Uma análise sobre o comportamento do grupo Fake em Belém

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Uma análise sobre o comportamento do grupo Fake em Belém
II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte.
13 a 15 de Setembro de 2010-, Belém (PA)
Grupo de trabalho (6) - Identidades, Sexualidades e Corporalidades: contextos
tradicionais, fronteiras e deslocamentos.
Uma análise sobre o comportamento do grupo Fake em Belém.
Paula Thainá Ramos Braga- UFPA
Irana Bruna Calixto Lisboa – UFPA
Erica Cristina Almeida Lopes – UFPA
Resumo:
O presente trabalho visa propor uma análise da comunidade fake, especialmente a
de Belém, que é um evento recente no mundo virtual e vem atraindo mais a atenção
dos jovens para a internet. A comunicação através do computador está afetando a
sociedade e influenciando a vida dessas pessoas, ao estimular outro tipo de
relacionamento que surge por pessoas que mantém vínculos sociais na rede
informacional. Dentro desse contexto de relações virtuais nasce o mundo fake.
Todavia a relação das pessoas que possuem fake na cidade de Belém extrapolou os
limites da rede e se tornou uma relação presencial, que é uma situação de “fuga” da
essência fake.
Palavras-chave: Fake, Orkut, comunidade, Belém.
Abstract:
This paper aims to propose an analysis of community fake, especially in Belem, and
that a recent event in the virtual world and has attracted more attention from young
people to the Internet. Communication via computer is affecting society and
influencing the lives of these people, to encourage another type of relationship that
arises from people who maintain social ties in the information network. Within this
context of relations virtual world is born fake. However the relationship of people who
have fake in Belem overstepped the bounds of the network and presence became a
relationship, and that a situation of escape from the essence fake.
Key words: Fake, Orkut, community, Belém
Introdução
A palavra fake parte do inglês, que traduzido para o português significa falso e é
utilizado para designar a comunidade de profiles (perfis) falsos existentes,
principalmente, na rede de relacionamentos do Orkut. Surgiu primordialmente pelo
jogo de RPG (Roleplaying Game), que é um jogo onde os participantes interpretam e
vivem personagens, inventados por eles próprios. O fake é uma adaptação desse
jogo interpretativo para o Orkut.
Os profiles fakes, geralmente trazendo foto de artistas, desenhos, ou mesmo
pessoas desconhecidas, possibilitam um número crescente de jovens viverem uma
vida paralela à sua realidade. O perfil além de trazer uma foto que não condiz com a
da pessoa real, dona daquele perfil, traz uma personalidade fictícia e interage com
outros profiles também falsos.
Vive-se na era da Globalização, este é um termo referente ao fenômeno ocorrido
após a terceira revolução industrial, se trata da revolução tecnológica que o mercado
capitalista sofreu. Para o pesquisador André Langer a Revolução Tecnológica é
entendida como “uma era em que o capital está centralizado na informação e sua
aplicabilidade”. Ou seja, tudo gira em torno dessa exacerbada informatização, como
uma estratégia de “mundialização” e controle sobre os aspectos sociais. O que
importa na nova revolução também chamada de “era digital” é a aplicação dos novos
saberes competências e tecnologias em “redes globais”.
Após esse período a corrida por fazer uma tecnologia mais avançada tornou-se uma
constante, não só a produção desta, mas o consumo dela começou a fazer parte do
mercado capitalista. A globalização envolve várias áreas como cultura, economia,
política e informação. Com os avanços cada vez maiores na área da tecnologia, as
distâncias físicas já não são barreiras e o mundo segundo o geógrafo Milton Santos
(1994) tornar-se-á uma “Aldeia Global”. Esse termo foi criado na década de 60 por
Herbert Marshall McLuhan, professor na Escola de Comunicações da Universidade
de Toronto, designa a compreensão de que as modernas tecnologias de informação
e de comunicação facilitam a interação global. Segundo McLuhan, a informação
eletronicamente transmitida abolia virtualmente as separações geográficas entre os
indivíduos. Os meios eletrônicos de comunicação à distância não permitiam apenas
ampliar os poderes de organização social da população, mas abolir, em grande
medida, a sua fragmentação espacial, permitindo que qualquer acontecimento numa
parte remota do mundo tenha reflexos noutra distante geograficamente.
