Marigo MSc PatCompParasitariasMM 2003 pdf
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Marigo MSc PatCompParasitariasMM 2003 pdf
Juliana Marigo Patologia Comparada das Principais Enfermidades Parasitárias de Mamíferos Marinhos encontrados na Costa Sudeste e Sul do Brasil. São Paulo -2003- Juliana Marigo Patologia Comparada das Principais Enfermidades Parasitárias de Mamíferos Marinhos encontrados na Costa Sudeste e Sul do Brasil. Dissertação apresentada para a obtenção do título de Mestre junto à faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Departamento: Patologia Área de Concentração: Patologia Experimental e Comparada Orientador: Prof.Dr.José Luiz Catão-Dias São Paulo -2003- AGRADECIMENTOS Ao nosso querido orientador Catão por desde o início acreditar na minha vontade de trabalhar com os parasitas dos golfinhos e aceitar o desafio. Por todo o carinho e apoio sempre. Por tudo o que aprendi e pela paciência necessária para esta orientada :-) Aos meus pais João e Dolores por terem transmitido o carinho pelos animais desde cedo e sempre apoiado meu trabalho...Tudo isso não seria possível sem a “Fundação Marigo”!!!! Obrigada por aceitarem minha mudança da fazenda para o mar, mesmo isso significando eu estar quase sempre longe... porém realizada. Obrigada também por já serem quase pesquisadores, de tanto serem obrigados a me ouvir tagarelar sobre golfinhos, vermes e afins... A toda minha família por sempre relevarem minhas ausências e vibrarem com minhas conquistas, especialmente aos doutores Tio Carlos Marigo e Tia Darci Monteiro. A Valeria Ruoppolo, minha “ídala” que há alguns anos me dá a honra de ser sua amiga... Por ter corrido atrás de um ideal superando muitas dificuldades, abrindo muitas oportunidades e sendo um exemplo profissional (e pessoal) para tantos como eu. Eu é que digo obrigada por me deixar crescer a seu lado! A amiga querida e “super presidenta” Carolina Bertozzi por toda amizade e colaboração. Sua iniciativa, perseverança e força são um exemplo e incentivo para mim. Ainda vamos trabalhar e crescer muito juntas! As amigas e colegas de trabalho, integrantes da ONG Projeto BioPesca: Janaina Ribeiro, Claudia Nascimento (Berimbau) e Juliana Viotto, pela amizade que torna o trabalho mais alegre e recompensante. A todos os pesquisadores e instituições que contribuíram com tempo dedicado a colheita e envio de amostras: • F.C.W. Rosas e M.R. Oliveira; IPeC (Instituto de Pesquisas de Cananéia), Cananéia, SP e Centro de Estudos do Mar (CEM)- Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pontal do Sul, PR • C.P. Bertozzi, E. Barbosa e J. Ribeiro; Projeto BioPesca, Praia Grande, SP • A. Maranho; Aquário de Santos, Santos, SP • S. P. Souza; Fundamar, São Sebastião, SP • A. Higa e M. Rollo Jr.; Museu de Zoologia da USP- MUZUSP,SP • M. C. de O. Santos; Projeto Atlantis- IB, USP, SP • D. L. Fedullo; Fundação Parque Zoológico de São Paulo, SP • R.P. Silva e A. Adornes; Laboratório de Mamíferos Marinhos e Centro de Recuperação de Animais Marinhos (CRAM)- Museu Oceanográfico Prof. Eliézer de C Rios, Fundação Universidade Federal do Rio Grande- FURG - Rio Grande, RS • I.B. Moreno; Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (GEMARS)- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS Ao Ricardo Augusto Dias do Laboratório de Bioestatística do VPS pelas análises estatísticas e interesse no projeto. Ao Adauto L.V. Nunes pela amizade e meu primeiro estágio com animais silvestres, onde eu me diverti e aprendi muito, inclusive que era com estes animais mesmo que eu queria trabalhar e não com cavalos... Ao José Martins da Silva Jr. pelo meu primeiro estágio com mamíferos marinhos e por ter me proporcionado a oportunidade de aprender muito desde então com os rotadores e a ilha. Agradeço também pelos primeiros “verminhos” da minha carreira e os trabalhos que estão por vir (A “praga” pegou!). Ao João Manoel de Castro pela amizade, por dividir e incentivar a paixão pelos verminhos e também pela identificação dos primeiros Anisakis da minha carreira. Ao Dr. Fernando Rosas pelo carinho, amizade e conhecimento transmitido. Principalmente por me aceitar em seu projeto no Paraná, quando eu nem sabia o que era uma Pontoporia! Me dando a oportunidade de “abrir” os primeiros golfinhos e me indicando o caminho dos intestinos... A Márcia R. de Oliveira por toda a amizade e companheirismo que tornaram a vida e o trabalho em Pontal muito mais agradáveis, inclusive os “cozidos de cabeça de boto”! Agradeço aos dois especialmente por terem coletado e cedido a maior parte do material deste trabalho. Ao Kaxasso por ter me indicado a vocês. A Ana L.V. Andrade por toda a amizade, ajuda e ensinamentos sobre a identificação e o mundo dos parasitos de mamíferos marinhos. Ao Chris Gardiner pelo carinho, incentivo e todo o conhecimento que continua sempre colocando a minha disposição onde quer que esteja. A todos os colegas que me deram muitas oportunidades, ajuda e incentivo, especialmente: Rodolfo Pinho da Silva, Eduardo Secchi, André Barreto, Marta Cremer, Linda Lowenstine, Suzana Couto (Suzi), Marcelo A. Guimarães, Alexandre Zerbini, Bruno Bastos, José Lailson Brito Jr., João Paulo Boccia. Aos meus amigos (de longa ou curta data) que mesmo não atuando na mesma área, sempre me incentivaram e apoiaram em minhas decisões: Andressa G. Campos, Ligia Centurion, Maria Eugênia Rosansky, Cintia Martins, Ariane Menezes, Patricia Berbare, Julio Reynoso, Sandra Freiberger, Gustavo Manna Cesar, Flavia Miranda, Maria Paula Okumura. As “golfinhas”, golfinhos e amigos de Noronha por toda a amizade, incentivo e pelos momentos de descontração na “Ilha da Fantasia”, especialmente, Daisy, Tammy e Bodão. Aos colegas da USP pela amizade, por sempre estarem dispostos a me ajudar, tirar dúvidas, discutir e me ouvir falar sobre vermes: Ana Cristina (Titi) Vianna, Claudia Filoni, Marco Aurelio Gattamorta, Lilian Sá, Sabrina Epiphanio, Silvia Nery Godoy, Fernanda Marvulo, Jean Carlos Ramos, Rodrigo Teixeira, Ariela Setzer, Kathleen Grego, Luciana Rameh, Marcelo B. Contieri, Ana Paula Garate, Katia Kimura, Emerson Mota, Luciana Neves Torres. Aos funcionários e técnicos do VPT por toda a ajuda durante o desenvolvimento do trabalho. Ao chefe de departamento Prof. Dr. Benjamin Eurico Malucelli e a todos os professores do VPT. À Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro indispensável ao projeto (processo 00/14669-0). Ao direito de existir de todas as formas de vida... e aos seres humanos que se dedicam a preservá-lo por que realmente se importam... RESUMO MARIGO, J. Patologia Comparada das Principais Enfermidades Parasitárias de Mamíferos Marinhos encontrados na Costa Sudeste e Sul do Brasil. [Comparative pathology of the main parasitic diseases of marine mammals found in the south and southeastern coasts of Brazil]. 2003. 160 f. Dissertação (Mestrado em Patologia Experimental e Comparada) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. O estudo parasitológico de mamíferos marinhos, especialmente dos cetáceos, tem sido realizado, em geral, de forma esporádica, com descrição de material encontrado em encalhes ocasionais e sem utilização de métodos padronizados. Os objetivos do presente trabalho foram: levantar os principais parasitos encontrados em mamíferos marinhos no Brasil - particularmente nas regiões Sudeste e Sul; sua possível patogenicidade e relação com a causa de morte do hospedeiro. Foram utilizadas amostras colhidas de animais encontrados mortos em praias ou acidentalmente capturados em redes de pesca no litoral dos estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Ocasionalmente, também foram analisadas amostras de pinípedes provenientes de centros de reabilitação e coleções zoológicas. Sempre que possível, foi efetuada a necrópsia completa, com ênfase na abordagem parasitológica e colhendo também amostras para análise histopatológica. Durante a necroscopia, com vistas à pesquisa de parasitos metazoários, realizou-se a busca em todos os órgãos, porém atenção especial foi dada aos pulmões, estômagos e segmentos intestinais. Estes órgãos foram congelados e posteriormente abertos individualmente dentro de recipiente plástico e seus conteúdos passados por uma peneira de malha 150μm. Todo o material colhido foi observado em lupa para a separação dos parasitos, que foram contados e armazenados em frascos com álcool 70% (nematóides e acantocéfalos) e formol 10% (trematóides e cestóides). Foram analisados 118 cetáceos e sete pinípedes. À análise macroscópica, parasitos pulmonares da espécie Halocercus brasiliensis foram encontrados em 30,7% (16/52) dos cetáceos, parasitos gástricos (Anisakis typica, A. sp., Braunina cordiformis, Polymorphus sp.) em 19,1% (13/68) e intestinais (Hadwenius pontoporiae, H. tursionis, cestóides da família Tetrabothriidae, acantocéfalos não identificados) em 78,6% (70/89). Crustáceos (Cirripedia: Lepadomorpha) foram encontrados em S. frontalis e larvas de Monorygma grimaldii em S. coeruleoalba. Nos pinípedes, parasitos gastrointestinais (nematóides e acantocéfalos Corynosoma sp.) foram encontrados em 100% (2/2) dos indivíduos analisados macroscopicamente. Na análise histológica foi possível observar que 62,5% (5/8) dos cetáceos e 66,6% (4/6) dos pinípedes apresentaram lesões relacionadas com a presença de parasitas pulmonares. Estas foram as lesões de maior severidade encontradas, sendo condições extremamente debilitantes para estes animais aquáticos. Os helmintos gastrointestinais aparentemente não causaram lesões significativas. Os trematóides H. pontoporiae e H. tursionis identificados nos animais analisados neste estudo podem ser utilizados, de acordo com metodologia padronizada, como marcadores de estoques de P. blainvillei e S. guianensis respectivamente, pois estas espécies de cetáceos apresentaram diferentes níveis de infecção dentro das áreas amostradas. As amostras utilizadas na realização deste projeto complementaram o banco de tecidos de animais selvagens mantido pelo Laboratório de Patologia Comparada de Animais Selvagens da FMVZ. As informações referentes aos achados anatomopatológicos, mesmo de indivíduos capturados acidentalmente, supostamente saudáveis, devem buscar a determinação do real significado dos processos patológicos, do estado sanitário das populações e não somente de indivíduos, inclusive no caso do impacto de parasitas, onde vários fatores intrínsecos e extrínsecos podem estar relacionados. Palavras-chave: Cetacea. Pinnipedia. Parasitologia. Patologia. Captura acidental. ABSTRACT MARIGO, J. Comparative pathology of the main parasitic diseases of marine mammals found in the south and southeastern coasts of Brazil. [Patologia Comparada das Principais Enfermidades Parasitárias de Mamíferos Marinhos encontrados na Costa Sudeste e Sul do Brasil.] 2003. 160 f. Dissertação (Mestrado em Patologia Experimental e Comparada) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. Parasitological studies of marine mammals, specially cetaceans, have been performed sporadically, with description of the sampled material collected from occasional stranding events, not using standardized methods. The aims of the present work included: identify the main parasites found in marine mammals in Brazil – particularly from the South and Southeastern coasts; its possible patogenicity and its relation with the host’s cause of death. Samples were collected from stranded and by-caught animals on the coasts of São Paulo, Paraná and Rio Grande do Sul States. Circumstantially, samples of pinnipeds coming from rehabilitation centers and zoological collections were also analyzed. Whenever possible, a complete necroscopic examination was performed, emphasizing the parasitological and histopathological sampling. During the necropsies, all the organs were examined looking for parasites, but special attention was given to the lungs, stomachs and intestinal segments. These organs were frozen and later opened with scissors inside a plastic tray, all the contents were washed in a sieve (mesh =150μm) and examined under a stereoscopic microscope (10x) to collect the parasites. The helminths collected were counted and stored in 70% alcohol (nematodes and acantocephalids) and 10% formalin (trematodes and cestodes). 118 cetaceans and seven pinnipeds were analyzed. At macroscopic analyses, lung parasites of the species Halocercus brasiliensis were identified in 30,7% (16/52) of the cetaceans, gastric parasites (Anisakis typica, A. sp., Braunina cordiformis, Polymorphus sp.) in 19,1% (13/68), and intestinal (Hadwenius pontoporiae, H. tursionis, cestodes of the family Tetrabothriidae, non-identified acantocephalas) in 78,6% (70/89). Crustaceans (Cirripedia: Lepadomorpha) were found in S. frontalis and larvae of Monorygma grimaldii in S. coeruleoalba. Within the pinnipeds, gastrointestinal parasites (nematodes and acantocephalas Corynosoma sp.) were found in 100% (2/2) of the individuals examined macroscopically. On histological analyses it was possible to observe that 62,5% (5/8) of the cetaceans and 66,6% (4/6) of the pinnipeds presented lesions related with the presence of lung parasites. These were the most severe alterations found, which were extremely debilitating conditions for these aquatic animals. Gastrointestinal helminths didn’t seem to cause significant lesions. The trematodes H. pontoporiae and H. tursionis identified in this study can be useful, according to standardized methodology, as biological tags for identifying ecological stocks of P. blainvillei and S. guianensis respectively, because these species of cetaceans have shown different infection levels in the sampled areas. The samples utilized for this project were included in the tissue bank maintained at Laboratório de Patologia Comparada de Animais Selvagens, at Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo. The information related to the histopathological results, even from supposedly healthy by-caught animals, has to search for the real significance of the pathological processes, the population’s health and not only individuals, specially in the case of parasitism, where several intrinsic and extrinsic factors can be related. Key words: Cetacea. Pinnipedia. Parasitology. Pathology. By-catch. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Esquema do ciclo de vida geral dos nematóides gastrointestinais no ambiente marinho.(Adaptado de Howard et al., 1983 e Fortes, 1993)............................................................................................................. 33 Figura 2: Esquema do ciclo de vida do nematóide pulmonar Parafilaroides decorus (Adaptado de Howard et al., 1983)...................................................................37 Figura 3: Esquema do ciclo de vida geral de trematóides gastrointestinais no ambiente marinho.(Adaptado de Howard et al., 1983 e Fortes, 1993)..........................41 Figura 4: Esquema do ciclo de vida geral de acantocéfalos gastrointestinais no ambiente marinho. (Adaptado 1993)........................ 45 de Howard et al., 1983 e Fortes, Figura 5: Desenho esquemático do estômago, intestino delgado e grosso de franciscana, Pontoporia blainvillei.1) estômago principal, 2) conduto de conecção, 3) estômago pilórico, 4) ampola duodenal, 5,6,7,8 e 9) intestino delgado, 10) intestino grosso.Letras a, b e c indicam a subdivisão metodológica. Áreas marcadas representam as regiões examinadas. (Extraído de Andrade, 1996).................................................. 54 Figura 6: Exemplar de Pontoporia blainvillei proveniente de captura acidental no Estado de São Paulo, na mesa de necrópsia do Departamento de Patologia- FMVZ-USP (RPC01/157)............................................................................. 76 Figura 7: Exemplar de Sotalia guianensis proveniente de captura acidental no Estado do Paraná..................................................................................................... 76 Figura 8: Pulmão de exemplar de S. f. guianensis. Notar a presença de parasitos nematóides Halocercus brasiliensis na luz dos brônquios............................................ 76 Figura 9: Parasitos pulmonares de S. guianensis: nematóides Halocercus brasiliensis................................................................................................. 76 Figura 10: Parasitos trematóides Braunina cordiformis encontrados em estômago de S. guianensis (CEM # 191)...................................................................................... 77 Figura 11: Parasitos nematóides Anisakis typica encontrados em estômago de S. guianensis (CEM # 191)............................................................................................77 Figura 12: Detalhe do intestino de um exemplar de P. blainvillei................................................... 77 Figura 13: Intestino de exemplar de S. f. guianensis do litoral do Estado do Paraná (CEM # 222)..................................................................................................... 77 Figura 14: Frascos contendo acantocéfalos encontrados em intestino de S. frontalis............................................................................................................... 77 Figura 15: Detalhe dos acantocéfalos....................... .....................................................................77 Figura 16: Conteúdo de cisto de cestóide Monorygma grimaldii encontrado na gordura de S. coeruleoalba (CEM # 283)...................................................... 78 Figura 17 e18: Crustáceo inserido entre a gengiva e os dentes (seta). Stenella frontalis (RPC 01/007).......................................................................... 78 Figuras 19 e 20: Pulmão, notar Metastrongilidae no espaço alveolar. Sotalia fluviatilis (RPC 99/499), H.E. 20 e 40x................................................... 78 Figura 21: Pulmão, granuloma parasitário. Tursiops truncatus (RPC 02/054).....................79 Figuras 22 e 23: Detalhe do corte apresentado na Figura 9, notar parasita nematóide no centro do abscesso. Tursiops truncatus (RPC 02/054), H.E. 20 e 100x.....................................................................................................79 Figuras 24: Baço, esplenite, parasitária. Notar ovos de parasitas trematóides (setas) e a formação de células gigantes. Steno bredanensis (RPC 01/149), H.E. 200x.....................................................................................79 Figura 25 e 26: Estômago, notar larva de nematóide Anisakis typica solta na luz. Kogia simus (RPC 02/059), H.E. 40 e 100x........................................................ 79 Figura 27: Arctocephalus tropicalis (RPC 01/246)............................................................... 80 Figura 28: Nematóides estomacais. Arctocephalus tropicalis (RPC 01/246)....................... 80 Figura 29: Intestino, acantocéfalos na mucosa. Arctocephalus tropicalis (RPC 01/246)......80 Figura 30: Acantocéfalos Corynossoma sp. encontrados no intestino. Arctocephalus tropicalis (RPC 01/246)............................................................... 80 Figuras 31 e 32: Observar Metastrongilidae e larvas no parênquima pulmonar. Arctocephalus australis (RPC 01/114), H.E. 40x e 200x.................................... 80 Figura 33: Padrões de compartilhamento de parasitas, mostrando as famílias dos gêneros. Círculos incluem as famílias exclusivas de cada grupo de hospedeiros, + Polymorphidae, * Diphyllobothriidae. (Adaptado de Raga et al., 2001)....................................................................... 107 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Médias e desvios padrão dos comprimentos totais de Pontoporia blainvillei, distribuídos em função da localização geográfica. São Paulo e Paraná. 1997-2002..........................................................................59 Gráfico 2: Médias e desvios padrão dos comprimentos totais de Sotalia guianensis distribuídos por Estado (São Paulo e Paraná). 1997-2002............................................................................................................60 Gráfico 3: Distribuição do grau de parasitismo por Halocercus brasiliensis em Sotalia guianensis, em função da freqüência de animais acometidos. São Paulo e Paraná, 1997-2002.....................................................63 Gráfico 4: Gráfico de dispersão dos valores de comprimento total dos animais e comprimento total de intestino para Pontoporia blainvillei. São Paulo e Paraná, 1997-2002..........................................................................66 Gráfico 5: Gráfico de dispersão dos valores de comprimento total dos animais e comprimento total de intestino para Sotalia guianensis. São Paulo e Paraná, 1997-2002..........................................................................66 Gráficos 6 e 7: Gráficos dos números de parasitas intestinais em machos e fêmeas de Pontoporia blainvillei e Sotalia guianensis respectivamente (os símbolos fora dos “box plot” representam animais com valores aberrantes). São Paulo e Paraná, 1997-2002...................68 Gráficos 8 e 9: Gráficos dos números de parasitas intestinais (Hadwenius pontoporiae) em machos e fêmeas de Pontoporia blainvillei de São Paulo e Paraná respectivamente. 1997-2002...............................................................68 Gráficos 10 e 11: Gráfico das médias de intensidade e prevalência (respectivamente) de Hadwenius pontoporiae em P. blainvillei de acordo com áreas: 1) Ubatuba (n=1); 2) Praia Grande e Guarujá (n=15), 3) Itanhaém (n=2); 4.Cananéia (n=17); 5) Paraná (n= 14); 6) Rio Grande do Sul (n=53, Andrade, 1996) e 7) Argentina (n= 46, Aznar et al.,1994a)................................................................................105 LISTA DE ESPÉCIES E NOMES POPULARES As espécies foram classificadas de acordo com IBAMA (2001), Jefferson (1993) e Monteiro- Filho et al., (2002) . Cetacea Delphinapterus leucas: beluga Delphinus capensis: golfinho-comum-de-bico-longo Eschrichtius robustus: baleia-cinzenta-da-califórnia Eubalaena australis: baleia-franca-do-sul Kogia breviceps: cachalote-pigmeu Kogia simus: cachalote-anão Lagenorhyncus acutus: golfinho-de-flancos-brancos-atlântico Lagenorynchus albirostris: golfinho-de-bico-branco Megaptera novaeangliae: jubarte Phocoena phocoena: boto-do-porto Pinnipedia Arctocephalus australis: lobo-marinho-do-sul Arctocephalus tropicalis: lobo-marinho-subantártico Callorhinus ursinus: lobo-marinho-do-norte Eumetopias jubatus: leão-marinho-de-Steller Erignathus barbatus: foca-barbada Leptonychotes weddellii: foca-de-weddell Lobodon carcinophagus: foca-caranguejeira Mirounga angustirostris: elefante-marinho-do-norte Mirounga leonina: elefante-marinho-do-sul Otaria flavescens: leão-marinho-do-sul Phoca hispida: foca-anelada Phoca vitulina: foca-do-porto Zalophus californianus: leão-marinho-da-califórnia Phocoenoides dalli: boto-de-Dall Physeter macrocephalus: cachalote Pontoporia blainvillei: franciscana, toninha Pseudorca crassidens: falsa-orca Sotalia fluviatilis: tucuxi Sotalia guianensis: boto-cinza Stenella clymene: golfinho-de-climene Stenella coeruleoalba: golfinho-listrado Stenella frontalis: golfinho-pintado-do-atlântico Stenella longirostris: golfinho-rotador Steno bredanensis: golfinho-de-dentes-rugosos Tursiops truncatus: golfinho-nariz-de-garrafa LISTA DE TABELAS Tabela 1. Lista dos principais relatos de ocorrência de parasitos no Brasil, de acordo com o hospedeiro, espécie parasita, localidade e referência...................................................................................................48 Tabela 2. Distribuição dos cetáceos estudados, em função da espécie e procedência. São Paulo; Paraná, Rio Grande do Sul. 1997-2002..................................................... 58 Tabela 3. Distribuição das médias de comprimentos totais de Pontoporia blainvillei e Sotalia guianensis nos estados de São Paulo e Paraná. 