EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA 1ª VARA

Transcrição

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA 1ª VARA
Ministério Público Federal
Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul
Ministério Público do Estado de
Mato Grosso do Sul
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA 1ª VARA DA
SÉTIMA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
(COXIM)
“O Rio Taquari está entupido de projetos!”
(Pantaneiro anônimo)
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da
República infrafirmado, e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO
GROSSO DO SUL, pelo Promotor de Justiça subscritor, no exercício de suas funções
institucionais, outorgadas pelo art. 129, inciso III, da Carta Suprema e pelas alíneas “a”
e “d” do inciso III e inciso II, alínea “d”, do artigo 5º da Lei Complementar n.º 75, de
20/05/93; pela alínea “d” do inciso VII, artigo 6º da Lei Complementar nº 75/93, vem,
perante V. Exa., com base na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
na Lei nº 7.347/85 e demais disposições aplicáveis à espécie, bem como nos elementos
de prova reunidos nos Inquéritos Civis Públicos nºs 1.21.000.000019/2006-74 e
1.21.004.000001/2010-19, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR PARA ANTECIPAÇÃO
DOS EFEITOS DA TUTELA INIBITÓRIA
em face da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, com
endereço na rua Rio Grande do Sul, n° 665, Jardim dos Estados, Campo Grande/MS;
em face do estado de MATO GROSSO DO SUL, pessoa jurídica de direito público
interno, com endereço na Av. Desembargador José Nunes da Cunha, Parque dos
Poderes - bloco IV, CEP 79031-310, Campo Grande-MS; em face do INSTITUTO
BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS
RENOVÁVEIS - IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de
direito público, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, instituída nos termos da Lei
Federal nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, com endereço na rua R. Padre João
Crippa, 753 - Centro, Campo Grande - MS, CEP 79002-380; e em face do
INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE DO MATO GROSSO DO SUL- IMASUL,
entidade autárquica, dotada de personalidade jurídica de direito público, vinculada à
Secretaria de Estado do Meio Ambiente, das Cidades, do Planejamento, da Ciência e
Tecnologia (SEMAC), instituída nos termos do Decreto Estadual nº 12.231, revogado
pelo Decreto Estadual nº 12.725, de 10 de março de 2009, com endereço na rua Rua
Desembargador Leão Neto do Carmo, s/n° - Quadra 03 - Setor 03 - Parque dos Poderes,
Campo Grande/MS, CEP: 79031-902; pelos fatos e fundamentos que a seguir expõe.
I– SÍNTESE DOS FATOS E DA DELIMITAÇÃO OBJETIVA DA PRETENSÃO
Há tempos é noticiado que o acentuado processo de assoreamento
do Rio Taquari, derivado dos danos ambientais verificados ao longo de suas margens, é
causa de fortes impactos deletérios à conformação socioambiental de sua bacia.
Realmente, além de todos quantos habitam e/ou conhecem a
região da bacia daquele rio, também a imprensa, setores da sociedade civil organizada, a
comunidade científica, organizações não governamentais e vários órgãos e
representantes do Poder Público têm clamado por soluções concretas ao que já
convencionou-se denominar de “maior desastre ambiental do Pantanal”1. VER VÍDEO
A candência e a relevância do tema também já se prestaram a
diversos estudos, seminários, projetos, debates e audiências públicas promovidos ao
longo de mais de 30 anos, sendo fato que várias alternativas de solução já restaram
apresentadas e submetidas ao crivo do Poder Público, sem que se tenha notícia de que
tenham derivado para ações concretas. Aliás, boa parte do que é apontado como
necessário ao cobro da situação é apresentado pelo próprio Poder Público, conforme se
verá.
1
2
Vide mídias anexadas que reproduzem algumas reportagens e depoimentos já amplamente divulgados.
De logo cabe destacar que a proteção de valores e bens jurídicos de
natureza difusa, resguardados constitucionalmente e, bem por isso (e muito mais),
indisponíveis, não se compraz com meros formalismos, vale dizer, não serão “estudos”,
“propostas”, “metas”, “planos” ou coisas que tais, que darão cobro à necessária
efetividade material como contraponto aos danos reais que ações e omissões que aqui
serão tratadas trazem à biodiversidade.
Em suma, à luz da unanimidade já alcançada quanto ao tema, não
há qualquer controvérsia acerca da necessidade de ações concretas tendentes à reversão
e/ou contenção de efeitos danosos da desenfreada (e ilegal) ação humana naquela bacia
hidrográfica.
Enfatize-se, portanto, que os limites objetivos da Ação Civil
Pública ora manejada, ao fim e ao cabo, conformam-se à deliberada omissão dos
demandados na adoção das providências por eles admitidas e apontadas.
II- A BACIA DO TAQUARI
A bacia hidrográfica do Rio Taquari, com 79.471,81 km2, faz
parte da bacia do alto Rio Paraguai (BAP), onde está inserido o Pantanal brasileiro que,
sobre ter sido declarado Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988, abriga
sítios designados como de relevante importância internacional pela Convenção de Áreas
Úmidas – RAMSAR, tendo sido considerado pela Organização das Nações Unidas para
a Educação, Ciência e Cultura – Unesco Reserva da Biosfera e um dos sete Sítios do
Patrimônio Mundial Natural.
Na bacia do Taquari observam-se dois compartimentos bastante
distintos: a bacia do alto curso do Rio Taquari – BAT, localizada no planalto,
representando 35,1% do total, e a bacia do médio e baixo curso do Rio Taquari –
BMBT, formando uma extensa planície de deposição na região pantaneira, equivalente
a 64,9% da área total da bacia hidrográfica do rio Taquari – BHRT. Abaixo, figura que
sintetiza sua configuração:
3
O planalto é a área responsável pelo fornecimento dos sedimentos
que formam o leque aluvial da Bacia, donde a conclusão lógica de que quaisquer
intervenções nessa região redundam no tangenciamento da conformação da planície,
sobretudo no que diz com os processos de erosão de margens e/ou assoreamento do rio.
É certo que a geomorfologia da Bacia do Taquari, por si, aponta
para a tendência de seu assoreamento. De acordo com Mario Luiz Assine em
“Sedimentação na Bacia do Pantanal Mato-Grossense, Centro-Oeste do Brasil ––
UNESP 2003”, os “sistemas deposicionais do Pantanal são sistemas naturais autoreguladores, ou seja, reagem às alterações das variáveis na tentativa de retornar ao
equilíbrio. Dessa forma, os fenômenos de avulsão, abandono e construção de canais
são processos naturais na dinâmica sedimentar de sistemas aluviais, como é o caso do
Pantanal”.
Muito embora haja fortes evidências de uma tendência natural ao
assoreamento do rio Taquari, não há como negar que a atividade antrópica na região do
planalto foi o principal fator de aceleração deste processo.
Com efeito, nos anos imediatamente posteriores ao incentivo
estatal de ações antrópicas na região do Alto Taquari observou-se um exponencial
crescimento do aporte de sedimentos no leito do Rio. Entre os períodos de 1977/1982 e
4
1995/1997, por exemplo, o aporte médio de sedimentos para o Pantanal saltou de
20.224 para 35.830 t/dia, ou seja, houve um incremento de 77,2%2.
Tal aumento de “carga” de sedimentos, dentre o mais, tem gerado:
• Inundações permanentes nas regiões de planície;
• Desvio do leito do rio
• Perdas de áreas produtivas
• Conflitos entre pescadores e proprietários rurais
• Conflitos entre proprietários rurais
• Alterações e perdas na biodiversidade
• Alteração no pulso de inundação
• Alteração dos canais de navegação do rio.
Reitere-se que o Poder Público é ciente de toda essa
problemática, sendo certo que já admitiu a necessidade de sua intervenção, sem que
tenha implementado qualquer iniciativa concreta até o momento. Por evidente, tal
omissão é CAUSA do agravamento e permanência de toda essa situação.
Como já adiantado, a Bacia do Rio Taquari divide-se em duas
grandes fisiografias, a alta bacia (BAT), no planalto, com área de aproximadamente
28.000 km e o leque aluvial no Pantanal, com aproximadamente 50.000 km,
representando 36% da área do Pantanal. A BAT pertence ao conjunto de bacias do
planalto com alto risco de erosão potencial, com consequentes implicações na Bacia do
Alto Paraguai – BAP.
Realmente, suas vertentes são predominantemente compostas de
solos arenoso (constituição de 90%), altamente susceptível a erosão. Já o leque aluvial
do Rio Taquari caracteriza-se como zona de deposição de sedimentos provenientes da
alta bacia e estende-se por cerca de 50.000km2
O fenômeno do alto índice de acúmulo de sedimentos na planície
deve-se sobretudo à diferença de nível entre a nascente (planalto) e a foz (planície),
fazendo com que o rio passe, nas suas cabeceiras, de uma altitude de 800 m para 200 m
em apenas 300 km de extensão e, a partir daí, mantenha-se com pequena declividade
por cerca de 500 km até a sua foz, no rio Paraguai
2
5
Dados da EMBRAPA-Pantanal
A partir da década de 50, as políticas públicas federais
implementaram diversos programas de desenvolvimento na região, tais como: “Marcha
para o Oeste”, nas décadas de 50 e 60; “Programa de Desenvolvimento do Centro
Oeste – Prodoeste”, criado em 1971; “Programa de Desenvolvimento do Pantanal –
Prodepan”, entre 1974 e 1978; “Programa de Desenvolvimento do Cerrado –
Polocentro”, criado em 1975, “Programa de Desenvolvimento Agroambiental do
Estado do Mato Grosso – Prodeagro”, iniciado em 1992 e o “Programa Pantanal”,
iniciado em 2000. Com exceção do Prodeagro e do Programa Pantanal, todos os demais
programas tiveram o objetivo de aumentar a ocupação e integração do território
brasileiro, contemplando a intensificação dos sistemas de produção na região.
A partir da década de 70, com destaque para o período de governo
do General João Baptista de Figueiredo (1979 a 1985), com o slogan “Plante que o
João Garante”, ocorreu um salto na produção agrícola e um deslocamento sem
precedentes de populações ao interior do Estado do Mato Grosso do Sul, oriundas da
região sul e sudeste deste país, dando-se início, então, as plantações na região de
Dourados, estendendo-se até aos cerrados de Camapuã, São Gabriel do Oeste, Rio
Verde de Mato Grosso, Coxim e demais municípios da bacia do rio Taquari.
Por outro lado, com a expansão da atividade agropecuária,
também a partir da década de 70, na BAT, houve um aumento dos processos erosivos na
alta bacia decorrentes da remoção da cobertura vegetal nativa para a implantação de
pastagens e de cultivos anuais. Tal processo, dentre o mais, aumentou a taxa de
assoreamento do Rio Taquari, provocando a formação de novos meandros, e aumento
da inundação no seu baixo curso, acarretando impactos negativos para atividades
econômicas na região e à higidez do meio ambiente como um todo.
Ressalte-se, neste passo, que o fomento estatal à ocupação e
intensificação de sistemas de produção na BAT deu-se com desatenção às
peculiaridades geomorfológicas da região, vale dizer, sem consideração aos impactos
ecológicos e socioambientais facilmente identificáveis, e por conseguinte evitáveis.
Seja como for, é incontroverso que a degradação da bacia
hidrográfica do rio Taquari, que já é bastante acentuada, com reflexos nas atividades
econômicas da região e significativas perdas para o meio ambiente, tende a se agravar
caso não sejam tomadas medidas urgentes de mudança dessa trajetória. De fato,
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está-se diante de grave risco deletério a um dos maiores patrimônios ambientais da
humanidade.
Tal conclusão é corroborada pelo Poder Público, na esteira dos
diversos momentos em que:
1.
já debateu o tema, inclusive por meio de investimentos em
“estudos”, formação de “grupos de trabalho” e “comissões”;
2.
apresentou diversas “propostas de solução” que não
redundaram em ações concretas.
Prossiga-se, então, com a exposição sintética de algumas variáveis
consideradas relevantes ao tema pela comunidade científica e pelo próprio Estado.
II.1- A EROSÃO
O processo de erosão, cujas origens localizam-se no planalto da
Bacia Hidrográfica do Rio Taquari, relaciona-se diretamente às várias etapas da
implantação de pastagens. A supressão da vegetação disponibiliza áreas suscetíveis à
erosão a partir do aumento do escoamento superficial no solo descoberto, sendo que, em
áreas de declive, ele é mais acentuado. Como efeitos mais imediatos, observam-se a
perda de fertilidade do solo e a formação de extensas voçorocas nessas áreas.
Em
margens
de
rios,
o
processo
de
erosão
provoca
desbarrancamento de margens e, se o gado tem acesso ao curso de água, além da
formação de voçorocas nos caminhos dos rebanhos, há compactação do solo e
consequente escoamento pluvial superficial mais intenso nesses locais.
Os sedimentos carreados para dentro dos cursos de água, por sua
vez, sobre serem principal causa do aceleramento do processo de assoreamento do rio,
pioram a qualidade de água e prejudicam a biodiversidade local, por meio da perda de
habitats vegetais e animais.
A erosão também causa danos a pecuária, piorando a qualidade das
pastagens e tornando mais precário o sistema de transporte na bacia, uma vez que
provoca a deterioração das estradas de terra no planalto. Realmente, além da região
contar com chuvas intensas concentradas no período de plantio, não se verifica nenhum
cuidado com o escoamento das águas pluviais, nem nas fazendas de gado, nem nas
estradas vicinais que são usadas por veículos pesados para transporte de carga e
produção.
7
Vejam-se, abaixo, exemplos fotográficos de formação de
“voçorocas”, derivadas do que se expôs.
II.2 O ASSOREAMENTO:
O Pantanal é uma região naturalmente sensível às variabilidades
climáticas, mudanças de vegetação e padrões de uso do solo. É fato, também, que o rio
Taquari forma no Pantanal um leque aluvial, o que o insere no rol das regiões
morfologicamente muito sensíveis às alterações antrópicas. O leque aluvial do rio
Taquari caracteriza-se como uma zona de deposição de sedimentos provenientes da alta
bacia, no planalto adjacente, e estende-se por cerca de 50.000 km2.
Segundo informações colhidas junto à EMBRAPA, até o ano 2000
a sedimentação na BAT estava na ordem de 36 toneladas por dia, ou 2000 m 3. Por
óbvio, a taxa atual deve ser mais acentuada, na medida da omissão de quaisquer
tentativas de contenção dos processo erosivos.
As medições realizadas ao longo dos anos demonstra aceleração do
processo de deposição de sedimentos após o início da ocupação humana (final da
8
década de 70) na parte alta da Bacia, conforme demonstra o gráfico abaixo:
Aporte de sedimentos no rio Taquari. Fonte: Carlos Padovani, Embrapa Pantanal.
O alcance das consequências do assoreamento da bacia é quase
intuitivo: tangenciamento da qualidade dos recursos hídricos, alteração na
disponibilidade de água para diversos usos, modificações na forma dos cursos de água,
entupimento de calhas de rios e córregos no planalto e na planície, rompimento de
diques marginais, abertura de “bocas” (arrombados) na planície, alteração de direção do
fluxo de água do rio Taquari, e o mais. VER SIMULAÇÃO
O fenômeno, que acentua-se na região do baixo Taquari, deriva de
duas causas básicas: declividade e vazão. Quanto maior a vazão, maior o assoreamento,
logo, nos anos de cheia é de se esperar que haja intensificação do processo. Por outro
lado, a falta de declividade faz com que os sedimentos se depositem antes de chegar à
foz.
Evidentemente, em que pese tal “propensão geológica” ao
fenômeno do assoreamento, o fato é que a ação humana desordenada culminou por
antecipar e reconformar seu fluxo natural, em ordem a ter gerado relevantíssimos
impactos ambientais, com incontroversos prejuízos ao ecossistema como um todo e às
diversas formas de ocupação humana na região.
Cabe destacar, também, que o rio Taquari, diferentemente dos
demais, corre num divisor de águas, o que contribui de forma significativa para maior
9
fragilidade de suas margens. Em outros termos, o processo de assoreamento antecipa a
“pressão” da vazão do rio na direção de suas margens, que tendem a serem rompidas.
Em apertada síntese, apontam-se as causas conjugadas da
aceleração do assoreamento do Rio Taquari na forma abaixo:
Causas do Problema
Antrópicas:
Naturais:
- Sensibilidade natural da - Desmatamentos;
região:
geológicas, - Alterações do uso do solo;
geomorfológicas,
- Ocupação de áreas de preservação permanente;
hidrogeológicas,
- Pastagens mal manejadas e degradadas;
sedimentológicas e edáficas;
- Monocultura no planalto;
- Variabilidade da
- Estradas mal planejadas / localizadas / conservadas;
precipitação pluviométrica.
- Interferência no regime natural do rio (intervenções
nos diques marginais do rio);
- Baixa diversificação da atividade produtiva –
pecuária de corte (planalto);
- Planos de desenvolvimento e políticas públicas;
- Desbarrancamento das margens;
- Degradação do solo por exploração mineral mal
planejada;
- Contaminação por agroquímicos (interferência na
qualidade da água).
No que diz com as causas antrópicas, o fato é que o padrão de
utilização dos solos no planalto e na planície sofreu e está sofrendo grandes alterações.
Realmente, como consequência o processo de ocupação humana na bacia desde meados
da década de 70, houve uma maior retirada da cobertura vegetal na região, sendo certo
que em 26 anos o desmatamento aumentou cerca de 1.820% (dados da EMBRAPA).
Além disso, como as áreas usadas por pastagens na bacia do alto Taquari (BAT) são
cultivadas em areias quartzosas, com alto potencial erosivo, houve um aumento no
volume das enxurradas de 15% e um incremento no aporte médio de sedimentos de
76%.
10
Em síntese:
1.
EROSÃO e ASSOREAMENTO guardam estreita relação de
2.
o ASSOREAMENTO vem sendo acelerado em decorrência
causa e efeito.;
da ausência de providências de contensão da EROSÃO;
3.
o problema da EROSÃO, por sua vez, tem sua principal razão
no manejo dos solos, notadamente na região do Planalto.
Na planície pantaneira os problemas são de outra natureza, mas
igualmente gravíssimos.
II.3- INUNDAÇÕES
A conjugação do aumento da “carga” de sedimentos no leito do rio
Taquari com a geomorfologia de sua inserção, acarreta o alagamento da planície nas
suas margens, notadamente nos períodos de “cheia”.
Com efeito, devido à deposição de sedimentos no leito do rio, há
formação de barras ao longo do canal, reduzindo a sua capacidade de reter água, o que o
torna mais elevado que suas margens adjacentes. Quando as condições críticas são
atingidas, uma inundação extrema ou uma obstrução temporária pode desencadear o
rompimento de suas margens – os arrombados 3, com o consequente escoamento de suas
águas.
Este fenômeno tem como principais consequências as inundações
3“Arrombado” é um termo regional usado para identificar o trecho do rio onde, devido ao intenso assoreamento do
seu leito, houve rompimento de suas margens ocasionando alagamento e desvio deste, ocorrendo, em alguns locais,
dificuldade de reconhecimento da calha principal e alagamento permanente.
11
permanentes, o desvio do leito do rio, perdas de áreas produtivas, alterações e perdas na
biodiversidade, alteração no pulso de inundação e alteração dos canais de navegação.
