o futuro está nas

Transcrição

o futuro está nas
Entrevista: Oriovaldo O. Galasso – Fazer bom Marketing ainda é – em primeiro lugar – vender
R
e
REVISTA DA ESPM –
v
VOLUME
i
10 –
ANO
s
9-
EDIÇÃO
t
N 5–
O
a
d
SETEMBRO/OUTUBRO
a
2003 – R$ 24,00
O FUTURO
ESTÁ NAS
VENDAS
AFINAL, O QUE É CRM MESMO?
J OÃO M ATTA
ESTRATÉGIAS DE MARKETING PARA PRODUTOS DE ALTA TECNOLOGIA:
O Caso Hewlett-Packard-Compaq do Brasil
D ANIEL B RAGA R ODRIGUES A LVES /M ARIA C LARA P IAZZA /T ALES A NDREASSI
O MUSÉE DE LA PUBLICITÉ DE PARIS
J. R OBERTO W HITAKER P ENTEADO
SERVICE PROFIT CHAIN –
Gerando Valor para os Clientes, Funcionários e Acionistas
A LEXANDRE M ATHIAS E E DUARDO H ALPERN
O DESAFIO DO REPOSICIONAMENTO DE MARCAS
MARCUS S AVOI B ORTOLAN E R ENATO T ELLES
A GLOBALIZAÇÃO DAS ECONOMIAS E AS TRANSFORMAÇÕES NO
MERCADO DE TRABALHO EM TEMPOS DE PÓS-MODERNIDADE
D URVAL M EIRELLES E ROBERTO GIL UCHOA
MESA REDONDA
ISSN – 1676-1316
COM ESPECIALISTAS
CASE-STUDY OCEANIC COSMÉTICOS
O S DESAFIOS
NO
SETOR
DE
DE
VENDAS
FRANQUIAS
PONTO DE VISTA
COM
M ARIO F RANCESCATO
EXPEDIENTE
CONSELHO EDITORIAL
Francisco Gracioso – Presidente
Alex Periscinoto
Alexandre Gracioso
Aylza Munhoz
Jacques Marcovitch
J. Roberto Whitaker Penteado
Editorial
A VOLTA DO CAIXEIRO VIAJANTE
EDITOR
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REVISTA DA ESPM - uma publicação bimestral da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores.
Professores, pesquisadores, consultores e executivos
são convidados a apresentar matérias sobre suas
especialidades, que venham a contribuir para o aperfeiçoamento da teoria e da prática nos campos da administração em geral, do marketing e das comunicações. Informações sobre as formas e condições, favor
entrar em contato com a coordenadora editorial.
P
ara quem já não se lembra, “A morte do caixeiro
viajante” foi uma peça épica de Arthur Miller –
depois transformada em filme – cujo personagem
principal, Willy Loman, era um vendedor.
Um mundo em transformação acabou fazendo de
Willy um fracassado, verdadeira anomalia. Seus
fregueses desapareceram ou perderam o interesse nele. Os produtos que vendia tornaram-se
obsoletos. Mas Willy persistia. Recusou a aposentadoria e continuou fazendo o que sabia: carregando sua maleta de amostras, caminhava pelas
ruas e tocava campainhas que as donas-de-casa fingiam não ouvir.
Agora, o pêndulo da história completa mais um ciclo e inicia o caminho
de volta. Lentamente, as vendas retomam o seu lugar, como o momento
da verdade do marketing. Os novos vendedores, porém, não se parecem
com Willy Loman. São universitários bem preparados, treinados para administrar os negócios com os clientes, com a mesma competência de um
gerente de contas. Em vez da maleta de amostras, carregam agora o computador que os mantém em permanente contato com a matriz e lhes permite negociar com autoridade e responsabilidade. Continuam a ser amigos dos clientes, mas tornaram-se também parceiros estratégicos de muitos deles.
Tudo isso, e muito mais, é contado nas páginas que se seguem. Para nós,
que vimos a peça de Arthur Miller na Broadway há muitos anos, esta edição da Revista da ESPM tem um sabor de revanche e de homenagem à
memória de Willy Loman.
Francisco Gracioso
PARA ASSINAR, LIGUE: (0XX11) 5085-4508
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SE PREFERIR, ACESSE O SITE: WWW.ESPM.BR
Cartas
SÉRIA, OUSADA
E INTELIGENTE
Faz tempo que estou para escrever para dar os parabéns pela
Revista da ESPM. Ela é muito
boa.
A última que recebi foi a de
maio/junho 2003.
Gosto da proposta editorial da
revista e do seu projeto gráfico.
Aprecio os sumários executivos;
a forma em que as matérias e as
informações são disponibilizadas ao leitor; passam uma
proposta séria, mas não por isso
quadrada; pelo contrário, ousada e inteligente!
Não queria passar sem parabenizá-los em particular pela
entrevista a José Murilo de
Carvalho, uma contribuição a
que, acredito, todos devemos
agradecer.
Graciela Inés Presas Areu
Curitiba, por e-mail
QUALIDADE
CONTEÚDO VALORIZADO
Pelo fim: no artigo Ponto de Vista
há foto com nome do autor e sua
posição na empresa, na seção
Entrevista, o mesmo critério –
fotos dos participantes com nome
e a empresa; porque na seção
Mesa-Redonda, que é um dos
atrativos da Revista não se usa o
mesmo critério – fotos com
nomes, para identificação de
quem fala?
Fiquei feliz em ver a nova Revista
da ESPM.
Sou arquiteto com especialização
em Marketing pela FGV, cursando pós-graduação em Filosofia
na USP. Trabalho projetos sociais
– Ética e Responsabilidade Social
– para empresas e ONGs, buscando sinergias dentro dos seus
“brand equities”.
A Revista da ESPM é a única que
trata do assunto P&M no Brasil,
com critérios e alta qualidade.
Destaque, também, ao trabalho
da Qualimetria, que é do conceito editorial (vínculo com escola)
e também com muita qualidade.
Parabéns.
Fernando Zanforlin
por e-mail
R. Obrigado, Graciela. Esperamos
continuar a merecê-la como
leitora.
R. Você deve ter notado,
Fernando, que – como toda
mudança de visual em periódicos
– a nossa tem sido gradual. Suas
sugestões são bem-vindas.
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A diagramação e o visual adotado
valorizam o conteúdo editorial que
sempre foi o forte da nossa Revista.
Grande abraço.
Fábio Mestriner
Presidente da ABRE – Associação
Brasileira de Embalagem
e da Packing
R. Vindo de quem vem, esse elogio
vale muito. Obrigado.
INDISPENSÁVEL
Não conhecia ainda a Revista e
gostei, muito. Acho-a indispensável aos alunos de cursos como
o de Gestão de Processos Comunicacionais, da ECA, do qual fui
coordenadora.
Maria Aparecida Baccega
Gestão de Processos
Comunicacionais
por e-mail
R. Obrigado. Trabalhamos no
sentido de fazer com que a Revista,
se não indispensável – que é
slogan de uma outra revista – seja,
pelo menos, útil para os alunos e
professores das áreas de comunicação e administração.
Índice
ENTREVISTA
ORIVALDO O. GALASSO
AFINAL, O QUE É CRM MESMO?
JOÃO MATTA
8
22
Atualmente as três letras CRM têm sido utilizadas pelo mercado com significados diversos. É importante resgatarmos o real significado desta
nova filosofia de negócios. O que realmente estamos querendo dizer quando falamos em gerenciar o relacionamento com o cliente?
ESTRATÉGIAS DE MARKETING PARA PRODUTOS DE ALTA TECNOLOGIA: O CASO HEWLETT-PACKARD-COMPAQ DO BRASIL
DANIEL BRAGA RODRIGUES ALVES/MARIA CLARA PIAZZA /TALES ANDREASSI
36
O objetivo deste artigo é contribuir para o entendimento do mercado de alta tecnologia e suas peculiaridades, tendo como variáveis de análise
as estratégias empregadas, o comportamento de compra dos clientes e o ciclo de vida dos produtos do setor.
O MUSÉE DE LA PUBLICITÉ DE PARIS
J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO
46
O Musée de la Publicité é, possivelmente, o único museu oficial da publicidade em todo o mundo e funciona nas mesmas instalações do Museu
do Louvre, o que legitima a presença da propaganda comercial, na cultura – e na sociedade – francesas, como arte aplicada.
SERVICE PROFIT CHAIN – GERANDO VALOR PARA OS CLIENTES, FUNCIONÁRIOS E ACIONISTAS
ALEXANDRE MATHIAS E EDUARDO HALPERN
58
Por que algumas empresas são de fato extraordinariamente melhores do que outras no mesmo segmento? Como conseguem gerar mais valor e
lucratividade a seus clientes, funcionários e acionistas? Neste artigo os autores apresentam o modelo da Cadeia Serviços-Lucro que as
empresas vencedoras vem adotando intuitivamente ou deliberadamente.
O DESAFIO DO REPOSICIONAMENTO DE MARCAS
MARCUS SAVOI BORTOLAN E RENATO TELLES
70
Com o objetivo de contribuir no exame e/ou avaliação do reposicionamento de marcas, este artigo aborda as condições, os desafios e os impactos
potenciais, oferecendo uma classificação e uma estrutura de análise orientadas para operação e gestão de estratégias de reposicionamento.
A GLOBALIZAÇÃO DAS ECONOMIAS E AS TRANSFORMAÇÕES NO MERCADO DE TRABALHO EM TEMPOS DE PÓS-MODERNIDADE
DURVAL MEIRELLES E ROBERTO GIL UCHOA
84
Este artigo estuda um viés que permita o questionamento do papel do trabalhador na nova economia globalizada, cujo maior foco é o incremento de
fluxos financeiro e real.
MESA REDONDA
COM ESPECIALISTAS DE VENDAS
CASE-STUDY OCEANIC COSMÉTICOS
OS DESAFIOS NO SETOR DE FRANQUIAS
LEITURA RECOMENDADA
SUMÁRIO EXECUTIVO
ENGLISH ABSTRACT
PONTO DE VISTA
COM MARIO FRANCESCATO
96
112
122
126
128
130
Entrevista
ENTREVISTA COM
ORIVALDO O.
Fotos: Júnior de Oliveira
FAZER BOM MARKETING AINDA É – EM PRIMEIRO LUGAR – VENDER.
N
ão faz tanto tempo assim, o marketing era visto como
uma ideologia importada, que vinha atrapalhar as
atividades tradicionais de venda e de propaganda.
Muitos novos profissionais de marketing foram, aos
poucos, preenchendo os espaços do planejamento e
das ações estratégicas – nas empresas – a tal ponto que
a propaganda tornou-se um subitem das atividades de
comunicação e promoção – e as vendas... sumiram!
Bom, talvez não tenha sido assim tão radical. Mas a verdade é que, dentro
da crise multifacetada – que parece a companheira inseparável dos executivos e empresários brasileiros –, já há quem suspire de nostalgia dos supervendedores e das grandes equipes de venda de antigamente.
Claro, as pessoas continuam tentando vender. Minhas caixas de e-mail continuam repletas de propostas patéticas para a compra de produtos que aumentam o desempenho sexual e de investimentos nas Bermudas. O telefone toca, em horas impossíveis, oferecendo assinaturas de jornais e revistas
de interesse limitado, cartões de crédito que já se têm e a abertura de contas
em bancos que mal se conhecem.
Não estará na hora de reler os antigos livros sobre técnicas de vendas e de
refletir que fazer bom marketing ainda significa, em primeiro lugar: vender?
Para debater esse assunto e suas implicações, a Revista convidou Orivaldo
Galasso – um “monstro sagrado” da Era de Ouro das Vendas, no Brasil –
responsável durante mais de três décadas pelo setor em uma das maiores e
mais bem-sucedidas multinacionais do Brasil, a Unilever. Galasso, que hoje
contribui para o sucesso de uma empresa brasileira do ramo alimentar, a
Marilan, e é um convicto apaixonado pelas atividades de treinamento –
dentro e fora da escola –, não se fez de rogado e nos proporciona boa
matéria-prima para importantes reflexões atuais e futuras. yw
JRWP
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Orivaldo
O. Gallasso
GALASSO
ENTREVISTADORES
J. ROBERTO
WHITAKER PENTEADO
FRANCISCO GRACIOSO
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2003–REVISTA DA ESPM
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Entrevista
FG – Gallasso, é um prazer realmente –
para mim e para o J. Roberto – fazer essa
entrevista. Ela fará parte de um número
da Revista da ESPM que vai ser dedicado ao renascimento das vendas, da figura do gerente de vendas, da necessidade
JRWP – Você fala de Brasil ou mundo?
Gallasso – Em “mundo” há que separar
duas coisas. Os Estados Unidos, de um
lado, e a Europa do outro. A Europa nunca deu à venda a importância que deveria ter dentro da empresa; os Estados
Unidos não. Lá, há muitos e muitos anos,
vendas têm um papel mais importante
até do que marketing.
JRWP – É o país onde havia os supervendedores dos anos 40 e 50.
Gallasso – A Europa sempre teve um
comércio pouco desenvolvido. Enquanto
nos EUA as grandes cadeias de varejo e
atacado tinham preponderância nos
“OS PROFISSIONAIS DE MARKETING, EM GERAL,
NÃO TÊM EXPERIÊNCIA DE VENDAS.”
do esforço de vendas. Estivemos conjecturando que, talvez, uma parte da crise
atual seja causada pela má performance
em vendas. Empresas de modo geral que
não estão fazendo o que poderiam e deveriam para vender os seus produtos. Mau
atendimento no pré e pós-venda, informações insuficientes, problemas causados por má preparação das estruturas.
Além disso, o novo papel que as vendas
podem estar assumindo na nossa economia, no nosso marketing. Sabemos – e
você é personagem desta novela: o que
se espera hoje de um diretor de vendas,
ou mesmo de um simples vendedor, comparado com o que era há alguns anos?
Gallasso – Entendo perfeitamente a sua
preocupação e a sua colocação. Mas temos que voltar um pouco. Vendas nunca
teve a expressão que deveria ter dentro da
empresa. Este foi o grande problema de
vendas no passado e continua sendo.
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negócios. Isso fez com que as empresas norte-americanas se preparassem
melhor em vendas do que as empresas européias. E o Brasil teve esse tipo
de influência...
FG – Mais dos norte-americanos ou dos
europeus?
Gallasso – Dos europeus.
JRWP – Culturalmente, somos um país
europeu – colonizado pelos europeus.
Gallasso – Então esse desprezo pela área
de vendas... O marketing é que tinha
expressão dentro da empresa, era o máximo – e vendas foi deixada para trás.
Durante muitos anos, inclusive, foi uma
função subordinada a marketing – e isso
foi um grande erro. Os profissionais de
marketing, em geral, não têm experiência de vendas, sabem muito pouco so-
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bre vendas. Outra coisa importante: nunca tivemos estrategistas na área de vendas. A área de vendas era tratada como
uma “caixa preta”. Eu é que conheço o
cliente, ele é meu, só eu sei lidar com ele
e ninguém pode chegar perto. Isso que
os homens de vendas criaram – em benefício próprio, talvez – foi outro ponto
negativo para o desenvolvimento de vendas dentro das empresas. Porque, na realidade, o cliente não é de um gerente ou
de um diretor; ele é da empresa. Um terceiro ponto negativo é que os profissionais de vendas eram sempre definidos
como “os grandes vendedores”. E nunca
se pensou, realmente, em transformar
esses homens de grandes vendedores para
grandes estrategistas; fazer deles os executivos que buscam performance.
FG – A venda olhava sempre para o curto prazo.
Gallasso – Muito. Resultados imediatos,
que são parte inerente de vendas, pois
temos que estar buscando resultado
todo mês. Mas não podemos simplesmente sair à busca de resultado e esquecer todo o resto. Na estratégia da
empresa, vendas tem um papel extremamente importante, que muitas vezes não
é cumprido. Por exemplo, no passado,
nos vários planos da empresa, víamos
planos para produtos, grupos de produto,
mas nunca um planejamento de cliente.
Não existia. Era a estratégia de vendas.
Mas se você pedisse a um homem de
vendas que preparasse uma estratégia,
ele não sabia o que fazer. Essas coisas
prejudicaram a área de vendas. Mas,
hoje, quando olhamos a crise que
estamos vivendo, no comércio em geral,
vemos que vendas desempenha um papel na estrutura da empresa que nunca
teve no passado. Quem não se preparar para esse novo papel não vai
ter futuro.
Orivaldo
JRWP – Vamos tentar pôr isso cronologicamente. Quando comecei como gerente de produto, nos anos 60, marketing
ainda era meio novidade. As empresas
tinham o seu setor de vendas – as grandes tinham a sua equipe de vendas, o
seu gerente de vendas – e, do gerente de
propaganda, alguma coisa de pesquisa,
evoluiu o marketing. Aí, como você disse, o marketing tomou conta… e algumas cometeram esse engano de pôr vendas abaixo de marketing. No Brasil, quando é que isso aconteceu?
Gallasso – Até os anos 70, uma empresa
grande atendia diretamente a cerca de
40/50 mil clientes. O mercado era relativamente homogêneo e marketing praticamente não existia, só as grandes equipes de vendas. O importante era vender
para 50, 60, até 70 mil clientes. O comércio era muito otimizado. Isso fazia
com que venda fosse fácil de ser feita.
JRWP – Nos anos 70, o auto-serviço era
praticamente uma novidade?
Gallasso – Estava começando. No Brasil, os auto-serviços começaram por volta de 65. Até então, tínhamos atacadistas, que atendiam a grande parte do interior. Nas grandes cidades, várias lojas
pequenas faziam a distribuição, era onde
o consumidor ia comprar. Até essa fase,
quem ditava as regras do mercado era a
indústria. O comércio não tinha tanta importância e o consumidor era pouco exigente. Outra coisa, a indústria achava que
sabia o que o consumidor queria consumir e lançava os produtos que bem entendia, usando o comércio como meio
distribuidor de produtos. Essa foi a grande fase da indústria.
FG – O comerciante achava que a indústria lhe prestava um favor ao lhe entregar o produto que iria revender.
Gallasso – Porque eram pequenos e davam
grande importância ao fato de uma grande
empresa ir visitá-los. Essa situação – acho –
perdurou durante os anos 70. A indústria
comandava totalmente as ações, e o comércio fazia o papel de mero distribuidor.
FG – Fui testemunha de alguns confrontos entre indústria e varejo, que às vezes
aconteciam. Havia um problema qualquer – de preço, de prazo – o supermercado dizia: “Enquanto não resolvermos,
não comprarei o seu produto”. E a indústria aceitava o desafio. Às vezes, durante meses. Mas, quando retomavam o
fornecimento, era geralmente a indústria
que saía ganhando.
Gallasso – Em 1991, a Gessy-Lever teve
um confronto com o Carrefour. O
Carrefour queria mais prazo, mas estávamos numa época de inflação terrível.
Então deixaram de comprar durante onze
meses. Eles haviam lançado marcas
próprias e julgavam que poderiam
conquistar o consumidor. Mas perderam,
porque aumentaram as vendas nos concorrentes e não perdemos um ponto de
market-share. Se você perguntar se eu
faria isso hoje, eu digo não. Na realidade, o prejudicado foi o consumidor, que
tinha que sair da loja do Carrefour e ir
procurar os produtos da Gessy-Lever em
outro supermercado. Esses embates não
valem a pena porque o prejudicado é o
consumidor. Até os anos 80, a indústria
comandava, o comércio tinha pouca voz
e o consumidor não era exigente. Mas a
partir daí, mudou o relacionamento.
O. Gallasso
tria em nome do consumidor. Foi uma
mudança radical no sistema, o papel do
supermercado mudou e a indústria não
conseguiu entender isso, pois continuou
baseando-se no consumidor, fazendo as
mesmas pesquisas que fazia no passado. Só que – com essa mudança que
houve no comércio – mudou também o
comportamento do consumidor em relação ao comércio. Diante da grande variedade de produtos oferecidos nas
gôndolas, o seu comportamento era
completamente diferente. E a indústria
demorou para entender essa transformação. Hoje, existem pesquisas sobre o
shopper, não mais apenas o consumidor, mas o consumidor dentro da loja e
a indústria está acompanhando isso também. Mas o supermercado descobriu isso
muito antes da indústria.
JRWP – Deram-se conta de que tinham
os consumidores dentro de suas lojas…
Gallasso – Anteciparam-se à indústria.
Quer dizer, além da concentração havida,
o distribuidor passou a ter a consciência
do shopper – o consumidor comprando
– muito maior do que a indústria.
FG – Inclusive com a ajuda dos cartões
de fidelidade.
JRWP – Quando?
Gallasso – Primeiro foram as pesquisas –
o Carrefour fazia muito, o Pão de Açúcar. Depois, vieram os cartões de fidelidade e, com isso, passaram a ter um conhecimento do consumidor que a indústria não tinha – ela continuou sentada
em berço esplêndido imaginando que a
relação continuava igual.
Gallasso – Acho que foi no começo dos
anos 80, e o grande causador foi a concentração. Se eles tinham um papel de
simples distribuição, na fase seguinte
passam a comprar os produtos da indús-
JRWP – Você está falando de supermercados. E qual foi o comportamento das
empresas que utilizam outros canais,
como a indústria automobilística ou farmacêutica? yw
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Entrevista
Gallasso – De fato, são indústrias muito
diferentes das que atuam nos supermercados. Ocorre que a situação, nos anos
80, nesses dois tipos de indústria, era
quase monopolística. Uns poucos mandavam nesses mercados.
JRWP – Veja, aqui, o jornal O Globo faz
uma crítica ao pessoal da cerveja, dizendo que estão na contramão da lei da oferta e procura. Estamos no inverno, o consumo cai e eles aumentam os preços.Você
acha que isso tem a ver com essa mentalidade monopolística de que você fala?
Gallasso – Tem, muito. Mas temos que
separar as duas fases: o Brasil da época
da inflação e hoje. Muitas empresas não
entenderam o Brasil pós-inflação, que já
vai completando 10 anos. Analisando a
questão dos supermercados e essa concentração… as cadeias médias no Brasil
eram muito boas, mas venderam suas
lojas para as maiores porque não tiveram condições profissionais de enfrentar
um país sem inflação, de buscar eficiência. Na época da inflação, essas cadeias
de varejo – e os atacadistas também –
praticamente viviam da inflação.
JRWP – Como era esse mecanismo?
Gallasso – Era simples. Analisando os
balanços de supermercado, na época,
eles não tinham lucro operacional; só
lucro financeiro. Compravam num prazo médio de 45 dias e vendiam a vista.
Assim, tinham o capital de giro financiado, aplicavam o dinheiro no mercado
financeiro e isso produzia resultados.
FG – Só que estavam se descapitalizando
cada vez mais…
Gallasso – Mas não entendiam isso, porque o mercado inteiro era ineficiente na
época da inflação. A indústria também,
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mas essa ineficiência era coberta por
aumentos de preço. E os consumidores
pagavam por toda essa ineficiência. Imaginem que, quando acabou a inflação, o
pessoal dos supermercadistas perguntava-nos a que preço deveriam vender os
produtos. porque não tinham idéia de
margem de produto.Vinham nos perguntar que margem deveriam aplicar, porque não sabiam. Muita gente não conseguiu superar essa cultura inflacionária. Viviam felizes com a inflação e
quando ela deixou de existir, continuaram ineficientes. Por isso, acabaram
vendendo – e muitos venderam numa
época extremamente propícia. Muitas
empresas foram compradas bem acima do seu valor.
JRWP – Você fala das empresas
varejistas?
Gallasso – Sim. Mas essas empresas foram vendidas a um preço muito bom.
Todas elas. Tanto é que hoje empresas
como Ahold – que comprou o Bom
Preço –, Sonae e o próprio Carrefour estão lamentando os dólares que colocaram no Brasil e não tiveram retorno.
FG – Gallasso, no início, você falou de
uma tendência muito importante, que é
o planejamento cliente a cliente e não
mais linear. As cotas de vendas por produtos – como era praxe – estão sendo
substituídas, ou pelo menos complementadas, por cotas cliente a cliente, o
que mostra a importância maior de alguns clientes – as grandes redes – e, de
certa forma, aproxima a venda ao varejista das técnicas de B2B. Uma grande siderúrgica tem, no máximo, 500 clientes. Para
eles, o planejamento sempre foi feito cliente a cliente. A novidade, então, no caso
das grandes indústrias, é que 50 clientes
entre os 50 mil passam a corresponder a
metade das vendas, ou algo assim.
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Gallasso – No Brasil, a participação ainda não é tão concentrada, não se compara à européia e nem mesmo à Argentina.
Lá, o Carrefour chega a representar 25%
dos negócios de uma empresa. O WalMart nos Estados Unidos representa
facilmente 25% dos negócios de várias
empresas. Isso é terrível, porque muda
totalmente a relação entre as empresas.
JRWP – Por que no Brasil essas megaorganizações não tiveram ainda maior
sucesso?
Gallasso – O Carrefour teve bastante sucesso no Brasil. As operações da empresa no Brasil e na Argentina foram muito
bem-sucedidas, inclusive financeiramente, no tempo da inflação. Hoje menos.
Na França, eles tinham até mais dificuldades com a competição. Muitas empresas brasileiras de varejo contrataram
executivos do Carrefour mas não conseguiram os mesmos resultados, porque
havia o problema de cultura. Uma empresa brasileira não tinha a mesma cultura negocial que tinha o Carrefour.
FG – Quando o Carrefour se instalou aqui
em São Paulo, minha mulher costumava
dizer que os caixas pareciam gerentes do
Peg & Pag. Era outra apresentação.
JRWP – Vamos falar sobre cultura. Cultura de vendas, o espírito, a idéia de
vender, de competir. Um amigo, filho
de português, que tem uma pequena
indústria, o pai levou-o a visitar Portugal quando ele era garoto. Numa
agência de viagens portuguesa, o garoto ouviu do diretor da agência: “Esse
pessoal da Varig está estragando o mercado, porque correm atrás das pessoas para vender passagens. Isso é uma
tolice, pois quem quer viajar vem à
agência”. Fale um pouco dessa nossa
herança cultural.
Orivaldo
Gallasso – Há algumas coisas importantes. É difícil trabalhar numa empresa que
tem liderança absoluta do mercado. A
equipe de vendas se torna arrogante,
prepotente e não trata o cliente como
deveria. Uma das coisas que não consegui na minha carreira foi fazer com que
a nossa equipe de vendas fosse mais humilde e realmente levasse o cliente em
consideração. Quando uma equipe tem
um produto importante, ela usa e abusa
daquilo para impor o que quer. Não é
um problema brasileiro. Ocorre no mundo inteiro, especialmente nos Estados
Unidos. As grandes empresas norte-americanas – com alta participação no mercado – têm uma cultura de vendas arrogante e prepotente.
JRWP – Você falou da cultura norte-americana. E a nossa cultura: não é um pouco avessa a vendas?
Gallasso – De jeito nenhum.Vendas é algo
sensacional, emocionante. E uma equipe
de vendas, para estar realmente motivada,
tem que ter uma grande dose de emoção
por trás. Isso é importante, e o brasileiro é
assim. Acho difícil você encontrar isso
numa equipe de vendas norte-americana
ou européia. Mas na brasileira você encontra essa emoção como um motor da venda.
O. Gallasso
gente acha que temos que tratar a equipe de vendas com carinho, porque representa a empresa lá na frente. Eu não
acho isso. Acho que a equipe de vendas
tem que ser tratada com carinho e com
paulada.
FG – Vou te passar um problema. Ainda
outro dia o seu assistente mostrou-me um
trabalho que está fazendo, orientando os
gerentes regionais com dados estatísticos
e projeções que mostram até onde cada
FG – Foi lá que surgiu a “venda casada”.
Gallasso – E há empresas que saem de lá
e querem implantar essa mentalidade em
países como o Brasil.
JRWP – Algumas até se dão mal.
Gallasso – O caso do Wal-Mart é típico.
Vieram para o Brasil, tinham apenas uma
loja – o Carrefour e o Pão de Açúcar já
eram gigantes – e quiseram impor para
as empresas, por exemplo, o pallet de
90 por 90, que é o padrão norte-americano. Mas o pallet decidido pela ABRAS
há muito tempo no Brasil é de 1/20 por
1. Eles quiseram impor. Isso é típico do
norte-americano. Acham que o que deu
certo nos Estados Unidos vai dar certo
no mundo inteiro. Outro erro foi achar
que o consumidor brasileiro era como o
consumidor norte-americano. Trouxeram, para a inauguração do primeiro
Wal-Mart, não sei quantas bolas de futebol americano para vender. E todo o
equipamento de esqui. Quando entrei
na loja e vi aquilo, pensei: – Meu Deus,
o que é isso?
“UMA EMPRESA BRASILEIRA NÃO TINHA A MESMA
CULTURA NEGOCIAL QUE TINHA O CARREFOUR.”
vendedor pode ir, em determinada circunstância. Como ocorre em outras organizações, o trabalho de apoio à venda
é cada vez mais técnico, porque, hoje, o
vendedor é um administrador de conta
e tem que estar sempre bem informado.
Você não acha que isso contradiz, de
certa forma, a idéia de que a emoção
deve prevalecer?
Gallasso – O que precisamos buscar é
o equilíbrio. Precisamos dar à equipe
de vendas todas as formas técnicas de
realmente controlar o negócio e fazer
o negócio ser bem feito. Mas não podemos perder a emoção típica da força de vendas.
FG – E de que forma se consegue essa
emoção?
Gallasso – Através da motivação. Muita
S E T E M B R O
/
JRWP – Esse é o processo pedagógico
simplificado.
Gallasso – Mas é o que funciona. Sabe
com que se parece o comportamento
da equipe de vendas? Com a área industrial. As duas são movidas a volume, à produtividade, a mostrar resultado. A mesma satisfação que tem o pessoal da área industrial de mostrar os
seus números é a satisfação que vendas
também tem. O que o Prof. falou é lógico: precisamos dar à equipe todos os
instrumentos técnicos para que possam
controlar suas funções. Mas não podemos acabar com o emocional. O
equilíbrio entre a emoção e a técnica é
extremamente importante. O homem
de vendas é facilmente desmotivado. Sabe
por quê? Se estou como vocês, aqui, na
ESPM e precisam conversar com alguém
e só sair da sala e encontrar vários especi-
O U T U B R O
D E
yw
2003–REVISTA DA ESPM
13
Entrevista
alistas, em várias outras salas para conversar, trocar idéias. O vendedor é um
solitário. Ele está totalmente afastado da
empresa e, quando alguma coisa acontece, não tem com quem conversar. A
grande emoção de um vendedor é quan-
e em nenhum dos cartões aparecia a
palavra vendas.
quatro. São excelentes homens de
vendas, no Brasil.
Gallasso – Esse desprestígio do vendedor vem do caixeiro viajante: aquele
homem que pegava seus produtos e ia
andando pelo Brasil inteiro.
FG – Há uma história parecida do Lee
Iaccoca – na Chrysler. Quando se aposentou, escreveu uma espécie de testamento para o pessoal com os últimos
conselhos. Ele dizia que, como presidente da Chrysler, havia entrevistado
muitos trainees que vinham dos MBAs
norte-americanos, e perguntava sempre: “O que você pretende fazer?” E o
rapaz dizia: “Planejamento estratégico”. O Iaccoca “subia a serra”:
“Planejamento estratégico, uma ova.
Primeiro você vai aprender a vender!”
JRWP – Por que desprestígio?
Gallasso – Porque muitas empresas ainda não deram à equipe de vendas a
importância que deve ter.
FG – J. Roberto, acho que você exagera. Você reage como acadêmico, que
é o que somos. Nesta Escola, por exem-
“O VENDEDOR É UM SOLITÁRIO. ELE ESTÁ
TOTALMENTE AFASTADO DA EMPRESA”
do ele tira um pedido, até maior do que
havia planejado. Essa é a sua grande emoção, que não transmite para ninguém.
JRWP – E deve fazer mal a ele, porque
se trata de uma pessoa extrovertida quase por necessidade.
Gallasso – Essa solidão do vendedor
é algo que precisa ser entendido. É
por isso que precisamos motivar, tratar de ver o que está acontecendo
com o vendedor e encontrar caminhos para que esteja sempre motivado. Aí a emoção é importante.
JRWP – A palavra “vendedor” nunca teve muito prestígio social no Brasil. Tivemos uma mesa-redonda aqui
– a idéia era chamar especialistas em
vendas. Participaram seis pessoas,
que me deram seus cartões de visita
14
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
plo, a maioria dos jovens formandos
prefere cargos na área do marketing.
Não querem trabalhar como vendedores, se puderem evitar. Acho que isso
vem da ênfase que damos ao planejamento de marketing, à estratégia –
uma palavra mágica, que os jovens
adoram. Você acaba de dizer que vendas tem pouco a ver com estratégia.
Venda é tática, ação rápida. E muitos
jovens têm medo de vendas, têm medo
de não ser capazes de vender.
Gallasso – Tenho experiência nisso.
A Gessy-Lever sempre teve muitos
trainees e eles entravam na companhia querendo marketing. Um ano,
peguei seis e trouxe para vendas. Os
seis estavam infelizes, porque não
tiveram opção. Pois treinei esses rapazes em vendas e, de fato, não tive
sucesso com os seis. Mas tive com
O U T U B R O
D E
2003
Gallasso – É extremamente importante aprender a vender porque é a única
área da empresa que realmente ensina
às pessoas o que é a companhia no
mercado. Um gerente que nunca passou pela área de vendas não pode dizer que conhece a empresa. O gerente de marketing, por exemplo, era aquele burocrata que ficava atrás da mesa,
sentado e pegava as pesquisas Nielsen
e achava que sabia tudo. Na realidade, a gente sabe o que está acontecendo no mercado não é com a pesquisa
Nielsen, porque, quando ela chega,
aquilo já é passado. Precisamos estar
vendo o que está acontecendo, no cliente, para realmente entender o que
precisamos fazer com as nossas marcas e
os nossos produtos. Isso o pessoal de
marketing muitas vezes não entende.
Outro aspecto, no Brasil, que considero
importante: sei que estou numa
universidade, os currículos universitários são pobres na área de vendas e
ainda apresentam marketing como
sendo a grande força da empresa,quando, na realidade, marketing
perdeu muito por causa da força que
o comércio assumiu. Marketing, hoje
– aquele marketing glamouroso que co-
Orivaldo
nhecemos – é parte da história, não existe
mais. Quando olhamos, hoje, a estrutura
da empresa e vemos a função como trade
marketing, aí entendemos por que
marketing perdeu função. O marketing
está mais envolvido com inovação e
contato com o consumidor. E o trade
marketing é que faz o que marketing fazia
no passado. Essa função de trade
marketing precisa ser fortalecida dentro
da empresa, porque é a que vai dar o input
de marketing e o input do cliente.
JRWP – Por favor, defina trade
marketing para os nossos leitores.
Gallasso – É colocar o input de marketing,
ou o que queremos com o marketing,
entender o cliente, o que o cliente pode
querer das nossas ações – juntar as duas
coisas e transformar isso em ações no
comércio. Antigamente, fazíamos uma
oferta que era válida para o Brasil inteiro,
para qualquer tipo de cliente. Isso
acabou, não existe mais. Agora você
precisa entender o que é um Carrefour,
o que é um Pão de Açúcar, o que são os
supermercados médios, e desenvolver
ações sobre os produtos que possam
levar esses supermercados a vender o que
podem vender. E aí que eu acho que a
universidade erra, porque os alunos não
têm essa visão de como as funções
mudaram dentro da empresa.
JRWP – Há cerca de vinte anos, o Prof.
Theodore Levitt – uma figura muito influente do marketing – escreveu um artigo
memorável: “Vender ou administrar o
relacionamento”. A partir daí, todo
mundo começou a preocupar-se com
algo que foi o database marketing – e
hoje é chamado de CRM.
FG – Quero lembrar que o Gallasso é
vice-presidente da Associação de ECR
– Efficient Consumer Response.
JRWP – Isso foi a proposta de um acadêmico – que, aliás, respeito muito.
Mas pergunto-me, às vezes, se ele não
fez com que tomássemos um bonde
errado, interpretando aquilo como
“Vendas já era. Estamos numa nova
fase. Temos que ter grandes database,
administrar relacionamento, SACs etc.”
E o consumidor parece estar mais infeliz do que nunca.
Gallasso – Relacionamento é uma coisa que vem naturalmente. Eu me orgulho de ter tido um relacionamento fantástico com o comércio. Eu tinha verdadeiros amigos no comércio, do lado
do cliente. Fiz um trabalho para a
Gessy-Lever na América Latina e queria entender alimentos, no Brasil e dentro da perspectiva da Gessy-Lever, pois
foi uma área em que nunca trabalhei.
Saí por esse Brasil afora, para entender
o mercado de alimentos, e tive a surpresa de ver os clientes abrir os seus
livros para me dar as informações que
eu queria. Tive informações inclusive
de concorrentes da Unilever, cliente a
cliente. Então, esse relacionamento é
extremamente importante e você precisa administrá-lo.
FG – O que o cliente espera desse relacionamento?
Gallasso – Que os negócios da empresa com ele, cliente, melhorem. Eu nunca fui a uma reunião com o cliente
para dar mais 5% ou 10% de bonificação. Ia procurar entender como
estava a nossa empresa em relação
àquele cliente. Sempre ia com os
gerentes, supervisores. Depois que
terminava aquela reunião, pegava a
minha equipe e dizia o que tinha que
ser feito. Eu via a reação dos clientes.
Depois que conversávamos, as coisas
melhoravam muito.
S E T E M B R O
/
O. Gallasso
FG – Você acredita em parcerias estratégicas? Isto é, de longo prazo, com
contratos assinados e deveres recíprocos?
Gallasso – No Brasil, ainda não. É coisa
para o futuro. Nos Estados Unidos, o WalMart foi um exemplo de caminhada
nesse sentido. E acho que foi um sucesso.
Nos Estados Unidos, um supermercado
normal tem custo operacional de 20%;
um hipermercado, com depósito central,
na ordem de 15% e um supercenter – o
Wal-Mart – tem um custo de 10%, e um
Sam´s Club tem um custo da ordem de
7%. Eis o problema que o mercado
começou a enfrentar. Porque, na medida
em que um Wal-Mart consegue esses
custos, e esses daqui vão competir com
ele, perderão, automaticamente. Isso foi
o que fez com que o Wal-Mart se
desenvolvesse muito rapidamente e se
tornasse a maior empresa do mundo. E
eles desenvolveram parcerias, como o
Sr. falou, só que são parcerias em que,
na realidade, quem ganha sempre é ele.
Falo dos Estados Unidos; não do Brasil.
Ganha sempre, porque como participa
com uma média de 25% dos negócios
de muitas empresas dos Estados Unidos,
isso, em valor e volume, é um negócio
fantástico. O que eles começaram a fazer
foram parcerias com fornecedores, para
poder chegar nesses números. Foi o início
do ECR. O ECR, na realidade, foi uma
reação do mercado norte-americano ao
que a Wal-Mart vinha fazendo. A indústria e o comércio entenderam que se eles
não atingissem níveis de custos parecidos
com o que tinha a Wal-Mart, todos iriam morrer. Isso trouxe uma outra visão
para o mercado norte-americano. No
Brasil acho que é muito complicado ainda. A própria Wal-Mart, no Brasil, tenta
praticar essa filosofia, mas ainda para
eles mesmos é difícil.
FG – Não são suficientemente gran- yw
O U T U B R O
D E
2003–REVISTA DA ESPM
15
Entrevista
des para isso. E isso leva a uma outra
reflexão: tudo parece pertencer cada
vez mais aos grandes.
Gallasso – Não tenho dúvida. Se pegarmos, por exemplo, os últimos dez anos
das grandes empresas industriais – produtoras de consumo massivo, e colocarmos num gráfico, veremos que o valor
somado de vendas delas é uma linha sinuosa, com perdas ali, ganhos aqui (Veja
gráfico abaixo). E estou falando de grandes
empresas – Procter & Gamble, Unilever,
Gallasso – Sim.
JRWP – Qual é o reflexo disso em relação ao consumidor final?
Gallasso – Acho que o consumidor final
vai ser beneficiado. Porque na medida
em que existe uma concorrência forte
entre os grandes comerciantes, a tendência é a queda de preços. Quem vai sofrer é a indústria porque suas margens
vão cair. O que ele tirar dos preços terá
que recuperar em outro lugar. Infelizmen-
“...UMA LINHA RETA, CRESCENTE, QUASE
EXPONENCIAL. ESSA DIFERENÇA DÁ MEDO!”
Nestlé, Kraft etc. Mas, quando pegamos o mesmo número dos dez principais supermercados do mundo, é
assim: uma linha reta, crescente, quase exponencial.
Essa diferença dá medo!
JRWP – Isso significa predominância do
intermediário, da distribuição?
te, é assim. Por isso, as parcerias, no Brasil
ainda não funcionam.
FG – Vamos falar sobre o papel dos atacadistas. Todos vivemos a fase de ouro
dos grandes atacadistas. Com a inflação
– mas também devido a outros fatores –
eles perderam importância, que parecem
estar recuperando agora. Estive em
Uberlândia, recentemente, conversan-
*CRESCIMENTO:
INDÚSTRIA X GRANDE VAREJO
45 de crescimento
taxa
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1
3
5
7
9
11 13
anos
*Dados estimados para simulação
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O U T U B R O
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2003
do com diretores da Martins – e perguntei
como explicavam o seu sucesso. Disseram-me: “A Martins parte do princípio
de que o seu trabalho, hoje, tem pouco
a ver com vendas e muito com logística
e distribuição. Investimos na redução dos
custos de logística, de movimentação de
estoques e armazenagem, porque só assim conseguimos competir”. E disse-me
que estão tendo cada vez mais clientes
entre as grandes empresas. O que está
causando isso e até onde irá?
Gallasso – Se pegarmos a relação atacadista/varejista da maioria das grandes
empresas, ela é de 45% para o atacado
e 55% para o varejo É difícil mudar. O
que acontece com o atacado brasileiro é
que ele não se renovou. O atacado brasileiro veio de uma especulação fantástica na época da inflação e também depois da inflação. E, simplesmente, não
soube se renovar. Acho que o atacado é
um dos problemas mais sérios do nosso
mercado porque qualquer indústria tem
dificuldades imensas para atender adequadamente um país com as dimensões
do Brasil. Economicamente, não vale a
pena – os custos são muito altos.
FG – E há também os problemas fiscais –
PIS, COFINS.
Gallasso – O mais sério é o ICMS. Essa
concentração de vendas no final do mês,
em muitos atacadistas, mas também no
varejo, tem a ver com a sistemática do
ICMS. O atacadista ou o varejista vão
vendendo produtos e vão tendo que pagar ICMS para o governo pela venda
desses produtos. No fim do mês, fazem
grandes compras porque se creditam de
todo ICMS dessas compras e não têm que
pagar nada para o governo… É um
absurdo mas trata-se de um problema
tributário, que ninguém quer enfrentar.