Os
avanços
tecnológicos
principalmente
na
área
da
computação
e
consequentemente na área da internet proporcionam integração ao mundo. As
informações correm rápido pela internet e isso garante que todos os lugares do
mundo saibam a mesma notícia de maneira quase simultânea. Essa troca de
informações de maneira rápida é o que garante essa integração. Pessoas de todo o
mundo estão conectadas trocando informações e tornando-o uma aldeia global
dentro de um sistema de comunidade.
O orkut é uma rede social que aproxima os indivíduos no ciberespaço, onde eles
criam amizades e relacionamentos virtuais. Foi criado em janeiro de 2004, pelo turco
Orkut Buyukkokten, ligado ao site de buscas Google, nele é possível colocar fotos,
adicionar ao perfil amigos e criar comunidades. Só pode fazer parte do Orkut quem
for convidado por alguém que já faz parte do mesmo. Reuni grupos que pensam da
mesma forma sobre um determinado assunto, nelas contém fóruns - onde os
integrantes das comunidades podem escrever comentários referentes a sua opiniãotópicos e mensagens. Os perfis são criados pelas pessoas ao se inscrever. Indicam
também quem são os seus amigos. No Orkut a interação é mediada pelo
computador, notam-se nas comunidades pertencentes ao Orkut as postagens feitas
nas mesmas, onde os membros escrevem algo sobre o que eles pensam, o site de
relacionamento também possui os scrapbooks (página de recados) onde encontrase os recados deixados pelos amigos.
Na página pessoal do Orkut contém os seguintes perfis: social, profissional e
pessoal. Traz informações sobre a sua vida como: nome, idade, cidade onde mora,
suas músicas favoritas, livros que são do seu agrado. No seu perfil você pode mentir
ou omitir sobre suas preferências e sua personalidade como acontece nos perfis
fakes, que colocam fotos de outrem, inventam nomes exóticos (nickname) que é o
apelido utilizado pelos usuários da internet em sites de relacionamentos e salas de
bate-papo.
Nesse contexto surge um novo modo de relacionamento: o fake que é baseado no
jogo interpretativo RPG (Roleplaying Game). O RPG originou-se nos Estados Unidos
na década de 70, porém chegou ao Brasil na década de 90. É um jogo grupal
interpretativo onde os jogadores imaginam uma narrativa que é desenvolvida pelos
mesmos. Na sessão de RPG existe o mestre (narrador da história) e os outros
participantes. Aquele que pratica com maior frequência o jogo de RPG é
responsável por expor aos integrantes uma história cheia de enigmas. Os jogadores
possuem um papel importante no jogo, pois representam como atores e escrevem o
roteiro das histórias proposta ao grupo, onde escolhem como proceder e decidem o
que fazer ao longo da sessão, isso nem sempre é calculado pelo mestre, ajudando
na recriação da história.
Os participantes criam a biografia de seus personagens através de sua imaginação.
As regras do jogo e a descrição dos mundos propostos pelo mesmo encontram-se
em livros que são, na maioria das vezes, lido pelo mestre que apresenta a história e
a aventura para os outros participantes. Cada jogador cria seu personagem, ou seja,
suas características físicas, psicológicas intelectuais, qualidades e fraqueza que irão
dá vida à trama. A partir daí, aos poucos haverá a inserção dos personagens na
aventura. Os personagens devem estar de acordo com o mundo apresentado pelo
mestre.
O jogo pode desenrolar-se em inúmeros mundos, porém os clássicos são: o
medieval, o vampírico e o futurista.
Portanto o fake nada mais é do que a adaptação desse jogo dentro do Orkut.
Pessoas criam um perfil no site de relacionamento assumindo a foto e, em alguns
casos, uma personalidade falsa. Os membros relacionam entre si, criando então
uma comunidade e um novo estilo de vida dentro do ciberespaço.