Atualmente as áreas permanentemente alagadas perfazem cerca de
11.000 Km². As imagens são eloquentes:
As consequências de tais inundações, sem dúvida, são as que mais
se prestam a controvérsias, notadamente porque contrapõem antagônicas conclusões
técnicas sobre seu enfrentamento.
Em outros termos, ao contrário do que se tem quanto a suas
CAUSAS, no que diz com alternativas de solução do que resulta das inundações na
planície, não há consenso.
Com efeito, ao longo de décadas já foram apresentadas diversas
propostas sem que se tenha alcançado mínima certeza de eficácia.
A título de exemplos, já se debateu acerca de: dragagem do Rio
Taquari, fechamento do arrombado do Caronal 4, prevenção de novos arrombados,
4
12
Apontado como o de maior relevância
criação de novos canais ao leito do rio, construção de diques marginais, construção de
represas para contenção de sedimentos e até mesmo defendeu-se a “total abstenção”,
com a criação de Unidade de Conservação ambiental, em ordem a se alcançar a
indenização de proprietários rurais atingidos e/ou realocação de comunidades
ribeirinhas. Nenhuma dessas alternativas revela-se incontroversa entre os estudiosos ou
entre a população atingida.
A par da ausência de consenso e de adoção de qualquer iniciativa
concreta de enfrentamento do problema, o fato é que pecuaristas, pequenos produtores e
pescadores profissionais têm promovido intervenções de abertura ou fechamento de
arrombados do Rio Taquari no seu cone aluvial.
Nas épocas de estiagem, há registros de que alguns arrombados são
abertos para levar água para o gado. No entanto, é mais comum o fechamento de tais
avulsões, principalmente pelos pecuaristas, com a finalidade de proteger suas terras
contra as inundações. Nesse processo, em geral são usadas dragas e sacos de alinhagem
cheios de areia, galhos e troncos de árvores para formar “barreira de contenção”
(imagem ilustrativa abaixo):
Por outro lado, há relatos de que os pescadores profissionais têm
provocado a abertura de arrombados para facilitar a captura de peixes.
Pontue-se que tais intervenções têm ocorrido à revelia do Estado e,
mais importante, sem que se leve em consideração os impactos ambientais delas
decorrentes.
À vista do aparente antagonismo de interesses entre pescadores e
13
produtores rurais na questão, conforma-se acentuada tensão social na região, com
registros de conflitos entre os diferentes grupos5. Pontue-se, por necessário, que tal
situação também deriva da abstenção do Poder Público em dar cobro às consequências
de sua OMISSÃO, que em verdade é a CAUSA do “desarranjo” socioambiental aqui
tratado.
Em outros termos, no que diz com o Poder Público, verificam-se
OMISSÕES nas CAUSAS e nas CONSEQUÊNCIAS dos graves (e notórios) problemas
verificados na Bacia do Rio Taquari.
III- PROJETOS-PRETENSÕES- CONCLUSÕES:
Como já reiteradamente afirmado, muitos foram os esforços já
empreendidos na busca por soluções aos efeitos danosos à conformação ambiental do
Rio Taquari derivados das ações antrópicas em sua parte alta.
No que diz com a produção de material técnico-científico, a relação
é verdadeiramente caudalosa, conforme pode ser alcançado com o rol ora anexado e que
reproduz tão só o que foi possível resgatar em breve busca de registros na internet. VER
ANEXO
No que tem com o Poder Público, diversas “vontades políticas” já
foram externadas, caracterizando sua inequívoca ciência dos problemas e a expressa
admissão do espectro de suas responsabilidades.
Colham-se alguns dos (vários) exemplos:
III.1. O PROGRAMA PANTANAL
Em 5/6/2001 foi instituído o Programa de Desenvolvimento
Sustentável do Pantanal – Programa Pantanal. Referido programa seria custeado com
recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e dos agentes financeiros
nacionais: Tesouro Nacional e Estado de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O valor
total dos recursos para suas “ações” era de 400 milhões de dólares, com metade
oriunda de
5
empréstimo do governo brasileiro com o BID e os outros 50% por
http://www.correiodopantanal.com.br/?p=23190
http://www.estadoms.com.br/site/?page=ler&id=82232
14
contrapartidas dos Estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e governo federal. A
previsão de sua execução seria até 2009, sendo então previstas 2 fases de 4 anos cada
uma. Durante a Fase 1 seriam investidos 165 milhões de dólares. Na Fase 2 a previsão
de aplicação era de 235 milhões.
O Programa era dividido de acordo com os eixos da Agenda 21 6
distribuídos pelas Agendas Verde, Azul, Marrom. A Agenda Verde contemplava três
componentes: Proteção do Ecossistema, da Fauna e da Ictiofauna, Apoio a Atividades
Econômicas Sustentáveis e Estradas-Parque e Estradas Cênicas. Dois componentes
integravam a Agenda Azul do Programa Pantanal: Gestão e Conservação de Recursos
Hídricos e Gestão de Solos e Agrotóxicos. O objetivo dos trabalhos da Agenda Marrom
era implantar, melhorar e/ou ampliar os serviços básicos de abastecimento de água e de
coleta e tratamento de esgotos e manejo e destinação final de resíduos sólidos urbanos
na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP).
Em que pese a descontinuidade do Programa, o fato é que no final
de outubro de 2001 foram realizados os primeiros repasses financeiros da União aos
Estados e ao IBAMA e, em dezembro daquele ano, os repasses do BID, dos quais o
montante de R$ 1.443.900,00 (um milhão, quatrocentos e quarenta e três mil e
novecentos reais) foram destinados ao Mato Grosso do Sul7.
No que diz com a execução de todo o Programa, vale destacar as
conclusões que foram alcançadas pela Controladoria Geral da União na tomada de
contas anual da Secretaria Executiva do Mistério do Meio Ambiente (Relatório nº
175786) referente ao ano de 20058:
“O Programa de Desenvolvimento Sustentável do Pantanal – Programa Pantanal ,
Fase 1, foi assinado em 5/6/2001, com valor, inicialmente,de US$ 165 milhões
(parcela BID de US$ 82,5 milhões, e contrapartida de US$ 82,5 milhões). Em
Euros, esse valor corresponde, inicialmente, a EUR$ 184.956.844,00 (parcela
BID de EUR$ 92.478.422,00, e contrapartida nacional de EUR$ 92.478.422,00).
Ao final do exercício de 2005, verificamos que foram executados apenas EUR$
4.326.597,22 (parcela BID + contrapartida), que, comparados, ao valor total de
6
7
8
15
Agenda 21: um dos principais resultados da conferência Eco-92 , ocorrida no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992. É um
documento que estabeleceu a importância de cada país a se comprometer a refletir, global e localmente, sobre a forma pela
qual governos, empresas, organizações não-governamentais e todos os setores da sociedade poderiam cooperar no
estudo de soluções para os problemas socioambientais. Cada país desenvolve a sua Agenda 21 e no Brasil as discussões são
coordenadas pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional (CPDS)
Informações prestadas pela Coordenação Estadual do Programa Pantanal ao MPF nos autos do ICP1.21.000.000340/2003-14
Disponível em http://sistemas.cgu.gov.br/relats/uploads/RA175786.pdf
EUR$ 184.956.844,00, previstos inicialmente, correspondem a uma execução
financeira de 2,34 %. Se considerarmos a execução da parcela BID, ela alcançou
o montante de EUR$ 1.653.566,46, que corresponde a 1,75 % do valor
inicialmente previsto (EUR$ 92.478.422,00). Se considerarmos a contrapartida,
ela atingiu o montante de EUR$ 2.673.028,76, que corresponde a 2,34 % do
valor de EUR$ 92.478.422,00, inicialmente previsto” (grifou-se)
Bem se vê que definitivamente a abstenção (omissão) do Poder
Público na condução de providências quanto ao tema aqui tratado parece derivar muito
mais de incúria administrativa do que da falta de recursos para tanto.
Fato é que em meados de 2006 o Programa Pantanal restou
desativado.
Não obstante a tibieza dos resultados alcançados na (curta)
vigência do referido Programa, no que interessa especificamente ao tema aqui tratado,
(mais um) grupo de trabalho foi constituído e custeado com suas verbas. De fato, por
meio da Portaria nº 254 do Ministério do Meio Ambiente, publicada no DOU nº 170,
seção 1, de 02/09/2005, houve instituição de equipe encarregada de “elaborar
propostas para a recuperação ambiental do Rio Taquari”.
O resultado de seu trabalho consistiu na elaboração de (mais um)
Relatório intitulado “Recuperação do Rio Taquari” (cópia de exemplar em anexo). Suas
conclusões acerca do que seria necessário, em resumo, não diferem de tantos outros que
o antecederam. Ainda uma vez mais, ali pontuaram-se necessidades de “ações de
conservação de solo e água, com ênfase na Bacia do Alto Taquari”.
Em detalhamento do que deveria ser implementado, apresentou-se
como recomendável:
1. Conservação de Solo e água
Objetivo: reduzir os processos erosivos da bacia hidrográfica do rio Taquari por meio
de técnicas de manejo e conservação de solo que reduzam a erosão e promovam a
adequada infiltração de água no solo.
Principais ações: elaboração e implementação de projetos de conservação de solo e
água onde sejam aplicadas as mais variadas técnicas conservacionistas, tais como:
terraceamento, subsolagem, plantio direto, estabilização e/ou recuperação de voçorocas,
recuperação de áreas degradadas e, em casos especiais, bacias de captação de água.
16
2. Programa de recomposição da reserva legal e áreas de preservação permanente
Objetivo: desenvolver projetos de recomposição da reserva legal e áreas de preservação
permanente, a partir de uma avaliação holística da bacia hidrográfica e criar meios para
a implementação desses projetos.
Principais ações: elaborar um diagnóstico da situação dos remanescentes florísticos da
bacia, desenvolver estudo de reagrupamento desses remanescentes de forma a que eles
possam cumprir seu papel de proteção do solo e da biodiversidade, definir, por
propriedade rural, as ações a serem implementadas com vistas a, no mínimo, cumprir a
legislação vigente e disponibilizar mudas para a recuperação das áreas.
3. Recuperação das Pastagens
Objetivo: tornar mais eficiente a pecuária de corte, por meio da recuperação das
pastagens e melhoria do manejo.
Principais ações: adequação de estradas vicinais para permitir o recebimento de
insumos na propriedade, conservação e manejo do solo e água, (controle a erosão,
manejo de água, calagem e fertilização), utilização de variedades adaptadas à região que
promovam boa cobertura do solo, adequação do número de cabeças por hectare e
manejo das pastagens.
4. Readequação das Estradas Vicinais
Objetivo: readequar as estradas vicinais, de forma a evitar que sejam pontos de
concentração de águas pluviais, transformando-as em meios de manejo ecológico onde
as águas das chuvas são dirigidas para áreas agrícolas com conservação de solo e água.
Principais ações: implementação de sistemas de adequação de estradas com
levantamento do leito, abaulamento, construção de lombadas e integração do leito com
os terraços das áreas rurais e com caixas de retenção, em casos especiais.
5. Reconversão produtiva da região
Objetivo: criação de um Polo Florestal na bacia do alto Taquari, com vistas a
adequação da atividade produtiva da região.
Principais ações: criação de um programa de estímulo à instalação de culturas perenes,
utilizando técnicas adequadas de conservação de solo, tendo como base a aptidão
agrícola dos solos.
17
Não obstante o esforço e o dispêndio de recursos públicos carreados
à elaboração do Relatório, o fato é que dele não derivou qualquer ação concreta.
III.2
–
O
MINISTÉRIO
DO
MEIO
AMBIENTE
E
OS
PLANO
PRURIANUAIS(PPA)- 2008/2011 (Lei 11.653/2008) e 2012-2015 (Lei 12.593/2012)
No ano de 2007, por meio do Decreto Presidencial nº 6.101 de 26
de abril daquele ano, foi criado no âmbito do Ministério do Meio Ambiente (MMA) o
Departamento de Revitalização de Bacias Hidrográficas- DRB. Nos termos do art.25 de
referido marco regulatório, compete ao DRB:
I - subsidiar a formulação de políticas e normas e a definição de estratégias para a
implementação de programas e projetos em temas relacionados com a
recuperação
e
revitalização
de
bacias
hidrográficas;
II - promover a articulação intra e intergovernamental e com os atores sociais
para a implementação do Programa de Recuperação e Revitalização de Bacias
Hidrográficas;
III - supervisionar e articular as ações intergovernamentais relacionadas à
implementação do Programa de Recuperação e Revitalização de Bacias
Hidrográficas e do Programa de Conservação de Bacias Hidrográficas com
Vulnerabilidade
Ambiental;
IV - supervisionar e articular as ações do Ministério relacionadas ao Programa de
Recuperação
e
Revitalização
de
Bacias
Hidrográficas;
V - propor, coordenar e implementar programas e projetos na sua área de
competência;
VI - acompanhar e avaliar tecnicamente a execução de projetos na sua área de
atuação;
VII - assistir tecnicamente aos órgãos colegiados na sua área de atuação; e
VIII - executar outras atividades que lhe forem atribuídas na área de sua atuação.
A partir de então, o DRB passou a coordenar o Programa de
Revitalização de Bacias Hidrográficas em Situação de Vulnerabilidade e Degradação
Ambiental (constante do PPA-2008/2011 – Programa 1305).
Referido Programa previa nove ações, das quais duas delas
relacionadas à revitalização da Bacia do Alto Paraguai (que contempla a Bacia do
Taquari), sendo certo que a de número 18.541.1305.2B76.0054 (2B760000) - “Apoio a
Projetos de Desenvolvimento Sustentável na Bacia do Alto Paraguai”, referiam-se ao
estado do Mato Grosso do Sul. Veja-se a descrição de tal “ação”9 :
Finalidade – Promover a conservação da paisagem, da biodiversidade e a
melhoria da qualidade ambiental na bacia do Alto Paraguai – Pantanal, através
do fomento a projetos sustentáveis de manejo e uso de recursos naturais.
Descrição – Fomento a projetos que consolidem as bases para o
desenvolvimento sustentável da região, promovendo a proteção do solo e das
águas, a conservação da paisagem e a biodiversidade, o ordenamento territorial e
9 extraída só sítio do MPOG-Secretaria de Orçamento Federal
18
a organização institucional e social para a sustentabilidade.
Unidade Administrativa Responsável – Secretaria de Recursos Hídricos e
Ambiente Urbano (SRHU/DRB)
Implementação da Ação – Coordenar as ações pelo Ministério do Meio
Ambiente (MMA) e descentralizar sua execução técnica, por meio de convênios
com os diversos parceiros envolvidos e repassar os recursos por meio de
convênio firmado com o MMA.
À luz da tibieza do quanto efetivamente providenciado (nada!)
quanto à Bacia do rio Taquari (responsável por 36% do Pantanal) e do decurso do prazo
de vigência da Lei 11.653/08, bem se vê que o MMA parece atribuir muitíssimo pouco
ortodoxa etimologia à palavra ação.
A Lei nº 12.593 de 18 de janeiro de 2012, que instituiu o Plano
Plurianual da União para o período 2012-2012, por sua vez, também veicula objetivos e
metas relacionados ao tema aqui tratado. VER ANEXO
Com efeito, seu OBJETIVO nº 0665 é precisamente “ Promover a
revitalização de bacias hidrográficas por meio de ações de recuperação, preservação e
conservação que visem o uso sustentável dos recursos naturais, a melhoria das
condições socioambientais e à melhoria da disponibilidade de água em quantidade e
qualidade”. É secundado, dentre o mais, pelas seguintes METAS: (1) conservar e
recuperar 6000 hectares de solos, matas ciliares e áreas de nascentes; (2) reduzir os
níveis de poluição hídrica em bacias críticas em 28.000 Kg DBO/Dia - média anual e
(3) revitalizar 60 sub-bacias hidrográficas.
Prevê, ainda, a título de “iniciativas”, que compõem o
“PROGRAMA 2026 - Conservação e Gestão de Recursos Hídricos”, detalhado, dentre
o mais, pelas iniciativas 04C7 - Recuperação e controle de processos erosivos em
municípios das Bacias do Pantanal Matogrossense e Sul-Matogrossense / Custo Total:
R$ 110.000.000,00 com data de início prevista para 01/01/2012 e data de término em
31/12/2015 e 04C8 - Recuperação e controle de processos erosivos em municípios das
Bacias dos Rios Taquari e Vermelho/Custo Total: R$ 110.000.000,00 com previsão de
data de início em 01/01/2012 e de término em: 31/12/2015.
Em que pese a veiculação de tais objetivos, o fato é que até a
presente data não se tem notícia de quaisquer providencias relacionadas à sua
implementação
19
Seja como for, o fato é que por sua reiterada inserção em Planos
Plurianuais não há dúvidas de que a solução da questão aqui tratada já é admitida como
diretriz, objetivo e meta da Administração Pública.
II.3- O MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E O FUNDO NACIONAL DO MEIO
AMBIENTE
Em decorrência de parceria institucional firmada entre o Ministério
do Meio Ambiente (MMA), por intermédio do Fundo Nacional do Meio Ambiente
(FNMA), Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU), Agência
Nacional de Águas (ANA) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), em outubro de 2007, foi elaborado o “Termo de Referência nº. 01/2007”10
com vistas a colher e avaliar projetos orientados para o fomento e a elaboração de
projetos e ações de recuperação e conservação da sub-baciahidrográfica do rio
Taquari.
Em sua justificativa referido Termo de Referência reproduz à
inteireza tudo quanto já fora concluídos em várias outras manifestações técnicas
anteriores. Veja-se trecho elucidativo:
“No passado, os incentivos fiscais proporcionados pelos programas
governamentais - Polo Centro e Polo Noroeste - para a expansão de fronteiras
agrícolas, modificaram os sistemas produtivos na Sub-Bacia do Alto Taquari,
com direcionamento para as atividades agropecuárias.
Essa rápida expansão da atividade agropecuária provocou desmatamento de
áreas e ocupação de APP causando o carreamento de solos para a planície
pantaneira, causando impactos no bioma Pantanal, pela alteração da
biodiversidade e na estruturas dos ecossistemas.
A ocorrência natural de produção e deposição de sedimentos na Bacia do
Taquari foi intensificada com a expansão desordenada da agropecuária na
Bacia. As áreas situadas no alto da Bacia são mais suscetíveis aos processos
erosivos devido a ocorrência de solos de textura arenosa de baixa fertilidade,
com manejo inadequado e sem a adoção de práticas conservacionistas de solo e
água. Calcula-se que a sedimentação atual da Bacia esteja na ordem de 36 mil
toneladas por dia em comparação a cerca de 22 mil toneladas na década de
oitenta, o que levou ao assoreamento rápido e rompimento da margem do rio,
causando o espraiamento da água nas planícies adjacentes. Ao extravasar para
a planície, as águas perdem energia e depositam o sedimento em suspensão,
formando mudanças de curso do rio devido a fenômeno de avulsão fluvial.
Além dos prejuízos econômicos, verifica-se degradação ambiental bastante
visível em toda bacia. Na forma de áreas degradadas, supressão de matas
ciliares, de encostas de morros e reservas legais. Outro fator desencadeador do
processo constitui a inadequação da maioria das estradas da região, que
também têm causado não somente erosões por sulco, mas também o surgimento
de grandes voçorocas com rebaixamento do lençol freático nessas localidades.