Acho que nem essa reforma tributária que
Orivaldo
está aí. Então, o atacadista usou a especulação e também não soube transformarse depois da inflação. Mas, para atender
a esse país imenso que é o Brasil, se não
tivermos um atacado organizado e forte,
não vamos ter uma boa distribuição.
Empresas que vendem produtos frios –
como Sadia, Perdigão – têm grandes dificuldades para distribuir os seus produtos, porque não há atacadistas que disponham dessa parte frigorificada. As próprias empresas estão tentando adaptar os
atacadistas para o seu tipo de negócio.
Mas isso não é bom. Enquanto isso, nos
Estados Unidos, atacado é um negócio
fantástico. E, além do atacado, há os
brokers, que têm um poder fantástico.
FG – E a lei permitiria o trabalho dos
brokers no Brasil?
Gallasso – Sem dúvida. Já existem brokers
no Brasil. Acho que os atacadistas não
entenderam o papel que deveriam desempenhar no mercado brasileiro. E não
vejo, por parte do atacado, nenhum
movimento para que isso seja revertido.
JRWP – As empresas citadas pelo Gracioso não são exemplos de atacados
que progrediram?
Gallasso – Conheci bem o atacado brasileiro. Naquele tempo, Dias Martins, J.
AlvesVeríssimo, Dias Pastorinho, Gonçalves Sé eram grandes empresas de atacado. Na realidade, nunca exerceram a função de atacadista, mesmo naquele tempo. Eram grandes especuladores, especialmente em condimentos – alimentos
básicos como farinha, açúcar, arroz etc. E
essas empresas todas, se olharmos bem –
José Alves, Benjamim... –desapareceram
praticamente. Benjamim não existe mais;
José Alves faliu; Gonçalves Sé foi para o
varejo; Dias Martins desapareceu; J. Alves
Veríssimo antes de desaparecer foi para o
varejo. Dias Pastorinho ainda existe hoje
com algumas lojas de varejo. Isso é que
era o nosso atacado, no passado.
JRWP – Você não parece muito otimista…
Gallasso – A maioria dos atacadistas brasileiros, ainda hoje, têm livros enormes
com sete, dez mil itens a serem vendidos. Não há vendedor que consiga vender sete a dez mil itens. Ele acaba pegando as ofertas, vai ao cliente e oferece.
Outro tipo de negócio horrível é o “leilão”.
Um varejista é atendido por dez diferentes atacadistas e começa: “Ervilha Jurema.
Qual é o seu preço? Qual é o seu?” Pega
o menor preço e fala: “Quero dez caixas”. “Maizena”. E assim por diante. No
fim do dia, ele acaba tendo o menor preço
de cada um dos produtos que precisava
comprar. Essa é uma forma de trabalho
arcaica. Se o atacado não se modificar e
fizer a sua parte na distribuição de
produtos, em todo o Brasil...
anos atrás. São distribuidores que trabalham
somente em linha de perfumaria e higiene
pessoal. E essa é uma linha de alta
rotatividade. Há muitos distribuidores
especializados em produtos de papel.Tudo
isso precisa ser revisto pelo atacado. Uma
empresa não pode atender o Brasil inteiro
diretamente. A Sadia chegou a ter cento e
vinte mil clientes. Como não tinha atacado
para fazer a distribuição, ela atendia
diretamente. Mas o custo disso é inviável.
JRWP – De repente, começamos a falar
muito de distribuição. Mas quanto mais
vendas se torna distribuição, menos personalizada ela é – para tornar-se um quebra-cabeça tecnológico. Você não vê
problemas nisso?
Gallasso – Não. Quando penso em vendas, penso em vendas... Imagine o importante papel do vendedor nisso tudo,
em todas essas etapas.
FG – O vendedor de hoje é melhor do
que o de dez, vinte anos atrás?
JRWP – Qual é essa parte?
Gallasso – Distribuição realmente. Por
exemplo, você não pode ter um portfólio
com sete a dez mil itens. Então, o atacado deveria especializar-se.
FG – Mais como a linha norte-americana e até européia.
Gallasso – Isso mesmo. Eles querem
abraçar o mundo com as duas mãos e
eles não conseguem.
JRWP – Você diria que há oportunidades
para novos empreendimentos nessa área?
Gallasso – O que deveria haver é uma
modificação clara da forma de atuar dos
que estão aí. Por exemplo, hoje já existe o
chamado DEC –Distribuidor Categorizado. A Gessy-Lever iniciou isso, alguns
S E T E M B R O
O. Gallasso
/
Gallasso – É. Porque, há dez, vinte anos,
tínhamos aquela idéia de que o vendedor
nasce feito. E isso é uma grande mentira.
Hoje em dia, os vendedores são pessoas
de muito bom nível – acho que 90% dos
componentes das equipes de vendas têm
grau universitário. A qualidade é muito melhor. Outra coisa é que temos que mudar
a forma de pensar e atender aos grandes
clientes. Nos Estados Unidos, isso é assim
há muitos anos. Lá não existe mais relação vendedor/comprador. O que há são
equipes de trabalho de um lado e equipes
de trabalho do outro, com especialistas
em marketing, finanças, logística, category
management,efficient replenishement etc.,
que é muito importante, hoje. Essas equipes trabalham juntas em benefício dos negócios das empresas, tanto supermercadistas como fornecedoras. yw
O U T U B R O
D E
2003–REVISTA DA ESPM
17
Entrevista
JRWP – E em todos os níveis, eles estão
conscientes de que estão trabalhando
com vendas?
Gallasso – Sem dúvida. Você precisa formar essas equipes e elas precisam estar
voltadas para os clientes que elas atendem.
JRWP – Você está dizendo isso. Na nossa
mesa-redonda, um participante deu um
exemplo interessante. Ele recebeu um PTA
da Varig e foi pessoalmente à loja. Queria
fazer algumas modificações, enfim, queria comprar, consumir. Mas foi atendido
por uma pessoa muito gentil, inteiramente
incapaz de atendê-lo. Estava lá para entregar o PTA, ponto. Isso foi dado como exemplo da complexidade da cadeia de vendas
de hoje. Insisto um pouco nesta questão,
porque essa moça da Varig, naquele momento, perdeu uma venda. Ela não foi capaz de atender ao cliente.
Gallasso – No passado era a relação vendedor/comprador. Hoje em dia é comum
as empresas terem logística com logística,
trabalhando junto, finanças com finanças.
E essa relação vendedor/comprador começa a ter menos importância. Uma outra coisa que, no Brasil, ainda é rudimentar é a figura do key account. Ai sim, não
são mais os vendedores com emoção;
mas homens e mulheres de fato treinados
para desenvolver um plano estratégico. E
é um plano estratégico que vai aos níveis
superiores para ser aprovado, porque
envolve dinheiro, muitas coisas. Mas, no
Brasil, essa figura ainda não está muito
clara; são, de fato, grandes vendedores.
FG – Gallasso, gostaria de voltar a essa
questão do PTA daVarig. O Procon de São
Paulo publica estatísticas de queixas, reclamações e verifica-se que o consumidor raramente se queixa da qualidade
da salsicha da Sadia, do detergente da
Unilever ou do sabonete da Palmolive.
18
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
Essas grandes empresas chegaram a um
padrão de qualidade aceitável, as vendas fluem normalmente, não causam reclamações. O que pipoca por lá, o tempo todo, são queixas contra serviços –
planos de saúde, educação, bancos, telefonia, telecomunicações, transporte.
Creio que este é o nosso grande problema de vendas: não sabemos vender serviços, principalmente do que atende a
milhões de pequenos usuários.
Gallasso – Estamos começando a viver,
no Brasil, a era pós-industrial, especialmente em São Paulo. Há menos postos
de trabalho na indústria e mais na área
de serviço. O problema do Brasil é que
não preparamos adequadamente os homens e mulheres para atuar na área de
serviços. É um problema de educação.
Em temos de educação, temos essa geração perdida, tentando se empregar de
qualquer forma na área de serviços…
JRWP – Você está falando do nível ou
do conteúdo da educação?
Gallasso – As duas coisas. Não quero
parecer preconceituoso. Mas quem nos
atende no restaurante? Na lavanderia? No
bar? Geralmente brasileiros que vieram de
outros estados, principalmente do
Nordeste. Eles não receberam qualquer treinamento, para trabalhar na área de serviço.
Muitas vezes, nem tiveram educação
básica. Mas, para ter sucesso na área de
serviço, precisa ter pelo menos essa educação básica.
JRWP – Mas você conhece bem a Europa,
e lá, nos países da CEE, vai encontrar
árabes, romenos, turcos, ucranianos…
Gallasso – A maioria teve melhor nível de
educação que os nossos compatriotas
nordestinos, por exemplo. Esse é o grande problema do Brasil: gente preparada
O U T U B R O
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2003
para assumir funções na área de serviços.
JRWP – Ao mesmo tempo, você está levantando outra questão. Está dizendo que quem
está na área de serviços são as pessoas mais
mal pagas. Então, será que não devíamos
aumentar os salários, nessas áreas?
Gallasso – Isso só vai acontecer quando,
efetivamente, todos reclamarem. As empresas vão tomar mais cuidado, colocar
pessoas mais bem-preparadas e remuneradas para essas funções. Não adianta. O
Brasil tem uma geração perdida. Os sindicatos brasileir;os discutem geração de
emprego, inclusive o nosso presidente.
Mas isso é uma ilusão total e completa.
Eles imaginam que a indústria vai dar emprego. A indústria não dá mais emprego
para ninguém. As linhas de produção de
produtos de consumo estão altamente
automatizadas. Esses empregos fazem falta, pois – em empresas como a GessyLever – tinham assistência média, almoço,
até comida para levar para casa. Mas, hoje,
uma linha dessas não tem mais do que
duas pessoas trabalhando. O resto é
automatizado. Lembram das equipes de
manutenção, na indústria? Eram enormes,
ficavam praticamente paradas, esperando quebrar alguma coisa, alguma máquina para consertar. Isso não existe mais. As
mesmas pessoas que supervisionam a linha cuidam da manutenção. Muitos empregos acabaram e nunca mais vão ser
recuperados. O grande desafio do Brasil,
para mim, é a área de serviços – e é onde
não temos pessoas preparadas da maneira que a área de serviços precisa. Essa história do PTA é tipicamente um problema
de treinamento, de qualidade de gente.
JRWP – Esse meu amigo português tem
uma pequena indústria em Petrópolis, com
214 empregados. E disse que não sabe mais
como mantê-los, com as nossas leis trabalhistas. Mas você está, de fato, apontando
Orivaldo
para algo da maior importância.
Gallasso – Não digo que a legislação trabalhista brasileira deva ser liberal como
a norte-americana, mas ela acaba criando monstruosidades.
JRWP – Você acha que podemos dizer aos
jovens, aqui na ESPM, e em outras escolas
de administração, comunicação, que se
deveriam encaminhar na direção de
carreiras em vendas?
Gallasso – Primeiro vocês teriam que
mudar o currículo. Aí, sim, poderiam
encorajá-los.
JRWP – Você acha que eles deveriam ser mais adequadamente adestrados e preparados para lidar com
as realidades de vendas.
Gallasso – É, mas hoje envolve logística e
muitas outras coisas. Aí o ECR veio com
uma forma – isso pelo FIM (Foods
Marketing Institute), que criou um grupo
de pessoas que eram executivos importantes de grandes empresas que forneciam ao varejo e grandes varejistas para
estudar quais seriam as melhores técnicas possíveis para melhorar a eficiência
no relacionamento comércio/indústria. E
foi aí que apareceram várias técnicas como
Category Management, VMI – Vendors
Management Inventory –, RMI – Retailers
Management Inventory –, EDI, etc. Todas
essas inovações que estão aí, à disposição
do mercado. ECR, na realidade, tenta
aproximar comércio e indústria para, juntos, desenvolvam as técnicas para que o
O. Gallasso
cio. Essas coisas lindas e maravilhosas do marketing, para mim, são passado, já acabou. Sei, porque fui gerente
de produto. Na realidade, acho que há
oportunidades ainda nem sonhadas na
“A UNIVERSIDADE BRASILEIRA AINDA VÊ O
MARKETING COMO O GRANDE MOTOR DA EMPRESA.”
FG – Nossos currículos deveriam ser
modificados.
Gallasso – Uma coisa que deve entrar no currículo das escolas como a
ESPM, a FGV são as técnicas de ECR,
que estão sendo desenvolvidas –
Efficient Consumer Response. CRM é
outra coisa; é o relacionamento com
o cliente. ECR é aquilo que apareceu
no Wal-Mart nos Estados Unidos, já
faz uns 12 anos. Nos Estados Unidos,
um supermercado normal tinha 20%
de custos operacionais; um supermercado atendido por central de distribuição 15%; os supercenters do WalMart chegaram a ter 10% e o Sam’s
Club 7%. E como o Wal-Mart conseguiu isso? Através de uma melhora de
eficiência nas suas relações com os
fornecedores.
JRWP – O que se chamava antigamente
de setor de compras.
mercado seja mais eficiente e o consumidor, na ponta, beneficiado.
área de vendas. E a universidade brasileira é responsável por isso.
JRWP – Interpretando com certa liberdade as suas palavras, desde que nós, escolas, estivéssemos dando uma formação
mais adequada, esses jovens encontrariam
boas oportunidades no mercado...
FG – A universidade brasileira não gera
conhecimentos; abre a cabeça. Sua obrigação é ter as antenas voltadas para o
mercado, para captar essas novidades,
trazê-las para cá, pô-las em perspectiva,
conceituar e teorizar. Mas talvez não estejamos captando com rapidez o que está
acontecendo lá fora.
Gallasso – Sem dúvida. Posso estar
errado, mas a universidade brasileira
ainda vê o marketing como o grande
motor da empresa. Pode ser, em termos de inovação, mas o grande motor da empresa é vendas. E, em vendas, é preciso gente de qualidade,
para atuar dessa forma que estamos
descrevendo, precisam ser formados
para isso. Fui fazer uma palestra, na
FGV, para alunos da graduação, sobre ECR e fiquei abismado com o desconhecimento que tinham do comércio. Não sabiam o que era comér-
S E T E M B R O
/
Gallasso – E muitos dos nossos professores acadêmicos são presunçosos. Imaginam que sabem tudo e, infelizmente,
muitos deles não se atualizam como
deveriam.
FG – E ainda não perceberam o que você
acabou de dizer: que a era do marketing
está acabando.
Gallasso – Está acabando, modificando-se.
O U T U B R O
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ESPM
2003–REVISTA DA ESPM
19
Customer Relashionship Management
AFINAL, O QUE É
CRM
MESMO?
emos lido e
ouvido falar
muita coisa
ultimamente
sobre CRM.
Depois que
essas três letrinhas deixaram de significar apenas Conselho Regional de Medicina, e começaram a freqüentar o vocabulário do mundo corporativo com
o significado, em inglês, de Customer
Relashionship Management, muito se
falou sobre esta nova forma de se fazer
negócios – verdadeiramente uma nova
T
filosofia empresarial. O seu uso tornouse um apetitoso prato para ser devorado
pelos teóricos e práticos do mundo do
marketing.
Enquanto margens diminuem cada vez
mais e lucratividades ficam comprometidas, mostrou ser uma grande saída para
as corporações do novo milênio, não
importando muito o seu tamanho. Isso
tem levado o CRM a ser apresentado
como uma nova forma de se pensar um
negócio. O cliente passa a ocupar a posição de maior importância dentro do
organograma das empresas (veja o
orgonograma abaixo).
ORGANOGRAMA COM CLIENTE NO TOPO
CLIENTES
CEO
DIRETOR DE MARKETING
22
DIRETOR DE VENDAS
DIRETOR FINANCEIRO
GERÊNCIA DE MARKETING
GERENTE DE VENDAS
GERENTE FINANCEIRO
GERÊNCIA DE COMUNICAÇÕES
GERENTE DE CONTAS
GERENTE DE CONTABILIDADE
REVISTA DA ESPM–
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O U T U B R O
D E
2003
João
Matta
cliente passa a ocupar a posição de
D Omaior
importância dentro do organograma
das empresas. Fala-se em foco no cliente
em lugar de foco no produto.
Fala-se em foco no cliente em lugar de
foco no produto, em gerentes de segmentos de clientes em vez de gerentes de produtos. A partir daí temos uma
pista do que realmente quiseram dizer
os primeiros que conceituaram o CRM.
É muito importante o entendimento
da proposta inicial do CRM. Essa proposta traz um conteúdo realmente diferenciado para o mundo corporativo,
ao mesmo tempo em que desafiador.
Não é fácil persuadir executivos e
empresários a mudar sua forma de
conduzir suas corporações, mudar sua
forma de encarar o cliente, mudar a
hierarquia de seus departamentos comerciais. O CRM requer um investimento menos financeiro e mais de esforço para uma real mudança de visão. Poucos estão dispostos ou enxergam que se deve investir nesta direção,
o que os leva a uma perigosa armadilha: restringir o CRM a uma solução
que é comprada no mercado como se
fosse um programa de computador.
A pulverização do uso da expressão
CRM tem colocado em risco sua real
aplicação. Uma conseqüência drástica
desse fato é o comprometimento de seus
resultados e seu descrédito, hoje ainda
de poucos. Estamos falando de um desperdício de esforço, de dinheiro e, principalmente, de oportunidade.
No início do século passado, o CRM
já estava presente entre nós. Nossos
bisavós eram tratados de forma diferente pelas pequenas corporações
da época. Clientes diferentes já
eram tratados de forma diferente.
Os proprietários dos pequenos arma- yw
S E T E M B R O
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O U T U B R O
D E
2003–REVISTA DA ESPM
23
Customer Relashionship Management
proprietários dos pequenos armazéns, que
D Os
trabalhavam em seus próprios negócios, conheciam
comprofundidade o comportamento de compra de seus clientes.
zéns, que trabalhavam em seus próprios
negócios, conheciam com profundidade o comportamento de compra de seus
clientes, suas reais necessidades e, de forma mágica, seus desejos de consumo.
Após esse tempo, com o aumento
do poder aquisitivo das pessoas e o
veloz crescimento da indústria, tivemos uma mudança neste antigo
mercado. Pela primeira vez, os consumidores tinham poder aquisitivo
suficiente para o consumo e poderiam
24
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
ir mais longe em seus desejos por
produtos. As pessoas começaram a
sonhar em suprir suas necessidades
básicas de transporte, antes atendidas por carruagens, bicicletas e
trens, pelos revolucionários automóveis. Nesses tempos, é atribuída a
Henry Ford a célebre colocação de
que todos podem comprar um carro
e escolher a cor, desde que esta seja o
preto. Ford revolucionou a indústria,
criou linhas de produções rápidas e
sempre com o menor custo possível.
O U T U B R O
D E
2003
Havia mercado para os seus carros.
Todos da mesma cor e todos vendidos em uma velocidade assustadora.
A partir daí o mundo empresarial inclinou-se totalmente para a indústria.
As corporações começaram a se tornar cada vez maiores para atender
às crescentes demandas. Surgia a necessidade de se ter cada vez mais produtos, melhores produtos. Tinha início a grande batalha por clientes.
Com ela a necessidade de se variar
os produtos. Os carros, antes apenas
de uma cor, começaram a ser fabricados em outras cores. Surge a necessidade da sedução de prospects
e clientes, e juntamente com ela uma
João
revolução da comunicação. Era preciso comunicar tudo isso aos consumidores e públicos de interesse (ver
diagrama1).
Nesse tempo,e em alguns países, as pessoas começaram a adquirir um aparelho televisor, a ler jornais, a comprar revistas, a ouvir diariamente o rádio. Era
o primeiro passo da comunicação de
massa que temos hoje. Surgiu a propaganda como fortíssima ferramenta para
a comunicação desses variados produtos, tendo como expectadores pessoas
loucas para consumi-los. Com o passar
dos anos, a propaganda evoluiu. Agências de propaganda começaram a sur-
1. DIAGRAMA
DA INDÚSTRIA
INDÚSTRIA
CANAL DE
DISTRIBUIÇÃO
MÍDIA
CAMINHO DA
INFORMAÇÃO
Matta
2. DIAGRAMA DE SEGMENTAÇÃO E NICHO
MERCADO
MARKETING DE MASSA
MERCADO
MERCADO
MARKETING DE SEGMENTOS MARKETING DE NICHOS
MERCADO
MARKETING INDIVIDUAL
gir juntamente com inúmeros fabricantes de diversos produtos e uma grande
população apta ao consumo em massa.
levou as empresas a desenvolverem
produtos para suprir diferentes
necessidades de partes do mercado.
O aumento da concorrência traz, mais
uma vez, a necessidade de mudar a
forma de fazer negócio. Os profissionais de marketing começaram a dividir
os mercados em alguns segmentos para
melhor explorá-los. Teve início, nesse
momento, uma nova fase para o
marketing. Produtos começam a ser
produzidos especificamente para atender a necessidades e desejos de segmentos de mercado diferentes. O que antes
era para todos começa a ser para segmentos específicos de consumidores. O
estudo da segmentação de mercado
Mais à frente, diante de novas e diferentes
dificuldades para a diferenciação de
produtos, se fez necessário segmentar ainda
mais os mercados. Essa segmentação de
mercados já segmentados levou as empresas aos nichos de mercado: segmentos dentro de segmentos. Produtos eram produzidos para atender a segmentos cada vez menores de consumidores. A informação
sobre o comportamento de consumidores, antes irrelevante para a indústria, torna-se um forte diferencial competitivo e
uma potente arma para ultrapassar a
barreira da concorrência (ver diagrama 2). yw
CONSUMIDOR
revolucionou a indústria, criou linhas de
D Ford
produções rápidas e sempre com o menor custo possível.
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O U T U B R O
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2003–REVISTA DA ESPM
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Customer Relashionship Management
Com o aumento desenfreado da concorrência e o acesso fácil à tecnologia,
os resultados efetivos da propaganda
começaram a diminuir. Grandes marcas começaram a perder seu espaço
no mercado, o resultado da comunicação de massa não era mais o mesmo. Empresas, que antes investiam
milhões de dólares em grandes campanhas sem uma preocupação pontual com seus resultados, começaram
a diminuir seus investimentos nesse
tipo de ferramenta de comunicação.
Elas descobriram que poderiam utilizar outras formas para se comunicar
com seus públicos de interesse. Ferramentas como Marketing Direto, Promoção de Vendas, Merchandisng, Assessoria de Imprensa e Eventos começaram a ser vistas por estas empresas
como opções para a comunicação.
Nesse momento, surgiu o conceito de
Comunicação Integrada como um
grande alavancador de resultados para
essas empresas. Talvez o melhor caminho de se garantir a diferenciação
entre marcas e produtos atualmente
em mercados altamente competitivos
(ver diagrama 3).
comunicação de massa foi capaz de informar ao
D Amercado
o lançamento de novos produtos e seus benefícios,
criando desejo pelo seu consumo.
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REVISTA DA ESPM–
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O U T U B R O
Com maior consistência nas mensagens e melhor utilização dos recursos
disponíveis, a comunicação integrada
tem sido, desde então, a forma mais
eficaz para se atingir os resultados esperados por estas empresas. Essa nova
3. DIAGRAMA DE MIX DE
COMUNICAÇÃO INTEGRADA
Diagrama 4
BOCA A BOCA
D E
2003
EVENTOS
MARKETING DIRETO
PROPAGANDA
PÚBLICO-ALVO
Paralelamente a tudo isso, a propaganda cresceu como a grande
ferramenta de comunicação. Tornou-se um negócio de milhões e
milhões de dólares. Justo crescimento para uma ferramenta perfeita para suprir as necessidades da
indústria. Os consumidores, que
pertenciam aos diversos segmentos
e nichos de mercado, eram quase
em sua totalidade alcançados pela
propaganda. A comunicação de
massa foi capaz de informar a esse
mercado o lançamento de novos
produtos e seus benefícios, criando
desejo pelo seu consumo. A propaganda emocionou esse público, fez
com que ele sonhasse e consumisse
mais e mais produtos.
COMUNICAÇÃO
INTEGRADA
PROMOÇÕES
TRADE
PUBLICIDADE
EMBALAGEM
João
forma de se pensar a comunicação é,
definitivamente, o melhor caminho
para uma comunicação com resultado, otimização de recursos e construção de marcas vencedoras. A comunicação integrada utiliza eficientemente o mix de comunicação e todos os
pontos de contato dessas empresas
com seus públicos de interesse.
Não podemos mais dizer que a “pro-
paganda é a alma do negócio” e nem
tampouco que a propaganda não traz
mais resultados. Nem tanto o céu e
nem tanto a terra. Talvez o melhor seria entendermos que, hoje, a comunicação integrada é a melhor forma de
se chegar ao sucesso. Podemos até arriscar em dizer que a comunicação integrada é atualmente a alma da grande maioria dos negócios.
Matta
A VOLTA DO CRM
Ao mesmo tempo, o rápido aumento da concorrência e a facilidade
de acesso à tecnologia começam a
dar oportunidade a uma nova forma de se encarar o mercado. Com
a perda regular de clientes e a dificuldade para diferenciar seus produtos, as empresas descobriram que
manter seus atuais clientes é mais
rentável e econômico que partir
para a aventura de conquistar novos. Ressurge, então, o conceito do
foco no cliente experimentado há
tempos por nossos bisavós.
No passado, o foco no cliente era utilizado empiricamente pelos empresários em suas pequenas corporações.
Eram poucos clientes e poucos produtos. O desafio hoje é bem maior.
As empresas pretendem utilizar esse
mesmo conceito, essa mesma filosofia de negócios, agora para milhões
de consumidores disputados diariamente por todos os tamanhos e tipos
de empresas concorrentes.
Devemos aprender que uma grande
saída é aprender sempre, aprender
com o cliente. Esse é um grande e difícil desafio. Para vencê-lo, precisamos
de uma maior precisão no entendimento de como colocar em prática
este novo conceito de foco no cliente. Restringir o CRM a um software
de gerenciamento de informações de
clientes ou a uma ferramenta de comunicação (marketing direto) tem
sido, infelizmente, muito comum. Isso
coloca em risco sua aplicabilidade e
traz ao mercado a falsa percepção de
sua real utilização.
filosofia de negócios CRM, popularizada
D Apelos
gurus norte-americanos Martha
A sigla CRM tornou-se sinônimo de
várias coisas diferentes hoje no mer- yw
Rogers e Don Peppers, sugere tratar clientes
diferentes de forma diferente.
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Customer Relashionship Management
cado. Vemos ser usada como sinônimo de Marketing Direto, de
Banco de Dados de Clientes, de
programas de computadores etc.
Esse uso distorcido é preocupante.
Quantos empresários não estão,
neste momento, decepcionando-se
com a filosofia de negócios que prega o foco no cliente após terem adquirido uma solução customizada
de banco de dados de clientes ou
uma criação/execução de uma
ação de mala-direta para prospecção de clientes imaginando
terem comprado uma solução
completa de CRM? Muito cuidado!
Não sejamos simplistas demais.
Definitivamente, CRM não se restringe a uma aplicação de banco
de dados e nem tampouco a uma
ferramenta de comunicação
dirigida. É muito mais que isso.
BANCO DE DADOS DE
CLIENTES NÃO É CRM
Tem sido comum vermos alguns executivos e empresários se orgulhando do fato de terem implementado
um CRM em suas empresas. Outro
dia mesmo, ouvi o proprietário de
uma pequena rede de postos de gasolina dizendo que havia adquirido uma solução de CRM para o seu
negócio. Bastante curioso, perguntei se havia implementado tal filosofia de negócios com alguma ajuda
externa ou através dos seus próprios
recursos – algum eventual funcionário com experiência e conhecimento
na área. Sua resposta foi bastante rápida e proporcionalmente preocupante: “Não! Comprei o CRM de
uma empresa de software que conheço. Agora posso enviar malas-diretas
para todos os meus clientes”.
foco no cliente deve ser prioridade tanto
D Opara
o presidente da empresa como para o
atendente do Call Center e assim por diante.
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O U T U B R O
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2003
Essa afirmação nos indica um entendimento equivocado do que realmente
propõe a filosofia de negócios CRM
(Customer Relationship Management)
por parte deste empresário. Essa afirmação, infelizmente, sintetiza um entendimento cada vez mais comum em nosso mercado a respeito do CRM. Apesar
de vários desenvolvedores de sistemas
darem o nome de CRM aos seus produtos, estas três letras significam muito
mais do que uma simples aplicação de
banco de dados de clientes e prospects
utilizada para ações de comunicação.
A filosofia de negócios CRM, popularizada pelos gurus norte-americanos
Martha Rogers e Don Peppers, sugere
tratar clientes diferentes de forma diferente. A prática aprofundada dessa
filosofia tem levado empresas de todos os tamanhos a repensarem seus
negócios do ponto de vista do cliente. Ter o foco no cliente ao invés do
foco no produto, diretriz principal do
marketing 1to1 de Peppers e Rogers,
tem sido o grande desafio para essas
empresas que estão optando por esta
nova filosofia de negócios. É necessário mudar mais do que simplesmente
processos e sistemas de uma empresa
para se implantar essa nova forma de
fazer negócios e obter resultados expressivos dela. A cultura empresarial
precisa ser alterada. O foco no cliente deve ser prioridade tanto para o
presidente da empresa como para o
atendente do Call Center e assim por
diante, passando por todos os outros
níveis. Isso não tem sido fácil, já que
culturalmente vivemos em um mundo corporativo com heranças autoritárias com grande rigidez hierárquica. Na hierarquia proposta no CRM,
todos, sem exceção, respondem primeiramente ao cliente e depois, se der
tempo, ao chefe (ver diagrama 4).
João
Matta
Está aí colocado um grande desafio para
as empresas, já que temos trabalhado
de forma diferente há muito tempo. Mas
ter foco no cliente não pára por aí; isto é
só o início da grande mudança. Estamos
realmente falando de fazer negócios de
forma diferente. Diferente da forma que
estávamos habituados e acomodados a
fazer: desenvolvendo produtos e procurando um cliente para eles. Precisamos, sim, desenvolver o relacionamento com este cliente procurando-o e oferecendo-lhe produtos adequados, da
melhor forma através do melhor canal,
no menor tempo possível.
Para isso é necessário conhecermos
com profundidade esse cliente. Os gurus Peppers e Rogers, anteriormente citados, sugerem mais quatro letras para
guiar-nos neste desafio de conhecer realmente o nosso cliente. São elas: I D I P –
Identificar, Diferenciar, Interagir e, finalmente, Personalizar. Isso, necessariamente nessa ordem. Uma ação depende da outra para acontecer de forma eficaz. Estamos falando de um processo que se inicia com a identificação, objetivando a personalização.
Identificar os melhores clientes, sem a
identificação dos principais, não possibilitara o desenvolvimento de uma relação comercial.
4. DIAGRAMA DE
FOCO NO PRODUTO
E FOCO NO CLIENTE
CLIENTE
EMPRESA
FOCO NO CLIENTE
INFORMAÇÃO
EMPRESA
INFORMAÇÃO
FOCO NO PRODUTO
CLIENTE
A personalização da mensagem, da oferta ou
D da ação de marketing é resultado de uma relação
de aprendizado entre empresa e seu público-alvo.
Diferenciar os clientes pelo seu valor para
a empresa. Assim é possível priorizar esforços e, posteriormente, personalizar contatos, mensagens, ofertas etc. É importante lembrarmos sempre dos clientes com
potencial de crescimento de importância. Um cliente pode ainda não ser de
grande retorno para a empresa, mas ter
grande potencial de crescimento futuro.
Interagir para fortalecer o relacionamento entre empresa e cliente através
da troca de informações relevantes para
ambos os lados.
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/
Finalmente, personalizar o comportamento da empresa em relação ao
cliente. Agora sim, tratar clientes
diferentes de forma diferente,
sendo esta forma individualmente
relevante para este cliente. A
personalização da mensagem, da
oferta ou da ação de marketing é
resultado de uma relação de
aprendizado com o cliente, que
acontece no dia-a-dia através dos
mais diversos canais de comunicação entre empresa e seu público-alvo de interesse. yw
O U T U B R O
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Customer Relashionship Management
O CRM que, segundo Peppers e Rogers,
propõe tratar clientes diferentes de forma diferente objetiva uma relação ganha-ganha. Relações sadias, onde ambos – cliente e empresa – ganhem, têm
muito mais chance de prosperar diante
de relações desequilibradas, onde as partes não se conhecem com profundidade, não existindo lealdade na troca.
Estamos falando de uma forma diferente de se fazer negócios. Trata-se de uma
mudança do foco das empresas, migrando do produto para o cliente. Não
falamos de tecnologia, não falamos de
qual banco de dados se ajusta melhor
a esta ou àquela situação. Estamos falando mesmo é de filosofia de negócios, estamos falando de uma estratégia
de competição.
Existe hoje no mercado uma perigosa
confusão conceitual e prática que tem
levado executivos e empresários a comprar soluções de bancos de dados como
sendo soluções de CRM, comprometendo os resultados esperados. A
tecnologia é complementar à filosofia
de negócios. Como ferramenta, permite que uma prática milenar de se fazer
negócios seja aplicada hoje em um mercado de milhões de pessoas. O tratamento personalizado de clientes e
prospects não é novidade para nós, seres humanos. A novidade é a possibilidade deste tratamento 1to1 ser feito
para milhares ou até milhões de pessoas através da tecnologia. A
personalização, idealmente 1to1 e na prática realizada em massa, só é possível com
a utilização das mais variadas técnicas estatísticas e tecnologias disponíveis.
Portanto, como tudo neste desafiante e
mutante mundo de negócios, o melhor
é a utilização correta da filosofia de negócios CRM apoiada pela mais adequa-
30
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/
correta determinação do público-alvo, o desenho de uma
D Aoferta
diferenciada e a criação conceitual da ação são fatores
importântes para intensificar os resultados desejados.
da solução tecnológica, buscando sempre a real relação de aprendizado da
empresa com seus clientes e prospects.
MARKETING DIRETO
NÃO É CRM
A exemplo do empresário do posto
de gasolina, não é incomum vermos
profissionais do mercado colocando
ações de marketing direto em prática
para prospecção e relacionamento
com clientes como dizendo ser uma
ação de CRM.
A comunicação dirigida ou, como a
maioria do mercado prefere chamar, o
marketing direto tornou-se bastante popular entre os profissionais de negócios
nos últimos anos. Trata-se de uma excelente alternativa à diminuição expressiva
no resultado trazido às empresas pela propaganda, mas é preciso saber que nem
de longe é a mesma coisa que CRM. Talvez seja a mais eficaz ferramenta de su-
O U T U B R O
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2003
porte para o gerenciamento da relação
das empresas com seus clientes.
Segundo o DMA, Direct Marketing
Association, “marketing direto é um sistema de marketing interativo que utiliza
uma ou mais mídias de propaganda para
obter uma resposta mensurável e/ou uma
transação em qualquer localização”.
Dessa definição duas palavras são mágicas para o contexto do mercado atual:
interativa e mensurável.
A possível interação através do marketing
direto torna esta ferramenta diferenciada
para o relacionamento entre empresa e
cliente comparativamente com a propaganda tradicional. Ao contrário da
propaganda e da publicidade que tratam seus públicos de interesse de forma impessoal, o marketing direto possibilita uma comunicação interpessoal.
Esta troca entre empresa e cliente fornece infinitas possibilidades para um
aprendizado contínuo por parte da empresa com seus clientes e prospects.
João
A outra palavra mágica – mensurável – cai
como uma luva para as corporações que
se viam angustiadas com a impossibilidade de medir de forma precisa o resultado
de seus investimentos em comunicação.
O marketing direto permite uma verdadeira mensuração dos resultados de cada ação,
possibilitando testes das ações durante sua
execução. Interação e mensuração são características vencedoras dessa ferramenta.
Estrategicamente o marketing direto tem
sido utilizado pelas grandes e pequenas
empresas para impactar seus públicos
de interesse. Trata-se de uma ferramenta
de comunicação mais trabalhosa para
ser implementada. Existe a possibilidade de constantes mudanças durante sua
execução e, por esta razão, uma conseqüente necessidade de se medir regularmente os resultados. Esse trabalho adicional com essa ferramenta normalmente é muito recompensado por um menor
custo e maior impacto por prospect ou
cliente, se compararmos com as outras
ferramentas de comunicação.
Taticamente, o marketing direto conta com
muitas ferramentas: mala-direta, telemarketing, e-mail marketing,TV, rádio etc.
Mala-direta, telemarketing e e-mail marketing são as mais conhecidas e mais
comuns utilizadas pelo mercado. Infelizmente, muitas vezes utilizadas sem o
foco devido, desgastando assim a sua
percepção pelo mercado.
TV e rádio estão na lista acima não por
engano. São, sim, potentes ferramentas
que podem ser utilizadas pela comunicação de massa e também pela comunicação dirigida. É muito importante entendermos que não é o meio que determina a ferramenta de comunicação e
sim a forma como a utilizamos.
A veiculação de um anúncio em TV ou
em rádio que permite uma interação através de um número de telefone ou um
código que identifique o cliente em uma
loja e, conseqüentemente, medir seus resultados é uma ação de marketing direto,
segundo a definição citada acima.
Por outro lado, enviarmos uma maladireta sem as informações necessárias
que permitam uma interação e conseqüente mensuração dos resultados não
é marketing direto. Não é demais repetirmos que não é o meio que determi-
5. DIAGRAMA COM OS 3
OS DO MARKETING DIRETO
2. OFERTA
1. ORGANIZAÇÃO
DO PÚBLICO-ALVO
PÚBLICO-ALVO PARA A AÇÃO
MKT
DIRETO
DIFERENCIADA SOB
MEDIDA ADAPTADA AO O
ANTERIOR – CLIENTE OU
PROSPECT
Matta
na a ferramenta de comunicação e sim
a forma como este meio é utilizado.
Aqui temos um exemplo da utilização
de uma mala direta como uma simples tentativa de se fazer propaganda
pelo correio: um verdadeiro desperdício de dinheiro.
A prática nos mostra que os melhores
resultados em ações de marketing direto
são obtidos através da combinação
otimizada das ferramentas. Nada mais
eficaz para a prospecção de clientes que
uma mala direta seguida de uma ação
de telemarketing ativo ou receptivo.
Ações conjuntas e muitas bem planejadas têm trazido resultados antes dificilmente obtidos pelas tradicionais ferramentas de comunicação de massa.
E por falar em ações planejadas de
marketing direto, não é só a escolha
do meio mais adequado que é importante para se obter o melhor resultado.
Uma ação eficaz deve ser planejada e
executada levando-se em consideração
outros 3 importantes elementos: os 3
Os do marketing direto.
Seguindo a idéia da utilização das letras
como forma de fixar os conceitos importantes, como é o caso dos 4 Ps de marketing, arrisco-me a sugerir, para o melhor entendimento da prática da comunicação dirigida, os 3 Os do marketing
direto. Além da escolha do meio, é importante, para intensificar os resultados
desejados, a mais correta possível determinação do público-alvo para a ação; o
desenho de uma oferta diferenciada e,
se possível, exclusiva, e a criação conceitual da ação (ver diagrama 5).
v Organização do público-alvo
v Oferta – benefício exclusivo
v Operação – criação e execução yw
3. OPERAÇÃO
CRIAÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO DA AÇÃO
AOS 2 OS ANTERIORS – PÚBLICO-ALVO E OFERTA
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31
Customer Relashionship Management
v ORGANIZAÇÃO
DO PÚBLICO-ALVO
A determinação, com o maior grau de
precisão possível, para quem será destinada a ação é o primeiro e o mais
importante passo para a obtenção de
um bom resultado. Quanto mais conhecermos o público com o qual queremos nos comunicar, maior é a
chance de obtermos sucesso. Para
isso, devemos utilizar uma precisa estratégia de segmentação do públicoalvo: identificar as bases para a segmentação, definir características de
cada segmento, definir o grau de atratividade de cada segmento e escolher
o(s) segmento(s)-alvo(s).
v OFERTA
Com o objetivo de potencializar ao máximo a ação de marketing direto, é bastante importante que os profissionais
envolvidos na ação tenham claro para
eles o que será oferecido e qual o grau
MARKETING
DIRETO COMO
FERRAMENTA
PARA O CRM
Agora, se voltarmos o nosso foco ao
CRM, nada mais natural que a melhor e mais utilizada ferramenta de
comunicação para apoiá-lo seja o
marketing direto. Lembrando da definição citada acima, a interatividade é uma das principais
características dessa ferramenta de
comunicação.
Imaginemos uma empresa que esteja em processo de mudança de
sua cultura organizacional na
direção do CRM, ou seja, foco no
32
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/
de atratividade desta ação para o segmento-alvo escolhido. O oferecimento exclusivo de um desconto, de um
brinde ou, até mesmo, de uma mensagem fornece à ação uma maior
credibilidade e fornece resultados muito mais efetivos do que simplesmente
uma ação oferecendo o mesmo que
qualquer cliente ou prospect pode
encontrar nas lojas de uma determinada empresa. A sensação de receber
uma oferta com exclusividade, sem
dúvida, dá maior credibilidade à
ação, ao mesmo tempo em que
potencializa o seu resultado.
v OPERAÇÃO
Uma vez definidos públicos-alvo e o
que será oferecido a este público, o próximo e último passo é a criação e
operacionalização, da ação, incluindo
todas as peças que a suportam. Esse terceiro “O” do marketing direto conta,
normalmente, com o trabalho de uma
cliente em vez de foco no produto.
Como já falamos anteriormente,
para que essa nova forma de se
pensar o negócio realmente dê resultados efetivos, é necessária uma
mudança mais profunda na cultura organizacional. Todas as pessoas dessa corporação precisarão mudar seu foco. Ele deverá ser
direcionado exclusivamente ao cliente. Para isso acontecer, precisaremos implementar um processo de
aprendizado contínuo da empresa
com seus clientes. Este aprendizado requer ações regulares que permitam uma interação profunda
entre empresa e cliente. Essa
interação, por ser uma ação de co-
O U T U B R O
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2003
agência, preferencialmente especializada na ferramenta, para sua realização. Especialistas em criação
de ações e peças têm experiência
suficiente para nos ajudar a adaptar a ação e as peças que fazem
parte dessa ação ao nosso públicoalvo e à nossa oferta exclusiva.
Esta idéia do três “Os” do marketing
direto, necessariamente na ordem apresentada, tem mostrado resultados
efetivos na prática. Este raciocínio serve
tanto para ações de aquisição de clientes como para ações de relacionamento com clientes. Cada vez mais precisamos impactar nossos públicos de interesse com uma oferta de valor perceptível e através de uma ação coerente com
o seu comportamento de compra. Precisamos definitivamente utilizar essa ferramenta – marketing direto – da forma
mais eficaz possível. Esse é o resultado
esperado após a utilização correta dos
três “Os” do marketing direto.
municação, deve ser realizada através da ferramenta marketing direto.
Por essa razão, o marketing direto se
tornou a principal ferramenta de comunicação neste novo mundo de CRM.
Não faz sentido buscarmos a interação
com nossos prospects e clientes através
de ferramentas impessoais de comunicação, como é o caso da propaganda e
da publicidade. Devemos utilizar para
isto uma ferramenta interpessoal chamada marketing direto, ou melhor,
comunicação dirigida. E por falar nisso, talvez o melhor nome para esta ferramenta não seja marketing direto, seja
mesmo comunicação dirigida. Mas, isto
é assunto para outra conversa.
