doenca de menetrier.p65 - Departamento de Diagnóstico por
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Doença de Ménétrier na infância: relato de caso / Souza LRMF et al. Relato de Caso Doença de Ménétrier na infância: relato de caso Luís Ronan Marquez Ferreira de Souza1, Jairo Ramos Nogueira Filho2, Andrea Langone Ferme1, Suzan Menasce Goldman3, Giuseppe DIppolito4, Jacob Szejnfeld5 Resumo Descritores: Gastropatia hipertrófica; Tomografia computadorizada; Doença de Ménétrier. A gastropatia hipertrófica foi descrita por Ménétrier, em 1888, sendo dividida por ele em dois grupos anatômicos. O primeiro é caracterizado pela presença de pólipos, e o segundo, por hipertrofia das pregas gástricas. Esta doença pode acometer tanto adultos como crianças, sendo que nestas é bem mais rara, não chegando a 100 o número de casos descritos. Relatamos os achados de imagem de um caso da doença de Ménétrier na infância, com revisão objetiva da literatura. RELATO DO CASO Recebido para publicação em 27/4/2005. Aceito, após revisão, em 25/7/2005. Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), São Paulo, SP. 1 Médicos Radiologistas, Pós-Graduandos do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM. 2 Médico Radiologista do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM. 3 Doutora em Radiologia, Chefe do Setor de Geniturinário da Unifesp/EPM. Criança do sexo feminino, com três anos e quatro meses de idade, com história de vômitos diários e anorexia há um mês. Os vômitos eram independentes da freqüência ou do tipo de alimento oferecido, sem secreção sanguinolenta. Negava febre ou diarréia no período. Ao exame físico apresentava-se em mau estado geral, descorada e desidratada +/4+, emagrecida 4+/4+, pesando 8.400 gramas. Na investigação diagnóstica foram realizados exames laboratoriais, radiológicos e biópsia para obtenção de material para estudo anatomopatológico. Os exames laboratoriais se apresentaram dentro da normalidade, com proteína C e anti-HIV negativos. A endoscopia digestiva alta demonstrou, como único achado, mucosa gástrica hipertrofiada. Os exames de imagem realizados foram trânsito intestinal, ultra-sonografia e tomografia computadorizada do abdome. O trânsito intestinal mostrou o alargamento da mucosa do estômago e esvaziamento lento do conteúdo gástrico (Fig. 1). A ultrasonografia, realizada pela via abdominal, evidenciou espessamento difuso da parede gástrica (Fig. 2). A tomografia computadorizada de abdome com contraste oral e endovenoso confirmou a hipertrofia difusa da parede do estômago, com ausência de linfonodomegalia retroperitoneal ou no hilo hepático (Fig. 3). Foi realizada biópsia gástrica a céu aberto, que evidenciou estômago com epitélio mucoso, com esôfago e antro normais, duodeno com infiltrado celular inflamatório aumentado, sendo negativo para doença linfoproliferativa. DISCUSSÃO 4 Doutor em Radiologia pelo Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM. 5 Professor Adjunto Livre-Docente, Chefe do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp/EPM. Correspondência: Dr. Luís Ronan M.F. de Souza. Rua Episcopal, 564, ap. J-203, Mercês. Uberaba, MG, 38060-050. E-mail: [email protected] Rev Imagem 2005;27(3):213216 A doença de Ménétrier é rara na infância. Seus achados radiológicos, quando associados ao quadro clínico, são úteis no diagnóstico desta doença. A etiologia ainda é desconhecida. Fieber[1] enumerou, em 1955, uma série de possíveis suspeitas, concluindo ser a alergia o denominador mais comum nos casos 213 Souza LRMF et al. / Doença de Ménétrier na infância: relato de caso por ele avaliados. A maioria dos pacientes estudados por Coad[2] tinha história familiar de alergenopatias ou de eosinofilia sanguínea. Segundo a literatura, o citomegalovírus parece exercer sua ação como um fator etiológico secundário na evolução da gastropatia hipertrófica[3]. Na criança o início do quadro clínico é abrupto, muitas vezes associado com uma infecção viral precedente[4], afetando igualmente ambos os sexos. Os sintomas se iniciam por volta dos cinco anos de idade, com náuseas, vômitos, dor abdominal, edema e ascite, com du- Fig. 1 Trânsito intestinal. O espessamento da mucosa gástrica (seta) promove deslocamento das alças adjacentes. ração de cerca de três semanas. Geralmente os casos pediátricos não evoluem para alterações malignas e remitem, com suporte clínico, em três semanas. O tratamento geralmente consiste em reposição de perdas protéicas e hidroeletrolíticas. Os