Cartas do Gueto - Relendo com Hanka para não esquecer jamais

Transcrição

Cartas do Gueto - Relendo com Hanka para não esquecer jamais
Cartas
do Gueto
Hanka Goldszajd
HANKA GOLDSZAJD
Cartas
do Gueto
Editora ....
São Paulo
Página 5
Deus é humano, o ser humano é desumano.
Nicolau Bierdiajew, "Autobiografia filozoficzna" (Autobiografia filosófica), 1940
Hitler vai passar como um sonho ruim (...). O mundo deixará de ser um matadouro. A paz e a
ordem voltarão. E, muitos anos mais tarde, uma criança vai perguntar: “Mãe, mataram um homem,
ou um judeu?”
Maria Kann, „Na oczach świata” (Aos olhos do mundo), 1943
Esta é a Nação, que recebeu de Deus o mandamento "não matarás",
e que, de forma peculiar, viveu o massacre.
João Paulo II, do discurso em Auschwitz, 1979
Mojshe Meir Bahn, salvo do gueto de Kielce, depois de anos lembra a deportação de judeus de
Kielce para Treblinka, em agosto de 1942, realizada em quatro transportes: "antes do segundo
transporte foi deliberado liquidar a casa dos órfãos. Lá havia 200 crianças. A casa estava localizada
no bairro judeu, que estava destinado à segunda deportação. Todas as crianças, junto com a
educadora Gucia, foram levadas para uma vala no bairro Nowy Świat e lhes foi mando tirar a roupa.
As crianças não queriam. Foi ordenado, então, que Gucia o fizesse. Ela se recusou. Os nacionalistas
ucranianos começaram a bater nela. As crianças soluçavam: ― Mãe, socorro!
As crianças foram despidas com violência. Foi ordenado a um policial judeu que levasse as crianças
para as valas e Rumpel (comandante) começou a atirar nelas com tiros individuais. Noventa por
cento das crianças caídas nas valas ainda vivia. Foram postas em uma camada de 40 e cobertas com
cal. Desta forma, foram arrumadas várias camadas de crianças e cal.”
Os que se salvaram deste massacre (cerca de 20 crianças) foram assassinados no pátio da
padaria, na confluência das ruas Jasna e Okrzei. Os alemães mataram os educadores da enfermaria
de isolamento infantil jogando-os pela janela do terceiro andar. O cidadão de Kielce, Zygmunt
Śliwiński, viu o que acontecia no gueto das janelas de seu apartamento na rua Piotrkowska 63:
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„(…) por ocasião da liquidação do gueto de Kielce vi quando as forças policiais levaram para a
praça, próxima da rua Radomska, perto de 30 mulheres judias grávidas. A mando dos policiais elas
se ajoelharam e os Nazistas as fuzilaram. Vi isso a uma distância de 13 metros."
Outra testemunha visual acrescenta: "os homens da Gestapo, sob o comando de Thomas,
organizaram um concurso de quem vai matar mais pessoas. Apontavam as pistolas para elas em
posições incomuns: acima do ombro ou entre as pernas. Estavam um pouco alcoolizados, mas não
realmente bêbados.”
O já mencionado Bahn descreve o primeiro dia da deportação, assim: “(...) seis mil pessoas
estavam sendo levadas pela rua Młynarska. Em ambos os lados estavam parados os poloneses e
observavam. Atrás dos judeus havia algumas carroças e se alguém caia de cansaço ou não mantinha
o ritmo, era dado um sinal ao policial judeu, que pegava o infeliz e punha-o na carroça, na qual era
imediatamente morto a tiros pelo homem da SS.”
De acordo com o historiador Jacek Andrzej Młynarczyk, no prazo de três dias da ação de
transferência foram levadas do gueto de Kielce para a morte no campo de Treblinka II, cerca de
15.000 pessoas, cerca de duas mil foram mortas como “impossibilitados de serem transportados”.
Apenas 500 conseguiram escapar, e alguns deles tentaram chegar às unidades de guerrilha local –
poucos sobreviveram. Os alemães deixaram em Kielce cerca de 2.000 em campos de trabalho, e
depois disso foram deportados, entre outros, para Auschwitz e Buchenwald.
Jasna, Okrzei, Nowy Świat ... Sempre quando ando por estas ruas, voltam aquelas cenas de
anos atrás, lidas ou ouvidas. Em particular, me lembro de uma, contada por um amigo de Kielce,
que na época era um adolescente. Ele caminhava pela rua, era um dia claro e ensolarado. À sua
frente ia um casal – um homem alto em uniforme alemão e segurava pela mão uma jovem elegante,
uma judia conhecida pelo meu amigo. Conversavam em voz alta e riam. De repente, com a mão
livre, o homem tirou uma pistola do coldre, encostou-a na têmpora da jovem e a matou. Deixou no
chão o corpo sem vida e seguiu adiante.
Por sua vez, de minha infância em Białystok, lembro-me de cenas de brincadeiras de meus
colegas no cemitério onde foram enterrados os corpos dos assassinados do gueto daquela cidade.
Ainda hoje tenho perante
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meus olhos os crânios sobre a relva do cemitério, os ossos e, no meio deles, uma bola. Os adultos
não reagiam a isso. Nem a escola, nem os pais, nem padres, nem a polícia. Ninguém. Porque as
crianças tinham que ter um lugar para brincar. Eu não brincava lá. Não me lembro de meus
pensamentos, eu me lembro de sentimentos: horror e vergonha. E o que mais lembro é a dor,
quando um dia chegaram escavadoras e trabalhadores, para terraplanar o cemitério, e em seu lugar
fazer um jardim e um verdadeiro parque infantil com balanços e piscinas de areia. E foi então que
finalmente foi enterrada na terra, a Menorá de Białostock. Pouco tempo depois, os últimos judeus
saíram da cidade, algumas dezenas de famílias que sobreviveram por milagre.
Isto ocorreu vinte anos depois da assim chamada 2ª Guerra Mundial. Já, ou apenas vinte
anos? E qual o significado que o tempo tem aqui? Quantos desses eventos existiram na Polônia?
Seja nas proximidades de Kielce, Opatów, na qual o cemitério judeu não apresenta o menor
vestígio, e no lugar do antigo “Ôhel” (túmulo) de um religioso judeu proeminente existe uma
concha acústica para concertos, e as pessoas caminham sobre as sepulturas dos assassinados, fazem
compras, ouvem concertos de bandas folclóricas, e brincam.
A memória de minha infância, de coisas que vi e ouvi se vivificam tantas vezes quantas
ando pelas ruas do antigo gueto de Kielce e vejo as casas daquele tempo, olho para essas silenciosas
e já poucas testemunhas de uma tragédia terrível. E não vejo nem uma placa, por menor que seja,
que testemunhe o desespero, a dor e o sofrimento dos indefesos, das vítimas inocentes.
Realmente não se trata de construir monumentos por todo o lado. Toda a nossa terra, toda a
nossa nação, ou, ao menos, muitos de seus filhos e filhas, merecem que se perpetue o passado em
pedra e metal. A ideia é conter a extinção da memória, porque é a única coisa que ainda podemos
fazer – sobretudo, porque tão pouco soubemos fazer naquela época ou, também, depois. Temos que
procurar novas maneiras de sensibilizar a nossa lembrança e a memória daqueles, que vêm depois
de nós. Uma delas são os livros. Um desses livros é justamente este.
BOGDAN BIAŁEK
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Para:
Kopiejsk, Distr. Czelabinskaja
Mina 20, barraco 5, quarto 2
Para Kotlicki, URSS
Endereço do remetente:
Homel, URSS, rua Komsomolskaja n0 39, apto. 2
Andrusenko para Mentlik
12 de janeiro de 1940
Apesar de eu ainda não ter uma resposta de vocês, sou, no entanto, obrigada a escrever para
você. Hoje recebi uma carta de nossa Gucia e ela me escreve que o sr. Weltman já lhe devolveu os
200zł. e ela lhe perguntou se eu devo continuar a mandá-los para sua esposa. Então, ele disse a ela
que precisa devolver o dinheiro para o seu pai de modo que, quando você escrever para mim que
esta senhora precisa de dinheiro, posso remeter. Então Sala, por favor, se esta senhora precisa de
dinheiro, escreva, enviarei imediatamente o dinheiro e você também escreverá para a casa desse
senhor.
Estou mandando um pacote para você: 4 quilos de ervilhas e 2 quilos de sêmola, e sabão.
Por favor, escreva se recebeu. Para casa também estou mandando 10 quilos. Já gostaria de saber, se
receberam com certeza.
Mania e Bernard
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Kielce, 31 de agosto de 1940
Caros irmãos,
Finalmente após uma longa espera recebemos um cartão postal de vocês, que trouxe alegria para
a nossa alma com saudades de vocês. Já são quase três meses que não tivemos nenhum sinal de vocês.
Vocês podem nos imaginar, portanto, estamos também surpresos que antes da partida de Lwów vocês
não tenham escrito nada. Nós escrevemos sete cartões para Lwów, sem resposta. Escrevam-nos porque
foram para os Urais, foi por vontade própria? Como é a vida lá, vocês têm tudo? Em que trabalham Abe
e Herszek? Nós gostaríamos que (de preferência) trabalhassem em suas profissões. Quanto eles recebem
por seu trabalho e que alimentos e acomodações vocês têm? Vocês escrevem que têm saudades da cama.
Nós devemos entender que vocês não têm onde dormir? Lembrem-se, escrevam-nos minuciosa e
extensivamente sobre tudo, porque vocês não têm ideia quanta alegria e contentamento nos dão as
cartas de vocês. Escrevam com frequência, muitas, muitas vezes!!!! Em que lugar nos Urais vocês estão?
Ao norte ou ao sul, e como é o clima de lá. Estamos muito satisfeitos que vocês estão lá e estão
trabalhando. "O trabalho adoça a vida" ou "Die Arbeit mach Das Leben züss" e vocês também
deveriam estar satisfeitos.
Quanto a nós, graças a Deus estamos com saúde e estamos vivos. O papai ganha pouco. Chaim
trabalha, mas os ganhos são péssimos, mesmo assim vivemos, e que não fique pior. Quanto a mim - eu
não estou fazendo nada. De bom grado gostaria de fazer algo, mas não tem o que. Já não sou mais a
mesma Hancia que eu era.
‘‘Os tempos mudam e nós mudamos com eles’’. Eu mudei não só espiritualmente, mas também
de corpo, cresci, fiquei mais séria. Quanto ao meu trabalho, ajudo um pouco a mamãe, mas também
não tenho em que, porque já estamos morando em um terceiro lugar. Agora moramos na rua Staszyca
n0 12, na casa dos Szpir, como sublocatários. Temos vontade de mudar para a rua Targowa, lá onde o
Tadek (ia junto com Abe), então por enquanto mandem as cartas para o sr. Dziedzic, rua Równa n0 6,
até que forneçamos a vocês o endereço da residência fixa. Vocês estão pedindo fotos, faremos com
prazer e vamos mandar nas próximas cartas, se for possível, mas nós também pedimos reciprocidade.
Com relação à Marjim, se ela precisa de algo, ajudem-na caso possam, e Hilel irá nos
devolver aqui. Vocês escrevem para que suas coisas sejam mantidas em ordem. Então, informamos
a vocês que não devem pensar tanto nelas, porque fazemos o que está ao nosso alcance e tudo
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está na mais perfeita ordem. Conosco, além disso, nada de novo. Edzia e Sala (de Łopuszno) já se
casaram. Pedimos a vocês que Abe e Herszek escrevam junto também, porque Herszek durante todo o
tempo da separação, ainda não escreveu uma só palavra. Mesmo que ele sofra de ‘‘escritofobia’’, deveria
se decidir a escrever algumas palavras para nós e para ... (‘‘szwajgeryn’’ --- cunhado, para mim), não é?
Então lembrem, escrevam todos juntos. Já faz quase um ano que nos separamos, passou tão rápido, mas
por quantas coisas passamos durante este tempo. Escrevam-nos se vocês escrevem para Chaskel.
Escrevam para o tio Dawid e para todos.
Já estou terminando de escrever. Escrevam com frequência, com bastante assiduidade, a mamãe
sempre chora e pensa em vocês. Resumindo, tem muitas saudades de vocês. Com a carta de vocês a
mamãe ficou mais tranquila, então, lembrem-se de escrever muitas vezes e é fundamental que não
percam a esperança, e, se Deus quiser, talvez ainda possamos nos ver. A vovó manda calorosas
lembranças e beijos, Helcia e Mojżesz estão junto com a vovó e mandam saudações. Recentemente a
Gucia esteve doente de febre tifoide, mas graças a Deus já está com saúde, agora se encontra em
Małogoszcz, onde está sua irmã Szajndla, porque recebe ótimas cartas da Mirjam.
Já estou terminando de escrever. Mandamos lembranças e beijos incontáveis a vocês.
Mamãe, papai, Hanka e Chaim
PS: Escrevam para o tio Dawid e Chaskel, e escrevam com assiduidade para nós.
Ainda não acabei de escrever, porque a mamãe está pedindo para acrescentar que justo hoje
faz um ano que começou a guerra. Hoje é sexta-feira. Hoje faz um ano [que] estivemos todos juntos
no jantar, ah! como estava bom [e agora – riscado]. Foi o último jantar que passamos juntos.
Pedimos que nos escrevam se vocês ainda possuem todas as coisas, que juntaram de casa e que
compraram da irmã de Marjim.
E escrevam-nos se vocês estão em um campo de trabalho ou trabalham por conta própria.
Desculpem este estilo caótico, mas vocês vão entender que é difícil me separar de vocês mesmo por
carta, por isso estou acrescentando sempre mais alguma coisa.
Realmente já estou terminando. Escrevam com frequência, nós também faremos o mesmo.
Beija-os a que ama vocês, Hancia
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Kielce, 14 de setembro de 1940
Caros e queridos irmãos!!!
Podemos informar que ultimamente recebemos com mais frequência a correspondência de
vocês, até duas vezes por semana. Entendemos a ansiedade de vocês com a falta de notícias de nossa
parte, mas acreditem em nós, não é culpa nossa, porque ultimamente escrevemos a cada semana, e se
pudéssemos escrever mais --- escreveríamos. Quanto a nós não se preocupem, uma vez que de alguma
forma damos um jeito e vivemos.
O papai ganha pouco, na verdade os dois ônibus estão em Kielce, mas nós não temos nada por
isso. Chaim também ganha alguma coisa, mas assinalamos mais uma vez --- quanto a nós fiquem
tranquilos. Cuidem de si, não se neguem nada. Vocês escrevem para nós que estão morando em
barracos, então escrevam que barracos são esses, se é algum galpão ou algo desse tipo. Ou se são casas
habitáveis. Oh! Como estamos tristes, que Sale não tem onde dormir, mas nós não podemos ajudar
quanto a isto, porque, caso contrário, nós faríamos tudo ao nosso alcance. Escrevam como é a habitação
de vocês. Gostaríamos muito que trabalhassem em suas profissões. Em casa está a certidão de artífice de
Abe, talvez possa lhe ser útil lá, vamos tentar enviá-lo, então escrevam. Escrevemos uma carta para a tia
Ryfcia para que enviem sapatos para vocês. Pensamos que fará isto, pois a vovó também escreveu para
ela sobre o assunto. Escrevam-nos se vocês têm todas essas coisas que levaram de casa e que adquiriram
da irmã de Marjim e se falta algo para vocês. Vocês escrevem (se são necessários para nós) para que
peguemos dinheiro com o sr. Weltman, então pedimos muito a vocês que escrevam quanto dinheiro
devemos pegar. A sra. Weltman escreveu uma carta para casa e diz que ‘‘os filhos do Goldszajd desejam
me mandar’’, é verdade? Em casa nada de novo, apenas pedimos muito, muito a vocês para que não se
preocupem que estão tão longe de casa, que não desanimem, pois o importante é a esperança. Comam e
bebam, tentem não esmorecer e encontrem trabalho em sua profissão. Não temos e até agora não
tivemos nenhuma notícia de Chaskel, mas desejaríamos ter algum sinal dele. Hoje vamos escrever
uma carta para ele, se for possível, mas vocês podem escrever, então escrevam a ele e fiquem
sabendo o que ocorre com ele. Vocês se queixam que nós não lhes respondemos a todas as
perguntas. Eis: a vovó está com saúde, ainda está com a Helcia e Mojżesz. Srulki também vive de
alguma forma, o filho mais novo esteve muito doente, mas agora já está melhor. Na casa de Syra
Chyca está como
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de costume, em uma só palavra, mal. A mamãe pede muito a vocês que não esmoreçam e que
escrevam muito, muito. Sala, temos um pedido para você para que tome conta do Abe, porque ele
sempre foi fraco e agora trabalha tão duro, então, como ele está? O inverno está chegando e vocês
escrevem que lá no inverno é frio, então se vocês podem comprem roupa quente para vocês.
Escrevam para o tio Dawid, pois ele provavelmente pode ter notícias do Chaskel. Terminamos nossa
carta e pedimos a vocês que vivam com esperança.
Beijamos vocês milhares de vezes
Vossa mãe, pai, irmã e irmão
Querida Sala! Agradeço a você que em cada carta pergunta sobre mim, mas eu não posso
escrever quase nada, bem, enfim?! não posso fazer nada. Agora parece que as aulas vão começar,
pode ser que eu as frequente. Apesar dessas rusgas enquanto estava aqui em Kielce, você
permanece na minha memória para sempre como a única irmã querida. Não se zangue que eu
lembre os momentos das brigas, mas para mim elas também eram momentos de sorte, porque na
época estávamos juntas. Oh! como vocês todos são queridos para mim. Estando longe se pode
avaliar o valor de vocês. Que chegue logo o dia do encontro. Ah! – como tenho saudades dele.
Portanto, pensem de vez em quando em mim, que vivo modestamente à margem.
Vossa K. Hancia
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[Carta sem 1/4 da página]
Estamos muito contentes que vocês estão trabalhando, mas dizendo a verdade ficamos
preocupados de que trabalham em uma mina de carvão. Gostaríamos muito que vocês pudessem tentar
se transferir para suas profissões. Muitos cidadãos de Kielce no início também trabalharam nas minas no
interior da Rússia e agora escreveram para suas casas que já trabalham em suas profissões, então,
lembrem-se e tentem trabalhar em suas profissões. Nós, como já escrevemos para vocês ficamos [...]