João
E O CRM?
PARA ONDE IRÁ?
Escrever sobre o futuro sempre foi um
exercício de adivinhação. Qualquer
um que escreva sobre o que está por
vir não estará fazendo nada mais que
tentando seguir uma linha de raciocínio, às vezes lógica e às vezes não, para
chegar em algum cenário possível.
Através do raciocínio que tivemos
acima a respeito do caminho do CRM
que correu em paralelo à história do
marketing e da comunicação, podemos definir uma linha de raciocínio
interessante.
Hoje, é comum encontrarmos empresas onde o CRM esteja sendo implantado da forma colocada acima: como
uma verdadeira filosofia de negócios e
não como mais uma simples ferramenta de gestão. Por outro lado, também é
comum encontrarmos empresas comprando soluções de CRM em pacotes.
Para esse raciocínio, pensemos apenas
nas empresas que estejam implementando o CRM como sua nova filosofia
de negócios.
Normalmente, a responsabilidade
pelo CRM nestas empresas é dada ao
departamento de marketing. Nada estranho, já que o entendimento da maioria é que a área de marketing das
empresas deve cuidar das necessidades e desejos do cliente, entender e
afetar positivamente a demanda pelos produtos desta empresa. Portanto,
como o CRM trata especificamente do
foco no cliente, não seria errado concluirmos que hoje o CRM como processo dentro de uma empresa pertença ao marketing. Não estaríamos errando muito dizendo que, hoje, o
CRM pertence ao marketing como nós
o conhecemos.
Agora, seguindo a linha de raciocínio
colocada, o mercado segue em constante transformação: antes as empresas
6. DIAGRAMA DE CRM
CONTENDO O MARKETING
CRM HOJE
MARKETING
CRM
RELACIONAMENTO
CRM
vendiam para todo o mercado, depois
começaram a segmentá-lo, depois a
segmentá-lo mais ainda – chegando nos
nichos. E assim por diante chegamos ao
menor segmento possível: o indivíduo.
Isso está sendo chamado por todos de
marketing individual. Mas, como
planejar o marketing apenas para um
indivíduo? Seriam quatro Ps apenas para
um indivíduo?
Simplificando o raciocínio, mas não
deixando os conceitos de lado, podemos dizer que seria um Produto, um
Preço, uma Distribuição e uma Comunicação para cada cliente. Utilizando
a expressão de Pepper e Rogers: “tratar
clientes diferentes de forma diferente”.
Desenvolver e produzir apenas um produto para um indivíduo específico.
Ofertá-lo através de uma política de preços específica apenas para esse indivíduo. Disponibilizar esse produto através de um canal específico e escolhido
por esse indivíduo. Desenvolver e manter um canal de comunicação único
com esse indivíduo. É disso que
estamos falando quando pensamos em
marketing individual.
Será que futuramente quem pertencerá ao CRM não será o próprio e todo
poderoso marketing que o contém
hoje? (ver diagrama 6) Será que em
um futuro próximo seremos atendidos
de forma totalmente individual pelas
empresas? Esperemos para ver! ESPM
CRM AMANHÃ
Matta
MARKETING
AUTORES
ACESSO TOTAL
JOÃO MATTA
MARKETING DE
RELACIONAMENTO
MARKETING
DE ACESSO
Graduado em Engenharia Eletrônica pela USP,
com MBA Executivo pela ESPM. É gerente de
comunicação da Vivo e professor da ESPM.
Fotos desta matéria: Corbis/Stockphotos
S E T E M B R O
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O U T U B R O
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2003–REVISTA DA ESPM
33
Marketing para produtos
de Alta Tecnologia
ESTRA TÉGIAS DE
MARKE TING PARA
PRODU TOS DE ALTA
TEC NOLOGIA:
O CASO HEWLETT-PACKARD-COMPAQ DO BRASIL
1. APRESENTAÇÃO
tualmente o setor de
alta tecnologia vem
ganhando uma importância estratégia, seja em função
das cifras cada vez
maiores que movimenta, seja
em função da
alta possibilidade de expansão e conquista de
novos mercados. Contudo, se este
é um mercado que embute muitas
oportunidades e lucratividade, também requer técnicas cada vez mais
adequadas e específicas, em função
principalmente de seu ciclo de vida
peculiar e dos comportamentos e
expectativas que gera em seus consumidores. Segundo Mckenna
A
36
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
(1999) e Parasuraman e Colby
(2001), muitas empresas do setor de
tecnologia não tiveram sucesso por
utilizarem técnicas e estratégias de
marketing provenientes de mercados
com características diferentes.
O objetivo deste trabalho é contribuir para o entendimento do mercado de alta tecnologia e suas peculiaridades, através do estudo de
caso de uma multinacional americana com destacada posição no
setor de alta tecnologia (HewlettPackard-Compaq), tendo como variáveis de análise as estratégias empregadas, o comportamento de
compra dos clientes e o ciclo de
vida dos produtos do setor.
O U T U B R O
D E
2003
Nesse sentido, espera-se que o trabalho possa gerar subsídios para a
tomada de decisão por parte dos
empreendedores do setor. Acreditase que a partir da formulação de
adequadas estratégias mercadológicas possam ser criados novos
paradigmas e empreendimentos de
sucesso. Muitas vezes, boas oportunidades são desperdiçadas devido a
posicionamentos estratégicos
errôneos e a táticas mal elaboradas.
Ressalta-se que não será objetivo do
trabalho o aprofundamento teórico
dos temas tratados, mas apenas
montar um quadro de referência
que facilite o entendimento do
leitor.
Corbis/Stock Photos
Daniel
2. REVISÃO TEÓRICA
Braga, Maria Clara Piazza, Tales Andreassi
Além de atributos óbvios como qualidade e comprometimento, as empresas
que operam nesse mercado esperam
obter parceiros capazes de oferecer uma
solução padronizada o bastante para
oferecer economia de escala, mas que
ao mesmo tempo seja customizada,
atendendo às reais necessidades da empresa. Ou seja, desejam uma solução
de alto valor custo-benefício, geradora
de vantagem competitiva, de fácil absorção pelos funcionários e de baixo
impacto para o consumidor final, no que
diz respeito à complexidade e operacionalização no uso. Encontrar esse ponto
de equilíbrio é o desafio diário para pequenas empresas que buscam obter sucesso neste mercado, bem como para
grandes corporações já estabelecidas.
2.1. O MERCADO
DE ALTA TECNOLOGIA
Para Mckenna (1999), “os critérios do
consumidor para uma absoluta satisfação com as organizações fornecedoras, seja uma empresa ou um órgão público, se tornaram a tal ponto rigorosos que parecem irreais se comparados aos padrões do passado”
(MCKENNA, 1999, p. 34). Nesse contexto podemos concluir que são as indústrias, em sua constante busca por
competitividade, as grandes geradoras
de demanda por novas tecnologias.
mercado de alta tecnologia está
t Omuito
atrelado à questão da inovação
No mercado de alta tecnologia a customização ocorre em um amplo campo
de ação que pode ir desde adaptar maquinarias até a criação de um avançado
e complexo sistema de informações. A
diferenciação está em realizar tais tarefas de forma inovadora, operacionalizar
invenções tornado-as úteis do ponto de
vista socioeconômico para os clientes e
para a sociedade em geral.
tecnológica. Para Drucker (1987), “é
uma distinção crucial. Em uma era de
competição acirrada, inovar se tornou
uma prioridade para empresas,
corporações e nações”.
Corbis/Stock Photos
Além disso, o mercado de alta tecnologia
está muito atrelado à questão da inovação tecnológica, pois é esta exatamente
sua base. Para Drucker (1987), “é uma
distinção crucial. Em uma era de competição acirrada, inovar se tornou uma
prioridade para empresas, corporações
e nações” (DRUCKER, 1987, p. 49).
S E T E M B R O
/
Nos próximos tópicos serão abordadas
as formas como os clientes absorvem tais
inovações e como as estratégias podem
ser empregadas para evitar que idéias que
despendam grande esforço e investimento em pesquisa não se tornem fracassos. yw
O U T U B R O
D E
2003–REVISTA DA ESPM
37
Marketing para produtos
de Alta Tecnologia
v INOVADORES
2.2. O CICLO DE VIDA DE
ADOÇÃO DA TECNOLOGIA
O ciclo de vida de adoção da tecnologia
é um modelo que demonstra como os
indivíduos reagem às inovações, principalmente as descontínuas.
De acordo com o modelo proposto
por Moore (1991), as inovações
descontínuas são novos produtos e/
ou serviços que requerem do usuário
final e do mercado uma mudança significativa do seu comportamento, em
troca de mais e melhores benefícios.
Em suma, trata-se de quebrar
paradigmas, como mudar de um carro movido a gasolina para outro cujo
combustível é a eletricidade.
Nesse momento o cliente faz uma
análise dos riscos e benefícios oferecidos pela novidade e, de acordo
com seu grau de aptidão à mudança, podem ser classificados em cinco grupos, dos Inovadores até os Retardatários. Entre esses dois extremos
encontramos três grupos adicionais:
os adeptos iniciais, a maioria inicial
e a maioria tardia.
O primeiro segmento da curva de adoção é composto
pelos consumidores denominados inovadores, os clientes de tudo que é realmente novo. São impulsionados
pelo prazer de ter e testar o que é considerado como a
última palavra em inovação. É normal que fabricantes
forneçam gratuitamente seus novos produtos a este público, que desempenha um papel de extrema importância no processo de criação e adaptação de novas
tecnologias e serviços, uma vez que se propõem a testálos, mesmo durante a fase de desenvolvimento, apontando defeitos e sugerindo melhorias. Porém, poder que
este grupo detém é a capacidade de influenciar o restante do mercado. Se desaprovam um novo produto, as
alternativas são desistir da idéia ou retrabalhar.
v ADEPTOS INICIAIS
Os adeptos iniciais são consumidores que arriscam
trocar um produto ou serviço estabelecido por algo
novo, com base na possibilidade de obter maior vantagem competitiva. É um grupo composto por pessoas que buscam, de forma revolucionária, eficiência e rapidez de resultados e correm riscos para tanto.
Nestes dois estágios iniciais do ciclo, encontramos
consumidores que possuem uma característica comum muito forte: querem ser os primeiros a usufruir
a inovação, apesar das motivações pessoais diferentes. Assim, o inovador deseja explorar a tecnologia,
já o adepto inicial busca usufruir os benefícios antes
do restante do mercado.
v MAIORIA INICIAL
Entre os denominados de maioria inicial, encontram-se
os consumidores que formam o grosso do mercado.
Como observou Moore (1991), a principal característica desses consumidores é serem altamente pragmáti-
OS ESTÁGIOS DO CICLO DE
PRODUTOS DE ALTA TECNOLOGIA
FIGURA 1
OBTER RECEITA
SERVINDO A MAIORIA
INICIAL PARA
TORNAR-SE LÍDER
DE MERCADO
TORNAR OS PRODUTOS
CONFIÁVEIS E BARATOS
PARA CONQUISTAR A
MAIORIA TARDIA
MERCADO DE MASSA
m ESTRATÉGIAS
l
AGRESSIVAS
m ESTRATÉGIAS
l
MODERADAS
m ESTRATÉGIAS
l
SUTIS
PRODUTO COMPLETO
38
MERCADO INICIAL
SATISFAZER OS
ADEPTOS INICIAIS
PARA QUE SIRVAM
DE REFERÊNCIA A
MAIORIA INICIAL
SEMEAR OS NOVOS
PRODUTOS ENTRE
OS INOVADORES PARA
QUE EDUQUEM OS
ADEPTOS INICIAIS
MERCADO ESTÁVEL
Fonte: Adaptada pelos autores com base em MOORE e MCKEENA (1991).
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
O U T U B R O
D E
2003
DEIXAR OS
RETARDATÁRIOS
COM SEUS PRÓPRIOS
RECURSOS
cos. Não se entusiasmam pela tecnologia como os inovadores, e nem procuram obter benefícios de forma revolucionária, como os adeptos iniciais. Convencer esses consumidores da pertinência e da necessidade da
mudança é um grande desafio, pois são pessoas que
apreciam a estabilidade de seu sistema, evitando a todo
custo interferências. Quando finalmente resolvem mudar a tecnologia a seu dispor, buscam pelo fornecedor
que transmita maior confiabilidade. Este geralmente é
o líder de mercado, mesmo que seu produto não seja a
melhor inovação disponível.
v MAIORIA TARDIA
A maioria tardia é composta por clientes pessimistas
quanto à possibilidade de se obter algum valor decorrente do investimento em novas tecnologias, e só o realizam sob pressão de serem deixados para trás pelo restante do mercado. Ao mesmo tempo, esses clientes representam para as inovações uma grande oportunidade
inexplorada de novos clientes e um grande desafio para
os fornecedores que optam por servi-los, já que o segredo para se obter sucesso com este grupo é simplificar o
produto, transformando-o em mercadorias funcionais.
v RETARDATÁRIOS
Já os retardatários constituem atualmente uma minoria, pois combatem as inovações, não aceitando
os novos paradigmas impostos pela evolução
tecnológica. São críticos negativos e não são encarados como clientes potenciais.
Os cinco estágios do ciclo, constituídos por seus diferentes clientes e perfis, devem ser trabalhados etapa
após etapa, fornecendo a base estratégica de marketing para que o novo produto se estabeleça no mercado. O trabalho de estabelecimento de uma inovação deve seguir o fluxo da Figura 1.
2.3. ESTRATÉGIAS
MERCADOLÓGICAS PARA
AS DIFERENTES FASES DO
CICLO DE VIDA DE
ADOÇÃO DA TECNOLOGIA
As variáveis do ciclo de vida de adoção
da tecnologia são intrínsecas à cadeia
de valores e devem ser exploradas de
forma diferente em cada uma das fases
do ciclo de vida. A seguir encontramse descritas as variáveis importantes
para cada estágio do ciclo de vida e
como trabalhá-las para criar oportunidades e alcançar a diferenciação.
Daniel
ESTRATÉGIAS PARA MAIORIA
GIAS PARA
A) ESTRATÉ
C) INICIAL
E MAIORIA TARDIA:
INOVADORES: MERCADO INICIAL
No mercado inicial é importante manter a liderança do
produto. O meio social composto por consumidores inovadores e visionários deve ser incentivado a aceitar as mudanças propostas. Tal processo transforma invenções, algo
totalmente novo e inusitado, em inovações. Outro fator importante nesta fase é a flexibilidade. Os consumidores deste
estágio devem ter liberdade para adaptar e criar produtos
que atendam a suas necessidades específicas. A cadeia
de valor deve ser trabalhada no sentido de vender tecnicamente bem a idéia aos consumidores iniciais; possuir uma
equipe de pesquisa e desenvolvimento capaz de adaptar
o produto/serviço até sua customização transformando-o
em um produto padrão com um forte controle de custos.
Ao introduzir a inovação no mercado, a empresa aprende
como racionalizar o potencial futuro de seus produtos e
acaba gerando o conhecimento estratégico necessário para
o próximo desafio, competir com um produto completo.
ESTRATÉGIAS PARA ADEPTOS
B) INICIAIS:
COMPETINDO COM
vESTRATÉGIA AGRESSIVA
LEVANDO O PRODUTO COMPLETO
AO MERCADO DE MASSA
Para Moore (1999), é este o momento em que os
clientes percebem que não seguir o novo padrão
pode resultar em perda de competitividade, uma vez
que a inovação sai dos limites do nicho e se torna
um produto de massa. O mercado em geral adota a
inovação como novo paradigma de infra-estrutura,
padronizando-a e transformando-a quase numa
commodity.
Agora que a empresa já possui um produto diferenciado, ela deve torná-lo o mais completo possível. Desta
forma, faz com que a base de clientes do nicho se reúna ao redor de sua solução, impedindo que outros
paradigmas tenham condições de competir. Aqui, a liderança do produto continua sendo importante. Mas o
diferencial surgirá da intimidade que a empresa mantém com seus clientes, uma vez que outras soluções
semelhantes não criam os vínculos apropriados para
atender às necessidades específicas do segmento.
Golberg (2002) e Gale (2001) citam a importância de uma
abordagem, junto aos consumidores , que leve em conta o
retorno sobre os investimentos dos projetos. Um outro processo chave nessa etapa do ciclo de vida é saber escolher a
concorrência. O fornecedor de alta tecnologia deve atuar
em um nicho onde os clientes já estejam familiarizados com
algum tipo de solução de alta tecnologia. Dessa forma, são
capazes de diferenciar as soluções oferecidas e selecionar
as que proporcionam o maior custo-benefiício. Escapam
dessa forma de uma dispendiosa campanha para educar o
mercado e construir preços condizentes com o real valor
que está sendo oferecido. Portanto, o principal elemento que
deve ser explorado na cadeia de valores nesta etapa é o
produto/serviço que está sendo oferecido, posicionando
corretamente a inovação para deixar seus diferenciais e
benefícios claros aos clientes e barrar a concorrência.
Ao buscar uma estratégia agressiva, o fornecedor de
tecnologia usa sua posição de líder para maximizar a
participação de mercado e níveis de preços privilegiados. Os pontos-chave a serem trabalhados na cadeia
de valores são a distribuição e o capital humano. É preciso fazer com que o produto/serviço esteja em todos
os lugares do mercado, tornando fácil o acesso à solução. Além disso, vendedores e executivos de primeira
linha reforçam a posição de líder da empresa. Sua excelência operacional capacita a empresa a obter uma
porção cada vez mais desproporcional de vendas.
v ESTRATÉGIA MODERADA
Essa fase é geralmente uma das mais conturbadas, pois é difícil saber se uma resposta do mercado está sendo gerada por sua ação ou por uma
corrente de desenvolvimento comum. As alternativas estratégicas são muitas, mas basicamente
podemos agrupá-las em três: estratégia agressiva, estratégia moderada e estratégia sutil. A seguir veremos cada uma delas e como os
posicionamentos das empresas mudam de acordo
com a estratégia adotada (veja o quadro ao lado).
UM PRODUTO COMPLETO
Segundo Moore (1997), “produtos completos incluem
tecnologia, serviços, suporte, documentação e o que mais
seja necessário para implementar um sistema e resolver o
problema dos consumidores” (MOORE, 1997, p. 7). Nesta
fase do ciclo de adoção da tecnologia as empresas atuam
em nichos de mercado, o que diminui seus custos de desenvolvimento e os riscos de introdução do produto.
Braga, Maria Clara Piazza, Tales Andreassi
ESTRATÉGIAS PARA COMPETIR
D) EM
UM MERCADO ESTÁVEL
Nessa fase do ciclo de vida, os volumes de vendas
do supercrescimento se estabilizam num patamar inferior e os concorrentes devem deixar de focalizar a
captura de novos clientes e aprofundar o comércio
com a base instalada existente. Tal fato não significa
que não existam novos clientes para conquistar, porém ganha-se mais dinheiro, aprimorando-se e estendendo a infra-estrutura implantada durante o mercado de massa.
Segundo Moore (1999), as decisões estratégicas
dessa fase do mercado devem atender basicamente
a dois grupos: o usuário final e o diretor financeiro,
diminuindo custos e adicionando valor.
Confiabilidade, compatibilidade, facilidade de uso e
retorno de investimento são características importantes. O referencial torna-se a própria empresa; ela
deve mostrar como sua linha de produtos e serviços
evoluiu. Além disso, segundo Moore (1999), há na
escolha uma forte carga de segurança emocional.
Na próxima fase do ciclo de vida do produto, as vendas entram em declínio e as margens diminuem num
ritmo maior. É a hora de descontinuar o produto/serviço sem causar grandes atribulações ao mercado. A
empresa deve passar por esse processo sem abrir
brechas aos concorrentes e nem deixar os consumidores com a sensação de desamparo pelo sumiço do
produto. Trata-se de um trabalho gradual que segue
as mesmas regras básicas de outros mercados; por
este motivo não será um tema explorado com profundidade neste trabalho.
S E T E M B R O
/
As empresas que adotam uma estratégia moderada
o fazem por não terem o capital necessário para investir em Pesquisa e Desenvolvimento e Marketing.
Esses fornecedores de alta tecnologia não estão em
posição de competir por grandes participações de
mercado, focam seus esforços para aproveitar ao
máximo as oportunidades que surgem. Tal operação é muito rentável, sendo a tônica, a excelência
operacional baseada em economias de custo. As
empresas de estratégia moderada apresentam-se
como alternativas competitivas, preenchendo os espaços que o líder não consegue ocupar.
Contudo, essas empresas conseguem a venda, mas não
mantêm o cliente fiel, uma vez que não detêm o padrão
do mercado. Conseguem alguma vantagem competitiva ao realizar um bom trabalho nos canais de distribuição. A única alternativa para que essas empresas se
tornem líderes é regredir um pouco a estratégia e tentar
obter algum sucesso em um nicho de mercado.
v ESTRATÉGIA SUTIL
Uma estratégia sutil é a alternativa adotada por empresas que têm fortes investimentos em suas próprias tecnologias, mas não possuem liderança de
mercado. Assim como em todos os mercados de
massa, elas competem pela distribuição desejando
ganhar acesso à demanda reprimida.
O interessante para essas empresas é ter participação suficiente de mercado para se posicionarem como
alternativa segura ao líder. Nesse contexto entendese por participação de mercado tecnologia própria e
confiável, excelente distribuição e boa relação custobenefício, fatores que deixam a comunidade de consumidores pragmáticos (que domina o mercado de
massa) extremamente segura.
São empresas cujas atuações não definem o padrão e
não desafiam a posição hierárquica do mercado. A orientação mais adequada para as empresas que adotam
tal estratégia é serem agressivas sem exceder limites e
sem ameaçar o líder. Elas devem desenvolver tecnologias de alto padrão, que as diferenciem de suas concorrentes que utilizam estratégias de mercado moderadas,
assim garantindo um fluxo de receita substancial na competição pelos negócios excedentes do líder. yw
O U T U B R O
D E
2003–REVISTA DA ESPM
39
Marketing para produtos
de Alta Tecnologia
4. DESCRIÇÃO DO
3. METODOLOGIA
Este trabalho foi desenvolvido utilizando a metodologia do estudo de caso.
Segundo Yin (1989), o estudo de caso
é um método bastante indicado em
situações nas quais o investigador tem
pouco controle sobre os eventos que
está pesquisando, ainda mais quando o caso tem um caráter revelador.
Para o estudo de caso, escolheu-se a
empresa Hewlett-Packard-Compaq
(HPQ). Tal escolha deve-se ao importante papel exercido pela HPQ no mercado de alta tecnologia, principalmente
após a fusão com a Compaq em 2002.
Com base na revisão teórica efetuada,
foram formuladas três questões de pesquisa, as quais irão nortear o estudo
de caso. São elas:
EMMERCADOSDEALTA
1.1.
Em mercados
alta tecnoTECNOLOGIA,
OSde
FATORES
RACIONAIS
logia,
os fatores racionais
e emoEEMOCIONAIS
QUELEVAM
À
cionais
que levam
à compra
são
COMPRA
SÃOMAIS
COMPLEXOS
mais
complexos
que em outros?
QUE
EMOUTROS?
2.2.
MERCADO
ALT
A
NoNO
mercado
de DE
alta
tecnoTECNOLOGIA
ACONFIABILIDADE
logia
a confiabilidade
e o mar- E
OMARKETING
DERELACIONAMENTO
keting
de relacionamento
são
SÃO
MUITOIMPORTANTES?
muito
importantes?
3.3.
ÉPOSSÍVEL,
ATRAVÉS
DAANÁLIÉ possível,
através
da análiSEDO
CICLO
VIDA
PRODUTO,
se do
ciclo
de DE
vida
doDO
produto,
OFERECER
AOSCONSUMIDORES
oferecer
aos consumidores
proPRODUTOS
DEALTATECNOLOGIA
dutos
de alta tecnologia
capazes
CAPAZES
DEATENDER
de atender
melhor
a suasMELHOR
neces- SUAS
NECESSIDADES
EEXPECTATIVAS?
sidades
e expectativas?
A coleta de dados para este estudo
aconteceu em duas etapas. Na primeira, de caráter mais exploratório, levantou-se um amplo material impresso
sobre a empresa. Na segunda etapa
foram realizadas entrevistas pessoais
com alguns executivos da HPQ.
40
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
CASO HEWLETTPACKARD-COMPAQ
SERVIÇOS E SUPORTE
O mercado de serviços e suporte pode
ser dividido em dois segmentos:
HISTÓRICO
v Suporte a organizações de todos
A Hewlett-Packard foi a primeira empresa de alta tecnologia a surgir no Vale
do Silício , nos Estados Unidos da América, em 1939. Na sua configuração
atual, após a fusão em 2002 com a
Compaq, a HPQ – Hewlett-PackardCompaq – é a segunda maior empresa
de alta tecnologia no mundo, atrás apenas da IBM.
Atua nos mais diversos segmentos
tecnológicos, atendendo tanto a
consumidores finais como a organizações dos mais diversos portes. Oferece
equipamentos, sistemas de controle de
informações e serviços de suporte reconhecidos mundialmente por sua qualidade distribuídos em 4 diferentes unidades de negócios. Atualmente emprega 140.000 pessoas, e em 2002 sua receita foi de 72 bilhões de dólares. É líder
mundial no segmento de impressoras
e possui forte participação nos mercados de computadores de grande porte,
os chamados Mainframes, de sistemas
de informação e de serviços e suporte.
Seus principais concorrentes mundiais
são a IBM e a Dell.
O mercado de serviços e suporte de alta
tecnologia responde atualmente por uma
boa fatia do faturamento das empresas
que atuam neste setor, além de ser um
dos que mais crescem. Nele, a HPQ
ocupa posição de destaque, sendo líder
e referencial em vários segmentos. No
decorrer do estudo de caso veremos as
estratégias utilizadas para crescer neste
setor e como a empresa obteve maior
vantagem competitiva através da diversificação dos serviços oferecidos.
O U T U B R O
D E
2003
os portes no gerenciamento de seus
sistemas de informação, envolvendo
a manutenção dos programas de
computador, equipamentos, estrutura de transmissão de dados, bem
como a capacitação de pessoas através de treinamentos;
v
Consultorias para criação, implantação e manutenção de sistemas
de alta disponibilidade.
Neste estudo de caso, o foco estará
nas estratégias utilizadas pela HPQ
para introduzir no mercado e aprimorar os serviços aos clientes que necessitam de Sistemas de Alta Disponibilidade. Para entender como a
empresa utilizou elementos do seu
composto de marketing, durante o
ciclo de vida dos produtos, para
posicionar seus serviços no mercado, é preciso compreender melhor
os sistemas de alta disponibilidade.
SISTEMAS DE ALTA
DISPONIBILIDADE
Tecnicamente um sistema de alta disponibilidade é aquele que, no caso de
falhas, não incorre em perda de dados
e tem funcionamento restaurado em
um período de tempo razoável. Os
sistemas de alta disponibilidade
visam operar os aplicativos de missão crítica (esta engloba cada função do organograma que, de cima
para baixo e da esquerda para direita, envolvem um nível crítico) das organizações, minimizando os efeitos
de eventuais paralisações. Sistemas de
Braga, Maria Clara Piazza, Tales Andreassi
Arquivo
Daniel
SETOR DE SERVIÇOS E SUPORTE DA HPQ MANTÉM NOS
t OPRINCIPAIS
MERCADOS MUNDIAIS UMA FORTE ESTRUTURA QUE
alta disponibilidade devem operar no
máximo de sua performance, o tempo
todo. Paralisações desse tipo de estrutura, bem como perdas de dados são
ocorrências altamente dispendiosas e
devem ser minimizadas.
Os sistemas de alta disponibilidade se
caracterizam por serem abertos, ou seja,
englobam em suas estruturas diferentes
aplicações e máquinas de diversos portes e funções. Além disso, são capazes
de absorver uma crescente demanda de
negócios e são operacionais em tempo
real, 24 horas por dia.
A HPQ E SEU SISTEMA DE
ALTA DISPONIBILIDADE
O setor de Serviços e Suporte da HPQ
mantém nos principais mercados
mundiais uma forte estrutura que realiza serviços de diversas complexidades, que podem ir desde reparo de
impressoras, treinamentos e ajuda a
usuários de sistemas operacionais,
chegando até a criação de intricadas
e avançadas redes de informação.
Operações tão grandes como essas
vinham, ao longo dos anos, se tornando extremamente dispendiosas.
O modelo de operação adotado pela
HPQ separava os departamentos por
níveis de clientes e pela complexida-
REALIZA SERVIÇOS DE DIVERSAS COMPLEXIDADES.
de dos serviços oferecidos, gerando
duplicação de esforços e processos,
além de custos maiores, funcionários
insatisfeitos, perda de produtividade
e margens de lucro menores. Era clara a necessidade de mudanças, surgindo a necessidade de endereçamento
de questões como o enxugamento da
estrutura sem afetar a qualidade dos
serviços oferecidos e a geração de
tecnologia para ser líder e atender, também, ao mercado periférico.
A reposta para tais questões foi a criação de um sistema de alta disponibilidade. A HPQ poderia então oferecer
ao mercado um serviço premium que
englobasse todos os departamentos e
serviços existentes em sua estrutura.
Atualmente, os serviços de alta disponibilidade são a espinha dorsal de onde
saem todos os outros serviços, que, independentemente de sua complexidade ou custo, envolvem os elos já existentes da cadeia de valores da HPQ.
O segredo do sucesso da divisão de
serviços e suporte da HPQ está em
usar a mesma estrutura para atender
o cliente que compra apenas o serviço de helpdesk até o cliente que rea-
S E T E M B R O
/
liza uma consultoria para a criação
de um sistema de telefonia e transmissão de dados. Ela praticamente usa sua
estrutura como um jogo de peças para
oferecer serviços altamente customizados, mas faz com base num padrão preexistente de operações, reduzindo sensivelmente seus custos.
Tais fatos trazem grandes vantagens
competitivas para a empresa, que
pode atuar tão bem no mercado inicial quanto o faz em um mercado de
massa. Essa configuração e as experiências adquiridas foram úteis, como
veremos a seguir, nos mercados iniciais, nos mercados de massa e nos
mercados estáveis.
v
MERCADOS INICIAIS
Neste mercado, onde os clientes são
inovadores e visionários, a HPQ possui vasto capital e grandes recursos de
pesquisa e desenvolvimento para gerar novas tecnologias aplicando-as
comercialmente, além do conhecimento necessário para torná-las produtos completos, aptos a competir no
mercado de massa. Um bom exemplo dessa capacitação foi a criação do
O U T U B R O
D E
yw
2003–REVISTA DA ESPM
41
Marketing para produtos
de Alta Tecnologia
sistema de administração de dados
da TESS, operadora de telefonia celular no interior do Estado de São
Paulo. Foi realizado um projeto de
redes de informações capaz de administrar desde o fluxo de dados nas
linhas telefônicas até os sistemas de
cobrança e controle financeiros da
empresa. A HPQ, além de criar e executar o sistema, forneceu todos os
equipamentos e softwares necessários ao seu funcionamento.
O sucesso obtido incentivou a empresa a transformar esse tipo de projeto em um serviço regular de seu
portfólio, chegando a realizar algo
semelhante com a Telesp Celular na
implantação dos sistemas de telefonia celular pré-pago, o Baby. Focar
em um nicho específico de mercado
a indústria de telefonia permitiu à
HPQ adquirir conhecimentos que
reforçam sua tecnologia de transmissão de dados.
v
MERCADOS ESTÁVEIS
Ao falarmos de sistemas de alta disponibilidade, o mercado estável é a etapa
do ciclo de vida em que alguns países
do mundo se encontram, como os Estados Unidos (onde a HPQ é líder). A
maioria dos clientes de sistemas de alta
disponibilidade desses países usa configurações intermediárias ou semi-avançadas. O sucesso para levar os clientes
aos próximos estágios do serviço está
no marketing de relacionamento.
MERCADOS DE MASSA
Sua principal característica é a relutância dos clientes pragmáticos em
trocar sua plataforma por algo novo.
A HPQ tornou-se líder em suporte a
usuários (helpdesk), em alguns países
do mundo, ao associar seu nome a
parceiros como Microsoft, SAP e
Oracle. Usando uma estratégia agressiva de liderança, a HPQ fez seus
clientes perceberem o helpdesk
terceirizado como uma opção segura
e barata em relação a possuir estrutura
própria. Uma forte campanha de educação minimizou a preocupação dos
clientes em relação ao comprometimento de um helpdesk terceirizado. É
claro que associar o nome da HPQ ao
serviço, grande líder em vários setores
tecnológicos, ajudou.
42
Lançando mão de uma estratégia
competitiva sutil, a HPQ desenvolveu
sistemas operacionais para computadores de grande porte que capacitaram a empresa a operar, modificar e
reparar com grande habilidade os
sistemas líderes de empresas concorrentes, como o AS400 da IBM. A HPQ
é um dos referenciais de mercado para
os serviços relacionados a esse
sistema, porém não é líder de
mercado. A vantagem de manter tal
operação é adquirir conhecimentos ao
lidar com as diferentes aplicações em
que o sistema é utilizado. Com esse
tipo de abordagem, a HPQ oferece
uma alternativa viável caso o mercado
resolva mudar o padrão.
Corbis
v
Usando uma estratégia competitiva
moderada, a HPQ conquistou a demanda reprimida de seus principais
concorrentes. Usando técnicas de
engenharia reversa, tornou-se capaz
de reparar e dar suporte às máquinas
de concorrentes como IBM, absorvendo boa parte da demanda reprimida
para esses serviços. Seu gigantismo e
conhecimento tecnológico a tornaram
uma alternativa segura à concorrência, além de capacitá-la a operar com
mais propriedade sistemas abertos.
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
principal característica é a relutância dos clientes
tSua
pragmáticos em trocar sua plataforma por algo novo. A HPQ
O U T U B R O
tornou-se líder em suporte a usuários (helpdesk), em alguns países.
D E
2003
Daniel
Nesse estágio do ciclo de vida, as negociações com os clientes para a ampliação do serviço giram em torno
das diretorias de tecnologia da informação e financeira. A barreira principal está no fato de convencer quem
já recebe um serviço caro e de qualidade comprovada a comprar uma extensão que não necessariamente trará vantagens muito superiores à configuração atual. A chave está em mostrar que o custo-benefício e as inovações da versão ampliada trarão
vantagem significativa para o cliente
em termos de diferenciação da concorrência. Segundo Moore (1997),
nesta fase, a comunicação de
marketing é a área em que o próprio
valor do produto é definido. O valor
é percebido com base na experiência do usuário com o produto.
Outro fator importante é saber o nível de satisfação e o momento certo
para abordar o cliente. Para isso, a
HPQ desenvolveu um complexo sistema de acompanhamento e medição das reações e da satisfação do
cliente ao interagir com o serviço e
com o própria empresa. Dessa forma os executivos abordam o cliente
em momentos mais apropriados e
com argumentos de vendas mais
consistentes.
CONCLUSÃO DO CASO HPQ
Todo conhecimento adquirido pela
HPQ no realinhamento de sua estrutura de suporte e serviços foi essencial
para capacitar a empresa a competir
nos diferentes momentos do ciclo de
vida da tecnologia.
Dessa forma, mais enxuta e com “armas” mais eficazes, os resultados alcançados, utilizando diferentes estra-
tégias, foram excelentes. Os lucros da
divisão de serviços e suporte foram
maximizados, os custos caíram, foram
criadas fortes parcerias, e o pessoal
(mais bem capacitado) trabalha com
foco e satisfação. Isso reflete uma boa
utilização dos elementos do composto de marketing da empresa frente às
condições de mercado, sejam elas
provenientes de qualquer um dos ciclos de vida de adoção da tecnologia.
O resultado é uma empresa mais forte, que consegue diferenciar-se de
seus concorrentes e obter vantagem
competitiva, chegando a liderar vários segmentos.
5. DISCUSSÃO
DAS QUESTÕES
DE PESQUISA
Pode-se concluir que para posicionar
produtos e serviços no mercado de
alta tecnologia, deve-se observar com
cuidado a fase do ciclo de vida em
que o produto está. Isso ocorre porque os clientes, os fatores que levam
à compra e os custos operacionais são
diferentes em cada uma dessas fases,
levando a empresa empreendedora
a trabalhar seu marketing mix de
forma direcionada à fase em que se
encontra. Nesse sentido, levando em
conta as questões formuladas no item 3
deste trabalho, chega-se às seguintes
conclusões:
1. EM MERCADOS DE ALTA
TECNOLOGIA, OS FATORES
RACIONAIS E EMOCIONAIS
QUE LEVAM À COMPRA SÃO
MAIS COMPLEXOS?
Ao falar de produtos e serviços de alta
tecnologia é preciso ter em mente que
S E T E M B R O
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Braga, Maria Clara Piazza, Tales Andreassi
os fatores racionais e emocionais que
levam à compra são mais complexos
que os geralmente encontrados em
outros mercados.
Essa é uma indústria movimentada por
inovações, quebras de paradigmas. O
consumidor de alta tecnologia, como
qualquer outro, teme trocar um produto/serviço seguro e que já conhece por
algo novo, que não necessariamente
domina. Esse sentimento se acentua, pois
o mercado de alta tecnologia apresenta
ciclos de vida mais curtos que os outros.
Tendo como base essa informação, a
empresa de tecnologia deve saber usar
os argumentos e as ferramentas necessárias para convencer o consumidor a
trocar a atual infra-estrutura para o novo
paradigma que está sendo oferecido.
Esses argumentos podem vir de uma
equipe de vendas eficiente, de uma
campanha de educação promovida
pela empresa, ou por qualquer outro
meio necessário. O importante é que
o consumidor se sinta seguro e motivado para adotar a nova tecnologia,
seja ele um visionário que procura vantagens competitivas ou um pragmático que deseja o menor impacto possível em suas operações.
No caso específico da HPQ, notou-se que
os consumidores receavam em contratar
um serviço terceirizado de helpdesk
temendo que a atenção dispensada não
fosse satisfatória. A HPQ, através de
associações estratégicas com parceiros de
renome e de uma forte campanha de educação, conseguiu reverter o quadro tornando-se líder no fornecimento desse tipo
de serviços. O consumidor passou a comprar no momento em que a HPQ criou
uma imagem de liderança e segurança
que satisfizesse também a seus anseios
emocionais. yw
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43
Marketing para produtos
de Alta Tecnologia
2. É UM MERCADO EM
QUE A CONFIABILIDADE
E O MARKETING DE
RELACIONAMENTO SÃO
MUITO IMPORTANTES?
A grande velocidade de mudança dos
padrões no mercado de alta tecnologia
faz com que os clientes sejam extremamente rigorosos na escolha de seus fornecedores. Eles precisam confiar que a
empresa escolhida seja capaz de guiálos na troca do paradigma, adaptando
seus sistemas atuais e minimizando o
impacto nas operações. A segurança dos
clientes vem das referências que possui,
e do modo como interage com o fornecedor de tecnologia. A maioria deles
confia na empresa de alta tecnologia que
já possui experiências bem-sucedidas
com seus pares, que por sua vez passam
essa informação ao mercado, ajudando
a tornar o fornecedor de tecnologia uma
referência no segmento em que atua.
A verdade é que a maioria dos clientes
quer “ver para crer”, por isso a propaganda boca a boca é uma grande arma
para criar a imagem de um fornecedor
de alta tecnologia em que se pode confiar. Uma boa parte dessa confiança é
construída no relacionamento que a
empresa fornecedora de alta tecnologia
mantém com seus clientes. Esses devem
ter a empresa de alta tecnologia como
parceira, alguém que entende suas necessidades e expectativas e oferece, com
base nisso, soluções adequadas. O fornecedor de alta tecnologia deve fazerse presente e interagir com o cliente em
todas as fases do ciclo de vida do produto,
utilizando as ferramentas adequadas para
construir um relacionamento duradouro. Como já abordado anteriormente
neste trabalho, vale lembrar que, ao escolher um fornecedor de alta tecnologia,
o cliente procura acima de tudo uma par-
44
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
ceria de longo prazo. Esse é um dos motivos pelos quais as empresas líderes de
mercado são privilegiadas, uma vez que
se mostram aptas a fornecer soluções
tecnológicas adequadas por um grande
espaço de tempo.
Durante o estudo de caso, verificou-se
que uma forte razão para os clientes escolherem a HPQ é o potencial da empresa em ser um fornecedor de
tecnologia a longo prazo. Líder e possuidora de tecnologia de ponta em diversos segmentos, a HPQ mostra-se altamente capacitada a ajudar seus clientes na troca dos paradigmas tecnológicos. Tal posição faz com que a HPQ se
beneficie da propaganda boca a boca.
Foi assim com a implementação e expansão dos sistemas de alta disponibilidade. A HPQ inicialmente ofereceu e instalou tais sistemas em clientes formadores de opinião, tornando-se referência no
mercado. Com essa posição conquistada,
conseguiu oferecer seus produtos a outros
clientes, de variados portes.
3.
É POSSÍVEL, ATRAVÉS
DA ANÁLISE DO CICLO
DE VIDA DO PRODUTO,
OFERECER AOS CONSUMIDORES PRODUTOS DE
ALTA TECNOLOGIA CAPAZES DE MELHOR ATENDER
A SUAS NECESSIDADES E
EXPECTATIVAS?
No mercado de alta tecnologia, uma boa
idéia não garante sucesso. É preciso que
ela evolua através do ciclo de vida de
adoção da tecnologia e se torne um produto completo. Isso ocorre porque as necessidades e expectativas dos consumidores mudam de acordo com a fase do ciclo
em que estão, e com o tipo de interação
que mantêm com o produto/serviço.
A maioria dos empreendedores adentra o
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2003
mercado de alta tecnologia com boas idéias,
e estas representam, inicialmente, uma possibilidade de lucros futuros. As empresas de
sucessoconseguem,atravésdainteraçãocom
seus clientes durante as diversas fases do ciclo
de adoção da tecnologia, dotar a idéia de
um valor comercial.
O desenvolvimento do sistema de alta disponibilidade da HPQ ilustra fortemente esse
item. Em um primeiro momento procuraram-se parceiros que pudessem desenvolver e testar junto com a HPQ um sistema
de informação que tivesse baixos níveis de
paradas e manutenção, gerando desta
forma alta disponibilidade e grande
vantagem de custos. O passo seguinte foi
vender a idéia de um sistema de informática
altamente disponível a consumidores inovadores, que enxergaram antes do restante
do mercado a vantagem competitiva e
econômica que tais sistemas podiam
oferecer. Os consumidores inovadores
ajudaram os sistemas de alta disponibilidade a tornarem-se produtos cada vez mais
completos, bem como a evoluir a estrutura
de suporte da HPQ para interagir com os
clientes de forma mais rápida e assertiva.
Nesse estágio do ciclo de vida, o sistema
de alta disponibilidade já estava preparado
para enfrentar os consumidores pragmáticos do mercado de massa. Esses exigem
alto desempenho, ótima relação custobenefício e padronização.