Este quadro de degradação ambiental, econômica e social, justifica um esforço
concentrado, com a participação de toda a sociedade para minimizar e reverter
essa situação, no médio e longo prazo, com envolvimento dos setores de
10 Exemplar em anexo
20
pesquisa, extensão rural e agropecuário, órgãos ambientais das três esferas de
governo, proprietários rurais e demais envolvidos.”
Na descrição de seu “objeto” o Termo estabelecia os requisitos
necessários à apresentação de projetos para a recuperação e conservação da Sub-Bacia
do Rio Taquari, com ênfase em:
a) Produção de mudas de espécies florestais e frutíferas nativas;
b) Apoiar e promover a recuperação de áreas degradadas, as respectivas
nascentes e matas ciliares e a adequação ambiental das propriedades rurais,
bem como a conservação dos recursos naturais da sub-bacia.
c) Desenvolver e implementar programa de capacitação de técnicos, operadores
de máquinas e de produtores rurais e campanha de conscientização e
sensibilização da comunidade sobre os aspectos associados ao manejo
sustentável da Sub-Bacia do Rio Taquari;
d) Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos para a Sub-Bacia do Rio
Taquari;
e) Fomento para criação do Comitê da Sub-Bacia do Rio Taquari.
O que então se buscava era classificado em “chamadas”, assim
sintetizadas:
Chamada I - Projetos que visem a formação de uma rede de viveiros com vistas a
terminação/finalização de mudas produzidas por outro(s) viveiro(s). Desta forma,
haverá aumento na disponibilidade de mudas de espécies florestais e frutíferas nativas
aos agricultores e pecuaristas da Sub-Bacia do Rio Taquari, além de minimizar
problemas durante o deslocamento das mudas.
Chamada II - Projetos que visem apoiar e promover a recuperação de áreas
degradadas, as respectivas nascentes e matas ciliares e a adequação ambiental das
propriedades rurais, bem como a conservação dos recursos naturais da sub-bacia. Nesta
adequação, incluindo eventuais restabelecimentos das reservas legais, deverá ser
considerado a possibilidade de formação de conectividade entre os remanescentes
florestais. A quantidade e a extensão das áreas a serem recuperadas deverá ser feita com
base na criticidade ambiental da degradação existente.
Chamada III – Projetos que visem desenvolver e implementar programas de
capacitação de técnicos e de produtores rurais; abordando minimamente os seguintes
temas: a) diversificação de atividades produtivas e boas práticas agropecuárias; b)
adequação ambiental, com ênfase na promoção do Licenciamento Ambiental da
Propriedade Rural e adesão ao Ato Declaratório Ambiental (ADA); c) conservação dos
recursos naturais das propriedades rurais; d) treinamento de técnicos, operadores de
21
máquinas e de produtores rurais; campanha de conscientização e sensibilização da
comunidade dos municípios da Sub-Bacia do Alto Taquari, e e) campanhas de
conscientização e sensibilização da comunidade sobre os aspectos associados ao manejo
sustentável da Sub-Bacia do Rio Taquari.
Chamada IV – Elaboração do Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS)
para a Sub-Bacia do Rio Taquari.
Chamada V – Fomento para criação do Comitê da Sub-Bacia do Rio Taquari.
No exemplar de referido Termo resgatado pelo MPF (e ora
anexado) pode-se alcançar maior detalhamento do que se tinha como “acões
necessárias”, sendo certo que o Termo de Referência também descrevia os recursos
disponibilizados para tanto:
Tipo de projeto
Prazo de
execução
(meses)
Recurso disponível por projeto
(R$)
Mínimo
Máximo
Total de recursos
previstos (R$)
Chamada I
12 a 18
200.000,00
300.000,00
300.000,00
Chamada II
12 a 18
1.000.000,00
3.450.000,00
3.450.000,00
Chamada III
12 a 18
200.000,00
500.000,00
500.000,00
Chamada IV
12 a 18
300.000,00
500.000,00
500.000,00
Chamada V
12 a 18
150.000,00
250.000,00
250.000,00
Total (R$)
5.000.000,00
Por fim pretendiam-se como “resultados”:
•
A formação de uma Rede de Viveiros para a terminação/finalização de mudas,
através da ampliação da capacidade produtiva de viveiros localizados na SubBacia do Rio Taquari a fim de incrementar a produção de mudas de espécies
nativas para atividades de recuperação de áreas degradadas, nascentes e matas
ciliares e adequação ambiental das propriedades rurais;
•
Recuperação de áreas degradadas, proteção e preservação de nascentes e matas
ciliares contíguas às nascentes, das áreas que margeiam os principais corpos
d’água e dos mananciais hídricos da Sub-Bacia do Taquari;
•
22
Ampliação do processo de adequação ambiental das propriedades rurais e
urbanas da região de abrangência do projeto, na perspectiva de regulamentação
futura;
•
Beneficiários comprometidos formalmente com a conservação dos recursos
naturais e com uso e manejo sustentável do solo, e dos demais recursos naturais
da Sub-Bacia do Rio Taquari;
•
Envolvimento efetivo dos órgãos envolvidos na gestão dos recursos hídricos e
de resíduos sólidos na Bacia do Taquari;
•
Operadores de máquinas, técnicos e produtores rurais capacitados;
•
Jovens e citadinos dos municípios da Sub-Bacia do Rio Taquari conscientizados
e sensibilizados em diferentes níveis, sobre os aspectos associados ao manejo
sustentável dos recursos naturais da Sub-Bacia do Rio Taquari;
•
Plano de Regional de Resíduos Sólidos da Sub-Bacia do Rio Taquari;
•
Criação do Comitê de bacia hidrográfica da Sub-Bacia do Rio Taquari.
Efetivamente não se tem notícia acerca do que se alcançou com
essa “iniciativa”, sendo certo, entretanto, que se “projetos” foram eleitos, deles não
resultou qualquer efeito prático na bacia do Rio Taquari.
O que se pode extrair dessa exposição, contudo, é que se tem mais
um exemplo da admissão expressa do espectro de responsabilidade da Administração
Pública quanto ao tema aqui cuidado.
II.4- GRUPO DE TRABALHO INTERMINISTERIAL
Apesar de tudo quanto já restava produzido acerca do tema, ainda
uma vez mais, o Governo Federal instituiu Grupo de Trabalho Interministerial- GTI
(Decreto de 7 de agosto de 2006) formado pela Casa Civil da Presidência da República
(coordenação), pelos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; do
Desenvolvimento Agrário; da Integração Nacional; do Meio Ambiente; do
Planejamento, Orçamento e Gestão; dos Transportes; e pela Agência Nacional de
Águas.
Em novembro de 2008 referido Grupo de Trabalho publicou suas
conclusões no que denominou de “Programa de ações para promover a proteção e
23
recuperação ambientais da bacia hidrográfica do rio Taquari”. VER ANEXO
Aponte-se que já na sua apresentação, o GTI admite expressamente
que “o presente programa, portanto, apresenta a versão consolidada das ações
estratégicas selecionadas para bacia, considerada a totalidade da bacia hidrográfica”.
Observe-se, ainda, que referido “Programa” descreve cada ação
reputada necessária, apresentando a respectiva justificativa, as atividades específicas a
serem implementadas, os responsáveis pela execução, os custos previstos, a origem dos
recursos e sua vinculação com o PPA, o prazo de execução e os resultados esperados.
Admite, ainda, quatro objetivos específicos, detalhando ao fim e ao cabo, as medidas
concretas que devem ser implementadas na Bacia.
Com efeito, são apresentados como objetivos do Programa:
Objetivo Específico I - Promover o desenvolvimento, a manutenção e a
recuperação de Sistemas Sustentáveis de Produção, promover o desenvolvimento,
a manutenção e a recuperação de Sistemas Sustentáveis de Produção. Tal objetivo
supõe ações relacionadas à (1) Conservação de solo e água; (2) Organização e
desenvolvimento tecnológico e institucional; e (3) Sistemas sustentáveis de produção na
região do médio e baixo Taquari. Prevê como necessário para tanto:
•
a adequação de estradas vicinais;
•
a recuperação de Pastagens degradadas e a contenção e
estabilização de voçorocas;
•
Incentivo ao manejo e conservação de solo e água;
•
Apoio à pesquisa agropecuária;
•
Apoio ao plano de gestão integrada das microbacias – ATER
Objetivo Específico II - Promover a recomposição da cobertura vegetal, de
reservas legais e área de preservação permanente formando corredores de
biodiversidade e novas reservas na bacia do Rio Taquari. Pressupõe a necessidade
de recomposição da vegetação, reserva legal e áreas de preservação, elegendo como
alternativas a formação de Corredores de Biodiversidade e/ou a implantação de
Unidades de Conservação.
Objetivo Específico III - Promover o fortalecimento e a capacitação das
24
instituições de recursos hídricos e meio ambiente atuantes na bacia do Rio
Taquari. Entende-se como estratégia necessária o fortalecimento institucional e a
mobilização social no que diz com os recursos hídricos e o meio ambiente na região.
Objetivo Específico IV - Promover a mitigação e manutenção da estabilidade do
leito e das margens do Médio e Baixo curso do Rio Taquari. Em que pese ter sido
elencado como objetivo geral do Programa, não há detalhamento do que seria
necessário.11.
Destaque-se, também, o detalhamento apresentado pelo Grupo de
Trabalho Interministerial- GTI no que diz com os custos das ações governamentais que
propõe, bem como a indicação da origem dos recursos necessários para boa parte delas:
Ação
Custo (R$)
Origem Recursos
1
Treinamento de técnicos da assistência
técnica e extensão rural, beneficiários do
programa e outros atores nos estados de
MT e MS.
1.593.600,00
---
2
Instrumentos de Políticas Públicas
---
---
3
Apoio à pesquisa agropecuária
1.500.000,00
---
4
Incentivo ao manejo e conservação do
solo e controle da poluição
1.520.000,00
---
5
Contenção e estabilização de voçorocas
672.000,00
---
6
Recuperação de Pastagens Degradadas
1.881.000,00
---
7
Adequação de Estradas Vicinais
4.000.000,00
---
8
Apoio ao Mapeamento da Sub-bacia e
Elaboração de Projetos das Propriedades
Rurais
480.000,00
---
9
Elaboração de programa de
comunicação, educação ambiental e
mobilização social na área de Recursos
Hídricos
60.000,00
ANA/PROÁGUA
10
Avaliação da situação atual e adequação
da rede hidrometeorológica
110.000,00
ANA/PROÁGUA
11
Apoio à formação de comitê de bacia
80.000,00
ANA/PROÁGUA
12
Fiscalização e monitoramento
230.000,00
ANA/PROÁGUA
13
Revisão e adequação do arcabouço
jurídico e legal
40.000,00
ANA/PROÁGUA
14
Preparação e execução de programas de
capacitação e treinamento em gestão de
275.000,00
ANA/PROÁGUA
11 neste passo, reitere-se o quanto aqui já afirmado: no que diz com alternativas de enfrentamento do que resulta das inundações
na planície, não há consenso
25
Recursos Hídricos
15
Apoio aos órgãos gestores estaduais
182.000,00
ANA/PROÁGUA
16
Apoio ao desenvolvimento de atividades
produtivas tradicionais (espécies nativas
fauna flora)
1.500.000,00
---
17
Diagnóstico e monitoramento dos
recursos pesqueiros
1.000.000,00
MAPA/ Embrapa e SEAP e
parcerias
18
Fomento aos arranjos produtivos locais
1.860.000,00
MAPA, MMA, MDA, MI e
parcerias
19
Apoio à criação de UCs
200.000,00
MMA/Instituto Chico
20
Monitoramento da Cobertura Vegetal e
do Solo
250.000,00
MMA
21
Desenvolvimento de um Programa de
Produção de Mudas para a bacia do rio
Taquari
500.000,00
Emenda Parlamentar/2007
22
Desenvolvimento de estudo de
reagrupamento de Remanescentes
2.000.000,00
MMA/TNC/Estados
23
Elaboração de Mapeamento e
Diagnóstico dos Remanescentes
Florísticos
1.700.000,00
MMA/TNA/Estado
MS/MT
24
Elaboração de estudos geomorfológicos,
hidrológicos e de diagnóstico da região
600.000,00
MT/AHIPAR
25
Execução das intervenções definidas em 12.000.000,00
projeto executivo
MT
26
Elaboração de Estudos Ambientais
necessários ao licenciamento
300.000,00
---
27
Implantação de ações previstas no Plano
de Manejo da Estrada Parque do
Pantanal
5.850.000,00
MI
28
Monitoramento dos impactos sociais,
econômicos e ambientais das
intervenções
3.000.000,00
---
29
Recuperação de Áreas Degradadas –
Projeto Piloto
4.250.000,00
Emenda Parlamentar/2007
30
Criação de programa de recuperação
econômica e social visando a fomentar
arranjos produtivos e atividades
agropecuárias locais.
6.000.000,00
Ministério da Integração
Nacional, Ministério do
Planejamento, Orçamento e
Gestão e Ministério da
Agricultura, Pecuária e
Abastecimento
31
Plano de Gestão Integrada de Resíduos
Sólidos
500.000,00
Emenda Parlamentar/2007
Total
54.133.600,00
Em que pese o apuro com que foi elaborado, a consequência prática
26
de tal esforço “interministerial” alinha-se a todas as que o antecederam: NENHUMA.
II.6- MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL- SECRETARIA DE
INFRAESTRUTURA HÍDRICA
No Plano Plurianual (2012 - 2015) cabe ao Ministério da
Integração, por meio de suas Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Secretaria Nacional
de Defesa Civil – SEDEC, a execução de ações que fazem parte do Programa 2040 Gestão de Riscos e Resposta a Desastres.
Uma de tais ações é a 12L6 - Desassoreamento e Recuperação da
Bacia do Rio Taquari - No Estado do Mato Grosso do Sul
Bem se vê que, ainda que não tenha alcançado nenhuma
providência concreta, ao menos no que diz com a “vontade” governamental, o tema aqui
tratado espraia-se na esteira das atribuições precípuas de vários órgãos da estrutura
administrativa federal.
II.5- A EMBRAPA-PANTANAL
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) é
uma empresa pública federal vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA), criada pela Lei 5.851, de 07 de dezembro de 1972. Tem como
finalidade: promover, estimular, coordenar e executar atividades de pesquisa, com o
objetivo de produzir conhecimentos e tecnologia para o desenvolvimento agrícola do
País, bem como dar apoio técnico e administrativo a órgãos do Poder Executivo, com
atribuições de formulação, orientação e coordenação das políticas de ciência e
tecnologia no setor agrícola. Além disso, é responsável pela coordenação do Sistema
Nacional de Pesquisa Agropecuária - SNPA, constituído por instituições públicas
federais, estaduais, universidades, empresas privadas e fundações, que, de forma
cooperada, executam pesquisas nas diferentes áreas geográficas e campos do
conhecimento científico.
A EMBRAPA-Pantanal é uma de suas unidades desconcentradas ,
com sede na cidade de Corumbá/MS, que tem como missão viabilizar soluções de pesquisa,
desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade do Pantanal com foco no agronegócio e
no uso dos recursos naturais em benefício da sociedade brasileira. Isso vem especificado no
27
IV Plano Diretor da Embrapa Pantanal 12, válido até o ano de 2023, bem como no
Regimento Interno da Empresa, aprovado pela Deliberação nº 15, de 28 de fevereiro de
201113.
No que diz com o enfrentamento das questões aqui tratadas,a
“produção” da EMBRAPA-Pantanal é verdadeiramente pródiga.
Dentre inúmeros trabalhos científicos, relacionam-se os que
seguem a título de exemplos:
II.5.1- Em esforço que contou com a colaboração da Agência Nacional de ÁguasANA, Fundo para o Meio Ambiente Mundial- GEF, Programa das Ações Unidas para o
Meio Ambiente- PNUMA e a Organização dos Estados Americanos- OEA, a
EMBRAPA-Pantanal elaborou o Projeto “IMPLEMENTAÇÃO DE PRÁTICAS DE
GERENCIAMENTO INTEGRADO DE BACIA HIDROGRÁFICA PARA O PANTANAL
E BACIA DO ALTO PARAGUAI” que, dentre o mais, contemplava o Subprojeto 1.7 –
SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS RELACIONADOS AOS “ARROMBADOS” NA BACIA
DO RIO TAQUARI .
Tal trabalho também culmina por apresentar propostas necessárias
ao enfrentamento do tema que trata. São elencadas, por síntese:
•
•
•
•
•
•
•
12
Ações de controle das atividades agropecuárias no Planalto.
Ações de pesquisa, avaliação, monitoramento e controle dos
principais “arrombados” com a participação da população local e
instituições de pesquisa.
Ações de mobilização, articulação e organização social da
população ribeirinha.
Ações de capacitação em gestão dos recursos hídricos e da pesca
junto à população ribeirinha.
Ações de estímulo à formação de arranjos institucionais que
favoreçam a elaboração de políticas públicas para o
desenvolvimento sustentável destes territórios.
Ações de incentivo à produção agroecológica, favorecendo a
diversificação dos cultivos, a conformação de sistemas
agroflorestais, o agroextrativismo, e a otimização dos sistemas
produtivos tradicionais.
Ações de incentivo à construção de estratégias ambientalmente
sustentáveis de geração de renda, agregação de valor e escoamento
da produção local.
EMBRAPA PANTANAL. IV Plano Diretor da Embrapa Pantanal. Disponível em: <http://www.cpap.embrapa.br/PDU
%20PANTANAL%20final.pdf > Acesso em: 19.abril.2013.
13 EMBRAPA.
Deliberação
n.
15,
de
28
de
fevereiro
de
2011.
Disponível
em:
<http://hotsites.sct.embrapa.br/acessoainformacao/institucional/regimentos/institucional/regimentos/Embrapa_Pantanal.pdf
>
Acesso em: 19.abril.2013.
28
II.5.2- Outra obra de envergadura técnica produzida pela EMBRAPA-Pantanal que
merece menção é a publicação “Ações para solucionar os problemas da bacia do Rio
Taquari – Pantanal” (GALDINO, Sérgio; PADOVANI, C. R; RESENDE, E. K. de;
SORIANO, B. M. A; TOMICH, T. R; LARA, J.A. F. de, Corumbá, MS). Propõe:
• Dragagem do Taquari na planície, a fim de restaurar os padrões de
inundação anteriores às erosões decorrentes da ação humana no
planalto iniciadas a partir de meados da década de 70;
• Manutenção das barrancas do rio em pontos críticos da planície, a fim
de evitar a formação de novos extravasamentos;
• Implementação de amplo Programa de Conservação de Solos na BAT,
contemplando a implantação de atividades produtivas que aumentem a
cobertura dos solos, objetivando a redução da perda de solo e do
escorrimento superficial de água, principalmente em áreas de pastagem.
• Contenção das voçorocas no planalto;
• Implantação de Programa de Preservação e Recuperação de Mata
Ciliar na BAT;
• Implementação de Programa de Extensão Rural no planalto,
contemplando o enfoque ambiental, a fim de acelerar a adoção de
tecnologias voltadas à redução das perdas de solos e água em bases
econômicas sustentáveis;
• Recuperação e manejo adequado das pastagens no planalto, de modo a
melhorar a cobertura do solo, evitar a formação de trilheiros pelo gado,
e melhorar a lucratividade da atividade pecuária;
• Implementação de Programa de Educação Ambiental, envolvendo
todos os segmentos da sociedade regional, dos urbanos aos rurais;
• Recuperação, adequação e manutenção das estradas da BAT para
evitar o agravamento e surgimento de erosões, principalmente
voçorocas;
• Avaliação da viabilidade operacional de barragens de contenção de
sedimentos no planalto.