[…] para trabalho forçado, mas vive-se de alguma forma. E pedimos a vocês que não se
preocupem que estão tão longe de casa e que vivam com esperança. Não façam restrições para si com
nada, comam e bebam, e não se preocupem conosco, nós damos um jeito para tudo. Quanto às coisas
de vocês, elas estão em boas condições e não pensem tanto nelas. Ainda chegará o momento que vocês
vão usá-las com saúde. Do modo que a Sala as arrumou assim estão, então não deveriam se preocupar
quanto a elas.
Escrevam-nos, como é o apartamento de vocês, se vocês têm alguns móveis e se têm coisas que
compraram da irmã de Marjim e as que levaram de casa. Escrevam como é a casa de vocês. Temos um
pedido para fazer a vocês, Abe e Herszek, para que escrevam como está o trabalho de vocês? Quantas
horas trabalham por dia? Qual é o salário de vocês, em geral e com detalhes. Resumindo, escrevam-nos
como estão vivendo? Como é a vida fora do trabalho? Abe nos escreve para pegar dinheiro com o sr.
Weltman, mas pedimos a vocês que nos escrevam quanto dinheiro devemos pegar, pois entendam que
não se pode pegar sem um valor determinado.
Agora, vamos fazer um acordo e pedimos para que vocês considerem o escrito acima e nós
vamos escrever a cada semana, não esperando a resposta, porque às vezes a carta pode demorar, então,
vocês também façam o mesmo e escrevam regularmente a cada semana. Temos mais um pedido, que
nos escrevam o que está acontecendo com Chaskel, porque não temos nenhuma notícia. Vocês podem
escrever para ele, então pedimos que escrevam. Escrevam também para o tio Dawid. Terminamos e nos
despedimos de vocês. Saudamos e beijamos vocês
A mãe de vocês, pai, Chaim e Chancia
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Queridos irmãos!
Agradeço muito a vocês, que em cada carta perguntam sobre mim.
Comigo nada de novo, trabalho na minha oficina com o sr. Witecki. Escrevam como estão as coisas
com vocês. Termino de escrever, é sexta-feira, então preciso ir trabalhar.
Saúdo vocês afetuosamente
O irmão de vocês Chaim Goldszajd
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Kielce, 21 de setembro de 1940
Caros e queridos irmãos!
Como vêem estamos cumprindo rigorosamente com o nosso trato e estamos escrevendo a vocês
a cada semana. Nesta semana não recebemos nenhuma carta de vocês, mas pensamos que virá na
semana que vem. Escrevam-nos o que há de novo com vocês, se ainda trabalham na mina, e se sim,
tentem na medida do possível, trabalhar em suas profissões. Como já escrevemos na carta anterior, a
carteira de artífice de Abe está em nossa casa, talvez lá possa ser útil a ele, então vamos tentar mandá-la
para vocês. Pedimos que vocês escrevam com o que a Sala se ocupa, porque muitas mulheres de Kielce,
que estão no interior da Rússia, também trabalham na mina, então será que a Sala, por acaso, não
compartilha o mesmo destino delas? Escrevam também se Herszek está feliz, que está junto com a Sala e
como vocês vivem entre si. O que anda fazendo a sra. Weltman, e como ela vive? Como vocês estão
vivendo? Vocês já têm roupa de cama? Quanto vocês ganham? Isto basta para ter uma vida boa? Vocês
têm todas as coisas que levaram de casa e que compraram da irmã da sra. Weltman? Conosco nada de
novo, estamos com saúde e isto é o mais importante. Não se preocupem conosco porque, de alguma
forma, estamos em casa. Escrevemos na semana passada para Chaskel. Escrevam se vocês têm alguma
notícia dele. Também escrevemos para a tia Ryfcia a cada semana (3a) sobre estes sapatos, mas ainda não
temos resposta. Pensamos, no entanto, que com certeza vai mandar os sapatos para vocês. Escrevam se
mantém correspondência com o tio Dawid e a tia Genia. Já estamos terminando de escrever. Pedimos a
vocês que não parem de escrever e escrevam com frequência, com constância ... Despedimo-nos e
beijamos vocês
mamãe, papai, Chaim e Chancia
PS: Escrevam-nos de uma vez por todas sobre tudo com minúcias.
[nota adicional na primeira página, de cabeça para baixo]
Ainda não pegamos dinheiro do sr. Weltman. Escrevam quanto devemos pegar. O sr.
Weltman pediu que vocês tratem bem a esposa e, de acordo com as possibilidades, deem a ela tudo
que precisa, pois ele nos devolverá.
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H. Kotlicki
Distr. Czelabińsk, Kopiejsk
Mina 20-44-12, barraco 5, quarto 2
Hana Goldszajd
Kielce, Staszyca 12
Governo Geral na Polônia
Kielce, 12 de outubro de 1940
Caríssimos!
Nesta semana recebemos um cartão de vocês, no qual vocês escrevem que não estão recebendo
nada de casa. Imaginem a nossa admiração. A cada semana escrevemos para vocês e nesta semana já
escrevemos duas vezes. Agora estamos mandando para vocês um cartão, talvez ele chegue mais rápido,
porque antes escrevíamos cartas. Aqui em casa, nada de novo, isto é, o pai está trabalhando com o sr.
Burak e Chaim (eu não faço nada). Já estamos morando em um terceiro lugar. Quanto a sra. Weltman,
escrevam-nos quanto dinheiro devemos pegar do sr. Weltman, porque vocês escreveram que se
precisarmos dele podemos pegar, mas precisamos saber um valor. Quanto ao sr. Weltman, está
trabalhando em sua profissão, e o papai está trabalhando com o Burak (o que reparava os nossos
automóveis no passado) como marceneiro.
Recebemos um cartão de Vilnius, e nos escrevem que, até o momento, não receberam nenhuma
carta de vocês, e quanto aos sapatos vão lhes mandar. Se precisarem de mais alguma coisa escrevam para
eles. Talvez vocês tenham o endereço errado, porque ela se mudou. J. Machtyngier, Wilnius,
Pylimo g-ve 46, Lietuva (Vilnius, Rua Pylimo 46, Lituânia).
Pedimos a vocês que fiquem sabendo o que está acontecendo com Chaskel, porque nós estamos
escrevendo, mas sem quaisquer resultados. Hoje é Yom Kippur, então queremos desejar muita, muita
sorte e alegria, para que vocês estejam logo em casa. Beijamos vocês
Papai, mamãe, Chancia e Chaim
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H. Kotlicki, Distr. Czelabińsk, Kopiejsk
Mina 20, barraco 5, quarto 2
Kielce, 25 de outubro de 1940
Caríssimos!!!
Nesta semana não recebemos nenhuma carta de vocês. Vocês sempre escrevem que não têm
nenhuma notícia de nossa parte, mas nós não sabemos como explicar isto, porque a cada sábado
mandamos uma carta para vocês. Agora já estamos escrevendo cartões porque pode ser que as cartas não
cheguem. Imaginamos a ansiedade e a admiração de vocês, mas não se preocupem, nós estamos vivendo
de alguma forma. O papai está trabalhando na marcenaria do sr. Burak. Chaim também está
trabalhando. Como escrevemos para vocês em cada carta, escrevo também agora, que estamos morando
já em um terceiro lugar. Além disso, nada de novo, o importante --- é que estamos com saúde e um de
nossos sonhos é que fiquemos sempre juntos. Que nos sentemos sempre juntos à mesa. Hoje é festa de
Sukot. Vocês ao menos sabem que temos feriado? Vocês têm descanso? O papai, na verdade, está
trabalhando hoje.
Recebemos cartas de Vilnius e imaginem que eles não receberam qualquer carta de vocês e não
conhecem seu endereço, mas nós mandamos a eles. Escreveram-nos que existe uma pequena esperança
de poder mandar algo para vocês, mas vão se esforçar e talvez possam fazer algo. Escrevam para eles e se
precisam de algo podem escrever também, porque hoje eles podem fazer isso. Afinal, eles mesmos
escreveram que podem ajudar porque têm possibilidades. Eles se mudaram, então estou mandando a
vocês o endereço novo deles: J. Machtyngier, Wilnius, Pilimo g-ve 46/9, Lietuva (Vilnius, rua Pilimo
46/9, Lituânia).
Agora suplicamos a vocês que escrevam o que está acontecendo com o Chaskel porque não
temos nenhuma notícia dele e já não sabemos o que pensar, então, imploramos que escrevam como ele
está. Escrevam para a América quanto ao assunto de vocês, quem sabe vai ser possível fazer algo, pois
sabem o quanto isso é importante. Escrevam para o tio Dawid, para a tia Genia, para a Argentina e para
o Chaskel. Nós desejamos a vocês felizes festas e lembrem-se de nós, porque tantas vezes quantas
nos sentamos à mesa, sempre pensamos em vocês; se vocês também tem o que comer, etc.
Beijamos vocês,
Seus pais e irmãos
Recomendações para a sra. Weltman. O que ela tem feito?
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Kielce, 28 de outubro de 1940
Queridos irmãos!!!
Esta semana recebemos um cartão de vocês pelo qual agradecemos muito. Vocês com certeza
não têm noção de quanta alegria e felicidades nos deram com sua valiosa missiva. O último cartão foi
escrito por Abe, e é de 30 VIII. Não sabemos o que ocorre que vocês não recebem as nossas cartas,
porque a cada sábado enviamos uma carta. Esperamos que ao menos agora vocês tenham uma daquelas
cartas. Estamos felizes que vocês estão com saúde e se sentem bem. Escrevam-nos, se este trabalho de
vocês é pesado e como ele é. Gostaríamos muito que vocês trabalhassem em suas profissões, porque
vocês em uma mina de carvão?... Escrevam-nos se vocês já tem a roupa de cama e de que tipo? Vocês
tem um apartamento decente? Marjim, a irmã de Gucia, escreve cartas magníficas. Escrevam se vocês
têm o que vestir. Vocês levaram todas as coisas de Lwów? O que está fazendo a sra. Weltman?
Agradecemos muito, muito as lembranças dela e, de coração, desejamos o mesmo. O marido tem escrito
para ela. Escrevam-nos quanto dinheiro devemos pegar do sr. Weltman, porque vocês escreveram para
pegar dinheiro dele. Quanto a Chaskel não temos quaisquer notícias dele. Escrevemos uma carta para
ele e hoje também enviamos por meio da Cruz Vermelha, mas por enquanto nada. Toda a semana nós
escrevemos para a tia em Vilnius sobre os sapatos de vocês, mas também não temos respostas. Achamos
que vai enviar estes sapatos para vocês. Escrevam, precisam de mais alguma coisa? Escrevemos algumas
palavras para o tio Dawid, mas não temos nenhuma resposta - não sabemos como explicar isto.
Em nossa casa nada de novo. Chaim está trabalhando, mas os ganhos são miseráveis. Em geral
vive-se de alguma forma, só o pensamento do que está ocorrendo com vocês é difícil. Vocês têm o que
vestir? Têm onde dormir? Não estão com fome? Têm casa? Etc. Nós, entretanto, estamos em casa,
embora em um terceiro local, mas sempre temos roupa de cama.
Estamos admirados que Herszek durante todo este tempo ainda não nos escreveu nada. O que
está acontecendo? Está bravo? Porque, na verdade, não sabemos o que ocorreu e o que causou este
silêncio teimoso. Herszek escreva algumas palavras porque a mamãe está indignada com você.
Pedimos muito a vocês que nos escrevam minuciosa e extensivamente sobre tudo. Estamos
terminando de escrever.
Saudamos e beijamos vocês
Seus pais e irmãos
Página 31
Meus queridos!
Muito obrigada que em todo o cartão vocês perguntam sobre mim. É prova de que se
lembram de mim e eu me lembro de vocês, e sempre. Mesmo os momentos das brigas. Cada detalhe
vem à minha memória. Vivo na esperança de que um dia vamos nos ver e vamos nos contar os
momentos que cada um viveu, em particular. E quando estivermos juntos, não vamos discutir,
haverá uma vida harmoniosa. Estes são os meus planos. Oh! Que sejam vividos. Quanto a mim, por
ora não estou fazendo nada, mas no domingo (amanhã) eu vou trabalhar na carpintaria e envernizar
camas. Imagino a surpresa de vocês ao ler estas palavras, mas em geral vocês não têm ideia de quão
feliz eu sou com este trabalho e com que dificuldade o consegui. Várias de minhas colegas também
estão trabalhando nisto e muitas formandas. Ganhamos 3-3,50zł. por dia. O trabalho não vai ser
difícil, e o mais importante é que vou para este trabalho com alegria e cantando. O papel está
terminando. Eu me despeço de vocês e beijo mil vezes.
A irmã Hancia que os ama.
Página 33
H. Kotlicki,
Kopiejsk, Distr. Czelabińsk
Mina 20, barraco 5, quarto 2
URSS
Jakub Goldszajd, Kielce, rua Nowy Świat 15
Governo Geral na Polônia
Kielce, 23 de novembro de 1940
Queridos nossos.
Estamos admirados, que já faz quase três semanas que não recebemos nenhuma carta de
vocês. Qual o motivo deste silêncio? Pedimos a vocês que não nos apartem com as cartas. Aqui
nada de novo. Chaim está trabalhando. Não pensem em nós. Estamos com saúde e vivos. Temos
recebido cartas da tia de Vilnius. Por esses dias vai mandar um pacote para vocês. Além disso, nada
de novo. Despedimo-nos de vocês e beijamos mil vezes,
Seus pais e irmãos
P.S.: Pedimos uma resposta rápida.
Página 35
Goldszajd
Kielce, rua Nowy Świat 15
Governo Geral na Polônia
Kielce, 7 de dezembro de 40
Caríssimos!!!
Não fiquem bravos conosco que na semana passada não respondemos à carta pela qual
agradecemos de todo o coração. Esta carta nos deixou mais tranquilos e ao mesmo tempo nos deu um
alento. Gostaríamos que vocês já trabalhassem em suas profissões, desta forma não nos preocuparíamos
tanto com vocês, porque o trabalho com carvão não é muito seguro.
Sala. A mamãe (assim como nós) agradece que você descreveu com tanta exatidão a casa de
vocês. Viva com esperança, enfim como você faz, e verá que vai voltar para a sua casa. Não podemos
expor tudo para vocês, isto é, toda a nossa alegria por causa desta carta porque até que enfim e Abe e
Herszek escreveram junto. Eis que não demos logo a resposta, pois estávamos esperando uma resposta
definitiva do sr. Weltman e enfim a recebemos. Bem, sucedeu assim, e o que aconteceu e o que não
aconteceu não se registra, ou seja, que todo esse tempo em que a sra. Weltman esteve sob os cuidados de
vocês, é necessário esquecer, por enquanto. E a partir de hoje todo mês vamos receber 80zł. Agora
corrijo: Eis que a mamãe, quanto a sra. Weltman, entendeu mal a carta na qual deveria ser escrito que
vocês desejam mandá-la para algum lugar, não é assim. Esta carta foi escrita por Abe e a mamãe
entendeu mal, então vocês não tem motivo para ficar ofendidos, e nós (mamãe) pede desculpas a vocês
pelo mal entendido. Conosco nada de novo. O papai e Chaim ganham um pouco. Já estamos
abastecidos para o inverno. Escrevam como é o inverno onde vocês estão, se vocês já se acostumaram,
etc.
Se vocês não receberem uma carta a cada semana, não se preocupem porque não sabemos se
vamos poder escrever com tanta frequência. Saudações da vovó e da Gucia (ela já resolveu com o sr.
Weltman). Despedimo-nos de vocês e esperamos por uma boa e rápida resposta. Fiquem com saúde.
Beijos a vocês
Pais e irmãos
Página 37
Kielce, 15 de dezembro de 1940
Queridos filhos!
Nesta semana recebemos uma carta de vocês pela qual agradecemos uma centena de vezes e
novamente assinalamos que os dias nos quais chegam cartas de vocês são para nós literalmente uma
festa. Nós escrevemos para vocês quase toda a semana. Gostaríamos de escrever com mais assiduidade,
mas acreditem que não podemos. Abe e Sala, vocês estão bravos com o papai, que não escreve para
vocês, mas saibam que começou a escrever e parou porque tem dificuldades de se expressar. Vocês
perguntam por que não temos casa própria em Staszyca, eis que se já sabem, hoje moramos na rua
Nowy Świat. Assinalamos a vocês que os Zwikler, Rapsztajn e Szpir também já não moram lá. Conosco
nada de novo. Chaim trabalha na oficina e papai, de tempos em tempos, tem algum trabalho na oficina
do sr. Burak. Não pensem em nós, não fiquem preocupados, nós damos um jeito. Não sofremos de
fome ou frio. Tomem mais conta de si. Tentem de uma vez por todas sair da mina e ir para suas
profissões. Quanto aos srs. Dziedzic e Konstanciak o caso apresenta-se assim: o sr. Dziedzic lembra às
vezes que Jankel existe e o sr. Konstanciak já esqueceu por completo que um dia algo o ligava ao papai e
sobre esta dívida também não quer ouvir falar. Já foi escrito tudo, agora é a vez do sr. Weltman. Eis que
gostaríamos que fosse resolvido de tal forma que a sra. Weltman pagasse a vocês a manutenção, e o
dinheiro ela pode conseguir com a Marjim, irmã de Gucia, e o sr. Weltman devolverá este dinheiro aqui
para a Gucia. Achamos que deste modo vai ser resolvido de modo melhor. Até o dia de hoje recebemos
190zł. do sr. Weltman.
Queridas crianças tenho pena que até hoje minha irmã não lhes mandou os sapatos. Escreveu
para que eu mandasse para ela a certidão de nascimento para poder mandar os sapatos para vocês. Já
mandei a certidão também. Escrevam mais uma vez para ela. Por estes dias vou lhes mandar um pacote
pelo correio. Termino de escrever. Saúdo vocês, não se preocupem conosco
O pai de vocês, Jakób Goldszajd
A mamãe está mandando beijos e pede uma resposta rápida e uma escrita mais assídua.
