Influência da Lanolina na Cicatrização

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Influência da Lanolina na Cicatrização
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EDGAIR FERNANDES MARTINS, ET AL.
ARTIGO ORIGINAL /ORIGINAL ARTICLE
Influência da Lanolina na Cicatrização
Influence of Lanolin on Cicatrization
EDGAIR FERNANDES MARTINS
Departamento de Fisiologia e
Biofísica – Instituto de Ciências
Biomédicas (USP/SP)
LEONARDO MADEIRA
PEREIRA*
Curso de Educação Física –
Faculdade de Ciências da Saúde
(UNIMEP/SP)
THAIS MARTINS DE LIMA
Departamento de Fisiologia e
Biofísica – Instituto de Ciências
Biomédicas (USP/SP)
GUILHERME RIBEIRO DE
AGUIAR
Departamento de Fisiologia e
Biofísica – Instituto de Ciências
Biomédicas (USP/SP)
SILVIA CASSALES CHEN
Departamento de Fisiologia e
Biofísica – Instituto de Ciências
Biomédicas (USP/SP)
ALESSANDRA FOLADOR
Departamento de Fisiologia e
Biofísica – Instituto de Ciências
Biomédicas (USP/SP)
TÂNIA CRISTINA PITHON-CURI
Curso de Educação Física –
Faculdade de Ciências da Saúde
(UNIMEP/SP)
RUI CURI
Departamento de Fisiologia e
Biofísica – Instituto de Ciências
Biomédicas (USP/SP)
*Correspondências: Av. Prof. Lineu
Prestes, 1.524, sala 105, Cidade
Universitária, 05508-900, São Paulo/sp
[email protected]
Saúde em Revista
INFLUÊNCIA DA LANOLINA NA CICATRIZAÇÃO
RESUMO A lanolina é utilizada em alguns medicamentos para tratamento
de feridas. Contudo, há controvérsias sobre seus possíveis efeitos adversos
no processo de regeneração tecidual. Ela é formada por uma mistura de ésteres e poliésteres de álcoois de cadeia longa e por ácidos graxos, com predominância dos insaturados, representados por uma proporção elevada
dos ácidos eicosapentaenóico (EPA), linoléico e docosa-hexaenóico. Neste
estudo, verificamos que a lanolina médica até a concentração de 2% não
afeta o processo de cicatrização em ratos, nem apresenta efeitos tóxicos sobre monócitos (células J774) em cultura.
Palavras-chave LANOLINA – ÁCIDOS GRAXOS – CICATRIZAÇÃO – TOXICIDADE – CÉLULAS J774.
ABSTRACT Lanolin is used in some medicine prescribed for treatment of
wounds. However, controversies exist on possible adverse effects of lanolin
on tissue regeneration process. It is formed by a mixture of esters and polyesters of long chain alcohols and a mixture of fatty acids with a high proportion of unsaturated fatty acids, mainly eicosapentaenoic (EPA), linoleic,
and docosahexaenoic (DHA) acids. In this study, we found that lanolin, up
to 2%, has no adverse effect on cicatrization in rats and it is not toxic for
monocytes (J774 cells) in culture.
Keywords LANOLIN – FATTY ACIDS – CICATRIZATION – TOXICITY – J774 CELLS.
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EDGAIR FERNANDES MARTINS, ET AL.
INTRODUÇÃO
cicatrização de uma ferida ocorre pela
interação de células, fatores de crescimento e componentes da matriz extracelular,
existindo, entre esses, relações dinâmicas e freqüentemente recíprocas.1, 2 Levando-se em
conta as possibilidades de a ferida cirúrgica, ou
por outro tipo de lesão, infeccionar, desenvolver excesso de tecido conjuntivo, gerar uma
contratura da pele ou até mesmo tornar-se crônica, é de grande importância uma cicatrização
rápida e controlada, diminuindo os possíveis
efeitos negativos que podem acometer o paciente, bem como o tempo de morbidade desse
indivíduo.3
A grande diversidade de produtos para o tratamento de feridas gera insegurança nos profissionais da saúde sobre qual a opção mais indicada.
