunda modificação em relação ao ideário existente no século
XIX. Estabelece-se, em suma, entre estas duas áreas uma tensão dialética, que conduz
à noção de constante inter-relação entre os dois grandes setores do Direito16. Emblematicamente, faz-se menção à problemática da constitucionalização do Direito Civil
e de seu reverso, a civilização do Direito Constitucional17.
O tema dos Direitos da Personalidade serve como expressiva ilustração para esta
inter-relação entre as esferas da Constituição e da Codificação, pois ao longo do século XX passa a ser ele objeto de tutela constitucional. Emblemática quanto ao novo
patamar dos Direitos de Personalidade é a Constituição alemã de 1949, que dispõe,
no seu artigo 2, § 1, sobre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade (freie
16 Alguns autores propugnaram que se abandonasse a distinção entre Direito Público e Direito
Privado em favor de um direito comum (Cf. Martin Bullinger, Derecho Público y Privado, p. 120171, Madrid, 1976). L. Raiser, por sua vez, defendeu que o grau de publicidade ou privacidade,
seria fundamental para determinar se uma figura pertenceria a um destes dois ramos do Direito.
Cf. Die Aufgabe des Privatrechts, p. 223, 1977.
17 Cf. J.J. Gomes Canotilho, Civilização do Direito Constitucional ou Constitucionalização do
Direito Civil, In: Estudos em homenagem a Paulo Bonavides, p. 108, 113, ed. Malheiros, 2001.
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Entfaltung der Persönlichkeit)18. De forma ainda mais significativa, a Constituição alemã expressamente positiva a dignidade humana (Menschenwürde) como direito
fundamental no artigo 1º, § 1º19 .
Ainda na vigência do Código Civil de 1916, a matéria dos Direitos da Personalidade tinha sido versada pela doutrina brasileira20, e havia sido objeto de tratamento pelo Anteprojeto de Código Civil de 1963, elaborado pelo professor Orlando Gomes. No entanto, a positivação dos Direitos da Personalidade no Direito
brasileiro deu-se somente mediante a Constituição de 1988. Em seu artigo 5º,
inciso X, faz-se clara menção à inviolabilidade de determinados direitos da personalidade21. O artigo 1º, inciso III, por sua vez, fixa a dignidade da pessoa humana
entre os fundamentos da República.
Mesmo em face da positivação dos Direitos da Personalidade pela Constituição
de 1988, ainda faltava uma regulação quanto à matéria no plano infraconstitucional,
tendo em vista que os preceitos constitucionais não estabeleciam uma disciplina detalhada acerca do assunto.
O Código Civil de 2002 estabelece uma disciplina da matéria, nos já indicados
artigos 11 a 21. Cumpre, assim, verificar até que ponto ela estabelece um regramento
acerca da existência de um direito geral da personalidade, bem como, a seguir, da suficiência de seus dispositivos para a regulação das relações de trabalho.
B) A afirmação de um direito geral de personalidade
Entre as principais questões deixadas em aberto pelo Código Civil de 2002,
quanto à disciplina dos Direitos da Personalidade, está a de que o artigo 1222 não
contém preceito expresso acerca da existência de um Direito geral da Personalidade23, isto é, acerca da existência de um complexo de interesses relativo à esfera
18 Cf. Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, p. 183, 20a
ed.1995.
19 Segundo a jurisprudência alemã (BverfG 32, 98/108), a dignidade da pessoa humana constitui-se no mais alto valor da Constituição alemã (obersten Wert des Grundgesetzes). Ver a respeito,
Gerrit Manssen, Grundrechte, p. 48, Beck, 2000.
20 Exemplificativamente, ver Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, vol. 7, ed. Borsoi,
1955; Orlando Gomes, Direitos da Personalidade, Revista Forense, v. 216, 1966, p. 5; Milton Fernandes, Os Direitos da Personalidade, In: Estudos jurídicos em homenagem ao Prof. Caio Mário da
Silva Pereira, p. 131, Forense, 1984.
21 Artigo 5º, X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
22 “Art. 12 – Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar
perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.
23 No Direito alemão, em que o BGB não contém na parte geral capítulo expresso sobre os Direitos da Personalidade, a ideia de um direito geral de personalidade desenvolveu-se precisamente
para cumprir esta função ampliativa de tutela dos direitos da personalidade. Ela repousa sobre
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pessoal, que é merecedor de proteção, quando se verificar a incidência dos pressupostos estabelecidos pelo ordenamento24.
Trata-se de orientação percebida, por exemplo, no Código Civil português,
em seu artigo 7025, que claramente faz menção à existência de uma tutela geral
da personalidade26.
No Direito francês, inseriu-se no Código Civil, no artigo 16, regra específica acerca da primazia da pessoa e da tutela de sua dignidade27, de um lado inserindo no âmbito do Direito Civil a possibilidade de invocação do tema da valoração da pessoa e, de
outro, fixando a noção de que o tema da dignidade também concerne ao Direito Civil.
Na doutrina brasileira, há quem considere desnecessária esta solução, em face do
reconhecimento no Direito brasileiro da dignidade humana, previsto no artigo 1º da
Constituição Federal28. Com efeito, decorridos vinte anos de vigência da Lei maior,
poucos temas encontraram tamanha ressonância no Direito brasileiro como o do
princípio da dignidade da pessoa humana, traduzido como o reconhecimento do valor da pessoa, e de sua eficácia na esfera infraconstitucional29.
Contudo, cumpre ponderar que a adoção de um preceito claro no Código
Civil acerca da proteção ao Direito Geral da Personalidade poderia servir, em
primeiro lugar, de elemento expresso de conexão relativamente ao princípio da
dignidade humana. Além disso, tornaria ainda mais efetiva a proteção dos Direitos da Personalidade, na medida em que salientaria a existência de uma cláusula
geral de tutela, coexistente com os eventuais direitos de personalidade específidois fundamentos: de um lado, na própria Lei Fundamental de 1949, que nos artigos 1º e 2º dispõe sobre o direito à dignidade humana (Recht des Einzelnen auf Achtung seiner Menchenwürde) acerca do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (Recht des Einzelnen auf Entfaltung seiner individuellen Persönlichkeit. De outro, a jurisprudência alemã reputa os direitos da
personalidade como direito especial (sonstiges Recht), a fim de vinculá-los ao § 823 I do BGB
– que considera ato ilícito a lesão a direito especial. Cf. Jauernig, BGB – Bürgerliches Gesetzbuch
Kommentar, p. 1031, Beck Verlag, 10a ed., 2003; D. Schwab, Einführung in das Zivilrecht, p. 130,
Müller Verlag, 2002.
24 Nesse sentido, ver Dieter Schwab, Einführung in das Zivilrecht, p. 136, n. 296, 15ª Ed., Müller
Verlag., 2002.
25 “Artigo 70 – Tutela Geral da Personalidade.
1: A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”.
26 Para um exame dos benefícios da noção de um direito geral de personalidade, ver Paulo Mota
Pinto, O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade, in Boletim da Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra, Studia Juridica, 40, 1999, p. 171. Cf. também, António Menezes
Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, parte geral, tomo III, pg. 80 e segs., Almedina, 2004.
27 No original: “Art. 16. La loi assure la primauté de la personne, interdit toute atteinte à la dignité
de celle-ci et garantit Le respect de l’être humain dês Le commencement de as vie”.
28 Neste sentido, ver Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa humana, p. 117 et seq., ed.
Renovar, 2003.
29 A respeito, ver, por todos, Ingo W. Sarlet, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais,
p. 74, 79, e segs., 7ª ES, Ed Livraria do Advogado, 2009.
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cos e nominados.
Não haveria, igualmente, qualquer dúvida no sentido de que o sistema de
tutela de direitos da personalidade no Direito brasileiro apresenta-se como numerus apertus e não numerus clausus, na medida em que a sistemática do Código
Civil consistiu em regular, nos artigos 13 a 21, uma série de situações específicas,
tais como o nome, a honra, a imagem e a privacidade.
Por outro lado, a existência de uma cláusula geral de Direitos da Personalidade na esfera do Código Civil permitiria resguardar o princípio da dignidade humana para situações efetivamente relevantes. No Direito alemão, muito embora
já se tenha afirmado que o princípio da dignidade humana constitui-se em valor
máximo do sistema, esta circunstância tem levado igualmente a considerar-se
que a sua aplicação deva ser feita de forma restritiva30 .
A solução no sentido de reconhecer a existência de um Direito geral de Personalidade no plano infraconstitucional – em especial no Código Civil –, portanto, não se apresenta como supérflua. Ela institui, na esfera do Direito Privado
– o que inclui o ramo aqui tratado do Direito do Trabalho –, um instrumentário
apto a tutelar de forma efetiva a personalidade humana em todas as suas potencialidades e relativamente a todos os seus eventuais modos futuros de expressão31, o que em uma era dinâmica, de constantes mudanças e transformações,
constitui-se em uma necessidade. II) Direitos de Personalidade e relações do trabalho
A) O direito à honra
Em relação à honra, o Código Civil não contempla um artigo expresso. Faz
menção indireta ao dano à honra, quando trata do direito à imagem no artigo
20, caput32. Melhor teria sido, porém, um tratamento distinto entre o direito à
honra, considerado como o bom nome e a reputação da pessoa, e o direito à
imagem, no sentido de abranger toda a série de caracterizações da pessoa.
Não se fez, além disso, uma distinção entre duas esferas do direito à honra,
30 Cf. Gerrit Manssen, Grundrechte, p. 49, op. cit.
31 Nesse sentido, ver Paulo Mota Pinto, O direito ao livre desenvolvimento da personalidade, in Studia Juridica, vol. 40, p. 171 et seq., op. cit. Sobre o tema ver Horst Ehmann, Das Allgemeine Persönlichkeitsrecht, in 50 Jahre Bundesgerichtshof – Festgabe aus der Wissenschaft, p. 613, Beck, 2000.
32 Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da
ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou
a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo
da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais”.
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a subjetiva e a objetiva: esta, a que envolve a reputação da pessoa, sua respeitabilidade no meio social. Aquela, a que se refere aos sentimentos da pessoa em
relação ao seu bom nome, tendo em vista uma eventual lesão sofrida33.
Relativamente à honra e sua vinculação às relações do trabalho, tem-se presente que a Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 483, alínea “e”, considera hipótese de despedida indireta a conduta do empregador, ou seus prepostos, que incidir em ato lesivo da honra ou da boa fama do trabalhador ou de
pessoas de sua família.