1997-2002.........................59 Tabela 4: Distribuição de machos e fêmeas de Pontoporia blainvillei e Sotalia guianensis nos estados de São Paulo e Paraná. 1997-2002........................................61 Tabela 5: Distribuição dos órgãos analisados em função das espécies Pontoporia blainvillei e Sotalia guianensis e procedência. São Paulo e Paraná, 1997-2002..................................................................................................... 61 Distribuição dos órgãos analisados das “outras espécies” em função da espécie. São Paulo e Paraná, 1997-2002................................................................ 62 Tabela 6: Tabela 7: Distribuição dos comprimentos totais de intestinos de Pontoporia blainvillei e Sotalia guianensis nos estados de São Paulo e Paraná. 1997-2002......................................................................................................65 Tabela 8: Distribuição da prevalência e média de intensidade de parasitos de Pontoporia blainvillei em função dos órgãos analisados e suas respectivas procedências. São Paulo e Paraná, 1997-2002.................................69 Tabela 9: Distribuição da prevalência e média de intensidade de parasitos de Sotalia guianensis em função dos órgãos analisados e suas respectivas procedências. São Paulo e Paraná, 1997-2002............................................................70 Tabela 10: Distribuição dos pinípedes estudados, em função da espécie e procedência. São Paulo, Rio Grande do Sul. 1997-2002..............................................73 Tabela 11: Distribuição dos pinípedes estudados, em função da espécie, sexo e idade. São Paulo, Rio Grande do Sul. 1997-2002....................................................................74 Sumário 1.INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 2. OBJETIVOS...................................................................................... 3. Revisão de literatura................................................................................................. 3.1 Aspectos da história natural de cetáceos e pinípedes................................................ 3.2 Aspecto anatômicos macro e microscópicos de cetáceos e pinípedes...................... 3.2.1 Pulmões............................................................................................................ 3.2.2 Estômago e intestinos....................................................................................... 3.3 Parasitologia............................................................................................................... 3.3.1 Principais índices parasitológicos utilizados ................................................... 3.3.2 Parasitos e mamíferos marinhos...................................................................... 3.3.3 Diferenças relacionadas com a idade ............................................................. 3.3.4 Predisposição .................................................................................................. 3.3.5 Diferenças entre os sexos ............................................................................... 3.3.6 Parasitos como marcadores biológicos............................................................ 3.4 Parasitos de mamíferos marinhos.............................................................................. 3.4.1 Protozoa........................................................................................................... 3.4.1.1 Ciliados.................................................................................................... 3.4.1.2 Apicomplexos........................................................................................... 3.4.1.3 Flagelados................................................................................................ 3.4.1.4 Sarcodina................................................................................................. 3.4.2 Ectoparasitos.................................................................................................... 3.4.2.1 Anoplura................................................................................................... 3.4.2.2 Crustacea................................................................................................. 3.4.2.3 Acarina..................................................................................................... 3.4.3 Endoparasitos.................................................................................................. 3.4.3.1 Acarina..................................................................................................... 3.4.3.2 Nematoda................................................................................................. a) Sistema digestivo....................................................................................... b) Sistema respiratório.................................................................................. c) Sistema circulatório.................................................................................... d) Sistema urogenital..................................................................................... 3.4.3.3 Trematoda................................................................................................ a) Sistema digestivo........................................................................................ b) Fígado, sistema biliar e pâncreas............................................................... c) Sistema respiratório e seios aéreos............................................................ 3.4.3.4 Acantocephala......................................................................................... 3.4.3.5 Cestoda.................................................................................................... 3.5 Registros de parasitos no Brasil e área de estudo..................................................... 3.6 Implicações para saúde pública.................................................................................. 4. MATERIAIS E MÉTODOS.................................................................................................... 4.1 Animais....................................................................................................................... 4.2 Protocolo de estudo.................................................................................................... 4.2.1 Necrópsia / Colheita de material...................................................................... a) Exame necroscópico realizado pela bolsista................................................... b) Exame necroscópico realizado por terceiros................................................... 4.2.2 Análise dos órgãos .......................................................................................... 4.2.3 Fixação e Identificação dos parasitos.............................................................. 4.2.4 Análise dos dados............................................................................................ 13 14 15 15 15 16 17 19 20 22 22 24 24 25 28 28 28 28 29 29 30 30 30 32 32 32 33 33 35 38 39 40 41 42 43 44 46 47 49 51 51 52 52 52 53 53 55 55 5. RESULTADOS..................................................................................................................... 5.1 Distribuição dos Animais............................................................................................. 5.1.1 Cetáceos.......................................................................................................... 5.1.1.1 Animais analisados.................................................................................. 5.1.1.2 Classe etária e sexo................................................................................. 5.1.1.3 Distribuição dos Órgãos Analisados........................................................ 5.1.1.3.1 Pulmões........................................................................................... 5.1.1.3.2 Estômago......................................................................................... 5.1.1.3.3 Intestino........................................................................................... 5.1.1.3.4 Demais órgãos................................................................................. 5.1.1.4 Patologia associada a parasitose em cetáceos....................................... 5.1.2 Pinípedes......................................................................................................... 5.1.2.1 Distribuição dos animais.......................................................................... 5.1.2.2 Classe etária e sexo................................................................................. 5.1.2.3 Distribuição dos Órgãos Analisados........................................................ 5.1.2.3.1 Estômago......................................................................................... 5.1.2.3.2 Intestino........................................................................................... 5.1.2.4 Patologia associada a parasitose em pinípedes...................................... 6. DISCUSSÃO......................................................................................................................... 6.1 Patologia comparada das enfermidades parasitárias de cetáceos............................. 6.1.1 Parasitos Pulmonares...................................................................................... a) Nematóides...................................................................................................... 6.1.2 Parasitos Estomacais....................................................................................... a) Nematóides...................................................................................................... b) Trematóides..................................................................................................... c) Acantocéfalos................................................................................................... 6.1.3 Parasitos Intestinais......................................................................................... a) Nematóides...................................................................................................... b) Trematóides..................................................................................................... c) Acantocéfalos................................................................................................... d) Cestóides......................................................................................................... 6.1.4 Outras localizações.......................................................................................... 6.2 Patologia comparada das enfermidades parasitárias de pinípedes........................... 6.2.1 Parasitos Pulmonares...................................................................................... a) Nematóides...................................................................................................... 6.2.2 Parasitos Estomacais....................................................................................... a) Nematóides...................................................................................................... 6.2.3 Parasitos Intestinais......................................................................................... a) Nematóides..................................................................................................... b) Acantocéfalos.................................................................................................. 6.2.4 Outros............................................................................................................... 6.3 Patologia comparada das enfermidades parasitárias de cetáceos e pinípedes......... 6.4 Ecologia dos parasitos de mamíferos marinhos da costa sudeste e sul.................... 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 8. CONCLUSÕES..................................................................................................................... 57 57 57 57 58 61 62 64 64 71 71 73 73 73 74 74 74 75 81 81 81 81 84 84 85 86 87 87 87 88 88 89 91 91 91 93 93 94 94 94 95 96 99 108 109 REFERENCIAS........................................................................................................................ Anexo 1.................................................................................................................................. Anexo 2.................................................................................................................................. Anexo 3.................................................................................................................................. Anexo 4.................................................................................................................................. Anexo 5.................................................................................................................................. Anexo 6.................................................................................................................................. Anexo 7.................................................................................................................................. Anexo 8.................................................................................................................................. Anexo 9.................................................................................................................................. Anexo 10................................................................................................................................ Anexo 11................................................................................................................................ Anexo 12................................................................................................................................ Anexo 13................................................................................................................................ Anexo 14................................................................................................................................ Anexo 15................................................................................................................................ 110 128 135 136 138 139 140 142 143 143 145 145 146 147 148 160 1. INTRODUÇÃO Infecções parasitárias são um achado comum em mamíferos marinhos selvagens. Em vários casos, as parasitoses estão listadas entre as causas de encalhe e morte dos animais. Sua patogenicidade depende de fatores que incluem a localização e grau de infecção do hospedeiro, estado geral e nutrição do mesmo, assim como possíveis efeitos químicos, físicos ou imunológicos, endógenos ou exógenos, causados pela presença do parasita (HOWARD et al., 1983). Apesar do conhecimento ainda escasso, cresce o interesse e o incentivo para o estudo das faunas parasitárias de mamíferos marinhos no Brasil, que consta inclusive dos projetos prioritários do Plano de ação para os mamíferos aquáticos em águas brasileiras. Tais estudos são importantes não só para o conhecimento das causas de mortalidade natural, mas também como ferramenta para identificação de estoques ecológicos, principalmente de espécies pouco conhecidas e com dados insuficientes sobre sua biologia, como ocorre com várias espécies de cetáceos e pinípedes no país (IBAMA, 2001). Considerando que os trabalhos de identificação de parasitos envolvem protocolos clássicos de investigação científica adequadamente padronizados e de custo relativamente reduzido, o emprego destes métodos apresentam um custo-benefício altamente satisfatório, fato que favorece a sua utilização em nosso meio. 2. OBJETIVOS Os objetivos do presente trabalho foram: levantar os principais parasitos encontrados em mamíferos marinhos no Brasil - particularmente na região Sudeste e Sul; sua possível patogenicidade e relação com a causa de morte do hospedeiro. Pretendeu-se também, utilizá-los como marcadores biológicos para identificação de estoques, comparando as informações encontradas nos exemplares analisados com dados de literatura para as mesmas espécies em outras regiões ou mesmo outras espécies de uma mesma região. 3. REVISÃO DE LITERATURA 3.1 Aspectos da história natural de mamíferos aquáticos A teoria do desenvolvimento evolucionário dos mamíferos aquáticos possui controvérsias, porém é sabido que se originam de um ou mais mamíferos terrestres (BARNES et al., 1985; GINGERICH et al., 2001). Segundo Barnes et al., (1985) os cetáceos, ordem que agrupa as baleias e os golfinhos, estão relacionados aos mamíferos ungulados, como os eqüinos e os ruminantes. Gingerich e colaboradores (2001) também afirmaram que os cetáceos evoluíram a partir de artiodáctilos. A ordem Cetacea está composta por 79 espécies e é dividida em duas subordens, de acordo com Jefferson et al., (1993) e Reyes et al., (1995): - Subordem Mysticeti (11 espécies): inclui os rorquais ou baleias verdadeiras, que como característica principal apresentam uma série de placas queratinizadas localizadas dentro da boca, denominadas barbatanas. Estas são posicionadas paralelamente dos dois lados da maxila e possuem pequenas cerdas nas extremidades com função de retenção de alimento. Os representantes desta subordem possuem dois orifícios respiratórios. Podem atingir entre seis e 32 metros de comprimento na idade adulta. - Subordem Odontoceti (68 espécies): inclui os cetáceos com dentes para a apreensão do alimento, como os golfinhos em geral, as orcas e os cachalotes. Os odontocetos possuem um orifício respiratório apenas, não necessariamente na linha mediana dorsal. Podem atingir entre um e 18 metros de comprimento na idade adulta. Todos os cetáceos apresentam o corpo de formato longilíneo e fusiforme. Este grupo é totalmente adaptado e dependente do meio aquático (GERACI; LOUNSBURY, 1993). Na ordem Carnivora são representadas outras espécies de mamíferos aquáticos. Nesta ordem, a subordem Pinnipedia, composta por 34 espécies, possui ancestrais em comum com o cão e está dividida em três famílias, de acordo com Barnes et al., (1985) e Jefferson et al., (1993): • Superfamília Otaroidea: - Família Odobenidae (uma espécie): inclui as morsas, cuja distribuição é restrita ao Ártico. - Família Otariidae (14 espécies): inclui os pinípedes que possuem orelhas, conhecidos como lobos e leões-marinhos; • Superfamília Phocoidea: - Família Phocoidea (19 espécies): inclui os pinípedes que não possuem orelhas, que são as focas em geral e os elefantes-marinhos. Os pinípedes são carnívoros aquáticos extremamente especializados que podem ser encontrados desde os pólos até os trópicos. Um fator unificador do grupo é que todos passam a maior parte do tempo na água, porém necessitam retornar a um substrato sólido, como a terra ou o gelo, para parir, criar seus filhotes e, em sua maioria, copular (JEFFERSON et al., 1993). 3.2 Aspecto anatômicos macro e microscópicos de cetáceos e pinípedes São descritos aspectos dos principais órgãos analisados neste estudo: pulmões, estômago e intestinos. 3.2.1 Pulmões Os pulmões dos cetáceos são simétricos e não lobados, com pleura espessa, textura firme e “elástica” devido à presença de anéis cartilagíneos ao redor de brônquios e bronquíolos, prevenindo o colapso das vias aéreas do trato respiratório inferior, quando submetidas à pressão durante mergulhos. Os septos alveolares dos cetáceos contêm dois capilares paralelos, com a função de incrementar a oxigenação do sangue e diminuir o tempo de recuperação após mergulhos profundos, enquanto o dos pinípedes e outros mamíferos possuem apenas um. Esfíncteres mioelásticos estão presentes nos bronquíolos terminais de cetáceos, presumivelmente como mais uma adaptação aos mergulhos (BRITT; HOWARD, 1983; ROMMEL; LOWENSTINE, 2001). A anatomia dos pulmões de Pontoporia blainvillei (franciscanas) é descrita por Yamasaki et al., (1977). Segundo estes autores, os pulmões são mais ou menos simétricos e esguios, pontudos e finos, e a porção caudal é delgada e cônica. A árvore bronquial se inicia de maneira bem característica, com a curta traquéia se dividindo em três brônquios principais, mais ou mesmo no mesmo nível (trifurcação); dois deles suprindo o pulmão direito e o outro o pulmão esquerdo. Cada brônquio principal se divide em dois brônquios secundários e, apesar de não apresentar lobos, a distribuição de cada brônquio sugere a presença deles, sendo três no pulmão direto e dois no pulmão esquerdo. A traquéia e os brônquios principais não apresentam porção membranosa e algumas partes de suas cartilagens são anéis completos. A cartilagem se torna irregular perifericamente e se estende até o início dos bronquíolos, os quais aparentemente não apresentam esfíncteres. Pinípedes possuem os pulmões divididos em lobos, sendo dois no pulmão esquerdo e três no direito. Alguns indivíduos apresentam anéis traqueais completos, e em outros podem ser incompletos. Histologicamente, assim como nos cetáceos, há a presença de anéis cartilagíneos e esfíncteres mioelásticos até os bronquíolos terminais. O tórax alongado posiciona o diafragma obliquamente (ROMMEL; LOWENSTINE, 2001; STEWARDSON et al., 1999). 3.2.2 Estômago e intestinos O estômago da maioria dos cetáceos possui três compartimentos. A primeira câmara é um prolongamento do esôfago, delineada por epitélio escamoso estratificado aglandular, com função de armazenamento. A segunda porção corresponde ao estômago fúndico ou principal, com glândulas secretórias de HCl e enzimas digestivas. O terceiro compartimento é secretor de muco, e prepara o conteúdo para a digestão intestinal. Microscopicamente, os estômagos possuem aparência análoga ao das espécies terrestres, adicionando que as células parietais são bastante proeminentes nos odontocetos (DIERAUF; GAGE. 1990; LOWENSTINE; OSBORN, 1990). Os intestinos dos cetáceos são extremamente longos e não possuem distinção visível entre intestino delgado e grosso na maioria das espécies, pois o ceco está ausente em grande parte dos cetáceos, com exceção de alguns misticetos. Histologicamente é numerosa a presença de tecido linfóide associado ao longo de todo o trajeto intestinal, especialmente o cólon distal (DIERAUF; GAGE, 1990; LOWENSTINE; OSBORN, 1990). Características detalhadas do esôfago, estômago e intestinos de Pontoporia blainvillei foram descritos em vários trabalhos. A espécie não apresenta a primeira câmara estomacal, sendo que um longo canal de aproximadamente 8cm corre entre o estômago principal (fúndico) e o pilórico (BROWNELL, 1989). A diferenciação entre intestino delgado e grosso é feita através de uma mudança no padrão de pregueamento e coloração da mucosa, associada a uma mudança no diâmetro e distribuição dos vasos mesentéricos que atingem a região (ANDRADE, 1996; YAMASAKI et al., 1975; YAMASAKI; KITO,1984). Uma comparação entre comprimentos e transição íleo-cólica dentro da super família Platanistoidea (Cetacea) é feita em Yamasaki e Kito (1984), onde a razão entre o comprimento intestinal e o comprimento do corpo é maior nas franciscanas. Aparentemente existe uma tendência de que o comprimento intestinal aumente com a idade. Além disso, a espécie apresenta uma única e distinta prega longitudinal projetando-se no lúmen do intestino delgado, ao invés de pregas circulares, e duas pregas longitudinais no intestino grosso. A presença de pregas circulares se deve a especializações estruturais que servem para aumentar a área exposta ao lúmen, sendo mais efetivas para aumentar a área de superfície da mucosa do que uma só prega longitudinal. Isso pode ter relação com os intestinos menores de outros delfinídeos e o longo intestino de P. blainvillei (YAMASAKI; KITO,1984). Chaves e da Silva (1988), descrevem aspectos histológicos do trato digestivo de Sotalia fluviatilis e apontam que, apesar de viver em água doce, a histologia do esôfago e estômago não apresenta diferenças marcantes quando comparada aos delfinídeos marinhos, obedecendo ao padrão geral da família. Os pinípedes são monogástricos, apresentando intestino delgado longo e intestino grosso curto (< 35 cm), separados por um ceco rudimentar e também com grande quantidade de tecido linfóide associado ao cólon distal (DIERAUF; GAGE. 1990; ROMMEL; LOWENSTINE, 2001). 