Existem várias controvérsias sobre o tratamento
de feridas.4, 5 Alguns estudiosos mencionam a escassez de informações específicas acerca da indicação e dos efeitos adversos dos produtos ou de
alguns de seus componentes convencionalmente
utilizados. Um deles é a lanolina.
A lanolina (do latim lana, lã) é uma substância complexa, formada por uma mistura de ésteres e poliésteres de álcoois de cadeia longa e por
ácidos graxos derivados da secreção das glândulas sebáceas dos carneiros acumuladas na lã desse animal.6 É empregada, desde o antigo Egito
(± 2000 a.C.) e em larga escala nos dias atuais,
como emoliente e veículo para cosméticos e medicamentos, em razão de sua excelente propriedade oclusiva, de penetração e manutenção da
hidratação da pele.7
Em meados de 1950, descreveu-se o primeiro caso de sensibilização possivelmente gerado
pela lanolina. Desde então, vários estudos enfatizam uma freqüência elevada de reações alérgicas a ela, levando muitos a acreditar que
produtos cosméticos e/ou medicamentosos com
lanolina em sua formulação não seriam recomendados.8, 7 Entretanto, há relatos de que tal
componente apresenta baixa freqüência de citoxicidade. Wakelin et al.9 verificaram que, de
24.449 pacientes testados, apenas 1,7% demonstraram algum tipo de citoxicidade à lanolina.8, 9, 10 Outro fator a ser observado é que a
lanolina ultrapurificada e/ou hipoalergênica possui taxas de citoxicidade extremamente baixas
A
20
(próximo a zero),7 sendo classificada como lanolina médica e empregada especialmente pelas
indústrias farmacêuticas.
Por sua vez, os macrófagos desempenham papel crítico no desenvolvimento do processo de
cicatrização, modulando a produção de quimiocinas e fatores de crescimento que promovem
proliferação celular e síntese protéica.11 As células
J774 são uma linhagem de macrófagos diferenciados dos monócitos, ou seja, o mesmo tipo celular
envolvido na cicatrização.12
Com base nessas informações, o objetivo do
presente estudo foi testar em ratos o efeito da lanolina médica sobre a cicatrização e em cultura a
toxicidade dela para células J774.
METODOLOGIA
Animais
Para a realização dos experimentos foram
usados 30 ratos machos da linhagem Wistar, pesando 190 ± 20 g, fornecidos pelo biotério do
Departamento de Fisiologia e Biofísica, ICB/USP.
Eles mantiveram-se em gaiolas individuais substituídas diariamente, em ambiente com temperatura controlada de 23oC e ciclo claro-escuro
controlado de 12 horas. Tiveram livre acesso a
dieta (Nuvilab CR1, Nuvital Nutrientes Ltda.,
Curitiba/PR) e receberam água ad libitum. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética de pesquisas
em animais do Instituto de Ciências Biomédicas
da Universidade de São Paulo, protocolo registrado sob n.º 85 na folha 5 do livro 2 para uso de
animais em experimentação.
Procedimento Cirúrgico
Os animais receberam anestesia tiopental na
dose de 33 mg/kg de peso corpóreo, injetada
por via intraperitoneal. Realizou-se tricotomia
da região dorsal, com lâmina, seguindo-se, então, a assepsia com álcool a 70 GL e delimitação
da área de 1 x 2 cm com molde milimetrado de
plástico. Procedeu-se a incisão no dorso do animal com um bisturi de lâmina 19, comprometendo toda a espessura da pele, removida.13 O
dorso foi escolhido para se fazerem as feridas,
de acordo com as observações de Kashyap et
al.,14 que o consideraram o melhor sítio para incisão, pois evita irritação por contato e autocanibalismo. Após o ato operatório, os animais
foram colocados em gaiolas individuais limpas,
contendo maravalha autoclavada.
