TRABALHO INFANTIL: aspectos sociais, históricos

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TRABALHO INFANTIL: aspectos sociais, históricos
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TRABALHO INFANTIL:
aspectos sociais, históricos e legais
Sofia Vilela de Moraes e Silva 1
RESUMO
Este estudo busca analisar o trabalho infantil sob a perspectiva histórica, social e legal.
Inicialmente, há um esboço histórico sobre o trabalho infanto-juvenil no mundo e no Brasil,
perpassando sobre as inovações legislativas relacionadas ao assunto. No intuito de delimitar o
problema, para justificar a necessidade de interferência estatal, são expostos dados atualizados
concernentes aos índices do labor precoce em âmbito internacional e nacional. Por fim, inferese que a erradicação dessa anomalia social só poderá ocorrer com mudanças profundas na
sociedade, que vão desde transformações econômicas, a modificações na mentalidade da
nação.
Palavras-chave: Criança. Trabalho Infantil. Desigualdades.
1.
INTRODUÇÃO
Como resultado da Revolução Industrial, quando crianças e adolescentes foram
incessantemente explorados aos olhos cegos do mundo, iniciou-se um processo de indignação
e, consequentemente, prevenção e combate ao trabalho infantil por diversos países europeus.
Contudo, somente após a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT -,
em 1919, as medidas de proteção ao trabalho infanto-juvenil ganharam uma maior relevância,
ensejando uma nova mentalidade no trato desse tema.
Para se ter uma idéia da amplitude e da influência dos organismos internacionais no
amparo aos menores, os princípios estabelecidos na Constituição brasileira de 1988 estão
harmonizados com as atuais disposições das Convenções nºs. 138 e 182, da Organização
Internacional do Trabalho.
De acordo com a legislação nacional, trabalho infantil é aquele exercido por qualquer
pessoa abaixo de 16 anos de idade; contudo, é permitido o trabalho a partir dos 14 anos de
idade, desde que na condição de aprendiz.
Aos adolescentes de 16 a 18 anos está proibida a realização de trabalhos em atividades
insalubres, perigosas ou penosas; de trabalho noturno; de trabalhos que envolvam cargas
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Advogada. Graduada em Direito pela UFAL e em Admistração com Habilitação em Comércio Exterior.
Mestranda em Direito pela UFAL.
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pesadas, jornadas longas; e, ainda, de trabalhos em locais ou serviços que lhes prejudiquem o
bom desenvolvimento psíquico, moral e social.
Em 2002, o número de crianças e adolescentes brasileiras trabalhando na faixa etária
de 5 a 15 anos foi estimado em 2.988.294. No Estado de Alagoas, no mesmo ano, dos
730.334 alagoanos na faixa etária mencionada, 74.500 eram trabalhadores infantis (BRASIL,
2005, p. 15 e 55).
Dessa forma, com o histórico de explorações e índices exacerbados, a mera existência
de leis avançadas não foi suficiente para conter esse malefício à sociedade, constatando-se,
destarte, a necessidade de implantação de ações eficazes para eliminação ao trabalho infantil.
2. HISTÓRIA DO TRABALHO INFANTIL
Excluindo a época pré-histórica, quando não havia uma divisão de classes, mas sim
divisões de tarefas para fins de subsistência do grupo, nos demais períodos históricos, para se
entender a origem, desenvolvimento e permanência do trabalho da criança e do adolescente,
tem-se, primeiramente, que compreender que há, ao menos, dois tipos de infância: a dos filhos
das famílias reais, dos nobres e da alta burguesia e a dos filhos dos escravos, dos camponeses
e dos pequenos comerciantes.
Dessa forma, ao longo do desenvolvimento das sociedades, a realidade do trabalho
infantil só foi vivenciada pelas crianças oriundas da classe excluída das decisões políticas, da
distribuição de renda, das manifestações culturais, enfim, da condição de cidadã.
Na verdade, verifica-se que a exclusão social desses menores e de suas famílias,
ensejou, ao mesmo tempo, a inclusão prematura na atividade laboral.
2.1 O Trabalho Infantil no Mundo
2.1.1 Origens do Trabalho Infanto-Juvenil
Na Antiguidade, quando prevaleciam as famílias patriarcais, o homem mais velho
mantinha poder absoluto sobre os demais membros do núcleo familiar. Durante a menoridade,
os filhos não eram considerados sujeitos de direito, mas servos da autoridade paterna.
O Código de Hamurabi, desenvolvido pelos Babilônicos, por volta de dois mil anos
antes de Cristo, representa nitidamente o poder paternal. O art. 14º, do referido Código,
dispunha que “se alguém rouba o filho impúbere de outro, ele é morto”. Dessa maneira,
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diferentemente de como pensa alguns autores, não há uma proteção à criança, mas sim ao
próprio patriarca, o qual não poderia perder uma de suas propriedades.
Na Grécia antiga, especificamente em Esparta, a criança era objeto do Estado. A
educação era totalmente voltada para a formação de guerreiros. A partir dos sete anos de
idade já recebiam instrução física, para serem aproveitados como futuros soldados. Após os
nascimentos, havia uma seleção, aqueles que possuíam algum defeito físico eram jogados nos
penhascos (AZAMBUJA, 2004, p. 23).
Também na Roma antiga, para os filhos dos patrícios, houve uma educação voltada à
guerra. Nesse período, como ocorria na Grécia, os filhos dos escravos eram propriedades dos
senhores, sendo obrigados a trabalhar para eles ou para terceiros, como forma de pagamento
de dívidas.