• Estudos que subsidiem as instituições responsáveis, o processo de
regularização fundiária de áreas habitadas e o acesso às políticas
públicas direcionadas ao perfil familiar de produção.
• Ações que favoreçam o manejo da fauna silvestre
II.5.3- menção há de ser dada, ainda, ao livro “Impactos Ambientais e Socioeconômicos
na Bacia do Rio Taquari-Pantanal” (vários autores) que traz coletânea de artigos
científicos que abordam o largo espectro de situações verificadas naquele ecossistema.
Com efeito, referida obra cuida da quase totalidade das varáveis envolvidas no tema
aqui versado. Veja-se a relação de temas:
•
•
•
•
•
•
•
29
Bacia do Rio Taquari e seus problemas ambientais e socioeconômicos.
Diagnóstico e diretrizes do Plano de Conservação da Bacia do Alto
Paraguai para a Bacia do Rio Taquari.
Contaminação potencial do Pantanal por pesticidas utilizados na Bacia do
Alto Taquari (MS).
A piscicultura na Bacia do Alto Taquari.
Potencial erosivo da Bacia do Alto Taquari.
Evolução da erosividade das chuvas na Bacia do Alto Taquari.
Desmatamento na Bacia do Alto Taquari no período de 1976 a 2000.
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Avaliação do uso da terra na Bacia do Alto Taquari em 2000.
Dinâmica hidrográfica e de sedimentação do Rio Taquari no Pantanal.
Geocronologia do assoreamento e níveis de mercúrio em lagos marginais
do Rio Taquari no Pantanal.
Alterações no regime hidrológico da Planície do Baixo Taquari.
Inundações no leque aluvial do Rio Taquari.
Características e alterações limnológicas na Bacia do Rio Taquari.
Biologia e ecologia de peixes da Bacia do Rio Taquari.
A pesca na Bacia do Rio Taquari.
Os pulsos de inundação e a produção pesqueira na Bacia do Rio Taquari.
Alterações florísticas na Planície do Baixo Taquari.
Impacto da inundação dobre as fitofisionomias da Planície do Baixo
Taquari.
Impacto da inundação na socioeconomia da planície do baixo Taquari,
período de 1970 a 1996.
As populações tradicionais e os “arrombados” no Baixo Taquari.
Projetos de pesquisa e desenvolvimento, e perspectivas para a Bacia do
Rio Taquari.
Recomendações para mitigar os impactos ambientais e socioeconômicos
na Bacia do Rio Taquari.
Ainda uma vez mais, enfatize-se que o que resta relacionado aqui é
apenas uma “amostra” do conhecimento técnico angariado pela EMBRAPA-Pantanal ao
longo de sua inserção naquela região. A bem da verdade, houve participação de seus
técnicos em praticamente TODOS os demais projetos encaminhados pelas diversas
instâncias públicas e privadas acerca do tema aqui tratado.
À luz do que já se expôs, então, resta incontroverso que:
1.
o acentuado processo de assoreamento do Rio Taquari,
derivado dos danos ambientais verificados ao longo de suas margens, é causa de fortes
impactos deletérios à conformação socioambiental de sua bacia.;
2.
a atual conformação do Rio Taquari sofreu e sofre efeitos
deletérios derivados da ação antrópica na parte alta de sua bacia;
3.
a ocupação humana da parte alta da bacia do Rio Taquari deu-
se por fomento (ação) do Poder Público a práticas econômicas incompatíveis com a
conformação geomorfológica da região;
4.
a par da AÇÃO do Poder Público ter sido determinante dos
danos ambientais ocasionados à Bacia do Rio Taquari, sua OMISSÃO nas
consequências foi e é determinante da continuidade acelerada dos efeitos danosos;
5.
as conclusões anteriores são admitidas pelo Poder Público, na
esteira das diversas manifestações que já veiculou por meio de seus vários órgãos.
30
Por tudo, a necessidade de urgente atuação do Estado-Juiz no
presente caso mostra-se quase intuitiva.
Realmente,
mostra-se
não
só
cabível
e
pertinente,
mas
verdadeiramente imprescindível, que se adotem medidas imediatas, em ordem a evitar a
continuidade e o agravamento dos significativos efeitos adversos que já vem sofrendo o
meio ambiente (em sua inteireza holística) conforme sobejamente aqui evidenciado.
III-BALIZAS JURÍDICAS
Antes de se prosseguir na análise jurídica do tema aqui veiculado,
vale enfatizar seu espectro ontológico: busca-se reafirmação concreta de direito
fundamental.
Com efeito, por outorga de juridicidade de status constitucional, o
meio ambiente é consagrado como direito fundamental no ordenamento jurídico
brasileiro, o que, segundo Antônio Herman Vasconcelos Benjamim14, outorgou ao
equilíbrio
ecológico
os
atributos
da
“irrenunciabilidade,
inalienabilidade
e
imprescritibilidade”
A irrenunciabilidade vem denunciada pela impossibilidade da
renuncia à obrigação de preservar, recuperar, restaurar e indenizar, não se admitindo
que o infrator alegue direito de degradar por omissão ou até mesmo por aceitação,
expressa ou implícita, dos prejudicados ou de seus porta-vozes institucionais como a
administração pública, as ONGs o MP entre outros. A inalienabilidade vem escorada na
titularidade pulverizada, constitucionalmente universalizada, não se podendo aceitar a
alienação individual ou coletiva diante da qualificação supraindividual do bem difuso
constitucional. A imprescritibilidade deriva do perfil intertemporal ou atemporal do
direito fundamental ao meio ambiente, uma vez que entre os seus beneficiários estão,
além desta, as futuras gerações, sendo um despropósito defender que aquilo que não
pode ser ativamente alienado admita alienação passiva, em decorrência da
inexorabilidade do tempo. O STF já assentou tal entendimento no MS nº 22164-0,
relatado por Celso de Melo.
14 Direito Ambiental Constitucional Brasileiro, SP, 2007, p.98-100.
31
Tais
considerações,
sobre
serem
comezinhas,
mostram-se
relevantes ao que aqui se cuida, sobretudo ao se ter em conta que o equilíbrio ecológico
da Bacia do Rio Taquari tem sido:
1.
“renunciado”, na medida em que a obrigação (de todos, e em
especial do Poder Público) no seu “enfrentamento” vem sendo descumprida;
2.
“alienado”, uma vez que as causas de seu tangenciamento
relacionam-se ao fomento de investimentos produtivos, notadamente na parte alta da
Bacia (planalto), sem qualquer cuidado às consequências ambientais disto decorrentes;
3.
“eternizado”, ante à permanência por larguíssimo lapso de
causas e consequências dos graves danos ambientais verificados.
III.1- PERTINÊNCIA SUBJETIVA E COMPETÊNCIA
Por outro lado, em se tratando do direito (fundamental) subjetivo
público ao “...meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à qualidade de vida...” (art. 225, “caput”, da Constituição), clássico exemplo
de direito difuso, transindividual, indivisível, titulado por pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, I, do Código do Consumidor
c/c art. 21 da Lei nº 7.347/85), o MINISTÉRIO PÚBLICO, mais que legitimado, está
obrigado a provocar o PODER JUDICIÁRIO à sua tutela (arts. 127 e 129, III, da
CRFB; arts. 5º, III, ‘d’, e 6º, VII, ‘b’, da LC 75/93; art. 1º, I, e 5º, “caput”, da Lei
7.347/85). Realmente:
“ ... O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor
ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio
ambiente.” (art. 14, §1º, “in fine”, da Lei nº 6.938/81).
EGRÉGIO STJ, 'verbis':
“(...) É o Ministério Público parte legítima para propor ação civil pública na
defesa do patrimônio público, aí entendido os patrimônios histórico,
paisagístico, cultural, urbanístico, ambiental etc., conceito amplo de interesse
social que legitima a atuação do parquet. (...) (REsp 265.300/MG, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 21.09.2006, DJ
02.10.2006 p. 247).
In casu, sendo o Rio Taquari estuário que banha mais de um Estado
32
da Federação, é titulado pela UNIÃO (art. 20, III, da Constituição), donde o interesse
federal presentado pelo MPF e a competência da JUSTIÇA FEDERAL (STJ, CC
25448/RN, 1ª Seção, Rel. Min.Garcia Vieira, DJ 18.06.2001, p. 18 - STJ, Rel. Min.
Teori Zavascki, CC 40.534/RJ, DJU 17.05.04, p.100 - TRF/4ª, Rel.Des. Federal Edgar
Lippmann Júnior, 28.07.04, Informativo do TRF/4ª nº 205 – TRF/1ª, Rel. Juiz Olindo
Menezes, 3ª Turma.Ag. 1999.01.00.003941-4/MA, DJ 31.02.2000, p. 1390).
A competência comum dos diversos entes federativos envolvidos
no tema aqui veiculado justifica o litisconsórcio entre os Ministérios Públicos Estadual
de Mato Grosso do Sul e Federal.
A possibilidade de litisconsórcio entre estes dois órgãos,
pertencentes à mesma instituição e regidos pelo princípio da unidade e indivisibilidade
(art. 127, §1º, da CF), está prevista no artigo 5º, §5º, da Lei da Ação Civil Pública, nos
seguintes termos:
Artigo 5º. §5º. Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios
Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses
e direitos de que cuida esta lei. (Parágrafo acrescentado pelo artigo 113 da
Lei nº 8.078, de 11.09.1990)”
A possibilidade de litisconsórcio entre Ministérios Públicos é ainda
reconhecida pela jurisprudência, conforme se percebe do seguinte julgado do Superior
Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LITISCONSÓRCIO
FACULTATIVO ENTRE MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL
- POSSIBILIDADE - § 5º, DO ART. 5º DA LEI 7.347/85 - INOCORRÊNCIA
DE VETO - PLENO VIGOR.
1. O veto presidencial aos arts. 82, § 3º, e 92, § único, do CDC, não atingiu o
§ 5º, do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública. Não há veto implícito.
2. Ainda que o dispositivo não estivesse em vigor, o litisconsórcio
facultativo seria possível sempre que as circunstâncias do caso o
recomendassem (CPC, art. 46). O litisconsórcio é instrumento de Economia
Processual.
3. O Ministério Público é órgão uno e indivisível, antes de ser evitada, a
atuação conjunta deve ser estimulada. As divisões existentes na Instituição
não obstam trabalhos coligados.
4. É possível o litisconsórcio facultativo entre órgãos do Ministério Público
federal e estadual/distrital.
5. Recurso provido.”
(REsp 382659/RS; RECURSO ESPECIAL 2001/0142564-5, Relator
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Primeira Turma, DJ
19.12.2003 p. 322)
Fica evidenciada, assim, a possibilidade de litisconsórcio entre
33
Ministérios Públicos, principalmente em casos como o presente em que a ação é
endereçada a entes estatais de esferas federativas diversas.
Ademais, a atuação conjunta de Ministérios Públicos foi inclusive
aprovada em Súmula de Entendimento durante reunião da Rede Latino-Americana de
Ministério Público Ambiental, ocorrido entre os dias 02 e 03 de Agosto de 2011, em
São Paulo/SP, por ocasião do XI Congresso Brasileiro do Ministério Público de Meio
Ambiente, com o seguinte teor:
Súmula de Entendimento nº 5. Quando o empreendimento hidrelétrico causar
impactos ambientais transfronteiriços, em mais de um Estado da federação
ou país, cada Ministério Público colherá, junto a seus órgãos ambientais,
ONGs, Universidades, etc. informações sobre os danos locais, cumulativos e
sinérgicos, dando conhecimento destes impactos ao Ministério Público de
outro(s) Estado(s) ou país(es) para providências de tutela ambiental que forem necessárias em seu respectivo território nacional, isolada ou conjuntamente.
Ademais, a demanda é proposta em face da UNIÃO de autarquia
federal, donde a incidência do art.109, I da Constituição Federal.
Por tudo, evidenciada a pertinência do polo ativo da demanda e a
justeza da competência Federal à análise do tema.
Quanto aos limites territoriais da competência jurisdicional, bem de
ver que:
1.
a Bacia do Rio Taquari contempla os municípios de
Alcinópolis, Camapuã, Costa Rica, Coxim, Pedro Gomes, Ribas do Rio Pardo, Rio
Verde do Mato Grosso, São Gabriel do Oeste, Sonora, Corumbá e Ladário, no Estado
de Mato Grosso do Sul;
2.
os danos ambientais verificados e aqui já descritos espraiam-
3.
à exceção dos municípios de Ladário e Corumbá, todos os
se por toda a bacia;
demais atingidos compões a esfera de competência da Subseção Judiciária Federal de
Coxim (Provimento nº 336 do Conselho da Justiça Federal da Terceira Região de
22/11/2011);
4.
34
os limites objetivos do que se busca aqui conformam-se ao
Estado do Mato Grosso do Sul.
Assim, tendo em vista a competência “ratione loci” funcional em
relação ao local do dano, bem como o instituto da prevenção territorial, a competência
para o julgamento do feito é da Vara Federal do Município de Coxim.
No que diz com os apontados no polo passivo da demanda, pede-se
venia para as considerações que seguem.
Ainda uma vez mais, há de ser lembrado que o art. 225 da
CF/1988 dita que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito inalienável
da coletividade, incumbindo ao poder público ordenar e controlar as atividades que
possam afetar esse equilíbrio.
Neste sentido, o art. 23 da CF, ao definir as competências para
proteção ao meio ambiente, dispõe que lei complementar deverá fixar as normas para a
cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios.
Há de se ter em valia que de tal competência constitucional
“comum” em matéria ambiental, deriva a SOLIDARIEDADE de seus titulares. Nesse
sentido, aliás, adverte Paulo de Bessa Antunes, “não é difícil perceber que diversas das
matérias que integram a competência privativa da União estão, concomitantemente,
arroladas nas competências comum e concorrente dos diversos integrantes da
Federação”15.
Seja como for, há de se atentar ao fato de que os objetivos da
cooperação interfederativa prevista no parágrafo único do art. 23 da Constituição
Federal, de promover “o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito
nacional”, são condizentes com os objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, previstos no art. 3º da Constituição Federal (I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação).
Assim, como tais objetivos fundamentais são da República
Federativa do Brasil, cabem conjuntamente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
15 ANTUNES, Paulo de Bessa.. Federalismo e competências ambientais no Brasil, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007, p.106
35
aos Municípios (arts. 1º e 18), donde o art. 23 da Constituição Federal lhes atribuir
competência comum em matérias essenciais e estabelecer em seu parágrafo único a
possibilidade de cooperação.
É certo que, a rigor, não se haverá de entender o termo
“competência comum” com o significado de “competências iguais”, na esteira de que os
entes federativos se inserem em realidades fáticas e jurídicas díspares. É que existe uma
subdivisão horizontal ínsita à repartição vertical de competências, gerando um certo
“escalonamento” da competência comum, delimitado pela abrangência e intensidade do
interesse de cada ente federado.
Ocorre que, embora seja verdadeiro que o âmbito de atuação de
cada ente federativo possa ser delineado, suas responsabilidades quanto ao resultado são
solidárias, por força da ontologia do bem jurídico aqui tratado.
Realmente, com perdão de certo truísmo, o dever de assegurar o
equilíbrio do meio ambiente não se compraz com os formalismos das lucubrações
humanas. As urdiduras do dever-ser nem sempre são compatíveis com a inteireza
holística do bem jurídico de que aqui se cuida. Assim como a Constituição, e
parafraseando Eros Grau16, também não se “interpreta”, não se “entende” nem muito
menos se pode interferir no meio ambiente “em tiras” ou “aos pedaços”.
O que se quer pontuar é que, conquanto seja possível individualizar
o espectro de atribuições específicas a cada ente federativo, na seara ambiental não faria
sentido tal “departamentalização” de atuações, uma vez que o meio ambiente não é
“divisível”. Na matéria, a solidariedade, sobre ser jurídica, e lógica, é, antes,
“ontológica”.
A doutrina é prenhe de exemplos de referida solidariedade, valendo
destacar Celso Antonio Pacheco Fiorillo, que, ao comentar o parágrafo único do art.23
da Constituição Federal, assevera que “em relação à lei complementar mencionada no
dispositivo, deve ser dito que, enquanto não elaborada, a responsabilidade pela
proteçãoao meio ambiente é comum e solidária a todos os entes da Federação” 17.
Igualmente, Édis Milaré entende que: “A forma com a qual as
várias instâncias de poder, atendendo ao peculiar interesse de cada uma, cuidarão das
16
Voto vista ADPF 101
17 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro, . 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 70
36
matérias enumeradas deverá ser objeto de leis complementares (art. 23, parágrafo
único). Enquanto isso não ocorrer, a
responsabilidade pela proteção do meio
ambiente é comum e solidária.18 .
Na jurisprudência também se encontram decisões solidarizando os
Entes Federados com base na competência comum, a exemplo da decisão do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região, segundo a qual “embora seja de competência comum
entre os entes da federação atuar em defesa do meio ambiente e da habitação, não se
trata de hipótese de litisconsórcio necessário, mas sim, responsabilidade solidária,
ensejadora do litisconsóricio facultativo” (TRF5, AI 88082-CE, Rel. Des. Fed.
Maximiliano Cavalcanti (Substituto), 3ª Turma, DJe 05/03/2010).
Com o advento da Lei Complementar 140/2011, as finalidades da
competência comum e da solidariedade surgem reforçadas, na medida da previsão
expressa de várias alternativas de cooperação interfederativa. Realmente, em seu art. 4º,
referido marco normativo prevê, sem prejuízos de outros, os seguintes instrumentos:
I - consórcios públicos, nos termos da legislação em vigor;
II - convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares
com órgãos e entidades do Poder Público, respeitado o art. 241 da Constituição
Federal;
III - Comissão Tripartite Nacional, Comissões Tripartites Estaduais e Comissão
Bipartite do Distrito Federal;
IV - fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos;
V - delegação de atribuições de um ente federativo a outro, respeitados os
requisitos previstos nesta Lei Complementar;
VI - delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a
outro, respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar.
Enfim, a SOLIDARIEDADE entre os entes federativos na seara
ambiental, sobre ser inata à ontologia do tema, com a Lei Complementar 140/2011,
passa a ter suas balizas instrumentalizadas em diversas alternativas postas
expressamente à disposição de todas as esferas do poder público.
Atente-se, porém, à exegese constitucional da referida norma: as
“opções” veiculadas na LC 140 referem-se tão só às “formas” pelas quais a obrigatória
cooperação interfederativa poderá restar aperfeiçoada. Com efeito, não se pode admitir
18 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.191.
37
que “o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”, finalidade
constitucionalmente qualificada no parágrafo único do art.23 da CF possa ser obstada
pela “opção” de tal ou qual ente federativo em não consorciar-se com outro(s). Vez por
todas: a solidariedade em matéria ambiental é imperativo constitucional, e é o que basta.
Bem por isso, busca-se aqui não só a condenação individual dos
demandados ao cumprimento de suas funções precípuas e escalonadas, mas também
sua condenação coletiva e solidária ao cobro da inteireza dos graves efeitos dos danos
ambientais verificados em toda a bacia do Rio Taquari.
