Garatuja na Educação Infantil Scrabble in early Childhood Education
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Garatuja na Educação Infantil Scrabble in early Childhood Education
Garatuja na Educação Infantil Mariana Gobbo (CESUMAR) [email protected] Alfred Douglas Drahein (CESUMAR) [email protected] Resumo: Abordamos neste artigo a manifestação e o papel da Garatuja na Educação Infantil. Tivemos por objetivos discutir a importância do desenho (garatuja) na Educação Infantil; conhecer as etapas do desenho e sua influência no desenvolvimento infantil, bem como analisar os desenhos infantis realizados por crianças do Maternal II, Jardim I e Jardim II em um Centro Municipal de Educação Infantil de Ponta Grossa (PR). Por meio das leituras realizadas, percebemos que o desenho contribui para o desenvolvimento infantil, e é necessário que o educador proporcione e direcione atividades em que as crianças possam elaborar seus desenhos. A presente pesquisa assume uma abordagem qualitativa em seus encaminhamentos metodológicos e apresenta uma análise de conteúdo dos desenhos elaborados pelas crianças de zero a seis anos de idade. Na realização da pesquisa, foi possível perceber a importância do desenho no desenvolvimento da criança e o desenvolvimento das etapas do desenho de acordo com os teóricos já mencionados acima. Palavras chave: Educação Infantil, Papel do Educador, Garatuja, Desenho. Scrabble in early Childhood Education Abstract We approached this article the expression and role of Scrabble in Early Childhood Education. We aimed to discuss the importance of drawing (scribbling) in kindergarten; know the stages of design and its influence on child development, as well as analyzing children's drawings made by children from Toddler II, Garden I and II in a Garden City Center Early Childhood Education from Ponta Grossa (PR). Through the readings we did, we realized that the design contributes to child development, and it is necessary that the educator provide and direct the activities in which children can develop their designs. This research takes a qualitative approach in their referrals and presents a methodological analysis of the content of drawings produced by children aged zero to six years old. In this research, we saw the importance of drawing on children's development and development stages of the design according to the theorists mentioned above. Key-words: Early Childhood Education, Role of the Educator, Scrabble, Drawing 1 Introdução A Educação Infantil é uma etapa de escolaridade que acolhe as crianças, buscando desenvolver seus potenciais nas perspectivas: física, afetiva, psicológica, social, intelectual. Todos esses aspectos necessitam ser desenvolvidos desde o nascimento do ser humano e durar por toda vida. Além de a Educação Infantil ser uma etapa escolar da criança pequena, é um espaço cultural que deve fazer parte da vida social das mesmas, uma vez que elas necessitam se socializar desde quando nascem. Para garantir essa situação, existe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no artigo 29 que aponta: A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (BRASIL, 1998, s/d). Compreendendo a importância da primeira etapa da Educação Básica na infância, percebemos que a lei prioriza o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade¹, que em diversos aspectos complementa a ação da família e da comunidade. A lei citada aponta para um novo caminho a ser percorrido pelo profissional da área da Educação Infantil. Caminho esse que deve contribuir efetivamente para o desenvolvimento integral da criança na sociedade em que vive. Visto que, para o desenvolvimento da criança, se exige inúmeras características que são próprias dessa faixa etária. O professor da Educação Infantil necessita de uma formação inicial consistente e voltada para atender às necessidades da criança pequena. Para tanto, é importante que o professor da Educação Infantil conheça as etapas de desenvolvimento do desenho da criança, pois, esta é a primeira maneira da criança se expressar. Vejamos como se conceitua etimologicamente a palavra garatuja que, segundo o Dicionário Houaiss (2001), “apresenta letra ruim, disforme, pouco ou nada inteligível; desenho tosco, malfeito”. Na contramão do conceito expresso no dicionário, Marino (1957) e Vigotsky (1989) apresentam o desenho (Garatuja) como a primeira representação escrita da criança. Nesse sentido, focamos o desenho como uma atividade importante a ser trabalhada nessa etapa escolar (Educação Infantil). 