Querido Abe! Muito obrigada por você ter acrescentado algumas palavras. Só não entendo
porque você aceitou de modo tão trágico a notícia de que eu preciso ir trabalhar. Saiba que já
passou o tempo em que eu ficava envergonhada de atravessar a rua com alguma encomenda maior.
Como eu era boba! Hoje eu já mudei. Achei graça nas palaPágina 39
vras „criança” „irmãzinha”; “querida” é outra coisa. Não pense que perante você agora eu me
tornaria a mesma Chancia de antigamente, oh não! Os tempos de criança já passaram. Sou séria. Já
não sou tão magra, as pessoas que não me conheceram antes da guerra, quando lhes digo, que era
magra, riem, porque na realidade é um contrassenso. Hoje sou gorda (como a Sala antigamente),
séria, alta. Vou tentar mandar a minha fotografia atual. Você escreve para respeitar a saúde dos pais
porque estão doentes. Eu sei disso. Não preciso de suas observações. Ajudo a mamãe no que posso
e vou me adaptar ao seu conselho. Com frequência desejo adivinhar como você está agora, embora
seja difícil imaginar você na mina de carvão! Paciência, precisa ser assim. Termino e beijo você
milhares de vezes
Sua amada e sempre pensando em você, irmã Chancia
Página 41
Kopiejsk, Distr. Czelabińsk
Mina 20, barraco 5, quarto 2
H. Kotlicki
Jakób Goldszajd
Nowy Świat 15, Kielce
Kielce, dezembro de 1940
Queridas crianças, estou mandando para o Abe um terno preto e para Herszek estou apenas
mandando minha calça clara porque não podemos achar essas calças. Quando receberem este pacote
escrevam o que podemos mandar mais. Desejo saúde a vocês
Seu pai, J. Goldszajd
Página 43
Kielce, janeiro de 1941
Caríssimos!
Estamos muito surpresos que há quase três semanas não temos notícias de vocês, embora não
prestemos atenção e escrevamos; não queremos desforra, porque estamos certos que não é culpa de
vocês. Na semana passada nós escrevemos um cartão para vocês, no qual dissemos que o sr. Weltman
não resolve tudo do modo como se comprometeu, isto é, não nos dá dinheiro regularmente, mas vocês
conhecem o papai, toma tudo com tanto sentimento e sem pensar duas vezes. Por isso, vão ficar
surpresos se eu escrever que esta semana o sr. Weltman deu 200zł., ao todo, nos deu 370zł. Não fiquem
bravos se estamos escrevendo coisas diferentes a cada semana, mas Deus me livre se eu não escrever o
que o papai deseja, podem imaginar os gritos, pois conhecem bem o papai e sabem como é nervoso.
Aqui nada de novo, sem mudanças. Apenas que o inverno nos está castigando bastante. Não só a nós,
mas a todos. Tem geadas e ventanias. A todo o momento pensamos em vocês, o que deve estar
ocorrendo aí. Pedimos que nos escrevam se estão congelando ai, se têm o que vestir, porque aqui,
embora esteja frio, sempre estamos em casa. Duas semanas atrás, mandamos um pacote para vocês, dois
ternos. Escrevam se receberam e se precisam de algo (conversa boba, com certeza precisam), então
escrevam porque nós não sabemos o que, e nós lhes mandaremos. Por exemplo, antes de mandar os
ternos para vocês tínhamos uma encomenda preparada que tinha roupa quente, quando veio a carta de
vocês para lhes mandar os ternos. Pensamos que, até que esta carta chegue até vocês, e vocês respondam,
já será verão. Estamos imensamente felizes e, em parte, agradecidos a vocês que finalmente tiveram uma
notícia do nosso irmão, e se for possível enviem-nos alguma coisa dele.
Por favor, escrevam-nos se já estão trabalhando em suas profissões, porque vocês não têm ideia
com que saudades esperamos uma carta, na qual vocês vão escrever que já saíram desse interior.
Por favor, escrevam-nos se ai o frio é intenso e o que está fazendo o Herszek, se ainda continua
com reumatismo. Escrevam-nos sobre tudo com minúcias, porque vocês não podem imaginar como nós
gostaríamos de saber sobre vocês e como é a vida de vocês. Na verdade escrevo e escrevo, e sinto que
escrevo sem sentido, mas gostaria de descrever tudo a vocês, mas é difícil me separar porque deste
modo
Página 45
tenho a impressão que estou perto de vocês, embora em pensamento (Prometo!) estou sempre perto de
vocês. Agora, estando longe de vocês, é possível avaliar vocês e como eram bons para mim estando em
casa (a despeito das ‘pequenas’ brigas), e agora imaginem estando longe. Sala! Preciso escrever algo para
você. Eis que a Niusia Jablońska vai se casar por estes dias. Aha! Quase ia esquecendo. Anexo uma
observação da parte de Helcia Rapsztajn que pede muito a vocês para que escrevam para o marido
dela que não escreve para ela e que ela, de jeito nenhum, não sabe o que está acontecendo com ele.
A mamãe pede muito para que façam isso por ela, não dando atenção ao que ocorreu. Hoje ela
verdadeiramente está com problemas. Já tem uma criança de 10 meses. Uma criança divina. O papai
e a mamãe sempre falam sobre ela. Em geral, vivem um bom relacionamento com os Rapsztajn.
Eles vêm nos visitar. Chaim e o papai vão visitá-los. Pedimos mais uma vez, que se possível
encontrem o marido dela, vocês não têm ideia o que isto vai significar. Termino por falta de espaço
e beijamos vocês incontáveis vezes
Seus pais e irmãos
Página 47
[carta de Helcia Rapsztajn Bergman]
Kopiejsk, Distr. Czelabinskaja
Miina 20, barraco 5, quarto 2
H. Kotlicki
N. Lederman, Kielce, Piotrkowska 11
Para Hela Berkman
Kielce, 26 de dezembro de 1940
Querida Sala!
Talvez minha carta a surpreenda, mas como há algum tempo eu não tenho nenhuma notícia de
meu querido marido - que também está nos Urais - recorro a você com o pedido de que possa ser
benevolente e escreva para ele --- se está com saúde e para que ele escreva para mim com frequência,
porque não recebo nenhuma mensagem dele. Por causa disto, estou apreensiva e toda a querida família
também. Não sabemos o que pensar - o que está acontecendo com ele?
Então querida Sala! Dirija-se a ele e escreva que você é minha prima e peça a ele para que escreva
imediatamente se está com saúde e como vai, porque eu e toda a querida família estamos desesperados.
Acredite em mim, que todo o alívio da minha dor é a minha linda, deliciosa e querida filha com a qual
me deleito. Só peço a Deus que esta doce criança finalmente conheça o colo do pai. Querida Sala! Sei
que você será generosa a ponto de fazer isso para mim, pelo que antecipadamente agradeço de coração.
Espero com ansiedade por sua benevolente e talvez rápida resposta. Além disso, o que há de bom com
você? Na verdade interessamo-nos por vocês e seus amados nos contam tudo. E então nós lhes
desejamos tudo de bom. Saúdo você e beijo
Helcia
Da parte de minha querida Ruchcia envio beijos fortes.
Envio lembranças, para você e seu querido marido e irmão, de toda a querida família. O
endereço de meu marido: URSS, Distr. Swierdłowskaja, Região Riewdienskaja, Vila Konnyj, Barraco
36/18
Para F. Bergman
Página 49
Correio Alemão Leste
URSS, Kopejsk, Distr. Czelabinska
Mina 20, barraco 5, quarto 2
Para H. Kotlicki
[adicionado] Rybak
Kielce, 17 de janeiro de 1941
Caríssimos!!!
Já não sabemos o que devemos pensar, porque se passaram quatro semanas e não temos
nenhuma notícia de vocês. Vocês podem nos imaginar. Pedimos a vocês que escrevam para nós com
mais frequência. Nós escrevemos para vocês a cada semana. Esta semana recebemos algumas cartas de
Vilnius. Escrevem que receberam uma carta de vocês, na qual vocês pedem sapatos e gordura. Nos
informam que todo mês vão poder mandar pacotes com alimentos e que mandaram para vocês oito
quilos de gordura. Os sapatos vão mandar daqui a duas semanas porque ainda não têm permissão, mas
os sapatos já estão prontos. Chanka já se casou com um engenheiro e vai com ele de Vilnius para o
Japão, lá existem comitês de ajuda para os fugitivos „Dżoind’’, e do Japão vão para a América.
Escrevam-nos se receberam algum pacote de Vilnius. Quanto ao sr. Weltman, é como informamos na
semana passada, já nos deu 410zł. e paga mensalmente 80zł. Até hoje, no total, recebemos dele 410zł.
Em nossa casa nada de novo. O inverno está nos castigando, tem geadas. E ai com vocês como está?
Vocês ao menos têm o que vestir? Pois, é lógico que existem geadas. Escrevam se receberam o pacote
que mandamos, lá tinha dois ternos, e escrevam o que precisam mais. Beijamos vocês,
recomendações para a sra. Weltman. O que ela tem feito? Sala! Você recebe cartas de Marjin, irmã
da Gucia, porque ela recebe de você com frequência.
Página 51
Kielce, 1 de fevereiro de 1941
Queridíssimos!!!
Até que enfim, após seis semanas de interrupção, veio a tão desejada carta. Podem imaginar a
nossa ansiedade durante este longo tempo de silêncio de vocês, mas o importante é que já temos a carta.
Lendo a carta soubemos que não receberam ainda nossas cartas posteriores, nas quais escrevemos a vocês
que o sr. Weltman nos deu 420zł. Ele nos dá 80zł. todo o mês. Não podemos expressar nosso espanto
para vocês, ao ler as palavras: ‘‘a irmã de Marjim poderia ter 50zł. por mês por este apartamento’’. As
palavras soam divertidas e ao mesmo tempo causaram dor. Querendo ou não, vou apresentar a vocês
este buraco com exatidão, porque não pode ser chamado como apartamento. Este é um sótão, uma
pequena cozinha e um quartinho, é baixo, sem sol, e o pior é que é frio como num canil, que se
esquenta e esquenta, e nada. Graças a Deus está vindo o verão. Nunca esperei o verão com tanta
saudade como hoje. Saímos à tarde com frequência. A mamãe vai para a casa das vizinhas, o pai, como
sempre, está no sr. Cukier ou na casa de seus outros bons irmãos, Chaim está na oficina e eu sempre nas
casas das minhas colegas, uma vez que em casa não fica ninguém porque não é agradável, nem quente.
Além disso, neste apartamento temos apenas duas camas, porque o restante dos móveis foram quase
todos vendidos, além da mobília de cozinha que também temos neste apartamento. Ela (a irmã da
Marjim) tem a sua mobília aqui, e nós tomamos conta dela. Agora vocês já sabem como é o nosso
apartamento, mas não se preocupem, como sabem, mesmo que sintamos aversão a mudanças, logo que
encontrarmos um apartamento pequeno e bom neste bairro, com certeza mudaremos daqui. Abe, você
não deveria ficar tão nervoso com o sr. Weltman, ultimamente ele nos arruma regularmente 80zł. por
mês e nós agradecemos a vocês que, morando em condições como as de vocês, trabalhando tão pesado,
lembram de nós e nos ajudam. Talvez venha o tempo em que possamos lhes pagar…
Sala, a irmã de Marjim informou mal você a respeito destas penas, então vou esclarecer. A
mamãe tinha dois gansos, então não vendeu as penas, apenas as rasga e as coloca na sua roupa de cama.
Hoje, em momentos livres (e quando está quente), também rasga as penas e sempre pensa
em você e vocês, e esperamos por nosso encontro. O papai já não está trabalhando. Escrevi o que
ele faz, fica na casa dos conhecidos ou nos aborrece, está muito, muito nervoso. Pedimos a vocês
que não lembrem
Página 53
em suas cartas sobre isso, nas quais escrevi a respeito de que o papai briga conosco (na verdade comigo e
com a mamãe) porque, com certeza, eu teria que fugir de casa, de tanto que o papai me aborrece. O que
na verdade vocês podem imaginar, por isso peço mais uma vez que não lembrem disso porque, com
certeza, eu teria que sair de casa, de tanto que o papai me incomodaria, vocês podem imaginar, e mais
uma vez, por favor, não lembrem disso. Em casa, sem mudanças, sempre pensamos em vocês.
Querida Sala, agradeço muito que conseguiu escrever algumas palavras, você não imagina como
fiquei alegre com esta carta. Você diz que, o que você passou lhe ensinou muito, e eu apesar de não ter
passado tanto quanto você, os tempos atuais também me ensinaram muito. Quanto à minha vida
privada não está tão ruim. Afinal, você sabe que nós jovens não gostamos de nos preocupar, e o nosso
lema é alegria, por isso nos divertimos, apenas com uma tristeza, principalmente eu, por causa das
saudades dos mais próximos, oh! o que querem dizer estas saudades. Ajudo também a mamãe, mas não
tem, de jeito nenhum, tanto para fazer como antes.
Agora (não sei, talvez isto entedie você) quanto às minhas colegas, tenho ficado com a Lusia,
talvez se lembre dela e com a Sala Gold, estes que possuem a loja grande de armarinhos, e com Rózia
Mandelkiern, esta que patinava tão bonito no gelo. Reunimos-nos na casa de uma de nós, porque não
temos onde passear. Não pensem novamente, que sou santinha ou freira, passo o tempo também com
meus colegas e até nos reunimos na nossa casa, e papai e mamãe permitem, porque, assinalo novamente,
que não temos onde passear.
Bem, já entediei você o bastante, ou não? Além disso, comigo nada de novo, o tempo passa
rápido como de costume e talvez Deus permita, de alguma forma, que possamos nos ver com vocês,
uma vez que penso sempre nisso. De dia penso em vocês e à noite, em parte, passo com vocês. Sempre
sonho que vocês chegaram. Diga ao Herszek que já estive na casa do Srulek várias vezes, mas ele ‘‘nem
mesmo’’ tem tempo para escrever algumas palavras. Com ele nada de novo. Enia já cresceu e é uma
menina ótima, fala até demais. Já fala bem o alemão, mas algumas palavras. Na vovó nada de novo, a tia
Helcia e Mojsze estão novamente juntos. Mojsze também vendeu os seus móveis. Estou muito
admirada (nós) que ainda não tenhamos recebido nem a carta nem o pacote de Vilnius, eles nos
escreveram que mandaram dinheiro para vocês e um pacote com oito quilos de gordura. Nós
mandamos para vocês um pacote com roupas, penso que vocês já receberam. Atenção. Imaginem
que a Hanka
Página 55
de Vilnius já se casou, não é o cúmulo da cretinice? Termino e beijo você milhares de vezes
sua Hancia
Dê saudações e beijos para o meu ‘‘taryn’’ cunhado.
PS: Saudações especiais de minhas amigas, elas sempre se lembram de você, como minha bela
irmã e Herszek, meu bonito cunhado.
Salve, querido Abuś!!!
Agradeço a você também por estas poucas palavras que acrescentou para mim. Lendo esta carta
tive a impressão que você está tirando sarro de mim, afinal por causa desta minha seriedade, não pense
que vou ficar ofendida ou me permitir ser otária, você sabe que tenho uma língua afiada, mas desta vez
não vou mostrar o que sei, apenas para esclarecer vou conseguir dinheiro para uma foto e vou lhe
mandar, então verá que não está lidando com qualquer um, mas com uma pessoa séria (a propósito --deixemos a seriedade de lado). Da carta da Sala você vai saber como está minha vida. Você pergunta
onde está seu amigo (uma pedra reagiria mais rápido, caso ainda não tenha escrito para você)
Baranowski. Eis que este cavalheiro se dignou a escrever um cartão, e você sabe por quê? Porque
soube que daqui podem ser mandados pacotes para onde vocês estão. Ele está em Krzemieniec,
além disso, não sei nada sobre a sua estada lá. Para que eu não esqueça, escrevo agora. A senhorita
Hela pediu para dar lembranças a você e também para a Sala, então estou mando-as para você.
Vejo-a com frequência, pois minha amiga Lusia mora junto com o Rozenholc, então eu vou lá, e a
Hela trabalha lá, então na verdade, nos vemos. Além disso, nada de novo. Termino e beijo você
A que sempre ama você Hanka
[anotação na parte de cima da folha, de cabeça para baixo]
Minha amiga Lusia manda lembranças para você (você se lembra?). Esta que esteva comigo
na Montanha Vermelha. Ela se lembrou de você como um irmão bom e lamenta que ela não tenha
um igual.
Página 57
Vilnius, 6 de fevereiro de 1941
Querida Salcia,
Nas primeiras palavras de minha carta, preciso agradecer a você as felicitações que me mandou
por ocasião do meu noivado.
Bem, vou escrever para você com pormenores sobre mim e meu marido. Em 21 de dezembro de
1940 eu e meu marido, sabendo que daqui a alguns meses vamos viajar para o Japão, nos inscrevemos
na lista da "Cywilmetrykacja" (escritório de registro) e de jeito nenhum pressentimos que não
poderíamos ir juntos. Descobrimos, portanto, que eu não posso ir junto com ele. Ele como refugiado
com visto de entrada para o Japão pode ir, mas eu, embora seja sua esposa e não tendo visto, não posso
ir com ele. Portanto, ele precisa, por enquanto, ir sozinho e lá ele vai tentar tirar um visto para mim.
Por enquanto ele está indo e eu fico aqui. Você, querida Salcia, já sabe como é isso, porque o seu amado
marido também viajou uma vez e você, assim como eu, agora ficou na casa de seus pais. Assim como eu,
agora você tinha a esperança que se veriam e assim ocorreu. Eu também tenho esperança que ainda
estaremos juntos no Japão ou na casa do Chaskel (porque talvez ele saia de lá para a casa dele). Vai sair,
vai sair e ficaremos bem, assim como você nos deseja, pelo que agradeço muito a você. Agora você me
pergunta o que meu marido faz; posso escrever que o escolhido de meu coração, de formação é
contador, e ultimamente não trabalha porque está ocupado com a viagem. É um rapaz formoso e
bastante lindo, o que você vai ver na fotografia que vou mandar a você na próxima carta, porque as
fotografias que eu tinha já distribui e logo encomendei mais --- mas por enquanto não estão prontas --quando estiverem prontas vou mandar imediatamente.
