fÓR DE NOTÍCIA

Transcrição

fÓR DE NOTÍCIA
O meu Quixote
Q
uem relê fica com a sensação que passaram rápido os quatro séculos do Quixote, pela atualidade do tema, pela
frescura do texto e pela ironia corrosiva do livro. Cada um terá o seu Quixote, a sua leitura, o resgate da sua
dimensão preferida. Eu também tenho o meu.
O Quixote foi a primeira grande obra de ficção do mundo moderno. Antes dele, as obras de cavalaria davam
o padrão da ficção do mundo medieval, um mundo marcado pela luta da Igreja contra os ímpios, os bárbaros, tudo o que
ameaçava seu império. O indivíduo não existia, havia apenas sujeitos coletivos a serviço de missões divinas, como os cruzados.
No máximo, obras de filosofia discutiam o tema do livre arbítrio, para tematizar o pequeno espaço de decisão deixado aos
homens pelo seu criador, que servia para definir seu destino eterno - o céu, a salvação eterna, ou a danação nas
profundezas do inferno, com sua ameaçadora imagem das labaredas devoradoras.
O mundo moderno viu o surgimento do homem, do indivíduo, com seu destino, com sua cara, com
seus sentimentos, com sua vontade. A pintura começou o longo caminho da dessacralização a que estivera
condenada pela Idade Média. A mulher começava lentamente a aparecer por detrás da Virgem Maria, os
anjos iam aos poucos dando lugar às crianças, os nobres e religiosos foram sendo substituídos por gente
comum, até que a natureza penetrasse definitivamente no cenário da pintura com o impressionismo.
A política igualmente, pelas mãos de Maquiavel, ia deixando de ser apanágio da Igreja e das famílias reais
consagradas por ela, para ser função dos homens. Nascia o critério da boa política, da virtude, da capacidade
de unificação nacional e de criação de consenso, de que O Príncipe seria a primeira grande expressão. A
política passava a ser uma questão dos homens, dessacralizando-se, deixando de ter que ver com a ascendência
por sangue.
O surgimento do romance moderno tem no Quixote sua primeira grande expressão, problematizada pela
própria obra de Cervantes. O personagem central se acredita ainda ungido de missões medievais, em um
mundo dessacralizado, cujo caráter terreno
terreno está
está representado
representado pelo
pelo seu
seufiel
fielescudeiro
escudeiro,- Sancho Pança. O
drama do Quixote é o de buscar missões em um mundo em que o destino está depositado nas mãos
de cada um, um mundo em que as circunstâncias do mercado é que decidirão os destinos de cada
um e não qualquer destino previamente definido. É esta a mensagem que cotidianamente Sancho
recorda a seu patrão.
É esse indivíduo, perdido no mundo, entregue a suas próprias circunstâncias, que aparece
como o grande drama do romance moderno. O indivíduo - de que o Quixote é sua primeira
grande aparição - surge como seu protagonista. Indivíduos no mundo, forjando destinos em
aberto, na grande aventura que a modernidade projetava.
O Quixote acabou deixando a imagem do “quixotesco’’, seja a de quem peleja de forma
inútil por objetivos impossíveis, seja a de quem luta por ideais difíceis, senão impossíveis, de
atingir. A utopia não deixou mais de encontrar no Quixote uma imagem afim.
Não por acaso o Che foi buscar no Quixote a imagem da sua gesta, em um momento
tocante, quando escrevia sua carta de despedida aos pais, no momento da partida para
a Bolívia: ‘’Outra vez sinto sob meus calcanhares as costelas de Rocinante, volto
ao caminho com minha adaga no braço.’’
E para que servem o Quixote e as utopias? O escritor
Eduardo Galeano nos
as utopias são
nos responde:
responde: “se
se as
inalcançáveis, se cada vez que caminhamos na sua
direção, que nos aproximamos, ela se distancia um pouco
mais, elas servem para isso: para nos indicar a direção
na qual caminhar”.
meu Quixote
Quixote serve
serve para
para isso, para
caminhar. OOmeu
reforçar as energias na luta pelas utopias. O Fórum Social Mundial
é um espaço para isso - para o “quixotismo’’, para reatualizar o
itinerário da luta pelas utopias e pela esperança.
Foto Capa: ASCOM / TSE
Emir Sader
EDIÇÃO 56 • MARÇO de 2005
ORPHEU SANTOS SALLES
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o BRASIL E O
PRIMEIRO mUNDO
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33
O ENCONTRO DE
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Edson Vidigal
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Antônio souza prudente
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Marco Aurélio Mello
Miguel Pachá
maximino gonçalves fontes
ÁRIO
eDITORIAL
5
TEMOS DE ACABAR COM A FRAuDE
6
aNTÔNIO eRMÍRIO DE mORAES: um bRASILEIRO
EXEMPLO DE CIDADANIA
10
eM DEFESA DA PERMISSÃO DE ÔNIBUS
16
dIVIDINDO O INDIVISÍVEL E RELATIVANDO O
RELATISMO: EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS
20
A VOZ DO SILÊNCIO
26
O ERRO MÉDICO E AS SEGURADORAS
28
a REFORMA DO JUDICIÁRIO E O NOVO CENÁRIO
PARA O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO NO
BRASIL
30
ASPECTOS POLÊMICOS DO DELITO DE
INFANTICÍDIO
34
o RIO E OS 400 ANOS DE DOM QUIXOTE
38
A ARBITRAGEM NO BRASIL
41
O BAIXO NÍVEL DA CRISE
42
mEMÓRIA NACIONAL: RIO BRANCO, O BARÃO
DOS LIMITES
44
FÓRUM DE NOTÍCIAS
48
Paulo Freitas Barata
thiago ribas filho
Sociólogo
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 3
OPINIÃO
EDITORIAL
Foto: Arquivo
Antônio Ermírio de Moraes
N
o artigo publicado nesta coluna do dia 6/3,
registrei a falta de água como um grande
obstáculo para o futuro da China. Em livro
recente, Lester Brown apresenta detalhes
alarmantes sobre esse problema. O lençol freático do
norte da China está descendo de um a três metros por
ano (Lester Brown, Outgrowing the Earth, New York:
W.W. Norton & Company, 2004). Essa é uma perda brutal
quando se considera que para produzir uma tonelada
de grãos são necessários 1.000 toneladas de água. Na
agricultura, não se faz nada sem água.
No entanto, o norte da China está secando. Para quem
vive longe daquele gigante, é difícil imaginar a extensão
dessa catástrofe. Rios e lagos estão desaparecendo. Velhos
desertos avançam a cada dia. E novos são formados. Há
dez anos, a China era auto-suficiente em soja. Em 2004,
importou 22 milhões de toneladas.
Esse problema não é só da China. A Índia e os Estados
Unidos estão sendo igualmente afetados. A escassez
decorre do advento de bombas de grande potência que
extraem da terra quantidades gigantescas de água para
sustentar grandes populações. Esses três países têm mais
da metade da população do mundo e o que se retira dos
aqüíferos não tem sido compensado pela reposição das
chuvas.
Esse é um fenômeno recente. Depois das grandes
conquistas da pesquisa agropecuária e de uma produção
que triplicou entre 1950 e 1996, as safras de grãos mundiais
mantiveram-se estáveis nos últimos sete anos. Nas décadas
de 50 a 80, a produtividade aumentou 2% ao ano. Na década
de 90, baixou para 1%. E a partir de 1984, o crescimento
das safras ficou aquém do crescimento da população.
4 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
Um quadro desse tipo constitui um enorme desafio
aos poucos países que contam com água e outros recursos
para poder expandir sua produção. O Brasil é o único
que possui água em abundância, grandes extensões de
terra e uma boa pesquisa agropecuária. No ano passado,
produzimos 66 milhões de toneladas de soja e exportamos
44 milhões de toneladas (in natura e industrializada),
ultrapassando as vendas dos Estados Unidos que ficaram
em 33 milhões de toneladas.
Os demógrafos estimam que até 2050 o mundo terá
perto de 3 bilhões de pessoas a mais ao mesmo tempo em
que as safras dos grandes países estarão encolhendo. Ou
seja, as oportunidades do Brasil do futuro foram definidas
hoje. Em boa hora o Congresso Nacional regularizou o
plantio da soja transgênica que reduz os custos e aumenta
a produtividade. E temos tantos recursos que podemos
nos dar ao luxo de produzir também a soja tradicional
para exportar aos países que não gostam de transgênicos.
O Brasil é um país abençoado. Mas há muitos
problemas a resolver para podermos obter o máximo de
benefício em termos de renda e emprego. A precariedade
das estradas e da armazenagem, o alto custo dos portos
e a pesada carga tributária são itens prioritários na
agenda do desenvolvimento para bem aproveitarmos as
oportunidades que se abrem. Isso precisa ser acertado
hoje para garantirmos a inclusão do Brasil como país do
Primeiro Mundo. Se trabalharmos com muita intensidade
e seriedade tenho certeza que chegaremos lá.
Empresário
A FAMIGERADA
MP 232
Bernardo Cabral
Q
uando o sistema parlamentarista de governo
foi aprovado na Comissão de Sistematização
da Assembléia Nacional Constituinte, trouxe
consigo a Medida Provisória, instituto que
convive bem e, às vezes, necessário ao funcionamento do
parlamentarismo. Acontece que, submetido ao Plenário,
foi ele derrubado, aprovado o presidencialismo e mantida
a medida provisória, muito embora os defensores do
sistema presidencialista tivessem sido por mim advertidos
de que, com ela, a Constituição ficaria estrábica se não a
suprimissem de imediato do seu texto. E mais, o Presidente
da República acabaria por substituir o Poder Legislativo.
A advertência não foi acolhida, mas a profecia se
realizou. Testemunha do episódio: o então Senador
José Fogaça, Relator Adjunto da Assembléia Nacional
Constituinte, e hoje Prefeito Municipal de Porto Alegre.
Estas considerações são trazidas à colação em virtude da
eleição da Medida Provisória nº 232, que prevê o aumento
da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica
e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido de 32% para
40% da receita bruta, apesar de já ter sido ampliada pela
Lei nº 9249, de 1995, de 12% para 32%. Ora, essa alteração
conflita com o desejo do Governo – manifestado em várias
oportunidades – de estimular a redução da informalidade na
economia, com a criação das micro e pequenas empresas, às
quais a Constituição de 1988, em seu artigo 179, dispensou
tratamento jurídico diferenciado.
Afora isso, outros tópicos dessa M.P. atingem a
prestação de serviços em geral, inclusive intermediação de
negócios, administração, locação ou cessão de bens móveis
e imóveis, serviços de assessoria mercadológica, gestão de
créditos etc., acabando por produzir um forte desestímulo
Foto: Arquivo
O Brasil e o
Primeiro
Mundo
e contribuir para a evasão fiscal.
Vale registrar: uma empresa que contratar os serviços
de terceiros terá de recolher, por antecipação, os valores
devidos pelo prestador de serviços que digam respeito ao
INSS, ao IR, à CSLL, ao PIS e COFINS.
A justificativa do Governo para essa medida insensata
veio com a roupagem extravagante de que era para
compensar, primeiro, a perda da receita tributária que
ocorreria com a correção da tabela do imposto de renda
das pessoas físicas, pleito formulado pelos trabalhadores
do ABC, muito embora atendido com um reajuste que
não atinge o patamar de 10%. E depois, para evitar que
muitas pessoas, antes com vínculo empregatício, possam
se transformar em prestadores de serviços como pessoas
jurídicas e, assim, promover o que a Receita Federal chama
de “terceirização generalizada”.
Deplorável é ter o Presidente da República, de um lado,
com a sua determinação, atendido ao pedido de atualização
monetária do limite de isenção do imposto de renda, e,
de outro, um tecnoburocrata, a seu talante, aumentar a já
volumosa e sufocante carga tributária.
O Chefe do Executivo não deve perder de vista que os
sectaristas matam por uma idéia – decidindo por critérios
próprios – e como devotos de ideologias são capazes de
matar as esperanças do povo, ao condená-lo ao desânimo e
ao desapontamento.
Henrique V, de Shakespeare, baniu Falstaff, companheiro
de estripulias, no dia em que assumiu o trono inglês.
É exemplo a ser seguido.
Membro do Conselho Editorial
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 5
CAPA
Temos de acabar com
a fraude
Entrevista Ministro Carlos Mário Velloso
Foto: ASCOM / TSE
Luís Orlando Carneiro
O Tribunal Superior Eleitoral é formado por três ministros do Supremo Tribunal Federal,
dois do Superior Tribunal de Justiça e dois advogados indicados pelo STF. O ministro
Carlos Velloso, há quase 15 anos no Supremo, assume pela segunda vez a presidência
do TSE, no sistema de rodízio entre os integrantes do tribunal oriundos do STF, com
base no critério da antigüidade. No primeiro mandato (dezembro de 1994 a maio de
1996), Velloso diplomou Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República,
como sucessor de Itamar Franco, e criou uma “Comissão de notáveis” que propôs uma
profunda reforma do sistema eleitoral. Desta vez, Carlos Velloso terá um mandato
inferior a um ano, já que, em janeiro de 2006 completa 70 anos, e tem de se aposentar
compulsoriamente. Mas acha que vai ter tempo de dar o “pontapé inicial” para rever
a questão da identificação do eleitor, que se habituou à urna eletrônica, mas usa
até hoje um título sem foto, sem números de carteira de identidade e de CPF. Quer
também rediscutir os trabalhos da comissão de 1995, sobretudo no que diz respeito à
reforma partidária e ao financiamento das campanhas. Velloso acha que parlamentar
que muda de partido deve perder o mandato, e que o país estaria muito melhor com
cinco ou seis partidos realmente fortes, acabando-se com os de “aluguel”. A seguir, os
principais pontos de entrevista concedida pelo novo presidente do TSE ao jornalista
Orlando Carneiro.
6 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
No início deste seu curto segundo mandato na presidência do TSE
qual será a sua prioridade?
- Na verdade, são duas prioridades. A primeira é começar a
rever para valer a questão da identificação do eleitor. Vai ser um
pontapé inicial, porque a revisão que imagino vai levar alguns
anos. Temos um sistema de voto eletrônico infenso à fraude, já
que afasta a mão do homem da apuração. O “mapismo’’ já foi
enterrado. Mas quanto à identificação do votante, há ainda muito
a fazer. Os atuais títulos eleitorais não têm fotos e outros dados
de identificação. Nem os números da carteira de identidade,
nem os do CPF. Há sempre o risco de uma pessoa votar por
outra. Essa eventual fraude não é significativa num universo de
mais de 100 milhões de eleitores. Vale dizer, não influiria nos
resultados das eleições em geral. Mas temos de acabar com
qualquer possibilidade de fraude, por menor que seja.
Seria um título eleitoral semelhante a uma carteira de identidade?
É possível fazer essa revisão num prazo relativamente curto, ou
pelo menos em médio prazo?
- Penso num novo título que contenha impressão digital e
até tipo sangüíneo, além dos números do RG e do CPF. Todas
essas informações estariam num chip. Ao passar o “cartão’’ por
uma máquina acoplada à urna eletrônica, uma tela mostraria a
foto do cidadão e os demais dados de identificação. Mas é claro
que, para isso, é preciso fazer um novo recadastramento do
eleitorado. Podemos pensar já numa primeira fase, em que seriam
recadastrados entre 10 e 15 milhões de eleitores. Pretendo deixar
tudo pronto para que o recadastramento possa começar em um
Estado com grande eleitorado, como São Paulo, Minas Gerais
ou Rio Grande do Sul. O processo tem de ser em fases, como
foi o das urnas eletrônicas. Nas eleições de 1996, um terço do
eleitorado teve acesso à novidade. Em 1998, foram dois terços
dos votantes. Em 2000, o pleito já foi todo informatizado.
E qual é a segunda prioridade?
- Rediscutir os trabalhos daquela comissão de juristas que
reuni em 1995 para propor uma profunda reforma eleitoral
no país. A comissão foi integrada, entre outros, por Miguel
Reale, Celso Bandeira de Melo, Camen Lúcia Antunes Rocha
e Orlando Vaz Filho. A mídia chamou-a de “comissão de
notáveis’’. Dividimos o grupo em subcomissões, e os temas
eram as reformas partidária, do Código e do sistema eleitoral,
o financiamento das campanhas, a adoção de uma lei eleitoral
permanente e do voto informatizado.
Quatro eleições depois, a única grande meta alcançada foi a urna
eletrônica?
- Foi. As outras conclusões da comissão não chegaram
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 7
CAPA
Mas partidos fortes, com programas consistentes. Penso que
poderíamos ter cinco ou seis partidos políticos no Brasil. Não
mais do que isso.
A reforma partidária está cada vez mais na ordem do dia, com o trocatroca constante de partidos promovido pelos deputados. Sobretudo
neste início do ano, com a eleição surpreendente do novo presidente
da Câmara, pertencente a um partido menor, e às vésperas de uma
reforma ministerial. O senhor acha possível uma reforma partidária
séria na atual conjuntura política? Não é algo meio utópico?
- A reforma partidária inclui-se, é claro, no âmbito maior das
reformas políticas. Tendo em vista o panorama atual, acho que
tem muito de sonho, sim. Mas quanta coisa grande não se realiza
a partir de um sonho? Acho que é preciso fortalecer os partidos,
acabar com as legendas de aluguel e estabelecer um mínimo de
fidelidade partidária. Quem trocar de partido tem de perder o
mandato.
Aquela “comissão de notáveis’’ tratou também da questão do
financiamento das campanhas eleitorais. Qual é a sua posição a
respeito do assunto?
- Já temos financiamento público das campanhas com o
horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio. Todos têm
acesso a essa campanha, e a exposição depende, evidentemente,
da representação partidária. A propaganda é gratuita para os
partidos e os candidatos, mas não para a União, que compensa as
emissoras com incentivos fiscais. É preciso que esses incentivos
sejam também destinados ao financiamento geral. Como?
Mediante a concessão de incentivos fiscais àqueles que fizerem
doações para um fundo dos partidos políticos. Esse fundo seria
empregado no financiamento das candidaturas, sob gestão dos
partidos. As entidades doadoras teriam interesse em declarar as
doações, para receber incentivos fiscais.
Mas não é uma medida muito drástica? Afinal, um parlamentar pode
até mudar de linha ideológica no curso de uma Legislatura...
- Deve-se tomar essa medida drástica para evitar o trocatroca e acostumar o povo a votar não apenas em pessoas,
mas também em programas. Temos de ter poucos partidos.
O Estado não contribuiria para esse fundo?
- Sou contra o despejo de dinheiro público nas campanhas
eleitorais. É desperdício, porque o Estado tem outras prioridades
Foto: ASCOM / TSE
Temos de ter poucos
partidos. Mas partidos fortes,
com programas consistentes.
Penso que poderíamos ter
cinco ou seis partidos políticos
no Brasil. Não mais do que
isso.
8 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
muito mais importantes, como educação, saúde, crianças
abandonadas, brasileiros sem teto, urbanização de favelas.
O senhor considera adequado o dispositivo constitucional que permite
a reeleição do presidente da República, de governadores e prefeitos?
- Eu seria mais favorável a um mandato mais longo, seis
anos, sem possibilidade de reeleição. Seria mais adequado a um
país como o Brasil. A tradição republicana não é a da reeleição.
A meu ver, deveria ser mantida a reeleição para quem está no
Eu seria mais favorável a um
mandato mais longo, seis anos,
sem possibilidade de reeleição.
Seria mais adequado a um
país como o Brasil. A tradição
republicana não é a da reeleição.
que a Justiça eleitoral está funcionando.
Mas os recursos não são demasiados e geralmente de natureza
protelatória?
