Baixar arquivo - Projeto Consultoria

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VOLUME I
Organizador:
Filipe Lage de Sousa
1ª edição
RIO DE JANE IRO – OUT UBRO DE 2 0 1 2
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES
P R E SIDE NT E
Luciano Coutinho
VIC E - P R E SIDE N T E
João Carlos Ferraz
Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores, não
refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. É permitida a reprodução
parcial ou total dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte.
Esta publicação não pode ser comercializada. As publicações editadas pelo
BNDES estão disponíveis gratuitamente em formato impresso e digital. Mais
informações em www.bndes.gov.br/faleconosco.
B661
BNDES 60 anos: perspectivas setoriais/Organizador: Filipe Lage
de Sousa. – 1. ed. – Rio de Janeiro: BNDES, 2012.
v. 1: il.
384 p.
Vários autores.
ISBN: 978-85-87545-44-2
1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. 2.
Economia - Brasil. 3. Desenvolvimento econômico - Brasil. I.
Sousa, Filipe Lage de (org.).
CDD – 332.28
Av. República do Chile, 100
Rio de Janeiro – RJ – CEP 20031-917
Central de Atendimento 0800 702 6337
Atendimento a deficientes auditivos 0800 888 9873
S UM ÁR IO
VOLUME 1
PREFÁCIO ................................................................................................................ 5
APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 9
A ECONOMIA BRASILEIRA: CONQUISTAS DOS ÚLTIMOS DEZ ANOS
E PERSPECTIVAS PARA O FUTURO ........................................................................... 12
Adriana Inhudes Gonçalves da Cruz, Antonio Marcos Hoelz Ambrozio, Fernando Pimentel Puga,
Filipe Lage de Sousa e Marcelo Machado Nascimento
COMPLEXO ELETRÔNICO: A EVOLUÇÃO RECENTE
E OS DESAFIOS PARA O SETOR E PARA A ATUAÇÃO DO BNDES ................................ 42
Ricardo Rivera de Sousa Lima
O PAPEL DO BNDES NO DESENVOLVIMENTO DO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO ... 98
Daniel Chiari Barros e Luciana Silvestre Pedro
A INDÚSTRIA AERONÁUTICA NO BRASIL: EVOLUÇÃO RECENTE E PERSPECTIVAS ....
138
Sérgio Bittencourt Varella Gomes
O SETOR DE BENS DE CAPITAL NO BRASIL E O PAPEL DO BNDES
COMO INDUTOR DO DESENVOLVIMENTO, NO PERÍODO 2003-2011 ........................
186
Breno Emerenciano Albuquerque, Edson Moret, Luciana Surliuga, Marcelo Oliveira Santos,
Marcos dos Santos e Marcos Fernandes Machado
PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL
E TECNOLÓGICO NA CADEIA DE FORNECEDORES DE BENS E SERVIÇOS
RELACIONADOS AO SETOR DE P&G ......................................................................
224
Bruno Plattek de Araújo, André Pompeo do Amaral Mendes, Ricardo Cunha da Costa
A RETOMADA DA INDÚSTRIA NAVAL BRASILEIRA .................................................
274
Priscila Branquinho das Dores, Elisa Salomão Lage e Lucas Duarte Processi
SAÚDE COMO DESENVOLVIMENTO: PERSPECTIVAS PARA A ATUAÇÃO
DO BNDES NO COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE ...............................................
300
Vitor Pimentel, Renata Gomes, André Landim, João Pieroni e Pedro Palmeira Filho
A INDÚSTRIA DE PAPEL E CELULOSE ....................................................................
André Carvalho Foster Vidal e André Barros da Hora
334
4
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
VOLUME 2
PREFÁCIO ................................................................................................................ 5
APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 9
A INDÚSTRIA QUÍMICA E O SETOR DE FERTILIZANTES .............................................. 12
Leticia Magalhães da Costa e Martim Francisco de Oliveira e Silva
O FUTURO DO SETOR SUCROENERGÉTICO E O PAPEL DO BNDES .............................. 62
Artur Yabe Milanez e Diego Nyko
APOIO DO BNDES À AGROINDÚSTRIA: RETROSPECTIVA E VISÃO DE FUTURO ............ 88
Egmar Del Bel Filho, Jaldir Freire Lima, Luciana Xavier de Lemos Capanema e Victor Emanoel Gomes de Moraes
INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO NO BRASIL:
DESAFIOS E OPORTUNIDADES ..............................................................................
122
Job Rodrigues Teixeira Junior, Rangel Galinari, Paulo Fernandes Montano e Juliana Generoso da Silva
CRIATIVIDADE E DESENVOLVIMENTO ...................................................................
160
Marina Moreira da Gama
O SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO E O BNDES:
REFLEXÕES SOBRE O FINANCIAMENTO AOS INVESTIMENTOS E PERSPECTIVAS .......
190
Alexandre Siciliano Esposito
SITUAÇÃO ATUAL E PERSPECTIVAS DA INFRAESTRUTURA
DE TRANSPORTES E DA LOGÍSTICA NO BRASIL ......................................................
232
Dalmo dos Santos Marchetti e Tiago Toledo Ferreira
O SANEAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL: CENÁRIO ATUAL E PERSPECTIVAS ..........
272
Guilherme da Rocha Albuquerque e Arian Bechara Ferreira
TRANSPORTE URBANO: O PAPEL DO BNDES NO APOIO À SOLUÇÃO
DOS PRINCIPAIS GARGALOS DE MOBILIDADE .......................................................
Rafael R. Herdy, Carlos H. R. Malburg e Rodolfo Torres dos Santos
310
P RE F ÁC IO
A construção do futuro
Ao longo do século XX, a economia brasileira passou por mudanças significativas.
O Brasil deixou de ser uma economia exportadora de produtos primários para se
transformar – notadamente a partir da grande crise dos anos trinta e, depois, pelo
impulso de quatro ciclos relevantes de avanço industrial entre 1950 e 1980 – em
uma economia urbanizada, diversificada e complexa. Já no longo período que se
iniciou com a crise da dívida externa no início dos anos oitenta, até o rápido processo de robustecimento da posição cambial brasileira (de 2004 a 2007), a economia
experimentou alta instabilidade, forte incerteza e modestos avanços estruturais no
que toca ao seu sistema industrial e de serviços.
A partir de 2005, a economia brasileira experimentou um firme ciclo de
expansão, interrompido pela eclosão da grave crise bancária e financeira mundial
de 2008-2009. Desde 2010, o crescimento foi retomado, mas sob crescentes desafios derivados do acirramento global da concorrência comercial e industrial. Diagnosticar esses desafios e propor novos caminhos constituem o objetivo principal
desta publicação.
Com efeito, ao comemorar sessenta anos de existência este ano, o BNDES se
orgulha de ter sido, ao longo de sua história, um ator importante no processo de
desenvolvimento econômico e social. E uma das virtudes da instituição foi sua capacidade de antever os desafios do país e se reestruturar para atendê-los.
Nos anos cinquenta, o Banco apoiou o desenvolvimento da infraestrutura. Simultaneamente, começou a dar suporte financeiro para incentivar o surgimento
das indústrias de base. Nos anos setenta, impulsionou a formação de um amplo setor de bens de capital (seriados e sob encomenda), além da expansão das indústrias
de insumos básicos (siderurgia, metalurgia de não ferrosos, química e petroquímica, celulose e papel), bem como a expansão das indústrias de bens de consumo
duráveis, sem deixar de apoiar o esforço continuado de investimentos em infraestrutura, inclusive de telecomunicações.
6
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Nos oitenta, o Banco ganhou mais uma missão relevante: a de apoiar o desenvolvimento social, o que motivou financiamentos a infraestruturas de saneamento
básico e transportes de massa, além da atenção ao crédito às pequenas empresas.
No difícil período de alta inflação e alta vulnerabilidade cambial, nas décadas de
1980 e 1990, em que a Formação Bruta de Capital Fixo/Produto Interno Bruto (FCBF/
PIB) veio declinando, o BNDES teve sua atuação restringida pelas circunstâncias adversas. Não obstante, colaborou de forma competente e diferenciada com o processo de modernização do setor público, tendo sido o agente operativo do programa
nacional de desestatização.
Desde 2004, com a retomada do crescimento, o BNDES voltou a apoiar firmemente a expansão dos investimentos em infraestruturas, indústria e serviços, colaborando decisivamente para elevar o patamar da taxa agregada de investimento
(FBCF/PIB), que subiu de cerca de 16% para perto de 20%. Essa trajetória ascendente foi interrompida pela gravíssima crise financeira global detonada pela falência
do Lehman Brothers em setembro de 2008.
O acúmulo de reservas efetuado no período 2004-2008 somado aos bons fundamentos fiscais permitiu ao governo brasileiro exercitar, pela primeira vez em três
décadas, uma firme política anticíclica baseada em um conjunto de iniciativas de
estímulo do mercado interno, visando sustentar o consumo e reanimar os investimentos. O BNDES atuou proativamente desde o início da crise e, com as demais
instituições financeiras federais, contribuiu de modo relevante para a rápida superação do processo recessionista ao longo de 2009. Para isso, não apenas recebeu
empréstimos de grande escala do Tesouro Nacional em 2009 e 2010, mas atuou de
forma inovadora, sugerindo várias iniciativas ao governo federal.
Essa capacidade de adaptar as suas formas de atuação pode ser explicada pelo
conhecimento setorial da instituição sobre os diversos setores da economia brasileira.
A partir de diagnósticos precisos e realistas, foi possível adequar as políticas públicas
para resistir aos retrocessos, suprir as vicissitudes e aproveitar oportunidades viáveis.
Os desafios atuais requerem superação das dificuldades antepostas pelo cenário internacional. A perda de dinamismo de grandes mercados em países desenvolvidos, acompanhada pela ascensão de países em desenvolvimento, tem resultado
PREFÁCIO
7
em maior competição internacional no mercado de bens transacionáveis. Simultaneamente, a continuidade das rápidas mudanças tecnológicas demanda agilidade
na elaboração de políticas de fomento.
Apesar do ambiente desafiador, o Brasil possui amplas oportunidades de crescimento a serem exploradas. A demanda mundial por produtos em que somos comprovadamente competitivos tende a aumentar e, por consequência, a atrair mais
recursos para o país. As descobertas de recursos minerais em alto-mar trazem oportunidades de desenvolvimento de uma gama de bens e serviços ao longo da cadeia
produtiva e que requerem conteúdo tecnológico de fronteira.
Nossos agronegócios são extremamente competitivos e podem capturar oportunidades relevantes com o desenvolvimento avançado das cadeias supridoras de
bens de capital, insumos e biotecnologias. Basta observar o potencial de muitas
áreas de nossa indústria de bens de capital e da indústria automotiva, os setores
de caminhões e o de ônibus, considerando as oportunidades de transição tecnológica em direção a novos padrões de sustentabilidade ambiental, incluindo veículos
híbridos e elétricos. A necessidade mundial de desenvolvimento mais sustentável
coloca o Brasil em posição de destaque por sua capacidade de aglutinar soluções de
baixo carbono, eficiência energética e inclusão social.
Oportunidades relevantes de crescimento derivam da expansão das infraestruturas. Os investimentos em mobilidade urbana e saneamento ganharam corpo a
partir de 2007, com o Plano de Aceleração do Crescimento, e continuarão a crescer
nos próximos anos com a entrada de novos projetos na terceira edição desse plano.
Mais recentemente o lançamento pelo governo federal de um ciclo de concessões e
parcerias público-privadas em infraestruturas logísticas (rodovias, ferrovias, portos,
aeroportos) abre mais oportunidades de desenvolvimento de cadeias supridoras de
equipamentos, insumos e serviços – além do impacto positivo para a competitividade sistêmica da economia.
Não se deve, porém, considerar apenas os desafios de avançar nas cadeias e setores onde o Brasil já tem constituído vantagens competitivas reveladas ou onde os
gargalos existentes criaram oportunidades rentáveis. É preciso pesquisar e fomentar as nossas chances de desenvolver indústrias e cadeias intensivas em conheci-
8
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
mento científico e inovação. Não há razão para não ambicionar capturar oportunidades empresariais nas tecnologias de informação e comunicação, como os setores
de software, de telecomunicações, de semicondutores, de automação dos serviços
e comércio. Entre as novas oportunidades, sobressaem a farmacêutica de biossintéticos e várias famílias de equipamentos do complexo industrial da saúde, além de
nosso complexo aeronáutico, aeroespacial e de defesa. Ressaltam-se, ainda, novas
oportunidades nas áreas de energias renováveis, biomassa, etanol de terceira geração, assim como as energias eólica e solar. Há possibilidades de desenvolvimento de
cadeias produtivas mais fortes e inovadoras e podemos avançar no desenvolvimento de gerações avançadas de produtos e processos. Não há por que amesquinhar a
perspectiva brasileira e não pensar de forma ambiciosa em relação aos potenciais
de desenvolvimento do país.
Nesta edição especial comemorativa do aniversário de sessenta anos da instituição, o BNDES mostra sua capacidade de refletir sobre as necessidades e potencialidades brasileiras. Esta edição traz um olhar sobre o desempenho dos setores com
um breve histórico da última década, mas volta-se principalmente para as perspectivas nos próximos anos. Ao vislumbrar as necessidades e oportunidades futuras,
este estudo propicia uma visão de como as políticas do Banco podem se adequar às
demandas setoriais. Desafios e oportunidades emergem, e o BNDES está atento e
pronto a continuar apoiando o desenvolvimento brasileiro de maneira sustentável
em todos os sentidos.
Luciano Coutinho
Presidente do BNDES
AP R ESEN TA Ç Ã O
Desde o início do século XXI, ocorreram marcantes transformações econômicas que
mudaram o eixo de desenvolvimento mundial: grave crise financeira nos EUA; crise
bancária e soberana na Europa; China como principal motor do crescimento mundial;
ritmo intenso de progresso técnico gerando novos produtos a preços consistentemente decrescentes; termos de troca favoráveis às commodities; inclusão econômica
de uma nova classe média em países em desenvolvimento. Diante dessas transformações em curso, a tarefa de vislumbrar as perspectivas de longo prazo da economia
brasileira, principalmente do ângulo setorial, tornou-se complexa e desafiadora.
Ao completar sessenta anos de existência, o BNDES organizou a presente publicação com este intuito: registrar as possibilidades futuras de desenvolvimento de alguns
setores da economia brasileira. As dificuldades encontradas para identificar as potencialidades de cada setor são consideráveis, porém, esse exercício pode trazer contribuições
positivas para o país e para o BNDES. Identificar e compreender melhor as vicissitudes
e oportunidades setoriais contribui para o debate sobre os rumos do desenvolvimento
brasileiro, para a formulação de políticas públicas e auxilia o BNDES a traçar os rumos de
sua atuação. Portanto, mais importante do que conseguir antever o futuro dos setores
per se, é permanecer sempre disposto a dialogar com os agentes interessados e com a
sociedade sobre os desafios que a economia brasileira terá que enfrentar.
Dividida em dois volumes, esta publicação reúne 18 artigos, sendo um introdutório e 17 setoriais que procuram refletir sobre as potencialidades da economia
brasileira a partir da performance dos últimos dez anos e dos cenários mais prováveis acerca dos mercados mundial e doméstico. O artigo introdutório utiliza os
resultados da balança comercial, da expansão do mercado doméstico, do investimento e da produtividade para analisar o comportamento da economia brasileira
no período recente, bem como suas perspectivas.
Entre os artigos setoriais, os setores intensivos em tecnologia são particularmente relevantes na discussão de crescimento econômico sustentável. O primeiro
artigo setorial do Volume I trata do Complexo Eletrônico, analisado tanto pelos
equipamentos e componentes eletrônicos (inclusive microeletrônica e displays),
10
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
quanto pelo crescente e cada vez mais importante segmento de software e serviços
correlatos. O artigo seguinte aborda o Complexo Automobilístico e avalia não só a
produção de veículos como também o setor de autopeças. A evolução da indústria
aeronáutica é apresentada posteriormente, enfatizando como o Brasil soube aproveitar as oportunidades do setor para desenvolver empresas internacionalmente
competitivas e examina os principais desafios para mantê-las.
A performance da indústria de bens de capital, o apoio do BNDES ao setor e
suas perspectivas futuras são apreciadas no quarto artigo setorial deste volume.
Além da análise geral de máquinas e equipamentos, alguns estudos tratam da especificidade de alguns demandantes desses bens. As perspectivas da exploração do
pré-sal no Brasil abrem oportunidades na cadeia de fornecedores de bens e serviços
relacionados à exploração e produção offshore de petróleo e gás natural. O assunto é abordado no artigo seguinte, focando nos equipamentos e serviços necessários
para extração de hidrocarbonetos em alto-mar. Outro setor impulsionado pelas descobertas das reservas é o de construção naval, analisado no sexto artigo setorial, no
qual é possível perceber a existência de grandes oportunidades para o Brasil voltar a
desempenhar papel de relevo na produção mundial. O Complexo Industrial da Saúde, formado pelas indústrias farmacêutica e de equipamentos médicos, é avaliado no
penúltimo artigo do Volume I, em um contexto em que promover a inovação constitui meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde.
Outros setores são caracterizados como fornecedores de insumos para outros. Um
exemplo é o setor de papel e celulose, abordado em detalhe no último artigo do Volume I.
Já no Volume II, o primeiro artigo trata da indústria química, com foco em fertilizantes, setor que tem um considerável potencial de crescimento e de contribuição
para a expansão agrícola no país. O desenvolvimento de fornecedores nacionais
do referido insumo dinamizaria ainda mais dois outros segmentos tratados nesta
publicação: biocombustíveis e agroindústria. Com relação ao setor de biocombustíveis, uma análise do crescimento de sua importância nos últimos anos por conta da
necessidade de desenvolver uma economia sustentável é apresentada no artigo seguinte. A agroindústria é avaliada no terceiro artigo como um processo integrado,
contemplando desde a produção no campo até as etapas industriais que a sucedem.
APRESENTAÇÃO
11
O quarto artigo do Volume II aborda alguns setores tradicionais de bens de consumo, exemplificados por móveis, calçados, têxteis e confecções, bebidas e produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. O quinto artigo analisa a evolução
da economia criativa assim como as perspectivas futuras.
Infraestrutura é outro grande setor abordado na publicação. A evolução estrutural do setor elétrico brasileiro e o seu financiamento são discutidos no sexto artigo.
O artigo seguinte mostra o desenvolvimento da logística e sua evolução nos próximos anos em diversos modais, tais como: rodoviário, ferroviário, portuário e aquaviário. Com relação à infraestrutura urbana, o sétimo artigo aborda a questão de
saneamento urbano e suas potencialidades. Por fim, o último artigo do Volume II
apresenta outra questão relevante para os anseios da população nas cidades: a capacidade de mobilidade urbana.
A importância dos setores abordados nesta publicação não se resume a sua representatividade no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mas também na sua relevância para o desenvolvimento da economia brasileira. Por sua abrangência, uma boa
performance desses setores auxiliará o Brasil a mudar de patamar, passando para país
de renda alta. Essa mudança representa um grande salto de desenvolvimento por sua
dificuldade e complexidade. A expectativa é que o conhecimento aqui demonstrado
possa contribuir para superar os desafios encontrados pela economia brasileira.
Por último, é necessário registrar e agradecer a contribuição de todos os autores
dos artigos desta edição comemorativa e das equipes de todas as áreas envolvidas
nesse projeto: Industrial (AI), Insumos Básicos (AIB), Infraestrutura (AIE), Social (AS),
Operações Indiretas (AOI), Comércio Exterior (AEX) e Pesquisa Econômica (APE).
O empenho e a dedicação desses autores foram essenciais para garantir a qualidade das reflexões encontradas na publicação. Cabe também um agradecimento
aos colaboradores do Departamento de Divulgação do Gabinete da Presidência do
BNDES envolvidos na edição do livro.
Filipe Lage de Sousa
Organizador
Adriana Inhudes Gonçalves da Cruz
Antonio Marcos Hoelz Ambrozio
Fernando Pimentel Puga
Filipe Lage de Sousa
Marcelo Machado Nascimento*
* Respectivamente, coordenadora de serviços do Departamento de Acompanhamento Econômico e Operações da Área de Pesquisa
e Acompanhamento Econômico (APE/DAE); gerente do Departamento de Pesquisas e Operações (APE/DEPEQ); superintendente da
APE; economista do BNDES e editor do periódico BNDES Setorial; e chefe de departamento da APE/DAE do BNDES.
ECONOMIA BRASILEIRA
13
RE S UMO
Neste estudo, analisamos as transformações recentes e os desafios da economia
brasileira. A emergência da China como potência econômica mundial implicou um
choque de preços relativos, com barateamento de bens industriais e aumento dos
preços de commodities, nos quais o Brasil tem vantagem comparativa, o que impactou de forma favorável as contas externas. No front interno, o aumento do crédito
e a geração de empregos, aliados a políticas de inclusão social, possibilitaram uma
melhoria no padrão de consumo de milhões de brasileiros, o que, em conjunto
com uma expansão dos investimentos, impulsionou o dinamismo do mercado doméstico. A robustez do mercado interno, fortalecido por medidas anticíclicas fiscais e creditícias, foi determinante para a resiliência da economia brasileira ante
a crise financeira internacional de 2007-2008, e continuará a ter papel importante
para impulsionar o crescimento do país. Apesar de todos os avanços recentes, será
preciso enfrentar o desafio de aumentar a produtividade brasileira. Argumentamos ainda que o futuro apresenta obstáculos, mas oferece também oportunidades,
que permitirão um aumento tanto dos investimentos quanto da produtividade da
economia brasileira.
AB S T RA C T
In this paper, we analyze the recent transformations in and challenges for the
Brazilian economy. The emergence of China as a world economic power has
changed terms of trade with a reduction of the prices of manufacturing goods
and an increase in commodities prices, in which Brazil has comparative advantage.
This change of terms of trade has positively impacted the Brazilian trade balance.
In the domestic market, the expansion of credit and employment together with
social inclusion policies managed to improve the consumption pattern of millions
of Brazilians. The growth in investments has also boosted the domestic market. The
robustness of the internal market, strengthened by fiscal and credit anti-cyclical
14
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
policies, was a determining factor for the resilience of the Brazilian economy
after the international financial crisis in 2007-2008. Moreover, the internal market
might have a relevant role in the years to come. Despite all the recent progress, it
will be necessary to improve Brazilian productivity. We argue that there are not
only drawbacks in the future but also opportunities which may be able to boost
investments in and the productivity of the Brazilian economy.
15
ECONOMIA BRASILEIRA
Um dos grandes desafios econômicos para qualquer nação é a conciliação de crescimento econômico, estabilidade e redução das desigualdades. Quanto a esse
aspecto, os últimos anos representaram um período de grande sucesso para a
economia brasileira. Por diversos motivos, que envolvem fatores externos, internos e o desenho de políticas públicas, a economia brasileira alcançou crescimento
médio anual próximo a 4% a.a. entre 2000 e 2011 (Gráfico 1), valor superior ao
observado nas duas décadas anteriores, que foi cerca de 2% anuais. Entre 2004 e
2011, quando a economia apresentou melhor performance, a inflação também se
manteve sob controle, com taxa anual média de 5,4%.
Durante esse período, também foi possível perceber uma substancial melhoria na renda e na qualidade de vida das famílias mais pobres, uma queda quase
contínua da taxa de desemprego e forte expansão do crédito. Como resultado,
houve o fortalecimento do mercado doméstico, que desempenhou um papel crucial na resiliência da economia perante a crise internacional de 2007-2008.
7,53
GRÁFICO 1 VARIAÇÃO DO PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) A PREÇOS CONSTANTES (EM %)
8
2,15
0,25
0,04
1
1,15
1,31
2
2,73
2,66
3,16
3,38
4
3,96
4,31
5
5,17
5,71
6
3
6,09
7
-0,33
0
-1
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
16
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
No front externo, a China se consolidou como potência econômica. O desempenho chinês proporcionou uma crescente demanda por commodities e aumentou
o comércio de recursos minerais e energéticos. Avanços na renda e padrão de vida
nos mercados emergentes elevaram o consumo de alimentos com elevado índice
proteico, produtos dos quais o Brasil é produtor eficiente.
Apesar da crise financeira internacional iniciada em 2007, a economia brasileira continuou obtendo desempenho acima da média. Os efeitos da crise sobre
o Produto Interno Bruto (PIB) foram relativamente tênues, com queda de apenas
0,3% em 2009. Em virtude da força do mercado doméstico e de políticas anticíclicas, nas quais o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
teve importante participação, a recuperação ocorreu de forma rápida e vigorosa,
com crescimento de 7,5% em 2010.
Apesar dos resultados positivos do período e do alívio de problemas sociais que
historicamente afligiram o país, existem desafios a serem enfrentados no futuro
próximo. O aumento da competitividade da economia e a continuidade dos avanços sociais dependem de avanços na infraestrutura e em pesquisa e desenvolvimento e da aceleração na qualificação da mão de obra.
Tendo como pano de fundo as conquistas dos últimos dez anos, decêndio entre
as comemorações de cinquenta e sessenta anos do BNDES, bem como os desafios
que se erguem para o futuro próximo, este texto examina o comportamento das
principais variáveis econômicas que ilustram o período e analisa as transformações
pelas quais os principais setores da economia passaram.
Para cumprir esse objetivo, este artigo está dividido em outras cinco seções. A
primeira seção trata do cenário internacional e analisa como este afetou a balança comercial brasileira. O desempenho do mercado doméstico nos últimos anos é
analisado na seção seguinte. A terceira seção analisa os investimentos no Brasil
nos últimos anos e prevê os próximos a serem realizados. Em seguida, expõe-se o
desafio da produtividade brasileira, com base em seu desempenho recente e em
suas perspectivas. Na última seção, são delimitadas as considerações finais.
ECONOMIA BRASILEIRA
17
1 . CEN Á RIO IN TER N A C I O N A L E
B ALA N Ç A COME R C I A L B R A S I L EI R A
A última década ficou marcada por dois fenômenos internacionais que afetaram
o desempenho da economia mundial e se traduziram em mudanças importantes
para a economia brasileira: (a) a consolidação da China como potência econômica
e importante provedora de bens industriais para o mundo; e (b) a crise financeira
internacional e seu impacto sobre a distribuição de forças econômicas e políticas
entre economias avançadas e emergentes.
Depois de três décadas de crescimento próximo a 10% a.a., a China ganhou
dimensão importante como potência econômica, superando, em volume de produção, países como Alemanha e Japão. Há até mesmo a perspectiva de se tornar a
maior economia do planeta, possivelmente, antes de 2020, conforme previsões do
Fundo Monetário Internacional (FMI).1 Apesar de o crescimento elevado ter se iniciado na década de 1970 e se mantido nas décadas posteriores, foi nos anos 2000 e,
sobretudo, a partir da adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC), ocorrida
em novembro de 2001, que a economia chinesa consolidou seu papel como importante provedora de bens manufaturados gerais, em escala global. O Gráfico 2 ilustra
o aumento da participação da China nas exportações mundiais de bens manufaturados. Em dez anos, essa participação praticamente triplicou, passando de 4,7% em
2000 para 14,8% em 2010.
A emergência da China como parque industrial do planeta trouxe importantes repercussões sobre o dinamismo de países emergentes e desenvolvidos e influenciou, até mesmo, a orientação da política econômica em escala mundial. A
queda dos preços de produtos manufaturados, tornada possível graças ao avanço
da indústria chinesa, contribuiu para a manutenção de inflação e juros em patamares historicamente baixos. Essa condição de preços e política monetária, que
ficou conhecida como período da grande moderação (great moderation), pro-
1
Não obstante, a supremacia econômica chinesa não é um fato novo na história mundial. Dahlman (2011) mostra que a economia
chinesa era uma das maiores antes da Revolução Industrial.
18
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
longou a fase de crescimento econômico com estabilidade de preços nos países
avançados, iniciada no fim da década de 1980.
GRÁFICO 2 PARTICIPAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES CHINESAS (%) NO TOTAL DAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS
14,8
DE MANUFATURADOS
16
14
12
(%)
10
8
3,3
4,7
6
1,9
4
2
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
1986
1985
1984
1983
1982
1981
1980
0
Fonte: Organização Mundial do Comércio.
O desempenho chinês guarda relação direta com o aumento dos desequilíbrios
globais (global imbalances). A combinação de preços baixos com a elevada competitividade dos produtos chineses proporcionou o aumento dos déficits comerciais
de países desenvolvidos concomitante com o acúmulo excessivo de poupança na
China [Bernanke (2005)]. Os juros baixos, combinados a regras excessivamente permeáveis para os mercados financeiros, contribuíram para inflar os preços de ativos,
fomentando bolhas que se traduziram em maior fragilidade nos mercados.
Entre 2007 e 2008, a instabilidade latente dos mercados converteu-se em fenômeno concreto: a pior crise financeira do pós-guerra e, provavelmente, a segunda mais grave pós-revolução industrial. A crise começou a se configurar com a
percepção dos mercados de que havia excessos tanto relacionados aos preços de
ativos, sobretudo no segmento de imóveis, quanto às condições de alavancagem
de bancos e famílias. A associação entre os desequilíbrios globais e a crise financei-
19
ECONOMIA BRASILEIRA
ra foi amplamente explorada pela literatura econômica. Exemplos importantes de
estudos que abordaram essa interação são Obstfeld e Rogoff (2010) e Caballero,
Farhi e Gourinchas (2008).
Durante a crise, e mesmo no período de recuperação, ficou clara uma diferença
entre o potencial de resistência de economias emergentes e a vulnerabilidade das
economias desenvolvidas. O desempenho das economias emergentes antes e depois da crise financeira continuou elevando a demanda por commodities. Em razão
das condições bastante restritas de resposta pelo lado da oferta, os preços desses
produtos se mantiveram elevados (Gráfico 3).
GRÁFICO 3 PREÇO DE COMMODITIES (ÍNDICE 2005 = 100)
500
455,9
450
400
350
346,7
300
250
200
150
126,6
100
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
1987
1986
1985
1984
1983
1982
1981
1980
1979
1978
1977
1976
1975
1974
1973
1972
1971
0
1970
50
Fonte: Banco Mundial.
Essa evolução do cenário internacional teve relevante implicação sobre o
comércio exterior do Brasil. O crescimento da participação chinesa no comércio
mundial, por exemplo, se refletiu no aumento da importância do país como parceiro comercial e afetou de forma positiva, pelo menos quantitativamente, o saldo da balança comercial brasileira nos últimos anos. As exportações brasileiras
saltaram de um patamar de US$ 55 bilhões em 2000 para US$ 256 bilhões em
2011, enquanto as importações de US$ 56 bilhões para US$ 226 bilhões. Como
20
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
consequência, o saldo deficitário de US$ 700 milhões em 2000 alcançou um superávit de US$ 30 bilhões em 2011.2
Embora essa nova ordem do comércio internacional tenha favorecido a economia brasileira de maneira geral, houve um comportamento bastante heterogêneo do resultado comercial entre diversos segmentos. O Gráfico 4 mostra
a evolução do saldo comercial acumulado em 12 meses desde 2000 para cinco
grupos de setores: agropecuário; setores intensivos em recursos naturais; setores intensivos em trabalho; setores intensivos em escala; e setores intensivos em
engenharia e tecnologia.3
GRÁFICO 4 SALDO COMERCIAL POR GRUPOS DE SETORES (ACUMULADO EM 12 MESES)
100
80
Saldo comercial em US$ bilhões
60
40
20
0
jan. 2000
jan. 2001
jan. 2002
jan. 2003
jan. 2004
jan. 2005
jan. 2006
jan. 2007
jan. 2008
jan. 2009
jan. 2010
jan. 2011
jan. 2012
-20
-40
-60
Agropecuário
Intensiva em recursos naturais
Intensiva em trabalho
Intensiva em escala
Intensiva em engenharia e tecnologia
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da Secex/MDIC.
2
O ápice do superávit da balança comercial ocorreu em maio de 2007, quando este atingiu US$ 48 bilhões no acumulado
de 12 meses.
3
Os setores intensivos em recursos naturais são: indústria extrativa, alimentos e bebidas, madeira, papel e celulose, coque e refino de
petróleo e produtos minerais não metálicos. Os intensivos em trabalho compreendem: têxtil, vestuário e acessórios, couro e calçados,
produtos de metal e móveis e indústrias diversas. Os setores produtos químicos, borracha e plástico, metalurgia básica e veículos
automotores são os intensivos em escala. Por último, os intensivos em engenharia e tecnologia são máquinas e equipamentos,
máquinas para escritório e informática, máquinas e aparelhos elétricos, material eletrônico e de comunicações, equipamentos
médico-hospitalares e outros equipamentos de transporte.
ECONOMIA BRASILEIRA
21
A partir de uma situação inicial, em janeiro de 2000, em que os diversos grupos
eram caracterizados por déficits ou superávits de pequena magnitude, evoluiu-se
para uma situação na qual alguns grupos – já superavitários em 2000 – passaram
a exibir grandes superávits comerciais (agropecuário e intensivo em recursos naturais) enquanto outros – já deficitários em 2000 – passaram a exibir grandes déficits
(intensivo em escala e em engenharia e tecnologia). A exceção foi o grupo intensivo em trabalho, cujo saldo ficou quase estagnado no período, passando de um
pequeno superávit a um pequeno déficit comercial. Cabe destacar que o aumento
dessas diferenças ocorreu justamente a partir de 2007, quando o saldo da balança
comercial brasileira tinha atingido seu ápice. Ademais, o ritmo de crescimento, tanto dos superávits quanto dos déficits, se intensificou a partir de 2010.
O crescimento do saldo comercial nos grupos agropecuário e intensivos em
recursos naturais foi influenciado pela explosão dos preços das commodities agrícolas e minerais. O boom exportador desses grupos, no entanto, não pode ser
explicado apenas pelo aumento dos preços internacionais, uma vez que também
houve expressivo aumento do quantum exportado.4
Já o grande aumento do déficit comercial dos grupos intensivos em escala e
engenharia e tecnologia, a despeito do crescimento de suas exportações, pode ser
explicado pela intensificação das importações, principalmente de produtos chineses. Esse alargamento das importações, embora em alguns segmentos represente
elevação da competição no mercado doméstico, reflete em geral a forte expansão
da demanda – sustentada por significativo aumento do crédito e um mercado de
trabalho aquecido – que vem ocorrendo a um ritmo superior ao do crescimento
da oferta nos últimos anos. Assim, o alargamento das importações vem sendo o
instrumento usado para viabilizar o crescimento econômico sem gerar maiores
pressões inflacionárias. Iglesias e Rios apud Bacha e Bolle (2011) chamam a atenção para o fato de que a menor participação no mercado internacional dos produtos brasileiros deve estar relacionada com melhores oportunidades no mercado
4
Na seção 4, o box ilustra que o aumento da quantidade exportada pode ser parcialmente explicado pelo ganho de competitividade
em alguns setores via crescimento da produtividade.
22
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
doméstico. A próxima seção mostrará como a elevação da renda e do emprego
foram fundamentais para o desempenho favorável do mercado doméstico.
2 . E CON OMIA D OM ÉS TI C A : O
DESENVOLVIMENTO COM INCLUSÃO SOCIAL
No front interno, o destaque foi a ascensão de milhares de brasileiros a um novo
padrão de renda e consumo. Entre 2001 e 2009, a renda per capita das famílias
do décimo percentil inferior de renda alcançou crescimento anual médio de 6,8%
(Gráfico 5A). Considerando o crescimento demográfico em torno de 2% a.a. para
essas famílias, as taxas de crescimento real seriam da ordem de 9% anuais. Esse
aumento de renda dos extratos sociais mais pobres viabilizou a migração de
milhões de famílias das classes D e E para a classe C, engrossando a nova classe
média brasileira, conforme definida por Néri (2008). Esse fenômeno está ilustrado no Gráfico 5B.
GRÁFICO 5 INDICADORES DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
GRÁFICO 5A CRESCIMENTO DA RENDA REAL PER CAPITA POR PERCENTIL NA DISTRIBUIÇÃO DOS RENDIMENTOS (% A.A.)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
1,5
2,4
3,2
3,9
4,5
4,8
5,3
5,8
6,1
6,8
ECONOMIA BRASILEIRA
23
GRÁFICO 5B DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO POR CLASSES DE RENDA (EM MILHÕES DE HABITANTES)
250
MILHÕES DE HABITANTES
200
13,3
150
22,5
12,9
8,8
65,9
45,6
105,5
55,4
55% DA
POPULAÇÃO
100
50
92,9
83,3
96,2
63,6
0
1993
Classes A e B
1995
Classe C
2003
2011
Classes D e E
Fontes: FGV e Ministério da Fazenda.
Entre os fatores que contribuíram para a mudança na pirâmide social brasileira estão as políticas governamentais de valorização real do salário mínimo e
de transferência de renda. A política de valorização do salário mínimo levou a
sucessivos aumentos reais de renda entre 2002 e 2011. Os ganhos reais cresceram
em média 5% a.a., acumulando variação de 63,3% no período, como mostra o
Gráfico 6. Adicionalmente, as políticas públicas de transferência de renda, capitaneadas pelo Bolsa Família, cuja cobertura chega a mais de 13 milhões de famílias
em todo o território nacional,5 possibilitaram maior capacidade de consumo a
indivíduos até então sem acesso completo a bens essenciais.
Ainda entre as iniciativas do governo, é possível citar o estímulo ao microcrédito, não apenas produtivo, mas também para consumo. A partir de 2003, foi
iniciado um processo de bancarização, com foco nas camadas mais baixas da população, que trouxe avanços significativos no acesso ao crédito [Barone e Sader
(2008)]. Esse processo abrangeu a ampliação da rede bancária, até mesmo via cor-
5
Informação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em <http://www.mds.gov.br>. Acesso em 28 set. 2012.
24
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
respondentes bancários em todo o Brasil, além de mudanças jurídicas e institucionais, como a criação da modalidade de crédito consignado, que diminuiu o risco
de inadimplementos nos empréstimos a trabalhadores e aposentados de menor
renda. Somando-se o aumento da renda e do emprego e a redução gradativa da
taxa de juros, tais transformações permitiram que o volume de crédito total da
economia em relação ao PIB praticamente dobrasse entre 2002 e 2011, saltando
de um percentual de 26% para 49% (Gráfico 7).
O crédito às pessoas físicas subiu de 6% para 15,3% do PIB, como pode ser
visto no Gráfico 7. Dentre as modalidades de crédito voltadas à pessoa física,
destacam-se as operações consignadas, com desconto em folha de pagamento,
que, desde que foram autorizadas, em 2004, até 2011, cresceram a uma taxa média anual de 39%. Esse incremento só não foi maior do que o avanço dos financiamentos imobiliários, de 48,4% na média anual. Turbinado pelo grande déficit
habitacional existente no Brasil, o crédito imobiliário, que em 2002 representava
1,7% do PIB, alcançou 4,8% em 2011 e segue crescendo a taxas elevadas.
13,1
GRÁFICO 6 SALÁRIO MÍNIMO – DEFLACIONADO PELO IPCA (ÍNDICE 2002 = 100) E VARIAÇÃO (%) ANUAL
14
170
163,3
12
150
7,4
10
9,2
9,8
160
8
140
3,1
4
130
3,6
3,9
6
120
0,3
110
-1,3
0
0,7
2
100
-2
2002
2003
Variação (%) anual
2004
2005
2006
2007
Índice 2002 = 100
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.
2008
2009
2010
2011
25
ECONOMIA BRASILEIRA
40,5
45
26
24,6
25
28,3
30
25,7
35
30,9
35,2
40
43,7
50
45,2
49
GRÁFICO 7 RELAÇÃO CRÉDITO/PIB (%) – PESSOA FÍSICA (PF) E PESSOA JURÍDICA (PJ)
33,7
29,4
30,6
27,7
23,4
20,9
20
19,5
15
20
18,8
18,7
10
5
6
5,8
7
2002
2003
2004
8,8
11,8
12,8
14,3
14,6
15,3
10
2006
2007
2008
2009
2010
2011
0
PJ
2005
PF
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.
Nesse cenário de rápido alargamento dos recursos para operações de crédito,
o endividamento das famílias, isto é, a relação entre o saldo de suas dívidas e suas
rendas, elevou-se de 21,5% em 2002 para 42,4% em 2011, como mostra o Gráfico 8.
No entanto, a melhoria nas condições de crédito, tanto em relação a juros quanto
a prazo, freou o aumento no nível de comprometimento da renda das famílias com
dívidas. Em 2005, cerca de 18% da renda das famílias estava comprometida com o
serviço de suas dívidas, indo para 22%, em 2011. Como resultado, chegou-se a um
percentual similar aos padrões internacionais, o que deve levar a uma acomodação
no crescimento do crédito às famílias.
No tocante ao mercado de trabalho, depois de um longo período de convivência
com taxas de desemprego de dois dígitos, o Brasil assistiu a uma intensa mudança
estrutural nos últimos dez anos, que levou a taxa de desocupação de patamares próximos a 12% em 2002 para algo em torno de 6% no fim da década, como mostra o
Gráfico 9. O dinamismo do mercado doméstico desempenhou um papel crucial para
o crescimento do emprego ao longo desse período, particularmente depois de 2004.6
6
Para a importância da demanda interna na geração de emprego vis-à-vis fatores como mudança tecnológica e penetração de
importações, ver Ambrozio e Sant´Anna (2012).
26
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 8 ENDIVIDAMENTO E COMPROMETIMENTO DA RENDA DAS FAMÍLIAS (EM % DA RENDA
PESSOAL DISPONÍVEL)
45
42,4
39,2
40
35,4
35
32,2
29,1
30
24,5
25
22,2
21,5
20
17,6
15
5,7
18,6
18,5
17,6
19,6
19,4
7,4
7,2
8,0
6,2
6,1
7,1
11,5
11,4
12,2
12,3
2007
2008
2009
2010
10
12,4
11,9
5
14,2
0
2005
2006
Amortização
Juros
Comprometimento total
2011
Endividamento
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.
GRÁFICO 9 TAXA DE DESEMPREGO – DESSAZONALIZADA (EM %)
14
13
13
12
11
11,7
11
11
10
9
9,5
9
9
8,0
8
7
7
7
5,8
6
5
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.
mar. 2012
set. 2011
mar. 2011
set. 2010
mar. 2010
set. 2009
mar. 2009
set. 2008
mar. 2008
set. 2007
mar. 2007
set. 2006
mar. 2006
set. 2005
mar. 2005
set. 2004
mar. 2004
set. 2003
mar. 2003
set. 2002
5
mar. 2002
4
27
ECONOMIA BRASILEIRA
Todas essas transformações observadas ao longo da década criaram uma conjuntura favorável ao aumento da renda da população, em especial de indivíduos
até então localizados na base da pirâmide social. E, principalmente, ampliaram a
capacidade de demanda desses milhares de brasileiros, promovendo acesso mais
igualitário a bens e melhor qualidade de vida.
A melhoria na distribuição de renda foi acompanhada por redução das disparidades entre as regiões do país. O Gráfico 10 mostra que Norte e Nordeste se destacaram no crescimento do consumo do varejo, que inclui desde bens essenciais e
artigos de vestuário até bens de consumo durável, como eletrônicos. O incremento
acumulado das vendas no comércio varejista da Região Norte atingiu 102,2% entre
2002 e 2011, seguido pelo comércio nordestino, com aumento de 99,1%. Tais variações superam em muito a média do país, de 75,5%.
GRÁFICO 10 VOLUME DE VENDAS NO VAREJO POR REGIÕES – ÍNDICE 2002 = 100 E VARIAÇÃO (%)
ACUMULADA NO PERÍODO
210
102,2%
99,1%
190
81,2%
76,6%
75,5%
170
56,8%
150
130
110
90
2002
2003
Brasil
Norte
2004
Nordeste
2005
2006
Sudeste
2007
Sul
2008
2009
2010
2011
Centro-Oeste
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.
Em suma, o Brasil da última década cresceu com distribuição de renda e incremento na qualidade de vida dos cidadãos e criou um mercado doméstico de
28
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
consumo que foi fundamental no enfrentamento da crise financeira internacional
em 2007-2008. Além do consumo, o investimento foi outro fator importante para
o crescimento do PIB nos últimos anos. A próxima seção mostra as transformações
ocorridas no investimento.
3 . OS IN VESTIMENTO S
A criação de um importante mercado de consumo, analisada na seção anterior, foi
um dos principais determinantes do crescimento econômico brasileiro, nos últimos
anos. Entretanto, o investimento também foi fator relevante. O Gráfico 11 mostra
o desempenho do PIB e seus determinantes. Pode-se observar a importância da demanda doméstica, tanto pelo consumo das famílias quanto por investimento, para
o crescimento do PIB.
GRÁFICO 11 DETERMINANTES DO CRESCIMENTO DO PIB – COMPOSIÇÃO DO CRESCIMENTO DO PIB PELA
ÓTICA DA DEMANDA (VARIAÇÃO ANUAL E CONTRIBUIÇÃO EM PONTOS PERCENTUAIS)
7,5
1,3
0,9
6,1
5,7
2,7
1,5
1,1
1,1
-0,8
-0,2
1,1
0,8
1,2
0,3
-0,7
-0,4
0,9
3,2
0,9
0,6
0,5
2,1
1,3
0,3
0,7
3,5
3,2
4,0
0,5
5,2
0,3
1,1
4,1
0,5
2,7
0,4
0,7
3,0
4,0
2,5
0,5
-1,0
1,5
-0,8
-0,2
2,3
2,4
2,6
-1,0
-1,5
-1,1
-0,3
2,5
0,9
-0,7
-0,4
-2,7
-2,2
-0,3
2002
FBCF
2003
2004
Consumo das famílias
2005
2006
Consumo do governo
2007
Exp. liq.
2008
2009
2010
2011
Var. est.
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.
O período de maior expansão do investimento foi entre 2005 e 2008. Entre
2006 e setembro de 2008, o Brasil viveu um importante ciclo de investimentos.
ECONOMIA BRASILEIRA
29
Depois de mais de vinte anos de inversões preponderantemente voltadas à atualização do parque industrial existente (bronwfield), apareceram grandes projetos
em ampliação da capacidade produtiva (greenfield), com a construção de novas
unidades fabris e plantas industriais. Como resultado, houve forte elevação da taxa
de investimento, de 15,9% do PIB em 2005 para 19,1% do PIB em 2008, como ilustrado no Gráfico 12.
19,3
19,1
20
19,5
GRÁFICO 12 TAXA DE INVESTIMENTO (INVESTIMENTO/PIB) EM %
2010
2011
17,4
18,1
19
16,4
15,9
16,1
16,4
15,3
16
15,7
17
17,0
16,8
18
15
14
13
12
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.
A expansão dos investimentos nos diferentes setores da economia se deve tanto ao desempenho dos mercados doméstico e internacional quanto a políticas públicas e reformas estruturais. Resumindo alguns dos principais determinantes da
aceleração dos investimentos, tem-se:
1.
Agropecuária: a competitividade obtida pelo Brasil nesse setor e a disponibilidade de recursos puseram o país em destaque no mercado internacional.
Adicionalmente, houve um crescimento da demanda mundial para esses produtos em virtude da emergência dos países em desenvolvimento. Como consequência, houve um aumento do preço desses produtos bem acima da média
histórica. Em virtude das condições domésticas e do ambiente internacional
30
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
mais favorável, houve um grande aumento do investimento nesse setor.
2.
Indústria: a expansão do mercado doméstico proporcionou um deslocamento
de empresas para o Brasil, o que acabou elevando os investimentos, principalmente nos setores produtores de bens de consumo duráveis.
3.
Infraestrutura: o governo lançou o Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) em 2007. Esse programa oferecia um volume expressivo de investimentos
em infraestrutura, incluindo energia elétrica.
4.
Construção residencial: reformas ocorridas no passado, como a alteração no
instrumento de garantia em financiamento habitacional e segurança para os
adquirentes de imóveis na planta, e uma situação macroeconômica mais estável
viabilizaram uma intensa expansão do crédito habitacional e da construção.
Mais recentemente, houve a contribuição do programa Minha Casa Minha Vida,
o qual visa à produção de imóveis residenciais para famílias de baixa renda.
A crise financeira, em 2009, comprometeu a continuidade do crescimento dos in-
vestimentos, derrubando a taxa de investimento para 18,1%. Entretanto, em 2010,
amparada pela atuação anticíclica do BNDES e por programas de governo de investimento em infraestrutura e construção residencial, o investimento retornou com força,
alcançando o patamar de 19,5% nesse ano. A existência de um expressivo ciclo de
inversões em energia e infraestrutura contribuiu também para sustentar parcela expressiva dos investimentos planejados da economia. A robustez desse ciclo pode ser explicada pela existência de grandes projetos com retornos de longo prazo, que dependem de decisões menos afetadas pela crise. Em 2011, a taxa de investimento ficou em
19,3%. Apesar da significativa deterioração no cenário internacional, esse percentual é
significativamente maior do que os 15,9% de taxa de investimento de 2005.
Ao avaliar os investimentos futuros, nota-se que o cenário será promissor.
Segundo o levantamento, realizado no início de 2012 pelo BNDES, publicado no
Perspectivas do Investimento, haverá inversões de R$ 1,86 trilhão em importantes
setores da indústria e infraestrutura e na construção residencial. Para esses setores, foram reunidas informações sobre os planos estratégicos das empresas. Como
resultado, é possível comparar as perspectivas com os investimentos ocorridos em
anos recentes (Tabela 1).
ECONOMIA BRASILEIRA
31
TABELA 1 PERSPECTIVAS DE INVESTIMENTO
Características
Setores
Investimentos
ocorridos em
2007-2010
(R$ bilhões)
Investimentos
previstos para
2012-2015
(R$ bilhões)
Crescimento (%)
MAIS VOLTADOS AO MERCADO EXTERNO
EXTRATIVA MINERAL, SIDERURGIA,
PAPEL E CELULOSE, AERONÁUTICA
122
113
(7,4)
MAIS VOLTADO AO MERCADO DOMÉSTICO
AUTOMOTIVO, QUÍMICA, TÊXTIL E
CONFECÇÕES, ELETROELETRÔNICA,
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
100
130
30,0
COM MAIOR INDUÇÃO VIA POLÍTICAS
PÚBLICAS – INFRAESTRUTURA
ENERGIA ELÉTRICA,
TELECOMUNICAÇÕES,
SANEAMENTO, LOGÍSTICA
336
401
19,3
COM MAIOR INDUÇÃO VIA POLÍTICAS
PÚBLICAS – CONSTRUÇÃO RESIDENCIAL
CONSTRUÇÃO RESIDENCIAL
596
860
44,3
AUTÔNOMOS
PETRÓLEO E GÁS
238
354
48,7
1.392
1.858
33,5
TOTAL
Fonte: BNDES.
As perspectivas são de expansão nos setores mais voltados ao mercado doméstico, cuja dinâmica se mostra capaz de contrabalançar o cenário de retração dos investimentos de setores mais voltados ao mercado internacional. A consolidação do
mercado de consumo de massas, criado pela combinação de aumento da renda e
redução de desigualdades sociais, vem atraindo investimentos diretos para o Brasil,
que revela perspectivas de crescimento acima da média mundial nos próximos anos.
Os grupos seguintes compreendem setores em que o cenário de crescimento
guarda pouca relação tanto com a conjuntura internacional quanto com a doméstica. Os projetos mapeados mostram expressiva capacidade das políticas públicas
de indução de maiores investimentos na economia. Cabe destacar a presença de
grandes projetos com horizonte de longo prazo nessa lista de investimentos. Entre
estes, há as inversões no setor de petróleo e gás por conta da exploração do pré-sal,
hidrelétricas na Região Norte e ferrovias.
Um efeito direto desses investimentos, tanto passados quanto futuros, é o crescimento da produtividade, o qual será abordado na próxima seção.
4 . O D ESA FIO D A PR O D U TI VI D A D E
Os desafios para a próxima década são distintos daquele do início da década passada. Em um ambiente de taxas de desocupação próximas à natural em muitos seto-
32
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
res, os aumentos reais de salários se tornaram maiores. Nesse sentido, o desafio de
elevar a competitividade da economia nacional ficou maior, tornando ainda mais
premente a necessidade de elevar a produtividade brasileira.
Um fato estilizado quando se observa o desempenho econômico de diferentes
países é a relevância do crescimento de produtividade como um fator fundamental
para o desenvolvimento. Na atual conjuntura internacional, o menor dinamismo da
economia mundial impõe maior pressão competitiva, elevando ainda mais o papel
da produtividade.
Com base nas informações de valor adicionado (VA) e de número de empregados é possível obter a produtividade do trabalho, definida como o quociente
entre essas duas variáveis. Na primeira década do século XXI, a produtividade cresceu a uma taxa média de 0,88% a.a., conforme verificado na Tabela 2. Os grandes
setores revelaram desempenho bastante distinto. Somente a agropecuária conseguiu obter crescimento significativo da produtividade. Esse resultado foi explicado
por um aumento da eficiência nesse setor, uma vez que houve um crescimento do
VA agropecuário concomitante com uma manutenção dos postos de trabalho no
setor. Já a indústria e serviços passaram por uma estagnação da produtividade no
período analisado, no qual o primeiro apresenta uma ligeira queda e o segundo um
aumento modesto.
TABELA 2 NÍVEL E CRESCIMENTO DA PRODUTIVIDADE ENTRE 2000 E 2009 (EM R$ MIL A VALORES
CONSTANTES DE 2000)
Setor
Valor em 2000
Valor em 2009
3.250
4.731
INDÚSTRIA
18.395
17.377
(0,63)
SERVIÇOS
14.819
15.461
0,47
TOTAL
12.937
13.992
0,88
AGROPECUÁRIA
Variação (% a.a.)
4,26
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).
No entanto, há uma dispersão considerável ao analisar a produtividade dos
56 segmentos, ainda mais quando se compara com o crescimento da mão de
obra empregada. O Gráfico 13 mostra, no eixo vertical, o crescimento médio
anual da produtividade e, no eixo horizontal, o crescimento médio anual do
ECONOMIA BRASILEIRA
33
emprego. Um ponto positivo é a inexistência de qualquer setor com queda
no emprego, ou seja, na pior das hipóteses, o emprego ficou estagnado nesse
período.7 Diante desse cenário de crescimento de emprego na maioria dos setores, a queda de produtividade está relacionada ao desempenho do VA aquém
do trabalho.
GRÁFICO 13 PRODUTIVIDADE VERSUS EMPREGO ENTRE 2000 E 2009 – VARIAÇÃO (% A.A.)
8%
CRESCIMENTO DA PRODUTIVIDADE DO TRABALHO
Agropecuária
Total
6%
4%
Serviços
2%
-2,0%
0%
0%
2%
-2%
4%
6%
8%
10%
12%
14%
Indústria
-4%
-6%
-8%
CRESCIMENTO DO EMPREGO
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).
Os segmentos da agropecuária são os únicos que alcançaram ganhos de produtividade com certa estagnação no número de empregados. O setor com maior
crescimento de produtividade nesse período é o de automóveis (6,6% a.a.), com razoável aumento de mão de obra (2,4% a.a.). Na outra ponta, os setores de petróleo
e gás e máquinas para escritório e informática elevaram tanto o emprego (acima
de 10% a.a.) que o VA não o conseguiu acompanhar, culminando em uma queda
de produtividade.
A produtividade média da economia pode aumentar de duas formas: ou aumento
de produtividade dos setores em si, via maior eficiência técnica, o que será chamado
7
Considerou-se queda uma variação acima de 1% em valores absolutos, enquanto a variação entre 0% e 1% caracterizou
estagnação.
34
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
de efeito tecnológico; ou deslocamento de trabalhadores para setores mais produtivos,
o efeito composição. Utilizando a metodologia presente em Ambrozio e Sousa (2012),
foram calculados esses efeitos para a primeira década do século XXI com uma desagregação maior da atividade econômica (56 setores). Como já mencionado, a produtividade
do trabalho da economia brasileira cresceu a uma taxa de 0,88% a.a., o que significou
um aumento de 8,2% no período. Ao avaliar qual foi a contribuição de cada forma de
crescimento, a Tabela 3 mostra que ambos os efeitos foram igualmente importantes
para explicar o crescimento da produtividade na economia brasileira entre 2000 e 2009.
TABELA 3 DECOMPOSIÇÃO DOS GANHOS DE PRODUTIVIDADE – VARIAÇÃO (% A.A.)
Anual
2000-2009
EFEITO TECNOLÓGICO
0,44
EFEITO COMPOSIÇÃO
0,44
TOTAL
0,88
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).
Nessa decomposição, a agropecuária desempenhou um papel de destaque no
que diz respeito a ambos os efeitos. No quesito efeito tecnológico, esse setor foi,
como visto, o que obteve o crescimento da produtividade mais significativo, com
ganho de 4,3% anuais. O seu expressivo ganho de produtividade pode ser explicado tanto por maior intensidade no uso dos insumos, entre os quais, o aumento na
qualificação da mão de obra empregada e uma mecanização crescente, bem como
por aumento de eficiência, com destaque para os ganhos proporcionados pelos
investimentos em pesquisa da Embrapa, conforme evidenciado em Bacchi, Bastos e
Gasques apud Negri e Kubota (2008).
Por outro lado, grande parte do efeito composição pode ser explicada pelo fato
de o emprego na agropecuária ter ficado quase estagnado (variação de -0,5% a.a.),
enquanto nos outros dois grandes setores o emprego se expandiu de modo significativo (cerca de 3% a.a. em ambos). Como pode ser visto na Tabela 2, o nível da produtividade na agropecuária é significativamente menor que na indústria e serviços, e o
maior peso relativo desses dois setores tende a aumentar a produtividade média da
economia. A redução do desemprego é outro fator que explica o aumento da produtividade nesse período, como observado em Ambrozio e Sousa (2012).
ECONOMIA BRASILEIRA
O SALDO COMERCIAL A PARTIR DA PRODUTIVIDADE
Como mostrado anteriormente, a balança comercial de alguns setores apresentou desempenhos desfavoráveis, e há uma ligação importante desse assunto
com a questão da produtividade. A teoria sugere que ganhos de produtividade
tornam nossas exportações mais competitivas ao permitir a geração de maior
valor agregado para uma dada quantidade de insumos, impactando positivamente a balança comercial. As evidências empíricas suportam essa associação
direta entre aumento de produtividade e melhor desempenho exportador,
como evidenciado em Arnold e Hussinger (2005) e Wagner (2007). Embora o desempenho exportador brasileiro nos últimos anos tenha sido beneficiado pelas
condições favoráveis do comércio internacional, tais como melhoria nos termos
de troca e crescimento da economia mundial, os dados são consistentes com
um cenário onde o crescimento da produtividade afeta de forma favorável o
desempenho exportador, e consequentemente o saldo comercial. O Gráfico 14
mostra, no eixo horizontal, o ganho médio anual de produtividade obtido por
diversos setores brasileiros de 2000 a 2009 e, no eixo vertical, a variação do saldo
da balança comercial anual entre 2000 e 2011.8 Como pode ser observado, há
uma relação positiva entre ganhos de produtividade e performance no saldo.
Os resultados devem ser analisados com cautela, uma vez que uma correlação positiva entre duas variáveis não necessariamente implica relação de
causalidade. Tomando por exemplo o caso dos setores deficitários, o acirramento da competição global pode ajudar a explicar tanto um aumento no
déficit – maior dificuldade em acessar mercados externos e concorrência com
importados no mercado doméstico – como a queda na produtividade – retração das margens em virtude da maior competição internacional, com a desaceleração da geração de emprego nesses setores em um ritmo mais lento que a
8
No Gráfico 14, são excluídos os segmentos do setor de serviços, que são non-tradables. A necessidade de
compatibilizar a classificação da base de dados das Contas Nacionais com a base de dados da Funcex implica
aglutinação de alguns segmentos, e foi analisado um total de 24 segmentos da economia brasileira.
35
36
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
desaceleração da produção, por causa dos custos de ajustar a mão de obra. De
toda forma, os dados são consistentes com a história que relaciona aumento
de produtividade e melhor performance exportadora.
GRÁFICO 14 GANHOS DE PRODUTIVIDADE VERSUS VARIAÇÃO DO SALDO COMERCIAL (% A.A.)
15%
SALDO (2000-2011)
10%
5%
PRODUTIVIDADE (2000-2009)
0%
-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
-5%
-10%
-15%
-20%
-25%
Agropecuária
Intensivo em recursos naturais
Intensivo em trabalho
Intensivo em escala
Intensivo em engenharia e tecnologia
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE) e da Secex/MDIC.
Quanto a perspectivas, a produtividade da economia brasileira tem espaço
para conseguir um desempenho superior ao encontrado até 2009. Para avaliar a
produtividade futura, consideram-se como previsão para os próximos dez anos as
melhores performances dos grandes setores entre 2000 e 2009 sem a presença de
outliers.9 Além disso, mantém-se a tendência de queda da participação da mão
de obra da agropecuária para indústria e serviços na mesma proporção da última
década. Baseada nessas hipóteses, a Tabela 4 mostra a previsão do aumento da
produtividade, um crescimento médio de 1,78% a.a. Esse resultado é quase o dobro
9
Agropecuária crescendo a uma taxa de 4,3% a.a. (2000-2009); indústria 0,6% a.a. (2005-2008); e serviços, 1,5% a.a. (2005-2009).
ECONOMIA BRASILEIRA
37
daquele obtido entre 2000 e 2009 (0,88% a.a.) e seria um componente importante
para sustentar uma trajetória de crescimento econômico nos próximos anos.
TABELA 4 PREVISÃO DE PRODUTIVIDADE – VARIAÇÃO (% A.A.)
Anual
2010-2019
EFEITO TECNOLÓGICO
1,45
EFEITO COMPOSIÇÃO
0,32
TOTAL
1,78
Fonte: Elaboração BNDES.
Os dois efeitos, tecnológico e composição, serão relevantes para estimular a produtividade da economia brasileira. Do ponto de vista do efeito composição, há espaço
para elevação da produtividade com o deslocamento de mão de obra para setores mais
produtivos. No entanto, ao contrário da performance passada, a contribuição do efeito
composição será menor não só em termos absolutos, como também relativos. Portanto, os ganhos mais significativos devem advir do efeito tecnológico. Cabe salientar que
o crescimento da produtividade no longo prazo requer um aumento da eficiência nos
diversos setores da economia. É preciso reduzir a distância do nível de produtividade
da economia brasileira em comparação ao das economias mais avançadas.
Se consideradas as previsões de investimento na economia brasileira expostas
na seção anterior, há boas perspectivas para que essa performance se concretize.
Combinadas com os resultados anteriores, obtém-se uma perspectiva de elevação
robusta na acumulação de capital físico, aliada a um crescimento significativo na
produtividade do trabalho. A perspectiva de maiores ganhos de produtividade nos
próximos anos permitirá uma aceleração do crescimento com menor pressão sobre
a balança comercial. Dessa forma, estabelecem-se as bases de uma trajetória de
crescimento sustentado para a economia brasileira ao longo desta década.
5 . CON SID ER A Ç ÕE S F I N A I S
A nova fase da crise financeira internacional, com seus desdobramentos sobre os
países europeus, anuncia um período de baixo crescimento para as economias desenvolvidas. Os países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil se inclui, senti-
38
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
rão os efeitos de um desempenho menos exuberante da economia mundial, mas
ainda manterão ritmo de crescimento relativamente mais elevado. De acordo com
as projeções divulgadas por FMI (2012) em seu último World Economic Outlook,10 a
economia mundial crescerá 3,5% em 2012 e 4,1% em 2013. A taxa de incremento
entre os países avançados será de 1,4% e 2% em 2012 e 2013, enquanto os emergentes crescerão 5,7% e 6%, respectivamente.
Em um contexto de baixo crescimento da economia mundial, o Brasil deverá
lidar com um menor dinamismo do comércio internacional e com termos de troca
menos vantajosos, por conta da diminuição da cotação das commodities. A alternativa de direcionar os esforços para avançar via demanda doméstica pode continuar
sendo uma boa opção nos próximos anos desta década.
Muitas famílias ascenderam à classe média no Brasil entre os anos 2002 e 2012,
sendo incorporadas ao mercado de consumo. A força dessa massa de demanda foi
fundamental para o enfrentamento da crise financeira de 2007-2008 e certamente
permanecerá como vetor importante de crescimento. No entanto, aumentar os investimentos, sobretudo em infraestrutura, é uma necessidade premente para corrigir gargalos estruturais que afetam seriamente a competitividade e produtividade
da economia nacional.
Muitos outros desafios são impostos à economia brasileira nessa nova década.
De fato, houve uma mudança fundamental na pirâmide social, com diminuição
significativa dos níveis de miséria e pobreza. Entretanto, ainda há muito a ser
feito para tornar a economia do país mais equânime e competitiva. Incrementar
os níveis de educação e qualificação da mão de obra é um exemplo, visto que o
mercado de trabalho se tornou um gargalo relevante para a produção de alguns
setores da economia. É crucial, ainda, ampliar incentivos e investimentos em pesquisa e inovação.
Os investimentos previstos em alguns setores relevantes mostram que há boas
perspectivas de crescimento da competitividade da economia brasileira. O aumento
de produtividade da economia nacional se torna imperiosa, porém factível diante
10
Até o fechamento desta edição, o último World Economic Outlook divulgado pelo FMI era o de abril de 2012.
ECONOMIA BRASILEIRA
39
das previsões apontadas neste estudo. O futuro é promissor, visto que ultrapassar o
paradigma de país de renda média para um de renda elevada passou a ser possível
diante das oportunidades de que o Brasil dispõe.
RE F E RÊN CIA S
AMBROZIO, A. M. H.; SANT´ANNA, A. Decompondo o crescimento do emprego entre
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40
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
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Ricardo Rivera de Sousa Lima*
* Engenheiro e gerente setorial do Departamento das Indústrias de Tecnologias de Informação e Comunicação da Área Industrial
do BNDES. O autor agradece a preciosa ajuda de Alessandra Sleman, Luis Otávio Reiff, Felipe Lobo, Marcos Fernandes, Marcos dos
Santos, Daniel Carvalho, Vicente Giurizatto e Leandro Lotero na geração de dados da dispersa Indústria de TICs; e especialmente a
Francisco Silveira e Henrique Miguel da Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI/Sepin) o
fornecimento de dados sobre a Lei de Informática.
COMPLEXO ELETRÔNICO
43
RE S UMO
A relevância das indústrias baseadas na eletrônica – ou, genericamente, das tecnologias da informação e comunicação (TICs) – avança com a consolidação da revolução digital, tal como a preocupação dos governos com o domínio tecnológico e difusão dessas tecnologias em suas nações. Em compasso com esse quadro e com um
déficit comercial crescente nesse setor, na década de 2000, o país aperfeiçoou significativamente seu arcabouço legal, seus instrumentos de financiamento e de apoio
à difusão da eletrônica. Apesar dos efeitos dessas ações ainda estarem aquém do
desejado – mais do ponto de vista tecnológico do que produtivo –, os avanços são
relevantes e diversas oportunidades se descortinam para o desenvolvimento das
TICs no Brasil. No contexto da celebração dos sessenta anos do BNDES, este artigo
se propõe a expor o histórico do desenvolvimento e do apoio do Banco às TICs, com
ênfase no período 2001 a 2011, as principais tendências e os desafios para que o
Brasil se posicione como um país protagonista na área.
AB S T RA C T
The relevance of industries based on electronics – or, generically, part of
information and communications technologies (ICTs) – has advanced due to the
consolidation of the digital revolution, such as the interest of many governments
in dominating technology and disseminating such technology throughout
their nations. In keeping with this, and with the growing trade deficit in this
sector, in the first decade of 2000, the country significantly improved its legal
framework, as well as its financing instruments and mechanisms to provide
support for electronic dissemination. Despite the fact that the results of such
efforts still fall well short of the desired outcome – more from a technological
point of view rather than a production standpoint –, the advances have been
relevant and several opportunities have been revealed towards developing ICTs in
Brazil. Within the context of the BNDES’ 60th anniversary celebrations, this article
44
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
is aimed at disclosing the historic development and support the Bank has offered
ICTs, focusing on not only the period between 2001 and 2011, but also the main
trends and the challenges Brazil must face to position itself as an active player in
the area.
COMPLEXO ELETRÔNICO
45
1 . INTR OD U ÇÃ O
A primeira década deste milênio reforçou o que diversos estudos já diagnosticavam desde meados do século passado: o caráter estratégico das TICs nas sociedades
modernas.1 A relevância dessa indústria se dá tanto pelo prisma do acesso a estas
pela sociedade, quanto por seu domínio para aplicação em setores produtivos, permitindo aumentar a produtividade do trabalho, criar serviços, aprimorar produtos,
modificar indústrias e processos e permitir avanços sociais e ambientais.
O aumento da importância do Complexo Eletrônico (CE) pela ótica da demanda reflete-se, por exemplo, na preocupação de diversas instituições governamentais
com a inclusão digital e no aumento de gastos com TICs, a taxas superiores ao crescimento da economia mundial.2 Grande parte das soluções adotadas pelos governos
para a crise econômica de 2008-2009 inclui medidas direcionadas para o setor de TIC
que promovam a inovação, a difusão e a disseminação de seu uso [OCDE (2010)].
Por vezes menos explícitas ou estruturadas, as políticas de apoio ao desenvolvimento produtivo do CE são largamente implantadas por diferentes países. Essa
atuação ocorre por diferentes meios, que podem ser: mecanismos de compras públicas – como no caso emblemático das encomendas tecnológicas realizadas pelo
Departamento de Defesa dos Estados Unidos (EUA) –; instrumentos regulatórios
em mercados regulados; maciços investimentos em inovação, formação de mão de
obra e educação em ciências exatas; ou até mesmo controle dos investimentos diretos estrangeiros na aquisição de empresas nacionais estratégicas, baseados em fundamentos tão amplos quanto “segurança nacional” ou “segurança econômica”.3
Não por menos. Segundo a Oliver Wyman, consultoria especializada no setor
Automotivo, os dispêndios em eletrônica representarão 60% do total investido em
P,D&I pela indústria automobilística até 2015 [Oliver Wyman (2007)]. As TICs já são
1
Para citar como exemplo, já nas décadas de 1980 e 1990, as TICs contribuíram entre 0,2 e 0,5 ponto percentual de crescimento
econômico, dependendo do país analisado. Na segunda metade da década de 1990, essa contribuição esteve entre 0,3 e 0,9 ponto
percentual por ano [Collechia e Schreyer (2001)].
2
Segundo estudo Global Innovation 1000 da consultoria Bozz & Company (2008), apud Bampi (2008-2009), em 2007 cerca de 29%
dos investimentos em P&D das mil empresas do estudo seriam aplicados em computação e bens eletrônicos.
3
Segundo Silva (2010), as TICs estão entre os setores sensíveis e protegidos por extensa rede de agências e considerados
“infraestrutura crítica”.
46
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
responsáveis por cerca de 5,5% dos empregos nos países da OCDE [OCDE (2010)] se
espalhando e se incrustando de maneira progressiva pela economia.
Em que pese o fato de a indústria brasileira de TICs estar entre as dez maiores
do mundo [OCDE (2008, Figura 2.14)], o país segue experimentando déficits comerciais aceleradamente crescentes no CE, com participação de apenas 1% das exportações mundiais, ocupando o 27º lugar nas exportações mundiais de TICs em 2008
[Salles (2011)]. Os motivos que travam o desenvolvimento do CE serão discutidos ao
longo do artigo, cujo objetivo é expor a evolução histórica recente do CE no Brasil
e o respectivo apoio do BNDES, com especial ênfase na última década,4 tendo como
perspectiva o quadro atual do setor e os desafios para seu desenvolvimento no país.
A seção a seguir descreve os principais vetores de mudança provocada pela evolução tecnológica e de modelos de negócios das TICs e, em sequência, o panorama
mundial no setor. Na seção “Panorama brasileiro”, são mostrados os instrumentos
de política para o setor no país. Na seção seguinte, é avaliada a evolução do panorama setorial brasileiro. As duas últimas seções apresentam as perspectivas do setor
e as propostas para atuação do Banco.
2 . PAN OR A MA IN TER N A C I O N A L
Antes de iniciar a apresentação do panorama internacional, cumpre expor a classificação do universo TICs adotada por este artigo. Isso se justifica por nem sempre a
definição dos alcances do CE ser convergente, em consequência da crescente difusão
da eletrônica na economia. A Figura 1 exibe a definição proposta por este artigo, com
uma tipologia orientada para a convergência tecnológica – os segmentos eletrônica de
consumo, equipamentos de telecomunicações e informática, que no decorrer do tempo foram classificados pelo BNDES como segmentos distintos, estão inseridos em Sistemas e Equipamentos Eletrônicos como dispositivos de rede ou de acesso, ao lado dos
segmentos de eletrônica embarcada e automação industrial. Ressalta-se que, apesar
4
Para o entendimento mais aprofundado do desenvolvimento histórico do setor nos anos anteriores, recomenda-se a leitura do
artigo comemorativo de cinquenta anos do BNDES sobre o complexo eletrônico, elaborado por Nassif (2002).
COMPLEXO ELETRÔNICO
47
de serem intensivamente baseados em TICs, não são considerados no CE os serviços de
telecomunicações, radiodifusão e comercialização das TICs. Por outro lado, em razão
da dificuldade de dissociar os números de software dos de Serviços de Tecnologia da
Informação (TI), estes últimos foram inseridos no CE para efeitos deste trabalho.
FIGURA 1 DEFINIÇÃO DO COMPLEXO ELETRÔNICO
Complexo eletrônico/TICs
Microeletrônica
Outros
Eletrônica
embarcada
Dispositivos
de rede
Dispositivos
de acesso
Produto
SISTEMAS E EQUIPAMENTOS
ELETRÔNICOS
Automação
industrial
SOFTWARE
Displays
Embarcado
COMPONENTES
ELETRÔNICOS
Serviços TICs
Comercialização
Telecomunicações
Radiodifusão
Serviços de TI
Demanda TICs
Manufatura (Bens de
capital, Automotiva,
Defesa etc.)
Consumidor
final
Empresas
Governo
Fonte: BNDES.
MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E PRODUTIVAS RECENTES
Ao mesmo tempo em que o CE viabiliza profundas mudanças na organização produtiva mundial – proporcionando informação em tempo real, automatizando cadeias, aumentando a produtividade do trabalho etc. –, diversas tendências tecnológicas e de processos afetam seu próprio dinamismo, trazendo desafios para as
empresas nele inseridas e para formuladores de políticas públicas preocupados com
seu enraizamento local. A seguir, são comentadas algumas das principais tendências que nasceram ou se reforçaram na década de 2000.
Terceirização produtiva
Nos anos 1990, a globalização se aprofundou, e a absorção dos conceitos de reengenharia de processos com focalização nos negócios centrais das organizações
48
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
provocou a reorganização das cadeias de fornecimento de diversos setores produtivos, originando à desverticalização em larga escala da produção mundial. Assim,
o modelo de terceirização de produção ganhou força, tanto em hardware quanto
em software e serviços de TI.
Desde então, a produção de equipamentos, partes, peças e componentes foi progressivamente desviada para as montadoras terceirizadas, as Contract Equipment
Manufacturer (CEM). Direcionado pela dimensão custos, esse segmento se consolidou, alcançando faturamento muitas vezes superior ao dos próprios clientes. Estes,
por sua vez, passaram a focar na manufatura de produtos mais sofisticados, com
maior flexibilidade nas linhas de produção – o que passou a ser conhecido como
modelo Original Equipment Manufacturing (OEM).
Alguns fabricantes terceirizados, buscando agregar valor à produção de
commodities eletrônicas, passaram a oferecer o projeto de equipamentos eletrônicos, tornando-se Original Design Manufacturing (ODMs). Este último modelo atende massivamente aos fabricantes brasileiros detentores de marcas de
renome, e conta com a Foxconn (Grupo Hon Hai) como seu maior expoente, com
mais de 50% da produção mundial terceirizada de empresas como Apple, Sony,
Dell, Nokia etc.
GRÁFICO 1 COMPOSIÇÃO DO PREÇO DO IPAD 16 GB
Margem Apple
Outros custos de insumos
25%
25%
2%
Mão de obra direta
Margens não Apple nos EUA
10%
4%
Fontes desconhecidas
23%
2%
2%
Margem Japão
Margem Taiwan
7%
Margem Coreia
Fonte: Linden, Kraemer e Dedrick (2011).
Distribuição e comercialização
COMPLEXO ELETRÔNICO
49
Em 2009, o faturamento dos segmentos de Electronic Manufacturing Services
(EMS), que abrangem CEMs e ODMs, atingiu cerca de US$ 270 bilhões, aproximadamente 25% de todo o faturamento global do CE, com escalas elevadíssimas de
produção e margens reduzidas. O Gráfico 1 ilustra o aprofundamento da terceirização, em busca de localidades com eficiência logística e baixo custo de produção.
Percebe-se, no exemplo do iPad, a concentração das margens dos bens eletrônicos
na marca (Apple) e dos componentes estratégicos (basicamente a soma de Coreia e
Japão), em detrimento da fabricação (Taiwan).
Igual fenômeno ocorreu com software e serviços de TI, com maciça transferência de operações para países com menor custo de mão de obra (com destaque para
a Índia). Inicialmente em serviços mais simples, como atividades de contact center, o
modelo evoluiu, chegando a envolver a terceirização de processos com maior valor
agregado – como contabilidade e folha de pagamentos –, no que hoje é conhecido
como IT Enable Services – Business Process Outsourcing (ITES-BPO).
Convergência
Nos anos 2000, ganhou força o fenômeno da convergência em diversas dimensões. Por meio da convergência digital – que permitiu a unificação de voz, dados
e imagens em infraestrutura, protocolos e padrões comuns –, desencadeou-se
um processo de convergência de redes (por exemplo, telefonia fixa e móvel),
de serviços (que passam a poder ser prestados da mesma forma em diferentes
redes) e de terminais.
A internet e os smartphones talvez sejam os melhores exemplos desse fenômeno: vídeo, dados e voz pelo mesmo meio e dispositivo, modificando de forma
aguda as fronteiras mercadológicas, com transbordamentos em quase todos os setores da economia que podem ter seus respectivos produtos digitalizados – tomando como exemplos não exaustivos os setores fonografia, radiodifusão, editorial e
publicidade. Trata-se da convergência de mercados, com novas e dinâmicas bases
de competitividade se formando a partir da participação das empresas em áreas de
negócio distintas de suas origens.
50
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Computação em nuvem
A reboque da convergência e do avanço tecnológico da microeletrônica – que expandiu a capacidade e reduziu custos de armazenamento e processamento em
servidores e dispositivos de acesso –, cresceu no fim dos anos 2000 o conceito de
computação em nuvem. Pessoas, empresas e governo passam a poder compartilhar
capacidade de armazenagem, processamento, aplicativos e ferramentas por meio
da internet e de data centers espalhados no mundo. Os serviços passam a ser facilmente escaláveis e a compra de aplicativos pode ser configurada de novas formas,
como uma taxa por uso e não mais por licença ou espaço alocado nos servidores.
Apesar da desconfiança por parte dos clientes potenciais quanto a questões
de sigilo e segurança e confiabilidade dos fornecedores, cerca de US$ 90 bilhões
foram gastos na nuvem em 2010, e 50% do processamento de dados em 2014 será
realizado no ambiente da nuvem.5
A infraestrutura de banda larga é uma questão fundamental para a aceleração desse modelo, conferindo papel-chave, no contexto brasileiro, ao Plano
Nacional de Banda Larga (PNBL) e às demais ações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para melhoria da qualidade e cobertura da internet em
alta – e confiável – velocidade.
Peso crescente da microeletrônica e software embarcado
No campo do hardware, destaca-se a tendência à compactação de funcionalidades
em um número cada vez mais restrito de componentes, enxugando o número de
fornecedores na cadeia, reduzindo a agregação de valor na manufatura final e,
sobretudo, reforçando a necessidade de domínio da microeletrônica para os países
interessados no desenvolvimento do CE.
Mais recentemente, o conceito de System on a Chip (SoC) materializou esse fenômeno. O recém-lançado chip para telefones celulares Snapdragon da Qualcomm
é um exemplo que integra as funções de modem, processador, placa de vídeo, GPS,
gestão de energia, memória, multimídia, entre outras, em um único dispositivo.
5
Estudo da Consultoria Gartner, citado por reportagem no jornal Valor Econômico, Especial Segurança Digital, de 28.2.2012.
COMPLEXO ELETRÔNICO
51
Por conseguinte, o peso da microeletrônica no produto final cresce progressivamente. Segundo estudo contratado pelo BNDES, o valor embarcado de microeletrônica nos sistemas eletrônicos foi de 6% em 1974 ante cerca de 25% em 2010.
Em paralelo, a importância do software embarcado cresce em todos os componentes (até na própria microeletrônica), partes, peças, etapas da produção e produtos finais, assumindo papéis antes conferidos a hardwares específicos. Contribuem
de modo decisivo para esse fenômeno os ganhos com a possibilidade de reconfiguração das funcionalidades para cada cliente específico, sem a necessidade de troca
ou alteração do equipamento.
Simbiose hardware, software e microeletrônica
A conclusão direta que poderia ser tirada com base nos itens anteriores é de que a
microeletrônica, em conjunto com o software embarcado e a terceirização da fabricação e desenvolvimento de produtos, retira progressivamente o valor ora gerado pelo
domínio hardware. Contudo, fatores como o aumento da complexidade da integração
desses diferentes elementos – software, microeletrônica e hardware – e a importância
crescente do design tornam essa análise incompleta e por vezes enganosa.
Exemplos como a aquisição da Motorola pela Google sinalizam que a integração do dispositivo final (smartphone, tablets) com o sistema operacional Android
não é ainda satisfatória. Por outro lado, Apple e Google recentemente adquiriram empresas de projeto de chips6 por entenderem ser necessário diferenciar seus
produtos dos demais nesse componente e, também, por avaliarem que não havia
disponível no mercado empresa capaz de projetar um circuito integrado de acordo
com a performance desejada para seus produtos.
Serviços
Em decorrência da especialização produtiva em todos os setores da economia, é crescente a demanda de clientes por ofertas de soluções completas – até mesmo operadas –
e não apenas equipamentos/sistemas eletrônicos isolados. Seja para o segmento em-
6
A Apple adquiriu a P.A. Semi em 2008 por cerca de US$ 280 milhões, a Intrisity em 2010 por US$ 120 milhões e a Anobit
em 2010 por cerca de US$ 400 milhões; em 2010, a Google adquiriu a Agnilux. Disponível em: <http://www.eetindia.co.in/
ART_8800604928_1800000_NT_347c98fe.HTM> e <http://www.nytimes.com/2010/04/28/technology/28apple.html?_r=1>.
52
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
presarial (por exemplo, operadoras de telecomunicações terceirizando toda a operação
de rede em pacotes turn key, até mesmo aquisição de equipamentos necessários), para
o consumidor final (por exemplo, fabricantes de computadores oferecendo espaço de
armazenagem na internet ou conteúdo exclusivo), ou para o governo (por exemplo,
terceirização do processamento de folha de pagamento), aumenta a participação dos
serviços no faturamento e lucratividade das empresas de TICs desde a última década.
PANORAMA MUNDIAL EM SISTEMAS, EQUIPAMENTOS
E COMPONENTES ELETRÔNICOS
Dados de consultoria Decision Etudes Conseil (2011) indicam que a produção mundial de sistemas eletrônicos em 2010 alcançou € 1,2 trilhão (cerca de US$ 1,6 trilhão).
Com elevada elasticidade-renda, depois de duas décadas de crescimento contínuo
(de 1980 a 2000), a produção de eletrônicos experimentou duas crises importantes:
a crise da internet (2001-2002) e a crise econômica global em 2009. Mesmo nesse
contexto, o crescimento médio da produção mundial de eletrônicos atingiu cerca
de 4,9% ao ano entre 2004 e 2009, conforme mostrado no Gráfico 2.
GRÁFICO 2 CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO MUNDIAL DE ELETRÔNICOS
GRÁFICO 2A PRODUÇÃO ELETRÔNICA MUNDIAL POR REGIÃO
4,9%
1.237
62
3%
8,5%
162
15%
178
15%
259
17%
272
20%
301
30%
975
4,8%
41
128
BILHÕES (EURO)
3,0%
153
3,1%
223
3,4%
230
8,8%
197
2004
Resto do mundo
Outros Ásia
2009
Japão
América do Norte
Europa
China
53
COMPLEXO ELETRÔNICO
8%
9%
10%
11%
14%
6%
7%
-14%
-10%
-4%
1%
3%
4%
6%
8%
9%
10%
12%
13%
GRÁFICO 2B TAXA DE CRESCIMENTO DE PRODUÇÃO DE SISTEMAS ELETRÔNICOS – MUNDIAL
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
Fontes: Decision Etudes Conseil e BNDES (estudo contratado).
Decision Etudes Conseil (2011) e estudo contratado pelo BNDES preveem crescimentos entre 5% e 8% ao ano até 2015. No longo prazo, a previsão de expansão
está em torno de 6% ao ano.
Os dados do Gráfico 2 mostram a rápida consolidação da China como maior
produtora mundial, com 30% do fornecimento global em 2009 – em 2001, sua
produção respondia por cerca de 10% do total. Essa manufatura é, em sua maioria, de produtos de consumo, como televisores, computadores e terminais celulares, em que o fator escala e controle de custos é fundamental. Todavia, os
investimentos em P,D&I são notórios e algumas empresas de elevado conteúdo
tecnológico já são mundialmente reconhecidas – como a Huawei e ZTE, ambas
fabricantes de equipamentos de telecomunicações, e a Lenovo, segunda maior
fabricante de laptops.
Os gigantes conglomerados da Coreia do Sul (chaebols) que atuam na eletrônica – Samsung, LG e Hyundai – obtiveram crescimento expressivo na última década,
assumindo liderança ou posição de destaque em dispositivos de acesso (televisores, celulares, computadores etc.), componentes estratégicos (chips para memória e
54
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
displays) e bens de capital de eletrônica. Cresceu também a importância de países
como Taiwan,7 Cingapura, Hong Kong, Malásia.
Os EUA ainda mantêm posição de destaque no desenvolvimento de produtos,
equipamentos e insumos em diversos segmentos, contando com empresas como
Apple, IBM, Google, Intel e Qualcomm. A Europa mantém presença relevante em
produtos com escalas menores, mas de aplicações mais sofisticadas e de maior valor agregado, como a eletrônica embarcada em veículos, equipamentos de defesa,
médico-hospitalares e automação industrial. Apesar da perda do espaço de diversas
empresas no segmento de Bens de consumo, o Japão continua desempenhando importante papel na fronteira do desenvolvimento, especialmente em segmentos de
elevada complexidade tecnológica, como em componentes estratégicos8 e em bens
de capital para a fabricação de eletrônicos.
TABELA 1 RANKING DAS MAIORES EMPRESAS DE TICS
Ranking 2005
Geral
Eletro.
Empresa
US$ bilhões
Vendas
Lucro
Ranking 2011
Geral
Eletro.
Empresa
US$ bilhões
Vendas
Lucro
20
1
IBM
96,3
8,4
22
1
SAMSUNG ELECTRONICS
133,8
13,7
21
2
SIEMENS
91,5
4,1
28
2
HP
126,0
8,8
23
3
HITACHI
84,0
0,5
40
3
HITACHI
108,8
2,8
28
4
HP
79,9
3,5
47
4
SIEMENS
102,7
5,3
39
5
SAMSUNG ELECTRONICS
71,6
9,4
50
5
PANASONIC
101,5
0,9
47
6
SONY
66,6
1,5
52
6
IBM
99,9
14,8
72
7
TOSHIBA
54,3
0,4
60
7
HON HAI GROUP
95,2
2,5
96
8
NEC
45,2
0,6
73
8
SONY
83,8
(3,0)
99
9
FUJITSU
44,3
0,3
89
9
TOSHIBA
74,7
1,6
115
10
LG ELECTRONICS
37,8
1,4
111
10
APPLE
65,2
14,0
116
11
PHILIPS
37,7
3,5
120
11
MICROSOFT
62,5
18,8
127
12
MICROSOFT
36,8
8,2
124
12
DELL
61,5
2,6
130
13
NOKIA
36,4
4,0
143
13
NOKIA
56,2
2,5
138
14
MOTOROLA
35,3
1,5
171
14
LG ELECTRONICS
48,2
1,1
141
15
INTEL
34,2
7,5
195
15
INTEL
43,6
11,5
Fonte: Ranking Global 500 – Fortune/CNN.
7
Os maiores CEMs, ODMs e Foundries de semicondutores do mundo são taiwaneses (por exemplo, Foxconn e TSMC e UMC), assim
como empresas entre as líderes em displays (AUO, Innolux/CMO) e equipamentos (ACER, HTC e BenQ).
8
A Sharp tem a fábrica mais sofisticada de displays de LCD do mundo; a Toshiba segue como uma das maiores do mundo em chips
de diferentes segmentos; a Sanyo segue entre as líderes em baterias etc.
COMPLEXO ELETRÔNICO
55
Na Tabela 1, são listadas as maiores empresas de eletrônicos do mundo quanto a faturamento. É interessante notar: a entrada da Foxconn (Hon Hai Group)
no ranking de 2011 e a liderança da Samsung; a lucratividade das empresas de
software e soluções (Microsoft e IBM) e de componentes (Intel) e da Apple; a queda de faturamento ou lucro das empresas japonesas – Sony, Toshiba, NEC, entre
outras – que enfrentam crescente concorrência e os efeitos do tsunami; e que o
lucro das maiores empresas chega a ser mais de dez vezes superior ao faturamento das maiores empresas brasileiras.9
Segundo estudo contratado pelo BNDES (vide Tabela 2), os segmentos de mercado majoritariamente de massa do CE – Informática, Telecomunicações e Eletrônica de Consumo – devem representar mais de 70% da produção mundial em 2015.
Dentre os mercados com maior customização, destaca-se o segmento Automotivo,
com expectativas de crescimento médio superior a 10% ao ano. A Eletrônica deverá responder por 60% das inovações das montadoras nos próximos cinco anos
[Wyman (2007)], na busca por veículos mais seguros, econômicos, movidos a combustíveis alternativos (em especial, os veículos elétricos) e com mais funcionalidades.
TABELA 2 PROJEÇÃO DE MERCADO PARA SISTEMAS E EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS
US$ bilhões
Tipo de sistema
2009
2010
2011*
2012*
2013*
2014*
2015*
INFORMÁTICA
349
387
420
450
455
485
526
51
TELECOMUNICAÇÕES
302
335
370
405
415
448
492
63
IND./MED./OUTROS
160
174
184
195
199
210
224
40
ELETRÔNICA DE CONSUMO
140
157
175
191
193
208
226
61
AUTOMOTIVO
85
100
111
121
125
135
150
76
GOV./MILITAR
80
84
88
93
97
102
107
34
1.116
1.237
1.348
1.455
1.484
1.588
1.725
55
TOTAL
2015*/2009 (%)
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de relatório de consultoria.
* Projeção.
Tal como em outros segmentos industriais, EUA, Europa e Japão seguem sendo
os maiores mercados – correspondendo a 66% da demanda mundial por eletrônicos.
9
O faturamento, por exemplo, da Positivo Informática em 2011 foi de R$ 2,3 bilhões, de acordo com Valor 1000 (2011).
56
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Todavia, o crescimento da demanda do resto do mundo – em especial dos BRICs e
demais países emergentes – superou largamente o ritmo de expansão de mercado
dos países de economia madura, como ilustrado no Gráfico 3.
GRÁFICO 3 CONSUMO MUNDIAL TICS
4,9%
7,8%
975
7,4%
83
95
BILHÕES (EURO)
1.237
121
10%
135
11%
130
11%
370
30%
2,8%
113
2,9%
320
3,7%
319
10,6%
162
26%
266
98
2004
Resto do mundo
Outros Ásia
13%
2009
Japão
América do Norte
Europa
China
Fonte: Decision Etudes Conseil.
PANORAMA MUNDIAL EM SOFTWARE E SERVIÇOS DE TI
Com uma estrutura de oferta e demanda relativamente diferente do universo de
hardware, o mercado mundial de software e serviços de TI cresceu cerca de 33% entre 2005 e 2010, alcançando, segundo dados de Associação Brasileira das Empresas de
Software em parceria com International Data Corporation (Abes/IDC) (2011), US$ 884
bilhões em 2010 – dos quais US$ 307 bilhões em software e US$ 577 bilhões em serviços de TI.
Esse mercado nasceu e ainda está fortemente concentrado nos EUA (cerca de 40%
da demanda global), país que mais profundamente adotou os conceitos de terceirização off-shore de software e serviços. Como pode ser observado na Tabela 3, em 2010,
o Brasil se encontrava na 11a posição, com um mercado de cerca de US$ 17,3 bilhões –
em 2004, o país tinha o 15º maior mercado, estimado em cerca de US$ 6,0 bilhões –,
com crescimento inferior apenas ao da China, considerando os dez maiores mercados.
57
COMPLEXO ELETRÔNICO
TABELA 3 MAIORES MERCADOS DE SOFTWARE E SERVIÇOS DE TI (EM US$ BILHÕES)
Países
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2010 (%)
2010/2005 (%)
287,5
303,0
315,0
339,6
349,7
359,2
40,7
25
JAPÃO
63,2
64,4
63,8
71,7
71,7
76,9
8,7
22
REINO UNIDO
59,5
56,0
60,3
67,1
69,4
65,4
7,4
10
ALEMANHA
41,3
48,2
51,8
62,6
59,8
58,0
6,6
40
FRANÇA
36,8
39,3
41,6
49,8
47,4
45,6
5,2
24
CANADÁ
17,9
21,1
22,0
24,8
24,5
23,8
2,7
33
ITÁLIA
EUA
16,9
18,1
19,3
24,1
22,9
21,0
2,4
24
HOLANDA
9,5
12,5
13,6
18,2
19,9
18,4
2,1
94
CHINA
6,9
9,6
11,5
15,2
15,5
17,7
2,0
157
11,6
10,3
11,5
19,8
18,7
17,5
2,0
51
7,2
9,1
10,8
14,7
15,0
17,3
2,0
139
RESTO DO MUNDO
104
122
135
165
166
163
18,4
57
TOTAL
662
714
756
873
881
884
100
33
ESPANHA
BRASIL
Fonte: Abes/IDC.
3 . PAN OR A MA BR A S I L EI R O
Com maior ou menor ênfase, as TICs vem sendo reconhecidas como estratégicas ao
longo dos últimos sessenta anos pelos governos brasileiros, com legislação específica para produção e inovação local. De forma complementar ao artigo comemorativo de cinquenta anos do BNDES [Nassif (2002)], a análise histórica foi dividida
em duas partes: (i) o período entre 1950 e 2001 e (ii) a década passada (2001-2011),
para a qual foi realizada uma avaliação mais detalhada.
PERÍODO 1950-2001
As origens do setor de CE no Brasil remontam à década de 1950, quando foram produzidos os primeiros bens de eletrônica de consumo (sobretudo áudio e vídeo) a
partir de insumos importados por multinacionais que entravam no país. Na década
seguinte, foram instalados nas universidades os primeiros computadores (informática), ainda pouco difundidos na atividade industrial brasileira.
Em 1967, foi criada a Zona Franca de Manaus, com o objetivo de promover a
integração e o desenvolvimento da Amazônia, por meio da desoneração do Im-
58
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
posto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para
insumos de bens orientados à exportação. O objetivo de criar um polo exportador na região nunca foi efetivamente alcançado – o percentual de exportações
sobre o faturamento do polo em eletroeletrônicos em 2010 foi de 1,4% [Suframa
(2012)] –, tal como a desoneração de insumos dificultou historicamente as políticas de adensamento da cadeia produtiva em eletrônicos. De toda forma, em 2011
o polo manteve por volta de 110 mil empregos em TICs na Região Amazônica e
gerou um faturamento de cerca de US$ 18 bilhões, com base na utilização de
US$ 9,6 bilhões de insumos – 74% dos quais importados.
Com a expansão econômica da década de 1970, a elevada demanda pública e
privada levou o governo a criar a Comissão de Atividades de Processamento Eletrônico (Capre), subordinada ao Ministério do Planejamento, para disciplinar e organizar as compras governamentais focadas em Informática. No mesmo ano se criou
a holding Telebrás – fator-chave para o desenvolvimento da cadeia produtiva de
telecomunicações por meio do exercício do poder de compra de suas operadoras e
dos equipamentos e sistemas desenvolvidos pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Telebrás (CPqD), criado em 1976.
Em meados da mesma década, a crise do petróleo determinou o lançamento
do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), com fortes estímulos à
substituição de importações. Em 1979 é criada a Secretaria Especial de Informática (SEI), substituindo a Capre e ampliando o escopo de atuação para, além da
informática, incorporar a microeletrônica, a automação industrial, os equipamentos de telecomunicações e a instrumentação digital. Essa é a base do atual escopo
da Lei de Informática.
A despeito das críticas dirigidas ao período 1970-1980, parte relevante das
empresas que desenvolvem tecnologia eletrônica no país são originárias dessa
época. Também é nesse período que surge uma indústria de componentes eletrônicos no país, com a instalação de fábricas de displays (cinescópios ou displays de
tubo) e microeletrônica.10
10
A SID Microeletrônica operou a única fábrica com ciclo completo de produção de semicondutores no país.
COMPLEXO ELETRÔNICO
59
Ainda nesse período se observa o nascimento da indústria de software brasileira. Além da necessidade de embarcar o software nas indústrias de equipamentos eletrônicos, as características específicas do país – hiperinflação, complexidade
tributária, criatividade etc. – propiciam a formação da competência em verticais
setoriais (por exemplo, bancário, varejo e telecomunicações) em que o Brasil conta
atualmente com reconhecimento internacional.
A abertura de mercado na década de 1990 e o fim da reserva de mercado estimularam a modernização do parque produtivo, a entrada maciça de multinacionais
e o início do processo de terceirização manufatureira. Por outro lado, esse momento imprimiu um esforço de adaptação concentrado no tempo das empresas locais
de base tecnológica, que hoje se concentram em nichos de mercado. A indústria
local de componentes também foi atingida com especial intensidade, tendo ocorrido grandes desinvestimentos na área, com fechamento de quase todas as empresas
estrangeiras [Melo et al. (1997)].
Nesse cenário foi implementada a Lei de Informática (LI)11 com o mérito de
buscar alinhar incentivos com a também renovada Lei da Zona Franca de Manaus.12
Em 1993 foi implantado o Processo Produtivo Básico (PPB), que passou a conceder
incentivos fiscais no âmbito da LI (desoneração de IPI na venda de produtos), definidos a cada tipo de produto, a empresas que cumprissem determinadas etapas de
produção local, adquirissem localmente determinados componentes e investissem
um percentual da receita em P&D.