Com o desenvolvimento e a expansão dos
sistemas de alta disponibilidade, a HPQ
foi capaz de ajustar sua estrutura de Serviços e Suportes para gerar mais e melhores
tecnologias, bem como a atender a um
maior e variado número de clientes.
6. CONCLUSÕES E
RECOMENDAÇÕES
O estudo mostrou que no mercado
de alta tecnologia os fatores racionais
Daniel
e emocionais que levam à compra são
mais complexos. Isso ocorre devido à
velocidade com que os produtos
tecnológicos se tornam obsoletos e ao
distanciamento que a própria tecnologia
tem com as pessoas; muitos consumidores a encaram como algo difícil de
apreender e lidar. Por tais motivos, recomenda-se, antes de entrar no mercado
ou levar um produto ao mercado de
massa, realizar o maior número possível
de pesquisas e estudos que possam
elucidar o comportamento do consumidor em relação à tecnologia e à inovação que se pretende comercializar. Esses
estudos devem ter foco e explicitar ao
máximo as barreiras emocionais e racionais frente à novas tecnologias, além de
indicar possíveis caminhos para transpor
tais barreiras. Outra recomendação importante é feita a partir da constatação
de que, no mercado de alta tecnologia,
a confiabilidade e o marketing de relacionamento são muito importantes.
Um dos maiores desafios para as empresas que atuam neste segmento é comunicar um produto ou uma mensagem e
receber uma resposta positiva por parte
do consumidor. Ao ser exposto a qualquer tipo de comunicação ou até mesmo abordado pela equipe de vendas, o
consumidor deve sentir que está sendo
oferecida uma solução rentável e
confiável. Acima de tudo o que o consumidor realmente procura são referências
seguras do trabalho da empresa, garantia
de que esta poderá apoiá-lo, como
fornecedora, conhecendo seus problemas
e indicando soluções, durante um longo
tempo. Recomenda-se uma criteriosa
seleção entre os potenciais parceiros no
desenvolvimento de projetos; estes devem
ser consumidores de reputação, formadores de opinião. Além disso, para garantir a longevidade de seu sucesso, a empresa de alta tecnologia deve investir em
instrumentos de pesquisas que lhe forneçam dados indicadores do desempenho
de seus produtos, bem como a satisfação
de seus clientes. Dessa forma ela saberá
quando e como intervir estrategicamente
junto aos clientes.
A questão da exploração de nichos também merece destaque. A escolha de nichos capitalizados e em expansão deve
ser um dos principais fatores de sucesso
para a empreitada no mercado de alta
tecnologia. A não-existência de uma
metodologia que ajude a determinar a
viabilidade econômica e o poder de influência de um nicho sobre o restante do
mercado pode ser uma problemática
para os empreendedores que nele desejem atuar. Embora não tenha sido foco
deste trabalho explorar mais a fundo tal
contexto, é algo que deve merecer atenção dos estudiosos sobre o tema.
Por fim, a metodologia de adequação dos
produtos de alta tecnologia às aspirações
dos consumidores, através de uma análise do ciclo de vida do produto, deve
ser recomendada como instrumento base
para as empresas atuantes neste mercado. Tal prática minimiza os riscos de lançamento de novos produtos, ajuda a
direcionar a comunicação e controlar os
gastos em pesquisa e desenvolvimento,
além colocar a empresa em sintonia com
os desejos e expectativas do mercado.
Certamente, este trabalho não pretendeu
esgotar o assunto de uma área tão nova,
rica e com tão poucos estudos aplicados.
Muitas outras áreas de investigação podem ser desenvolvidas. Sugerem-se, por
exemplo, estudos de natureza mais quantitativa, procurando levantar a percepção
dos consumidores em relação aos produtos de alta tecnologia e inserindo para
comparação com o atual estudo de caso
o exemplo uma empresa nacional. ESPM
S E T E M B R O
/
Braga, Maria Clara Piazza, Tales Andreassi
BIBLIOGRAFIA
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práticas e princípios. 2 a edição, São Paulo, Livraria
Pioneira Editora, 1987.
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YIN, R.K. Case Study Research: design and
methods. Newbury Park, CA, Sage, 1989.
AUTORES
DANIEL BRAGA RODRIGUES ALVES
Gerente de Produto da Colgate
Palmolive, graduado pela ESPM
MARIA CLARA PIAZZA
Consultora Associada à
Plataforma Consultoria
TALES ANDREASSI
Professor da ESPM e da FGV-EAESP
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Musée
Musée de
dela
la Publicité de Paris
Paris
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Penteado
Roberto Whitaker
WhitakerPenteado
J. Roberto
O
que é, possivelmente,
o único
museu oficial da
publicidade em todo o mundo
funciona nas
mesmas instalações de um dos mais
afamados e visitados museus da Europa: o Louvre, em Paris.
verdade, este museu francês
Na
da propaganda nasceu de um outro
museu, mantido pela UCAD desde
1978: o Musée de l’affiche (cartazes).
de Rivoli e que – como a instituição matriz – recebe visitantes do mundo inteiro o ano todo. Em 2002, foram 167.407.
Trata-se do Musée de la Publicité,
instalado no número 107 da Rue
O MP passou a ocupar as atuais instalações em novembro de 1999 e faz
parte da Union Centrale des Arts
Décoratifs – divisão do Louvre especializada no que se denomina de artes decorativas e que incluem as artes
aplicadas em geral – em madeira, cerâmica, vidro, e também jóias, rendas,
bordados e impressões sobre diversos
materiais.
Na verdade, esse museu francês da
propaganda nasceu de um outro museu, mantido pela UCAD desde 1978:
o Musée de l’affiche (cartazes), criado
para conservar uma arte publicitária
que, se não nasceu na França, ali teve
algumas de suas maiores expressões,
como Chéret, Colin, Toulouse-Lautrec
e Mucha.
O acervo do MP reúne cerca de
50.000 cartazes, que vão desde o século 18 até a Segunda Grande Guerra e mais 50.000 da fase moderna e
mais 100.000 filmes comerciais franceses e estrangeiros, a partir de 1930,
30.000 anúncios impressos e mais
objetos promocionais e embalagens.
As instalações foram projetadas
pelo designer Jean Nouvel – o mesmo que projetou o polêmico (e ain- yw
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Musée de la
Publicité de Paris
Corbis/ Stock Photos
da incerto) Museu Guggenheim do
Rio de Janeiro. Não são muito
grandes mas permitem ao MP promover duas exposições simultâneas. Entre essas exposições já foram
apresentadas diversas mostras de
cartazes, a publicidade da Belle
Epoque, Marcas, Embalagens e
uma grande retrospectiva da propaganda francesa desde os anos 20
até os anos 50, denominada “Do
Reclame à Publicidade”. Nesse
mês de outubro abre-se a mostra
“On Air”, apresentando a história
publicitária da companhia aérea
Air France – que, em 2003, comemora o seu 70 aniversário.
0
A principal atração do Musée de
la Publicité, contudo, é a sua
“Midiateca” – uma sala aberta ao
público que reúne cerca de duas
dezenas de terminais de computadores, através dos quais pode ser
consultada uma parte do seu acervo, que já se encontra digitalizada.
instalações foram projetadas pelo designer Jean Nouvel –
As
o mesmo que projetou o polêmico (e ainda incerto) Museu
Guggenheim do Rio de Janeiro. Não são muito grandes mas
permitem ao MP promover duas exposições simultâneas.
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Como parte do Louvre – e da UCAD
– o museu desempenha uma importante função educativa em relação
ao papel da propaganda nas sociedades modernas. Além do acervo de
peças publicitárias, criado a partir
da coleção de cartazes, o museu
abriga uma biblioteca especializada, com 4.000 livros e 70 periódicos franceses e internacionais. A
hemeroteca conta com cerca de
7.000 arquivos monográficos, dedicados aos profissionais de criação, principalmente artistas; 250
consagrados a agências, empresas
gráficas, etc. e mais 500 denominados de “arquivos temáticos”. yw
J. Roberto Whitaker Penteado
grande retrospectiva da propaganda francesa desde os
Uma
anos 20 até os anos 50, denominada “Do Reclame à Publicidade”,
está entre as exposições que já foram apresentadas.
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Musée
Musée de
dela
la Publicité de Paris
Paris
O site do Museu em www.ucad.fr/
pub/musee, além de possibilitar a
consulta online de uma parte do
acervo descrito na página anterior,
ainda contém um precioso Dicionário da Comunicação Publicitária. Esse
dicionário só existe no domínio virtual
e foi elaborado por Maurice Lescure,
professor da Ecole Supérieure de
Publicité de Paris e ex-diretor de promoção e estudos de mercado da empresa Sopalin/Kleenex.
Além disso, o museu está desenvolvendo, gradualmente, um repertório
de Marcas e Personalidades que pode
também ser consultado online. Já es-
tão disponíveis: Alsacienne, Banania,
Benetton, Cadum, Citroën, Dim, La
Vache qui rit, LU, Maggi, MenierNestlé, Pathé-Marconi, Perrier,
Peugeot, Renault, Arts Ménagers,
Marcel Bleustein-Blanchet, Bill
Bernbach e Philippe Michel.
Finalmente, estão no site informações atualizadas sobre:
v Calendário francês e internacional sobre eventos e manifestações da
propaganda e do marketing.
v Escolas especializadas.
v Comércio de objetos históricos
ligados à publicidade.
essas exposições já foram apresentadas diversas mostras
Entre
de cartazes, a publicidade da Belle Epoque, Marcas, Embalagens
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v Instituições que lidam com
affiches.
Os responsáveis pelo Musée de la
Publicité não revelam os dados financeiros específicos da instituição; apenas que o orçamento total da UCAD,
em 2002, foi de cerca de 18 milhões
de euros, dos quais 11 milhões originaram-se de verbas do Estado. Dos
390 funcionários da UCAD, apenas
15 dedicam-se exclusivamente ao MP.
Duas mulheres são responsáveis por
suas operações: Sophie Durrleman,
como diretora geral da UCAD e
Rejane Bargiel, diretora e conservadora do Musée de la Publicité.
J. Roberto
Penteado
Roberto Whitaker
WhitakerPenteado
ENTREVISTA
com Rejane Bargiel, diretora e conservadora do Musée de la Publicité
Revista da ESPM: Por que um Museu da
Propaganda e por que se encontra dentro da UCAD (União Central das Artes
Decorativas)?
Rejane: A partir de 1901, a biblioteca
da UCAD começou a receber doações
de cartazes (affiches) importantes, que
se constituiram na base das antigas
coleções do Musée de l’Affiche. Esse
museu abriu suas portas em 1978, estimulado por Geneviève Gaëtan-Picon,
que foi sua primeira conservadora-chefe. Naquela época, ficava na rue de
Paradis, 18. Pouca gente sabe que se
transformou em Musée de la Publicité
já em 1981. Em 1990, o museu deixava
as instalações da rue de Paradis e
instalava-se na rue de Rivoli, já dentro
do Museu do Louvre. Ele foi
reinaugurado em novembro de 1999
e seus espaços foram planejados e instalados por Jean Nouvel.
Revista da ESPM: Houve uma participação expressiva dos profissionais da propaganda francesa na criação do Museu?
Rejane: A participação mais importante dos profissionais de propaganda na
fundação do Musée de l’Affiche foi da
UPE (Union pour la Publicité Extérieur),
que financiou uma parte dos trabalhos
de construção e decoração e que participou generosamente no enriquecimento do acervo das coleções contemporâneas, principalmente a partir de meados dos anos 70 – e também o Clube
dos Diretores de Arte da França. Na reabertura do Musée de la Publicité, em
1999, participaram o Ministério da Cultura e da Comunicação, a Thomson
Multimedia, Silicon Graphics, o grupo
Première Heure (produtora) e o programa de TV Culture Pub. A AACC (Association des Agences Conseils en
Communication) também participou da
inauguração. A exposição inaugural,
que foi dedicada ao ilustrador Renê
Gruau, (bom material visual em http://
www.rene-gruau.com/) teve o apoio de
Perfumes Dior, Relógios Omega, Chocolates Lindt, Rodier, e a Bemberg
Trasformazioni Tessili.
Revista da ESPM: A presidente da
UCAD diz que a propaganda reune o
belo e o útil. Isso continua sendo verdadeiro em 2003?
Rejane: A beleza no que é útil continua
sendo mais verdadeiro do que nunca.
Hoje em dia, a interdisciplinaridade, as
fronteiras entre as disciplinas, se
superpõem. Designers são convidados
para projetar embalagens e mobiliário urbano, assim como objetos únicos ou fabricados em séries limitadas (alguns exemplos seriam Castelbajac e Martin Szekely).
Revista da ESPM: O Museu da Propaganda francês é único no mundo?
Rejane: Sob a forma atual, sim. Não sei
de nenhum outro museu de propaganda que ofereça, ao mesmo tempo,
affiches, filmes, objetos, e um centro
de documentação. Já coleções de cartazes existem em praticamente todos
os países – e alguns museus de cartazes, em Essen (Alemanha) e Wilanov
(Polônia), por exemplo.
Revista da ESPM: Como combinar uma
atividade tão efêmera como a propaganda com a permanência de um museu? Todos os dias são criados milhões
de anúncios. Como vocês decidem o
que deve ser guardado na sua coleção?
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/
Rejane: Para selecionar as peças, usamos os critérios de criatividade e de
novidade (tanto em termos de técnica publicitária como mídia/suporte/
produto) – e também de coerência e
continuidade com as coleções mais
antigas. Estamos recebendo material
todos os dias, geralmente agrupados
por “lotes”, como campanhas ou
coleções existentes.
Revista da ESPM: Quem são os visitantes do Museu?
Rejane: Notamos uma grande variedade – e diferenças – de acordo
com as exposições que estejam
acontecendo. Mas, infelizmente,
não temos, ainda, estudos sobre o
público que nos permitam avaliar
se os objetivos do Museu estão sendo alcançados ou não.
Revista da ESPM: Depois da exposição da Air France – em outubro
de 2003 – quais são os próximos
eventos programados?
Rejane: Uma exposição sobre as
artes domésticas (produtos e utensílios para o lar) e, depois, uma exposição sobre a propaganda entre
os anos de 1950 e 1970.
Revista da ESPM: Quais são os problemas específicos de guarda e preservação de materiais publicitários
– promoções e embalagens, por
exemplo?
Rejane: Para uma organização como
o Louvre, não há problemas específicos para a conservação de objetos publicitários. Talvez alguns detalhes em
relação aos materiais de tipo “plástico” – que são os mais delicados. Mas,
de modo geral, não temos problemas. yw
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Musée de la
Publicité de Paris
do MP reúne cerca de 50.000 cartazes, que
B Ovãoacervo
desde o século 18 até a Segunda Grande Guerra
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J. Roberto Whitaker Penteado
PERGUNTAS E
RESPOSTAS COM
PASCAL BEUCLER
DIRETOR DA AGENCIA CARRÉ
NOIR E CATEDRÁTICO DA
SORBONNE (TAMBÉM COLABORADOR DA REVISTA DA ESPM* )
Revista da ESPM:Um Museu da
Propaganda dentro do Louvre.
Vocês provocam a inveja de todos
os publicitários do mundo. Como
é que conseguiram isso?
Pascal: Acho que isso tem muito a
ver com o fato de que, desde o início da publicidade de marca, na
França, esta disciplina foi considerada como se situando na fronteira
entre a palavra “comprometida” e o
discurso social, mesmo cultural. Prova disso é que os maiores cartazistas
da publicidade foram artistas reconhecidos – ou, ainda, que um Roland
Barthes seja contratado pela Publicis
para fazer estudos semiológicos.
A característica “museográfica” da
produção publicitária é, pois –
muito provavelmente – uma
questão de cultura local. Devo
acrescentar que os presidentes dos
2 maiores grupos de propaganda
franceses fazem parte da administração da UCAD).
Revista da ESPM: Quem são as
pessoas (e instituições) mais ativas no
apoio ao MP?
Pascal: Não tenho como particularizar. Mas diversos empresários – inclusive da direção de grandes grupos de
publicidade – fazem parte dos comitês
de administração da UCAD.
Revista da ESPM: A presidente da
UCAD diz que a propaganda reúne o
belo e o útil. Isso continua sendo verdadeiro em 2003?
Pascal: Acho que sim. Isso está na própria definição de artes decorativas:
conciliar o belo e o útil. Essa é, sem
dúvida, a razão pela qual a publicida-
Beucler: Diretor da agencia
Pascal
Carré Noir e catedrático da Sorbonne.
de francesa tem a reputação de visar
ao estetismo, um certo culto da forma, um gosto pronunciado por todas
as variantes do pós-modernismo...
Revista da ESPM: No Brasil, temos algumas dificuldades para desenvolver
e manter idéias parecidas com a do
MP. A maior parte das empresas não
gosta de ter sua imagem associada às
“velharias” de um museu... O que
acha? A situação é diferente, na França, na Europa?
Pascal: Compreendo bem essa dificuldade, que não é exatamente exclusividade dos materiais publicitários. A
dificuldade maior é de conseguir que
as pessoas admitam que a presença,
em um museu, de uma obra – seja
ela qual for: imagem, volume, pintura, cartaz, fragmentos de discurso etc.
– não significa que essa obra perca a
sua atualidade, sua vitalidade, sua
modernidade. Devemos pensar um
museu como um meio de conservação e de proposta, nunca uma prisão ou um cercado.
Revista da ESPM: Objetivamente,
quais são os benefícios para a profissão – e para a sociedade em geral – de ter-se um MP?
Pascal: Além do que eu já disse,
mais do que uma legitimação –
coisa de que, eu acho, no fundo,
a propaganda não precisa – é o reconhecimento do seu acesso ao
status de gênero discursivo particular da vida social. yw
*
O Paradoxo da Obrigação
Fecunda, Revista da ESPM,
Volume 9, ano 8, edição n.º 5,
setembro-outubro 2002
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Musée de la
Publicité de Paris
O SURGIMENTO
DE UMA NOVA PROFISSÃO
O entre-guerras revela-se capital para a publicidade. Assistese ao nascimento de uma nova
profissão e ao desenvolvimento de uma atividade econômica
à parte. Nessa época, as estruturas da distribuição mudam,
com o aparecimento dos intermediários aos varejistas. As
mercadorias passam a ser vendidas em embalagens próprias,
não mais em caixas ou tonéis.
A concentração e a uniformização da fabricação dos produtos de consumo corrente são
tamanhas, que se torna indispensável assegurar-lhes alguma
notoriedade.
presas de desenho e – assim –
começam a estruturar a atividade publicitária. Assim é com
as Editions Paul Martial – especializadas em cartazes e material promocional para as ferrovias francesas; Vercasson
(que agencia Leonetto Cappiello) e a Alliance Graphique,
que se organizam em torno de
uma direção artística e de uma
direção comercial. Nesse sistema, o artista usufrui de grande liberdade criativa e não
tem, praticamente, contato
com o cliente. É o único a resolver o problema proposto
pelo produto que deve anunciar. Trabalha de acordo com
os próprios critérios e constrói
sua composição em função do
que Jean Carlu chama de “expressão gráfica da idéia”,
Cassandra, “o ideograma” e
Cappiello “o arabesco”. Sua
assinatura é a garantia de sucesso para o anunciante.
São os gráficos que, ao assinar
contratos de exclusividade com
artistas, para a confecção de
cartazes (affiches), abrem em-
Etienne Damour encarna o
exemplo típico do “publicitário”. É ele que abre a primeira
agência francesa, em 1919,
“Publicité et Organisation”, que
se torna DAM, em 1923, e, em
1929, ocupa 100 pessoas. Ele
trabalha a partir de estudos de
mercado, pesquisas, planos e
utiliza suportes variados, como
cartazes, stands em exposições
e anúncios em revistas. As agências Succès, Publicis e Synergie
iniciam operações em 1926,
1927 e 1932. A organização dessas empresas deixará menos espaço para o artista. Ele passará
a fazer parte de uma equipe e
deverá adotar o “espírito DAM”
ou “espírito Publicis”. yw
MUSÉE DE LA PUBLICITÉ, PARIS
DO CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO DO
RECLAME À PUBLICIDADE/19201950
os gráficos que, ao assinar contratos de exclusividade com artisSão
tas, para a confecção de cartazes (affiches), abrem empresas de
desenho e –assim – começam a estruturar a atividade publicitária.
54
REVISTA DA ESPM–
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O U T U B R O
D E
2003
J. Roberto Whitaker Penteado
“museográfica” da produção publicitária é,
Apoiscaracterística
– muito provavelmente – uma questão de cultura local.
AS EXPOSIÇÕES
RECENTES DO MUSÉE
DE LA PUBLICITÉ
Setembro 2000/janeiro 2001
CITROËN - UMA SAGA
PUBLICITÁRIA
Março/outubro 2001
250 ANOS DE PUBLICIDADE
Novembro 2001/fevereiro 2002
CHRISTIAN COIGNY, UM
FOTÓGRAFO PARA UMA
MARCA
Maio/agosto 2002
ARTE E PUBLICIDADE
Março/setembro 2002
A BELLE EPOQUE
NA PUBLICIDADE
Outubro 2002/janeiro 2003
OS AFFICHES CHINESES
Janeiro/agosto 2003
DO RECLAME À
PUBLICIDADE 1920-1950
Outubro 2003/janeiro 2004
ON AIR 1933-2003 UMA
HISTÓRIA DA AIR FRANCE
MUSÉE DE LA
PUBLICITÉ UNION
CENTRALE DES
ARTS DECORATIFS
PALAIS DU LOUVRE
107, rue de Rivoli
75001 PARIS
TELEFONE
33 1 44 55 57 50
SITE
www.museedelapub.org
S E T E M B R O
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O U T U B R O
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2003–REVISTA DA ESPM
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Musée de la
Publicité de Paris
70 ANOS DA
AIR FRANCE
ON AIR
1933-2003 – A AIR FRANCE
EXPÕE SUA HISTÓRIA NO MUSÉE
DE LA PUBLICITÉ
De 16 de outubro de 2003 até 25 de janeiro
de 2004, o Musée de la Publicité de Paris
estará expondo cartazes publicitários,
documentos de arquivo, fotografias e objetos
do acervo histórico da companhia aérea
francesa, que descrevem a história das suas
atividades de comunicação.
Praticamente desde a sua fundação, a Air
France ligou sua imagem à criatividade,
à elegância e às características bem
gaulesas do savoir-vivre. Suas atividades
mobilizaram agências de propaganda,
os artistas mais diversos, arquitetos,
decoradores, costureiros e estilistas.
Em outubro de 2003, a empresa também
comemora 50 anos de vôos ininterruptos entre
o Brasil e a França. Algumas celebrações foram
previstas, inclusive as apresentações – em São
Paulo e no Rio – de uma pequena mostra dos
cartazes criados para a rota, entre 1963 e
1988, pelo artista Claude Brunswick. ESPM
mais importante dos profissionais de propaganda
Anaparticipação
fundação do Musée de l’Affiche foi da UPE (Union pour la Publicité
Extérieur), que financiou uma parte dos trabalhos de construção
e decoração e que participou generosamente no enriquecimento
do acervo das coleções contemporâneas.
Fotos não creditadas: Exposition “De le a reclame a la publicité” – 08/2003
J.ROBERTO WHITAKER PENTEADO
Editor da Revista da ESPM
[email protected]
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Service
Profit Chain
Chain
SERVICE
PROFIT
CHAIN
GERANDO VALOR PARA CLIENTES,
FUNCIONÁRIOS E ACIONISTAS
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Alexandre Mathias,
Mathias, Eduardo
Eduardo Halpern
Halpern
Alexandre
P
or que algumas empresas são de
fato extraordinariamente melhores do
que outras
no mesmo
segmento? Como con- seguem gerar mais valor e lucratividade a seus
clientes, funcionários e acionistas?
Buscar a resposta a essas duas questões
pode de fato fazer a diferença nos dias
de hoje para aqueles que, como nós,
têm estudado o comportamento e os resultados gerados pelas empresas.
Os resultados surpreendem. Por
exemplo, no setor de seguros a
diferença chega a ser 20 vezes
maior, conforme tabela 1. O que
pode explicar tamanha diferença?
Não podemos crer que em um
mercado tão competitivo isso possa ser atribuído somente aos pacotes de seguros oferecidos, ao tamanho da empresa, sua participação de mercado ou a economias
de escala da melhor empresa para
se trabalhar do setor. De fato, nos
parece que há algo mais por trás
Na edição de 2002 do Guia Exame: As 100 Melhores Empresas
para Você Trabalhar, o Professor
Alexandre Gracioso, nosso colega
de ESPM, publicou uma pesquisa
inédita no Brasil onde ele compara o desempenho dessas empresas
com o desempenho da lista das
maiores e melhores.
MELHORES E MAIORES
de tamanho sucesso. Alexandre
Gracioso aponta como um dos
grandes fatores a motivação dos
funcionários. Com certeza esse é
determinante, mas o que mais
precisa ser feito e como chegar
lá? (ver tabela1).
Este artigo busca explicar como empresas do setor de serviços vêm intuitivamente ou deliberadamente
aplicando o modelo SERVICE
PROFIT CHAIN – traduzido para
Cadeia Serviços-Lucro –, criado pe- yw
MELHORES EMPRESAS PARA TRABALHAR
RETORNO SOBRE O
PATRIMÔNIO LÍQUIDO (%)
SETOR
Seguros
Serviços diversos
Tecnologia e computação
Eletroeletrônico
Farmacêutico
Siderurgia e metalurgia
Química e petroquímica
Comércio varejista
Material de construção
Total das empresas
MELHORES
E MAIORES
MELHORES EMPRESAS
PARA TRABALHAR
-0,55
9,75
11,06
3,28
-1,56
9,44
7,03
6,23
7,19
3,07
11,85
56,10
58,40
14,10
0,40
15,20
10,45
7,82
8,90
12,74
PERCENTUAL
DIFERENÇA
2,255%
475%
428%
269%
NA*
61%
49%
26%
24%
314%
* Não Aplicável
Tabela 1 – fonte: O Estilo de Cada Uma – As 100 Melhores Empresas para Você Trabalhar – edição 2002.
artigo busca explicar como empresas do setor de
l Este
serviços vêm intuitivamente ou deliberadamente aplicando
o modelo SERVICE PROFIT CHAIN – traduzido para Cadeia Serviços-Lucro,
criado pelos Professores James Heskett, Earl Sasser
Jr., Leonard Schlesinger da Harvard Business School.
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2003–REVISTA DA ESPM
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Service
Profit Chain
É desse tema que trataremos neste artigo. Para nós esse modelo é capaz
de explicar, provar e dar os caminhos
para que outras empresas possam
chegar lá.
Arquivo
los Professores James Heskett, Earl Sasser
Jr., Leonard Schlesinger da Harvard
Business School. Para responder às questões colocadas em nosso primeiro parágrafo, os professores chegaram à proposição do modelo Cadeia Serviços-Lucro. Suas idéias propõem a existência
de relações diretas e intensas entre lucro, crescimento, fidelidade dos clientes e sua satisfação, ao valor dos bens e
serviços a eles oferecidos à capacidade, satisfação, fidelidade e produtividade dos funcionários.
foco na atividade de logística externa garantiu à Souza Cruz
l Oelevada
participação no mercado brasileiro já que seus concorrentes
diretos não foram capazes, ou não quiseram assumir o risco.
1. A CADEIA
SERVIÇOS-LUCRO
A cadeia serviços-lucro é um dos mais
importantes conceitos desenvolvidos no
campo da administração estratégica na
última década. Sua importância para
empresas do setor de serviços pode ser
comparada à que a Cadeia de Valor, de
Michael Porter, teve para o setor industrial.
Porter conseguiu identificar a relação entre posicionamento competitivo sustentável e a execução de atividades criadoras
de valor para os clientes. Ele propôs que
as empresas começassem a pensar suas
estratégias a partir da execução de
atividades diferenciadas de seus concor-
rentes, para criar um posicionamento único e valioso para seus clientes (ver figura 1).
Um bom exemplo identificado no mercado brasileiro seria o da Souza Cruz,
que foi capaz de perceber a possibilidade de criação de valor para seus clientes
diretos, ou seja, pequenos varejistas, atra-
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1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
ATIVIDADES CRIADORAS DE VALOR PARA O CLIENTE
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1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
INFRA-ESTRUTURA DA EMPRESA
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
M
GERÊNCIA DE RECURSOS HUMANOS
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
AR
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
GE
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1234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789
DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA
M
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AQUISIÇÃO
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CADEIA DE VALOR
LOGÍSTICA
INTERNA
OPERAÇÕES
LOGÍSTICA
EXTERNA
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SERVIÇOS
EM
RG
A
M
Figura 1
Porter: 1986.
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MKT E
VENDAS
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2003
Alexandre Mathias, Eduardo Halpern
vés da criação de uma rede de distribuição própria de pronta entrega. O mercado varejista brasileiro é tipicamente composto por pequenos negócios com reduzida capacidade de estocagem em função de limitações de espaço físico e de
baixa disponibilidade de capital de giro.
A empresa constatou que teria mais sucesso neste mercado se fosse capaz de
garantir entregas mais freqüentes e com
lotes mais reduzidos, garantindo a presença de seus produtos nas prateleiras dos
varejistas, fator-chave para empresas que
vendem produtos de compra por impulso. O foco na atividade de logística externa garantiu à Souza Cruz elevada participação no mercado brasileiro já que seus
concorrentes diretos não foram capazes,
CADEIA SERVIÇO-LUCRO
INTERNA
CONCEITO
DOS SERVIÇOS
ESTRATÉGIA OPERACIONAL E
SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
EXTERNA
MERCADO-ALVO
CLIENTES
FUNCIONÁRIOS
FIDELIDADE
SATISFAÇÃO
RENTABILIDADE
PRODUTIVIDADE
E QUALIDADE
DA PRODUÇÃO
VALOR DOS
SERVIÇOS
CAPACIDADE
SATISFAÇÃO
FIDELIDADE
AUMENTO
DA RECEITA
QUALIDADE
DOS SERVIÇOS
Heskett, Sasser e Schelesinger, 1994.
2.
Figura 2
ou não quiseram assumir o risco, de desenvolver um sistema que exige tão pesados investimentos (mais tarde a Souza
Cruz foi forçada a rever tal sistema em
função de problemas associados à segurança especialmente em grandes centros
urbanos).
A Cadeia Serviços-Lucro parte da premissa
de que os clientes não compram produtos ou serviços. Compram resultados. O
resultado é composto pelo serviço ou produto adiquirido, pela qualidade dos processos para oferta dos resultados e inclusive pela atitude de quem entra em contato
direto com os clientes (ver figura 2).
Valor dos serviços prestados para os clientes acarreta satisfação e fidelidade. E o
valor é produzido basicamente por meio
de funcionários da linha de frente que se
sintam satisfeitos e sejam fiéis e produtivos – características que se devem, em
parte, à sua alta capacidade de apresentar resultados para os clientes. A combinação dessas medidas gera o que chamamos de Cadeia de Serviços-Lucro. yw
avião da Southwest voa, em média, 12 horas por dia,
l Um
contra oito horas de seus concorrentes.
OPERANDO EM
ECONOMIAS
DE LEALDADE
VS ECONOMIAS
DE ESCALA
Se a competição estivesse centrada exclusivamente na obtenção
das economias de escala, as empresas de baixo volume tenderiam a desaparecer. Operar em economias de escala traz o saudável
efeito de diluir os custos fixos, repartir entre o maior número de
produtos e serviços os gastos
fixos.
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2003–REVISTA DA ESPM
61
Service
Profit Chain
Estudo a respeito do Impacto do Lucro
sobre a participação de mercado (PIMS),
realizado na década de 1970, identificou a existência de relações entre participação de mercado e rentabilidade (ver
gráfico 1 ao lado), onde as empresas com
melhor rentabilidade eram as empresas
com pequena participação de mercado
(ocupantes de nichos – geralmente cobram preços elevados por seus produtos) e as empresas com grande participação (líderes de mercado – geralmente
com posições de custo mais competitivas em função de ganhos de escala).
ECONOMIAS DE LEALDADE
VS ECONOMIAS DE ESCALA
LÍDERES DE MERCADO
RENTABILIDADE
OCUPANTES DE NICHO
12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234
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MÉDIA
BAIXA
fidelidade dos clientes e não o porte das empresas. O exemplo mais
ilustrativo dessa proposição seria o da Southwest Airlines.
85
75
50
45
40
35
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
SOFTWARE
ADMINISTRADORASPREDIAIS
LAVANDERIAS
DISTRIBUIÇÃO
CORRETAGEMDESEGUROS
SEGURO DE CRÉDITO
CARTÕES DE CRÉDITO
25
DEPÓSITOSBANCÁRIOS
REDEDEAUTO-ATENDIMENTO
45
Heskett, Sasser e Schlesinger, 2002.
62
Gráfico 2
/
Gráfico 1
Sasser e Schelesinger demonstram que, em diversos setores
l Heskett,
de serviços, o fator determinante para a rentabilidade seria a
AUMENTO DOS LUCROS DECORRENTE
DE AUMENTO DE 5% NA FIDELIDADE
30
ALTA
PARTICIPAÇÃO DE MERCADO
Afortunadamente existem outras economias similares à de escala. A principal delas é a de economias de lealdade. Neste modelo podemos diluir
os investimentos realizados na captação de clientes em uma relação a
posteriori mais extensa e intensa com
o cliente.
O U T U B R O
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2003
Heskett, Sasser e Schelesinger demonstram que, em diversos setores
de serviços, o fator determinante
para a rentabilidade seria a fidelidade dos clientes e não o porte das
empresas. O exemplo mais ilustrativo dessa proposição seria o da
Southwest Airlines, que, mesmo
sem nunca ter ultrapassado a sétima posição entre as maiores do
setor nos EUA, mantém-se como a
mais rentável desde 1971. Levando em conta alguns fatores, como
por exemplo o custo de aquisição
de novos clientes, os autores conseguiram estimar que o aumento de
5% na fidelidade dos clientes poderia trazer aumentos de até 85%
na rentabilidade de alguns dos
setores por eles pesquisados (ver
gráfico 2).
Alexandre Mathias, Eduardo Halpern
tes graus. Os professores Thomas
Jones e Earl Sasser, de Harvard,
identificaram a relação entre satisfação e fidelidade em diversos
setores, como telefonia local,
empresas aéreas, hospitais, computadores pessoais e automóveis.
Eles identificaram quatro categorias de clientes, em função da relação fidelidade/satisfação.
3.FIDELIDADE
DOS CLIENTES VS
SATISFAÇÃO DOS
CLIENTES
As principais organizações de serviços quantificam a satisfação de
seus clientes. Essa medida não
raro fornece resultados surpreendentes, indicando que não há uma
relação constante entre satisfação
dos clientes e sua fidelidade.
O primeiro grupo é compos
to pelos clientes que eles
convencionaram chamar de “apóstolos”. Além de fiéis à empresa, ainda recomendam seus serviços, realizando a divulgação boca a boca.
&
Ainda assim, ao observarmos o
gráfico anterior, vemos que tal relação existe, embora em diferen-
RELAÇÃO FIDELIDADE/SATISFAÇÃO
REFÉNS
APÓSTOLOS
FIDELIDADE
1
2
3
TERRORISTAS
PLENAMENTE
INSATISFEITOS
Heskett, Sasser e Schlesinger, 2002.
4
Os clientes “reféns” são aque
les que se mantêm fiéis,
apesar de insatisfeitos. Sua fidelidade
é resultado da falta de alternativas no
mercado ou da percepção de custos
de mudança elevados.
O
Por fim, os clientes “terroristas” são aqueles que não voltam a comprar com a empresa e,
ainda por cima, realizam a comunicação boca a boca desfavorável,
procurando afastar potenciais
compradores.
M
Estudos conduzidos pela Xerox mostraram que os clientes que davam nota
5 (equivalente a muito satisfeitos) para
a empresa, numa pesquisa de
satisfação, tinham probabilidade seis
vezes maior de voltar a comprar
serviços e produtos da empresa do que
aqueles que lhe davam nota 4 (equivalente a satisfeitos). Pesquisas
conduzidas no setor bancário confirmam tal tendência, indicando que os
clientes muito satisfeitos tinham probabilidade 42% maior de serem fiéis
do que os simplesmente satisfeitos.
5
MERCENÁRIOS
SATISFAÇÃO
O segundo grupo seria o
dos chamados “mercenários”. Embora satisfeitos com a
empresa, eles não são considerados
fiéis, e podem facilmente mudar de
fornecedor em função de preços ou
promoções mais atraentes.
Observando o gráfico ao lado, vemos que
os clientes que dão nota 1 às empresas
quase sempre assumem o comportamento
de “terroristas”, enquanto os clientes que
dão nota 5 quase sempre assumem o comportamento de “apóstolos” (ver gráfico 3).
ALTA
BAIXA
N
PLENAMENTE
SATISFEITOS
vTELEFONIA LOCAL
vEMPRESAS AÉREAS
vHOSPITAIS
vPC´S
vAUTOMÓVEIS
As empresas costumam achar razoável possuir clientes satisfeitos com yw
Gráfico 3
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2003–REVISTA DA ESPM
63
Service
Profit Chain
seus serviços (aqueles que lhes atribuem nota 4). No entanto, as descobertas de Jones e Sasser e da Xerox, nos levam a concluir que o
foco das empresas deveria ser deslocado para os clientes que lhes
atribuem notas 1 e 4. É o que
Heskett, Sasser e Schelesinger
chamam de “Economia dos Extre-
mos”. O esforço para transformar
clientes satisfeitos em clientes
muito satisfeitos aumenta a rentabilidade da empresa em função
da lealdade e da comunicação
boca a boca por eles empreendida. O esforço para transformar
clientes muito insatisfeitos em
clientes apenas insatisfeitos ajuda
ORGANIZAÇÕES QUE NÃO IDENTIFICAM SEU
l AS
PÚBLICO-ALVO SOFREM UMA GRANDE DESVANTAGEM
NA OBTENÇÃO DA SATISFAÇÃO TOTAL DO CLIENTE.
a reduzir a comunicação boca a
boca desfavorável que enfraquece os esforços de posicionamento
da empresa.
4. AS EMPRESAS
TAMBÉM ESCOLHEM
SEUS CLIENTES
As organizações que não identificam seu público-alvo sofrem
uma grande desvantagem na obtenção da satisfação total do cliente. Costumam tentar agradar a
todos, gerando demasiados clientes apenas satisfeitos e muito
poucos apóstolos.
Segmentar consiste em agrupar
para discriminar. A Cadeia Serviços-Lucro requer novas e melhores segmentações que permitam
agrupar os clientes em função da
qualidade da relação que estabelecem, ou podem estabelecer,
com a empresa. Uma boa segmentação evita o erro de investir
recursos de maneira parecida para
todos os clientes.
Na Cadeia Serviços-Lucro devemos ter mais recursos para os melhores clientes e menos recursos
para piores clientes. Estamos falando de 80% dos recursos para os
20% melhores clientes.
As empresas que querem pôr o cliente no centro do palco de suas
operações devem praticar a Cadeia Serviços-Lucro com a mesma
intensidade com que investem na
captação dos clientes.
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Alexandre Mathias, Eduardo Halpern
5. A EQUAÇÃO
DE VALOR PARA
O CLIENTE
VALOR =
RESULTADOS + PROCESSO
CUSTOS DE AQUISIÇÃO
Valor para os clientes é a relação entre os resultados esperados mais a
qualidade dos processos de entrega
e relacionamento sobre o preço atribuído ao serviço mais os custos de
aquisição do mesmo como conveniência, por exemplo.
A equação de valor é a representação lógica de como a empresa lida
com três das características dos serviços: intangibilidade, inseparabilidade e variabilidade. A quarta é
a perecibilidade que está ligada à
não-possibilidade de estocar serviços. Esta ligada à gestão da demanda e da oferta.
v
INTANGIBILIDADE
Passemos à intangibilidade. É a impossibilidade de teste e a lacuna entre a expectativa de resultado e o resultado real. São elementos críticos
para o seu gerenciamento as instalações, pessoas, equipamentos, material de comunicação, símbolos e preços percebidos.
EXISTEM CINCO DIMENSÕES UNIVERSAIS
DA QUALIDADE DO PROCESSO SEGUNDO
PARASURAMAN, ZEITHALML E BERRY.
INSEPARABILIDADE
Em serviços, a produção e o consumo
são simultâneos. Isso define o que chamamos de inseparabilidade. Os elementos críticos a serem gerenciados
são a interação do prestador de serviços e o cliente e a percepção de que
tanto o cliente quanto o prestador de
serviços afetam o resultado.
v
VARIABILIDADE
Por último, a variabilidade. Serviços dependem de quem fornece,
onde e como são fornecidos. Os
elementos críticos são o treinamento das pessoas, os processos de
prestação de serviços (front Office
e back Office) e a constante medição da satisfação dos clientes.
A dimensão confiabilidade está
associada aos resultados atingidos
pelo serviço, enquanto as demais
dimensões estão associadas ao
processo de prestação do serviço.
A dificuldade para a maioria das
empresas de serviços, porém, é
que a confiabilidade só pode ser
efetivamente verificada e comprovada após a execução do serviço.
Por mais bem preparado que um
advogado seja, por mais que ele
tenha ganho todas as causas que
já disputou em sua carreira, ele
não tem como garantir a um eventual cliente a garantia de que também será bem-sucedido na próxima vez que execute seu trabalho.
Isso ocorre por causa da natureza
intangível dos serviços e sua variabilidade. Assim, as dimensões associadas ao processo tendem a
ganhar em importância, já que
CONFIABILIDADE (O PRESTADOR DE SERVIÇOS
FEZ O QUE FOI PROMETIDO?)
1.
RESPONSABILIDADE
2.
AUTORIDADE
3.
(O SERVIÇO FOI
PRESTADO EM MOMENTO OPORTUNO?)
(O PRESTADOR DO SERVIÇO TRANSMITIU
UMA SENSAÇÃO DE CONFIANÇA AO CLIENTE DURANTE
O PROCESSO DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO?)
4. EMPATIA
(O PRESTADOR DO SERVIÇO FOI
CAPAZ DE ASSUMIR O PONTO DE VISTA DO CLIENTE?)
5. EVIDÊNCIAS TANGÍVEIS
(APRESENTARAM EVIDÊNCIAS
DE QUE O SERVIÇO FOI EFETIVAMENTE REALIZADO?)
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v
/
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2003–REVISTA DA ESPM
65
Service
Profit Chain
aviões voando por mais tempo porque
ela é capaz de mantê-los por menos
tempo no solo se preparando para
uma nova decolagem (em média 15
minutos contra 45 minutos dos concorrentes). E ela é capaz de passar
menos tempo no solo porque a preparação dos seus aviões é mais simples, já que não precisam ser reabastecidos com refeições e limpos com
a mesma intensidade.
exemplo, em restaurantes fast food, a expectativa do cliente é de
lPor
fazer uma refeição em um curto espaço de tempo e o não-cumprimento do
prazo terá maior relevância do que a própria refeição.
representam aquilo que pode ser
imediatamente observado pelo
cliente. Ao chegarmos a um consultório médico, imediatamente temos como perceber a aparência
das instalações e equipamentos e
a empatia, a autoridade e a responsabilidade dos funcionários que
nos atendem.