É necessário entender como foi construído o conceito de comunidade e qual a sua
importância no contexto do estudo dos fakes. Comunidade é um vocábulo que
designa, resumidamente, o agrupamento de pessoas que se uniam pela
necessidade de sobreviver, reproduzir-se e trabalhar. Alguns teóricos, no entanto,
que conceituaram esse termo divergiam em suas opiniões. Ferdinand Tönies
procurava definir comunidade com uma característica “pura” e idealizada, em
oposição à sociedade que para esse autor seu conceito foi estipulado pela vida
moderna. Para Tönies, Gemeinschaft (comunidade) representava a aldeia, família,
calor. Tinha motivação afetiva, era orgânica (ou seja, natural), lidava com relações
locais e com interação. As normas e o controle davam-se através da união, do
hábito, do costume e da religião. Já Gesellschaft (sociedade) significava frieza, o
egoísmo, fruto da modernidade. Sua motivação era objetiva, mecânica, observava
relações complexas. As normas e o controle davam-se através de convenção, lei e
opinião pública. Seu círculo abrangia metrópole, nação, Estado e Mundo. Para
Tönies, a comunidade seria o estado ideal dos grupos humanos. A sociedade, por
outro lado, seria a sua corrupção.
Emile Durkheim escreveu, pouco após a publicação de Gemeinschaft Ud
Gesselschaft, uma resenha à obra de Tönies. Nesta resenha, criticou algumas das
ideias do autor e expôs o seu próprio pensamento a respeito dos conceitos de
comunidade e sociedade. A crítica que Durkheim faz a Tönies foi de que a
Gesellschaft também teria um caráter orgânico. Tönies havia dito que apenas a
comunidade (Gemeinschaft) teria um caráter natural, sendo a sociedade uma
"corrupção" do primeiro conceito, realizada pela modernidade. Segundo Durkheim, a
sociedade não teria um caráter menos natural do que a comunidade, pois existiriam
pequenas semelhanças de atitude nas pequenas aldeias e grandes cidades. Além
disso, ele afirma, que nem Gemeinschaft nem Gesellschaft possuem características
que podem ser encontradas unicamente em um agrupamento social.
O termo "comunidade" evoluiu de um sentido quase "ideal" de família, comunidade
rural, passando a integrar um maior conjunto de grupos humanos com o passar do
tempo. Com o advento da modernidade e da urbanização, principalmente, as
comunidades rurais quase desapareceram, cedendo espaço para as grandes
cidades. Com isso, a idéia de "comunidade" como a sociologia clássica a concebia,
um tipo rural, ligado por laços de parentesco em oposição à idéia de sociedade, já
não é tão evidente, não da teoria, mas da prática.
Durkheim (1973) fala também em um grupo de pessoas que pensam diferente da
maioria, em sociedade política e assim se reúnem formando uma comunidade.
[...] No momento em que, no seio de uma sociedade política, um certo
número de indivíduos se encontra tendo em comum idéias, interesses,
sentimentos, ocupações que o resto da população não partilha com eles, é
inevitável que, sob influência destas semelhanças, atraiam-se uns em
direção aos outros, eles se procurem, entrem em relações, se associem, e
que assim, se forme pouco a pouco um grupo restrito, tendo sua fisionomia
especial, no seio da sociedade geral [...] (DURKHEIM; 1973, p.313)
Alguns autores tem ressaltado a importância dos meios de comunicação que,
através de sua ação modificam o espaço e o tempo, modificam também as relações
entre as várias partes da sociedade, transformando também o que se concebe por
comunidade (McLuhan, 1964). Assim, esses autores optaram por definir as novas
comunidades, surgidas no seio da informática por Comunidades Virtuais. Rheingold,
um dos primeiros autores a efetivamente utilizar o termo "comunidade virtual" para
os grupos humanos que travavam e mantinham relações sociais no ciberespaço,
define-a:
“As comunidades virtuais são agregados sociais que surgem da Rede
[Internet], quando uma quantidade suficiente de gente leva adiante essas
discussões públicas durante um tempo suficiente, com suficientes
sentimentos humanos, para formar redes de relações pessoais”. (Rheingold,
1996)
Sendo assim entende-se por comunidade virtual pessoas unidas pela internet, com
interesses, assuntos e vínculos afetivos em comum.
