concerto carioca nº 1 de radamés gnattali
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concerto carioca nº 1 de radamés gnattali
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - UNESP Instituto de Artes – São Paulo MARCIO GUEDES CORREA CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A UTILIZAÇÃO DA GUITARRA ELÉTRICA COMO SOLISTA SÃO PAULO – 2007 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - UNESP 1 Instituto de Artes – São Paulo MARCIO GUEDES CORREA CONCERTO CARIOCA Nº 1 DE RADAMÉS GNATTALI: A UTILIZAÇÃO DA GUITARRA ELÉTRICA COMO SOLISTA Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em música do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista – UNESP, como exigência para a obtenção do título de mestre. ORIENTADOR: Prof. Dr. Marcos Pupo F. Nogueira SÃO PAULO – 2007 2 Ao meu pai Jorge Correa, pela sabedoria ao conduzir a família. À minha mãe, Maria da Graça Guedes Correa, ser humano inabalável que soube vencer grandes dificuldades. 3 AGRADECIMENTOS A Deus, criador de todas as coisas, até mesmo daquelas que nossa visão não alcança e que nosso intelecto não pode mensurar. Ao meu orientador Prof. Dr. Marcos Pupo Fernandes Nogueira, que com sabedoria apontou para caminhos acertados. Aos meus irmãos Jorge Correa Junior e Renato Guedes Correa, pela paciência e pelos auxílios no tratamento de imagens. Ao amigo, Prof. Ms. Renato Almeida que através de longas conversas e audições musicais estimulou o início desta pesquisa. Ao Prof. Dr. Paulo Castagna pela generosa revisão dos primeiros textos deste projeto. Aos Profs. Drs. Sidney Molina e Alberto Ikeda pelas valiosas contribuições. À Bibliotecária Fabiana Colares, pela atenção e gentileza ao preparar a ficha catalográfica deste trabalho. A todos os funcionários da secretaria da pós-graduação do Instituto de Arte da Unesp. Aos amigos e Professores Ms. Maristela Smith e Raul Brabo, pelos constantes incentivos. A todos os meus grandes mestres, especialmente Arlene Fátima Vicente, Henrique Pinto, Abel Rocha, Fernando Corrêa, Pollaco e todos os que foram meus professores na graduação em música da FAAM. Vocês estarão sempre presentes em meus agradecimentos diários, em minhas orações e em meus atos... Muito obrigado a todos! A todos os meus alunos, que são certamente um dos grandes motivos de meus estudos. 4 Resumo A presente dissertação tem por objetivo analisar a música de concerto de Radamés Gnattali focando sua orquestração a partir de alguns pontos de vista: O ritmo orquestral, a escolha de sua instrumentação peculiar e em alguns casos inédita, a construção de suas melodias e alguns procedimentos harmônicos localizados em sua obra. Os exemplos são extraídos, em sua maioria, do Concerto Carioca nº 1. É nítido que a formação erudita deste compositor perfaz algumas das colunas principais que estruturam sua obra, mas todas as particularidades encontradas em Radamés Gnattali decorrem de um profundo conhecimento também da música popular urbana, produção musical esta que tem alguns de seus elementos fartamente localizados como estruturadores de sua obra erudita. Palavras-chave: Radamés Gnattali, Guitarra Elétrica, Análise Musical, Orquestração, Instrumentação. 5 Abstract The present dissertation has an objective to analyze the music of Radamés Gnattali concert focusing on his orchestration according to some points of view: The orchestral rhythm, the choice of his peculiar, and in some cases new instrumentation, the construction of his melodies and some harmonic procedures situated on his peace. The examples are extracted, in its majority, from the Concerto Carioca nº 1. It is clear that the erudite graduation of this composer builds some of the main columns that structure his peace, but all the particularities found in Radamés Gnattali come also from a deep knowledge of the urban popular music, musical production wich has some of its elements rudgely found as constructors of this erudite piece. Keywords: Radamés Gnattali, Electric Guitar, Musical analysis, Orchestration, Instrumentation. 6 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 01: Capa do LP do Concerto Carioca nº 1.........................................................................17 Figura 02: Capa do manuscrito autógrafo do Concerto Carioca nº 1............................................50 Figura 03: Última página manuscrito autógrafo do Concerto Carioca nº 1..................................51 Figura 04: Detalhe da primeira página do 1º movimento do manuscrito autógrafo do Concerto Carioca nº 1.....................................................................................................................................54 Figura 05: Fragmento do compasso 04 do primeiro movimento do Concerto Carioca nº 1.........56 Figura 06: Compassos 10 a 11, 1º movimento, mesmo concerto..................................................57 Figura 07: Compassos 63 a 65, 1º movimento, mesmo concerto..................................................58 Figura 08: Compassos 118 e 119, 1º movimento, mesmo concerto..............................................59 Figura 09: Compassos 140 e 140, 1º movimento, mesmo concerto..............................................62 Figura 10: Compassos 169 e 170, 1º movimento, mesmo concerto..............................................62 Figura 11: Compassos 181 a 183, 1º movimento, mesmo concerto..............................................63 Figura 12: Compassos 184 e 185, 1º movimento, mesmo concerto..............................................63 Figura 13: Compassos 191 a 192, 1º movimento, mesmo concerto..............................................64 Figura 14: Detalhe da primeira página do 2º movimento do Concerto Carioca nº 1....................65 Figura 15: Compassos 18 a 20 do 2º movimento do Concerto Carioca nº 1.................................68 Figura 16: Compassos 3 e 4 do 4º movimento do Concerto Carioca nº 1.....................................70 Figura 17: Compasso 6, 4º movimento, mesmo concerto.............................................................71 Figura 18: Compasso 44, 4º movimento, mesmo concerto...........................................................72 Figura 19: Compasso 62 ao 65, 4º movimento, mesmo concerto.................................................73 Figura 20: Compassos 78 e 79, 4º movimento, mesmo concerto..................................................74 Figura 21: Compassos 109 e 110, 4º movimento, mesmo concerto..............................................75 Figura 22: Compassos 5 ao 8, 1º movimento do Concerto Carioca nº 1.......................................84 Figura 23: Compassos 36 ao 39, 1º movimento, mesmo concerto................................................85 Figura 24: Compassos 56 ao 61, 1º movimento, mesmo concerto................................................87 Figura 25: Compassos 73 ao 77, 1º movimento, mesmo concerto................................................88 Figura 26: Compassos 95 ao 104, 1º movimento, mesmo concerto..............................................89 Figura 27: Compassos 126 ao 128¸1º movimento, mesmo concerto............................................90 Figura 28: Compassos 166 ao 173, 1º movimento, mesmo concerto............................................91 Figura 29: Compassos 21 ao 25, 2º movimento do Concerto Carioca nº 1...................................93 Figura 30: Compassos 32 ao 35, 2º movimento, mesmo concerto................................................94 Figura 31: Compassos 52 e 53, 2º movimento, mesmo concerto..................................................95 Figura 32: Compassos 59 ao 62, 2º movimento, mesmo concerto................................................96 Figura 33: Compassos 1 ao 12, 3º movimento do Concerto Carioca nº 1.....................................98 Figura 34: Compassos 10 ao 17, 3º movimento, mesmo concerto................................................99 Figura 35: Compassos 49 ao 56, 3º movimento, mesmo concerto..............................................101 Figura 36: Compassos 112 ao 131, 3º movimento, mesmo concerto..........................................102 Figura 37: Compassos 135 ao 139, 3º movimento, mesmo concerto..........................................104 Figura 38: Compassos 158 ao 167, 3º movimento, mesmo concerto..........................................105 Figura 39: Compassos 185 ao 198, 3º movimento, mesmo concerto..........................................106 Figura 40: Compassos 9 ao 20, 4º movimento do Concerto Carioca nº 1...................................109 Figura 41: Compassos 45 ao 48, 4º movimento, mesmo concerto..............................................113 Figura 42: Compasso 84 ao 105, 4º movimento, mesmo concerto.............................................116 Figura 43: Compasso 111 ao 114, 4º movimento, mesmo concerto...........................................119 7 Figura 44: Compassos 132 ao 154, 4º movimento, mesmo concerto..........................................120 Figura 45: Compassos 171 ao 174, 4º movimento, mesmo concerto..........................................123 Figura 46: Compassos 208 ao 219, 4º movimento, mesmo concerto..........................................125 Figura 47: Primeira página do Concerto para Bandolim e orquestra de cordas. Fonte: Catálogo digital Radamés Gnattali..............................................................................................................130 Figura 48: Melodia inicial do concerto para bandolim e orquestra de cordas............................131 Figura 49: Primeiros compassos de “Canto em Rodeio” – Pixinguinha.....................................131 Figura 50: Primeiros compassos de “Oscarina” – Pixinguinha...................................................132 Figura 51: Primeiros compassos de “Curruíra Saltitante” – Lina Pesce.....................................132 Figura 52: Primeiros compassos de “Hora de Sonhar” – Waldir de Azevedo............................133 Figura 53: Primeiros compassos de “Vê se Gostas” – Waldir de Azevedo................................133 Figura 54: Primeiros compassos de “Um a Zero” – Pixinguinha...............................................134 Figura 55: Primeira página da “Suíte retratos, I - Pixinguinha”. Fonte: Catálogo digital Radamés Gnattali.........................................................................................................................................137 Figura 56: Início da melodia do bandolim na Suíte retratos, I – Pixinguinha.............................138 Figura 57: Motivo de “Carinhoso”, Pixinguinha........................................................................139 Figura 58: Fragmento inicial do Prelúdio da ópera “Tristão e Isolda”.......................................140 Figura 59: Fragmento inicial, 1º Movimento Do Concerto Carioca nº 1....................................141 Figura 60: Compassos 08 e 09 do 1º Movimento Do Concerto Carioca nº 1.............................142 Figura 61: Compasso 12 e 13, 1º movimento, mesmo concerto.................................................143 Figura 62: Compassos 20 ao 23, 1º movimento, mesmo concerto..............................................144 Figura 63: Primeiros compassos, 2º movimento, mesmo concerto.............................................145 Figura 64: Compasso 18 ao 24, 3º movimento, mesmo concerto...............................................146 Figura 65: Compassos 25 ao 27, 4º movimento, mesmo concerto..............................................146 Figura 66: Dona Lee – Charlie Parker. Fonte: The Real Book....................................................149 Figura 67: Compassos 05, 06 e 07, 1º Movimento Do Concerto Carioca nº 1...........................151 Figura 68: Compassos 36 ao 40, 1º movimento, mesmo concerto..............................................151 Figura 69: Compassos 52 ao 60, 1º movimento, mesmo concerto..............................................152 Figura 70: Compassos 95 ao 104, 1º movimento, mesmo concerto............................................153 Figura 71: Compassos 165 ao 173, 1º movimento, mesmo concerto..........................................153 Figura 72: Compassos 23 ao 26, 2º movimento, mesmo concerto..............................................154 Figura 73: Compassos 32 ao 36, 2º movimento, mesmo concerto..............................................155 Figura 74: Compassos 59 ao 62, 2º movimento, mesmo concerto..............................................155 Figura 75: Introdução do 3º movimento do Concerto Carioca nº 1............................................156 Figura 76: Compassos 135 ao 139, 3º movimento, mesmo concerto..........................................156 Figura 77: Compassos 13 ao 22, 4º movimento, mesmo concerto..............................................157 Figura 78: Compassos 84 ao 104, 4º movimento, mesmo concerto............................................158 Figura 79: Compassos 143 ao 150, 4º movimento, mesmo concerto..........................................159 Figura 80: Compassos 210 ao 217, 4º movimento, mesmo concerto..........................................159 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..............................................................................................................................09 1. PRIMEIRO CAPÍTULO: A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA POPULAR URBANA NA MÚSICA DE CONCERTO DE RADAMÉS GNATTALI............................................................20 1.1. Orquestra Sinfônica.................................................................................................................34 1.2. Orquestra de Câmara...............................................................................................................39 1.3. Orquestra de Cordas................................................................................................................40 1.4. Música de Câmara...................................................................................................................42 2. SEGUNDO CAPÍTULO: OS RITMOS POPULARES NA ORQUESTRAÇÃO DO CONCERTO CARIOCA Nº 1.......................................................................................................46 2.1. Primeiro Movimento: Marcha.................................................................................................53 2.2. Segundo Movimento: Canção.................................................................................................65 2.3. Quarto Movimento: Samba.....................................................................................................69 3. TERCEIRO CAPÍTULO: A UTILIZAÇÃO DA GUITARRA ELÉTRICA COMO SOLISTA NO CONCERTO CARIOCA Nº 1................................................................................................76 3.1. Catálogo De Concertos...........................................................................................................80 3.2. Análise Técnica Da Instrumentação.......................................................................................82 3.2.1. Primeiro Movimento: Marcha Rancho................................................................................83 3.2.2. Segundo Movimento: Canção..............................................................................................92 3.2.3. Terceiro Movimento: Valsa Seresteira................................................................................96 3.2.4. Quarto Movimento: Samba................................................................................................107 4. QUARTO CAPÍTULO: MOTIVOS RITMICO-MELÓDICOS NA MÚSICA DE CONCERTO DE RADAMÉS GNATTALI.......................................................................................................128 4.1. Motivos Rítmico-melódicos..................................................................................................140 4.2. O Caráter de improvisação....................................................................................................147 4.2.1. Primeiro Movimento..........................................................................................................150 4.2.2. Segundo Movimento..........................................................................................................154 4.2.3. Terceiro Movimento...........................................................................................................155 4.2.4. Quarto Movimento.............................................................................................................156 CONCLUSÃO.............................................................................................................................161 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.........................................................................................164 BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................................165 PARTITURAS..............................................................................................................................167 DISCOGRAFIA...........................................................................................................................167 FONTES DIGITAIS.....................................................................................................................168 WEBGRAFIA..............................................................................................................................168 FONTE AUDIOVISUAL.............................................................................................................169 ANEXO........................................................................................................................................170 ANEXO 2 ....................................................................................................................................251 INTRODUÇÃO 9 “Vale o risco: Radamés Gnattali é o músico mais completo da história da música brasileira” (DIDIER, 1996, p. 11). É com esta intrigante afirmação que Aluísio Didier abre seu livro “Radamés Gnattali”, material este que almeja em suas linhas, estabelecer o lugar do compositor na história de nossa música. Pode ser que a afirmação de Didier esteja carregada de romantismo e euforia, mas no mínimo ela denota que tal compositor é digno de destaque em nossa história, na música erudita ou popular. Que características de um compositor levariam a atribuir-lhe o adjetivo “musico mais completo da história da música brasileira”? Sabe-se que a obra de Radamés Gnattali é de grande valor, conquistou e tem conquistado admiradores, seja por sua fluência composicional, seja pela ousadia dos coloridos que imprime em sua obra, seja por sua instrumentação peculiar. No entanto, o maestro e compositor gaúcho tem ficado, em certa medida, afastado da história da música brasileira quando o foco é música erudita ou música de concerto como preferia o mesmo. Talvez isso ocorra porque Gnattali não se coligava à ideologia nacionalista de seus contemporâneos e pode ser que por isso mesmo tenha ocorrido tal afastamento. É provável que em sua época, devido a sua grande quantidade de trabalhos para a música popular, tenha sido considerado muito mais um maestro arranjador do que um compositor em si. Seus trabalhos como arranjador, sejam para cantores de música popular ou trilhas sonoras para cinema, sobrepujam sua obra de concerto; Valdinha Barbosa e Anne Marie Devos, autoras do livro “Radamés Gnattali, o Eterno Experimentador” atribuem ao compositor cerca de mil trabalhos entre arranjos e trilhas sonoras, enquanto que em seu catálogo digital, publicado no site www.radamesgnattali.com.br é possível localizar duzentas e setenta e quatro obras de concerto. Provavelmente, seu tempo para se dedicar à obra autoral era bastante reduzido devido às suas funções como maestro, arranjador e diretor musical. Sua obra de concerto é menor em 10 quantidade, se comparada às obras de outros compositores brasileiros, como Villa-Lobos por exemplo, mas duzentas e setenta e quatro composições perfazem um bom volume de peças, que merece maior atenção tanto dos músicos que realizam concertos quanto dos pesquisadores da música brasileira, para conseqüentemente atingir maior conhecimento do público. Ainda que Gnattali tenha sido compositor erudito e um dos grandes incentivadores da música popular brasileira, tanto que mereceu elogios imbuídos de respeito e admiração de nomes como Tom Jobim, apenas para citar um, o volume de material acadêmico dedicado ao maestro ainda é muito pequeno se comparado ao volume e abrangência de sua obra dentro das mais diversas vertentes da música. Com relação à bibliografia existem apenas dois livros que são dedicados exclusivamente a Radamés Gnattali. São eles: Radamés Gnattali: o eterno experimentador: Livro de Valdinha Barbosa e Anne Marie Devos, editado pelo Instituto Nacional de música, divisão de música popular da FUNARTE em 1984. A obra apresenta uma biografia de Gnattali, que discorre sobre sua vida desde a chegada de seus pais italianos ao Brasil, passando por sua carreira como pianista, arranjador, compositor e maestro e ao final apresenta um catálogo de sua obra, abarcando arranjos, composições e discografia. Radamés Gnattali: Livro de Aluísio Didier que inicia com uma breve biografia de Gnattali e em seguida apresenta uma coletânea de relatos de personalidades que conviveram com o compositor, juntamente com alguns relatos do próprio. Associado a este livro, Didier também produziu um vídeo intitulado “Nosso Amigo Radamés Gnattali”, que ilustra algumas fases da vida profissional do compositor, além de pequenas curiosidades de sua vida pessoal. Além desses dois livros, é possível encontrar alguns verbetes dedicados a Gnattali no Dicionário Grove de música – edição concisa, na Enciclopédia da música brasileira (autores), no 11 livro Compositores de América: Datos biográficos y e catálogos de sus obras, Volume 16 e no livro História da Música Brasileira de Vasco Mariz. No segundo semestre de 2005, a Brasiliana Produções divulgou o Catálogo digital Radamés Gnattali, obra em CD ROM que traz um detalhado catálogo da obra do compositor. Este material não se encontra a venda e é distribuído exclusivamente para instituições de ensino. No primeiro semestre de 2007 parte do conteúdo deste mesmo material foi divulgado na Internet, no domínio www.radamesgnattali.com.br. O catálogo que consta no CD ROM foi publicado na íntegra no site, porém, as imagens de algumas páginas de manuscritos autógrafos do compositor que estão no Catálogo Digital não foram incluídas neste conteúdo. Com relação a teses e dissertações, só foi possível localizar dois trabalhos de mestrado, ambos realizados na Universidade Federal do Rio de Janeiro. O mais antigo data de 1995 e foi escrito por Bartolomeu Wiese Filho, que não cita quem foi o orientador, e é intitulado Radamés Gnattali e sua obra para violão. O mais recente data de 1999 e é intitulado Radamés Gnattali e o violão: relação entre campos de produção na música brasileira, de autoria de Ledice Fernandes de Oliveira e orientação de Samuel Mello Araújo Junior. Esses dois trabalhos se diferenciam do presente em sua proposta, pois os mesmos se direcionam à produção violonística do compositor, enquanto que este tem por objetivo principal tratar da maneira de orquestrar de Gnattali, além de analisar e justificar algumas de suas escolhas instrumentais, ou seja, a inclusão de instrumentos de música popular urbana em sua música de concerto. O presente trabalho aborda a obra de concerto de Radamés Gnattali. Por outro lado, após estudar as dissertações realizadas no Rio de Janeiro, pôde-se perceber que os três trabalhos (incluindo este) tratam das diversas influências assimiladas pela música de Gnattali e falam de suas fusões de música popular com música erudita. É bastante complexo abordar os termos “música erudita” ou “música de concerto” e “música popular”, complexidade esta que se dá, entre outros motivos, pela imprecisão de tais 12 classificações. Tendo em vista que não é objetivo da presente dissertação discutir e definir tais categorizações, optou-se por puramente utilizar a terminologia corrente no Brasil, por vezes apresentando tentativas de definições de outros autores. O compositor brasileiro Radamés Gnattali nasceu em Porto Alegre, no dia 27 de janeiro de 1906 e faleceu no Rio de Janeiro no dia 03 de fevereiro de 1988. Filho de pais italianos, foi um dos compositores brasileiros que transitava com notável fluência entra a música erudita e os gêneros populares. Começou a estudar piano logo aos seis anos de idade e posteriormente dedicou-se também ao violino, violão e cavaquinho. Ainda no Rio Grande do Sul, estudou com Guilherme Fontainha, e na Escola Nacional de Música foi aluno de Agnelo França. Em 1924 Radamés conclui seu curso de piano e passa a viajar como concertista, apresentando-se em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, recebendo críticas bastante positivas. Nesse mesmo período se apresenta também como violista do Quarteto Oswald. Mais tarde, Gnattali tem dificuldades para solidificar sua carreira como concertista e professor de piano e em decorrência desses obstáculos passa a trabalhar como instrumentista em cinemas, casas noturnas, participando de pequenas formações instrumentais. Para esses trabalhos, Radamés Gnattali começa a escrever alguns arranjos, que são cada vez mais admirados e reconhecidos por seus colegas de profissão. Sua notável habilidade como arranjador rendeu-lhe um emprego na Rádio Nacional, onde permaneceu trabalhando com arranjos de música popular durante trinta anos. Nesse período, Radamés apresentou o programa “Um Milhão de Melodias” e chegava a escrever até seis arranjos no mesmo dia, segundo relatos do próprio compositor. Gnattali escreve também trilhas sonoras para cinema e televisão, compondo músicas para alguns filmes produzidos no Estúdio Vera Cruz, como por exemplo, o filme “Tico-tico no Fubá” que apresenta a biografia do compositor Zequinha de Abreu. Didier atribui a Radamés Gnattali mais de 13 quarenta trilhas sonoras compostas para o cinema brasileiro. Há registros também de um convite feito pelo próprio Walt Disney, para que Gnattali compusesse trilhas para seus filmes (BARBOSA e DEVOS, 1984, P. 52). A viagem aos Estados Unidos da América ficou inviável devido à situação de crise internacional provocada pela Segunda Guerra Mundial. Em paralelo a sua produção de arranjador, Radamés Gnattali passa também a compor constantemente, gerando assim um acervo de composições eruditas e populares. Segundo Radamés, escrever música passou a ser uma necessidade física, uma atividade compulsiva. Este costume de escrever música constantemente fez com que Radamés Gnattali se tornasse um dos compositores mais prolíficos de nosso país, escrevendo uma boa quantidade de peças eruditas, além de admirável quantidade de arranjos para música popular. Didier atribui a Gnattali cerca de quatrocentas obras de concerto, mas apenas apresenta este dado, sem perfazer um levantamento de obras. O catálogo oferecido pela Brasiliana Produções lista duzentas e setenta e quatro obras de concerto. Valdinha e Devos realizaram um catálogo da obra de Gnattali em seu livro Radamés Gnattali, o eterno experimentador, e dedicam uma parte deste catálogo à produção que nomearam “música erudita”. Nesta parte do catálogo foram listadas cento e oitenta e três peças. Tendo em vista que os três dados são conflitantes, apresentando relevante diferença quantitativa, o Catálogo digital da Brasiliana Produções foi escolhido como o catálogo oficial para esta dissertação, já que o mesmo, além de ser o mais moderno, tem como diretor o maestro e professor Roberto Gnattali (que dirige o projeto Brasilianas), sobrinho de Radamés e que tem acesso livre ao acervo de partituras deixadas pelo compositor, que ainda permanece em sua maioria manuscrito, sob os cuidados da família Gnattali. É fato que esta parte de sua obra passa a ser executada com certa freqüência em salas de concertos do Brasil. Em muitos desses concertos, o próprio Radamés se apresenta, seja como solista, seja como maestro. 