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ISSN – 1676-1316
REVISTA DA ESPM – VOLUME 12 – ANO 11– EDIÇÃO N o 3 – MAIO/JUNHO 2005 – PREÇO R$ 26,00
CASE-STUDY
BANCO REAL
“ TALENTOS
DA
MATURIDADE”
O novo mundo da maturidade
LUIZ EDMUNDO PRESTES ROSA
Sonhos e lembranças
FRANCISCO GRACIOSO
Velho, este desconhecido
MARIA AUGUSTA BLECHER
1 2
–
A N O
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–
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N
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3
M A I O / J U N H O
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R
Velho: o novo hit da sociedade do
conhecimento
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VELH S
O
O último dia
ALEXANDRE MATHIAS E MARCO DALPOZZO
Criando real valor para clientes
Três modelos de valor comprovados
NEIL RACKHAM E JOHN DEVINCENTIS
Anúncios honestos
J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO/BEATRIZ PENTEADO
R E V I S T A
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–
V O L U M E
RICARDO GUIMARÃES
MESA REDONDA
LONGEVIDADE:
AS DUAS FACES DA MOEDA
JÁ
ENTREVISTA
ELES
PASSARAM
DOS
80
Editorial
EXPEDIENTE
CONSELHO EDITORIAL
Francisco Gracioso – Presidente
Alex Periscinoto
Alexandre Gracioso
Jacques Marcovitch
J. Roberto Whitaker Penteado
LUCIDEZ
CONTUNDENTE
EDITOR
J. Roberto Whitaker Penteado
MTB no 178/01/93
e-mail: [email protected]
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Lúcia Maria de Souza
PROJETO GRÁFICO E CAPA
Miriam Duenhas
FOTOS NÃO CREDITADAS
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REVISTA DA ESPM – uma publicação bimestral da
Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva
responsabilidade dos autores.
Professores, pesquisadores, consultores e executivos são convidados a apresentarem matérias sobre
suas especialidades, que venham a contribuir para o
aperfeiçoamento da teoria e da prática nos campos da
administração em geral, do marketing e das comunicações. Informações sobre as formas e condições,
favor entrar em contato com a coordenadora editorial.
A
o contrário do que pensam muitos de nós, a lucidez e a sabedoria
não são apanágio dos mais velhos. A prova disso está nos artigos
e pronunciamentos que fazem parte desta edição, ricos em
sabedoria e escritos ou feitos por pessoas na flor da idade. Mas
não há dúvida de que a velhice traz consigo aquela espécie de
“lucidez contundente” de que falava Pirandello, e que torna os
mais velhos capazes de enxergar as coisas através de um filtro
mágico que elimina a influência das emoções. Lembrei-me disso
na entrevista com José Mindlin, que aparece nesta edição. Mindlin
é um lendário empresário de 91 anos que se tornou um grande
bibliófilo. Perguntei a ele que conselho daria ao jovem tenente
retratado por Dino Buzatti em seu livro O deserto dos tártaros. No
início do livro, o jovem tenente dirige-se a cavalo para a fortaleza
onde iria ficar durante 30 anos, num serviço de guarnição inútil e
frustrante. O jovem tenente passa por um velho oficial que descia
a montanha, acabrunhado, depois de cumprir os seus 30 anos [de
serviço inútil e frustrante]. Minha pergunta a Mindlin foi: “Se
você fosse o (muito “velho”!) oficial, que conselho teria dado ao
jovem tenente?” Sabem o que Mindlin respondeu? “Eu diria ao
jovem tenente – como diria a todos os jovens no começo da vida
– que experimente se quiser, mas se não gostar não fique. A
juventude é muito preciosa para ser desperdiçada.”
Moral da história: Os jovens podem não gostar dos conselhos dos
mais velhos, mas a sabedoria e a lucidez da velhice ajudam-nos
a não repetir os erros que os velhos cometeram quando jovens. Se
não houvesse outras razões, bastaria essa para agradecermos a
longevidade que torna, hoje, mais comum e mais frutífero o
convívio entre as gerações.
Francisco Gracioso
PARA ASSINAR, LIGUE: (0XX11) 5085-4508
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Índice
O mundo novo da maturidade
LUIZ EDMUNDO PRESTES ROSA
Um novo mundo maduro, com mais idosos do que jovens, vai provocar expressivas mudanças
em nossas formas de pensar e agir, transformando os padrões de vida, o consumo e a gestão empresarial.
Sonhos e lembranças
FRANCISCO GRACIOSO
O artigo fala do passado e do futuro, na construção do presente das organizações. Segundo o autor, isto significa que do
passado vêm a experiência e recursos acumulados, os valores organizacionais e o espírito de missão. Do futuro extraímos
os nossos objetivos e desafios. Mas, o que realmente importa é o presente – seus problemas e oportunidades.
Velho, este desconhecido
MARIA AUGUSTA BLECHER
A turma da terceira idade – aquela parcela da população que ultrapassou a barreira dos 60 anos – conquista um espaço
cada vez maior num mercado ávido por consumidores diferenciados. O que sempre valeu para os vinhos, agora vale
também para este público: quanto mais velho, melhor.
Velho: o novo hit da sociedade do conhecimento
RICARDO GUIMARÃES
A Sociedade Industrial supervalorizou o jovem, mas, hoje, percebe-se a urgência de rever esse padrão. Maturidade talvez
seja a palavra que melhor sintetize e defina a carência de nossa época.
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O último dia
ALEXANDRE MATHIAS
MARCO DALPOZZO
Marco Dapozzo e Alexandre Mathias contam a emoção do último dia de um poderoso presidente de uma grande empresa
global. Uma obra de ficção que revela a emoção humana que está por trás das pessoas que vivem o dia-a-dia das grandes
corporações.
54
Entrevistas
60
HOMERO ICAZA SANCHEZ, SAID FARHAT, JOSÉ MINDLIN
Criando real valor para clientes
Três modelos de valor comprovados
NEIL RACKHAM
JOHN DEVINCENTIS
O artigo avalia as mudanças na gestão do processo e força de vendas resultantes das diferentes percepções de valor dos
clientes. Uma nova proposta de segmentação de clientes é apresentada considerando o perfil do profissional de vendas
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para cada cliente criando valor para o cliente.
Anúncios honestos
J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO/BEATRIZ PENTEADO
A Revista da ESPM decidiu perguntar, a três dezenas de profissionais do ramo, quais são os anúncios e campanhas mais
“honestos” de que se recordam. Confira os resultados – instigantes e, às vezes, surpreendentes.
Mesa Redonda
LONGEVIDADE: AS DUAS FACES DA MESMA MOEDA
Case-Study
BANCO REAL
Leitura Recomendada
Sumário Executivo
English Abstract
Ponto de Vista
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Cartas
BRASIL COMPETITIVO
ganhar mais dinheiro? Já ouvi dizer
um dia: em tempos de crise, enquanto uns choram, outros vendem
lenços.
Sobre matéria “A construção de uma
marca internacional de tênis”, fico
satisfeito ao ver empresas brasileiras
sendo competitivas e bem-sucedidas em mercados grandes, como
a Azaléia. Chamou atenção o empreendedorismo do presidente da
empresa, que detectou uma oportunidade no ambiente e conseguiu
resolver um problema de sazonalidade do seu negócio. Hoje em dia
são poucos os profissionais que
conseguem ter essa visão de
oportunidade através de uma
simples notícia no jornal... “Governo de São Paulo implementa o
rodízio de veículos”, “Medicamentos aumentam de preço a partir de
segunda-feira”, “Banco Central
aumenta a taxa de juros pela nona
vez consecutiva”... o que a sua
empresa poderia ter feito em reação
a cada uma dessas notas para
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REVISTA
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João Marcos
Network ToTheTop
www.tothetop.com.br
bufa» virou «ópera búfala», talvez
por influência do ex-Ministro Pratini
de Moraes, presidente da associação dos exportadores de carne
bovina. De toda forma, a Revista
está magnífica. A vocês todos, meus
mais sinceros parabéns.
Carlos Salles
Presidente Movimento Brasil
Competitivo
ÓPERA BOVINA
Acabei de receber a Revista. Está
excelente e acredito que este exemplar deve virar referência essencial
para refletirmos sobre o futuro do
nosso país. Não apenas a apresentação gráfica está impecável, o
conteúdo é robusto, pertinente,
muito bem estruturado, riquíssimo.
Já li o resumo da mesa-redonda e
acredito que ele reproduz muito
bem o teor dos debates. Ali, apenas
um senão do revisor: minha «ópera
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2005
R.: A Revista pede perdão e
cumprimenta o ilustre leitor e
colaborador pelo senso de humor...
SUGESTÃO: TURISMO
Tendo tomado conhecimento da
Revista da ESPM, já na edição anterior, quero cumprimentá-los pelo
brilhante material e conteúdo
e aproveito para comentar que a
Revista já é parte importante nas minhas leituras.
Gostaria de sugerir uma pauta para
a Revista, uma matéria especial sobre a atividade turística no
Brasil, o desempenho do Brasil no
mercado nacional e internacional,
as atrações turísticas e o que os
destinos estão fazendo para melhorar suas imagens. Certo da atenção
de vocês fico à disposição para
contribuir na forma que estiver ao
meu alcance no que diz respeito à
Foz do Iguaçu em especial as Cataratas do Iguaçu – uma das 10
paisagens mais fascinantes da Terra
(Condé Nast Traveller).
Jean Jefferson Jareck
Cataratas do Iguaçu S.A
R.: Obrigado. Sua sugestão está
sendo submetida ao Conselho
Editorial e não deixaremos de
aproveitar a sua oferta.
CUMPRIMENTOS
A última edição da Revista da ESPM
merece um registro especial de
quem se preocupa com a competitividade da empresa brasileira.
A mesa-redonda produziu um
documento de grande atualidade
que nos auxilia a ter uma visão de
nossas potencialidades e limitações
e ajuda a entender como podemos
nos inserir no jogo mundial de
competição dos dias de hoje. Sugiro
enviar alguns exemplares para o
Ministro Furlan e o Juan Quiróz na
Apex. O primeiro tem se empenhado em promover nossas exportações e desagravar do custoBrasil nossas empresas, e o segundo
tem procurado promover nossos
produtos no exterior enganjando no
esforço exportador a micro, a pequena e a média empresa. Alguns
dos registros desta matéria podem
ser bons subsídios ao belo trabalho
que eles têm feito pelo país.
M A I O
/
Hiran Castello Branco
Sócio-diretor Giacometti, Farkas
Deveríamos produzir um programa
especial e disponibilizá-lo na
internet, em DVD e vídeo sobre o
assunto da entrevista com Pratini de
Moraes, tamanha importância para
os empresários atuais e para a
geração futura. Sensacional! Aliás,
a edição inteira.
Jose Claudio Lucas
CEO and Creative Director
Gol Marketing
www.golmktglobal.com.br
R.: Nossa intenção é, justamente,
de contribuir, com textos originais
e pertinentes, para o debate e a
implementação de soluções dos
nossos grandes temas sociais e
econômicos. Ficamos felizes com
o reconhecimento desses leitores
e amigos. ESPM
J U N H O
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O Novo Mundo da Maturidade
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Luiz Edmundo Prestes
Rosa
O NOVO
MUNDO DA MATURIDADE
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á velhos que parecem jovens e jovens
que parecem velhos. Idosos com
espírito jovem, e jovens com espírito
de velho.
Espírito não é atributo da idade e nem
privilégio do tempo. Não há idade
para sonhar, sentir, amar, criar, pensar
e ser feliz. Todos temos uma trajetória,
mas cada um segue o seu caminho.
Compartilhamos de princípios
biológicos comuns e experimentamos
um processo similar de nascer,
crescer, maturar e morrer. Mas nossos
genes, nossa história, nossas preferências e hábitos nos diferenciam e
dão um sentido único ao que
podemos ser e exprimir.
Historicamente vivemos de mudanças, na passagem sucessiva de gerações. Cabe aos jovens abrir novos
caminhos, ousar naquilo que não era
permitido, tentar o que parecia
impossível, criar o inimaginável e viver um novo estilo. Mas o tempo
passa e o jovem não é mais jovem.
De repente, do outro lado da idade,
ele pode substituir sua criatividade e
ousadia pela ordem, dogmatismo e
conforto. Estrutura a rotina, veste-se
de normas e despreza propostas de
mudança. E, se não estiver atento, fará
exatamente aquilo que um dia
criticou.
A idade parece, para muitos, sinônimo de perda. Seja de resistência
física, memória e raciocínio. Para
outros, sinônimo de ganho de realidade, estabilidade e sabedoria. Mas,
em cada momento que atravessamos,
perdemos e ganhamos ao mesmo
tempo. Se por um lado temos limites
do corpo e do tempo, há possibilidades de escolha que permitem
estender nosso potencial, embora
nem sempre ousemos vivenciá-lo.
Neste sentido, alguns parecem não
envelhecer ao desafiar os limites da
idade. Continuam a viver da mudança e inovação. Aprendendo algo novo, realizando uma nova experiência
e abrindo uma nova perspectiva em
suas vidas.
M A I O
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Há casos surpreendentes de pessoas
que decidiram, com idade avançada,
fazer aquilo que se começa bem
mais cedo. Vamos ver alguns exemplos que mostram como sonho,
vontade e ousadia podem ultrapassar
limites e possibilidades pré-concebidos, para concretizar algo que, à
primeira vista, seria improvável ou
até impossível.
A revista Época (edição 366, de
23.05.05), em matéria intitulada “No
Caminho dos Netinhos”, discorre
sobre a experiência de pessoas
fazendo intercâmbio no exterior em
idades, até então, incomuns. São cinqüentões aprendendo idiomas,
como fazem os adolescentes. Relata
o caso da Elvira Gentil, de 75 anos,
que estará, em julho próximo, seguindo para seu segundo intercâmbio em Nova York. Sua primeira experiência ocorreu no ano passado
quando começou a estudar inglês,
idioma que praticamente desconhecia. Esteve lá por três meses e
morou em uma república com oito
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O Novo Mundo da Maturidade
jovens. Conta que ‘’aproveitava minhas tardes livres para ir aos museus
e passear. Fui muito bem aceita pela
garotada, mas alguns achavam que
eu era a professora. Até fui a uma
balada com as meninas da república,
mas não gostei muito do escurinho”.
cinco anos, havia escrito outros seis
livros, demonstrando enorme competência e erudição.
Em 2002, Jenny Wood-Allen, escocesa, correu a sua última Maratona
de Londres, aos 90 anos. Ela havia
começado a participar desta prova
quando tinha 71 anos de idade. Seu
médico lhe desaconselhou dizendo
que se ela mal conseguia pegar um
ônibus, como ela poderia correr uma
maratona. No entanto seu sonho e
determinação levaram-na, aos 75
anos, a quebrar o recorde mundial
José da Silva Martins publicou seu
primeiro livro Sabedoria e felicidade aos 84 anos. Por esse motivo foi
incluído no Guiness Book como o
escritor brasileiro mais idoso a iniciar sua carreira de autor. Ao partir,
quando tinha 101 anos de idade, há
para sua faixa de idade. Jenny concluiu sua carreira, depois de correr
mais de 50 provas e arrecadar cerca
de 40.000 libras para financiar
instituições de caridade.
Fauja Singh, nascido na Índia, concluiu a Maratona de Londres em
tempo recorde de apenas 5 horas e
40 minutos e se tornou o mais velho
corredor desta prova londrina. Sua
idade? 93 anos, em 2004! O mais
surpreendente é que ele começou a
correr maratonas aos 89 anos,
segundo ele para fugir da solidão.
Singh, nascido na Índia, concluiu a Maratona de Londres em tempo recorde de apenas 5
✲ Fauja
horas e 40 minutos e se tornou o mais velho corredor desta prova londrina. Sua idade? 93 anos, em 2004.
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REVISTA
DA
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Luiz Edmundo Prestes
Rosa
concluído pela Organização das Nações Unidas – ONU, em dezembro de 2004, aponta que a
✲ Estudo
presença dos mais idosos será uma das principais tendências demográficas mundiais.
Desde este tardio e surpreendente
início de carreira, Fauja já correu em
provas semelhantes em Nova York e
Toronto. Ele já arrecadou milhares de
libras e, com isso, tem apoiado instituições beneficentes, incluindo uma
especializada em cuidar de bebês
prematuros. Com esse intuito, assinou com a Adidas sua participação
numa campanha publicitária intitulada “Nada é impossível”.
Fauja consegue manter uma disciplina exemplar. É vegetariano, faz
meditação e se exercita seis vezes
por semana. Em cada treino, ele corre de 13 a 19 km.
A DEMOGRAFIA
EM MUDANÇA
Estudo concluído pela Organização
das Nações Unidas – ONU, em
dezembro de 2004, aponta que a
presença dos mais idosos será uma
das principais tendências demográficas mundiais. O relatório estima
que a população da terra deverá
atingir 6,5 bilhões de pessoas em
2005 e poderá se estabilizar quando
alcançar 9 bilhões de habitantes, por
volta do ano de 2050.
Desde o século passado, a proporção
de pessoas acima de 60 anos vem
M A I O
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tendo um aumento expressivo, que
continuará a se acelerar no século
XXI. Em 2001, esta população já
havia atingido o total de 600 milhões
de pessoas, cerca de três vezes mais
que há cinqüenta anos. Em 2050,
este contingente deverá chegar a 2
bilhões, triplicando novamente esse
número. Globalmente, este grupo
está crescendo a 1,9% ao ano, em
velocidade bem mais rápida do que
a população como um todo. A idade
média da população mundial subirá
consideravelmente nos próximos 45
anos, passando de 26 para 37 anos.
Tais mudanças demográficas deverão provocar profundos impactos
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O Novo Mundo da Maturidade
ram novas vacinas, antibióticos,
remédios de última geração, transplantes e agora a terapia genética e
de células-tronco.
econômicos e sociais.
Ainda segundo o relatório da ONU,
a relação entre pessoas em idade de
trabalho (16 a 65 anos) e as acima
deste limite está caindo rapidamente.
Hoje é de um para nove e chegará a
apenas um para quatro em 2050. Isso
trará importantes implicações para os
sistemas de previdência social,
especialmente naqueles países em
que os atuais trabalhadores pagam
pelos benefícios dos aposentados.
NOVAS TENDÊNCIAS
Pesquisa promovida pelo HSBC
sobre o Futuro da Aposentadoria,
publicada em 23.05.05, traz importantes informações sobre as tendências quanto à terceira idade e
aposentadoria. Foi realizada em 10
países e território envolvendo 11.453
indivíduos acima de 18 anos, abrangendo quatro continentes. Além do
Brasil, o estudo incluiu os EUA,
França, Reino Unido, China, Índia,
Japão, Canadá, México e Hong Kong
– que representam juntos a metade
da população mundial. Esta pesquisa
trabalhou com amostras significativas
e chegou a conclusões importantes:
Outros estudos contemporâneos
indicam que a expectativa de vida nos
últimos 300 anos mais do que
dobrou. Por volta de 1.700 eram de
apenas 30 anos e hoje supera 77 anos,
nos países mais desenvolvidos.
Estima-se que uma criança que nasça
em 2005 tenha o potencial de chegar aos 100 anos e que pelo menos
uma em duas consiga chegar a esta
idade.
Há uma nova visão sobre a
vida na velhice. Esta etapa é
agora vista como um tempo
de oportunidade e reinvenção, ao
invés de descanso e relaxamento. Em
todo mundo, mais pessoas querem
que suas aposentadorias incluam
períodos de trabalho, educação e
lazer. Em sete países este foi considerado o modelo ideal, mas foi o
Brasil que apresentou a maior
preferência por este estilo de vida,
seguido da França e Japão.
1
Um outro fenômeno é a queda da
diferença da expectativa de vida entre os países desenvolvidos e os
menos desenvolvidos. Em 50 anos,
essa diferença reduziu-se de 25 para
12 anos.
O aumento do número de idosos é
conseqüência de muitos fatores que
elevaram substancialmente a longevidade, fruto de um conjunto
amplo de melhorias pelas quais o ser
humano vem sendo beneficiado.
Pode-se mencionar, por exemplo,
que as condições de vida em geral
foram progressivamente se aperfeiçoando, seja na alimentação, higiene
e saneamento, seja na evolução da
medicina, capaz de prevenir, diagnosticar e curar como nunca. Surgi-
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REVISTA
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ESPM–
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J U N H O
começa aos 60 anos, para outros
inicia-se aos 85. O parâmetro mais
significativo para se sentir velho é o
nível de energia e disposição de cada
um, que não é, naturalmente, o mesmo para todos.
Definições tradicionais de idade avançada são vistas como
fora de moda e muitas pessoas têm uma atitude positiva para
com a terceira idade. A visão de
quando começa a velhice tornou-se
bem mais individual. Se para uns ela
2
D E
2005
Há uma rejeição global para
a aposentadoria compulsória.
Acredita-se que os empregados deveriam ser capazes de continuar a trabalhar em qualquer idade,
desde que consigam fazer bem o seu
trabalho. Consideram que restrições
baseadas em idade impedem a vida
ativa que eles gostariam de ter no
futuro.
3
O papel da família está mudando. Futuras gerações podem não receber o cuidado e
o apoio financeiro que esperam de
suas famílias.
4
As pessoas se sentem responsáveis por escolher o melhor
estilo de vida quando se aposentarem e não recebem apoio suficiente das empresas e dos governos
para tal. Estes, pelo contrário, ainda
determinam a aposentadoria compulsória, sem levar em conta as novas
aspirações das pessoas.
5
UM NOVO OLHAR
PARA A VELHICE E A
APOSENTADORIA
A pesquisa do HSBC, além das tendências comuns mencionadas,
aponta haver particularidades relevantes entre os pesquisados.
Os brasileiros consideram a velhice
como um tempo de desaceleração,
Luiz Edmundo Prestes
proximidade da família, parentes e
amigos. Esperam apoio significativo
dos filhos. Consideram a religião e a
saúde muito importantes, mas somente alguns se preocupam em ter
dinheiro suficiente, fazendo muito
pouco planejamento. Neste quesito,
fomos o penúltimo na lista da pesquisa, só ganhando dos japoneses.
Os franceses consideram a velhice
um tempo de sonhos e aspirações,
mas também de preocupações. Temem se tornar um peso para suas famílias e que o governo irá falhar no
fornecimento de benefícios. Apesar
disso, fazem muito pouco na preparação de sua aposentadoria. Só ganham do Brasil e do Japão.
Os japoneses acreditam em poder
trabalhar até idade avançada e custear suas próprias despesas. Ao contrário do que normalmente se acredita, a pesquisa revela que são os
japoneses que têm a visão mais negativa sobre os mais velhos, no que
se refere à percepção de que eles merecem respeito e de que são dotados
de sabedoria.
Os americanos tiveram a visão mais
positiva da terceira idade e os canadenses foram o número um em planejamento, com 96% da população
tomando ações concretas diante do
futuro. Ambos são países com forte
tendência na preparação e formação
de reservas.
Um fenômeno mundial que se
observa é a crescente participação
dos idosos em ONGs e associações,
sejam esportivas, sociais, religiosas
etc. Na França, entre 1973 e 1999,
o número de pessoas, com mais de
Rosa
60 anos, que atuam em alguma atividade associativa, mais do que dobrou, passando de 22,5% para 47%.
Muitos profissionais aposentados
passaram a se dedicar a atividades
beneficentes, contribuindo para
reduzir as diferenças socioculturais,
substituindo a socialização profissional pela associativa.
OPORTUNIDADES
DA NOVA
DEMOGRAFIA
As empresas precisarão saber tirar o
melhor proveito da mudança demográfica. A criatividade será o limite
na busca de tornar a empresa muito
mais veloz e flexível, independente.
O envelhecimento da população
trará um novo desafio às empresas.
Não serão apenas os seus colaboradores que ficarão mais idosos,
mas também seus clientes, fornecedores, investidores e acionistas.
Haverá, portanto, uma nova dinâmica nesse relacionamento, trazendo consigo maiores desafios e
oportunidades.
o mercado envelhece, o
✲ Se
perfil dos consumidores se
altera. Abrem-se perspectivas
de novos serviços e produtos
que precisarão ser criados,
levando-se em conta as
novas tendências e
aspirações.
Se o mercado envelhece, o perfil
dos consumidores se altera. Abremse perspectivas de novos serviços
e produtos que precisarão ser
criados, levando-se em conta as
novas tendências e aspirações.
Como aproveitar este público cada
vez mais numeroso, que detém
razoável poder aquisitivo, disponibilidade de tempo, mobilidade
para viajar, desejo de vivenciar
novas experiências e de buscar um
estilo de vida mais saudável,
produtivo e com mais lazer?
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2005 –REVISTA DA ESPM
15
O Novo Mundo da Maturidade
do consumidor. O idoso de amanhã
nada terá a ver com o idoso de hoje e
menos ainda com o de ontem. Estas
diferenças, se bem analisadas,
poderiam ser transformadas em
oportunidades. Bastaria se criar
produtos e serviços voltados para as
singularidades e dinâmicas de cada
fase da vida.
Afinal, como o mundo das empresas
trata hoje a questão etária? Será que
estamos levando em conta as diferenças de idade quando se concebe
um produto ou serviço? Precisamos
reconhecer que jovens, adultos e
mais velhos não consomem da mesma forma, não cultivam os mesmos
interesses e não se comportam da
mesma maneira. Contudo, muitas
vezes acabam tendo que comprar
exatamente o mesmo, não por desejo, mas por absoluta falta de
opção.
É só examinar o universo do que hoje
é oferecido e ver o potencial de negócios que pode ser aproveitado. A
dificuldade talvez ocorra porque
ainda estamos impregnados de um
modelo mental do passado, em que
ser idoso era sinônimo de pouca
Há muitas diferenças no comportamento que variam conforme a idade
✲
16
mobilidade, riscos de doença e
excessivo conservadorismo. Hoje
temos idosos de espírito jovem, com
consciência maior sobre sua saúde
e que adotam um posicionamento
ativo consigo mesmo e nas suas
interações com as comunidades.
Assim, cabe perguntar, como deveriam ser elaborados produtos sob
medida para este público? Por
exemplo, como deveriam ser os projetos de apartamentos, programas de
lazer, pacotes turísticos, produtos
financeiros etc?
Ao contrário do passado, é só olhar
nas ruas, parques e clubes o número
Assim, cabe perguntar, como deveriam ser elaborados produtos sob medida para este público? Por
exemplo, como deveriam ser os projetos de apartamentos, programas de lazer, pacotes turísticos,
produtos financeiros etc?
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Luiz Edmundo Prestes
Rosa
expressivo de pessoas idosas que fazem atividade física. É natural que
quando viajam se interessem por
hotéis que favoreçam a continuidade
de sua prática esportiva, como academia de ginástica (fitness center).
No entanto, ainda imperam os produtos e serviços padronizados, sem
fazer qualquer diferença etária. Pode-se justificar a mesmice das ofertas
que ignoram as diferenças de idade
dizendo-se que se privilegiou o
padrão com apenas a perspectiva de
um casal ou família. Porém, esta premissa perde seu sentido na rápida
mudança pela qual passa o sistema
social, já que muitos entram para a
terceira idade sozinhos, viúvos,
descasados e até mesmo solteiros.
Empresas que, internamente, discriminam o idoso podem não conseguir
levar para seus produtos qualquer
diferencial que reforce a sua atratividade para esse público consumidor
cada vez mais numeroso. É possível
imaginar que o perfil etário na
empresa tenha de acompanhar o
perfil dos seus stakeholders, até
mesmo para que ela possa ficar mais
sensível às suas necessidades e poder
transformá-las em oportunidades de
negócio.
Adicionalmente, as organizações
tenderão a ser mais exigidas no exercício da sua responsabilidade social,
onde a presença da diversidade,
acompanhando o tecido social, seja
um dos focos de atenção dos formadores de opinião e de fundos de
investimentos voltados para o desenvolvimento sustentável. Até mesmo
aquela empresa, que, desde as suas
origens foi essencialmente constituída
de jovens, terá de imaginar um
melhor balanceamento de idades
entre a sua equipe. Caso contrário po-
que, internamente, discriminam o idoso podem
✲ Empresas
não conseguir levar para seus produtos qualquer
diferencial que reforce a sua atratividade para esse
público consumidor cada vez mais numeroso.
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O Novo Mundo da Maturidade
para realizar. Como evitar que se
frustrem, se não houver espaço para
avançar e progredir? Como gerenciar
sua ansiedade e pressa para que tudo
aconteça rapidamente?
de correr o risco do distanciamento
mercadológico e de se tornar uma
velha empresa de jovens. E qual
empresa estará disposta a desconsiderar o segmento dos idosos,
sabendo que ele é o que mais vai
crescer, que é dotado de considerável
poder de consumo e com muitas
necessidades específicas que podem
ser atendidas?
Este é um problema que nunca vivemos com tal intensidade, cuja solução vai demandar uma ação inovadora, a qual passa por uma nova
dinâmica no relacionamento entre os
mais novos e os mais velhos.
UMA NOVA
DINÂMICA
NA GESTÃO
Esta relação precisará ser revista e
intensificada, buscando-se alternativas que vão além do desenho atual
da maioria das empresas. Muitas
destas utilizam-se de uma estrutura
hierárquica que acaba contribuindo
para criar barreiras e distanciamentos
entre as gerações. Os mais jovens
começam, geralmente, em funções
mais simples, enquanto os mais
velhos ocupam posições de maior
Uma questão relevante será o desafio
da empresa em cuidar da sua renovação permanente e de administrar,
adequadamente, a carreira dos mais
jovens. Estes serão indispensáveis,
como sempre foram, para impulsionar as mudanças, a partir de sua forma
original de olhar e de seu forte desejo
destaque. As possibilidades verticais
de convivência são muito mais
difíceis, de forma que os mais
qualificados e experientes acabam
não apoiando suficientemente a
formação dos novos quadros.
Para quebrar este modelo, poderíamos imaginar que as organizações,
até mesmo para responder, rapidamente, às demandas do mercado
competitivo, vão precisar mais e mais
trabalhar por projetos. Por natureza,
eles têm início, meio e fim. Tais
projetos, para atingir os seus objetivos,
precisam contar com uma organização mais horizontal e flexível,
baseada no trabalho de equipe, que
aproxima e intensifica as relações.
Os projetos podem viabilizar sucessivas oportunidades de participação e integração de grupos com
idades diferentes. Bem coordenados,
empresas utilizam-se de uma estrutura hierárquica que acaba contribuindo para criar barreiras e
✲ Muitas
distanciamentos entre as gerações.
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✲
Rosa
Cabe pensar em novas relações de trabalho com as pessoas que se aposentam e detêm conhecimento e sabedoria.
podem se tornar centros de aprendizado e conhecimento. Proporcionam a oportunidade para os jovens
participarem ativamente, expressarem
suas opiniões, testarem suas idéias e
serem percebidos pelo seu valor.
Podem ser transformados em
verdadeiras incubadoras de jovens
talentos e de inspiração e renovação
dos mais velhos.
destes, buscar caminhos para colocar
suas idéias em movimento, estimular
iniciativas e aceitar os erros
decorrentes do aprendizado, desafiar,
avaliar e reconhecer os avanços, para
depois iniciar um novo ciclo de
desafios e realizações.
Trabalhando juntos em projetos diferentes, cada um exprime suas forças
e complementaridades. A impetuosidade juvenil e o bom-senso adulto,
a criatividade de um e o pragmatismo
do outro, a pressa e a velocidade, o
que fazer e o como fazer, o curto prazo e o longo prazo, o resultado financeiro e o resultado sustentável.
Esta dinâmica virtuosa será mais bemsucedida se houver uma nova cultura
empresarial que estimule as trocas
entre as gerações. Cabe pensar em
novas relações de trabalho com as
pessoas que se aposentam e detêm
conhecimento e sabedoria. Elas
poderiam continuar, de uma outra
forma, adicionar valor, seja como
mentores e educadores de jovens,
atuando agora como prestadores de
serviços.
Além disto, os mais velhos podem
contribuir na formação e orientação
dos mais jovens, atuando como educadores e mentores. Assim, cabe
àqueles ouvir e entender as aspirações
E algumas ferramentas poderão ser
ajustadas para incentivar, reconhecer
e recompensar a troca entre gerações.
Pesquisas, grupos focais e painéis de
debates poderiam ser conduzidos para
M A I O
/
entender expectativas e tendências de
ambos os grupos. Os indicadores de
gestão poderão ser ampliados para
medir os avanços e ampliar o escopo
dos resultados esperados.
Com esta ação será possível aproveitar
a diversidade das gerações para
transformá-las em verdadeiras forças
competitivas, preparando a empresa
para esta nova era da maturidade, onde
teremos um novo ciclo de vida de
consumidores, ávidos por produtos e
serviços que atendam aos seus sonhos
e necessidades. ESPM
AUTOR
LUIZ EDMUNDO PRESTES ROSA
Diretor Corporativo People da Accor
no Brasil, Mestre em Psicologia Social
pela PUC-SP, especializações em
Administração de Empresas pelo IMD,
Lausanne, Suíça, e pelo Insead,
Fountainebleu, França.
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Sonhos e Lembranças
SONHOS E
LEMBRANÇAS
DE COMO O PASSADO, SEMPRE VIVO NA MEMÓRIA
DOS MAIS VELHOS, INTERAGE COM O PRESENTE E
NOS AJUDA A CONSTRUIR O NOSSO FUTURO
NR.: Este artigo é um resumo da palestra feita pelo autor aos professores da ESPM em SP, em abril/05.
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Francisco
P
ensar no futuro e lembrar do passado,
de certa forma, tem constituído parte
da servidão humana, da nossa sina
nesta Terra. As frustrações e alegrias que
vêm do passado e a inquietação com
o futuro são parte importante dos
pensamentos que ocupam as nossas
horas vagas. Goethe já dizia: “A
melancolia é a doença do
pensamento”. Sem dúvida, de tanto
pensar, a gente pode cair na “fossa.”
GOETHE já dizia: “A
melancolia é a doença
do pensamento”.
Schopenhauer dizia: “Não tem saída,
ou o homem sofre ou se aborrece”.
Mas um poeta – Schiller –, que foi
discípulo de Schopenhauer, retrucou:
“Há saída; é o riso. Aquilo que faz rir
nos liberta”. Então, vamos rir o quanto
pudermos, pois o riso nos alivia.
Mas, voltando a falar de “sonhos e
Gracioso
lembranças”, falo naturalmente dos
sonhos que temos acordados e das
lembranças que nos acompanham ao
longo de toda a vida, pois passam a
fazer parte de nós.
O passado é importante. Dele vêm
os recursos materiais que nos permitem investir no futuro. Vêm também os conhecimentos e experiências acumulados que utilizamos e
transferimos às novas gerações. E vêm,
ainda, as crenças e valores que
formam as nossas raízes, sem as quais,
certamente, não seríamos os mesmos.
Que o passado e o futuro se encontram para definir o nosso presente,
não há dúvida. O problema está no
ponto de equilíbrio entre ambos. Não
é bom pensar demais no passado,
SCHOPENHAUER dizia:
“Não tem saída, ou o
homem sofre ou se
aborrece”.
SCHILLER, que foi discípulo de Schopenhauer,
retrucou: “Há saída; é
o riso. Aquilo que faz
rir nos liberta”.
às 3h30 da manhã e íamos para a meditação;
✲ Levantávamos
trabalhávamos, alternávamos meditação com o trabalho duro –
manter aquilo limpo, arrumar camas, limpar privadas, tudo isso.
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Sonhos e Lembranças
limpo, arrumar camas, limpar privadas, tudo isso. Fazia parte do
trabalho sessões em que conversávamos com os mestres que nos
transmitiam ensinamentos. Fez parte, justamente, destes ensinamentos,
deste diálogo entre o mestre e o
discípulo, o Koan – o Enigma que
me foi confiado. O Koan é uma frase,
um conceito que o Mestre passa ao
discípulo, para que ele pense, e
medite sobre aquilo. O Koan que me
foi passado foi este:
pois acabamos nos repetindo. Temos
vários exemplos de nações, empresas e pessoas, que perdem a
parada porque insistiram em repetirse. Não é bom, também, pensar
demais no futuro, quando se trata de
construí-lo a partir do presente. Jesus, numa de suas parábolas, alertou os homens contra “o perigo de
se preocupar demais com o futuro”.
Há perigo nos dois excessos. Mas
não se trata apenas disso, trata-se
também do que vamos extrair de
cada um e de como isso vai influir
no nosso presente, e de como – a
partir do presente – construiremos o
futuro, que é o que, realmente,
importa.
“O passado já não existe, o futuro
ainda não existe, o presente é tudo o
que importa”.