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Preparação da Lanolina para
Tratamento dos Animais
A lanolina (Medilan® – Croda, São Paulo,
Brasil) foi acondicionada em tubos de plástico de
50 mL e derretida em banho-maria a 37∞C. Posteriormente, transferiu-se a lanolina líquida para
seringas estéreis de 10 mL, utilizadas para aplicação no dorso dos animais.
Tratamento dos Animais
As feridas realizadas no dorso do animal foram tratadas diariamente, até o final do experimento, tendo início imediatamente após o
procedimento cirúrgico. No sétimo dia, realizou-se debridamento mecânico nas feridas, com
auxílio de uma pinça anatômica sem dente. Os
resultados foram comparados com os de ratos
tratados topicamente com o mesmo volume de
solução fisiológica.
Morfometria
As feridas foram mensuradas com auxílio de
paquímetro e fotografadas (Câmera Digital MVCFD97 FD Mavica – Sony) imediatamente após a
cirurgia e depois de um, três, sete, 10, 14, 21 e 22
dias do período pós-operatório nos animais sem
anestesia. Para a mensuração, imobilizou-se o animal, expondo o dorso com a ferida.13 A contenção realizou-se sem esticar o corpo do animal,
para não alterar a morfometria da ferida, conforme descrito por Oliveira et al.13 Com base nas
medidas dos lados da ferida, obteve-se o valor de
sua área. A contração da ferida foi avaliada por
meio da seguinte fórmula:15
(Área inicial - Área do dia da medida) x 100 = % de contração
do dia
Área inicial
Extração Lipídica e Análise por HPLC (High
Pressure Liquid Chromatography)
Para a caracterização da composição lipídica
da lanolina utilizada, os lipídios totais foram obtidos de amostras contendo 50 mg de lanolina,
conforme descrito por Folch et al.18 A saponificação dos lipídios procedeu-se com 2 mL de uma
solução metanólica alcalina (1 mol/L de NaOH
em 90% de metanol), permanecendo em banho
de agitação por duas horas a 37º C. Posteriormente, adicionaram-se 2 mL de uma solução
aquosa de HCl (1 mol/L) para acidificar o meio
(pH ≈ 3). Os ácidos graxos foram extraídos com
2 mL de hexano por três vezes e, após o procediSaúde em Revista
INFLUÊNCIA DA LANOLINA NA CICATRIZAÇÃO
mento de extração e saponificação,19, 20, 21 derivatizados com 4-bromometil-7-coumarina22 e
analisados em HPLC modelo Shimadzu LC10Avp.
Na eluição das amostras utilizou-se uma coluna C8 (25 cm x 4,6 id, partículas de 5µm) provida de pré-coluna C8 (2,5 cm x 4,6 id, partículas
de 5µm), fluxo de 1 mL/min de acetonitrila/água
(77:23, v/v) com detecção por fluorescência (excitação: 325 nm e emissão: 395 nm).23 Os padrões de ácidos graxos adotados foram obtidos
da Sigma Chemical Co. (USA): láurico (C12:0),
mirístico (C14:0), palmítico (C16:0), palmitoléico (C16:1 ω6), esteárico (C18:0), oléico (C18:1
ω9), linoléico (C18:2 ω6), linolênico (C18:3 ω6),
araquidônico (C20:4), eicosapentaenóico (C20:5
ω3, EPA), docosa-hexaenóico (C22:6 ω3) (DHA).
Razão entre Ácidos Graxos Insaturados e
Saturados (I/S)
A razão entre I/S dos ácidos graxos presentes
na lanolina estabeleceu-se de acordo com o descrito por Guimarães et al.24
Cultura de Células
Foram utilizadas células da linhagem J774
(macrófagos de camundongo) obtidas na Dunn
School of Pathology (Universidade de Oxford,
Inglaterra). As células mantiveram-se em fase log
de crescimento em estufa a 37∞C e atmosfera
umidificada contendo 5% de CO2. Elas foram
cultivadas entre 1 x 105 e 1 x 106 células por mL
de meio RPMI-1640 suplementado com 10% de
soro fetal bovino, 20 mM de HEPES, 10 U/mL de
ampicilina e 10 µg/mL de estreptomicina.25
Tratamento das Células
As células sofreram diluição para 2 x 105 por
mL em placas de cultura com seis escavações.