14 Seus concertos foram reconhecidos internacionalmente, como é o caso do Concerto nº 2 para piano e orquestra que foi executado por Arnaldo Estrella em Washington, Chicago e Filadélfia. Observando a biografia de Radamés Gnattali, podemos abordar sua carreira dos seguintes pontos de vista: Compositor Erudito ou de música de concerto Arranjador de Música Popular Compositor de trilhas sonoras para cinema e televisão Compositor Popular Instrumentista Dentre tais abordagens, optou-se neste trabalho, por focar Radamés Gnattali como compositor de música de concerto, destacando sua orquestração e formações instrumentais tão peculiares e diversas, como por exemplo, seus concertos que tem como solistas instrumentos não convencionais e suas orquestrações recheadas de instrumentos que são normalmente associados à música popular urbana. Buscou-se, através de análises do Concerto Carioca nº1, demonstrar como a vivência de arranjador de música popular transformou a obra de concerto de Gnattali. Essa transformação se dá em três âmbitos, o primeiro na escolha dos instrumentos; Radamés Gnattali emprega instrumentos ligados à música popular urbana em cerca de 10% de sua obra erudita, o que representa mais de quarenta obras. Esse procedimento só acontece á partir de suas funções como arranjador, que se deu na década de 1930. Foi aí que o compositor estreitou seu contato com esses instrumentos e isso o levou a inseri-los em sua obra de concerto. Tal experimentalismo instrumental o levou a compor o primeiro concerto da 15 história onde a guitarra elétrica é utilizada como solista. Este concerto é o Concerto Carioca nº 1, que será o principal foco desta dissertação. Esta composição nunca foi editada e sua partitura está em um manuscrito autógrafo em nanquim. Uma cópia fac-similar desta partitura foi cedida por Nelly Gnattali, viúva de Radamés, para a realização das análises que seguirão no decorrer dos quatro capítulos. Esta obra foi gravada em 1965 e este LP é bastante raro e difícil de ser localizado. Para esse trabalho o colecionador de discos Luiz Américo Lisboa Junior, residente na Bahia, cedeu uma cópia em CD deste raríssimo LP. O disco foi localizado em seu catálogo, que está disponível no site www.luizamerico.com.br. É pouco conhecido o fato de este concerto ter sido gravado com guitarra elétrica, pois na partitura, Radamés Gnattali chama este instrumento de violão elétrico, alcunha que parece ser comum na época para o jovem instrumento. Além disso, na capa do disco, como é possível observar na figura seguinte (scanner da capa original do LP), encontram-se os dizeres “Concerto carioca Nº 1 de Radamés Gnattali. Orquestra Sinfônica Continental, Regente: Henrique Morelenbaum, Solistas: Radamés Gnattali (Piano), José Menezes (Violão)”. O material gráfico que indica que um dos solistas executou sua parte com o violão oculta ainda mais o fato de este concerto ter sido o primeiro da história a empregar a guitarra elétrica como solista, e até o momento só foi possível localizar este, o que o torna único, a não ser por uma peça composta pelo guitarrista sueco Yngwie Malmsteen, gravada em 1998, chamada Concerto suíte para guitarra elétrica e orquestra em mi bemol menor, opus 1, estruturada em doze partes. Embora o guitarrista tenha denominado sua obra como “concerto” é difícil classificá-la assim do ponto de vista formal, pois a mesma apresenta doze partes em vez de três ou quatro movimentos e o material temático também é pouco desenvolvido, soando na maior parte do tempo como uma improvisação de um guitarrista de rock sobre uma orquestra. Malmsteen não compôs as partes orquestrais, apenas indicou suas idéias para diferentes orquestradores que realizaram as 16 partituras. Tratam-se de doze músicas, com características independentes, que tem a guitarra elétrica como solista e não um concerto em si. Figura 01: Capa do LP do Concerto Carioca nº 1: 17 Embora a capa do disco indique um violão como instrumento solista, a audição faz perceberse o timbre de uma guitarra elétrica, de corpo sólido e sonoridade metalizada, levando a conclusão de que o interprete não se preocupou em imitar o timbre grave dos guitarristas de jazz. O segundo âmbito se dá na nova maneira de tratar o ritmo orquestral. O compositor gaúcho, a partir do momento que adquire o ofício de arranjador de música popular, passa a escrever para as famílias instrumentais da orquestra ritmos que antes, em música popular brasileira orquestrada, só eram encontrados nos instrumentos de percussão. Tal procedimento que o compositor encontra para satisfazer as necessidades da música popular de rádio é facilmente encontrado também em sua música de concerto. 18 O terceiro campo vem de encontro com o material temático utilizado por Gnattali para a construção de sua obra concertante. Foi demonstrado que por vezes, o compositor escolhe instrumentos ligados à musica popular urbana, brasileira ou norte-americana, para figurar em sua música erudita por esta conter melodias estruturadoras que soam quase literalmente como composições de um músico popular, sem passar por transformações advindas da mente e do senso estético de um compositor erudito. Em outros momentos, suas melodias têm caráter de improvisação, sendo quase inevitável a escolha de instrumentos ligados ás práticas de improvisação da música popular, sem perder de vista que a improvisação não é exclusividade desta área de produção musical. A presente dissertação tratará desses três campos da obra de concerto de Radamés Gnattali, focando sempre no Concerto Carioca nº 1. Para fundamentar as análises que ocorreram sobre a nova maneira de se tratar o ritmo na orquestra, foi necessário recorrer à literatura que não é necessariamente analítica, mas sim prática. Não há ainda, nenhum material que trate deste assunto de forma analítica. Para análises ritmicas foram utilizados os livros Inside the brazilian rhythm section e The brazilian guitar book, ambos de Nelson Faria, e o livro Bateria e contrabaixo na música popular brasileira de Gilberto de Syllos e Ramon Montanhaur. Para análises de orquestração e instrumentação a fundamentação foi o livro Orquestracion de Walter Piston e o livro Arranging for large jazz ensemble de Dick Lowell e Ken Pullig. Embora as análises formais e harmônicas não sejam o principal foco deste trabalho, nos casos em que se torne inevitável abordar estes assuntos, por algum motivo de estruturação dos objetivos a serem alcançados, a fundamentação teórica foi a obra de Arnold Schoenberg, mais precisamente os livros Harmonia e Fundamentos da composição musical. 19 Os livros A arte da improvisação de Nelson Faria e Improvisação para guitarra e outros instrumentos de Fernando Corrêa serviram de base quando se tratou do caráter de improvisação de certas passagens da música de Gnattali. Partituras de música popular e música erudita serviram de fundamento para as análises motívicas comparativas que acontecerão no decorrer do texto. 1. PRIMEIRO CAPÍTULO: A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA POPULAR URBANA NA MÚSICA DE CONCERTO DE RADAMÉS GNATTALI. 20 Sabe-se que Radamés Gnattali é um músico de sólida formação musical construída através dos seus estudos de piano, harmonia e análise, feitos em sua passagem pelo Conservatório de Música do Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul. Quando Gnattali era um jovem estudante de música, suas aspirações voltavam-se para uma carreira pianística como concertista e professor do instrumento, objetivo característico da formação musical oferecida pelos conservatórios. Como aluno do conservatório, sempre conquistou grandes êxitos que o motivavam a almejar a carreira de concertista. Contudo, é possível que desde esse momento de sua formação musical, Radamés Gnattali já estivesse se introduzindo, de maneira empírica, no mundo da composição musical, sem ao menos supor que mais tarde essa seria sua principal função, a profissão que lhe garantiria subsistência, bem como sua projeção nos meio da música. “E daquelas partituras já aproveitava para ir colhendo os dados e os ensinamentos para seus primeiros ensaios na composição” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 14). O estudo e análise do repertório dos grandes mestres são essenciais para aspirantes à carreira de compositor e Gnattali já estava mergulhado nesse estudo analítico desde o início de seu desenvolvimento musical, talvez, em princípio, encarando isto apenas como formação complementar do intérprete. Barbosa e Devos apontam para um desejo ou um impulso, aparentemente inconsciente, do instrumentista se tornar também um compositor. Salientam o sonho de chegar a ser concertista1, de viver da interpretação das obras dos grandes compositores, de se apresentar para as platéias consumidoras deste tipo de música, mas não descartam que já na época de sua formação musical nutria uma admiração pelo domínio de escrita dos compositores que interpretava e, por esse mesmo motivo, 1 Barbosa e Devos descrevem no livro Radamés Gnattali, o Eterno Experimentador de maneira enfática, principalmente da página 16 até a página 30, o desejo de Radamés Gnattali de se tornar concertista e como suas frustrações o levam, aos poucos, a abandonar este sonho e a se dedicar cada vez mais às práticas de música popular, bem como às atividades de arranjador e de compositor. 21 buscava entender o pensamento e a lógica do compositor nos momentos da criação das partituras que já vinha interpretando e estudando. O jovem pianista, que antes do conservatório fora preparado musicalmente ao piano por sua mãe Adélia e ao violino por sua prima, Olga Fossati, chegou a realizar, por volta dos seus dezoito anos de idade, recitais de sucesso no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras. Guilherme Fontainha (professor de piano de Radamés Gnattali no Conservatório de Porto Alegre), usando de seu prestígio no Rio de Janeiro, conseguiu uma audição para Radamés no Instituto Nacional de Música, sendo marcada para o dia 31 de julho de 1924 a apresentação do pianista à sociedade carioca. Seria o primeiro recital Público. Depois de “impressionar magnificamente o auditório ao executar de forma brilhante a Sonata de Liszt na última audição do Conservatório de Porto Alegre”, Radamés partiu para o Rio de Janeiro (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 16). Este recital realizado no Instituto Nacional de Música rendeu ao jovem pianista excelentes críticas da imprensa da época, o que fortaleceu ainda mais seu objetivo de se tornar concertista internacional e resultou em convites para mais apresentações em território nacional. Mesmo com a promissora carreira de concertista em vista, agora já aprovada pelo público mais exigente e também mais cobiçado do Brasil desta época, desde muito jovem, Radamés Gnattali iniciou seus trabalhos remunerados com música, o que nem sempre foi possível no campo dos recitais de piano. Precocemente, já trabalhava tocando violão e cavaquinho em serestas, blocos carnavalescos, regionais e bailes, e ao piano, trabalhava com a atividade que pode ser considerada o embrião da trilha sonora para cinema; a animação de películas de cinema mudo. “Aos 16 anos, ganhando dez mil réis por dia, Radamés trabalhou no cine Colombo, no Bairro da Floresta, animando fitas de cinema mudo” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 14). No decorrer de seu texto, Barbosa e Devos mostram que muito antes de aspirar alçar carreira de compositor, o jovem músico gaúcho já tomava contato com diversos tipos de 22 produção musical, já estudava e praticava a música que é destinada aos recitais e salas de concerto e manuseava a música ligada a tradições populares brasileiras, além de desenvolver seu papel em música funcional, como é o caso da animação do cinema mudo. Talvez sem ter ciência disso, Gnattali, passivamente, esteve imerso em um laboratório de composição, uma escola estruturada por vivências musicais diversas, por experiências profissionais diferenciadas. Em sua fase profissional mais primitiva, estava absorvendo materiais musicais os quais lançaria mão em suas futuras composições e, igualmente, em seus arranjos para a música de rádio. É imediatamente neste desabrochar profissional que o músico vai adquirindo desenvoltura em diferentes áreas da prática musical, acumulando conhecimento em diferentes formas de expressão musical, armazenando, ainda que inconscientemente, idéias que poderiam sustentar o compositor que estava por nascer, o compositor que não discriminava a música por nacionalidade ou estilo, que procurava abarcar em sua escrita, informações vindas de todo tipo de produção musical que considerasse de boa qualidade2. As circunstâncias pareciam contribuir mais para a formação e estruturação do compositor do que do pianista. Radamés Gnattali teve um pedido de bolsa de estudos de música no exterior negada pelo governo do Rio Grande do Sul e, no mandato de Getúlio Vargas, se preparou para um concurso de lente catedrático para o Instituto Nacional de Música, concurso este que nunca se realizou. Foram nomeadas pessoas para as vagas disponíveis, sem realização de concursos. A carreira de professor garantiria estabilidade financeira e tempo para que se dedicasse ao mesmo tempo à carreira de concertista. Tendo essas duas possibilidades excluídas de sua vida, Gnattali se viu obrigado a continuar 2 Não é objeto deste trabalho discutir e listar os atributos que fazem com que uma produção musical seja, supostamente, de boa ou má qualidade, pois os diferentes pontos de vista sobre essa discussão e as diversas formas de enfoque resultariam em material para inaugurar um novo trabalho, desviando da direção aqui proposta. No entanto, pode-se conjeturar que se um compositor busca elementos de outro tipo de criação musical para agregar à sua obra de concerto é possível deduzir que estes passaram pelo seu crivo estético, ou seja, são informações que julga boas o suficiente para contribuírem para a constituição de sua obra. 23 trabalhando no meio da música popular e suas composições eruditas que começaram em algum ponto indeterminado de sua carreira3, agora ganham mais força, pois parecem ser um lenitivo à decepção quanto à carreira de pianista. É importante salientar que, apesar de mais tarde - como será demonstrado nas páginas seguintes - o compositor Radamés Gnattali não excluir de suas composições as experiências adquiridas em suas funções de instrumentista e, posteriormente, arranjador de música popular, pode-se entender em seus depoimentos que há uma divisão clara entre música erudita, utilizando aqui o termo cunhado por Mário de Andrade4, (ou de concerto, como dizia preferir o compositor) e música popular em suas idéias sobre a produção musical. É possível concluir que o compositor gaúcho entendia como música erudita, aquela que vem da tradição européia, desde a Grécia antiga, passando pelo cantochão, se desenvolvendo nas polifonias do renascimento, na afirmação da tonalidade assistida a partir do período barroco e que desembocou nas tendências de composição do século XX, entre elas, o nacionalismo. Em suas primeiras obras de concerto, Radamés Gnattali chegou a ser considerado um nacionalista: A atuação de Radamés como compositor tomava proporções inesperadas. Há um ano da execução de sua primeira obra, a sala Beethoven apresentava a Noite Brasileira de Radamés Gnattali e Luiz Cosme. O aproveitamento de temas folclóricos e populares nas composições de Radamés já demonstrava a sua tendência nacionalista. “Radamés, como muitos belos espíritos da nova geração de músicos brasileiros – escreveu Ângelo Guido no Diário de Notícias -, aspira a fazer música nossa, em que sejam aproveitados os ritmos típicos, originalíssimos, de nossa música folclórica, que é aquela que fala à alma de nossa gente” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p.29). Uma boa observação da obra de Radamés Gnattali pode corroborar a idéia de que mais tarde suas obras tendem muito mais ao alinhamento com a música popular urbana – que será 3 Não foram localizados dados ou fontes que pudessem determinar com exatidão quando se iniciaram os primeiros ensaios de composição de Radamés Gnattali, no entanto, Barbosa e Devos apontam a data de 1930 como de estréia do compositor frente ao público com a peça “Rapsódia Brasileira para Piano” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p.28). 4 É possível que tal feito seja atribuído a este autor por causa das seguintes afirmações: “Uma arte nacional já está feita na inconsciência do povo. O artista tem só que dar pros elementos já existentes uma transposição erudita que faça da música popular, música artística (...)” (ANDRADE, 1962, P. 16). “(...) e não é possível mais imaginar um compositor que não seja um erudito da arte dele (...)” (ANDRADE, 1962, P.44). 24 discutida nas próximas páginas – do que com a música nacionalista. O aproveitamento de temas folclóricos, uma das características do nacionalismo, mencionados tanto por Barbosa e Devos quanto pelo articulista do Diário de Notícias, Guido, vai se rarefazendo no desenvolvimento do seu estilo tanto como compositor quanto como arranjador. Além disso, não se encontram registros de que Gnattali tenha desenvolvido alguma pesquisa etnomusicológica no intuito de recolher temas folclóricos para alimentar suas composições. Tal característica etnomusicológica pode ser enquadrada ao nacionalismo mundial, como é descrito por Roland de Candé que prefere usar o título “correntes nacionais”: As escolas nacionais surgidas no século XIX ganham no século XX novo alento. Como mostra o musicólogo romeno Constantin Brailou, o mundo sonoro aberto por Debussy é mais favorável ao desabrochar das melodias populares do que à harmonia tonal e às formas clássicas. Além disso, o estudo folclórico se desenvolverá sob o impulso de Béla Bartók e Zoltan Kodály (1882 – 1967), que publicam em 1906 sua primeira coletânea de canções camponesas. Mais tarde, Bártok notará e gravará em rolos fonográficos cerca de dez mil melodias populares, húngaras, eslovacas, romenas, ucranianas, servo-croatas, búlgaras, turcas, árabes (no sul argelino), trabalho de uma amplitude e de uma qualidade científica sem precedentes. As correntes nacionais, ligadas outrora aos irredentismos do período após 1848, apóiam-se cada vez mais no conhecimento aprofundado de um autêntico patrimônio, cujas características distintivas são assimiladas por muitos compositores (CANDÉ, 1994, p. 258 VOL. II). O “aproveitamento folclórico” na obra autoral de Gnattali é cada vez menos perceptível e cede lugar a outras fontes de inspiração nem sempre brasileiras. A inquietação e a constante transformação da música popular brasileira urbana sempre incomodou os ideais nacionais da época do governo de Getúlio Vargas, onde Mário de Andrade encabeçava o movimento nacionalista tendo Heitor Villa-Lobos como principal compositor. “... O problema é que o nacionalismo musical modernista toma a autenticidade dessas manifestações (folclóricas rurais) como base de sua representação em detrimento das movimentações da vida popular urbana porque não pode suportar a incorporação desta última, que desorganizaria a visão centralizada 25 homogênea e paternalista da cultura nacional”.(SQUEFF e WISNIK, 1982, p. 133). Parecia ser nítido para o nacionalismo desta época que a verdadeira essência da música brasileira residia realmente na música feita pelas sociedades autóctones. “... a plataforma ideológica do nacionalismo musical consistia justamente na tentativa de estabelecer um cordão sanitáriodefensivo que separasse a boa música (resultante da aliança da tradição erudita nacionalista com o folclore) da música má (a popular urbana comercial e a erudita europeizante, quando esta quisesse passar por música brasileira, ou quando de vanguarda radical)”. (SQUEFF e WISNIK, 1982, p. 134). Squeff e Wisnik deixam claro que o nacionalismo no Brasil não aceitou a música popular urbana como parte de sua metodologia, pois essa, por estar em constante transformação contrariamente à música folclórica rural - não é um exemplar da essência musical do brasileiro e, portanto, ameaçaria os sentimentos patrióticos da população, depositando risco à estabilidade do estado5. Radamés Gnattali, por sua vez, sempre permitiu que houvesse uma aliança estética entre a música popular brasileira urbana, o jazz e a música erudita em sua obra de concerto. Pode ser que o primeiro contato com a produção desse compositor leve o ouvinte a imaginar que o único elo existente entre sua música e a música erudita é a sua refinada técnica de orquestração. No entanto, uma observação mais meticulosa e aprofundada de sua obra permite localizar grande quantidade de associações com a música européia, como a escrita romântico-tardia de suas cinco Sinfonias Populares, de alguns de seus concertos e a bitonalidade de sua Sonatina para Flauta e violão, apenas para citar alguns exemplos. A questão é que o elemento nacional da música de Gnattali não repousa, ou pelo menos raramente repousa, na música folclórica, fato que 5 José Miguel Wisnik, quando se refere ao estado, constantemente remete à república de Platão como se esta obra fosse parte da fundamentação teórica do Estado Novo de Getúlio Vargas: “Enquanto o nacionalismo musical quer implantar uma espécie de república musical platônica assentada sobre o ethos folclórico (no que será subsidiado por Getúlio), as manifestações populares recalcadas emergem com força para a vida pública, povoando o espaço do mercado em vias de industrializar-se com os sinais de uma gestualidade outra, investida de todos os meneios irônicos do cidadão precário, o sujeito do samba, que aspira ao reconhecimento da sua cidadania mas a parodia através de seu próprio deslocamento”. (SQUEFF e WISNICK, 1982, p. 161). 26 provavelmente o distanciou dos meios musicais criados pelos compositores eruditos nacionalistas de sua época, resultando em uma certa ofuscação de sua obra e conseqüentemente de seu nome na história da música brasileira. O arranjador Radamés Gnattali recebe muito mais espaço na memória nacional6 do que o compositor em si. Talvez seja inevitável abordar a obra de Gnattali sem reincidir sobre as balizas “erudito” e “popular”, pois não eram raros depoimentos do próprio compositor sobre música onde se percebe a distinção entre música popular e música erudita. Em 1964, o já consagrado7 arranjador-compositor volta às salas de concerto como camerista, viajando para o exterior com o violoncelista Iberê Gomes Grosso. Voltar por um período às salas de concerto do exterior é para Gnattali uma tomada de fôlego dentre todos os seus trabalhos de arranjador de música popular. Certamente, este não foi o sonho idealizado pelo jovem Radamés Gnattali, mas tocar piano, desta vez como camerista, parece ter sido um alento para sua carreira. Mas é importante salientar que essa volta como instrumentista às salas de concerto teve sua carreira de compositor como o elemento que possibilitou este fato, já que o duo viajou para apresentar obras escritas por Radamés. É o próprio compositor gaúcho quem declara: “Amo a música popular, mas se pudesse trabalharia exclusivamente sobre a música erudita” (BARBOSA E DEVOS,1984, p. 63). Na ocasião desta declaração certamente o compositor já tinha plena consciência de sua posição como músico e sobre música popular. É fato que Gnattali preferia utilizar a designação “música de concerto” em vez de “música erudita”, mas parece que para ele o termo erudito ainda pode ser útil quando quer deixar bem claro que realizou trabalhos com a música popular 6 Principalmente nos textos sobre o rádio no Brasil, como por exemplo, no livro de Sérgio Cabral, “A MPB na era do Rádio” (CABRAL, 1996). 7 Consagrado mais por estar trabalhando e ganhando seu sustento com o ofício de escrever música do que por ter o reconhecimento compatível com sua obra. Claro que o compositor gaúcho teve seu reconhecimento em vida, mas seu nome consta bem menos nos estudos sobre nossa música do que nomes como o de Villa-Lobos, Guerra Peixe e Camargo Guarnieri, apenas para citar alguns exemplos. Certamente isto acontece em conseqüência da quantidade de influências que sua obra abarca, o que obscurece o olhar que busca seu alinhamento com uma tendência de composição previamente definida. 