Realmente, à primeira vista, é estranho: “O passado não existe; não
deve ser lembrado. O futuro ainda
não existe; não deve ser conside-
O KOAN
DO MESTRE
Há muitos anos, quando eu trabalhava em propaganda, numa agência internacional, meu chefe cismou
que o Budismo Zen ajudaria a criar
melhores anúncios. Assim – com
outros colegas, de todo o mundo –
fiquei quinze dias numa região
maravilhosa perto de Nova York –
Montauk, num pequeno Mosteiro
Zen Budista. Encantei-me. Infelizmente, a vida não permite que a gente faça tudo o que gosta, tudo o que
se quer, mas, certamente, eu gostaria
de ter estudado, a fundo, o Budismo
Zen.
REVISTA
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Curioso. Depois, vim a saber que isso
é parte do Budismo Zen, uma filosofia
religiosa que nasceu na China há
centenas de anos e, hoje, é forte,
principalmente no Japão. Ele influiu
decisivamente na filosofia empresarial
japonesa, principalmente no que se
refere ao planejamento estratégico.
Os japoneses costumam dizer – talvez
com razão – que nós ocidentais não
sabemos planejar o futuro; que nosso
finalmente, achei que estava pronto para discutir uma
✲ Quando,
solução informei ao meu Mestre, e, para surpresa minha ele
disse: “Ah, ótimo, você já chegou à solução? Mas não me
interessa a sua solução. Vamos tomar um chá”.
O Mosteiro não era o que a gente vê
na televisão agora, com Kung Fu,
aquelas artes marciais, nada disso.
Levantávamos às 3h30 da manhã e
íamos para a meditação; trabalhávamos, alternávamos meditação
com o trabalho duro – manter aquilo
24
rado?” Isso foi objeto de muita
meditação, muita conversa e – quando finalmente achei que estava
pronto para discutir uma solução –
informei ao meu Mestre, e, para
surpresa minha, ele disse: “Ah, ótimo, você já chegou à solução? Mas
não me interessa a sua solução. Vamos
tomar um chá”. E assim encerramos o
assunto.
D E
2005
Francisco
planejamento estratégico é falho. E
dizem isso, não por empáfia, mas
porque eles raciocinam como
budistas zen; para eles, o exercício
do planejamento estratégico é bem
diferente do nosso.
Para o Budismo, de modo geral, e para
o Budismo Zen, em particular,
passado, presente e futuro são uma
linha contínua; não há distinção clara
entre elas. Principalmente porque eles
professam a reencarnação, o que
torna ainda mais tênue a distinção
entre essas etapas. No início, as
culturas ocidentais eram um pouco
assim também. Entre os romanos, os
deuses lares eram os deuses da família
de cada um; eram parte da família,
tanto quanto os filhos ou os netos; os
deuses lares tinham presença quase
real, no conselho da família. A ligação entre o passado e o presente era
muito maior.
A SOLUÇÃO
DO ENIGMA
Compreendi, finalmente, que o presente é o ponto de encontro onde
interagem o passado e o futuro, ou
seja, nossos sonhos e nossas lembranças. Da fusão destes dois elementos
incorpóreos, surge o presente, real e
concreto.
Gracioso
ção disto, nós construímos o futuro –
esta é a nossa verdadeira missão.
Quando assumi a direção, em 1981,
a Escola era, realmente, muito pequena. Mas, apesar de pequena, tinha
uma imagem definida – um “capital
intelectual”, por assim dizer, que me
foi legado, e logo percebi que era o
que havia de mais valioso, muito mais
do que o patrimônio físico dos móveis
e das instalações.
NOSSOS SONHOS
De início, eram muito modestos. Resumiam-se em equilibrar as finanças
e consolidar o curso de propaganda
e marketing original. Mas, combinando a tradição do passado e os
sonhos do futuro, chegamos pouco a
pouco a uma nova missão: “Queremos ser cada vez mais reconhecidos,
como Centro de Excelência na
geração de conhecimentos no ensino
da Comunicação de Mercado,
Marketing e Administração com foco
no mercado”.
LEMBRANÇAS
O que narrei aconteceu pouco antes
de eu ter assumido a direção da
ESPM. Vou, agora, mostrar como esta
filosofia – que, desde aquela época,
me acompanha – me ajudou a
desempenhar minha tarefa.
Uma sala cedida pelo Professor Bardi, no MASP; mais tarde, uma antiga
marcenaria no Bexiga, com o telhado
roído pelos cupins. E quando
mostrei, pela primeira vez, a
planta do atual prédio, ouvi um
cochicho: “O Chico ficou louco?”
Mas, acima de tudo isto, havia
algo que nunca perdemos: nosso
espírito de missão.
Na verdade, se o passado e o futuro
se “fundem” no presente e, em fun-
Nossa missão já foi “ensinar propaganda”. Começamos numa épo-
M A I O
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sala cedida pelo Professor
✲ Uma
Bardi, no MASP; mais tarde, uma
antiga marcenaria no Bexiga, com
o telhado roído pelos cupins.
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25
Sonhos e Lembranças
era difícil atrair esses jovens talentos, porque a propaganda,
naquele tempo, era uma profissão
charmosa por excelência. Era o
que foi, há poucos anos, a
informática; mas a informática
perdeu rapidamente o seu charme.
A propaganda não; ela manteve o
charme por muitos e muitos anos.
ca em que propaganda era algo
meio parecido com “magia
negra”. Se você se apresentasse
como “publicitário”, ninguém
saberia o que era, se explicasse o
que fazia, logo imaginariam que
você era um desses bruxos
americanos, capaz de fazer
milagres com a alquimia da
propaganda. Era esse, realmente,
o clima. A indústria da
propaganda, daquele tempo,
precisava, desesperadamente, de
jovens talentos bem treinados.
UM PASSO
IMPORTANTE
Mas chegou o momento em que
ensinar apenas propaganda já não
A escola nasceu para isso – e não
a evolução do mercado, demos um passo pioneiro e
✲ Acompanhando
passamos a ensinar a propaganda no contexto do marketing.
26
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bastava. Acompanhando a
evolução do mercado, demos um
passo pioneiro e passamos a
ensinar a propaganda no contexto
do marketing. Mais tarde, sempre
acompanhando o mercado, passamos a ensinar marketing no
contexto da gestão empresarial.
Marketing – naquela época – tinha
adquirido a feição, a identidade,
reforçada nos últimos anos, como
filosofia de negócios, muito mais
do que meramente uma função do
negócio. Isto não significava –
como não significa até hoje – que
abandonamos ou esquecemos da
propaganda. Hoje, falamos em
comunicação, é claro, porque a
propaganda, embora seja a forma
mais importante de comunicação
com o mercado já não está
sozinha
nisto.
Mas
a
comunicação, repito, é ensinada
por nós no contexto de marketing,
e o marketing – cada vez mais – é
ensinado no contexto maior da
empresa, como negócio.
Daí vem a formulação de nossa
missão. E isto mostra, também, como o presente e o passado – em
função do futuro – interagem. O
que quero dizer é que as
lembranças e os sonhos serão de
pouca utilidade, se não forem
ancorados, se não tiverem base
firme na realidade de hoje. Isto é
o que significa: “O passado já não
existe, o futuro ainda não existe,
a única coisa real que importa é o
presente”, do Budismo Zen.
Compreendem? É do presente que
tiramos a nossa fonte principal de
inspiração para construir o futuro
a partir dos sonhos e levando em
conta as lembranças.
Francisco
Gracioso
a realidade do mercado. E quanto
ao nível de educação dos jovens,
é claro que, quanto mais bem
preparados eles forem, melhor
serão os resultados.
Em suma, o professor Garelli diz que o
sucesso futuro de um país (como
também de uma empresa, ou de uma
pessoa), depende de suas raízes culturais,
de sua sintonia com o presente e da
interação destes dois fatores em relação
aos sonhos para o futuro.
O CASO DA AT&T
assumi a direção, em 1981, a Escola era, realmente, muito
✲ Quando
pequena. Mas, apesar de pequena, tinha uma imagem definida – um
“capital intelectual”, por assim dizer, que me foi legado, e logo
percebi que era o que havia de mais valioso, muito mais do que o
patrimônio físico dos móveis e das instalações.
NOSSA CULTURA
Mas os valores que herdamos vão
muito além do espírito de missão.
Incluem também a integração na
comunidade, os valores éticos e a
busca da excelência. Esta é a herança de todos nós – professores,
funcionários e alunos da ESPM.
O SEGREDO DA
COMPETITIVIDADE
DAS NAÇÕES
Pondo em prática os valores que
herdamos, nossa Escola sempre se
distinguiu pela sua integração com
o mercado a que serve e pelo seu
espírito inovador. Curiosamente, o
famoso World Economic Forum, na
Suíça, chegou a uma conclusão
semelhante para explicar a força
competitiva das grandes nações.
Segundo o professor Stephane
Garelli, do WEF, as nações mais
competitivas são as que reúnem
estas três qualidades: valores
culturais,
capacidade
de
implementar rapidamente os
avanços tecnológicos e nível de
educação dos jovens. Tentaremos
resumir abaixo o que isto significa.
Quando fala de valores, o professor Garelli se refere, principalmente, aos valores culturais da
juventude, como o amor ao
trabalho, a lealdade e a responsabilidade. A implementação
rápida dos avanços científicos
exige a sintonia permanente com
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O leitor deve recordar-se do que
aconteceu, recentemente, com a
AT&T, gigante norte-americana das
telecomunicações. Esta empresa já
teve o monopólio das telecomunicações do mercado americano, mas
foi obrigada pela lei do país a
dividir-se em sete empresas. A AT&T
original ficou com a fatia da comunicação à distância e com a responsabilidade pela pesquisa de novas
tecnologias. Pois bem, pouco mais
de dez anos depois, a AT&T chegou
à insolvência e foi comprada por
uma das sete empresas locais.
O que teria acontecido? A ruptura
da cultura organizacional (perda
dos valores) e a distância do mercado tornaram a empresa incapaz
de responder às demandas de seus
clientes. Por outro lado, a AT&T
errou o foco do P&D e perdeu bilhões de dólares desenvolvendo
tecnologias que não conseguiu
implementar. Em outras palavras, a
AT&T perdeu a sua memória e saiu
da sintonia com o presente. Nessas
condições, de nada adiantou ter sonhos
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Sonhos e Lembranças
grandiosos para um futuro.
1. FOCO NOS RESULTADOS
2. CAPACIDADE ANALÍTICA
3. PROCESSOS DE TOMADA
Voltamos a insistir. Tão ou mais importante do que cultivar os valores do
passado é estar em permanente sintonia
com o presente, pois, é deste que vem
a inspiração para as inovações que
provocarão as mudanças.
DE DECISÕES BASEADAS NA
AVALIAÇÃO METÓDICA DAS
ALTERNATIVAS
4. ADMINISTRAÇÃO DOS
PROCESSOS PRODUTIVOS E
DISTRIBUTIVOS – FACILIDADE
PARA LIDAR COM PROJETOS DE
NOVOS PRODUTOS/PROCESSOS
SERÁ QUE NÓS
CONHECEMOS O
NOSSO MERCADO?
5. FAMILIARIDADE COM A
MATEMÁTICA/MÉTODOS
QUANTITATIVOS – MAIOR
RESPEITO PELOS NÚMEROS
Por falar nisso, levei um susto ao ler, na
revista Exame de 2/2/2005, que 49%
dos CEO’s brasileiros são engenheiros.
Enquanto isso, os estudantes de
engenharia representam apenas 4,4%
dos diplomandos de cursos superiores.
6. SÃO PONDERADOS – OUVEM
MAIS DO QUE FALAM – INSPIRAM
CONFIANÇA
A conclusão nos parece óbvia. Por
mais importantes que sejam os
conhecimentos técnicos transmitidos
a um aluno de graduação ou de pósgraduação, ganham destaque os
valores atitudinais e comportamentais. Sem exagero, pode-se dizer
que serão estes valores que definirão
os futuros líderes.
CONCLUSÃO
Recapitulando, eis como resumimos
o que dissemos até agora:
❖ Sonhe com um futuro melhor. E
construa-o. Se você crer nele, os
outros também irão crer.
❖ Evolua. Absorva e provoque as
O QUE HÁ DE TÃO EXTRAORDINÁRIO
NAS ESCOLAS DE ENGENHARIA?
49%
O mais curioso é que a situação se
repete quando se trata dos diretores
comerciais dessas grandes empresas.
Na mesma revista lemos também que,
47% deles são engenheiros, embora o
marketing e a comunicação de
mercado não façam parte do currículo
de engenharia. Parece-nos isto sim, que
o que distingue os formandos de engenharia mais do que os conhecimentos
que adquirem no curso, são as suas
mentes inquisitivas (sempre dispostas a
encontrar respostas para os problemas),
e, os valores tradicionalmente
associados à profissão. Fizemos um
levantamento entre professores e
executivos e chegamos à conclusão
de que as características típicas dos
engenheiros são as seguintes:
28
REVISTA
DA
ESPM–
M A I O
/
J U N H O
dos CEO’s brasileiros
são engenheiros.
D E
2005
Francisco
A propaganda já
representou mais de
mudanças. Mas não rompa com o
passado.
70%
❖ Fique sempre em sintonia com o
seu mercado e o seu ambiente de
negócios. Por exemplo, se você for
um educador, fique sempre ligado
com os alunos e com os futuros
empregadores.
das verbas de comunicação de marketing, há
apenas 20 anos. Hoje a
propaganda representa
cerca de
❖ Tire do mercado, e dos problemas
do dia-a-dia a inspiração para as
inovações que criarão vantagens e
diferenças competitivas.
40%
Para que o prezado leitor pense um
pouco mais no que estamos dizendo,
imitaremos agora os mestres do zen
budismo e proporemos dois “koans”,
ou seja, enigmas que não exigem resposta. O primeiro diz respeito à
forma como ainda hoje ensinamos
marketing nas escolas, fora da realidade do mercado de hoje.
A Figura I mostra a evolução do conceito de marketing, e do papel do
homem de marketing, nos últimos
40 anos. Como se vê, há 40 anos
esperava-se que o gerente de marketing fosse essencialmente um
comunicador. Este conceito evoluiu
progressivamente ao longo dos anos
e hoje se espera que ele seja essencialmente um negociante, estrategista e especialista. Será que nossos currículos estão acompanhando
esta evolução?
O segundo “koan” que quero propor é o da propaganda. Todos sabem
que a propaganda já representou
mais de 70% das verbas de comunicação de marketing, há apenas 20
anos. Hoje representa cerca de 40%
Gracioso
1965 – 2005
2005
NEGOCIANTE, ESTRATEGISTA E ESPECIALISTA
1995
ESTRATEGISTA, EMPREENDEDOR
1985
AMIGO DO TESOUREIRO
1975
DEFENSOR DA MARCA, INOVADOR
1965
COMUNICADOR, COORDENADOR
Figura 1
M A I O
/
J U N H O
D E
2005 –REVISTA DA ESPM
29
Sonhos e Lembranças
e a sua participação continua caindo. Isto não significa que a propaganda tenha perdido a sua
importância, mas é preciso levar em
conta as demais formas de comunicação com o mercado. Para ajudálo a pensar no que está acontecendo, daremos duas dicas:
1)
2)
O nome do jogo é relacionamento
As arenas da comunicação
agora são pelo menos sete:
I. MUNDO DO ENTRETENIMENTO –
DE MADONNA ATÉ O ROCK IN RIO
II. ESPORTE – PATROCÍNIO DE
ESPORTISTAS E CLUBES
III. MUNDO DA MODA – DE GISELE
BÜNDCHEN A SÃO PAULO FASHION
WEEK
IV. COMUNICAÇÃO PROMOCIONAL
E DIRIGIDA (MERCHANDISING,
PROMOÇÕES, CONCURSOS,
PREMIAÇÕES, INTERNET,
TELEMARKETING ETC.)
V. GRANDES EVENTOS
PROMOCIONAIS, COMO SALÕES
E FEIRAS
VI. GRANDES CADEIAS
VAREJISTAS
VII. PROPAGANDA TRADICIONAL
O NOME DO JOGO É
RELACIONAMENTO
O problema de hoje, cada vez mais,
consiste em manter viva, na mente
30
REVISTA
DA
ESPM–
M A I O
/
J U N H O
muitas vezes, não é mais: é um patrocínio, é um grande show de
✲ Mas,
moda, é um grande show de rock.
D E
2005
Francisco
do consumidor, a imagem da nossa
marca. Já não é mais possível, para
os grandes anunciantes, como antigamente, ter no ar, permanentemente, 50 a 60 campanhas. E o que
é mais incrível ainda, falo de coisas de 20, 30 anos atrás, 50 campanhas, e as 50 conseguiam
imprimir a marca de um produto
na cabeça do comprador de tal
forma que ele ia ao supermercado
e preferia aquela marca. Não é
mais possível. O mercado tornouse muito mais competitivo, muito
mais sofisticado, o consumidor já
não se emociona com facilidade.
Um estudo recente mostrou que as
três grandes preocupações da
classe média hoje são: primeiro,
plano de aposentadoria para o
chefe de família; segundo, a
educação para os filhos; terceiro,
plano de saúde para a família. São
essas as coisas que têm apelo
emocional, realmente, para a
maioria das famílias de classe
média neste país. Eles não atribuem
grande valor emocional a leite em
pó, sabonete, creme dental, detergente e coisas deste tipo. Os desavisados culpam a propaganda: “a
propaganda não consegue mais
vender, porque não consegue mais
marcar a marca”. Que grande
bobagem! Não é culpa da propaganda; é culpa de uma realidade
totalmente nova, culpa das próprias
empresas, que não investiram
como deveriam em inovação, nos
últimos anos, e, hoje, temos uma
mesmice de cair o queixo. A única
referência é a marca, porque o resto
é tudo igual. Aí dizem, novamente:
“culpa da propaganda”. Não, não
Gracioso
é “culpa” da propaganda. O
problema existe, mas seu enunciado é: “Como conservar o relacionamento de minha marca com o
consumidor?”
pode ser a propaganda, lá em cima,
no ápice do triângulo. Mas muitas
vezes, não é mais: é um patrocínio,
é um grande show de moda, é um
grande show de rock.
A propaganda de hoje também ganhou limitações de verba, de conceito, de responsabilidade. A propaganda não pode mais se responsabilizar pela construção de marcas
específicas. É praticamente impossível lançar um novo detergente,
investir 200 milhões de reais para
provar que lava mais branco. Porque, dentro de um mês, surgirá um
concorrente que vai lavar ainda
mais branco.
Chegamos ao item seguinte: estou
lançando e propondo a vocês, como
mais uma franchising da ESPM, as
Sete Arenas da Comunicação, porque, realmente, ninguém ainda pensou nisto e, entretanto, é o que já
está acontecendo no mundo real.
Então, a propaganda, cada vez
mais, se preocupa com uma
imagem baseada em confiança, em
fatores subjetivos, o que muda
completamente a natureza da
propaganda, e leva novamente à
pergunta: “Então, como manter o
relacionamento da marca?”. A
resposta existe e os grandes
anunciantes de vanguarda, sem
desprezar a propaganda, estão
encontrando outras formas de fazer,
criar e reforçar este relacionamento. São verdadeiros “esquemas
estratégicos” em que a propaganda
deixa de ser o fator principal, embora continue como fator importante, e algo lhe toma o lugar.
Esse algo pode ser um programa na
mídia, como o Show do Milhão,
um time de futebol ou a figura do
Ronaldo – o fenômeno –, que promove uma nova linha de celulares.
Não há realmente limite para a
imaginação. Se o problema é
relacionamento, a solução ainda
M A I O
/
As agências de propaganda de antigamente baseavam a sua força
para o cliente em duas coisas: em
primeiro lugar, na criatividade; em
segundo lugar, na capacidade de
planejar o uso da mídia de forma
eficiente e econômica.
A mídia o que era? Jornal, revista,
rádio, TV, cinema e cartaz de rua.
As agências, melhor do que ninguém, sabiam como combinar esses
veículos e sabiam como criar bons
materiais para usá-los nas campanhas. Hoje, a agência continua a
planejar o uso da mídia, mas já não
é mais exclusiva nisso. A agência sabe que, do lado do cliente, muitas
vezes, há gente capaz, tanto quanto
a agência, de planejar aquela mídia
de uma forma perfeita. Sabe que
tem a ameaça dos bureaux de mídia, que podem fazer isso melhor e
mais barato. Qual é a diferença que
a agência, pouco a pouco, poderá
assumir? Na minha opinião: em vez
de planejar mídia com base em
cinco veículos, a agência vai planejar mídia, com M maiúsculo, com
base nas Sete Arenas da Comunicação.
J U N H O
D E
2005 –REVISTA DA ESPM
31
Sonhos e Lembranças
Globo não escapava de, vez ou outra, focalizar um daqueles caras
fantasiados, e o nome da Brahma
aparecia na transmissão.
As campanhas passam, cada vez
mais, a ter, como ambiente, as Sete
Arenas da Comunicação e não
aquele mundo restrito da propaganda, que é apenas uma delas.
Vocês dirão: “Mas isso é impossível. Como é que eu vou
controlar, cobrar comissão, faturar?” Eu não sei, e pouca gente
sabe, mas garanto a vocês que vão
chegar lá e nossa Escola tem de se
antecipar, e tem de começar a
discutir este tipo de problema com
seus professores e alunos.
Na época, foi um escândalo, os publicitários se sentiram traídos, mas
era apenas um tênue prenúncio de
algo que está acontecendo cada
vez mais. A Coca-Cola, há dois
anos, deslocou 90% das suas
antigas verbas de propaganda em
TV, principalmente, para shows
tipo Rock in Rio, e tudo agora é
feito em função de esquemas
promocionais armados a partir
desses eventos. Eu poderia citar
inúmeros exemplos.
A outra grande vantagem da agência de propaganda para o seu
cliente era, e ainda é, a criatividade. Só que, agora, criatividade
deixa de ser aquele fator mágico
restrito ao anúncio ou ao comercial. Criatividade continua a ser o
bom anúncio, o bom comercial,
mas tornou-se mais do que isso,
precisa ter uma idéia que tire
partido, de alguma forma, das
possibilidades propiciadas pelas
Sete Arenas da Comunicação.
Ora, isso é uma oportunidade para
a criatividade das agências e é também uma nova responsabilidade
para nós. Quando falamos em criatividade, não basta mais falar em
anúncio e comercial. De alguma
forma, nossos alunos têm de compreender, nossos professores também, que, criatividade vai muito
além e incluiu a busca de idéias
para o aproveitamento dessas outras seis arenas da comunicação.
Como fazer isso? Darei um exemplo
singelo: há anos a Fischer & Justus,
que tinha a conta da Brahma, não
conseguiu ou não quis obter, para a
Brahma, o patrocínio de uma cota
da Copa do Mundo, que estava
sendo promovida pela Rede Globo.
Para manter o nome da Brahma, de
alguma forma, presente nas transmissões de TV, a Fischer & Justus,
reuniu uns 50 ou 100 “brancaleones”, com camisetas com o nome da Brahma, e essa turma sentava
nos estádios, em lugares privilegiados, em jogos do Brasil, de tal
forma que, muito a contragosto, a
32
REVISTA
DA
ESPM–
M A I O
/
J U N H O
Eu sei que isto é polêmico e vai exigir muita discussão adicional, mas
eu lanço aí a luva, para que vocês
meditem.
Voltando a falar de sonhos. Antes
queríamos ser cada vez mais reconhecidos como um Centro de Excelência na geração de conhecimento e no ensino da comunicação de mercado, marketing e
administração com foco no mercado. Agora queremos ser vistos
D E
2005
ANTES
“Queremos ser, cada vez
mais, reconhecidos como
um Centro de Excelência na
geração de conhecimentos
e no ensino da comunicação
de mercado, marketing e
administração com foco no
mercado.”
AGORA
“Queremos ser vistos como
um Centro de Excelência
na formação de futuros
dirigentes e empreendedores
da comunicação e dos
negócios.”
Figura 2
Francisco
como um Centro de Excelência na
formação de futuros dirigentes e
empreendedores da comunicação
dos negócios (vide Figura II).
Vocês se lembram daquela frase do
Chacrinha: “Eu não vim para esclarecer; vim para confundir”. Pois
eu vim para confundi-los hoje,
deliberadamente, de mil maneiras,
e esta é uma delas.
Confesso que me sinto inquieto com
a formulação de “missão” clássica,
tradicional, que temos, e, estimulado por esta questão dos engenheiros,
eu pergunto: não será o caso de
começarmos a pensar nesta Escola,
acima de tudo, como um Centro de
Excelência que forma líderes?
Gracioso
de estágio e 90% deles deram certo.
Nós estamos formando, para o
mercado de trabalho, bons profissionais em potencial e acho que
poderemos melhorar ainda, mas já
estamos conseguindo. Porém, eu
pergunto: este é um daqueles
pontos decisivos, que chamamos
de “break-throughs”? Não terá chegada a hora de assumirmos, para
valer, que, nossa missão daqui para
a frente, em função do mercado de
hoje e pensando no futuro, deverá
ser cada vez mais de “formar líderes”? E se assim for, o que fazer para
chegar lá, para que não fique só nas
palavras? ESPM
AUTOR
Porque, vejam, formar bons profissionais, nós já formamos. Nós assinamos, em 2004, 1.400 contratos
FRANCISCO GRACIOSO
Presidente da ESPM
Coca-Cola, há dois anos,
✲ Adeslocou
90% das suas
antigas verbas de propaganda
em TV, principalmente, para
shows do tipo Rock in Rio, e
tudo agora é feito em função
de esquemas promocionais
armados a partir desses
eventos.
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J U N H O
D E
2005 –REVISTA DA ESPM
33
Velho, esse Desconhecido
VELHO, ESSE
DESCONHECIDO
UM DOSSIÊ DAQUELES QUE
ATINGIRAM A MATURIDADE
36
REVISTA
DA
ESPM–
M A I O
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J U N H O
D E
2005
Maria Augusta
T
erceira idade. Maior idade. Melhor
idade. Muppies (sigla dos americanos para Mature Upscale PostProfessional que só vale para os mais
ricos). Cabeça Branca para os
reverenciados anciões japoneses. No
Brasil, os vovôs já foram os “coroas”.
Mas a expressão Seniores parece ser
a que mais agrada os de melhor
poder aquisitivo. Vale tudo que a
criatividade permitir para definir a
turma dos que ingressam na faixa dos
sessenta anos em diante. O que
ninguém quer ouvir é apenas uma
única palavra: velho.
Até meados dos anos 70, os idosos
ainda não despertavam maiores interesses como uma categoria diferenciada de consumo. Eram vistos ou
sob o estigma do velho abandonado
em asilos, ou sob o estereótipo do
patriarca bem-sucedido que gasta
seu tempo e dinheiro com viagens
de cruzeiro, chás de caridade ou
jogos de golfe. Ambas as situações
ainda persistem em seus extremos. O
que vem se delineando de forma cada
vez mais consistente, com base não
apenas em simples percepção, mas
em estatísticas, estudos e pesquisas,
é uma nova visão mais realista desses
indivíduos, seu estilo de vida,
comportamento, hábitos, atitudes de
compra, desejos e expectativas. É o
“novo velho” do século XXI.
De tempos em tempos, a febre do
ouro ataca a mídia e o mercado a
cada vez que descobrem um novo
filão de consumo. Foi assim com as
mulheres no período da Segunda
Guerra quando elas passaram a ser
vistas como força produtiva, capaz
de gerar renda própria, e com poder
de decisão para comprar e consumir
Blecher
traste com uma população jovem
cada vez mais reduzida. O alerta,
que partiu da Organização das Nações Unidas às vésperas da virada
do novo milênio, dividiu o mundo
entre os que viam nisso uma tremenda crise e os que veriam nestes dados
uma grande oportunidade.
CONHECER PARA
CONQUISTAR
velhos eram vistos ou sob o
✲ Os
estigma do velho abandonado
em asilos, ou sob o estereótipo
do patriarca bem-sucedido que
gasta seu tempo e dinheiro com
viagens de cruzeiro, chás de
caridade ou jogos de golfe.
uma infinidade de produtos que
foram surgindo exatamente para
atender a essa nova demanda. Conseqüência também do fim da Guerra,
a geração baby boomer foi o foco
do marketing nos anos 60 e 70, com
a descoberta de jovens com disposição para gastar dinheiro, ganho
com trabalho ou generosas mesadas
de pais cada vez mais permissivos.
Os yuppies, nos anos 80, foram o
extrato mais emblemático dos exageros do consumo quando mostraram ao mundo com quantos Armanis
se constrói o status.
Quando foram realizadas as primeiras prospecções desse emergente
mercado e começaram a surgir conceitos e definições para explorar essa
categoria de consumidores, os
autores descobriram que a própria
faixa etária não era consenso para
definir quem pertenceria a essa nova
DISTINÇÕES
70 PARA O
CÓDIGO CIVIL
65 PARA A POLÍTICA
NACIONAL DO IDOSO
60 ANOS PARA A
CONSTITUIÇÃO
A tendência revelada nos anos 90, e
que agora proporciona um novo
fôlego na busca cada vez mais segmentada por novos nichos de consumo, é o fenômeno representado
pela chamada “Revolução da Longevidade”, uma equação baseada em
dados demográficos que prevê um
contingente cada vez maior de
pessoas com 60 anos ou mais em con-
M A I O
/
J U N H O
D E
2005 –REVISTA DA ESPM
37
Velho, esse Desconhecido
somava 16 para cada 100 indivíduos
de 0 a 14 anos – e praticamente
dobra de número em 2000 na proporção de quase 30 idosos para cada
centena de jovens. As projeções mais
conservadoras apontam que em
2025 o Brasil terá por volta de 32
milhões de pessoas acima dos 65
anos, 15% da população total do
país. Quando isto acontecer, o Brasil
estará ocupando o posto de sexta
maior população de idosos do
mundo. Serão 1,1 bilhão de indivíduos nesta faixa etária em todo o
planeta. Em 2050, segundo projeções do IBGE, jovens e velhos se
igualarão em quantidade, representando cada grupo 18% da população
do país que terá, então, atingido uma
população de 260 milhões de
pessoas.
idade. Ainda hoje no Brasil, há distinções: são 60 anos para a Constituição, 65 para a Política Nacional
do Idoso e 70 para o Código Civil.
Estabelecida a confusão, não bastava
classificá-los apenas por ocupação,
renda e grau de instrução. Na hora
de criar produtos ou serviços para
essas pessoas, analistas se surpreenderam com a variedade de
perfis, muito diferentes das imagens
tradicionalmente exploradas pela
mídia. Existem muito mais nuances
entre o estilo de uma Vovó Donalda
que prepara biscoitinhos para os
netos e tricota meias na cadeira de
balanço e o comportamento de uma
Sue Johanson, que aos 70 e tantos
anos chacoalha os telespectadores
com seu ousado programa “Falando
de Sexo”. E antes que alguém diga
que velha é a vovozinha, é bom conhecer as “Racing Grannies”, as subversivas vovós canadenses que saem
às ruas para contestar tudo que
acham de errado. Com seus xales coloridos e suas canções de protesto
elas ilustram de forma radical e bem
humorada até onde podem chegar
os velhos deste novo milênio.
2000, PESSOAS
COM MAIS DE 60
ANOS ERAM 8,6%
Aprofundar o conhecimento desse
grupo e desenhar combinações –
estatísticas e perfis de comportamento – torna-se decisivo para
nortear qualquer ação voltada para
este novo mercado. E o maior incentivo para isso é que os números são
fabulosos. Só no Brasil, no censo
realizado pelo IBGE em 2000, pessoas com mais de 60 anos somavam
14.536.029, ou seja, 8,6% da
população brasileira. Numa retrospectiva rápida, em 1991, os idosos
representavam 7,3% do total. Recuando para 1980, a terceira idade
38
REVISTA
DA
ESPM–
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J U N H O
2025, REPRESENTARÃO
15% DA POPULAÇÃO
TOTAL DO PAÍS
2050, SEGUNDO
PROJEÇÕES DO IBGE, ELES
REPRESENTARÃO 18%
D E
2005
Se os números das estatísticas intimidam por sua grandeza e soam como música para o mercado de consumo, projetando um nicho promissor para gerar novos negócios, as
projeções assustam quando apontam
para um colapso de proporções inimagináveis. Devem temer os governos, despreparados para enfrentar
as contas públicas de uma grande
massa de aposentados e pensionistas, e os dependentes dos sistemas
de saúde que, se precários hoje, podem tornar-se inviáveis em países
menos desenvolvidos, se não houver
planejamento à altura.
Os índices do censo realizado pelo
IBGE 2000 sinalizam mudanças importantes, e para melhor, quando se
analisa do ponto de vista dos ren-
Maria Augusta
dimentos desta faixa etária: em 2000,
a média de proventos de cada idoso
estava em R$ 657,00, um crescimento relativo de 63% em relação
ao censo de 1991, quando somavam
R$ 403,00. Estes valores podem ganhar uma dimensão muito mais
ampla quando posicionados no contexto de um país com enormes desigualdades econômicas e sociais, de
grande concentração de renda em
determinadas regiões, projetando
diferentes realidades entre um idoso
urbano da região metropolitana de
São Paulo, que em 2000 ganhava em
média R$ 879,00, e o idoso do interior rural de um Estado nordestino
que tem os índices mais baixos do
Brasil, com rendimento médio, mensal, de apenas R$ 198,00.
Todo cuidado é pouco quando se
analisa, por exemplo, a formação de
renda do idoso: ela se compõe ora
de aposentadoria, pensão de viúvas,
trabalho regular remunerado, lucros
provenientes de aluguéis ou investimentos e mais recentemente de
previdência privada que em 1999
detinha um percentual de apenas
1,3% nesta composição. Segundo o
IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), até esta data,
89% nunca pensaram ou tiveram
acesso a este tipo de informação. Todas as variáveis são importantes para
os profissionais de marketing que
procuram aliar dados estatísticos
racionais a informações detalhadas
de comportamento. Sem isso, correse o risco de errar na comunicação
e ter produtos ou serviços rejeitados.
Ainda hoje publicitários vivem pisando em ovos quando criam campanhas para a terceira idade. O velho
sempre se considera mais jovem
Blecher
CRESCIMENTO
Porcentagem da população
com mais de 60 anos no Brasil
7,4
15,5
CERCA DE 30
MILHÕES DE
PESSOAS
9,1
8,3
1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020 2025
POPULAÇÃO IDOSA 2002
POPULAÇÃO COM MAIS DE 60 ANOS
BRASIL
REGIÕES
METROPOLITANAS
15 MILHÕES
5 MILHÕES
14% POPULAÇÃO
9% POPULAÇÃO ADULTA
9% POPULAÇÃO 13% POPULAÇÃO
ADULTA
Fonte: Pesquisa GFK/Indicator
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J U N H O
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2005 –REVISTA DA ESPM
39
Velho, esse Desconhecido
CONTRIBUIÇÕES INVISÍVEIS NO
ÚLTIMO ANO, AJUDOU/RECEBEU AJUDA
DA FAMÍLIA E/OU AMIGOS...
Base: Total de amostra (1.800)
Fonte: Pesquisa GFK/Indicator
82
69
Ouvindo os problemas
Dando conselhos sobre algum problema
81
60
Ajudando quando estava doente
74
72
Fazendo companhia
73
72
Dando presentes
63
71
Preparando ou oferecendo comida
62
51
Ajudando a tomar conta das crianças ou filhos
47
52
ajudou
espiritualmente do que a sua idade
cronológica possa indicar.
um imaginário distorcido em relação
aos brasileiros que ultrapassaram os
60 anos. Foram 1.800 entrevistas que
traduziram o dia-a-dia dos idosos
brasileiros em detalhes inéditos,
desmistificando comportamentos e
redimensionando a realidade da
terceira idade no país. Confira algumas conclusões do estudo: idosos
gastam 10% da renda com planos
de saúde e igual proporção em medicamentos. O supermercado leva
24%, enquanto as contas de manutenção – gás, luz entre outras – vão
ficando em 6% cada.
DERRUBANDO
MITOS
No Brasil, as iniciativas para se dimensionar o universo da terceira idade continuam tímidas. Exceção que
se tornou antológica foi a pesquisa
realizada pela consultoria GFK/
Indicator, em 2003 – Panorama da
Maturidade – que contribuiu de forma sem precedentes para eliminar
40
REVISTA
DA
ESPM–
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J U N H O
recebeu
D E
2005
Se o estopim para gerar este interesse
pela terceira idade explodiu com as
revelações estatísticas do início da
década de 90, a efetivação do discurso e concretização de ações foram embaladas, com a escolha pela
Organização das Nações Unidas em
1999, como sendo este o “Ano Internacional do Idoso”. Como sempre
acontece, o tema ganhou visibilidade e uma série de eventos e reportagens mostraram ao mundo a situação dos velhos em todo o planeta.
Enquanto nos países de Terceiro
Mundo o número de idosos cresce
em proporções aceleradas, os serviços médicos e facilidades sociais
não conseguem acompanhar a
demanda. No extremo oposto, ainda
segundo a ONU, em países ricos
como a Finlândia, o maior problema
será a falta de mão-de-obra, já que a
opção por uma aposentadoria antecipada, com grandes vantagens,
tem sido prática comum para cidadãos que sequer atingiram os 50
anos de vida.