1 A Emenda Constitucional número 053/2006 em seu artigo 208 coloca como pertinentes à Educação Infantil as crianças de zero a cinco anos de idade. O tema “Garatuja na Educação Infantil”, escolhido por nós, é consequência das experiências em sala de aula e das observações realizadas durante o curso de Pedagogia. Por meio dessas vivências, percebemos que alguns professores não dão a devida importância aos primeiros rabiscos produzidos pelas crianças, pulando a etapa da garatuja redirecionando para a elaboração de letras ditas “corretas”. O desenvolvimento infantil acontece de forma organizada, e cada etapa de sua evolução é importante para que a criança desenvolva seus potenciais e sua forma de expressão dentro do mundo (VYGOTSKY, 1989). Todos os rabiscos realizados na infância surgem como uma tentativa de representar, por parte das próprias crianças, a percepção do mundo em que vivem e das coisas que veem e chamam sua atenção. Os rabiscos e desenhos das crianças são diferentes de acordo com a faixa etária à qual pertencem, ou seja, cada fase da infância possui uma característica de desenho. Por meio das leituras realizadas, percebemos que o desenho contribui para o desenvolvimento infantil. Assim, é necessário que o professor proporcione e direcione atividades em que as crianças possam elaborar seus desenhos. Nesse sentido, o problema que norteou a pesquisa foi: “Qual a importância do desenho no desenvolvimento infantil?”. Uma vez que é por meio da elaboração dos desenhos que as crianças se desenvolvem e exercitam sua criatividade. É importante investigarmos esse tema, pois percebemos que em algumas realidades há certa carência no entendimento da importância de se valorizar a etapa em que se iniciam os rabiscos (desenhos das crianças), principalmente por parte dos educadores, o que torna relevante tal pesquisa. Nesse contexto o presente artigo teve por objetivo geral discutir a importância do desenho (garatuja) na Educação Infantil; conhecendo as etapas do desenho e sua influência no desenvolvimento infantil bem como identificar as etapas dos desenhos realizados por crianças da Educação Infantil; buscando discutir o papel do professor em relação ao desenho na Educação Infantil. Buscamos desenvolver uma metodologia de pesquisa com abordagem qualitativa baseada em análises de conteúdo. Optamos pela abordagem qualitativa, tendo em vista que é uma forma de compreender como se dá o desenvolvimento de um fato, no caso, como se desenvolve o desenho na Educação Infantil. Como afirma Richardson (1989, p. 38), a abordagem qualitativa é “[...] uma forma adequada para entender a natureza de um fenômeno social”. 2. O Desenho e a Criança na Educação Infantil. Desde o nascimento as crianças vão conhecendo o mundo e gradativamente tendo uma percepção maior dele. Nessa percepção, buscam representar sua interpretação do mundo, principalmente por meio de traços aparentemente sem nexo, denominados garatuja. Assim, resgatamos Pereira (2009, p. 3), que nos diz que: “o desenho é precedido pela garatuja”. Tudo o que a criança desenha representa o que ela descobriu dentro do meio em que está inserida e de sua interpretação. Ainda nas palavras de Pereira (2009, p. 3), podemos “afirmar que a garatuja é a visão que a criança tem sobre o mundo”. A criança pode relacionar a realidade com seu desenho, o qual surge da sua imaginação. Quando as crianças descobrem o desenho, elas os realizam por meio da movimentação de todo o corpo e não apenas as mãos. Com todo esse movimento, ela realiza seus traços e suas formas. Atividade em que encontra uma forma de linguagem e de expressão. Segundo Pereira (2009, p.3) em seu estudo da perspectiva histórico-cultural de Vygotsky, ele afirma que o desenvolvimento do grafismo infantil necessita primeiramente do domínio motor; assim, com o movimento, a criança percebe que pode estar gravar seu ato no papel ou em outra superfície. Posteriormente, a criança desenha falando, assim os desenhos serão reconhecidos com identificação do que foi representado. Segundo Marino (1957), no que se refere ao desenvolvimento do ato de desenhar, e ao que se considera necessário para desenhar, inicialmente a criança não consegue pegar objetos, mas ao completar um mês se interessa pelos objetos, porém ainda não os movimenta; depois os movimenta de forma automática, sem uma direção; após esse processo ela direciona, por exemplo, a mamadeira à boca. Dessa forma, os primeiros rabiscos ditos voluntários podem aparecer com onze meses de idade. A criança não tem noção do tamanho do papel, por exemplo, ela não possui o desejo de desenhar em todo o espaço, mas sim desenha por prazer. Marino (1957) ainda afirma que, com um ano e sete meses, a criança executa seu desenho espontaneamente, buscando representar de forma natural. Marino (1957, p. 29) então cita que aí “nasce o desenho como linguagem”. Assim, o desenho infantil se relaciona com o desenvolvimento mental da criança; então, aos dois