Após atingir o número de 4 x 105 células/mL, a
lanolina diluída em etanol foi adicionada nas escavações contendo 2 mL de meio. As proporções
de lanolina testadas nas culturas foram de 0,25;
0,5; 1; 1,5 e 2% do volume de meio. A concentração de etanol com a quantidade necessária
de lanolina para cada teste atingiu no máximo
0,05% do volume total do meio de cultura, não
apresentando toxicidade para as células.25 Depois da adição da lanolina, estas foram incubadas,
conforme descrito anteriormente, por um período de 24 horas.
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Viabilidade e Fragmentação: avaliação
da toxicidade da lanolina
Feito o cultivo das células J774 por 24 horas
com as diferentes concentrações de lanolina, as
células foram ressuspensas (1 x 106 células) em
tampão de lise (0,1% de Triton X-100, 0,1% de
citrato de sódio e 50 µg/mL de iodeto de propídio – PI) e mantidas protegidas da luz, em geladeira, por 24 horas. Avaliou-se a fluorescência
celular para análise de viabilidade por meio de
citometria de fluxo (FACS, Calibur-Becton Dickinson Systems, USA), com tripla análise: para
PI (índice de fragmentação de DNA), volume e
granulosidade. Os resultados foram apresentados como histogramas, indicando a fluorescência do PI por célula (excitação 488 nm e emissão
maior que 620 nm). Para análise, adotou-se o
programa CellQuest (Becton Dickinson Systems) e avaliou-se cerca de 10 mil eventos (células) por experimento.26
O ensaio de fragmentação de DNA consiste na
avaliação do conteúdo deste em cada célula.
Após o tratamento com PI, composto fluorescente que se intercala no DNA, segue-se sua detecção
fluorimétrica em citômetro de fluxo. Depois do
cultivo, as células (1 x 106) passaram por centrifugação por 10 minutos a 700 x g. O precipitado
celular foi, então, lavado com tampão fosfato
(PBS) gelado e, finalmente, após uma centrifugação a 12 mil x g por 30 segundos, ressuspenso
em 200 µL de tampão de lise. As amostras, ao
abrigo da luz, terminaram acondicionadas em
geladeira e, passadas 24 horas, procedeu-se a leitura em citômetro de fluxo.26
Análise Estatística
Os resultados de contração da área da ferida
foram avaliados por teste t de Student. Já os dados de viabilidade e fragmentação celulares, examinados por análise de variância (ANOVA) e teste
de Tukey – ambos os testes realizados para p <
0,05 (GraphPad Instat tm V2.05a).
RESULTADOS
Os valores percentuais dos ácidos graxos determinados no HPLC estão apresentados na tabela
1. A lanolina usada nos experimentos revela predominância de ácidos graxos insaturados (71%).
A razão entre ácidos insaturados e saturados é de
2,48. Os insaturados estão representados pela
proporção elevada dos ácidos EPA (C20:5n n-3)
22
(26%), linoléico (C18:2, n-6) (19%) e DHA
(C22:6, n-3) (17%). Os ácidos saturados mais
abundantes são mirístico (C14:0) (11%) e palmítico (C16:0) (9%).
Na morfometria das feridas, observou-se um
aumento médio de 14% da área, imediatamente
após a cirurgia. No 21.° dia, ambos apresentavam apenas uma cicatriz discreta. A avaliação
macroscópica das feridas do grupo tratado com
lanolina em relação ao grupo controle era de coloração mais rosada e sem ressecamento. Até o
sétimo dia de tratamento, algumas feridas do
grupo controle exibiam as bordas avermelhadas
e edemaciadas, o que não se observou no grupo
tratado com lanolina, possivelmente pela ação
antiinflamatória dos ácidos EPA e DHA nela presentes.27 No sétimo dia, as crostas remanescentes foram retiradas com o auxílio de uma pinça
anatômica, soltando-se com facilidade e não
ocorrendo sangramento. Encontrou-se maior
número de crostas remanescentes no grupo controle (todos os animais). Nenhum animal, de ambos os grupos, apresentou exsudato purulento de
odor fétido sob as crostas. A contração das feridas foi estatisticamente avaliada (fig. 1), não havendo diferença significativa entre os grupos nos
períodos estudados.