Parece que é tudo que deveria escrever a você sobre mim e meu marido. Você vai ficar
admirada com esta história toda de sua prima, mas ocorreu assim e não por nossa culpa.
Agora, querida Salcia, me escreva tudo com detalhes o que acontece com você, porque
quanto a Abe e Herszel, Abe escreveu uma carta bastante extensa, assim que já sei. Mas escreveu
muito pouco sobre você, por isso peço que você escreva ao menos algumas palavras, como você
vive, o que está fazendo, aonde você vai, se vocês têm conhecidos, etc. Julgo que você não vai me
nePágina 59
gar. Termino de escrever, talvez eu tenha aborrecido você. Lembranças para o marido e Abe.
Beijo você milhares de vezes aquela que ama vocês de longe, Hanka. Lembranças de meu
marido, você com certeza vai se admirar por ele não ter acrescentado nenhuma palavra, mas não
está em casa, foi para Kowno.
Hanka
Página 61
Correio Alemão Leste
URSS, Kopiejsk, Distr. Czelabinskaja
Mina 20, barraco 5, quarto 2
H. Kotlicki
J. Goldszajd, Kielce
Rua Nowy Świat 15
Kielce, 15 de fevereiro de 1941
Caríssimos!!!
Ultimamente, as cartas de vocês chegam raramente, não sabemos qual o motivo, se vocês não
escrevem como combinamos toda a semana, ou se as cartas de vocês se perderam? De qualquer modo,
pedimos a vocês que escrevam com mais assiduidade, porque não é bom esperar pelas cartas de vocês
como nós o fazemos. Nós escrevemos para vocês toda a semana, não esperando resposta. Conosco nada
de novo. Estamos vivos e com saúde. Chaim tem um sócio novo na oficina. É o antigo artífice do sr.
Lederman, e se chama Mydło. É um bom profissional, mas não se sabe quais serão os resultados,
porque ele está há poucos dias na oficina. O bom é que Chaim está contente. Witecki também está
trabalhando. Nesta semana recebemos uma carta da tia Gucia. Não escreve nada importante. De
Vilnius não temos recebido nada ultimamente. Já recebemos do sr. Weltman 510zł. Pedimos que
nos escrevam se vocês receberam o pacote de roupa, porque nós lhes enviamos faz tempo.
Terminamos e beijamos vocês milhares de vezes e pedimos que vocês nos escrevam com
frequência.
Escrevam quando vocês vão parar de trabalhar com carvão.
Até logo, Hana
Página 63
Correio Alemão Leste
URSS, Kopiejsk, Distr. Czelabinskaja
Mina 20, barraco 5, quart. 2
H. Kotlicki
J. Goldszajd, Kielce
Rua Nowy Świat 15
Kielce, 1 de março de 1941
Queridos nossos!!!
Realmente já não sabemos o que pensar, há algumas semanas não temos nenhuma notícia de
vocês. Não sabemos o que pode ser? Se vocês não escrevem a cada semana ou se as cartas não chegam.
Pedimos que escrevam somente cartões porque talvez cheguem mais rápido. Esta semana recebemos
uma carta de Vilnius, na qual nos informam que vocês já receberam os sapatos e o nosso pacote. Vocês
não têm ideia como ficamos felizes com isto. Mandamos hoje para vocês um pacote com roupas. Dois
ternos, três pares de sapatos, três vestidos e um pouco de roupa de cama. Escrevam o que precisam e
teremos prazer em mandar tudo. Já faz quase um ano que mandamos para vocês, por meio de um favor,
um pacote com dois casacos, dois vestidos e um par de sapatos da Sala, aqueles de verão vermelhocereja, mas esta senhora, junto com o pacote, ainda está a caminho. Ouvimos esta semana que já está
em Lwów, então nós vamos lhes dar na próxima semana o endereço para Lwów e vocês vão
escrever para lá e pedir que mandem este pacote para vocês. Nós também vamos escrever para
Lwów sobre isto. Se eles não lhes mandarem, então não se preocupem, porque eles (sua família)
aqui nos irão devolver o dinheiro por essas coisas. Escrevam como estão vocês: se trabalham na
mina e se vão trabalhar ainda por muito tempo. Por favor, escrevam com frequência e talvez para o
endereço do sr. Dziedzic, porque lá recebíamos as cartas com maior frequência. Estamos terminado
e beijamos vocês todos
Seus pais e irmãos
Lembranças para a sra. Weltman. Pedimos que escrevam com frequência. Fiquem com
saúde.
Pagina 65
Vilnius, 2 de março de 1941
Querida Salcia!!
Com grande alegria li sua carta para mim. Agradeço muito que você me alegre em momento tão
triste para mim. Você pergunta quando meu marido vai viajar, e posso escrever que daqui a 3-4 dias
deixa Kowno, isto é 5-6 de março. Eu justamente amanhã vou para Kowno para me despedir dele.
Provavelmente ele não vai para o Japão com eu escrevi, mas direto para a casa de Chaskel, e por causa
disso estou muito contente. Salcia, eu me compadeço de sua situação na qual se encontra quanto ao
apartamento, pois como me descreve imagino que ele é elegante, mas quanto a isso não se preocupe,
pois se Deus quiser, ainda vocês estarão junto aos seus pais, então, tudo vai ficar bem e o seu
apartamento, também. Eu acabei de estar na sua casa e admirei o seu apartamento.
Querida Salcia, termino para não aborrecer você. Carinhosas lembranças para o seu marido e
para Abe. Beijo todos vocês.
Hanka
PS: Estou mandando minha fotografia com meu marido. Ele talvez esteja com o olhar
sisudo, mas é só na fotografia, na realidade é diferente.
Página 67
Kopejsk, Distr. Czelabinskaja
Mina 20, barraco 5, quarto 2
H. Kotlicki, URSS
Kielce, 7 de março de 1941
Queridos filhos
Nesta semana recebi um cartão de vocês. O que acontece que por seis semanas não recebemos
carta de vocês? Eu lhes mandei um pacote e não tenho nenhuma notícia, se receberam. A sra. Weltman
escreveu para seu marido que recebeu um pacote. Eu mandei do sr. Wletman para vocês, três dias mais
tarde, e vocês não escrevem nada sobre o pacote, apenas minha irmã de Vilnius escreveu que recebeu
uma carta de vocês, que vocês receberam aqui de casa um pacote com roupas, então de acordo com o
escrito pela minha irmã eu lhes mandei em 27 de fevereiro um pacote de nove quilos. São roupas,
vestidos e sapatos de verão. Peço a vocês que escrevam a cada semana, melhor que sejam cartões porque
chegam mais rápido, e se forem cartas, melhor escrever assim como escrevo esta carta, primeiro o
endereço que é o mesmo que no envelope, ai, com certeza vou receber. Queridos filhos. Escrevam o que
devo mandar agora para vocês, talvez paletós de verão ou um edredom e uma almofada.
Abe, escreva se quer que mande para você estes sapatos que estão em casa, vocês escreveram que
mandaram um pacote com alimentos, eu lhes agradeço muito, mas peço a vocês que não mandem mais,
peço que comam tudo que desejam nos mandar, nós não precisamos disto porque aqui temos tudo para
comer e para comprar, porque Chaim ganha bem na loja, e eu faço o mesmo ganhando aos poucos e,
agora, o sr. Weltman dá 25zł. por semana e um pouco pegamos do sr. Konstanciak. Então, não pensem
em nós, mais uma vez eu peço a vocês não mandarem pacotes com alimentos para nós, e vocês não
façam economia, o que ganham gastem em comida e alimentem-se bem, se o chá ai não é caro, então
nos mandem um pouco e um pouco de açúcar em cubos. Queridos filhos, eu mandei para vocês um
pacote, por meio de um favor, ainda em junho de 1940, pela nora de Fiszel Zilberberg que chamam
de Fiszel Gozdek que tem uma loja de roupas, onde está Chaim. Ele tem um filho em Lwów,
chama-se Aron, e a mulher de Aron esteve em Kielce com o filho deles e Aron Zilberberg mandou
papéis de Lwów para trazer a sua esposa. Eu dei o carro de graça que foi especificamente com ela
para Cracóvia e ela levou na bagagem, um pacote para vocês com dois casacos brancos de verão e
para Sala, seus sapatos, e até hoje não tenho notícias do que aconteceu. O sr. Fiszel me garantiu,
que se o pacote se perder
Página 69
ele vai pagar. Aqui está o endereço dele: Lwów Aron Zilberberg, rua Kopernik N 36. Y. URSS.
Quando ela foi para lá vocês ainda moravam em Lwów? Escrevam para ele e veremos o que ele vai
responder, me escrevam. Termino, desejamos a vocês tudo de bom, lembranças para todos,
seus amados pais Goldszajd.
Por que Herszel não escreve, ele está bravo?
Página 71
Kopiejsk, Distr. Czelabinskaja
Mina 20, barraco 5, quarto 2
H. Kotlicki
J. Goldszajd, Kielce, Nowy Świat 15
Governo Geral na Polônia
Kielce, 15 de março de 1941
Caríssimos!!!
Recebemos o cartão de vocês que Abe escreveu em 25 de fevereiro, pelo qual agradecemos de
todo o coração. Recebemos também o pacote com alimentos, que tinha 2 quilos de farinha, 2 quilos de
sêmola, 2 quilos de aveia, 1 quilo de cevadinha hercules e 4 pedaços de sabão. Agradecemos a vocês mil
vezes por ele, embora peçamos que não mandem nenhum outro pacote. Nós ainda temos comida e
creiam que será muito melhor se comerem sozinhos o que vão mandar para cá. Abe escreve no cartão
„amanhã vamos mandar um pacote com alimentos.’’. Este já é o segundo? Caso sim, assinalamos mais
uma vez a vocês que não mandem mais pacotes. Se o chá é barato e vocês puderem, mandem um pouco
para nós, se não for custar um valor alto de correio, porque, caso contrário, não mandem.
Há duas semanas enviamos a vocês um pacote com 10 quilos de roupas. Embora nós ainda não
tenhamos recebido de vocês qualquer sinal de que receberam o primeiro pacote, nos escreveram de
Vilnius sobre isto. Bem, suas cartas para nós não chegam, apenas os cartões, então escrevam cartões e
com frequência. Na carta anterior, papai deu o endereço do sr. Zilberberg, que mora em Lwów e que
tem o pacote para vocês, pois a esposa dele viajou já faz quase um ano e o levou para vocês. Entrem em
contato com ele para que o envie para vocês. Nós também enviamos hoje uma carta sobre isto. O
endereço dele é: Aron Zylberberg, Lwów, rua Copérnico nº 36, URSS.
Lembranças para a sra. Weltman. O que ela tem feito?
Sala! Escreva se você está recebendo as cartas de Marjim, irmã de Gucia, porque ela as
recebe de você com frequência.
Em casa nada de novo. Estamos com saúde. Ontem foi Purim. Tudo estaria bem se
estivéssemos juntos. Deus queira que no ano que vem passemos a festa juntos. Beijamos vocês
Pais e irmãos
Página 73
R. Goldszajd, Kielce, Distrito Radom
Kopiejsk, Distr. Czelabinskaja
Mina 20, barraco 5, quarto 2
H. Kotlicki
Kielce, 24 de abril de 1941
Caríssimos!
Já faz três semanas que não escrevemos para vocês, nem recebemos notícias de vocês. Estejam
certos que não pudemos escrever, e que não foi por nossa causa, mas porque vocês não escrevem, não
entendemos. Escrevam para nós se receberam nossos pacotes e o que vocês ainda precisam, então, se
pudermos vamos mandar para vocês. Escrevam como têm vivido? Se ainda estão trabalhando na mina e
quando finalmente vão para outro trabalho. Quanto a nós, é como já escrevi para vocês, a vovó mora
perto de nós e todos os outros. Temos um pedido para vocês, se vocês podem nos mandar pacotes com
comida. Até agora nós pudemos passar sem eles, mas agora poderiam nos ajudar. Enviem-nos um pouco
de sabão. De qualquer forma precisamos de tudo e o que nos mandarem será bom. Não se preocupem
com esta nossa mudança. Tudo ainda vai ficar bem. Bem, já estou terminando. Fiquem com saúde.
Beijamos vocês,
Seus pais e irmãos
Sala! A Gucia recebeu uma carta da Mania, que mandou para a filha do Goldfarb 150 rublos.
Escreva se ela os recebeu e diga a ela para que ela escreva uma carta para casa e para o nosso
endereço também, porque, caso contrário, o sr. Goldfarb de Kielce pode não devolver o dinheiro.
Página 75
Geni Handerbock
Av. Augusto Severo 38 I, Rio de Janeiro, Brasil
Jakób Goldszajd, Nowy Świat 15, Kielce
Governo Geral da Polônia
Kielce, 8 de março de 1941
Querida irmã.
Recebi sua carta pela qual agradeço muito, que você lembra que tem irmãos e pais em Kielce,
não tenho notícias do irmão Szlama e Dawid, embora já tenha escrito algumas vezes para Dawid, nem a
mamãe recebe notícias dele, talvez escreva para ele --- não precisa se preocupar conosco. Estamos com
saúde. A mamãe também e Mosze, mas meu filho Abe e a filha Sala com o marido estão no interior da
Rússia, isto é, na Sibéria. Posso lhe dar o endereço: URSS, Kopejsk, Distr. Czelabinskaja. Mina 20,
barraco 5 quarto 2. G. Kotlicki.
Eles trabalham em uma mina de carvão. Querida irmã, se você pode ajudá-los, não os
esqueça, quanto a isso peça também ao Dawid.
Saudações para você e seu marido com as crianças. Nós todos desejamos o melhor para
vocês
irmão J. Goldszajd
Em casa comigo está Chaim, Chancia e a esposa. Fique com saúde. Se você escrever uma
carta para mim, é o mesmo endereço que está no envelope. Escreva na primeira página da carta, e
em seguida a carta, com certeza chega. Precisa ser assim: no início da escrita todo o meu endereço,
e então a carta.
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Palestina, Tel Aviv, Renak 12
A. Rozenwald
TSSR [Tadżykistan], Leninabad, Ozodi 100
G. Kotlicki
Leninabad, 23 de julho de 1944
Querido Chaskiel!
Esta semana recebi de você um pacote, que me deixou muito contente. Recebi uma toalha de
banho, calcinhas, um conjunto feminino de banho, meias, três pedaços de sabão, agradeço a você por
isto. Na semana passada Abe escreveu um cartão para você. Escrevemos também uma carta e um
telegrama. Já escrevemos para muitas vezes M. Kotlicki e mandamos um telegrama, embora sempre sem
resposta, está ofendido conosco sem necessidade. Para nós receber uma carta é uma grande sorte, por
isso nós também não nos arrependemos de escrever. Chaskiel escreva-nos o endereço de Dawid
Kotlicki, queremos escrever para ele também. Já escrevemos alguns cartões para Vilnius e, agora,
você escreva também, talvez possamos ficar sabendo de algo. Agora, como vai você? Suas cartas
nos dão um grande prazer. Você escreve que consegue dar conta das coisas e vive bem, e isto é o
que nos dá mais alegria.
Conosco tudo na mesma. Abe e Herszek trabalham como de costume e não ganham mal.
Agora me sinto melhor e já me acostumei um pouco com o clima. Termino, beijando você mil
vezes
Sua amada irmã Sala
Herszek e Abe beijam você de longe. Lembranças para toda a família e amigos,
cumprimentos para a sra. Zosia.
Página 79
[falta data e cabeçalho]
[…] Até agora ainda não recebemos nada mais do sr. Weltman. Gucia pede a vocês, que, se
puderem, escrevam onde está sua irmã Szajndla, porque não tem qualquer notícia dela. Em uma das
cartas eu já mandei o endereço da Marjim, e para terem certeza vou escrever novamente: cidade Kliepiki
Raz. Distr. Krasnyj Szwejsk para Berko Mentlik, URSS.
Pedimos a vocês que se esforcem para saber o que ocorre com Chaskel. Vamos tentar saber o
endereço de Minyl Kotlicki e vamos mandar para vocês. Quanto ao Srulek, ele graças a Deus vive de
algum modo, mas está com dificuldades. A criança pequena (não a Enia) ultimamente tem ficado
doente. A vovó está bem de saúde e igual como sempre. Quanto aos sapatos de vocês de Vilnius eles vão
mandar pacotes com alimentos e vão tentar mandar também os sapatos.
Toda a semana nós escrevemos um cartão para eles. Eles não receberam a carta de vocês, então
escrevam. Mais uma vez forneço o endereço deles: J. Machtyngier, Vilnius, rua Pilimo 46/9, Lituânia.
Sala, você perguntou o que a Basia Borensztajn tem feito, ela já não vive mais. Faleceu na
vigília da festa de Sukot. Penso que já escrevi sobre tudo. Amados, fiquem com saúde e não se
preocupem. Despedimo-nos de vocês e beijamos mil vezes
Seus pais e irmãos
PS. Pedimos que escrevam com frequência. Lembranças para a sra. Weltman, como ela se
sente?
Página 81
[Fragmento sem data e assinatura, página 2]
Querida Sala, várias vezes desejava escrever uma carta especial para você, mas sempre estou com
a cabeça ocupada. Quanto a mim posso escrever que passei muitas coisas neste tempo que você não está
aqui, já estive doente de tifo e tive os cabelos cortados, estava com a cabeça totalmente raspada, agora já
cresceram um pouco e na páscoa vou estar com uma vasta cabeleira. Com isto termino porque já não
vale a pena lembrar o que passou, já existem preocupações novas. Eis que você pergunta se eu
trabalho, muito pouco, e a titia também não faz nada, só vive de vender sua roupa velha e o que
Ryfcia, de Vilnius, manda. Imagine, sua vovó fica em casa e não faz nada, apenas cozinha. Faz
tempo que não tem carta do Dawid e por causa disso está sempre chorando.