27 produção esta que ama, mas que só tomou contato por razões de subsistência – por não ter conseguido viver apenas da música de concerto, ou erudita, seja como compositor ou como instrumentista. Tendo em vista sua atuação profissional pode-se conjeturar que Radamés concordaria com as definições desse tipo de produção musical propostas por José Ramos Tinhorão: Por oposição à música folclórica (de autor desconhecido, transmitida oralmente de geração em geração), a música popular (composta por autores conhecidos e divulgadas por meios gráficos, como partituras, ou através da gravação de discos, fitas, filmes ou video-teipes) constitui uma criação contemporânea do aparecimento de cidades com um certo grau de diversificação social (TINHORÃO, SEM DATA, p. 05). Pois foi com esta música popular, de caráter urbano, que Radamés Gnattali tomou maior contato. Nomes como Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Anacleto de Medeiros, etc., foram músicos importantes para sua formação como compositor. Esta música, que no Brasil passa a ser “produzida com caráter de artigo destinado ao consumo cultural da sociedade urbana” (TINHORÃO, 1998, p. 208) é que vai transparecer em sua obra de concerto, tanto pelos padrões rítmicos utilizados na orquestra, como na escolha da instrumentação e também na escolha dos motivos que construirão seus temas. No início da carreira musical de Gnattali, o “artigo” – tomando emprestado o termo empregado por Tinhorão na citação do parágrafo anterior - música popular já estava estabelecido no Brasil, e atividades práticas nesse setor garantiam ao músico alguma remuneração. Mais adiante, viria atuar também no mercado de gravações de música popular, escrevendo arranjos orquestrais para os principais cantores da música popular brasileira, como Orlando Silva por exemplo, e em alguns momentos acompanha estes como pianista em gravações, como fez bem mais tarde com Dorival Caymmi. 28 Voltando um pouco no tempo, no início de sua carreira como músico e gozando da versatilidade que sua formação musical e suas funções como profissional vinham lhe garantindo, ainda encontrou espaço para trabalhar com a música erudita, não como concertista, mas sim como violista do quarteto Henrique Oswald: “Com esse quarteto fizemos muitos concertos em Porto Alegre, Caxias, São Leopoldo. Tocávamos Beethoven, Mendelsohn, e Dunah, entre outros. Era muito bom o quarteto. Ensaiávamos todo dia, na casa de um e de outro. Eu gostava daquilo... Este foi um período importante pra mim; o grupo de cordas é a base da sinfônica; quem sabe trabalhar com ele, sabe usar a orquestra” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 23). Mais uma vez, é possível constatar através das palavras do próprio Radamés Gnattali, que a composição musical, de alguma maneira, sempre esteve presente em sua mente, como se já estivesse supondo que tal função poderia vir a ser seu principal ofício. É evidente que esta explanação do músico sobre o grupo de cordas foi feito mais tarde, pelo compositor já maduro, fora do contexto do músico prático, violista, que atuou em um quarteto de cordas, mas tais palavras deixam transparecer que, já naquela época, Gnattali não estava preocupado apenas com nuances de interpretação das obras, como é comum ao intérprete, mas também mergulhava em análises daquele repertório, recolhendo elementos que pudessem estruturar trabalhos composicionais posteriores. Como pianista, chegou também a acompanhar uma companhia de ópera no Teatro Lírico do Rio de Janeiro, por volta de 1929. Começou como violista da orquestra e depois passou a assistente de maestro já que sua leitura a primeira vista ao piano era notável. Nesta mesma época, ensaiou também, de modo bem mais moderado, uma carreira como professor de piano, pois nunca teve paciência para ensinar. 29 Apesar de ter nascido e atuado no Rio Grande do Sul, de ter trabalhado como músico em São Paulo, é no Rio de Janeiro que o músico viria a estabelecer residência, e antes disso, foi nesta mesma cidade que tomou contato com músicos populares cujas produções musicais teriam papel determinante na sua carreira de compositor e de arranjador. Por ocasião de sua viagem para realizar seu primeiro recital de piano no Instituto Nacional de Música, toma contato com a música de Ernesto Nazareth, compositor este que muito o influenciou e que foi merecedor de composições e arranjos em sua homenagem: Ouvir Ernesto Nazareth do lado de fora do Cinema Odeon foi para Radamés, se não o ideal, o suficiente para perceber todas as nuances de interpretação daquele já consagrado pianista... O pianista Radamés dessa época, ao contrário de Nazareth, seguia o mesmo rumo dos concertistas, pela interpretação dos clássicos (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 17). Na citação acima se pode detectar que para Radamés Gnattali, mesmo sendo ainda um jovem e promissor músico interessado em carreira de concertista, não se aproxima da música popular vendo-a apenas como um modo de subsistência. Essa aproximação acontece também pelo gosto, pela percepção de que algo de bom o atrai nessa música e esta atração, mais tarde, geraria também o desejo de imbuir suas composições de informações da “música popular urbana”, utilizando aqui, mais uma vez, uma outra expressão de Tinhorão. Certamente a aproximação da música popular pelo gosto se deu em menor medida, já que foram suas necessidades profissionais que o levaram a conhecer profundamente a música popular. Vale esclarecer, uma outra vez, que talvez este seja o ponto que distancie Radamés Gnattali de seus contemporâneos nacionalistas: Sua obra de concerto – e isso será demonstrado mais adiante através do Concerto Carioca Nº 1 - parece percorrer pela música popular urbana, aquela que representa a imaginação de um compositor, tal qual o choro, o samba, a música de seresta e a 30 composição dos “pianeiros” e busca em menor medida inspiração na música folclórica, que é definida por Tinhorão como uma forma de expressão popular que não tem autor e que é transmitida de forma oral, de geração em geração, música essa que era fonte visitada por compositores nacionalistas. Em seus depoimentos, Radamés Gnattali se refere à música popular através de seus compositores, como por exemplo, quando se referia a Pixinguinha, dizendo que havia uma vasta produção de choro a ser conhecida, estudada, mas “os bons mesmo são os do Pixinguinha”.8 Na presente pesquisa não foram localizados depoimentos do próprio compositor onde fosse possível se localizar referencias à música folclórica servindo de inspiração para a sua música de concerto. Na verdade, Radamés Gnattali não parecia estar preocupado em se enquadrar como um compositor nacionalista, ao contrário, em sua fase madura de composição aparentava estar bem resolvido com relação à sua música, considerada por alguns, difícil de ser encaixada em qualquer padrão que a conduza a uma definição precisa. 9 Radamés Gnattali, não obstante a sua falta de paciência para dar aulas, desejou ter emprego fixo como professor de Instituto Nacional de Música no Rio de Janeiro, o que lhe garantiria o sustento e o tempo necessário para se dedicar à carreira de concertista, conforme foi dito anteriormente. No entanto, diferente do que aspirou, os encaminhamentos de sua vida profissional o levaram à carreira de arranjador, o que lhe garantiu em 1930 um emprego na Rádio Transmissora, como regente e posteriormente como arranjador e esse fato, em certa medida, lhe deu estabilidade financeira e espaço para desabrochar definitivamente sua carreira de compositor, como se a necessidade de escrever arranjos diariamente tivesse fertilizado sua imaginação de compositor. A sua carreira como arranjador parece ter sido iniciada 8 Ver o vídeo Nosso Amigo Radamés Gnattali. Brasiliana Produções. Aloísio Didier em seu livro Radamés Gnattali (1996) por diversas vezes em seu texto deixa transparecer o quanto foi e é difícil enquadrar Gnattali em um definição, seja músico erudito, popular ou nacionalista. Para Didier Radamés é o “músico total” por ter realizado com maestria todas as funções musicais às quais se submeteu e estas foram, bastante diversas. 9 31 acidentalmente, em função de sua notável habilidade de escrever na partitura de maneira exata as composições dos pianeiros dos anos 1930, que não sabiam ler e escrever música: A casa Vieira Machado, que também imprimia música, era ponto de encontro dos pianeiros que tocavam em bailes. Lá, alguns destes tinham as suas músicas impressas, mas não se mostravam muito satisfeitos com os arranjos das melodias. O arranjador costumava fazer a adaptação para a partitura à maneira dele, resultando na descaracterização das músicas. Até que Radamés resolveu a questão: “A próxima eu escrevo. Botei o cara pra tocar e fui escrevendo tudo, da mesma maneira como estava sendo executada. Quando acabou eu disse: Vê se é isso mesmo... Aí começaram a fazer meu cartaz como arranjador (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 31). É na Radio Transmissora que Radamés Gnattali toma contato com o modo de se escrever música orquestral ao sabor do Jazz, com a inclusão da Big Band - que é um grupo instrumental composto por dois saxofones altos, dois saxofones tenores, um saxofone barítono, quatro trompetes, quatro trombones, guitarra elétrica, piano, contrabaixo e bateria (LOWELL E PULLIG, 2003, p. 25) - na orquestra sinfônica, devido à visão comercial do diretor artístico desta instituição, Mr. Evans, que percebia que o disco internacional tomava conta do mercado brasileiro. Na visão de Evans os elaborados arranjos orquestrais do disco norte-americano eram o motivo de seu sucesso e por isso, desejou ter no Brasil o mesmo nível de elaboração musical. Contratou Radamés Gnattali como maestro e lhe pediu para organizar uma orquestra grande e completa e Gnattali incluiu nessa orquestra cinco saxofones e estabeleceu a utilização de quatro trompetes e quatro trombones, intrumentação característica das big bands. No início, contratouse um arranjador paulista chamado Galvão, que havia estudado arranjo nos Estados Unidos, e esse escreveu os primeiros arranjos. “O Galvão fez os arranjos e eu gostei. Comecei a estudar aquelas partes e comecei a aprender” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 35). A partir deste momento Radamés passa a escrever também para essa orquestra, com essa nova linguagem que vinha do jazz. Algum tempo depois, Gnattali se estabelece profissionalmente nesta nova função, 32 surgida a partir da música popular urbana: o arranjador. Tal profissional não existia na música erudita, pois o compositor desenvolve toda a partitura musical, com a parte de todos os instrumentos e é esse todo que perfaz a composição em si. O arranjo tem espaço na música erudita apenas no campo das transcrições e adaptações de obras originais para conjuntos instrumentais diferentes. A nova profissão é classificada por José Ramos Tinhorão como uma necessidade de mercado: Com o aparecimento das gravações – primeiro em cilindros, e logo em discos -, a produção de música popular iria ter ampliadas tanto sua base artística quanto industrial: A primeira, através da profissionalização dos cantores (solistas ou dos coros), da participação mais ampla de instrumentistas (de orquestras, bandas e conjuntos em geral) e do surgimento de figuras novas (o maestro arranjador e o diretor artístico); a segunda através do aparecimento das fábricas que exigiam capital, técnica e matéria prima (TINHORÃO, 1998, p. 247). Gnattali tinha plena consciência dessa condição, pois ele mesmo cita a necessidade da época de concorrer com o disco americano, que chegava com grande sucesso ao Brasil. Essa aproximação e gosto pelo estilo de música norte americana talvez tenha contribuído também, no campo de suas composições de concerto, para o afastamento de um anunciado nacionalismo. A adaptação instrumental da orquestra, com a inclusão dos saxofones, se deu em Radamés Gnattali não pela obra de Ravel ou Debussy, mas sim pela aproximação com o jazz, que veio primeiro nos arranjos e depois esvaiu para a sua obra de concerto. “Eu me criei dentro do impressionismo francês de Debussy e Ravel” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 15). Fica claro nesta afirmação, que esses dois compositores foram fortes influências em sua imaginação musical, mas a inclusão dos saxofones em sua orquestra parece ter-se dado mais pela aproximação com o jazz, vinda da necessidade de adaptação de mercado musical, desembocando em inspiração para a sua obra de 33 concerto, do que pela análise da orquestração dos músicos franceses, que escreveram com maestria para esse instrumento de origem belga. A inclusão de um contrabaixo acústico tocado em pizzicato ao modo jazzístico e da bateria10 também fizeram parte da orquestra destinada aos arranjos de música popular de Gnattali e os mesmos são utilizados em sua obra autoral, principalmente no Sexteto Radamés Gnattali, que inclui, neste caso, a guitarra elétrica, instrumento também ligado às Jazz Bands. A guitarra elétrica ainda ganharia destaque como solista em seu Concerto Carioca nº 1, assunto este que será abordado detalhadamente no próximo capítulo. Quando o maestro Radamés Gnattali assume definitivamente a função de arranjador, sente a necessidade de incluir na orquestra, além de instrumentos de jazz, instrumentos ligados à música popular brasileira, principalmente os de percussão. Era comum também em sua orquestra, seja nos arranjos ou nas composições, a utilização do cavaquinho e do acordeom, instrumentos estes ligados ao grupo regional11, formação instrumental muito utilizada para se acompanhar cantores no rádio e nas gravadoras da década de 1930. Essa atitude influenciaria de maneira decisiva o seu estilo de composição na área da música de concerto. Segue abaixo a lista completa das obras em que Gnattali utilizou instrumentos musicais ligados à música popular, lista dividida em peças para orquestra sinfônica, orquestra de câmara e orquestra de cordas: 1.1. Orquestra Sinfônica 10 Em sua História Social da Música Popular Brasileira, na página 252, José Ramos Tinhorão cita a “bateria compacta” como uma das necessidades de adaptação da música popular brasileira às jazz bands, já que esse instrumento é nascido das necessidades musicais do jazz. 11 O agrupamento instrumental chamado regional, antes designado “grupo de pau e corda, devido à junção da flauta de ébano com os instrumentos de corda”, recebe este nome “pela associação de sua instrumentação com as músicas regionais (que também utilizavam cavaquinho, violões, percussão e instrumento solista)”. André Diniz, em seu livro Almanaque do Choro, parece atribuir a denominação “regional” para esses grupos a partir de sua utilização nas rádios: “... eram a principal mão-de-obra dos programas de rádio, inclusive tapando os freqüentes furos da programação”, página 32. 34 Brasiliana nº 10 (1970): Escrita para grande orquestra (duas flautas, flautim, dois oboés, corno inglês, dois clarinetes, dois fagotes, quatro trompas, três trompetes, três trombones, tuba, tímpano, pratos, caixa, bombo e cordas completas) com inclusão de instrumentos ligados à música popular brasileira, tais como, triângulo tocado ao modo popular, sem estar preso ao suporte, gonguê, reco-reco e caixeta. Brasiliana nº 3 (1971): Grande orquestra (duas flautas, flautim, dois oboés, corno inglês, dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, três trompetes, três trombones, tímpano, pratos, caixa, bombo, piano e cordas completas) com triângulo, pandeiro sem couro, tarol 12e zabumba. Concerto Carioca nº 1 (1951): Foco do presente trabalho, escrito para violão elétrico (posteriormente chegou-se à conclusão de que se trata de uma guitarra elétrica), piano, orquestra (duas flautas, flautim, oboé, corno inglês, trompa, quatro trompetes, quatro trombones, tuba, pratos, bombo, tímpano, primeiros violinos 1 e 2, segundos violinos 1 e 2, violas 1 e 2, violoncelos 1 e 2 e contrabaixos), inclusão de dois saxofones altos, dois saxofones tenores e saxofone barítono nas madeiras, e percussão popular com instrumentos de escola de samba (seis tamborins, dois reco-recos, dois chocalhos, pandeiro e surdo. Nesta obra, Gnattali parece buscar a fusão da sonoridade do jazz com os saxofones e guitarra elétrica e da música popular brasileira, através dos instrumentos de percussão de escola de samba. Concerto Carioca nº 2 para piano, contrabaixo e bateria com orquestra (1964): Nesta obra, Radamés Gnattali parece fazer alusão ao trio que nesta época já era bastante utilizado 12 Tambor com duas peles e esteira na pele de resposta, tocado com baquetas de madeira e pendurado ao ombro do instrumentista. Espécie de caixa. (FRUNGILLO, 2003, P. 340). 35 pelos múscos de jazz, que é a junção do piano com contrabaixo e bateria, acompanhados por uma orquestra formada por fauta, oboé, corno inglês, clarinete, fagote, trompa, três trompetes, três trombones, tímpano, pratos, caixa, bombo e cordas completas. Tal citação ao jazz limita-se à escolha dos instrumentos, já que a obra é bastante brasileira e possui três movimentos intitulados samba, samba-canção e choro. Concerto Carioca nº 3 para flauta, saxofone alto, violão, contrabaixo e bateria, com orquestra (1972 - 73): Aqui o compositor utiliza flauta, saxofone alto, violão, contrabaixo (tocado ao modo jazzístico em pizzicato) e bateria como grupo instrumental principal sendo acompanhado pela orquestra sinfônica (duas flautas, dois oboés, dois clarinetes, dois fagotes, quatro trompas, quatro trompetes, quatro trombones, tuba, tímpano, prato, caixa, bombo e cordas completas). Concerto Carioca nº 3 (1970)– Versão original para quinteto Radamés Gnattali e orquestra (mesma formação da versão de 1972-73), com segundo piano opcional (1970): O quinteto Radamés Gnattali era formado por piano, bateria, contrabaixo, guitarra elétrica e acordeom. Concerto nº 2 para piano e orquestra (1934): Nesta obra o compositor escreve um concerto para piano e grande orquestra (duas flautas, flautim, dois oboés, corno inglês, dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, dois trompetes, três trombones, tuba, triângulo, pratos, bombo, tímpano e cordas completas) e inclui na percussão a bateria. Concerto nº 3 (seresteiro) para Camerata Carioca, Piano e orquestra (198?): Adaptação do Concerto Seresteiro para Piano e orquestra nº 3, de 1961-62, com a inclusão do grupo Camerata Carioca, que em sua formação conta com dois violões, violão de sete cordas, bandolim, cavaquinho e pandeiro, uma das possíveis formações de um regional, sendo acompanhado pela orquestra (duas flautas, dois oboés, corno inglês, dois clarinetes, clarinete 36 baixo, dois fagotes, quatro trompas, três trompetes, quatro trombones, tuba, tímpano, pratos, caixa, bombo e cordas completas). Fantasia Brasileira nº 1 para Piano e Orquestra (1936): Além do piano e grande orquestra (duas flautas, flautim, dois oboés, dois fagotes, dois clarinetes, clarinete baixo, quatro trompas, três trompetes, dois trombones, tuba, tímpano, pratos, bombo, e cordas completas) há a utilização da bateria, reco-reco e chocalho na percussão. Fantasia Brasileira nº 1 para Piano e Orquestra, segunda versão (1936): Nesta versão, incluem-se dois saxofones altos, dois saxofones tenores, saxofone barítono, bateria e contrabaixo elétrico. Embora seja uma Fantasia Brasileira, Gnattali parece buscar a sonoridade de uma big band junto à orquestra (duas flautas, três trompetes, quatro trombones, tímpano, vibrafone e cordas completas). Para sonoridades de música popular brasileira o compositor utiliza dois violões. Fantasia Brasileira nº 3 para Piano e Orquestra (1953): Nesta peça, além do piano e grande orquestra (flauta, flautim, oboé, clarinete, clarinete baixo, trompa, três trompetes, três trombones, tuba e cordas completas) há instrumentos ligados a big band que são dois saxofones altos, dois saxofones tenores, saxofone barítono e bateria, além do acordeom que no Brasil era um instrumento muito comum aos conjuntos regionais. Fantasia Brasileira nº 4 para Trombone, Piano, bateria e Orquestra (1953): No título desta obra já se anuncia em sua orquestração a utilização da bateria. Além disso, há também o grupo de saxofones (dois saxofones altos, dois saxofones tenores, saxofone barítono). Fantasia Brasileira nº 5 para Piano e Orquestra (1961): Incluem-se na orquestra (flauta, flautim, trompa e cordas completas) dessa obra, dois saxofones altos, dois saxofones tenores e saxofone barítono nos sopros e na percussão há a bateria e instrumentos de percussão popular brasileira, tais como, tamborim, pandeiro, gonguê, agogô, reco-reco e madeira. 37 Fantasia Brasileira nº 6 para Piano e Orquestra (1963): Na orquestra desta obra (três trompetes, três trombones, tuba, trompa, tímpano, bombo, caixa, prato e cordas completas) há a inclusão de dois saxofones altos, dois saxofones tenores e saxofone barítono nas madeiras e na percussão há um surdo, reco-reco, cabaça, gonguê e pandeiro. Maria Jesus dos Anjos (cantata umbandista): Para coro misto, narrador, orquestra e percussão popular (1964): Nesta cantata para coro (doze vozes masculinas e doze vozes femininas) e orquestra (três trompetes, três trombones, tuba, trompa, três tímpanos, pratos, caixa, bombo, piano e cordas completas) o próprio compositor anuncia no título a utilização de percussão popular. Os instrumentos de percussão populares dessa obra são: triângulo, caixeta13, gonguê, cabaça, reco-reco, pandeiro e atabaque. O negrinho do pastoreio: (bailado) para orquestra (1960), do original para dois pianos de 1958 - 59: Obra para orquestra (duas flautas, flautim, corno inglês, dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, três trompetes, três trombones, tuba, bells, tímpano, caixa, bombo, harpa, celesta e cordas completas) e na sessão de percussão são incluídos os seguintes instrumentos de percussão popular: pandeiro, reco-reco, tamborim, quatro atabaques e omelê14. Rapsódia para dois pianos e orquestra de jazz (1936), do original “Fantasia Brasileira nº 1”, para dois pianos: A orquestra que acompanha os dois pianos nesta obra tem a seguinte formação instrumental: flauta, oboé, clarinete, dois trompetes, dois trombones, violinos A, B, C, viola, violoncelo contrabaixo, tuba e tímpano. Dois saxofones altos e dois saxofones tenores são incluídos, além da bateria na percussão. É notável que Radamés Gnattali nomeia este grupo instrumental como “orquestra de jazz” pelo uso da bateria e em grande medida pelo 13 14 Caixa de madeira. Nome dado no Brasil ao wood block. (FRUNGILLO, 2003, P. 56). Chocalho de metal contendo sementes e pedrinhas. (FRUNGILLO, 2003, P. 231). 38 emprego dos saxofones aliados aos metais intrínsecos à orquestra sinfônica, mas que também estão presentes na big band, o que corrobora a hipótese de que a utilização dos saxofones em Radamés Gnattali se dá pelo jazz e não pela sua educação musical, permeado em seu início pelo impressionismo francês de Debussy e Ravel. Sinfonia Popular nº 1 (1956): A orquestra desta obra tem a seguinte formação: duas flautas, flautim, dois oboés, corno inglês, dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, três trompetes, quatro trombones, tuba, caixa, bombo, pratos, tímpano, harpa e cordas completas. Instrumentos de percussão popular, tais como, chocalho, reco-reco, triângulo, são incluídos na percussão. Sonatina Coreográfica (quatro movimentos dançantes) para orquestra (1952) do original para piano solo, de 1950. A orquestra é composta por duas flautas, flautim, oboé, corno inglês, clarinete, clarinete baixo, dois fagotes, trompa, três trompetes, dois trombones, bombo, pratos, tímpano e cordas completas. São incluídos um saxofone alto nas madeiras e a bateria na percussão. Suíte Brasileira (seis danças): para piano, guitarra elétrica, contrabaixo e bateria, com orquestra (1954), do original “suíte popular brasileira para violão e piano” de 1952: O contato com essa obra traz já em seu título, instrumentos ligados ao jazz, que são, a bateria, a guitarra elétrica e o contrabaixo, que é acústico porém tocado em pizzicato, ao modo jazzístico. No instrumental da orquestra constam os seguintes instrumentos: flautim, flauta, dois oboés, corno inglês, dois clarinetes, dois clarinetes baixos, trompa, três trompetes, três trombones, tuba, tímpano e cordas completas. Aliados à orquestra há um grupo de cinco saxofones (dois altos, dois tenores e um barítono) que contribuem para a intenção de se obter texturas jazzísticas. 39 Três miniaturas para orquestra (1940): A orquestra desta obra conta com duas flautas, flautim, dois oboés, dois fagotes, corno inglês, dois clarinetes, clarinete baixo, quatro trompas, três trompetes, quatro trombones, tuba, celesta, harpa, piano, pratos, caixa, bombo, tímpano, triângulo, reco-reco, chocalho e cordas completas. Impressões da Cidade para piano e orquestra (1948): A orquestra dessa obra é formada por duas flautas, dois oboés, corno inglês, dois clarinetes, clarinete baixo, fagote, duas trompas, três trompetes, dois trombones, caixa, tímpano e cordas completas, com a inclusão de um surdo na percussão, instrumento este que é comum ao samba. Música para Rádio – para orquestra, oito movimentos (1941): Orquestra formada por flauta, flautim, oboé, dois clarinetes, fagote, três trompetes, dois trombones, bells, harpa e cordas completas. Na percussão, o toque jazzístico através da bateria. Um violão tocado ao modo dos seresteiros é incluído na orquestração. Suíte retratos para piano e orquestra (198?), do original para bandolim e orquestra de cordas de 1956-57. A orquestra formada por flauta, flautim, dois oboés, dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, quatro trompas, bells, e cordas completas tem um pandeiro incluído na percussão. 