- Os recursos propriamente eleitorais, não. O que há
é uma tentativa de levar para o processo eleitoral aquela
‘’processualização’’ típica do Direito Civil. Daí o número
exagerado de medidas cautelares, de embargos, de agravos
etc., que acabam mesmo por protelar e tumultuar o processo
Foto: ASCOM / TSE
a vingar, embora a atual Lei Eleitoral, de 1997, que tem um
caráter praticamente permanente, seja em grande parte fruto
do trabalho daqueles juristas.
cargo e promover-se nova emenda constitucional restaurando a
proibição para o sucessor.
eleitoral. Mas o processo eleitoral propriamente dito, puro, deve
servir de exemplo para os demais ramos do Poder Judiciário.
E a idéia de se realizar eleições para todos os níveis de uma vez só?
- Seria ideal, a meu ver, até em termos de custos. Mas é difícil
que se consiga isso, a não ser com a prorrogação dos mandatos.
Mas é menos pior prorrogar mandatos do que reduzi-los.
O senhor tem no horizonte uma possibilidade de ter o mandato normal
de dois anos como presidente do TSE. Basta que o Congresso aprove,
até o fim do ano, o projeto de emenda constitucional que aumenta
de 70 para 75 anos a idade-limite para a aposentadoria compulsória
dos servidores públicos. Qual é a sua expectativa? O projeto - que já
está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado - tem chance
de ser aprovado?
- Dou-me por impedido de responder a essa pergunta,
porque teria interesse direto no assunto. Mas sinto-me com
muita disposição, com saúde física e mental para o trabalho.
Tanto que, se aposentado compulsoriamente em janeiro de
2006, vou dedicar-me à vida acadêmica e a palestras. Tenho até
um convite para lecionar no exterior. Mas estou mais disposto
a ficar por aqui, na área acadêmica, e dedicar-me também à
consultoria jurídica.
Quatro meses depois das eleições municipais, ainda há uma dezena
de cidades em que não se sabe ainda se os prefeitos eleitos serão
confirmados. Em Novo Hamburgo (RS), cidade de mais de 250 mil
habitantes, por exemplo, vai haver novo pleito no próximo dia 6, porque
os registros dos dois candidatos mais votados foram anulados, por
prática de crimes eleitorais. Não há como evitar situações desse
tipo, que se repetem em todas as eleições municipais?
- Essas situações são inevitáveis por causa dos recursos de
decisões dos tribunais regionais eleitorais ao TSE e, às vezes, até
ao Supremo. Temos mais de 5.500 municípios. Se apenas pouco
mais de dez desses municípios ainda estão sem prefeitos eleitos,
o percentual é ínfimo, acho que 0,25%. Esse percentual mostra
Jornalista
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 9
Antônio Ermírio de Moraes:
um brasileiro,
exemplo de
cidadania
Cármine Antônio Savino Filho
com a melhor tradição da vanguarda do
empresariado nacional, o grupo fundou
em 1992 o Instituto Votorantim,
responsável
pelo
investimento,
planejamento e implementação de
ações na área social, para “fazer da vida
comunitária um ambiente propício para
o desenvolvimento social”.
A par desta imensa atividade
empresarial, Antônio Ermírio, há mais de
três décadas, dedica parte de sua jornada
diária à presidência da Beneficência
Portuguesa, cujo atendimento é feito
majoritariamente a pacientes do SUS.
Antônio Ermírio, além de escrever e
produzir peças de teatro, escreve crônica
semanal publicada em rede nacional de
grandes jornais do país, como o Jornal do
Brasil. Nestas crônicas, Antônio Ermírio
se mostra um atento observador da
realidade brasileira e dos grandes temas
nacionais, educação e desenvolvimento
parecem ser os seus prediletos. Todos
os inúmeros desafios da política nacional
e da geopolítica internacional têm seus
espaços freqüentes de discussão coerente
e madura.
Mauá é hoje, unanimemente, o
símbolo do empreendedor brasileiro
de todos os tempos. Ainda no
século XIX, em 1846, ele fundou a
indústria naval brasileira que já no ano
seguinte era a maior indústria do país,
produzindo navios, caldeiras, guindastes,
prensas, canhões, engenhos de açúcar,
encanamentos de água. Fundou a
primeira companhia de gás para
iluminação pública do Rio de Janeiro,
organizou as companhias de navegação
do Rio Grande do Sul, implantou a
primeira estrada de ferro, inaugurou a
estrada União Indústria, pioneira em
pavimentação, realizou o assentamento
do cabo submarino ligando o Brasil à
Europa, construiu novas ferrovias no
nordeste e em São Paulo. Fundou o
banco Mauá.
Delmiro Gouveia, forte presença
nas últimas décadas do século XIX e as
primeiras do século XX.
Aos 15 anos, pobre e analfabeto,
Delmiro começou a ganhar seus primeiros
trocados como bilheteiro da estação
ferroviária de Olinda. Aos 28, fundou
pela revista Isto É, o nome de Delmiro
Gouveia foi escolhido por 23 % dos
componentes do júri, sendo o único
empreendedor brasileiro eleito para esta
honraria que não pertencia às últimas
recentes décadas dos tempos modernos,
como os demais 19 eleitos.
Honra, trabalho, patriotismo, dedicação
e responsabilidade social. Estes são os
traços característicos desses visionários
empreendedores, que têm construído este
país. Pena que sejam poucos.
E voltando a Antônio Ermírio
de Moraes, que abre este artigo, tudo
indica que seu perfil e desempenho
autorizam incluí-lo na futura lista de
maiores empreendedores do século 21.
A exemplo de seu pai, José Ermírio
de Moraes, também citado entre os 20
maiores empreendedores do século XX,
genuíno fruto do sertão pernambucano,
que com suas agruras e privações tem
temperado o caráter e o desempenho
de muitos brasileiros ilustres. Mais uma
vez, com a palavra o genial Euclides da
Cunha: “O sertanejo é, antes de tudo,
um forte”.
A
rtigo assinado por Antônio
Ermírio de Moraes sobre
o Protocolo de Kyoto
revelou sua percepção a
respeito das questões essenciais para o
desenvolvimento sustentável.
Recentemente, jornais publicaram
pequena matéria, cuja grandeza pode
ter passado despercebida nestes tempos
ingratos de difícil trânsito das instituições
civis. “Um dos mais influentes
empresários do país, Antônio Ermírio de
Moraes, aproveitou a hora do almoço e
atravessou a pé o Vale do Anhangabaú,
no centro de São Paulo, para cobrar
da prefeitura dívida de R$ 6 milhões
10 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
a R$ 8 milhões com a Beneficência
Portuguesa, hospital presidido por ele há
35 anos: ‘Vim aqui para deixar, de forma
educada, documentos que mostram que
a prefeitura nos deve. Precisamos receber
este dinheiro para continuar atendendo a
nossos pacientes’ “.
Antônio Ermírio, presidente do
Grupo Votorantim, um dos maiores
conglomerados do Brasil, ao estilo
franco, direto e pessoal dos grandes
empreendedores que não têm tempo a
perder, deixa seu escritório a duzentos
metros do gabinete do prefeito Serra e
vai diretamente cobrar o que é devido ao
hospital benemerente que é dirigido por
ele. Uma atitude de modéstia coerente
com a simplicidade que se conhece de
seu autor.
É de se notar como, historicamente,
os grandes empreendedores armazenam
capacidade pra atender a um sem número
de questões complexas simultaneamente,
e ainda encontram tempo e disposição
para a diversificação de atividades. O
grupo Votorantim, presidido por Antônio
Ermírio, atua nas áreas de cimento, papel,
celulose, alumínio, zinco, níquel, aços
longos, química, petroquímica, suco de
laranja e também na área financeira por
meio de seu próprio banco.
Coerente com sua missão e de acordo
Antônio Ermírio parece ter
herdado sua visão empreendedora
não só de seu pai, José Ermírio, mas
também de dois outros gigantes que há
décadas honram a História do Brasil: o
gaúcho Irineu Evangelista de Souza, o
Barão de Mauá, e o cearense Delmiro
Gouveia. A biografia de ambos mostra
a mesma fé no Brasil, a mesma força de
luta, a mesma natureza empreendedora,
a mesma coragem de enfrentamento
de obstáculos, a mesma desenvoltura
diante de injustiças. E, principalmente, a
mesma atitude de dedicação ao trabalho,
à solidariedade social e a correção de
princípios.
sua primeira empresa e
aos 35 se já transformara
em
um
respeitado
comerciante, dono do
maior empreendimento
comercial de Recife que
incluía hotel, restaurante,
parque de diversões e o
Mercado do Derby, com
produtos à venda pela
metade do preço, luz
elétrica e funcionamento
24 horas por dia.
Por estas razões, quando da eleição
dos 20 maiores empreendedores
brasileiros do século XX, realizada
Foto: Arquivo
(...) tudo indica que seu perfil e desempenho autorizam
incluí-lo na lista de maiores empreendedores
do século 21.
Desembargador do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de
Janeiro.
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 11
Foto: Arquivo
Ives Gandra Martins
I
nteressante questão foi levada ao Tribunal Europeu de
Direitos Humanos, ou seja, a que se refere à decisão
proferida no caso de Dianne Pretty, de que não existe
um “direito de morrer”.
O caso foi submetido ao Tribunal, sob a alegação de que
a decisão do Tribunal britânico - que concedera à autora o
direito de morrer, por sofrer de incapacidade permanente,
que lhe tornara a vida intolerável – estava baseada nos
artigos 2, 3, 8, 9 e 14 do Convênio Europeu sobre Direitos
Humanos.
Defendia, Dianne Pretty, ser possuidora do direito
de praticar um suicídio assistido, face ao desencanto que
sua vida limitada lhe trazia, devendo lhe ser assegurada
a possibilidade de abandoná-la, para que não houvesse
desrespeito ao seu direito de auto-determinação em relação
ao próprio corpo, em decorrência do qual caber-lhe-ia fazer
com ele o que desejasse. Dizia mais, que, nos casos de
12 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
incapacidade quase absoluta, a proteção médica absoluta
seria desproporcionada.
O Tribunal decidiu, entretanto, que os direitos
fundamentais só podem servir para proteger a vida e, apesar
de respeitar a opinião da recorrente, entendia que, entre
os direitos humanos, não está o de provocar a morte. A
recorrente alegava que sua pretensão não era defender o
direito ao suicídio, indiscriminadamente, nem para casos de
pessoas que não fossem portadores de incapacidade igual
a sua, hipóteses em que, a seu ver, o Tribunal deveria não
admiti-lo. Para o seu caso em concreto, todavia, em face de
sua vulnerabilidade, deveria ser atendida.
Ao negar o direito ao suicídio assistido, o Tribunal
demonstrou quão tênue seria a linha que distinguiria as
pessoas que deveriam ser consideradas vulneráveis, das que
assim não poderiam ser definidas; as vidas que deveriam ser
protegidas pela lei, daquelas que não mereceriam tal proteção.
O suicídio de uma pessoa deprimida deve ser evitado, mas
também o daquelas pessoas cujo estado psíquico, provocado
por incapacidades reais e irreversíveis, as tornem vulneráveis
em relação a uma decisão que implique antecipação da
morte.
Em resumo, segundo relata a Aceprensa (Ano XXXIII,
8/5/02, 64/02): “el Tribunal no considera legitimo crear
una excepción a la protección de la vida, que pondría en
peligro a muchas personas en situación de dependência. La
“dramatización artificial” de este caso, que ha denunciado el
secretario de la Comisión Deontológica de la Organización
Médica Colegial de España, Gonzalo Herranz (El Mundo,
30-IV-2002), no ha evitado que la mentalidad jurídica, y con
ella la protección de las vidas vulnerables, prevalezca frente a
la reclamación de absoluta autodeterminación personal”.
No momento em que se discute, no Brasil, o direito
da antecipação da morte para os doentes incapacitados ou
terminais, o aborto e a manipulação de embriões, a decisão
do Tribunal Europeu de Direitos Humanos da União
Européia sinaliza na defesa intransigente da vida, que não
deve, por interpretações convenientes, por interesse da
indústria de medicamentos abortivos ou de morte indolor,
ser fragilizado, sob a alegação de que a vida é um direito
disponível do cidadão, que deve ter a faculdade de eliminá-lo,
se já não mais interessado em pertencer a este mundo.
Nada obstante a pressão que profissionais da medicina
e laboratórios exerceram no caso em concreto, sinalizou, o
Tribunal Europeu de Direitos Fundamentais, de que forma
deve a vida ser tratada pelo direito, não se admitindo a
antecipação da morte, por mais justificados que sejam os
argumentos sociais e pessoais, pois se trata de um direito
individual indisponível, que cabe ao Estado proteger.
SP., 18/01/2005.
IGSM/mos/a2005-003 O TRIBUNAL EUROPEU DE
DIREITOS HUMANOS
Professor Emérito das universidades Mackenzie, UNIFMU
e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército
e Membro do Conselho Editorial.
Ao negar o direito ao suicídio
assistido, o Tribunal demonstrou
quão tênue seria a linha que
distinguiria as pessoas que
deveriam ser consideradas
vulneráveis, das que assim não
poderiam ser definidas (...)
Foto: Arquivo
O tribunal
europeu de
Direitos
Humanos
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 13
Dilemas de
Transição
Um Caso Exemplar para o Brasil
Foto: Divulgação
Aurélio Wander Bastos
histórias do passado nem sempre são a certeza do presente
e/ou os riscos do futuro.
A história da vida de Snowden que escreveu Churchill, não
só faz respeitar o seu caráter, mas as Constituições políticas
tolerantes que permitiram que um homem nascido em uma
cabana humilde, num vilarejo de York Shire e que passou a
vida criando o Partido Socialista, venha a ser Ministro das
Finanças, com a força de Primeiro Ministro, no primeiro
governo trabalhista de um rico e tradicional país, para numa
aparente contradição, por fim, acertar um golpe de misericórdia
com indisfarçável disposição no Partido Socialista que criara
para combater os programas exclusivistas das classes altas, e
que passara a olhar, a partir da convulsão política que tirou
os socialistas do poder (1931), com causticante desprezo
intelectual. A transição moderada tem nos radicais as suas
vítimas, mas reajustam a própria ordem, e a transição radical,
também, ao contrário, tem nos moderados suas vítimas, mas
tende a evoluir da desordem para nova ordem.
Num contexto mais amplo, a narrativa biográfica de Philip
Snowden, nos revela as possibilidades abertas de um homem
envolvente, originário de um modesto lar inglês, viver uma vida
digna fazendo visível o lado rico da pobreza quando amparada
numa arraigada fé religiosa, apoiada em princípios morais rígidos
de afirmar, nesta incrível semelhança, ao contrário de seu
tradicional programa, que não importa o que o estrangeiro
possa fazer, o importante é segurar a liberdade de importação,
não importa a que ponto fiquemos sem ouro, o importante é
pagar rigorosamente as dívidas, não importa como tenhamos
que arranjar dinheiro emprestado, o problema não é a
taxação direta altamente progressiva, mesmo que acarrete um
estancamento da energia criativa, desde que se garanta “o café
da manhã gratuito” para os trabalhadores, mesmo que seja
suprido de fora da Inglaterra.
Finalmente, discorre Churchill, Snowden enfrentou todos os
infortúnios, engoliu e reproduziu a maior parte de seus desatinos,
mas conquistou um inquestionável direito de compartilhar
dos anos ingleses de prosperidade, embora concluísse “os
socialistas quando se tornam ministros, abandonam, na prática,
e em grande parte, as teorias e os princípios pregando os quais
chegaram ao poder. Foi indiscutivelmente grave insulto e injúria,
não apenas aos trabalhadores, mas a toda a nação, fundar um
partido de classe comprometido com princípios visionários que
só poderiam se concretizar por desesperadas convulsões civis (e
pela derrocada da liberdade)”.
De qualquer forma, esta conclusão de um conservador
autêntico, que via no socialismo uma doença adquirida por más
Philips Snowden encerrou a sua carreira política, não como
um líder trabalhista, mas Visconde da Assembléia Hereditária,
que, por tanto tempo, na sua ascensão, tentara destruir.
W
inston Churchill, o grande estadista de
orientação conservadora, que conduziu a
Inglaterra à vitória na Segunda Guerra Mundial,
em seu livro editado em 1938 na Inglaterra
e recentemente traduzido e publicado no Brasil, Grandes
Homens de Meu Tempo, depois de demonstrar o papel de
George V (1865/1936) como articulador do pacto político
inglês moderno, faz uma excelente descrição do histórico papel
do ministro socialista Philip Snowden (1864/1937), que o viera
a substituir como Ministro das Finanças no antigo gabinete
conservador. Churchill, com a perspicácia astuciosa de seu
estilo demonstra exatamente que a monarquia parlamentarista
inglesa, harmonizando as divergências entre os conservadores e
socialistas -trabalhistas, transmudados, parte dos antigos liberais
(whig’s) e sindicalistas - salvou a convivência pacífica entre as
tradições do constitucionalismo consuetudinário dos tories e
as reivindicações das massas operárias (inclusive das próprias
mulheres que lutavam pelo direito de voto) na antevéspera
14 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
da primeira guerra mundial, mas engoliu a independência e a
autonomia do ministro Philip Snowden.
Homem mergulhado no dilema da confecção de um
modelo político para a transição parlamentar inglesa, de
uma sociedade rural e neocolonialista para uma sociedade
industrial, o papel do ministro das finanças Philip Snowden
(1924 e 1929 a 1931), teria sido, apenas, uma ocorrência
parlamentar não fosse o seu efeito exemplar para a
compreensão e percepção das transições políticas pacíficas,
seus autores e suas origens, desde que, para efeitos de análise,
reconheçamos no fato histórico exemplar não propriamente
uma repetição da figura individual, mas a sua reprodução na
personalidade e no papel dos múltiplos atores no processo
de transição. Por isto, o fenômeno Snowden é um fenômeno
referencial para a compreensão do quadro da transição
brasileira, de uma sociedade oligárquica e autoritária para uma
sociedade democrática e plurirepresentativa, para justificá-la
e/ou prognosticá-la, permitindo que se compreenda que as
(Snowden era metodista) e no interesse militante pela evolução
social, que lhe permitiram enfrentar a profunda crise financeira
do Império, adotando, exatamente, os mesmos mecanismos
que asperamente condenara em seu antecessor conservador,
esnobe e aristocrático, e na sua opinião, o presunçoso Winston
Churchill. Todavia, como se víssemos o nosso próprio
circuito financeiro, estas providências tornaram-se possíveis,
exclusivamente, porque Snowden foi recebido como um dos
burocratas do establishement do Tesouro, que com facilidade
continuou fazendo de conta que era um socialista, mas, como
estadista, preferia e proferia discursos para banqueiros, ou
fazia apelos aos seus frustrados eleitores para que seus últimos
recursos garantissem a estabilidade financeira do país.
Em todo caso, em todo o seu período ministerial, Snowden
manteve o compromisso e a proposta de criar e cobrar o
imposto sobre a propriedade da terra, imprescindível ao
equilíbrio social da época, o que provocou violentas colisões
com os conservadores vitorianos. Por outro lado, não cansou
condições de vida e, no socialista, um militante invejoso, é uma
trágica conclusão para um socialista militante, principalmente
quando precisa admitir “que apenas se ganhou uma eleição,
não se fez uma revolução”, que os caminhos econômicos da
mudança estão programaticamente engessados pelos titulares
dos softwares e as possibilidades da mudança da ordem
política não passam pela desordem jurídica. Todavia, Snowden
demonstrou, em condições históricas pioneiras, que a dinâmica
capitalista pode ser administrada pela ação trabalhista efetiva,
aliás, o que seria do capital sem o trabalho, e do trabalho sem
o capital, o modelo que politicamente sobreviveu como o
parlamentarismo inglês. Philips Snowden encerrou a sua carreira política, não como
um líder trabalhista, mas Visconde da Assembléia Hereditária,
que, por tanto tempo, na sua ascensão, tentara destruir.