Página 83
[carta sem data e sem título]
Posso informar a vocês que Chaim recebeu uma patente em seu nome e já não depende de
ninguém. O sr. Witecki já não trabalha mais, foi embora sem pretensões, agora já está tudo em ordem
na oficina, como exige um Salão de Cabeleireiro. Se vocês estão com minhas Gandówki (sandálias)
amarelas e não lhes são necessárias, então, se possível e se não for difícil, mandem-me. Quanto ao sr.
Weltman, agora está em ordem, agora já vai pagar semanalmente 25zł. Quando vocês escrevem, peçam
que a sra. Weltman adicione algo.
Querida família, não precisa pensar sobre a casa, está tudo na melhor ordem. O marido ganha,
tem trabalho e está bem, no que ele puder, não vai ser avarento com vocês, não se preocupem que estão
tão longe de nós. Talvez tenha que ser assim, porque ocorreu assim, tem muitas pessoas cujos maridos
estão na Polônia e as esposas na Rússia, da mesma forma os pais na Polônia e os filhos na Rússia.
Fiquem com saúde e vivam juntos, se ganham não façam economia na alimentação. Fiquem com saúde,
desejamos a vocês todos, saúde e tudo de bom
Seus amados pais Goldszajd
Lembranças da Chancia, Chaim, vovó e tio Moszek com esposa
Mamãe
Queridos irmãos!!!
E eu preciso acrescentar algumas palavras. Não sabemos o que ocorreu, mas ultimamente não
estamos recebendo regularmente as cartas de vocês. Tem interrupções de seis semanas. No cartão vocês
escrevem que mandaram um pacote com alimentos para nós. Nós ainda não recebemos este pacote
(embora pensemos que vai chegar logo). Pedimos a vocês que não mandem mais pacotes, porque afinal
não tem sentido, que vocês vendam suas coisas e nos mandem pacotes. Nós vamos ficar contentes se
vocês comerem. Nós recebemos de Vilnius, há três semanas, um pacote com comida, embora tenhamos
respondido que seria melhor mandar para vocês, e não para nós, pois nós aqui damos um jeito.
Escrevam por quanto tempo ainda vão ficar na mina. Se é um trabalho com data marcada, ou
sem limite de tempo, porque temos ouvido que esse trabalho forçado dura apenas um ano e então
vocês podem retornar ao seu próprio trabalho. Escrevam se é assim com este trabalho. Pedimos
mais uma vez que não nos enviem nenhum pacote, embora se não fizer uma grande confusão e vai
custar pouco, então nos enviem um pouco de chá. Esta semana é Purim. Desejamos-lhe uma alegre
diversão e lembrem-se de nós, porque nós sempre pensamos em vocês. Beijo vocês
Hanka
Página 85
Querido Herszek!
Até que enfim você teve a coragem de escrever uma palavra. Você não tem noção como eu fiquei
feliz com esta carta. Você pergunta por que eu não escrevo para você, não entendo isso. Eu já escrevi
algumas vezes, só que sem resposta. Comigo nada de novo. Não estou indo para a escola. Ocupo-me
com a preguiça. Vou somente para a casa da vovó e volto, porque não tem tarefa melhor que esta. Você
pede que eu faça uma visita ao Srulek. Eis que nós estivemos na casa dele algumas vezes, mas ele se
explica que não tem tempo. Ele está com saúde. Trabalha. As crianças estão com saúde. Enia cresceu, e
é uma menina agradável. Fala bastante, pula. Já come de tudo. Esta semana vou para a casa do Srulek e
vou dar um cartão a ele, talvez, então, escreva. Ele não pergunta tanto sobre você, assim como você
sobre ele. Escreva como você está. Como está a vida de vocês, escreva o que a Sala tem feito. Conosco
nada de novo, o tempo voa, a gente fica sentado atrás do fogão, porque está frio. Bem, já termino e peço
a você uma resposta. Beijo você de longe
Sua ‘‘tary szwejgeryn’’ Chancia
Cara, querida Sala!!!
Não sei como explicar isso para mim mesma, de que você nunca responde às minhas cartas. O
que acontece? Se de fato todas as nossas brigas você levou a sério e não quer perdoar? Acho que você
tem tempo para avaliar. Vivo da esperança de que ainda nós nos reuniremos e então você vai me
recompensar o tempo perdido e minha cara feia. Agora vejo como sou horrorosa, mas você sabe que
tudo se vê após o fato ocorrer e acredite que, se eu pudesse, hoje me modificaria, mas e daí? Não
estamos juntas. Sala! Peço que me responda. Esqueça o que aconteceu e se for difícil esquecer, então,
esqueça por enquanto. Você também escreve que estava triste após a notícia de que vou trabalhar, mas
digo a você que isto não é nada. Imagine que Lusia, a magra, a coitada da Lusia também trabalhava
nisto, mas ela continua doida, então interrompeu o trabalho. Róźka Mandelkiern (a que patina bonito
sobre o gelo) também trabalhou e ninguém aceitou isto de modo tão trágico como vocês. Saibam que
em vez de entediar-se assim, é melhor trabalhar, mas vou tentar me ajustar ao pedido de Abe. Logo
mandarei minha fotografia para vocês, para que possam me ver. Só que antes eu tenho que conseguir
dinheiro. Estou mandando a vocês as fotos dos “velhos”, mamãe e papai. São fotos ruins, mas
fizeram para a identidade, então eu as “afanei” e estou mandando para vocês, porque mamãe não
quer mandar uma foto tão feia. Nas próximas cartas vocês vão receber outras, minhas e do Chaim.
Termino e beijo você
Tua amada irmã
que pede a você que escreva algumas palavras
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Querida e cara Sala!
Escrevo querida, porque hoje quando estamos tão longe uma da outra somos todos queridos uns
para os outros. Sala, depois de tanto silêncio até que enfim escrevo para você. Você pergunta o que
temos feito. O que posso responder? O principal é que estamos com saúde e vivemos. Você deve estar
curiosa como estão as coisas com a sua propriedade. Por enquanto está lá onde estava e eu e seus pais
cuidamos tão bem, como se você o fizesse sozinha. Leio todas as suas cartas, que você me manda para
casa. Imagine que seu tio Mojżesz lamenta que não está com vocês ... Vamos falar sobre isto com
mais detalhes se algum dia de nossa vida nos vermos. Por enquanto termino, na próxima carta vou
escrever novamente. Beijo você
Hela
Cordiais saudações de meu marido e de sua vovó. Lembranças para seu marido e saudações
especiais de todos para Abe. Escrevemos uma carta para a tia Rywcia sobre os sapatos para vocês.
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Legenda da fotografia:
Hanka Goldszajd
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Cartas do gueto
Algumas dezenas de cartões postais, cartas e fotografias salvos por milagre, durante o tumulto da
guerra, até hoje são o único rastro material dos membros da família Goldszajd que morava em Kielce.
Hanka Goldszajd --- autora da maioria das cartas, sua mãe Rywka, pai Jakub e irmão Chaim não
sobreviveram à matança. Foram levados do gueto de Kielce e morreram em Treblinka.
As cartas escritas por Hanka para o irmão Abe, a irmã Sala e o cunhado Herszel, mandados para
a mina na Sibéria, resistiram e foram trazidas, primeiro das proximidades de Czelanbinsk para a
Polônia, e depois levadas para Israel. Estas cartas, enviadas da ocupada Kielce por uma menina judia,
hoje também são um documento inestimável --- é uma prova dos primeiros anos da ocupação, tempo de
condições cada vez mais deterioradas da vida dos judeus em Kielce, repressão crescente, e restrição da
liberdade pessoal. Por isso, é uma prova tão valiosa, porque existem muito poucos documentos e
memórias daqueles que sobreviveram ao gueto de Kielce1.
As cartas da família Goldszajd, embora sejam originárias da época anterior à formação do gueto
em Kielce, complementam muito bem as cartas publicadas anteriormente de uma vienense chamada
Gertrud Zeisler, escritas para a família espalhada por todo o mundo.2 Gertrud Zeisler, formada,
conhecedora da Europa, era uma observadora sagaz das atividades da administração do gueto de Kielce,
bem como das pessoas que moravam aqui.3 Hanka Goldszajd não conhecia o mundo, escrevia sobre a
família mais próxima, sobre como ela mesma vive, quanto tem saudades da irmã e irmão, e como os
pais e irmão dão conta das coisas em tempos cada vez mais difíceis. Estas cartas tão particulares são,
no entanto, uma prova real e direta da saga da população judaica de Kielce.
Seu conteúdo de aparência simples choca quando percebemos que a verdade no tempo da
ocupação e as atrocidades da guerra estão escondidas dentro delas, não só perante a censura alemã,
mas também dos mais próximos, que sofriam nos territórios ocupados em Kielce, além disso, não
queriam preocupar os outros sobre o seu destino. Hanka escreve apenas tanto quanto podia ser
escrito. Os Goldszajd, mandados embora de sua casa na rua Foch, viveram primeiro na rua Staszica
12, e em seguida, foram novamente mandados embora, assim como seus
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vizinhos judeus --- encontraram-se no sótão de uma casa na rua Nowy Świat n0 15. Deste endereço
foram enviadas as cartas para a Sibéria. Em 1 de abril de 1941, esta casa encontrava-se na área do gueto.
Como uma das últimas casas salvas do antigo gueto, existe até hoje.
Hanka Goldszajd, em 1939, tinha 17 anos. Era a filha mais nova de Jakub e Rywka Goldszajd.
Morava com os pais, os irmãos Chanim e Abe, e com a irmã Sura, na casa situada na rua Foch. Seu pai,
Jakub, dirigia em Kielce uma firma de transportes. Tinha dois ônibus que viajavam para Łódź.
Os Goldszajd eram uma das 3500 famílias de Kielce, que nesta cidade levavam sua vida de
trabalho. No momento em que estourou a guerra, o bairro judeu de Kielce contava com 20942
pessoas.4 Já em agosto de 1939, sentia-se na cidade uma atmosfera de perigo. Alicja Birnhak lembra a
volta das férias assim: ‘‘Quando voltávamos para Kielce, no final de agosto, já existia o pânico. As
estradas estavam cheias de pessoas que voltavam para suas casas, para as famílias. Este era também o
tempo de nossa infância, de nossa juventude’’.5 Da mesma forma poderia escrever Hanka Goldszajd.
Vários judeus de Kielce foram chamados para se alistar no exército. Vários dos que ficaram,
resolveram sair da cidade para o leste. Saíram entre outros: Josek e Leon Zajączkowski, Cham
Wajsbrot, Alicja e Henryk Strumw, Malina Kaminer, Icek, Mojżesz e Szarlota Kahanow, Sara
Zylbersztajn, Jurek e Pola Pelcow, Icek Obarzański.6
Alicja Birnhak lembra: „Chegaram rumores a Lwów que em Kielce não está tão ruim. A
mamãe e a titia viviam também de utopias, de que os alemães eram cavalheiros, então as mulheres e
as crianças estão totalmente a salvo entre eles... a mamãe e a titia resolveram voltar para Kielce,
para os seus maridos (...) Decidiu voltar, mas reconheceu que Jurek deveria ficar em Lwów, porque
como um homem jovem estava exposto a várias perseguições, por exemplo, trabalhos forçados.”7
Em outubro, muitas famílias voltaram de Lwów para Kielce. Depois, voltar era cada vez mais
difícil. Aqueles que conseguiram voltar --- não sobreviveram.
Imediatamente após a ocupação alemã de Kielce, começou uma onda de repressão contra a
população polonesa e contra os judeus. Já em outubro de 1939, foi introduzido o trabalho forçado para
a população judaica com idade entre 14 e 60 anos e foi proibido o ritual do abate. A partir de 1 de
dezembro, todos os judeus foram forçados a usar uma braçadeira com a estrela de Davi. A partir de 1 de
janeiro de 1940 os judeus foram proibidos de deixar o lugar de
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sua moradia. Em Kielce, a partir de 9 de setembro de 1940, foi proibido aos judeus, sob pena de multa
ou prisão, entrar na praça principal cujo nome era Praça Adolf Hitler. Já em setembro de 1939, os
judeus foram mandados embora dos apartamentos melhores, não podiam ter dinheiro em espécie, seus
bens foram confiscados, e o comércio de gêneros alimentícios foi limitado.
As cartas de Hanka Goldszajd para a família confirmam tudo o que sabemos sobre o sofrimento
e a aniquilação de judeus de Kielce. Mesmo quando escreve, não diretamente, quando esconde entre as
linhas a verdade sobre a difícil sorte, lembrando-se da censura.
Em 31 de Agosto de 1940: „(…) nós já estamos morando em um terceiro lugar. Agora moramos
na rua Staszycka 12 na casa dos Szpir como sublocatários (...) por enquanto não vamos dar o endereço
fixo de casa’’ --- escreve Hanka. Isto quer dizer que a família foi mandada embora das moradias
anteriores e ainda não sabe onde vai ficar.
Em 14 de setembro de 1940:’’O papai ganha pouco, embora os dois ônibus estejam em Kielce,
mas nós não ganhamos com isso’’ --- quer dizer que os ônibus foram confiscados, e a família sem fontes
de renda.
Em 25 de outubro de 1940: „Hoje é festa de Sucot. Ao menos vocês sabem que temos feriado.
Vocês têm descanso? O papai na verdade está trabalhando hoje.’’ Quer dizer que o pai precisou ir
trabalhar, embora neste tipo de feriado nenhum judeu trabalha.
Em 7 de dezembro de 1940: „Caso não recebam nossas cartas a cada semana, não se preocupem,
porque não sabemos se vamos poder escrever com tanta frequência’’. Isto quer dizer começaram a
limitar a correspondência dos judeus.
Nas cartas vê-se a preocupação com a família. Como vocês vivem? Trabalham em suas
profissões? Têm onde dormir? O que comer? Escrevam para a família em Vilnius e na América. Talvez
eles possam ajudá-los, vão mandar um pacote? Fala-se muito pouco sobre a situação em Kielce, para não
preocupar os filhos na distante Sibéria.
Em 21 de dezembro de 1940, Jakub Goldszajd escreve: „Queridos filhos, mando um terno
para Abe e para Herszek também um terno preto, mando somente minhas calças claras, porque não
podemos encontrar essas calças (...)” Isto quer dizer que não era fácil encontrar um terno em Kielce.
Para os judeus e poloneses na cidade ocupada de Kielce era cada vez mais difícil viver. Os alemães
limitavam e dificultavam a possibilidade de comprar alimentos. Era cada vez mais difícil sustentar a
família – o fundamento judeu da vida.
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No início de 1941, as cartas de Hanka tornam-se cada vez mais tristes. Escreve que está frio, que
dentro de casa está frio, que já precisaram vender a mobília:’’ (...) querendo ou não vou apresentar a
vocês, com mais detalhes, este buraco, porque não se pode chamar de casa. É um sótão, uma cozinha
pequena e um quartinho, baixo, o sol não chega, e o pior que é muito frio, aquecemos e aquecemos, e
nada. Graças a Deus está chegando o verão. Nunca esperei o verão com tanta saudade como hoje.
Saímos à tarde com frequência. A mamãe vai para a casa das vizinhas, o pai, como sempre, está no
Cukier ou na casa de seus outros bons irmãos, Chaim está na oficina e eu sempre nas minas colegas,
uma vez que em casa não fica ninguém porque não é agradável, nem quente. Além disso, neste
apartamento temos apenas duas camas, porque o restante dos móveis foram quase todos vendidos,
exceto a mobília de cozinha que também temos neste apartamento.’’
Nas cartas surge um tom de esperança, quando a família que mora em Vilvius pode ajudar, ao
menos um pouco. Os sapatos e a gordura mandados para a Sibéria mostram, pois, uma vida mais fácil
para Sura, Herszel e Abe, que trabalham pesado na mina.
Em Kielce está muito difícil. A mãe de Hanka tem dois gansos e rasga as penas e as reúne para
fazer uma almofada para a filha. Hanka começa a escrever sobre sua situação e a situação de outras
pessoas jovens: ’’(...) brincamos, só que com certa tristeza (...) Reunimo-nos na casa de uma de nós,
porque não temos onde passear. Não pensem novamente que sou santinha ou freira, fico também com
os colegas e até nos reunimos na nossa casa, e o papai e mamãe permitem isso, porque novamente
assinalo, não temos onde passear’’. Mesmo assim, a família de Kielce sempre manda pacotes com roupa
para a Sibéria e espera com saudades pelos cartões, que vem raramente de lá. Os filhos na Sibéria
também ajudam os pais e irmãos, e mandam comida para eles, embora lá também fosse difícil conseguila. Quando, em março de 1941, vem um pacote com alimentos para Kielce „(...) que tinha 2 quilos
de farinha, 2 quilos de semolina, 2 quilos de aveia, 1 quilo de sementes hercules e 4 quilos de
sabão” os Goldszajd escrevem: “agradecemos mil vezes pelo pacote, embora peçamos que não
mandem outro pacote para nós. Ainda temos comida e acreditem que será muito melhor se
comerem aquilo o que querem nos mandar”. Pedem apenas um pouco de chá “Se é barato”, porque
em Kielce não tem chá para os judeus de jeito nenhum.
Em 31 de março de 1941, surgiu o “Regulamento sobre a criação de um bairro judeu no
terreno da cidade de Kielce”. O assim chamado gueto
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- uma área demarcada na qual os judeus podiam morar. A publicidade de Hitler apoiava esta
necessidade, para proteger o povo ‘ariano’ da epidemia de doenças contagiosas, que supostamente os
judeus disseminavam.
O gueto em Kielce, um dos 400 em terras polonesas, foi criado em 1 de abril de 1941. Ocupava
um terreno do assim chamado grande gueto --- limitado pelas ruas Orla, Piotrkowska, Starozagnańska,
Pocieszka e Radomska, bem como do pequeno gueto --- entre parte da rua Bodzentyńska e a praça de S.
Wojciech, ligados por uma passarela construída ao lado da sinagoga. Os poloneses foram mandados
embora do bairro circundado parcialmente com um muro e com uma cerca de arame farpado, e para lá
foram levados os judeus de toda a cidade. A cada dezena de metros havia tabuletas: em polonês, alemão,
iídiche e hebraico: ‘‘Terreno fechado, entrada poibida’’.8 Em 500 casas, não muito grandes perto da
rua Nowy Świat, das quais algumas ainda estão em pé, deveriam morar umas 25 a 27 mil pessoas,
porque além dos moradores de Kielce vieram os judeus de Cracóvia, Łódź, Poznań e mesmo 1000
judeus de Viena.