1.2. Orquestra de Câmara Também se localizam instrumentos de música popular brasileira ou de jazz na música que Gnattali dedicou à orquestra de câmara: Concertino nº 1 para harmônica de boca e orquestra de câmara (1956): A instrumentação deste concertino é formada por duas flautas, flautim, dois oboés, corno inglês, 40 dois clarinetes, clarinete baixo, dois fagotes, trompa, tímpano e cordas completas. O triângulo e a bateria são incluídos na percussão. O instrumento solista, a gaita de boca, não é comum de se encontrar na música de concerto. Concertino nº 3 para piano (pequenas mãos) e orquestra de câmara (1946): A orquestra de câmara que acompanha o piano nesta obra é formada por flauta, oboé, dois clarinetes, clarinete baixo, fagote, trompa, trompete, caixa, bombo e cordas completas. São incluídos na família da percussão o reco-reco, o triângulo e o gonguê. Suíte para pequena orquestra (1940): A orquestra de câmara desta peça é formada por duas flautas, dois oboés, dois clarinetes, dois fagotes, duas trompas, dois trompetes, dois trombones, piano, violinos 1, 2 e 3, viola, violoncelo e contrabaixo. Há uma bateria como único instrumento de percussão da suíte. 1.3. Orquestra de Cordas A orquestra de cordas também foi associada por Gnattali aos instrumentos da música popular brasileira e do jazz: Brasiliana nº 2 (samba em três andamentos): para bateria e piano solistas, orquestra de cordas e percussão popular (195?): Um dos solistas da obra, a bateria, é um instrumento intrínseco ao jazz. A orquestra de cordas (violinos 1, 2, 3 e 4, violas 1 e 2, violoncelos 1 e 2 e contrabaixos) ganha uma sessão de percussão popular formada por dois tamborins, dois chocalhos, surdo, ganzá, cabaça e prato de cozinha. Canção e dança para harmônica de boca e orquestra de cordas (1959): Três anos após o concertino para harmônica de boca e orquestra, esse mesmo instrumento recebe uma outra 41 peça, desta vez acompanhado por orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola, violoncelo e contrabaixo). Concertino nº 3 para violão solista, com flauta, bateria, bells e orquestra de cordas (1957): A orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola, violoncelo e contrabaixo) que acompanha o violão solista desta peça possui, como mencionado no título, flauta, bells e a bateria que é o instrumento popular desta orquestração. Concerto nº 2 para harmônica de boca e orquestra (1968): Esta é a terceira obra que Radamés Gnattali escreve para harmônica de boca, a segunda em que é acompanhada pela orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola, violoncelo e contrabaixo). Concerto para acordeom e orquestra de cordas (1977): Radamés Gnattali escreve esta obra certamente inspirado pelo acordeom presente em regionais que acompanhavam cantores no rádio das décadas de 1930-40. Este é acompanhado pela orquestra de cordas (violino 1 e 2, viola, violoncelo e contrabaixo) e na percussão conta com duas tamboras, instrumentos assim designados no manuscrito do compositor e por isso mesmo, constam com esse nome em seu catálogo de obras. Provavelmente um tipo de tambor. Concerto nº 2 para trompete, piano, bateria e orquestra de cordas (1952): Nesta obra, uma outra vez, figura a bateria como único instrumento de percussão da orquestração. Retratos (suíte) para bandolim solista, conjunto de choro e orquestra de cordas (1956 - 57): O conjunto de choro presente na instrumentação desta suíte é composto por cavaquinho, dois violões e pandeiro. Retratos (suíte) para camerata Carioca e orquestra de cordas (1981), do original para bandolim e orquestra de cordas (1956-57): o grupo de música popular brasileira incluído nesta peça é a Camerata Carioca, formada por bandolim, cavaquinho, dois violões, violão de sete cordas e percussão popular. 42 Valsa, samba-canção e choro para violino solista, dois violões, pandeiro e orquestra de cordas (1959): a orquestra de cordas (formada por violino 1, 2 e 3, viola, violoncelo e contrabaixo) que acompanha o violino nesta obra tem o apoio harmônico de dois violões, e o pandeiro como único instrumentos de percussão. Radamés Gnattali empregou instrumentos musicais populares também em sua produção camerística. As dificuldades de se amalgamar timbres em pequenas formações, tais como duos, trios, quartetos etc., não quebrantaram o ímpeto experimental do compositor, que igualmente, neste terreno, procurou utilizar instrumentos já consagrados pela música popular brasileira ou norte-americana em sua produção de concerto. Do catálogo do compositor podem-se localizar as seguintes obras desta natureza: 1.4. Música de Câmara Brasiliana nº 7 para saxofone tenor e Quinteto Radamés (195?): Obra escrita para saxofone solo acompanhado pelo Quinteto Radamés, que contém em sua formação, piano, acordeom, guitarra elétrica, contrabaixo e bateria. O quinteto Radamés parece ter a intensão de fundir a sonoridade do jazz, através da guitarra elétrica, contrabaixo, bateria e em certa medida até mesmo do piano, com a sonoridade do regional, através do acordeom. Variações sem tema para cavaquinho e piano (1983): Nesta obra, Radamés alia o timbre do piano, instrumento já consagrado na música de concerto com o cavaquinho, que é intrínseco ao regional e ao samba. 43 Fantasia Brasileira nº 1, transcrição para sexteto Radamés (1985?): O Sexteto Radamés é formado por dois pianos, guitarra elétrica, contrabaixo, bateria e acordeom. Trata-se do Quinteto Radamés com o acréscimo do segundo piano. Moto contínuo nº 1 para Quinteto Radamés (1985?): Trata-se de uma versão para o Quinteto Radamés do original para piano solo de 1964. Sonatina Coreográfica para o quinteto Radamés (1956?): Trata-se de uma transcrição para o Quinteto Radamés, do original para piano solo de 1950. Uma Rosa para Pixinguinha, para o Quinteto Radamés (198?): Esta obra é também uma transcrição do original para piano solo de 1964 para o Quinteto Radamés. Alma Brasileira (choro) para Camerata Carioca (198?): Transcrição do original para piano solo (1930) para a Camerata Carioca, que é formada por bandolim, cavaquinho, dois violões, violão de sete cordas e pandeiro. Nesta Transcrição há também o piano. Concerto para acordeom solista e camerata Carioca com piano (1980?): Transcrição do original para acordeom e orquestra de cordas, de 1977. O operário em construção, para canto, narrador e Camerata Carioca com piano (1966): Versão para a Camerata Carioca do original para canto, narrador, piano e percussão de 1966. Retratos (suíte) para bandolim solista e Camerata Carioca (1979): Trata-se de uma transcrição para Camerata Carioca do original para bandolim e orquestra de cordas de 1956-57. Sexteto para Camerata Carioca (1981): Obra para a camerata carioca, tendo o pandeiro substituído pela bateria. Extraída do Concerto para bandolim e orquestra de cordas de 1956-57. Radamés Gnattali, mais uma vez, parece ter como objetivo amalgamar a sonoridade de um regional com a bateria, instrumento este vindo da música norte-americana. 44 Suíte Brasileira para Camerata Carioca com piano e flauta (198?): Esta peça é uma transcrição da Suíte para pequena orquestra de 1940 para Camerata Carioca com piano e flauta. A listagem de peças acima foi baseada no Catálogo Digital da Brasiliana Produções, pois o livro Radamés Gnattali, o eterno experimentador não traz em seu catálogo detalhamentos sobre a orquestração das obras. Os autores citam que determinada peça foi escrita para orquestra sinfônica, mas não minudenciam a instrumentação escolhida pelo compositor. Só é possível constatar alguma “experimentação” no catálogo quando ela está descrita no título da composição. Esses dois catálogos são as únicas fontes disponíveis com relação à catalogação completa das obras de Radamés Gnattali, já que o volume da coleção “Compositores de América: Datos Biográficos y Catálogos de Sus Obras, Volume 16” foi publicado em 1970, data em que ainda restam dezoito anos de vida ao compositor. Percebe-se que há um número significativo de peças de concerto de Gnattali nas quais foram empregados instrumentos ligados à música popular brasileira ou ao jazz. São quarenta e oito obras com essa característica experimental entre as duzentas e setenta e quatro musicas de concerto que constam em seu catálogo15. Pode-se observar que todas essas quarenta e oito peças foram escritas a partir da década de 1930, mesma data em que Radamés Gnattali dá início à sua carreira de maestro-arranjador como músico contratado da Rádio Transmissora. É neste trabalho que estreita sua aproximação com os ritmos da música popular brasileira, com seus instrumentos, com o grupo regional que nesta época já é mão de obra profissional em rádios e gravadoras, tanto como executante de música instrumental como realizadores de acompanhamentos para cantores. Seu contato com o jazz e com as jazz bands também se intensifica neste momento. É a partir 15 Ver o site www.radamesgnattali.com.br . Neste endereço foi publicado, em 2007, o catálogo digital da Brasiliana Produções. 45 deste período em que trabalha como arranjador que começa a incluir em sua obra de concerto, não só elementos (técnicos e estéticos) da música popular brasileira urbana e do jazz, mas também seus instrumentos. Esses fatos corroboram a tese de que a experimentação instrumental de Radamés Gnattali vem da música popular urbana e da necessidade profissional de se estudar e entender esses instrumentos para que fossem utilizados de maneira adequada nos arranjos para os cantores do rádio e das gravadoras da época. Este estudo dos instrumentos deste gênero musical – o próprio Radamés admite ter estudado os arranjos escritos por um certo Galvão na Rádio Transmissora – certamente despertou no compositor um encantamento por essas sonoridades instrumentais e também pelas texturas conseguidas nos grupos de música popular, levando-o a experimentar esse novo leque de possibilidades sonoras também em sua obra de concerto, já que a função de arranjador lhe trouxe prática de escrita, e esta o levou à ampliação da sua capacidade de compor, bem como estimulou sua criatividade, seu imaginário de criador. 46 2. SEGUNDO CAPÍTULO: OS RITMOS POPULARES NA ORQUESTRAÇÃO DO CONCERTO CARIOCA Nº 1. O contato com os músicos populares também trouxe a Gnattali boas idéias musicais, que em princípio vieram para resolver problemas de orquestração nos arranjos para a música popular e que ao mesmo tempo também ficaram perceptíveis na obra de concerto de Radamés Gnattali, principalmente em padrões rítmicos de acompanhamento de piano, violão e guitarra elétrica, em construção melódica no âmbito dos motivos escolhidos para construção de temas e também no ritmo da música popular brasileira, que em Radamés Gnattali transcende os instrumentos de percussão e a bateria e passa a envolver a orquestra. As próximas páginas do presente capítulo se ocuparão de demonstrar e exemplificar através de fragmentos do Concerto Carioca nº 1 o último item, o ritmo brasileiro na orquestra, ficando para os próximos capítulos a explanação sobre os padrões de acompanhamento ao piano e guitarra elétrica e a construção melódica. Quanto ao ritmo empregado por Gnattali na orquestra, há um músico que foi indispensável no despertar da imaginação do compositor neste sentido: O baterista Luciano Perrone: Nesse mesmo ano (1929), Radamés Gnattali conheceu aquele que viria a se tornar um dos seus músicos preferidos e grande amigo ao longo de toda a sua vida: Luciano Perrone. Radamés passava por dificuldades financeiras, quando foi procurado para substituir o pianista Mário Martins, no Cassino das Fontes em Lambari... (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 24). E foi no Cassino das Fontes que Gnattali teve seu primeiro contato com Luciano Perrone, músico que estava em sua viagem de lua de mel em Lambari e que por sugestão de sua esposa foi até o estabelecimento para ver o pianista Radamés Gnattali tocar. Nesta ocasião, Gnattali que 47 já ouvira falar do baterista o convida para uma participação especial e daí nasce a parceria musical que marcaria a carreira de compositor de Radamés Gnattali e mudaria a maneira de se orquestrar os arranjos de música popular brasileira. O próprio Luciano Perrone descreve como se deu este fato: “Até 1927, não se podia gravar batucada, porque a cera não suportava a vibração dos instrumentos. Quando veio a gravação elétrica, a gente começou – na Odeon e na Parlophon – a usar os instrumentos de percussão, mas com uma batida muito leve. Na RCA, a partir da década de 1930, a gravações já comportavam a batucada, e a orquestra tinha muita gente na percussão, como Tio Faustino no omelê; João da Bahiana no pandeiro; Bidê, Marçal e Buci nos tamborins; Vidraça no Ganzá, Oswaldo na cabaça; e eu. Radamés fazia os arranjos para Orlando Silva por exemplo, e quando este estava cantando, a orquestra fazia a harmonia, e o ritmo era todo na percussão. Quando fomos para a Rádio Nacional, o cantor trouxe da gravadora o mesmo arranjo, mas, como na rádio dessa época só tinha eu de bateria e mais um outro na percussão, ficava um vazio enorme. E eu me desdobrando na bateria para suprir a falta dos outros instrumentos.” A carência virou ato criativo. E o baterista, num lampejo, sugeriu ao maestro, quando um dia saiam do estúdio; “Radamés, continuar assim não é possível. Por que você não muda a forma de orquestrar? Aqui a gente não tem aqueles ritmistas todos. Se você puser o ritmo na orquestra...” (citado por BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 45) E foi á partir deste momento que Gnattali passa a mudar sua forma de orquestrar os arranjos de música popular, aplicando nos instrumentos da orquestra os padrões rítmicos que são encontrados nos instrumentos de percussão, modificando motivos melódicos, alterando o ritmo harmônico da orquestra fazendo com que a mesma esteja permeada por ritmo de instrumentos de percussão popular, seja nas melodias, nas vozes de dentro da instrumentação ou na artesania da construção do passo harmônico que perfaz o ritmo de acompanhamento. Esse fenômeno de transferência rítmica, ou seja, ritmo de instrumentos de percussão transportados a instrumentos de outra natureza não perfaz uma novidade, nem tampouco uma inovação no mundo musical, já que isso ocorre e é perceptível em diversos estilos musicais de diferentes épocas. Tal novidade só pode ser considerada se percebida no âmbito da música popular brasileira que é orquestrada, e nesse ponto, certamente Radamés Gnattali teria sido o prenunciador de uma nova maneira de 48 utilização da orquestra sinfônica. Essa nova técnica de orquestração de música popular em Radamés Gnattali, assim como a instrumentação, transpassa o âmbito dos arranjos e permeia também sua obra de concerto. Mais uma vez, será possível observar que Radamés Gnattali não constrói nenhuma barreira para que a influência da música popular urbana chegue até a sua obra de concerto, gerando novos coloridos instrumentais, fazendo com que o ritmo da música de concerto respire de maneira diferente. No campo da música erudita, além da escolha de instrumentos ligados à música popular, que surge de suas necessidades profissionais como arranjador, Gnattali também emprega ritmos deste estilo de música em sua obra de concerto e isso se dá, em maior medida, pelo contato com a música popular comercial e pela necessidade de solução de suas problemáticas do que por uma ideologia nacionalista, se é que tal ideologia um dia chegou a fazer parte do pensamento musical desse compositor. É também perceptível a influência do jazz na maneira de orquestrar de Radamés Gnattali, como foi citado no capítulo anterior, o que o afasta um pouco mais do nacionalismo anunciado pela crítica em seu início de carreira como compositor. O próprio Mário de Andrade certa vez escreveu sobre a obra do compositor gaúcho, reconhecendo e enfatizando sua habilidade em trabalhar com o equilíbrio dos timbres da orquestra, bem como sua fluência criativo-musical, porém, no mesmo texto diz que sua música é “um pouco jazzificada demais” para o seu gosto “defensivamente nacional” (BARBOSA E DEVOS, 1984, p. 48), o que tratava de afastá-lo dos interesses ideológicos do movimento encabeçado pelo intelectual nacionalista. As próximas páginas deste capítulo se ocuparão de ilustrar a nova maneira de se trabalhar o ritmo orquestral em música brasileira, gerado pela necessidade de solução de problemáticas profissionais do arranjador Radamés Gnattali e posteriormente transportada para sua música de concerto. Os exemplos serão extraídos do Concerto Carioca Nº 1. Dos quatro movimentos que são: marcha, canção, valsa e samba, os que apresentam maior interesse na forma de orquestrar 49 são a marcha, que por ser uma marcha rancho tem em seu ritmo orquestral elementos brasileiros, a canção, por remeter à seresta e o samba, por ter ritmos característicos dos instrumentos de percussão transportados para as cordas, madeiras ou metais. Os exemplos serão dados a cada movimento. Esta análise será mantida no âmbito da orquestra e não focará os solistas, pois estes serão foco dos próximos capítulos. Seguem, nas figuras 02 e 03 a cópia fac-similar da capa e a última página autógrafas do concerto, com destaque para as datas de realização da obra: 50 Figura 02: Fonte: Cópia fac-similar de manuscrito autógrafo do compositor. 51 Figura 03: Fonte: Cópia fac-similar de manuscrito autógrafo do compositor. 52 Este concerto está estruturado em quatro movimentos, que são: • Marcha • Canção • Valsa Seresteira • Samba É composto para piano, violão elétrico (guitarra elétrica) e orquestra, esta última organizada da seguinte maneira: • Três Flautas (3º com flautim) • Oboé • Corno Inglês • Clarinete Baixo • Trompa (Corno) • Quatro trompetes • Quatro Trombones • Tuba • Dois Saxofones Altos (em Mi bemol) • Dois Saxofones tenores (Em Si bemol) • Saxofone Barítono (Em Mi bemol) • Caixa e castanholas • Pratos • Bombo • Tímpanos • Cordas 53 Associada à orquestra, há uma sessão de percussão composta por instrumentos ligados à música popular brasileira, mais especificamente ao samba. Estes instrumentos são: • Seis tamborins • Dois reco-recos • Dois chocalhos • Um pandeiro • Um Surdo É importante destacar que para este concerto Radamés Gnattali escreveu uma partitura para todos os instrumentos de percussão separada da partitura principal. Segundo depoimento de sua esposa Nelly Gnattali16, ele assim o fez por uma questão de espaço disponível nas folhas de composição. Uma folha seria insuficiente para comportar a escrita de todos os instrumentos da orquestra mais a sessão de percussão. Além da peculiaridade dos instrumentos de percussão ligados à música popular citados acima, outro ponto que chama a atenção é a escolha do violão elétrico para atuar ao lado do piano como um dos solistas do concerto, lembrando um concerto grosso. 2.1. Primeiro Movimento: Marcha O primeiro movimento não tem indicação de andamento, mas por ser uma marcha, pressupõe-se um andante, nem muito rápido nem muito lento. Gnattali deixa em seu manuscrito a figura da semínima no início da página, como se fosse indicar o andamento, mas não há nenhum 16 Em entrevista concedida por telefone em setembro de 2004. 54 número recomendando a quantidade de pulsos por minuto como podemos comprovar no destaque da figura 04 que foi extraída da cópia fac-similar do manuscrito autógrafo do concerto. Provavelmente o compositor se esqueceu de indicar o andamento. A fórmula de compasso é quatro por quatro durante todo o movimento. Figura 04: Nos exemplos a seguir, pode-se localizar com freqüência o seguinte padrão rítmico: Esse padrão rítmico poderá ser localizado nas próximas páginas estruturando o ritmo de diversas combinações orquestrais. Tal célula rítmica é característica da marcha, seja da marcha 55 rancho ou da marcha de carnaval, estilos estes que Gnattali utiliza para caracterizar o primeiro movimento deste concerto. Em geral, a prática entre músicos populares é de se escrever a marcha em dois por quatro (SYLLOS E MONTANHAUR, 2003, p. 47) como no exemplo a seguir: O compositor preferiu escrever a marcha em quatro por quatro, o que parece ser um procedimento mais adequado, já que o ciclo da marcha, ou seja, sua idéia (ou frase) rítmica central, se repete a cada quatro pulsos. A escolha do compasso quaternário, em certa medida, contraria o “gesto”17 musical da marcha que pressupõe passos, dois, dados regularmente um após o outro (alusão ao ato de marchar), mas se tal gesto realmente condiz com este estilo de música ele está subjacente, regulando o pulso da música. A idéia rítmica central é o elemento que aparece em primeiro plano, fazendo perceber uma organização musical que acontece a cada quatro pulsos. Logo na introdução do Concerto Carioca nº 1, no quarto compasso, localiza-se o padrão rítmico da marcha sendo aplicado às cordas (figura 05), com alteração apenas no último tempo do compasso, onde cada colcheia é dividida em duas semicolcheias, remetendo a um padrão rítmico muito comum de se encontrar em partes escritas para caixa clara: Figura 05 (compasso 04): 17 Ver o livro O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira - Música, de Squeff e Wisnick. Wisnick fala da gestualidade da música em sua parte do livro, que se inicia na p.130. 56 Este procedimento observado na figura 05 foi utilizado por Radamés Gnattali para suprir a falta de percussionistas em um de seus trabalhos como arranjador de música popular. O efeito orquestral conseguido foi, para o compositor, tão satisfatório que o mesmo o utiliza em suas obras de concerto. No caso específico deste concerto, não seria preciso se utilizar desse recurso orquestral por necessidade técnica, já que o mesmo tem uma grande sessão de instrumentos de percussão popular composta por seis tamborins (divididos de dois em dois), dois reco-recos, dois chocalhos, um pandeiro e um surdo, além de percussão orquestral convencional, como caixa, castanholas, pratos, bombo e tímpanos. A transferência do ritmo dos instrumentos de percussão para instrumentos de outras famílias da orquestra se dá, neste caso, por uma escolha estética. 57 Em seguida, no compasso 10, é a vez dos saxofones executarem suas melodias percorrendo pelo ritmo oriundo da marcha (figura 06): Figura 06 (compassos 10, 11 e 12): No próximo exemplo (figura 07), compasso 63, há um diálogo entre saxofones e trompetes, onde os saxofones tocam, nos dois primeiros tempos, uma colcheia pontuada seguida de semicolcheia, esta por sua vez seguida por duas colcheias. Os trompetes tocam esse mesmo fragmento do padrão rítmico da marcha nos dois tempos restantes do compasso: 58 Figura 07 (compassos 63, 64 e 65): No compasso 118 é possível localizar os violinos e violas executando um trecho bastante rítmico (figura 08) e embora diferente do padrão que aqui foi dado como característico da marcha pode-se perceber que Gnattali está remetendo a um toque de caixa. O ritmo atribuído às cordas pode ser comparado à frases rítmicas executadas por instrumentos de percussão e ainda é possível entender que a mesma é fruto de transformações do padrão rítmico deste movimento : 59 Figura 08 (compassos 118 e 119): No exemplo da figura 08 cabe uma observação harmônica: A homofonia presente neste fragmento é construída sobre dois acordes bastante interessantes, o primeiro no compasso 118, formado do grave para o agudo pelas notas Do, Mi, Si bemol, Ré, Fá sustenido e Lá e o segundo, no compasso 119 possuí as notas Si, Ré sustenido, Lá, Do sustenido, Mi sustenido e Sol sustenido. O primeiro acorde é um acorde dominante de Do Maior, com sétima menor, nona maior, décima primeira aumentada e décima terceira maior que é conduzido paralelamente a outro acorde dominante, dessa vez um Si Maior, com as mesmas dissonâncias. Seria possível analisar o primeiro como um acorde de sexta aumentada com função de subdominante, se a nota Si bemol fosse enarmonizada para Lá sustenido (mesmo que no compasso seguinte o compositor não resolva esta sexta aumentada na nota si, fundamental do próximo acorde. Em vez disso, desce para a nota Lá, sétima menor do próximo acorde), realizando a condução padrão deste tipo de acorde, que desce meio tom, desembocando em uma dominante. A quantidade de dissonâncias de cada um dos acordes não caracteriza tal passagem como atonal e este procedimento de incluir em uma tríade tantas dissonâncias, sem a necessidade de prepará-las e resolvê-las é característica do jazz. Na música erudita tonal, principalmente do romantismo, 60 também é possível encontrar dissonâncias sem preparações ou resoluções, mas tais liberdades são decorrentes de processos anteriores de tratamento harmônico e, portanto, pode-se entender que os compositores desta área do conhecimento musical têm plena consciência da evolução que estão propondo à música quando tomam atitudes novas com relação à dissonância. No campo da música popular urbana, focando no jazz, é admissível crer que o músico deste estilo buscou com essas dissonâncias uma caracterização do acorde, atribuindo a ele um caráter distinto, ornamentando (sugerindo aqui ornamentos harmônicos) o mesmo sem necessariamente implicar em uma direção gerada por tais dissonâncias, nem tampouco em evolução de alguma tradição musical anterior. Pode-se entender que este tipo de utilização de dissonâncias busca fazer reconhecer um estilo musical por sua verticalidade (notas simultâneas) e não apenas por sua horizontalidade (melodia). A emissão simultânea de notas faz com que tal percepção se dê reduzida no tempo já que não é necessário se esperar parte da melodia para que ocorra a identificação. Na maior parte da produção musical da história do jazz é possível observar que se evita na harmonia dos temas a utilização da tríade pura, sem dissonâncias, processo este que carrega consigo a proposta de uma escuta diferente do fenômeno harmônico; a dissonância como simples ornamento de cada acorde e não como elemento que implica em diferentes direcionamentos, sugerindo ao ouvinte que perceba estabilidade em cada um desses acordes, estabilidade mesma que está presente em consonâncias. Esta utilização de dissonâncias característica do jazz transportada para a música de concerto talvez seja uma característica possível de ser localizada apenas em Radamés Gnattali entre os compositores eruditos brasileiros de sua geração. Os dois primeiros tempos do padrão rítmico da marcha podem ser encontrados novamente como no exemplo da figura 07, porém, desta vez o diálogo acontece entre os trombones e trompetes, como se pode observar no exemplo da figura 09 que foi extraído do 61 compasso 140 com anacruse. Neste exemplo também cabe explanação sobre a harmonia utilizada. No acorde do primeiro tempo do compasso 140 acontecem as seguintes notas (som real) do grave para o agudo: Sol, Mi bemol, Si bemol, Ré, Mi bemol, Si bemol, Sol e Ré, o que constitui um acorde de Sol Menor com sexta menor. No compasso 141 foram empregadas as notas Lá, Mi, Sol e Do nos trombones e as notas (som real) Mi bemol, Sol, Si bemol e Ré nos trompetes. É possível localizar aí (Compasso 141) a sobreposição de dois acordes: Um Lá Menor com sétima menor nos trombones e sobreposto a este, um Mi bemol Maior com sétima maior nos trompetes. Além dos acordes com sétima, bastante característicos do jazz (sobretudo o Mi bemol Maior com sétima maior, tipo de acorde que, no jazz, não se costuma resolver a sétima maior, ainda que esta seja a sensível em relação a fundamental do próprio acorde, pelo contrário, ela permanece no acorde parecendo pretender induzir o ouvinte a aceitá-lo com acorde estável, de repouso. A sétima maior, neste caso, não induz a resolução e funciona como um ornamento harmônico deste acorde e não como apogiatura) localiza-se aí uma insinuação à bitonalidade. A música continua tonal, não se configura como bitonal, mas momentos como esse parecem citar tal técnica de composição. 