Nesse campo, merece especial referência o tema do assédio moral, caracterizado pela adoção de condutas, pelo empregador, que, de várias formas, expõe o
empregado a uma situação degradante ou humilhante34.
De forma específica, atenta-se para possíveis ações do empregador capazes de
submeter o trabalhador a uma eventual perseguição ou posição de constrangimento,
que possam ser reputadas como violadoras de sua reputação ou sentimentos pessoais.
Na doutrina, associou-se este tipo de conduta à expressão inglesa mobbing,
para designar o tipo de situação em que o empregado é atacado, assediado ou
agredido moral ou subjetivamente pelo empregador35.
Na relação de trabalho, não obstante a existência de natureza contratual do
vínculo, pelo qual as partes podem concordar sobre pontes essenciais, não se
pode desconhecer a existência de um caráter institucional, no qual predomina
uma percepção hierarquizada da relação entre empregador e empregado, em
que a empresa permanece como centro de poder36.
Há preocupação, porém, no sentido de estabelecer com precisão os contornos
deste tipo de conduta, tendo em vista a possibilidade de gerar um grande número
de processos judiciais, na medida em que, na atualidade, intensificam-se nas relações de trabalho as pressões e cobranças de metas e objetivos a serem alcançados
pelo empregado.
Aponta-se, por exemplo, a necessidade de que as condutas do empregador
possuam certos requisitos, tais como a regularidade e a constância, a fim de se33 Um momento representativo do acolhimento desta distinção no Direito brasileiro foi a possibilidade de tutela dos Direitos da Personalidade da pessoa jurídica, estabelecida na Súmula 227,
do Superior Tribunal de Justiça, bem como no artigo 52, do Código Civil.
34 Sobre este tema, a doutrina é extensa. Ver por exemplo Márcia Novaes Guedes, Terror Psicológico no Trabalho, p. 32, LTr, 2005; Rodolfo Pamplona Filho, Noções conceituais sobre o assédio moral
na relação de emprego, in RTDC, vol. 28, 2006, p. 93 e segs.; Cláudio Armando Couce de Menezes,
Assédio Moral e seus Efeitos Jurídicos, in Revista de Direito do Trabalho, 108, p. 193 e segs; Luiz
Marcelo Figueiras de Góis, Assédio Moral: a nova ameaça à integridade do ambiente de trabalho, in
Justiça do Trabalho, 287, p. 36 e segs.
35 Ver, por exemplo, Marcia Novaes Guedes, Terror Psicológico no Trabalho, p. 32, op. Cit.
36 Ver por exemplo Sandra Negri Cogo, Gestão de Pessoas e a Integridade Psicológica do Trabalhador, p. 116 e segs., p. 155, LTr, 2006.
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rem enquadradas como sendo assédio moral37, não se podendo configurar em
uma situação isolada ou episódica.
Este tipo de circunstância vincula-se, necessariamente, ao exame do exercício dos poderes diretivo e punitivo do empregador, que se encontram expressos
nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.
A jurisprudência tem-se orientado no sentido de afastar algumas pretensões
de caracterização de dano à honra, quando considera presente o uso legítimo
dos direitos subjetivos do empregador. Nega-se, por exemplo, direito à indenização por dano moral pelo fato de ser declarada publicamente que em uma empresa ‘só ficam os melhores’.38 Não há, por igual, ofensa à honra do empregado no
caso em que a empresa somente permite o acesso ao banheiro em duas pausas
na jornada de trabalho, de 5 e 15 minutos, caracterizando-se esta conduta como
uso regular do poder diretivo do empregador39.
A caracterização do assédio moral, com a devida lesão à honra do empregado,
exige condutas que afligem efetivamente a sua reputação, ou são revestidas de caráter humilhante, como são os casos de perseguições desencadeadas pelo empregador,
exemplificadas por um tratamento depreciativo, diferenciado em relação aos demais
colegas40, marcadas por cobranças ofensivas e de extrema rispidez41.
Nesse particular, apesar da regulação existente na Consolidação das Leis do
Trabalho acerca da possibilidade de despedida indireta, no citado artigo 483,
alínea “e”, é preciso ter presente que, em muitos casos, o empregado não recorre
37 Márcia Novaes Guedes, Terror Psicológico no Trabalho, p. 35, op. cit.
38 Cf. RR-7130/2002-900-09-00.8, Rel. Min. Dora Mara da Costa, 8ª Turma do TST.
39 RR – 1419-2007-001-18-00.1, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, 7ª Turma do TST.
40 Cf. o seguinte exemplo: “Restou devidamente comprovada a humilhação sofrida pelo autor,
assim como as perseguições que passou a sofrer, decorrentes de seu desentendimento com o superintendente da empresa. Também restou demonstrada a publicidade dos atos da reclamada,
em diversas ações que causaram humilhações ao autor perante os demais colegas. Desse modo,
tem-se como correta a sentença enquanto condenou a reclamada ao pagamento de indenização
por danos morais ao autor” (RO 00625-2006-121-04-00-2, TRT – 4ª Região).
41 Cf. “O assédio moral no trabalho é espécie do gênero dano moral, sendo também instituto
conhecido como hostilização ou assédio psicológico no trabalho. Configura-se quando o empregado é exposto, pelo empregador-subordinante, a situações humilhantes e constrangedoras
durante a jornada laboral, a provocarem no empregado-subordinado sentimento de humilhação,
menosprezo e desvalorização. Na espécie, o trabalho exercido pelo reclamante era regido por metas, como costuma ser praxe no setor comercial. Compreende-se que uma empresa, necessitando
de resultados para obter sucesso, procure motivar seus empregados, buscando deles extrair a sua
máxima produtividade. Todavia, esta prática encontra limites na ordem jurídica, sendo o principal
deles o respeito à dignidade do trabalhador. Na situação em apreço, a prova testemunhal indica
tratamento com excessiva rispidez, acima dos limites razoáveis de exigência profissional. Tal situação, por certo, causou ao autor desconforto moral, mormente porque os repudiáveis atos foram
praticados perante os demais colegas”. (RO 00116-2007-010-04-00-9, Des. Ana Rosa Pereira Sagrilo, j. 04.08.2008, TRT – 4ª Região.
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ao instrumento da despedida indireta42. De modo que se reiterar, quanto a este
ponto, a invocação da conveniência de uma defendida tutela geral de personalidade, com previsão no Código Civil, a fim de evitar o apelo direto ao princípio
da dignidade humana.
B) Direito à imagem e ao uso do nome
O direito à imagem é regulado pelo Código Civil no artigo 20. Em face da
leitura do artigo 20, extrai-se que a utilização da imagem somente pode ocorrer
se (a) houver o consentimento da pessoa interessada ou dos legitimados para o
ato; (b) a exibição for necessária para a administração da justiça ou a manutenção da ordem pública.
Na mesma linha, o artigo 18 do Código dispõe que o nome de outra pessoa
somente poderá ser utilizado em propaganda comercial mediante autorização.
Trata-se de dispositivos passíveis de aplicação ao Direito do Trabalho, na
medida em que se verifica a possibilidade de utilização, pelo empregador, da
imagem ou nome do empregado, ou mesmo, de situação inversa, em que o empregado se valha da do empregador43.
Em relação aos pressupostos estabelecidos pelo Código Civil para o uso da
imagem ou do nome, impõe-se, inicialmente, a questão de saber se o consentimento – ou autorização – deve ser necessariamente expresso ou pode ser tácito.
Quanto à necessidade de a manifestação de vontade ser expressa ou tácita, o
Código Civil prevê, no artigo 111, que o silêncio importa anuência quando as
circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de
vontade expressa44.
Em se tratando de cessão de direito da imagem, há que se ponderar o caráter
excepcional desta modalidade de negócio, razão pela qual a sua interpretação
deve ser em princípio restritiva. Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem sido adotada a orientação de que não se deve ampliar o disposto
em cláusulas contratuais45. Por conseguinte, somente em situações muito claras deve ser aceito como
válido o consentimento tácito em relação à cessão do direito de imagem, o que
42 Nesse sentido, Rodolfo Pamplona Filho, Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de
emprego, in RTDC 28, 2006, p. 93, 103.
43 Nesse sentido, Luiz Eduardo Gunther/Cristina Maria Navarro Zornig, O Direito da Personalidade do Novo Código Civil e o Direito do Trabalho, p. 124, 133, op. cit.
44 Sobre o tema no Código Civil de 2002, ver Vera Fradera, O valor do silêncio no novo Código Civil,
in Aspectos Controvertidos no novo Código Civil, p. 569, ed. RT, 2003.
45 Cf. REsp 46420, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. 12.09.1994, in RSTJ 68/358.
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corresponde à disposição do referido artigo 11146. Em um caso, o STJ considerou presente o consentimento tácito ao decidir que, se ocorre a exposição da
imagem em cenário público – e na hipótese tratava-se de topless –, não se poderia
considerar como indevida a sua divulgação pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontraria limite na própria exposição realizada47.
Contudo, no que concerne a área do Direito do Trabalho, debate-se ainda mais acirradamente acerca da irrenunciabilidade dos Direitos da Personalidade48, tendo em vista a desigualdade material entre o empregador
e o empregado, capaz de propiciar uma simplificação do procedimento de
consentimento, ainda mais quando se tem presente o caráter de adesão dos
contratos de trabalho49.
Ao considerar a viabilidade da renúncia a direitos fundamentais, tem-se
condicionado expressamente essa possibilidade ao caráter inequívoco do consentimento, a fim de que dele se extraia a determinação de renunciabilidade50.
Além disso, leva-se em consideração a natureza dos direitos fundamentais,
bem como a qualidade das partes envolvidas, mais precisamente a questão de
saber se se trata de uma relação entre iguais ou uma envolvendo pessoas em
desigualdade material51.
Nesse quadro, se é certo que o trabalhador possui liberdade para celebrar o
contrato de trabalho, há que se ponderar o desequilíbrio de forças existente na
relação de trabalho, bem como a natureza do direito que ele renuncia.
A jurisprudência tem seguido esta orientação, exigindo a presença do consentimento do empregado para o uso da imagem52, sob pena de configurar viola46 No Direito italiano, por exemplo, não se exclui igualmente a possibilidade de a cessão do direito de imagem ocorrer mediante consentimento tácito. A respeito, ver Antonino Scalisi, Il Diritto
alla Riservatezza, p. 51, Giuffrè, 2002.