Havia superpopulação e fome. O Conselho Judeu --- Judenrat --- tentou organizar a vida. Foram
criados; um hospital, correio, orfanato e asilo. Existia até um serviço judeu de ordem social. Os judeus
precisavam trabalhar em pedreiras, manufaturas de madeira e metal, em mecânicas e em desembarque
de mercadorias. Funcionavam cozinhas baratas. As práticas religiosas eram proibidas.
Em 24 de abril, os Goldszajd já moram no bairro fechado. Escrevem para os filhos para a Sibéria
‘‘(...) Nós não pudemos escrever, estejam certos, que não por nossa culpa’’.
Pela primeira vez aparece um pedido de alimentos ‘‘(...) Temos um pedido para vocês, se
puderem mandem-nos pacotes com alimentos. Até agora pudemos passar sem eles, mas agora nos
ajudariam. Mandem-nos um pouco de sabão. Na verdade precisamos de tudo e o que mandarem será
bom. Não se preocupem com essa nossa mudança. Ainda ficará bem.” Esta foi a última carta do
gueto de Kielce.
Jakub Goldszajd ainda escreve um cartão para a irmã no Brasil. Pede ajuda para os filhos na
Sibéria. A família se corresponde, se ajuda quando pode. Sura (Sala) manda um cartão para a
Palestina, na qual agradece ao tio Chaskiel o pacote.
O gueto de Kielce transformou-se em um terreno de assassinatos. As pessoas eram
deportadas para os campos de concentração e campos de trabalhos forçados. Em 1942 os alePágina 94
mães prepararam-se para a liquidação dos guetos. No verão começou a ação chamada „Reinhard’’.
Em 19 de agosto de 1942, chegou na estação de Kielce um trem com 50 vagões de carga.
Em 20 de agosto, às 4 horas da manhã as pessoas começaram a ser banidas das casas. Os velhos,
as crianças, as pessoas com necessidades especiais e os doentes eram mortos no local, e os corpos eram
enterrados em valas à beira do rio Silnica.
De Kielce saíram três trens para Treblinka.
No sábado, 22 de agosto, foram assassinadas à beira do rio Silnica as crianças do orfanato judeu.
Foram levadas pela cuidadora Gucia. As crianças foram mortas a tiros, também no portão da padaria,
perto da rua Okrzei, e no quintal na casa que ficava na frente da igreja Santa Cruz.
Em 24 de agosto, os hitleristas mataram todos os moradores do asilo, também mandaram
envenenar todos os pacientes no hospital judeu. Os corpos foram enterrados em valas, à beira do rio
Silnica.
Todos os judeus de Kielce foram assassinados em Treblinka.
Do gueto restaram vivas cerca de 2000 pessoas, entre estas 250 mulheres e 50 crianças, alocadas
no campo Jasna-Stolarska.
O gueto de Kielce deixou de existir.
Alguns poucos judeus de Kielce sobreviveram ao extermínio --- estes, que trabalhavam nos
campos de trabalhos forçados, e depois conduzidos de um campo a outro acabaram libertados. As
crianças judias do campo foram assassinadas em 23 de maio de 1943.
***
Em uma das fotografias de casamento preservadas estão os autores das cartas: Hanka
Goldszajd com os pais Jakub i Rywka, bem como o irmão Chaim, Abe Goldszajd e Herszel Kotlicki
com a esposa Sura. Esta é a última fotografia de todos juntos.
Não sabemos ao certo, quando pereceram Hanka, Chaim, Jakub e Rywka Goldszajd. Restaram
apenas as cartas e as fotografias. Graças a estas cartas e fotografias Hanka, Chaim, Jakub e Rywka
Goldszajd não são, hoje, as vítimas sem nome da matança.
MAREK MACIĄGOWSKI
Página 95
Referências
1. K. Urbański. Zagłada ludności żydowskiej Kielc 1939-1945. Kielce 1994, s. 10.
2. I did not survive. Letters from the Kielce ghetto. Translated edited by Gerda Hoffer. Gefen publishing
Jerusalem, California 1981.
3. K. Urbański. Kieleccy Żydzi. Kielce-Kraków 1993.
4. K. Urbański. Zagłada ludności żydowskiej Kielc 1939-1945. Kielce 1994, s. 13.
5. A. Birnhak. Koniec pięknej epoki, „Przemiany’’ nr 11/1997, s. 31.
6. K. Urbański. Zagłada ludności żydowskiej Kielc 1939-1945. Kielce 1994, s. 37.
7. A Birnhak. Getto. Przemiany nr 12/1987, s. 33.
8. K. Urbański. Zagłada ludności żydowskiej Kielc 1939-1945. Kielce 1994.
Notas de rodapé
1. K. Urbański, Extermination of Kielce Jewish Population, 1939-1945, Kielce 1994, p. 10.
2. I did not survive, letters from the Kielce Ghetto, translated and edited by Gerda Hoffer, Gefen
Publishing Jerusalem, California 1981.
3. K. Urbański, Kieleccy Żydzi, Kielce-Kraków 1993.
4. K. Urbański, Extermination... ibid., p.13.
5. A. Birnhak, The end of a beautiful epoch, ‘‘Przemiany’’ No 11/1987, p. 31.
6. K. Urbański ibid., p. 37.
7. A. Birnhak, Ghetto, ‘‘Przemiany’’ No 12/1987, p. 33.
8. K. Urbański, ibid.
Legenda de foto de família
Família Goldszajd com Herszel Kotlicki, próximo do ano 1937. Da esquerda embaixo: Chaim, Abe,
Herszel Kotlicki, Sala, mamãe Ryfka, tia Ryfcia, vovó Laja, pessoa desconhecida; acima, primeira
da direita – Hancia. Uma das meninas atrás, talvez Hanka de Vilnius, filha da tia Ryfcia - ver carta
de 06.02.1941 e 02.03.1941
Página 96
OS HERÓIS DESTAS CARTAS
FAMÍLIA GOLDSZAJD
Após a I Guerra Mundial os avós BEREK GOLDSZAJD (Berl) e sua mulher ŁAJA, sobrenome de
solteira GOLDMAN (nas cartas chamada vovó) junto com cinco de seus filhos mudaram da aldeia
próxima Łopuszno para Kielce. Berek morreu em Kielce antes da II Guerra Mundial. Łaja Goldszajd foi
assassinada em Treblinka.
Filhos de Berek e Łaja:
JAKUB - o filho mais velho, nascido em 1887 em Chęciny, nas cartas chamado papai ou pai. Era
cabeça da família. Casado com Rywka, sobrenome de solteira Wikińska, nas cartas chamada mamãe.
Tinham cinco filhos.
REBEKA --- nascida, em 1890, em Łopuszno. Casada com Machtyngier, morava em Vilnius. Nas
cartas chamada titia Ryfcia. Toda a família dela foi assassinada.
SALOMON --- nascido, em 1893, nas cartas chamado Szlomo. Antes da guerra emigrou para o
Brasil, onde morreu.
IZRAEL - nascido em 1896. Provavelmente morreu antes da guerra.
LIBA GITLA --- nascida em 1901, nas cartas chamada titia Genia ou Geni. Emigrou antes da
guerra para o Brasil, depois do seu irmão Salomon. Morou e morreu no Rio de Janeiro.
MOSZE --- filho mais novo, nas cartas chamado Moszek. Casou-se antes da guerra e morou com
a esposa, junto com a mãe Łaja. Junto com a esposa, morreu em Treblinka.
FAMILIA DE JAKUB GOLDSZAJD
JAKUB GOLDSZAJD casou-se com Rywka, sobrenome de solteira Wikińska, originária de
Łopuszno.
Ambos morreram em Treblinka. Seus cinco filhos eram:
ABE --- filho mais velho nascido em Łódź, em 1911, nas cartas chamado Abe. Salvo na Rússia.
Sobreviveu ao extermínio em Kielce, em 1946. Emigrou para Israel, em 1949, onde morreu em 1991.
Página 97
SARA --- nascida em Łopuszno, em 1916, nas cartas chamada Sala ou Salu ou Salcia. Casou-se
com Herszel Kotlicki, nas cartas chamado Herszek. Sobreviveu à guerra na Rússia. Emigrou para Israel,
em 1950, onde morreu em 2000.
CHAIM --- nascido em Łopuszno, próximo de 1918, nas cartas chamado Chaim. Assassinado em
Treblinka.
CHASKEL --- nascido em Łopuszno, em 1920, nas cartas chamado Chaskel. Em 1938, mudou-se
para a Palestina. Durante a guerra morou em Tel Aviv. Morreu em 1996. Chaskel foi para a Palestina
aos 18 anos, para estudar agricultura na Ben Shemen, próximo de Jerusalém. A família de Kielce,
durante a guerra, perdeu o contato com ele e não podia escrever da Polônia. Os pais tinham esperanças
que Sala pudesse escrever da Rússia para a Palestina para o tio de Herszel, Dawid Kotlicki, que morava
em Tel Aviv, e talvez soubesse sobre Chaskel e respondesse.
HANKA (HANA) --- filha mais moça e autora da maioria das cartas da família. Nasceu em Kielce,
em 1922. Nas cartas assinava Chancia. Assassinada em Treblinka.
FAMILIA KOTLICKI
HERSZEL (HERSZEK) KOTLICKI era bisneto de Abraham Kotlicki de Łopuszno e filho de
Mosze Kotlicki, morador de Kielce. Nasceu em Kielce, em 1911. As famílias Kotlicki e Goldszajd eram
parentes antes do casamento de Sara e Herszel. Alguns tios de Herszel e um irmão são mencionados nas
cartas:
DAWID KOTLICKI --- filho de Abraham Kotlicki, tio de Herszel, nas cartas chamado Dawid.
Emigrou para a Palestina antes da guerra e morava em Tel Aviv. Morreu em 1950.
EMANUEL KOTLICKI --- filho de Abraham e tio de Herszel, nas cartas chamado tio Minyl ou
Minyl Kotlicki. Emigrou para a Palestina antes da guerra. Morava em Tel Aviv, morreu em 1968.
MORDECHAJ (MAX) KOTLICKI --- filho de Abraham, tio de Herszel, nas cartas chamado M.
Kotlicki. Antes da guerra emigrou para os Estados Unidos, morava em Chicago.
IZRAEL KOTLICKI --- irmão mais velho de Herszel, nas cartas chamado Srulki ou Srulek. Ele, sua
esposa, sobrenome de solteira Heimowicz, e duas crianças, Ester (nas cartas chamada Enia) e Nisel,
foram assassinados em Treblinka.
Página 98
OS SRS. DZIEDZIC E KONSTANCIAK
Moradores de Kielce e, antes da guerra, sócios de Jakub Goldszajd na direção da firma de
ônibus.
Legenda da foto:
Sócios da firma de transportes e seus familiares – fotografia dos anos 1936-1938.
Primeiro da esquerda Jakub Goldszajd; da direita: Konstanciak e Chaim Godlszajd.
Página 99
A HISTÓRIA DOS WELTMAN
HILEL WELTMAN --- primo de Sara e Herszel, nas cartas chamado Hilel ou sr. Weltman.
MIRIAM WELTMAN --- esposa de Hilel nas cartas chamada Marjim ou sra. Weltman.
Logo após a chegada de Sala e Herszek em Kopejsk, encontraram lá um conhecido de Kielce,
que lhes disse que sua prima Marjim Weltman estava hospitalizada em mau estado. Estava sozinha e
ninguém a conhecia. Sala foi ao hospital, e encontrou Marjim com os dedos congelados e as juntas
ósseas arruinadas. Ela contou para Sala que tinha se perdido do marido Hilel após conseguirem
atravessar a fronteira russa. Os russos pegaram Hilel e mandaram-no de volta para a Polônia. Marjim
estava em péssimas condições física e psíquicas, sem ninguém para ajudá-la e sem chances de sobreviver
ao frio e às condições duras no acampamento. Sala decidiu levar Marjim para o barraco ao lado da mina
de carvão. Cuidou dela, tratou dos dedos congelados, alimentava-a e cuidava para que o quarto estivesse
quente. Como não havia de onde pegar madeira para fazer uma cama, Herszel após voltar da mina tinha
que dormir no chão. Um problema também era conseguir alimentos.
Hilel Weltman retornou para Kielce onde trabalhava. A cada mês dava dinheiro para Jacob
Goldszajd. Jakub comprava roupas e mercadorias, e enviava-as para Kopejsk, diretamente para Sala e
Herszel, ou por meio de sua tia Ryfcia de Vilnius. Sala vendia as roupas e comprava comida para
Marjim. Marjim ficou a guerra toda com Sala e Herszel.
Hilel Weltman sobreviveu ao gueto de Kielce e os campos alemães de trabalhos forçados.
Foi deportado para Auschwitz. Sobreviveu ao campo da morte e às marchas assassinas para os
campos na Alemanha. Lá foi libertado pelos americanos. Marjim sobreviveu à guerra na Rússia
graças a Sala e Herszel. Após a guerra reencontrou o marido e foram para os Estados Unidos. Nos
anos 60, após se aposentar, emigraram para Israel onde morreram. Não tiveram filhos.
Página 100
A história de meus pais antes da guerra
e durante a guerra
Alguns anos antes de morrer, Sara Kotlicki - minha mãe, contou a história da vida de meus
pais para meu filho mais novo, Uri, que estava preparando materiais para um projeto escolar. As
informações deste documento são as mais fidedignas. Outras baseadas em lembranças. A história
contada por minha mãe foi guardada por Uri. Aproveitei-a para contar uma nova história –
complementada com fatos novos e informações de lembranças que ouvi durante anos.
A FAMÍLIA E A INFÂNCIA DE MINHA MÃE
Meu avô Jakub Goldszajd, filho de um bem formado ‘‘mełamed’’ (professor de escola religiosa
judaica elementar) de Berek (Berel) Goldszajd, era um estudante talentoso do Yeshivá (Jessibá). Casouse com minha avó Rywka, sobrenome de solteira Wikiński. Ambos eram originários de Łopuszno, uma
aldeia não muito grande perto de Kielce. É interessante que, embora estudante de Yeshivá casou-se sem
ajuda do casamenteiro judeu, apesar da avó, que descendia de uma família um tanto pobre. Era algo
incomum naqueles tempos.
Seus pais, Berek Goldszajd e sua esposa Łaja, sobrenome de solteira Goldman, moravam em
Łopuszno, mas antes da I Guerra Mundial mudaram-se com a família para Łódź. Tiveram seis filhos e
Jakub era o filho mais velho.
O jovem casal, Jakub e Rywka, também morava em Łódź. Aqui, em 1911, veio ao mundo seu
filho mais velho, Abe. Quando estourou a I Guerra Mundial, toda a família Goldszajd voltou para
Łopuszno, pensando que ali seria mais seguro. No entanto, a guerra foi atrás deles. A linha de frente
passou perto de Łopuszno, e como resultado
Glossário:
mełamed = professor da escola judaica elementar ‘‘cheder’’
cheder = escola judaica elementar tradicional para meninos onde se ensinava o judaísmo e hebraico
Legenda da fotografia de homem (no livro à esquerda):
Jakub (jacob) Goldszajd
Legenda da fotografia de mulher (no livro à direita):
Rywka Goldszajd
Página 101
uma parte considerável desta aldeia, habitada em sua grande maioria por judeus foi arruinada e
queimada.
Em 1916, durante a guerra, nasceu minha mãe Sara (Sala). Era a segunda criança de Jakub.
Após dois anos nasceu Chaim. Quando a guerra acabou, a família Goldszajd mudou-se para Kielce.
Todos passaram a morar na casa localizada na praça Leonard 3. Aqui, em 1920, nasceu Chaskel, a
quarta criança de Jakub e Rywka, e dois anos depois, em 1922, nasceu Hanka.
Os primeiros tempos de vida da família não foram fáceis sob todos os pontos de vista, sobretudo
o material. No entanto, sendo descendente de uma família de investidores, nos anos 20, o avô decidiu
montar uma firma de transportes que servia a linha Kielce-Łódź. Para superar as dificuldades, o avô
tornou-se sócio de dois poloneses --- srs. Dziedzic e Konstanciak, que eram não só bons parceiros no
negócio, mas tornaram-se bons amigos da família e eram visitantes constantes nos jantares de ‘‘shabat’’
na casa de meu avô. No ápice do desenvolvimento, a firma deles possuía dez ônibus, que, exceto dois,
eram registrados em nome dos srs. Dziedzic e Konstanciak.
A situação financeira permitiu que minha mãe, Sara, pudesse frequentar a melhor escola de
Kielce. A escola estava localizada perto de casa, na praça Leonard, e que existe até hoje (hoje chamada
Escola Básica no 2, localizada na rua Tadeusz Kościuszko). Mamãe lembrou que era uma escola
moderna; no edifício havia chuveiros e um piso elegante de madeira. Além das matérias gerais eram
dadas aulas de costura, trabalhos manuais e de culinária.
Minha mãe gostava muito de sua escola. Especificamente recordava o catequista da escola, que
era muito inteligente, reticente e tinha um grande respeito pelos judeus. Gostava muito de minha
mãe e permitia que ela assistisse às aulas de religião. A mamãe lembrou que uma vez estava
discutindo com as meninas polonesas que a estavam amolando porque era judia. Durante a
discussão gritou: “Detesto Jesus”, o que causou nelas uma raiva ainda maior. O padre inteligente,
não perdeu a sua calma. Reuniu todas as meninas e disse a elas bem alto e bom tom: “Mas, ela ama
Deus”.
Glossáro:
shabat = nome dado ao dia de descanso semanal no judaísmo, e que simboliza o sétimo dia em Gênesis,
após os seis dias de Criação
Página 102
Legenda da fotografia de duas mulheres (no livro à esquerda):
Sara Goldszajd (Kotlicka) e vovó Łaja Goldszajd
Legenda da fotografia de homem com casaco pendurado em seu braço direito (no livro à
direita):
Chaim Goldszajd (1938)
(Quando, em 1996, eu estive em Kielce com minha mãe, um dos lugares que ela quis visitar foi,
justamente, a escola. Infelizmente, era verão e a escola estava fechada. Durante algum tempo a mamãe andou
em volta da escola, e, parada na frente do edifício, contou-me a história do seu tempo escolar. Sem dúvida, foi
feliz quando era aluna).