62 Figura 09 (anacruse no compasso 139 seguido por compassos 140 e 141): Nos compassos 169 e 170 é a vez do tímpano executar o padrão rítmico da marcha rancho (figura 10), mantendo sempre a nota Lá: Figura 10 (compassos 169 e 170): E este mesmo padrão rítmico, no compasso 181 transforma-se em motivo para a intervenção melódica dos trombones, com uma única alteração na última célula rítmica deste motivo, onde as duas colcheias do padrão aqui adotado como convencional da marcha é substituída por uma colcheia pontuada seguida de semicolcheia, tal qual a primeira célula: 63 Figura 11 (compassos 181, 182 e 183): Logo em seguida, no compasso 184 (figura 12) este mesmo motivo vem estruturar a melodia nas madeiras e trompa, onde o clarinete baixo inicia a idéia melódica nos dois primeiros tempos do compasso - enquanto flautas e oboé executam uma escala ascendente em semicolcheias - que é concluída nos dois tempos seguintes pela trompa: Figura 12 (compassos 184 e 185): Nos compassos 190, 191 e 192, há um fragmento forte e expressivo, alcançado pelo compositor por meio de um tutti orquestral. Em meio a esta densa instrumentação Gnattali utiliza 64 o padrão rítmico da marcha nos metais, nos saxofones e na trompa (figura 13). O padrão rítmico é iniciado pela trompa, saxofones e trompetes que executam os dois primeiros tempos e em seguida são respondidos pelos trombones, responsáveis pelos dois tempos seguintes, apresentando modificação no terceiro tempo do compasso, onde as duas colcheias, convencionais à marcha, são substituídas por duas semicolcheias seguidas por colcheia, sendo que a primeira destas semicolcheias encontra-se ligada com a última colcheia do tempo anterior: Figura 13 (compassos 190, 191 e 192): 65 2.2. Segundo Movimento: Canção O segundo movimento está em quatro por quatro e tem indicação de andamento lento, com a semínima em 60 bpm como se pode observar na figura 11, que foi extraída da mesma fonte das figuras 01, 02 e 03: Figura 14: Gnattali pede também para que o pianista toque tudo “muito ligado”, interpretação esta, que aliada ao andamento lento e a curta duração deste movimento remete à canção e talvez, mais especificamente, à canção brasileira, como o samba-canção ou a música praticada por seresteiros como o choro-canção ou o samba-choro. “Embora seja um gênero basicamente instrumental, a inserção de letras em algumas melodias elevou o choro à categoria de estrela, sendo muitos deles cantados país afora” (DINIZ, 2003, p. 53). Composições de Pixinguinha foram dotadas de letras, transformando-se em canções, como por exemplo Carinhoso e Rosa, que foram gravadas em 1937 pelo cantor Orlando Silva. “Os choros de Pixinguinha não foram os primeiros a serem 66 cantados. Ainda no século XIX, o poeta popular e cantor de modinhas Catulo da Paixão Cearense pôs letras rebuscadas, à parnasiana, em melodias de Joaquim Callado, Anacleto de Medeiros, Irineu de Almeida, Ernesto Nazareth, entre outros” (DINIZ, 2003, p. 55). É possível que na mesma medida em que o choro foi imbuído da canção, a mesma foi influenciada pelo choro, principalmente na maneira de se acompanhar melodias. Certos procedimentos rítmicos empregados no encadeamento de acordes localizados em canções são característicos do acompanhamento realizado pelo violão no choro ou ainda na música para piano escrita por compositores como Ernesto Nazareth. Nelson Faria dá o seguinte padrão como procedimento rítmico característico do choro (FARIA, 1995, p. 88): Gnattali, neste segundo movimento, vai se utilizar deste padrão rítmico do choro, porém, o alarga em sua escrita, dobrando cada uma das figuras, inserindo-as em um compasso de quatro por quatro o que nos dá a impressão de que o compositor procura uma escrita mais adequada a uma canção lenta, ainda que esta seja derivada do choro. Nos exemplos analisados a seguir pode-se encontrar com freqüência o seguinte padrão rítmico, que é o alargamento da escrita do choro proposta por Gnattali, se diferenciando da escrita que em geral é utilizada por músicos populares: 67 Este padrão rítmico estará presente em acompanhamentos harmônicos realizados pela orquestra. Neste movimento o compositor não utiliza nenhum instrumento de percussão. Logo no compasso 18, do segundo movimento, é possível localizar este padrão rítmico nas cordas e nos saxofones que acompanham o piano solo em contraponto com a trompa. Isso se dá a partir da segunda metade do compasso 18 (figura 15) entre baixos, violoncelos e saxofones. No compasso 19 é possível observar essa figuração entre as cordas, porém com o segundo baixo do acorde deslocado para o quarto tempo e no compasso 20 o mesmo ocorre entre saxofones, entretanto com o primeiro baixo do acorde deslocado para o segundo tempo e se prolongando por todo o compasso. Esse mesmo fragmento se repete nos compassos 26 e 53. Por este movimento ser bastante curto, este é o único exemplo em que se pode localizar ritmo de música popular inserido aos instrumentos de orquestra que não os de percussão. O terceiro movimento desta obra é uma valsa, escrita de maneira tradicional, ao modo europeu em três por quatro, portanto, não se faz necessário analisar o ritmo orquestral deste movimento, pois este pouco se difere de uma valsa européia. Esta análise orquestral passará então diretamente ao quarto movimento. 68 Figura 15 (compassos 18, 19 e 20): 69 2.3. Quarto Movimento: Samba Conforme foi observado anteriormente, Radamés Gnattali passa a “por ritmo na orquestra” por uma necessidade profissional que veio da falta de percussionistas em um de seus empregos de arranjador de música popular. No entanto, este procedimento acaba por se incorporar à linguagem musical do compositor, que o usa também em sua música de concerto. Neste movimento do Concerto Carioca não há falta de percussionistas e ainda assim o compositor remeterá ao ritmo do samba em alguns fragmentos do concerto, ora nas cordas, ora nos sopros. Nelson Faria cita o seguinte padrão como sendo básico do samba (FARIA, 1995, p. 25): Gnattali utiliza em sua obra este padrão, transformado em alguns momentos, mas há uma forte presença da síncopa na orquestração deste movimento. O compositor opta também por escrever o samba em quatro por quatro em vez da escrita apontada por Faria, o que parece ser mais correto, pois o ciclo rítmico se repete a cada quatro pulsos. Em alguns momentos há também o preenchimento de compassos inteiros com semicolcheias, padrão este que caracteriza uma das formas de tocar o pandeiro, algum tipo de chocalho ou, em interpretações mais modernas, os pratos da bateria no samba (SYLLOS E MONTANHAUR, 2003, p. 39). No terceiro compasso desse movimento (figura 16) é possível identificar na escrita de Gnattali para as cordas uma analogia com o pandeiro, principalmente se for considerada a ausência de marcação de arcada, significando que os instrumentistas devem articular cada uma 70 das semicolcheias, evitando o legatto. Isso faz com que tal fragmento soe ritmado, remetendo aos instrumentos de percussão: Figura 16 (3º compasso): Em seguida, no compasso seis (figura 17) o mesmo padrão rítmico é utilizado novamente nas cordas, quase repetindo a mesma frase: 71 Figura 17 (compasso 6): E, novamente, o mesmo ritmo aplicado às cordas acontece no compasso 44 (figura 18), mais uma vez, sem marcação de arcadas, evitando sonoridades ligadas, fazendo com que cada nota soe pontual, como se os violinos, violas, violoncelos e contrabaixos fossem os instrumentos de percussão deste momento da peça. É função deles garantir que o ouvinte reconheça na música o balanço, o ritmo do samba: 72 Figura 18 (compasso 44): Do compasso 62 ao compasso 65 (figura 19) o ritmo do samba pode ser percebido, dessa vez nos metais. A percepção de tal ritmo se dá por uma transformação do padrão básico determinado por Faria, mas tal transformação mantém, no último tempo do compasso, uma síncopa cuja primeira semicolcheia está ligada com a semínima que a precede, garantindo assim o ritmo característico do samba. É importante salientar que neste fragmento, conforme se observa na figura 19, há uma grande sessão de percussão, composta por seis tamborins divididos de dois em dois, surdo, reco-reco, chocalho e pandeiro. Ou seja, não seria necessário, neste momento, se transferir o ritmo da percussão para outros instrumentos para garantir a desenvoltura rítmica da peça. Gnattali o faz por tal procedimento composicional já estar incorporado à linguagem de sua música: 73 Figura 19 (compassos 62 ao 65): 74 O mesmo procedimento rítmico, exatamente com a mesma instrumentação também acontece do compasso 74 ao 77. No compasso 78 flautas, oboé e corno inglês, juntamente com as cordas executam um fragmento em semicolcheias, sem o uso do legatto como se pode observar na figura 20: Figura 20 (Compassos 78 e 79): 75 No compasso 109 (figura 21), com fórmula de compasso em quatro por oito, Gnattali aplica a rítmica do samba aos saxofones, escrevendo neste compasso duas síncopas ligadas, garantindo o balanço deste tipo de musica popular: Figura 21 (Compassos 109 e 110): A análise do Concerto Carioca realizado neste capítulo permite entender que a obra de concerto de Radamés Gnattali é decisivamente influenciada por sua vivência com a música popular que se deu através de sua função de arranjador. Não fosse seu contato íntimo com a música popular, sua obra composicional, se é que a mesma existiria, seria outra. Os procedimentos de orquestração utilizados por Gnattali em seus trabalhos como arranjador permearam também sua criação erudita e permitiram, parafraseando Barbosa e Devos, que ele fosse um “experimentador” também no âmbito da música de concerto. 76 3. TERCEIRO CAPÍTULO: A UTILIZAÇÃO DA GUITARRA ELÉTRICA COMO SOLISTA NO CONCERTO CARIOCA Nº 1. É notável no compositor Radamés Gnattali uma certa inventividade nas questões de orquestração, principalmente no que concerne às escolhas timbrísticas e a combinação instrumental. É notória sua fluência para sintetizar instrumentos ligados à música popular com a orquestra sinfônica. Seu domínio sobre a música erudita, reflexo de seus estudos formais de piano no conservatório do Rio Grande do Sul, e sua vivência com a música popular nos trabalhos de rádio, televisão e arranjos para cantores populares, resultam em um estilo de composição permeado por informações vindas desses dois universos da música ocidental. Constata-se que a obra de Gnattali é recheada de peculiaridades no que se refere a esses dois pontos que buscamos destacar: • Uma escrita sinfônica imbuída de elementos da música popular. • Uma obra de concerto que por muitas vezes consta de instrumentos ligados à música popular em sua orquestração/instrumentação. Dentre as peças constantes do catálogo de Gnattali, cada uma com suas particularidades instrumentais, uma delas chama a atenção: o “Concerto Carioca”. Pela primeira vez na história da música brasileira, um compositor emprega um instrumento eletroacústico como solista na música sinfônica. A partir da constatação do ineditismo da escolha de um dos solistas desta obra, que em princípio se acreditou ser um violão elétrico, é possível fazer as seguintes questões: Por que Gnattali preferiu um violão elétrico e por que não escolheu como solista um violão puramente acústico? Esta escolha foi feita para resolver um problema de orquestração – a falta de projeção e volume de som do violão frente ao piano, orquestra e percussão – ou é uma escolha estética, no 77 sentido de inovar empregando um novo timbre como solista de música concertante? Nos dias de hoje, é comum ampliar o som do violão com o uso de microfones. Desta técnica de áudio, se espera que a capacidade timbrística do violão seja preservada, porém amplificada, com o mínimo de perdas possível em relação ao som acústico original do instrumento. No caso do “violão elétrico”, aquele que usa um captador magnético de rastilho, se admite que mudanças timbrísticas drásticas acontecerão ao instrumento. É possível verificar entre os violonistas que os mais puristas não admitem este tipo de sonoridade como um som tipicamente violonístico. Tendo em vista esta problemática, pretende-se sustentar a hipótese de que a escolha deste instrumento não foi feita para se resolver problemas de instrumentação, mas foi uma opção estética e timbrística, pois pode-se supor que Gnattali abriu mão de uma sonoridade clássica do violão para experimentar uma nova sonoridade, um novo instrumento, capaz de desempenhar o papel de solista com desenvoltura e boa sonoridade, com capacidade melódica interessante devido ao poder de sustentação de cada nota, garantindo interpretações cantabile e com capacidade de realização de acordes igual ao violão. Se a intenção do compositor fosse preservar o timbre do violão acústico, possivelmente teria feito a escolha da microfonação do instrumento, processo este que garante maior preservação da capacidade timbrística natural do instrumento em questão. É importante salientar que se pretende neste capítulo provar a seguinte hipótese: Radamés Gnattali escolhe o violão elétrico como solista não para resolver um problema de instrumentação, que seria o baixo poder de projeção do violão. Esta escolha foi feita para se experimentar um novo timbre instrumental, brilhante e de grande capacidade melódica, apto a desempenhar função de solista na música de concerto. Embora esta obra seja dedicada ao violonista Laurindo Almeida, a gravação desta foi realizada pelo multi-instrumentista de cordas José Menezes. Para se obter informações mais precisas quanto à execução prática deste concerto, o autor da presente dissertação realizou em 78 Dezembro de 2005 uma entrevista por telefone com José Menezes. Segundo Menezes, o concerto foi gravado aproximadamente em 1960: “Não me lembro exatamente quando gravei o Concerto Carioca18, mas foi em torno de 1960. Foi uma gravação de estúdio mesmo. Realizei algumas apresentações ao vivo deste concerto, mas a gravação mesmo foi feita em estúdio”. Ainda segundo Menezes, o instrumento solista idealizado por Radamés Gnattali e utilizado por ele na gravação foi, curiosamente e experimentalmente, uma guitarra elétrica. Atualmente, este instrumento é utilizado largamente em diversos estilos de música popular, mas sua origem se deu no Jazz Norte Americano e vem da necessidade de se ampliar o som do violão para que o mesmo pudesse acompanhar uma Big Band. No entanto, na década de cinqüenta, este instrumento era escasso no Brasil, mesmo na música popular, e na música erudita mundial não há registros de utilização deste instrumento nesta época. Tal informação corrobora a hipótese de que Gnattali teria optado, sobretudo por um experimento instrumental do que por uma solução prática para um problema de equilíbrio de volume sonoro entre orquestra e solista. Embora seja indicado um “Violão Elétrico” como solista do Concerto Carioca, Menezes nos informa que Gnattali estava se referindo à guitarra elétrica: 18 Segundo nossas pesquisas, o referido concerto teve sua primeira audição em 30/03/1965 com José Menezes à guitarra elétrica e o compositor ao piano, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Este concerto foi promovido pela gravadora Continental, para lançamento do LP gravado neste mesmo ano, contando com os mesmos solistas da primeira audição e a Orquestra Sinfônica Continental sob a regência de Henrique Morelembaum. (BARBOSA E DEVOS, 1984, P. 77). . 79 “Nessa época a guitarra elétrica era chamada de violão elétrico sabe? Não se diferenciava muito esses dois instrumentos. O Radamés pediu a guitarra porque um violão acústico não conseguiria se destacar na orquestra e nem nos diálogos com o piano19. Eu usei uma guitarra da marca Gibson modelo Lês Paul para gravar esse concerto. ...é preciso ser violonista para se tocar esse concerto. Se não se tem técnica de violão erudito, não se toca essa obra. Como eu possuo as duas escolas (Mão direita de violão erudito e técnica de palheta) toquei a guitarra elétrica com a técnica do violão. O Radamés escreveu pensando em violão, mas pede que se use uma guitarra para executá-lo”. A partir de agora e com o amparo do depoimento de Menezes supra citado, o instrumento solista do Concerto Carioca será denominado guitarra elétrica e não mais violão elétrico. Tendo como base os depoimentos de José Menezes, pode-se chegar a duas conclusões importantes: 1) Radamés Gnattali emprega um instrumento norte americano em seu concerto, instrumento este que era fortemente ligado ao Jazz nesta época (década de 1950), mas escreve para o mesmo de maneira particular, pensando como se estivesse escrevendo para um violão, transpondo a linguagem do violão brasileiro e erudito para a guitarra elétrica. Este procedimento faz com que a guitarra elétrica ganhe uma linguagem diferente na música brasileira, deixando de ser um instrumento de acompanhamento – como, em geral, é o caso da guitarra das big bands de Jazz norte americanas – para assumir o posto de solista. Radamés Gnattali extrapola a linguagem de guitarra Jazz norte americana. Parte dela, mas não se limita a empregá-la apenas ao modo jazzístico. 2) É possível constatar também que o Concerto Carioca é a primeira obra concertante da história da música escrita para guitarra elétrica como solista e 19 Apesar da opinião de José Menezes, pode-se constatar que este não foi o único motivo que levou Radamés Gnattali a escrever o concerto para a guitarra elétrica. O volume sonoro deste instrumento pode ter sido explorado em alguns momentos da peça, mas na maior parte das situações orquestrais não foi preciso utilizar em demasia os recursos de volume de som oferecidos por um amplificador para guitarra. 80 talvez a única. Compositores como Leonard Bernestein utilizaram posteriormente este instrumento na orquestra embora não como solista e sim como instrumento de acompanhamento com pequenas intervenções melódicas ou improvisos, em casos de arranjos sinfônicos para música popular. Até o momento não se localizou nenhuma outra obra que trate este instrumento como solista de música de concerto. 3.1. Catálogo De Concertos Antes de se realizar a análise da instrumentação escolhida para o Concerto Carioca, faz-se necessário apresentar, em forma de catálogo, um levantamento de obras de Gnattali que se configurem em concertos ou concertinos e que se utilizem do violão ou guitarra elétrica como solista ou um dos solistas da obra. É necessário fazer este levantamento por dois motivos: Este será uma ferramenta de contextualização histórica do concerto analisado no presente trabalho e, além disso, será também uma demonstração da versatilidade de Radamés Gnattali quanto à escolha da instrumentação de sua obra. Não será possível, por razão do tempo disponível, aprofundar no estudo e análise de todas as obras que serão apresentadas no catálogo a seguir, portanto, o foco será o Concerto Carioca nº 1 pelo fato de sua instrumentação ser bastante diferenciada das obras da época. Uma maior divulgação e execução dessa obra seria, possivelmente, uma grande contribuição para a música de concerto brasileira. Como fundamentação teórica deste catálogo serão utilizadas as obras de Barbosa e Devos, Radamés Gnattali; o eterno experimentador e de Gnattali, Catálogo digital Radamés Gnattali. 81 Segue o catálogo dos concertos que se utilizam violão ou guitarra: Ano Título Formação 1ª audição Edição Gravação Observações 1950 Concerto Carioca Nº 1 Piano, Guitarra Elétrica e Orquestra com percussão popular 1ª audição em 30/03/1965no teatro municipal do Rio de Janeiro com José Menezes à Guitarra e o compositor ao piano. Projeto Brasiliana (2005) Concerto composto para as festas do IV centenário do Rio de Janeiro. Dedicado a Laurindo Almeida. 197020 Concerto Carioca Nº 3 Quinteto Radamés Gnattali, segundo piano opcional e orq. Sinf. _ _ LP Continental – PP-12.165. Orq. Sinf. Continental sob regência de Henrique Morelembaum. Piano: Radamés Gnattali, Guitarra: José Menezes. _ 1964 Concerto Copacabana (Concerto nº 3) Violão e orquestra de cordas _ Brasiliense USA _ 195221 Concerto nº 1 para violão e orquestra. Violão e Orquestra O.S.B. Solista: Antônio Mercandal. Brasiliense 194822 Concerto nº 2 para violão e orquestra. Violão e orquestra e adaptação para violão de sete cordas e orquestra Rádio Nacional. Solista: Augusto Sardinha (Garoto). Regência: Radamés Gnattali. Brasiliense 1957 Concertino nº 3 para violão e orquestra Violão e orquestra de cordas com flauta e tímpanos23 _ _ 1967/6824 Concerto para dois violões e orquestra Dois Violões Orquestra25 _ _ _ Concerto para dois violões e orquestra de cordas26 Dois violões, orquestra de cordas, flauta e tímpanos. 31/08/1983 – Teatro Mun. do R. J. Orq. O.S.T.M. Regente: Radamés Gnattali. Solistas:Duo Assad.- _ Continetal – CCLP 70003. Dilermando Reis: Violão. Regência: Radamés Gnattali. Gravação Particular em disco 33 rotações 12 polegadas 22/08/1954. Orq. Sinf. da Rádio Gazeta de São Paulo. Violão: Garoto. Columbia 60042. José Menezes: Violão. Orq. de Câm. Radio MEC. Regente: Mário Tavares. Gravação Continental.Orq. Armorial de PE. Solistas:DuoAssad _ Título original: Concerto nº 3. Passou a se chamar concerto de Copacabana após ser editado nos EUA. _ 20 de e _ _ _ _ Espetáculo de entrega ao autor do prêmio Shell para a música brasileira de 1983. Consta no Catálogo Digital uma versão dessa mesma obra para Flauta, Saxofone Alto, Violão, Contrabaixo e Bateria com orquestra, datada de 1972/73. 21 No catálogo digital esta obra é datada de 1951 e tem como título “Concertino nº 1 para violão”. 22 No catálogo digital esta obra é datada de 1951 e tem como título “Concertino nº 2 para violão”. Acreditamos ser correta a data do catálogo digital, pois o catálogo publicado na obra de Barbosa e Devos sugere um erro cronológico quanto à composição desta obra e do concerto (ou concertino nº 1) 23 No catálogo digital encontramos a seguinte instrumentação: Violão solista, flauta, bateria, bells e orquestra de cordas. 24 Consta a data de 1970 para esta obra no catálogo digital. 25 No catálogo digital encontramos a seguinte instrumentação: Dois violões solistas, oboé e orquestra de cordas. 26 Este concerto nos parece ser uma adaptação do concerto de 1967/68 com ligeiras alterações na instrumentação. 82 Ano Título Formação 1ª audição Edição Gravação _ Concerto para violão elétrico, piano, bateria, contrabaixo e cordas Concerto nº 4 para violão e orquestra de cordas _ _ _ _ Em rascunho _ _ _ _ Dedicado a Laurindo Almeida 1967 Observações Observando o catálogo apresentado anteriormente, pode-se notar que é comum à linguagem deste compositor escrever concertos para mais de um solista, remetendo ao procedimento do concerto grosso do período barroco. Constata-se também que o Concerto Carioca é a segunda obra escrita para um solista de cordas dedilhadas, e já nesse momento prematuro Radamés Gnattali ousa, utilizando um instrumento ainda pouco familiar para os ouvidos da época. 3.2. Análise Técnica Da Instrumentação Serão analisados a seguir alguns fragmentos do concerto onde a guitarra elétrica é empregada. O objetivo dessa análise é demonstrar, em cada movimento da peça, a utilização da guitarra elétrica como instrumento provedor de um novo timbre, capaz de aliar-se à orquestra sinfônica. Embora Jose Menezes tenha dito em seu depoimento que “Radamés pediu a guitarra porque um violão acústico não conseguiria se destacar na orquestra e nem nos diálogos com o piano”, é plausível apontar mais para o interesse do compositor em experimentar um novo timbre do que para a busca da solução, através de recursos elétricos, da falta de volume sonoro de um instrumento. 