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2 0 0 5 e v i s t a d a ISSN – 1676-1316 REVISTA DA ESPM – VOLUME 12 – ANO 11– EDIÇÃO N o 3 – MAIO/JUNHO 2005 – PREÇO R$ 26,00 CASE-STUDY BANCO REAL “ TALENTOS DA MATURIDADE” O novo mundo da maturidade LUIZ EDMUNDO PRESTES ROSA Sonhos e lembranças FRANCISCO GRACIOSO Velho, este desconhecido MARIA AUGUSTA BLECHER 1 2 – A N O 1 1 – E D I Ç Ã O N O 3 M A I O / J U N H O D E R Velho: o novo hit da sociedade do conhecimento ? VELH S O O último dia ALEXANDRE MATHIAS E MARCO DALPOZZO Criando real valor para clientes Três modelos de valor comprovados NEIL RACKHAM E JOHN DEVINCENTIS Anúncios honestos J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO/BEATRIZ PENTEADO R E V I S T A D A E S P M – V O L U M E RICARDO GUIMARÃES MESA REDONDA LONGEVIDADE: AS DUAS FACES DA MOEDA JÁ ENTREVISTA ELES PASSARAM DOS 80 Editorial EXPEDIENTE CONSELHO EDITORIAL Francisco Gracioso – Presidente Alex Periscinoto Alexandre Gracioso Jacques Marcovitch J. Roberto Whitaker Penteado LUCIDEZ CONTUNDENTE EDITOR J. Roberto Whitaker Penteado MTB no 178/01/93 e-mail: [email protected] COORDENAÇÃO EDITORIAL Lúcia Maria de Souza PROJETO GRÁFICO E CAPA Miriam Duenhas FOTOS NÃO CREDITADAS Keystone e clipart.com REVISÃO Anselmo Teixeira de Vasconcelos Antonio Carlos Moreira PUBLICIDADE Amadeu Nogueira Paulo Tamanaha e-mail: [email protected] IMPRESSÃO Editora Referência Rua François Coty, 228 – CEP 01524-030 Tel.: (11) 6165-0766 – Fax: (11) 272-6921 e-mail: [email protected] REDAÇÃO Rua Dr. Álvaro Alvim, 123 São Paulo – SP – CEP 04018-010 Tel.: (11) 5085-4508 – Fax: (11) 5085-4646 e-mail: [email protected] DISTRIBUIDOR EXCLUSIVO Fernando Chinaglia Distribuidora S/A REVISTA DA ESPM – uma publicação bimestral da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores. Professores, pesquisadores, consultores e executivos são convidados a apresentarem matérias sobre suas especialidades, que venham a contribuir para o aperfeiçoamento da teoria e da prática nos campos da administração em geral, do marketing e das comunicações. Informações sobre as formas e condições, favor entrar em contato com a coordenadora editorial. A o contrário do que pensam muitos de nós, a lucidez e a sabedoria não são apanágio dos mais velhos. A prova disso está nos artigos e pronunciamentos que fazem parte desta edição, ricos em sabedoria e escritos ou feitos por pessoas na flor da idade. Mas não há dúvida de que a velhice traz consigo aquela espécie de “lucidez contundente” de que falava Pirandello, e que torna os mais velhos capazes de enxergar as coisas através de um filtro mágico que elimina a influência das emoções. Lembrei-me disso na entrevista com José Mindlin, que aparece nesta edição. Mindlin é um lendário empresário de 91 anos que se tornou um grande bibliófilo. Perguntei a ele que conselho daria ao jovem tenente retratado por Dino Buzatti em seu livro O deserto dos tártaros. No início do livro, o jovem tenente dirige-se a cavalo para a fortaleza onde iria ficar durante 30 anos, num serviço de guarnição inútil e frustrante. O jovem tenente passa por um velho oficial que descia a montanha, acabrunhado, depois de cumprir os seus 30 anos [de serviço inútil e frustrante]. Minha pergunta a Mindlin foi: “Se você fosse o (muito “velho”!) oficial, que conselho teria dado ao jovem tenente?” Sabem o que Mindlin respondeu? “Eu diria ao jovem tenente – como diria a todos os jovens no começo da vida – que experimente se quiser, mas se não gostar não fique. A juventude é muito preciosa para ser desperdiçada.” Moral da história: Os jovens podem não gostar dos conselhos dos mais velhos, mas a sabedoria e a lucidez da velhice ajudam-nos a não repetir os erros que os velhos cometeram quando jovens. Se não houvesse outras razões, bastaria essa para agradecermos a longevidade que torna, hoje, mais comum e mais frutífero o convívio entre as gerações. Francisco Gracioso PARA ASSINAR, LIGUE: (0XX11) 5085-4508 OU MANDE UM FAX PARA: (0XX11) 5085-4646 SE PREFERIR, ACESSE O SITE: WWW.ESPM.BR 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 1234567890 Índice O mundo novo da maturidade LUIZ EDMUNDO PRESTES ROSA Um novo mundo maduro, com mais idosos do que jovens, vai provocar expressivas mudanças em nossas formas de pensar e agir, transformando os padrões de vida, o consumo e a gestão empresarial. Sonhos e lembranças FRANCISCO GRACIOSO O artigo fala do passado e do futuro, na construção do presente das organizações. Segundo o autor, isto significa que do passado vêm a experiência e recursos acumulados, os valores organizacionais e o espírito de missão. Do futuro extraímos os nossos objetivos e desafios. Mas, o que realmente importa é o presente – seus problemas e oportunidades. Velho, este desconhecido MARIA AUGUSTA BLECHER A turma da terceira idade – aquela parcela da população que ultrapassou a barreira dos 60 anos – conquista um espaço cada vez maior num mercado ávido por consumidores diferenciados. O que sempre valeu para os vinhos, agora vale também para este público: quanto mais velho, melhor. Velho: o novo hit da sociedade do conhecimento RICARDO GUIMARÃES A Sociedade Industrial supervalorizou o jovem, mas, hoje, percebe-se a urgência de rever esse padrão. Maturidade talvez seja a palavra que melhor sintetize e defina a carência de nossa época. 10 22 36 50 O último dia ALEXANDRE MATHIAS MARCO DALPOZZO Marco Dapozzo e Alexandre Mathias contam a emoção do último dia de um poderoso presidente de uma grande empresa global. Uma obra de ficção que revela a emoção humana que está por trás das pessoas que vivem o dia-a-dia das grandes corporações. 54 Entrevistas 60 HOMERO ICAZA SANCHEZ, SAID FARHAT, JOSÉ MINDLIN Criando real valor para clientes Três modelos de valor comprovados NEIL RACKHAM JOHN DEVINCENTIS O artigo avalia as mudanças na gestão do processo e força de vendas resultantes das diferentes percepções de valor dos clientes. Uma nova proposta de segmentação de clientes é apresentada considerando o perfil do profissional de vendas 74 para cada cliente criando valor para o cliente. Anúncios honestos J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO/BEATRIZ PENTEADO A Revista da ESPM decidiu perguntar, a três dezenas de profissionais do ramo, quais são os anúncios e campanhas mais “honestos” de que se recordam. Confira os resultados – instigantes e, às vezes, surpreendentes. Mesa Redonda LONGEVIDADE: AS DUAS FACES DA MESMA MOEDA Case-Study BANCO REAL Leitura Recomendada Sumário Executivo English Abstract Ponto de Vista 88 98 112 122 126 128 130 Cartas BRASIL COMPETITIVO ganhar mais dinheiro? Já ouvi dizer um dia: em tempos de crise, enquanto uns choram, outros vendem lenços. Sobre matéria “A construção de uma marca internacional de tênis”, fico satisfeito ao ver empresas brasileiras sendo competitivas e bem-sucedidas em mercados grandes, como a Azaléia. Chamou atenção o empreendedorismo do presidente da empresa, que detectou uma oportunidade no ambiente e conseguiu resolver um problema de sazonalidade do seu negócio. Hoje em dia são poucos os profissionais que conseguem ter essa visão de oportunidade através de uma simples notícia no jornal... “Governo de São Paulo implementa o rodízio de veículos”, “Medicamentos aumentam de preço a partir de segunda-feira”, “Banco Central aumenta a taxa de juros pela nona vez consecutiva”... o que a sua empresa poderia ter feito em reação a cada uma dessas notas para 6 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O João Marcos Network ToTheTop www.tothetop.com.br bufa» virou «ópera búfala», talvez por influência do ex-Ministro Pratini de Moraes, presidente da associação dos exportadores de carne bovina. De toda forma, a Revista está magnífica. A vocês todos, meus mais sinceros parabéns. Carlos Salles Presidente Movimento Brasil Competitivo ÓPERA BOVINA Acabei de receber a Revista. Está excelente e acredito que este exemplar deve virar referência essencial para refletirmos sobre o futuro do nosso país. Não apenas a apresentação gráfica está impecável, o conteúdo é robusto, pertinente, muito bem estruturado, riquíssimo. Já li o resumo da mesa-redonda e acredito que ele reproduz muito bem o teor dos debates. Ali, apenas um senão do revisor: minha «ópera D E 2005 R.: A Revista pede perdão e cumprimenta o ilustre leitor e colaborador pelo senso de humor... SUGESTÃO: TURISMO Tendo tomado conhecimento da Revista da ESPM, já na edição anterior, quero cumprimentá-los pelo brilhante material e conteúdo e aproveito para comentar que a Revista já é parte importante nas minhas leituras. Gostaria de sugerir uma pauta para a Revista, uma matéria especial sobre a atividade turística no Brasil, o desempenho do Brasil no mercado nacional e internacional, as atrações turísticas e o que os destinos estão fazendo para melhorar suas imagens. Certo da atenção de vocês fico à disposição para contribuir na forma que estiver ao meu alcance no que diz respeito à Foz do Iguaçu em especial as Cataratas do Iguaçu – uma das 10 paisagens mais fascinantes da Terra (Condé Nast Traveller). Jean Jefferson Jareck Cataratas do Iguaçu S.A R.: Obrigado. Sua sugestão está sendo submetida ao Conselho Editorial e não deixaremos de aproveitar a sua oferta. CUMPRIMENTOS A última edição da Revista da ESPM merece um registro especial de quem se preocupa com a competitividade da empresa brasileira. A mesa-redonda produziu um documento de grande atualidade que nos auxilia a ter uma visão de nossas potencialidades e limitações e ajuda a entender como podemos nos inserir no jogo mundial de competição dos dias de hoje. Sugiro enviar alguns exemplares para o Ministro Furlan e o Juan Quiróz na Apex. O primeiro tem se empenhado em promover nossas exportações e desagravar do custoBrasil nossas empresas, e o segundo tem procurado promover nossos produtos no exterior enganjando no esforço exportador a micro, a pequena e a média empresa. Alguns dos registros desta matéria podem ser bons subsídios ao belo trabalho que eles têm feito pelo país. M A I O / Hiran Castello Branco Sócio-diretor Giacometti, Farkas Deveríamos produzir um programa especial e disponibilizá-lo na internet, em DVD e vídeo sobre o assunto da entrevista com Pratini de Moraes, tamanha importância para os empresários atuais e para a geração futura. Sensacional! Aliás, a edição inteira. Jose Claudio Lucas CEO and Creative Director Gol Marketing www.golmktglobal.com.br R.: Nossa intenção é, justamente, de contribuir, com textos originais e pertinentes, para o debate e a implementação de soluções dos nossos grandes temas sociais e econômicos. Ficamos felizes com o reconhecimento desses leitores e amigos. ESPM J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 7 O Novo Mundo da Maturidade 10 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Luiz Edmundo Prestes Rosa O NOVO MUNDO DA MATURIDADE H á velhos que parecem jovens e jovens que parecem velhos. Idosos com espírito jovem, e jovens com espírito de velho. Espírito não é atributo da idade e nem privilégio do tempo. Não há idade para sonhar, sentir, amar, criar, pensar e ser feliz. Todos temos uma trajetória, mas cada um segue o seu caminho. Compartilhamos de princípios biológicos comuns e experimentamos um processo similar de nascer, crescer, maturar e morrer. Mas nossos genes, nossa história, nossas preferências e hábitos nos diferenciam e dão um sentido único ao que podemos ser e exprimir. Historicamente vivemos de mudanças, na passagem sucessiva de gerações. Cabe aos jovens abrir novos caminhos, ousar naquilo que não era permitido, tentar o que parecia impossível, criar o inimaginável e viver um novo estilo. Mas o tempo passa e o jovem não é mais jovem. De repente, do outro lado da idade, ele pode substituir sua criatividade e ousadia pela ordem, dogmatismo e conforto. Estrutura a rotina, veste-se de normas e despreza propostas de mudança. E, se não estiver atento, fará exatamente aquilo que um dia criticou. A idade parece, para muitos, sinônimo de perda. Seja de resistência física, memória e raciocínio. Para outros, sinônimo de ganho de realidade, estabilidade e sabedoria. Mas, em cada momento que atravessamos, perdemos e ganhamos ao mesmo tempo. Se por um lado temos limites do corpo e do tempo, há possibilidades de escolha que permitem estender nosso potencial, embora nem sempre ousemos vivenciá-lo. Neste sentido, alguns parecem não envelhecer ao desafiar os limites da idade. Continuam a viver da mudança e inovação. Aprendendo algo novo, realizando uma nova experiência e abrindo uma nova perspectiva em suas vidas. M A I O / Há casos surpreendentes de pessoas que decidiram, com idade avançada, fazer aquilo que se começa bem mais cedo. Vamos ver alguns exemplos que mostram como sonho, vontade e ousadia podem ultrapassar limites e possibilidades pré-concebidos, para concretizar algo que, à primeira vista, seria improvável ou até impossível. A revista Época (edição 366, de 23.05.05), em matéria intitulada “No Caminho dos Netinhos”, discorre sobre a experiência de pessoas fazendo intercâmbio no exterior em idades, até então, incomuns. São cinqüentões aprendendo idiomas, como fazem os adolescentes. Relata o caso da Elvira Gentil, de 75 anos, que estará, em julho próximo, seguindo para seu segundo intercâmbio em Nova York. Sua primeira experiência ocorreu no ano passado quando começou a estudar inglês, idioma que praticamente desconhecia. Esteve lá por três meses e morou em uma república com oito J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 11 O Novo Mundo da Maturidade jovens. Conta que ‘’aproveitava minhas tardes livres para ir aos museus e passear. Fui muito bem aceita pela garotada, mas alguns achavam que eu era a professora. Até fui a uma balada com as meninas da república, mas não gostei muito do escurinho”. cinco anos, havia escrito outros seis livros, demonstrando enorme competência e erudição. Em 2002, Jenny Wood-Allen, escocesa, correu a sua última Maratona de Londres, aos 90 anos. Ela havia começado a participar desta prova quando tinha 71 anos de idade. Seu médico lhe desaconselhou dizendo que se ela mal conseguia pegar um ônibus, como ela poderia correr uma maratona. No entanto seu sonho e determinação levaram-na, aos 75 anos, a quebrar o recorde mundial José da Silva Martins publicou seu primeiro livro Sabedoria e felicidade aos 84 anos. Por esse motivo foi incluído no Guiness Book como o escritor brasileiro mais idoso a iniciar sua carreira de autor. Ao partir, quando tinha 101 anos de idade, há para sua faixa de idade. Jenny concluiu sua carreira, depois de correr mais de 50 provas e arrecadar cerca de 40.000 libras para financiar instituições de caridade. Fauja Singh, nascido na Índia, concluiu a Maratona de Londres em tempo recorde de apenas 5 horas e 40 minutos e se tornou o mais velho corredor desta prova londrina. Sua idade? 93 anos, em 2004! O mais surpreendente é que ele começou a correr maratonas aos 89 anos, segundo ele para fugir da solidão. Singh, nascido na Índia, concluiu a Maratona de Londres em tempo recorde de apenas 5 ✲ Fauja horas e 40 minutos e se tornou o mais velho corredor desta prova londrina. Sua idade? 93 anos, em 2004. 12 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Luiz Edmundo Prestes Rosa concluído pela Organização das Nações Unidas – ONU, em dezembro de 2004, aponta que a ✲ Estudo presença dos mais idosos será uma das principais tendências demográficas mundiais. Desde este tardio e surpreendente início de carreira, Fauja já correu em provas semelhantes em Nova York e Toronto. Ele já arrecadou milhares de libras e, com isso, tem apoiado instituições beneficentes, incluindo uma especializada em cuidar de bebês prematuros. Com esse intuito, assinou com a Adidas sua participação numa campanha publicitária intitulada “Nada é impossível”. Fauja consegue manter uma disciplina exemplar. É vegetariano, faz meditação e se exercita seis vezes por semana. Em cada treino, ele corre de 13 a 19 km. A DEMOGRAFIA EM MUDANÇA Estudo concluído pela Organização das Nações Unidas – ONU, em dezembro de 2004, aponta que a presença dos mais idosos será uma das principais tendências demográficas mundiais. O relatório estima que a população da terra deverá atingir 6,5 bilhões de pessoas em 2005 e poderá se estabilizar quando alcançar 9 bilhões de habitantes, por volta do ano de 2050. Desde o século passado, a proporção de pessoas acima de 60 anos vem M A I O / tendo um aumento expressivo, que continuará a se acelerar no século XXI. Em 2001, esta população já havia atingido o total de 600 milhões de pessoas, cerca de três vezes mais que há cinqüenta anos. Em 2050, este contingente deverá chegar a 2 bilhões, triplicando novamente esse número. Globalmente, este grupo está crescendo a 1,9% ao ano, em velocidade bem mais rápida do que a população como um todo. A idade média da população mundial subirá consideravelmente nos próximos 45 anos, passando de 26 para 37 anos. Tais mudanças demográficas deverão provocar profundos impactos J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 13 O Novo Mundo da Maturidade ram novas vacinas, antibióticos, remédios de última geração, transplantes e agora a terapia genética e de células-tronco. econômicos e sociais. Ainda segundo o relatório da ONU, a relação entre pessoas em idade de trabalho (16 a 65 anos) e as acima deste limite está caindo rapidamente. Hoje é de um para nove e chegará a apenas um para quatro em 2050. Isso trará importantes implicações para os sistemas de previdência social, especialmente naqueles países em que os atuais trabalhadores pagam pelos benefícios dos aposentados. NOVAS TENDÊNCIAS Pesquisa promovida pelo HSBC sobre o Futuro da Aposentadoria, publicada em 23.05.05, traz importantes informações sobre as tendências quanto à terceira idade e aposentadoria. Foi realizada em 10 países e território envolvendo 11.453 indivíduos acima de 18 anos, abrangendo quatro continentes. Além do Brasil, o estudo incluiu os EUA, França, Reino Unido, China, Índia, Japão, Canadá, México e Hong Kong – que representam juntos a metade da população mundial. Esta pesquisa trabalhou com amostras significativas e chegou a conclusões importantes: Outros estudos contemporâneos indicam que a expectativa de vida nos últimos 300 anos mais do que dobrou. Por volta de 1.700 eram de apenas 30 anos e hoje supera 77 anos, nos países mais desenvolvidos. Estima-se que uma criança que nasça em 2005 tenha o potencial de chegar aos 100 anos e que pelo menos uma em duas consiga chegar a esta idade. Há uma nova visão sobre a vida na velhice. Esta etapa é agora vista como um tempo de oportunidade e reinvenção, ao invés de descanso e relaxamento. Em todo mundo, mais pessoas querem que suas aposentadorias incluam períodos de trabalho, educação e lazer. Em sete países este foi considerado o modelo ideal, mas foi o Brasil que apresentou a maior preferência por este estilo de vida, seguido da França e Japão. 1 Um outro fenômeno é a queda da diferença da expectativa de vida entre os países desenvolvidos e os menos desenvolvidos. Em 50 anos, essa diferença reduziu-se de 25 para 12 anos. O aumento do número de idosos é conseqüência de muitos fatores que elevaram substancialmente a longevidade, fruto de um conjunto amplo de melhorias pelas quais o ser humano vem sendo beneficiado. Pode-se mencionar, por exemplo, que as condições de vida em geral foram progressivamente se aperfeiçoando, seja na alimentação, higiene e saneamento, seja na evolução da medicina, capaz de prevenir, diagnosticar e curar como nunca. Surgi- 14 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O começa aos 60 anos, para outros inicia-se aos 85. O parâmetro mais significativo para se sentir velho é o nível de energia e disposição de cada um, que não é, naturalmente, o mesmo para todos. Definições tradicionais de idade avançada são vistas como fora de moda e muitas pessoas têm uma atitude positiva para com a terceira idade. A visão de quando começa a velhice tornou-se bem mais individual. Se para uns ela 2 D E 2005 Há uma rejeição global para a aposentadoria compulsória. Acredita-se que os empregados deveriam ser capazes de continuar a trabalhar em qualquer idade, desde que consigam fazer bem o seu trabalho. Consideram que restrições baseadas em idade impedem a vida ativa que eles gostariam de ter no futuro. 3 O papel da família está mudando. Futuras gerações podem não receber o cuidado e o apoio financeiro que esperam de suas famílias. 4 As pessoas se sentem responsáveis por escolher o melhor estilo de vida quando se aposentarem e não recebem apoio suficiente das empresas e dos governos para tal. Estes, pelo contrário, ainda determinam a aposentadoria compulsória, sem levar em conta as novas aspirações das pessoas. 5 UM NOVO OLHAR PARA A VELHICE E A APOSENTADORIA A pesquisa do HSBC, além das tendências comuns mencionadas, aponta haver particularidades relevantes entre os pesquisados. Os brasileiros consideram a velhice como um tempo de desaceleração, Luiz Edmundo Prestes proximidade da família, parentes e amigos. Esperam apoio significativo dos filhos. Consideram a religião e a saúde muito importantes, mas somente alguns se preocupam em ter dinheiro suficiente, fazendo muito pouco planejamento. Neste quesito, fomos o penúltimo na lista da pesquisa, só ganhando dos japoneses. Os franceses consideram a velhice um tempo de sonhos e aspirações, mas também de preocupações. Temem se tornar um peso para suas famílias e que o governo irá falhar no fornecimento de benefícios. Apesar disso, fazem muito pouco na preparação de sua aposentadoria. Só ganham do Brasil e do Japão. Os japoneses acreditam em poder trabalhar até idade avançada e custear suas próprias despesas. Ao contrário do que normalmente se acredita, a pesquisa revela que são os japoneses que têm a visão mais negativa sobre os mais velhos, no que se refere à percepção de que eles merecem respeito e de que são dotados de sabedoria. Os americanos tiveram a visão mais positiva da terceira idade e os canadenses foram o número um em planejamento, com 96% da população tomando ações concretas diante do futuro. Ambos são países com forte tendência na preparação e formação de reservas. Um fenômeno mundial que se observa é a crescente participação dos idosos em ONGs e associações, sejam esportivas, sociais, religiosas etc. Na França, entre 1973 e 1999, o número de pessoas, com mais de Rosa 60 anos, que atuam em alguma atividade associativa, mais do que dobrou, passando de 22,5% para 47%. Muitos profissionais aposentados passaram a se dedicar a atividades beneficentes, contribuindo para reduzir as diferenças socioculturais, substituindo a socialização profissional pela associativa. OPORTUNIDADES DA NOVA DEMOGRAFIA As empresas precisarão saber tirar o melhor proveito da mudança demográfica. A criatividade será o limite na busca de tornar a empresa muito mais veloz e flexível, independente. O envelhecimento da população trará um novo desafio às empresas. Não serão apenas os seus colaboradores que ficarão mais idosos, mas também seus clientes, fornecedores, investidores e acionistas. Haverá, portanto, uma nova dinâmica nesse relacionamento, trazendo consigo maiores desafios e oportunidades. o mercado envelhece, o ✲ Se perfil dos consumidores se altera. Abrem-se perspectivas de novos serviços e produtos que precisarão ser criados, levando-se em conta as novas tendências e aspirações. Se o mercado envelhece, o perfil dos consumidores se altera. Abremse perspectivas de novos serviços e produtos que precisarão ser criados, levando-se em conta as novas tendências e aspirações. Como aproveitar este público cada vez mais numeroso, que detém razoável poder aquisitivo, disponibilidade de tempo, mobilidade para viajar, desejo de vivenciar novas experiências e de buscar um estilo de vida mais saudável, produtivo e com mais lazer? M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 15 O Novo Mundo da Maturidade do consumidor. O idoso de amanhã nada terá a ver com o idoso de hoje e menos ainda com o de ontem. Estas diferenças, se bem analisadas, poderiam ser transformadas em oportunidades. Bastaria se criar produtos e serviços voltados para as singularidades e dinâmicas de cada fase da vida. Afinal, como o mundo das empresas trata hoje a questão etária? Será que estamos levando em conta as diferenças de idade quando se concebe um produto ou serviço? Precisamos reconhecer que jovens, adultos e mais velhos não consomem da mesma forma, não cultivam os mesmos interesses e não se comportam da mesma maneira. Contudo, muitas vezes acabam tendo que comprar exatamente o mesmo, não por desejo, mas por absoluta falta de opção. É só examinar o universo do que hoje é oferecido e ver o potencial de negócios que pode ser aproveitado. A dificuldade talvez ocorra porque ainda estamos impregnados de um modelo mental do passado, em que ser idoso era sinônimo de pouca Há muitas diferenças no comportamento que variam conforme a idade ✲ 16 mobilidade, riscos de doença e excessivo conservadorismo. Hoje temos idosos de espírito jovem, com consciência maior sobre sua saúde e que adotam um posicionamento ativo consigo mesmo e nas suas interações com as comunidades. Assim, cabe perguntar, como deveriam ser elaborados produtos sob medida para este público? Por exemplo, como deveriam ser os projetos de apartamentos, programas de lazer, pacotes turísticos, produtos financeiros etc? Ao contrário do passado, é só olhar nas ruas, parques e clubes o número Assim, cabe perguntar, como deveriam ser elaborados produtos sob medida para este público? Por exemplo, como deveriam ser os projetos de apartamentos, programas de lazer, pacotes turísticos, produtos financeiros etc? REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Luiz Edmundo Prestes Rosa expressivo de pessoas idosas que fazem atividade física. É natural que quando viajam se interessem por hotéis que favoreçam a continuidade de sua prática esportiva, como academia de ginástica (fitness center). No entanto, ainda imperam os produtos e serviços padronizados, sem fazer qualquer diferença etária. Pode-se justificar a mesmice das ofertas que ignoram as diferenças de idade dizendo-se que se privilegiou o padrão com apenas a perspectiva de um casal ou família. Porém, esta premissa perde seu sentido na rápida mudança pela qual passa o sistema social, já que muitos entram para a terceira idade sozinhos, viúvos, descasados e até mesmo solteiros. Empresas que, internamente, discriminam o idoso podem não conseguir levar para seus produtos qualquer diferencial que reforce a sua atratividade para esse público consumidor cada vez mais numeroso. É possível imaginar que o perfil etário na empresa tenha de acompanhar o perfil dos seus stakeholders, até mesmo para que ela possa ficar mais sensível às suas necessidades e poder transformá-las em oportunidades de negócio. Adicionalmente, as organizações tenderão a ser mais exigidas no exercício da sua responsabilidade social, onde a presença da diversidade, acompanhando o tecido social, seja um dos focos de atenção dos formadores de opinião e de fundos de investimentos voltados para o desenvolvimento sustentável. Até mesmo aquela empresa, que, desde as suas origens foi essencialmente constituída de jovens, terá de imaginar um melhor balanceamento de idades entre a sua equipe. Caso contrário po- que, internamente, discriminam o idoso podem ✲ Empresas não conseguir levar para seus produtos qualquer diferencial que reforce a sua atratividade para esse público consumidor cada vez mais numeroso. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 17 O Novo Mundo da Maturidade para realizar. Como evitar que se frustrem, se não houver espaço para avançar e progredir? Como gerenciar sua ansiedade e pressa para que tudo aconteça rapidamente? de correr o risco do distanciamento mercadológico e de se tornar uma velha empresa de jovens. E qual empresa estará disposta a desconsiderar o segmento dos idosos, sabendo que ele é o que mais vai crescer, que é dotado de considerável poder de consumo e com muitas necessidades específicas que podem ser atendidas? Este é um problema que nunca vivemos com tal intensidade, cuja solução vai demandar uma ação inovadora, a qual passa por uma nova dinâmica no relacionamento entre os mais novos e os mais velhos. UMA NOVA DINÂMICA NA GESTÃO Esta relação precisará ser revista e intensificada, buscando-se alternativas que vão além do desenho atual da maioria das empresas. Muitas destas utilizam-se de uma estrutura hierárquica que acaba contribuindo para criar barreiras e distanciamentos entre as gerações. Os mais jovens começam, geralmente, em funções mais simples, enquanto os mais velhos ocupam posições de maior Uma questão relevante será o desafio da empresa em cuidar da sua renovação permanente e de administrar, adequadamente, a carreira dos mais jovens. Estes serão indispensáveis, como sempre foram, para impulsionar as mudanças, a partir de sua forma original de olhar e de seu forte desejo destaque. As possibilidades verticais de convivência são muito mais difíceis, de forma que os mais qualificados e experientes acabam não apoiando suficientemente a formação dos novos quadros. Para quebrar este modelo, poderíamos imaginar que as organizações, até mesmo para responder, rapidamente, às demandas do mercado competitivo, vão precisar mais e mais trabalhar por projetos. Por natureza, eles têm início, meio e fim. Tais projetos, para atingir os seus objetivos, precisam contar com uma organização mais horizontal e flexível, baseada no trabalho de equipe, que aproxima e intensifica as relações. Os projetos podem viabilizar sucessivas oportunidades de participação e integração de grupos com idades diferentes. Bem coordenados, empresas utilizam-se de uma estrutura hierárquica que acaba contribuindo para criar barreiras e ✲ Muitas distanciamentos entre as gerações. 18 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Luiz Edmundo Prestes ✲ Rosa Cabe pensar em novas relações de trabalho com as pessoas que se aposentam e detêm conhecimento e sabedoria. podem se tornar centros de aprendizado e conhecimento. Proporcionam a oportunidade para os jovens participarem ativamente, expressarem suas opiniões, testarem suas idéias e serem percebidos pelo seu valor. Podem ser transformados em verdadeiras incubadoras de jovens talentos e de inspiração e renovação dos mais velhos. destes, buscar caminhos para colocar suas idéias em movimento, estimular iniciativas e aceitar os erros decorrentes do aprendizado, desafiar, avaliar e reconhecer os avanços, para depois iniciar um novo ciclo de desafios e realizações. Trabalhando juntos em projetos diferentes, cada um exprime suas forças e complementaridades. A impetuosidade juvenil e o bom-senso adulto, a criatividade de um e o pragmatismo do outro, a pressa e a velocidade, o que fazer e o como fazer, o curto prazo e o longo prazo, o resultado financeiro e o resultado sustentável. Esta dinâmica virtuosa será mais bemsucedida se houver uma nova cultura empresarial que estimule as trocas entre as gerações. Cabe pensar em novas relações de trabalho com as pessoas que se aposentam e detêm conhecimento e sabedoria. Elas poderiam continuar, de uma outra forma, adicionar valor, seja como mentores e educadores de jovens, atuando agora como prestadores de serviços. Além disto, os mais velhos podem contribuir na formação e orientação dos mais jovens, atuando como educadores e mentores. Assim, cabe àqueles ouvir e entender as aspirações E algumas ferramentas poderão ser ajustadas para incentivar, reconhecer e recompensar a troca entre gerações. Pesquisas, grupos focais e painéis de debates poderiam ser conduzidos para M A I O / entender expectativas e tendências de ambos os grupos. Os indicadores de gestão poderão ser ampliados para medir os avanços e ampliar o escopo dos resultados esperados. Com esta ação será possível aproveitar a diversidade das gerações para transformá-las em verdadeiras forças competitivas, preparando a empresa para esta nova era da maturidade, onde teremos um novo ciclo de vida de consumidores, ávidos por produtos e serviços que atendam aos seus sonhos e necessidades. ESPM AUTOR LUIZ EDMUNDO PRESTES ROSA Diretor Corporativo People da Accor no Brasil, Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP, especializações em Administração de Empresas pelo IMD, Lausanne, Suíça, e pelo Insead, Fountainebleu, França. J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 19 Sonhos e Lembranças SONHOS E LEMBRANÇAS DE COMO O PASSADO, SEMPRE VIVO NA MEMÓRIA DOS MAIS VELHOS, INTERAGE COM O PRESENTE E NOS AJUDA A CONSTRUIR O NOSSO FUTURO NR.: Este artigo é um resumo da palestra feita pelo autor aos professores da ESPM em SP, em abril/05. 22 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Francisco P ensar no futuro e lembrar do passado, de certa forma, tem constituído parte da servidão humana, da nossa sina nesta Terra. As frustrações e alegrias que vêm do passado e a inquietação com o futuro são parte importante dos pensamentos que ocupam as nossas horas vagas. Goethe já dizia: “A melancolia é a doença do pensamento”. Sem dúvida, de tanto pensar, a gente pode cair na “fossa.” GOETHE já dizia: “A melancolia é a doença do pensamento”. Schopenhauer dizia: “Não tem saída, ou o homem sofre ou se aborrece”. Mas um poeta – Schiller –, que foi discípulo de Schopenhauer, retrucou: “Há saída; é o riso. Aquilo que faz rir nos liberta”. Então, vamos rir o quanto pudermos, pois o riso nos alivia. Mas, voltando a falar de “sonhos e Gracioso lembranças”, falo naturalmente dos sonhos que temos acordados e das lembranças que nos acompanham ao longo de toda a vida, pois passam a fazer parte de nós. O passado é importante. Dele vêm os recursos materiais que nos permitem investir no futuro. Vêm também os conhecimentos e experiências acumulados que utilizamos e transferimos às novas gerações. E vêm, ainda, as crenças e valores que formam as nossas raízes, sem as quais, certamente, não seríamos os mesmos. Que o passado e o futuro se encontram para definir o nosso presente, não há dúvida. O problema está no ponto de equilíbrio entre ambos. Não é bom pensar demais no passado, SCHOPENHAUER dizia: “Não tem saída, ou o homem sofre ou se aborrece”. SCHILLER, que foi discípulo de Schopenhauer, retrucou: “Há saída; é o riso. Aquilo que faz rir nos liberta”. às 3h30 da manhã e íamos para a meditação; ✲ Levantávamos trabalhávamos, alternávamos meditação com o trabalho duro – manter aquilo limpo, arrumar camas, limpar privadas, tudo isso. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 23 Sonhos e Lembranças limpo, arrumar camas, limpar privadas, tudo isso. Fazia parte do trabalho sessões em que conversávamos com os mestres que nos transmitiam ensinamentos. Fez parte, justamente, destes ensinamentos, deste diálogo entre o mestre e o discípulo, o Koan – o Enigma que me foi confiado. O Koan é uma frase, um conceito que o Mestre passa ao discípulo, para que ele pense, e medite sobre aquilo. O Koan que me foi passado foi este: pois acabamos nos repetindo. Temos vários exemplos de nações, empresas e pessoas, que perdem a parada porque insistiram em repetirse. Não é bom, também, pensar demais no futuro, quando se trata de construí-lo a partir do presente. Jesus, numa de suas parábolas, alertou os homens contra “o perigo de se preocupar demais com o futuro”. Há perigo nos dois excessos. Mas não se trata apenas disso, trata-se também do que vamos extrair de cada um e de como isso vai influir no nosso presente, e de como – a partir do presente – construiremos o futuro, que é o que, realmente, importa. “O passado já não existe, o futuro ainda não existe, o presente é tudo o que importa”. Realmente, à primeira vista, é estranho: “O passado não existe; não deve ser lembrado. O futuro ainda não existe; não deve ser conside- O KOAN DO MESTRE Há muitos anos, quando eu trabalhava em propaganda, numa agência internacional, meu chefe cismou que o Budismo Zen ajudaria a criar melhores anúncios. Assim – com outros colegas, de todo o mundo – fiquei quinze dias numa região maravilhosa perto de Nova York – Montauk, num pequeno Mosteiro Zen Budista. Encantei-me. Infelizmente, a vida não permite que a gente faça tudo o que gosta, tudo o que se quer, mas, certamente, eu gostaria de ter estudado, a fundo, o Budismo Zen. REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O Curioso. Depois, vim a saber que isso é parte do Budismo Zen, uma filosofia religiosa que nasceu na China há centenas de anos e, hoje, é forte, principalmente no Japão. Ele influiu decisivamente na filosofia empresarial japonesa, principalmente no que se refere ao planejamento estratégico. Os japoneses costumam dizer – talvez com razão – que nós ocidentais não sabemos planejar o futuro; que nosso finalmente, achei que estava pronto para discutir uma ✲ Quando, solução informei ao meu Mestre, e, para surpresa minha ele disse: “Ah, ótimo, você já chegou à solução? Mas não me interessa a sua solução. Vamos tomar um chá”. O Mosteiro não era o que a gente vê na televisão agora, com Kung Fu, aquelas artes marciais, nada disso. Levantávamos às 3h30 da manhã e íamos para a meditação; trabalhávamos, alternávamos meditação com o trabalho duro – manter aquilo 24 rado?” Isso foi objeto de muita meditação, muita conversa e – quando finalmente achei que estava pronto para discutir uma solução – informei ao meu Mestre, e, para surpresa minha, ele disse: “Ah, ótimo, você já chegou à solução? Mas não me interessa a sua solução. Vamos tomar um chá”. E assim encerramos o assunto. D E 2005 Francisco planejamento estratégico é falho. E dizem isso, não por empáfia, mas porque eles raciocinam como budistas zen; para eles, o exercício do planejamento estratégico é bem diferente do nosso. Para o Budismo, de modo geral, e para o Budismo Zen, em particular, passado, presente e futuro são uma linha contínua; não há distinção clara entre elas. Principalmente porque eles professam a reencarnação, o que torna ainda mais tênue a distinção entre essas etapas. No início, as culturas ocidentais eram um pouco assim também. Entre os romanos, os deuses lares eram os deuses da família de cada um; eram parte da família, tanto quanto os filhos ou os netos; os deuses lares tinham presença quase real, no conselho da família. A ligação entre o passado e o presente era muito maior. A SOLUÇÃO DO ENIGMA Compreendi, finalmente, que o presente é o ponto de encontro onde interagem o passado e o futuro, ou seja, nossos sonhos e nossas lembranças. Da fusão destes dois elementos incorpóreos, surge o presente, real e concreto. Gracioso ção disto, nós construímos o futuro – esta é a nossa verdadeira missão. Quando assumi a direção, em 1981, a Escola era, realmente, muito pequena. Mas, apesar de pequena, tinha uma imagem definida – um “capital intelectual”, por assim dizer, que me foi legado, e logo percebi que era o que havia de mais valioso, muito mais do que o patrimônio físico dos móveis e das instalações. NOSSOS SONHOS De início, eram muito modestos. Resumiam-se em equilibrar as finanças e consolidar o curso de propaganda e marketing original. Mas, combinando a tradição do passado e os sonhos do futuro, chegamos pouco a pouco a uma nova missão: “Queremos ser cada vez mais reconhecidos, como Centro de Excelência na geração de conhecimentos no ensino da Comunicação de Mercado, Marketing e Administração com foco no mercado”. LEMBRANÇAS O que narrei aconteceu pouco antes de eu ter assumido a direção da ESPM. Vou, agora, mostrar como esta filosofia – que, desde aquela época, me acompanha – me ajudou a desempenhar minha tarefa. Uma sala cedida pelo Professor Bardi, no MASP; mais tarde, uma antiga marcenaria no Bexiga, com o telhado roído pelos cupins. E quando mostrei, pela primeira vez, a planta do atual prédio, ouvi um cochicho: “O Chico ficou louco?” Mas, acima de tudo isto, havia algo que nunca perdemos: nosso espírito de missão. Na verdade, se o passado e o futuro se “fundem” no presente e, em fun- Nossa missão já foi “ensinar propaganda”. Começamos numa épo- M A I O / sala cedida pelo Professor ✲ Uma Bardi, no MASP; mais tarde, uma antiga marcenaria no Bexiga, com o telhado roído pelos cupins. J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 25 Sonhos e Lembranças era difícil atrair esses jovens talentos, porque a propaganda, naquele tempo, era uma profissão charmosa por excelência. Era o que foi, há poucos anos, a informática; mas a informática perdeu rapidamente o seu charme. A propaganda não; ela manteve o charme por muitos e muitos anos. ca em que propaganda era algo meio parecido com “magia negra”. Se você se apresentasse como “publicitário”, ninguém saberia o que era, se explicasse o que fazia, logo imaginariam que você era um desses bruxos americanos, capaz de fazer milagres com a alquimia da propaganda. Era esse, realmente, o clima. A indústria da propaganda, daquele tempo, precisava, desesperadamente, de jovens talentos bem treinados. UM PASSO IMPORTANTE Mas chegou o momento em que ensinar apenas propaganda já não A escola nasceu para isso – e não a evolução do mercado, demos um passo pioneiro e ✲ Acompanhando passamos a ensinar a propaganda no contexto do marketing. 26 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 bastava. Acompanhando a evolução do mercado, demos um passo pioneiro e passamos a ensinar a propaganda no contexto do marketing. Mais tarde, sempre acompanhando o mercado, passamos a ensinar marketing no contexto da gestão empresarial. Marketing – naquela época – tinha adquirido a feição, a identidade, reforçada nos últimos anos, como filosofia de negócios, muito mais do que meramente uma função do negócio. Isto não significava – como não significa até hoje – que abandonamos ou esquecemos da propaganda. Hoje, falamos em comunicação, é claro, porque a propaganda, embora seja a forma mais importante de comunicação com o mercado já não está sozinha nisto. Mas a comunicação, repito, é ensinada por nós no contexto de marketing, e o marketing – cada vez mais – é ensinado no contexto maior da empresa, como negócio. Daí vem a formulação de nossa missão. E isto mostra, também, como o presente e o passado – em função do futuro – interagem. O que quero dizer é que as lembranças e os sonhos serão de pouca utilidade, se não forem ancorados, se não tiverem base firme na realidade de hoje. Isto é o que significa: “O passado já não existe, o futuro ainda não existe, a única coisa real que importa é o presente”, do Budismo Zen. Compreendem? É do presente que tiramos a nossa fonte principal de inspiração para construir o futuro a partir dos sonhos e levando em conta as lembranças. Francisco Gracioso a realidade do mercado. E quanto ao nível de educação dos jovens, é claro que, quanto mais bem preparados eles forem, melhor serão os resultados. Em suma, o professor Garelli diz que o sucesso futuro de um país (como também de uma empresa, ou de uma pessoa), depende de suas raízes culturais, de sua sintonia com o presente e da interação destes dois fatores em relação aos sonhos para o futuro. O CASO DA AT&T assumi a direção, em 1981, a Escola era, realmente, muito ✲ Quando pequena. Mas, apesar de pequena, tinha uma imagem definida – um “capital intelectual”, por assim dizer, que me foi legado, e logo percebi que era o que havia de mais valioso, muito mais do que o patrimônio físico dos móveis e das instalações. NOSSA CULTURA Mas os valores que herdamos vão muito além do espírito de missão. Incluem também a integração na comunidade, os valores éticos e a busca da excelência. Esta é a herança de todos nós – professores, funcionários e alunos da ESPM. O SEGREDO DA COMPETITIVIDADE DAS NAÇÕES Pondo em prática os valores que herdamos, nossa Escola sempre se distinguiu pela sua integração com o mercado a que serve e pelo seu espírito inovador. Curiosamente, o famoso World Economic Forum, na Suíça, chegou a uma conclusão semelhante para explicar a força competitiva das grandes nações. Segundo o professor Stephane Garelli, do WEF, as nações mais competitivas são as que reúnem estas três qualidades: valores culturais, capacidade de implementar rapidamente os avanços tecnológicos e nível de educação dos jovens. Tentaremos resumir abaixo o que isto significa. Quando fala de valores, o professor Garelli se refere, principalmente, aos valores culturais da juventude, como o amor ao trabalho, a lealdade e a responsabilidade. A implementação rápida dos avanços científicos exige a sintonia permanente com M A I O / O leitor deve recordar-se do que aconteceu, recentemente, com a AT&T, gigante norte-americana das telecomunicações. Esta empresa já teve o monopólio das telecomunicações do mercado americano, mas foi obrigada pela lei do país a dividir-se em sete empresas. A AT&T original ficou com a fatia da comunicação à distância e com a responsabilidade pela pesquisa de novas tecnologias. Pois bem, pouco mais de dez anos depois, a AT&T chegou à insolvência e foi comprada por uma das sete empresas locais. O que teria acontecido? A ruptura da cultura organizacional (perda dos valores) e a distância do mercado tornaram a empresa incapaz de responder às demandas de seus clientes. Por outro lado, a AT&T errou o foco do P&D e perdeu bilhões de dólares desenvolvendo tecnologias que não conseguiu implementar. Em outras palavras, a AT&T perdeu a sua memória e saiu da sintonia com o presente. Nessas condições, de nada adiantou ter sonhos J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 27 Sonhos e Lembranças grandiosos para um futuro. 1. FOCO NOS RESULTADOS 2. CAPACIDADE ANALÍTICA 3. PROCESSOS DE TOMADA Voltamos a insistir. Tão ou mais importante do que cultivar os valores do passado é estar em permanente sintonia com o presente, pois, é deste que vem a inspiração para as inovações que provocarão as mudanças. DE DECISÕES BASEADAS NA AVALIAÇÃO METÓDICA DAS ALTERNATIVAS 4. ADMINISTRAÇÃO DOS PROCESSOS PRODUTIVOS E DISTRIBUTIVOS – FACILIDADE PARA LIDAR COM PROJETOS DE NOVOS PRODUTOS/PROCESSOS SERÁ QUE NÓS CONHECEMOS O NOSSO MERCADO? 5. FAMILIARIDADE COM A MATEMÁTICA/MÉTODOS QUANTITATIVOS – MAIOR RESPEITO PELOS NÚMEROS Por falar nisso, levei um susto ao ler, na revista Exame de 2/2/2005, que 49% dos CEO’s brasileiros são engenheiros. Enquanto isso, os estudantes de engenharia representam apenas 4,4% dos diplomandos de cursos superiores. 6. SÃO PONDERADOS – OUVEM MAIS DO QUE FALAM – INSPIRAM CONFIANÇA A conclusão nos parece óbvia. Por mais importantes que sejam os conhecimentos técnicos transmitidos a um aluno de graduação ou de pósgraduação, ganham destaque os valores atitudinais e comportamentais. Sem exagero, pode-se dizer que serão estes valores que definirão os futuros líderes. CONCLUSÃO Recapitulando, eis como resumimos o que dissemos até agora: ❖ Sonhe com um futuro melhor. E construa-o. Se você crer nele, os outros também irão crer. ❖ Evolua. Absorva e provoque as O QUE HÁ DE TÃO EXTRAORDINÁRIO NAS ESCOLAS DE ENGENHARIA? 49% O mais curioso é que a situação se repete quando se trata dos diretores comerciais dessas grandes empresas. Na mesma revista lemos também que, 47% deles são engenheiros, embora o marketing e a comunicação de mercado não façam parte do currículo de engenharia. Parece-nos isto sim, que o que distingue os formandos de engenharia mais do que os conhecimentos que adquirem no curso, são as suas mentes inquisitivas (sempre dispostas a encontrar respostas para os problemas), e, os valores tradicionalmente associados à profissão. Fizemos um levantamento entre professores e executivos e chegamos à conclusão de que as características típicas dos engenheiros são as seguintes: 28 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O dos CEO’s brasileiros são engenheiros. D E 2005 Francisco A propaganda já representou mais de mudanças. Mas não rompa com o passado. 70% ❖ Fique sempre em sintonia com o seu mercado e o seu ambiente de negócios. Por exemplo, se você for um educador, fique sempre ligado com os alunos e com os futuros empregadores. das verbas de comunicação de marketing, há apenas 20 anos. Hoje a propaganda representa cerca de ❖ Tire do mercado, e dos problemas do dia-a-dia a inspiração para as inovações que criarão vantagens e diferenças competitivas. 40% Para que o prezado leitor pense um pouco mais no que estamos dizendo, imitaremos agora os mestres do zen budismo e proporemos dois “koans”, ou seja, enigmas que não exigem resposta. O primeiro diz respeito à forma como ainda hoje ensinamos marketing nas escolas, fora da realidade do mercado de hoje. A Figura I mostra a evolução do conceito de marketing, e do papel do homem de marketing, nos últimos 40 anos. Como se vê, há 40 anos esperava-se que o gerente de marketing fosse essencialmente um comunicador. Este conceito evoluiu progressivamente ao longo dos anos e hoje se espera que ele seja essencialmente um negociante, estrategista e especialista. Será que nossos currículos estão acompanhando esta evolução? O segundo “koan” que quero propor é o da propaganda. Todos sabem que a propaganda já representou mais de 70% das verbas de comunicação de marketing, há apenas 20 anos. Hoje representa cerca de 40% Gracioso 1965 – 2005 2005 NEGOCIANTE, ESTRATEGISTA E ESPECIALISTA 1995 ESTRATEGISTA, EMPREENDEDOR 1985 AMIGO DO TESOUREIRO 1975 DEFENSOR DA MARCA, INOVADOR 1965 COMUNICADOR, COORDENADOR Figura 1 M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 29 Sonhos e Lembranças e a sua participação continua caindo. Isto não significa que a propaganda tenha perdido a sua importância, mas é preciso levar em conta as demais formas de comunicação com o mercado. Para ajudálo a pensar no que está acontecendo, daremos duas dicas: 1) 2) O nome do jogo é relacionamento As arenas da comunicação agora são pelo menos sete: I. MUNDO DO ENTRETENIMENTO – DE MADONNA ATÉ O ROCK IN RIO II. ESPORTE – PATROCÍNIO DE ESPORTISTAS E CLUBES III. MUNDO DA MODA – DE GISELE BÜNDCHEN A SÃO PAULO FASHION WEEK IV. COMUNICAÇÃO PROMOCIONAL E DIRIGIDA (MERCHANDISING, PROMOÇÕES, CONCURSOS, PREMIAÇÕES, INTERNET, TELEMARKETING ETC.) V. GRANDES EVENTOS PROMOCIONAIS, COMO SALÕES E FEIRAS VI. GRANDES CADEIAS VAREJISTAS VII. PROPAGANDA TRADICIONAL O NOME DO JOGO É RELACIONAMENTO O problema de hoje, cada vez mais, consiste em manter viva, na mente 30 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O muitas vezes, não é mais: é um patrocínio, é um grande show de ✲ Mas, moda, é um grande show de rock. D E 2005 Francisco do consumidor, a imagem da nossa marca. Já não é mais possível, para os grandes anunciantes, como antigamente, ter no ar, permanentemente, 50 a 60 campanhas. E o que é mais incrível ainda, falo de coisas de 20, 30 anos atrás, 50 campanhas, e as 50 conseguiam imprimir a marca de um produto na cabeça do comprador de tal forma que ele ia ao supermercado e preferia aquela marca. Não é mais possível. O mercado tornouse muito mais competitivo, muito mais sofisticado, o consumidor já não se emociona com facilidade. Um estudo recente mostrou que as três grandes preocupações da classe média hoje são: primeiro, plano de aposentadoria para o chefe de família; segundo, a educação para os filhos; terceiro, plano de saúde para a família. São essas as coisas que têm apelo emocional, realmente, para a maioria das famílias de classe média neste país. Eles não atribuem grande valor emocional a leite em pó, sabonete, creme dental, detergente e coisas deste tipo. Os desavisados culpam a propaganda: “a propaganda não consegue mais vender, porque não consegue mais marcar a marca”. Que grande bobagem! Não é culpa da propaganda; é culpa de uma realidade totalmente nova, culpa das próprias empresas, que não investiram como deveriam em inovação, nos últimos anos, e, hoje, temos uma mesmice de cair o queixo. A única referência é a marca, porque o resto é tudo igual. Aí dizem, novamente: “culpa da propaganda”. Não, não Gracioso é “culpa” da propaganda. O problema existe, mas seu enunciado é: “Como conservar o relacionamento de minha marca com o consumidor?” pode ser a propaganda, lá em cima, no ápice do triângulo. Mas muitas vezes, não é mais: é um patrocínio, é um grande show de moda, é um grande show de rock. A propaganda de hoje também ganhou limitações de verba, de conceito, de responsabilidade. A propaganda não pode mais se responsabilizar pela construção de marcas específicas. É praticamente impossível lançar um novo detergente, investir 200 milhões de reais para provar que lava mais branco. Porque, dentro de um mês, surgirá um concorrente que vai lavar ainda mais branco. Chegamos ao item seguinte: estou lançando e propondo a vocês, como mais uma franchising da ESPM, as Sete Arenas da Comunicação, porque, realmente, ninguém ainda pensou nisto e, entretanto, é o que já está acontecendo no mundo real. Então, a propaganda, cada vez mais, se preocupa com uma imagem baseada em confiança, em fatores subjetivos, o que muda completamente a natureza da propaganda, e leva novamente à pergunta: “Então, como manter o relacionamento da marca?”. A resposta existe e os grandes anunciantes de vanguarda, sem desprezar a propaganda, estão encontrando outras formas de fazer, criar e reforçar este relacionamento. São verdadeiros “esquemas estratégicos” em que a propaganda deixa de ser o fator principal, embora continue como fator importante, e algo lhe toma o lugar. Esse algo pode ser um programa na mídia, como o Show do Milhão, um time de futebol ou a figura do Ronaldo – o fenômeno –, que promove uma nova linha de celulares. Não há realmente limite para a imaginação. Se o problema é relacionamento, a solução ainda M A I O / As agências de propaganda de antigamente baseavam a sua força para o cliente em duas coisas: em primeiro lugar, na criatividade; em segundo lugar, na capacidade de planejar o uso da mídia de forma eficiente e econômica. A mídia o que era? Jornal, revista, rádio, TV, cinema e cartaz de rua. As agências, melhor do que ninguém, sabiam como combinar esses veículos e sabiam como criar bons materiais para usá-los nas campanhas. Hoje, a agência continua a planejar o uso da mídia, mas já não é mais exclusiva nisso. A agência sabe que, do lado do cliente, muitas vezes, há gente capaz, tanto quanto a agência, de planejar aquela mídia de uma forma perfeita. Sabe que tem a ameaça dos bureaux de mídia, que podem fazer isso melhor e mais barato. Qual é a diferença que a agência, pouco a pouco, poderá assumir? Na minha opinião: em vez de planejar mídia com base em cinco veículos, a agência vai planejar mídia, com M maiúsculo, com base nas Sete Arenas da Comunicação. J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 31 Sonhos e Lembranças Globo não escapava de, vez ou outra, focalizar um daqueles caras fantasiados, e o nome da Brahma aparecia na transmissão. As campanhas passam, cada vez mais, a ter, como ambiente, as Sete Arenas da Comunicação e não aquele mundo restrito da propaganda, que é apenas uma delas. Vocês dirão: “Mas isso é impossível. Como é que eu vou controlar, cobrar comissão, faturar?” Eu não sei, e pouca gente sabe, mas garanto a vocês que vão chegar lá e nossa Escola tem de se antecipar, e tem de começar a discutir este tipo de problema com seus professores e alunos. Na época, foi um escândalo, os publicitários se sentiram traídos, mas era apenas um tênue prenúncio de algo que está acontecendo cada vez mais. A Coca-Cola, há dois anos, deslocou 90% das suas antigas verbas de propaganda em TV, principalmente, para shows tipo Rock in Rio, e tudo agora é feito em função de esquemas promocionais armados a partir desses eventos. Eu poderia citar inúmeros exemplos. A outra grande vantagem da agência de propaganda para o seu cliente era, e ainda é, a criatividade. Só que, agora, criatividade deixa de ser aquele fator mágico restrito ao anúncio ou ao comercial. Criatividade continua a ser o bom anúncio, o bom comercial, mas tornou-se mais do que isso, precisa ter uma idéia que tire partido, de alguma forma, das possibilidades propiciadas pelas Sete Arenas da Comunicação. Ora, isso é uma oportunidade para a criatividade das agências e é também uma nova responsabilidade para nós. Quando falamos em criatividade, não basta mais falar em anúncio e comercial. De alguma forma, nossos alunos têm de compreender, nossos professores também, que, criatividade vai muito além e incluiu a busca de idéias para o aproveitamento dessas outras seis arenas da comunicação. Como fazer isso? Darei um exemplo singelo: há anos a Fischer & Justus, que tinha a conta da Brahma, não conseguiu ou não quis obter, para a Brahma, o patrocínio de uma cota da Copa do Mundo, que estava sendo promovida pela Rede Globo. Para manter o nome da Brahma, de alguma forma, presente nas transmissões de TV, a Fischer & Justus, reuniu uns 50 ou 100 “brancaleones”, com camisetas com o nome da Brahma, e essa turma sentava nos estádios, em lugares privilegiados, em jogos do Brasil, de tal forma que, muito a contragosto, a 32 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O Eu sei que isto é polêmico e vai exigir muita discussão adicional, mas eu lanço aí a luva, para que vocês meditem. Voltando a falar de sonhos. Antes queríamos ser cada vez mais reconhecidos como um Centro de Excelência na geração de conhecimento e no ensino da comunicação de mercado, marketing e administração com foco no mercado. Agora queremos ser vistos D E 2005 ANTES “Queremos ser, cada vez mais, reconhecidos como um Centro de Excelência na geração de conhecimentos e no ensino da comunicação de mercado, marketing e administração com foco no mercado.” AGORA “Queremos ser vistos como um Centro de Excelência na formação de futuros dirigentes e empreendedores da comunicação e dos negócios.” Figura 2 Francisco como um Centro de Excelência na formação de futuros dirigentes e empreendedores da comunicação dos negócios (vide Figura II). Vocês se lembram daquela frase do Chacrinha: “Eu não vim para esclarecer; vim para confundir”. Pois eu vim para confundi-los hoje, deliberadamente, de mil maneiras, e esta é uma delas. Confesso que me sinto inquieto com a formulação de “missão” clássica, tradicional, que temos, e, estimulado por esta questão dos engenheiros, eu pergunto: não será o caso de começarmos a pensar nesta Escola, acima de tudo, como um Centro de Excelência que forma líderes? Gracioso de estágio e 90% deles deram certo. Nós estamos formando, para o mercado de trabalho, bons profissionais em potencial e acho que poderemos melhorar ainda, mas já estamos conseguindo. Porém, eu pergunto: este é um daqueles pontos decisivos, que chamamos de “break-throughs”? Não terá chegada a hora de assumirmos, para valer, que, nossa missão daqui para a frente, em função do mercado de hoje e pensando no futuro, deverá ser cada vez mais de “formar líderes”? E se assim for, o que fazer para chegar lá, para que não fique só nas palavras? ESPM AUTOR Porque, vejam, formar bons profissionais, nós já formamos. Nós assinamos, em 2004, 1.400 contratos FRANCISCO GRACIOSO Presidente da ESPM Coca-Cola, há dois anos, ✲ Adeslocou 90% das suas antigas verbas de propaganda em TV, principalmente, para shows do tipo Rock in Rio, e tudo agora é feito em função de esquemas promocionais armados a partir desses eventos. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 33 Velho, esse Desconhecido VELHO, ESSE DESCONHECIDO UM DOSSIÊ DAQUELES QUE ATINGIRAM A MATURIDADE 36 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Maria Augusta T erceira idade. Maior idade. Melhor idade. Muppies (sigla dos americanos para Mature Upscale PostProfessional que só vale para os mais ricos). Cabeça Branca para os reverenciados anciões japoneses. No Brasil, os vovôs já foram os “coroas”. Mas a expressão Seniores parece ser a que mais agrada os de melhor poder aquisitivo. Vale tudo que a criatividade permitir para definir a turma dos que ingressam na faixa dos sessenta anos em diante. O que ninguém quer ouvir é apenas uma única palavra: velho. Até meados dos anos 70, os idosos ainda não despertavam maiores interesses como uma categoria diferenciada de consumo. Eram vistos ou sob o estigma do velho abandonado em asilos, ou sob o estereótipo do patriarca bem-sucedido que gasta seu tempo e dinheiro com viagens de cruzeiro, chás de caridade ou jogos de golfe. Ambas as situações ainda persistem em seus extremos. O que vem se delineando de forma cada vez mais consistente, com base não apenas em simples percepção, mas em estatísticas, estudos e pesquisas, é uma nova visão mais realista desses indivíduos, seu estilo de vida, comportamento, hábitos, atitudes de compra, desejos e expectativas. É o “novo velho” do século XXI. De tempos em tempos, a febre do ouro ataca a mídia e o mercado a cada vez que descobrem um novo filão de consumo. Foi assim com as mulheres no período da Segunda Guerra quando elas passaram a ser vistas como força produtiva, capaz de gerar renda própria, e com poder de decisão para comprar e consumir Blecher traste com uma população jovem cada vez mais reduzida. O alerta, que partiu da Organização das Nações Unidas às vésperas da virada do novo milênio, dividiu o mundo entre os que viam nisso uma tremenda crise e os que veriam nestes dados uma grande oportunidade. CONHECER PARA CONQUISTAR velhos eram vistos ou sob o ✲ Os estigma do velho abandonado em asilos, ou sob o estereótipo do patriarca bem-sucedido que gasta seu tempo e dinheiro com viagens de cruzeiro, chás de caridade ou jogos de golfe. uma infinidade de produtos que foram surgindo exatamente para atender a essa nova demanda. Conseqüência também do fim da Guerra, a geração baby boomer foi o foco do marketing nos anos 60 e 70, com a descoberta de jovens com disposição para gastar dinheiro, ganho com trabalho ou generosas mesadas de pais cada vez mais permissivos. Os yuppies, nos anos 80, foram o extrato mais emblemático dos exageros do consumo quando mostraram ao mundo com quantos Armanis se constrói o status. Quando foram realizadas as primeiras prospecções desse emergente mercado e começaram a surgir conceitos e definições para explorar essa categoria de consumidores, os autores descobriram que a própria faixa etária não era consenso para definir quem pertenceria a essa nova DISTINÇÕES 70 PARA O CÓDIGO CIVIL 65 PARA A POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO 60 ANOS PARA A CONSTITUIÇÃO A tendência revelada nos anos 90, e que agora proporciona um novo fôlego na busca cada vez mais segmentada por novos nichos de consumo, é o fenômeno representado pela chamada “Revolução da Longevidade”, uma equação baseada em dados demográficos que prevê um contingente cada vez maior de pessoas com 60 anos ou mais em con- M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 37 Velho, esse Desconhecido somava 16 para cada 100 indivíduos de 0 a 14 anos – e praticamente dobra de número em 2000 na proporção de quase 30 idosos para cada centena de jovens. As projeções mais conservadoras apontam que em 2025 o Brasil terá por volta de 32 milhões de pessoas acima dos 65 anos, 15% da população total do país. Quando isto acontecer, o Brasil estará ocupando o posto de sexta maior população de idosos do mundo. Serão 1,1 bilhão de indivíduos nesta faixa etária em todo o planeta. Em 2050, segundo projeções do IBGE, jovens e velhos se igualarão em quantidade, representando cada grupo 18% da população do país que terá, então, atingido uma população de 260 milhões de pessoas. idade. Ainda hoje no Brasil, há distinções: são 60 anos para a Constituição, 65 para a Política Nacional do Idoso e 70 para o Código Civil. Estabelecida a confusão, não bastava classificá-los apenas por ocupação, renda e grau de instrução. Na hora de criar produtos ou serviços para essas pessoas, analistas se surpreenderam com a variedade de perfis, muito diferentes das imagens tradicionalmente exploradas pela mídia. Existem muito mais nuances entre o estilo de uma Vovó Donalda que prepara biscoitinhos para os netos e tricota meias na cadeira de balanço e o comportamento de uma Sue Johanson, que aos 70 e tantos anos chacoalha os telespectadores com seu ousado programa “Falando de Sexo”. E antes que alguém diga que velha é a vovozinha, é bom conhecer as “Racing Grannies”, as subversivas vovós canadenses que saem às ruas para contestar tudo que acham de errado. Com seus xales coloridos e suas canções de protesto elas ilustram de forma radical e bem humorada até onde podem chegar os velhos deste novo milênio. 2000, PESSOAS COM MAIS DE 60 ANOS ERAM 8,6% Aprofundar o conhecimento desse grupo e desenhar combinações – estatísticas e perfis de comportamento – torna-se decisivo para nortear qualquer ação voltada para este novo mercado. E o maior incentivo para isso é que os números são fabulosos. Só no Brasil, no censo realizado pelo IBGE em 2000, pessoas com mais de 60 anos somavam 14.536.029, ou seja, 8,6% da população brasileira. Numa retrospectiva rápida, em 1991, os idosos representavam 7,3% do total. Recuando para 1980, a terceira idade 38 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O 2025, REPRESENTARÃO 15% DA POPULAÇÃO TOTAL DO PAÍS 2050, SEGUNDO PROJEÇÕES DO IBGE, ELES REPRESENTARÃO 18% D E 2005 Se os números das estatísticas intimidam por sua grandeza e soam como música para o mercado de consumo, projetando um nicho promissor para gerar novos negócios, as projeções assustam quando apontam para um colapso de proporções inimagináveis. Devem temer os governos, despreparados para enfrentar as contas públicas de uma grande massa de aposentados e pensionistas, e os dependentes dos sistemas de saúde que, se precários hoje, podem tornar-se inviáveis em países menos desenvolvidos, se não houver planejamento à altura. Os índices do censo realizado pelo IBGE 2000 sinalizam mudanças importantes, e para melhor, quando se analisa do ponto de vista dos ren- Maria Augusta dimentos desta faixa etária: em 2000, a média de proventos de cada idoso estava em R$ 657,00, um crescimento relativo de 63% em relação ao censo de 1991, quando somavam R$ 403,00. Estes valores podem ganhar uma dimensão muito mais ampla quando posicionados no contexto de um país com enormes desigualdades econômicas e sociais, de grande concentração de renda em determinadas regiões, projetando diferentes realidades entre um idoso urbano da região metropolitana de São Paulo, que em 2000 ganhava em média R$ 879,00, e o idoso do interior rural de um Estado nordestino que tem os índices mais baixos do Brasil, com rendimento médio, mensal, de apenas R$ 198,00. Todo cuidado é pouco quando se analisa, por exemplo, a formação de renda do idoso: ela se compõe ora de aposentadoria, pensão de viúvas, trabalho regular remunerado, lucros provenientes de aluguéis ou investimentos e mais recentemente de previdência privada que em 1999 detinha um percentual de apenas 1,3% nesta composição. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), até esta data, 89% nunca pensaram ou tiveram acesso a este tipo de informação. Todas as variáveis são importantes para os profissionais de marketing que procuram aliar dados estatísticos racionais a informações detalhadas de comportamento. Sem isso, correse o risco de errar na comunicação e ter produtos ou serviços rejeitados. Ainda hoje publicitários vivem pisando em ovos quando criam campanhas para a terceira idade. O velho sempre se considera mais jovem Blecher CRESCIMENTO Porcentagem da população com mais de 60 anos no Brasil 7,4 15,5 CERCA DE 30 MILHÕES DE PESSOAS 9,1 8,3 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020 2025 POPULAÇÃO IDOSA 2002 POPULAÇÃO COM MAIS DE 60 ANOS BRASIL REGIÕES METROPOLITANAS 15 MILHÕES 5 MILHÕES 14% POPULAÇÃO 9% POPULAÇÃO ADULTA 9% POPULAÇÃO 13% POPULAÇÃO ADULTA Fonte: Pesquisa GFK/Indicator M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 39 Velho, esse Desconhecido CONTRIBUIÇÕES INVISÍVEIS NO ÚLTIMO ANO, AJUDOU/RECEBEU AJUDA DA FAMÍLIA E/OU AMIGOS... Base: Total de amostra (1.800) Fonte: Pesquisa GFK/Indicator 82 69 Ouvindo os problemas Dando conselhos sobre algum problema 81 60 Ajudando quando estava doente 74 72 Fazendo companhia 73 72 Dando presentes 63 71 Preparando ou oferecendo comida 62 51 Ajudando a tomar conta das crianças ou filhos 47 52 ajudou espiritualmente do que a sua idade cronológica possa indicar. um imaginário distorcido em relação aos brasileiros que ultrapassaram os 60 anos. Foram 1.800 entrevistas que traduziram o dia-a-dia dos idosos brasileiros em detalhes inéditos, desmistificando comportamentos e redimensionando a realidade da terceira idade no país. Confira algumas conclusões do estudo: idosos gastam 10% da renda com planos de saúde e igual proporção em medicamentos. O supermercado leva 24%, enquanto as contas de manutenção – gás, luz entre outras – vão ficando em 6% cada. DERRUBANDO MITOS No Brasil, as iniciativas para se dimensionar o universo da terceira idade continuam tímidas. Exceção que se tornou antológica foi a pesquisa realizada pela consultoria GFK/ Indicator, em 2003 – Panorama da Maturidade – que contribuiu de forma sem precedentes para eliminar 40 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O recebeu D E 2005 Se o estopim para gerar este interesse pela terceira idade explodiu com as revelações estatísticas do início da década de 90, a efetivação do discurso e concretização de ações foram embaladas, com a escolha pela Organização das Nações Unidas em 1999, como sendo este o “Ano Internacional do Idoso”. Como sempre acontece, o tema ganhou visibilidade e uma série de eventos e reportagens mostraram ao mundo a situação dos velhos em todo o planeta. Enquanto nos países de Terceiro Mundo o número de idosos cresce em proporções aceleradas, os serviços médicos e facilidades sociais não conseguem acompanhar a demanda. No extremo oposto, ainda segundo a ONU, em países ricos como a Finlândia, o maior problema será a falta de mão-de-obra, já que a opção por uma aposentadoria antecipada, com grandes vantagens, tem sido prática comum para cidadãos que sequer atingiram os 50 anos de vida. Assim, o novo milênio foi marcado pelas reformas compulsórias no sistema previdenciário em todo o mundo, com reflexos também em países em desenvolvimento como o Brasil. Aqui, o inchaço das contas estava nas privilegiadas condições dos funcionários aposentados do serviço público. A média histórica de 8 contribuintes para cada inativo, em 1950, hoje está na proporção quase empatada de 1 para 1. Uma das muitas soluções propostas pela nova legislação da Previdência, aprovada no final de 2003, foi aumentar o tempo de contribuição e idade para se pendurar as chuteiras. Maria Augusta Se a ONU abriu os olhos do mundo para os contrastes entre nações, gerando mudanças importantes como, no Brasil, a criação de uma Política Nacional do Idoso com um estatuto vigente desde 2004, o outro lado da moeda expôs o que já se sabe há muito tempo: ser idoso nos Estados Unidos é muito diferente de ser um velho na África ou em países como China e Índia, onde as comunidades cada vez menos preservam traços culturais de respeito ao ancião e carecem todos do mesmo problema: falta de políticas para cuidar de seus velhos. Uma curiosidade em países mulçumanos é que ainda prevalece a solidariedade familiar cumprindo um papel que em outras sociedades vem sendo empurrado para a responsabilidade do Estado. VIVER MAIS E MELHOR Mas quem ainda encara o velho como peso para a família precisa se atualizar. Dados do IBGE analisados pelo IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas e Administração – revelam que, atualmente, apenas 2,4% dos maiores de 65 anos dependem dos parentes para sobreviver. A CONTRIBUIÇÕES INVISÍVEIS NO ÚLTIMO ANO, AJUDOU/RECEBEU AJUDA DA FAMÍLIA E/OU AMIGOS... Base: Total de amostra (1.800) Fonte: Pesquisa GFK/Indicator Dando alguma orientação sobre negócios ou questões de dinheiro 46 36 Fazendo compras ou alguma tarefa em algum lugar 32 40 Arrumando coisas 28 39 Ajudando com trabalho doméstico ou fazendo reparos 27 38 Oferecendo transporte 20 41 Dando dinheiro ou pagando despesas 20 21 ajudou Blecher grande maioria tem algum tipo de rendimento e muitos possuem casa própria. Ao contrário: quando moram com filhos, os idosos contribuem com 45% do orçamento doméstico, proporção que sobe para 69% quando são chefes de família. Atualmente, de acordo com o IBGE, Rio de Janeiro e Porto Alegre são as cidades com maior proporção – cerca de 12% – de idosos em relação à média nacional, que é de 8,6%. As cidades que seriam as mais adequadas para os aposentados viverem coincidem com as que apontam os melhores índices de desenvolvimento humano (IDH), padrão adotado pela ONU, que mede a qualidade de vida nos municípios. As preferidas são Florianópolis, Santos e Niterói que só perdem para São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, melhor IDH do Brasil em 2000 e Águas de São Pedro, interior paulista – um destino tradicional para temporadas de férias da terceira idade. Um estudo do SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), encomendado pela cidade de Santos, revelou que, após as atividades portuárias, os serviços voltados para idosos eram um dos nichos de negócios mais promissores para toda a Baixada Santista. O mais famoso destino do mundo para a terceira idade, seja para passear ou para residir é o estado americano da Flórida, endereço de boa parte dos muppies que se instalam nas ensolaradas praias da região. Empreendedores atentos souberam explorar esta preferência incentivando a vinda dos maduros e abona- recebeu M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 41 Velho, esse Desconhecido dos aposentados, oferecendo produtos e serviços de alto padrão. São famosos os condomínios de luxo construídos e pensados, nos mínimos detalhes, para atender às necessidades dos mais idosos – sistemas de segurança, serviços, arquitetura projetada para conforto máximo dos moradores. Localizados em áreas ecológicas, com campos de golfe particulares e comércio privado, alguns chegam a restringir a presença de crianças. No Brasil, também começam a surgir lançamentos imobiliários inspirados na experiência americana e alguns loteamentos no interior que focam a clientela madura oferecendo benefícios similares aos projetos da Flórida. O que talvez seja o empreendimento mais tradicional e um dos mais organizados para atender a demanda desta faixa etária é o turismo. As agências de viagens continuam oferecendo os tradicionais roteiros de cruzeiros, resorts e excursões de compras, mas algumas já se adaptaram a uma nova clientela que foge dos destinos convencionais e opta por atividades de lazer mais radicais como trilhas e off road. por mulheres viúvas e com renda média de R$ 1.200,00, é uma fina camada diferenciada que quer seus direitos respeitados, cobra pontualidade, segurança, higiene, e exige informações corretas. Segundo a ABCMI, seus associados viajam em média 3 vezes por ano. Na pesquisa da GFK/Indicator, a freqüência é ainda maior, chegando a 4 vezes por ano. A Associação Brasileira dos Clubes da Melhor Idade, que tem apoio da Embratur, estimula, com informações e descontos, o lazer de seus 220 mil associados. Viagens, cursos, academias e até os óculos têm preços especiais mediante o cadastro e pagamento de anuidade. Este seleto público, composto principalmente A leitura de dados e estatísticas precisa sempre reunir muitas variáveis para que sejam evitadas conclusões equivocadas e permita avaliar quanto há de desperdício ou quando se está subestimando este público. Esta é uma dúvida freqüente para quem planeja dentro das empresas e agências de propaganda: dados confiáveis. Nem tudo é certificado. Aprende-se por intuição e observação que, velhos são resistentes às novidades, dedicam menos tempo a buscar informação e preferem comprar o que já conhecem. Numa pesquisa australiana de 1981 sobre a aquisição de novos carros por pessoas mais velhas já se concluía que esse cliente compra com segurança o que conhece de experiências anteriores. Já autores americanos, que vêm publicando estudos desde o final dos anos 70, perseguem a estruturação de perfis mais detalhados que contribuam para entender melhor estes consumidores. novidades não param de surgir: são celulares, MP3 players, ✲ As gravadores de DVD, modernidades cada vez mais fáceis de comprar, mas muitas vezes difíceis de manusear. 42 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Algumas conclusões: adultos com mais de 65 anos podem ser tradicionalistas – apegados a valores familiares, de hábitos caseiros e resistentes a mudanças bruscas; sociáveis – esta é a turma que gosta de trabalhos filantrópicos, bingos e viagens Maria Augusta RESPONSÁVEL PELO DOMICÍLIO 70% Blecher em grupo; ou isolacionistas – aqueles que não querem participar de atividades coletivas. Em outras abordagens, a terceira idade pode revelarse ativa, econômica ou não envolvida no que diz respeito a hábitos de compra. É O RESPONSÁVEL PELO DOMICÍLIO MUDANÇA DE HÁBITOS 30% NÃO É O RESPONSÁVEL Outra surpresa da pesquisa GFK/Indicator foi a constatação de que 20% dos idosos utilizam o computador pessoal inclusive para pagar contas. O acesso às novas tecnologias, previsto até por um artigo do Estatuto do Idoso, não deve se limitar à informática. As novidades não param de surgir: e são celulares, MP3 players, gravadores de DVD, modernidades cada vez mais fáceis de comprar, mas muitas vezes difíceis de manusear. Em plena era digital, a peça de resistência ainda é o caixa eletrônico dos bancos. O desafio de aprender a usálos vem desde os anos 80 e, até hoje, muitos idosos preferem utilizar os caixas tradicionais, alegando dificuldades técnicas. As instituições bancárias, que mantêm funcionários auxiliando e monitorando o uso destes equipamentos, ainda computam mais uma razão: a busca de contato pessoal em contrapartida à interface com uma máquina. Fonte: Pesquisa GFK/Indicator ✲ As escolas de informática costumam oferecer classes especiais para a terceira idade, exatamente, para atender a essa necessidade de aprender a lidar com novas tecnologias. Apresentados ao computador já adultos, esta geração não foi exigida profissionalmente para utilizá-lo. Atualmente, idosos de todas as partes do mundo – em especial aqueles com filhos e netos distantes – descobrem o universo da Internet e as novas formas de interação. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 43 Velho, esse Desconhecido didas, causam enorme impacto para o idoso que tem uma percepção aguçada e seletiva para quem os trata bem. TIPOS DE DOMICÍLIOS UNIPESSOAIS TOTAL 10% IDOSO + CÔNJUGE 60 OU + 17% OUTRAS CONFIGURAÇÕES 73% Fonte: Pesquisa GFK/Indicator Atualmente, idosos de todas as partes do mundo – em especial aqueles com filhos e netos distantes – descobrem o universo da Internet e as novas formas de interação: emails, salas de bate-papo, comunicadores instantâneos e softwares que permitem conversas telefônicas com custo quase zero, além da possibilidade de enviar fotos e filmes on-line. Já quem convive de perto com a família acaba aprendendo a mexer nestes gadgets até por brincadeira, como acontece entre avós e netos com os vídeo-games. Mas, são raras as indústrias que produzem equipamentos de manuseio simplificado com instruções fáceis de 44 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O Os supermercadistas, mais espertos, sabem que conhecer a clientela faz tilintar a caixa registradora. Assim, atendentes são orientados para um comportamento menos apressado ao se deparar com idosos. Ser gentil, dar atenção e memorizar nomes de clientes mais assíduos faz milagres para a fidelidade. Serviços de entrega, vagas especiais e manobristas para carros, além de check-outs exclusivos incentivam, às vezes, mais de uma visita por dia ao estabelecimento. Algumas redes de supermercados e shopping centers estão indo além dos mimos e oferecem, de aulas de ginástica, palestras, eventos de cuidados com a saúde, onde há, até, monitoramento de pressão e diabetes. PARAR OU CONTINUAR? EIS A QUESTÃO. seguir. Talvez os 90 bilhões de reais nas mãos de idosos – uma média aproximada da renda anual dos que têm mais de 65 anos – venham a sensibilizar o mercado para criar novas modalidades de serviços e produtos mais adequados às necessidades típicas desta faixa etária. Ainda assim, algumas empresas ainda não despertaram para fazer, sequer, o que é bastante óbvio: aumentar o tamanho das letras dos rótulos, evitar degraus dentro de lojas, oferecer áreas de descanso com poltronas e cadeiras em shopping centers. São reivindicações antigas que, quando aten- D E 2005 Se por um lado existe uma legião de idosos procurando o que fazer com o tempo livre, boa parte ainda permanece na ativa, trabalhando. Os que construíram carreiras bem sucedidas, têm níveis de escolaridade altos, e ainda se sentem dispostos a contribuir com seu know-how, partem para a segunda carreira como consultores ou professores. Muitos também vão atrás do sonho de ter um negócio próprio, em geral ligado a hobbies que não tiveram tempo de cultivar. Mas uma outra parcela pega mesmo pesado, pois trabalha pela sobrevivência ou para melhorar o padrão de vida que despencou junto Maria Augusta com a aposentadoria. É o caso dos office-boys da terceira idade, modalidade profissional em que ter mais de 60 anos só traz vantagens para os empregadores. Sem custos trabalhistas, prioridade em filas de banco e passe livre nos ônibus já que não pa- gam passagens, os mais velhos acabam disputando vagas com os mais jovens. E ganham. Quem não precisa se preocupar com a sobrevivência também não fica apenas circulando nos bingos e bailes da terceira idade, uma lenda que a pesquisa da GFK/Indicator ajudou a derrubar. Menos de 8% dos idosos freqüentam estes lugares. Será mais fácil encontrá-los nos parques – para onde mais da metade se dirige pelo menos uma vez por semana – assim como nos shopping centers freqüentados por um terço dos entrevistados cerca de 4 vezes ao mês. O resto do tempo em casa, segundo estudo da Mercado Global, o idoso gasta vendo televisão – 87%, ou ouvindo rádio – 59%. A leitura é um hábito pouco cultivado. Dados do IBGE revelam que pouco evoluíram os índices de escolaridade dos idosos, medidos por anos de estudo dos responsáveis pelo domicílio. A média nacional é de 3,4 anos de estudo. Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, é a cidade onde se encontra o índice mais elevado de escolaridade: 8,2 anos. Os mais baixos são, praticamente, zero em duas cidades no estado do Piauí, com 0,2. Neste contexto, é um privilégio, de poucos, freqüentar as chamadas Universidades Abertas da Terceira Idade, instituições com suporte das faculdades regulares e que oferecem, sem custo ou a partir de taxas simbólicas, disciplinas e cursos livres de temas variados. Um dos temas da Organização Mundial de Saúde, que trabalha pela prevenção da saúde da população do planeta, no caso da terceira idade, prescreve a necessidade de ações que assegurem a independência e a vida ativa com o envelhecimento. Atender a esta recomendação da OMS está na proporção do bolso do freguês. Assim, crescem em número as ONGs, os centros públicos de leitura é um hábito pouco cultivado. Dados do IBGE revelam que ✲ Apouco evoluíram os índices de escolaridade dos idosos, medidos por anos de estudo dos responsáveis pelo domicílio. M A I O Blecher / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 45 Velho, esse Desconhecido mulheres, que, por razões variadas que ainda estão sendo investigadas pela medicina, têm uma sobrevida maior em todas as partes do mundo. No Japão, os Cabeças Brancas atingem, tranqüilamente, os 80 anos. Mas o fenômeno que mais surpreende com a chegada do novo milênio é o das pessoas que atingiram 100 anos de vida. Eram 180 mil em 2000 em todo o mundo e, no Brasil, por volta de 9,5 mil. As previsões são de que venham a atingir 3,2 milhões em todo o planeta até 2050. Hoje já não causa espanto saber que a mãe da rainha Elizabeth II atingiu 101 anos de idade e que, Roberto Marinho quase chegou lá com 98. Detalhe de sua longa convivência, e os lares para abrigar os mais carentes. Por outro lado, um negócio que tem tudo para se expandir e prosperar são os residenciais de alto padrão que substituem o conceito de clínicas e casas de repouso e abrigam uma clientela de alto poder aquisitivo disposta a pagar por um espaço exclusivo que reúna assessoria de saúde com as mordomias de hotéis. Até o início do século XX, apenas 25% da população mundial completava 60 anos. A expectativa de vida é um dado que cresceu no Brasil, passando de 43 anos na década de 50 para os atuais 67 em média, sendo 63 para os homens e 72 para as ESTATUTO DO IDOSO Cap. V Art. 20 – O idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade. Cap. V Art. 21 Par. 1 – Os cursos especiais para idosos incluirão conteúdo relativo às técnicas de comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integração à vida moderna. Cap. V Art. 24. – Os meios de comunicação manterão espaços e horários especiais voltados aos idosos, com finalidade informativa, educativa, artística, e cultural, e ao público sobre o processo de envelhecimento. Dos Crimes – Art. 96 – Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade. Pena: Reclusão de 6 meses a 1 ano e multa. Dos crimes – Art. 105 – Exibir ou veicular , por qualquer meio de comunicação informações ou imagens depreciativas ou injuriosas à pessoa do idoso. Pena – detenção de 1 a 3 anos e multa. 46 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 biografia: fundou a Rede Globo aos 60 anos de idade. Até C. Montgomery Burns, o magnata centenário do desenho animado Os Simpsons, continua na ativa comandando com mão-de-ferro o seu império nuclear em Springfield. SÓ PARA VETERANOS Nos anos 60, os Beatles cantavam o antiquado foxtrot “When I’m SixtyFour” imaginando o dia-a-dia de um casal de velhinhos. Paul McCartney, nascido em 1942, pai de uma menina de 2 anos, nem de longe lembra a dupla cheia de manias retratada nos versos da canção. Mick Jagger, também pai de um garoto de 5 anos, com atuais 61 anos, continua a cantar “Satisfaction” nos palcos. Enquanto isso, a indústria farmacêutica fatura, e muito, com medicamentos destinados a homens com disfunção erétil, uma das preocupações mais temidas quando se ingressa na terceira idade. O Viagra, que surgiu em 1998 para combater este problema, é um campeão de vendas junto com o Celebra, um anti-reumático que, por ocasião de seu lançamento em 1999 teve 7,4 milhões de receitas aviadas em apenas 6 meses no Brasil. A indústria farmacêutica, pela natureza do negócio, foi um dos poucos setores que sempre tiveram uma política de marketing para atingir a este público-alvo. Os remédios de uso contínuo, consumidos em grande escala por idosos, são responsáveis por boa parte dos lucros dos laboratórios que investem Maria Augusta fortunas em pesquisas neste segmento. Os Planos de Saúde também estão investindo em segmentação e já existem empresas especializadas exclusivamente nesta faixa etária. Outro mercado que soube explorar expectativas e cresce sem parar é o de produtos do ramo financeiro. Planos de previdência e aplicações do tipo capitalização que sorteiam prêmios são os favoritos. As financeiras também encontraram no público maduro uma oportunidade de oferecer empréstimo a um custo baixo e inadimplência bastante reduzida, já que as parcelas são debitadas diretamente do benefício pago pela previdência social. Algumas instituições vão além. O Banco Real, por exemplo, criou o concurso Talentos da Maturidade, que já teve seis edições até 2004 premiando a produção artística do pessoal da terceira idade. Tornou-se uma referência para o escasso calendário de eventos voltados para este público. Mesmo com cases de sucesso como este, as iniciativas no Brasil ainda têm pouca visibilidade e boa Blecher parte não tem continuidade. Revistas, guias e programas na televisão não vingaram, e os sites especializados na Internet ainda carecem de atrativos mais espetaculares. Nos Estados Unidos, por exemplo, é possível encontrar até um endereço voltado para avós que são ativistas contra guerras. Todos são patrocinados por grandes empresas. Idoso não quer rótulo de velho. Mas quando apelar para a idade traz algum tipo de vantagem como descontos em compras, meia-entrada nos cinemas e teatros, passe livre nos transportes públicos, filas e assentos preferenciais, eles assumem suas carteirinhas e cartões de fidelidade. As redes de drogarias travam, até hoje, verdadeiras guerras por este consumidor, utilizando como “garotos-propaganda” artistas com suas reais e assumidas idades. Uma curiosa constatação que vem sendo acompanhada pelo (IPEA), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada é a de que, parte da renda do idoso, de todas as classes sociais, acaba revertendo em benefícios para as gerações mais jovens. Muitos ajudam no orçamento doméstico, pagam estudos para os netos, aulas extras de inglês e esportes, compram brinquedos e roupinhas, biscoitos, doces e iogurtes. Levam os netos para lanchonetes e shopping centers e também em viagens de férias. Chega a 25% a porcentagem dos domicílios mantidos exclusivamente com aposentadorias de idosos. Até o início do século XX, apenas 25% da população mundial 60 anos. A expectativa de vida é um dado que cresceu ✲ completava no Brasil, passando de 43 anos na década de 50 para os atuais 67 E a presença de pessoas acima de 60 anos nas famílias, respondendo por, no mínimo, 50% do total de resi- em média, sendo 63 para os homens e 72 para as mulheres. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 47 Velho, esse Desconhecido BIBLIOGRAFIA Perfil dos Idosos Responsáveis pelo Domicílio. Censo 2000, IBGE. CAMARANO, Ana Amélia (org). Muito Além dos 60. Os novos idosos brasileiros. Dez 1999. IPEA. Rio de Janeiro. Panorama da Maturidade. Pesquisa GFK/ Indicator. 2003. São Paulo. BUTLER, Robert. A Revolução da Longevidade, O Correio da Unesco, março 1999, São Paulo. ZALTZMAN, Cláudio. Segmentação de Mercado dos consumidores mais velhos segundo seus perfis e estilos de vida. RAUSP, out.-dez. 1996, São Paulo. ✲ Assim, uma série de recomendações inclui abandonar vícios como cigarro, adotar uma alimentação saudável, cultivar as amizades, resolver palavras cruzadas, sair do sedentarismo e começar a praticar algum esporte. cuidados com a saúde ainda são a providência mais importante para se chegar com fôlego à terceira idade. Assim, uma série de recomendações inclui abandonar vícios como cigarro, adotar uma alimentação saudável, cultivar as amizades, resolver palavras cruzadas, sair do sedentarismo e começar a praticar algum esporte. Nem que seja levar o cachorro para passear. Trocar pijama e chinelo por tênis e agasalho. ESPM dentes, acabou gerando a criação de um novo índice de inflação: o IPC3I, Índice de Preços do Consumidor da Terceira Idade, que a Fundação Getulio Vargas vai administrar a partir deste ano através da coleta mensal de dados e divulgação dos resultados, trimestralmente. A explicação para o novo indicador é que, na cesta básica do idoso, certos itens como medicamentos, planos de saúde e perfumaria, pesam mais. Ainda não é uma obsessão, mas já está se tornando febre entre os mais jovens a idéia de retardar o envelhecimento. Este medo alimenta uma indústria que nunca produziu tantos livros, clínicas e academias especializadas, e uma “cosmiatria” que tem por lema plantar hoje para colher amanhã, ou seja, a prevenção. Os 48 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O AUTORA MARIA AUGUSTA BLECHER é jornalista, colabora com revistas e publicações da Editora Abril, textos institucionais para empresas e redação de livros. D E 2005 ESTATUTO DO IDOSO. Redação Final do projeto de Lei da Câmara no 57, de 2003. BERLINCK & BERLINCK. Terceira Idade e Tecnologia. Editora Moderna. Jan-abr 1998. WIESE/ BERG, Ronald. Shopping Center e o Consumidor da Terceira Idade. Anais Cladea / 95, São Paulo. P 566-573. Set.1995. Agência Estado. 8 abril 2005. FGV divulgará inflação para a 3ª idade. Farid J. Artigo. Uma nova cidadania. Revista E. p.16 – 21 out 2003. Artigo. Jovens depois dos 60. Célia Chaim. ISTO É. 26.09.2001 p.72. Ed Três. São Paulo. Artigo O que há de bom para a 3ª idade. Finanças. ISTO É DINHEIRO. Kênia Miriam. Artigo. Vovô vai a luta. Dieguez, Consuelo. VEJA. 06.09.2000. Artigo. Admirável terceira idade. Giro News. p.46- 47- nov 2004. Artigo. Atenções Especiais para a Melhor Idade. Mercado Global. p-14-17. 1o trim. 2005. Artigo. Pijama é só para a hora de dormir. Valor Investe. P.58-61. Nov. 2003, jan 2004. O Último Dia H O ÚLTIMO DIA oje é o último dia dele na empresa, depois de 40 anos de dedicação e muito trabalho. Começou como estagiário. Participou do primeiro programa de trainees da REVELI Company no Brasil. Atuou como gerente de produtos, gerente de categoria de produtos, diretor de marketing e gerente geral de várias divisões no Brasil e fora dele. Há dez anos conquistou o cargo de presidente da companhia no Brasil. Com ele à frente, a empresa se transformou na fatia mais rentável do grupo e, por isso, ocupa uma posição de destaque na contribuição para os resultados globais. José Carlos Benvenuti, o enigmático. Quase uma lenda. Um homem poderoso e de fácil acesso aos poderosos. Fico a pensar em como será a empresa sem ele. O que nos espera daqui por diante? Como será o sucessor? Como será trabalhar aqui sem a presença dele no diaa-dia? Algumas perguntas e muitas dúvidas. Quase todas egoístas. Todos se referem a si e – no máximo – sobre a empresa. Ninguém fala dele ou sobre ele. Não se levantam questões do tipo: como será esse novo momento para ele? No que será que ele está pensando? O que e como ele fará daqui para frente? Entrei naquela sala pouco antes do almoço. O normal era encontrar a porta rigorosamente fechada. Hoje estava entreaberta. José Carlos Benvenuti estava ali. Na sala dos botões. Sala onde poucos eram convidados a entrar. 54 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Alexandre Mathias e Marco Dalpozzo Quando entrei, não sabia bem o que falar. Falo? Perguntei-me. Por fim entrei só com o silêncio dos passos. Ele estava em pé olhando os quadros perto da janela, em frente a um quadro exótico, lembrança sei lá eu de qual viagem, ou quem sabe até fruto de uma premiação ou reconhecimento. Os quadros eram globais. Representavam muitos e variados lugares do mundo, eram os frutos de uma história profissional que há muito tempo misturava-se com a biografia. Mas nada disso parecia fazer diferença diante da realidade. José Carlos tinha chegado ao último dia. Recebi o convite de um almoço de trabalho há alguns dias, mas não tinha ainda a clara percepção de que aquele era – para ele – o último dia. Agora ele entrava silenciosamente naquela sala, onde por várias vezes sentira frio na barriga antes de cruzar aquela porta. João Carlos estava – agora – em frente aos quadros dele, procurando em cada um as cores da sua existência. Não pensei em nada. A quantidade e a intensidade do momento exigiam máxima concentração. Era necessário ler e entender aquele momento. Mais: era importante perceber o sentido que aquilo fazia para ele. Nós, parceiros estratégicos de RH, não somos chamados para falar, opinar, agir, mas – naqueles momentos – estamos ali para receber, escutar, suportar, conter emoções e sentimentos que não cabem em outros lugares; nas decisões do dia-a-dia de um líder. Assim, proporcionalmente ao peso extraordinário do momento, não era possível pensar nas minhas perguntas. Não seria digno agir as- sim. Só queria compartilhar com ele um instante de grande emoção. Os quadros pareciam interrogativos naquele instante. Por quê? Por quê? Por quê? Era a pergunta que cada um parecia dirigir-lhe. Por que agora? Por que não esperar mais dois anos? Por que daquela maneira? Por que aquela existência? A força dos porquês se perde ao longo de nossas vidas. São pequenos filhos a quem temos que conquistar. Sem medos. Aliás, somos fascinados por nossos porquês. Eles são os alicerces de nossas conquistas. Mas depois, crescendo e envelhecendo, é como se esquecêssemos que – apesar de adultos – continuamos a ser filhos e que os porquês são cada vez mais, decididamente, instigantes e desafiadores. Nunca tinha entrado naquela sala e o encontrado de pé, em frente aos quadros. Em vez de parecer-me em busca de uma nostálgica procura pelos fragmentos do passado, deu-me a nítida sensação que estivera, sim, à procura de alívio para a dolorida via-crúcis dos porquês. Entrei. José Carlos logo percebeu minha presença. Não ficou surpreso. Estendeu a mão, recebeu-me e disse-me que ficasse ao lado dele e comentou: “Catelli, este vem da Mongólia. Estive lá quando ainda só tinham bandeiras vermelhas e militares nas ruas congeladas de Ulambator.” “Como deveria ser perigoso fazer – naquela época – negócios naqueles países”, disse para iniciar a conversa. “Perigoso é o Rio de Janeiro de hoje. A M A I O / Mongólia é rica em recursos naturais e sabia – já naquele tempo – viver em comunidade e com respeito aos recursos que ela possuía; o que não é verdade em nossa cidade.” Como sempre, tinha uma lição de vida a me esperar. Estava ali, diante de mim, o velho sábio que assume o papel de formador. E eu, como aluno, ansiava por conhecer os critérios da relação e aonde levaria aquela conversa. Convidou-me a sentar no largo sofá. Era a primeira vez, depois de tantos anos juntos, que nossa conversa podia ter lugar em um outro contexto que não à mesa de trabalho dele. Sinal de um evento extraordinário como efetivamente deveria ser o ultimo dia. Ofereceu-me um drinque e algumas castanhas de caju. Aparentemente relaxado, agia com outra velocidade, com outro ritmo em relação ao de costume. “Sabe do que tenho certeza em relação ao amanhã?” – Não, disse ainda um pouco constrangido pelo novo jeito da conversa. “Sei – continuou – que o telefone vai parar de tocar. Que perderei um dos sobrenomes. E aí, passarão à minha frente todas as fraldas do meu filho que deixei de trocar em nome do objetivo de cada ano, mais desafiador e de – apesar de tudo – teria de ser atingido.” Não precisei falar. Só o meu olhar interessado e compreensivo foi suficiente para que José Carlos, normalmente considerado pouco eloqüente, iniciasse uma longa reflexão sobre o momento. “Em meu primeiro ano como presidente a companhia valia dezoito J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 55 O Último Dia vezes menos do que vale hoje, mas e as fraldas de meu filho? Tampouco as troquei!” O olhar dele, surpreendentemente, transformou-se. Parecia que olhava aquele filho chorando, ali, agora, naquele instante. Com os olhos marejados, à espera de uma ajuda, de um conforto, de uma intervenção, que pudesse aliviar a dor das emoções. Eu não sabia o que fazer. Fiquei surpreso. Por instantes, o que eu acostumara a ver mudou. O sábio e equilibrado presidente que sabia tudo revelava uma outra faceta. Uma personalidade rica e complexa há muito tempo escondida. Só então comecei a entender porque eu estava ali. Comecei a transitar na dureza do momento, na intensidade de tudo aquilo e naquela intimidade que, enfim, se revelara. Tratava-se de um líder. Um líder de fato e direito. Homem de sucesso reconhecido. De vitórias representadas em todos os cantos da sala e nas minhas lembranças. Lá estava ele, no último dia de trabalho. E o dia seguinte? Como seria viver depois de todas as festas e comemorações, discursos, cartas e agradecimentos? No dia seguinte não teria mais o carro com o fiel motorista e tudo o mais que o cercava de pompas e solenidades. De repente ele diz: “Comprei um Honda Fit. Carro pequeno. Não chama atenção e não quebra”. Falava como se a vida recomeçasse. Como se após muitos anos recomeçasse a andar. Pela primeira vez senti aquela situação mais do que ele. Pela primeira vez senti que tinha finalmente espaço para fazer perguntas a si: Quem sou eu? Senti uma eterna riqueza naquele instante. Diante de 56 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Alexandre Mathias e Marco Dalpozzo mim estava mais do que um eterno presidente: estava ali uma pessoa que se abria à própria complexidade. “Sabe o que lhe desejo?” Disse-lhe. “O quê?” Perguntou com um olhar de rara doçura, “que seu filho e muitos outros possam aproveitar este novo ser, e que você possa, escrever outras histórias ricas e satisfatórias como a que escreveu aqui. Esta é só uma, que durou um longo e belíssimo instante. Que você com direito e orgulho coloca sua assinatura, mas com certeza não será a última. Se permite, o que nos nutre é o projeto de nossa biografia, da qual nossa carreira faz parte e nos acompanha para sempre. Você escreverá outras, importantes, úteis e grandiosas, para você e para os seus”. – “Tenho consciência”, disse. “Talvez, além da casa e da família e das minhas raquetes de tênis, precisarei de um novo sonho. Vou deixar estes quadros onde estão, assim terei espaço para o novo, assim não guardarei um passado que arrisca ser minha referência”. Pensei em suas palavras, e, tremendo de emoção, ganhei tempo enchendo o meu copo de água e respondi. “Sr., tire os seus quadros daqui, deixe que seu sucessor, que você preparou com tanto cuidado e antecipação, possa ser autor como você foi. Encontre o lugar para o seu passado, uma sala, um armário, uma parede. Guarde só o que é realmente importante. O resto, o excesso, a gordura de uma carreira tão rica jogue fora, e deixe o lugar, a existência, a novos encontros, a novas realizações das quais, talvez hoje, nem tenha a menor consciência. Recupere a con- versa com seu filho, caminhe na rua, em baixo da sua casa, onde por tantos dias passou no seu carro blindado lendo o jornal e se preparando para reuniões. Perceba que ali existem tantas outras histórias dignas quanto a sua. Com certeza assim terá a chance de encontrar dicas de futuro.” Ele me olhou, o almoço nem tinha começado, e meu cansaço emocional era, imagino, claramente aparente. José Carlos então me disse: “Obrigado, Catelli, como sempre palavras honestas e apaixonadas. Sei que você tem uma outra reunião logo, se precisar sair não se preocupe, tenho ainda muitas tarefas a fazer. Nosso papo me deu conforto, mais uma vez, espero reencontrá-lo um dia: cuide de nossa gente”. – “Assim farei”, disse. “Obrigado pelo almoço e pelo privilégio de estar aqui e de ter vivido este momento com o senhor.” Saí da sala atordoado, sem saber o que fazer. Pequei meu paletó e minhas coisas. Sem falar com ninguém, fui para casa brincar com minha filha. ESPM AUTORES MARCO DALPOZZO ([email protected]) é Diretor de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Vale do Rio Doce. ALEXANDRE MATHIAS ([email protected]) é Diretor Geral da ESPM do Rio de Janeiro. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 57 EntreVista ELES JÁ PASSARAM 80 DOS O s editores da Revista da ESPM pensaram em entrevistar um brasileiro de mais de 80 anos que estivesse exercendo – mais ou menos normalmente – as suas atividades profissionais em setores ligados à atividade da Escola, como comunicação, marketing, management, e que, naturalmente, concordasse em falar sobre si próprio: como é “ficar velho” num mundo que se considera “jovem” e outros assuntos que formam a pauta desta edição da Revista. A busca resultou não em um, mas em três, e o destino definiu que, até estatisticamente, eles fossem representativos: Homero Icaza Sanchez, o “bruxo” das pesquisas, está com 80 anos – e dirige o seu Itape, pres- 60 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 tando serviços regulares à TV Globo; Said Farhat, o “nosso” primeiro e único Ministro das Comunicações, jornalista, publicitário, editor, consultor político, ainda divide seu tempo entre São Paulo e Miami, e – aos 85 anos – participa de inúmeras atividades e mantém uma agenda cheia; enquanto José Mindlin, exempresário e advogado e bibliófilo exemplar, aos 91, administra, ama e inspira a sua magnífica coleção, no Brooklyn paulista, concordando em interromper seu trabalho, de vez em quando, para dar uma entrevista – por exemplo. Os resultados dessa rica colheita estão nas páginas seguintes. (FG e JRWP) ENTREVISTA HOMERO ICAZA SANCHEZ HOMERO ICAZA SANCHEZ é quase um mito para toda uma geração pioneira do marketing e da propaganda, no Brasil, sobretudo pela sua atuação no campo da Pesquisa de Mercado. Nascido no Panamá – em 1925 – ele veio para o Brasil em 1944 e daqui nunca mais saiu. Iniciou a carreira em seu país como advogado, passou para a carreira diplomática e foi cônsul geral do seu país, no Rio de Janeiro, onde se tornou aluno e amigo do maior de nossos poetas, Manuel Bandeira, que a ele dedicou um de seus poemas. Abandonando a carreira diplomática, voltou-se para a sociologia – e daí para a Pesquisa de Mercado. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho – o Boni – contratou-o para a TV Globo e lá, através de sua aguda percepção social e do sólido conhecimento técnico, era capaz de “adivinhar” quais as novelas que iam ter sucesso ou não e – especialmente – o que o público queria. Isso lhe valeu o apelido – e a fama – de “bruxo”. Fundou e dirige até hoje o Itape – Instituto Técnico de Análise de Pesquisa e Estudos – onde continua supervisionando análises de pesquisas de opinião pública, de mercado e audiência. Foto: Arquivo pessoal HOMERO, SAID, MINDLIN JR – Com 80 anos completos em janeiro deste ano, você acha que gostaria de ter feito na vida alguma coisa diferente do que fez? HOMERO – Não. Acho que foi bom o caminho que fiz. M MA AI O R Ç / JO U/ NA BH RO I L D DE E 2 20 00 055 ––RREEVVI I SS TT AA D DA E S P M M 61 EntreVista JR – E alguma coisa que não tenha dado tempo de fazer? HOMERO – Antropologia. Eu acho uma ciência tão bonita, tão interessante. Mas não é a antropologia de índios, gente pré-histórica, é a antropologia urbana, da cidade, porque a cidade oferece um espetáculo maravilhoso. Eu estava conversando com minha mulher, outro dia, imaginando o sujeito que é funcionário público, ganha pouco, mas o filho fez um curso de computação e disse que gostaria de ter um computador. Então ele vai a uma firma que vende aparelhos usados e compra um, à prestação, para dar ao filho, no aniversário. Manda embrulhar o aparelho, pega o ônibus para o subúrbio, onde mora, e vai pensando: “Te cuida, Hans Donner, que meu filho vem aí”. Ele não sabe como funciona o computador, mas sabe que existe um Hans Donner e o filho dele pode chegar lá... Através da televisão a filha dele compra um livro de como se faz bijuterias, e faz bijuterias em casa para vender; a mãe compra um livro sobre Medicina Alternativa porque o remédio está muito caro e com um chazinho, resolve. A tecnologia entra no lar deles e provoca comportamento diferente, novo. Isso eu gostaria de estudar com calma, em detalhes. JR – O Jorginho Guinle uma vez disse: “Já fui rico e já fui pobre, e ser rico é melhor”. Se alguém dissesse isso com relação a ser jovem e ser velho, qual você acha que seria verdade? HOMERO – Não, o velho acha que quando era jovem era melhor. Não é que ele é melhor que o jovem, mas sim que “quando eu era jovem, era 62 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E O PT TINHA BOAS IDÉIAS, BONS IDEAIS, MAS NÃO TINHA FORMAÇÃO. melhor que você”. Aproveitava melhor a vida. JR – Você acha isso? HOMERO – Eu, como velho, sei – é lógico. JR – O Duailibi é um grande colecionador de citações e tem uma citação que diz: “Nós não paramos de nos divertir porque ficamos velhos, ficamos velhos porque paramos de nos divertir”. O que você acha? HOMERO – É uma “boutade”. JR – Você se diverte? HOMERO – No que posso. A idade vai limitando o seu campo de ação, entende? Quando você tem vinte anos, diz “vamos a Paraty no final de semana”, de ônibus, de carro, de carona ou o que seja. Mas depois dos setenta, a queda é muito grande, é muito rápida... JR – É uma coisa objetiva, que tem a ver com a sua força física. HOMERO – Exatamente. JR – Pirandello escreveu que “com a idade a percepção se torna mais lúcida – e isso acaba tornando a vida insuportável”. Você concordaria com isso? HOMERO – A “percepção dos idosos” é tão aguda, que – às vezes – parece que a gente adivinha. Agora, 2005 o que eu gosto na idade – e tenho ainda interesse por estudar, é essa coisa oriental, é a contenção japonesa, por exemplo. Na história da literatura japonesa, conta-se que havia um professor que dava aulas de haikai – são dezessete sílabas – versos de cinco, sete e cinco – medida clássica. Um aluno passou um ano preparando seu haikai e, no fim do ano chegou ao professor e mostrou o poema, que dizia: “Na neve, a sombra das cerejeiras”. E o professor disse: “Tem muita cerejeira”. Uma cerejeira fazia o mesmo efeito que várias cerejeiras em termos de sombra... JR – E como é que você vê a questão das empresas, hoje: o desespero pelo resultado, pelos lucros, você acha que – de fato – esta havendo uma mudança, ou é a nossa visão de pessoas mais idosas, por achar que “antes era melhor”? HOMERO – Acho que antes estávamos mais preocupados com a formação do profissional, com o desenvolvimento do profissional até ele chegar a um nível de excelência. Hoje, estamos interessados no resultado que o profissional produz; julgamos o profissional pelo resultado e não por ele mesmo. É uma diferença visível. JR – O que, de fato, os mais velhos podem ensinar aos mais jovens? HOMERO – Primeiro, paciência, que é fundamental. Há uma coisa no idoso; ele não reage a certas coisas, que deveria reagir, mas “eu já estou HOMERO, SAID, MINDLIN velho, porque eu vou levantar por alguma coisa? Paciência”. Segundo, a gente tem que prestar atenção; ouvilos. Há uma história de um japonês bem-sucedido, que tinha uma fábrica de automóveis nos Estados Unidos e, de repente, recebeu uma ligação de um velhinho que se dizia amigo de seu pai, na aldeia em que viveram. “Estou aqui nos Estados Unidos e preciso de um conselho. Será que o senhor poderia me visitar?” Ele foi visitar e o velho estava com a casa toda cheia de jornais empilhados, e disse: “Lá no Japão eu guardava jornais e trocava por papel higiênico e outras coisas, todas as semanas passava um carro trocando. Aqui não posso trocar, tenho um quarto cheio de jornais, o que eu faço?” Nos Estados Unidos não havia a preocupação de aproveitar os jornais usados, como no Oriente. Essa mesma coisa acontece com o velho. Torna-se “descartável”. O descartável é que prejudica mais. JR – Não existe, também, um certo preconceito em relação ao idoso? Por exemplo, na própria televisão, os programas humorísticos mostram as pessoas mais idosas como ridículas... HOMERO – Ridículos, idiotas, surdos. Há um quadro de uma “velhinha surda”, que devia ser cortado da televisão, pois é uma ofensa a toda pessoa surda. JR – Devia ter entrado naquela Cartilha do Politicamente Correto, do Governo... Por que identificar o velho com o usado, com o descartável, o ridículo? Você não acha que os velhos deviam fazer um movimento contra isso? HOMERO – Isso é um programa que vocês, da ESPM, poderiam liderar, através do seu Instituto Cultural: levantar os itens importantes do problema – o que ele não tem e o que ele tem; no que ele está falho; o que ele pode dar. E depois de levantar as informações, então começar a campanha... JR – Proporcionalmente, o número de pessoas idosas vem aumentando e a sociedade parece que não está preparada para utilizar, inclusive, essa força de trabalho. HOMERO – Tive um amigo cego, que me contava que o melhor dia da vida dele foi no primeiro dia em que saiu com a bengala branca. Eu perguntei por que e ele respondeu: “Antes, quando eu não usava bengala – eu tinha vergonha – quando tropeçava, diziam burro, idiota, não vê onde anda? No momento em que eu saí com a minha bengala, tudo mudou: me abriram caminho, me atravessaram a rua, o carro parou...” Eu estou com oitenta anos e ando com a minha bengala. Você está na rua, vai pegar um táxi, levanta a bengala e o táxi pára... JR – Você quer dizer que existe um problema de comunicação: que alguma coisa poderia ser feita em relação a esse canal de comunicação entre as gerações. HOMERO – No Brasil, o público em geral tem preocupação com o idoso, e não se aproveita mais essa preocupação. As pessoas têm paciência com os mais velhos, cedem-lhe a vez, dizem “por favor”, há essa cortesia. Mas o mundo dos negócios é contra o velho. Aí é que está. JR – Para encerrar, como é que você vê o momento em que estamos vivendo, no Brasil? Será que ele permite um certo otimismo em relação ao futuro? HOMERO – Olhe, o PT tinha boas idéias, bons ideais, mas não tinha formação; os governantes desse partido não têm idéia do que seja governar o país. O que está acontecendo, essa história do “mensalão”, isso é o começo do fim. Não é possível que todas essas pessoas tenham sido informadas sobre isso e não tenham feito nada. JR – Não há um aspecto positivo, de que essas coisas estão sendo expostas, divulgadas? Talvez antes elas ocorriam e não eram sabidas? HOMERO – Porque, para os velhinhos isso faz parte da “Idade de Crescimento”, que é o que estamos vivendo. Depois de um período de ditadura militar horrível, você cai numa anarquia democrática horrível. JR – E qual será a síntese? HOMERO – Quando o Lula ganhou, escrevi um artigo declarando que ele seria um líder continental e – hoje em dia – é um líder continental, sem discussão. Mas ele é mal-assessorado, em relação ao Haiti, por exemplo. Este será um dos grandes fracassos que JULGAMOS O PROFISSIONAL PELO RESULTADO E NÃO POR ELE MESMO. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 63 Foto: Carlos Barreto EntreVista 64 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 HOMERO, SAID, MINDLIN teremos, ouça o que digo. A Bolívia vai ser outro problema. Não se engane com a Bolívia. O Carlos Castelo Branco contou-me, a primeira vez que foi à Bolívia e voltou: “Homero, são selvagens! O cara está marchando, fazendo um protesto, e tem dinamite nas costas, dinamite! Porque trabalha com dinamite na mina, está fumando e não se dá conta. Poderíamos voar eu e todo o mundo.” Minha irmã Suzana conta que, quando foi à Bolívia, hospedou-se num hotel e, no dia seguinte, perguntaram-lhe: “A senhora conseguiu dormir?” Ela disse: “Por quê?” “Pela festa” E ela disse: “Mas que festa?” A festa era um sujeito com um bumbo, que batia e dizia: “Soy alegre, soy alegre, soy alegre...” a noite inteira. É difícil. ENTREVISTA SAID FARHAT SAID FARHAT é considerado – com orgulho dos colegas da área de publicidade – como o profissional que ascendeu mais alto na hierarquia social brasileira, tendo sido o nosso primeiro Ministro da Comunicação Social, durante o governo Figueiredo. Nascido no Acre, em 1921, exerceu cargos públicos no seu Estado natal (então território) e foi para o Rio de Janeiro, em 1952, onde trabalhou na Standard Propaganda, transferindo-se, pouco depois, para São Paulo, onde trabalhou na J. Walter Thompson. Em 1962, ingressou no grupo Visão, do qual se tornou editor e proprietário. Vendeu o grupo em 1974, e exerceu funções na Editora Abril e na Embratur, como presidente, de onde saiu para a ESSA LIMITAÇÃO ESTÁ VINCULADA A PRECONCEITOS CONTRA A VELHICE. SECOM – Secretaria de Comunicação Social. Detentor de vários prêmios e homenagens, sempre esteve muito ligado à ESPM – de quem recebeu, em 1991, o prêmio Mauricio Sirotsky de Comunicação Social. FG – Como se sente um homem de 85 anos num mundo onde a maioria das pessoas tem menos da metade da sua idade? SAID – De duas maneiras, até contraditórias. Em relação à expectativa de vida, minha mãe morreu aos 89 anos e meu pai aos 93. Peço a Deus que me dê a média entre os dois, que parece bastante satisfatória. Ao mesmo tempo, olho e vejo, no nosso panorama social, uma juventude mais voltada para aprender coisas técnicas do que aprender a viver. Ou seja, a apreciar o fato da vida; usar o tempo de vida para produzir algo que não seja um bem – não importa se pequeno ou grande. E não falo de bens materiais; falo de bens morais, éticos, sociais. FG – Os jovens, de fato, estão preocupados com o dia-a-dia, as coisas imediatas, e tendem a esquecer, principalmente dos valores morais. Isso o incomoda? SAID – Sim, porque tenho uma família muito unida; completamos 64 anos de casados, temos duas filhas, quatro netos sangüíneos e três adotivos, e onze bisnetos. As tentações parecem ter passado ao largo. Vejo M A I O / com preocupação, por exemplo, o tempo que os jovens gastam com drogas. Em São Paulo, existe a “cracolândia”, um lugar de venda de tóxico em plena luz do dia. Há uma certa condescendência com as atividades criminais. Todos sabem que a esquina da Avenida Rebouças com a Avenida Faria Lima é ponto de assalto. Só a polícia não sabe? Por que não age? Não age em função de outro mal dos tempos atuais, que é a corrupção e que abrange desde o Palácio do Planalto até a mais pobre prefeitura do interior. A juventude de hoje está preocupada com a diversão fácil – as noitadas. Tenho, por exemplo, sobrinhos-netos que saem de casa às 11:30 horas da noite para ir a uma festa e voltam às 6 horas da manhã. Isso não é um fenômeno localizado; espalha-se por todos os países do mundo. FG – Vamos falar da longevidade nos negócios. A revista Exame acaba de publicar uma pesquisa feita com as maiores empresas brasileiras, e a idade média dos presidentes é de 51 anos, dos diretores está em 45, 48 anos. São relativamente jovens. O que você acha disso? SAID – No Brasil, temos uma situação anômala: se se é muito jovem, não se consegue um bom emprego; se passou de determinada idade, não consegue emprego que valha a pena. A faixa dos 30 aos 45 anos é uma faixa de maturidade, exuberância, na qual as pessoas estão produzindo o máximo que podem. Mas essa limitação J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 65 EntreVista de idade está vinculada a preconceitos, em especial contra a velhice. FG – Você reconhece que, no mundo empresarial, há um preconceito contra a velhice? SAID – Sem dúvida. E ele está nas grandes empresas, de modo geral. Vou usar a Ford, como exemplo. A Ford foi criada por um homem que, não apenas se distinguiu pela concepção do automóvel, da linha de montagem, como também pela comercialização do produto. O Henry Ford enfeixou nas mãos o comando de uma empresa que – hoje – se torna cada vez menos controlável pelo poder central. Vemos os altos e baixos que a empresa sofreu, na sucessão de Henry Ford, pelos seus filhos e netos. Outra coisa é a diferença entre fundador, fábrica e produto. Na Ford, esses três elementos se confundem. Mas, fala-se em Ford, e todos pensam no carro. Longinquamente, alguns ainda se lembram do nome Henry Ford. No Brasil isso é verdade em empresas como a Gerdau. O Jorge Gerdau continua à frente da empresa. A Votorantim, com o falecimento dos mais velhos, colocou a segunda geração no comando da empresa. Mas é fatal que, mais cedo ou mais tarde, se torne uma companhia mais aberta. Creio que a maioria das pessoas jamais prestou muita atenção a quem foi o fundador da General Motors. O nome General Motors significa menos que o nome Chevrolet – a imagem do produto supera a imagem do fabricante e ninguém sabe quem foi o iniciador da empresa. FG – A GM sempre foi considerada como símbolo da vida empresarial 66 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E SER MOÇO É MELHOR. americana. Era – parece que, agora, nem tanto – sólida como uma rocha. O que há de bom e mau nisso? Com o tempo, as empresas se tornam mais conservadoras, moderadas, menos agressivas. Isso é bom? SAID – Acho que entre os fatores que respondem pela longevidade das empresas, o primeiro é a criatividade. Falamos de automóvel: o automóvel continua essencialmente o mesmo. Mudaram as coisas adjetivas: motores mais potentes, resfriamento, transmissão automática, mas intrinsecamente é o mesmo. Então, um aspecto que tem contribuído para a longevidade das empresas é a criatividade: criar novos produtos; descobrir, antes dos outros, o que o consumidor realmente quer. Depois, há questões como a globalização, que veio para ficar. Não há mais economias auto-suficentes. Os americanos custaram a perceber que, mesmo os produtos tradicionais, que fabricavam – como geladeira, automóveis, televisores –, estavam sendo desenvolvidos em outros países. E há globalização dos hábitos. Tenho bisnetos tão sabichões em matéria de eletrônica, que – quando tenho dificuldades com o celular ou o computador – recorro a eles. Outro aspecto que evidencia a longevidade das empresas é o que chamo de “pulo do gato” – um passo ousado, inesperado, surpreendente para os concorrentes e que – de repente – resolve uma situação de impasse. Poderia citar dois casos brasileiros. Um durante o governo do Itamar Franco. A economia nacional estava 2005 mal, a inflação parecia sem controle, os consumidores sem coragem para comprar itens mais caros; e a indústria automobilística parecia diante de uma crise. Vão os dirigentes da Anfavea falar com o presidente, expõem, pedem subsídios, apoios, cortes de impostos etc. E o Itamar, que não tinha resposta para nenhum desses itens, disse: “Por que não lançam de novo o Fusca que agradou a tanta gente?” O Fusca foi relançado – junto com outros carros de menor valor – que animou o mercado. Depois veio o Plano Real, que estabilizou preços e salários, e a indústria automobilística brasileira, hoje, fabrica mais de dois milhões de carros por ano. FG – O pulo do gato é a criatividade. SAID – O segundo pulo do gato: havia, no Brasil, duas empresas que fabricavam cerveja e dividiam, entre si, a maior parte do mercado: a Brahma e a Antarctica. Estavam as duas se digladiando, quando alguém teve a idéia de que, em vez de brigar, deveriam se unir e criaram a AmBev. Aí, vem uma empresa européia, adquire o controle da AmBev e leva a marca Brahma para outros mercados. Daqui a pouco, o Guaraná será uma bebida tão comum quanto a CocaCola e a Pepsi, em todos os mercados mundiais. FG – O pulo do gato aí – eu conheço um pouco dessa história – é de um homem chamado Jorge Paulo Lemann, que foi o arquiteto de todas essas fusões. Ele esqueceu tudo o que HOMERO, SAID, MINDLIN a Brahma fazia e pensava e partiu para novas soluções. A Antarctica mantinha os laços com o passado, uma postura mais tradicional, e acabou sendo absorvida. SAID – O curioso é que jamais poderíamos imaginar que Antarctica e Brahma pudessem se unir para qualquer fim. Mas há outras coisas que afetam a longevidade das empresas. Uma delas, talvez mais marcante, foram os computadores de mesa. O Steve Jobs inventou um negócio chamado Macintosh, com grande potencial, mas não sei se por egoísmo ou falta de visão comercial, ele segurou as patentes, os processos de fabricação. Aí a IBM veio com o PC, teve a sabedoria de abrir a tecnologia a quem quisesse utilizar e hoje – apesar da preferência que os homens de publicidade têm pelo Mac – o mercado é dominado pelos PCs. Perdeu a briga mas não perdeu a qualidade. Hoje, a Apple caminha para fazer a tecnologia do Mac compatível com a do PC; o que não sei se é bom ou ruim. Na mesma linha da criatividade, temos os fabricantes de software. Bill Gates é o homem mais rico do mundo porque nunca deixou que os consumidores ficassem satisfeitos por muito tempo com os produtos que têm. Você vai a uma loja, hoje, compra a última versão do Windows ou do XP, instala no seu computador e fica orgulhoso de estar em dia. Daqui a alguns meses, vem outro, e graças à propaganda, sentese obrigado a comprar o novo modelo. FG – E, nesse clima de renovação e inovação, como se dão os executivos, mais velhos? SAID – Falando como uma pessoa de 85 anos: mal. Os velhos, com algumas exceções, são pouco suscetíveis à inovação. A tendência dos velhos é segurar os cordões. Mas, hoje, nota-se uma tendência à aglutinação de empresas, formando grandes conglomerados. E isso as coloca diante de um dilema, que é centralizar o controle, como nós velhos fazíamos antes, ou descentralizar. Até que ponto, a companhia X, tendo um vice-presidente para o Brasil, outro para o Cone Sul, ou outro para a América do Sul etc., o controle será solto ou apertado? Vemos isso acontecer aqui no Brasil: uma empresa com sede em São Paulo, filial na Bahia, fábrica em Pernambuco, um centro de comercialização no Rio de Janeiro... Há de haver uma conciliação entre a experiência dos mais velhos e a ousadia dos mais jovens. É o equilíbrio entre a prudência e a ousadia. Falando em ousadia, há outro aspecto: para progredir, uma empresa não pode ficar esperando o que os outros devem ou deveriam fazer – nem governo, nem concorrentes. Os empresários brasileiros são muito propensos a ficar esperando o que o governo quer dizer, e se mexem muito pouco. FG – Você divide o seu tempo entre o Brasil e os Estados Unidos. Como sênior citizen, que você é, onde se sente melhor, mais bem tratado? SAID – Nos Estados Unidos. Antes do Brasil, eles se tornaram uma sociedade de idosos. Existe uma geração nos Estados Unidos, de uma época que eles chamam de baby boom – que é o período do pós-guerra – quando houve um surto de nascimento de pessoas. Só que isso foi há 60 anos e os baby boomers estão se aposentando. Isso estimula o turismo, pois as pessoas de idade vão-se refugiar na Flórida. Outro ponto é que o conceito de cidadania nos Estados Unidos é mais universal do que aqui no Brasil. Aqui, evocar o direito de cidadania é um ato quase hostil. Isso faz com que o idoso se sinta mais confortável lá do que aqui. Ao mesmo tempo, notase uma diferença muito grande entre os Estados Unidos de hoje e o de 50 anos atrás na relação entre americanos e não americanos – claro que lá existe muito preconceito: ou você é branco, ou é latino, ou afro-descendente etc., mas o preconceito, inclusive o de cor, declinou muito nos Estados Unidos, graças a atitudes de pessoas como Martin Luther King, que foi assassinado por um ato de racismo. Esse ato mudou muito a disposição das pessoas. E não é só a questão do politicamente correto que envolve em si um grau enorme de hipocrisia, mas na convicção de que é isso mesmo. Agora, na cidade de São Paulo, as calçadas – graças, em grande parte, à campanha de uma amiga, Lia Vaz – começam a ter rampas para pessoas deficientes. Acredito que a situação vai evoluir também no Brasil. FG – E outra coisa que você pode testemunhar melhor do que ninguém: O NOME GENERAL MOTORS SIGNIFICA MENOS QUE O NOME CHEVROLET. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 67 EntreVista COSTUMO DIZER QUE SOU PARTE DA SOLUÇÃO E NÃO PARTE DOS PROBLEMAS QUE AFETAM O COTIDIANO. como é ser idoso na vida pública? SAID – Quando o Getúlio foi eleito Presidente da República, havia muita dúvida se ele ainda tinha capacidade mental para dirigir o país. Coisa que hoje não damos tanta importância, haja vista o caso do Ulisses Guimarães, que manteve a capacidade gerencial, de liderança política enquanto viveu. Acho que hoje o fato de a pessoa ter mais idade, na vida política, já não é um estigma tão forte quanto no passado. FG – E no senado e nos ministérios principalmente? SAID – O senado é o lugar dos seniores – dos idosos. Acho que há dois caminhos. Um é a consolidação de velhas lideranças – como Antonio Carlos Magalhães, José Sarney, o próprio Fernando Henrique. E a outra vertente é a dos jovens, na medida em que se deixem atrair pela disputa eleitoral como instrumento de promoção do bem-estar do povo. FG – E o que dizem das empresas que já cumpriram um longo ciclo de vida – como uma Procter & Gamble, Johnson & Johnson? Há alguns anos, elas não mostram a mesma criatividade. SAID – É que hoje empresas como Procter & Gamble não têm tanto significado, mesmo para nós que estamos no mercado. Há uma dissociação entre o produto, a marca 68 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E do produto e o nome da empresa. Faço duas perguntas: quem se lembra do fabricante do Sonho de Valsa? E Kibon? Quem é o dono da Bombril? Não importa. Só que a Bombril era a única presente no mercado, e era um mercado aparentemente inexpugnável. Daí aparece Assolan, vem e raspa uma fatia do mercado da Bombril. Na verdade, você tem de adivinhar o que os consumidores vão querer amanhã. Sem falar na moda que é essencialmente efêmera. O que apareceu no desfile de hoje, daqui uma semana, não existe mais. Mas, ao mesmo tempo, tem-se o prestígio do nome do idealizador, e na outra ponta, o prestígio da criação. Nomes como Dior, Yves San Lorain, Daslu são objetos de sonho das pessoas e indicação de status. Tenho experiência de andar em shopping centers pelo mundo. Ver os produtos que são vendidos nesses shoppings, sair de uma loja para outra e encontrar uma diferença de preço brutal entre dois artigos, que ao leigo parece equivalente, mas um dos quais tem marca. FG – Vou pedir a você que comente algumas citações que vou fazer. A primeira é do Pirandello que disse: “Um dos males da idade é que acabamos adquirindo uma lucidez contundente.” Nos tornamos tão lúcidos que isso faz mal para nós e para os outros. SAID – Já fui objeto e vítima desse tipo de lucidez. Até hoje tenho a cabeça muito arrumada. De vez em 2005 quando, esqueço de coisas recentes. Mas aí vem uma lembrança dos tempos da escola primária ou do ginásio. E lembro-me com grande clareza de temas que não têm a menor aplicação prática na minha vida, como, por exemplo, uma aula no segundo ano do ginásio sobre Asoka e o budismo. Não sei mais quem é o Asoka – sei que foi um dos fundadores do budismo, e sei pouquíssimo sobre o budismo. Outro dia, estava no shopping, foram buscar o meu carro e disse: não lembro a marca do meu carro. É cinza com chapa tal. Quando o sujeito estava indo buscar, disse: é um Subaru cinza. FG – Outra citação é do Roberto Duailibi, que disse: “A gente começa a ficar velho quando deixa de divertirse”. SAID – Acho que ele tem razão porque divertir-se significa não dar demasiada importância às coisas comuns da vida. Significa, sobretudo, não se preocupar com coisas para as quais você não tem solução. Costumo dizer que sou parte da solução e não parte dos problemas que afetam o cotidiano, no sentido de que, dado um problema, procuro resolvê-lo. E, com isso, me divirto. Divirto-me muito também vendo pessoas à procura de respostas evidentes a perguntas do cotidiano. Não sou de dar gargalhadas, mas rio intimamente das situações cômicas, e procuro ver o lado bom e cômico das coisas. FG – Finalmente, o Jorginho Guinle disse uma vez que ele já tinha sido pobre e rico, e achava que o melhor era ser rico. Você já foi moço e agora é velho. O que é melhor? SAID – Ser moço é melhor, e vou dar um exemplo. Durante dez anos tivemos um apartamento em Miami, onde íamos 4 a 5 vezes por ano. Até que um dia, receosos de que com a idade, pudéssemos ter um problema lá e não pudéssemos resolver sozinhos, decidimos vender o apartamento. Na semana passada, estivemos em Punta De Leste. E disse a ela: que pena. Se tivéssemos 30 anos a menos, valeria a pena comprar uma casa ou um apartamento aqui, para vivermos o resto de nossas vidas, por causa das condições da qualidade de vida de lá que são infinitamente melhores do que em São Paulo. Por isso acho que ser jovem é melhor do que ser velho. Foto: Rudnei Gonçalves HOMERO, SAID, MINDLIN ENTREVISTA JOSÉ MINDLIN O paulista JOSÉ MINDLIN nasceu em 1914. É diretor de tecnologia da FIESP. Foi Secretário de Cultura no governo de São Paulo, de onde se demitiu em 1975, após a morte do jornalista V. Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Fº – na ditadura militar. É conselheiro de fundações culturais e centros tecnológicos e presidente do Conselho Editorial de O Estado de S. Paulo – onde, aliás, iniciou sua carreira como repórter. Em 1932, entrou para a Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco, militando durante 15 anos como advogado, o que lhe abriu a oportunidade de fundar, com outros sócios, a Metal Leve – uma das mais bem-sucedidas empresas brasileiras, na fase de industrialização. Considerado o maior bibliófilo do país, hoje dedica-se em tempo quase integral a gerenciar – mas, principalmente, amar a sua biblioteca de 30 mil volumes, M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 69 EntreVista que – na apreciação de Pedro Correa do Lago, livreiro e colecionador – é de tal qualidade, “que não seria possível recriá-la nem por 1 bilhão de dólares”... FG – Apesar de a nossa população estar envelhecendo – como em todo o mundo – uma pesquisa da revista Exame mostrou que a idade média dos presidentes e diretores das grandes empresas brasileiras está entre 45 e 50 anos. Será que – nas empresas pelo menos – essa tendência ainda não se está fazendo sentir? MINDLIN – Pelas empresas, não saberia responder – apenas pela experiência pessoal. Creio que há uma tendência de utilizar mais jovens na alta administração porque, de modo geral, as pessoas idosas não acompanham o cada vez mais acelerado, desenvolvimento tecnológico; e as novas técnicas de administração e na comunicação também influem nas empresas e os mais idosos, de modo geral, não acompanharam. E não é fácil, mesmo, porque o ritmo é muito acelerado – a inovação e a obsolescência estão cada vez mais próximas. Embora procure estar bem informado, vejo-me, muitas vezes, perplexo diante das mudanças que estão ocorrendo. Há 20, 30 anos, a duração de vida média estava perto dos 60 anos. Então, 50 anos era o coroamento de uma vida. Falei 30 anos, mas talvez seja um pouco mais, pois foi na segunda metade do século XX – depois da guerra – que realmente começaram as mudanças. As pessoas que dirigiam as empresas se aposentavam mais cedo e isso permitiu aos mais jovens ascender aos cargos de responsabilidade. É uma 70 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E NUNCA TINHA PENSADO EM SER EMPRESÁRIO. situação complexa e não creio que haja uma só solução correta. Costumo dizer que os problemas realmente difíceis de resolver não são entre certo e errado; mas entre o certo e o mais certo – e os dois lados têm uma parcela de razão. Nos anos 50 – em que a média de vida era da ordem de 60 – os diretores de 50 anos eram exceção; a empresa familiar predominava. O patriarca era o diretor, e se vivesse muito mais, continuaria a ser o presidente – com auxiliares – mas com uma estrutura completamente diferente – o mundo era mais tranqüilo, com idéias e invenções que duravam 10, 20 anos; não havia a efervescência tecnológica dos últimos 50 anos. O desenvolvimento tecnológico segue um ritmo tão acelerado que uma idéia válida hoje, amanhã pode não ser mais aplicável. FG – O Sr. fala das mudanças tecnológicas – mas e as mudanças dos valores, não lhe chamam a atenção? MINDLIN – A questão de valores mudou por outros fatores também. A inflação, por exemplo, fez desaparecer o conceito do que são os valores materiais estáveis. Então, por força da inflação, havia aquele anseio de ganhar mais depressa e poder guardar e manter uma fortuna, e o dinheiro passou a ser um objetivo quando devia ser um mero instrumento. E assim os valores éticos vão desaparecendo – o fim justifica os meios. Vê-se muito isso na administração empresarial. Mas, alguns, daquela época, com 50 anos, continuaram e procuraram acom- 2005 panhar e se informar, ter outras atividades. Muitos se viram completamente frustrados, eram compulsoriamente aposentados, e se não tivessem um interesse fora do trabalho, decaiam rapidamente. Sua pergunta, se esses administradores mais velhos não são um problema para a geração mais nova, tenho a impressão de que isso ainda não é a regra: uma pessoa de 80 anos em plena atividade profissional... FG – O Sr. era um exemplo para jovens executivos, como eu era. Entretanto, de repente, resolveu passar sua empresa – a Metal Leve – aos seus sucessores e dedicar-se a uma atividade talvez mais nobre, mas completamente diferente. Como aconteceu isso? MINDLIN – Na minha vida, o acaso teve um papel muito importante. Nunca tinha pensado em ser empresário. Formei-me em direito, em 1936, e advoguei até 1950. Foi um grupo de clientes que planejou criar a Metal Leve – contavam com uma fonte de financiamento que, na última hora, falhou. Eu tinha redigido, para eles, uma opção para a compra de um equipamento com assistência técnica de um fabricante alemão. Mas não conseguiram o capital. Vieram comunicar-me a desistência. Perguntei se era porque achavam que o negócio não era tão bom quanto imaginavam, ou se era pelo capital. Disseram que por causa do capital. Eu tinha um amigo diretor de um banco mineiro e – tanto ele quanto eu – queríamos construir alguma coisa que não fosse HOMERO, SAID, MINDLIN exclusivamente pessoal, alguma coisa que pudesse funcionar independentemente de nós. Quando esses clientes disseram que iam desistir do projeto, eu disse; “Acho que consigo esse capital”. O meu amigo recebeu um dos meus clientes, viu o projeto e conseguiu o capital. Assim, formouse a Metal Leve e eu fiquei na posição de fiador deste meu amigo, perante os meus clientes, e dos meus clientes, perante o amigo que conseguira o capital. Virei empresário. A advocacia deu-me flexibilidade mental – ficamos conhecendo a natureza humana. E isso me ajudou na parte de administração que não tinha estudado. O grupo que se formou estava interessado em fazer coisas bem feitas e difíceis, que não pudessem ser feitas por qualquer pessoa. JR – Quanto tempo ficou à frente da Metal Leve? MINDLIN – Durante os primeiros 20 anos, a administração era colegiada; depois fiquei mais 20 e poucos anos. Com nosso grupo, a Metal Leve durou 46 anos. A desistência foi muito difícil de aceitar. A venda da empresa – do ponto de vista emocional – foi traumática, porque começamos do zero e chegamos a ser uma empresa representativa. JR – Há quanto tempo o Sr. deixou a Metal Leve, para dedicar-se a outras atividades? MINDLIN – Nunca deixei-me envolver totalmente pela Metal Leve; eu exercia as outras atividades em paralelo. Procurava – isso sim – não trazer os problemas para casa. Chegava determinada hora, ia embora e deixava para resolver o problema no dia seguinte. Sou um otimista incorrigível. Até hoje, quando acontece um contratempo, minha primeira reação é não ficar desesperado e achar que podia ser pior. Tudo pode ser resolvido, com bomsenso, diálogo e olhando as coisas a longo prazo. Na empresa, logo senti a importância do desenvolvimento tecnológico, independentemente da assessoria técnica que recebíamos de fora. FG – Vocês souberam criar uma imagem corporativa sólida, uma marca forte. Havia alguém lá dentro que pensava em termos de mercado. MINDLIN – Eu e o Adolfo Buck. Infelizmente, sou o último sobrevivente. JR – Na mesa-redonda que fizemos sobre este assunto, uma jovem – de origem oriental – observou que as pessoas não deviam se ater a uma só atividade. O Sr. falou da sua atividade como advogado, como empresário, e li comentários seus sobre literatura absolutamente “profissionais”. Como vê essa sua pluralidade? MINDLIN – Isso é uma coisa pessoal; não tem receita. Mas nasci e cresci num ambiente cultural. Boa parte do que eu ganhava era destinada para a construção da biblioteca, que está com 38 mil títulos. Meus pais gostavam muito de artes plásticas. Eu também gosto, mas acho que herdei a paixão deles dirigida para livros. Comecei a formar a biblioteca com 13 anos – e ela completa 78 este ano. JR – Como começou o seu interesse pela leitura? MINDLIN – Pela ficção, mas logo pela história. Aos 13 anos, recebi de uma tia uma história do Brasil escrita no século XVII por Frei Vicente Salvador. Foi o que marcou o meu interesse e resultou na formação da minha “Brasiliana”, metade da biblioteca é sobre assuntos brasileiros... FG – Um dos primeiros livros que li, aos 11 anos, do Stefan Zweig, foi Brasil, país do futuro. Ganhei como prêmio de um trabalho escolar. MINDLIN – Hoje pode-se falar que o Brasil é um país do futuro, mas também é um país do presente e ainda pode ter muito mais. A Europa não tem o que progredir muito mais. JR – O Sr. é empresário, bemsucedido, vem de uma família onde cresceu com livros e obras de arte – portanto, um homem culto. Mas vivemos hoje em um mundo em que temos pessoas bem-sucedidas – Bill Gates e o nosso presidente Lula, por exemplo – que se vangloriam de não ter tido formação escolar e até de não terem lido nada. MINDLIN – Houve muitos portugueses analfabetos que fizeram fortuna no Brasil. Mas era uma coisa UMA IDÉIA VÁLIDA HOJE, AMANHÃ PODE NÃO SER MAIS APLICÁVEL. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 71 EntreVista quase que acidental. Na nossa empresa a ética foi importante desde o primeiro dia – não havia caixa dois; nos primeiros 20 anos tínhamos um pró-labore que não era nada espetacular – era o que a legislação permitia. E tudo que a empresa produzia de lucro era reinvestido. Procurávamos ter solidez financeira, qualidade de produção, recursos humanos tratados como gente e não como números. Depois, até lamentamos o crescimento porque nos primeiros anos conhecíamos todos. Depois cresceu, chegamos a ter 7.200 funcionários. Mas eu lia desde pequeno, porque era muito ligado ao meu irmão mais velho, Henrique Mindlin, que foi um grande arquiteto. Descobrimos o mundo juntos. Muita coisa que ele lia aos 16 eu lia aos 12. Eu corria os sebos de São Paulo, porque não queria pedir dinheiro aos meus pais. Os sebos eram todos no centro da cidade e eu percebi que viviam isolados uns dos outros e que os preços variavam muito. Eles marcavam o preço de venda de acordo com o que tinham pago, sem se preocupar com a raridade. Um vendia por 5 o que o outro vendia por 30, até 50. E o que vendia por 50 também vendia por 5 o que o primeiro vendia por 30. Percebendo isso, pedi um pouco de dinheiro ao meu pai, e comecei a comprar os livros de 5 e 10, levava para o outro, deixava em consignação e quando ele vendia, creditava os 30% de comissão, e retirava a minha parte em livros. Depois de três meses, tinha crédito em todos os sebos da cidade e comprava meus livros sem desembolso. Isso durou pelo menos uns três anos. Depois os sebos começaram a aprender... Mas comprei muitos livros pagos pelos livreiros. FG – Sobre a tendência dos jovens em não aproveitar a experiência dos mais velhos, há livro de Dino Buzatti – O deserto dos tártaros – que começa com o personagem do jovem tenente, que acabava de sair da academia militar, e ia – a cavalo – para a fortaleza do deserto. Pouco antes de chegar, ele cruzou com um velho oficial que havia passado 30 anos lá dentro. O jovem não troca palavras com o velho, faz continência e continua – e acaba cumprindo a sua sina: 30 anos de frustração e desapontamento. Se o Sr. fosse o velho oficial, teria dito alguma coisa ao jovem? MINDLIN – Eu diria: “Se quiser experimentar, experimente, mas não fique; tente outra coisa”. Vocês me colocam numa posição um pouco constrangedora por falar de mim mesmo – mas quando aparecia um moço querendo um lugar na empresa – muitas vezes, era o primeiro emprego – havia freqüentemente a reação dos outros de “não entregar essa responsabilidade a um moço”. Eu achava que devia – orientando e acompanhando, tolerando o erro e formando as pessoas. Começamos a receber estagiários das escolas de engenharia, criamos um prêmio Metal Leve, e recebíamos muitos estagiários, DEPOIS DE TRÊS MESES, TINHA CRÉDITO EM TODOS OS SEBOS DA CIDADE. 72 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 dos quais aproveitávamos poucos. Mas tivemos, em postos de responsabilidade, pessoas com vinte e poucos anos e isto foi um dos elementos de força da Metal Leve. Quando recebi, do Conselho de Administração, o título de professor – e profissional emérito – disse no meu discurso: “Vocês estão enganados; eu sou um profissional empírico”. Agora, uso a cabeça e acredito na juventude – até hoje – tenho um contato muito bom com os jovens, através da leitura, orientação de vida... JR – São os jovens da sua família? MINDLIN – Alguns – e alguns amigos de netos que vêm aqui, jovens estudantes. Brinco, às vezes, que se fosse do século XIX, seria chamado de conselheiro – como os personagens de Machado de Assis. E eles falam até de problemas matrimoniais, separação etc. Converso com eles, procurando orientá-los. Vou festejar, este ano, 67 anos de casamento – um casamento curtido, um prazer de vida. Há problemas, mas é preciso querer resolver. Sempre digo: “Procurem se compreender; casamento não é uma luta de poder”. Já consegui que vários casais se reconciliassem. Mas há situações de tanta incompatibilidade, que eu citava uma frase do Fausto “É melhor um fim com horror do que um horror sem fim”. Tudo depende da gravidade dos problemas. Mas – como advogado – sempre acreditei mais no diálogo. Ao invés da imposição, a conciliação. Só chegava ao processo quando não havia alternativa. Um cliente perguntou-me, certa vez: “Do que o Sr. vive, se é contra os processos?” Respondi: “Vivo do que ganho na conciliação”. O processo HOMERO, SAID, MINDLIN fazia mais mal ao cliente do que ao processado. Então, é melhor um mau acordo do que uma boa demanda. Isso eu aplicava na empresa, também, no contato com os gerentes, os subalternos. Trabalhava com o que eu chamava de “porta aberta”. Qualquer um podia vir falar comigo para queixar-se de alguma coisa, eu anotava e dizia: “Não posso resolver isso, passando por cima de seu chefe, mas vou conversar com ele”. Então, muita coisa se resolvia. Processos trabalhistas, tínhamos pouquíssimos; as greves só começaram a existir quando vieram as greves políticas. Eles não faziam contra nós; era contra o sistema. Lembro-me que, uma vez, os operários entraram e ficaram de pé, junto à máquina, sem produzir. Quando chegou a hora do almoço, veio o gerente perguntar se era para dar almoço a eles. E eu disse: claro que sim. Não estão lá contra nós. O jornalista Humberto Werneck certa vez perguntou-me: “Olhando para trás, o que lhe dá mais satisfação? A sua biblioteca ou a Metal Leve?” Respondi: “A Metal Leve foi uma experiência gratificante porque conseguimos, realmente, fazer um bom trabalho – mas foi um trabalho de equipe. A biblioteca, eu fiz sozinho. Tudo que está aí tem uma razão de ser. É um interesse central de vida, que me deu grandes satisfações. No primeiro ano de Metal Leve, o alumínio ainda não era produzido no Brasil; tinha de ser importado. E o dólar de importação era de Cr$ 18.72, mas o dólar no mercado paralelo estava em 30, 40. Então, qualquer diferença de importação era lucrativa. Houve um princípio de corrupção, na Cacex, até compreensível. Uma licença era lucro certo. Eu ia lá duas, três vezes HÁ MAIS DE 30 ANOS, AFIRMO QUE A EMPRESA NÃO É UM OBJETIVO EM SI MESMA; É UM INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL. por semana e faziam-nos esperar horas, às vezes, para nos receber. As empresas estrangeiras tinham despachantes que davam dinheiro e obtinham licença. Eu aproveitava esse tempo para ler – li toda a obra de Balzac nas salas de espera – e acabava conseguindo a licença. Mas fazíamos questão de não ter corrupção de forma alguma. FG – Isso se chama “responsabilidade social”, que agora está na moda... MINDLIN – Tenho satisfação de falar disso. Há mais de 30 anos, afirmo que a empresa não é um objetivo em si mesma; é um instrumento de desenvolvimento social. Ela tem de funcionar bem, ter lucro para poder cumprir essas responsabilidades. Mas ela não é um objetivo em si mesma – e essa idéia agora está pegando. Sou um cético que acredita em catequese. Precisamos pregar idéias, que um dia pegam. Nos anos 50, por exemplo, ninguém acreditava em exportação de produtos manufaturados. Eu tinha também o apoio dos meus companheiros na atividade cultural. Quando a Metal Leve fez 25 anos, propuseram um grande jantar. E eu disse: “Jantar, coquetel, as pessoas vão por obrigação e logo esquecem. Vamos fazer uma comemoração menos efêmera”. Lembrei-me da Revista de Antropofagia – um dos documentos mais importantes do modernismo – e fizemos uma edição M A I O / em fac-símile, que teve um grande sucesso. Fomos uma das primeiras empresas a fazer publicações de livros. Fizemos publicação de arte, tudo relacionado com o modernismo e a Metal Leve ficou muito conhecida pela atividade cultural. Isso beneficiou a imagem da empresa, mais do que o produto – que ficava dentro dos motores e não tinha qualquer sedução. Tive uma assessora de comunicação social – May Nunes de Souza – que acompanhou quase toda a carreira da Metal Leve, e eu dizia a ela: “Queremos criar uma boa imagem da empresa, mas com duas condições básicas: a imagem tem de corresponder à verdade – simpatia paga não nos interessa. Vamos ter uma relação aberta com a imprensa”. Comecei minha vida como jornalista – aos 15 anos era redator do Estado. Fui o redator mais jovem do Estado, e aprendi a escrever, porque o jornal exigia uma linguagem correta, simples, acessível ao público médio. Fiquei conhecendo os bastidores da sociedade e da política. Passei quatro anos no Estado e foi uma escola insubstituível. Foi onde eu conheci as agruras de ser repórter; de modo que, quando estava na Metal Leve ou na Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia do governo Paulo Egídio, eu sabia as dificuldades por que passara o repórter que vinha conversar comigo. E também o que era – para ele – uma verdadeira notícia, diferente da informação que só interessava a nós... ESPM J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 73 Fotos desta matéria: StockPhotos Três Modelos de Valor Comprovados Comprovado CRIANDO REAL VALOR PARA CLIENTES TRÊS MODELOS DE VALOR COMPROVADOS todos os lugares aos quais ✤ “eleEmchega existe uma nova tecnologia, novos processos, e, acima de tudo, uma nova forma aparentemente radical de se fazer o trabalho.” 74 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Neil I magine que o empregado Rip Van Winkle tenha caído no sono há uma geração e esteja acordando hoje. Ele poderá voltar para a sua empresa e não reconhecê-la. As suas lembranças do processo de fabricação o levarão a esfregar seus olhos na frente das novas máquinas e ele murmurará: “Alguma coisa está muito diferente. O piso da fábrica parece um laboratório. O óleo, a graxa, e as pilhas de produtos semiterminados não existem mais. Não existem filas de pessoas trabalhando em linha de montagem. Ninguém está parado esperando por instruções sobre o que fazer depois. Não existe nenhum inspetor de controle de qualidade por perto. Onde estão os supervisores? Quem é o trabalhador e quem é o gerente?”. É uma grande transformação, e é muito mais do que Rip pode absorver no seu primeiro dia depois de despertar; por esta razão ele sai em busca de algo familiar. Primeiro, ele se dirige à central de digitação, somente para descobrir que ela não existe mais. Depois, ele passa por uma sucessão de outros departamentos. Em todos os lugares aos quais ele chega existe uma nova tecnologia, novos processos, e, acima de tudo, uma nova forma, aparentemente radical de se fazer o trabalho. Todos os lugares? Não totalmente. O departamento de vendas, onde M A I O / Rackham e John DeVincentis ele costumava trabalhar, está muito parecido com aquele do qual ele lembrava no momento em que adormeceu. De fato, a maioria das pessoas agora tem laptops, apesar de muitos deles parecerem ser mais decorativos do que úteis. E existem mulheres no departamento: agora ele é um “profissional de vendas” em vez de um “homem de vendas”. Entretanto, a maioria das outras coisas no escritório de vendas não o surpreende. A empresa decide dar a Rip o seu antigo cargo em vendas. Ele então sai com seu gerente para conferir se o processo de vendas sofreu alterações. Descobre que a maior parte do processo de vendas lhe é familiar. Existe certamente um número maior de produtos, e muitos deles parecem ser mais complexos. A competição é maior e mais intensa, e o ritmo de trabalho é mais acelerado. A venda por pressão, hard sell, parece estar oficialmente desencorajada – mas mesmo no passado Rip sempre preferiu vender através de relacionamentos, em vez de vender por pressão. Rip possui ainda a expectativa de preencher relatórios de visitas, apesar de que a tecnologia de hoje permite que ele entre com suas mentiras e desculpas, eletronicamente. O pagamento é maior do que em uma geração atrás, mas ainda vem na forma de um fixo J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 75 Três Modelos de Valor Comprovados mais uma comissão variável. O seu gerente de vendas o treina com termos familiares – características, benefícios, argumentação e contraargumentação, perguntas abertas e fechadas, e assim por diante –, o que o faz se sentir como se nunca tivesse adormecido por tanto tempo. Na verdade, quase tudo o que ele fala, palavra por palavra, vem do livro A Psicologia da Venda de E. K. Strong, publicado em 1925. “Bem”, ele pensa: “Vender sempre será vender. E eu, provavelmente, poderia tirar uma soneca por mais alguns anos”. questões que os executivos ✤ As da linha de frente estão começando a levantar são, sem dúvida, sinais de que a natureza da venda está em processo de mudança. Mas ele está errado. Novas e poderosas forças começam a mudar o mundo das vendas. As funções de vendas em todos os lugares estão ainda nos estágios primários de uma transformação comparável à que redesenhou o processo de fabricação, há vinte anos. De acordo com algumas estimativas, pelo menos metade das posições de vendas de hoje acabará nos próximos cinco anos. Estruturas territoriais utilizadas por um longo período também serão extintas. A essência da venda está em constante movimento. Algumas organizações já cruzaram a porta de entrada desse novo mundo. Até alguns anos atrás, a Microsoft, por exemplo, possuía uma equipe de vendas que oferecia software em pacotes para contas corporativas em típicas negociações B2B (“business-to-business”). Hoje, os seus representantes de vendas investem seu tempo organizando e mobilizando redes de provedores (tais como: especialistas, treinadores, software desig- 76 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 ners, e instaladores), para, desenvolverem soluções independentes, individuais, tailor-made. No passado, quando você chamava Charles Schwab, o pioneiro em intermediação dos serviços de telefonia, nos anos 70, você tinha um intermediário (broker) ou um vendedor com outro nome que intermediava o negócio para você. Hoje, você pode optar por acionar a Schwab pela Internet e fazer seus negócios diretamente, sem intermediários. QUAL É A RAZÃO PARA SE TER UMA FORÇA DE VENDAS? As questões que os executivos da linha de frente estão começando a levantar são, sem dúvida, sinais de que a natureza da venda está em processo de mudança. Há três anos, quando CEOs conversavam a respeito da força de vendas, eles focavam em remuneração, treinamento e automação. Entretanto, em recente fórum de CEOs, as questões levantadas foram mais profundas. “Será que eu preciso efetivamente de uma equipe de vendas?”, levantou o presidente de uma empresa de tecnologia. Um outro CEO perguntou: “Qual é a diferença entre vender e fazer marketing? Eu não estou mais certo de que entenda a distinção entre estas duas atividades claramente.” Um chefão de uma grande empresa de comunicação sugeriu: “Talvez tenha chegado a hora de respondermos à pergunta mais básica de todas: Qual é a razão para se ter uma força de vendas?” Neil “Talvez tenha chegado a hora de respondermos à pergunta mais básica de todas: Qual é a razão para se ter uma força de vendas?” Durante muitos anos, as forças de vendas existiram com o propósito de comunicar o valor das ofertas de produtos e serviços das empresas. Todavia, enquanto a equipe de vendas preenchia totalmente esta função, uma grande mudança já vinha sacudindo o mundo dos negócios. Outras funções – produção, engenharia, desenvolvimento de produto, e até mesmo recursos humanos – há tempos vêm sofrendo processos de reestruturação e realinhamento com o objetivo de criar mais valor para os clientes. Atividades que não agregam valor estão sendo reduzidas, ajustadas ou eliminadas. a forma antiga pela qual a força de vendas estava, efetivamente, agregando valor. “Nós éramos muito úteis para os médicos porque os informávamos a respeito dos últimos medicamentos”, disse um representante farmacêutico. “Nós falávamos a respeito das novas alternativas que ainda não estavam disponíveis nos livros de referência do mercado. Sem a nossa informação, os médicos ficavam, rapidamente, desatualizados”. A tendência hoje é de que os compradores tenham as mesmas informações a respeito dos produtos que os profissionais que estão vendendo. O advento da especialização na medicina, por exemplo, resultou na participação de muitos médicos, em testes clínicos, apren- Rackham e John DeVincentis dendo sobre os efeitos de novos medicamentos, antes mesmo de eles serem aprovados para lançamento no mercado. Compradores em outras indústrias também são mais bem informados do que costumavam ser. Hoje, com muita informação acessível sobre quase tudo, a real necessidade por um profissional de vendas altamente qualificado e, conseqüentemente, caro está sendo cada vez mais questionada. A “onipresença” da informação não é a única força transformadora da função de vendas. Outra força é a diminuição da diferença entre produtos. Conforme os produtos se transformam em commodities, as suas características passam a ter Essas novas formas de trabalhar, tais como, melhoria contínua, reengenharia dos processos, Kaizen, e times autogerenciáveis (TAG), estão sendo introduzidas para contribuir na criação de produtos de alta qualidade e serviços mais baratos e eficicazes. Ou seja: outras funções se tornaram criadoras de valor, conscientes. Nas empresas de hoje, é difícil para as funções e até mesmo para os indivíduos sobreviverem – e é impossível que eles prosperem – a não ser que agreguem valor para os clientes, de uma forma clara. No mundo de ontem, era admissível a contra-argumenção pela simples comunicação sobre os novos produtos para os clientes: esta era da especialização na medicina, por exemplo, resultou na participação ✤ Odeadvento muitos médicos, em testes clínicos, aprendendo sobre os efeitos de novos medicamentos, antes mesmo de eles serem aprovados para lançamento no mercado. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 77 Três Modelos de Valor Comprovados cada vez menor relevância para os clientes. O valor migra do produto para o processo pelo qual ele é adquirido, e os clientes começam a dar maior importância para o ambiente de compra que mais lhes agrada. Infelizmente, gerações de profissionais de venda vêm desenvolvendo a noção de que eles criam valor através do lucro. E isto não é suficiente para a sobrevivência nos mercados altamente competitivos de hoje. O VALOR ESTÁ NOS OLHOS DE QUEM COMPRA valor migra do produto para processo pelo qual ele é adquirido, e os ✤ Oclientes começam a dar maior importância para o ambiente de compra que mais lhes agrada. A idéia de que a força de vendas deve criar valor e não somente comunicá-lo, é simples e atrativa. Mas o que realmente significa? Se você perguntar para acadêmicos ou consultores, eles lhe dirão da maneira mais simples que, o valor é definido pela equação: VALOR + BENEFÍCIOS – CUSTO Desta forma, existem duas maneiras pelas quais os profissionais de vendas podem criar valor: eles podem gerar benefícios adicionais ou reduzir os custos dos benefícios que estão fornecendo. No primeiro caso, a empresa deve aumentar a capacidade de sua força de vendas em entregar benefícios, melhorando a sua capacidade para resolver problemas, ou permitindo que os seus profissionais de vendas possam dedicar mais tempo às questões de seus clientes. No segundo caso, a empresa deve buscar 78 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E formas de vender mais barato. Algumas organizações que buscam criar valor através da redução de custos de vendas vêm utilizando o recurso de vendas por telefone e profissionais de vendas que trabalham meio período. Outras eliminaram toda a força de vendas, adotando novos canais de distribuição, catálogos, ou comércio eletrônico (e-commerce). É o cliente quem decide se o benefício é real. Diferentes clientes em uma mesma indústria possuem diferentes conceitos de valor. Estrategicamente, qual é a melhor forma de se criar valor: agregando novos benefícios ou reduzindo os custos dos benefícios já existentes? A maioria das pessoas prefere a última, vislumbrando a possibilidade de criar um “bolo” maior, arrecadando mais lucro, e fornecendo um valor adicional tão grande e diferenciado ao cliente, que causa a morte da concorrência. A força 2005 de vendas que agrega um novo valor, sente-se muito mais vitoriosa do que aquela que corta custos. Mesmo assim, muitas organizações estão desacelerando esta tendência diante da descoberta de que elas regulamentaram estratégias custosas que não são valorizadas e nem reconhecidas pelo mercado. E assim diminuíram a competitividade de suas empresas. A melhor abordagem depende totalmente do cliente. Definitivamente é o cliente quem decide se um benefício é real. Clientes diferentes, mesmo que em uma mesma indústria, possuem percepções muito diferentes de valor. Se uma empresa fornece à sua equipe de vendas a habilidade para oferecer novos benefícios que os clientes genuinamente desejam, eles estarão satisfeitos e dispostos a pagar muito bem por esses benefícios. Porém, se os clientes forem indiferentes, a empresa também pode perder negócios. O pensamento tradicional Neil de vendas falha em reconhecer esta realidade. SEGMENTAÇÃO POR TAMANHO NÃO É SUFICIENTE Desde os anos 60, a maior parte das organizações de vendas segmenta os seus clientes de acordo com o seu tamanho, uma prática que funcionou muito bem por mais de 30 anos. Mas esta segmentação não é Rackham e John DeVincentis mais suficiente. Vamos considerar as três maiores contas da seguradora Sleepy Hollow Insurance Group: são três corretoras de seguros, praticamente, do mesmo tamanho. Um time de conta-chave Key account no Sleepy Hollow tenta vender seus produtos para os três, praticamente, da mesma forma, utilizando valores similares de recursos. tre as três contas, os três clientes possuem necessidades muito diferentes: Apesar da aparente similaridade en- Cliente B: Uma corretora que cresceu através de fusões e aquisições e possui uma história bem diferente. “Nós precisamos de muita ajuda. Todo mundo em nosso escritório faz as coisas do seu próprio jeito. Nós não possuímos um conjunto de procedimentos ou um sistema de informações único. Nós faremos muitos negócios com você se a sua equipe estiver preparada para trabalhar com cada escritório individualmente e ajudá-los a atuarem juntos”. Neste caso, existe a oportunidade para a equipe de vendas criar valor real. Cliente A: Uma corretora regional, agressiva, comenta com Sleepy Hollow. “Não me envie o seu pessoal de vendas, apenas me envie a sua cotação. E a sua cotação deve ser rápida e enxuta, porque como você possui uma dezena de concorrentes, eles poderão ganhar o nosso negócio se eles forem mais rápidos e tiverem preços melhores que os seus”. Cliente C: Procura ainda outro tipo de relacionamento. “O que nós almejamos é um parceiro estratégico que coloque seus recursos em nossos escritórios, desenvolvendo sistemas de informação de última geração conosco, para transformar os números em uma velocidade que ninguém julgou ser possível, e que também trabalha desenvolvendo sistemas novos e inovadores de gerenciamento de risco. Nós gostaríamos de aproveitar um pouco do nosso conhecimento administrativo e estamos interessados em ter o seu pessoal de marketing contribuindo no processo de planejamento interno”. Como uma força de vendas tradicional, acostumada a julgar seus esforços e recursos através do tamanho de seus clientes, consegue administrar essas três demandas? Pessimamente. Uma força de vendas acostumada a atender a clientes grandes, Outras empresas eliminaram toda a força de vendas, adotando novos ✤ canais de distribuição, catálogos, ou comércio eletrônico (e-commerce). M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 79 Três Modelos de Valor Comprovados Contrariamente, clientes grandes do terceiro tipo esperam um alto investimento no esforço de vendas. A alocação inadequada de recursos de investimento, colocando profissionais de vendas no papel de comunicadores de valor, quando, de fato, o cliente está em busca de criadores de valor, é freqüente. Nesse caso, o esforço de vendas foi erroneamente focado em persuasão e não em compreensão: profissionais de vendas passam um tempo explicando e diferenciando produtos, em vez de trazerem novas idéias e valores para o cliente, através do diagnóstico de seus problemas e necessidades. É indispensável dizer que problemas similares podem invalidar os esforços da força de vendas para atender aos clientes pequenos. Apesar de a segmentação por tamanho implicar que esses clientes possam ter a expectativa de receber apenas um pequeno esforço de vendas, alguns deles estão, realmente, preparados para remunerar, generosamente, por recomendação e ajuda. Entretanto, a maioria das forças de vendas não está estruturada para atender a esse tipo de cliente, faltando mecanismos que permitam, aos profissionais de vendas, exercer esse papel, para agregar valor. Como resultado disso, a oportunidade para criar e capturar valor é perdida. 80 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E ALINHANDO A ESTRATÉGIA AO CLIENTE Mas não é somente a alocação de recursos, feita pelas forças de vendas, que está errada. Elas erram também em reconhecer que, diferentes abordagens são necessárias para diferentes clientes, mesmo quando eles são similares em tamanho. Para se ter sucesso, elas devem aprender que os clientes necessitam ser segmentados de acordo com a maneira pela qual eles compreendem valor. Essa segmentação gera três categorias distintas, cada uma demandando uma abordagem própria (Quadro 1): VENDA TRANSACIONAL Para o Cliente A e seus pares, o valor INVESTIMENTO PARA SATISFAZER ÀS EXPECTATIVAS DO CLIENTE VENDA CORPORATIVA perdas-desperdício recursos desnecessários investimento do fornecedor normalmente investe muitos recursos em sua primeira conta. Este tipo de cliente não almeja – e não pagará – um alto valor no processo de venda. Empresas podem desperdiçar ou destruir valores por alocar esforços desnecessários nessas contas. Criar Valor Extraordinário VENDA CONSULTIVA Criar Novo Valor Custo Enxuto VENDA TRANSACIONAL risco vulnerabilidade competitiva investimento do cliente Quadro: 1 é intrínseco ao produto. A força de vendas agrega pouco ou nada, uma vez que eles já conhecem o que estão comprando e sabem como usá-lo. Esta categoria de clientes considera os produtos como com- 2005 modities. Eles desejam, simplesmente, um custo competitivo, decidindo pelo preço ou pela facilidade de compra, e não estão dispostos a gastar tempo com o pessoal de vendas. Este tipo de cliente Neil profissionais de vendas com freqüência. O Wal*Mart, por exemplo, trabalha com fornecedores relativamente pequenos, mas se recusa a atender a seus profissionais de vendas, com freqüência. Como um porta-voz do Wal*Mart comentou: “Seria melhor que seus salários e comissões fossem tirados dos preços dos produtos. Por que é que nós devemos pagar por algo que consome o nosso tempo sem nos agregar nada em troca?” E não são apenas os tradicionais fornecedores industriais de commodities que estão vendendo desta forma; fornecedores de serviços, como advogados, contadores, e John DeVincentis ajuda, esses clientes esperam aumentar a compreensão de suas necessidades e alternativas. Este tipo de venda consultiva, que demanda uma força de vendas próxima aos clientes e que tenha uma compreensão profunda das necessidades do negócio, envolve investimento de tempo e esforço, tanto do vendedor, quanto do cliente-comprador. por exemplo, trabalha com fornecedores ✤ Wal*Mart, relativamente pequenos, mas se recusa a atender a seus demanda técnicas de vendas transacionais que não devem ter risco, cuja negociação seja a mais eficaz possível. Rackham consultores e médicos – pessoas que nunca sonharam que suas profissões poderiam ser consideradas commodities –, encontram cada vez mais clientes que desejam comprar seus serviços, transacionalmente. VENDA CONSULTIVA O Cliente B observa amplamente os elementos extrínsecos à equação de valor. Para esses clientes, valor não é inerente ao produto; ao contrário, reside, principalmente, em como o produto é utilizado. Neste caso, a força de vendas pode muito agregar valor. Premiando a recomendação ou M A I O / Nas vendas consultivas, a habilidade de ouvir e construir uma compreensão do negócio do cliente é a habilidade de vendas mais importante do que a de persuasão, a empatia sobrepõe o conhecimento do produto. Uma força de vendas desse tipo cria valor de três formas básicas: ajudando aos clientes a compreenderem melhor os seus problemas e oportunidades, de uma forma nova e diferente; fornecendo soluções melhores do que aquelas que os clientes descobririam por conta própria; e atuando como “advogado do diabo”, dentro da própria empresa, assegurando que, os recursos sejam alocados no tempo desejado e que as soluções propostas respondam às suas necessidades específicas. Uma vez que essas tarefas demandam muitas habilidades e energia, bons profissionais de vendas consultivas são difíceis de encontrar. Organizações, na busca pelo aperfeiçoamento de suas habilidades de vendas consultivas, podem, facilmente, ficar reféns de profissionais “estrelas”, de ótimo desempenho e muito bem pagos. Por esse motivo, esforços de vendas consultivas efetivas, cada vez mais utilizam ins- J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 81 Três Modelos de Valor Comprovados rar quem está vendendo de quem está comprando. Existe uma aliança sinérgica entre os parceiros que trabalham juntos para atingir um nível de valor extraordinário que nenhuma das partes poderia atingir sozinha. tipo de venda consultiva, que demanda uma força de vendas ✤ Este próxima dos clientes e que tenha uma compreensão profunda das necessidades do negócio, envolve investimento de tempo e esforço tanto do vendedor quanto do cliente-comprador. Tais clientes exigem um esforço de venda corporativa no qual tanto o produto quanto a força de vendas são secundários, pois o objetivo principal é o de aumentar todo e qualquer ativo corporativo do fornecedor, contribuindo, assim, para o sucesso estratégico do cliente. Nenhum profissional de vendas, ou até mesmo um time de vendas, pode começar ou manter um relacionamento corporativo. Essa relação é, invariavelmente, iniciada pelo primeiro escalão das organizações trumentos de diagnóstico, processos de vendas, e sistemas de informação que permitem a qualquer profissional de vendas o desempenho desse sofisticado papel consultivo. VENDA CORPORATIVA O Cliente C, e outros clientes como esse, demanda um nível extraordinário de criação de valor. Eles não desejam, simplesmente, produtos ou recomendações de um fornecedor: eles desejam também utilizar de uma forma ampla e completa todas as principais competências de seu fornecedor-parceiro, para transformar suas próprias organizações e estratégias em uma relação de grande valor. Nesse tipo de situação, é quase impossível sepa- 82 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E clientes exigem um esforço de venda corporativa no qual tanto ✤ Tais o produto quanto a força de vendas são secundários, pois o objetivo principal é o de aumentar todo e qualquer ativo corporativo do fornecedor. 2005 Neil Rackham e John DeVincentis DE BAIXO VALOR os dias de Júlio César tem sido conveniente pensar a respeito de ✤ Desde problemas complexos dividindo-os em três partes. Mas será que existe alguma vantagem real em classificar os esforços de vendas? envolvidas. Ela está totalmente ligada à direção estratégica do cliente e, normalmente, implementada por uma equipe multifuncional de ambos os lados. Uma boa maneira de se pensar sobre a venda corporativa é considerá-la como a revisão e a melhoria contínua dos limites que separam o fornecedor do cliente. Freqüentemente, centenas de pessoas participam diretamente dessa relação, e é difícil, se não impossível, dizer onde ela começa e onde termina. POR FAVOR, EU PODERIA PENSAR SOBRE ISSO AMANHÃ? Desde os dias de Júlio César tem sido conveniente pensar a respeito de problemas complexos dividindoos em três partes. Mas será que existe alguma vantagem real em classificar os esforços de vendas dividindo-os em transacionais, consultivos e corporativos? A maioria das organizações não sobreviveu razoavelmente bem dividindo os seus clientes por tamanho? Qual é o benefício em segmentá-los de acordo com a maneira pela qual eles percebem valor? Em nossa opinião, a resposta é simplesmente esta: QUALQUER FORÇA DE VENDAS QUE QUEIRA SOBREVIVER NÃO TEM ALTERNATIVA, A MENOS QUE SUA ABORDAGEM PARA CRIAR VALOR REFLITA CLARAMENTE AS PERCEPÇÕES DE VALOR E NECESSIDADES DOS CLIENTES; SEUS ESFORÇOS ESTÃO FADADOS AO FRACASSO. OS TRÊS EXEMPLOS A SEGUIR DEMONSTRARÃO O QUE NÓS QUEREMOS DIZER COM ESTA AFIRMAÇÃO. O esforço para recrutar, treinar e desenvolver um novo custo estratégico de marketing resultou em um aumento de $ 10 milhões. As despesas com custos operacionais eram ainda mais assustadoras. O custo médio de cada visita de venda não saía por menos de $ 890 e, o custo médio de aquisição de uma nova conta era de $ 112 mil – muito mais do que uma conta normal gerava, em lucro, durante todo o seu ciclo de vida. A não ser que a abordagem da força de vendas, para criar valor, reflita claramente as percepções de valor e as necessidades dos seus clientes, ela estará fadada ao fracasso. A estratégia foi um desastre. Esses O COMPRADOR M A I O Um fabricante de materiais de embalagem concorre em um mercado em que mais de 90 % dos clientes são compradores de baixo valor percebido, preocupados única e exclusivamente com custo baixo e manutenção de sua margem de rentabilidade; compram transacionalmente. Como os custos do fabricante eram um pouco mais altos do que os dos concorrentes, ele estava perdendo negócios. Ele resolveu que, a melhor maneira para reverter a situação seria investir na sua força de vendas. Em vez de representantes de vendas, agora saíram para o mercado consultores de embalagem capacitados para agregar valor, oferecendo aos clientes ajuda e recomendações. / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 83 Três Modelos de Valor Comprovados clientes ou não precisavam ou não queriam ajuda ou recomendação. Para eles, o valor estava no produto. Eles necessitavam, simplesmente, de materiais de embalagem e estavam dispostos a pagar apenas por isto. Em outras palavras, eles compravam transacionalmente, mas o fabricante tinha embarcado em uma custosa estratégia consultiva. Não muito tempo depois, um concorrente comprou a empresa por um preço de barganha, cortou o custo das vendas revertendo o esforço de vendas para transacional, totalmente adequado para as necessidades de valores de seus clientes. VENDA E PASSE PARA A PRÓXIMA Uma pequena empresa de consultoria desenvolveu uma quantidade de serviços para melhorar a produtividade de seus clientes. Como uma firma de consultoria, ela não possuía uma força de vendas própria, em vez disso, os seus consultores trabalhavam com os clientes para definir suas necessidades e para desenvolver soluções tailor-made – um exemplo clássico de vendas consultivas. Vislumbrando uma oportunidade para expandir seu mercado, a empresa contratou um novo diretor executivo que havia trabalhado anterior- FAÇA UMA uma firma de consultoria, ✤Como ela não possuía uma força de vendas própria, ao invés disso, os seus consultores trabalhavam junto aos clientes para definir suas necessidades e desenvolver soluções tailormade – um exemplo clássico de vendas consultivas. 