Por outro enfoque, é consabido que cabe somente ao Poder Público
o estabelecimento de políticas públicas ambientais, segundo o seu melhor juízo e dentro
das suas possibilidades e prioridades. Contudo, os entes públicos não podem ser ineptos
ou desarrazoados em suas decisões.
Em outros termos, conquanto se reconheça aos poderes constituídos
a prerrogativa de formular juízo de conveniência e oportunidade acerca da implantação
de políticas públicas, quando o Estado se omite em adotar programa ambiental de
eficácia comprovada ou quando retarda em fazê-lo, poderá ser chamado a responder,
perante as gerações presentes e futuras, pela degenerescência do meio ambiente natural
que de sua inércia resultou.
Neste passo, é de ser destacada a atuação desarrazoada da UNIÃO e
do ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, na medida em que (1) fomentaram
ocupação humana e atividades econômicas incompatíveis com a conformação ecológica
de toda a Bacia do Rio Taquari, bem como (2) omitem-se quanto às consequências que
advieram disso.
Ademais, sobre ser de uso comum, o meio ambiente é bem cujo
uso só se legitima mediante ato próprio do Poder Público, seu guardião direto. Para
tanto, a lei prevê série de instrumentos de controle – prévios, concomitantes e
sucessivos, através dos quais possa ser verificada a possibilidade e regularidade de toda
e qualquer intervenção projetada sobre o meio ambiente considerado.
Na letra da Resolução CONAMA 237/97, o licenciamento
ambiental é o “procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente
licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e
atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente
38
poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação
ambiental, considerando as dispiosições legais e regulamentares e as normas técnicas
aplicáveis ao caso”.
Não há dúvidas de que, como ação típica e indelegável do Poder
Executivo, o licenciamento ambiental constitui importantíssimo instrumento de gestão
do meio ambiente, vocacionado à compatibilização do desenvolvimento econômico
com a preservação do equilíbrio ecológico.
É certo, também, que o licenciamento ambiental é ato uno, de
caráter complexo, em cujas etapas podem intervir vários agentes dos vários órgãos do
SISNAMA, e que deverá ser precedido de estudos técnicos que subsidiem sua análise,
inclusive de EIA/RIMA, sempre que constatada a significância de eventual impacto
ambiental. Com efeito, assim prevê o art. 10 da Resolução CONAMA 237/97, verbis:
Art. 10 - O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes
etapas:
I - Definição pelo órgão ambiental competente, com a participação do
empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais, necessários ao
início do processo de licenciamento correspondente à licença a ser requerida;
II - Requerimento da licença ambiental pelo empreendedor, acompanhado dos
documentos, projetos e estudos ambientais pertinentes, dando-se a devida
publicidade;
III - Análise pelo órgão ambiental competente, integrante do SISNAMA , dos
documentos, projetos e estudos ambientais apresentados e a realização de
vistorias técnicas, quando necessárias;
IV - Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental
competente, integrante do SISNAMA, uma única vez, em decorrência da análise
dos documentos, projetos e estudos ambientais apresentados, quando couber,
podendo haver a reiteração da mesma solicitação caso os esclarecimentos e
complementações não tenham sido satisfatórios;
V - Audiência pública, quando couber, de acordo com a regulamentação
pertinente;
VI - Solicitação de esclarecimentos e complementações pelo órgão ambiental
competente, decorrentes de audiências públicas, quando couber, podendo haver
reiteração da solicitação quando os esclarecimentos e complementações não
tenham sido satisfatórios;
VII - Emissão de parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer
jurídico;
VIII - Deferimento ou indeferimento do pedido de licença, dando-se a devida
publicidade.
§ 1º - No procedimento de licenciamento ambiental deverá constar,
obrigatoriamente, a certidão da Prefeitura Municipal, declarando que o local e
o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade com a legislação
aplicável ao uso e ocupação do solo e, quando for o caso, a autorização para
supressão de vegetação e a outorga para o uso da água, emitidas pelos órgãos
competentes.
§ 2º - No caso de empreendimentos e atividades sujeitos ao estudo de impacto
ambiental - EIA, se verificada a necessidade de nova complementação em
decorrência de esclarecimentos já prestados, conforme incisos IV e VI, o órgão
ambiental competente, mediante decisão motivada e com a participação do
empreendedor, poderá formular novo pedido de complementação.
39
Quanto à competência administrativa para o licenciamento
ambiental, a Lei 6.938/81, com a redação que lhe empresta a Lei nº 7.804/89, em seu
art. 10, prescreve:
"Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de
estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados
efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma,
de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão
estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças
exigíveis.
A Lei Complementar 140, que regulamenta o artigo 23, parágrafo
único e incisos III, VI e VII da Constituição Federal e que trata da “cooperação entre
União, estados, Distrito Federal e municípios, nas ações administrativas decorrentes
do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais
notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas
formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora”, praticamente ratificou, sem
grandes alterações, a Resolução CONAMA 237/97, mantendo o critério da abrangência
do impacto e o critério da dominialidade exercida sobre determinado território.
Enfim, vê-se que o critério legal definidor da competência para o
licenciamento, ao fim e ao cabo, funda-se no alcance dos “impactos ambientais”.
Já aqui vale destacar que a própria natureza difusa do bem jurídico
em tela não se compraz com redução hermenêutica que atribua sentido meramente
“geográfico” às expressões “alcance” e “âmbito nacional ou regional” dos impactos
ambientais de que cuida a Lei. Realmente, a título de exemplo, tanto se pode antever
“âmbito nacional” em impacto decorrente de exploração de veio petrolífero localizado
em um só Estado da Federação, como vislumbrar impacto de “âmbito local” em obra
realizada em alto mar e que traga consequência a apenas um município da Federação.
No que diz com a temática aqui veiculada, ao se ter em conta a
elevação do Pantanal à condição de Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de
1988; ter sido designados como de relevante importância internacional pela Convenção
de Áreas Úmidas – RAMSAR, e de ser considerado pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – Unesco Reserva da Biosfera e um dos sete
Sítios do Patrimônio Mundial Natural, bem se vê que o “alcance” dos danos ambientais
de que aqui se cuida tem âmbito verdadeiramente mundial.
40
Por outro lado, a Constituição de 1988, ao proclamar a autonomia
dos diversos entes da Federação, recepcionando a Lei 6.938/81, deixou clara a
simultaneidade da responsabilidade de todos sobre a condução das questões ambientais,
tanto no que tem com a competência legislativa, quanto no que diz com a competência
dita implementadora ou de execução (art. 23, VI e VII, 24, VI, VII e VIII c/c art. 30, I e
II).
A propósito, segundo anota Paulo de Bessa Antunes 19 , “no uso da
competência administrativa residual de cada um dos integrantes do SISNAMA, é
plenamente possível que sejam necessárias licenças diversas e que a concessão de uma
delas, por si só, não seja suficiente para autorizar determinado empreendimento”.
Também no sentir de Paulo Affonso Leme Machado (Direito Ambiental Brasileiro, 12
ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pg.766), “Haverá casos em que poderá intervir mais
de um órgão licenciador”.
Tais considerações já permitem pontuar que:
1. no trato das responsabilidades por licenciamento ambiental não
há
vinculação
a
aspecto
meramente
geográfico
do
potencial
impacto
de
empreendimentos. O que merece relevância é a extensão do interesse jurídico em jogo.
Em outros termos, é o “raio de influência ambiental” que indicará o interesse gerador da
fixação da atribuição, traçando-se uma identificação da competência licenciadora com a
competência jurisdicional. É o que se denota, aliás, na redação do art. 2º da Lei 7.347/85
(local do dano ambiental);
2. a definição de “um órgão licenciador” não guarda relação com a
“preponderância” dos interesses em jogo. Em seara ambiental todas as variáveis
passíveis de impactar o equilíbrio ecológico necessariamente têm que ser consideradas,
em ordem a se exigir, se for o caso, a atuação supletiva e concomitante de vários
integrantes do SISNAMA.
No âmbito da União, o órgão responsável pelo licenciamento
ambiental de empreendimentos é o IBAMA (Lei nº 7.804/89) e no Estado do Mato
Grosso do Sul tal incumbência restou outorgada ao IMASUL (Decreto estadual nº
12.725, de 10 de março de 2009).
No que interessa ao caso aqui debatido, é de se pontuar que os
empreendimentos econômicos localizados na Bacia do Rio Taquari, com ênfase aos que
19
41
Direito Ambiental, 6. ed., Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2002, p. 133
situam-se na sua parte alta que, como já visto, contribuíram e contribuem para o
descontrolado incremento da sedimentação e assoreamento de toda a Bacia, ou restaram
instalados sem qualquer licenciamento ambiental ou foram licenciados sem exigência
de EIA/RIMA, em que pese os inegáveis danos que acarretaram (e acarretam) a toda a
Bacia.
Neste passo, vale chamar a atenção ao fato de que as regras
processuais previstas na Lei nº 8.078 (Código de Defesa do Consumidor) aplicam-se à
ação civil pública por força do art. 21 da Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública),
sendo que dentre elas se destaca a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC). A
ação civil pública, como instrumento jurídico hábil a amparar os interesses da
comunidade, justifica a aplicação da inversão do ônus da prova, posto que os titulares
desses direitos lesados (comunidade) são hipossuficientes frente ao empreendedor.
Aliás, não há justificativa para afastar a aplicação desse princípio
processual, considerando que o atual “microssistema constitucional de tutela dos
interesses difusos, hoje compostos pela Lei da Ação Civil Pública, a Lei da Ação
Popular, o Mandado de Segurança Coletivo, o Código de Defesa do Consumidor e o
Estatuto da Criança e do Adolescente, revela normas que se interpenetram”, conforme
já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (REsp 474.475).
Em matéria ambiental, com maior razão há de se aceitar a inversão
do ônus probatório, posto que vigem os princípios da prevenção, da precaução e do
poluidor-pagador que transferem o risco para o agente da atividade, nos termos da teoria
do risco integral.
Conforme leciona Antonio Herman V. Benjamin “não cabe aos
titulares de direitos ambientais provar efeitos negativos (ofensividade) de
empreendimentos [...] impõe-se aos degradadores potenciais o ônus de corroborar a
inofensividade de sua atividade proposta” (Responsabilidade Civil pelo Dano
Ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, vol.
9, p. 18).
O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada
sobre o tema (destacou-se):
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. PROVA PERICIAL. INVERSÃO DO ÔNUS.
ADIANTAMENTO
PELO
DEMANDADO.
DESCABIMENTO.
PRECEDENTES.
42
I - Em autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual
visando apurar dano ambiental, foram deferidos, a perícia e o pedido de
inversão do ônus e das custas respectivas, tendo a parte interposto agravo
de instrumento contra tal decisão.
II - Aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o dever de
reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se a ele todo o
encargo de provar que sua conduta não foi lesiva.
III - Cabível, na hipótese, a inversão do ônus da prova que, em verdade, se
dá em prol da sociedade, que detém o direito de ver reparada ou
compensada a eventual prática lesiva ao meio ambiente - artigo 6º, VIII, do
CDC c/c o artigo 18, da lei nº 7.347/85.
IV - Recurso improvido.
(REsp 1049822/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 23/04/2009, DJe 18/05/2009).
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO
AMBIENTAL – ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO
PARQUET – MATÉRIA PREJUDICADA – INVERSÃO DO ÔNUS DA
PROVA – ART. 6º, VIII, DA LEI 8.078/1990 C/C O ART. 21 DA LEI
7.347/1985 – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. [...]
3. Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o
empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar
a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII,
da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio
Ambiental da Precaução.
4. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 972902/RS, Rel. Ministra
ELIANA CALMON, SEGUNDA
TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009).
A doutrina sobre a inversão do ônus da prova, representada por
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, adverte quanto à viabilidade de
deferi-la desde o início da demanda (Código de Processo Civil Comentado. 10. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 608):
Caso o juiz, antes da sentença, profira decisão invertendo o ônus da prova
(v.g., CDC 6º III), não estará, só por isso, prejulgando a causa. A inversão,
por obra do juiz, ao despachar a petição inicial ou na audiência preliminar
(CPC 331), por ocasião do saneamento do processo (CPC 331 § 3º), não
configura por si só motivo de suspeição do juiz. Contudo, a parte que teve
contra si invertido o ônus da prova, quer nas circunstâncias acima
mencionadas, quer na sentença, momento adequado para o juiz assim
proceder, não poderá alegar cerceamento de defesa por que, desde o início
da demanda de consumo, já sabia quais eram as regras do jogo e que,
havendo o non liquet quanto à prova, poderia ter contra ela invertido o ônus
da prova. Em suma, o fornecedor (CDC 3º) já sabe, de antemão, que tem de
provar tudo o que estiver a seu alcance e for de seu interesse nas lides de
consumo. Não é pego de surpresa com a inversão do ônus da prova.
Portanto, postula-se o deferimento, desde logo, da inversão do ônus
da prova, impondo-se aos requeridos o dever processual de comprovar, nos autos da
presente ação civil pública, a plena regularidade dos atos praticados em sede
administrativa tendentes à instalação e operação de todos os empreendimentos
localizados na Bacia do Rio Taquari.
43
Em suma quanto ao tema em epígrafe:
1.
À luz dos fundamentos fáticos da presente demanda, além de
restar incontroverso o interesse processual, o MINISTÉRIO PÚBLICO, mais que
legitimado, está obrigado a provocar o PODER JUDICIÁRIO à tutela ambiental (arts.
127 e 129, III, da CRFB; arts. 5º, III, ‘d’, e 6º, VII, ‘b’, da LC 75/93; art. 1º, I, e 5º,
“caput”, da Lei 7.347/85).
2. tendo em vista a competência “ratione loci” funcional em
relação ao local do dano, bem como o instituto da prevenção territorial, a competência
para o julgamento do feito é da Vara Federal do Município de Coxim;
3. ao serem conjugados a ontologia do bem jurídico aqui tratado,
os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, as competências
estabelecidas na Constituição Federal para proteção ao meio ambiente e as balizas
constitucionais e legais ao exercício do Poder de Polícia nessa seara, bem se vê a
pertinência da composição do polo passivo da demanda.
III.2- RESPONSABILIDADE
É palmar: quem causa dano tem o dever de indenizar.
Não se haverá de repassar aqui o longo caminho conceitual que o
instituto da responsabilidade civil precorreu até sua atual conformação. No entanto, ao
trato da questão aqui veiculada, vale destacar a síntese mencionada por Alexandre
Raslan20:
“Neste momento de transição entre paradigmas do individualismo e da
solidariedade é que Hans Jonas considera a hipertrofia tecnológica
experimentada desde o início da Revolução Industrial: no individualismo se
atuava sobre objetos não humanos de forma eticamente neutra, interessando
somente a relação entre homens e, por isso, revela a ética tradicional ser
absolutamente antropocêntrica. Mas, quando a 'técnica moderna introduziu
ações de uma tal ordem inédita de grandeza, com tais novos objetos e
consequências que a moldura da ética antiga não consegue mais enquadrá-las',
inicia-se a modificação diante da constatação clarividente da crítica
vulnerabilidade da natureza provocada pela intervenção técnica do homem,
impondo ao homem uma nova ética.
20
44
Raslan, Alexandre Lima. Responsabilidade civil ambiental do financiador- Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012,
pp.191/192
E esta nova ética é proposta por Hans Jonan: é a ética da responsabilidade, que
pode ser compreendida como fundada num imperativo ecológico que deve
orientar o comportamento humano, impondo que o homem 'aja de modo a que
os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica
vida sobre a Terra' ou 'aja de modo a que os efeitos da tua ação não sejam
destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida' ou 'não ponha em
perigo as condições necessárias para a conservação indefinida da humanidade
sobre a Terra' ou 'inclua na tua escolha presente a futura integridade do
homem como um dos objetivos do teu querer'.
Vê-se, portanto, que esta ética da responsabilidade exige um agir racional,
voltado para um fim, revelando-se tipicamente naqueles que se preocupam
tanto com os meios para a realização de determinada tarafe quanto para com
os efeitos decorrentes da respectiva ação.”
Bem se nota, portanto, que o atual paradigma da responsabilidade,
ao fim e ao cabo, imbrica-se ontologicamente na solidariedade social de largo espectro,
na medida em que assenta-se não só na busca pela recuperação do status quo ante mas
na intransigente manutenção do “status ab aeterno” necessário à existência da vida.
Evidentemente ao Estado é imposto o dever de realizar os objetivos
socialmente relevantes e politicamente determinados, donde sua clara inserção no plano
maior da responsabilidade/solidariedade.
No que tem com a responsabilidade do Estado, a Constituição é
clara: art. 37, § 6º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nesta
qualidade causarem a terceiros assegurado o direito de regresso contra o responsável
nos casos de dolo ou culpa”.
Na mesma direção é o atual Código Civil: art.43.“As pessoas
jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus
agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo
contra os causadores do dano, se houver, por parte destes,culpa ou dolo.”
Muito já se debateu sobre os fundamentos da responsabilidade civil
estatal. Não se haverá aqui de perder tempo com a descrição histórica de tal instituto,
valendo para tanto a síntese consabida de que evoluiu-se da teoria da irresponsabilidade
do Estado, para a responsabilidade com fundamento na culpa civilista e desta para a fase
publicista, ou responsabilidade sem culpa, isto é, responsabilidade objetiva, fundada no
45
risco.
O que importa destacar é que atualmente a responsabilidade da
Administração Pública aperfeiçoa-se quando de sua atuação irregular, o que abrange
todos os casos em que ocorreu abaixo dos padrões impostos pela sociedade. Desse
modo, o dano sujeito à responsabilidade pública, deve ter como causa a atuação ou
omissão da Administração.
Importa ainda que o dano seja injusto, o que parece não ocorrer
quando encontra sua causa exclusiva na força maior ou em fatos necessários ou
inevitáveis da natureza.
A doutrina é concorde.
Veja-se a posição de José Cretella Júnior21:
“Não apenas a ação produz danos. Omitindo-se, o agente público também pode
causar prejuízos ao administrado e a própria Administração. A omissão
configura a culpa in omittendo ou in vegilando. São casos de inércia , casos de
não-atos. Se cruza os braços ou não se vigia, quando deveria agir, o agente
público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por inércia ou
incúria do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o bonus pater familiae,
nem como bonus administrador. Foi negligente. Às vezes imprudente e até
imperito. Negligente, se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte;
imperito, se não previu a possibilidade da concretização do evento. Em todos
os casos, culpa, ligada à ideia de inação, física ou mental.”
Em Oswaldo Aranha Bandeira de Mello22, encontra-se a noção de
omissão do agente público nos seguintes termos:
“A Responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese de
culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funcionou
ou funcionou mal ou com atraso, e atinge os usuários ou os nele interessados.”
Seja como for, qualquer que seja o fundamento invocado para
embasar a responsabilidade objetiva do Estado, exige-se como pressuposto
indispensável para a determinação daquela responsabilidade, a existência de um nexo de
causalidade entre o dano e a atividade ou omissão do Poder Público.
21 CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 210.
22 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 487.
46
Enfrentando precisamente os contornos da responsabilização do
Estado, em caso que revela grande similitude com o aqui tratado, já assentou o STF
(Revista Jurídica. n° 47, p. 379-84 ):
“A verdade é que o ponto sensível da controvérsia em torno dos problemas da
responsabilidade, são os casos de ação ou falta de providências indispensáveis
ao bom funcionamento do serviço. É o que já se chamou de inércia da
administração na execução de serviços públicos que visam a segurança da
população e dos seus usuários.