83 3.2.1. Primeiro Movimento: Marcha Rancho A primeira intervenção da guitarra solo, nomeada por Gnattali como “violão solo” acontece logo no quinto compasso do primeiro movimento. Pode-se notar no exemplo (Figura 22) que o solo está sendo executado sobre uma base harmônica feita pelas cordas em dinâmica pianíssimo (pp). Neste caso, não seria necessário se ter um instrumento solista com grande poder sonoro. Um violão acústico poderia se impor com facilidade sobre a orquestração em questão. Isso aponta para o indício de que a guitarra elétrica foi escolhida por seu timbre inovador para a época e não pelo seu poder sonoro, ou seja, supõe-se que o compositor estava em busca de inovação, incorporando à orquestra tradicional novos timbres, explorando um instrumento eletroacústico como solista frente à orquestra. Quanto à harmonia desse exemplo, mais uma vez podem-se observar procedimentos vindos de dois campos da música (erudita e popular). No primeiro acorde temos um Do Maior com sétima maior em posição fundamental se desconsideramos a nota Mi dos contrabaixos, já que a mesma é tocada em pizzicato e não se prolonga durante todo o compasso. A viola neste momento cruza voz com o violoncelo e faz o baixo do acorde com a fundamental do mesmo. Este tipo de acorde é muito comum ao jazz. A nota Do da viola se prolonga durante três compassos, perfazendo um baixo pedal. Nos compassos seis, sete e oito os violinos sobrepõem intervalos de oitava, buscando efeitos dissonantes sobre o baixo estabelecido pela viola e todos os instrumentos descem em passo de segunda maior seguido por segunda menor, para no compasso oito formarem um acorde de Do Maior com sétima menor e baixo em Mi, transformando o acorde inicial em Dominante. Pode-se afirmar que há um acorde de Do Maior com sétima maior no compasso cinco que passa por transformações nos compassos seis e sete, para desembocar em um acorde dominante no compasso oito. O uso das dissonâncias na citada transformação parece advir de 84 contatos com a música erudita contemporânea, já que é difícil localizar algum paralelo na música popular. Outro ponto é a independência da melodia, que passa por notas que gerariam, na escola tradicional de harmonia, um caráter de falsa relação. Por exemplo, enquanto nos compassos cinco e seis os primeiros violinos sustentam a nota Si natural, a guitarra elétrica passa pela nota Si bemol. Há neste fragmento a presença de dois planos, um melódico e outro harmônico que parecem desfrutar de uma certa independência: Figura 22 (Compassos 05 ao 08): No exemplo a seguir (figura 23), observa-se a guitarra elétrica em um diálogo com o solo do clarinete baixo, dividindo seu posto de solista com uma breve intervenção do instrumento, do compasso 36 ao 39. Pode-se observar que neste trecho a escrita aplicada à guitarra elétrica é 85 claramente violonística, tanto no que diz respeito à abertura dos acordes que não favorece a técnica de palheta, quanto na indicação do compositor do uso do polegar da mão direita para a execução de um acorde, um Si Maior com sétima menor, nona maior e décima primeira aumentada, remetendo à técnica violonística, embora esse fator técnico também possa ser análogo à guitarra do Jazz, como será visto adiante: Figura 23 (Compassos 36 ao 39): Nos dois últimos compassos representados na figura 23 tem-se o início do seguinte ostinato da caixa: 86 Mesmo que a caixa só toque junto com a guitarra elétrica durante dois compassos, o compositor tem o cuidado de indicar dinâmica pianíssimo (pp) para a caixa, além de pedir para que se toque no aro ou na madeira, garantindo uma sonoridade mais suave, como se este instrumento estivesse acompanhando um violão acústico. É importante recordar que Radamés Gnattali escreveu uma partitura separada da partitura principal para os instrumentos de percussão, portanto, nos exemplos utilizados no presente trabalho, vai se procurar respeitar esse procedimento quando for necessário discorrer sobre um instrumento dessa família e representálos com fragmentos da partitura, separadamente da partitura principal. No próximo exemplo (figura 24) encontra-se o primeiro contraponto entre a guitarra elétrica e o piano, que acontece a partir do compasso 55, os dois solistas do concerto em um diálogo cordial, já que o piano – que é um instrumento de bom poder sonoro – não tem muitas notas em sua escrita, nem tampouco grandes seqüências de acordes em dinâmica forte, fazendo com que o mesmo soe com leveza, o que não acarretaria em grandes problemas caso o solista interlocutor fosse um violão acústico. Deve-se considerar que a guitarra elétrica traz ao solista maior conforto quanto ao volume de sonoridade do instrumento, mas mais uma vez podemos notar o cuidado do compositor na escrita musical quando esse evita sonoridades densas se opondo à guitarra elétrica. Portanto, é possível notar que a escolha da guitarra elétrica como solista se deu mais pela experimentação timbrística do que pela solução prática de problemas com a instrumentação. 87 Figura 24 (Compassos 55 ao 61): No próximo caso (figura 25) que se inicia no compasso 73 com anacruse há outro exemplo de diálogo entre os dois solistas onde o piano não causaria problemas de projeção se o solista fosse um violão. Os acordes atribuídos ao piano possuem poucas notas, situadas na região média do instrumento evitando sonoridades potentes e pode-se observar que a rítmica do contracanto escrito para o piano é a mesma atribuída ao solo da guitarra elétrica, ou seja, o piano não oferece um contraponto polifônico ao solista, mas se associa homofonicamente ao mesmo, salientando a melodia que aqui está sendo apresentada: 88 Figura 25 (Anacruse seguida dos compassos 73 ao 77): A seguir, no fragmento que se inicia no compasso 95, representado na figura 26, há um diálogo da guitarra elétrica com o oboé e o corno inglês, ou seja, o solista interage com instrumentos de madeira, procedimento esse que é comum a peças de música de câmara que utilizam o violão. Esta instrumentação geraria um terreno seguro para o solista, caso este fosse um violão acústico. Novamente, nota-se o cuidado de escrita do compositor com um dos solistas do concerto, cuidado este que seria tomado com um instrumento acústico de pouco poder de projeção sonora. Possivelmente, Gnattali teria se encantado com a sonoridade do novo instrumento que estava surgindo, mas não deixou o poder de projeção sonora proporcionada pela amplificação dos instrumentos elétricos influenciar em sua técnica e domínio de escrita musical. 89 Gnattali não se aproveita do potencial de volume sonoro da guitarra elétrica para fazê-la se sobrepor contra toda a orquestra, ao contrário, mantém os cuidados intrínsecos à artesania de um compositor acostumado a trabalhar com a orquestra convencional e com solistas de instrumentos acústicos. Tal atitude pode demonstrar que o compositor não estava em busca de volume de som, de poder de projeção sonora, mas sim de um novo timbre de um instrumento que estava em seus primeiros anos de vida, acoplado à orquestra convencional. Figura 26 (Compassos 95 ao 104): 90 A seguir, na figura 27, fragmento que se inicia no compasso 126 com anacruse, mais um exemplo de diálogo entre os dois solistas, onde o piano apresenta na mão esquerda um contraponto à melodia da guitarra elétrica em dinâmica piano (P), e na mão direita, notas agudas que completam os acordes em dinâmica pianíssimo (PP) cuidando para que a sonoridade do piano não seja maior do que a sonoridade da guitarra elétrica: Figura 27 (Anacruse seguida dos compassos 126 ao 128): O próximo exemplo (Figura 28) é um fragmento que se inicia no compasso 166 com anacruse e traz a guitarra elétrica interagindo com o solista interlocutor, com o oboé e com o tímpano. A dinâmica pedida para o tímpano em geral é piano (P) com crescendos para mezzoforte (mf) e um único ponto culminante em forte (f) que vem de um crescendo do compasso 170 atingindo o forte no primeiro tempo do compasso 171 decrescendo em seguida para um piano no compasso 172. O tímpano é um instrumento que poderia se sobrepor ao solista caso este fosse acústico, mas o tratamento instrumental dado ao instrumento de percussão não permitiria que tal 91 problema viesse à tona mesmo no caso de um violão no posto de solista. Aqui, Gnattali inclui a escrita do tímpano na partitura principal: Figura 28 (Anacruse seguida dos compassos 166 ao 173): 92 3.2.2. Segundo Movimento: Canção Seguindo com a análise técnica da instrumentação, localiza-se a primeira entrada da guitarra elétrica no segundo movimento acontecendo no compasso 21. Nos compassos 21 e 22 a guitarra assume posto de acompanhante, porém, é contraposta aos instrumentos de madeira que são - nos compassos 21, 22 e 23 – duas flautas, oboé e clarinete baixo. No compasso vinte e cinco os instrumentos que assumem a melodia e são acompanhados pela guitarra elétrica são o corno inglês e a trompa27. A guitarra elétrica era empregada no jazz como instrumento de acompanhamento nas big bands, formações essas que têm grande poder sonoro devido aos saxofones, trompetes, trombones, bateria e até mesmo à estética intrínseca e esse gênero de música que subentende sonoridades fortes e vigorosas. Neste caso, o instrumento de acompanhamento precisaria ter também um bom poder de intensidade sonora para que pudesse acompanhar com eficácia tal formação, daí a opção de se eletrificar o violão, de onde se seguiu uma série de transformações desse instrumento até atingirmos a construção moderna da guitarra elétrica. Mas no caso deste concerto de Gnattali, mesmo quando a guitarra elétrica é utilizada como instrumento de acompanhamento, o compositor não a expõe a confrontos com toda a orquestra e nem tampouco com nipes instrumentais de grande poder com relação à intensidade sonora. Gnattali, mais uma vez, não utiliza recursos elétricos apenas para ampliar a intensidade do som de um suposto violão acústico amplificado, mas parece aceitar que tal tecnologia proporciona um novo timbre com potencial para atuar na música de concerto. Pode-se observar na figura 29 que um violão acústico teria sonoridade intensa o suficiente para acompanhar a instrumentação utilizada neste trecho. 27 Radamés Gnattali, no manuscrito autógrafo do Concerto Carioca, sempre se refere à trompa em Fá com a designação “Corno em Fá”. 93 Mais uma vez, Gnattali parece estar explorando um novo instrumento pelo seu potencial de timbre e não por seu poder de proporcionar sons fortes: Figura 29 (compassos 21 ao 25): No exemplo constante na figura 30, que se inicia no compasso 32, há a melodia na guitarra elétrica sendo acompanhada apenas pelo piano o que não traz para o solista nenhum 94 problema de projeção do som do instrumento. As indicações do compositor para se tocar “pouco rubato” e ao pianista “seguindo o violão”, confere a esta passagem musical características de canção. Figura 30 (Compassos 32 ao 35): A próxima entrada da guitarra elétrica (figura 31) inicia no compasso 52 com anacruse. Neste exemplo, há mais uma vez a guitarra elétrica sendo tratada como um violão, merecedora dos cuidados orquestrais inerentes a um instrumento acústico. Pode-se notar a leveza da melodia que está presente na flauta e no corno inglês com indicação de dinâmica piano (p), e 95 no contraponto da trompa, que nos compassos seguintes tomará para si a melodia, há a dinâmica pianíssimo (pp). A guitarra elétrica tem nesse fragmento uma escrita claramente violonística. É o instrumento acompanhante e executa acordes permeados por uma linha de baixo bastante característica do Choro ou Choro-canção, com passagens cromáticas entre o baixo de um acorde e outro, avigorando a característica de canção solicitada pelo compositor: Figura 31 (Anacruse seguida dos compassos 52 e 53): No compasso 59 (figura 32), Gnattali escreve a última frase do segundo movimento para a guitarra elétrica, apoiada por dois acordes do piano, o primeiro acorde no compasso 59, um Lá sem a terça com quarta aumentada e nona maior e no último compasso um Lá Menor com sexta e sétima maiores, acordes também facilmente encontrados no jazz. No que concerne à técnica instrumental, tal frase seria possível de ser tocada na guitarra elétrica com palheta, pois é uma frase estritamente melódica e não apresenta nenhum acorde para ser executado pelo guitarrista. Pode-se notar também na escrita guitarrística saltos em intervalos bastante grandes, como se 96 fossem arpejos, o que remete ao procedimento melódico inerente aos saxofonistas de Jazz principalmente o Jazz pós Bep Bop. Figura 32 (Compassos 59 ao 62): A indicação “a vontade”, do compositor, bem como as constantes semicolcheias que compõem a melodia final deste movimento apontam para uma influência de construção de frases vinda do choro. O último acorde do piano (Lá Menor com sexta maior e sétima maior), embora não muito comum também é possível de ser localizado em canções populares. 3.2.3. Terceiro Movimento: Valsa Seresteira Com reminiscências da valsa brasileira, o terceiro movimento possui, além de características de canção de seresteiros que vai se procurar delinear no decorrer desta parte do capítulo, características rítmicas e melódicas que parecem herdadas de compositores como Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Zequinha de Abreu e de valsas de Pixinguinha (Rosa, como exemplo da mais conhecida, embora essa se aproxime mais da mazurca), todos eles, 97 compositores importantes na formação de música popular de Radamés Gnattali. Seus inspiradores são homenageados em sua Suíte Retratos em que estes compositores, exceto Zequinha de Abreu e incluindo-se Anacleto de Medeiros, dão nome a cada um dos movimentos da obra. Este movimento está em três por quatro, fórmula de compasso tradicional de valsa e seu andamento se dá com a semínima em 104 bpm. O compositor pede para que a guitarra tenha a sexta corda afinada em Ré28, procedimento este muito comum ao violão e encontrado com freqüência em obras de Garoto, Dilermando Reis e Armando Neves (PICHERZKY, 2004). A introdução deste movimento (figura 33) acontece com um solo da guitarra elétrica e sua escrita apresenta indícios de fusão entre linguagens de violão e de guitarra elétrica, já que sabemos que Gnattali estava pensando neste segundo instrumento quando da escrita deste concerto. Logo no segundo compasso é possível notar a guitarra elétrica executando melodia e acordes ao estilo violonístico, porém, há do terceiro até o oitavo compassos um fragmento puramente melódico, sendo possível tocar com palheta, ao modo da maior parte dos guitarristas de jazz. Entende-se que frases puramente melódicas são possíveis e, mais ainda, comuns à linguagem do violão, seja ele erudito ou popular, porém, é provável que o compositor tenha se inspirado na sonoridade da guitarra elétrica daquele estilo musical (o jazz) para construir passagens melódicas de seu concerto. 28 O convencional é afinar esta corda em Mi, assim como no violão. A afinação padrão da guitarra elétrica é exatamente a mesma do violão, á saber, do agudo para o grave: primeira corda = Mi, segunda corda = Si, terceira corda = Sol, quarta corda = Ré, quinta corda = Lá, sexta corda = Mi. 98 Figura 33 (Compassos 01 ao 12): Logo após a introdução, a guitarra elétrica passa à função de instrumento acompanhante – compasso 10 com anacruse - desenvolvendo acompanhamento ao estilo violonístico brasileiro, com passagens cromáticas de baixo que conduzem a alguma das notas que compõem o acorde de chegada. Pode-se observar que a guitarra elétrica acompanha a melodia executada pela flauta, instrumento que poderia ser perfeitamente acompanhado pelo violão, que possui intensidade o suficiente para se encarregar de tal tarefa. Novamente, entende-se que Gnattali procura então pelo timbre do novo instrumento e não pelo seu poder de atingir grandes intensidades sonoras através de recursos elétricos. O acorde presente logo após a anacruse (figura 34) é um Ré menor com o adicionamento de Sétima Maior e Décima Primeira Aumentada. Antes desse acorde, temos na anacruse as notas Ré #, Mi, Fá e Ré bequadro, ou seja, uma passagem cromática até a Terça Menor do acorde, seguida de um salto de Terça Menor Descendente de volta à fundamental. 99 Figura 34 (Anacruse seguida dos compassos 10 ao 17): No exemplo seguinte (figura 35) que inicia no compasso 49, a escrita para guitarra elétrica é quase que estritamente melódica e é possível traçar um paralelo com a técnica de palheta convencionalmente usada na guitarra elétrica. No quinto compasso do exemplo seguinte – que corresponde ao compasso 53 do terceiro movimento – há um acorde de Ré Maior com Sétima Menor e Nona Maior que o compositor pede para que seja tocado com o polegar, o que remete a uma técnica instrumental parecida com a técnica de palheta, pois há um único corpo realizando um único movimento em um só sentido (de cima para baixo) fazendo vibrar todas as cordas. Em uma segunda hipótese, o compositor poderia estar também se referindo à técnica do guitarrista Wes Montgomery, um lendário guitarrista de Jazz que viveu de 1925 até 1968 e que mantinha uma carreira musical já sólida na época em que foi composto o Concerto Carioca. 100 Montgomery utilizava movimentos alternados do polegar da mão direita para articular as notas, ou seja, substituiu a palheta pelo uso do polegar. É importante destacar que se entende que todas as técnicas instrumentais que estão sendo citadas nesta parte do trabalho são também inerentes ao violão, porém, está se procurando as ligações desses procedimentos com a guitarra elétrica, pois sabe-se, segundo o depoimento do instrumentista José Menezes já citado neste capítulo, que Radamés Gnattali tinha plena consciência de que estava escrevendo para a guitarra elétrica, este novo instrumento que na época da escrita do Concerto Carioca mantinha fortes ligações com o Jazz. Não obstante o fato de estar se buscando as ligações do compositor com a técnica instrumental da guitarra do Jazz, reconhecese, após ter se verificado sua escrita musical, que Gnattali não está procurando estabelecer em sua música a linguagem jazzística. Mesmo a técnica de guitarra deste estilo de música norteamericana é tratada de forma análoga, mas não empregada literalmente. É possível fundamentar essa afirmação, mais uma vez, no depoimento de José Menezes, que diz não ter utilizado uma palheta para tocar o Concerto, mas utilizou os dedos da mão direita, tal qual um violonista o faria. Wes Montgomery foi citado anteriormente como um exemplo de um guitarrista de Jazz que não utilizava a palheta e desenvolveu uma técnica peculiar de tocar tudo com o polegar da mão direita, sejam frases melódicas ou acordes, mas é importante se ter consciência de que trata-se de uma exceção no universo deste instrumento. Parece que nesta obra Gnattali procura trazer para a guitarra elétrica uma linguagem própria, brasileira, fazendo ainda fortes ligações com a técnica instrumental e procedimentos musicais do violão brasileiro, mas imbuindo o mesmo de algumas informações vindas da música norte-americana. 101 Figura 35 (Compassos 49 ao 56): A recomendação técnica do compositor para que se toque acordes inteiros com o polegar se fará presente novamente no fragmento situado entre os compassos 122 e 131 (figura 36), onde temos um solo de oboé acompanhado pela guitarra elétrica. Será possível observar que, no decorrer de todo o concerto, a guitarra elétrica nunca é solicitada a acompanhar instrumentações mais sólidas, nem tampouco é encarregada de realizar solos frente a grandes massas sonoras. A partir deste ponto Gnattali indica “tempo de valsa” com semínima igual a 20829. 29 O compositor parece ter preferido alterar o andamento da música para um pulso bastante rápido em vez de aqui mudar a fórmula de compasso, já que tamanha velocidade faz todo o fragmento em “tempo de valsa” soar como compasso composto, onde cada pulso é subdividido em três partes iguais. Com base na gravação, é possível notar que o regente conduziu este trecho como se estivesse escrito em seis por oito, transformando cada compasso em um pulso. 102 Figura 36 (Compassos 122 ao 131): No compasso 135 (figura 37) há um solo da guitarra elétrica, sendo acompanhada pela sessão de cordas da orquestra. Pode-se averiguar, outra vez, que o compositor reserva cuidados na orquestração que seriam necessários para um solista com um instrumento acústico. Busca-se demonstrar, com mais este exemplo, que o compositor não utiliza o volume de som da guitarra elétrica para fazer com que o solo se sobressaia de uma orquestração densa. Ao contrário, as cordas estão em dinâmica piano, com um rápido crescendo para mezzo-forte, que decresce novamente para piano. O que está sendo beneficiado nesta obra é o timbre do novo instrumento solista. A harmonia deste fragmento é construída sobre uma seqüência em graus conjuntos de acordes maiores com sétima menor adicionados de outras dissonâncias. A seqüência deste tipo de acorde (maior com sétima menor) sem característica de dominante é possível de se localizar no 103 blues, onde a sétima menor não implica em preparação e resolução. No entanto, as dissonâncias incluídas por Gnattali nestes acordes parecem indicar para uma ligação com a música erudita do século XX. O acorde realizado pelas cordas no compasso 135 é um Do Maior com sétima menor (Si bemol no quarto violino), nona maior (nota ré no segundo violino), nona menor (se enarmonizarmos a nota Mi bemol do terceiro violino para Ré sustenido) e quinta diminuta (Sol bemol no primeiro violino). No compasso seguinte há um acorde de Si bemol Maior com sétima menor (Lá bemol no quarto violino) e nona menor (se enarmonizarmos a nota Si do segundo violino para Do bemol). Segue-se, no compasso 137 para um acorde de Lá Maior com sétima menor (nota Sol no quarto violino), nona aumentada (se enarmonizarmos a nota Do no terceiro violino para Si sustenido), nona maior (nota Si no segundo violino) e quinta diminuta (nota Mi bemol no primeiro violino). No último compasso representado na figura 37, temos um Fá sustenido Maior com sétima menor (nota Mi no quarto violino) e décima terceira menor (nota Ré nos violinos dois e três). 104 Figura 37 (Compassos 135 ao 139): A próxima aparição da guitarra solo (figura 38) acontece no compasso 158, onde a mesma realiza uma pequena ponte melódica que conduz a música do “tempo de valsa”, com semínima igual a 208, ao “tempo primeiro”, com semínima igual a 104. Nesta ponte Gnattali indica ao intérprete: “preparando o tempo primeiro”. No compasso 160 é retomado o tema que foi apresentado na figura 34. 105 Figura 38 (Compasso 158 ao 167): A frase final deste movimento (figura 39), a coda, se inicia no compasso 185 e acontece com um contraponto entre a guitarra elétrica e os primeiros violinos, acompanhados pela sessão de cordas, que fecha o movimento com um dramático acorde de Ré menor com Sétima Maior e Décima Primeira Aumentada. A parte da guitarra elétrica é quase estritamente melódica, a não ser pelos baixos de Lá, Sol, Fá e Mi que são sustentados nos compassos 191, 192, 193 e 194 respectivamente e do acorde quartal (Mi bemol, Lá, Ré, Sol, Dó sustenido e Fá sustenido) que é tocado pelo guitarrista no compasso 194. Esta escrita melódica para a guitarra pode ser uma reminiscência, embora não idiomática, do Jazz como já dissemos anteriormente. Neste momento temos a guitarra elétrica se contrapondo apenas aos primeiros violinos, salvo acordes atribuídos ao restante dos instrumentos da sessão de cordas, não sendo necessário a utilização do potencial de amplificação sonora intrínseco a mesma. A amalgamação do timbre deste instrumento elétrico 106 às cordas da orquestra parece ser o anseio principal de Gnattali nesse fragmento, assim como em toda a obra. Figura 39 (Compasso 185 ao 198): 107 3.2.4. Quarto Movimento: Samba O último movimento do Concerto Carioca tem andamento moderado, semínima igual a 116, escrito em quatro por quatro em vez de dois por quatro como é o convencional (FARIA,1995, p. 22), tem a vivacidade necessária a um final que parece desejar ser apoteótico. Este movimento em si reserva uma particularidade: a utilização de instrumentos de percussão ligados à música popular. É neste movimento, intitulado “Samba”, que Gnattali deposita seu domínio de escrita musical em benefício dos instrumentos de percussão. O 108 compositor aplica uma espécie de polifonia rítmica30 para instrumentos de percussão idênticos, como se pode observar na figura 40, onde há na sessão de percussão três tamborins com linhas independentes, diferenciando-se assim do procedimento utilizado em escolas de samba, onde todos os tamborins tocam a mesma frase rítmica, em uníssono. Ainda assim, o resultado sonoro deste samba sinfônico tem o mesmo swing de um samba autêntico, popular. Quando José Menezes disse que “Radamés pediu a guitarra porque um violão acústico não conseguiria se destacar na orquestra e nem nos diálogos com o piano”, talvez ele estivesse se referindo, especialmente, a esse movimento. É, quiçá, neste movimento que a guitarra elétrica tenha que ceder sua capacidade de volume sonoro para se impor, ou melhor ainda, se justapor à uma instrumentação um pouco mais densa. No exemplo que consta da figura 40, fragmento iniciando no compasso 09, tem-se a guitarra elétrica com a responsabilidade de fazer destacar a melodia frente ao piano que está com dinâmica mezzo-forte e a três tamborins e um surdo, que não tem indicação de dinâmica do compositor. Possivelmente, a realização desta frase fosse uma incumbência mais complicada para um violão, a não ser que o mesmo estivesse microfonado ou amplificado de alguma outra maneira. É possível notar que a escrita adotada para o piano também é mais densa tanto pela escolha da dinâmica, que é a mesma indicada para o solista, como também por registros graves com indicação de “oitava abaixo” que estão em destaque na ilustração. Pode-se supor que a dinâmica idêntica recomendada para a guitarra elétrica e para o piano tenha um efeito orquestral parecido - esboçando um exemplo análogo - deste procedimento indicado para uma flauta e um trompete respectivamente, se neste caso a guitarra elétrica não estivesse sendo abordada como um instrumento de maior potencial de volume sonoro do que o 30 Preferiu-se aqui o termo “polifonia rítmica” em vez de polirritmia, pois não localizamos uma sobreposição de métricas para se caracterizar uma polirritmia na composição. Temos sim, ritmos diferentes que conversam e se completam entre si, favorecendo a construção e o entendimento de uma mesma métrica que é intrínseca à musica popular. Neste caso, a polifonia rítmica contribui para a caracterização de um samba. 109 piano. É possível que especificamente para estes casos e apenas neste quarto movimento, Gnattali tenha se aproveitado deste poder do novo instrumento, mas ainda assim, sem perder de vista a experimentação de um novo timbre, pois se Radamés Gnattali desejasse escrever para o violão acústico como solista, certamente ele o faria e teria em mãos recursos para amplificar a sonoridade deste instrumento, como técnicas de microfonação por exemplo: Gnattali se utilizou deste recurso em sua Sinfonia Popular, onde utilizou em apresentações ao vivo, três violões microfonados, não como solistas, mas como um naipe instrumental31: Figura 40 (Compasso 09 ao 20): 31 Ver o vídeo “Nosso amigo Radamés”, Brasiliana editoras. 