anos, ela ainda realiza os desenhos por prazer, com traços amontoados, denominados rabiscos ou garatuja. Marino aponta algumas etapas quanto ao desenvolvimento do desenho infantil. Vejamos a seguir essas etapas. Primeira etapa: É da Etapa da Garatuja, que engloba as idades de dois até três ou quatro anos. Nesta etapa, a criança rabisca ainda por prazer, e seus rabiscos podem se encontrar de forma aglomerada. A garatuja é um tipo de brinquedo para a criança, e o professor deve aproveitar este desejo por brincar (desenhar) para, por exemplo, desenvolver a linguagem oral da criança. E uma maneira de se realizar estas atividades é solicitar que a criança explique seu desenho. Marino (1957, p. 125) afirma: “As garatujas deverão ser feitas no papel, nos quadros negros dispostos pela parede, usando lápis e giz de cera ou outro material”. Segunda etapa: É a Etapa da Linha, quando a criança tem aproximadamente quatro anos, momento este que a criança já possui certo controle visual, desaparecendo a garatuja. Nesta etapa, o desenho da criança possui certa familiaridade com o meio externo, como, “[...] um círculo com dois pontos dentro representam a cabeça e as pernas” (MARINO, 1957, p. 29), porém dificilmente apareceria mais um círculo representando o corpo, e dois riscos representando os braços. É muito importante deixar que as crianças desenhem livremente. A criança é capaz de se expressar oralmente com mais facilidade do que na etapa da garatuja. Então os desenhos terão mais relação com o seu mundo, com objetos, animais e figuras humanas. Nesta etapa “o professor deverá sempre associar a linguagem oral ao desenho [...]” (MARINO, 1957, p. 126). Ou seja, tanto a linguagem oral quanto o desenho podem ser trabalhados paralelamente. O professor também pode contar pequenas histórias para que as crianças representem graficamente algo que chamou sua atenção. Terceira etapa: É a Etapa do Esquematismo, também conhecida como Etapa do Simbolismo, abrange as idades de cinco até sete anos. Inicialmente aos cinco anos, a criança já representa de forma geral a figura humana (cabeça e corpo). Já aos seis ou sete anos, ela passa a acrescentar ao desenho da figura humana os braços e as pernas, não havendo diferenciação entre homem e mulher. Esta fase é como uma forma de prepara para a linguagem escrita. A criança, a partir de suas observações, passa a sentir necessidade de utilizar outra forma de expressão, no caso, a escrita. Porém, ainda é necessário que o professor desenvolva atividades para continuar desenvolvendo o desenho, por exemplo, levar a classe para um passeio, em que as crianças estarão observando o meio visitado, e depois expondo sua reflexão do observado por meio do desenho. Quarta etapa: É conhecida como a Etapa do Realismo Lógico ou Mental, quando a criança possui de sete a oito anos, ela possui o desejo de representar um realismo maior, desta forma a criança desenha aquilo que sabe dos objetos, seguindo sua imaginação. Segundo Marino (1957, p. 31), “O desenho nesta fase, não apresenta elementos de perspectiva, de corpo, de espaço, de relevo, de capacidade e terceira dimensão”. Quinta etapa: É a Etapa do Realismo Visual, que vai dos nove aos dez anos de idade. Nesta fase, ela substitui o realismo lógico pelo visual e sabe fazer a distinção entre o que vê e o que sabe. Ela passa a desenhar paisagens. Sexta etapa: É a Fase da Regressão, em que já não se encontram as crianças, mais sim os adolescentes de treze ou catorze anos. Nesta fase, há um “estacionamento” do desenho, havendo um maior interesse por expressar suas ideias pela linguagem falada, e não pelo desenho. Sétima etapa: Conhecida como a Etapa do Renascimento, inicia-se aos quinze anos, quando o adolescente dá um caráter artístico a seu desenho. Desenhar é uma forma de fixar o pensamento em algum lugar, então o ato de desenhar é uma forma de representar. O desenho na Educação Infantil pode ser o marco inicial, podemos compreender que o desenho realizado pela criança é sua escrita inicial. Considerando que, por meio do estudo de um desenho, podemos perceber o que o autor está sentindo, o que está pensando, o que deseja, e a reflexão do que observa, por exemplo, é que a criança não copia o que vê, mas sim o que pensa sobre o mundo a seu redor. Desta forma, o desenho é uma linguagem escrita, assim como a própria escrita de letras e textos. O desenho infantil possui características próprias, as quais podem ser percebidas de forma semelhante, de acordo com a faixa das crianças. Marino denominou essas características didaticamente, sendo elas: transparência, rebatimento, pormenores funcionais, egocentrismo, sincretismo no tempo e espaço, dinamismo, sobreposição e rigidez dos bonecos. A seguir, está a descrição de