Nesse contexto de inserção na internet e comunidades virtuais surge o fake, que é
uma nova forma de comunicação e de relação através do computador. É um
fenômeno acontecido em todo o mundo, mas que ganhou proporções maiores na
América do norte e no Brasil, nessas regiões ter um fake já se tornou banal e viver
essa segunda vida é encarada de maneira natural pela maior parte dos jovens.
Por ser um novo modo de comunicação e abarcar uma parte dos jovens, segundo
Cotrim; Oliveira (2008) o fake é um tipo de folkcomunicação. A folkcomunicação é
basicamente, a comunicação através do folclore. O termo vem a partir das
pesquisas do jornalista, pesquisador e professor pernambucano Luiz Beltrão que
ainda na década de 60 desenvolveu as primeiras pesquisas sobre o assunto. O
pesquisador afirmava que a folkcomunicação era "o conjunto de procedimentos de
intercâmbio de informações, ideias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados
urbanos e rurais, através de agentes diretamente ligados ao folclore”. O professor
Beltrão afirmava que a comunicação não se dava somente através da grande
imprensa: televisão, rádio e cinema. E não se limitava somente aos que eram
dominadores da arte erudita e da ciência acadêmica. Beltrão dizia que, as conversas
nas portas de rua, na barbearia, no barzinho, nas manifestações folclóricas podem
provocar uma ação uniforme e eficaz na comunicação. Para ele, todas essas
linguagens demonstram uma expressão de pensar e sentir. Nesse sentido entendese que esse vocábulo designa o estudo das manifestações culturais de grupos que
estão a margem da comunicação massiva, isso seria formas comunicacionais de
alguns grupos.
Observou-se que com o desenvolvimento da cultura de massa no Brasil havia uma
comunicação entre essa cultura e a periférica. Para o bom entendimento do que é
essa cultura de massa, é necessário discorrer sobre as definições de cultura que
antecederam esse termo. Edgar Morin, sociólogo francês, entende que “uma cultura
constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o
indivíduo em sua intimidade”. Ou seja, independe da organização social de
determinado povo, pois cada um possui sua própria cultura que não é superior ou
inferior às demais. No entanto faz-se distinção entre a cultura clássica e a cultura
popular que são situadas em pólos extremos. A primeira é uma cultura própria das
elites, dos grupos privilegiados que detém o “poder” numa sociedade, ou melhor,
das classes dominantes. A segunda é uma cultura peculiar à grande massa
populacional que constitui o pólo dos “dominados”.
Enquanto a cultura clássica e a cultura popular tiveram suas origens na sociedade
artesanal, a cultura de massas é um produto típico da sociedade pós-industrial. As
duas primeiras surgiram e se consolidaram no seio das atividades produtivas da elite
e do povo respectivamente. A nova cultura segundo Edgar Morin, é “o produto de
uma dialética produção-consumo”. A cultura de massa constitui uma verdadeira
ponte entre a cultura clássica e a cultura popular, ela atua como veículo de interação
entre as duas primeiras culturas, pois possui características de ambas no sentido de
”universalizar” aspectos pertencentes à uma ou à outra cultura. Instrumentos como
cinema, televisão, computador e rádio tornam comum e acessível à quase todas as
manifestações de cultura desde a mais elaborada como as mais simples.
Por isso o estudo da folkcomunicação teve seu campo ampliado. Antes apenas
preocupava-se com a comunicação dentro de uma determinada sociedade e agora
preocupa-se também com as apropriações que a indústria cultural faz dentro dessa
comunicação periférica. O filósofo Theodor Wiesengrund-Adorno afirma que “a
Indústria Cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores”.
Ele discorda da idéia que se tinha de que a Indústria Cultural partiu da arte popular,
ou seja, surgiu de entre as massas. Pelo contrário, as pessoas nesse sistema não
passam de um mero instrumento de consumo e trabalho. O homem é tão
manipulado que até a cultura ou o lazer são usados para “coisificar “o indivíduo.