Tabela 1. Composição de ácidos graxos das amostras de lanolina.
ÁCIDOS GRAXOS
12:0 Ácido láurico
14:0 Ácido mirístico
16:0 Ácido palmítico
16:1 Ácido palmitoléico (ω-7)
18:0 Ácido esteárico
18:1 Ácido oléico (ω-9)
18:2 Ácido linoléico (ω-6)
18:3 Ácido γ-linolênico (ω-3)
20:4 Ácido araquidônico (ω-6)
20:5 Ácido eicosapentaenóico (ω-3)
22:6 Ácido docosahexaenóico (ω-3)
Ácidos graxos saturados
Ácidos graxos monoinsaturados
Ácidos graxos poliinsaturados
Total de ácidos graxos ω-3
Total de ácidos graxos ω-6
Total de ácidos graxos ω-7
Total de ácidos graxos ω-9
Ácidos graxos insaturados/ácidos graxos
saturados
(%)
4,30 ± 0,59
10,86 ± 0,11
9,06 ± 0,58
5,54 ± 0,47
4,55 ± 0,63
2,61 ± 0,16
18,53 ± 0,37
0,77 ± 0,23
1,38 ± 0,10
25,85 ± 1,00
16,55 ± 0,40
28,77
8,15
63,08
43,17
19,91
5,54
2,61
2,48
Os valores estão expressos em percentagem e apresentados como
média ± EPM de seis análises.
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Os resultados obtidos pelo tratamento das células J774 estão apresentados na tabela 2. A perda de integridade de membrana (viabilidade) e/ou
a fragmentação do DNA foram consideradas
como indicadores de toxicidade. Os valores percentuais demonstrados na tabela 2 representam o
percentual de células com integridade de membrana e sem fragmentação de DNA, ambos determinados por citometria de fluxo após 24 horas de
incubação com lanolina. As células tratadas com
lanolina a 0,5% revelaram viabilidade significativamente maior do que o controle. As demais
concentrações não mostraram alteração significativa, exceto para lanolina na concentração de 2%,
na qual percebeu-se leve redução da viabilidade
celular; 1,97% menor quando comparada ao
controle. Não se observou diminuição da integridade do DNA nas células tratadas com lanolina ao
serem confrontadas ao controle.
Figura 1. Perfil de redução da área das feridas.
Tabela 2. Porcentagem de células J774 viáveis e com DNA íntegro (ensaio de fragmentação) analisadas por citometria de fluxo, após incubação por 24 horas com
diferentes concentrações de lanolina. Os valores
estão expressos em porcentagem e apresentados
como média ± EPM de 18 amostras.
GRUPOS
PORCENTAGEM
CÉLULAS
CÉLULAS COM
VIÁVEIS
Controle etanol (0,05%) 83,97 ± 0,57
Lanolina 0,25%
91,33 ± 1,71
Lanolina 0,50%
92,65 ± 1,38*
Lanolina 1%
91,72 ± 2,57
Lanolina 1,5%
90,84 ± 0,91
Lanolina 2%
81,99 ± 2,08*
DNA INTACTO
98,31 ± 0,13
98,19 ± 0,01
97,72 ± 0,16
97,73 ± 0,24
98,23 ± 0,07
98,10 ± 0,11
*p < 0,05 para comparação com o grupo controle (etanol a 0,05%).