Os resultados gerados variam de
serviço para serviço e também em
função das expectativas dos clientes. Em alguns casos a qualidade
do processo pode ter maior relevância do que os resultados gerados, como por exemplo em restaurantes fast food. Nesse caso, a expectativa do cliente é de fazer uma
refeição em um curto espaço de
tempo e o não-cumprimento do
prazo terá maior relevância do que
a própria refeição.
66
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
A Southwest Airlines consegue proporcionar elevado valor para seus
clientes (ainda que não ofereça muitos dos confortos de seus concorrentes, como programas de milhagem
e serviço de bordo) combinando tarifas 60% a 70% menores que seus
concorrentes com partidas
freqüentes, pontualidade, baixo índice de extravio de bagagens e funcionários amáveis. Tal resultado é
possível graças à decisão estratégica da empresa de se concentrar em
rotas de curta distância (seus vôos
têm duração média de 55 minutos).
A simplicidade de seus serviços permite que ela tenha grande eficiência
nas suas operações e use seu principal ativo, as aeronaves, de forma mais
produtiva. Um avião da Southwest
voa, em média, 12 horas por dia,
contra oito horas de seus concorrentes. A empresa consegue manter seus
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2003
O objetivo principal de uma estratégia
operacional é a medida com que o
valor para os clientes é alavancado
acima dos custos para o prestador de
serviços. É essa a margem entre valor
e custo que representa uma oportunidade de lucro para o prestador. Ao
observarmos as dimensões da qualidade propostas por Parasuraman,
Zeithalml e Berry, vemos que o valor dos serviços está intimamente
ligado ao comportamento dos funcionários da empresa.
6.
RETENÇÃO,
VENDAS
RELACIONADAS
E REFERÊNCIAS
O VALOR DO CLIENTE ESTÁ
ASSOCIADO A TRÊS FATORES:
1.
2.
CAPACIDADE DA EMPRESA
EM RETER SEU CLIENTE,
CAPACIDADE DE REALIZAR
VENDAS RELACIONADAS PARA ELE,
3.
CAPACIDADE DE SE APROVEITAR
DAS REFERÊNCIAS FORNECIDAS.
Alexandre Mathias, Eduardo Halpern
A primeira questão é: quanto vale um
cliente para sua empresa? Responder
a essa pergunta é o primeiro passo
para iniciar o processo de retenção.
Vejamos o exemplo de uma restaurante a quilo onde um cliente tem um
tíquete médio de R$ 7,00. Imaginemos que ele vá ao restaurante duas
vezes por semana em quarenta semanas por ano durante cinco anos. Esse
cliente vale R$ 2.800,00 (7X2X40X5).
Poderíamos sofisticar a análise incluindo suas referências. Considerando que ele fale com mais cinco
pessoas, estaríamos aumentando seu
valor em R$ 14.000,00.
v
v
A RETENÇÃO
A retenção é o relacionamento contínuo e ativo com um cliente, que acarreta um fluxo de receita a partir da venda do produto ou serviço inicial. Esse
fluxo de receita vai se tornando cada
vez mais rentável, à medida que fica
mais fácil atender os clientes existentes, com menor necessidade de dedicar-lhes esforços de marketing com
vistas à familiarização.
Segundo inúmeras estimativas, o custo da atração de novos clientes é cinco ou mais vezes maior que o da retenção dos já existentes.
VENDAS
RELACIONADAS DE
NOVOS PRODUTOS E
SERVIÇOS
Custa muito menos vender novos
produtos e serviços a clientes já existentes do que a clientes novos. A explicação é clara. As vendas, para
quem já conhecemos, e a quem já
nos conhece, requerem pouco esforço de marketing, não exigem verificações de crédito e ocupam muito menos tempo.
insatisfeitos,
l Clientes
por sua vez, apresentavam
a probabilidade de falar
com outras onze pessoas.
v
REFERÊNCIAS
O maior impacto sobre o lucro, exercido pelos os esforços de retenção
dos clientes e de desenvolvimento de
sua satisfação, decorre das referências positivas fornecidas por estes aos
clientes em potencial. Esse fato é especialmente importante para os serviços nos quais os potenciais clientes apresentam elevados riscos percebidos – bem mais suavizados pelas recomendações de um amigo. Se-
guem alguns exemplos: médicos,
consultoria, universidades.
Dados sugerem que os clientes satisfeitos com serviços prestados
provavelmente falariam a esse respeito com outras cinco pessoas
(quer fossem ou não potenciais
pessoas). Clientes insatisfeitos, por
sua vez, apresentavam a probabilidade de falar com outras onze
pessoas (Fonte: U.S. Office of
Consumer Affairs).
S E T E M B R O
/
7.
ESTRATÉGIA
OPERACIONAL E
SISTEMA DE PRESTAÇÃO
DE SERVIÇOS – A
HORA DA VERDADE
A produtividade e a qualidade do serviço dependem, portanto, da capacidade
dos funcionários da empresa para
executá-lo de acordo com as expectativas dos clientes. Funcionários bem
selecionados e treinados representam
uma importante fonte de criação de va- yw
O U T U B R O
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2003–REVISTA DA ESPM
67
Service
Profit Chain
A Southwest Airlines, por exemplo,
possui a maior média de passageiros
por funcionário entre as oito maiores
empresas do mercado de aviação civil
americano (50% mais passageiros por
funcionário que a segunda colocada).
Seus pilotos passam 40% mais tempo
voando do que os pilotos de seus concorrentes. Apesar de serem muito mais
produtivos que seus concorrentes, eles
não ficam sobrecarregados. A estratégia da empresa, com serviços e operações mais simples, permite que eles
dediquem mais tempo ao relacionamento com os clientes do que com
tarefas rotineiras (como distribuição e
coleta das bandejas com as refeições,
por exemplo), gerando maior satisfação daqueles.
A capacidade dos funcionários está relacionada à fidelidade dos mesmos à
empresa. Empresas com grande capa-
Arquivo
lor quando a interação entre clientes e
empregados se torna mais intensa, já
que o cliente não é, geralmente, capaz de distinguir o serviço do prestador
de serviço.
Southwest novamente surge como exemplo. A empresa
l Aconsegue
atingir índices de rotatividade de funcionários
inferior a 5% ao ano em algumas de suas operações locais.
cidade de retenção de seus melhores
funcionários se beneficiam, não apenas por conseguir menores custos de
recrutamento, seleção e treinamento,
mas também por conseguir maior produtividade na execução de suas tarefas. Os funcionários da linha de frente
das empresas são aqueles que constroem, na prática, os relacionamentos
RELAÇÃO DIRETA ENTRE A SATISFAÇÃO DOS
CLIENTES E A DOS FUNCIONÁRIOS.
FUNCIONÁRIOS
CLIENTES
MENORES CUSTOS
MELHORES RESULTADOS
MELHOR SATISFAÇÃO POR
PARTE DO FUNCIONÁRIO
MAIOR QUALIDADE DOS SERVIÇOS
MAIOR SATISFAÇÃO
POR PARTE DO CLIENTE
MAIS OPORTUNIDADE DE
RECUPERAR-SE DOS ERROS
TENDÊNCIA MAIS ACENTUADA A QUEIXARSE DE ERROS NOS SERVIÇOS
MAIOR FAMILIARIDADE COM AS
NECESSIDADES DO CLIENTE E
COMO SATISFAZÊ-LAS
MAIS COMPRAS REPETIDAS
MAIOR PRODUTIVIDADE
Heskett, Sasser e Schlesinger, 2002.
68
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
Figura 3
/
O U T U B R O
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2003
com os clientes. Seu conhecimento
acumulado sobre as necessidades desses clientes, bem como sobre as rotinas operacionais da empresa tornamse, portanto, valiosíssimos.
Daí vem a preocupação com o último
elo identificado na Cadeia de ServiçosLucro, entre fidelidade dos funcionários e satisfação dos funcionários. A
Southwest novamente surge como
exemplo. A empresa consegue atingir índices de rotatividade de funcionários inferior a 5% ao ano em algumas de suas operações locais. Coincidentemente, ela tem sido classificada sistematicamente como uma
das melhores empresas para se trabalhar, nos Estados Unidos.
Pesquisas realizadas por Benjamin
Schneider e David Bowen, em
1985, levaram à conclusão de que
há de fato uma relação direta entre
a satisfação dos clientes e a dos funcionários. Um dos elementos mais
valorizados pelos empregados das
Alexandre Mathias, Eduardo Halpern
empresas pesquisadas era a liberdade
de julgamento em suas relações com
os clientes, assim como a qualidade de
seu ambiente de trabalho. Tais atributos
os incentivam a manter seu empenho
em satisfazer os clientes (ver figura 3).
Para evitar que esse círculo virtuoso se quebre é necessário um gran-
de investimento no processo
seletivo das pessoas. A contratação
deve estar baseada em atitudes e
deve-se estimular a avaliação dos
novos contratados por seus pares.
A manutenção dos valores em alguns casos é mais importante que
as competências que os novos possam trazer ao negócio. De fato, é
CICLO DE CAPACIDADES
HESKETT, J. L., SASSER JR., W. E.,
SCHLESINGER, L. A. Lucro na Prestação de
Serviços; The Service Profit Chain. Brasil,
Campus, 2002.
INDICAÇÃO PELOS
FUNCIONÁRIOS
DE
12345678901234567890123456789012123456789012345
TREINAMENTO DE
12345678901234567890123456789012123456789012345
POTENCIAIS CANDIDATOS
12345678901234567890123456789012123456789012345
ALTA QUALIDADE
12345678901234567890123456789012123456789012345
AO TRABALHO
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345 SISTEMAS DE APOIO
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345 BEM ELEBORADOS
12345678901234567890123456789012123456789012345
v INFORMAÇÃO
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
v INSTALAÇÕES
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
12345678901234567890123456789012123456789012345
RECOMPENSAS
ADEQUADAS E
RECONHECIMENTO
FREQÜENTE
LIMITES E
EXPECTATIVAS CLAROS
COM RELAÇÃO AOS
FUNCIONÁRIOS
Figura 4
8.
CONCLUSÃO
Nós da ESPM temos cada vez mais a
certeza de que os investimentos em
desenvolvimento e satisfação dos
profissionais de linha de frente são
os dois elementos determinantes para
gerar clientes mais satisfeitos e fiéis.
Outro elemento fundamental diz respeito ao conceito dos serviços prestados a partir do entendimento do
Veja a seguir o Ciclo de Capacidades responsável pelo alcance do círculo virtuoso com foco nos funcionários (ver figura 4).
BIBLIOGRAFIA
SELEÇÃO
(E AUTO-SELEÇÃO)
CUIDADOSA DE FUNCIONÁRIOS
E CLIENTES
FUNCIONÁRIOS
SATISFEITOS
mais difícil alterar comportamentos
indesejáveis do que habilitar as pessoas nas competências necessárias
ao negócio.
HUETE, L. M. Servicios e beneficios: la
fidelizacion de clientes y empleados la
inteligecia emocional em los negocios.
Espanhã, Ediciones Deustu, 1997.
PORTER, M. Vantagem Competitiva. Brasil,
Ed. Campus, 2001.
MAIOR AUTONOMIA
PARA SATISFAZER ÀS
NECESSIDADES
DOS CLIENTES
GRACIOSO, A. O Estilo de Cada Uma: 100
melhores empresas para você trabalhar.
Editora Abril, Brasil, 2002.
Heskett, Sasser e Schlesinger, 2002.
SARKIS, A. M. Duas Boas Razões para se
Ter Qualidade em Serviços: dá lucro e mercado exige, Revista da ESPM, 2000.
modelo de valor de grupos de clientes homogêneos. Prestar serviços significa, fundamentalmente, entender
comportamentos, aspirações e necessidades de grupos de clientes.
Vale lembrar que clientes não compram produtos ou serviços. Clientes
compram resultados. Mas, devido a
natureza dos serviços o processo ganha peso na decisão de compra dos
clientes. ESPM
S E T E M B R O
/
AUTORES
ALEXANDRE MATHIAS
Diretor Geral da ESPM Rio de Janeiro
[email protected]
EDUARDO HALPERN
Mestre em Administração pelo COPPEAD/UFRJ
e Professor da ESPM Rio de Janeiro
Fotos desta matéria: Corbis/Stockphotos
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Reposicionamento de Marcas
O desafio do reposicionamento de
INTRODUÇÃO
D
evido à progressiva importância
atribuída à marca
e, em especial,
ao seu gerenciamento, diferentes
teorias e modelos
de compreensão
foram desenvolvidos, procurando orientar abordagens e decisões estratégicas de negócio. Embora seja possível identificar algumas diferenças conceituais entre elas,
pelo menos um aspecto está sempre presente na análise de marcas e pode ser
considerado decisivo na gestão destas:
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a idéia posicionamento. Com relação a
esse conceito, vem se tornando progressivamente mais decisiva a avaliação de
sua eficácia em termos organizacionais
e a decisão por sua eventual modificação ou adequação ao longo do tempo,
materializando, neste caso, a hipótese de reposicionamento de marca.
Atualmente o exame e a decisão de
um reposicionamento está presente no
cotidiano de profissionais de marketing e comunicação, porém é um
tema relativamente “órfão” de literatura. Este trabalho se propõe a abordar os desafios e riscos da adoção de
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“Posicionamento significa
diferentes coisas para
diferentes pessoas.”
(AAKER & Shansby, 1982:56)
Corbis
Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles
uma estratégia de reposicionamento
de marcas, utilizando argumentação
baseada em revisão bibliográfica e
exemplos reais para propor uma
tipificação para os casos de
reposicionamento de modo a auxiliar gestores de marca. Antes de se iniciar qualquer estudo sobre este assunto, é imprescindível analisar cuidadosamente os elementos que definem
o próprio conceito de posicionamento, uma vez que é grande a
confusão e a variedade de terminologias que envolvem o mesmo.
POSICIONAMENTO
DE MARCA
Posicionamento de marca é um conceito cuja definição é considerada uma
tarefa, no mínimo arriscada, mesmo
para especialistas no assunto, como se
depreende das afirmações abaixo.
Como referência de orientação para
a abordagem do conceito de posi-
cionamento, optou-se por analisar
historicamente quando e em quais
situações o termo posicionamento
começou a ser utilizado. A literatura de administração e negócios indica que esse conceito ganhou evidência no ano de 1981, com a publicação do livro ”Posicionamento:
a batalha pela sua mente”, dos consultores norte-americanos Al Ries e
Jack Trout (1979). Nesse trabalho,
que se tornou best-seller internacional, os autores se consideravam responsáveis por uma das maiores descobertas do mundo corporativo: o
conceito de posicionamento. Uma
análise cuidadosa do texto sugere a
utilização de raciocínio dedutivo, a
partir de regras gerais sobre propaganda, sem esclarecer efetivamente
a origem e as bases para esses conceitos, assim como sua base
empírica. Eduardo Refkalefsky
posicionou-se da seguinte maneira
sobre essa questão: “Pouco se falou
sobre a fonte das idéias de Al Ries
“Posicionamento é uma
daquelas palavras que todo
mundo usa mas poucas
pessoas entendem.”
(BAINSFAIR, 1990:18)
“Peça para cinco gerentes
de marketing definirem
posicionamento e você
provavelmente terá cinco
respostas diferentes.”
(CLANCY, 2001)
“Não existem duas
pessoas no mundo que
definam posicionamento
da mesma maneira.”
(OGILVY, 1985:12)
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Corbis/Stock Photos
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e Jack Trout para chegar às suas
conclusões. Na verdade, a fonte tem
nome e sobrenome, Bill Bernbach, o
grande criativo que fez campanhas
como a do Fusca e da Avis, que revolucionaram a linguagem da propaganda” (REFKALEFSKY, 2002).
De fato, a premiada campanha
“Think small” (1950) para o lançamento do Volkswagen Fusca (Figura 1) e a
campanha “We are number 2”
(1963) da locadora de carros Avis,
ambas, desenvolvidas pela agência
DDB de Bill Bernbach e citadas no
livro de Ries e Trout, foram as precursoras do conceito de posicionamento, mesmo que Bernbach
não tivesse consciência disso. Mas
o que essas campanhas possuíam
de especial para serem consideradas as responsáveis pelo surgimento
do conceito de posicionamento?
Figura 1
do Fusca – percursor do
t Anúncio
conceito de posicionamento
premiada campanha “Think small” (1950) para o lançamento do
t AVolkswagen
Fusca, desenvolvida pela agência DDB de Bill Bernbach
é citada no livro de Ries e Trout como uma das precursoras do
conceito posicionamento de marca.
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Fonte: Clube de Criação
Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles
Itaú divulga amplamente os conceitos de tecnologia, conveniência e personalização.
G OFilme
para Itaú Bankfone – 1994/1995 – Clube de Criação
“A essência do posicionamento de
marca é que esta tenha uma vantagem competitiva sustentável que
dê ao consumidor uma razão convincente para comprá-la” (CALIXTO, 1999:87). No fundo, a idéia
que move a concepção do
posicionamento defende que uma
empresa precisará comunicar
ativamente as associações e conceitos mais relevantes e distintivos
para uma marca, posicionando-se
no mercado como legítima representante dos mesmos.
que em um ambiente tumultuado,
onde os compradores têm pouco
tempo para avaliar decisões em
relação a produtos, é altamente
vantajoso para um profissional de
marketing simbolizar algo importante, ser lembrado por algo significativo” (CLANCY, 1994:45).
No mercado bancário, por exemplo, é possível perceber como diferentes declarações de posicionamento convivem no ambiente
competitivo. O Itaú divulga amplamente os conceitos de tecno-
logia, conveniência e personalização. O Unibanco prefere
comunicar intensamente a idéia
de atendimento diferenciado e
amigável. O Bradesco trabalha
com a tradição, segurança e acessibilidade. O Banco Real ABN
Amro posiciona-se como um banco mais “humano”, um parceiro
do dia-a-dia de seus clientes. A
Caixa Econômica Federal escolheu o conceito da abrangência
territorial e da preocupação com
o desenvolvimento do Brasil para
posicionar sua marca.
Fonte: Clube de Criação
Simplificadamente, pode-se afirmar
que, no caso do lançamento do Fusca, pela primeira vez um produto era
colocado no mercado associado a
uma imagem de marca definida e focalizada (um automóvel pequeno,
prático e irreverente), destoando do
lugar-comum das propagandas veiculadas na época, em que se costumava enfatizar basicamente a qualidade como diferencial. Em outras palavras, era um produto que transmitia um conceito específico que o
posicionava em um segmento de
mercado e mapeava uma configuração de percepção para o consumidor ainda inexplorado.
O Unibanco prefere comunicar intensamente
t a idéia de atendimento diferenciado e amigável.
Comercial: Casal Unibanco – 1993/1994 – Clube de Criação
“Todas as definições, porém, têm
algo em comum, pois reconhecem
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Fonte: Jornal da Memória – set./out. 1997
Reposicionamento de Marcas
cerveja Antarctica, por exemplo, nos últimos três anos
t Amudou
de “A cerveja do pingüim” para “Com Antarctica é
mais gostoso” e em 2003 divulga “Só se for Antarctica”.
A IMPORTÂNCIA DA
CONSISTÊNCIA DO
POSICIONAMENTO
Uma vez definido o posicionamento
que será adotado por uma determinada marca, o gestor da mesma precisa zelar para que ele seja respeitado. Ou seja, é fundamental para o
sucesso duradouro de uma marca
que o seu posicionamento seja consistente ao longo dos anos. “Uma
estratégia de posicionamento consistente é tão indispensável para uma
marca sólida quanto o é um exército
forte para a defesa nacional”
(CLANCY, 1994:147). “Construir uma
marca é um trabalho tedioso. O que
funciona melhor é a absoluta consistência durante um período de tempo
contínuo” (REIS & REIS, 1999:110).
em boa parte desse tempo o posicionamento foi sempre o mesmo. A base
da sua comunicação está centrada
nos conceitos de aventura, fantasia,
emoção, e reposição de energia.
A marca de achocolatados Nescau é
uma demonstração de posicionamento consistente e bem dirigido.
“A comunicação é dirigida ao mesmo público há anos, basicamente
com os mesmos diferenciais, muito
embora a execução criativa tenha
evoluído” (MARTINS, 2000:52). Há
pelo menos 40 anos, a Nescau é líder absoluto de mercado, sendo que
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Como explica David AAKER, apesar
de ser um elemento tão importante,
é muito comum encontrar grandes
empresas negligenciando a consistência do posicionamento de suas
marcas. Como resultado disso, é
possível encontrar consumidores
confusos e incapazes de criar uma
imagem sólida e diferenciada para
EVOLUÇÃO DO “TOP OF MIND”
NA CATEGORIA CERVEJAS
% das menções
45
40
35
30
25
20
15
Figura 2
10
5
0
1994
1997
2000
2001
2002
Fonte: pesquisa “Top of Mind” – Folha de S. Paulo/2002
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2003
Skol
Brahama
Antarctica
Newcommbates
Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles
mudou três vezes sua linha de comunicação em um período de dois anos:
t AdeKaiser
“A cerveja nota 10” passou para “Abre que vem” e atualmente divulga “Kaiser sempre vai bem”.
as mesmas. Exemplo interessante
nesse sentido está ocorrendo com o
mercado brasileiro de cervejas.
ja do pingüim” para “Com Antarctica
é mais gostoso” e em 2003 divulga “Só
se for Antarctica”. A Kaiser mudou três
vezes sua linha de comunicação em
um período de dois anos: de “A cerveja nota 10” passou para “Abre que
vem” e atualmente divulga “Kaiser
sempre vai bem”. Como reconhece Júlio César Gomes Pedro, diretor de
marketing da companhia: “não conseguimos o posicionamento adequado e nos últimos anos tivemos uma
inconsistência grande de campanha”
(TOLEDO, 2001:16). É fundamental
entender que não são apenas slogans
publicitários que se sucederam ao longo dos anos, mas sim diferentes conceitos de posicionamento. Sem dúvida, outros fatores podem ter contribuído para a liderança da SKOL, porém,
em uma categoria na qual grande parte da imagem de marca é construída
com base na comunicação, ser negligente e pouco consistente no posicionamento é meio caminho para o baixo desempenho de uma marca.
Entre as razões que poderiam explicar a liderança da marca SKOL em
termos de vendas e recall de marca
(figura 2), é imprescindível destacar
o posicionamento adotado pela marca em 1997 (materializado no slogan
“A cerveja que desce redondo”) e,
desde então, consistentemente
respeitado, como um elemento fundamental para esse sucesso.
Esses resultados podem provavelmente ser explicados, ao menos em
parte, pelo fato de que, enquanto a
Skol estava alinhada a um conceito
forte de posicionamento (leve, jovem e irreverente), suas concorrentes mostravam grande inconsistência na comunicação.
A cerveja Antarctica, por exemplo, nos
últimos três anos mudou de “A cerve-
para a Brahma
t Comercial
na Copa do Mundo de 1994
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Reposicionamento de Marcas
MANUTENÇÃO DA
CONSISTÊNCIA OU
REPOSICIONAMENTO?
Apesar de todos os aspectos listados sobre os benefícios que a consistência do
posicionamento traz para uma marca, é
um equívoco imaginar que esta consistência seja sinônimo de uma postura estática, ainda mais em ambientes de crescente turbulência e imprevisibilidade.
Neste momento, surge a pergunta: não é
paradoxal e incoerente defender a consistência e, ao mesmo tempo, a transformação para uma estratégia de desenvolvimento de posicionamento de marca?
“Depois de termos insistido na idéia de
consistência, por que iríamos trazer à tona
o conceito de mudança?” (REIS & REIS,
1999:115). Eis o dilema e desafio permanente dos construtores de marca: “em
um mundo em que os modelos empresariais estão sendo continuamente
reavaliados e reinventados, qual o momento certo de mandar a consistência
para o espaço e reinventar a marca?”
(SLYWOTZKY & KANIA, 2002:58). Em
suma, a consistência do posicionamento
deve ser mantida a todo custo, a menos
que um fato relevante exija sua transformação ou indique uma boa oportunidade para que isso ocorra.
Apesar de parecer lógica a idéia teórica de
se reposicionar uma marca, na prática esse
trabalho se mostra ser um desafio efetivo
para os gestores de marca. Além de lidar
com alto grau de incerteza de sucesso, o
REPOSICIONAMENTO REATIVO
Decisão/ação de reposicionamento resultante de mudanças ambientais (culturais, socioeconômicas, políticas ou
tecnológicas), que enfraquecem as associações componentes do posicionamento de uma determinada marca, demandando uma readequação ao novo contexto.
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custo da operação é geralmente alto. A razão para isso está na essência do processo
de construção de um posicionamento de
marca. Como todos os esforços para a
criação de uma marca forte e sólida estão na direção de proporcionar estímulos e associações consistentes ao consumidor-alvo, quanto mais bemsucedida uma empresa nesse processo, mais difícil será a tarefa do
reposicionamento da marca.
O raciocínio desse processo é o seguinte: se uma marca consegue ser sistematicamente lembrada em função de certas
associações, pode-se dizer que ela incorporou um conjunto de características
identificadoras. Na percepção do seu
consumidor-alvo a marca é ou representa alguma coisa ou conceito. Ao mesmo
tempo em que isso sinaliza o sucesso da
construção de um posicionamento, torna a marca “refém” do seu conjunto de
associações e, conseqüentemente, dificulta o trabalho de reposicionamento,
uma vez que este lida com a idéia de
alterar o que existe enraizado na mente
do consumidor-alvo. “Para mim, isso ilustra o fato de que o reposicionamento é
mais fácil na teoria do que na prática. Às
vezes, é um processo brutal, porque você
está tentando mudar as percepções das
pessoas, o que é muito difícil” (RIES &
TROUT, 2001:49). “Alterar uma marca
não é algo trivial. Envolve desafios técnicos e logísticos que são amenizados através de um bom planejamento, de recursos apropriados e de um cronograma
correto de implantação da nova marca.
Ou seja, a empresa deve ter todo o cuidado para não chocar seus consumidores” (GRACIOSO & NAJJAR, 2000:10).
Por isso, para evitar desperdícios de tempo e dinheiro, cabe neste momento uma
análise das situações e hipóteses em que
um esforço de reposicionamento pode
ser efetivamente considerado.
CONDIÇÕES PARA DECISÃODOREPOSICIONAMENTO: TIPIFICAÇÃO
A decisão por um reposicionamento de
marca envolve custos e riscos relativamente elevados, sendo que a adoção de
uma estratégia com este grau de impacto, incerteza e necessidade de recursos
naturalmente tem de ser suportada por
argumentação estruturada.
A análise das possíveis razões ou
motivos que fundamentam uma opção por alteração do atual posicionamento para outro conduzem à
possibilidade de classificação das
estratégias a partir de um critério
objetivo. Basicamente, uma ação de
reposicionamento é derivada da
perda de valor da atual posição ou
orientada para o aproveitamento de
uma dada oportunidade de mercado ou decidida pelo reconhecimento da ineficácia mercadológica do
atual posicionamento da marca. A
partir dessa abordagem, as estratégias de reposicionamento poderiam
ser classificadas em:
REPOSICIONAMENTO
PROPOSITIVO
REPOSICIONAMENTO
CORRETIVO
Decisão/ação de reposicionamento orientada para
melhoria de desempenho de negócio e/ou aproveitamento de oportunidades identificadas de mercado,
inviáveis no domínio atual do posicionamento da marca.
Decisão/ação de reposicionamento decorrente da
ineficácia da configuração de posicionamento
adotado em relação aos objetivos pretendidos pela
marca.
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Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles
REPOSICIONAMENTO
REATIVO
Se existe uma certeza no mundo dos
negócios, ela diz respeito à inevitabilidade das mudanças. As indústrias
mudam, os produtos mudam, os canais
de distribuição mudam e os consumidores também mudam. Conseqüentemente, as marcas também estão vulneráveis às alterações ambientais. As associações e os atributos que sustentam
seu posicionamento podem perder significados, podem ficar ultrapassados e
irrelevantes inesperadamente. Nesse
caso, é preciso abandonar a consistência e partir para o reposicionamento.
Para uma melhor compreensão dessa
idéia, é oportuno analisar em detalhe
alguns tipos de mudanças mais importantes e usuais.
MUDANÇAS NO
COMPORTAMENTO DO
CONSUMIDOR
O comportamento de compra dos consumidores é um elemento que está em
constante evolução e mutação. Os be-
nefícios e características de uma marca
que justificariam sua aquisição ou aspiração por um determinado público há
duas décadas atrás possivelmente não
mais persistem. Ao se analisar o papel
desempenhado pelas mulheres ao longo das décadas no Brasil, nota-se claramente a existência desse tipo de fenômeno. Nos anos 60, por exemplo, a mulher claramente possuía uma atitude de
passividade e submissão. Era a donade-casa que não trabalhava fora e vivia
para cuidar dos filhos e do marido. Tal
conjunto de características era absorvido pelo posicionamento das marcas que
com ela falavam, como era o caso da
publicidade de margarinas, por exemplo. A partir da década de 70 e com
mais intensidade durante os anos 90,
houve uma consolidação de um novo
papel assumido pela mulher, sobretudo como consumidora de produtos e
serviços. Essa situação claramente exigiu das marcas de margarinas a adoção
de uma estratégia de reposicionamento. Assim, ao se observar, na
década de 70, o posicionamento de
Doriana, nota-se que ela explorava associações como a dona-de-casa
a dona de casa dedicada ao bem
estar da família, cozinha, carinho,
segurança e atenção aos filhos.
dedicada ao bem-estar da família, cozinha, carinho, segurança e atenção aos
filhos, materializada, entre outros aspectos, no famoso “jingle”: “Quem é que
faz tudo com amor e põe na mesa o
melhor sabor...com Doriana você logo
vê os elogios são pra você!” No final dos
anos 90, Doriana já trabalhava em sua
comunicação o reposicionamento da
marca. Desse modo, seus comerciais
passam a espelhar as angústias (trabalhar fora de casa) e desejos (de
praticidade) que perfazem a vida da
mulher do final do século.
MUDANÇAS
TECNOLÓGICAS
Mudanças tecnológicas podem interferir no desempenho de muitas marcas, forçando-as muitas vezes a
o surgimento da nova tecnologia eletrônica, a fabricante
tCom
de relógios Timex precisou mudar de posicionamento.
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de Doriana nota-se
G Oqueposicionamento
ela explorava associações como
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Reposicionamento de Marcas
adotarem estratégias de reposicionamento para se readequarem à
nova configuração do setor. O
mercado de relógios fornece um bom
exemplo. Antes do surgimento do
relógio a quartzo, a exatidão na
monitorização do tempo era o principal fator diferencial entre competidores do setor. No entanto, com o
surgimento da nova tecnologia
eletrônica, o mais barato dos relógios a quartzo se tornou mais exato do
que o mais caro dos relógios mecânicos. Esse problema foi vivenciado
pela fabricante de relógios Timex.
Tida como marca sinônima de precisão de tempo, essa empresa, de uma
hora para outra, viu o seu posicionamento perder toda a sua importância. Nesse caso, ela precisou
reposicionar-se em função de outras
vantagens competitivas.
ENTRADA DE
NOVOS COMPETIDORES
NO MERCADO
Quando novos concorrentes entram
em um determinado mercado, é
possível que forcem as empresas já
estabelecidas a reposicionarem
suas marcas. O mercado automobilístico no Brasil presenciou esse
fenômeno nos últimos anos. A entrada de montadoras como Peugeot,
Renault, Honda e Citroën inseriu no
cenário competitivo novos e, muitas vezes, superiores parâmetros de
qualidade, tecnologia, “design”,
inovação, conforto e segurança. Em
resposta, as quatro tradicionais
montadoras do mercado brasileiro
(Volkswagen, Fiat, General Motors
e Ford) resolveram abandonar a
consistência de seus posicionamentos, visando a uma maior
adequação à nova realidade do
mercado. Nesse sentido, foi possível observar, por exemplo, a Volkswagen abandonando seu clássico
slogan “Você conhece. Você confia” e passando a adotar “A Volkswagen vai mais longe por você”.
Segundo Sergio Szmoisz, gerente de
propaganda da empresa: “O nosso
objetivo é reposicionar a marca no
mercado brasileiro. A VW quer passar a imagem de que tem diversos
valores de uma marca luxuosa mas
é acessível” (SATOMI, 2002:5). A
General Motors também alterou seu
conceito de comunicação após 10
anos de consistência. O velho conhecido “Andando na frente”, ancorado
nos conceitos de modernidade
tecnológica e inovações constantes, foi
substituído por “Conte comigo”, um
slogan que transmite um apelo mais
rejuvenescer a imagem da marca, a Nestlé lançou em julho de 2001 uma campanha mundial
tVisando
associando o café à ousadia, tecnologia e misticismo para conquistar as tribos “tecno”, desportista e “zen”,
um posicionamento bem diferente do adotado até então pela maioria dos países.
Figura 3
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Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles
emocional, intimista e de parceria aos
consumidores.
ENVELHECIMENTO
DA MARCA
Muitas vezes, os elementos que sustentam o posicionamento de uma determinada marca podem ficar
desatualizados e envelhecidos. Nesse
caso, é imperativo que a marca
reposicione-se no mercado. Desde
seu lançamento em 1938, Nescafé
sempre foi a líder do mercado de café
solúvel em vários países do mundo,
sendo considerada uma das marcas
mais valiosas e estratégicas da Nestlé.
A marca que nos anos 50 tinha se
tornado a favorita dos jovens com o
tempo foi envelhecendo e se distanciando dessa categoria de consumidores. Visando rejuvenescer a imagem da marca, a Nestlé lançou em
julho de 2001 uma campanha
mundial associando o café à ousadia,
tecnologia e misticismo para conquistar as tribos “tecno”, desportista e
“zen”, um posicionamento bem diferente do adotado até então pela maioria dos países. A linguagem da campanha publicitária desenvolvida (figura
3) foi altamente sugestiva, ousada e
moderna, adequando-se à necessidade de rejuvenescimento da marca.
de uma marca que se reposicionou, ao longo de seus vinte e cinco anos de vida, aproveitando-se
de oportunidades proporcionadas
por inovações. Nos anos 80, OMO
baseou a sua estratégia de posicionamento nos seguintes benefícios:
maior poder de limpeza, mais espuma, melhor perfume, tradição,
segurança, confiabilidade. Nos
anos 90, através de aperfeiçoamentos e inovações tecnológicos,
OMO agregou novos benefícios ao
posicionamento da marca, como:
maior rendimento, maior praticidade, espuma na quantidade certa e tecnologia avançada. Ou seja,
a marca reposicionou-se no mercado aproveitando-se das oportunidades que as inovações tecnológicas lhe proporcionaram.
ça das estruturas do ambiente.
Nesse caso, uma determinada
marca vislumbra na estratégia de
reposicionamento uma oportunidade de explorar um novo conceito,
muitas vezes inovador, que considera atraente e com potencial de
lhe trazer melhores retornos.
OPORTUNIDADE
PELA INOVAÇÃO
A trajetória do detergente em pó
OMO fornece um bom exemplo
OPORTUNIDADE
EM MERCADOS MAIS
SOFISTICADOS
Alterar o posicionamento da marca para explorar as oportunidades
que um mercado mais sofisticado
pode oferecer foi a estratégia
adotada pelas sandálias Havaianas
em 1994. Como produto de baixa
margem de lucro, com o passar dos
anos nem o domínio de 90% do
mercado de sandálias de borracha
garantia a rentabilidade adequada
para a fabricante Alpargatas. Para
reverter esse quadro, as Havaianas
tinham pela frente a necessidade e
o desafio de agregar valor a um
produto que durante décadas se
manteve inalterado e com um cla-
REPOSICIONAMENTO
PROPOSITIVO
Até o presente momento foram
analisadas situações em que uma
determinada marca encontrava-se
na posição de vítima das mudanças ambientais. Nesta seção, será
analisado um tipo de reposicionamento que não envolve como
fator preponderante uma mudan-
trajetória do detergente em pó OMO fornece um bom
tAexemplo
de uma marca que se reposicionou, ao longo de
seus vinte e cinco anos de vida.
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ro posicionamento de marca barata e funcional: “as únicas que não
deformam, não têm cheiro e não
soltam as tiras”(Figura 4).
AlmapBBDO
Reposicionamento de Marcas
sistentes que alcançaram os 4P`s do
composto de Marketing, a marca conseguiu agregar a sua imagem aspectos
de prestígio e sofisticação, afastando as
impressões de produto popularesco
que durante muito tempo tanto promoveu. Ao agregar esses novos valores
à marca, a Alpargatas pode aumentar o preço e a margem de lucro sobre cada par de sandálias vendido,
resolvendo, em parte, o grande problema da baixa rentabilidade que
acompanhava seu produto mais
popular (Figura 5).
AlmapBBDO
Em 1994, a empresa iniciou o processo de reposicionamento das Havaianas:
o objetivo era transformar o conceito
da marca de funcional e popular para
um conceito de marca “fashion” (acessório de moda). Ou seja, um típico caso
de reposicionamento de oportunidade,
em busca de mercados mais sofisticados. Através de ações coerentes e con-
Figura 4
Figura 5
1994, a empresa iniciou o processo
t Em
de reposicionamento das Havaianas: o objetivo
era transformar o conceito da marca de
funcional e popular para um conceito de marca
“fashion” (acessório de moda).
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Marcos Savoi Bortolan, Renato Telles
OPORTUNIDADE
EM MERCADOS MAIS
POPULARES
Em direção oposta, é possível encontrar
empresas que vislumbraram na
popularização de suas marcas uma oportunidade de melhorarem seus desempenhos de mercado. Em 1999, a emissora
de televisão MTV iniciou uma estratégia
para mudar seu clássico posicionamento
de marca elitista, moderna, irreverente,
inteligente e vanguardista, visando tornar-se mais popular e próxima do público da classe C, um mercado consumidor emergente que surgiu com o Plano
Real a partir de 1994. Para atingir essas
expectativas, toda a programação e a
forma de comunicação da emissora
foram reformuladas: gêneros tipicamente nacionais, como axé music e pagode,
passaram a ganhar destaque, dividindo
espaço na grade da nova MTV com clipes internacionais. Até o cantor romântico Roberto Carlos, em meados de 2001,
chegou a gravar um programa especial
para o canal, atitude inimaginável anos
atrás pelos fundadores da emissora.
Independentemente de críticas ou elogios, o fato é que o reposicionamento da
emissora alcançou os objetivos esperados, aumentando a audiência da MTV
em praticamente 30% em 1999.
REPOSICIONAMENTO
CORRETIVO
É possível que a escolha de um determinado posicionamento, que a princípio
parecia o mais adequado aos objetivos
estratégicos de uma marca, decepcione
as expectativas da empresa. A falta de
apelo, relevância ou diferenciação do
conceito adotado para guiar as iniciativas da marca são alguns fatores que podem justificar o início de um trabalho de
reposicionamento corretivo.
A marca de congelados da Sadia, por
exemplo, vivenciou esse processo em
meados da década de 90. Quando foi
lançada em 1993, a marca desenvolveu seu posicionamento com base em
elementos como pratos prontos com sabor caseiro. Nos primeiros meses, os
produtos obtiveram resultados pouco
animadores para um mercado com alto
potencial de consumo, fazendo com
que a empresa revisse as suas estratégias. Após alguns estudos, descobriu-se
que o motivo das vendas baixas não era
o mercado em si, mas a forma como o
cliente vinha sendo abordado. Quando
a empresa experimentou reposicionar
sua marca enfocando atributos como
rapidez, praticidade e facilidade no
preparo, ao invés de um alegado sabor
caseiro, as vendas saltaram: de 4% do
total do faturamento da empresa em
1993 para 20% em 2000.
CONCLUSÃO
Os conceitos abordados e aqueles propostos no corpo do texto sugerem a
consideração de algumas hipóteses de
orientação para a gestão de marcas
quanto ao momento em que estas devem considerar uma estratégia de
reposicionamento, destacando-se, em
particular, o pressuposto desenvolvido
de que quanto mais forte a imagem ou
as percepções do público a respeito de
um posicionamento de marca, mais difícil será o processo de alterá-lo.
1. REPOSICIONAMENTO
REATIVO
As mudanças ambientais forçam a
adoção de uma estratégia de reposicionamento. Nesse caso, por mais
enraizadas que estejam as percepções do público a respeito do
posicionamento atual de uma determinada marca, o gestor precisa (por
uma questão de sobrevivência) enfrentar as dificuldades de se mudar
estas percepções, buscando um
posicionamento mais adequado
para o novo ambiente competitivo.
Em outras palavras, ou a marca
muda seu posicionamento, ou ela
corre o risco de perder relevância
para o consumidor.
QUADRO RESUMO
REPOSICIONAMENTO
DE MARCA
PERCEPÇÕES DO
POSICIONAMENTO ATUAL
GESTÃO DE MARCA
DECISÃO DE MARCA
Pouca importância
Escolha de novo
posicionamento
para sobrevivência
Transição com
riscos inevitáveis
PROPOSITIVO
Muita importância
A oportunidade
compensa o risco
de alterar as
percepções?
Construção de
novo paradigma
CORRETIVO
Pouca importância
Seleção de novos
atributos para o
posicionamento
Revisão da
estrutura do
posicionamento
REATIVO
S E T E M B R O
/
O U T U B R O
D E
2003–REVISTA DA ESPM
81
Reposicionamento de Marcas
BIBLIOGRAFIA
2. REPOSICIONAMENTO
PROPOSITIVO
Explorar um posicionamento considerado mais rentável ou inovador
que o adotado até o momento é
uma decisão que precisa basear-se
no grau de fixação da imagem atual
da marca. Nesse caso, o gestor precisa analisar e decidir se a oportunidade a ser explorada pelo reposicionamento compensa o risco e
as dificuldades de se alterar as percepções do público a respeito do
posicionamento atual da marca.
3. REPOSICIONAMENTO
CORRETIVO
Se um determinado posicionamento
não alcançou os resultados esperados,
a estratégia da marca precisa sofrer alterações. Nesse caso, mesmo com
uma imagem de marca fixada (hipótese difícil de se imaginar para este
quadro), o gestor precisa repensar a
estratégia de reposicionamento para
adequar a marca aos objetivos almejados pela organização. ESPM
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S E T E M B R O
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O U T U B R O
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MARCUS SAVOI BORTOLAN
Graduado em Economia (FEAUSP), Engenharia
(EPUSP) e Física (IFUSP), mestrado e doutorando
em Administração (FEAUSP), professor da ESPM
(graduação e MBA), FECAP e Mackenzie, executivo
em Marketing no setor de comunicação.
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Bacharel em Administração Mercadológica pela
ESPM e Direito pela USP, analista da Consultoria
McKinsey & Company.
NESCAFÉ. Cofee People. Disponível em: <http://
www.nescafe.com> [2002 Jul. 21].