cada característica, de acordo com Marino (1957, p. 49). Transparência: o desenho transparente significa que a criança desenha o que pensa. Está presente na fase do realismo mental ou lógico. O desenho de uma casa, por exemplo, pode visualizar tudo o que se encontra dentro dela, pois as paredes são “transparentes”. Aqui as crianças possuem de oito a dez anos. Rebatimento: a criança rebate um desenho que esteja no plano vertical para o horizontal, ou vice-versa. O rebatimento é uma técnica encontrada pela criança “para dar ao desenho uma maior soma de pormenores funcionais”. Pormenores funcionais: a criança escolhe os pormenores de acordo com sua função e o interesse que tem sobre ele. Assim, em seu desenho, ela dará destaque naquilo que mais interessa. Como acontece com o adulto, no momento em que ao pronunciar uma frase, dá destaque na voz, naquilo que mais lhe interessa. Egocentrismo: uma criança é egocêntrica quando tem a si mesma como o centro do Universo. Este acontecimento na infância é muito presente e marcante na fala e nas ações. Já no desenho infantil, o egocentrismo é uma reação ao que o adulto lhe apresenta. Segundo Marino (1957, p. 54), “[...] manifesta-se na prática precoce do desenho natural, e, na cópia dos desenhos de adultos ou de fotografias, desconhecendo as deformações da perspectiva, as abandona”. Sincretismo: esta característica pode trazer certa falta de lógica ao desenho infantil, pois a criança pode desenhar situações, ou objetos quase que impossíveis de serem observados no mesmo espaço ou lugar. Dinamismo: a criança interessa-se muito pelos movimentos e pelos objetos. Então pode desenhar um avião se movimentando, por meio de riscos. Sobreposição: o desenho de uma criança pode aparecer de forma solta no espaço, um sobre o outro, sem noção de espaço e de dimensão. Rigidez: mesmo com o dinamismo, encontra-se também certa rigidez nos desenhos. Por exemplo, ao desenhar os bonecos como seres humanos, os braços e as pernas são esticados como se não houvesse movimentação alguma. Enfim, diante de tantas características que compõem o desenho das crianças podemos afirmar que o desenho infantil é uma linguagem autêntica da infância. 3. Caracterização da Unidade Escolar Abordaremos o contexto da instituição em que foi realizada a coleta dos desenhos. Trata-se de um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI), situado na cidade de Ponta Grossa (PR). O CMEI em questão possui um total de 137 alunos com idades entre um e cinco anos. A escola possui seis salas de aula, divididas em: uma sala de Berçário e Maternal l juntas, uma sala de Maternal ll, duas salas de Jardim l e duas salas de Jardim ll. O Berçário e o Maternal contam com duas professoras auxiliares que colaboram em todas as atividades com a professora, e as outras turmas possuem uma professora corregente. O CMEI procura trabalhar a realidade social e cultural do meio em que está inserida, oferecendo aos alunos, durante o tempo de permanência no local, educação, cuidados e segurança, já que a maioria deles fica em período integral no CMEI. Justificamos tal pesquisa no CMEI, considerando que, diante do que aprendemos no decorrer dos quatros anos de curso, acreditamos que o desenho pode ser visto como uma estratégia pedagógica a ser utilizada pelo professor que atua na Educação Infantil, e, assim, contribuir com o desenvolvimento integral da criança. A Educação Infantil vive hoje um novo período, um momento de grande importância para as crianças, pois ela está sendo valorizada, necessitando que os professores tenham formação e requisitos para mediar suas experiências e ajudá-las no processo de desenvolvimento e aprendizagem. A Proposta Pedagógica do CMEI cita que: mudar tal forma de educação assistencialista significa atender para várias questões que vão muito além dos aspectos legais. Significa assumir especificidades da Educação Infantil, concepções sobre a infância, as relações entre as classes sociais, as responsabilidades da sociedade e o papel do estado diante das crianças pequenas. (2008, p. 11). Além de afirmar que a Educação Infantil é fundamental no desenvolvimento escolar do aluno, é a etapa em que a criança começa a interagir com as suas primeiras descobertas. A Proposta Pedagógica do CMEI valoriza a identidade pessoal e social das crianças, proporcionando um espaço educativo e estimulante, possibilitando a ampliação de conhecimentos acerca de si e dos outros. No processo de construção do conhecimento, as crianças utilizam-se das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem ideias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar. Nessa perspectiva, elas constroem o conhecimento a partir das interações que estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que vivem. “O conhecimento não se constitui em cópia da realidade, mas sim, o fruto de um trabalho intenso de criação e significação” (RCNEI, 1998, V.1, p. 21-22). 