A culpa da administração é manifesta quando, pela sua incúria, deixa de
executar obras imprescindíveis para evitar ou prevenir os efeitos das chuvas.
Basta a imprevidência na conservação das galerias pluviais para se acentuar a
sua responsabilidade, caracterizada, em alguns casos, quando não for realizada
a limpeza dos bueiros e córregos com a freqüência que se exige, sobretudo na
época das águas.
A chuva forte, em si, não caracteriza um caso de força maior no qual o Poder
Público se exonere da responsabilidade. A conseqüência ou seja, o
transbordamento dos cursos d’água, são devidos quase sempre a deficiência da
execução de obras e serviços públicos. Compete a Administração demonstrar,
para elidir sua responsabilidade, a freqüência dos serviços de limpeza e que a
chuva ultrapassou à normalidade, e assim caracterizando-se verdadeiramente
caso de força maior, estará isenta da responsabilidade patrimonial.” (GRIFOUSE)
Como se vê, os danos decorrentes de um fenômeno natural, quando
plenamente previsíveis pelo Poder Público, como no caso das enchentes,
transbordamentos de rios e córregos, sem um tratamento adequado, caracteriza à culpa
da administração ou culpa anônima do serviço, passível portanto de responsabilidade.
Neste passo, por absolutamente pertinente à análise do caso aqui
tratado, relembre-se (à exaustão) que os danos à Bacia do Taquari derivados de ações
humanas na sua parte alta, além de serem absolutamente previsíveis eram
inequivocamente conhecidos pelo Poder Público, na esteira das reiteradas vezes em que
restaram admitidos, conforme já se viu.
A responsabilidade por danos infligidos ao meio ambiente, por sua
vez, encontra sustentação no artigo 225 da CF/88, §3º que prevê: “As condutas e
atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação
47
de reparar os danos causados.”
Tal exigência, por evidente, assoma ainda mais ao Estado, cujos
entes políticos possuem competência:
1.
concorrente, para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna,
conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio
ambiente e controle da poluição” (art. 24, VI, da CF/88) e “responsabilidade por dano
ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico” (art. 24, VIII, da CF/88); e
2.
comum, quanto à preservação do ambiente (art. 23, VI, da
CRFB/88). No mesmo sentido expõe a Lei complementar 140/2011, que em seu artigo
1º declara que: “é de atribuição comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios as ações relativas a proteção das paisagens naturais notáveis, à
proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à
preservação das florestas, da fauna e da flora”.
Na seara ambiental, em íntima relação com o instituto da
responsabilidade, há de se ter em conta o que a Lei nº 6.938/81 (Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente) trata e define como poluidor. Realmente, em seu art.3º, IV
dispõe a Lei que poluidor é “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação
ambiental”.
A poluição, por sua vez, é definida na mesma Lei em seu art. 3º, III
como a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou
indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem
condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a
biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e/ou lancem
matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
O que se observa, portanto, é que a Lei Ambiental estabelece o
conceito de dano ao meio ambiente bem como define seu causador, de maneira ampla e
bastante abrangente.
Já no que diz com a responsabilidade derivada do dano ambiental,
deve ser alcançada independentemente da comprovação de culpa do causador.
(responsabilidade objetiva). Com efeito, é o imperativo veiculado no artigo 17, §1º,
48
primeira parte, da Lei 6.938/81: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas
neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por
sua atividade”.
Como bem destaca Dalvaney Araújo, “a responsabilidade objetiva
assenta-se na obrigação de indenizar outrem independentemente de culpa, bastando,
para a sua configuração, a relação causal entre o comportamento e o dano. Esse
exame de responsabilidade pode pautar-se tanto em conduta positiva, quando o agente
pratica de fato a ação que ensejou o dano, quanto em omissiva, em que o agente
deveria agir de modo a impedir a ocorrência do dano”23.
Tem-se, pois, que independentemente do ato lesivo ter sido
praticado por ação ou omissão, a responsabilidade por dano ambiental sempre será
objetiva, afastado o dever de se comprovar dolo ou culpa para ensejar a sua
configuração.
Nesse sentido, o jurista Sérgio Ferraz (apud SILVA, Direito
Ambiental Constitucional, 1994), defende a tese da aplicação da teoria do risco integral,
“afirmando que são cinco as consequências da adoção da responsabilidade civil na
área ambiental, as quais são: a) irrelevância da intenção danosa (basta um simples
prejuízo); b) irrelevância da mensuração do subjetivismo (o importante é que, no nexo
de casualidade, alguém tenha participado e, tendo participado, de alguma, de alguma
sorte, deve ser apanhado nas tramas da responsabilidade objetiva); c) inversão do
ônus da prova; d) irrelevância da licitude da atividade; e) atenuação do relevo do nexo
causal, ou seja, basta que, potencialmente a atividade do agente possa acarretar
prejuízo ecológico para que se inverta imediatamente o ônus da prova, para que
imediatamente se produza a presunção da responsabilidade, reservando, portanto,
para o eventual acionado o ônus de procurar excluir sua imputação”24
No mesmo teor:
DIREITO AMBIENTAL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
CONSTRUÇÃO DE MURO DE ARRIMO EM CURSO DE ÁGUA, SUPRESSÃO
23 ARAÙJO, Dalvaney. Da responsabilidade objetiva do Estado em face do dano causado ao meio
ambiente
em
virtude
de
conduta
omissiva.
Disponível
em:
<https://aplicacao.mp.mg.gov.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/146/Da%20responsabilidade
%20objetiva%20estado_Araujo.pdf?sequence=1 > Acesso em: 22.abril.2013.
24 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros 1994
49
DE VEGETAÇÃO NATIVA EM ÁREA DE MANGUE E OCUPAÇÃO DE
PARTE DA FAIXA MARGINAL DO MESMO CURSO DE ÁGUA. OBRAS QUE,
ALÉM DE CLANDESTINAS, COMPROVADAMENTE DANIFICARAM O
MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÃO DE DESFAZIMENTO DAS CONSTRUÇÕES
E
REPARAÇÃO
ACERTADAMENTE
DO
DANO
PREVISTAS LEGALMENTE. MEDIDAS
IMPOSTAS
TAMBÉM
AO
MUNICÍPIO,
SOLIDARIAMENTE, PORQUANTO PATENTE A SUA PASSIVIDADE E, POR
COROLÁRIO, O DESCUMPRIMENTO DO SEU DEVER DE ZELAR PELO
EQUILÍBRIO ECOLÓGICO, POSTO INEGAVELMENTE EM RISCO EM
VIRTUDE DOS ATOS DEPREDATÓRIOS CONSUMADOS. APLICAÇÃO DA
TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. LEI N. 6.938/1981.
"O ente público é solidário, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos
da Lei n. 6.938/1981, por danos ambientais e urbanísticos que venha, direta ou
indiretamente, causar. A situação é mais singela quando o próprio Poder
Público, por atuação comissiva, causa materialmente a degradação [...]."Se é
certo que a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é, ordinariamente,
subjetiva ou por culpa, esse regime, tirado da leitura do texto constitucional,
enfrenta pelo menos duas exceções principais. Primeiro, quando a
responsabilização objetiva para a omissão do ente público decorrer de expressa
determinação legal, em microssistema especial, como na proteção do meio
ambiente Lei n. 6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as
circunstâncias indicarem a presença de um dever de ação estatal direto e mais
rígido que aquele que jorra, segundo a interpretação doutrinária e
jurisprudencial, do texto constitucional. "Para Vera Lúcia Jucovsky, o Estado
pode ser responsabilizado por danos ao ambiente, por comportamento
comissivo ou omissivo, razão pela qual também cabe sua responsabilização
quando, por omissão, falha no seu dever de fiscalização, vigilância e controle
(Responsabilidade civil do Estado por danos ambientais. São Paulo: Editora
Juarez de Oliveira, 2000, p. 55). Acerca do tema, confira-se ainda Édis Milaré
(Direito do meio ambiente. 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.
766-767)."Segundo entendemos, o Estado também pode ser solidariamente
responsabilizado por danos ambientais provocados por terceiros, já que é seu
dever fiscalizar e impedir que tais atos aconteçam. Esta posição mais se reforça
com a cláusula constitucional que impôs ao Poder Público o dever de defender
o meio ambiente e de preservá-lo para as presentes e futuras gerações. "Na
mesma linha, Paulo Affonso Leme Machado (Direito ambiental brasileiro. São
Paulo: Malheiros, 2007. p. 352)." Para compelir, contudo, o Poder Público a
ser prudente e cuidadoso no vigiar, orientar e ordenar a saúde ambiental nos
casos em que haja prejuízos para as pessoas, para a propriedade ou para os
recursos naturais, mesmo com a observância dos padrões oficiais, o Poder
Público deve responder solidariamente com o particular [...] "(REsp n.
50
1234056, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 26-4-2011).
(TJ-SC - AC: 307740 SC 2011.030774-0, Relator: Vanderlei Romer, Data de
Julgamento: 16/08/2011, Primeira Câmara de Direito Público, Data de
Publicação: Apelação Cível n. , de Palhoça).
Aponte-se, ainda, que ao ensejo da abrangência do conceito de
poluidor, sobre ser objetiva, a responsabilidade por dano ambiental assoma a
característica geral de ser também solidária.
Por conjugação de tudo, portanto, a responsabilidade do Estado por
ato ou omissão causadora de dano ambiental é de ser considerada objetiva e
conjuntamente. É o que diz o STJ:
STJ. Informativo n° 388 - Danos Ambientais. Responsabilidade Solidária.
A questão em causa diz respeito à responsabilização do Estado por danos
ambientais causados pela invasão e construção, por particular, em unidade de
conservação (parque estadual). A Turma entendeu haver responsabilidade
solidária do Estado quando, devendo agir para evitar o dano ambiental, mantémse inerte ou atua de forma deficiente. A responsabilização decorre da omissão
ilícita, a exemplo da falta de fiscalização e de adoção de outras medidas
preventivas inerentes ao poder de polícia, as quais, ao menos indiretamente,
contribuem para provocar o dano, até porque o poder de polícia ambiental não se
exaure com o embargo à obra, como ocorreu no caso. Há que ponderar,
entretanto, que essa cláusula de solidariedade não pode implicar benefício para o
particular que causou a degradação ambiental com sua ação, em detrimento do
erário. Assim, sem prejuízo da responsabilidade solidária, deve o Estado – que
não provocou diretamente o dano nem obteve proveito com sua omissão – buscar
o ressarcimento dos valores despendidos do responsável direto, evitando, com
isso, injusta oneração da sociedade. Com esses fundamentos, deu-se provimento
ao recurso. Precedentes citados: AgRg no Ag 973.577-SP, DJ 19/12/2008; REsp
604.725-PR, DJ 22/8/2005; AgRg no Ag 822.764-MG, DJ 2/8/2007, e REsp
647.493-SC, DJ 22/10/2007.
O que se pode concluir, destarte, é que por mais de um fundamento
se pode alcançar a responsabilidade pública na questão aqui veiculada.
Realmente, à luz da descrição fática aqui já encetada, o Poder
Público, aqui representado pelos ora demandados:
1.
agiu diretamente e por conseguinte causou desordenada
aceleração dos processos erosivos que culminaram na plêiade de danos ambientais na
51
Bacia do Rio Taquari, na medida em que fomentou a ocupação antrópica e a instalação
de empreendimentos econômicos incompatíveis com a conformação geológica na parte
alta daquele complexo fluvial;
2.
omitiu-se na fiscalização e acompanhamento
de tais
empreendimentos, em ordem a se evitar o agravamento da situação por ele mesmo
(Poder Público) incentivada;
3.
omitiu-se na adoção de providências mitigadoras dos efeitos
dos danos causados por ele mesmo (Poder Público) eleitas como necessárias, sendo tal
fato determinante (causa) do agravamento e do surgimento de novos danos ambientais;
4.
os danos à Bacia do Taquari derivados de ações humanas na
sua parte alta, além de serem absolutamente previsíveis eram inequivocamente
conhecidos pelo Poder Público.
A conclusão é óbvia: o Poder Público é responsável (direto e
indireto) pelos danos ambientais verificados na Bacia do Rio Taquari e, por
conseguinte, deverá promover sua reparação.
Por tudo quanto até aqui exposto, notadamente no que tem com a
incontrovérsia do interesse processual, da legitimidade de partes, da competência, bem
como pelo balizamento fático e jurídicos das causae petendi, cabe delimitar o espectro
das providências jurisdicionais aqui perseguidas.
Já aqui vale repisar que ao fim e ao cabo o que se busca é tão
somente
a “reafirmação” da “vontade” já reiteradamente manifestada pelo Poder
Público, desta feita por reafirmação judicial de que tais “vontades”, na verdade, são
obrigações.
Dito de outro modo, busca-se a condenação do demandados à
cumprirem o que o ordenamento jurídico lhes impõe, sobre o que, aliás, não paira
controvérsia, vez da admissão voluntária e expressamente por eles (demandados) já
veiculada.
Ocorre que, antes, cabe tentativa de “sistematização” das
providências já apresentadas ao longo de tanto tempo por tão variados segmentos
públicos, em ordem a se alcançar concatenação lógica e prática das diversas
perspectivas pelas quais a Bacia do Rio Taquari foi analisada.
52
IV- DELIMITAÇÃO DE (IN)CONTROVÉRSIAS
Ao longo da exposição das várias manifestações técnico-científicas
acerca da atual conformação da Bacia do Rio Taquari pôde-se observar existência de
acentuada convergência de entendimentos quanto a suas causas determinantes.
De fato, rigorosamente todos os “estudos”, “propostas”, “metas”,
“planos”, “relatórios” e o mais, são uníssonos quanto às razões do desencadeamento do
processo de aceleração do assoreamento do Rio: decorrem da ocupação antrópica da
região alta da bacia, com ênfase na eleição de empreendimentos agropastoris em solo
inapropriado como principal fator.
No entanto, quanto ao que se prevê como contraponto às
consequências sentidas nas partes média e baixa da Bacia, as conclusões não são
pacíficas, conforme se verá.
IV.1- NO ALTO TAQUARI (PLANALTO)
São simétricas e concordantes as conclusões acerca das
consequências deletérias à conformação do solo na parte alta da bacia: formação de
voçorocas, desbarrancamento de margens, deterioração de estradas de terra,
compactação do solo, com consectário do escoamento pluvial superficial mais intenso
nesses locais, tudo culminando com o empobrecimento do solo e incremento da erosão
naquela região.
Já aqui, aponte-se que tais consequências sofridas na parte alta da
bacia são precisamente as CAUSAS das que são percebidas nas partes média e baixa.
À vista da convergência verificada, também alinham-se as ações
reputadas como necessárias ao enfrentamento do problema. Tomem-se, por exemplo, os
objetivos gerais apontados pelo Grupo de Trabalho Interministerial- GTI (Decreto de 7
de agosto de 2006) que parecem sintetizar e consolidar as “propostas” que o
antecederam:
–
promover o desenvolvimento, a manutenção e a recuperação de
Sistemas Sustentáveis de Produção;
–
promover a recomposição da cobertura vegetal, de reservas legais e
área de preservação permanente formando corredores de biodiversidade e novas
reservas na bacia do Rio Taquari
53
–
promover o fortalecimento e a capacitação das instituições de recursos
hídricos e meio ambiente atuantes na bacia do Rio Taquari.
Conquanto se possa antever certa “abstração” em tais objetivos, o
fato é que no relatório elaborado por aquele GTI há descrição de “ações práticas”,
passíveis de serem implementadas de imediato. Vejam-se algumas aqui reputadas mais
urgentes :
•
treinamento de técnicos da assistência técnica e extensão rural, aos
beneficiários do programa e outros atores nos estados de MT e MS;
•
incentivo ao manejo e conservação do solo e controle da poluição;
•
contenção e estabilização de voçorocas;
•
recuperação de Pastagens Degradadas;
•
adequação de Estradas Vicinais;
•
elaboração de programa de comunicação, educação ambiental e
mobilização social na área de Recursos Hídricos;
•
desenvolvimento de um Programa de Produção de Mudas para a bacia
do rio Taquari;
•
criação de programa de recuperação econômica e social visando a
fomentar arranjos produtivos e atividades agropecuárias locais;
•
avaliação da situação atual e adequação da rede hidrometeorológica.
Como complemento, apontem-se os “resultados” buscados pelo
“Termo de Referência nº 01/2007” do Ministério do Meio Ambiente:
•
recuperação de áreas degradadas, proteção e preservação de nascentes
e matas ciliares contíguas às nascentes, das áreas que margeiam os
principais corpos d’água e dos mananciais hídricos da Sub-Bacia do
Taquari;
•
criação do Comitê de bacia hidrográfica da Sub-Bacia do Rio Taquari.
E ainda, o que derivou do relatório “Recuperação do Rio Taquari,
elaborado por equipe do extinto Programa Pantanal:
•
desenvolvimento de projetos de recomposição da reserva legal e áreas
de preservação permanente, a partir de uma avaliação holística da
bacia hidrográfica e criar meios para a implementação desses projetos.
O que é possível antever, como consectário de convergências
54
técnicas de vários segmentos, portanto, é o espectro geral do QUE FAZER na parte alta
da Bacia.
Evidentemente, de tal constatação não deriva que o Ministério
Público ou o Poder Judiciário possam ou devam descrever em sede de Ação Civil
Pública o “COMO FAZER”. A uma, por conta da óbvia desqualificação técnica para
tanto. A duas, pela circunstância do Poder Público, conquanto possa ser compelido a
agir imediatamente, titulariza espaço de discricionariedade, ao menos no que diz com a
possibilidade de eleger uma dentre as muitas formas de dar cobro a suas obrigações.
Seja como for, já se adiante que o Ministério Público aqui busca o
óbvio, vale dizer, persegue a condenação do Poder Público na obrigação de
implementar, dentre o mais, as ações acima elencadas, com vistas ao RESULTADO
CONCRETO de reversão da vexatória situação ambiental verificada na bacia do rio
Taquari.
IV.2- NO MÉDIO E BAIXO TAQUARI (PLANÍCIE)
Como já adiantado, quanto ao enfrentamento dos efeitos (danos)
ambientais verificados na planície da Bacia do Taquari, não há unidade de
entendimentos.
De todo modo, há concordância geral de que as principais ações
passíveis de serem implementadas na planície somente seriam viáveis (rectius, eficazes)
se houver uma significativa redução no aporte de sedimentos para essa região.
Em outros termos, eventuais ações que porventura sejam indicadas
para a planície devem ser desenvolvidas de forma simultânea às propostas para o
planalto.
De uma ou outra maneira, ao menos as seguintes intervenções já
foram debatidas, sem que, no entanto, se tenha chegado a conclusões definitivas quanto
a seu cabimento
55
•
dragagem do rio;
•
fechamento do arrombado Caronal;
•
prevenção de novos arrombados;
•
criação de um novo leito do rio na parte oeste do Caronal;
•
construção de diques;;
•
construção de uma represa no Planalto ;
•
criação de Unidade de Conservação na região.