Assim, exceto os filhos de escravos e os de famílias nobres, nas civilizações
primitivas, o trabalho do menor era voltado para um sistema de produção familiar, passando
os ensinamentos artesanais de pai para filho.
Já no período Medieval, o trabalho artesanal se ampliou com o surgimento das
Corporações de Ofício. Nestas, o proprietário era um mestre-artesão, o qual trabalhava
juntamente com oficiais e aprendizes. Enquanto aqueles recebiam salários, estes, geralmente
adolescentes, laboravam em troca de comida e casa.
Esclarece-se que na sociedade feudal, onde as relações de vassalagem eram
predominantes, o servos e os seus filhos estavam presos à terra, sendo obrigados a
trabalharem na propriedade de um senhor feudal e pagarem-lhe impostos pelo uso do solo.
Contudo, o ápice, não só do trabalho infantil, mas da atividade laboral em todas as
classes, gêneros e raças, ganhou força e proporção com a Revolução Industrial e a
estruturação do regime econômico capitalista.
2.1.2 A Revolução Industrial
Com a descoberta do vapor no século XVIII, na Inglaterra, deu-se início a uma radical
modificação no processo de produção, ocasionando a extinção das corporações de ofício e
dando origem a industrialização.
A Revolução Industrial, como foi denominado esse período, foi incisiva para a
inserção do menor no trabalho fora da seara familiar e artesanal. O seu labor passou a ser
utilizado em larga escala, sem ser levada em conta qualquer diferenciação em relação à
execução do trabalho ou à duração diária da jornada.
Acerca dessa época, Marx (1982, p. 90) narra que:
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O emprego das máquinas torna supérflua a força muscular e torna-se meio de
emprego para operários sem força muscular, ou com um desenvolvimento físico não
pleno, mas com uma grande flexibilidade. Façamos trabalhar mulheres e crianças!
Eis a solução que pregava o capital quando começou a utilizar-se das máquinas. [...]
O trabalho forçado em proveito do capital substituiu os brinquedos da infância e
mesmo o trabalho livre, que o operário fazia para a sua família no círculo doméstico
e nos limites de uma moralidade sã.
Desse modo, com a jornada ampliada, tendo em vista que as máquinas possibilitam a
prolongação do tempo em face do limite natural, e com a precarização dos salários, o chefe da
família, com somente sua força de trabalho, não mais conseguia prover o sustento de sua
mulher e filhos, sendo, pois, necessário o labor de todos os membros, a fim de que se pudesse
alcançar o mínimo de subsistência.
A exploração dos grandes industriais aos obreiros não tinha limites, porque não havia
violação à norma jurídica, ou mesmo, a preceito moral. Na época, vigorava a corrente política
do liberalismo clássico, a qual combatia a intervenção estatal, propagando a idéia de autoregulação da economia de mercado e defendendo a liberdade contratual, a iniciativa privada e
a propriedade.
Sendo assim, o abuso dos patrões era justificado pelos próprios ditames axiológicos
enraizados na sociedade européia.
A falta de regulamentação, unida com busca enlouquecida pelo lucro, ocasionou uma
degradação física e mental nas crianças da época. Os trabalhos eram realizados em ambientes
insalubres, perigosos, ensejando diversos acidentes de trabalho e doenças relacionadas com a
atividade exercida. Era frequente nas fábricas ocorrerem mutilações, envenenamentos com
produtos químicos, deficiências pulmonares, dores na coluna. Esses problemas atingiram
diretamente a integridade física dos pequenos operários.
Uma das consequências do ataque insano e constante aos menores foi a elevadíssima
taxa de mortalidade infantil do período. Segundo pesquisa médico-oficial de 1861, na
Inglaterra havia 16 distritos que, de 100.000 crianças, faleciam 9.000 por ano (MARX, 1982,
p. 92).
Além do prejuízo físico, as crianças e adolescentes sofreram um enorme prejuízo
intelectual, eis que, por passarem boa parte do dia nas fábricas, chegando a jornadas de 14
horas diárias, não lhes eram oportunizada a educação escolar.
Em 1844, uma pesquisa em 412 fábricas de Lancashire, distrito da Inglaterra,
constatou que 52% dos trabalhadores eram mulheres e crianças (NASCIMENTO, 2003, p.
26). A contratação desses tipos de obreiros era extremamente lucrativa, haja vista que, além
de receberem salários menores do que dos homens adultos, segundo os industriais, eram mais
adaptados à disciplina do sistema fabril.
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Esse clima de opressão, brutalidade, omissão estatal e ausência de regulamentação
jurídica proporcionou diversas revoltas operárias, dentre as quais, a partir de 1830, destaca-se
o Movimento Cartista, organizado pela Associação dos Operários, o qual pleiteava direitos
políticos e melhores condições de trabalho, tornando-se a primeira base popular de combate à
exploração infantil.
Portanto, em meio a esse quadro de decomposição da vida dos menores e, ao mesmo
tempo, pressão social, o Estado não mais pode abster-se em interferir nas relações
trabalhistas, dando início à regulamentação jurídica.
2.1.3 Legislação Internacional
A Inglaterra, berço da Revolução Industrial e foco da exploração infanto-juvenil, foi o
primeiro país a redigir normas de proteção ao trabalho dos menores.
A primeira legislação de amparo aos trabalhadores foi a Lei de Peel, em 1802, assim
denominada em homenagem ao seu idealizador, o industrial Robert Peel, que expediu um
manifesto chamado “Ato da Moral e da Saúde”, no mesmo ano. O seu objetivo era proteger as
crianças das explorações incrustadas no mundo capitalista.