84 R EE VVI ISST TA A D A D AE SEPSMP– M M A– I MO A/ I JOU /NJ HU ON H DOE D2E 0 0 25 005 mente no negócio de pacotes de software. Ele ficou horrorizado com a duração do ciclo de vendas e o uso de consultores tão caros no processo de desenvolvimento de negócios. O novo diretor executivo retirou os consultores do papel direto de vendas. Ele estruturou uma equipe de vendas por telefone, formada por profissionais de venda comissionada que eram gerenciados com eficiência e a custos rudimentares com o objetivo de aumentar a sua cobertura. Com a regra mestra de “Faça uma venda e passe para a próxima”, eles agora consideravam como desnecessário investir tempo no conhecimento das necessidades dos negócios de seus clientes. O número de contatos com novos clientes quadruplicou, enquanto o custo de cada contato caiu para menos da metade. Neste aspecto, o novo diretor executivo obteve êxito em criar alta cobertura e baixo custo da força de vendas transacional. Infelizmente, os clientes da empresa – principalmente os mais rentáveis – eram compradores de valores extrínsecos e que compravam consultivamente. Eles estavam dispostos a pagar bem pela compreensão dos seus negócios e das soluções customizadas que a empresa havia fornecido no passado. Diante dessa nova abordagem de vendas, muitos deles mudaram para concorrentes que lhes ofereceram forças de vendas que criavam valor. A empresa começou a perder negócios e em pouco tempo decidiu “perder” também o seu diretor executivo. Neil Rackham e John DeVincentis Retornando para um modelo mais custoso que atendia às expectativas de valor de seus clientes, a empresa foi capaz de recuperar um pouco do mercado que havia perdido. O FIM DE UMA RELAÇÃO Um fornecedor de contêineres tinha uma associação de longa data com uma grande empresa de alimentos, para a qual, não somente fornecia contêineres, como também maquinaria especial e consultoria no design dos contêineres. A relação era boa e feliz para ambos os lados. Um dia, o cliente perguntou se o fornecedor estaria interessado em um tipo diferente de relacionamento, que envolveria assumir algumas das suas atividades de produção e participar com ele do desenvolvimento, (dividindo os riscos) de novos conceitos radicais de embalagem. Com falta de autoridade para responder àquela revolucionária proposta, a equipe de vendas levou a questão para a direção da empresa. “Nós não estamos preparados para cuidar das linhas de produção deles”, disse o CEO. “Nós não somos uma empresa que produz alimentos, e esta idéia de codesenvolvimento parece ser de alto risco. Mas como ele é um cliente valioso, vamos então oferecer-lhe apoio adicional em design e em engenharia”. Para surpresa do CEO, o cliente rejeitou a ajuda e acabou fechando parceria com um novo fornecedor cujo presidente e time de executivos havia traba- um modelo de vendas quando o ✤ Adotar cliente deseja outro, é fatal. lhado, durante seis meses, com um alto nível de envolvimento com a empresa de alimentos para criar novas estratégias, com riscos compartilhados. O novo fornecedor concordou em gerenciar todas as linhas de produção da empresa de alimentos e em desenvolver conjuntamente uma nova linha de conceitos inovadores de embalagens, criados por um time de pesquisa e desenvolvimento, que incluía membros das duas empresas. O cliente almejava uma relação de valor estratégica com o seu antigo fornecedor, o qual foi incapaz de oferecê-la, devido às preocupações de seus esforços de venda consultiva. Um novo fornecedor que compreendeu como iniciar vendas corporativas de alto nível, foi capaz de acabar com uma relação de 30 anos. O fornecedor antigo recentemente anunciou uma queda em M A I O / seus resultados e uma grande reestruturação. Esses casos – e centenas de outros como esses – mostram que, adotar um modelo de vendas quando o cliente deseja outro, é fatal. Não existe quantidade de habilidades de vendas, estratégias brilhantes, ou proposição de valor muito bem desenhada que possam preencher o buraco entre o que o cliente deseja e o que o fornecedor tem para oferecer. Uma força de vendas não pode transformar clientes transacionais em consultivos, ou vice-versa. Na melhor das hipóteses, vendas eficazes podem alterar levemente o equilíbrio, mas é uma escalada vertical e escorregadia. Na era em que os clientes não somente exigem mais valor do que nunca, mas estão conscientes e decididos a respeito do tipo de valor que eles desejam, a força de vendas deve estar atenta para alinhar seus J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 85 Três Modelos de Valor Comprovados TERRA DE NINGUÉM Além do mais, o valor das expectativas de negócios de grandes clientes, pequenos clientes, e até mesmo consumidores individuais está mudando dramaticamente. Como resultado, as forças de vendas estão nos estágios primários de uma transformação que afetará todos os aspectos da venda. Desde a simples venda transacional até relações corporativas massivas que estão reformulando totalmente as estratégias de negócios dos participantes, as mudanças são profundas e irreversíveis. E as mudanças estão ganhando cada vez mais velocidade. Profissionais de vendas individuais estão fadados a se sentirem alarmados, confusos, e inseguros, mas, como Rip Van Winkle, nesta situação, por mais embaraçosa que pareça, é mais fácil mantê-los acordados do que fazê-los dormir. Nós gostaríamos de dizer o mesmo das forças de vendas para as quais eles trabalham, mas muitos desses profissionais parecem estar sonolentos, esquecidos de que as forças de hoje podem, no final, levá-los à extinção. Em quase todos os lugares, as forças de vendas transacionais possuem custos altos insustentáveis de estrutura, forças de vendas consultivas não vendem tão profundamente para ganhar negócios, e os pseudojogadores corporativos pecam pela falta de capacidade de agregar diferentes funções para criar valor suficiente para cobrir o alto custo de sua abordagem (Quadro 2). Forças de vendas de empresas, cujos membros comuns permanecem firmemente convencidos de que sua missão é 86 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E ❖ A maioria das forças de vendas é “terra de ninguém”. AL ION C A NS TRA CO RP OR A TERRA DE NINGUÉM TIV O CONSULTIV O valores com os deles. ❖ É muito caro obter o sucesso, transacionalmente. ❖ Faltam muitos recursos e habilidades para se ter sucesso com a estratégia consultiva. ❖ Falta alinhamento e equipe para ter sucesso corporativamente. Quadro: 2 comunicar valor, normalmente desconhecem que, alguns de seus concorrentes, mais espertos, já estão aprendendo a criá-lo. A mensagem para essas funções de vendas ainda adormecidas é simples: acordem rápido! Nosso assalariado Rip Van Winkle pode ter dormido por uma geração e acordou para descobrir que pouca coisa tinha mudado, mas hoje, qualquer função de vendas que cochila, mesmo que por alguns meses, não valerá a pena acordar. As forças de vendas devem pensar em termos de criação de valor e compreender como estruturar e gerenciar os elementos dos esforços de vendas transacionais, consultivos e corporativos para entregar novos valores para os clientes. Este é um momento de oportunidades sem precedentes para estrategistas. No passado, vendas ofereciam altas recompensas para aqueles com energia para vender 2005 persuasivamente e com táticas para fechar negócios. A nova será muito mais generosa, recompensando aqueles que venderem de forma inteligente, compreendendo e programando estratégias para criar valor para o seu cliente. ESPM Tradução e adaptação do texto para o português feita por: LÍGIA HERNÂNDEZ © 2004 Huthwaite, Inc. Translated and Reprinted by ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) with Permission from Huthwaite,Inc. Huthwaite é uma empresa líder no mundo em consultoria e treinamento de processos eficazes de vendas. Durante os últimos 25 anos, Huthwaite vem ajudando centenas de empresas no mundo a alcançarem vantagens competitivas através do desenvolvimento de habilidades de vendas, gerenciamento e programas estratégicos de vendas e respostas inovadoras da força de vendas às demandas do mercado. Para maiores informações a respeito de como eles podem ajudar a sua empresa a atingir de forma eficaz os seus objetivos de vendas e como consolidar mudanças de desempenho duradouras, entre em contato com: [email protected], <htpp:// www.huthwaite.com/> ou 703-467-3800. Anúncios Honestos HONESTOS PESQUISA mbora “marcada” como essencialmente desonesta, por alguns setores da sociedade – tais como os políticos de Brasília e a maioria dos jornalistas – a atividade da propaganda, pela própria natureza, deve trilhar um caminho cheio de condições. Se o anúncio é “bem-comportado” em demasia, corre o risco de passar batido pela atenção do consumidor; se exagera nas hipérboles, deixa de ter credibilidade. exemplo: Veja ilustre passageiro, o belo tipo faceiro, que o senhor tem ao seu lado. E, no entretanto, acredite: quase morreu de bronquite; salvou-o o Rhum Creosotado! Nada menos do que salvar da morte. Há outros: “É mais fácil um burro voar do que a Esquina da Sorte falhar”. A maioria dos anúncios para remédios milagrosos, no início do século passado: Phymatosan, A Saúde da Mulher, Biotônico Fontoura, Cafiaspirina, Urodonal... Mesmo nos anos 40, a Cia Harkson anunciava seu Chica-bon como “sorvete formidável” e a Milani o creme dental E A arte – ou ciência – da propaganda nasceu e se desenvolveu nos dois séculos passados, principalmente no XX – considerado por muitos como o século dourado da propaganda – e, nos seus primórdios, usou apelos que seriam considerados, hoje, como exagerados – ou politicamente incorretos. A famosa sextilha de Ernesto de Souza – para o Rhum Creosotado –, que a maioria dos publicitários sabe de cor, é um bom 88 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O Gessy, para as mulheres, como “a chave mágica que abre o coração dos homens!” Mas os publicitários aprenderam, com o tempo, que a honestidade nos argumentos e nas afirmações dos anúncios e das campanhas é – a longo prazo – a melhor estratégia para conquistar e manter os clientes. Uma das mais importantes agências de propaganda internacionais, a McCann-Erickson, usa até hoje, como slogan, a expressão “a verdade bem dita”. Ela foi criada por um dos fundadores da agência americana, Ralph St. Hill, no início do século passado. D E 2005 Imagens: Arquivo ESPM José Roberto Whitaker Penteado e Beatriz Penteado sua vida? (Brasileiro ou estrangeiro). OS RESULTADOS AQUI ESTÃO Houve céticos que responderam coisas como “este é um animal que faleceu antes de nascer”, ou fizeram blague: “Este seu, anunciando sua disposição de obter um anúncio tão sério, que nem Deus poderia duvidar”. Mas houve quem fosse mais fundo, na busca de referências e parâmetros, como o ex-diretor de comunicações da Nestlé e conselheiro da ESPM, Avelar Vasconcelos: “Nunca olhei para um anúncio pensando se era honesto ou não. Mas teria uma resposta mais conceitual: anúncio honesto é o anúncio de produtos com marcas que venderam, tiveram sucesso e cresceram no mercado. Porque todo o marketing – e o seu principal instrumento, a propaganda – só servem para vender a primeira vez. A partir desse momento, quem assume o leme é o próprio produto, que deverá confirmar, a cada dia, que continua correspondendo ao anúncio que dele foi feito e que por isso ele foi comprado e merece continuar sendo”. Pego a revista Veja desta semana e, na página 6, está anúncio para “Veja multiuso” – nova embalagem. Esse anúncio ✲ um “parece” honesto: diz de maneira simples e direta. Este artigo nasceu de uma troca de idéias dentro do Instituto Cultural da ESPM sobre o tema credibilidade da propaganda. Será que há anúncios que são – ou parecem – mais honestos do que outros? Em que consistirá exatamente a “honestidade” de uma mensagem publicitária? Decidimos fazer uma pesquisa – qualitativa –, já que não havia metodologia pos- sível para estabelecer com exatidão parâmetros de honestidade para a propaganda – e escolhemos cinqüenta nomes de publicitários, principalmente entre os mais ligados à ESPM, mandando-lhes um texto-desafio: Para uma matéria que queremos fazer para a Revista da ESPM, por favor, responda à pergunta: Qual o anúncio mais HONESTO que você já viu em M A I O / “Mas, se você pretende ilustrar a matéria, não irei ao passado. Pego a revista Veja desta semana e, na página 6, está um anúncio para “Veja multiuso” – nova embalagem. Esse anúncio “parece” honesto: diz de maneira simples e direta, além de reforçar o argumento de maneira visual, que a nova embalagem é antideslizante. E de fato ela parece sêlo. Mas só saberei de fato se o anúncio é honesto depois que – movido por ele – eu vá comprar o J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 89 Anúncios Honestos produto e comprová-lo”. superficial da comunicação publicitária. Refletem uma idéia de relatividade em relação às circunstâncias. Não têm um sentido absoluto como honrado, por exemplo. Uma pessoa é honrada, ponto. Um anúncio é conveniente, adequado em relação a alguma coisa, por isso são conceitos relativos. Se concordamos nisso, posso tentar listar algumas peças publicitárias que se encaixam nesses conceitos. Não são, necessariamente, criativas; criatividade não é o objeto de sua pergunta. Nessa categoria encontram-se os anúncios que não escondem seu caráter íntimo, sua Walter Guelfi, publicitário e consultor, com longa e bem-sucedida carreira, também abordou a questão com profundidade. “Segundo o Aurélio, honesto significa honrado, digno, decente, íntegro, probo, reto, conveniente, correto, adequado, casto, puro,virtuoso. Dentre esses belos adjetivos optei por dois – conveniente e adequado – para qualificar atributos da publicidade. São expressões que se ajustam melhor à natureza efêmera, “manipuladora” – porque deve ser persuasiva – e Casas Bahia (representando todas as campanhas honestas de varejo). Os anúncios são cansativos, mas eu já entrei em várias lojas da rede para consultar sobre promoções anunciadas. Eram verdadeiras. Campanhas de OMO (representando todas as campanhas que respeitam as consumidoras com depoimentos autênticos). As consumidoras reconhecem a honestidade e retribuem com a compra do produto. 1) 90 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O 2) D E 2005 intenção de mobilizar o público para o objetivo de estimular a venda. Uma peça publicitária institucional, por exemplo, pode ser menos honesta do que um anúncio para uma promoção de varejo. Uma peça de varejo bem realizada é conveniente e adequada porque atende ao interesse do público em busca de informação e responde ao desejo do anunciante de vender. Ela não pode ser mentirosa. Se for, não funciona. Mas eis uma lista, se não é dos anúncios mais honestos da minha vida – porque não tenho memória suficiente – terão sido os mais marcantes”. Campanha de Kolynos/Sorriso (representando todas as campanhas que trabalham com as emoções de maneira saudável e crível). A campanha é tão honesta, que sobreviveu à mudança da marca do produto. 3) José Roberto Whitaker Penteado e Beatriz Penteado da campanha contra a fome, da época do Betinho, “que mostrava uma panela vazia, dizia que ✲ asO anúncio pessoas precisavam comer mas, apesar da honestidade, até hoje tem gente que morre de fome”. O professor Francisco Gracioso, presidente da Diretoria Executiva da ESPM – mas que foi, também, profissional de criação e de planejamento nas agências JWT e McCann-Erickson – concorda com a inclusão das campanhas de Kolynos entre as mais honestas: “Principalmente os anúncios de “Ah, Kolynos” que tiveram um papel histórico, ao deixar de tentar convencer os consumidores sobre o papel do creme dental como remédio, para evitar cáries, etc. e concentrou-se sobre a sensação de bom hálito e boca limpa. Isso fez com que Kolynos se tornasse a marca líder em vendas, no Brasil.” Christina Carvalho Pinto, diretora da FullJazz, respondeu: “o grande marco, para mim, partiu da Natura, mostrando mulheres bonitas de verdade. Isso resgatou o conceito da verdadeira beleza e mostrou a desonestidade dos anúncios de outras marcas, que costumavam usar modelos de 20 anos para anunciar cremes anti-rugas”. Essa campanha, também, foi considerada como exemplo de publicidade honesta pelo diretor da Tymus Branding, Ricardo Guimarães. Décio Clemente, diretor da DeClemente e também conselheiro da ESPM, lembrou o anúncio da campanha contra a fome da época do Betinho, “que mostrava uma panela vazia, dizia que as pessoas precisavam comer mas, apesar da honestidade, até hoje tem gente que morre de fome. Ninguém se sensibilizou de verdade. Outra é da campanha contra a Aids. A única e mais segura maneira de evitar é usando camisinha, honestamente é verdade, mas ainda tem gente que não acredita”. Roberto Duailibi, um dos sócios da DPZ, também contribuiu para essa pesquisa, lembrando de um anúncio criado pela agência para os preservativos Jontex, muito, muito antes da ameaça da AIDS. Trata-se de “Bonitinho pero sifilítico”, abordando o tema então tabu das doenças venéreas. José Esquenazi, ex-diretor da Artplan, do Rio, é de opinião de que os mais honestos são os anúncios comparativos – que, no Brasil, não são muito bem-vistos. Diz Esquenazi: “É válida a idéia desde que os fatos citados sejam verdadeiros, não difamatórios, nem diminuam a qualidade do concorrente. Lembro de Pepsi X Coca e do Fusca X Chevette, era tudo claro e honesto. Quando a Artplan recebia visita de estudantes de Comunicação, eu fazia uma palestra e sempre citava os aspectos M A I O / da ética desses cases”. Graciela Presas Areu, publicitária e consultora, de Curitiba, indica a “campanha mais honesta e inteligente que já vi foi a do fusquinha nos EUA, quando assumiram que era um carro feio. Era uma campanha um dos sócios da DPZ, ✲ Duailibi, também contribuiu para essa pesquisa, lembrando de um anúncio criado pela agência para os preservativos Jontex, muito, muito antes da ameaça da AIDS. Trata-se de “Bonitinho pero sifilítico”, abordando o tema então tabu das doenças venéreas. J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 91 Anúncios Honestos O professor e consultor Isnard Manso Vieira lembra de um anúncio que fazia parte do lançamento de uma campanha do Ponto Frio: “Nos idos de 71, 72, na SGB – o Cleber Neves foi o criador. O cliente queria uma campanha que mostrasse a transparência do Ponto Frio, o respeito dele pelo muito inteligente, meiga, gostosa, e deu bons frutos, pois foi feita em cima dos diferenciais positivos; assumiu as desvantagens do produto, que manteve. Outra campanha que lembro, pelo bom humor, foi a de Benson & Hedges dos cigarros de cem milímetros. Lembro até hoje dos comerciais de televisão, brincando com os “problemas” (claro que de forma figurada e metafórica) que trazia um cigarro de 100’s. Não diria que foi exatamente uma campanha honesta, mas transformava o diferencial em vantagem, destacando o que pareciam ser aspectos negativos – com competência na utilização do equívoco, para surpreender; e sabemos que este é o princípio do humor, da piada”. consumidor. Ainda nem se pensava em Código do Consumidor. Saímos com uma campanha que tinha o título de O Fim das Ilusões. A foto era um mágico tirando um coelho de uma cartola. E o texto falava de que no Ponto Frio não havia engano, não havia jogadas, os preços anunciados eram campanha que lembro, pelo bom ✲ Outra humor, foi a de Benson & Hedges dos cigarros de cem milímetros. sede da Avis era em Long Island. Alugaram o carro e partiram. No ✲ Ameio do caminho, abriram o cinzeiro e viram que estava cheio de pontas de cigarros. Horrorizados, porque a campanha da Avis vinha prometendo ao público carros e cinzeiros limpos – naquela quinzena ou naquele mês, a Avis estava exibindo um outdoor com a promessa. 92 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 José Roberto Whitaker aqueles mesmos e apresentava os produtos com os preços a vista e com os preços a prazo em 12 parcelas. E a soma do total das parcelas, sem subterfúgios. Esta campanha contribuiu para que o Ponto Frio ganhasse uma aura de confiabilidade que durou muito tempo”. José Francisco Queiroz, outro publicitário que é conselheiro da ESPM, é de opinião de que anúncios devem ser, na maioria, honestos. Caso contrário o CONAR acaba (ou deveria acabar) com eles. Mas lembra – de seus tempos da agência Norton – de um anúncio-comunicado publicado pela Nestlé por volta de 1993. “Um maluco ameaçou a empresa, dizendo que havia colocado veneno em vários produtos, nos pontos-de-venda, e a empresa publicou um anúncio sobre o fato, pedindo à população para tomar cuidado na compra dos produtos, evitando os que tivessem qualquer tipo de adulteração na embalagem”. O tema foi lembrado, também, pelo diretor-executivo do IBOPE, Paulo Pinheiro de Andrade, evocando um episódio ocorrido com a empresa Johnson & Johnson, informando que retiraria das prateleiras todos os estoques do seu produto Tylenol, devido à ameaça de algum desequilibrado, que afirmava ter colocado arsênico em alguns frascos, nos pontos-de-venda. Julio Cosi Jr. – publicitário emérito, mestre de uma geração, na qual me incluo – conta sobre um anúncio específico da famosa campanha da locadora Avis: “Aconteceu, creio, em 1964. Meu amigo David Herzbrun, Copy Supervisor na Doyle Dane Bernbach, e o Diretor de Arte Helmut Krone – famoso pela campanha do Fusca – alugaram, em New York, um carro da Avis para ir a uma reunião com o Presidente da Avis, Robert Townsend. A sede da Avis era em Long Island. Alugaram o carro e partiram. No meio do caminho, abriram o cinzeiro e viram que estava cheio de pontas de cigarros. Horrorizados, porque a campanha da Avis vinha prometendo ao público carros e cinzeiros limpos – naquela quinzena ou naquele mês, a Avis estava exibindo um outdoor com a promessa: “Avis won’t rent you a dirty car. No ifs, ands, or butts” – o Helmut Krone disse: “precisamos fazer um anúncio sobre isto”. Herzbrun recolheu as pontas de cigarro num envelope. E começaram a trabalhar num anúncio que ficou pronto uns 2 ou 3 dias depois”. “O título era o seguinte, “The writer of this ad rented an Avis car recently. Here’s what I found. “O texto começava dizendo algo como ...”eu escrevo anúncios para a Avis como meio de vida, mas isso não me transforma num mentiroso pago.”A última frase do texto era: “Eles provavelmente nunca veicularão este anúncio.” Quando o anúncio foi apresentado ao Robert Townsend, ele ficou assustadíssimo. Acabaram entrando num acordo: Townsend concordava em publicar o anúncio mas queria ser informado sobre onde e quando sairia, para que ele nunca mais visse o anúncio novamente”. number 2 – como a mais honesta. Luiz Fernando Garcia, diretor dos cursos de graduação em Comunicação da ESPM, chegou a teorizar um pouco, diante da pergunta: “Ela cria um falso dilema: se responder “espere aí que vou lembrar”, induzirei o leitor a perceber o restante do universo como algo ardiloso; mas se disser, “todos o são” também estarei inferindo uma verdade que parece evidente, diante da existência de tantos órgãos para verificação desta veracidade, que se trata de uma falácia... Logo assumiremos que há a possibilidade de uma honestidade relativa, o que nos levaria a continuar O título era: A Volvo desco✲ briu: no vidro de trás também chove. No layout, saia e blusa – uma foto da traseira do novo carro com o limpador. O presidente da Young & Rubicam no Brasil, Silvio Matos, também deu o seu voto à campanha da Avis – M A I O / Penteado e Beatriz Penteado J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 93 Anúncios Honestos de onde fala o Big Brother, e joga um martelo. E o locutor diz que, graças à Macintosh, 1984 não será 1984. O poder da IBM, de quase monopólio, acabava de ser quebrado. Acho muito honesto porque foi exatamente isso o que aconteceu. E há o filme do Fusca, no meio da neve (da DDB dos bons tempos), o carro chega até a uma garagem, desce o fulano do fusquinha, abre a porta e, dentro está um desses enormes veículos que limpam a neve das estradas. Acho muito verdadeiro, pois, na época era um dos poucos veículos que podiam enfrentar uma situação daquelas”. filosofando sobre a diferença entre mentira e omissão, novamente, manipulação, etc. Todo anúncio que traz em si uma declarada intenção (propósito claro) e uma mensagem “sharp and clear” é honesto “per se”. Aí incluem-se a maioria dos anúncios das companhias mais admiradas no mundo”. Lembrando de sua experiência como executivo da Agroceres, relata: “fizemos uma campanha co-brand com o então Bamerindus, trabalhando sob o tema Administração Rural: é assim que se ganha, onde a mensagem comercial da escolha dos insumos do campo era ampliada para sua dimensão mais técnica... Sua linguagem atuava com o perfil das campanhas publicitárias tradicionais (incluindo o uso do cantor Sérgio Reis como ícone etc.) esse é um bom exemplo”. Francisco Socorro, experiente profissional, hoje radicado em Santa Catarina, conta uma história curiosa: “O anúncio que mais me impressionou, pela honestidade, foi publicado há quase 50 anos – em 1956, ano em que ingressei na Publicidade (JWT) como office-boy. Era preto & branco e deve ter sido publicado em O Cruzeiro. Num primeiro plano, rosto de mulher com belíssimos cílios pretos – o uso de foto era ainda pouco comum naquele tempo. Num segundo plano, desenho mostrando homem e mulher (ela com o jeito claro de secretária). Título: Ele era Washington Olivetto, da W/Brasil, respondeu: “Entre muitos anúncios honestos (dentro do critério verdade, inteligência e simplicidade) que eu gosto, adoro um em particular, escrito pelo meu amigo Ed McCabe muitos anos atrás, quando a Volvo lançou o primeiro automóvel do mundo com limpador de pára-brisa no vidro traseiro. O título era: A Volvo descobriu: no vidro de trás também chove. No layout, saia e blusa – uma foto da traseira do novo carro com o limpador”. Ruy Lindenberg, diretor de criação da Leo Burnett, indicou dois comerciais de TV: “o filme que lançou o Macintosh, filmado pelo Ridley Scott – onde a moça entra correndo, num ambiente com uma tela gigantesca 94 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O Há o filme do Fusca, no meio da neve, o carro chega até a uma ✲ garagem, desce o fulano do fusquinha, abre a porta e dentro está um desses enormes veículos que limpam a neve das estradas. D E 2005 José Roberto Whitaker Penteado e Beatriz Penteado meu Chefe ... (as reticências, também comuns na época). Hoje é meu marido. Subtítulo: Passei a usar Cilion. Sem mais explicações: só a embalagem do produto e o slogan”. Carlos Salles, presidente do movimento Brasil-Competitivo, contribuiu com duas peças. “O Exército de Salvação publicou um anúncio, há uns trinta anos, no qual alguns músicos uniformizados com a farda da organização ameaçavam tocar se o distinto público se recusasse a fazer doações. Era honesto, porque reconhecia o incômodo provocado nas vias públicas por músicos absolutamente desafinados. E também porque dizia – com toda a clareza – que a organização precisava desesperadamente de dinheiro. Será que o Bispo Macedo teria a coragem de publicar, hoje, um anúncio parecido? O outro foi da Pérsico-Persamiglio, fabricante de tubos metálicos, que – diante do estado de derrota nacional causada pela moratória da dívida em 1981 – conclamou-nos todos à reação. A frase de chamada era: “Atrás da palavra crise, geralmente se esconde uma crise de talento”. Para mim, esse anúncio foi importantíssima peça de motivação, inspirando-me a implementar, na Xerox do Brasil, um grande programa de ação que rendeu preciosos e significativos dividendos à nossa empresa”. “O Exército de Salvação publicou um anúncio, há uns trinta anos, no qual ✲ alguns músicos uniformizados com a farda da organização ameaçavam tocar se o distinto público se recusasse a fazer doações. (JR). Todos merecem entrar. Para encerrar, o meu próprio depoimento: em primeiro lugar, concordo com a maioria das indicações dos profissionais consultados. Mas estou em condições de acrescentar dois esquecidos – ambos americanos. Lembrava-me de ter visto, no final Outras indicações – sem explicações – foram: Série do garoto BomBril (Ana Carmen Longobardi); Gordinha da Ohrbach´s (Bia Penteado); Veículos Lada (Fernando Nobre); Postos São Paulo (Marcelo Aragão); Primeiro Sutiã Valisère e Pão de Forma Levy’s preto & branco e deve ter ✲ Era sido publicado em O Cruzeiro. Num primeiro plano, rosto de mulher com belíssimos cílios pretos – o uso de foto era ainda pouco comum naquele tempo. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 95 Anúncios Honestos Outras indicações – sem ✲ explicações – foram: Série do garoto BomBril (Ana Carmen Longobardi); Gordinha da Ohrbach´s (Bia Penteado); Veículos Lada (Fernando Nobre); Postos São Paulo (Marcelo Aragão); Primeiro Sutiã Valisère e Pão de Forma Levy’s (JR). Todos merecem entrar. 96 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E dos anos 50, uma série de anúncios testemunhais para a pasta de amendoim Skippy – produto de grande venda nos EUA – utilizando celebridades já entradas em anos, como Groucho Marx, Basil Rathbone, a artista de teatro Hermione Gingold e Bert Lahr, o leão covarde do filme O Mágico de Oz. O que tornou esses anúncios inesque- 2005 cíveis para mim, que mal iniciava carreira em propaganda e marketing, foi o fato de que todos os textos contavam uma história parecida: “O pessoal da Skippy me ofereceu uma grana para fazer um anúncio elogiando o produto deles. Disse: Impossível! Nunca provei esse negócio, isso é coisa de criança, etc. etc. Aí eles dobraram José Roberto Whitaker a grana. Continuei recusando. Aí me deram um monte de dinheiro e não pude mais recusar. Até provei a gororoba – e sabem de uma coisa? – até que não é tão ruim assim.” Conversei sobre a série com alguns companheiros da publicidade; Penteado e Beatriz Penteado poucos se lembravam, e só vagamente. Uma pesquisadora de Nova York encontrou os anúncios, para a revista. São de 1959. O outro é mais conhecido: foi para a introdução do Vermouth Cinzano a pasta de amendoim Skippy – produto de grande venda nos EUA ✲ –Para utilizando celebridades já entradas em anos, como Groucho Marx. anos vocês roubaram ✲ Durante nossos cinzeiros; agora comprem o nosso vermouth fabricado e distribuído nos Estados Unidos. Dizia: “Durante anos vocês roubaram nossos cinzeiros; agora comprem o nosso vermouth” – referindo-se aos turistas americanos que levavam – dos bares e restaurantes – os cinzeiros de propaganda da Cinzano como souvenir. Estão todos aqui para serem lembrados. ESPM AUTORES Texto J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO Editor, Revista da ESPM Pesquisa BEATRIZ PENTEADO Diretora de Arte M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 97 Mesa-Redonda J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO PARTICIPANTES FLÁVIO CONTI ALEXANDRE GRACIOSO Diretor Acadêmico da ESPM AMALIA SINA Executiva e Professora da Fundação Dom Cabral FLÁVIO CONTI Diretor DPZ MARCOS MINORU Gerente Nacional de RH da Trevisan MÁRIO CHAMIE Escritor e Professor da ESPM ORIVALDO GALASSO Unilever J. R. WHITAKER PENTEADO Moderador ALEXANDRE GRACIOSO MARCOS MINORU 98 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Totos: Júnior de Oliveira LONGEVIDADE: AS DUAS FACES DA MOEDA MÁRIO CHAMIE AMALIA SINA ORIVALDO GALASSO G raças aos progressos da medicina, alimentação mais saudável e vida mais ativa, as pessoas mantêm-se em forma mesmo em idades mais avançadas. Há alguns anos, já estariam todos aposentados, mas hoje nem pensam nisso. Quais as conseqüências – positivas e negativas – dessa maior longevidade na vida e nas atividades profissionais? Por um lado, uma rica experiência deixa de ser desperdiçada para ser colocada a serviço das empresas e da sociedade em geral. Por outro, também é certo que a idade cobra o seu preço. As pessoas tornamse mais conservadoras, temem as mudanças e tendem a repetir-se. A revista Exame publicou, recentemente, que a idade média dos presidentes das maiores empresas brasileiras é pouco superior a 50 anos. Diretores de primeiro escalão têm, em média, 45 anos. Não são idades avançadas. Será que a longevidade – pelo menos até agora – só tem provocado o aumento do número de generais de pijama? Como será, para os mais jovens, trabalhar com pessoas mais idosas, e como os mais velhos vêem essa “invasão” dos jovens. Reunimos, em mesa-redonda, pessoas de várias idades para discutir essa nova revolução, ainda silenciosa, que ocorre no mundo e na vida profissional. Os resultados confirmam que há conflitos, mas também apontam caminhos na direção da harmonia. (FG) M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 99 Mesa-Redonda “A LUTA CONTRA A VELHICE É UMA LUTA PERDIDA, MAS PRETENDO PERDER POR POUCO.” JUDITH CARLESSO JR – Estamos reunidos para a discussão de um tema atual e polêmico – até na própria definição. Vamos falar sobre os velhos e os novos. Gostaria de começar, tentando conceituar quem é jovem quem é idoso. sa que saiu de moda, o Mário involuntariamente disse algo “politicamente incorreto”. Um conceito que envelhece, pode ter sido apurado, melhorou, devíamos acreditar mais nele. Mas não é o que acontece. MÁRIO – Pois eu considero um diálogo muito jovem e oportuno. Hoje, devemos mudar o conceito de cronologia. Esta classificação bipolar – juventude e velhice – envelheceu e em função dos próprios dados da longevidade, da diminuição das horas de trabalho, do aumento das pessoas acima de 60 anos e do investimento brutal que o Estado tem que fazer em função dessa nova realidade. Essa cronologia não pode ser considerada nem como prisão para os mais idosos e espaço aberto para os jovens. Não vou falar em causa própria até porque já passei da “terceira” idade; estou na idade das homenagens. Mas, em 1980, havia 600 mil brasileiros com mais de 80 anos; em 2004, eram dois milhões e, em 2050 teremos 14 milhões de pessoas com mais de 80 anos. E, na segunda metade deste século, teremos cerca de 32 milhões de pessoas acima de 80 anos com condições vitais de atividade, participação e intervenção no tecido social. Por isso, não podemos mais ser reféns da cronologia – a cronologia é um engodo. AMALIA – Acho que há confusão, principalmente dentro das organizações, que é misturar experiência com vivência. O fato de a pessoa estar em algum lugar durante muito tempo não lhe dá experiência. Mas sim, a forma como ela se relaciona com o que vive, no dia-a-dia. Mil anos a dez não é a mesma coisa que dez anos a mil. Até recentemente, a pessoa, para ascender a uma posição de destaque, teria que passar muito tempo dentro da empresa, pelo menos uns 15 anos. Ninguém vinha de fora para assumir uma posição importante, porque não ficava bem, não era prata da casa. Então, gerente antes dos 30, diretor antes dos 40 e presidente antes dos 50 era inimaginável. Hoje, tudo se transformou. JR – Ao dizer que a classificação “envelheceu”, como sinônimo de coi- 100 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E GALASSO – Não concordo. Fui gerente com 28, diretor com 35 e presidente com 42. AMALIA – Mas isso era raridade. GALASSO – Tive uma carreira de 38 anos na Unilever; hoje em dia é quase impossível. AMALIA – Olha que interessante. 