47 Cf. REsp 595600/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, j. 18.03.2004. A ementa é do
seguinte teor: “Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecerse uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação
atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou
indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na
própria exposição realizada”.
48 Ver, nesse sentido, José Antônio Peres Gediel, A irrenunciabilidade a direitos da personalidade
pelo trabalhador, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 149 e segs., Ed. Livraria do Advogado, 2003.
49 José Antônio Peres Gediel, A irrenunciabilidade a direitos da personalidade, p. 157, 160, op. cit.
50 Cf., por exemplo, Jorge Reis Novais, Renúncia a Direitos Fundamentais, in Perspectivas Constitucionais nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. I, p. 303, 1996, Coimbra.
51 Ver, por exemplo, José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 330, 334 e segs, 3ª Ed., Almedina, 2004.
52 Ver, por exemplo, a seguinte ementa: “Indenização pelo uso da imagem. Evidenciado pela prova
que as fotos publicadas na lista telefônica contaram com a anuência dos reclamantes e inexistente
nos autos qualquer elemento que permita afirmar que a utilização desta imagem nos anúncios da
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do este direito com a consequente necessidade de reparação53.
C) Direito à privacidade
Em seu artigo 21, dispõe o Código Civil sobre a inviolabilidade da vida privada da pessoa natural, afirmando que o juiz, a critério do interessado, adotará as
providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário ao preceito.
Muito embora seja conhecido o princípio de que a Lei não deva conter definições, é flagrante que em relação à disciplina da tutela da privacidade, a regulação do Código Civil é praticamente ociosa, na medida em que não define,
suficientemente, os diversos aspectos desta temática.
No Direito português, por exemplo, encontra-se no artigo 80, inciso 2, do
Código Civil, regra no sentido de que a extensão da reserva sobre a intimidade
da vida privada deve atender à natureza do caso e à condição das pessoas. Além
disso, o Código português disciplina expressamente o tema das cartas confidenciais (artigo 75)54, e de sua publicação (artigo 76)55. Regula, também, a matéria
referente a memórias familiares e a escritos confidenciais (artigo 77)56.
Da simples descrição das hipóteses previstas no Direito português, observase que o codificador brasileiro não contribuiu significativamente para o aperfeiçoamento da matéria da tutela da privacidade no Direito Civil.
Nesse contexto, não surpreende a ausência de disposição sobre a aplicação
da tutela da privacidade, direito tipicamente pessoal, a um âmbito coletivo e social, como se apresenta o trabalho da pessoa.
Contudo, há que se ter presente que, no Direito europeu, houve expresso
reconhecimento, no famoso caso Niemietz contra Alemanha, julgado pela Corte
empresa tenha-lhes causado qualquer espécie de dano, não há falar uso indevido da imagem capaz
de gerar direito à indenização” (RO 00151-2007-015-04-00-0).
53 “Indenização. Uso indevido do nome. A divulgação, pela internet, do nome do reclamante
como professor de curso de graduação oferecido pela universidade, após sua despedida, constitui
violação do direito de imagem, do qual faz parte o nome da pessoa, e que prescinde da prova do
dano/prejuízo sofrido, assim como da culpa ou dolo do agente, quando utilizada para fins comerciais, hipótese dos autos (art. 20 do Código Civil). Indenização pelo uso indevido do nome que
se mantém”. (RO 0075-2007-333-04-00-9, 7ª Turma do TRT da 4ª Região, Rel. Des. Maria Inês
Cunha Dornelles, j. 20.08.2008).
54 Artigo 75, inciso 1 – “O destinatário de carta-missiva de natureza confidencial deve guardar
reserva sobre o seu conteúdo, não lhe sendo lícito aproveitar os elementos de informação que ela
tenha levado ao seu conhecimento”.
55 Artigo 76, inciso 1 – “As cartas missivas confidenciais só podem ser publicadas com o consentimento do seu autor ou com o suprimento judicial desse consentimento; mas não há lugar ao suprimento quando se trate de utilizar as cartas como documento literário, histórico ou biográfico”.
56 Artigo 77 – “O disposto no artigo anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, às memórias familiares e pessoais e a outros escritos que tenham caráter confidencial ou se refiram à
intimidade da vida privada”.
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Europeia de Direitos Humanos, em 16 de dezembro de 1992, de que o conceito
de vida privada abrange o ambiente de trabalho57. Com base no artigo 8º da
Convenção Europeia de Direitos Humanos, a referida Corte instituiu o que a
doutrina denominou de ‘vida privada social’58.
Nesse campo específico, privacidade do trabalhador no ambiente de trabalho,
um dos problemas mais comuns no Direito brasileiro concerne à questão das revistas íntimas, a revista pessoal de empregados. Em relação a esta matéria, cumpre
verificar se o empregador possui o poder de realizar este tipo de conduta.
Na legislação trabalhista, o artigo 373-A, da CLT, instituído pela Lei
9.799/99, no capítulo acerca do trabalho da mulher, autoriza a realização de
revista pessoal, resguardada a intimidade do empregado ou funcionário59. Não
obstante a previsão conste neste setor da CLT, trata-se de preceito aplicável de
forma indistinta aos trabalhadores.
Trata-se de tema já apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, que considerou, em princípio, passível de ser procedida a revista pessoal do empregado, desde que resguarde os atributos de dignidade da pessoa60.
Não obstante esta decisão não faça menção expressa a esta denominação,
aponta a necessidade de considerar a exigência do respeito ao devido processo
legal, tendo em vista a exigência de adequar-se à possibilidade da revista a um
procedimento de prévia e adequada divulgação61. Esta linha de orientação tem
57 Confira o seguinte trecho do acórdão : « La Cour ne juge ni possible ni nécessaire de chercher
à définir de manière exhaustive la notion de “vie privée”. Il serait toutefois trop restrictif de la
limiter à un “cercle intime” où chacun peut mener sa vie personnelle à sa guise et d’en écarter entièrement le monde extérieur à ce cercle. Le respect de la vie privée doit aussi englober, dans une
certaine mesure, le droit pour l’individu de nouer et développer des relations avec ses semblables.
Il paraît, en outre, n’y avoir aucune raison de principe de considérer cette manière de comprendre
la notion de “vie privée” comme excluant les activités professionnelles ou commerciales: après
tout, c’est dans leur travail que la majorité des gens ont beaucoup, voire le maximum d’occasions
de resserrer leurs liens avec le monde extérieur. Un fait, souligné par la Commission, le confirme:
dans les occupations de quelqu’un, on ne peut pas toujours démêler ce qui relève du domaine
professionnel de ce qui en sort. Spécialement, les tâches d’un membre d’une profession libérale
peuvent constituer un élément de sa vie à un si haut degré que l’on ne saurait dire en quelle qualité
il agit à un moment donné ». Cf. //cmiskp.echr.coe.int., affaire Niemietz v. Allemagne.
58 Cf. por exemplo Bernard Beignier, La Protection de la vie privée, in Libertes et droits fondamentaux, p. 187, 204, op. cit.
59 Art. 373 – A. “Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam
o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos
trabalhistas é vedado: VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas
ou funcionárias”.
60 AgReg em AgIn 220.459-2-RJ, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, j. 28.09.1999, cuja ementa é
a seguinte: “Agravo Regimental. Revista pessoal em indústrias de roupas íntimas. Inexistência, no
caso, de ofensa aos incisos II, III, LVII e X do art. 5º da Constituição”.
61 Destaque-se o seguinte trecho do voto do Relator, Min. Moreira Alves: “Assim sendo, está
correto o acórdão recorrido ao salientar que a revista em causa ‘não deve ser rotulada de deprimente, aprioristicamente, se colocada em prática com resguardo dos atributos da dignidade da
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sido seguida pelos tribunais, que têm considerado lícita a revista nos pertences
do empregado quando adotada conforme procedimentos objetivos62.
É certo que esta orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal revela a
tendência de compatibilizar a tutela da esfera pessoal do empregado aos interesses
de segurança do empregador, merecendo da doutrina a crítica de certa contradição relativamente a situações em que prevaleceu uma proteção mais extensa63.
Contudo, cabe observar que, em relação a este ponto, a orientação brasileira
segue, em linhas gerais, a existente no Direito europeu, em que também se faz
presente uma série de pressupostos para admitir as revistas pessoais do empregado64. A linha europeia, porém, apresenta-se como mais concludente, no sentido de exigir, expressamente, que a revista do empregado deve pressupor a sua
concordância65, o que em nosso ordenamento foi apenas objeto de consideração
na referida decisão do Supremo Tribunal Federal.
Um outro tópico merecedor de exame consiste no controle sobre o conteúdo das
correspondências eletrônicas recebidas e enviadas pelo empregado, bem como o monitoramento dos sites da internet visitados pelos empregados. Incide, aqui, de forma
plena, a problemática relativa à difusão dos novos meios tecnológicos no mundo econômico, e, de forma mais específica, no ambiente de trabalho, e a sua relação com a
defesa dos Direitos da Personalidade do trabalhador66.
Tendo-se presente o extraordinário benefício incorporado pela internet, e por
pessoa, sem constrangimentos, mas, de modo previamente divulgado e aprovado pelo empregado
da empresa”.
62 Cf. a seguinte ementa: “Revista nos pertences dos empregados. Não configuração. A revista
nos pertences dos empregados, e, por vezes, aleatoriamente, nos moldes realizados pela Polícia
Federal nos aeroportos, não importa constrangimento, tampouco agressões morais à intimidade,
à imagem profissional da trabalhadora ou a quaisquer dos bens protegidos pelo art. 5º, X, da CF.
Dano moral não configurado”.
63 Nesse sentido, cf. Paulo Lobo, A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro, in Direito Civil
Contemporâneo – novos problemas à luz da legalidade constitucional –, p. 18, 27, que aponta
nesta decisão do STF uma “ausência de padrão” em relação ao julgado proferido no RE 21’5.984RJ, em que se concedeu dano moral pela violação do direito à privacidade e imagem em face de
publicação de fotografia não autorizada.
64 Nesse sentido, ver por exemplo o artigo 6º do Estatuto dos Direitos dos Trabalhadores (Statuto
dei Diritti dei Lavoratori), lei 300, de 20 de maio de 1970. Segundo este preceito, revistas pessoais
dos empregados somente podem ser realizadas quando essenciais para salvaguardar a propriedade
da empresa e sob a condição de que sejam feitas na saída do lugar de trabalho, de acordo com um
método objeto de seleção e não discriminatório. Além disso, estes requisitos deverão ser aprovados com os representantes sindicais, ou na ausência destes, com a comissão interna de trabalhadores. Cf. www.coordinamentorsur.it.