EVOLUÇÃO DO ARCABOUÇO LEGAL E POLÍTICAS INDUSTRIAIS
RECENTES (2001-2011)
O esforço recente do governo em aperfeiçoar o arcabouço legal para TICs, até mesmo por meio de políticas industriais setoriais, é notório, como ressalta a Figura 2.
11
Lei 8.248/91. Estão no escopo dessa lei: componentes semicondutores, optoeletrônicos, máquinas, equipamentos e dispositivos
baseados em eletrônica digital, seus insumos, partes, peças, software e serviços técnicos associados.
12
Lei 8.387/91, que prevê, além da redução de até 88% do II sobre insumos, isenção de IPI.
60
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
FIGURA 2 EVOLUÇÃO DO ARCABOUÇO LEGAL E POLÍTICAS DE GOVERNO
Arcabouço legal
LEI DO SOFTWARE
LEI DE INFORMÁTICA
Leis 8.248/91, 10.176/01,
11.077/04
LEI DE INOVAÇÃO
Lei 10.973/04
ZFM
(8.387/91)
1967
TECNOLOGIA
NACIONAL
Portaria MCT 950/06
Lei 9.609/98
1991
SUBSTITUIÇÃO
DE IMPORTAÇÕES
LEI DO BEM
Lei 11.196/05
DESONERAÇÃO DE FOLHA
Lei 12.546/11
PADIS
Lei 11.484/07
PDP
Lei 11.774/08
COMPRAS GOV.
Lei 12.349/10
e Decreto 7.174/10
2007
2003
PBM TICS
MPV 563/12
2011
PITCE
PDP
PBM
(Política Industrial, Tecnológica
e de Com. Exterior)
(Política de Desenvolvimento
Produtivo)
(Plano Brasil
Maior)
Políticas industriais
Fonte: BNDES.
Políticas industriais
A última década foi marcada pela retomada das políticas industriais e tecnológicas
setoriais. Em 2003, em um contexto de estabilidade monetária, foi lançada a Política
Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), com vigência até 2007, com
ênfase na inovação tecnológica, tendo os setores de software e microeletrônica ao
lado de fármacos e bens de capital como estratégicos. Duas agências foram criadas
no governo para auxiliar as ações dessa política: a Agência Brasileira de Promoção
à Exportação (Apex), criada em 2003, e a Agência Brasileira de Desenvolvimento
Industrial (ABDI), criada em 2006.
Entre 2008 e 2010, entra em vigor a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em
que o setor TICs foi novamente posicionado como estratégico13 em cinco temas – software
e serviços de TI, microeletrônica, displays, infraestrutura para inclusão digital e adensamento da cadeia. Em 2011, e ainda em estágio de elaboração, o Plano Brasil Maior (PBM)
foi lançado com o desafio de implementar medidas com base em um cenário de restrição
fiscal, crise e sobreoferta de capacidade produtiva mundial e necessidade de suportar os
investimentos na indústria, incluindo mais uma vez o setor de TIC como estratégico.
13
Além das TICs, o complexo de saúde, energia nuclear, complexo de defesa, nanotecnologia e biotecnologia foram definidos como
programas mobilizadores em áreas estratégicas na PDP.
COMPLEXO ELETRÔNICO
61
Essas políticas desempenharam, sobretudo, um papel decisivo para a articulação
dos agentes do poder público e do setor privado na proposição e implantação das
medidas e aperfeiçoamento do arcabouço legal apresentados nos próximos tópicos.
Poder de compra do Estado
A renovação da Lei de Informática (Lei 10.176/01) introduziu em seu Artigo 3º
a preferência nas compras públicas por bens TICs com tecnologia nacional e/ou
PPB, que seria materializada por meio da modalidade “técnica e preço”. Contudo,
a privatização das empresas estatais e a introdução e fortalecimento da “Lei do
Pregão” (Lei 10.520/02) em 2002 reduziram sobremaneira o poder do dispositivo.
Em 2010 esse artigo foi regulamentado (Decreto 71.174/10), conferindo a possibilidade de repique (inclusive em pregões) para que fornecedores com PPB e/ou tecnologia nacional classificados em até dez pontos percentuais abaixo da proposta
vencedora possam igualá-la, com preferência para os que têm simultaneamente
o PPB e tecnologia nacional.
No mesmo ano, foi promulgada a iniciativa mais afirmativa para exercício do
poder de compra do Estado por meio da Lei 12.349/10 – ainda não regulamentada –
que permite sobrepreço de até 25% para bens e serviços nacionais que geraram mais
empregos, desenvolvimento e inovação tecnológica e arrecadação tributária no país.
Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I)
A Pitce exerceu papel central em conferir destaque à discussão sobre os investimentos em inovação e robustecer o arcabouço legal para P,D&I. A Lei de Inovação (Lei 10.973/04), entre outros dispositivos, além de disciplinar a atividade de
P,D&I, autorizou as ICTs (Instituições de Ciência e Tecnologia) a prestar serviços,
compartilhar sua infraestrutura de pesquisa e desenvolver projetos em conjunto
com o setor privado, além de abrir caminho para a subvenção direta a empresas e
entidades privadas sem fins lucrativos e para a realização de encomendas tecnológicas pelo poder público.
No ano seguinte a “Lei do Bem” (Lei 11.196/05) – e seus aperfeiçoamentos posteriores – avançou nos incentivos à inovação com desonerações tributárias para
62
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
os dispêndios em atividade de inovação, depreciação acelerada e redução do IPI
para aquisição de equipamentos voltados à inovação, bem como permitiu a remuneração parcial14 de mestres e doutores empregados em atividades inovadoras de
empresas locais.
Em 2006 o então Ministério de Ciência e Tecnologia elaborou a Portaria
MCT 950/06, que passou a conferir um certificado para bens com tecnologia nacional. Esse instrumento está sendo utilizado de maneira crescente em diversos dispositivos que concedem incentivos a produtos desenvolvidos no país.15
Inclusão digital
Em um cenário de elevado contrabando de computadores – o chamado “mercado
cinza” – e latente necessidade de incentivar a inclusão digital no país, o governo
decidiu desonerar as vendas de varejo de computadores desktops e laptops16 das
contribuições de PIS/Cofins por meio do Programa de Inclusão Digital. Essa medida
gerou impacto significativo na expansão da produção local de bens de informática –
de 3,2 milhões de computadores em 2003 para cerca de 14 milhões em 2010 –, na
formalização do mercado,17 no crescimento de empresas nacionais e na atração de
firmas estrangeiras.
Ainda com o objetivo de congregar inclusão digital e agregação local de valor, em 2010 foi lançado o Programa Um Computador por Aluno (Prouca) e o Regime Especial para Aquisição de Computadores para uso Educacional (Recompe)
(Lei 12.249/10), que desonerou a aquisição de insumos e fabricação e vendas de
computadores educacionais com PPB a serem adquiridos por estados, municípios
e governo federal por meio de pregões de referência realizados pelo Ministério
da Educação.
14
Até 60% para empresas na região Sudam/Sudene e 40% nas demais regiões do país (Decreto 5.798/06).
Entre estes, a Lei de Informática permitiu direito preferencial por repique em compras públicas (Decreto 7.174/10), dedução integral
do IPI para bens com tecnologia nacional (Lei 12.431, de 2011), e o BNDES lançou em 2011 a linha Programa de Sustentação do
Investimento – Bens de Capital (PSI Bens de Capital) Tecnologia Nacional para financiar a aquisição de bens com essa certificação.
16
O Programa de Inclusão Digital está inserido na Lei do Bem (11.196/05). Posteriormente, na Lei 12.431/11 foram incluídos os
tablets e modems.
17
Segundo Abinee/IT Data, o “mercado cinza” passou a corresponder a 24% do mercado total em 2010, ante 70% dos
computadores vendidos no país em 2003.
15
COMPLEXO ELETRÔNICO
63
Na Medida Provisória 563/12 foi lançado o Regime Especial de Tributação do
Programa Nacional de Banda Larga para Implantação de Redes de Telecomunicações (REPNBL-Redes), isentando de PIS/Confins e IPI os investimentos em expansão
de rede de banda larga que incluam equipamentos com PPB e Tecnologia Nacional
(Portaria MCT 950/06) em percentuais a serem definidos.
Desoneração de folha salarial
Tendo em vista a janela de oportunidade que se abria no cenário internacional
para posicionar o país como grande exportador de software e serviços de TI,18 na já
citada Lei do Bem (11.196/05) foi instituído o Regime Especial de Tributação para
a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação (Repes). Este
objetivou a redução de impostos de diversos gastos – como capacitação, aquisição
de software, ferramentas etc. – de empresas do setor que destinassem pelo menos
60% do faturamento para exportação.19
Ainda com o alcance relativamente restrito, foi lançado no âmbito do PBM nova
medida para desoneração de folha, dessa vez mais abrangente: a Lei 12.546/11
substitui a alíquota de 20% sobre a contribuição patronal (INSS) por 2,5% incidentes sobre a receita bruta de empresas que desenvolvem software ou prestam
serviços de TI.
Essa medida foi complementada com a Medida Provisória 563/12, que também
substituiu a alíquota de 20% sobre a contribuição patronal (INSS) para 1% no caso
de empresas de hardware de TICs e 2% para as de software e serviços de TI, call
centers e empresas de projetos de circuitos integrados.
Padis (microeletrônica e displays)
Recomendado pelo Fórum de Competitividade promovido pelo MDIC no fim da
década de 1990, o BNDES contratou estudo de uma consultoria internacional
para identificar meios de implantar uma indústria de componentes eletrônicos no
18
Em 1998 é promulgada a primeira lei exclusivamente voltada para o setor de software (Lei 9.609/98), definindo o que é
considerado um programa de computador, seus direitos de propriedade e exploração do uso, entre outros dispositivos.
19
O percentual foi posteriormente reduzido para 50% pela Lei 11.774/08, já no âmbito da PDP.
64
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Brasil. Com base nos resultados dessa ação, iniciou-se uma discussão no governo
federal que culminaria na elaboração, em 2007, pela Lei 11.484/07, do Programa
de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), que passou a conferir às empresas de projeto, fabricação e montagem de
microeletrônica e displays possivelmente o melhor pacote de incentivos fiscais
federais do país, provendo, entre outros incentivos, a isenção total do IR, IPI e
PIS/Cofins na comercialização de bens finais e do IPI e II na aquisição de insumos
e equipamentos. Como contrapartida a beneficiária deve investir 5% do faturamento em atividades de P,D&I.
EVOLUÇÃO DO PANORAMA PRODUTIVO ENTRE 2001 E 2011
Todo esse aperfeiçoamento do arcabouço legal ocorreu em um cenário de crescimento da demanda por bens, software e serviços TICs em ritmo mais acelerado
do que no resto do mundo. O país está entre os cinco maiores mercados do mundo em computadores, celulares, televisão, automóveis, máquinas ATMs (Automatic Teller Machine) e equipamentos médicos. É o 11o mercado de software e serviços de TI [Abes (2011)], o 4o lugar em número de servidores conectados à internet
e passou de 1,1% dos pontos de acesso à rede mundial em 2001 para 2,6% em
2010 [Duarte (2012)].
Esses números revelam o grande mercado interno brasileiro, que é em grande
parte abastecido por bens TICs montados localmente, mas com bastante conteúdo
importado de componentes, partes e peças. Para tentar sintetizar esse panorama
produtivo da última década, o Gráfico 4 exibe uma compilação de dados da balança comercial – com dados da Secretaria do Comércio Exterior (Secex) – e da produção local – com dados da PIA/IBGE.20
20
Na PIA/IBGE foram consideradas apenas as empresas com mais de trinta funcionários das CNAEs 1.0 (24.96, 30.12, 30.2, 32.2,
33.4, 32.1, 32.3, 33.2, 33.3 e 33.5) e CNAEs 2.0 [C 26, exceto 26.6 (equipamentos médicos)]. A exclusão dos equipamentos
médicos se deve à dificuldade de compatibilizar as diferentes classificações da CNAE 1.0 e 2.0.
65
COMPLEXO ELETRÔNICO
GRÁFICO 4 QUADRO MANUFATUREIRO DO COMPLEXO ELETRÔNICO
GRÁFICO 4A BALANÇA COMERCIAL TICS (EM US$ BILHÕES)
26,5
30
25
(23,5)
20
15
10
5
3,0
2,5
4,9
6,3
(10,5)
0
02
03
04
05
Importações
06
07
Déficit total
Exportações
08
09
10
11
Déficit componentes
GRÁFICO 4B RECEITA BRUTA E AGREGAÇÃO DE VALOR TICS (EM R$ MILHÕES)
43,7
56,6
31%
34,7
23%
01
Receita TICs
02
03
VTI/receita TICs
04
05
06
07
08
09
66
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 4C PARTICIPAÇÃO DA AGREGAÇÃO DA INDÚSTRIA TICS NO BRASIL
5,5%
2,5%
01
02
03
2,5%
04
05
06
07
08
09
VTI (% TICs sobre a indústria de transformação)
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de PIA/IBGE e Secex.
Percebe-se, analisando a balança comercial, um profundo agravamento do déficit do setor, como já abordado. O problema não consiste tanto no lado da importação, que é inerente à cadeia global do setor – a título de comparação, países
superavitários em TICs, como Alemanha, China e Japão, importam mais de US$ 50
bilhões –, mas na quase inexistência da fabricação local de componentes, na baixa
agregação local de valor e no fraco e declinante desempenho exportador.
Segundo dados da PIA/IBGE compilados pelo BNDES e reproduzidos na Figura 3,
entre 2001 e 2009 esse grupo de empresas de componentes eletrônicos, equipamentos de telecomunicações, informática, eletrônica de consumo e automação industrial obteve crescimento de receita de cerca de 14% acima do PIB, atingindo
cerca de US$ 57 bilhões de faturamento e cerca de 140 mil empregados – ante
11 mil em 2001. Contudo, houve perda de participação da agregação de valor
da manufatura eletrônica tanto quando comparada à realizada pela indústria de
transformação brasileira – o percentual do Valor da Transformação Industrial (VTI)
de TICs caiu de 5,5% em 2001 para 2,5% em 2009 –, como quando comparada ao
crescimento de suas receitas.
COMPLEXO ELETRÔNICO
67
FIGURA 3 QUADRO PRODUTIVO DO COMPLEXO ELETRÔNICO (2009)
64 EMPRESAS COM
TECNOLOGIA NACIONAL
R$ 3 BILHÕES*
446 EMPRESAS
COM PPB
R$ 24 BILHÕES*
667 EMPRESAS
TICS HARDWARE**
R$ 57 BILHÕES
35 MIL EMPRESAS
INDÚSTRIA BRASILEIRA
DE TRANSFORMAÇÃO
R$ 1.910 BILHÕES
Fontes: PIA/IBGE (2009) e Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI/Sepin).
* Faturamento de produtos com Certificado de Tecnologia Nacional (Portaria MCT 950/06) e PPB, respectivamente.
** PIA/IBGE no CNAE 26 (exceto 26.6); empresas com trinta ou mais funcionários.
Dos R$ 57 bilhões faturados por empresas de hardware de TICs no país em 2009,
cerca de 40% (R$ 24 bilhões) foram referentes a produtos que atendem ao PPB e
5% (R$ 3 bilhões) a produtos com certificado de tecnologia nacional (Portaria MCT
950/06), evidenciando a baixa participação de produtos desenvolvidos no Brasil na
oferta local de bens eletrônicos.
Cumpre ressaltar que o faturamento total das 446 empresas beneficiárias da Lei
de Informática (LI) foi de cerca de R$ 48 bilhões em 2009, valor em torno de 84%
do faturamento de todo o CE. Cerca de 48% dessas vendas advém de produtos com
PPB (R$ 24 bilhões).
Pode-se afirmar que a LI foi determinante para sustentar um relevante parque
fabril de TICs, gerando empregos, tributos21 e ajudando a construir marcas nacionais.22 No entanto, o crescimento do déficit comercial comparado ao avanço da produção local expõe a porosidade da cadeia produtiva do país. As principais razões
para tanto serão apresentadas e discutidas nos próximos tópicos.
21
A título de exemplo, cerca de R$ 5 bilhões de impostos federais foram recolhidos de beneficiárias da Lei de Informática, em 2010,
ante uma renúncia fiscal calculada em R$ 3,6 bilhões pela MCTI/Sepin.
22
Por exemplo, Positivo, Semp Toshiba, Itautec etc.
68
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I)
Além da competitividade e do valor agregado aos produtos e processos, o investimento em P,D&I é fundamental para o CE por auxiliar na fixação da produção local
e induzir o desenvolvimento de equipamentos fabris e elos anteriores da cadeia,
como a microeletrônica [Gutierrez (2010)].
Segundo dados da MCTI/Sepin, entre 2002 e 2010 as empresas da LI investiram
cerca de R$ 5,1 bilhões em P&D, dos quais 55% foram investimentos próprios das
empresas beneficiárias e o restante realizado por meio de convênios com Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) ou destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e programas prioritários.
GRÁFICO 5 EMPRESAS NA LEI DE INFORMÁTICA
160
126
4,0%
140
120
58
80
R$ MILHÕES
100
60
1,3%
40
20
98
99
Faturamento médio
00
02
03
04
05
06
07
08
09
10
P&D total/faturamento das empresas
Fonte: MCTI/Sepin.
Apesar do expressivo volume de recursos para atividades inovativas – em 2010
foram cerca de R$ 700 milhões –, o percentual desses investimentos sobre o faturamento vem decaindo com os anos, como mostra a Gráfico 5. Com o crescimento
das empresas especializadas em manufatura (CEMs), o porte médio das beneficiárias se elevou, mas as revisões realizadas na LI ao longo da década, flexibilizando o
COMPLEXO ELETRÔNICO
69
percentual de investimentos em P,D&I, tornaram o ritmo de crescimento dessas inversões inferior às elevações das receitas. Como se trata de um Complexo em que o
percentual de investimentos em P&D sobre a receita líquida nos EUA, por exemplo,
varia entre 4% (para equipamentos de TI) e 15% (para componentes estratégicos)
do faturamento [Nepelski (2011)], percebe-se que o patamar de 1,3% de investimentos em inovação precisa ser mais elevado no país.
Cumpre ressaltar que, nesse cenário de baixos investimentos em P&D, destacam-se positivamente as empresas de equipamentos de telecomunicações (excluindo celulares) e automação industrial (Tabela 4), tendo as primeiras investido em
média até duas vezes além do obrigatório pela LI, e as segundas 1,6 vez.
Outro aspecto importante a ser observado é que, em geral, a vinculação entre
obrigações de P,D&I e desenvolvimento, produção e exportação de bens não é direta. Em 2008, os gastos com desenvolvimento de hardware e processo produtivo
foram, respectivamente, de apenas 29% e 1% do total de obrigações nos investimentos próprios e 3% e 1% nos investimentos conveniados [Gutierrez (2010)]. Há
uma predominância de desenvolvimento de software e outras finalidades – como
treinamento, testes laboratoriais etc. – orientadas para o mercado interno, em especial para as multinacionais. Soma-se a isso, o fato de que parte significativa do
total das obrigações de P,D&I recai sobre as empresas de manufatura (CEMs) que
não desenvolvem produtos localmente.
TABELA 4 EMPRESAS E PRODUTOS COM PORTARIA MCT 950/06
Segmentos de mercado
Produtos
Part. %
Empresas
Part. %
TELECOMUNICAÇÕES
143
46,7
24
37,5
AUTOMAÇÃO
118
38,6
24
37,5
INDUSTRIAL
78
25,5
15
23,4
BANCÁRIA
12
3,9
3
4,7
COMERCIAL
11
3,6
2
3,1
SMARTGRID
17
5,6
4
6,3
INFORMÁTICA
35
11,4
13
20,3
EQUIP. MÉDICO-ODONTOLÓGICO
TOTAL
10
3,3
3
4,7
306
100,0
64
100,0
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de Diário Oficial da União apud MCTI.
70
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Parcela significativa dos recursos de P,D&I da LI são direcionados para ICTs. Em
recente estudo setorial do BNDES [Gutierrez (2010) são expostos números relativos
às ICTs e seu relacionamento com a indústria. Em 2008 havia cerca de trezentas ICTs
cadastradas em 21 estados.23
Apesar de existirem ICTs com orçamentos anuais superiores a R$ 10 milhões
que desenvolvem pesquisa de complexidade superior às realizadas pelas empresas, mais da metade do total de projetos conduzidos por ICTs obteve valores inferiores a R$ 40 mil e apenas 8% dos convênios (55% do valor total) eram superiores
a R$ 1 milhão.
Esses números revelam um elevado grau de dispersão de investimentos em
um momento da indústria em que os investimentos em P,D&I demandam progressivamente mais recursos, tornando fundamental a construção de uma agenda estratégica de inovação, com participação dos segmentos empresariais, ICTs e
órgãos do governo.
Recentes anúncios de investimentos de multinacionais em centros locais de P&D –
entre outras, GE, IBM, Cisco, Huawei, ZTE – devem ser considerados nessa agenda e
podem ser um sinal de início de alteração no quadro. Caso esses centros participem
da estratégia global dessas empresas, trata-se de um importante fenômeno para,
também, estimular a fixação de pesquisadores e cientistas no país.
Formação de recursos humanos
As empresas beneficiárias da LI vêm mantendo um percentual de pós-graduados
em torno de 8% – número equivalente ao restante da indústria de manufatura
[Salles (2011)].
A despeito do número de doutores trabalhando em TICs ter evoluído de cerca
de 1,1 mil em 2002 para 2,6 mil em 2010 [Duarte (2012)] – número significativo
se comparado ao crescimento de 40% entre 1998 e 2006 dos países da OCDE – e
apesar de o país estar crescendo a taxas superiores às dos EUA nesse quesito, ainda
se forma um doutor para cada cinco nos EUA. Também preocupa o fato de que o
23
Concentrados no eixo Sul-Sudeste.
71
COMPLEXO ELETRÔNICO
crescimento de doutores formados em engenharia foi inferior à média para todas
as outras disciplinas no Brasil entre 1998 e 2008 [CGEE (2010)].
O déficit de mão de obra (MO) para o setor de software e serviços de TI talvez
seja o mais evidente nesse cenário de escassez de MO. Segundo Brasscom apud
Exame (2012), em 2011 faltariam cerca de 92 mil profissionais na área.
Para um setor no qual a qualidade e oferta da MO é chave, apesar dos avanços
recentes, fica evidente que o Brasil necessita reforçar investimentos na área, podendo afetar a competitividade do país tanto pela falta quanto pelo encarecimento da MO existente.
Sistemas e equipamentos eletrônicos
Nos últimos anos, algumas das oportunidades que surgiram para o desenvolvimento da indústria de equipamentos e sistemas eletrônicos local foram aproveitadas; em outras, as ameaças prevaleceram em forma de desnacionalização ou
desindustrialização.
GRÁFICO 6 BALANÇA COMERCIAL DE SISTEMAS E EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS (US$ MILHÕES)
GRÁFICO 6A INFORMÁTICA
7
6
4,18
5
4
(3,8)
2
1,33
3
0,17
0,36
1
02
Importações
03
04
Exportações
05
06
07
Saldo/déficit
Fonte: Elaboração BNDES e Abinee (Automação Industrial), com base em dados de Secex.
08
09
10
11
72
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
6,65
GRÁFICO 6B TELECOMUNICAÇÕES
6,09
7
6
5
3,57
(5,0)
4
1,32
2
1,55
3
1
02
03
Importações
04
Exportações
05
06
07
08
09
10
11
Saldo/déficit
GRÁFICO 6C AUTOMAÇÃO INDUSTRIAL
7
6
5
2,98
4
3
(2,6)
0,36
0,07
1
0,78
2
02
Importações
03
04
Exportações
05
Saldo/déficit
06
07
08
09
10
11
COMPLEXO ELETRÔNICO
73
GRÁFICO 6D ELETRÔNICA DE CONSUMO
7
6
5
4
1,83
3
2
(1,6)
0,28
1
02
03
Importações
04
Exportações
05
06
07
08
09
10
11
Saldo/déficit
Fonte: Elaboração BNDES e Abinee (Automação Industrial), com base em dados de Secex.
Os desempenhos progressivamente negativos da balança comercial dos sistemas
e equipamentos eletrônicos (vide Gráfico 6) indicam um quadro adverso que não
contempla a parte mais grave do problema: os componentes – em especial, microeletrônica e displays.
Em equipamentos para telecomunicações, o crescimento do déficit se associa a
duas frentes. Em uma, os seguintes fatores enfraqueceram de maneira sistemática
as empresas com base tecnológica no país: (i) a perda do principal comprador (Telebrás), a concentração dos clientes (operadoras) que praticam compras globais, e
(ii) o porte relativamente pequeno das empresas nacionais com consequente incapacidade de realizar investimentos em inovação em compasso com os concorrentes
mundiais. Na outra frente, a consolidação dos fornecedores mundiais associada às
condições macroeconômicas brasileiras e à competição agressiva de empresas chinesas desencadeou uma onda de desinvestimentos fabris de multinacionais,24 que
passaram a focar mais em serviços em suas operações brasileiras.
24
Para citar, Alcatel Lucent, Nokia, Siemens e Nortel, entre outras, deixaram de investir na manufatura de equipamentos de
telecomunicações no país.
74
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Fenômeno semelhante ocorreu no único segmento cujo desempenho exportador é significativo, o de dispositivos celulares. No início da década de 2000, o país
chegou a obter saldos positivos na balança comercial nesse segmento, mas perdeu
posição de destaque com a entrada da tecnologia 3G e, de forma mais aguda, com
a proliferação dos smartphones e o enfraquecimento de grandes exportadores –
como a Nokia, Motorola e Siemens. O início da fabricação de iPhones no país, em
2011, pode servir de alento para esse quadro.
Ainda no segmento de telecomunicações, uma grande oportunidade de formar
uma indústria de equipamentos de radiodifusão baseada no padrão nipo-brasileiro
de TV digital não foi aproveitada como esperado. Apesar da bem-sucedida difusão
do padrão Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial (ISDB-T) por quase
todos os países da América do Sul, alguns da América Central, do Japão e das Filipinas, os poucos fabricantes com tecnologia nacional que se formaram não conseguiram acessar as grandes radiodifusoras e, ou foram adquiridos por empresas
estrangeiras, ou não foram empresarialmente bem-sucedidos.
No segmento de informática, a popularização de computadores, notebooks,
netbooks e tablets, combinada com a desoneração do PIS/Cofins da Lei do Bem,
tanto beneficiou empresas nacionais – como Positivo (líder em desktops) –, quanto
atraiu ou fortaleceu a fabricação local de diversas multinacionais – como HP, Acer,
Samsung, Asus e, mais recentemente, Apple. Do ponto de vista da cadeia de suprimentos local, destaca-se a manufatura de discos rígidos pela Samsung em Manaus.
Ainda no segmento de Informática, o segmento de automação bancária e
comercial apresenta as mesmas dificuldades competitivas do CE, mas segue com
empresas como a Bematech, Itautec, Digitel desenvolvendo e exportando produtos do Brasil.
Semelhante cenário percorreram, nos últimos anos, as empresas de automação
industrial, segmento de maior agregação relativa de valor na cadeia de TICs – conforme mostrado no Gráfico 7. Empresas da época da reserva de mercado (como
Altus, Elo e Nansen) coabitam o mercado brasileiro com empresas nacionais nascentes, alvos de aquisições de multinacionais, progressivamente mais interessadas
no mercado local.
75
COMPLEXO ELETRÔNICO
GRÁFICO 7 SISTEMAS E EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS
GRÁFICO 7A RECEITA BRUTA (R$ BILHÕES)
80
70
60
50
40
30
20
10
01
02
Automação industrial
03
04
Eletrônica de consumo
05
Informática
06
07
08
09
Telecomunicações
GRÁFICO 7B PARTICIPAÇÃO NO VTI DE TICs
100
80
(%)
60
40
20
0
01
02
Automação industrial
03
04
Eletrônica de consumo
05
Informática
06
Telecomunicações
07
08
09
76
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 7C AGREGAÇÃO DE VALOR (VTI/RECEITA BRUTA)
45
40
(%)
35
30
25
20
15
01
02
Automação industrial
03
04
Eletrônica de consumo
05
Informática
06
07
08
09
Equipamentos de telecomunicações
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de PIA/IBGE.
Concentrado em Manaus, o segmento de eletrônica de consumo cresceu em
compasso com a demanda interna, mas com significativa fragilização da cadeia
local de suprimentos. A concentração de funções na microeletrônica e a mudança
tecnológica de cinescópios para LCDs provocou especial desindustrialização nesse
segmento. No plano competitivo, destaca-se ainda a entrada de empresas coreanas (LG e Samsung), que rapidamente se tornaram líderes em diversos mercados.
Fornecedoras de cerca de 50% da produção mundial de displays – principal insumo
dos televisores –, e com uma estratégia agressiva de entrada no mercado, estas empresas reduziram as margens e deslocaram fabricantes nacionais e multinacionais
então líderes, como a Semp Toshiba, Philips, entre outras.
Componentes estratégicos
Posicionado como prioridade nas políticas tecnológicas e industriais citadas anteriormente (assim como a promulgação de legislação específica do Padis), o quadro
produtivo tanto de microeletrônica quanto dos displays revelou uma evolução importante, conforme exposto na Figura 4.
COMPLEXO ELETRÔNICO
77
FIGURA 4 EVOLUÇÃO DO SETOR DE COMPONENTES ELETRÔNICOS ESTRATÉGICOS
Esforços do governo
POLÍTICA INDUSTRIAL
(PITCE ‘03-’07):
CI TORNA-SE
UMA PRIORIDADE
1999
LANÇAMENTO
DO PROGRAMA
CI BRASIL
2003
FREESCALE INICIA
OPERAÇÃO DE
DH NO BRASIL
2005
PADIS: LEI
ESPECÍFICA,
PARA CI E
DISPLAY
POLÍTICA INDUSTRIAL
(PDP ‘08-’10):
CI E DISPLAYS PRIORITÁRIOS
2007
FUNDAÇÃO
DO CEITEC
SMART INICIA
OPERAÇÃO DE
DRAM BACK-END
Setor produtivo
HANNA MICRON
ANUNCIA JV
COM TEIKON
POLÍTICA INDUSTRIAL
- PLANO BRASIL
MAIOR (‘11-’14):
CI E DISPLAYS C/ PRIORIDADE
2009
2011
PHILIPS INICIA
OPERAÇÃO DE
BACK-END DE
DISPLAYS
GEMALTO INICIA
BACK-END DE CHIPS
DE MEMÓRIA
CONTRATAÇÃO
DA OPERAÇÃO
SIX
FOXCONN ANUNCIA
INVESTIMENTOS
EM DISPLAYS
Fonte: Elaboração própria.
A americana Smart iniciou uma operação de encapsulamento e testes de memórias em 2005 e passará a ter a companhia nesse mercado da HT Micron – joint
venture entre a coreana Hanna Micron e a gaúcha Teikon com operação futura em
São Leopoldo (RS).
Em 2007, com o objetivo de formar mão de obra e dominar o ciclo tecnológico
completo da fabricação de chips, o governo fundou o Ceitec, empresa estatal que
dispõe de uma equipe de design de circuitos integrados (CIs) e de uma planta de
manufatura com entrada em operação prevista ainda para 2012. Com capacidade
de manufatura algumas vezes superior, foi recém-contratado no BNDES, em 2012,
o projeto SIX, uma joint venture entre o grupo EBX, BNDES, IBM, BDMG, Matec e
WS-Intecs. Trata-se do projeto mais relevante no país em componentes estratégicos, com investimentos previstos em torno de US$ 580 milhões.
Complementam o quadro produtivo brasileiro pequenos e médios fabricantes de dispositivos de potência, como a alemã Semikron, que exporta cerca de
US$ 50 milhões, e a Gemalto, que realiza a etapa final de montagem de smart
cards no Paraná.
A área de design de CIs ganhou impulso depois do lançamento do programa
CI Brasil, responsável por conceder bolsas, infraestrutura de pesquisa e licenças
78
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
de software para o projetos de chips no país. Hoje existem cerca de vinte design
houses no país (das quais duas de empresas estrangeiras,25 cinco privadas nacionais e 13 públicas), com cerca de quinhentos projetistas. Alguns bons resultados
foram atingidos, até mesmo de alcance internacional – como a exportação de
IP blocks pela catarinense Chipus, a parceria entre a paulista Idea com uma das
maiores SIPs do mundo, a CEVA, e o desenvolvimento de premiados chips automotivos da filial brasileira da Freescale.26
Baseados em uma forte demanda interna, os displays também vêm atraindo
investimentos de algumas dezenas de milhões de dólares em back-ends (etapa final de montagem) por empresas estimuladas principalmente por exigência de PPB
específico para TVs e informática e incentivos regionais. Em 2011, o anúncio de
investimentos da Foxconn na área, que ainda se encontram em estudos, trouxe
grandes expectativas para que o país desenvolva o ciclo completo de produção
desse componente.
Software e serviços de TI entre 2001 e 2011
A evolução do mercado de software e serviços de TI é exibida no Gráfico 8. Entre
2005 e 2010, o crescimento observado no mercado brasileiro foi de 139%, bem
maior que a média mundial no período considerado, 33%.
Note que esses números não consideram os gastos internos de TI das empresas
(TI in-house), que somaram o valor de R$ 40 bilhões em 2010, cerca de duas vezes o
valor total do mercado (R$ 17,3 bilhões), ou três vezes o valor do mercado de serviços de TI. Esses números demonstram que ainda há espaço para mais terceirização
de funções para empresas especializadas.
25
A americana Freescale e STI Semiconductor Design (joint venture entre Toshiba, Semp e Instituto Von Braun).
Entre esses, o primeiro chip multicore automotivo para controle de injeção lançado no mercado mundial integralmente
desenvolvido no Brasil (incluindo módulos fundamentais e memórias) para atender a demandas de carros híbridos e injeção
direta e o microcontrolador para controle de tração Qorivva, que obteve desempenho três vezes superior aos resultados do então
benchmark de mercado.
26
COMPLEXO ELETRÔNICO
GRÁFICO 8 SOFTWARE E SERVIÇOS NO BRASIL*
GRÁFICO 8A MERCADO DE SOFTWARE E SERVIÇOS DE TI NO BRASIL (US$ BILHÕES)
20
17,3
18
+139%
16
14
12
10
8
7,2
6
4
2
2005
SW importado
2006
2007
SW para mercado interno
2008
Serviços de TI
2009
SW sob encomenda
GRÁFICO 8B SEGMENTOS DE SOFTWARE NO BRASIL (2010)
Exportação
2%
Segurança e armazenamento
18%
Aplicativos
30%
Infraestrutura
20%
30%
Ambiente de desenvolvimento
2010
79
80
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 8C SEGMENTOS DE SERVIÇOS DE TI NO BRASIL (2010)
SW sob encomenda
Exportação
12%
Treinamento
9%
Consultoria
3%
13%
Suporte
23%
24%
Integração de sistema
16%
Outsourcing
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de Relatório Abes.
* Não estão incluídos os números de ITES-BPO.
O mercado interno crescente foi um dos elementos que dificultaram um desempenho exportador mais agressivo, que responderam por 2% da produção local
de software e 12% de serviços de TI em 2010. Juntam-se a esse fator as condições
macroeconômicas desfavoráveis para exportação, a escassez de mão de obra para
atender inclusive ao mercado local, além da importância da internacionalização
prévia para gerar oportunidades de exportação.
O estabelecimento de operações no exterior de empresas nacionais abre janela
para exportação de serviços de TI de fornecedores que atendem às matrizes de multinacionais brasileiras. Por outro lado, para exportação de software produto é fator-chave estar próximo do cliente para concretizar vendas de produtos desenvolvidos no país.
Nesse aspecto, a atratividade do mercado brasileiro em um contexto de crise mundial e
de poucas empresas do setor com porte para atuar no mercado internacional e nacional simultaneamente resultou em um crescimento de exportações aquém do esperado.
Apesar de ainda haver poucos players nacionais de grande porte, os movimentos de consolidação foram muito intensos nos últimos anos. Dentre as consolidadoras, destacaram-se Totvs e Linx (em software produto) e Stefanini, Tivit e CPM Braxis
(em serviços de TI).
COMPLEXO ELETRÔNICO
81
Esses processos de consolidação em um mercado em expansão acelerada atraíram
a atenção de investidores internacionais. Fundos de private equity e multinacionais adquiriram empresas como Tivit, Politec, CPM Braxis, Atos e Sonda. Movimento semelhante ocorre com o crescente interesse de venture capital tanto de
multinacionais do setor de TICs quanto de fundos independentes, que aportam
no Brasil em busca de empresas criativas e promissoras. Vale ainda destacar o estabelecimento de centros de P&D para desenvolvimento de sistemas e softwares
voltados para aproveitar oportunidades em setores em expansão, como o de Petróleo e gás, Mineração, Grandes eventos esportivos, Cidades inteligentes, entre
outros, bem como o fortalecimento de captive centers de operações brasileiras –
por exemplo, IBM.
O mercado de software produto, observando por segmentos, pode ser dividido em aplicativos, infraestrutura e ferramentas. O Brasil segue com diminuto
desenvolvimento nas duas últimas modalidades, uma vez que não são necessárias
adaptações para venda de software estrangeiro no mercado local. Por outro lado,
as especificidades locais auxiliaram o país a desenvolver uma competitividade no
segmento de aplicativos, como softwares de gestão empresarial (ERP, BI e CRM).
Essa especialização ocorreu com mais intensidade em algumas verticais setoriais,
como o setor bancário e o varejo. Empresas como as já citadas Totvs e Linx, além das
que embarcam software, como a Bematech, conseguiram uma posição de destaque
e já iniciaram um processo de internacionalização.
Como se pode perceber ainda no Gráfico 8 a maior parte do mercado local de
serviços de TI é referente a serviços profissionais. Descontando a parcela exportada, consultoria, integração de sistemas e desenvolvimento de software respondem por cerca 50% do total dos serviços prestados no país. Suporte, terceirização e treinamento respondem pela outra metade. Com o avanço da terceirização
na última década houve um crescimento rápido de empresas brasileiras e filiais
de multinacionais no país. Com IBM, Accenture e EDS, se fortaleceram empresas
como Stefanini, Tivit, CPM Braxis, Politec, com faturamentos próximos ou superiores a R$ 1 bilhão.
82
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
4 . O A POIO D O B N D ES
Desde o lançamento do Fundo de Desenvolvimento Tecnológico (Funtec), em 1964,
quando financiou de forma não reembolsável a formação de recursos humanos em
ciências básicas e aplicadas e investimentos em P&D de empresas, o apoio do BNDES
para o desenvolvimento do CE vem ocorrendo não só do ponto de vista financeiro,
mas também – e talvez de maneira tão importante quanto – do ponto de vista institucional. Além de participar ativamente da formulação e execução da PITCE, PDP
e PBM, na última década o Banco auxiliou na articulação com o setor privado para
formulação de políticas e investimentos em setores estratégicos, fomentou importantes consolidações e fortaleceu empresas do setor.
GRÁFICO 9 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA O COMPLEXO ELETRÔNICO
GRÁFICO 9A COMPLEXO ELETRÔNICO (CE) – DESEMBOLSO BNDES (R$ MILHÕES)
2.750
2.500
2.250
2.000
1.750
1.500
1.250
1.000
750
500
250
01
Investimentos
02
03
Capitalização
04
05
Inovação
06
Exportação
07
08
Capital de giro
09
10
Comercialização
11
COMPLEXO ELETRÔNICO
83
GRÁFICO 9B COMPLEXO ELETRÔNICO (CE) – PARTICIPAÇÃO POR SEGMENTO (DESEMBOLSO)
100
90
80
70
(%)
60
50
40
30
20
10
0
01
02
03
Componentes
04
05
06
07
08
09
10
11
Software e serviços de TI
Equipamentos eletrônicos
GRÁFICO 9C DESEMBOLSOS BNDES PARA O CE
10,0
3,0
2,5
8,0
2,0
1,5
(%)
(%)
6,0
4,0
1,0
2,0
0,5
0,0
0,0
01
02
03
04
% investimentos das empresas de HW
05
06
07
08
09
10
11
% desembolso TICs/total BNDES
Fonte: BNDES.
No tocante aos recursos financeiros, no Gráfico 9 se mede a evolução dos desembolsos do Banco para o CE ao longo dos últimos anos. Depois de um ano de crise, em 2010 os desembolsos superaram R$ 2 bilhões, representando menos de 1%
84
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
do total liberado pelo BNDES. De fato, o peso histórico do setor no Banco poucas
vezes foi superior a 2% desde a década de 1980.
A participação do Banco nos investimentos da indústria de hardware oscilou
entre 1 e 9% na última década. Como os bens de capital para a indústria de TICs
são em sua quase totalidade importados, o alcance da atuação do Banco nos investimentos do setor se torna limitado. Por outro lado, o apoio para a comercialização
e a exportação de bens TICs produzidos no país responde por cerca da metade dos
desembolsos do Banco para o setor.
Cumpre ressaltar o aumento dos desembolsos para inovação e a crescente participação do segmento de software e serviços nas operações do Banco.
SISTEMAS E EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS
Em face do crescimento e consolidação mundial do setor de equipamentos/sistemas
eletrônicos, a ação na década de 2000 foi estrategicamente voltada para fomentar
o desenvolvimento local de tecnologia, o apoio a grupos empresariais nacionais e
a exportação de bens fabricados no país. Para tanto, o Banco lançou mão das diferentes linhas de exportação, participação acionária, investimentos e inovação.
Para impulsionar a inovação em eletrônica no país, o Banco estabeleceu condições diferenciadas para financiar a aquisição de bens com tecnologia nacional em
parceria com o MCTI, que emite o certificado de tecnologia nacional por meio da
Portaria MCT 950/06. Inicialmente circunscrita à aquisição de equipamentos de telecomunicações de operadoras financiadas pelo Banco, as condições diferenciadas
de financiamento atingem hoje a todas as empresas inseridas na Lei de Informática
por meio do Programa de Sustentação de Investimentos para Bens de Capital (PSI
Bens de Capital), que dispõe de uma das melhores taxas entre as linhas do BNDES.
Os investimentos locais foram apoiados pelas linhas tradicionais do Banco –
como o Finem, BNDES Automático e Finame – e programas específicos, como o
PROTVD – destinado a incentivar a implantação do padrão brasileiro de TV digital – e o PSI Bens de Capital, que apoiou a aquisição de bens de capital, incluindo
aqueles com PPB.
COMPLEXO ELETRÔNICO
85
O apoio à exportação foi e ainda está vinculado principalmente à produção de
aparelhos celulares no país, mas também é acessado por empresas que desenvolvem tecnologia nacional, como os fabricantes de equipamentos de telecomunicações e automação – entre outros, Padtec, AsGa, Altus.
COMPONENTES ESTRATÉGICOS
Para apoio ao desenvolvimento do segmento de componentes estratégicos o Banco promoveu estudos setoriais e participou ativamente das ações de atração de
investimentos do exterior e da estruturação de projetos nessa área. Para incentivar
os projetos de desenvolvimento tecnológico de microeletrônica e displays, o BNDES
utilizou a sua linha mais nobre e não reembolsável, o Funtec, com cerca de R$ 80
milhões contratados entre 2007 e 2011.
De maneira mais decisiva, o Banco foi ator-chave nos dois projetos que envolvem o ciclo completo de manufatura de circuitos integrados – a estatal Ceitec e a
SIX. O apoio ao Ceitec ocorreu tanto no desenvolvimento de projetos de CIs quanto
em investimentos fabris.
Na SIX, que conta com tecnologia e parceria estratégica da IBM e capacidade fabril
algumas vezes superior ao Ceitec, a participação do Banco foi ainda mais afirmativa.
Além de financiar os investimentos fabris, o BNDES compõe o bloco de controle da
empresa, que terá foco no desenvolvimento e fabricação de CIs próprios e de terceiros.
Trata-se da fábrica de microeletrônica mais avançada do hemisfério sul,27 configurando-se em um investimento âncora para as pretensões do país em Microeletrônica.
SOFTWARE E SERVIÇOS
No setor de software, o Banco aperfeiçoou o Prosoft em 2004 e 2007, com mudanças (entre outras) que expandiram a atuação do Programa para apoiar a indústria
de serviços de TI, importante segmento quanto à geração de empregos e agrega-
27
Com tecnologia de 130 e 90 nanômetros e processo fabril Complementary Metal Oxide Semiconductor (CMOS).
86
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
ção de valor local. Os desembolsos entre 2001 e 2011 do BNDES para esse setor
alcançou R$ 3,3 bilhões.
O Prosoft Empresa, principal modalidade de apoio a esse segmento, totalizou
um desembolso de cerca de R$ 1,6 bilhão na última década. Cerca de somente 16%
das operações realizadas foram destinadas para empresas grandes, comprovando,
por um lado, que a vocação de atuação da linha é para MPMEs, uma vez que o
setor é estruturalmente pulverizado, mas, por outro, a necessidade de persistir na
formação empresas de maior porte.
O Cartão BNDES complementou a atuação do Prosoft Comercialização ao
promover a difusão dos softwares desenvolvidos no país para MPMEs. Entre
2001 e 2011 o Banco financiou a comercialização de cerca de R$ 302 milhões em
softwares nacionais.
A atuação direta da BNDESPAR foi importante para o fortalecimento empresarial – com cerca de R$ 425 milhões de aportes – e decisiva para formar a Totvs,
oitava maior empresa de software ERP do mundo. Ademais, cerca de R$ 38 milhões
foram desembolsados para empresas desse segmento por meio de fundos dos quais
o Banco é cotista.
5. QUADRO ATUAL E PERSPECTIVAS DO SETOR
As questões levantadas, nas seções anteriores, que condicionam a competitividade
brasileira em TICs, bem como sua capacidade de aproveitar as oportunidades e de
se defender das ameaças atuais e que se descortinam no futuro próximo, estão expostas sinteticamente na matriz SWOT28 do Quadro 1.
A despeito de existirem diferenças do quadro competitivo brasileiro nos diversos segmentos do CE, alguns elementos comuns são observados no quadro a seguir.
Do lado das forças, é possível destacar o mercado local forte e promissor, a capacidade produtiva local, a existência de mecanismos de estímulo diferenciados para
TICs e restritos nichos de mercado em que o país tem competitividade mundial.
28
Strenghts (forças), weaknesses (fraquezas), opportunities (oportunidades) e threats (ameaças).
COMPLEXO ELETRÔNICO
87
Por outro lado, as deficiências comuns também não são poucas. A dependência
de importações é elevada – em relação a tecnologia, insumos, componentes, partes
e peças –, a agregação de valor é, no geral, baixa e as exportações são tímidas. O
quadro produtivo é composto por empresas de porte significativamente menor que
seus pares no exterior, bem como é baixa a competitividade dos fatores de produção do país – entre outros, o custo e oferta de mão de obra qualificada e de infraestrutura. Há falta de agilidade em procedimentos alfandegários para o comércio
exterior e a cultura de investimentos em inovação e de apetite por riscos ainda está
aquém do desejado no quadro geral.
QUADRO 1 ANÁLISE SWOT DO COMPLEXO ELETRÔNICO BRASILEIRO
Forças
Forte atratividade do mercado interno brasileiro em todos os
segmentos TICs
Base instalada de empresas montadoras e desenvolvedoras de
software e serviços de TI
Existência de algumas marcas nacionais de referência no mercado
interno
Fraquezas
Elevada e crescente dependência de importações (partes,
componentes e tecnologia), exportações declinantes, baixa
densidade industrial e agregação de valor local
Baixa/virtual ausência de capacidade instalada de componentes
estratégicos (semicondutores e displays)
Segmentos com desenvolvimento de tecnologia nacional
Empresas nacionais de pequeno e médio portes com capacidade
limitada de investimento e acesso a clientes de grande porte
Capacitação em software embarcado e em segmentos de mercado
para software e serviços de TI (ex: setor financeiro, conteúdo,
celular, games, TV Digital etc.)
Fragilidade da “marca Brasil” no âmbito nacional e ausência de
reconhecimento internacional
Vantagens comparativas para software e serviços de TI: Fusohorário favorável, afinidade cultural com mercados compradores,
M.O. qualificada e versátil
Déficit na oferta e elevado custo da M.O. especializada quando
comparada a competidores internacionais
Mecanismos de estímulo existentes: Lei de Informática, Lei da
Inovação e Lei do Bem e arcabouço legal para exercício de poder de
compra (Decreto 7174/10 e Lei 12349/10) e encomendas tecnológicas
Oportunidades
Ampliação do peso relativo das TICs na economia: saúde, educação,
defesa, aeroespacial, bens de capital, automobilística etc.
Articulação afirmativa dos diversos instrumentos de política
existentes em torno de projetos estratégicos de governo – PNBL,
Cadeia e Petróleo e Gás, Inclusão Digital nas escolas, TV Digital,
Programas de e-gov etc.
Regulamentação/exercício efetivo do poder de compra do
Governo (inclusive encomendas tecnológicas) e poder regulatório
(contratos de concessão e leilões de frequência) para alavancar
indústria e tecnologias nacionais
Computação em nuvem, redes inteligentes e grandes eventos
esportivos: elevada demanda por TICs;
Crescente interesse da indústria de capital de risco mundial no país
Aversão ao risco por parte de empresas brasileiras
Investimentos em P&D: desarticulados, insuficientes, restritos a
nichos de mercado e com baixa interação academia-empresa
Deficiências de infraestrutura e agilidade alfandegária
Ameaças
Práticas comerciais agressivas por parte empresas de países
asiáticos, fortemente apoiadas por políticas governamentais de
fomento às TICs (incluindo China e Coreia)
Deterioração irreversível da base instalada – com impactos
profundos na geração de emprego, renda e nível de importações –
e das capacitações tecnológicas e empresariais acumuladas pelas
empresas brasileiras com marca própria
Risco de novas aquisições: estimulado pelo tamanho relativamente
pequeno das empresas nacionais associado à alta atratividade do
mercado brasileiro e políticas de incentivo ao conteúdo local
Tendências tecnológicas e novos modelos de negócio podem
mudar o mercado e a dinâmica da concorrência
Fonte: Elaboração própria.
Contudo, a próxima década guarda relevantes oportunidades para a indústria
se alavancar no país. Em adição ao crescimento natural de uma indústria ainda jo-
88
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
vem que aprofunda sua penetração em diversos setores da economia, os diversos
investimentos que serão realizados no país pelo Governo – educação, saúde, melhoria de gestão etc. – e pela iniciativa privada – petróleo e gás, redes inteligentes,
computação em nuvem, entre outros – são promissores e vêm atraindo o interesse
de diversos fundos de risco voltados para o setor. O uso do poder de compra governamental e instrumentos regulatórios poderão desempenhar papel-chave no
desenvolvimento tecnológico e produtivo local.
O não aproveitamento dessas oportunidades vai se tornar uma grande ameaça,
na medida em que países asiáticos e desenvolvidos continuam e, até aprofundam
em decorrência da crise, suas políticas de apoio ao setor. Não diferentemente, surgem polos alternativos à Índia de países em desenvolvimento para ocupar espaço
relevante na exportação de software e serviços de TI.
6 . P ROPOSTA S PA R A O R I EN TA Ç Ã O
DE POLÍTICA S E A Ç Ã O D O B N D ES
PROPOSTAS PARA ARTICULAÇÃO DE ESFORÇOS PÚBLICOS
Disseminação e exercício do poder de compra público e privado
Tal como em qualquer país que desenvolveu seu CE no mundo, faz-se mister utilizar
o poder de compra do governo e das agências reguladoras para conferir preferência de compra para bens TICs produzidos/encomendados no país e, também na
medida do possível, com tecnologia nacional. Esse instrumento deve ser utilizado
com inteligência, de forma a encontrar um equilíbrio ótimo entre incentivo ao conteúdo local e acesso a bens TICs com preços e qualidades adequadas por parte de
governos e concessionárias de serviços públicos.
Apesar de existir instrumento legal em TICs para tal (Decreto 7.171/10) que
confere preferência para bens brasileiros, a aplicação do poder de compra vem sendo tímida por parte do governo. Por outro lado, o instrumento mais afirmativo, a
Lei 12.349/10 ainda será regulamentada, tornando importante fazê-lo com margem
de preço adequada para estimular a produção e desenvolvimento das TICs no país.
COMPLEXO ELETRÔNICO
89
Por fim, para que esses dispositivos obtenham efeito prático para preferência
de software e serviços desenvolvidos no país, é fundamental concluir o certificado
de tecnologia nacional para esse segmento.
Agenda estratégica para investimentos de P,D&I
Com quase R$ 1 bilhão de investimentos anuais direcionados pela Lei de Informática para TICs, parece que a questão principal da inovação no setor está mais para a
forma como os recursos são usados do que o volume de recursos disponibilizados.
Esforços de articulação público-privados e um aperfeiçoamento na Lei de Informática a fim de canalizar recursos de P&D para as atividades-fim das empresas e/ou
para componentes estratégicos – com o objetivo de adensar a cadeia produtiva – são
algumas das ações que podem potencializar os esforços de P&D no setor em uma
agenda estratégica de inovação na área.
Formação de RH
O baixo desempenho/interesse de estudantes do ensino médio em ciências exatas e
o déficit de formação de pós-graduados, engenheiros e técnicos para as diferentes
áreas de TICs é preocupante. Ações articuladas entre governo e iniciativa privada –
MCTI, MEC, agências de fomento, associações de classe, entidades empresariais etc. –
devem ser perseguidas para se quebrar o círculo vicioso de baixa disponibilidade de
mão de obra versus baixa inovação e competitividade versus poucas oportunidades
de emprego qualificado.
Foco em nichos de escala média e alto valor agregado
A opção por competir no plano mundial em produtos de elevada escala ou baixos
custos de operação parece pouco promissora para o país, considerando a perspectiva das condições desfavoráveis do câmbio, o distanciamento da cadeia de fornecimento cada vez mais deslocada para a Ásia, entre outras vulnerabilidades já
citadas. Essa avaliação se estende a todos os segmentos do CE, tanto a Sistemas e
equipamentos eletrônicos – em que a competição com a China é voraz –, quanto
aos Componentes estratégicos – com barreiras de entrada significativas nos seg-
90
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
mentos intensivos em escala (por exemplo, processadores, memórias e displays) – e
a serviços de TI – em que o custo da mão de obra é fator-chave em serviços cuja
competição é baseada em preço. Apesar de atraírem a produção para o país, os
mercados de elevados volumes revelam progressiva dificuldade em se voltarem estrategicamente para o mercado global.
A existência de empresas com tecnologia nacional em nichos de médio volume –
em especial, automação industrial, equipamentos de rede de telecomunicações e
médicos – e os investimentos na SIX, voltados para mercados intermediários em
volume e sofisticação tecnológica, parecem corroborar esse diagnóstico.
Soma-se a esses argumentos o fato de que, do ponto de vista da manufatura,
a eletrônica de mercados de massa (notadamente os dispositivos de acesso de informática/telecomunicações/bens de consumo) é de fácil deslocamento produtivo
e, considerada a tendência de compactação dos componentes, tende a gerar pouco
valor agregado local.
Diferenciação do apoio para bens com tecnologia nacional
Em razão da redução estrutural da agregação de valor da manufatura das TICs,
torna-se imperativo o apoio diferenciado para bens eletrônicos e softwares desenvolvidos no país. Atualmente a diferenciação de incentivos – fiscais, financiamento,
poder de compra etc. – entre bens com PPB e importados é superior à diferenciação
para bens com tecnologia nacional e bens somente com PPB. Um ajuste nesse quadro, a fim de privilegiar a tecnologia desenvolvida no país, serviria como estímulo
não apenas para empresas nacionais investirem mais em inovação, mas para atrair
centros de P&D de multinacionais.
Articulação de esforços para adensar a cadeia de
componentes estratégicos
A manufatura de componentes eletrônicos tem um enorme desafio de superar a
competitividade de uma cadeia de suprimentos já instalada, azeitada e cada vez
mais concentrada na Ásia. Tendo em vista os investimentos a serem realizados nos
elos comandantes da cadeia de SIX, Ceitec e, possivelmente, a Foxconn, é funda-
COMPLEXO ELETRÔNICO
91
mental que o poder público seja ágil para corrigir as deficiências logísticas, aduaneiras e tributárias, para que seja possível tornar esses empreendimentos competitivos em escala mundial e fomentar a atração dos elos a montante da cadeia de
semicondutores e displays.
Consolidação das DHs e fortalecimento de modelo privado
em projeto de CIs
Atualmente, existem mais de vinte design houses (DHs) no país. Não parece sustentável no longo prazo que se estimule a proliferação de DHs quando há uma
demanda restrita por projetos de CIs, fruto do fato de que poucas empresas de
equipamentos eletrônicos desenvolvem seus produtos no nível do CI no país.
Mais do que isso, há escassez de recursos para apoiar a infraestrutura destas pelo
Programa CI Brasil.
Nesse cenário de restrições, dispor de um modelo com a maioria de suas DHs
públicas – e, por conseguinte, potencialmente menos orientadas ao mercado – não
parece adequado para formar a massa crítica em conhecimento, volume de projetos e carteira de clientes mínima para se lançar ao mercado mundial. Dessa forma,
propõe-se que seja incentivada a consolidação das DHs e o modelo privado, para
que talentos treinados nas DHs públicas e multinacionais obtenham incentivos para
formar seu próprio negócio.
Estímulo ao desenvolvimento do padrão brasileiro de TV digital
A recente alteração de PPBs para TVs, obrigando que em 2013 pelo menos 30%
das TVs tenham o middleware do padrão ISDB-T Ginga embarcado, deverá criar um
amplo mercado para desenvolvedores de aplicativos para TV digital no Brasil. Com
uma base de televisores relevante, torna-se possível atrair as radiodifusoras para
desenvolver conteúdo interativo para seus telespectadores. Propõe-se que o governo siga incentivando a adoção do Ginga no país, em virtude das oportunidades até
mesmo de exportação que o padrão ISDB-T proporciona.
92
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
DESAFIOS PARA ATUAÇÃO DO BNDES
Lista-se a seguir um conjunto de desafios específicos para a atuação do Banco para
os próximos anos, tendo em vista as ações gerais já apresentadas às quais o BNDES
pode prestar especial apoio para formulação e implementação de ações concretas.
Complexo eletrônico
Agilizar a análise operacional: para apoiar um dos setores mais dinâmicos da
economia mundial, é fundamental o Banco buscar persistentemente reduzir o
prazo de análise de seus projetos.
Manter o fomento, a consolidação e o fortalecimento empresarial: também
de maneira permanente o Banco deve estimular a consolidação e o fortalecimento de empresas nacionais capazes de gerar escala suficiente para se
internacionalizarem, arcarem com os gastos crescentes de P,D&I, fortalecerem
a percepção da longevidade de suas atividades perante a grandes clientes,
entre outros benefícios.
Buscar alternativas para diferenciar de maneira afirmativa as condições para
aquisição de bens com tecnologia nacional (TN), em linha com a prática atual
conferida pelo BNDES PSI Tecnologia Nacional.
Reforçar o apoio à indústria de capital de risco voltada para TICs no país, até mesmo,
alternativamente, em parceria com o setor privado de fundos e o poder público.
Sistemas e equipamentos eletrônicos
De maneira ainda mais incisiva, o Banco deve considerar a possibilidade de
apoiar grandes investimentos em TICs (por exemplo, operadoras de telecomunicações) somente se determinada parcela significativa de bens com PPB e tecnologia nacional forem atingidas.
Componentes estratégicos
Flexibilizar condições para apoiar projetos em microeletrônica e displays, por
exemplo: (i) investimento de risco em start-ups e participação no bloco de contro-
COMPLEXO ELETRÔNICO
93
le das empresas; (ii) participação em operações internacionais, de forma a garantir a participação do Brasil no roadmap de produtos das multinacionais; (iii) linha
de financiamento diferenciada para aquisição de componentes estratégicos.
Estimular empresas nacionais a desenvolver projetos de CIs localmente.
Software e serviços de TI
Apoiar a atração de centros cativos (captive centers) para exportação.
Desenvolver alternativas de atuação indireta para ampliar o alcance do Prosoft.
7 . CON CLU SÕES
A última década ratificou que cada vez mais as TICs desempenham papel de grande importância no desenvolvimento das nações. Essa relevância se configura tanto
sob a ótica do acesso a bens TICs para uso, quanto para o domínio tecnológico por
indústrias progressivamente mais permeadas pela eletrônica.
Ao longo desses sessenta anos o BNDES exerceu um papel bastante relevante
do ponto de vista institucional e financeiro, cabendo citar, em caráter não exaustivo para os anos mais recentes, o apoio decisivo para investimentos produtivos em
circuitos integrados e fortalecimento de empresas de software.
Por se tratar de um setor extremamente dinâmico – que se presta como caso
clássico para a “destruição criativa” de Schumpeter –, com margens declinantes
para produção, faz-se mister que o Brasil persiga de maneira afirmativa e persistente a inovação. O mesmo afinco deve continuar a ser direcionado para a criação
do ecossistema de componentes eletrônicos – em especial, o de microeletrônica – e
para o setor de software, alicerces da economia baseada em silício.
O país vive um momento especial, em que diversas oportunidades de desenvolvimento no setor se abrem no futuro próximo. É fundamental que se aja com
inteligência, para que seja possível se apropriar do crescimento esperado da demanda, desenvolvendo-se tecnologicamente para, de forma concomitante, alcançar um papel relevante no mercado mundial. Do contrário, com a já citada difusão
94
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
da eletrônica, o ônus de não se fortalecer a competência em TICs no país recairá de
maneira cada vez mais intensa em diversos setores da economia.
Esse desenvolvimento tecnológico deverá ser orientado para onde o país tiver maiores chances de penetração. Uma vez que os segmentos de consumo de
massa – dispositivos móveis, eletrônica de consumo, microprocessadores etc. – são
de difícil catching up e considerando o encarecimento relativo do país – mão
de obra, energia, câmbio, entre outros –, direcionar esforços para competir em
produtos de escalas médias e maior valor agregado, por exemplo, equipamentos
de telecomunicações, automação, software e serviços de maior valor agregado,
semicondutores de aplicação específica (ASICs) etc., parece se configurar como a
melhor opção.
RE F E RÊN C IA S
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COMPLEXO ELETRÔNICO
97
Daniel Chiari Barros
Luciana Silvestre Pedro*
* Economistas do Departamento de Indústria Pesada da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem os comentários de Bernardo
Hauch Ribeiro de Castro, Haroldo Fialho Prates, Rafael Alves da Costa e Tiago Toledo Ferreira, eximindo-os de eventuais imperfeições
remanescentes. Este artigo é de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
99
RE S UMO
O presente artigo objetiva analisar, historicamente, a atuação do BNDES nas políticas de apoio ao setor automotivo brasileiro, destacando o papel dinâmico do Banco
nas ações de indução ao desenvolvimento. São descritas as principais políticas adotadas pelo BNDES em seus primeiros cinquenta anos de existência, analisando-as
em um contexto mais amplo de política industrial do governo. Posteriormente, é
feita uma análise mais detalhada do papel do Banco nos últimos dez anos – 2002 a
2011. Adicionalmente, os autores mostram uma mudança observada na atuação do
BNDES nos últimos anos, com priorização das políticas voltadas à inovação tecnológica. Essa mudança acompanha as tendências do setor automotivo e abre espaço
para a indução de rotas tecnológicas, o que traz novas possibilidades de apoio ao
setor pelo BNDES inseridas na lógica da política industrial do governo.
AB S T RA C T
This article aims to analyze, historically, the BNDES’ efforts in policies that support
the Brazilian automotive industry, highlighting the Bank’s dynamic role in inducing
development in the sector. It describes the main policies adopted by the BNDES
in its first fifty years, analyzing them in the broader context of governmental
industrial policy. Subsequently, the authors present an observed shift in the BNDES’
performance in recent years, prioritizing policies related to technical innovation.
This shift follows the trends in the automotive sector and allows for the induction
of new technological routes, which open up new possibilities of BNDES support for
the sector within the logic of governmental industrial policy.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
101
1 . INTR OD U ÇÃ O
A criação do BNDES, em 1952, durante o governo de Getúlio Vargas, esteve intrinsecamente relacionada à situação político-econômica do período, em que a infraestrutura e a industrialização, ainda incipientes e desorganizadas, precisavam se
expandir e se consolidar.
À época, o setor automotivo brasileiro era formado, essencialmente, por unidades de montagem associadas às matrizes internacionais, como Ford, Fiat e General
Motors (GM),1 e por um frágil segmento de autopeças. Não se realizava a fabricação de veículos2 propriamente dita, a não ser CKD,3 em decorrência da deficiência
de investimentos significativos no setor, principalmente de longo prazo.
A criação de um banco de desenvolvimento foi, nesse contexto, fundamental
para a estruturação e a implementação de políticas estratégicas de desenvolvimento industrial para o setor. O financiamento de projetos incentivou a formação e a
consolidação da indústria automotiva nacional, suprindo uma carência do mercado
de capitais no período. A partir de então, o papel do BNDES modificou-se e ainda
mantém seu caráter dinâmico, para se adequar às necessidades da indústria em
contextos e conjunturas distintas.
O presente artigo objetiva retratar e analisar a relevância do BNDES para o setor automotivo brasileiro ao longo dos seus sessenta anos. Além disso, é enfatizado
o caráter dinâmico do Banco, com a análise de possibilidades futuras de atuação,
identificação de tendências e prováveis rotas tecnológicas da indústria.
O texto está dividido em três seções, além desta introdução e das considerações
finais. A primeira descreve a atuação do BNDES nos seus primeiros cinquenta anos,
de 1952 a 2001. Os autores optaram por descrever esta primeira parte de forma sucinta e agregada, em virtude da existência de publicações anteriores que analisam
o mesmo período, como BNDES 50 anos: histórias setoriais [São Paulo e Kalache
1
Também estavam presentes a International Harvester, que atuava na montagem de caminhões, e a Studebaker, que se transformaria
em Vemag [Anfavea (2006)]. Em 1953, foi fundada a Volkswagen do Brasil.
2
Veículos compreendem automóveis, comerciais leves, ônibus e caminhões.
3
CKD (completely knock-down ou complete knock-down, em inglês) são conjuntos de partes de automóveis para exportação e
posterior montagem dos kits.
102 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Filho (2002)] e Indústria automobilística brasileira 50 anos [Anfavea (2006)]. Essas
duas publicações foram utilizadas como os principais referenciais teóricos para a
primeira seção. A segunda seção analisa o papel do BNDES no setor automotivo na
década de 2002 a 2011, incorporando os seus aspectos dinâmicos. É realizada, também, uma avaliação da série histórica de desembolsos do Banco para o setor. A terceira e última seção analisa as principais tendências do setor automotivo, incluindo
as possíveis rotas tecnológicas a serem adotadas nos próximos anos, e propõe medidas de atuação do BNDES, inseridas na política industrial do governo, para catalisar
o desenvolvimento do complexo automotivo brasileiro.
2 . A CR IA ÇÃ O D A I N D Ú S TR I A A U TO M O TI VA
B RA SILEIR A E O PA PEL I N D U TO R
DO B N D ES N OS S EU S PR I M EI R O S
C I N QU EN TA A N O S : 1952 A 2001
Em 1900, começaram a chegar os primeiros veículos importados ao Brasil. A primeira
linha de montagem começou a funcionar em 1919, com a Ford e o seu modelo T, ou
Ford Bigode. Em 1925, a GM entrou no mercado, seguida da Fiat, em 1928.
Em 1952, ano de criação do BNDE, as principais unidades automotivas instaladas no país montavam veículos a partir de kits importados, e a incipiente indústria
de autopeças era voltada ao mercado de reposição. No início da década de 1950,
os veículos respondiam por grande parte das importações brasileiras, chegando a
pouco mais de 15% delas. Eram importados mais de cem mil veículos por ano – 60%
desses eram caminhões –, enquanto as projeções apontavam para um crescimento
de dois dígitos do setor. O balanço de pagamentos, nesse contexto, era uma preocupação recorrente para o governo.
Ainda em 1952, foi criada a Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Automóveis, ligada à Comissão de Desenvolvimento Industrial4 (CDI) do governo de
4
A CDI tinha a função de estudar e propor medidas econômicas ligadas à política industrial. Foi formulado um Plano Geral de
Industrialização para o país, com a classificação das atividades industriais e a definição dos setores prioritários de atuação do
governo. A CDI foi extinta em 1954, com o fim do governo de Vargas, e ressurgiu em 1956, como Conselho do Desenvolvimento.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
103
Getúlio Vargas. De fato, essa ação pode ser considerada uma das primeiras para
o surgimento de uma política industrial efetiva direcionada ao setor automotivo
no Brasil. Juntamente com a criação da subcomissão, o governo proibiu de forma
progressiva a importação de autopeças com similar nacional e, em 1953, vetou a
entrada de veículos completos. Posteriormente, foi criada a Comissão Executiva de
Material Automobilístico, ligada à CDI.
A restrição a importações fez com que a Volkswagen, a Willys-Overland e a
Mercedes-Benz instalassem unidades de montagem no país sem, contudo, objetivar
grandes escalas [Santos e Burity (2002)]. A explicação para isso era, provavelmente,
a falta de investimentos destinados ao setor automotivo e também de uma política estruturada de incentivos governamentais, que começou a mostrar contornos
mais definidos a partir da década de 1950. Entretanto, a demanda por veículos era
crescente e estimulada pela predominância da malha rodoviária no país, em detrimento da ferroviária e da aquaviária.
Em 1956, Juscelino Kubitschek assumiu a presidência e lançou o Plano de Metas, que seria determinante para o desenvolvimento da indústria automotiva no
Brasil. O plano foi elaborado com base em estudos e diagnósticos de instituições,
como o então BNDE, e apontava diversos gargalos ou pontos de estrangulamento
estruturais da economia que deveriam ser superados. A substituição de importações desordenada seria a origem de algumas distorções observadas na indústria.
Uma das metas do plano era a consolidação da indústria automotiva brasileira, com
a redução paulatina e planejada da importação de veículos.
O Conselho do Desenvolvimento (CD), que coordenou o Plano de Metas, tinha, inicialmente, como secretário-executivo o então presidente do BNDE, Lucas Lopes, posteriormente substituído por Roberto Campos e Lúcio Meira. A coordenação dos investimentos do setor público era responsabilidade do BNDE. Para facilitar a execução das
metas no setor automotivo, foi criado em 1956 o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), que também contava com o apoio técnico do BNDE para a formulação e
a execução da política industrial. Os projetos automotivos da época (11 foram aprovados) passavam pela supervisão e pela aprovação do GEIA. O segmento de caminhões foi
priorizado pelo GEIA, em virtude da importância para o sistema de transporte de cargas.
104 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Concomitantemente, o governo criou mais mecanismos para conter importações, como cotas para componentes, incentivos cambiais e fiscais para a produção
local, além de um programa de nacionalização de peças. Em setembro de 1956,
foi lançado o Romi-Isetta, com 70% de conteúdo nacional, que pode ser considerado o primeiro carro de passeio brasileiro. Em 1956, os profissionais do setor
automotivo formaram a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
A importância dada ao setor automotivo no Plano de Metas é evidente, uma
vez que foi o único setor industrial definido como prioritário. Os demais setores
estavam ligados à infraestrutura.
A atuação do BNDE foi extremamente relevante para a consolidação da indústria automotiva brasileira. Diversos projetos que mudaram a história do setor
foram aprovados pelo Banco, como a Kombi, o primeiro veículo da Volkswagen
fabricado no país, que obteve financiamento no valor de 20% do valor do investimento. À época, o BNDE financiava o projeto de forma proporcional ao valor
de participação do capital nacional. O BNDE também financiou projeto da Fábrica
Nacional de Motores (FNM), em 1954, da Vemag, em 1958, e da Willys-Overland,
em 1959. Entretanto, os valores desembolsados para o complexo automotivo, que
inclui autopeças, ainda eram de 3,7% dos desembolsos totais entre 1956 e 1960.
Em 1957, registrou-se um volume de vendas de 30,9 mil veículos, que aumentou
para 96,7 mil em 1959 e para 190 mil em 1962. Entre 1960 e 1966, porém, as vendas
do setor automotivo se retraíram, acompanhando a política de restrição monetária
e redução do crédito. Os caminhões foram mais afetados, uma vez que são mais
sensíveis a flutuações econômicas do que os carros de passeio.
Em 1967, durante o governo de Costa e Silva, teve início o período que a literatura denomina de milagre econômico, em decorrência das elevadas taxas de
crescimento observadas, obtidas em grande parte por meio de financiamento externo. O setor automotivo cresceu a uma taxa anual média de 20% no período. Em
meio a uma expansão acelerada de demanda, propiciada em parte pelas facilidades
de crédito oferecidas, a Ford lançou o Galaxy 500 e adquiriu a Willys-Overland. A
Volkswagen, por sua vez, incorporou a Vemag.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
105
Juntamente com o movimento de consolidação observado, a frota de veículos
de passeio elevou-se bastante entre 1967 e 1973, em comparação com a de caminhões e ônibus, crescendo 13% ao ano contra 5%. Além disso, o setor automotivo
deixou de ser prioridade da política industrial, o que pôde ser observado no primeiro
e no segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). O setor foi beneficiado
pelas políticas gerais da indústria, que contemplaram diversos incentivos fiscais e
de exportação, mas não foi objeto de política específica.
Entre 1972 e 1974, a produção automobilística aumentou em quase 50%, ultrapassando a barreira dos 500 mil veículos produzidos – vendidos quase em sua
totalidade no mercado interno. A partir de então, com a crise mundial originada
pela súbita elevação dos preços do petróleo e a restrição de crédito, o setor passou
a apresentar redução das vendas e aumento da capacidade ociosa. Sem necessidade de investimentos em expansão, o BNDE buscou, então, melhorar as condições
de comercialização das autopeças no exterior, elevar a qualidade e a produtividade
das empresas, incentivar a pesquisa, bem como fortalecer suas estruturas de capital, inclusive capital de giro [Santos e Burity (2002)]. Em 1975, a Fiat inaugurou
uma fábrica de veículos em Betim (MG) e lançou o seu primeiro modelo no Brasil, o
Fiat 147. À época, as empresas multinacionais já dominavam o mercado brasileiro.
A crise mundial do petróleo, um fato marcante da década, propiciou a criação do
Programa Nacional do Álcool (Proálcool), em 1975, trazendo para o país a visão de
incentivar combustíveis alternativos, apoiada pelo BNDE, que financiou ativamente
a produção de etanol.
A atuação do BNDE durante o período foi significativa, com destaque para o
segmento de autopeças, veículos leves e pesados. Entre 1973 e 1976, mais de 25
projetos foram aprovados, financiando, entre outras, Arteb, Braseixos, Cofap, Máquinas Varga, Nakata e Tupy. A política de apoio contemplava o incentivo à comercialização de autopeças externamente, o fortalecimento das empresas de capital
nacional e o incentivo a pesquisas.
No que se refere a veículos pesados, o BNDE financiava fabricantes de implementos e de carrocerias de ônibus, predominantemente empresas de capital nacional. O Banco via como necessária a desverticalização e a formação de empresas
106 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
de grande porte, uma vez que a produção de chassis estava concentrada em uma
empresa estrangeira, a Mercedes. Foram apoiadas empresas como Ciferal, Iderol,
Marcofrigo, Randon e Recrusul. O BNDE também incentivou a produção de ônibus,
estimulando, principalmente, a capacitação tecnológica das empresas.
Os principais instrumentos do BNDE que beneficiavam o setor automotivo eram
a FINAME,5 criada em 1966, que já era um importante canal de apoio à comercialização de caminhões e ônibus pesados, e o Funtec, voltado ao desenvolvimento
tecnológico. O Banco também atuava fortemente na formulação de políticas de
apoio ao transporte coletivo e de carga. Uma medida importante nesse aspecto foi
a ampliação, em 1976, do financiamento à comercialização de chassis de ônibus
urbanos, adicionalmente ao apoio já concedido a chassis mais pesados.
Muitos avanços foram realizados no setor automotivo entre o ano de criação
do BNDE e o fim da década de 1970. Todavia, pode-se observar um lag na política
industrial específica voltada ao setor. As medidas não estavam inseridas em um
planejamento estratégico de longo prazo e, apesar de relevantes, não tiveram continuidade e eram sensíveis às alterações de governo. Talvez por isso não se tenham
desenvolvido grandes fabricantes de veículos de capital nacional. A despeito disso,
o papel do BNDE foi fundamental em um contexto de escassez de financiamentos
de longo prazo por parte do setor privado.
Em 1978, a indústria automobilística superou, pela primeira vez, a marca de um
milhão de veículos produzidos e, em 1979, a de um milhão de veículos vendidos.
No segmento de autopeças, observava-se que, das vinte maiores empresas do setor,
somente seis estavam sob o controle do capital nacional e menos de 10% das empresas filiadas ao Sindipeças6 respondiam por 75% do faturamento.
A década de 1980 foi marcada por estagnação econômica, crise da dívida externa e inflação alta e crescente. Em 1981, o país sofreu a primeira queda no PIB desde
1942, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Agravadas
por restrições de crédito e alto desemprego, as vendas de veículos sofreram queda
5
6
Agência Especial de Financiamento Industrial, subsidiária integral do BNDES.
Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
107
abrupta. Foram comercializados apenas 580,7 mil veículos, o que corresponde a
57,2% do recorde de vendas estabelecido em 1979. Nos anos seguintes, o mercado
absorveu entre 600 mil e 700 mil unidades, à exceção de 1986, ano de lançamento
do Plano Cruzado, em que as vendas ultrapassaram 866,7 mil unidades, segundo a
Anfavea. Somente em 1993, o mercado brasileiro alcançaria novamente a marca de
um milhão de veículos comercializados.
A criação da Autolatina, em julho de 1987, foi um acontecimento marcante da
década de 1980 e consistiu em uma joint venture entre a Volkswagen, que detinha
51% das ações da nova empresa, e a Ford, que possuía o restante das ações. Em um
cenário de mercado local e externo deprimidos, as empresas decidiram unir projetos, sistemas, compras, motores, peças etc., a fim de reduzir os custos de produção,
compartilhar tecnologias e ampliar escalas. Mantendo as marcas e as concessionárias próprias, foram desenvolvidos diversos produtos “gêmeos”, como o Volkswagen Apollo e o Ford Verona e o Volkswagen Santana e o Ford Versailles. A Autolatina enfrentou problemas por causa da concorrência das empresas em nível mundial,
que dificultava o intercâmbio de conhecimento, da falta de desenvolvimento da
rede de concessionárias e de uma marca única, além da instabilidade econômica
decorrente dos sucessivos planos para controlar a inflação. A Autolatina encerrou
suas atividades em 1994.
De acordo com a Anfavea, os investimentos no segmento de veículos no período de 1980 a 1989 somaram apenas US$ 5,1 bilhões e, segundo o Sindipeças,
os investimentos em autopeças totalizaram US$ 4 bilhões. O baixo investimento
realizado no período contribuiu decisivamente para a defasagem tecnológica que
a indústria automotiva mostrava no início da década de 1990. O diagnóstico do
setor apontava uma série de problemas, com destaque para a reduzida automação
e eficiência, a falta de competitividade internacional pela fabricação de modelos
defasados tecnologicamente e os altos custos de produção.
Com a progressiva abertura comercial ocorrida a partir de 1990, gerou-se
grande pressão por eficiência e redução dos custos. Diversas medidas governamentais foram editadas na década de 1990. O complexo automotivo voltou a ser
alvo de medidas específicas de política industrial, cruciais para as mudanças que
108 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
seriam observadas. Foram firmados acordos automotivos em 1992 e 1993, com
a participação de membros de entidades representativas dos trabalhadores, do
setor de autopeças, revendedores de veículos, montadoras e governo. Entre os
pontos acordados, destacam-se:
1.
redução nos preços dos veículos em 22% por intermédio da redução das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e das margens das montadoras, fornecedores de autopeças e concessionários;
2.
compromisso com a manutenção do nível de emprego até junho de 1992 (posteriormente prorrogado até julho de 1993);
3.
implementação de um programa de financiamento para aquisição de automóveis, caminhões, ônibus e tratores;
4.
estabelecimento de metas de produção de 1,2 milhão de veículos em 2003,
1,35 milhão em 1994, 1,5 milhão em 1995 e dois milhões em 2000;
5.
realização de investimentos para ampliação da capacidade produtiva e modernização do setor na ordem de US$ 20 bilhões até o ano 2000; e
6.
ampliação das parcelas financiadas pela FINAME para caminhões, tratores e
ônibus de 40% para até 60% [Anderson (1999)].
Cabe destacar, ainda, a busca pela modernização de gestão, organização e lo-
gística, que se estendeu inclusive aos fornecedores das montadoras. Observou-se
também um esforço de desverticalização das montadoras.
Em 1993, a indústria automobilística ultrapassou o recorde de vendas de 1979,
com 1,13 milhão de unidades vendidas. As vendas cresceram ano após ano até
1997, quando mais de 1,9 milhão de unidades foram comercializadas.
Em junho de 1995, foi instituído o Regime Automotivo Brasileiro,7 por meio da
Medida Provisória 1.024/95. Com o propósito de modernizar o parque industrial,
acelerar o investimento e ampliar a competitividade externa do setor, consolidando-o no Mercosul, abrangeu incentivos fiscais para as empresas que decidissem se
instalar no Brasil e incentivos diferenciados para aquelas que optassem por implan-
7
O Regime Automotivo Brasileiro foi reeditado várias vezes e convertido em lei em março de 1997 (Lei 9.449/97).
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
109
tar fábricas nas regiões menos desenvolvidas. O imposto de importação sobre veículos foi reduzido em até 50% para montadoras instaladas ou que tinham planos
de produção firmados no país. No caso de máquinas, equipamentos e ferramental,
entre outros itens, a redução foi de 90%. Também houve redução de IPI incidente
na aquisição de matéria-prima, partes, peças, componentes, conjuntos, subconjuntos e pneumáticos.
O Regime Automotivo ajudou a mitigar as incertezas existentes quanto ao
futuro do setor e estimulou o anúncio de uma série de investimentos em novas
fábricas no Brasil. Segundo Santos e Burity (2002), no período de 1996 a 19998
foram apoiados projetos de cerca de US$ 18 bilhões no âmbito do regime. Entre
1995 e 2002, os principais investimentos foram as novas fábricas de veículos da
Honda em Sumaré (SP), da General Motors em Gravataí (RS) e da Renault em São
José dos Pinhais (PR). Contando com a participação do BNDES,9 destacam-se as
novas plantas da Volkswagen Caminhões e Ônibus (atualmente MAN Latin América) em Resende (RJ), da Toyota em Indaiatuba (SP), da DaimlerChrysler, atual
Mercedes, em Juiz de Fora (MG), da Volkswagen-Audi em São José dos Pinhais
(PR), da Ford em Camaçari (BA), da Peugeot Citroën em Porto Real (RJ) e da Iveco
em Sete Lagoas (MG). Além das unidades produtoras de veículos, destaca-se o
surgimento de vários novos fornecedores, muitos inseridos em condomínios ou
consórcios industriais.
Vale destacar que os investimentos do período levaram à significativa desconcentração industrial. No início da década de 1990, os estados de São Paulo e Minas
Gerais eram responsáveis por quase toda a produção de veículos.
A partir de 1995, o BNDES passou a conceder apoio financeiro a empresas multinacionais, eliminando a distinção entre empresas de capital nacional e de controle de capital estrangeiro. Desde então, um dos setores que mais aumentaram
sua participação nos financiamentos do Banco foi o automobilístico, dominado por
montadoras multinacionais [Prates, Cintra e Freitas (2000)].
8
9
O Regime Automotivo vigorou até 31 de dezembro de 1999.
Com a integração das preocupações sociais à política de desenvolvimento, o BNDE passou, em 1982, a se chamar BNDES.
110 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Os investimentos realizados entre 1991 e 2001 foram de US$ 17,5 bilhões por
parte das montadoras e de US$ 11,9 bilhões por parte das autopeças, segundo a
Anfavea e o Sindipeças, respectivamente. No mesmo período, segundo Santos e
Burity (2002), os desembolsos do BNDES foram de US$ 2,1 bilhões para as montadoras e de US$ 1,5 bilhão para as autopeças. Entre os anos de 1997 e 2001, nos quais
os investimentos se concentraram, o Banco aprovou 11 projetos de montadoras de
veículos e cinco de fabricantes de motores (item importante por causa do considerável efeito sobre o restante da cadeia produtiva). Além disso, cerca de trinta empresas foram apoiadas, das quais oito eram novas no país e vinte estavam operando
com o BNDES pela primeira vez.
No tocante à FINAME, destaca-se a inclusão de caminhões e ônibus médios e
leves nos itens financiáveis. No caso dos ônibus, o apoio também foi estendido aos
micros. A fim de melhorar o transporte público, a FINAME conferiu condições mais
favoráveis para ônibus [Santos e Burity (2002)].
O Brasil vivenciou, portanto, uma mudança quantitativa e qualitativa muito relevante no complexo automotivo desde a criação do BNDES. Observaram-se
nítida evolução tecnológica, aumento na concorrência com a chegada de novos
players, significativo salto na produtividade e expressivo crescimento da capacidade produtiva e do mercado interno. O parque industrial modernizou-se e
diversificou-se, com considerável fortalecimento das empresas conhecidas como
sistemistas.10 Contudo, a análise do período evidencia a deficiência na coordenação e na continuidade das políticas industriais adotadas para o setor automotivo
desde a década de 1950, com um lag marcante principalmente nas décadas de
1960, 1970 e 1980. O timing na formulação de políticas públicas pode ser crucial
para o desenvolvimento de um setor, uma vez que existem janelas de oportunidades que se fecham com o tempo.
10
Empresas que fornecem sistemas ou conjuntos diretamente para as montadoras.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
111
3 . A N OVA FA SE D A I N D Ú S TR I A
AUTOMOTIVA B R A S I L EI R A : 2002 A 2011
CONTEXTO: 2002 A 2011
O setor automotivo nacional apresentou retração na produção e nas vendas no fim
da década de 1990, em um contexto de crises internacionais e de elevação das taxas
de juros e inflação no Brasil. As vendas de veículos ficaram estagnadas e, a partir de
então, os principais investimentos observados no setor foram direcionados, primordialmente, à modernização das fábricas ou a lançamentos de novos veículos, uma
vez que o nível de capacidade ociosa permanecia elevado.
Nesse contexto, no início dos anos 2000, era um desafio para a indústria manter
sua capacidade ocupada para reduzir os custos fixos e os prejuízos. O conceito e a
produção efetiva de veículos populares foram importantes para mitigar os efeitos
negativos que o setor automobilístico enfrentava. Também foi observado o aumento das exportações, que impulsionou a recuperação da indústria até 2003 [Goldenstein e Casotti (2008)].
A partir de 2003, a demanda voltou a se aquecer, impulsionada pela relativa estabilização da economia e pela redução progressiva das taxas de juros. Entre 2004
e 2007, as vendas do setor automotivo cresceram a taxas próximas a 15% ao ano, o
que evidencia um período de boom no setor. Esses resultados sustentam a visão de
que o Brasil se consolidou como um dos principais mercados do mundo na indústria
automobilística, tanto do lado da demanda quando da oferta, na primeira metade
da última década. De fato, o mercado interno foi o principal fator de crescimento
da indústria automotiva do país na última década, o que faz o Brasil ser comparado
a outros mercados com alto potencial de crescimento, como China, Índia e Rússia.
Em 2003, as exportações brasileiras de veículos elevaram-se em quase 48%, o
que reflete o efeito do real desvalorizado em relação ao dólar. A partir de 2005,
houve reversão na tendência. A apreciação cambial e o dinamismo do mercado
interno podem explicar, em parte, a queda observada nas exportações de veículos,
conforme analisado adiante.
112 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
A crise financeira mundial deflagrada no último trimestre de 2008 impactou
significativamente o setor automotivo. As vendas declinaram 23,7% em relação
ao terceiro trimestre. Todavia, os bons resultados dos trimestres anteriores possibilitaram novo recorde de produção e vendas no país em 2008. A atuação anticíclica do governo brasileiro, reduzindo o IPI incidente sobre os veículos e ampliando o crédito aos bancos das montadoras, surtiu efeito rapidamente. A partir de
março de 2009, a produção e as vendas retomaram os níveis do período pré-crise.
A atuação do BNDES, por meio do Programa de Sustentação do Investimento
(PSI), também foi importante. Ao reduzir o custo de máquinas e equipamentos, o
PSI ajudou montadoras e empresas de autopeças a realizar diversos investimentos
planejados, além de contribuir com o dinamismo do mercado de veículos pesados
ao financiá-los a taxas menores.
Apesar da atuação do BNDES, os investimentos do setor automotivo sofreram
queda em 2009, principalmente no segmento de autopeças. Segundo o Sindipeças,
os investimentos reduziram-se 70% em relação a 2008, de US$ 2,1 bilhões para
apenas US$ 631 milhões. Analisando o período, observa-se que o segmento de veículos ampliou o volume de inversões continuamente (exceto 2003 e 2009) e que o
segmento de autopeças, embora tenha ampliado os valores absolutos investidos
nos últimos anos, não conseguiu acompanhar os investimentos das montadoras
no período de 2007 a 2011 (ver Gráfico 1). No período de 2002 a 2011, foram investidos US$ 33,7 bilhões, dos quais US$ 20,7 bilhões pelo segmento de veículos e
US$ 13 bilhões pelas autopeças.
Nos anos de 2010 e 2011, a despeito da conjuntura internacional adversa marcada pela crise europeia, a economia brasileira cresceu 7,5% e 2,7%, respectivamente. O setor automotivo acompanhou o bom momento da economia e, em 2010, os
licenciamentos superaram pela primeira vez a marca de 3,5 milhões de unidades.
Em 2011, a produção cresceu 0,7% e as vendas, 3,4%, em relação a 2010.
O padrão de crescimento da produção e das vendas observado na primeira metade da década analisada é coerente com a mudança de estratégia das principais
montadoras mundiais, que passaram a priorizar os mercados emergentes em detrimento dos mercados do hemisfério norte, considerados maduros pela indústria.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
113
GRÁFICO 1 VEÍCULOS E AUTOPEÇAS – INVESTIMENTOS
5.000
4.500
4.000
US$ MILHÕES
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
2002
2003
2004
Veículos
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011*
Autopeças
Fontes: Anfavea e Sindipeças.
* Investimentos em veículos – estimativa.
No tocante ao setor externo, observa-se crescimento acentuado das importações de veículos a partir de 2004. As vendas de importados aumentaram 1.290%
entre 2004 e 2011. Em 2004, foram importados 61.722 veículos e, em 2011, 858.027
veículos, o que representou 23,6% das vendas totais. A maior parte das importações originou-se da Argentina, da Coreia do Sul e do México. Nos últimos anos,
todavia, a participação chinesa cresceu consideravelmente, suscitando preocupação
do governo e das montadoras instaladas no Brasil. Concomitantemente, as exportações de veículos descreveram trajetória descendente a partir de 2005, conforme já
mencionado, recuperando-se parcialmente apenas em 2010 e 2011 (ver Gráfico 2).
Nesse contexto, verifica-se a expressiva deterioração do saldo comercial no setor de
veículos, com surgimento de déficits a partir de 2008. Para tal cenário, contribuíram
a infraestrutura deficiente, que aumenta os custos logísticos da exportação, o dinamismo do mercado doméstico e o câmbio apreciado. Pelo lado das importações,
cabe ressaltar que a estagnação dos mercados dos países desenvolvidos propiciou
a vinda de parte do excedente de veículos não comercializados para o Brasil. Pelo
114 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
lado das exportações, acrescenta-se o fato de que os mercados dos países emergentes, principal destino das exportações brasileiras de veículos, estão bem mais
disputados, tanto pelo mencionado excedente de veículos advindos dos mercados
maduros quanto pelo ingresso de modelos orientais a preços competitivos.
GRÁFICO 2 VEÍCULOS – EVOLUÇÃO DOS PRINCIPAIS INDICADORES
4.000.000
3.500.000
UNIDADES
3.000.000
2.500.000
2.000.000
1.500.000
1.000.000
500.000
0
2002
2003
Produção
2004
2005
Licenciamentos
2006
2007
Exportação
2008
2009
2010
2011
Importação
Fonte: Anfavea (2011).
A NOVA AGENDA DO SETOR AUTOMOTIVO E A ADEQUAÇÃO
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A abertura comercial observada no país na década de 1990 alterou significativamente a situação da indústria automotiva. A intensificação do comércio internacional proporcionou maior contato com a tecnologia externa, o que pôde ser mais
bem percebido no início da década de 2000. Os veículos fabricados no Brasil reduziram consideravelmente sua defasagem tecnológica em relação aos carros produzidos na Europa e nos Estados Unidos. Ademais, a entrada de novos concorrentes
estimulou o aumento da eficiência produtiva e a atualização dos modelos.
Na década analisada nesta seção, que vai de 2002 a 2011, observam-se novos
contornos na conjuntura do setor automotivo. Novos conceitos passaram a ser consi-
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
115
derados estratégicos e essenciais para a indústria, como o desenvolvimento tecnológico contínuo, investimentos em engenharia automotiva e a adequação dos veículos
a requisitos ambientais e de segurança. O desenvolvimento dos veículos passou a
ser global, envolvendo engenharia compartilhada entre filiais de diversos países e
a matriz. A busca por novas tecnologias passou a ser muito relevante, e a inovação
tornou-se prioridade para o desenvolvimento das empresas. A fabricação de veículos
híbridos e elétricos, ainda que incipiente, já é realidade em diversos mercados, o que
iniciou uma corrida tecnológica entre os principais players do setor.
Para que o setor automotivo do país se adeque à nova agenda da indústria, as políticas públicas devem ser redirecionadas. A política industrial automotiva está sendo reformulada atualmente, com o Novo Regime Automotivo, que começou a ser delineado
pelo governo em 2011. De fato, é necessário que exista uma política industrial específica e continuada para o setor, que esteja inserida em um planejamento industrial estratégico de longo prazo. Possíveis falhas na antecipação dos movimentos de mercado
por parte dos formuladores de políticas públicas podem ter levado à sua inadequação,
o que explicaria, em parte, os lags de políticas específicas destinadas ao setor.
A ação do BNDES é determinante para o desenvolvimento do setor automotivo
no país, associada à reformulação das políticas do governo voltadas ao segmento.
A definição da inovação, incluindo investimentos em engenharia, como tema prioritário na agenda do BNDES ocorreu na última década e marca uma nova era nas
políticas do Banco.
A próxima subseção detalha a atuação do BNDES entre 2002 e 2011, com foco
na atuação dinâmica das políticas adotadas, e analisa sua relevância.
A ATUAÇÃO DO BNDES
Análise dos desembolsos
Na última década, foram desenvolvidos novos canais de financiamento que estimularam a indústria automotiva, de forma direta e/ou indireta. A participação do
BNDES no setor elevou-se consideravelmente nos últimos dez anos em termos absolutos, como evidencia a Tabela 1, que mostra os desembolsos do BNDES para
financiar as montadoras e empresas de autopeças.
116 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
TABELA 1 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA O SETOR AUTOMOTIVO*
Ano
Desembolsos a preços de 2011** (R$ milhões)
% do desembolso do BNDES
2002
2.880
3,90
2003
4.267
7,92
2004
3.784
6,47
2005
6.543
10,04
2006
7.070
10,11
2007
3.976
4,72
2008
5.368
5,07
2009
6.786
4,34
2010
6.284
3,44
2011
4.659
3,35
Fonte: BNDES.
* Os desembolsos referem-se à Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Seção C, Divisão 29, Grupos 29.1, 29.2, 29.3, 29.4 e 29.5. Essa divisão compreende a fabricação de veículos automotores para transporte de
pessoas e mercadorias e a fabricação de cabines, carrocerias, reboques e semirreboques para veículos automotores. Essa divisão compreende
também a fabricação de peças e acessórios, de material elétrico e eletrônico, de bancos e estofados para os veículos automotores produzidos.
Não compreende a manutenção e a reparação de veículos automotores (reproduzido do site do IBGE e modificado pelos autores).
** Todos os valores desta subseção estão a preços de 2011 e foram corrigidos pelo IGP-DI.
Os desembolsos do BNDES para financiar o setor automotivo – montadoras e
autopeças – somaram R$ 51,6 bilhões no período de 2002 a 2011, representando,
em média, quase 6% do total. Observa-se que a partir de 2005 houve significativa
elevação dos desembolsos para o setor, o que coincidiu com o período de relativa
estabilização da economia e aquecimento da demanda interna. De fato, os financiamentos às montadoras na primeira metade da década analisada contemplaram
basicamente a modernização e o lançamento de novos veículos, uma vez que ainda
existia capacidade ociosa na indústria.
Embora os desembolsos ao setor automotivo tenham crescido em termos absolutos na segunda metade da década analisada, observa-se uma queda paulatina em
relação ao total de desembolsos do BNDES. O que pode explicar, parcialmente, essa
redução é o novo ciclo de investimentos observado no setor a partir de 2008, quando
a capacidade instalada mostrava os primeiros indícios de esgotamento. Investimentos em ampliação da capacidade tardam um pouco a serem maturados e, dessa forma, existe uma demora a se refletirem nos desembolsos do BNDES. Ademais, a crise
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
117
financeira mundial iniciada nos Estados Unidos no fim de 2007 – e sentida no Brasil
em meados de 2008 – teve impactos nas expectativas dos investidores, o que adiou
planos de investimentos já fechados das montadoras e empresas de autopeças. Outro
fator que influenciou na redução da proporção dos desembolsos ao setor automotivo foi o aumento dos desembolsos totais do BNDES, sensivelmente ampliados na
última década. Entre 2002 e 2010, os desembolsos mais do que quadruplicaram. Se o
ano de 2011 for considerado, porém, o aumento observado foi de 3,6 vezes.
O apoio do BNDES ao complexo automotivo também contempla diversos canais
que não estão incluídos nos dados de desembolso da Tabela 1, como a comercialização de caminhões para empresas de outros setores por intermédio do produto
BNDES Finame. Quando uma empresa do setor de bebidas adquire um caminhão,
por exemplo, essa ação é contabilizada como desembolso ao segmento de bebidas,
e não ao setor automotivo. Tal apoio à comercialização é, todavia, fundamental
para o setor automotivo, já que as vendas de veículos pesados no Brasil dependem,
em sua maioria, de operações de crédito.
Para o setor de caminhões e ônibus, o credenciamento dos produtos na Finame
é decisivo para a competitividade dos produtos. A possibilidade de financiamento
à compra de produtos de alto valor agregado com taxas de juros competitivas e
longo prazo de amortização é de fundamental importância para o setor. As receitas
originadas de vendas via Finame são as mais relevantes para os veículos pesados.