Os principais avanços dessa lei para as crianças e os adolescentes foram: limitação da
jornada de trabalho para 12h diárias; vedação do trabalho após as 21h e antes das 06h;
instrução obrigatória durante os primeiros anos de aprendizagem; e higienização do local de
trabalho (NASCIMENTO, 2004, p. 38).
Em 1819, Robert Peel juntamente com Robert Owen, industrial socialista,
conseguiram aprovar uma nova lei que proibiu o emprego de menores de 9 anos de idade nas
fábricas, bem como limitou o trabalho de jovens menores de 16 anos a 12 horas diárias nas
atividades algodoeeiras.
Outra Lei relevante surgiu em 1833, sob pressão da Comissão de Sadler –, formada
para sindicar as condições de trabalho oferecidas nas indústrias. Manteve-se, com essa norma,
a vedação ao trabalho de menores de 9 anos, restringindo para 9 horas a jornada de trabalho
para os menores de 13 anos e para 12 horas aos menores de 18 anos. Ademais, foi impedido o
trabalho noturno.
Para fechar o ciclo das leis de proteção à juventude, em 1842, foi proibido o labor
subterrâneo aos menores.
Não só na Inglaterra, mas também na França, a partir de 1813, e na Alemanha, por
volta de 1839, expediram-se normas de amparo aos pequenos trabalhadores, aumentando a
idade para o trabalho e reduzindo as jornadas diárias.
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No entanto, somente com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) a
preocupação com trabalho infantil tornou-se prioridade, ampliando a discussão para todo o
mundo.
2.1.4 Organização Internacional do Trabalho
Após o término da Primeira Guerra Mundial, em Paris, no ano de 1919, realizou-se a
Conferência da Paz, que ensejou a criação de uma comissão, formada por representantes de
governos, empregadores e trabalhadores, para estudo e elaboração de propostas para uma
legislação internacional do trabalho.
A comissão criou uma Carta do Trabalho que continha nove princípios orientadores da
política internacional para as relações trabalhistas, dentre eles estava a abolição do trabalho
infantil. Todas as orientações elaboradas pela comissão serviram de base para o Tratado de
Versalhes, o qual deu existência a Organização Internacional do Trabalho – OIT -, em 1919
(NASCIMENTO, 2003, p. 37).
A necessidade de criação de um organismo internacional para as questões trabalhistas
fundamentou-se em argumentos: humanitários - condições injustas e degradantes de muitos
obreiros; políticos – meio de evitar conflitos sociais que ameaçem a paz; e econômicos –
igualdade de condições humanas de trabalho a nivel internacional, no intuito de que a
concorrência global não seja um obstáculo para conquistas trabalhistas em todos os países do
mundo.
A OIT, desde 1946, é uma das agências especializadas da Organização das Nações
Unidas (ONU), com sede em Genebra, tendo uma rede de escritórios em todo os continentes.
O seu objetivo geral é reivindicar melhorias nas condições de trabalho no mundo,
visando à proteção dos trabalhadores. A luta contra o trabalho infantil é uma das prioridades
da OIT, haja vista compreender que esse tipo de labor, além de não de ser digno e não
contribuir para redução da pobreza, tira das crianças os seus direitos à saúde, à educação, e à
sua própria vida enquanto crianças.
No intuito de combater mais efetivamente a exploração do trabalho infanto-juvenil, em
1992, a OIT inaugurou o Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil
(IPEC), o qual se tornou o maior programa mundial de cooperação técnica contra o trabalho
infantil, buscando estimular, orientar e apoiar iniciativas nacionais na elaboração de políticas
e ações que eliminem a exploração da criança.
Esse programa foi implantado no Brasil, em 1992, e já acompanhou mais de 100
projetos em território nacional. Após 10 anos de funcionamento, com a ajuda do IPEC, cerca
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de 800.000 crianças foram retiradas do Trabalho no Brasil 2. Atualmente, no que concerne ao
Estado de Alagoas, esse programa vem atuando no município de Arapiraca, nas áreas do fumo
e do trabalho doméstico.
2.1.4.1 Convenções da OIT
Além da cooperação técnica para desenvolver projetos, a OIT tem mais duas formas
de atuação: a produção e divulgação de informação e a elaboração de instrumentos
normativos, como convenções e recomendações sobre o trabalho.
As Convenções Internacionais são instrumentos de cumprimento obrigatório pelos
países que assumem o compromisso de fazer valer suas determinações. Desde o ano de sua
criação, 1919, a OIT vem elaborando Convenções para coibir o trabalho infantil.
A primeira delas – Convenção n. 05 - proibiu o trabalho de menores de 14 em
indústrias, públicas ou privadas, ou em suas dependências; já a segunda – Convenção n. 06 vedou o trabalho noturno aos menores de 18 anos. Durante os anos de 1919 a 1965, foram
aprovadas Convenções versando sobre a idade mínima para o trabalho nos diversos setores da
economia, quais sejam: indústria, trabalho marítimo, agricultura, estivadores e foguistas,
emprego não industrial, pescadores e trabalho subterrâneo (NASCIMENTO, 2004, p. 912).
No entanto, somente com a Convenção n. 138, de 1973, houve um posicionamento
unificado a respeito da idade mínima de admissão ao emprego. É uma norma flexível, que não
fecha os olhos aos diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico dos países-membros
da OIT.
No seu art. 1º, prevê que um país, ao ratificar a Convenção, deve assegurar a efetiva
abolição do trabalho infantil, buscando elevar, progressivamente, a idade mínima de admissão
a emprego ou a trabalho a um nível apropriado ao pleno desenvolvimento físico e mental do
jovem.