Assim, o novo milênio foi marcado
pelas reformas compulsórias no
sistema previdenciário em todo o
mundo, com reflexos também em
países em desenvolvimento como o
Brasil. Aqui, o inchaço das contas estava nas privilegiadas condições dos
funcionários aposentados do serviço
público. A média histórica de 8 contribuintes para cada inativo, em
1950, hoje está na proporção quase
empatada de 1 para 1. Uma das muitas soluções propostas pela nova
legislação da Previdência, aprovada
no final de 2003, foi aumentar o
tempo de contribuição e idade para
se pendurar as chuteiras.
Maria Augusta
Se a ONU abriu os olhos do mundo
para os contrastes entre nações, gerando mudanças importantes como,
no Brasil, a criação de uma Política
Nacional do Idoso com um estatuto
vigente desde 2004, o outro lado da
moeda expôs o que já se sabe há
muito tempo: ser idoso nos Estados
Unidos é muito diferente de ser um
velho na África ou em países como
China e Índia, onde as comunidades
cada vez menos preservam traços
culturais de respeito ao ancião e
carecem todos do mesmo problema:
falta de políticas para cuidar de seus
velhos. Uma curiosidade em países
mulçumanos é que ainda prevalece
a solidariedade familiar cumprindo
um papel que em outras sociedades
vem sendo empurrado para a responsabilidade do Estado.
VIVER MAIS
E MELHOR
Mas quem ainda encara o velho
como peso para a família precisa se
atualizar. Dados do IBGE analisados
pelo IPEA – Instituto de Pesquisas
Econômicas e Administração – revelam que, atualmente, apenas 2,4%
dos maiores de 65 anos dependem
dos parentes para sobreviver. A
CONTRIBUIÇÕES INVISÍVEIS NO
ÚLTIMO ANO, AJUDOU/RECEBEU AJUDA
DA FAMÍLIA E/OU AMIGOS...
Base: Total de amostra (1.800)
Fonte: Pesquisa GFK/Indicator
Dando alguma orientação sobre negócios
ou questões de dinheiro
46
36
Fazendo compras ou alguma tarefa em algum lugar
32
40
Arrumando coisas
28
39
Ajudando com trabalho doméstico ou fazendo
reparos
27
38
Oferecendo transporte
20
41
Dando dinheiro ou pagando despesas
20
21
ajudou
Blecher
grande maioria tem algum tipo de
rendimento e muitos possuem casa
própria. Ao contrário: quando moram com filhos, os idosos contribuem
com 45% do orçamento doméstico,
proporção que sobe para 69%
quando são chefes de família.
Atualmente, de acordo com o IBGE,
Rio de Janeiro e Porto Alegre são as
cidades com maior proporção –
cerca de 12% – de idosos em relação
à média nacional, que é de 8,6%.
As cidades que seriam as mais adequadas para os aposentados viverem
coincidem com as que apontam os
melhores índices de desenvolvimento humano (IDH), padrão
adotado pela ONU, que mede a qualidade de vida nos municípios. As
preferidas são Florianópolis, Santos
e Niterói que só perdem para São
Caetano do Sul, na Grande São
Paulo, melhor IDH do Brasil em
2000 e Águas de São Pedro, interior
paulista – um destino tradicional para
temporadas de férias da terceira
idade. Um estudo do SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas), encomendado pela cidade de Santos, revelou que, após as
atividades portuárias, os serviços
voltados para idosos eram um dos
nichos de negócios mais promissores
para toda a Baixada Santista.
O mais famoso destino do mundo
para a terceira idade, seja para passear ou para residir é o estado americano da Flórida, endereço de boa
parte dos muppies que se instalam
nas ensolaradas praias da região. Empreendedores atentos souberam
explorar esta preferência incentivando a vinda dos maduros e abona-
recebeu
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dos aposentados, oferecendo produtos e serviços de alto padrão. São famosos os condomínios de luxo construídos e pensados, nos mínimos
detalhes, para atender às necessidades dos mais idosos – sistemas de
segurança, serviços, arquitetura
projetada para conforto máximo dos
moradores. Localizados em áreas
ecológicas, com campos de golfe
particulares e comércio privado,
alguns chegam a restringir a presença
de crianças. No Brasil, também começam a surgir lançamentos imobiliários inspirados na experiência
americana e alguns loteamentos no
interior que focam a clientela madura
oferecendo benefícios similares aos
projetos da Flórida.
O que talvez seja o empreendimento
mais tradicional e um dos mais organizados para atender a demanda
desta faixa etária é o turismo. As
agências de viagens continuam oferecendo os tradicionais roteiros de
cruzeiros, resorts e excursões de
compras, mas algumas já se adaptaram a uma nova clientela que foge
dos destinos convencionais e opta
por atividades de lazer mais radicais
como trilhas e off road.
por mulheres viúvas e com renda
média de R$ 1.200,00, é uma fina
camada diferenciada que quer seus
direitos respeitados, cobra
pontualidade, segurança, higiene, e
exige informações corretas. Segundo
a ABCMI, seus associados viajam em
média 3 vezes por ano. Na pesquisa
da GFK/Indicator, a freqüência é
ainda maior, chegando a 4 vezes por
ano.
A Associação Brasileira dos Clubes
da Melhor Idade, que tem apoio da
Embratur, estimula, com informações
e descontos, o lazer de seus 220 mil
associados. Viagens, cursos, academias e até os óculos têm preços
especiais mediante o cadastro e
pagamento de anuidade. Este seleto
público, composto principalmente
A leitura de dados e estatísticas
precisa sempre reunir muitas variáveis para que sejam evitadas conclusões equivocadas e permita
avaliar quanto há de desperdício ou
quando se está subestimando este
público. Esta é uma dúvida freqüente
para quem planeja dentro das
empresas e agências de propaganda:
dados confiáveis. Nem tudo é
certificado. Aprende-se por intuição
e observação que, velhos são resistentes às novidades, dedicam menos
tempo a buscar informação e preferem comprar o que já conhecem.
Numa pesquisa australiana de 1981
sobre a aquisição de novos carros por
pessoas mais velhas já se concluía
que esse cliente compra com segurança o que conhece de experiências
anteriores. Já autores americanos,
que vêm publicando estudos desde
o final dos anos 70, perseguem a
estruturação de perfis mais detalhados que contribuam para entender melhor estes consumidores.
novidades não param de surgir: são celulares, MP3 players,
✲ As
gravadores de DVD, modernidades cada vez mais fáceis de
comprar, mas muitas vezes difíceis de manusear.
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Algumas conclusões: adultos com
mais de 65 anos podem ser tradicionalistas – apegados a valores
familiares, de hábitos caseiros e resistentes a mudanças bruscas; sociáveis
– esta é a turma que gosta de trabalhos filantrópicos, bingos e viagens
Maria Augusta
RESPONSÁVEL PELO DOMICÍLIO
70%
Blecher
em grupo; ou isolacionistas – aqueles
que não querem participar de atividades coletivas. Em outras abordagens, a terceira idade pode revelarse ativa, econômica ou não envolvida no que diz respeito a hábitos
de compra.
É O RESPONSÁVEL PELO DOMICÍLIO
MUDANÇA
DE HÁBITOS
30%
NÃO É O RESPONSÁVEL
Outra surpresa da pesquisa GFK/Indicator foi a constatação de que 20%
dos idosos utilizam o computador
pessoal inclusive para pagar contas.
O acesso às novas tecnologias, previsto até por um artigo do Estatuto
do Idoso, não deve se limitar à informática. As novidades não param de
surgir: e são celulares, MP3 players,
gravadores de DVD, modernidades
cada vez mais fáceis de comprar, mas
muitas vezes difíceis de manusear.
Em plena era digital, a peça de resistência ainda é o caixa eletrônico dos
bancos. O desafio de aprender a usálos vem desde os anos 80 e, até hoje,
muitos idosos preferem utilizar os
caixas tradicionais, alegando dificuldades técnicas. As instituições bancárias, que mantêm funcionários auxiliando e monitorando o uso destes
equipamentos, ainda computam
mais uma razão: a busca de contato
pessoal em contrapartida à interface
com uma máquina.
Fonte: Pesquisa GFK/Indicator
✲
As escolas de informática costumam
oferecer classes especiais para a terceira idade, exatamente, para atender a essa necessidade de aprender
a lidar com novas tecnologias. Apresentados ao computador já
adultos, esta geração não foi exigida
profissionalmente para utilizá-lo.
Atualmente, idosos de todas as partes do mundo – em especial
aqueles com filhos e netos distantes – descobrem o universo da
Internet e as novas formas de interação.
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Velho, esse Desconhecido
didas, causam enorme impacto para
o idoso que tem uma percepção aguçada e seletiva para quem os trata bem.
TIPOS DE DOMICÍLIOS
UNIPESSOAIS
TOTAL
10%
IDOSO +
CÔNJUGE 60 OU +
17%
OUTRAS
CONFIGURAÇÕES
73%
Fonte: Pesquisa GFK/Indicator
Atualmente, idosos de todas as partes
do mundo – em especial aqueles
com filhos e netos distantes –
descobrem o universo da Internet e
as novas formas de interação: emails, salas de bate-papo, comunicadores instantâneos e softwares
que permitem conversas telefônicas
com custo quase zero, além da
possibilidade de enviar fotos e filmes
on-line. Já quem convive de perto
com a família acaba aprendendo a
mexer nestes gadgets até por brincadeira, como acontece entre avós
e netos com os vídeo-games. Mas,
são raras as indústrias que produzem
equipamentos de manuseio simplificado com instruções fáceis de
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Os supermercadistas, mais espertos,
sabem que conhecer a clientela faz
tilintar a caixa registradora. Assim,
atendentes são orientados para um
comportamento menos apressado ao
se deparar com idosos. Ser gentil, dar
atenção e memorizar nomes de
clientes mais assíduos faz milagres
para a fidelidade. Serviços de entrega, vagas especiais e manobristas para carros, além de check-outs exclusivos incentivam, às vezes, mais de
uma visita por dia ao estabelecimento. Algumas redes de supermercados
e shopping centers estão indo além
dos mimos e oferecem, de aulas de
ginástica, palestras, eventos de cuidados com a saúde, onde há, até, monitoramento de pressão e diabetes.
PARAR OU
CONTINUAR? EIS
A QUESTÃO.
seguir.
Talvez os 90 bilhões de reais nas
mãos de idosos – uma média aproximada da renda anual dos que têm
mais de 65 anos – venham a sensibilizar o mercado para criar novas
modalidades de serviços e produtos
mais adequados às necessidades
típicas desta faixa etária. Ainda
assim, algumas empresas ainda não
despertaram para fazer, sequer, o que
é bastante óbvio: aumentar o tamanho das letras dos rótulos, evitar degraus dentro de lojas, oferecer áreas
de descanso com poltronas e cadeiras em shopping centers. São reivindicações antigas que, quando aten-
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Se por um lado existe uma legião de
idosos procurando o que fazer com
o tempo livre, boa parte ainda permanece na ativa, trabalhando. Os
que construíram carreiras bem sucedidas, têm níveis de escolaridade altos, e ainda se sentem dispostos a
contribuir com seu know-how, partem para a segunda carreira como
consultores ou professores. Muitos
também vão atrás do sonho de ter
um negócio próprio, em geral ligado
a hobbies que não tiveram tempo de
cultivar. Mas uma outra parcela pega
mesmo pesado, pois trabalha pela
sobrevivência ou para melhorar o
padrão de vida que despencou junto
Maria Augusta
com a aposentadoria. É o caso dos
office-boys da terceira idade, modalidade profissional em que ter mais
de 60 anos só traz vantagens para os
empregadores. Sem custos trabalhistas, prioridade em filas de banco e
passe livre nos ônibus já que não pa-
gam passagens, os mais velhos acabam disputando vagas com os mais
jovens. E ganham.
Quem não precisa se preocupar com
a sobrevivência também não fica
apenas circulando nos bingos e bailes da terceira idade, uma lenda que
a pesquisa da GFK/Indicator ajudou
a derrubar. Menos de 8% dos idosos
freqüentam estes lugares. Será mais
fácil encontrá-los nos parques – para
onde mais da metade se dirige pelo
menos uma vez por semana – assim
como nos shopping centers freqüentados por um terço dos entrevistados cerca de 4 vezes ao mês. O
resto do tempo em casa, segundo
estudo da Mercado Global, o idoso
gasta vendo televisão – 87%, ou ouvindo rádio – 59%. A leitura é um
hábito pouco cultivado. Dados do
IBGE revelam que pouco evoluíram
os índices de escolaridade dos idosos, medidos por anos de estudo dos
responsáveis pelo domicílio. A
média nacional é de 3,4 anos de estudo. Niterói, no Estado do Rio de
Janeiro, é a cidade onde se encontra
o índice mais elevado de escolaridade: 8,2 anos. Os mais baixos são,
praticamente, zero em duas cidades
no estado do Piauí, com 0,2. Neste
contexto, é um privilégio, de poucos,
freqüentar as chamadas Universidades
Abertas da Terceira Idade, instituições
com suporte das faculdades regulares
e que oferecem, sem custo ou a partir
de taxas simbólicas, disciplinas e
cursos livres de temas variados.
Um dos temas da Organização
Mundial de Saúde, que trabalha pela
prevenção da saúde da população
do planeta, no caso da terceira idade,
prescreve a necessidade de ações
que assegurem a independência e a
vida ativa com o envelhecimento.
Atender a esta recomendação da
OMS está na proporção do bolso do
freguês. Assim, crescem em número
as ONGs, os centros públicos de
leitura é um hábito pouco cultivado. Dados do IBGE revelam que
✲ Apouco
evoluíram os índices de escolaridade dos idosos, medidos por
anos de estudo dos responsáveis pelo domicílio.
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mulheres, que, por razões variadas
que ainda estão sendo investigadas
pela medicina, têm uma sobrevida
maior em todas as partes do mundo.
No Japão, os Cabeças Brancas
atingem, tranqüilamente, os 80 anos.
Mas o fenômeno que mais
surpreende com a chegada do novo
milênio é o das pessoas que
atingiram 100 anos de vida. Eram
180 mil em 2000 em todo o mundo
e, no Brasil, por volta de 9,5 mil. As
previsões são de que venham a
atingir 3,2 milhões em todo o planeta
até 2050. Hoje já não causa espanto
saber que a mãe da rainha Elizabeth
II atingiu 101 anos de idade e que,
Roberto Marinho quase chegou lá
com 98. Detalhe de sua longa
convivência, e os lares para abrigar
os mais carentes. Por outro lado, um
negócio que tem tudo para se expandir e prosperar são os residenciais
de alto padrão que substituem o
conceito de clínicas e casas de repouso e abrigam uma clientela de
alto poder aquisitivo disposta a pagar
por um espaço exclusivo que reúna
assessoria de saúde com as mordomias de hotéis.
Até o início do século XX, apenas
25% da população mundial completava 60 anos. A expectativa de vida
é um dado que cresceu no Brasil,
passando de 43 anos na década de
50 para os atuais 67 em média, sendo
63 para os homens e 72 para as
ESTATUTO DO IDOSO
Cap. V Art. 20 – O idoso tem direito a educação, cultura, esporte,
lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua
peculiar condição de idade.
Cap. V Art. 21 Par. 1 – Os cursos especiais para idosos incluirão
conteúdo relativo às técnicas de comunicação, computação e demais
avanços tecnológicos, para sua integração à vida moderna.
Cap. V Art. 24. – Os meios de comunicação manterão espaços e
horários especiais voltados aos idosos, com finalidade informativa,
educativa, artística, e cultural, e ao público sobre o processo de
envelhecimento.
Dos Crimes – Art. 96 – Discriminar pessoa idosa, impedindo ou
dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte,
ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento
necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade. Pena:
Reclusão de 6 meses a 1 ano e multa.
Dos crimes – Art. 105 – Exibir ou veicular , por qualquer meio de
comunicação informações ou imagens depreciativas ou injuriosas à
pessoa do idoso. Pena – detenção de 1 a 3 anos e multa.
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biografia: fundou a Rede Globo aos
60 anos de idade. Até C. Montgomery
Burns, o magnata centenário do
desenho animado Os Simpsons,
continua na ativa comandando com
mão-de-ferro o seu império nuclear
em Springfield.
SÓ PARA
VETERANOS
Nos anos 60, os Beatles cantavam o
antiquado foxtrot “When I’m SixtyFour” imaginando o dia-a-dia de um
casal de velhinhos. Paul McCartney,
nascido em 1942, pai de uma menina de 2 anos, nem de longe lembra
a dupla cheia de manias retratada
nos versos da canção. Mick Jagger,
também pai de um garoto de 5 anos,
com atuais 61 anos, continua a
cantar “Satisfaction” nos palcos.
Enquanto isso, a indústria farmacêutica fatura, e muito, com medicamentos destinados a homens com
disfunção erétil, uma das preocupações mais temidas quando se
ingressa na terceira idade. O Viagra,
que surgiu em 1998 para combater
este problema, é um campeão de
vendas junto com o Celebra, um
anti-reumático que, por ocasião de
seu lançamento em 1999 teve 7,4
milhões de receitas aviadas em
apenas 6 meses no Brasil.
A indústria farmacêutica, pela natureza do negócio, foi um dos poucos setores que sempre tiveram uma
política de marketing para atingir a
este público-alvo. Os remédios de
uso contínuo, consumidos em
grande escala por idosos, são
responsáveis por boa parte dos lucros
dos laboratórios que investem
Maria Augusta
fortunas em pesquisas neste segmento. Os Planos de Saúde também
estão investindo em segmentação e
já existem empresas especializadas
exclusivamente nesta faixa etária.
Outro mercado que soube explorar
expectativas e cresce sem parar é o
de produtos do ramo financeiro. Planos de previdência e aplicações do
tipo capitalização que sorteiam
prêmios são os favoritos. As financeiras também encontraram no público maduro uma oportunidade de
oferecer empréstimo a um custo
baixo e inadimplência bastante
reduzida, já que as parcelas são
debitadas diretamente do benefício
pago pela previdência social.
Algumas instituições vão além. O
Banco Real, por exemplo, criou o
concurso Talentos da Maturidade,
que já teve seis edições até 2004
premiando a produção artística do
pessoal da terceira idade. Tornou-se
uma referência para o escasso calendário de eventos voltados para este
público. Mesmo com cases de sucesso como este, as iniciativas no Brasil
ainda têm pouca visibilidade e boa
Blecher
parte não tem continuidade. Revistas, guias e programas na televisão
não vingaram, e os sites especializados na Internet ainda carecem de
atrativos mais espetaculares. Nos
Estados Unidos, por exemplo, é possível encontrar até um endereço voltado para avós que são ativistas contra guerras. Todos são patrocinados
por grandes empresas.
Idoso não quer rótulo de velho. Mas
quando apelar para a idade traz algum tipo de vantagem como descontos em compras, meia-entrada nos
cinemas e teatros, passe livre nos
transportes públicos, filas e assentos
preferenciais, eles assumem suas
carteirinhas e cartões de fidelidade.
As redes de drogarias travam, até
hoje, verdadeiras guerras por este
consumidor, utilizando como “garotos-propaganda” artistas com suas
reais e assumidas idades.
Uma curiosa constatação que vem
sendo acompanhada pelo (IPEA),
Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada é a de que, parte da renda
do idoso, de todas as classes sociais,
acaba revertendo em benefícios para
as gerações mais jovens. Muitos
ajudam no orçamento doméstico,
pagam estudos para os netos, aulas
extras de inglês e esportes, compram
brinquedos e roupinhas, biscoitos,
doces e iogurtes. Levam os netos para
lanchonetes e shopping centers e
também em viagens de férias. Chega
a 25% a porcentagem dos domicílios
mantidos exclusivamente com aposentadorias de idosos.
Até o início do século XX, apenas 25% da população mundial
60 anos. A expectativa de vida é um dado que cresceu
✲ completava
no Brasil, passando de 43 anos na década de 50 para os atuais 67
E a presença de pessoas acima de
60 anos nas famílias, respondendo
por, no mínimo, 50% do total de resi-
em média, sendo 63 para os homens e 72 para as mulheres.
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BIBLIOGRAFIA
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Censo 2000, IBGE.
CAMARANO, Ana Amélia (org). Muito Além dos
60. Os novos idosos brasileiros. Dez 1999.
IPEA. Rio de Janeiro.
Panorama da Maturidade. Pesquisa GFK/
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BUTLER, Robert. A Revolução da Longevidade,
O Correio da Unesco, março 1999, São Paulo.
ZALTZMAN, Cláudio. Segmentação de Mercado
dos consumidores mais velhos segundo seus
perfis e estilos de vida. RAUSP, out.-dez. 1996,
São Paulo.
✲
Assim, uma série de recomendações inclui abandonar vícios
como cigarro, adotar uma alimentação saudável, cultivar as
amizades, resolver palavras cruzadas, sair do sedentarismo e
começar a praticar algum esporte.
cuidados com a saúde ainda são a
providência mais importante para se
chegar com fôlego à terceira idade.
Assim, uma série de recomendações
inclui abandonar vícios como cigarro, adotar uma alimentação saudável, cultivar as amizades, resolver
palavras cruzadas, sair do sedentarismo e começar a praticar algum
esporte. Nem que seja levar o cachorro para passear. Trocar pijama e
chinelo por tênis e agasalho. ESPM
dentes, acabou gerando a criação de
um novo índice de inflação: o IPC3I, Índice de Preços do Consumidor
da Terceira Idade, que a Fundação
Getulio Vargas vai administrar a partir
deste ano através da coleta mensal
de dados e divulgação dos resultados, trimestralmente. A explicação
para o novo indicador é que, na cesta
básica do idoso, certos itens como
medicamentos, planos de saúde e
perfumaria, pesam mais.
Ainda não é uma obsessão, mas já
está se tornando febre entre os mais
jovens a idéia de retardar o envelhecimento. Este medo alimenta uma
indústria que nunca produziu tantos
livros, clínicas e academias especializadas, e uma “cosmiatria” que tem
por lema plantar hoje para colher
amanhã, ou seja, a prevenção. Os
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REVISTA
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AUTORA
MARIA AUGUSTA BLECHER
é jornalista, colabora com revistas e
publicações da Editora Abril, textos
institucionais para empresas e
redação de livros.
D E
2005
ESTATUTO DO IDOSO. Redação Final do projeto
de Lei da Câmara no 57, de 2003.
BERLINCK & BERLINCK. Terceira Idade e
Tecnologia. Editora Moderna. Jan-abr 1998.
WIESE/ BERG, Ronald. Shopping Center e o
Consumidor da Terceira Idade. Anais Cladea /
95, São Paulo. P 566-573. Set.1995.
Agência Estado. 8 abril 2005. FGV divulgará
inflação para a 3ª idade. Farid J.
Artigo. Uma nova cidadania. Revista E. p.16 –
21 out 2003.
Artigo. Jovens depois dos 60. Célia Chaim. ISTO
É. 26.09.2001 p.72. Ed Três. São Paulo.
Artigo O que há de bom para a 3ª idade.
Finanças. ISTO É DINHEIRO. Kênia Miriam.
Artigo. Vovô vai a luta. Dieguez, Consuelo. VEJA.
06.09.2000.
Artigo. Admirável terceira idade. Giro News.
p.46- 47- nov 2004.
Artigo. Atenções Especiais para a Melhor Idade.
Mercado Global. p-14-17. 1o trim. 2005.
Artigo. Pijama é só para a hora de dormir. Valor
Investe. P.58-61. Nov. 2003, jan 2004.
O Último
Dia
H
O ÚLTIMO
DIA
oje é o último dia dele na empresa, depois de 40 anos de dedicação e muito trabalho. Começou
como estagiário. Participou do
primeiro programa de trainees da
REVELI Company no Brasil. Atuou
como gerente de produtos,
gerente de categoria de produtos,
diretor de marketing e gerente
geral de várias divisões no Brasil
e fora dele. Há dez anos conquistou o cargo de presidente da
companhia no Brasil. Com ele à
frente, a empresa se transformou
na fatia mais rentável do grupo e,
por isso, ocupa uma posição de
destaque na contribuição para os
resultados globais. José Carlos
Benvenuti, o enigmático. Quase
uma lenda. Um homem poderoso
e de fácil acesso aos poderosos.
Fico a pensar em como será a empresa sem ele. O que nos espera
daqui por diante? Como será o
sucessor? Como será trabalhar
aqui sem a presença dele no diaa-dia? Algumas perguntas e muitas
dúvidas. Quase todas egoístas.
Todos se referem a si e – no
máximo – sobre a empresa.
Ninguém fala dele ou sobre ele.
Não se levantam questões do tipo:
como será esse novo momento
para ele? No que será que ele está
pensando? O que e como ele fará
daqui para frente?
Entrei naquela sala pouco antes
do almoço. O normal era
encontrar a porta rigorosamente
fechada. Hoje estava entreaberta.
José Carlos Benvenuti estava ali.
Na sala dos botões. Sala onde
poucos eram convidados a entrar.
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Alexandre Mathias e Marco Dalpozzo
Quando entrei, não sabia bem o que
falar. Falo? Perguntei-me. Por fim
entrei só com o silêncio dos passos.
Ele estava em pé olhando os quadros
perto da janela, em frente a um
quadro exótico, lembrança sei lá eu
de qual viagem, ou quem sabe até
fruto de uma premiação ou reconhecimento. Os quadros eram globais. Representavam muitos e variados lugares do mundo, eram os frutos de uma história profissional que
há muito tempo misturava-se com a
biografia. Mas nada disso parecia fazer diferença diante da realidade. José
Carlos tinha chegado ao último dia.
Recebi o convite de um almoço de
trabalho há alguns dias, mas não tinha ainda a clara percepção de que
aquele era – para ele – o último dia.
Agora ele entrava silenciosamente
naquela sala, onde por várias vezes
sentira frio na barriga antes de cruzar aquela porta. João Carlos estava
– agora – em frente aos quadros dele, procurando em cada um as cores
da sua existência. Não pensei em
nada. A quantidade e a intensidade
do momento exigiam máxima concentração. Era necessário ler e entender aquele momento. Mais: era
importante perceber o sentido que
aquilo fazia para ele. Nós, parceiros estratégicos de RH, não somos
chamados para falar, opinar, agir,
mas – naqueles momentos – estamos ali para receber, escutar, suportar, conter emoções e sentimentos
que não cabem em outros lugares;
nas decisões do dia-a-dia de um
líder. Assim, proporcionalmente ao
peso extraordinário do momento,
não era possível pensar nas minhas
perguntas. Não seria digno agir as-
sim. Só queria compartilhar com ele
um instante de grande emoção.
Os quadros pareciam interrogativos
naquele instante. Por quê? Por quê?
Por quê? Era a pergunta que cada
um parecia dirigir-lhe. Por que agora? Por que não esperar mais dois
anos? Por que daquela maneira? Por
que aquela existência? A força dos
porquês se perde ao longo de nossas
vidas. São pequenos filhos a quem
temos que conquistar. Sem medos.
Aliás, somos fascinados por nossos
porquês. Eles são os alicerces de
nossas conquistas. Mas depois,
crescendo e envelhecendo, é como
se esquecêssemos que – apesar de
adultos – continuamos a ser filhos e
que os porquês são cada vez mais,
decididamente, instigantes e
desafiadores. Nunca tinha entrado
naquela sala e o encontrado de pé,
em frente aos quadros. Em vez de
parecer-me em busca de uma
nostálgica procura pelos fragmentos
do passado, deu-me a nítida
sensação que estivera, sim, à
procura de alívio para a dolorida
via-crúcis dos porquês.
Entrei. José Carlos logo percebeu
minha presença. Não ficou surpreso. Estendeu a mão, recebeu-me e
disse-me que ficasse ao lado dele e
comentou:
“Catelli, este vem da Mongólia. Estive lá quando ainda só tinham bandeiras vermelhas e militares nas ruas
congeladas de Ulambator.” “Como
deveria ser perigoso fazer – naquela
época – negócios naqueles países”,
disse para iniciar a conversa. “Perigoso é o Rio de Janeiro de hoje. A
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Mongólia é rica em recursos naturais e sabia – já naquele tempo – viver
em comunidade e com respeito aos
recursos que ela possuía; o que não
é verdade em nossa cidade.”
Como sempre, tinha uma lição de
vida a me esperar. Estava ali, diante
de mim, o velho sábio que assume o
papel de formador. E eu, como aluno, ansiava por conhecer os critérios
da relação e aonde levaria aquela
conversa. Convidou-me a sentar no
largo sofá. Era a primeira vez, depois
de tantos anos juntos, que nossa
conversa podia ter lugar em um outro
contexto que não à mesa de trabalho
dele. Sinal de um evento extraordinário como efetivamente deveria
ser o ultimo dia. Ofereceu-me um
drinque e algumas castanhas de caju.
Aparentemente relaxado, agia com
outra velocidade, com outro ritmo
em relação ao de costume.
“Sabe do que tenho certeza em relação ao amanhã?” – Não, disse
ainda um pouco constrangido pelo
novo jeito da conversa. “Sei –
continuou – que o telefone vai parar
de tocar. Que perderei um dos
sobrenomes. E aí, passarão à minha
frente todas as fraldas do meu filho
que deixei de trocar em nome do
objetivo de cada ano, mais desafiador e de – apesar de tudo – teria de
ser atingido.” Não precisei falar. Só
o meu olhar interessado e compreensivo foi suficiente para que José
Carlos, normalmente considerado
pouco eloqüente, iniciasse uma longa reflexão sobre o momento.
“Em meu primeiro ano como presidente a companhia valia dezoito
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O Último
Dia
vezes menos do que vale hoje, mas e
as fraldas de meu filho? Tampouco as
troquei!” O olhar dele, surpreendentemente, transformou-se. Parecia que
olhava aquele filho chorando, ali,
agora, naquele instante. Com os olhos
marejados, à espera de uma ajuda,
de um conforto, de uma intervenção,
que pudesse aliviar a dor das
emoções. Eu não sabia o que fazer.
Fiquei surpreso. Por instantes, o que
eu acostumara a ver mudou. O sábio
e equilibrado presidente que sabia
tudo revelava uma outra faceta. Uma
personalidade rica e complexa há
muito tempo escondida.
Só então comecei a entender porque
eu estava ali. Comecei a transitar na
dureza do momento, na intensidade
de tudo aquilo e naquela intimidade
que, enfim, se revelara. Tratava-se de
um líder. Um líder de fato e direito.
Homem de sucesso reconhecido. De
vitórias representadas em todos os
cantos da sala e nas minhas lembranças. Lá estava ele, no último dia
de trabalho. E o dia seguinte? Como
seria viver depois de todas as festas
e comemorações, discursos, cartas
e agradecimentos? No dia seguinte
não teria mais o carro com o fiel
motorista e tudo o mais que o
cercava de pompas e solenidades.
De repente ele diz: “Comprei um
Honda Fit. Carro pequeno. Não chama atenção e não quebra”. Falava
como se a vida recomeçasse. Como
se após muitos anos recomeçasse a
andar. Pela primeira vez senti aquela
situação mais do que ele. Pela primeira vez senti que tinha finalmente
espaço para fazer perguntas a si:
Quem sou eu? Senti uma eterna riqueza naquele instante. Diante de
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Alexandre Mathias e Marco Dalpozzo
mim estava mais do que um eterno
presidente: estava ali uma pessoa que
se abria à própria complexidade.
“Sabe o que lhe desejo?” Disse-lhe.
“O quê?” Perguntou com um olhar
de rara doçura, “que seu filho e muitos outros possam aproveitar este
novo ser, e que você possa, escrever
outras histórias ricas e satisfatórias
como a que escreveu aqui. Esta é só
uma, que durou um longo e belíssimo instante. Que você com direito
e orgulho coloca sua assinatura, mas
com certeza não será a última. Se
permite, o que nos nutre é o projeto
de nossa biografia, da qual nossa
carreira faz parte e nos acompanha
para sempre. Você escreverá outras,
importantes, úteis e grandiosas, para
você e para os seus”. – “Tenho consciência”, disse. “Talvez, além da casa
e da família e das minhas raquetes
de tênis, precisarei de um novo
sonho. Vou deixar estes quadros
onde estão, assim terei espaço para
o novo, assim não guardarei um
passado que arrisca ser minha
referência”. Pensei em suas palavras,
e, tremendo de emoção, ganhei
tempo enchendo o meu copo de
água e respondi. “Sr., tire os seus
quadros daqui, deixe que seu
sucessor, que você preparou com
tanto cuidado e antecipação, possa
ser autor como você foi. Encontre o
lugar para o seu passado, uma sala,
um armário, uma parede. Guarde só
o que é realmente importante. O
resto, o excesso, a gordura de uma
carreira tão rica jogue fora, e deixe
o lugar, a existência, a novos encontros, a novas realizações das
quais, talvez hoje, nem tenha a menor consciência. Recupere a con-
versa com seu filho, caminhe na rua,
em baixo da sua casa, onde por
tantos dias passou no seu carro
blindado lendo o jornal e se preparando para reuniões. Perceba que
ali existem tantas outras histórias
dignas quanto a sua. Com certeza
assim terá a chance de encontrar
dicas de futuro.” Ele me olhou, o
almoço nem tinha começado, e
meu cansaço emocional era,
imagino, claramente aparente. José
Carlos então me disse: “Obrigado,
Catelli, como sempre palavras
honestas e apaixonadas. Sei que
você tem uma outra reunião logo,
se precisar sair não se preocupe,
tenho ainda muitas tarefas a fazer.
Nosso papo me deu conforto, mais
uma vez, espero reencontrá-lo um
dia: cuide de nossa gente”. – “Assim
farei”, disse. “Obrigado pelo almoço e pelo privilégio de estar aqui e
de ter vivido este momento com o
senhor.”
Saí da sala atordoado, sem saber o
que fazer. Pequei meu paletó e
minhas coisas. Sem falar com ninguém, fui para casa brincar com
minha filha. ESPM
AUTORES
MARCO DALPOZZO
([email protected]) é
Diretor de Desenvolvimento de
Recursos Humanos da Vale do Rio
Doce.
ALEXANDRE MATHIAS
([email protected]) é Diretor Geral
da ESPM do Rio de Janeiro.
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2005 –REVISTA DA ESPM
57
EntreVista
ELES
JÁ
PASSARAM
80
DOS
O
s editores da Revista da ESPM pensaram em entrevistar um brasileiro
de mais de 80 anos que estivesse
exercendo – mais ou menos normalmente – as suas atividades profissionais em setores ligados à atividade da Escola, como comunicação,
marketing, management, e que,
naturalmente, concordasse em falar
sobre si próprio: como é “ficar velho” num mundo que se considera
“jovem” e outros assuntos que formam a pauta desta edição da
Revista.
A busca resultou não em um, mas
em três, e o destino definiu que, até
estatisticamente, eles fossem representativos: Homero Icaza Sanchez,
o “bruxo” das pesquisas, está com
80 anos – e dirige o seu Itape, pres-
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2005
tando serviços regulares à TV Globo; Said Farhat, o “nosso” primeiro
e único Ministro das Comunicações,
jornalista, publicitário, editor,
consultor político, ainda divide seu
tempo entre São Paulo e Miami, e –
aos 85 anos – participa de inúmeras
atividades e mantém uma agenda
cheia; enquanto José Mindlin, exempresário e advogado e bibliófilo
exemplar, aos 91, administra, ama e
inspira a sua magnífica coleção, no
Brooklyn paulista, concordando em
interromper seu trabalho, de vez em
quando, para dar uma entrevista –
por exemplo.
Os resultados dessa rica colheita
estão nas páginas seguintes.
(FG e JRWP)
ENTREVISTA
HOMERO ICAZA
SANCHEZ
HOMERO ICAZA SANCHEZ é
quase um mito para toda uma geração
pioneira do marketing e da propaganda, no Brasil, sobretudo pela sua
atuação no campo da Pesquisa de
Mercado. Nascido no Panamá – em
1925 – ele veio para o Brasil em 1944
e daqui nunca mais saiu. Iniciou a
carreira em seu país como advogado,
passou para a carreira diplomática e
foi cônsul geral do seu país, no Rio de
Janeiro, onde se tornou aluno e amigo
do maior de nossos poetas, Manuel
Bandeira, que a ele dedicou um de
seus poemas. Abandonando a carreira
diplomática, voltou-se para a sociologia – e daí para a Pesquisa de
Mercado. José Bonifácio de Oliveira
Sobrinho – o Boni – contratou-o para
a TV Globo e lá, através de sua aguda
percepção social e do sólido
conhecimento técnico, era capaz de
“adivinhar” quais as novelas que iam
ter sucesso ou não e – especialmente
– o que o público queria. Isso lhe valeu o apelido – e a fama – de “bruxo”.