65 Nesse sentido, ver Antonino Scalisi, Il Diritto alla Riservatezza, pg. 382, Giuffrè, 2002
66 Sobre este tema, ver, por exemplo, Alexandre Agra Belmonte, O Monitoramento da Correspondência Eletrônica nas Relações de Trabalho, p. 63 e segs, LTr, 2004; Regina Ruaro, O conteúdo essencial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada na relação de emprego: o monitoramento
do correio eletrônico pelo empregador, in Direitos Fundamentais, Informática e Comunicação – algumas aproximações, p. 227 e segs., Livraria do Advogado, 2007.
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um de seus instrumentos, o correio eletrônico, à atividade empresarial, constituiu-se
em procedimento natural a difusão que este meio alcançou no ambiente de trabalho.
Na doutrina nacional, encontra-se a orientação que defende a indisponibilidade dos e-mails do empregado, em face da necessidade de reconhecer-se o direito à
privacidade67. Como corolário desta opinião, sustenta-se a irrenunciabilidade deste direito do empregado, tendo em vista as características da relação de emprego68.
Contudo, a jurisprudência brasileira orienta-se, predominantemente, na direção
oposta, considerando viável a verificação de e-mails expedidos pelo empregado, pelo
empregador, e, em consequência, validando demissões de funcionários por justa causa, não obstante sejam normalmente acrescidos determinados pressupostos como o
aviso prévio aos empregados69, ou a configuração de hipóteses graves de quebra de fidúcia, como serve de exemplo a situação em que se flagrou o uso da correspondência
eletrônica pelo empregado para o envio de fotos pornográficas70.
Prevalece a fundamentação de que os meios eletrônicos utilizados pelo empregado pertencem ao empregador, de que cabe a ele o exercício do poder diretivo, previsto no já referido artigo 2º da CLT, acrescido da circunstância do
risco para a empresa empregadora em caso de dano propiciado pelas mensagens
eventualmente encaminhadas pelo empregado71.
É certo que se tem feito a distinção entre o denominado e-mail corporativo, o
que equivale a um instrumento de trabalho do empregado, posto à disposição do
empregador, em que prevalecem as orientações acima expostas, do e-mail particular, ou pessoal do empregado, o qual, mesmo acessado no terminal da empresa,
é resguardado do monitoramento do empregador72. Trata-se de posicionamento
que encontra respaldo, por exemplo, na jurisprudência francesa, que teve ocasião
de fixar o entendimento no sentido de ser inviolável a correspondência particular
67 Cf. Antonio Silveira Neto/Mario Antonio Lobato de Paiva, A privacidade do trabalhador no
meio informático, in Revista de Direito do Trabalho, 2003, p. 22.
68 Ver por exemplo Sandra Negri Cogo, Gestão de Pessoas e Integridade Psicológica do Empregador,
p. 128 e segs., op. cit.
69 Ver a seguinte ementa: “Agravo de instrumento em recurso de revista – Dano Moral – Justa
Causa. O julgado a quo registrou que não fere norma constitucional a quebra de sigilo de e-mail
corporativo, sobretudo quando o empregador, previamente, avisa a seus empregados acerca das
normas de utilização do sistema e da possibilidade de rastreamento e monitoramente de seu correio eletrônico” (AIRR – 1130/2004-047-02-40, 1ª Turma do TST, j. 30.11.2007).
70 Cf. RR 613/2000-013-10-00, 1ª Turma do TST, j.10.06.2005, Rel. Min. João Oreste Dalazen; AIRR – 1542/2005-055-02-40, 7ª Turma do TST, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, j.
06.06.2008.
71 Para uma síntese das posições sobre o tema, cf. Regina Ruaro, O conteúdo essencial dos direitos
fundamentais à intimidade e à vida privada na relação de emprego. In: Direitos fundamentais, informática e comunicação, p. 239, op. cit.
72 Ver nesse sentido as considerações feitas no citado Cf. RR 613/2000-013-10-00, 1ª Turma do
TST, j.10.06.2005. Na doutrina, cf. Alexandre Agra Belmonte, O Monitoramento da Correspondência Eletrônica nas Relações de Trabalho, p. 78 e segs., LTr, 2004.
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do empregado, mesmo sendo utilizados os computadores da empresa73.
Contudo, cumpre estabelecer critérios para diferenciar o e-mail corporativo
do pessoal. No Direito francês, debate-se esta circunstância, tendo sido afirmado
que, se documentos como fichários ou dossiês são elaborados pelo empregado
nos meios eletrônicos postos à disposição pelo empregador, gera-se a presunção
de que eles possuem caráter profissional74.
Também em relação a este tema, verifica-se a necessidade de compatibilizar a existência de um poder disciplinar do empregador com a necessidade de
resguardar a privacidade do empregado. O poder diretivo do empregador não
pode ser considerado um salvo conduto, um ‘abre-te sésamo’, a fim de suplantar
os Direitos da Personalidade do empregado75, sob pena de restringir-se desmesuradamente esses direitos fundamentais.
No Direito francês, por exemplo, há expressa previsão neste sentido, atualmente no art. L 1121-1, no sentido de que as restrições aos direitos do empregado devem ser justificadas pela natureza da tarefa a ser cumprida, bem como
proporcionais ao fim almejado76.
Nesse sentido, há que prevalecer a orientação que exija do empregador a utilização de procedimentos que orientem o empregado acerca do monitoramento
das mensagens eletrônicas, mesmo em se tratando de correspondência comercial. No que concerne a correspondência privada do empregado, existindo a corroboração desta circunstância, há que se resguardar a privacidade, em linha com
o moderno desenvolvimento da matéria. Acresce a necessidade de ponderação,
a fim de que as medidas adotadas pelo empregador sejam proporcionais aos fins
de controle almejados77.
73 Arrêt Nikon, j. 02.10.2001, in www.courdecassation.fr/jurisprudence_chambre_sociale.
74 Cf. Agathe Lepage, Le droits de la personnalité confrontés à l’internet, in libertés et droit fondamentux, p. 243, 261, dalloz, 2008, 14a ed.
75 Nesse sentido, ver também Ricardo de Paula Alves, Vida Pessoal do Empregado, Liberdade de Expressão e Direitos Fundamentais do Trabalhador, in Revista do Direito do Trabalho, 2001, p. 132.
76 O art. L 1121-1 constitui-se em ressistematização do art. L 120-2, cujo teor, no original, é o seguinte: “Nul ne peut apporter aux droits des personnes ET aux libertés individuelles et collectives
restrictions que ne seraient pas justifiées para la nature de la tache à accomplir ni proportionnées
au but recherché”.
77 Nesse sentido, cf. a seguinte decisão da 6ª Turma do TRT da 2ª região, cuja ementa é a seguinte:
“Justa causa. E-mail caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por
computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5º, VIII). Um
único e-mail, enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa. Recurso provido” (RO 2000000387414 – proc TRT – SP 2000034734-0 – rel. Juiz Fernando Antônio Sampaio
da Silva, j. 03,08.2000), in Revista do Direito do Trabalho, 108, 2002, p. 179.
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Considerações finais
A análise dos temas tratados no presente estudo resgata, inicialmente, a longa trajetória dos Direitos da Personalidade, que migram do campo estrito do
Direito Civil para o status de Direito Fundamental, tipificado no art. 5º, inciso
X, da Constituição Federal.
No Direito Privado brasileiro, o Código Civil de 2002 possui o mérito de
regular, minimamente, os principais pontos da tutela dos Direitos da Personalidade. Há que se ter presente, porém, que a função de um Código Civil, no século
XXI, é tanto a de concretizar o texto constitucional, como também a de servir
como instrumento de (co)ordenação do sistema de Direito Privado.
Em relação aos Direitos da Personalidade, o Código Civil de 2002 não atende a estes objetivos. De um lado, não somente não aprofunda o tratamento dos
principais tópicos do Direito da Personalidade, como também não estabelece
elementos mínimos de ponderação, a fim de propiciar ao juiz critérios razoavelmente objetivos e seguros para a tutela dos Direitos da Personalidade. De outro,
não cumpre o objetivo de coordenar os temas relativos aos Direitos da Personalidade – alguns ainda se encontram dispersos em leis especiais –, o que lhe atribuiria a função de norma centralizadora da ampla gama de figuras ligadas à matéria.
Relativamente à vinculação dos Direitos da Personalidade e os Direitos do
Trabalho, observa-se, em linhas gerais, a inexistência de normas concretizantes
no Código Civil, que sirvam como elemento impulsionador e agregador do objetivo de proteção dos direitos do empregado, ainda mais tendo presente a função do Direito Civil de norma subsidiária do Direito do Trabalho.
Em consequência, a matéria dos Direitos da Personalidade do empregado –
com a exceção da matéria de revistas íntimas – ainda recebe uma disciplina tópica. Esta circunstância diminui o nível de proteção dos Direitos da Personalidade
ao trabalhador, na medida em que ainda não se edificou uma regulamentação
precisa para harmonizar os conflitos existentes nesta matéria.
Observa-se, porém, no Direito brasileiro, a tendência jurisprudencial a resguardar em linhas gerais os poderes do empregador, optando-se por uma interpretação moderada da aplicação dos Direitos da Personalidade. Trata-se de uma
solução, em certo aspecto, conservadora no sentido de não subverter o pressuposto de subordinação, característica da relação de trabalho.
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Fábio Siebeneichler de Andrade
Professor titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da PUC/RS, professor
do Curso de Pós-Graduação da PUC/RS, doutor em Direito pela Universidade
de Regensburg – Alemanha, advogado em Porto Alegre (RS).
Averbação premonitória: simplicidade
na execução para garantir o resultado útil
do processo aliada à menor onerosidade
ao patrimônio do executado
Fernanda D’Oliveira Bataiolli
Sumário: Introdução. 1. Evolução do Processo Civil: Efetividade da Prestação Jurisdicional. 2. Inovação na Execução Forçada: Introdução do Artigo 615-A do Código de
Processo Civil e sua Funcionalidade. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
RESUMO
Tendo em vista os novos rumos do processo civil contemporâneo, que se transforma a cada dia, buscando a otimização e a simplicidade dos procedimentos
para o alcance da satisfação do direito, o presente trabalho tem por objetivo
apresentar o instituto da averbação premonitória. Incorporado ao ordenamento
jurídico desde a reforma da execução ocorrida no ano de 2006, é pouco utilizado pelos operadores do Direito, embora se apresente como procedimento
simples e eficaz para garantir a execução e a menor onerosidade ao patrimônio
do executado.