Com isso, é induzido o desenvolvimento de fornecedores nacionais para o codesign e a fabricação de componentes, gerando um efeito em toda a cadeia produtiva. Esse fenômeno ocorre em diversos outros setores.
Pode-se afirmar que o produto BNDES Finame é um dos mais eficazes e duradouros instrumentos de política industrial do país.
Principais canais de financiamento do BNDES ao setor automotivo
Inovação
A década de 2002 a 2011 foi de mudanças para o BNDES, que incorporou às suas
Políticas Operacionais o incentivo à inovação como prioridade. Entende-se como inovação, no presente artigo, não só mudanças significativas ou disruptivas, que incluem
118 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
risco tecnológico, mas também as alterações incrementais nos produtos ou nos processos, como aprimoramentos na mecânica, no design e na performance do veículo.
Essa visão se justifica pelo fato de que, dependendo do segmento e do estágio de desenvolvimento considerado, as mudanças incrementais nos produtos e nos processos
são mais relevantes do que o desenvolvimento de um novo produto, por exemplo.
No caso do setor automobilístico, a tecnologia utilizada na produção dos veículos não será alterada de forma significativa em curto prazo, a não ser que haja
uma mudança súbita na rota tecnológica. Um exemplo seria o desenvolvimento de
baterias eficientes capazes de tornar realidade a produção e a comercialização em
grande escala de veículos elétricos. Contudo, em curto prazo, o que faz as montadoras se tornarem competitivas é o desenvolvimento na engenharia incremental de
produtos e processos.
A seguir, são detalhados os principais canais de financiamento à inovação
do BNDES.
Em 2006, o BNDES criou duas linhas: Inovação PD&I e Inovação Produção. Logo
depois, em 2007, o texto das Políticas Operacionais foi modificado, apresentando
a redação a seguir:
Alguns avanços em direção à inovação já vem inegavelmente sendo feitos no âmbito do BNDES (como, por exemplo, mediante o Profarma).
Daqui por diante, contudo, o apoio à Inovação, além de não ficar restrito a segmentos tecnologicamente sofisticados da indústria, passa a
constar entre as prioridades máximas do BNDES.
Em consonância com a nova definição estratégica do Banco, foi criado o Programa de Apoio à Engenharia Automotiva, em 2007. O programa objetivava,
inicialmente, o fortalecimento das áreas de engenharia das empresas ligadas ao
complexo automotivo, ao estimular o aprimoramento das competências e do conhecimento técnico no país. De fato, o programa foi bem-sucedido, com desembolsos de R$ 374,5 milhões durante sua vigência, até 2009.
Em 2008, as linhas originais de inovação foram substituídas pelas linhas Inovação
Tecnológica e Capital Inovador. A primeira objetivava, sinteticamente, apoiar projetos
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
119
de pesquisa e desenvolvimento ou inovação de produtos e processos novos ou significativamente aprimorados que envolvessem risco tecnológico. A Linha Capital Inovador, por sua vez, tinha o objetivo de apoiar esforços inovativos – infraestrutura física e
ativos tangíveis e intangíveis –, inclusive apoio a incubadoras e a parques tecnológicos.
Em 2009, o Programa de Apoio à Engenharia Automotiva foi ampliado para outros setores e passou, então, a se chamar BNDES Proengenharia. Além do automotivo, passaram a ser financiados os setores de bens de capital, defesa, aeronáutico,
aeroespacial, nuclear e a cadeia de fornecedores das indústrias de petróleo e gás
e naval. Considerando apenas o BNDES Proengenharia, os desembolsos realizados
para o setor automotivo até abril de 2012 somavam, aproximadamente, R$ 933,3
milhões. A soma dos desembolsos do Programa de Apoio à Engenharia Automotiva
e do BNDES Proengenharia, considerando só o setor automotivo no caso do segundo, foi de R$ 1,3 bilhão entre 2007 e 2012.
De fato, a criação do BNDES Proengenharia foi muito relevante, por se tratar
de uma medida direcionada e específica de incentivo ao setor automotivo e por
financiar o capital intangível das empresas. O programa, portanto, pode ser considerado um marco na atuação do Banco no incentivo ao setor. A partir da segunda
metade da década analisada, o BNDES Proengenharia financiou diversas atividades
relacionadas à concepção e à reestilização de veículos, o desenvolvimento de novos
motores para veículos pesados adequados às exigências da legislação ambiental,
bem como a implantação, a ampliação e a modernização de centros de engenharia
nas empresas produtoras de veículos e autopeças. O programa oferece relevante vantagem competitiva para os fabricantes instalados no país, pois fortalece as
subsidiárias nacionais das montadoras e dos sistemistas nas disputas intercompany
para a concepção e a realização física de projetos.
A localização de projetos no país é fundamental para o desenvolvimento do
setor, por permitir atualização tecnológica dos produtos, geração de receitas de
royalties e exportação, desenvolvimento de fornecedores, aumento de compra de
componentes nacionais etc.
Também em 2009, foi recriada a Linha Inovação Produção, com o objetivo de
financiar investimentos de implantação, expansão e modernização da capacidade
120 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
necessárias à absorção dos resultados do processo de pesquisa e desenvolvimento
ou inovação. A linha também podia financiar pesquisa e desenvolvimento ou inovação que apresentassem oportunidade comprovada de mercado, incluindo o desenvolvimento de inovações incrementais de produtos ou processos. Desde então,
as linhas de inovação foram alteradas diversas vezes, com várias mudanças de taxas
e, em menor parte, no conteúdo.
O setor automotivo auferiu consideráveis benefícios com a criação dos canais
de financiamento mencionados. Todavia, em decorrência do estágio atual de desenvolvimento do setor automotivo, o financiamento a projetos por meio de canais
que contemplam inovações incrementais nos produtos e processos é mais usual
do que por meio das linhas de inovação destinadas a alterações significativas com
elevado risco tecnológico. Isso ocorre, justamente, pelo contexto atual da indústria
automotiva, em que inovações incrementais na engenharia dos produtos e processos são mais frequentes do que inovações disruptivas. Em médio e longo prazos, o
apoio a novos modelos de tração híbrida e elétrica, ao desenvolvimento de baterias, a sistemas de automatização integrados e ao uso de combustíveis alternativos
deve se tornar imprescindível à indústria. Dessa forma, deve-se observar um movimento em que as inovações que envolvem risco tecnológico e alterações significativas em produtos e processos se tornem mais usuais nos financiamentos do BNDES,11
o que pode ser considerado positivo. Na verdade, é positivo não porque a inovação
com risco tecnológico e disruptiva seja necessariamente mais nobre, na opinião dos
autores, mas porque esse movimento será requerido pelas novas rotas tecnológicas
a serem desenvolvidas no setor nos próximos anos. Uma discussão mais profunda
sobre as possíveis rotas tecnológicas será realizada na próxima seção.
Recentemente, em 2012, foi aprovada a unificação das linhas de inovação do
BNDES, o que vai ao encontro da ideia de que as inovações incrementais podem ser
tão ou mais relevantes, dependendo do segmento de atuação e do seu estágio de
desenvolvimento.
11
Entre os projetos apoiados pelo BNDES que não incluem apenas inovações incrementais está o desenvolvimento de sistemas de
tração elétrica para veículos híbridos e elétricos e de um sistema de propulsão híbrido flex.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
121
Programa de Sustentação do Investimento (PSI)
O PSI foi criado em 2009, em um contexto de crise financeira internacional e retração do crédito. O programa foi extremamente importante para a manutenção do
crescimento da indústria automotiva, pois permitiu a realização de investimentos
planejados pelas montadoras e fabricantes de autopeças, ao baratear os custos de
financiamento de bens de capital. Além disso, o PSI ajudou a manter o dinamismo
do segmento de veículos pesados, que obtiveram condições financeiras melhoradas
para a venda de seus produtos.
Posteriormente, o PSI incorporou incentivos para a aquisição de ônibus com
tração híbrida e elétrica, financiando-os a uma taxa de 5% ao ano, prazos de amortização alongados e taxas de participação elevadas do BNDES no investimento.
BNDES Finem – capacidade produtiva
O produto BNDES Finem – Capacidade Produtiva foi um dos principais canais de
financiamento do Banco historicamente, financiando a implantação, a ampliação,
a recuperação e a modernização de ativos fixos em diversos setores da economia.
O Finem será um dos principais instrumentos de apoio do BNDES ao amplo pacote
de investimentos planejado pelas montadoras e autopeças para os próximos anos.
No período de 2002 a 2011, os desembolsos do BNDES no âmbito do BNDES Finem
para as montadoras e autopeças foram de cerca de R$ 9,6 bilhões, o que mostra a
sua relevância para o setor.
BNDES Exim
O crescimento das importações de veículos na última década tem sido um potencial
problema para a competitividade das montadoras instaladas no país e, consequentemente, tem sido objeto de preocupação do governo. Desde 2008, o setor apresenta déficits na balança comercial. Para uma análise mais detalhada da conjuntura
de comércio exterior do setor automotivo brasileiro, vide Barros e Pedro (2011).
Em 1995, foi criado o produto BNDES Exim, que estimula as exportações do
setor automotivo e de outros setores. Até hoje, por meio da Linha Exim Pré-Embarque, o produto tem relevância para estimular a indústria automotiva, uma vez
122 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
que a fabricação de produtos destinados à exportação com alto valor agregado não
dispõe de muitas linhas de financiamento no mercado, especialmente com custo e
prazos favoráveis. A Linha Pós- Embarque, por sua vez, apoia a comercialização no
exterior de diversos bens definidos nas Políticas Operacionais, inclusive automóveis,
e serviços. De 2002 a 2011, os desembolsos relativos ao BNDES Exim que beneficiaram a indústria automotiva somaram cerca de US$ 16,2 bilhões.
BNDES Procaminhoneiro
A atuação do BNDES no setor automotivo observada até a década de 1990 esteve
apoiada consideravelmente no estímulo à comercialização de veículos pesados e
implementos rodoviários, pois o Banco só passou a financiar as montadoras de veículos leves de forma significativa a partir de então. Apesar do aumento ao financiamento às montadoras nas décadas de 1990 e 2000, o apoio do BNDES à compra de
veículos pesados continua marcante e evoluiu bastante nos últimos anos.
Em 2006, foi criado o Programa BNDES de Financiamento a Caminhoneiros –
BNDES Procaminhoneiro. Além do caminhoneiro autônomo, o programa financia
empresários individuais e microempresas na aquisição de caminhões e afins12 de origem nacional, novos e usados com até 15 anos de fabricação. As condições mais
favoráveis do programa contribuem para acelerar a renovação da frota brasileira de
caminhões, considerada bastante antiga e poluente. Os desembolsos direcionados ao
programa foram de cerca de R$ 9,8 bilhões desde a sua criação. Cabe destacar que o
programa é um dos poucos instrumentos do Banco direcionados à pessoa física.
Produto BNDES Finame
Na última década, o apoio à comercialização de ônibus e caminhões por meio do
produto BNDES Finame foi fundamental para o dinamismo do segmento no Brasil,
tendo em vista que o sistema bancário nacional concentra sua atuação em operações
de curto prazo e que a maioria das vendas é realizada a prazo. A Finame é o princi-
12
Chassis, caminhões-trator, carretas, cavalos-mecânicos, reboques, semirreboques, incluídos os tipo dolly, tanques e afins,
devidamente registrados no órgão de trânsito competente, e carrocerias para caminhões.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
123
pal funding utilizado para aquisição de ônibus e caminhões no Brasil. No período de
2003 a 2011, os desembolsos do BNDES para a comercialização de ônibus, caminhões,
implementos rodoviários e carrocerias foram de aproximadamente R$ 137,8 bilhões.
Cartão BNDES
O produto Cartão BNDES, criado em 2003, é um canal de financiamento de até R$ 1 milhão por cartão, por banco emissor,13 e é voltado exclusivamente para micro, pequenas
e médias empresas. Pelo fato de o crédito ser aprovado previamente, o Cartão BNDES
confere bastante agilidade às empresas de menor porte para aquisição dos produtos credenciados necessários ao negócio, além de oferecer condições facilitadas, como
prestações mensais fixas, o que amplia a previsibilidade do fluxo de caixa das empresas.
Especificamente em relação ao setor automotivo, o leque de produtos cadastrados é
bastante amplo e contempla diversos tipos de autopeças, pneus e veículos, inclusive
ônibus e caminhões. Os desembolsos do Cartão BNDES para aquisição de produtos do
setor automotivo totalizaram cerca de R$ 4,1 bilhões entre 2003 e 2011.
BNDES Revitaliza
O apoio às autopeças foi reforçado com a inclusão, em 2011, dos fabricantes do
segmento no programa BNDES Revitaliza, criado originalmente em 2007. Concebido para apoiar empresas que atuam em setores adversamente afetados pela
conjuntura econômica internacional, o programa poderá ser útil tanto para financiamento aos investimentos em modernização e ampliação de capacidade quanto
para financiamento à produção destinada à exportação por empresas do segmento, considerado um elo frágil da cadeia automotiva.
Programa Fundo Clima
Criado pela Lei 12.114, de 9 de dezembro de 2009, e regulamentado pelo Decreto 7.343,
de 26 de outubro de 2010, o Fundo Clima é um dos instrumentos da Política Nacional
sobre Mudança do Clima e é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. O BNDES é
13
Cada empresa pode ter até cinco Cartões.
124 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
agente financeiro do Fundo Clima e, por meio do programa, vai aplicar a parcela de
recursos reembolsáveis do fundo visando mitigar as mudanças climáticas.
Com a aprovação do programa pelo BNDES, em 2011, o apoio a tecnologias
mais sustentáveis do ponto de vista ambiental foi reforçado. Por meio do subprograma Modais de Transporte Eficientes, o Programa Fundo Clima apoia não apenas
a aquisição de ônibus híbridos e elétricos, mas também aqueles movidos a biocombustíveis cadastrados no BNDES, com destaque para o etanol. Além de financiar a
aquisição, o programa financia também a instalação de capacidade produtiva para
a fabricação de ônibus híbridos e elétricos.
4 . O FU TU RO D O S ETO R A U TO M O TI V O
B RA SILEIR O
PERSPECTIVAS
As perspectivas para o setor automotivo no Brasil são bastante positivas. O crescimento da economia observado nos últimos anos, o mercado doméstico em expansão, a ampliação da classe média e o aumento real do salário mínimo, associados
à estagnação dos mercados maduros, tornam o Brasil um dos países centrais na estratégia das principais montadoras mundiais.14 Com as oportunidades reduzidas na
Europa, nos Estados Unidos e no Japão, outros países em desenvolvimento, como
a China, a Índia, a Rússia e o México, deverão experimentar anos de prosperidade
no setor. Dessa maneira, vislumbra-se que a participação dos países em desenvolvimento na produção mundial de veículos deve seguir em ascensão. Tal tendência
é observada desde a década de 1980, mas foi acentuada nas duas últimas décadas.
Conforme pode ser observado na Tabela 2, a participação de Estados Unidos, Japão,
Alemanha, França e Reino Unido, países tradicionais na indústria automobilística,
na produção global caiu de 68%, em 1991, para 33,9%, em 2011. No mesmo período, a participação do Brasil mais do que dobrou, passando de 2% para 4,3%. A Chi-
14
Os autores estimam uma razão habitante por veículo de 6 para o Brasil, bem acima da razão observada nos países desenvolvidos
(em torno de 1,5) e, também, maior do que a observada em países como México (3,6) e Argentina (4,5). Essa estatística evidencia o
potencial do mercado automobilístico brasileiro para os próximos anos.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
125
na foi o grande destaque individual, com a participação saltando de apenas 1,5%
para 23% no período. Vale destacar que, no ano de 2009, a China passou a ocupar
o posto de maior fabricante de veículos do mundo.
TABELA 2 PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES NA PRODUÇÃO MUNDIAL (%)
1981
1991
2001
2011
JAPÃO
30,1
28,0
17,4
10,5
ALEMANHA, FRANÇA E REINO UNIDO
22,4
21,4
19,5
12,6
ESTADOS UNIDOS
10,8
21,4
18,6
20,3
BRASIL
2,1
2,0
3,2
4,3
CHINA
n.d.
1,5
4,1
23,0
OUTROS
24,0
28,5
35,5
38,8
Fontes: Wards apud Ferreira (2010) e OICA.
A partir do cenário descrito, vultosos volumes de investimento estão previstos
para o setor no Brasil nos próximos anos. Para o quadriênio compreendido entre
2012 e 2015, os investimentos planejados de montadoras associadas à Anfavea são
de US$ 22 bilhões, ou cerca de R$ 41,8 bilhões.15 Além disso, as newcomers devem
investir US$ 3,5 bilhões,16 cerca de R$ 6,6 bilhões. Essas inversões consolidam a posição do Brasil como um dos maiores produtores de veículos do mundo (sétimo
maior produtor mundial em 2011, segundo dados da Organisation Internationale des
Constructeurs d’Automobiles (OICA), e quinto maior mercado) e o maior produtor
da América Latina. Para o segmento de autopeças, o investimento previsto é de
US$ 10 bilhões (Sindipeças), aproximadamente R$ 19,0 bilhões.
A atual capacidade instalada da indústria automobilística é de 4,3 milhões de
veículos por ano.17 Caso os investimentos anunciados sejam, de fato, concretizados,
podem acrescentar uma capacidade de cerca de 2,3 milhões de veículos anuais até
2015. Além de aumento de capacidade, as inversões compreenderão, ainda, o desenvolvimento de novos produtos, a reestilização de modelos, a modernização de
plantas etc. Os principais investimentos previstos são descritos no box.
15
Supondo câmbio médio de R$/US$ 1,90 no período.
Fonte: Automotive Business (2012).
17
Fonte: Anfavea.
16
126 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
INVESTIMENTOS DO SETOR AUTOMOTIVO NO BRASIL: PERSPECTIVAS
A Fiat deve se instalar em Goiana (PE). Serão investidos cerca de R$ 4 bilhões
até 2014 na construção de fábrica com capacidade para até 250 mil veículos por ano, destinados, a princípio, ao mercado doméstico. Além disso, a
Fiat ampliará a fabrica de Betim (MG) para elevar a capacidade dos atuais
800 mil veículos anuais para 950 mil. O lançamento de novos modelos também está previsto.
A Volkswagen anunciou planos de investir R$ 8,7 bilhões até 2016 no país.
A unidade de Taubaté (SP) poderá ser ampliada, caso a demanda permaneça
em ascensão. Para a planta de São Bernardo do Campo (SP), a expectativa é de
lançamento de novos produtos.
A General Motors está focada na renovação de sua linha de produtos. Em
fevereiro de 2012, a empresa anunciou investimento de R$ 710 milhões na
construção de nova fábrica de caixas de câmbio em Joinville (SC), que deve
começar a operar em 2014. Investimentos em modernização da produção e
novas tecnologias também estão previstos.
A Ford investirá R$ 4,5 bilhões no Brasil até 2015. Parte desse aporte
(R$ 800 milhões) irá para a fábrica de São Bernardo do Campo (SP) e será
destinada à produção de um carro de plataforma global. Além disso, a
montadora anunciou investimentos de R$ 500 milhões na fábrica de motores e transmissões de Taubaté (SP). Nos planos, estão previstos ainda novos
modelos globais.
A Renault planeja investir cerca de R$ 1,5 bilhão entre 2010 e 2015. Os
investimentos planejados contemplam ampliação de 100 mil unidades por
ano de capacidade na fábrica de São José dos Pinhais (PR), além de criação de
novo centro de engenharia e área para logística. Em abril, o BNDES aprovou
financiamento de R$ 373,5 milhões para a empresa, com vistas ao desenvolvimento de novos produtos, investimentos em design, adequação da fábrica
de utilitários, entre outros objetivos.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
A Nissan vai construir uma nova planta em Resende (RJ). A capacidade instalada será de 200 mil carros por ano e o investimento será de R$ 2,6 bilhões.
Parte da produção da Nissan permanecerá no Paraná junto à fábrica da Renault. A Nissan almeja o lançamento de dez novos produtos no país até 2016.
A Peugeot Citroën pretende investir no Brasil a um ritmo de R$ 575 milhões
por ano no período de 2012 até 2015. Os recursos serão alocados em diversas
frentes. As principais serão a ampliação da capacidade da fábrica de Porto Real
(RJ) para 300 mil veículos anuais (atualmente, é de 150 mil), a elevação da capacidade de produção de motores, além do desenvolvimento de novos modelos e
da ampliação da rede de concessionárias.
Com financiamento de R$ 307,4 milhões do BNDES, a sul-coreana Hyundai
está finalizando sua primeira unidade fabril no Brasil, em Piracicaba (SP). O investimento previsto foi de US$ 600 milhões. Com capacidade para 150 mil veículos
por ano, a Hyundai vai produzir veículos especialmente projetados para o mercado brasileiro com foco no segmento de maior volume, entre eles, o de compactos.
A japonesa Toyota, que já conta com a fábrica de automóveis em Indaiatuba (SP)
e de autopeças em São Bernardo do Campo (SP), prevê finalizar sua segunda fábrica
de automóveis em Sorocaba (SP) no segundo semestre de 2012. Os investimentos
serão de US$ 600 milhões e a expectativa inicial é produzir 70 mil veículos por ano.
A Honda planeja investir mais de R$ 1 bilhão no país até 2014. Os investimentos devem aumentar o índice de nacionalização de componentes e servirão
também à renovação da gama de produtos. Afetada pelo tsunami ocorrido no
Japão em março de 2011, o que resultou em significativa perda de market share,
a Honda pretende comercializar 140 mil unidades no país em 2012.
A Mitsubishi do Brasil18 anunciou, em abril de 2011, investimentos de
R$ 1 bilhão destinados à ampliação da fábrica de Catalão (que alcançará capacidade de produção de 100 mil veículos por ano), à nacionalização de com-
18
A Mitsubishi do Brasil é a única empresa do grupo japonês que opera de forma independente, sem a participação
da matriz, que fornece componentes para a montagem e recebe royalties pela transferência de tecnologia.
127
128 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
ponentes e ao lançamento de novos produtos. A montadora pretende ainda
construir uma fábrica de motores até 2014 e ingressar no segmento de sedãs.
As newcomers chinesas JAC e Chery têm planos ambiciosos para o Brasil. A
JAC Motors investirá cerca de R$ 900 milhões na construção de uma fábrica em
Camaçari (BA). A conclusão da obra está prevista para 2014. A capacidade projetada é de até 100 mil veículos por ano. A intenção é produzir modelos de valor
abaixo de R$ 40 mil. A Chery investirá US$ 400 milhões na construção de sua
fábrica em Jacareí (SP) para produção de até 150 mil veículos por ano na etapa
final do projeto. Já em andamento, as obras deverão ser concluídas em 2013. A
Chery pretende alcançar 3% de mercado em 2015 e utilizar a unidade brasileira
para exportar para o Mercosul e o México. Outras empresas chinesas deverão
fazer aportes no país nos próximos anos.
A BMW e a Jaguar-Land Rover também poderão anunciar investimentos
no Brasil nos próximos meses.
No segmento de veículos pesados, a Mercedes-Benz iniciou a produção de
caminhões em Juiz de Fora (MG) no início de 2012, investindo R$ 450 milhões
nas adaptações fabris necessárias, tendo em vista que a fábrica foi inicialmente
concebida para a produção de automóveis de luxo. De 2010 a 2013, a Mercedes
espera investir R$ 1,5 bilhão no Brasil. A empresa estuda retomar a produção de
automóveis no país.
A MAN, fabricante de caminhões e ônibus das marcas MAN e Volkswagen, investirá R$ 1 bilhão com vistas a duplicar a capacidade produtiva da fábrica de Resende
(RJ) de setenta mil unidades por ano para cento e quarenta mil até 2014. A MAN
buscará ainda desenvolver novas tecnologias, com destaque para modelos híbridos.
A sueca Scania construirá um centro de distribuição de peças em Vinhedo (SP).
O espaço do atual centro, situado dentro do parque fabril da Scania em São Bernardo do Campo (SP), será utilizado para atualização e modernização da fábrica.
A também sueca Volvo está investindo R$ 210 milhões na ampliação da fábrica de Curitiba (PR) para a produção de ônibus híbridos com tração elétrica
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
129
e de cabines de caminhão. Em novembro, a Volvo inaugurou sua nova fábrica
de caixas de câmbio no mesmo complexo industrial.
Em virtude da prevalência do modal rodoviário no Brasil e ao bom momento vivido pela economia doméstica, o segmento de pesados tem quebrado recordes de produção e vendas no período recente e, desse modo, vem
atraindo interesse de novos players. A montadora norte-americana Paccar
construirá uma fábrica em Ponta Grossa (PR) para montagem de caminhões da
marca holandesa DAF (pertencente ao Grupo Paccar). O investimento está orçado em US$ 200 milhões e a unidade deverá entrar em operação em abril de
2013. As chinesas Sinotruk e Shacman também planejam se instalar no Brasil.
A Shacman pode escolher o estado de Pernambuco para, inicialmente, montar
caminhões em sistema CKD.
TENDÊNCIAS, POSSÍVEIS ROTAS TECNOLÓGICAS E ATUAÇÃO DO BNDES
O surgimento de uma nova agenda da indústria automotiva mundial, que prioriza o desenvolvimento ou a inovação de produtos e processos, torna relevante a
discussão de novas tendências e aspectos relacionados à tecnologia automotiva. A
observação das tendências do setor é crucial, pois possibilita a análise de possíveis
rotas tecnológicas a serem seguidas e, consequentemente, de possibilidades relacionadas a políticas públicas.
A análise de macrotendências relacionadas à estrutura do setor, como a estagnação do mercado automotivo nos países desenvolvidos e o dinamismo dos emergentes, a produção por meio de plataformas globais, entre outros, já foi realizada
em diversos artigos sobre o tema, incluindo Barros e Pedro (2011) e Casotti e
Goldenstein (2008). O foco desta seção, todavia, é discutir as principais tendências
relativas à inovação de produtos e processos no setor automotivo brasileiro. Isso
não significa que os canais de apoio tradicionais do BNDES, detalhados na seção
anterior, perderão importância nos próximos anos. Ao contrário, os canais tradicionais devem ser aprimorados e outros mecanismos devem ser desenvolvidos.
130 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Eletromobilidade e combustíveis alternativos
A percepção de que o veículo a combustão utilizado na sociedade moderna não
atende a critérios ambientais básicos é marcante. Com base nessa constatação e na
regulamentação sobre o tema, surge a necessidade de desenvolvimento de alternativas para o funcionamento básico dos veículos. Uma forte tendência é a chamada
eletromobilidade ou a migração para a tecnologia dos veículos elétricos.
Os veículos puramente elétricos não têm motor a combustão, mas são movidos integralmente a energia elétrica. Essa energia pode ser proveniente de baterias, células de combustível, energia solar ou diretamente da rede elétrica. Embora
existam vários tipos de baterias compatíveis com os veículos,19 não há um padrão
definitivo. As baterias mais promissoras até agora são as de íon-lítio, embora ainda
existam desafios para seu uso em larga escala, como a segurança associada a seu
uso, a performance em condições extremas de temperatura, a durabilidade e o custo da bateria [Castro e Ferreira (2010)].
Dessa forma, não existe ainda uma definição de qual tecnologia será predominante, o que traz a possibilidade efetiva de investimentos em pesquisa e desenvolvimento no segmento, estimulados por políticas públicas. Os autores entendem que,
anteriormente à disseminação da tecnologia relativa a veículos elétricos, deve haver
uma passagem pela hibridização ou a produção de veículos híbridos, que combinam as
tecnologias a combustão e elétrica. Isso deve ocorrer por causa do custo da bateria e
do motor elétrico, que são inferiores no veículo híbrido, uma vez que tais componentes
são menores. Além disso, há questões como a baixa autonomia da bateria e a infraestrutura de recarga, que dificultam o desenvolvimento de veículos puramente elétricos.
O desenvolvimento de uma tecnologia eficiente compatível com o conceito de
eletromobilidade é extremamente meritório do ponto de vista ambiental e inovativo, possibilitando um salto tecnológico que modificaria toda a indústria automotiva.
De fato, existem outras tecnologias possíveis para a redução de emissões de
poluentes, além da eletrificação ou hibridização, como o uso do hidrogênio como
19
As principais baterias existentes são as de chumbo ácido, as de níquel hidreto metálico, as de sódio e as de íon-lítio. Para
informações técnicas referentes a cada uma, ver Castro e Ferreira (2010).
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
131
combustível. Outra alternativa é o investimento em biocombustíveis. Recentemente, no Brasil, tornou-se comum a produção de carros flex fuel, que oferecem a opção
de abastecer com gasolina, etanol ou qualquer combinação dos dois combustíveis.
Os carros flex proporcionam maior flexibilidade ao motorista e são mais sustentáveis ambientalmente em relação a veículos movidos por combustíveis fósseis.
Apesar da maior sustentabilidade ambiental proporcionada pelos veículos flex,
eles são menos eficientes que um veículo que só tem motor a gasolina. A explicação
disso está, principalmente, na taxa de compressão do motor.20 Ainda existe espaço
significativo para aprimoramentos tecnológicos nos motores flex fuel, com aumento de sua eficiência energética.
A tentativa de reduzir as emissões de poluentes por meio de biocombustíveis é
muito importante e, talvez, factível em curto prazo. No entanto, outras alternativas
tecnológicas, como a eletrificação veicular e o desenvolvimento de células a combustível, deveriam ser mais exploradas e apoiadas, inclusive por meio de incentivos
fiscais e tributários.
Para tornar possível o aprimoramento dos motores flex, a produção de veículos elétricos em escala comercial e a produção de veículos movidos a hidrogênio,
o papel do governo e do BNDES pode ser indutor, ao incentivar a rota tecnológica
que pode oferecer maior retorno de eficiência e de qualidade de vida à população.
O papel do BNDES pode ser muito relevante para a geração de inovações significativas para as tecnologias de propulsão. A criação e o aprimoramento de grupos de
trabalho com o governo para a discussão sobre o tema devem ser considerados, para
que todos os aspectos relacionados à possível nova rota tecnológica sejam analisados
antes da implantação de políticas públicas. A possibilidade de implantação de um
programa direcionado exclusivamente a pesquisa e desenvolvimento ligados à eletrificação pode ser considerada futuramente, o que seria um estímulo notável para
todo o complexo automotivo, inclusive ônibus, caminhões e cadeia de autopeças.
20
A taxa de compressão representa o quanto a mistura de ar e combustível é comprimida antes da explosão do motor. Ela é
diretamente proporcional à eficiência do motor e é diferente no etanol e na gasolina. Com etanol, é mais longo o tempo necessário
para a autodetonação da explosão no motor, considerando a mesma quantidade de ar. No motor flex, essa taxa de compressão é
manipulada para ser intermediária entre os dois combustíveis, o que torna o motor menos eficiente.
132 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Inovações relacionadas ao novo conceito de veículo urbano
e a critérios ambientais
Os veículos que estarão presentes nas cidades daqui a alguns anos devem incorporar novas tendências, como redução de peso e tamanho, maior eletrônica embarcada e conceitos mais abrangentes de sustentabilidade.
A redução de peso e tamanho do automóvel é possibilitada, basicamente, por
meio de downsizing (redução do motor do veículo). De fato, essa tendência é acentuada pelo aumento da renda dos países emergentes, que já enfrentam problemas de engarrafamentos constantes decorrentes das falhas de planejamento do
trânsito e de deficiências no transporte público. Ademais, veículos mais leves são
mais econômicos. Há, portanto, uma tendência de maior disseminação de veículos
menores e mais eficientes no gasto de combustível.
Paralelamente à tendência de produção de veículos menores, não menos relevante é a fabricação de ônibus inteligentes ou trólebus e motocicletas elétricas.
Algumas empresas brasileiras já atuam nesse segmento. A Eletra tem cerca de trezentos trólebus e 45 ônibus híbridos em operação em São Paulo. Já no segmento de
motocicletas elétricas ou scooters, atuam empresas como Motor Z, de São Bernardo do Campo (SP), Bramont (AM) e GPS Electric Movement (RN) [Castro e Ferreira
(2010)]. De fato, todas essas modificações no conceito de transporte urbano devem
alterar a própria estrutura da indústria, com a possibilidade de fortalecimento de
empresas de capital nacional. Aqui, o papel do BNDES é fundamental, na identificação e fomento a empresas com esse perfil ou com potencial de desenvolvimento de
novas tecnologias ligadas à eletrificação ou a novos conceitos de veículos urbanos.
Outra oportunidade tecnológica é o desenvolvimento de materiais alternativos para a indústria automotiva, como os recicláveis de baixo impacto ambiental.
O uso da nanotecnologia pode melhorar a funcionalidade e o design das peças
utilizadas, além da melhoria de processos. A utilização de novos materiais pode
fazer com que as empresas de autopeças aumentem o grau de parcerias para
desenvolvimento do lado de fora da cadeia automotiva, com universidades, institutos de pesquisa e fornecedores, como a indústria de aço, alumínio e petroquímicas [ABDI (2009)].
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO
133
A evolução dos projetos de engenharia, assim como novas exigências de regulamentação ambiental e de segurança, deve acelerar o uso de novos materiais. Exemplos de uso da indústria automotiva são plásticos de alta performance e insumos de
alumínio para diversas peças. As inovações observadas compreendem componentes
de motor e revestimento dos automóveis.
O BNDES pode atuar de forma proativa para acelerar a incorporação de tecnologias limpas com incentivos a pesquisa e desenvolvimento relacionados ao
uso de novos materiais. Posteriormente, pode-se incentivar o apoio financeiro
a empresas que demonstrarem capacidade técnica de desenvolver novos materiais e utilizá-los.
5 . CON SID ER A Ç ÕE S F I N A I S
A indústria automotiva tem alta relevância para a economia brasileira. Em 2010, respondeu por 19,5% do PIB industrial e por mais de 5% do PIB. O faturamento líquido
no segmento de veículos ultrapassou US$ 83,6 bilhões de dólares em 2010. No mesmo ano, a produção de veículos empregou diretamente mais de cem mil pessoas e
estima-se que os empregos diretos e indiretos em toda a cadeia do setor automotivo
sejam de aproximadamente 1,3 milhão de pessoas. A indústria automotiva foi, historicamente, muito representativa no Brasil, respondendo por inovações, por melhorias da qualificação da mão de obra e por uma parcela relevante do PIB.
Atualmente, estudos sobre a viabilidade do desenvolvimento de novas tecnologias no setor automotivo e a identificação de rotas tecnológicas promissoras
têm espaço considerável no meio acadêmico e nas instituições de fomento, como
o BNDES. Não basta só a constatação de que novas tecnologias estão surgindo e
de que é relevante incentivá-las, inclusive por meio de apoio financeiro. É importante que as diferentes rotas tecnológicas sejam estudadas, analisadas e discutidas,
principalmente no que se refere à eletrificação veicular, para que sejam realizadas
ações proativas de incentivo. O desenho de possíveis políticas públicas associadas
às mudanças de paradigma no setor automotivo deve ser embasado por estudos
aprofundados e pela discussão efetiva com empresas e acadêmicos.
134 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
As medidas governamentais adotadas recentemente para o setor automotivo
incluem instrumentos como o aumento de impostos, principalmente para a redução da presença dos veículos importados. Os autores entendem que as ações governamentais deveriam buscar maior alinhamento com as tendências do setor, como o
aumento da eficiência energética e a redução de poluentes.
RE F E RÊN CIA S
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SINDIPEÇAS – <www.sindipecas.org.br>.
TERRA – <www.terra.com.br>.
TOYOTA – <www.toyotafabricasorocaba.com.br>.
VALOR ECONÔMICO – <www.valor.com.br>.
VOCÊ S.A. – <www.vocesa.abril.com.br>.
Sérgio Bittencourt Varella Gomes*
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INDÚSTRIA AERONÁUTICA
139
RE S UMO
O Brasil, que se orgulha do pioneiro Santos-Dumont viu sucessivas tentativas de se
criar uma indústria aeronáutica, de porte e sustentável, no país não lograrem êxito.
Isso ocorreu até as décadas de 1960 e 1970, quando a industrialização passou a ser
política de Estado. Hoje, a Embraer, criada em 1969 como empresa estatal e privatizada em 1994, é uma das quatro maiores fabricantes de aeronaves do mundo – juntamente com a americana Boeing, a europeia Airbus e a canadense Bombardier –,
contribuindo diretamente para o saldo positivo na balança comercial brasileira. O
artigo faz uma análise da trajetória recente da empresa, que concentra a maioria dos
empregos e das receitas do setor, bem como da Helibras, fabricante de helicópteros,
e da ainda tímida cadeia produtiva do setor. Em seguida, analisa as perspectivas para
o setor e para a atuação do BNDES, delineando diversas possibilidades de ampliação
dessa atuação em função dos vários desdobramentos em curso do Plano Brasil Maior,
que incluem também as áreas de espaço e complexo da defesa. Mostra também que
o setor aeronáutico em todo o mundo tem forte dependência dos respectivos governos nacionais, seja pelas compras governamentais, pelo financiamento ou bolsas de
pesquisa e desenvolvimento tecnológico e financiamentos às exportações. Por fim, o
artigo conclui que o Brasil está evoluindo positivamente nessa direção.
AB S T RA C T
There was a time when Brazil, which is a country proud of the pioneer Santos
Dumont, saw successive, yet unsuccessful attempts at creating a large-scale and
sustainable aircraft industry. This was the pattern until the 1960-70s, when having
an aircraft industry became government policy. Today Embraer, created in 1969 as
a State-owned enterprise and privatized in 1994, is one of the four largest aircraft
manufacturers in the world – along with the US’ Boeing, Europe’s Airbus and
Canada’s Bombardier – contributing directly and positively to Brazil’s trade balance.
This article analyzes the recent evolution of the company, which concentrates most
of the jobs and revenue in this sector, as well as that of Helibras – a helicopter
140 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
manufacturer – and the still small-scale Brazilian aircraft industry supply chain. The
following section then analyzes the outlook for the Sector, the BNDES’ operations
and possible further contributions. The aim is to outline several possibilities to
expand these efforts in light of various developments that have resulted from the
Brasil Maior Plan, which also includes space and defense. Finally, we show that the
aviation sector across the world is heavily dependent on their respective national
governments, either through government direct purchases of products, or research
funding or grants and technological development and export financing. Thus, we
conclude that Brazil has shown positive evolution in this direction.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
141
1 . INTR OD U ÇÃ O
A indústria aeronáutica no Brasil apresenta um paradoxo curioso: se, de um lado, o
povo brasileiro se orgulha de Alberto Santos-Dumont, pioneiro da navegação pelo
ar – com seu Dirigível nº 6 (em Paris, 1901) – e do voo com o avião – o 14-bis (em Paris, 1906) –, de outro lado, foi um país em que a fabricação aeronáutica em grande
escala plantou raízes só tardiamente. Ao longo das primeiras décadas do século XX,
sucessivas tentativas de se criar uma indústria aeronáutica no país, sustentável no
longo prazo, não lograram êxito [Andrade (1976)].
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, diversas novas lições de
geopolítica passaram a compor de maneira definitiva o conhecimento e a experiência humana, principalmente nas questões afeitas à defesa da soberania das
nações. Entre as mudanças de paradigma ocorridas, figurou a constatação de que
somente com o domínio do seu espaço aéreo é que um país exerce, de forma definitiva, a sua soberania. No limite, equivale a dizer que uma nação deve dispor
de indústria aeronáutica própria com produtos destinados tanto ao mercado civil
quanto ao militar.
Isso fez com que as tecnologias associadas ao projeto, à construção, aos ensaios,
à certificação, à operação e à manutenção de aeronaves passassem à posição de
elevada prioridade nacional, mesmo nos países que, antes da Segunda Guerra, não
estavam na proeminência do setor, como a Rússia, a China, a Índia, o Canadá e até
mesmo a Argentina. A despeito da enorme desmobilização de pessoal, aeronaves
e material bélico ocorrida de modo generalizado com o fim do conflito, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento em tecnologia aeronáutica deram um salto
espetacular [Crouch (2004)]. Nesse contexto, também o governo brasileiro passou
a considerar de importância estratégica para o país o domínio da tecnologia aeronáutica. Vem daí a decisão de, nos anos seguintes a 1945, constituir uma escola
de engenharia aeronáutica – o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) – e um
centro de pesquisas e desenvolvimento em seu entorno – o então Centro Técnico
da Aeronáutica (CTA). Com isso, graças à feliz combinação, em um mesmo locus,
de escola de engenharia aeronáutica, institutos de pesquisa e desenvolvimento e
142 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
até mesmo de um instituto encarregado da certificação de material aeronáutico,1
o país pôde dar um salto tecnológico nesse setor em período relativamente curto,
estando hoje entre os quatro principais fabricantes de aeronaves do mundo.
No entanto, em termos de agregação de valor, tão ou mais importantes do
que as etapas de construção e montagem de aeronaves são as etapas que lhes precedem. A primeira delas envolve profunda pesquisa de mercado, usualmente entre clientes e operadores de aeronaves já existentes, para determinar o espaço de
mercado a ser perseguido pela nova aeronave, assim como os principais requisitos
técnicos, operacionais e econômicos desse veículo ainda a ser projetado. Seguem-se
as etapas normais de anteprojeto, projeto preliminar, congelamento do projeto2 e
projeto executivo, a partir do qual se entra na fase de construção do protótipo, seguida dos ensaios em solo e em voo e a certificação aeronáutica. A partir daí é que
se passa à construção e à montagem industrial, que são características da produção
em série de aeronaves civis ou militares.
O BNDES passou a atuar de forma mais proeminente no setor a partir da privatização da Embraer em 1994, ou seja, como uma contrapartida parcial à retirada do
Estado brasileiro da produção aeronáutica. Essa atuação do Banco tem sido realizada ao longo de linhas semelhantes às utilizadas para outros setores industriais, sendo especialmente notável o apoio no financiamento às exportações de aeronaves
brasileiras. No entanto, uma série de desafios já se apresenta no futuro próximo,
vislumbrando-se um papel ainda mais significativo para o BNDES.
O artigo está dividido em seis seções, além desta introdução. Na primeira, mostra-se um panorama do setor aeronáutico no Brasil a partir das décadas de 1960
e 1970, quando o domínio da tecnologia e a industrialização passaram a pautar
políticas de Estado, com destaque para a incorporação da Embraer em 1969. A seção seguinte concentra-se na evolução recente da indústria, após a privatização da
Embraer em 1994, além de apresentar o outro fabricante brasileiro de aeronaves
1
Referência ao Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI) do CTA, que até o surgimento da Agência Nacional de Aviação
Civil (Anac), em 2006, era encarregado da certificação de aeronaves tanto militares quanto civis fabricadas no Brasil.
2
“Congelamento” do projeto refere-se à fase em que este não pode mais sofrer grandes modificações, devendo-se mantê-lo
essencialmente inalterado até e durante a construção do protótipo.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
143
(helicópteros), ou seja, a Helibras. A terceira seção analisa a cadeia produtiva do
setor, que ainda carece de um desenvolvimento mais robusto. Considerando que o
setor é competitivo e estratégico para o país, a quarta seção analisa as perspectivas e os desafios do setor e a quinta seção propõe como poderá se dar o apoio do
BNDES nos próximos anos. À guisa de conclusão, salienta-se a importância da atuação do BNDES como agente estatal de viabilização de políticas públicas, em especial
aquelas propostas no Plano Brasil Maior (PBM).
2 . O D OMÍN IO D A TEC N O L O G I A
E A IN D U STR IA LI ZA Ç Ã O C O M O
P OLÍTIC A S D E ES TA D O 3
De fato, foi somente nas décadas de 1960 e 1970 que a indústria aeronáutica consolidou-se no Brasil. Com a clara percepção de que se desejava chegar à etapa de
industrialização em larga escala [Andrade (1976, p. 270)], os esforços foram afinal
direcionados para a viabilização de aeronaves com utilização imediata nos mercados civil e militar do país. Assim foi que a incorporação, em 1969, da Empresa
Brasileira de Aeronáutica (Embraer), empresa estatal, foi realizada para dar curso
à fabricação de três tipos de aeronaves gestadas previamente no CTA4 [Andrade
(1976, p. 271-274)]:
1.
o EMB-110 Bandeirante (Figura 1), bimotor turboélice com 12 assentos para o
transporte de pessoal, por encomenda da Força Aérea Brasileira (FAB) – as versões civis posteriores chegariam a 19 assentos – no montante inicial de oitenta
unidades (em 18 anos de fabricação, mais de 550 aeronaves do tipo – civis e
militares – seriam entregues em 36 países) [Poder Aéreo (2011)];
2.
o Ipanema, monomotor para pulverização de defensivos agrícolas (em produção até hoje, extensamente modificado); e
3.
3
4
o Urupema, planador de alto desempenho.
Vide Coutinho (2000, p. 21).
Centro Técnico de Aeronáutica, antiga denominação do atual DCTA, órgão do Comando da Aeronáutica.
144 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Logo em seguida, a partir de 1970, a Embraer receberia a encomenda para a
produção de 112 exemplares da aeronave militar a jato de treinamento e ataque
Aermacchi MB-326, de origem italiana, batizada como Xavante na FAB. Isso tinha
por objetivo propiciar à empresa a aquisição de técnicas atualizadas de produção
aeronáutica em larga escala. Um pouco mais à frente, em 1974, a Embraer firmaria um amplo acordo de cooperação com a Piper Aircraft Corporation dos Estados
Unidos, para a produção sob licença no Brasil de dois tipos de aviões bimotores e
três tipos de monomotores leves, todos eles já com razoável histórico de produção
e operação nos Estados Unidos e alhures, com cláusulas de progressiva nacionalização de partes e peças. A importação de modelos concorrentes de outros fabricantes
estrangeiros passou então a ser proibida no Brasil, em nome da economia de divisas
e da proteção à indústria nacional. Os novos aviões foram consagrados na época
com os nomes de Sêneca, Minuano, Carioca e Navajo, entre outros, e a maioria deles também contou com relevantes encomendas da FAB.
Com isso, a Embraer passou a mobilizar recursos de projeto e fabricação aeronáutica inéditos no país, com uma gama diversificada de tipos de aeronaves em
produção. Assim, nos seus primórdios, a Embraer contava com uma combinação de
clientes que vigora até hoje nos demais países que possuem indústria aeronáutica:
parte substancial da produção destinada às compras governamentais – aeronaves
militares – e o restante da produção voltada ao mercado civil. O passo que faltava
foi dado em 1975 e 1976 com as exportações de aeronaves Bandeirante para o Uruguai e o Chile. A seguir, a prova de fogo do Bandeirante no mercado internacional
foi a sua certificação na Inglaterra e nos Estados Unidos, o que permitiu a exportação para aqueles grandes mercados, já como aeronave civil.
O estágio assim atingido, ao fim da década de 1970, permitiu que na década
seguinte a Embraer, sempre com forte apoio governamental, desse um salto de
patamar, perseguindo sua estratégia básica: a produção de aeronaves para nichos
de mercado. Para o mercado civil, concebeu e fabricou nos anos 1980 o EMB-120
Brasília, que também foi adquirido pela FAB (Figura 2). Mais de 350 unidades
foram entregues, nos cinco continentes, de 1983 a 2001. Em 1981, no mercado
militar, os governos do Brasil e da Itália firmaram acordo de cooperação interna-
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
145
cional por meio do qual seus fabricantes aeronáuticos (a saber, Embraer, Aeritalia e Aermacchi) desenvolveriam e fabricariam conjuntamente o AMX. Cerca de
duzentas unidades do AMX foram fabricadas, mais de um quarto delas para integrar a FAB como aeronave de ataque ar-solo.
FIGURA 1 O EMB-110 BANDEIRANTE
Foto cedida pela Embraer
FIGURA 2 O EMB-120 BRASÍLIA
Foto cedida pela Embraer
146 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Assim, a década de 1980 significou para a Embraer a consolidação do seu modelo institucional: recebendo pesados investimentos governamentais em função do
Programa AMX, firmou-se no mercado civil internacional ao obter grande sucesso
com o Brasília. Do ponto de vista do empreendimento, isso significou vultosos investimentos em máquinas e equipamentos de última geração, investimentos em
treinamento e capacitação de seu pessoal – inclusive no exterior – e o domínio de
novas tecnologias aeronáuticas. Entre essas novas tecnologias, podem ser citadas a
de materiais compostos, via acordos com fabricantes americanos como Sikorsky e
McDonnell Douglas [Bernardes (2000, p. 31 e 308), a de software embarcado (para
o AMX) e a da primeira geração de projetos digitalizados em computador (tecnologia CAD/CAM).
No entanto, segundo importante estudo concluído em 2008 [Gargiulo (2008)],
no período estatal da Embraer, de 1969 a 1994, o fluxo de caixa para o principal
acionista – a União Federal, com 95% do capital votante e 86,8% do capital total –
foi negativo, incluindo-se as receitas da privatização. Considerando-se os diversos
aportes de capital feitos ao longo desse período estatal, o estudo conclui que:
Deve ser destacado a este respeito que o objetivo do controlador
(União), neste período, estava relacionado às externalidades geradas
pela Embraer. Seu retorno se materializou, entre outros, na absorção/
desenvolvimento de tecnologia, na criação de capacitação gerencial
(organização da fabricação e estrutura comercial), no desenvolvimento da rede de fornecedores e subcontratados, bem como na qualificação de mão de obra, decorrentes do esforço para a criação da
empresa. Esses fatores permitiram a inserção do país num mercado
em que a entrada é significativamente limitada por (além dos elevados dispêndios de capital necessários) exigir atendimento a elevados
níveis de requisitos em termos de segurança, qualidade e confiabilidade. Além desses aspectos, devem ser destacados os resultados em
termos de geração de empregos qualificados (diretos e indiretos),
renda, e de arrecadação de impostos.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
147
Como no início da década de 1990, o contexto político e econômico do país já
indicava o fim do apoio financeiro governamental às empresas estatais, a Embraer
foi então incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND), vindo a ser privatizada em dezembro de 1994. Os novos controladores fizeram aportes de capital
vultosos no início, da ordem de US$ 500 milhões [Gargiulo (2008)], para terminar
o desenvolvimento do jato regional de cinquenta assentos ERJ-1455 e restabelecer
a capacidade tecnológica e fabril da empresa. O BNDES também deu a sua contribuição, tanto com seus instrumentos de renda fixa como de renda variável. Mais
adiante, a partir de 1997, o braço de comércio exterior do BNDES também procedeu ao financiamento às exportações de aeronaves da Embraer, em linha com o
que ocorre nos demais países fabricantes de aeronaves, no que diz respeito a agências de crédito oficial às exportações.
Assim, o Estado brasileiro retirou-se formalmente do projeto e da fabricação de aeronaves, mas manteve integralmente a capacidade de certificação de
produtos e serviços da indústria aeronáutica brasileira (então competência do
CTA),6 de importância basilar para o setor. Já o apoio financeiro governamental
passou à esfera do banco estatal de desenvolvimento, dando-lhe a natureza de
operação bancária, conjugada com investimento a risco (por meio da BNDESPAR),
às quais veio a se somar o crédito à exportação (por meio do BNDES Exim).
Mais recentemente, nos últimos dez anos, juntaram-se ao BNDES as agências
governamentais Finep7 e Fapesp8 no financiamento a pesquisa e desenvolvimento. Isso deslocou a importância relativa das rubricas de reaparelhamento da
FAB contidas no Orçamento Geral da União. Houve, pois, um deslocamento no
arranjo de poder, no que se refere às instituições brasileiras que participam de
forma mais ampla dessa indústria.
5
Dos quais aproximadamente 1.100 unidades – nas diversas versões – viriam a ser construídas e entregues de 1997 a 2010,
configurando, portanto, um grande sucesso comercial internacional.
6
Desde 2006 essa competência é da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
7
Financiadora de Estudos e Projetos, órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
8
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, agência estadual paulista.
148 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
3 . A EVOLU ÇÃ O R EC EN TE D O S ETO R
Os anos subsequentes à privatização da Embraer a alçaram ao status de empresa
global, com operações fabris, de pesquisa e desenvolvimento, apoio técnico ou de
inteligência de mercado espalhadas por todo o planeta (Figura 3).
FIGURA 3 A EMBRAER NO MUNDO
FRANÇA
Villepinte
Le Bourget
EUA
Nashville
Fort Lauderdale
CHINA
Pequim
Harbin
PORTUGAL
Alverca
BRASIL
Gavião Peixoto
Botucatu
São José dos Campos
CINGAPURA
Cingapura
Fonte: Embraer (2011a).
Obs.: A Embraer tem unidades fabris no Brasil, em Portugal, nos Estados Unidos e na China, além de unidades de assistência técnica
espalhadas pelo mundo, empresa de leasing de aeronaves na Irlanda e escritórios de vendas e inteligência de mercado na França,
nos Estados Unidos e em Cingapura.
A empresa brasileira integra, assim, o clube que congrega os quatro maiores
fabricantes de aeronaves do mundo, junto com a Boeing (Estados Unidos), a Airbus
(Alemanha, França, Inglaterra e Espanha) e a Bombardier (Canadá) (vide Apêndice). Ao longo das duas últimas décadas, em virtude do processo de consolidação
industrial resultante do fim da Guerra Fria, esses quatro fabricantes sobreviventes
(e consolidadores) organizaram-se na forma de dois duopólios para o mercado civil:
Airbus e Boeing, para aeronaves a jato essencialmente de 130 a 500+ assentos, e
Bombardier e Embraer, para jatos de 37 a 120+ assentos, originalmente chamados
de regionais, mas que hoje operam em todos os tipos de rotas e empresas.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
149
Dessa forma, o setor de indústria aeronáutica de jatos comerciais no Brasil caracteriza-se por um fabricante – a Embraer – que concentra a maioria dos empregos
e das receitas do setor. Portanto, o exame do desempenho recente da Embraer é de
fundamental importância para embasar a análise do setor.
Para avaliar adequadamente o desempenho de um fabricante de aeronaves,
é preciso entender o seu “ciclo de produto”: os tipos de aeronaves que a empresa
concebe, projeta, constrói e comercializa – no estado da arte9 então existente – e
que terão uma fase de crescimento nas vendas, seguida de estabilização e, por fim,
de declínio. A sustentabilidade da empresa no longo prazo só se verifica se, antes
mesmo que determinado tipo de aeronave tenha atingido seu ápice de vendas, as
áreas de inteligência de mercado e engenharia da empresa já estiverem envolvidas
na concepção do novo tipo de aeronave no estado da arte.
Um novo tipo de aeronave demanda, normalmente, entre dois e quatro anos
para ser projetado, construído, certificado e começar a ser entregue ao mercado.
Versões de aeronaves já existentes, mas que tenham sido aprimoradas, alongadas
(com mais assentos), encurtadas (com menos assentos) ou que ofereçam mais alcance demandam um time-to-market que raramente excede dois anos.
Assim, para o mercado de aeronaves civis, o sucesso ao longo do tempo e dos
ciclos econômicos de um fabricante aeronáutico depende, em larga medida, do
manejo dos ciclos de seus produtos e do gerenciamento dos investimentos a eles
associados. Já para o mercado militar, tem-se um quadro com mais estabilidade e
previsibilidade, na medida em que o fabricante responde às solicitações de projeto,
construção, certificação e fabricação em série de novas aeronaves com o respaldo
orçamentário e financeiro do governo demandante. Vai daí que boa parte dos fabricantes de aeronaves hoje existentes dedica-se exclusivamente ao mercado militar, casos da Lockheed-Martin, BAE Systems e Northrop-Grumman, ou procura ter
uma atuação adequadamente balanceada nos dois mercados, como a Boeing e a
Airbus, esta última em conjunto com sua holding EADS.
9
É importante que estado da arte seja aqui entendido no seu sentido mais amplo possível, isto é, a tecnologia incorporada à
aeronave, o custo de aquisição por assento, o consumo de combustível, o desempenho de decolagem, pouso e em rota e até
mesmo os pesos vazios e máximos de decolagem certificados.
150 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Os fatores acima delineados ajudam a explicar o desempenho da Embraer
no período pós-privatização, ou seja, após dezembro de 1994, conforme se pode
inferir do Gráfico 1.
GRÁFICO 1 EMBRAER – ATIVO TOTAL E RECEITA OPERACIONAL LÍQUIDA (ROL) (EM MILHÕES DE US$)
10.000
9.000
8.000
US$ MILHÕES
7.000
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
1994
1995
1996
Ativo total (AT)
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
ROL
Fonte: Embraer (2011b).
Nos anos seguintes à privatização da Embraer (1994), os esforços dos novos
controladores concentraram-se na conclusão do projeto e na certificação do novo
tipo de aeronave, o jato regional de cinquenta assentos ERJ-145. Isso porque o
turboélice EMB-120 Brasília, de trinta assentos, já era um produto em declínio no
seu ciclo de produto, com vendas e entregas decrescentes. Assim, somente com a
comercialização do ERJ-145 – iniciada em dezembro de 1996, mas que só adquiriu
massa crítica a partir do fim de 1997 com os maciços financiamentos à exportação
proporcionados pelo BNDES – é que a receita da empresa pôde mudar de patamar.
Naturalmente, isso ocorreu em paralelo aos novos investimentos em ativos requeridos para o (re)deslanche industrial da empresa, que contou também com a participação do BNDES em complemento aos aportes feitos pelos novos controladores,
como visto na seção anterior. Tal quadro gerou reflexos positivos nos resultados da
empresa, conforme o Gráfico 2.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
151
GRÁFICO 2 EMBRAER: LUCRO LÍQUIDO E DIVIDENDOS DISTRIBUÍDOS
150
600
132%
125
100
300
US$ MILHÕES
75
61%
62%
50
150
34%
16%
0
1994
1995
1996
1997
1998
42%
39%
39%
38%
34%
26%
17%
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
25%
2009
14%
2010 2011
25
DIVIDENDOS/LUCRO LÍQUIDO (%)
450
0
-150
-25
-50
-300
Lucro líquido (LL)
Dividendos (DIV)
% do LL
Fonte: Embraer (2011b).
Assim, a grande aceitação do ERJ-145 – em suas diversas versões – pelo mercado internacional proporcionou à Embraer um crescimento de receita e um
resultado líquido muito bom até 2001. Nesse ano, a margem líquida superou
os 15%, tornando a Embraer um dos fabricantes aeronáuticos mais lucrativos
do mundo, sete anos após a sua privatização e cinco após o início do apoio do
BNDES à empresa.
Nos dois anos seguintes – 2002 e 2003 –, houve uma queda significativa nos
indicadores de ROL, lucro, margem etc., por uma conjugação de fatores concomitantes: (i) o arrefecimento da atividade econômica que já vinha ocorrendo desde o
ano 2000, principalmente nos Estados Unidos (na época, rotulado de “a bolha da
internet”), a qual diminuiu os pedidos por novas aeronaves a serem entregues no
período em análise; (ii) o impacto no transporte aéreo dos Estados Unidos e da Europa pelos trágicos eventos de 11 de setembro de 2001, gerando cancelamentos e
postergações de entregas de aeronaves em todos os fabricantes de aeronaves civis.
No caso da Embraer, ainda seria lícito acrescentar, à lista de fatores, o fato de que
o ciclo do produto do ERJ-145 já havia passado o seu ápice, enquanto o novo tipo
152 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
de aeronave – a família dos E-Jets, lançada oficialmente em 1999 – ainda estava em
desenvolvimento (as primeiras entregas só viriam a ocorrer em 2004).
Assim, nos três anos seguintes – 2004-2006 –, ao mesmo tempo em que as vendas e entregas do ERJ-145 assumiam caráter mais residual, a família dos E-Jets se
consolidava com as certificações e o início das entregas, sucessivamente, do E-170,
E-175, E-190 e E-195, com capacidade para setenta a 120 assentos (Figura 4).
FIGURA 4 A FAMÍLIA DOS E-JETS COMPREENDE QUATRO TIPOS DE AERONAVES, COM CAPACIDADE PARA
SETENTA A 120 ASSENTOS
Foto cedida pela Embraer
Portanto, se a consolidação dos E-Jets alçou o faturamento da Embraer ao novo
patamar de US$ 4 bilhões em 2004-2006 (com uma recuperação correspondente no
resultado líquido, conforme gráficos 1 e 2), as condições favoráveis da economia
mundial em geral, e a recuperação no tráfego e nos resultados das empresas aéreas
em particular, levaram a Embraer a galgar o novo patamar de US$ 6 bilhões em 2008.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
153
Evidentemente, tal trajetória de sucesso teria de ser interrompida nos dois anos
seguintes (2009-2010), em função da crise financeira e econômica que se abateu
sobre boa parte do planeta, afetando todos os fabricantes de aeronaves.
No caso da Embraer, a crise trouxe um impacto adicional. Desde o ano 2000, a
empresa vinha, paulatinamente, desenvolvendo o seu braço de aviação executiva,
para reduzir a dependência do mercado dos jatos comerciais, que são adquiridos
naturalmente por empresas aéreas. Tal iniciativa estratégica teve início com a produção de aeronaves executivas derivadas dos jatos comerciais, como o Legacy 600
(derivado do jato regional ERJ-135), para até 16 ocupantes, e o Lineage 1000 (derivado do E-190), para, tipicamente, 19 ocupantes com elevado nível de conforto em
viagens intercontinentais. Assim, já no fim de 2008 a Embraer começou a entregar
o Phenom 100, um tipo de aeronave inteiramente novo e no estado da arte, para
quatro a sete ocupantes. Juntamente com o seu irmão maior, o Phenom 300, para
oito a nove ocupantes e cujas entregas se iniciaram em dezembro de 2009, ele
compõe os nichos de mercado denominados de very light jets e light jets, respectivamente (figuras 5 e 6).
FIGURAS 5 E 6 OS DOIS NOVOS TIPOS DE AERONAVES EXECUTIVAS DA EMBRAER, O PHENOM 100 E O
PHENOM 300
154 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Fotos cedidas pela Embraer
Os efeitos da crise seriam sentidos, de forma mais acentuada no segmento de aeronaves executivas do que no de jatos comerciais, quanto às entregas previstas no ano
versus entregas efetivamente realizadas. Com os efeitos combinados dessas reduções
de entregas, tanto de E-Jets quanto de Phenoms, o faturamento da Embraer caiu cerca
de 10%, o lucro líquido continuou oscilando em torno de US$ 400 milhões, mas os dividendos pagos aos acionistas despencaram de 61% para 14% (gráficos 1, 2 e 3).
GRÁFICO 3 EMBRAER: EVOLUÇÃO DAS ENTREGAS DE JATOS
62%
250
Nº DE JATOS ENTREGUES NO ANO
200
39
150
3
119
145
8
10
99
36
14
21
100
32
14
157
165
153
134
121
50
96
133
120
125
98
87
101
105
2010
2011
60
4
32
1996
1997
Linha comercial
Fonte: Embraer (2011b)
1998
1999
2000
Linha executiva
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
155
Nesse ambiente de incertezas, o fato concreto é que a Embraer manteve a liderança mundial conquistada no segmento dos jatos comerciais de até 122 assentos
(Gráfico 4).
GRÁFICO 4 FATIAS DO MERCADO GLOBAL DE JATOS PARA 61 A 120 PASSAGEIROS RELATIVAS A PEDIDOS
ACUMULADOS ATÉ DEZEMBRO 2011
50
40
30
20
10
0
2000
2001
Embraer
2002
2003
Bombardier
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Outros
Fonte: Embraer (2011b).
O corolário da constatação de que a Embraer detém uma fatia de mercado superior a 40% no mercado dos jatos comerciais de 61 a 120 assentos é o fato de que
seu mercado de atuação é, virtualmente, o mundo inteiro, da mesma forma como
ocorre com a americana Boeing, a europeia Airbus e a canadense Bombardier, esta
última a concorrente direta, por excelência, da Embraer. Isso significa que um percentual elevado das vendas realizadas pela Embraer – raramente inferior a 90% –
tem como destino o exterior. Isso, evidentemente, traz contribuição positiva para a
balança comercial brasileira: a empresa tem sido responsável por 3% a 5% do total
das exportações brasileiras nos últimos dez anos.
É importante notar, porém, que a Embraer é também grande importadora de
componentes – partes e peças – fabricadas no exterior (Gráfico 5).
156 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 5 SALDO COMERCIAL DA EMPRESA EMBRAER
6.000
5.000
EM US$ MILHÕES
4.000
3.000
2.000
1.000
1999
2000
Exportações
2001
Importações
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
1S/2010
Saldo comercial
Fonte: Embraer (2011b).
Nesse processo, a empresa é a principal responsável pela geração de emprego e
renda nesse setor de alta tecnologia, que gera produtos de altíssimo valor agregado (Gráfico 6). E é importante notar que tal agregação de valor tem rebatimentos
para além do que é exclusiva responsabilidade da própria Embraer, na medida em
que sua rede de fornecedores e parceiros industriais tem de acompanhá-la pari
passu na vanguarda da tecnologia aeronáutica.
Como se pode notar, foi significativo o impacto da crise iniciada em 2007-2008
nos empregos gerados pela Embraer. Porém, é importante observar que um fabricante aeronáutico não tem produtos para pronta entrega: a aeronave contratada
hoje, dependendo do backlog (carteira das aeronaves contratadas como pedidos
firmes, com prazo de entrega estipulado) acumulado, só será efetivamente entregue, dependendo do modelo e da demanda, daqui a 12, 18, ou 24 meses, não
sendo raros os casos de até 36 meses (estes principalmente nos casos de Boeing e
Airbus). Ora, a crise fez despencar o tráfego de passageiros e carga em boa parte
do mundo. Consequentemente, as empresas aéreas cancelaram ou adiaram o recebimento de novas aeronaves. Para um fabricante como a Embraer, isso significou
NÚMERO DE JATOS COMERCIAIS
245
258
273
245
250
250
0
0
0
0
abr. 2003
jan. 2004 8
Entregas
Fonte: Embraer (2011b).
Backlog
455
292
137
163
184
209
229
jan. 2006
fev. 2006
mar. 2006
abr. 2006
jan. 2007
671
699
719
742
770
jan. 2008
fev. 2008
mar. 2008
abr. 2008
jan. 2009
fev. 2009
mar. 2009
abr. 2009
jan. 2010
fev. 2010
mar. 2010
abr. 2010
jan. 2011
fev. 2011
mar. 2011
234
248
261
268
1.000
1.036
1.018
1.003
987
947
916
882
861
17.149
17.265
23.509
16.853
23.734
19.265
16.953
14.658
12.941
2008
248
877
862
2007
245
230
236
257
882
875
2006
295
328
876
865
2005
354
386
419
847
835
2004
437
466
764
718
2003
430
20.000
802
652
abr. 2007
655
800
426
12.227
25.000
abr. 2011
605
625
446
582
410
554
369
521
334
490
292
399
256
fev. 2007
2002
mar. 2007
630
619
11.048
10.334
8.302
6.737
15.000
401
2001
410
600
543
2000
359
452
315
118
abr. 2005
440
427
335
1999
322
412
346
1998
92
1997
fev. 2005 66
357
301
jan. 2005 56
4.494
3.849
10.000
mar. 2005
343
297
abr. 2004 46
400
325
1996
289
1995
mar. 2004 36
6.087
4.319
5.000
fev. 2004 23
244
245
245
jan. 2003
244
0
fev. 2003
118 118
0
mar. 2003
112 112
0
abr. 2002
1994
88 88
112 112
0
fev. 2002
200
mar. 2002
NÚMERO DE EMPREGADOS DA EMBRAER
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
157
“consumir o backlog”, ou seja, o número das entregas no ano foi superior ao de
novos pedidos firmes registrados (Gráfico 7).
GRÁFICO 6 EMBRAER: EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE EMPREGADOS
2009
2010
2011
Fonte: Embraer (2011b).
GRÁFICO 7 EVOLUÇÃO DAS ENTREGAS E PEDIDOS FIRMES EM CARTEIRA (“BACKLOG”) DE E-JETS
1.200
158 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Assim, o chamado “consumo do backlog” gera uma natural preocupação, entre
outras, com a manutenção dos empregos de alto nível gerados pela indústria aeronáutica. Afinal de contas, para uma empresa que fatura em torno de US$ 6 bilhões por ano
e chegou a ter quase 24 mil empregados, isso significa, de cada um deles, uma contribuição anual de US$ 250 mil, um valor bem acima do da maioria dos setores industriais.
Dessa forma, a manutenção – ou mesmo a expansão – no número de empregados está
intimamente atrelada a um backlog estável ou crescente (Gráfico 8).
GRÁFICO 8 EVOLUÇÃO DE BACKLOG E NÚMERO DE EMPREGADOS
500
466
28
426
410
437
430
386
26
24
289
22
244 245 245 250
297
359
335
301
23,9
23,7
23,8
23,9
23,7
23,5
23,4
292
268
257
236 230
19,3
18,3
17,5
16,9 17,0 17,017,1
16,4
112 112 118
88
245 248
300
261
248
234
150
100
12,9
12,6
12,2 12,4
12,2
12,4
50
11,3
Empregados
abr. 2011
fev. 2011
mar. 2011
jan. 2011
abr. 2010
fev. 2010
mar. 2010
jan. 2010
abr. 2009
fev. 2009
mar. 2009
jan. 2009
abr. 2008
fev. 2008
mar. 2008
jan. 2008
abr. 2007
fev. 2007
mar. 2007
jan. 2007
abr. 2006
fev. 2006
mar. 2006
jan. 2006
abr. 2005
fev. 2005
mar. 2005
jan. 2005
abr. 2004
fev. 2004
mar. 2004
jan. 2004
abr. 2003
fev. 2003
mar. 2003
0
jan. 2003
fev. 2002
250
200
17,4 17,2
17,0 17,117,3 17,217,2
16,9
17,0
16,8 16,8
14,6
14,214,5
14,1
12
10
295
21,0
abr. 2002
14
350
328
322 315
250
18
16
400
354
20
mar. 2002
Nº DE EMPREGADOS X 1.000
346
450
419
401 399
Nº DE JATOS COMERCIAIS NO BACKLOG
30
Backlog
Fonte: Embraer (2011b).
Portanto, o significado da crise no Brasil, como se conclui pelos gráficos mostrados, foi que a Embraer teve uma redução de faturamento da ordem de 10%,
manteve a lucratividade na faixa dos anos anteriores, desempregou mais de cinco
mil pessoas e reduziu a distribuição de resultados (aos seus acionistas) aos percentuais mínimos legais. Apesar disso, a redução dos investimentos em pesquisa & desenvolvimento (P&D) e em ativos fixos não foi dramática (Gráfico 9). Caso o fosse,
isso poderia comprometer o futuro da empresa, mas o ocorrido também sinaliza a
necessidade de retomada no curto prazo.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
159
GRÁFICO 9 EMBRAER: INVESTIMENTOS EM P&D & ATIVOS FIXOS
217
234
151
144
51
70
74
73
45
68
73
88
103
113
162
173
158
142
155
114
122
140
70
EM US$ MILHÕES
210
197
213
239
280
2000
2001
P&D
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Ativos fixos
Fonte: Embraer (2011b).
Além da Embraer, o outro fabricante brasileiro/nacional de aeronaves – helicópteros –, que tem se mantido ativo no mercado pelas últimas três décadas, é a
Helibras, localizada em Itajubá (MG). Como empresa de capital fechado, seus dados
operacionais e econômico-financeiros não são divulgados publicamente. Porém, a
empresa divulga alguns resultados básicos: desde 1979 entregou cerca de 500 helicópteros no mercado brasileiro, 70% dos quais do modelo Esquilo, helicóptero
monoturbina leve para cinco a seis passageiros (Figura 7), faturou R$ 357 milhões
em 2009 e emprega mais de 300 profissionais, estando capacitada a produzir até
trinta helicópteros por ano [Helibras (2011a)].
No Brasil, os usos civis principais para esse tipo de aeronave são o transporte
executivo em geral, o transporte de pessoal entre o continente e as plataformas
de exploração de petróleo em alto mar – o chamado transporte offshore – e o emprego em apoio a atividades de defesa civil e forças de segurança pública. Nesse
contexto, a Helibras detém uma fatia de cerca de 50% do mercado brasileiro de
helicópteros mono ou biturbina, distribuídos da seguinte forma: 46% do mercado
executivo, 30% do offshore, 81% dos helicópteros para uso em defesa civil e segu-
160 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
rança pública e 66% dos de uso militar [Helibras (2011a)]. Os helicópteros produzidos por outros fabricantes no exterior – entre os quais, Sikorsky, Bell e Robinson – e
que operam no Brasil são importados como aparelhos prontos e acabados.
FIGURA 7 O HELICÓPTERO AS 350B2 ESQUILO, PRODUZIDO PELA HELIBRAS
Foto cedida pela Helibras
A Helibras é uma subsidiária da empresa de origem franco-alemã Eurocopter,
parte do conglomerado europeu European Aeronautic Defence and Space Company (EADS NV), maior grupo aeroespacial e de defesa europeu. Essa condição,
aliada ao fato de que o estado de Minas Gerais foi, desde o início, um sócio minoritário (o grupo Bueinvest é atualmente o outro sócio minoritário), fez com que a
Helibras tivesse sustentabilidade no mercado brasileiro, por mais de três décadas,
independentemente dos ciclos econômicos e das oscilações de demanda.
Por outro lado, com a alegação de que o mercado brasileiro ainda não justificaria investimentos mais pesados, não se logrou implementar um programa que
levasse à progressiva nacionalização de partes, peças e componentes, ou mesmo
dotasse a empresa da capacidade em engenharia necessária para a concepção, o
projeto e a produção de helicópteros no país. Dessa forma, restou à Helibras o pa-
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
161
pel de montadora desse tipo de aeronave, a partir de componentes importados da
matriz e de seus fornecedores, com um percentual mínimo de itens efetivamente
nacionalizados.
Tal quadro deve, no entanto, ter uma evolução mais positiva nos próximos anos
em função do contrato de fornecimento firmado entre o governo federal e a Helibras/Eurocopter para o fornecimento de cinquenta helicópteros de grande porte
EC-725 às três Forças Armadas brasileiras. Um plano de nacionalização progressiva
dessas aeronaves faz parte do contrato. Também como decorrência de tal contrato,
estão previstos investimentos de aproximadamente US$ 450 milhões para a expansão da planta industrial atual, transferência de tecnologia, duplicação da capacidade instalada e geração de mais 300 empregos diretos [Meio Aéreo (2011)]. O plano
acertado é que tais iniciativas – que contam com a participação da Prefeitura de
Itajubá – resultem no chamado Polo Aeronáutico de Itajubá, com a instalação de
empresas associadas à cadeia produtiva de helicópteros.
A dissonância assim constatada entre as trajetórias da Embraer e da Helibras reforça ainda mais a importância do respaldo governamental continuado a esse setor,
de forma geral, e à Embraer, em particular. Sem esse apoio, guardadas as devidas
proporções, é lícito concluir que nem a primeira ocuparia o espaço na arena global
que hoje ocupa, nem a segunda teria mesmo sobrevivido. Muito menos qualquer
das duas teria alcançado o estágio tecnológico de que hoje dispõem e que qualifica
ambas para os desafios que o século XXI apresenta.
4 . A CA D EIA PR ODU TI VA
Para além da Embraer e da Helibras, a cadeia produtiva da indústria aeronáutica
brasileira é um segmento que ainda carece de um desenvolvimento mais robusto,
seguindo-se os caminhos já trilhados em outros países [Migon e Pinto (2006)].
Atendo-se, por exemplo, apenas à distribuição do número de empregos gerados,
a Tabela 1 mostra a desproporção entre a Embraer e o restante da cadeia produtiva
aeronáutica brasileira. Tal desproporção fica ainda mais evidente quando comparada
com as cadeias produtivas dos outros principais países fabricantes de aeronaves.
162 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
TABELA 1 NÚMERO DE EMPREGOS NO SETOR E NO PRINCIPAL FABRICANTE (“INTEGRADOR”),
COMPILADO PELA ASSOCIAÇÃO DAS INDÚSTRIAS AERONÁUTICAS DE CADA PAÍS
ASSOCIAÇÃO DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA
NÚMERO DE EMPREGOS
AIAB
AIA
AIAC
ASD
27.000
657.100
80.000
640.900
21.400
160.000
32.000
2008
2008
2009
INTEGRADOR
NÚMERO DE EMPREGOS
ANO-REFERÊNCIA
52.000
2006
Fonte: AIAB.
Nota: AIAB – Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil; AIA – Aerospace Industries Association; AIAC – Aerospace Industry
Association of Canada; ASD – Aerospace and Defense Industries Association of Europe.
Segundo levantamento feito em estudo da Unicamp [Migon e Montoro (2009)],
sob encomenda do BNDES, trata-se de um universo de pouco mais de cinquenta empresas com algum envolvimento em produção ou processos aeronáuticos. Destas, pouco mais de vinte têm, de fato, envolvimento contínuo e focado no setor, fornecendo
itens ou prestando serviços para a Embraer (eventualmente também para a Helibras),
outros fabricantes de aeronaves ou de aeropeças no Brasil e no exterior. As de capital
nacional são, essencialmente, micro, pequenas e médias empresas (MPMEs).
Quanto às empresas de capital estrangeiro, a Embraer deslanchou, a partir de
1999, o Programa de Expansão da Indústria Aeronáutica Brasileira (PEIAB). O objetivo era atrair para o país tradicionais parceiros e fornecedores para ter de fato um
setor industrial aeronáutico, para além da fabricante de aeronaves. Infelizmente, tal
iniciativa teve resultados limitados, abaixo das expectativas. As unidades fabris das
duas principais envolvidas – a alemã Liebherr (trem de pouso, sistemas mecânicos
etc.) e a japonesa Kawasaki (fabricação de asas) – acabaram sendo adquiridas pela
própria Embraer, pois ambas as empresas decidiram sair do setor aeronáutico no país.
Já a Sobraer – fabricante de componentes estruturais de aeronaves, subsidiária do
grupo belga Sonaca – veio para o Brasil como parte do offset10 gerado pela compra
da aeronave presidencial Airbus em 2004 e tem sido relativamente bem-sucedida.
10
Offset significa a contrapartida em investimentos e compras realizadas no país comprador da aeronave – no caso, o Brasil – por
parte dos países exportadores – no caso, os países envolvidos com a Airbus.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
163
Assim, um exame do desempenho consolidado da indústria aeronáutica e que inclui
ainda o setor espacial – notadamente sua balança comercial setorial (Gráfico 10) – revela variações marginais nos indicadores já apresentados para a Embraer (Gráfico 5). Ou
seja, se as exportações aumentam por pequena margem, as importações aumentam de
forma mais significativa, o que aponta o potencial existente para o adensamento da
cadeia produtiva.
GRÁFICO 10 INDÚSTRIA AEROESPACIAL BRASILEIRA – BALANÇA COMERCIAL
7.000
6.000
EM US$ MILHÕES
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
-
-1.000
1996
1997
Exportações
1998
1999
Importações
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Balança comercial
Fonte: Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Secex/MDIC).
Nos países concorrentes do Brasil, é usual acrescentar ainda – aos setores aeronáutico e espacial (Gráfico 10) – a contribuição do segmento fabricante de material
de defesa, em função das sinergias existentes e do simples fato de que boa parte
dos fabricantes aeronáuticos produz material de defesa como parte substancial de
seu faturamento. Tal consolidação de setores industriais é conhecida pela sigla universal de A & D (aerospace & defense).
A Tabela 2 mostra os dados de desempenho de A & D no país, de acordo com
levantamento realizado pela AIAB, assim como as contribuições de cada um dos segmentos assim reunidos. Apesar de o segmento aeronáutico ser ainda preponderante,
a evolução recente aponta para um crescimento importante do segmento de defesa,
164 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
enquanto o setor espacial – fortemente dependente de encomendas governamentais –
mantém-se estagnado. Já o declínio relativo do percentual exportado reflete as vendas
de aeronaves da Embraer no mercado doméstico, que cresceram tanto no segmento
de jatos comerciais como no de jatos executivos, estas últimas fomentadas pelo financiamento disponibilizado pelo Programa de Suporte ao Investimento (PSI) do BNDES.
TABELA 2 DESEMPENHO RECENTE DO SETOR DE A&D NO BRASIL
2006
2007
2008
2009
2010
RECEITAS (US$ BILHÕES)
4,3
6,2
7,55
6,76
6,7
FATIA DO PIB INDUSTRIAL (%)
1,5
1,9
2,02
2,00
n.d.
3,9
5,6
6,74
5,14
4,99
22.000
25.200
27.100
24.000
22.600
AERONÁUTICA
90,8
91,3
89,13
87,55
82
DEFESA
5,78
6,6
8,79
8,8
12,83
ESPACIAL
0,41
0,4
0,57
0,44
0,5
EXPORTAÇÕES (US$ BILHÕES)
EMPREGOS
SEGMENTAÇÃO RECEITAS (%)
OUTROS
EXPORTAÇÕES/RECEITAS (%)
-----
1,7
1,51
3,21
4,67
90,5
90,8
89,2
74
73,8
Fonte: AIAB.
Por outro lado, se o desempenho recente do setor aeroespacial for comparado
com o de outros, também intensivos em tecnologia, então seu histórico exportador
consistente o coloca como o único a apresentar resultado positivo no que tange à
geração líquida de divisas (GLD), conforme o Gráfico 11. No caso do Brasil, isso não
é, evidentemente, um feito desprezível.
O quadro apresentado nas seções anteriores fundamenta os esforços realizados
pelo BNDES, desde 2004, e por diversos ministérios do governo federal, desde 2008,
e no âmbito do atual Plano Brasil Maior (PBM), para o chamado adensamento da
cadeia produtiva da indústria aeronáutica brasileira. Isso se tem dado essencialmente por mecanismos de facilitação de acesso ao crédito, tais como o Programa BNDES
Pro-Aeronáutica. O objetivo é fomentar o desenvolvimento, no país, de uma cadeia de
fornecedores e parceiros da Embraer, que poderiam se tornar fornecedores de outros
fabricantes no Brasil ou no exterior, sejam eles empreendimentos pequenos ou médios,
filiais de fornecedores estrangeiros ou mesmo joint ventures entre ambos os tipos.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
165
US$ MILHÕES FOB
GRÁFICO 11 GERAÇÃO LÍQUIDA DE DIVISAS (GLD) DE SETORES INDUSTRIAIS DE ALTA TECNOLOGIA NO BRASIL
2.000
0
-2.000
-4.000
-6.000
-8.000
-10.000
-12.000
-14.000
-16.000
-18.000
-20.000
-22.000
-24.000
-26.000
-28.000
-30.000
2001
2002
Aeronáutica
e aeroespacial
1.943
1.608
Farmacêutica
(2.132)
(1.888)
Material de escritório
e informática
(1.433)
Equipamentos de rádio,
TV e comunicação
2003
2004
2005
1.755
1.745
1.326
1.784
1.114
(1.781)
(2.093)
(2.281)
(2.718)
(3.764)
(4.642)
(4.566)
(6.378)
(1.169)
(1.050)
(1.232)
(1.550)
(2.222)
(2.383)
(3.104)
(2.735)
(3.761)
(3.292)
(1.454)
(1.910)
(3.968)
(3.884)
(5.295)
(6.629)
(9.786)
(7.056)
(11.394)
Instrumentos médicos
de ótica e precisão
(1.928)
(1.621)
(1.545)
(2.009)
(2.408)
(2.930)
(4.052)
(5.513)
(4.475)
(5.646)
Saldo comercial:
saldo da indústria
de alta tecnologia
(6.842)
(4.525)
(5.296)
(7.548)
(8.377)
(11.839)
(15.044)
(21.932)
(18.431)
(26.498)
990
2006
2007
2008
2009
401
2010
681
Fonte: Secex/MDIC.
Diversas outras entidades têm se mobilizado, notadamente na região do Vale do
Paraíba, no entorno de São José dos Campos (SP), para que fique ali caracterizado, e
implantado, o arranjo produtivo local (APL) do setor aeroespacial brasileiro. O BNDES
tem colaborado com as iniciativas em curso, que contam ainda com a participação
da Prefeitura de São José dos Campos, do Centro para a Competitividade e Inovação
do Cone Leste Paulista (Cecompi), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (Sebrae), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), da
Embraer e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), entre outros. O Parque Tecnológico de São José dos Campos [Prefeitura de São José dos Campos (2011)] é um dos
resultados concretos dessa parceria voltada essencialmente para a capacitação tecnológica tão necessária ao setor. Iniciativas semelhantes estão em curso em São Carlos
(SP), em função do papel nucleador desempenhado pela universidade federal e pela
universidade estadual lá presentes (esta última conta com graduação e pós-graduação
em engenharia aeronáutica), e em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), que também dispõe do curso de engenharia aeronáutica.
166 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Claramente, muito ainda resta a ser feito e investido, para que o país venha
a dispor de uma cadeia produtiva densa o suficiente para se equiparar ao nível já
alcançado pelas aeronaves que são entregues prontas a seus clientes, por parte de
seus dois fabricantes principais, Embraer e Helibras.
5 . P ER SPECTIVA S PA R A O S ETO R
Quando se analisa o conjunto da indústria aeronáutica mundial, a tendência contemporânea mais evidente é de que países – e não corporações ou investidores privados –
tracem políticas públicas com vistas a dominar o ciclo completo da indústria e da tecnologia aeronáuticas. E isso na sua vertente mais desafiadora na atualidade: a de concepção, projeto, certificação, produção e apoio pós-venda de aeronaves civis para o
(competitivo) mercado global. China, Rússia e Japão corporificam essa tendência (vide
Tabela 3), com o ímpeto de, aparentemente, levá-la até as suas últimas consequências,
na medida em que massivos apoios governamentais propulsionam as respectivas iniciativas nacionais, independentemente de que a tarefa esteja a cargo de empresas exclusivamente estatais, privadas e estatais (Rússia) ou exclusivamente privadas (Japão).
A partir de meados da década passada, os governos desses países teriam concluído que
faltava incluir o setor aeronáutico civil em seus projetos nacionais e trataram de deflagrar os processos financeiros, industriais e tecnológicos para suprir essa falha.
O resultado são os desenvolvimentos ora em curso, em variados estágios de
germinação, para a produção de novas aeronaves comerciais (vide Tabela 3).
TABELA 3 NOVAS AERONAVES SENDO DESENVOLVIDAS COMO PARTE DE PROJETOS NACIONAIS
País
CHINA
RÚSSIA
JAPÃO
Aeronave
Características
Observações
ARJ-21
Jato regional, 90 lugares
Construído protótipo; sem prazo para entrar no mercado (2015?)
C919
Jato para 150 a 180 lugares
Em projeto; sem prazo para entrar no mercado (2016?), já tem 165
pedidos na China
SSJ100
Jato regional, 75 e 100 lugares
Primeiras entregas realizadas (2011); consórcio ítalo-russo (50%)
MS-21
Jato para 150 a 210 lugares
Em projeto; sem prazo para entrar no mercado (2017?), já tem 200
pedidos na Rússia
MRJ-70 E 90
Jato regional, 70 e 90 lugares
Primeiro voo em 2012; entregas 2013; 120+ pedidos de compra
(Japão e EUA)
HONDAJET
Jato executivo; 5 passageiros
Em testes; primeiras entregas em 2012
Fonte: Elaboração própria, com base em dados dos websites dos fabricantes.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
167
É de se notar, na Tabela 3, que os projetos chineses ARJ-21 e Comac C-919 são bancados em 100% pelo Estado chinês. Eles integram o Plano Quinquenal (2011-2015)
com outros seis setores prioritários dessa nação. Além disso, à lista de países acima,
poder-se-ia acrescentar o México, se não fosse por uma diferença fundamental: a
política nacional mexicana não inclui, por enquanto, a construção de um novo modelo de aeronave. Nos últimos oito anos, foram atraídos os mais diversos fabricantes estrangeiros para o país, de forma que o México é hoje um dos mais importantes
fornecedores de partes, peças e subconjuntos completos de aeronaves para as principais cadeias produtivas aeronáuticas do mundo. Tal atração se deu na forma de
incentivos fiscais, creditícios, de infraestrutura e de formação de recursos humanos
especializados bancados pelo governo. Com isso, o México logrou trazer para seu
território um setor de alta tecnologia, que gera empregos de alto valor agregado,
é essencialmente exportador e que já teria atingido a marca de US$ 4 bilhões (2009)
a favor da balança comercial do país [Sobie (2011)]. São mais de 200 empresas, com
mais de 27 mil empregados, que incluem grandes nomes do setor, como Bombardier,
Cessna, Goodrich e Safran. A comparação com o caso brasileiro realça contrastes e
nuanças: o México teria um setor industrial aeronáutico de peso integrado às cadeias
produtivas globais, enquanto o Brasil possui um dos quatro maiores fabricantes sem
ter uma cadeia produtiva expressiva. Os dois países têm quase o mesmo número de
pessoas empregadas no setor, com valores exportados semelhantes a partir de 2009.
Portanto, o quadro de tendências que se delineia para os próximos anos da
década atual aponta para o gradual aumento da concorrência a partir de 2015, desafiando os duopólios atuais de Bombardier e Embraer (aeronaves de até 120-130
assentos) e de Airbus e Boeing (aeronaves de 130-550 assentos). Naturalmente, os
novos entrantes não contam com a reputação de excelência técnica e consagrado
apoio pós-venda (item de caráter vital para as empresas aéreas) dos fabricantes
estabelecidos. Além disso, suas respectivas autoridades aeronáuticas nacionais ainda estão em processo de aprendizado das complexas tarefas e funções requeridas
pela certificação aeronáutica, a qual precisa atingir nível de proficiência adequado
para desfrutar de reputação mundial. Mas nada disso parece deter China, Rússia e
Japão, pois são, declaradamente, projetos nacionais de longo prazo.
168 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
A consequência desses desenvolvimentos é o crescimento da segmentação dos
produtos já oferecidos, ou que venham a ser oferecidos em breve, no mercado.
Considerando-se assim para o caso da aviação comercial, no mercado globalizado,
aquelas aeronaves já em produção, ou com previsão para entrada em produção,
tem-se o quadro apresentado na Tabela 4.
TABELA 4 AS AERONAVES DA EMBRAER E SEUS CONCORRENTES REAIS OU POTENCIAIS
Faixa de assentos
Embraer
Bombardier
Sukhoi
Mitsubishi
1
Linhas
70 a 80
E-170
CRJ700(1)
*SSJ100/75(11)
*MRJ70
Airbus
Boeing
2
78 a 88
E-175
CRJ900
3
86 a 103
SSJ100/95
*MRJ90(12)
4
98 a 114
E-190
5
108 a 122
E-195
6
120 a 145
*CS100(3)
A318(4)
B737-600(6)
*CS300
A319(5)
7
B737-700(7)
150 a 180
A320
B737-800(8)
8
185 a 220
A321
B737-900
9
253 a 380
A330-200
B787-8/9(9)
10
295 a 440
A330-300
B777-200/300
11
525 a 853
A380
B747(10)
CRJ1000(2)
Fonte: Websites dos fabricantes.
(1) 66 a 70 assentos; (2) 93 a 100 assentos; (3) 100 a 125 assentos; (4) 107 a 132 assentos; (5) 124 a 156 assentos; (6) 110 a 132 assentos; (7)
126 a 149 assentos; (8) 162 a 189 assentos; (9) 210 a 290 assentos; (10) 416 a 524 assentos; (11) 68 a 83 assentos; (12) 86 a 96 assentos.
* Aeronaves ainda em fase final de desenvolvimento, primeiras entregas a partir de 2013-2015
Nota: O jato regional chinês atualmente em desenvolvimento, o ARJ-21 (para 70 a 95 assentos), não foi incluído na relação acima por
causa das incertezas existentes quanto à sua certificação e à carteira de clientes [Francis e Perret (2011)]. O mesmo vale para o jato também
chinês C-919 (150 a 180 assentos) e o russo jato MS-21 (150+ assentos).
As aeronaves constantes das linhas 1 a 5 da Tabela 4 recebiam, até uns oito ou dez
anos atrás, a classificação genérica de regionais, uma vez que seus operadores naturais eram as empresas aéreas regionais. Com a evolução do mercado, tais aeronaves
acabaram sendo adquiridas por todo tipo de empresa aérea – mainlines, baixos custos
(low-cost carriers), regionais etc. – e, portanto, perderam essa denominação. Assim, as
aeronaves constantes das linhas 1 a 8 da Tabela 4 são classificadas mais amplamente
como narrow-bodies, ou seja, de fuselagem estreita, que comportam apenas um corredor (single-aisle aircraft) entre as fileiras de assentos. São empregadas essencialmente
no transporte aéreo doméstico ou internacional transfronteiriço/regional.
Já as aeronaves constantes das linhas 9 a 11 da Tabela 4 são as aeronaves
classificadas como widebodies, ou seja, de fuselagem larga, que comportam dois
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
169
corredores (twin-aisle aircraft) entre as fileiras de assentos. São empregadas essencialmente no transporte aéreo internacional de longo curso.
O mercado da Embraer é, portanto, aquele constituído de aeronaves com
capacidade inferior a 122 assentos e de onde provém mais de 60% do seu faturamento anual total. Cotejando-se a Tabela 4 com o Gráfico 4, conclui-se que, na
faixa de mercado em que a Embraer atua, há apenas um concorrente significativo: a Bombardier, com suas aeronaves CRJ. Os E-Jets da Embraer atingem 43%
de fatia de mercado, contra 30% dos CRJs. As aeronaves da Airbus e da Boeing
para essa faixa de assentos jamais atingiram número de vendas significativo, por
serem versões encolhidas de seus modelos maiores da Tabela 4. Isso significa que
não foram otimizadas para esse tamanho menor, sendo geralmente mais pesadas
e caras – tanto para comprar como para operar – do que suas correspondentes, a
brasileira e a canadense.
Para os E-Jets da Embraer, porém, os CRJs da Bombardier e os novos concorrentes que já despontam no horizonte (Tabela 4), há atualmente dois fatores condicionantes do futuro do mercado de aeronaves narrow-bodies:
1.
o desejo manifesto das empresas aéreas por aeronaves substancialmente mais
econômicas e ecológicas. Isso significa aeronaves com consumo de combustível
substancialmente inferior aos níveis atuais e mais econômicas em outras rubricas (manutenção, operação etc.). Além disso, espera-se que tragam impacto
ambiental drasticamente reduzido em termos de ruído e de emissão de gases de efeito estufa, dados os regulamentos ambientais sendo propostos pela
União Europeia e pela Organização de Aviação Civil Internacional (OACI); e
2.
a entrada no mercado de uma nova geração de motores a jato para narrowbodies, incorporando a tecnologia Geared TurboFan (GTF), ou solução equivalente. Isso está ocorrendo em função de desenvolvimentos levados a cabo pelos fabricantes de motores Pratt & Whitney (P&W) e General Electric (GE), que
concorrem diretamente nessa disputa. Economias de combustível da ordem de
12% a 16% têm sido anunciadas.
A resposta dos fabricantes de aeronaves a esses condicionantes de projetos fu-
turos foi escaloná-los no tempo: a nova geração de aeronaves (item 1 antes citado)
170 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
foi deixada para a próxima década, com o argumento de que ainda não se avançou
o suficiente no campo de novas tecnologias para propiciar os saltos econômicos e
ecológicos requeridos. Já a nova geração de motores (item 2 antes citado) produziu
um dos seguintes efeitos:
Tais motores fossem incorporados diretamente nas novas aeronaves ainda
em desenvolvimento, casos de Bombardier com as CS100 e CS300 e da Mitsubishi com o MRJ e até das futuras aeronaves de 150 assentos ainda em projeto
conceitual, a chinesa C-919 e a russa MS-21; ou
Lançamento de novas versões remotorizadas de aeronaves já existentes, o que
ocorreu com a Airbus (nova versão anunciada em dezembro de 2010) e a Boeing
(com anúncio em setembro de 2011). No primeiro caso, as aeronaves da família
A320 se tornam A320neo (new engine option) e poderão ser equipadas tanto
com a tecnologia do novo motor da P&W – GTF – quanto com a da GE – LeapX.
Já no caso da Boeing, a família dos B737 se torna B737MAX e apenas a nova
tecnologia do LeapX da GE é oferecida.
No mercado de aeronaves comerciais, como visto anteriormente, a Embraer é, de
fato, a líder na faixa em que atua, com produtos no estado da arte da tecnologia aeronáutica. Os E-Jets da Embraer são, claramente, mais avançados do que seus correspondentes canadenses (os CRJs), até por terem tido sua concepção e desenvolvimento tecnológico básico em período posterior ao dos canadenses. Tal oportunidade de mercado
para a Embraer deve se estender, ao menos, pelos próximos cinco anos ou se, e quando,
os novos CS100 e CS300 vierem a ser bem-sucedidos. Como o desenvolvimento de uma
nova aeronave do porte em questão, ou mesmo um pouco maior, demoraria entre três e
cinco anos até a sua entrada no mercado, surge a pergunta: não deveria a Embraer estar
justamente agora concebendo ou até anunciando o lançamento de seus próximos projetos? Essa é, na verdade, uma questão recorrente e complexa [Francis e Perret (2011)].
Nesse quadro geral, a Embraer é a única empresa, entre as quatro principais
do mercado internacional, que ainda não lançou oficialmente projetos novos – ou
possibilidades de remotorização das aeronaves em fabricação – com a nova tecnologia de motores a jato. Nos comunicados à imprensa e a investidores, a empresa
apenas adianta que:
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
1.
171
decidiu não partir para o projeto e a fabricação de aeronaves com capacidade
superior aos 122 assentos do atual E-195, o que significa que não entrará na
seara de Boeing e Airbus, além do CS300 da Bombardier (130 a 149 assentos); e
2.
está considerando, com forte empenho, a remotorização da família E-170/190,
além de outras melhorias estruturais e de aerodinâmica, que poderiam resultar
em primeiras entregas por volta de 2017-2018.
Já no caso da aviação executiva, a situação da Embraer é realmente de apro-
veitamento a contento das oportunidades. Suas aeronaves da linha Phenom têm
se destacado com um rápido crescimento de vendas, apesar do pouco tempo no
mercado (menos de dois anos), ficando atrás apenas da Cessna, líder do setor em
fatia de mercado. Os desenvolvimentos ora em curso, as aeronaves Embraer Legacy 450
e Legacy 500, que ocupam as faixas de mercado imediatamente superiores às da
linha Phenom, também apresentam boas perspectivas de vendas, dado o estado da
arte, que incorporam um diferencial considerável em relação à concorrência.