Fundou e dirige até hoje o Itape –
Instituto Técnico de Análise de
Pesquisa e Estudos – onde continua
supervisionando análises de pesquisas
de opinião pública, de mercado e
audiência.
Foto: Arquivo pessoal
HOMERO, SAID, MINDLIN
JR – Com 80 anos completos em
janeiro deste ano, você acha que
gostaria de ter feito na vida alguma
coisa diferente do que fez?
HOMERO – Não. Acho que foi bom
o caminho que fiz.
M MA AI O
R Ç
/ JO U/ NA BH RO I L D DE E
2 20 00 055 ––RREEVVI I SS TT AA D
DA E S P M
M
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EntreVista
JR – E alguma coisa que não tenha
dado tempo de fazer?
HOMERO – Antropologia. Eu acho
uma ciência tão bonita, tão
interessante. Mas não é a antropologia
de índios, gente pré-histórica, é a
antropologia urbana, da cidade,
porque a cidade oferece um espetáculo
maravilhoso. Eu estava conversando
com minha mulher, outro dia,
imaginando o sujeito que é funcionário
público, ganha pouco, mas o filho fez
um curso de computação e disse que
gostaria de ter um computador. Então
ele vai a uma firma que vende
aparelhos usados e compra um, à
prestação, para dar ao filho, no
aniversário. Manda embrulhar o
aparelho, pega o ônibus para o
subúrbio, onde mora, e vai pensando:
“Te cuida, Hans Donner, que meu filho
vem aí”. Ele não sabe como funciona
o computador, mas sabe que existe um
Hans Donner e o filho dele pode chegar
lá... Através da televisão a filha dele
compra um livro de como se faz
bijuterias, e faz bijuterias em casa para
vender; a mãe compra um livro sobre
Medicina Alternativa porque o remédio
está muito caro e com um chazinho,
resolve. A tecnologia entra no lar deles
e provoca comportamento diferente,
novo. Isso eu gostaria de estudar com
calma, em detalhes.
JR – O Jorginho Guinle uma vez disse:
“Já fui rico e já fui pobre, e ser rico é
melhor”. Se alguém dissesse isso com
relação a ser jovem e ser velho, qual
você acha que seria verdade?
HOMERO – Não, o velho acha que
quando era jovem era melhor. Não é
que ele é melhor que o jovem, mas
sim que “quando eu era jovem, era
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O PT TINHA BOAS IDÉIAS, BONS
IDEAIS, MAS NÃO TINHA FORMAÇÃO.
melhor que você”. Aproveitava
melhor a vida.
JR – Você acha isso?
HOMERO – Eu, como velho, sei – é
lógico.
JR – O Duailibi é um grande colecionador de citações e tem uma citação
que diz: “Nós não paramos de nos divertir porque ficamos velhos, ficamos
velhos porque paramos de nos divertir”. O que você acha?
HOMERO – É uma “boutade”.
JR – Você se diverte?
HOMERO – No que posso. A idade
vai limitando o seu campo de ação,
entende? Quando você tem vinte anos,
diz “vamos a Paraty no final de semana”,
de ônibus, de carro, de carona ou o
que seja. Mas depois dos setenta, a
queda é muito grande, é muito rápida...
JR – É uma coisa objetiva, que tem a
ver com a sua força física.
HOMERO – Exatamente.
JR – Pirandello escreveu que “com
a idade a percepção se torna mais
lúcida – e isso acaba tornando a vida
insuportável”. Você concordaria
com isso?
HOMERO – A “percepção dos idosos” é tão aguda, que – às vezes –
parece que a gente adivinha. Agora,
2005
o que eu gosto na idade – e tenho
ainda interesse por estudar, é essa
coisa oriental, é a contenção japonesa,
por exemplo. Na história da literatura
japonesa, conta-se que havia um
professor que dava aulas de haikai –
são dezessete sílabas – versos de
cinco, sete e cinco – medida clássica.
Um aluno passou um ano preparando
seu haikai e, no fim do ano chegou ao
professor e mostrou o poema, que
dizia: “Na neve, a sombra das cerejeiras”. E o professor disse: “Tem muita
cerejeira”. Uma cerejeira fazia o mesmo efeito que várias cerejeiras em
termos de sombra...
JR – E como é que você vê a questão das
empresas, hoje: o desespero pelo resultado, pelos lucros, você acha que – de
fato – esta havendo uma mudança, ou
é a nossa visão de pessoas mais idosas,
por achar que “antes era melhor”?
HOMERO – Acho que antes estávamos mais preocupados com a
formação do profissional, com o desenvolvimento do profissional até ele
chegar a um nível de excelência. Hoje,
estamos interessados no resultado que
o profissional produz; julgamos o
profissional pelo resultado e não por
ele mesmo. É uma diferença visível.
JR – O que, de fato, os mais velhos
podem ensinar aos mais jovens?
HOMERO – Primeiro, paciência,
que é fundamental. Há uma coisa no
idoso; ele não reage a certas coisas,
que deveria reagir, mas “eu já estou
HOMERO, SAID, MINDLIN
velho, porque eu vou levantar por
alguma coisa? Paciência”. Segundo,
a gente tem que prestar atenção; ouvilos. Há uma história de um japonês
bem-sucedido, que tinha uma fábrica
de automóveis nos Estados Unidos e,
de repente, recebeu uma ligação de
um velhinho que se dizia amigo de
seu pai, na aldeia em que viveram.
“Estou aqui nos Estados Unidos e
preciso de um conselho. Será que o
senhor poderia me visitar?” Ele foi
visitar e o velho estava com a casa toda
cheia de jornais empilhados, e disse:
“Lá no Japão eu guardava jornais e
trocava por papel higiênico e outras
coisas, todas as semanas passava um
carro trocando. Aqui não posso trocar,
tenho um quarto cheio de jornais, o
que eu faço?” Nos Estados Unidos não
havia a preocupação de aproveitar os
jornais usados, como no Oriente. Essa
mesma coisa acontece com o velho.
Torna-se “descartável”. O descartável
é que prejudica mais.
JR – Não existe, também, um certo
preconceito em relação ao idoso? Por
exemplo, na própria televisão, os
programas humorísticos mostram as
pessoas mais idosas como ridículas...
HOMERO – Ridículos, idiotas,
surdos. Há um quadro de uma
“velhinha surda”, que devia ser
cortado da televisão, pois é uma
ofensa a toda pessoa surda.
JR – Devia ter entrado naquela Cartilha
do Politicamente Correto, do Governo...
Por que identificar o velho com o usado,
com o descartável, o ridículo? Você não
acha que os velhos deviam fazer um
movimento contra isso?
HOMERO – Isso é um programa que
vocês, da ESPM, poderiam liderar,
através do seu Instituto Cultural:
levantar os itens importantes do problema – o que ele não tem e o que ele
tem; no que ele está falho; o que ele
pode dar. E depois de levantar as informações, então começar a campanha...
JR – Proporcionalmente, o número de
pessoas idosas vem aumentando e a
sociedade parece que não está
preparada para utilizar, inclusive, essa
força de trabalho.
HOMERO – Tive um amigo cego, que
me contava que o melhor dia da vida
dele foi no primeiro dia em que saiu
com a bengala branca. Eu perguntei por
que e ele respondeu: “Antes, quando
eu não usava bengala – eu tinha
vergonha – quando tropeçava, diziam
burro, idiota, não vê onde anda? No
momento em que eu saí com a minha
bengala, tudo mudou: me abriram
caminho, me atravessaram a rua, o carro
parou...” Eu estou com oitenta anos e
ando com a minha bengala. Você está
na rua, vai pegar um táxi, levanta a
bengala e o táxi pára...
JR – Você quer dizer que existe um
problema de comunicação: que
alguma coisa poderia ser feita em
relação a esse canal de comunicação
entre as gerações.
HOMERO – No Brasil, o público em
geral tem preocupação com o idoso, e
não se aproveita mais essa preocupação. As pessoas têm paciência com
os mais velhos, cedem-lhe a vez, dizem
“por favor”, há essa cortesia. Mas o
mundo dos negócios é contra o velho.
Aí é que está.
JR – Para encerrar, como é que você vê
o momento em que estamos vivendo,
no Brasil? Será que ele permite um certo
otimismo em relação ao futuro?
HOMERO – Olhe, o PT tinha boas
idéias, bons ideais, mas não tinha
formação; os governantes desse
partido não têm idéia do que seja
governar o país. O que está acontecendo, essa história do “mensalão”,
isso é o começo do fim. Não é possível
que todas essas pessoas tenham sido
informadas sobre isso e não tenham
feito nada.
JR – Não há um aspecto positivo, de
que essas coisas estão sendo expostas,
divulgadas? Talvez antes elas ocorriam
e não eram sabidas?
HOMERO – Porque, para os velhinhos isso faz parte da “Idade de Crescimento”, que é o que estamos vivendo. Depois de um período de
ditadura militar horrível, você cai numa
anarquia democrática horrível.
JR – E qual será a síntese?
HOMERO – Quando o Lula ganhou,
escrevi um artigo declarando que ele
seria um líder continental e – hoje em
dia – é um líder continental, sem
discussão. Mas ele é mal-assessorado,
em relação ao Haiti, por exemplo. Este
será um dos grandes fracassos que
JULGAMOS O PROFISSIONAL
PELO RESULTADO E NÃO POR ELE MESMO.
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2005 –REVISTA DA ESPM
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Foto: Carlos Barreto
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REVISTA
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HOMERO, SAID, MINDLIN
teremos, ouça o que digo. A Bolívia
vai ser outro problema. Não se engane
com a Bolívia. O Carlos Castelo
Branco contou-me, a primeira vez que
foi à Bolívia e voltou: “Homero, são
selvagens! O cara está marchando,
fazendo um protesto, e tem dinamite
nas costas, dinamite! Porque trabalha
com dinamite na mina, está fumando
e não se dá conta. Poderíamos voar
eu e todo o mundo.” Minha irmã
Suzana conta que, quando foi à
Bolívia, hospedou-se num hotel e, no
dia seguinte, perguntaram-lhe: “A
senhora conseguiu dormir?” Ela disse:
“Por quê?” “Pela festa” E ela disse:
“Mas que festa?” A festa era um sujeito
com um bumbo, que batia e dizia:
“Soy alegre, soy alegre, soy alegre...”
a noite inteira. É difícil.
ENTREVISTA
SAID FARHAT
SAID FARHAT é considerado – com
orgulho dos colegas da área de
publicidade – como o profissional que
ascendeu mais alto na hierarquia
social brasileira, tendo sido o nosso
primeiro Ministro da Comunicação
Social, durante o governo Figueiredo.
Nascido no Acre, em 1921, exerceu
cargos públicos no seu Estado natal
(então território) e foi para o Rio de
Janeiro, em 1952, onde trabalhou na
Standard Propaganda, transferindo-se,
pouco depois, para São Paulo, onde
trabalhou na J. Walter Thompson. Em
1962, ingressou no grupo Visão, do
qual se tornou editor e proprietário.
Vendeu o grupo em 1974, e exerceu
funções na Editora Abril e na Embratur,
como presidente, de onde saiu para a
ESSA LIMITAÇÃO ESTÁ VINCULADA A
PRECONCEITOS CONTRA A VELHICE.
SECOM – Secretaria de Comunicação
Social. Detentor de vários prêmios e
homenagens, sempre esteve muito
ligado à ESPM – de quem recebeu,
em 1991, o prêmio Mauricio Sirotsky
de Comunicação Social.
FG – Como se sente um homem de
85 anos num mundo onde a maioria
das pessoas tem menos da metade da
sua idade?
SAID – De duas maneiras, até contraditórias. Em relação à expectativa
de vida, minha mãe morreu aos 89
anos e meu pai aos 93. Peço a Deus
que me dê a média entre os dois, que
parece bastante satisfatória. Ao
mesmo tempo, olho e vejo, no nosso
panorama social, uma juventude
mais voltada para aprender coisas
técnicas do que aprender a viver. Ou
seja, a apreciar o fato da vida; usar
o tempo de vida para produzir algo
que não seja um bem – não importa
se pequeno ou grande. E não falo
de bens materiais; falo de bens
morais, éticos, sociais.
FG – Os jovens, de fato, estão preocupados com o dia-a-dia, as coisas
imediatas, e tendem a esquecer,
principalmente dos valores morais.
Isso o incomoda?
SAID – Sim, porque tenho uma
família muito unida; completamos 64
anos de casados, temos duas filhas,
quatro netos sangüíneos e três
adotivos, e onze bisnetos. As tentações
parecem ter passado ao largo. Vejo
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com preocupação, por exemplo, o
tempo que os jovens gastam com
drogas. Em São Paulo, existe a
“cracolândia”, um lugar de venda de
tóxico em plena luz do dia. Há uma
certa condescendência com as
atividades criminais. Todos sabem que
a esquina da Avenida Rebouças com
a Avenida Faria Lima é ponto de
assalto. Só a polícia não sabe? Por que
não age? Não age em função de outro
mal dos tempos atuais, que é a
corrupção e que abrange desde o
Palácio do Planalto até a mais pobre
prefeitura do interior. A juventude de
hoje está preocupada com a diversão
fácil – as noitadas. Tenho, por
exemplo, sobrinhos-netos que saem
de casa às 11:30 horas da noite para
ir a uma festa e voltam às 6 horas da
manhã. Isso não é um fenômeno
localizado; espalha-se por todos os
países do mundo.
FG – Vamos falar da longevidade nos
negócios. A revista Exame acaba de
publicar uma pesquisa feita com as
maiores empresas brasileiras, e a idade
média dos presidentes é de 51 anos,
dos diretores está em 45, 48 anos. São
relativamente jovens. O que você acha
disso?
SAID – No Brasil, temos uma situação
anômala: se se é muito jovem, não se
consegue um bom emprego; se
passou de determinada idade, não
consegue emprego que valha a pena.
A faixa dos 30 aos 45 anos é uma faixa
de maturidade, exuberância, na qual
as pessoas estão produzindo o máximo que podem. Mas essa limitação
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2005 –REVISTA DA ESPM
65
EntreVista
de idade está vinculada a preconceitos, em especial contra a velhice.
FG – Você reconhece que, no mundo
empresarial, há um preconceito contra
a velhice?
SAID – Sem dúvida. E ele está nas
grandes empresas, de modo geral. Vou
usar a Ford, como exemplo. A Ford
foi criada por um homem que, não
apenas se distinguiu pela concepção
do automóvel, da linha de montagem,
como também pela comercialização
do produto. O Henry Ford enfeixou
nas mãos o comando de uma empresa
que – hoje – se torna cada vez menos
controlável pelo poder central. Vemos
os altos e baixos que a empresa sofreu,
na sucessão de Henry Ford, pelos seus
filhos e netos. Outra coisa é a diferença
entre fundador, fábrica e produto. Na
Ford, esses três elementos se
confundem. Mas, fala-se em Ford, e
todos pensam no carro. Longinquamente, alguns ainda se lembram do
nome Henry Ford. No Brasil isso é
verdade em empresas como a Gerdau.
O Jorge Gerdau continua à frente da
empresa. A Votorantim, com o falecimento dos mais velhos, colocou a
segunda geração no comando da
empresa. Mas é fatal que, mais cedo
ou mais tarde, se torne uma
companhia mais aberta. Creio que a
maioria das pessoas jamais prestou
muita atenção a quem foi o fundador
da General Motors. O nome General
Motors significa menos que o nome
Chevrolet – a imagem do produto
supera a imagem do fabricante e
ninguém sabe quem foi o iniciador da
empresa.
FG – A GM sempre foi considerada
como símbolo da vida empresarial
66
REVISTA
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SER MOÇO É MELHOR.
americana. Era – parece que, agora,
nem tanto – sólida como uma rocha.
O que há de bom e mau nisso? Com
o tempo, as empresas se tornam mais
conservadoras, moderadas, menos
agressivas. Isso é bom?
SAID – Acho que entre os fatores que
respondem pela longevidade das
empresas, o primeiro é a criatividade.
Falamos de automóvel: o automóvel
continua essencialmente o mesmo.
Mudaram as coisas adjetivas: motores
mais potentes, resfriamento, transmissão automática, mas intrinsecamente
é o mesmo. Então, um aspecto que
tem contribuído para a longevidade
das empresas é a criatividade: criar
novos produtos; descobrir, antes dos
outros, o que o consumidor realmente
quer. Depois, há questões como a
globalização, que veio para ficar. Não
há mais economias auto-suficentes.
Os americanos custaram a perceber
que, mesmo os produtos tradicionais,
que fabricavam – como geladeira,
automóveis, televisores –, estavam
sendo desenvolvidos em outros países.
E há globalização dos hábitos. Tenho
bisnetos tão sabichões em matéria de
eletrônica, que – quando tenho
dificuldades com o celular ou o
computador – recorro a eles. Outro
aspecto que evidencia a longevidade
das empresas é o que chamo de “pulo
do gato” – um passo ousado,
inesperado, surpreendente para os
concorrentes e que – de repente –
resolve uma situação de impasse.
Poderia citar dois casos brasileiros.
Um durante o governo do Itamar
Franco. A economia nacional estava
2005
mal, a inflação parecia sem controle,
os consumidores sem coragem para
comprar itens mais caros; e a indústria
automobilística parecia diante de uma
crise. Vão os dirigentes da Anfavea
falar com o presidente, expõem,
pedem subsídios, apoios, cortes de
impostos etc. E o Itamar, que não tinha
resposta para nenhum desses itens,
disse: “Por que não lançam de novo o
Fusca que agradou a tanta gente?” O
Fusca foi relançado – junto com outros
carros de menor valor – que animou
o mercado. Depois veio o Plano Real,
que estabilizou preços e salários, e a
indústria automobilística brasileira,
hoje, fabrica mais de dois milhões de
carros por ano.
FG – O pulo do gato é a criatividade.
SAID – O segundo pulo do gato:
havia, no Brasil, duas empresas que
fabricavam cerveja e dividiam, entre
si, a maior parte do mercado: a
Brahma e a Antarctica. Estavam as
duas se digladiando, quando alguém
teve a idéia de que, em vez de brigar,
deveriam se unir e criaram a AmBev.
Aí, vem uma empresa européia,
adquire o controle da AmBev e leva a
marca Brahma para outros mercados.
Daqui a pouco, o Guaraná será uma
bebida tão comum quanto a CocaCola e a Pepsi, em todos os mercados
mundiais.
FG – O pulo do gato aí – eu conheço
um pouco dessa história – é de um
homem chamado Jorge Paulo
Lemann, que foi o arquiteto de todas
essas fusões. Ele esqueceu tudo o que
HOMERO, SAID, MINDLIN
a Brahma fazia e pensava e partiu para
novas soluções. A Antarctica mantinha
os laços com o passado, uma postura
mais tradicional, e acabou sendo
absorvida.
SAID – O curioso é que jamais
poderíamos imaginar que Antarctica
e Brahma pudessem se unir para
qualquer fim. Mas há outras coisas que
afetam a longevidade das empresas.
Uma delas, talvez mais marcante,
foram os computadores de mesa. O
Steve Jobs inventou um negócio
chamado Macintosh, com grande
potencial, mas não sei se por egoísmo
ou falta de visão comercial, ele
segurou as patentes, os processos de
fabricação. Aí a IBM veio com o PC,
teve a sabedoria de abrir a tecnologia
a quem quisesse utilizar e hoje –
apesar da preferência que os homens
de publicidade têm pelo Mac – o
mercado é dominado pelos PCs.
Perdeu a briga mas não perdeu a
qualidade. Hoje, a Apple caminha
para fazer a tecnologia do Mac
compatível com a do PC; o que não
sei se é bom ou ruim. Na mesma linha
da criatividade, temos os fabricantes
de software. Bill Gates é o homem
mais rico do mundo porque nunca
deixou que os consumidores ficassem
satisfeitos por muito tempo com os
produtos que têm. Você vai a uma loja,
hoje, compra a última versão do
Windows ou do XP, instala no seu
computador e fica orgulhoso de estar
em dia. Daqui a alguns meses, vem
outro, e graças à propaganda, sentese obrigado a comprar o novo modelo.
FG – E, nesse clima de renovação e
inovação, como se dão os executivos,
mais velhos?
SAID – Falando como uma pessoa de
85 anos: mal. Os velhos, com algumas
exceções, são pouco suscetíveis à
inovação. A tendência dos velhos é
segurar os cordões. Mas, hoje, nota-se
uma tendência à aglutinação de
empresas, formando grandes conglomerados. E isso as coloca diante de um
dilema, que é centralizar o controle,
como nós velhos fazíamos antes, ou
descentralizar. Até que ponto, a
companhia X, tendo um vice-presidente
para o Brasil, outro para o Cone Sul, ou
outro para a América do Sul etc., o
controle será solto ou apertado? Vemos
isso acontecer aqui no Brasil: uma
empresa com sede em São Paulo, filial
na Bahia, fábrica em Pernambuco, um
centro de comercialização no Rio de
Janeiro... Há de haver uma conciliação
entre a experiência dos mais velhos e a
ousadia dos mais jovens. É o equilíbrio
entre a prudência e a ousadia. Falando
em ousadia, há outro aspecto: para
progredir, uma empresa não pode ficar
esperando o que os outros devem ou
deveriam fazer – nem governo, nem
concorrentes. Os empresários brasileiros são muito propensos a ficar
esperando o que o governo quer dizer,
e se mexem muito pouco.
FG – Você divide o seu tempo entre o
Brasil e os Estados Unidos. Como
sênior citizen, que você é, onde se
sente melhor, mais bem tratado?
SAID – Nos Estados Unidos. Antes do
Brasil, eles se tornaram uma sociedade
de idosos. Existe uma geração nos
Estados Unidos, de uma época que
eles chamam de baby boom – que é
o período do pós-guerra – quando
houve um surto de nascimento de
pessoas. Só que isso foi há 60 anos e
os baby boomers estão se aposentando. Isso estimula o turismo, pois as
pessoas de idade vão-se refugiar na
Flórida. Outro ponto é que o conceito
de cidadania nos Estados Unidos é
mais universal do que aqui no Brasil.
Aqui, evocar o direito de cidadania é
um ato quase hostil. Isso faz com que
o idoso se sinta mais confortável lá
do que aqui. Ao mesmo tempo, notase uma diferença muito grande entre
os Estados Unidos de hoje e o de 50
anos atrás na relação entre americanos
e não americanos – claro que lá existe
muito preconceito: ou você é branco,
ou é latino, ou afro-descendente etc.,
mas o preconceito, inclusive o de cor,
declinou muito nos Estados Unidos,
graças a atitudes de pessoas como
Martin Luther King, que foi assassinado por um ato de racismo. Esse
ato mudou muito a disposição das
pessoas. E não é só a questão do
politicamente correto que envolve em
si um grau enorme de hipocrisia, mas
na convicção de que é isso mesmo.
Agora, na cidade de São Paulo, as
calçadas – graças, em grande parte, à
campanha de uma amiga, Lia Vaz –
começam a ter rampas para pessoas
deficientes. Acredito que a situação vai
evoluir também no Brasil.
FG – E outra coisa que você pode
testemunhar melhor do que ninguém:
O NOME GENERAL MOTORS SIGNIFICA
MENOS QUE O NOME CHEVROLET.
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2005 –REVISTA DA ESPM
67
EntreVista
COSTUMO DIZER QUE SOU PARTE DA
SOLUÇÃO E NÃO PARTE DOS
PROBLEMAS QUE AFETAM O COTIDIANO.
como é ser idoso na vida pública?
SAID – Quando o Getúlio foi eleito
Presidente da República, havia muita
dúvida se ele ainda tinha capacidade
mental para dirigir o país. Coisa que
hoje não damos tanta importância,
haja vista o caso do Ulisses Guimarães, que manteve a capacidade
gerencial, de liderança política
enquanto viveu. Acho que hoje o fato
de a pessoa ter mais idade, na vida
política, já não é um estigma tão forte
quanto no passado.
FG – E no senado e nos ministérios
principalmente?
SAID – O senado é o lugar dos
seniores – dos idosos. Acho que há
dois caminhos. Um é a consolidação
de velhas lideranças – como Antonio
Carlos Magalhães, José Sarney, o
próprio Fernando Henrique. E a outra
vertente é a dos jovens, na medida em
que se deixem atrair pela disputa
eleitoral como instrumento de promoção do bem-estar do povo.
FG – E o que dizem das empresas que
já cumpriram um longo ciclo de vida
– como uma Procter & Gamble,
Johnson & Johnson? Há alguns anos,
elas não mostram a mesma criatividade.
SAID – É que hoje empresas como
Procter & Gamble não têm tanto
significado, mesmo para nós que
estamos no mercado. Há uma
dissociação entre o produto, a marca
68
REVISTA
DA
ESPM–
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do produto e o nome da empresa.
Faço duas perguntas: quem se lembra
do fabricante do Sonho de Valsa? E
Kibon? Quem é o dono da Bombril?
Não importa. Só que a Bombril era a
única presente no mercado, e era um
mercado aparentemente inexpugnável. Daí aparece Assolan, vem e raspa
uma fatia do mercado da Bombril. Na
verdade, você tem de adivinhar o que
os consumidores vão querer amanhã.
Sem falar na moda que é essencialmente efêmera. O que apareceu no
desfile de hoje, daqui uma semana,
não existe mais. Mas, ao mesmo
tempo, tem-se o prestígio do nome do
idealizador, e na outra ponta, o
prestígio da criação. Nomes como
Dior, Yves San Lorain, Daslu são
objetos de sonho das pessoas e
indicação de status. Tenho experiência
de andar em shopping centers pelo
mundo. Ver os produtos que são vendidos nesses shoppings, sair de uma
loja para outra e encontrar uma
diferença de preço brutal entre dois
artigos, que ao leigo parece equivalente, mas um dos quais tem marca.
FG – Vou pedir a você que comente
algumas citações que vou fazer. A
primeira é do Pirandello que disse:
“Um dos males da idade é que acabamos adquirindo uma lucidez contundente.” Nos tornamos tão lúcidos
que isso faz mal para nós e para os
outros.
SAID – Já fui objeto e vítima desse
tipo de lucidez. Até hoje tenho a
cabeça muito arrumada. De vez em
2005
quando, esqueço de coisas recentes.
Mas aí vem uma lembrança dos
tempos da escola primária ou do
ginásio. E lembro-me com grande
clareza de temas que não têm a menor
aplicação prática na minha vida,
como, por exemplo, uma aula no
segundo ano do ginásio sobre Asoka
e o budismo. Não sei mais quem é o
Asoka – sei que foi um dos fundadores
do budismo, e sei pouquíssimo sobre
o budismo. Outro dia, estava no
shopping, foram buscar o meu carro
e disse: não lembro a marca do meu
carro. É cinza com chapa tal. Quando
o sujeito estava indo buscar, disse: é
um Subaru cinza.
FG – Outra citação é do Roberto
Duailibi, que disse: “A gente começa
a ficar velho quando deixa de divertirse”.
SAID – Acho que ele tem razão
porque divertir-se significa não dar
demasiada importância às coisas
comuns da vida. Significa, sobretudo,
não se preocupar com coisas para as
quais você não tem solução. Costumo
dizer que sou parte da solução e não
parte dos problemas que afetam o
cotidiano, no sentido de que, dado
um problema, procuro resolvê-lo. E,
com isso, me divirto. Divirto-me muito
também vendo pessoas à procura de
respostas evidentes a perguntas do
cotidiano. Não sou de dar gargalhadas, mas rio intimamente das
situações cômicas, e procuro ver o
lado bom e cômico das coisas.
FG – Finalmente, o Jorginho Guinle
disse uma vez que ele já tinha sido
pobre e rico, e achava que o melhor
era ser rico. Você já foi moço e agora
é velho. O que é melhor?
SAID – Ser moço é melhor, e vou dar
um exemplo. Durante dez anos
tivemos um apartamento em Miami,
onde íamos 4 a 5 vezes por ano. Até
que um dia, receosos de que com a
idade, pudéssemos ter um problema
lá e não pudéssemos resolver
sozinhos, decidimos vender o
apartamento. Na semana passada,
estivemos em Punta De Leste. E disse
a ela: que pena. Se tivéssemos 30 anos
a menos, valeria a pena comprar uma
casa ou um apartamento aqui, para
vivermos o resto de nossas vidas, por
causa das condições da qualidade de
vida de lá que são infinitamente
melhores do que em São Paulo. Por
isso acho que ser jovem é melhor do
que ser velho.
Foto: Rudnei Gonçalves
HOMERO, SAID, MINDLIN
ENTREVISTA
JOSÉ MINDLIN
O paulista JOSÉ MINDLIN nasceu
em 1914. É diretor de tecnologia da
FIESP. Foi Secretário de Cultura no
governo de São Paulo, de onde se
demitiu em 1975, após a morte do
jornalista V. Herzog e do metalúrgico
Manuel Fiel Fº – na ditadura militar. É
conselheiro de fundações culturais e
centros tecnológicos e presidente do
Conselho Editorial de O Estado de S.
Paulo – onde, aliás, iniciou sua carreira
como repórter. Em 1932, entrou para
a Faculdade de Direito do Largo de S.
Francisco, militando durante 15 anos
como advogado, o que lhe abriu a
oportunidade de fundar, com outros
sócios, a Metal Leve – uma das mais
bem-sucedidas empresas brasileiras,
na fase de industrialização. Considerado o maior bibliófilo do país, hoje
dedica-se em tempo quase integral a
gerenciar – mas, principalmente, amar
a sua biblioteca de 30 mil volumes,
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2005 –REVISTA DA ESPM
69
EntreVista
que – na apreciação de Pedro Correa
do Lago, livreiro e colecionador – é
de tal qualidade, “que não seria
possível recriá-la nem por 1 bilhão de
dólares”...
FG – Apesar de a nossa população
estar envelhecendo – como em todo
o mundo – uma pesquisa da revista
Exame mostrou que a idade média dos
presidentes e diretores das grandes
empresas brasileiras está entre 45 e 50
anos. Será que – nas empresas pelo
menos – essa tendência ainda não se
está fazendo sentir?
MINDLIN – Pelas empresas, não
saberia responder – apenas pela
experiência pessoal. Creio que há uma
tendência de utilizar mais jovens na
alta administração porque, de modo
geral, as pessoas idosas não acompanham o cada vez mais acelerado,
desenvolvimento tecnológico; e as
novas técnicas de administração e na
comunicação também influem nas
empresas e os mais idosos, de modo
geral, não acompanharam. E não é
fácil, mesmo, porque o ritmo é muito
acelerado – a inovação e a obsolescência estão cada vez mais
próximas. Embora procure estar bem
informado, vejo-me, muitas vezes,
perplexo diante das mudanças que
estão ocorrendo. Há 20, 30 anos, a
duração de vida média estava perto
dos 60 anos. Então, 50 anos era o
coroamento de uma vida. Falei 30
anos, mas talvez seja um pouco mais,
pois foi na segunda metade do século
XX – depois da guerra – que realmente
começaram as mudanças. As pessoas
que dirigiam as empresas se
aposentavam mais cedo e isso
permitiu aos mais jovens ascender aos
cargos de responsabilidade. É uma
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NUNCA TINHA PENSADO EM SER EMPRESÁRIO.
situação complexa e não creio que
haja uma só solução correta. Costumo
dizer que os problemas realmente
difíceis de resolver não são entre certo
e errado; mas entre o certo e o mais
certo – e os dois lados têm uma parcela
de razão. Nos anos 50 – em que a
média de vida era da ordem de 60 –
os diretores de 50 anos eram exceção;
a empresa familiar predominava. O
patriarca era o diretor, e se vivesse
muito mais, continuaria a ser o
presidente – com auxiliares – mas com
uma estrutura completamente
diferente – o mundo era mais
tranqüilo, com idéias e invenções que
duravam 10, 20 anos; não havia a
efervescência tecnológica dos últimos
50 anos. O desenvolvimento
tecnológico segue um ritmo tão
acelerado que uma idéia válida hoje,
amanhã pode não ser mais aplicável.
FG – O Sr. fala das mudanças
tecnológicas – mas e as mudanças dos
valores, não lhe chamam a atenção?
MINDLIN – A questão de valores
mudou por outros fatores também. A
inflação, por exemplo, fez
desaparecer o conceito do que são os
valores materiais estáveis. Então, por
força da inflação, havia aquele anseio
de ganhar mais depressa e poder
guardar e manter uma fortuna, e o
dinheiro passou a ser um objetivo
quando devia ser um mero
instrumento. E assim os valores éticos
vão desaparecendo – o fim justifica
os meios. Vê-se muito isso na
administração empresarial. Mas,
alguns, daquela época, com 50 anos,
continuaram e procuraram acom-
2005
panhar e se informar, ter outras
atividades. Muitos se viram completamente frustrados, eram compulsoriamente aposentados, e se não
tivessem um interesse fora do trabalho,
decaiam rapidamente. Sua pergunta,
se esses administradores mais velhos
não são um problema para a geração
mais nova, tenho a impressão de que
isso ainda não é a regra: uma pessoa
de 80 anos em plena atividade
profissional...
FG – O Sr. era um exemplo para
jovens executivos, como eu era.
Entretanto, de repente, resolveu passar
sua empresa – a Metal Leve – aos seus
sucessores e dedicar-se a uma
atividade talvez mais nobre, mas
completamente diferente. Como
aconteceu isso?
MINDLIN – Na minha vida, o acaso
teve um papel muito importante.
Nunca tinha pensado em ser
empresário. Formei-me em direito, em
1936, e advoguei até 1950. Foi um
grupo de clientes que planejou criar a
Metal Leve – contavam com uma fonte
de financiamento que, na última hora,
falhou. Eu tinha redigido, para eles,
uma opção para a compra de um
equipamento com assistência técnica
de um fabricante alemão. Mas não
conseguiram o capital. Vieram
comunicar-me a desistência. Perguntei
se era porque achavam que o negócio
não era tão bom quanto imaginavam,
ou se era pelo capital. Disseram que
por causa do capital. Eu tinha um
amigo diretor de um banco mineiro e
– tanto ele quanto eu – queríamos
construir alguma coisa que não fosse
HOMERO, SAID, MINDLIN
exclusivamente pessoal, alguma coisa
que pudesse funcionar independentemente de nós. Quando esses
clientes disseram que iam desistir do
projeto, eu disse; “Acho que consigo
esse capital”. O meu amigo recebeu
um dos meus clientes, viu o projeto e
conseguiu o capital. Assim, formouse a Metal Leve e eu fiquei na posição
de fiador deste meu amigo, perante
os meus clientes, e dos meus clientes,
perante o amigo que conseguira o
capital. Virei empresário. A advocacia
deu-me flexibilidade mental – ficamos
conhecendo a natureza humana. E
isso me ajudou na parte de administração que não tinha estudado. O
grupo que se formou estava interessado em fazer coisas bem feitas e
difíceis, que não pudessem ser feitas
por qualquer pessoa.
JR – Quanto tempo ficou à frente da
Metal Leve?
MINDLIN – Durante os primeiros 20
anos, a administração era colegiada;
depois fiquei mais 20 e poucos anos.
Com nosso grupo, a Metal Leve durou
46 anos. A desistência foi muito difícil
de aceitar. A venda da empresa – do
ponto de vista emocional – foi
traumática, porque começamos do
zero e chegamos a ser uma empresa
representativa.
JR – Há quanto tempo o Sr. deixou a
Metal Leve, para dedicar-se a outras
atividades?
MINDLIN – Nunca deixei-me
envolver totalmente pela Metal Leve;
eu exercia as outras atividades em
paralelo. Procurava – isso sim – não
trazer os problemas para casa.
Chegava determinada hora, ia embora
e deixava para resolver o problema no
dia seguinte. Sou um otimista
incorrigível. Até hoje, quando
acontece um contratempo, minha
primeira reação é não ficar desesperado e achar que podia ser pior.
Tudo pode ser resolvido, com bomsenso, diálogo e olhando as coisas a
longo prazo. Na empresa, logo senti
a importância do desenvolvimento
tecnológico, independentemente da
assessoria técnica que recebíamos de
fora.
FG – Vocês souberam criar uma
imagem corporativa sólida, uma
marca forte. Havia alguém lá dentro
que pensava em termos de mercado.
MINDLIN – Eu e o Adolfo Buck.
Infelizmente, sou o último sobrevivente.
JR – Na mesa-redonda que fizemos
sobre este assunto, uma jovem – de
origem oriental – observou que as
pessoas não deviam se ater a uma só
atividade. O Sr. falou da sua atividade
como advogado, como empresário, e
li comentários seus sobre literatura
absolutamente “profissionais”. Como
vê essa sua pluralidade?
MINDLIN – Isso é uma coisa pessoal;
não tem receita. Mas nasci e cresci
num ambiente cultural. Boa parte do
que eu ganhava era destinada para a
construção da biblioteca, que está
com 38 mil títulos. Meus pais gostavam muito de artes plásticas. Eu
também gosto, mas acho que herdei
a paixão deles dirigida para livros.