Conselheiro da OAB / RJ
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 15
Foto: Alex Viana
Darci Norte Rebelo
N
ão temos o hábito da crítica judiciária e até
vivemos repetindo que “decisões judiciais se
cumprem e não se discutem”. Na verdade, os
veredictos dos juízes e dos tribunais se cumprem
e...se discutem. Nos autos pelos advogados das partes, fora
dos autos, pela sociedade que não raro é uma litisconsorte
oculta sobre a qual as conseqüências das decisões vão recair
de forma direta ou indireta.
Os tribunais, por sua vez, de tanto trabalhar com a
superestrutura jurídica acabam, às vezes, esquecendo a
infra-estrutura da realidade. Sobre esta é que se constrói
aquela. Segundo as leis da dialética, ambas interagem de
modo que a realidade influi no direito e o direito influi na
realidade. Por isso que a sábia Lei de Introdução ao Código
Civil, recomenda que, ao aplicar a lei, o juiz estará atento
aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem
comum [Decreto-Lei n.v 4.657/42, art. 5º].
Essa visão filosófica vem a propósito de mais de uma
dezena de decisões do Superior Tribunal de Justiça, segundo
as quais as permissões de transporte coletivo por ônibus,
não originárias de licitação, não fazem jus ao equilíbrio
econômico-financeiro do serviço público que exercem
e, por isso, violada essa regra pelo poder concedente, as
empresas não têm direito a qualquer indenização1. Tais
decisões afetam profundamente a vida das cidades e das
permissionárias que asseguram o funcionamento dos
equipamentos urbanos. Com isso, recebem os poderes
concedentes uma carta de impunidade e um salvoconduto para a arbitrariedade. Segundo o Tribunal, só as
16 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
concessões, de natureza contratual, derivadas de licitações,
podem invocar o direito ao equilíbrio da equação entre
seus encargos e seus custos. “Inexiste direito à indenização,
porque a exigência legal de realização de licitação não
foi cumprida”[Resp 443.796], embora anterior à atual
Constituição 2.
Por esse raciocínio, a VARIG e outras concessionárias
aéreas que nunca conjugaram o verbo licitar, jamais
poderiam ter vencido as ações de indenização que
propuseram contra a UNIÃO perante o mesmo Tribunal.
Nenhuma delas nasceu de licitação alguma. Na essência, a
ação proposta contra a União pela VARIG é a mesma que
dezenas de empresas permissionárias promoveram contra
o poder concedente de Minas Gerais. Mas a solução dada
pelo STJ ao Estado mineiro foi diferente da que proferiu
contra a União.Negou a estas o que deu àquela.
Disse o STJ em um de seus Acórdãos: “Na hipótese
em exame, independentemente da natureza da permissão
[condicionada ou não], inexiste direito à indenização,
porque a exigência legal de realização de licitação não foi
cumprida”. Falou o Tribunal como se a mensagem do art.
175 da Constituição valesse para o passado e não para o
futuro.
O culto à licitação, inspirado no advérbio “sempre”
constante do fraseado do art. 175 da Constituição, passou,
assim, a receber novos adeptos em quase todas as turmas
do Tribunal. Enquanto o Tribunal unge os novos deuses
emergentes da Constituição de 88, dá a extrema unção
a centenas de permissionárias [100.000 ônibus] que, em
todo o Brasil, operam sob o regime condenado como
precário, ilegal e destituído de proteção jurídica. Além de
mais 60.000 ônibus interestaduais e intermunicipais, grande
parte submetidos também ao regime jurídico de permissões
[Decreto 2.521/98; antes. 952/93].
“A permissão – registrava em vida Hely Lopes Meirelles
- vem sendo a modalidade preferida pelas administrações
federal, estaduais e municipais para delegação de serviços
de transporte coletivo a empresas de ônibus nas respectivas
áreas de sua competência, muito embora o Código
Nacional de Trânsito [Lei 5.108, de 21.9.66] admita também
a concessão e a autorização” 3.
Por isso mesmo, outro não menos eminente mestre,
Miguel Reale, em parecer já antigo, meditando em torno
da realidade dos transportes coletivos e do seu regime
jurídico, disse-o, em parecer, e após, em livro, que “a
permissão (...) tem semelhanças, quanto ao seu exercício,
com a concessão” 4. No seu “Direito Administrativo”,
o professor repete: “Poder-se-ia dizer que a permissão
se constitui como se fora autorização e é exercida
como se fora concessão, o que explica que nossos
No Acórdão, o
Tribunal diz, com
clareza: “Vê-se
que é irrelevante à
aplicação do preceito
constitucional,
a qualidade de
permissionárias
das empresas de
transporte urbano”
legisladores ora empreguem um vocábulo, ora outro, ou
os dois indiferentemente, demonstrando a falta de clara
determinação conceitual”[Direito Administrativo, Rio,
1969, p. 155]. Referindo-se a “empresa permissionária de
transportes urbanos”, afirmou o seu “inconteste direito de
não ver ameaçado o equilíbrio econômico-financeiro que
normas legais e regulamentares expressamente tutelam e
preservam” 5.
“Trata-se - diz a prof. Maria Sylvia di Pietro -, de
um empreendimento que, como outro qualquer, envolve
gastos; de modo que dificilmente alguém se interessará,
sem ter as garantias de respeito ao equilíbrio econômicofinanceiro.” 6.
Aos críticos do status contratual que a Constituição
conferiu às permissões vale lembrar que, no âmbito dos
tribunais, o Supremo Tribunal Federal muitas vezes aplicara
os princípios protetores da concessão ao regramento da
permissão mesmo quanto às não-condicionadas. No MS
18.787-SP, a Corte rejeitou a alegação de precariedade da
permissão como se vê da seguinte ementa: “Permissão
para exploração de serviço de transporte coletivo. Serviço
Foto: Divulgação
EM DEFESA DA
PERMISSÃO
DE ÔNIBUS
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 17
instalado e em funcionamento. Impossibilidade de anularse a permissão, unilateralmente, sem forma nem figura de
juízo” [Ac. de 7.10.68 7. Em outro precedente, o S.T.F.
estabeleceu que “não pode o prefeito cassar permissão
administrativa para exploração de serviços funerários
auxiliares sem inquérito regular e com cerceamento de
defesa das interessadas” 8. Comentando essa decisão, Hely
Lopes Meirelles expressa: “Vê-se, por esse Acórdão, que
mesmo os permissionários de serviço público, que estão
sujeitos a uma ingerência mais intensa do Poder Público,
não podem ter sua permissão cassada e sua atividade
interditada sem processo e ampla defesa” 9. Da mesma
forma pronunciou-se o Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, em 30 de julho de 1.965 10.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua
vez, enfatizou que “o objetivo da norma constitucional é
fundamentalmente assegurar a continuidade e a qualidade
dos serviços públicos, cujo interesse social é igual nas
concessões como nas permissões” 11. No Acórdão, o Tribunal
diz, com clareza: “Vê-se que é irrelevante à aplicação do
preceito constitucional, a qualidade de permissionárias das
empresas de transporte urbano”. Pontes de Miranda, já nos
“Comentários à Constituição de 1.969, discursando sobre o
art. 167 daquela Carta, alertava que “a regra jurídica do art.
167, I, tem grande relevância, porque qualquer concessão,
autorização ou contrato concessivo ou autorizativo, fica
sujeito ao respeito ao art. 167, I. A própria cláusula inserta
em ato estatal unilateral, bilateral ou plurilateral que dispensa
a futura adequação obrigatória do serviço seria ofensiva do
art. 167, I, e, pois, nula”, o mesmo valendo para os demais
incisos daquela disposição inclusive quanto ao princípio do
equilíbrio econômico-financeiro dos serviços 12.
Disse-o ainda Reale em outra passagem: “Não me
parece haver dúvida, por conseguinte, de que o titular de
uma chamada ‘permissão de transporte coletivo’ goza de
um status jurídico de natureza bilateral, insuscetível de ser
alterado por ato da Administração que não se concilie com
os preceitos regulamentares próprios, sob pena de lesão
a uma situação jurídica constituída, isto é, a um ‘direito
subjetivo’, para empregarmos a terminologia tradicional.” 13.
Já o ex-presidente do STJ, Ministro Américo Luz, assim
se expressou: “Isto quer dizer que a prestação do serviço
público é feita em nome do poder público, ‘sob condições
alteráveis unilateralmente pelo estado’, só que, além de a tarifa
dever-se cobrar ao usuário do serviço público permitido, há
a obrigação de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro
inicial, no caso desrespeitado pela administração quando
altera a permissão quebrando aquele equilíbrio.” 14.
A contratualidade da permissão não é, hoje, questão
doutrinária, mas determinação constitucional. Os manuais
podem continuar a dizer que a permissão é precária. Melhor
diriam que, depois de 88, a permissão de serviço público
deixou de ser precária, mesmo aquelas que nasceram da
informalidade e nela se consolidaram com o batismo
constitucional. Logo, é constitucional a obrigação básica,
fundamental e inafastável do poder público relativa à
manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos
serviços.
Por tudo isso, marcha na contra-mão da boa doutrina
as recentes decisões do STJ no sentido de que a permissão
nada garante, sequer o equilíbrio econômico-financeiro dos
serviços, quando não precedida de licitação, mesmo que se
trate de permissão anterior a 1.988.
Contribui para tal equívoco o preconceito doutrinário
contra as permissões. Embora reconhecidas no texto do
art. 175 da Constituição -que lhe deu roupagem contratual
em homenagem aos sessenta milhões de brasileiros que
utilizam diariamente os transportes urbanos por ônibus-, a
Lei 8.987/95, no art. 40, ao regulamentar o art. 175 da Carta
Magna, despiu desavergonhadamente as cândidas vestes
das permissões, nelas postas pelo legislador constituinte,
afirmando que, mesmo sendo contratuais, as permissões
eram precárias e revogáveis unilateralmente pelo poder
concedente. A doutrina passou desatenta sobre essa grave
violação constitucional. A norma regulamentadora traindo
a norma regulamentada ao estabelecer que o contrato...não
é contrato.
Não é de admirar, portanto, que os Tribunais acabem
dando ouvidos ao legislador ordinário que, ao regulamentar
a norma editada pelos constituintes, transgrediram o texto,
violaram a história, voltaram as costas para a realidade e
acabaram condenando o sistema essencial de transporte
coletivo como um subproduto da atividade econômica,
cheio de obrigações de toda ordem e sem direito algum.
Por isso, impõe-se lembrar que as decisões judiciais não
se destinam a um país virtual, mas a um país real. O país
real é transportado na roda de centenas de permissionárias
todos os dias, para permitir que os cidadãos exerçam
seus direitos individuais de moradia, emprego, educação,
saúde, lazer. São as cidades que se deslocam, apenas nos
transportes urbanos, nessa “roda gigante” da economia do
país. Não entraram, como também não o fez o transporte
aéreo, pelas portas da licitação, até mesmo porque, antes
de 1.988 as porteiras estavam abertas ao convite do poder
público.
Por isso, o Tribunal ao recusar legitimidade às
permissões de ônibus, profere uma decisão alienada da
realidade e condena as permissionárias a uma prisão aberta
num presídio de insegurança máxima de onde só poderão
sair mediante um derradeiro apelo ao Supremo Tribunal
Federal. Como se espera que ocorra, porque, no fundo, a
Constituição foi negada e a realidade foi esquecida.
Consultor Jurídico da FETERGS
Membro do Colégio de Advogados da NTU
Foto: Alex Viana
Notas Bibliográficas
18 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
O país real é
transportado na
roda de centenas de
permissionárias todos
os dias, para permitir
que os cidadãos
exerçam seus direitos
individuais de moradia,
emprego, educação,
saúde, lazer.
1
Sucessivas decisões do STJ vêm fulminando ações de indenização propostas por permissionárias de ônibus que tiveram tarifas
praticamente congeladas durante longo período e acumularam passivos consideráveis. A maior parte dos recursos em que o STJ
recuou a indenização das prejudicadas provém de Minas Gerais [v.g., Resp n. 403.905 [Transrosa Ltda e outros; 443.796 [Transbus
Transportes Ltda]; 410.367 [Coletivos Venda Nova Ltda e Outros]; 437.620 [Auto Viação Pioneira Ltda]; 431.424 [Viação São
Geraldo Ltda]; 406.712 [Viação Serra Verde Ltda]; 400.007 [Coletivos São Lucas Ltda]; 443.816 [Viação Itamarati Ltda]; Ag/Re
16.936 [Betânia Ônibus Ltda]; AG 537.594 [Transimão Transportadora Simão Ltda]; AG/RE 13.491 [Auto Viação Santo Agostinho
Ltda]; Resp 468.207 [Viação Sidon Ltda]; AG 578.463 [Viação Pedro Leopoldo Ltda].;
2
O Tribunal esqueceu a própria lição. No Resp. 221/DF, de 23 de agosto de 1.989, decidira anteriormente: “Antes da CF/88, o
ato de permissão do serviço público não exigia prévia licitação, razão pela qual não foi contemplado no art. 4º da Lei nº 4.717/65,
que enumera as hipóteses de lesividade presumida”..
3
Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17a. ed. Malheiros, SP, 1.992, p. 352, observa que “a cassação
da permissão, com natureza de sanção, exige procedimento administraivo, com direito de defesa”[TJSP, RJTJSP 116/195..
4
Revista de Direito Público, 6/82.
5
Reale, Miguel. Parecer, “Concessão e Permissão de Serviço Público”, in Revista de Direito Público, 6/78.
6
(MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, Direito Administrativo, Atlas, 3ª ed., 1992, pág. 221.
7
RTJ 47/650.
8
Revista de Direito Público, 26/147, RE 63.382.
9
Meirelles, Hely Lopes. Estudos e Pareceres de Direito Público, ed. RT, SP, vol. V, p. 58.
10
Revista dos Tribunais, 340/320; cf., ainda, Parecer de Marco Aurélio Greco, in Vox Legis, vol. 145.
11
Pleno, 1.10.84, in Rev. de Jur. do TJ do RGS, 107/219.
12
Dispunha o art. 167 da Constituição de 67/9: “A lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias de serviços
públicos federais, estaduais e municipais, estabelecendo: I - obrigação de manter serviço adequado; II - tarifas que permitam
a justa remuneração do capital, o melhoramento e a expansão dos serviços e assegurem o equilíbrio econômico e financeiro do
contrato e III - fiscalização permanente e revisão periódica das tarifas, ainda que estipuladas em contrato anterior”.
13
A Ordem Processual Administrativa como Condição de Garantia Individual - Características da Permissão de Serviços de
Transporte Coletivo, Revista de Direito Público, vol. 18, pág. 86).
14
Acórdão in Revista de Direito Administrativo, vol. 186, pág. 138.
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 19
Dividindo o
indivisível e
relativando
o relativismo
Em matéria de
direitos
humanos
Foto: Divulgação
Regina Coeli Medeiros de Carvalho Peixoto
priorizar o desenvolvimento, além dos direitos econômicos
e sociais. Nesse sentido, o Prof. Lindgren, na mesma obra,
entende que o desenvolvimento não garante o respeito aos
demais Direitos Humanos.
Relata, ainda, que o término da Guerra Fria e a Queda
do Muro de Berlim foram eventos que levaram a crença de
que o processo de democratização era irreversível, gerando a
convocação para a Conferência de Viena em 1993.
Segundo ele, essa conferência estabeleceu conceitos
importantes, como da universalidade, da legitimidade
do monitoramento internacional de violações, a interrelação entre os Direitos Humanos, o desenvolvimento
e a democracia, o direito ao desenvolvimento e a
interdependência entre todos os Direitos Humanos. Nesse
sentido, reputa essa conferência como a mais importante no
discurso contemporâneo sobre Direitos Humanos.
Na sua obra, constata que o fenômeno mais importante
após a Guerra Fria é a globalização. Se antes ocorria a
bipolarização liberalismo X comunismo, com o EstadoPrevidência nos países desenvolvidos, objetivando afastar
a contaminação pela utopia antagônica, o que se vê, hoje,
é a adoção do laissez faire absoluto, sob a alegação de
que a liberdade de mercado leva à liberdade política e a
democracia.
Com isso justificou-se o investimento em países de
Inicialmente, tenho que, de mister, uma perspectiva
histórica da origem da indivisibilidade:
1. A Carta das Nações Unidas não menciona esse conceito;
2. A Declaração Universal dos Direitos do Homem também
nada menciona;
3. O Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
e o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, mencionam a
interdependência entre todos os direitos humanos. Por esse
motivo, entende-se que o conceito de interdependência foi
precursor da indivisibilidade.
4. A Proclamação de Teerã de 1968 faz menção explícita à
indivisibilidade, embora não a justifique ou a defina. Nessa
carta, afirma-se ser impossível atingir-se plenamente os
direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos,
sociais e culturais e vice-versa.
5. A Convenção Européia de 1950 trata de direitos civis e
políticos, mas não fala da indivisibilidade. A Carta Social
Européia de 1961, na ata final de Helsinque conclama os
Estados participantes a “promoverem e estimularem o
exercício efetivo dos direitos e liberdades civis, políticos,
econômicos , sociais, culturais e outros, que se originam em
sua totalidade, da dignidade inerente ao ser humano e são
essenciais para seu livre e pleno desenvolvimento”(Seção
VII, parágrafo segundo).
No que concerne ao principio da indivisibilidade, tenho que este
é o ideal da humanidade: que todos os direitos humanos sejam
implantados na sua totalidade, sem seletividade e priorização.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho destina-se a trazer à colação a questão
da indivisibilidade dos Direitos Humanos, sob o ponto de vista
daqueles que entendem que estes são universais e indivisíveis e
daqueles que entendem que devam ser relativados, tendo-se em
conta o respeito à cultura e soberania dos povos.
Inicialmente, traremos os conceitos de indivisibilidade e
relativismo, na visão dos estudiosos da questão, suas origens e
destinos.
Em seguida, a opinião dos pensadores que não adotam
qualquer das duas posições, de forma radical, e propõem linhas
intermediárias de abordagem na questão dos direitos humanos,
através da regionalização em cortes intermediárias, fazendo
respeitar as características individuais de cada grupo.
Por fim, apresentamos a nossa conclusão com a analise
do problema, sob o ponto de vista do princípio universal do
respeito à dignidade humana e as diretrizes que entendemos
devam ser tomadas, na renegociação visando uma Corte
Mundial.
O CONCEITO DE INDIVISIBILIDADE E SUA ORIGEM.
Segundo Lindgren, in Cidadania, Direitos Humanos e
20 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
1
Globalização , a origem da indivisibilidade dos Direitos Humanos
repousa no fato de que, desde que os Direitos Humanos foram
adotados pela ONU, estes sempre padeceram de desequilíbrio
quanto a sua priorização, tendendo para os de primeira geração.
Observa que a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, não priorizou espécies de Direitos Humanos, mas
nos dois pactos firmados para os dois blocos de direitos, cada
bloco divergia do outro, em termos de proteção.
O bloco de direitos civis e políticos, dispunha de um
comitê de peritos, encarregados de monitorar a implantação,
acolhendo inclusive queixas individuais, enquanto o outro
bloco de direitos sociais e econômicos e culturais não foi
agraciado com essa proteção, embora tenham tentado suprir a
lacuna, criando comitês com essa finalidade, porém sem direito
à acesso individual, como o primeiro.
Diante dessa disparidade, os países em desenvolvimento
estabeleceram esse mecanismo de proteção que é a
indivisibilidade de todos os Direitos Humanos, reafirmado
pela ONU inúmeras vezes.
Na verdade, segundo o referido autor, a indivisibilidade foi
infirmada pela declaração de alguns países em desenvolvimento
que violavam direitos civis, sob a alegação da necessidade de
regime autoritário, aceitando neles o sacrifício das liberdades
civis e políticas em favor do desenvolvimento. Nos países
de sistemas democráticos as proteções mercadológicas,
trabalhistas e previdenciárias foram objetadas em nome da
modernidade, assim como o Estado-Previdência em razão
da fatalidade do desemprego. Entende o autor que essas
são as premissas para o desenvolvimento vertiginoso da
globalização.