4. Análise das Garatujas na Educação Infantil Por meio do levantamento teórico apresentado anteriormente, resgataremos para a análise das garatujas alguns conceitos para explicitar de maneira mais profícua os desenhos realizados pelas crianças sendo possível conhecer e identificar a personalidade delas, seu caráter, sua visão sobre o mundo, sua visão sobre si mesma, e também suas carências e necessidades. A abordagem utilizada nesta pesquisa foi a qualitativa, pois não tivemos intenção de numerar aspectos, mas sim de “entender a natureza de um fenômeno social” (RICHARDSON, 1989, p.38). A pesquisa qualitativa, conforme Richardson (1989, p. 90), pode ser caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentados”. Dentro da abordagem qualitativa, realizamos uma análise de conteúdo, que segundo Richardson (1989, p. 230) corresponde a uma análise das informações coletadas. Diz respeito à análise sobre as mensagens que contém os documentos e tem como objetivo básico: “[...] manipular mensagens e testar indicadores que permitam inferir sobre uma realidade diferente daquela da mensagem”. Assim pôde-se comprovar a abrangência e a profundidade que oferece o estudo em conteúdos escritos. Nesta pesquisa, fizemos uma análise nos desenhos das crianças de Educação Infantil. Os documentos analisados se constituem em seis desenhos (sendo um de cada criança) realizados por crianças de um centro municipal de Educação Infantil de Ponta Grossa (PR). As idades das crianças são: dois anos, dois anos e seis meses, quatro anos, quatro anos e seis meses, cinco anos e cinco anos e seis meses. Para mencionar estas crianças na redação do trabalho, utilizamos pseudônimos. As etapas da metodologia utilizada para a análise dos desenhos organizaram-se, segundo Richardson (1989) da seguinte forma: 1) Pré-análise: nessa etapa, foram realizadas a leitura do material e a escolha dos desenhos a serem analisados. Os critérios adotados para selecionar os desenhos foram a partir do material disponível em três turmas em um Centro Municipal de Educação Infantil. Os desenhos perfizeram um total de sessenta, dos quais selecionamos dois de cada sala de aula, que representavam às etapas de desenvolvimento do desenho segundo Marino (1957), Vygotsky (1989) e Luria (1988). 2) Análise do material: os desenhos selecionados foram analisados à luz dos referenciais teóricos, principalmente sob a ótica de Marino (1957), Vygotsky (1989) e Luria (1988). 3) Tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação: após a compreensão do referencial teórico, a interpretação dos desenhos se deu conforme o exposto pelos teóricos já citados. Assim, ao analisarmos os desenhos das crianças, percebemos a importância que elas têm na Educação Infantil e a influência no desenvolvimento social e cognitivo dos pequenos. Fonte: O Autor Figura 1 – 1ª Etapa: Garatuja A aluna Luana, que está com dois anos de idade, é integrante do Maternal II. Ela realizou, no dia 25 de abril de 2011, o desenho acima; de acordo com nossa pesquisa, ele se encaixa na Primeira Etapa: Garatuja de acordo com Marino (1957), nessa primeira etapa, que é o desenvolvimento do desenho infantil, a criança rabisca por prazer, e seus rabiscos podem se encontrar de forma aglomerada e sem finalidade aparente, pois é por meio dos seus movimentos musculares que ela sente prazer ao realizar seus rabiscos. Marino (1957, p. 125) afirma: “As garatujas deverão ser feitas no papel, nos quadros-negros dispostos pela parede, usando lápis e giz de cera ou outro material”. Nas palavras de Vygotsky (1989), desenhos com essas características de rabiscos aglomerados estão presentes na etapa simbólica, em que as crianças desenham objetos que estão em sua memória, não se preocupando com a fiel representação do objeto desenhado. Luria (1988) afirma que o importante é que as crianças relacionem os rabiscos (garatujas), com um objeto qualquer de referência, como forma de se expressarem e de produzirem algum significado. Tudo o que a criança desenha representa o que ela descobriu dentro do meio em que está inserida e de sua interpretação. Nas palavras de Pereira (2009, p. 3), podemos “afirmar que a garatuja é a visão que a criança tem sobre o mundo”. A criança pode relacionar a realidade com seu desenho, que surge da sua imaginação. Conforme as características do desenho apontadas por Marino (1957), o desenho de Luana se apresenta de forma solta, um sobre o outro, sem noção de espaço e de dimensão, sendo denominado de Sobreposição. Fonte: O Autor Figura 2 – 1ª Etapa: Garatuja O aluno Lucas, que está com dois anos