Há críticas a cada uma de tais sugestões, como dão exemplo as
apresentadas pela ONG holandesa Water for Food and Ecosystems, na publicação
“Pantanal-Taquari; Ferramentas para tomada de decisão na Gestão Integrada dos
Recursos Hídricos”25:
“1. Dragagem do rio: Esta solução é mencionada como a mais lógica. No
entanto, como o rio tem o maior leque aluvial do mundo e onde a sedimentação é inevitável, haverá
sérios obstáculos. A distância do trecho do rio a ser dragada é cerca de 350 km. Se uma profundidade de
3 metros for aceita, tornando o rio acessível para navios, a quantidade de material a ser dragado foi
calculada como 60.000.000 m³, não incluindo o incremento diário. Este incremento pode ser baseado em
2000 m³ de descarga diária de sedimento em Coxim em 1995. Se esse sedimento é recebido diretamente
ou vai à direção à área de arrombamento, isso não foi levado em consideração. Parte da descarga
diária de sedimento será no canal e parte será destinada à sedimentação das margens, mas a divisão
entre as duas categorias é desconhecida. Os navios que estão disponíveis em Corumbá para fazer este
trabalho podem dragar 300 m³ por hora. Se três estão disponíveis o tempo necessário para fazer este
trabalho é de 10-30 anos e os custos são estimados em R$ 180.000.000, baseado em condições de custo
para dragagem do Paraguai, não incluindo o incremento diário. Outro aspecto é que se dragagem é
iniciada então deverá ser levada a cabo de uma forma contínua; a dragagem não pode ser paralisada
sem perder seu efeito num período de tempo relativamente curto. Há necessidade de uma organização
supervisionada, mas finalmente a pulso de inundação do rio, a biodiversidade de espécies terrestres e as
populações de peixes se recuperarão. Parte da terra irá ficar relativamente mais seca.
2. Fechamento do arrombado Caronal: O fechamento do arrombado do
Caronal só pode ser executado depois de ou em conjunto com a dragagem do rio. Se isso não for feito
em conjunto, então outras áreas ao redor do Taquari serão inundadas. Para obstruir o arrombado, deve
ser usado material duro, porque a área envolvida é instável. Baseado na rota de transporte, distância e
os custos adicionais, os custos totais estimados são de R$ 3.500.000. O fechamento do Caronal
significará menos água no Paiaguás, mas não há nenhuma garantia que a situação original retornará,
porque como pode ser concluído através da história geomorfológica e do MDET a situação é muito
sensível. A direção lógica para o Taquari é mover seu leito na direção do Caronal para oeste. Haverá
sempre a tendência do rio de formar um novo leito nessa direção. Se o arrombado for fechado sem a
dragagem do rio, não haverá consequências para a criação de gado e a biodiversidade em geral, assim
como a relação da área úmida/seca permanecerá mais ou menos a mesma. No entanto, o fechamento
causará uma realocação das áreas secas e alagadas. Os fazendeiros de outras áreas ao longo do
Taquari terão mais inundações e os do Paiaguás menos. Espécies relacionadas com condições amidas
25 cujo exemplar segue em anexo
56
irão também trocar de posição.
3. Prevenção de novos arrombados : O trecho situado a baixo do Figueiral, a
leste do Caronal, é muito sensível a arrombados. O comprimento é cerca de 300 km. A prevenção de
arrombados é uma atividade contínua e deve ser supervisionada por uma organização pública ou
privada de gestão ou manejo. Novos arrombados podem ser naturais ou ilegais e artificiais. Não é
possível estimar custos para esta atividade. Espera-se que a situação possa ser mantida estável nos
primeiros anos, mas a possibilidade de novos arrombados aumentará depois de certo período, porque a
sedimentação no leito do rio continua. Em curto prazo o impacto na criação de gado e na biodiversidade
será neutro, uma vez que não há nenhuma mudança nas áreas secas ou úmidas.
4. Criação de um novo leito do rio na parte oeste do Caronal: Também é
sugerido por alguns interessados desenvolver um novo canal começando no arrombado do Caronal na
direção oeste. Este poderia ser dragado artificialmente para criar o leito do rio. A distância até o rio
Paraguai é cerca de 230 km. Se é escolhida uma profundidade de 3 m então deverá ser escavado um
volume de 80.000.000 m³. O tempo necessário para isto depende do equipamento disponível, mas pode
ser estimado entre 10-30 anos e os custos podem ser estimados em cerca de R$ 240.000.000. As
consequências são que em longo prazo haverá menos inundações nesta parte do Paiaguás, mas o velho
leito secará uma vez que toda a água irá para uma nova direção. Este fato poderá causar problemas de
transporte para os fazendeiros dessa região. Possivelmente eles terão que usar as estradas da
Nhecolândia ou manter algumas vias navegáveis abertas. Para a criação de gado e a biodiversidade esta
solução significa que ao menos depois que este canal for criado, haverá um período de melhor drenagem
e descarga. Haverá mais solo disponível para a criação de gado e espécies usando o solo seco, o que
será favorável. Se o pulso de inundação retornar, significa também que a população de peixes se
recuperará. No entanto, embora a solução pareça prometer, é um projeto bastante caro e como o
processo de sedimentação continuará, não foi ainda avaliado o quão estável será o novo canal.
5 Construção de diques: O subsolo das margens do rio consiste de material
erodível e instável. O material necessário para diques estáveis não está disponível ao longo de rio e
deverá ser trazido de outros lugares. Além disso, diques necessitam de supervisão permanente. Os custos
são difíceis de estabelecer porque isso depende muito do tipo de dique que é requerido, os custos de
transporte do material e a forma que os mesmos devem ser construídos. Estas incertezas, a rápida
sedimentação no rio e os altos custos esperados, fazem com que esta solução não seja considerada
realista.
6 Construção de uma represa no Planalto: Uma represa de retenção de
sedimento pode ser construída num único local ou em vários lugares no Planalto. Quanto mais locais
são selecionados, mais baixa e menor pode ser a represa e menor será o custo para cada uma delas. Se a
represa é usada para outras funções tais como armazenamento de água ou produção de eletricidade,
então a represa deve ser alta e será mais cara. Os custos para uma única grande represa foram
estimados com base nos custos de uma represa num rio de dimensões comparáveis na Argentina, e que
acabou de ser construída (Rio Mendoza). Esta represa foi feita para drenagem e produção de
eletricidade. Os custos estimados são:
− Para uma represa para armazenamento de água e retenção de sedimento (40
metros de altura): R$ 1.400.000.000
57
− Para uma represa apenas para retenção de sedimento (10 metros de altura)
R$ 20.000.000
− Para três represas menores para retenção de sedimento R$ 30.000.000
As consequências são que em todos os casos o sedimento é retido, mas
estimulará a erosão rio abaixo uma vez que os rios necessitam de reposição de material. Se existir
apenas uma represa, então o pulso de inundação e migração de peixes desaparecerá ou será
severamente impedida. Isto significa que a produção de peixes poderá não se recuperar no rio, causando
estragos ecológicos e econômicos. Se forem construídas três represas para retenção de sedimento, então
o impacto no pulso de inundação e na migração de peixes devem ser menores. Contudo como o Planalto
não foi parte da análise ecológica espacial, o efeito real não pode ser confirmado sem pesquisa mais
profunda no Planalto. Uma importante consideração de manutenção, uma vez construída uma represa
para retenção de sedimento, é que o sedimento terá que ser retirado regularmente e não liberado para o
Pantanal para prevenir mais sedimentação.”
Como se vê, à vista das fundadas controvérsias que se contrapõem
às diversas alternativas já consideradas quanto ao que ocorre na Planície da Bacia
Hidrográfica do Rio Taquari, a rigor, a única intuição possível de ser alcançada no
momento relaciona-se ao que NÃO FAZER.
Com efeito, adentra-se aqui nos meandros do Princípio da
Precaução, tão caro à temática ambiental. O Princípio da Prevenção, que é enunciado
pela doutrina especializada como autêntico megaprincípio26 do Direito Ambiental, traz
ínsita a noção de que, nessa seara, os danos são, via de regra, irreversíveis ou de difícil
reparação, razão pela qual todos os esforços do poder público e da sociedade devem
voltar-se para sua prevenção.
Conforme ensina Édis Milaré, “a invocação do princípio da
precaução é uma decisão a ser tomada quando a informação científica é insuficiente,
inconclusiva ou incerta e haja indicações de que os possíveis efeitos sobre o ambiente,
a saúde das pessoas ou dos animais ou a proteção vegetal possam ser potencialmente
perigosos e incompatíveis com o nível de proteção escolhido”27.
Enfim, poder-se-ia argumentar que as incertezas quanto aos efeitos
que poderiam advir das variadas formas de intervenção nas inundações já perpetradas
na Planície do Taquari, orientaria à abstenção em sua adoção.
Evidentemente não se está aqui fazendo defesa da inércia Estatal,
26 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Editora
Saraiva, 2012, p. 126
27 MILARÉ, 2005, p. 769.
58
nem muito menos faz-se apologia da desídia absenteísta diante de tão grave situação.
Não. O que se aponta, em verdade, é a urgente necessidade de deslinde das incertezas
que persistem diante do problema.
No que diz com a questão, pede-se venia para as considerações que
seguem, sobretudo por conta da aparente antinomia que tem contraposto ambientalistas,
pescadores e produtores. Em verdade, ao que parece, no que diz com a problemática
verificada na Planície do Taquari, valorizam-se sobremaneira os conflitos de interesses
divergentes, em detrimento do que é comum a todos os envolvidos.
IV.2.1- CONFRONTAÇÃO DE CONCEITOS – ANÁLISE DE ANTINOMIAS
Vale destacar que, no médio e baixo Taquari, além de produtores
rurais e de comunidades urbanas bem organizadas (Coxim e Corumbá), também há
grupos culturalmente diferenciados, que possuem formas próprias de organização
social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos,
inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Tais grupos são nominados
pelo Decreto nº 6.040/2007 como povos e comunidades tradicionais.
Aliás, o Conselho Territorial de Desenvolvimento Sustentável da
Pesca e Aquicultura Pantanal Sul consignou que a BAP do Pantanal, da qual faz parte o
Rio Taquari, possui mais de 4.000 famílias que mantém o seu sustento baseadas na
pesca profissional artesanal realizada na bacia, totalizando aproximadamente 8% de
toda a população pantaneira.
Nessas comunidades ribeirinhas, em geral, há baixo nível de
escolaridade e a pesca é a principal atividade econômica. Nos últimos anos,
desenvolveu-se um vínculo entre estas comunidades e a indústria do turismo pesqueiro,
através da prestação de serviços em “barcos-hotéis” e do fornecimento de iscas vivas
aos turistas que visitam a região. Os recursos naturais da Bacia do Taquari constituem,
portanto, meio provedor da subsistência de parcela significativa da sociedade que ali se
estabeleceu, razão pela qual o uso e exploração dos serviços ambientais da Bacia
exigem atenção dos órgãos públicos, que possuem a árdua tarefa de compatibilizar as
múltiplas e complexas atividades desenvolvidas na região.
Por outro lado, a pecuária é a atividade de maior importância
econômica da Planície do Taquari, seguida da agricultura. O exercício dessas atividades
59
naquele espaço é possível em razão dos insumos provenientes da saúde ambiental da
Bacia, que garante a água para o plantio e dessedentação de famílias agricultoras; a
formação das pastagens naturais necessárias à pecuária pantaneira, desenvolvida de
forma sustentável e extensão há mais de 200 anos.
Mais: a notória riqueza ecológica do Pantanal, consagrado nacional
e internacionalmente devido aos seus notáveis atributos de biodiversidade e beleza
cênica, atrai para o bioma turistas e pesquisadores do mundo inteiro, que procuram
desbravar sua natureza ainda bem preservada. A difusão do turismo seja ele de massa,
da pesca esportiva, contemplativo, rural e ecológico trouxe à população local e aos
empreendedores novas perspectivas de desenvolvimento econômico voltado à região,
traçando uma relação de íntima dependência entre o progresso econômico e a
preservação no Pantanal.
Enfim, no que diz com a ocupação humana na região, há múltiplos
formatos. Dito de outra forma, como bem dá conta publicação da Embrapa Pantanal 28:
“a multiplicidade de usuários na região inclui ribeirinhos, pescadores profissionais ou
amadores, turistas, produtores rurais de pequeno e grande porte, setor de turismo e
navegação, além do setor elétrico”.
O aparente antagonismo entre interesses das comunidades
“produtoras” da Planície do Taquari e da comunidade científica “ambientalista”
funda-se principalmente em contraposições apriorísticas entre conceitos ambientais e
culturais. Observa-se que, a depender do contexto em que se dá a discussão acerca do
que seria pertinente àquela região, gradua-se o espectro do embate ideológico entre as
posições que defendem a intangibilidade de “processos naturais” e as que pugnam pela
“recuperação econômica” daquela região.
Em contrapartida, a setorização da condução das políticas públicas
por meio de instituições destacadas, típica forma de organização da administração
pública brasileira, acentua ou, por vezes, cria o pseudoconflito. Realmente, a
fragmentação da atuação estatal por meio de setorização institucional realmente parece
estimular compromissos pontuais com apenas uma parcela da realidade, via de regra
aquela correspondente à missão das instituições, donde a transmutação dos debates
acerca do tema em sérios conflitos institucionais e políticos. É o que se verifica, por
exemplo, nas várias oportunidades em que se debatem antagonismos entre o INCRA,
28 ADM, Embrapa Pantanal, Corumbá/MS, n. 139. p. 1-5. 2010.
60
EMBRAPA, IBAMA, ICMbio e/ou governos Estadual e municipais acerca dos
processos de intervenção naquela área.
Na
esteira
de
tais
imbroglios,
cristalizam-se
unilaterais
interpretações jurídicas da legislação, que praticamente inviabilizam entendimentos e
conciliações, impedindo ou postergando o cumprimento das responsabilidades do
Estado.
Não bastasse, raras são as oportunidades em que se cuida da
possibilidade de simbiose entre os espaços em debate, ou seja, não se considera, por
exemplo, que as práticas produtivas tradicionais podem colaborar com a conservação da
biodiversidade; e que os cuidados de manutenção da biodiversidade, necessariamente
contribuem para a manutenção econômica e cultural dos povos da área. Em outros
termos, valorizam-se os confrontos ideológicos em detrimento do que pode ser comum
aos interesses contrapostos.
Seja
como
for,
a
Constituição
estabeleceu
estratégia
de
“ordenamento de valores”, em que são contemplados concertadamente interesses
ambientais e econômicos. Neste passo, há de se destacar enfaticamente que a
degradação da Bacia do Rio Taquari, nos moldes do que já aqui resta sobejamente
demonstrado, prejudica a todos.
Eis, portanto, e em primeiro plano, o referencial comum entre os
interesses debatidos: a resposta à ameaça gerada por um modelo de gestão pública do
tema que não os contempla. Tal constatação, por si, já é suficiente à conclusão de que
há fundados indícios acerca da impossibilidade ontológica de contraposição entre
ambos, ao menos no âmbito do que se busca nesta Ação Civil Pública.
Com vistas à participação popular e sobretudo em razão de tal
aparente antinomia de interesses, o Ministério Público Federal realizou Audiência
Pública em Campo Grande no dia 05/04/2013 (Gravação audiovisual em DVD ora
anexado). Em referido ato, além de terem restado corroborados os anseios sociais por
soluções a toda a problemática aqui veiculada, revelou-se o nítido interesse de
conciliação em torno do que é comum a todos: a consideração plural das variáveis
ambientais e “antrópicas” concomitantes no tema. VER VÍDEO
61
Postas tais premissas, e tendo em conta a “incerteza” que persiste
quanto ao QUE FAZER em face das inundações recorrentes na Planície do Taquari,
mas levando em conta o contexto socioambiental daquela região, outro caminho não se
abre que não “categorizar” o que se deverá buscar no presente feito.
IV.2.2- CONCLUSÕES
Assim, se de um lado há de se render atenção à principiologia
ambiental em ordem a se ter PRECAUÇÃO, de outro não se haverá de afastar a
necessidade de dar cobro à tutela IMEDIATA de alguns dos graves problemas
atualmente sofridos pelas comunidades daquela região.
IV.2.2.1- MEDIDAS MEDIATAS (PRECAUÇÃO)
Como medida de PRECAUÇÃO, urge a necessidade de conclusão
técnica definitiva acerca do que deve e pode ser adotado em relação às inundações já
verificadas na Planície do Taquari. As considerações finais haverão de contemplar a
inteireza do problema, com o sopesamento das variáveis ambientais e econômicas
envolvidas. Aos demandados, portanto, deve ser imposta obrigação de “CONCLUIR”
acerca da questão.
No que tem com a abordagem das inundações já ocorridas, há de se
dar especial atenção àquelas que de qualquer forma afetam o pulso regular das cheias,
elementar componente do ecossistema do Pantanal, que rege todo seu funcionamento
ecológico. É tal fenômeno que permite que a Bacia receba aporte de água e de
nutrientes dissolvidos vindos dos seus principais canais de captação, em ordem a
caracterizá-la como um ecossistema abundantemente produtivo. Alertas de diversos
cientistas, instituições de pesquisa, ONGs e sociedade em geral acusam a possibilidade
de falência do frágil bioma pantanal, caso alterado o pulso natural de inundações da
região.
Enfim, ainda que se tenha como verdadeiro que o processo
“natural” de assoreamento do Rio Taquari possa derivar para “inundações naturais”, o
fato é que não pode ser tido como “natural” a brutal antecipação do fenômeno por
consequência da ação humana. Daí a pertinência de serem adotadas as providências de
62
contenção e/ou reversão do que já está comprometendo o “natural” pulsar das águas
naquela região.
Seja como for, não se há de desprezar que o que já ocorreu na
Planície pode ter “consolidado” novas conformações ecológicas, em ordem a
caracterizar irreversibilidade de todos ou de alguns de seus efeitos. Com efeito, tal
possibilidade há de ser levada em conta, razão pela qual a busca por conclusão final
sobre a matéria deve ser perseguida com cautela. No caso de conclusão de
irreversibilidade, há de se ter em conta que a criação de Unidade de Conservação nessas
áreas deverá ser considerada como solução mais pertinente.
Evidentemente tal cuidado não pode significar inércia estatal, vale
dizer, o Poder Público deverá ser compelido a alcançar a conclusão técnica pertinente
no menor prazo materialmente possível. Como baliza temporal para tanto, pode-se
apontar o despendido para elaboração dos diversos estudos que já apresentou quanto ao
tema.
IV.2.2.2- MEDIDAS IMEDIATAS
Por outro lado, à título de tutela IMEDIATA, mostra-se premente a
tomada de posição acerca do que pode vir a acontecer, vale dizer, há de se dar atenção
atual às possibilidades de novas conformações de inundações, alagamentos, arrombados
e o mais.
Remeta-se, aqui, sobretudo às controvérsias apontadas quanto ao
“fechamento” ou à “abertura” de arrombados artificialmente perpetrados, uma vez que
é a questão mais candente a contrapor comunidades inteiras naquela região.
Em que pese tais práticas estarem ocorrendo à revelia do Estado e,
sem levarem em consideração os impactos ambientais delas decorrentes, fato é que o
representante do IMASUL, na Audiência Pública já mencionada, afirmou (no tempo
3:26:18 da gravação- DVD anexo) que há marco regulatório estadual “genérico”
(Resolução SEMAC/MS 27, de 29/12/2008) que permitiria essas intervenções.