D E
2003
Transformações no Mercado de Trabalho
A GLOBALIZAÇÃO DAS ECONOMIAS E AS
TRANSFORMAÇÕES NO
MERCADO DE TRABALHO
EM TEMPOS DE PÓS-MODERNIDADE
INTRODUÇÃO
necessidade
de políticas de
modernização
das economias vem ao encontro da atual
condição de
sociedade denominada liberal ou pós-moderna, ou programada,
ou pós-industrial, ou informacional – esta
última denominada por Castells (1999),
caracterizada sobretudo pela complexidade das relações econômicas e no entendimento das grandes transformações
A
84
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
econômicas globais, tais como a reforma do papel do Estado, a desregulamentação dos mercados, reestruturação produtiva internacional, a velocidade da informação, a revolução do conhecimento, pelas mudanças das relações de trabalho, dentre outras.
Esta situação, chamada por Giddens
(1997) de “radicalização da modernidade”, aliada aos problemas já vividos pelo capitalismo nos anos setenta,
oitenta e noventa do século XX, deflagra,
nos dias atuais, uma série de fenômenos contraditórios, à luz do desenvolvi-
O U T U B R O
D E
2003
mento econômico projetado pela economia de mercado.
Sem embargo, as regressões políticas
verificadas em países em desenvolvimento ou da periferia e os crescentes conflitos sociais, que aparecem com mais intensidade em todo o mundo,
decorrentes, por um lado, do aumento
de grupos de excluídos, e por outro da
crise do Estado que não tem mais capacidade de atuar como amortecedor das
tensões sociais, nos leva a refletir sobre
as conseqüências deste processo, sobre
as sociedades contemporâneas. yw
Durval
Meirelles, Roberto Gil Uchoa
avanço da tecnologia da informação nos últimos 30 anos permitiu
l Oa conectividade
de pessoas e agentes econômicos em tempo real.
S E T E M B R O
/
O U T U B R O
D E
2003–REVISTA DA ESPM
85
Transformações no Mercado de Trabalho
Uma análise mais profunda desse contexto nos leva a crer em uma possível
desorganização do capitalismo moderno, com um avanço sem fronteiras do
capital financeiro em detrimento de uma
reestruturação saudável da produção e
do mercado de trabalho, em nível global.
1.
CONTEXTUALIZAÇÃO
HISTÓRICA
O avanço da tecnologia da informação
nos últimos 30 anos permitiu a
conectividade de pessoas e agentes
econômicos – e entre eles mesmos –
em tempo real, encurtando o tempo entre o fato e a sua divulgação pelos meios
de comunicação de massa, entre o levantamento dos dados e a análise das
informações e entre os eventos e a tomada de decisão nas empresas.
Decerto, nesse hiato temporal, o
mundo capitalista observa, na aflição
pelo incremento na produtividade, as
empresas serem automatizadas em
paralelo com a crescente ênfase na
qualidade total e no marketing; o
mundo comunista desmancha-se
com a desintegração da União Soviética e nas secessões étnicas, numa
busca por uma identidade nacionalista. Em contra-senso, a integração
do mundo se dá pelo comércio,
informatização dos meios de comunicação e do mercado financeiro internacional, permitindo a interação
de países de diferentes continentes
numa proporção jamais vista na história da humanidade.
das explicações da crise do mundo moderno seria conseqüência
l Uma
das contradições e antagonismos que amadurecem no âmbito de uma
correlação de forças entre proprietários de capital e trabalhadores a
partir da falência do Welfare State.
Nesse sentido, Castells (1999) acentua
que a tecnologia e o gerenciamento da
tecnologia, envolvendo mudanças
organizacionais, poderiam estar se difundindo a partir da produção da
tecnologia da informação, telecomunicações e serviços financeiros, alcançando grande parte a atividade industrial e
depois os serviços empresariais, para
então, aos poucos, atingir as atividades
de serviços diversos em que existe menos incentivo para a difusão da
tecnologia e maior resistência a mudanças organizacionais.
No passado, especialmente nos países
desenvolvidos, o Estado do bem-estar
social conseguia manter sua legitimidade em função de suas reais condições de atender às demandas sociais
oriundas de diversos segmentos da sociedade. Assim, estabelecia certo equilíbrio entre os atores sociais, as forças
políticas e as forças do Estado, capaz
de absorver os conflitos sociais e manter o funcionamento básico da sociedade. Contraditoriamente, porém, a
política liberal rapidamente se desenvolveu com intuito de desmontar aquele formato de Estado, tendo como um
dos objetivos beneficiar a rápida acumulação e transferência do capital,
entre países.
Essa facilidade proporcionou uma
enorme liberalização e avanço do capital financeiro especulativo, o que pode
ter ajudado a romper com a antiga relação de segurança existente entre o Estado e a sociedade, vigente até então. Assim sendo, uma das explicações da crise
do mundo moderno seria conseqüência
das contradições e antagonismos que
amadurecem no âmbito de uma correlação de forças entre proprietários de capital e trabalhadores a partir da falência
do Welfare State.
86
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
O U T U B R O
D E
2003
Durval
Pela primeira vez na história, a unidade
básica da organização econômica não
é um sujeito individual ou coletivo: são
as unidades da rede. Elas são formadas
de vários sujeitos e organizações, modificam-se continuamente conforme as
redes se adaptam aos ambientes de
apoio e às estruturas do mercado. As
alianças que unem essas redes devem
ter uma dimensão cultural própria, caso
contrário, a atividade econômica seria
desempenhada em um vácuo social e
cultural.
Furtado (2000) traçou uma análise crítica da industrialização da periferia no
quadro A Divisão Internacional do Trabalho, caracterizado por três aspectos, a
saber: a dessimetria no processo de transformação, a modernização e industrialização e a tipologia da industrialização
periférica. Vejamos os principais pontos
de Furtado:
1.1. DESSIMETRIA
NO PROCESSO DE
TRANSFORMAÇÃO
Para a economia periférica, a inserção
no sistema de divisão internacional do
trabalho assumia a forma de um processo duplo e dessimétrico de transformação: por um lado existia o esforço
de alocação de recursos produtivos, de
especialização, visando criar a produção exportável (base da criação do
novo excedente). Por outro lado, configurava-se a transformação da demanda interna, conseqüência da semiintegração com economias orientadas
para a inovação (fontes de um fluxo de
novos produtos).
A transformação do sistema de vida no
sentido da modernização não se efetua
sem provocar modificações no siste-
ma produtivo. Os bens duráveis importados requerem trabalhos complementares internos, como a infra-estrutura
de estradas e de oficinas de reparação
que seguem os automóveis e as instalações elétricas requeridas pela nova
urbanização.
Existe, portanto, um multiplicador de
emprego e de renda, ligado à utilização
interna do excedente. Quando a oferta
interna de mão-de-obra é elástica e os
salários permanecem baixos, o efeito do
multiplicador de emprego também se faz
sentir no excedente. Em casos especiais,
em que os salários devem subir a fim de
atrair mão-de-obra do exterior, o efeito
pode ser inverso.
1.2. MODERNIZAÇÃO
E INDUSTRIALIZAÇÃO
O sistema de divisão internacional do
trabalho tem sua origem no dinamismo do núcleo industrial inicial, o qual
busca ampliar a própria base de recursos naturais e o mercado interno,
com vistas em frustrar as tendências
aos rendimentos decrescentes. As
transformações mais significativas
ocorriam na demanda e foi a isso que
chamamos de modernização. As peculiaridades da industrialização periférica têm aí sua origem.
A inserção no sistema de divisão internacional do trabalho da economia que
se periferiza deve ser percebida como
uma transformação de conjunto dessa
economia: os seus principais setores
são remodelados pelo esforço de modernização.
A exportação continua a desempenhar
o papel de variável principal na dinâmica do crescimento, mas seu efeito final
S E T E M B R O
/
Meirelles, Roberto Gil Uchoa
dependerá cada vez mais da capacidade da economia para diversificar sua estrutura produtiva ligada ao mercado interno, ou seja, da industrialização.
1.3. TIPOLOGIA
DA INDUSTRIALIZAÇÃO
PERIFÉRICA
Nessa fase de crescimento induzido pela
inserção no sistema de divisão internacional do trabalho, identificam-se facilmente
na periferia três tipos de indústrias:
INDÚSTRIAS LIGADAS AO
A) SETOR
PRIMÁRIO-EXPORTADOR
Essas indústrias são uma decorrência da
natureza das exportações de produtos
primários; elas estão ligadas à demanda
exterior de forma similar ao que ocorre
com as atividades primário-exportadoras, destituídas praticamente de toda capacidade transformadora direta da estrutura produtiva do país onde se localizam.
É o caso antigo das usinas de açúcar.
COMPLEMENTARES
B) INDÚSTRIAS
DAS IMPORTAÇÕES
Surgem como um complemento necessário de certas importações, sendo, portanto, parte do processo de modernização. À medida que aumenta o valor adicionado localmente, cresce o efeito transformador que elas exercem na estrutura
produtiva. Esse é o ponto de partida das
chamadas indústrias de “substituição de
importações”.
INDÚSTRIAS QUE SE BENEC) FICIAM
DE ALGUMA FORMA DE
PROTEÇÃO NATURAL
São aquelas que se beneficiam de
proteção, independentemente da política seguida pelo governo. É o caso das
indústrias de produtos perecíveis e outras, nas quais incide pesadamente o
custo do transporte. w
O U T U B R O
D E
2003–REVISTA DA ESPM
87
Transformações no Mercado de Trabalho
Na evolução industrial das economias periféricas observou-se um progressivo predomínio das indústrias
do segundo grupo, ou menor, a preeminência das indústrias mais
diretamente caudatárias do processo de modernização.
2. A
COMUNICAÇÃO E A
GLOBALIZAÇÃO
A globalização é econômica, política, tecnológica e cultural, analisa
Giddens (2000). Foi influenciada
basicamente pelo desenvolvimento nos
sistemas de comunicação que remontam
apenas ao final da década de 1960. Até o
final da década anterior não existia nenhum cabo transatlântico ou transpacífico
exclusivo. Os primeiros comportavam
menos de cem canais de voz. Os de hoje
conduzem mais de um milhão.
Na nova economia eletrônica global, os
administradores de fundos, os bancos, as
empresas, assim como os milhões de
investidores individuais, podem transferir vastas quantidades de capital de um
lado do mundo para outro ao clique de
um mouse, disserta Giddens. Ao fazê-lo,
podem desestabilizar economias que pareciam de inabalável solidez – como
aconteceu recentemente na Ásia e na
América do Sul.
A globalização não é, portanto, um processo singular, mas um conjunto complexo de processos. E estes operam de
maneira contraditória ou antagônica. A
maioria das empresas multinacionais
gigantes é também sediada nos EUA.
Todas as que não são vêm de países ricos,
não das áreas mais pobres do mundo.
Isso gera uma concentração de renda no
hemisfério norte, capaz de formar poder
de barganha com economias menos
favorecidas. A criação de blocos
econômicos, como o da União Européia
e o Mercosul – cada um respeitando
seus limites proporcionais –, visa fazer
frente à continuidade de um crescimento, com estabilidade e evitando o
desequilíbrio. Mas o efeito desse
desequilíbrio cria um abismo entre países ricos e países periféricos, em escala
histórica, afetando nível de emprego e
renda (Furtado, 1994).
l
88
O computador transforma nossa maneira de criar e comunicar,
ditando novos comportamentos.
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
O U T U B R O
D E
2003
Para Castells (1999), a cultura da
virtualidade real associada a um sistema
multimídia eletronicamente integrado
Durval
contribui para a transformação do tempo em nossa sociedade de duas formas diferentes: simultaneidade e
interpolaridade. Ao mesmo tempo em
que temos contato com notícias acontecendo no mundo inteiro em tempo
real, oferece-se ao expectador a mistura de tempos na mídia dentro do mesmo canal de comunicação, criando
uma colagem temporal em que não
apenas se misturam gêneros, mas seus
tempos tornam-se síncronos em um
horizonte aberto sem começo, nem
fim, nem seqüência. É o tempo virtual,
o tempo intemporal.
O processo de trabalho situa-se no cerne
da estrutura social. Veremos como o autor analisa as transformações sociais no
âmbito do homem e a economia, ou
seja, na sua relação com as empresas –
o mercado de trabalho informacional.
progresso técnico e o desemprego no
mundo moderno. O argumento central
é que a principal causa da tendência de
aumento do desemprego no passado
recente não é o progresso técnico. Ainda
que as novas tecnologias de processo sejam intrinsecamente poupadoras de trabalho, o progresso técnico, segundo o
professor da UFRJ, envolve novas oportunidades de investimento, inclusive
aquelas associadas tanto a novos processos como a novos produtos.
Nesse sentido, Gonçalves conclui
empiricamente – pois não se tem dados
disponíveis ou pesquisas válidas que
possam suportar essa conclusão –, a
incapacidade dos agentes econômicos
de explorar essas novas oportunidades
de negócios, via maiores investimentos,
provoca escassez de demanda agregada
Meirelles, Roberto Gil Uchoa
e, por conseguinte, a tendência ao desemprego em países desenvolvidos e em
desenvolvimento.
Prevalece a observação histórica de que
o capitalismo global caracteriza-se pela
incapacidade de absorver trabalho na
mesma magnitude em que rejeita. As
taxas de crescimento da produção não
têm sido elevadas o bastante para
reduzir significativamente a taxa de desemprego nos países que formam o
núcleo duro (Gonçalves, 2002) da economia mundial.
Em países como a Alemanha e a França, ainda persistem taxas relativamente
altas de desemprego (vide Tabela 1). No
caso do Japão, a taxa de desemprego
de 5%, em 2000, é considerada alta
pelos padrões históricos deste país. yw
3. A TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO
E O MERCADO DE
TRABALHO
O manifesto cultural de Johnson (2001)
parece concordar com as assertivas de
Castells, à medida que brilhantemente
mapeiacomoocomputadortransformanossa maneira de criar e comunicar, ditando
novos comportamentos.Ao descrever a velocidade como essas interfaces que se dão
nobinômiohomem-teconologia,eledisserta
em sua obra sobre a fusão arte-tecnologia
como sendo um produto do avanço da velocidade dessa tecnologia das interfaces.
Por seu turno, Reinaldo Gonçalves
(2002, Capítulo 3), ao fazer uma análise
do capitalismo global e seus reflexos na
economia brasileira, dedica um capítulo aos reflexos da inter-relação entre
discurso neoliberal de uma economia baseada na globalização de
l Omercados
permitiu a expansão desequilibrada de agentes econômicos
e aumentou o abismo social entre as nações.
S E T E M B R O
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2003–REVISTA DA ESPM
89
Transformações no Mercado de Trabalho
TAXAS MÉDIAS ANUAIS COMPARATIVAS DO
CRESCIMENTO DA RENDA, DESEMPREGO, EMPREGO
E PRODUTIVIDADE NO PERÍODO 1982 A 2001
PAÍSES
1982-1991
1992-2001
2000
2001
2,9
4,1
2,7
2,4
2,7
3,1
3,7
1,1
1,7
2,1
2,6
2,9
5,2
1,4
2,9
3,5
3,1
4,2
3,2
1,8
3,3
3,5
2,8
3,2
Crescimento de Renda
Estados Unidos
Japão
Alemanha
França
Reino Unido
Países Desen. (média)
Destarte, uma conclusão sobre a análise dos dados daTabela 1 é que o ganho de
produtividade – com a absorção de novas tecnologias – confere maior renda ao
povo, mas não consegue provocar mais
empregos que a capacidade que essa economia tem de acabar com postos de
trabalho. Parece não haver saída para esse
desemprego, afirma Gonçalves. Mas sugere que medidas de intervenção do Estado – com medidas fiscais, via redistribuição
de riqueza e renda – podem afetar o sistema econômico, que parece ser incapaz
de gerar investimentos.
4. O MERCADO
Desemprego
Estados Unidos
Japão
Alemanha
França
Reino Unido
Países Desen. (média)
7,0
2,5
7,3
9,5
9,0
7,0
5,4
3,7
8,1
11,2
6,6
6,7
4,1
5,0
7,9
9,8
3,9
5,9
4,4
5,3
7,6
8,8
4,0
5,7
1,6
1,3
0,7
0,3
0,7
1,2
1,5
0,1
0,2
0,9
0,3
0,9
1,2
-0,2
1,0
2,6
0,2
1,3
0,6
0,2
0,7
1,9
0,9
3,0
3,2
3,7
3,8
5,7
3,4
4,5
1,7
4,5
4,1
2,2
3,7
6,2
4,4
2,4
3,5
2,3
4,7
4,0
2,1
2,8
3,3
1,4
3,1
Crescimento do Emprego
Estados Unidos
Japão
Alemanha
França
Reino Unido
Países Desen. (média)
Crescimento da Produtividade
Estados Unidos
Japão
Alemanha
França
Reino Unido
Países Desen. (média)
Fonte: FMI-WED, outubro 2000, tabelas 4 e 10.
90
REVISTA DA ESPM–
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2003
Tabela 1
DE TRABALHO
DA SOCIEDADE
INFORMACIONAL
O discurso neoliberal de uma economia
baseada na globalização de mercados
permitiu a expansão desequilibrada de
agentes econômicos e aumentou o abismo social entre as nações. Observa-se
gradativamente a formação de três grupos inteiramente distintos de nações, consoante seus perfis socioeconômicos.
Num primeiro grupo, potências
econômicas com a produtividade escalar
de suas entidades transnacionais ganhando competições em mercados do mundo
inteiro: incluímos aqui os países-membros
do chamado G7. Num segundo grupo,
países periféricos ou em desenvolvimento, de ranço histórico que remontam o
início da industrialização, sem infraestrutura básica para facilitar as
produtividades e o escoamento dos produtos pelas empresas, que se desmantelam no açoite desproporcional do
estrangeirismo, sem barreira de entradas em
sua maioria. Resta um terceiro grupo de
países, sem economia de escala com sua
exclusão quase total da informatização, o
Durval
extrativismo natural e falta de condições
que propiciem a satisfação das necessidades fisiológicas mais elementares.
Na rasteira de uma proposição de
integração de economias globais, houve a formação de blocos econômicos regionais na Europa Ocidental, na América do Norte e, mais recentemente, no
Sudeste da Ásia. Em contraposição, a tentativa de uma busca pelo equilíbrio
econômico e político da região, nasce o
Mercosul – já abalado pelo desequilíbrio do Balanço de Pagamentos de seus
integrantes e pela tentativa norte-americana de criar um mercado único nas
Américas.
A proposição de mercados globais não
permitiu a também globalização do
mercado de trabalho. Os produtos e serviços transcendem com divisas o que o
homem não pode transpor em fronteiras.
A língua deixa de ser a barreira mais
importante, mas o protecionismo decantado passa a ser a maior arma de quem o
condenou no passado. Os volumes
bilionários despedidos pelas maiores
economias em subsídios à agricultura e à
indústria nacional se tornam a maior barreira de entrada aos produtos provindos das
nações menos favorecidas. A preponderância bélica e econômica dos Estados
Unidos, em atos ditatoriais, faz a designação
de responsáveis em órgãos internacionais,
Meirelles, Roberto Gil Uchoa
interferem nas deliberações políticas do
mundo e questiona a soberania de
governos e países, em nome do combate
ao terrorismo e perseguições políticas.
Nesse contexto, focalizamos o trabalho de
Castells (1999), um dos mais brilhantes
trabalhos de pesquisa sobre o mercado de
trabalho naquele denominado primeiro grupo e os reflexos econômicos e
sociais do que denominou economia
informacional. O seu trabalho baseouse num extenso referencial teórico de
pesquisas registradas em muitas
monografias, modelos de simulação
e estatísticas-padrão, analisando (veja
o quadro a seguir): w
língua deixa de ser a barreira mais importante, mas o protecionismo
R Adecantado
passa a ser a maior arma de quem o condenou no passado.
S E T E M B R O
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2003–REVISTA DA ESPM
91
Transformações no Mercado de Trabalho
v A questão clássica da transformação
secular da estrutura do mercado de trabalho que embasa as teorias do pósindustrialismo, por meio da análise de
sua evolução nos principais países pósindustrializados;
v O surgimento de uma força de trabalho global;
v O impacto específico das novas
tecnologias da informação sobre o processo de trabalho e sobre o mercado de
trabalho, avaliando o temor reinante de
uma sociedade sem empregos;
v Os impactos potenciais da transformação do trabalho e do mercado de trabalho sobre a estrutura social.
Ao final, Castells formula a hipótese alternativa da individualização do trabalho e a fragmentação das sociedades. Sua
observação da evolução do emprego nos
países do G-7 revela alguns aspectos
básicos que, de fato, parecem ser característicos das sociedades informacionais:
v Declínio estável do emprego industrial tradicional;
v Eliminação gradual do emprego rural;
v Aumento dos serviços relacionados
à produção e dos serviços sociais;
v Crescente diversificação das
atividades do setor de serviços como
fontes de emprego;
v Rápida elevação do emprego para
administradores, profissionais especializadas e técnicos;
v A formação de um proletariado “de
escritório”, composto de funcionários
administrativos;
v Relativa estabilidade de uma parcela
substancial do emprego no comércio
varejista;
v Crescimento simultâneo dos níveis
superior e inferior da estrutura
ocupacional;
v A valorização relativa da estrutura
ocupacional ao longo do tempo, com
uma crescente participação das profissões que requerem qualificações mais
especializadas e nível avançado de
instrução em proporção maior que o
aumento das categorias inferiores.
Isso nos leva à conclusão de Castells de
que o impacto de uma estrutura do emprego, de certa forma valorizada, nos países
pós-industriais, sobre a estrutura social
dependerá da capacidade de as instituições incorporarem a demanda no mercado
de trabalho e valorizarem os trabalhadores
na proporção de seus conhecimentos.
5. O EMPREGO
NA ERA DO
CONHECIMENTO
Analisando os fenômenos sociais
e seus reflexos econômicos, numa
1
visão biunívoca, Jones (1975) afirmou que “todo período histórico
parece ter sido associado a um desafio econômico proeminente, que
ultrapassa os limites da discussão
especializada e se torna tema de
interesse público”.
A visão de uma economia baseada no conhecimento, de Stewart
(1998), parece replicar a conclusão de Jones. A teoria do Capital
Intelectual se baseia na conclusão
inequívoca de que o avanço
tecnológico confere um grau de
produtividade nas empresas, relegando a mão-de-obra operária a
uma gradual substituição por inteligência corporativa, onde o que
interessa não é mais o custo agregado do homem ao apertar um parafuso, mas no valor econômico
gerado pela sua inovação e
criatividade. Observamos um
mundo em que cada vez mais o
homem será valorizado pela sua
capacidade de saber usar o conhecimento e a informação.
A conclusão geral de Castells
(1999) de que se observa nos países mais ricos a migração dos empregos do setor industrial para o
de serviços parece encontrar respaldo nas assertivas de Stewart.
A diferenciação é essencial para a
compreensão. A comunicação é o
meio. A informação é o conjunto
de dados que navega pelo mundo.
A tecnologia da informação é a fer-
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Durval
ramenta capaz de tornar a informação utilizável. Mas o conhecimento do homem é que faz a diferença na geração de valor
econômico.
O conhecimento depende da cultura do indivíduo. A cultura leva à
inovação que, por seu turno, leva
à criatividade. A capacidade do Ser
de criar que o difere na sociedade
do conhecimento. Somente com
tecnologias de ponta que são ge-
radas a partir do conhecimento
humano que se conquistam novas
tecnologias, novas patentes, que
vão gerar renda. Uma política de
incentivo ao desenvolvimento
tecnológico seria um oportuno diferencial para alavancar o desenvolvimento econômico de uma
nação. Isso se mostrou eficaz no
passado com as maiores economias pós-industriais do planeta.
Não parece ser diferente para o
Brasil.
Meirelles, Roberto Gil Uchoa
Cabe também aos agentes econômicos (empresas) perceberem as
sinalizações que esse âmbito parece oferecer. Num exemplo mais recente, o governo brasileiro editou a
Medida Provisória n.º 66, em setembro de 2002, criando um incentivo
fiscal para a criação de patentes na
tecnologia. A perfeita conciliação
de capital e conhecimento pode
fazer o grande diferencial para o
país nos próximos anos. Basta saber aproveitar. w
l O homem será valorizado pela sua capacidade de saber usar o conhecimento e a informação.
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93
Transformações no Mercado de Trabalho
6.
CONCLUSÃO
Polanyi (1999) destacou, em sua
clássica obra, que a “insensibilidade e ganância dos capitalistas em
busca de lucro poderia levar a uma
grande devastação social e a um
sistema incontrolável, a economia
de mercado”.
A contradição reside no fato de que
a hegemonia de mercado e suas
exigências atingiu um nível de tal
intensidade, que se trata de uma sociedade que substituiu a explora-
ção pela exclusão, contribuindo para
que em diversas economias os ciclos
de declínio econômico se intensificassem. Em resposta a isso, surgiram
novos movimentos sociais, que, apesar de tratarem mais de autogestão e
democracia interna do que a antiga
luta pela tomada do poder, verificase, em casos mais complexos, que
em alguns países o poder do Estado
com relação à segurança de seus
2
cidadãos já esteja em cheque.
De certa forma, o que encontramos
na sociedade liberal atual é a de-
composição da ação coletiva que
não é mais capaz de contestar a
apropriação privada dos meios de
produção e refugia-se cada vez
mais no consumismo fácil e
incontrolável da economia de mercado. Na verdade, a visão liberal
ignora os excluídos do processo,
mostrando claramente uma visão
míope de desenvolvimento.
Em contraposição a essa doutrina
liberal, a visão de Sen (1999) sugere um desenvolvimento econômico
mais amplo e com mais liberdade.
(1999) também chama atenção para a possibilidade de uma exclusão não só de pessoas e empresas,
l Castells
mas até de países, caso não consigam se plugar ao sistema global que chama de sociedade de rede.
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Durval
Enfoca que o apoio a políticas públicas que invistam na formação
das gerações futuras, no sentido
de dar-lhes capacidade de ter uma
vida mais digna, assim como
possam interferir e se vincular
mais adequadamente aos aspectos econômicos, sociais e
políticos.
De outra forma, Castells (1999)
também chama atenção para a
possibilidade de uma exclusão
não só de pessoas e empresas,
mas até de países, caso não consigam se plugar ao sistema global que chama de sociedade de
rede. O autor enfoca que as economias modernas devem construir
ou acumular competências competitivas, tais como:
v capacidade tecnológica;
v investimentos em P&D;
v investimentos em capital humano;
petitivas”. Para ele, a diferença de
sucesso entre as economias estaria na maior ou menor defasagem
entre a descoberta, transferência e
absorção das novas tecnologias por
empresas e pessoas, tendo reservado
para o Estado um papel relevante,
como coordenador dessa tarefa.
Assim sendo, as economias men o s d e s e n vo l v i d a s p o d e r i a m
adotar estratégias para se tornar e m m a i s c o m p e t i t iva s n e s t e
mundo pós-moderno, investindo
em setores e áreas que poderiam
contribuir para torná-las mais
competitivas em âmbito internacional. A lógica de mercado parece perder força neste momento
de grandes preocupações econômicas, políticas e sociais. Será
que surgirá uma nova lógica, uma
nova parceria entre setor privado,
público e a sociedade em geral?
O papel do Estado será revitalizado? Surgirão novas formas de
organização para suprir as falhas
existentes neste modelo liberal?
v acesso ao mercado internacional; e
v instituições privadas e públicas fortes.
Segundo o autor “a busca pela
produtividade e competitividade
e lucratividade deveriam criar
condições para economias cooperarem mais e se tornarem complementares e não puramente com-
Na verdade, o que todos esperam
é que surja uma nova via, senão for
3
apelidada de “terceira via” que sirva para uma nova discussão sobre
as conseqüências desse processo
esquizofrênico modernizante, especialmente sobre o mercado de
trabalho, cujas transformações vêm
massacrando sociedades em todo
o mundo. ESPM
Meirelles, Roberto Gil Uchoa
BIBLIOGRAFIA
BECK, U, GIDDENS, A e LASH, S. Modernização Reflexiva: Política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo, Ed. Unesp, 1997.
CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia,
Sociedade e Cultura. A Sociedade Em Rede. 5a Edição,
São Paulo, Paz e Terra, 1999.
CHOMSKY, Noan. O Lucro ou as Empresas? – O
Neoliberalismo e a Ordem Global. Rio de Janeiro,
Bertrand, 2002.
FURTADO, Celso. Introdução ao Desenvolvimento. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 2000.
GIDDENS, Anthony. A terceira via. Rio de Janeiro,
Record, 1999.
GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole – O que a
globalização está fazendo de nós. Rio de Janeiro,
Record, 2000.
GONÇALVES, Reinaldo. Vagão Descarrilhado – O Brasil e o futuro da economia global. Rio de Janeiro,
Record, 2002.
JOHNSON, Steven. Cultura da Interface. Rio de Janeiro,
Jorge Zahar, 2001.
JONES, Hywel G. An Instroduction to modern theories
of economic growth. Londres, Thomas Nelson, 1975.
POLANYI, K. A Grande Transformação. As origens de
nossa época . Rio de Janeiro, Campus, 1999.
ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. São
Paulo, Atlas, 1997.
SEN, A . Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo,
Companhia das Letras, 1999.
STEWART, Thomas A. Capital Intelectual – A nova vantagem competitiva das empresas. Rio de Janeiro,
Campus, 1998.
AUTORES
DURVAL MEIRELLES
Mestre e Doutorando; Professor do Mestrado de Administração e Desenvolvimento Econômico e chefe de departamento
da Faculdade de Economia, na Universidade Estácio de Sá.
ROBERTO GIL UCHOA
1 Citado por Rossetti (1997).
2 Em alguns países nota-se a divisão do poder por grupos de revolucionários, paramilitares ou do tráfico.
3 Título dado por Antony Giddens em sua obra A terceira Via. Rio de Janeiro: Record, 1999.
Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da
ESPM e da PUC, mestrando da Universidade Estácio de Sá e
diretor de consultoria.
Fotos desta matéria: Corbis/Stock Photos
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Mesa-Redonda
MESA-REDONDA COM
ESPECIALISTAS
DE VENDAS
Fotos: Júnior de Oliveira
PARTICIPANTES
CLAUDIO CORACINI
Diretor de Unidade de Negócios
Eli Lilly do Brasil
ouve época em que o
gerente de vendas reportava-se diretamente ao
principal executivo da
empresa. A estratégia
de vendas era a essência da estratégia comercial da empresa.
H
Mais tarde, o marketing assumiu o papel
dominante. O planejamento estratégico tinha respostas para todas as
questões e as vendas se tornaram
uma mera conseqüência. O
planejamento estratégico “voltado
para o mercado” entrou na sala de
reuniões do board, aparentemente
para ficar.
EDUARDO FRANÇA
Diretor Nacional de Auto-Serviço
AmBev
FLAVIO LUIZ RICHIERI
Strategy & Solutions Dev. Director
SSA Global
JOSÉ LUIZ TEJON MEGIDO
Diretor Geral
OESP Mídia
Hoje, já se fala do retorno da primazia das vendas, sob uma forma nova:
a administração do relacionamento
com o cliente.
MARCOS HENRIQUE
NOGUEIRA COBRA
Professor
Fundação Getulio Vargas
As atividades de distribuição adquiriram
uma enorme complexidade. As grandes
redes de varejo passaram a “dar as cartas”
na relação com os produtores, a tal ponto
que o presidente da FIESP já pediu publi-
RENATO LABBATE
Gerente de Novos Negócios
Datasul
J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO
Moderador
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camente que os varejistas busquem a conciliação. E nas vendas B2B estão surgindo
parcerias estratégicas que envolvem os primeiros escalões das empresas.
Por outro lado, são generalizadas as
queixas contra o atendimento dado aos
clientes, em todos os setores. As pessoas se queixam de maus serviços, pouca atenção dos vendedores e pouco respeito ao cliente. Pode-se ainda especular que a atual crise de mercado poderia ser atenuada se os vendedores fossem mais eficientes. Não haverá aí uma
contradição entre a importância que as
vendas assumem hoje e o fraco desempenho de muitas equipes de vendas?
Enfim, o que se coloca em discussão é
não apenas o ressurgimento do gerente
de vendas como fator-chave do negócio,
mas também as características que o trabalho de vendas assume hoje – o que já é
bem feito e o que precisa melhorar.
Chamamos seis grandes especialistas
no assunto – profissionais e professores
– e a questão foi-lhes colocada na
nossa mesa-redonda.
•
JOSÉ LUIZ
TEJON MEGIDO
Diretor Geral
OESP Mídia
J. ROBERTO
WHITAKER PENTEADO
Moderador
RENATO LABBATE
Gerente de Novos
Negócios Datasul
FLAVIO LUIZ RICHIERI
Strategy & Solutions
Dev. Director SSA
Global
EDUARDO FRANÇA
Diretor Nacional
de Auto Serviços
AmBev
CLAUDIO CORACINI
Diretor de Unidade
de Negócios
Eli Lilly do Brasil
MARCOS HENRIQUE
NOGUEIRA COBRA
Professor
Fundação Getulio
Vargas
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Mesa-Redonda
JRWP – Já não se fazem mais vendedores como antigamente?
MARCOS – A idéia que se tem é de que
o vendedor, no passado – há 20, 30 anos
–, nascia feito. Ou ele nascia para ser
vendedor, ou não havia possibilidade de
ser vendedor. Se tem talento, será
vendedor. Se não tem, não será.
JRWP – Mas há 20, 30 anos havia coisas
bem definidas chamadas vendas, departamento de vendas, gerente de vendas...
MARCOS – E o talento para ser vendedor, que era o exigido para trabalhar em
vendas. Há uma coisa interessante, na
realidade brasileira. Somos precon-
não dava para isso podia ser vendedor, se tivesse a habilidade de que o
Marcos falou.
JRWP – Mas a idéia dessa mesa é de que
a crise pela qual estamos passando – mais
uma vez – pudesse ser, de alguma forma, resolvida, ou atenuada, por uma
maior eficácia na área de vendas.
CLAUDIO – Talvez a culpa tenha sido
da própria empresa ou empresas, que
formaram esse tipo de vendedor. Quando falamos que a pessoa tinha talento
para ser vendedor, na realidade, era isso
que as empresas procuravam: alguém
que fosse agressivo, que colocasse o pé
na porta, para vender o aspirador
“SOMOS PRECONCEITUOSOS EM RELAÇÃO AO VENDEDOR.
ATÉ COMO RESQUÍCIOS DA IDADE MÉDIA.”
ceituosos em relação ao vendedor. Até
como resquícios da Idade Média em que
o ato de vender era pecaminoso, colocado à margem dos burgos das cidades.
As feiras ficavam fora das cidades.
RENATO – O Marcos usou a expressão
“ter talento para a área de vendas”... Não
parece contraditório? Quer dizer, se tinha talento, ia ser um vendedor. Mas,
até hoje, a figura do vendedor é ligeiramente pejorativa. Tem-se a idéia de que
se é um vendedor, provavelmente, vai te
enganar, levar na conversa...
MARCOS – Havia a contrapartida: o
sujeito que não deu para ser nada na
vida foi ser vendedor. Tentou tudo, não
conseguiu, então, ia ser vendedor.
EDUARDO – Quando eu era criança,
uma boa formação significava ser advogado, engenheiro ou médico. Quem
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Electrolux. Acho que as próprias empresas cultivavam isso. Costumo brincar com
meu pessoal, dizendo que a área de vendas é como a ala das baianas, nas escolas de samba. Ninguém gosta muito, mas
todos sabem que precisam daquilo para
ter nota na classificação geral. Então, a
área de vendas não se tornou muito especializada nem muito profissional, devido à má conduta administrativa das empresas. Tentando responder à pergunta
do J. Roberto , quando há uma crise, ela
tem dois lados: por um, você quer
profissionalizar e, por outro, estabelecemse targets de vendas muito altos. Fica-se
no meio-termo. Tenta-se profissionalizar
e, no final, acaba-se pedindo para o cara
enfiar o pé na porta. Concordo com o
que o Marcos disse, mas não acho que
foi há 20, 30 anos. Ainda hoje, há empresas que adotam esse tipo de sistema.
FLAVIO – Acho que o termo vender ain-
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da está ligado a essa imagem de uma
relação onde um ganha, outro perde. E
o consumidor, naquela época, sempre
acabava perdendo. Mas esse modelo de
vendas – talvez com exceções, no mercado de massa – mas no tipo de empresa e de vendas que estou acostumado a
lidar – o mercado Business to Business –
não existe mais. Isso não significa que
não precisemos de um novo modelo de
vendas. Hoje, o mercado apresenta um
nível de rotatividade de profissionais
muito alto e – para mim – é porque
estamos tentando praticar um modelo
antigo, face a uma situação nova. Em
outras palavras, precisamos construir
um relacionamento mais no modelo
de “farmer” do que de “hunter”, construir ligações de longo prazo, entender
realmente a necessidade do cliente
para construir algo que seja mutuamente benéfico.
TEJON – Na maioria das empresas, as
áreas de vendas hoje estão muito burocratizadas e a serviços da TI ,tecnologia,
informática, a serviços de marketing.
Então, grande parte do tempo dos vendedores é usada para preenchimento de
relatórios. Em Key Accounts, por exemplo, talvez 50% do tempo é usado para
levantamentos e contagens de estoques.
Se, no passado, havia, realmente, a pressão do vendedor, o vendedor era a pessoa importante, mas hoje, esta inteligência de vendas perdeu-se, ficamos numa
inteligência de marketing – e vendas estupidamente a serviço disso. Sinto que
vai haver a convergência dos mundos:
marketing pode ser a solução empresarial, mas vendas é a solução interpessoal.
Vendedores não são só os caras que têm
um cartão de visita de vendedor. Hoje,
quem não vende alguma coisa para
alguém está perdido. Se você não vender uma idéia para o seu filho, o traficante vai vender. Estamos todos num
negócio de vendas: nossa sociedade é
mais de vendedores do que de consumidores, embora não percebamos isso.
Então, vendas é o “ressurgimento das soluções interpessoais”.
JRWP – Houve uma época em que
dizíamos: “Eu trabalho em marketing”.
E as pessoas perguntavam: “O que é
isso? É vendas?”
EDUARDO – O fato é que não podemos marginalizar o vendedor. Trabalhei
a minha vida toda em vendas, estou na
AmBev há 12 anos, sempre na área comercial e orgulho-me de ser vendedor.
Foi o que me impulsionou para fazer a
carreira, chegar onde cheguei e crescer
na empresa aonde trabalho. Ao longo
do tempo houve uma profissionalização.
Os relatórios têm de ser feitos. Claro, vendedor vive de vender, e não de preencher
relatório. Mas antes era só a coisa
“NA MAIORIA DAS EMPRESAS, AS ÁREAS DE VENDAS
HOJE ESTÃO MUITO BUROCRATIZADAS.”
interpessoal. Talvez o vendedor tenha ficado um pouco mais marginalizado no
passado. Hoje não. Hoje, a maior dificuldade da minha empresa é conseguir
grandes vendedores para trabalhar
conosco: pessoas que entendam, que
sejam capazes de interagir, de solucionar os problemas, de enxergar onde está
uma oportunidade e trabalhar em conjunto – ser o farmer, construir e não o
caçador. Tem que ter o espírito caçador
mas ir construindo as coisas. E é o
marketing que concilia tudo, o marketing
é a estratégia, é o caminho. Mas vendas
é o ponto de intersecção com o mercado, o termômetro, é quem sabe o que
está acontecendo. Há que saber medir
isso para poder ajustar a estratégia de
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marketing. O marketing que não usa
vendas como termômetro do mercado,
ou a TI que não usa está perdendo tempo, não está aproveitando o que deveria. Vendas é o ponto crítico, e você vai
sentindo que caminho tem que dar ao
seu negócio.
MARCOS – É a linha avançada. Queria
retomar a questão das três profissões: o
advogado, o engenheiro e o médico. O
vendedor foi uma evolução do advogado, pela facilidade de expressão, mas não
tinha titulação e acabava sendo vendedor. E na área médica, sempre existiu
restrição ética. Fazer marketing, vendas
era visto com certo pudor. Houve época
em que engenheiros viraram suco, ou
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quibe. Não havia mais espaço para trabalhar e foram trabalhar em vendas. A
Esso, a Shell só recrutavam engenheiros, porque era uma formação cartesiana,
de análise, interpretação de dados etc.
Esse pessoal, quando migrou para a área
de vendas, lançou as bases para o
marketing porque era um pessoal que
pensava quantitativamente, analisava
metas, potencial de mercado,e não ficava só no relacionamento. Temos uma
“escola” de vendas – que o Tejon herdou das listas telefônicas brasileiras. Essa
foi uma das nossas primeiras escolas de
vendas, com treinamento e investimento. Dói um pouco ver como se perdem
vendas, por não se saber vender. Hoje,
fui receber um PTA para viajar para a
Colômbia e fiquei uma hora e meia no
quiosque do Shopping Ibirapuera de pé.
A moça dizia: “Pelo PTA, o Sr. tem que
pagar uma diferença em dólar para poder fazer o up-grade com os seus pontos
do Smile”. E eu: está aqui o e-mail, eles
pagaram a diferença, está claro; mas ela
não sabia ler em espanhol. O que se nota
é que um atendente é vendedor, mas ele
não quer ser vendedor. Ele diz a si próprio: “Sou emissor de bilhete, não sou
vendedor”. E outro: “Sou um técnico que
vende sistemas, mas não estou vendendo, estou ajudando o cliente a comprar”.
Crêem que são consultores...
JRWP – Você tocou num ponto interessante. PTA significa que alguém mandou
essa passagem para você e pagou por
ela. Onde está – exatamente – a venda?
Uma empresa da Colômbia adquiriu
uma passagem, para você ir para lá.Você
foi ao balcão, pegar a sua passagem, foi
recebido por uma atendente que não considera que está fazendo uma venda. Ao
mesmo tempo, tem um cartão Smile, que
foi uma promoção de vendas, feita há
muito tempo, para que você se tornasse
um cliente fiel da Varig. Nessa complexidade, onde é que se localiza a venda?
MARCOS – A venda ocorreria na entrega do bilhete. Mas a moça não entendeu assim e apenas fez a entrega do bilhete. Acabei ficando feliz de receber o
bilhete e não ter de pagar nada. Mas eu
queria ir de Bogotá para St. Andreas e
não fiquei sabendo, porque ela não agiu
como vendedora.
“ELE MENTE, CONTA HISTÓRIA, INVENTA, DIZ QUE A ENCICLOPÉDIA TEM TUDO...”
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JRWP – A distribuição adquiriu uma
enorme complexidade . Eu costumava
usar o exemplo da enciclopédia, para
mostrar aos alunos como é que se podia
vender um produto absurdo. Porque,
objetivamente, ninguém precisava realmente de uma enciclopédia, em termos
de desejos e necessidades...
TEJON – O Brasil é um país de vendedores. É o terceiro maior mercado do
mundo em vendas diretas. Para a Avon,
é o número 1. O primeiro mercado é os
Estados Unidos, o segundo o Japão e o
terceiro o Brasil, no total de vendas diretas.