3.3 Parasitologia Quando um organismo se alimenta de outro, mas normalmente não o mata, o organismo predatório é chamado de parasita e a presa, hospedeiro. Alguns parasitas mantêm-se ligados aos hospedeiros por toda a vida (ex. cestóides no trato gastrointestinal); outros, como os piolhos e carrapatos, permanecem somente durante períodos prolongados de alimentação. Em alguns casos, o termo parasitóide é usado para diferenciar as relações onde somente um hospedeiro está envolvido e é invariavelmente morto (STILLING, 2002). A essência do parasitismo bem sucedido é a acomodação e a sobrevivência, isto é, a habilidade em adaptar-se e integrar-se ao hospedeiro de forma a não ser considerado estranho. Os helmintos, por exemplo, são parasitas obrigatórios totalmente adaptados que, quando causam doenças, estas são de expressão leve ou subclínica. Somente quando invadem hospedeiros para os quais não estão totalmente adaptados ou em número muito grande, a doença aguda ocorre (TIZARD, 1985). O impacto da infecção no hospedeiro vai depender da virulência do parasita, da dose infectante e da resistência do hospedeiro à infecção. Esses parâmetros podem ser modificados por vários fatores, como problemas nutricionais e superpopulação, que também interagem entre si e tem efeitos diretos na sobrevivência do hospedeiro, complicando a dinâmica da interação parasita- hospedeiro (GULLAND, 1997). Em alguns casos, as mortes de indivíduos podem ser causadas por desequilíbrio na relação natural entre hospedeiro– parasita. Neste caso a mortalidade pode estar elevada por um aumento da suscetibilidade dos indivíduos a outras causas de agressão, como a predação. Atualmente, é sabido que um dos maiores riscos para as populações selvagens são os parasitas introduzidos e/ou doenças de animais domésticos (GULLAND, 1995; STILLING, 2002). Parasitologistas acreditam que o grau de mortalidade que uma espécie parasita infringe na espécie hospedeira depende do tempo de associação entre as duas, sendo que associações mais antigas causam menos lesões e podem evoluir para comensalismo ou mutualismo (GULLAND, 1995; PIANKA, 1994a; STILLING, 2002a). Ainda, as relações hospedeiro–parasita podem estabelecer graus de elevada especificidade, levando ao desenvolvimento de interações espécie-específicas (PIANKA, 1994a). Em relação à localização, os parasitos estão divididos em: • ectoparasitos: se localizam na superfície externa do hospedeiro, como pele e cavidades naturais (principalmente artrópodes, crustáceos); • endoparasitos: se localizam dentro do corpo do hospedeiro, sendo que nos casos de envolvimento de helmintos isso ocorre particularmente nos sistemas circulatório, respiratório, digestivo, urinário, genital, nervoso e músculo-esquelético (FORTES, 1993). A despeito das definições, a biologia das relações parasito-hospedeiro tem uma rica história de padrões interessantes de coevolução, além de complexos ciclos de vida (KOELLA, et al. 1998; PAGE, 1993; RAGA et al., 2001; STILLING, 2002a). Na verdade, o parasitismo pode ser o tipo de vida predominante na terra, com um vasto número de espécies de parasitas, talvez 80% de todas as formas de vida. A maioria das plantas e animais albergam muitos parasitos. Um potencial hospedeiro de vida livre que não albergue vários tipos de parasitas é uma raridade (RAGA et al., 2001; STILLING, 2002a). 3.3.1 Principais índices parasitológicos De acordo com Bush et al., (1997) e Margolis et al., (1982), os principais índices parasitológicos empregados são: • Prevalência: número de indivíduos infectados com um ou mais indivíduos de uma mesma espécie parasita (ou grupo taxonômico) dividido pelo número de hospedeiros analisados. Normalmente expresso em porcentagem ou proporção. • Incidência: número de novos casos de uma doença ou infecção numa população durante um período de tempo, dividido pelo número de animais não infectados no começo deste período. • Intensidade (de infecção): número de indivíduos de uma espécie parasita em um único hospedeiro de uma amostra, isto é, o número de indivíduos em uma infrapopulação. • Média de intensidade: número total de indivíduos de uma espécie parasita numa amostra de hospedeiros dividido pelo número de hospedeiros infectados da amostra (= número médio de indivíduos de uma espécie parasita por hospedeiro de uma amostra). • Densidade: número de indivíduos de uma espécie parasita por unidade de área, volume ou peso de tecido ou órgão do hospedeiro infectado. • Densidade relativa ou abundância: número total de indivíduos de uma espécie parasita de uma amostra de hospedeiros, dividido pelo número total de indivíduos da espécie hospedeira (infectados e não infectados) da amostra (= número médio de indivíduos de uma espécie parasita por hospedeiro examinado). • Infrapopulação: todos os indivíduos de uma espécie parasita ocorrendo em um indivíduo hospedeiro num determinado período. • População componente: refere-se a todos os indivíduos de uma específica fase da história de vida, num determinado período e local. • Suprapopulação: todos os estágios de desenvolvimento de uma espécie parasita num determinado período e local. • Infracomunidade: é uma comunidade de infrapopulações de parasitas em um único hospedeiro. • Comunidade componente: refere-se a todas as infrapopulações de parasitas associadas com um subgrupo de uma espécie hospedeiro ou uma coleção de fases de vida livre associadas com um subgrupo do ambiente abiótico. • Supracomunidade: compreende as suprapopulações de parasitas. • Diversidade: é o conceito que descreve a composição de uma comunidade em termos de número de espécies presente, analisando o equilíbrio de uniformidade relativa de cada espécie. 3.3.2 Parasitos e mamíferos marinhos Poucos ciclos de parasitos de mamíferos marinhos já foram elucidados, e este conhecimento é especialmente escasso no Brasil. A maioria dos ciclos são indiretos, onde a contaminação ocorre mais comumente através da dieta, tendo os peixes como hospedeiros intermediários. Os peixes albergam uma grande quantidade de parasitos, especialmente os marinhos, devido a sua maior capacidade de vagar (comparados com os peixes de água doce) e a grande diversidade de invertebrados presentes no mar. A variedade da fauna parasitária, sua intensidade e a incidência de infestação são determinadas principalmente pelos seguintes fatores: a) dieta do hospedeiro, b) tempo de vida do hospedeiro, c) mobilidade do hospedeiro, incluindo a variedade de habitats que encontra durante a vida, d) densidade populacional (espécies gregárias ou não), e e) tamanho atingido (grandes hospedeiros proporcionam mais habitats adequados para parasitas do que pequenos) (HOLMES, 1990). 3.3.3 Diferenças relacionadas com a idade De acordo com Hudson e Dobson (1995), as curvas de intensidade relacionadas a idade podem revelar padrões que possibilitam quantificar as taxas de transmissão e mortalidade dos parasitas. Muito poucos parasitos são transmitidos verticalmente de uma fêmea infectada para o seu feto ou recém nascido. Desta forma a maior parte das curvas de idade e intensidade mostram um aumento inicial após a idade na qual um animal é primariamente suscetível à infecção. Da mesma forma, já que os macroparasitas tendem a não se reproduzir diretamente dentro dos hospedeiros definitivos, o aumento é normalmente devido à aquisição de novos estágios larvais infectantes (as exceções são os parasitas monogenéticos e artrópodes). Qualquer mudança na carga parasitária de um indivíduo hospedeiro é, portanto, resultado do equilíbrio entre as taxas de infecção parasitária (imigração) e processos de mortalidade ocorrendo na população de parasitas dentro do hospedeiro. Se ambas as taxas são constante, a curva de intensidade com a idade para um grupo de animais vai mostrar um aumento na carga parasitária até uma assíntota, cujo nível é determinado pelo equilíbrio entre infecção e mortalidade. A análise dos dados de vários sistemas dá exemplos de curvas de intensidade com a idade que podem ser classificadas em um de três tipos: • Tipo 1: mostra um aumento na intensidade de infecção. Ocorre imigração de novos estágios larvais infectantes que excedem as taxas de mortalidade dos mesmos nos hospedeiros, e não ocorre redução na infecção devido a exposição previa ao patógeno, sendo esperado que a carga parasitária aumente com a idade do hospedeiro. • Tipo 2: mostra um aumento até uma assíntota determinada pelo equilíbrio entre infecção e mortalidade. Se a taxa de mortalidade dos parasitas se torna grosseiramente igual a taxa com que se estabelecem no hospedeiro, é esperado que a carga parasitária aumente até uma assíntota. • Tipo 3: convexa, com número de parasitas por hospedeiro atingindo um pico e subseqüentemente declinando. Vários processos biológicos podem originar este tipo de curva, incluindo mortalidade dos hospedeiros induzida pelos parasitas; mudanças na taxa de infecção dependentes da idade, como mudanças no comportamento do hospedeiro; mudanças na exposição relacionadas com a idade e desenvolvimento de resistência à infecção através de diminuição na sobrevivência dos macroparasitas e/ou redução do seu estabelecimento no hospedeiro. Em alguns sistemas, todos estes processos podem estar presentes, e é importante ter em mente que, quando operando em níveis baixos, podem tanto produzir curvas assíntotas quanto curvas que só mostram um pequeno aumento na carga parasitária com a idade. Apesar disso, existe uma evidência crescente, tanto para hospedeiros humanos quanto não humanos, de que um fator que causa curvas convexas de intensidade com a idade é o desenvolvimento de imunidade adquirida. Estas curvas são indicadores ambíguos da interação entre parasitas e hospedeiros. Obviamente, se a prevalência aumenta com a idade, os hospedeiros são sempre suscetíveis ou aumentam sua suscetibilidade à infecção com a idade. No entanto, qualquer convexidade ou assíntota na curva de idade e prevalência pode indicar tanto uma mudança na dieta do hospedeiro, a eliminação da infecção em hospedeiros previamente infectados, ou a perda dos indivíduos infectados dentro da população. Apesar de que grandes mudanças na média de intensidade podem ocorrer quando alguns animais extremamente parasitados morrem, ou são removidos de uma classe etária, tais efeitos podem causar pequeno impacto na prevalência. 3.3.4 Predisposição De acordo com Hudson e Dobson (1995), as diferenças na carga parasitária de hospedeiros de uma mesma idade refletem a suscetibilidade do hospedeiro a infecção e sua experiência acumulativa de exposição aos diferentes estágios infectantes do parasita. Desta forma, é importante saber mais sobre as condições que acarretam a existência de poucos animais que são altamente infectados, avaliando se ocorre predisposição. Quando resultados indicam predisposição, é importante diferenciar entre habitat e diferenças genéticas entre os hospedeiros. A predisposição é influenciada tanto pela suscetibilidade do hospedeiro quanto pela exposição, e a importância relativa de cada efeito varia entre espécies e habitats. Variações na exposição podem refletir o status social do indivíduo, ou podem estar relacionadas com processos nutricionais e genéticos. Infelizmente, poucos estudos têm sido conduzidos para examinar a predisposição em animais selvagens. 3.3.5 Diferenças entre os sexos Zuk e McKean (1996) sugerem que diferenças na susceptibilidade para doenças entre os sexos evoluíram da mesma forma que as diferenças morfológicas e comportamentais entre os sexos, e que são resultado da seleção agindo diferentemente em machos e fêmeas. A obtenção de dados que justifiquem o reconhecimento de um padrão diferenciado de infecção entre os sexos tem duas dificuldades predominantes: 1) garantir uma amostra grande o suficiente para detectar uma diferença entre os sexos se ela existir, e 2) distinguir entre uma exposição diferencial e uma suscetibilidade diferencial. As diferenças de prevalência e intensidade de infecção entre os sexos são normalmente atribuídas a dois fatores: os ecológicos e os fisiológicos (comumente hormonais). Os fatores ecológicos incluem dieta, escolha de microhabitat, comportamento reprodutivo e tipos de atividade. Pelo menos dois aspectos podem confundir e contribuem para a dificuldade de se explicar os fatores ecológicos. Primeiro, o tamanho dos indivíduos difere em função do sexo em vários vertebrados, e um sexo que seja maior pode tanto ser um alvo maior para os parasitas, como comer mais e consumir mais itens alimentares infectados. Segundo, se um dos sexos tiver uma mortalidade maior que o outro, mais indivíduos mais velhos serão do sexo que sobrevive mais, e se os hospedeiros acumulam parasitam enquanto envelhecem, o que parece ser uma diferença entre os sexos pode ser na realidade uma diferença de idade. Além disso, a suscetibilidade a parasitas, e o comportamento influenciando a exposição, podem mudar dependendo da estação ou do ano, com muitos vertebrados mostrando aumento de atividade ou padrão de alimentação durante o período de reprodução. Quatro hipóteses foram elaboradas como possíveis explicações fisiológicas das diferenças entre os sexos: 1) efeitos deletérios oriundos do fato dos machos serem heterogâmicos; 2) efeitos do estresse no sistema imune; 3) efeitos diretos de esteróides sexuais no desenvolvimento e crescimento de parasitas; e 4) efeitos indiretos dos esteróides sexuais sobre o sistema imune do hospedeiro e parasitas. 3.3.6 Parasitos como marcadores biológicos O uso dos parasitos como marcadores biológicos começou com estudos realizados em peixes. Nos últimos quarenta anos o estudo das parasitoses tem sido uma importante ferramenta de pesquisa, usando os parasitos como marcadores biológicos, ou seja, relacionando sua presença ou ausência com investigações sobre a filogenia, distribuição, hábitos alimentares e estoques populacionais de mamíferos marinhos (ANDRADE et al., 1998; BALBUENA et al., 1995; DAILEY, 1979; DAILEY; VOGELBEIN, 1991; MACKENZIE, 1987; MOSER, 1991; WALKER, 2001; SZIDAT, 1964). O princípio básico do uso de parasitos como marcadores é a comparação intraespecífica dos níveis de infecção nos componentes das infracomunidades de hospedeiros que supostamente utilizam diferentes nichos ecológicos ao longo de uma ou mais áreas geográficas. Não somente a ausência ou presença dos helmintos deve ser considerada, mas também é importante analisar seus níveis de infecção, representados principalmente pela análise da prevalência, densidade relativa e intensidade média (BALBUENA et al., 1995; MACKENZIE, 1987). Os parasitos para serem utilizados com sucesso como marcadores biológicos, devem: 1. não causar mortalidade em larga escala ou mudanças de comportamento no hospedeiro, 2. ter altas taxas de prevalência, 3. ser facilmente detectados, durante todo o tempo do estudo, 4. apresentar diferentes níveis de infecção em diferentes partes da área de estudo (BALBUENA et al., 1995; MACKENZIE, 1987; MOSER, 1991). São muitos os benefícios de usar estes organismos ao invés de marcadores artificiais: - custo reduzido na pesquisa, - manejo do hospedeiro somente para colheita, - refletem toda a população hospedeira, não somente um animal, - através de estudos de genética, morfometria e análises bioquímicas de suas populações, as subpopulações destes parasitos poderão ser identificadas em meio à ampla população de hospedeiros, indicando assim as subpopulações dos hospedeiros (MACKENZIE, 1987; MOSER, 1991) Quando hospedeiros estão divididos em dois ou mais grupos em diferentes ambientes geográficos, suas respectivas faunas parasitarias poderão mostrar diferenças. Isso é particularmente verdadeiro para helmintos, que geralmente requerem mais de um hospedeiro para completar seu ciclo de vida. A ocorrência de um determinado parasita em qualquer localidade geográfica depende da presença de hospedeiro definitivo e intermediários apropriados, e fatores biológicos complexos que impõem uma estrita interdependência entre os organismos do complexo hospedeiro-parasita (DAILEY; VOGELBEIN, 1991). Delyamure, em 1955, fez a primeira análise zoogeográfica de helmintos que parasitam mamíferos marinhos de todos os oceanos. Encontrou certos padrões de distribuição dos helmintos dos trópicos para os pólos, com um aumento na diversidade nas regiões temperadas e um queda brusca em número nas áreas polares. De maneira geral, nas regiões boreal e antiboreal, os helmintos de mamíferos marinhos e outros organismos encontram as condições mais favoráveis para o desenvolvimento dos seus ciclos de vida, ou seja, hospedeiros definitivos, hospedeiros intermediários, condições bióticas e abióticas. O conhecimento da dieta do hospedeiro é muito importante no estudo da zoogeografia dos helmintos de cetáceos. Em vastos ambientes, como o Oceano Antártico, por exemplo, estoques amplamente separados de baleias podem utilizar diferentes organismos em suas dietas, de acordo com a variedade e abundância local, durante suas migrações (DAILEY; VOGELBEIN, 1991). Os autores estudaram parasitos de baleias caçadas na Antártica, sendo capazes de identificar e separar suas localidades de captura através das áreas de maior e menor diversidade de helmintos na região. O aumento da necessidade de estudos mais acurados, e a falta de verbas para estudos de espécies não domésticas, devem tornar o uso dos parasitos como marcadores biológicos ainda maior (MOSER, 1991). Em se tratando de espécies ameaçadas e ainda insuficientemente conhecidas, como a franciscana, P. blainvillei, os parasitos são especialmente úteis para diferenciar estoques e detectar migrações (ANDRADE, 1996; AZNAR et al., 1994a; AZNAR et al., 1995; RAGA et al., 1998). Andrade (1996) realizou a colheita e identificação da helmintofauna de P. blainvillei, no sul do Brasil, Através da comparação com espécies de parasitas na Argentina e Uruguai, e a dieta da franciscana, foi possível fazer considerações sobre a existência de estoques ecológicos. 3.4 Parasitos de mamíferos marinhos Listas de parasitos de mamíferos marinhos são encontradas em Dailey e Brownell Jr (1972), Delyamure (1955), Dierauf (1990) e Howard et al. (1983). Os parasitos de mamíferos marinhos de maior incidência e importância serão apresentados de acordo com localização no hospedeiro e subdivididos em famílias. 3.4.1 Protozoa 3.4.1.1 Ciliados Haematophagus megapterae foi encontrado preso a barbatanas de baleias jubarte, fin e azul. Alimenta-se de células vermelhas do sangue e não é considerado patogênico (DAILEY, 2001; RAGA et al., 2001). Kyaroikeus cetarius foi descrito no orifício respiratório de Tursiops truncatus, Pseudorca crassidens, Delphinaterus leucas e Kogia breviceps (DAILEY, 2001; POYTON et al., 2001; RAGA et al., 2001). Também já foi encontrado em lesões de pele e linfonodos. Chilodonella sp. e outro ciliado não classificado tem sido encontrados rotineiramente em muco de orifício respiratório e raspados de pele de golfinhos nariz de garrafa na Califórnia. Estes ciliados são responsáveis por infecções consideradas oportunistas, cujo significado patológico está ainda para ser analisado (DAILEY, 2001). Ciliados holotríquios são vistos em mais de 50% da população de golfinhos nariz de garrafa (Tursiops truncatus) da Flórida, detectados em swabs do orifício respiratório, mas raramente invadindo o tecido local ou pulmões, sugerindo que esse protozoário seja um invasor oportunista da pele previamente lesada por trauma ou infecção bacteriana (HOWARD et al., 1983). 3.4.1.2 Apicomplexos Toxoplasma gondii e Sarcocystis spp. já foram reportados numa grande variedade de mamíferos marinhos, acometendo uma grande diversidade de órgãos (DAILEY, 2001; POYTON, 2001). Nos músculos eles parecem ter pequeno ou nenhum efeito no hospedeiro, enquanto que no sistema nervoso podem levar a encefalites severas (DAILEY, 2001). Eimeria phocae e seis outras espécies de apicomplexos já foram reportadas em pinípedes, sendo que destes, alguns animais apresentaram sinais clínicos. Alguns autores sugerem que só afetam a saúde do animal quando este está estressado (DAILEY, 2001). 3.4.1.3 Flagelados Flagelados foram recentemente isolados do muco do orifício respiratório, tanto de animais de cativeiro como selvagens, dentre eles golfinhos-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) e baleias beluga (Delphinaterus leucas). Jarrellia atramenti (Kenetoplastida: Bodonidae) foi isolada do orifício respiratório de cachalote-pigmeu (Kogia breviceps) (POYTON, 2001). Segundo Poyton (2001), os flagelados podem ser um componente benigno da microbiota do muco do orifício respiratório de cetáceos. Uma espécie não identificada de flagelado (Chilomastix ou Hexamita) foi encontrada no cólon de uma Balaena mysticetus (DAILEY, 2001). Giardia sp. foi encontrada em pinípedes da região do Ártico, Canadá e Califórnia, podendo este animais consistir reservatórios potenciais nestas regiões, porém seus efeitos na saúde dos pinípedes ainda é desconhecida (DAILEY, 2001). 3.4.1.4 Sarcodina Uma Entamoeba sp. foi descrita no cólon de uma Balaena mysticetus, e seu significado clínico em cetáceos ainda não determinado (DAILEY, 2001; RAGA et al., 2001). 3.4.2 Ectoparasitos 3.4.2.1 Anoplura Piolhos são encontrados em pinípedes e cetáceos. Somente os pinípedes apresentam piolhos sugadores, sendo os mais comuns do gênero Antarctophithirius, que infestam principalmente animais jovens, debilitando-os no caso de grandes infestações (CONLOGUE et al., 1980; DAILEY, 2001; HOWARD et al., 1983). Echinophithrius horridus foi reportado como hospedeiro intermediário do parasita cardíaco A. spirocauda (Nematoda) (CONLOGUE et al., 1980; GERACI et al., 1981). Thompson et al. (1998) estudou a epidemiologia de Echinophithirius horridus em focas do porto (Phoca vitulina) durante um período de quatro anos, nos quais ocorreram mudanças interanuais de disponibilidade de alimento. Tais autores observaram que a prevalência e intensidade variavam com relação a idade, mas não com relação ao sexo do hospedeiro. A carga parasitária foi maior em focas imaturas, porém, prevalência e intensidade foram significativamente maiores em anos onde a disponibilidade de alimento foi pequena. Em contraste com outros estudos de outras espécies de pinípedes, reportou-se também que o ectoparasita não esteve presente em filhotes de P. vitulina desmamados, sugerindo que E. horridus é transferido horizontalmente. Mehlhorn (2002) analisou, através de microscopia eletrônica, as características morfológicas de exemplares de Antarctophthirus ogmorhini (Echinophthiriidae) de focas antárticas. 