Em meio a comunidade fake e a esse novo modo folkcomunicacional, existem
classificações sobre aos tipos de fake existentes na internet, encontramos segundo
Allan Mocellim (2007) quatro tipos de fakes que são:
a) Os fakes obviamente falsos, no caso personagens que obviamente não
existem e que, devido a certas características consideradas pelos usuários
bizarras, satíricas, estranhas, ou excêntricas, são facilmente percebidos
como fakes. Normalmente deixam transparecer intencionalmente que são
falsos.
b) Os fakes que buscam copiar personagens ou alguma pessoa real. Nesse
caso podemos encontrar personagens de programas de TV (filmes, novelas,
seriados, etc.), personagens de desenhos animados, atores e músicos
famosos, entre outros. Nesses casos, apesar de normalmente tido como
óbvio que trata de um perfil falso, existe um grande número deles que
“incorpora” o personagem que veste, e responde por ele. Outros tentam
realmente convencer de que são quem se propõe ser, ou deixam claro que
são fakes.
c) Os fakes espiões: são contas de usuários criadas com o fim único de
investigar os perfis de outros usuários sem serem percebidos.
Normalmente, caso utilizem nomes, tendem a se utilizar de nomes bizarros,
e ter o perfil bastante vazio. Nomes como “Eu fucei mesmo”, “Agente
Secreto”, “Olho que tudo vê”, ou mesmo outros nomes que não tenham
muito sentido, ou mesmo a ausência de qualquer informação no perfil,
podem indicar que seja um perfil espião. Essa prática se tornou muito
popular como solução para poder navegar com privacidade pelo Orkut.
d) Os fakes que se propõem como pessoas verdadeiras. Adotam nomes,
adicionam amigos, colocam fotos, entram em comunidades, enviam
recados, como se fossem essa pessoa. Normalmente é uma pessoa
“nova”, no sentido de não ser uma cópia de alguém existente, copiando no
máximo fotografias de alguém. Esses fakes exibem uma maior
preocupação com as informações dos perfis, pois tentam passar por meio
delas um grau de verdade – buscam por meio do que escrevem e postam
no perfil ser reconhecidos como reais. (MOCELLIM; 2007, p.114-115)
O tipo ‘d’, fakes que se propõem como pessoas, são os que levam esse
relacionamento como uma segunda vida, conhecem essa realidade geralmente por
meio de amigos que já convivem nesse meio. Esses fakes usam fotos de pessoas
famosas ou desconhecidas, mas que se diferem de fotos normais geralmente pelas
edições feitas por photoshop, que é um programa de edição de imagens, ou por
serem fotos com poses e cenários diferentes e divertidos. Essas imagens são
comumente encontradas no que se chama de doação fake, que são profiles feitos
pelos próprios usuários do fake onde disponibilizam a todos os outros usuários
essas fotos.
O convívio dentro do mundo fake se dá principalmente por meio das comunidades,
páginas do próprio site de relacionamento do Orkut, que possibilita que membros
sejam adicionados e criem tópicos por onde se comuniquem, são nessas
comunidades que o usuário tem seu convívio “social”, é onde se conhecem, criam
amizades, começam a namorar, dentre outros. Alguns fakes escolhem comunidades
fixas pra eles, tornando-se assim frequentadores de tal comunidade, criando seu
ciclo de amizades ali. E também é dentro dessa comunidade que ele cria sua ‘fama’,
tornando-se mais influente dentro daquela, o que são chamados fakes pops. As
comunidades mais movimentadas são a Agência de Namoro Fake com
aproximadamente 562. 255 membros adicionados, Festas [Profile Fake] tendo 564.
772 membros, Praia fake com 486.211 membros, Puteiro Fake 2.0 com 293.861
membros.
Dentro das comunidades do Orkut e do fake, criam-se “sub-comunidades” -as
famílias fakes- grupos de amigos que adotam o sobrenome ou uma sigla e
interagem entre si. Cada família tem um propósito, uma linha de pensamento pelo
qual se unem. Dentre as três comunidades ditas como as mais movimentadas
destaca-se três famílias, a Malkiaver, a PFOF (Puteiro Fake Ownage Family) e a OD
(Owned Diversion).
Cada família possui suas particularidades, modo de convivência, regras e objetivos.