É uma atividade crescente. Até porque,
com a concentração de canais de vendas, torna-se mais difícil o relacionamento. O poder de barganha com o intermediário cresce. Como é que você analisa
o que vendas é? Alguém poderia concluir que vendas seria de menor importância. A mulher que vende Avon não é
mais uma vendedora Avon, mas alguém
que lida com a evolução da auto-estima
de quem ela visita.
MARCOS – Tornou-se confidente. O
papel da vendedora Avon é importante,
porque ocupou o espaço da assistente
social, do padre. O vendedor do passado
tinha o forte na habilidade de argumentação, negociação. Lembro-me do caso de
um vendedor, no Rio Grande do Sul, que
passou um mês, visitando cliente e quando chegou, perguntei: como foram as
vendas? E ele: “Oh! Chê! Era para vender?”
Aí entramos na era da motivação – programas de treinamento para fazer a cabeça
do vendedor –, e agora estamos começando a encaixotar conhecimento na cabeça do vendedor. Chega uma hora em
que ele não sabe o que fazer com tantas
ferramentas – e vem a questão da inteligência emocional. Como você lida com
os medos dele, com a baixa auto-estima?
Desde a figura do Zé Ninguém, no Brasil
– que era a mistura da índia com o
português. Não era índio, não era português; era o Zé Ninguém. Então, essa baixa
auto-estima apareceu na área de vendas,
porque o pessoal não tinha bons conhecimentos. Para evitar a baixa auto-estima,
pegavam vendedores engenheiros porque
já vinham com uma das três melhores profissões no Brasil. E o que fazer para combinar isso tudo e gerar competência? O
que você encontra? Profissionais
desajustados porque não existe escola de
vendas. É a escola da vida. Falta competência porque a mistura de conhecimento, de atitude e inteligência não moldou
o profissional que as empresas esperam.
E elas esperam um profissional que venha
pronto. É como buscar um recém-forma-
RENATO – Esse cara é um entregador de
mercadorias. “Quanto vai aí?” “Vai tanto.” Ele despeja na porta e vai embora.
MARCOS – Apenas para lembrar ao
cliente que o produto dele existe.
TEJON – Mas é o elo para o pequeno
varejista que, muitas vezes, precisa dele
para resolver problemas, conseguir algumas coisas nas AmBevs da vida. Essa
pessoa tem grande importância.
EDUARDO – Concordo e discordo. Não
se pode separar os tipos de vendedores
dos tipos de vendas. Quando se fala de
enciclopédia e outros itens similares, ele
não espera vender duas ou três. É um
“NÃO EXISTEM NEGÓCIOS DE EMPRESAS VENDENDO
PARA EMPRESAS. EXISTEM NEGÓCIOS DE PESSOAS
VENDENDO PARA OUTRAS PESSOAS.”
do na ESPM que já tenha condições de
assumir uma posição de supervisão ou
gerência, sem nunca ter tido a experiência de campo. Mas é no campo que se
aprende onde estão os problemas. O vendedor da Sadia faz cem visitas por dia.
Na AmBev são quantas?
EDUARDO – 45 por dia.
JRWP – Você disse cem visitas?
EDUARDO –Visitas de venda. Ele visita e
vende em cem pontos-de-venda por dia.
JRWP – Como alguém pode fazer cem
visitas por dia? Mesmo quarenta, já me
parece de bom tamanho.
MARCOS – São muitos pontos-devenda, padaria e barzinhos. Dá cem visitas por dia.
S E T E M B R O
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contato único. Ele mente, conta história,
inventa, diz que a enciclopédia tem tudo e
mais alguma coisa porque não vai vender
outra para a mesma pessoa. Trata-se de
um tipo de vendedor com habilidade
pessoal, para agradar alguém num primeiro contato. Mas quando se trata de um tipo
de venda como a que a gente faz, por exemplo, na AmBev, em que se repetem as vendas, está todo dia no ponto-de-venda – visitamos, por mês, aproximadamente 800
mil pontos-de-venda –, aí você precisa
construir um relacionamento. Não se trata
de pegar o profissional pronto, mas alguém
que está se formando, a quem possamos
ensinar o processo de vendas. Os sistemas
de vendas e os palm top são para dar
suporte ao vendedor. Quando um
vendedor nosso saí à rua, ele leva um
minicomputador e já tem uma proposta
de venda. Os sistemas ou a TI têm uma
função diferente.Têm que sugerir uma pro-
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2003–REVISTA DA ESPM
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posta de venda, qual o mix adequado para
aquele ponto-de-venda, em função da sua
categoria como varejo. Se visita uma padaria, tem um código e por esse código ele
sabe que aquele ponto-de-venda é uma padaria, um restaurante. Já sugere um pedido
adequado à categoria de que aquele cliente faz parte, o mix de produtos que melhor
atende àquela categoria. Quando você
pega gente nova, que se formou e tem
oportunidade de trazer para dentro da
sua empresa pessoas que não têm vícios
e estão abertas a entender este algoritmo
de vendas, que faz parte do seu negócio,
eles se tornam ótimos profissionais. E aí,
pessoas normais fazem coisas anormais.
renta visitas por dia já é puxado, e eu
falei em cem.
JRWP – O presidente de uma grande
empresa, conversando com o Gracioso,
disse a ele: “Quem visita o Pão de Açúcar sou eu”. Como vocês vêem isso, em
termos de administração de relacionamento?
RENATO – Não sei se os colegas vão
concordar – mas acho que não existem
negócios de empresas vendendo para
empresas. Existem, sim, negócios de pessoas vendendo para outras pessoas. É que
aí entra essa característica do relaciona-
“ISSO É COM A ÁREA DE VENDAS. O MEU TRABALHO
É EMITIR O BILHETE, ENTREGAR A MERCADORIA.”
102
JRWP – Foi o Theodore Levitt que escreveu há uns vinte anos: “Vender ou administrar o relacionamento” num artigo na
Harvard Business Rewiev. Foi quando
ocorreu a transição da venda para administração do relacionamento...
mento. É lógico que por trás existe o meu
sobrenome profissional, que dá valia a
tudo o que eu falo. A minha percepção é
de que quanto maiores os negócios, mais
conta o relacionamento na hora do fechamento.
MARCOS – Quando se vende uma vez,
esse consumidor ainda não é cliente;
é cliente só quando compra repetidamente. Mas o ponto importante, que
você abordou, é a juventude, são os
neurônios. Lembro-me de uma ocasião, em Nova Iorque, visitando o
Salomon Brothers e me mostravam:
“Aquele fulano é o Michael e ganha
um milhão de dólares por ano. O que
está ao lado – o Jackson – recebe cinco
milhões de dólares”. E qual a média
de idade de seu pessoal? “Vinte e dois,
vinte e três. Depois dos vinte e três, mandamos embora, porque já não têm mais
neurônios para trabalhar aqui”. É importante a juventude – o preparo físico. Qua-
TEJON – A grande mudança é que o presidente da Danone trata com o presidente do Carrefour. Antigamente, os presidentes viviam em elevadores particulares, ninguém falava com eles, e eram
pessoas difíceis de falar com alguém.
Hoje, nesse mundo da globalização, os
negócios das companhias multinacionais
são realizados pelos presidentes; eles têm
que ser o vendedor número 1 de suas
empresas. Então, têm que ter empatia,
carisma que antigamente não precisava.
Além de saber coordenar a grande negociação, ele precisa ir para frente de
uma televisão e falar em nome da empresa dele sobre qualquer assunto. Mudou espetacularmente o conceito do que
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é ser um vendedor. Você tem desde a
dona-de-casa, que vende Natura até o
presidente de uma corporação que tem
que ser seu vendedor número 1. Mesmo
o pequeno e médio empresários têm de
assumir para si essa responsabilidade pelo
próprio negócio.
CLAUDIO – Concordo que o presidente tem que ser o maior vendedor de seus
produtos, mas ele não pode chamar para
si toda a responsabilidade de vendas,
porque é o presidente. Ele não pode ser
melhor do que a força de vendas. Senão
todos vão ganhar o seu salário sem fazer
força, deixar isso para o presidente. Hoje,
a força de vendas precisa de um processo. E há processos diferentes para produtos diferentes. O vendedor tem que ter
selling skills, conhecimento do produto,
relacionamento pessoal, tem que entender de marketing, de tecnologia.
RENATO – Infelizmente, o vendedor ainda continua sendo medido por vendas e
não por relacionamento.
CLAUDIO – Mas se você não tiver um
relacionamento, não terá a venda. Voltando ao exemplo do Marcos, que ficou
uma hora e meia de pé. O marketing
descobre as oportunidades de venda.
Nesse caso, teria descoberto uma oportunidade de venda no uso do PTA, por
e-mail etc. Mas a seqüência do relacionamento ficou perdida. Hoje em dia, a
venda não pode ser relegada apenas a
um plano de vendas.Tem que haver processos claros. Não basta decidir: “Sou o
presidente da empresa, vou lá e vendo”.
EDUARDO – Mais uma vez, acho que
é uma questão de processo. É importante que o presidente vá. Mas ele não
pode ir esporadicamente, sem preparação ou sem ter uma rotina que acompanhe. Tem que haver encontros, reu-
niões onde o presidente do Carrefour
se encontre com o presidente da
Danone ou da AmBev. Mas uma coisa
preparada com acompanhamento de
resultado, para que ele possa realmente contribuir naquela negociação. Os níveis realmente diminuíram. Na minha
antiga empresa – a Brahma – o presidente tinha um refeitório, um elevador
exclusivo, um motorista. Mas vão-se encurtando os níveis, para diminuir custos
porque essa é a nova realidade – viver
de resultados. Você pode fazer o melhor
negócio do mundo, mas se a margem
não for positiva, você vai quebrar. O
presidente precisa ir num momento
solene, em que os presidentes se reúnem.
Na nossa empresa, chamamos de top to
top – ouvir, discutir, fazer com que
andem os negócios entre as duas
empresas. Não existe um relacionamento da AmBev com o Pão de Açúcar.
Essas identidades não se comunicam;
as pessoas é que fazem isso.
JRWP – Vamos falar um pouco de administração do relacionamento a partir
do database. Lembram do Frank Bettger,
que escreveu livros sobre “Como vender mais”? Lembro-me de uma coisa
que ele dizia, que foi organizando a vida
dele, de tal forma, que conseguia fazer
as vendas de cinco dias em quatro, e a
sexta-feira ele dedicava ao planejamento das vendas da semana seguinte. Ao fazer isso, as vendas da semana
seguinte eram muito melhores e, assim,
ele tinha mais tempo. Isso é o precursor
do database. O Eduardo falou em 800
mil clientes. Não há equipe de vendas,
hoje, que consiga memorizar 800 mil
clientes. Outras têm milhões. Como é
que funciona isso?
FLAVIO – Ouvindo vocês, ficou claro
que temos uma crise de identidade. Dissemos que vendedor é um visitador, um
cara que cuida do relacionamento. No
passado, era quem fechava a venda...
Mas tudo isso é uma mistura do que
está acontecendo e essa questão de
tecnologia – marketing 1 para 1,
database marketing – complica ainda
mais as coisas. No passado era mais fá-
•
“O PRESIDENTE TEM QUE SER O MAIOR VENDEDOR DE SEUS PRODUTOS.”
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“VENDAS É O PONTO DE INTERSECÇÃO COM O MERCADO, O TERMÔMETRO.”
cil, porque a criação da demanda era
responsabilidade dele e, num certo momento, virou marketing. Mas já temos
uma geração de vendedores que viveram numa época em que não precisava
gerar demanda. Esse é primeiro ponto
de ruptura. Hoje, você tem, novamente, de gerar demanda, através do relacionamento e entender as necessidades. A tecnologia entra aí – usar o
database para aplicar a mesma dinâmica do marketing de massa, mas de
uma forma individual e sem saber
exatamente de que maneira. Você tenta se relacionar com o cliente, mas não
sabe se ele quer se relacionar, nem de
que forma, de que maneira.
JRWP – O Carlos Salles, ex-presidente
da Xerox, mandou uma carta para a
Revista dizendo: “O pessoal da indústria
automobilística está reclamando que os
carros estão no pátio e, no entanto, eu,
com sessenta e poucos anos, já comprei
mais de 30 automóveis durante a minha
vida inteira, e ninguém nunca veio me
vender um automóvel”. Ele fazia uma
crítica à competência de vendas da indústria automobilística.
FLAVIO – A Peugeot tentou uma inici-
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ativa diferente: criaram um site onde,
teoricamente, eu me registro, entro
com os dados do meu carro e eles projetam a quilometragem, avisam-me de
revisões etc. Mas eles não me perguntaram se eu tenho tempo para isso, e
se quero visitar o site. O meio não está
definido, a forma não está definida e o
novo papel do profissional de vendas
também não. Não adianta nada agendar
a revisão do meu carro, de que fui informado proativamente pelo site, se chego
lá e o atendente vai dizer: “A oficina está
cheia. O Sr. não quer voltar amanhã?”
RENATO – Não há uma percepção clara
do que, de fato, gera valor para o cliente.
No caso do Marcos, é uma entrega bem
feita da passagem aérea, um bom atendimento. No caso do Flavio, um preço mais
adequado e não um site na Internet. Acho
que o que vemos são as empresas ainda
voltadas a características do produto.
MARCOS – Com toda essa complexidade de uma cadeia de distribuição, na área de serviços, no ato de
vender não está claro de quem é a
responsabilidade porque, na verdade, todos são vendedores. Foi lembrado o caso de revenda de automó-
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veis. É dos mais críticos. Recebi uma
ligação depois de ter feito a revisão
dos 30 mil km do meu Honda, e perguntaram: “Foi bem atendido?” Eu
disse: Está tudo bem, mas a luz do
freio acende sem mais nem menos.
“Ah! Então vamos agendar. Que dia
o Sr. pode vir? Podemos marcar na
terça-feira às 9?” Eu disse tudo bem.
Quando cheguei, o recepcionista me
informou que havia três pessoas na
minha frente e eu deveria aguardar.
O grande problema é que as pessoas
que estão ao longo do processo – na
cadeia distributiva – fazem um trabalho de vendas, que não é reconhecido como tal, não é valorizado, não
é remunerado. O que acaba acontecendo é que as pessoas se eximem
de responsabilidade, ao longo da cadeia, e a venda se torna inadequada.
RENATO – E temos diferenciais de
produtos – produtos habituais, produtos não habituais – mas, na verdade,
o ato de vender é um processo
contínuo.
JRWP – Vocês estão colocando o dedo no
problema: na complexidade do mundo
atual, onde exatamente se localiza a venda?
MARCOS – Todos são vendedores. Essa
é a verdade.
JRWP – Não se pode cair no outro extremo. Quando tudo é urgente, nada é
urgente. Se todo mundo é responsável
por vendas, as pessoas se eximem da
responsabilidade.
MARCOS – Responsabilidade você
não delega; você delega autoridade.
O que acaba acontecendo é que as
pessoas confundem. Ele é diretor, ele
é responsável. Ele pode ter delegado
autoridade para o assistente dele, mas
a responsabilidade é dele. Então, o
processo de vendas tem um encadeamento até chegar na entrega. Todos
têm responsabilidades dentro do processo. O que acontece na sociedade
brasileira é que as pessoas se eximem. Volto ao que disse no início.
As pessoas têm uma baixa autoestima, acham que vendas é uma
coisa menor. Elas tendem a dizer:
“Não sou vendedor. Isso é com a área
de vendas. O meu trabalho é emitir
o bilhete, entregar a mercadoria”. O
entregador é um vendedor, o assistente técnico é um vendedor. Quando você chama alguém na sua casa
para consertar a sua televisão, ele é
o maior vendedor de uma nova televisão. Mas isso não está sendo percebido, falta treinamento, falta criar
nas pessoas objeto de desejo. Queria dizer o seguinte: não existe acordo entre instituições; existe acordo
entre pessoas. Quem disse isso foi o
Prof. Lion Selling da Pace University
em 85, num seminário sobre o
marketing no Brasil. O que sentimos
é que as pessoas não estão comprometidas com o processo. A responsabilidade da AmBev é só do Eduardo França? A responsabilidade da Eli
Lilly é só do Claudio? Como é que
fica? Acho que o que está faltando é
conscientizar as pessoas de que o ato
de vender, primeiro, não é pecaminoso. Vender não vai ferir ninguém.
Pelo contrário, vai realizar o sonho de
muita gente. Segundo, é uma forma
de a empresa mostrar a sua competência. No Brasil faltam competências
em várias funções. A pessoa vai crescendo na função, mesclando a sua
titulação, mas não faz necessariamente uma carreira dirigida para resultados.
JRWP – Essa é uma ótima dica. Gostaria
de perguntar a cada um de vocês, que
são especialistas de vendas – começando pelo Claudio –, que definisse a
atividade de vendas que você tem dentro da sua empresa, e vou pedir a mesma
coisa a cada um.
CLAUDIO – Regularmente, tenho
contato com os clientes externos. Sou
diretor de marketing e vendas. Então, tenho contatos regulares – seja com parceiros comerciais, seja com médicos, associações. Sou o responsável – ou a autoridade máxima – nessa área, junto com
o cliente. Não procuro fazer o papel do
vendedor em si, mas com certeza tenho
um forte compromisso com a empresa,
de vender a sua marca e sua filosofia.
RENATO – Trabalho na área de novos
negócios da Datasul, especificamente,
comercialização de CRM. Hoje, visitei três
clientes, almocei com um deles, vendendo estratégia de negócio voltada ao uso de
tecnologia na área de CRM. É o que faço
diariamente.Visito principalmente grandes
contas, tentando vender a estratégia que
se chama CRM, gestão de relacionamento,
cliente de maior valor, menor valor. Enfim,
disseminar tudo isso – que não está tão
claro, infelizmente, para todos os empresários – tentando viabilizar negócios.
EDUARDO – Sou diretor de auto-serviço
da AmBev. Isso quer dizer um canal que
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“...ELES NÃO ME PERGUNTARAM SE EU TENHO TEMPO, SE QUERO VISITAR O SITE.”
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vai de um check-out aos grandes
hipermercados no Brasil. Faço fechamentos com esses clientes, com os grandes e
os menores. Determinamos os processos
de vendas, as políticas, as estratégias de
vendas junto com a minha equipe.Temos
uma equipe grande onde trocamos informações e decidimos as estratégias a usar.
Na AmBev definimos as funções das pessoas. A minha é, basicamente, bater metas e formar pessoas, é o objetivo do meu
trabalho. Monto estratégias, defino processo, como o vendedor tem que atuar,
estudo tecnologias novas, que acontecem
fora, para trazer para o nosso negócio. Mas
a função básica é mesmo atingir um resultado, em função do gerente. Diretor
nada mais é do que alguém fazer um
gerenciamento. Coloca-se o nome de
diretor para ficar mais charmoso, talvez
ganhar um pouco mais. Mas o que tenho
de fazer é bater metas e formar pessoas
para garantir o futuro da empresa.
MARCOS – Qual é o seu produto
carro-chefe?
EDUARDO – Skol.
RENATO – O meu é tecnologia para
CRM, automação de força de vendas, database marketing.
CLAUDIO – Produtos farmacêuticos.
Há produtos para osteoporose,
esquizofrenia, antidepressivos.
JRWP – Marcos, não vou eximir
você da responsabilidade de falar da
sua função de venda.
MARCOS – Vocês têm um produto para
vender e nós, como professores, temos
uma coisa muito séria para vender, que
é entusiasmo para o aluno. Vender a ele
a idéia de que o conhecimento é uma
coisa importante. E percebemos, hoje,
que o jovem está bastante alienado, porque não vê horizonte. O tema da última
edição da Revista da ESPM foi empregabilidade. Esse é o grande problema: o
jovem sai da escola e não tem horizonte
para trabalhar. O aluno sai da escola de
propaganda e vai ter que fazer estágio
de graça, porque não encontra trabalho
“VOCÊ TRANSFORMA A COMPANHIA TODA NUMA COMPANHIA DE VENDAS.”
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remunerado. É difícil você – nesse momento em que algumas funções são banalizadas – vender a ele a idéia de que
precisa estudar, precisa fazer a carreira
dele e que vai ter de ser um gerador de
competência, administrar a carreira.
Porque falta ao jovem uma visão do futuro, ele estuda para passar de ano. Compra livro se a prova for com consulta e se
puder levar o livro, e não a cópia. Acaba
acontecendo um desvirtuamento desse
trabalho. Mas o professor tem de ser um
vendedor de idéias, de ilusões. A gente
vende para ele a idéia de que ele vai trabalhar na Eli Lilly, não passar Merthiolate
e assoprar.
JRWP – Flavio, da SSA Global, como é a
sua atividade de vendedor?
FLAVIO – A minha atividade de vendedor se materializa de duas formas. A
primeira: deixe-me citar uma pesquisa
da Booz Allen – hoje entre as mil empresas norte-americanas, mais de 35% da
receita são provenientes de alianças estratégicas. Esse é um dos temas a que
me dedico – alianças estratégicas de
várias formas. Nesse ecossistema, cada
vez mais complicado, trabalhamos com
vendas e você, muitas vezes, tem que
atender e superar as expectativas dos clientes, em todo o seu ciclo de vida. Mas
nem sempre você tem controle direto sobre isso. Muitas vezes, depende de outras
empresas, de outros agentes. Então, isso
é um aspecto que acho importante.Outro
aspecto do meu cargo é o desenvolvimento de soluções. Mas também acho
que “solução” e “parceria” são dois dos
termos mais desgastados dos últimos
anos. Mas é o que acontece, na área das
vendas corporativas, principalmente na
de tecnologia. Essa atividade de vendas
foi tão segmentada. Primeiro, a geração
da demanda está com marketing.
Depois, o processo de convencimento
está com pré-vendas. Então, fomos segmentando. Num determinado momento,
percebemos que não se precisava entender a solução de um cliente específico.
Alguém tem que amarrar e dar uma visão integradora, mais holística. O que,
de certa forma, remete à questão inicial
do vendedor que ia lá, entendia, conversava, escutava e propunha uma solução.
Olhava no olho do cliente. É isso que
estamos fazendo.
JRWP – Tejon, fale da sua atividade na
OESP Mídia.
TEJON – Antes, tenho de falar da minha
atividade de professor. Sou professor da
ESPM há 18 anos e – como disse o Marcos – nós temos, também, uma missão
de vender entusiasmo, procedimentos,
preencher um formulário, mandar um
formulário de cobrança. Elas trabalham
porque estão na missão de ajudar micros,
pequenos e médios empresários a ser
mais bem-sucedidos, no Brasil, que é o
nosso target, o nosso alvo. Nós vendemos anúncios em listas telefônicas, uma
mídia popular, onde 90% da receita são
oriundos de pequenos empresários.
Estamos no negócio de promover os pequenos empresários brasileiros. O maior
inimigo, na área de vendas, costuma estar dentro da própria empresa. A gente
pensa que o inimigo está fora, mas não
está. O maior inimigo costuma ser a nãoarticulação, a não-organização, a nãoorientação de todas as áreas em comum
para o objetivo de vender e de fazer as
vendas seguintes. Nem sempre o número 1 é alguém oriundo de vendas ou de
“COLOCA-SE O NOME DE DIRETOR PARA FICAR
MAIS CHARMOSO, TALVEZ GANHAR UM POUCO MAIS.”
empreendedorismo, iniciativa. Na empresa sou o presidente – dirijo a empresa. É diferente de ser diretor de vendas
ou outro diretor da companhia. Como
primeiro executivo é evidente para mim
que, ou você transforma a companhia
toda numa companhia de vendas, ou não
será apenas a área de vendas que conseguirá chegar aos resultados. Mesmo porque a segunda, a terceira venda, são profundamente dependentes da qualidade
com que o entregador opera, da qualidade com que a cobrança atua – que
costuma ser uma inimiga incessante da
área de vendas. Ou seja, preciso vender
para todo o corpo de colaboradores que
eles têm uma missão de vendas. E uma
missão importante na de pós-venda. É
necessário vender para as pessoas a razão pela qual elas trabalham. Elas não
trabalham para clicar um computador,
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marketing. Ele pode ter vindo de finanças ou de tecnologia. O diretor de vendas moderno precisa ter a consciência
de que tem que vender para dentro. Se
não fizer isso, a desarticulação o quebra.
Agora, a área de vendas existe para vender. É a área compromissada com estimativa. É uma área alucinada e louca
para chegar aos números combinados.
Fora disso, é poesia.
TEJON – J. Roberto, você também tem
que dizer.
JRWP – Vocês, por exemplo, são um ingrediente importante do meu trabalho,
como editor da Revista. Na escola, o professor deve ser um incentivador, usar seu
carisma, estimular o aluno. Mas a instituição tem que responder a uma expectativa dos alunos e de suas famílias, que
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é a de estar sintonizada com a realidade. No Instituto Cultural, estamos gerando conhecimento dentro da ESPM.
Uma escola hoje que não se preocupa
em gerar conhecimento e desenvolvêlo, estará enfraquecendo o seu produto. Mas gostaria de propor, agora, um
olhar para o futuro e em relação aos
jovens que estão estudando, aos nossos
professores. O que podemos fazer para
melhorar essa competência?
FLAVIO – Acho que um ponto importante – que o Tejon mencionou – é que
a venda é fruto de uma série de eventos
em série que são responsabilidades de
agentes não apenas internos, mas externos. Um ecossistema complicado. Acho
processo, que começa desde a compra
da matéria-prima, lá na porta, até a
viabilização e materialização da entrega. E a cobrança, porque se a fatura estiver errada, o cliente fica bravo.
JRWP – Será que não estamos falando
de um mundo ideal onde todos conhecem suas responsabilidades e sabem o
que fazer?
RENATO – Mas há que se buscar a eficiência do processo.
MARCOS – Acho que mudou bastante
o foco do vendedor como tirador de pedidos, no passado. Ela passa a integrar as
funções de marketing, fazendo pesqui-
“NESSE PROCESSO, VOCÊ AINDA ENCONTRA PROFISSIONAIS
QUE NÃO SÃO ORIENTADOS PARA RESULTADOS.”
que o segredo é conseguir enxergar tudo
isso e mobilizar os recursos de forma a
atender e superar a expectativa do cliente em cada uma das etapas. E aí atravessando fronteiras não apenas departamentais mas empresariais. Acho que essa
é a grande habilidade a mobilizar para
que esse processo contínuo ocorra.
RENATO –Vou citar como exemplo, sem
citar o nome da empresa. Até saiu na
Exame uma empresa farmacêutica que
mostra ganhos que teve a partir do instante em que começou a observar o ato
de venda como um processo e confessou publicamente: “O funcionário de
vendas não conhecia o funcionário de
logística que não conhecia o funcionário de cobrança, na mesma empresa”. É
uma multinacional. Mais do que nunca,
mostra, como orientação ao jovem, que
é preciso enxergar o ato de venda de cada
empresa. Isso tem que ser visto como um
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sa, demonstração do produto, ajudando
o cliente a vender, a entender o processo dele. O que vai acontecer, no meu
modo de entender? Se você quer ser presidente da empresa, vai ter de entender
de tudo isso: distribuição, logística, vendas, propaganda, merchandising. Quer
dizer, quando você transforma o vendedor em gerente de contas, ele já é o precursor dessa função. Acho que, dentro
de algum tempo, não teremos mais aquela empresa departamentalizada,
setorizada. Quebraram-se várias barreiras. Não há mais secretária, as estruturas
foram rompidas. Aquela estrutura piramidal deixou de existir. O que mais teremos serão especializações em termos
de mercado, cliente e expectativas de soluções para os clientes. O sujeito vai ter
que entender de logística, de previsão
de vendas, de recursos humanos. Enfim,
muita coisa de que hoje é poupado. A
retaguarda faz esse papel e nem sempre
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faz bem-feito porque não conhece o mercado.Você pega a área de RH, no passado. Era o Genival Paschoal, o chefe
de pessoal. Hoje, você já tem
Genival Paschoal chefe do marketing
interno, endomarketing etc. No fundo, se o cara não entender de negócio, ele que vá ler o Domenico De
Masi e gozar do seu ócio.
TEJON – Na medida em que a empresa
atue como um bloco consciente da responsabilidade do negócio, os clientes
conquistados e existentes, passam a ser
responsabilidade do bloco da empresa.
E a área de vendas clássica seria cada
vez mais uma força voltada à conquista.
Então, a área de vendas, que hoje é responsável por clientes existentes – muitos
Key Accounts –, opera como despachante do vendedor dentro da empresa. É o
grande facilitador, que vai atrás das coisas, para quebrar galhos, fazer o pedido
ser atendido. A evolução seria esse
Customer Relationship Management – a
empresa inteira tomando conta do
patrimônio de clientes existentes – responsável pelos clientes perdidos, diminuição do faturamento. Cuida do
patrimônio atual. E a força de vendas –
essa estará focada na conquista, na
prospecção, em infernizar a vida do concorrente. Isso me lembra uma experiência vivida no lançamento da genética de
frango na Agroceres. Hoje, essa genética
é responsável por 50% do frango que
comemos, no Brasil, e é da Agroceres.
Em 1986 era zero. O negócio B2B puro
é esse: genética. Estava responsável por
essa operação naquela época – e não
sou geneticista. Nas conversas com o
mercado – Perdigão e outros –, descobri
que os donos dessas organizações queriam conversar com o geneticista. A coisa mais importante que poderíamos fazer era trazer o geneticista para conversar com o Brandalise porque ele era o
dono da Perdigão. E quem fazia o pacote do negócio dela era o profissional
da genética. É na genética que nasce a
equação de lucro da Perdigão. É o cara
que faz o modelo do frango. E isso, antes, era importado. Esses modelos de
frango eram feitos lá fora. Não havia
ninguém trabalhando o frango nas condições tropicais. O grande vendedor
da Agroceres foi o geneticista. Ele era
um charmoso profissional de vendas?
Não, era um geneticista. Mas foi o
maior sucesso do mundo.
MARCOS – O grande processo de vendas é vender credibilidade.
JRWP – Parece que constatamos – aqui
na mesa-redonda – uma coisa
interessante, que é identificar onde está
a venda. O processo deve ser analisado
para ressaltar a identificação de pontos
de contato. Portanto, a venda ficou mais
complexa. Mas os cursos profissionais
tratam pouco de vendas...
TEJON – No pós-graduação, temos
planejamento de vendas. Temos
planejamento do negócio em que
uma parte do bimestre é planejamento
do negócio e a segunda parte do
bimestre é planejamento de vendas
para aquele negócio. É uma matéria
do MBA de Vendas.
EDUARDO – A estrutura é matricial e,
hoje em dia, nas empresas, você não é
mais um bloco e tem que se relacionar
como se tivesse vários chefes.Vários
diretores de logística vão lhe solicitar, o
diretor de marketing, diretor de vendas.
Então, a pessoa que vai entrar no mercado de trabalho tem que saber que existe um relacionamento interno no qual
ele tem que contribuir. O pessoal do
financeiro não pode torcer para que
vendas não bata a cota, o resultado, e
dizer: “Esse ano não vai ter convenção. Aquele pessoal de vendas vai se
ferrar. Vamos pagar menos comissão.
Aquela convenção maravilhosa que
custa um milhão de dólares não vai
acontecer”. Ele tem que torcer para
que haja até duas convenções porque
o resultado vai estar melhor. A pessoa
precisa saber que ela interage com
isso, é parte disso.
RENATO – Uma coisa a discutir, quando se fala de processos de vendas:
yw tradi-
“VOCÊ ACHA QUE A VENDA MAIS DIFÍCIL DO MUNDO É VENDER VOCÊ MESMO?”
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“AS EMPRESAS TAMBÉM NÃO ESTÃO FAZENDO AQUILO QUE PRECISAVAM FAZER.”
cionalmente, só o vendedor ganha comissão? E o resto da empresa?
EDUARDO – Isso pode mudar. Deveria
haver comissões para logística e para outras áreas que participam disso, desde que
mudemos o relacionamento. O relacionamento antes era com o vendedor – era
um ponto. Imagine um triângulo, em que
o ponto fosse esse. Mas está mudando e
quando você faz isso, essas outras áreas –
que estão do lado de cá, logística,
marketing – se você conseguir traçar o
target... Porque há metas. Ele não tem que
ganhar comissão só porque o de vendas
ganha. Tem que definir qual é o seu skill,
qual a habilidade. O que o marketing tem
que fazer? Como é que mensuro? Qual é
o ponto-de-venda? É gerar preferência?
Então, se ele consegue levar a preferência
de um produto através de uma campanha, de tanto para tanto, ele pode ter. Se a
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logística consegue melhorar a produtividade... Sempre foi mais fácil traçar a meta
para o vendedor.
JRWP – Qual seria o novo skill de vendas?
O que o novo executivo, o executivo do
futuro precisa ter como skill em vendas?
EDUARDO – Ele tem que entender que
a estrutura é matricial. Não pode se
estressar por ter dois ou três inputs. Tem
que entender que tem que ser participante
em vendas. Não pode ser o jacaré que
fica torcendo para o negócio não dar
certo e tem que brigar pelo direito dele.
Se trabalha em logística, tem que ser auxiliar de compras, tem que se posicionar,
não como vendedor, mas como alguém
que auxilia o cliente a comprar.
FLAVIO – Acho importante essa
multidisciplinaridade, entender de finan-
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ças. Se formos falar de como o vendedor é comissionado, dá para ficarmos
dois dias discutindo porque é por receita e não por lucro. Ele só vai conseguir
agir como um facilitador e um
entregador dos vários processos se tiver
essa visão mais abrangente e a percepção de que a venda é resultado dessa
atuação. Não pode mais ser “meu negócio é vender, faço isso e pronto”.
CLAUDIO – Precisa ser muito analítico.
Saber para quem vai vender. Não é
conquistar market-share a todo custo.
Saber o que vai fazer, quem são os seus
clientes. Porque muito cliente não dá lucro e você tem que saber despedi-lo. Essa
é a verdade. Agora, pergunto: será que
temos uma geração saindo do banco escolar que se adapta a essa nova realidade? Essa é a pergunta e eu diria que
estamos com um problema de mercado.
RENATO – Claudio, você acha que isso
aí tem a ver com formação profissional
ou critérios de medições das empresas?
Se tenho um processo e todo mundo é
medido pela eficiência do processo final,
que todo mundo seja remunerado não
da mesma forma, não no mesmo peso,
mas remunerado pela eficiência do processo como um todo. No MBA de Vendas, eu dava aula de estratégia de vendas,
de comercialização dentro do mercado
de Business to Business. A gente passava
a seguinte visão: um pouco de conhecimento em cada uma das áreas – em
logística até em compras para o vendedor. Isso tem muito a ver, não só com a
qualidade da educação, da formação,
mas com o modelo das empresas.
TEJON – Mas a pergunta do Claudio é
pertinente. Quer dizer, como é que está a
formação de quadros neste modelo moderno de dirigente de vendas?
JRWP – Acho que parte dessa resposta
está no tema dessa mesa-redonda – ressurgimento de vendas.
CLAUDIO – Se há um processo, com
certeza, as coisas fluirão melhor. Mas dentro desse processo você ainda encontra
muitos profissionais que não são orientados para resultados.
TEJON – Esperar que o processo resolva é um risco.
CLAUDIO – E o processo pode falhar. E
você, na frente do cliente, não pode falhar porque não é o processo que está
na frente do cliente; é o Cláudio, o Renato. E vou um pouco mais fundo. Geralmente, nos cursos de graduação, pósgraduação e MBA ensinamos ao mundo ideal. É aquele planejamento estratégico que não tem budget, onde tudo é
possível.Vendas é o relacionamento sem
estar com o cliente, sem estar decidido
e sem estar combinado.
TEJON – Na nossa empresa, hoje, na
admissão de qualquer vendedor, ele tem
que responder a três perguntas.Vivemos,
em vendas, uma atividade de louco, uma
atividade em que as coisas não foram
combinadas com o inimigo. Então, avaliamos o camarada sob três ângulos interessantes. Primeiro, você compra o mundo ou acha que no mundo chove BMW?
Você acha que a venda mais difícil do
mundo é vender você mesmo ou não?
Você entrou na vida da empresa: o que
significa a empresa na sua vida? São três
questões básicas que definem esse vendedor. É a diferença entre um homem de
vendas e os demais. Ele tem que viver
com a incerteza, com as coisas que vão
dar errado; sobre um grande erro, ele tem
de dar dignidade ao seu trabalho. Então,
ele não pode esperar que as coisas realmente sejam só apertar botão. Ele tem
que ter consciência de que para vender
o cliente para ele mesmo, a missão mais
difícil é ele comprar a ele mesmo.
CLAUDIO – Vendas é a única máquina
que é movida a pessoas.
JRWP – Quero agradecer a participação de vocês. Alguém tem ainda algo
a dizer?
MARCOS – Fica o fato de que estamos
numa fase de transição. Temos algumas
visões do que pode a vir ocorrer, mas
indiscutivelmente acho que ainda falta um
elo de ligação entre as empresas e as
escolas, porque não estamos formando os
profissionais de que as empresas precisam.
Esse é o primeiro ponto. O segundo é que
as empresas também não estão fazendo
aquilo que precisavam fazer. A lição de
casa está deixando de ser cumprida. Esse
sentimento de mea culpa, tanto do lado
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acadêmico quanto do lado empresarial é
uma coisa muito importante. O Brasil é
um país que precisa crescer e nós precisaríamos deixar de ser administrados pela
contabilidade fiscal e tributária, passando
a ser administrados por um planejamento
estratégico, em que o crescimento propicie
oportunidade às pessoas de terem uma
vida mais digna. Andamos pelas cidades
brasileiras e percebemos que há muito sofrimento, muita gente morando mal, vivendo mal. Mas eu diria uma coisa mais. Se
não houvesse vendas, o país pararia. Porque – em larga escala – a venda é que
motiva o trabalho da economia informal.
Há quem diga que a economia informal,
no Brasil, chega a 40%. Isso mantém o
país aceso, apesar de todas as crises e de
todas as Brahmas. Deveríamos estar pensando melhor que país nós queremos ser e
que país queremos ter para os nossos filhos.
Isso passa por repensar a área de vendas,
integrando funções de marketing, logística,
de uma filosofia organizacional que ainda
não temos; copiamos modelos. Acho que
a ESPM a e FGV têm sido padrões para
quebrar esses paradigmas, mas ainda seguimos muito o modelo norte-americano
– desconhecendo até o modelo europeu
que tem coisas muito interessantes nessa
área de relacionamento. E desconsiderando
uma coisa fundamental, que é a característica do nosso povo, o aspecto antropológico, sociológico, o lado emotivo. Falei
rapidamente do Domenico De Masi, mas
ele coordenou o projeto “Cara Brasileira”
– uma pesquisa, no ano passado –, que
mostra que o homem de vendas tem muita
atividade em termos de pesquisa, propaganda, marketing...
JRWP – Agradeço, em nome da ESPM,
a participação de todos vocês. Esse debate certamente não vai terminar aqui.
Espero que o que se discutiu aqui continue sendo discutido muitas vezes nas
salas de aula. ESPM
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Case-Study
OS DESAFIOS NO
SETOR DE FRANQUIAS
ESTE ESTUDO DE CASO DESCREVE O SURGIMENTO
DE UM NOVO SISTEMA DE FRANQUIA, A “LOJA
MÓVEL”, E COMO A OCEANIC COSMÉTICOS BUSCA,
COM ESSE NOVO FORMATO DE VAREJO, FORTALECER
SUA MARCA E AMPLIAR SUA REDE DE FRANQUIAS.
NOTA IMPORTANTE:
ESTE CASE SE DESTINA
EXCLUSIVAMENTE
AO ESTUDO E DISCUSSÃO EM CLASSE, SENDO PROIBIDA A SUA
UTILIZAÇÃO OU REPRODUÇÃO EM QUALQUER OUTRA FORMA. DIREITOS
RESERVADOS ESPM/EXAME.
ESTE CASE FOI ELABORADO POR ELAINE
MICHELY FURTADO CAROZZI, SOB A ORIENTAÇÃO
DO PROFESSOR IVAN PINTO, COM BASE EM
PUBLICAÇÕES EDITADAS NO PERÍODO DE
FEVEREIRO DE 2001 A SETEMBRO DE 2003.
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Oceanic
1. INTRODUÇÃO
O
sistema de franquias é um modelo de negócio que vem
obtendo muito
êxito e aceitação no mercado brasileiro.
Porém, é um
sistema que pressupõe a existência de
rígidos padrões, impostos pelas empresas aos franqueados, para que a marca
franqueda mantenha sua identidade
por toda a rede. A estrita padronização dos produtos e serviços é ponto
comum entre as franquias vencedoras,
e muitos analistas chegam a pensar que
essa é a principal característica para
que um sistema de franquia funcione
e tenha suceso. Bons exemplos são
McDonald’s, Boticário, Cultura Inglesa, entre vários outros.
Este caso descreve como surgiu a marca Oceanic, um sistema de franquia
que quebra alguns paradigmas do
modelo tradicional e, mais ainda, num
tipo de negócio, o de cosméticos, caracterizado pela sua complexidade e
competitividade. O modelo da
Oceanic é flexível e atípico. Com “lojas móveis”, que vão até onde o consumidor está, a Oceanic se antecipa
às tendências de um consumidor cada
vez mais exigente e que busca um relacionamento estreito com uma marca e os vendedores dessa marca.
2. MERCADO
DE COSMÉTICOS
NO BRASIL
e inovação constante são pontos muito importantes no
• Embalagem
setor de cosméticos, que é regido por tendências muito acentuadas
e pela moda, fazendo da mudança a única constante.
A indústria da beleza é um dos
setores que mais crescem no Brasil.
w
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Case-Study
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Oceanic
Em 2002, só o setor de cosméticos
registrou um faturamento de R$ 9,6
1
bilhões , que garantiu ao Brasil o
quinto lugar entre os consumidores
de cosméticos do planeta. O crescimento do setor foi de 7,4% sobre
2001. Comparado com o crescimento negativo de 1,5% da indústria em geral, registrado no mesmo
período, o setor se revela como de
especial atratividade para novos investimentos e negócios.
indústria da beleza é um dos
• Asetores
que mais crescem no
Brasil. Em 2002, só o setor de
cosméticos registrou um
.
faturamento de R$ 9,6 bilhões.
Um ramo tão atraente não poderia
deixar de apresentar grandes desafios aos participantes. É preciso se
conformar a uma rígida legislação,
com definição exata do negócio
que se vai montar. E, como seria de
esperar, a concorrência é das mais
acirradas, com muitas empresas,
grandes e pequenas, nacionais e
multincionais, disputando a preferência dos consumidores.
É crucial analisar todas as “forças”
que atuam no setor – clientes,
concorrentes atuais e entrantes,
substitutos, fornecedores e governo
– e procurar vantagens competitivas
inovadoras, se se quiser ter sucesso
na disputa.
É indispensável uma decisão cuidadosa sobre o segmento a conquistar, sobre o tipo de negócio que se
pretende montar, bem como uma
avaliação das tendências mundiais
da moda e das tecnologias que
substituem produtos existentes
(como aparelhos de depilação,
Botox, medicamentos e cirurgias estéticas). Um bom produto não basta. É preciso que a marca esteja
posicionada corretamente para o
segmento visado, seja bem
divulgada e, se a estratégia for de
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/
segmentação geográfica, atenda às
necessidades dos consumidores potenciais de uma região específica.