Essa Convenção determina, no geral, que a idade mínima “não será inferior à idade de
conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos”.
Todavia, permite, no caso de países insuficientemente desenvolvidos na área econômica e
educacional, uma idade mínima de quatorze anos.
Em relação aos trabalhos perigosos, ou seja, aqueles que, por sua natureza ou
circunstâncias em que for executado, possam prejudicar a saúde, a segurança e a moral do
jovem, a Convenção veda-os aos menores de 18 anos.
2
Informação disponível no site: < http://www.oitbrasil.org.br/ipec/ipec/historico.php>. Acesso em: 10 out.2006.
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No intuito de minudenciar o tema e estabelecer orientações para a política e ação
nacional, também no ano de 1973, foi instituída a Recomendação n.146 da OIT.
Os textos da Convenção e da Recomendação foram aprovados por meio do Decreto
Legislativo de 14 de dezembro de 1999; contudo, somente entraram em vigor, no Brasil, em
28 de junho de 2002, um ano após sua ratificação.
Em 16 de junho de 1999, foi aprovada a Convenção n. 182, a qual dispõe sobre as
piores formas de trabalho infantil. Manteve-se o objetivo da erradicação total do trabalho
precoce; contudo, enquanto isso não ocorre, ficou estabelecido que os países devem
concentrar os esforços para eliminar, imediatamente e eficazmente, as seguintes situações:
a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a
venda e tráfico de crianças, a servidão por dívida e a condição de servo, e o trabalho
forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados:
b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção
de pornografia ou atuações pornográficas;
c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades
ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, tais como definidos
nos tratados internacionais pertinentes; e
d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, e
suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.
Acerca do trabalho perigoso, contido no item “d”, a Recomendação n. 190, de 1999,
cita alguns exemplos a serem considerados na caracterização desse tipo de trabalho como:
abusos de ordem física, psicológica ou sexual; trabalhos subterrâneos, embaixo d’água, em
alturas perigosas ou em lugares confinados; trabalhos que requerem o uso de máquinas,
equipamentos e ferramentas perigosas, ou que impliquem a manipulação ou transporte manual
de carga pesadas; trabalhos realizados em ambiente insalubre; e trabalhos que sejam
executados em condições extremamente difíceis, como horários prolongados ou noturnos, ou
trabalhos que impeçam o regresso diário da criança.
A Convenção n. 182 e a Recomendação n. 190 tiveram seus textos aprovados em
território nacional, por meio do Decreto n. 178, de 14 de dezembro de 1999, sendo ratificadas
pelo Brasil, em 02 de fevereiro de 2000.
2.1.5 Teoria da Proteção Integral
Em 1924, foi aprovada, pela Assembléia da Liga das Nações, a Declaração de Genebra
dos Direitos da Criança, o primeiro instrumento internacional de proteção aos menores.
Contudo, por não possuir força vinculativa aos Estados, não conseguiu lograr amplo
reconhecimento pelos países (SOUZA, 2001, p. 58).
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Apenas com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, aprovada pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, verifica-se a evolução na percepção sobre a proteção à
criança.
Visando a evitar outro combate nas proporções da II Guerra Mundial e tomando como
alicerce os ideais da Revolução Francesa, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, já
em seu preâmbulo, parte da premissa que somente com o reconhecimento da dignidade de
todas as pessoas, alcançar-se-á a liberdade, a justiça e a paz no mundo.
No seu art. 25, §2, estabelece que “a maternidade e a infância têm direito a cuidados e
assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora de matrimônio, gozarão da
mesma proteção social”. Portanto, determina, universalmente, que o menor deve ter amparo e
cuidados especiais, em face das peculiaridades físicas e psicológicas em que vive.
O arcabouço valorativo construído pela Declaração Universal dos Homens serviu de
fundamento para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959, que
deu o passo inicial para a fixação da doutrina da Proteção Integral da Criança, a qual prega,
em síntese, o interesse superior da criança.
Elencando dez princípios norteadores da infância, a Declaração Universal dos Direitos
da Criança traz uma nova visão sobre a temática em foco, conferindo, aos pequenos, direitos
próprios, que, inclusive, devem ser respeitados pelos pais.
A criança não mais é vista como extensão do núcleo familiar, mas sim como sujeito de
direitos, merecendo, pois, proteção especial, consoante determina o Princípio Segundo da
Declaração, in verbis:
A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e
facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de
liberdade e dignidade.
Na instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os
melhores interesses da criança.
Sendo assim, a Teoria da Proteção Integral da Criança afirma que os menores possuem
os mesmos direitos dos adultos; contudo, devido à sua condição de hipossuficiência e
vulnerabilidade, fazem jus a uma proteção especial e prioritária.
Essa teoria ganha força e plena aceitação com a aprovação da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20
de novembro de 1989.
A Convenção sobre os Direitos da Criança é o instrumento normativo internacional de
direitos humanos mais aceito na história da humanidade. Foi ratificado por 192 países.
Apenas os Estados Unidos e a Somália não ratificaram a Convenção.
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Em seu artigo 3°, a Convenção deixa expressa que todas as ações relativas às crianças 3
devem levar em conta, primordialmente, seu melhor interesse. Dessa maneira, e estabelecendo
princípios de amparo à infância, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança
abarcou a Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas para a criança.