achados radiológicos sugestivos da gastropatia hipertrófica já são demonstrados no exame contrastado do estômago do caso estudado, com alargamento da mucosa gástrica, que, em concordância com Burns e Gay[5], são tão evidentes que se houver alguma dúvida sobre a hipertrofia da mucosa gástrica, então a hipótese de Ménétrier deve ser afastada. No exame ultra-sonográfico geralmente se individualiza mucosa gástrica hipertrofiada, conforme o caso relatado, podendo ser encontrada ascite associada, sem outras alterações nas demais estruturas abdominais[4]. Os achados da tomografia computadorizada do presente caso foram de grande importância, pois além de evidenciar a irregularidade da espessura da parede gástrica, descartaram linfonodomegalia ou qualquer outro envolvimento de estruturas abdominais que pudessem sugerir infiltração linfomatosa, conforme mostra a literatura[4]. Quanto ao quadro laboratorial, a doença de Ménétrier geralmente evolui na forma infantil com albumina plasmática abaixo de 30 g/l com acentuada gastroenteropatia perdedora de proteínas. A etiologia da hipoproteinemia foi demonstrada por Citrin e cols.[6] como sendo o resultado de perda de albumina no lúmen gástrico (abaixo de 30 g/l). Os níveis de imunoglobulinas estão, na maioria dos casos, baixos devido ao acelerado processo de renovação da mucosa gástrica, não caracterizando nenhum tipo de doença imunossupressora. Esses achados não foram encontrados no caso relatado. Fig. 2 Ultra-som de abdome total. Exame realizado na região do estômago evidenciando espessamento da mucosa gástrica (entre as setas), que apresenta peristaltismo preservado. 214 Rev Imagem 2005;27(3):213216 Doença de Ménétrier na infância: relato de caso / Souza LRMF et al. Fig. 3 Tomografia computadorizada helicoidal de abdome sem contraste (A,B,C) e com contraste (D,E,F) demonstrando hipertrofia e irregularidade da parede gástrica (setas em A e D), com realce habitual pelo meio de contraste. O espessamento se estende de forma difusa até o piloro (setas em C e F). Não se identificou linfonodomegalia retroperitoneal, e as demais estruturas abdominais estavam preservadas. Na biópsia pode-se encontrar aumento das células mucinosas, edema e proliferação de células inflamatórias (eosinófilos) em toda a lâmina própria (periglandular), indicando inflamação aguda ou crônica, como no caso estudado. A literatura ainda descreve alguns casos em que foram identificados corpúsculos de inclusão, sugerindo uma associação da forma infantil com a infecção por citomegalovírus[2]. Rev Imagem 2005;27(3):213216 Portanto, a doença de Ménétrier deve ser sempre considerada nos diagnósticos diferenciais quando se evidencia hipertrofia difusa da camada superficial da mucosa gástrica. Os outros principais diagnósticos diferenciais para espessamento difuso da parede do estômago são: linfoma, síndrome de Zollinger-Ellison, gastroenterite eosinofílica, gastrite associada a pancreatite ou a refluxo biliar, adenocarcinoma infiltrativo. 215 Souza LRMF et al. / Doença de Ménétrier na infância: relato de caso REFERÊNCIAS 1. Fieber SS. Hypertrophic gastritis; report of two cases and analysis of fifty pathologically verified cases from literature. Gastroenterology 1955;28:3969. 2. Coad NAG. Ménétriers disease in childhood associated with cytomegalovirus infection: a case report and review from literature. Br J Radiol 1986;59:61520. 3. Leonidas JC, Beatty EC, Wenner HA. Ménétrier disease and cytomegalovirus infection in childhood. Am J Dis Child 1973; 126:8068. 4. Goldwag SS, Bellah RD, Ward KJ, Kogutt MS. Sonographic detection of Ménétriers disease in children. J Clin Ultrasound 1994;22:56770. 5. Burns B, Gay BB Jr. Ménétriers disease of the stomach in children. AJR 1968;103:3006. 6. Citrin Y, Sterling K, Hastead JA. Mechanism of hypoproteine- 216 mia associated with giant hypertrophy of gastric mucosa. N Engl J Med 1957;257:90612. Abstract. Ménétriers disease in childhood: a case report. Hypertrophic gastritis was described by Ménétrier in 1888, and can be divided into two anatomical categories: occurrence of polyps and gastric mucosa hypertrophy. Ménétriers disease of the stomach affects mostly adults and occurs less frequently in children (less than 100 cases in the literature). The authors report the imaging findings in a child with Ménétriers disease, and present a brief review of the literature. Key words: Hypertrophic gastritis; Computed tomography; Ménétriers disease. Rev Imagem 2005;27(3):213216