e seis meses, é integrante do Maternal II. Ele realizou, no dia 25 de abril de 2011, o desenho acima. Como no desenho anterior, realizado por Luana, este desenho também se encontra na primeira etapa, denominada Garatuja, em que a criança desenha por prazer realizando “rabiscos”, de acordo com Marino (1957). Nessa primeira etapa, o desenvolvimento do desenho infantil, a criança rabisca por prazer, e seus rabiscos podem se encontrar de forma aglomerada e sem finalidade aparente, pois é por meio de seus movimentos musculares que ela sente prazer e realiza seus rabiscos. Notamos, no segundo desenho, que o aluno Lucas já utiliza uma maior diversidade de cores. A característica deste desenho, baseado nas leituras de Marino (1957) é que este desenho se apresenta de forma solta, um sobre o outro, sem noção de espaço e de dimensão, sendo denominado de Sobreposição. De acordo com Vygotsky (1989), esse desenho possui características da etapa simbólica, buscando representar o que está em sua memória sem muitas preocupações com a imagem real dos objetos. Essas características de rabiscos aglomerados estão presentes na etapa simbólica, em que as crianças desenham objetos que estão em sua memória, não se preocupando com a fiel representação do objeto desenhado. Fonte: O Autor Figura 3 – 2ª Etapa: Linha O aluno Matheus, que tem quatro anos, é integrante do Jardim I. Ele realizou esse desenho no dia 25 de abril de 2011. Podemos perceber que o menino fez um traçado circular referendando a cabeça, de onde saem os braços e as pernas, além de representar também o cabelo, a barba e os óculos. Nessa fase, ele já tem uma noção de alguns detalhes do rosto e do corpo. Segundo Marino (1957), esta criança, considerando sua idade e as características de seu desenho, se enquadra na Etapa da Linha. Nessa, a criança tem aproximadamente quatro anos, e apresenta um certo controle visual, desaparecendo a fase da garatuja. Seu desenho possui certa familiaridade com o meio externo, por exemplo, já desenha um círculo com dois pontos dentro representando a cabeça e as pernas, mas raramente apareceria mais um círculo representando o corpo e dois rabiscos representando os braços. A característica deste desenho, baseado nas leituras de Marino (1957) é que este desenho se apresenta com certa rigidez, por exemplo, ao desenhar os bonecos como seres humanos apresentam os braços e as pernas esticados como se não houvesse movimentação alguma, denominado de Rigidez. É muito importante deixar que as crianças desenhem livremente. Na Etapa da Linha, a criança já é capaz de se expressar oralmente com mais facilidade do que na Etapa da Garatuja. Então os desenhos terão mais relação com o seu mundo, com objetos, com animais e com figuras humanas. Nesta etapa, “o professor deverá sempre associar a linguagem oral ao desenho [...]” (MARINO, 1957, p. 126). A característica deste desenho, baseado nas leituras de Marino (1957) devido ao fato de que as crianças se interessam muito pelos movimentos e pelos objetos, denominada de Dinamismo. Segundo Vygotsky (1989), desenhos com tais características estão presentes na etapa simbólico-formalista, que possuem maior aproximação com a realidade representada. Neles, percebemos maior elaboração das formas e dos traços. Ou seja, os desenhos ainda apresentam vestígios “simbólicos”, porém já trazem uma representação mais realista do que se deseja representar; assim, é mais fácil para outras pessoas interpretarem tais desenhos. Fonte: O Autor Figura 4 – 2ª Etapa: Linha A aluna Lúcia, que tem quatro anos e seis meses, é integrante do Jardim I. Ela realizou esse desenho no dia 25 de abril de 2011. Nele, pode-se notar características de Etapa da Linha, de acordo com Marino (1957); também percebemos que a criança já demonstrou mais cuidado ao representar detalhes do corpo humano, separando os membros. Além de desenhar rostos, olhos, boca, cabelos, braços, mãos, notamos que o cabelo diferencia o sexo masculino do feminino. Bem como as cores usadas pela menina, que dão o tom do gênero masculino e o feminino. No primeiro desenho, ela utiliza a cor marrom para delimitar o corpo; nos braços e nas mãos, ele utiliza a cor verde. No segundo desenho ela projeta o cabelo comprido e, no corpo, ela utiliza a cor rosa para identificar o gênero feminino. No terceiro desenho, ela utiliza a cor azul para delimitar o gênero masculino. Enfim, notamos o uso de cores para a representação da diferença de gênero. A característica deste desenho, baseado nas leituras de Marino (1957) é que este desenho se apresenta com certa rigidez, por exemplo ao desenhar os bonecos como seres humanos apresentam os braços e as pernas esticados como se não houvesse movimentação alguma, denominado de Rigidez. De acordo com