Palavras-chave: Execução, Averbação Premonitória, Fraude à Execução.
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ABSTRACT
Regarding the new trends of the modern civil action, that each day changes
looking for the optimization and the simplification of the procedures aiming for
the satisfaction of the right, this article has the objective to present the institute
of the premonitory registration. Incorporated to the legal statute since the change of the foreclosure reform in 2006, it is still few used by the lawyers, although
it may be as a simple and very useful procedure to guarantee the foreclosure and
the minor burden for the debtor assets.
Keywords: Foreclosure, Premonitory Registration, Fraud Committed Against
Creditors During a Execution Suit.
Introdução
O estudo proposto enfoca um avanço processual em matéria executiva: a
averbação premonitória.
Para isso, inicialmente, faz-se necessário um pequeno apanhado acerca das
novas necessidades apresentadas pela sociedade para a resolução de situações
pioneiras na vida moderna.
Demonstra-se a razão para a busca de novos rumos e as tentativas empregadas para acompanhar este processo evolutivo.
Mais adiante, se faz uma apresentação do instituto, relacionando-se algumas
questões até então muito controvertidas, tendo em vista os poucos que se debruçam sobre o tema.
Verifica-se, por exemplo, que a aplicação da opção legal propicia ao exequente a possibilidade de antecipar o momento da caracterização da fraude à execução, o que acaba por resolver o problema relativo à resistência do executado em
receber atos citatórios e intimações para retardar o processo expropriatório, pois
seu patrimônio já será tido como garantia da dívida.
Também por esta razão, qualquer alienação dos bens em que conste a averbação premonitória não pode ser imposta ao exequente. Ao mesmo tempo, está
suprida a necessidade de publicidade da execução, protegendo a terceiros de
boa-fé.
Ocorre que, todas estas questões ficam solucionadas por intermédio da iniciativa do exequente, o que pode, muitas vezes, causar embaraços e onerosidade
excessiva na vida do executado.
Diante disso, mais uma vez o instituto surpreende pela sua inovação e ponderação. Existe regramento explícito no sentido de frear o arbítrio do exequente:
a responsabilização por perdas e danos. Esta responsabilização levará em consi114
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deração a atitude do exequente e os excessos perpetrados, podendo ser inclusive
apurada em liquidação de sentença.
Estes aspectos gerais da opção legal dão origem às mais variadas divergências
do ponto de vista de seus pormenores. Para dar uma visão ampla e apresentar as
peculiaridades do assunto, foi necessária a consulta profunda à doutrina brasileira, que expõe suas conclusões e inconclusões sobre o tema.
1. Evolução do processo civil: efetividade da prestação
jurisdicional
O Direito Processual é conceitualmente o instrumento hábil para a realização
ou restabelecimento de um direito material que não foi respeitado de maneira espontânea, tendo por esta razão o objetivo de “(...) assegurar a integridade da ordem
jurídica, possibilitando às pessoas meios adequados para a defesa de seus interesses1”.
No dia a dia do operador do Processo Civil, pode-se perceber que existe uma
tendência moderna em relativizar institutos. Esta conduta não se limita ao processo
civil de forma estanque, mas acaba por minar todas as teias de relacionamentos atuais. Pode ocorrer em todos os setores da vida, da convivência humana. Este fenômeno se deve ao fato de que as relações entre indivíduos acontecem com rapidez extraordinária, impulsionadas, sobremaneira, pelo avanço tecnológico e econômico.
Por isso, as pessoas encontram-se mais suscetíveis ao inesperado e mais aptas
a enfrentar as mudanças no seu estilo de vida, relativizando valores que até então
eram praticamente absolutos. Toda essa inovação gera conflitos, e, levando-se em
consideração que o processo serve para dirimir estes conflitos e assegurar o resultado útil à situação da vida posta em xeque, deve acompanhar todo este movimento.
A questão é: de que forma o direito material positivado e o direito material
atual podem acompanhar a rapidez que a vida moderna demanda?
Exatamente neste ponto é que reside o compromisso do processualista contemporâneo, que relativiza a técnica no que for necessário, para assegurar o alcance do
escopo do processo, que, em última análise, deve ser a satisfação da situação da vida.
Neste sentido é que o Direito Processual vem caminhando: atingir a funcionalidade do processo, no intuito de aproximar o direito ao social e ao político2.
Presteza e agilidade são as novas metas do processo civil. E isto está no cotidiano dos operadores do Direito, seja na rotina do foro, seja na produção dos
doutrinadores.
1 José Roberto dos Santos Bedaque. Direito e processo. Influência do Direito Material sobre o Processo. 1995, p. 12.
2 Humberto Theodoro Junior. Visão geral da execução dos títulos extrajudiciais segundo a Lei nº
11.382. Revista Jurídica. nº 358, ano 55. Ago/2007, p. 21-48. (b)
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Percebe-se que a decisão demorada e intempestiva não é justa. Porém, a decisão instantânea, sem atenção ao contraditório e à ampla defesa, também pode
sacrificar a justiça.
É neste espírito de processo justo que se deve balancear os institutos da eficiência e das garantias.
Por esta razão o legislador determinou que a execução de título extrajudicial
fosse feita de maneira pronta e eficiente para realizar o direito do credor, cuidando para que esta finalidade seja cumprida de maneira a que a atividade econômica e empresarial do devedor não sofra prejuízos desnecessários e aniquiladores3,
respeitando-se assim o disposto no artigo 620 do Código de Processo Civil.
A reforma introduzida pela Lei n° 11.382/2006 trouxe efetividade, instrumentalidade e economia processual para alcançar resultados4. Houve a simplificação
de procedimentos, facilitando-se o acesso às medidas de execução forçada.
O exemplo disso é o instituto da Averbação Premonitória, disposto no artigo
615-A, que conta com a utilização dos registros públicos na política de prevenção e
repressão dos atos de fraude à execução, cujas peculiaridades são tratadas a seguir5.
2. Inovação na execução forçada: introdução do artigo
615-A do Código de Processo Civil e sua funcionalidade
O instituto da averbação premonitória, introduzido pela reforma de 2006 e
inserido na legislação processual no artigo 615-A do Código de Processo Civil,
implementa ao exequente a faculdade de, no ato da distribuição, retirar certidão
comprobatória da referida execução e averbar no registro pertinente, de acordo
com a natureza do bem6/7.
3 Idem. Alguns problemas pendentes de solução após a reforma da execução dos títulos extrajudiciais
(Lei 11.382/2006). Revista de processo nº 156, ano 33. Fevereiro/2008, p. 12-36. (a)
4 Ibidem. Loc. Cit. ago/2007, p. 21-48. (b)
5 Humberto Theodoro Junior. Op. Cit. p. 12-36. (a)
6 Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no
registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. §
1º O exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de
sua concretização; § 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida,
será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativo àqueles que não
tenham sido penhorados; § 3º Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens
efetuada após a averbação (art. 593); § 4º O exequente que promover averbação manifestamente
indevida indenizará a parte contrária, nos termos do § 2º do art. 18 desta Lei, processando-se o
incidente em autos apartados; § 5º Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento
deste artigo.
7 Araken de Assis. Averbação da distribuição da execução. Aspectos polêmicos da nova execução.
2009, p. 48-51.
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A averbação, apesar de ser um ato singelo, sem maiores exigências formais
e com menor custo, cumpre de maneira adequada a função de dar ciência aos
terceiros interessados da responsabilidade patrimonial do executado8.
O objetivo da averbação é antecipar o momento da caracterização da fraude
à execução em caso de alienação, mesmo em momento anterior à citação. Não
há o efeito de substituir a citação válida, mas se antecipa os efeitos de constituição em mora do devedor e a presunção de vícios na alienação9.
Importante salientar que a jurisprudência caminhava no sentido de admitir
a fraude à execução apenas após a citação válida. Este entendimento gerava uma
série de embaraços à execução, na medida em que o devedor poderia furtar-se
ao ato processual já com intenção de alienar fraudulentamente bens passíveis de
sanar a dívida.
Nesse sentido, a inovação do Código de Processo Civil tem forte eficácia cautelar.
O alcance da medida considera todos os bens penhoráveis e é aplicável a
todos os tipos de execução.
No entender de Theodoro Junior10 deve ser permitida a utilização da averbação premonitória desde o início da ação de conhecimento, para sinalizar ao
terceiro de boa-fé a responsabilidade patrimonial do executado.
Porém, este entendimento não é uníssono11. Há doutrinadores inclinados
no sentido de que este instituto só deve ser aplicado nos casos em que se tenha
certeza do crédito. Em tese, na fase de conhecimento se objetiva solucionar uma
“crise de certeza”12, que somente será alcançada com o trânsito em julgado.
Outro aspecto importante e que causa certa divergência são as implicações
da comunicação ao juízo acerca da efetivação da medida. De acordo com o §1º
do artigo 615-A, o exequente deve comunicar a averbação ao juízo no prazo de
10 dias a contar da concretização da medida.
Esta comunicação para alguns está intimamente ligada ao momento em que
estes efeitos passam a repercutir na esfera do patrimônio do Executado, bem
como ao efeito provocado pela averbação.
Assis13 entende que o prazo estabelecido pela lei não traz implicações à eficácia da medida. O não cumprimento do prazo seria mera irregularidade formal.
Já Didier14 refere que o prazo de comunicação serve para determinar o mo8 Humberto Theodoro Junior. Loc. Cit. p. 12-36. (a)
9 José Henrique Mouta Araujo. Novas perspectivas ligadas à fraude à execução – comentários ao art.
615-A do CPC. Revista Dialética de Direito Processual. Nº 63. Jun/2008, p. 59-64.
10 Humberto Theodoro Junior. Op. Cit. p. 12-36. (a)
11 José Henrique Mouta Araujo. Op. cit. p. 59-64.
12 Idem. Ibidem. p. 59-64.
13 Araken de Assis. Op. Cit. p. 48-51
14 Fredie Didier. Lei Federal 11.382/2006. A averbação na pendência da execução no registro de bens
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mento da eficácia da averbação em relação ao terceiro. Se feita em 10 dias, a eficácia seria imediata, havendo presunção absoluta de ciência desde logo.