Constata, também, que a indivisibilidade só tem guarida
naqueles Estados-previdência, pois , sem as prestações
positivas ofertadas por essas instituições, o que se vê é uma
cidadania incompleta.
De outra banda, temos que Clarence Dias, no seu
texto Indivisibilidade, In: PINHEIRO, Paulo Sérgio;
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Direitos Humanos no
2
Século XXI, preleciona que os conceitos de universalidade,
indivisibilidade, interdependência e inter-relacionabilidade
em matéria de Direitos Humanos estão completamente
sedimentados. Porém, põe em discussão se há consenso
universal quanto à indivisibilidade e qual seria o seu conceito
e que passos deveriam ser tomados para a sua plena
realização.
6. O protocolo adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos na área dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais(Protocolo de San Salvador adotado em 1988)
trata do conceito de indivisibilidade no seu preâmbulo. Esse
protocolo baseia a indivisibilidade no reconhecimento da
dignidade humana, reafirmando o papel da indivisibilidade
na plena realização de todos os direitos, negando a prática de
compensações adotadas pela escola asiática.
7. A Carta Africana (Nairobi, 1981) propõe um conceito de
indivisibilidade que relaciona direitos econômicos, sociais e
culturais aos direitos políticos, relacionando, assim, direitos
individuais a coletivos e encarando o desenvolvimento como
forma de consolidar a indivisibilidade.
8. A região Ásia-Pacífico é a única que não possui acordo
regional sobre direitos humanos, mas a Sexta Oficina
(Teerã, 1998) reafirma a universalidade, indivisibilidade e
interdependência dos Direitos Humanos.
Assim, a Professora Clairence Dias, na obra já referida,
afirma que o conceito de indivisibilidade encontra-se introduzido
de forma definitiva nas normas internas e internacionais.
Nesse sentido, conclui que os direitos humanos e da pessoa
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 21
humana são indivisíveis, são inerentes e emanam da própria
natureza humana. A indivisibilidade é uma relação mútua, vez
que o gozo dos direitos humanos é que torna humana a vida das
pessoas; eles existem para garantir o mais preciosos dos direitos:
de ser e permanecer humano.
Segundo ela, o conceito de indivisibilidade confere aos
grupos minoritários uma base sólida para que reafirmem o
caráter inato desses direitos, apresentando cinco dimensões,
infirmando esse conceito:
1- Todos os direitos humanos são iguais não cabendo alegação de
precedência de um sobre o outro. Portanto, não há gradação;
2- É dever dos Estados promover e proteger os direitos
humanos e as liberdades fundamentais;
3- Não se permite qualquer tipo de concessão em matéria de
direitos humanos;
4- Não poderá haver concessões entre desenvolvimento e
direitos humanos, embora alguns governos asiáticos aleguem
que o desenvolvimento econômico deve ter precedência sobre
outros direitos;
5- Em razão da indivisibilidade não se realiza os direitos civis e
políticos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Todos os direitos são iguais.
Conclui, ressaltando que a indivisibilidade é chave
para o avanço da universalidade, interdependência e interrelacionamento dos Direitos Humanos, havendo mais
violações em relação à indivisibilidade do que aos demais
princípios.
No que concerne ao Programa de Direitos Humanos das
Nações Unidas, verifica-se que começou com a criação da
Comissão sobre Direitos Humanos e o Centro para Direitos
Humanos e concentrou a sua ação no monitoramento das
violações de Direitos Humanos, especialmente os direitos
civis e políticos, não havendo sinais de inclusão do princípio
da indivisibilidade nas atividades do programa.
Com relação aos Estados Membros, apesar de aceitarem
o princípio, não o vêm aplicando. Organizados em grupos
esses Estados persistem na prática da seletividade. Os EUA
recusam-se a reconhecer os direitos econômicos, sociais
e culturais. O Vaticano junto com as religiões islâmicas
(...) a conexão entre a
mudança social e mudança na
teoria e na prática dos direitos
fundamentais sempre existiu,
os direitos sociais é que a
tornaram mais evidentes.
22 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
recusam-se a reconhecer diversos direitos da mulher, os da
reprodução especialmente, sem contar o grupo asiático que
relativiza a importância dos direitos civis e políticos.
A ratificação do Pacto sobre direitos econômicos, sociais
e culturais não aconteceu e os avanços têm sido lentos.
No que concerne a indivisibilidade há uma grande
distância entre a retórica e a realidade, ocorrendo crescente
falta de credibilidade.
O RELATIVISMO E SUA ORIGEM.
Nesse estado de indefinição e falta de credibilidade quanto
a implantação definitiva do princípio da indivisibilidade,
instalou-se o relativismo, que originou-se com o desafio dos
valores asiáticos.
A questão se introduziu com a tese de Lee Kuan Yew
sobre os valores asiáticos, tendo sido seus comentários
considerados simplistas, pretensiosos e fechados em
interesses próprios.
A escola do pensamento de Cingapura tem as seguintes
convicções:
1- os valores asiáticos são diferentes dos ocidentais. Os
asiáticos dão ênfase aos laços familiares, a prioridade da
comunidade sobre o individuo, a estabilidade social e a
ordem pública acima da democracia.
2- as mudanças sociais e econômicas da modernização trazem
instabilidade, a menos que haja um governo autoritário, pois
a democracia gera indisciplina e desordem que são inimigas
do desenvolvimento.
3- os líderes asiáticos estão corretos ao estabelecer que as
necessidades materiais do povo estão acima das liberdades
pessoais e direitos individuais.
4- as políticas participativas não devem ser impingidas às
sociedades asiáticas pelo ocidente.
5- os valores asiáticos e os impulsos culturais favorecem
mais os deveres que os direitos, as responsabilidades mais
que as liberdades, o desenvolvimento mais que a democracia
liberal e a estabilidade social mais que o pluralismo político
e cultural.
Quando esses princípios foram anunciados, também
seguidos por Mahatir Mohamed, houve um grande apoio aos
problemas enfrentados por eles, especialmente os problemas
multirraciais.
Os dois pensadores têm sido críticos severos do
imperialismo ocidental e vêm sendo amplamente apoiados pela
imprensa chinesa e demais. O governo chinês, em 1991, no
White Paper, adotou a tese da concessão entre direitos humanos
e desenvolvimento, declarando que comer e se agasalhar são as
demandas básicas do povo chinês que por muito tempo sofreu
com fome e frio e, ainda, acrescentou que a questão dos direitos
humanos está circunscrita à soberania de cada estado.
Posteriormente insurgiram-se quanto a tentativa da
imposição de padrões pessoais a outras culturas, sob o manto
dos Direitos Humanos, havendo proposta, por parte de Mahatir,
no sentido de ser revista a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, uma vez que suas origens e natureza são ocidentais.
Segundo a Profa. Clairence, na obra supracitada, os valores
asiáticos que até então eram mera divergência, agora ameaçam
romper a corrente global dos Direitos Humanos, que são a
maior conquista do século.
A ANÁLISE DESCOMPROMISSADA.
3
Norberto Bobbio, in “A Era dos Direitos”, fala-nos que,
na verdade, o pós guerra propiciou dois fenômenos: o da
multiplicação e o da universalização.
Nesse sentido, constata que o fenômeno da multiplicação
dos direitos se deu por três motivos:
1- Maior quantidade de bens merecedores de tutela;
2- Extensão de alguns direitos do homem a outros titulares;
3- Porque o próprio homem não é mais visto individualmente,
mas num contexto: velho, mulher, criança etc.
Portanto, em substância: mais bens, sujeitos e status. Os três
processos possuem interdependência e revelam a necessidade
de fazer referência a um contexto social.
Menciona, no primeiro caso, a passagem dos direitos de
liberdades negativas (religião, opinião de imprensa), para direitos
políticos e sociais, com intervenção direta do Estado.
No segundo, a passagem do indivíduo singular, titular dos
direitos naturais, para sujeitos diferentes do individuo: família,
minorias étnicas e religiosas e até mesmo para animais e a
natureza onde respeito e exploração passam do individuo para
esses novos atores.
No terceiro processo, sai o homem genérico para o homem
específico(sexo, idade, condições físicas), bastando examinar as
cartas de direito nos últimos quarenta anos.
Assim, segundo Bobbio, os direitos de liberdade negativa
valem para o homem abstrato. A liberdade religiosa foi se
estendendo a todos e o mesmo processo se estendeu para os
direitos a liberdade: “todos os homens são iguais” (art.1º da
Declaração Universal).
Essa universalidade, segundo ele, não vale para os
direitos sociais e políticos, nos quais os indivíduos só são
iguais genericamente, mas não especificamente, nestes
existem diferenças de grupos para grupos (Ex: direito ao
voto, que era exclusivo masculino). Hoje os menores não
votam, concluindo-se que no reconhecimento dos direitos
políticos há que se levar em conta as diferenças, justificando
um tratamento não igual.
Constata que a doutrina dos direitos do homem nasceu da
filosofia jusnaturalista, que parte do princípio de que os direitos
do homem são poucos e naturais (vida, sobrevivência etc.) e que,
segundo Kant, o único direito do homem é o direito à liberdade
em face de todo o constrangimento imposto pela vontade do
outro, sendo que todos os outros direitos estão incluídos nela.
Ressalta, ainda, que o estado de natureza era uma tentativa
de racionalizar determinadas exigências que iam se ampliando
cada vez mais, inicialmente nas guerras de religião, a necessidade
de liberdade de consciência contra toda forma de imposição de
O relativismo
não é nenhum
pecado mortal, se
procurarmos entender
as peculiaridades
culturais de cada um.
uma crença e, num segundo momento, na época das revoluções
inglesa, americana e francesa, quando houve a demanda de
liberdades civis contra todo nepotismo.
A passagem da hipótese racional para a análise da sociedade
real e de sua história vale com maior razão hoje que as
exigências de proteção a indivíduos e grupos que vieram de
baixo, aumentaram e continuam a aumentar, sendo certo que
a ampliação dos direitos demonstra que o ponto de partida
hipotético do estado de natureza perdeu toda a plausibilidade,
mas nos fazem refletir que o mundo das relações sociais que
dela derivam é muito mais complexo, não bastando os direitos
fundamentais como a vida, a liberdade e a propriedade.
Assim, a conclusão do autor é de que a análise dos direitos
humanos não pode ser dissociada da análise do desenvolvimento
da sociedade e ressalta que não há uma carta de direitos atuais
que não inclua, por exemplo, o direito à educação, primeiro
elementar e depois secundária, pouco a pouco chegando à
universitária. O estado de natureza não dá notícias de menção
ao direito à instrução. As principais exigências dizem respeito a
liberdade face às Igrejas e ao Estado.
Reafirma que as novas exigências de direito de liberdades
civis eram fundadas na existência de direitos naturais, prova disso
é que as exigências sociais tornaram-se mais numerosas, quanto
mais rápida e profunda foi a transformação da sociedade.
A proteção dada aos idosos é decorrente do aumento
da população idosa e da expectativa de vida, decorrente das
mudanças nas relações sociais e progressos da medicina.
Constata, assim, que a conexão entre a mudança social e
mudança na teoria e na prática dos direitos fundamentais sempre
existiu, os direitos sociais é que a tornaram mais evidentes.
A Profa. Flávia Piovesan, in “Direitos Humanos e Jurisdição
4
Constitucional Internacional” , menciona que, na verdade, a
internacionalização dos Direitos Humanos é recente, tendo
surgido como uma resposta, da humanidade, ao nazismo.
Na sua análise constata que a guerra foi a destruição e o pósguerra a reconstrução, fortalecendo a idéia de que essa proteção
não pode se restringir a competência nacional, prenunciandose, assim, o fim da era em que o Estado tratava seus nacionais
como um problema de jurisdição interna.
Analisando os tratados internacionais, constata que estes
enfocam quatro dimensões:
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 23
1- um consenso internacional para adotar parâmetros mínimos
para a dignidade humana;
2- a imposição de deveres jurídicos aos Estados, positivos ou
negativos;
3- instituem órgãos de proteção aos direitos;
4- criam mecanismos de monitoramento, objetivando a
implementação desses direitos.
Enfim, estabelece o conceito do “mínimo ético
universal”, como um fator de relativização da noção de que
vivemos um relativismo cultural que inviabiliza a construção
de valores universais capazes de se tornarem balizadores da
humanidade, a despeito das diferenças culturais existentes na
sociedade internacional.
Nesse sentido, aponta o aparecimento das Cortes
Regionais, como a Européia, Sul-americana e Africana, além
de um incipiente sistema árabe e asiático, ao lado do sistema
global, consolidando os dois sistemas (ONU e Regionais).
Ressalta, nesse giro, que embora dicotômicos, os dois
sistemas são complementares e interagem em benefício dos
protegidos.
CONCLUSÃO:
No que concerne ao principio da indivisibilidade,
tenho que este é o ideal da humanidade: que todos os
direitos humanos sejam implantados na sua totalidade, sem
seletividade e priorização.
Não há dúvida de que devamos lutar por isso, sendo
inadmissível que ainda não se tenha avançado para a sua
aproximação, pois sequer estamos tangenciando o mínimo
ético universal.
O Prof. Andrei Koerner in “ O papel dos direitos
humanos na política democrática: uma analise preliminar”
5
e in “ Ordem política e sujeito de direito no debate sobre
6
direitos humanos” , adota uma posição de espera, pois após
os ataques de 11 de setembro, ocorreram muitas mudanças
e houve um retrocesso na negociação dos direitos humanos,
sendo necessário um lapso de tempo para que se retome os
caminhos já percorridos.
Os ataques terroristas têm sido um “jato de água fria” no
princípio da universalidade. Há ódios seculares, rancores que
parecem invencíveis e máguas ainda muito recentes. A ferida
está, ainda, aberta e exposta.
A reação dos países asiáticos às propostas ocidentais
é muito contundente e não pode deixar de ser apreciada.
Estamos lidando com civilizações milenares, que guardam
convicções de que seus princípios são os corretos e não
aceitam adotar princípios ocidentais em substituição às suas
culturas e tradições.
Um exemplo típico desse espírito, de não se curvar
aos valores ocidentais, é o que vem acontecendo com o
surgimento dos homens-bomba e os ataques suicidas,
demonstrando claramente que preferem morrer a ter que
sepultar suas convicções morais e religiosas.
A tentativa de forçar uma negociação para a adoção do
24 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
princípio da indivisibilidade dos direitos humanos, significa
sepultar de uma vez por todas a possibilidade de algum dia
atingirmos a cidadania universal pregada por Kant ou seja, o
princípio da universalidade.
Vejo com reservas a adoção radical do princípio da
indivisibilidade pela ONU, pois um posicionamento
nesse sentido somente irá afastá-la do grupo relativista,
composto especialmente pelo bloco asiático e por outras
nações que acabam por assinar tratados, aceitando conceitos
semelhantes, apenas por medo de retaliações e isolacionismo.
Nesse sentido, as Nações Unidas devem se abster de tais
posicionamentos, prevenindo-se da possibilidade de acabar
por falar sozinha e restar sem interlocutores.
Constata-se, facilmente, esta tendência quando se houve
o grupo asiático propor a reformulação da Declaração
Universal, considerando que a mesma foi erigida com base em
conceitos e valores ocidentais. A questão toma proporções
visíveis, quando os Estados Unidos, considerado um dos
modelos de capitalismo e de democracia universais, vem
violando reiteradamente os direitos econômicos, recusandose a ratificá-los em relação aos demais Estados, por evidente
medida de protecionismo aos seus interesses.
Entendo que devamos retomar as negociações, quando
possível, pelo mínimo básico à dignidade humana que é o
direito à vida, abolindo-se a pena de morte no mundo inteiro.
Se os responsáveis pela implantação e monitoramento
das violações de direitos humanos não se mobilizarem,
inicialmente, pelo supremo direito à vida, tudo restará na
retórica e os agentes responsáveis pela implementação dos
direitos humanos e monitoramento das violações terminarão
por cair no descrédito.
Concomitantemente, à evidência da dificuldade da
internacionalização das constituições, vê-se, claramente,
o florescimento dos direitos regionais, como o Tribunal
Europeu e a Corte Interamericana que, com a última reforma
passou a ser dotada de maior jurisdicionalização.
Importante destacar que o Prof. Cançado Trindade, in
“Consolidação da Capacidade Processual dos Indivíduos na
7
Evolução da Proteção Internacional do Direitos Humanos” ,
dá conta da regionalização em relação aos países árabes e
africanos, restando, tão somente, ao bloco asiático aderir ao
movimento. Creio que, com isso, avançou-se bastante.
Sobre esta questão, insta ressaltar a contribuição trazida
pelo Prof. Blanke , da Universidade de Direito Internacional
de Erfurt, no primeiro Seminário “A tutela judicial no sistema
multinível”, promovido pelo Conselho da Justiça Federal,
em setembro de 2004, quando nos trouxe a experiência da
Alemanha em relação ao Tribunal de Estrasburgo. Segundo
ele, a jurisprudência emanada da Corte Regional, em nada
vem contribuindo para o Poder Judiciário alemão, uma vez
que as garantias individuais previstas na Constituição da
Alemanha são mais abrangentes que aquelas oferecidas pelo
estatuto daquela Corte. Esse, na minha modesta opinião,
deve ser o nosso ideal e é, já que a nossa Constituição
Cidadã inspirou-se, em parte, no texto “tedesco” e, também,
no modelo espanhol, considerados os textos com maior
amplitude de garantia aos direitos fundamentais.
A direção a ser tomada é essa, sem sombra de dúvidas,
uma grande amplitude de direitos previstos na legislação
interna, a integração das Cortes Regionais até a total
sistematização numa Corte Mundial, seguindo o ideal
kantiano, da Constituição Universal.
Por esse motivo, entendo, que aqueles autores
que defendem radicalmente a adoção do princípio da
indivisibilidade, ressalvados o que não adentram a questão,
encontram-se na contra-mão da história, ao tentarem impor
ao mundo, um pacote de direitos humanos que entendem
universais e indivisíveis.
O relativismo não é nenhum pecado mortal, se
procurarmos entender as peculiaridades culturais de cada
um. A indivisibilidade é um ideal que devemos buscar e não
um óbice a adoção de um mínimo básico: ou tudo ou nada é
um jogo desvalorado quando estamos lidando com pessoas.
Como exigir direitos políticos, econômicos e culturais
para pessoas que vivem abaixo do nível de pobreza; a miséria
humana, a total perda da dignidade. O trabalho há que
começar pelas bases sim, obtendo de todos os Estados um
mínimo essencial para que seus nacionais tenham dignidade
e só assim, os organismos internacionais poderão agir e exigir
o cumprimento do ratificado.
Destarte, conclui-se que a relativação do relativismo
e a divisão da indivisibilidade vem sendo, aos poucos,
implementadas, com a criação das Cortes Regionais, que
detêm as peculiaridades de cada grupo intermediário, sem
deixar de atender aos princípios básicos devidos à dignidade
da pessoa humana.
Juíza Federal do Rio de Janeiro
Notas Bibliográficas
(1) LINDGREN ALVES, José Augusto. Cidadania, Direitos Humanos e Globalização. In: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, Globalização
Econômica e Integração Regional. Ed. Max Limonad, São Paulo, 2002, pg.77-98.
(2) DIAS, Clarence. Indivisibilidade. In: PINHEIRO, Paulo Sérgio; GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Direitos Humanos no Século XXI. Brasília:
Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais/Fundação Alexandre de Gusmão, 1998.
(3)
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Ed. CAMPUS, Rio de Janeiro, 1992, pgs. 49-83.
(4)
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Jurisdição Constitucional Internacional. Mimeo, 2004.
(5) KOERNER, Andrei. O papel dos direitos humanos na política democrática: uma análise preliminar. In: Revista Brasileira de Ciências
Sociais, vol.18, no.53,  São Paulo, 2003.