Uma das lições que a crise atual trouxe para a aviação executiva foi que a disponibilidade de financiamento pode ser um fator crucial na comercialização desse tipo de
aeronave. Tal aspecto não era prioritário antes de 2008, até porque muitos jatos executivos eram até então adquiridos mediante pagamento à vista. Assim, a entrada do
BNDES em apoio à comercialização da linha Phenom, tanto na seara das exportações
quanto no mercado doméstico brasileiro (via FINAME/PSI), fez bastante diferença
nas vendas da Embraer. Tal sucesso chegou mesmo a fazer com que o Congresso dos
Estados Unidos iniciasse, em julho de 2011, uma investigação, por meio da International Trade Commission (ITC), para averiguar se a Embraer estaria recebendo subsídios
governamentais ilegítimos pelas regras da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Por fim, no caso do outro fabricante brasileiro de aeronaves, a Helibras, o quadro
sobre o aproveitamento de oportunidades é um pouco menos claro. É certo que o
contrato em vigor para o fornecimento de cinquenta helicópteros Cougar EC-725,
para as três Forças Armadas, trará várias oportunidades de crescimento e expansão.
Isso se dará tanto para a própria empresa como para a cadeia produtiva brasileira,
por força das cláusulas de offset (contrapartida industrial) e de progressiva nacionalização da produção, fazendo com que o índice de nacionalização (metodologia
172 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
FINAME) tenha de chegar a 50% ao fim de sete anos, para o último lote de aeronaves. Além disso, faz parte do planejamento estratégico da Helibras o desenvolvimento de um novo helicóptero feito inteiramente no Brasil, para integrar o
portfólio global de sua controladora, a Eurocopter. A empresa estipula o prazo
de dez anos para materializar esse projeto, que, na verdade, remete o assunto
à origem dos incentivos dados pelo governo brasileiro para trazer a empresa ao
país no fim da década de 1970, ou seja, projetar e construir um helicóptero genuinamente brasileiro. Por outro lado, não parece haver qualquer tipo de ameaça à
Helibras: não há notícia de que algum outro fabricante de helicópteros pretenda
se instalar no Brasil.
Na indústria aeronáutica em geral, os pesados investimentos realizados durante a fase de projeto de uma nova aeronave, ou seja, nos três a cinco anos do
início da sua fabricação em série, só serão recuperados a partir de determinado
número de unidades comercializadas, algo que geralmente se situa entre 250 e
500 aeronaves. Assim, e conforme já mencionado, o ciclo do produto aeronáutico,
ou seja, o período de tempo que vai da concepção inicial de uma nova aeronave
comercial até o encerramento de sua fabricação (seguida de um apoio pós-venda
que tem de ser continuado ainda por bom tempo) demanda geralmente duas ou
mais décadas. São, portanto, prazos bastante extensos tanto no que diz respeito
a recursos materiais, de engenharia e de produção quanto aos indispensáveis insumos e fluxos financeiros.
Essa situação gera a necessidade de prognósticos de mercado para o setor
muito mais longos do que os habitualmente elaborados para outros setores econômicos. Assim, o padrão consolidado na indústria é dado pelos documentos conhecidos por Market Outlook, elaborados e publicados a cada ano pelos principais fabricantes, com projeções de número de aeronaves a serem comercializadas
pelos vinte anos à frente.11 Tais aeronaves são classificadas apenas por faixas de
número de assentos, como na Tabela 4, sem discriminação de marcas de fabrican-
11
Os Market Outlook publicados por Airbus, Boeing, Bombardier e Embraer têm credibilidade no mercado de transporte aéreo
mundial por dois motivos principais: (a) são fundamentados em décadas de experiência acumulada pelos fabricantes de aeronaves,
que os utilizam em suas políticas de marketing, planejamento e controle da produção; são renovados anualmente; e (b) refletem o
comportamento observado em longas séries temporais de indicadores fundamentais para o setor, tais como o RPK.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
173
tes ou outras características [Embraer (2011b), Bombardier (2011b), Airbus (2011)
e Boeing (2011)].
GRÁFICO 12 EVOLUÇÃO DO TRÁFEGO AÉREO MUNDIAL, EM TRILHÕES DE RPKS
Crise do petróleo
Crise do petróleo
Guerra do Golfo
Crise asiática
11 set.
5,0
Gripe aviária
Crise financeira
4,5
4,0
3,5
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
1970
1975
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
Fonte: Airbus (2011).
RPK: sigla em inglês para revenue passenger-kilometers, ou seja, passageiros-quilômetros transportados, que é a medida por excelência da
demanda do transporte aéreo a cada ano, por empresa, país, região ou mundial.
O consenso existente no setor, com base no comportamento observado nos
últimos quarenta anos, é de que “eventos perturbadores” (crises de petróleo, crises
financeiras, guerras, epidemias etc.) têm impacto negativo na demanda do transporte aéreo por apenas três meses em média, mas podem se estender por até 24-36
meses, como no caso dos eventos de 11 de setembro de 2001, que na verdade se
somaram ao fim da “bolha da internet”. A tendência de crescimento subjacente,
porém, é retomada logo em seguida e se mantém nos anos subsequentes, conforme o Gráfico 12.
Assim, com esses fundamentos históricos, os cenários econométricos traçados
para o período dos próximos vinte anos, utilizados para gerar as estimativas mercadológicas para os quatro principais fabricantes de aeronaves, contemplam algumas
premissas, conforme a Tabela 5.
174 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
TABELA 5 PREMISSAS UTILIZADAS PARA AS PROJEÇÕES MERCADOLÓGICAS DOS PRINCIPAIS
FABRICANTES DE AERONAVES COMERCIAIS A JATO
Cenário econométrico 2011-2030
Crescimento médio do PIB mundial
Crescimento médio do RPK
(demanda de passageiros) mundial
Airbus
3,6% a.a.
4,8% a.a.
Boeing
3,3% a.a.
5,1% a.a.
Bombardier
3,4% a.a.
N.I.
Embraer
3,2% a.a.
5,2% a.a.
Fonte: Embraer (2011b), Bombardier (2011b), Airbus (2011) e Boeing (2011).
As empresas, como é praxe no setor, adotaram o cenário conservador ao estimar
que o crescimento do tráfego de passageiros se dará em aproximadamente 1,5 vez
o crescimento do PIB. Historicamente, esse valor tem oscilado entre 1,5 e 2,0 vezes
para o agregado do tráfego mundial, entretanto, sendo que para países emergentes
como o Brasil, ele já atingiu até quatro a seis vezes em certos períodos. Além disso,
os fabricantes adotam premissas qualitativas para modelar o crescimento projetado,
baseando-se em fatores que podem ser sintetizados da seguinte forma:
nos mercados maduros (Estados Unidos e Europa), as vendas são motivadas
pelo crescimento continuado e pela reposição, com modelos mais econômicos e
ecológicos, do estoque de aeronaves atualmente em operação;
crescimento dinâmico nos mercados emergentes, tanto pelos fatores populacionais como econômicos;
aumento das populações urbanas, gerando riqueza e crescimento do tráfego;
aumento da classe média global, especialmente na Ásia;
crescimento contínuo das empresas aéreas de baixo custo (LCCs – low-cost carriers); e
aumento da liberalização da regulamentação econômica dos mercados, tanto
domésticos como internacionais.
As projeções de vendas resultantes das premissas e modelagens descritas são,
geralmente, apresentadas para aeronaves nas faixas de número de assentos que
interessam diretamente a cada fabricante, nos segmentos de mercado em que atua
(Tabela 4). Assim, por exemplo, a Airbus só apresenta projeções de vendas para aeronaves com mais de cem assentos.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
175
Focando-se assim no segmento de mercado de aeronaves comerciais em que a
Embraer atua, suas projeções são apresentadas nas tabelas 6 e 7.
TABELA 6 PROJEÇÕES DE VENDAS DE AERONAVES COMERCIAIS A JATO NA FAIXA DE 61 A 90
ASSENTOS, POR REGIÃO DO MUNDO
PROJEÇÃO PARA NOVAS ENTREGAS
REGIÃO
2011-2020
2021-2030
2011-2030
%
25
30
55
2
ÁSIA-PACÍFICO
110
200
310
12
CHINA
225
215
440
16
EUROPA
220
240
460
17
AMÉRICA LATINA
55
70
125
5
ORIENTE MÉDIO
65
80
145
5
500
510
1.010
38
ÁFRICA
AMÉRICA DO NORTE
RÚSSIA/CEI
MUNDO
65
60
125
5
1.265
1.405
2.670
100
Fonte: Embraer (2011b).
TABELA 7 PROJEÇÕES DE VENDAS DE AERONAVES COMERCIAIS A JATO NA FAIXA DE 91 A 120
ASSENTOS, POR REGIÃO DO MUNDO
PROJEÇÃO PARA NOVAS ENTREGAS
REGIÃO
2011-2020
2021-2030
2011-2030
%
60
75
135
ÁSIA-PACÍFICO
145
150
295
7
CHINA
200
320
520
13
ÁFRICA
3
EUROPA
500
695
1.195
29
AMÉRICA LATINA
285
250
535
13
80
85
165
4
420
570
990
24
ORIENTE MÉDIO
AMÉRICA DO NORTE
RÚSSIA/CEI
MUNDO
155
135
290
7
1.845
2.280
4.125
100
Fonte: Embraer (2011b).
O mercado potencial chegaria, portanto, a um total de 6.795 novas aeronaves
do portfólio atual da Embraer, a serem entregues até 2030. Considerando-se que
a capacidade de produção da Embraer está na faixa de até 140 a 160 aeronaves
comerciais E-Jets por ano, fica claro que ela está preparada para esse futuro, exceto
pelos desenvolvimentos tecnológicos e/ou de novos produtos que sejam requeridos.
No caso da Bombardier, as projeções são feitas para faixas de assentos ligeiramente
diferentes da Embraer, mas, grosso modo, pode-se dizer que há razoável grau de
alinhamento entre ambas. Já a Airbus, como visto, não aborda diretamente esse
mercado e a Boeing projeta um encolhimento do mercado para o jato regional.
176 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Como a Boeing não atua nesse mercado, sua aposta é de aumento do chamado
tamanho médio de aeronave, ou seja, que o mercado demandará mais aeronaves
de 180 assentos do que de 150 assentos, movimento já detectado na atualidade. O
encolhimento do mercado do jato regional não parece muito plausível em função
justamente dos mercados ainda emergentes, que demandam esse porte de aeronave (70 a 130 assentos).
Para além dos parâmetros usuais que determinam a competitividade das aeronaves comerciais – menores custos de aquisição e operação, performance, estado da
arte tecnológico etc. –, uma nova dimensão está adquirindo grande importância nesta e na próxima década: o desempenho ambiental. Isso se dá no contexto crescente
das limitações e regulações internacionais quanto a emissões dos gases que seriam
responsáveis pelo efeito estufa, notadamente CO2 e NOx. No caso da indústria do
transporte aéreo, a contribuição é estimada em apenas 2% do total de emissões anuais
de CO2 que ocorrem no planeta em função da atividade humana. Porém, dada sua
grande visibilidade internacional, sua associação com pessoas de elevado poder aquisitivo e/ou poder político, o setor tem sido alvo de sucessivas tentativas de tributação
e regulação por parte de entidades como a União Europeia (UE), a Organização de
Aviação Civil Internacional (OACI) e a International Air Transport Association (Iata). A
UE, por exemplo, pretende instituir um sistema de cap & trade12 já a partir de 2012,
embora sabendo que será objeto de forte contestação judicial.
Nesse quadro, as empresas aéreas têm pressionado os fabricantes de aeronaves
a aumentar o desempenho ambiental das novas aeronaves a serem entregues, o
que significa, concretamente, duas iniciativas:
1.
diminuir, por todos os meios possíveis, o consumo de combustível, o que automaticamente reduz as emissões de CO2 e NOx; e
2.
estabelecer a cadeia produtiva e consolidar a certificação aeronáutica para os
novos tipos de querosene de aviação (QAV), obtidos com base no processamento de biomassa (algas, óleo de soja, de milho etc.). Tais tipos de combustível são
12
Por esse sistema, cada empresa aérea só terá direito a emitir 80% dos gases produzidos em 2011, em virtude de operações de
transporte dentro, de ou para a UE. Os 20% restantes têm de ser extintos ou comprados no mercado livre de créditos de carbono
(conhecido como ETS – Emissions Trade Scheme).
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
177
essencialmente neutros no seu impacto ambiental porque o processo de geração/germinação de biomassa geralmente consome quantidades equivalentes
dos mesmos gases (CO2 e NOx) que depois sairão como resultantes da combustão do QAV produzido a partir dela.
No item 1, obtém-se a redução desejada por meio de motores aeronáuticos
mais avançados, como os já mencionados GTF e Leap-X, redução do peso vazio das
aeronaves com o emprego de materiais mais leves, redução do arrasto aerodinâmico (resistência ao ar) das aeronaves etc. Vêm daí a importância já mencionada
do lançamento das aeronaves Airbus A320neo, Boeing 737MAX e os CSeries da
Bombardier, e a expectativa suscitada pela aparente falta de definição da Embraer
a esse respeito.
Já o item 2 demanda o estabelecimento de toda uma nova cadeia produtiva
para processar a biomassa, estocá-la, vendê-la e distribuí-la para as empresas aéreas, fornecendo um combustível a preços compatíveis com o atual querosene de
aviação (QAV). Além disso, é preciso que, nesse processo, os diversos tipos de novos
QAVs sejam devidamente testados e certificados pelas autoridades aeronáuticas,
sem o que não será possível seu emprego. Esse desenvolvimento ainda se encontra nos seus primeiros estágios, pois apenas alguns tipos de biomassa tiveram seu
processamento validado (embora ainda não certificado) e alguns milhares de horas
de voo dos novos QAVs foram acumulados em voos de ensaio realizados pelos fabricantes de aeronaves e empresas aéreas (em que os novos QAVs são misturados
com o tradicional).
Fica claro, assim, que esses desafios terão importância cada vez maior para a
indústria aeronáutica brasileira ao longo da década ora em curso e, possivelmente,
para bem além dela.
6 . O A POIO D O B N D ES
O apoio do BNDES ao setor aeronáutico no país adquiriu um porte mais significativo após a privatização da Embraer em 1994. Naquela ocasião, como visto, os
novos controladores aportaram cerca de US$ 500 milhões. O BNDES contribuiu com
US$ 300 milhões adicionais por meio de diversos instrumentos de renda fixa e renda
178 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
variável, recursos esses que já retornaram ao Banco, exceto pelo pequeno resíduo
de participação acionária (com rendimentos excepcionais no caso da renda variável). Desde então, a maior parte do apoio tem sido prestado, seja para a Embraer
ou para a Helibras, na forma de financiamento a seus clientes, tanto no caso de
exportações como em vendas no mercado doméstico. A carteira de financiamentos
do BNDES atinge hoje a cifra aproximada de US$ 8 bilhões, representando mais de
setecentas aeronaves espalhadas pelo mundo.13
Em vista do que foi apresentado nas seções anteriores, é natural que se possa
conceber um rol de ações, medidas ou políticas operacionais do BNDES que venham
a fomentar ainda mais o setor. Antes de aprofundar o tema, porém, é preciso atentar para o quadro já existente, que pode ser sintetizado da seguinte forma:
Os países que contam com o setor de indústria aeronáutica em suas economias apoiam-no fortemente por meio de um leque de instituições, medidas e
políticas públicas, emanadas essencialmente das mais altas esferas do Poder
Executivo, referendadas ou modificadas pelo Poder Legislativo.14 Parece pouco
provável que o Brasil possa trilhar caminho alternativo a esse, como deixar que
as forças do livre mercado prevaleçam indiscriminadamente.
De fato, apesar de o Banco ter lançado o BNDES Pro-Aeronáutica em 2007, foi
em 2008, com o lançamento da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP),
que o setor de indústria aeronáutica foi formalmente contemplado no nível
ministerial do Poder Executivo brasileiro. Do grupo de trabalho daí resultante, coordenado por representante do BNDES, emanou uma série de medidas
de fomento ao setor. Na parte concernente ao BNDES, claramente o BNDES
Pro-Aeronáutica já atendia essencialmente ao que lhe era demandado. No
entanto, pequenos ajustes no programa foram feitos, a partir de 2009-2010,
para contemplar a totalidade da demanda esperada do Banco. Assim, o Pro-Aeronáutica continua em vigor até pelo menos 2013, inclusive com a alocação
13
Em comparação, a carteira do correspondente americano, o US Ex-Im Bank, ultrapassa US$ 50 bilhões (aeronaves Boeing), o
mesmo valendo para os correspondentes da União Europeia (aeronaves Airbus).
14
Nos Estados Unidos, por exemplo, há um órgão para o fomento da parte civil, com verbas de P & D, que é a NASA, e outro para
o setor militar, a Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA). No Japão, tal tarefa está a cargo do Ministério de Indústria e
Comércio (MITI), na União Europeia, isso fica a cargo dos chamados Programas Quadro (Framework Programs) e assim por diante.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
179
de seu orçamento de R$ 100 milhões voltado para as micro, pequenas e médias
empresas da cadeia produtiva aeronáutica brasileira.
Percebe-se, atualmente, que há a necessidade de um leque mais amplo de medidas. Naturalmente, antes de tudo, é preciso estratificar as medidas e determinar o
que compete, por exemplo, ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), ao BNDES, à Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
(ABDI), à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex),
ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), à Finep e ao Ministério da
Fazenda, entre outros. Para a atuação do BNDES, sugere-se, em função do até aqui
exposto, que o setor de indústria aeronáutica possa:
1.
receber tratamento especial para contar, sempre que necessário e cabível,
com financiamentos das linhas de inovação do Banco, que têm condições mais
favoráveis. Isso se justifica pela natureza do setor, como visto, e também pelo
fato de que seus concorrentes em outros países recebem recursos em condições geralmente ainda mais favoráveis, em alguns casos até recursos não
reembolsáveis (por meio de desenvolvimentos tecnológicos nominalmente
destinados ao setor de defesa).
2.
dispor, especialmente sua cadeia produtiva, de financiamentos para fusões e
aquisições em geral, de forma a promover um grau maior de consolidação das
empresas existentes; e
3.
acessar, especialmente sua cadeia produtiva, de forma mais ágil e direta, as linhas de renda variável do Banco, de forma que desenvolvimentos tecnológicos
de maior vulto, que não seriam comportados pelas linhas da Finep, Fapesp etc.
possam ser levados a cabo sem comprometer a saúde financeira das empresas no curto prazo. Operações de renda variável focadas em desenvolvimentos
tecnológicos poderiam ser de grande valia para que as MPMEs estabelecidas
no país pudessem dar os saltos tecnológicos requeridos para atingir padrões
globais, equiparando-as a suas congêneres de outros países que são objeto de
políticas públicas bastante generosas – para uma comparação com o caso canadense, vide Hadekel (2004).
180 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
7 . CON CLU SÕES
Olhando-se em retrospecto a evolução recente da indústria aeronáutica no país,
parece não haver dúvidas quanto ao papel histórico desempenhado pelo BNDES
no apoio ao setor. Se é verdade que tal apoio se realizou de forma mais marcante
logo no período pós-privatização da Embraer (ocorrida em dezembro de 1994)
e, desde então, no financiamento às exportações de suas aeronaves, também é
verdade que seus fornecedores têm recebido atenção na formulação de políticas
específicas. Nesse particular, o Programa BNDES Pro-Aeronáutica é voltado essencialmente ao financiamento de pequenas e médias empresas da cadeia produtiva
aeronáutica instalada no país, por meio de instrumentos financeiros de renda fixa
e renda variável.
Por outro lado, se há uma conclusão que parece permear todos os estudos
aprofundados do setor de indústria aeronáutica mundial, é a de que esse setor tem
forte dependência dos respectivos governos nacionais. Seja pelo canal das compras
governamentais – essencialmente de material de defesa e de segurança pública –,
seja de financiamento ou bolsas para pesquisa e desenvolvimento tecnológicos,
seja em financiamentos às exportações, não há registro de fabricante aeronáutico
bem-sucedido que dependa apenas das forças – e dos recursos – do livre mercado.
No Brasil, esse tipo de percepção começou a se solidificar na esfera governamental a partir do retorno das chamadas políticas públicas para a indústria, materializadas sucessivamente pela Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e pelo
atual Plano Brasil Maior (PBM). Com isso, é esperado que as ações do governo brasileiro comecem a adquirir as feições daquelas empreendidas pelos governos das
nações concorrentes do país no setor de indústria aeronáutica.
Como parte indissociável desse esforço, a atuação do BNDES poderá se dar para
bem além daquelas áreas já tradicionais para o setor aeronáutico, ou seja, o apoio
à indústria e ao comércio exterior, que lhe são familiares e onde construiu histórico
considerável. Os desafios que se apresentam, como o do apoio à inovação, que inclui também, entre seus muitos matizes, o da sustentabilidade, só poderá se dar de
forma efetiva se o papel do Banco estiver coordenado às demais vertentes do apoio
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
181
que o Estado brasileiro precisará empreender para ampliar a indústria aeronáutica
como setor importante da economia e da nação brasileiras. Nesse sentido, os desdobramentos do PBM, que tratam em conjunto as áreas de espaço e complexo da
defesa, vão na direção desejável, pois, como já visto, trata-se, em última análise, no
Brasil e no mundo, de A & D – aeroespaço e defesa.
Portanto, imperativos e diretrizes de Estado, afeitos agora a A & D como ocorre nos
Estados Unidos, no Canadá, na China, na Rússia e na União Europeia entre outros, se
adequadamente elaborados e rebatidos para a atuação do BNDES, contribuirão para
permitir que o país galgue esferas superiores de desenvolvimento econômico e social.
AP Ê N D IC E
SÍNTESE DAS HISTÓRIAS DOS DEMAIS PRINCIPAIS FABRICANTES
DE JATOS COMERCIAIS
Boeing
A Boeing foi fundada em 1916 em Seattle, Washington, Estados Unidos. Em sua longa história, comprou ou absorveu mais de vinte empresas dos setores aeronáutico,
espacial e de defesa. Só tem fábricas nos Estados Unidos (nos estados de Washington
e Carolina do Sul), embora partes estruturais substanciais de suas aeronaves (mais de
um terço em massa) sejam produzidas no Japão, graças aos pesados investimentos
feitos em parcerias de risco pelas empresas aeronáuticas do país asiático. Sua cadeia
produtiva tem empresas fornecedoras em praticamente todos os estados americanos,
de forma a gerar apoio político e orçamentário a seus programas civis e militares. Ao
contrário da Airbus, tem longa experiência com programas de defesa, e seu faturamento é dividido meio a meio entre os mercados civil e militar há várias décadas.
Airbus
A Airbus foi fundada como entidade estatal em 1969 pelos governos da França,
da Inglaterra e da Alemanha (pouco depois a Espanha se juntaria ao grupo). Essa
entidade era integrada pelos fabricantes aeronáuticos desses países, a saber: Aerospatiale, British Aerospace e Deutsche Airbus (pouco depois a CASA espanhola seria
182 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
adicionada). Hoje é empresa privada, pertencente ao grupo franco-alemão EADS,
com fábricas nos quatro países originais e na China e cadeia produtiva localizada
essencialmente na Europa e nos Estados Unidos. Entrou recentemente no mercado
militar, com o cargueiro quadrimotor turboélice A400M.
Bombardier
A Bombardier foi fundada em 1934 como fabricante de snowmobiles (tendo se
mantido desde então como uma das principais empresas desse setor, que inclui
jetskis). Por conta de uma crise nesse mercado na década seguinte, estabeleceu a
diretriz estratégica de ser uma empresa diversificada: é hoje um dos maiores fabricantes de material ferroviário do mundo, além de estar entre os quatro maiores
produtores de aeronaves civis – comerciais e executivas. Essa parte aeronáutica do
seu portfólio corporativo foi sendo adquirida e incorporada ao longo de várias décadas, sendo as mais significativas as da Canadair (1986), Short Brothers (1989), da
Irlanda, Learjet Corp. (1990), dos Estados Unidos, De Havilland (1992), do próprio
Canadá, e Skyjet (2000), dos Estados Unidos [Bombardier (2011a)]. Por causa dessa
miscelânea de empresas incorporadas, sua cadeia produtiva estende-se por vários
países, principalmente Canadá, Estados Unidos e Irlanda. Mais recentemente, uma
política corporativa de redução de custos levou-a a estabelecer importante unidade
fabril no México. Também estabeleceu, em 2011, ampla parceria com o complexo
de fabricantes aeronáuticos estatais da China, que envolve desde encomendas de
conjuntos estruturais para as suas futuras aeronaves CSeries até desenvolvimento e
marketing conjunto das suas aeronaves e das futuras aeronaves civis chinesas sendo
atualmente projetadas.
INDÚSTRIA AERONÁUTICA
183
RE F E RÊN CIA S
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Breno Emerenciano Albuquerque
Edson Luiz Moret de Carvalho
Luciana Surliuga Teles
Marcelo Oliveira Santos
Marcos dos Santos
Marcos Fernandes Machado*
* Respectivamente, gerente, chefe de departamento, economistas, coordenador de serviços e gerente do Departamento de Suporte
e Controle Operacional da Área de Operações Indiretas do BNDES. Os autores agradecem a Claudio Bernardo Guimarães de Moraes,
superintendente da Área de Operações Indiretas, e a Filipe Lage de Sousa, editor do BNDES Setorial, pelos seus comentários e
valiosas sugestões.
BENS DE CAPITAL
187
RE S UMO
Este artigo trata da indústria de bens de capital no Brasil no período 2003-2011,
considerando aspectos de produção e produtividade, seu desempenho no comércio
exterior, as várias formas de apoio do BNDES e os desafios e perspectivas para o
setor. Na segunda seção, vê-se que a produtividade média do setor no período de
2003 a 2009 foi superior à observada para a economia. Na terceira seção, foi considerado o desempenho comercial, com destaque para a crescente importância do
Mercosul nas exportações brasileiras, a grande penetração dos produtos chineses
na pauta de importações do Brasil e o crescimento das importações por conta de
preços mais reduzidos. A quarta seção mostra que os equipamentos de transporte
foram os itens que receberam maior volume de financiamentos, seguidos de equipamentos industriais, agrícolas e de infraestrutura. Na quinta seção, argumenta-se
que os estímulos voltados para a modernização e o desenvolvimento tecnológico
de máquinas-ferramenta são fundamentais para assegurar a sobrevivência do setor. Nesse sentido, discute-se que o BNDES deve assumir nas próximas décadas o
desafio de construir os instrumentos apropriados indutores dessa transformação.
AB S T RA C T
This article addresses the capital goods industry in Brazil from 2003 to 2011,
considering aspects of production and productivity (Section 2), its performance in
foreign trade (Section 3), the various forms of BNDES support (Section 4) as well as
future challenges and prospects for the sector (Section 5). In Section 2, we noted
that average productivity in the sector from 2003 to 2009 was higher than that for
the economy as a whole. In Section 3, we considered the commercial performance,
highlighting the growing importance of Mercosur in Brazilian exports, the extensive
penetration of Chinese products in Brazilian imports, as well as the import growth
due to lower prices. In Section 4, we show that transport equipment have received
a higher volume of financing, followed by industrial, agricultural and infrastructure
188 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
equipment. In Section 5, we argue that the incentives for modernization and
technological development of machine-tools are essential to ensure the survival of
the sector. In this sense, we argue that, in the coming decades, the BNDES must take
on the challenge of building the appropriate tools to induce this transformation.
BENS DE CAPITAL
189
1 . INTR OD U ÇÃ O
O papel da indústria de bens de capital como um dos propulsores do desenvolvimento econômico de um país é da maior relevância. Por manter vínculos com
praticamente todas as etapas da atividade produtiva e por ser capaz de ampliar
a capacidade produtiva da economia, o setor de bens de capital incorpora parcela significativa do desenvolvimento das cadeias produtivas e surge como um
importante difusor de progresso técnico entre os setores. Essa disseminação de
progresso contribui para a expansão do mercado interno, sustenta a evolução da
produtividade e serve de estímulo ao aumento da competitividade da economia
no médio e longo prazos.
Em consonância com esse entendimento, em seus sessenta anos de história o
BNDES esteve especialmente ligado ao desenvolvimento da indústria brasileira e,
em particular, do setor de bens de capital. Os instrumentos de apoio são diversificados e abarcam ampla variedade de produtos e programas, o que permite o desenho de políticas industriais cada vez mais sólidas e adaptadas para o setor.
Este trabalho tem como objetivo principal dimensionar e avaliar o desempenho da indústria de bens de capital – máquinas e equipamentos – no Brasil
na última década (2003-2011) e a inserção do BNDES nesse contexto. O trabalho
contém seis seções, incluindo esta introdução. A segunda seção realiza uma fotografia das principais características do setor de bens de capital, considerando
a evolução dos principais indicadores do setor e de seus subsetores durante o
período. A terceira seção trata do setor externo, buscando dimensionar o desempenho comercial da indústria brasileira de bens de capital no período, assim como sua relação com a competitividade do setor. A quarta seção descreve
o apoio do BNDES nesse quadro evolutivo. A quinta seção aborda os principais
desafios e perspectivas para o setor. A sexta seção apresenta as conclusões do
trabalho.
190 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2 . DESEMPEN H O DO S ETO R D E B EN S
DE CA PITA L N A C I O N A L N O PER Í O D O
2 003-2011: PRO D U Ç Ã O E PR O D U TI V I D A D E
TAXA DE INVESTIMENTO
De 2003 a 2008, a taxa de investimento brasileira registrou crescimento ininterrupto. Em 2009, essa taxa recuou em decorrência da crise financeira internacional,
mas, por conta das medidas anticíclicas adotadas pelo governo federal, a taxa de
investimento voltou a crescer nos anos seguintes, como se pode ver no Gráfico 1.
GRÁFICO 1 BRASIL – FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO/PRODUTO INTERNO BRUTO
2004
19,3
18,4
18,8
17,9
16,8
15,8
2003
16,2
15,5
20
17,6
25
PART. %
15
10
5
0
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.
VALOR ADICIONADO BRUTO POR ATIVIDADE –
MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS
Com base em dados apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), foram elaboradas as tabelas 1 e 2, que mostram a evolução do valor adicionado bruto (VAB) e do pessoal ocupado, tanto em nível nacional quanto para o
grupo de máquinas e equipamentos. Esses dados têm por objetivo dimensionar o
BENS DE CAPITAL
191
setor e montar seus indicadores de produtividade. O período analisado vai de 2003
a 2009, o último ano com dados disponíveis.
Nesse período, o crescimento do VAB, em nível nacional, foi quase o dobro do VAB de
máquinas e equipamentos, com a consequente perda de importância relativa desse grupo.
Por outro lado, aumentou o número de pessoal ocupado no grupo de máquinas e equipamentos entre 2003 e 2009, uma indicação de que houve ingresso de
pessoal mais qualificado na força de trabalho desse setor.
TABELA 1 GRUPO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – VALOR ADICIONADO BRUTO* E PESSOAL OCUPADO
SEGUNDO CLASSES E ATIVIDADES
TABELA 1A GRUPO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – VALOR ADICIONADO BRUTO SEGUNDO CLASSES E ATIVIDADES* (R$ 1.000,00)
Classes e atividades
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Var. %
2003-2009
1.288.867
1.553.062
1.715.619
1.909.976
2.152.798
2.396.957
2.571.598
99,5
MÁQUINAS PARA ESCRITÓRIO E
EQUIPAMENTOS DE INFORMÁTICA
1.635
1.303
1.718
2.562
2.790
2.479
2.919
78,5
MÁQUINAS, APARELHOS
E MATERIAIS ELÉTRICOS
6.430
7.966
8.844
10.530
12.131
12.351
10.956
70,4
MATERIAL ELETRÔNICO
E EQUIPAMENTOS DE
COMUNICAÇÕES
2.979
3.661
4.900
4.792
4.488
3.972
3.462
16,2
APARELHOS/INSTRUMENTOS
MÉDICO-HOSPITALAR,
MEDIDA E ÓPTICO
3.906
4.676
4.742
5.661
6.553
7.905
7.187
84,0
CAMINHÕES E ÔNIBUS
1.642
2.266
2.628
2.084
2.407
2.959
2.719
65,6
TOTAL BRASIL
OUTROS EQUIPAMENTOS
DE TRANSPORTE
TOTAL MÁQUINAS E EQUIP.
PARTICIPAÇÃO %
5.956
5.797
4.875
5.484
7.528
9.459
7.405
24,3
22.548
25.669
27.707
31.113
35.897
39.125
34.648
53,7
1,75
1,65
1,61
1,63
1,67
1,63
1,35
TABELA 1B GRUPO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – PESSOAL OCUPADO
Classes e atividades
TOTAL BRASIL
MÁQUINAS PARA ESCRITÓRIO E
EQUIPAMENTOS DE INFORMÁTICA
MÁQUINAS, APARELHOS
E MATERIAIS ELÉTRICOS
MATERIAL ELETRÔNICO
E EQUIPAMENTOS DE
COMUNICAÇÕES
APARELHOS/INSTRUMENTOS
MÉDICO-HOSPITALAR, MEDIDA
E ÓPTICO
CAMINHÕES E ÔNIBUS
OUTROS EQUIPAMENTOS
DE TRANSPORTE
TOTAL MÁQUINAS E EQUIP.
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Var. %
2003-2009
84.034.981 88.252.473 90.905.673 93.246.963 94.713.909 96.232.609 96.647.139
15,0
18.996
23.644
28.943
40.919
47.261
55.091
54.134
185,0
159.503
179.076
190.165
207.396
212.465
257.158
248.588
55,9
79.335
99.132
100.709
93.781
97.646
88.681
88.531
11,6
101.958
103.677
115.169
117.004
127.005
137.014
133.540
31,0
19.307
25.395
25.237
21.191
22.687
24.764
23.956
24,1
80.372
95.711
101.854
116.585
121.985
126.568
114.838
42,9
459.471
526.635
562.077
596.876
629.049
689.276
663.587
44,4
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de IBGE.
* Valores a preços constantes, ano de referência 2000. Ver Diretoria de Pesquisa (DPE), Coordenação de Contas Nacionais (Conac),
Sistemas de Contas Nacionais – Brasil, referência 2000, nota metodológica n. 1.
192 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
VALOR ADICIONADO BRUTO POR TRABALHADOR
A Tabela 2 demonstra que o VAB por trabalhador, em esfera nacional, é inferior ao
apurado para máquinas e equipamentos. Isso indica que é mais elevada a produtividade desse setor, que incorpora mais tecnologia.
TABELA 2 BRASIL – GRUPO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – VALOR ADICIONADO BRUTO POR TRABALHADOR (R$ MIL)
Item
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Var. %
2003-2009
BRASIL
15,3
17,6
18,9
20,5
22,7
24,9
26,6
GRUPO MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS
49,1
48,7
49,3
52,1
57,1
56,8
52,2
6,4
MÁQUINAS PARA ESCRITÓRIO
E EQUIPAMENTOS DE INFORMÁTICA
86,1
55,1
59,4
62,6
59,0
45,0
53,9
185,0
MÁQUINAS, APARELHOS
E MATERIAIS ELÉTRICOS
40,3
44,5
46,5
50,8
57,1
48,0
44,1
55,9
MATERIAL ELETRÔNICO E
EQUIPAMENTOS DE COMUNICAÇÕES
37,5
36,9
48,7
51,1
46,0
44,8
39,1
11,6
APARELHOS/INSTRUMENTOS MÉDICOHOSPITALAR, MEDIDA E ÓPTICO
38,3
45,1
41,2
48,4
51,6
57,7
53,8
31,0
CAMINHÕES E ÔNIBUS
85,0
89,2
104,1
98,3
106,1
119,5
113,5
24,1
OUTROS EQUIPAMENTOS DE TRANSPORTE
74,1
60,6
47,9
47,0
61,7
74,7
64,5
42,9
73,5
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de IBGE.
Os dados mostram, também, que as empresas do grupo de máquinas e equipamentos não vêm acompanhando o aumento de produtividade de outros segmentos da economia. Entre 2005 e 2007, a variável esboçou um movimento de recuperação, mas, em seguida, voltou a apresentar tendência de queda.
Em 2009, as empresas do grupo de caminhões e ônibus foram as que tiveram
a menor quantidade de pessoal ocupado, mas seu VAB por trabalhador mostrava
maior produtividade dos trabalhadores.
A partir de 2007, a atividade de outros equipamentos de transporte passou à
segunda colocação no ranking da relação VAB por trabalhador.
PRODUÇÃO INDUSTRIAL POR CATEGORIA DE USO
Uma análise da evolução da produção industrial por categoria de uso, com base nos
dados da Tabela 3, permite verificar que a categoria de bens de capital foi a que registrou as maiores taxas de crescimento da produção vis-à-vis as categorias de bens
intermediários e de bens de consumo.
BENS DE CAPITAL
193
TABELA 3 BRASIL – PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL (VAR. % EM 12 MESES EM RELAÇÃO AO MESMO
PERÍODO DO ANO ANTERIOR)
Categorias de uso
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
BENS DE CAPITAL
2,2
19,7
3,6
5,7
19,5
14,3
(17,4)
20,9
3,3
57
BENS
INTERMEDIÁRIOS
2,0
7,4
0,9
2,1
4,9
1,5
(8,8)
11,4
0,3
27
7,3
6,0
3,3
4,7
1,9
(2,7)
6,4
(0,5)
19
21,8
11,4
5,8
9,1
3,8
(6,4)
10,3
(2,0)
58
(10,2)
6,4
(9,0)
(25)
BENS DE CONSUMO
(2,7)
BENS DE CONSUMO
DURÁVEIS
3,0
Var. %
2003-2011/
1994-2002
SEMIDURÁVEIS
(11,2)
3,1
(1,6)
(3,2)
3,1
(2,0)
NÃO DURÁVEIS
(0,3)
3,3
8,6
3,3
2,0
2,5
0,2
4,2
0,9
42
0,1
8,3
3,1
2,8
6,0
3,1
(7,4)
10,5
0,3
28
INDÚSTRIA GERAL
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.
Em 2009, verificou-se forte queda da produção industrial, com maior impacto
na categoria de bens de capital. Em 2010, houve expressiva reversão na produção
industrial e recuperação em bens de capital. Em 2011, a atividade industrial permaneceu praticamente estável, em função, basicamente, da performance observada
na produção de bens de capital.
PRODUÇÃO INDUSTRIAL DE BENS DE CAPITAL
A Tabela 4 mostra que, entre os bens de capital produzidos no período 2003-2011,
o crescimento mais acentuado foi na categoria de equipamentos de transporte industrial, cuja performance afetou bastante as taxas de desempenho do setor.
TABELA 4 BRASIL – PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL – BENS DE CAPITAL (VAR. % EM 12 MESES EM
RELAÇÃO AO MESMO PERÍODO DO ANO ANTERIOR)
Categorias de uso
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
BENS DE CAPITAL
2,2
19,7
3,6
5,7
19,5
14,3
(17,4)
20,9
3,3
57
1. BENS DE CAPITAL –
EXCLUSIVE (2)
0,3
16,2
2,7
9,9
19,9
6,2
(23,4)
18,6
(2,2)
33
2. EQUIPAMENTOS
DE TRANSPORTE
INDUSTRIAL
7,0
28,3
5,4
(3,3)
18,5
34,2
(5,7)
24,5
11,6
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.
2011
Var. %
2003-2011/
1994-2002
148
194 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
À exceção dos equipamentos de transporte industrial, em 2009 houve forte
redução na produção de bens de capital. Da mesma forma, em 2011, não fosse o
crescimento observado na mesma categoria, o desempenho do setor teria sido negativo, pois os outros bens de capital registraram queda na produção.
PRODUÇÃO INDUSTRIAL DE BENS DE CAPITAL POR FINALIDADE
Em relação à finalidade do bem, é possível destacar três aspectos. Primeiro, em relação à produção de bens de capital para o setor de energia elétrica, houve forte
crescimento no período 2003-2008 e redução contínua a partir de 2009 (Tabela 5).
TABELA 5 PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL – BENS DE CAPITAL POR FINALIDADE (VAR. % EM 12 MESES
EM RELAÇÃO AO MESMO PERÍODO DO ANO ANTERIOR)
BENS DE CAPITAL
PARA FINS INDUSTRIAIS
2003
2004
2005
6,7
20,2
(2,2)
6,4
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Var. %
2003-2011/
1994-2002
5,2
18,5
2,7
(31,6)
27,3
2,8
54
BENS DE CAPITAL AGRÍCOLAS
21,9
(37,7)
(16,5)
48,4
35,1
(28,5)
31,7
(4,4)
37
BENS DE CAPITAL PARA CONSTRUÇÃO
(7,6)
38,0
32,0
8,2
18,7
4,8
(48,5)
95,8
5,6
94
BENS DE CAPITAL PARA O SETOR DE
ENERGIA ELÉTRICA
10,0
12,5
28,5
22,2
26,0
12,0
(32,5)
(3,8)
(11,1)
ND
7,4
25,6
6,6
(1,6)
18,0
31,3
(8,8)
26,0
12,4
140
(3,5)
14,8
3,4
11,6
15,4
2,5
(14,7)
13,4
(4,4)
13
BENS DE CAPITAL EQUIPAMENTOS
DE TRANSPORTE
BENS DE CAPITAL DE USO MISTO
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.
Segundo, com relação aos bens de capital para construção, sua produção apresentou queda somente em 2003 e em 2009, movimento neutralizado pelo crescimento ocorrido em anos anteriores.
E, terceiro, o forte crescimento da produção de bens de capital para equipamentos de transporte no período 2003-2011, em comparação com igual período anterior.
PRODUÇÃO INDUSTRIAL DE BENS DE CAPITAL POR ATIVIDADE
Em relação à produção de bens de capital por atividade, o pior desempenho observado foi em um segmento de tecnologia de ponta, o de material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicações, o que indica um esvaziamento expressivo
BENS DE CAPITAL
195
da atividade no período considerado (Tabela 6). Também a trajetória da produção de máquinas, aparelhos e materiais elétricos mostra queda na atividade desde
2009. E a produção de máquinas e equipamentos mostra sinais de desaceleração.
As categorias de veículos automotores e outros equipamentos de transporte
tiveram o melhor desempenho.
TABELA 6 PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL – BENS DE CAPITAL POR ATIVIDADE (VAR. % EM 12 MESES EM
RELAÇÃO AO MESMO PERÍODO DO ANO ANTERIOR)
2003
2004
MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS
4,7
21,1
1,4
MÁQUINAS PARA ESCRITÓRIO E
EQUIPAMENTOS DE INFORMÁTICA
7,1
33,4
10,7
MÁQUINAS, APARELHOS E MATERIAIS
ELÉTRICOS
1,8
11,9
17,5
(6,8)
MATERIAL ELETRÔNICO, APARELHOS E
EQUIPAMENTOS DE COMUNICAÇÕES
(11,6)
2,5
3,7
40,0
OUTROS EQUIPAMENTOS DE TRANSPORTE
12,0
12,5
DEMAIS ATIVIDADES
(2,4)
VEÍCULOS AUTOMOTORES
8,3
2005
6,0
4,4
(7,7)
2006
2007
2008
2009
2010
2011
(1,3)
25,3
15,5
(29,4)
38,6
(0,2)
51,8
13,9
(5,7)
(5,0)
12,8
(4,5)
23,4
26,0
10,6
(26,9)
(0,1)
(9,3)
(13,6)
15,2
(14,3)
(27,7)
(17,4)
(4,2)
22,8
22,0
(21,0)
53,9
(1,7)
11,3
56,6
2,4
2,3
14,0
16,2
(12,5)
(4,2)
13,7
6,9
15,4
5,6
(1,3)
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.
3 . A B A LA N ÇA CO M ER C I A L D O S B EN S
DE C A PITA L N O B R A S I L : PA R C EI R O S
COMER C IA IS E A PA U TA D E EXPO RTA Ç Ã O
E IMPORTA ÇÃ O ( 2003- 2011)
Um dos indicadores mais importantes para avaliar a viabilidade e a capacidade
de crescimento de um setor no longo prazo é seu desempenho na frente externa. A situação da balança comercial, a evolução do saldo comercial ao longo do
tempo, as exportações e importações desagregadas por tipos de bens e países
de origem e destino são aspectos fundamentais nesse sentido. Assim, para avaliar o setor de bens de capital brasileiro em relação a seu desempenho no período 2003-2011 e às suas possibilidades de crescimento futuro, esta seção analisa
a balança comercial do setor, acompanhando sua evolução e os principais aspectos de sua performance.
196 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Como as transações externas de um setor dependem do resto do mundo, essa
análise deve ser conduzida tendo como pano de fundo o desempenho da economia mundial no período. Nesse caso, o fato mais significativo é a crise financeira
mundial do fim de 2008, que representou um divisor de águas entre subperíodos
distintos. No primeiro, de 2003 a 2007, as principais economias do mundo cresceram, o comércio internacional floresceu e os preços das commodities explodiram.
Nesse período, as exportações mundiais de máquinas e equipamentos cresceram
cerca de 85%. Na segunda, veio o declínio, a recessão e forte contração do comércio mundial de máquinas e equipamentos. Em 2009, as exportações mundiais
de máquinas e equipamentos, incluindo equipamentos de transporte, registraram
queda de 16%, caindo para US$ 4,2 trilhões, contra US$ 5,0 trilhões em 2007, ano
imediatamente anterior.
A BALANÇA COMERCIAL BRASILEIRA DE BENS DE CAPITAL
As exportações brasileiras de bens de capital alcançaram US$ 10,7 bilhões em 2003
e subiram para US$ 29,9 bilhões em 2007, quase triplicando em apenas três anos.
Com esse desempenho, a participação do Brasil nas exportações mundiais de bens
de capital aumentou de 0,58%, em 2003, para 0,73%, em 2007. Em 2009, caíram
para US$ 21,1 bilhões e em 2011 voltaram ao patamar anterior à crise, com US$ 30,9
bilhões de exportações. Entre 2003 e 2011, o crescimento foi de 189%, mas, como
se viu, concentrou-se no período pré-crise, entre 2003 e 2007.
As importações de máquinas e equipamentos não sofreram o mesmo revés
das exportações. De US$ 14,4 bilhões, em 2003, subiram para US$ 42,2 bilhões,
em 2007, US$ 46,4 bilhões, em 2009, e US$ 73,5 bilhões, em 2011. Ao todo, o
crescimento foi de 410%, dos quais 193% no período anterior à crise e 58% no
período posterior.
Com esse desempenho, a balança comercial brasileira de máquinas e equipamentos tornou-se mais deficitária, acumulando déficits crescentes de US$ 3,6 bilhões, em 2003, US$ 12,2 bilhões, em 2007, US$ 25,3 bilhões, em 2009, e US$ 42,6
bilhões, em 2011 (Gráfico 2).
BENS DE CAPITAL
197
GRÁFICO 2 BALANÇA COMERCIAL BRASILEIRA DE BENS DE CAPITAL
80.000
60.000
US$ MILHÕES; FOB
40.000
20.000
0
-20.000
-40.000
-60.000
2002
2003
Exportações
2004
Importações
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Saldo comercial
Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC).
Esse resultado pode ser desagregado para observar o desempenho comercial
de cada um dos grupos de máquinas e equipamentos, conforme a Tabela 7.
TABELA 7 SALDO COMERCIAL DA BALANÇA DE BENS DE CAPITAL* – POR GRUPO DE EQUIPAMENTOS
(EM US$ MILHÕES)
Subgrupo
TRANSPORTE
2003
2007
2009
2011
US$ milhões
US$ milhões
US$ milhões
US$ milhões
2.598
5.940
(444)
(1.632)
CAMINHÕES
615
2.201
AERONAVES
1.894
4.140
OUTROS EQUIP. TRANSPORTE
VEÍCULOS FERROVIÁRIOS
ÔNIBUS
(5)
538
(15)
1.246
195
(3.299)
(16)
2.880
(180)
810
1.160
(3.162)
792
2.808
(324)
1.046
(1.316)
(4.320)
(5.468)
(9.051)
MÁQUINAS E FERRAMENTAS
(239)
(835)
(1.303)
(2.506)
AUTOMAÇÃO, CONTROLE E MEDIÇÃO
(489)
(1.232)
(1.373)
(2.120)
OUTRAS MÁQUINAS E EQUIP. INDUSTRIAIS
(250)
(810)
(819)
(1.502)
(71)
(668)
(762)
(796)
(127)
(417)
(505)
(853)
INDUSTRIAL
PAPEL, CELULOSE E GRÁFICA
MÁQUINAS E EQUIP. PARA INDÚSTRIA TÊXTIL
Continua
198 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Continuação
Subgrupo
2003
2007
2009
2011
US$ milhões
US$ milhões
US$ milhões
US$ milhões
(233)
(524)
(515)
(65)
(495)
TANQUES, FORNALHAS E CALDEIRARIA
(79)
MÁQUINAS PARA SIDERURGIA E METALURGIA
(30)
MÁQ. EQUIP., IND. ALIMENTOS, BEBIDAS E FUMO
(21)
(119)
(116)
(248)
MÁQ. EQUIP., IND. COURO E CALÇADOS
(10)
(10)
(1)
(16)
310
888
313
OUTROS EQUIP. E IMPLEMENTOS AGRÍCOLAS
187
200
(155)
COLHEITADEIRA
104
83
46
43
579
387
469
42
44
AGRÍCOLA
TRATORES AGRÍCOLAS
(1)
MÁQ. EQUIP BENEFICIAMENTO/ARMAZENAGEM
19
1
EQUIP. PARA IRRIGAÇÃO
4
(16)
(4)
(571)
79
(9)
(24)
143
1.295
(1.498)
(1.077)
MÁQ. RODOVIÁRIAS, CONSTR. CIVIL E MINERAÇÃO
238
1.240
(664)
(291)
EQUIP. INFRAESTRUTURA DIVERSOS
(95)
55
(834)
(786)
(1.082)
279
(294)
(1.834)
(638)
563
INFRAESTRUTURA
ENERGIA
GERADORES, TRANSFORMAD. E MOTORES ELÉTRIC.
187
(940)
(2)
(41)
(204)
(455)
TURBINAS
(310)
(90)
(111)
(197)
EQUIP. DISTRIB. E CONTROLE DE ENERGIA ELÉTRICA
(115)
(117)
(125)
(197)
(17)
(36)
(41)
(45)
(966)
(4.191)
(4.668)
(8.745)
EQUIP. ENERGIA EÓLICA
EQUIP. ENERGIA SOLAR
INFORMÁTICA/TELECOM.
(309)
(881)
(1.174)
(1.756)
(3.028)
(11.214)
(12.658)
(21.314)
MÉDICO-HOSPITALAR
OUTROS EQUIPAMENTOS
(1.937)
(5.776)
(6.851)
(11.980)
OUTROS EQUIP. E APARELHOS ELÉTRICOS
(900)
(4.928)
(4.962)
(7.573)
MOTORES, BOMBAS, COMPRESSORES E VÁLVULAS
(191)
(510)
(845)
(1.761)
(3.652)
(12.204)
(25.256)
(42.621)
EQUIPAMENTOS E COMP. DIVERSOS
TOTAL GERAL
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC.
* Segundo classificação própria.
Como se pode observar, o grupo de outros equipamentos – incluindo equipamentos diversos, aparelhos elétricos e motores, bombas e compressores – deu
a maior contribuição para os déficits da balança comercial brasileira de bens de
capital. Os equipamentos industriais, compostos de uma diversidade de equipamentos, incluindo máquinas-ferramenta, também contribuíram negativamente e
de forma expressiva. Equipamentos de informática e telecomunicações, equipamentos médico-hospitalares, de energia e de infraestrutura também contribuíram
de forma importante. Os equipamentos agrícolas, se considerado o período, e os
BENS DE CAPITAL
199
de transportes, incluindo aeronaves e caminhões e ônibus, foram os grupos que
contribuíram para a geração de superávits comerciais.
O resultado fortemente negativo da balança comercial do setor foi reflexo da
evolução dos preços e do quantum das exportações e importações desses bens. Do
lado dos preços, a contribuição foi positiva. Em termos agregados, os preços das
exportações subiram 36,7%, assim distribuídos: 9,8%, de 2003 a 2007, 12,8%, de
2007 a 2009, e 10,4%, de 2009 a 2011. Ao mesmo tempo, os preços das importações
subiram menos, 21%, com uma alta de 8,6% entre 2003 e 2007, de 9% entre 2007
e 2009 e de apenas 2,3% entre 2009 e 2011 (Tabela 8).
TABELA 8 TAXAS DE CRESCIMENTO DE PREÇOS, QUANTUM E VALOR DO COMÉRCIO BRASILEIRO DE
BENS DE CAPITAL (VAR. %)
Conta
Preços (%)
Quantum (%)
Valor (%)
2003-2007
IMPORTAÇÕES
8,60
EXPORTAÇÕES
9,80
120
135
129
154
2007-2009
IMPORTAÇÕES
9,10
EXPORTAÇÕES
12,80
19
(40)
30
(31)
2009-2011
IMPORTAÇÕES
2,30
58
62
EXPORTAÇÕES
10,40
30
44
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).
Um dos fatores que permitiram ao setor exportador de bens de capital nacional
sustentar os seus preços foi a diversificação da pauta de exportações para os países
de destino, como se verá a seguir.
EXPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL POR PAÍSES DE DESTINO
Em 2003, os Estados Unidos eram o principal destino das exportações de produtos
brasileiros, com uma participação de 38,9% na pauta de exportações do país, seguidos da Argentina e do México. Em conjunto, esses três países responderam por
cerca de 53% das exportações brasileiras de bens de capital naquele ano (Tabela 9).
200 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Em 2007, embora os Estados Unidos ainda ocupassem a primeira posição na
lista, sua participação caiu para 20,9%. Estados Unidos, Argentina e Venezuela, os
três primeiros colocados, responderam por 42% do total das exportações de bens
de capital do Brasil. Além da queda da participação dos Estados Unidos, começou
a aumentar a importância do Mercosul entre os principais destinos dos bens de capital brasileiros. Sua participação passou de 20,4%, em 2003, para 34,8%, em 2007.
Em 2009, a Argentina ascendeu à primeira posição na lista, seguida dos Estados
Unidos e da Alemanha (Tabela 10). Juntos, esses países responderam por 38% da
demanda de exportações brasileiras, o que confirma a redução na concentração
do destino das exportações. Além disso, os países do Mercosul, que respondiam
em 2003 por 20,4% da pauta de exportações, subiram para 35% em 2007 e 2009
e em 2011 para 40%, contribuiu para essa diversificação. Em 2011, essa mudança
se consolidou, pois os três primeiros países da pauta – Argentina, Estados Unidos e
México – responderam por 40% do total das exportações brasileiras.
TABELA 9 EXPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL* POR PAÍS DE DESTINO
2003
País de destino
Posição
2007
US$ milhões
Part. %
ESTADOS UNIDOS
1º
4.178
38,9
ARGENTINA
2º
959
MÉXICO
3º
ALEMANHA
País de destino
Posição
US$ milhões
Part. %
ESTADOS UNIDOS
1º
6.277
20,9
8,9
ARGENTINA
2º
4.661
15,6
587
5,5
VENEZUELA
3º
1.739
5,8
4º
552
5,1
MÉXICO
4º
1.540
5,1
CHILE
5º
451
4,2
ALEMANHA
5º
1.296
4,3
CHINA
6º
325
3,0
CHILE
6º
1.226
4,1
ITÁLIA
7º
318
3,0
COLÔMBIA
7º
984
3,3
ÁFRICA DO SUL
8º
235
2,2
CANADÁ
8º
891
3,0
COLÔMBIA
9º
182
1,7
HOLANDA
9º
775
2,6
VENEZUELA
10º
151
1,4
PERU
10º
695
2,3
PARAGUAI
11º
148
1,4
ÁFRICA DO SUL
11º
685
2,3
REINO UNIDO
12º
145
1,4
REINO UNIDO
12º
564
1,9
FRANÇA
13º
140
1,3
FRANÇA
13º
532
1,8
COREIA DO SUL
14º
128
1,2
CINGAPURA
14º
486
1,6
VENEZUELA
15º
127
1,2
ANGOLA
15º
460
1,5
SUBTOTAL
-
8.627
80,3
SUBTOTAL
-
22.812
76,1
MERCOSUL**
-
2.190
20,4
MERCOSUL**
-
10.422
34,8
TOTAL
-
10.747
100,0
TOTAL
-
29.963
100,0
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC.
* Segundo classificação própria.
** Todos os estados-partes e associados.
Obs.: Em 2007, a China ocupava a 17ª posição, com US$ 429 milhões, como destino das exportações de bens de capital.
BENS DE CAPITAL
201
De uma perspectiva qualitativa, pode-se afirmar que a pauta de exportações
de bens de capital brasileira apresenta um viés para produtos de alta intensidade
tecnológica, apesar da redução de participação nos últimos anos. A garantia da
continuidade dessas exportações consolidadas e orientadas para produtos de alta
tecnologia, bem como a constante melhoria desse quadro e a consequente redução
da dependência das importações de bens nessa categoria, depende de uma série de
iniciativas, entre as quais a participação do governo em políticas de promoção da
melhoria de produtividade e competitividade.
TABELA 10 EXPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL* POR DESTINO
2009
País de destino
Posição
2011
US$ milhões
Part. %
País de destino
Posição
US$ milhões
Part. %
ARGENTINA
1º
3.512
16,6
ARGENTINA
1º
6.606
21,4
ESTADOS UNIDOS
2º
3.458
16,4
ESTADOS UNIDOS
2º
4.236
13,7
ALEMANHA
3º
1.034
4,9
MÉXICO
3º
1.512
4,9
MÉXICO
4º
1.031
4,9
ALEMANHA
4º
1.394
4,5
VENEZUELA
5º
938
4,4
CHILE
5º
1.321
4,3
CHILE
6º
904
4,3
CINGAPURA
6º
1.150
3,7
HOLANDA
7º
716
3,4
VENEZUELA
7º
1.003
3,2
CHINA
8º
627
3,0
CHINA
8º
910
2,9
FRANÇA
9º
587
2,8
PARAGUAI
9º
901
2,9
ÁFRICA DO SUL
10º
489
2,3
PERU
10º
849
2,7
PERU
11º
476
2,3
HOLANDA
11º
830
2,7
COLÔMBIA
12º
455
2,2
COLÔMBIA
12º
602
1,9
ANGOLA
13º
440
2,1
ÁFRICA DO SUL
13º
594
1,9
ITÁLIA
14º
412
1,9
URUGUAI
14º
573
1,9
URUGUAI
15º
330
1,6
ITÁLIA
15º
507
1,6
SUBTOTAL
-
15.408
72,9
SUBTOTAL
-
22.988
74,4
MERCOSUL**
-
7.372
34,9
MERCOSUL**
-
12.460
40,3
TOTAL
-
21.131
100,0
TOTAL
-
30.902
100,0
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC.
* Segundo classificação própria.
** Todos os estados-partes e associados.
IMPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL POR PAÍSES DE ORIGEM
Como se viu, os preços das importações subiram apenas 21% em todo o período, bem
abaixo dos preços das exportações. Essa redução no preço relativo das importações
deslocou a demanda das empresas para os bens de capital importados, o que aumentou o quantum de importações e agravou o déficit comercial do setor. De fato,
202 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
o quantum importado de bens de capital no período 2003-2011 cresceu 300%, bem
acima do crescimento de 78% do quantum exportado, uma evidência de que o déficit
comercial do setor foi causado inteiramente pelo aumento do quantum importado.
O país mais beneficiado por esse movimento foi a China, que subiu da quinta
posição no ranking de 2003, com US$ 810,0 milhões de importações, para o segundo lugar em 2007 e 2009, com US$ 7,1 bilhões e US$ 8,9 bilhões, respectivamente,
e passou a ocupar o primeiro lugar em 2011, desbancando os Estados Unidos, com
vendas ao Brasil de US$ 16,8 bilhões.
As tabelas 11 e 12 consolidam os dados das importações brasileiras de bens de
capital por país de origem. Em 2003, Estados Unidos, Alemanha e Japão ocuparam
as primeiras posições do ranking, com participações de 28,0%, 12,6% e 9,6%, respectivamente. Somadas, as participações desses países ultrapassavam a metade do
total importado pelo Brasil no ano, indicando grande concentração na origem das
compras brasileiras de bens de capital no exterior.
Em 2007, China e Alemanha despontavam na segunda e na terceira posições,
com participações de 16,9% e 10,6%, respectivamente. Os Estados Unidos continuaram em primeiro lugar. Os três primeiros colocados passaram, então, a representar,
conjuntamente, 47% das importações brasileiras de bens de capital.
A participação do Mercosul na pauta de importações nos anos de 2003 e 2007
foi de 4,7% e 4,4%, respectivamente, ainda bastante tímida, se comparada à participação das exportações brasileiras para os países do bloco. A participação do
Mercosul no total das importações brasileiras estabilizou-se em torno de 5% nos
anos de 2009 e 2011, conforme indicado pela Tabela 11.
TABELA 11 IMPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL* POR PAÍS DE ORIGEM
2003
País de origem
Posição
2007
US$ milhões
Part. %
País de origem
Posição
US$ milhões
Part. %
ESTADOS UNIDOS
1º
4.025
28,0
ESTADOS UNIDOS
1º
8.319
19,7
ALEMANHA
2º
1.815
12,6
CHINA
2º
7.110
16,9
JAPÃO
3º
1.383
9,6
ALEMANHA
3º
4.468
10,6
ITÁLIA
4º
831
5,8
JAPÃO
4º
2.922
6,9
CHINA
5º
810
5,6
COREIA DO SUL
5º
2.434
5,8
ARGENTINA
6º
629
4,4
ITÁLIA
6º
1.779
4,2
COREIA DO SUL
7º
552
3,8
ARGENTINA
7º
1.758
4,2
Continua
BENS DE CAPITAL
203
Continuação
2003
País de origem
Posição
2007
US$ milhões
Part. %
País de origem
Posição
US$ milhões
Part. %
FRANÇA
8º
541
3,8
FRANÇA
8º
1.611
3,8
SUÉCIA
9º
395
2,7
TAIWAN
9º
1.548
3,7
ESPANHA
10º
394
2,7
CINGAPURA
10º
994
2,4
SUÍÇA
11º
373
2,6
MALÁSIA
11º
886
2,1
REINO UNIDO
12º
348
2,4
SUÉCIA
12º
858
2,0
TAIWAN
13º
273
1,9
ESPANHA
13º
799
1,9
CINGAPURA
14º
227
1,6
SUÍÇA
14º
601
1,4
MÉXICO
15º
165
1,1
REINO UNIDO
15º
553
1,3
SUBTOTAL
-
12.760
88,6
SUBTOTAL
-
36.641
86,9
MERCOSUL**
-
682
4,7
MERCOSUL**
-
1.843
4,4
TOTAL
-
14.399
100,0
TOTAL
-
42.167
100,0
US$ milhões
Partic. %
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC.
* Segundo classificação própria.
** Todos os estados-partes e associados.
TABELA 12 IMPORTAÇÕES DE BENS DE CAPITAL* POR PAÍS DE ORIGEM
2009
País de origem
Posição
2011
US$ milhões
Partic. %
País de origem
Posição
ESTADOS UNIDOS
1º
9.086
19,6
CHINA
1º
16.794
22,8
CHINA
2º
8.913
19,2
ESTADOS UNIDOS
2º
12.760
17,4
ALEMANHA
3º
4.633
10,0
ALEMANHA
3º
7.411
10,1
JAPÃO
4º
3.243
7,0
JAPÃO
4º
4.541
6,2
CORÉIA DO SUL
5º
2.463
5,3
CORÉIA DO SUL
5º
4.378
6,0
ARGENTINA
6º
2.218
4,8
ITÁLIA
6º
3.528
4,8
ITÁLIA
7º
2.051
4,4
ARGENTINA
7º
3.266
4,4
FRANÇA
8º
1.525
3,3
FRANÇA
8º
2.158
2,9
TAIWAN
9º
1.405
3,0
TAIWAN
9º
1.887
2,6
MALÁSIA
10º
800
1,7
MALÁSIA
10º
1.372
1,9
FINLÂNDIA
11º
786
1,7
SUÉCIA
11º
1.351
1,8
MÉXICO
12º
714
1,5
SUÍÇA
12º
1.121
1,5
ESPANHA
13º
699
1,5
ESPANHA
13º
1.110
1,5
SUÉCIA
14º
687
1,5
MÉXICO
14º
1.031
1,4
TAILÂNDIA
15º
649
1,4
REINO UNIDO
15º
1.015
1,4
SUBTOTAL
-
39.872
86,0
SUBTOTAL
-
63.724
86,7
MERCOSUL**
-
2.341
5,0
MERCOSUL**
-
3.525
4,8
TOTAL
-
46.387
100,0
TOTAL
-
73.523
100,0
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC.
* Segundo classificação própria.
** Todos os estados-partes e associados.
As tarifas médias praticadas pelos países-membros do Mercosul sobre as importações de máquinas e equipamentos (Tabela 13) são bem superiores àquelas
praticadas pelos demais parceiros comerciais. Esse contexto favorece notavelmente
as exportações do Brasil aos países pertencentes ao bloco, uma vez que as alíquo-
204 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
tas cobradas entre eles são inferiores às aplicadas ao resto do mundo, tornando os
produtos brasileiros relativamente mais baratos.
Por outro lado, seria de esperar que as tarifas protecionistas impostas pelo bloco
ao resto do mundo desestimulassem a penetração de produtos estrangeiros nos países-membros. Entretanto, isso não ocorreu, e tais tarifas não se mostraram suficientes para
evitar a elevação do coeficiente de penetração1 de máquinas e equipamentos no
Brasil – que registrou um aumento de 22,3%, em 2003, para 36,6%, em 2010 – nem
tampouco para conter a entrada de produtos chineses, que, conforme visto, é crescente.
Assim, as medidas de defesa comercial adotadas acabam por expor a fragilidade
nas condições de competitividade da indústria brasileira de bens de capital, que tem
a ver com os níveis de produtividade dessa indústria. Políticas de reserva de mercado,
sem estímulos mais agressivos ao aumento da produtividade, tendem, no longo prazo,
a reduzir ainda mais a capacidade competitiva da economia. Desse modo, os dados
expostos trazem à tona a necessidade, por parte do BNDES, de adoção de medidas
que caminhem em direção ao aumento da produtividade e, em especial, ao desenvolvimento de novas tecnologias nas empresas pertencentes ao setor de bens de capital.
TABELA 13 TARIFAS E OBRIGAÇÕES ALFANDEGÁRIAS MÉDIAS COBRADAS SOBRE IMPORTAÇÃO DE
MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS – POR TIPO, EM 2010 (EM %)
País
Equip. elétricos
Equip. não elétricos
Transporte
Média simples
COLÔMBIA
35,0
35,0
35,4
35,1
ARGENTINA
34,9
34,9
34,5
34,8
VENEZUELA
32,8
33,3
33,3
33,1
BRASIL
32,4
31,9
33,1
32,5
PARAGUAI
32,5
32,9
31,4
32,3
PERU
27,9
23,1
30,0
27,0
CHILE
25,0
25,0
24,9
25,0
CHINA
8,5
9,0
11,4
9,6
COREIA DO SUL
9,5
8,9
8,1
8,8
NORUEGA
2,7
2,3
3,3
2,8
UNIÃO EUROPEIA
1,7
2,4
4,1
2,7
EUA
1,2
1,7
3,1
2,0
SUÍÇA
0,5
0,7
1,6
0,9
JAPÃO
0,0
0,2
0,0
0,1
Fonte: OMC.
1
O coeficiente de penetração das importações refere-se à parcela do consumo aparente – isto é, da produção interna subtraída das
exportações e acrescida das importações – que é atendida pelas importações.
BENS DE CAPITAL
205
4 . O FIN A N CIA MEN TO D O B N D ES
AO SETOR D E BEN S D E C A PI TA L
NO PER ÍOD O 20 03- 2011
FONTES DE FINANCIAMENTO: PRODUTOS E PROGRAMAS
Os financiamentos do BNDES a equipamentos adquiridos pelas empresas são efetuados sob a égide de três produtos análogos: o BNDES Finame, que financia as
empresas em geral; o BNDES Finame Leasing, que financia a aquisição de equipamentos pelas empresas de leasing; e o Finame Agrícola, que financia a aquisição de
equipamentos agrícolas pelos produtores rurais, empresas ou pessoas físicas.
O primeiro aspecto a ser destacado na política do BNDES voltada ao apoio à
indústria de bens de capital diz respeito ao montante de recursos alocados ao financiamento das empresas. Por meio dos três produtos mencionados, o Banco direcionou ao setor de bens de capital, no período 2003-2011, o montante de R$ 275
bilhões, avaliados a preços de 2011.2
Esse funding mudou de escala a partir de junho de 2009, com a criação do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). O PSI promoveu mudança nos juros do
Finame, que passaram a ser definidas por taxas fixas e não mais pela TJLP, ao mesmo
tempo em que foram reduzidas de um patamar médio de 10% a.a. para 4,5% a.a. (no
caso dos bens de capital mecânicos) ou 5,5% a.a. (no caso de caminhões e ônibus).
Essas medidas foram tomadas no intuito de neutralizar os efeitos da crise financeira internacional de 2008 sobre os investimentos no Brasil e tiveram resultados imediatos. A partir do último trimestre de 2009, o volume de operações realizadas por
meio dos produtos BNDES Finame mudou de escala, mais que duplicando nos meses
subsequentes, e sua evolução passou a seguir uma trajetória de forte crescimento,
como se vê na Tabela 14 e nos gráficos relacionados a esses resultados.
Diversas alterações nas condições operacionais do PSI foram promovidas depois,
tendo em vista as limitações orçamentárias do programa. Em julho de 2010, os juros
2
Valores correntes atualizados para 2011 com base no índice de preços de bens de capital, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Todos
os valores referidos nesta seção foram atualizados para 2011.
206 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
foram aumentados de 4,5% para 5,5% a.a., no caso de bens de capital mecânicos,
e de 5,5% para 8% a.a. para caminhões e ônibus. Em abril de 2011, outra alteração
se seguiu: as taxas de juros foram elevadas para 10% a.a. nos financiamentos a
caminhões e ônibus e para 6,5% a.a. para os demais bens de capital adquiridos por
micro, pequenas e médias empresas, ou 8,7% a.a. para as grandes empresas. Ao
mesmo tempo, foram criadas taxas menores para a inovação tecnológica (4% a.a.)
e a aquisição de componentes de bens de capital (5% a.a.). O Procaminhoneiro –
programa específico para aquisição de caminhões por parte das pessoas físicas ou
empreendedores individuais – teve sua taxa alterada para 7% a.a.
A participação nos financiamentos também sofreu alterações. Para as micro,
pequenas e médias empresas, passou de 100% para 90%, na aquisição de outros
bens de capital, e para 80%, na aquisição de ônibus e caminhões. Para as grandes
empresas, a participação caiu de 80% para 70%. Essas alterações não foram capazes de mudar a trajetória de crescimento das operações aprovadas, que continuaram em ascensão, saltando de R$ 34,6 bilhões, em 2009, para R$ 69,7 bilhões,
em 2010. Somente em 2011, por conta de outros fatores, houve um declínio para
R$ 55,5 bilhões3 nas operações, que ainda assim se mantiveram em um patamar
muito superior aos observados antes de 2009.
TABELA 14 APROVAÇÕES E DESEMBOLSOS DO BNDES PARA A AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTOS – PREÇOS
CONSTANTES DE 2011 (EM R$ MILHÕES)
Aprovações
%
2003
15.562
-
12.609
-
2004
15.664
1
14.499
15
2005
14.403
(8)
13.682
(6)
2006
15.224
6
14.609
7
2007
24.316
60
22.808
56
2008
30.023
23
28.482
25
2009
34.650
15
25.366
(11)
2010
69.669
101
54.211
114
2011
55.532
(20)
52.400
2003-2011
275.042
Fonte: BNDES.
3
Desembolsos
R$ milhões
Todos os valores considerados a preços constantes de 2011.
-
R$ milhões
238.666
%
(3)
-
BENS DE CAPITAL
207
55.532
GRÁFICO 3 VALOR FINANCIADO DOS EQUIPAMENTOS PELO BNDES (2003-2011)
34.650
50.000
24.316
40.000
30.000
15.562
R$ MILHÕES, A PREÇOS CONSTANTES DE 2011
60.000
20.000
10.000
0
2003
2007
2009
2011
Fonte: BNDES.
GRÁFICO 4 APROVAÇÕES E DESEMBOLSOS DO FINAME PARA A AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTOS,
ACUMULADO EM 12 MESES, A PREÇOS CONSTANTES DE DEZEMBRO DE 2011 (2003-2011)
80.000
73.252;
nov. 2010
70.000
55.925;
dez. 2011
R$ MILHÕES
60.000
52.763;
dez. 2011
50.000
40.000
30.000
24.366,4;
out. 2009
20.000
10.000
Aprovações
Fonte: BNDES.
Desembolsos
ago. 2007
abr. 2007
dez. 2006
abr. 2006
ago. 2006
dez. 2005
abr. 2005
ago. 2005
dez. 2004
abr. 2004
ago. 2004
dez. 2003
abr. 2003
ago. 2003
dez. 2002
ago. 2002
abr. 2002
dez. 2001
ago. 2001
abr. 2001
dez. 2000
ago. 2000
abr. 2000
dez. 1999
ago. 1999
abr. 1999
dez. 1998
0
208 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Um segundo ponto a destacar são os aspectos qualitativos da política do BNDES
para o setor de bens de capital no período, que podem ser detectados a partir da
criação de programas do BNDES ou administrados pelo Banco em nome do governo
federal e que têm como objetivo explícito a modernização de setores. Programas
são instrumentos de política com características próprias, criados com fins específicos, com uma dotação orçamentária preestabelecida e, em geral, com condições
de juros, prazos e participações diferenciadas. Os principais programas criados no
período considerado são os seguintes:
Modermaq – Programa de Modernização da Indústria Nacional e dos Serviços
de Saúde, criado com o objetivo de financiar a aquisição de máquinas e equipamentos voltados à modernização do parque industrial nacional e à dinamização do setor de bens de capital.
Procaminhoneiro – Programa de Financiamento a Caminhoneiros, que financia a
aquisição de caminhões, chassis, caminhões-tratores, carretas, cavalos mecânicos, reboques, semirreboques e carrocerias para caminhões novos ou usados até 15 anos.
Provias – Programa de Intervenções Viárias, criado com o objetivo de financiar
a aquisição de máquinas e equipamentos nacionais rodoviários por parte de
pessoas jurídicas de direito público municipal. O programa financia a aquisição
de itens específicos, como máquinas rodoviárias e equipamentos, caminhões,
carrocerias graneleiras, betoneiras, tanques e contêineres.
Finame Componentes – Criado com o objetivo de financiar a aquisição de peças, partes e componentes nacionais para serem incorporados em máquinas
e equipamentos em fase de produção. As beneficiárias são as fabricantes de
máquinas e equipamentos de qualquer porte, desde que cadastradas no Credenciamento de Fabricantes Informatizado do BNDES (CFI).
Revitaliza – Programa de Apoio à Revitalização dos Setores Calçadista, de Artefatos de Couro, Moveleiro, Têxtil e de Confecções, financia ações voltadas para
a revitalização das empresas dos setores referidos, além de apoiar suas exportações. O programa prioriza a adoção de métodos de produção mais eficientes,
apoiando empreendimentos de modernização de produtos e de processos, e a
aquisição de itens que vão desde softwares desenvolvidos no país a capacita-
BENS DE CAPITAL
209
ção, treinamento e aperfeiçoamento gerencial, além de capital de giro associado aos demais itens financiáveis.
Moderinfra – Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem, que objetiva apoiar o desenvolvimento da agricultura irrigada sustentável econômica e
ambientalmente e ampliar a capacidade de armazenamento nas propriedades
rurais. O programa tem como beneficiários produtores rurais, pessoas físicas ou
jurídicas e cooperativas de produtores rurais.
Moderfrota – Embora anterior a 2003, o programa do governo federal também
deve ser lembrado pelo papel relevante que desempenhou para a modernização do setor agropecuário no período. Criado no início de 2000, o Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados
e Colheitadeiras objetivava financiar a aquisição de tratores e colheitadeiras
agrícolas, inclusive usados, além de itens como plataformas de corte e equipamentos para preparo, secagem e beneficiamento de café. Os beneficiários são
produtores rurais pessoas físicas ou jurídicas e suas cooperativas.
A dimensão dos financiamentos realizados por meio desses e de outros progra-
mas mais recentes, como o PSI, no período 2003-2011, dão uma ideia de sua magnitude e importância. Esses dados são reunidos na Tabela 15.
TABELA 15 VALOR FINANCIADO DOS EQUIPAMENTOS – POR PROGRAMAS* (PREÇOS CONSTANTES DE
2011 EM R$ MILHÕES)
Programa
Anos selecionados
2003
2007
2003-2011
2009
2011
R$ milhões
%
PSI
-
-
19.020
32.748
111.447
41,0
BK AQUISIÇÃO
-
-
11.880
21.393
63.810
23,0
PSI ÔNIBUS/CAMINHÃO
-
-
6.957
10.728
46.145
17,0
OUTROS PROGRAMAS
-
-
182
628
1.493
1,0
PROCAMINHONEIRO
-
-
1.100
1.268
9.110
3,0
FINAME COMPONENTES
-
-
0
150
150
0,0
NÃO PSI
BK AQUISIÇÃO
15.511
24.299
14.451
21.176
153.713
93,0
0
17.560
11.031
20.129
75.796
28,0
10,0
MÁQ. E EQUIP. COMERCIALIZAÇÃO
7.976
0
0
0
26.074
MODERFROTA
3.131
2.069
1.456
21
16.783
6,0
0
3.335
960
0
12.750
5,0
2.934
16
0
0
5.170
2,0
0
0
237
616
1.834
0,7
120
116
101
44
1.175
0,4
MODERMAQ
LINHA ESPECIAL AGRÍCOLA
PSI ÔNIBUS/CAMINHÃO
MODERINFRA
Continua
210 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Continuação
Programa
Anos selecionados
2003
2007
2003-2011
2009
2011
PROVIAS
0
344
187
PROCAMINHONEIRO
0
372
FINAME COMPONENTES
0
78
COMPUTADOR PARA TODOS
0
PRODECOOP
R$ milhões
%
139
1.022
0,4
115
0
889
0,3
104
56
489
0,2
107
40
0
399
0,1
0
20
37
61
212
0,1
MODERNIZA BK
0
0
3
41
164
0,1
REVITALIZA
0
54
44
0
143
0,1
1.350
228
135
69
10.813
3,9
15.511
24.299
34.571
55.341
274.420
100,0
OUTROS PROGRAMAS
TOTAL
Fonte: BNDES.
* Programa do Finame, Finame Leasing e Finame Agrícola.
A partir de 2009, o PSI foi o grande destaque em relação a volume de operações,
pois o seu valor alcançou 41% do total de financiamentos no período 2003-2011. O
Procaminhoneiro também teve um volume de financiamentos expressivo, com R$ 9,1
bilhões aprovados nesse período, respondendo por 3% do total dos financiamentos.
Anteriores ao advento do PSI, programas como Moderfrota, Modermaq, Moderinfra
e Provias também foram importantes para financiar a aquisição de equipamentos. Os
programas fora do PSI, como BK Aquisição e Máquinas e Equipamentos Comercialização, que aparecem em destaque na Tabela 15, reúnem as operações tradicionais
dos produtos Finame e, em geral, são realizados com taxas de juros variáveis.
PROGRAMAS E EQUIPAMENTOS NO PERÍODO 2003-2011
Grande diversidade de equipamentos foi financiada por meio desses programas,
como caminhões e ônibus, tratores e colheitadeiras, máquinas-ferramenta e equipamentos para geração de energia. Com os equipamentos classificados em grupos,
conforme sua natureza, a lista de programas por meio dos quais foram financiados e seus respectivos valores são mostrados na Tabela 16. Todos esses programas
enquadram-se nos produtos Finame e têm como característica comum o financiamento da aquisição de máquinas e equipamentos.4
4
A relação dos equipamentos que compõem cada um desses grupos é apresentada no Apêndice deste estudo.
15.750
MAQ.E EQUIP.
COMERCIALIZAÇÃO
1
0
0
PRODECOOP
MODERNIZA BK
REVITALIZA
Fonte: BNDES.
TOTAL
143.538
3.989
0
COMPUTADOR PARA TODOS
OUTROS PROGRAMAS
0
773
PROCAMINHONEIRO
FINAME COMPONENTES
363
PROVIAS
0
1.785
PSI ÔNIBUS/CAMINHÃO
MODERINFRA
3.691
7
469
CAMINHÕES
LINHA ESPECIAL AGRÍCOLA
MODERMAQ
2
57.922
BK AQUISIÇÃO
MODERFROTA
84.753
NÃO PSI
0
8.785
PROCAMINHONEIRO
FINAME COMPONENTES
744
45.079
100
3
0
0
0
0
0
1
0
0
1
3
0
0
0
11
40
59
0
6
1
31
3
35
50.000
4.177
%
R$
milhões
Transporte
OUTROS PROGRAMAS
PSI ÔNIBUS/CAMINHÃO
BK AQUISIÇÃO
PSI
Programas
46.768
329
4
0
83
0
0
0
1
1.134
11
3
5.111
1.088
16.541
586
2.394
27.286
0
5
0
163
19.314
19.477
R$
milhões
1
0
0
0
0
0
0
0
2
0
0
11
2
35
1
5
58
0
0
0
0
41
42
%
100
Agrícola
37.166
1.620
80
0
79
0
0
0
2
17
3
8
37
5.749
16
4.957
6.482
19.048
0
2
493
41
17.582
18.116
R$
milhões
100
4
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
15
0
13
17
51
0
0
1
0
47
49
%
Industrial
27.412
495
14
0
30
0
0
0
652
19
28
64
12
3.745
46
2.896
5.560
13.561
1
25
83
666
13.076
13.825
R$
milhões
100
2
0
0
0
0
0
0
2
0
0
0
0
14
0
11
20
49
0
0
0
2
48
50
%
Infraestrutura
4.625
207
29
0
4
0
93
0
0
0
0
0
0
429
0
414
664
1.841
47
0
89
0
2.647
2.736
R$
milhões
R$
milhões
0
0
38
14
109
0
0
0
399
0
0
0
0
3
0
0
9
0
177
792
100 4.715
4
1
0
0
0
2
0
0
0
0
0
0
9
0
9
14
40 1.489
1
0
2
0
57 3.173
100
2
0
0
0
8
0
0
0
0
0
0
0
0
0
4
17
32
0
0
1
0
67
68
%
Para
informática/
telecom.
59 3.225
%
Para geração
e distrib. de
energia
Grupos de equipamentos
TABELA 16 GRUPOS DE EQUIPAMENTOS FINANCIADOS POR PROGRAMAS DO FINAME (2003-2011)
471
17
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
13
0
74
94
198
0
0
0
0
274
274
R$
milhões
R$
milhões
102
294
45
182
178
276
15
164
15
0
396
116
3
5
5
5
4
100 9.726
4
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
3 1.248
0
16 1.220
20 1.887
42 5.537
0
0
0
0
58 3.567
R$
milhões
R$
milhões
150
9.111
1.493
46.145
63.810
7.042
142
164
211
399
489
889
1.022
1.175
1.834
3.771
5.170
12.749
16.783
26.074
75.796
100 274.420
3
0
2
0
0
4
1
0
0
0
0
0
13
2
13
19
57 153.712
1
3
0
2
37
39 111.448
%
Outros
equipamentos
58 3.794
%
Equip. médicohospitalares e
laboratórios
100,0
3,0
0,1
0,1
0,1
0,1
0,2
0,3
0,4
0,4
1,0
1,0
2,0
5,0
6,0
10,0
28,0
56,0
0,0
3,0
1,0
17,0
23,0
41,0
%
%
BENS DE CAPITAL
211
212 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Por meio do PSI, foram destinados R$ 111,4 bilhões para aquisição de equipamentos nesse período. Desse total, 46% foram para transportes, 18% para
equipamentos agrícolas, 16% para equipamentos industriais e 12% para equipamentos de infraestrutura.
O conjunto de programas não classificados no PSI financiou o montante de
R$ 153,7 bilhões. Desse total, 55% foram para equipamentos de transportes, 18%
para equipamentos agrícolas, 12% para equipamentos industriais e 9% para equipamentos de infraestrutura.
O Modermaq financiou a aquisição de equipamentos no valor de R$ 12,7 bilhões. Os principais foram equipamentos industriais, com 45% do total, e equipamentos de infraestrutura, com 29%.
O Provias financiou a aquisição de equipamentos no valor de R$ 1,0 bilhão.
Desse total, 64% foram aplicados em equipamentos de infraestrutura e 36% foram
para equipamentos de transporte.
O Finame Componentes financiou R$ 489 milhões. Desse total, 19% foram para
equipamentos de geração e distribuição de energia e 81% para outros equipamentos.
Por meio do Revitaliza, foram direcionados R$ 142 milhões para aquisição
de equipamentos. Desse total, 56% foram para equipamentos industriais, 20%
para equipamentos de geração e distribuição de energia, 10% para equipamentos de infraestrutura e os demais 4% para outros equipamentos.
O Programa Moderniza BK, com operações aprovadas no valor de R$ 164 milhões, financia uma grande diversidade de máquinas e equipamentos, em geral pertencentes ao grupo de outras máquinas e equipamentos. O programa Moderfrota,
com R$ 16,7 bilhões de financiamentos, concentra os recursos especificamente em
máquinas e equipamentos agrícolas, assim como o Moderinfra, com R$ 1,17 bilhão
em operações aprovadas.
EQUIPAMENTOS FINANCIADOS E DESEMPENHO COMERCIAL
A relação dos equipamentos, com os valores financiados e os seus saldos comerciais
em 2003, 2007, 2009 e 2001, é mostrada na Tabela 17. Os financiamentos contri-
BENS DE CAPITAL
213
buem para gerar saldos comerciais positivos se estimularem a eficiência produtiva das empresas, melhorando sua capacidade exportadora, e se induzirem os seus
compradores a adquirir o produto doméstico em lugar dos importados, por conta
das facilidades de financiamento.
Entretanto, como se viu anteriormente, apesar de bastante favoráveis, as condições de financiamento não foram suficientes para suplantar as vantagens oferecidas pelo declínio dos preços das importações. Por outro lado, setores que vêm recebendo elevados volumes de financiamento, como o de máquinas e equipamentos
industriais, não foram capazes de gerar superávits comerciais positivos em nenhum
grupo de equipamento e em nenhum momento a partir de 2003. Uma resposta
conclusiva para esse fato requer, entretanto, um exame mais aprofundado sobre
competitividade do setor.
TABELA 17 FINANCIAMENTOS DO BNDES E SALDOS COMERCIAIS DA BALANÇA DE BENS DE CAPITAL POR
GRUPOS DE EQUIPAMENTO
Subgrupo
Financiamentos 2003-2011
Saldos comerciais 2003-2011
(US$ milhões)
R$ milhões
%
143.538
52
32.233
108.750
40
11.057
28.431
10
VEÍCULOS FERROVIÁRIOS
3.491
1
AERONAVES
1.918
1
27.632
948
0
(14.369)
TRANSPORTE
CAMINHÕES
ÔNIBUS
OUTROS EQUIP. TRANSPORTE
9.161
(1.249)
37.166
14
(38.976)
MÁQUINAS-FERRAMENTAS
7.199
3
(9.293)
TANQUES, FORNALHAS E CALDEIRARIA
5.946
2
(2.436)
MÁQ. EQUIP. IND. ALIMENTOS, BEBIDAS E FUMO
5.501
2
(974)
MÁQUINAS PARA SIDERURGIA E METALURGIA
1.415
1
(1.015)
MÁQUINAS E EQUIP. PARA INDÚSTRIA TÊXTIL
1.123
0
(4.047)
172
0
(83)
15.809
6
(21.127)
INDUSTRIAL
MÁQ. EQUIP. IND. COURO E CALÇADOS
OUTRAS MÁQUINAS E EQUIP. INDUSTRIAIS
46.768
17
5.588
TRATORES AGRÍCOLAS
16.446
6
3.761
OUTROS EQUIP. E IMPLEMENTOS AGRÍCOLAS
13.061
5
552
COLHEITADEIRA
12.543
5
915
MÁQ. EQUIP BENEFICIAMENTO/ARMAZENAGEM
2.998
1
434
EQUIP. PARA IRRIGAÇÃO
1.720
1
27.412
10
19.212
7
4.715
8.200
3
(2.016)
AGRÍCOLA
INFRAESTRUTURA
MÁQ. RODOVIÁRIAS, CONSTR. CIVIL E MINERAÇÃO
EQUIP. DE INFRAESTRUTURA DIVERSOS
(74)
2.699
Continua
214 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Continuação
Subgrupo
Financiamentos 2003-2011
R$ milhões
%
Saldos comerciais 2003-2011
(US$ milhões)
4.624
2
(3.729)
EQUIP. DISTRIB. E CONTROLE DE ENERGIA ELÉTRICA
2.118
1
(1.194)
GERADORES, TRANSFORMAD. E MOTORES ELÉTRICOS
1.836
1
(194)
TURBINAS
516
0
(913)
EQUIPAMENTOS ENERGIA EÓLICA
155
0
(1.127)
1
0
(301)
4.715
2
(35.112)
ENERGIA
EQUIPAMENTOS ENERGIA SOLAR
INFORMÁTICA/TELECOM.
471
0
(8.418)
9.726
4
(99.106)
EQUIPAMENTOS E COMP. DIVERSOS
7.068
3
(55.834)
MOTORES, BOMBAS, COMPRESSORES E VÁLVULAS
2.408
1
(7.062)
OUTROS EQUIPAMENTOS E APARELHOS ELÉTRICOS
250
0
(36.211)
274.420
100
(144.822)
MÉDICO-HOSPITALAR
OUTROS EQUIPAMENTOS
TOTAL GERAL
Fontes: BNDES e MDIC.
5 . DESA FIOS E PERS PEC TI VA S
Na última década, uma série de fatores contribuiu para alterar bastante o ambiente econômico e tecnológico de empresas e nações. Entre os mais significativos estão as mudanças nas relações geopolíticas entre Oriente e Ocidente, o crescimento
mundialmente disseminado da informação digital, o avanço da infraestrutura física
e financeira, as tecnologias computadorizadas de produção, bem como a proliferação de acordos bilaterais e multilaterais de comércio.
Esse fenômeno, intitulado genericamente de globalização, tem gerado profundo impacto sobre as possibilidades de crescimento mundial. Para os países em desenvolvimento, representa um fator de transformação de suas economias, incluindo mudanças drásticas na natureza da competição com os países desenvolvidos.
Analogamente, para as indústrias – em particular, a brasileira –, significa exposição
a forças competitivas que, embora não sejam necessariamente novas, estão se tornando cada vez mais complexas e difíceis de mitigar.
Nesse contexto, o aumento da competitividade figura como o principal desafio
imposto às empresas implantadas no país, que serão obrigadas a enfrentar questões envolvendo custos de produção, qualidade dos produtos, gargalos estruturais,
qualificação da mão de obra e atraso tecnológico.
BENS DE CAPITAL
215
Essa nova perspectiva, que vem modificando profundamente a cadeia de oferta manufatureira, é influenciada por desafios políticos e econômicos complexos,
devendo culminar na intensificação do uso de políticas públicas e na necessidade
de adaptação das estratégias de políticas industriais. Empresas e governos que estiverem cientes das forças fundamentais que estão remodelando a economia global
serão os mais aptos a obter benefícios com as mudanças. Ciente disto, nos últimos
anos, o BNDES vem conferindo em seu planejamento estratégico maior prioridade
a iniciativas que promovam o alinhamento com essa nova visão de política econômica e industrial.
O BNDES contribuiu de maneira imprescindível para a implantação de uma forte indústria de bens de capital no país, em consonância com uma política de substituição de importações. Suas principais políticas de apoio ao setor de bens de capital
foram – e vêm sendo até hoje – pautadas por mecanismos de incentivo à demanda,
por meio de financiamentos à compra de máquinas e equipamentos. Tal estratégia
foi eficaz em estimular, concomitantemente, a produção nacional e o adensamento
da cadeia produtiva no país.
Contudo, para que a indústria de máquinas e equipamentos esteja apta a enfrentar os desafios impostos pelo novo paradigma de competitividade global, é preciso
ativar outros mecanismos de apoio, que possam se adequar às circunstâncias do momento. Para tanto, é imperativo ao BNDES desenvolver ações que busquem construir
ou aperfeiçoar instrumentos de apoio à atualização da estrutura produtiva dos fabricantes nacionais de bens de capital, ou seja, à modernização da oferta.
Enquanto os incentivos à demanda se concentram no estímulo ao aumento da
procura pelos bens produzidos, por meio da disponibilidade de financiamento com
condições financeiras vantajosas, as políticas de incentivo à oferta podem ser caracterizadas por financiamentos à aquisição de novas tecnologias, à capacitação da
mão de obra, ao aperfeiçoamento dos processos de gestão, bem como quaisquer
outras iniciativas voltadas para o aumento da produtividade do fabricante de máquinas e equipamentos no Brasil.
Nesse sentido, é importante que a atuação do BNDES seja norteada para alguns
desafios basilares enfrentados pelo Brasil. Figura fortemente entre eles a necessida-
216 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
de de estímulo ao investimento em ativos intangíveis, com destaque para a inovação e a qualificação da mão de obra.
INOVAÇÃO
Dados extraídos da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec)5 possibilitam ilustrar parte do problema. No período de 2006 a 2008, apenas cerca de 50%
das empresas do setor de bens de capital entrevistadas implementaram algum tipo
de produto ou processo novo ou substancialmente aprimorado. Mesmo assim, entre as empresas inovadoras, uma média de 55% observou baixo impacto – ou até
mesmo ausência de impacto – das inovações adotadas sobre a redução dos custos
de produção e dos custos do trabalho. Além disso, de acordo com dados do Conference Board, a produtividade média do trabalhador brasileiro equivale a 18,7% da
do americano e está entre as mais baixas dos 17 países da América Latina analisados, à frente apenas de Bolívia e Equador.
Por contribuírem para o incremento da produtividade e a redução de custo,
os investimentos em inovação estão entre os mais importantes indutores do crescimento econômico e da competitividade de um país, gerando, assim, um impacto
positivo na competitividade das empresas. Como o conhecimento envolvido nas
tecnologias se renova a uma velocidade cada vez mais intensa, pode-se inferir
que não apenas a inovação em si, mas também a capacidade de inovar a um ritmo
acelerado, representará um grande diferencial para o sucesso de países e empresas no futuro. Dessa forma, induzir uma aceleração no ritmo dos investimentos
em inovação por meio de políticas públicas pode trazer retornos expressivos para
o crescimento do país.
O BNDES surge, nesse contexto, como um agente capaz de criar essas possibilidades e dotar o país de uma política industrial e tecnológica contemporânea e,
concomitantemente, orientada para o longo prazo. Além do importante apoio à
5
A Pintec é realizada pelo IBGE, com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação.
BENS DE CAPITAL
217
realização de pesquisa e desenvolvimento (P&D), o Banco pode atuar em outras
frentes que contribuam para a inovação no setor de bens de capital.
Por exemplo, podem ser adotadas iniciativas que já são amplamente reconhecidas como esforços de inovação bem-sucedidos, como atrair e reter pesquisadores e talentos da ciência e da engenharia altamente qualificados; estimular o
desenvolvimento de soluções tecnológicas aplicadas às necessidades da indústria;
apoiar os laboratórios nacionais de pesquisa; financiar iniciativas de P&D que se
alinhem às prioridades estratégicas do país; e estreitar a distância entre o setor
de P&D e o mercado.6
Além disso, políticas podem ser desenhadas para estimular o desenvolvimento
de soluções tecnológicas dentro das próprias empresas e também para promover
a formação e o desenvolvimento de um mercado de aquisição de tecnologias de
terceiros. Essa última é uma forma de política pouco explorada, que contém um
imenso potencial para contribuir permanentemente para a cultura da inovação
nas empresas. Investimentos na criação e na sustentação de um mercado desse tipo
subsidiariam principalmente as empresas que não contam com equipes próprias de
desenvolvimento tecnológico, ou seja, grande parcela dos fabricantes. Além disso,
permitiriam a manutenção de um volume perene e expressivo de demanda por soluções tecnológicas a institutos e empresas de base tecnológica, estimulando ainda
mais sua profissionalização e formalização.
Conforme explorado na seção anterior, muito dos efeitos observados sobre
o desempenho comercial da indústria brasileira de bens de capital podem ser
explicados pela evolução dos seus níveis de produtividade e competitividade. O
estímulo ao desenvolvimento tecnológico contribuiria também para a redução
da dependência a reservas de mercados, para a ampliação da inserção externa
do Brasil e para a diversificação de sua pauta de exportações, passos fundamentais na busca pela sustentabilidade na evolução da balança comercial. Por
6
De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial (2012), nem o gasto absoluto em P&D, nem o P&D como percentagem do
PIB são indicadores eficazes da efetividade da inovação. Apesar do gasto absoluto relativamente baixo em P&D, Suíça e Suécia estão
entre os países mais inovadores do mundo. Enquanto isso, a China tem o segundo maior gasto absoluto em P&D, mas figura na
29ª posição do Índice de Inovação Global. Não obstante, tal paisagem irá se modificar de alguma forma, dado o crescente foco das
nações emergentes em inovação.
218 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
fim, tais benefícios atenuariam consideravelmente o efeito adverso da taxa de
câmbio, cuja contínua valorização – verificada na maior parte da década em
análise – interferiu negativamente para o desempenho comercial das máquinas
e equipamentos nacionais.
Vale notar que as medidas de atuação propostas estariam em consonância com
uma série de planos e programas prioritários do governo federal, tais como o Plano
Brasil Maior – cujo objetivo, “Inovar para competir, competir para crescer”, deverá
resultar em mudança estrutural da visão de inovação no país – e o Programa Ciência sem Fronteira, que busca promover a consolidação, a expansão e a internacionalização da ciência e da tecnologia.
QUALIFICAÇÃO DA MÃO DE OBRA
Investimentos em inovação não representam o único motor da produtividade e dos
avanços competitivos para o Brasil. Como ilustrado anteriormente, a necessidade
de qualificação da mão de obra surge como uma segunda condicionante para a
promoção da competitividade do país. Com base, novamente, nas empresas do
setor de bens de capital entrevistadas pela Pintec e que alocaram funcionários nas
atividades de P&D, nota-se que apenas 7% das pessoas dedicadas a essa atividade
em 2008 tinham algum tipo de pós-graduação. Ainda, 34% delas não tinham sequer nível superior, evidenciando claras debilidades, se considerarmos o grau de
conhecimento requerido por essas atividades.
Como a qualificação do capital humano é um dos recursos mais críticos para
promover a modernização e a produtividade das empresas, é primordial que a indústria de bens de capital brasileira atraia, desenvolva e retenha os mais talentosos e qualificados cientistas, pesquisadores, engenheiros e técnicos de produção
e, finalmente, que tenha pessoas capazes de gerar patentes.