A OD tem como objetivo combater o preconceitos dentro do mundo fake,
preconceito esse que se manifesta principalmente contra “playssons” (garotos
machistas) e “cocotas” (garotas oferecidas), estilo de personagens inspirados na
banda “Bonde da Stronda” que são criticados por suas letras de conteúdo
pornográfico, a OD procura mudar isso utilizando-se de um discurso sobre
igualdade, essa família conta com um dono
que não é fixo e 3 moderadores,
responsáveis por manter a ordem dentro da comunidade da OD, comunidade essa
restrita para não-membros.
Dentro do Puteiro fake 2.0, surgiu a PFOF para celebrar a união de amigos que
freqüentavam tal comunidade, essa família também teve um papel importante para a
comunidade ganhar o status de uma das mais freqüentadas, tem a forma de
organização parecida com a OD, onde existe um dono que muda regularmente e
moderadores, no entanto a uma maior participação dos membros nas decisões da
família, a PFOF tem como objetivo apenas essa reunião de membros.
A mais antiga das famílias é a Malkiaver, tendo 2 anos, foi criada com o objetivo de
combater as modinhas e os capengas, como “playssons” , “cocotas” e pessoas que
escrevem erroneamente, o que é um motivo de desentendimento entre a OD e essa
família. Depois de dois anos a Malkiaver já mudou de objetivo, agora preocupa-se
em manter-se como a família mais tradicional do fake e em inovar. Das três famílias
a Malkiaver mostra-se a mais organizada, tendo não só um dono permanente,
moderadores, mas uma equipe, chamada ADM (administração), que toma conta do
efetivo da comunidade, e projetos que visam trazer mais pessoas para a família bem
como promover a divulgação dessa, que é chamada pelos membros de nação. A
Malkiaver é um dos exemplos de como o fake pode ultrapassar as fronteiras entre o
virtual e o mundo real, já que a maioria dos membros encara a família, não como um
divertimento virtual, mas um comprometimento pessoal, sendo assim promovem
encontros em suas cidades e o maior encontro acontecerá no final de 2010 no Rio
de Janeiro.
Ao contrário da realidade onde família é um vínculo de tradição parentesca, no fake
as famílias são formadas por interesses mútuos entre os membros e laços afetivos
entre eles.
Alguns dos perfis fakes são construídos pelas características pessoais de
identidades vividas fora dele, ou podem representar oposição completa dessa
identidade. Fazendo uma análise profunda do que se entende por identidade, é
possível compreender que apesar da maneira de como o sistema em que se vive
separa as pessoas tornando-as individualistas; a constituição da identidade se dá
pela convivência com o outro, pois o indivíduo é fruto da sua sociedade, ou seja, o
ser humano age conforme a organização social em que vive. É a partir da relação
com o outro que o sujeito conhece de si. O sujeito já não possui uma autonomia
plena, ele não é mais seu senhor, formado por uma essência inata. A sua identidade
será constituída ao longo de sua existência num processo mútuo de dependência
com o outro. O teórico cultural Stuart Hall afirma:
A identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de
processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no
momento do nascimento. [...] assim em vez de falar da identidade como
uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como
processo em andamento. A identidade que surge não tanto da plenitude da
identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de
inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através
das quais nós imaginamos ser vistos por outros. (Hall;2006, pg.38-39)
Assim, existem diferentes “eus” que compõem a identidade dos indivíduos, suas
histórias de vida e trajetórias. Isso demonstra que essa identidade não é formada
por uma identidade essencial; ao contrário, o indivíduo carrega em um mesmo corpo
mais de uma estrutura psicológica sobre as quais não possui controle absoluto. Sua
identidade e personalidade não são individuais ou autônomas, mas se constituem
sempre em relação ao outro.
Para o estudo das identidades, Hall aponta três concepções de identidade:
a) Sujeito do iluminismo: esta concepção está baseada no sujeito como sendo
totalmente centrado, cujo centro consiste num interior que surge no nascimento.