(6) KOERNER, Andrei. Ordem política e sujeito no direito no debate sobre direitos humanos. In: Revista Lua Nova no. 57   São Paulo 2002.
(7) CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Consolidação da Capacidade Processual dos Indivíduos na Evolução da Proteção
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Bibliografia
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SINGER, Paul. “A Cidadania para Todos”, In: Jaime Pinsky e Carla B. Pinsky (orgs.), História da Cidadania, São Paulo, Ed. Contexto, 2003.
SOUZA SANTOS, Boaventura de. Por uma Concepção Multicultural de Direitos Humanos. In: Reconhecer para Libertar: Os caminhos do
cosmopolitanismo multicultural. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2003.
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 25
A voz do
silêncio
Maria Berenice Dias
P
ssss... Por favor, não fale, cale.
Deixe o silêncio encobrir tudo,
penetrar até a alma. Afinal, é
mais fácil acreditar que aquilo
que não se ouve, que não se vê, não
existe.
Para a mantença do que é aceito como
certo – pelo simples fato de ser igual
–, o jeito é não ver nem ouvir qualquer
coisa que se afaste do comportamento
e rotulada de imoral, um atentado à ética
e aos bons costumes.
Quem se afasta do modelo necessita
se refugiar em guetos. A união de
esforços, a formação de instituições e
entidades é a forma encontrada pelos
marginalizados para emergir e obter
a respeitabilidade social. Dolorosa a
inserção desses segmentos. Nem sempre
a conjunção de forças, a organização
a busca de integração. Praticamente
são submetidos a um processo de
auto-exclusão. A falta de respeito em
praticamente todos os núcleos vivenciais
os sujeitam ao escárnio público e os
tornam o alvo preferido do anedotário
de uma forma degradante. Essa é a face
mais perversa do preconceito.
Essa cruel realidade está começando
a ceder. A laicização da sociedade e a
integratório pela via legislativa. É
difícil a aprovação de leis destinadas
a segmentos com pouca expressão
numérica e alvo de uma forte rejeição
da maioria do eleitorado. A possibilidade
de comprometer a mantença no poder
intimida o legislador.
A Justiça é conservadora. É difícil ao
magistrado romper barreiras sem temer
estigmas ao enfrentar assunto permeado
Somente a conscientização da sociedade poderá reverter
posturas discriminatórias que levam a duvidar de se estar
vivendo em um estado democrático de direito.
26 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
de movimentos ou a constituição de
agremiações logram êxito.
É a família que serve de mola
propulsora para arrostar o preconceito.
Porém, alguns segmentos, por serem
estigmatizados também no âmbito
familiar, têm mais dificuldade de romper
a barreira da invisibilidade. Dentre
os excluídos, os mais discriminados
são certamente os homossexuais, que
enfrentam maior dificuldade de obter
aceitação. Sequer do respaldo familiar
desfrutam, o que compromete a imagem
pessoal, limita a auto-estima e dificulta
universalização dos direitos humanos
estão rompendo a barreira do silêncio. A
partir da consagração constitucional dos
princípios da igualdade e da liberdade,
bem como da eleição da dignidade da
pessoa humana como finalidade maior
do Estado, o Direito passou a ser a
grande esperança.
Somente a conscientização da
sociedade poderá reverter posturas
discriminatórias que levam a duvidar
de se estar vivendo em um estado
democrático de direito. O preconceito
e a discriminação dificultam o processo
de rejeição. No entanto, é preciso que os
juízes tenham sensibilidade para enlaçar
no âmbito da juridicidade situações que
não dispõem do respaldo legal. Mas para
isso é preciso coragem para empunhar a
bandeira da igualdade e da liberdade na
busca do respeito à dignidade da pessoa
humana e da cidadania.
Desembargadora do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul
e Vice-Presidente Nacional do
IBDFAM - Instituto Brasileiro de
Direito de Família
Foto: Divulgação
majoritário. O importante é respeitar
os costumes, que nada mais são do que
repetições do que é considerado bom
e correto pelas gerações anteriores. É
reconhecido como verdadeiro o que a
maioria diz e todos repetem como eco.
Com desenvoltura, a sociedade faz
surgir mecanismos de exclusão. Engessa
as pessoas com rigidez dentro de
estruturas cristalizadas, criando sistemas
de alijamento do que foge do padrão
convencional. Toda e qualquer tentativa
de fugir dos estereótipos estratificados é
identificada como vício, pecado ou crime,
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 27
O erro Médico
e as Seguradoras
Maus médicos
devem ser
incontestavelmente
Cláudio Chaves
punidos na forma da
A
prática médica associada a
resultados vem sendo cada
vez mais discutida tanto
nos Órgãos que fiscalizam
o exercício da medicina quanto na
esfera judicial.
A questão no nosso modesto
entendimento de professor de
medicina e protagonista de histórias
médicas há seis lustros, deve ser
analisada como um problema
multidisciplinar e jamais poderá
ser tratada como um assunto
isolado ou muito menos como um
questionamento a ser discutido
exclusivamente na área de uma
especialidade da advocacia que trata
do “erro médico”.
Michel Foucault, o maior filósofo
e pensador médico do século XX,
com muita proficiência asseverou
na sua clássica palestra “A crise é
da medicina ou da antimedicina?”,
proferida no Brasil, no ano de 1974
no Rio de Janeiro, que quando a
medicina sofre crises, estas não são
dela e sim do que ele denominou de
antimedicina.
No enfoque desse sábio mestre, a
antimedicina está relacionada com três
fatores: medicalização indiscriminada
(nenhum procedimento se aplica
a tudo ou a todos); cientificidade
e eficácia (os insumos colocados
28 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
lei, inclusive com a
a serviço do trabalho médico
precisam ser mais bem conhecidos)
e economia política (pressão do
mercado financeiro sobre as ciências
da saúde).
No gancho da antimedicina
denominada por Foucault podemos
incluir desde médicos mal formados,
devido à pulverização de faculdades de
medicina - grande parte sem condições
mínimas para funcionar - dadas
como figurinhas de troca a políticos
inescrupulosos, passando pela não
obrigatoriedade do Exame de Ordem
e pela não exigência de educação
continuada, até, e principalmente, aos
aspectos do mercado financeiro em
implantar no Brasil o seguro médico
para eventuais indenizações por erro
em querelas no Judiciário, com o fito
da lucratividade.
O erro médico, tacitamente, estaria
configurado na culpa comprovada de
forma inconteste no dano causado por
negligência, imperícia ou imprudência,
conforme preceitua o art. 951 do
novo Código Civil Brasileiro no que
concerne à responsabilidade civil dos
médicos.
O médico na plenitude de suas
faculdades mentais e se egresso de
uma Escola Médica sem restrições,
pressupõe-se ter no seu cabedal de
conhecimentos além da proficiência
nos assuntos científicos, princípios
éticos fundamentais para o exercício
de tão sublime missão, tais como:
amar o próximo como a si mesmo,
sedar a dor como obra divina e em
primeiro lugar nunca causar mal.
Além do mais, nenhum médico ao
se propor a ajudar àqueles que sofrem,
jamais poderá se comprometer com o
sucesso como resultado ou a restituir
o bem-estar físico-mental e social
dos que se submetem sob seus
cuidados profissionais, e sim aplicar
os conhecimentos científicos para
buscar, quando possível, a cura.
A implantação do seguro contra
erro médico no Brasil trará sem
sombra de dúvidas maior ganho para
as casas bancárias e contribuirá para
onerar ainda mais a sociedade, pois
os profissionais da medicina ao terem
que incluir essas despesas nos seus
orçamentos, com certeza transferirão
esses custos para o consumidor que é
quem paga a conta na parte final do
sistema.
Países como os Estados Unidos
que oficializaram o seguro contra
erro médico mostram em suas
estatísticas que os resultados da
prática médica têm melhorado mais
por conta dos avanços científicos do
que por meio dessa obrigatoriedade
aplicada de forma compulsória, a qual
cassação do registro
profissional e com as
penalidades civis e
penais previstas na
legislação.
tem mostrado também que parcela
expressiva da população desses países
não tem tido acesso a procedimentos
de tecnologia de ponta por serem os
mesmos de alto preço, já que incluem
nos seus centros de custos os valores
relacionados com esses contratos de
seguros.
Maus médicos devem ser
incontestavelmente
punidos
na
forma da lei, inclusive com a cassação
do registro profissional e com as
penalidades civis e penais previstas
na legislação. Porém, casos isolados
jamais poderão ser extrapolados
para a comunidade médica em geral,
a qual congrega, nos seus mais de
duzentos mil profissionais, a grande
maioria voltada para cuidar da saúde
e prolongar a vida de forma ética e
humanitária.
Fazendo-se um paradigma com
o personagem de Anatole France –
Monsieur Bergeret, que ao encontrar
a esposa cometendo adultério no sofá
resolveu a questão retirando o divã
– entendemos que a implantação do
seguro contra erro médico no Brasil
apenas trará maior lucratividade para
as seguradoras, onerando ainda mais
a sofrida população brasileira exaurida
de recursos financeiros por pagar uma
das maiores cargas tributárias do
planeta.
A sabedoria popular nos mostra
que nada é de graça, tudo tem preço
e alguém paga a conta. Tendo-se essa
máxima como parâmetro, o preço
da conta a ser paga pela sociedade
com a implantação desse seguro no
Brasil será muito alto e de pouco
ou nenhum benefício, interessando
apenas às companhias de seguro
e à abertura do mercado para
profissionais do Direito, também
vítimas do mercado saturado pela
proliferação excessiva das Faculdades
de Direito, concedidas muitas vezes
àqueles que fazem politicagem e
ganham como mordomia esdrúxula a
concessão para implantar Instituições
de Ensino Superior, transformandoas em balcões de ensino.
Professor, Doutor e Livre-Docente
em Medicina
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 29
A REFORMA DO JUDICIÁRIO
E O NOVO CENÁRIO PARA O
DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO NO BRASIL
Antônio A.F. Assumpção
o Protocolo de Las Leñas. Todavia, cabe a cada Estado
soberano disciplinar acerca do procedimento de tramitação
em seus órgãos já existentes ou criados especificamente
para este fim.
O Brasil, como mencionado, durante os últimos 80
(oitenta) anos optou por conferir ao Supremo Tribunal
Federal a função, basicamente administrativa, de analisar
estes pedidos formais de cooperação judicial internacional
como forma de dentre outros motivos não menos
importantes, exercer sua função de zelar pelo respeito à
ordem pública nacional, esculpida especialmente em nossa
Constituição através dos direitos e garantias fundamentais e
dos princípios gerais de direito.
Estes mesmos preceitos sempre foram suficientes para
explicar a competência desta Colenda Corte na homologação
de sentenças estrangeiras. Para alguns doutrinadores, como
a ínclita professora Nádia de Araújo e o sempre lembrado
mestre Haroldo Valladão, a eficácia extraterritorial das
sentenças estrangeiras constitui aspecto fundamental do
princípio do respeito aos direitos adquiridos no estrangeiro
e no acatamento à coisa julgada. O arguto professor Jacob
Dolinger acrescenta que os direitos adquiridos representam
uma deferência recíproca que os Estados têm por sua
soberania, o que os leva a respeitar a validade conferida a
um ato praticado em outra jurisdição.
Assim é que diversos convênios internacionais tentam
uniformizar a prática da circulação de decisões por entre
jurisdições soberanas distintas, como a Convenção de
Bruxelas, a Convenção sobre Prestações de Alimentos no
Estrangeiro (ONU), a Convenção sobre o Reconhecimento
e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (ONU), os
Tratados de Montevidéu, o Código Bustamante, a Convenção
Interamericana sobre a Execução e Reconhecimento de
Laudos Arbitrais e Sentenças Estrangeiras e a Convenção
Interamericana sobre Competência Internacional.
A competência do Supremo Tribunal Federal para
homologar as sentenças estrangeiras que não se revelem
ofensivas à soberania nacional, à ordem pública e aos bons
costumes, também está presente em nosso ordenamento
jurídico desde a Constituição de 1934, não obstante o
A
Emenda Constitucional nº 45, publicada na
imprensa oficial no último dia de 2004, alterou
o cenário do sistema jurídico institucional
brasileiro. Daí ser apelidada de “Reforma do
Judiciário”.
Dentre as inúmeras mudanças já muito comentadas
nas mídias especializadas, uma atraiu peculiar atenção dos
internacionalistas, qual seja a permuta de competência
das mais altas cortes nacionais na concessão de exequatur
às cartas rogatórias e na homologação de sentenças
estrangeiras.
Como cediço, cabia ao Supremo Tribunal Federal (STF),
como guardião da Constituição da República, analisar as
cartas rogatórias oriundas de Estados estrangeiros e, após a
verificação de seus pressupostos, mormente a existência de
atos atentatórios à ordem pública pátria, autorizar ou não o
seu seguimento.
Aliás, esta competência do Excelso Pretório remonta
30 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
à promulgação da Constituição de 1934, oportunidade em
que se elevou a preocupação do legislador aos atos, com
implicação no país, emanados pelos poderes judiciários
alienígenas. Antes disso, contudo, desde a época do
Império há menções sobre cartas rogatórias em nossa
legislação, como, por exemplo, no Aviso Circular nº 01,
datado de 1847, que permitia o recebimento da carta
por via diplomática ou consular, mediante apresentação
do interessado ou por remessa direta do juiz rogante ao
magistrado rogado. A Lei nº 221, de 1894, por sua vez,
apresenta-se como marco histórico na legislação brasileira,
por instituir a figura do exequatur do poder público interno,
através de um procedimento prévio de admissibilidade que
cabia, à época, ao Executivo.
Inúmeros tratados internacionais de que o Brasil é
signatário fazem alusão às cartas rogatórias, como por
exemplo, o Código Bustamante, os Tratados de Montevidéu,
a Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias e
Foto: Divulgação
(...) a nova legislação criou um paradoxo em que, de um
lado, pretende melhorar e acelerar a prestação jurisdicional do
Supremo e, de outro, criou uma nova função que possivelmente
deixará o Superior Tribunal de Justiça ainda mais lento, (...)
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 31
Decreto nº 3.094, de 1898, já ter previsto a necessidade de
homologação de sentenças estrangeiras para sua execução
no Brasil.
O afamado professor Celso Mello afirma que este ato
formal de recepção, pelo direito positivo brasileiro, de
decisão emanada de Estado estrangeiro, apóia-se, dentro do
sistema de controle limitado instituído pelo ordenamento
jurídico nacional, em juízo meramente delibatório, que
se traduz na verificação dos requisitos enumerados pela
legislação ordinária (artigo 15 da Lei de Introdução ao
Código Civil e artigo 483 do Código de Processo Civil)
e pelo próprio regimento interno do Egrégio Supremo
Tribunal.
Ocorre que a Reforma do Judiciário, culpada por
emendar pela 45ª vez nossa Constituição da República
em apenas 16 anos, adaptando-a a um figurino cada vez
mais disforme, teve como argumento fundamental para a
mudança que ora analisamos a esperança de permitir que a
Corte Suprema brasileira se liberasse de interesses menores,
esquivando-se de milhares de cartas rogatórias e processos
de homologação de sentenças estrangeiras com o intuito de
julgar apenas as grandes causas que afetam, de forma mais
detectável, a nação.
Não obstante o conspícuo e nobre argumento
apresentado, o remendo constitucional apenas mudou o
problema de lugar. No atual cenário vislumbra-se uma
inundação de novos processos no Superior Tribunal de
Justiça que agora concentra a competência para a concessão
de exequatur às cartas rogatórias e para a homologação de
sentenças estrangeiras. Obviamente, esta Corte possui um
número muito maior de ministros, que, contudo também
se encontram absolutamente assoberbados tais quais os
32 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
excelentíssimos congêneres da outra Casa. O sistema
processual brasileiro, infelizmente, parabeniza a profusão
de recursos protelatórios que se alastram durante anos, às
vezes décadas, em todas as instâncias do Poder Judiciário e
não poupam, naturalmente, os tribunais superiores. Desta
forma, a nova legislação criou um paradoxo em que, de um
lado, pretende melhorar e acelerar a prestação jurisdicional
do Supremo e, de outro, criou uma nova função que
possivelmente deixará o Superior Tribunal de Justiça ainda
mais lento, não por culpa de seus excepcionais magistrados,
mas por força de mais dois tipos de ações que lá serão
apreciadas, discutidas e julgadas.
Cumpre frisar, em tempo, que, instantaneamente, toda
a composição do órgão julgador restou alterada. Mesmo
acreditando que a jurisprudência solidamente firmada
no STF ao longo das últimas oito décadas continuará
norteando as futuras decisões do STJ, obviamente
alguns temas sofrerão natural atualização uma vez que se
modificou nada menos que a totalidade dos apreciadores da
matéria. Não se trata de um ou outro ministro aposentado
ou de licença, mas sim de 33 (trinta e três) outros que nunca
proferiram nenhuma decisão sobre o tema sub examen,
ocupantes de outro tribunal, com diferentes costumes,
outras competências, incumbências, funções.
Aguardamos, contudo, uma nova reforma, desta vez
no sistema processual doméstico, que objetive agilizar o
trâmite legalístico em todas as instâncias, contribuindo para
que especialmente os tribunais superiores consigam prover
o direito com uma celeridade mais justa e presumível em
um Estado Democrático de Direito.
Advogado e vice-diretor geral do Núcleo de Bacharéis,
Bacharelandos e Profissionais em Relações
Internacionais
Foto: Nabor Goulart / Palácio Piratini
No atual cenário vislumbra-se uma
inundação de novos processos no Superior
Tribunal de Justiça que agora concentra a
competência para a concessão de exequatur
às cartas rogatórias e para a homologação
de sentenças estrangeiras.
O Encontro de
Muitos Méritos
Germano Rigotto
“A
bençoada estrela guia/ traz do céu a luz menino/
em mensagem do Divino/ unir as raças pelo
amor fraternizar...’’. Os versos do samba-enredo
da Beija-Flor de Nilópolis, campeã do carnaval
carioca deste ano, evocam episódios palpitantes da construção
do Brasil Meridional.
Costumo afirmar que o Rio Grande do Sul é uma esquina de
muitos encontros. Aqui se encontram imigrantes de todas as raças,
o planalto e o pampa, o verão escaldante e as neves do inverno, as
areias do litoral e a vastidão das lagoas, a agricultura e a indústria,
o couro e a lã, a carne e o churrasco, o homem e o cavalo. Aqui se
encontraram os anseios nacionais por democracia e liberdade, e as
lutas políticas pela República e pela Federação. E aqui também se
cruzaram durante séculos, em duríssimas refregas, castelhanos e
portugueses, índios e bandeirantes, envolvidos na tarefa de fixar as
extremidades sulinas do Brasil. Dessa convergência surgiram uma
cultura e um tipo humano peculiares.
O Rio Grande moderno é herdeiro dessa tradição construída
com vincos tão profundos que resulta impossível não ser por ela
envolvido. Fizeram-se gaúchos de alma e indumentária, assim
como os índios e os portugueses, os negros, os alemães, os
italianos, os poloneses e tantos outros que arribaram no Rio
Grande nos dois últimos séculos, e permanecem gaúchos
cultuando nossos costumes mesmo quando se espalham pelo
interior do Brasil, na lida da terra e do gado.
Se a Revolução Farroupilha integra o restrito elenco das
grandes epopéias da História Universal, não menos instigante
foi a luta pelas fronteiras, literalmente marcadas a “pata de cavalo
e ponta de lança’’, numa sucessão de confrontos nos quais se
inscrevem as Missões Jesuíticas. Construídas por religiosos
espanhóis e destruídas pelos bandeirantes, elas suscitaram longa
guerra dos soldados do Continente do Rio Grande de São Pedro
contra os índios de Sepé Tiarajú.