Vygotsky (1989), esse desenho pertence à etapa simbólicoformalista, que possui maior aproximação com a realidade representada, tendo maior elaboração das formas e dos traços. Ou seja, os desenhos ainda apresentam vestígios “simbólicos”, porém já trazem uma representação mais realista do que se deseja representar. Assim, é mais fácil para outras pessoas interpretarem tais desenhos. Fonte: O Autor Figura 5 – 3ª Etapa: Esquematismo O aluno João, que tem cinco anos, é integrante do Jardim II. Ele realizou esse desenho no dia 25 de abril de 2011. De acordo com Marino (1957), essa criança se encontra na etapa do simbolismo-esquematismo, pelas características de seu desenho. Essa etapa engloba crianças de cinco a sete anos. Marino (1957) afirma que, nessa etapa, a criança desenha de forma geral a figura humana, já acrescentando os braços e as pernas. Essa fase é como uma forma de preparo para a linguagem escrita. A criança, através de suas observações, passa a sentir necessidade de utilizar outra forma de expressão, no caso a escrita. Porém, ainda é necessário que o professor crie atividades para continuar desenvolvendo o desenho, por exemplo, levar a classe para um passeio, em que as crianças estarão observando o meio visitado, e depois expondo sua reflexão do observado por meio do desenho. Este desenho tem as características de Pormenores Funcionais, de acordo com Marino (1957), pois a criança ao fazer seu desenho destaca o que mais lhe interessa e de acordo com sua função. De acordo com Vygotsky (1989), esta seria a etapa formalista-veraz, ocorrendo a verdadeira representação do objeto observado. Nela, o simbolismo presente nas duas primeiras etapas desaparece e, assim, a representação é mais fiel à realidade. As propostas vygotskyanas desenvolvidas em sala de aula, geralmente, apresentamse embasadas em pressupostos teóricos que valorizam o conhecimento como algo pessoal, inacabado, passível de transformações, que pode ser construído especialmente por meio da interação do indivíduo com o meio físico e social. No desenho do aluno João, percebemos que a criança já representa de forma geral a figura humana. Nele encontramos um interesse por aventuras, sendo comprovado pelo desenho de um disco voador e de outros elementos encontrados no céu, em que a criança buscou representá-los por meio de sua imaginação. Nas palavras de Marino (1957), o desenho constitui o mais seguro caminho para se atingir a estrutura do pensamento infantil, a marcha do seu raciocínio, as formas de sua lógica, levando sempre em consideração os comentários da criança quando se pretende interpretar sua mentalidade (MARINO, 1957, p.25). Fonte: O Autor Figura 6 – 3ª Etapa: Esquematismo A aluna Júlia tem cinco anos e seis meses, é integrante do Jardim II. Ela realizou esse desenho no dia 25 de abril de 2011. Ela ainda se encontra na etapa do esquematismo, de acordo com Marino (1957) Em seu desenho, notamos que ela já representa a figura humana, acompanhada de características do símbolo feminino, como pulseiras, flores e os rabicós presentes no penteado. Também percebemos no desenho a tentativa de escrita pela criança, sendo: “A escrita é uma dessas técnicas auxiliares usadas para fins psicológicos, a escrita constitui o uso funcional de linhas, pontos, e outros signos para recordar e transmitir ideias e conceitos” (LURIA, 1988, p. 146). A criança passa a sentir necessidade de utilizar outra forma de expressão além do desenho. Assim ela imita a escrita do adulto, como vemos no desenho anterior. Este desenho tem as características de Pormenores Funcionais, de acordo com Marino (1957), pois a criança ao fazer seu desenho destaca o que mais lhe interessa e de acordo com sua função. De acordo com Vygotsky (1989), esse desenho pertence à etapa do formalista-veraz, em que o simbólico é deixado de lado, dando espaço à verdadeira representação do objeto observado. Assim, temos uma representação mais próxima da realidade. Percebemos por meio do desenho a fiel representação da pessoa humana, como os cinco dedos das mãos, os braços e as pernas, vestuário etc. Segundo a classificação de Marino (1957) e Vygotsky (1989), podemos afirmar o desenvolvimento do desenho infantil depende do desenvolvimento mental, e este depende da aprendizagem. Podemos também dialogar com Luria (1988), quando ele afirma que a história da escrita entre os pequenos pré-escolares começa antes que eles comecem a escrever suas primeiras palavras Segundo as concepções de Vygotsky (1989), o indivíduo adquire informações por meio da problematização, do levantamento de hipóteses, da compreensão, do contato com a realidade, com o meio ambiente, com outras pessoas, enfim, com as interações que realiza. 