É possível vislumbrar medidas práticas de atuação do BNDES e que contribuam para a melhoria desse quadro, como programas de financiamento à
qualificação da mão de obra empregada no setor de bens de capital. Tal qualificação pode ser obtida por meio de treinamentos externos, tais como cursos
BENS DE CAPITAL
219
técnicos (Senai e congêneres) e especializações, ou por meio de treinamento
na própria empresa, a exemplo de oficinas de especialização técnica ou escolas
de formação profissional.
Considerando-se, portanto, todos os desafios abordados nesta seção e que
devem ser enfrentados na busca pela melhoria da competitividade da indústria
brasileira de bens de capital, nota-se que o apoio do BNDES, no que tange ao uso
estratégico de políticas industriais para induzir o desenvolvimento econômico,
será necessário e deve ser intensificado ao longo dos próximos anos. Com a crescente competição por recursos e competências técnicas e com a prosperidade do
país em jogo, os formuladores de políticas necessitarão ativamente da combinação correta de comércio, impostos, trabalho, energia, educação, ciência, tecnologia e política industrial.
No aniversário de sessenta anos do BNDES, o discurso norteador do Banco
enfatizou a importância histórica do seu papel, nas últimas décadas, em prol
do crescimento do país – com destaque para a incorporação da questão social
entre suas prioridades. A grande ênfase, no entanto, foi dedicada aos novos
desafios a serem enfrentados. O compromisso firmado para a nova agenda do
BNDES é de ser o grande agente de apoio ao aumento da competitividade, com
o incremento da produtividade, da inovação e do desenvolvimento sustentável
brasileiro [Rumos (2012)].
6 . CON CLU SÕES
Em relação aos propósitos e resultados apresentados ao longo deste trabalho sobre
a indústria de bens de capital nacional, algumas conclusões surgem naturalmente.
Conforme se mostrou na segunda seção, no período 2003-2009 a produtividade
média do segmento produtor de máquinas e equipamentos no Brasil foi superior
à observada para a economia, com destaque para a categoria de caminhões e ônibus. No entanto, o crescimento do segmento ocorreu abaixo da produtividade de
alguns outros isoladamente, dando mostras de certa estagnação.
220 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Considerando-se a produção industrial por categoria de uso, no período 2003-2011,
a de bens de capital foi a que apresentou as maiores taxas de crescimento vis-à-vis
as categorias de bens intermediários e de bens de consumo. Entre os bens de capital produzidos, o crescimento foi mais acentuado na categoria de equipamentos de
transporte industrial.
Em relação à produção de bens de capital por atividade, o pior resultado ocorreu em um dos segmentos de tecnologia de ponta, o de material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicações. Também a produção de máquinas e equipamentos mostra sinais de desaceleração. Já a produção de veículos automotores e
outros equipamentos de transporte teve o melhor desempenho.
No que se refere à balança comercial, três aspectos essenciais puderam ser observados na terceira seção: o primeiro é a crescente importância do Mercosul nas
exportações brasileiras; o segundo, a grande penetração dos produtos chineses na
pauta de importações do Brasil; e o terceiro, o grande crescimento das importações
por conta de preços mais reduzidos.
Nota-se, ainda, que as tarifas médias sobre importações de máquinas e equipamentos que os países membros do Mercosul praticam entre si são consideravelmente inferiores àquelas cobradas dos demais parceiros comerciais, o que favorece as exportações do Brasil ao bloco. Por outro lado, e ao contrário do que se
poderia esperar, o mesmo não se verifica em relação à participação do Mercosul
nas importações brasileiras, que, além de bastante tímida, não deu sinais de elevação na última década.
Essas medidas de defesa comercial acabam por expor a fragilidade nas condições de competitividade da indústria brasileira de bens de capital. Ressalte-se que
tal fragilidade pode ser remediada pela adoção de medidas, por parte do BNDES,
que aumentem a competitividade das empresas fabricantes e, consequentemente,
revertam em crescimento das exportações, diversificação da penetração brasileira
no exterior, maior participação no mercado nacional e aumento da demanda por
mão de obra e componentes nacionais.
Em relação à participação do BNDES no apoio ao setor de bens de capital, a
quarta seção mostra que equipamentos de transporte, caminhões e ônibus foram
BENS DE CAPITAL
221
os itens que receberam maior volume de financiamentos, não apenas dentro do
grupo de infraestrutura, mas no contexto dos financiamentos. Em seguida, vem
o grupo de equipamentos industriais, que recebeu o segundo maior volume de
recursos financiados no período, com destaque para as máquinas-ferramenta.
Outros equipamentos importantes foram os agrícolas, que incluem tratores, colheitadeiras e implementos, e os de infraestrutura, que incluem as máquinas e
equipamentos de terraplanagem, pavimentação e construção.
Para o futuro, diante do cenário negativo observado em relação ao comércio
exterior, pode-se imaginar que mudanças importantes no direcionamento dos recursos do BNDES venham a ser requeridas. Pode-se supor, por exemplo, que os financiamentos venham gradualmente a ser direcionados mais para a tecnologia dos
equipamentos, incorporando cada vez mais a dimensão qualitativa da modernização. No setor industrial, os estímulos à modernização e ao desenvolvimento tecnológico de máquinas-ferramenta são fundamentais para assegurar a sobrevivência
do setor. E, ainda, a indução ao desenvolvimento de novos segmentos, como equipamentos de informática e telecomunicação e equipamentos médico-hospitalares
e laboratórios, são exemplos de novas fronteiras a serem exploradas e que vão se
tornar cada vez mais importantes no futuro.
Finalmente, a quinta seção destaca que o BNDES, após ter representado
papel-chave no apoio ao desenvolvimento do setor de bens de capital, garantindo o aquecimento da atividade industrial e a consolidação de um mercado de demandantes de máquinas e equipamentos produzidos nacionalmente,
deve assumir durante as próximas décadas o desafio de construir e adotar instrumentos que induzam o setor a transformar seu modelo de oferta. Iniciativas
de apoio ao desenvolvimento tecnológico e à qualificação da mão de obra,
realizadas conjuntamente com a promoção de melhorias na infraestrutura do
país, constituem uma trajetória segura e decisiva para o aumento sustentável
da competitividade da indústria de bens de capital e, consequentemente, de
toda a indústria nacional.
222 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
AP Ê N D IC E
Classificação dos equipamentos CNAE2.0 e CNAE 2.0 Resumido
Equip. destino
Grupo CNAE 2.0-Resumido (IBGE)
Caminhões
Veículos ferroviários
Aeronaves
1. TRANSPORTE
Outros equip. transporte
Tanques, reservatórios metálicos e caldeiras
Outras máquinas e equipamentos industriais
Equip. p/ distribuição e controle de energia elétrica
Máquinas-ferramenta
Maq. equip. extração mineral e construção
Máquinas para siderurgia e metalurgia
Máq. equip. ind. alimentos, bebidas e fumo
Máq. e equip. para ind.têxtil
Máq. e equip. p/ ind. couros e calçados
Máq. e equip. para ind. celulose, papel e papelão
Máq. e equip. para ind. do plástico
Tanques, reservatórios metálicos e caldeiras
Equipamentos p/ ind. de cerâmica
2. INDUSTRIAL
Outras máquinas e equipamentos industriais
Tratores agrícolas
Colheitadeiras
Equip. para Irrigação
Outros equipamentos e implementos agrícolas
3. AGRÍCOLA
Máq. e equip. para beneficiamento e armazenagem
Máq. e equip. p/ terraplanagem, pav. e construção (exceto tratores)
Máq. e equip. de uso na extração mineral e na construção
4. INFRAESTRUTURA
Equipamentos de infraestrutura diversos
Equip. de energia eólica
Equip. de energia solar
Geradores, transformadores e motores elétricos
Equip. p/ distribuição e controle de energia elétrica
5. EQUIP. P/ GERAÇÃO E DISTRIB. ENERGIA
Fabricação de motores e turbinas
6. EQUIPAMENTOS PARA INFORMÁTICA E
TELECOMUNICAÇÕES
Equip. de informática e telecomunicações
7. EQUIP. MÉDICO-HOSPITALARES E
LABORATÓRIOS
Instr. e mat. p/ uso médico, odontológico e art. óticos
Outros equip. e aparelhos elétricos
Motores, bombas, compressores e válvulas
8. OUTROS EQUIPAMENTOS
Equipamentos diversos
BENS DE CAPITAL
223
RE F E RÊN CIA S
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THE CONFERENCE BOARD. Total Economy Database, jan. 2012.
Bruno Plattek de Araújo
André Pompeo do Amaral Mendes
Ricardo Cunha da Costa*
*Respectivamente engenheiro, gerente setorial e chefe do Departamento da Cadeia Produtiva de P&G da Área de Insumos Básicos
do BNDES. Os autores agradecem a preciosa ajuda de Rodrigo Antônio Parra Romeiro e Giovani Cavalcanti Nunes na discussão sobre
as perspectivas tecnológicas do segmento de exploração e produção offshore do setor de P&G nacional.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
225
RE S UMO
As descobertas de acumulações gigantescas de óleo e gás na camada de pré-sal
e a perspectiva de elevado crescimento da produção nacional desses insumos nos
próximos anos transformaram significativamente o cenário do setor de petróleo e
gás (P&G) no Brasil. A localização dessa nova fronteira exploratória, a grandes distâncias da costa e em elevadas profundidades, em conjunto com a magnitude das
reservas e as características do óleo encontrado, criam um novo paradigma para o
segmento de Exploração e Produção offshore no país, sobretudo do ponto de vista
do desenvolvimento tecnológico. Os elevados investimentos que serão realizados,
aliados à característica de projeto de longuíssimo prazo, oferecem a continuidade
indispensável para inovações de ruptura, e não apenas inovações incrementais e
rotineiras, que poderão contribuir para a formação de uma nova indústria nacional do petróleo. Por todos os ângulos que se observa é patente que a indústria
brasileira de petróleo está diante de uma oportunidade rara que pode levá-la a
uma posição de destaque, senão de liderança no uso de novas tecnologias no setor
que inevitavelmente deverão ser desenvolvidas. O desenvolvimento de uma cadeia
nacional de fornecedores de bens e serviços, pelo seu perfil caracteristicamente
multissetorial, tem o potencial de gerar importantes externalidades positivas para
os demais setores da economia. Nesse contexto, a formulação de estratégias para a
promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico ganha significativa relevância. Discutir as alternativas e caminhos a serem adotados nas políticas públicas do
setor deve, obrigatoriamente, considerar o entendimento desse novo cenário, suas
oportunidades e riscos associados. A discussão que se coloca neste artigo considera esses aspectos, focando na dinâmica do segmento de E&P offshore, apontando
algumas das diversas inovações que deverão ser desenvolvidas nos próximos anos
e apresentando, a partir da discussão dos papéis que os diversos atores públicos e
privados poderão assumir na dinâmica de desenvolvimento futura, algumas das
possíveis estratégias a serem adotadas no âmbito das políticas públicas para a promoção do desenvolvimento competitivo e sustentável de uma cadeia nacional de
fornecedores de bens e serviços para o setor de P&G.
226 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
AB S T RA C T
Discoveries of giant oil and gas reserves in the pre-salt layer and the perspective of
increased growth in national production of these inputs over the coming years have
significantly transformed the scenario of Brazil’s Oil & Gas (O&G) sector. The location
of this new exploration front, far from the shores and at great depths, coupled with
the magnitude of the reserves themselves and the characteristics of the oil found,
have created a new paradigm for the offshore Exploration and Production (E&P) of
O&G in the country, above all from the perspective of technological development.
The high investments to be made, together with the long-term characteristics of
the project, offer indispensable continuity to disruptive innovation, and not just
routine and incremental innovation, which may contribute to setting up a new
national oil industry. From every angle, it is patently clear that the Brazilian oil
industry has been offered a rare opportunity which may put it in the spotlight,
and maybe even in the leadership in terms of use of new technology within the
sector, which will inevitably be developed. Development of a national supply
chain of goods and services, due to its multi-sectorial profile, has the potential to
generate important positive externalities for other sectors in the economy. In this
context, formulating strategies to foster industrial and technological development
has gained significant importance. Discussing alternatives and paths to be taken in
public policy in the sector should obligatorily take into account the understanding
of this new scenario, its opportunities and the risks associated. The discussion in
this article takes these aspects into consideration, focusing on the dynamics of the
offshore E&P sector, highlighting some of the diverse innovation that is expected to
be developed in the coming years. Furthermore, based on the discussion concerning
the role that diverse public and private players may take on in the future dynamics
of development, it presents some of the possible strategies to be adopted within
the scope of public policy to foster competitive and sustainable development of a
national O&G supply chain.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
227
1 . INTR OD U ÇÃ O
O setor de petróleo e gás (P&G) no Brasil vive um momento positivo e está inserido em um cenário completamente distinto ao observado nas últimas décadas. O
peso relativo que esse setor vem ganhando na economia nacional demonstra sua
importância no que tange ao impacto macroeconômico que decorrerá das atividades relacionadas a ele. A descoberta de novas reservas e o expressivo aumento da
produção de óleo e gás que se esperam nos próximos anos implicam uma mudança
de paradigma, com o país adquirindo o potencial de ser importante exportador1
de óleo e gás e entrando para um seleto grupo entre os maiores países produtores
desses insumos.
Os elevados investimentos previstos revelam o tamanho das oportunidades
para o desenvolvimento da indústria brasileira. Trata-se do setor da economia
nacional que mais investirá, o qual conta com a empresa que tem hoje o maior
plano de investimentos do mundo, a Petrobras. Além disso, os investimentos das
demais operadoras vêm crescendo no período recente.2 Em conjunto com a demanda interna expressiva, a Política de Conteúdo Local assume papel central no
estímulo à indústria brasileira, em um cenário que possibilita a realização de um
planejamento sólido e de longo prazo. A economia, forte e estável, e um parque
industrial diversificado criam as condições necessárias para um importante salto
de qualidade da indústria.
Ao mesmo tempo em que as oportunidades são muitas e o momento é único,
os desafios são também significativos. Políticas públicas deverão ser construídas
para estimular, de forma eficiente e sustentável, a competitividade da indústria
nacional, por meio do aumento de sua capacidade produtiva para o fornecimento
de bens e para prestação de serviços, da elevação da qualificação técnica e profissional e, sobretudo, do desenvolvimento tecnológico e da inovação. A capacidade
1
Apesar de o Brasil exportar certo volume de petróleo e já ter atingido a autossuficiência, o cenário que se vislumbra abre grandes
oportunidades para o crescimento significativo da exportação desse insumo no país. Outro aspecto relevante é que o petróleo
tipicamente exportado no presente é um óleo pesado, enquanto o petróleo encontrado no pré-sal é um óleo leve de excelente
qualidade e, portanto, de maior valor no mercado.
2
Cabe ressaltar que grande parte dos investimentos das demais operadoras vem sendo realizado em parceria com a Petrobras.
228 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
das empresas em inovar deve estar no centro da discussão e será, como pode se ver
mais adiante, parte vital e condição necessária para o processo de desenvolvimento
do setor.
Diante desse cenário, cabe ressaltar que no segmento de exploração e produção (E&P) offshore de óleo e gás se localizam as maiores oportunidades para o
desenvolvimento da indústria nacional, seja em relação à escala dos investimentos,
seja na agregação de valor de suas atividades, ou ainda, pela inter-relação que
este mantém com os demais setores da economia. Este último aspecto abre interessantes alternativas para o adensamento de diversas cadeias de fornecimento
existentes. Assim, discutir a dinâmica desse segmento é de suma importância para
a formulação das estratégias voltadas para o desenvolvimento industrial e tecnológico do país nos próximos anos.
Por esses motivos, uma abordagem construída não apenas na oferta dos diversos setores da economia como entidades estanques e sem relação entre si, mas, sobretudo, no estabelecimento de ações estruturadas que combinem as necessidades
em diversos dos segmentos da indústria e no entendimento do papel de cada um
destes para o atendimento às demandas relacionadas às atividades de exploração
e produção offshore de óleo e gás, representa uma mudança de visão significativa.
Essa abordagem pode ser entendida pela cadeia de fornecedores de bens e serviços
relacionados ao setor de petróleo e gás natural, a qual envolve diversos atores e um
perfil caracteristicamente multissetorial.
A discussão que se estabelece neste artigo considera esses aspectos focando na
dinâmica do segmento de E&P offshore e nas estratégias para o desenvolvimento
de sua cadeia de fornecedores de bens e serviços. Para isso, será exposto um histórico resumido da trajetória do desenvolvimento do segmento de E&P offshore nacional,
seguido de uma contextualização das principais ações institucionais ocorridas no
setor no período de 1997 a 2012. Posteriormente, será realizada uma caracterização da cadeia de fornecedores de bens e serviços, apontando o perfil das empresas
que a compõem. Na sequência, discutem-se algumas das inovações e possíveis rotas
tecnológicas associadas ao cenário que se vislumbra, dadas as características da exploração e produção nos reservatórios da camada de pré-sal e o porte dos investi-
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
229
mentos previstos. Abordam-se, ainda, diversas considerações relacionadas à formulação das estratégias para a promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico
no âmbito das políticas públicas voltadas para o setor. Por fim, será apresentada
uma breve discussão sobre a disponibilidade de recursos e a financiabilidade das
atividades de pesquisa e desenvolvimento e dos projetos de inovação do setor.
2 . HISTÓR ICO D O D ES EN V O LV I M EN TO D O
S EG MEN TO D E E& P O F F S H O R E N A C I O N A L
A trajetória do desenvolvimento do segmento de E&P offshore no país está intimamente ligada à evolução das atividades de perfuração em lâminas d’água de
maior profundidade. Compreender essa trajetória passa pelo conhecimento do
histórico das principais descobertas e marcos da exploração e produção de óleo
e gás na costa brasileira, assim como de sua relação com a dinâmica do setor nas
últimas décadas.
O início da atividade de exploração e produção marítima de petróleo e gás
remonta ao ano de 1961, quando a Petrobras inicia a busca por campos de óleo e
gás na plataforma continental3 em uma faixa marítima que vai do Espírito Santo ao
Maranhão. A criação pela Petrobras de seu centro de pesquisa, o Cenpes, em 1968,
o qual, apesar de ter seu foco de atuação voltado, inicialmente, para o segmento
de downstream,4 demonstra a percepção, por parte da empresa, da necessidade de
geração de conhecimento voltada para as demandas tecnológicas do setor.
O primeiro grande resultado da busca por acumulações de óleo e gás na plataforma continental data do início da década de 1970, quando foi descoberta pela
Petrobras a província petrolífera da Bacia de Campos, no Rio de Janeiro. Nessa
mesma década, os dois choques do petróleo, em 1973 e 1979, com a consequente
elevação do preço do óleo no mercado mundial, tornaram a produção offshore
viável economicamente.
3
4
A plataforma continental se situa na orla dos continentes e tem profundidade máxima de 200 m.
Envolve as atividades de refino, transporte e comercialização ligadas ao setor de P&G.
230 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
A década seguinte foi marcada por descobertas de grandes acumulações de
óleo e gás, com destaque para a descoberta dos campos gigantes de Marlim e
Albacora na Bacia de Campos no Rio de Janeiro, os quais, por se localizarem em
águas profundas,5 tiveram especial relevância para o desenvolvimento de soluções
mais avançadas para a exploração e produção de óleo e gás marítima. Por outro
lado, nesse período, a indústria naval, que na década de 1970 chegou a contar com
o segundo maior parque naval do mundo, enfrentou forte crise, intensificada na
década posterior, limitando a capacidade das empresas de engenharia naval de
realizar o projeto básico e conceitual de embarcações. Desarticulou-se, assim, o
segmento de engenharia consultiva nacional, segmento estratégico para qualquer
política industrial voltada para a promoção do desenvolvimento tecnológico e da
capacidade de absorção de conhecimento pelas empresas.
A busca por novos campos em regiões cada vez mais profundas continuou na
década de 1990, o que levou a outras grandes descobertas, entre as quais é possível citar os campos gigantes de Roncador e Barracuda, também localizados na
Bacia de Campos. Em 1994, a barreira dos 1.000 m de lâmina d’água foi ultrapassada no Campo de Marlim, dando início às atividades de exploração e produção
em águas ultraprofundas. Cabe ressaltar que, nesse período, uma tendência global do setor, acompanhada pela Petrobras, foi o crescimento da contratação de
projetos turn-key6 com os EPCistas,7 sendo responsável, mesmo que parcialmente,
pelo recuo do conteúdo nacional nos investimentos [ANP (1999)]. Assim, grande
parte do fornecimento de bens e, em especial, dos serviços, muitos em segmentos
estratégicos da cadeia de fornecedores, foi realizada por empresas estrangeiras
localizadas ou não no país.
A abertura do mercado, com a Lei do Petróleo (Lei 9.478/97), permitiu que
outras empresas constituídas sob leis brasileiras e com sede no Brasil atuassem em
5
Águas rasas vão até uma profundidade de 400 m; águas profundas até 1.000 m; e, a partir daí, são denominadas ultraprofundas.
Projetos turn-key são caracterizados pela contratação a preços e prazos definidos de pacotes fechados, nos quais o contratado entrega
ao contratante, no caso a operadora de P&G, o projeto pronto para entrada em operação. Em alguns casos, a contratação em pacotes
fechados prejudica o fornecimento local, mesmo quando este tem competitividade em relação a seus concorrentes estrangeiros.
7
EPCistas são empresas tipicamente contratadas para a realização e gestão de projetos complexos envolvendo a construção de
grandes sistemas. Atuam nas atividades de engenharia, contratação do fornecimento e construção do empreendimento (EPC é a
sigla de Engineering, Procurement and Construction).
6
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
231
todos os elos da cadeia de valor de P&G, até mesmo no segmento de upstream,8
abrindo espaço para outras operadoras realizarem suas atividades de exploração e
produção no país. Desde então, os investimentos realizados por estas vêm crescendo e, apesar de inferiores aos investimentos realizados pela Petrobras, contribuem
para tornar o mercado nacional ainda mais atrativo aos fornecedores de bens e
serviços de E&P.9 Ademais, o advento da Política de Conteúdo Local auxiliou na
constituição de um arcabouço regulatório, de forma a privilegiar o investimento
produtivo realizado no país, e poderá ser importante pilar para as estratégias de
promoção do desenvolvimento tecnológico nacional como será visto mais adiante.
Depois da virada do século, a evolução para novas fronteiras exploratórias continuou para regiões ainda mais profundas, quando, em 2006, a Petrobras anunciou
a descoberta de indícios de Petróleo na camada de pré-sal10 na costa brasileira,
confirmada no ano seguinte. Adicionais descobertas de acumulações gigantescas
de óleo e gás abaixo dessa camada de sal, em uma extensão que vai do estado de
Espírito Santo a Santa Catarina, mudaram completamente o cenário do setor no
Brasil e estabelecem um novo paradigma para as atividades de exploração e produção de óleo e gás em lâminas d’água ultraprofundas. É possível dizer que, por meio
dessas descobertas, o Brasil vai se tornar o principal mercado no mundo para as
empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao segmento
de exploração e produção offshore de óleo e gás [Sant’anna (2010)].
O volume expressivo e as características particulares dessas reservas, que demandarão elevados investimentos, sobretudo no desenvolvimento de novas soluções para as atividades de exploração e produção offshore, podem vir a ser importantes alavancas para o desenvolvimento da indústria nacional e, sobretudo,
indutores do desenvolvimento e da difusão de novas tecnologias que, certamente,
serão apropriadas por outros setores da economia.
8
Upstream é um termo usado na indústria para se referir ao segmento de exploração e produção (E&P).
Estimativas realizadas pela Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip/Booz) indicam uma demanda por bens e serviços
ligados ao segmento de E&P de aproximadamente US$ 400 bilhões entre 2010 e 2020.
10
A camada de pré-sal tem espessura irregular variando entre 1.000 e 2.000 m e é constituída por um tipo de rocha formada
exclusivamente de sal petrificado no fundo dos oceanos, comprimido sob outras lâminas menos densas e que formam a crosta
oceânica. Essa formação é típica no litoral brasileiro e inédita no setor de P&G, criando condições propícias para a acumulação e
aprisionamento de óleo e gás abaixo dela.
9
232 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
3 . E VOLU Ç Ã O D O A R C A B O U Ç O
IN STITU CION A L
Na presente seção será traçado um breve panorama dos principais marcos da evolução do arcabouço institucional do setor de P&G nacional nas décadas de 1990 e 2000.
A QUEBRA DO MONOPÓLIO DO PETRÓLEO – LEI 9.478/97
A Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, também conhecida como Lei do Petróleo,
extinguiu o monopólio exercido pela Petrobras nas atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural. Por meio dessa lei, foram criados o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural
e Biocombustíveis (ANP). A partir de então, as atividades de exploração e produção
no país passaram a ser exercidas por contratos de concessão, outorgados por meio
de processo de licitação organizado pela ANP. Com isso, foi permitida a celebração
de contratos de concessão para as atividades de exploração e produção de petróleo
no país com empresas privadas de capital nacional ou estrangeiro.
Desde a promulgação da Lei do Petróleo, foram realizadas dez rodadas de licitações pela ANP.11 Com o passar dos anos, alguns requisitos em relação às regras de
licitações e aos contratos de concessão foram alterados em favor da cadeia produtiva de P&G nacional. Essas alterações, em especial no que se referem ao conteúdo
local, serão discutidas mais à frente neste artigo.
A abertura do mercado permitiu que novas empresas viessem se instalar no
país. Hoje, existem 62 empresas com algum tipo de participação nos blocos de exploração, ainda que de forma minoritária, e 28 operadores. No entanto, a Petrobras
continua a ser responsável, no presente, por grande parte da produção de petróleo
e gás no país, perspectiva que deve ser mantida ao menos nessa década. Atualmente existem 327 campos em produção, 266 deles operados pela Petrobras. Espera-se
que, com os investimentos das demais operadoras, esse cenário se altere de forma
11
A primeira rodada de licitação foi realizada em 1999 e a última no fim de 2008.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
233
gradual. No entanto, pelo longo tempo de maturação dos investimentos realizados
nas atividades de E&P e pela preferência de diversas dessas empresas em atuar,
em um primeiro momento, por meio da formação de consórcios e parcerias com a
Petrobras, essa mudança de cenário, em que as demais operadoras obtenham maior
participação na produção nacional de óleo e gás, ainda deve levar algum tempo.
O REPETRO E SEUS EFEITOS DIVERSOS NA CADEIA FORNECEDORA
DE BENS E SERVIÇOS
Em um contexto de abertura do setor de P&G nacional e com o objetivo de atrair
empresas estrangeiras para o país, foi criado em 1999, ano da primeira rodada de
licitação de campos exploratórios pela ANP, um regime aduaneiro especial para
as atividades de exploração e produção no país, suspendendo impostos de importação e demais impostos federais na admissão temporária de qualquer bem para
aquelas atividades.12
O Regime Aduaneiro Especial de exportação e de importação de bens destinados
às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e de gás natural (Repetro)
foi instituído em 2.9.1999 pelo Decreto 3.161, o qual estabelecia sua vigência até
31.12.2005. No ano de 2001, sua vigência foi alterada para 31.12.2007, e, por fim, em
2004, o regime especial teve sua vigência mais uma vez prorrogada até 31.12.2020.
O Repetro consiste em uma combinação de três tratamentos tributários distintos: drawback, exportação ficta e admissão temporária. O drawback permite a
importação de insumos sem o recolhimento de determinados impostos para a produção de bens a serem exportados. A exportação ficta considera, para fins tributários, que um determinado bem fabricado no país e que não seja exportado de fato,
isto é, permanecendo fisicamente no país, tem o mesmo tratamento tributário que
se houvesse a exportação desse bem. Por sua vez, a admissão temporária13 permite
12
Nesse período, o contexto macroeconômico e institucional do país era distinto do momento atual. O preço do petróleo oscilava
em torno de US$ 18/bbl e as reservas consistiam em campos de petróleo pesado e de baixa qualidade. Com o passar dos anos,
ocorreram diversas mudanças positivas em relação à situação econômica e institucional do país, e o preço do petróleo passou para
um patamar bastante diferente, em torno de US$ 100/bbl.
13
Em alguns casos, na admissão temporária fora do Repetro, o recolhimento dos tributos é proporcional ao tempo de permanência
do bem no país. O intuito da admissão temporária é permitir a entrada de um determinado bem no país por um breve período de
tempo, sabendo-se que este bem posteriormente voltará para o exterior.
234 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
a suspensão de tributos na importação de um bem que permanecerá “temporariamente” no país pelo prazo de duração do contrato de concessão.14
Hoje, percebe-se que o Repetro ficou limitado a alguns elos da cadeia, beneficiando de forma direta as operadoras, uma vez que elas deixam de recolher
uma série de impostos por meio da figura da admissão temporária. Também algumas empresas do primeiro elo da cadeia são beneficiárias do regime especial,
pois podem utilizar a figura da exportação ficta associada ao drawback. Essas
empresas exportam fictamente seus produtos para uma empresa no exterior,
subsidiária da operadora que se encontra no país, e esta, por sua vez, retorna
também fictamente esse bem por meio da admissão temporária.15 As demais
empresas em elos mais distantes da cadeia, por não contarem com acesso aos
instrumentos do Repetro, acabam enfrentando maiores custos, uma vez que
precisam recolher os tributos internos federais e estaduais, e, como consequência, elevando os preços finais de seus produtos.
Como visto, o Repetro tem causado efeitos diversos ao longo da cadeia de
petróleo e gás. Em um primeiro momento, a assimetria16 tributária, que desfavoreceu alguns segmentos da cadeia produtiva de P&G nacional, foi contrabalanceada com uma taxa de câmbio desvalorizada no passado. Contudo, no presente
momento, com a recente valorização da taxa de câmbio, a assimetria tributária
passou a desempenhar papel mais crítico para a competitividade das empresas
no país. Parte destas continua tendo sua competitividade afetada, uma vez que
o Repetro desonera quase a totalidade dos tributos na importação de bens e
serviços e não desonera todos os tributos para a produção dos mesmos bens e
serviços em toda a cadeia no país. Ademais, quando as operadoras afretam, por
exemplo, uma plataforma de uma subsidiária estrangeira pelo mecanismo de
admissão temporária, além da suspensão dos impostos de importação, o valor
14
Apesar do emprego do termo admissão temporária, em situações práticas, por exemplo, quando ocorre a importação de uma
plataforma, a qual permanecerá no país por um longo período, cerca de 25 anos, suspende-se os tributos de importação, segundo a
justificativa de que esta voltará para o exterior depois desse período.
15
Por exemplo, no caso da Petrobras, as plataformas que são construídas no país são exportadas fictamente para Petrobras
Netherlands B.V. (PNBV), que por sua vez afretam as plataformas para Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) aqui no Brasil. Assim, o
regime favorece o aumento de ativos da empresa no exterior.
16
A principal assimetria tributária em decorrência do Repetro é ocasionada pelo ICMS.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
235
pago pelo afretamento é abatido do imposto de renda aqui no país como despesa operacional.17
Não há dúvida, todavia, que o Repetro contribui para desonerar investimentos
no setor de P&G no Brasil, país que à época de sua criação apresentava perspectiva não tão promissora de exploração e produção de óleo e gás.18 Também não se
discute a importância que este representa para reduzir custos e elevar a competitividade das operadoras de P&G, papel importante que vem sendo desempenhado
desde seu início. No entanto, uma discussão que assume grande importância no
âmbito da Política Industrial e nas demais ações voltadas para o desenvolvimento
das empresas fornecedoras refere-se à amplitude restrita desse regime, a qual tem
o potencial de criar, como abordado, uma desvantagem competitiva para as empresas instaladas no país. Discutir tais questões de forma mais detida é vital para a
construção de um cenário favorável ao desenvolvimento industrial do setor.
AÇÕES DE MOBILIZAÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA DE P&G – O PROMINP
O Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp)
foi instituído no ano de 2003 com o objetivo de aumentar a participação das empresas nacionais, em bases competitivas e sustentáveis, no fornecimento de bens e
serviços para o setor de petróleo e gás natural no Brasil.19 O Prominp dispõe de uma
série de iniciativas com foco na geração de emprego e no fortalecimento da cadeia
produtiva de petróleo e gás nacional. Além disso, foram elaborados diagnósticos
em relação à capacidade produtiva, à competitividade da indústria local e aos gargalos identificados na maioria dos segmentos da cadeia.
Entre suas diversas realizações para a cadeia produtiva de petróleo e gás ao
longo dos anos, pode-se citar a estimativa realizada sobre a necessidade de qualifi17
A operadora proprietária da plataforma prefere pôr sua propriedade em uma subsidiária no exterior e afretá-la para sua empresa
no Brasil a contabilizar o ativo no Brasil. Esse mecanismo permite à operadora pagar menos impostos, uma vez que a alíquota do
imposto de renda de onde se localiza a subsidiária é menor do que a daqui.
18
Na época da criação do Repetro, o preço do barril de petróleo oscilava na faixa de US$ 18/bbl (preços correntes do óleo tipo WTI) –
segundo dados consultados pelos autores no U.S. Energy Information Administration (EIA) em 2011 –, e as reservas consistiam em
campos de petróleo pesado. Atualmente o preço do petróleo está em um patamar bastante superior, de cerca de US$ 100/bbl, e as
reservas do pré-sal revelam um óleo leve de melhor qualidade.
19
O Prominp conta com a participação de diversas instituições públicas e privadas. A coordenação geral do Prominp é de
responsabilidade do Ministério de Minas e Energia.
236 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
cação de mão de obra. Esse levantamento indicou a necessidade de qualificação de
centenas de profissionais para o setor e, com base nesta, foram criados programas
de qualificação que até o presente momento formaram 79.170 profissionais em diversas especialidades [Prominp (2011)].20 Nesse programa de qualificação, já foram
investidos cerca de R$ 228 milhões de reais. Além disso, espera-se que, até o ano de
2020, sejam investidos mais R$ 604 milhões para a capacitação de outros 265.266
profissionais para toda cadeia produtiva de P&G.
A POLÍTICA DE CONTEÚDO LOCAL
Um dos grandes pilares para o fortalecimento de uma cadeia produtiva de petróleo
e gás nacional competitiva é a Política de Conteúdo Local. A partir de 2005, por
meio da sétima rodada de licitação de blocos da ANP, introduziu-se a exigência
de certificação de conteúdo local mínimo e máximo para as fases de exploração,
desenvolvimento e produção de petróleo e gás no Brasil.21 Assim, as operadoras
vencedoras dos leilões estariam se comprometendo, em contrato, ao cumprimento
da obrigação de atingir um conteúdo local mínimo global e individual dos diversos
subsistemas. O não cumprimento dessas cláusulas contratuais implicam multas a
serem estabelecidas pela ANP.
Por meio dessa política, espera-se que haja o direcionamento para o Brasil de
boa parte dos investimentos relativos à aquisição de bens e serviços, incentivando
investimentos para o aumento da capacidade produtiva em diversos segmentos, ou
ainda, a atração de atividades até o momento não realizadas no país.22
Políticas públicas semelhantes já foram adotadas por diversos países, como Noruega, Inglaterra, Coreia do Sul. Um exemplo de sucesso, a Noruega, hoje é conhe-
20
A qualificação de mão de obra engloba profissionais de diversos níveis: básico, médio, técnico, inspetores, e superior.
Antes da sétima rodada, realizada em 2005, já havia compromisso de conteúdo local. No entanto, a mesma era realizada de forma
declaratória pelas próprias operadoras. Além disso, havia muito questionamento em relação ao método de apuração do conteúdo
local. Somente a partir da sétima rodada, a metodologia de apuração foi padronizada, exigindo a certificação por empresas
independentes. A metodologia adotada pela ANP foi desenvolvida no âmbito do Prominp e baseada em metodologia do BNDES.
22
Podem ser citados como exemplos de consequência da Política de Conteúdo Local a instalação de uma fábrica de montagem da
Rolls Royce para turbogeradores a gás com conteúdo local de 50% e a construção de vários centros de pesquisa e desenvolvimento
no país por parte de diversas multinacionais. Além disso, ao atrair uma empresa estrangeira de porte da Rolls Royce para fabricar
algo que o país não produz, será necessário desenvolver fornecedores localmente, e/ou atrair alguns de seus fornecedores
internacionais para o país.
21
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
237
cida por ser um país competitivo e com alta tecnologia em bens e serviços para a
exploração e produção de petróleo no mundo, bem como é um dos países de maior
renda per capita e qualidade de vida do planeta. Grande parte desse panorama foi
possível pelo sucesso obtido na implantação de políticas públicas voltadas para o
desenvolvimento do setor de P&G local, motivadas pelas descobertas de petróleo
no Mar do Norte a partir do fim da década 1960, dentre as quais se destaca a elaboração de uma Política de Conteúdo Local, a criação da Statoil (empresa controlada
pelo estado), a criação de um fundo soberano, disponibilidade de financiamento
público, incentivos para investimentos em P&D, políticas de transferência de tecnologia, investimentos públicos em áreas como infraestrutura, entre outras ações para
o desenvolvimento do setor e da cadeia produtiva de petróleo e gás norueguesa.23
Depreende-se dos exemplos anteriores, que a adoção de uma política de conteúdo local tem o potencial de ser parte importante da dinâmica de desenvolvimento
das empresas fornecedoras de bens e serviços da cadeia produtiva de P&G. Cabe
destacar que esta, apesar do potencial de ser um poderoso instrumento para o
desenvolvimento da indústria local, deve estar sempre muito bem calibrada, a fim
de que se desenvolva uma cadeia produtiva sustentável economicamente e competitiva internacionalmente.
REDIRECIONAMENTO DA POLÍTICA DE CONTRATAÇÃO DA
PETROBRAS PARA O MERCADO INTERNO
No início da década de 2000, a Petrobras introduziu uma mudança em sua estratégia de contratação e compra de bens e serviços para suas atividades.24 De forma
gradual, a empresa começou a demandar navios de apoio a plataformas, módulos
de plataformas e petroleiros construídos no Brasil. Por fim, a Petrobras passou a lici-
23
Outro exemplo seria o caso da Coreia do Sul. Na década 1960, a Coreia do Sul era um país muito pobre, com nível de
desenvolvimento similar a alguns países africanos. A partir das décadas de 1960 e 1970, a Coreia do Sul implantou políticas
econômicas espelhadas naquelas que promoveram o desenvolvimento do Japão no passado. Muitas dessas políticas se assemelham
às políticas econômicas norueguesas. A Coreia do Sul conseguiu desenvolver sua indústria naval, de eletrônicos de alta tecnologia,
automobilística etc. Algumas décadas depois de adotar essas políticas econômicas, a Coreia do Sul ultrapassava o Brasil em nível
de desenvolvimento e de renda per capita. Hoje, a Coreia do Sul é reconhecida como um país de alta tecnologia, produzindo e
desenvolvendo navios, plataformas e sondas para o setor de petróleo e gás, automóveis, celulares e tablets de última geração.
24
Estão sendo levadas em consideração apenas algumas ações da Petrobras para o fortalecimento da cadeia produtiva de petróleo e
gás brasileira, e não seus custos de oportunidades.
238 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
tar a construção completa de suas plataformas e sondas no país. Além disso, decidiu
construir novas refinarias no Nordeste brasileiro.25
Foi possível, priorizando o direcionamento de parte de sua demanda de bens
e serviços para o Brasil, reativar e construir novos estaleiros para navios de apoio e
estaleiros de grande porte para a construção de navios petroleiros, plataformas e
sondas. Ademais, a Petrobras intensificou acordos de cooperação com diversas empresas e universidades no Brasil para desenvolver soluções para suas necessidades.
Antes mesmo das obrigações de conteúdo local, suas ações se voltaram para
o desenvolvimento de fornecedores locais brasileiros, caso estes atendessem aos
requisitos técnicos a custos compatíveis, ou ainda, para a atração de fornecedores
estrangeiros para se instalarem no país. Com a instituição da Política de Conteúdo
Local, essas ações proativas para desenvolver a cadeia de petróleo e gás brasileira
se tornaram compromissos, metas e necessidades formais. Cabe destacar que a Petrobras sempre procurou desenvolver uma cadeia de petróleo e gás nacional competitiva, a fim de reforçar sua posição no mercado e permanecer como um grande
ator no setor de petróleo e gás mundial.
Por fim, depois da descoberta de petróleo na camada de pré-sal, a Petrobras
reviu seu plano estratégico26 e intensificou seus investimentos no Brasil, em especial
no segmento de exploração e produção offshore de P&G, gerando uma demanda
de centenas de bilhões de dólares de bens e serviços de sua cadeia de fornecedores.
O PRÉ-SAL E O NOVO MARCO REGULATÓRIO
Com as descobertas de petróleo de boa qualidade na camada de pré-sal, estima-se que as reservas brasileiras atinjam patamares entre cinquenta e cem bilhões de
barris de óleo equivalente. Em decorrência dessas novas descobertas, a cadeia de
fornecedores de bens e serviços para o setor de P&G será demandada em uma es-
25
No Plano de Negócios da Petrobras, estão previstos, além do projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj),
investimentos para a construção da Refinaria Abreu e Lima (RNEST) em Pernambuco e para as refinarias Premium I (Maranhão) e
Premium II (Ceará).
26
A Petrobras reduz sua preocupação com a inserção de petróleo pesado no mercado internacional e com a busca de descobertas
no exterior.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
239
cala significativamente superior, condição que pode levar a importantes ganhos de
eficiência e competitividade.27
Com base nesse novo cenário, o governo brasileiro instituiu, no segundo semestre de 2010, um novo regime regulatório para a exploração e produção dos campos
do pré-sal baseado no modelo de partilha da produção.28 Neste, a Petrobras será
a única operadora e sua participação mínima será de 30% desses campos. Desde
então, existem no Brasil dois modelos regulatórios concomitantes. O modelo de
concessão permanece em vigor para os campos de petróleo do pós-sal, mantendo,
assim, a validade dos contratos29 já realizados.
4 . CA R A C TER IZA Ç Ã O D A C A D EI A D E
F O RN ECED OR ES D E B EN S E S ERVI Ç O S
R ELA CION A D OS A O S ETO R D E P& G
A cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G envolve
diversos segmentos da indústria e uma complexa rede de inter-relações com os demais setores da economia. Entende-se aqui como cadeia de fornecedores o conjunto de empresas que produzem bens e/ou prestam serviços, direta ou indiretamente,
para as atividades de exploração, desenvolvimento, produção de petróleo e gás,
refino, petroquímica, transporte, estocagem e distribuição de derivados.
A cadeia de fornecedores de bens e serviços pode ser estratificada em elos, nos
quais estão presentes empresas de diferentes ramos e atividades. Em regra geral, no
primeiro elo de fornecimento encontram-se as empresas que fornecem bens e prestam serviços de forma direta às operadoras do setor de petróleo, como os EPCistas,
construtores, fabricantes de equipamentos submarinos, integradores, prestadores de
serviços de engenharia e de outros serviços, entre outros. No segundo elo, estão os
27
Condição necessária, mas não suficiente. Para aumentar a competitividade da cadeia ou da indústria, há necessidade de se adotar
outras medidas relacionadas à macroeconomia, microeconomia, tributárias, infraestrutura etc. Tais medidas vão além do escopo
deste artigo.
28
O modelo de partilha se aplica aos campos de petróleo na camada de pré-sal não licitados até aquela data.
29
O modelo de concessão é válido para todos os contratos já licitados, até mesmo para aqueles onde houver petróleo na camada de
pré-sal.
240 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
fornecedores de bens e serviços para as empresas do primeiro elo, por exemplo, fabricantes de turbinas, guinchos e guindastes, geradores, prestadores de serviços de
engenharia etc. O terceiro elo é composto por fabricantes de insumos ou ferramentas e equipamentos especiais ou específicos para a construção de bens de capital e
prestação de serviços necessários para o setor de P&G, como fabricantes de aços especiais, forjados, fundidos, flanges, conexões etc. Esse desdobramento pode atingir,
para algumas das subcadeias de fornecimento, níveis inferiores a esses.
Cabe destacar que um fornecedor, dependendo da atividade a ser desenvolvida e de seu cliente, pode estar, ao mesmo tempo, em diferentes elos da cadeia.
É bastante comum haver, por exemplo, fabricantes de equipamentos que forneçam diretamente às operadoras de P&G e, ao mesmo tempo, para intermediários,
como os EPCistas ou fornecedores de equipamentos de grande porte. Isso pode
ocorrer também com o segmento de prestação de serviços, a exemplo dos serviços
de engenharia.
No caso do segmento de E&P offshore, as demandas técnicas, tecnológicas e
de segurança existentes exigem o desenvolvimento de bens e serviços de elevada complexidade. Portanto, suas atividades revelam, em geral, maior potencial de
agregação de valor e densidade tecnológica que nos demais segmentos da cadeia
de valor do setor. Por esses motivos a análise exposta no artigo ficará concentrada
nesse segmento.
Uma forma de representar o segmento de E&P é sugerida no Quadro 1, na qual
pode ser observada uma visão seguindo a ótica da operadora de P&G, combinada
a uma visão da estrutura industrial. A visão da operadora representa os segmentos
primários do mercado de equipamentos e serviços relacionados às atividades de E&P.
Cada um desses segmentos se relaciona de uma forma particular com suas diversas
cadeias de fornecimento e, portanto, constitui uma potencial demanda para cada
um dos setores representados na visão da estrutura industrial.
A título de ilustração será tomado o segmento de E&P como modelo. Nesse
segmento há significativa demanda por serviços específicos de engenharia para
o desenho das estruturas e, em especial, para os projetos básicos de engenharia
dos sistemas existentes nas plataformas, sondas e embarcações. Além disso, para
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
241
a construção, montagem e instalação da infraestrutura offshore, atividades típicas
desse segmento, há estreito relacionamento, por exemplo, com os fornecedores de
tecnologia metalúrgica (tubos, flanges e conexões, caldeiraria e siderurgia), bem
como com as empresas de serviços de construção e montagem. Tecnologia mecânica, por exemplo, da fabricação de bombas, turbinas a vapor, compressores e motores a combustão e de grande porte, também é demandada por esse segmento.
Ademais, quando se destaca o item “equipamentos de processamento em campo”
fica evidente a necessidade de fornecimento por parte dos fabricantes de equipamentos de produção offshore. A tecnologia elétrica não pode ser esquecida. O
fornecimento dos sistemas de geração de energia (geradores e motores elétricos)
representa parte significativa dos investimentos.
Discussão similar poderia ser realizada com cada um dos demais segmentos
presentes na visão da operadora de P&G. Depreende-se, com esse exemplo, que há
uma teia complexa de relações entre ambas as visões representadas no Quadro 1, por
meio da qual é possível perceber o enorme potencial de arraste desse importante
segmento da indústria de P&G. Sem dúvida, a amplitude de atividades relacionadas
a esse segmento poderia ser utilizada para potencializar a geração de valor, riqueza
e empregos no país, desde que existam as condições adequadas e políticas públicas
eficazes que possibilitem seu desenvolvimento.
Vale lembrar que a cadeia de fornecedores de bens e serviços para o setor
de P&G vai além do segmento de exploração e produção. Existem ramificações
da cadeia de fornecimento para o segmento de transporte marítimo e terrestre, estocagem, gasodutos, oleodutos, refino, petroquímica e distribuição. Assim,
eventuais sinergias do segmento de E&P com essas ramificações poderão ser identificadas e aproveitadas.30
30
Apesar de grande parte dos investimentos previstos para os próximos anos se concentrar no segmento de E&P, não se pode
desprezar os elevados investimentos nos demais segmentos, a exemplo dos expressivos investimentos destinados à ampliação e
modernização do Parque de Refino do país.
Umbilicais e
linhas flexíveis
Equipamentos
submarinos
Equipamentos
de produção
offshore
Sondas de
workover
Sondas de
perfuração
offshore
Sondas de
perfuração
onshore
Contratos de
perfuração
Unidades de
tratamento
e estocagem
Oleodutos e gasodutos
Construção de
plataformas, sondas,
navios de apoio, navios
aliviadores
Equipamentos de
processamento em
campo
Tecnologia mecânica
Navipeças
Terrestre
Aéreo
Marítimo
Apoio logístico
Tecnologia elétrica
Telecomunicação
Instrumentação e medição
Automação
Painéis de distribuição elétrica
Subestação e transformadores
Geradores e motores elétricos
Serviços de
compressão
Produtos químicos
especiais
Manutenção
de poços
Equipamentos
submarinos e
de superfície
Extração artificial
Produção e
manutenção
VISÃO DA INDÚSTRIA DE BENS E SERVIÇOS PARA O SETOR DE PETRÓLEO E GÁS
Indústria de transformação para o setor de petróleo e gás
Válvulas
Guindastes (offshore)
Motores a combustão
Guinchos
Compressores (centrífugos)
Turbinas a gás
Motores de grande porte
Teste de produção
Equipamentos
de completação
Equipamentos
de revestimento
e cimentação
Bombeamento
de pressão
Inspeção e
revestimento
de tubulação
Instalação de
infraestrutura offshore
Construção e
montagem de
infraestrutura offshore
Engenharia e desenho
Infraestrutura
Compressores (alternativos)
Turbinas a vapor
Bombas
Registro de lamas
Perfilagem durante a
perfuração (LWD)
Perfilagem convencional
Perfuração direcional
Serviços de pesca
Aluguel de ferramentas
Ferramentas de poços
Tubulação flexível
contínua
Serviços de
revestimento
e tubulação
Controle de sólidos
Tubos de aço
Lamas de perfuração
Revestimento e
completação de poços
Brocas de perfuração
Serviços de perfuração e
equipamentos
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Prominp (2011) e Bain & Company e Tozzini Freire Advogados (2009).
Tecnologia
metalúrgica
Caldeiraria
Flanges e
conexões
Tubos
Siderurgia
Equipamentos
geofísicos
Gerenciamento
e integração
de dados
Imaging de
reservatórios
Aquisição e
processamento
de dados
sísmicos
Informação de
reservatório
VISÃO DA OPERADORA
QUADRO 1 CADEIA DE FORNECEDORES DE BENS E SERVIÇOS PARA A EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS
Serviços para
o setor de
petróleo e gás
Serviços de
produção onshore
e offshore
Construção e
montagem
Serviços de
engenharia
Monitoramento
de passivos
Remoção e
deposição de
instalações
offshore e onshore
Tratamento
e deposição
de efluentes
Serviços de
limpeza
Tamponamento
e abandono
Desativação
242 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
243
O PERFIL DAS EMPRESAS DE BENS DE CAPITAL DA CADEIA
DE FORNECEDORES DO SETOR DE PETRÓLEO E GÁS
Uma característica da indústria do petróleo são os elevados níveis de certificação e qualidade requeridos normalmente em suas atividades. As empresas fornecedoras pertencentes à cadeia produtiva de P&G, precisando atender a esses
requisitos técnicos, concentram grande parte do foco na qualidade e segurança
das soluções. Além disso, a produção de petróleo e gás em águas profundas e
ultraprofundas demanda das empresas da cadeia de fornecedores contínuos investimentos em inovação, a fim de aperfeiçoar ou introduzir no mercado novos
equipamentos para exploração e produção de óleo e gás em ambientes com alto
grau de complexidade e desafios. Em consequência dessas exigências e da dinâmica do setor, essas empresas agregam algumas características bem distintas das
demais empresas fornecedoras dos demais setores da economia. Tal aspecto pôde
ser constatado em importantes levantamentos sobre o perfil das empresas fornecedoras de bens e serviços para o setor de P&G.
No Brasil, apenas cerca de 8% das empresas produtoras de bens de capital pertencem à cadeia produtiva de P&G. Ademais, a maioria das empresas fornecedoras
do setor de P&G apresenta porte maior do que as empresas não fornecedoras de
P&G. Essas mesmas empresas obtêm, em média, um faturamento superior em 260%
em relação às demais empresas produtoras de bens de capital para os outros setores, como pode ser observado na Tabela 1. Com base nesse levantamento, percebe-se que, enquanto 75% das empresas não fornecedoras faturam até R$ 2,5 milhões,
somente 26% das empresas fornecedoras de P&G encontram-se nessa faixa. As empresas do setor, além de conseguirem, em média, maior faturamento, também empregam cerca de 213% a mais e, em geral, seus funcionários têm maior qualificação
profissional e melhor remuneração do que em empresas ligadas a outros setores da
economia [Ipea (2010) e Onip (2010)].
Por outro lado, mesmo no setor de P&G, há presença majoritária das MPMEs
entre as empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços. Do total de empresas fornecedoras 85% obtêm faturamento inferior a R$ 100 milhões.
244 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
TABELA 1 PERCENTUAL DO NÚMERO DE EMPRESAS POR FAIXA DE FATURAMENTO
Fornecedores de P&G (%)
Não fornecedores de P&G
ATÉ R$ 1,0 MILHÃO
11
52
ENTRE R$ 1,0 MILHÃO E R$ 2,5 MILHÕES
15
25
ENTRE R$ 2,5 E R$ 25 MILHÕES
39
18
ENTRE R$ 25 E R$ 100 MILHÕES
20
2
ENTRE R$ 100 E R$ 250 MILHÕES
8
1
ACIMA DE R$ 250 MILHÕES
7
2
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Onip (2010).
A maioria das empresas do setor concentra suas atividades no mercado interno,
e apenas 24% dessas empresas exportam parte de sua produção. Além disso, 80%
delas têm apenas até 10% de seu faturamento originado por exportações. As principais regiões de destino de seus produtos são: América do Sul, América do Norte e
Central e Europa. Por outro lado, no mercado interno, as empresas competem com
a importação de equipamentos dos Estados Unidos, China, Inglaterra, Alemanha,
Noruega, Índia, entre outros. Adicionalmente, muitas dessas empresas fornecem
também para os demais setores da economia.
Por fim, uma característica importante do setor é a alta concentração de mercado em diversos segmentos da cadeia por parte de algumas poucas empresas, como
é o caso dos segmentos de equipamentos submarinos e turbogeradores. O mesmo
ocorre no segmento de serviços offshore. Por outro lado, a concentração de mercado é baixa em alguns poucos segmentos, como no caso do segmento de válvulas.
Em regra geral, quanto mais complexa a tecnologia do equipamento, maior será
sua concentração de mercado. Outra característica existente é que os equipamentos de alta tecnologia e de maior valor agregado são produzidos, em geral, por
multinacionais estrangeiras.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
245
5 . IN OVA ÇÃ O N A CA D EI A D E F O R N EC ED O R ES
DE BEN S E SERV I Ç O S PA R A A
E XPLORA Ç Ã O E PR O D U Ç Ã O O F F S H O R E
DE PETR ÓLEO E G Á S N ATU R A L
Com base no que já foi exposto nos tópicos anteriores, serão abordadas as questões
relativas à inovação à luz de um cenário em que: (i) a Petrobras se mantém com
papel de destaque na definição da demanda, porém acompanhada pela presença
cada vez mais significativa dos investimentos realizados por outras operadoras, formando um mercado no segmento de E&P extremamente atrativo e que demandará
intensivo investimento no desenvolvimento de novas soluções, com destaque para
as atividades a serem realizadas no pré-sal; (ii) a cadeia de fornecedores de bens e
serviços é dominada em diversos de seus segmentos por empresas multinacionais
de grande porte, algumas das quais estão investindo em capacidade produtiva de
forma a cumprir as exigências da Política de Conteúdo Local e, até mesmo, instalando centros de P&D no país; e (iii) as empresas nacionais,31 como já abordado, são em
sua maioria MPMEs, as quais, salvo exceções em alguns segmentos como se verifica
mais adiante, praticam uma cultura de baixo investimento em P&D.
Discutir as estratégias e alternativas para a promoção do desenvolvimento tecnológico deve, obrigatoriamente, passar pelo entendimento desse novo cenário,
de suas oportunidades e riscos associados, os quais aliados à característica de projeto de longuíssimo prazo oferecem a continuidade indispensável para inovações de
ruptura, e não apenas inovações incrementais e rotineiras, que poderão constituir
uma nova indústria nacional do petróleo. Por todos os ângulos que se observa é patente que a indústria brasileira de petróleo está diante de uma oportunidade rara
que pode levá-la a uma posição de destaque, se não de liderança, no uso de novas
tecnologias no setor que precisarão ser desenvolvidas. É com essa orientação que
se desenvolve a discussão dos tópicos seguintes.
31
A Constituição considera nacional as empresas constituídas sob leis brasileiras e com sede no Brasil. Neste artigo, porém, faz-se
uma distinção entre empresas de controle nacional e de controle estrangeiro. Essa distinção é importante para o delineamento de
certas estratégias para promoção do desenvolvimento tecnológico e a capacidade de geração local de conhecimento.
246 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
O PRÉ-SAL E O DESENVOLVIMENTO DE NOVAS SOLUÇÕES
NO SEGMENTO DE E&P OFFSHORE
Neste tópico serão mostradas algumas das tendências tecnológicas a serem desenvolvidas nos próximos anos, necessárias para a viabilização da exploração e produção das reservas do pré-sal, seja pelas demandas técnicas e de logística, seja pela
escala de produção que se pretende atingir. Sobre essas tendências, a abordagem
aqui adotada é baseada em uma visão integrada de negócios e desenvolvimento
tecnológico fornecida pela Petrobras em sua visão de futuro, a qual demonstra alguns dos projetos inovadores que serão realizados pela empresa em parceria com
seus fornecedores e Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs). O objetivo aqui não
é exaurir o tema, mas apenas apontar algumas das tendências tecnológicas do setor para os próximos anos.
Como já abordado, o segmento de E&P é o que representa o maior volume
dos investimentos e que conta com o maior potencial de agregação de valor e
desenvolvimento tecnológico quando comparado aos demais elos da cadeia de
valor de P&G. Será usada uma estratificação desse segmento em três subsegmentos com funções e características distintas: (i) processamento de superfície, no
qual estão envolvidos os processos, sistemas e equipamentos de processamento
localizados nas unidades de produção de superfícies, a exemplo das plataformas
e FPSOs;32 (ii) instalações submarinas, no qual estão envolvidos os equipamentos
e sistemas que interconectam o poço à superfície; e (iii) tecnologia de poços,
que envolve a perfilagem, perfuração, cimentação e completação dos poços.
Ao fim, serão abordadas em uma subseção à parte as inovações esperadas no
campo da nanotecnologia.
Essa estratificação ajudará na identificação de algumas das rotas tecnológicas,
demonstrando a relação existente entre esses subsegmentos e suas características
e funcionalidades, as quais, por vezes, serão modificadas pelas inovações previstas.
32
Floating, Production, Storage and Offloading (unidade flutuante de produção, armazenamento e transferência) é um tipo de navioplataforma utilizado pela indústria petrolífera para a produção, armazenamento e escoamento da produção por navios aliviadores.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
247
INOVAÇÕES EM PROCESSAMENTO DE SUPERFÍCIE
No subsegmento de processamento de superfície, os principais focos serão a otimização das plantas de processo e a compactação e posterior marinização33 dos
equipamentos de processamento primário de óleo e gás, de forma a reduzir os
elevados custos operacionais, com o aumento da capacidade desses sistemas e da
maior agilidade logística no processo de produção e escoamento de óleo e gás para
o continente.
Nesse contexto se insere o projeto da “plataforma do futuro”, cuja primeira
fase está baseada na compactação dos equipamentos de processo e em um novo
desenho para o topside34 dos FPSOs, de forma a permitir um incremento na capacidade de processamento das plantas atuais sem aumento do tamanho das embarcações. Para isso, novas soluções, por exemplo, para a separação de fluidos e filtração
serão necessárias. A atual expectativa é de que a primeira unidade dessas novas
plataformas entre em atividade no pré-sal em 2017.
Na segunda geração dessas unidades de superfície, o foco se volta para a marinização da planta de processo. Para isso, é necessário dominar a tecnologia dos
equipamentos submarinos. A marinização dos equipamentos de processo de superfície aliada à compactação destes possibilitarão ampliação significativa da capacidade das plataformas, elevando ganhos de escala na produção, aspecto crucial
para a redução dos custos operacionais envolvidos.
A elevada presença de contaminantes no óleo dos reservatórios do pré-sal, sobretudo a alta concentração de dióxido de carbono (CO2) e ácido sulfídrico (H2S),
também motivarão novas soluções. O objetivo nesse caso é, depois da captura do
contaminante em lâmina d’água profunda, separá-lo na superfície e retê-lo (H2S)
ou reinjetá-lo (CO2) com alta pressão nos reservatórios. Esse processo demanda o
desenvolvimento, por exemplo, de um sistema de membranas para a remoção dos
contaminantes e de materiais resistentes à corrosão.
33
34
A marinização consiste no desenvolvimento e adequação dos equipamentos e sistemas para o ambiente submarino.
Jargão do setor para os equipamentos de processo presentes na superfície de uma plataforma.
248 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Por fim, uma das alternativas estudadas para a otimização da logística de produção, uma vez que a distância da costa dos campos do pré-sal é bastante superior
à encontrada nos campos do pós-sal,35 prevê a construção de FPSOs plug and play,36
o que permitirá maior agilidade na conexão destes com os sistemas submarinos. Esse
projeto demandaria o desenvolvimento de soluções totalmente novas para o acoplamento entre os sistemas de superfície e as instalações submarinas. Reduzir a carga
aplicada nessa interface é crucial. Uma alternativa já testada e que deve ser alvo de
aprimoramentos é a utilização de um sistema de risers37 flexíveis flutuantes. Outras
opções também são consideradas, como a utilização de boias de sustentação que
permitirão, em conjunto com conexões flexíveis, a sustentação de risers rígidos.
INOVAÇÕES EM INSTALAÇÕES SUBMARINAS
Um dos principais aspectos a serem equacionados na visão de futuro dos sistemas
submarinos se refere à transferência do processamento primário da superfície para
a planta submarina. Para isso, sistemas complexos de processamento deverão ser
desenvolvidos, o que envolve tecnologias para a compressão de fluidos, bombeamento de óleo e injeção de água, engenharia de válvulas, entre outros. Um exemplo de solução já em desenvolvimento é o separador submarino água-óleo (SSAO).
Mesmo neste, inovações incrementais serão realizadas. O método em desenvolvimento baseia-se na separação gravitacional e está sendo desenhado para lâminas
d’água de até 1.000 m, devendo evoluir para um método mais eficiente aplicável
em maiores profundidades por meio, por exemplo, de mudanças da geometria interna do vaso separador e do uso de centrifugação.
O desenvolvimento desses sistemas de separação submarina não se restringe à
separação água-óleo. O grande volume de gás associado ao óleo no pré-sal, muito
35
No pré-sal é comum encontrar distâncias de 300 km da costa, enquanto no pós-sal a distância típica é de 150 km.
Projetos desse tipo foram também motivados pelas condições encontradas em outras regiões do planeta, como as presentes
no Golfo do México, que, pela grande incidência de tempestades climáticas e furacões, geram grande risco para as unidades de
superfície em operação nesses locais. Nesses casos, a agilidade na conexão e desconexão dessas unidades é necessária para que o
deslocamento das unidades de superfície para regiões seguras possa ocorrer de forma mais eficiente.
37
Para entendimento em detalhes das funcionalidades de cada um dos componentes do segmento de E&P, ver Mendes, Romeiro e
Costa (2011).
36
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
249
superior ao presente nos campos do pós-sal, motivou frentes de pesquisa para o
desenvolvimento de sistemas submarinos de separação gás-óleo. O sucesso nesse
desenvolvimento viabilizaria a reinjeção do gás no reservatório sem precisar elevá-lo até a superfície, melhorando o fator de recuperação dos campos e otimizando
os processos de superfície.
Novas configurações dos sistemas submarinos demandarão o desenvolvimento
de novas estruturas e equipamentos. Linhas flexíveis com maior vazão para transporte e elevação de maiores volumes de óleo, resistentes às altas pressões e com
maiores flexões, assim como, risers e dutos rígidos mais sofisticados, demandarão
intenso desenvolvimento ligado à engenharia de materiais.
Um importante desafio se refere à eficiência do uso da energia, tema importante em virtude da maior complexidade dos sistemas submarinos e de extrema relevância também para as instalações de superfície.38 Dessa forma, uma rede elétrica
submarina inteligente (subsea smart grid) deverá ser desenvolvida em conjunto com
novas soluções de controle e automação. Com o intuito de diminuir a necessidade
de geradores presentes atualmente nas unidades de superfície, estuda-se interligá-los com os sistemas submarinos e demais plataformas, reduzindo, por exemplo, a
necessidade de geradores reserva em cada um dos sistemas de superfície.
Outra vertente importante é a que envolve as soluções de monitoramento, inspeção e intervenção submarina. Serão necessários robôs de navegação autônoma
ou assistida com capacidade para diagnosticar e monitorar o funcionamento do
sistema submarino em grandes profundidades. As soluções atuais estão restritas a
lâminas d’água de menores profundidades.
Uma das alternativas viáveis para o aumento significativo da capacidade de produção no pré-sal, reduzindo custos e simplificando sistemas, é a transferência submarina da produção para águas rasas, uma vez que, nesses ambientes com menor
lâmina d’água, a tecnologia já é dominada pela indústria. Dessa forma, poder-se-ia
38
O segmento de turbomáquinas, responsável pelos sistemas de fornecimento de energia nas unidades estacionárias de produção,
representa aproximadamente 25% dos custos das instalações de superfície. Por esse motivo e aliado às grandes dimensões dos
atuais turbogeradores, esse segmento vem sendo constante foco para a atuação das operadoras de P&G a fim de desenvolver novas
soluções de menores dimensões e custos.
250 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
aproveitar a tecnologia de ancoragem existente, assim como utilizar os sistemas de
produção e conexões submarinas da infraestrutura já instalada no leito marinho.
Para isso algumas barreiras tecnológicas devem ser ultrapassadas. O gradiente de
pressão e temperatura39 dificulta o escoamento do óleo para as áreas menos profundas, aspecto ainda mais crítico pelo teor parafínico do óleo do pré-sal, o qual
aumenta a chance de deposição e congelamento do óleo nos dutos.
Em campos com grandes volumes de gás natural, a formação de hidratos de
gás40 também pode bloquear o escoamento do fluxo de óleo e gás, o que é um aspecto crítico pelas baixas temperaturas e altas pressões encontradas nas atividades
realizadas em águas profundas e ultraprofundas. Nesses casos, sistemas de prevenção e limpeza com produtos químicos ou mesmo alternativas como a eletrificação
para o aquecimento dos dutos deverão ser desenvolvidas.
Em relação ao escoamento do óleo e gás por longas distâncias, outra necessidade do pré-sal associada à localização dos campos e reservatórios é uma nova
geração de bombas submarinas de alta capacidade, as chamadas bombas multifásicas. Estas deverão atuar com elevados gradientes de pressão, de forma a permitir
o bombeamento de óleo associado a grandes volumes de gás e/ou água por distâncias de até 30 km, algo que as bombas disponíveis atualmente não são capazes.
Para ter um parâmetro, em razão das distâncias típicas do pré-sal e da disposição
geográfica dos campos, prevê-se a necessidade de escoamento por até 50 km em
2020, de modo a viabilizar a atuação das plataformas em campos mais distantes,
reduzindo a necessidade de um maior número destas.
INOVAÇÕES EM POÇOS
A última área do segmento de E&P com grande potencial de gerar inovações é a de
tecnologia em poços. Cabe ressaltar que a área de perfuração pode responder por
39
Pela maior profundidade dos reservatórios do pré-sal as temperaturas do óleo e gás que se encontram nestes são mais elevadas
que nos reservatórios do pós-sal, o que é bastante crítico, pois aumenta o diferencial entre a temperatura do óleo (até 100oC) e da
água próxima ao leito marinho (aproximadamente 4oC).
40
Estrutura cristalina composta por ligações entre moléculas de água e gás natural que ocorre em uma faixa de temperatura e
pressão. Em certas circunstâncias, podem bloquear a elevação e escoamento do óleo e gás para a superfície.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
251
até metade dos investimentos realizados nas atividades de exploração e produção
do pré-sal. Algumas rotas tecnológicas despontam como frentes primárias para a
pesquisa e desenvolvimento de novas soluções.
A primeira delas se refere ao estudo da geometria das rochas-reservatório41 e
à melhor forma de perfurar os poços para diminuir o tempo e reduzir os elevados
custos dessa atividade, especialmente críticos, pela profundidade nas quais esses
reservatórios se encontram na crosta terrestre.42
A atividade de perfuração da camada de sal43 já obteve ganhos relevantes de
desempenho. Essa melhoria deve-se muito ao desenvolvimento de brocas especiais,
mais duráveis e de maior resistência, abrindo promissoras frentes de pesquisa em
novos materiais. A utilização de brocas a laser está sendo estudada, algo inédito
em escala global.
Uma característica peculiar e que eleva os riscos envolvidos na perfuração de
poços do pré-sal é que, ao ser perfurada, a camada de sal pode exercer tensões,
estando passível de fraturas e consequente fechamento dos poços. Dessa forma,
foi necessário criar um revestimento de aço a ser preenchido com cimento especial,
capaz de garantir a integridade dos poços durante todo o processo de perfuração.
A utilização de ligas menos nobres e resistentes à corrosão pelos contaminantes
típicos do óleo do pré-sal é alvo importante de pesquisa. Nesse caso, o objetivo não
é apenas o ganho de performance, mas, principalmente, diminuir custos e tempo
de fornecimento, uma vez que os fornecedores de ligas especiais para os diâmetros
requeridos nos projetos do pré-sal estão localizados no exterior e o tempo até o
fornecimento é bastante longo.
Em paralelo com as dificuldades relacionadas às altas temperaturas típicas, desafio já abordado na seção sobre as instalações submarinas, estão as altas pressões
41
Os reservatórios de oléo e gás do pré-sal são basicamente constituídos por rochas carbonáticas (carbonato de cálcio).
O conhecimento sobre questões como permeabilidade e porosidade, relativas à capacidade de absorção do óleo por essas rochas,
ainda é bastante inicial e abre extenso campo de pesquisas geológicas ligadas ao setor.
42
Os reservatórios do pré-sal encontram-se em profundidades a partir de 5.500 m contados desde o nível do mar, podendo atingir
profundidades bastante superiores a isso. Para que se tenha uma ideia, a perfuração no campo de Lula, em 2007, atingiu cerca de
7.000 m de profundidade a partir do nível do mar.
43
Já houve um ganho significativo de performance na taxa de perfuração dos poços do pré-sal, com um salto de 5 m para 20 m por
hora, em razão, em grande parte, da utilização de brocas mais resistentes e das novas técnicas de perfuração.
252 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
encontradas nesses reservatórios. Soluções voltadas para o controle do fluxo nos
reservatórios são necessárias e poderão ser integradas com as tecnologias utilizadas
nas instalações submarinas e no processamento de superfície, otimizando todo o
sistema de E&P e melhorando o fator de recuperação dos reservatórios.
Outra importante frente de atuação é o desenvolvimento de sondas com capacidade e precisão para operação em lâminas d’água de até 3.000 m. No momento, estão
disponíveis sondas que operam em lâminas d’água de até 2.000 m. Parte do desenvolvimento não está associado às características técnicas dessas sondas, mas ao uso de
sistemas de controle avançados capazes de facilitar a operacionalização, tornando-a
mais eficiente e menos passível de erros. Essas novas técnicas demandarão maior especialização dos técnicos de operação e dos engenheiros envolvidos nessas atividades.
NANOTECNOLOGIA
Em um futuro um pouco mais distante estão as soluções no campo da nanotecnologia. Apesar de um tempo de maturação mais longo, necessário para tornar essas
tecnologias disponíveis ao mercado, algumas das empresas que estão se instalando no Parque Tecnológico da Ilha do Fundão já preveem linhas de pesquisa nesse
campo. A aplicabilidade da nanotecnologia envolve todo o segmento de E&P e, no
desenvolvimento de nanotubos de carbono, está sua mais promissora vertente.
Os nanotubos de carbono, por suas características de maior leveza e dureza, podem ser utilizados para melhorar a resistência mecânica por meio de sua combinação
com outros materiais comumente utilizados na indústria de P&G. Assim, uma possível
aplicação é tornar a perfuração mais resistente, com a associação desses a polímeros ao
cimento de perfuração. Há também a possibilidade de aplicação em materiais plásticos,
por exemplo, para a formação de linhas flexíveis com maior capacidade de flexão.
Outra frente possível é o desenvolvimento de revestimentos à base de nanotubos de carbono capazes de se combinar para reparar automaticamente uma área
danificada ou arranhada, uma espécie de revestimento autorreparável. Essa aplicação seria muito útil, por exemplo, para o revestimento interno de colunas de produção, evitando o uso de materiais nobres nos poços do pré-sal, os quais, como já
abordado, demandam grandes gastos relativos à proteção corrosiva necessária pela
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
253
elevada presença de contaminantes do óleo dos campos do pré-sal. Revestimentos
protetores poderiam ser aplicados na pintura dos cascos de navios e embarcações,
diminuindo a necessidade de reparos e retoques manuais. Tais produtos poderiam
ainda ser aplicados em outros setores, como na indústria automobilística.
Com grande sinergia com a indústria química, o desenvolvimento de nanobolhas aplicadas na marcação do fluxo de óleo e gás possibilitaria maior eficiência no
monitoramento do escoamento dos reservatórios e no controle do fluxo depois da
saída do óleo do poço. Além disso, estuda-se o desenvolvimento de nanopartículas
para equilibrar a viscosidade dos fluxos de forma seletiva, que poderiam ser usadas
para estimar, com maior precisão, o fator de recuperação dos reservatórios.
Essas são algumas das aplicações previstas para a nanotecnologia, mas por sua
transversalidade com outras tecnologias e campos de pesquisa, espera-se que novas
aplicações surjam. De qualquer forma, esse é um dos campos mais promissores para
a pesquisa e desenvolvimento de novas soluções.
Apesar da abordagem segmentada aqui apresentada, um dos grandes desafios a
serem equacionados trata da integração das diversas soluções inovadoras que serão
desenvolvidas nos próximos anos no segmento de E&P offshore. Nesse sentido, ferramentas modernas de gestão, logística e apoio à decisão deverão ser aprimoradas.
Centros modernos de monitoramento e controle de todo o sistema deverão ser construídos para esse fim. Vale ainda ressaltar que todo esse desenvolvimento deve, obrigatoriamente, atingir os altos graus de confiabilidade requeridos no setor, os quais
serão ainda mais restritivos nas novas fronteiras de exploração e produção do pré-sal.
Por fim, pela diversidade das aplicações e desenvolvimentos, envolvendo diversos ramos de conhecimento, como geofísica, química, materiais, computação e
robótica, nanotecnologia, energia, eletrônica, controle e automação, entre tantos
outros, existe real oportunidade para o “transbordamento” das tecnologias para
outros setores da indústria. O setor de P&G pode ser, assim, importante âncora da
promoção da inovação no país, desde que se consiga promover um ambiente propício ao desenvolvimento tecnológico e, principalmente, à absorção de conhecimento pelas empresas e ICTs nos próximos anos. Considerações acerca desses aspectos
serão traçadas na sequência.
254 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
6 . CON SID ER A Ç ÕE S S O B R E A S ES TR ATÉG I A S
PARA A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
T EC N OLÓG IC O N A C A D EI A D E
F O RN ECED OR ES D E B EN S E S ERVI Ç O S
NO SEG MEN TO D E E& P O F F S H O R E
Neste tópico, será realizada uma breve discussão sobre o potencial de arraste que
as operadoras podem assumir no desenvolvimento de novas tecnologias e uma
análise sobre o perfil de investimento em P&D das empresas da cadeia de fornecedores de P&G, indicando uma visão não exaustiva sobre alguns dos segmentos estratégicos que deveriam ser focos iniciais de atuação da política industrial do setor.
Ao fim, vão se abordar alguns aspectos relevantes para que se criem as condições
necessárias à formação de um ambiente favorável à promoção da inovação, em
especial, para as empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços.
O PAPEL DAS OPERADORAS DE P&G NA PROMOÇÃO DA INOVAÇÃO
Distintamente do que ocorre em alguns setores da economia, nos quais os operadores dispõem de baixa capacidade de indução da atividade inovativa nas cadeias
produtivas, as operadoras de P&G e, em especial, a Petrobras, por sua reconhecida
posição de liderança, até tecnológica, nas atividades de exploração e produção
offshore em águas profundas e ultraprofundas, constituem um elo dinâmico e decisivo no que tange ao desenvolvimento de novas tecnologias e à indução de investimentos em pesquisa e desenvolvimento na cadeia de fornecedores de P&G.
De fato, são as operadoras que definem os requisitos técnicos e as condições
de contorno que devem ser cumpridas pelos projetos básicos de engenharia44 e os
posteriores projetos de detalhamento. Nesse sentido, a customização dos projetos,
de acordo com as características do campo e do ambiente no qual este se insere,
44
Existem diversas definições para o que se convém chamar de Projeto Básico de Engenharia. Aqui assume-se que o mesmo deve ter
nível de detalhe suficiente para que: (i) os fornecedores e EPCistas consigam estimar os custos envolvidos na execução desses projetos
com precisão suficiente para participarem do processo de concorrência e (ii) possam estar garantidos os requisitos de qualidade e
confiabilidade no que tange a aspectos como o design, materiais e nível de qualificação da mão de obra envolvida [Baron (2011)].
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
255
exige que novas soluções sejam elaboradas. Existe, como se pode prever, certo nível
de padronização dos equipamentos e serviços prestados, porém o espaço existente
para o desenvolvimento de soluções inovadoras a serem desenvolvidas em conjunto com a cadeia de fornecedores de bens e serviços é especialmente superior ao
encontrado em outros setores da economia,45 sobretudo em relação às atividades
que serão realizadas nas novas fronteiras exploratórias em águas ultraprofundas e
na exploração e produção das reservas do pré-sal.
Todos esses motivos, em paralelo com a experiência e o conhecimento acumulados nas atividades de exploração e produção offshore de óleo e gás, com
sua condição de liderança nos investimentos nesse segmento, a qual será inevitavelmente mantida nos próximos anos e, não menos importante, com a rede de
inovação constituída pelo Cenpes em conjunto com a cadeia de fornecedores e os
diversos centros de pesquisa no país, posicionam a Petrobras como um potencial
direcionador das rotas tecnológicas. Papel semelhante, porém com menor potencial de arraste da cadeia de fornecedores, pode ser assumido pelas demais operadoras do setor, desde que estas consigam, no médio prazo, estruturar em suas
cadeias produtivas um ambiente de inovação voltado para o desenvolvimento de
soluções adequadas a suas necessidades. Sinergias poderão ser aproveitadas pelas
distintas operadoras, uma vez que seus fornecedores são, em diversos segmentos,
as mesmas empresas.
Apesar de poderem desempenhar papel decisivo, a atuação das operadoras
não é irrestrita. O que se demonstra aqui é apenas o potencial existente para que
estas assumam papel relevante na promoção do desenvolvimento tecnológico futuro. Nesse aspecto, é justamente na contratação de bens e serviços que se encontram grandes oportunidades e, para isso, é crucial que questões como a forma da
contratação em “pacotes fechados” seja revista, ao menos nos segmentos de maior
valor agregado e conteúdo tecnológico.
45
O setor de telecomunicações pode ser citado como exemplo de setor no qual as operadoras encontram um espaço limitado para a
indução de novas tecnologias a serem desenvolvidas por suas cadeias de fornecedores. Em geral, as operadoras de telecomunicações
assumem um papel passivo no processo de desenvolvimento tecnológico e são puramente compradoras das rotas tecnológicas
definidas pelos principais fornecedores dos sistemas e redes de telecomunicações.
256 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Com um olhar mais detalhado sobre esses “pacotes” abre-se a possibilidade
de articular o fornecimento, definindo prazos mais longos, contratos de maior
valor e, sobretudo, induzindo a contratação de empresas nacionais pelos grandes
fornecedores do setor, surgindo importante espaço para que se incentive a cooperação das empresas nacionais com as empresas que estão vindo se instalar no
país. Essa alternativa deve ser considerada também nos projetos de inovação, nos
quais as operadoras podem, na definição dos termos de cooperação comumente
firmados com seus fornecedores, identificar as oportunidades para que ao menos parte desse desenvolvimento seja realizado em cooperação com ICTs locais e
empresas nacionais competitivas, induzindo estas, ao entrar na dinâmica desses
projetos, a agregar valor a seus bens e serviços e a subir nas cadeias de valor de
seus segmentos de atuação.46
Por fim, é importante destacar algumas barreiras encontradas para a contratação por parte das operadoras de projetos inovadores, como a escala, por vezes,
mais reduzida da demanda por essas inovações e certa inércia para a adequação
dos processos internos das operadoras para que estes considerem essas novas alternativas. O primeiro aspecto dificulta a definição de contratos de maior valor,
impedindo maior alavancagem, por parte das operadoras, de empresas com tecnologias disruptivas surgentes e, por outro lado, impactando diretamente o poder de negociação das operadoras quanto à atração de investimentos locais das
grandes empresas multinacionais detentoras de tecnologias-chave, as quais muitas vezes são fornecedoras únicas de certa solução. O segundo aspecto relaciona-se com os altos requisitos técnicos e de confiabilidade presentes nesse setor, o
que, por vezes, leva a longos períodos para a realização de testes de conformidade das novas tecnologias.
Outro fator limitante é a simples necessidade de treinamento dos engenheiros e projetistas das operadoras, aspecto vital para a disseminação do conheci-
46
Na verdade, os projetos de inovação são caracteristicamente projetos cooperativos. Mesmo grandes empresas desenvolvedoras de
tecnologia e detentoras de grandes equipes dedicadas exclusivamente à realização de P&D estabelecem, em geral, algum nível de
cooperação com outras empresas e ICTs, estruturando suas redes de inovação. O que se discute é a capacidade que as operadoras de P&G
têm em induzir a cooperação entre empresas e entre empresas e ICTs, auxiliando na identificação das competências necessárias para os
projetos e na promoção de oportunidades para as empresas nacionais.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
257
mento sobre essas novas soluções, o que também leva a um tempo mais extenso
para a adoção e contratação destas. Há de se considerar, ainda, o elevado risco
tecnológico e o longo tempo para o desenvolvimento de algumas dessas soluções inovadoras.
SEGMENTOS ESTRATÉGICOS NA CADEIA DE FORNECEDORES
DE BENS E SERVIÇOS
Independentemente do papel que as operadoras venham a assumir na dinâmica
inovativa do setor, grande parte do desenvolvimento tecnológico deverá ser realizada pelas empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços, as quais, muitas vezes, desempenham papel decisivo ao influenciar as operadoras na adoção
das rotas tecnológicas do setor. Para isso, as empresas líderes de alguns dos segmentos da cadeia produtiva, em quase sua totalidade empresas multinacionais
de grande porte localizadas ou não no país, têm um histórico de planejamento
voltado para o domínio das tecnologias-chave dos segmentos em que atuam, por
meio de investimentos contínuos em pesquisa e desenvolvimento e da absorção
das competências necessárias para a consecução de projetos inovadores, seja por
meio de fusões e aquisições, seja com o desenvolvimento orgânico. Por outro
lado, as empresas estabelecidas no país realizam baixos investimentos em P&D na
maioria dos segmentos da cadeia de fornecedores, como pode ser observado nos
dados levantados pelo Prominp na Tabela 2.
Algumas considerações podem ser traçadas com base no cruzamento desses
dados com a capacidade produtiva estabelecida no país para o atendimento à demanda do setor de P&G e a competitividade desses segmentos, também presentes
em levantamentos do Prominp.
A primeira delas é que dos seis segmentos que realizam maiores níveis de investimentos em P&D,47 quatro se encontram classificados como sem restrição para
atendimento da demanda do setor de P&G e com alta competitividade (subestação e
47
A referência, nesse caso, foi níveis de investimento em P&D superiores a 2,0% das receitas. A escolha arbitrária desse valor limita
a análise por diversos motivos, um deles, que vale ser citado, é que a necessidade de investimentos em pesquisa e desenvolvimento
dos segmentos varia de acordo com suas características e dinâmicas particulares.
258 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
transformadores, geradores e motores elétricos, painéis de distribuição elétrica e automação), um apresenta competitividade média e necessitaria alterar seu regime de
produção (guinchos) e um precisaria ampliar sua capacidade e tem competitividade
média (guindastes offshore). Esses aspectos sugerem que os segmentos que mais investem em P&D no país segundo a classificação do Prominp também são aqueles que
estão, em certo grau, mais preparados para atender às demandas expressivas que se
anunciam e poderão, de alguma forma, aproveitar as oportunidades que surgirão.
TABELA 2 INVESTIMENTO EM P&D NOS SEGMENTOS DA CADEIA DE FORNECEDORES DE BENS E
SERVIÇOS* (EM %)
Segmentos da cadeia de fornecedores de bens e serviços**
Investimentos em P&D no Brasil (%)***
SIDERURGIA
0,40
TUBOS
0,80
FLANGES E CONEXÕES
1,50
CALDEIRARIA
0,60
SUBSEA – EQUIPAMENTOS
1,10
SUBSEA – UMBILICAIS E LINHAS FLEXÍVEIS
-
BOMBAS
0,90
COMPRESSORES
0,20
MOTORES A COMBUSTÃO
1,00
TURBINAS
0,20
GUINCHOS
2,80
GUINDASTES
2,80
VÁLVULAS
1,80
GERADORES E MOTORES ELÉTRICOS
2,20
SUBESTAÇÃO E TRANSFORMADORES
2,00
PAINÉIS E DISTRIBUIÇÃO ELÉTRICA
4,60
INSTRUMENTAÇÃO E MEDIÇÃO
0,60
AUTOMAÇÃO
3,10
TELECOMUNICAÇÃO
1,60
CONSTRUÇÃO E MONTAGEM
0,20
SERVIÇOS DE ENGENHARIA
-
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Sétimo Encontro Nacional do Prominp (2010).
* Oliveira (2010).
** Estratificação dos segmentos da cadeia produtiva baseada na visão da estrutura industrial adotada pelo Programa de
Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás (Prominp).
*** Média ponderada da participação do investimento em P&D perante o faturamento das empresas por sua representatividade
no faturamento do setor – Fonte: Prominp.
Os demais segmentos com menores níveis de investimento em P&D se distribuem pelos diversos níveis de classificação quanto à competitividade e necessidade
de investimentos e/ou adequações de suas capacidades produtivas. Dentre estes,
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
259
destacam-se segmentos intensivos em conhecimento e com elevado potencial de
agregação de valor que apresentam situação crítica quando se observa tanto os
investimentos em P&D realizados no país, quanto seu nível de competitividade e
a capacidade produtiva instalada. É o caso dos segmentos de turbinas a gás, compressores centrífugos e motores de grande porte,48 que sequer contam com fornecimento local. Outros, como o segmento de equipamentos submarinos, o qual é
notoriamente intensivo em conhecimento, apresentam condições de fornecimento
razoáveis, alta competitividade e baixos investimentos em P&D no país. Esses casos
são bons candidatos a serem priorizados nas ações de promoção dos investimentos
voltados para a inovação.
De qualquer maneira, essa análise, além de limitada, apresenta algumas restrições e deve ser compreendida sob alguns aspectos. O primeiro é que o levantamento foi realizado com base nos dados fornecidos pelas empresas estabelecidas
no país. Ocorre que, como já abordado, muitas dessas empresas são controladas
por empresas multinacionais, líderes de seus segmentos, que, apesar de realizarem
gastos elevados nas atividades de P&D, o fazem em quase sua totalidade em seus
centros de pesquisa e desenvolvimento localizados no exterior. Dessa forma, os números levantados relativos aos investimentos em P&D acabam sendo subdimensionados em relação ao investimento real desses segmentos.
Outra consideração importante é que o levantamento da capacidade produtiva
e da competitividade desses segmentos, conforme levantado pelo Prominp, está sob
a ótica dos meios e métodos de produção utilizados hoje em dia. Assim, é discutível
realizar uma análise da dinâmica da inovação com base nesses dados, já que novas
tecnologias, muitas vezes desconhecidas no presente, deverão ser desenvolvidas,
incentivando novas metodologias e abordagens de classificação em levantamentos
futuros. O que se obtém com base nesses levantamentos é um retrato da situação
no presente e não uma visão clara de onde se pretende chegar.
48
Esses subsegmentos foram desmembrados para fornecer maior detalhamento na análise da capacidade produtiva e
competitividade dos segmentos de turbinas, compressores e motores, respectivamente, e não dispõem de dados desmembrados
quanto aos investimentos em P&D.
260 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Uma abordagem alternativa, contemplando uma visão estratégica de futuro
voltada para a promoção do desenvolvimento tecnológico, foi proposta em estudo
contratado pelo BNDES sobre a cadeia de fornecedores de P&G [Bain & Company e
Tozzini Freire Advogados (2009)]. Esse estudo, o qual estratificou a cadeia produtiva primária em sete segmentos, como já abordado em seções anteriores, classificou
cada um destes segundo seus níveis de conteúdo tecnológico/conhecimento acumulado e o grau de desenvolvimento no Brasil. A Figura 1 mostra a disposição dos
diversos segmentos em uma matriz que relaciona esses dois aspectos em conjunto
com estimativas sobre o tamanho do mercado mundial, sugerindo alguns focos
iniciais de atuação.
FIGURA 1 CONTEÚDO TECNOLÓGICO VS. GRAU DE DESENVOLVIMENTO NO PAÍS DOS SEGMENTOS DA
CONTEÚDO TECNOLÓGICO/ CONHECIMENTO ACUMULADO
CADEIA DE FORNECEDORES DE BENS E SERVIÇOS
Informação de
reservatórios
Alto
Moderado
Baixo,
mas demanda
alto nível
tecnológico
de fornecedores
Serviços de
perfuração e
equipamentos
associados
Revestimento
e completação
Contratos
de perfuração
FOCO INICIAL
Produção e
manutenção
Infraestrutura
Mercado
mundial
em 2007
(US$ 8 Bilhões)
AMBIÇÃO
Apoio
logístico
Baixo
Equipamentos
importados/
prestadores de serviço
internacionais
Planos de inst. de
capacidade
Brasil/prestadores
de serviço
internacionais
com alguma mão
de obra local
Manufatura local
por empresas
estrangeiras/
prestadores
de serviço com
equipamentos
fabricados no país
Manufatura local
por empresas
estrangeiras/
prestadores de serviço
com equipamentos
fabricados no país
em ambos os
casos P&D no Brasil
Empresas
brasileiras,
servindo,
fabricando e
desenvolvendo
no país
GRAU DE DESENVOLVIMENTO DO SEGMENTO NO BRASIL
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Bain & Company Tozzini e Freire (2009).
Pode-se observar da Figura 1 que os segmentos mais intensivos em conhecimento revelam baixo grau de desenvolvimento no país. É o caso dos seguintes
segmentos: informação de reservatórios; serviços de perfuração e equipamentos
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
261
associados; e revestimento e completação de poços. Por seus baixos graus de desenvolvimento no país e pela dificuldade em ultrapassar, no curto prazo, certas barreiras tecnológicas, estes foram classificados como uma região de aspiração futura.
Em relação à presença no país, uma exceção são as atividades relacionadas à
produção e manutenção, as quais envolvem os equipamentos submarinos e de superfície, as atividades de manutenção de poços e de produção de produtos químicos especiais e os serviços de compressão. Observa-se que a manufatura local é
dominada por empresas estrangeiras com prestadores de serviços fabricando equipamentos no território nacional. Pelo relativo grau de desenvolvimento no país e
por ser intensivo em conhecimento, esse segmento deveria ser um dos focos iniciais
a serem contemplados nas estratégias para a promoção do desenvolvimento tecnológico no país.
Outros segmentos, como os de perfuração de poços49 e o de infraestrutura,50
apesar de classificados como segmentos pouco intensivos em conhecimento, demandam elevado nível tecnológico de seus fornecedores. No primeiro, há planos
de instalação de capacidade no Brasil, e o segundo já conta com manufatura local
por parte de empresas estrangeiras. Ambos também poderiam ser focos iniciais da
política industrial do setor no que tange às ações de promoção da inovação.
Como visto, em todos os segmentos apontados como prioritários para uma
atuação inicial, há presença majoritária, sobretudo de liderança, dos fornecedores
estrangeiros. Uma iniciativa já realizada com relativo sucesso foi a atração de alguns
fornecedores para a instalação de centros de P&D no Parque Tecnológico da Ilha
do Fundão. Iniciativas semelhantes estão em andamento em outros estados. Nesse
contexto, é de vital importância que se consiga criar um ambiente capaz de induzir
a cooperação tecnológica entre empresas nacionais e os ICTs locais com as empresas
multinacionais líderes de tecnologia, de forma a capacitá-las nos segmentos mais
relevantes do setor, promovendo a melhoria contínua de suas atividades produtivas
e de prestação de serviços, permitindo que estas subam na cadeia de valor do setor.
49
Sondas de perfuração onshore, plataformas de perfuração offshore e sondas de workover.
Engenharia e desenho, construção e montagem de infraestrutura offshore, instalação de infraestrutura offshore e equipamentos
de processamento em campo.
50
262 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Esse modelo deveria considerar o incentivo à formação de clusters tecnológicos, em
que a cooperação e o maior fluxo de informações geram importantes externalidades positivas. O objetivo deve ser, em última instância, criar empresas competitivas
e sustentáveis capazes de atuar globalmente em posições de liderança no uso de
tecnologias-chave.
Mecanismos para isso já foram abordados, por exemplo, a importância que
as operadoras têm nesse processo. Iniciativas voltadas para a transferência tecnológica ganham elevada relevância. A Política de Conteúdo Local deve também ser considerada e estar inserida nessa estratégia voltada para o desenvolvimento tecnológico, de forma a priorizar os segmentos mais intensivos em
conhecimento, seja por meio de mais altos índices de nacionalização, seja pela
definição da evolução gradual destes, ou ainda, atribuindo maior peso para
as atividades com maior potencial de agregação de valor na contabilização do
conteúdo nacional dos projetos, a exemplo do segmento de engenharia consultiva e outros elos dinâmicos da cadeia de fornecedores de bens e serviços como
discutido anteriormente.
Outra vertente considera o padrão de concorrência agressivo, característico das
empresas líderes, e a elevada intensidade de capital requerida pelo setor. Ambos os
aspectos, adicionados às enormes oportunidades para o setor, sugerem a entrada
de grandes grupos nacionais de outros setores da economia no setor de P&G e, em
particular, nos segmentos estratégicos da cadeia de fornecedores de bens e serviços.
Pela posição de liderança consolidada de algumas das principais empresas fornecedoras de bens e serviços, em especial, nos segmentos de mais alto conteúdo
tecnológico, uma opção para esses novos entrantes seria apostar em rotas tecnológicas alternativas, evitando assumir uma posição de seguidor e construindo um
planejamento focado na busca de novas rotas tecnológicas, baseadas em inovações de ruptura, como parte da estratégia para se atingirem posições de liderança
no médio prazo.
Nesse contexto, é importante ressaltar que uma relevante vantagem competitiva para os fornecedores de bens e serviços pode advir da estruturação e coordenação de suas próprias cadeias de fornecimento. Em um ambiente com algumas res-
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
263
trições de fornecimento, um modelo de negócios vencedor consistiria em organizar
suas cadeias fornecedoras por meio da cooperação e do relacionamento de longo
prazo, promovendo o ganho de competências e a absorção do conhecimento, de
forma a fidelizar seus principais fornecedores.
O insucesso em engendrar essas diversas alternativas e mecanismos de forma
articulada contribuirá para que as externalidades geradas pela dinâmica de inovação realizada no setor sejam expressivamente inferiores a seu real potencial. Pode-se, no extremo, instalar no país centros de P&D voltados para o desenvolvimento
de tecnologias marginais ou mesmo para a “tropicalização”51 de novas tecnologias
desenvolvidas no exterior sem a inclusão das empresas nacionais nessa dinâmica,
mantendo-as à margem desse universo onde se concentram as maiores oportunidades. Esse cenário levaria a um baixo aproveitamento pelo país dos benefícios do
desenvolvimento tecnológico que ocorrerá no setor nos próximos anos. Por outro
lado, obtendo-se sucesso em algumas dessas estratégias e, com base na observação
contínua da dinâmica de desenvolvimento que se construirá, algumas escolhas e
apostas deverão ser realizadas e, sobretudo, apoiadas pelas políticas públicas voltadas para o setor.
DISPONIBILIDADE DE RECURSOS E FINANCIABILIDADE DOS
PROJETOS DE P&D
Nesta seção serão indicados alguns gargalos e entraves que dificultam o financiamento de projetos inovadores, em relação ao cenário que se antevê para o desenvolvimento da cadeia de fornecedores. Ademais, vai se abordar a disponibilidade
de recursos com especial destaque para a evolução dos recursos disponíveis pela
cláusula de P&D dos campos que pagam participação especial.52
51
O termo “tropicalização” refere-se a tecnologias desenvolvidas para cenários distintos ao que se desenha e que necessitam de
adaptações para uso nas atividades de exploração e produção do pré-sal. Nesses casos, em que o desenvolvimento mais importante
da tecnologia é realizado no exterior, apenas ajustes ou inovações incrementais de menor complexidade são necessárias.
52
No âmbito dos contratos de concessão em conjunto com o Regulamento da ANP 5/2005, fica estabelecido que, quando devida a
participação especial para um determinado campo, o valor correspondente a 1% da receita bruta da produção deve ser destinado
ao investimento em atividades de pesquisa e desenvolvimento, do qual, pelo menos, 50% devem ser aplicados na contratação de
projetos realizados em universidades e institutos de ciência e tecnologia (ICTs) sem fins lucrativos, públicos ou privados. Na cessão
onerosa, o montante correspondente a 0,5% da receita bruta de produção deve ser destinado às despesas realizadas em atividades
de pesquisa e desenvolvimento.
264 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Em paralelo com a elevação dos investimentos em P&D pelas operadoras e seus
fornecedores, crescem as oportunidades de financiamento para o setor. Tanto o
BNDES como a Finep vêm envidando maiores esforços para alavancar os investimentos em P&D na cadeia de fornecedores de P&G, seja por meio do lançamento
de editais para projetos do setor por parte da Finep,53 ou de operações de financiamento tanto na Finep como no âmbito do programa de apoio ao desenvolvimento
de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G do BNDES, o Programa BNDES P&G,54 ou mesmo, por meio dos demais instrumentos de apoio, como
o BNDES Funtec, voltado para o apoio a projetos cooperativos ICTs-empresas, e a
participação acionária direta, por meio da BNDESPAR, ou indireta, com fundos de
investimento focados em inovação, como é o caso do Fundo Criatec.
Apesar da diversidade de instrumentos, uma lacuna já identificada se refere
às empresas que estejam em uma fase mais avançada no desenvolvimento de seus
projetos de inovação, porém que ainda não disponham de uma estrutura de capital capaz de garantir o acesso às operações de crédito segundo as regras vigentes.