Os fatos e feitos cantados pela Beija-Flor no privilegiado
palco da Sapucaí são exemplo de que a História, como disse
alguém, acaba sendo o registro do que não pode ser evitado. E o
Rio Grande do Sul moderno dá mais um dos muitos testemunhos
de que confronto pode virar encontro, de que inimigos podem
se tornar amigos, e de que as raças podem “fraternizar no
amor’’. Os castelhanos de ontem são, hoje, nossos parceiros do
Mercosul e o Rio Grande é o lugar onde brasileiros, argentinos,
uruguaios e, um pouco adiante, os paraguaios, se encontram em
laços familiares, fraternos e comerciais.
Quando a Beija-Flor entrou na avenida, marcando no
compasso da bateria a marcha de milhares de pés de seus
sambistas, o Rio Grande inteiro sabia que o maior espetáculo
da terra estava descortinando ao mundo, como nunca antes,
fatos memoráveis de nossa história: os choques de potências
européias nos descampados do Novo Mundo. Mais uma vez,
ali nas Missões, eles cobriram de sangue o solo gaúcho, em seu
irrefreável destino de ser brasileiro.
As Ruínas de São Miguel passaram pela avenida como
imagem daquela ‘’imensa catedral’’ edificada com o labor dos
nativos. E eu me permito sugerir aos leitores, sob a emoção da
vitória da Beija-Flor, que se deixem tomar pela mesma paixão
que cruzou a Sapucaí e venham conhecer, no Rio Grande, o
gigante de pedra que permanece como símbolo de um projeto
que não se completou no seu tempo. De seu tempo restou uma
cicatriz petrificada, cravada no solo do planalto missioneiro,
registro de feitos hoje rememorados em fascinantes espetáculos
de luz e som. Mas não se apagou da alma gaúcha o desejo que
mobilizou seus construtores: um mundo novo, uma América
solidária, harmônica, fraterna, que gradualmente construímos
no convívio com nossos vizinhos de uma fronteira que hoje une
muito mais do que separa.
Assim como o Rio Grande é aquela terra de muitos encontros
a que me referi inicialmente, a Beija-Flor se uniu à alma gaúcha na
Sapucaí. Foi um encontro de muitos méritos. Eles foram tantos e
de tanta gente, que acabaram convergindo, de maneira irrefreável,
para mais um encontro da escola de samba com o doce sabor da
vitória.
Governador do Rio Grande do Sul
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 33
Aspectos polêmicos do
delito de infanticídio
Naele Ochoa Piazzeta
A
ntes de entrar-se no tema
propriamente dito, deve-se
passar um relancear de olhos
sobre a sexualidade humana,
base e fundamento da abordagem que
se está a desenvolver neste trabalho.
O exercício da sexualidade apresenta
aspectos bastante diferenciados ao
homem e à mulher, apesar de ser inegável
a admissão de que o impulso sexual
inevitavelmente, passar pelo papel que a
mulher ocupa no processo reprodutivo, o
que na verdade significa dizer pelas formas
institucionais que a sociedade encontra
para lidar com ele. Por intermédio
de certos mecanismos ideológicos, a
função feminina, determinada pela
especificação biológica dos cargos, tende
a ser estendida a outros campos e seu
caráter puramente natural é transposto
da maternidade com a vida individual
é naturalmente regulada nos animais
pelo ciclo do cio e das estações: ela é
indefinida na mulher, só a sociedade por
decidir por elas”.
A gestação, acompanhada da descarga
hormonal que a caracteriza, pode levar a
mulher ao crime tipificado no artigo 123
do Código Penal e que recebe o nome
de infanticídio. Este, o infanticídio,
recém-nascidos só vinham ao mundo,
ou melhor, somente eram recebidos na
sociedade em virtude de uma decisão do
chefe de família. Em Roma, um cidadão
não ‘tinha’ um filho: ele o ‘tomava’,
‘levantava’. O pai exercia a prerrogativa,
tão logo nascesse a criança, de levantála do chão, onde a parteira a havia
depositado, para tomá-la nos braços e
assim manifestar que a reconhecia e se
A gestação, acompanhada da descarga hormonal que a caracteriza,
pode levar a mulher ao crime tipificado no artigo 123 do Código
Penal e que recebe o nome de infanticídio.
Foto: Divulgação
manifesta-se igualmente em ambos.
Ao escrever sobre a sexualidade,
Judith Walkowitz afirma não ser ela
uma realidade biológica imutável ou
uma força natural e universal, mas antes
o resultado de um processo político,
social, econômico e cultural. Ou seja,
a sexualidade tem uma história. E
em respeito a esta história, torna-se
imperioso reconhecer que toda e qualquer
análise sobre a condição feminina há de,
34 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
para outras atribuições culturalmente
destinadas ao sexo feminino.
Os dados da biologia aliam-se
inextricavelmente aos dados culturais
e acabam por exigir da mulher os
comportamentos-padrão aceitáveis na
sociedade.
Na obra, O Segundo Sexo, Beauvoir
refere que “não é possível medir em
abstrato a carga que constitui para a
mulher a função geradora: a relação
diferencia-se do delito de aborto por nele
a gestação chegar a termo e o fenômeno
da parturição já haver iniciado. A conduta
da mulher dá-se sobre o nascente ou o
neonato, matando-o.
O infanticídio, contudo, nem
sempre foi motivo de incriminação. Paul
Vayne relata que no Império Romano,
aproximadamente no ano 1000 de
nossa era, o nascimento não era apenas
um fato biológico, uma vez que os
recusava a enjeitá-la. A criança que o
pai não levantasse era exposta diante da
casa ou em um monturo público. Quem
quisesse poderia recolhê-la e criá-la.
Os romanos, a par de terem o direito
de reconhecer ou não o filho recémnascido, conforme as suas conveniências,
enjeitavam ou afogavam as crianças
malformadas e os filhos de suas filhas
que houvessem dado à luz de forma
ilegítima.
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 35
Entre os gregos era mais freqüente
enjeitar meninas do que meninos e ainda
hoje, na China, é prática comum nas
famílias o morticínio de meninas recémnascidas.
A legislação romana, relata Carrara,
via no crime da infanticida a premeditação
que autorizava o agravamento da pena, a
par da nula capacidade que possuía a
vítima de defender-se e, por isso, deveria
ser energicamente protegido pela lei
penal.
Gradativamente, porém, e a partir de
movimento operado entre os filósofos
do direito natural, o crime cometido pela
mãe contra o nascente ou neonato passou
de homicídio qualificado (parricídio) para
homicídio privilegiado, quando praticado
honoris causa pela mãe ou parentes,
uma vez não ser possível continuar a
desconhecer-se a peculiaríssima forma
como ocorria, merecendo, portanto, tal
conduta, a justa diminuição da pena.
Gradualmente, as legislações antigas,
segundo o magistério de Euclides
Custódio Silveira, a começar por Roma
e espalhando-se depois por toda a
Idade Média, passaram a tipificar a
conduta da mãe que matava o neonato
como homicídio qualificado, impondolhe penas severíssimas, como a do
“culeus” (saco de couro em que cosiam
os parricidas), a da empalação e a do
afogamento.
Na legislação penal brasileira de 1830,
1890 e 1940, o infanticídio manteve,
taxativamente ou não, a questão moral
que envolve o delito e, por conseqüência,
uma punição mais branda.
O motivo de honra foi mantido em
inúmeras legislações estrangeiras (Código
Penal Argentino, art. 81, e Código Penal
Italiano, art. 578, por exemplo), mas
retirado de nossa lei penal em 1940,
quando se passou a adotar o critério
fisiopsicológico, não se levando em conta
o motivo do crime, e sim o desequilíbrio
fisiopsíquico oriundo do parto, embora
não se desconheça que o motivo
desencadeante da conduta de matar o
próprio filho pode entrar no complexo
motivador deste desequílibro.
Cumpre salientar-se que o critério
fisiopsíquico, ao contrário do puramente
psicológico, adotado nos Estatutos
36 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
Repressivos anteriores, não distingue
entre gravidez legítima ou ilegítima,
abstraindo, portanto, ou pelo menos
relegando para terreno secundário, a
honoris causa: somente tem em conta
a particular perturbação fisiopsíquica
decorrente do parto. Ao invés do impetus
pudoris, o impetus doloris, ressalta Hungria.
O fulcro da controvérsia reside no
que seja influência do estado puerperal
e a sua existência conforme estabelece
a lei penal é questão discutida e não
unanimemente aceita pela medicina.
Que todas as mulheres que dão
à luz passam pelo puerpério é certo.
Que pouquíssimas mulheres matam
sob a influência do estado puerperal é
igualmente certo.
Não se deve confundir puerpério com
Não há pena a ser
aplicada à mulher
inimputável, e sim
tratamento médico
imposto através de
medida de segurança
a ser realizada
em Manicômios
Judiciários.
parto ou post-partum, ou seja, as horas que
se seguem ao fenômeno da parturição.
O puerpério, no sentido vulgar, dura
de oito a quinze dias. É uma apreciação
arbitrária, que varia segundo as raças,
os povos, as relações sociais, o estado
econômico e muitos outros pormenores.
O mais acertado seria admitir um prazo
mais longo, ou o tempo que precisam
os órgãos sexuais para sua completa
restauração, que seria de cinco a oito
semanas, e, como é natural, este prazo
depende do clima, raça, particularidades
pessoais, terminando nas mulheres que
não amamentam seus filhos, com a volta
da menstruação. Esse período é que é
denominado, em linguagem profissional,
de puerpério.
O que estava presente no espírito de
legislador de 1940, quando foi redigido
o artigo 123, ao referir-se ao estado
puerperal, certamente eram os casos
em que a mulher, abalada pela dor
física do fenômeno obstétrico, fatigada,
enervada, sacudida pela emoção, vem
a sofrer um colapso do senso moral,
uma liberação dos impulsos, chegando,
por isto, a matar o próprio filho. Não
alienação mental nem semi-alienação
(casos estes já regulados pelo Código),
mas também não a frieza de cálculo, a
ausência de emoção, a pura crueldade
(que caracterizaria, então, o homicídio),
e sim uma situação intermediária entre
a loucura total, a alteração parcial e a
normalidade, que domina a mulher
quando esta é defrontada com o filho não
desejado e temido de suas entranhas.
No caso de tratar-se de um estado
transitório de abalo emocional,
certamente encontram-se afastadas, de
plano, as psicoses francas ocasionadas
pelo puerpério ou então as que evoluem
ao lado dele. As psicoses propriamente
puerperais, isto é, em relação etiológica
com o puerpério, resultam de infecções
ou de auto-intoxicação. As outras, que
o choque obstétrico simplesmente
desperta ou acentua, distribuem-se entre
a esquizofrenia, a psicose maníacodepressiva e as psicoses histéricas,
consoante ensinamentos de Antônio
Ferreira de Almeida Júnior, em Lições
de Medicina Legal. Quando a mãe
infanticida incluir-se neste grupo estará
isenta de pena em virtude do disposto no
artigo 26 do Código Penal. Não há pena
a ser aplicada à mulher inimputável, e sim
tratamento médico imposto através de
medida de segurança a ser realizada em
Manicômios Judiciários.
Entretanto, pode haver casos em
que a autora não é inimputável, e sim
portadora de perturbação da saúde
mental que a leva ao delito e torna-a
relativamente responsável por seus atos.
A mulher entende parcialmente o que
fez, e tais casos são constatados nas
perversas instintivas, nas histéricas e nas
débeis mentais. Nestes casos, verificada
pericialmente a anomalia da autora,
aplicar-se-á o parágrafo único do artigo
26 do diploma penal: pena ou medida
de segurança, em critério a ser definido
pelo juiz.
Mas o que se entende por
imputabilidade? Se imputação é a
atribuição de alguma coisa a alguém,
coisa esta já acontecida, imputabilidade
é o juízo sobre um fato previsto como
possível, mas ainda não ocorrido.
Imputação, portanto, é uma idéia, um
conceito; imputabilidade uma realidade,
conforme acentua Carrara. Pena e
imputação não são palavras sinônimas,
apesar da confusão que envolve os dois
institutos. A teoria da pena focaliza o
delito em sua vida externa, observando-a
em suas relações com a sociedade civil.
A teoria da imputação considera o delito
nas suas puras relações com o agente.
Pode haver imputação do agente e a nãoaplicação da pena, mas nunca poderá
haver pena sem prévia imputação do
agente.
Para o juízo da imputabilidade devese ter uma ação ou omissão humana
(conduta) voluntária e uma previsão
legal a qual possa adequar-se a conduta
realizada voluntariamente e de forma
inteligente, ou seja, a conduta deve ser
realizada responsavelmente pelo sujeito.
E é justamente aqui que se encontra o
ponto nevrálgico do delito de infanticídio
– a conduta responsável ou não da
mulher puérpera.
A polêmica do estado puerperal e
da imputabilidade e, conseqüente, da
responsabilidade da mulher, torna-se
mais acirrada no momento em que
médicos ligados à moderna psiquiatria
afirmam não existirem psicoses
puerperais específicas. Para Hungria,
surgem elas no terreno lavrado pela tara
psíquica que se agrava pelos processos
metabólicos do estado puerperal, ou são
uma species do genus psicoses somáticas,
ou, em outras palavras, transtornos
psíquicos que se apresentam no curso de
enfermidades gerais internas agudas, de
intoxicações etc., e cujas lesões não têm
uma localização cerebral.
Se não se pode comprovar a
existência
cabal
dessa
alteração
consistente em delírios, em ofuscamento
transitório da consciência, em confusões
alucinatórias agudas que deságuam no
estado puerperal, certamente se deve
atribuir ao crime cometido pela mulher
que está dando à luz ou acabou de dar à
luz a inegável questão social.
O infanticídio é, principalmente e
antes de tudo, um delito social, praticado
na quase totalidade dos casos (e é fácil a
comprovação pela simples consulta aos
repertórios de jurisprudência), por mães
solteiras ou mulheres abandonadas pelos
maridos, por mulheres pobres e/ou com
prole numerosa. Raríssimas vezes, para
não dizer nenhuma, têm sido acusadas
desses crimes mulheres casadas e felizes,
as quais, via de regra, dão à luz cercadas
do amparo do marido e do apoio
moral dos familiares. Por isto mesmo, o
conceito fisiopsicológico do infanticídio
– sob a influência do estado puerperal
– introduzido em nosso Código Penal
A questão não é
terminológica e
sim social. As leis
devem ser editadas
sem ocultação da
realidade, visto que é
a problemática social
norteadora da conduta
da autora puérpera.
para eliminar de todo o antigo conceito
psicológico – a questão de honra – vai
aos poucos perdendo sua significação
primitiva e se confundindo com este, por
força de reiteradas decisões judiciais.
Em que pese a Exposição de Motivos
do Código Penal de 1940 dizer que a
infanticida apresenta capacidade de
entendimento diminuída, a lei penalizaa com penas que seriam, na letra
clara da norma, somente aplicáveis
às penalmente responsáveis. Assim,
mesmo reconhecendo a ocorrência de
transtornos psíquicos que remetem
a puérpera à semi-imputabilidade
(diminuição da responsabilidade pelo
ato praticado), nossa lei repressiva segue
punindo-a, submetendo-a a julgamento
pelo Júri Popular e aplicando-lhe penas
que vão de dois a seis anos de detenção.
Se atuam no corpo e no psiquismo
da mulher, em decorrência do fenômeno
da parturição, hormônios que lhe retiram
a perfeita capacidade de determinação
e entendimento, se o crime é doloso,
se a influência do estado puerperal
tem início e término pré-fixados (do
primeiro ao quadragésimo quinto dia
após o parto, segundo a doutrina) e
sabe-se, pela medicina, que as alterações
mentais necessitam de tratamento e não
se pode precisar a data da cura, como se
pode seguir penalizando aquela que, na
realidade, não tem perfeita compreensão
do que faz?
Talvez o mais certo, o mais justo,
o mais humano seja considerar-se
que a história da mulher na cultura
muitas vezes é escrita de forma tão
pesada quanto lhe é pesado o peso
das convenções, da hiposuficiência, do
menor acesso ao emprego, à educação,
e que o ato de matar o próprio filho
durante ou logo após o parto acha-se
indissoluvelmente ligado às questões
sociais ou de honra.
O Anteprojeto para alteração do
Código Penal não dirime a polêmica que
este tipo penal incriminador envolve, já
que mais uma vez a lei deixa de atacar o
ponto fundamental do problema. Não
basta retirar-se a expressão influência
do estado puerperal e substituí-la pela
influência perturbadora do parto. A
questão não é terminológica e sim social.
As leis devem ser editadas sem ocultação
da realidade, visto que é a problemática
social norteadora da conduta da autora
puérpera.
Não basta alterar-se a lei mediante
o uso de uma ou outra palavra que,
no fim das contas, servirá de motivo
para inúmeras discussões acadêmicas.
A responsabilização da autora pelo ato
praticado contra o próprio filho deve
ser mantida. Por seu turno, a pena,
significativamente menos severa, é
um reconhecimento inquestionável de
que seus direitos de cidadania não são
plenamente atendidos pela sociedade.
Desembargadora do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 37
CULTURA
O rio e os
400 anos de
Dom Quixote
apresentações gratuitas no mês de março no Memorial
Getúlio Vargas. No mês de abril, dias 11 e 12, o violonista
se apresentará com o percussionista Carlos Cesar na Casa
de Cultura Laura Alvim em Ipanema. Seu espetáculo é a
interpretação instrumental belíssima de cenas e personagens
do livro com leitura de trechos da versão de Ferreira Gullar
entre algumas das peças.
O Rio de Janeiro terá a felicidade de neste ano abrigar
dois grandes eventos literários, a XII Bienal do Livro
(de 12 a 22 de maio) e a terceira edição da FLIP – Festa
Literária Internacional de Parati (de 6 a 10 de julho).
Ambas prestarão homenagens a Cervantes e a sua obra
e o Instituto Cervantes colaborará, em conjunto com a
Subdireção Geral do Livro, órgão do Ministério da Cultura
espanhol, trazendo escritores espanhóis a ambos os eventos
para que participem das comemorações.
Organizaremos, juntamente com a Academia Brasileira
de Letras, uma conferência do acadêmico Ivan Junqueira,
presidente da ABL, sobre Cervantes, sua obra-prima e o
Foto:
Carla Branco
maneira mais condensada (mas não mais pobre) com
maestria, tornando possível que crianças e adolescentes
tenham acesso à obra e se interessem pelo “grande” livro,
isto é, pela versão completa. Porém, estas versões não são
dedicadas apenas ao público infanto-juvenil: o adulto que
as leia terá tanto prazer quanto qualquer jovem; ambas são
recheadas do mesmo humor utilizado no texto original de
Cervantes. Tais empreitadas colaboraram muito para que o
livro não fosse lido somente pela elite intelectualizada de
nosso país e nós, admiradores apaixonados do Quixote,
precisamos saber disso e divulgá-lo.
O fenômeno das novas publicações da obra não é
exclusividade do Brasil. A cada momento há a notícia de
uma nova edição em algum ponto diferente do globo. A
Espanha, como não podia deixar de ser, nos presenteou
este ano com dois maravilhosos exemplos de reedições:
a da Real Academia Espanhola, em um único volume,
que, no Brasil, foi lançada por Nélida Piñon no Instituto
Cervantes em São Paulo, e a da Galaxia Gutenberg em dois
Dom Quixote era o louco que acreditou em seu sonho e foi à
luta contra obstáculos imaginários em busca da celebridade e
do amor romântico, com todo o sofrimento que o caracteriza.
O
ano de 2005 chegou e com ele a tão esperada
comemoração dos 400 anos de Dom Quixote e
seu personagem-título alcunhado o Cavaleiro
da Triste Figura. Romance inspirador, segundo
livro mais traduzido no mundo (atrás somente da Bíblia)
e considerado por muitos a maior obra literária universal,
o livro de Miguel de Cervantes dispensa apresentações.