110 111 112 No exemplo da figura 41, compasso 45 deste movimento, há uma pequena frase da guitarra elétrica, composta em quatro compassos, onde se podem enumerar alguns problemas de projeção e de volume sonoros caso o solista fosse o violão: Os três tamborins estão tocando com dinâmica Forte (f) e há também a indicação “na madeira” feita pelo compositor, pedindo para que se toque no corpo do instrumento e não em sua pele. Esse modo de execução instrumental resulta, certamente, em uma sonoridade menos intensa se comparada à técnica convencional de se tocar o tamborim percutindo na pele, mas ainda assim, com a junção dos três grupos de instrumentos, possivelmente ainda se tenha um som forte o suficiente para causar algum incômodo caso o solista fosse um violão acústico. O surdo também tem indicação de dinâmica forte, tocando normalmente, percutindo na pele, resultando em um bom volume sonoro. Esse instrumento, tocado dessa maneira, talvez se tornasse um problema maior se estivesse se contrapondo a um violão acústico. O piano, que é responsável pela harmonia, tem a indicação de dinâmica forte como todos os outros instrumentos, além de tocar acordes cheios, compostos por seis notas, realizando um ostinato que não permite pontos de alívio no volume de som. A guitarra elétrica tem a melodia escrita em região aguda e com notas de duração média e longa (colcheias e mínimas), o que dificultaria a sustentação desta melodia, caso a mesma tivesse sido recomendada ao violão. Há um diminuindo logo no segundo compasso desta frase, mas esse é indicado para todos os instrumentos, inclusive para os solistas: 113 Figura 41 (Compasso 45 ao 48): No decorrer da partitura, entende-se que neste movimento há combinação de funções atribuídas à guitarra elétrica. É perceptível que em alguns momentos o poder de volume sonoro deste instrumento é requisitado, mas em alguns outros, Gnattali escreve para este ainda tomando cuidados inerentes a instrumentos puramente acústicos. Parece que este é o caso do exemplo seguinte (Figura 43) restando apenas uma dúvida quanto à inscrição “aqui bateria Paulinho” – ficou-se em dúvida se é Paulinho ou Paulinha - feito pelo compositor no momento da mudança de fórmula de compasso, de quatro por quatro para quatro por oito, momento este em que há também uma mudança de andamento, de 116 batidas por minuto para 88 batidas por minuto, onde o compositor sugere “tempo de samba canção”. Tal exemplo se inicia no compasso 84 com 114 uma ponte executada por ambos os solistas, conduzindo a música do tempo primeiro para a segunda parte deste movimento em tempo de samba-canção. Não se localizou uma parte escrita para bateria na partitura principal, nem tampouco na partitura para instrumentos de percussão. Em entrevista concedida por e-mail, o maestro Roberto Gnattali, sobrinho de Radamés, nos dá o seguinte parecer: “Na imagem que eu tenho está escrito à caneta tinteiro e a mesma inscrição a lápis de cor azul... na inscrição a lápis de cor fica mais claro o masculino (Paulinho). Não sei do que se trata, infelizmente. Pode ser para o baterista da orquestra que gravou, uma indicação para entrar neste momento. Porém, não tem uma ordem de saída da bateria. Não tenho notícia do músico que gravou essa bateria... Pode ter sido, também, anotação de concerto realizado em teatro. Mas não tenho a informação de que essa peça tenha sido tocada em público. Parece que foi, mas não tenho certeza”32. Não se encontrou também nenhum registro sobre um baterista chamado Paulinho. Sabese que Gnattali trabalhou ao lado do baterista Luciano Perrone. Luciano Perrone também foi o baterista do Quinteto e Sexteto Radamés Gnattali durante toda a sua existência. Constatou-se, até o momento, que Gnattali sempre trabalhou ao lado de Luciano Perrone, o que dificulta a localização de um músico chamado Paulinho. Na audição do LP do concerto, é possível confirmar que não há bateria gravada nesta obra. A hipótese aqui levantada é, concordando com Roberto Gnattali, que o compositor não imaginou bateria nesta peça no ato da sua composição. A bateria pode mesmo ter sido utilizada apenas na ocasião de uma apresentação pública e não na gravação da obra. Caso a bateria tenha sido utilizada em uma apresentação ou na ocasião de uma gravação ao vivo – José Menezes afirma que esta obra foi gravada em estúdio e não se localizou, até o momento, nenhum registro de uma gravação ao vivo - permanece então a hipótese da utilização dos recursos elétricos deste 32 Entrevista concedida por e-mail em setembro de 2006. 115 solista no sentido de se amplificar o som do instrumento para que o mesmo possa se sobressair frente à sonoridade da bateria. Como não se localizou a partitura da bateria, não podemos assegurar que procedimento o baterista utilizou para executar sua parte, se tocou com baquetas ou vassourinhas, se a dinâmica era mezzo forte, ou piano. Se não considerarmos a bateria neste momento (o fato de não haver indicação da saída da bateria atenua ainda mais a hipótese de que esta tenha sido mesmo utilizada em alguma apresentação, mas não é parte obrigatória do concerto) será possível observar todos os cuidados que o compositor toma para que o piano e as cordas não encubram a sonoridade da guitarra elétrica, deixando espaços no piano para que a melodia sobressaia e escrevendo dinâmica mezzo forte decrescendo para piano na sessão de cordas. 116 Figura 42 (Compasso 84 ao 105): 117 118 Gnattali pede o uso de surdinas para toda a sessão de cordas da orquestra, o que resulta, além de uma mudança timbrística, em uma diminuição considerável no volume de som desses instrumentos. Além de essa atitude denotar que o compositor não está utilizando a guitarra elétrica se aproveitando do seu potencial de amplificação do som natural e sim em favor de seu timbre original, podemos deduzir também que se a bateria foi utilizada nesse momento, a mesma deve ter sido explorada em suas sutilezas sonoras e não com todo o seu potencial de projeção. Em seguida, no compasso 111 (figura 43) observa-se uma pequena intervenção melódica da guitarra elétrica ainda sendo tratada como instrumento acústico. Ela interage com o piano, tímpano e trompa, que assume a melodia em seguida. Há indicação de dinâmica piano para a trompa e para o tímpano, o que mantém terreno confortável para os solistas que têm indicação de piano e em seguida um crescendo para mezzoforte. Entre os solistas é possível averiguar a escrita leve para o piano, que mantém dois acordes escritos em mínimas, sustentados durante todo o compasso em que aparecem e uma voz de acompanhamento com uma única nota, sincopando no padrão rítmico do samba, deixando espaço livre, garantindo a transparência do solo da guitarra elétrica nesse fragmento: 119 Figura 43 (Compassos 111 ao 114): No exemplo ilustrado na figura 44 há um solo da guitarra elétrica que faz uma ponte para a retomada do “tempo primeiro”, que acontece no compasso 132. Tal passagem é escrita em um diálogo para duas flautas e guitarra elétrica. Novamente este solista recebe tratamento orquestral de um instrumento acústico, se contrapondo a sonoridade de madeiras. Após a retomada do tempo primeiro a guitarra elétrica passa a interagir e dividir seu solo com o piano, instrumento esse que é tratado com muito cuidado, como se estivesse se opondo a um instrumento acústico de pouca amplitude. Gnattali dedica ao piano acordes cheios, com oito notas, e de sonoridade densa nos compassos 141 e 142, mas esses são stacattos e intercalados com os acordes da guitarra elétrica – guitarra no contratempo e piano no tempo - não permitindo que ambos soem juntos em nenhum momento. O mesmo tipo de procedimento é possível de ser reconhecido por todo o fragmento da figura 44, onde Gnattali faz a guitarra elétrica soar nos intervalos e respirações de frases do piano, como se estivesse assim reservando espaço para um violão puramente acústico 120 poder soar e se impor. A entrada da sessão de percussão que ocorre no compasso 138 vem com indicação de dinâmica piano e entende-se que, mesmo nesse momento, o compositor não está solicitando o volume da guitarra elétrica que é propiciado pelos recursos elétricos: Figura 44 (Compasso 132 ao 154): 121 122 No exemplo seguinte, compasso 171 com anacruse, há um fragmento que conduz a uma melodia que será executada pelos saxofones (figura 45) e é notável que o compositor submete a 123 guitarra elétrica, como o fez raras vezes nesta obra, a uma instrumentação mais densa, se contrapondo aos tamborins com dinâmica forte, embora percutidos na madeira e não na pele, aos surdos, e ao ostinato do piano, escrito com acordes de seis notas que soam fortes. No entanto, a melodia executada pela guitarra elétrica é, neste caso, um complemento dos acordes do piano, soando acima da nota mais aguda destes, exceto pelas notas Mi e Fá sustenido, não sendo necessário que a mesma se sobressaia tocando mais forte do que o piano. Ao contrário, parece que o desejo do compositor é que essas notas destinadas à guitarra elétrica soem neste momento amalgamadas às notas dos acordes do piano: Figura 45 (Anacruse seguida dos compassos 171 ao 174): 124 A última aparição da guitarra elétrica no concerto acontece em um contraponto com o piano, que se inicia no compasso 208, com uma pequena intervenção da trompa, com um Si longo (nota real) no compasso 210 e dos tímpanos a partir do compasso 215. A trompa não acarreta problemas de projeção para o solista, já que a mesma ataca a nota de maneira forte, mas segue-se um decrescendo que aos poucos abre espaço para a frase em semicolheias escrita para a guitarra elétrica. Os tímpanos atacam a nota Mi duas vezes, em semicolheia e dinâmica forte, porém este procedimento vem para reforçar o baixo nessa mesma nota que é tocada pela guitarra elétrica. Em seguida, três compassos depois, o compositor indica dinâmica piano para os tímpanos. Quanto ao contraponto entre os solistas – piano e guitarra elétrica – observa-se mais uma vez o cuidado de escrita tomado por Gnattali, quando este trata a guitarra elétrica quase como um violão acústico. Percebe-se que o compositor faz a guitarra elétrica soar sempre entre as notas longas e as respirações do piano, quando este tem em sua escrita acordes cheios e fortes, como se observa nos três primeiros compassos da figura 46. A guitarra elétrica toca ritmicamente junto com o piano, atacando notas ao mesmo tempo, somente quando este tem escrita melódica e mais delicada, soando mais agudo, facilitando a imposição da melodia da guitarra, que passa de seu registro agudo descendo para os médios até que se torne elemento de acompanhamento, executando um baixo pedal em Mi e atacando acordes longos no segundo tempo, apoiando a melodia a duas vozes do piano. Neste último exemplo, observa-se mais uma vez, que Radamés Gnattali não pretendeu se valer do volume que a guitarra elétrica é capaz de atingir através de sistema de amplificação elétrica: 125 Figura 46 (Compasso 208 ao 219): 126 Durante o decorrer do presente capítulo e através de seus exemplos ilustrados em vinte e nove figuras, foi possível notar que Radamés Gnattali quando escolheu a guitarra elétrica como um dos solistas do Concerto Carioca não estava preocupado em utilizar os recursos elétricos da mesma para se amplificar seu som, para que os solos dedicados a esse instrumento pudessem transparecer a orquestrações mais densas. É notável que o compositor nunca escreve para a guitarra sobre os saxofones, por exemplo. Não há nenhum solo de guitarra escrito sobre um tutti orquestral, o que obrigaria o instrumentista a aumentar o volume de som da mesma no amplificador. Em raros momentos a guitarra toca junto com os instrumentos de percussão, o que, quiçá, obrigue o guitarrista a utilizar os recursos elétricos do instrumento para aumentar um pouco o seu volume sonoro, mas isso se configura em exceções dentro da obra e não em procedimento padrão de instrumentação. Já que o compositor não está utilizando a guitarra elétrica como um instrumento capaz de produzir sons de maior volume que a orquestra que tem em mãos, é possível se deduzir que ele o fez porque se interessou pelo timbre do instrumento, porque quis experimentar um instrumento novo para desempenhar papel de solista na música de concerto, porque quis transportar da música popular, mais especificamente do jazz, uma nova sonoridade de um instrumento que tem grande fluência melódica e boa desenvoltura harmônica. Hoje se admite que, mesmo em escritas cuidadosas realizadas por bons compositores, é preferível microfonar o violão quando este é solista de um concerto. Dificilmente um concerto para violão e orquestra é realizado sem técnicas de microfonação para o violão. Este fato corrobora a tese de que Radamés Gnattali estava mesmo escrevendo para um instrumento diferente do violão acústico, pois mesmo este poderia ser amplificado para atender a necessidades técnicas da peça. Pode ser que José Menezes tenha razão ao afirmar que o compositor já estava pensando na guitarra elétrica no ato da composição da peça – na ocasião da gravação, dez anos depois, é certo de que ele escolheu a guitarra elétrica para realizar o concerto – mas a pouca idade 127 deste instrumento em 1949-50 leva a um questionamento: seria mesmo para tal instrumento que o compositor estava escrevendo? Não é possível definir tal fato com precisão, porém não há dúvida de que o compositor desejava um instrumento diferente do violão microfonado, já que indicou em sua partitura “Concerto Carioca para Violão Elétrico e Piano”. O contato que Gnattali teve em 1930 com Galvão (arranjador paulista que foi estudar nos Estados Unidos) traz fortes indícios de que esse tenha lhe apresentado às primeiras modificações feitas nos violões (adição de captadores magnéticos, construção de corpos sólidos) que levaram ao surgimento da guitarra elétrica. O compositor gaúcho, a partir desse momento, possivelmente tenha aumentado sua ligação com o jazz, o que pode tê-lo levado a conhecer a guitarra elétrica naquele momento de nascimento deste instrumento. No mínimo, pode-se concluir que Gnattali aceitou, ainda que alguns anos depois, o uso deste instrumento em seu Concerto Carioca nº 1. 128 4. QUARTO CAPÍTULO: MOTIVOS RITMICO-MELÓDICOS NA MÚSICA DE CONCERTO DE RADAMÉS GNATTALI. Nos capítulos anteriores, buscou-se delinear em Radamés Gnattali as influências da música popular urbana, brasileira ou norte-americana, na sua música de concerto, principalmente no que se refere à escolha dos instrumentos que comporão sua orquestra ou grupos de câmara. No entanto, este estilo de música não se faz presente em sua obra de concerto apenas pelos instrumentos, mas também pelos motivos rítmico-melódicos escolhidos para estruturarem suas peças. É possível localizar nas obras do autor algumas composições que são construídas sobre melodias de caráter bastante popular, como se Gnattali estivesse desinteressado em transformálas de maneira a aderirem melhor a estética desejada para se fazer música de concerto. A escuta de tais peças pode causar a impressão de que são melodias populares, que com pequeno grau de transformação foram arranjadas para orquestra. Este fato pode ser um importante elemento para se explicar a orquestração inovadora e “experimentadora” de Radamés Gnattali. Por vezes o caráter de música popular aplicado às melodias de sua música de concerto é tão grande e tão pouco transformado que o uso dos instrumentos que fazem parte desse estilo de música se torna quase inevitável. Como exemplo deste fenômeno há o seu “Concerto para Bandolim e Orquestra de Cordas” de 1985. É fato que a utilização do bandolim como instrumento solista em música de concerto não constitui nenhuma novidade já que este vem sendo utilizado desde o período barroco. No entanto, nesta obra, percebe-se que Gnattali procura utilizar este instrumento tal qual um músico de choro o faria. As melodias escritas para o bandolim, principalmente no primeiro dos três movimentos, seriam certamente aceitas nos meios tradicionais do choro, ou seja, se tais melodias fossem extraídas e executadas por um regional, provavelmente soariam como uma 129 composição de um músico de choro. A erudição de tal obra está na escrita musical da orquestra de cordas. A introdução do Concerto para Bandolim e Orquestra não prevê a melodia “chorona” que está por vir. Na Figura 47 pode-se observar o primeiro acorde do concerto, realizado pelo bandolim que é respondido pela orquestra. O acorde executado pelas cordas contém as seguintes notas, do grave para o agudo: Lá bemol, Mi bemol, Sol, Si e Do, que perfazem um acorde de Lá bemol Maior com sétima maior (Sol) e nona aumentada (Si), enquanto que no bandolim as notas são, do grave para o agudo: Ré, Lá sustenido, Mi bemol e Lá bemol, notas constituintes do acorde de Mi bemol com a Sétima maior na voz mais grave (Ré) e a terça suspensa para a quarta justa (Lá bemol). Enarmonizando a nota Lá sustenido para Si bemol se estabelece a quinta justa do acorde. Portanto, na introdução deste concerto, constata-se na orquestra de cordas um acorde de Lá bemol Maior com sétima maior e nona aumentada, ao qual se sobrepõe um acorde de Mi bemol com terça suspensa para a quarta justa e sétima maior no bandolim, artifício este que remete a um procedimento bitonal. É possível detectar na introdução desta obra alguma semelhança estética com a segunda parte da “Sagração da Primavera” de Stravinsky, algo semelhante à atmosfera conseguida pelo compositor russo na “Dança das adolescentes” através do ritmo e das dinâmicas escritas para a orquestra. Gnattali não copia nem o ritmo e nem os acordes, mas assemelha a introdução de sua peça à referida obra principalmente em dinâmica orquestral e no processo harmônico, que é bitonal. Por mais uma vez, Radamés Gnattali demonstra que escolas de composição erudita diferentes e música popular urbana convivem pacificamente em seu imaginário de criador o que parece o afastar de preocupação de se aliar a uma única linha estética-composicional. 130 Figura 47 (Primeira página do concerto para bandolim e orquestra de cordas): Fonte: Catálogo Digital Radamés Gnattali. 131 No ano da composição deste concerto Radamés realiza uma transcrição do mesmo para o grupo “Camerata Carioca” o que garantiu caráter ainda mais próximo da música popular à obra. A melodia inicial do bandolim neste concerto pode ser comparada a temas de compositores de chorinho. Extraindo a melodia principal (figura 48) percebem-se alguns procedimentos melódicos característicos do choro: Figura 48 (Melodia inicial do concerto para bandolim e orquestra de cordas): O início da melodia saltando oitava é facilmente localizável em alguns compositores de choros, como exemplificado nas figuras a seguir: Figura 49 (Canto em Rodeio – Pixinguinha): As duas melodias (Figuras 48 e 49) têm contornos melódicos bastante semelhantes, salto de oitava ascendente seguido de melodia que desce em graus conjuntos para novamente subir, diferindo neste ponto, pois a melodia de Radamés (Figura 48) sobe por salto de terça menor e desce novamente em graus conjuntos, enquanto que a melodia de Pixinguinha sobe em grau 132 conjunto e desce em um arpejo de Sol Maior com sétima menor, mesmo assim, o contorno melódico é o mesmo e, além disso, há o uso constante de ligaduras de valor que sincopam a melodia, característica comum ao choro e também ao samba. O exemplo seguinte (figura 50), embora seja uma valsa, apresenta melodia que preserva de certa forma o caráter de choro sempre presente em composições de Pixinguinha. O início do contorno melódico é bastante semelhante à melodia do “Concerto Para Bandolim” pois também salta oitava ascendente, descendo em seguida por graus conjuntos. Figura 50 (Oscarina – Valsa de Pixinguinha): Outro exemplo de melodia se iniciando por salto de oitava ascendente seguido de melodia descendente: Figura 51 (Curruíra Saltitante – Lina Pesce): Embora a mesma desça por um arpejo de ré maior finalizando por cromatismo na nota Si (quinta justa do acorde de Mi menor) a semelhança com o contorno melódico inicial do Concerto 133 para Bandolim está preservada. Antes de seguir com mais alguns exemplos, é conveniente esclarecer que saltos de oitava ascendentes seguidos de melodias descendentes são localizáveis em muitos estilos de música ocidental e, independentemente da direção deste salto de oitava (ascendente ou descendente) que é um salto grande, os tratados de contraponto costumam indicar que a próxima nota se dê em movimento contrário o que garante compensação melódica. Mesmo assim não deixa de ser uma característica do choro o fato de vários compositores iniciarem parte de suas melodias desta maneira, como é mostrado com clareza nos exemplos seguintes: Figura 52 (Hora de Sonhar – Waldir de Azevedo): Este exemplo (figura 52) não se assemelha em contorno melódico com a obra do compositor gaúcho, mas também inicia por salto de oitava ascendente seguida de nota em movimento contrário. Figura 53 (Vê se Gostas – Waldir de Azevedo): 134 Embora no exemplo da figura 53 a melodia inicie em salto de oitava descendente, seguido por nota que ascende em grau conjunto, preserva-se ainda a idéia de que o início de melodias por salto de oitava, por ser um dos elementos bastante presentes no choro, torna-se um dos procedimentos que contribuem para a caracterização da melodia dentro deste estilo de música popular urbana. Figura 54 (Um a Zero – Pixinguinha): Esta melodia de Pixinguinha parece enfatizar a importância dos saltos de oitava como um dos elementos de caracterização de melodias que almejam se referir ao choro. Ela inicia com a nota Fá sustenido que serve de apoggiatura para a nota Sol que em seguida desce oitava. Este mesmo salto de oitava se repete por mais duas vezes no fragmento ilustrado na figura 54. Embora Pixinguinha saia do salto de oitava por outro intervalo grande (ora sétima menor, ora sexta maior), o mesmo acontece em movimento contrário. Um ponto que chama a atenção é o fato de todas as melodias de choro que foram exemplificadas anteriormente começarem em anacruse, dando a impressão de que saltos de oitava no choro acontecem preferencialmente em melodias anacrústicas em vez de téticas. Embora a melodia do “Concerto para Bandolim” (Figura 48) não comece tecnicamente em anacruse, percebe-se que a segunda nota Si da melodia (oitava acima da primeira nota) apóia em tempo fraco a chegada da terceira nota Si, escrita em mínima na cabeça do terceiro tempo do compasso, 135 com indicação de tremolo, fazendo se perceber esta última como nota inicial da melodia e as anteriores como apoio para a chegada dela. Outro ponto bastante importante é o fato de todas as melodias exemplificadas anteriormente (inclusive a melodia de Gnattali) apresentarem o salto de oitava seguido de uma nota longa, de maior valor que a nota que a precede, tendo como única exceção o exemplo da figura 51 em que a nota seguinte ao salto de oitava tem valor igual à nota que a antecede. Este fato se apresenta como outra característica de construção melódica em choro que foi respeitada pelo compositor erudito em sua obra de concerto. O fato da melodia do concerto possuir tamanha afinidade com as características de construção de melodia do choro parece ter levado a mente criativa de Radamés Gnattali a uma inevitabilidade na escolha do instrumento que a executaria. Pode-se admitir, após um olhar mais atento, que este solo poderia ser executado por outro instrumento que não o bandolim, mas certamente uma nova escolha recairia também sobre outro instrumento relacionado ao choro. Outro bom exemplo de escolha de instrumentação de música popular acoplada à orquestra que surge inspirada em uma característica melódica é a sua “Suíte Retratos para Bandolim solista, conjunto de choro e orquestra de cordas” de 1956-57. Trata-se de uma obra composta em quatro partes que são: 1) Pixinguinha (Choro) 2) Ernesto Nazareth (Valsa) 3) Anacleto de Medeiros (Schottisch) 4) Chiquinha Gonzaga (Corta-Jaca) Esta obra orquestral é uma homenagem explícita aos compositores de música popular urbana e embora a orquestração de Gnattali sempre apresente técnica e tratamento que emanam 136 de seus estudos e conhecimento de música erudita, nesta suíte as melodias sempre são tratadas com o máximo de procedimentos melódicos de música popular, caracterizando cada uma de suas partes como o estilo que vem anunciado em seus subtítulos, mais uma vez fazendo parecer que a melodia é realmente de um compositor popular, arranjada por um orquestrador. Um bom exemplo é o início da primeira peça da Suíte Retratos que tem sua primeira página ilustrada na figura a seguir: 137 Figura 55 (Primeira página da “Suíte retratos, I - Pixinguinha”): Fonte: Catálogo Digital Radamés Gnattali. 138 Extraindo o início da melodia da obra – fragmento ilustrado na figura 56 - executada pelo bandolim solo, é possível localizar procedimentos que seriam perfeitamente utilizados por compositores de choro, porém contém também alguns elementos não muito comuns a esse estilo, como a sextina logo após o início da melodia (compasso dois por quatro) e a passagem que leva da introdução ao início da exposição da melodia - executada em tercinas pelo próprio bandolim – que é para ser tocada livremente, sem fórmula de compasso e com fermata antes de se iniciar a melodia. Figura 56 (Início da melodia do bandolim na Suíte retratos, I - Pixinguinha): Esta passagem permite perceber também um procedimento (ausência de fórmula de compasso) que é encontrado em música erudita, principalmente em cadências de concertos do século XX, como por exemplo, o Concerto para Violão e Orquestra de Heitor Villa-Lobos: Comparando o exemplo da figura 56 com os exemplos de choros apresentados anteriormente ainda é possível apontar para algumas semelhanças quanto ao modo de se construir a melodia, caracterizando-a como melodia de choro. Por exemplo: A primeira nota do fragmento acima, a passagem que leva da introdução à melodia principal, é a nota Sol, a mais grave possível no bandolim, e a primeira nota da melodia, já no compasso dois por quatro, é novamente 139 a nota Sol, porém uma oitava acima. Então o compositor ainda mantém, embora diluída, a relação de oitava para iniciar a melodia. Considerando a anacruse que vem logo após a fermata, com a indicação “lento”, nota-se aí também uma nota de maior duração do que a última nota da anacruse, mantendo o procedimento visto em todos os exemplos anteriores. Além disso, a melodia se desenvolve com uso constante de síncopas e de figurações rápidas, elementos sempre presentes em composições dos músicos do choro. O motivo inicial da melodia (após fermata) é o mesmo motivo utilizado por Pixinguinha na composição do Carinhoso33: Síncopa em anacruse seguida de nota longa, conforme ilustrado na figura abaixo: Figura 57: Na Suíte Retratos, obra com melodia que mantém tantas afinidades com procedimentos rítmico-melódicos deste estilo de música popular urbana pode-se considerar que é quase impossível evitar a inclusão em sua orquestração de instrumentos inerentes a este. Talvez por seu caráter popular esta suíte tenha sido uma das obras mais executadas e que recebeu mais transcrições feitas pelo próprio compositor para outras formações instrumentais, tornando-se, portanto uma de suas composições mais conhecidas. 