Porém, se feita em prazo superior, a averbação passaria a produzir efeitos no
momento da comunicação, hipótese que os efeitos serão ex nunc. O prazo serviria para dar ciência da averbação, eficácia imediata da medida, sob condição legal
resolutiva de 10 dias15.
Araújo16 salienta que, efetuada a averbação, tem-se a ocorrência de efeitos ex
tunc, retroagindo à caracterização de ausência de boa-fé do terceiro, que será a
data da comunicação ao juiz.
No entender do doutrinador, a partir da petição de ciência ao juízo, o credor
tem responsabilidade objetiva sobre os eventuais danos causados ao devedor
por conta da averbação, assim como nasce a presunção absoluta de ciência do
terceiro, retirando-lhe a faculdade de alegação de boa-fé.
Na esfera dos efeitos, opiniões remetem a todos os lados. Para alguns, há
presunção absoluta de fraude. Para outros, relativa.
Assis17 defende a tese da presunção absoluta de fraude à execução. O executado não perde o poder de dispor, mas todos os atos dispositivos têm eficácia
somente entre as partes, não afetando o exequente18. Isso porque o registro garante a eficácia erga omnes, excluindo a possibilidade de alegação de boa-fé do
terceiro adquirente. Porém, para caracterizar a fraude efetiva, deve igualmente
ser preenchido o requisito da insolvência19.
Para Theodoro Junior20, no caso de alienação dos bens, há presunção relativa
de fraude e não opera quando o executado continua a dispor dos bens para garantir o juízo executivo. Porém, na hipótese de a execução restar desguarnecida
pelos atos do executado, a fraude é legalmente presumida, independentemente
da boa ou má-fé do terceiro adquirente21.
O mesmo doutrinador comenta que há a hipótese de na segurança do juízo
se consumar sobre outros bens livres, não há prejuízo à execução, não havendo
motivo para privar o ato alienatório de sua plena eficácia.
economicamente relevantes. Novo meio típico de execução indireta. Editorial 08. Disponível em
http://frediedidier.com.br/main/notícias/detalhes.jsp?CId=108. Acesso em 20/mar/2011
15 Idem. Ibidem.
16 José Henrique Mouta Araujo. Op. Cit. p. 59-64. Para José Henrique Mouta Araújo, a presunção
será absoluta, pois o registro acaba por dar a ciência a terceiros de que o bem é “litigioso”, sendo
desconsiderados para o processo os atos de alienação de domínio.
17 Araken de Assis. Loc. Cit. p. 48-51.
18 Humberto Theodoro Junior. Op. Cit. p. 12-36. (a)
19 Araken de Assis. Op. Cit. p. 48-51.
20 Humberto Theodoro Junior. Loc. Cit. p. 12-36. (a)
21 Idem. Op. Cit. p. 21-48. (b)
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Araújo22 salienta que é necessária a efetivação da penhora após a averbação
sobre o bem litigioso, bem como é necessário que seja verificada a diminuição
fraudulenta de bens. Também, no que diz respeito à responsabilização do exequente, na utilização do instituto não há consenso.
A responsabilidade do exequente, disposta no artigo 615-A, § 4º, garante a
aplicação da punição prevista no artigo 18, §2º do Código de Processo Civil,
que fixa a multa ao exequente no valor de 20% da execução. Esta aplicação pode
ser fixada em valor líquido pelo juiz ou ser arbitrado em liquidação por arbitramento. A execução desta penalidade será feita em autos apartados e de maneira
simultânea à execução originária23.
Para Araújo24, a situação de responsabilização e a necessidade de indenização devem compreender os seguintes requisitos não cumulativos: a) a execução deve ser considerada injusta, com acolhimento dos embargos; b) averbação
de ajuizamento em bens com valor superior ao executado; c) prenotação sem
comunicação tempestiva; d) não cancelamento da averbação de outros bens,
alheios à penhora posterior.
Em entendimento mais brando, cultiva-se a ideia de que a responsabilização
do credor pela utilização indevida do instituto não basta a averbação ser feita
em bens de valor maior à execução. Há que se provar o abuso real, a intenção de
lesar o credor25. Por exemplo, não pode o credor averbar a certidão em outros
bens do executado, caso ele já possua direito de retenção ou garantia real sobre
bens do executado. A única exceção seria a situação de a garantia disponível ser
insuficiente para cobrir todo o crédito aforado26.
A cobrança dos valores relativos às perdas e danos decorrentes da atitude
do credor dispensa o ajuizamento de ação própria de indenização, podendo ser
procedida por via incidente.
Existe posicionamento doutrinário no sentido de que a responsabilização
pode ocorrer mesmo quando o credor não requerer o cancelamento dos bens
que não foram penhorados posteriormente27.
Ao contrário, está o posicionamento de que o exequente pode manter as
averbações sem penhora caso exista dúvida sobre a arrematação do bem penhorado ou a satisfação do crédito pela venda. Nesta hipótese, caberia ao executado
demonstrar que o bem penhorado é suficiente para quitar a dívida e solicitar
22 José Henrique Mouta Araujo. Op. Cit. p. 59-64.
23 Araken de Assis. Loc. Cit. p. 48-51.
24 José Henrique Mouta Araujo. Op. Cit. p. 59-64.
25 Humberto Theodoro Junior. Op. Cit. p. 12-36. (a).
26 Idem. Op. Cit p. 21-48. (b)
27 Idem. Loc. Cit. Cit. p. 12-36. (a).
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o cancelamento. O pedido de cancelamento de averbações indevidas pode ser
feito por intermédio de embargos ou de procedimento incidente28.
Além disso, é na oportunidade dos embargos que se deve alegar eventuais
prejuízos advindos da averbação indevida e requerer as sanções reparatórias.
A par da arguição de diferentes posicionamentos, pode-se perceber que o
instituto analisado cumpre na totalidade seu objetivo maior: garantir a ciência
ao terceiro de que o bem é litigioso.
Desta maneira, se satisfaz de um lado o direito do exequente, que tem a garantia de que seu crédito será adimplido. De outro, o direito do executado, em
ter retirado de seu patrimônio apenas substrato suficiente para esta finalidade,
cumprindo-se o postulado da menor onerosidade e, ainda, protegendo-se o terceiro de boa-fé, que não será lesado.
Considerações finais
A abordagem trazida na presente exposição não pretendeu esgotar o tema, mas
sim trazer uma apresentação do instituto da averbação premonitória, que embora
não seja demasiadamente novo, é pouco utilizado pelos operadores do Direito.
A averbação premonitória é consequência do clamor dos novos tempos, que
conjuga a rapidez da evolução social com a crise do judiciário.
Muitos passos já foram dados, mas ainda não se vê concretamente o avanço
e a prometida razoável duração do processo, que em tese facilitaria a resolução
rápida da lide.
Neste sentido, a opção oferecida pela legislação no artigo 615-A, utilizandose dos registros públicos cumpre com maestria a função cautelar de resguardar o
direito do exequente, para que o patrimônio do executado não pereça.
Por outro lado, está a responsabilidade do próprio exequente em utilizar, de
maneira adequada e focada, a esta finalidade, sob pena de indenizar ao devedor
eventuais prejuízos causados pela sua conduta.
Esse sistema de freios e contrapesos acaba atendendo a necessidade do processo como um todo, dando às partes equilíbrio e paridade de armas na resolução do conflito.
28 Caso a via eleita seja a incidente, a sentença de julgamento será atacada por meio de agravo de
instrumento.
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Referências bibliográficas
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Fontes online
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Fernanda D’Oliveira Bataiolli
Pós-graduada em Direito Processual Civil na ABDPC (Academia Brasileira de
Direito Processual Civil), advogada.
Aspectos jurídicos da sucessão
empresarial com a morte do sócio
da sociedade limitada
Roberta Borsatto
Joana Gallego Ziero
Sumário: Introdução. 1. A Transmissão Causa Mortis da
Participação Societária do Sócio na Sociedade Limitada
com Previsão no Contrato Social. 1.1 O Contrato Social
1.2 As Quotas: Participação Societária e Aspecto Patrimonial. 1.3 Previsão de Inclusão dos Herdeiros do Quadro Societário. 1.4 Previsão de Dissolução Parcial da Sociedade e
Liquidação das Quotas. 1.5 Previsão de Dissolução Total
da Sociedade. 2. A Transmissão Causa Mortis da Participação Societária do Sócio na Sociedade Limitada em Caso de
Omissão do Contrato Social. 2.1 Quem São os Herdeiros
Necessários Estipulados por Lei. 2.2 Acordo dos Herdeiros
e ou Legatários com os Sócios. 2.2.1 Demais Sócios Autorizam a Entrada dos Herdeiros no Quadro Social da Sociedade. 2.2.2 Demais Sócios Optam por Dissolver a Sociedade. 2.3 Estipulações Testamentárias. Considerações Finais.
Referências Bibliográficas.
Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar os aspectos inerentes à transferência das
quotas dos sócios de sociedades limitadas aos seus herdeiros legítimos e testamentários, utilizando como principal critério desta sistematização a existência
ou não de previsão no contrato social do destino destas quotas em caso de morte de um de seus sócios.
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Abstract
This article aims to systematize the transfer of partners shares, in limited companies, to their legitimate and testamentary heirs, using as a main basis for this systematization the existence, or absence, of prevision in the social contract, about
the destination of the shares in the event of partner’s decease.
Introdução
Assim como um ser vivo, uma empresa possui de forma bem definida todas
as suas etapas: ela nasce, cresce e morre. Abordar e discutir esse ciclo de vida de
uma organização não pode ser encarado como uma tarefa fácil.
Nesta empreitada, não podemos esquecer que muitas são as variáveis que vão
determinar o sucesso de uma empresa, bem como muitos são os fatores com os
quais ela se relaciona: ambiente externo no qual ela se insere, ambiente interno que
envolve diversos fatores, dentre eles cultura, formas de organização e liderança.
Entendemos que o principal fator para a garantia do sucesso empresarial é o
próprio empreendedor que, de acordo com a sua conduta, com os seus valores e
com a sua visão de futuro acaba por dar vida ao empreendimento.
Na ausência deste líder, como é feita a sucessão aos seus herdeiros? Os herdeiros serão inseridos na sociedade de forma que esta não sofra reflexos decorrentes do falecimento do sócio?
Muitos são os questionamentos e poucos são aqueles que se preparam para o
momento do ingresso destes novos perfis junto à sociedade.
Este artigo busca esclarecer alguns dos principais aspectos jurídicos decorrentes da morte de um dos gestores e a entrada de seus herdeiros, visando minimizar os efeitos negativos desta transmissão, realizando um confronto dos temas
debatidos no Direito de Sucessões e no Direito Comercial.