Para uma maior compreensão dessa doutrina, a qual revolucionou a base filosófica
para construção das normas jurídicas em torno da criança, vejamos a formulação de Souza
(2001, p. 75-76) sobre o assunto:
Percebe-se, pois, que proteger de forma integral é dar atenção diferenciada à criança,
rompendo com a igualdade puramente formal para estabelecer um sistema que se
incline na busca pela igualdade material, por meio de um tratamento desigual,
privilegiando, à criança, assegurando-lhes a satisfação de suas necessidades básicas,
tendo em vista sua especial condição de pessoa em desenvolvimento.
Destarte, após séculos de esquecimento e desamparo com os menores, a Declaração
Universal dos Direitos dos Homens e a Declaração Universal dos Direitos das Crianças
reconheceram os direitos capazes de assegurar vida digna e o pleno desenvolvimento às
crianças.
2.2 TRABALHO INFANTIL NO BRASIL
No mesmo viés da história mundial, no Brasil, a valorização da criança e do
adolescente está intimamente relacionada à classe social que ocupa. Dessa forma, a origem do
trabalho infanto-juvenil em solo brasileiro, estabelece-se alicerçado em um pensamento de
segregação, o qual se mostra mais visível, quando verificada a evolução legislativa sobre o
tema.
Antes da famosa Lei Áurea, não existia qualquer norma protetora ao trabalho do
menor, até porque, numa economia basicamente agrícola, a mão-de-obra utilizada era escrava,
ou seja, desprovida de escolha, desamparada pelo Direito.
As crianças negras, como seus pais, não passavam de um objeto, propriedade de seu
dono. Sendo assim, trabalhavam como se adultos fossem.
Com o Decreto nº 1.331-A, de 1854, foi instituído o ensino obrigatório; contudo, em o
seu art. 69, havia a determinação de que “não serão admitidos, nem poderão frequentar a
escola: os meninos que padecerem moléstias contagiosas; os que não tiverem sido vacinados,
e os escravos”. Obviamente, essas restrições abarcavam as crianças que não tinham acesso à
3
“Art.1 Para efeitos da presente convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de 18 anos
de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”.
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saúde, oriundas de famílias pobres. Portanto, desde o início, a dificuldade à acessibilidade ao
sistema educacional e, consequentemente, à qualificação como profissionais contribuíram
para obstar a ascensão social das camadas mais baixas.
Logo após a abolição da escravatura, vigorou o Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro de
1891, o qual consagrava os seguintes direitos às crianças: a) proibição do trabalho aos
menores de 12 anos em fábricas de tecido, salvo na condição de aprendiz – eram considerados
aprendizes crianças de 8 a 12 anos; b) limitação da duração da jornada de trabalho para 7h
diárias no caso menores do sexo feminino com idade entre 12 e 15 anos e, no caso do sexo
masculino, com faixa etária entre 7 e 14 anos. Para os menores com faixa etária entre 14 a 15
anos, do sexo masculino, a jornada foi fixada em 9h diária; c) proibição a ambos os sexos,
com até 15 anos, do trabalho aos domingos, feriados e em horário noturno; d) proibição ao
trabalho do menor em ambientes perigosos à saúde (NASCIMENTO, 2003, p. 55).
Contudo, o descumprimento da legislação era rotineiro, tendo em vista que as
indústrias e a agricultura continuavam a utilizar mão de obra infantil. O fato da maioria das
crianças pobres e filhos de imigrantes – os quais substituíram o trabalho escravo – não
possuírem certidão de nascimento, contribuía, ainda mais, para o trabalho de menores de 12
anos nas fábricas.
Na verdade, a exploração do trabalho infanto-juvenil, na época, era escancarada,
ocorrendo nos mesmos moldes da Revolução Industrial: ambientes insalubres, crianças mal
alimentadas e analfabetas, jornada de trabalho excessiva e frequentes acidentes de trabalho.
Em meio a pressões sociais, principalmente as lutas do proletariado nascente, bem
como a necessidade estatal de regulamentar a situação dos menores abandonados, foi criado,
em 1923, o Juizado de Menores, culminando, em 1927, com a publicação do Decreto nº.
17.943 de 12/10/1927, Código de Menores, considerado o primeiro diploma legal de proteção
às crianças e aos adolescentes da América Latina.
O Código Mello Matos, como foi popularmente conhecido em homenagem ao
primeiro Juiz de Menores, estabelecia no seu art. 1º que “o menor, de um ou outro sexo,
abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela
autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código”.
Portanto, o Código de 1927, longe de criar um arcabouço de direitos e garantias aos
menores de todas as classes sociais, visou, unicamente, estabelecer diretrizes à infância e à
juventude excluídas, no intuito de afastá-las da delinquência.
Na verdade, o objetivo do Estado, numa sociedade pós-escravista, extremamente
desigual, era controlar a pobreza, dando à criança de baixa renda: o trabalho precoce, como
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forma de prevenir uma espécie de delinquência latente, e a institucionalização, como maneira
regenerativa de sua inevitável perdição.
Embora o Código tenha se engendrado por uma vertente segregacionista, houve alguns
avanços em relação às legislações esparsas anteriores. No art. 101, restou proibido, em todo
território Republicano, o trabalho para os menores de 12 anos. Por meio do art. 104, os
menores de 18 anos foram proibidos de laborar em lugares perigosos à saúde, à vida e à
moralidade.
Somente em 1979, o Código de Menores de 1927 foi revogado pelo Decreto nº 6.697,
o qual aprovou um novo Diploma legal sobre o assunto; no entanto, pouco ou nada, foi
acrescentado de inovador. Persistiu-se, novamente, na regulamentação dos menores em
situação irregular. Remetendo-se, no que concerne ao trabalho infantil, à legislação especial,
qual seja, a Consolidação das Leis Trabalhistas; de 1943.