Minha vovó Rywka tinha saúde frágil e sofria de enxaqueca. Minha mãe, como filha mais velha,
embora ainda fosse muito jovem, ajudava bastante na cozinha e na casa. Isto a ajudou muito após o
casamento com meu pai, sobretudo na época da guerra e nos primeiros anos após a chegada a Israel,
quando era difícil conseguir alimentos.
Meu bisavô Berek era muito culto. Era militar do exército russo, no qual era tradutor. Conhecia
bem o russo, polonês e iídiche. Era ‘‘mełamed’’ e dirigia seu ‘‘cheder’’ em Łopuszno, onde ensinava a
Torá e o idioma russo porque isso era obrigatório durante a ocupação russa. O seu apelido judeu era
Berl Lejre, ou Berek Professor. Era muito religioso, mas ao mesmo tempo muito pragmático. A mamãe
lembrava que sempre no sábado à noite chamava o tio Chaskel e pedia a ele que contasse um fragmento
da Torá para a semana; se o tio conhecesse bem este fragmento, Berek dava-lhe dinheiro para ir ao
cinema.
Berek era conhecido porque sabia escrever com caligrafia muito bonita. Aproveitava suas
habilidades, escrevendo documentos para o Tribunal de Kielce. Tinha uma escrivaninha pequena,
sentava-se na frente da porta de entrada do Tribunal e escrevia e traduzia documentos russos e poloneses
para aqueles que não sabiam escrever. Era uma pessoa conhecida e respeitada em Kielce. Infelizmente,
não sei quando morreu, suponho que viveu até o início dos anos 30.
Meu avô Jakub ocupava-se com a gerencia da firma de ônibus. O tio Abe era alfaiate, mas
preferiu ajudar o pai a diPágina 103
rigir os ônibus. O tio Chaim aprendeu o ofício de cabeleireiro e abriu o seu próprio estabelecimento
perto do mercado. O tio Chaskel era aluno e sionista. Seu sonho era estudar agricultura na aldeia da
juventude Ben Shemen na Palestina. Em janeiro de 1938, seu sonho se realizou --- o vovô concordou
com sua ida para a Palestina. Aos 17 anos deixou a casa da família e isso salvou sua vida.
(Durante a guerra a família em Kielce perdeu o contato com Chaskel e não podia escrever
para ele da Polônia. Os pais tinham esperança que Sala pudesse escrever da Rússia para a
Palestina para o tio Dawid Kotlicki, que talvez soubesse sobre Chaskel e informaddr a família em
Kielce. A esposa de Chaskel, Ester, contava que durante a guerra ele mandava pacotes com roupas
para a Rússia para ajudar o irmão e a irmã na Sibéria. A única correspondência que chegou até
ele, de Kielce, era um telegrama do pai Jakub, logo no início da guerra, com as palavras “Fiquei
com duas camisas”. Foram as últimas palavras que chegaram até Chaskel de Kielce.)
A família de Jakub mudou-se nos anos 20 para o apartamento na rua Leonard 22, e, em 1938,
para um apartamento novo na rua Foch 26, na esquina da rua Kolejowa. Era um edifício moderno de
três andares com água corrente, aquecimento central e todas as comodidades. Os Goldszajd moravam
no segundo andar. A mãe deles, Łaja, ficou no apartamento na rua Leonard 3.
A FAMÍLIA E A INFÂNCIA DE MEU PAI
Meu pai Herszel (Zvi) Kotlicki e minha mãe não eram estranhos entre si: eram primos de
segundo grau. A avó de meu pai, Hana Kotlicki, sobrenome de solteira Weltman, e a avó de minha
mãe, Rachel Wikinski, sobrenome de solteira Weltman, eram irmãs.
O papai era muito bonito, mas descendia de família muito pobre. Nasceu em 1911. Seus pais
eram Moszek (Moshe) Kotlicki e Chaja, sobrenome de solteira Garfinkel. O avô Moszek Kotlicki era
filho de Abraham (Abu) e Chany, sobrenome de solteira Weltman, originários de Łopuszno. Abraham e
Chana tinham 10 filhos. Abraham tinha uma loja não muito grande e produzia óleo. A família vivia
pobremente e vários filhos viajaram para o exterior para procurar uma sorte melhor.
O avô Moszek era hidráulico. Especializou-se em cobertura de telhados e conserto de
panelas de metal. Morava na rua Mała n0 17, e no quintal tinha sua oficina. Morreu, em 1920,
quando meu pai tinha somente oito anos. Chaja ficou
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Legenda da foto de família:
Família Goldszajd, 1938
com quarto filhos: Josef, Izrael, Herszel e Hana que tinha apenas dois anos. Era uma mulher muito
bonita e psiquicamente muito forte. Decidiu dirigir a oficina e rapidamente tornou-se especialista na
produção e conserto de panelas. Em pouco tempo todos em Kielce a conheciam. Era chamada Chaja
Funileira. A família era muito pobre, mas o filho Josef estudava na escola superior. Depois emigrou para
Paris, onde passou o resto de sua vida e onde morreu, em 1997, com 92 anos.
Meu pai não era um bom aluno. Dizia que não entendia porque o cérebro dele não assimilava as
letras. Interrompeu os estudos. Quando tinha 13 anos, seu tio Josef Goldszajder, cunhado da mãe,
passou a tomar conta dele. Josef era conhecido em Kielce como mestre da pintura, fazia os trabalhos de
maior prestígio. Era bastante culto e militante ativo da sociedade dos artesãos. Sua filha Dorotta (Dora)
Goldszajder era uma pessoa muito conhecida.
(A Dra Dorota (Dora) Goldszajder nasceu em Kielce, em 1913. Como não podia estudar
medicina na Polônia, foi estudar em Praga. Em 1938, na França, arrecadava dinheiro, comprou
uma ambulância e foi da França para a Espanha ajudar feridos durante a guerra civil espanhola.
Durante a II Guerra Mundial entrou para o
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Legenda da fotografia de família (no livro à direita):
Tia Ryfcia de Vilnius com sua família - Machtinger. Uma das moças provavelmente é Hanka, que escreveu
as cartas de 6.2.41 e 2.3.41
movimento francês de resistência. Foi capturada pelos alemães e mandada para Auschwitz. Quando foi
revelado que era médica, trabalhou como tal no hospital do campo de concentração. Sua história tornou-se
conhecida após a guerra, ao depor como testemunha no caso da difamação do médico polonês doutor
Władysław Dering pelo escritor Leon Uris (autor do livro ‘‘Exodus’’). Em Auschwitz, Dora Goldszajder
recusou-se a participar das experiências médicas nazistas com judeus. Seu apelido era ‘‘Comunista’’. Sua
história está descrita no livro ‘‘Auschwitz em Londres’’ e, também, no filme ‘‘QB7’’).
O papai era feliz, pois tinha um professor como Josef Goldszajder. Josef era especializado em
pintura de quadros de avisos e títulos, e tinha métodos de ensino muito interessantes. Dizia ao papai:
‘‘Olhe para os letreiros sobre as lojas. Cada um fala algo sobre o que tem na loja: sapatos, roupas,
chapéus. Se você aprender a ler os letreiros, vai saber ler’’. E aconteceu assim. O papai aprendeu muito
rápido a ler os letreiros, depois os títulos dos jornais, e enfim a ler e escrever. Primeiro em polonês e,
depois, em iídiche. Durante a guerra e a fuga para a Rússia, também aprendeu a ler e escrever russo. Era
grato a Josef e com frequência contava-me sobre suas qualidades e trabalhos fantásticos realizados em
Kielce. Após alguns anos o papai começou a trabalhar com outro pintor, e se especializou em pintura de
casas. Logo, os clientes começaram a procurar o papai e ele tornou-se mestre em pintura pelo resto da
vida.
Independente dos reveses na escola o papai era muito talentoso. Tinha senso técnico. Além
disso, era paciente, determinado e era uma ‘‘mão de ouro’’. Quando jovem construiu sozinho um dos
primeiros receptores de rádio em Kielce. Quando estava descontente com a pintura de uma porta, sobre
a qual podia se ver gotas escorridas, teve a ideia de pintar as portas deitadas. Eram tão lisas que era
possível se ver em sua superfície. Sabia como ninguém misturar cores de acordo com o desejo do cliente.
Quando chegou a Israel e era difícil conseguir tintas, ele as produzia sozinho, assim como os pincéis e
rolos. Nada o atrapalhava no trabalho.
Papai não era só mestre em pintura. Tinha mil habilidades. Era marceneiro, hidráulico,
funileiro, vidraceiro, construtor, eletricista, relojoeiro, fotógrafo. Consertava máquinas, componentes
elétricos, rádios e relógios. Não havia nenhum instrumento ou dispositivo que não fosse capaz de
consertar. Quando não havia peças sobressalentes,
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produzia-as sozinho. Não só consertava, mas construía sozinho: máquinas, ferramentas, móveis.
Construiu meu primeiro ampliador de fotos e fez minha primeira bicicleta. Nossa casa era equipada
como uma oficina. Muitos anos mais tarde, quando participei da publicação de um jornal perguntaramme: „Onde o senhor e seu irmão aprenderam a projetar e manufaturar artigos com tanto sucesso?’’ Está
claro que devo tudo ao meu pai. Nossa casa, todo o tempo, era um laboratório de investigação
científica. Todos os dias víamos como projetar, fazer e melhorar vários dispositivos. Tínhamos isso nos
genes. Devemos isso ao papai, que não se formou em nenhuma escola. E não era só quanto ao trabalho.
Papai era um atleta musculoso e bem constituído. Sua paixão era o ciclismo e as bicicletas. Ele era
membro da Sociedade de Ciclistas de Kielce como único ciclista - judeu.
Marek Maciągowski, jornalista de Kielce e estudioso da história e cultura judaica, escreveu no
livro "Shtetl Łopuszno- a memória sobreviveu”:
"Da fotografia colada no documento de identidade da Associação dos Ciclistas em Kielce,
nº 61, emitida em 1935, nos olha um homem bonito de 24 anos de idade. Olhar confiante, cabelo
ondulado, penteado para cima. Assinatura - Herszek Kotlicki, nascido em Kielce, em março de
1911. Ciclista – amador, atleta, que em camisa verde-amaranto viaja com frequência pelas trilhas
da região Świętokrzyskie. Os colegas o chamam Henryk e este mesmo nome está escrito na
identidade da Federação Polonesa das Associações de Ciclismo, que autoriza
Embaixo --- fotografia de documento sem legenda
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começar as corridas amadoras mais importantes. A bicicleta era sua paixão, à qual permaneceria fiel para
o resto de sua vida. Depois de anos, as pessoas em Tel Aviv lembravam bem da silhueta de um velho
cavalheiro andando sobre a bicicleta."
O CASAMENTO
Minha mãe contou para Uri que quando começou a sair com papai, ele a ensinou a andar de
bicicleta (claro, foi a primeira coisa, que a ensinou). A mãe dela a aborrecia e dizia: ‘‘isto vai te dar um
diploma?’’ O fato de que o papai era o único judeu na Associação dos Ciclistas e participava em
competições de ciclismo não era muito apreciado pelos meus avós.
A mãe do papai era contrária ao casamento. Disse que o casamento entre um órfão pobre e a
filha de um rico proprietário de uma firma de transportes não tinha chances acabar bem. Não queria
minha mãe como nora, brigava com papai e recusou-se a participar da festa de casamento dos dois.
Em 26 de agosto de 1938, meus pais se casaram. O casamento foi na casa situada na praça
Leonard 3. Naquele tempo a situação na Polônia não era das melhores. Hitler estava juntando forças e
assustava os poloneses e os judeus. A situação econômica era ruim e muitos poloneses e judeus
decidiram emigrar, principalmente para os Estados Unidos e América do Sul. Meu pai, que era muito
prático e pensava racionalmente, discernia o perigo e decidiu procurar um futuro melhor na Bolívia. Ele
decidiu que, tão logo conseguisse trabalho e um apartamento, iria mandar um bilhete para que a mamãe
o encontrasse.
Em 28 de dezembro de 1938, recebeu o passaporte polonês n0 178972. Graças ao caráter de
meu pai, este passaporte e outros documentos importantes foram salvos e provam a viagem que fez para
a América do Sul. Em 18 de janeiro de 1939, saiu da Polônia através da Alemanha. Embarcou no navio
e, em 23 de fevereiro de 1939, chegou a La Paz na Bolívia, com curta estada em La Rochel, no Chile.
Em La Paz encontrou trabalho como pintor. Aprendeu a língua, juntou dinheiro e estava pronto para
trazer a esposa. Naquele momento minha mãe ficou indecisa, quanto a encontrar o marido em um
lugar desconhecido ou ficar com a família na Polônia. Decidiu ficar e papai teve que voltar para a
Polônia. O passaporte mostra que, dia 17 de julho de 1939, o papai deixou a Bolívia passando pelo
Chile. O navio chegou à França em 11 de agosto de 1939. Em Paris passou
Legenda de fotografia de casamento:
Casamento de Sara Goldszajd e Herszel Kotlicki, 26 de agosto de 1938 em Kielce, praça Leonard
3, na casa da vovó Łaja.
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alguns dias com o irmão Josef, sua esposa bem como primos Herman e Dora Goldszajder (filhos de
Josef Goldszajder) e esposa e marido, respectivamente.
Em 26 de agosto, papai deixou a França e voltou de trem para a Polônia passando pela Bélgica e
Alemanha. Na fronteira da Polônia os alemães estavam prontos para atacar a Polônia. Em 28 de agosto
de 1939, papai chegou a Kielce. Três dias antes da eclosão da guerra. Como ficou evidente depois eram
dias críticos. Mamãe disse que se ele se atrasasse alguns dias, ela e Abe não sobreviveriam à guerra.
Legenda de fotografia com três homens (no livro à esquerda):
Herszel Kotlicki com amigos em Paris durante a viagem vindo da Bolívia – agosto de 1939
Legenda de fotografia de casamento (no livro à direita):
Casamento de Sara Goldszajd e Herszel Kotlicki (1938)
Estão em pé da esquerda: Abe Wikinski, Chaim Goldszajd, Desc. (desconhecido), Hanka
Goldszajd, Desc. (desconhecido), Abe Goldszajd; sentados da esquerda: Rywka Goldszajd, Sara
Goldszajd (Kotlicki), Hershel Kotlicki, Jakub Goldszajd.
A GUERRA
A guerra eclodiu em 1 de setembro. Kielce foi bombardeada, assim como as estradas em
toda a Polônia. Comboios de moradores da Polônia, fugindo dos alemães, deslocavam-se ao longo
das estradas. Papai começou a atormentar toda a família e insistir para que fugissem para a Rússia.
A família se dividiu. A bisavó Łaja recusou a ida. Disse que não fugiram
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Legenda da fotografia com um rapaz (no livro à esquerda):
Chaskel Goldszajd a caminho da Palestina para a escola em Bem Shemen – inverno de 1938.
para lugar algum durante a I Guerra Mundial e não tinha acontecido nada. Além disso, que era muito
velha e doente para viajar, e seria melhor morrer na própria cama. Minha avó Rywka não aceitou a
decisão dela. Neste tempo os ônibus do vovô foram requisitados pelo exército, mas a família ficou com
um ônibus. No final, todos, com exceção da bisavó Łaja, seu filho Moszek e sua esposa, decidiram sair.
A estrada estava muito difícil. Os alemães bombardeavam as estradas. Quando a família chegou
aos arredores de Lwów, os primos lhes deram abrigo em uma pequena aldeia. Todos ficaram
amontoados no chão em um quarto pequeno. As condições eram muito ruins e a vovó Rywka decidiu
que seria melhor voltar e ficar com a vovó Łaja. Meu pai recusava, estava preparado para continuar a
viagem. A vovó com seus dois filhos mais novos, Chaim e Hanka, voltou, e o vovô ficou com meu pai e
os dois filhos mais velhos - minha mãe e o tio Abe.
Antes que eles se separassem, o tio Chaim tirou o relógio e o deu a meu pai, pedindo que
ficasse com ele e devolvesse quando voltassem a se encontrar. Nunca mais se encontraram.
(Era um Tissot de boa qualidade, o melhor, que podia ser comprado na época. Meu pai
cuidou do relógio, durante a maior parte de sua vida. Por muitos anos, ainda lembrava daquele
relógio valioso. Era especialmente importante e valioso para minha
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mamãe, porque era a única coisa pessoal que restou de toda a família. Lembro-me do papai ao consertar
várias vezes o relógio, procurar peças de reposição, e, às vezes, produzir essas peças, que não podia encontrar.
Nunca desistiu deste relógio, até o dia, em que já era bastante velho para ser consertado. Quando, após a
morte de minha mãe, durante os dias de luto fiz arrumação nas coisas dela e nos documentos, entre as joias,
encontrei o relógio Tissot em uma pequena bolsa de nylon com um pedacinho de papel anexado, no qual a
mamãe escreveu em hebraico e em polonês ‘‘Chaim, meu irmão’’).
Após algum tempo, meu avô quis voltar. Disse à minha mãe: “O que fizemos? Deixamos a
mamãe e a vovó sozinhas”. Minha mãe não sabia
Legenda da fotografia de um casal:
Hanka de Vilvius com o noivo (1941). A fotografia está ligada às cartas de 6.2.41 e 2.3.41. Hanka
era provavelmente filha de tia Ryfka de Vilnius. Abaixo da fotografia o verso do cartão com texto
escrito não totalmente inidentificável Do lado esquerdo: “À querida prima ... minha imagem e de
meu marido Hanka ... Vilnius 2 de março ... Do lado direito: “Quando você lembrar ... olhe.
Hanka
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o que fazer e, finalmente, decidiu ficar na companhia do seu pai e voltar para Kielce --- para a sua mãe
doente e sua avó. O papai estava decidido a ficar e o tio Abe o acompanhou.