2005 Tenho 40 anos, passei por 9 empresas e fiz a mesma coisa: fui gerente antes dos 30, diretora antes dos 40 e presidente antes dos 50. Mas, para chegar lá, foram necessárias 9 empresas. Ele conseguiu em uma! GALASSO – O tipo de carreira que tive não existe mais. Os próprios jovens não estão interessados. Nesses 38 anos, tive muitas oportunidades de deixar a Unilever. Às vezes me pergunto se agi certo. Não tenho resposta. Foram 38 anos em que vivi bem e ganhei experiência; vi muita gente sair da empresa e – quando os encontrava – em outras funções em outras empresas, percebia que tinham parado no tempo. Uma empresa multinacional, como a Unilever, oferece a oportunidade de conhecer e entender o mundo; você sabe o que acontece na China; recebia e-mail do Vietnã, pedindo informações. Depois, fui trabalhar numa empresa nacional, familiar. Foi um choque enorme. Sabia dos problemas que as empresas brasileiras têm; mas não imaginava que fossem tão grandes. Essas duas experiências levaram-me à conclusão de que, enquanto em uma se ganha experiência, na outra você contribui. São duas fases importantes na vida da gente. ALEXANDRE – Sempre existirão exemplos isolados: alguém que se destacou cedo, como os casos da Amalia e do Galasso, e outro que começou tardiamente. Se olharmos a história, temos inúmeros exemplos, de artistas ou cientistas... JR – Como aquela senhora americana, Grandma Moses, que come- çou a pintar aos 70 anos – e nosso Monteiro Lobato que se tornou escritor de livros infantis aos 44... ALEXANDRE – Há exemplos em ambas as direções. Quando falamos de envelhecer, temos de pensar na média da população, que são esses milhões de pessoas de que o Mário falou. Pensando em médias, ainda existe uma relação entre o fato de a pessoa envelhecer e o fato de tornarse mais limitada em relação às suas capacidades quando jovens. Isso será a verdade para a maioria desses 32 milhões. Mas, há dois mil anos – com expectativa de vida de 30 anos – a pessoa, aos 25, já estava sem um braço ou uma perna, perdidos em combate... Há expoentes, pessoas com 70, 80 anos, que têm desempenho melhor do que a maioria dos jovens. Essas pessoas fazem bem à sociedade porque inspiram os demais, que pensam: “se eles conseguem eu também consigo”. O J. Roberto nos mostrou algumas frases, e a que mais me tocou foi: “O idoso conserva suas faculdades se mantiver vivos seus interesses”. Acho que isso se aplica a quase todos os casos. MARCOS – Eu percebo a questão do envelhecimento sob duas ópticas: sob a de quem envelhece, vai muito de como a pessoa se sente, de como ela aborda o assunto envelhecimento e, nisso, há diferenças culturais. Eu, por exemplo, venho de uma cultura em que o envelhecimento chega a ser um privilégio. Mas há o lado externo, como o mercado enxerga profissionais acima de uma “idade limite”. Infelizmente, estamos todos influenciados pela questão cronológica. Nascemos em uma data marcada e – a partir daquele momento – começa a rodar o relógio da vida, ano após ano... No início, não é tão preocupante. Meus filhos, de 5 e 8 anos, não têm noção do que os espera daqui a 10, 12 anos. Quando olho 10, 12 anos à frente, vejo-me com 50 anos. Sinto-me na flor da idade, posso produzir por muito tempo, mas me preocupo porque, vou estar, de fato, “velho” para o mercado. O mercado vai me enxergar de forma diferente. MÁRIO – Mas essa pode ser a atitude atual e injunções históricoestruturais podem obrigar o próprio mercado a se adaptar. O Brasil envelhece; os nascimentos diminuem e os conceitos de jovem e velho vão ser abalados com isso. Para ter uma idéia, 77% dos aposentados brasileiros – acima de 60 anos – vivem de aposentadoria; 21% das mulheres vivem de pensões. Se o velho for sempre visto como excluído, em função da cronologia, esse encargo recai sobre o Estado, que precisa criar hospitais, sanatórios, assistências – coisas impossíveis sem a contribuição do trabalho dessas pessoas que possuem recursos físicos e mentais para se auto-sustentar e sustentar suas famílias. Hoje, no Brasil, há 15 milhões de lares sustentados por pessoas acima de 70 anos, e 5 milhões de lares por mulheres acima de 60 anos. Isso sinaliza a necessidade de “BOEMIA, PARA ALGUÉM DA MINHA IDADE, É CAMA; MAS ACOMPANHADO.” NELSON GONÇALVES M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 101 Mesa-Redonda um repensamento estrutural de toda a sociedade brasileira. Não é mais uma questão de ética, de uma classificação antropológica – o novo é novo, o velho é velho. Isso nos remete a Cícero – que escreveu um livro sobre a velhice – que analisa esse problema, e é antigo. Quero citar um trecho: “Há quatro causas que fazem parecer miserável a velhice: a primeira porque nos afasta do trabalho; a segunda porque nos enfraquece o corpo; a terceira porque nos priva de quase todos os prazeres e a quarta porque é vizinha da morte”. Mas ele mesmo defendia que nenhuma dessas quatro causas se sustenta, porque “no que diz respeito ao trabalho, há trabalhos que são próprios da velhice. Quantos velhos sustentaram a república por sua sabedoria e autoridade?” No que se refere ao enfraquecimento, “a velhice não precisa de forças; há velhos enfraquecidos que não podem preencher a menor função na vida. Mas esse não é um defeito peculiar da velhice; isso é um problema de má saúde”. Os homens de 80 anos, aos quais me referi, estão com plenas condições de trabalho e contribuição. Um jovem pode não ter saúde também; os conceitos têm que ser revistos. Os prazeres não têm o mesmo encanto para os velhos, mas também os desejos são mais adequados – é questão de uma boa calibragem, e hoje a medicina vem em socorro dessa calibragem. Onde o desejo não existe, a privação é menos penosa. No que diz respeito à vizinhança da morte, “desgraçado o velho em que em tão longa vida não aprendeu que é preciso desprezar a morte, porque deve ser uma chatice morrer e ficar eterno”. Isso transportado para dados concretos e reais de uma sociedade em transformação – e aí entra o problema de vivência e experiência –, vê em que medida uma nova vivência da experiência de ser velho deve ser assumida. AMALIA – Também há o fato de associarmos a sapiência; venho de uma cultura chinesa em que o envelhecer é trazer experiência. Mas a sabedoria não necessariamente está só na cronologia. Há sabedoria numa criança, no viver, num relacionamento. Às vezes ouvimos coisas de pessoas que não têm cultura acadêmica e aprendemos muito. Então, esses conceitos sobre as atitudes, sobre o que é sábio ou não, o que é bonito ou não, têm a ver com a mídia. A Renew, por exemplo, afirma que é preciso fazer alguma coisa para ficar melhor. A maior escrava dessa sociedade do envelhecer-ou-não é a mulher, que responde aos estímulos de que é melhor ser mais bonita, mais jovem. Diz-se que, quando se educa uma mulher, educa-se a família toda; quando se educa um homem, educa-se apenas um homem. Isso tudo vai penetrando na sociedade, transformando-a em uma mistura da cultura, o reflexo da marca. Os livros não dizem que as marcas refletem o que a sociedade tem? Na minha visão, todos nós – “SE EU SOUBESSE QUE IA VIVER TANTO TEMPO, TERIA ME CUIDADO MELHOR.” EUBIE BLAKE 102 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 managers, executivos – estamos construindo uma imagem em torno do que é bonito. Nunca aparece um homem de 70 anos, com sua mulher de 70 anos, fazendo alguma coisa bonita e que dê prazer. Só se vêem pessoas com 20, 25 anos. Parece que só é possível ser feliz hoje em dia se você for alta, bonita, de olhos claros, jovem, rica e casada com um jogador de futebol... FLÁVIO – Quando o Galasso disse que não sabe se fez uma boa escolha, ao trabalhar 38 anos na Lever, sem querer, ele respondeu, porque mostra orgulho, satisfação de ter ficado tanto tempo lá. Eu estou na mesma situação: completo 40 anos de profissão e estou há 33 na DPZ. E a publicidade é um meio onde a juventude é qualidade – é um fator primordial. A propaganda é como o futebol – párase aos 29 anos. Imaginem que atendi ao Mário Chamie – que se autodenomina “arqueológico”. Quando se chega, nessa profissão, à idade que cheguei, nota-se claramente como a experiência e vivência com jovens é importante. O jovem precisa de alguém experiente para orientá-lo. Temos que pensar no negócio; só com jovens, nenhuma empresa vai para frente. Com a era da informatização, a corrida tornou-se intensa. Nós, os mais velhos, sofremos com isso – competir com o jovem, ficar update com ele. Quando atendia ao Mário, eu fazia propaganda da máquina de escrever Electra 22. A experiência, hoje, é fator fundamental nos negócios. O Brasil é um país meio preconceituoso contra a idade. Lá fora, muitos profissionais fundaram agências fantásticas aos 50 anos. Aqui, quando se chega aos 50, é condenado a sair do mercado. Pois estou com bem mais de 50, e considero-me dentro do mercado, e a experiência que estou tendo com os jovens é ótima. Quem ganha com isso é a empresa. AMALIA – Do que você está dizendo, o que me chama atenção é atualização. O fato de envelhecermos não quer dizer que continuamos atuando como quando tínhamos 18 anos. Continuar falando conto de réis, achar que está ficando moderninho porque está usando argumentos do passado para tentar sair de uma situação em que você próprio se constrange. Atualizar-se independe da idade. Vemos homens que se cuidam. Cuidar-se é uma forma de se respeitar; não é vaidade. Mas todos precisam de atualização para não virar dinossauro – tanto homens quanto mulheres. GALASSO – Sou uma pessoa que procura se atualizar sempre. Quando isso deixar de acontecer, estou morto. Mas é verdade que, com a idade, nos tornamos mais conservadores. Eu, por exemplo, quando olho a propaganda de hoje, vejo coisas que não aceito. Os jovens gostam; eu não gosto e não aceito. Vejo filmes da própria Unilever e digo: “Meu Deus, quem aprovou isso?” JR – Mas, dependendo da óptica, os jovens também podem ser conservadores. Quero voltar ao assunto mercado de trabalho. A realidade da grande empresa não é a realidade do Brasil. Certamente, no Brasil o percentual de pessoas que são empregados de empresas médias e grandes deve ser menor do que 50%. O que existe, agora, – e o Mário cha- M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 103 Mesa-Redonda mou a atenção no início – é que há muito mais gente de 60 anos; daqui a pouco estarão com 80, saudáveis, capazes. Como essas pessoas serão aproveitadas profissionalmente? ALEXANDRE – Quer queiramos ou não, não há emprego para todos. JR – Não há emprego ou não há trabalho? ALEXANDRE – No momento, no Brasil, é a própria atividade produtiva – e acho que a única saída é crescimento. Ao estudar as faixas de desemprego divulgadas pelo IBGE, percebe-se que as faixas mais jovens estão sem atividade profissional remunerada – seja emprego ou mesmo como free-lancer, enquanto faixas mais idosas estão em atividade. Esse é um conflito. Quero contar uma experiência própria quando trabalhei em consultoria. Como em toda empresa de consultoria, havia o esquema de sociedade. Mas houve um momento de limitação no crescimento e ela não conseguia fazer mais sócios. Aí, começaram a perder bons executivos. A pessoa pensava: “Só conseguirei ser sócio quando alguém se aposentar”. GALASSO – Infelizmente, essa geração dos mais velhos não teve educação. Isso começou com os militares, que partiram para um sistema de educação em massa. E depois deles, permaneceu igual até hoje – a qualidade do ensino no Brasil é péssima. Essa geração que vai chegar aos 80 – de que o Mário falou – é uma geração que não teve educação. JR – Eles podem educar-se agora. 104 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E “PARA MIM, VELHO SEMPRE FOI AQUELA PESSOA 15 ANOS MAIS VELHA DO QUE EU.” BERNARD BARUCH GALASSO – Mas a vontade de aprender diminui. O problema é sério. Há alunos que saem do ensino fundamental sem saber ler. A qualidade do ensino no Brasil está tão ruim, que vai criar problemas sérios para as velhices futuras. porque alguém não tenha trabalho ou emprego que não presta. E é mais um problema masculino. Nós, mulheres, voltamos para casa a hora que quisermos. Ninguém vai falar mal. Mas o homem que não tem trabalho é execrado. JR– Continuo achando que ainda há tempo para se educarem. FLÁVIO – É como a sociedade trata a pessoa que pára – no Brasil é assim. GALASSO – Entre num supermercado, num restaurante e veja a qualidade do serviço lá dentro. GALASSO – Você só pode parar se tiver uma renda. O INSS é brincadeira. JR – Nos restaurantes, posso garantir que os garçons mais velhos são bem mais competentes que os jovens. JR – O que a Amalia está dizendo é interessante – tem a ver, talvez, com a sua formação oriental. Quando eu estudava poesia – justamente nessa visão de fazermos várias coisas – estávamos lendo um poema do Paulo Alberto/ Arthur da Távola, sobre a importância do “e”. A vida não precisa ser “ou” isso “ou” aquilo; pode ser isso e isso e também aquilo. Nós todos tendemos a pensar seqüencialmente: jovem, maduro, velho, produtivo, menos produtivo, aposentado. O que a Amália levanta é que, se a pessoa for mais plural, holística, vai durar mais. AMALIA – Na minha visão, essa geração mais velha que ocupa as posições de poder – e teve boa educação – dão valor excessivo ao trabalho, vendo-o como única fonte de dignidade possível. Quem coloca todos os ovos em uma só cesta, vai ter dificuldades. A visão que o ser humano tem de si próprio, diante do trabalho, também terá de ser revista. Prazer, a gente não tira só do trabalho. Há prazer, sim, em viajar quando se aposenta e digo isso, hoje, com 40 anos. Há outras coisas, outras estruturas a edificar na vida – quer seja acadêmica, quer seja um livro que você lançou, uma pessoa que você fez crescer, um trabalho voluntário, ou porque desenvolveu outras profissões interessantes – advogado também faz teatro. Acho que precisamos abrir mais a cabeça. Não é 2005 AMALIA – Por que vocês acham que está havendo tanto divórcio, e tantos homens têm a segunda mulher? Isso é uma forma de atualizar. O segundo casamento, que dá certo. O que quero dizer é que o formato de se relacionar começa a transformar-se, na medida em que essa segunda mulher, geralmente mais jovem, exige uma atualização e outras coisas que não sejam só trabalho. Para o homem, é algo que ele só está descobrindo agora: saber que pode, um dia, mandar o chefe dele para onde quiser, porque vai chegar em casa e encontrar uma mulher que lhe dê suporte. pessoas deveriam saber a hora de parar? Na semana passada, tivemos uma homenagem ao nosso fundador, Rodolfo Lima Martensen, e uma das coisas mencionadas na mesa de debates foi que, em 1974, ele disse: “Preciso parar, deixar a ESPM para outra pessoa, senão vou atrapalhar”. FLÁVIO – Senti-me citado porque tenho segunda mulher. Concordo plenamente com a Amalia sobre a pluralidade do homem. Se ficar só focado no trabalho, ele tende a tornarse medíocre. Temos de dar lugar a outras coisas na vida. Se as pessoas que trabalham conosco sentirem isso, vamos ter um convívio mais feliz. Essa convivência é fundamental, para que o indivíduo não se sinta pesado e queira sair da empresa para se aposentar. Talvez, se eu me aposentar, escreva um livro. Mas será que escrever um livro não vai me trazer saudosismo? Então é olhar o momento certo para se fazer as coisas. Tenho um amigo que gostava de jogar tênis e me contou: “Quando eu trabalhava, jogava tênis, religiosamente, quintas e sextas das 8 às 10 horas. Hoje, que não trabalho e tenho tempo, não jogo mais”. Perguntei porquê. E ele: “Sempre deixo para depois porque agora tenho tempo”. Então é questão de disciplina. O trabalho não é fim; é meio. A vida pessoal deve vir em primeiro lugar. JR – E ele não tinha nem 60 anos ainda. ALEXANDRE – Flávio, será que o que você quer dizer não é que as FLÁVIO – O fato de saber parar talvez seja a grande questão. JR – Será que se trata de parar ou de mudar? FLÁVIO – Mudar. GALASSO – Quando me aposentei, decidi que iria fazer coisas diferentes: trabalhar em ONGs. Então fui trabalhar numa associação e achei uma confusão terrível. Aquilo era algo construído para satisfazer egos. E uma coisa triste é que, organizações desse tipo, vivem do dinheiro dado para fazer alguma coisa específica. Devia haver a obrigação de dar satisfações às pessoas que contribuem sobre o que está se fazendo. Não vi isso em nenhuma delas. JR – O Flávio fala de escrever como se fosse lazer ou “hobby”. Mas há muitas pessoas que têm o escrever como profissão: escritores, jornalistas. E a ONG, também, não precisa ser “coisa de aposentado”. Muita “NÃO PARAMOS DE NOS DIVERTIR PORQUE FICAMOS VELHOS; FICAMOS VELHOS PORQUE PARAMOS DE NOS DIVERTIR.” ROBERTO DUAILIBI M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 105 Mesa-Redonda gente jovem quer trabalhar em ONG. Mas creio que o foco da questão está na mudança. lado financeiro. A reengenharia foi um movimento que, realmente, procurava eliminar o profissional que custava muito e produzia pouco. AMALIA – As pessoas também têm dificuldades para lidar com títulos; pensam que os títulos são elas, acham que o motorista e o carro que têm são delas. Então, não conseguem mais saber quem são e quem é o personagem. Acho que a nova geração está mais desprendida desses conceitos. Ao mesmo tempo há preconceito de ambos os lados – tanto os mais quanto os menos experientes. O jovem chega ao mercado de trabalho querendo ser gerente sênior inter-galático do planeta Terra. Ele não quer carregar caixas, papéis, como a geração anterior; já quer entrar no topo. Já os mais velhos e experientes acham-se os “donos da cocada preta”: para ele é o carro, a sala, o título – e não consegue viver sem isso. JR – E há o aspecto legal. Pelas leis brasileiras, não se pode reduzir salário. Então qualquer um, aos 85 anos, vai ganhar mais que o presidente. Se, na vida real, a natureza é cíclica, por que não legalizar uma curva de salários? Se alguém, aos 60 anos, está ganhando uma fortuna, poderia passar a ganhar um pouco menos. GALASSO – E não é só. O custo de empregar é altíssimo. Contrata-se um empregado por R$ 1 mil e o custo dele é R$ 2 mil. E demitir também é muito caro. Mas, às vezes, é preferível demitir, arcar com os custos e admitir alguém mais barato para aquela função. Isso acontece, é normal. FLÁVIO – Entrevisto muitas pessoas jovens. Eles vêm “totalmente qualificados”: com MBA, falam inglês, francês, alemão, espanhol. Aí pergunto: “você fala português?” Eles vêm preparados para o mercado, mas não para a vida. AMALIA – Nessa questão de sucessão, sai uma pessoa, hoje, e a que está imediatamente abaixo já se acha pronta. Toma como certo que, se saiu aquela pessoa sênior, ela tem o direito de ficar na posição. Mas não é assim. Como houve downsizing, diminuíram os níveis entre as hierarquias. Então, parece haver uma distância, não só de idade, mas de experiência, capacitação e vivência entre o primeiro e o segundo. Isso está gerando conflitos dentro das empresas, que beiram à guerra. JR – Gostaria de ouvir o Marcos, que está em recursos humanos, sobre uma questão aritmética. Dois executivos, na empresa há algum tempo, cada um ganha um bom salário. Mandase os dois embora e contratam três mais jovens, até mais barato do que os dois mais velhos. Qual é a sua experiência com esse tipo de coisa? MARCOS – A troca não é tão simples assim. Olhando sob o aspecto financeiro, parece vantajosa. Mas não é. A experiência é necessária. São anos de experiência de alguém que está sendo trocado por MARCOS – Eu nunca presenciei isso. Mas há empresa que toma esse tipo de decisão, muito mais pelo 106 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 nada, por alguém que se julga detentor de um poder que, na verdade, não tem. AMALIA – É que a aparência, hoje, conta muito: a eloqüência, comunicação, capacidade de persuasão, argüição, argumentação, sedução, propaganda; o marketing tomou conta do sistema. JR – Não fale mal da nossa propaganda e marketing! AMÁLIA – Estou falando bem; sou de marketing. Sei porque estudo isso. Vejo que tem a ver com antropologia, sociologia – as pessoas são treinadas para fazer entrevistas. E se você não tiver um critério mais rigoroso, sob o ponto de vista abstrato, sério, concreto, compra gato por lebre. MÁRIO – Os depoimentos que estão sendo dados aqui são brilhantes e esclarecedores. Mas acho que está havendo uma tônica um pouco voluntarista, no sentido de experiência particular, pessoal, da empresa em que estou, o que vejo, observo, como lido com o que vai ou não acontecer. Deixe-me ser também voluntarista, para sintonizarme com o debate. Fiquei 38 anos na Olivetti e não fiz carreira; fiquei no mesmo lugar, mas atualizei-me ainda mais do que os que fizeram carreira, inclusive os presidentes. Por isso, é preciso distinguir experiência de vivência e de idade – como esses fatores se equacionam no problema do trabalho, aproveitamento e da contribuição que as pessoas podem dar. Vou dar um exemplo: na Olivetti, acompanhei o ciclo de um instrumento de comunicação que foi a máquina de escrever. Quando fui para lá, a máquina era manual; passou a mecânica; depois passou a ser elétrica; depois eletrônica e aí veio a informática. No tempo em que fiquei lá, não tinha só que me atualizar; tinha que me transformar numa pessoa contemporânea de mim e dos problemas que me obrigavam a atualizar-me. Não basta se atualizar; atualizar pode ser um ajuste de repertório. É preciso projetar esse repertório em termos dinâmicos – precisa ser contemporâneo do que está em mudança, e não só do acontecimento adquirido e acumulado. Por exemplo, vi pessoas que, no organograma, tinham nível de diretor, chegaram a presidente, mas em termos de contemporaneidade, quando o mecânico passou para o elétrico, aquele presidente ficava obsoleto. E eu – que estava no mesmo lugar – era o contemporâneo. Tinha feito da minha experiência uma experiência desdobrável e prospectiva. Não basta a experiência nem a vivência do experimentado; há de estabelecer as condições do devir – daquilo que vem – porque o que está ali já veio com o ingrediente da sua própria morte. A máquina mecânica, quando surge, já está condenada porque a elétrica já está correndo atrás dela e assim por diante. E a compreensão dos ciclos de vida vai ficando, cada vez, mais estreita. Como hoje o gerenciamento estreita espaço e tempo. As pessoas não estão sendo contemporâneas; estão trabalhando com atualizações que já nascem velhas. AMALIA – O que você está dizendo é importante; o Pelé, uma vez, disse: “O meu sucesso tem a ver com o fato de que eu sempre soube aonde a bola ia chegar”. MÁRIO – Isso é brilhante. Ser contemporâneo não é só compreender sob o ponto de vista da minha vivência e experiência pessoais – que são fundamentais – mas sim a tendência da contemporaneidade. Qual a tendência da contemporaneidade, em termos de trabalho? Vou dar um exemplo. No final do século XIX, um trabalhador típico da Europa vivia 55 anos; hoje vive 78. O tempo disponível para o trabalho durante a sua vida era de 242 mil horas; hoje é de 356 mil. Mas o tempo, efetivamente trabalhado, para aquele da Europa era de 125 mil – praticamente 50% era de trabalho; hoje é de 69 mil – diminuiu. Então o que fazer? Quando me aposentei, disse: “Não vou me aposentar; vou redimensionar as minhas aptidões”. Em termos – por exemplo – de ser um professor sempre contemporâneo de mim e do meu tempo. Aqui tenho que fazer um gesto de gratidão à ESPM porque ela tem tido – deliberada, consciente ou inconscientemente – esse senso de contemporaneidade. Tenho 72 anos, e já faz uns 10 que trabalho com 5 turmas, todos os dias, pela manhã – salas de 50 adolescentes que ainda estão numa busca de neojuventude. Aí sim, a minha experiência é uma experiência dinâmica, auto-revisionada em que eu mesmo me projeto “OS VELHOS CRÊEM EM TUDO; AS PESSOAS DE MEIA-IDADE SUSPEITAM DE TUDO; OS JOVENS SABEM TUDO.” OSCAR WILDE M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 107 Mesa-Redonda em termos dos resultados daquilo que estou aplicando. Caso contrário, não terei condições de dar aula. Quando as pessoas idosas mantêm um mínimo de saúde física, de tratamento neuronial – com Viagra ou sem Viagra – não encaram a morte como uma vizinhança fatal, do ponto de vista de produtividade, de atualização e contemporaneidade, não devem nada a ninguém. Claro que há problemas graves sociais, pelos quais passa o país, mas este é o problema do país. Vai chegar o momento em que não pode haver mais aposentadoria. Não vivo da minha aposentadoria; ela não dá para pagar, sequer, o condomínio. Mas usando o sentido dessa contemporaneidade – que antecipa a experiência e a vivência e a projeta no cenário viável e imediato – nesses últimos 10 anos, entreguei-me a isso com convicção, escrevi 5 livros, mudei o método de ensino 3 ou 4 vezes – porque se mantiver o mesmo método que usava há 5 anos, perco a legitimidade da minha função. Acho que esse problema da velhice e da não-velhice tem de ser reformulado, em termos estruturais e históricos. JR – Parece que o nosso companheiro mais idoso é que está propondo as coisas mais revolucionárias. AMALIA – Isso me parece preconceito ao contrário. GALASSO– Temos é que o admirar. Se pensarmos na média da população brasileira, ele é uma enorme exceção lá em cima e sozinho... JR – Sim, mas por que não podemos ter mais pessoas como o Mário? 108 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E “NA VIDA, CHEGAMOS DESPREPARADOS A QUALQUER IDADE.” BERTHE MORISOT MÁRIO – A história leva a isso. Daqui a 50 anos, as pessoas de 80 anos estarão vigorosas. GALASSO – Mas o problema social é grande. A pessoa chega à aposentadoria, hoje, dá graças a Deus que chegou e pode – com aquele dinheirinho – sustentar a família. MÁRIO – A Amalia comentou que o homem – quando fica viúvo – tende a arrumar novos casamentos. As mulheres casam menos, uma segunda vez. Isso também é um problema cultural: o excesso de patriarcalismo. Em 2002, de um total de 2.424 casamentos de pessoas entre 60 e 64 anos, 71% foram de homens e apenas 29% de mulheres. No grupo de 65 anos ou mais, as proporções foram de 84% para homens e 16% para mulheres. Isso é do IBGE. Diz o ditado popular que as mulheres evitam casar duas vezes, por saberem que mudar de marido é apenas mudar de problema. Assim como – segundo a voz do povo – os homens amam com os olhos enquanto as mulheres amam com os ouvidos. Agora, Machado de Assis já dizia: “A pior viuvez é aquela que anula o casamento, conservando o cônjuge”. A mulher deu um passo muito maior porque ela vem com uma capacidade de contemporaneidade superior ao homem. A partir da década de 60, na hora em que ela saiu e conquistou os direitos... A revolução mais importante do século XX, para mim, 2005 é a revolução feminina. AMALIA – Ela não saiu exatamente porque quis. Meu quinto livro foi lançado no dia 8 de março – dia internacional da mulher: “Mulher e trabalho: o desafio de conciliar diferentes papéis na sociedade”. Um dos problemas que fez com que a mulher saísse de casa para ir trabalhar é porque, a cada 4 segundos, no Brasil, uma mulher é espancada pelo seu parceiro. Isso não é só porque ela precisa sair; ela precisa de independência financeira para poder viver e deixar o seu algoz para trás. Então, a evolução ou revolução, é quantitativa e não qualitativa. Seria bom se isso fosse para um crescimento espontâneo, porque o mercado precisa de mão-de-obra feminina, mas não é o que está ocorrendo; é a necessidade ensinando o sapo a pular da pior maneira possível. ALEXANDRE – Quero destacar o que o Mário disse sobre o sucesso que está tendo com as turmas mais jovens, porque acho isso realmente emblemático: a capacidade do ser humano de se renovar. Já vi professores bem mais jovens não tendo sucesso e outros que tiveram. A mesma coisa com professores mais velhos. A idade cronológica tem cada vez menos correlação com a capacidade da pessoa. Já vi executivos de multinacionais brilhantes e medíocres; e isso nada tinha a ver com tempo de casa. A sociedade tem lidade. que estar alerta para isso, porque as pessoas vão continuar trabalhando, desde que possam. E embora seja verdade que, tirar toda a satisfação do trabalho não é saudável, também é verdade que uma atividade produtiva é muito satisfatória – é algo que dá prazer para a pessoa. Outro ponto é que não se consegue, mesmo, viver da aposentadoria. A geração que está se aposentando é uma geração que não tinha consciência disso, há 40 anos... Hoje, pessoas de 20 anos já aplicam no seu Fundo de Previdência. Então, não se pode simplesmente dizer: “Sinto muito. Tocou o sinal e você terá de sair do mercado”. As pessoas, muitas vezes, não têm alternativa. E, do outro lado, temos gente querendo atividade produtiva remunerada e pressionando. É um conflito. Continuo dizendo que a saída é o crescimento da economia. Se não houver crescimento econômico, o conflito tende a acentuar-se. À medida que houver crescimento, conseguir-se-á limitar essa problemática. JR – E estão ficando cada vez menos eficientes, cada vez mais são compradas, “fusionadas” com outras, perdendo sua identidade... AMALIA – A somatória de gente dá uma empresa; a somatória de empresas dá um país. O país está bem? Não. Significa que nem as pessoas nem as empresas estão bem. Significa que temos de olhar outras possibilidades, não só a do crescimento de dois dígitos; começa antes – com a área de Recursos Humanos, fortemente apoiada sob a questão de competência técnica e pessoal. Fazem avaliação de desempenho nas empresas em todo mundo é excelente e extra-excelente, mas os resultados estão péssimos há 10 anos. E as empresas, nas reuniões, falam dois segundos sobre as suas forças e, depois, sobre todas as áreas que ainda têm de ser desenvolvidas. Que tal se começássemos a olhar no Brasil – como acontece, em alguns casos – a partir de suas fortalezas? Contrata-se um vendedor, no Brasil, e diz: “Você tem de falar inglês”, quando ele mal fala o português. E, durante dez anos, a empresa critica, na avaliação de desempenho, dizendo que o inglês dele é sofrível. Como ele vai conseguir? Isso é pedir a alguém o que ela não pode dar. Para mim, pessoas vêm primeiro. GALASSO – Em vista dos problemas que começa a causar a quantidade de pessoas mais velhas – as empresas começam a ter regras, como a de expulsar qualquer executivo aos 60 anos. Isso é uma realidade do mercado. JR – Só que há de lembrar que, o mercado não é constituído só por empresas. O resto da economia eventualmente absorverá as pessoas que saem das empresas... JR – Acho que são temas que se juntam ao nosso: dos velhos e dos moços. Falou-se sobre atualização. Mas atualizar em quê? Será que não seria mais uma questão de convívio? Como é que vamos encontrar caminhos para o convívio desses grandes GALASSO – Mas as empresas buscam essas substituições constantemente; não adianta fugir da rea- M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 109 Mesa-Redonda “NÃO FORAM OS ANOS QUE ME ENVELHECERAM. FORAM MINUTOS...” CASSIANO RICARDO contingentes de pessoas mais velhas com os igualmente grandes de pessoas mais jovens. FLÁVIO – A contemporaneidade do Mário Chamie é a atualização; os mais velhos conviverem, hoje, com a velocidade da informação. Isso já é uma grande atualização. JR – Mas não do conhecimento. A informação é muito rápida e o conhecimento quase nulo. FLÁVIO – Dêem-me um break de 15 segundos para um comercial. Trabalho numa agência descrita assim, no Caderno Propaganda & Marketing de hoje: “DPZ é um fenômeno”; cujos donos têm mais de 70 anos. Eu, aos 62, sou o principal executivo da agência. Mas a agência está em constante renovação. Já construímos várias marcas nesse país – uma delas 110 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E foi a Olivetti – e digo que nós somos as verdadeiras marcas, no mercado hoje. E uma marca tem de ser constantemente renovada. Caso contrário, morre. É a atualização e renovação constante diante de tudo que está acontecendo. Quando o Mário Chamie fala que tem 72 anos e dá aula nesta Escola, ele saberá, olhando no olho do jovem, se e quando deverá mudar – ou não. Isso é a renovação constante que temos de ter. Quarenta mil reais não se trocam nem por dois de vinte. AMALIA – Tudo isso tem a ver com o que pensamos que somos versus o que as pessoas vêem na gente. Temos alguns momentos desfocados – o que pensamos que estamos passando para o outro, mais ou menos como as marcas. Há dissonância cognitiva. Muitas vezes, achamos que estamos fazendo algo, mas o 2005 mercado não está vendo assim. Achamos que nos atualizamos, mas o mercado não está vendo assim; que estamos jogando um bolão e não estamos. Para mim, aí sim, Aristóteles e todos esses filósofos, que amo de paixão: Conheça-te a ti mesmo, primeiro, mas a partir do interesse do outro. O egocentrismo gera uma sociedade individualista, interessada só em mostrar que é melhor do que o outro, gerando competitividade e não uma concorrência leal. As empresas estão vivendo esses conflitos entre os jovens e os mais experientes, porque estão competindo ao invés de se juntar. Não conseguimos ainda fazer associações dentro do mercado de trabalho porque existem agendas secretas. Todo mundo tem duas, três agendas escondidas; ninguém fala a verdade, falta transparência. O mundo corporativo das empresas em geral é um mundo cão. Então – por conta disso – ainda acredito que conhecer a si mesmo, quais são seus valores e tentar ver no outro como você pode ajudar, é a única escapatória que temos para sair desse marasmo. GALASSO – Atualização é problema de cada um. Treinamento pessoal pode-se dar a qualquer pessoa; sabendo do que ela precisa, a pessoa pode até melhorar. Mas também é decisão de cada um. Se você não quiser se treinar e acha que é o melhor do mundo, e não olhar para dentro e não fizer uma auto-análise constante do que se é, onde se está e onde se quer chegar, você nunca vai se atualizar. Só você pode fazer isso por você. MÁRIO – Talvez a fórmula que resuma tudo isso seja: cada um de nós e a sociedade em que vivemos precisam ser contemporâneos de si próprios – nós contemporâneos de nós mesmos e a sociedade contemporânea dela mesma. Aí a atualização é prestativa e tem vida. Isso é até uma forma de sabedoria popular. Na cidadezinha de Cajubi – onde nasci – há uma pessoa que “JOVENS GUIANDO JOVENS SÃO COMO CEGOS GUIANDO CEGOS.” LORD CHESTERFIELD é o sábio do lugar – o velho da aldeia – e que está com a visão mais atualizada porque é o único que está refletindo sobre as mudanças e as perspectivas de mudanças e sempre impedindo que as coisas se engessem. Usando uma palavra às vezes perigosa: que não vire um sistema fechado nele mesmo, um ferrolho sistêmico. Esse senhor de Cajubi disse, certa vez: “Todos nós precisamos ser prestativos, todos nós temos que ter esse convívio – do velho com o jovem, do maduro com aquele que está em crescimento. Sendo prestativo, você interage, cria e modifica horizontes. Senão, meu caro, a coisa se resume a isso: ou o sujeito presta ou é sistemático”. GALASSO – Quando você olha, no Brasil de hoje, um presidente que diz que nunca estudou na vida, M A I O / nunca se preocupou em se atualizar e chegou à presidência – tornou-se exemplo para o resto do Brasil. Aí vem o Severino Cavalcanti e fala esse monte de besteira. Vivemos uma realidade que puxa para o lado contrário de tudo que falamos aqui. O país está vivendo um período de mediocridade e nós estamos aceitando essa mediocridade de uma forma feliz, risonha e satisfeita. JR – Diante da heterogeneidade das contribuições, ficou difícil encerrar com um resumo do debate... Mas vou aproveitar o exemplo do Mário e ler para vocês duas citações: “A idade é algo que não tem importância a não ser que você seja um queijo”, (Billie Berke). “As pessoas se assemelham aos vinhos. A idade estraga os maus e melhora os bons”, (Marie EbnerEschenbach). Muito obrigado. ESPM J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 111 Case-Study Banco Real NÃO TENHO TEMPO PARA ENVELHECER Autor: Senhor Arlete Sacramento A única diferença entre o personagem lendário e eu é que não vendi a minha alma ao diabo. Mas, eu também não envelheci! Sinceramente, se me perguntarem minha idade, eu não saberei dizê-la. Sou tão feliz por fazer tanta coisa, que o tempo passa por mim sem que eu sinta. – É a brisa que bate em meu rosto e segue seu caminho. – É o infinito azul que me inspira e esqueço o ontem e o amanhã. Não tenho tempo para envelhecer! Experimente, não fique aí parado lamentandose, esperando que a vida passe! As rugas, qual chibatadas, vincarão seu rosto! Vamos, sorria um pouco... – Goste de você mesmo... – Sonhe com o próprio sonho... – Ame com amor... – Erga os braços – realize alguma coisa. EU NÃO TENHO TEMPO PARA ENVELHECER. Quando meu rosto disser que tenho cem anos, não acreditem, porque minha alma é uma eterna juventude. EU NÃO TENHO TEMPO PARA ENVELHECER! Este case foi elaborado por Rosilene M. A. Marcelino, sob a orientação do professor Ivan Pinto, com base em entrevista e informações cedidas pelo Banco Real. 112 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Marcelino Fotos desta matéria: Banco Real Rosilene m 2004, durante a cerimônia de a premiação da 6 edição do Concurso Banco Real Talentos da Maturidade, a atriz Carmem Silva recitou este poema em tom de entusiasmo, de convite à vida, de convite a uma nova percepção da maturidade. E O Concurso Banco Real Talentos da Maturidade, idealizado pelo Banco Real, acredita nessa nova percepção. Desde sua primeira edição – realizada em 1999, em comemoração ao ano internacional do idoso – o projeto busca a valorização e reintegração da terceira idade na sociedade por meio do reconhecimento de seu talento e de sua sabedoria. publicitária Christina Carvalho Pinto conceituou em um artigo que ✲ Aescreveu para a revista Exame, que, marca-cidadã é aquela que “expressa a sua cidadania de forma contínua, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da comunidade interna e externa”. M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 113 Case-Study Banco Real A CONTINUIDADE DO PROJETO EVOLUÇÃO DAS INSCRIÇÕES 18.219 18.854 16.888 O CONCURSO BANCO REAL TALENTOS DA MATURIDADE FOI PENSADO PARA TER APENAS UMA EDIÇÃO. MAS, DADA A REPERCUSSÃO E EMOÇÃO NA ENTREGA DOS PRÊMIOS EM 1999, O PRESIDENTE – FABIO BARBOSA – DECIDIU A CONTINUIDADE DO PROJETO, TORNANDO-O ANUAL. 