1. A transmissão causa mortis da participação societária
do sócio na sociedade limitada com previsão no contrato
social
1.1 O contrato social
Contrato Social é o instrumento de constituição da sociedade limitada e a fonte de regramento da atividade. Contém as normas atinentes à sociedade, sejam
212
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estas cogentes (legalmente obrigatórias)1, sejam aquelas de interesses dos sócios.
As regras decorrentes de previsão legal são requisitos de validade do negócio
jurídico instrumentalizado no contrato social, dentre as quais se insere a pluralidade de sócios para constituição e subsistência da sociedade limitada. E é
desta regra que decorre o assunto tratado neste artigo, diante da necessidade de
sucessão para sobrevivência da sociedade, na hipótese de falecimento do sócio.
As demais regras são chamadas de cláusulas incidentais, as quais podem trazer quaisquer estipulações desde que respeitados os requisitos de validade do
negócio jurídico. Dentre as cláusulas incidentais, se inserem aquelas relativas às
circunstâncias do falecimento dos sócios e suas implicações.
Isso porque o contrato social poderá prever o destino das quotas, sob duas
perspectivas: quanto ao status de sócio que estas conferem e quanto ao seu aspecto patrimonial, para fins de apuração de valor e forma de sua liquidação, hipóteses tratadas neste artigo.
1.2 As quotas: participação societária e aspecto patrimonial
Para melhor compreensão do tema tratado, importa fixar, de início, que as
quotas (representação da parcela de participação dos sócios na sociedade limitada) compreendem duas modalidades distintas de direitos: à participação social
e ao valor patrimonial correspondente. A primeira se refere à qualidade de administrador da empresa que o sócio detém, ao passo que a segunda se refere ao
aspecto patrimonial da participação societária.
É importante fixar esta distinção na medida em que a sucessão se dará de modo
distinto em relação a estes dois aspectos. O contrato social poderá regular estas circunstâncias, trazendo disposições acerca da aquisição ou não, pelos herdeiros, da
posição de sócios, no tocante ao seu ingresso na sociedade como administradores.
Regulará, ainda, a questão atinente ao direito dos herdeiros ao recebimento do valor patrimonial das quotas, caso estes não ingressem do quadro societário.
O contrato social poderá prever as hipóteses de destino da empresa na ocasião do falecimento de um dos sócios, como o ingresso de todos ou de alguns
herdeiros no quadro societário, ou mesmo a dissolução da sociedade caso não
haja interesse em dar continuidade no negócio. É possível ainda, através de acordo entre sócios e herdeiros, estipular que a sucessão empresarial ocorra de modo
diverso, com a substituição do sócio falecido.
Diante desta realidade, é relevante que o contrato social traga previsão acerca
1 Constantes no artigo 977 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), dentre as quais estão: qualificação
dos sócios, dos administradores, denominação da sociedade e capital social, modo de divisão das
quotas, participação nos lucros e a extensão da responsabilidade dos sócios.
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do destino das quotas com o falecimento de um dos sócios, para fins de resguardo do direito dos herdeiros e também da preservação da própria empresa. Caso
o contrato silencie, aplica-se a regra geral contida no Código Civil, que determina a liquidação das quotas2, ou seja, a dissolução parcial da sociedade.
1.3 Previsão de inclusão dos herdeiros do quadro societário
O ingresso dos herdeiros na sociedade pressupõe seu envolvimento nos negócios da empresa, já que a posição de sócio lhes outorga o direito de participar das
decisões administrativas e na condução do negócio. Para que tal circunstância se
concretize e seja bem-sucedida, é imprescindível que haja affectio societatis3 entre
os sócios remanescentes e os herdeiros que venham a ingressar da empresa.
Portanto, há de se ter muito cuidado ao estipular as regras de condução da sociedade no contrato social, pois é imprescindível que as partes envolvidas possuam objetivos convergentes em relação ao negócio, de modo que o teor constante no contrato
social seja reflexo da vontade de todos sócios e também de seus herdeiros.
Nesse sentido, destaca-se que a previsão testamentária relativa ao latente direito do herdeiro de obter status de sócio tem seu alcance mitigado diante do
contrato social. Significa dizer que o constante no contrato social prevalece ao
testamento, de modo que não basta a vontade do falecido para que o herdeiro
ingresse na sociedade. Caso o contrato social não permita, isso não será possível.
O contrato social é lei entre os sócios na medida em que traduz o affectio
societatis, fundamental para garantir o sucesso do negócio; contudo, o primeiro
não prevalece sobre o segundo. Note-se que os sócios são obrigados a respeitar
o contrato, permitindo o ingresso do herdeiro no quadro societário caso assim
seja previsto. Esta premissa, contudo, não se aplica ao herdeiro, que tem um direito garantido, mas não o dever de exercê-lo, de modo que, não obstante a previsão no contrato, este pode optar por não ingressar na sociedade.
1.4 Previsão de dissolução parcial da sociedade e liquidação das quotas
Seja por opção de herdeiro, seja pela previsão contratual, caso estes não ingressem na sociedade, terão o direito ao recebimento do valor monetário das
respectivas quotas do sócio falecido. Frisa-se, contudo, que o valor patrimonial
2 O Código Civil, em seu artigo 1.028, dispõe: “No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua
quota, salvo: I- se o contrato dispuser diferentemente; II- se os sócios remanescentes optarem
pela dissolução da sociedade; III- se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do
sócio falecido.”
3 Affectio Societatis é a convergência de vontades para constituir e manter uma sociedade. Sem ela,
a sociedades de pessoas não podem subsistir.
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das quotas societárias é transmitido aos herdeiros, não em razão da previsão no
contrato social, mas sim por se tratar de direito constitucionalmente garantido,
à propriedade e à herança4.
Neste passo, o que o contrato regula não é o direito do herdeiro ao recebimento do valor patrimonial das quotas em si, pois este é constitucionalmente
garantido e, portanto, inafastável. O que o contrato social poderá regular é de
que modo se dará a distribuição das quotas quando um dos sócios vir a falecer e
as consequências dessa circunstância do âmbito da sociedade, como a apuração
de haveres e a redução do capital social.
No que tange à liquidação das quotas sociais, tendo em vista que estas integram a herança do sócio falecido, o contrato social deverá atentar para as regras
de sucessão legítima impostas pelo Código Civil, tratadas na segunda parte deste
artigo. Contudo, desde que respeitado o direito dos herdeiros necessários ao recebimento da legítima (parte indisponível da herança), é possível que o contrato
social traga previsão acerca do destino de parte das quotas (correspondente à parte disponível da herança) não em favor dos herdeiros, mas da própria sociedade.
1.5 Previsão de dissolução total da sociedade
Há, por fim, a hipótese de dissolução da sociedade, que ocorre quando existe
prévio acordo dos sócios neste sentido ou posteriormente, na circunstância do falecimento de um dos sócios e não havendo interesse dos sócios remanescentes e herdeiros em dar continuidade ao negócio. Nesse último caso, o Código Civil estipula
um quórum para aprovação da dissolução societária, de três quartos do capital social.5
Com a dissolução, rompe-se o vínculo contratual e procede-se à apuração de haveres,
devendo ser respeitado o procedimento legal de extinção da sociedade.
As regras sucessórias, portanto, não só podem como devem ser estipuladas
no contrato social (dentro dos limites legalmente permitidos), de modo a garantir que sejam preservados, de um lado, os direitos dos herdeiros e, de outro, dos
sócios remanescentes. Assim, possibilita-se que seja resguardado o bom relacionamento entre as pessoas envolvidas e, via de consequência, mas não menos
importante, o princípio da preservação da empresa para que esta cumpra sua
finalidade social.
4 A Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos XXII e XXX, dispõe: “XXII- é garantido o direito de propriedade; (...) XXX- é garantido o direito de herança.”
5 Regra do artigo 1.071, inciso VI, em conjunto com o artigo 1.076, inciso I, ambos do Código
Civil (Lei 10.406/2002)
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2. A transmissão causa mortis da participação societária
do sócio na sociedade limitada em caso de omissão do
contrato social
As normas de direito sucessório aplicam-se integralmente na transmissão
das quotas sociais do sócio falecido, caso o contrato social omita o regramento
da sucessão e não haja deliberação entre os herdeiros e os demais sócios.
Aplica-se ao caso, irrestritamente, o Princípio da Saisine6, conforme dispõe o artigo 17847 do Código Civil Brasileiro. Sendo assim, as quotas sociais do de cujus, como
bens integrantes da herança que são, transmitem-se de imediato aos herdeiros.
O que acaba por gerar contradição é exatamente a forma como estas quotas
são transmitidas, o que tratamos no primeiro ponto deste artigo. Diferentemente
do que pensa a maioria dos herdeiros, o que acaba sendo transmitido é tão somente o valor econômico das quotas, e não a posição de sócio até então exercida
pelo de cujus. Na prática, tal impedimento acaba por gerar uma frustração nos herdeiros, principalmente por nutrirem a expectativa de administração da sociedade.
Para que o herdeiro exerça a condição de sócio, é indispensável que tal acerto
tenha sido objeto de discussão no contrato social.
Visando amenizar os conflitos, verificamos que, na maioria dos casos, quando o contrato social silencia, os demais sócios acabam por acordar com os herdeiros, sendo para autorizar a entrada destes no quadro social da empresa, seja
para dissolver a sociedade.
2.1 Quem são os herdeiros necessários estipulados por lei
A capacidade para suceder será sempre regulada pela lei em vigor à época da
morte, conforme dispõe o artigo 1.7878 do Código Civil Brasileiro.
A nova legislação civil brasileira, em seu artigo 1.8459, elevou o cônjuge ou
companheiro à condição de herdeiro necessário, tanto em concorrência com os
descendentes como com as ascendentes, quando o regime pactuado for da comunhão parcial de bens.
6 É a forma como se dá a transferência dos bens do de cujus aos herdeiros. O Princípio da Saisine
é o responsável por transmitir a posse e a propriedade de todos os bens do de cujus no segundo
posterior à sua morte, mesmo que os herdeiros, sejam eles legítimos ou testamentários, ignorem
o ocorrido (óbito).
7 Artigo 1.784 do CCB: Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
8 Artigo 1.787 do CCB: Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da
abertura daquela.