33 Composto em 1917 e gravado em 1928, portanto bastante anterior à suíte retratos. 140 4.1. Motivos Rítmico-melódicos no Concerto Carioca nº 1 Conforme foi mencionado nos capítulos anteriores, Radamés Gnattali admite que cresceu ouvindo o impressionismo francês de Debussy e Ravel. No entanto, sua obra demonstra que seu conhecimento musical é bastante abrangente, não só por ter conseguido aliar a música popular com a música de concerto, mas também por ser um profundo conhecedor de cada um desses campos do conhecimento musical, fato que o fez ir além do impressionismo francês. Por exemplo, em seu Concerto Carioca nº 1 é possível detectar o motivo melódico inicial do prelúdio da ópera “Tristão e Isolda” de Richard Wagner. Este pode ser identificado com clareza logo nas primeiras notas do primeiro movimento, e esse mesmo motivo se faz presente, embora transformado, nos dois movimentos seguintes, e permanece no quarto movimento em figurações de acompanhamento. A seguir, na figura 58 temos ilustrado o início do prelúdio escrito por Wagner (Redução para piano) e na figura 59 os primeiros compassos do primeiro movimento do Concerto de Gnattali: Figura 58 (Fragmento inicial do Prelúdio da ópera “Tristão e Isolda”): 141 Figura 59 (Fragmento inicial do 1º Movimento Do Concerto Carioca nº 1): Comparando as duas figuras, nota-se que ritmicamente Gnattali transforma o motivo de Wagner, mas preserva as notas quase literalmente. No prelúdio de Tristão são empregadas as notas Lá, Fá, Mi e Ré sustenido, enquanto que no Concerto Carioca nº 1 apenas a quarta nota é modificada, o ré sustenido é substituído por um Do sustenido. Este motivo, que tem seu embrião em Wagner, estará presente em todo o concerto, estruturando a obra. Logo no compasso 08, figura 60, a trompa imita o motivo apresentado nos primeiros compassos pelas cordas: 142 Figura 60 (compassos 08 e 09): Este motivo Wagneriano transformado por Gnattali é agora apresentado por um dos solistas do concerto, o piano, que inicia a melodia condutora da obra no compasso 12, respondendo as cordas exatamente com as mesmas quatro primeiras notas, como é possível observar na figura 61. Em Gnattali pode ser admissível se estabelecer paralelos entre suas obras e as composições eruditas européias, porém, no caso deste concerto, principal foco deste estudo, e na maior parte de sua música de concerto, tal influência da música erudita é sempre embebida de ritmos e harmonia vindos da música popular urbana, conforme foi estudado no segundo capítulo. 143 Figura 61 (compassos 12 e 13): No compasso 20 (Figura 62), novamente as cordas vão apresentar uma melodia iniciada com o mesmo motivo e as mesmas quatro primeiras notas. É importante salientar (já que se estabeleceu um paralelo entre o motivo do Concerto Carioca nº 1 e o motivo escolhido por Wagner no prelúdio de sua ópera) que é exatamente na quarta nota de sua obra que Wagner atinge um dos acordes mais estudados de toda a história da música ocidental; o acorde de Tristão. Ou seja, antes de apresentar o acorde que vai estruturar sua obra e influenciar boa parte dos compositores de sua época e dos que virão a sucedê-lo, o compositor alemão passa por apenas três notas que delineiam a primeira idéia melódica do prelúdio. Seria difícil considerar que Gnattali usa essas notas inconscientemente em sua obra, mas se foi assim, o fato é que tais notas estão estruturando o primeiro movimento de seu concerto. Um outro olhar sobre o exemplo ilustrado na figura 61 possibilita localizar um acorde que acontece ao piano após as três primeiras notas do motivo, que em vez de um Acorde de Tristão é um acorde de Ré Menor com sétima maior. Este acorde, embora não possua trítono como é o caso do acorde de Tristão, preserva em sua estrutura uma dissonância a ser resolvida, ou seja, a nota Do sustenido (sétima maior do acorde de Ré Menor) que é resolvida na nota Ré na parte fraca do compasso. No acorde de 144 Tristão, Wagner faz o mesmo com a nota mais aguda do acorde, Sol sustenido, que se enarmonizada para Lá bemol, seria apenas a terça menor do acorde. No entanto, ela é tratada como a primeira dissonância que impulsiona um caminho cromático34 até a nota Si, quinta justa do acorde de Mi Maior com sétima menor. Tendo em vista estes fatos, pode-se afirmar que certamente o compositor gaúcho sabia o que estava fazendo, tinha consciência de que estava se referindo a uma obra bastante influente da história da música ocidental. Figura 62 (compassos 20 ao 23): É possível localizar este mesmo contorno melódico, transposto e com instrumentação variada por diversas vezes durante este movimento. Os exemplos anteriores foram apresentados para delinear em Radamés Gnattali procedimentos composicionais análogos à música erudita, que vão além do seu domínio das técnicas de arranjo e orquestração. É perceptível que o compositor estava dialogando com as diferentes vertentes da música ocidental sem se preocupar 34 O caminho cromático começa na nota Sol sustenido e passa por Lá, Lá sustenido atingindo a nota Si. 145 com rótulos, criando seu próprio estilo de composição. Ainda é preciso analisar sua obra como um todo do ponto de vista estilístico, mas até o momento parece ser possível afirmar que sua escrita apresenta evolução no decorrer de sua carreira, mas não fases, o que corrobora a hipótese de que não existiu, por parte de Gnattali, preocupação em se ajustar com correntes composicionais específicas. No segundo movimento, o contorno melódico do motivo está presente logo no início, no primeiro compasso (Figura 63), na melodia do piano solo, porém as notas não são as mesmas e a escrita se dá em colcheias, tendo uma pausa do mesmo valor no lugar da primeira delas: Figura 63 (primeiros compassos do segundo movimento): No terceiro movimento o motivo inicial ainda pode ser percebido como uma variação do mesmo motivo, embora diluído em uma fórmula de compasso diferente (três por quatro), como se pode observar na figura 64 (compasso 18) onde está ilustrada a melodia extraída da flauta que neste momento é acompanhada apenas pela guitarra elétrica. Os círculos na figura marcam o contorno melódico do motivo inicial: 146 Figura 64 (compassos 18 ao 24): No quarto movimento o contorno melódico do motivo principal do concerto carioca se dá como elemento de acompanhamento. Como se pode observar no fragmento transcrito na figura 65 (Compasso 25) o motivo está na mão esquerda do piano: Figura 65 (compassos 25 ao 27): Radamés tem sido por muitas vezes enquadrado na história da música como alguém que simplesmente orquestrou música popular, mas sua imaginação criativa mantém também fortes vínculos com a música erudita, que através de sua escrita se fundiu à música popular urbana, esta bastante evidente no Concerto Carioca nº 1. A seguir, vão ser ilustrados exemplos de melodias com caráter de improvisação neste mesmo concerto. 147 4.2. O Caráter de improvisação no Concerto Carioca nº 1 Atualmente é comum se encontrar o termo “improvisação” ligado à música feita nos meios populares, uma idéia que permeia o senso comum de que esta forma de se expressar só é possível dentro deste estilo de música. É importante não perder de vista o fato de que sempre houve improvisação em música em todos os períodos de nossa história, seja na música oriental ou ocidental. Nas formas de se compor do ocidente há registros de que a improvisação está presente desde a Grécia antiga. É possível que na idade média, na música eclesiástica, o organum livre tenha se dado através de experimentos musicais baseados em improvisações sobre uma vox principalis, sobre um cantochão e o mesmo pode ter acontecido na música renascentista, nos tecidos polifônicos que eram criados sobre um cantus firmus. No período barroco, o baixo contínuo em geral era improvisado pelo cravista ou organista. Era notória a habilidade de Bach e Haendel em improvisar fugas assim como no período seguinte, Mozart e Beethoven improvisavam variações sobre temas. Evidentemente, a música popular urbana não fechou os olhos para a improvisação. No choro, por exemplo, há improvisação em pelo menos dois níveis: primeiro nos baixos realizados pelo violão de sete cordas (a baixaria, como designaria um músico de choro) que evolui sobre a harmonia dada pelos outros instrumentos (violão de seis cordas, cavaquinho, bandolim, etc.) ao mesmo tempo em que tece um contraponto com a melodia principal. E em segundo lugar, na própria melodia. Um músico de choro dificilmente toca uma mesma melodia duas vezes idênticas. Ele transforma tal melodia a cada execução, ornamentando as notas principais, inserindo novas notas no lugar de emissão de notas longas, alterando moderadamente a rítmica da melodia, como se estivesse compondo, ao mesmo tempo em que a música acontece, propondo variações ao tema. No jazz é muito comum se improvisar sobre a harmonia pré-estabelecida de 148 um tema. É corriqueiro para o músico de jazz também improvisar sobre as notas da melodia principal mesmo na exposição do tema, porém, em geral é mais freqüente nas sessões de improvisos os músicos tocarem mais livremente, tendo como base quase que exclusivamente a harmonia, não se prendendo obrigatoriamente às notas da melodia principal. Em alguns casos, o grau de transformação da música em um improviso no jazz é tão grande que se tem a impressão de que há uma inversão de ordem estética; o improviso sobrepuja o tema. Alguns standarts de jazz já apresentam em seu tema caráter de improvisação, como é o caso de “Dona Lee” (Figura 66) de Charlie Parker. A melodia desta música possui grande quantidade de notas, com passagens cromáticas e arpejos rápidos, além de uma tessitura larga, o que dificulta a fácil assimilação que normalmente se espera de um tema musical. Este é um tema, que devido aos recursos utilizados – possibilitados pelo instrumento musical (saxofone neste caso) – não favorece características cantáveis, ou seja, o cantabile é menos valorizado para favorecer peculiaridades instrumentais e improvisadoras. 149 Figura 66 (Dona Lee – Charlie Parker): Fonte: The Real Book35 No Concerto Carioca nº 1 se pode localizar com facilidade melodias com este mesmo caráter de improvisação, principalmente aquelas que são escritas para a guitarra elétrica. Radamés Gnattali provavelmente concebeu tais melodias pensando em empregar na sua criação algum instrumento diretamente ligado à improvisação. A guitarra elétrica é um instrumento 35 Esta publicação em cinco volumes foi vendida nos Estados Unidos da América de maneira ilegal, sem editora e portanto sem autorização dos autores das obras que compõem o livro. Uma nova edição em três volumes intitulada The New Real Book foi editada e distribuída pela Sher Music CO, mas a composição aqui ilustrada não consta nesta publicação. 150 improvisador, em sua origem associada ao jazz. É um instrumento de grande capacidade de improvisação melódica, mas quando é solicitado a desenvolver o papel de instrumento de acompanhamento, em geral improvisa sobre cifras, se assemelhando ao que fazia um cravista que realizava o contínuo no período barroco. Ou seja, na cifra é indicado o acorde que o guitarrista deve executar, no entanto, não se estabelece o registro das notas a serem tocadas, nem tampouco a abertura do acorde em relação a sua fundamental e o ritmo raramente é escrito, ficando a cargo do instrumentista o conhecimento de diferentes ritmos de acompanhamento que podem ser aplicados naquele estilo. Como já foi esclarecido nos capítulos anteriores, Gnattali toma contato com o jazz a partir da década de 1930 e foi provavelmente este contato que o levou a conhecer a guitarra elétrica. Portanto, talvez fosse inevitável para o compositor escrever música com caráter de improvisação sem que se empregue um instrumento desta mesma natureza para interpretá-la. Sobre o caráter de improvisação de partes do concerto carioca podem-se isolar alguns fragmentos, frases da guitarra, que preservam tal característica. Nas figuras seguintes, serão demonstrados os referidos fragmentos em cada um dos quatro movimentos da obra. 4.2.1. Primeiro Movimento: A primeira aparição da guitarra solo, que acontece no compasso 05 (Figura 67) preserva em sua escrita, características de improvisação. O tema anteriormente apresentado pelas cordas – o que se assemelha aos compassos iniciais do Prelúdio de Tristão e Isolda – não é reapresentado pela guitarra elétrica. Para este instrumento, Gnattali escreve uma idéia melódica que se assemelha a frases improvisadas: 151 Figura 67 (compassos 05, 06 e 07): A segunda aparição da guitarra elétrica que acontece no compasso 36 (Figura 68) mais uma vez tem caráter improvisatório, já que a frase se inicia com o mesmo contorno melódico que foi classificado anteriormente como o motivo que se assemelha ao do início do prelúdio de Tristão e Isolda, mas em seguida se desenvolve frase em graus conjuntos e cromatismos, com acordes que a apóiam harmonicamente: Figura 68 (compassos 36 ao 40): Não se exclui aqui a existência de composições musicais em que há frases com grandes saltos para serem executadas pelos cantores (que por vezes também improvisam) e produções musicais em que compositores escrevem para o canto frases de difícil interpretação que em um primeiro contato não parecem ser cantabile por suas características dissonantes, como é o caso de Pierrot Lunaire de Arnold Schoenberg. O que se procura defender aqui - já que o Concerto Carioca nº 1 não se enquadra nem em produções vocais e nem em produções atonais - é que, no contexto desta obra, onde o motivo principal e as melodias se desenvolvem dentro do sistema 152 tonal, com temas de fácil assimilação cantando sobre as harmonias intrincadas de Radamés Gnattali, as frases escritas para a guitarra, de modo geral soam como improvisação, por não conterem melodias de fácil absorção e isso se dá por serem desenvolvidas com uso constante de saltos e dissonâncias. Na figura 69 (compasso 52) pode-se observar a variação que o compositor gaúcho escreve para este instrumento sobre o tema apresentado anteriormente pela orquestra e também pelo piano36. Ainda é possível localizar o contorno melódico do motivo inicial do Concerto nas primeiras notas deste trecho. No decorrer dos exemplos a seguir, será possível observar que na maior parte dos casos a guitarra elétrica não expõe os temas, ou seja, o compositor prefere utilizar este instrumento para escrita de variações sobre os temas já apresentados, conferindo a este instrumento, como já foi dito anteriormente, caráter de improvisação. Figura 69 (Compassos 52 ao 60): 36 O anexo desta dissertação traz a íntegra do Concerto Carioca nº 1 em digitalização do manuscrito autógrafo de Radamés Gnattali. Nesta cópia é possível localizar os temas mencionados, que foram escritos para a orquestra ou para o piano. 153 O próximo caso, exemplificado na figura 70, se dá no compasso 95 e apresenta fraseado construído sobre saltos e arpejos e quando há frases em graus conjuntos, estas acontecem em semicolcheias, caracterizando-se em frases rápidas, como se fossem frases de um improvisador: Figura 70 (Compassos 95 ao 104): É possível localizar o mesmo tipo de escrita (a escrita com caráter de improvisação) no fragmento da figura 71, que inicia no compasso 165, onde a guitarra realiza uma frase descendente em semicolcheias no compasso 170 para em seguida subir por saltos, utilizando as cordas soltas da guitarra: Figura 71 (compassos 165 ao 173): 154 4.2.2. Segundo Movimento: No segundo movimento a guitarra aparece pela primeira vez no compasso 21 como instrumento de acompanhamento (Figura 72). No entanto, no compasso 23 há uma frase melódica em semicolcheias, que se assemelha a intervenções melódicas improvisadas por violonistas de choro, perfazendo uma espécie de ponte entre compassos em que a guitarra executa um padrão rítmico com acordes: Figura 72 (compassos 21 ao 24): Em seguida, no compasso 32 (figura 73), a guitarra elétrica executa uma frase longa, construída sobre quiálteras (iniciando com uma tercina de semicolcheia e seguindo em agrupamentos em sextina desta mesma figura rítmica) e cromatismos, se aproximando às frases improvisadas de músicos de jazz como Charlie Parker e John Coltrane por exemplo, músicos estes que de certa maneira fazem algum tipo de aproximação com procedimentos do atonalismo do início do século XX, através do uso de muitos cromatismos que não são organizados em séries do tipo dodecafônicas: 155 Figura 73 (compassos 32 ao 36): A guitarra elétrica fecha este movimento com uma frase que se inicia com o contorno melódico do motivo inicial do concerto (Figura 74, compasso 59), desembocando em uma frase de caráter improvisatório: Figura 74 (compassos 59 ao 62): 4.2.3. Terceiro Movimento: O terceiro movimento é iniciado pela guitarra elétrica solo (figura 75), sem acompanhamento do piano ou da orquestra e, nesta introdução, Radamés Gnattali também imprime caráter de improvisação, com uso de saltos, cromatismos e quiálteras (tercinas): 156 Figura 75 (introdução do terceiro movimento): Um outro fragmento no qual é possível o destaque de uma escrita com base em improvisação é o que se inicia no compasso 135 (figura 76), onde a guitarra realiza uma frase construída sobre arpejos com uso de cromatismos, algo muito comum em improvisos de instrumentistas de música popular, especialmente em saxofonistas e guitarristas: Figura 76 (compassos 135 ao 139): 4.2.4. Quarto Movimento: No quarto movimento, compasso 13 (Figura 77), pode-se observar mais uma frase da guitarra elétrica construída sem intenção temática: 157 Figura 77 (Compassos 13 ao 22): O mesmo tipo de fraseado também é encontrado no compasso 84 (Figura 78) deste movimento: 158 Figura 78 (Compassos 84 ao 104): No compasso 143 (figura 79) há mais uma frase longa em semicolcheias, com uso freqüente de cromatismos e arpejos, caracterizando novamente a guitarra elétrica como instrumento de linguagem improvisadora: 159 Figura 79 (Compassos 143 ao 150): Na última aparição da guitarra elétrica no Concerto Carioca nº 1 (Figura 80, compasso 210) Radamés Gnattali uma outra vez emprega escrita de caráter improvisador, fechando a participação desta como se quisesse acentuar a improvisação como um elemento fundamental na composição para o instrumento: Figura 80 (Compassos 210 ao 217): Tendo em vista os exemplos ilustrados anteriormente, torna-se bastante provável que o compositor tenha escolhido a guitarra elétrica como um dos solistas de seu concerto por esta ser 160 um instrumento ligado às práticas de improvisação em música popular, mais especificamente o Jazz. Por ter escrito uma linha instrumental com ênfase ao caráter de improvisação, seria para o compositor inevitável a escolha de um instrumento desta natureza. Haveriam outros instrumentos improvisadores à disposição na época da escrita do concerto, mas Gnattali estava escrevendo para um instrumento de cordas e isto é perceptível não só pelo uso de acordes, mas também em frases melódicas em que as notas são dispostas de maneira idiomática à guitarra elétrica, utilizando cordas soltas e digitações que favorecem a sonoridade do instrumento. 161 CONCLUSÃO: A presente dissertação procurou ponderar sobre processos composicionais na música de concerto de Radamés Gnattali. Foi preciso analisar sua obra, focando no Concerto Carioca Nº 1, sob diversos pontos de vista. A observação de sua obra foi feita, como parece ser inevitável, com base em dados históricos, já que a cronologia de certos fatos foi determinante para se chegar a algumas conclusões. Ficou notável, por exemplo, que o maior impulso criativo de Gnattali se deu a partir da década de 1930, mesmo período em que começa a trabalhar efetivamente como maestro arranjador. Sua relação com a música popular urbana - em vez de música popular rural ou folclórica, como foi a opção de seus contemporâneos nacionalistas – fez-se perceber não só em seus arranjos ou composições populares, mas também em sua obra de concerto. Foi possível entender, através da análise do mencionado concerto, que os instrumentos ligados à música popular urbana se fizeram presentes em sua obra de concerto muitas vezes com linguagem análoga a que é encontrada nos mesmos dentro dos meios populares. Como exemplo deste fenômeno, podem-se destacar os instrumentos de percussão utilizados no Concerto Carioca nº 1, que são ligados às escolas de samba, sendo utilizados no quarto movimento, o Samba, com linguagem bastante próxima de uma bateria tradicional deste tipo de manifestação popular. Os instrumentos de sopro, tais como, saxofones, trompetes e trombones, por vezes formam algo similar ao naipe de metais de uma big band, e a guitarra elétrica, por sua vez, tem partes compostas com um caráter claro de improvisação. O fato de ter escolhido este instrumento (a guitarra elétrica) como um dos solistas de seu Concerto Carioca nº 1 foi apontado como um ato inédito e inovador na música concertante. Conclui-se então, que para Radamés Gnattali, a escolha de instrumentos musicais ligados à música popular quando sua escrita remete à mesma, se configura em uma inevitabilidade. Ou seja, se uma melodia está embasada em procedimentos 162 composicionais intrínsecos ao choro, torna-se, para esse compositor, inevitável a utilização de um instrumento que esteja tradicionalmente ligado a este estilo de música popular urbana. Foram localizadas quarenta e oito obras de concerto de Radamés Gnattali onde são utilizados instrumentos diretamente ligados à pratica musical nos meios populares, todas elas datadas à partir da década de 1930, década na qual inicia sua carreira de arranjador, o que corroborou a idéia de que a ligação desse compositor com a música popular se deu através da música popular urbana e não folclórica, o que o afasta do movimento nacionalista folclórico. Foi também possível detectar que há na sua música de concerto a presença de elementos da música popular norte-americana, quando se percebem características de jazz em sua construção. Os padrões rítmicos utilizados como acompanhamento em sua orquestra de música popular, passam a permear também a orquestra de sua música de concerto, quando ritmos tradicionais brasileiros são transportados para outras famílias de instrumentos que não a percussão, o que indica uma originalidade no campo da música popular brasileira orquestrada. Embora esse procedimento tenha surgido na música do compositor gaúcho para se resolver problemas de orquestração em grupos instrumentais de rádios e gravadoras de música popular, foi possível perceber que esse modo de orquestração foi inserido enfaticamente em sua música de concerto a partir desta época. Padrões de acompanhamento básicos de música popular foram fartamente localizados no Concerto Carioca nº 1. Estes padrões estão em diferentes combinações instrumentais, estruturando o passo harmônico da composição. Embora não fosse foco principal do trabalho, em alguns momentos foram localizados acordes com uso de dissonâncias características do jazz, ou seja, a dissonância utilizada quase como um ornamento harmônico, a dissonância que não tem intenção de direcionar a música para este ou aquele lugar, mas sim a intenção de enriquecer sonoridades, de aumentar o alcance afetivo dos acordes no intuito de se fazer reconhecer um estilo musical por sua harmonia e não apenas por sua linearidade (melodia). 163 Em outros momentos foram apontados acordes sobrepostos, levando a conclusão de que o compositor dominava profundamente procedimentos ligados também à música erudita do século XX. Quanto ao desenvolvimento de suas melodias, foram analisados além do Concerto carioca, a melodia inicial do primeiro movimento do Concerto para Bandolim e Orquestra e o motivo da melodia do primeiro movimento da Suíte Retratos (Pixinguinha). Tais temas foram comparados com melodias de choro tradicional, de compositores como Pixinguinha e Waldir de Azevedo, tornando-se possível entender que motivos e contornos melódicos oriundos deste estilo de música são preservados na música erudita de Gnattali, quase não apresentando transformações estéticas que levassem estas melodias ao campo da música de concerto. O presente trabalho não focou como objetivo a criação de nenhum novo método analítico, mais adequado à produções musicais ambíguas, como é o caso da música de Radamés Gnatalli que passeia livremente entre música erudita e popular, mas ao mesmo tempo, não perdeu de vista que seria necessário recorrer a outros materiais e fontes, tais como textos, partituras e métodos voltados à prática instrumental para estruturar análises como as que foram descritas acima, algo que pode impulsionar novas pesquisas. Portanto, este trabalho não tem o anseio de ter criado um novo sistema de análise musical, se apoiando em métodos e fundamentação que não são necessariamente voltados à esta área do conhecimento musical (vide material citado na introdução), mas espera ter apontado para a necessidade de se olhar para esta música, do ponto de vista analítico, através de outras lentes que não sejam apenas aquelas da tradição musical européia. Estas são ainda indispensáveis, mas ao mesmo tempo, insuficientes. 164 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ANDRADE, Mário de. Ensaio Sobre a Música Brasileira. São Paulo: Livraria Martins Ed., 1962. BARBOSA, Valdinha e DEVOS, Anne Marie. Radamés Gnattali; o eterno experimentador. Rio de Janeiro: Funarte/Instituto Nacional de Música, 1984. CANDÉ, Roland de. História Universal da Música vol 1 e 2; tradução Eduardo Brandão; revisão da tradução Marina Appenzeller. – São Paulo: Martins Fontes, 1994. DIDIER, Aluisio. Radamés Gnattali. Rio de Janeiro: Brasiliana Produções, 1996. 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