Essa fase, depois da inovação inicial e anterior ao lançamento da inovação no mercado, também conhecida como scale-up, ainda carece de mecanismos adequados.
Para superar essa carência, iniciativas estão em andamento e novos mecanismos de
apoio deverão ser formulados.
Outro aspecto importante tem ligação com os novos entrantes no setor se estes realmente adotarem um planejamento focado no desenvolvimento de tecnologias disruptivas por meio de rotas tecnológicas alternativas, como abordado na
seção anterior. Nesses projetos, os altos retornos e riscos potenciais demandam a
estruturação de uma engenharia financeira complexa e podem necessitar de novos
instrumentos de financiamento ainda não existentes. Em geral, pode-se antever
53
A Finep lançou, em 2010, uma chamada pública que previa R$ 115,7 milhões para o financiamento de cerca de sessenta projetos
cooperativos empresa-ICTs com foco no desenvolvimento de soluções para o pré-sal. Outros dois editais destinados a projetos em
óleo e gás foram lançados em 2011, um para o apoio a projetos laboratoriais (cerca de R$ 30 milhões) e um segundo utilizando o
instrumento de subvenção econômica (cerca de R$ 8 milhões).
54
O Programa BNDES P&G oferece para os projetos de inovação, além das condições previstas nas linhas de inovação do BNDES,
novidades como a possibilidade de financiamento a operações de internacionalização, fusões e aquisições, desde que associadas
à busca por novas tecnologias, ou ainda, operações com empresas-âncora, cujo sentido é incentivar a cooperação na cadeia de
fornecedores dando maior capilaridade e acesso a crédito às empresas de menor porte.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
265
um cenário no qual maiores riscos estarão presentes. Assim, o sistema de inovação
deveria estar estruturado de forma a suportar esses projetos e a aceitar operações
de financiamento com riscos mais elevados.
Pelo lado da disponibilidade de recursos, uma análise mais extensa poderia ser
realizada abordando as mudanças regulatórias que impactarão o Fundo Setorial
de P&G (CT-Petro), detalhando as características de captação e distribuição dos recursos no âmbito do Novo Marco Regulatório e do Fundo Social.55 No entanto, este
artigo limita-se a expor uma projeção da disponibilidade de recursos para o apoio
a projetos inovadores com base na cláusula de P&D, como mostrado no Gráfico 1.
GRÁFICO 1 EVOLUÇÃO DO VOLUME DE RECURSOS DISPONÍVEIS DA CLÁUSULA DE P&D DA
PARTICIPAÇÃO ESPECIAL
2,5
2
R$ BILHÕES
1,5
1
Petrobras
2022
2021
2020
2019
2018
2017
2016
2015
2014
2013
2012
2011
2010
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
0
1998
0,5
Outras operadoras
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Revista Brasil Energia (2012).
55
A Lei 12.351/2010, que institui o Regime de Partilha da Produção, também cria o Fundo Social (FS), para o qual foram transferidas
todas as receitas de royalties provenientes dos poços de P&G do “polígono do pré-sal” destinadas à União. Com essa medida o
CT-Petro poderá perder 90% das atuais receitas. No entanto, o FS contempla a aplicação de recursos na área de ciência e tecnologia.
Por conseguinte, trata-se de uma questão administrativa do poder executivo, que afeta a governança sobre a aplicação dessas
receitas e que ainda não está em prática, pois o FS ainda não foi regulamentado. Excepcionalmente, o governo federal publicou o
Decreto 7.657, de 23.12.2011, que prorroga, até 31.12.2015, a destinação para o CT-Petro dos royalties dos campos que iniciaram
sua produção até 31.12.2009.
266 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Com base nessas estimativas, pode-se perceber a significativa evolução do volume de recursos oriundos da Petrobras e das demais operadoras. Já no corrente ano,
os recursos previstos ultrapassarão, pela primeira vez, o patamar de R$ 1 bilhão e
indicam também o aumento da participação das demais operadoras. A expectativa
é de se atingir até 2021 o patamar de R$ 2,1 bilhões. Contabilizando os recursos
até o ano de 2022, projeta-se um total de aproximadamente R$ 26 bilhões a serem
aplicados em atividades de P&D e inovação.
O aumento desses recursos considera tanto a expansão da produção em contratos
ativos quanto o início da produção em contratos já concedidos no pré-sal na Bacia
de Santos.56 Segundo essas estimativas, em 2022, os aportes, via cláusula de P&D, vão
cair em relação ao ano anterior, voltando para um patamar abaixo dos R$ 2 bilhões.
Essa tendência deve ser revertida com a licitação de novos blocos exploratórios, uma
vez que há a expectativa de que os contratos de partilha do pré-sal também tenham
cláusula similar com a obrigatoriedade da destinação de recursos às atividades de P&D.
Em um primeiro momento, a alocação desses recursos foi destinada à constituição
de infraestrutura física e à qualificação de recursos humanos nos centros de pesquisa e
universidades. Cabe ressaltar que, segundo vem se observando, já há hoje um parque
laboratorial significativo, não havendo necessidade de grandes inversões com esse fim
de forma continuada nos próximos anos. Um desafio importante é o de estimular que
toda essa infraestrutura laboratorial gere resultados e seja aproveitada pelas empresas
do setor. Por outro lado, o crescimento da disponibilidade de recursos sugere que novas
alternativas para alocação destes sejam discutidas e revela a necessidade de maior aproximação entre as empresas privadas e os ICTs existentes. Assim, a alocação dos recursos na
contratação dos ICTs por parte dos fornecedores da cadeia produtiva de bens e serviços
de P&G, ou mesmo, a alocação direta desses recursos nas atividades de P&D das empresas
fornecedoras de bens e serviços, surgem como opções e necessitam de maior debate.57
56
Entre os campos concedidos na Bacia de Santos encontram-se os sete blocos da cessão onerosa. Nestes, a obrigação contratual
prevê que 0,5% da receita bruta seja destinado a atividades de P&D; nos demais, esse percentual é 1%. Incluindo a cessão onerosa,
espera-se que pelo menos 15 contratos já assinados iniciem a produção entre 2012 e 2021.
57
Ambas as alternativas estão sendo discutidas no âmbito da política industrial do setor e necessitariam de mudanças regulatórias,
uma vez que, como já abordado, a aplicação desses recursos, no presente, está restrita à contratação, por parte das operadoras, de
projetos realizados em universidades e institutos de ciência e tecnologia (ICTs) sem fins lucrativos, públicos ou privados.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
267
De toda forma, essas considerações apontam para um cenário positivo quanto à
disponibilidade de recursos para o investimento em projetos inovadores e nas atividades de pesquisa e desenvolvimento, formando importante pilar para a construção
das estratégias de desenvolvimento tecnológico no âmbito da política industrial.
7 . A ATU A Ç Ã O D O B N D ES PA R A
A PR OMOÇ Ã O D O D ES EN VO LV I M EN TO
IN D U STRIA L E T EC N O L Ó G I C O
DAS EMPRESA S D A C A D EI A
DE FORN ECED O R ES D E P& G
O BNDES vem envidando relevantes esforços para colaborar com a política de desenvolvimento industrial e tecnológico para a cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G. A própria estratégia de atuação do BNDES para
o setor vem sendo aperfeiçoada continuamente, buscando corresponder às demandas da sociedade e visando ao desenvolvimento econômico e social sustentável e
de longo prazo do país. O momento que o setor de P&G vive motivou uma nova
abordagem por parte do Banco, com maior enfoque na cadeia de fornecedores de
bens e serviços de P&G. Como reflexo dessa nova dinâmica, o BNDES alterou sua
estrutura organizacional, criando, em 2010, o Departamento da Cadeia Produtiva
de Petróleo e Gás, cujas atribuições compreendem tanto a participação no trabalho
de articulação institucional quanto as atividades relacionadas ao fomento e financiamento das empresas fornecedoras de bens e serviços de P&G.
Mais recentemente, no segundo semestre de 2011, aprovou-se a criação do
Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia de Fornecedores de Bens e Serviços relacionados ao setor de Petróleo e Gás Natural (BNDES P&G), para o qual
uma carteira de operações de financiamento já foi constituída. Com o programa, o
BNDES abriu novos caminhos para o apoio à cadeia de empresas fornecedoras de
bens e serviços de petróleo e gás, estreitando o relacionamento já existente entre
o Banco e o setor, facilitando o acesso ao crédito às MPMEs e oferecendo condições
de financiamento mais favoráveis, de forma a atender às necessidades existentes
268 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
da indústria, como o apoio à aquisição de tecnologia, à qualificação e capacitação
de mão de obra e à prestação de serviços, em especial os serviços de engenharia e
de certificação.
A participação no Plano Brasil Maior de P&G e Naval também vem recebendo especial atenção, e a composição de uma agenda setorial foi realizada em
conjunto com as diversas entidades de governo e da iniciativa privada. Nesse
contexto, frentes importantes de trabalho vêm sendo conduzidas para solucionar os gargalos já identificados, como é o caso do já citado Regime Aduaneiro
Especial (Repetro), para o qual foi contratado estudo no âmbito do Fundo de
Estruturação de Projetos do BNDES. Ademais, o Departamento da Cadeia Produtiva de P&G participa de diversos fóruns e iniciativas do setor, com destaque
para sua atuação no Prominp.
No que tange aos aspectos relacionados à promoção da inovação, diversas
ações vêm sendo realizadas com as operadoras de P&G e com as empresas da cadeia de fornecedores. Uma iniciativa que merece especial destaque é o plano de
ação conjunta BNDES-Finep-Petrobras para o fomento a projetos de inovação na
cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G, o Programa Inova Petro, programa de fomento à inovação no qual se fez um importante
levantamento das principais rotas tecnológicas para as atividades de E&P offshore
nos próximos anos e que conta com a coordenação de esforços e intensa cooperação entre essas instituições.
Percebe-se, pelo exposto, que o BNDES vem participando ativamente no processo de construção das estratégias de promoção do desenvolvimento industrial e
tecnológico da cadeia de fornecedores de P&G e espera, portanto, desempenhar
papel efetivo para que as oportunidades existentes gerem reais benefícios para o
desenvolvimento do país. Atua na melhoria dos processos de fomento e concessão
de financiamento, mas, como foi mostrado, não se restringe a esses aspectos. O
aprendizado contínuo e a interlocução com os diversos partícipes envolvidos no
desenvolvimento do setor de P&G são focos centrais do dia a dia da instituição, no
qual as ações de promoção à inovação na cadeia de fornecedores de P&G são tratadas com grande prioridade.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
269
8 . CON SID ER A Ç ÕE S F I N A I S
As descobertas de acumulações gigantescas de óleo e gás na camada pré-sal e a
perspectiva de elevado crescimento da produção nacional desses insumos nos próximos anos transformaram o cenário do setor de P&G no Brasil. A localização dessa
nova fronteira exploratória, a grandes distâncias da costa e em elevadas profundidades, em conjunto com a magnitude das reservas e as características do óleo
encontrado, criam um novo paradigma para o segmento de exploração e produção
offshore no país, posicionando-o como o principal mercado no mundo para as empresas fornecedoras de bens e serviços desse segmento.
O desenvolvimento de uma cadeia nacional de fornecedores de bens e serviços,
por seu perfil multissetorial, tem o potencial de gerar importantes externalidades
positivas para os demais setores da economia. Nesse contexto, a formulação de
estratégias para a promoção do desenvolvimento tecnológico ganha significativa relevância. Discutir as alternativas e caminhos a serem adotados nas políticas
públicas do setor deve, obrigatoriamente, considerar o entendimento desse novo
cenário, suas oportunidades e riscos associados. Os elevados investimentos que serão realizados, aliados à característica de projeto de longuíssimo prazo, oferecem
a continuidade indispensável para inovações de ruptura, e não apenas inovações
incrementais e rotineiras, que poderão contribuir para a formação de uma nova
indústria nacional do petróleo.
Por todos os ângulos que se observa, é patente que a indústria brasileira de
petróleo está diante de uma oportunidade rara que pode levá-la a uma posição de
destaque, se não de liderança, no uso de novas tecnologias no setor, que vão precisar ser desenvolvidas. O objetivo deve ser, em última instância, estimular o desenvolvimento de empresas competitivas e sustentáveis capazes de atuar globalmente
em posições de liderança no uso de tecnologias-chave.
A construção de uma agenda efetiva com esse objetivo deveria se concentrar na
identificação de focos prioritários de atuação e, com base na trajetória recente do arcabouço institucional, no qual a Política de Conteúdo Local ocupa papel de destaque,
definir estratégias integradas de promoção do investimento em inovação.
270 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Para isso, uma série de considerações foram apresentadas no decorrer deste
artigo. A primeira delas buscou apontar algumas das principais rotas tecnológicas a
serem desenvolvidas nos próximos anos. Compreender essas tendências é vital para
uma atuação focada nos segmentos considerados estratégicos e, portanto, os mais
relevantes para o desenvolvimento industrial e tecnológico das empresas.
Outro aspecto abordado e de extrema importância é o delineamento de
estratégias indutoras de maior cooperação entre as empresas fornecedoras de
bens e serviços, as operadoras de P&G e os institutos de ciência e tecnologia
locais. Discutiu-se o posicionamento que operadoras podem assumir nessa dinâmica, apontando as rotas tecnológicas prioritárias e identificando oportunidades para a cooperação em projetos inovadores, de forma a inserir as empresas nacionais de base tecnológica no desenvolvimento dessas novas soluções e
incentivando o “transbordamento” tecnológico para outros segmentos. Ainda
nesse âmbito, a forma de contratação em projetos turn-key por meio de EPCistas
deveria ser revista, de forma a incentivar, ou ao menos tornar mais factível, a
entrada de fornecedores competitivos nos segmentos de maior valor agregado
e conteúdo tecnológico. Elos dinâmicos com maior potencial em gerar externalidades positivas nos demais segmentos da cadeia de fornecedores, a exemplo
dos serviços de engenharia consultiva, devem ser ponto central das iniciativas
da política industrial do setor.
A presença maciça de empresas multinacionais ocupando, em quase a totalidade dos casos, posições de liderança no que tange ao domínio tecnológico de seus
segmentos de atuação, em conjunto com o perfil de baixo investimento em P&D
das empresas nacionais, em sua maioria MPMEs, corrobora a necessidade de uma
atuação focada nos segmentos em que a indústria nacional mostre um posicionamento competitivo de maior destaque. Viu-se que, em alguns dos segmentos da
cadeia de valor do segmento de E&P offshore, essa abordagem seria viável. A própria Política de Conteúdo Local deveria estar inserida nessa estratégia, priorizando
o conteúdo local das atividades com maior potencial de agregação de valor e que,
ao mesmo tempo, já disponham de uma dinâmica favorável no parque industrial
brasileiro. Alternativas para essa priorização também foram discutidas.
CADEIA DE PETRÓLEO E GÁS
271
Ter a clareza sobre os objetivos a serem perseguidos e, portanto, sobre os respectivos segmentos estratégicos prioritários, auxiliaria na construção de estratégias
para a atração dos investimentos estrangeiros no país e mesmo na definição das
condicionantes sob as quais essa atração de investimento deveria ocorrer. Políticas
para a promoção de joint ventures e a transferência de tecnologia devem ser pensadas com base nisso. Nesse contexto, a entrada de grandes grupos nacionais de
outros setores da economia deveria privilegiar modelos de negócios baseados no
investimento em P&D e na cooperação e estruturação de suas cadeias de fornecimento, com o objetivo de desenvolver rotas tecnológicas alternativas e inovações
de ruptura, o que, certamente os posicionaria de forma a se beneficiarem desse
universo onde se concentram as maiores oportunidades.
Toda essa discussão não deve desconsiderar importantes gargalos e entraves já
identificados, como a necessidade de investimento contínuo na formação de mão
de obra qualificada e a revisão e aprimoramento do arcabouço tributário associado
ao setor, para os quais importantes iniciativas estão em andamento. Outros gargalos se referem aos mecanismos de financiamento a projetos inovadores, por exemplo a carência de instrumentos adequados para o apoio a projetos de scale-up de
novas tecnologias e a inexistência de instrumentos de apoio aos planos de negócios
baseados em investimentos em P&D, cujo perfil de risco elevado e maiores retornos
são característicos. Percebe-se que o sistema de inovação deveria ser capaz de suportar operações de maior risco tecnológico em alguns dos segmentos existentes.
Por outro lado, no que se refere à disponibilidade de recursos para o apoio a projetos de P&D, não há gargalo significativo quando se observa a legislação vigente.
A discussão deveria se concentrar na melhor alocação desses recursos, em projetos
inovadores de maior qualidade e alinhados com a estratégia que se defina para o
desenvolvimento do setor, de forma a alavancar o investimento privado em P&D.
Alternativas para isso também foram discutidas e necessitam de maior debate.
Diante da complexidade do assunto e das diversas alternativas existentes depreende-se que a capacidade de articulação institucional é vital para o sucesso das
estratégias de promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico e não deve
ser considerada algo de menor importância. Há também que se compreender que
272 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
os reais benefícios das reservas de petróleo da camada pré-sal vão muito além da
mera produção e refino do petróleo e encontram no desenvolvimento da cadeia
de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G uma grande oportunidade. Somente a clareza nos objetivos e uma elevada capacidade de coordenação das diversas ações e frentes de atuação permitirão que o país se beneficie
de grande parte da dinâmica de inovação que, inevitavelmente, ocorrerá no setor
de P&G nos próximos anos, gerando riqueza e retorno para a sociedade de forma
sustentável no longo prazo.
RE F E RÊN CIA S
ANP/PUC. Avaliação da competitividade do fornecedor nacional com relação aos
principais bens e serviços. Rio de Janeiro, 1999 (mimeo).
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Priscila Branquinho das Dores
Elisa Salomão Lage
Lucas Duarte Processi*
* Respectivamente chefe, gerente e engenheiro do Departamento de Gás, Petróleo e Bens de Capital sob Encomenda do BNDES.
CONSTRUÇÃO NAVAL
275
RE S UMO
Depois de um longo período de estagnação, o setor de construção naval brasileiro
experimentou, na última década, um movimento de retomada de investimentos, que
se refletiu tanto na expansão e na modernização da capacidade produtiva quanto no
aumento da produção de embarcações. Tal fato decorreu, principalmente, do crescimento das atividades petrolíferas offshore, que acarretou a necessidade de novas
embarcações para esse mercado, e de uma política voltada ao desenvolvimento da
indústria nacional. As empresas de petróleo e gás efetuaram grandes encomendas
aos estaleiros nacionais, enquanto a União atuou, entre outros, com exigências de
percentual mínimo de conteúdo local nas atividades de exploração e produção e
com a criação de um fundo garantidor à indústria. Neste artigo será apresentado o
histórico da indústria naval brasileira, desde os anos 1980 até o cenário atual, apontando os principais programas demandantes do período, bem como seus impactos
na nova configuração do setor. Serão discutidos o posicionamento brasileiro no mercado mundial e os fatores estratégicos de competitividade associados à indústria naval. A questão da inovação, fundamental para o desenvolvimento do setor, também
será abordada. Por fim, serão expostas as perspectivas da indústria naval nacional,
destacando-se o papel do BNDES no apoio ao setor.
AB S T RA C T
After long-term stagnation, the Brazilian shipbuilding industry’s investments have
increased in the past decade, resulting in higher productive capacity and modernization
as well as higher ship outputs. This was mainly caused by the Oil & Gas offshore boom
and by local industry development policy. Oil & Gas companies placed large orders with
national shipbuilders. At the same time the Brazilian federal government established
local content requirements for Exploration & Production activities and a new credit
guarantee fund, among others. In this article, we detail the historical trajectory of the
Brazilian shipbuilding industry for the last 30 years with a focus on the most relevant
governmental incentives granted. Brazil’s relevance in world markets is discussed as
276 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
well as the naval industry’s strategic competitive factors. Innovation issues, which are
considered fundamental for the sector’s development will also be discussed. Finally,
the national shipbuilding industry’s outlook is presented, highlighting BNDES’s role
in bolstering the naval sector.
CONSTRUÇÃO NAVAL
277
1 . INTR OD U ÇÃ O
Depois de um longo período de estagnação, o setor de construção naval brasileiro
experimentou, na última década, um movimento de retomada de investimentos,
que se refletiu tanto na expansão e na modernização da capacidade produtiva
quanto no aumento da produção de embarcações. Tal fato decorreu, principalmente, do crescimento das atividades petrolíferas offshore, que acarretou a necessidade de novas embarcações para esse mercado, e de uma política voltada ao
desenvolvimento da indústria nacional.
A elevação nos preços internacionais do petróleo ao longo do decênio incentivou a exploração e a produção em águas profundas e ultraprofundas, mais distantes da costa, e criou uma demanda por navios-sonda, plataformas de produção e
embarcações de apoio marítimo com características e exigências técnicas diferenciadas. A descoberta de grandes volumes de óleo na camada pré-sal ratificou a robustez e a perenidade da demanda por embarcações offshore. Verificou-se, ainda,
a necessidade de ampliar e renovar a frota de navios petroleiros e gaseiros do país
para escoar a produção de óleo, gás e derivados.
Cumpre ressaltar que a Petrobras é a maior operadora de petróleo do país e,
portanto, responde pela maior parte da demanda por embarcações offshore. Da
mesma forma, a Transpetro, sua subsidiária de logística e transporte de combustíveis, é a maior demandante de navios petroleiros e gaseiros.
Diante do novo cenário, o governo brasileiro, visando estimular o setor naval
do país, atuou, em conjunto com a Petrobras e a Transpetro, lançando algumas
medidas de política industrial. As empresas efetuaram grandes encomendas aos
estaleiros nacionais, enquanto a União atuou com exigências de percentual mínimo
de conteúdo local nas atividades de exploração e produção; com incentivos fiscais;
com a criação de um fundo garantidor à indústria; e com a concessão de crédito
aos agentes financeiros do Fundo de Marinha Mercante (FMM).1 Destaque-se, com
1
O FMM é um fundo de natureza contábil, destinado a prover recursos para o desenvolvimento da marinha mercante e da indústria
de construção e reparação naval brasileiras. Sua fonte básica de recursos é o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha
Mercante (AFRMM), incidente sobre o frete cobrado pelo transporte aquaviário de carga de qualquer natureza descarregada em
porto brasileiro, ou seja, sobre as atividades de cabotagem e importação de mercadorias.
278 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
relação a esse último ponto, o papel do BNDES, que, como repassador de recursos2
do FMM, apoiou fortemente o setor, tendo contratado cerca de R$ 30 bilhões e
liberado aproximadamente R$ 10 bilhões no período de 2000 a abril de 2012.
As ações realizadas lograram êxito em retomar os investimentos no setor. No período de 2000 a 2011, relevantes inversões foram realizadas em estaleiros, houve ampliação e modernização da capacidade produtiva, novos investidores passaram a atuar
no setor e verificou-se um significativo crescimento da produção de embarcações.
O presente artigo divide-se em quatro seções, além desta introdução. Na primeira,
é apresentado o histórico da indústria naval brasileira, desde os anos 1980 até o cenário atual, apontando os principais incentivos concedidos ao setor. Em seguida, discutem-se o posicionamento brasileiro no mercado mundial e os fatores estratégicos de
competitividade associados à indústria naval. Na terceira seção, é abordada a questão
da inovação, também fundamental para o desenvolvimento do setor. Finalmente, na
quarta seção, são expostas as perspectivas da indústria naval nacional, bem como as
considerações finais deste artigo, destacando-se o papel do BNDES no apoio ao setor.
2 . HISTÓR ICO
A NOVA DEMANDA À INDÚSTRIA NAVAL
A crise econômica mundial dos anos 19803 e a abertura da economia à concorrência
estrangeira na década de 1990 levaram a indústria naval a uma situação financeira
delicada, restringindo sua capacidade de investimento. Tal fato resultou em um
parque fabril com relevante defasagem tecnológica4 perante os produtores mun-
2
Até 2004, o BNDES era o único agente financeiro repassador de recursos do FMM. Porém, com a publicação do
Decreto 5.269/2004, a condição de agente foi estendida aos bancos oficiais federais habilitados (BB, CEF, Basa e BNB). A despeito
dessa mudança, o BNDES continua sendo o principal agente financeiro do fundo.
3
A crise econômica mundial experimentada na década de 1980 trouxe consigo a retração do comércio internacional marítimo e a
consequente queda nos valores dos fretes. Tal situação impactou a arrecadação do FMM, fragilizou a situação financeira dos armadores
nacionais e reduziu drasticamente o nível de atividade dos estaleiros aqui instalados, levando alguns participantes do mercado à falência.
4
O momento de declínio da produção nacional coincidiu com a chamada “terceira revolução industrial e tecnológica”, quando a
base microeletrônica passou a ser empregada nos mais diversos ramos da indústria, atingindo a automação integrada flexível, o que
tornou os processos da indústria nacional ainda mais obsoletos. Além disso, durante o período de estagnação produtiva brasileira,
as embarcações construídas no resto do mundo passaram a ter porte e complexidade cada vez maiores, o que exige dos estaleiros
elevada capacidade produtiva, organizacional e tecnológica [Lima (2009, p. 137)].
CONSTRUÇÃO NAVAL
279
diais de embarcações, o que provocou a estagnação da produção naval brasileira
por cerca de vinte anos.
Com a quebra do monopólio das atividades de exploração, desenvolvimento
e produção de petróleo e gás natural em 1997, essas passaram a ser realizadas
mediante contratos de concessão precedidos de licitação realizada pela Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Em 1999, na primeira
rodada de licitação de blocos, o processo considerava os índices de conteúdo local
ofertados pelos concorrentes como um dos critérios de escolha do vencedor, de
modo a estimular a aquisição de bens e serviços nacionais. A partir da sétima rodada, realizada em 2005, os índices de conteúdo local passaram a ser obrigatórios,
sendo estipulados índices mínimos nas etapas de exploração, desenvolvimento e
produção. É importante ressaltar que as embarcações utilizadas nas atividades petrolíferas são consideradas no cálculo do conteúdo local dos blocos.
Desde 2002, cerca de 85% da produção nacional de petróleo e gás é realizada
no mar [ANP(2012)], por isso são necessárias diversas embarcações especializadas
para as atividades de exploração e produção, como navios-sonda, plataformas de
produção e embarcações de apoio marítimo. As embarcações utilizadas atualmente
para o desenvolvimento dessas atividades ainda são majoritariamente estrangeiras
e entram no país não como importações, mas por meio de contratos de afretamento renovados continuamente.
Dada a desmobilização do setor, o movimento de retomada de investimentos
foi iniciado a partir da necessidade de renovação e ampliação da frota de apoio
marítimo, que, além de representar maior número de encomendas, gerando escala,
era composta por embarcações mais simples e mais baratas do que os navios-sonda
e as plataformas de produção.
Em 1999, a Petrobras lançou o Programa de Renovação da Frota de Apoio Marítimo I (Prorefam I), oferecendo contratos de afretamento de oito anos para 22 embarcações a serem construídas no país. Considerando a receita estável e de longo
prazo oferecida pelos contratos aos armadores – diferente daquela do tradicional
mercado de apoio, de mais curto prazo – e, ainda, a reduzida capacidade operacional dos estaleiros aqui instalados, os armadores adotaram a estratégia de investir
280 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
em estaleiros de médio porte, especializados na construção de embarcações de
apoio, configurando uma estrutura verticalizada para esse segmento.
No Prorefam I, foram licitadas 22 embarcações, mas três contratos foram cancelados. A segunda etapa do programa, iniciada em 2003, contratou mais trinta novas embarcações e 21 modernizações, contemplando, entre estas últimas, algumas
jumborizações.5 Já em 2008, no âmbito da Política de Desenvolvimento Produtivo
(PDP), a Petrobras lançou a terceira etapa do Prorefam, que previa a contratação de
146 novas embarcações de apoio no período de 2008 a 2016 para atuar, inclusive,
em campos do pré-sal, como Tupi e Júpiter. Ressalte-se que nessa etapa o programa
contou com requerimentos de conteúdo local mínimo para as embarcações.
O Prorefam aumentou significativamente a demanda do setor e teve êxito em
reativar a indústria naval brasileira. O elevado volume de embarcações demandado
e a prioridade dada por lei6 à bandeira brasileira nos serviços de apoio marítimo movimentaram o mercado nacional e estimularam a indústria de construção naval e as
indústrias a montante a retomar seus investimentos. Destaquem-se os investimentos
realizados na instalação e na ampliação de capacidade de estaleiros de médio porte.
Desde o lançamento do programa até março de 2012, foram contratadas 105
embarcações de apoio marítimo dos seguintes tipos: AHTS (Anchor, Handling, Tug
and Supply); PSV (Plataform Supply Vessel); PLSV (Pipe Laying Support Vessel);
RSV-ROV (Remote Operated Vehicle Support Vessel); OSRV (Oil Spill Response
Vessel); e MPSV (Multipurpose Support Vessel).7
Algumas dessas encomendas não foram contratadas no âmbito do Prorefam,
especialmente as mais complexas, como os RSV-ROV e os PLSV. De qualquer forma,
5
Jumborização – modernização e aumento da capacidade de carregamento de uma embarcação, por meio de um corte transversal
vertical do navio, para inserção de um trecho de casco.
6
Pela Lei 9.432/97, as embarcações estrangeiras somente poderão participar da navegação de cabotagem e da navegação interior de
percurso nacional, bem como da navegação de apoio portuário e da navegação de apoio marítimo, quando afretadas por empresas
brasileiras de navegação.
7
AHTS (Anchor, Handling, Tug and Supply): navio de suprimento, reboque e manejo de âncoras, dotados de guindastes com
importante capacidade de tração. PSV (Plataform Supply Vessel): navio de suprimento com capacidade de carga tanto em seu convés
principal e nas cabines quanto em tanques para transporte de produtos químicos, água, combustível e lama. PLSV (Pipe Laying
Support Vessel): navio voltado à construção submarina que realiza o lançamento de dutos a serem instalados no fundo do mar.
RSV–ROV (Remote Operated Vehicle Support Vessel): navio que realiza trabalhos de manutenção submarina, mapeamento do leito
oceânico para a passagem de dutos, entre outros serviços de natureza submarina, por meio de robô controlado remotamente pela
embarcação. OSRV (Oil Spill Response Vessel): navio de combate ao derramamento de óleo. MPSV (Multipurpose Support Vessel):
navio que combina capacitações de diversos tipos de embarcações de apoio.
CONSTRUÇÃO NAVAL
281
essas embarcações podem ser incorporadas pelo programa, já que o Prorefam III
ainda tem diversas embarcações a serem contratadas.
Adicionalmente, a Petrobras contratou embarcações do tipo LH (line handling),
UT (utility boat) e P (passenger),8 que são embarcações de pequeno porte, também
não contempladas no Prorefam.
O Gráfico 1 mostra a produção nacional de embarcações de apoio marítimo,
por tipo de embarcação. Note-se a concentração de embarcações do tipo PSV no
total das entregas da década. Ressalte-se que as embarcações mais complexas já
contratadas devem ser entregues nos próximos anos.
GRÁFICO 1 EMBARCAÇÕES CONSTRUÍDAS NO BRASIL NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS – POR TIPO
PSV
54%
3%
UT
3%
PLSV
3%
ROV
3%
P
17%
17%
LH
AHTS
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da Petrobras.
As encomendas de embarcações de apoio da Petrobras foram realizadas por
diversos armadores e distribuídas, principalmente, entre os estaleiros Navship,
STX-Niterói e Wilson Sons.
A maior parte das embarcações contratadas no âmbito do Prorefam foi ou está
sendo construída com o apoio do BNDES, que atua como repassador de recursos do
8
LH (line handling): navio para manuseio de espias. UT (utility boat): navio supridor de carga rápida. P – (passenger): barco de
alumínio para transporte de passageiros.
282 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
FMM ao armador e/ou ao estaleiro contratado. Entre 2000, e abril de 2012, o Banco
desembolsou cerca de R$ 5,5 bilhões às embarcações do programa.
Com relação à frota para movimentação de carga, os incentivos se deram, principalmente, por intermédio da Transpetro, que lançou, nos anos de 2005 e 2008, os
Programas de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro I e II (Promef I e II),
contratando a construção de 49 navios-tanque em estaleiros nacionais.
A Transpetro já contratou a totalidade dos 23 navios previstos no Promef I e
dos 26 navios do Promef II. Essas embarcações correspondem a navios petroleiros,
comumente qualificados por sua capacidade de carga como Panamax, Aframax e
Suezmax,9 a navios de produtos e a navios gaseiros.
As encomendas da Transpetro foram contratadas de cinco estaleiros, quais sejam:
Atlântico Sul, Mauá, Eisa, Superpesa e STX-Suape, este último ainda em implantação.
Ainda no segmento de transporte de cargas, visando fomentar o surgimento de
armadores privados nacionais e reduzir a dependência do mercado externo de fretes
para a atividade de cabotagem, a Petrobras lançou em 2010, em duas etapas, o Programa Empresa Brasileira de Navegação (EBN 1 e EBN 2), no qual oferecia contratos
de afretamento de 15 anos de vigência a 39 embarcações a serem construídas no país.
As embarcações encomendadas no âmbito do EBN são, em grande parte, similares às do Promef e foram contratadas por nove armadores a cinco estaleiros,
havendo ainda três embarcações sem estaleiro definido.
No Gráfico 2, relacionam-se os contratos já celebrados no âmbito do Promef e
do EBN por tipos de embarcação. Esses navios representam, em boa medida, a natureza da produção naval de cabotagem dos próximos anos.
A retomada do setor, resultante dos programas antes citados, estimulou as encomendas aos estaleiros nacionais de empresas privadas de transporte marítimo de
outros setores. Destaquem-se os investimentos da Log-In Logística, empresa subsidiária da Vale, que recentemente encomendou cinco navios porta-contêineres e
dois navios graneleiros internamente.
9
Panamax (cerca de quinhentos mil barris); Aframax (cerca de oitocentos mil barris); Suezmax (cerca de 1,1 milhão de barris).
Os tipos Panamax e Suezmax são assim denominados porque suas dimensões permitem a passagem pelos canais do Panamá e de
Suez, enquanto o Aframax é considerado um navio de médio porte (Average Freighter).
CONSTRUÇÃO NAVAL
283
GRÁFICO 2 PROMEF E EBN – EMBARCAÇÕES CONTRATADAS POR TIPO
60
50
5
7
40
12
8
30
3
49
20
14
14
10
7
8
6
4
0
Promef I e II
Panamax
Aframax
39
Suezmax
EBN I e II
Bunker
Gaseiros
Produtos claros
Produtos escuros
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da Petrobras.
Finalmente, o incentivo ao setor naval voltou-se também aos segmentos de
plataformas de produção e navios-sonda. A Petrobras realizou, nos últimos anos,
licitações para a construção parcial ou total de quarenta plataformas, sendo 14 já
entregues, e de 33 sondas de perfuração no Brasil. As plataformas foram licitadas
de forma dispersa e com características distintas de acordo com cada campo,10 as
sondas, por outro lado, foram licitadas de forma concentrada, caracterizando uma
demanda em escala capaz de viabilizar investimentos em novos estaleiros.11
As encomendas das sondas estão distribuídas entre os estaleiros Atlântico Sul,
Rio Grande, Brasfels, Jurong, Enseada do Paraguaçu e Mauá.
A Tabela 1 consolida o número de embarcações a serem construídas no país, no
âmbito dos programas abordados anteriormente.
10
A despeito da maior necessidade de adequação às características dos campos, deve-se destacar o recente esforço da Petrobras em
padronizar, tanto quanto possível, as encomendas de plataformas de produção, tal como ocorreu nas contratações das oito FPSOs
(Floating, Production, Storage and Offloading) que vão operar nos blocos BM-S-9 e BM-S-11 e das quatro FPSOs que vão operar
na cessão onerosa. A padronização possibilita ganhos de escala e aceleração da curva de aprendizado dos estaleiros envolvidos na
construção dos diferentes módulos das FPSOs.
11
Além das ampliações dos estaleiros Atlântico Sul, em Pernambuco, e Rio Grande, no Rio Grande do Sul, os estaleiros Jurong, no
Espírito Santo, e Enseada do Paraguaçu, na Bahia, encontram-se em implantação para atender à demanda das sondas.
284 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
TABELA 1 EMBARCAÇÕES CONTRATADAS E A CONTRATAR NO BRASIL A PARTIR DE 1999
Programa
Total
Embarcações
Contratadas
A contratar
PROREFAM I
19
0
PROREFAM II
30
0
30
PROREFAM III
56
90
146
PROMEF I
23
0
23
PROMEF II
26
0
26
EBN 1
19
0
19
EBN 2
20
0
20
7
26
33
SONDAS
19
316
TOTAL
Fonte: Elaboração BNDES.
OS INCENTIVOS DA UNIÃO
Além de uma demanda assegurada pelas encomendas da Petrobras e de sua subsidiária Transpetro, a indústria naval brasileira contou com diversos incentivos
da União para que pudesse se reerguer. Entre as medidas de estímulo ao setor,
encontram-se:
Regulamentação do transporte aquaviário, garantindo preferência às empresas de bandeira brasileira nas contratações de fretes e serviços de apoio
em operações portuárias e marítimas, bem como na navegação de cabotagem e na navegação interior de percurso nacional (Lei 9.432/1997 e Resolução Antaq 495/2005).
Concessão de benefícios às embarcações registradas no Registro Especial Brasileiro (REB),12 possibilitando tratamento fiscal e legal equiparado aos bens de
exportação durante a construção, modernização e reparo; acesso a combustível
a preço equiparado ao cobrado para a navegação de longo curso e isenção do
recolhimento de taxa para manutenção do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo.
12
Podem ser registradas no REB embarcações brasileiras ou embarcações estrangeiras afretadas a casco nu com suspensão da
bandeira e desde que no limite de tonelada de porte bruto permitido de acordo com a frota de bandeira nacional da empresa.
CONSTRUÇÃO NAVAL
285
Requerimentos de conteúdo local nas atividades de exploração e produção de
petróleo e gás, que se refletem na demanda por embarcações utilizadas nessas
atividades (Resoluções ANP 36 a 39/2007).13
Facilitação das condições de financiamento ao setor com o lançamento, em
2000, do Programa Navega Brasil, que introduziu modificações no acesso a linhas de crédito para armadores e estaleiros, aumentando a participação do
FMM de 85% para 90% nas operações da indústria naval e o prazo máximo do
empréstimo de 15 para vinte anos (Reedição da Medida Provisória 1.969/67).
Estabelecimento de taxas de juros e participações diferenciadas nos financiamentos com recursos do FMM cujos contratos garantam índices de conteúdo
nacional superiores a 60% ou 65% (Resolução CMN 3.828/2009).
Criação do Fundo de Garantia à Construção Naval (FGCN), cuja finalidade é
garantir o risco de crédito das operações de financiamento para construção
ou produção de embarcações e o risco de performance dos estaleiros brasileiros (Lei 11.786/2008).
Desoneração da cobrança de IPI incidente sobre peças e materiais destinados à
construção de navios por estaleiros nacionais e redução a zero das alíquotas de
PIS/Pasep e Cofins sobre equipamentos destinados à indústria naval, estimulando o setor de navipeças (Decreto 6.704/2008 e Lei 11.774/2008).
Criação, em 2003, do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), coordenado pelo Ministério de Minas e Energia
(MME), com a participação de diversos segmentos produtivos do país, com ênfase na qualificação profissional e no desenvolvimento tecnológico voltado, especialmente, para a área de petróleo e gás natural. Destaque-se a participação
do BNDES como membro do comitê diretivo do programa.
13
A partir da sétima rodada de licitações (2005), o conteúdo local empregado nas fases de exploração e desenvolvimento deixou de
ser declaratório, e foi introduzida exigência de Certificação de Conteúdo Local, regulamentada pelas Resoluções ANP 36 a 39/2007.
286 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
O PARQUE DE ESTALEIROS ATUAL
A retomada dos investimentos do setor naval na última década refletiu-se em aumento da capacidade instalada dos estaleiros, tanto por investimentos em novas
unidades quanto por expansões e modernizações de instalações existentes.
O FMM concedeu, nos últimos anos, prioridade para 38 projetos de construção, ampliação e modernização de estaleiros, conforme Tabela 2. Note-se o aumento nos valores
especialmente nos anos de 2009 e 2011,14 acompanhando o aquecimento do mercado.
TABELA 2 ESTALEIROS NO BRASIL – INVESTIMENTOS PRIORIZADOS PELO FMM
Ano
Nova planta
Projetos
Ampliação
Valor (US$)
Projetos
Modernização
Valor (US$)
Projetos
2005
4
432.154.126,68
0
-
1
2006
3
241.670.548,75
0
-
2007
0
-
0
-
2008
0
-
0
-
2009
11
1.950.272.484,28
1
68.860.573,62
2010
0
-
0
-
2011
8
2.722.600.426,48
3
500.445.841,53
1
4
569.306.415,15
2012*
2
25.596.437,85
TOTAL
28
5.372.294.024,04
Total
Valor (US$)
Projetos
Valor (US$)
1.173.036,64
5
433.327.163,32
0
-
3
241.670.548,75
1
64.355.397,09
1
64.355.397,09
2
145.492.000,84
2
145.492.000,84
0
-
12
2.019.133.057,90
0
-
0
-
27.264.629,54
12
3.250.310.897,55
1
42.970.361,67
3
68.566.799,52
6
281.255.425,78
38
6.222.855.864,97
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do CDFMM/MT.
* Dados até abr. 2012.
Cumpre ressaltar que parte relevante dos investimentos nos projetos priorizados ainda se encontra em andamento ou a iniciar.
A capacidade instalada de processamento de aço no país, referente a estaleiros
de médio e grande portes, totaliza atualmente 529 mil toneladas/ano, ocupando
uma área de 3,97 milhões de m².
Os estaleiros de médio porte são aqueles com capacidade de produção de pequenas e médias embarcações, atualmente especializados na construção de embarcações de apoio marítimo. Na Tabela 3, destacam-se os estaleiros STX-Niterói e
o Aliança, no estado do Rio de Janeiro, o Navship, em Santa Catarina, e o Wilson
Sons, em São Paulo.
14
Em 2010, não houve reunião do Conselho Diretor do FMM e, portanto, não houve concessão de prioridades.
CONSTRUÇÃO NAVAL
287
TABELA 3 ESTALEIROS NACIONAIS DE MÉDIO E GRANDE PORTES – CAPACIDADE INSTALADA
NO PRIMEIRO TRIMESTRE DE 2010
Estaleiros
Processamento de aço (mil t/ano)
Estado
EISA
52
Rio de Janeiro
150
BRASFELS
50
Rio de Janeiro
410
RIO NAVE
48
Rio de Janeiro
150
ENAVI-RENAVE
40
Rio de Janeiro
200
MAUÁ
36
Rio de Janeiro
334
STX
15
Rio de Janeiro
120
ALIANÇA
10
Rio de Janeiro
61
SUPERPESA
10
Rio de Janeiro
96
SRD
10
Rio de Janeiro
85
UTC
n.d.
Rio de Janeiro
112
10
Santa Catarina
90
6
Rio de Janeiro
30
22
DETROIT
MACLAREN OIL
Área (mil m²)
WILSON SONS
10
São Paulo
NAVSHIP
15
Santa Catarina
ITAJAÍ
12
Santa Catarina
177
RIO GRANDE
30
Rio Grande do Sul
100
0
Rio Grande do Sul
QUIP
ATLÂNTICO SUL
160
15
INACE
Pernambuco
175
70
1.500
Ceará
180
Fontes: Sinaval e BNDES.
Com relação aos estaleiros de grande porte, voltados à construção de grandes
embarcações, destacam-se o Eisa, o Brasfels e o Mauá, no estado do Rio de Janeiro,
o Rio Grande, no Rio Grande do Sul, e o Atlântico Sul, em Pernambuco.
Esses estaleiros respondem por parte relevante das encomendas nacionais,
como pode ser verificado no Gráfico 3, que indica o market share dos estaleiros do
país por tipo de embarcação.
Note-se a atuação do BNDES nos investimentos já realizados nos estaleiros, tanto na construção de novas plantas – Estaleiro Atlântico Sul, Estaleiro OSX, Estaleiro
Wilson Sons (duas plantas), Estaleiro Aliança (São Gonçalo), e Estaleiro Navship –
quanto na ampliação e na modernização dos estaleiros já existentes – Estaleiro
Aliança (Niterói) e Estaleiro STX. No período de 2000 a 2012, foram desembolsados
R$ 2,2 bilhões a esses projetos.
288 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 3 MARKET SHARE DOS ESTALEIROS BRASILEIROS – POR TIPO DE EMBARCAÇÃO
STX-SUAPE*
BRASFELS
RIO NAVE
ITAJAÍ
8 (9%)
6 (18%)
10 (11%)
PARAGUAÇU*
7 (8%)
RENAVE
MAUÁ
6 (18%)
5 (6%)
OSX*
5 (15%)
11 (13%)
EISA
4 (5%)
GRÁFICO 3A:
MARKET SHARE –
NAVIOS-TANQUE
3 (3%)
GRÁFICO 3B:
MARKET SHARE –
SONDAS
SUPERPESA
3 (9%)
3 (3%)
SÃO MIGUEL
12 (14%)
6 (18%)
3 (3%)
MAUÁ
RIO
GRANDE
JURONG*
A DEFINIR
7 (22%)
22 (25%)
EAS
SÃO MIGUEL
EAS
INACE
MACLAREN
NAVSHIP
14 (7%)
10
(5%)
10
(5%)
ETP
9
(4%)
16 (8%)
OUTROS
ALIANÇA
16 (8%)
53 (24%)
GRÁFICO 3C:
MARKET SHARE –
EMBARCAÇÕES
DE APOIO
18 (9%)
STX
19 (9%)
WILSON SONS
22 (11%)
21 (10%)
EISA
DETROIT
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da Petrobras.
* Em implantação.
3 . P O SICION A MENTO D A I N D Ú S TR I A
NAVA L B R A SILE I R A N O M ER C A D O
MU N D IA L E FATO R ES ES TR ATÉG I C O S
DE COMPETITIV I D A D E
O crescimento da indústria de construção naval brasileira ao longo da década foi
acompanhado de crescimento desse setor no mundo. Diferentemente da indús-
CONSTRUÇÃO NAVAL
289
tria brasileira, cujo crescimento esteve atrelado ao desenvolvimento das atividades petrolíferas offshore, o desempenho da indústria naval internacional esteve
mais correlacionado ao aquecimento do comércio marítimo global, ocorrido nos
anos anteriores à crise financeira de 2008, que estimulou a renovação da frota
mercante internacional.
TABELA 4 NÚMERO DE EMBARCAÇÕES ENCOMENDADAS NO INÍCIO DO ANO
Ano
Mundo
Brasil (D)
(A+B+C)/mundo (%)
(D)/mundo (%)
2002
2.437
China (A)
348
Coreia do Sul (B)
480
Japão (C)
551
14
57
0,6
2003
2.497
357
488
645
21
60
0,8
2004
3.484
563
790
970
34
67
1,0
2005
4.483
862
1.017
1.123
27
67
0,6
2006
5.773
1.290
1.128
1.303
27
64
0,5
2007
7.788
2.243
1.457
1.553
40
67
0,5
2008
10.721
3.709
2.206
1.828
63
72
0,6
2009
11.071
4.102
2.308
1.910
78
75
0,7
2010
9.164
3.641
1.847
1.539
84
77
0,9
2011
8.198
3.511
1.556
1.326
108
78
1,3
2012
6.308
2.647
1.161
983
124
76
2,0
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados Clarkson Research.
A Tabela 4 mostra o número de embarcações encomendadas no período de
2002 a 2012. Note-se o aumento na carteira de pedidos até o início do ano de 2009,
quando a demanda por transporte marítimo encontrava-se bastante aquecida, com
a posterior queda nas encomendas, a partir de 2010, que refletiu a tendência de
retração do comércio internacional em consequência da crise global.
A tabela indica, ainda, a importante participação dos países asiáticos na oferta
mundial da indústria naval, com destaque para China, Coreia do Sul e Japão, que
atendem a cerca de 80% das encomendas. Tal situação decorre não apenas do amplo amparo governamental desses países ao setor, mas também da mão de obra
abundante e barata da região e da atuação em conglomerados para adequar a
produção de navipeças e de tecnologia aos estaleiros.
Os países asiáticos, em geral, especializaram seus estaleiros em alguns segmentos específicos para serem competitivos por meio de ganho de escala ou de conhecimento tecnológico. Os navios de carga, mais demandados internacionalmente, têm
290 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
sido produzidos principalmente pelos países antes apontados – China, Coreia do
Sul e Japão –, enquanto as plataformas e os navios voltados à indústria de petróleo
offshore são entregues, em sua maioria, por Cingapura.
A produção de embarcações no Brasil ainda é muito pequena quando comparada à produção mundial. A carteira de encomendas aos estaleiros nacionais representou menos de 1% dos pedidos globais ao longo da década, embora, nos últimos
anos, o número de pedidos tenha aumentado significativamente.
Ressalte-se a ocorrência de recentes licitações para a contratação de 26 sondas
de perfuração e de 14 plataformas de produção pela Petrobras, cujas contratações
aos estaleiros ainda não estão definidas em sua totalidade. É importante destacar
também a característica dessas novas encomendas, que dispõem de maior conteúdo tecnológico quando comparadas a navios-tanque e, consequentemente, contam
com maior valor agregado.
Como a retomada da indústria naval brasileira está fundamentada na garantia de
uma demanda doméstica, os estaleiros nacionais têm sua produção voltada exclusivamente ao mercado interno. Ainda que nesse momento a indústria naval não esteja
competindo internacionalmente, é importante destacar alguns fatores estratégicos
para a competitividade global nesse setor: preço do aço, custo da mão de obra, competência em gestão e montagem e disponibilidade de navipeças [Favarin et al. (2010)].
PREÇO DO AÇO
O aço é um dos elementos de maior custo na construção naval, representando cerca
de 20% a 30% dos custos totais de construção de navios.15 A indústria siderúrgica
brasileira é uma das mais competitivas do mundo, mas a crise econômica de 2008
reduziu a demanda internacional de aço, fazendo com que países exportadores buscassem o Brasil como mercado, oferecendo preços bastante inferiores aos nossos.
O poder de negociação dos estaleiros brasileiros para o fornecimento do aço
nacional foi, durante anos, limitado, já que a demanda por chapas e bobinas gros-
15
O percentual indicado refere-se à construção de navios de carga, como petroleiros e gaseiros. Para sondas, plataformas e embarcações
de apoio mais complexas, o custo do aço não é tão relevante, já que essas embarcações dispõem de maior conteúdo tecnológico.
CONSTRUÇÃO NAVAL
291
sas, principais produtos siderúrgicos utilizados pelo setor naval, era irregular e pulverizada, enquanto a oferta era realizada apenas pela Usiminas, caracterizando
uma estrutura de monopólio. A produção nacional de chapas e bobinas grossas
destinadas ao setor naval no período de 2007 a 2011 passou de 1,6% para cerca de
2,2% das vendas internas desses produtos.
Atualmente, a demanda da indústria naval encontra-se mais robusta e relevante para a indústria siderúrgica nacional. Além disso, o Brasil conta hoje com
três fornecedores de chapas grossas – a Usiminas, a CSN e a Arcelor Mittal –, e
foram anunciados alguns investimentos para expansão da produção, como o da
empresa Gerdau.
CUSTO E DISPONIBILIDADE DE MÃO DE OBRA – IMPACTOS
NO NÍVEL TECNOLÓGICO
O custo da mão de obra representa de 15% a 20% dos custos totais de construção
de navios e varia em função de dois fatores: posição dos estaleiros na curva de
aprendizado, que define a velocidade dos ganhos de produtividade, e nível tecnológico dos estaleiros, que define o grau de mecanização dos processos.
Estudos realizados por consultorias à época da formulação do Promef indicam
que a curva de aprendizado da indústria naval brasileira apresenta declividade de
85%. Isso significa que, toda vez que a produção acumulada dobra, ocorre uma
redução de 15% no consumo de mão de obra, medido pelo indicador HH/CGT.16 A
declividade da curva dos países asiáticos é de cerca de 70%.
Note-se, ainda, a agravante carência de mão de obra qualificada no Brasil, decorrente do desinteresse pela formação de pessoas nessa área nos últimos anos,
já que o nível de investimentos no setor era praticamente nulo. Essa situação deverá mudar no médio prazo, já que diversos programas de treinamento têm sido
realizados pela indústria e pelo governo, e alguns cursos universitários voltados à
indústria naval foram retomados.
16
Indicador-padrão de produtividade de mão de obra na indústria naval. HH (homem-hora)/CGT (compensated gross tonnage – tonelagem
bruta compensada): medida que equilibra as variações no nível de complexidade entre os tipos de embarcações existentes. Para o
segmento offshore, especialmente sondas e plataformas, utiliza-se o indicador HH/t.
292 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Quanto ao nível tecnológico, os estaleiros que dispõem de ativos e sistemas de
informação avançados têm maior grau de automação e, portanto, fazem sentido
em países com alto custo de mão de obra. Considerando que o custo da mão de
obra no Brasil varia entre US$ 11 e US$ 19/HH, inferior ao de alguns países asiáticos e europeus, porém superior ao chinês, o país pode ser orientado a um nível
tecnológico intermediário, isto é, nível 3 da Figura 1, que caracteriza os níveis de
tecnologia da indústria naval.
FIGURA 1 NÍVEIS DE TECNOLOGIA NA INDÚSTRIA NAVAL
NÍVEL TECNOLÓGICO
2
1
ELEMENTO
ESTRUTURA
PRINCIPAL
Carreira longitudinal ou lateral
MOVIMENTAÇÃO
DE CARGA
Guindastes 10 ton
a 50 ton
PROCESSAMENTO
DE AÇO
4
5
Dique escavado
Guindastes/pórticos
50 ton a 200 ton
Equipamentos*
200 ton a 500 ton
Equipamentos
500 ton a 1.500 ton
Equipamentos
superior a 1.500 ton
Corte manual/ótico;
Corte a plasma;
Corte a laser;**
Solda manual
Solda semiautomática
Solda robotizada
CAD/CAM;
CAD/CAM/CIM;***
MRP
ERP
CAD
INFORMATIZAÇÃO
Data dos primeiros
estaleiros
3
1960
1970
1980
1990
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da National Shipbuilding Research Program (NSRP).
* São incluídos guindastes, pórticos, cábreas e sistema conjunto de trilhos + guindastes.
** Apesar de não aplicável a chapasde amior espessura, considerada o estado das artes da tecnologia de corte.
*** CAD – Computer aided design; CAM – Computer aided manufacturing; CIM – Computer integrated manufacturing.
Com relação aos ativos que definem a capacidade de movimentação, os níveis tecnológicos 1 e 2 dispõem de equipamentos de baixa capacidade de içamento, enquanto
a partir do nível 3 começam a ser movimentados e unidos grandes blocos. Assim, nos
níveis 1 e 2 são edificados de 250 a trezentos blocos para a construção de um navio,
enquanto no nível 5 a construção se dá a partir da edificação de 12 a vinte blocos. A
redução no número de blocos proporciona a redução dos prazos de construção.
CONSTRUÇÃO NAVAL
293
Quanto à informatização, os níveis 1 e 2 têm muito baixa informatização, ao
passo que a partir do nível 3 surgem sistemas de informação que permitem gerenciar recursos, processos, projetos e finanças. A aproximação do nível 5 indica maior
integração desses sistemas.
Apesar da possível orientação a um nível tecnológico intermediário, nível 3, os
novos estaleiros Atlântico Sul, em Pernambuco, e Rio Grande, no Rio Grande do
Sul, optaram por uma estratégia tecnológica equivalente ao nível 4 por disporem
de dique, alta capacidade de içamento, etapas de processamento automatizadas e
presença de sistemas de informação modernos.
COMPETÊNCIA EM GESTÃO E MONTAGEM
A competência em gestão e montagem é outro importante fator para obter ganhos de produtividade e redução de custos gerais, uma vez que impacta no planejamento, em programação e controle da produção, na engenharia de processos e
na utilização de sistemas de informação e de coleta de dados.
Nesse ponto, deve-se destacar a inovação de processos como importante fonte
de competitividade do setor. A identificação de similaridades entre produtos intermediários, por exemplo, pode aumentar a eficiência do processo por meio do
aumento da escala de produção, mesmo quando os produtos finais não são padronizados. O aprendizado na produção orientada a produto, isto é, com elevado grau
de padronização, é significativamente mais rápido do que em estaleiros orientados
a processos, com produção não seriada.
Para obter a competência em gestão e montagem, os estaleiros nacionais têm
utilizado duas estratégias: contratação de profissionais de outras empresas brasileiras com experiência na atividade de construção naval e associação com parceiros
tecnológicos internacionais.
DISPONIBILIDADE DE NAVIPEÇAS
Finalmente, a disponibilidade de navipeças representa de 30% a 50% dos custos
totais de construção de navios. A cadeia fornecedora de navipeças no Brasil ainda é
294 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
incipiente, e a produção de alguns equipamentos no país não é viável por falta de
demanda que represente escala para a produção a custos competitivos.
Os requerimentos de conteúdo local exigidos nas últimas encomendas de embarcações, no âmbito dos programas Prorefam e Promef e também na contratação
das sondas e plataformas de produção, tendem a aumentar a demanda por equipamentos, possibilitando o desenvolvimento da indústria de navipeças. De outro
lado, a prática continuada de fornecimento estrangeiro dos principais equipamentos em pacotes fechados, como sistemas, se coloca como importante barreira ao
crescimento dessa demanda.
Destaque-se o esforço do BNDES em fomentar a indústria de navipeças. O Banco
lançou, em 2011, o Programa BNDES de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia de
Fornecedores de Bens e Serviços Relacionados ao Setor de Petróleo e Gás (BNDES
P&G), o qual tem como principais objetivos criar e ampliar a capacidade produtiva
das empresas fornecedoras de bens e serviços de petróleo e gás, nos quais se inserem os fornecedores de navipeças; aumentar sua competitividade doméstica e
internacional; e desenvolver sua capacidade inovativa.
4 . INOVA ÇÃ O N O S ETO R N AVA L B R A S I L EI R O
Ainda que não tenha sido elencada como um dos fatores estratégicos de competitividade da indústria naval, a inovação é determinante da eficiência e da capacidade
produtiva dos estaleiros de um país.
A indústria naval é caracterizada por um lento processo de inovação tecnológica de produtos17 e está mais propensa às inovações de processos, tanto as tecnológicas quanto as gerenciais.
No Brasil, a crise do setor naval na década de 1980 interrompeu os tímidos
investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) feitos até então pelos estaleiros e por algumas empresas de projetos. Quando da retomada da indústria
17
Exceção se faz à indústria de navipeças, que oferece extensa possibilidade de inovação de produtos.
CONSTRUÇÃO NAVAL
295
nos anos 2000, calcada em nova demanda por embarcações voltadas às atividades
petrolíferas, os estaleiros então instalados não dispunham de estrutura financeira
robusta que lhes permitisse investir em atividades de P&D para atender às necessidades de seus clientes. Assim, passaram a adquirir os projetos e os equipamentos
de alto conteúdo tecnológico de fornecedores internacionais.
A busca de inovações pelos estaleiros brasileiros foi determinada pela necessidade de atender aos requerimentos dos armadores (demand pull). Nesse sentido, a
participação de parceiros internacionais – acionistas, fornecedores e consultores – foi
relevante para que os estaleiros nacionais tivessem acesso às tecnologias já utilizadas por outros países.
Os projetos básicos têm sido importados das matrizes dos acionistas estrangeiros dos estaleiros ou de empresas projetistas reconhecidas internacionalmente. As
inovações em navipeças de alto conteúdo tecnológico e em bens de capital específicos para a indústria naval têm sido introduzidas no mercado brasileiro por meio
de importações. Não há, ainda, grande participação de empresas nacionais no desenvolvimento desses produtos.
O cenário de novas encomendas nacionais configura uma oportunidade para
que a indústria de navipeças se junte aos estaleiros para desenvolver a engenharia
básica de novos produtos internamente, reduzindo a dependência dos fornecedores internacionais.
Com relação às inovações em processos, a indústria naval brasileira proporciona
grandes possibilidades, já que existe uma defasagem da engenharia de processos
nacional vis-à-vis a estrangeira, tanto em processos de fabricação quanto em tecnologias gerenciais.
5 . P ER SPECTIVA S E C O N S I D ER A Ç Õ ES F I N A I S
A demanda do setor de petróleo e gás por embarcações encontra-se bastante aquecida e tal situação deve se manter no longo prazo, já que a produção offshore tende a se intensificar com a exploração e a produção do pré-sal. O Plano de Negócios
296 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2012-2016 da Petrobras estimou uma produção de 4.200 mbpd/dia18 para o ano de
2020, dos quais mais de 90% resultantes de produção no mar. Essa produção demandará a contratação de diversas sondas de perfuração, plataformas de produção
e embarcações de apoio marítimo.
Esse aquecimento do mercado tem ensejado investimentos na implantação e na
ampliação de estaleiros de médio e grande portes, aumentando, de forma relevante, a capacidade instalada projetada para os próximos anos.
Entre os projetos de novas plantas de grande porte, destacam-se o Estaleiro
OSX, no Rio de Janeiro, o Estaleiro Enseada do Paraguaçu, na Bahia, e o Estaleiro
Jurong, no Espírito Santo. Com relação aos projetos de expansão, destacam-se o
do Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, e o do Estaleiro Rio Grande, no Rio
Grande do Sul.
Com relação aos estaleiros de médio porte, destacam-se os investimentos em
novas plantas pelo STX-Quissamã, no Rio de Janeiro, e P2, em Santa Catarina. Quanto às expansões, o Estaleiro Wilson Sons, em São Paulo, já está com os investimentos
em andamento.
Além do aumento de capacidade, esses novos estaleiros vão elevar o nível tecnológico do parque nacional, já que os equipamentos adquiridos devem contar
com maior capacidade de içamento e movimentação, e os níveis de informatização
devem ser superiores aos previamente utilizados. Ainda do ponto de vista tecnológico, é importante ressaltar a crescente atração de grupos estrangeiros à indústria
naval brasileira, atuando, na maioria das vezes, como parceiros tecnológicos nos
novos estaleiros.
O grupo sul-coreano Hyundai Heavy Industries é acionista do Estaleiro OSX, o
grupo Jurong Shipyard, de Cingapura, atuará no Brasil por intermédio do estaleiro
Jurong Aracruz, o Estaleiro Enseada do Paraguaçu firmou, recentemente, parceria
com o grupo japonês Kawasaki Heavy Industries Ltd. e o Estaleiro Atlântico Sul encontra-se em negociação com novo parceiro tecnológico japonês, o Ishikawajima-Harima Heavy Industries.
18
Mbpd/dia: mil barris de petróleo/dia.
CONSTRUÇÃO NAVAL
297
Além de atrair diversos grupos internacionais, a demanda aquecida do setor de
óleo e gás por embarcações e a política de incentivos adotada pelo governo federal
também trouxeram investidores nacionais de outros segmentos para a construção
de embarcações, como as construtoras Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS e
Odebrecht e as empresas de engenharia UTC e Engevix.
Com relação ao setor de navipeças, cumpre ressaltar os investimentos que já
estão sendo realizados por algumas empresas do setor, como a WEG e a Jaraguá, e
a atração de empresas estrangeiras que também estão realizando investimentos no
país, como a Caterpillar e a Rolls Royce. Note-se, ainda, o movimento que tem feito
a indústria metal-mecânica nacional, já consolidada em alguns setores de bens de
capital, voltando sua produção ao setor de navipeças, como a Usimec.
As perspectivas de demanda e de aumento de capacidade da indústria naval nacional nos próximos anos são bastante positivas. A demanda criada pelas atividades
de exploração e produção de petróleo e gás offshore tem se mostrado robusta e
perene, requerendo investimentos relevantes em aumento de capacidade produtiva.
As encomendas de sondas de perfuração, de plataformas de produção e de
embarcações de apoio marítimo deverão sustentar, no longo prazo, a carteira
dos estaleiros.
Com os investimentos anteriormente apontados, o parque naval nacional deverá atingir uma capacidade de processamento de aço superior a 850 mil toneladas/
ano. Tal como ocorre atualmente, a configuração do novo parque se manterá concentrada em estaleiros de médio porte, para atender, assim, à grande demanda por
esse tipo de embarcação.
Finalmente, deve-se ressaltar a relevante participação do BNDES na reestruturação da indústria naval ao longo da década. O Banco foi o principal repassador de
recursos do FMM nas operações de investimentos em aumento de capacidade dos
estaleiros e de construção de embarcações de apoio e de navios-tanque.
Destaque-se, ainda, o importante papel que o BNDES desempenhará no apoio
à construção de sondas de perfuração e plataformas de produção em estaleiros nacionais, operações dependentes de grandes volumes de capital e que não contarão
com recursos do FMM.
298 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
O apoio à indústria naval, além da forte geração de empregos nos estaleiros,
traz externalidades a toda a cadeia fornecedora do setor, inclusive à indústria de
navipeças, que está se reestruturando e se fortalecendo, também com o apoio do
Banco, de modo a atender à nova demanda dos estaleiros.
RE F E RÊN CIA S
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Horizonte, 2009.
FAVARIN, J. V. Metodologia de formulação de estratégia de produção para
estaleiros brasileiros. São Paulo, 2011.
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da UFRJ e Instituto de Economia da Unicamp (Coord.). Campinas, jan. 2009.
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Campinas: Unicamp e Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI),
jun. 2008. Disponível em: <http://www.abdi.com.br/Estudo/Naval%20junho%20
2008.pdf>. Acesso em: ago. 2012.
SITES CONSULTADOS
MT – MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES – <http://www.transportes.gov.br/>.
Vitor Pimentel
Renata Gomes
André Landim
João Pieroni
Pedro Palmeira Filho*
* Respectivamente, economista, engenheira, engenheiro, gerente setorial e chefe do Departamento de Produtos Intermediários
Químicos e Farmacêuticos da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem os comentários de Maurício Neves, Tânia Tinoco, Filipe
Lage de Sousa, André Sant’anna e Mário Fernandes. Eventuais erros remanescentes são de responsabilidade exclusiva dos autores.
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
301
RE S UMO
A saúde é uma das áreas de maior convergência entre aspectos sociais e econômicos do desenvolvimento, pois condiciona o pleno exercício dos direitos humanos e
demanda uma complexa cadeia de bens e serviços de alta tecnologia. Nos países em
desenvolvimento, as transições epidemiológica e demográfica apontam para um
crescimento acelerado do mercado e a aproximação de suas necessidades de saúde às dos países desenvolvidos. Dessa forma, a construção de uma base industrial
em saúde passou ao centro das agendas nacionais de desenvolvimento. No Brasil,
o maior desafio do Complexo Industrial da Saúde é ampliar os investimentos em
inovação, como forma de expandir sua competitividade. O objetivo deste trabalho
é discutir o papel do BNDES em um contexto em que promover a inovação constitui
meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde.
AB S T RA C T
Health promotion is a basic condition for human rights fullfilment and requires
a complex chain of high technology goods and services, being a key area of both
social and economic development. In developing countries, the demographic
and epidemiological transitions points out to an intense growth of the market
and to a convergence of their health needs to those of developed countries.
Thus, building a health care industrial base became a central issue in national
development political agendas. In Brazil, the greatest challenge for the Health
Industry is increasing innovation investments, in order to compete in the global
market. In this context, we discuss the role of BNDES in fostering innovation as
means to expand Brazilian people’s access to new health products.
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
303
1 . INTR OD U ÇÃ O
A saúde é uma das áreas mais importantes do ponto de vista do desenvolvimento
econômico e social, tanto como condição para o pleno exercício dos direitos humanos
quanto como demandante de uma complexa cadeia de bens e serviços de alta tecnologia. O direito à saúde, como parte do papel do Estado, adiciona um papel fundamental
às políticas públicas, buscando ampliar o acesso da população a esses produtos.
Ao longo de seus sessenta anos de história, o BNDES vem atuando no fortalecimento das indústrias de saúde no Brasil por meio de suas diferentes linhas de
financiamento. A partir de 2003, a instituição passou a atuar de forma prioritária
na cadeia farmacêutica e, mais recentemente, em todo o Complexo Industrial da
Saúde, como parte dos focos das recentes políticas industriais. Por meio de um programa específico, o BNDES Profarma, o Banco vem contribuindo para a ampliação
da competitividade e dos esforços de inovação na indústria de saúde brasileira.
No entanto, diversos são os desafios previstos para o futuro. Desde a segunda
metade do século XX, o Brasil está em processo de transição do perfil de demanda por saúde, aproximando-se do de países desenvolvidos, com alta prevalência
de doenças crônico-degenerativas. Esse movimento, associado à contínua melhoria
de indicadores sociais e de renda, gera uma perspectiva de elevado crescimento
da demanda por saúde, impondo um grande desafio para a sustentabilidade do
sistema público de saúde brasileiro, que se propõe universal, conforme consagra a
Constituição de 1988.
Pelo lado da oferta, embora tenham ocorrido avanços nos esforços de inovação
das empresas brasileiras, as bases produtiva e tecnológica instaladas no país não
acompanharam as mudanças no perfil da demanda. Como reflexo da fragilidade
competitiva, o déficit comercial do Complexo Industrial da Saúde alcançou US$ 10
bilhões em 2011. Contudo, novas trajetórias tecnológicas e tendências de mercado,
como a ascensão da biotecnologia na indústria farmacêutica e a busca por soluções
integradas na indústria de equipamentos médicos, se apresentam como grandes
oportunidades para incorporação de competências produtivas e tecnológicas na
indústria brasileira de saúde.
304 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Considerando o fortalecimento do Complexo Industrial da Saúde como um dos
elementos-chave da sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS), do adensamento tecnológico da indústria brasileira e, em última instância, do desenvolvimento do país, busca-se apontar neste trabalho o papel do BNDES na construção de
uma base industrial e tecnológica de saúde competitiva no Brasil.
Para isso, o artigo está dividido em cinco seções, além desta introdução. Na primeira, resgatam-se alguns conceitos da relação entre saúde e desenvolvimento que
fundamentam a análise integrada do Complexo da Saúde. Em seguida, traça-se um
breve panorama dos principais condicionantes para a evolução futura das indústrias
de saúde, destacando a mudança de perfil epidemiológico, o crescimento dos países
em desenvolvimento e as principais tendências tecnológicas e de mercado. Direcionando o olhar para o Brasil, a terceira seção mostra sua posição nas tendências internacionais e identifica os principais desafios para as indústrias de saúde do país.
A quarta seção expõe a história recente da atuação do BNDES, com ênfase na progressiva adoção do conceito de Complexo Industrial da Saúde. À guisa de conclusão,
discute-se o papel do BNDES, nesse novo cenário, como um dos atores da integração
entre a política industrial e o atendimento às necessidades de saúde do país.
2 . S AÚ D E C OMO DES EN V O LV I M EN TO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças” [OMS
(1946)]. Por envolver aspectos objetivos e subjetivos, a saúde é um dos temas mais
complexos para as teorias tradicionais do desenvolvimento, que geralmente se
restringem à análise do crescimento econômico, do aumento da renda e do avanço tecnológico.
Se considerada uma perspectiva mais ampla, como a proposta por Sen (2000),
a saúde passa a ter um papel central no desenvolvimento econômico e social. Para
o autor, o desenvolvimento consiste na remoção das várias restrições que limitam a
escolha individual e reduzem as oportunidades de ação das pessoas. A expansão da
liberdade é, simultaneamente, o fim precípuo e o principal meio para a promoção
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
305
do desenvolvimento. Mais do que apenas influenciar a liberdade, a saúde é considerada condição básica, sendo sua promoção um fim em si mesmo.
Concretamente, a ampliação do acesso à saúde está associada a várias trajetórias de redução da pobreza e do aumento de renda, pois viabiliza o desenvolvimento físico e intelectual das pessoas, favorecendo a produtividade do trabalho e
a capacidade de aprendizado. Grandes saltos de desenvolvimento da história econômica foram sustentados por importantes transformações no sistema de saúde e
no controle de doenças, como nos casos do milagre japonês e da reconstrução da
Europa Ocidental, na segunda metade do século XX [Sachs (2001)].
A associação entre ausência de saúde e persistência da pobreza é mais direta.
As populações pobres são mais vulneráveis a contrair doenças por terem menos
acesso a água potável, saneamento básico, informação sobre comportamentos preventivos e alimentação adequada. Por sua vez, as enfermidades tendem a aprofundar a pobreza, tanto pelo custo financeiro de tratar a doença, quanto por reduzir a
capacidade de trabalho. Por esse motivo, ao longo do processo de desenvolvimento
de alguns países, as demandas sociais levaram à formação dos modernos sistemas
de proteção da saúde, tornando coletivo o risco de um indivíduo adoecer [Sachs
(2001); Viana, Silva e Elias (2007)].
A construção desses sistemas de proteção social ao longo do processo de desenvolvimento representou uma fonte de demanda relativamente estável e independente do ciclo econômico para os bens e serviços de saúde, induzindo a consolidação de uma expressiva base industrial de saúde [McKelvey e Orsenigo (2001)].
Dessa forma, por envolver a produção de um amplo conjunto de bens e serviços de elevado conteúdo tecnológico e demandar mão de obra qualificada, a
saúde pode ser diretamente relacionada, também, ao desenvolvimento industrial
e tecnológico de um país. Em particular, a inovação é o fator de competitividade
preponderante nas indústrias de saúde [Gadelha et al. (2009)].
A inovação em saúde é essencialmente tecnológica, tendo recebido o segundo
maior investimento privado em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do mundo, da
ordem de US$ 150 bilhões em 2010, atrás apenas das indústrias de tecnologia de
informação [Batelle (2011)]. Se considerados também os investimentos públicos,
306 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
estima-se que a saúde receba cerca de 20% (US$ 270 bilhões) do total de recursos
de P&D1 [Burke e Matlin (2008); Batelle (2011)].
Assim, dado o constante deslocamento da fronteira tecnológica em saúde, o
desenvolvimento industrial significa não apenas construir uma base produtiva, mas
também internalizar competências de inovação, de modo a ser capaz de participar
do deslocamento da fronteira do conhecimento e compreender mais rapidamente
as novas tecnologias.
A inovação tecnológica (ou o progresso técnico) é considerada a chave para o
desenvolvimento por um variado espectro de correntes da teoria econômica, desde
as diversas abordagens de inspiração schumpeteriana (destruição criadora) até os
modelos neoclássicos de crescimento (progresso técnico), passando pelos estruturalistas (mudanças estruturais) e marxistas (desenvolvimento das forças produtivas),
em um raro consenso entre tradições tão díspares.
A interação entre a base industrial e a prestação de serviços (hospitais, clínicas, centros de diagnóstico) no atendimento à saúde impõe a necessidade de uma
análise integrada e sistêmica, entendida no conceito de Complexo (Econômico-Industrial) da Saúde [Gadelha (2003)]. Essa abordagem se propõe a analisar a saúde
de uma perspectiva mais ampla, que leva em conta a articulação entre a geração
e difusão tecnológica e a dinâmica social. As políticas de promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico passam, assim, a considerar sua articulação com as
demandas sociais.
Em síntese, busca-se discutir o apoio do BNDES ao Complexo Industrial da Saúde com base em uma visão particular de desenvolvimento econômico, definida por
Celso Furtado como:
Processo de mudança social pelo qual o crescente número de necessidades humanas, pré-existentes ou criadas pela própria mudança, são
satisfeitas através de uma diferenciação no sistema produtivo, gerado
pela introdução de inovações tecnológicas [Furtado (1964, p. 29)].
1
O valor percentual refere-se ao levantamento de Burke e Matlin (2008) e teve o ano de 2005 como referência; Batelle (2011)
apresenta os dados de investimento em P&D total no mundo por países, com referência a 2010.
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
307
3 . T RA N SIÇÕES IN T ER N A C I O N A I S D A S A Ú D E
TENDÊNCIAS DA DEMANDA POR SAÚDE NO MUNDO
A natureza da demanda por saúde depende do grau de desenvolvimento da sociedade. As populações pobres geralmente apresentam problemas de saúde relacionados às condições de vida coletiva, resultando em elevada incidência de doenças
infectocontagiosas na população. Além de tratamento por medicamentos, o efetivo enfrentamento dessas doenças ocorre com a ampliação de serviços de saneamento, infraestrutura e educação [Hsiao e Heller (2007)].
Com a evolução dos indicadores sociais e econômicos, os fatores individuais –
como estilo de vida, genética e idade – se tornam preponderantes, resultando em
aumento da incidência de doenças crônico-degenerativas na população, como câncer, diabetes e hipertensão [Hsiao e Heller (2007)].
Tal configuração se reflete na distribuição da carga de doença2 no mundo: nos
países pobres,3 as causas transmissíveis são mais frequentes, enquanto nos países
ricos prevalecem as causas não transmissíveis; a participação das causas externas é
relativamente estável.4 Já os países de renda média convivem com ambas as causas
de perda de anos de vida, conforme se observa no Gráfico 1.
Assim, o processo de desenvolvimento e crescimento da renda tende a alterar
os padrões de demanda por saúde da população em direção às doenças crônico-degenerativas, processo conhecido como transição epidemiológica.
Em um movimento conjunto e correlacionado à transição epidemiológica, o mundo passa também por uma intensa transição demográfica, que se reflete na melhora
dos indicadores populacionais básicos. Em particular, observa-se uma queda nos indicadores de natalidade e mortalidade infantil, enquanto a expectativa de vida ao
2
Metodologia adotada pela Organização Mundial da Saúde [OMS (2012)]. Consiste no cálculo de um índice sintético, o DisabilityAdjusted Life Years (DALY), ou anos de vida ajustados por incapacidades, definido como a soma dos anos de vida perdidos em razão
da mortalidade prematura e dos anos vividos com a incapacidade (por causa da doença ou das sequelas).
3
Conforme classifica o Banco Mundial, países de renda baixa, média e alta são, respectivamente, aqueles cuja Renda Nacional Bruta
per capita em 2009 foi: inferior a US$ 995; entre US$ 996 e US$ 12.195; e superior a US$ 12.196.
4
Causas transmissíveis: doenças infectocontagiosas, problemas nutricionais e perinatais; causas não transmissíveis: basicamente
doenças crônico-degenerativas, como câncer, diabetes e hipertensão; causas externas: violência, guerra, acidentes e autoflagelo.
308 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
nascer aumenta. Na comparação entre 1970 e 2009, nota-se melhora em todos esses
indicadores na média mundial e em todas as classes de países. Nesse contexto, o Brasil
sobressai, ao passar de uma situação de alinhamento com os países de renda média
para aproximar-se dos indicadores dos países de renda elevada (Tabela 1).
GRÁFICO 1 DISTRIBUIÇÃO DA CARGA DE DOENÇAS NO MUNDO, 2004
100
80
(%)
60
40
20
0
Países de renda baixa
Transmissíveis
Países de renda média
Não transmissíveis
Países de renda alta
Externas
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de OMS (2008) e do Banco Mundial, Databank.
TABELA 1 INDICADORES SOCIODEMOGRÁFICOS SELECIONADOS, 1970-2009
Número de filhos por mulher
Mortalidade infantil
Expectativa de vida
1970
2009
1970
2009
1970
2009
PAÍSES DE RENDA BAIXA
6,6
4,1
146
70
45
58
PAÍSES DE RENDA MÉDIA
5,3
2,4
99
38
57
69
PAÍSES DE RENDA ALTA
2,5
1,7
24
5
71
80
MUNDO
4,7
2,5
95
41
59
69
BRASIL
5,0
1,9
99
17
59
73
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Banco Mundial, Databank.
Como consequência, a população de crianças e adolescentes (zero a 14 anos)
vem caindo em termos relativos desde a década de 1970 e, em termos absolutos,
desde o ano 2000. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas [ONU
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
309
(2012)], em cenário neutro (médio), a participação dos idosos (maiores de sessenta
anos) no total da população mundial deverá ultrapassar a de crianças e adolescentes por volta de 2045, conforme mostra o Gráfico 2.
GRÁFICO 2 POPULAÇÃO MUNDIAL POR FAIXAS ETÁRIAS, 1970-2045
10.000
9.000
21%
8.000
MILHÕES DE HABITANTES
16%
7.000
12%
6.000
10%
5.000
4.000
60%
58%
24%
21%
62%
8%
58%
3.000
54%
2.000
1.000
27%
33%
37%
0
1970
0-14
1975
1980
15-59
1985
1990
1995
2000
2005
2010
2015*
2020*
2025*
2030*
2035*
2045*
60+
Fonte: Elaboração própria, com base em dados e estimativas da United Nations Population Division.
* Estimativa.
O relatório da ONU relata que as doenças crônico-degenerativas já respondem
por mais de 60% dos óbitos no mundo e, em locais onde a população de idosos
supera 20%, ultrapassam 80% das causas de óbito [ONU (2012)]. Assim, em um contexto de envelhecimento da população, espera-se que, no mundo, essas doenças
tenham crescente participação nas necessidades de saúde.
Há correlação positiva entre as transições epidemiológica e demográfica e
a natureza da demanda por produtos e serviços de saúde: uma população mais
velha tende a ter maior incidência de doenças crônico-degenerativas, que, na
maior parte, ainda não têm cura, fazendo o tratamento acompanhar o paciente
por longos períodos e impondo a necessidade de incorporação de tecnologias
mais avançadas e, geralmente, mais caras [ONU (2012); Nunes (2004); Schramm
et al. (2004)].
310 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Dentre essas tecnologias, destacam-se medicamentos de origem biotecnológica, com a aplicação de técnicas de DNA recombinante, e equipamentos de diagnóstico mais precisos, que permitem maior personalização do tratamento conforme as
necessidades do paciente [PWC (2007); Golisano (2012)].
Dessa forma, uma parcela crescente da renda é destinada à saúde. Conforme a
Tabela 2, a participação dos gastos em saúde na renda per capita é maior quanto
maior a renda per capita do país, além de crescer ao longo do tempo. Nesse contexto, a participação dos gastos com saúde na renda per capita brasileira é bem superior à da classe dos países de renda média, da qual faz parte, indicando um estágio
avançado dos processos de transição.
TABELA 2 PARTICIPAÇÃO DO GASTO COM SAÚDE NA RENDA PER CAPITA, POR CLASSES DE PAÍSES,1995
E 2009 (EM %)
1995
2009
PAÍSES DE RENDA BAIXA
3,6
5,2
PAÍSES DE RENDA MÉDIA
3,7
6,1
PAÍSES DE RENDA ALTA
8,0
13,6
MUNDO
6,5
10,0
BRASIL
5,3
10,0
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Banco Mundial, Databank.
ESTRUTURA E TENDÊNCIAS DAS INDÚSTRIAS DE SAÚDE
O Complexo Industrial da Saúde (CIS) é composto pelas cadeias de P&D e de produção das indústrias de Equipamentos e Materiais Médicos, Hospitalares e Odontológicos (EMHO) e das indústrias farmacêutica, de vacinas e hemoderivados. Embora de diferentes bases tecnológicas, como a metal-mecânica, eletrônica, química
e biotecnologia, esses segmentos interagem entre si e com os serviços de saúde,
formando o Complexo da Saúde.
O mercado global do CIS alcançou US$ 1,2 trilhão em 2011.5 Apresenta estrutura de mercado em oligopólio, no qual as grandes empresas atuam globalmente e
5
Neste trabalho, buscou-se abordar as diferentes indústrias de saúde de forma integrada, enfatizando as diferenças quando necessário.
Os dados do CIS se referem à soma das indústrias farmacêutica e de EMHO, as mais representativas entre os setores industriais.
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
311
respondem por cerca da metade do mercado mundial. Tal estrutura é resultado dos
enormes investimentos em P&D para o lançamento de novos produtos, que consomem entre 10% e 20% da receita das empresas mais representativas [IMS Health
(2012); PhRMA (2011); Kalorama (2012)].
As demais empresas buscam vantagens competitivas por estratégias de enfoque, especializando-se em nichos de mercado ou plataformas tecnológicas. Não
obstante a estratégia competitiva, a inovação tecnológica é o principal fator de
competitividade das indústrias de saúde.
Estima-se que o mercado do CIS cresça entre 4% e 6% a.a. nos próximos quatro
anos. Entretanto, a média camufla uma grande diferença no crescimento entre os
países: tendo em vista as transições epidemiológica e demográfica mais intensas
nos países em desenvolvimento, essas nações devem se tornar o “motor do crescimento” do CIS, com taxas estimadas acima de 10% a.a. [IMS Health (2011); Kalorama (2012)].
O maior dinamismo dos mercados emergentes vem intensificando os movimentos de consolidação no CIS, liderados pelas grandes multinacionais do setor, por
meio de investimentos externos diretos e aquisições de empresas nos mercados-alvo. Além das razões tradicionais relacionadas a custos, o deslocamento da produção em direção aos países em desenvolvimento busca maior proximidade e adaptação dos produtos a esses mercados.
No caso farmacêutico, com o fraco desempenho dos mercados maduros, em especial Estados Unidos, Europa e Japão, a tendência é que a participação dos países
emergentes no mercado mundial praticamente dobre em um período de dez anos,
alcançando 37% até 2015, como indica o Gráfico 3 [IMS Health (2011)].
O maior interesse das grandes multinacionais em relação aos países em desenvolvimento reflete não só o crescimento acelerado desses mercados como também
o crescente hiato entre a ampliação dos investimentos em P&D das grandes empresas (dobraram na década de 2000) e o número de novos produtos lançados no
mercado, que foi reduzido à metade.6
6
Dados se referem ao mercado norte-americano, conforme analisam Reis, Landim e Pieroni (2011).
312 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 3 MERCADO FARMACÊUTICO, DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA POR MERCADO
100
19%
26%
37%
80
%
60
40
81%
74%
63%
20
0
2005
Maduro
2010
2015
Emergente
Fonte: IMS Health (2011).
A incapacidade de repor o portfólio de produtos de elevado volume de vendas
vem levando ao aumento da participação de produtos de empresas concorrentes
seguidoras, como os medicamentos genéricos, cuja participação no mercado farmacêutico deve passar de 20% para 40% entre 2005 e 2015 [Burrill & Company (2011);
IMS Health (2011)].
Do ponto de vista tecnológico, uma das alternativas mais promissoras para a
perda de receitas observada advém da aplicação de técnicas de biotecnologia moderna à saúde, pois a maior parte dos produtos tem indicações para tratamento
de doenças crônico-degenerativas, com prevalência crescente no perfil epidemiológico mundial. Por exemplo, o crescimento médio acumulado das vendas de medicamentos biotecnológicos foi de 17% a.a. entre 2002 e 2010, ante 7% a.a. dos
demais produtos farmacêuticos (Gráfico 4). Para 2016, espera-se que os produtos
biotecnológicos representem mais de 20% das vendas do mercado farmacêutico
mundial [Evaluate Pharma (2010)].
A biotecnologia contribui, ainda, com a tendência de ampliação da medicina personalizada, com destaque, por exemplo, para o desenvolvimento de
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
313
biomarcadores para diagnóstico e tratamento de doenças. Os marcadores biológicos são utilizados na distinção entre processos biológicos normais e aqueles
associados à doença e na avaliação da resposta a um determinado tratamento,
com base na identificação genética do paciente, subsidiando a escolha terapêutica pelo médico. Já existem medicamentos desenvolvidos para tratar os pacientes com câncer cujo tumor seja positivo para traços genéticos específicos,
identificados por biomarcadores.
GRÁFICO 4 MERCADO FARMACÊUTICO MUNDIAL, POR TECNOLOGIA DE PRODUÇÃO
1.000
900
21%
800
700
18%
US$ BILHÕES
600
500
400
10%
300
200
100
0
2002
2003
Outros
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011*
2012*
2013*
2014*
2015*
2016*
Biotecnologia
Fonte: Evaluate Pharma (2010).
* Estimativa.
A tendência de medicina personalizada conduz à necessidade de elaborar
um quadro clínico mais abrangente e distinguir características específicas de
grupos de pacientes. Assim, os investimentos da indústria de EMHO vêm procurando focar em novas técnicas de diagnóstico e monitoramento na forma de
soluções integradas, que buscam, por meio das tecnologias de informação e
comunicação, a integração com os demais aparelhos e com o sistema de gerenciamento de hospitais.
314 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
4 . DESA FIOS E OPO RTU N I D A D ES D O B R A S I L
DEMANDA POR SAÚDE
Como um país em desenvolvimento, o Brasil se insere na tendência global de transição em direção a padrões de demanda de saúde mais próximos aos de países desenvolvidos. Os processos de transição epidemiológica e demográfica estão bastante
avançados no país: as causas de doenças não transmissíveis já respondem por 64%
da carga de doença, padrão mais próximo de países desenvolvidos (77%) do que dos
países de renda média (47%). Do ponto de vista demográfico, ONU (2012) estima
que a população brasileira de idosos deve ultrapassar a de crianças e adolescentes em
2030, antes do previsto em âmbito mundial, por volta de 2045.
Uma terceira transição, mais recente e específica do Brasil, é a melhoria da
distribuição de renda da população, depois de um longo período de deterioração.
Ainda extremamente elevado, o índice de Gini7 apresentou redução de 10% na década de 2000, resultado do crescimento econômico e das políticas sociais compensatórias. Assim, observa-se, no Gráfico 5, a ascensão da população para as classes
mais altas de renda: em 2003, 45% da população brasileira pertencia às classes A, B
e C,8 enquanto em 2009 a proporção se inverteu, com mais de 60% pertencendo ao
grupo de renda superior [Neri (2011)].
A melhoria da distribuição de renda gera impactos diretos na demanda por bens
e serviços de saúde. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, a participação dos gastos com assistência à saúde no total de despesas do brasileiro aumenta
com a ampliação da renda, chegando a representar mais de 8% das despesas de consumo nas famílias mais ricas e menos de 5% nas famílias pobres [IBGE (2010)].
O ritmo acelerado das transições epidemiológica e demográfica e da melhora da distribuição de renda no Brasil aponta para uma explosão da demanda por
produtos e serviços de saúde nos próximos anos, implicando desafios significativos
para o sistema público de saúde brasileiro.
7
Indicador que varia entre 0 e 1, em que 0 significa perfeita igualdade de renda (todos têm a mesma renda) e 1 corresponde à
absoluta desigualdade (uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm).
8
Renda familiar per capita superior a R$ 1.126 (de 2009).
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
315
GRÁFICO 5 DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO POR CLASSES DE RENDA
65
60
55
%
50
45
40
35
30
1992
1993
1995
Classes A, B e C
1996
1997
1998
1999
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Classes D e E
Fonte: Centro de Políticas Sociais, Fundação Getulio Vargas (FGV).
OS DESAFIOS DO SUS
O Brasil é um dos poucos países do mundo que assumiram a ousada proposta de construir um sistema público e universal de atenção à saúde da população, conforme consagra a Constituição de 1988. Por essa razão, do ponto de vista da demanda, o Sistema
Único de Saúde (SUS) representa uma parcela expressiva do mercado de produtos de
saúde (cerca de 30% do mercado total) e alcançou R$ 18 bilhões em 2011, dos quais
R$ 11 bilhões em medicamentos e R$ 7 bilhões em EMHO [Brasil (2011) e Aguiar (2012)].
Referência em diversas áreas de saúde, como imunização, transplantes, tratamento da AIDS e distribuição gratuita de medicamentos, o SUS é o único sistema público
de saúde no mundo que assiste, de forma integral, mais de cem milhões de pessoas. O
gasto total com saúde representa cerca de 9% do PIB brasileiro, uma média próxima
aos padrões internacionais (Gráfico 6). No entanto, ao se analisar a parcela pública dos
gastos em saúde, o país ainda apresenta uma estrutura de desembolso próxima à de
países de renda baixa (apenas 46% dos gastos são oriundos do Estado), inferior a países
da Améria Latina e incompatível com um modelo que se pretende universal.
316 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 6 GASTO COM SAÚDE PÚBLICO E PRIVADO COMO PERCENTUAL DO PIB, 2009
18
16
14
12
% PIB
10
8
6
4
66%
2
41%
52%
43%
Renda média
Paraguai
63%
84%
49%
46%
0
Renda baixa
Gasto público com saúde
Brasil
Argentina
Renda alta
Reino Unido
Estados Unidos
Gasto privado com saúde
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Banco Mundial, Databank.
Assim, a perspectiva de aumento expressivo da demanda por saúde no Brasil
e a demanda social pelo acesso a tratamentos mais avançados9 torna ainda mais
premente a reversão do atual estado de subfinanciamento público da saúde no
país. Por outro lado, o desafio de gestão de um sistema desse porte é enorme,
envolvendo uma longa discussão sobre os possíveis modelos. Estes parecem ser os
principais desafios das políticas públicas de saúde no Brasil: a ampliação do acesso
e a racionalização dos gastos do sistema [Ipea (2008); OMS (2011)].
Para fazer frente aos desafios, observa-se o deslocamento do foco dos sistemas
de saúde no mundo em direção à atenção básica e à promoção de hábitos de vida
mais saudáveis, buscando prevenir doenças e reduzir o número de intervenções
mais profundas. Os tratamentos, quando necessários, devem ser adaptados aos casos específicos, por meio principalmente de mapeamento genético, em linha com a
medicina personalizada [PWC (2007)].
9
Até mesmo pela via judicial, em que pacientes que necessitam de produtos ou serviços ainda não incorporados pelo SUS entram
com ação contra o Estado para receber o tratamento, com impactos significativos e imprevisíveis sobre o orçamento público.
A questão é controversa, envolvendo elementos que escapam ao escopo deste trabalho.
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
317
Ao mesmo tempo, os procedimentos para incorporação tecnológica de novos
produtos e tratamentos nos sistemas de saúde vêm ganhando cada vez mais importância, com a realização de estudos de custo-efetividade, que avaliam seus benefícios ante sua viabilidade econômica para o Estado.10
Já do ponto de vista da segurança do sistema, é desejável a produção doméstica dos itens considerados estratégicos.11 Compreendida a saúde em uma lógica de
desenvolvimento social e econômico, a existência de uma expressiva base industrial
e de inovação tecnológica no país apresenta-se como um dos elementos-chave para
a redução da vulnerabilidade da política de saúde, contribuindo para viabilizar o
maior acesso da população a novos produtos e serviços.
EVOLUÇÃO DO COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
As primeiras empresas da indústria brasileira de saúde surgiram nas décadas de
1950 e 1960, em consonância com o início efetivo da industrialização no país, no
bojo das políticas de substituição de importações.
As empresas brasileiras de EMHO conseguiram crescer e ganhar mercado principalmente em função de medidas protecionistas, como a Lei do Similar Nacional.12
Entretanto, tendo em vista as limitações tecnológicas e de mercado do país à época, a maior parte dos investimentos destinaram-se aos itens mais simples, como materiais de consumo (luvas, seringas, agulhas, cateteres), que até hoje representam
41% da produção local [Abimo (2007; 2011)].
No caso da indústria farmacêutica, as primeiras empresas instaladas no país foram grandes multinacionais, que restringiam sua produção a etapas finais do processo de produção dos medicamentos, mantendo os princípios ativos importados.
Com o passar dos anos, empresas nacionais, de atuação basicamente comercial na
cadeia farmacêutica, passaram a produzir medicamentos.
10
Para isso, foi instituída no Brasil a Comissão para Incorporação de Tecnologias (Citec) pela Portaria 3.322/2006 do Ministério da Saúde.
Em 2008, o Ministério da Saúde definiu, pela primeira vez, uma lista de produtos estratégicos, atualizada pela Portaria MS 1.284,
de maio de 2010.
12
Os produtos fabricados no Brasil eram registrados no Conselho de Política Aduaneira e passavam a receber proteção tarifária
contra importações.
11
318 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Buscando promover a internalização de competências tecnológicas por meio
da estratégia de imitação, o Brasil, a exemplo de China, Índia e Israel, excluiu o
setor farmacêutico da possibilidade de registro e reconhecimento de patentes,13
com base em uma flexibilidade prevista na Convenção de Paris sobre Propriedade
Industrial (1883). Essa regra foi extinta em 1996, com a adesão do Brasil ao acordo
Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS).
Entretanto, mesmo depois de um período extenso sem patentes, o esperado
movimento de capacitação não ocorreu: as empresas brasileiras restringiram suas
atividades às etapas de comercialização e àquelas menos densas da cadeia de produção de medicamentos similares aos de referência internacional [Barbosa (2003);
Palmeira Filho e Capanema (2010); Palmeira Filho e Koo Pan (2003)].
Foi apenas a partir da introdução da Lei dos Genéricos, em 1999, que a indústria farmacêutica brasileira ganhou novo fôlego. As empresas nacionais souberam
aproveitar a oportunidade de mercado e, ao longo da década de 2000, se fortaleceram e ampliaram sua competitividade, ganhando parcela expressiva de mercado.
Tal período pode ser considerado a “década de ouro” da indústria farmacêutica
nacional, que ampliou de 32% para aproximadamente 50% sua participação no
mercado interno [Reis, Landim e Pieroni (2011)].
O mercado total do CIS cresceu a uma taxa média anual de 14% a.a. entre 2003
e 2011, crescimento esse puxado principalmente pelos medicamentos genéricos
(32% a.a.) e pelas compras de medicamentos do Ministério da Saúde (19% a.a.),
atingindo quase R$ 70 bilhões, como expõe o Gráfico 7.
No entanto, mesmo com o elevado crescimento do mercado ocorreram poucos efeitos no adensamento das cadeias farmacêutica e de equipamentos médicos. Atualmente,
pode-se afirmar que a produção nacional em saúde dedica-se em grande parte a etapas de
menor valor agregado, como a formulação de medicamentos genéricos de síntese química
e a produção de materiais de consumo de uso médico, hospitalar e odontológico.
Com a demanda por soluções avançadas, essa situação se reflete em um déficit comercial crescente, superior a US$ 10 bilhões em 2011. Mais que um resultado negativo na
13
Lei 5.772, de 1971.
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
319
balança comercial, essa situação configura uma dependência externa de conhecimento e
tecnologia, expressa nos altos percentuais de importação de medicamentos biotecnológicos, princípios ativos e equipamentos médicos de alta tecnologia (Gráfico 8).
GRÁFICO 7 MERCADO CIS BRASILEIRO, 2003-2011, EM R$ CORRENTES
80.000
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
2003
2004
Farmacêutico
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
EMHO
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Sindusfarma, IMS Health, Abimo e Ministério da Saúde.
GRÁFICO 8 DÉFICIT COMERCIAL DO CIS, POR SEGMENTOS, 2007-2010, EM US$
12.000
10.000
8.000
6.000
30%
31%
16%
17%
31%
33%
24%
21%
2010
2011
28%
4.000
2.000
-
13%
2007
Biológicos
2008
Outros produtos farmacêuticos
2009
Insumos farmacêuticos
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abiquifi, Abimo e MDIC.