3.4.2.2 Crustacea Várias espécies de crustáceos cirripédios tem sido identificadas associadas a cetáceos, incluindo Coronula diadema, C. reginae, Cetopirus complanatus, Cryptonelas rhachianecti, Tubicinella major, Conchoderma auritum, Conchoderma virgatum e Xenobalanus globicipitis (AZNAR et al., 1994b; DAILEY, 2001; RAJAGURU; SHANTHA, 1992; SCARFF, 1986; RAGA et al., 2001). As espécies de crustáceos podem ser encontradas em cetáceos estabelecendo associações variando de comensalismo a parasitismo, com graus variáveis de adaptação. Algumas espécies como as cracas pedunculadas dos gêneros Conchoderma e Lepas (Lepalidae), podem ser consideradas generalistas por ocorrerem tanto em organismos vivos (tartarugas, cetáceos, etc.) quanto em objetos inanimados (cascos de navios, objetos flutuantes). Em contraste, outras espécies sésseis, presas diretamente à base da pele, dos gêneros Coronula, Cryptolepas, Tubinella e Xenobalanus (Coronulidae); são mais especializadas e encontradas somente em cetáceos (AZNAR et al., 1994b). Dois fatores principais relacionados aos cetáceos parecem influenciar a colonização da pele destes animais por crustáceos simbióticos. Uma seria a mobilidade e hidrodinamismo do hospedeiro, relacionados com as correntes geradas pelos movimentos e velocidade de natação. O segundo fator seria a troca de pele, ao menos para as espécies que se prendem diretamente a uma base, já que, no caso das baleias, isto facilitaria o desprendimento destes crustáceos (AZNAR et al., 1994b). Scarff (1986) faz uma revisão dos relatos de crustáceos em cetáceos, suas características e distribuição no corpo dos hospedeiros, e discute a sua ocorrência em diferentes espécies de baleias ao longo dos anos. Os chamados “piolhos de baleia” (Isocyamus delpini e Cyamus sp.) são crustáceos copépodes que se alimentam de pele e estão entre os ectoparasitos mais comuns de misticetos (DAILEY, 2001; DAILEY et al., 2000; OSMOND; KAUFMAN, 1998; SCARFF, 1986). Eles se alimentam da epiderme, fluidos corporais e filamentos de algas. Não requerem hospedeiros intermediários e são transmitidos através de contato direto. Nenhum sinal clínico tem sido associado com a infecção e o tratamento é provavelmente desnecessário (DAILEY, 2001). Pequenas concentrações de Cyamus boopis em baleias-jubarte (Megaptera novaengliae), são regularmente observadas agregadas em áreas de menor fluxo de água, como, por exemplo, as pregas ventrais, olhos, nadadeiras peitorais, orifício respiratório, margens dos lábios e ao redor de cracas. Baleias-jubarte com problemas físicos que afetam e diminuem sua velocidade de nado tem sido observadas com grandes infestações destes ectoparasitos (OSMOND; KAUFMAN, 1998). O gênero Pennela (Copepoda: Pennellidae) possui espécies que parasitam peixes e cetáceos marinhos (DAILEY, 2002; HOGANS, 1987; RAGA et al., 2001). Desde a descrição original, somente seis espécies deste gênero foram reportadas em cetáceos e são revistas por HOGANS (1987). Dailey et al. (2002) relatam pela primeira vez a presença de Pennella balaenopterae (Pennellidae: Copepoda) em um pinípede. Os autores consideram que devido às diferenças de estrutura da pele de cetáceos e pinípedes, o animal tinha lesões cutâneas que permitiram a invasão dos copépodes. 3.4.2.3 Acarina Casos de demodicose não pruriginosa, causada por Demodex sp., são descritos em pinípedes, tendendo à cronicidade se não for tratada. É caracterizada por alopecia focal e hiperqueratose, podendo ocorrer infecção bacteriana secundária (DAILEY, 2001; DAILEY; NUTTING, 1980). 3.4.3 Endoparasitos 3.4.3.1 Acarina Os gêneros Orthohalarachne e Halarachne são ácaros nasais comuns em otarídeos e odobenídeos, e em focídeos, respectivamente. Seu impacto é considerado discreto para os hospedeiros quando em pequenas quantidades, causando alguma erosão e inflamação dos ossos turbinados nasais e nasofaringe. No entanto, animais altamente infestados podem ter centenas de ácaros por todo o trato respiratório, apresentando alterações como inflamação crônica das cavidades nasais e sérias lesões pulmonares, podendo vir a óbito. A transmissão das larvas ocorre diretamente de animal para animal (DAILEY, 2001; FAY; FURMAN, 1982; KIM et al., 1980). 3.4.3.2 Nematoda a) Sistema digestivo Os parasitos de maior ocorrência entre os mamíferos marinhos são provavelmente os da família Anisakidae, sendo Anisakis e Contracaecum os gêneros mais comumente representados. Ocorrem no estômago de praticamente todas as espécies de pinípedes e odontocetos, apresentando um molusco como primeiro e um peixe como segundo hospedeiros intermediários respectivamente (DAILEY, 2001; DAILEY et al., 2000; HOWARD et al., 1983) (Figura 1). Descrições e figuras dos principais nematóides gastrointestinais de mamíferos marinhos constam nos trabalhos de Abollo e Pascual (2002), Baylis (1920, 1937), Davey (1971), Delyamure (1955). Infecções moderadas raramente causam sinais clínicos, porém grandes infecções podem resultar em gastrites e ulcerações. No caso dos pinípedes, as intensidades das infecções podem ser altas sem sinais clínicos; porém, já foram associadas com gastrite, ulcerações gástricas, enterite, diarréia, desidratação, anemia e, raramente, perfuração gástrica. Provavelmente a ação mecânica e a secreção de alérgenos estão associadas às lesões gástricas (DAILEY, 2001; CATTAN et al., 1976; SCHROEDER; WEGEFORTH, 1935). Figura 1: Esquema do ciclo de vida geral dos nematóides gastrointestinais no ambiente marinho. (Adaptado de Howard et al., 1983 e Fortes, 1993). Contracaecum ogmorhini foi descrito para Arctocephalus autralis na costa do Uruguai, com prevalência de 34,3% e intensidade média de 4,3 ± 3,3 nematóides por hospedeiro, sem lesões severas nos estômagos estudados. Anisakis simplex e Pseudoterranova decipiens foram considerados raros para este hospedeiro (CAPOZZO et al., 1994; CAPOZZO et al., 1998; MORGADES et al., 2002). Parasitos do gênero Uncinaria têm importância na mortalidade natural pinípedes jovens, onde os parasitas adultos causam enterite hemorrágica e anemia, especialmente em Callorhinus ursinus (BROWN et al., 1974; DAILEY, 2001). Transmissão vertical de U. lucasi ocorre em C. ursinus e, provavelmente, Zalophus californianus (DAILEY, 2001; LYONS et al., 2001). Em estudo realizado na Califórnia, o parasita foi encontrado em 95% dos exemplares jovens de Callorhinus ursinus e 100% dos Z. californianus, com intensidades médias de 760 e 612, respectivamente (LYONS et al., 2001). Uncinaria sp. já foi reportada em leões-marinhos-do-sul (Otaria flavescens) no Uruguai, Chile e Argentina, podendo ser um fator importante de mortalidade de animais jovens no hemisfério sul (BERÓN-VERA et al., 2002; MORGADES et al., 2002). Na região da Patagônia Argentina, este parasita foi encontrado com prevalência de 50% e média de intensidade de 135, 1 (± 146,5) parasitos, sendo a média de intensidade maior em machos (BERÓN-VERA et al., 2002). Análise de fezes de elefantes-marinhos-do-sul (Mirounga leonina) na Antártica, identificaram nematóides dos gêneros Anisakis, cf. Contracaecum e cf. Rhaphidascaris; e acantocéfalos do gênero Corynosoma. A correlação com os resultados de leucograma demonstrou aumento na porcentagem média de eosinófilos nas fêmeas, sugerindo que a parasitose por nematóides, principalmente, medida pela presença de ovos nas fezes, constitui um fator de estresse (ROBALDO et al., 1998). b) Sistema respiratório Os nematóides mais comuns que infectam pulmões, veias pulmonares, espaços auditivos e seios nasais são de duas famílias: Pseudaliidae e Crassicaudidae; e quatro gêneros: Halocercus, Pharurus (Torynurus), Pseudalius e Stenurus. Os sintomas variam de acordo com o hospedeiro e a espécie de parasita, bem como a intensidade de infecção. O quadro da parasitose inclui tosse, dispnéia, letargia e morte potencial (DAILEY, 2001). Descrições dos principais parasitas nematóides do sistema respiratório de cetáceos estão em Baylis e Daubney (1925), Delyamure (1955), Dougherty (1943a, 1943b, 1944), Wu (1929) e Zylber et al. (2002). Almeida (1933) revisou o gênero Halocercus, descrevendo H. brasiliensis em pulmões de Sotalia guianensis do Rio de Janeiro. Conlogue et al., (1985) descreve grandes infecções de Halocercus dalli em Phocoenoides dalli, com maior prevalência em animais jovens do que em adultos, propondo transmissão transplacentária. Halocercus lagenorhynchi, primeiramente descrito em Lagenorynchus albirostris, infecta também Tursiops truncatus e existem evidências de infecção pré-natal nesta espécie, com filhotes muito jovens apresentando parasitos adultos, com provável transmissão transplacentária (DAILEY et al.,1991; MOSER; RHINEHART, 1993). Esta possibilidade de transmissão também foi proposta para outras espécies, como Halocercus pingi (PARSONS et al., 1999). Nematóides da família Pseudaliidae podem ocasionar inflamação granulomatosa em pulmões de cetáceos. Exemplares adultos destes parasitas pulmonares estimulam pouca ou nenhuma resposta inflamatória nos brônquios e bronquíolos, porém as larvas nos alvéolos podem causar pneumonia focal purulenta subaguda (BROSENS et al., 1996; DAILEY; STROUD, 1978; ZYLBER et al., 2002). A ocorrência de nematóides da família Pseudaliidae no sistema de seios craniais de odontocetos já foi sugerida como causa de encalhe (DAILEY, 2001; DAILEY; WALKER, 1978; DAILEY; STROUD, 1978). Num estudo realizado com baleias beluga do Canadá (Delphinapterus leucas), observou-se que 87% de todos os animais encalhados apresentavam o parasita Pharurus pallasii (Pseudaliidae) nos seios craniais, especialmente nos seios peribulares (ouvido). A prevalência foi similar entre machos e fêmeas, com tendência de maior média de intensidade de infecção em machos, não foram observadas lesões aparentes, mesmo em animais com grande carga parasitária (HOUDE et al., 2001). No entanto, outros trabalhos como, por exemplo, Zylber et al. (2002) relatam severas lesões ósseas relacionadas a presença de centenas de Stenurus globicephalae (Pseudaliidae) em um exemplar de Pseudorca crassidens, apontando as lesões como possível causa do seu encalhe na costa do Uruguai. Parasitos da família Crassicaudidae já foram encontrados nos seios aéreos de nove gêneros de pequenos odontocetos encalhados e capturados, onde foram implicados como causa de erosão óssea resultante de inflamação da mucosa, sinusite purulenta e osteíte (DAILEY, 2001; DAILEY; PERRIN, 1973; DAILEY; WALKER, 1978; DAILEY; STROUD, 1978; PASCUAL et al., 2000; PERRIN; POWER, 1980). A ausência de lesões ósseas residuais em animais mais velhos tem sido interpretada como uma forte evidência de que o parasitismo pode constituir um fator importante na mortalidade natural de pequenos cetáceos (GERACI; ST AUBIN, 1987; PASCUAL et al., 2000; PERRIN; POWER, 1980). Um estudo detalhado das lesões ósseas nos crânios indica que outros agentes como bactérias e/ou vírus também podem estar presentes (PASCUAL et al., 2000). Dougherty e Herman (1947) descrevem e discutem os principais parasitas pulmonares de pinípedes. Filaroides (Parafilaroides) decorus é o parasita pulmonar mais freqüente em Zalophus californianus, leões-marinhos-da-Califórnia, com ciclo demonstrado experimentalmente e grande abundância em ambiente natural (Figura 2). Os animais ingerem peixes coprófagos contaminados, há desenvolvimento dos nematóides até a fase adulta e conseqüente liberação de ovos nas fezes, que por sua vez serão ingeridos pelos peixes coprófagos. O ambiente natural das colônias é ideal para este tipo de transmissão, em vista da existência de uma grande concentração de animais, contaminação da água e abundância de peixes coprófagos como hospedeiros intermediários (DAILEY, 1970). Os parasitos adultos residem nos alvéolos e as fêmeas são vivíparas. As áreas que contém larvas migratórias apresentam resposta inflamatória de moderada a severa. Ainda, é possível observar dois tipos de alteração pulmonar: obstrução bronquiolar devido à presença de muco e pneumonia (HOWARD et al., 1983; MORALES; HELMBOLDT, 1971). Figura 2: Esquema do ciclo de vida do nematóide pulmonar Parafilaroides decorus (Adaptado de HOWARD et al., 1983). Otostrongylus circumlitus é um parasita pulmonar e cardíaco relativamente comum em algumas espécies de focídeos, causando diferentes tipos de lesão, de acordo com a espécie hospedeira. Nos casos de Phoca vitulina e Phoca hispida, por exemplo, os vermes adultos são encontrados em traquéia, brônquios e bronquíolos. Infestações leves estão associadas à produção excessiva de muco e hiperplasia de mucosa, enquanto que infestações mais severas podem levar a obstrução e inflamação de brônquios e bronquíolos. Em alguns casos pode ocorrer infecção bacteriana secundária, levando a pneumonia ou abcessos pulmonares. Apesar do ciclo de vida ainda ser desconhecido, é provavelmente indireto (GULLAND et al.,1997; ONDERKA, 1989). Existem poucos relatos de Otostrongylus circumlitus em elefantes marinhos (Mirounga angustirostris), sendo que este parasita já foi encontrado em dois leões-marinhos-da-Califórnia (Zalophus californianus) (GULLAND et al.,1997). c) Sistema circulatório Acanthocheilonema (Dipetalonema) spirocauda e odendhali são parasitas cosmopolitas de focídeos e otarídeos, encontrados no ventrículo direto e fascia intermuscular, respectivamente (DAILEY, 2001). A. spirocauda já foi encontrado no sistema cardiovascular de várias espécies de focídeos, incluindo: Phoca vitulina, Phoca hispida, Cystophora cristata, Phoca fasciata, Erignathus rosmarus, P. v. largha (CONLOGUE et al., 1980; DUNN; WOLKE, 1976; ELEY,1981; TAYLOR et al., 1961). O ciclo de vida ainda é desconhecido, porém adultos já foram encontrados nos corações de Phoca vitulina com quatro semanas de idade, sugerindo infecção intra-uterina (HOWARD et al., 1983). Piolhos têm sido indicados como um hospedeiro intermediário provável. Apesar de que foram realizados estudos onde os estágios intermediários não foram encontrados (CONLOGUE et al., 1980; DUNN; WOLKE, 1976; HOWARD et al., 1983; TAYLOR et al., 1961), o piolho Echinophthrius horridus foi reportado como hospedeiro intermediário do parasita no estudo de Geraci et al., (1981). As infecções moderadas a severas do ventrículo direito por A. spirocauda em indivíduos jovens de Phoca vitulina parece ter pequenas conseqüências para o hospedeiro. Porém, infecções severas podem ser muito debilitantes. Os filaróides adultos podem ser encontrados no átrio direito, mas são mais comuns em ventrículo direito e artéria pulmonar, onde podem tornarse oclusivos. Também podem ser numerosos na veia cava posterior e causar pneumonias severas (CONLOGUE et al., 1980; DUNN; WOLKE, 1976; HOWARD et al., 1983; TAYLOR et al., 1961). A prevalência, distribuição e patologia associadas a A. spirocauda em populações de vida livre ainda é pouco conhecida. Num estudo realizado com pinípedes e alguns cetáceos da região do Alasca em 1981, estes parasitos foram encontrados somente em focídeos, principalmente em Phoca vitulina, com prevalência menor que 20%. Os parasitos se concentraram no ventrículo direito e em alguns animais também na artéria pulmonar. Nenhuma lesão macroscópica esteve presente, e não havia diferença significante entre o peso dos corações parasitados e os que não continham parasitos (ELEY,1981). Infecções de pinípedes com o parasito cardíaco de cães, D. immitis, são aparentemente pouco comuns em animais selvagens, porém já foi verificado em animais de cativeiro (focas e leões marinhos) mantidos em áreas endêmicas, inclusive no Brasil (DAILEY, 2001; DUNN; WOLKE, 1976; FORRESTER et al., 1973, HOWARD et al., 1983, MARANHO et al., 1997; TAYLOR et al., 1961). d) Sistema urogenital A família Crassicaudidae consiste de dois gêneros de grandes nematóides: Crassicauda e Placentonema (DAILEY, 2001). Crassicauda sp. é parasito vascular e extravascular de pequenos e grandes cetáceos, podendo atingir metros de comprimento, e ser observado em tecido mamário, panículo adiposo, musculatura, rins e genitália. Este nematóide pode migrar pelos plexos venoso e arterial, causando a formação de massas necróticas (DAILEY, 2001; DAILEY; PERRIN, 1973; HOWARD et al., 1983; LAMBERTSEN, 1985). Segundo Lambertsen (1985), a pouca freqüência com que estes parasitos são registrados deve-se a dificuldade de colheita e identificação, e não devido à sua escassez. Os efeitos na saúde dos indivíduos ainda não são claros, mas já foi sugerido que pode reduzir populações de determinados misticetos e o sucesso reprodutivo de Lagenorhyncus acutus e Tursiops truncatus através da diminuição na produção de leite (DAILEY, 2001; MAUROO et al., 2002). 3.4.3.3 Trematoda Quatro famílias ocorrem em cetáceos: Campulidae, Brauninidae, Pholeteridae e Notocotylidae. Em termos de diversidade e extensão geográfica, Campulidae é a família mais importante. Espécies de Campula, Oschmarinella e Zalophotrema habitam os dutos hepáticos e pancreáticos de odontocetos; Hadwenius o intestino, Nasitrema os seios aéreos, Hunterotrema os pulmões. Dentre os pinípedes, seis famílias de trematóides são reportadas, habitando principalmente a vesícula, dutos biliares e, raramente, o intestino (RAGA et al., 2001). O ciclo de vida específico não é conhecido em nenhum dos trematóides, porém acreditase que envolva uma ou mais espécies de moluscos ou crustáceos como hospedeiros intermediários (Figura 3). Estes organismos possuem a habilidade de migrar, tanto local quanto sistemicamente, com conseqüentes danos teciduais e inflamação intensa (HOWARD et al., 1983). Descrições das principais espécies podem ser encontradas em Dailey e Perrin (1973); Delyamure (1955), Neiland et al. (1970), Price (1932) e Yamaguti (1958). Figura 3: Esquema do ciclo de vida geral de trematóides gastrointestinais no ambiente marinho. (Adaptado de Howard et al., 1983 e Fortes, 1993) a) Sistema digestivo Foram listados dez gêneros de trematóides habitando o trato gastrointestinal. Estes podem causar irritações, mas não se considera que causem problemas significativos de saúde (DAILEY, 2001). São mais comumente encontrados em cetáceos e, quando presentes em pinípedes, atuam no trato intestinal (HOWARD et al., 1983). A família Pholeteridae inclui duas espécies, uma das quais, Pholeter gastrophilus, parasita muitos odontocetos ao redor do mundo. Estes trematóides vivem nas paredes do estômago principal e do pilórico, mais raramente no duodeno, algumas vezes causando fibrose extensiva (RAGA et al., 2001). O trematóide Braunina cordiformis pode ser encontrado nos compartimentos fúndico e pilórico de pequenos cetáceos. Os parasitos ficam firmemente aderidos à mucosa induzindo, no local de adesão infiltração predominantemente linfoplasmocitária, sem a participação de eosinófilos (SCHRYVER et al., 1967). Misticetos albergam no intestino várias espécies do gênero Ogmogaster, parasitos que já foram encontrados em várias áreas, como Antártica e Mediterrâneo (RAGA et al., 2001). A família Heterophyidae é largamente reportada em pinípedes do hemisfério norte, com cerca de dez espécies de trematóides intestinais descritos; incluindo representantes dos gêneros: Cryptocotyle, Phagicola, Rossicotrema, Galactosomum, Pricetrema e Phocitrema. Ogmogaster antarticum (Notocotylidae) é conhecido como parasita de focas-de-weddell e caranguejeiras (RAGA et al., 2001). No Uruguai, Stephanoprora sp. e trematóides da família Heterophyidae foram reportados em Arctocephalus australis e Otaria flavescens, respectivamente (DAILEY et al., 2000; MORGADES et al., 2002). b) Fígado, sistema biliar e pâncreas Os parasitas que acometem estes órgãos são normalmente trematóides das famílias Campulidae e Opistorchiidae. Em cetáceos odontocetos já foram encontrados os gêneros Campula, Oschmarinella e Zalophotrema; enquanto Lecithodesmus infecta misticetos. A infecção pode levar a perda de peso, diminuição da função hepática, predisposição a doenças bacterianas em casos crônicos e trauma hepático em casos de migração parasitária, resultando em hepatite e morte em casos agudos (DAILEY, 2001). Danos hepáticos e pancreáticos em cetáceos podem ser causados principalmente por Campula sp. Estes parasitos podem apresentar-se em grande número, migrando através dos ductos biliares e pancreáticos, atingindo o parênquima destes órgãos. Estes organismos medem de 2,5 a 3,0 mm de comprimento por 1,0 mm de largura e possuem espículas proeminentes em sua superfície, que causam danos mecânicos severos ao epitélio e dutos. Há hiperplasia do epitélio do duto, acompanhada por fibrose progressiva, culminando com esclerose dos dutos menores, e dilatação dos maiores. Há presença de leucócitos mononucleares e alguns eosinófilos. Pode haver hialinização e atrofia de lóbulos pancreáticos. Os ovos podem ocasionar pancreatites e hepatites, que poderão apresentar-se sob as formas aguda severa, crônica e fibrosante (BROSENS et al., 1996; HOWARD et al., 1983; MIGAKI et al., 1971; MIGAKI et al., 1979; RIGDWAY; DAILEY, 1972). Zalophotrema hepaticum, trematóide de localização hepática mais comum em pinípedes, em contraste, é muito menos prejudicial para o hospedeiro. É mais comumente encontrado em pinípedes com mais de três anos. Os parasitos possuem superfície externa lisa e 10 a 15 mm de comprimento, estando presentes no duto biliar e dutos intrahepáticos, e ocasionalmente na vesícula biliar. Microscopicamente pode haver hiperplasia dos dutos biliares, com fibrose periportal e inflamação periportal hepática, não supurativa (DAILEY, 2001; HOWARD et al., 1983). c) Sistema respiratório e seios aéreos Infecções parasitárias dos sacos ou seios aéreos nasais e craniais são comuns, representando um processo importante em várias espécies de cetáceos, e também no encalhe individual, devido a uma possível migração para o cérebro (HOWARD et al., 1983). Nasitrema sp. pode ser encontrado na mucosa das glândulas submucosas dos seios nasais. Podem residir também no ouvido interno, possivelmente migrando pela trompa de Eustáquio para o cérebro, podendo provocar alterações de comportamento. Macroscopicamente, os organismos estão associados a um exsudato mucóide marrom avermelhado de odor pútrido, que ao exame microscópico apresenta infiltrado de leucócitos de severidade leve a moderada, geralmente centrado nas meninges e superfícies dorsal do cérebro e cerebelo. O ciclo de vida é desconhecido (DAILEY, 2001; HOWARD et al., 1983). Apesar de alguns autores sugerirem que não sejam patogênicos na maioria das vezes, mesmo no caso de infecções severas (BRIEVA; OPORTO, 1991), a presença de parasitos adultos e ovos de Nasitrema sp têm sido associados a lesões em várias espécies de odontocetos (DAILEY; RIGDWAY, 1976; DEGOLLADA, et al., 2002; LEWIS; BERRY, 1988; MORIMITSU et al., 1987; MORIMITSU et al.,1992; O’SHEA et al., 1991; RIGDWAY; DAILEY, 1972). Delphinus sp. já foram encontrados com lesões em fígado e pâncreas associadas a parasitos adultos da espécie Campula rochebruni, assim como com ovos no cérebro. Não se sabe ao certo por qual mecanismo estes parasitos conseguem se acomodar no cérebro (RIGDWAY; DAILEY, 1972). Relatos de dois encalhes em massa de baleias-piloto no Japão descrevem o encontro destes parasitos causando severa degeneração do oitavo nervo craniano (MORIMITSU et al., 1987; MORIMITSU et al.,1992). Kumar et al. (1975) descreve casos onde os trematóides adultos não causaram lesões, porém, segundo os autores, os ovos destes parasitas quando aspirados para dentro da árvore bronquial podem desencadear uma reação inflamatória do tipo corpo estranho podendo evoluir para pneumonia crônica. 3.4.3.4 Acantocephala Dois gêneros de acantocéfalos da família Polymorphidae são encontrados em mamíferos marinhos: Bolbosoma e Corynosoma. Cetáceos são hospedeiros primários de Bolbosoma spp., enquanto Corynosoma spp. pode ocorrer em cetáceos, mas é tipicamente encontrado em pinípedes. Bolbosoma spp. já foi reportado incidentalmente em pinípedes (DAILEY et al., 2000; HOWARD et al., 1983, SCHMIDT; DAILEY, 1971). Aznar et al. (1999 a e b), Costa et al. (2000), Delyamure (1955), Linciome (1943), Measures (1992), Yamaguti (1963) e Zdzitowiecki (1984) apresentam descrições e figuras das principais espécies. O ciclo de vida destes parasitos parece incluir artrópodes como primeiro hospedeiro intermediário, e uma ampla variedade de peixes como segundo hospedeiro intermediário, ou como hospedeiro paratênico, ou apenas transporte (DAILEY et al., 2000; HOWARD et al., 1983) (Figura 4). Figura 4: Esquema do ciclo de vida geral de acantocéfalos gastrointestinais no ambiente marinho. (Adaptado de Howard et al., 1983 e Fortes, 1993) Os parasitos localizam-se no trato intestinal aderidos à mucosa por acúleos presentes na probóscide. A remoção dos parasitos provoca ulceração circular comumente não hemorrágica e não perfurante. A resposta inflamatória é mínima e consiste de leucócitos mononucleares presentes na lâmina própria. Geralmente, a infecção não é severa o suficiente para ser considerada prejudicial ao hospedeiro (HOWARD et al., 1983, MEASURES, 1992). No entanto, DAILEY et al., (2000), relata exemplares de Bolbosoma balanae em uma baleia cinzenta (Eschrichtius robustus) juvenil emaciada, onde as probóscides encapsuladas provocaram abscessos transmurais multifocais no intestino. Taddeo et al., (1998) realizou um estudo da infrapopulação de Corynosoma australe (Polymorphidae) em intestinos de lobos-marinhos-do-sul (Arctocephalus australis) no Uruguai. A prevalência foi de 100% e intensidade média de 2.530,2 ± 2.209,1 parasitos por hospedeiro. Os parasitas se distribuíram de forma mais ou menos homogênea dentro do intestino, com intensidade média igual para ambos os sexos, aumentando com a idade e não apresentando lesões significativas. No Uruguai, Corynosoma spp também foi encontrado em leões-marinhosdo-sul (Otaria flavescens) e Bolbosoma sp. em lobos-marinhos-do-sul (Arctocephalus australis) (MORGADES et al., 2002). 