Neste ano de IV Centenário, inúmeros artigos em revistas e
jornais, assinados pelos mais variados tipos de profissionais,
de membros da Academia Brasileira de Letras a simples
admiradores da obra, têm chamado a atenção para a
relevância e a necessidade de refletir sobre esse clássico.
O personagem é de tal forma universal que gerou o
adjetivo quixotesco. Dom Quixote era o louco que acreditou
em seu sonho e foi à luta contra obstáculos imaginários em
busca da celebridade e do amor romântico, com todo o
sofrimento que o caracteriza.
Dom Quixote também é considerado um ingênuo
38 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
por tentar tornar a dura realidade mais justa e nobre. A
personagem é complexa e a leitura de suas aventuras é
fonte de inigualável prazer. É importante aproveitar o ano
cervantino para ampliar o número de seus leitores que
caminham pelas páginas de Dom Quixote seguindo os passos
das aventuras, desventuras e conquistas do nobre cavaleiro
e seu fiel escudeiro, Sancho Pança.
Algumas editoras prometem para este ano republicações
do livro para aproveitar o momento de seu aniversário e
incentivar sua leitura enquanto outras preparam novas
traduções. A Editora 34, por exemplo, lançará o segundo
volume da novíssima tradução de Sérgio Molina no início do
segundo semestre. Iniciativas como estas não são exclusivas
deste ano, o Brasil está muitíssimo bem servido de traduções
e adaptações da obra, como as versões de Monteiro Lobato,
Dom Quixote das Crianças, Editora Brasiliense, já clássica, e
a de Ferreira Gullar, Editora Revan, mais recente. Estes
dois grandes escritores verteram ao português de uma
volumes, sendo que um deles é somente de artigos sobre
o livro. Ambas as edições são de qualidade indiscutível e
apresentam comentários inéditos sobre a obra, seu contexto
histórico e perfis dos personagens.
O engenhoso fidalgo, justamente por ter conseguido
extrapolar os limites de sua existência no papel, está
presente em diversos e diferentes atos culturais em todo
o mundo. No Brasil, e mais especificamente no Rio de
Janeiro, o Instituto Cervantes tem a honra de promover e
colaborar com muitas destas atividades. Algumas delas já
têm data marcada e presenças confirmadas, outras porém,
justamente pela multiplicidade de eventos agendados para
este ano ainda não têm tanta exatidão.
A atividade que deu início às comemorações promovidas
pelo órgão de difusão da língua e cultura espanhola em
todo o mundo foi o espetáculo, realizado em parceria
com a Prefeitura do Rio de Janeiro, do músico Willians
Pereira intitulado “Dom Quixote – violão solo”, com três
reflexo dela na América Latina e principalmente no Brasil.
E em setembro, promoveremos um ciclo de conferências
no Real Gabinete Português de Leitura que contará com a
presença de pelo menos um especialista espanhol, Carlos
García Gual (que também participará da Semana de Letras
Neo-latinas organizada pela UFRJ), e escritores famosos
brasileiros ainda por confirmar. Paralelamente a este ciclo,
será organizada uma exposição de exemplares raros de
edições antigas de Dom Quixote que fazem parte do acervo
do Gabinete.
No CCBB do Rio, a exemplo do que ocorrerá no Salão
do Livro de Paris de 18 a 20 de março, haverá (além da
exibição da ópera Dom Quixote e a Duquesa, de Boismortier,
entre 6 de julho e 21 de agosto) a leitura da obra no período
de 26 a 30 de julho. A leitura contará com a participação
de pessoas ilustres e anônimas que terão, cada uma, vinte
minutos para lerem um trecho da obra completa em sua
seqüência original, repetindo o que já ocorre em vários
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 39
Foto: El Quijote Ilustrado
lugares do mundo algumas vezes de forma ininterrupta.
No mês de setembro, o Instituto Cervantes apoiará o
maior evento de cinema do Brasil, o Festival Internacional
do Rio, que terá este ano o “Foco Espanha”. É tradição
do Festival prestar homenagem a um país em cada uma
de suas edições. Uma das razões da escolha deste ano foi
justamente o IV Centenário de Dom Quixote. É intenção da
diretora do Festival, Ilda Santiago, destinar uma parte do
Foco a Dom Quixote. O público certamente terá surpresas.
Ainda com relação à Sétima Arte, o Instituto organizará um
ciclo com filmes de diversas nacionalidades inspirados no
livro de Cervantes. A previsão da realização do ciclo é para
o mês de julho.
Em um outro projeto-homenagem muito interessante,
a Televisão Espanhola percorrerá os centros do Instituto
40 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
Cervantes no mundo onde filmará a leitura de passagens
de Dom Quixote por pessoas de diferentes nacionalidades,
sempre em espanhol, e com diferentes sotaques. Estas
leituras que terão o nome de “Dez linhas de Dom Quixote”
serão exibidas entre os programas da grade normal
espanhola em diferentes horários. A intenção do projeto,
além de celebrar o livro, é mostrar o alcance universal da
língua castelhana, homenageando-a, e o de sua obra literária
maior.
A Orquestra Sinfônica Nacional pretende no mês de
outubro apresentar concertos com peças inspiradas em
Dom Quixote de compositores como Strauss, Ravel e de
Falla. O Instituto Cervantes com a Agência Espanhola de
Cooperação Internacional trará um tenor espanhol para
participar de mais essa homenagem.
Também são planejadas exposições. O Instituto
Cervantes pretende trazer da Espanha a exposição “La
huella de la mirada” a realizar-se no Centro Cultural Justiça
Federal. Trata-se de uma exposição de fotografias dos locais
reais que inspiraram Cervantes na criação dos cenários por
onde passa Dom Quixote.
O Projeto Portinari realizará a exposição das gravuras
em lápis de cor criadas por Portinari para ilustrarem
passagens do livro Dom Quixote que encontram-se hoje
expostas no museu da Chácara do Céu. Essa exposição
partirá depois para a Europa onde estará em Londres, Paris
e Madri. O Instituto Cervantes tem orgulho de apoiar esta
atividade que presta homenagens tanto ao maior artista
plástico brasileiro como ao livro de maior importância da
Espanha.
Antonio Olinto diz que Dom Quixote é um livro brasileiro
já que na época em que foi publicado, Brasil, Portugal e
Espanha estavam sob a união político-administrativa de
suas coroas. Seu personagem principal com certeza teria
gostado muito de se aventurar pelo Brasil (como o faz
agora, por outros meios). Somos obrigados a concordar
(pelo menos dessa vez) quando se diz que nesse país tudo
acaba em samba e que o ano só começa de verdade depois
do carnaval. Este ano a escola de samba vice-campeã do
Rio de Janeiro, Unidos da Tijuca, aclamada (pelo público
e crítica) por sua criatividade, trouxe como enredo os
misteriosos mundos da imaginação criados pelos artistas.
O carnavalesco Paulo Barros não viu personagem mais
apropriado que Dom Quixote para introduzir a história
do seu carnaval e se inspirou nele para criar sua comissão
de frente, bem como fantasias de outras alas e importantes
membros da escola. Não havia melhor maneira de começar
o ano: homenageando-se Dom Quixote no que é chamado
“o maior espetáculo da Terra”, fazendo-o ainda mais
popular.
Gestora de Cultura do Instituto Cervantes
A Arbitragem
no Brasil
Luiz Felipe Pereira da Cunha
A
Arbitragem no Brasil é relativamente nova para
nossa sociedade, pois sua Lei tem pouco mais de oito
anos. Apesar da previsão já existir desde o Código
Comercial de 1850, e também na Constituição de
1934 que abordava a Arbitragem Comercial, a mesma foi
retirada do ordenamento jurídico brasileiro.
A Lei Federal nº 9.307/96, mais conhecida como “Lei
Marco Maciel”, passou a regular a arbitragem no país e
mudou radicalmente a perspectiva de seu uso no Brasil.
Atuou alternante na solução de litígios, amplamente utilizados
nas relações internacionais públicas e privadas por meio
de organismos tradicionais como a Câmara de Arbitragem
Internacional de Paris, a Organização Mundial do Comércio
(OMC), entre outras.
A referida lei só passou a ser reconhecida, de fato, após seis
anos de intensos debates no Supremo Tribunal Federal, quando
o Plenário reconheceu sua constitucionalidade. Para o Presidente
do STF da época, o Ministro Marco Aurélio Mello, a Lei de
Arbitragem segue a tendência mundial evitando a sobrecarga do
judiciário na solução de conflitos em curto prazo.
É importante frisar que a arbitragem deve se ater ao direito
patrimonial disponível que, a grosso modo parece ser algo
restrito, o que não é verdade. Dentro dessa perspectiva, podemos
dizer que se pode trabalhar com as mais diversas áreas do direito
e suas vertentes: mercantil, industrial, trabalhista, médicohospitalar, educacional, família (partilha de bens, separação
judicial, divórcio), agrícola e pecuária, transportes, imobiliária,
direitos autorais e conexos, prestação de serviços, entre outros,
o que demonstra sua ampla capacidade de atuação. É também
relevante afirmar que sua sentença tem força de título judicial
executivo, não podendo ser revista pelo judiciário no que diz
respeito ao conteúdo, apenas na sua forma.
Com isso, pode se dizer que a atuação da arbitragem
está em pleno crescimento devido a sua ampla e irrestrita
conscientização, principalmente do meio jurídico e empresarial
brasileiro. As resistências ao novo modelo de arbitragem
brasileira se devem, em parte, à falta de informação e apego ao
modelo do monopólio da jurisdição estatal. Uma vez que o maior
avanço da legislação brasileira está na permissão de questões que
versem sobre direitos e bens patrimoniais disponíveis, as partes,
mediante cláusula compromissória escrita ou em instrumento
contratual separado, podem escolher a arbitragem como forma
de solução dos litígios decorrentes dessa relação jurídica, na
indicação do árbitro ou da entidade de arbitragem excluindo
o uso da jurisdição estatal. Um contraponto às resistências e
bom exemplo do fortalecimento do tema no meio jurídico,
é a recente criação da Comissão de Arbitragem de São Paulo
dentro da OAB/SP, para tratar especificamente do tema. A
nova ferramenta visa mostrar o caminho correto que vem
trilhando esse tão importante Meio Extrajudicial de Solução de
Controvérsia – MESC, na solução de conflitos.
O Poder Judiciário só tem a ganhar com a cultura
somatória da arbitragem, pois será extremamente necessária
no descongestionamento causado pelo acúmulo de processos
dos órgãos judiciais, por intermédio de milhares de ações. As
mesmas impedem que as soluções via justiça estatal sejam
céleres, e conseqüentemente, mais justas. A disseminação da
arbitragem vem a contribuir para a melhoria de uso dos recursos
públicos para atender com presteza e eficiência, as demandas
dos direitos indisponíveis, tais como os de família, crianças
e adolescentes, direito penal, os direitos difusos, os coletivos
homogêneos, as questões ambientais e as demandas específicas
do direito público, como as questões eleitorais, de improbidade
administrativa, de direito fiscal e tributário.
Unidos e concordantes nesses diversos aspectos estão juristas
e personalidades do nosso mundo jurídico brasileiro, como os
Ministros Marco Aurélio Mello (STF), a Ministra Fátima Nancy
(STJ), o Desembargador Ardrúbal Lima (TJDFT), entre tantos
outros que já perceberam a importância da arbitragem para o
nosso ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no que
diz respeito à aceleração e viabilidade da nossa justiça estatal,
bem como numa solução mais rápida para as causas que ela
pode atender.
Dito isso e de acordo com os dados estatísticos, temos
certeza de que a Arbitragem no Brasil está crescendo
vertiginosamente e, muito em breve irá ocupar lugar de
destaque em todas as localidades nacionais. Um bom exemplo
disso é a CACB – Confederação das Associações Comerciais do
Brasil, que tem na CBMAE – Câmara Brasileira de Mediação e
Arbitragem Empresarial, um alicerce na Mediação e Arbitragem
no País. Juntas vêm desenvolvendo um belíssimo projeto com
apoio do BID e SEBRAE na divulgação do tema no Brasil.
Iniciativas como esta irão fazer com que a Arbitragem seja
realmente levada a sério no País e externada à sociedade civil,
principal interessada na solução rápida de seus conflitos.
Diretor-Superintendente da CBMAE/AL-GO
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 41
O Baixo Nível
da Crise
Foto: Divulgação
Villas-Bôas Corrêa
Ignora-se com que faixas representativas da sociedade, o
presidente Severino recolheu a carícia do apoio ao mais importante,
ao decisivo compromisso da sua plataforma de campanha.
O
intervalo de silêncio, entrecortado de ruídos
abafados de queixas e acusações cruzadas no
edificante espetáculo da firmeza do caráter e da
pureza ética dos contendores, encerrou-se com o
velório das lamúrias abafado pela cantoria das reivindicações
na barraca oficial montada para a recomposição da base
parlamentar em pandarecos com a redistribuição das vagas
abertas ou a serem liberadas pela desocupação dos inquilinos
caídos em desgraça.
No clima transparente do ar puro de Brasília, é
perfeitamente natural que a rebelião do baixo clero, carimbada
pela eleição do deputado Severino Cavalcanti para presidente
da Câmara, preserve o baixo nível em que se movimenta à
vontade e com lucros que arregalam os olhos de cobiça.
De logo, o ilustre e ilustrado presidente garantiu o troféu de
autor da melhor frase do ano, com todas as sutilezas do rodeio
do apuro da linguagem e a áspera marca da espontaneidade
que nada esconde. Cenário perfeito da clássica entrevistarelâmpago com os colegas da imprensa brasiliense, depois do
almoço com o comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos da Silva
Bueno e o ministro da Coordenação Política, deputado Aldo
42 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
Rabelo (é um hábito da capital a agradável fusão da atividade
política com a comilança, em geral com a conta paga pela
Viúva). Sentença curta, com seu imediato desenvolvimento.
Lapidar na síntese e no impacto da surpresa: “A sociedade
não é contra o aumento dos deputados’’ - cunhou em bronze
o guru das mordomias, com o rosto de nordestino, talhado à
faca, sem a mais leve contração: estava falando sério.
O que comprovou ao descascar a intrigante revelação: ‘’É
evidente que a sociedade quer. Ela está aceitando. Não tem
sido é bem esclarecido’’. Didático, ensinou: ‘’O que a sociedade
não aceita é a desonestidade, é roubalheira’’.
Ignora-se com que faixas representativas da sociedade,
o presidente Severino recolheu a carícia do apoio ao mais
importante, ao decisivo compromisso da sua plataforma de
campanha.
Desafortunadamente, o terceiro na hierarquia do poder
atropela a evidência, o bom senso e todas as pesquisas que
desqualificam o Congresso com índices vexatórios de rejeição
popular.
Não é preciso catar argumentos para demonstrar o óbvio.
Nem remexer no monturo da crônica de um dos piores
congressos do período republicano. Basta a sumária leitura
da cobertura dos desdobramentos da crise nos jornais e nas
revistas, a atenção ao noticiário das TVs ou ao murmúrio das
ruas, no repugnado e preocupante desinteresse pela disputa
pela carniça e o filé dos cargos, no corpo-a-corpo entre aliados
e aderentes.
Às escâncaras, sem traço de rubor. O presidente do
Senado, senador Renan Calheiros, cobra do presidente Lula
o compromisso da convocação para ‘’discutir os detalhes
dessa reforma’’. Reitera, impaciente: ‘’Já faz tempo e estamos
esperando’’. No que foi saudado, com aplauso entusiástico,
pelo presidente Severino: ‘’O Renan é sábio. Está falando
como amigo’’.
No abagunçado baú do PT carambola no pano verde a
ambição que sonha com um cômodo no cortiço ministerial
com a angustiosa expectativa dos ameaçados de despejo. A
corrida por uma fatia do bolo ganhou o apelido reforma
ministerial para a montagem de um governo de coalizão.
Como o governo Lula está sempre começando amanhã
e cultiva a tática do adiamento, de empurrar as decisões
com a pança, a crise rola e apodrece como restos de comida
esquecidos pelo desleixo. Contorna-se o problema para não
enfrentá-lo na sua exata dimensão.
A crise ética que mancha a respeitabilidade do Legislativo
amesquinha-se no bate-boca sobre o desatino da equiparação
dos subsídios de senadores e deputados ao salário de ministro
do Supremo Tribunal Federal, sem uma única palavra sobre
as suas repercussões financeiras com o imediato reajuste dos
deputados estaduais e vereadores.
Mordomias em penca, benefícios, vantagens, verba para
os gabinetes privativos, a verba indenizatória para os gastos
do fim de semana nos estados de suas excelências - pérola da
criatividade da gula insaciável que inventou o salário oblíquo demais repasses diretos e indiretos que superam os R$ 100 mil
mensais, passam despercebidos debaixo da cerca. Junto com
a reforma política, encolhida para a aprovação da fidelidade
partidária que impeça a vergonha do troca-troca e a sua última
patifaria: o deputado que aluga o mandato, com tabela de
preço pelo tempo de serviço.
O que vem por aí? Será que ainda não vimos tudo?
Repórter Político do JB
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 43
Rio Branco
O Barão dos Limites
A
dvogado, jornalista, geógrafo
e historiador, nascido no Rio
de Janeiro em 20 de abril de
1845, José Maria da Silva
Paranhos Júnior estudou no Colégio
Militar, onde se tornou amigo de Floriano
Peixoto, seu colega de esgrima, e se
formou em Direito na cidade de Olinda.
Depois de formado, Juca Paranhos, como
era conhecido em sua mocidade, foi
trabalhar no Rio como professor interino
do colégio Pedro II, onde ficou por
três meses. Na carta que escreveu a um
amigo disse que não tinha vocação para
advogado “não sirvo mesmo para isso,
decididamente”, mesmo assim passou
um tempo em Friburgo como promotor
(1869), mas desistiu.
O título de Barão do Rio Branco
foi uma honraria concedida pela
Princesa Isabel em maio de 1888
como homenagem ao seu trabalho em
favor da abolição através do jornal que
fundara em 1868, A Nação. Foi amigo
de D. Pedro II, mas essa amizade,
porém, não pesou quando José Maria
Paranhos Júnior decidiu ingressar na
carreira diplomática e tornar-se cônsul
44 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
do Brasil em Liverpool. O Imperador
vetou seu nome, mas um ano depois,
em 1876, o Primeiro Ministro, Barão
de Cotegipe, ameaçou se demitir caso
seu amigo não fosse nomeado para
aquele cargo. Colaborou também
para que a nomeação fosse assinada,
o chefe do gabinete conservador do
Império, o Duque de Caxias.
Proclamada a República em 1889,
Rio Branco tentou abandonar a
carreira diplomática por fidelidade ao
Imperador. D. Pedro II que ao saber
disso lhe mandou um recado: “Diga
ao Rio Branco que ele é um bom
servidor do país (...) que continue a
trabalhar pelo Brasil. Eu passo e o
Brasil fica”.
Rumo à glória
Um ano após a Proclamação
da República, Marechal Deodoro o
nomeou superintendente do Serviço
de Imigração. Com a nova constituição,
a renúncia de Deodoro e a posse de
Floriano Peixoto na Presidência da
República, foi convocado por seu
velho colega de esgrima do Colégio
Militar para defender o Brasil na
questão de limites com a Argentina.
Esta seria a primeira das muitas
vitórias que Rio Branco conquistaria
e que o tornou conhecido como “O
Guardião das Fronteiras do Brasil” e o
“Barão dos Limites”. Quando eclodiu a
questão do Acre em 1902, Rio Branco
foi nomeado Ministro das Relações
Exteriores, cargo que exerceu por mais
de dez anos servindo aos governos de
Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo
Peçanha e Hermes da Fonseca.