A mamãe e o vovô voltaram para Kielce. Após algum tempo, o papai e o tio Abe atravessaram,
ilegalmente, a fronteira com a Rússia e se fixaram em uma cidadezinha perto da fronteira. O tio Moszek
ia de Kielce para Lwów, arriscava-se e atravessava a fronteira, levando para eles coisas necessárias e
cartas. Meu pai escrevia cartas nas quais pedia para que minha mãe voltasse rapidamente, antes que
fossem levados com o tio para o interior da Rússia, para a Sibéria. Naquelas condições, eles poderiam
nunca mais se ver. (Os russos mandavam os refugiados da Polônia para além dos montes Urais para
trabalhar nas minas de carvão).
Os alemães estavam cercando a fronteira com a Rússia e as chances de escapar tornavam-se
mínimas. A mamãe, com frequência, tinha um grande dilema. Oscilava e não sabia o que decidir. Se
deixar os pais poderia nunca mais vê-los. Sob a pressão das cartas do papai e o choro da mamãe, a vovó
Rywka tomou uma decisão. Disse: ‘‘Querida filhinha, o lugar de uma esposa em tempos assim é ao lado
do marido’’. A mamãe atendeu e fez uma viagem arriscada e solitária, desta vez para Lwów.
O vovô Jakub pagou um contrabandista, que prometeu atravessar a mamãe pela fronteira. Os
pais prepararam-na para a estrada com um casaco de peles e com dinheiro escondido nos saltos dos
sapatos. Após algum tempo, o contrabandista atravessou a fronteira com a mamãe.
(Em 1996, quando estivemos com a mamãe em Kielce, visitamos a casa na rua Foch 26. A
mamãe reconheceu imediatamente o portão, que estava fechado. Descreveu-me com detalhes, como era
o quintal atrás do portão. Logo, um morador abriu o portão e entramos no quintal. Tudo era como ela
havia descrito. Nada mudou, exceto que tudo estava velho. A mamãe se dirigiu para o hall das escadas e
começou a subi-las. Eu ia atrás dela e olhava o que estava fazendo. No segundo andar parou, mostrou a
porta à direita e com lágrimas nos olhos disse: ‘‘Aqui, eu os vi pela última vez’’. Perguntei para ela se
desejava entrar no apartamento. Disse: „Não, não’’. Isto era demais para ela. Passaram-se 56 anos desde
que ela havia deixado aquele local. Após instantes, a mamãe começou a descer as escadas.)
VIAGEM PARA A SIBÉRIA
A mamãe tinha ido se encontrar com o marido e o irmão, mas um novo drama a esperava.
Quando chegou, ficou sabendo que ambos, de manhãzinha, haviam sido
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Legenda de foto de homem (no livro à esquerda da página)
Abe Goldszajd antes da viagem para Israel – 1948
Legenda de foto de homem (no livro à direita da página)
Chaskel Goldszajd – Tel Aviv aproxim. 1948
levados para a estação de trem, e de lá deveriam sair para o interior da Rússia. Ela correu para a estação,
mas foi parada por um guarda, dizendo que o trem já estava lotado e precisava esperar o seguinte. Ela
explicou que o marido e seu irmão estavam no trem e ela precisa ir com eles, mas o guarda ria e dizia:
‘‘Moça, não se preocupe, aqui tem tantos rapazes russos bonitos, que você não vai ficar sozinha’’. A
mamãe não se deixou abater e o persuadiu a deixá-la entrar. Em poucos minutos o trem ia partir. A
mamãe correu ao longo do trem, gritando o nome deles até que a ouviram. Quando se encontraram,
justamente neste momento, o trem deixava a estação.
A viagem de trem durou cinco semanas. O caminho para a Sibéria passava por Lwów,
Kijów, Charków até Chelyabinsk nos Urais. O trem parava de vez em quando, então podiam sair e
comprar alimentos e água. As condições dentro do trem eram horríveis. Precisavam cozinhar, lavarse e lavar a roupa no trem. Certo dia, quando o trem parou, Abe viu tomates numa barraca. Pulou,
mas antes que desse tempo de voltar, o trem começou a se mover, e ele ficou com os tomates. Para
meus pais isto foi um momento terrível. Poderiam nunca mais encontrá-lo, mas por sorte, pouco
tempo depois, veio o próximo trem que ia nesta mesma direção. Abe entrou e, após três dias, os
trens se encontraram em uma mesma estação e a família se reuniu de novo.
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NA MINA, EM KOPEJSK
Afinal, após cinco semanas de viagem, o trem parou em um campo fechado, em um lugar
chamado Kopejsk, próximo de Chelyabinsk, para onde os russos mandaram muitos fugitivos.
Kopejsk é hoje uma cidade nas montanhas, perto de Chelyabinsk, um grande centro industrial nos
Urais. Meus pais e o tio Abe foram enviados para um campo de trabalho na mina n0 20. No campo
moravam em um pequeno quarto de barro, assinalado como barraco 5, quarto n0 2. Cada pessoa no
campo precisava trabalhar. Durante dois anos o papai e o tio Abe trabalharam na parte baixa da mina,
ficando em pé o dia todo dentro de água gelada. Papai ficou com reumatismo, que o incomodou
durante toda a vida. A mamãe, é claro, precisava trabalhar também. Por sorte sabia costurar, o que
aprendeu na escola, então tinha um trabalho mais fácil. No entanto, a vida era muito pesada. Estava
terrivelmente frio, e todos congelavam e estava difícil conseguir alimentos, sobretudo porque era preciso
trabalhar o dia todo.
As condições dentro do barraco também eram terríveis. Após algum tempo mamãe, por milagre,
ficou livre da obrigação de trabalhar. Podia cuidar da aquisição de alimentos e cozinhar as refeições,
então o papai e o tio, após o trabalho, podiam comer algo quente naquele frio siberiano.
Pouco tempo depois da chegada em Kopejsk encontraram um amigo de Kielce, que lhes disse
que sua prima Marjim Weltman estava no hospital em más condições. Estava sozinha e ninguém a
conhecia. Mamãe foi até ela e viu, que Marjim tinha os dedos congelados e havia perdido alguns deles.
Marjim disse para a minha mãe, que se desencontrara do marido Hilel Weltman (primo da minha mãe)
quando ambos queriam atravessar a fronteira russa. Ela passou, mas os guardas pegaram seu marido e o
mandaram de volta para a Polônia.
Marjim estava em mau estado físico e psíquico. Não havia ninguém que pudesse ajudá-la e
não tinha nenhuma chance de sobrevivência no frio nas péssimas condições no campo de trabalho.
A mamãe decidiu levá-la para o barraco próximo da mina de carvão. Tomou conta dela, fazia
curativos em seus dedos congelados, dava comida, roupas e cuidava para que o quarto estivesse
sempre quente, porque Marjim sofria muito. Não foi possível obter uma cama para ela, nem
madeira para fazer uma cama, então ficou na cama do papai. Depois de retornar do trabalhando meu
pai dormia no chão frio.
(Hilel Weltman sobreviveu ao gueto de Kielce e aos campos alemães de trabalho. Foi
deportado para Auschwitz, sobreviveu a este campo e à marcha da morte para a Alemanha, onde
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no final da guerra foi libertado pelos americanos. Marjim sobreviveu na Rússia, graças aos meus pais. Depois
da guerra, os Weltman reuniram-se e foram para os Estados Unidos. Na década de 60, após se aposentarem,
emigraram para Israel, onde morreram.)
Após algum tempo, meus pais começaram a escrever cartas para a família em Kielce. Recebiam
cartas com certa regularidade. Nestas cartas, a família descrevia a situação em Kielce. Quando foram
transferidos para o gueto, as condições de vida deterioravam-se dia a dia. Todos precisavam viver em um
quarto, com fome e frio. Não considerando as duras condições no acampamento, minha mãe fazia todo
o possível para ajudar a família, independente do perigo. Contava sobre quando saia do acampamento e
caminhava alguns quilômetros até a cidade sem medo da geada ou do vento. Lá vendeu o casaco de
peles, trazido de Kielce, e uma roupa de lã que recebeu. Com este dinheiro comprou semolina, farinha,
açúcar, óleo e roupa de cama. Dos lençóis costurou bolsas, encheu-as de comida que podia obter e
enviava-as para a família em Kielce. Após a invasão da Rússia pelos alemães a ligação com a família
rompeu-se completamente.
A MUDANÇA PARA LENINABAD
Após a invasão da Alemanha, os russos decidiram colaborar com o general Władysław Anders
para criar uma armada polonesa. Os poloneses que foram deportados de suas casas para a Sibéria, o
Casaquistão e outras regiões da Rússia, quando os russos invadiram a Polônia, puderam entrar para a
nova armada, chamada Armada do general Anders. Entre os que foram liberados, estavam meus pais e
tio Abe. Felizmente, embora não satisfizessem as condições, foram transferidos para local mais quente,
na Ásia Central. Levaram Marjim Weltman e foram para Tashkent. Não receberam permissão para se
estabelecer lá, então foram para o Tajiquistão, onde finalmente puderam ficar na cidade de Leninabad
(agora Khujand).
Em Leninabad encontraram um quarto não muito grande, pertencente a um soldado que foi
para a guerra e não voltou, localizado na rua Ozodi 100, Leninabad, Tajiquistão, URSS.
(Quando a guerra acabou o soldado voltou, mas somente para pegar o cachorro, que havia
deixado alguns anos atrás. O cachorro ficou com meus pais e sempre esperava por seu dono. A mamãe
contava que o cachorro o sentiu bem antes dele aparecer em casa.)
A vida nesta pequena cidade era sempre muito difícil. Era muito quente, sobretudo para pessoas
da Polônia. Escorpiões venenosos passePágina 115
Legenda de uma fotografia de casal e um menino (no livro à esquerda):
Dawid Kotlicki (tio Dawid) com a esposa Rajzel e seu neto Arie (Murik) na praia em Tel Aviv
– 15.2.1949. Dawid morreu próximo de junho de 1950.
avam pelas paredes, o que era perigoso, principalmente durante o sono. Era necessário ter dosséis
especiais contra os escorpiões. As pernas das camas ficavam dentro de latas com gasolina, para que o
escorpião não pudesse subir na cama. A cada noite, antes de dormir, papai tinha que caçar escorpiões
em casa. Quando estavam voltando para a Polônia, conservou dois escorpiões em uma garrafinha com
álcool e trouxe-a consigo. Quando emigramos para Israel, os escorpiões foram conosco.
(Quando meus pais morreram, encontrei a garrafinha com os dois escorpiões. Peguei-a e tenho-a
em minha casa. Passaram-se 60 anos desde que foram caçados. Preciso pensar o que fazer com eles no
futuro).
Mamãe lembra os cabelos negros e olhos negros brilhantes dos cazaques, suas vestes coloridas e
muitos tapetes em suas casas. Ficavam sentados no chão ao redor de uma fogueira ardente, com as
pernas cobertas dirigidas para o fogo; as crianças sonolentas dentro de caminhas de madeira sem
nenhuma fralda, ao invés vez disso um furo (no fundo) na cama. Lembrava-se da abundância de frutas
que encontraram após longa estada na Sibéria, e que, em muitos, causava problemas estomacais, e às
vezes até a morte. Mas havia razões maiores de preocupação, porque o Tajiquistão era um paraíso para
insetos e mosquitos, que causavam malária.
Pouco tempo após chegar a Leninabad, papai começou a trabalhar em uma fábrica de produção
de alimentos. Era um trabalho ótimo, porque podia trazer comida para casa, é claro não de forma
totalmente legal, mas
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isso aumentava as chances de sobrevivência, desde que não fosse pego. Certa vez papai ouviu que a
empresa estava à procura de um mecânico sênior para dirigir a unidade de conservação e reparação de
máquinas. Embora nunca tivesse estudado mecânica, isto não o impediu de se candidatar ao trabalho.
Como os outros candidatos precisou passar por um teste, teórico e prático. Em pouco tempo ele
encontrou e comprou alguns livros russos sobre mecânica e máquinas. O seu russo estava longe de
permitir que compreendesse alguma coisa, mas seu sentido técnico permitiu que ultrapassasse este
obstáculo.
(Alguns escorpiões após a morte do papai ficaram em seus livros na biblioteca. Mantenho-os,
mas também não sei o que fazer com eles no futuro.)
Tio Abe aproveitava a sua sorte no comércio. Ele e alguns colegas viajavam de trem para outras
cidades atrás de várias mercadorias. Esse comércio era proibido, e se alguém era apanhado, poderia ser
condenado à morte. Tio Abe foi pego uma vez. Foram tempos difíceis para toda a família. Os colegas
do tio procuravam alguma forma de resolver o caso. Um deles disse que sabia de alguém que conhecia o
juiz e poderia conversar com ele. Foi um caso duro de resolver, mas um dia, antes da audiência, o juiz
tirou os arquivos do tribunal e entregou-os para alguns colegas do tio, que os queimaram
imediatamente. No dia seguinte, quando o tio foi levado da cadeia para o tribunal, o juiz perguntou
sobre as pastas. Pediu para que as procurassem e, mesmo que o zelador as procurasse como doido, não
as encontrou. Após algum tempo, o juiz tomou a decisão: mandou libertar o réu. Meus pais respiraram
aliviados.
Pouco tempo depois, a guerra acabou. Em junho de 1945, em Leninabad, nasceu meu irmão
mais velho, Mosze. Quando a mamãe estava grávida, contraiu malária. Os calafrios e a febre alta a
abatiam. O bebê também ficou doente de malária, mas no final conseguiram se recuperar a saúde.
Quando a Polônia foi libertada, foi lhes dito que os cidadãos poloneses poderiam voltar para o
seu país. Meus pais resolveram voltar. Papai teve que deixar o trabalho na empresa de alimentos. Abriu
uma pequena oficina na praça do mercado. Fazia fogões de metal para os cazaques e consertava
pratos (a mamãe, afinal, era profissional nisso). Para os poloneses que estavam voltando para o país,
papai produzia panelas especiais com fundo duplo, onde podiam guardar o dinheiro, joias, e às
vezes diamantes, contrabandeados pela fronteira.
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A VOLTA „PARA CASA’’
Quase um ano após o término da guerra, meus pais começaram a viagem de volta para a
Polônia. Novamente, viajaram dia e noite durante cinco semanas, com grandes dificuldades para lavar e
cozinhar, sem alimentos e água. Agora, era mais difícil: com uma criança pequena, foi necessário
cozinhar e lavar as fraldas, o que, nestas condições, representava um verdadeiro desafio. Quando
voltaram, souberam que toda a família tinha sido assassinada pelos alemães.
A avó de minha mãe Łaja, os pais Jakub e Rywka, o irmão Chaim e a irmã Hanka, a avó do
papai Chaja, sua irmã Hana, e o irmão Izrael com a esposa Henka e dois filhos, Ester e Nisel, e muitos
de seus primos, tios e parentes --- todos foram mortos, ninguém sobreviveu a não ser o irmão de minha
mãe, Chaskel que estava na Palestina, e o irmão do papai, Josef, em Paris. Alguns anos mais tarde meus
pais, felizmente, encontraram muitos primos, que sobreviveram aos campos da morte.
As autoridades polonesas encaminharam meus pais para Gliwice, onde eles passaram a viver em
um prédio junto com outros poloneses que retornaram da Rússia.
Logo depois da volta, meu pai e o tio Abe foram para Kielce, ver o que aconteceu com os bens
que a família possuía antes da guerra. Era 4 de julho de 1946. Pretendiam voltar no dia seguinte, mas
isso não aconteceu. A mamãe esperou dois dias com uma criança pequena e não sabia o que tinha
acontecido. Ela não podia entender porque as pessoas que dormiam ao lado, não queriam conversar
com ela e mantinham distância. Acidentalmente ouviu a palavra "Extermínio em Kielce’’ e teve um
choque.
Ela começou a correr de um lugar para outro, olhando para a lista de vítimas. Alguém a
aconselhou para que enviasse um telegrama para Kielce. Uma das mulheres disse que ia para Kielce e
poderia levar uma carta para o papai, se o encontrasse. Os nomes do papai e do tio Abe não estavam na
lista de vítimas do massacre, que alcançou Gliwice. Depois, mamãe recebeu um telegrama do meu pai e
do meu tio, no qual eles descreviam como escaparam do massacre, ocultados pelo porteiro no prédio do
tribunal.
YAACOV KOTLICKI
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Legenda da fotografia de casal (no livro à esquerda)
Mania e Bernard Mentlik. Moravam na Rússia e mandavam dinheiro para Sala e Herszel e alimentos para
Marjim Weltman. Hilel Weltman dava dinheiro para Jakub Goldszajd em Kielce. Fotografia de 2.4.1957
mostra que eles sobreviveram à guerra.
Legenda da fotografia de uma mulher com beca (no livro à direita)
Liba Gilta Goldszajd (Handerbock) no Brasil --- (tia Genia ou Geni), possivelmente início dos anos 50
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Legenda da fotografia de uma mulher ladeada por quatro homens e com duas crianças (à esquerda)
Visita do tio Mordechaj de Chicago em Israel.
Itzhak Lerer, Sara Kotlicki, Moshe Kotlicki, Yaacov Kotlicki, Mordechaj (Max) Kotlicki, Chaskel Goldszajd,
Hershel Kotlicki
Legenda da fotografia de uma mulher ladeada por dois homens (no livro à direita)
Hilel e Marjim Weltman com o primo Bernard Mentlik (veja carta de 12.1.40). Fotografia tirada nos anos
50 nos Estados Unidos.
Legenda da fotografia de festa de casamento (no livro à direita)
Casamento de Yaacov e Batja Kotlicki - Tel Aviv 11.9.1973
Página 120
Sumário
INTRODUÇÃO Bogdan Białek ....................................................................................................... 5
CARTAS Hanka (Hana) Goldszajd ............................................................................................... 9
CARTAS DO GUETO Marek Maciągowski .................................................................................. 89
A HISTÓRIA DE MEUS PAIS ANTES DA GUERRA E DURANTE A GUERRA Yaacov Kotlicki .........100
Tradução para o português: Barbara Rzyski

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