3.4.3.5 Cestoda Várias espécies de cestóides são encontradas em cetáceos e pinípedes, representando as famílias Diplyllobothriidae e Tetrabothriidae (DAILEY, 2001). Taxonomia e morfologia das principais espécies são descritas em Delyamure (1955), Hoberg (1989); Hoberg et al., (1995) e Williams (1968). Somente o gênero Strobicephalus é considerado patogênico para cetáceos. S. triangularis pode penetrar a parede do cólon e formar úlceras necróticas (DAILEY, 2001). Cestóides adultos em pequenos odontocetos são menos comuns que as infecções por cistos de formas larvais de Phyllobothrium delphini e Monorygma grimaldii (DAILEY, 2001; HOWARD et al., 1983). O gênero Phyllobothrium sp. parece estar distribuído por todos os oceanos, inclusive em pinípedes no hemisfério sul e no Ártico. Os cistos encontram-se mergulhados na camada de gordura subcutânea, geralmente ao redor da área urogenital (HOWARD et al., 1983). Monorygma sp. é outro gênero de cisto plerocercóide comum em pequenos cetáceos, que pode estar aderido ao peritôneo visceral ou parietal, parede abdominal ou aos órgãos reprodutores e seus ligamentos. Tais parasitas estimulam a produção de uma cápsula fibrosa ao seu redor, fazendo com que haja a presença de poucas células inflamatórias associadas (HOWARD et al., 1983). De maneira geral, nenhum sinal clínico ou patológico é reportado associado à infecção, mesmo assim, a intensidade de infecção pode ser grande (DAILEY, 2001). Diphyllobothrium sp. são parasitos intestinais comuns em pinípedes. O ciclo de vida não é conhecido, porém provavelmente envolve um peixe como hospedeiro intermediário. Microscopicamente, a mucosa intestinal apresenta infiltração linfocitária na lâmina própria, com espessamento das vilosidades (HOWARD et al., 1983). Cestóides da família Tetrabothriidae foram reportados em lobos-marinhos-do-sul (Arctocephalus australis) na costa do Uruguai (MORGADES et al., 2002). 3.5 Registros de parasitos no Brasil e área de estudo O estudo parasitológico de mamíferos marinhos no Brasil, especialmente dos cetáceos, tem sido realizado, em geral, de forma esporádica, com descrição de material encontrado em encalhes ocasionais e sem a utilização de uma metodologia padronizada. No Brasil, este tipo de estudo é muito recente e temos poucos trabalhos mais elaborados, como, por exemplo, a análise da comunidade componente de helmintos gastrointestinais de P. blainivillei, no Rio Grande do Sul, descrita por Andrade em 1996. Para a região Sudeste e norte da região Sul, área preferencial de estudos, o número de registros de parasitos ainda é muito pequeno. Praticamente não existem relatos de parasitos de pinípedes na nossa costa. A Tabela 1 sumariza as principais descrições de ocorrências de parasitos em mamíferos marinhos na costa brasileira. Tabela 1: Lista dos principais relatos de ocorrência de parasitos no Brasil, de acordo com o hospedeiro, espécie parasita, localidade e referência. Hospedeiro (cetáceos) Sotalia guianensis Pontoporia blainvillei Tursiops truncatus Stenella frontalis Stenella coeruleoalba Peponocephala electra Kogia breviceps Kogia sima Inia geoffrensis Physeter macrocephalus Steno bredanensis Feresa attenuata Stenella longirostris Delphinus capensis Grampus griseus Pseduorca crassidens Phocoena dioptrica Stenella clymene Espécie parasita Amphimerus lancea Halocercus brasiliensis Anisakis sp Halocercus brasiliensis Braunina cordiformis Anisakis typica Hadwenius tursionis Hadwenius tursionis Halocercus brasiliensis Xenobalanus globicipitis Braunina cordiformis Anisakis typica Contracaecum sp Corynosoma sp Hadwenius pontoporiae Anisakis typica Polymorphus cetaceum Corynosoma australe Bolbosoma turbinella Riggia sp Hadwenius pontoporiae Xenobalanus globicipitis Braunina cordiformis Nasitrema sp Hadwenius tursionis Xenobalanus globicipitis Hadwenius tursionis Cirripedia:Lepadomorpha Anisakis typica Monorygma grimaldii Anisakis sp Halocercus brasiliensis Monorygma grimaldii Bolbosoma sp (Tetrabothrium sp) Stenurus globicephalinae Nasitrema sp. Stenurus globicephalae Anisakis physeteris Pseudoterranova sp Anisakis typica Hunterotrema caballeroi Anisakis insignis Halocercus sp Xenobalanus globicipitis Braunina cordiformis Anisakis simplex Anisakis sp Hadwenius tursionis Anisakis sp Nasitrema sp Anisakis simplex Bobosoma capitatum Anisakis simplex Anisakis simplex Localidade (Estado) e Referência DAILEY; BROWNELL JR., 1972 *; SANTOS et al., 1998 DAILEY; BROWNELL JR., 1972 * SP/ PR - SCHMIGELOW, J.M.M., 1990 RJ - SANTOS et al., 1996 BA – ANDRADE; PEREIRA, 1998 SP/PR – MARIGO et al., 1999 SP/PR – MARIGO et al., 2000 RJ –DI BENEDITTO; RAMOS, 2000 PR - MARIGO et al., 2001 DAILEY; BROWNELL JR., 1972 * RS - ANDRADE et al., 1996 SP - FERREIRA et al., 1998 SP/PR – MARIGO et al., 1999 RJ – DI BENEDITTO; RAMOS, 2000 RJ - SANTOS et al., 1996 PR – ANDRADE et al., 1999 RJ – DI BENEDITTO;RAMOS, 2000 PR – ANDRADE et al., 1999 SP - RUOPPOLO et al., 2002 BA – MAIA-NOGUEIRA et al., 2001 SP - ROSAS et al., 2002 RJ - DA SILVA, et al., 1987 CE – COSTA; MONTEIRO-NETO, 1998 FN, PE – 1998 SP- SOUZA, 2002 com. pessoal ver SOUZA et al., 2002 DAILEY; BROWNELL JR., 1972 * BA - ENGEL, 1994 RJ - SANTOS et al., 1996 SP – ZERBINI; SANTOS, 1997 FN, PE - MARIGO et al., 1998 PR – ANDRADE et al., 1999 BA – MAIA-NOGUEIRA, 2000 RS – ANDRADE et al., 2001 RS - PINEDO et al., 2002 BA – BASTOS; MARIGO, 2002 * Dailey e Brownell Jr., 1972 não apresenta as localidades de ocorrência dos parasitos 3.6 Implicações para a saúde pública Zoonoses parasitárias são as doenças transmitidas de animais para humanos. O homem pode se contaminar ingerindo estágios transmissíveis (transmissão direta), ou através da ingestão do alimento contaminado (transmissão indireta). A água pode transportar estágios transmissíveis para locais de armazenamento de água potável, locais de recreação (água doce e salgada) e irrigação (SLIFKO et al., 2000). Como exemplo de zoonoses transmitidas por pescado, podemos citar a anisaquíase, doença decorrente da invasão das mucosas gástrica ou intestinal de seres humanos pela larva de Anisakis sp após a ingestão de peixes parasitados. Estas larvas são parasitos habituais das vísceras dos peixes, que servem como hospedeiros intermediários dos parasitos adultos, os quais encontram-se em aves, peixes e mamíferos marinhos. A anisaquíase pode ocasionar sintomas gastrointestinais, como vômitos, dores estomacais e granuloma eosinofílico, que pode ser confundido com uma úlcera gástrica ou um tumor. A anisaquíase intestinal também pode ser confundida com apendicite aguda ou abdômen agudo. Além disso, a ingestão destes peixes contaminados, bem cozidos ou não, pode ocasionar reações alérgicas, como, por exemplo, manifestações cutâneas (urticária difusa) e, em casos mais graves, choque anafilático com broncoespasmo (OKUMURA, 1997). As zoonoses parasitárias transmitidas por pescado vêm chamando a atenção de pesquisadores e autoridades sanitárias do mundo inteiro (DAILEY et al., 1980; KLIKS, 1983; MATTIUCCI et al., 1986; MYERS, 1970; SANTISTEBAN, 1997; SMITH, 1984). No Brasil vem crescendo a procura por pratos culinários contendo pescado cru, como “sushi” e “sashimi”. Embora somente a fagicolose, zoonose causada pelo trematóide Phagicola sp., tenha sido descrita no Brasil, acredita-se que isso se deva à falta de diagnóstico destas doenças, pois existem dados que mostram a presença de parasitos zoonóticos nos peixes brasileiros, tanto de água doce, quanto de água salgada (OKUMURA, 1997; BARROS, 2002). Quando os barcos pesqueiros ainda não eram equipados com equipamentos de refrigeração, os peixes recolhidos das redes eram imediatamente eviscerados no mar. Isto previne a deterioração e a migração das larvas de anisakídeos do intestino para a musculatura do peixe após sua morte. Entretanto, devido à vantagem da refrigeração, os peixes são mantidos intactos, sendo eviscerados apenas no local de processamento, aumentando o risco de infecção humana (OKUMURA, 1997). Este risco é ainda maior na pesca artesanal, que muitas vezes utiliza embarcações muito pequenas nem sempre com gelo a bordo (BERTOZZI, 2002). Existem técnicas e medidas de controle específicas para reduzir os problemas relacionados à presença dos parasitas, como por exemplo, o congelamento e manutenção do pescado a – 200 C ou mais, durante pelo menos 24hs, procedimento que pode levar à morte os nematóides. Outra estratégia que poderia ser utilizada visando diminuir as possibilidades de infecção humana é evitar a captura de peixes parasitados através da seleção de áreas de pesca, de espécies específicas ou de grupos de idade específicos (HUSS, 1997). A pesquisa e encontro dos parasitos potencialmente zoonóticos no ambiente marinho pode servir como indicador do nível de contaminação ambiental ao qual humanos e peixes destinados ao consumo humano podem estar expostos (SLIFKO et al., 2000). BERTOZZI, C. P. Comunicação pessoal. 2002. 4. MATERIAL E MÉTODOS 4.1 Animais Foram utilizadas amostras colhidas de animais encontrados mortos em praias ou acidentalmente capturados em redes de pesca no litoral dos Estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Além da bolsista, as instituições e pesquisadores (entre colchetes) envolvidos nestas colheitas foram: • IPeC (Instituto de Pesquisas de Cananéia), Cananéia, SP e Centro de Estudos do Mar (CEM)- Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pontal do Sul, PR {F.C.W. Rosas e M.R. Oliveira}; • Projeto BioPesca, Praia Grande, SP {C.P. Bertozzi}; • Aquário de Santos, Santos, SP {A. Maranho}; • Fundamar, São Sebastião, SP {S. P. Souza}; • Museu de Zoologia da USP- MUZUSP,SP {A. Higa, M. Rollo Jr.}; • Projeto Atlantis- IB, USP, SP {M. C. de O. Santos}; • Fundação Parque Zoológico de São Paulo, SP {D. L. Fedullo} • Laboratório de Mamíferos Marinhos e Centro de Recuperação de Animais Marinhos (CRAM)- Museu Oceanográfico Prof. Eliézer de C Rios, Fundação Universidade Federal do Rio Grande- FURG - Rio Grande, RS {R.P. Silva}; • Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (GEMARS)Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS {I.B. Moreno}. 4.2 Protocolo de estudo: 4.2.1 Necrópsia / Colheita de material a) Exame necroscópico realizado pela bolsista: Quando possível, dependendo do suposto tempo de morte do animal e da distância a ser percorrida, a bolsista se deslocou a distintos pontos do litoral para a realização de necrópsias completas com especial ênfase na abordagem parasitológica e colheita de amostras. A técnica necroscópico empregada foi aquela preconizada por Geraci e Lounsbury, (1993), registrada em fichas individuais (ANEXOS I e II). Durante a necrópsia, fragmentos de aproximadamente 1 cm3 dos órgãos principais, foram fixados em solução de formalina a 10%, para a confecção de lâminas e posterior interpretação histopatológica. O procedimento histopatológico foi realizado no Laboratório de Histologia do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (VPT-FMVZ-USP), em associação com a pós- graduanda Valeria Ruoppolo, durante o desenvolvimento de seu trabalho de mestrado intitulado: “Patologia Comparada de cetáceos e pinípedes” realizada junto ao LAPCOM (FAPESP N° 99/12335-8). As causas de morte foram classificadas de acordo com a sistematização proposta por Montali (1991), apresentadas no ANEXO 3. Após a abertura da carcaça, os órgãos foram avaliados separadamente em um recipiente e analisados cuidadosamente; no caso de órgãos sólidos (ex. fígado) foram feitos diversos cortes em sua superfície. O conteúdo de cada órgão retido no recipiente foi passado por uma peneira de malha fina de 150 μm. O material recolhido na peneira foi colocado em uma placa de Petri e observado em lupa para separação dos parasitos. Alguns pulmões e os estômagos e intestinos da maioria dos animais foram retirados (as extremidades amarradas com barbante) e armazenados em congelador (-20o C) para posterior análise e colheita de parasitos. Quando não foi possível avaliar todo o animal, na maioria das vezes devido a avançado estado de decomposição, estes órgãos também foram congelados para posterior análise. b) Exame necroscópico realizado por terceiros: As amostras foram colhidas por técnicos e profissionais junto a diversos grupos de trabalho com mamíferos marinhos na região sul e sudeste. Foi solicitado aos executores que os procedimentos necroscópicos e de colheita estivesse de acordo com as diretrizes expostas no item acima e registradas nas fichas individuais (ANEXO 1 e 2). 4.2.2 Análise dos órgãos Os pulmões foram abertos dentro de uma bandeja de plástico com tesoura cirúrgica desde a traquéia, seguindo o trajeto dos brônquios e bronquíolos tão profundamente quanto possível. O conteúdo de cada órgão retido no recipiente foi passado por uma peneira de malha fina de 150 μm e o número de parasitas estimado. Com relação ao estômago, após a abertura do mesmo o conteúdo foi passado por uma peneira de plástico e os parasitas encontrados recolhidos. Além disso, a maioria dos conteúdos estomacais também foi analisada para identificação de itens alimentares (bicos de lula, otólitos de peixes, camarões), com vistas ao trabalho de mestrado da pós graduanda Márcia de Oliveira intitulado: “Ecologia alimentar de S. guianensis e P. blainvillei (Cetacea: Delphinidae e Pontoporiidae) no litoral sul do Estado de São Paulo e litoral do Estado do Paraná”, realizado junto ao Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná. Os intestinos foram medidos após a retirada do mesentério. No caso de P. blainvilleii, identificou-se o intestino delgado e o grosso. O intestino delgado foi dividido em 5 partes iguais e somente a primeira terça parte de cada uma delas foi analisada seguindo o método de Andrade (1996) (Figura 5). (Figura 5) Desenho esquemático do estômago, intestino delgado e grosso de franciscana, Pontoporia blainvillei.1) estômago principal, 2) conduto de conecção, 3) estômago pilórico, 4) ampola duodenal, 5,6,7,8 e 9) intestino delgado, 10) intestino grosso. Letras a, b e c indicam a subdivisão metodológica. Áreas marcadas representam as regiões examinadas. (Extraído de Andrade, 1996). Cada porção de intestino delgado e o grosso foi aberta longitudinalmente com tesoura cirúrgica e lavada em separado dentro de uma bandeja de plástico. Todo o conteúdo retido no recipiente foi passado por uma peneira de malha fina de 150 μm. No caso dos intestinos das outras espécies de cetáceos, além das P. blainvillei, e de pinípedes, após a tomada do comprimento total do intestino, os mesmos foram divididos em três partes iguais que também foram abertas separadamente. Os parasitos observados macroscopicamente aderidos a mucosa também foram coletados. Os dados principais, medidas do intestino e número de parasitas encontrados foram registrados em fichas individuais (ANEXO 4 e 5). 4.2.3 Fixação e identificação dos parasitos Os parasitos utilizados neste projeto foram colhidos e armazenados em frascos com álcool a 70%. Os parasitos colhidos foram processados para identificação em colaboração com outros profissionais (J.M. Castro e A.L.V. Andrade) de acordo com Amato et al. (1991). Nematóides foram clarificados em Lactofenol de Amann e/ou Creosoto de Faia e visualizados com o auxílio de microscópio e/ou estereoscópio óptico. Cestóides e trematóides foram corados com hematoxilina de Delafield e acantocéfalos com acetocarmin de Semichon, em processos com seqüência de álcoois e creosoto em tempos variáveis, com montagem de lâminas com bálsamo do Canadá. Após estas etapas, a classificação das espécies foi realizada através da mensuração e estudo morfológico dos principais caracteres com auxílio de chaves específicas; principalmente, Davey (1971), Delyamure (1955), Dougherty (1944), Price (1932) e Yamaguti (1963). Em alguns casos, os trematóides encontrados em P. blainvillei devido a sua alta freqüência e características específicas de fácil visualização, previamente observadas após confecção de lâminas anteriores a 2000, foram identificados diretamente na lupa durante a contagem. Dessa forma não passaram pelo processo acima descrito. 4.2.4 Análise dos dados Os animais foram distribuídos e analisados de acordo com a procedência geográfica, isto é, São Paulo e localidades, Paraná e Rio Grande do Sul. Foi possível identificar a idade de somente alguns hospedeiros, por isso a faixa etária foi obtida através da comparação dos comprimentos totais com os dados de literatura para as espécies. De acordo com Rosas e Monteiro-Filho (2002a), P. blainvillei de São Paulo e Paraná, atingem a maturidade sexual com aproximadamente 4 e 5 anos, comprimento total de 112-116 cm para machos e 122-126 cm para fêmeas. Machos de S. guianensis no Paraná atingem a maturidade sexual por volta dos 7 anos com comprimento total entre 170-175 cm. E as fêmeas ficam maduras por volta dos 5-8 anos, com comprimento total de 164-169 cm (ROSAS; MONTEIRO-FILHO, 2002b). As faixas etárias estabelecidas para cetáceos e pinípedes foram: filhote, jovem e adulto. A análise estatística dos parasitas intestinais foi realizada através dos testes de MannWhitney, Kruskal- Wallis, coeficiente de correlação de Pearson. 5 RESULTADOS Foram analisados 118 cetáceos e sete pinípedes no total. Os resultados, distribuídos em função do Número de origem do indivíduo, espécie, órgãos analisados e parasitas identificados encontram-se sumarizados nos ANEXOS 6 a 13. As principais lesões relacionadas aos parasitas verificados em exames histopatológicos encontram-se apresentadas nos ANEXOS 14 e 15. Desde o início do trabalho, o número de origem dos animais tem sido utilizado como forma de identificação das amostras. Porém, aquelas já processadas histologicamente pela pósgraduanda Valeria Ruoppolo, receberam um novo número, relativo ao Registro de Patologia Comparada de Animais Silvestres: RPC (VPT-FMVZ-USP). 5.1 Distribuição dos Animais 6.1.1 Cetáceos 6.1.1.1 Animais analisados Foram analisados um total de 118 cetáceos provenientes de captura acidental e encalhes, principalmente nos Estados de São Paulo e Paraná. Nesta amostragem estão incluídos tanto os indivíduos necropsiados pela bolsista, assim como amostras de órgãos fixados em formol 10% (excepcionalmente acompanhados de parasitos) colhidos em necrópsias realizadas por terceiros. Na Tabela 2, apresentamos o número total de cetáceos, distribuídos em função da espécie e procedência. Tabela 2: Distribuição dos cetáceos estudados, em função da espécie e procedência. São Paulo; Paraná, Rio Grande do Sul. 1997-2002. Rio Grande Espécie São Paulo do Sul Paraná 35 21 0 56 Sotalia guianensis 4 45 0 49 Stenella clymene 0 0 1 1 Stenella coeruleoalba 1 0 0 1 Steno bredanensis 1 0 0 1 Stenella frontalis 2 3 0 5 Delphinus capensis 0 2 0 2 Tursiops truncatus 0 1 1 2 Kogia simus 1 0 0 1 44 72 2 118 Pontoporia blainvillei Total Devido ao maior número de P. blainvillei (n= 56) (Figura 6) e S. guianensis (n= 49) (Figura 7) presentes neste estudo, as duas espécies foram analisadas em separado e divididas por Estado. Os demais cetáceos foram agrupados em “outras espécies” (n= 13). 5.1.1.2 Classe etária e sexo Nossa amostra contém somente indivíduos imaturos, de ambos os sexos, de P. blainvillei, com média de comprimento total 107,51 cm (± 19,17 cm) (Tabela 3, Gráfico 1). A média de comprimento total de S. guianensis, 166,88 cm (± 25, 63cm) indica que a maioria dos animais da amostra era composta por jovens quase maduros ou maduros (Tabela 3, Gráfico 2). Tabela 3: Distribuição das médias de comprimentos totais de Pontoporia blainvillei e Sotalia guianensis nos estados de São Paulo e Paraná. 1997-2002. Espécie Sotalia guianensis Pontoporia blainvillei São Paulo Estado Ubatuba P. Grande e Guarujá 1 15 Cidade N. animais Desvio padrão Itanhaém São Paulo Cananéia 17 21 3 45 114,6 117 104,22 101,3 185, 66 165,51 112,63 4,24 27,36 14,15 17,89 26 160 140 120 100 80 60 40 20 0 Ubatuba (n=1) Paraná 2 106 Comprimento total Média Paraná P. Grande e Guarujá (n=15) Itanhaém (n=2) Cananéia (n=17) Paraná (n=21) Gráfico 1: Médias e desvios padrão dos comprimentos totais de Pontoporia blainvillei, distribuídos em função da localização geográfica. São Paulo e Paraná. 1997-2002. 210 205 200 195 190 185 180 175 170 165 160 155 SP (n=3) PR (n=45) Gráfico 2: Médias e desvios padrão dos comprimentos totais de Sotalia guianensis distribuídos por Estado (São Paulo e Paraná). 1997-2002. Percebeu-se uma maior incidência de machos (63 machos; 38 fêmeas), tanto para P. blainvillei (33 machos; 21 fêmeas) como S. guianensis (30 machos; 17 fêmeas) (Tabela 4). Com relação ao grupo das outras espécies, a totalidade do animais era adulto, com comprimento médio de 218,72cm (± 38, 51, n=11), lembrando que este grupo inclui espécies de cetáceos maiores que P. blainvillei e S. guianensis. A maior ocorrência também foi de machos (10 machos; 3 fêmeas). Tabela 4: Distribuição de machos e fêmeas de Pontoporia blainvillei e Sotalia guianensis nos estados de São Paulo e Paraná. 1997-2002. Sotalia Pontoporia blainvillei São Paulo Cananéia N. de machos P. Grande e Guarujá 12 10 Paraná Itanhaém guianensis São Paulo Paraná Ubatuba 1 1 9 4 26 N. de fêmeas 5 5 0 0 11 0 17 Indeterminado 0 0 1 0 1 0 2 Total animais 17 15 2 1 21 4 45 5.1.1.3 Distribuição dos Órgãos Analisados Foram analisados os órgãos de 56 P. blainvillei, 47 S. guianensis, cinco S. frontalis , dois D. capensis, um T. truncatus, um S. bredanensis, um S. coeruleoalba, um K. simus . (Tabelas 4 e 5). Devido ao maior número de órgãos de P. blainvillei (n=56) e S. guianensis (n=47), as duas espécies foram analisadas em separado e divididas por estado, sendo que tais resultados estão apresentados na Tabela 5. Os demais cetáceos foram agrupados em “outras espécies” (n=11) e estão apresentados na Tabela 6. Tabela 5: Distribuição dos órgãos analisados em função das espécies Pontoporia blainvillei e Sotalia guianensis e procedência. São Paulo e Paraná, 1997-2002. Pontoporia blainvillei Órgãos São Paulo Sotalia guianensis Paraná São Paulo Paraná Total de órgãos Pulmões 18 10 2 15 45 Estômago 12 17 1 34 64 Intestino 35 14 2 28 79 Tabela 6: Distribuição dos órgãos analisados das “outras espécies” em função da espécie. São Paulo e Paraná, 1997-2002. Stenella coeruleoalba Steno bredanensis Stenella Delphinus Kogia Tursiops frontalis Simus truncatus Não analisado Não analisado 7 1 Não analisado 4 capensis 1 Total de órgãos Pulmões 1 1 4 Estômago 1 1 1 Intestino 1 1 5 2 Não analisado 1 10 Total animais 1 1 5 2 1 1 21 Não analisado 5.1.1.3.1 Pulmões Foram analisados 52 pulmões, 28 de P. blainvillei , 17 de S guianensis e 7 de outras espécies. Os resultados obtidos mostraram que parasitas pulmonares foram encontrados em 30,7% (16/52) dos cetáceos. Para a avaliação da infecção pulmonar, devido a dificuldade de separar os parasitos pulmonares sem danificá-los, situação que inviabilizou a determinação do número total de parasitos por indivíduo, estabelecemos níveis de infecção baseados no número médio de parasitos observados, sendo: - Grau +: de 1 a 25 parasitos (Baixa) - Grau ++: de 26 a 50 parasitos (Média) - Grau +++ e ++++: de 51 a 75 parasitos ou mais (Alta) P. blainvillei não apresentou parasitas pulmonares (Tabela 8). Por sua vez, S. guianensis apresentou uma prevalência de 100% (2/2) do parasita nematóide Halocercus brasiliensis nos pulmões dos animais de São Paulo e 86,7% (13/15) nos animais do Paraná (Tabela 9) (Figuras 8 e 9). Dentre os 17 pulmões analisados, S. guianensis apresentou diferentes graus de infecção, sendo dois animais sem parasitas (11,7%, 2/17), seis animais com grau baixo (35,3%, 6/17), três com grau médio (17,6%, 3/17) e seis com grau alto (35,3%, 6/17) (Gráfico 3). 