Embalagem e inovação constante
são pontos muito importantes no
setor de cosméticos, que é regido
por tendências muito acentuadas e
pela moda, fazendo da mudança a
única constante. Consumidores e
consumidoras estão sempre buscando novidades, o que os torna
vulneráveis a marcas concorrentes
e a novos tipos de produto. Não
obstante, o setor possibilita pouco
espaço para competição por preço,
principalmente para as pequenas
empresas, o que faz com que a diferenciação do produto pese bastante na hora da compra.
O consumidor brasileiro de cosméticos busca um relacionamento
com a personalidade da marca e
com a pessoa do vendedor ou
vendedora, o que ajuda a explicar
o sucesso da venda direta e, também, o posicionamento adotado
por grandes marcas, como Avon,
com seu slogan “A gente conversa,
a gente se entende”. Não é por
acaso que empresas como Natura
e Avon trabalham para transformar
suas vendedoras em verdadeiras
consultoras de beleza. A consumidora confia na vendedora. A informação sobre o produto é muitas
vezes fator crítico na venda, devido às grandes mudanças nas linhas
do produto. No varejo tradicional
não é diferente. Muitas consumidoras entram na loja sem bem saber o
que desejam e com pouco ou nenhum conhecimento sobre as características dos produtos. Cabe à
vendedora orientá-las para garantir
o sucesso da venda. yw
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Case-Study
3. FRANQUIA
NO BRASIL
Segundo dados da Associação Brasileira de Franchising, existem no
país cerca de 600 empresas
franqueadoras de suas marcas, serviços ou produtos. Isso significa,
hoje, mais de 53.000 pontos de
vendas dirigidos aos mais variados
segmentos. Esses números colocam o Brasil na 3.ª posição do
ranking dos países franqueadores.
A avaliação da ABF é de que o ano
de 2003 seja de transição, com a
provável procura pela abertura de
novos negócios. Os dados da ABF
indicam que, nos últimos cinco
anos, a taxa de mortalidade das
franquias foi de 5%, contra 45%
dos negócios próprios. Para 2003,
as expectativas são de um
2
faturamento de R$ 25 bilhões .
O sistema de franquias no Brasil
iniciou-se nos anos 60, com o lançamento da Escola de idiomas
Yázigi. Depois disso, várias mudanças ocorreram com esse formato de negócio.
Até 1992, não havia leis específicas para a franquia enquanto alternativa de negócio. Naquele ano,
o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) começou a
aceitar contratos de franchising,
expedindo uma resolução, número 035 de 29 de junho de 92, que
vigorou por cinco anos. A
resoluçao foi revogada por dois
atos normativos. Hoje, o sistema
conta com a Lei de Franquia, n.ª
8955 e com a Lei de Propriedade
Industrial, n.º 9279, de 14 maio de
1996. A averbação dos contratos
entre franqueados e franqueadores
é feita pelo INPI e pode envolver
empresas nacionais e estrangeiras,
para normatizar o pagamento dos
chamados “royalties” – uma
espécie de taxa pelo direito de uso
da marca.
Há dois pilares básicos que fundamentam o sistema de franquia:
v MARCA FORTE, JÁ CONSOLIDADA;
•
A marca Oceanic nasceu em 1996, como uma linha de produtos
de verão da marca Racco, que atua há 12 anos no setor de
cosméticos, utilizando o sistema de venda direta ao consumidor.
v CAPACIDADE PARA INOVAR
CONSTANTEMENTE.
Porém, essa abordagem, que faz
sentido teórico, não leva em conta
o espírito empreendedor, e a prática revela muitas exceções: empresas que começam com pequenos
quiosques ou lojas, sem que suas
marcas estejam ainda consolidadas. Academias, supermercados e
shoppings são alvos das mais inusitadas formas de lojas, quiosques
e, agora, as chamadas “lojas móveis”, da Oceanic.
4. A OCEANIC
A marca Oceanic nasceu em 1996,
como uma linha de produtos de verão da marca Racco, que atua há
12 anos no setor de cosméticos,
utilizando o sistema de venda
direta ao consumidor.
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Oceanic
A Racco é uma marca de produtos
cosméticos para venda direta ao
consumidor. A proprietária da marca é a Bayonne, empresa fundada
em Curitiba, PR, por Luiz Felipe
Rauen, com o objetivo de produzir cosméticos que obedeçam a
normas internacionais de qualidade. Para isso, a Bayonne desenvolveu uma sólida estrutura fabril,
com um moderno laboratório equipado para análises físico-químicas
e macrobióticas, além de uma estrutura de pesquisa e desenvolvimento que acompanha de perto as
tendências mundiais do setor de
cosméticos.
Ao longo dos seus 15 anos de existência, a Bayonne sempre procurou desenvolver produtos adequados ao clima brasileiro. Rauen, um
empreendedor criativo, sempre
aberto a novas oportunidades, teve
a inspiração para uma linha de produtos de verão para ser vendida
sob a marca mestra Racco, quando estava de férias na praia de
Camboriu, em Santa Catarina. A
então submarca marca Oceanic
nasceu naquele momento, tanto
pelas as emoções evocadas pelo
mar quanto pela lembrança de
possibilidades de matéria-prima
que ele oferece.
sucesso inicial da linha Oceanic estimulou Rauen a expandi-la
• Ocomo
marca autônoma que incorpora produtos para o corpo todo
e independentemente de sazonalidade, inclusive uma linha pioneira
de Aromaterapia, pesquisada e desenvolvida na França.
O sucesso inicial da linha Oceanic
estimulou Rauen a expandi-la
como marca autônoma que incorpora produtos para o corpo todo e
independentemente de sazonalidade, inclusive uma linha pioneira de Aromaterapia, pesquisada e
desenvolvida na França.
Os produtos da Oceanic são
posicionados como de alta qualida- yw
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Case-Study
de mas a um preço atraente. São
mais de 175 produtos para todo o
corpo, incluindo maquiagem e perfumaria. Os preços variam de R$
9,00 (um baton) a R$ 40,00 (um
perfume). A empresa é forte na linha de FitoAmazônica, que utiliza
como matéria-prima extratos vegetais e marinhos. O mix de produtos, segundo a empresa, é focado
em produtos básicos, para atrair o
público masculino, e práticos, para
atrair as mulheres, que cada vez
dispõem menos de tempo para cuidar de si mesmas.
A aceitação dos produtos com a
marca Oceanic estimulou Rauen a
ampliar a concepção da Oceanic
para se tornar a Oceanic Cosméticos, uma unidade de negócios
apoiada no sistema de franquia. Em
dois anos, a Ocenic cresceu para
50 lojas, próprias e franqueadas.
5. O DESAFIO
Com o precoce sucesso em seu sistema de franquia, a empresa se deparou com grandes problemas.
O primeiro deles foi uma forte
queda nas vendas, devido à saturação e à alta concorrência do
setor de franquias no Brasil. Por
exemplo, só o Boticário possui
2.200 lojas, entre próprias e franqueadas, e uma fatia (market
share) de 80% do mercado. As
vendas da empresa registraram um
aumento real de quase 50% nos
últimos seis anos. A empresa
faturou 134 milhões de dólares
em 2002, com a produção de 52
milhões de unidades de perfumes, cremes e maquiagem. Sua
rede de lojas próprias e franqueadas movimentou quase 370
milhões de dólares.
loja móvel, a minivan, é
• Atotalmente
“envelopada”
para exibir com grande
visibilidade a marca Oceanic.
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Além desse grande concorrente, as
empresas que buscam o sistema de
franquias enfrentam a falta de espaço. Garantir um bom ponto pode
custar muito caro para o franqueado e tornar o negócio pouco atrativo.
Outro problema da Oceanic era
que os franqueados estavam
muito insatisfeitos com o desempenho das lojas. A empresa, por
seu lado, percebeu que, no período de crescimento acelerado,
não selecionara seus franqueados adequadamente: a maioria
deles não possuía um perfil
apropriado a um mercado caracterizado pela agressividade
da concorrência. E não tinham
suficiente vivência no sistema
de franquia.
O desafio inicial, então, era:
como sobreviver e se expandir
Oceanic
num mercado onde há uma forte concorrência e em que só um
dos competidores, experimentado e proprietário de uma marca
reputada, detém quatro quintos
das vendas?
6. A ESTRATÉGIA
Para orientá-la na superação desse enorme desafio, a Oceanic
contratou o consultor Anderson
Portes, que veio a se tornar seu
Diretor de Marketing. Sob sua
orientação, lançou um modelo
inédito de franquia no país: a
loja móvel.
O primeiro passo dessa estratégia
foi a recompra de 40 das 50 lojas
físicas franqueadas, o que a libertou para aplicação da estratégia,
em parceria com novos franqueados, com um perfil adequado.
loja móvel é de cosméticos, permite ao franqueado
• Alocomover-se,
dentro de uma área predeterminada de
atuação, podendo visitar residências, condomínios,
indústrias, clubes, feiras etc.
Em seguida, o sistema foi desenvolvido com a participação do
Grupo Cherto, especialista em sistemas de franquias e estratégia de
canais de distribuição.
A loja móvel é uma minivan Fiat
Doblò, totalmente equipada como
uma completa loja de cosméticos,
que permite ao franqueado
locomover-se, dentro de uma área
predeterminada de atuação, podendo visitar residências, condomínios, indústrias, clubes, feiras,
exposições, universidades, escolas,
hospitais, salões de beleza, praças,
parques etc.
A loja móvel, a minivan, é totalmente “envelopada” para exibir com yw
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grande visibilidade a marca Oceanic.
Mostra, também, com destaque, o telefone da empresa, para que os compradores potenciais (e outros
públicos interessados, como os
responsáveos pelos pontos onde as
lojas móveis podem estacionar para
servir os frequentadores desses pontos) possam obter informações sobre
o itinerário das lojas móveis.
O objetivo da empresa é facilitar
o acesso de seus produtos ao consumidor final, e ao mesmo tem-
po, oferecer uma oportunidade de
negócio para o franqueado a um custo acessível. O investimento do franqueado para montar uma loja móvel
é de, em média, R$60.000. Nesse valor, estão incluídos a minivan e o seu
seguro, o estoque inicial e taxas municipais. Além disso, o franqueado
conta, sem custos adicionais, com o
apoio de marketing e mídia da empresa e treinamento em marketing,
produtos e vendas. O franqueado da
loja móvel não paga aluguel e condomínio.
A margem bruta dos produtos é de
100%. A Oceanic calcula que o
franqueado obtém o retorno sobre o
investimento em 4 a 12 meses.
Q www.oceanic.com.br
• O investimento do franqueado para montar uma loja móvel é , em média, de R$ 60.000.
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Oceanic
Em comparação, uma loja fixa num
shopping center, no mesmo período
de um ano, pode custar em torno de
R$ 230.000, já que as taxas pagas para
obter espaço em shopping centers e
o investimento para montar e manter
lojas fixas é consideravelmente maior
e os custos com aluguéis e condomínios são significativos.
Para atrair franqueados – e tornar
sua marca conhecida –, a Oceanic
veiculou uma campanha publicitária na televisão, em rede nacional.
O primeiro comercial gerou mais
de 18.000 ligações para a Central
de Atendimento de Franquia e,
quando este case foi escrito, a empresa já contava com 1.300 nomes
cadastrados que foram préselecionados para uma posterior
avaliação financeira.
O segundo comercial traz depoimentos de franqueados sobre a experiência que tiveram com as lojas móveis.
7. CONCLUSÃO
O setor de cosméticos cresce constantemente no Brasil e, com isso, surgem muitas novas opções de negócios mas, também, muitos desafios
para quem quer garantir o sucesso.
O sistema de franquia é uma solução de sucesso, que permite expansão rápida, mas é muito competitiva
e carregada de seus outros tantos
desafios.
É nesse ambiente que a Oceanic
Cosméticos inaugura o inovador formato da “loja móvel”.
A rede busca, com esse modelo,
minimizar os custos e riscos para o
franqueado e, ao mesmo tempo,
uma solução diferenciada para enfrentar a concorrência acirrada no
setor, já que a loja móvel pode operar em lugares em que a concorrência é bem mais reduzida, como universidades, escolas, empresas, clubes, associações, igrejas, feiras,
shows e quase qualquer outro tipo
de lugar ou evento.
A essa solução inventiva, a Oceanic
procura aliar produtos com bom desempenho e preço adequados aos segmentos visados.
vEmpresa detentora de marca “forte”, com apelo junto ao público-alvo;
v Produtos e serviços que respondam aos anseios do mercado
consumidor;
v Tecnologia de instalação, operação e comercialização no varejo eficaz e que possa ser transferida facilmente e em pouco tempo para os
franqueados.
v Pontos padronizados e instalação em territórios julgados adequados, sem maiores dificuldades para o
franqueado.
v O investimento necessário para
8. QUESTÕES
a instalação e as despesas operacionais devem ser compatíveis com
a rentabilidade esperada.
PARA DISCUSSÃO
Recomenda-se ao leitor que, ao iniciar o estudo deste caso, vá conhecer as lojas físicas da Oceanic e também as suas lojas móveis. Sabendose que o ambiente é uma das principais vantagens competitivas de uma
rede de franquia, compare o atendimento oferecido por estas com o dos
concorrentes. Analise, também, a estratégia do novo formato da loja móvel da Oceanic. A rede está certa
nessa preferência? Você acha que o
posicionamento da Oceanic se adapta bem às lojas móveis?
Levando em conta esses pré-requisitos, quais são os fatores críticos da
estratégia da loja móvel da Oceanic?
BIBLIOGRAFIA
CHERTO, M.R. Franchising: Revolução no
Marketing. São Paulo, McGraw-Hill, 1998.
SITES:
www.portalexame.com.br
www.franquianaweb.com.br
www.francap.com.br
Você acredita que a loja móvel possa resultar em falta de precisão para
a marca Ocenic, já que ela pode atingir públicos diferentes ao mudar de
lugar constantemente?
ARTIGOS:
O AMBULANTE DA BELEZA, IstoÉ Dinheiro,
n.º 312, de 20/08/2003.
Marcelo Cherto, especialista em franquias, elenca os seguintes pré-requisitos para se obter sucesso através do
sistema de franquias:
2 FONTE: InfoMoney
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/
ESPM
1 FONTE: Associação Brasileira da Indústria de
Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos
(Abihpec).
Fotos desta matéria: arquivo da Oceanic.
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121
Leit
ura
RECOMENDADA
MARLY MONTEIRO DE CARVALHO E
FERNANDO JOSÉ BARBIN LAURINDO
Estratégias para Competitividade
CHARLES M. FUTRELL
Tradução: Lenke Peres e Cecília Bartalotti
Revisão técnica: Marcelo Chiavone Pontes
Editora Futura
São Paulo, 2003
272 p. – R$ 39,00
Vendas – Fundamentos e Novas
Práticas de Gestão
Editora Saraiva
São Paulo, 2003
548 p. – R$ 79,00
Vendas: fundamentos e novas práticas de
gestão trata de diversos assuntos atuais e
polêmicos e é indicado para professores, alunos e profissionais, além de ampliar a visão meramente voltada às técnicas de vendas e
gerenciamento de equipes dos outros livros,
situando de maneira inédita a administração de
vendas dentro do planejamento estratégico e
do marketing da empresa.
Entre os assuntos tratados, podem ser citados:
v A profissão de vendas: experiências do profissional de vendas, marketing de relacionamento,
questões sociais, éticas e legais de vendas;
v Venda de relacionamento: prospecção,
planejamento da visita de vendas, métodos de apresentação, objeções dos clientes, fechamento de
vendas, serviços pós-vendas;
v Gerenciamento da carreira de vendas: administração do tempo, seleção de novos profissionais, motivação, remuneração, avaliação de vendas.
Charles M. Futrell é Ph.D., MBA e BBA em
Marketing e professor da Texas A&M University.
Além de editor de diversas publicações na área,
é autor de vários artigos em periódicos do mundo
inteiro e de livros em vários países. É considerado um dos três principais pesquisadores de venda nos Estados Unidos.
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/
FRANCISCO LACOMBE
Dicionário de Administração
Editora Saraiva
São Paulo, 2003
368 p. – R$ 49,00
O autor do Dicionário de Administração tem a expectativa de que venha a se tornar uma referência na área.
Trata-se da primeira iniciativa no Brasil cobrindo os
campos da Administração. Moderno e atualizado, traz
grande quantidade de verbetes, dispostos de forma clara
e de fácil consulta. O livro conta ainda com vários
apêndices, que organizam e sintetizam informações
importantes do segmento.
Voltado para o meio acadêmico e empresarial,
apresenta abordagem multidisciplinar, incluindo
termos e expressões não só de administração, mas
também das áreas de economia, contabilidade,
informática, estatística, matemática, sociologia e
direito.
Master of Sciences pela University of Houston e
professor da UFRJ e autor da obra Administração:
princípios e tendências, Francisco Lacombe
dedicou vários anos a pesquisar, priorizar, escrever,
reescrever e organizar os mais importantes temas
da área, buscando as definições mais precisas e
objetivas.
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2003
Estratégias para a competitividade é um livro para
profissionais de áreas que desejam melhorar o seu
grau de competitividade nas empresas em que trabalham. Alunos e professores também se beneficiarão com a leitura, visto que irão encontrar material de apoio para disciplinas que se relacionem
com estratégia e competitividade.
Na obra, o pensamento estratégico é apresentado por
meio de um modelo que integra a pluralidade do tema,
respeitando as suas diversas abordagens, perspectivas e natureza multifacetada. Dessa forma, pretendese discutir as diferentes visões relativas à compreensão da empresa, ao entendimento do ambiente em que
atua e à utilização dos meios para atingir seus objetivos.
Dentre os muitos temas abordados, destacam-se as
diferentes visões do que é estratégia, as características gerais associadas à estratégia, clusters, cadeia de valor e formação de redes e alianças, e a
adequação dos pontos fortes e fracos da empresa
às ameaças e oportunidades do meio ambiente.
Marly M. de Carvalho é doutora professora do Departamento de Engenharia de Produção da Escola
Politécnica da USP, diretora técnica da Associação
Brasileira de Engenharia de Produção (ABEPRO) e
editora da revista Produção. Fernando J. B. Laurindo
é doutor professor do Departamento de Engenharia
de Produção da Escola Politécnica da USP e diretorexecutivo da Fundação Vanzolini. Também é pósgraduado em administração de empresas pela FGV.
LEIF EDVINSSON
Longitude Corporativa
WILLIAM C. BYHAM, AUDREY B. SMITH,
MATTHEW J. PAESE
Formando Líderes
M. Books
São Paulo, 2003
220 p. – R$ 39,00
A ascensão da economia do conhecimento evidenciou
uma discrepância entre os atuais sistemas dos relatórios financeiros e a avaliação dos ativos intelectuais.
As corporações modernas normalmente se orientam com base em uma única coordenada: a financeira. Essa é a latitude corporativa. O problema é
que ela só proporciona uma visão parcial do
quadro. A outra coordenada-chave – a longitude
corporativa – falta. É necessário que haja algum
método para medir a longitude – ou, dito de outra
forma, de mensurar o capital intelectual.
Este vem a ser uma combinação entre o capital
humano – as mentes, as habilidades, as idéias, e o
potencial dos membros de uma organização – e o
capital estrutural – que consiste em clientes, processos, bancos de dados, marcas e sistemas.
Longitude corporativa proporciona um meio de navegar pelas águas turbulentas dos negócios e satisfaz a demanda por novos mecanismos, modelos, medidas e metáforas que nos permitam capitalizar sobre a nova realidade.
Leif Edvinsson apoiou os primeiros movimentos que fomentaram o capital intelectual (CI) e defendeu a
mensuração nos relatórios anuais das empresas. Seu
livro de 1997, Capital intelectual (escrito em parceria
com Michael Malone) baseava-se em suas experiências na companhia de serviços financeiros Skandia. Após
deixá-la, em 1999, foi nomeado na Universidade de Lund
para ocupar o primeiro cargo do mundo de professor de
Capital Intelectual e de Economia do Conhecimento.
Prentice Hall
São Paulo, 2003
320 p. – R$ 55,80
ANDRÉA MACHADO
A Comunicação com o Público
Qualitymark Editora
Rio de Janeiro, 2003
208 p. – R$ 30,00
Transmitir mensagens com eficácia e competência, para públicos de quaisquer naturezas, pode
ser uma tarefa extremamente complicada. Especialmente quando se trata de um emissor que não
está familiarizado com as noções básicas de como
se portar e se comunicar com audiências diversas. E por trás de uma simples apresentação bemsucedida, existe todo um conjunto de práticas e
técnicas desenvolvidas por especialistas na arte
de fazer-se entender.
A comunicação com o público trata dos diferentes
níveis de comunicação nos relacionamentos entre
as pessoas, usando uma linguagem simples e prática. Sem desprezar os aspectos teóricos, promove reflexões que de fato interferem na comunicação cotidiana.
Além de comentar aspectos como a postura, os
gestos, o uso correto de recursos audiovisuais, também oferece elementos para que o leitor seja capaz
de refletir sobre a qualidade dos seus relacionamentos pessoais.
Andréa Machado é fonoaudióloga, presta consultoria empresarial em técnicas de apresentação,
comunicação com o público e relacionamentos
interpessoais.
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/
Na grande maioria dos casos, o sucesso das organizações é definido por um fator: a qualidade de seus
líderes. Mas desenvolver grandes líderes nunca foi
tão difícil, como agora. Baseando-se na experiência
de mais de 1.600 empresas, três reconhecidos consultores de liderança mostram como identificar os líderes de amanhã dentro de sua organização, acelerar o desenvolvimento e a utilização deles e maximizar
seu valor para sua empresa.
Formando líderes cobre cada fase do desenvolvimento
e sucessão de executivos, introduzindo técnicas de
impacto e sem burocracia e que, segundo os autores,
realmente funcionam. Há capítulos sobre como alinhar o desenvolvimento de executivos com a estratégia corporativa; como tirar plena vantagem das atribuições de curto prazo, de treinamento profissional e
outras abordagens; e como assegurar a responsabilidade/prestação de contas e medir resultados.
William C. Byham, Ph.D., é presidente e CEO da
Development Dimensions International (DDI) consultores de Recursos Humanos.
Audrey B. Smith, Ph.D., é vice-presidente consultora
dos grupos Staffing and Assessment Consulting e
Executive Succession Management na DDI.
Matthew J. Paese, Ph.D., é gerente e líder da Prática
de Desenvolvimento de Executivos da DDI e responsável pela elaboração de sistemas de desenvolvimento de executivos.
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PYR MARCONDES
Marcas – Uma História de Amor
Mercadológica
JONATHAN LOW/PAM COHEN
KALAFUT
Vantagem Invisível
Meio & Mensagem
São Paulo, 2003
232 p. – R$ 45,00
Bookman
São Paulo, 2003
208 p. – R$ 37,00
Empresas como McDonald’s, General Electric, Pfizer,
Coca-Cola, entre outras, são histórias de sucesso que
mexem com a cabeça de muitos executivos preocupados em como chegar à liderança no mercado. Essas
companhias foram usadas como exemplo para os autores Jonathan Low e Pam Cohen Kalafut,no livro Vantagem
Invisível – como os intangíveis conduzem o desempenho
da empresa, da editora Bookman. A obra é resultado de
uma pesquisa sobre avaliação corporativa, estratégia e
comportamento do consumidor.
“Um terço do valor de uma empresa é o resultado de
elementos que não podem ser vistos, como força da
marca, execução de estratégias, reputação e cultura inovadora”, afirmam os autores. Para eles, esses elementos, chamados de “intangíveis”, referem-se a muitos
aspectos diferentes de uma empresa. O importante é
saber equilibrá-los. O texto aborda os principais aspectos dos intangíveis e tem como objetivo ser um roteiro
para os gestores atraírem os colaboradores mais
talentosos, os clientes mais lucrativos, os parceiros mais
colaborativos e os investidores mais agressivos. Além
disso, identifica 12 “medidas importantes” capazes de
contribuir para administração das estratégias de
marketing de forma a otimizar o valor da empresa.
Jonathan Low é pesquisador senior da Cap Gemini Ernst
& Young Center for Business Innovation (CBI). Low é
especialista em Valores Intangíveis, tendo publicado
quatro grandes estudos na área, além de diversos artigos e reportagens.
Pam Cohen Kalafut é presidente da Cohen Kalafut
Associates, LLC, uma consultoria especializada em negócios estratégicos. O trabalho de Pam é focado em
valores inatingíveis.
124
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
ICHAK ADIZES
Gerenciando os Ciclos de Vida das
Organizações
Pearson Education
São Paulo, 2003
362 p. – R$ ,00
A obra Gerenciando os ciclos de vida das
organizações apresenta a teoria dos ciclos de vida
organizacionais e os princípios que levam à
efetivação de mudanças. O lançamento
complementa dois livros do mesmo autor: Em busca
da plenitude, que discute como uma organização
deve ser gerenciada, a depender do ciclo de vida
em que se encontra; e Gerenciando mudanças, que
apresenta os fundamentos teóricos da metodologia
para a transformação das organizações.
A relação que une marcas e consumidores é a linha mestra do recém-lançado livro Marcas – uma história de
amor mercadológica. Nele, o autor apresenta cases de
25 marcas que ultrapassaram o estágio de recall e conseguiram criar laços afetivos com seus consumidores.
O número 25 não é por acaso. O lançamento faz parte das
comemorações pelos 25 anos de Meio & Mensagem, publicação especializada no mercado de comunicação que
acompanhou, ao longo de sua trajetória, o surgimento e a
consolidação de inúmeras marcas de sucesso.
O livro está dividido em três partes. Na primeira, o autor
apresenta sua visão pessoal sobre o que une marcas e
consumidores, traçando um paralelo entre esta relação
e um caso amoroso comum. Para ele, algumas marcas
se instalam diretamente no coração do consumidor.
O autor discorre sobre o que chama de “história emocional” de algumas marcas internacionais. “Escolhi
marcas que expressam muito bem este tipo de relação amorosa. São ícones do consumo moderno, como
Ferrari, Absolut, Levi´s, Budweiser, entre outras”.
Desenvolvida e praticada por Adizes nos últimos
30 anos, a teoria e seus princípios permitem, a partir
da metodologia desenvolvida pelo próprio autor,
discriminar os problemas normais dos anormais e
aplicar as intervenções adequadas que conduzem
as organizações à sua condição de plenitude. Eles
descrevem e analisam o caminho usual tomado
pelas empresas à medida que crescem e o caminho a se escolher para evitar os problemas típicos
de crescimento e envelhecimento.
Na segunda parte do livro, são relatados os 25 cases que
se destacaram no mercado brasileiro no último quarto de
século. A escolha foi baseada em uma pesquisa realizada
pelo autor e a lista analisada pela direção de Meio & Mensagem e por um júri formado pelos profissionais Jaime
Troiano,Alan Liberman, Saul Bekin e Álvaro Ferraz. A partir
daí, Marcondes chegou à relação final dos cases.
Ichak Adizes é fundador e diretor de serviços profissionais do Adizes Institute em Santa Bárbara,
Califórnia, e tem tido trabalhos publicados em
Fortune, Business Week, New York Times e London
Financial Time.
A história dos quatro patrocinadores do projeto
(Neogama, Lew, Lara, Grupo Ypy e DPZ) é contada na
última parte do livro. O autor escreve sobre as histórias
destas marcas/empresas e, na seqüência, há um
portfólio de seus trabalhos. ESPM
O U T U B R O
D E
2003
Sumário
O Musée de la
Publicité de Paris
EXECUTIVO
Afinal, o que é
CRM mesmo?
22
JOÃO MATTA
Tem-se falado muito em CRM nos dias de hoje. É comum lermos e ouvirmos empresários relatando ter
optado pelo CRM como uma solução para o seu negócio. Será que realmente estamos falando da mesma
coisa quando utilizamos a expressão CRM?
Sabemos que tem sido comum a confusão entre o CRM
como foi concebido e o CRM como tem sido vendido
no mercado. Restringir o CRM a uma tecnologia de
gestão do relacionamento de uma empresa com seu
cliente ou a uma ferramenta de comunicação dirigida
é menosprezar todo seu potencial. Estamos diante de
uma nova e eficaz forma de se fazer negócio. Estamos
falando de uma nova filosofia empresarial. Temos à
nossa frente talvez a grande solução para um mercado
altamente competitivo e em constante mutação.
Estratégias de Marketing
para Produtos de Alta
Tecnologia: O Caso HewlettPackard-Compaq do Brasil
36
DANIEL B. R. ALVES/MARIA
CLARA PIAZZA /TALES ANDREASSI
O objetivo deste artigo é contribuir para o entendimento do mercado de alta tecnologia e suas peculiaridades, tendo como variáveis de análise as estratégias
empregadas, o comportamento de compra dos clientes e o ciclo de vida dos produtos do setor. Procedeuse a uma revisão bibliográfica para formular três questões de pesquisa, analisadas pelo método do estudo
de caso em um multinacional líder no setor de alta
tecnologia, a Hewlett-Packard-Compaq. Os resultados
mostraram que as estratégias voltadas ao mercado de
alta tecnologia são certamente distintas das aplicadas
ao mercado de massa, sugerindo ao empreendedor
ou a alta diretoria das empresas como explorar os nichos como alternativas seguras para o lançamento de
novos produtos. O trabalho apresenta também a análise do ciclo de vida de adoção de tecnologia como
uma ferramenta essencial para gerar produtos que
melhor respondam às necessidades dos clientes.
126
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
46
J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO
O Musée de la Publicité, possivelmente, o único museu
oficial da publicidade em todo o mundo, funciona nas
mesmas instalações do Museu do Louvre, em Paris. Isso
legitima a presença da propaganda comercial, na cultura
– e na sociedade – francesas, como arte aplicada – já que
faz parte da Union Centrale des Arts Décoratifs. Esse museu francês da propaganda nasceu do Musée de l’affiche
(cartazes),criado para conservar uma arte publicitária que
tem na França algumas de suas maiores expressões.
O acervo reúne cerca de 50.000 cartazes, mais 100.000
filmes comerciais franceses e estrangeiros,30.000 anúncios impressos, objetos promocionais e embalagens.
A hemeroteca conta com cerca de 7.000 arquivos
monográficos, dedicados aos profissionais de criação, principalmente artistas; 250 consagrados a
agências, empresas gráficas etc. e mais 500 denominados de “arquivos temáticos”. As instalações
foram projetadas pelo designer Jean Nouvel. A principal atração, contudo, é a “Midiateca” – uma sala
aberta ao público que reúne cerca de duas dezenas de
terminais de computadores, através dos quais pode ser
consultada a parte do acervo já digitalizada.
Em outubro, realiza-se a exposição comemorativa dos
70 anos da comunicação da Air France.
Service Profit Chain –
gerando valor para os
clientes, funcionários e
acionistas
58
ALEXANDRE MATHIAS E
EDUARDO HALPERN
Neste artigo os autores buscam explicar como empresas do setor de serviços vêm intuitivamente ou
deliberadamente aplicando o modelo SERVICE
PROFIT CHAIN – traduzido para Cadeia Serviços-Lucro –, modelo criado pelos Professores
James Heskett, Earl Sasser Jr., Leonard Schlesinger
da Harvard Business School. Suas idéias propõem
a existência de relações diretas e intensas entre o
lucro, o crescimento, fidelidade dos clientes e sua
satisfação, ao valor dos bens e serviços a eles oferecidos à capacidade, satisfação, fidelidade e produtividade dos funcionários.
O U T U B R O
D E
2003
O desafio do reposicio
na-mento de marcas 70
MARCUS SAVOI BORTOLAN
RENATO TELLES
Devido à progressiva importância atribuída à marca, diferentes teorias e modelos de compreensão foram desenvolvidos, procurando orientar abordagens e decisões
estratégicas de negócio. Embora seja possível identificar algumas diferenças conceituais entre elas, pelo menos um aspecto está sempre presente na análise de
marcas e pode ser considerado decisivo na gestão destas: a idéia posicionamento. Com relação a esse conceito, vem-se tornando progressivamente mais decisiva a
avaliação de sua eficácia em termos organizacionais e a
decisão por sua eventual modificação ou adequação ao
longo do tempo, materializando, neste caso, a hipótese
de reposicionamento de marca. Atualmente, o exame e
a decisão de um reposicionamento está presente no cotidiano de profissionais de marketing, porém é um tema
relativamente “órfão” de literatura. Este trabalho se propõe a abordar os desafios e riscos da adoção de uma
estratégia de reposicionamento de marcas, utilizando
argumentação baseada em revisão bibliográfica e exemplos reais para propor uma tipificação para os casos de
reposicionamento de modo auxiliar gestores de marca.
A Globalização das
Economias e as Transformações no Mercado de
Trabalho em Tempos de
Pós-Modernidade
84
DURVAL MEIRELLES
ROBERTO GIL UCHOA
O avanço da tecnologia da informação e sua influência
no avanço das comunicações permitiu o rápido desenvolvimento do comércio internacional nas últimas
três décadas. Observou-se a automação de transações
e processos nas empresas de uma maneira tal, que o
ganho de produtividade extrapolou a execução das tarefas pelo homem, transformando rotinas antes ocupadas por trabalhadores em bits e bites que geravam
produtos padronizados e de maior qualidade. Este artigo busca em alguns estudos recentes, expressos
em referencial teórico, estudar um viés que permita
o questionamento do papel do trabalhador na nova
economia globalizada, cujo maior foco é o incremento
de fluxos financeiro e real.
ENGLISH
Abstracts
Now, what is this
CRM business…?
22
JOÃO MATTA
Much is said about CRM nowadays. We read – and
hear about businessmen who have opted for CRM
as a solution for their problems. Now, is everybody
talking about the same subject, when they mention
CRM?
A common confusion is made between CRM as it
was meant to be, and CRM as a market commodity.
To restrict CRM to the role of a management
technique that deals with the relationship between
the company and its clients, or as a specialized
comunication tool is to underestimate all of its
potentiality. In fact, what we have in CRM is a new
and effective way to do business. It’s indeed a new
philosophy in the realm of management. May be
the great solution for today’s intensely competitive
and changing markets.
Marketingstrategiesfor
High-TechProducts:The
caseofHewlett-PackardCompaqofBrazil
36
Daniel Braga Rodrigues Alves/
Maria Clara Piazza/Tales Andreassi
The purpose of the article is to contribute to a better
understanding of the high-tech market and its peculiarities,
on the analytical basis of the strategies employed, clients’
purchasing behavior and the lifecycle of high-tech products.
A bibliographic review produced three research questions,
which were analysed by the case-study method of a leading
multinational company in the area: Hewlett-PackardCompaq. Results have shown that the strategies geared
towards the high-tech sector are certainly diverse from
the mass-produced market, and give hints to
entrepreneurs and executives relating to the best way to
explore segmented alternatives for the safe launch of new
products. The work also presents analysis of technology
adoption lifecycles as an essential tool to generate
products which will respond better to needs and
expectancy of clients in high-tech markets.
128
REVISTA DA ESPM–
The Musée de
la Publicité in Paris
S E T E M B R O
/
46
The challeng of
brand repositioning70
J. ROBERTO WHITAKER
PENTEADO
MARCUS SAVOI BORTOLAN
RENATO TELLES
This is possibly the only “official” advertising
museum in the world, as it is located in the Louvre
compound, in Paris, part of the Central Union of
Decorative Arts (UCAD). The author considers this
a meaningful contribution for advertising to be
socially accepted in French society and French
culture, and a nice example to follow. The Musée
de la Publicité was born in the previous Musée de
l’Affiche (Posters Museum), a segment in which
French artists have excelled. The collection includes
50,000 posters, over l00,000 French and foreign
TV and film commercials, 30,000 print ads,
promotional objects and packages. The archives
have some 7,000 items, mainly dedicated to
individuals, ad agencies and specialized suppliers,
and to specific themes. The installations were
designed by Jean Nouvel. A “mediatheque” – with
some two dozen computer work stations - allows
visitors to consult the collections on-line. In October
2003, the Museum is showing an exhibit on the 70
Years of Air France and its presence in the Media.
Due to the ever-increasing importance of branding and
its management, several theories and models for its
understanding have appeared, mostly aiming at
improving the effectiveness of decision-making. Although
it is possible to establish some conceptual differences
among them, one aspect seems to be present in all and
this is positioning. With regard to this concept, the
evaluation of the effectiveness, in business terms, of the
decisions made of modifying or adapting brands, in fact,
the whole hypothesis of re-positioning brands has
become paramount. Although analysing and deciding
about brand re-positioning has become an everyday
activity for marketing and communication professionals,
the theme is still relatively scarce in the specialized
litterature. This article intends to face the challenges and
risks of brand re-positioning strategies,using arguments
found in the existing bibliography and some actual
examples – with the ultimate objective of helping brandmanagers improve their frames of reference.
Service Profit Chain –
building value
for clients, employees
and stockholders.
58
ALEXANDRE MATHIAS AND
EDUARDO HALPERN
The authors of the article try to explain how many
institutions in the field of services are – intuitively
or deliberately – using the model SERVICE PROFIT
CHAIN – created by Professors James Heskett,
Earl Sasser Jr., and Leonard Schlesinger, of
Harvard Business School. Their ideas establish
direct and intense relations between profit,
growth, clients’ fidelity and satisfaction and the
value of the goods and services thus offered, to
the capacity, satisfaction, fidelity and productivity
of the employees of a given company.
O U T U B R O
D E
2003
The globalization of
Economiesand
transformations in the
Labor Marketduring
Post-Modern times
84
DURVAL MEIRELLES
ROBERTO GIL UCHOA
Progress in information technology, and its
influence in the advancement of communications,
have allowed for the fast development of
international trade during the last three decades.
Automation of corporate transactions and processes have resulted in productivity gains, resulting
from replacing man-made routines by bits and
bites, and in more standardized and higher quality
products. Based in recent studies as theoretical
reference, this article endeavors to focus – and
question – the role of the workers in the new global economy, which emphasizes increments in
actual financial flows.
Ponto de Vista
O EXECUTIVO
DE NEGÓCIOS
O
CUSTOMER MANAGEMENT CONSULTANT
gerenciamento de
clientes vem-se tornando fator crítico
de sucesso para as
empresas, elevando o status da área
comercial perante
as demais e valorizando seus executivos. Como decorrência, estudos e análises
vêm sendo desenvolvidos, visando detectar os fatores que determinam o sucesso
dos profissionais que atuam dentro desse
contexto comercial, que se torna cada vez
mais complexo e competitivo.Vejamos alguns movimentos do mercado: A
globalização intensificou e tornou comum a utilização de tecnologias comer-
ciais e a troca de informações sobre
Best Practices, tanto em empresas produtoras como comerciais. Sistemas
gerenciais, tecnologias comerciais e
processos operacionais estão passando de fatores de inovação para prérequisitos de negócios. Também no que
se refere a produtos, a inovação tem perdido espaço para a reprodução de conceitos, com pouca diferenciação, e baixo valor agregado. Os movimentos de
incorporações e fusões de empresas têm
concentrado progressivamente os negócios num número cada vez menor de
Big Players com grande influência no mercado e maior poder de barganha junto a
seus fornecedores. A combinação desses
fatores com a necessidade de resultado a
curto prazo das empresas vem transferindo grande parte de seus recursos financeiros, antes investidos em P&D, propaganda e promoções aos consumidores para atividades ligadas a canais de
distribuição e clientes, passando para a
área comercial a responsabilidade de
gerenciar esses recursos, e o sucesso da
empresa, a depender cada vez mais do
correto direcionamento estratégico e do
retorno desses investimentos. Como dirigir os negócios da empresa com sucesso dentro desse cenário desafiador?
Notamos em algumas operações de sucesso traços de gestão de negócios que
diferenciam seus executores e que merecem ser destacados. Citaremos alguns
dos mais relevantes:
v A DEFINIÇÃO DA ESTRATÉGIA
DE COMERCIALIZAÇÃO DA EMPRESA
qualificadas. Apresentam elevado senso analítico e de
julgamento, utilizados para identificar habilidades, competências e potencialidades na seleção dos recursos
humanos que compõem sua equipe e na distribuição
deles dentro da sua organização de vendas, conciliando
as necessidades de cada função com o perfil e expectativas de cada elemento. Sabem lidar e motivar o grupo, combinando perspectivas de desenvolvimento profissional e carreira com estímulos financeiros ligados
a performance, de forma a neutralizar conflitos e estimular o resultado do time, fazendo com que a
performance coletiva supere de forma expressiva a
soma do potencial individual de seus componentes.
Comandam seus times de vendas na liderança de
clientes, criando através da conduta profissional,
da credibilidade e do respeito um relacionamento
comercial aberto e propício à apreciação de propostas e planos de negócios.
oportunidades e eventos, dentro e fora do ambiente de
trabalho, para a troca de informações e ampliação do
conhecimento recíproco, de estratégias, visões de mercado,culturas,valores,expectativas de crescimento e convergência de planos de negócios. Mantém um canal permanente para a leitura de necessidades, demandas e
sugestões dos seus clientes, tais como: Como crescer?
Como melhorar? Como servir? etc. Antecipam, através
de informações e percepções dos clientes, movimentos
do mercado que podem ser convertidos em oportunidades de negócio para a empresa. Sabem gerar motivação e interesse, mantendo-os informados sobre o
direcionamento dos projetos comerciais prioritários da
empresa, criando expectativas favoráveis em relação a
sua participação nesses projetos.
O diferencial na gestão de clientes tem início dentro da
própria empresa na forma como sua estratégia de
comercialização é construída, definida e principalmente
como as demais áreas funcionais são envolvidas na sua
operacionalização.
Executivos de negócios diferenciados desenvolvem estratégias agressivas com a colaboração de seus pares, fazem-na aprovar pelos superiores, transformando-as em
projeto prioritário da empresa. Estimulam sua disseminação dentro da organização, divulgam seus objetivos, promovem a integração operacional das áreas de suporte internas com as equipes de vendas, compartilham os méritos em relação ao atingimento de seus resultados e mantêm todos motivados,assegurando que os pontos essenciais das estratégias sejam permanentemente
considerados no processo operacional da empresa.
v PERCEPÇÃO DOS
MOVIMENTOS DE MERCADO
v LIDERANÇA DE EQUIPES
DE VENDAS E CLIENTES
Esses executivos de negócios destacam-se pela capacidade de formar e manter equipes de vendas altamente
130
MARIO FRANCESCATO
REVISTA DA ESPM–
S E T E M B R O
/
O profissional diferenciado utiliza sua credibilidade pessoal, de sua equipe e da empresa para estreitar o relacionamento com clientes em todos os níveis. Promovem
O U T U B R O
D E
2003
v PAIXÃO PELO
CRESCIMENTO DO NEGÓCIO
Esses profissionais diferenciam-se pela sua relação com
a empresa, fazem parte de sua visão estratégica, são
extremamente dedicados aos negócios e emanam, contagiando seus pares, subordinados e clientes, verdadeira
paixão pelo crescimento e satisfação de estar sempre
surpreendendo pela superação de suas metas. ESPM