Ao se analisar tal Resolução, bem se vê que ela trata de dispensar
Licenciamento Ambiental para intervenções de pequena monta, condicionando e
definindo os casos em que as licenças podem ser substituídas pela apresentação de
Projetos de Recuperação de Área Degradada – PRADE.
63
O que se tem quanto a “arrombados”, entretanto, é uma grande
indefinição acerca do que pode ser considerado como “pequeno” ou “grande”. Ou
melhor, o que seria necessário à adoção dos procedimentos preconizados na Resolução
SEMAC/MS nº 27, seria precisamente a definição das intervenções em arrombados que
podem gerar “pequenos” ou “grandes” impactos ambientais à bacia do Taquari.
De todo modo, o fato é que, há, sim, “pequenos” e “grandes”
arrombados, em ordem a se poder classificar ao menos empiricamente os eventuais
efeitos de intervenção. Não se haverá de discutir aqui os limites objetivos da
repercussão deletéria de tais intervenções ao meio ambiente em geral, até porque a
natureza holística de bem jurídico aqui tratado impõe impossibilidade material para
tanto. Em outros termos, impactos ambientais advirão de eventuais intervenções em
arrombados, mas sua amplitude não pode ser alcançada aprioristicamente em ordem a se
generalizar sua “proibição” ou “autorização”.
O que se quer, porque possível e coerente como necessário
sopesamento principiológico já sugerido, é que se tenha definição imediata dos exatos
contornos das situações pontuais em que “fechamentos ou aberturas” mostram-se
possíveis.
Realmente, parece intuitivo que há razoável diferença entre os atos
de promover “fechamento” ou “abertura” de canais de escoamento de água de grandes
dimensões (1km de largura, por exemplo) e ações de contenção ou liberação de fino
filete d'água. No mesmo sentido, quanto aos fins que se pretende, uma coisa é perseguir
a formação ou recuperação de muitos hectares de pasto por meio da “drenagem”
derivada do fechamento de arrombados, outra bem diferente é perseguir a evitação de
inundação de uma pequena horta de subsistência familiar.
E é precisamente essa definição, com a consideração de
proporcionalidade razoável, por que clamam as comunidades atingidas daquela região.
Por outro lado, há possibilidade técnica de identificação de pontos
do rio mais suscetíveis à formação de novos arrombados, sendo certo que, neste sentido,
a EMBRAPA-Pantanal encaminhou (informalmente) ao MPF relação de pelo menos 17
coordenadas georreferenciadas
(VER ANEXO).
Em que pese as críticas quanto ao tema, o
fato é que a medida parece servir de contenção “de mal maior” (comprometimento dos
64
pulsos de inundação). Seja como for, também aqui urge a clareza do que pode e deve
ser feito.
Por tudo, então, tem-se como necessárias:
•
Conclusão técnica definitiva acerca de qual ou quais
medidas seriam mais apropriadas em face das inundações já verificadas na Planície do
Taquari;
•
definição precisa dos contornos dos arrombados nos quais
seriam possíveis intervenções imediatas;
•
identificação de todos os pontos do rio em que se mostrem
pertinentes medidas de contenção de formação de novos arrombados, bem como
descrição de medidas imediatas que podem ser adotadas nesse sentido.
Em síntese, no que relaciona-se ao verificado na Planície do
Taquari, é sob tais inspirações que o Ministério Público irá deduzir seus pedidos no
presente feito.
V- ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA FINAL
A necessidade de urgente atuação do Estado-Juiz no presente caso
mostra-se quase intuitiva. Realmente, mostra-se não só cabível e pertinente, mas
verdadeiramente imprescindível, que se antecipem os efeitos de tutela, em ordem a
evitar a continuidade e o agravamento dos significativos efeitos adversos que já vem
sofrendo o meio ambiente (em sua inteireza holística) conforme sobejamente aqui
evidenciado.
É certo que há fundado receio de comprometimento do provimento
final aqui pleiteado, uma vez que todo o ecossistema da Bacia do Rio Taquari é
prejudicado pela continuação do processo de sua degradação, cujos efeitos são danos
irreversíveis à biota e aos componentes humanos que a compõem.
De fato, a situação sobejamente apontada ao longo de todo o já
exposto demonstra que a inércia dos demandados foi (e é) a causa determinante da
65
contínua ampliação do já larguíssimo espectro dos graves danos ambientais perpetrados
naquela Bacia. O “tempo” da omissão é o mesmo “tempo” dos danos, ou, dito de outra
forma, “corre-se contra os efeitos do tempo”, irresponsavelmente “acelerados” pelo
descuido no cumprimento dos deveres dos demandados.
Neste passo, está-se a tratar neste tópico do que é voltado para o
futuro, vale dizer, busca-se neste momento processual a tutela inibitória capaz e
necessária à paralisação dos efeitos do ilícito omissivo perpetrado pelo Poder Público.
Vale lembrar, com Luiz Guilherme Marinoni, que “quando se
percebeu o dever do Estado editar normas para proteger os direitos fundamentais –
por exemplo, o dever de proteger o consumidor e o meio ambiente -, as normas
jurídicas “civis” também assumiram função preventiva, que até então era reservada às
normas penais. Dessa forma, torna-se fácil compreender que a ação inibitória não visa
somente impor uma abstenção, contentando-se, assim, com um não-fazer. O seu
objetivo é evitar o ilícito, seja ele comissivo ou omissivo, razão pela qual pode exigir
um não-fazer ou um fazer, conforme o caso”.
Bem de ver, ainda, que a tutela inibitória é mecanismo à disposição
do juiz com vistas a propiciar efetividade para a decisão judicial por ele proferida. É o
que estabelece o artigo 461, §5º, do CPC: “Para a efetivação da tutela específica ou a
obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento,
determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de
atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e
impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”.
Ao se conjugar a hermenêutica do artigos 273, § 3º do CPC com o
sentido do artigo supra citado, percebe-se rol meramente exemplificativo das medidas
que podem ser necessárias à efetivação da decisão judicial. Com efeito, não houve
intenção do legislador em restringir as medidas passíveis de serem adotadas pelo juiz ao
enumerar hipóteses de tutela específica da obrigação, seja porque fez uso da
terminologia “tais como” (o que, por si só, já expressa o ideal de exemplificação), seja
por dotar o julgador dos poderes necessários para “determinar as medidas necessárias”
ao caso concreto. O objetivo, na verdade, foi oferecer a possibilidade para o magistrado
enquadrar a tutela inibitória de acordo com cada caso, estando entre as posturas
passíveis de serem adotadas aquelas expressas no citado artigo.
66
Por isso mesmo, tais fundamentos expressam aquilo que se
convencionou denominar como “poder geral de efetivação”, que deve ser entendido
como uma cláusula aberta posta ao magistrado para intervir em prol da efetividade das
decisões judiciais, de acordo com as nuances de cada caso. Afinal, como define Luiz
Guilherme Marinoni, tal artigo parte da premissa de que “para o processo tutelar de
forma adequada e efetiva as várias situações de direito substancial, é imprescindível
não apenas procedimentos e sentenças diferenciados, mas também que o juiz tenha
amplo poder para determinar a modalidade executiva adequada diante do caso
concreto”29.
Enfim, levando-se em conta o caráter público e intimidatório da
medida inibitória, esta deve ser dinâmica o suficiente para cumprir da melhor maneira
possível sua função de provocar o demandado a cumprir as ordens judiciais emanadas.
Em outros termos, no contexto jurídico atual, é amplamente admitido que o julgador
imponha qualquer medida que, em atenção ao caso concreto, se mostre necessária,
adequada e razoável para a realização do direito reconhecido. Ou ainda, à guisa de
síntese conclusiva: é o caso concreto que vai revelar o meio mais adequado permeado
pelos princípio da proporcionalidade e da motivação.
Tais considerações são relevantes ao caso aqui tratado, sobretudo
porque está-se diante de demanda judicial em face do Poder Público. Tal circunstância,
de pronto, já deixa antever certa desconformidade de uma série de medidas de
efetivação que possam vir a apenar ainda mais a sociedade. Seria o caso, por exemplo,
de eventuais sanções que restringissem de uma forma ou de outra os já combalidos
cofres públicos ou que coarctassem cumprimento de outras políticas públicas.
Por outro lado, bem se viu que o que se mostra necessário ao cobro
da situação fática da bacia do Taquari supõe providências de larguíssimo espectro
prático que haverão de contemplar mais de 800km do leito do rio e cerca de 79.471,81
km² de área. Evidentemente tal circunstância impõe necessidade de adequação de
medidas de fiscalização e de acompanhamento, nem sempre alcançáveis com o aparato
logístico do Judiciário ou do Ministério Público.
Bem por isso, nada mais efetivo que o engajamento de toda a
sociedade no acompanhamento e fiscalização do que lhe é deferido no processo judicial.
29 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (Individual e Coletiva). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006.
67
Aliás, a possibilidade da sociedade participar ativamente do que lhe diz respeito, sobre
ser corolário do Estado Democrático de Direito (art.1º e parágrafo único da CF), no
âmbito do direito ambiental revela-se como verdadeiro dever (“Todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”- GRIFOU-SE).
Nesse sentido, ao caso aqui tratado mostra-se verdadeiramente
relevante que a natural publicidade dos atos judiciais e administrativos seja qualificada
instrumentalmente, em ordem a que possa alcançar efetiva e eficazmente os reais
titulares do direito aqui versado (todos). Em outros termos, mostra-se necessária a
massiva divulgação à sociedade de tudo quanto restar alcançado no presente feito.
É, portanto, com vistas à efetividade do que aqui se busca que o
Ministério Público conforma seus pedidos de antecipação dos efeitos da prestação
jurisdicional.
Assim, a título de tutela antecipada, pede e espera o Ministério
Público ordem judicial que determine aos demandados as seguintes ações e abstenções:
1. REFERENTE À PARTE ALTA DA BACIA NO ESTADO DO MATO GROSSO
DO SUL (no trecho a partir da divisa com o Estado do Mato Grosso até a confluência
do Rio Taquari com o Rio Coxim):
a) suspensão imediata de todo e qualquer licenciamento de novos
empreendimentos agrícolas e/ou pecuários na região;
b)em prazo de 90 (noventa) dias apresentem em juízo, juntando aos
autos, preferencialmente em meio digital, bem como divulguem em meios de
comunicação de massa (imprensa) ao menos no âmbito do Estado do Mato Grosso do
Sul, CRONOGRAMA DE AÇÕES EFETIVAS, com indicação detalhada e precisa do
que será feito, bem como datas precisas de cada fase de execução, que não poderá ter
início em mais de 90 dias contados de sua apresentação, e que contemple
necessariamente:
•
68
o desenvolvimento, a manutenção e a recuperação de sistemas
sustentáveis de produção (onde, quais etc);
•
a recomposição da cobertura vegetal, de reservas legais e área
de preservação permanente (indicação de áreas; os modos de
replantio, tipos de vegetação,custeio etc)
•
incentivo ao manejo e conservação do solo e controle da
poluição (indicação de áreas de ação, técnicas que serão
utilizadas, que práticas serão incentivadas, etc);
•
contenção e estabilização de voçorocas (onde, quais, dimensões
das voçorocas, que técnicas serão implementadas, etc);
•
recuperação
de
Pastagens
Degradadas
(quais,
onde,
proprietários, posseiros, técnicas escolhidas etc);
•
adequação de Estradas Vicinais (identificação, descrição do que
será feito, etc);
•
elaboração de programa de comunicação, educação ambiental e
mobilização social na área de Recursos Hídricos;
•
Produção de Mudas para a bacia do rio Taquari (quais, porque,
onde, etc);
•
recuperação de áreas degradadas, proteção e preservação de
nascentes e matas ciliares contíguas às nascentes, das áreas que
margeiam os principais corpos d’água e dos mananciais
hídricos da Sub-Bacia do Taquari (indicação das áreas
degradadas, das nascentes, técnicas que serão utilizadas, etc);
•
criação do Comitê de bacia hidrográfica da Sub-Bacia do Rio
Taquari.
c) efetivamente iniciem a execução do CRONOGRAMA DE
AÇÕES EFETIVAS de que cuida a alínea anterior e o executem totalmente,
juntando aos autos e fazendo publicar em meios de comunicação de massa
(imprensa) ao menos no Estado do Mato Grosso do Sul, mensalmente, relatórios
descritivos das ações executadas;
d) em prazo máximo de 30 dias organizem e iniciem plano de
69
intensiva vistoria e
fiscalização de todas as propriedades rurais localizadas na
região, em ordem a que, em prazo máximo de 60 dias contados do seu início,
promovam-se, se for o caso, as pertinentes autuações administrativas quanto aos
passivos ambientais eventualmente constatados em cada uma delas.
2. REFERENTE ÀS PARTES MÉDIA E BAIXA DA BACIA (no trecho a partir da
confluência do Rio Taquari com o Rio Coxim até o encontro com o Rio Paraguai):
e)
suspensão imediata de toda e qualquer autorização para
intervenção em arrombados que tenha sido deferida com base unicamente na
Resolução SEMAC/MS 27, de 29/12/2008;
f) em prazo máximo de 30 (trinta) dias, detalhem e definam
critérios claros e detalhados quanto ao que entendem necessário à análise de
intervenções em arrombados, contemplando necessariamente suas dimensões e
finalidades das intervenções, submetendo previamente tais conclusões ao crivo da
sociedade por meio de ampla divulgação em veículos de comunicação de massa
(imprensa);
g) em prazo máximo de 30 dias organizem e iniciem plano de
intensiva vistoria e
fiscalização de todas as propriedades rurais localizadas na
região, em ordem a que, em prazo máximo de 60 dias contados do seu início,
promovam-se, se for o caso, as pertinentes autuações administrativas quanto aos
passivos ambientais eventualmente constatados em cada uma delas;
h) em prazo máximo de 30 dias organizem e iniciem vistoria em
toda a extensão do Rio Taquari (no trecho a partir de sua confluência com o Rio
Coxim até o encontro com o Rio Paraguai), em ordem a a que, em prazo máximo de
60 dias, contados do seu início, apresentem relação de todos os pontos julgados como
passíveis de formação de novos arrombados em curto prazo, bem como detalhem e
definam o que pode e deve ser feito a título de intervenções de contenção, submetendo
previamente tais conclusões ao crivo da sociedade por meio de ampla divulgação em
veículos de comunicação de massa (imprensa);
i) iniciem imediatamente após a apresentação da relação de todos
os pontos julgados como passíveis de formação de novos arrombados em curto prazo
70
acima referida, ações efetivas do que restar definido como necessário, juntando aos
autos e fazendo publicar em meios de comunicação de massa (imprensa) ao menos
no Estado do Mato Grosso do Sul, mensalmente, relatórios descritivos das ações
executadas
Para garantir a efetividade dessas medidas, o Ministério Público
requer que, em caso de descumprimento, sejam:
1.
Impedidas quaisquer formas de divulgação institucional dos
demandados, no âmbito do Estado do Mato Grosso do Sul, enquanto persistir a mora,
determinando-se bloqueio judicial das verbas orçamentárias destinadas a sua
Publicidade Institucional30 pelo período que durar a MORA;
E
2.
No período de duração da MORA dos demandados,
alternativa ou cumuladamente:
2.1- haja autorização judicial a que, o Ministério Público ou quem
demonstrar interesse na causa, promova a ampla divulgação dessa recalcitrância nos
meios de comunicação (imprensa) à custa das verbas orçamentárias destinadas à
Publicidade Institucional dos demandados;
2.2- depósito em conta em favor desse juízo de parcela das
verbas orçamentárias destinadas à Publicidade Institucional dos demandados,
proporcional ao tempo da MORA, cuja liberação deverá dar-se tão só para custeio de
programas de recuperação ambiental da Bacia do Taquari efetivamente apresentados.
Tudo sem prejuízo de outras medidas de efetividade porventura
julgadas pertinentes no curso do processo.
VI – DOS PEDIDOS FINAIS:
À título de tutela final, requerem o MINISTÉRIO PÚBLICO
30 No âmbito da União, para o ano de 2012 houve destaque orçamentário (constante do PPA) para Publicidade
Institucional (Ação 2017, vinculada ao Programa 2101- Código 2017, no valor de R$173.262.000, tendo sido
liquidado o valor de R$109.130.583,59.
O Estado do Mato Grosso do Sul, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2013 empenhou R$13.105.836,16
(http://www.portali9.com.br/noticias/denuncia/governo-do-estado-de-mato-grosso-do-sul-gastou-r-170-mi-pordia-em-publicidade)
71
FEDERAL – por sua Procuradorias da República no Município de Coxim- e o
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL:
a) autuada e recebida a inicial, que seja determinada a citação da
UNIÃO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, IBAMA e IMASUL para,
querendo, contestarem a presente ação, sob pena de revelia;
b) haja designação de audiência pública de tentativa de
conciliação(art. 331 do CPC c/c art. 21 da Lei nº 7.347/85 e 94 do CDC), à vista do
notório e transcendente interesse coletivo, sendo franqueada a presença e manifestação
de outros interessados (v.g., ONG’s ambientais, organizações comunitárias, agentes
políticos, etc);
c)
o julgamento de procedência da presente ação , com a
confirmação dos pleitos liminares deferidos, para determinar que os requeridos sejam
definitivamente condenados nas obrigações de fazer lá pleiteadas e, ainda, a:
c.1)
a condenação dos requeridos a, no prazo de 90 (noventa)
dias contados da intimação da sentença concessiva,, apresentarem conclusão técnica
definitiva acerca do que deve e pode ser adotado em relação às inundações já
verificadas na Planície do Taquari, que contemplem necessariamente as variáveis
ambientais e econômicas envolvidas e a
possibilidade de criação de unidades de
conservação nas áreas alagadas;
c.1)
sejam os demandados condenados a, no prazo de 60
(sessenta) dias contados da apresentação da conclusão técnica acima referida, iniciarem
a efetiva implementação do que pode e deve ser feito, nos moldes do que concluírem;
c.2)
condenação dos demandados a criarem e estabelecerem
definitivamente grupo de estudos, fiscalização e monitoramento permanentes de todas
as atividades econômicas promovidas na Bacia do Rio Taquari, na parte contida no
Estado do Mato Grosso do Sul.
d)
que seja deferida a inversão do ônus da prova, impondo-se
aos requeridos o dever processual de comprovar a plena regularidade dos atos
praticados em sede administrativa tendentes à instalação e operação de todos os
empreendimentos já instalados na Bacia do Rio Taquari;
e) a aplicação da primeira parte do art. 94 do CDC, verbis:
72
f)
embora o Ministério Público já tenha apresentado provas pré-
constituídas do alegado, protesta, outrossim, pela produção de prova documental,
testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias ao
pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a
formar com a apresentação de contestação.
Sem custas, como todas as ações afetas ao parquet (art. 18 da Lei
nº 7.347/85; art. 4º, III, da Lei nº 9.289/96).
Os autos físicos, Inquérito Civil Público que instrui a presente
demanda, serão encaminhadas à Secretaria do juízo (art. 11, §5º, da Lei nº 11.419/06).
Dá à causa o valor de R$ 200 mil, valor de alçada, já que se trata de
bem inestimável.
Nesses termos, aguarda deferimento.
Coxim, 02 de maio de 2013.
Daniel Fontenele Sampaio Cunha
Procurador da República
Fernando Proença de Azambuja
Promotora de Justiça
73
Ricardo Tadeu Sampaio
Procurador da República
Alexandre Lima Raslan
Promotor de Justiça