7 6 5 4 3 Freqüências 2 1 0 0 + Grau de Parasitismo ++ +++ ++++ Gráfico 3: Distribuição do grau de parasitismo por Halocercus brasiliensis em Sotalia guianensis, em função da freqüência de animais acometidos. São Paulo e Paraná, 1997-2002. Os dois pulmões de S. guianensis do estado de São Paulo que apresentaram parasitos eram de Cananéia. Com relação aos animais provenientes do Paraná, um indivíduo macho jovem apresentou nível de infecção muito baixo, com somente três parasitos encontrados, enquanto outro macho adulto exibiu infecção média, com cerca de 25 parasitos. Em outros animais, os parasitos só foram encontrados em corte histológico. Estes últimos resultados estão descritos no item Patologia associada a parasitose em cetáceos. Dentre as outras espécies estudadas, somente o exemplar de S. coeruleoalba apresentou o nematóide Halocercus brasiliensis (prevalência de 14,3%, 1/7). Só foi possível analisar uma parte de um dos pulmões, mas comparando-o com os outros pulmões analisados, este indivíduo aparentava ter uma infecção de média a alta. 5.1.1.3.2 Estômago Foram analisados um total de 68 estômagos, sendo grande parte destes triada no Paraná pela pesquisadora Márcia R. de Oliveira (35 de S. guianensis e 19 P. blainvillei), e os parasitos encontrados enviados para este estudo. Da mesma forma, os parasitos encontrados no estômago de um exemplar de K. simus também foram enviados por terceiro. Parasitos gástricos foram encontrados com prevalência de 19,1% (13/68) em cetáceos. Nos 12 estômagos de P. blainvillei de São Paulo não foi encontrado nenhum parasito. Em dois dos 17 animais do Paraná (11,8%), foram encontrados o acantocéfalo Polymorphus sp. (Tabela 9). Em um estômago de S. guianensis de São Paulo não foi encontrado nenhum parasito, sendo que os demais ainda não foram analisados. Em 23,5% (8/34) dos animais do Paraná encontramos parasitos gástricos (Tabela 9). Em seis (17,6%; 6/34) foram encontrados o trematóide Braunina cordiformis, com média de intensidade de 45,4 parasitas por animal (Figura 10). O nematóide Anisakis typica foi encontrado em quatro estômagos (prevalência 23,5%, 4/34), com média de 6,7 parasitas por animal (Figura 11). Acantocéfalos foram encontrados em seis animais do Paraná (prevalência 1,6%, 6/34), com uma média de 1,6 parasitas por animal. Em três casos os acantocéfalos foram identificados como Bolbossoma sp. Os estômagos das outras espécies de cetáceos que foram analisados (n=4) também apresentaram trematóides Braunina cordiformis (prevalência 50%, 2/4). Nematóides apresentaram prevalência de 75% (3/4), incluindo a espécie Anisakis typica. O exemplar de S. bredanensis apresentou acantocéfalos (identificação pendente) em seu estômago. 5.1.1.3.3 Intestino Foram analisados 89 intestinos, sendo 49 de P. blainvillei (Figura 12), 30 S. guianensis (Figura 13) e 10 de “outras espécies”, sendo 5 S. frontalis, 2 D. capensis, 1 T. truncatus, 1 S. bredanensis e 1 S. coeruleoalba. Os comprimentos totais dos intestinos de P. blainvillei foram em média 26,4 cm (± 5,17cm, n=48), sendo a média do comprimento do intestino delgado de 26,4 cm (± 3,9cm, n= 47) e do intestino grosso 0,53 cm (± 0,13 cm, n=46) (Tabela 7). Vale ressaltar que o comprimento do intestino grosso variou de acordo com a distancia entre o local de seção e o ânus. Em S. guianensis os comprimentos totais dos intestinos foram em média 9,71 cm (± 1,98 cm, n= 29) (Tabela 7). Tabela 7: Distribuição dos comprimentos totais de intestinos de Pontoporia blainvillei e Sotalia guianensis nos estados de São Paulo e Paraná. 1997-2002. Pontoporia blainvillei Sotalia guianensis São Paulo Paraná Ubatuba Comprimento Total do Intestino Média São Paulo Paraná P. Grande e Itanhaém Cananéia Guarujá n=2 n=16 n=1 n=15 n=14 n=2 n=27 29,5 Desvio padrão 28,55 27,05 26,89 23,37 9,75 9,71 3,49 2,05 3,27 7,32 1,06 2,04 Intestino delgado n=1 n=15 n=2 n=16 n=13 Média 28,9 28,03 26,75 26,3 24,45 Desvio padrão n=1 3,51 2,47 3,46 4,59 Intestino grosso 0,6 n=14 n=1 n=16 n=13 Média 0,56 0,6 0,6 0,47 Desvio padrão 0,16 0,11 0,11 A análise estatística revelou correlação positiva entre o comprimento total do animal e comprimento total do intestino para ambas as espécies (P. blainvillei; coeficiente de correlação Pearson: 0,54; p< 0,001 {Gráfico 4}; S. guianensis; coeficiente de correlação Pearson: 0,787; p< 0,001) {Gráfico 5}) Gráfico 4: Gráfico de dispersão dos valores de comprimento total dos animais e comprimento total de intestino para Pontoporia blainvillei. São Paulo e Paraná, 1997-2002. Gráfico 5: Gráfico de dispersão dos valores de comprimento total dos animais e comprimento total de intestino para Sotalia guianensis. São Paulo e Paraná, 1997-2002. Parasitas intestinais foram encontrados em 78,6% (70/89) dos cetáceos analisados. Os intestinos de P. blainvillei mostraram uma única espécie parasita, o trematóide Hadwenius pontoporiae em 79,6% dos animais, com média de intensidade de 33,7 parasitas, apresentando diferenças de acordo com a região (Tabela 8). No Estado de São Paulo, os animais da região da Praia Grande e Guarujá tiveram prevalência de 100% (15/15) e a média de intensidade de 41,5 parasitos. Analisamos também dois animais de Itanhaém com uma média de 200 parasitos (prevalência 100%) e um de Ubatuba com apenas cinco parasitas no intestino. Por sua vez, os animais da região de Cananéia apresentaram prevalência de 82,3% (14/17) e média de 25,0 parasitas por hospedeiro. Nos animais do Estado do Paraná, a prevalência foi de 50% (7/14) e média de 12,7 parasitos por hospedeiro. Os intestinos de S. guianensis apresentaram também uma única espécie parasita, o trematóide Hadwenius tursionis (do mesmo gênero encontrado em P. blainvillei), verificado em 73,3% dos animais, com média de intensidade de 5,3 parasitas. A prevalência observada nos 2 animais de São Paulo foi de 100%, com média de 4,5 parasitos por hospedeiro. Por outro lado, nos animais do Paraná a prevalência foi de 71,4% (20/28), com média de 5,4 parasitas (Tabela 9). A ocorrência dos parasitas intestinais não apresentou distribuição normal. Existiu correlação positiva entre o comprimento total do animal e o número de parasitas para as duas espécies de cetáceos mais representadas (P. blainvillei: Pearson= 0,6; p< 0,001 e S. guianensis:Pearson=0, 379; p= 0,043). Não houve diferença significativa entre o número de parasitas em machos e fêmeas tanto para P. blainvillei (Mann- Whitney, p= 0,411; Gráfico 6) quanto S. guianensis (p= 0,604; Gráfico 7). 140 30 120 100 20 80 10 Número de Parasitas Número de Parasitas 60 40 20 0 -20 N= Sexo 17 30 Fêmeas Machos 0 -10 N= 10 19 Fêmeas Machos Sexo Gráfico 6 e 7: Gráficos dos números de parasitas intestinais em machos e fêmeas de Pontoporia blainvillei e Sotalia guianensis respectivamente (os símbolos fora dos “box plot” representam animais com valores aberrantes). São Paulo e Paraná, 1997-2002. Em São Paulo o número de parasitas observado em fêmeas de P. blainvillei foi significativamente maior do que aquele visto em machos (Mann- Whitney, p= 0,031; Gráfico 8). No Paraná não ocorre diferença significativa entre os sexos (p= 0,628; Gráfico 9). 140 100 120 80 100 60 80 40 Número de Parasitas Número de Parasitas 60 40 20 0 -20 N= Sexo 10 24 Fêmeas Machos 20 0 -20 N= 7 6 Fêmeas Machos Sexo Gráfico 8 e 9: Gráficos dos números de parasitas intestinais (Hadwenius pontoporiae) em machos e fêmeas de Pontoporia blainvillei de São Paulo e Paraná respectivamente. 19972002. Devido ao pequeno número de S. guianensis de São Paulo (n=2), não foi possível verificar a ocorrência de diferença entre os sexos dentro das áreas geográficas. As Tabelas 8 e 9 apresentam um sumário dos resultados de prevalência e intensidade média de parasitos encontrados em pulmões, estômagos e intestinos de P. blainvillei e S. guianensis Tabela 8: Distribuição da prevalência e média de intensidade de parasitos de Pontoporia blainvillei em função dos órgãos analisados e suas respectivas procedências. São Paulo e Paraná, 1997-2002. Pontoporia blainvillei São Paulo Órgãos Paraná Pulmões Prevalência (0/18) (0/10) 0 0 (0/12) (2/17) 0 11,7% Estômago Prevalência Intestino Prevalência Média de intensidade Ubatuba P. Grande e Guarujá Itanhaém Cananéia (1/1) (15/15) (2/2) (14/17) (7/14) 100% 100% 100% 82,3% 50% 5 41,5 200 25,0 12,7 Tabela 9: Distribuição da prevalência e média de intensidade de parasitos de Sotalia guianensis em função dos órgãos analisados e suas respectivas procedências. São Paulo e Paraná, 1997-2002. Sotalia guianensis São Paulo Órgãos Paraná Pulmões Prevalência (2/2) (13/15) 100% 86,7% (0/1) (8/34) 0 23,5% (2/2) (20/28) 100% 71,4% 4,5 5,4 Estômago Prevalência Intestino Prevalência Média de intensidade A média dos comprimentos totais de intestinos das outras espécies de cetáceos foi de 18,7cm (± 5,8cm, n=10) Este grupo de cetáceos apresentou uma maior diversidade parasitária intestinais, incluindo trematóides, cestóides, nematóides e acantocéfalos (Figuras 14 e 15). O trematóide Hadwenius tursionis apresentou prevalência de 70%(7/10) e média de intensidade de 121,1 parasitos por animal. Cestóides da família Tetrabothridae foram encontrados em quatro animais (prevalência 40%, 4/10), nematóides em três animais (prevalência 30%, 3/10) e acantocéfalos em cinco animais (prevalência 50%, 5/10). Tais parasitas ainda encontram-se em processo de identificação 5.1.1.3.4 Demais órgãos S. coeruleoalba e S. frontalis apresentaram cistos de cestóides na gordura e cavidade abdominal. O cestóide observado no exemplar de S. coeruleoalba foi identificado como sendo Monorygma grimaldii (Figura 16). Um dos exemplares de S. frontalis proveniente de São Paulo, apresentava crustáceos Cirripedia: Lepadomorpha presos na gengiva (Figuras 17 e 18). 5.1.1.4 Patologia associada a parasitose em cetáceos Com vistas a análise parasitológica, a maioria dos estômagos e intestinos aqui analisados foi congelado, não tendo sendo portanto colhidas amostras para exame histopatológico destes órgãos. Os resultados anatomo-patológicos aqui apresentados foram compartilhados com o projeto da bolsista Valeria Ruoppolo (Processo FAPESP 99/12335-8, “Patologia Comparada de Cetáceos e Pinípedes”), incluindo material de terceiros e necrópsias realizadas pelas duas bolsistas. Constam do ANEXO 14 os Diagnósticos Finais dos cetáceos que apresentaram parasitas e lesões necroscópicas e histopatológicas associadas. Apresentamos a seguir as lesões mais significativas. Três exemplares machos adultos de S. guianensis (RPC 99/499; 01/154 e 01/051) apresentaram pneumonia parasitária, sendo esta nos dois primeiros casos a causa de morte. O terceiro indivíduo teve como causa de morte a captura acidental. No primeiro animal só foi possível identificar no corte histológico que os parasitas nematóides pertenciam a Superfamília Metastrongyloidea (Figuras 19 e 20). Nos outros dois animais, bem como em outros da mesma espécie cujos pulmões foram analisados, foram identificados Halocercus brasiliensis (Superfamília Metastrongyloidea, Família Pseudaliidae) livres na luz dos brônquios. Em outro macho adulto encalhado de S. guianensis (RPC 98/302) observamos também lesões indicativas da presença de parasitas. O animal apresentou pleuropneumonia, fibrinosa, moderada e pneumonia, intersticial, aguda multifocal, moderada. Um filhote de S. guianensis (RPC 99/416) demonstrou lesões severas incluindo broncopneumonia, pneumonia lobular fibrinopurulenta difusa, moderada a severa, com infiltrado inflamatório misto contendo grande quantidade de eosinófilos, indicando a presença de infecção parasitária. O macho adulto de T. truncatus do Rio Grande do Sul (RPC 02/054) teve como causa de morte pneumonia parasitária, apresentando pneumonia intersticial crônica difusa moderada, granulomatosa parasitária e abscedante moderada (Figuras 21, 22 e 23). A fêmea adulta de S. clymene (RPC 01/127) teve como causa de morte um processo infeccioso de etiologia não determinada; apresentando parasitas não identificados no corte histológico de pulmão associados a congestão moderada, presença moderada de fibrina e exsudação granulocítica em árvore respiratória. O exemplar de S. bredanensis (RPC 01/149) teve como causa de morte um processo infeccioso bacteriano. Apresentava ainda esplenite parasitária severa, com exsudação mista e presença de ovos de trematóides não identificados (Figura 24). O indivíduo K. simus (RPC 02/059) teve a causa de morte relacionada a traumatismos e apresentou um granuloma parasitário na submucosa do estômago (Figuras 25 e 26). O macho jovem de P. blainvillei (RPC 01/017) teve como causa morte asfixia por captura acidental em rede de pesca. Apresentou ainda 17 trematóides Hadwenius pontoporiae na porção inicial do intestino e enterite crônica difusa discreta. O exemplar de S. frontalis (RPC 01/007), capturado acidentalmente em rede de pesca, apresentou crustáceos presos entre um de seus dentes e a gengiva, associada com hiperplasia labial. 5.1. 2 Pinípedes 5.1.2.1 Distribuição dos animais Foram analisados um total de sete pinípedes provenientes de encalhes. Tais animais foram recebidos de instituições que fazem monitoramentos de praia e/ ou reabilitação, principalmente no Rio Grande do Sul. Na Tabela 10, apresentamos o número total de pinípedes analisados, em função da espécie e procedência. Tabela 10: Distribuição dos pinípedes estudados, em função da espécie e procedência. São Paulo, Rio Grande do Sul. 1997-2002. Espécie São Paulo Rio Grande do Sul Total por espécie Arctocephalus australis 0 2 2 Arctocephalus tropicalis 3 0 3 Eumetopias jubatus 1 0 1 Otaria flavescens 0 1 1 Total de animais analisados 3 4 7 Arctocephalus australis (Lobo-marinho-do-sul); Arctocephalus tropicalis (Lobo-marinhosubantártico)(Figura 27); Eumetopias jubatus (Leão-marinho-de-Steller); Otaria flavescens (Leãomarinho-do-sul). 5.1.2.2 Classe etária e sexo A análise do comprimento total dos pinípedes estudados demonstrou que três indivíduos eram jovens e quatros adultos. Quanto ao sexo seis pinípedes eram machos e uma fêmea (Tabela 11). Tabela 11: Distribuição dos pinípedes estudados, em função da espécie, sexo e idade. São Paulo, Rio Grande do Sul. 1997-2002. Espécie N. de machos N. de jovens N. de adultos N. de fêmeas Arctocephalus australis 2 0 2 0 Arctocephalus tropicalis 3 0 0 3 Eumetopias jubatus 0 1 0 1 Otaria flavescens 1 0 1 0 Total 6 1 3 4 5.1.2.3 Distribuição dos Órgãos Analisados Foi possível analisar macroscopicamente um estômago e dois intestinos para contagem de parasitos. 5.1.2.3.1 Estômago O estômago do A. tropicalis (RPC 01/246) continha 136 nematóides, na sua maioria larvas com identificação pendente (Figura 28). 5.1.2.3.2 Intestino O intestino de A. tropicalis (RPC 01/246) apresentou 12 larvas de nematóides com identificação pendente e um total de 242 acantocéfalos, na sua maioria Corynosoma sp, distribuídos pelo comprimento total do intestino, com maior concentração no último terço (Figuras 29 e 30). O intestino do A. tropicalis (RPC 02/120) apresentou sete nematóides com identificação pendente e um total de 621 acantocéfalos, na sua maioria Corynosoma sp, distribuídos pelo comprimento total do intestino, com maior concentração no segundo terço. 5.1.2.4 Patologia associada a parasitose em pinípedes A maior parte dos pinípedes estudados foi recebida na forma de fragmentos de órgãos fixados em formol 10%, sendo que quatro animais apresentaram lesões associadas a parasitas (ANEXO 15).Os resultados anatomo-patológicos aqui apresentados foram compartilhados com o projeto da bolsista Valeria Ruoppolo. O macho jovem de A. australis (RPC 01/114) teve a morte relacionada com parasitos Metastrongilideos causando broncopneumonia e pneumonia intersticial agudas multifocais moderadas (Figuras 31 e 32). O macho jovem de O. flavescens (RPC 02/014) morreu em virtude da parasitose pulmonar, apresentando pneumonia parasitária fibrinosa moderada a severa, associada a extensas áreas de edema, hemorragia e congestão moderadas. Uma fêmea adulta de E. jubatus (RPC 98/301) teve como causa morte pielonefrite. Apresentou bronquiectasia fibrinohemorrágica, congestão e hemorragia moderadas, pneumonia aspirativa agônica, áreas de consolidação, antracose multifocal e presença de parasitos Metastrongilídeos. Outro macho jovem de A. australis (RPC 01/151) teve como causa de morte um trauma físico (queimadura), apresentando também congestão moderada e parasitos no espaço alveolar. Em um macho adulto de A. tropicalis (RPC 01/152) observou-se histologicamente a presença de enterite crônica difusa, moderada a severa com marcante distorção das vilosidades, tendo sido relatado por terceiro a ocorrência de Corynosoma sp. Outro A. tropicalis (RPC 01/246) apresentou Sarcocystis sp. na musculatura do diafragma. Este macho adulto foi encontrado morto e teve como causa de morte pneumonia bacteriana. 6 DISCUSSÃO 6.1 Patologia comparada das enfermidades parasitárias de cetáceos 6.1.1 Parasitos Pulmonares a) Nematóides Dentre os pulmões analisados em corte histológico, 62,5% (5/8) apresentaram lesões relacionadas a parasitas pulmonares. Destes 37,5% (3/8) vieram a óbito devido a pneumonia parasitária. No estudo de Ruoppolo (2003) estes representaram 3,7% (3/79) dos odontocetos analisados. Os parasitos de odontocetos da família Pseudaliidae (Metastrongyloidea) são particularmente interessantes devido a sua estreita especificidade parasito-hospedeiro, sua notável abundância em um hospedeiro infectado e aparente alta incidência da infecção. Os gêneros Pseudalius, Stenurus, Torynurus e Halocercus já foram relatados parasitando o sistema respiratório de odontocetos. Destes, o mais significativo é o gênero Halocercus, que envolve várias espécies com diferentes hospedeiros (DOUGHERTY, 1943a). Em nosso trabalho, o nematóide pulmonar Halocercus brasiliensis foi encontrado com grande freqüência e quantidade de parasitos em S. guianensis tanto na região de Cananéia (100%, 2/2) quanto nos animais do Paraná (86,7%, 13/15), e também em um exemplar de Stenella coeruleoalba. Por outro lado, a ausência de parasitos pulmonares em P. blainvillei mesmo em áreas onde as duas espécies são simpátricas, corrobora a idéia de que os parasitos tenham uma estreita relação com a espécie hospedeira e, mesmo abundantes no ambiente, não são compatíveis com P. blainvillei (MARIGO et al., 2002). Espécies de Halocercus são encontradas no parênquima pulmonar, freqüentemente com a extremidade posterior se estendendo para dentro dos bronquíolos ou brônquios. Pseudalius inflexus, Skjabinalius spp, Stenurus spp, e Torynurus convolutus são encontrados em brônquios e bronquíolos. De forma geral, a extremidade anterior de parasitos nematóides adultos enrolada nos pequenos brônquios estimula a produção de muco nos bronquíolos e a ocorrência da formação de edema alveolar e intersticial, podendo ainda induzir a formação de centros piogranulomatosos que eventualmente se organizam em sólidos granulomas encapsulados, fibrosados e calcificados, centrados ao redor do pequeno brônquio parasitado. Lóbulos adjacentes podem se tornar atelectásicos ou enfisematosos. A forma crônica da pneumonia verminótica por nematóides pode ser vista macroscopicamente como nódulos pálidos subpleurais de 1 a 10 mm de tamanho (HOWARD et al., 1983; MEASURES, 2001). Costa (2002) também relata a ocorrência de lesões pulmonares associadas a parasitas ainda não identificados em S. guianensis encalhados no Ceará. Em nosso trabalho, após o congelamento dos pulmões de S. guianensis e Stenella coeruleoalba, os parasitas foram encontrados livres na luz dos brônquios, alguns com as extremidades parcialmente presas no final dos bronquíolos, local de grande incidência de infecção. Os parasitas foram vistos em corte histológico soltos no espaço alveolar. As lesões pulmonares de S. guianensis consistiram de pneumonia, intersticial, crônica, difusa, moderada a severa; pleuropneumonia, fibrinosa, moderada e pneumonia, intersticial, aguda, multifocal, moderada. O animal RPC 01/154 apresentou broncopneumonia, purulenta, difusa, moderada a severa, com alterações hepáticas e esplênicas com grande quantidade de eosinófilos circulantes. Evidências sugerem que IgE é a principal classe de imunoglobulina envolvida na resistência contra helmintos. Seus níveis são usualmente altos em indivíduos parasitados, associados com sinais característicos de hipersensibilidade tipo I, como eosinofilia. Além disso, a IgE estimula a liberação pelos mastócitos de fatores quimiotáticos para eosinófilos, que resulta na liberação de um grande número de eosinófilos na circulação, tornando a eosinofilia característica da infecção por helmintos. Os eosinófilos parecem ter pelo menos dois papéis: apresentam enzimas capazes de neutralizar agentes vasoativos liberados dos mastócitos e, em conjunto com anticorpos e complemento, são capazes de matar algumas larvas de helmintos (TIZARD, 1985). No exemplar de Tursiops truncatus o parasita nematóide induziu a formação de abcesso associado a pneumonia granulomatosa moderada. A fêmea adulta de Stenella clymene apresentou a parasitas associados à congestão moderada, presença moderada de fibrina e exsudação granulocítica em árvore respiratória. Lesões pulmonares severas, e algumas vezes fatais, podem ocorrer se o número ou o tamanho dos parasitas migrando concomitantemente for grande. Podem ocorrer ainda reações de hipersensibilidade quando houver exposição prévia do hospedeiro natural ou pela infecção de um hospedeiro não adaptado (DUNGWORTH, 1993). No estudo de Jepson et al. (2000), em Phocoena phocoena, todos os animais com grande quantidade de parasitas pulmonares eram indivíduos jovens e adultos, além desses, a amostra também continha alguns indivíduos com cerca de sete a dez meses e alguns neonatos com evidências histológicas de infecção por nematóides. Existem indícios de infecção pré-natal pelo gênero Halocercus, com filhotes de hospedeiros muito jovens já apresentando parasitos adultos devido à provável transmissão transplacentária (BALBUENA et al., 1994b; CONLOGUE et al.,1985; DAILEY et al.,1991; MOSER; RHINEHART, 1993; PARSONS et al., 1999). A nossa amostra de cetáceos contém animais jovens, imaturos em sua maioria, e um filhote (menor que um ano de idade), que apresentou lesões pulmonares severas relacionadas a infecção parasitária. Portanto é possível sugerir que a transmissão transplacentária também pode ocorrer em H. brasiliensis, da mesma forma que nos outros parasitas do gênero. Halocercus sp já foi encontrado no estômago de L. obscurus no Peru (VAN WAEREBEEK et al.,1993). Os autores sugerem que o parasita tenha sido ingerido durante morte agônica (por asfixia ou afogamento) onde a laringe pode se deslocar permitindo o contato direto da nasofaringe; e/ou por migração dos parasitos após a morte. 