Eduardo Bueno em História do
Brasil cita as conquistas do Barão
para o Brasil, a incorporação de uma
área equivalente a 12 vezes o território
da Suíça. “A Questão das Missões, a
Questão do Amapá, a Questão do
Acre, a Questão do Pirará, os Limites
com a Guiana Holandesa, os Limites
com a Colômbia, os Limites com o
Peru e o Condomínio da Lagoa Mirim
e do Rio Jaguarão, somaram cerca
de 900mil quilômetros quadrados de
área incorporada ao Brasil, graças ao
trabalho de negociação desse grande
brasileiro.
A Conquista do Acre
A eficiente política diplomática do
Barão do Rio Branco teve no caudilho
gaúcho, José Plácido de Castro, o seu
braço armado de maneira involuntária.
Conta Bueno: “chefiando o bando de
seringueiros que invadiu o território
boliviano em 1902, Castro criou uma
situação de fato que, após vários
conflitos armados, Rio Branco resolveu
de direito. Tudo começou com o boom
da borracha e com a seca que assolou o
Ceará entre 1877 e 1879, quando cerca
de 30 mil retirantes migraram para a
Amazônia. Logo já ocupavam os então
desconhecidos vales dos rios Juruá e
Purus em pleno território boliviano.
Era uma área de difícil demarcação e
muita riqueza vegetal”.
Em
1900,
insuflada
pelos
Estados Unidos, a Bolívia exigiu
que os brasileiros saíssem da área.
Segundo o acordo feito com os
Estados Unidos, a Bolívia cederia
o Acre para a multinacional Angloboliviana Syndicate em troca de um
abatimento de 50% nos impostos
sobre a exportação de sua borracha.
Foto: História do Brasil
Edison Torres
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 45
Para resolver esse impasse o gaúcho
Rodrigo Carvalho, fiscal da fronteira,
conclamou seu conterrâneo Plácido de
Castro para liderar a chamada Revolta
dos Seringueiros.
Conhecido das táticas de guerrilha,
maragato veterano da Revolução
Federalista de 1893, Plácido de Castro
a frente de 2 mil sertanejos armados de
fuzis tomou Xapurí e em 7 de agosto
de 1902 proclamou a independência
do Acre. Vários outros combates
sangrentos se seguiram, todos com
a vitória do bando de Plácido. O
Presidente boliviano ameaçou ir
“
(...) Castro criou
uma situação de
fato que, após vários
conflitos armados, Rio
Branco resolveu de
direito.
46 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
ao palco das operações e deflagrar
guerra total. Começaram, então, as
negociações diplomáticas com Rio
Branco no comando da delegação
brasileira. Por fim, em novembro
de 1903, foi assinado o Tratado de
Petrópolis segundo o qual a parte
meridional do Acre, reconhecidamente
boliviana, mas desbravada e povoada
por brasileiros, passaria para o Brasil
em troca de 2 milhões de libras e a
promessa da construção da estrada
de ferro Madeira-Mamoré, jamais
concluída.
Episódio à parte
Euclides da Cunha, autor da imortal
obra Os Sertões, escrevia, na época,
para o Jornal O Estado de São Paulo,
abordando, na maioria de seus textos, a
questão de limites entre o Brasil e Peru,
assim como o abandono da Amazônia.
Leitor das reportagens de Euclides, Rio
Branco o convidou e o nomeou chefe
da missão exploratória que partiu para
o Alto Purus em abril de 1905 para
traçar fronteiras entre Brasil e Peru.
Ao longo de seis meses, Euclides viveu
todos os dramas da selva: naufrágios,
doenças, motins, falta de comida.
Mesmo assim cumpriu a missão que
o Barão lhe designara e retornou à
civilização em 1906.
Noites Cariocas
O embaixador aposentado Vasco
Mariz na edição de julho de 2003
da revista Carta Mensal publica uma
palestra intitulada “O Duque de Caxias
e o jovem Rio Branco”, onde recorda
aspectos relevantes da mocidade de
Juca Paranhos e o papel decisivo em
sua vida que desempenhou seu velho
amigo, o Duque de Caxias. Vasco
Mariz ainda cita as duas biografias
mais importantes do Barão de Rio
Branco: a de Álvaro Lins, acadêmico
e crítico literário de sua época, e a de
Luis Viana Filho, também acadêmico,
ex-governador da Bahia e senador pelo
seu Estado.
Diz Vasco Mariz: “Desde jovem,
Juca Paranhos sentiu forte atração
pela noite carioca”. E completa Luis
Viana Filho: “O belo sexo atraia o
adolescente e nada o deliciava mais
A Política
Com a queda do gabinete liberal
em 1868, seu pai assumiu o Ministério
dos Negócios Estrangeiros no governo
de Itaboraí. Foi quando Juca resolveu
tentar a carreira política. Como sua
candidatura era inviável no Rio, o
Visconde de Rio Branco lançou o filho
como candidato por Mato-Grosso,
Estado que, aliás, não conhecia.
Escreveu ele a um amigo: “não
acho natural, mas acho possível”.
Foi eleito. Álvaro Lins escreveu que
o deputado Paranhos, que também
trabalhava na redação do jornal “A
União”, era o jornalista mais ativo e
mais bem informado da Câmara. Ainda
encontrava tempo para freqüentar
reuniões da poderosa maçonaria, seita
condenada pela Igreja e do desagrado
de D. Pedro II.
Os Amores de Juca
No inicio de 1872, Juca encontrou
no Alcazar Lyrique uma belga chamada
Marie Philómene Stevens, de 22 anos
de idade, por quem se apaixonou. Em
breve ela engravidou e ao longo de 26
anos de convívio tiveram cinco filhos.
Quando foi nomeado para Liverpool,
Rio Branco levou-a para Paris onde ela
ficou até morrer em 1898.
Ainda convivendo com Marie
Philómene,
Juca
Paranhos
se
apaixonou por Maria Bernardina, uma
jovem de 15 anos filha do Visconde
de Tocantins e sobrinha de Duque de
Caxias, os dois políticos amigos de seu
pai. Luis Viana escreveu: “essa nova
inclinação amorosa o obrigava a medir
cada passo e a pesar cada palavra.
O melhor era partir logo levando a
amante grávida e os filhos. Depois se
veria como afastá-lo do caminho de
Maria Bernardina”.
E por curiosa ironia do destino,
conta Vasco Mariz, a sua segunda
paixão amorosa acabaria casandose com Salvador Antonio Moniz
Barreto de Aragão. O filho do casal,
José Joaquim Moniz de Aragão, viria
a ser seu secretário particular quando
Ministro das Relações Exteriores. Em
seu enterro, foi Moniz de Aragão, o
filho de Maria Bernardina, quem teve
o privilégio de levar em suas mãos a
almofada com as condecorações do
chefe.
O Adeus
No final de sua vida, José Maria da
Silva Paranhos Junior se envolveu em
dois fatos considerados polêmicos.
Convidado a concorrer à Presidência
da República em 1909, recusou a
proposta, mas segundo Eduardo
Bueno “não pode esquivar-se entre o
“
Rio Branco deu as
costas ao civilismo
de Rui. Depois foi
favorável a punição dos
marinheiros na Revolta
da Chibata.
”
Foto: História do Brasil
Foto: História do Brasil
Rio Branco (Centro) no dia da assinatura do Tratado de Petrópolis.
do que a indiscrição de um decote.
Freqüentava regularmente as noitadas
do Alcazar Lyrique na rua da Vala,
atual rua Uruguaiana. Se durante o
dia freqüentava as aulas da faculdade,
à noite era um boêmio consumado,
pois não perdia os espetáculos de
teatro, ópera ou opereta. Seus hábitos
eram considerados exóticos, pois se
levantava tarde, almoçava por volta das
15 horas e jantava de madrugada”.
A fim de afastá-lo das noites
cariocas, seu pai o Visconde do Rio
Branco, Presidente do Conselho de
Ministros do Império (1870-1875),
obrigou o filho a terminar o curso
de Direito, que havia iniciado em
São Paulo aos 17 anos, em Olinda,
Pernambuco. O Rio da época oferecia
inúmeras tentações noturnas. O jovem
Juca ao se formar em Pernambuco,
retornou para a cidade maravilhosa
a fim de conviver ao lado de atrizes
francesas atraentes que aqui se
apresentavam em espetáculos teatrais.
Depois de formado em Direito e já
trabalhando como professor interino
do Colégio Pedro II no Rio, Juca
Paranhos foi surpreendido pela sorte.
Conta Vasco Mariz: “Em 1867, Juca
Paranhos teve uma surpresa agradável:
ganhou 12 contos de reis em uma
loteria e, como os liberais estavam no
poder e nada se podia esperar deles,
decidiu fazer uma viagem à Europa
que não conhecia ainda. Visitou vários
países do continente e demorou-se em
Portugal”.
Plácido de Castro proclamou a
Independência do Acre
civil Rui Barbosa e o Marechal Hermes
da Fonseca”. Rio Branco deu as
costas ao civilismo de Rui. Depois foi
favorável a punição dos marinheiros na
Revolta da Chibata.
Rio Branco foi enterrado como
herói depois de ser homenageado por
mais de 300 mil pessoas.
Jornalista
Notas Bibliográficas
BUENO, Eduardo, História do Brasil.
Zero Hora e RBS Jornal
VASCO, Mariz, Carta Mensal, julho
2003, nº. 580 , Vol. 49
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 47
FÓRUM DE NOTÍCIAS
Ministro Edson Vidigal
quer sabatina já
Troféu Dom Quixote
em São Paulo
O
presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
ministro Edson Vidigal, pediu ao presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que seja
dada prioridade à sabatina dos três magistrados indicados
pelo STJ para integrar o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ). O ministro Vidigal afirmou que, se as indicações
não ocorrerem até o dia 8 de maio, caberá ao presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF) adotar tal procedimento.
“Então, nós queremos deixar um registro público, para que o
País inteiro fique sabendo que o Superior Tribunal de Justiça
não embarca nessa, não. Já indicou os magistrados e defende
que eles sejam sabatinados pela Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) do Senado e os nomes aprovados sejam
encaminhados ao presidente da República. E, se não forem
aprovados, que sejam devolvidos, a fim de que o STJ possa
indicar outros nomes”, alertou.
Colegiado
A reforma do Poder Judiciário criou o CNJ. Ao
STJ coube indicar três magistrados para compor o
colegiado de 15 membros. O ministro Vidigal informou
que, no ano passado, os ministros do STJ escolheram
o ministro Antônio de Pádua Ribeiro para o posto
de corregedor-geral do Conselho. A indicação foi
encaminhada no início do ano à presidência do Senado.
Mais recentemente, foram protocolados documentos
A
Revista Justiça & Cidadania está homenageando neste mês de março
personalidades do judiciário, do meio jurídico, da política, da imprensa e da
intelectualidade brasileira com a entrega em São Paulo de mais uma edição
do Troféu Dom Quixote.
São os seguintes os homenageados:
Foto: Jorge Campos / STJ
referentes às indicações do juiz Jirair Aram Meguerian, do
Tribunal Federal Regional da 1ªRegião, e da juíza federal
Germana de Oliveira Moraes, da 3ª Vara Federal. “Portanto,
encerrando as indicações dos representantes para esse
Conselho, nada andou aqui no Senado. Então, eu vim pedir
ao senador Renan Calheiros que dê prioridade ao andamento
do processo de sabatina dos indicados porque, se isso não
ocorrer a tempo, o presidente do Supremo é que irá nomear
todos os membros do Conselho Nacional de Justiça”,
enfatizou Vidigal.
Anna Maria Pimentel, Presidente do TRF-3;
Cláudio Lembo, Vice-Governador de São Paulo;
Diva Malerbi, Vice-presidente do TRF-3;
Ives Gandra Martins, Presidente da Academia Paulista de Letras;
Jorge Mattoso - Presidente da Caixa Econômica Federal;
José Kalláz, Desembargador Federal Aposentado;
José Mindlin, membro da Academia Paulista de Letras;
Marcio Moraes, Desembargador Federal;
Miguel Reale, membro da Academia Paulista de Letras;
Newton de Lucca, Desembargador Federal;
Paulo Pereira Batista, Corregedor-Geral da Justiça Federal;
Saulo Ramos, ex-Ministro da Justiça;
Zulaiê Cobra, Deputada Federal.
A propósito, o nosso Diretor-Executivo Tiago Salles recebeu do desembargador do Tribunal Regional Federal da 3º Região,
Newton De Lucca, um dos homenageados, a seguinte carta:
Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 2005
Carta de Natal define rumos para segurança pública
A
o final de três dias de discussões do I Congresso Latino
Americano de Segurança Cidadã, realizado em Natal
entre os dias dois e quatro de março, representantes
do Brasil e países convidados formularam um documento
denominado Carta de Natal, que pretende ser o norteador de
políticas de Segurança Cidadã e Polícia Comunitária.
Profissionais de segurança pública, membros da
comunidade e representantes das esferas federal, estadual
e municipal, além de representantes da Argentina, Bolívia,
Colômbia, Costa Rica, Chile, Guatemala, Honduras, México,
Peru, República Dominicana, Uruguai, Estados Unidos
da América, Canadá, França e Espanha formalizaram no
documento a necessidade de se repensar as relações humanas
e a reintegração através da “convivência democrática e da
participação cidadã”.
Para o secretário Nacional de Segurança Pública, Luiz
Fernando Corrêa, o Congresso serviu pra confirmar a
necessidade de se repensar a política de segurança brasileira.
“As discussões nos mostraram o amadurecimento do Brasil
para a constatação - já antiga em outras partes do mundo 48 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
de que a violência e a insegurança impactam diretamente o
desenvolvimento econômico, social e político do país”.
Entre as principais propostas sugeridas para a área estão a
implementação da Política Nacional de Polícia Comunitária,
com a criação de Conselhos Nacional e Regionais; a busca pelo
envolvimento de todos os atores que compõem o Sistema de
Segurança Cidadã, tais como comandantes gerais de Polícias
Militares e Corpos de Bombeiros, Ministério Público, Poder
Judiciário, delegados gerais de Polícia, representantes dos
municípios, organizações não-governamentais, representantes
da comunidade e demais segmentos sociais.
Durante o encontro, o Brasil pôde expor aos países
convidados como pretende implementar seu projeto Segurança
Cidadã, que já conta com R$ 37 milhões do Fundo Nacional
de Segurança Pública para aplicação em ações estaduais e
municipais.
O Projeto Segurança Cidadã brasileiro foi desenhado para
apoiar o Sistema Único de Segurança Pública em dois pilares:
modernização da gestão das instituições de segurança pública
e implantação das ações municipais.
Ao Excelentíssimo Senhor
Dr. Tiago Santos Salles
M.D. Diretor da Revista Justiça & Cidadania
Rio de Janeiro – RJ
Caro Dr. Tiago
Acuso o recebimento de seu prezado expediente do
último dia 18, acompanhado de exemplar da edição nº 54 da
sempre bem-vinda Revista Justiça & Cidadania.
Extremamente Honrado com a outorga do Troféu
Dom Quixote, no próximo dia 14 de março, ao lado de
importantes figuras da vida intelectual brasileira, não posso
deixar de expressar, de imediato, a minha mais sincera e
comovida gratidão.
Ao lado de minha luta diária – embora quase sempre
vã – em prol do Direito e da Justiça, sempre nutri o mais
acendrado amor pela Literatura, tanto nacional como
estrangeira. Cervantes representa, na língua espanhola, o que
Shakespeare significou na língua inglesa; Dante Alighieri, na
italiana; Montaigne, na francesa; Goethe, na alemã; Tolstoi,
na russa; Camões e Fernando Pessoa, na portuguesa e o que
Machado de Assis – o Cervantes brasileiro – significa para
nossa gente... Não é sem razão, por certo, que Harold Bloom,
o mais importante crítico norte-americano, tenha dito que a
obra de Cervantes pode ser qualificada, legitimamente, como
a Bíblia da Realidade.
Receber o prêmio que leva o nome de Dom Quixote
provoca uma espécie de ambivalência trágica em qualquer
ser humano digno de sua condição: misto de alegria infinita
com um sentimento de responsabilidade sem limites, pois o
mundo nunca parece ter precisado tanto, como agora, de
incontáveis Dons Quixotes, esse personagem de rara beleza,
ou do “Nosso Senhor Dom Quixote”, para usar a expressão
de Miguel Unamuno, no comentário sobre Cervantes em
língua inglesa.
Tão honrosa distinção só pode mesmo ser agradecida
com o encantemento das mágicas palavras do próprio
Cervantes: “E Dom Quixote nasceu apenas para mim, assim
como para ele nasci: ele sabia atuar e eu, escrever; juntos,
formamos uma unidade.”
E nada mais resta a dizer: Muito obrigado, apenas...
Antenciosamente
Newton De Lucca
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 49
FÓRUM DE NOTÍCIAS
Aumenta o número de
advogadas no Brasil
O
aumento do número de mulheres
trabalhando na advocacia no País
foi o principal fato a comemorar
no Dia Internacional da Mulher, segundo
observou o presidente do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, Roberto Busato. Conforme os
dados do Conselho Federal da OAB,
dos 514.658 profissionais da advocacia
cadastrados, 223.781 são do sexo
feminino, o que representa 43,5% do
total da categoria em todo o País.
NOS ESTADOS
Estado
AC
AL
AM
AP
BA
CE
DF
ES
GO
MA
MG
MS
MT
PA
PB
PE
PI
PR
RJ
RN
RO
RR
RS
SC
SE
SP
TO
Feminino
447
1.328
1.120
280
5.614
3.611
5.376
2.245
5.558
1.332
16.311
2.395
2.773
2.939
1.693
5.315
839
12.052
46.933
1.465
816
162
17.041
4.302
939
80.279
616
Masculino
792
2.219
1.438
376
7.327
5.125
7.864
3.695
7.777
2.205
26.145
3.469
3.538
3.677
3.126
7.153
1.537
12.360
53.537
2.335
1.046
233
22.296
7.802
1.180
100.170
851
Empresas condenadas por
dano moral
A
Comissão Estadual de juizados Especiais, presidida pelo
desembargador Thiago Ribas Filho, está em pleno funcionamento
realizando um trabalho em defesa do povo. Agora mesmo,
a referida Comissão divulgou a relação das 30 empresas que estão
sendo processadas por dano moral somente no mês de fevereiro
passado. Segundo a Comissão, essas são as empresas que mais lesam a
coletividade:
Entidades
Total de Ações
Telemar
Banco do Brasil S/A
CERJ - Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro
Banco Bradesco
LIGHT - Serviços de Eletricidade
Banco Itaú S/A
Telefônica Celular
ATL - Algar Telecom Leste S/A
Fininvest S/A
VIVO
Embratel - Emp. Bras. de Telecomunicações
Casa Bahia Comercial LTDA
C&A Modas
Credicard
Banco ABN AMRO BANK S.A.
CEDAE - Comp. Estadual de Água e Esgoto
VESPER S/A
Banco Unibanco S/A
Banco Banerj S/A
Banco Santander Brasil S/A
CEG - Comp. Estadual de Gás do RJ
GLOBEX Utilidades S/A
Itaucard Adm. De Cartões de Crédito
NET
Banco HSBC Bamerindus S/A
UNIMED
Auto Viação 1001 Ltda
Casas Sendas Comércio e Indústria S/A
OI TL PCS S/A
SERASA
4.723
787
668
658
650
633
496
409
360
262
258
241
191
173
156
148
132
110
108
100
96
95
78
64
54
50
40
33
32
31
Fonte: Conselho Nacional da OAB
Ao lado do forte aumento da
participação
feminina
registrado
pelos escritórios de advogados, uma
outra área é apontada pelo presidente
da OAB como tendente à absorção
crescente de mulheres advogadas: a
50 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2005
carreira pública. Ele observa que tem
crescido significativamente o número de
advogadas nos cargos da magistratura e
no Ministério Público nos últimos anos.
A título de exemplo, Busato lembra que
dados da Justiça do Trabalho indicam
mulheres já ocupam 43 dos seus postos,
sendo 37% nos Tribunais Regionais do
Trabalho.
2005 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 51