9 Artigo 1.845 do CCB: São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
216
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Desta forma, atualmente a ordem hereditária da sucessão legítima segue a
seguinte classificação:
•
•
•
•
Descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente;
Ascendentes em concorrência com o cônjuge;
Cônjuge sobrevivente;
Colaterais.
Ressalta-se que o cônjuge, quando concorrendo com os descendentes, herda
quando o regime pactuado na união for o da comunhão parcial de bens e sempre
que houver bens particulares deixados pelo de cujus. A legislação prevê ainda
que o cônjuge concorrerá com igual quinhão com os descendentes, e deverá receber no mínimo a quarta parte caso também seja ascendente dos herdeiros.
Quando em concorrência com os ascendentes, herda por cabeça, sem qualquer tipo de restrição quanto ao regime de bens.
Para uma melhor análise das particularidades dos regimes de bens e das
concorrências da sucessão hereditária, apresentamos o quadro comparativo
abaixo10:
Direito à Meação
Direito à Meação
Cônjuge (Casamento)
Companheira (União
Estável)
Existe no regime da comunhão parcial, relativo aos
bens adquiridos na constância do casamento.
Existe no regime da comunhão universal.
Inexiste no regime de
separação obrigatória (legal),
salvo dos bens adquiridos
na constância do casamento
(Súmula 377/STF).
Sempre existente, porquanto adotado o regime
de comunhão parcial, em
relação aos bens, salvo pacto
(CC/1.715).
10 SILVEIRA, Marco Antonio Karam. A sucessão causa mortis na sociedade limitada. Editora: Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2009. pág. 111.
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Direito Sucessório
Cônjuge (Casamento)
Companheira (União
Estável)
Concorrência com descendentes comuns
Só herda no regime da
separação convencional e da
comunhão parcial, existindo
bens particulares. Herda
quota igual à dos filhos,
mas tem sempre assegurada
a quarta parte da herança
caso os descendentes sejam
comuns.
Não herda no regime da
comunhão universal, separação obrigatória e comunhão
parcial sem existência de
bens particulares.
Quota equivalente à do filho,
quanto aos bens adquiridos
onerosamente durante a
união.
Concorrência com descendentes somente do sócio
morto (exclusivos)
Idem, à exceção de que não
Metade da quota que couber
tem assegurada a quarta parte a cada um dos filhos do
da herança.
morto.
Concorrência com descendentes do sócio morto
(exclusivo) e destes com a
sobrevivente (comuns)
Não há previsão. Idem, mas
também não assegurada a
reserva da quarta parte da
herança.
Concorrência com os ascendentes
Tem direito a um terço da
Tem direito a um terço da
herança, concorrendo com
herança.
ambos ascendentes em 1º grau,
ou metade da herança, havendo apenas um ascendente.
Concorrência com outros
parentes sucessíveis
Não concorre com outros
parentes. Não havendo descendentes ou ascendentes, o
cônjuge herda sozinho, seja
qual for o regime de bens.
Não há previsão. As possibilidades são interpretativas.
Tem direito a um terço da
herança. Somente herda a
totalidade da herança se não
existirem parentes sucessíveis.
Superada a questão, cabe lembrar que, omisso dispositivo próprio no contrato social, o direito do cônjuge ou companheiro fica restrito ao valor das quotas
sociais, devendo sempre estar vinculado à apuração dos haveres.
Quanto à sucessão dos filhos, vale sempre ressaltar que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, §6º11, trouxe ao nosso ordenamento a igualdade
11 Artigo 227, § 6º da CFB: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, a profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...)§ 6º. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos
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absoluta entre os filhos, vedando qualquer tipo de diferenciação entre os concebidos na vigência de casamento, união estável ou concebidos fora destas.
2.2 Acordo dos herdeiros e ou legatários com os sócios
Na prática, visando minimizar os efeitos negativos da sucessão causa mortis,
os demais sócios acabam por acordarem com os herdeiros, sendo para autorizar
a entrada destes no quadro social da empresa, seja para mantê-los como sócios
sem poder de gestão, ou para dissolver parcialmente a sociedade.
A melhor forma de redigir um acordo que atenda as exigências de ambos os
polos é, sem dúvida, quando se opta pela mediação.
Colocando-se de lado os interesses e as vaidades, busca-se o meio termo, o
bem comum entre os herdeiros e os sócios remanescentes, sempre visando à
proteção do patrimônio empresarial. A mediação visa anular o efeito prejudicial
do litígio, que muitas vezes tende a enfraquecer não só a imagem da empresa
frente aos clientes, mas principalmente o poder de gerência e os recursos financeiros da sociedade.
2.2.1 Demais sócios autorizam a entrada dos herdeiros no quadro
social da sociedade
Optando pela primeira modalidade, os sócios remanescentes podem sim impor condições para o ingresso do herdeiro no quadro administrativo da sociedade.
Na maioria dos casos, a exigência de curso superior ou técnico para o exercício da função é indispensável para um bom gerenciamento.
Devemos atentar à seguinte diferenciação: herdeiro é apenas um determinado membro da família; sucessor é um herdeiro que se prepara corretamente para
assumir uma determinada posição dentro da sociedade.
A construção desta personalidade sucessora é muito comum quando lidamos com empresas familiares, visto que estas utilizam os Acordos Familiares
e os Acordos de Sócios para delimitar a caminhada deste aspirante a sucessor
dentro da sociedade.
Existe ainda a possibilidade deste herdeiro continuar vinculado à sociedade, sem poderes de gestão, apenas recebendo os haveres da empresa, como um
sócio minoritário. Tais disposições devem ser tratadas mediante acordo com os
demais quotistas.
e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
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2.2.2 Demais sócios optam por dissolver parcialmente a sociedade
Optando em dissolver parcialmente a sociedade, as quotas integrantes do
patrimônio herdado deverão ser liquidadas, com o consequente pagamento de
haveres aos herdeiros. Cria-se na prática uma relação jurídica obrigacional, onde
de um lado atuam como credores os herdeiros do sócio falecido, e, do outro
lado, como devedores, a própria sociedade.
Finalizada a liquidação das quotas, estas podem ser adquiridas por um ou
mais de um dos sócios remanescentes, pela própria sociedade ou, em último
caso, com a redução do capital social.
Frisa-se que, na maioria das vezes que a empresa opta pela liquidação de suas
quotas, o desgaste é imensurável.
Em muitos casos, os litígios perduram por anos, visto que o valor patrimonial das quotas é o maior motivo de conflito entre os sócios e credores. Conforme já informamos no capítulo anterior, tal apuração de haveres extingue com a
sociedade.
2.3 Estipulações testamentárias
Cumpre lembrar ainda que, omissa as estipulações no contrato social, fica o
sócio livre para estipular o destino de suas quotas sociais mediante a elaboração
de um testamento.
Da mesma forma, todas as disposições que tratarem de atos póstumos, informadas no contrato social da empresa, servirá para o testamento. Aqui entendemos que
o testamento é o complemento do que já fora definido e pactuado no contrato social.
Existindo omissão, fica o testador livre para dispor de todas as questões patrimoniais de suas quotas sociais, impossibilitando os demais sócios de impugnar tais disposições. Tais limites de estipulação serão definidos pela própria lei
sucessória (meação, parte disponível do patrimônio e herdeiros necessários).
Outrossim, quando a vontade do testador versar sobre o aspecto pessoal de
suas quotas – status socci –, indicando, por exemplo, um substituto no seu cargo
de gestão, suas disposições obrigatoriamente estarão condicionadas ao aceite
dos demais sócios. Esse aceite está intimamente vinculado ao affectio societatis.
Tal disposição se faz necessária visto que o testamento é mera manifestação
de vontade do sócio-testador, diferentemente do que ocorre no contrato social,
que exige a deliberalidade de todos os sócios.
Nesse sentido, merece destaque a posição de Marco Antonio Karam Silveira12:
12 SILVEIRA, Marco Antonio Karam. A sucessão causa mortis na sociedade limitada. Editora: Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2009. p. 120.
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“No contrato social, a formação da vontade é desencadeada pelo
conjunto dos sócios, que acabam clamando, no documento de regência societária, a vontade da própria sociedade. Os sócios aderem, em pacto conjunto, à estipulação dos efeitos da morte de um
deles, o que redunda na observância obrigatória do pactuado.”
Optando os demais sócios pela não aplicação das regras testamentárias dispostas pelo sócio falecido, poderão utilizar a tutela inibitória, visando a que os
sucessores não ingressem no quadro social da sociedade.
Nesta peça versará um pedido mandamental para que os sucessores sejam
impedidos de participar do quadro social, sob pena de fixação de astreintes, em
razão da ilicitude desta disposição testamentária, nos termos do artigo 46113 do
Código de Processo Civil.
Considerações finais
O processo sucessório, seja no âmbito empresarial ou familiar, é algo complexo e, muitas vezes, tenso e desgastante. Quando estas realidades se encontram, há margem para os mais diversos tipos de conflitos. E isso ocorre com
muita frequência, tendo em vista que o perfil das empresas no Brasil é predominantemente familiar.
Desta realidade decorre a relevância de se realizar um planejamento sucessório familiar e empresarial, que tem o condão de abreviar ou até mesmo dirimir
estes conflitos, na medida em que auxilia na sua solução e garante segurança
jurídica a todos os envolvidos neste processo.
A fim de viabilizar um planejamento sucessório, é possível a utilização de
diversos remédios jurídicos, como a realização de acordos de sócios ou mesmo
entre os membros da família, constituição de holdings, previsões testamentárias
e outras inúmeras possibilidades.
A utilização destes meios permite que todos os envolvidos na sucessão estejam preparados, cientes e conscientes do papel que desempenham e deverão vir
a desempenhar. Garante-se, assim, a convergência de objetivos e a reunião de
esforços para atingi-los, de modo que sejam asseguradas tanto a preservação da
empresa como a harmonia familiar.
13 Artigo 461 do CPC: Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
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Referências bibliográficas
LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. 2ª Edição. Editora: Saraiva. São Paulo, 2009.
MACEDO, José Ferreira de. Sucessão na Empresa Familiar. Editora: Nobel. São
Paulo, 2009.
SILVEIRA, Marco Antonio Karam. A sucessão causa mortis na sociedade limitada. Editora: Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2009.
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Joana Gallego Ziero
Advogada da holding Campos Advocacia, pós-graduada em Direito Empresarial
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e em Gestão Empresarial pela
Fundação Getulio Vargas.
Roberta Borsatto
Advogada de família e sucessões, pós-graduada em Direito de Família pela
PUC/RS.

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