Esse desenvolve ao logo de sua vida, porém sua essência permanece a mesma. O
sujeito do iluminismo era descrito como masculino.
b) Sujeito sociológico: com a crescente complexidade do mundo moderno, cresce
também a consciência de que o núcleo interior do sujeito não é autônomo e autosuficiente, mas formado pela interação com outras pessoas, mediando seus valores,
sentidos e símbolos. Nesta concepção já aparece a noção masculino e feminino. E a
identidade é formada pela interação entre o eu e a sociedade onde o eu é
modificado a partir dos mundos culturais exteriores.
c) Sujeito pós-moderno: Com o processo de mudança dos mundos culturais, surge o
sujeito pós-moderno, conceituado como não tendo uma identidade fixa. Sua
identidade é formada continuamente em relação aos sistemas culturais que os
rodeia.
Os modos de pensar e agir no ciberespaço são proporcionados, geralmente, pelas
influências contemporâneas que tem passado a sociedade. Assim, como
representação dessa sociedade, das relações livres, desapegadas, os homens deste
tempo podem na rede internet, realizar interações imagináveis, e incapazes de
realizar no mundo off, isto desconstrói o que gerações anteriores a essa tecnologia
aprenderam a estabelecer sobre os sujeitos, interação, relacionamentos, verdade,
valores, entre outros.
Uma peculiaridade do fake que remete bem o sentido de folkcomunicação é a
linguagem empregada no fake: gírias e “ações”. Alguns exemplos a seguir mostram
parte dessas gírias. A palavra “flopar” serve para dizer que alguma coisa deu errado;
“pop”, pessoas conhecidas; “noobs”, para falar dos que não são considerados
inteligentes ou não sabem nada sobre algum assunto. Chama-se de “tensa” para
uma situação difícil; “hetero” para designar coisas ruins e “homo” para coisas boas.
As palavras em inglês on e off diferenciam a vida real da vida virtual. “Ações” são o
modo de interpretar e agir no meio fake. Segundo Cotrim e Oliveira (2008), as ações
são narrativas que se dão entre pontuações, como asterísticos, aspas, traveções,
apóstrofo, dentre outros.
Em Belém o mundo fake, já está passando do mundo virtual para o mundo real. Os
fakes frequentadores da comunidade do Orkut fakes de Belém New Era, marcam
encontros duas vezes por mês e assim levam o ciclo de amizades que antes era
apenas virtual para a realidade, tornando-se assim mais uma tribo urbana e
interagindo com outras tribos. Tem suas características próprias como vestimenta,
linguajar e assuntos que são de interesse do grupo.
As comunidades fakes em Belém possuem em média 300 membros, com a idade
média entre 15 e 19 anos, estudantes em sua maioria e descobriram o fake como a
maioria, através de amigos, muitos deles que já eram frequentadores dos encontros.
Os encontros acontecem em um shopping da capital paraense e depois de reunidos
caminham até a Praça da República, tradicional praça da cidade, que serve como
ponto de encontro para várias outras tribos da cidade.
Através de entrevistas com os membros da comunidade fake de Belém. Percebe-se
a preferência desses usuários pela vida fake, deixando de lado muitas vezes a vida
real para viver e interpretar seu personagem fake, o que vem gerando um
isolamento destes. O convívio que antes era primordialmente pessoal, agora é via
internet, os membros de Belém que se encontram duas vezes mensalmente, no
resto do mês continuam se comunicando pela internet. Outra característica que
podemos observar nos frequentadores dos encontros em Belém é que alguns usam
o fake como um jeito de expor sua homossexualidade, sendo o fake um lugar livre
onde as pessoas podem se expor sem realmente serem identificadas, as pessoas
utilizam isso para assumir sua homossexualidade e muitos membros do encontro de
Belém, assumem isso para seus amigos do encontro.
“[...] O mundo fake, é uma realidade dentro da realidade [...]” (COTRIM; OLIVEIRA;
2008 p.6)
O espaço virtual é um novo meio de relação dentro da atualidade e o fake é uma
vida paralela, onde as pessoas namoram, casam, vão ao shopping, praia, festas e
se comunicam diariamente caracterizando sua convivência. O fake é um assunto
ainda não divulgado pelos grandes meios de comunicação, o que deixa um território
amplo a ser estudado. Dentro desse contexto comunicacional, onde o fake
apresenta-se como um novo estilo de viver, uma possibilidade de uma segunda vida.
É necessário questionar quais as consequências e as particularidades que essa
maneira de conviver virtualmente trará para a sociedade.
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30 de Abril de 2010.
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