Na era Vargas, a partir de 1930, iniciou-se um processo de intervenção estatal, o qual,
independentemente das medidas populistas ou mesmo impeditivas de revoltas sociais,
ocasionou uma expressiva modificação no direito do trabalho.
Através da edição do Decreto nº 22.042, de 03/11/1932, foi fixada a idade mínima em
14 anos para o trabalho na indústria e proibido, para os menores de 16 anos, o labor no
interior de minas.
Os direitos alcançados pelos operários foram concentrados na Constituição Federal
(CF) de 1934, que, em seu artigo 121, caput, estabeleceu diretrizes para as condições do
trabalho, “tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do
País”.
Neste contexto de balizamento de interesses econômicos e sociais, os quais nem
sempre se coadunam, foi disposto no parágrafo primeiro, alínea “a”, a vedação à diferença de
salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil. Na
alínea “d”, foi fixada a idade mínima de 14 anos para o trabalho, proibindo-se o trabalho
noturno aos menores de 16 anos e, em indústrias insalubres, aos menores de 18 anos.
A Constituição de 1937 não trouxe nenhuma inovação, mantendo os mesmos preceitos
da que lhe precedeu. Já a Constituição de 1946, preservando quase por inteiro o texto anterior
sobre tema, inovou no art. 157, IX, ao aumentar a idade mínima do trabalho noturno para 18
anos.
Nesse entremeio, foi aprovada, em 1943, a Consolidação das Leis Trabalhistas que,
compilando as diversas normas do trabalho da época, reservou 39 dispositivos sobre o menor,
os quais, ao longo dos anos, sofreram diversas alterações e revogações, como no caso do art.
80 que limitava o salário dos aprendizes até o mínimo legal da região, zona ou subzona.
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Esse dispositivo, além de ser incompatível com a Carta Política vigorante na época,
nada contribuía para a erradicação do trabalho infantil, tendo em vista que para os
empregadores era extremamente benéfico pagar um salário mínimo especial aos seus
pequenos obreiros.
O retrocesso na legislação trabalhista ocorreu com o advento da Constituição Federal
de 1967, que reduziu no art. 158, X, a idade mínima para o trabalho do menor em 12 anos.
Acrescenta-se que, antes da Carta Política de 1988, os direitos trabalhistas, neles
incluídos da criança e do adolescente, eram enquadrados como matéria de ordem econômica
(CF/37) ou de ordem econômica e social (demais Constituições), demonstrando, assim, que o
olhar para o trabalhador surgiu, inicialmente, numa perspectiva protetora da própria
economia, somente vindo a ganhar título de proteção, exclusivamente, social, quando
promulgada a atual Constituição.
2.2.1 Legislação Atual de Proteção ao Trabalho do Menor
2.2.1.1 Consolidação das Leis do Trabalho - CLT
Por meio do Decreto n. 5.452, de 01/05/1943, foi aprovada a Consolidação das Leis
do Trabalho, a qual reuniu toda a legislação trabalhista vigente na época.
No seu capítulo IV, Título III, pelos artigos 402 ao 441, foi compilada as normas de
proteção ao menor trabalhador. No art. 402, após alteração pela Lei 10.097/2000, foi definido
o conceito de menor para a Justiça Trabalhista, considerando todo o trabalhador com idade de
14 a 18 anos.
Os dispositivos mencionados regulamentam em termos gerais: a idade mínima, a
jornada de trabalho, os trabalhos proibidos, a admissão no emprego, a assinatura na carteira de
trabalho, os deveres dos empregadores e dos responsáveis dos menores, a aprendizagem, a
rescisão contratual e as penalidades.
Frisa-se que a redação original sofreu diversas alterações ao longo do tempo,
principalmente no que concerne à idade mínima do trabalho, acompanhando a evolução
constitucional.
2.2.1.2 Constituição Federal de 1988
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Com fundamento na doutrina internacional de proteção integral às crianças e aos
adolescentes, afastou-se o caráter assistencialista anteriormente seguido e buscou-se, na
elaboração da Constituição Federal de 1988, priorizar a educação em face do trabalho.
O artigo 227, da Carta Magna de 1988, dispõe in verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Assim, visou-se privilegiar a educação e a profissionalização, as quais servem como
forma de preparação para um trabalho futuro, do que o próprio labor prematuro, que pouco
estimula o acúmulo de conhecimento e garante vida digna aos jovens trabalhadores.
Esse pensamento é, ao mesmo tempo, confirmado e fundamentado pela prescrição
contida no art. 205 da Constituição que toma a educação como direito de todos e dever do
Estado e da família, com a colaboração da sociedade, almejando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, bem como seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.
Na verdade, a partir da Constituição da República de 1988, há um reconhecimento da
criança e do adolescente como cidadãos, ou seja, titulares de direitos fundamentais,
rompendo-se, efetivamente, com a visão minimalista do menor como objeto, abarcada pelo
revogado Código de Menores.
Em relação aos preceitos trabalhistas, a atual Carta Política, em redação original,
previa a idade mínima de 14 anos para o trabalho infantil, possibilitando para os maiores de
12 anos a atividade de aprendizagem.
Manteve-se a proibição do trabalho perigoso, insalubre e noturno aos menores de 18
anos, coadunando-se com as Constituições anteriores e com a própria CLT.
Contudo, o grande avanço constitucional firmou-se com a promulgação da Emenda
Constitucional n. 20, de 15.12.1998, a qual alterou o inciso XXXIII, do art. 7º da CF/88,
elevando para 16 anos a idade mínima para o trabalho infanto-juvenil, bem como aumentando
para 14 anos a idade mínima para o regime de aprendizagem.