6.1.2 Parasitos Estomacais a) Nematóides Nematóides foram encontrados nos estômagos de sete animais (10,3%, 7/68). Oliveira (2003) avaliou o conteúdo estomacal de 29 indivíduos de P. blainvillei e 35 de S. guianensis da região de Cananéia, SP e litoral do Paraná. Estes animais foram incorporados ao nosso estudo. Nos estômagos congelados (incluindo os acima citados) não foi possível observar se ocorreram lesões gástricas associadas a parasitas. Nematóides anisaquídeos são amplamente distribuídos e apresentam grande prevalência no ambiente marinho em geral, inclusive América do Sul (ANDRADE et al., 1998; CATTAN et al., 1976; DAILEY, 2001; SANTOS et al., 1996). Três espécies existem no ecossistema marinho: Anisakis simplex, A. typica e A. physeteris (DAVEY, 1971).Os nematóides identificados nos cetáceos deste estudo foram A. typica e outros nematóides com identificação pendente. Nas parasitoses por Anisakis spp podem ocorrer infecções mistas, sendo a forma infectante a larva em seu terceiro estágio, encistada no trato gastrointestinal do peixe, que é libertada e ativada após a ingestão pelo hospedeiro definitivo. A larva penetra na mucosa, submucosa e às vezes na camada muscular do estômago, produzindo ulcerações múltiplas com bordos espessados, de 2 a 5 cm aproximadamente. Estas úlceras abrigam numerosas larvas, porém em alguns casos pode haver larvas adultas sem a presença de ulcerações. As úlceras podem ser perfuradas e ocorrer migração extragástrica. A resposta inflamatória do hospedeiro é do tipo corpo estranho, com fibroplasia, devido à cutícula do parasito. Esta fibrose às vezes previne a perfuração, porém ocasionalmente pode haver gastrite transmural com peritonite secundária (ABOLLO et al., 1998; MIGAKI et al., 1982; HOWARD et al., 1983). Nos animais aqui analisados (S. guianensis, S. coeruleoalba, S. bredanensis, Kogia simus), os parasitas encontravam-se geralmente soltos no estômago principal, lembrando que estes estômagos já haviam sido congelados e descongelados, podendo assim matar os parasitas, levando-os a se soltarem da mucosa. Observamos a ocorrência de um granuloma parasitário na submucosa do estômago de K. simus, provavelmente associado a presença de larvas de A. typica encontradas no estômago. O animal encontrado no litoral de São Paulo teve a causa de morte relacionada a traumatismos. b) Trematóides Braunina cordiformis foi encontrado em 11,9% (8/68) dos estômagos de cetáceos analisados, principalmente nos indivíduos da espécies S. guianensis, com intensidade média de 54,4 parasitas por animal, em um S. frontalis e um Steno bredanenis. B. cordiformis é um trematóide de morfologia ovóide, comum em compartimentos fúndico e pilórico de pequenos cetáceos. Os parasitos ficam firmemente aderidos à mucosa e parte do tecido submucoso do hospedeiro penetra na cavidade interna do parasita, que fica, desta forma, recoberta por uma fina camada do tecido conjuntivo altamente vascularizado do hospedeiro. O parasita induz no local de adesão infiltração predominantemente linfoplasmocitária, sem a participação de eosinófilos. As células epiteliais da mucosa gástrica apresentam-se normalmente atrofiadas, com condensação da lâmina própria e aparente aumento do tecido conjuntivo no local de adesão. Apesar de pequenos focos de gastrite crônica nos locais de adesão, é pouco provável que o parasita comprometa a saúde dos animais (SCHRYVER et al., 1967). No S. guianensis macho adulto (RPC 99/499), que teve como causa de morte a pneumonia lobular, observou-se histologicamente gastrite eosinofílica focal moderada a severa, provavelmente associada a presença de trematóides B. cordiformis, conforme relatados por terceiro. Um outro macho adulto de S. guianensis proveniente do Paraná (IPeC 40) apresentou aproximadamente 243 parasitas em seu estômago. B. cordiformis já foi registrado no Brasil acometendo S. guianensis, T. truncatus e S. bredanensis do Rio de Janeiro e São Paulo (MARIGO et al., 2001; SANTOS et al., 1996). Também já foi encontrado em cetáceos na Argentina (BERON-VERA et al., 2001). No Peru, apresenta prevalência de 40% e na Argentina é encontrado com prevalência acima de 85% e intensidade média de 50,5 parasitas em Lagenorhynchus obscurus (DANS et al., 1999; VAN WAEREBEEK et al., 1993). A taxa de infecção de B. cordiformis em L.obscurus parece diminuir com o comprimento total do animal, sugerindo uma imunização progressiva (VAN WAEREBEEK et al.,1993). c) Acantocéfalos Polymorphus sp. só foi encontrado no estômago de duas franciscanas do Paraná (n=17), sendo que um animal apresentou um parasito macho e o outro uma fêmea. Com prevalência de 6,9% (2/29) em P. blainvillei, Polymorphus sp. é considerado raro nesta espécie de cetáceos nos Estados de São Paulo e Paraná. Acantocéfalos Polymorphus (P.) cetaceum têm sido registrado em estômagos e intestinos de P. blainvillei de outras áreas, no Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina. Corynosoma australe tem sido observado em animais do Rio Grande do Sul (ANDRADE,1996; AZNAR et al., 1994a; KAGEI et al., 1976; PRADERI, 1984). Aznar et al., (2001) indicam que o estômago de franciscanas pode ser considerado o habitat primário de outro acantocéfalo, C. cetaceum . Bolbosoma sp foi identificado no estômago de três S. guianensis do Paraná, também sendo considerado raro, com prevalência abaixo de 10% (8,6%, 3/35).O gênero Bolbosoma já foi registrado no estômago e intestinos de P. blainvillei do Rio Grande do Sul (ANDRADE,1996). Também já foi registrado em intestinos de outras espécies no Brasil (ANDRADE et al., 2001; ROSAS et al., 2002). 6.1.3 Parasitos Intestinais a) Nematóides A presença de nematóides é mais comum no estômago do que no intestino dos cetáceos, porém em alguns casos foram encontrados em pequena quantidade, com exceção do exemplar de S. coeruleoalba que apresentou 20 nematóides (identificação pendente) em seu intestino. b) Trematóides H. pontoporiae foi o único parasita intestinal dos espécimes de P. blainvillei aqui analisados, com prevalência de 79,6% (29/49) e média de intensidade variando de acordo com a região e estado. Hadwenius tursionis foi o parasita intestinal encontrado em S. guianensis, S. frontalis, S. coeruleoalba, D. capensis, T. truncatus e Steno bredanesis. Em S. guianensis foi encontrado com prevalência de 73,3%. Como neste estudo, o intestino têm sido descrito como o habitat principal para espécies do gênero Hadwenius (DANS et al., 1999). No entanto, em P. blainvillei do Rio Grande do Sul, H. pontoporiae também foi encontrado em estômago (ANDRADE, 1996).Torres et al., (1992) cita a ocorrência de H. tursionis em estômagos de Phocoena spinipinnis e Cephalorhynchus eutropia no Chile, com prevalência de 16,7% e 4,3%, e intensidade média muito baixas (3,3 e 1) para ambas espécies, respectivamente. Na costa da Argentina, Hadwenius sp também foi encontrado nos estômagos de Lagenorhynchus obscurus com prevalência de 52,1% e intensidade média de 42,6 parasitos (DANS et al., 1999). H. tursionis têm sido encontrado em várias espécies de cetáceos (ANDRADE et al., 1999; TORRES et al., 1992), inclusive em S. guianensis de outras áreas do Brasil (ANDRADE; PEREIRA, 1998). Nos intestinos, os trematóides apresentam-se mais ou menos distribuídos nas porções anteriores do órgão, de acordo com o que já foi especialmente documentado em P. blainvillei. Tal fato pode indicara concentração da população de parasitas com propósitos reprodutivos, particularmente num intestino muito longo (AZNAR et al.,1997). Como a maioria dos intestinos foi congelado para posterior triagem, não foi possível avaliar as possíveis lesões causadas pelos parasitas. Um exemplar de P. blainvillei (RPC 01/017) que apresentava H. pontoporiae na porção inicial do intestino, apresentou também enterite crônica difusa discreta. Apesar disso, não consideramos que os mesmo possam causar lesões significativas, principalmente devido a sua morfologia. Andrade (1996) descreve franciscanas com médias de intensidade altas e nenhuma lesão macroscópica. A ausência de diferença significativa entre os comprimentos totais dos animais e o número de parasitas se deve principalmente às características das amostras, sendo que para P. blainvillei a maioria dos animais era jovem e, no caso de S. guianensis, mais maduros. Em ambos os grupos ocorreu uma ausência de animais situados nos extremos das faixas etárias. O maior número de parasitas encontrado nas fêmeas de P. blainvillei no estado de São Paulo pode refletir o fato de que os poucos exemplares deste sexo eram mais velhos do que a maior parte dos machos jovens. c) Acantocéfalos Stenella frontalis, S. coeruleoalba e Steno bredanensis apresentaram acantocéfalos com identificação ainda pendente. No Brasil, acantocéfalos já foram registrados em intestinos de algumas espécies, como Stenella coeruleoalba e Pseudorca crassidens (ANDRADE et al., 2001; ROSAS et al., 2002). d) Cestóides Várias espécies de cestóides (pertencentes as famílias Diplyllobothriidae e Tetrabothriidae) são encontradas em cetáceos e pinípedes. Somente o gênero Strobicephalus é considerado patogênico para cetáceos (DAILEY, 2001). Neste estudo, encontramos cestóides da família Tetrabothriidae nos dois exemplares de S. frontalis (RPC 01/006 e 01/007) e no S. coeruleoalba (IPeC 129). As duas espécies são oceânicas e se alimentam de peixes e lulas (DI BENEDITTO et al., 2001b; ROSAS et al., 2002). Aparentemente os cestóides Tethrabothriidae ocorrem mais em cetáceos, especialmente nos oceânicos e teutófagos (ANDRADE, 1998). Andrade et al., (2001) relatam a presença de um cestóide não identificado, pertencente a família Tethrabothriidae, em 14% dos intestinos de falsas orcas (Pseudorca crassidens) encalhadas no Rio Grande do Sul. As falsas orcas são cetáceos oceânicos que se alimentavam, neste caso, de lulas oceânicas e epipelágicas. Outros relatos de cestóides tetrabotrídeos no Brasil também descrevem a ocorrência deste grupo de parasitos mais em espécies pelágicas do que costeiras (MAIA-NOGUEIRA et al., 2001). 6.1.4 Outras localizações Ovos de trematóide não identificado foram encontrados no baço do exemplar de Steno bredanensis (RPC 01/149). A presença de parasitas em baço não é comum, e a reação granulomatosa observada é típica de corpo estranho. Além disso, a presença do abcesso periesplênico indica que os ovos poderiam ser oriundos de peritonite parasitária, apesar de não haver sido observada a presença de trematóides soltos na cavidade. Um dos exemplares de S. frontalis (RPC 01/007) apresentou crustáceos adultos (Cirripedia: Lepadomorpha) presos entre os dentes e a gengiva. Este cetáceo foi acidentalmente capturado junto com outro macho, provavelmente do mesmo grupo, em São Paulo. Aznar et al., (1994b) discutem que a diminuição da movimentação de um cetáceo doente, associada a redução das capacidades regenerativa e imune da pele, favorecem a colonização por crustáceos. As alterações anátomo-patológicas encontradas neste animal sugerem que este indivíduo sofresse de um processo crônico, tornando-o debilitado e vulnerável. Tais fatos sugerem que o cetáceo acometido poderia estar lento há algum tempo, uma vez que a colonização destes crustáceos se faz através de uma larva. O crustáceo Xenobalanus globicipitis já foi reportado em outros odontocetos no Brasil, incluindo Pontoporia blainvillei, Sotalia guianensis e Tursiops truncatus no Rio de Janeiro, e Physeter macrocephalus na Bahia (DI BENEDITTO; RAMOS, 2000; ENGEL, 1994). X. globicipitis em L. obscurus do Peru apresenta prevalência de 38,9%, e a maior ocorrência nos meses de julho e dezembro sugere um fator sazonal do ciclo de vida do crustáceo (VAN WAEREBEEK et al.,1993). Larvas de cestóides foram encontradas em Stenella coeruleoalba e S. frontalis. As do exemplar de S. coeruleoalba (IPeC 129) foram identificadas como M. grimaldii. Monorygma é um gênero de cisto plerocercóide comum em pequenos cetáceos, que pode estar aderido ao peritôneo visceral ou parietal, parede abdominal ou aos órgãos reprodutores e seus ligamentos. Estimulam a produção de uma cápsula fibrosa ao seu redor, fazendo com que haja a presença de poucas células inflamatórias associadas (HOWARD et al., 1983). Os cistos medem 20-40 mm e normalmente contém um cisticerco. Quando ocorre a morte do cisticerco, o cisto costuma conter material caseoso junto com os restos do parasito (NORMAN, 1997). Especula-se que dois morfotipos, grandes e pequenos, de um terceiro tipo de larva (Scolex pleuronectis), encontrado em muitos organismos marinhos, incluindo cetáceos, sejam os precursores destes dois grupos de parasitas (DAILEY, 2001). Não se sabe onde localizam-se as formas adultas destes cisticercos, mas as estruturas como o escólex se parecem muito com as dos parasitos de certos tubarões que se alimentam de golfinhos. No caso de M. grimaldii, a estrutura especializada do cisto pode facilitar a transmissão do cisticerco, protegendo-o da lesão mecânica causada pela ingestão por um predador como o grande tubarão branco (Carcharodon carcharias). Alternativamente, se os hospedeiros definitivos forem tubarões que se alimentam de animais em decomposição, como o tubarão tigre (Galeocerdo cuvier), o cisto pode preservar o cisticerco no período entre a morte do golfinho e sua ingestão pelo tubarão (até 11 dias após a morte do hospedeiro). A localização subcutânea de encistamento do P. delphini também torna-o disponível a estes dois grupos, porém também seria adequada para que o ciclo se completasse no tubarão charuto (Isistius brasiliensis), espécie que comumente se alimenta através de pequenas mordidas em golfinhos (NORMAN, 1997). Desta forma, a infecção dos cetáceos pode representar um “ciclo sem saída” (dead-end-host) para estes parasitas, apesar de que os cetáceos podem ser hospedeiros intermediários naturais (DAILEY, 2001). 6.2 Patologia comparada das enfermidades parasitárias de pinípedes 6.2.1 Parasitos Pulmonares a) Nematóides Lesões e parasitas pulmonares são freqüentes em pinípedes, sendo que em animais jovens causam lesões mais significativas (DAILEY, 1970; GULLAND et al.,1997; MORALES; HELMBOLDT, 1971; ONDERKA, 1989; STROUD; DAILEY, 1978). Os nematóides metastrongilídeos Otostrongylus circumlitus (Crenosomatidae) e Filaroides (Parafilaroides) spp. (Filaroididae) são descritos para o hemisfério norte e em alguns pinípedes antárticos. Não existem relatos para a América do Sul, mas devido a escassez de estudos parasitológicos dos pinípedes nesta região é provável que novas espécies estejam por ser descobertas (MEASURES, 2001). Em nosso trabalho, a prevalência de parasitos pulmonares foi de 66,6% (4/6). Dentre os quatro animais acometidos, três eram jovens e dois destes tiveram como causa de morte a pneumonia parasitária. Estes animais fazem parte do estudo de Ruoppolo (2003) e representam 12,9% (4/31) dos pinípedes analisados. Dos dois machos jovens de A. australis, um deles (RPC 01/114) apresentou broncopneumonia e pneumonia intersticial, ambas agudas, multifocais moderadas, vindo a óbito no dia de ingresso ao centro de reabilitação. O outro macho jovem (RPC 01/151) apresentou parasitas no espaço alveolar sem evidência de lesão nos fragmentos pulmonares examinados. O macho jovem de O. flavescens (RPC 02/014) teve a causa de morte relacionada a parasitos pulmonares, apresentando pneumonia parasitária fibrinosa moderada a severa, associada a extensas áreas de edema, hemorragia e congestão moderadas. Uma fêmea adulta de E. jubatus (RPC 98/301) apresentou parasitas pulmonares sem lesões relacionadas. Porém, como não tivemos acesso aos órgãos frescos ou aos parasitas, não foi possível identificar as espécies envolvidas, sendo que somente em corte histológico foi possível detectar estruturas compatíveis com nematóides metastrongilídeos. De acordo com Measures (2001), O. circumlitus são nematóides grandes encontrados nas vias aéreas principais dos pinípedes, enquanto Filaroides (Parafilaroides) são pequenos nematóides que podem ser encontrados enrolados formando nódulos dentro do parênquima respiratório de pinípedes, geralmente nos alvéolos e pequenos brônquios. Devido ao pequeno tamanho dos Filaroides, na maioria das infecções são detectados através do exame microscópico, estimulando desde uma pequena reação inflamatória até mesmo a morte. Podem apresentar intensidade e prevalência altas de acordo com as espécies envolvidas e a região. A severidade das lesões por O. circumlitus depende da intensidade de infecção e suscetibilidade do hospedeiro. As infecções estão confinadas a animais jovens, menores que um ano de idade, que podem adquirir imunidade, porém também já foram observadas em animais mais velhos. Estes casos, são considerados raros e frequentemente estes animais mais velhos apresentam doenças crônicas que resultam em baixa resistência a patógenos e parasitas. As intensidades de infecção podem variar entre um a 280 parasitas, sendo que infecções com mais que 40 parasitas podem ser fatais (MEASURES, 2001). Na Califórnia, a infecção de elefantes-marinhos-do-norte (Mirounga angustirostris) por O. circumlitus é caracterizada por lesões severas que podem indicar associação parasitohospedeiro muito recente, onde os hospedeiros estão reagindo ao parasita no início de sua migração antes mesmo que ele atinja maturidade reprodutiva. Tais lesões são bem diferentes das encontradas em hospedeiros previamente conhecidos do mesmo parasita, como Phoca vitulina da mesma área (GULLAND et al., 1997; MEASURES, 2001). O. circumlitus e Parafilaroides decorus, podem ser vetores bactérias e vírus como, por exemplo, Brucella spp. (MEASURES, 2001). 6.2.2 Parasitos Estomacais a) Nematóides Nematóides da família Anisakidae, principalmente do gênero Contracaecum spp., são parasitas gastrointestinais muito comuns em pinípedes do mundo todo, já tendo sido registrados em animais do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina (ANDRADE et al., 1998; CAPOZZO et al., 1994; CAPOZZO et al., 1998; DAILEY, 2001; REYES et al., 1992). No estômago de A. tropicalis (RPC 01/246) foram encontradas muitas larvas de nematóides com identificação pendente. Os parasitas encontravam-se livres no estômago, que havia sido congelado, sem lesões macroscópicas evidentes. Apesar de não ter sido possível fazer a análise histopatológica, acreditamos que os parasitas tenham causado lesões significativas. O animal veio a óbito por pneumonia bacteriana e tinha lesões cardíacas significativas. Comumente, nematóides estomacais devido a sua constante presença, podem ser responsáveis por uma irritação contínua no estômago de pinípedes, pois possuem aparato bucal constituído por dentes construídos para erodir superfície da mucosa e as larvas chegam a invadir a submucosa. Tal processo pode induzir úlceras cronificadas, levando a proliferação massiva de tecido conjuntivo e de granulação. Por outro lado, pinípedes ingerem pedras voluntariamente (provavelmente para auxiliar na trituração dos alimentos), que podem lesionar a mucosa gástrica. Desta forma, os granulomas poderiam servir para tamponar processos bacterianos agudos e perfuração (SCHROEDER; WEGEFORTH, 1935). 6.2.3 Parasitos Intestinais a) Nematóides Nos dois intestinos de A. tropicalis analisados (RPC 01/246 e 02/120) foi observada a presença de larvas nematóides e acantocéfalos (prevalência de 100%, 2/2). As larvas de nematóides, com identificação pendente, apresentaram média de intensidade de 9,5 parasitas por hospedeiro. Apesar da identificação pendente, este nematóides não apresentam características de Uncinaria sp. (Ancylostomatidae), o nematóide comum de intestino de pinípedes, já registrado em Otaria byronia e Arctocephalus australis do Uruguai e Chile (GEORGE-NASCIMENTO et al., 1992). b) Acantocéfalos Os acantocéfalos foram observados com média de intensidade de 431,5 parasitas por hospedeiro, a maioria pertencente ao gênero Corynosoma sp. Corynosoma sp. apresentou prevalência de 100% (4/4) nos intestinos analisados pela bolsista ou terceiro. Como estes intestinos foram congelados, não foi possível fazer análise histopatológica. No A. australis (RPC 01/151) e em um A. tropicalis (RPC 01/152), foi relatada por terceiro a ocorrência de Corynosoma sp. No A.. tropicalis observou-se histologicamente a presença de enterite crônica difusa, moderada a severa, com marcante distorção das vilosidades. Corynososma sp. é parasita comum de pinípedes, e é encontrado com grande freqüência em animais encalhados no estado de São Paulo (DAILEY, 2001; MARANHO, 2002). Também são encontrados em pinípedes do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina (ANDRADE et al., 1998; CAPOZZO et al., 1994; REYES et al., 1992). Em A. australis do Uruguai, este parasita apresenta prevalência de 100% e médias de intensidade altas, indicando que se trata de um helminto com alto poder de colonização. Parasita ambos os sexos hospedeiros, o que sugere uma dieta comum, ao menos quanto ao hospedeiro intermediário deste parasito. Não são observadas lesões e parecem não afetar de forma significativa os hospedeiros definitivos (TADDEO et al., 1998). 6.2.4 Outros Sarcocystis spp. foi encontrado na musculatura do diafragma de um macho adulto de A. tropicalis (RPC 01/246). Este animal foi encontrado morto e teve como causa de morte a pneumonia bacteriana. Dailey (2001) menciona que Sarcocystis spp. não causa sintomas quando localizado na musculatura, mas no tecido cerebral pode causar encefalite (LA POINTE et al., 1998). MARANHO, A. Comunicação pessoal. 2002 6.3 Patologia comparada das enfermidades parasitárias de cetáceos e pinípedes A maioria dos exemplares de cetáceos analisados, principalmente P. blainvillei, foram capturados acidentalmente em redes de pesca. Não sabemos ainda exatamente quais fatores podem facilitar o enredamento. Ruoppolo (2003) encontrou diversas lesões em animais da mesma amostra aqui utilizada, sugerindo que enfermidades podem predispor a captura acidental. A mortalidade induzida por enredamento em P. blainvillei é maior entre os jovens, com mais da metade dos animais capturados com menos de três anos no Brasil, Argentina e Uruguai. Este fato pode refletir a estrutura etária das populações locais ou um comportamento diferente dos animais mais jovens, tornando-os mais vulneráveis (OTT et al., 2002; ROSAS, 2000). Dentre estes comportamentos de situação de risco destacam-se, por exemplo, a inexperiência dos animais que estão iniciando a fase de ingestão de dieta sólida, ou então determinadas artes de pesca nas profundidades mais utilizadas pelos jovens (LITTLE, 2002). Os machos de outras espécies que também foram capturados apresentaram lesões significativas, fato que poderia levar os animais a se alimentar dos peixes mortos nas redes, e desta forma facilitar o enredamento (RUOPPOLO et al., 2002). Além disso, a maior incidência de mortalidade entre machos capturados ou encalhados pode ser devido a um predisposição relacionada ao sexo, tanto para aquisição de parasitas como diminuição da imunidade (ZUK; MCKEAN, 1996). No geral, animais maiores e mais velhos podem adquirir mais parasitas, por que ficam expostos por mais tempo, e também por que pode ocorrer ingestão seletiva de estágios infectantes em hospedeiros intermediários que sejam parte da sua dieta (BRIEVA e OPORTO, 1991). Na verdade, em animais onde ocorre dominância, hierarquia e influência do status social, duas teorias são conflitantes: se o animal dominante ingere mais presas que estão contaminadas (efeito negativo), por outro lado, seu estado nutricional seria melhor e também é provável que desenvolveria mais facilmente uma resistência à infecção (efeitos positivos) (GULLAND, 1997). No nosso estudo, assim como em outros com animais selvagens, as amostras são geralmente oportunistas e o número de amostras é pequeno, raramente permitindo análises em classes etárias, ou então são diversas o suficiente para detectar heterogeneidade nas relações parasita hospedeiro (GULLAND, 1997). O maior número de lesões relacionadas aos parasitos pulmonares para ambos os grupos (cetáceos e pinípedes) é uma condição debilitante importante para animais aquáticos que dependem o tempo todo da capacidade pulmonar. Lesões pulmonares podem afetar sua saúde e habilidade de mergulho, subseqüentemente afetando a alimentação, crescimento e sobrevivência (MEASURES, 2001). Os pulmões estão na via das migrações parasitárias, e os vários parasitos que passam através deles causam graus variados de dano tecidual, de acordo com a natureza e a intensidade de interação parasita-hospedeiro. Freqüentemente as lesões produzidas por esta migração são de significância mínima e de fácil resolução, porém existem exceções. Lesões pulmonares severas, e algumas vezes fatais, podem ocorrer se o número ou o tamanho dos parasitas migrando concomitantemente for grande. Podem ocorrer ainda reações de hipersensibilidade quando houver exposição prévia do hospedeiro natural ou pela infecção de um hospedeiro não adaptado (DUNGWORTH, 1993). Em animais imunocomprometidos por contaminantes, outros agentes infecciosos, lesões e desnutrição, as infecções podem ser agravadas (MEASURES, 2001). Os parasitos pulmonares são considerados uma das principais causas de mortalidade em populações de cetáceos devido aos efeitos diretos de pneumonias parasitárias, bacterianas e complicações cardiovasculares, ou por reações de hipersensibilidade ao parasita (JEPSON et al., 2000). Os parasitos de odontocetos são especialmente interessantes devido a sua estreita especificidade parasito-hospedeiro, sua notável abundância em um hospedeiro infectado e aparente alta incidência da infecção (DOUGHERTY, 1943a). São particularmente importantes na saúde de populações selvagens (DAILEY et al., 1991) e vem sendo reportadas com enorme freqüência em cetáceos (BALBUENA et al., 1994; BROSENS et al., 1996; JEPSON et al., 2000; MIGAKI et al., 1971; MOSER; RHINEHART, 1993;; ZYLBER et al., 2002) e pinípedes (DAILEY, 1970; GULLAND et al.,1997; ONDERKA, 1989, STROUD; DAILEY, 1978) do mundo todo. Já foi sugerido que nematóides pulmonares como O. circumlitus, adquiridos aparentemente logo após o desmame através da ingestão de peixes contaminados, podem exercer um papel importante na dinâmica das populações devido ao seu efeito na sobrevivência dos filhotes (MEASURES, 2001; ONDERKA,1989). As lesões pulmonares nos pinípedes jovens da nossa amostra também podem representar o início da exposição e adaptação destes animais. Infelizmente nosso número amostral não permite avaliar se a intensidade de infecção e lesões diminui com a idade para a maioria dos parasitos observados em nosso estudo. Os nematóides gastrointestinais eram esperados já que estão presentes com grande freqüência no ambiente marinho. Tanto cetáceos quanto pinípedes apresentam freqüentemente úlceras gástricas que podem estar associadas a parasitas nematóides, porém tais lesões e parasitas não são consideradas fatais (ABOLLO et al., 1998; SCHROEDER; WEGEFORTH, 1935; STROUD; DAILEY, 1978). Os trematóides encontrados com grande prevalência em cetáceos aparentemente não causaram lesões significativas. Os estômagos e intestinos em sua maioria não foram analisados histologicamente, mas foi observada enterite crônica em um exemplar de P. blainvillei parasitado. Os acantocéfalos de cetáceos e pinípedes também parecem não causar lesões, a não ser em grande número, quando podem estar associados a enterites graves. 