15.339 5.489 CONCURSO BANCO REAL TALENTOS DA MATURIDADE – MISSÃO 1999 4.390 2000 2001 2002 2003 2004 Fonte: Banco Real 04/2005 “CONTRIBUIÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA NA CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE QUE VALORIZA OS IDOSOS, ATENDENDO A ASSEMBLÉIA MUNDIAL DO ENVELHECIMENTO (ONU, 2002), PARA RESPONDER AO CRESCENTE AUMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL COM MAIS DE 60 ANOS.” CATEGORIAS Para alcançar seu propósito, o projeto estimula a expressão do talento e da criatividade das pessoas com mais de 60 anos, fomenta a reflexão e a consciência PÚBLICO -ALVO OBJETIVO ARTES PLÁSTICAS MÚSICA VOCAL Participantes com mais de 60 anos LITERATURA (CONTO OU POESIA) Incentivar a produção e a memória cultural, valorizando a criatividade, o potencial artístico e ampliando a participação social CONTADOR DE HISTÓRIA MONOGRAFIA Participante de qualquer idade PROGRAMAS EXEMPLARES 114 REVISTA DA Provocar uma reflexão acadêmica sobre questões relacionadas ao envelhecimento, traçando parâmetros para a construção de uma sociedade mais justa (participantes com nível superior completo ou em curso) Identificar e estimular trabalhos de qualidade direcionados à população idosa ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 acadêmica sobre o envelhecimento, identifica, proporciona visibilidade e dissemina programas realizados em benefício dos idosos. Atualmente, o concurso possui seis categorias – quatro delas abertas a pessoas com 60 anos ou mais: artes plásticas, música vocal, literatura (conto e poesia), contador de histórias; e duas delas abertas a pessoas de todas as idades: monografia e programas exemplares. A avaliação de todos os trabalhos passa pelo crivo de uma comissão de especialistas em cada área, composta por membros de renome no cenário cultural, artístico e/ou gerontológico. Para garantir a imparcialidade dos votos, os nomes dos juízes somente se tornam públicos após a definição dos vencedores. Os cinco melhores trabalhos de cada categoria são eleitos em ordem de igualdade e os premiados recebem um troféu e R$ 7.000,00. Rosilene Como resultado da transparência e seriedade com que o Concurso Banco Real Talentos da Maturidade é conduzido, o número de participantes cresce a cada edição, acumulando em sua trajetória mais de 80 mil inscrições. Mais do que acumular e superar números, o Banco Real procura desenvolver uma relação estreita e de longo prazo com os participantes do concurso; e também de aprendizado. É o caso do Sr. Henrique Lessa que participa do Concurso Banco Real Talentos da Maturidade desde o seu lançamento: “um dia minha esposa chegou com o folheto do concurso e fiquei empolgado”, recorda-se. Marcelino EVOLUÇÃO DA BASE DE CLIENTES ATENDIDOS PELO BANCO REAL E EMPRESAS ABN AMRO BASE DE CLIENTES (MILHÕES) 9,2 8,3 6,8 7,1 Dez 01 Dez 02 6,2 Dez 00 Dez 03 Dez 04 Fonte: Banco Real - 05/2005 M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 115 Case-Study Banco Real o caso do Sr. Henrique Lessa, que participa do ✲ ÉConcurso Banco Real Talentos da Maturidade desde o seu lançamento: “um dia minha esposa chegou com o folheto do concurso e fiquei empolgado”, recorda-se. Quatro anos mais tarde, em 2003, foi vencedor na categoria literatura com o texto “O Andante”. E hoje, ele afirma – com entusiasmo – que continuará participando de outras edições do concurso, porque acredita nele e no estímulo à autoestima que proporciona. 116 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Rosilene Quatro anos mais tarde, em 2003, foi vencedor na categoria literatura com o texto ‘O Andante’. E hoje, ele afirma – com entusiasmo – que continuará participando de outras edições do concurso, porque acredita nele e no estímulo à auto-estima que proporciona. Chegar a um vínculo como este é o resultado de muito trabalho e muita disposição para a mudança. O Concurso Banco Real Talentos da Maturidade é hoje um dos mais importantes projetos do banco. É uma iniciativa pioneira que reflete a liderança de uma organização em pleno crescimento. Nos últimos anos, o Banco Real tem cada vez mais se posicionado como uma organização que se pauta pela responsabilidade socioambiental e pelo desenvolvimento sustentável. Exercendo sua visão de negócio com responsabilidade, transparência, diálogo e resultados em benefícios dos acionistas, funcionários e comunidade. A publicitária Christina Carvalho Pinto conceituou em um artigo que escreveu para a revista Exame, que marca-cidadã é aquela que “expressa a sua cidadania de forma contínua, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da comunidade interna e externa”. Ela também defendeu que a personalidade social da empresa deve ter uma motivação legítima, em sintonia com os valores internos da empresa e com o desejo sincero de beneficiar a comunidade. Marcelino O Banco Real tem procurado sedimentar – de dentro para fora – a crença de que valores humanos e econômicos podem caminhar juntos. significativa sua atratividade entre os não clientes. “ACREDITAMOS QUE É POSSÍVEL CONSTRUIR UM CAPITALISMO MAIS HUMANO E INTEGRADOR, E ESTAMOS FAZENDO UMA PROFUNDA TRANSFORMAÇÃO EM NOSSA GESTÃO PARA ATINGIR ESSE OBJETIVO. NOSSA VISÃO DE NEGÓCIOS BUSCA UM MAIOR EQUILÍBRIO ENTRE O LUCRO, AS PESSOAS E O PLANETA”. CONSTRUINDO UM BANCO CADA VEZ MELHOR PARA VOCÊ (2000) O BANCO DE SUA VIDA (2001) FAZENDO MAIS QUE O POSSÍVEL (2005) CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS Várias iniciativas são desenvolvidas para concretizar a cultura nas decisões e ações, como, por exemplo, Dentro da organização, em 2001, foi criada a Diretoria Executiva de Responsabilidade Social, hoje denominada Diretoria Executiva de Educação e Desenvolvimento Sus– tentável, com o objetivo de disseminar uma nova cultura e mobilizar os mais de 28.000 funcionários para esse novo olhar. Mas essa área tem prazo para acabar. Isso porque, no futuro, o banco acredita que essa nova atitude não será o foco de apenas um departamento, mas de toda a organização. À medida que a conscientização interna é enraizada, as campanhas publicitárias avançam. Desde a primeira campanha, quando reposicionou sua marca em janeiro de 2000, a Diretoria de Estratégia da Marca & Comunicação Corporativa vem refletindo os valores da organização (respeito, profissionalismo, integridade e trabalho em equipe), também de dentro para fora, e assim estimulando o processo de construção da Identidade do ABN AMRO REAL, estabelecendo uma nova proposta de relacionamento com todos os stakeholders da marca e aumentando de forma M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 117 Case-Study Banco Real DIFERENÇAS PRECISAM SER RECONHECIDAS, RESPEITADAS E VALORIZADAS o Programa de Valorização da Diversidade – que parte da premissa de que “diversos somos todos” e do Valor Corporativo de “respeito”. Uma parte da estratégia desse programa destaca alguns grupos para os quais são desenvolvidas ações específicas, como pessoas com necessidades especiais, PROGRAMA DE VALORIZAÇÃO DA DIVERSIDADE 118 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 mulheres, afrodescentes e pessoas com mais de 45 anos. Um dos exemplos de ações voltadas para pessoas com mais de 45 anos é o Fórum de Valorização da Maturidade, que se estruturou com o propósito de ser um articulador das diferentes ações que a organização já desenvolvia, estimulando a Rosilene reflexão e adequação de práticas, processos e produtos para o adequado atendimento às necessidades desse público. Criado em agosto de 2003, esse fórum conta com o envolvimento de representantes de algumas áreas do banco (Recursos Humanos, Educação, Desenvolvimento Sustentável, Comunicação, Estratégia da Marca & Comunicação Corporativa, Segmentos, Produtos e Distribuição) e com a consultora Laura Machado. A razão de se estudar esse segmento ocorre em detrimento ao “crescimento dessa parcela da população em todo o mundo, a falta de produtos e serviços adequados para atender esse segmento, a falta de informação sobre os hábitos e atitudes dessas pessoas e a própria ignorância e preconceitos sobre o tema”. Partindo desses pressupostos, foi realizada uma pesquisa em parceria com duas empresas privadas que permitiu delinear um panorama da maturidade embasado em algumas etapas: entendimento das informações disponíveis e identificação dos principais gaps, subsídio para a elaboração de um questionário qualitativo. A equipe saiu a campo e realizou 1.800 entrevistas com pessoas acima de 60 anos distribuídas nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém, Goiânia e Brasília. Este trabalho garantiu a separação Marcelino do que era apenas uma impressão do que era realidade para os idosos: ❖ 70% são responsáveis pelo domicílio ❖ 85% têm renda pessoal ❖ 47% são os principais responsáveis pelas compras da casa ❖ 74% não fazem e nem querem fazer trabalhos voluntários ❖ 92% raramente ou nunca freqüentam bailes da terceira idade ❖ 59% vão ao banco a cada 15 dias ou uma vez por mês ❖ 44% consideram um aborrecimento ir ao banco, contra 43% PRINCIPAIS PROJETOS PROPOSTOS FUNCIONÁRIOS RH EDUCAÇÃO - Programas Vida Nova na Aposentadoria - Abordagem educacional - Comunicação Interna - Holandaprevi (programa de previdência) COMUNIDADE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ESTRATÉGIA DE MARCA & COMUNICAÇÃO CORPORATIVA - Banco Real Talentos da Maturidade - Programa de voluntariado corporativos FUNCIONÁRIOS ESTRATÉGIA DA MARCA & COMUNICAÇÃO CORPORATIVA PRODUTOS SEGMENTOS COMERCIAL VAREJO - Fortalecimento do posicionamento - Adequação de produtos, abordagem - Manutenção e crescimento da base de clientes - Capacitação Rede e Canais de Relacionamento - Inclusão de matérias educativas nos canais de comunicação M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 119 Case-Study Banco Real ou trocar de banco que consideram um prazer ir ao banco porque é uma atividade que distrai ❖ 28% trocariam de banco se encontrassem tarifas mais baratas ❖ 54% julgam todos os bancos iguais, contra 35% que consideram que são bem diferentes ❖ Para 43%, o atendimento (atenção, educação, cortesia) é um atributo importante ❖ 20% usam computador, sendo que 71% para navegar na Internet e ❖ 26% têm a confiança como fator fundamental para abrir uma conta 120 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 acessar bancos (59%), e-mail (46%), pesquisas, notícias, bate-papo ❖ 46% não se atrapalham com as máquinas do auto-atendimento ❖ Acreditam que produtos e serviços pensados para pessoas com mais de 60 anos devam ser classificados como ‘terceira idade’ (40%), Idoso (22%), maturidade (14%) Rosilene O resultado dessa pesquisa permitiu o alinhamento e desenvolvimento de projetos e propostas. Por exemplo, as áreas de Recursos Humanos e Educação estão readequando o programa de preparação para aposentaria, existente desde 1999; algumas questões do programa de Previdência Privada Holandaprevi foram revistas; houve a inserção dessa questão nos programas educacionais e na comunicação já está em desenvolvimento, entre outras ações. Para a comunidade, as áreas de Desenvolvimento Sustentável e Estratégia da Marca & Comunicação Corporativa colocaram foco no voluntariado, tornando possível a participação de funcionários aposentados no programa de voluntariado corporativo e no aprimoramento do Concurso Banco Real Talentos da Maturidade. Por fim, as áreas de Estratégia da Marca & Comunicação Corporativa, Produtos, Segmentos e Comercial Varejo têm trabalhado no fortalecimento do posicionamento, adequação de produtos e abordagens, manutenção e crescimento da base de clientes, na capacitação da rede e canais de relacionamento, na adequação da comunicação e na inclusão de matérias educativas nos canais de comunicação. Fica evidente que o Concurso Banco Real Talentos da Maturidade faz parte e é resultado de um universo muito complexo. Ano a ano, o concurso é aprimorado, refletindo todo o processo de aprendizagem da organização. A edição corrente, por exemplo, inseriu a categoria ‘Contador de Histórias’ para democratizar ainda mais a participação no concurso. A mesma atenção dada à terceira idade é dispensada pelo banco a pessoas (físicas e jurídicas) em outras fases da vida e em diferentes níveis financeiros. Cada segmento exige atenção e desmembramento em outros projetos e produtos com a mesma profundidade dada aos idosos: o Micro-crédito (crédito oferecido a micro-empreendedores de regiões carentes de São Paulo, como a favela de Heliópolis); o Fundo Ethical (fundo de renda variável com carteira composta por empresas de potencial financeiro, mas que tenham compromissos com a governança corporativa, meio ambiente e responsabilidade social); a Política de Riscos Ambientais (inclui aspectos socioambientais na análise de concessão de crédito); os Produtos Socioambientais (linha de crédito especial para apoiar clientes em ações voltadas para o desenvolvimento sustentável); o Real Universitário (garante atendimento diferenciado a estudantes universitários); os serviços Van Gogh (voltados para clientes-alta renda). O objetivo do Banco Real – “estar sempre ao lado do cliente, desde o início de sua vida financeira até depois de sua aposentadoria” – torna-se um desafio diário. QUESTÕES PARA DISCUSSÃO O Banco Real trabalha continuamente o posicionamento de sua marca como ativo estratégico e na gestão do processo 1 M A I O / Marcelino de geração de valor, presente e futuro, para seus stakeholders. Quais atributos do micro e macroambientes podem contribuir para que os processos de geração de valor sejam otimizados? A segmentação de mercado colabora na customização e assertividade das estratégias empresariais. Ao eleger uma vasta gama de públicos-alvos, o Banco Real não corre o risco de ter muitos posicionamentos e enfraquecer os vínculos com a marca? 2 A trajetória do Banco Real mostra muito empreendimento na disseminação da cultura da empresa entre os funcionários. Mas o turnover, claro, é uma realidade para qualquer empresa. Dessa maneira, que ações podem proporcionar uma rápida absorção dos princípios da instituição? 3 O Concurso Banco Real Talentos da Maturidade demonstra pioneirismo a cada edição. Quais inovações podem ainda ser sugeridas? ESPM 4 Fontes: ABN AMRO Real Portal Exame: http://portalexame.abril.com.br/ AGRADECIMENTOS: Fernando Byington E. Martins – Diretor Executivo de Estratégia da Marca & Comunicação Corporativa. Rodrigo Villaboim – Coordenador do Concurso Banco Real Talentos da Maturidade. J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 121 Sumário EXECUTIVO O mundo novo da maturidade LUIZ EDMUNDO PRESTES ROSA pág. 10 Uma verdadeira revolução vai mudar a sociedade e a economia mundial. A expectativa de vida vem se elevando, globalmente, e, o contingente dos mais idosos vai, em breve, superar o dos mais jovens. Já alcançamos 600 milhões de pessoas com mais de 60 anos e, em 2050 chegaremos a 2 bilhões. Ao mesmo tempo o idoso se transforma e ganha um novo perfil. Passa a almejar uma aposentadoria mais ativa e exigente, com melhor equilíbrio entre trabalho, lazer e realização. Esse novo mundo, maduro, vai provocar expressivas mudanças em nossas formas de pensar e agir, abrangendo a educação, a família, o consumo e a gestão empresarial. As oportunidades já estão aí para quem está aberto à imaginação e ousadia. futuro, na construção do presente das organizações. Segundo o autor, isto significa que, do passado vêm a experiência e os recursos acumulados, os valores organizacionais e o espírito de missão. Do futuro extraímos os nossos objetivos e desafios. Mas, o que realmente importa é o presente – seus problemas e oportunidades. O autor cita vários exemplos em abono de sua tese, como os estudos sobre a competitividade das nações, organizado pelo World Economic Forum, e o fim inglório da AT&T, gigante americano das telecomunicações. Finalmente, o artigo trata de problemas específicos do ensino superior, e da ESPM em particular, na formação de jovens destinados a assumir cargos de liderança nas empresas. Neste contexto, a nova natureza do marketing e a nova abrangência das comunicações com o mercado são estudadas e conceituadas. Velho, esse desconhecido O artigo trata do passado e do 126 REVISTA DA ESPM– pág. 50 pág. 36 FRANCISCO GRACIOSO pág. 22 M A I O / J U N H O D E Velho: o novo hit da sociedade do conhecimento RICARDO GUIMARÃES MARIA AUGUSTA BLECHER Sonhos e lembranças atraente, tempo disponível e uma expectativa de vida cada vez maior, os idosos constituem um dos mais promissores segmentos para a criação de novos produtos e serviços. Nunca, em outra época, tantos negócios e oportunidades se dirigiram para esta faixa etária que tem sido apontada como o grande nicho de mercado do futuro. Mesmo assim, este universo – representado pela população que passou dos 60 anos de idade – está apenas começando a ser desvendado. Conhecer melhor a turma da “melhor idade” é o primeiro passo para conquistar e comprovar o grande potencial deste público especial e diferenciado. Chinelo e pijama? Nem pensar. Quem ainda acredita nestes estereótipos da terceira idade precisa rever os seus conceitos. Com renda 2005 A Sociedade Industrial supervalorizou o jovem porque seu principal indicador foi a produtividade, que dependia, essencialmente, das pessoas que trabalhavam nas máquinas. Daí, transformou-se a juventude, fase da vida em que estamos fisicamente mais aptos, Orivaldo num juízo de valor. Hoje, na Sociedade do Conhecimento, percebe-se a urgência de rever esse padrão. As máquinas estão automatizadas; a informação tornou-se commodity. É mais verdadeiro do que nunca o aviso que as corretoras de valores e os fundos de investimentos são obrigados a estampar em seus anúncios: Performance passada não é garantia de resultados futuros. Mas o que deixa uma pessoa ultrapassada é a certeza do aprendizado passado e, conseqüentemente, a falta de abertura para as perguntas. Logo, são os mais velhos que têm mais chance de dar uma contribuição de valor para a sociedade atual. Maturidade talvez seja a palavra que melhor sintetize e defina a carência de nossa época e a virtude esperada de qualquer pessoa, não importa a sua idade, em posição de decidir alguma coisa. O último dia ALEXANDRE MATHIAS MARCO DALPOZZO pág. 54 Neste conto os autores falam sobre as reflexões do último dia de um poderoso presidente de uma grande O. Gallasso atuar, de forma eficaz, entre eles, não apenas captando valor, mas passando para o estágio de criar valor. empresa global. A história narra os medos que afloram da perda de poder repentina que ocorre nas vidas dessas pessoas. Em um diálogo franco, José Carlos Benvenuti fala de seus medos, seus anseios e de suas dúvidas. Um homem poderoso e de fácil acesso aos poderosos mostra toda sua humanidade quando se depara com a dura realidade do último dia. Anúncios honestos J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO/ BEATRIZ PENTEADO pág. 88 Criando real valor para clientes. Três modelos de valor comprovados. Critica-se, freqüentemente, a propaganda por uma suposta – mas não comprovada – desonestidade. Embora haja registro de muito exagero – e algumas distorções – ao longo da história antiga da propaganda, os publicitários de hoje sabem que a honestidade costuma ser, a longo prazo, a melhor estratégia de comunicação. De qualquer modo, a Revista da ESPM decidiu perguntar, a três dezenas de profissionais do ramo, quais são os anúncios e campanhas mais “honestos” de que se recordam. Os resultados foram inteligentes, instigantes e, às vezes, surpreendentes. Algumas campanhas clássicas foram lembradas: Avis Nº 2, Volkswagen, Natura, BomBril, Valisère. E algumas surpresas, já caídas no esquecimento: Skippy Peanut Butter, Ohrbach´s, Ponto Frio, Kolynos e Cilion. ESPM NEIL RACKHAM JOHN DEVINCENTIS pág. 74 A força de vendas está, ainda, nos estágios primários de uma grande transformação. Os profissionais de vendas persuasivos, os conhecidos “tiradores de pedidos”, que eram os modelos de sucesso no passado estão fadados à extinção se não se tornarem mais estratégicos. A estratégia antes exclusiva dos “marketeiros”, hoje é um fator de sucesso que permeia todas as áreas de uma empresa, e, em especial, a área de vendas para o fornecedor e de compras para o cliente. Este artigo ilustra como repensar a estratégia de segmentação de clientes e como M A I O / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 127 ENGLISH Abstracts The new world of maturity LUIZ EDMUNDO PRESTES ROSA pagE 10 A real revolution is about to change society and the world economy, as life expectation rises; and soon there will be many more senior than junior citizensworldwide. There are, already, 600 million people over 60, and, by 2050, there will be 2 billion. The profile of senior citizens also changes fast: they long for more active retirement, where rest interchanges with meaningful work. This new, mature world will influence everybody’s way of thinking and acting, and it will encompass school, family, consumption and management. There shall be many opportunities for those who are open to imagination and daring. This unknown character: the aged Dreams and remembrances 128 This article deals with the past and the future, insofar as they influence the present of organizations. The author thinks that experience, resources, corporate values and the sense of mission are to be found in the past. The future provides objectives and challenges. But all that really matters is the present – in the form of problems and opportunities. He goes on to quote several examples to support his thesis, such as the studies on the competitiveness of nations, made by the World Economic Forum, and the inglorious end of AT&T, the fallen giant of telecommunications. The article ends dealing with specific problems of the university, and particularly of ESPM, to prepare young people to tackle positions of leadership in their profession. In this context, the new nature of marketing, and the new width of marketing communications are presented and discussed. FRANCISCO GRACIOSO MARIA AUGUSTA BLECHER pagE 22 pagE 36 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 Slippers and pajamas? Don’t even think of it. If this is your idea of what the “third age” means, you must change it fast. With money to spend, and time to do it, these senior folks know that they may look forward further than any generation before them. And they are sure to buy, to consume, and to make up a very desirable segment for the marketing of new products and services. Never before, so many business opportunities pointed to this age group as the market segment of the future. This universe is only now being discovered. To know it better is just the first step toward the discovery of an untapped potential for growth. The knowledge society´s new hit: the elderly RICARDO GUIMARÃES pagE 50 Industrial Society has overvalued youth as it looked at them as producers of machine-made goods. In this respect, they did perform better than their elders. However, Orivaldo in our Knowledge Society, it is urgent to reconsider this approach. Machines are operated by robots, and information is the general commodity. Now, more than ever before, the warning made by financial companies is true: past performance is no guarantee of future results. Nothing renders a person more obsolete than the certainty that past learning is the key to knowing all the answers. In this context, the older may know the right questions to ask, in order to contribute to today’s society. Maturity may be the word that best conveys the needs of our time, and the one virtue that may enable anybody to pick and choose, no matter what his age is. The last day ALEXANDRE MATHIAS MARCO DALPOZZO pagE 54 This is a tale about the last day in the job of the CEO of a large global corporation. It is a tale of the fears that overcome him, with his sudden loss of power. In a candid dialogue, José Carlos Benvenuti speaks about his doubts Honest ads and anxieties. This powerful men among the powerful shows all his humanity when confronted with the harsh reality of the last day. J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO BEATRIZ PENTEADO pagE 88 Creating real value for clients. Three proven value methods. Advertising is frequently criticised for its assumed – but unproved – dishonesty. Although it is guilty of frequent exaggeration and some distortions – in its early days. But contemporary adpeople know that honesty is the best policy when it comes to effective advertising strategies. NEIL RACKHAM JOHN DEVINCENTIS pagE 74 Sales forces are still in the primary stages of a big transformation to come. The professionals of persuasive selling – the well – known “order-takers”, a model of success in the past, are now doomed to extinction, unless they become more strategic. Strategy – formerly an exclusive feature of “marketers” now is a success factor permeating all corporate areas, and specially sales to suppliers and purchasing to clients. The article shows how to manage the strategies of customer segmentation and not only to incorporate value, but to effectively evolve to the stage of creating it. M A I O O. Gallasso The editor of Revista da ESPM decided to ask 30 Brazilian advertising professionals what were their choices for the most “honest” ads and campaigns they could remember.The results were quite interesting, and sometimes intriguing and downright surprising. Some classic campaigns were mentioned, such as Avis n0 2, Volkswagen, Natura cosmetics. BomBril scouring pads and Valisère underwear. But some came from deep searching: Skippy Peanut Butter, Ohrbach´s, Ponto Frio stores, Kolynos toothpaste and Cilion eyelashes’ enhancer. ESPM / J U N H O D E 2005 –REVISTA DA ESPM 129 Ponto de Vista & SENECTUDE JUVENTUDE A grande vantagem da senectude sobre a juventude é que ela é as duas, porque já foi e passou pela outra. A juventude poderá vir a ser, mas ainda não é. Talvez, será. Neste mundo moderno do trabalho é gritante, particularmente no Brasil, o preconceito à idade avançada, com a maioria das empresas adotando comportamentos discricionários, oferecendo sérias resistências à sua admissão ou permanência nas suas organizações. A preferência é nitidamente pelos jovens. É a vitória da esperança sobre a experiência. Eu mesmo, hoje sexagenário, quase setuagenário, sempre dei preferência aos jovens nas empresas do meu Grupo. Mas, sempre coloquei, nas chefias, os mais experientes a quem a escola da vida dura e do aprendizado prático confere qualidades que autorizam sábias tomadas de decisões. Sempre entendi que os mais velhos dispõem da prudência obtida pelo melhor uso das coisas e um juízo mais agudo, competente e eficaz. Evitam correr riscos. E é aí que mora o perigo, porque ao não correrem riscos – que é próprio da ousadia e da agressividade dos jovens – trilham caminhos seguros, mais próprios da mesmice rotineira que da incansável busca do novo, inusitado. É um paradoxo, mas, nesta vida moderna, nossos jovens executivos e suas empresas buscam, ousada e agressivamente, o novo, o original, o inusitado, o exclusivo, o diferente, o inédito mas... que já tenha sido provado antes. O corolário desse pensamento é que, talvez, derive daí a razão pela qual todos preferem aderir ao velho, já tentado, contra o novo e ainda não tentado. Resultado: na maioria dos casos as ações são meras repetições do já feito anteriormente, o que não requer nem criatividade nem bom cérebro. Basta aceitar, adaptar e repetir o que já existe, trilhando o mesmo caminho que os outros já trilharam, o que somente vai nos levar aonde os outros já chegaram. Entendo que os velhos não devem perder a coragem de assumir e correr riscos. Assim, ficam jovens para sempre. E se rejuvenescem infundindo inspiração, entusiasmo e motivação nos jovens, potencializando-os, e correndo, com eles, os riscos da renovação. Nada grandioso se faz sem riscos. Foi assim que os grandes executivos foram alçados às maiores posições, não levando para a sua velhice os seus erros e falhas juvenis. Em contraposição, muitas empresas adotam a filosofia da “juniorização”, concentrando o poder nas mãos de profissionais ainda não muito experientes, mas considerados exponenciais e verdadeiras esperanças de poderem bem conduzir as empresas a preços menores. Num país em que as empresas estão mais preocupadas com João De Simoni Soderini Ferracciù – Presidente do Grupo De Simoni Associados 130 REVISTA DA ESPM– M A I O / J U N H O D E 2005 JOÃO DE SIMONI SODERINI FERRACCIÙ o fim-do-mês do que com o fim-domundo é natural que os esforços, igualmente, se concentrem em tudo que pode reduzir custos, e os jovens, potencialmente capazes, sucedem hoje, mais rapidamente que ontem, as funções dos velhos dirigentes. Estão ocorrendo mudanças no afastamento destes. Raramente se aposentam antes dos 60 anos. Dados de pesquisas globais indicam que, 50% dos pesquisados têm planos para trabalhar além de 64 anos. 15% além dos 70. Aumenta a permanência dos mais velhos no trabalho, com a senectude reaproximando-se da juventude, da adolescência e da idade madura, para manter-se atuante. Parece que todo velho passou a considerar velhos somente aqueles que têm, pelo menos, 10 ou 20 anos a mais que ele (sic). Há um momento, em todos os seres humanos, que as portas do seu passado se fecham e, se eles não se reciclam e se renovam, não só não abrem como não deixam entrar as do futuro. O corpo pode envelhecer. O espírito não. Jamais. Hoje, aos 68 anos percebo que minha melhor idade não está atrás de mim, nas muitas coisas que já fiz, mas à minha frente, nas muitas que ainda farei. É para lá que eu vou. E você? ESPM