Comecei a formar a biblioteca com
13 anos – e ela completa 78 este ano.
JR – Como começou o seu interesse
pela leitura?
MINDLIN – Pela ficção, mas logo
pela história. Aos 13 anos, recebi de
uma tia uma história do Brasil escrita
no século XVII por Frei Vicente
Salvador. Foi o que marcou o meu
interesse e resultou na formação da
minha “Brasiliana”, metade da biblioteca é sobre assuntos brasileiros...
FG – Um dos primeiros livros que li,
aos 11 anos, do Stefan Zweig, foi
Brasil, país do futuro. Ganhei como
prêmio de um trabalho escolar.
MINDLIN – Hoje pode-se falar que
o Brasil é um país do futuro, mas
também é um país do presente e ainda
pode ter muito mais. A Europa não tem
o que progredir muito mais.
JR – O Sr. é empresário, bemsucedido, vem de uma família onde
cresceu com livros e obras de arte –
portanto, um homem culto. Mas
vivemos hoje em um mundo em que
temos pessoas bem-sucedidas – Bill
Gates e o nosso presidente Lula, por
exemplo – que se vangloriam de não
ter tido formação escolar e até de não
terem lido nada.
MINDLIN – Houve muitos portugueses analfabetos que fizeram
fortuna no Brasil. Mas era uma coisa
UMA IDÉIA VÁLIDA HOJE,
AMANHÃ PODE NÃO SER MAIS APLICÁVEL.
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EntreVista
quase que acidental. Na nossa
empresa a ética foi importante desde
o primeiro dia – não havia caixa dois;
nos primeiros 20 anos tínhamos um
pró-labore que não era nada espetacular – era o que a legislação
permitia. E tudo que a empresa
produzia de lucro era reinvestido.
Procurávamos ter solidez financeira,
qualidade de produção, recursos
humanos tratados como gente e não
como números. Depois, até lamentamos o crescimento porque nos
primeiros anos conhecíamos todos.
Depois cresceu, chegamos a ter 7.200
funcionários. Mas eu lia desde
pequeno, porque era muito ligado ao
meu irmão mais velho, Henrique
Mindlin, que foi um grande arquiteto.
Descobrimos o mundo juntos. Muita
coisa que ele lia aos 16 eu lia aos 12.
Eu corria os sebos de São Paulo,
porque não queria pedir dinheiro aos
meus pais. Os sebos eram todos no
centro da cidade e eu percebi que
viviam isolados uns dos outros e que
os preços variavam muito. Eles
marcavam o preço de venda de
acordo com o que tinham pago, sem
se preocupar com a raridade. Um
vendia por 5 o que o outro vendia por
30, até 50. E o que vendia por 50
também vendia por 5 o que o primeiro
vendia por 30. Percebendo isso, pedi
um pouco de dinheiro ao meu pai, e
comecei a comprar os livros de 5 e
10, levava para o outro, deixava em
consignação e quando ele vendia,
creditava os 30% de comissão, e
retirava a minha parte em livros.
Depois de três meses, tinha crédito em
todos os sebos da cidade e comprava
meus livros sem desembolso. Isso
durou pelo menos uns três anos.
Depois os sebos começaram a
aprender... Mas comprei muitos livros
pagos pelos livreiros.
FG – Sobre a tendência dos jovens
em não aproveitar a experiência dos
mais velhos, há livro de Dino Buzatti
– O deserto dos tártaros – que começa
com o personagem do jovem tenente,
que acabava de sair da academia
militar, e ia – a cavalo – para a fortaleza
do deserto. Pouco antes de chegar, ele
cruzou com um velho oficial que
havia passado 30 anos lá dentro. O
jovem não troca palavras com o velho,
faz continência e continua – e acaba
cumprindo a sua sina: 30 anos de
frustração e desapontamento. Se o Sr.
fosse o velho oficial, teria dito alguma
coisa ao jovem?
MINDLIN – Eu diria: “Se quiser
experimentar, experimente, mas não
fique; tente outra coisa”. Vocês me
colocam numa posição um pouco
constrangedora por falar de mim
mesmo – mas quando aparecia um
moço querendo um lugar na empresa
– muitas vezes, era o primeiro
emprego – havia freqüentemente a
reação dos outros de “não entregar
essa responsabilidade a um moço”. Eu
achava que devia – orientando e
acompanhando, tolerando o erro e
formando as pessoas. Começamos a
receber estagiários das escolas de
engenharia, criamos um prêmio Metal
Leve, e recebíamos muitos estagiários,
DEPOIS DE TRÊS MESES, TINHA
CRÉDITO EM TODOS OS SEBOS DA CIDADE.
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dos quais aproveitávamos poucos.
Mas tivemos, em postos de
responsabilidade, pessoas com vinte
e poucos anos e isto foi um dos
elementos de força da Metal Leve.
Quando recebi, do Conselho de
Administração, o título de professor –
e profissional emérito – disse no meu
discurso: “Vocês estão enganados; eu
sou um profissional empírico”. Agora,
uso a cabeça e acredito na juventude
– até hoje – tenho um contato muito
bom com os jovens, através da leitura,
orientação de vida...
JR – São os jovens da sua família?
MINDLIN – Alguns – e alguns
amigos de netos que vêm aqui, jovens
estudantes. Brinco, às vezes, que se
fosse do século XIX, seria chamado
de conselheiro – como os personagens
de Machado de Assis. E eles falam até
de problemas matrimoniais,
separação etc. Converso com eles,
procurando orientá-los. Vou festejar,
este ano, 67 anos de casamento – um
casamento curtido, um prazer de vida.
Há problemas, mas é preciso querer
resolver. Sempre digo: “Procurem se
compreender; casamento não é uma
luta de poder”. Já consegui que vários
casais se reconciliassem. Mas há
situações de tanta incompatibilidade,
que eu citava uma frase do Fausto “É
melhor um fim com horror do que um
horror sem fim”. Tudo depende da
gravidade dos problemas. Mas – como
advogado – sempre acreditei mais no
diálogo. Ao invés da imposição, a
conciliação. Só chegava ao processo
quando não havia alternativa. Um
cliente perguntou-me, certa vez: “Do
que o Sr. vive, se é contra os
processos?” Respondi: “Vivo do que
ganho na conciliação”. O processo
HOMERO, SAID, MINDLIN
fazia mais mal ao cliente do que ao
processado. Então, é melhor um mau
acordo do que uma boa demanda.
Isso eu aplicava na empresa, também,
no contato com os gerentes, os
subalternos. Trabalhava com o que eu
chamava de “porta aberta”. Qualquer
um podia vir falar comigo para
queixar-se de alguma coisa, eu
anotava e dizia: “Não posso resolver
isso, passando por cima de seu chefe,
mas vou conversar com ele”. Então,
muita coisa se resolvia. Processos
trabalhistas, tínhamos pouquíssimos;
as greves só começaram a existir
quando vieram as greves políticas. Eles
não faziam contra nós; era contra o
sistema. Lembro-me que, uma vez, os
operários entraram e ficaram de pé,
junto à máquina, sem produzir.
Quando chegou a hora do almoço,
veio o gerente perguntar se era para
dar almoço a eles. E eu disse: claro
que sim. Não estão lá contra nós. O
jornalista Humberto Werneck certa
vez perguntou-me: “Olhando para
trás, o que lhe dá mais satisfação? A
sua biblioteca ou a Metal Leve?”
Respondi: “A Metal Leve foi uma
experiência gratificante porque
conseguimos, realmente, fazer um
bom trabalho – mas foi um trabalho
de equipe. A biblioteca, eu fiz sozinho.
Tudo que está aí tem uma razão de
ser. É um interesse central de vida, que
me deu grandes satisfações. No
primeiro ano de Metal Leve, o
alumínio ainda não era produzido no
Brasil; tinha de ser importado. E o dólar
de importação era de Cr$ 18.72, mas
o dólar no mercado paralelo estava
em 30, 40. Então, qualquer diferença
de importação era lucrativa. Houve
um princípio de corrupção, na Cacex,
até compreensível. Uma licença era
lucro certo. Eu ia lá duas, três vezes
HÁ MAIS DE 30 ANOS, AFIRMO QUE A EMPRESA
NÃO É UM OBJETIVO EM SI MESMA; É UM
INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
por semana e faziam-nos esperar
horas, às vezes, para nos receber. As
empresas estrangeiras tinham
despachantes que davam dinheiro e
obtinham licença. Eu aproveitava esse
tempo para ler – li toda a obra de
Balzac nas salas de espera – e acabava
conseguindo a licença. Mas fazíamos
questão de não ter corrupção de
forma alguma.
FG – Isso se chama “responsabilidade
social”, que agora está na moda...
MINDLIN – Tenho satisfação de falar
disso. Há mais de 30 anos, afirmo que
a empresa não é um objetivo em si
mesma; é um instrumento de
desenvolvimento social. Ela tem de
funcionar bem, ter lucro para poder
cumprir essas responsabilidades. Mas
ela não é um objetivo em si mesma –
e essa idéia agora está pegando. Sou
um cético que acredita em catequese.
Precisamos pregar idéias, que um dia
pegam. Nos anos 50, por exemplo,
ninguém acreditava em exportação de
produtos manufaturados.
Eu tinha também o apoio dos meus
companheiros na atividade cultural.
Quando a Metal Leve fez 25 anos,
propuseram um grande jantar. E eu
disse: “Jantar, coquetel, as pessoas vão
por obrigação e logo esquecem.
Vamos fazer uma comemoração
menos efêmera”. Lembrei-me da
Revista de Antropofagia – um dos
documentos mais importantes do
modernismo – e fizemos uma edição
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em fac-símile, que teve um grande
sucesso. Fomos uma das primeiras
empresas a fazer publicações de livros.
Fizemos publicação de arte, tudo
relacionado com o modernismo e a
Metal Leve ficou muito conhecida
pela atividade cultural. Isso beneficiou
a imagem da empresa, mais do que o
produto – que ficava dentro dos
motores e não tinha qualquer
sedução. Tive uma assessora de
comunicação social – May Nunes de
Souza – que acompanhou quase toda
a carreira da Metal Leve, e eu dizia a
ela: “Queremos criar uma boa
imagem da empresa, mas com duas
condições básicas: a imagem tem de
corresponder à verdade – simpatia
paga não nos interessa. Vamos ter uma
relação aberta com a imprensa”.
Comecei minha vida como jornalista
– aos 15 anos era redator do Estado.
Fui o redator mais jovem do Estado, e
aprendi a escrever, porque o jornal
exigia uma linguagem correta,
simples, acessível ao público médio.
Fiquei conhecendo os bastidores da
sociedade e da política. Passei quatro
anos no Estado e foi uma escola
insubstituível. Foi onde eu conheci as
agruras de ser repórter; de modo que,
quando estava na Metal Leve ou na
Secretaria de Cultura, Ciência e
Tecnologia do governo Paulo Egídio,
eu sabia as dificuldades por que
passara o repórter que vinha conversar
comigo. E também o que era – para
ele – uma verdadeira notícia, diferente
da informação que só interessava a
nós... ESPM
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Fotos desta matéria: StockPhotos
Três Modelos de Valor Comprovados
Comprovado
CRIANDO REAL
VALOR PARA CLIENTES
TRÊS MODELOS DE VALOR COMPROVADOS
todos os lugares aos quais
✤ “eleEmchega
existe uma nova
tecnologia, novos processos, e,
acima de tudo, uma nova forma
aparentemente radical de se
fazer o trabalho.”
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2005
Neil
I
magine que o empregado Rip Van
Winkle tenha caído no sono há uma
geração e esteja acordando hoje.
Ele poderá voltar para a sua empresa e não reconhecê-la. As suas
lembranças do processo de fabricação o levarão a esfregar seus olhos
na frente das novas máquinas e ele
murmurará: “Alguma coisa está
muito diferente. O piso da fábrica
parece um laboratório. O óleo, a
graxa, e as pilhas de produtos semiterminados não existem mais. Não
existem filas de pessoas trabalhando em linha de montagem. Ninguém está parado esperando por
instruções sobre o que fazer
depois. Não existe nenhum
inspetor de controle de qualidade
por perto. Onde estão os supervisores? Quem é o trabalhador e
quem é o gerente?”.
É uma grande transformação, e é
muito mais do que Rip pode absorver no seu primeiro dia depois de
despertar; por esta razão ele sai em
busca de algo familiar. Primeiro, ele
se dirige à central de digitação, somente para descobrir que ela não
existe mais. Depois, ele passa por
uma sucessão de outros departamentos. Em todos os lugares aos
quais ele chega existe uma nova
tecnologia, novos processos, e,
acima de tudo, uma nova forma,
aparentemente radical de se fazer
o trabalho.
Todos os lugares? Não totalmente.
O departamento de vendas, onde
M A I O
/
Rackham
e John
DeVincentis
ele costumava trabalhar, está muito
parecido com aquele do qual ele
lembrava no momento em que
adormeceu. De fato, a maioria das
pessoas agora tem laptops, apesar
de muitos deles parecerem ser mais
decorativos do que úteis. E existem
mulheres no departamento: agora
ele é um “profissional de vendas”
em vez de um “homem de vendas”.
Entretanto, a maioria das outras
coisas no escritório de vendas não o
surpreende.
A empresa decide dar a Rip o seu
antigo cargo em vendas. Ele então
sai com seu gerente para conferir
se o processo de vendas sofreu alterações. Descobre que a maior
parte do processo de vendas lhe é
familiar. Existe certamente um
número maior de produtos, e muitos
deles parecem ser mais complexos.
A competição é maior e mais
intensa, e o ritmo de trabalho é
mais acelerado. A venda por pressão, hard sell, parece estar oficialmente desencorajada – mas
mesmo no passado Rip sempre
preferiu vender através de relacionamentos, em vez de vender por
pressão.
Rip possui ainda a expectativa de
preencher relatórios de visitas,
apesar de que a tecnologia de hoje
permite que ele entre com suas
mentiras e desculpas, eletronicamente. O pagamento é maior do
que em uma geração atrás, mas
ainda vem na forma de um fixo
J U N H O
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–REVISTA
DA
ESPM
75
Três Modelos de Valor Comprovados
mais uma comissão variável. O seu
gerente de vendas o treina com
termos familiares – características,
benefícios, argumentação e contraargumentação, perguntas abertas e
fechadas, e assim por diante –, o
que o faz se sentir como se nunca
tivesse adormecido por tanto tempo. Na verdade, quase tudo o que
ele fala, palavra por palavra, vem
do livro A Psicologia da Venda de
E. K. Strong, publicado em 1925.
“Bem”, ele pensa: “Vender sempre
será vender. E eu, provavelmente,
poderia tirar uma soneca por mais
alguns anos”.
questões que os executivos
✤ As
da linha de frente estão
começando a levantar são,
sem dúvida, sinais de que a
natureza da venda está em
processo de mudança.
Mas ele está errado. Novas e poderosas forças começam a mudar o
mundo das vendas. As funções de
vendas em todos os lugares estão
ainda nos estágios primários de uma
transformação comparável à que
redesenhou o processo de fabricação, há vinte anos. De acordo com
algumas estimativas, pelo menos
metade das posições de vendas de
hoje acabará nos próximos cinco
anos. Estruturas territoriais utilizadas
por um longo período também serão
extintas. A essência da venda está
em constante movimento.
Algumas organizações já cruzaram
a porta de entrada desse novo
mundo. Até alguns anos atrás, a
Microsoft, por exemplo, possuía
uma equipe de vendas que oferecia
software em pacotes para contas
corporativas em típicas negociações B2B (“business-to-business”).
Hoje, os seus representantes de
vendas investem seu tempo organizando e mobilizando redes de
provedores (tais como: especialistas, treinadores, software desig-
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REVISTA
DA
ESPM–
M A I O
/
J U N H O
D E
2005
ners, e instaladores), para, desenvolverem soluções independentes,
individuais, tailor-made.
No passado, quando você chamava
Charles Schwab, o pioneiro em intermediação dos serviços de telefonia, nos anos 70, você tinha um
intermediário (broker) ou um
vendedor com outro nome que
intermediava o negócio para você.
Hoje, você pode optar por acionar
a Schwab pela Internet e fazer seus
negócios diretamente, sem intermediários.
QUAL É A RAZÃO
PARA SE TER UMA
FORÇA DE VENDAS?
As questões que os executivos da
linha de frente estão começando a
levantar são, sem dúvida, sinais de
que a natureza da venda está em
processo de mudança. Há três anos,
quando CEOs conversavam a respeito da força de vendas, eles
focavam em remuneração, treinamento e automação. Entretanto, em
recente fórum de CEOs, as questões
levantadas foram mais profundas.
“Será que eu preciso efetivamente
de uma equipe de vendas?”, levantou o presidente de uma empresa de
tecnologia. Um outro CEO perguntou: “Qual é a diferença entre
vender e fazer marketing? Eu não
estou mais certo de que entenda a
distinção entre estas duas atividades
claramente.” Um chefão de uma
grande empresa de comunicação
sugeriu: “Talvez tenha chegado a
hora de respondermos à pergunta
mais básica de todas: Qual é a razão
para se ter uma força de vendas?”
Neil
“Talvez tenha chegado a hora de
respondermos à pergunta mais
básica de todas: Qual é a razão
para se ter uma força de vendas?”
Durante muitos anos, as forças de
vendas existiram com o propósito
de comunicar o valor das ofertas
de produtos e serviços das empresas. Todavia, enquanto a equipe de
vendas preenchia totalmente esta
função, uma grande mudança já
vinha sacudindo o mundo dos negócios. Outras funções – produção,
engenharia, desenvolvimento de
produto, e até mesmo recursos
humanos – há tempos vêm sofrendo
processos de reestruturação e
realinhamento com o objetivo de
criar mais valor para os clientes.
Atividades que não agregam valor
estão sendo reduzidas, ajustadas ou
eliminadas.
a forma antiga pela qual a força de
vendas estava, efetivamente, agregando valor. “Nós éramos muito
úteis para os médicos porque os
informávamos a respeito dos últimos medicamentos”, disse um
representante farmacêutico. “Nós
falávamos a respeito das novas
alternativas que ainda não estavam
disponíveis nos livros de referência
do mercado. Sem a nossa informação, os médicos ficavam,
rapidamente, desatualizados”.
A tendência hoje é de que os compradores tenham as mesmas informações a respeito dos produtos que
os profissionais que estão vendendo. O advento da especialização na medicina, por exemplo,
resultou na participação de muitos
médicos, em testes clínicos, apren-
Rackham
e John
DeVincentis
dendo sobre os efeitos de novos
medicamentos, antes mesmo de
eles serem aprovados para lançamento no mercado.
Compradores em outras indústrias
também são mais bem informados
do que costumavam ser. Hoje, com
muita informação acessível sobre
quase tudo, a real necessidade por
um profissional de vendas
altamente
qualificado
e,
conseqüentemente, caro está
sendo cada vez mais questionada.
A “onipresença” da informação não
é a única força transformadora da
função de vendas. Outra força é a
diminuição da diferença entre
produtos. Conforme os produtos se
transformam em commodities, as
suas características passam a ter
Essas novas formas de trabalhar, tais
como, melhoria contínua, reengenharia dos processos, Kaizen, e
times autogerenciáveis (TAG), estão sendo introduzidas para contribuir na criação de produtos de alta
qualidade e serviços mais baratos
e eficicazes. Ou seja: outras funções se tornaram criadoras de valor,
conscientes. Nas empresas de hoje,
é difícil para as funções e até
mesmo para os indivíduos
sobreviverem – e é impossível que
eles prosperem – a não ser que
agreguem valor para os clientes, de
uma forma clara.
No mundo de ontem, era admissível
a contra-argumenção pela simples
comunicação sobre os novos
produtos para os clientes: esta era
da especialização na medicina, por exemplo, resultou na participação
✤ Odeadvento
muitos médicos, em testes clínicos, aprendendo sobre os efeitos de novos
medicamentos, antes mesmo de eles serem aprovados para lançamento no mercado.
M A I O
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J U N H O
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2005
–REVISTA
DA
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77
Três Modelos de Valor Comprovados
cada vez menor relevância para os
clientes. O valor migra do produto
para o processo pelo qual ele é adquirido, e os clientes começam a dar
maior importância para o ambiente
de compra que mais lhes agrada.
Infelizmente, gerações de profissionais de venda vêm desenvolvendo a
noção de que eles criam valor através do lucro. E isto não é suficiente
para a sobrevivência nos mercados
altamente competitivos de hoje.
O VALOR ESTÁ
NOS OLHOS DE
QUEM COMPRA
valor migra do produto para processo pelo qual ele é adquirido, e os
✤ Oclientes
começam a dar maior importância para o ambiente de compra
que mais lhes agrada.
A idéia de que a força de vendas
deve criar valor e não somente comunicá-lo, é simples e atrativa.
Mas o que realmente significa? Se
você perguntar para acadêmicos ou
consultores, eles lhe dirão da
maneira mais simples que, o valor
é definido pela equação:
VALOR + BENEFÍCIOS – CUSTO
Desta forma, existem duas maneiras
pelas quais os profissionais de
vendas podem criar valor: eles
podem gerar benefícios adicionais
ou reduzir os custos dos benefícios
que estão fornecendo.
No primeiro caso, a empresa deve
aumentar a capacidade de sua força
de vendas em entregar benefícios,
melhorando a sua capacidade para
resolver problemas, ou permitindo
que os seus profissionais de vendas
possam dedicar mais tempo às
questões de seus clientes. No segundo caso, a empresa deve buscar
78
REVISTA
DA
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J U N H O
D E
formas de vender mais barato.
Algumas organizações que buscam
criar valor através da redução de
custos de vendas vêm utilizando o
recurso de vendas por telefone e
profissionais de vendas que trabalham meio período. Outras eliminaram toda a força de vendas, adotando novos canais de distribuição,
catálogos, ou comércio eletrônico
(e-commerce).
É o cliente quem decide se o benefício é real. Diferentes clientes em
uma mesma indústria possuem
diferentes conceitos de valor.
Estrategicamente, qual é a melhor
forma de se criar valor: agregando
novos benefícios ou reduzindo os
custos dos benefícios já existentes?
A maioria das pessoas prefere a
última, vislumbrando a possibilidade de criar um “bolo” maior, arrecadando mais lucro, e fornecendo
um valor adicional tão grande e
diferenciado ao cliente, que causa
a morte da concorrência. A força
2005
de vendas que agrega um novo valor,
sente-se muito mais vitoriosa do que
aquela que corta custos. Mesmo
assim, muitas organizações estão
desacelerando esta tendência diante da descoberta de que elas regulamentaram estratégias custosas que não
são valorizadas e nem reconhecidas
pelo mercado. E assim diminuíram a
competitividade de suas empresas.
A melhor abordagem depende totalmente do cliente. Definitivamente
é o cliente quem decide se um benefício é real. Clientes diferentes,
mesmo que em uma mesma indústria, possuem percepções muito
diferentes de valor. Se uma empresa
fornece à sua equipe de vendas a
habilidade para oferecer novos
benefícios que os clientes genuinamente desejam, eles estarão
satisfeitos e dispostos a pagar muito
bem por esses benefícios. Porém,
se os clientes forem indiferentes, a
empresa também pode perder
negócios. O pensamento tradicional
Neil
de vendas falha em reconhecer esta
realidade.
SEGMENTAÇÃO
POR TAMANHO
NÃO É SUFICIENTE
Desde os anos 60, a maior parte das
organizações de vendas segmenta
os seus clientes de acordo com o
seu tamanho, uma prática que funcionou muito bem por mais de 30
anos. Mas esta segmentação não é
Rackham
e John
DeVincentis
mais suficiente. Vamos considerar
as três maiores contas da seguradora Sleepy Hollow Insurance
Group: são três corretoras de seguros, praticamente, do mesmo tamanho. Um time de conta-chave
Key account no Sleepy Hollow
tenta vender seus produtos para os
três, praticamente, da mesma
forma, utilizando valores similares
de recursos.
tre as três contas, os três clientes possuem necessidades muito diferentes:
Apesar da aparente similaridade en-
Cliente B: Uma corretora que cresceu
através de fusões e aquisições e
possui uma história bem diferente.
“Nós precisamos de muita ajuda. Todo
mundo em nosso escritório faz as
coisas do seu próprio jeito. Nós não
possuímos um conjunto de procedimentos ou um sistema de informações único. Nós faremos muitos
negócios com você se a sua equipe
estiver preparada para trabalhar com
cada escritório individualmente e
ajudá-los a atuarem juntos”. Neste
caso, existe a oportunidade para a
equipe de vendas criar valor real.
Cliente A: Uma corretora regional,
agressiva, comenta com Sleepy
Hollow. “Não me envie o seu pessoal
de vendas, apenas me envie a sua
cotação. E a sua cotação deve ser
rápida e enxuta, porque como você
possui uma dezena de concorrentes,
eles poderão ganhar o nosso negócio
se eles forem mais rápidos e tiverem
preços melhores que os seus”.
Cliente C: Procura ainda outro tipo de
relacionamento. “O que nós almejamos é um parceiro estratégico que
coloque seus recursos em nossos
escritórios, desenvolvendo sistemas
de informação de última geração
conosco, para transformar os números em uma velocidade que ninguém
julgou ser possível, e que também
trabalha desenvolvendo sistemas
novos e inovadores de gerenciamento
de risco. Nós gostaríamos de aproveitar um pouco do nosso conhecimento administrativo e estamos
interessados em ter o seu pessoal de
marketing contribuindo no processo
de planejamento interno”.
Como uma força de vendas tradicional, acostumada a julgar seus esforços e recursos através do tamanho
de seus clientes, consegue administrar essas três demandas? Pessimamente. Uma força de vendas acostumada a atender a clientes grandes,
Outras empresas eliminaram toda a força de vendas, adotando novos
✤ canais de distribuição, catálogos, ou comércio eletrônico (e-commerce).
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2005
–REVISTA
DA
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79
Três Modelos de Valor Comprovados
Contrariamente, clientes grandes do
terceiro tipo esperam um alto
investimento no esforço de vendas.
A alocação inadequada de recursos
de investimento, colocando profissionais de vendas no papel de
comunicadores de valor, quando, de
fato, o cliente está em busca de
criadores de valor, é freqüente.
Nesse caso, o esforço de vendas foi
erroneamente focado em persuasão
e não em compreensão: profissionais
de vendas passam um tempo
explicando e diferenciando produtos, em vez de trazerem novas idéias
e valores para o cliente, através do
diagnóstico de seus problemas e
necessidades.
É indispensável dizer que problemas
similares podem invalidar os
esforços da força de vendas para
atender aos clientes pequenos.
Apesar de a segmentação por tamanho implicar que esses clientes
possam ter a expectativa de receber
apenas um pequeno esforço de
vendas, alguns deles estão, realmente, preparados para remunerar,
generosamente, por recomendação
e ajuda. Entretanto, a maioria das
forças de vendas não está estruturada
para atender a esse tipo de cliente, faltando mecanismos que permitam,
aos profissionais de vendas, exercer
esse papel, para agregar valor. Como
resultado disso, a oportunidade para
criar e capturar valor é perdida.
80
REVISTA
DA
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J U N H O
D E
ALINHANDO
A ESTRATÉGIA
AO CLIENTE
Mas não é somente a alocação de
recursos, feita pelas forças de vendas, que está errada. Elas erram
também em reconhecer que, diferentes abordagens são necessárias
para diferentes clientes, mesmo
quando eles são similares em
tamanho. Para se ter sucesso, elas
devem aprender que os clientes
necessitam ser segmentados de acordo com a maneira pela qual eles
compreendem valor. Essa segmentação gera três categorias distintas,
cada uma demandando uma abordagem própria (Quadro 1):
VENDA
TRANSACIONAL
Para o Cliente A e seus pares, o valor
INVESTIMENTO PARA SATISFAZER
ÀS EXPECTATIVAS DO CLIENTE
VENDA
CORPORATIVA
perdas-desperdício
recursos desnecessários
investimento do fornecedor
normalmente investe muitos recursos
em sua primeira conta. Este tipo de
cliente não almeja – e não pagará –
um alto valor no processo de venda.
Empresas podem desperdiçar ou
destruir valores por alocar esforços
desnecessários nessas contas.
Criar Valor
Extraordinário
VENDA
CONSULTIVA
Criar
Novo Valor
Custo
Enxuto
VENDA
TRANSACIONAL
risco
vulnerabilidade competitiva
investimento do cliente
Quadro: 1
é intrínseco ao produto. A força de
vendas agrega pouco ou nada, uma
vez que eles já conhecem o que
estão comprando e sabem como
usá-lo. Esta categoria de clientes
considera os produtos como com-
2005
modities. Eles desejam, simplesmente, um custo competitivo,
decidindo pelo preço ou pela
facilidade de compra, e não estão
dispostos a gastar tempo com o pessoal de vendas. Este tipo de cliente
Neil
profissionais de vendas com freqüência.
O Wal*Mart, por exemplo, trabalha
com fornecedores relativamente pequenos, mas se recusa a atender a
seus profissionais de vendas, com
freqüência. Como um porta-voz do
Wal*Mart comentou: “Seria melhor
que seus salários e comissões fossem tirados dos preços dos produtos.
Por que é que nós devemos pagar
por algo que consome o nosso tempo sem nos agregar nada em troca?”
E não são apenas os tradicionais
fornecedores industriais de commodities que estão vendendo desta
forma; fornecedores de serviços,
como advogados, contadores,
e John
DeVincentis
ajuda, esses clientes esperam
aumentar a compreensão de suas
necessidades e alternativas. Este
tipo de venda consultiva, que
demanda uma força de vendas
próxima aos clientes e que tenha
uma compreensão profunda das
necessidades do negócio, envolve
investimento de tempo e esforço,
tanto do vendedor, quanto do cliente-comprador.
por exemplo, trabalha com fornecedores
✤ Wal*Mart,
relativamente pequenos, mas se recusa a atender a seus
demanda técnicas de vendas
transacionais que não devem ter
risco, cuja negociação seja a mais
eficaz possível.
Rackham
consultores e médicos – pessoas
que nunca sonharam que suas
profissões poderiam ser consideradas commodities –, encontram
cada vez mais clientes que desejam comprar seus serviços, transacionalmente.
VENDA
CONSULTIVA
O Cliente B observa amplamente
os elementos extrínsecos à equação de valor. Para esses clientes,
valor não é inerente ao produto;
ao contrário, reside, principalmente, em como o produto é
utilizado. Neste caso, a força de
vendas pode muito agregar valor.
Premiando a recomendação ou
M A I O
/
Nas vendas consultivas, a habilidade de ouvir e construir uma compreensão do negócio do cliente é a
habilidade de vendas mais importante do que a de persuasão, a
empatia sobrepõe o conhecimento
do produto. Uma força de vendas
desse tipo cria valor de três formas
básicas: ajudando aos clientes a
compreenderem melhor os seus
problemas e oportunidades, de uma
forma nova e diferente; fornecendo
soluções melhores do que aquelas
que os clientes descobririam por
conta própria; e atuando como “advogado do diabo”, dentro da própria empresa, assegurando que, os
recursos sejam alocados no tempo
desejado e que as soluções propostas respondam às suas necessidades
específicas.
Uma vez que essas tarefas demandam muitas habilidades e energia,
bons profissionais de vendas consultivas são difíceis de encontrar.
Organizações, na busca pelo aperfeiçoamento de suas habilidades de
vendas consultivas, podem, facilmente, ficar reféns de profissionais
“estrelas”, de ótimo desempenho e
muito bem pagos. Por esse motivo,
esforços de vendas consultivas
efetivas, cada vez mais utilizam ins-
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2005
–REVISTA
DA
ESPM
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Três Modelos de Valor Comprovados
rar quem está vendendo de quem está
comprando. Existe uma aliança sinérgica entre os parceiros que trabalham
juntos para atingir um nível de valor
extraordinário que nenhuma das
partes poderia atingir sozinha.
tipo de venda consultiva, que demanda uma força de vendas
✤ Este
próxima dos clientes e que tenha uma compreensão profunda das
necessidades do negócio, envolve investimento de tempo e esforço
tanto do vendedor quanto do cliente-comprador.
Tais clientes exigem um esforço de
venda corporativa no qual tanto o
produto quanto a força de vendas
são secundários, pois o objetivo
principal é o de aumentar todo e
qualquer ativo corporativo do fornecedor, contribuindo, assim, para o
sucesso estratégico do cliente. Nenhum profissional de vendas, ou até
mesmo um time de vendas, pode
começar ou manter um relacionamento corporativo. Essa relação
é, invariavelmente, iniciada pelo
primeiro escalão das organizações
trumentos de diagnóstico, processos
de vendas, e sistemas de informação
que permitem a qualquer
profissional de vendas o desempenho desse sofisticado papel
consultivo.
VENDA
CORPORATIVA
O Cliente C, e outros clientes como
esse, demanda um nível extraordinário de criação de valor. Eles não
desejam, simplesmente, produtos
ou recomendações de um fornecedor: eles desejam também utilizar de uma forma ampla e completa todas as principais competências de seu fornecedor-parceiro,
para transformar suas próprias
organizações e estratégias em uma
relação de grande valor. Nesse tipo
de situação, é quase impossível sepa-
82
REVISTA
DA
ESPM–
M A I O
/
J U N H O
D E
clientes exigem um esforço de venda corporativa no qual tanto
✤ Tais
o produto quanto a força de vendas são secundários, pois o objetivo
principal é o de aumentar todo e qualquer ativo corporativo do fornecedor.
2005
Neil
Rackham
e John
DeVincentis
DE BAIXO VALOR
os dias de Júlio César tem sido conveniente pensar a respeito de
✤ Desde
problemas complexos dividindo-os em três partes. Mas será que existe
alguma vantagem real em classificar os esforços de vendas?
envolvidas. Ela está totalmente ligada à direção estratégica do cliente e, normalmente, implementada por uma equipe multifuncional
de ambos os lados.
Uma boa maneira de se pensar
sobre a venda corporativa é considerá-la como a revisão e a melhoria contínua dos limites que separam o fornecedor do cliente. Freqüentemente, centenas de pessoas
participam diretamente dessa
relação, e é difícil, se não impossível, dizer onde ela começa e
onde termina.
POR FAVOR, EU
PODERIA PENSAR
SOBRE ISSO
AMANHÃ?
Desde os dias de Júlio César tem
sido conveniente pensar a respeito
de problemas complexos dividindoos em três partes. Mas será que
existe alguma vantagem real em
classificar os esforços de vendas
dividindo-os em transacionais,
consultivos e corporativos? A maioria das organizações não sobreviveu razoavelmente bem dividindo
os seus clientes por tamanho? Qual
é o benefício em segmentá-los de
acordo com a maneira pela qual
eles percebem valor?
Em nossa opinião, a resposta é
simplesmente esta:
QUALQUER FORÇA DE VENDAS
QUE QUEIRA SOBREVIVER NÃO
TEM ALTERNATIVA, A MENOS QUE
SUA ABORDAGEM PARA CRIAR
VALOR REFLITA CLARAMENTE AS
PERCEPÇÕES DE VALOR E
NECESSIDADES DOS CLIENTES;
SEUS ESFORÇOS ESTÃO FADADOS
AO FRACASSO. OS TRÊS
EXEMPLOS A SEGUIR
DEMONSTRARÃO O QUE NÓS
QUEREMOS DIZER COM ESTA
AFIRMAÇÃO.
O esforço para recrutar, treinar e
desenvolver um novo custo estratégico de marketing resultou em um
aumento de $ 10 milhões. As despesas com custos operacionais
eram ainda mais assustadoras. O
custo médio de cada visita de venda não saía por menos de $ 890 e,
o custo médio de aquisição de uma
nova conta era de $ 112 mil – muito
mais do que uma conta normal
gerava, em lucro, durante todo o
seu ciclo de vida.
A não ser que a abordagem da
força de vendas, para criar valor,
reflita claramente as percepções
de valor e as necessidades dos
seus clientes, ela estará fadada ao
fracasso.
A estratégia foi um desastre. Esses
O COMPRADOR
M A I O
Um fabricante de materiais de embalagem concorre em um mercado em que mais de 90 % dos clientes são compradores de baixo valor
percebido, preocupados única e
exclusivamente com custo baixo e
manutenção de sua margem de
rentabilidade; compram transacionalmente. Como os custos do fabricante eram um pouco mais altos
do que os dos concorrentes, ele
estava perdendo negócios. Ele
resolveu que, a melhor maneira para reverter a situação seria investir
na sua força de vendas. Em vez de
representantes de vendas, agora
saíram para o mercado consultores
de embalagem capacitados para
agregar valor, oferecendo aos
clientes ajuda e recomendações.
/
J U N H O
D E
2005
–REVISTA
DA
ESPM
83
Três Modelos de Valor Comprovados
clientes ou não precisavam ou não
queriam ajuda ou recomendação.
Para eles, o valor estava no produto.