6.4 Ecologia dos parasitos de mamíferos marinhos da costa sudeste e sul do Brasil Comparando a helmintofauna de cetáceos e pinípedes em seus aspectos ecológicos e filogenéticos, Delyamure (1955) chegou a teorias interessantes, ainda aceitas hoje em dia (RAGA et al., 2001). Ele estabeleceu que a helmintofauna dos pinípedes foi produzida por migrações de helmintos de outras ordens animais, e que nenhuma família de helmintos existe exclusivamente em pinípedes. Por outro lado, existem famílias inteiras de helmintos (Brauninidae, Crassicaudidade) cujos representantes são parasitas específicos de cetáceos (Figura 33). A maioria dos pinípedes são animais que vivem no litoral, ecologicamente necessitando de substrato sólido e ambiente terrestre para sua reprodução, estando desta forma, em contato com animais aquáticos, terrestres e aves marinhas. Desta forma, nos pinípedes, a helmintofauna é representada por espécies encontradas em vertebrados terrestres, e também por formas características de cetáceos e aves marinhas. Os cetáceos, ao contrário dos pinípedes, são animais pelágicos, tendo quebrado seu elo ecológico com os mamíferos terrestres há muito tempo. Ao mesmo tempo, eles adquiriram helmintos parcialmente de pinípedes e de aves marinhas (DELYAMURE, 1955). Não existe dúvida que hospedeiros intermediários e suplementares de pinípedes, e especialmente cetáceos, tem que ser espécies regularmente difundidas, já que somente desta forma os ciclos podem ocorrer nos oceanos ilimitados. Em certas áreas geográficas onde pinípedes e cetáceos estão presentes em grandes números e se reúnem periodicamente (possivelmente em áreas onde se alimentam ou engordam), deve haver uma certa densidade necessária das formas infectantes destes helmintos nos hospedeiros intermediários, que coincide com a grande quantidade destes hospedeiros intermediários. Tais características ocorrem principalmente nas regiões boreal e antiboreal, com altas densidades de pinípedes, cetáceos e outros animais menores. Além disso, nestas áreas existem duas épocas (primavera e outono) de máximo desenvolvimento de plâncton e, consequentemente, de outras espécies, enquanto que nas regiões tropicais e circumpolares ocorre somente uma, na primavera (DELYAMURE, 1955). Variações sazonais na fauna parasitária podem ocorrer devido a mudanças ambientais locais, como por exemplo, a presença de correntes frias no Rio de Janeiro, durante a primavera e o verão, que trazem nutrientes e aumentam a diversidade e abundância de várias espécies de hospedeiros intermediários e definitivos (MOGROVEJO; SANTOS, 2002). Na costa da Argentina, diferentemente das espécies pelágicas, os cetáceos costeiros apresentaram os mesmos grupos de parasitos: Anisakis sp, Braunina cordiformis e trematóides da família Campulidae. Larvas cestóides foram encontradas em cetáceos pelágicos teutófagos. Pinípedes exibiram Anisakis sp, Contracaecum sp, Corynosoma sp. Bolbosoma sp só foi registrado em cachalote (Physeter macrocephalus) que é um cetáceo pelágico e teutófago (REYES et al., 1992). Andrade (1998), dividiu os cetáceos encalhados na costa do Rio Grande do Sul em cinco grupos, a partir de seus parasitos: Grupo 1: cetáceos costeiros (Polymorphus cetaceum, Bolbosoma turbinella, Hadwenius sp); Grupo 2: pinípedes (Contracaecum sp e Corynosoma sp); Grupo 3: cetáceos oceânicos ictiófagos (Braunina cordiformis); Grupo 4: cetáceos oceânicos teutófagos (Bolbosoma capitatum, Tetrabothrideos e larvas cestóides); Grupo 5: cetáceo oceânico ictiófago e teutófago (Braunina cordiformis, Bolbosoma capitatum e Tetrabotrideos). A helmintofauna na região sudeste é caraterizada pela presença constante e amplamente distribuída de nematóides e trematóides. Por outro lado, cestóides e acantocéfalos são observados mais em pinípedes e animais mais oceânicos, ictiófagos e teutófagos. Apesar dos poucos relatos de parasitas no Norte e Nordeste do Brasil, aparentemente este mesmo tipo de divisão é observado para o resto do país, com animais que tenham dieta e/ou área de alimentação próximas (simpátricos) apresentando os mesmos grupos de parasitas. Na região sul, mesmo os animais mais costeiros também apresentam cestóides e acantocéfalos. Os resultados do nosso estudo também comprovam a maior diversidade de espécies parasitas ocorrendo mais ao sul do país, provavelmente relacionada a maior concentração de espécies de mamíferos marinhos, incluindo pinípedes, ocasionando uma maior densidade no ambiente. Apesar da falta de registros de parasitas em pinípedes do Brasil, devido ao pequeno número de projetos relacionados a parasitas e patologia deste grupo de carnívoros, é importante ressaltar que os parasitas existem, estão presentes no ambiente e a infecção ocorre. A ocorrência de pinípedes em águas brasileiras é registrada especialmente na região sul, com machos e jovens durante os meses de inverno e primavera. Não existem colônias de reprodução em nosso litoral, mas importantes áreas de concentração de O. flavescens no Rio Grande do Sul, próximo a Lagoa dos Patos (São José do Norte) e na Reserva Ecológica da Ilha dos Lobos (Torres), sendo sua presença também ocasionalmente registrada nas regiões Sudeste e Nordeste (ROSAS et al., 1994; PINEDO et al., 1992; IBAMA, 2001). Além disso, outras espécies, como A tropicalis tem ampla distribuição no hemisfério sul, com indivíduos errantes encontrados a milhares de quilômetros de seus locais de reprodução, inclusive no Nordeste do Brasil, principalmente nos meses de inverno (PINEDO et al., 1992; VERGARA et al., 2000). De maneira geral, o ambiente costeiro é bem mais rico em parasitas e existem vários casos de novas acomodações recentes ou especiações de parasitas a novos hospedeiros. Apesar da aparente continuidade entre o ambiente costeiro e o oceânico, a fauna parasitária dos mamíferos marinhos pelágicos é distinta e pobre comparativamente. Vários fatores contribuem para isso, sendo primeiro o fato de muitos grupos de parasitas estarem subrepresentados. A diversidade dos digenéticos provavelmente é contida por que ele necessitam quase que exclusivamente de gastrópodes e bivalves como hospedeiros intermediários, que são abundantes no ambiente costeiro e não nas águas pelágicas. Segundo, as comunidades de hospedeiros também são mais pobres e por isso, a troca de parasitas entre eles fica diminuída. Terceiro, os estágios infectantes estão muito mais diluídos no ambiente pelágico ,e as taxas de transmissão são menores. Por outro lado, alguns grupos de parasitas são predominantemente pelágicos, como por exemplo os cestóides tetrabotrídeos que ocorrem em aves e cetáceos pelágicos (RAGA et al., 2001). No caso específico de Pontoporia blainvillei, uma diferença qualitativa variando com a latitude é claramente observada, sendo que, enquanto no Rio de Janeiro não são encontrados parasitos gastrointestinais (SANTOS et al., 1996) e em São Paulo e Paraná ela só apresenta uma espécie de trematóide intestinal (MARIGO et al., 2002); no Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina são encontradas até cinco espécies, inclusive de acantocéfalos comuns nos pinípedes da mesma área (ANDRADE, 1996; ANDRADE et al., 1998). Isto se deve provavelmente a uma maior contaminação ambiental, provocada pela presença de hospedeiros definitivos e de hospedeiros intermediários infectados. O acantocéfalo Corynosoma australe, por exemplo, parece ser um helminto com alto poder de colonização (TADDEO et al., 1998), e realmente está presente no Rio Grande do Sul com alta prevalência e intensidade em um item importante da dieta das P. blainvillei, a corvina branca (Micropogonias furnieri). No entanto, aparece com menor prevalência e intensidade na mesma espécie de peixe no Rio de Janeiro, onde coincidentemente não é um item preferencial das franciscanas (ALVES; LUQUE, 2001; DI BENEDITTO; RAMOS, 2001). Desta forma, P. blainvillei pode funcionar como um hospedeiro ecológico facultativo para C. australe, sustentando uma porção significativa da população do parasita, numa área de grande contaminação ambiental devido a presença de outros hospedeiros naturais, como os pinípedes. Em outras áreas, como Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, parasitas encontrados em outros cetáceos hospedeiros definitivos podem estar presentes no ambiente e nos itens alimentares, no entanto, talvez nestas áreas, estes outros cetáceos sejam hospedeiros mais adequados do que P. blainvillei. P. blainvillei adaptou-se ao ambiente marinho mais tardiamente, tendo um ou mais ancestrais em água doce, o que implicaria em importantes mudanças de habitats para os seus parasitas (AZNAR et al., 1994a). Desta forma, ela também pode ainda não apresentar características fisiológicas tão adequadas para o desenvolvimentos dos parasitas, mesmo que os albergue em áreas onde a concentração no ambiente é muito grande (hospedeiro ecológico facultativo). Vários autores indicam diferenças anatômicas peculiares nos pulmões e trato gastrointestinal das franciscanas (BROWNELL, 1989; YAMASAKI et al., 1974; YAMASAKI; KITO,1984) que podem realmente influenciar na colonização dos parasitos. Intestinos relativamente simples, por exemplo, podem propiciar menor número de nichos para colonização de parasitas e favorecer comunidades de helmintos pobres (BALBUENA ; RAGA, 1993). Outro fator importante é a dieta dos hospedeiros. Cetáceos em sua maioria são considerados oportunistas, favorecendo-se das espécies abundantes numa determinada região e/ou época do ano. No entanto a ingestão seletiva de algumas presas pode aumentar a diversidade de parasitas. Por exemplo, P. blainvillei são extremamente costeiras e se alimentam de espécies de peixes de fundo (bentônicas ou demersais). Tais espécies de peixes abrigam uma concentração maior de parasitas do que os peixes da coluna d’água, por que sua alimentação consiste de hospedeiros intermediários mais infectados (AZNAR et al., 1994a). A maioria dos parasitas de mamíferos marinhos utilizam a cadeia alimentar para sua transmissão e não podem exercer uma grande seleção de hospedeiro, já que podem ser consumidos tanto pelos hospedeiros “certos” quanto os “errados”. Quando este encontro com o hospedeiro “errado” é casual, sua significância ecológica e evolucionária é mínima. No entanto, se os encontros se repetem, a acomodação ou especiação do parasita ao hospedeiro antes “errado” pode acontecer. Isto é obviamente mais fácil quando o hospedeiro alvo é filogeneticamente próximo ao hospedeiro original e a probabilidade de encontro é grande (RAGA et al., 2001). O conceito de filogenia deve ser incorporado na análise das estruturas das comunidades parasitárias. A comunidade parasitária de duas espécies hospedeiras relacionadas são provavelmente similares, às vezes não só por causa de convergência ecológica, mas por que compartilham de um ancestral comum recente (POULIN, 1996). Quanto maior a distância filogenética entre os hospedeiros, menor a probabilidade de que o parasita de um hospedeiro possua antígenos compatíveis com o outro (BALBUENA; RAGA, 1993). A origem dos parasitas pulmonares Pseudaliidae, por exemplo, parece ser terrestre (a maioria das espécies de metastrongilídeos são encontradas em mamíferos terrestres) e teriam se tornado adaptados ao mar junto com seus hospedeiros. Dificilmente ocorre “troca de hospedeiro” com outros mamíferos marinhos como, por exemplo, focas e mais facilmente ocorre entre espécies de odontocetos simpátricas (BALBUENA et al., 1994). Desta forma, é fácil entender por que o parasita pulmonar Halocercus brasiliensis pode ser transmitido e encontrado em delfinídeos filogeneticamente próximos como Sotalia guianensis e Stenella coeruleoalba, e não em membros família Pontoporiidae como P. blainvillei. Misticetos também parecem não albergar parasitas pulmonares, o que também pode refletir uma diferente história evolucionária, anatomia, dieta e comportamento, quando comparados com odontocetos (MEASURES, 2001). Da mesma forma, a transmissão do trematóide digenético Hadwenius tursionis é considerada mais fácil entre o mesmo grupo filogenético de delfinídeos (Sotalia guianensis, Tursiops truncatus, Stenella frontalis, Delphinus capensis), mesmo sendo alguns basicamente costeiros e outros mais pelágicos. Por outro lado, a mesma espécie trematóide nunca foi encontrada em P. blainvillei de ambientes costeiros. O trematóide digenético Hadwenius pontoporiae é especifico e exclusivo de P. blainvillei e já tendo sido encontrado em animais de vários locais do estado de São Paulo, no Paraná, Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina, com diferenças significativas em prevalência e intensidade de infecção, aumentando com a latitude (ANDRADE, 1996; MARIGO et al., 2002 (Gráficos 10 e 11). Tais dados sugerem que H. pontoporiae esteja coevoluindo com P. blainvillei . 400 100% 90% 350 80% 300 70% 60% Prevalências Médias de Intensidade 450 250 200 150 50% 40% 30% 100 20% 50 10% 0% 0 1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7 Áreas Áreas Observ ados Linear (Observ ados) Observados Linear (Observ ados) Gráficos 10 e 11: Gráfico das médias de intensidade e prevalência (respectivamente) de Hadwenius pontoporiae em P. blainvillei de acordo com áreas: 1. Ubatuba (n=1); 2. Praia Grande e Guarujá (n=15), 3. Itanhaém (n=2); 4.Cananéia (n=17); 5) Paraná (n= 14); 6) Rio Grande do Sul (n=53, Andrade, 1996) e 7) Argentina (n= 46, Aznar et al.,1994a). A espécie P. blainvillei ocorre desde Itaúnas no Espírito Santo até Golfo Nuevo na Argentina e baseados em caracteres morfométricos, duas formas geográficas são citadas, a “forma norte”, menor, entre os 22°S - 27°S e “forma sul”, maior, entre os 32°S – 38°S. Com base na comparação das espécies de parasitos do Brasil, Uruguai e Argentina, sugere-se a divisão da população sul em dois grupos, um incluindo animais do Rio Grande do Sul e Uruguai e outro os da Argentina; tais informações são corroboradas por estudos genéticos, hábitos alimentares, comportamento e resposta reprodutiva (ANDRADE, 1996; SECCHI et al., 2002). Andrade (1996) sugere também a existência temporária de dois estoques ecológicos de P. blainvillei durante a primavera, um no litoral do Rio Grande do Sul e outro na Argentina. As diferenças de prevalência de H. pontoporiae entre P. blainvillei de São Paulo e Paraná são significativas com relação a prevalência no Rio Grande do Sul, comprovando a separação destes dois grupos, que fariam parte da forma norte e sul respectivamente (MARIGO et al., 2002). Em análises genéticas, apesar da proximidade, os animais do Paraná são mais similares aos do Rio Grande do Sul do que aos do Rio de Janeiro (SECCHI et al., 2002). A separação da espécie somente entre “forma norte” e “forma sul” tem se mostrado insuficiente para efeitos de conservação, já que as ameaças ocorrem em diferentes níveis de acordo com a situação local. Recentemente, foi proposta a divisão da população em quatro áreas de manejo, ou seja, duas para a “forma sul” e a divisão da “forma norte” em dois estoques também, um do Espírito Santo ao Rio de Janeiro e outro de São Paulo a Santa Catarina (SECCHI et al., 2002). Desta forma, o uso de H. pontoporiae como marcador biológico para estoques de franciscanas têm sido indicado e realizado com sucesso, aliado a outras ferramentas (ANDRADE, 1996; MARIGO et al., 2002; SECCHI et al., 2002). H. tursionis descrito para Tursiops truncatus têm sido encontrado em outras espécies de cetáceos na América do Sul (ANDRADE et al., 1998; TORRES et al., 1992), inclusive em Sotalia guianensis de outras áreas do Brasil (ANDRADE PEREIRA, 1998). H. tursionis também poderia ser utilizado como marcador biológico, já que de acordo com o Plano de Ação para os Mamíferos Aquáticos do Brasil, a identificação de estoques desta espécie de cetáceo também pouco conhecida, é um dos projetos prioritários em águas brasileiras (IBAMA, 2001). A confiabilidade da comparação entre a fauna parasitária de amostras de hospedeiros de diferentes localidades depende da simultaneidade das colheitas. Caso contrário, há risco de aspectos espaciais e temporais interferirem com os resultados (AZNAR et al., 1995). Infelizmente, a obtenção simultânea de amostras de diferentes locais é praticamente impossível devido a característica oportunista dos estudos de mamíferos marinhos selvagens. Porém, tal obstáculo não elimina a importância e utilidade das amostras colhidas. Atualmente, alguns dos projetos prioritários para várias espécies no Brasil estão relacionados com a colheita de material biológico e identificação das causas de mortalidade e da fauna parasitária para auxiliar a identificação de estoques ecológicos (IBAMA, 2001). Estes estoques são um artifício humano usados para fins de manejo e conservação, e como tal devem sempre ser interpretados com precaução (ANDRADE, 1996). Figura 33: Padrões de compartilhamento de parasitas, mostrando as famílias dos gêneros. Círculos incluem as famílias exclusivas de cada grupo de hospedeiros, + Polymorphidae, * Diphyllobothriidae. Adaptado de Raga et al., 2001. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como existe um grande interesse nos estômagos dos animais para análise do conteúdo alimentar e estudos de dieta, esses órgãos vêm sendo investigados por terceiros, e os parasitos observados são colhidos, fixados e armazenados por estes. Dessa forma, alguns parasitos podem ter sido perdidos durante a triagem e/ou devido a problemas na colheita, fixação e armazenagem. Lesões causadas por ovos e/ou parasitas no cérebro e ouvido interno de cetáceos já foram reportadas e, apesar da resistência dos pesquisadores quanto a abertura do crânio e falta de costume, tais estruturas deveriam ser avaliadas sempre que possível. Porém, acreditamos que esses obstáculos vêm sendo paulatinamente ultrapassados, através da conscientização e compreensão dos pesquisadores de outras áreas. Um aspecto paralelo a essa situação refere-se também a perda de material para o estudo histopatológico, haja vista que quando congelado, o órgão torna-se impróprio para análise microscópica. Devido a longa duração das necrópsias para colheita de diversas amostras, os intestinos costumam ser congelados para análise posterior, já que o método específico de necrópsia parasitológica demanda bastante tempo. Desta forma, é priorizada a utilização do intestino todo, congelado, para medida de comprimento total e contagem de parasitos, e somente uma pequena amostra do início e final para histopatologia. Visto que na maioria das espécies hospedeiras estudadas até agora prevalece a presença de pequenos trematóides intestinais, não acreditamos que os mesmos possam causar grandes lesões, principalmente devido a sua morfologia, como já foi citado. No entanto, as amostras para histopatologia não devem ser negligenciadas. Finalmente, cumpre ressaltar que até o momento não foi possível observar parasitos vivos apesar de recebermos alguns cetáceos com morte recente. Além disso, o congelamento dos estômagos e intestinos provoca a morte dos parasitos, dificultando a identificação dos mesmos. Porém, cremos que isso não tem comprometido a investigação das estruturas internas, e consequentemente a identificação da maioria dos parasitos. 8 CONCLUSÕES • Dentre as enfermidades parasitárias encontradas, a alta incidência de parasitos e lesões pulmonares em S. guianenis é preocupante. • As lesões relacionadas aos parasitos pulmonares para ambos os grupos (cetáceos e pinípedes) são uma condição debilitante importante para animais aquáticos. Nematóides, trematóides, acantocéfalos e cestóides gastrointestinais aparentemente não causaram lesões significativas. • Os trematóides H. pontoporiae e H. tursionis podem ser utilizados como marcadores biológicos de estoques de P. blainvillei e S. guianensis respectivamente, pois apresentam diferentes níveis de infecção dentro das áreas amostradas neste estudo e com base nos dados de literatura. Porém, é necessário que a metodologia utilizada seja padronizada e os resultados analisados com cautela. • As informações referentes a achados anatomopatológicos, mesmo de indivíduos capturados acidentalmente, dessa forma supostamente saudáveis, devem buscar a determinação do real significado do processo patológico e o estado sanitário das populações, inclusive no caso do impacto de parasitas onde vários fatores intrínsecos e extrínsecos podem estar relacionados. Devemos buscar também a compreensão dos efeitos das relações parasita hospedeiro na sobrevivência das populações e não só dos indivíduos. REFERÊNCIAS ABOLLO, E.; LÓPEZ, A.; GESTAL, C.; BENAVENTE, P.; PASCUAL, S. Macroparasites in cetaceans stranded on the northwestern Spanish Atlantic coast. Diseases of Aquatic Organisms, v. 32, p. 227-231. 1998. ABOLLO, E.; PASCUAL, S. An SEM study of Phocascaris cystophorae Berland, 1964 (Nematoda: Anisakidae), a parasite of the hooded seal Cystophora cristata. Systematic Parasitology, v. 51, p. 155-158, 2002. ADAMS, A.M.; HOBERG, E.P.; MCALPINE, D. F.; CLAYDEN, S.L. Ocurrence and morphological comparisons of Campula oblonga (Digenea: Campulidae), including a report from na atypical host, the Thresher shark, Alopias vulpinus. Journal of Parasitology, v. 84, n. 2, p. 435-438, 1998. ALMEIDA, J. L. de. Sobre as espécies do gênero Halocercus Baylis & Daubney, 1925 (Nematoda: Pseudalidae). 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