EMHO
320 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
OS DESAFIOS E AS OPORTUNIDADES DO CIS
Apesar desse cenário, há uma relevante base industrial instalada no país, cuja produção responde por aproximadamente metade do mercado interno, tanto de medicamentos quanto de equipamentos e materiais médicos e hospitalares [Sindusfarma
(2012); Abimo (2011)].
A indústria brasileira de EMHO tem atuação relevante em nichos de média intensidade tecnológica, especialmente nas áreas de odontologia e de equipamentos
médicos, como incubadoras neonatais, monitores e aparelhos de ultrassonografia,
que respondem por 30% da produção local. Entretanto, o setor é muito pulverizado: há mais de quatrocentas empresas atuando no país, a maioria com receita
anual inferior a R$ 50 milhões [Abimo (2011)].
As empresas farmacêuticas brasileiras, por sua vez, tem maior porte, com quatro companhias figurando na lista das dez maiores do setor do país. Apesar de já
serem importantes no mercado interno, ainda estão distantes das grandes multinacionais que atuam no setor. Com empresas nacionais de maior porte, o atual
estágio da indústria farmacêutica brasileira é de consolidação da estratégia baseada
na formulação e comercialização de medicamentos genéricos e de ampliação gradativa dos investimentos em atividades de maior risco.
Dessa forma, o maior desafio para o CIS é a ampliação sistemática dos investimentos em inovação. Na última década, houve um esforço expressivo das empresas
para isso, refletido no aumento dos investimentos em P&D captados pela Pintec
(Gráfico 9). Embora superiores à média da indústria de transformação brasileira,
ainda são baixos em relação ao padrão de competição internacional da indústria de
saúde, baseado em vultosos investimentos em P&D.
Ao mesmo tempo, observa-se uma crescente pressão no mercado interno em
função do movimento global em direção aos mercados emergentes. No caso das
indústrias de EMHO, vem ocorrendo uma inédita entrada de companhias multinacionais – como Phillips e GE –, realizando movimentos de aquisição de empresas
locais e implantação de unidades produtivas no Brasil.14
14
Destaque para a aquisição das empresas Dixtal, VMI, Tecso Informática e Wheb Sistemas pela Phillips e da XPRO pela GE.
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
321
GRÁFICO 9 PARTICIPAÇÃO DOS INVESTIMENTOS EM P&D NA RECEITA LÍQUIDA DE VENDAS*
1,8
1,6
1,4
1,2
%
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
2003
Complexo Industrial da Saúde
2005
2008
Média das indústrias de transformação
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Pintec/IBGE.
* Considerou-se o faturamento da indústria de EMHO conforme Abimo (2011).
Assim, além do aumento sustentado da capacidade de inovação, o desafio da indústria de EMHO passa também pelo fortalecimento das empresas nacionais, ainda de
pequeno porte, por meio de processos de fusões e aquisições, visando capacitá-las para
a crescente competição nos mercados nacional e internacional. No caso dos segmentos
dominados por multinacionais, é desejável o maior adensamento da cadeia de fornecedores no Brasil, com capacitação e produção local de insumos e componentes.
No caso farmacêutico, por sua vez, o Brasil vem ganhando papel cada vez mais
representativo nas estratégias das empresas globais, que vêm ampliando sua atuação no país por meio de aquisições de empresas de genéricos,15 segmento que
propiciou o crescimento das empresas de capital nacional.
A maior pressão competitiva no mercado brasileiro de medicamentos genéricos nos
próximos anos deve comprimir a rentabilidade e aproximá-lo do padrão de mercados maduros: a diferença entre a participação de mercado dos genéricos em quantidade e em va-
15
Por exemplo, em 2010, o grupo francês Sanofi-Aventis adquiriu a brasileira Medley e, em 2011, a Pfizer adquiriu 40% do
laboratório nacional Teuto.
322 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
lor no total do mercado no Brasil é pequena se posta diante da experiência internacional,
indicando haver ainda muito espaço para maior concorrência via preços (Gráfico 10).
GRÁFICO 10 PARTICIPAÇÃO DOS MEDICAMENTOS GENÉRICOS EM PAÍSES SELECIONADOS, % EM VALOR
E EM QUANTIDADE, 2011
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Alemanha
% em US$
Brasil
Canadá
E.U.A
Inglaterra*
% em unidades
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Sindusfarma (2012) e IMS Health (2012).
* Referente a 2010.
Diante desse cenário, uma guinada em direção a estratégias mais ousadas de
inovação por parte das empresas nacionais é condição fundamental para sua competitividade de longo prazo.
Nos próximos anos, patentes de importantes medicamentos biotecnológicos
terão seu prazo expirado e passarão a domínio público, representando uma oportunidade de inserção, para países seguidores, em uma nova trajetória tecnológica.
Nações como China, Índia, Coreia do Sul e Israel vêm utilizando incentivos regulatórios, de financiamento e, mais amplamente, de política industrial, na busca por
capacitação na produção de medicamentos biológicos, em especial em biológicos
não novos, os chamados biossimilares16 [Reis, Landim e Pieroni (2011)].
16
O termo biossimilar é utilizado para medicamentos biológicos com estrutura similar e ação semelhante ao medicamento biológico de
referência. O termo biogenérico não é adequado nesse caso, uma vez que ainda não é possível a cópia exata de medicamentos biológicos.
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
323
No entanto, por suas complexas características técnicas, há elevadas barreiras
tecnológicas, mesmo para produtos não novos. A necessidade de um longo e caro
período de desenvolvimento sugere que um número reduzido de empresas terá
condições de se inserir nesse mercado.
No Brasil, o desenvolvimento e a produção interna desses produtos gerariam
ganhos sociais, econômicos e tecnológicos. Os medicamentos biotecnológicos representam parcela expressiva das compras do Ministério da Saúde (mais R$ 3 bilhões
em 2011), sendo a totalidade dos produtos importada. A produção interna de biossimilares garantiria a oferta e permitiria a redução de preços, ampliando o acesso
da população, ao mesmo tempo em que capacitaria a indústria brasileira em uma
tecnologia de fronteira e portadora de futuro.
Se bem-sucedida, a estratégia de aprendizado na área de biotecnologia pode
ainda significar uma oportunidade para prestadores de serviços tecnológicos no
país, criando demanda para as empresas da cadeia de P&D da saúde, como em
testes pré-clínicos, clínicos e escalonamento de processos. O incentivo à execução
desses serviços no país é fundamental para tornar endógena a inovação em saúde,
pois promovem o adensamento da cadeia de desenvolvimento e contribuem para
fixar competências tecnológicas.
5 . A ATU A Ç Ã O D O B N D ES N O PER Í O D O
R EC EN TE
Ao longo de seus sessenta anos de história, o BNDES vem apoiando as empresas do
CIS por meio de seus diferentes instrumentos. Até o início dos anos 2000, a instituição
inseria as diferentes indústrias do complexo em uma classificação de base técnica,
isto é, a indústria farmacêutica como um subconjunto das indústrias de base química
e da indústria de EMHO apoiada no âmbito do complexo eletrônico. Como reflexo
dessa visão, a ação do BNDES, à época, apresentava um caráter menos sistêmico.
Em 2003, o BNDES participou ativamente das discussões do Fórum de Competitividade da Indústria Farmacêutica, embrião das recentes políticas industriais. A
Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) foi lançada em 2004
324 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
e definiu a cadeia farmacêutica como um dos quatro setores prioritários. No mesmo ano, o BNDES criou seu primeiro programa de apoio à indústria de saúde, o
Programa BNDES de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica –
BNDES Profarma.
Nesse período, a indústria farmacêutica passava por um momento de consolidação da política de medicamentos genéricos no país, que impulsionava o crescimento do mercado farmacêutico brasileiro. Também data dessa época novas exigências
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com o objetivo de melhorar
a qualidade dos produtos fabricados no país, por meio das regras de Boas Práticas
de Fabricação (BPF). Por fim, já se via a necessidade de ampliar o baixo esforço de
inovação no país, visando garantir a futura competitividade da indústria.
Para responder a essas necessidades, o BNDES Profarma foi dividido em três subprogramas que apoiavam projetos de natureza distinta – Produção; Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I); e Fortalecimento das Empresas Nacionais (Reestruturação). O aumento da capacidade produtiva da indústria brasileira, a adequação das
plantas produtivas aos padrões nacionais e internacionais de produção (Boas Práticas
de Fabricação), a ampliação dos esforços de inovação e a necessidade de fortalecer as
empresas nacionais eram os principais objetivos definidos em sua criação.
Quanto às condições, o BNDES Profarma dispunha de diversas medidas que o
diferenciavam das linhas tradicionais da Instituição. Buscando ampliar a adesão das
empresas de capital nacional, geralmente de menor porte, o programa estabelecia
menor piso para apoio direto do BNDES (R$ 1 milhão) e previa a possibilidade de
flexibilização das políticas de risco de crédito e de garantias em casos específicos.
Além disso, o Profarma P,D&I foi um dos primeiros programas do Banco com a
proposta de taxa de juros fixa para projetos de inovação, com apoio a itens tangíveis e intangíveis, visando reduzir, ao menos pelo lado do financiamento, os riscos
inerentes ao processo inovativo [Palmeira Filho e Capanema (2010)].
No início de 2007, houve uma aproximação do BNDES com o Ministério da Saúde (MS), buscando convergir os objetivos de suas ações com as diretrizes da política
nacional de saúde. Depois de um processo de revisão, em setembro de 2007, foi
lançada a segunda fase do BNDES Profarma.
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
325
A primeira alteração ocorreu em seu escopo, passando a incorporar o conceito
de Complexo Industrial da Saúde, incluindo o apoio a outras indústrias de saúde,
como a de EMHO. Foram criados dois novos subprogramas: Profarma – Exportação e Profarma – Produtores Públicos, visando ao estímulo às exportações no CIS
(principalmente de farmoquímicos) e ao apoio aos laboratórios oficiais. Por fim, as
prioridades do BNDES Profarma passaram a ser a indução e o apoio a projetos de
inovação tecnológica e, a partir da aproximação do BNDES com o MS, a busca pela
convergência entre medidas de política industrial e as necessidades de saúde do país.
Assim, a partir de 2007, o BNDES Profarma incorporou a visão sistêmica de
desenvolvimento do Complexo da Saúde, buscando interseções positivas entre o
apoio do Banco e as prioridades de saúde do país. Essa articulação foi explicitada
nos objetivos do novo programa, que incluíam a redução da vulnerabilidade da
Política Nacional de Saúde e a indução de P,D&I com foco em produtos de interesse
estratégico do SUS.
A mudança de enfoque, espelhada na revisão de escopo do BNDES Profarma,
levou a uma variação expressiva na adesão de cada um dos diferentes subprogramas, conforme pode ser observado no Gráfico 11. Na primeira fase, na qual a principal questão vigente era a necessidade de expansão e modernização das plantas
produtivas, observa-se maior participação do subprograma Produção no valor total
dos financiamentos contratados. Por sua vez, durante a segunda fase, os projetos de
inovação passaram a responder por 50% (R$ 444 milhões) dos financiamentos, refletindo a prioridade dada ao tema pelo BNDES e o crescente interesse das empresas.
No total, o estoque da carteira do BNDES Profarma em todo o período de atuação (isto é, operações aprovadas e contratadas entre 2004 e 2011) foi de cerca de
R$ 1,8 bilhão em 79 operações, superando R$ 3,3 bilhões em investimentos quando consideradas as contrapartidas das empresas. Para efeitos de comparação, os
financiamentos do programa representaram aproximadamente 20% do total de
investimentos em ativos imobilizados no setor farmacêutico no período 2004-2009,
para o qual há dados da PIA/IBGE.
Alguns trabalhos buscaram avaliar a efetividade do BNDES Profarma no cumprimento de seus objetivos, como Capanema, Palmeira Filho e Pieroni (2008) e
326 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Pieroni, Machado e Pereira (2011). Em resumo, as conclusões apontam que o
BNDES Profarma foi bem-sucedido no apoio à modernização, expansão e adequação das plantas produtivas, em consonância com a nova regulação sanitária, em
especial nas empresas farmacêuticas de capital nacional. As taxas de expansão
produtiva e de plantas adequadas das empresas apoiadas pelo programa foram
bem superiores à média da indústria.
GRÁFICO 11 BNDES PROFARMA, OPERAÇÕES CONTRATADAS OU APROVADAS, PERÍODOS SELECIONADOS (EM R$)
Exportação
100.186.223
Reestruturação
347.160.253
Produção
444.218.092
39%
GRÁFICO 11A
PROFARMA
PRIMEIRA FASE
(ATÉ SET. 2007)
OPERAÇÕES APROVADAS
OU CONTRATADAS
11%
GRÁFICO 11B
PROFARMA
SEGUNDA FASE
(OUT. 2007 A MAR. 2012)
OPERAÇÕES APROVADAS
OU CONTRATADAS
50%
Produção
351.736.448
39%
50%
11%
Inovação
443.724.169
Inovação
102.868.931
Fonte: Elaboração própria.
No que se refere à ampliação da capacidade de inovação das empresas nacionais, o BNDES Profarma atingiu parcialmente seus objetivos: foram induzidos
projetos de inovação, embora ainda em número pequeno para os padrões da
indústria internacional. Por fim, com relação à consolidação de empresas nacionais, o programa foi pouco efetivo, apesar de seu caráter estratégico. A baixa
adesão ocorreu, em grande parte, em função da origem familiar das principais
empresas, em geral controladas por seus sócios-fundadores. Essa avaliação está
sendo utilizada como insumo para definição da terceira fase do BNDES Profarma,
discutida na próxima seção.
Além de um programa específico de financiamento, ao longo da década, o
BNDES vem buscando diversificar os instrumentos de apoio à indústria de saúde,
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
327
com destaque para o Fundo Tecnológico (BNDES Funtec) e participação acionária,
diretamente em empresas ou em fundos geridos externamente.
O BNDES Funtec destina recursos não reembolsáveis a Instituições Científicas e
Tecnológicas, em projetos de parceria com empresas, tendo como objetivo apoiar
projetos que estimulem o desenvolvimento tecnológico e a inovação de interesse
estratégico para o país. O estoque até março de 2012 da carteira do BNDES Funtec
com foco em saúde conta com 16 projetos e mais de R$ 175 milhões em recursos
aprovados ou contratados, a maior parte em projetos voltados para a biotecnologia. O foco em saúde representa aproximadamente metade dos recursos contratados no âmbito do BNDES Funtec, desde sua criação, em 2006.
Para incentivar o aumento dos recursos de capital de risco destinados à área
de saúde, o BNDES estruturou a criação de um fundo de venture capital, cuja gestão, após processo de concorrência, foi concedida à Burrill Brasil. O objetivo do
fundo é investir em empresas de base biotecnológica com aplicações em saúde,
energia e alimentos. Sua fase de captação teve início em 2010, superando R$ 100
milhões em recursos comprometidos, com participação de 25% do BNDES.
Por fim, com 80% de participação do BNDES, o Criatec foi estruturado como um
fundo de capital semente, de cunho transversal, dedicado a empresas emergentes
inovadoras com faturamento inferior a R$ 6 milhões. Com apoio à gestão e profissionalização das empresas, o fundo vem sendo um importante investidor para as
empresas de saúde. Das 36 operações aprovadas até 2012, dez foram direcionadas
a empresas de saúde humana, totalizando R$ 16 milhões em investimentos.
6 . O N OVO PA PEL D O B N D ES
O entendimento sistêmico da saúde, em suas vertentes social e econômica, exige o
fortalecimento do Complexo Industrial da Saúde como um dos instrumentos para
ampliar o acesso à saúde no país. Assim, o direcionamento dos investimentos para a
inovação, principal fonte de competitividade da indústria, implica um papel ainda
mais ousado das políticas públicas e, em particular, do BNDES, nos próximos anos.
328 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Em um cenário de concorrência com demais países em desenvolvimento, a Instituição deve participar de forma ativa na busca pelo catch-up tecnológico, por meio
de uma ação articulada entre os diversos atores das políticas públicas.
Para isso, ao longo de 2012, está em curso o processo de revisão do BNDES
Profarma, visando adequar suas condições e estabelecer novos focos em um horizonte de quatro anos. Diante dos maiores desafios e oportunidades para as indústrias de saúde, o BNDES deve ter como prioridade o suporte adequado aos investimentos em inovação e à capacitação da indústria de saúde brasileira em segmentos
portadores de futuro, como a biotecnologia.
Em relação ao primeiro objetivo, a lógica de apoio a projetos específicos de
inovação pode ser alterada para o financiamento a planos estruturados de P&D
das empresas, visando tornar sistemática a atividade de desenvolvimento de novos
produtos nas empresas do CIS. A inovação deve ser vista como um processo de contínuo aprendizado em seu principal locus, a empresa inovadora.
Diante das oportunidades críveis e de prazo limitado apresentadas pela biotecnologia, é importante que o BNDES priorize a internalização de competências de
desenvolvimento e a produção de medicamentos biotecnológicos, aproveitando o
período de expiração de patentes no país. Esse movimento pode, ainda, ampliar
a demanda por serviços tecnológicos, viabilizando o crescimento das empresas de
base tecnológica inseridas na cadeia de P&D.
Nesse contexto, na medida em que a indústria caminha para atividades de
inovação com maior risco tecnológico, os instrumentos de renda fixa parecem
menos indicados. O desenvolvimento de outros instrumentos capazes de mitigar
os riscos dos projetos, como a ampliação do uso da renda variável e o fortalecimento de fundos de venture capital, pode tornar a ação do BNDES mais efetiva
no apoio à inovação.
Por fim, em função do padrão de concorrência das indústrias de saúde, ainda
será relevante o processo de fortalecimento das empresas nacionais, em especial da
indústria de EMHO, por meio de processos de parcerias, joint-ventures e aquisições. A
tendência por oferta de soluções integradas de equipamentos exige modelos abertos
de inovação que possam garantir papel de destaque para as empresas brasileiras.
COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE
329
A visão de futuro do BNDES deve ser calcada na indução de uma indústria de
saúde cada vez mais inovadora, capaz de atender às transições sociais que vêm
ocorrendo no país, reflexo dos avanços da sociedade brasileira. A ação do BNDES no
fortalecimento do Complexo Industrial da Saúde, portanto, deve ser capaz de unir
a promoção do desenvolvimento econômico e tecnológico do país como meio para
a ampliação do acesso da população a novos bens e serviços de saúde.
RE F E RÊN CIA S
ABIMO – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE ARTIGOS E EQUIPAMENTOS MÉDICOS,
ODONTOLÓGICOS, HOSPITALARES E DE LABORATÓRIOS. História da Abimo e do Sinaemo:
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André Carvalho Foster Vidal
André Barros da Hora*
* Respectivamente administrador e gerente do Departamento de Indústria de Papel e Celulose da Área de Insumos Básicos do BNDES.
PAPEL E CELULOSE
335
RE S UMO
O presente trabalho busca fazer um panorama do setor de papel e celulose, no
Brasil e no mundo, com base no histórico recente do setor, bem como apresentar
as perspectivas para o futuro. Nos últimos dez anos, a China passou a ser o grande produtor e consumidor mundial de papéis, enquanto outros países emergentes
apresentaram aumento na produção, ainda que em ritmo um pouco inferior ao
observado no consumo. O Brasil apresentou um razoável crescimento na demanda,
com a oferta crescendo a taxas um pouco inferiores, sendo que o baixo consumo
per capita e a baixa competitividade na produção de papéis, em relação à celulose,
resultou em poucos projetos de expansão de capacidade no país. A mudança da
China à condição de grande produtor global de papéis resultou no expressivo aumento do volume importado de celulose. Em contraste, o Brasil passou a ser o grande fornecedor global desse insumo. Para o futuro da indústria brasileira de papéis,
questões como o baixo consumo per capita, as dificuldades e entraves logísticos e
tributários, bem como o reduzido porte das empresas, precisam ser equacionadas
para que a competitividade nacional aumente e os investimentos, enfim, ganhem
expressividade. Na celulose, a indústria deve buscar mecanismos de fortalecer a posição competitiva alcançada, garantindo que os grandes projetos anunciados para
os próximos anos se concretizem, apesar da queda na rentabilidade dos produtores. Ao mesmo tempo, a indústria deve mirar em inovações ligadas ao conceito de
biorrefinaria, para garantir a sua rentabilidade e posicionamento no longo prazo.
AB S T RA C T
This study aims to provide an overview of the pulp and paper industries, in Brazil
and worldwide, based on the sector’s recent history, besides aiming to present
perspectives for the future. Over the past decade, China has become the major
producer and consumer of paper, while other emerging countries showed
an increase in production, although at a smaller rate than that recorded in
consumption. Brazil presented reasonable growth in demand, with supply growing
336 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
at slightly lower rates. The low per-capita consumption and low competitiveness
in paper production, in relation to pulp, resulted in very few projects aimed at
expanding the country’s capacity. The change in China’s status to the major global
producer of paper resulted in an expressive increase in the volume of imported
pulp. In contrast, Brazil has become the major global supplier of this input. For the
future of the Brazilian paper industry, issues such as low per-capita consumption,
the logistics and tax difficulties and barriers, as well as the small size of companies
must be weighed up so that national competitiveness increases, and investment,
ultimately, becomes expressive. In pulp, the industry should encounter mechanisms
to strengthen the competitive position achieved by ensuring that large-scale
projects announced for the coming years are actually executed, despite the decline
in producer profitability. At the same time, the industry should aim at innovations
linked to the concept of biorefinery to ensure its profitability and positioning in
the long term.
PAPEL E CELULOSE
337
1 . INTR OD U ÇÃ O
MOTIVAÇÃO E ESTRUTURA DO ARTIGO
O presente trabalho busca fazer um panorama do setor de papel e celulose, no
Brasil e no mundo, com base no histórico recente do setor, bem como expor as
perspectivas para os próximos anos.
Em 2002, em comemoração aos cinquenta anos do BNDES, Juvenal e Mattos
(2002) desenvolveram um estudo em que abordavam o histórico do setor de papel
e celulose no Brasil, desde o início das atividades do BNDES, em 1952, até o ano
de 2001. Assim, este trabalho busca mostrar o que ocorreu depois desse período,
com foco não somente no mercado nacional, mas também em âmbito mundial,
para entender como o Brasil evoluiu em relação aos demais países. Uma vez que
os dados oficiais de 2011, em sua maioria, ainda não estavam disponíveis, optou-se
por realizar um histórico de 2000 a 2010, de modo que se pudesse calcular a taxa
média de dez anos de crescimento (2001-2010). Os dados disponíveis para 2011 são
comentados na seção de perspectivas.
Optou-se também por tratar o desempenho dos mercados de papéis e de celulose de forma separada, já que a posição competitiva no mercado internacional e o
desempenho do Brasil no período analisado foram bem diferentes entre cada um
desses dois setores. Conforme mostrado na Figura 1, enquanto no setor de papéis
o Brasil respondeu por apenas 2,5% da produção mundial em 2010, no da celulose
essa participação foi de 7,6%, ou de 38% se for considerada apenas a celulose de
mercado branqueada kraft de fibra curta (BHKP).
Nesta introdução, além da explicação sobre a estrutura do artigo, faz-se
uma rápida caracterização técnica dos papéis e da celulose destinada a sua fabricação, além de um panorama geral sobre o mercado, explicando as razões da
alta competitividade brasileira em celulose e da baixa competitividade em papéis. Na segunda seção, consta um pequeno resumo da história da indústria de
papel e celulose em cinquenta anos, com base em Juvenal e Mattos (2002). Na
terceira, trata-se especificamente do setor de papéis, abordando o histórico de
338 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
demanda, oferta e comércio internacional para o perídodo de 2000 a 2010. Na
quarta seção, utiliza-se a mesma estrutura, porém abordando o setor de celulose. A quinta traz um pequeno resumo da atuação do BNDES no setor nos últimos
anos. A seção seguinte expõe as perspectivas para os próximos anos, tanto em
papéis quanto em celulose. Por fim, na última seção, são mostradas as principais
conclusões do estudo.
FIGURA 1 PRODUÇÃO GLOBAL DE PAPEL E CELULOSE E PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA, EM 2010
(EM MILHÕES DE TONELADAS)
55%
223
APARAS DE PAPEL
409
4%
CONSUMO
TOTAL DE FIBRA
17
CELULOSE NÃO
MADEIRA
68%
41%
394
169
CELULOSE DE
MADEIRA VIRGEM
PRODUÇÃO GLOBAL
DE PAPÉIS
32%
Demais papéis
Sanitários
51
Papel-cartão
143
I&E e Imprensa
139
Papelão
ondulado
54
CELULOSE DE
MERCADO
10
2,5%
32
29
115
CELULOSE
INTEGRADA
PRODUÇÃO
BRASILEIRA
DE PAPÉIS
Demais pastas
7
BSKP
22
BHKP
25
38%
9
PRODUÇÃO
BRASILEIRA DE
BHKP MERCADO
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da RISI.
CARACTERIZAÇÃO TÉCNICA
Os papéis têm um amplo espectro de utilização e são geralmente agrupados nas
seguintes categorias:
Papel imprensa: destinado majoritariamente à impressão de jornais, mas também
inclui periódicos, revistas, listas telefônicas, suplementos e encartes promocionais.
Imprimir e escrever (I&E): costumam ser divididos em quatro subgrupos, dependendo de duas características: revestimento – revestidos (coated) ou não reves-
PAPEL E CELULOSE
339
tidos (uncoated); e fabricação – se a partir da celulose química (woodfree) ou
de pasta mecânica (woodcontaining). O revestimento e a não utilização de pasta
mecânica conferem maior qualidade e valor ao papel. A categoria de I&E é muitas vezes agrupada com o papel imprensa, na denominação de papéis gráficos.
Papelão ondulado (P.O.): os papéis destinados à fabricação do P.O. são o miolo e
a capa. Este último, quando fabricado com fibras virgens, denomina-se kraftliner
(maior qualidade e resistência) e, quando fabricado a partir de fibras recicladas,
denomina-se testliner. O P.O. é majoritariamente dirigido para a produção de
embalagens para transporte das mais variadas mercadorias.
Papel-cartão: papel fabricado em múltiplas camadas, especialmente utilizado na
produção de embalagens de bens de consumo imediato, como remédios, alimentos industrializados, cosméticos e brinquedos, entre outros. Alguns dos demais
usos do papel-cartão incluem capas de livros ou cadernos, cartelas e displays.
Sanitários: também chamados de tissue, cujo principal produto é o papel higiênico, mas também engloba a produção de toalhas, guardanapos e lenços, entre
outros produtos.
Demais: inclui outros papéis para embalagens e os papéis especiais.
Já a celulose de madeira1 destinada à fabricação de papéis2 costuma ser clas-
sificada de acordo com três critérios: tipo de fibra (curta ou longa), processo de
fabricação (entre químico, semiquímico e alto rendimento) e destinação (mercado
ou integrada). A fibra curta é originada de folhosas (como o eucalipto) e a longa
de coníferas (como o pínus), e cada fibra tem propriedades que as tornam mais
adequadas à fabricação de determinados tipos de papéis. O processo de fabricação
determina o rendimento da madeira e a qualidade da celulose. Por fim, a celulose
é denominada integrada quando se destina à produção de papel em uma planta
anexa à produção do insumo, ao passo que é denominada de mercado quando é
vendida para outras plantas de papel. Assim, a celulose, tanto de mercado quanto
integrada, costuma ser agrupada nas seguintes categorias:
1
A celulose pode ser fabricada com outros vegetais (também chamada nonwood pulp). Especialmente na China, ainda existe muita
produção de celulose oriunda do bambu, porém a qualidade da celulose é baixa e o processo produtivo é altamente poluente.
2
Existe ainda a celulose solúvel (destinada à fabricação de uma ampla gama de produtos, com destaque para o segmento têxtil).
340 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Celulose kraft branqueada de fibra curta (bleached hardwood kraft pulp –
BHKP): de fibra curta, produzida por meio de processo químico. Suas principais
aplicações são os papéis de I&E, sanitários, especiais, além de alguma aplicação
em papel-cartão. É o tipo de celulose mais produzida no Brasil e na qual o país
tem maior competitividade global. No Brasil é proveniente do eucalipto, denominada no mercado BEKP, com diferencial de qualidade em relação às demais
fibras curtas, em especial para aplicação em papéis sanitários.
Celulose kraft branqueada de fibra longa (bleached softwood kraft pulp –
BSKP): de fibra longa, produzida por meio de processo químico. É mais cara
que a BHKP (em razão do ciclo mais longo para o corte das coníferas), mas torna o papel mais resistente, evitando até rasgos neste ao rodar em máquinas de
papel muito rápidas. É bastante utilizada em papéis sanitários e de embalagem.
Celulose kraft não branqueada: geralmente produzida a partir de fibra longa e
destinada para a produção de papéis de embalagem.
Pasta mecânica: de alto rendimento, o que reduz seu custo, porém também a
qualidade. Muito utilizada em papéis de I&E e de imprensa, além de ter alguma
aplicação em papel-cartão.
Demais: inclui principalmente pastas químicas de processo sulfito e pastas semimecânicas.
A celulose para produção de papéis compete diretamente com a fibra re-
ciclada, feita com aparas de papel. Entretanto, as aparas não podem substituir
por completo as fibras virgens, pois as fibras se degradam depois da reciclagem
contínua (estudos sugerem que, em tese, a celulose pode ser reciclada em torno
de seis vezes). O uso de aparas de papel, além de resultar em maiores perdas no
processo produtivo3 em relação às fibras virgens, costuma requerer maior gasto
com energia e químicos.
3
Na Figura 1, é possível notar que o consumo de fibras é superior à produção de papéis, e um dos motivos são as altas perdas
derivadas do uso de aparas de papel. Outros motivos incluem o uso de cargas minerais no papel, além dos diferentes teores de
umidade nas fibras e nos papéis.
PAPEL E CELULOSE
341
ESTRUTURA DO MERCADO E COMPETITIVIDADE BRASILEIRA
Conforme visto na Figura 1, o Brasil está em uma posição de destaque na produção
mundial de celulose, em especial considerando-se a produção de BHKP de mercado,
com participação de 38% em 2010. Essa alta participação advém da alta competitividade da produção brasileira, que por sua vez é oriunda da floresta: condições edafoclimáticas favoráveis e um longo histórico de investimento em pesquisa e desenvolvimento elevaram a produtividade do pínus e, sobretudo, do eucalipto brasileiro ao
maior patamar mundial. Como o frete da madeira é muito mais elevado que o frete
da celulose, globalmente a produção dessa commodity tende a se concentrar próxima a florestas de alta produtividade, com boa parcela de sua produção direcionada
à exportação para longas distâncias.
No papel, porém, a lógica é distinta. As particularidades de cada subsegmento
não permitem definir razões universais. Entretanto, em grande parte, a produção
tende a se concentrar próxima aos mercados consumidores, em razão da: (i) complexidade da cadeia de distribuição com alto número de SKUs;4 (ii) necessidade (em
muitos tipos de papéis) de prestar assistência técnica aos consumidores (por exemplo,
gráficas); (iii) venda direta ao consumidor final em alguns tipos de papéis (como I&E
do tipo A4 ou papéis sanitários vendidos em supermercados), elevando a necessidade
e a importância do branding; e (iv) baixa densidade ou valor agregado, encarecendo
o frete para longas distâncias (em especial no caso dos papéis sanitários e do P.O. à
base de papel reciclado). Por fim, a concentração da produção perto dos mercados
consumidores elevou a escala destes produtores em relação aos localizados em mercados com baixo consumo (notadamente os emergentes). Como a escala é um importante fator competitivo em muitos tipos de papéis, os produtores localizados próximos a grandes mercados consumidores aumentaram ainda mais sua competitividade
perante os localizados em mercados pequenos, em especial nos papéis gráficos, que
são os que apresentam maior volume no comércio internacional. Assim, a produção
de papéis concentrou-se nos países desenvolvidos, ainda que a ascensão econômica
4
Stock Keeping Unit, ou unidades de manutenção de estoque.
342 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
da China nos últimos anos tenha levado esse país a figurar como o grande consumidor e produtor mundial de papéis, conforme será visto em detalhes mais adiante.
Essas razões ajudam a explicar o motivo da baixa participação brasileira na produção mundial de papéis (ver Figura 1), de apenas 2,5% em 2010, não sendo, porém,
as únicas. Deficiências lógisticas, alta e complexa carga tributária, desvio de finalidade de papel imune (explicado em detalhes mais à frente), pequeno porte das empresas de papéis, além da competição por recursos com a celulose (que oferece maior
rentabilidade econômica e potencial de crescer em outros mercados via exportação),
ajudam a complementar o quadro. Ao longo do texto, especialmente na sexta seção,
a baixa competitividade brasileira em papéis será explorada em maior detalhamento.
2 . UMA VISÃ O D E C I N Q U EN TA A N O S
DA IN D Ú STRIA N A C I O N A L
Segundo a Associação Brasileira de Papel e Celulose (Bracelpa), em 1952 produziam-se no Brasil cerca de 262 mil toneladas de todos os tipos de papel, com destaque
para os de embalagem, que correspondiam a 48% do total. Já a produção de fibras
totalizava 121 mil toneladas, das quais 45% de celulose, a maioria fibra longa, e
54% de pastas de alto rendimento.
Em 1956, o Plano de Metas, esforço do Estado brasileiro em promover o desenvolvimento econômico, proporcionou ao setor de papel e celulose o apoio mais
constante do BNDES. Um dos projetos importantes dessa época, que também contou com o apoio do Banco, foi o de fabricação de papel com celulose proveniente
do eucalipto, cujo advento constituiu um marco para a indústria e permitiu ampliar
a produção de celulose brasileira.
No período compreendido entre 1957 e 1973, a produção de papel aumentou
cerca de quatro vezes, e o consumo três. Por outro lado, a produção de celulose e
pastas de alto rendimento aumentou substancialmente mais que o consumo, possibilitando o início das exportações, em especial da celulose derivada do eucalipto.
Entre 1974 e 1980, a produção brasileira de celulose cresceu 201%, atingindo
2,9 milhões de toneladas. No mesmo período, a fabricação de papéis aumentou
PAPEL E CELULOSE
343
81%, com destaque para os papéis para embalagem e os de imprimir e escrever, os
quais cresceram 98% e 84%, respectivamente. O vultoso crescimento da produção
de celulose ocorreu em razão da entrada em operação de dois importantes projetos financiados pelo BNDES: a Aracruz Celulose e a Cenibra, que produziam celulose branqueada de fibra curta (eucalipto) para exportação.
Com o start-up dos projetos implantados entre 1974 e 1980, a produção de celulose no ano de 1985 atingiu 3,4 milhões de toneladas, e a de papel, 4,0 milhões.
Cabe ressaltar, nessa etapa, o apoio do BNDES à implantação da Papel de Imprensa
S.A. (Pisa), que permitiu dobrar a produção de papel imprensa nacional, superando
o patamar de 200 mil t/ano.
Nos anos 1980, a desaceleração da economia brasileira e mundial, aliada ao aumento do custo do capital e ao colapso do sistema internacional de crédito, fez a indústria reforçar seus esforços para exportar mais e reduzir custos. Sendo assim, o período 1986-1992 representou a consolidação da indústria de celulose e papel. Foi nessa
fase que se realizaram investimentos em modernização e em ganho de produtividade,
quando a profissionalização da gestão das empresas se tornou a maior preocupação.
Já nos anos 1990, a indústria de celulose e papel atingiu a maturidade e passou a
ter seu avanço ditado pelo mercado e pelas necessidades de expansão das empresas,
e não mais pelas exigências do desenvolvimento planejado do país. Para os grandes
do setor, o BNDES deixou de ser o alicerce principal e passou a constituir uma alternativa de financiamento, com os demais instrumentos disponíveis no mercado.
3 . PAN OR A MA D O M ER C A D O D E PA PÉI S
DEMANDA
Entre 2000 e 2010, o CAGR5 global do consumo aparente de papéis foi de 1,8%,
como se pode verificar na Tabela 1. Em 2010, a demanda global foi de 394 milhões
de toneladas, um incremento de 65,8 milhões de toneladas em relação ao patamar
5
Compound Annual Growth Rate, ou taxa média de crescimento.
344 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
registrado em 2000. No mesmo período, o CAGR do PIB global foi de 3,4%. A principal razão para tal divergência reside na redução do consumo per capita de papéis
em mercados maduros, em especial nos papéis gráficos (I&E e imprensa).
TABELA 1 CONSUMO APARENTE DE PAPÉIS, POR TIPO E REGIÃO
Tipo de papel/mercado
2000
% do total
2010
Mil t
% do total
Variação no período
Mil t
CAGR
Mil t
12,0
39.579
8,3
32.817
(1,9)
(6.762)
MERCADOS MADUROS
8,7
28.606
4,6
18.138
(4,5)
(10.468)
CHINA
0,5
1.663
1,1
4.224
9,8
2.561
BRASIL
0,2
650
0,1
586
(1,0)
(64)
1.209
IMPRENSA
2,6
8.660
2,5
9.869
1,3
31,4
103.287
27,8
109.789
0,6
6.502
22,5
73.901
15,1
59.523
(2,1)
(14.378)
CHINA
3,3
10.939
5,3
21.086
6,8
10.147
BRASIL
0,5
1.658
0,6
2.348
3,5
690
10.043
DEMAIS EMERGENTES
I&E
MERCADOS MADUROS
5,1
16.789
6,8
26.832
4,8
29,2
95.965
35,1
138.512
3,7
42.547
18,8
61.821
15,1
59.453
(0,4)
(2.369)
CHINA
3,1
10.223
9,6
37.757
14,0
27.534
BRASIL
0,8
2.499
1,0
3.775
4,2
1.276
16.104
DEMAIS EMERGENTES
PAPELÃO ONDULADO
MERCADOS MADUROS
6,5
21.422
9,5
37.526
5,8
11,8
38.933
12,6
49.838
2,5
10.904
MERCADOS MADUROS
7,7
25.402
5,8
22.909
(1,0)
(2.493)
CHINA
1,4
4.716
3,1
12.321
10,1
7.605
BRASIL
0,2
726
0,2
960
2,8
234
DEMAIS EMERGENTES
2,5
8.090
3,5
13.648
5,4
5.558
6,4
20.982
7,4
29.276
3,4
8.294
MERCADOS MADUROS
4,4
14.307
4,2
16.728
1,6
2.421
CHINA
0,7
2.256
1,2
4.775
7,8
2.519
BRASIL
0,2
580
0,2
922
4,7
342
DEMAIS EMERGENTES
1,2
3.839
1,7
6.851
6,0
3.012
DEMAIS EMERGENTES
PAPEL-CARTÃO
SANITÁRIOS
9,2
30.146
8,7
34.497
1,4
4.351
MERCADOS MADUROS
4,4
14.621
3,3
13.102
(1,1)
(1.518)
CHINA
2,4
7.843
2,9
11.492
3,9
3.649
BRASIL
0,2
705
0,2
916
2,6
210
DEMAIS EMERGENTES
2,1
6.977
2,3
8.987
2,6
2.010
DEMAIS PAPÉIS
100,0
328.892
100,0
394.728
1,8
65.836
MERCADOS MADUROS
66,5
218.658
48,1
189.852
(1,4)
(28.805)
CHINA
11,4
37.640
23,2
91.655
9,3
54.015
TOTAL PAPÉIS
BRASIL
DEMAIS EMERGENTES
Fonte: RISI.
2,1
6.818
2,5
9.507
3,4
2.688
20,0
65.776
26,3
103.714
4,7
37.938
PAPEL E CELULOSE
345
Os papéis gráficos foram muito afetados no período pela concorrência com os
meios digitais, como tablets, smartphones e leitores digitais (por exemplo, kindle). Tal
concorrência foi mais forte em mercados maduros, onde a penetração dos meios
digitais é mais intensa na população. O CAGR, no período, nesses mercados, foi de
-4,5% para imprensa e -2,1% para I&E.
O consumo da China expandiu mais em papel imprensa (9,8%) do que em I&E
(6,8%), ao passo que nos demais emergentes o movimento foi oposto (1,2% e
4,7%, respectivamente). Tanto em imprensa quanto em I&E, o desempenho do Brasil ficou situado entre o patamar recessivo dos mercados maduros e o crescimento
moderado dos demais emergentes, com CAGR de -1% e de 3,5%, respectivamente.
Já o P.O. foi responsável pelo mais alto crescimento global (CAGR de 3,7%) e
chinês (14%), tornando-se o papel mais consumido no mundo, à frente do de I&E.
Esse tipo de papel foi muito beneficiado pelo aumento da renda, da produção
industrial e do comércio internacional. A China, que se tornou o grande produtor
global de produtos industrializados, passou a demandar cada vez mais esse tipo de
papel para exportar sua produção.6 Outro papel de embalagem, o papel-cartão,
também revelou crescimento (global de 2,5% e chinês de 10,1%), porém inferior
ao P.O., em função da maior concorrência com outros materiais para embalagens,
com destaque para o plástico. No Brasil, o movimento foi semelhante, com CAGR
de 4,2% para o P.O. e de 2,8% para o papel-cartão.
Os papéis sanitários, por sua vez, apresentaram o segundo maior crescimento
global (3,4%), puxado não somente pela China (cujo crescimento, de 7,8%, foi inferior ao de outros tipos de papéis), mas também pelos mercados maduros, pelo
Brasil e pelos demais emergentes, regiões onde a taxa de crescimento de papéis
sanitários foi a mais alta entre todos os segmentos de papéis. O CAGR de mercados
maduros foi de 1,6% (único segmento em que essa taxa não foi negativa), o do
Brasil de 4,7%, e o dos demais emergentes de 6%.
Ao considerar todos os tipos de papéis, o desempenho do Brasil esteve não somente atrás do chinês, mas também dos demais emergentes. O CAGR do consumo de papéis
6
A embalagem dos produtos exportados entra nas estatísticas do país exportador como consumo interno.
346 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
no Brasil foi de 3,4%, ao passo que o da China foi de 9,3% e dos demais emergentes de
4,7%. Entretanto, o Brasil ainda experienciou um ligeiro aumento na participação da
demanda mundial, saindo de 2,1% em 2000 para 2,5% em 2010. A explicação para tal
fato reside na contração ocorrida em mercados maduros (-1,4%), que detinham uma
alta participação na demanda global (66,5% em 2000 e 48,1% em 2010).
Tais taxas de crescimento são semelhantes, porém um pouco superiores, às do
consumo per capita de papéis (à exceção dos mercados maduros): a China apresentou um CAGR de 8,7% no período, seguido dos demais emergentes (3,1%), Brasil
(2,2%) e mercados maduros (-2%). Em 2000, o consumo per capita chinês era 76%
do brasileiro, e essa razão subiu a 140% em 2010. Apesar da queda no consumo per
capita em mercados maduros, em 2010 este ainda foi o triplo do consumo chinês.
Conforme ilustra o Gráfico 1, o consumo per capita (medido em kg/habitante/
ano) de papéis no Brasil em 2010 (48) foi inferior ao de outros emergentes, como
Coreia do Sul (201), Chile (78), Turquia (69), México (64) e Argentina (63), quase
igual ao da África do Sul (48), mas superior a de outros emergentes, como Rússia
(46), Indonésia (25) e Índia (9).
GRÁFICO 1 CONSUMO PER CAPITA ANUAL DE PAPÉIS, EM KG/HABITANTE
300
250
200
150
100
50
Mercados maduros
2000
China
2010
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de RISI e World Bank.
Brasil
Demais emergentes
PAPEL E CELULOSE
347
Dessa maneira, apesar do crescimento dos países emergentes no ranking dos
dez maiores consumidores (Tabela 2), este ainda é dominado pelos países desenvolvidos. China, Índia, Brasil e Coreia do Sul foram países emergentes que avançaram
no ranking. O consumo da China equivalia a cerca de um terço do consumo americano em 2000, passando, em 2010, a ser 22% superior a ele. O Brasil, que em 2000
era o 11º maior consumidor, passou a nono em 2010.
TABELA 2 DEZ MAIORES CONSUMIDORES MUNDIAIS DE PAPÉIS (EM MIL TONELADAS)
2000
País
2010
Mil t
%
País
ESTADOS UNIDOS
92.859
28,2
CHINA
91.655
Mil t
23,2
%
CHINA
37.640
11,4
ESTADOS UNIDOS
75.246
19,1
JAPÃO
32.099
9,8
JAPÃO
27.872
7,1
ALEMANHA
18.757
5,7
ALEMANHA
19.763
5,0
REINO UNIDO
12.826
3,9
ITÁLIA
10.829
2,7
FRANÇA
11.475
3,5
ÍNDIA
10.776
2,7
ITÁLIA
10.983
3,3
REINO UNIDO
10.515
2,7
CANADÁ
7.839
2,4
FRANÇA
9.924
2,5
COREIA DO SUL
7.396
2,2
BRASIL
9.507
2,4
ESPANHA
6.842
2,1
COREIA DO SUL
9.426
2,4
DEMAIS PAÍSES
90.175
27,4
DEMAIS PAÍSES
119.215
30,2
TOTAL MUNDO
328.892
100,0
TOTAL MUNDO
394.728
100,0
Fonte: RISI.
OFERTA
Como a produção de papéis tende a se situar próxima à demanda, seu crescimento foi
muito semelhante ao do consumo. O crescimento da produção versus o crescimento
do consumo foi de -0,9% x -1,4% nos mercados maduros; 10,9% x 9,3% na China;
3,1% x 3,4% no Brasil; e 3,7% x 4,7% nos demais emergentes. Ou seja, apesar da
semelhança nas taxas, o crescimento da oferta foi superior ao da demanda nos mercados maduros e na China, ao passo que o contrário ocorreu no Brasil e nos demais
emergentes. A China foi a grande responsável pelo aumento da oferta de papéis no
mundo: a variação na produção de 2010 em relação a 2000 foi de 59,7 milhões. Nos
demais emergentes, houve adição na produção de 24,7 milhões de toneladas; no
Brasil, de apenas 2,6 milhões de toneladas; e nos mercados maduros houve retração
de 20,3 milhões de toneladas. Os mercados maduros, que representavam 71% da
produção mundial em 2000, passaram a representar 53% em 2010 (Gráfico 2).
348 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 2 PRODUÇÃO MUNDIAL DE PAPÉIS (EM MIL TONELADAS)
450.000
400.000
350.000
300.000
250.000
200.000
150.000
100.000
50.000
2000
2001
Brasil
2002
Demais emergentes
2003
2004
China
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Mercados maduros
Fonte: RISI.
O ranking dos dez maiores produtores mundiais (Tabela 3) guarda muita semelhança com o dos maiores consumidores. Quatro emergentes ganharam posições: China,
Coreia do Sul, Indonésia e Brasil. Entretanto, como apontam as diferenças nas taxas de
produção e crescimento, os países desenvolvidos perderam menos espaço, proporcionalmente, no ranking dos maiores consumidores do que no de maiores produtores.
TABELA 3 DEZ MAIORES PRODUTORES MUNDIAIS DE PAPÉIS (EM MIL TONELADAS)
2000
País
2010
Mil t
%
ESTADOS UNIDOS
86.011
26,3
CHINA
92.599
23,5
CHINA
32.864
10,0
ESTADOS UNIDOS
75.849
19,3
JAPÃO
31.828
9,7
JAPÃO
27.288
6,9
CANADÁ
20.813
6,4
ALEMANHA
23.122
5,9
ALEMANHA
18.182
5,6
CANADÁ
12.787
3,2
FINLÂNDIA
13.509
4,1
FINLÂNDIA
11.789
3,0
SUÉCIA
10.786
3,3
SUÉCIA
11.410
2,9
FRANÇA
10.006
3,1
COREIA DO SUL
11.120
2,8
9.308
2,8
INDONÉSIA
9.951
2,5
BRASIL
COREIA DO SUL
País
Mil t
%
9.087
2,8
9.796
2,5
DEMAIS PAÍSES
84.772
25,9
DEMAIS PAÍSES
108.188
27,5
TOTAL MUNDO
327.166
100,0
TOTAL MUNDO
393.899
100,0
ITÁLIA
Fonte: RISI.
PAPEL E CELULOSE
349
Em consonância ao pequeno aumento, de apenas 2,6 milhões de toneladas,
da produção e consumo de papéis no Brasil, houve apenas dois grandes projetos
de expansão de capacidade no período analisado. O primeiro foi o MA-1100, da
Klabin. Com start-up em 2008, esse projeto aumentou a capacidade de produção
de papel-cartão da companhia em 420 mil t/ano, equivalente a 59% de todo o
aumento de capacidade de produção de papel-cartão nacional no período, e em
15% se forem contemplados todos os tipos de papéis (segundo dados da Bracelpa,
considerando o período de 2000 a 2009).7 O segundo grande projeto foi a linha de
I&E da International Paper, em Três Lagoas (MS), integrada à fábrica de celulose da
Fibria. Inaugurada em 2009, a planta tem capacidade instalada de 200 mil t/ano.
A baixa competitividade mundial brasileira na produção de papéis, além de um
mercado interno pequeno (em função do baixo consumo per capita), direcionou os
aumentos de capacidade de produção para a celulose, que destina sua produção
para exportação e obtém maior rentabilidade.
COMÉRCIO INTERNACIONAL
Como uma proporção da produção global, as exportações se mantiveram ao redor
de 30% durante o período analisado. Oscilando cerca de 42% nos papéis gráficos,
21% nos sanitários e de 17% no P.O., conforme aponta o Gráfico 3. Estes dois últimos tipos são os papéis menos negociados internacionalmente. O primeiro em
função de sua baixa densidade, e o segundo em função do baixo valor agregado
(no caso dos papéis reciclados).
Ao longo do período analisado, a América do Norte e a Europa Ocidental foram
as únicas regiões que sempre obtiveram superávit comercial, com a última apresentando um crescimento acelerado no período, aumentando, em 2010, seu saldo em
7,3 milhões de toneladas, em relação a 2000. A China passou de relevante importador líquido (terceiro maior déficit em 2000) para exportador líquido. A Europa
Oriental registrou a maior deterioração da balança comercial, o que pode explicar
7
A Bracelpa não divulgou a capacidade instalada de 2010.
350 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
uma parte do grande aumento nas exportações por parte da região. A América Latina também sofreu déficits na balança, que se deteriorou no decorrer do período.
O Brasil foi o único país da região que registrou saldo positivo entre 2000 e 2010,
enquanto o Chile experienciou saldo positivo em alguns anos do mesmo período.
GRÁFICO 3 EXPORTAÇÕES SOBRE PRODUÇÃO EM ÂMBITO GLOBAL, ABERTO POR TIPO DE PAPEL
50
45
40
35
%
30
25
20
15
10
5
0
2000
2001
Imprensa
2002
2003
I&E
2004
Papel-cartão
2005
2006
Demais papéis
2007
2008
Sanitários
2009
2010
Papelão ondulado
Fonte: RISI.
Os déficits comerciais em papéis na maioria dos mercados emergentes ilustram
a estrutura dessa indústria, conforme exposto na primeira seção deste artigo: regiões
desenvolvidas criaram empresas mais competitivas internacionalmente do que países em desenvolvimento, pois o alto consumo doméstico permitiu a essas empresas
que investissem em plantas maiores e mais modernas. Isso se tornou relevante, em
especial, no segmento de papéis gráficos, no qual a escala é um importante diferencial competitivo e que, de 2001 a 2010, respondeu por 56% do volume de papéis
comercializados internacionalmente. Além disso, é importante destacar que boa
parte do comércio internacional de papéis é realizado regionalmente – segundo
dados da Secretaria de Comércio Exterior, a América do Sul respondeu por 42% das
exportações de papéis brasileiras, entre 2001 e 2010. Em contrapartida, na celulose,
esse percentual foi de apenas 1%.
PAPEL E CELULOSE
351
TABELA 4 SALDO COMERCIAL DE PAPÉIS, POR REGIÃO E PAÍSES SELECIONADOS (EM MIL TONELADAS)
Região/país
2000
2010
6.125
7.099
974
CANADÁ
12.974
6.496
(6.477)
ESTADOS UNIDOS
(6.849)
603
7.451
6.906
9.589
2.684
7.201
14.591
7.390
11.668
10.313
(1.355)
8.263
9.399
1.136
(6.222)
(6.215)
7
(575)
3.359
3.934
ITÁLIA
(1.896)
(1.683)
213
DEMAIS PAÍSES
(5.933)
(2.266)
3.668
AMÉRICA DO NORTE
EUROPA
OCIDENTAL
FINLÂNDIA
SUÉCIA
REINO UNIDO
ALEMANHA
Variação
(295)
(5.001)
(4.706)
1.949
1.039
(910)
(2.244)
(6.040)
(3.796)
(4.780)
(1.775)
3.006
CHINA
(4.776)
943
5.720
JAPÃO
(272)
(584)
(313)
ÍNDIA
(493)
(1.552)
(1.059)
ORIENTAL
RÚSSIA
DEMAIS PAÍSES
ÁSIA
INDONÉSIA
DEMAIS PAÍSES
AMÉRICA LATINA
BRASIL
3.367
3.854
487
(2.607)
(4.436)
(1.829)
(4.540)
(6.844)
(2.305)
370
289
(81)
(59)
(31)
28
MÉXICO
(1.563)
(2.513)
(950)
DEMAIS PAÍSES
CHILE
(3.288)
(4.590)
(1.302)
OCEANIA
(1.028)
(667)
362
ÁFRICA
(1.579)
(3.654)
(2.075)
ORIENTE MÉDIO
(2.830)
(4.578)
(1.747)
Fonte: RISI.
A balança comercial brasileira de papéis realizou dois movimentos antagônicos, correlacionando-se com o movimento do câmbio. De 2000 a 2005 a balança
registrou superávits cada vez maiores (à exceção do ano de 2004), tendo registrado
saldo de 1,1 milhão de toneladas em 2005. De 2005 a 2010, porém, a balança se deteriorou (à exceção de 2009), tendo registrado em 2010 o menor valor desde 2000,
de 289 mil toneladas, como expõe a Tabela 4.
352 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 4 SALDO COMERCIAL BRASILEIRO DE PAPÉIS, POR SEGMENTO
3,5
2.000
3,0
1.500
2,5
2,0
500
R$/US$
MIL TONELADAS
1.000
1,5
1,0
-500
0,5
-1.000
-
2000
R$/US$
2001
2002
Demais papéis
2003
2004
Sanitários
2005
2006
Papel-cartão
2007
2008
Papelão ondulado
2009
I&E
2010
Imprensa
Fontes: RISI e Bacen.
O papel imprensa é o único segmento8 que registrou déficits expressivos,
conforme registrado no Gráfico 4, em função da importação anual de cerca de
400 mil t/ano, segmento no qual o Brasil tem apenas uma planta, com capacidade
de produção de 180 mil t/ano, insuficiente para atender ao mercado interno, que
têm de recorrer às importações. Conforme será visto na seção de perspectivas, a
pouca competitividade do Brasil nesse segmento, aliado a um declínio na demanda mundial, bem como aos problemas de desvio de finalidade do papel imune,
acabam por reduzir a possibilidade de investimento em uma nova planta de papel
jornal no país.
Em relação às exportações brasileiras, a maior parte se concentrou no kraftliner
(papel destinado à fabricação de P.O. à base de fibra virgem) e nos papéis de
I&E woodfree não revestidos, o que permitiu que o país fosse o único da região
que registrasse superávits comerciais durante o período analisado (ver Tabela 4).
8
É importante lembrar que, em cada segmento, existem outros diversos subsegmentos que apresentaram déficits individualmente.
Um exemplo notável são os papéis de I&E revestidos.
PAPEL E CELULOSE
353
Nesses papéis, o peso da fibra virgem nos custos é mais relevante, e o Brasil, além
de dispor de uma celulose altamente competitiva, tem grandes produtores (como
Klabin, Suzano e IP), com algumas plantas modernas e de grande porte, o que
permitiu ao Brasil exportar de forma competitiva (em especial para o restante da
América Latina, bastante dependente de papéis importados).
4 . PAN OR A MA D O M ER C A D O D E C EL U L O S E
DEMANDA
O consumo aparente global de celulose,9 incluindo as fabricadas a partir de
outros insumos que não a madeira, oscilou nos últimos dez anos, mas encerrou
2010 com valores similares aos registrados em 2000, ao contrário do crescimento registrado no papel (CAGR de 1,8%). O que explica tal divergência é a maior
utilização de aparas (utilizadas por meio da reciclagem) no mix de fibra utilizado na produção de papel. Desde 2003, a utilização da fibra reciclada é superior
à da fibra virgem,10 diferença que permanece aumentando desde então, tendo
chegado a participação da fibra reciclada, no mix de produção mundial, a 56%
em 2010 (Gráfico 5).
Apesar da quase estagnação no consumo global de celulose, houve uma clara
diferenciação entre o desempenho de cada tipo do produto. Enquanto o CAGR
da BHKP, no período, foi de 2,1%, a taxa de crescimento do consumo de BSKP foi
de -0,4%, a de celulose kraft não branqueada foi de zero, a de pasta mecânica de
-1,4% e as demais de -3% (ver Gráfico 6).
9
Todas as referências à celulose no texto referem-se à polpa oriunda de madeira destinada à produção de papéis, exceto quando
explicitamente mencionado.
10
A razão calculada foi feita com base em consumo de fibra/produção de papéis, sem ajuste por perdas, umidade ou uso de outros
aditivos no papel, como cargas minerais.
354 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 5 MIX DE FIBRAS NA PRODUÇÃO DE PAPÉIS NO MUNDO
58
56
54
52
%
50
48
46
44
42
40
2000
2001
2002
Celulose de madeira
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Fibra reciclada
Fonte: RISI.
GRÁFICO 6 CONSUMO APARENTE GLOBAL DE CELULOSE, POR TIPO (EM MIL TONELADAS)
200.000
180.000
160.000
140.000
120.000
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
2000
2001
Demais
2002
Pasta mecânica
2003
2004
Kraft não branqueado
2005
2006
BSKP
2007
2008
2009
2010
BHKP
Fonte: RISI.
A pasta mecânica é muito utilizada na produção de papel imprensa, o que explica a queda em sua demanda. Já a celulose kraft não branqueada é muito utiliza-
PAPEL E CELULOSE
355
da em papéis de embalagens, que, apesar de responsáveis por um dos maiores crescimentos entre os papéis no período, utilizaram cada vez mais fibra reciclada em
sua produção. Já o bom desempenho de BHKP é explicado tanto pelo crescimento
na demanda de papéis sanitários, papel-cartão e especiais, quanto pela substituição de BSKP, em função do baixo custo e de melhorias nas propriedades das fibras.
Ao analisar o ranking dos dez maiores consumidores globais de celulose (inclusive de outras fontes que não a madeira), reproduzido na Tabela 5, podem-se observar algumas diferenças em relação aos maiores produtores de papéis. Um deles é
o consumo maior de celulose, em 2010, dos Estados Unidos em relação à China, ao
contrário do ocorrido na produção de papéis, o que é explicado pelo maior uso de
fibra reciclada neste último país (entre outros motivos, pela alta produção de P.O.,
com a maior taxa de utilização11 entre todos os tipos de papéis). Outra diferença é
que o Brasil aparece em posição mais relevante no consumo de celulose do que na
produção de papéis, o que pode ser explicado pela alta oferta de fibra virgem a um
custo baixo, em relação à oferta de fibra reciclada.
TABELA 5 DEZ MAIORES CONSUMIDORES MUNDIAIS DE CELULOSE, DE MADEIRA E OUTRAS FONTES
(EM MIL TONELADAS)
2000
País
2010
Mil t
%
País
ESTADOS UNIDOS
57.360
31,2
ESTADOS UNIDOS
48.306
26,1
CHINA
19.380
10,5
CHINA
32.396
17,5
CANADÁ
15.962
8,7
JAPÃO
10.679
5,8
JAPÃO
14.148
7,7
CANADÁ
9.335
5,1
FINLÂNDIA
10.361
5,6
SUÉCIA
9.186
5,0
SUÉCIA
8.755
4,8
FINLÂNDIA
8.810
4,8
ALEMANHA
5.968
3,2
ALEMANHA
6.994
3,8
BRASIL
4.795
2,6
BRASIL
6.079
3,3
RÚSSIA
4.307
2,3
RÚSSIA
5.756
3,1
FRANÇA
4.289
2,3
INDONÉSIA
4.601
2,5
DEMAIS PAÍSES
38.796
21,1
DEMAIS PAÍSES
42.640
23,1
TOTAL MUNDO
184.121
100,0
TOTAL MUNDO
184.783
100,0
Fonte: RISI.
11
Definido pela razão do consumo de aparas de papel sobre a produção de papel.
Mil t
%
356 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
OFERTA
Na celulose, ao contrário do setor de papéis, o Brasil foi o grande destaque global.
A produção do país em 2010 foi 6,6 milhões de toneladas superior à de 2000, o que
representou um CAGR de 6,5%. Foi o maior crescimento registrado entre todos os
países, incluindo a China, que expandiu sua produção em 5,6 milhões (considerando também a produção de celulose não oriunda de madeira). Em 2000, o Brasil era
o sétimo maior produtor, com 4% de participação de mercado, passando, em 2010,
para a quarta posição, com 7,6% do mercado (Tabela 6). Rússia, Indonésia e Chile
foram outros emergentes que subiram no ranking dos maiores produtores mundiais, enquanto grandes países produtores localizados no hemisfério norte, como
Estados Unidos, Canadá, Finlândia e Suécia, reduziram sua produção no período,
em função da menor competitividade diante dos países do hemisfério sul.
TABELA 6 DEZ MAIORES PRODUTORES MUNDIAIS DE CELULOSE, DE MADEIRA E OUTRAS FONTES
(EM MIL TONELADAS)
2000
País
2010
Mil t
%
País
ESTADOS UNIDOS
56.933
30,8
ESTADOS UNIDOS
49.243
Mil t
26,5
%
CANADÁ
26.871
14,5
CHINA
22.042
11,9
CHINA
16.438
8,9
CANADÁ
18.536
10,0
FINLÂNDIA
11.910
6,4
BRASIL
14.062
7,6
SUÉCIA
11.517
6,2
SUÉCIA
11.877
6,4
JAPÃO
11.319
6,1
FINLÂNDIA
10.508
5,7
BRASIL
7.463
4,0
JAPÃO
9.393
5,1
RÚSSIA
5.885
3,2
RÚSSIA
7.421
4,0
INDONÉSIA
4.308
2,3
INDONÉSIA
6.278
3,4
ÍNDIA
2.770
1,5
CHILE
4.114
2,2
DEMAIS PAÍSES
29.564
16,0
DEMAIS PAÍSES
32.109
17,3
TOTAL MUNDO
184.978
100,0
TOTAL MUNDO
185.582
100,0
Fonte: RISI.
Apesar da estagnação do volume produzido entre 2000 e 2010, observaram-se
comportamentos distintos na produção de celulose integrada e na de mercado. Enquanto a celulose integrada apresentou CAGR de -0,8%, a de mercado cresceu 2,2%,
o que permitiu que a produção de celulose de mercado, que representava 26% do
total de celulose em 2000, passasse a 32% em 2010. A razão para essa divergência é
PAPEL E CELULOSE
357
que muitas das novas capacidades localizadas no hemisfério sul destinam-se a ofertar
celulose aos grandes produtores de papel, localizados principalmente em países
desenvolvidos e na China.
Se for considerada somente a celulose de mercado, a participação do Brasil no
mercado global, que era de 8,5% em 2000, foi a 18% em 2010. Se fizermos um corte ainda maior e considerarmos apenas a produção de BHKP de mercado, o Brasil
saiu de uma participação de 22% em 2000 para 38% em 2010.
Esse grande salto na produção veio principalmente por meio de quatro grandes
projetos de celulose de mercado, de classe mundial, que iniciaram suas atividades entre 2000 e 2010. O primeiro foi a terceira linha da unidade de Aracruz (ES) da então
Aracruz (atual Fibria), com capacidade de produção de 700 mil t/ano de celulose. Com
start-up em 2002, o projeto garantiu à empresa, que na época era a segunda maior
produtora mundial de fibra curta de eucalipto, a liderança mundial nesse segmento.
Posteriormente, em 2005, na região sul da Bahia, houve o início das operações da primeira planta de celulose da Veracel (joint-venture da Stora Enso e da
Aracruz), nos limites dos municípios de Eunápolis e Belmonte, com capacidade de
900 mil t/ano e que é, ainda hoje, uma das plantas mais eficientes do mundo, em
função da alta produtividade das florestas da região. Ainda na Bahia, o projeto de
uma nova linha na planta da Suzano em Mucuri, com capacidade de produção de
1 milhão de t/ano de celulose de mercado, começou em 2007. Na época, foi a maior
escala de uma planta de celulose em todo o mundo e foi responsável por levar a Suzano (que era denominada Suzano Bahia Sul Papel e Celulose) a ser segunda maior
produtora nacional de celulose.
Por fim, o quarto grande projeto iniciou-se em 2009, no que foi a primeira
planta de celulose no estado de Mato Grosso do Sul: uma nova unidade da então VCP (Votorantim Celulose e Papel, atual Fibria) com capacidade instalada de
1,3 milhão de t/ano. Apenas nesses quatro projetos, foram adicionados quase
quatro milhões de toneladas de capacidade instalada de BHKP no mercado. É
interessante notar o contínuo aumento de escala nos projetos de celulose: saindo
de 700 mil t/ano em 2002, para 900 mil t/ano em 2005, 1 milhão t/ano em 2007 e
1,3 milhão de t/ano em 2009. Essa grande escala contrasta com os investimentos
358 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
em papel: o maior projeto do período, o MA-1100 da Klabin, adicionou 420 mil t/ano
de capacidade produtiva no mercado.
Outro destaque na oferta brasileira no período foi a formação da Fibria, a
maior produtora de celulose branqueada de eucalipto do mundo, oriunda da fusão
entre a VCP e a Aracruz, em 2009. Segundo estimativas da consultoria RISI, a Fibria
detém 10% da capacidade instalada global de celulose de mercado, sendo 21% se
considerada apenas BHKP.
COMÉRCIO INTERNACIONAL
As exportações globais, como um percentual da produção, vêm aumentando, passando de 21% em 2000 para 26% em 2010, como indica o Gráfico 7. Apesar da
tendência positiva, a fração da produção exportada de celulose ainda é inferior à
de papéis – que pouco oscilou, ficando ao redor de 30% durante o período analisado –, visto que a maior parte da celulose produzida no mundo é integrada. Quando
se considera a celulose de mercado, o percentual é muito superior, tendo saído de
79% em 2000 para 81% em 2010.
GRÁFICO 7 EXPORTAÇÕES SOBRE PRODUÇÃO DE CELULOSE, TOTAL E DE MERCADO
90
80
70
60
%
50
40
30
20
10
0
2000
2001
Total
Fonte: RISI.
2002
Mercado
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
PAPEL E CELULOSE
359
Em relação ao saldo comercial de celulose, exibido na Tabela 7, a América do
Norte e a América Latina aparecem como regiões exportadoras líquidas, enquanto
a Europa e a Ásia como importadoras líquidas. O Brasil alcançou o maior acréscimo
na balança comercial, com o saldo em 2010 de 5,3 milhões de toneladas acima do
registrado em 2000, o que levou o país a se tornar o segundo maior exportador de
celulose, atrás apenas do Canadá (o Brasil era o quarto maior exportador em 2000).
A China aparece como destaque negativo: seu saldo deteriorou-se em 7,4 milhões
de toneladas, tornando-se o maior importador do mundo em 2010, responsável por
24% das importações mundiais de celulose.
TABELA 7 SALDO COMERCIAL DE CELULOSE, POR REGIÃO E PAÍSES SELECIONADOS (EM MIL TONELADAS)
Região/país
2000
2010
AMÉRICA DO NORTE
9.943
9.934
(9)
10.641
8.995
(1.646)
CANADÁ
ESTADOS UNIDOS
EUROPA
Variação
(698)
939
1.637
(5.547)
(5.924)
(377)
139
(6.536)
(6.397)
FINLÂNDIA
1.549
1.715
166
SUÉCIA
2.762
2.660
(102)
REINO UNIDO
(1.621)
(1.049)
572
ALEMANHA
(3.753)
(4.205)
(452)
ITÁLIA
(3.106)
(3.226)
(120)
DEMAIS PAÍSES
(2.367)
(2.292)
75
(516)
OCIDENTAL
989
473
RÚSSIA
1.578
1.665
87
DEMAIS PAÍSES
(589)
(1.192)
(603)
ORIENTAL
(8.213)
(14.517)
(6.304)
CHINA
(2.942)
(10.355)
(7.413)
JAPÃO
(2.829)
(1.286)
1.543
(186)
(576)
(390)
ÁSIA
ÍNDIA
INDONÉSIA
DEMAIS PAÍSES
1.015
1.677
662
(3.271)
(3.978)
(707)
3.809
11.198
7.390
BRASIL
2.668
7.969
5.301
CHILE
1.831
3.363
1.532
MÉXICO
(440)
(853)
(413)
DEMAIS PAÍSES
(250)
719
969
AMÉRICA LATINA
OCEANIA
476
576
100
ÁFRICA
174
(194)
(368)
(366)
(703)
(337)
ORIENTE MÉDIO
Fonte: RISI.
360 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
A abertura da destinação das exportações brasileiras mostra que a Europa é a
principal região importadora da celulose brasileira, respondendo por 47% do volume total, tanto em 2000 quanto em 2010. Os Estados Unidos, que respondiam por
28% das exportações brasileiras em 2010, passaram a responder por 19% em 2010.
Já a China, que importava apenas 3% das exportações brasileiras de celulose em
2000, passou a 22% em 2010, tornando-se o principal destino individual da celulose
brasileira (Gráfico 8).
GRÁFICO 8 DESTINAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE CELULOSE
Demais
China
12%
Demais
Estados Unidos
22%
Estados Unidos
28%
22%
China
3%
2010
2000
47%
47%
Europa
19%
Europa
Fonte: AliceWeb.
5 . O A POIO D O B N D ES
A maioria dos grandes projetos ocorridos nos últimos dez anos no Brasil teve apoio do
BNDES. De 2001 a 2010, os desembolsos diretos para projetos industriais em celulose
(não incluindo a formação da base florestal, investimentos em renda variável ou capital de giro) foi de R$ 5,4 bilhões, ao passo que para papéis, o montante foi inferior,
de R$ 2,5 bilhões (Gráfico 9). Tal situação ilustra o menor nível de investimentos em
papéis do que em celulose, conforme destacado anteriormente. Dos quatro grandes
projetos de celulose ocorridos no país no período, o único que não foi apoiado pelo
Banco foi o projeto da Cenibra. Em papéis, o Banco financiou o projeto MA-1100 da
Klabin, porém não participou da linha de I&E da IP em Três Lagoas (MS).
PAPEL E CELULOSE
361
Já indiretamente, o Banco desembolsou R$ 0,3 bilhão para a celulose e R$ 1,1
bilhão para o setor de papéis. Os desembolsos indiretos apresentam uma concentração muito maior no setor de papéis do que no de celulose, ao contrário dos desembolsos diretos. A maioria das empresas do setor de papéis no Brasil é de pequeno ou médio porte, com projetos de menor escala, o que muitas vezes inviabiliza a
possibilidade de operar diretamente com o BNDES.12
GRÁFICO 9 DESEMBOLSOS INDUSTRIAIS DO BNDES DE 2001 A 2010 PARA O SETOR DE PAPEL E
CELULOSE, EXCLUINDO INVESTIMENTOS FLORESTAIS, RENDA VARIÁVEL E CAPITAL DE GIRO
9
8
7
R$ BILHÕES
6
5
4
3
2
Indireto
Celulose
Direto
Papel
Fonte: Elaboração do BNDES.
No total, o apoio direto e indireto do BNDES foi de R$ 9,4 bilhões, o que resulta
em uma média anual de quase R$ 1 bilhão. Para maiores informações sobre o apoio
do BNDES, nos últimos dez anos, ao setor de produtos florestais, sugere-se consultar Vidal e Da Hora (2011).
12
O BNDES pode atuar tanto diretamente, quanto indiretamente, por meio de agentes financeiros. De acordo com as políticas
operacionais vigentes à época da elaboração deste artigo, apenas operações acima de R$ 10 milhões podem ser realizadas de
forma direta.
362 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
6 . P ER SPECTIVA S
PAPÉIS
Segundo estimativas da RISI, o consumo aparente de papéis em 2011 foi de
401 milhões de toneladas, um acréscimo de 1,7% sobre o registrado em 2010. No
Brasil, segundo informado pela Bracelpa, o consumo aparente de papéis subiu
0,1% em 2011 em relação a 2010, ao passo que a produção cresceu 0,4%, como é
possível verificar na Tabela 8. Portanto, a participação do Brasil na demanda global,
em 2011, deve ter recuado para 2,3%.
TABELA 8 RESULTADO DE 2011 EM PAPÉIS NO BRASIL, EM RELAÇÃO A 2010 (EM MIL TONELADAS)
Segmento
Produção
Mil t
2011
Consumo aparente
vs 2010
(%)
Mil t
2011
EMBALAGEM
4.926
1,3
4.384
I&E
vs 2010
(%)
Exportações
Importações
Mil t
2011
vs 2010
(%)
Mil t
2011
0,8
606
3,9
64
Saldo comercial
vs 2010
(%)
Mil t
2011
vs 2010
(%)
(8,6)
542
5,7
2.682
(0,8)
2.347
0,0
1.034
(5,2)
699
(4,9)
335
(5,9)
IMPRENSA
129
4,0
533
(9,0)
2
100,0
406
(12,3)
(404)
(12,6)
SANITÁRIOS
972
7,4
973
7,8
8
(33,3)
9
(10,0)
(1)
(150,0)
PAPEL-CARTÃO
732
(6,9)
550
(9,2)
221
3,8
39
18,2
182
1,1
DEMAIS
438
(5,4)
495
3,1
181
4,0
238
24,6
(57)
235,3
9.879
0,4
9.282
0,1
2.052
(1,1)
1.455
(3,1)
597
4,4
TOTAL PAPÉIS
Fonte: Bracelpa.
Para os próximos anos, é provável que a demanda por papéis continue sendo
influenciada pelo crescimento do PIB e, uma vez que as perspectivas econômicas
são favoráveis aos países emergentes, estes devem continuar praticando melhor
desempenho do que os mercados maduros, à semelhança dos últimos anos.
Vale notar ainda que o consumo per capita de papéis nos mercados maduros
guarda significativa distância do observado nos mercados emergentes (ver Gráfico 1),
o que é outro indício do potencial de ganho destes últimos.
Papéis gráficos
Tanto nos mercados maduros quanto nos emergentes, mas em especial nos primeiros, o consumo de papéis gráficos (I&E e imprensa) deve continuar pressionado
PAPEL E CELULOSE
363
pela competição com os meios digitais. Em relação aos emergentes, a competição
entre papéis gráficos e leitores digitais vem se intensificando, sobretudo entre as
classes mais altas da população, de modo que nessas regiões provavelmente não
vai ocorrer o movimento ascendente seguido de declínio no consumo per capita
desse tipo de papel, a exemplo do ocorrido nos mercados maduros. O consumo
desses países aumentará, porém tendendo a se situar nos patamares encontrados
no mundo desenvolvido.
Produtores de papéis gráficos localizados em mercados maduros têm visto sua
demanda local encolher e estão sendo forçados, cada vez mais, a exportar. Para os
menos competitivos, cujo custo marginal de produção é inferior ao preço de mercado subtraído dos custos de frete, a redução na demanda vem levando ao fechamento de capacidades. Entre 2000 e 2010 houve fechamento líquido de 9,5 milhões
de t/ano de capacidade de I&E em mercados maduros e de 8,6 milhões de t/ano em
papel imprensa, enquanto observou-se na China um aumento líquido de capacidade de 11,9 milhões de t/ano de I&E e de 3,3 milhões de t/ano de papel imprensa.
O enorme aumento na demanda permitiu à China não somente investir em novas
e modernas máquinas, mas também em máquinas de grande porte. Considerando
que a escala e a idade tecnológica são dois fatores determinantes para a competitividade nos papéis gráficos, a dificuldade dos produtores de mercados maduros em
competir com os chineses torna-se cada vez maior.
De acordo com a base de dados sobre as plantas de papéis de I&E da RISI,13 a
China hoje possui o parque fabril mais atualizado, com idade tecnológica média14
de apenas seis anos e capacidade instalada média de 43 mil t/ano (vale notar, entretanto, que as cinco maiores máquinas de I&E do mundo estão na China, todas com
capacidade instalada acima de 500 mil t/ano). A Europa Ocidental, apesar de ter
plantas, na média, maiores (100 mil t/ano), possui um parque fabril bem mais desatualizado (18 anos de idade tecnológica). E a tendência é a posição competitiva da
China se elevar, uma vez que, em seu último plano quinquenal, o país estabeleceu
13
A base da RISI considera cerca de 87% da capacidade instalada de I&E do mundo.
Todas as referências a dados médios de plantas de papel e celulose no texto referem-se a uma média ponderada por capacidade
instalada.
14
364 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
que máquinas de I&E com menos de 1,76 metro de diâmetro e velocidade inferior a
120 m/min deverão ser fechadas, dando lugar a novas e modernas máquinas.
O Brasil tem plantas com idade tecnológica semelhante às da Europa Ocidental e do Japão, porém com escala muito menor (média de 64 mil t/ano, sendo a
maior planta, da IP em Três Lagoas, de 200 mil t/ano). Entretanto, a situação ainda
é melhor do que a do restante da América Latina, com a menor escala (média de
32 mil t/ano) e um dos mais antigos parques industriais do mundo (idade tecnológica média de 24 anos).
Esses dados estão representados no Gráfico 10.
GRÁFICO 10 CAPACIDADE INSTALADA E IDADE TECNOLÓGICA MÉDIA DE PAPÉIS I&E
CAPACIDADE MÉDIA (MIL T/ANO)
20
40
60
80
100
120
0
CHINA
IDADE TECNOLÓGICA MÉDIA (ANOS)
5
BRASIL
10
Demais asiáticos
Europa Ocidental
15
Japão
África, Europa
Oriental e Oceania
20
25
Demais América
América do Norte
30
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da RISI.
Obs.: O tamanho das bolas indica a capacidade instalada total.
A situação competitiva internacional tende a se acirrar ainda mais nos próximos
anos, considerando o crescimento da oferta chinesa maior do que o de sua demanda. Desde 2006, a China passou de importador líquido para exportador líquido de
papéis gráficos, registrando superávits na balança, tal como a Coreia do Sul e a
Indonésia (Gráfico 11). É possível que essa situação continue nos próximos anos,
visto que, de acordo com os anúncios de expansões e fechamentos das empresas do
PAPEL E CELULOSE
365
setor, a Ásia deve aumentar sua capacidade instalada de I&E em quase 8 milhões
de t/ano até 2016, enquanto a Europa e a América do Norte devem fechar cerca de
3 milhões de t/ano no mesmo período. Já no papel imprensa, o aumento de capacidade da Ásia provavelmente será próximo de 800 mil t/ano, ao passo que América
do Norte e Europa devem fechar quase 500 mil t/ano de capacidade.
GRÁFICO 11 SALDO COMERCIAL DE PAPÉIS GRÁFICOS NA CHINA, INDONÉSIA E COREIA DO SUL (EM MIL
TONELADAS)
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
(500)
(1.000)
(1.500)
2000
China
2001
Indonésia
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Coreia do Sul
Fonte: RISI.
No Brasil, o mercado ainda revela perspectivas de crescimento na demanda por
papéis de I&E, em função do aumento e da melhor distribuição de renda. Entretanto, o crescimento na demanda ocorre em patamar bem inferior ao observado
na China e em outros emergentes. O crescimento moderado também inibe futuras
expansões, porque novas capacidades entram no mercado em saltos enquanto a
demanda cresce de forma contínua e mais suave. Assim, uma nova planta de grande capacidade precisaria, em um primeiro momento, exportar uma parcela de sua
produção para tornar-se economicamente viável.
Vale dizer ainda que o Brasil é pouco competitivo internacionalmente na produção de papéis gráficos, em função do alto custo da energia, de uma logística
366 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
interna deficiente, da distância para os principais mercados consumidores, da alta e
complexa carga tributária, do elevado custo de químicos e de canais de distribuição
no exterior pouco desenvolvidos, inclusive pela ausência de marcas fortes.
No caso da questão tributária, ela não somente dificulta as exportações, como
facilita as importações. No Brasil, os papéis destinados à elaboração de livros, revistas e periódicos contam com imunidade tributária garantida pela Constituição, mas
boa parte do papel declarado como imune no Brasil é desviado para outros fins, gerando evasão fiscal e uma concorrência desleal entre produtores (e importadores)
que operam legalmente e os que não operam. Segundo estimativas da Bracelpa,
em 2010, cerca de 685 mil toneladas de papel imune foram desviados para outros
fins, um aumento de 29% diante do volume observado em 2009, conforme mostrado no Gráfico 12.
Por fim, o patamar atual do câmbio brasileiro é outro fator que dificulta a
expansão da produção e exportação brasileira de papéis gráficos. Como o Gráfico 4 demonstra, o saldo comercial brasileiro de papéis guarda alta correlação
com o câmbio.
GRÁFICO 12 ESTIMATIVA DE DESVIO DE FINALIDADE DO PAPEL IMUNE NO BRASIL
(EM MIL TONELADAS E EM % DO TOTAL)
800
70
700
60
50
500
40
%
MIL TONELADAS
600
400
30
300
20
200
10
100
0
0
2005
Toneladas
Fonte: Bracelpa.
2006
% do total
2007
2008
2009
2010
PAPEL E CELULOSE
367
Ademais, como já analisado, a competição internacional por mercados nos papéis gráficos vem se acirrando em função da tendência de declínio deste mercado.
Dessa forma, não é esperado nenhum grande projeto para papéis gráficos no Brasil
nos próximos anos, à exceção do anúncio da segunda linha da International Paper
na planta de Três Lagoas (MS), de 200 mil t/ano de I&E.
A decisão de seguir em frente com o projeto ainda não foi oficializada pela
empresa. No entanto, o fato de a linha anunciada ser de papéis woodfree não revestidos aumenta a probabilidade de o projeto ser implantado, já que esse tipo de
papel tem perspectivas positivas em relação à demanda interna e é o tipo de papel
de I&E no qual o Brasil aparece em melhor posição competitiva, uma vez que o peso
da celulose química, entre os insumos utilizados, é maior.
Papelão ondulado, papel-cartão e outros papéis para embalagens
O P.O. deve continuar respondendo pela maior taxa de crescimento global entre
todos os tipos de papéis, impulsionado pelo crescimento do PIB, da produção
industrial e do comércio internacional. Outros papéis para embalagens, incluindo o papel-cartão, também devem crescer, ainda que com taxas menores do que
o P.O., em razão da maior concorrência com outros materiais para embalagem,
em especial do plástico, a exemplo do ocorrido nos últimos anos. Já a questão
ambiental aparece tanto como um vetor positivo (a maior conscientização ambiental tende a aumentar o consumo de papéis de embalagem, em detrimento
do plástico) quanto negativo (pelas constantes pressões por redução do peso
das embalagens).
O P.O. é o tipo de papel com a menor razão exportação/produção entre todos
os tipos de papéis (ver Gráfico 3), ao redor de 16%, sendo boa parte do comércio
internacional concentrada no kraftliner, a capa do P.O., formada com predominância de fibras virgens. No papel-cartão, o comércio internacional é maior, ainda que
não atinja o patamar dos papéis gráficos.
Os papéis para embalagens concentram boa parte da inovação de produto
no setor, tendência que deve continuar nos próximos anos, uma vez que esse segmento está sempre competindo com outros materiais pela preferência do consu-
368 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
midor. Algumas inovações tendem a unir o papel com outros materiais, como no
caso das caixas de embalagem “longa vida” (embalagens cartonadas assépticas),
em que a união de papel-cartão com polietileno de baixa densidade e alumínio
permitiu criar uma embalagem que melhor preserva e conserva as bebidas. Outras inovações são relacionadas ao design, buscando conferir mais sofisticação
à embalagem do produto e, assim, aumentar a percepção de valor pelo cliente,
ou mesmo de permitir novas funcionalidades à embalagem. Esta última função
também deve ser buscada por meio de avanços tecnológicos, inclusive pelo uso
de nanotecnologia [Santi (2011)], criando embalagens inteligentes. Algumas das
possíveis vertentes que vão ditar o rumo das inovações no setor de papéis para
embalagem nos próximos anos são: a redução no uso de matérias-primas, a segurança alimentar, o potencial de reciclagem, a inteligência das embalagens, a
sofisticação do design e a conveniência do cliente.
No Brasil, segundo a Bracelpa, a produção de papéis para embalagem (exclusive papel-cartão) cresceu 1,3% em 2011, ao passo que o consumo aparente cresceu
0,8%. Já o papel-cartão sofreu retração de -6,9% na produção e de -9,2% no consumo. O que explica a divergência entre as taxas de crescimento desses tipos de
papéis é a maior base de comparação em papel-cartão (houve acréscimo na produção de 5,2% em 2010 em relação a 2009, ao passo que nos papéis para embalagens
esse valor foi de 3,2%) e o aumento da importação de produtos industrializados no
Brasil (que já vêm embalados, o que reduz a produção local de embalagem). Nesse
caso, o P.O. foi menos pressionado por ser muito utilizado na embalagem de produtos alimentícios. Em 2010, 46% das vendas de produtos acabados de P.O. tiveram
essa destinação, segundo a Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO). O
país deve continuar apresentando demanda crescente por papéis para embalagens,
em especial pelas perspectivas positivas para o crescimento do PIB nos próximos
anos. Do lado negativo, a principal ameaça à demanda possivelmente virá pelo
aumento da importação de produtos que já vêm embalados.
Já a oferta brasileira deve continuar crescendo, acompanhando as perspectivas positivas para a demanda. O país deve continuar recebendo pequenos investimentos em plantas de fabricação de P.O. à base de aparas de papel, bem
PAPEL E CELULOSE
369
como desgargalamentos em plantas de grandes produtores, a exemplo dos últimos anos. No entanto, pela primeira vez desde o start-up do projeto MA-1100 da
Klabin, em 2008, são esperados grandes investimentos em plantas de papéis para
embalagens no Brasil.
A Rigesa (subsidiária da americana MeadWestVaco) está ampliando sua capacidade de produção em 300 mil t/ano de papel kraftliner e em 135 mil t/ano
de papel-miolo, em sua unidade de Três Barras (SC), com previsão de start-up
até o fim de 2012. Outra grande multinacional do setor, a International Paper, já
anunciou planos de entrar no mercado brasileiro de papéis para embalagens, via
aquisição ou construção de unidades produtivas no país. A Klabin, empresa nacional líder no setor de papéis para embalagens, anunciou recentemente planos de
instalar duas novas máquinas de papéis em 2012: uma em sua unidade de Correia
Pinto (SC), com capacidade produtiva de 100 mil t/ano de sacos kraft, e a outra em
sua unidade em Angatuba (SP), com capacidade de produção de papéis reciclados
entre 250 e 300 mil t/ano. A empresa também tem planos antigos de instalar uma
segunda linha de papel-cartão, à semelhança do projeto MA-1100, que ainda não
foram confirmados, mas que podem vir a materializar-se em função das perspectivas positivas para o mercado.
Grosso modo, o país é mais competitivo nos papéis para embalagens que se
utilizam de fibra virgem do que os que empregam fibra reciclada, o que permite ao
Brasil exportar de maneira competitiva os papéis do primeiro tipo. No entanto, nos
últimos anos, o mercado interno aquecido e o real valorizado levaram os produtores a direcionar mais de sua produção ao mercado interno, em busca de melhores
margens. Caso todos esses projetos em perspectiva ocorram, é possível que o país
volte a registrar aumentos no saldo da balança comercial para esse tipo de papel.
Papéis sanitários
Os papéis sanitários também revelam tendências de crescimento muito positivas no
mundo, uma vez que praticamente inexistem produtos substitutos (à exceção de
algumas aplicações, em especial no mercado corporativo, como secadores de mão
à base de ar quente). Os papéis sanitários foram os únicos que não sofreram retra-
370 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
ção no consumo global no recessivo ano de 2009, quando a demanda global por
papéis recuou 5,6%, mas a demanda por papéis sanitários cresceu 0,9%. O fato de
sua demanda ser estável mesmo em momentos de crise demonstra a consistência
do crescimento esperado para o segmento.
Esse crescimento nos próximos anos deverá vir, sobretudo, dos mercados emergentes, uma vez que a melhoria de renda e o aumento da população urbana trazem ao mercado milhares de novos consumidores, especialmente na China. Mas,
mesmo em mercados maduros, as perspectivas para o setor são positivas. Os papéis
sanitários foram o único segmento em que os mercados maduros experienciaram
crescimento no período 2000-2010 (ver Tabela 1).
Os papéis sanitários estão entre os tipos de papel menos negociados internacionalmente, em razão de sua baixa densidade, o que encarece muito o frete. Mesmo
dentro dos países, as unidades produtoras de papéis sanitários costumam ter escala
reduzida e presença dispersa pelo território, já que precisam estar bastante próximas dos mercados consumidores para serem competitivas. Assim, mais do que em
qualquer outro tipo de papel, nos sanitários o crescimento da demanda nos países
será seguido muito de perto pela oferta.
No Brasil, a maior parcela de papéis sanitários consumida refere-se a papéis
higiênicos de folha simples. Entretanto, conforme Tabela 9, nos últimos anos, vem
ocorrendo um crescente aumento da composição de papéis higiênicos de folha dupla, como ocorrido em mercados maduros, um sinal da melhoria de distribuição de
renda da população [Vital (2008)].
TABELA 9 PRODUÇÃO DE PAPÉIS SANITÁRIOS NO BRASIL
Tipo de papel sanitário
2000
Mil t
2010
% total
Mil t
% total
CAGR 2000-2010
31.959
5
44.388
5
3,3
FOLHA SIMPLES DE BOA QUALIDADE
186.937
31
132.975
15
(3,3)
FOLHA SIMPLES DE ALTA QUALIDADE
192.700
32
329.622
36
5,5
63.378
11
168.890
19
10,3
HIGIÊNICO POPULAR
HIGIÊNICO FOLHA DUPLA
TOALHA, GUARDANAPO E LENÇOS
121.758
20
229.066
25
6,5
TOTAL SANITÁRIOS
596.732
100
904.941
100
4,3
Fonte: Bracelpa.
PAPEL E CELULOSE
371
Segundo a RISI, com base nos projetos anunciados por empresas do setor, o
Brasil deve receber cerca de 260 mil t/ano de novas capacidades de papéis sanitários até o fim de 2016. Considerando as estimativas da RISI de que a capacidade
instalada brasileira encerrou o ano de 2011 em 1,2 milhão de t/ano, e com base nos
anúncios realizados, o crescimento da oferta brasileira seria da ordem de 4% a.a.
CELULOSE
De acordo com estimativas da RISI, o consumo aparente global de celulose em
2011 foi de 172 milhões de toneladas, um acréscimo de 3% sobre o registrado em
2010, com a BHKP de mercado crescendo 3,6%. No Brasil, segundo informado pela
Bracelpa, o consumo aparente de celulose caiu 4,6% em 2011 em relação a 2010, ao
passo que a produção recuou 1,2% e as exportações cresceram 1,2%. Dessa forma,
o Brasil deve ter perdido participação de mercado nesse ano, entre outros fatores,
pela ausência de novos grandes projetos no país.
Não houve a partida de um grande projeto de celulose no Brasil desde 2008,
ano em que foi inaugurada a planta da VCP em Três Lagoas. A crise internacional
que eclodiu em 2008 afetou a capacidade das empresas brasileiras de se expandir,
fato que foi agravado pelas perdas com derivativos cambiais por algumas companhias. Entretanto, essa situação deverá passar por drástica alteração nos próximos
anos, já que a maioria dos novos projetos de celulose anunciados globalmente está
localizada no Brasil.
Demanda por celulose
É possível que a demanda por celulose nos próximos anos continue apresentando
comportamento distinto a depender de seu tipo. A celulose BHKP deve manter
seu padrão de crescimento mais elevado, puxado pelo aumento da demanda por
papéis de I&E na Ásia, da expansão dos papéis sanitários e, em menor grau, da expansão do segmento de papel-cartão e papéis especiais. O menor custo da celulose
BHKP em relação à BSKP deve continuar favorecendo a primeira, em especial à medida que novas máquinas de papéis entrem em operação na Ásia, com tecnologias
372 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
mais modernas, que permitam maior flexibilidade no mix de fibras utilizado na
produção. Entretanto, a BSKP também vai experienciar crescimento, puxado principalmente pelo aumento da demanda por papéis para embalagens. Outro possível
fator a impulsionar o consumo de celulose de madeira é o contínuo fechamento de
fábricas de celulose oriunda de outros vegetais (em especial o bambu) na China, em
função de pressões ambientais.
O principal concorrente ao uso da fibra virgem de celulose, com impacto direto sobre a demanda desse insumo nos próximos anos, é o uso de aparas de papel.
Novas tecnologias que permitem produzir papéis reciclados de melhor qualidade,
demanda por práticas mais sustentáveis por parte da sociedade, aumento da taxa
de recuperação15 em países em desenvolvimento e maior participação do P.O. no
consumo global de papéis (o P.O. é o tipo de papel que mais se utiliza de fibra reciclada em seu mix de produção) devem continuar elevando (Gráfico 5) o percentual
de fibras recicladas utilizado no mix global de produção de papéis.
A celulose BHKP é especialmente utilizada nos papéis de I&E sem pasta mecânica (woodfree), nos papéis sanitários, e nos papéis especiais, além de alguma
utilização na produção de papel-cartão. No caso específico da demanda por
celulose de eucalipto (BEKP) de mercado, segmento em que o Brasil é mais competitivo, a demanda é bastante concentrada nos papéis sanitários, em função da
qualidade dessa fibra para esse tipo de papel, e, em virtude da pequena escala
das plantas produtoras, poucas são integradas à produção de celulose, tendo de
comprar no mercado seu principal insumo de produção. Segundo a Fibria (maior
produtora mundial de BEKP de mercado, com 32% de market-share), cerca de
54% de suas vendas são destinadas aos produtores de papéis sanitários, 24% aos
produtores de papéis especiais e 22% aos produtores de papéis de I&E, como
expõe o Gráfico 13.
15
A taxa de recuperação é definida como o consumo de aparas sobre o consumo de papel, ou seja, quanto do papel consumido foi
direcionado para a reciclagem.
PAPEL E CELULOSE
373
GRÁFICO 13 DESTINAÇÃO DAS VENDAS DE CELULOSE DE EUCALIPTO DA FIBRIA, EM 2010
Papéis especiais
I&E
22%
24%
54%
Papéis sanitários
Fonte: Fibria.
Oferta de celulose e a grande onda de expansões de BHKP
A oferta de celulose continuará, cada vez mais, proveniente de países localizados
no hemisfério sul, em função da maior produtividade das florestas dessa região, o
que lhe confere diferencial competitivo perante os países produtores localizados
no hemisfério norte.
Segundo estimativas da RISI, com base nas expansões anunciados por empresas do setor com início de produção até 2016, haveria adição líquida de cerca de
13 milhões de t/ano de capacidade de celulose de mercado. Considerando somente
BHKP, a adição de capacidade instalada seria em torno de 12 milhões de t/ano, com
o Brasil respondendo por aproximadamente 10 milhões de t/ano, em um total de
sete novos projetos (Tabela 10).
É válido notar que esses números se referem a projetos anunciados. Nem todos
serão executados conforme anunciados, podendo sofrer atrasos ou até mesmo cancelamentos. Existem também potenciais grandes projetos que não são anunciados
pelas empresas, mas que podem vir a surpreender o mercado. Segundo a RISI, a
chinesa Asian Pulp and Paper (APP) estaria planejando a maior linha individual de
BHKP do mundo, na Indonésia, com capacidade entre 1,5 e 2 milhões de t/ano de
capacidade e previsão de start-up entre 2015 e 2016.
374 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
TABELA 10 NOVOS PROJETOS DE BHKP ANUNCIADOS NA AMÉRICA LATINA
Empresa
ELDORADO
MONTES DEL PLATA
(STORA ENSO/ARAUCO)
SUZANO
FIBRIA
VERACEL
Local
País
Capacidade (mil t/ano)
Ano de start-up
Três Lagoas
Brasil
1.500
2012
Punta Pereyra
Uruguai
1.300
2013
Maranhão
Brasil
1.300
2013
Três Lagoas
Brasil
1.500
2014
Eunápolis
Brasil
1.500
2015
2015
Guaíba
Brasil
1.350
KLABIN*
A definir
Brasil
1.500
2015
SUZANO
Piauí
Brasil
1.500
2015
CMPC
Fonte: RISI.
* A planta da Klabin será flex, produzindo fibras curta e longa.
Além disso, conforme já demonstrado e ilustrado a seguir no Gráfico 14,
a maior parte da demanda global por celulose nos próximos anos vai emergir
da China. Existe uma questão política, além de econômica, se a China quiser
manter sua dependência por celulose brasileira no futuro no mesmo nível observado atualmente. Em seu último plano quinquenal, a China sinalizou que
buscará estimular a produção interna de fibra de modo a reduzir a dependência das importações. Outra saída estratégica para os chineses pode residir na
produção direta de celulose em terras estrangeiras. Mas o recente parecer da
Advocacia-Geral da União (AGU), que limita a compra de terras por estrangeiros
no Brasil,16 se não inviabiliza, ao menos dificulta a entrada de empresas chinesas
na produção de celulose no país. A suposta nova linha da APP na Indonésia pode
ser um indício de que os chineses estão buscando fontes alternativas de celulose, e África, Sudeste Asiático e Oceania aparecem como potenciais regiões para
empresas chinesas se instalarem.
16
Para mais informações, ver Parecer CGU/AGU 01/2008, publicado em 19 de agosto de 2010.
PAPEL E CELULOSE
375
GRÁFICO 14 IMPORTAÇÕES CHINESAS DE BHKP, ACUMULADO 12 MESES
45
7.000
40
6.000
35
5.000
4.000
25
%
MIL TONELADAS
30
20
3.000
15
2.000
10
1.000
5
0
0
jan. 2000
jan. 2001
jan. 2002
jan. 2003
Importações China BHKP
jan. 2004
jan. 2005
jan. 2006
jan. 2007
jan. 2008
jan. 2009
jan. 2010
jan. 2011
jan. 2012
% Oriundo do Brasil
Fonte: RISI.