Sendo assim, consoante ressalta Goulart (apud CÔRREA e VIDOTTI, 2005, p. 100101), o direito brasileiro, seguindo os preceitos da Convenção n. 138 da OIT, determina: uma
idade mínima meta para o trabalho infantil, dezoito anos (art. 1º da Convenção n. 138); uma
idade mínima transitória, dezesseis anos (Constituição da República, CLT e Estatuto da
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Criança e do Adolescente); e uma idade mínima excepcional, quatorze anos para a condição
de aprendiz (Constituição da República, CLT e Estatuto da Criança e do Adolescente).
Infere-se, pois, que a Carta Magna aclara os princípios protetores dos menores,
construindo o direito fundamental da criança e do adolescente ao não trabalho, reconhecendo,
definitivamente, a posição especial que os mesmos se encontram no processo de
desenvolvimento humano.
2.2.1.3 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA - nasce em um contexto histórico em
que o Brasil, internacionalmente, ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança e,
nacionalmente, promulgou a Constituição Democrática de 1988.
A Lei 8.069/90, o ECA, reconhece como base doutrinária, em seu art. 1º, a proteção
integral à criança e ao adolescente, afirmando novamente, como fez a Constituição de 1988,
os direitos da criança e do adolescente e, paralelamente, estabelecendo os instrumentos
adequados à concretização desses direitos dentro da realidade brasileira (SOUZA, 2001, p.
130).
Para o estatuto da criança e do adolescente considera-se criança a pessoa até doze anos
de idade incompletos e, adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade. Ressalta-se
que o Estatuto buscou eliminar a palavra “menor”, a qual, utilizada pelo antigo Código de
Menores, representa crianças e adolescentes oriundos da camada mais excluída da sociedade.
No que diz respeito ao trabalho infantil, o ECA reserva o capítulo V, do Título II, para
a regulamentação do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. Os dispositivos do
Estatuto, que englobam o art. 60 até o art. 69, tratam sobre a idade mínima para o trabalho, a
aprendizagem, o menor portador de deficiência, os trabalhos proibidos e, por fim, reiteram o
tema do capítulo, frisando a necessidade de respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento e de capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.
3.
O CONTEXTO ATUAL DO TRABALHO INFANTIL
3.1 DADOS SOBRE SITUAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO MUNDO
Consoante dados da OIT (2006, p. 13-15), estima-se que em 2004 havia cerca de 317
milhões de crianças economicamente ativas, com idades entre 5 a 17 anos, das quais 218
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milhões estariam em situação de trabalho infantil 4. Desse último total, 126 milhões de
crianças/adolescentes realizavam trabalhos perigosos.
Comparando o ano de 2000 ao de 2004, observa-se um declínio, na faixa etária
supramencionada, de onze por cento. Destacando-se que, em relação aos trabalhos perigosos,
houve um declínio de vinte e seis por cento para o período considerado.
Dentre os setores de incidência de crianças trabalhadoras, em 2004, constata-se que a
agricultura abrange o maior número, 69%, seguido dos serviços, 22%, e, por último, da
indústria 9%.
A Ásia, por ter uma enorme população, concentra a maior quantidade de crianças
trabalhando, mas é na África que se verifica a maior percentagem de trabalho infantil: 26,4%,
em 2004. Na América Latina, estima-se um número de 5,1%, em 2004, evidenciando um
expressivo decréscimo, comparado ao ano de 2000, quando esse número era de 16,1% (OIT,
2006, p. 16).
Já a Europa, berço da exploração da mão-de-obra infantil, praticamente eliminou esse
tipo de trabalho na área industrial. Os motivos, em geral, são: alto nível de desenvolvimento
econômico, implementação de um sistema avançado de ensino e existência e aplicação de leis
sobre o trabalho infantil.
3.2 DADOS SOBRE A SITUAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL
Segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), do IBGE, em
2002, 2.988.294 crianças entre 5 e 15 anos trabalhavam no Brasil, representando, em termos
absolutos, 8,22% da população nessa faixa etária. Comparando ao ano de 1995, examina-se
que ocorreu uma redução de 41,95% no número de crianças e adolescentes trabalhando nas
idades consideradas (BRASIL/MTE, 2005, p. 15).
De acordo com a OIT (2006, p. 24-25), muitos fatores explicam o decréscimo na
incidência do trabalho infantil. A primeira razão seria a mobilização social no Brasil, seja por
meio de Organizações não Governamentais (ONGs), seja pelo próprio empresariado
(Fundação Abrinq), seja pelos profissionais e instituições dos meios de comunicação, através
da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), seja pelos sindicatos (mobilização
da sociedade e das autoridades locais para debater as alternativas à contratação de crianças na
indústria do calçado em Franca/SP).
4
A OIT entende que trabalho infantil é um conceito mais restrito do que “crianças economicamente ativas”,
excluindo, destarte, todas as crianças com 12 ou mais anos que trabalham apenas algumas horas por semana em
trabalhos leves autorizados e aquelas com 15 ou mais anos cujo trabalho não é classificado como “perigoso”.
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Além do mais, a OIT cita o estabelecimento de uma estrutura quadripartida para
discutir o trabalho infantil, representado pelo Fórum Nacional para a Prevenção e Erradicação
do Trabalho Infantil - FNPETI, originado no fim de 1994, bem como a imposição de ensino
obrigatório de oito anos, que, em fevereiro de 2006, foi ampliado para nove anos.