5. Considerações finais Percebemos, após as análises dos desenhos das crianças, que elas utilizam essa forma de registro para se expressarem. Notamos o grande desenvolvimento que ocorre de uma etapa de registro do desenho da criança para outra, e a importância da atuação de um professor mediador que conheça as características particulares de cada fase da evolução do grafismo. Durante a pesquisa foi possível compreender que as crianças têm interesse em desenhar, bem como pudemos perceber a importância da atividade do desenho presente na sala de aula. Também foi possível conhecer o desenvolvimento do grafismo infantil por meio do estudo de renomados pesquisadores como Marino (1957) e Vygotsky (1989). Entendemos que o desenho traz grandes contribuições para o desenvolvimento infantil, além de ser uma oportunidade para que as crianças possam expor sua visão de mundo e expressar-se Compreendemos a grande responsabilidade do professor da Educação Infantil diante das atividades desenvolvidas em sala de aula, inclusive do desenho que foi visto como um recurso didático, que merece atenção e destaque. Ele precisa permitir um ambiente favorável ao trabalho do desenho infantil. Ao longo de nossa experiência diária em sala de aula, nós nos deparamos com diferentes educadores atuando na Educação Infantil, e consequentemente com diferentes metodologias de ensino. Nesta perspectiva, consideramos que é natural cada professor ter sua linha de trabalho; no entanto, é indispensável que todos os educadores compreendam sua função na Educação Infantil de cuidar e educar, respeitando o desenvolvimento de cada criança e intervindo nas situações necessárias para que ocorram a aprendizagem e a socialização. O educador é o principal responsável pela construção de um ambiente que favoreça o desenvolvimento infantil, proporcionando experiências prazerosas nas instituições de ensino. Porém, para tais compreensões mencionadas anteriormente, foi necessário atingir os objetivos elencados no início deste trabalho. O primeiro objetivo específico propôs o conhecimento das etapas do desenho e a sua influência no desenvolvimento infantil. Só foi possível atingir tal objetivo após as leituras de estudos e renomados pesquisadores Marino (1957), Vygotsky (1989) e Luria (1988), a partir das quais pudemos compreender que o desenho infantil é uma das primeiras e principais formas de representação utilizadas pelas crianças e segue das Garatujas até desenhos mais elaborados e precisos. O segundo objetivo específico se refere à identificação das etapas dos desenhos realizados pelas crianças de um centro municipal de Educação Infantil de Ponta Grossa (PR), de acordo com os estudiosos mencionados anteriormente. O último objetivo específico se refere à discussão do papel do professor em relação ao desenho na Educação Infantil, pois o professor precisa conhecer as etapas do desenho para dar a devida importância ao mesmo, dialogando e sendo um mediador da aprendizagem do aluno. Só foi possível atingir esse terceiro objetivo a partir de leituras de trabalhos desenvolvidos por alguns estudiosos além de buscar embasamento dos documentos legais. Com os resultados obtidos, conhecemos as etapas de desenvolvimento do desenho da criança, sendo o desenho uma forma de representação utilizada pela criança para se comunicar com o mundo. Assim, esta pesquisa contribuiu para que professores de Educação Infantil, estejam mais sensíveis para os desenhos infantis, dando-lhes maior importância. Referências BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. L8069. Disponível <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 15 jun. 2011. em: ______. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2011. ______. Ministério da Educação e Cultura. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. v.1. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2011. HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. LURIA, Alexander Romanovich. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VYGOTSKY, L. S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 2. ed. São Paulo: Ícone/EDUSP, 1988. p. 143-189. MARINO, Divo. O desenho da criança. São Paulo: Ed. do Brasil, 1957. PEREIRA, Lais de Toledo Krucken. O desenho infantil e a construção da significação: um estudo de caso. 2009. Disponível em: <http://portal.unesco.org/culture/en/files/.../laiskrucken-pereira.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2011. PONTA GROSSA. Projeto Político Pedagógico do Centro de Educação Infantil Luís Pereira Cardoso. Secretaria Municipal de Educação: Ponta Grossa (PR), 2008. RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1989. VIGOTSKII, Lev Semenovich; LEONTIEV, Alexis N.; LURIA, Alexander Romanovich. 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