Eles necessitavam, simplesmente,
de materiais de embalagem e
estavam dispostos a pagar apenas
por isto. Em outras palavras, eles
compravam transacionalmente,
mas o fabricante tinha embarcado
em uma custosa estratégia
consultiva. Não muito tempo
depois, um concorrente comprou a
empresa por um preço de barganha,
cortou o custo das vendas revertendo o esforço de vendas para
transacional, totalmente adequado
para as necessidades de valores de
seus clientes.
VENDA E PASSE
PARA A PRÓXIMA
Uma pequena empresa de consultoria desenvolveu uma quantidade
de serviços para melhorar a produtividade de seus clientes. Como
uma firma de consultoria, ela não
possuía uma força de vendas
própria, em vez disso, os seus consultores trabalhavam com os
clientes para definir suas necessidades e para desenvolver soluções tailor-made – um exemplo
clássico de vendas consultivas. Vislumbrando uma oportunidade para
expandir seu mercado, a empresa
contratou um novo diretor executivo que havia trabalhado anterior-
FAÇA UMA
uma firma de consultoria,
✤Como
ela não possuía uma força de
vendas própria, ao invés disso,
os seus consultores
trabalhavam junto aos clientes
para definir suas necessidades
e desenvolver soluções tailormade – um exemplo clássico de
vendas consultivas.
84
R EE VVI ISST TA A D A
D AE SEPSMP– M
M A– I MO A/ I JOU /NJ HU ON
H DOE
D2E 0
0
25
005
mente no negócio de pacotes de
software. Ele ficou horrorizado com
a duração do ciclo de vendas e o
uso de consultores tão caros no
processo de desenvolvimento de
negócios.
O novo diretor executivo retirou os
consultores do papel direto de vendas. Ele estruturou uma equipe de
vendas por telefone, formada por
profissionais de venda comissionada que eram gerenciados com
eficiência e a custos rudimentares
com o objetivo de aumentar a sua
cobertura. Com a regra mestra de
“Faça uma venda e passe para a
próxima”, eles agora consideravam
como desnecessário investir tempo
no conhecimento das necessidades
dos negócios de seus clientes. O
número de contatos com novos
clientes quadruplicou, enquanto o
custo de cada contato caiu para
menos da metade. Neste aspecto,
o novo diretor executivo obteve
êxito em criar alta cobertura e baixo
custo da força de vendas
transacional.
Infelizmente, os clientes da empresa – principalmente os mais rentáveis – eram compradores de valores
extrínsecos e que compravam consultivamente. Eles estavam dispostos a pagar bem pela compreensão
dos seus negócios e das soluções
customizadas que a empresa havia
fornecido no passado. Diante dessa
nova abordagem de vendas, muitos
deles mudaram para concorrentes
que lhes ofereceram forças de
vendas que criavam valor. A empresa começou a perder negócios
e em pouco tempo decidiu “perder”
também o seu diretor executivo.
Neil
Rackham
e John
DeVincentis
Retornando para um modelo mais
custoso que atendia às expectativas
de valor de seus clientes, a empresa
foi capaz de recuperar um pouco
do mercado que havia perdido.
O FIM DE
UMA RELAÇÃO
Um fornecedor de contêineres tinha
uma associação de longa data com
uma grande empresa de alimentos,
para a qual, não somente fornecia
contêineres, como também maquinaria especial e consultoria no
design dos contêineres. A relação
era boa e feliz para ambos os lados.
Um dia, o cliente perguntou se o
fornecedor estaria interessado em
um tipo diferente de relacionamento, que envolveria assumir
algumas das suas atividades de
produção e participar com ele do
desenvolvimento, (dividindo os
riscos) de novos conceitos radicais
de embalagem.
Com falta de autoridade para responder àquela revolucionária proposta, a equipe de vendas levou a
questão para a direção da empresa.
“Nós não estamos preparados para
cuidar das linhas de produção
deles”, disse o CEO. “Nós não
somos uma empresa que produz
alimentos, e esta idéia de codesenvolvimento parece ser de alto
risco. Mas como ele é um cliente
valioso, vamos então oferecer-lhe
apoio adicional em design e em
engenharia”. Para surpresa do
CEO, o cliente rejeitou a ajuda e
acabou fechando parceria com um
novo fornecedor cujo presidente e
time de executivos havia traba-
um modelo de vendas quando o
✤ Adotar
cliente deseja outro, é fatal.
lhado, durante seis meses, com um
alto nível de envolvimento com a
empresa de alimentos para criar
novas estratégias, com riscos
compartilhados.
O novo fornecedor concordou em
gerenciar todas as linhas de produção da empresa de alimentos e
em desenvolver conjuntamente
uma nova linha de conceitos inovadores de embalagens, criados por
um time de pesquisa e desenvolvimento, que incluía membros
das duas empresas. O cliente
almejava uma relação de valor
estratégica com o seu antigo
fornecedor, o qual foi incapaz de
oferecê-la, devido às preocupações
de seus esforços de venda consultiva. Um novo fornecedor que
compreendeu como iniciar vendas
corporativas de alto nível, foi capaz de acabar com uma relação de
30 anos. O fornecedor antigo recentemente anunciou uma queda em
M A I O
/
seus resultados e uma grande
reestruturação.
Esses casos – e centenas de outros
como esses – mostram que, adotar
um modelo de vendas quando o
cliente deseja outro, é fatal. Não
existe quantidade de habilidades
de vendas, estratégias brilhantes,
ou proposição de valor muito bem
desenhada que possam preencher
o buraco entre o que o cliente
deseja e o que o fornecedor tem
para oferecer. Uma força de vendas
não pode transformar clientes
transacionais em consultivos, ou
vice-versa. Na melhor das hipóteses, vendas eficazes podem alterar
levemente o equilíbrio, mas é uma
escalada vertical e escorregadia.
Na era em que os clientes não
somente exigem mais valor do que
nunca, mas estão conscientes e
decididos a respeito do tipo de valor
que eles desejam, a força de vendas
deve estar atenta para alinhar seus
J U N H O
D E
2005
–REVISTA
DA
ESPM
85
Três Modelos de Valor Comprovados
TERRA DE NINGUÉM
Além do mais, o valor das expectativas de negócios de grandes
clientes, pequenos clientes, e até
mesmo consumidores individuais
está mudando dramaticamente. Como resultado, as forças de vendas
estão nos estágios primários de uma
transformação que afetará todos os
aspectos da venda. Desde a simples
venda transacional até relações
corporativas massivas que estão
reformulando totalmente as estratégias de negócios dos participantes, as mudanças são profundas
e irreversíveis. E as mudanças estão
ganhando cada vez mais velocidade. Profissionais de vendas individuais estão fadados a se sentirem
alarmados, confusos, e inseguros,
mas, como Rip Van Winkle, nesta
situação, por mais embaraçosa que
pareça, é mais fácil mantê-los
acordados do que fazê-los dormir.
Nós gostaríamos de dizer o mesmo
das forças de vendas para as quais
eles trabalham, mas muitos desses
profissionais parecem estar sonolentos, esquecidos de que as forças
de hoje podem, no final, levá-los à
extinção. Em quase todos os lugares, as forças de vendas transacionais possuem custos altos insustentáveis de estrutura, forças de
vendas consultivas não vendem tão
profundamente para ganhar negócios, e os pseudojogadores corporativos pecam pela falta de capacidade de agregar diferentes funções para criar valor suficiente para
cobrir o alto custo de sua abordagem (Quadro 2). Forças de vendas de empresas, cujos membros comuns permanecem firmemente convencidos de que sua missão é
86
REVISTA
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/
J U N H O
D E
❖ A maioria das forças de vendas é “terra
de ninguém”.
AL
ION
C
A
NS
TRA
CO
RP
OR
A
TERRA DE
NINGUÉM
TIV
O
CONSULTIV
O
valores com os deles.
❖ É muito caro obter o sucesso, transacionalmente.
❖ Faltam muitos recursos e habilidades
para se ter sucesso com a estratégia
consultiva.
❖ Falta alinhamento e equipe para ter
sucesso corporativamente.
Quadro: 2
comunicar valor, normalmente
desconhecem que, alguns de seus
concorrentes, mais espertos, já estão
aprendendo a criá-lo.
A mensagem para essas funções de
vendas ainda adormecidas é simples:
acordem rápido! Nosso assalariado
Rip Van Winkle pode ter dormido por
uma geração e acordou para descobrir que pouca coisa tinha mudado,
mas hoje, qualquer função de vendas
que cochila, mesmo que por alguns
meses, não valerá a pena acordar.
As forças de vendas devem pensar
em termos de criação de valor e
compreender como estruturar e gerenciar os elementos dos esforços de
vendas transacionais, consultivos e
corporativos para entregar novos
valores para os clientes.
Este é um momento de oportunidades sem precedentes para estrategistas. No passado, vendas
ofereciam altas recompensas para
aqueles com energia para vender
2005
persuasivamente e com táticas para
fechar negócios. A nova será muito
mais generosa, recompensando
aqueles que venderem de forma
inteligente, compreendendo e
programando estratégias para criar
valor para o seu cliente.
ESPM
Tradução e adaptação do texto
para o português feita por:
LÍGIA HERNÂNDEZ
© 2004 Huthwaite, Inc. Translated and Reprinted
by ESPM (Escola Superior de Propaganda e
Marketing) with Permission from Huthwaite,Inc.
Huthwaite é uma empresa líder no mundo em
consultoria e treinamento de processos eficazes
de vendas. Durante os últimos 25 anos, Huthwaite
vem ajudando centenas de empresas no mundo
a alcançarem vantagens competitivas através
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gerenciamento e programas estratégicos de
vendas e respostas inovadoras da força de
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Honestos
HONESTOS
PESQUISA
mbora “marcada” como essencialmente desonesta, por alguns setores
da sociedade – tais como os políticos de Brasília e a maioria dos jornalistas – a atividade da propaganda, pela própria natureza, deve trilhar um caminho cheio de condições. Se o anúncio é “bem-comportado” em demasia, corre o risco de
passar batido pela atenção do
consumidor; se exagera nas hipérboles, deixa de ter credibilidade.
exemplo: Veja ilustre passageiro, o
belo tipo faceiro, que o senhor tem
ao seu lado. E, no entretanto, acredite: quase morreu de bronquite;
salvou-o o Rhum Creosotado! Nada
menos do que salvar da morte. Há
outros: “É mais fácil um burro voar
do que a Esquina da Sorte falhar”. A
maioria dos anúncios para remédios
milagrosos, no início do século
passado: Phymatosan, A Saúde da
Mulher, Biotônico Fontoura, Cafiaspirina, Urodonal... Mesmo nos anos
40, a Cia Harkson anunciava seu
Chica-bon como “sorvete formidável” e a Milani o creme dental
E
A arte – ou ciência – da propaganda
nasceu e se desenvolveu nos dois séculos passados, principalmente no
XX – considerado por muitos como
o século dourado da propaganda –
e, nos seus primórdios, usou
apelos que seriam considerados, hoje, como
exagerados – ou politicamente incorretos.
A famosa sextilha
de Ernesto de Souza – para o Rhum
Creosotado –,
que a maioria dos
publicitários sabe
de cor, é um
bom
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REVISTA
DA
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/
J U N H O
Gessy, para as mulheres, como “a
chave mágica que abre o coração
dos homens!”
Mas os publicitários aprenderam,
com o tempo, que a honestidade nos
argumentos e nas afirmações dos
anúncios e das campanhas é – a
longo prazo – a melhor estratégia para conquistar e manter os clientes.
Uma das mais importantes agências
de propaganda internacionais, a McCann-Erickson, usa até hoje, como
slogan, a expressão “a verdade bem
dita”. Ela foi criada por um dos
fundadores da agência americana,
Ralph St. Hill, no início do século
passado.
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2005
Imagens: Arquivo ESPM
José Roberto Whitaker
Penteado e Beatriz Penteado
sua vida? (Brasileiro ou estrangeiro).
OS RESULTADOS
AQUI ESTÃO
Houve céticos que responderam
coisas como “este é um animal que
faleceu antes de nascer”, ou fizeram
blague: “Este seu, anunciando sua
disposição de obter um anúncio tão
sério, que nem Deus poderia duvidar”. Mas houve quem fosse mais
fundo, na busca de referências e parâmetros, como o ex-diretor de comunicações da Nestlé e conselheiro
da ESPM, Avelar Vasconcelos:
“Nunca olhei para um anúncio pensando se era honesto ou não. Mas
teria uma resposta mais conceitual:
anúncio honesto é o anúncio de
produtos com marcas que venderam,
tiveram sucesso e cresceram no
mercado. Porque todo o marketing –
e o seu principal instrumento, a propaganda – só servem para vender a
primeira vez. A partir desse momento,
quem assume o leme é o próprio
produto, que deverá confirmar, a cada
dia, que continua correspondendo ao
anúncio que dele foi feito e que por
isso ele foi comprado e merece continuar sendo”.
Pego a revista Veja desta semana e, na página 6, está
anúncio para “Veja multiuso” – nova embalagem. Esse anúncio
✲ um
“parece” honesto: diz de maneira simples e direta.
Este artigo nasceu de uma troca de
idéias dentro do Instituto Cultural da
ESPM sobre o tema credibilidade da
propaganda. Será que há anúncios
que são – ou parecem – mais honestos do que outros? Em que consistirá
exatamente a “honestidade” de uma
mensagem publicitária? Decidimos
fazer uma pesquisa – qualitativa –,
já que não havia metodologia pos-
sível para estabelecer com exatidão
parâmetros de honestidade para a
propaganda – e escolhemos cinqüenta nomes de publicitários, principalmente entre os mais ligados à
ESPM, mandando-lhes um texto-desafio: Para uma matéria que queremos
fazer para a Revista da ESPM, por favor,
responda à pergunta: Qual o anúncio
mais HONESTO que você já viu em
M A I O
/
“Mas, se você pretende ilustrar a
matéria, não irei ao passado. Pego a
revista Veja desta semana e, na
página 6, está um anúncio para “Veja multiuso” – nova embalagem. Esse
anúncio “parece” honesto: diz de
maneira simples e direta, além de
reforçar o argumento de maneira
visual, que a nova embalagem é antideslizante. E de fato ela parece sêlo. Mas só saberei de fato se o
anúncio é honesto depois que –
movido por ele – eu vá comprar o
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2005 –REVISTA DA ESPM
89
Anúncios
Honestos
produto e comprová-lo”.
superficial da comunicação
publicitária. Refletem uma idéia de
relatividade em relação às circunstâncias. Não têm um sentido absoluto
como honrado, por exemplo. Uma
pessoa é honrada, ponto. Um anúncio
é conveniente, adequado em relação
a alguma coisa, por isso são conceitos
relativos. Se concordamos nisso,
posso tentar listar algumas peças
publicitárias que se encaixam nesses
conceitos. Não são, necessariamente,
criativas; criatividade não é o objeto
de sua pergunta. Nessa categoria
encontram-se os anúncios que não
escondem seu caráter íntimo, sua
Walter Guelfi, publicitário e consultor, com longa e bem-sucedida
carreira, também abordou a questão
com profundidade. “Segundo o
Aurélio, honesto significa honrado,
digno, decente, íntegro, probo, reto,
conveniente, correto, adequado,
casto, puro,virtuoso. Dentre esses
belos adjetivos optei por dois –
conveniente e adequado – para
qualificar atributos da publicidade.
São expressões que se ajustam melhor
à natureza efêmera, “manipuladora”
– porque deve ser persuasiva – e
Casas Bahia (representando
todas as campanhas honestas de varejo). Os anúncios
são cansativos, mas eu já
entrei em várias lojas da rede para
consultar sobre promoções anunciadas. Eram verdadeiras.
Campanhas de OMO (representando todas as campanhas que respeitam as consumidoras com depoimentos autênticos). As consumidoras reconhecem a honestidade e retribuem
com a compra do produto.
1)
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2)
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2005
intenção de mobilizar o público para
o objetivo de estimular a venda. Uma
peça publicitária institucional, por
exemplo, pode ser menos honesta do
que um anúncio para uma promoção
de varejo. Uma peça de varejo bem
realizada é conveniente e adequada
porque atende ao interesse do público
em busca de informação e responde
ao desejo do anunciante de vender.
Ela não pode ser mentirosa. Se for, não
funciona. Mas eis uma lista, se não é
dos anúncios mais honestos da minha
vida – porque não tenho memória
suficiente – terão sido os mais
marcantes”.
Campanha de Kolynos/Sorriso (representando todas as
campanhas que trabalham
com as emoções de maneira
saudável e crível). A campanha é tão
honesta, que sobreviveu à mudança
da marca do produto.
3)
José Roberto Whitaker
Penteado e Beatriz Penteado
da campanha contra a fome, da época do Betinho, “que mostrava uma panela vazia, dizia que
✲ asO anúncio
pessoas precisavam comer mas, apesar da honestidade, até hoje tem gente que morre de fome”.
O professor Francisco Gracioso,
presidente da Diretoria Executiva da
ESPM – mas que foi, também, profissional de criação e de planejamento nas agências JWT e McCann-Erickson – concorda com a
inclusão das campanhas de Kolynos
entre as mais honestas: “Principalmente os anúncios de “Ah, Kolynos”
que tiveram um papel histórico, ao
deixar de tentar convencer os
consumidores sobre o papel do creme dental como remédio, para evitar
cáries, etc. e concentrou-se sobre a
sensação de bom hálito e boca
limpa. Isso fez com que Kolynos se
tornasse a marca líder em vendas, no
Brasil.”
Christina Carvalho Pinto, diretora da
FullJazz, respondeu: “o grande marco, para mim, partiu da Natura, mostrando mulheres bonitas de verdade.
Isso resgatou o conceito da verdadeira beleza e mostrou a desonestidade dos anúncios de outras
marcas, que costumavam usar
modelos de 20 anos para anunciar
cremes anti-rugas”. Essa campanha,
também, foi considerada como
exemplo de publicidade honesta
pelo diretor da Tymus Branding, Ricardo Guimarães.
Décio Clemente, diretor da DeClemente e também conselheiro da
ESPM, lembrou o anúncio da campanha contra a fome da época do
Betinho, “que mostrava uma panela
vazia, dizia que as pessoas precisavam comer mas, apesar da honestidade, até hoje tem gente que morre
de fome. Ninguém se sensibilizou
de verdade. Outra é da campanha
contra a Aids. A única e mais segura
maneira de evitar é usando camisinha, honestamente é verdade, mas
ainda tem gente que não acredita”.
Roberto Duailibi, um dos sócios da
DPZ, também contribuiu para essa
pesquisa, lembrando de um anúncio criado pela agência para os
preservativos Jontex, muito, muito
antes da ameaça da AIDS. Trata-se
de “Bonitinho pero sifilítico”, abordando o tema então tabu das doenças venéreas.
José Esquenazi, ex-diretor da Artplan,
do Rio, é de opinião de que os mais
honestos são os anúncios comparativos – que, no Brasil, não são
muito bem-vistos. Diz Esquenazi: “É
válida a idéia desde que os fatos
citados sejam verdadeiros, não difamatórios, nem diminuam a qualidade do concorrente. Lembro de
Pepsi X Coca e do Fusca X Chevette,
era tudo claro e honesto. Quando a
Artplan recebia visita de estudantes
de Comunicação, eu fazia uma
palestra e sempre citava os aspectos
M A I O
/
da ética desses cases”.
Graciela Presas Areu, publicitária e
consultora, de Curitiba, indica a
“campanha mais honesta e inteligente que já vi foi a do fusquinha
nos EUA, quando assumiram que era
um carro feio. Era uma campanha
um dos sócios da DPZ,
✲ Duailibi,
também contribuiu para essa pesquisa,
lembrando de um anúncio criado pela
agência para os preservativos Jontex,
muito, muito antes da ameaça da AIDS.
Trata-se de “Bonitinho pero sifilítico”,
abordando o tema então tabu das
doenças venéreas.
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Honestos
O professor e consultor Isnard Manso
Vieira lembra de um anúncio que fazia
parte do lançamento de uma campanha do Ponto Frio: “Nos idos de 71,
72, na SGB – o Cleber Neves foi o
criador. O cliente queria uma campanha que mostrasse a transparência
do Ponto Frio, o respeito dele pelo
muito inteligente, meiga, gostosa, e
deu bons frutos, pois foi feita em
cima dos diferenciais positivos;
assumiu as desvantagens do produto,
que manteve. Outra campanha que
lembro, pelo bom humor, foi a de
Benson & Hedges dos cigarros de
cem milímetros. Lembro até hoje dos
comerciais de televisão, brincando
com os “problemas” (claro que de
forma figurada e metafórica) que
trazia um cigarro de 100’s. Não diria
que foi exatamente uma campanha
honesta, mas transformava o diferencial em vantagem, destacando o
que pareciam ser aspectos negativos
– com competência na utilização do
equívoco, para surpreender; e
sabemos que este é o princípio do
humor, da piada”.
consumidor. Ainda nem se pensava em
Código do Consumidor. Saímos com
uma campanha que tinha o título de
O Fim das Ilusões. A foto era um mágico tirando um coelho de uma cartola. E o texto falava de que no Ponto
Frio não havia engano, não havia
jogadas, os preços anunciados eram
campanha que lembro, pelo bom
✲ Outra
humor, foi a de Benson & Hedges dos
cigarros de cem milímetros.
sede da Avis era em Long Island. Alugaram o carro e partiram. No
✲ Ameio
do caminho, abriram o cinzeiro e viram que estava cheio de
pontas de cigarros. Horrorizados, porque a campanha da Avis vinha
prometendo ao público carros e cinzeiros limpos – naquela quinzena
ou naquele mês, a Avis estava exibindo um outdoor com a promessa.
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2005
José Roberto Whitaker
aqueles mesmos e apresentava os
produtos com os preços a vista e com
os preços a prazo em 12 parcelas. E a
soma do total das parcelas, sem
subterfúgios. Esta campanha contribuiu para que o Ponto Frio ganhasse
uma aura de confiabilidade que durou
muito tempo”.
José Francisco Queiroz, outro publicitário que é conselheiro da ESPM, é
de opinião de que anúncios devem
ser, na maioria, honestos. Caso
contrário o CONAR acaba (ou deveria
acabar) com eles. Mas lembra – de seus
tempos da agência Norton – de um
anúncio-comunicado publicado pela
Nestlé por volta de 1993. “Um maluco
ameaçou a empresa, dizendo que
havia colocado veneno em vários
produtos, nos pontos-de-venda, e a
empresa publicou um anúncio sobre
o fato, pedindo à população para
tomar cuidado na compra dos
produtos, evitando os que tivessem
qualquer tipo de adulteração na
embalagem”.
O tema foi lembrado, também, pelo
diretor-executivo do IBOPE, Paulo
Pinheiro de Andrade, evocando um
episódio ocorrido com a empresa
Johnson & Johnson, informando que
retiraria das prateleiras todos os
estoques do seu produto Tylenol,
devido à ameaça de algum desequilibrado, que afirmava ter colocado arsênico em alguns frascos, nos
pontos-de-venda.
Julio Cosi Jr. – publicitário emérito,
mestre de uma geração, na qual me
incluo – conta sobre um anúncio
específico da famosa campanha da
locadora Avis: “Aconteceu, creio, em
1964. Meu amigo David Herzbrun,
Copy Supervisor na Doyle Dane
Bernbach, e o Diretor de Arte Helmut
Krone – famoso pela campanha do
Fusca – alugaram, em New York, um
carro da Avis para ir a uma reunião
com o Presidente da Avis, Robert
Townsend. A sede da Avis era em
Long Island. Alugaram o carro e
partiram. No meio do caminho,
abriram o cinzeiro e viram que estava
cheio de pontas de cigarros. Horrorizados, porque a campanha da
Avis vinha prometendo ao público
carros e cinzeiros limpos – naquela
quinzena ou naquele mês, a Avis
estava exibindo um outdoor com a
promessa: “Avis won’t rent you a dirty
car. No ifs, ands, or butts” – o Helmut
Krone disse: “precisamos fazer um
anúncio sobre isto”. Herzbrun
recolheu as pontas de cigarro num
envelope. E começaram a trabalhar
num anúncio que ficou pronto uns
2 ou 3 dias depois”.
“O título era o seguinte, “The writer
of this ad rented an Avis car recently.
Here’s what I found. “O texto começava dizendo algo como ...”eu escrevo anúncios para a Avis como meio
de vida, mas isso não me transforma
num mentiroso pago.”A última frase
do texto era: “Eles provavelmente
nunca veicularão este anúncio.”
Quando o anúncio foi apresentado
ao Robert Townsend, ele ficou
assustadíssimo. Acabaram entrando
num acordo: Townsend concordava
em publicar o anúncio mas queria
ser informado sobre onde e quando
sairia, para que ele nunca mais visse
o anúncio novamente”.
number 2 – como a mais honesta.
Luiz Fernando Garcia, diretor dos
cursos de graduação em Comunicação da ESPM, chegou a teorizar
um pouco, diante da pergunta: “Ela
cria um falso dilema: se responder
“espere aí que vou lembrar”, induzirei o leitor a perceber o restante do
universo como algo ardiloso; mas se
disser, “todos o são” também estarei
inferindo uma verdade que parece
evidente, diante da existência de
tantos órgãos para verificação desta
veracidade, que se trata de uma
falácia... Logo assumiremos que há
a possibilidade de uma honestidade
relativa, o que nos levaria a continuar
O título era: A Volvo desco✲ briu:
no vidro de trás
também chove. No layout,
saia e blusa – uma foto da
traseira do novo carro com
o limpador.
O presidente da Young & Rubicam
no Brasil, Silvio Matos, também deu
o seu voto à campanha da Avis –
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Penteado e Beatriz Penteado
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Honestos
de onde fala o Big Brother, e joga
um martelo. E o locutor diz que, graças à Macintosh, 1984 não será
1984. O poder da IBM, de quase
monopólio, acabava de ser quebrado. Acho muito honesto porque
foi exatamente isso o que aconteceu.
E há o filme do Fusca, no meio da
neve (da DDB dos bons tempos), o
carro chega até a uma garagem,
desce o fulano do fusquinha, abre a
porta e, dentro está um desses
enormes veículos que limpam a neve
das estradas. Acho muito verdadeiro,
pois, na época era um dos poucos
veículos que podiam enfrentar uma
situação daquelas”.
filosofando sobre a diferença entre
mentira e omissão, novamente,
manipulação, etc. Todo anúncio que
traz em si uma declarada intenção
(propósito claro) e uma mensagem
“sharp and clear” é honesto “per se”.
Aí incluem-se a maioria dos anúncios das companhias mais admiradas
no mundo”.
Lembrando de sua experiência como
executivo da Agroceres, relata:
“fizemos uma campanha co-brand
com o então Bamerindus, trabalhando sob o tema Administração
Rural: é assim que se ganha, onde a
mensagem comercial da escolha dos
insumos do campo era ampliada
para sua dimensão mais técnica...
Sua linguagem atuava com o perfil
das campanhas publicitárias tradicionais (incluindo o uso do cantor
Sérgio Reis como ícone etc.) esse é
um bom exemplo”.
Francisco Socorro, experiente profissional, hoje radicado em Santa Catarina, conta uma história curiosa: “O
anúncio que mais me impressionou,
pela honestidade, foi publicado há
quase 50 anos – em 1956, ano em
que ingressei na Publicidade (JWT)
como office-boy. Era preto & branco
e deve ter sido publicado em O
Cruzeiro. Num primeiro plano, rosto
de mulher com belíssimos cílios
pretos – o uso de foto era ainda pouco comum naquele tempo. Num
segundo plano, desenho mostrando
homem e mulher (ela com o jeito
claro de secretária). Título: Ele era
Washington Olivetto, da W/Brasil,
respondeu: “Entre muitos anúncios
honestos (dentro do critério verdade,
inteligência e simplicidade) que eu
gosto, adoro um em particular, escrito pelo meu amigo Ed McCabe muitos anos atrás, quando a Volvo lançou
o primeiro automóvel do mundo
com limpador de pára-brisa no vidro
traseiro. O título era: A Volvo descobriu: no vidro de trás também chove.
No layout, saia e blusa – uma foto
da traseira do novo carro com o
limpador”.
Ruy Lindenberg, diretor de criação
da Leo Burnett, indicou dois comerciais de TV: “o filme que lançou o
Macintosh, filmado pelo Ridley Scott
– onde a moça entra correndo, num
ambiente com uma tela gigantesca
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Há o filme do Fusca, no meio da neve, o carro chega até a uma
✲ garagem,
desce o fulano do fusquinha, abre a porta e dentro está
um desses enormes veículos que limpam a neve das estradas.
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José Roberto Whitaker
Penteado e Beatriz Penteado
meu Chefe ... (as reticências, também
comuns na época). Hoje é meu marido. Subtítulo: Passei a usar Cilion.
Sem mais explicações: só a embalagem do produto e o slogan”.
Carlos Salles, presidente do movimento Brasil-Competitivo, contribuiu
com duas peças. “O Exército de Salvação publicou um anúncio, há uns
trinta anos, no qual alguns músicos
uniformizados com a farda da
organização ameaçavam tocar se o
distinto público se recusasse a fazer
doações. Era honesto, porque reconhecia o incômodo provocado nas
vias públicas por músicos absolutamente desafinados. E também
porque dizia – com toda a clareza –
que a organização precisava desesperadamente de dinheiro. Será que
o Bispo Macedo teria a coragem de
publicar, hoje, um anúncio parecido?
O outro foi da Pérsico-Persamiglio,
fabricante de tubos metálicos, que
– diante do estado de derrota
nacional causada pela moratória da
dívida em 1981 – conclamou-nos
todos à reação. A frase de chamada
era: “Atrás da palavra crise, geralmente se esconde uma crise de
talento”. Para mim, esse anúncio foi
importantíssima peça de motivação,
inspirando-me a implementar, na
Xerox do Brasil, um grande programa de ação que rendeu preciosos e significativos dividendos à
nossa empresa”.
“O Exército de Salvação publicou um anúncio, há uns trinta anos, no qual
✲ alguns
músicos uniformizados com a farda da organização ameaçavam
tocar se o distinto público se recusasse a fazer doações.
(JR). Todos merecem entrar.
Para encerrar, o meu próprio depoimento: em primeiro lugar, concordo
com a maioria das indicações dos
profissionais consultados. Mas estou
em condições de acrescentar dois
esquecidos – ambos americanos.
Lembrava-me de ter visto, no final
Outras indicações – sem explicações
– foram: Série do garoto BomBril (Ana Carmen Longobardi); Gordinha
da Ohrbach´s (Bia Penteado); Veículos Lada (Fernando Nobre); Postos
São Paulo (Marcelo Aragão); Primeiro
Sutiã Valisère e Pão de Forma Levy’s
preto & branco e deve ter
✲ Era
sido publicado em O Cruzeiro.
Num primeiro plano, rosto de
mulher com belíssimos cílios
pretos – o uso de foto era ainda
pouco comum naquele tempo.
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Honestos
Outras indicações – sem
✲ explicações
– foram: Série
do garoto BomBril (Ana
Carmen Longobardi);
Gordinha da Ohrbach´s
(Bia Penteado); Veículos
Lada (Fernando Nobre);
Postos São Paulo
(Marcelo Aragão);
Primeiro Sutiã Valisère e
Pão de Forma Levy’s (JR).
Todos merecem entrar.
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dos anos 50, uma série de anúncios
testemunhais para a pasta de
amendoim Skippy – produto de
grande venda nos EUA – utilizando
celebridades já entradas em anos,
como Groucho Marx, Basil Rathbone, a artista de teatro Hermione
Gingold e Bert Lahr, o leão covarde
do filme O Mágico de Oz. O que
tornou esses anúncios inesque-
2005
cíveis para mim, que mal iniciava
carreira em propaganda e marketing, foi o fato de que todos os
textos contavam uma história
parecida: “O pessoal da Skippy me
ofereceu uma grana para fazer um
anúncio elogiando o produto deles.
Disse: Impossível! Nunca provei
esse negócio, isso é coisa de
criança, etc. etc. Aí eles dobraram
José Roberto Whitaker
a grana. Continuei recusando. Aí
me deram um monte de dinheiro e
não pude mais recusar. Até provei a
gororoba – e sabem de uma coisa? –
até que não é tão ruim assim.”
Conversei sobre a série com alguns
companheiros da publicidade;
Penteado e Beatriz Penteado
poucos se lembravam, e só
vagamente. Uma pesquisadora de
Nova York encontrou os anúncios,
para a revista. São de 1959.
O outro é mais conhecido: foi para a
introdução do Vermouth Cinzano
a pasta de amendoim Skippy – produto de grande venda nos EUA
✲ –Para
utilizando celebridades já entradas em anos, como Groucho Marx.
anos vocês roubaram
✲ Durante
nossos cinzeiros; agora
comprem o nosso vermouth
fabricado e distribuído nos Estados
Unidos. Dizia: “Durante anos vocês
roubaram nossos cinzeiros; agora
comprem o nosso vermouth” – referindo-se aos turistas americanos que
levavam – dos bares e restaurantes – os
cinzeiros de propaganda da Cinzano
como souvenir. Estão todos aqui para
serem lembrados. ESPM
AUTORES
Texto
J. ROBERTO
WHITAKER PENTEADO
Editor, Revista da ESPM
Pesquisa
BEATRIZ PENTEADO
Diretora de Arte
M A I O
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2005 –REVISTA DA ESPM
97
Mesa-Redonda
J. ROBERTO
WHITAKER PENTEADO
PARTICIPANTES
FLÁVIO CONTI
ALEXANDRE GRACIOSO
Diretor Acadêmico
da ESPM
AMALIA SINA
Executiva e Professora da
Fundação Dom Cabral
FLÁVIO CONTI
Diretor DPZ
MARCOS MINORU
Gerente Nacional de
RH da Trevisan
MÁRIO CHAMIE
Escritor e Professor
da ESPM
ORIVALDO GALASSO
Unilever
J. R. WHITAKER
PENTEADO
Moderador
ALEXANDRE GRACIOSO
MARCOS MINORU
98
REVISTA
DA
ESPM–
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2005
Totos: Júnior de Oliveira
LONGEVIDADE:
AS DUAS FACES DA MOEDA
MÁRIO CHAMIE
AMALIA SINA
ORIVALDO GALASSO
G
raças aos progressos da medicina,
alimentação mais saudável e vida mais
ativa, as pessoas mantêm-se em forma
mesmo em idades mais avançadas. Há
alguns anos, já estariam todos
aposentados, mas hoje nem pensam
nisso. Quais as conseqüências –
positivas e negativas – dessa maior
longevidade na vida e nas atividades
profissionais? Por um lado, uma rica
experiência deixa de ser desperdiçada
para ser colocada a serviço das
empresas e da sociedade em geral. Por
outro, também é certo que a idade
cobra o seu preço. As pessoas tornamse mais conservadoras, temem as
mudanças e tendem a repetir-se. A
revista Exame publicou, recentemente,
que a idade média dos presidentes das
maiores empresas brasileiras é pouco
superior a 50 anos. Diretores de primeiro
escalão têm, em média, 45 anos. Não
são idades avançadas. Será que a
longevidade – pelo menos até agora –
só tem provocado o aumento do número
de generais de pijama? Como será, para
os mais jovens, trabalhar com pessoas
mais idosas, e como os mais velhos
vêem essa “invasão” dos jovens.
Reunimos, em mesa-redonda, pessoas
de várias idades para discutir essa nova
revolução, ainda silenciosa, que ocorre
no mundo e na vida profissional. Os
resultados confirmam que há conflitos,
mas também apontam caminhos na
direção da harmonia.
(FG)
M A I O
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J U N H O
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2005 –REVISTA DA ESPM
99
Mesa-Redonda
“A LUTA CONTRA A VELHICE É UMA LUTA PERDIDA, MAS
PRETENDO PERDER POR POUCO.” JUDITH CARLESSO
JR – Estamos reunidos para a discussão de um tema atual e polêmico –
até na própria definição. Vamos falar
sobre os velhos e os novos. Gostaria
de começar, tentando conceituar
quem é jovem quem é idoso.
sa que saiu de moda, o Mário involuntariamente disse algo “politicamente incorreto”. Um conceito
que envelhece, pode ter sido apurado,
melhorou, devíamos acreditar mais
nele. Mas não é o que acontece.
MÁRIO – Pois eu considero um diálogo muito jovem e oportuno. Hoje,
devemos mudar o conceito de
cronologia. Esta classificação bipolar
– juventude e velhice – envelheceu
e em função dos próprios dados da
longevidade, da diminuição das
horas de trabalho, do aumento das
pessoas acima de 60 anos e do
investimento brutal que o Estado tem
que fazer em função dessa nova
realidade. Essa cronologia não pode
ser considerada nem como prisão
para os mais idosos e espaço aberto
para os jovens. Não vou falar em
causa própria até porque já passei da
“terceira” idade; estou na idade das
homenagens. Mas, em 1980, havia
600 mil brasileiros com mais de 80
anos; em 2004, eram dois milhões e,
em 2050 teremos 14 milhões de pessoas com mais de 80 anos. E, na
segunda metade deste século, teremos cerca de 32 milhões de pessoas
acima de 80 anos com condições
vitais de atividade, participação e
intervenção no tecido social. Por isso,
não podemos mais ser reféns da cronologia – a cronologia é um engodo.