Por fim, expõe os programas governamentais que visam a manter a criança na escola,
como o Bolsa Escola, e o Programa para a Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), criado em
1996, o qual, além de prezar pela frequência escolar, institui uma jornada ampliada para
afastar a criança da atividade laboral.
Ainda segundo o IBGE, todos os estados brasileiros possuem foco de trabalho infantil.
O estado do Piauí, no ano de 2002, apresentou o maior índice, com 15,65% de crianças de 5 a
15 anos trabalhando e o Distrito Federal a menor taxa, 1,37%.
A região com maior índice de trabalho infantil-juvenil é o Nordeste, 12,20%, seguida
da Região Sul, com 10,12%. Constata-se, destarte, que não é apenas a pobreza que influencia
no trabalho infantil, posto que o Sul destaca-se pelo desenvolvimento econômico e
indicadores socioeconômicos positivos.
Pelos dados do IBGE, no ano de 2002, 50,18% da crianças e adolescentes que
laboravam, residiam na área urbana, enquanto 49,82% moravam na área rural. A grande
maioria das crianças trabalhadoras é do sexo masculino (66,16%) e afrodescendentes
(57,80%).
Analisando a faixa etária de 5 a 15 anos, tem-se que 47,73% dos trabalhos realizados
por menores não são remunerados.
Embora, historicamente, verifique-se uma redução do trabalho infantil no Brasil, a
última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/2005, divulgada pelo IBGE, revela um
aumento de 10,3% do número de crianças ocupadas de 5 a 14 anos de idade 5.
Contudo, esses dados não são tão desestimuladores, tendo em vista que esse avanço da
mão-de-obra infantil foi influenciado pelo aumento do trabalho para o próprio consumo e pelo
trabalho não remunerado na atividade agrícola.
No meio rural, o aumento se configurou devido a dificuldades financeiras enfrentadas
por aquela população, a qual, tendo por vezes que enfrentar a seca, acaba por obrigar os
pequenos a trabalhar em busca de melhorar a renda familiar.
CONCLUSÃO
5
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso
em: 17 set. 2006.
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Um dos principais motivos alegados pelos doutrinadores que levam ao trabalho
infantil seria a pobreza. Entende-se, dessa forma, que somente em países industrializados,
onde haja desenvolvimento econômico, poder-se-ia eliminar esse tipo de trabalho.
Obviamente, e como retratado na evolução histórica, a miséria gera o trabalho infantil.
Salários insuficientes, precarização do trabalho e o desemprego impulsionam os pais a
colocarem no mercado de trabalho seus filhos menores, no intuito de aumentar a renda
familiar.
Todavia, a questão do trabalho infantil ultrapassa a linha da pobreza e se engendra em
outros horizontes. Para tanto, deve-se, no mínimo, trazer à baila, os seguintes problemas: a)
política educacional deficitária; b) legislação inapropriada; c) falhas governamentais no que
concerne à inspeção; d) indiferença social sobre o assunto; e) interesse econômico, quando os
próprios empregadores estimulam e exploram a atividade infantil.
Ademais, não se pode menosprezar a concepção cultural sobre o tema.
Ideologicamente, o jargão “o trabalho dignifica o homem” serve como justificativa do
trabalho infantil. Ora, para a classe pobre, é um meio de auferir renda; para classe rica, é uma
forma de manter precarizadas as relações de trabalho, impedir a mobilidade social e prevenir a
sociedade contra a delinquência e a marginalidade.
No entanto, o trabalho infantil não enaltece a dignidade da criança. Muito pelo
contrário, no mundo atual, quando a ascensão social só é possível pela alta qualificação, os
menores trabalhadores estão fadados a manter-se no mesmo ciclo de pobreza, tendo em vista
que a baixa complexidade das atividades e jornadas estafantes impedem qualquer alcance de
oportunidade e ganhos educacionais e financeiros.
A generalizada falta de consciência social torna o problema invisível e, por vezes,
aceitável. O trabalho doméstico, por exemplo, é mascarado pelo argumento da filantropia. A
criança pobre levada por família rica para ser criada, por fim, torna-se uma “criada”, obrigada
a retribuir a “generosidade” dos seus protetores, através dos serviços domésticos gratuitos.
A distorção de valores vai além dos trabalhos simples, criminosos, mas aceitos, e
atingem as piores formas de trabalho infantil. Giovanni (2004, p. 38) ressalta que “[...] no
caso da prostituição de crianças e adolescentes, a cínica justificativa machista enuncia a
predileção do homem adulto por ‘capim novo`” .
O sistema capitalista contaminou a mente social. A busca incessante pelo lucro, a
manutenção do status quo, a hierarquização, preservada pelas relações de poder, são
“princípios” enraizados na sociedade que contribuem para a perpetuação do trabalho infantil.
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Portanto, para erradicar essa anomalia social, é preciso muito mais do que um
desenvolvimento econômico distributivo ou um programa assistencialista, é necessária uma
transformação nas instituições sociais e no próprio sistema político-econômico.
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OIT - Organização Internacional do Trabalho. O fim do trabalho infantil: um objetivo ao
nosso alcance. Traduzido por Carlos Fiuza e Alexandra Costa. Adaptação para versão
brasileira de Pedro Américo Furtado de Oliveira e Cynthia Ramos. Brasília: 2006. Disponível
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51
em: <http://www.oitbrasil.org.br/info/downloadfile.php?fileId=190>. Acesso em: 03 jan.
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SOUZA, Sérgio Augusto Guedes Pereira. Os Direitos da Criança e os Direitos Humanos.
Porto Alegre: SAFE, 2001.
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