Saúde em Revista
INFLUÊNCIA DA LANOLINA NA CICATRIZAÇÃO
DISCUSSÃO
A análise da composição de ácidos graxos realizou-se para caracterização da lanolina empregada
nos experimentos. Essa lanolina apresenta grande
proporção de ácidos graxos ω-3 (EPA e DHA) e a
capacidade destes de interferir na função de macrófagos, neutrófilos e linfócitos tem sido a base
para a sua utilização como antiinflamatórios.27
A medida da área inicial da ferida em relação
à área do molde original aumenta, pois as bordas
sofrem retração centrífuga, em virtude da tensão
elástica da pele circunjacente, perda da aderência
à fáscia profunda e mobilidade da pele do rato.28,
29
Essa variação, porém, não interferiu no cálculo
da área da ferida, visto que a contração depende
da diferença entre as áreas inicial e aquela medida
no dia da avaliação, sendo isso feito com os valores individuais, e não com as médias.13 Além do
mais, a análise da contração da ferida, e não da
área, nos dias estipulados, elimina possíveis diferenças nos tamanhos das áreas imediatamente
após a cirurgia.13
Os mamíferos de pele solta (roedores, coelhos
e porquinhos da índia) possuem músculo carnoso, o panículo subcutâneo, em contraste com humanos e outros mamíferos com peles aderidas. O
panículo deve contribuir significativamente na
cicatrização da ferida.14 Segundo Cross et al.,28 é
essencial manter esses animais numa posição padrão durante a mensuração. Porém, esses trabalhos não apresentam claramente que posição
seria essa e como poderia ser realizada com o animal acordado. A exposição repetida do animal a
procedimentos anestésicos pode ser deletéria à
sua saúde, consome tempo e pode causar danos à
ferida durante a indução da anestesia. Em nosso
trabalho, empregou-se contenção física, contrastando com outros em que a exposição repetida
do animal à anestesia poderia aumentar seu estresse, além do risco de injúria ao tecido de granulação da ferida, especialmente durante a fase
de indução.
Depois do terceiro dia de tratamento, a área
da ferida diminuiu numa freqüência constante,
declinando progressivamente em direção ao 14º
dia. Após tal período, aproximou-se de zero, estágio final de cicatrização.28 A partir do 22º dia, as
feridas estavam totalmente cicatrizadas.
Vogt et al.30 observaram que a cicatrização
em meio líquido e úmido é significantemente
mais rápida, comparada com feridas secas. No
23
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presente trabalho, o fato de a lanolina aderir por
mais tempo às feridas manteve o meio lubrificado, evitando a perda de umidade, em contraste
com a solução fisiológica, que, depois de administrada sobre a ferida, tende a escorrer em pouco
tempo, visto que não se utilizou bandagem. Macroscopicamente, essas feridas revelavam aparência mais ressecada em comparação às tratadas
com lanolina.
Os testes de viabilidade das células e fragmentação de DNA foram realizados em razão das
proporções elevadas de ácidos poliinsaturados
(EPA, DHA) na composição da lanolina testada. O
efeito citotóxico dos ácidos graxos poliinsaturados é conhecido, indicando inclusive sua natureza
apoptótica.31 Acredita-se que esses ácidos poliinsaturados são citotóxicos por promover peroxidação lipídica, havendo participação também da
síntese alterada de eicosanóides.32 Alguns estudos
indicam a necessidade de um tratamento prolongado com ácidos graxos poliinsaturados para que
a morte celular seja disparada, aparentemente
sendo essencial a incorporação, por esterificação,
desses ácidos na célula. Provavelmente essa
incorporação leve a um acúmulo de ácidos graxos poliinsaturados, de tal forma que as defesas
antioxidantes deixem de impedir o estresse oxidativo, conduzindo à morte celular.31 Verificamos uma pequena diminuição na viabilidade
celular (número de células viáveis) somente na
concentração de 2% de lanolina. Esse fato foi observado pela entrada do iodeto de propídeo na
célula. Já a fragmentação de DNA não se alterou.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados apresentados, podemos concluir que a lanolina empregada neste estudo, até a concentração de 2%, não afeta o
processo de cicatrização in vivo, nem apresenta
efeitos tóxicos em monócitos (células J774), que
desempenham papel importante na cicatrização.
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Submetido: 6/ago./2004
Aprovado: 27/abr./2005
Saúde em Revista
INFLUÊNCIA DA LANOLINA NA CICATRIZAÇÃO
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