AMALIA – Acho que há confusão,
principalmente dentro das organizações, que é misturar experiência com
vivência. O fato de a pessoa estar
em algum lugar durante muito tempo
não lhe dá experiência. Mas sim, a
forma como ela se relaciona com o
que vive, no dia-a-dia. Mil anos a
dez não é a mesma coisa que dez
anos a mil. Até recentemente, a pessoa, para ascender a uma posição de
destaque, teria que passar muito
tempo dentro da empresa, pelo
menos uns 15 anos. Ninguém vinha
de fora para assumir uma posição
importante, porque não ficava bem,
não era prata da casa. Então, gerente
antes dos 30, diretor antes dos 40 e
presidente antes dos 50 era inimaginável. Hoje, tudo se transformou.
JR – Ao dizer que a classificação
“envelheceu”, como sinônimo de coi-
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GALASSO – Não concordo. Fui gerente com 28, diretor com 35 e presidente com 42.
AMALIA – Mas isso era raridade.
GALASSO – Tive uma carreira de
38 anos na Unilever; hoje em dia é
quase impossível.
AMALIA – Olha que interessante.
2005
Tenho 40 anos, passei por 9 empresas e fiz a mesma coisa: fui gerente
antes dos 30, diretora antes dos 40
e presidente antes dos 50. Mas, para
chegar lá, foram necessárias 9
empresas. Ele conseguiu em uma!
GALASSO – O tipo de carreira que
tive não existe mais. Os próprios jovens não estão interessados. Nesses
38 anos, tive muitas oportunidades
de deixar a Unilever. Às vezes me
pergunto se agi certo. Não tenho
resposta. Foram 38 anos em que vivi
bem e ganhei experiência; vi muita
gente sair da empresa e – quando
os encontrava – em outras funções
em outras empresas, percebia que
tinham parado no tempo. Uma
empresa multinacional, como a
Unilever, oferece a oportunidade de
conhecer e entender o mundo; você
sabe o que acontece na China; recebia e-mail do Vietnã, pedindo
informações. Depois, fui trabalhar
numa empresa nacional, familiar.
Foi um choque enorme. Sabia dos
problemas que as empresas brasileiras têm; mas não imaginava que
fossem tão grandes. Essas duas
experiências levaram-me à conclusão de que, enquanto em uma se
ganha experiência, na outra você
contribui. São duas fases importantes na vida da gente.
ALEXANDRE – Sempre existirão
exemplos isolados: alguém que se
destacou cedo, como os casos da
Amalia e do Galasso, e outro que
começou tardiamente. Se olharmos
a história, temos inúmeros exemplos, de artistas ou cientistas...
JR – Como aquela senhora americana, Grandma Moses, que come-
çou a pintar aos 70 anos – e nosso
Monteiro Lobato que se tornou escritor
de livros infantis aos 44...
ALEXANDRE – Há exemplos em
ambas as direções. Quando falamos
de envelhecer, temos de pensar na
média da população, que são esses
milhões de pessoas de que o Mário
falou. Pensando em médias, ainda
existe uma relação entre o fato de a
pessoa envelhecer e o fato de tornarse mais limitada em relação às suas
capacidades quando jovens. Isso será
a verdade para a maioria desses 32
milhões. Mas, há dois mil anos – com
expectativa de vida de 30 anos – a
pessoa, aos 25, já estava sem um braço
ou uma perna, perdidos em combate...
Há expoentes, pessoas com 70, 80
anos, que têm desempenho melhor do
que a maioria dos jovens. Essas pessoas
fazem bem à sociedade porque inspiram os demais, que pensam: “se eles
conseguem eu também consigo”. O
J. Roberto nos mostrou algumas frases,
e a que mais me tocou foi: “O idoso
conserva suas faculdades se mantiver
vivos seus interesses”. Acho que isso
se aplica a quase todos os casos.
MARCOS – Eu percebo a questão do
envelhecimento sob duas ópticas: sob
a de quem envelhece, vai muito de
como a pessoa se sente, de como ela
aborda o assunto envelhecimento e,
nisso, há diferenças culturais. Eu, por
exemplo, venho de uma cultura em
que o envelhecimento chega a ser um
privilégio. Mas há o lado externo,
como o mercado enxerga profissionais
acima de uma “idade limite”.
Infelizmente, estamos todos influenciados pela questão cronológica.
Nascemos em uma data marcada e
– a partir daquele momento – começa
a rodar o relógio da vida, ano após
ano... No início, não é tão preocupante. Meus filhos, de 5 e 8 anos,
não têm noção do que os espera daqui
a 10, 12 anos. Quando olho 10, 12
anos à frente, vejo-me com 50 anos.
Sinto-me na flor da idade, posso
produzir por muito tempo, mas me
preocupo porque, vou estar, de fato,
“velho” para o mercado. O mercado
vai me enxergar de forma diferente.
MÁRIO – Mas essa pode ser a atitude atual e injunções históricoestruturais podem obrigar o próprio
mercado a se adaptar. O Brasil
envelhece; os nascimentos diminuem
e os conceitos de jovem e velho vão
ser abalados com isso. Para ter uma
idéia, 77% dos aposentados brasileiros – acima de 60 anos – vivem
de aposentadoria; 21% das mulheres
vivem de pensões. Se o velho for
sempre visto como excluído, em
função da cronologia, esse encargo
recai sobre o Estado, que precisa criar
hospitais, sanatórios, assistências –
coisas impossíveis sem a contribuição do trabalho dessas pessoas que
possuem recursos físicos e mentais
para se auto-sustentar e sustentar suas
famílias. Hoje, no Brasil, há 15
milhões de lares sustentados por pessoas acima de 70 anos, e 5 milhões
de lares por mulheres acima de 60
anos. Isso sinaliza a necessidade de
“BOEMIA, PARA ALGUÉM DA MINHA IDADE, É CAMA;
MAS ACOMPANHADO.” NELSON GONÇALVES
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um repensamento estrutural de toda
a sociedade brasileira. Não é mais
uma questão de ética, de uma
classificação antropológica – o novo
é novo, o velho é velho. Isso nos
remete a Cícero – que escreveu um
livro sobre a velhice – que analisa
esse problema, e é antigo. Quero
citar um trecho: “Há quatro causas
que fazem parecer miserável a
velhice: a primeira porque nos afasta
do trabalho; a segunda porque nos
enfraquece o corpo; a terceira porque
nos priva de quase todos os prazeres
e a quarta porque é vizinha da
morte”. Mas ele mesmo defendia que
nenhuma dessas quatro causas se
sustenta, porque “no que diz respeito
ao trabalho, há trabalhos que são
próprios da velhice. Quantos velhos
sustentaram a república por sua
sabedoria e autoridade?” No que se
refere ao enfraquecimento, “a
velhice não precisa de forças; há
velhos enfraquecidos que não podem
preencher a menor função na vida.
Mas esse não é um defeito peculiar
da velhice; isso é um problema de
má saúde”. Os homens de 80 anos,
aos quais me referi, estão com plenas
condições de trabalho e contribuição.
Um jovem pode não ter saúde
também; os conceitos têm que ser
revistos. Os prazeres não têm o
mesmo encanto para os velhos, mas
também os desejos são mais
adequados – é questão de uma boa
calibragem, e hoje a medicina vem
em socorro dessa calibragem. Onde
o desejo não existe, a privação é
menos penosa. No que diz respeito
à vizinhança da morte, “desgraçado
o velho em que em tão longa vida
não aprendeu que é preciso desprezar
a morte, porque deve ser uma chatice
morrer e ficar eterno”. Isso transportado para dados concretos e reais de
uma sociedade em transformação –
e aí entra o problema de vivência e
experiência –, vê em que medida
uma nova vivência da experiência
de ser velho deve ser assumida.
AMALIA – Também há o fato de
associarmos a sapiência; venho de
uma cultura chinesa em que o envelhecer é trazer experiência. Mas a
sabedoria não necessariamente está
só na cronologia. Há sabedoria numa
criança, no viver, num relacionamento. Às vezes ouvimos coisas de
pessoas que não têm cultura acadêmica e aprendemos muito. Então,
esses conceitos sobre as atitudes,
sobre o que é sábio ou não, o que é
bonito ou não, têm a ver com a mídia.
A Renew, por exemplo, afirma que é
preciso fazer alguma coisa para ficar
melhor. A maior escrava dessa
sociedade do envelhecer-ou-não é a
mulher, que responde aos estímulos
de que é melhor ser mais bonita,
mais jovem. Diz-se que, quando se
educa uma mulher, educa-se a
família toda; quando se educa um
homem, educa-se apenas um homem. Isso tudo vai penetrando na
sociedade, transformando-a em uma
mistura da cultura, o reflexo da
marca. Os livros não dizem que as
marcas refletem o que a sociedade
tem? Na minha visão, todos nós –
“SE EU SOUBESSE QUE IA VIVER TANTO TEMPO,
TERIA ME CUIDADO MELHOR.” EUBIE BLAKE
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managers, executivos – estamos
construindo uma imagem em torno
do que é bonito. Nunca aparece um
homem de 70 anos, com sua mulher
de 70 anos, fazendo alguma coisa
bonita e que dê prazer. Só se vêem
pessoas com 20, 25 anos. Parece que
só é possível ser feliz hoje em dia se
você for alta, bonita, de olhos claros,
jovem, rica e casada com um jogador
de futebol...
FLÁVIO – Quando o Galasso disse
que não sabe se fez uma boa escolha,
ao trabalhar 38 anos na Lever, sem
querer, ele respondeu, porque mostra
orgulho, satisfação de ter ficado tanto
tempo lá. Eu estou na mesma situação: completo 40 anos de profissão e
estou há 33 na DPZ. E a publicidade
é um meio onde a juventude é qualidade – é um fator primordial. A
propaganda é como o futebol – párase aos 29 anos. Imaginem que atendi
ao Mário Chamie – que se autodenomina “arqueológico”. Quando se
chega, nessa profissão, à idade que
cheguei, nota-se claramente como a
experiência e vivência com jovens é
importante. O jovem precisa de
alguém experiente para orientá-lo.
Temos que pensar no negócio; só com
jovens, nenhuma empresa vai para
frente. Com a era da informatização,
a corrida tornou-se intensa. Nós, os
mais velhos, sofremos com isso –
competir com o jovem, ficar update
com ele. Quando atendia ao Mário,
eu fazia propaganda da máquina de
escrever Electra 22. A experiência,
hoje, é fator fundamental nos negócios. O Brasil é um país meio preconceituoso contra a idade. Lá fora,
muitos profissionais fundaram agências fantásticas aos 50 anos. Aqui,
quando se chega aos 50, é condenado
a sair do mercado. Pois estou com
bem mais de 50, e considero-me dentro do mercado, e a experiência que
estou tendo com os jovens é ótima.
Quem ganha com isso é a empresa.
AMALIA – Do que você está dizendo, o que me chama atenção é
atualização. O fato de envelhecermos não quer dizer que continuamos atuando como quando tínhamos
18 anos. Continuar falando conto de
réis, achar que está ficando moderninho porque está usando argumentos do passado para tentar sair de uma
situação em que você próprio se
constrange. Atualizar-se independe
da idade. Vemos homens que se
cuidam. Cuidar-se é uma forma de
se respeitar; não é vaidade. Mas
todos precisam de atualização para
não virar dinossauro – tanto homens
quanto mulheres.
GALASSO – Sou uma pessoa que
procura se atualizar sempre. Quando
isso deixar de acontecer, estou morto.
Mas é verdade que, com a idade,
nos tornamos mais conservadores.
Eu, por exemplo, quando olho a
propaganda de hoje, vejo coisas que
não aceito. Os jovens gostam; eu
não gosto e não aceito. Vejo filmes
da própria Unilever e digo: “Meu
Deus, quem aprovou isso?”
JR – Mas, dependendo da óptica, os
jovens também podem ser conservadores. Quero voltar ao assunto mercado de trabalho. A realidade da
grande empresa não é a realidade
do Brasil. Certamente, no Brasil o
percentual de pessoas que são empregados de empresas médias e grandes deve ser menor do que 50%. O
que existe, agora, – e o Mário cha-
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mou a atenção no início – é que há
muito mais gente de 60 anos; daqui
a pouco estarão com 80, saudáveis,
capazes. Como essas pessoas serão
aproveitadas profissionalmente?
ALEXANDRE – Quer queiramos ou
não, não há emprego para todos.
JR – Não há emprego ou não há
trabalho?
ALEXANDRE – No momento, no
Brasil, é a própria atividade produtiva
– e acho que a única saída é crescimento. Ao estudar as faixas de
desemprego divulgadas pelo IBGE,
percebe-se que as faixas mais jovens
estão sem atividade profissional
remunerada – seja emprego ou mesmo como free-lancer, enquanto
faixas mais idosas estão em atividade.
Esse é um conflito. Quero contar uma
experiência própria quando trabalhei
em consultoria. Como em toda empresa de consultoria, havia o esquema de sociedade. Mas houve um
momento de limitação no crescimento e ela não conseguia fazer mais
sócios. Aí, começaram a perder bons
executivos. A pessoa pensava: “Só
conseguirei ser sócio quando alguém
se aposentar”.
GALASSO – Infelizmente, essa geração dos mais velhos não teve educação. Isso começou com os militares,
que partiram para um sistema de
educação em massa. E depois deles,
permaneceu igual até hoje – a
qualidade do ensino no Brasil é
péssima. Essa geração que vai chegar
aos 80 – de que o Mário falou – é
uma geração que não teve educação.
JR – Eles podem educar-se agora.
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“PARA MIM, VELHO SEMPRE FOI AQUELA PESSOA
15 ANOS MAIS VELHA DO QUE EU.” BERNARD BARUCH
GALASSO – Mas a vontade de
aprender diminui. O problema é
sério. Há alunos que saem do ensino
fundamental sem saber ler. A
qualidade do ensino no Brasil está
tão ruim, que vai criar problemas
sérios para as velhices futuras.
porque alguém não tenha trabalho ou
emprego que não presta. E é mais um
problema masculino. Nós, mulheres,
voltamos para casa a hora que
quisermos. Ninguém vai falar mal.
Mas o homem que não tem trabalho
é execrado.
JR– Continuo achando que ainda há
tempo para se educarem.
FLÁVIO – É como a sociedade trata
a pessoa que pára – no Brasil é assim.
GALASSO – Entre num supermercado, num restaurante e veja a
qualidade do serviço lá dentro.
GALASSO – Você só pode parar se
tiver uma renda. O INSS é brincadeira.
JR – Nos restaurantes, posso garantir
que os garçons mais velhos são bem
mais competentes que os jovens.
JR – O que a Amalia está dizendo é
interessante – tem a ver, talvez, com
a sua formação oriental. Quando eu
estudava poesia – justamente nessa
visão de fazermos várias coisas –
estávamos lendo um poema do Paulo
Alberto/ Arthur da Távola, sobre a
importância do “e”. A vida não
precisa ser “ou” isso “ou” aquilo; pode
ser isso e isso e também aquilo. Nós
todos tendemos a pensar seqüencialmente: jovem, maduro, velho,
produtivo, menos produtivo, aposentado. O que a Amália levanta é que,
se a pessoa for mais plural, holística,
vai durar mais.
AMALIA – Na minha visão, essa
geração mais velha que ocupa as
posições de poder – e teve boa
educação – dão valor excessivo ao
trabalho, vendo-o como única fonte
de dignidade possível. Quem coloca
todos os ovos em uma só cesta, vai
ter dificuldades. A visão que o ser
humano tem de si próprio, diante do
trabalho, também terá de ser revista.
Prazer, a gente não tira só do trabalho. Há prazer, sim, em viajar quando
se aposenta e digo isso, hoje, com
40 anos. Há outras coisas, outras
estruturas a edificar na vida – quer
seja acadêmica, quer seja um livro
que você lançou, uma pessoa que
você fez crescer, um trabalho voluntário, ou porque desenvolveu outras
profissões interessantes – advogado
também faz teatro. Acho que precisamos abrir mais a cabeça. Não é
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AMALIA – Por que vocês acham que
está havendo tanto divórcio, e tantos
homens têm a segunda mulher? Isso
é uma forma de atualizar. O segundo
casamento, que dá certo. O que
quero dizer é que o formato de se
relacionar começa a transformar-se,
na medida em que essa segunda
mulher, geralmente mais jovem,
exige uma atualização e outras
coisas que não sejam só trabalho. Para
o homem, é algo que ele só está
descobrindo agora: saber que pode,
um dia, mandar o chefe dele para
onde quiser, porque vai chegar em
casa e encontrar uma mulher que lhe
dê suporte.
pessoas deveriam saber a hora de
parar? Na semana passada, tivemos
uma homenagem ao nosso fundador,
Rodolfo Lima Martensen, e uma das
coisas mencionadas na mesa de
debates foi que, em 1974, ele disse:
“Preciso parar, deixar a ESPM para
outra pessoa, senão vou atrapalhar”.
FLÁVIO – Senti-me citado porque
tenho segunda mulher. Concordo
plenamente com a Amalia sobre a
pluralidade do homem. Se ficar só
focado no trabalho, ele tende a tornarse medíocre. Temos de dar lugar a
outras coisas na vida. Se as pessoas
que trabalham conosco sentirem isso,
vamos ter um convívio mais feliz.
Essa convivência é fundamental,
para que o indivíduo não se sinta
pesado e queira sair da empresa para
se aposentar. Talvez, se eu me aposentar, escreva um livro. Mas será que
escrever um livro não vai me trazer
saudosismo? Então é olhar o
momento certo para se fazer as
coisas. Tenho um amigo que gostava
de jogar tênis e me contou: “Quando
eu trabalhava, jogava tênis, religiosamente, quintas e sextas das 8 às 10
horas. Hoje, que não trabalho e tenho
tempo, não jogo mais”. Perguntei
porquê. E ele: “Sempre deixo para
depois porque agora tenho tempo”.
Então é questão de disciplina. O
trabalho não é fim; é meio. A vida
pessoal deve vir em primeiro lugar.
JR – E ele não tinha nem 60 anos
ainda.
ALEXANDRE – Flávio, será que o
que você quer dizer não é que as
FLÁVIO – O fato de saber parar
talvez seja a grande questão.
JR – Será que se trata de parar ou de
mudar?
FLÁVIO – Mudar.
GALASSO – Quando me aposentei,
decidi que iria fazer coisas diferentes:
trabalhar em ONGs. Então fui trabalhar numa associação e achei uma
confusão terrível. Aquilo era algo
construído para satisfazer egos. E
uma coisa triste é que, organizações
desse tipo, vivem do dinheiro dado
para fazer alguma coisa específica.
Devia haver a obrigação de dar
satisfações às pessoas que contribuem sobre o que está se fazendo. Não
vi isso em nenhuma delas.
JR – O Flávio fala de escrever como
se fosse lazer ou “hobby”. Mas há
muitas pessoas que têm o escrever
como profissão: escritores, jornalistas. E a ONG, também, não precisa
ser “coisa de aposentado”. Muita
“NÃO PARAMOS DE NOS DIVERTIR PORQUE FICAMOS
VELHOS; FICAMOS VELHOS PORQUE PARAMOS DE NOS
DIVERTIR.” ROBERTO DUAILIBI
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gente jovem quer trabalhar em ONG.
Mas creio que o foco da questão está
na mudança.
lado financeiro. A reengenharia foi
um movimento que, realmente,
procurava eliminar o profissional que
custava muito e produzia pouco.
AMALIA – As pessoas também têm
dificuldades para lidar com títulos;
pensam que os títulos são elas,
acham que o motorista e o carro que
têm são delas. Então, não conseguem
mais saber quem são e quem é o
personagem. Acho que a nova
geração está mais desprendida
desses conceitos. Ao mesmo tempo
há preconceito de ambos os lados –
tanto os mais quanto os menos
experientes. O jovem chega ao
mercado de trabalho querendo ser
gerente sênior inter-galático do
planeta Terra. Ele não quer carregar
caixas, papéis, como a geração anterior; já quer entrar no topo. Já os
mais velhos e experientes acham-se
os “donos da cocada preta”: para ele
é o carro, a sala, o título – e não
consegue viver sem isso.
JR – E há o aspecto legal. Pelas leis
brasileiras, não se pode reduzir
salário. Então qualquer um, aos 85
anos, vai ganhar mais que o
presidente. Se, na vida real, a natureza é cíclica, por que não legalizar
uma curva de salários? Se alguém,
aos 60 anos, está ganhando uma
fortuna, poderia passar a ganhar um
pouco menos.
GALASSO – E não é só. O custo de
empregar é altíssimo. Contrata-se um
empregado por R$ 1 mil e o custo
dele é R$ 2 mil. E demitir também é
muito caro. Mas, às vezes, é preferível demitir, arcar com os custos e
admitir alguém mais barato para
aquela função. Isso acontece, é
normal.
FLÁVIO – Entrevisto muitas pessoas
jovens. Eles vêm “totalmente
qualificados”: com MBA, falam inglês, francês, alemão, espanhol. Aí
pergunto: “você fala português?” Eles
vêm preparados para o mercado, mas
não para a vida.
AMALIA – Nessa questão de sucessão, sai uma pessoa, hoje, e a que
está imediatamente abaixo já se acha
pronta. Toma como certo que, se saiu
aquela pessoa sênior, ela tem o
direito de ficar na posição. Mas não
é assim. Como houve downsizing,
diminuíram os níveis entre as hierarquias. Então, parece haver uma
distância, não só de idade, mas de
experiência, capacitação e vivência
entre o primeiro e o segundo. Isso está
gerando conflitos dentro das empresas, que beiram à guerra.
JR – Gostaria de ouvir o Marcos, que
está em recursos humanos, sobre uma
questão aritmética. Dois executivos,
na empresa há algum tempo, cada
um ganha um bom salário. Mandase os dois embora e contratam três
mais jovens, até mais barato do que
os dois mais velhos. Qual é a sua
experiência com esse tipo de coisa?
MARCOS – A troca não é tão
simples assim. Olhando sob o aspecto financeiro, parece vantajosa.
Mas não é. A experiência é necessária. São anos de experiência de
alguém que está sendo trocado por
MARCOS – Eu nunca presenciei
isso. Mas há empresa que toma esse
tipo de decisão, muito mais pelo
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nada, por alguém que se julga
detentor de um poder que, na
verdade, não tem.
AMALIA – É que a aparência, hoje,
conta muito: a eloqüência, comunicação, capacidade de persuasão,
argüição, argumentação, sedução,
propaganda; o marketing tomou
conta do sistema.
JR – Não fale mal da nossa propaganda e marketing!
AMÁLIA – Estou falando bem; sou
de marketing. Sei porque estudo isso.
Vejo que tem a ver com antropologia,
sociologia – as pessoas são treinadas
para fazer entrevistas. E se você não
tiver um critério mais rigoroso, sob o
ponto de vista abstrato, sério,
concreto, compra gato por lebre.
MÁRIO – Os depoimentos que
estão sendo dados aqui são brilhantes
e esclarecedores. Mas acho que está
havendo uma tônica um pouco
voluntarista, no sentido de experiência particular, pessoal, da
empresa em que estou, o que vejo,
observo, como lido com o que vai
ou não acontecer. Deixe-me ser
também voluntarista, para sintonizarme com o debate. Fiquei 38 anos na
Olivetti e não fiz carreira; fiquei no
mesmo lugar, mas atualizei-me
ainda mais do que os que fizeram
carreira, inclusive os presidentes. Por
isso, é preciso distinguir experiência
de vivência e de idade – como esses
fatores se equacionam no problema
do trabalho, aproveitamento e da
contribuição que as pessoas podem
dar. Vou dar um exemplo: na Olivetti, acompanhei o ciclo de um
instrumento de comunicação que foi
a máquina de escrever. Quando fui
para lá, a máquina era manual;
passou a mecânica; depois passou a
ser elétrica; depois eletrônica e aí
veio a informática. No tempo em que
fiquei lá, não tinha só que me
atualizar; tinha que me transformar
numa pessoa contemporânea de mim
e dos problemas que me obrigavam
a atualizar-me. Não basta se atualizar; atualizar pode ser um ajuste
de repertório. É preciso projetar esse
repertório em termos dinâmicos –
precisa ser contemporâneo do que
está em mudança, e não só do acontecimento adquirido e acumulado.
Por exemplo, vi pessoas que, no
organograma, tinham nível de
diretor, chegaram a presidente, mas
em termos de contemporaneidade,
quando o mecânico passou para o
elétrico, aquele presidente ficava
obsoleto. E eu – que estava no mesmo lugar – era o contemporâneo.
Tinha feito da minha experiência
uma experiência desdobrável e
prospectiva. Não basta a experiência
nem a vivência do experimentado;
há de estabelecer as condições do
devir – daquilo que vem – porque o
que está ali já veio com o ingrediente
da sua própria morte. A máquina
mecânica, quando surge, já está
condenada porque a elétrica já está
correndo atrás dela e assim por
diante. E a compreensão dos ciclos
de vida vai ficando, cada vez, mais
estreita. Como hoje o gerenciamento
estreita espaço e tempo. As pessoas
não estão sendo contemporâneas;
estão trabalhando com atualizações
que já nascem velhas.
AMALIA – O que você está dizendo
é importante; o Pelé, uma vez, disse:
“O meu sucesso tem a ver com o
fato de que eu sempre soube aonde
a bola ia chegar”.
MÁRIO – Isso é brilhante. Ser
contemporâneo não é só compreender sob o ponto de vista da minha
vivência e experiência pessoais –
que são fundamentais – mas sim a
tendência da contemporaneidade.
Qual a tendência da contemporaneidade, em termos de trabalho? Vou
dar um exemplo. No final do século
XIX, um trabalhador típico da Europa
vivia 55 anos; hoje vive 78. O tempo
disponível para o trabalho durante a
sua vida era de 242 mil horas; hoje é
de 356 mil. Mas o tempo, efetivamente trabalhado, para aquele da
Europa era de 125 mil – praticamente
50% era de trabalho; hoje é de 69
mil – diminuiu. Então o que fazer?
Quando me aposentei, disse: “Não
vou me aposentar; vou redimensionar
as minhas aptidões”. Em termos – por
exemplo – de ser um professor sempre contemporâneo de mim e do meu
tempo. Aqui tenho que fazer um
gesto de gratidão à ESPM porque ela
tem tido – deliberada, consciente ou
inconscientemente – esse senso de
contemporaneidade. Tenho 72 anos,
e já faz uns 10 que trabalho com 5
turmas, todos os dias, pela manhã –
salas de 50 adolescentes que ainda
estão numa busca de neojuventude.
Aí sim, a minha experiência é uma
experiência dinâmica, auto-revisionada em que eu mesmo me projeto
“OS VELHOS CRÊEM EM TUDO; AS PESSOAS DE MEIA-IDADE
SUSPEITAM DE TUDO; OS JOVENS SABEM TUDO.” OSCAR WILDE
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em termos dos resultados daquilo que
estou aplicando. Caso contrário, não
terei condições de dar aula. Quando
as pessoas idosas mantêm um
mínimo de saúde física, de tratamento neuronial – com Viagra ou
sem Viagra – não encaram a morte
como uma vizinhança fatal, do ponto
de vista de produtividade, de atualização e contemporaneidade, não
devem nada a ninguém. Claro que
há problemas graves sociais, pelos
quais passa o país, mas este é o
problema do país. Vai chegar o momento em que não pode haver mais
aposentadoria. Não vivo da minha
aposentadoria; ela não dá para pagar,
sequer, o condomínio. Mas usando o
sentido dessa contemporaneidade –
que antecipa a experiência e a
vivência e a projeta no cenário viável
e imediato – nesses últimos 10 anos,
entreguei-me a isso com convicção,
escrevi 5 livros, mudei o método de
ensino 3 ou 4 vezes – porque se
mantiver o mesmo método que usava
há 5 anos, perco a legitimidade da
minha função. Acho que esse
problema da velhice e da não-velhice tem de ser reformulado, em
termos estruturais e históricos.
JR – Parece que o nosso companheiro
mais idoso é que está propondo as
coisas mais revolucionárias.
AMALIA – Isso me parece preconceito ao contrário.
GALASSO– Temos é que o admirar.
Se pensarmos na média da população brasileira, ele é uma enorme
exceção lá em cima e sozinho...
JR – Sim, mas por que não podemos
ter mais pessoas como o Mário?
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“NA VIDA, CHEGAMOS DESPREPARADOS A
QUALQUER IDADE.” BERTHE MORISOT
MÁRIO – A história leva a isso. Daqui
a 50 anos, as pessoas de 80 anos
estarão vigorosas.
GALASSO – Mas o problema social
é grande. A pessoa chega à aposentadoria, hoje, dá graças a Deus que
chegou e pode – com aquele
dinheirinho – sustentar a família.
MÁRIO – A Amalia comentou que
o homem – quando fica viúvo – tende a arrumar novos casamentos. As
mulheres casam menos, uma segunda vez. Isso também é um problema
cultural: o excesso de patriarcalismo.
Em 2002, de um total de 2.424
casamentos de pessoas entre 60 e 64
anos, 71% foram de homens e apenas
29% de mulheres. No grupo de 65
anos ou mais, as proporções foram
de 84% para homens e 16% para
mulheres. Isso é do IBGE. Diz o
ditado popular que as mulheres
evitam casar duas vezes, por saberem que mudar de marido é apenas
mudar de problema. Assim como –
segundo a voz do povo – os homens
amam com os olhos enquanto as
mulheres amam com os ouvidos.
Agora, Machado de Assis já dizia:
“A pior viuvez é aquela que anula o
casamento, conservando o cônjuge”.
A mulher deu um passo muito maior
porque ela vem com uma capacidade de contemporaneidade superior
ao homem. A partir da década de 60,
na hora em que ela saiu e conquistou
os direitos... A revolução mais
importante do século XX, para mim,
2005
é a revolução feminina.
AMALIA – Ela não saiu exatamente
porque quis. Meu quinto livro foi
lançado no dia 8 de março – dia
internacional da mulher: “Mulher e
trabalho: o desafio de conciliar
diferentes papéis na sociedade”. Um
dos problemas que fez com que a
mulher saísse de casa para ir trabalhar
é porque, a cada 4 segundos, no
Brasil, uma mulher é espancada pelo
seu parceiro. Isso não é só porque ela
precisa sair; ela precisa de independência financeira para poder viver e
deixar o seu algoz para trás. Então, a
evolução ou revolução, é quantitativa e não qualitativa. Seria bom
se isso fosse para um crescimento
espontâneo, porque o mercado
precisa de mão-de-obra feminina,
mas não é o que está ocorrendo; é a
necessidade ensinando o sapo a pular
da pior maneira possível.
ALEXANDRE – Quero destacar o
que o Mário disse sobre o sucesso
que está tendo com as turmas mais
jovens, porque acho isso realmente
emblemático: a capacidade do ser
humano de se renovar. Já vi professores bem mais jovens não tendo
sucesso e outros que tiveram. A
mesma coisa com professores mais
velhos. A idade cronológica tem
cada vez menos correlação com a
capacidade da pessoa. Já vi executivos de multinacionais brilhantes e
medíocres; e isso nada tinha a ver
com tempo de casa. A sociedade tem
lidade.
que estar alerta para isso, porque as
pessoas vão continuar trabalhando,
desde que possam. E embora seja
verdade que, tirar toda a satisfação
do trabalho não é saudável, também
é verdade que uma atividade
produtiva é muito satisfatória – é algo
que dá prazer para a pessoa. Outro
ponto é que não se consegue,
mesmo, viver da aposentadoria. A
geração que está se aposentando é
uma geração que não tinha
consciência disso, há 40 anos... Hoje,
pessoas de 20 anos já aplicam no seu
Fundo de Previdência. Então, não se
pode simplesmente dizer: “Sinto
muito. Tocou o sinal e você terá de
sair do mercado”. As pessoas, muitas
vezes, não têm alternativa. E, do
outro lado, temos gente querendo
atividade produtiva remunerada e
pressionando. É um conflito. Continuo
dizendo que a saída é o crescimento
da economia. Se não houver crescimento econômico, o conflito tende
a acentuar-se. À medida que houver
crescimento, conseguir-se-á limitar
essa problemática.
JR – E estão ficando cada vez menos
eficientes, cada vez mais são compradas, “fusionadas” com outras,
perdendo sua identidade...
AMALIA – A somatória de gente dá
uma empresa; a somatória de empresas dá um país. O país está bem?
Não. Significa que nem as pessoas
nem as empresas estão bem. Significa que temos de olhar outras
possibilidades, não só a do crescimento de dois dígitos; começa antes
– com a área de Recursos Humanos,
fortemente apoiada sob a questão de
competência técnica e pessoal.
Fazem avaliação de desempenho
nas empresas em todo mundo é
excelente e extra-excelente, mas os
resultados estão péssimos há 10 anos.
E as empresas, nas reuniões, falam
dois segundos sobre as suas forças e,
depois, sobre todas as áreas que
ainda têm de ser desenvolvidas. Que
tal se começássemos a olhar no
Brasil – como acontece, em alguns
casos – a partir de suas fortalezas?
Contrata-se um vendedor, no Brasil,
e diz: “Você tem de falar inglês”,
quando ele mal fala o português. E,
durante dez anos, a empresa critica,
na avaliação de desempenho,
dizendo que o inglês dele é sofrível.
Como ele vai conseguir? Isso é pedir
a alguém o que ela não pode dar.
Para mim, pessoas vêm primeiro.
GALASSO – Em vista dos problemas
que começa a causar a quantidade
de pessoas mais velhas – as empresas começam a ter regras, como
a de expulsar qualquer executivo aos
60 anos. Isso é uma realidade do
mercado.
JR – Só que há de lembrar que, o
mercado não é constituído só por
empresas. O resto da economia
eventualmente absorverá as pessoas
que saem das empresas...
JR – Acho que são temas que se
juntam ao nosso: dos velhos e dos
moços. Falou-se sobre atualização.
Mas atualizar em quê? Será que não
seria mais uma questão de convívio?
Como é que vamos encontrar caminhos para o convívio desses grandes
GALASSO – Mas as empresas
buscam essas substituições constantemente; não adianta fugir da rea-
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2005 –REVISTA DA ESPM
109
Mesa-Redonda
“NÃO FORAM OS ANOS QUE ME ENVELHECERAM.
FORAM MINUTOS...” CASSIANO RICARDO
contingentes de pessoas mais velhas
com os igualmente grandes de
pessoas mais jovens.
FLÁVIO – A contemporaneidade do
Mário Chamie é a atualização; os
mais velhos conviverem, hoje, com
a velocidade da informação. Isso já
é uma grande atualização.
JR – Mas não do conhecimento. A
informação é muito rápida e o conhecimento quase nulo.
FLÁVIO – Dêem-me um break de
15 segundos para um comercial. Trabalho numa agência descrita assim,
no Caderno Propaganda & Marketing
de hoje: “DPZ é um fenômeno”; cujos
donos têm mais de 70 anos. Eu, aos
62, sou o principal executivo da
agência. Mas a agência está em
constante renovação. Já construímos
várias marcas nesse país – uma delas
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foi a Olivetti – e digo que nós somos
as verdadeiras marcas, no mercado
hoje. E uma marca tem de ser
constantemente renovada. Caso
contrário, morre. É a atualização e
renovação constante diante de tudo
que está acontecendo. Quando o
Mário Chamie fala que tem 72 anos
e dá aula nesta Escola, ele saberá,
olhando no olho do jovem, se e
quando deverá mudar – ou não. Isso
é a renovação constante que temos
de ter. Quarenta mil reais não se
trocam nem por dois de vinte.
AMALIA – Tudo isso tem a ver com
o que pensamos que somos versus o
que as pessoas vêem na gente.
Temos alguns momentos desfocados
– o que pensamos que estamos
passando para o outro, mais ou menos como as marcas. Há dissonância
cognitiva. Muitas vezes, achamos
que estamos fazendo algo, mas o
2005
mercado não está vendo assim.
Achamos que nos atualizamos, mas
o mercado não está vendo assim;
que estamos jogando um bolão e
não estamos. Para mim, aí sim,
Aristóteles e todos esses filósofos,
que amo de paixão: Conheça-te a
ti mesmo, primeiro, mas a partir
do interesse do outro. O egocentrismo gera uma sociedade
individualista, interessada só em
mostrar que é melhor do que o
outro, gerando competitividade e
não uma concorrência leal. As
empresas estão vivendo esses
conflitos entre os jovens e os mais
experientes, porque estão competindo ao invés de se juntar. Não
conseguimos ainda fazer associações dentro do mercado de
trabalho porque existem agendas
secretas. Todo mundo tem duas, três
agendas escondidas; ninguém fala
a verdade, falta transparência. O
mundo corporativo das empresas em
geral é um mundo cão. Então – por
conta disso – ainda acredito que
conhecer a si mesmo, quais são seus
valores e tentar ver no outro como
você pode ajudar, é a única escapatória que temos para sair desse
marasmo.
GALASSO – Atualização é problema de cada um. Treinamento
pessoal pode-se dar a qualquer
pessoa; sabendo do que ela precisa,
a pessoa pode até melhorar. Mas
também é decisão de cada um. Se
você não quiser se treinar e acha
que é o melhor do mundo, e não
olhar para dentro e não fizer uma
auto-análise constante do que se é,
onde se está e onde se quer chegar,
você nunca vai se atualizar. Só
você pode fazer isso por você.
MÁRIO – Talvez a fórmula que
resuma tudo isso seja: cada um de
nós e a sociedade em que vivemos
precisam ser contemporâneos de si
próprios – nós contemporâneos de
nós mesmos e a sociedade contemporânea dela mesma. Aí a atualização é prestativa e tem vida. Isso é
até uma forma de sabedoria
popular. Na cidadezinha de Cajubi
– onde nasci – há uma pessoa que
“JOVENS GUIANDO JOVENS SÃO COMO CEGOS
GUIANDO CEGOS.” LORD CHESTERFIELD
é o sábio do lugar – o velho da
aldeia – e que está com a visão
mais atualizada porque é o único
que está refletindo sobre as
mudanças e as perspectivas de
mudanças e sempre impedindo que
as coisas se engessem. Usando
uma palavra às vezes perigosa: que
não vire um sistema fechado nele
mesmo, um ferrolho sistêmico. Esse
senhor de Cajubi disse, certa vez:
“Todos nós precisamos ser prestativos, todos nós temos que ter esse
convívio – do velho com o jovem,
do maduro com aquele que está em
crescimento. Sendo prestativo,
você interage, cria e modifica
horizontes. Senão, meu caro, a
coisa se resume a isso: ou o sujeito
presta ou é sistemático”.
GALASSO – Quando você olha, no
Brasil de hoje, um presidente que
diz que nunca estudou na vida,
M A I O
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nunca se preocupou em se atualizar
e chegou à presidência – tornou-se
exemplo para o resto do Brasil. Aí
vem o Severino Cavalcanti e fala
esse monte de besteira. Vivemos
uma realidade que puxa para o lado
contrário de tudo que falamos aqui.
O país está vivendo um período de
mediocridade e nós estamos aceitando essa mediocridade de uma
forma feliz, risonha e satisfeita.
JR – Diante da heterogeneidade
das contribuições, ficou difícil
encerrar com um resumo do
debate... Mas vou aproveitar o
exemplo do Mário e ler para vocês
duas citações: “A idade é algo que
não tem importância a não ser que
você seja um queijo”, (Billie
Berke). “As pessoas se assemelham
aos vinhos. A idade estraga os maus
e melhora os bons”, (Marie EbnerEschenbach). Muito obrigado. ESPM
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2005 –REVISTA DA ESPM
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Case-Study
Banco Real
NÃO TENHO TEMPO
PARA ENVELHECER
Autor: Senhor Arlete Sacramento
A única diferença entre o personagem
lendário e eu
é que não vendi a minha alma ao diabo.
Mas, eu também não envelheci!
Sinceramente, se me perguntarem minha
idade,
eu não saberei dizê-la.
Sou tão feliz por fazer tanta coisa,
que o tempo passa por mim sem que eu
sinta.
– É a brisa que bate em meu rosto e segue
seu caminho.
– É o infinito azul que me inspira e esqueço
o ontem e o amanhã.
Não tenho tempo para envelhecer!
Experimente, não fique aí parado lamentandose,
esperando que a vida passe!
As rugas, qual chibatadas, vincarão seu rosto!
Vamos, sorria um pouco...
– Goste de você mesmo...
– Sonhe com o próprio sonho...
– Ame com amor...
– Erga os braços – realize alguma coisa.
EU NÃO TENHO TEMPO PARA ENVELHECER.
Quando meu rosto disser que tenho cem anos,
não acreditem, porque minha alma é uma
eterna juventude.
EU NÃO TENHO TEMPO PARA ENVELHECER!
Este case foi elaborado por Rosilene M. A. Marcelino, sob a
orientação do professor Ivan Pinto, com base em entrevista e
informações cedidas pelo Banco Real.
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REVISTA
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2005
Marcelino
Fotos desta matéria: Banco Real
Rosilene
m 2004, durante a cerimônia de
a
premiação da 6 edição do Concurso Banco Real Talentos da Maturidade, a atriz Carmem Silva recitou
este poema em tom de entusiasmo,
de convite à vida, de convite a uma
nova percepção da maturidade.
E
O Concurso Banco Real Talentos da
Maturidade, idealizado pelo Banco
Real, acredita nessa nova percepção. Desde sua primeira edição
– realizada em 1999, em comemoração ao ano internacional do
idoso – o projeto busca a valorização e reintegração da terceira idade
na sociedade por meio do reconhecimento de seu talento e de sua
sabedoria.
publicitária Christina Carvalho Pinto conceituou em um artigo que
✲ Aescreveu
para a revista Exame, que, marca-cidadã é aquela que
“expressa a sua cidadania de forma contínua, contribuindo para a
melhoria da qualidade de vida da comunidade interna e externa”.
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2005 –REVISTA DA ESPM
113
Case-Study
Banco Real
A CONTINUIDADE
DO PROJETO
EVOLUÇÃO DAS INSCRIÇÕES
18.219
18.854
16.888
O CONCURSO BANCO REAL
TALENTOS DA MATURIDADE FOI
PENSADO PARA TER APENAS UMA
EDIÇÃO. MAS, DADA A
REPERCUSSÃO E EMOÇÃO NA
ENTREGA DOS PRÊMIOS EM 1999, O
PRESIDENTE – FABIO BARBOSA –
DECIDIU A CONTINUIDADE DO
PROJETO, TORNANDO-O ANUAL.
15.339
5.489
CONCURSO BANCO
REAL TALENTOS DA
MATURIDADE –
MISSÃO
1999
4.390
2000
2001
2002
2003
2004
Fonte: Banco Real 04/2005
“CONTRIBUIÇÃO DA INICIATIVA
PRIVADA NA CONSTRUÇÃO DE UMA
SOCIEDADE QUE VALORIZA OS
IDOSOS, ATENDENDO A ASSEMBLÉIA
MUNDIAL DO ENVELHECIMENTO
(ONU, 2002), PARA RESPONDER AO
CRESCENTE AUMENTO DA
POPULAÇÃO MUNDIAL COM MAIS
DE 60 ANOS.”
CATEGORIAS
Para alcançar seu propósito, o
projeto estimula a expressão do
talento e da criatividade das
pessoas com mais de 60 anos,
fomenta a reflexão e a consciência
PÚBLICO -ALVO
OBJETIVO
ARTES PLÁSTICAS
MÚSICA VOCAL
Participantes
com mais de
60 anos
LITERATURA (CONTO
OU POESIA)
Incentivar a produção e a
memória cultural, valorizando
a criatividade, o potencial
artístico e ampliando a participação social
CONTADOR DE
HISTÓRIA
MONOGRAFIA
Participante de
qualquer idade
PROGRAMAS
EXEMPLARES
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REVISTA
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Provocar uma reflexão acadêmica sobre questões
relacionadas ao envelhecimento, traçando parâmetros
para a construção de uma
sociedade mais justa (participantes com nível superior
completo ou em curso)
Identificar e estimular trabalhos de qualidade direcionados à população idosa
ESPM–
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acadêmica sobre o envelhecimento,
identifica, proporciona visibilidade
e dissemina programas realizados
em benefício dos idosos.
Atualmente, o concurso possui
seis categorias – quatro delas
abertas a pessoas com 60 anos ou
mais: artes plásticas, música
vocal, literatura (conto e poesia),
contador de histórias; e duas
delas abertas a pessoas de todas
as idades: monografia e
programas exemplares. A
avaliação de todos os trabalhos
passa pelo crivo de uma comissão
de especialistas em cada área,
composta por membros de
renome no cenário cultural,
artístico e/ou gerontológico.
Para garantir a imparcialidade
dos votos, os nomes dos juízes
somente se tornam públicos após
a definição dos vencedores. Os
cinco melhores trabalhos de
cada categoria são eleitos em
ordem de igualdade e os
premiados recebem um troféu e
R$ 7.000,00.
Rosilene
Como resultado da transparência e
seriedade com que o Concurso
Banco Real Talentos da Maturidade
é conduzido, o número de
participantes cresce a cada edição,
acumulando em sua trajetória mais
de 80 mil inscrições.
Mais do que acumular e superar
números, o Banco Real procura
desenvolver uma relação estreita e
de longo prazo com os participantes
do concurso; e também de
aprendizado.
É o caso do Sr. Henrique Lessa que
participa do Concurso Banco Real
Talentos da Maturidade desde o seu
lançamento: “um dia minha esposa
chegou com o folheto do concurso
e fiquei empolgado”, recorda-se.
Marcelino
EVOLUÇÃO DA BASE DE CLIENTES
ATENDIDOS PELO BANCO REAL E
EMPRESAS ABN AMRO
BASE DE CLIENTES (MILHÕES)
9,2
8,3
6,8
7,1
Dez 01
Dez 02
6,2
Dez 00
Dez 03
Dez 04
Fonte: Banco Real - 05/2005
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2005 –REVISTA DA ESPM
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Case-Study
Banco Real
o caso do Sr. Henrique Lessa, que participa do
✲ ÉConcurso
Banco Real Talentos da Maturidade
desde o seu lançamento: “um dia minha esposa
chegou com o folheto do concurso e fiquei
empolgado”, recorda-se. Quatro anos mais
tarde, em 2003, foi vencedor na categoria
literatura com o texto “O Andante”. E hoje, ele
afirma – com entusiasmo – que continuará
participando de outras edições do concurso,
porque acredita nele e no estímulo à autoestima que proporciona.
116
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2005
Rosilene
Quatro anos mais tarde, em 2003,
foi vencedor na categoria literatura
com o texto ‘O Andante’. E hoje, ele
afirma – com entusiasmo – que continuará participando de outras edições do concurso, porque acredita
nele e no estímulo à auto-estima que
proporciona.
Chegar a um vínculo como este é o
resultado de muito trabalho e muita
disposição para a mudança.
O Concurso Banco Real Talentos da
Maturidade é hoje um dos mais
importantes projetos do banco. É
uma iniciativa pioneira que reflete
a liderança de uma organização em
pleno crescimento.
Nos últimos anos, o Banco Real tem
cada vez mais se posicionado como
uma organização que se pauta pela
responsabilidade socioambiental e
pelo desenvolvimento sustentável.
Exercendo sua visão de negócio
com responsabilidade, transparência, diálogo e resultados em benefícios dos acionistas, funcionários e
comunidade.
A publicitária Christina Carvalho
Pinto conceituou em um artigo que
escreveu para a revista Exame, que
marca-cidadã é aquela que “expressa a sua cidadania de forma contínua, contribuindo para a melhoria
da qualidade de vida da comunidade interna e externa”. Ela também defendeu que a personalidade
social da empresa deve ter uma
motivação legítima, em sintonia
com os valores internos da empresa
e com o desejo sincero de beneficiar
a comunidade.
Marcelino
O Banco Real tem procurado
sedimentar – de dentro para fora –
a crença de que valores humanos e
econômicos podem caminhar
juntos.
significativa sua atratividade entre os
não clientes.
“ACREDITAMOS QUE É POSSÍVEL
CONSTRUIR UM CAPITALISMO MAIS
HUMANO E INTEGRADOR, E
ESTAMOS FAZENDO UMA PROFUNDA
TRANSFORMAÇÃO EM NOSSA
GESTÃO PARA ATINGIR ESSE
OBJETIVO. NOSSA VISÃO DE
NEGÓCIOS BUSCA UM MAIOR
EQUILÍBRIO ENTRE O LUCRO, AS
PESSOAS E O PLANETA”.
CONSTRUINDO UM BANCO CADA
VEZ MELHOR PARA VOCÊ (2000)
O BANCO DE SUA VIDA (2001)
FAZENDO MAIS QUE O POSSÍVEL
(2005)
CAMPANHAS
PUBLICITÁRIAS
Várias iniciativas são desenvolvidas
para concretizar a cultura nas decisões e ações, como, por exemplo,
Dentro da organização, em 2001, foi
criada a Diretoria Executiva de
Responsabilidade Social, hoje
denominada Diretoria Executiva de
Educação e Desenvolvimento Sus–
tentável, com o objetivo de disseminar uma nova cultura e mobilizar
os mais de 28.000 funcionários para
esse novo olhar. Mas essa área tem
prazo para acabar. Isso porque, no
futuro, o banco acredita que essa nova
atitude não será o foco de apenas um
departamento, mas de toda a
organização. À medida que a conscientização interna é enraizada, as
campanhas publicitárias avançam.
Desde a primeira campanha, quando
reposicionou sua marca em janeiro
de 2000, a Diretoria de Estratégia da
Marca & Comunicação Corporativa
vem refletindo os valores da organização (respeito, profissionalismo,
integridade e trabalho em equipe),
também de dentro para fora, e
assim estimulando o processo de
construção da Identidade do ABN
AMRO REAL, estabelecendo uma
nova proposta de relacionamento
com todos os stakeholders da
marca e aumentando de forma
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117
Case-Study
Banco Real
DIFERENÇAS PRECISAM SER
RECONHECIDAS, RESPEITADAS E
VALORIZADAS
o Programa de Valorização da
Diversidade – que parte da premissa
de que “diversos somos todos” e do
Valor Corporativo de “respeito”.
Uma parte da estratégia desse
programa destaca alguns grupos
para os quais são desenvolvidas
ações específicas, como pessoas
com necessidades especiais,
PROGRAMA DE
VALORIZAÇÃO
DA DIVERSIDADE
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2005
mulheres, afrodescentes e pessoas
com mais de 45 anos. Um dos
exemplos de ações voltadas para
pessoas com mais de 45 anos é o
Fórum de Valorização da Maturidade, que se estruturou com o
propósito de ser um articulador das
diferentes ações que a organização
já desenvolvia, estimulando a
Rosilene
reflexão e adequação de práticas,
processos e produtos para o
adequado
atendimento
às
necessidades desse público. Criado
em agosto de 2003, esse fórum
conta com o envolvimento de
representantes de algumas áreas do
banco (Recursos Humanos, Educação, Desenvolvimento Sustentável, Comunicação, Estratégia da
Marca & Comunicação Corporativa, Segmentos, Produtos e
Distribuição) e com a consultora
Laura Machado.
A razão de se estudar esse segmento
ocorre em detrimento ao “crescimento dessa parcela da população
em todo o mundo, a falta de
produtos e serviços adequados para
atender esse segmento, a falta de
informação sobre os hábitos e
atitudes dessas pessoas e a própria
ignorância e preconceitos sobre o
tema”.
Partindo desses pressupostos, foi
realizada uma pesquisa em parceria
com duas empresas privadas que
permitiu delinear um panorama da
maturidade embasado em algumas
etapas: entendimento das informações disponíveis e identificação
dos principais gaps, subsídio para a
elaboração de um questionário
qualitativo.
A equipe saiu a campo e realizou
1.800 entrevistas com pessoas
acima de 60 anos distribuídas nas
cidades de São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba,
Porto Alegre, Salvador, Recife,
Fortaleza, Belém, Goiânia e Brasília.
Este trabalho garantiu a separação
Marcelino
do que era apenas uma impressão
do que era realidade para os idosos:
❖ 70% são responsáveis pelo
domicílio
❖ 85% têm renda pessoal
❖ 47% são os principais responsáveis pelas compras da casa
❖ 74% não fazem e nem querem
fazer trabalhos voluntários
❖ 92% raramente ou nunca
freqüentam bailes da terceira idade
❖ 59% vão ao banco a cada 15 dias
ou uma vez por mês
❖ 44% consideram um aborrecimento ir ao banco, contra 43%
PRINCIPAIS PROJETOS PROPOSTOS
FUNCIONÁRIOS
RH
EDUCAÇÃO
- Programas Vida Nova na Aposentadoria
- Abordagem educacional
- Comunicação Interna
- Holandaprevi (programa de previdência)
COMUNIDADE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
ESTRATÉGIA DE MARCA & COMUNICAÇÃO CORPORATIVA
- Banco Real Talentos da Maturidade
- Programa de voluntariado corporativos
FUNCIONÁRIOS
ESTRATÉGIA DA MARCA & COMUNICAÇÃO CORPORATIVA
PRODUTOS
SEGMENTOS
COMERCIAL VAREJO
- Fortalecimento do posicionamento
- Adequação de produtos, abordagem
- Manutenção e crescimento da base de clientes
- Capacitação Rede e Canais de Relacionamento
- Inclusão de matérias educativas nos canais de
comunicação
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Case-Study
Banco Real
ou trocar de banco
que consideram um prazer ir ao
banco porque é uma atividade que
distrai
❖ 28% trocariam de banco se
encontrassem tarifas mais baratas
❖ 54% julgam todos os bancos
iguais, contra 35% que consideram
que são bem diferentes
❖ Para 43%, o atendimento (atenção, educação, cortesia) é um
atributo importante
❖ 20% usam computador, sendo
que 71% para navegar na Internet e
❖ 26% têm a confiança como fator
fundamental para abrir uma conta
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acessar bancos (59%), e-mail (46%),
pesquisas, notícias, bate-papo
❖ 46% não se atrapalham com as
máquinas do auto-atendimento
❖ Acreditam que produtos e serviços
pensados para pessoas com mais de
60 anos devam ser classificados
como ‘terceira idade’ (40%), Idoso
(22%), maturidade (14%)
Rosilene
O resultado dessa pesquisa permitiu
o alinhamento e desenvolvimento de
projetos e propostas. Por exemplo,
as áreas de Recursos Humanos e
Educação estão readequando o
programa de preparação para
aposentaria, existente desde 1999;
algumas questões do programa de
Previdência Privada Holandaprevi
foram revistas; houve a inserção
dessa questão nos programas educacionais e na comunicação já está
em desenvolvimento, entre outras
ações. Para a comunidade, as áreas
de Desenvolvimento Sustentável e
Estratégia da Marca & Comunicação
Corporativa colocaram foco no
voluntariado, tornando possível a
participação de funcionários
aposentados no programa de
voluntariado corporativo e no
aprimoramento do Concurso Banco
Real Talentos da Maturidade. Por fim,
as áreas de Estratégia da Marca &
Comunicação Corporativa, Produtos,
Segmentos e Comercial Varejo têm
trabalhado no fortalecimento do
posicionamento, adequação de
produtos e abordagens, manutenção
e crescimento da base de clientes,
na capacitação da rede e canais de
relacionamento, na adequação da
comunicação e na inclusão de
matérias educativas nos canais de
comunicação.
Fica evidente que o Concurso Banco
Real Talentos da Maturidade faz parte
e é resultado de um universo muito
complexo. Ano a ano, o concurso é
aprimorado, refletindo todo o
processo de aprendizagem da organização. A edição corrente, por
exemplo, inseriu a categoria ‘Contador de Histórias’ para democratizar
ainda mais a participação no
concurso.
A mesma atenção dada à terceira
idade é dispensada pelo banco a
pessoas (físicas e jurídicas) em
outras fases da vida e em diferentes
níveis financeiros. Cada segmento
exige atenção e desmembramento
em outros projetos e produtos com
a mesma profundidade dada aos
idosos: o Micro-crédito (crédito
oferecido a micro-empreendedores
de regiões carentes de São Paulo,
como a favela de Heliópolis); o
Fundo Ethical (fundo de renda
variável com carteira composta por
empresas de potencial financeiro,
mas que tenham compromissos
com a governança corporativa,
meio ambiente e responsabilidade
social); a Política de Riscos
Ambientais (inclui aspectos
socioambientais na análise de
concessão de crédito); os Produtos
Socioambientais (linha de crédito
especial para apoiar clientes em
ações voltadas para o desenvolvimento sustentável); o Real
Universitário (garante atendimento
diferenciado
a
estudantes
universitários); os serviços Van
Gogh (voltados para clientes-alta
renda).
O objetivo do Banco Real – “estar
sempre ao lado do cliente, desde o
início de sua vida financeira até
depois de sua aposentadoria” –
torna-se um desafio diário.
QUESTÕES PARA
DISCUSSÃO
O Banco Real trabalha continuamente o posicionamento
de sua marca como ativo
estratégico e na gestão do processo
1
M A I O
/
Marcelino
de geração de valor, presente e
futuro, para seus stakeholders. Quais
atributos do micro e macroambientes podem contribuir para que os
processos de geração de valor sejam
otimizados?
A segmentação de mercado
colabora na customização e
assertividade das estratégias
empresariais. Ao eleger uma vasta
gama de públicos-alvos, o Banco
Real não corre o risco de ter muitos
posicionamentos e enfraquecer os
vínculos com a marca?
2
A trajetória do Banco Real
mostra muito empreendimento na disseminação da
cultura da empresa entre os funcionários. Mas o turnover, claro, é
uma realidade para qualquer empresa. Dessa maneira, que ações
podem proporcionar uma rápida
absorção dos princípios da
instituição?
3
O Concurso Banco Real Talentos da Maturidade demonstra pioneirismo a cada
edição. Quais inovações podem
ainda ser sugeridas? ESPM
4
Fontes:
ABN AMRO Real
Portal Exame:
http://portalexame.abril.com.br/
AGRADECIMENTOS:
Fernando Byington E. Martins –
Diretor Executivo de Estratégia da
Marca & Comunicação Corporativa.
Rodrigo Villaboim – Coordenador
do Concurso Banco Real Talentos
da Maturidade.
J U N H O
D E
2005 –REVISTA DA ESPM
121
Sumário
EXECUTIVO
O mundo novo
da maturidade
LUIZ EDMUNDO PRESTES ROSA
pág. 10
Uma verdadeira revolução vai mudar a sociedade e a economia mundial. A expectativa de vida vem se
elevando, globalmente, e, o contingente dos mais idosos vai, em breve,
superar o dos mais jovens. Já alcançamos 600 milhões de pessoas com
mais de 60 anos e, em 2050 chegaremos a 2 bilhões. Ao mesmo tempo o idoso se transforma e ganha
um novo perfil. Passa a almejar uma
aposentadoria mais ativa e exigente,
com melhor equilíbrio entre
trabalho, lazer e realização. Esse
novo mundo, maduro, vai provocar
expressivas mudanças em nossas
formas de pensar e agir, abrangendo
a educação, a família, o consumo
e a gestão empresarial. As oportunidades já estão aí para quem está
aberto à imaginação e ousadia.
futuro, na construção do presente
das organizações. Segundo o autor,
isto significa que, do passado vêm
a experiência e os recursos acumulados, os valores organizacionais
e o espírito de missão. Do futuro
extraímos os nossos objetivos e
desafios. Mas, o que realmente importa é o presente – seus problemas
e oportunidades. O autor cita vários
exemplos em abono de sua tese,
como os estudos sobre a competitividade das nações, organizado
pelo World Economic Forum, e o fim
inglório da AT&T, gigante americano
das telecomunicações. Finalmente,
o artigo trata de problemas
específicos do ensino superior, e da
ESPM em particular, na formação de
jovens destinados a assumir cargos
de liderança nas empresas. Neste
contexto, a nova natureza do
marketing e a nova abrangência das
comunicações com o mercado são
estudadas e conceituadas.
Velho, esse
desconhecido
O artigo trata do passado e do
126
REVISTA
DA
ESPM–
pág. 50
pág. 36
FRANCISCO GRACIOSO
pág. 22
M A I O
/
J U N H O
D E
Velho: o novo hit
da sociedade do
conhecimento
RICARDO GUIMARÃES
MARIA AUGUSTA BLECHER
Sonhos e lembranças
atraente, tempo disponível e uma
expectativa de vida cada vez maior,
os idosos constituem um dos mais
promissores segmentos para a criação de novos produtos e serviços.
Nunca, em outra época, tantos
negócios e oportunidades se dirigiram para esta faixa etária que tem
sido apontada como o grande nicho
de mercado do futuro. Mesmo assim, este universo – representado
pela população que passou dos 60
anos de idade – está apenas começando a ser desvendado. Conhecer
melhor a turma da “melhor idade”
é o primeiro passo para conquistar
e comprovar o grande potencial
deste público especial e diferenciado.
Chinelo e pijama? Nem pensar.
Quem ainda acredita nestes estereótipos da terceira idade precisa
rever os seus conceitos. Com renda
2005
A Sociedade Industrial supervalorizou o jovem porque seu principal
indicador foi a produtividade, que
dependia, essencialmente, das pessoas que trabalhavam nas
máquinas. Daí, transformou-se a
juventude, fase da vida em que
estamos fisicamente mais aptos,
Orivaldo
num juízo de valor.
Hoje, na Sociedade do Conhecimento, percebe-se a urgência de
rever esse padrão. As máquinas
estão automatizadas; a informação
tornou-se commodity.
É mais verdadeiro do que nunca o
aviso que as corretoras de valores e
os fundos de investimentos são obrigados a estampar em seus anúncios:
Performance passada não é garantia
de resultados futuros. Mas o que
deixa uma pessoa ultrapassada é a
certeza do aprendizado passado e,
conseqüentemente, a falta de abertura para as perguntas. Logo, são os
mais velhos que têm mais chance
de dar uma contribuição de valor
para a sociedade atual.
Maturidade talvez seja a palavra
que melhor sintetize e defina a carência de nossa época e a virtude
esperada de qualquer pessoa, não
importa a sua idade, em posição de
decidir alguma coisa.
O último dia
ALEXANDRE MATHIAS
MARCO DALPOZZO
pág. 54
Neste conto os autores falam sobre
as reflexões do último dia de um
poderoso presidente de uma grande
O. Gallasso
atuar, de forma eficaz, entre eles,
não apenas captando valor, mas
passando para o estágio de criar
valor.
empresa global. A história narra os
medos que afloram da perda de
poder repentina que ocorre nas vidas
dessas pessoas. Em um diálogo
franco, José Carlos Benvenuti fala
de seus medos, seus anseios e de
suas dúvidas. Um homem poderoso
e de fácil acesso aos poderosos
mostra toda sua humanidade quando
se depara com a dura realidade do
último dia.
Anúncios honestos
J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO/
BEATRIZ PENTEADO
pág. 88
Criando real valor para
clientes. Três modelos
de valor comprovados.
Critica-se, freqüentemente, a
propaganda por uma suposta – mas
não comprovada – desonestidade.
Embora haja registro de muito
exagero – e algumas distorções –
ao longo da história antiga da
propaganda, os publicitários de
hoje sabem que a honestidade
costuma ser, a longo prazo, a
melhor estratégia de comunicação.
De qualquer modo, a Revista da
ESPM decidiu perguntar, a três
dezenas de profissionais do ramo,
quais são os anúncios e campanhas
mais “honestos” de que se
recordam. Os resultados foram
inteligentes, instigantes e, às vezes,
surpreendentes. Algumas campanhas clássicas foram lembradas:
Avis Nº 2, Volkswagen, Natura,
BomBril, Valisère. E algumas surpresas, já caídas no esquecimento:
Skippy Peanut Butter, Ohrbach´s,
Ponto Frio, Kolynos e Cilion. ESPM
NEIL RACKHAM
JOHN DEVINCENTIS
pág. 74
A força de vendas está, ainda, nos
estágios primários de uma grande
transformação. Os profissionais de
vendas persuasivos, os conhecidos
“tiradores de pedidos”, que eram os
modelos de sucesso no passado
estão fadados à extinção se não se
tornarem mais estratégicos. A estratégia antes exclusiva dos “marketeiros”, hoje é um fator de sucesso
que permeia todas as áreas de uma
empresa, e, em especial, a área de
vendas para o fornecedor e de
compras para o cliente. Este artigo
ilustra como repensar a estratégia
de segmentação de clientes e como
M A I O
/
J U N H O
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2005 –REVISTA DA ESPM
127
ENGLISH
Abstracts
The new world of
maturity
LUIZ EDMUNDO PRESTES ROSA
pagE 10
A real revolution is about to
change society and the world
economy, as life expectation rises;
and soon there will be many more
senior than junior citizensworldwide. There are, already, 600
million people over 60, and, by
2050, there will be 2 billion.
The profile of senior citizens also
changes fast: they long for more
active retirement, where rest
interchanges with meaningful
work. This new, mature world will
influence everybody’s way of
thinking and acting, and it will
encompass school, family,
consumption and management.
There shall be many opportunities
for those who are open to
imagination and daring.
This unknown
character: the aged
Dreams and
remembrances
128
This article deals with the past and
the future, insofar as they
influence the present of
organizations. The author thinks
that experience, resources,
corporate values and the sense of
mission are to be found in the
past. The future provides
objectives and challenges. But all
that really matters is the present –
in the form of problems and
opportunities. He goes on to quote
several examples to support his
thesis, such as the studies on the
competitiveness of nations, made
by the World Economic Forum,
and the inglorious end of AT&T,
the fallen giant of
telecommunications. The article
ends dealing with specific
problems of the university, and
particularly of ESPM, to prepare
young people to tackle positions
of leadership in their profession. In
this context, the new nature of
marketing, and the new width of
marketing communications are
presented and discussed.
FRANCISCO GRACIOSO
MARIA AUGUSTA BLECHER
pagE 22
pagE 36
REVISTA
DA
ESPM–
M A I O
/
J U N H O
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2005
Slippers and pajamas? Don’t even
think of it. If this is your idea of
what the “third age” means, you
must change it fast. With money
to spend, and time to do it, these
senior folks know that they may
look forward further than any
generation before them. And they
are sure to buy, to consume, and
to make up a very desirable
segment for the marketing of new
products and services. Never
before, so many business
opportunities pointed to this age
group as the market segment of
the future. This universe is only
now being discovered. To know it
better is just the first step toward
the discovery of an untapped
potential for growth.
The knowledge
society´s new hit: the
elderly
RICARDO GUIMARÃES
pagE 50
Industrial Society has overvalued
youth as it looked at them as
producers of machine-made goods.
In this respect, they did perform
better than their elders. However,
Orivaldo
in our Knowledge Society, it is
urgent to reconsider this approach.
Machines are operated by robots,
and information is the general
commodity. Now, more than ever
before, the warning made by
financial companies is true: past
performance is no guarantee of
future results. Nothing renders a
person more obsolete than the
certainty that past learning is the
key to knowing all the answers. In
this context, the older may know
the right questions to ask, in order
to contribute to today’s society.
Maturity may be the word that
best conveys the needs of our
time, and the one virtue that may
enable anybody to pick and
choose, no matter what his age is.
The last day
ALEXANDRE MATHIAS
MARCO DALPOZZO
pagE 54
This is a tale about the last day in
the job of the CEO of a large
global corporation. It is a tale of
the fears that overcome him, with
his sudden loss of power. In a
candid dialogue, José Carlos
Benvenuti speaks about his doubts
Honest ads
and anxieties. This powerful men
among the powerful shows all his
humanity when confronted with
the harsh reality of the last day.
J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO
BEATRIZ PENTEADO
pagE 88
Creating real value for
clients. Three proven
value methods.
Advertising is frequently criticised for its
assumed – but unproved – dishonesty.
Although it is guilty of frequent
exaggeration and some distortions – in
its early days. But contemporary
adpeople know that honesty is the best
policy when it comes to effective
advertising strategies.
NEIL RACKHAM
JOHN DEVINCENTIS
pagE 74
Sales forces are still in the primary
stages of a big transformation to
come. The professionals of
persuasive selling – the well –
known “order-takers”, a model of
success in the past, are now
doomed to extinction, unless they
become more strategic. Strategy –
formerly an exclusive feature of
“marketers” now is a success
factor permeating all corporate
areas, and specially sales to
suppliers and purchasing to
clients. The article shows how to
manage the strategies of customer
segmentation and not only to
incorporate value, but to
effectively evolve to the stage of
creating it.
M A I O
O. Gallasso
The editor of Revista da ESPM
decided to ask 30 Brazilian
advertising professionals what
were their choices for the most
“honest” ads and campaigns they
could remember.The results were
quite interesting, and sometimes
intriguing and downright
surprising.
Some classic campaigns were
mentioned, such as Avis n0 2,
Volkswagen, Natura cosmetics.
BomBril scouring pads and
Valisère underwear. But some
came from deep searching: Skippy
Peanut Butter, Ohrbach´s, Ponto
Frio stores, Kolynos toothpaste and
Cilion eyelashes’ enhancer. ESPM
/
J U N H O
D E
2005 –REVISTA DA ESPM
129
Ponto de Vista
&
SENECTUDE
JUVENTUDE
A
grande vantagem da senectude sobre
a juventude é que ela é as duas, porque já foi e passou pela outra. A
juventude poderá vir a ser, mas ainda
não é. Talvez, será.
Neste mundo moderno do trabalho é
gritante, particularmente no Brasil,
o preconceito à idade avançada, com
a maioria das empresas adotando
comportamentos discricionários,
oferecendo sérias resistências à sua
admissão ou permanência nas suas
organizações. A preferência é nitidamente pelos jovens. É a vitória da
esperança sobre a experiência. Eu
mesmo, hoje sexagenário, quase setuagenário, sempre dei preferência
aos jovens nas empresas do meu Grupo. Mas, sempre coloquei, nas chefias, os mais experientes a quem a
escola da vida dura e do aprendizado prático confere qualidades
que autorizam sábias tomadas de
decisões. Sempre entendi que os mais
velhos dispõem da prudência obtida
pelo melhor uso das coisas e um juízo
mais agudo, competente e eficaz.
Evitam correr riscos. E é aí que mora
o perigo, porque ao não correrem riscos – que é próprio da ousadia e da
agressividade dos jovens – trilham
caminhos seguros, mais próprios da
mesmice rotineira que da incansável
busca do novo, inusitado.
É um paradoxo, mas, nesta vida moderna, nossos jovens executivos e
suas empresas buscam, ousada e
agressivamente, o novo, o original,
o inusitado, o exclusivo, o diferente,
o inédito mas... que já tenha sido
provado antes. O corolário desse
pensamento é que, talvez, derive daí
a razão pela qual todos preferem
aderir ao velho, já tentado, contra o
novo e ainda não tentado. Resultado:
na maioria dos casos as ações são
meras repetições do já feito anteriormente, o que não requer nem criatividade nem bom cérebro. Basta
aceitar, adaptar e repetir o que já existe, trilhando o mesmo caminho que
os outros já trilharam, o que somente
vai nos levar aonde os outros já
chegaram.
Entendo que os velhos não devem
perder a coragem de assumir e correr
riscos. Assim, ficam jovens para
sempre. E se rejuvenescem infundindo inspiração, entusiasmo e motivação nos jovens, potencializando-os,
e correndo, com eles, os riscos da
renovação.
Nada grandioso se faz sem riscos.
Foi assim que os grandes executivos
foram alçados às maiores posições,
não levando para a sua velhice os
seus erros e falhas juvenis. Em contraposição, muitas empresas adotam
a filosofia da “juniorização”, concentrando o poder nas mãos de profissionais ainda não muito experientes,
mas considerados exponenciais e
verdadeiras esperanças de poderem
bem conduzir as empresas a preços
menores. Num país em que as empresas estão mais preocupadas com
João De Simoni Soderini Ferracciù – Presidente do Grupo De Simoni Associados
130
REVISTA DA ESPM–
M A I O
/
J U N H O D E
2005
JOÃO DE SIMONI SODERINI FERRACCIÙ
o fim-do-mês do que com o fim-domundo é natural que os esforços,
igualmente, se concentrem em tudo
que pode reduzir custos, e os jovens,
potencialmente capazes, sucedem
hoje, mais rapidamente que ontem,
as funções dos velhos dirigentes.
Estão ocorrendo mudanças no afastamento destes. Raramente se aposentam antes dos 60 anos. Dados de
pesquisas globais indicam que, 50%
dos pesquisados têm planos para
trabalhar além de 64 anos. 15% além
dos 70. Aumenta a permanência dos
mais velhos no trabalho, com a
senectude reaproximando-se da juventude, da adolescência e da idade
madura, para manter-se atuante.
Parece que todo velho passou a
considerar velhos somente aqueles
que têm, pelo menos, 10 ou 20 anos
a mais que ele (sic).
Há um momento, em todos os seres
humanos, que as portas do seu passado se fecham e, se eles não se
reciclam e se renovam, não só não
abrem como não deixam entrar as
do futuro. O corpo pode envelhecer.
O espírito não. Jamais.
Hoje, aos 68 anos percebo que
minha melhor idade não está atrás
de mim, nas muitas coisas que já fiz,
mas à minha frente, nas muitas que
ainda farei.
É para lá que eu vou. E você?
ESPM

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