Competitividade
Globalmente, os custos de produção da celulose vêm se elevando nos últimos anos,
reflexo direto do aumento no custo de seu principal insumo, a madeira. Houve
aumentos no custo desta em decorrência da valorização da terra. A inflação global
nos preços das terras vem ocorrendo na esteira do crescimento da população mundial e da renda em países emergentes, que eleva a demanda por alimentos, madeira e biocombustíveis. Uma vez que a população mundial deve continuar crescendo,
assim como a renda em países emergentes, e que pressões ambientais por fontes
de energias limpas continuarão impulsionando a demanda por biocombustíveis, a
pressão nos custos de terras, e, por consequência, da madeira, deverá permanecer.
Em BHKP, o CAGR do custo-caixa médio dos maiores produtores globais17 (medido em US$/t), incluindo frete até a Europa, entre 2000 e 2011, foi de 4,1%. Em
parte, o aumento da média global foi puxado pelo Brasil, cujo CAGR foi de 5,8% e
que se tornou o maior produtor mundial de celulose de mercado BHKP no mundo.
Nas regiões de alto custo, o CAGR foi de 3,5% (ver Gráfico 15).
17
Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia.
376 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
No Brasil, além da inflação do preço da terra, vem pesando nos últimos anos a
elevação do custo de mão de obra, bem como a apreciação do real em relação ao
dólar. Desde 2002, o diferencial de custos de produção do Brasil em comparação
às regiões de alto custo vem se reduzindo. Naquele ano, o custo-caixa médio dos
produtores brasileiros (considerando frete para Europa) esteve 41% abaixo da
região de alto custo, enquanto, em 2011, esse diferencial foi de apenas 15%. A
menos que a atual tendência de uma moeda forte e de aumentos reais na renda
dos trabalhadores se altere, o Brasil continuará com menor destaque na posição
competitiva global de BHKP, ainda que continue figurando entre os produtores
de menor custo.
GRÁFICO 15 CUSTOS DE PRODUÇÃO DE BHKP (EM US$/T)
700
600
500
400
300
200
100
0
2000
2001
2002
Produtores de alto custo
2003
2004
2005
Maiores produtores*
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Brasil
Fonte: RISI.
* Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia.
Em BSKP, os custos também seguem pressionados, porém em menor magnitude
do que em BHKP. O CAGR dos maiores produtores foi de 3,4%, do Chile (produtor
de menor custo nesta fibra) de 3,5% e dos produtores de alto custo de 4,8%. O
custo-caixa dos chilenos se manteve cerca de 47% abaixo do custo dos produtores
de alto custo (Gráfico 16).
PAPEL E CELULOSE
377
GRÁFICO 16 CUSTOS DE PRODUÇÃO DE BSKP (EM US$/T)
700
600
500
400
300
200
100
0
2000
2001
2002
Produtores de alto custo
2003
2004
2005
Maiores produtores*
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Chile
Fonte: RISI.
* Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia.
O grande aumento de capacidade de BHKP no Brasil até 2008 levou a muitos
fechamentos de capacidade de produtores de alto custo no hemisfério norte. Tal
fenômeno não ocorreu em tamanha magnitude em BSKP, em parte pela limitação
de terras disponíveis no Chile, em parte pelo grande foco dos produtores mundiais
em aumentar capacidade em BHKP. Como a quase totalidade dos novos projetos
anunciados para os próximos anos está focada em BHKP no Brasil, a diferença entre
o custo-caixa dos produtores de alto e de baixo custo deve continuar se estreitando
em BHKP, ao contrário de BSKP. Portanto, a margem dos produtores brasileiros de
celulose deve seguir pressionada nos próximos anos.
Tendências tecnológicas e biorrefinarias
Os avanços tecnológicos florestais estão focados no aumento da produtividade das
florestas e das propriedades da fibra. O Brasil conseguiu, ao longo das últimas décadas, avançar muito nessa questão, o que, somado às condições naturais favoráveis, levou o país a apresentar os melhores indicadores de desempenho florestal do
mundo, sendo a alta produtividade das florestas brasileiras o principal responsável
378 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
pela grande competitividade do Brasil na produção de celulose. O incremento médio anual (IMA, uma medida de produtividade florestal dada por m3/ha/ano) das
plantações de folhosas (como o eucalipto) atuais da Indonésia é próximo ao do
Brasil em 1990. Em 2010, o IMA das plantações de eucalipto brasileiras esteve em
patamar 58% superior ao observado vinte anos atrás (Gráfico 17).
GRÁFICO 17 COMPARAÇÃO DO IMA (M3/HA/ANO) DE CONÍFERAS E FOLHOSAS, NO BRASIL E EM PAÍSES
SELECIONADOS EM 2010
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Finlândia
Suécia
Folhosas
EUA
Portugal
África do Sul
Chile
Austrália
Indonésia
Brasil 1990
Brasil 2000
Brasil 2010
Coníferas
Fonte: Abraf.
De modo a continuar buscando ganhos de produtividade, os produtores florestais
permanecem investindo na pesquisa e no desenvolvimento genético de mudas. Uma
das promessas para os próximos anos reside na biotecnologia florestal. Muitos produtores brasileiros já discutem esse assunto e se planejam para aplicar tal tecnologia
em suas florestas. Entretanto, restrições impostas por certificadores, como o Forest
Stewardship Council (FSC), ao uso de plantações com organismos geneticamente modificados limitam sua aplicação em plantios experimentais. A grande demanda por
madeira e a escassez de terras no mundo devem levar a uma revisão desse debate.
Em relação ao desenvolvimento tecnológico na parte industrial, a principal promessa para os próximos anos reside na biorrefinaria, que, de maneira simplificada,
pode ser definida como uma unidade industrial que se utiliza de biomassa para pro-
PAPEL E CELULOSE
379
dução simultânea de distintos produtos, como químicos, biocombustíveis, energia
elétrica e térmica, celulose etc.
Apesar de não ser exclusivo do setor de celulose, o conceito de biorrefinaria é
uma das principais promessas para o setor, em razão da abundância na oferta de
matéria-prima. Ainda residem diversas incertezas em relação às rotas tecnológicas
vencedoras para aplicação em uma fábrica de celulose e a quais produtos serão
desenvolvidos para posterior comercialização. Entretanto, há um grande potencial
no conceito, por causa da possibilidade de agregação de valor à biomassa disponível nas fábricas. Ademais, como visto anteriormente, a previsão de alta para a
demanda de celulose é moderada (crescendo abaixo do PIB) e a pressão nos custos
vem sendo constante, o que enfraquece as margens das empresas do setor. A possibilidade de entrar em novos mercados pode restaurar a atratividade do negócio.
7 . CON CLU SÕES
Nos últimos dez anos, a China passou a ser o grande produtor e consumidor mundial
de papéis, enquanto outros países emergentes obtiveram aumento na produção, ainda
que em ritmo um pouco inferior ao observado no consumo. Já nos mercados maduros,
houve retração na demanda, em especial pelo declínio no consumo de papéis gráficos,
muito afetados pela concorrência com os meios digitais. O Brasil contou com um razoável crescimento na demanda, com a oferta crescendo a taxas um pouco inferiores. Porém, o baixo consumo per capita e a baixa competitividade na produção de papéis, em
relação à celulose, resultaram em poucos projetos de expansão de capacidade no país.
A promoção da China à condição de grande produtor global de papéis resultou
no expressivo aumento do volume importado de celulose pelo país. Em contraste,
o Brasil passou a ser o grande fornecedor global de BEKP de mercado, tornando-se
o segundo maior exportador global de celulose. Nos países do hemisfério norte, a
pouca competitividade, em relação aos do hemisfério sul, levou a diversos fechamentos de capacidade instalada no período.
Nos próximos anos, a tendência para o consumo global de papéis será de crescimento, ainda que a taxas inferiores ao crescimento do PIB, e, como os papéis gráficos
380 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
devem continuar pressionados pela concorrência digital, a maior parcela do crescimento global deverá vir dos papéis para embalagem e sanitários. Os países emergentes continuarão a aumentar sua participação no mercado global, considerando que
as perspectivas econômicas para os países desenvolvidos não são animadoras. O destaque permanecerá sendo a China, que deve se consolidar como o maior produtor
global de papéis. Já o Brasil, apesar das perspectivas de crescimento na demanda e na
oferta, não deverá, no curto ou médio prazos, ocupar posição de destaque no setor
de papéis como a que tem na celulose. Questões como o baixo consumo per capita
de papel, as dificuldades e entraves logísticos e tributários, bem como o reduzido
porte das empresas, precisam ser equacionadas para que a competitividade nacional
aumente e os investimentos, enfim, ganhem expressividade.
Em relação ao consumo de fibra, o mundo deverá continuar utilizando mais aparas de papel em seu mix de produção, mas ainda haverá espaço para a demanda
por celulose crescer, em especial em BHKP de mercado. A maioria dos novos projetos anunciados em celulose é de fibra curta e localizada no Brasil, que permanecerá
como principal fornecedor global de celulose de eucalipto de mercado. Ainda que
pressões nos custos e no câmbio tenham reduzido a competitividade do país, o Brasil
ainda é o produtor de menor custo-caixa na produção de BHKP. Para o futuro, é possível que a biotecnologia aumente ainda mais a produtividade florestal, ao passo que
as biorrefinarias em fábricas de celulose devem alavancar a utilização da biomassa,
permitindo ampliar o escopo e o valor dos produtos fabricados com madeira.
Portanto, o desafio para os próximos anos para a indústria brasileira de celulose
é bastante diferenciado do de setor de papéis. A indústria deve buscar mecanismos
para fortalecer a posição competitiva alcançada, garantindo que os grandes projetos anunciados para os próximos anos se concretizem, apesar da queda na rentabilidade dos produtores em função do aumento nos custos. Ao mesmo tempo, a
indústria deve mirar o futuro, pois além dessas pressões nos custos, residem muitas
incertezas sobre a demanda futura, em especial em função do declínio no consumo
de papéis gráficos. É importante que o setor esteja atento às oportunidades que
possam surgir em novas tecnologias ligadas à biorrefinaria, buscando inovações
que possam garantir sua rentabilidade e posicionamento no longo prazo.
PAPEL E CELULOSE
381
RE F E RÊN CIA S
ABRAF – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRODUTORES DE FLORESTAS PLANTADAS. Anuário estatístico
da ABRAF 2006: ano base 2005. Brasília, 2006.
______. Anuário estatístico da ABRAF 2011: ano base 2010. Brasília, 2011.
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VITAL, M. A indústria de papéis sanitários – panorama mundial e brasileiro. BNDES
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FIBRIA – <www.fibria.infovest.com.br>.
RISI – <www.risi.com>.
WORLD BANK – <www.worldbank.org>.
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Gerência de Editoração do BNDES
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IMPRESSÃO
Gráfica Stamppa
VOLUME II
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1ª edição
RIO D E J A N E IRO – OU T U BRO D E 2 0 1 2
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES
PRES I D EN TE
Luciano Coutinho
V I CE- PRES I D E NT E
João Carlos Ferraz
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refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. É permitida a reprodução
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B661
BNDES 60 anos: perspectivas setoriais/Organizador: Filipe Lage
de Sousa. – 1. ed. – Rio de Janeiro: BNDES, 2012.
v. 2: il.
352 p.
Vários autores.
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1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. 2.
Economia - Brasil. 3. Desenvolvimento econômico - Brasil. I.
Sousa, Filipe Lage de (org.).
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VOLUME 1
PREFÁCIO ................................................................................................................ 5
APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 9
A ECONOMIA BRASILEIRA: CONQUISTAS DOS ÚLTIMOS DEZ ANOS
E PERSPECTIVAS PARA O FUTURO ........................................................................... 12
Adriana Inhudes Gonçalves da Cruz, Antonio Marcos Hoelz Ambrozio, Fernando Pimentel Puga,
Filipe Lage de Sousa e Marcelo Machado Nascimento
COMPLEXO ELETRÔNICO: A EVOLUÇÃO RECENTE
E OS DESAFIOS PARA O SETOR E PARA A ATUAÇÃO DO BNDES ................................ 42
Ricardo Rivera de Sousa Lima
O PAPEL DO BNDES NO DESENVOLVIMENTO DO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO ... 98
Daniel Chiari Barros e Luciana Silvestre Pedro
A INDÚSTRIA AERONÁUTICA NO BRASIL: EVOLUÇÃO RECENTE E PERSPECTIVAS ....
138
Sérgio Bittencourt Varella Gomes
O SETOR DE BENS DE CAPITAL NO BRASIL E O PAPEL DO BNDES
COMO INDUTOR DO DESENVOLVIMENTO, NO PERÍODO 2003-2011 ........................
186
Breno Emerenciano Albuquerque, Edson Moret, Luciana Surliuga, Marcelo Oliveira Santos,
Marcos dos Santos e Marcos Fernandes Machado
PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL
E TECNOLÓGICO NA CADEIA DE FORNECEDORES DE BENS E SERVIÇOS
RELACIONADOS AO SETOR DE P&G ......................................................................
224
Bruno Plattek de Araújo, André Pompeo do Amaral Mendes, Ricardo Cunha da Costa
A RETOMADA DA INDÚSTRIA NAVAL BRASILEIRA .................................................
274
Priscila Branquinho das Dores, Elisa Salomão Lage e Lucas Duarte Processi
SAÚDE COMO DESENVOLVIMENTO: PERSPECTIVAS PARA A ATUAÇÃO
DO BNDES NO COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE ...............................................
300
Vitor Pimentel, Renata Gomes, André Landim, João Pieroni e Pedro Palmeira Filho
A INDÚSTRIA DE PAPEL E CELULOSE ....................................................................
André Carvalho Foster Vidal e André Barros da Hora
334
VOLUME 2
PREFÁCIO ................................................................................................................ 5
APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 9
A INDÚSTRIA QUÍMICA E O SETOR DE FERTILIZANTES .............................................. 12
Leticia Magalhães da Costa e Martim Francisco de Oliveira e Silva
O FUTURO DO SETOR SUCROENERGÉTICO E O PAPEL DO BNDES .............................. 62
Artur Yabe Milanez e Diego Nyko
APOIO DO BNDES À AGROINDÚSTRIA: RETROSPECTIVA E VISÃO DE FUTURO ............ 88
Egmar Del Bel Filho, Jaldir Freire Lima, Luciana Xavier de Lemos Capanema e Victor Emanoel Gomes de Moraes
INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO NO BRASIL:
DESAFIOS E OPORTUNIDADES ..............................................................................
122
Job Rodrigues Teixeira Junior, Rangel Galinari, Paulo Fernandes Montano e Juliana Generoso da Silva
CRIATIVIDADE E DESENVOLVIMENTO ...................................................................
160
Marina Moreira da Gama
O SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO E O BNDES:
REFLEXÕES SOBRE O FINANCIAMENTO AOS INVESTIMENTOS E PERSPECTIVAS .......
190
Alexandre Siciliano Esposito
SITUAÇÃO ATUAL E PERSPECTIVAS DA INFRAESTRUTURA
DE TRANSPORTES E DA LOGÍSTICA NO BRASIL ......................................................
232
Dalmo dos Santos Marchetti e Tiago Toledo Ferreira
O SANEAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL: CENÁRIO ATUAL E PERSPECTIVAS ..........
272
Guilherme da Rocha Albuquerque e Arian Bechara Ferreira
TRANSPORTE URBANO: O PAPEL DO BNDES NO APOIO À SOLUÇÃO
DOS PRINCIPAIS GARGALOS DE MOBILIDADE .......................................................
Rafael R. Herdy, Carlos H. R. Malburg e Rodolfo Torres dos Santos
310
PREFÁCIO
A construção do futuro
Ao longo do século XX, a economia brasileira passou por mudanças significativas.
O Brasil deixou de ser uma economia exportadora de produtos primários para se
transformar – notadamente a partir da grande crise dos anos trinta e, depois, pelo
impulso de quatro ciclos relevantes de avanço industrial entre 1950 e 1980 – em
uma economia urbanizada, diversificada e complexa. Já no longo período que se
iniciou com a crise da dívida externa no início dos anos oitenta, até o rápido processo de robustecimento da posição cambial brasileira (de 2004 a 2007), a economia
experimentou alta instabilidade, forte incerteza e modestos avanços estruturais no
que toca ao seu sistema industrial e de serviços.
A partir de 2005, a economia brasileira experimentou um firme ciclo de
expansão, interrompido pela eclosão da grave crise bancária e financeira mundial
de 2008-2009. Desde 2010, o crescimento foi retomado, mas sob crescentes desafios derivados do acirramento global da concorrência comercial e industrial. Diagnosticar esses desafios e propor novos caminhos constituem o objetivo principal
desta publicação.
Com efeito, ao comemorar sessenta anos de existência este ano, o BNDES se
orgulha de ter sido, ao longo de sua história, um ator importante no processo de
desenvolvimento econômico e social. E uma das virtudes da instituição foi sua capacidade de antever os desafios do país e se reestruturar para atendê-los.
Nos anos cinquenta, o Banco apoiou o desenvolvimento da infraestrutura. Simultaneamente, começou a dar suporte financeiro para incentivar o surgimento
das indústrias de base. Nos anos setenta, impulsionou a formação de um amplo setor de bens de capital (seriados e sob encomenda), além da expansão das indústrias
de insumos básicos (siderurgia, metalurgia de não ferrosos, química e petroquímica, celulose e papel), bem como a expansão das indústrias de bens de consumo
duráveis, sem deixar de apoiar o esforço continuado de investimentos em infraestrutura, inclusive de telecomunicações.
6
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Nos oitenta, o Banco ganhou mais uma missão relevante: a de apoiar o desenvolvimento social, o que motivou financiamentos a infraestruturas de saneamento
básico e transportes de massa, além da atenção ao crédito às pequenas empresas.
No difícil período de alta inflação e alta vulnerabilidade cambial, nas décadas de
1980 e 1990, em que a Formação Bruta de Capital Fixo/Produto Interno Bruto (FCBF/
PIB) veio declinando, o BNDES teve sua atuação restringida pelas circunstâncias adversas. Não obstante, colaborou de forma competente e diferenciada com o processo de modernização do setor público, tendo sido o agente operativo do programa
nacional de desestatização.
Desde 2004, com a retomada do crescimento, o BNDES voltou a apoiar firmemente a expansão dos investimentos em infraestruturas, indústria e serviços, colaborando decisivamente para elevar o patamar da taxa agregada de investimento
(FBCF/PIB), que subiu de cerca de 16% para perto de 20%. Essa trajetória ascendente foi interrompida pela gravíssima crise financeira global detonada pela falência
do Lehman Brothers em setembro de 2008.
O acúmulo de reservas efetuado no período 2004-2008 somado aos bons fundamentos fiscais permitiu ao governo brasileiro exercitar, pela primeira vez em três
décadas, uma firme política anticíclica baseada em um conjunto de iniciativas de
estímulo do mercado interno, visando sustentar o consumo e reanimar os investimentos. O BNDES atuou proativamente desde o início da crise e, com as demais
instituições financeiras federais, contribuiu de modo relevante para a rápida superação do processo recessionista ao longo de 2009. Para isso, não apenas recebeu
empréstimos de grande escala do Tesouro Nacional em 2009 e 2010, mas atuou de
forma inovadora, sugerindo várias iniciativas ao governo federal.
Essa capacidade de adaptar as suas formas de atuação pode ser explicada pelo
conhecimento setorial da instituição sobre os diversos setores da economia brasileira.
A partir de diagnósticos precisos e realistas, foi possível adequar as políticas públicas
para resistir aos retrocessos, suprir as vicissitudes e aproveitar oportunidades viáveis.
Os desafios atuais requerem superação das dificuldades antepostas pelo cenário internacional. A perda de dinamismo de grandes mercados em países desenvolvidos, acompanhada pela ascensão de países em desenvolvimento, tem resultado
PREFÁCIO
7
em maior competição internacional no mercado de bens transacionáveis. Simultaneamente, a continuidade das rápidas mudanças tecnológicas demanda agilidade
na elaboração de políticas de fomento.
Apesar do ambiente desafiador, o Brasil possui amplas oportunidades de crescimento a serem exploradas. A demanda mundial por produtos em que somos comprovadamente competitivos tende a aumentar e, por consequência, a atrair mais
recursos para o país. As descobertas de recursos minerais em alto-mar trazem oportunidades de desenvolvimento de uma gama de bens e serviços ao longo da cadeia
produtiva e que requerem conteúdo tecnológico de fronteira.
Nossos agronegócios são extremamente competitivos e podem capturar oportunidades relevantes com o desenvolvimento avançado das cadeias supridoras de
bens de capital, insumos e biotecnologias. Basta observar o potencial de muitas
áreas de nossa indústria de bens de capital e da indústria automotiva, os setores
de caminhões e o de ônibus, considerando as oportunidades de transição tecnológica em direção a novos padrões de sustentabilidade ambiental, incluindo veículos
híbridos e elétricos. A necessidade mundial de desenvolvimento mais sustentável
coloca o Brasil em posição de destaque por sua capacidade de aglutinar soluções de
baixo carbono, eficiência energética e inclusão social.
Oportunidades relevantes de crescimento derivam da expansão das infraestruturas. Os investimentos em mobilidade urbana e saneamento ganharam corpo a
partir de 2007, com o Plano de Aceleração do Crescimento, e continuarão a crescer
nos próximos anos com a entrada de novos projetos na terceira edição desse plano.
Mais recentemente o lançamento pelo governo federal de um ciclo de concessões e
parcerias público-privadas em infraestruturas logísticas (rodovias, ferrovias, portos,
aeroportos) abre mais oportunidades de desenvolvimento de cadeias supridoras de
equipamentos, insumos e serviços – além do impacto positivo para a competitividade sistêmica da economia.
Não se deve, porém, considerar apenas os desafios de avançar nas cadeias e setores onde o Brasil já tem constituído vantagens competitivas reveladas ou onde os
gargalos existentes criaram oportunidades rentáveis. É preciso pesquisar e fomentar as nossas chances de desenvolver indústrias e cadeias intensivas em conheci-
8
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
mento científico e inovação. Não há razão para não ambicionar capturar oportunidades empresariais nas tecnologias de informação e comunicação, como os setores
de software, de telecomunicações, de semicondutores, de automação dos serviços
e comércio. Entre as novas oportunidades, sobressaem a farmacêutica de biossintéticos e várias famílias de equipamentos do complexo industrial da saúde, além de
nosso complexo aeronáutico, aeroespacial e de defesa. Ressaltam-se, ainda, novas
oportunidades nas áreas de energias renováveis, biomassa, etanol de terceira geração, assim como as energias eólica e solar. Há possibilidades de desenvolvimento de
cadeias produtivas mais fortes e inovadoras e podemos avançar no desenvolvimento de gerações avançadas de produtos e processos. Não há por que amesquinhar a
perspectiva brasileira e não pensar de forma ambiciosa em relação aos potenciais
de desenvolvimento do país.
Nesta edição especial comemorativa do aniversário de sessenta anos da instituição, o BNDES mostra sua capacidade de refletir sobre as necessidades e potencialidades brasileiras. Esta edição traz um olhar sobre o desempenho dos setores com
um breve histórico da última década, mas volta-se principalmente para as perspectivas nos próximos anos. Ao vislumbrar as necessidades e oportunidades futuras,
este estudo propicia uma visão de como as políticas do Banco podem se adequar às
demandas setoriais. Desafios e oportunidades emergem, e o BNDES está atento e
pronto a continuar apoiando o desenvolvimento brasileiro de maneira sustentável
em todos os sentidos.
Luciano Coutinho
Presidente do BNDES
APRESENTAÇÃO
Desde o início do século XXI, ocorreram marcantes transformações econômicas que
mudaram o eixo de desenvolvimento mundial: grave crise financeira nos EUA; crise
bancária e soberana na Europa; China como principal motor do crescimento mundial;
ritmo intenso de progresso técnico gerando novos produtos a preços consistentemente decrescentes; termos de troca favoráveis às commodities; inclusão econômica
de uma nova classe média em países em desenvolvimento. Diante dessas transformações em curso, a tarefa de vislumbrar as perspectivas de longo prazo da economia
brasileira, principalmente do ângulo setorial, tornou-se complexa e desafiadora.
Ao completar sessenta anos de existência, o BNDES organizou a presente publicação com este intuito: registrar as possibilidades futuras de desenvolvimento de alguns
setores da economia brasileira. As dificuldades encontradas para identificar as potencialidades de cada setor são consideráveis, porém, esse exercício pode trazer contribuições
positivas para o país e para o BNDES. Identificar e compreender melhor as vicissitudes
e oportunidades setoriais contribui para o debate sobre os rumos do desenvolvimento
brasileiro, para a formulação de políticas públicas e auxilia o BNDES a traçar os rumos de
sua atuação. Portanto, mais importante do que conseguir antever o futuro dos setores
per se, é permanecer sempre disposto a dialogar com os agentes interessados e com a
sociedade sobre os desafios que a economia brasileira terá que enfrentar.
Dividida em dois volumes, esta publicação reúne 18 artigos, sendo um introdutório e 17 setoriais que procuram refletir sobre as potencialidades da economia
brasileira a partir da performance dos últimos dez anos e dos cenários mais prováveis acerca dos mercados mundial e doméstico. O artigo introdutório utiliza os
resultados da balança comercial, da expansão do mercado doméstico, do investimento e da produtividade para analisar o comportamento da economia brasileira
no período recente, bem como suas perspectivas.
Entre os artigos setoriais, os setores intensivos em tecnologia são particularmente relevantes na discussão de crescimento econômico sustentável. O primeiro
artigo setorial do Volume I trata do Complexo Eletrônico, analisado tanto pelos
equipamentos e componentes eletrônicos (inclusive microeletrônica e displays),
10
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
quanto pelo crescente e cada vez mais importante segmento de software e serviços
correlatos. O artigo seguinte aborda o Complexo Automobilístico e avalia não só a
produção de veículos como também o setor de autopeças. A evolução da indústria
aeronáutica é apresentada posteriormente, enfatizando como o Brasil soube aproveitar as oportunidades do setor para desenvolver empresas internacionalmente
competitivas e examina os principais desafios para mantê-las.
A performance da indústria de bens de capital, o apoio do BNDES ao setor e
suas perspectivas futuras são apreciadas no quarto artigo setorial deste volume.
Além da análise geral de máquinas e equipamentos, alguns estudos tratam da especificidade de alguns demandantes desses bens. As perspectivas da exploração do
pré-sal no Brasil abrem oportunidades na cadeia de fornecedores de bens e serviços
relacionados à exploração e produção offshore de petróleo e gás natural. O assunto é abordado no artigo seguinte, focando nos equipamentos e serviços necessários
para extração de hidrocarbonetos em alto-mar. Outro setor impulsionado pelas descobertas das reservas é o de construção naval, analisado no sexto artigo setorial, no
qual é possível perceber a existência de grandes oportunidades para o Brasil voltar a
desempenhar papel de relevo na produção mundial. O Complexo Industrial da Saúde, formado pelas indústrias farmacêutica e de equipamentos médicos, é avaliado no
penúltimo artigo do Volume I, em um contexto em que promover a inovação constitui meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde.
Outros setores são caracterizados como fornecedores de insumos para outros. Um
exemplo é o setor de papel e celulose, abordado em detalhe no último artigo do Volume I.
Já no Volume II, o primeiro artigo trata da indústria química, com foco em fertilizantes, setor que tem um considerável potencial de crescimento e de contribuição
para a expansão agrícola no país. O desenvolvimento de fornecedores nacionais
do referido insumo dinamizaria ainda mais dois outros segmentos tratados nesta
publicação: biocombustíveis e agroindústria. Com relação ao setor de biocombustíveis, uma análise do crescimento de sua importância nos últimos anos por conta da
necessidade de desenvolver uma economia sustentável é apresentada no artigo seguinte. A agroindústria é avaliada no terceiro artigo como um processo integrado,
contemplando desde a produção no campo até as etapas industriais que a sucedem.
APRESENTAÇÃO
11
O quarto artigo do Volume II aborda alguns setores tradicionais de bens de consumo, exemplificados por móveis, calçados, têxteis e confecções, bebidas e produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. O quinto artigo analisa a evolução
da economia criativa assim como as perspectivas futuras.
Infraestrutura é outro grande setor abordado na publicação. A evolução estrutural do setor elétrico brasileiro e o seu financiamento são discutidos no sexto artigo.
O artigo seguinte mostra o desenvolvimento da logística e sua evolução nos próximos anos em diversos modais, tais como: rodoviário, ferroviário, portuário e aquaviário. Com relação à infraestrutura urbana, o sétimo artigo aborda a questão de
saneamento urbano e suas potencialidades. Por fim, o último artigo do Volume II
apresenta outra questão relevante para os anseios da população nas cidades: a capacidade de mobilidade urbana.
A importância dos setores abordados nesta publicação não se resume a sua representatividade no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mas também na sua relevância para o desenvolvimento da economia brasileira. Por sua abrangência, uma boa
performance desses setores auxiliará o Brasil a mudar de patamar, passando para país
de renda alta. Essa mudança representa um grande salto de desenvolvimento por sua
dificuldade e complexidade. A expectativa é que o conhecimento aqui demonstrado
possa contribuir para superar os desafios encontrados pela economia brasileira.
Por último, é necessário registrar e agradecer a contribuição de todos os autores
dos artigos desta edição comemorativa e das equipes de todas as áreas envolvidas
nesse projeto: Industrial (AI), Insumos Básicos (AIB), Infraestrutura (AIE), Social (AS),
Operações Indiretas (AOI), Comércio Exterior (AEX) e Pesquisa Econômica (APE).
O empenho e a dedicação desses autores foram essenciais para garantir a qualidade das reflexões encontradas na publicação. Cabe também um agradecimento
aos colaboradores do Departamento de Divulgação do Gabinete da Presidência do
BNDES envolvidos na edição do livro.
Filipe Lage de Sousa
Organizador
Leticia Magalhães da Costa
Martim Francisco de Oliveira e Silva*
*Respectivamente economista e engenheiro do Departamento de Indústria Química da Área de Insumos Básicos do BNDES.
Os autores agradecem os comentários de Gabriel Lourenço Gomes, Felipe dos Santos Pereira, Marcelo Gonçalves Tavares e Rodrigo
Matos Huet de Bacellar, respectivamente: chefe de departamento e gerente do Departamento de Indústria Química e assessor e
superintendente da Área de Insumos Básicos, e os comentários da Área de Pesquisa Econômica do BNDES (APE). Os autores são
gratos também a David Roquetti Filho, diretor-executivo da Associação Nacional de Difusão de Adubos (ANDA), e Carlos Eduardo
Florence, diretor-executivo da Associação dos Misturadores de Adubos do Brasil (AMA) por recebê-los para conversas sobre o setor.
Erros e omissões eventualmente remanescentes são, entretanto, de responsabilidade dos autores.
QUÍMICA
13
RESUMO
O setor de fertilizantes é um segmento estratégico para o país, estando a elevação da produtividade da agricultura fortemente relacionada a sua utilização. No
entanto, a produção interna tem sido insuficiente para atender à demanda, o que
tem ocasionado uma forte elevação das importações de fertilizantes ano após ano
e tornado o segmento responsável por cerca de um terço do déficit da indústria
química. Os diversos investimentos planejados para os próximos anos serão capazes
de reduzir a dependência externa, porém ainda serão insuficientes para suprir o
mercado nacional. O setor sofre com problemas de infraestrutura portuária e de armazenamento, e também relacionados a questões tecnológicas, regulatórias, tributárias e ambientais, que merecem destaque e serão objeto de estudo neste artigo.
ABSTRACT
The fertilizer industry is a strategic segment for the country, and the increase in
agricultural productivity is strongly related to the use of fertilizer. However, domestic
production has been unable to meet demand, which has caused a sharp rise in
imports of fertilizers year after year. This has resulted in the segment accounting for
approximately one third of the deficit in the chemical industry. Several investments
planned for the coming years will be able to reduce dependence on imports, but it
will still be unable to supply the national market. The sector suffers from problems
with port infrastructure and storage, and also with technological, regulatory, tax
and environmental issues that warrant attention and will be the focus of this paper.
QUÍMICA
15
1. INTRODUÇÃO
Na década de 2000, a produção da indústria química brasileira não acompanhou a
evolução do consumo interno, ocasionando um déficit crescente e persistente no
setor. Os intermediários para fertilizantes, segmento importante da indústria química, são responsáveis por cerca de um terço do déficit, e as perspectivas são de que
a demanda por adubos eleve-se ainda mais nos próximos anos.
O Brasil dispõe de um enorme potencial agrícola. O agronegócio é responsável
por parcela importante do Produto Interno Bruto (PIB), e o país é um dos maiores
produtores e fornecedores globais de grãos, cana-de-açúcar, carne e produtos florestais, tendo uma das estruturas de custos mais competitivas do mundo. As projeções
de crescimento da população e sua urbanização, a alta procura por alimentos realizada por China e Índia e o apelo para utilização de biocombustíveis exigirão que a
produção agrícola se eleve para acompanhar a demanda. No entanto, a quantidade
de terras disponíveis para a agricultura é limitada, criando a necessidade de que as
terras cultiváveis aumentem sua produtividade. Esse aumento de produtividade vem
ocorrendo por meio do uso de fertilizantes, aliado a outras tecnologias.
Como um grande produtor agrícola, o país é também um grande consumidor
de fertilizantes, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos. Apesar de ser um
grande demandante, porém, a produção interna de insumos para fertilizantes é
insuficiente para atender ao consumo, e cerca de 60% dos fertilizantes utilizados
provêm de importações. A alta dependência externa deixa o país vulnerável a flutuações de câmbio e preços e traz o risco de escassez de insumos básicos.
Tendo em vista a importância estratégica dos fertilizantes para o país, é necessário
reduzir a participação das importações no consumo nacional, elevando a produção
interna. O país tem reservas de fósforo e potássio, matérias-primas para a produção
de fertilizantes fosfatados e potássicos, com potencial para serem exploradas. Além
disso, com a descoberta do pré-sal, a oferta de gás natural, que é insumo básico para
a produção de nitrogenados, deve ser ampliada. Contudo, para destravar os investimentos no setor, são necessários investimentos em logística e formulação de políticas
que solucionem impasses regulatórios, tecnológicos, tributários e ambientais.
16
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Assim, o objetivo deste artigo é destacar a importância do setor de fertilizantes
como um segmento estratégico para o país e alertar para a necessidade de existência de uma política industrial focada, a fim de incentivar os investimentos e reduzir
a exposição externa.
O estudo está composto de cinco seções. Além desta introdução, na próxima seção será avaliada a evolução da indústria química de 2000 a 2011, caracterizando e
dimensionando o setor no país e no mundo, destacando a importância do segmento de fertilizantes para o aumento do déficit comercial nos últimos anos. Em seguida, será detalhado o segmento de fertilizantes, explorando sua contribuição para o
aumento da produtividade do agronegócio brasileiro. A seção posterior visa avaliar
as grandes tendências do setor no mundo e no país, em relação ao crescimento do
mercado e a fatores que poderão afetar de forma significativa a competitividade
do setor. Serão apresentados os principais desafios, oportunidades e perspectivas
de investimento. Por fim, expõem-se as conclusões do estudo.
2. A INDÚSTRIA QUÍMICA
CARACTERIZAÇÃO DO SETOR
A indústria química está presente em quase todas as cadeias produtivas dos mais
diversos setores, fornecendo insumos e produtos para a indústria, agricultura e
serviços. Em razão de sua importância, ocupava em 2009 a quarta posição no PIB industrial, que corresponde a 10,11% do PIB gerado pela indústria de transformação,
ficando atrás apenas da indústria de alimentos e bebidas; coque, produtos derivados de petróleo e biocombustíveis; e veículos automotores, reboques e carrocerias.
A indústria química envolve a fabricação de produtos com base em reações
químicas que convertem matérias-primas (petróleo, gás natural e outras fontes, até
mesmo da biomassa) em mais de setenta mil produtos químicos existentes. Embora
todos tenham em comum o fato de empregarem processos químicos (ou biotecnológicos) para síntese dos produtos, há grandes diferenças nas características dos
produtos e processos de produção, nos respectivos mercados e padrões de competição nos diferentes segmentos da indústria química.
QUÍMICA
17
Segundo a Classificação Nacional de Atividade Econômica do IBGE (CNAE-2.0),
pode-se dividir a indústria química em nove segmentos: fabricação de produtos
químicos inorgânicos; fabricação de produtos químicos orgânicos; fabricação de resinas e elastômeros; fabricação de fibras artificiais e sintéticas; fabricação de defensivos agrícolas e desinfestantes domissanitários; fabricação de sabões, detergentes,
produtos de limpeza, cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal; fabricação de tintas, vernizes, esmaltes, lacas e produto afins; e fabricação de produtos
e preparados químicos diversos.
Os produtos químicos, de acordo com o segmento em que estão inseridos e
a aplicação final, podem ser classificados em commodities ou especialidades. As
commodities são produtos fabricados em grandes quantidades, comercializados em
nível mundial, utilizando principalmente processos contínuos, e que têm certa padronização. Já que os consumidores finais não fazem distinções entre os produtos, a
competição ocorre predominantemente via preços, que são definidos no mercado
mundial. Exemplos de commodities na indústria química são os segmentos de resinas
termoplásticas e intermediários para fertilizantes. As especialidades têm características particulares, como um determinado grau de pureza ou propriedade física, havendo diferenciação por parte do cliente final do produto a ser adquirido. Normalmente são produzidas em plantas menores, que requerem menor intensidade de
capital. Nesse caso, como há diferenciação de produtos, os preços praticados geralmente
são mais altos e as margens, mais elevadas. Defensivos agrícolas, catalisadores e aditivos
e intermediários de síntese são alguns exemplos de especialidades na indústria química.
FATURAMENTO
A indústria química brasileira tem uma importante posição internacional, ocupando em 2010 o sétimo lugar no ranking mundial em faturamento, com US$ 130
bilhões. A primeira posição é ocupada pela China, com faturamento de US$ 903
bilhões, seguida pelos EUA (US$ 720 bilhões) e Japão (US$ 338 bilhões), como pode
ser visto no Gráfico 1. Nos últimos dez anos o mundo apresentou uma taxa composta de crescimento anual de 9%, liderada principalmente pelos países em desenvolvimento. A China cresceu a uma taxa de 24% a.a., ultrapassando Estados Unidos,
18
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Japão e Alemanha. Índia, Rússia, Brasil e Coreia cresceram, respectivamente, 14% a.a.,
13% a.a., 11% a.a. e 10% a.a. A indústria química brasileira ganhou a posição de
países como Itália e Reino Unido.
GRÁFICO 1 RANKING DE FATURAMENTO DA INDÚSTRIA QUÍMICA MUNDIAL, 2010 (EM US$ BILHÕES)
903
China
720
EUA
Japão
338
229
Alemanha
Coreia
139
França
137
129
Brasil
125
Índia
105
Itália
94
Reino Unido
83
Rússia
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1.000
Fonte: Abiquim (2011).
No Brasil, segundo dados da Associação Brasileira de Indústria Química
(Abiquim), a indústria química, considerando todos os seus segmentos (produtos
químicos industriais + produtos farmacêuticos + produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos + defensivos agrícolas + adubos e fertilizantes + tintas e vernizes + produtos de limpeza + fertilizantes + fibras artificiais e sintéticas) alcançou,
em 2011, um faturamento líquido estimado de R$ 261,9 bilhões, o equivalente
a US$ 158,5 bilhões. Com esse faturamento espera-se que o Brasil eleve em pelo
menos uma posição sua colocação no ranking mundial, assumindo o sexto lugar,
ocupado pela França em 2010.
Os produtos químicos de uso industrial, categoria acompanhada de modo mais
detalhado pela Abiquim, correspondem aos produtos químicos empregados como
matéria-prima da própria indústria química e são seu principal segmento, respondendo por quase metade do faturamento total da indústria, atingindo o valor de
QUÍMICA
19
R$ 125,4 bilhões, cerca de US$ 76,2 bilhões, em 2011. Compreendem, assim, produtos petroquímicos (básicos, ou de segunda geração, como as resinas termoplásticas,
termofixas e elastômeros), outros produtos orgânicos, além de produtos inorgânicos, como cloro e álcalis, gases industriais e intermediários para fertilizantes.
Dentre os produtos químicos de uso industrial, destacam-se os petroquímicos básicos e resinas termoplásticas (responsáveis por 33% do faturamento total
do segmento em 2011), produtos e preparados químicos diversos (17%), outros
produtos químicos orgânicos (15%), intermediários para fertilizantes (9%), intermediários para resinas e fibras (7%), e outros inorgânicos (6%). A petroquímica
corresponde ao principal segmento da indústria química brasileira, com cerca de
60% do faturamento total dos produtos químicos de uso industrial, o equivalente a
US$ 45,9 bilhões. Assim, a petroquímica, com quase um terço do faturamento global da indústria, é o principal segmento da indústria química no país.
TABELA 1 FATURAMENTO DA INDÚSTRIA QUÍMICA POR SEGMENTO, 2011 (EM US$ BILHÕES)
Segmento
US$ bilhões
PETROQUÍMICOS
45,9
INORGÂNICOS
17,4
QUÍMICOS DIVERSOS
12,9
PRODUTOS FARMACÊUTICOS
25,3
HIGIENE PESSOAL, PERFUMARIA E COSMÉTICOS
15,4
ADUBOS E FERTILIZANTES
16,9
DEFENSIVOS AGRÍCOLAS
8,0
PRODUTOS DE LIMPEZA
8,7
TINTAS, ESMALTES E VERNIZES
4,5
FIBRAS ARTIFICIAIS E SINTÉTICAS
1,3
OUTROS
2,2
Fonte: Abiquim (2011).
Na década de 2000, o faturamento da indústria química, de acordo com dados da Abiquim, passou de US$ 43,6 bilhões em 2000 para US$ 158,5 em 2011, o
que corresponde a um aumento de cerca de 264%, ou a uma taxa composta de
crescimento anual por volta de 12%. No Gráfico 2, se observa uma queda do faturamento no ano de 2009, reflexo da crise econômica do fim de 2008, porém com
recuperação nos anos seguintes.
20
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 2 FATURAMENTO DA INDÚSTRIA QUÍMICA BRASILEIRA, 2000-2011 (EM R$ E US$ BILHÕES)
226,1
201,2
200,9
179,6
140
200
176,1
176,4
250
225,2
261,9
300
91,3
79,8
100
158,5
108,9
150
123,8
72,3
128,5
101,3
103,5
82,6
60,3
50
43,6
38,8
37,3
2000
2001
2002
45,5
0
R$ BILHÕES
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
US$ BILHÕES
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abiquim (2011).
PRODUÇÃO
A indústria química brasileira tem importante participação no PIB, da ordem de
2,5% em 2010. Esse número já foi de 3,6% em 2004, porém desde então a indústria
química vem perdendo participação na economia. Segundo dados do IBGE, da Pesquisa da Indústria Anual1 (PIA), o valor bruto da produção industrial de químicos no
Brasil chegou a R$ 133 bilhões (excluindo os farmacêuticos) no ano de 2009 [IBGE
(2009)]. Dentre os segmentos da indústria química, destacam-se a produção em
valor dos produtos químicos orgânicos, resinas e elastômeros e produtos químicos
inorgânicos. Observa-se uma concentração da produção voltada para a indústria
petroquímica. No caso de fertilizantes, existe elevada produção nacional de pro1
Os dados de produção industrial foram retirados da PIA-Empresa e correspondem ao valor bruto da produção industrial, da
Tabela 1.4 (Estrutura do valor da transformação das empresas industriais com 30 ou mais pessoas ocupadas). O valor bruto da
transformação industrial é dado pela soma de vendas de produtos e serviços industriais (receita líquida industrial), variação dos
estoques dos produtos acabados e em elaboração e produção própria realizada para o ativo imobilizado. Para os anos 2000-2006 foi
utilizada a divisão 24 do CNAE 1.0 e para os anos 2007-2009 a divisão 20 do CNAE 2.0. A fim de compatibilizar as duas séries, foi
separado o grupo de fabricação de produtos farmacêuticos, 24.5 do CNAE 1.0. Vale ressaltar que, como os dados utilizados captam
as informações apenas para o universo de empresas de portes médio e grande (acima de trinta empregados), o valor da produção
pode estar subestimado.
QUÍMICA
21
dutos finais misturados, contudo o país é extremamente carente na produção de
matérias-primas e fertilizantes básicos e intermediários.
Apesar da importância da indústria química para os outros setores da economia, o que se constata quando analisamos o índice físico de produção é que este se
manteve constante na década analisada para os segmentos de maior representatividade quanto ao valor. Com base em dados da Pesquisa de Indústria Mensal (PIM),
foi feito o Gráfico 3, que mostra a evolução da produção física de produtos químicos inorgânicos; adubos e fertilizantes; petroquímicos básicos e intermediários para
resinas e fibras; e resinas e elastômeros. Todas revelam uma tendência horizontal
de crescimento, com uma queda observada no fim do ano de 2008 e início de 2009
por causa da crise financeira internacional. O segmento de adubos e fertilizantes
tem um ciclo associado ao plantio da agricultura, que pode ser facilmente identificado. Houve recuperação na produção em 2010 e 2011, porém os níveis encontram-se
iguais ou inferiores aos identificados em 2007 e início de 2008, com tendência de
estagnação da produção.
GRÁFICO 3 PRODUÇÃO FÍSICA INDUSTRIAL POR SUBSETORES SEM AJUSTE SAZONAL, 2000-2011
(2002=BASE 100)
175
150
125
100
Produtos químicos inorgânicos
Adubos, fertilizantes e corretivos para o solo
Petroquímicos básicos e intermediários para resinas e fibras
Resinas, elastômeros, fibras, fios, cabos e filamentos artificiais e sintéticos
Fonte: PIM/IBGE.
jul. 2011
jan. 2011
jul. 2010
jan. 2010
jul. 2009
jan. 2009
jul. 2008
jan. 2008
jul. 2007
jan. 2007
jul. 2006
jan. 2006
jul. 2005
jan. 2005
jul. 2004
jan. 2004
jul. 2003
jan. 2003
jul. 2002
jan. 2002
jul. 2001
jan. 2001
jul. 2000
50
jan. 2000
75
22
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
BALANÇA COMERCIAL
O crescimento do consumo do setor químico não vem sendo acompanhado pela
elevação da produção doméstica, o que resulta em importações cada vez maiores
para atender à demanda interna. Assim, a indústria química vem contribuindo negativamente para o resultado da balança comercial brasileira. Nos últimos anos,
o setor vem sofrendo déficits crescentes e persistentes, que passaram de US$ 6,7
bilhões no ano 2000 para US$ 26,5 bilhões em 2011, uma taxa composta de crescimento anual por volta de 13,3% (Gráfico 4). Para se ter uma ideia da gravidade do
problema, o valor do déficit do setor verificado no último ano é quase equivalente
ao superávit comercial obtido para toda a economia, que foi de US$ 29,8 bilhões. A
razão para constantes resultados negativos deve-se principalmente às importações
ascendentes que apresentam alta elasticidade com o PIB industrial e agrícola, além
de fatores como preços, câmbio e custos de matérias-primas.
GRÁFICO 4 BALANÇA COMERCIAL DA INDÚSTRIA QUÍMICA, 2000-2011 (EM US$ BILHÕES)
45
40
35
EM US$ BILHÕES
30
25
20
15
10
5
0
2000
2001
Exportação
2002
Importação
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Déficit
Fonte: Abiquim (2011).
As preocupações com o desenvolvimento da indústria química aumentaram
depois de serem divulgados os resultados para a balança comercial do setor em
QUÍMICA
23
2011. Depois de uma breve melhora dos números em 2009, com redução do
déficit em razão da crise econômica que ocasionou uma queda na demanda e
nos preços no mercado internacional, o déficit do setor vem crescendo significativamente nos últimos dois anos. Em 2011, a balança comercial da indústria
química foi negativa em US$ 26,5 bilhões, um aumento de 28,3% em relação a
2010 e de 14,2% em relação ao déficit obtido em 2008, que era o maior da série
histórica. As importações atingiram US$ 42,3 bilhões (19% das importações totais do país), ultrapassando a cifra recorde de US$ 34,7 bilhões, em 2008. Já as
exportações vêm apresentando um crescimento mais moderado, somando quase US$ 15,8 bilhões no último ano (cerca de 6% das exportações totais do país).
O déficit comercial de produtos químicos do país concentra-se nos segmentos
de produtos químicos orgânicos, farmacêuticos e inorgânicos, que responderam
por mais de 70% em 2011.
O segmento de intermediários de fertilizantes, que está inserido no grupo de
inorgânicos, é o principal item da pauta de importação dos produtos químicos,
sendo um dos maiores responsáveis pela elevação no déficit do setor nos últimos
anos. Conforme é mostrado no Gráfico 5, no ano de 2011, o segmento representou
cerca de um terço do déficit da indústria química. As importações alcançaram cerca
de US$ 8,7 bilhões, valor 78,5% superior ao verificado no ano de 2010. O produto
cloreto de potássio foi o item de maior importação, com US$ 3,5 bilhões.
A América do Norte e a União Europeia são os principais fornecedores para
a indústria química brasileira, totalizando 55% do total das importações em
2011. A Ásia ocupa a terceira posição, com 17%. Já no que diz respeito ao destino das exportações da indústria química brasileira, há um maior equilíbrio dos
atores. Os países do Mercosul são os principais clientes, sendo responsáveis por
22% do total exportado; seguidos por União Europeia e América do Norte, cada
uma com parcelas referentes a 21%. Tal configuração se reflete na estrutura do
déficit, que se concentra na América do Norte e União Europeia. Com os países
do Mercosul verifica-se pequeno superávit, mas não capaz de reverter o déficit
com as outras regiões.
24
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 5 DÉFICIT COMERCIAL DA INDÚSTRIA QUÍMICA POR SEGMENTO, 2011 (EM %)
Intermed. fertilizantes
33%
Farmacêuticos
26%
Orgânicos
16%
Resinas e elastômeros
10%
Defensivos agrícolas
8%
Químicos diversos
4%
Fibras e fios
3%
Tintas
1%
Produtos de limpeza
0%
0
4
8
12
US$ BILHÕES
Fonte: Abiquim.
ATUAÇÃO DO BNDES
O BNDES desempenha um importante papel para toda a indústria nacional e por
isso vem acompanhando e apoiando financeiramente a indústria química brasileira, a fim de que esta seja capaz de enfrentar os mais diversos desafios. O Banco tem
também um papel ativo na formulação de políticas industriais, fazendo propostas
e articulações entre o setor público e privado que incentivem os investimentos produtivos e em inovação.
Na última década, o Banco participou dos maiores investimentos realizados
pelo setor, como a construção do polo gás-químico do Rio de Janeiro, das novas
unidades e expansões de polipropileno (PP) e policloreto de vinila (PVC), além da
unidade de fibras sintéticas em implantação em Suape. Acompanhou e esteve presente no processo de reestruturação e consolidação empresarial na indústria petroquímica, que resultou na emergência da Braskem, parceria da Odebrecht e da
Petrobras, uma empresa de porte comparável ao padrão internacional. O BNDES
elaborou também um programa destinado ao fortalecimento do setor de transformados plásticos, que é formado principalmente por micro, pequenas e médias
25
QUÍMICA
empresas. Além disso, vem trabalhando para a promoção de projetos de inovação
e realizou trabalho em conjunto com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep)
para o fomento de projetos que utilizem biomassa proveniente da cana-de-açúcar
como matéria-prima.
O financiamento proporcionado pelo BNDES para a indústria química2 em geral
ao longo do período de 2000 a 2011, em valores reais de 2011, apresentou uma
trajetória constante até 2006, sendo desembolsado cerca de R$ 1,5 bilhão ao ano.
A partir de 2007, esse valor elevou-se para R$ 2,5 bilhões ao ano, como pode ser
observado no Gráfico 6. Cabe lembrar que no ano de 2009, como reflexo da crise
internacional que atingiu o país em 2008, houve uma estagnação dos desembolsos
à indústria. Já em 2010, com a recuperação da economia e o importante papel desempenhado pelo BNDES, houve um grande avanço nas liberações, que atingiram
o valor máximo de R$ 3,8 bilhões em valores nominais ou R$ 4,1 bilhões em reais
de 2011. No ano de 2011 os desembolsos recuaram para o valor de R$ 2,5 bilhões.
GRÁFICO 6 DESEMBOLSO DO BNDES À INDÚSTRIA QUÍMICA, 2000-2011 (EM R$ BILHÕES DE 2011)
4,5
4,0
3,5
R$ BILHÕES
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Fonte: Elaboração própria.
2
A indústria química é representada pelo código 20 do CNAE 2.0.
2006
2007
2008
2009
2010
2011
26
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Quando desagregamos os desembolsos da indústria química por segmento, observa-se que estes estão concentrados principalmente em petroquímica e
vêm aumentando sua participação ao longo do tempo. No ano de 2000, cerca
de 18% dos financiamentos eram destinados a petroquímicos básicos. A partir
de 2006, esse percentual chegou a 43% e, no ano de 2011, alcançou 71% dos
desembolsos totais (Tabela 2). No sentido inverso, outros segmentos como defensivos e fertilizantes, cuja participação já foi mais elevada no passado, tiveram os desembolsos a seus segmentos diminuídos. Especificamente no caso de
fertilizantes, ainda há certo apoio ao setor de adubos e fertilizantes finais, que
são formados pelos misturadores responsáveis por fornecer a mistura NPK (Nitrogênio-Fósforo-Potássio) aos agricultores. No entanto, para os intermediários
de fertilizantes, que são responsáveis pela formulação de matérias-primas, o
desembolso vem sendo praticamente nulo nos últimos anos, refletindo o baixo
investimento no setor.
TABELA 2 PARTICIPAÇÃO DOS DESEMBOLSOS DO BNDES POR SEGMENTO 3 DA INDÚSTRIA QUÍMICA (EM %)
Setor de atividade
2000
2001
2002
20.1 - QUÍMICOS INORGÂNICOS
11
20
20
0
2
3
20.126 - INTERMEDIÁRIOS
PARA FERTILIZANTES
20.134 - ADUBOS E
FERTILIZANTES
2003
2004
2005
2006
2007
2008
6
15
1
0
2009
2010
12
9
7
0
0
0
Total
5
10
10
7
10
0
0
0
0
0
3
15
13
3
9
9
2
2
1
3
8
6
6
20.2 - QUÍMICOS ORGÂNICOS
22
21
19
11
19
33
51
26
61
54
62
72
44
20.215 - PETROQUÍMICOS
BÁSICOS
18
13
9
10
14
22
43
22
53
52
55
71
38
29
13
28
48
33
23
20
51
21
12
8
4
22
20.3 - RESINAS E
ELASTÔMEROS
20.4 - FIBRAS ARTIFICIAIS E
SINTÉTICAS
5
1
3
0
0
0
0
0
0
0
4
0
1
20.5 - DEFENSIVOS AGRÍCOLAS
0
24
12
22
6
15
1
1
0
6
3
1
6
11
5
2
6
5
10
8
9
8
9
7
10
8
4
5
1
1
1
1
1
2
1
2
1
2
2
20.6 - PRODUTOS DE LIMPEZA
E PERFUMARIA
20.7 - TINTAS, VERNIZES,
ESMALTES E LACAS
20.9 - QUÍMICOS DIVERSOS
SEM CLASSIFICAÇÃO
9
9
9
6
12
6
6
3
4
8
4
4
6
10
2
6
1
10
0
4
1
0
0
0
0
2
Fonte: Elaboração própria.
3
2011
Para classificação do segmento, foi utilizada a CNAE principal da empresa que obteve financiamento.
QUÍMICA
27
A grande participação da indústria petroquímica nos desembolsos realizados
pelo BNDES reflete a concentração da produção química brasileira no setor. Segmentos como o de fertilizantes, que na última década tiveram um crescimento
acentuado em seu consumo, não revelaram um desempenho semelhante em investimento, resultando em um baixo apoio do Banco. Tal fato é preocupante, já
que, ao acompanhar o crescimento da agroindústria no Brasil, percebe-se que a
necessidade de utilização de fertilizantes a fim de elevar a produtividade se fará
cada vez mais necessária e crescente, como será visto com mais detalhes na próxima
seção. A dependência externa já é uma realidade e foi descrita com os resultados
da balança comercial para a indústria química. As importações de intermediários
para fertilizantes são os principais responsáveis pelo déficit no setor. Diante da
crescente demanda global por alimentos e sendo o Brasil um dos maiores fornecedores mundiais de produtos agrícolas, caso não ocorram investimentos no setor, a
dependência externa vai se elevar ainda mais.
Além de receber e apoiar projetos de investimentos, é também dever do BNDES
agir de maneira proativa, fomentando e apoiando o crescimento de uma estrutura
produtiva diversificada, integrada, dinâmica, inclusiva, sustentável e competitiva.
Dessa forma, o Banco busca de alguma maneira aprofundar seu conhecimento no
setor de fertilizantes e aumentar sua atuação no segmento nos próximos anos,
acreditando ser este um setor estratégico para o país.
3. O SEGMENTO DE FERTILIZANTES
CARACTERIZAÇÃO DO SETOR
Pode ser definida como fertilizante toda substância mineral ou orgânica, obtida de
forma natural ou industrial, que forneça às plantas os nutrientes básicos necessários a seu desenvolvimento. O objetivo principal é devolver ao solo os elementos
retirados em cada colheita, mantendo ou elevando a produtividade.
Os primeiros produtos usados como fertilizantes eram adubos orgânicos, como
excrementos animais, cinza vegetal oriunda da queima de plantas e lodo de rios,
28
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
lagos e pântanos. Estes ainda necessitam ser desmontados em compostos inorgânicos antes de utilizados pelas plantas e, portanto, têm ação mais lenta.
A era dos fertilizantes químicos iniciou com o cientista alemão Justus Von
Liebig (1803-1873), que foi o primeiro a afirmar que o crescimento das plantas é
determinado pelos elementos presentes no solo em quantidades adequadas. Em
um solo carente de nutrientes, bastaria adicionar a famosa fórmula NPK para que
as plantas crescessem mais.
Ao todo são dezesseis os nutrientes essenciais ao desenvolvimento das plantas, que podem ser encontrados no ar, na água e no solo. Cada um tem um papel
específico, não podendo ser substituído. São eles: carbono, hidrogênio, oxigênio,
nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, ferro, manganês, zinco,
cobre, boro, cloro e molibdênio. Os nutrientes podem ainda ser divididos em duas
categorias: macronutrientes e micronutrientes.
Os macronutrientes são aqueles utilizados em larga quantidade, sendo os
principais: nitrogênio, fósforo e potássio. O papel do nitrogênio é a manutenção
do crescimento da planta, a formação de aminoácidos e proteínas. O fósforo é
responsável por auxiliar as reações químicas que ocorrem nas plantas, interferindo nos processos de fotossíntese, respiração, armazenamento e transferência
de energia, divisão celular e crescimento das células. Já o potássio é importante
para a manutenção de água nas plantas, formação de frutos, resistência ao frio
e às doenças. O enxofre também é considerado hoje um elemento-chave para o
desenvolvimento das plantas, intervindo na formação de compostos orgânicos.
Já os micronutrientes são adicionados em quantidades muito pequenas, quando
não forem oferecidos pelo solo.
A aplicação de fertilizantes aumenta o rendimento das plantas quando se usa
o adubo correto e a quantidade adequada. No entanto, outras medidas devem
acompanhar a aplicação de fertilizantes para que esta seja eficaz. A natureza dos
solos no Brasil é acentuadamente ácida, o que dificulta a absorção dos nutrientes e
eleva os custos de fertilização. Portanto, antes da aplicação de adubos, recomenda-se
a neutralização do solo, que pode ser feita por simples aplicação de calcário moído
[Dias e Fernandes (2006)].
QUÍMICA
29
CADEIA PRODUTIVA
A cadeia produtiva de fertilizantes vai desde a extração da matéria-prima até o
agricultor, podendo ser dividida em cinco elos. Na Figura 1, é exibido um fluxograma da cadeia de produção.
FIGURA 1 CADEIA DE PRODUÇÃO DA INDÚSTRIA DE FERTILIZANTES
GÁS NATURAL
PETRÓLEO
RESÍDUOS PESADOS
NAFTA
ENXOFRE NATURAL
PIRITAS
ROCHA FOSFÁTICA
“IN SITU”
ROCHA POTÁSSICA
MATÉRIAS-PRIMAS
ENXOFRE
AMÔNIA
ROCHA FOSFÁTICA
PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS
ÁCIDO
NÍTRICO
ÁCIDO
SULFÚRICO
ÁCIDO
FOSFÓRICO
FERTILIZANTES BÁSICOS
UREIA
NITRATO DE
AMÔNIO
SULFATO DE
AMÔNIO
TERMOFOSFATO
SUPERFOSFATO
TRIPLO
NITROCÁLCIO
ROCHA
PARCIALMENTE
ACIDULADA
MAP
SUPERFOSFATO
SIMPLES
DAP
GRANULAÇÃO E MISTURA DE FORMULAÇÃO NPK
DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
Fonte: Dias e Fernandes (2006).
CLORETO
DE POTÁSSIO
30
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
O primeiro elo da cadeia é formado pela indústria extrativa mineral, que fornece as matérias-primas básicas (rocha fosfática, rocha potássica, enxofre e gás natural ou nafta) para a produção de fertilizantes. Em seguida, entramos na indústria
de fabricação de produtos químicos inorgânicos, que, a partir dos insumos obtidos da indústria extrativa, produzem as matérias-primas básicas e intermediárias,
como o ácido sulfúrico, ácido fosfórico e amônia anidrida. A indústria de fabricação
de fertilizantes simples e intermediários compõe o terceiro elo da cadeia, do qual
resultam: superfosfato simples (SSP); superfosfato triplo (TSP); fosfato de amônio
(MAP e DAP); nitrato de amônio; sulfato de amônio; ureia; cloreto de potássio; termofosfatos; e rocha fosfática parcialmente articulada.
O quarto elo contempla o processo de granulação e mistura dos fertilizantes,
que origina os fertilizantes finais, mais conhecidos como NPK. Por fim, estes são
distribuídos e comercializados no quinto elo, sendo utilizados pelo produtor rural
na agricultura.
O AGRONEGÓCIO
A indústria de fertilizantes está fortemente relacionada ao agronegócio. O crescimento da população mundial, que veio acompanhado pela elevação da renda em
mercados emergentes e mudança na dieta das pessoas, criou uma demanda crescente na produção de alimentos. Além desses fatores, a tendência de substituição
de combustíveis derivados do petróleo por biocombustíveis também vem pressionando a elevação da produção agrícola. Como os recursos agrícolas são limitados e
as áreas disponíveis para o plantio cada vez mais escassas, o aumento da produção
via expansão da fronteira agrícola já não é a melhor opção, tornando-se necessária
a elevação do rendimento por hectare plantado (produtividade).
O aumento de produtividade pode ocorrer por meio da adoção de técnicas
apropriadas de cultivo e manejo, como a utilização de agricultura de precisão, correta aplicação de fertilizantes, rotação de culturas, correção de acidez do solo, manejo integrado de pragas e uso de defensivos agrícolas. Nos últimos anos, as pesquisas com sementes geneticamente modificadas também vêm contribuindo para
elevação da produtividade na agricultura.
QUÍMICA
31
Segundo estimação feita pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), em 2011, o PIB do agronegócio brasileiro totalizou R$ 917 bilhões
(em reais de 2011, descontando a inflação), tendo crescido 4,38% (a preços reais).
O PIB da economia brasileira, segundo o IBGE, apresentou uma taxa de crescimento
de 2,7%, atingindo R$ 4,1 trilhões. Dessa forma, a participação do agronegócio no
PIB nacional passou de 21,8% em 2010 para 22,2% em 2011.
O Brasil ocupa importante posição na produção agrícola mundial, a primeira
nas exportações de café, cana-de-açúcar e suco de laranja, e o segundo lugar no
complexo de soja.
A utilização de fertilizantes químicos é um dos maiores contribuintes para a
elevação da produtividade agrícola no Brasil e no mundo. No Gráfico 7 são indicados: a evolução da produção brasileira de grãos,4 a área plantada de grãos5 e o consumo de fertilizantes6 para o período de 1977 a 2011, trabalhando com o primeiro
ano da série como base. Pode-se verificar que até a década de 1990 as séries mostram uma tendência horizontal, com baixo crescimento das três variáveis. Contudo,
a partir daí, com o desenvolvimento da indústria de fertilizantes e a difusão de seu
uso, constata-se elevação na produção de grãos, que foi acompanhada de maior
consumo de fertilizantes, tendo a área plantada alcançado pequena elevação. De
fato, no período 1977-1990, a produção de grãos apresentou uma taxa composta
de crescimento anual de 1,68%, enquanto a área plantada cresceu 0,33% a.a. e o
consumo de fertilizantes apenas 0,11% a.a. Já no período 1990-2011, a produção
de grãos saltou para 5,02% a.a., sendo acompanhada pelo crescimento na taxa de
consumo de fertilizantes que passou para 5,92% a.a., enquanto a área cultivada
elevou-se somente 1,19% a.a. Logo, conclui-se que a indústria de fertilizantes foi
elemento fundamental para o aumento da produtividade agrícola.
4
Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento, Indicadores Econômicos (Conab/IE) – produção em toneladas mil. O valor
apresentado em cada ano refere-se à safra iniciada no ano anterior. Inclui algodão, amendoim (duas safras), arroz, aveia, canola,
centeio, cevada, feijão (três safras), girassol, mamona, milho (duas safras), soja, sorgo, trigo e triticale.
5
Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento, Indicadores Econômicos (Conab/IE) – Área Plantada em hectares mil. O valor
apresentado em cada ano refere-se à safra iniciada no ano anterior. Os dados mais recentes são estimativas sujeitas a revisões. Inclui
algodão, amendoim (duas safras), arroz, aveia, canola, centeio, cevada, feijão (três safras), girassol, mamona, milho (duas safras),
soja, sorgo, trigo e triticale.
6
Fonte: Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA). Refere-se a fertilizantes entregues ao consumidor final avaliados em
nutrientes medidos em toneladas. No momento da elaboração não estava disponível a quantidade entregue em 2011.
32
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 7 PRODUÇÃO DE GRÃOS, ÁREA PLANTADA E CONSUMO DE NPK NO BRASIL (1977 = BASE 100)
400
350
300
250
200
150
100
50
Produção grãos
Área plantada
2011
2009
2007
2005
2003
2001
1999
1997
1995
1993
1991
1989
1987
1985
1983
1981
1979
1977
0
Consumo NPK
Fonte: Elaboração própria, com base em Conab/ANDA.
MERCADO MUNDIAL
O mercado mundial de fertilizantes vem revelando taxas crescentes na última década. Segundo dados da International Fertilizer Industry Association (IFA), o consumo
mundial de fertilizantes no ano de 2010 foi de 171 milhões de toneladas de nutrientes. No período 2000-2010 o consumo cresceu 27%, o que equivale a uma taxa composta de crescimento anual de 2%. Já na década anterior, o consumo de fertilizantes
manteve-se praticamente constante, como pode ser visto no Gráfico 8. No mundo, o
consumo de fertilizantes está concentrando principalmente nos fertilizantes nitrogenados, que representaram cerca de 61% da demanda total por nutrientes, dos quais
os fosfatados foram responsáveis por cerca de 23% e os potássicos, 16%.
A demanda por fertilizantes é altamente concentrada, sendo quatro países responsáveis por 64% do total consumido em 2010. A China é o maior consumidor
mundial e vem aumentando sua participação ano após ano. Em 1990, o percentual
consumido pelo país era de 20%, tendo saltado para 26% em 2000 e alcançado 30%
em 2010. A Índia ocupa a segunda posição, com 16%, tendo ultrapassado os EUA
na última década, que passaram para o terceiro lugar, consumindo 12% do total
QUÍMICA
33
mundial. O Brasil foi o quarto maior consumidor, respondendo por 6% do total global. Cabe lembrar que China, Índia e Brasil vêm apresentado taxas de crescimento
para o consumo de fertilizantes de 4% a.a., superior à taxa mundial e à dos EUA.
GRÁFICO 8 CONSUMO MUNDIAL DE NPK POR NUTRIENTE, 1990, 2000 E 2010 (EM MILHÕES TON)
180
160
27
140
24
22
120
100
40
33
36
80
60
104
79
82
1990
2000
40
20
-
Nitrogênio
Fósforo
2010
Potássio
Fonte: IFA.
A indústria de matérias-primas para o setor de fertilizantes, assim como a indústria petroquímica, é intensiva em capital. As plantas precisam ter escala que lhes
permita a diluição dos custos fixos e viabilize os investimentos. Além desse fato, o
acesso aos recursos naturais é restrito, o que faz o segmento ser concentrado em
todo o mundo, tanto em relação a países, como a firmas. No mais, em função da
dotação de fatores naturais ser de certa forma escassa, a produção é relativamente
estável. A estrutura econômica ainda pode variar de acordo com o tipo de nutriente que é analisado.
De acordo com dados da IFA, em 2009, a produção total de fertilizantes foi de
164 milhões de toneladas de nutrientes. China, Índia, EUA e Rússia são os maiores
produtores, representando 63% da produção. O Brasil, apesar de ser o quarto consumidor, ocupava a décima posição em relação à produção, sendo responsável por
apenas 2% da produção mundial de nutrientes.
34
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
O Nitrogênio (N) é a matéria-prima básica para a produção de fertilizantes nitrogenados, como amônia e ureia. Para a fabricação da amônia necessita-se da reação
do nitrogênio, prontamente disponível no ar, com o hidrogênio, que pode ser obtido de fontes diversas – gás natural, nafta, carvão, resíduos asfálticos. No Brasil,
assim como na maioria dos países, a principal fonte de hidrogênio é o gás natural,
cujo preço no país é elevado em comparação ao restante do mundo.
No total, de acordo com dados da IFA, existiam em 2009 cerca de 77 países
produtores mundiais de nitrogenados, estando a China em primeiro lugar, seguida
de Índia, EUA e Rússia. Os quatro países foram responsáveis por 60% da produção
mundial de nitrogenados em 2009, que foi de 105 milhões de toneladas de nutrientes, tendo crescido 18% em relação a 2000. Somente a China aumentou sua capacidade de produção em 62%. No entanto, cabe lembrar que o país tem uma base
de produção “suja”, já que utiliza como principal fonte de hidrogênio o carvão. Em
2009, China, Índia e EUA eram também os maiores consumidores de nitrogenados.
O Brasil, apesar da baixa produção, ocupava a sexta posição mundial em consumo.
O Fósforo (P) é obtido por uma atividade extrativa mineral que tem como
fonte a exploração da rocha fosfática. Existem dois tipos de rocha fosfática, as
de origem ígnea ou as sedimentares, onde a concentração de fósforo é maior. No
Brasil, ao contrário da maioria dos países produtores, a origem da rocha fosfática
é ígnea em função da estrutura geológica. Em 2009, existiam cerca de sessenta
países produtores, liderados por China, EUA, Índia e Rússia, respectivamente. O
Brasil ocupava a quinta posição, sendo responsável por cerca de 5% da produção
mundial de fosfatados, que foi de 37 milhões de toneladas de nutrientes, 14%
superior ao que foi produzido no ano 2000. As principais reservas encontram-se
nos continentes africano e asiático. É um mercado global formando por grandes
players mundiais. Novamente China, Índia, EUA e Brasil são os maiores consumidores, representando 68% do consumo total.
O Potássio (K), obtido principalmente a partir do cloreto de potássio, é encontrado na maioria das vezes em camadas sedimentares. As reservas mundiais são de
grande limitação e a produção concentra-se basicamente em 12 países. Canadá,
Rússia, Bielo-Rússia e Alemanha são os maiores produtores, responsáveis por cerca
35
QUÍMICA
de 65% da produção mundial. A produção em 2009 foi de 20,6 milhões de toneladas. Os maiores demandantes são mais uma vez China, EUA, Índia e Brasil, com 64%
da demanda global.
MERCADO BRASILEIRO
O mercado brasileiro de fertilizantes é o quarto maior consumidor do mundo, representando cerca de 6% do mercado global em 2009 de acordo com dados da
IFA. Segundo a ANDA (2010), foram entregues 24,5 milhões de toneladas em 2010,
contendo 10,1 milhões de nutrientes. Apesar do elevado consumo, a utilização de
fertilizantes por hectare ainda é baixa em relação a outros países da Europa e à China. Contudo, o país vem apresentando uma taxa de crescimento da demanda superior à taxa de crescimento mundial e de países desenvolvidos. O consumo nacional
depende, principalmente, da renda dos agricultores, mas também é influenciado
pelo preço relativo dos fertilizantes, pela política agrícola e expectativas de preços
futuros e da produção agrícola. No Gráfico 9, é exposta a evolução do consumo de
fertilizantes por tipo de nutriente no período 2000-2010.
GRÁFICO 9 CONSUMO BRASILEIRO DE NPK POR NUTRIENTE, 2000-2010, (EM MILHÕES TON)
12
10
4,3
4,2
3,5
6
3,9
4,3
8
2,8
3,1
3,2
3,3
2,8
2,5
2,6
2,9
2007
2008
2009
2010
3,0
2,9
3,4
4
2,5
3,7
3,5
2,5
3,7
3,9
2,9
3,1
3,4
2,7
2
2,0
1,7
1,9
2000
2001
2002
2,4
2,5
2,3
2,3
2003
2004
2005
2006
0
Nitrogênio
Fonte: ANDA.
Fósforo
Potássio
36
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
No Brasil, diferentemente do restante do mundo, os fertilizantes mais consumidos não são os nitrogenados, mas sim os potássicos, que no ano de 2010 responderam
por 38% do total de nutrientes demandados, enquanto fosfatados e nitrogenados
foram responsáveis por 28% e 33%, respectivamente. A explicação para essa inversão ocorre por causa da estrutura da agricultura brasileira. Cinco principais culturas
concentram o consumo no país: soja, milho, cana-de-açúcar, café e algodão. Em 2010,
elas representaram mais de 75% do total de fertilizantes consumidos. A soja, que é
a principal cultura consumidora, com 36%, utiliza pouco nitrogênio e muito potássio
para sua produção, explicando a concentração no consumo desse tipo de nutriente.
O consumo de fertilizantes por cultura no Brasil em 2010 é mostrado no Gráfico 10.
GRÁFICO 10 ENTREGA DE FERTILIZANTES POR CULTURA, 2010 (EM %)
Outras
Soja
23%
Algodão
36%
5%
6%
Café
15%
Cana-de-açúcar
15%
Milho
Fonte: ANDA.
A Região Centro-Sul, formada pelos estados do Centro-Oeste, Sul e Sudeste, é
onde está concentrado o maior consumo de fertilizantes no Brasil. No ano de 2010,
86% dos fertilizantes entregues foram direcionados à região, onde estão localizadas as principais culturas agrícolas do país. As regiões Norte e Nordeste consumiram
apenas 14% do total.
O estado de Mato Grosso, principal produtor brasileiro de soja, foi o maior
consumidor de fertilizantes, com participação de 16% sobre a demanda total. Em
seguida temos São Paulo, com 14%, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, com 13%, e
QUÍMICA
37
Paraná, com 12%. O Gráfico 11 detalha o consumo de fertilizantes por unidade de
federação no ano de 2010.
GRÁFICO 11 ENTREGA DE FERTILIZANTES POR UNIDADE DE FEDERAÇÃO, 2010 (EM MIL TON)
4.500
4.000
MILHARES DE TONELADAS
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
MT
SP
MG
RS
PR
GO
BA
MS
SC
MA
ES
AL
PE
PI
TO
PA
SE
RO
PB
RJ
RN
DF
CE
RR
AP
AM
AC
Fonte: ANDA.
Apesar de o Brasil ter experienciado altas taxas de crescimento na demanda
por fertilizantes, a produção interna para a fabricação de suas matérias-primas
não vem crescendo no mesmo ritmo, resultando em um grande desbalanceamento
entre oferta e demanda. A indisponibilidade de matérias-primas básicas, além de
questões logísticas, tributárias e ambientais, vem sendo gargalos para novos investimentos. Dessa forma, o atendimento ao consumo interno vem ocorrendo principalmente via aumento das importações.
No ano de 2010, a entrega total de fertilizantes formulados no Brasil alcançou
24 milhões de toneladas de produtos, dos quais 15 milhões de toneladas foram importadas e 9 milhões produzidas internamente. Em relação ao ano 2000 houve um
crescimento acumulado de 50% do consumo, 17% da produção e 48% das importações. A participação das importações sobre o consumo total manteve-se, de certa
forma, constante no período analisado, por volta de 60%. No ano de 2007, ano de
alta no consumo de fertilizantes, o percentual ocupado pelas importações chegou
38
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
a superar 70%. Já em 2009, em razão da grande queda na demanda por conta da
crise econômica de 2008, o volume importado teve sua participação reduzida para
49%, pois muitos produtores utilizaram os estoques acumulados nos anos anteriores. No ano de 2010, com a retomada do mercado de fertilizantes, as importações
cresceram novamente e representaram 62% do total consumido (Gráfico 12).
GRÁFICO 12 IMPORTAÇÃO, PRODUÇÃO E CONSUMO DE FERTILIZANTES (PRODUTO), 2000-2010
(EM MILHÕES TON)
30
25
MILHÕES TON
20
15
10
5
2000
2001
Importação
2002
Produção
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Consumo
Fonte: ANDA.
A dependência externa não é função apenas da elevada demanda do setor
agrícola nacional, mas também da disponibilidade de matérias-primas (nitrogênio,
fósforo e potássio) e da estrutura de produção. A produção interna de fertilizantes nitrogenados no ano de 2010 atendeu aproximadamente a 24% da demanda.
No início da década, no ano 2000, esse número já foi próximo a 40%. No entanto,
como pode ser observado no Gráfico 13, enquanto o consumo de nitrogenados
cresceu, a produção permaneceu estagnada. Gás natural, gás de refinaria e resíduo
asfáltico são as matérias-primas utilizadas para a fabricação de amônia, cujas unidades produtivas são localizadas próximas a refinarias petroquímicas ou de fontes
de hidrogênio. No Brasil, o preço do gás natural, utilizado como matéria-prima, é
superior a outras regiões do mundo, tornando o país menos competitivo.
QUÍMICA
39
GRÁFICO 13 IMPORTAÇÃO, PRODUÇÃO E CONSUMO DE FERTILIZANTES DE NITROGENADOS, 2000-2010
(EM MIL TON)
3.000
NITROGÊNIO
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
2000
2001
Produção
2002
Importação
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Consumo
Fonte: ANDA.
Os fertilizantes fosfatados são os que exibem a situação mais favorável, porém ainda insuficiente. A produção nacional consegue atender a cerca de 59%
das necessidades do país. Essa situação vem se mantendo estável, com elevação
da produção ao longo da década, como se pode verificar no Gráfico 14. Contudo,
um agravante é o fato de o Brasil não ter produção destinada à indústria de fertilizantes de enxofre, matéria-prima básica para a produção de ácido sulfúrico, que
é utilizado para obtenção de ácido fosfórico. Este é utilizado como matéria-prima
intermediária para a produção de fertilizantes fosfatados.
Por fim, em relação ao potássio, a situação é mais preocupante. Apesar de ser
o nutriente com maior demanda pelo setor agrícola brasileiro, a produção nacional
é muito inferior à demanda e tem atendido somente a 10% do consumo interno
(Gráfico 15). O Brasil conta com apenas uma mina de potássio explorável hoje.
Apesar de existirem grandes reservas, estas não são economicamente viáveis ou
oferecem grandes riscos ambientais.
40
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 14 IMPORTAÇÃO, PRODUÇÃO E CONSUMO DE FERTILIZANTES DE FOSFATADOS, 2000-2010
(EM MIL TON)
4.500
FÓSFORO
4.000
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
2000
2001
Produção
2002
Importação
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Consumo
Fonte: ANDA.
GRÁFICO 15 IMPORTAÇÃO, PRODUÇÃO E CONSUMO DE FERTILIZANTES POTÁSSICOS, 2000-2010
(EM MIL TON)
5.000
POTÁSSIO
4.500
4.000
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
2000
Produção
Fonte: ANDA.
2001
2002
Importação
2003
Consumo
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
QUÍMICA
41
Na Tabela 3 são mostrados os volumes de importação, produção e exportação, para
os principais fertilizantes básicos e intermediários, realizados no ano de 2010. Com base
nos números, foi calculado o consumo aparente7 dos produtos e a participação das importações no total consumido. Verifica-se que, com exceção do SSP, do qual há quase
autossuficiência na produção, sendo apenas 6% importado, todos os outros fertilizantes
apresentaram uma participação das importações superior a 50%. Em alguns casos, como
o DAP e cloreto de potássio, a dependência externa chega a ultrapassar 90%.
TABELA 3 IMPORTAÇÃO, PRODUÇÃO, EXPORTAÇÃO E CONSUMO APARENTE DE FERTILIZANTES BÁSICOS
E INTERMEDIÁRIOS, 2010 (EM TON)
Importação (a)
Produção (b)
Exportação (c)
Consumo aparente
(d)=(a)+(b)-(c)
% Importação no
consumo (a)/(d)
SULFATO DE AMÔNIO
1.538.301
264.300
5.282
1.797.319
86
UREIA
2.510.214
814.762
10.202
3.314.774
76
1.213.625
79
8.581
5.337.837
6
NITRATO DE AMÔNIO
962.872
250.753
SSP
312.533
5.033.885
971.916
886.208
9.914
1.848.210
53
MAP
1.142.536
1.047.536
1.866
2.188.206
52
DAP
367.990
2.486
365.504
101
21.082
6.777.117
91
TSP
CLORETO DE POTÁSSIO
6.133.985
664.214
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANDA.
A situação atual no mercado de fertilizantes brasileiros, que vem experimentando elevações no consumo e baixa capacidade de produção interna, aumenta
a vulnerabilidade do país, deixando-o exposto às variações na taxa de câmbio e
preços no mercado internacional, além de outras conjunturas econômicas. Para que
esse quadro seja revertido, são necessários investimentos na produção e na infraestrutura logística, que serão discutidos mais à frente.
ORGANIZAÇÃO INDUSTRIAL E COMPETITIVIDADE
No Brasil, as primeiras fábricas de fertilizantes surgiram em 1940. Até o início da
década de 1960, as importações atendiam à demanda interna de matérias-primas.
7
Consumo aparente = produção + importação - exportação
42
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
A partir de 1970, foi implementado o I Plano Nacional de Fertilizantes, quando se
iniciou uma nova fase com incentivos do governo. Nos anos 1990 ocorreu a primeira privatização do setor.
No segmento de fertilizantes, assim como na indústria petroquímica, vêm ocorrendo movimentos de fusões e aquisições. Depois da abertura do mercado na década de 1990, observou-se a entrada de diversos grupos multinacionais para atuar
no segmento por meio da aquisição de pequenas empresas nacionais, iniciando um
movimento de concentração. Em 2010, ocorreu o último e maior caso de aquisição
na indústria nacional de fertilizantes com a ampliação de atuação da Vale no setor.
A empresa adquiriu a Fosfértil e outros ativos da Bunge na área de matérias-primas
para fertilizantes, criando a Vale Fertilizantes, uma gigante do setor. A Vale também mantém projetos e operações na área de fertilizantes na Argentina, Peru,
Moçambique e Canadá.
A reestruturação observada é uma resposta ao maior dinamismo da indústria,
em que o controle de fontes de matérias-primas (disponibilidade e custo) e o acesso a mercados exigem maiores escalas de planta e porte das empresas, bem como
integração vertical.
No Brasil, apenas quatro empresas têm acesso às matérias-primas básicas para
a produção dos fertilizantes básicos e intermediários. A Petrobras é a única fornecedora de gás natural como matéria-prima para a indústria e a principal produtora
de amônia destinada à produção de fertilizantes, dividindo o mercado com a Vale
Fertilizantes. A Vale Fertilizantes é a grande produtora de rocha fosfática no Brasil,
com participação menor de Galvani e Copebrás. No que diz respeito ao potássio, a
Vale explora reservas localizadas em Sergipe. No Amazonas, a Petrobras detém direito de exploração de lavras de grandes reservas, porém em razão principalmente
de questionamentos ambientais, não há definição para iniciar as explorações. Não
há no Brasil produção de enxofre para uso como fertilizante, 100% do enxofre utilizado é importado.
O Quadro 1 mostra as principais empresas do setor nas fases de produção de
matérias-primas e das Fórmulas NPK.
QUÍMICA
43
QUADRO 1 PRINCIPAIS EMPRESAS PRODUTORAS, DE ACORDO COM O PRODUTO
N
Matérias-primas
básicas
PETROBRAS
VALE
Ureia/Nitrato
de amônio
P
MAP/DAP
K
TSP
SSP
Cloreto de
potássio
NPK misturadoras
Vale
Heringer
Petrobras
Vale
Vale
Heringer
Vale
Copebrás
Copebrás
Galvani
Bunge
Timac Agro
Copebrás
Mosaic
Yara
Yara Brasil
Yara
Timac Agro
Fertipar
Fospar
Outros
COPEBRÁS
GALVANI
Cibrafértil
Bunge
Profertil
Vale
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do 1º Congresso Brasileiro de Fertilizantes.
No caso de fabricação de fertilizantes básicos e intermediários, o número de
empresas produtoras varia de acordo com o tipo de fertilizante. Para os nitrogenados, existem somente três empresas responsáveis pela produção. São elas Petrobras, Vale e Proquigel, que produz sulfato de amônio. Na cadeia de fertilizantes
fosfatados, o número de empresas produtoras já é maior, chegando a dez para o
SSP. Quanto ao cloreto de potássio, o mercado é altamente concentrado, havendo
somente a Vale como produtora.
No setor de mistura, responsável pelas formulações finais de NPK, estima-se
que existam cerca de cem misturadores8 no Brasil. Por ser um processo mais simples
e por causa da facilidade de importação de matérias-primas e fertilizantes intermediários, a concorrência no setor é maior. Contudo, deve-se ressaltar que grandes
grupos, como Bunge, Mosaic, Heringer e Yara, têm grandes participações nas vendas, que chegam a 70%. Além disso, como lembrado por Saab e Paula, há grupos
das indústrias de fertilizantes que também controlam ou são sócios das Trandings
Companies que comercializam os grãos. Dessa forma, os produtores rurais ficam
com pouca margem de manobra, já que são clientes nas duas pontas.
8
Número obtido em entrevistas na ANDA com especialistas no setor.
44
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
As maiores margens de lucro encontram-se no começo da cadeia, durante a
etapa de produção de fertilizantes básicos e intermediários. Os misturadores de
fertilizantes trabalham com uma margem muito pequena, por volta de 5%, já que
a concorrência é grande e o produto não apresenta diferenciação, competindo
em preço.
PREÇOS
Os fertilizantes são commodities, sendo seu preço determinado pelo mercado internacional. São variáveis relevantes na formação de preço nacional dos fertilizantes o custo da matéria-prima, o custo do transporte marítimo, custos portuários, tributos externos e internos, e custo de transporte até os centros produtores
[Saab e Paula (2008)].
Os preços internacionais dos fertilizantes revelaram uma trajetória ascendente
até o ano de 2007, ocorrendo uma intensa alta no ano de 2008. Os elevados preços
foram resultado da grande expansão no mercado agrícola, que exerceu pressão
sobre o mercado de fertilizantes e consequentemente sobre os preços. O acelerado
crescimento das economias da China e da Índia aumentou o consumo de fertilizantes e, como a oferta mundial é concentrada em poucos países produtores e limitada
por conta do alto custo do investimento e dotação de recursos naturais, houve reflexo no aumento de preços. Além disso, o petróleo e derivados que servem como
insumos para o setor também experienciaram elevação de seus preços.
No ano de 2009, a crise financeira mundial causou impacto sobre diversas
commodities minerais, incluindo os fertilizantes. Além disso, no mercado mundial,
também houve uma queda na demanda por commodities agrícolas, reduzindo a
procura por fertilizantes. Tal fato levou os produtores a utilizarem os estoques de
fertilizantes formados no período de alta, reduzindo ainda mais o preço. Recentemente, com a recuperação da demanda no mercado agrícola global, observa-se
novamente uma alta na demanda por fertilizantes, causando um movimento ascendente nos preços. No Gráfico 16, são exibidos os preços internacionais de alguns
fertilizantes básicos e suas matérias-primas.
45
QUÍMICA
GRÁFICO 16 PREÇOS INTERNACIONAIS DE FERTILIZANTES (DAP, ROCHA FOSFÁTICA, CLORETO DE
POTÁSSIO, TSP E UREIA), 2000 A 2011 (PREÇOS EM US$/TON)
1.200
1.000
US$/TON
800
600
400
200
0
2000
2001
DAP
2002
2003
Rocha fosfática
2004
2005
Cloreto de potássio
2006
2007
TSP
2008
2009
2010
2011
Ureia, E. Europe, bulk
Fonte: World Databank.
Os preços nacionais dos fertilizantes acompanharam o comportamento observado no mercado mundial, conforme mostrado no Gráfico 17, com base no Índice
de Preços ao Produtor – Fertilizantes, em que os preços foram calculados pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
Os custos com fertilizantes representam cerca de 20% dos gastos totais do produtor rural na lavoura, porém esse número pode variar com a cultura e estado. A
relação de troca entre fertilizantes e produtos agrícolas, que reflete a quantidade de
produto agrícola necessária para adquirir uma tonelada de fertilizante, é também
uma forma de precificação. Segundo dados da ANDA, na última década, o ano de
2008 foi aquele em que as relações de troca estiveram menos favoráveis aos agricultores, indo ao encontro da alta observada nos preços de fertilizantes a partir de 2007.
Em alguns casos, como o da cana-de-açúcar, essa relação mais que dobrou. Os produtores rurais, em 2008, mesmo recebendo preços relativamente bons por seus grãos,
precisaram vender maior quantidade de sua produção para adquirir uma tonelada
de fertilizante. Como pode ser observado na Tabela 4, a partir de 2009, a situação
tende a se normalizar e os produtores passam a ter uma situação mais favorável.
46
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 17 ÍNDICE DE PREÇO AO PRODUTOR IPP – FERTILIZANTES, 2000-2011 (JAN. 2000 = 100)
300
250
200
150
100
50
0
jan. 2000
jan. 2001
jan. 2002
jan. 2003
jan. 2004
jan. 2005
jan. 2006
jan. 2007
jan. 2008
jan. 2009
jan. 2010
jan. 2011
Fonte: FGVDados.
TABELA 4 RELAÇÕES DE TROCAS DE FERTILIZANTES E PRODUTOS AGRÍCOLAS, 2000-2010
Produto
Unidade
ALGODÃO
COM CAROÇO
15 KG
ARROZ EM CASCA
SACA DE 60 KG
BATATA-INGLESA
SACA DE 60 KG
CAFÉ ARÁBICA
SACA DE 60 KG
CANA-DE-AÇÚCAR TONELADAS
2000
23,3
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
42,0
42,3
33,4
37,1
42,1
39,7
47,2
71,5
58,5
48,2
42,4
24,2
21,3
18,4
20,4
22,8
22,3
24,9
32,9
20,6
23,8
38,9
28,8
9,2
11,6
12,7
16,9
11,4
11,4
13,8
19,5
9,8
12,5
2,2
3,7
4,0
3,7
3,6
2,7
2,6
3,0
4,4
3,8
3,0
2,3
18,9
17,2
18,4
20,4
26,7
21,9
15,9
19,8
36,3
27,3
21,9
19,2
6,9
FEIJÃO
SACA DE 60 KG
LARANJA
CAIXA DE 40,8 KG
MILHO
SACA DE 60 KG
27,7
SOJA
SACA DE 60 KG
18,9
TRIGO
SACA DE 60 KG
5,6
5,2
5,7
8,1
7,1
7,0
7,7
6,2
6,2
6,5
10,8
45,5
39,3
45,5
63,8
65,2
48,0
59,7
79,3
94,8
48,9
75,6
42,1
30,8
32,7
41,7
40,1
39,3
37,9
51,0
47,4
48,9
43,3
18,8
15,6
15,5
17,3
19,6
20,4
20,6
26,3
19,4
25,3
24,2
27,1
21,5
21,7
29,3
30,7
28,0
26,5
37,8
33,4
34,5
41,4
Fonte: ANDA.
Como o Brasil é um grande importador de fertilizantes, a formação do preço
interno também sofre influência do frete marítimo. O frete custa em média US$ 40,
cerca de 10% a 15% do preço do fertilizante. Além do frete marítimo, há incidência
de custos portuários sobre o preço final de fertilizantes, como Adicional ao Frete
QUÍMICA
47
para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), que representa tarifa de 25% cobrada sobre o valor do frete, demurrage e outras despesas portuárias.
Adicionalmente, o setor paga alíquota de 2% de Compensação Financeira pela
Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que incide sobre o valor final da receita
total depois da venda do produto, cobrado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) pela lavra de recursos minerais nos municípios brasileiros, do
qual parcela de arrecadação destina-se às prefeituras [Brasil (2011)].
Todas as alíquotas de importação para fertilizantes estão zeradas, constando
na Lista de Exceção da TEC (Tarifa Externa Comum). Tal fato facilita ainda mais a
importação de fertilizantes e intermediários e é visto como uma barreira ao investimento nacional pelos representantes do segmento. No que se refere a tributos
internos, o setor é isento de IPI, e as alíquotas da contribuição para o PIS/Pasep
e a Confins incidentes sobre a importação e receita bruta de vendas no mercado
interno de fertilizantes foram reduzidas a zero. Com relação ao ICMS, vigoram a
base de cálculo reduzida de 30% nas operações interestaduais, o diferimento nas
operações internas nos principais estados consumidores (MG, GO, MT, MS e PR) e a
isenção nas operações no estado de São Paulo a partir de 1995 [Lafis (2011)].
4. TENDÊNCIAS DO SETOR DE FERTILIZANTES
CRESCIMENTO DO MERCADO E BALANÇO DE OFERTA E DEMANDA
De acordo com estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2050 a projeção é de que a população mundial seja de 9,3 bilhões de pessoas, podendo alcançar
10,6 bilhões caso não ocorra a redução prevista da taxa de natalidade dos países mais
populosos (UNFPA).9 Além de crescer, a população estará em um mundo mais rico,
alimentando-se de uma dieta mais farta. Esses fatores alertam para a necessidade
de produção de alimentos capaz de atender à demanda crescente. Segundo matéria publicada no Valor Online, em 9 de fevereiro de 2012, a Food and Agriculture
9
State of World Population (2011).
48
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Organization (FAO) aponta a necessidade de um aumento de 60% na produção global de alimentos até 2050, tanto para uso alimentar como para a produção de biocombustíveis. As terras disponíveis para agricultura no mundo são poucas e situadas
basicamente na América do Sul e nas savanas africanas. Dessa forma, o aumento na
oferta de alimentos passa principalmente por redução do desperdício e elevação da
produtividade, tendo o fertilizante um papel fundamental nesse ponto.
De acordo com dados da IFA/ANDA expostos no 1° Congresso Brasileiro de Fertilizantes, em 2011, o consumo mundial de fertilizantes deverá ultrapassar 200 Mt
em 2015 e crescer, em média, 3% a.a. até 2018, como pode ser visto no Gráfico 18.
O crescimento será fomentado principalmente por países em desenvolvimento,
como o Brasil, que deve elevar seu consumo em 5% a.a.
GRÁFICO 18 PROJEÇÃO DO CONSUMO DE FERTILIZANTES ATÉ 2019 (EM NUTRIENTES)
CONSUMO DE FERTILIZANTES EM MILHÕES DE TONELADAS
240
3%
A.A
.
200
160
120
80
40
0
61
73
K2O
83
P205
89
92
95
98
‘01
‘04
‘07
10
13
16
19
N
Fonte: IFA/ANDA.
Segundo projeções do Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento
(Mapa),10 a produção de grãos no Brasil (soja, milho, trigo, arroz e feijão) deverá passar de 142,9 milhões de toneladas em 2010-2011 para 175,8 milhões em 2020-2021,
10
Projeções do agronegócio para 2010-2011-2020-2021.
49
QUÍMICA
o que representa um aumento de 23%. De acordo com o trabalho, o crescimento da
produção agrícola no Brasil deve continuar acontecendo com base na produtividade.
Os resultados revelam maior acréscimo da produção agropecuária que os acréscimos
de área. As projeções indicam que, entre 2011 e 2021, enquanto a produção de grãos
(arroz, feijão, soja, milho e trigo) deve aumentar 23%, a área plantada deverá expandir-se somente 9,5%. Novamente, tais projeções corroboram o entendimento de que
o aumento na oferta de alimentos passa principalmente por redução do desperdício
e elevação da produtividade, tendo o fertilizante um papel fundamental.
Na próxima figura é apresentado o Balanço de Oferta e Demanda de Nitrogênio até 2016 [ANDA (2011)]. Estima-se um aumento acumulado da demanda de
21% em relação a 2010, ou 3% a.a. A produção deve se elevar em virtude do aumento previsto de capacidade de produção de nutrientes, principalmente em razão
de projetos da Petrobras que serão detalhados mais à frente. Dessa forma, a participação das importações, que era de mais de 70%, deve cair para cerca de 32%.
GRÁFICO 19 BALANÇO DE OFERTA E DEMANDA DE NITROGÊNIO, 1990-2016 (EM MILHÕES DE
TONELADAS DE NUTRIENTE – N)
PREVISÃO
4,0
DEMANDA
3,0
2,0
IMPORTAÇÃO
1,0
PRODUÇÃO
0,0
90
92
94
Fontea: ANDA e Agroconsult.
Nota: Estimativa de 2011 a 2016.
96
98
00
02
04
06
08
10
12
14
16
50
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 20 BALANÇO DE OFERTA E DEMANDA DE FÓSFORO, 1990-2016, (EM MILHÕES DE TONELADAS
DE NUTRIENTE – P 2O 5)
PREVISÃO
5,0
DEMANDA
4,0
3,0
IMPORTAÇÃO
2,0
1,0
PRODUÇÃO
0,0
90
92
94
96
98
00
02
04
06
08
10
12
14
16
Fonte: ANDA e Agroconsult.
Nota: Estimativa de 2011 a 2016.
GRÁFICO 21 BALANÇO DE OFERTA E DEMANDA DE POTÁSSIO, 1990-2016 (EM MILHÕES DE TONELADAS
DE NUTRIENTE – K 2O)
PREVISÃO
6,0
5,0
DEMANDA
4,0
3,0
IMPORTAÇÃO
2,0
1,0
PRODUÇÃO
0,0
90
92
94
Fontes: ANDA e Agroconsult.
Nota: Estimativa de 2011 a 2016.
96
98
00
02
04
06
08
10
12
14
16
QUÍMICA
51
No que se refere ao fósforo, calcula-se uma elevação de 4% a.a. no consumo
até 2016. A produção de P2O5 também deverá ter um incremento em sua capacidade produtiva, o que deve reduzir a participação das importações na oferta para
apenas 12%. Os projetos previstos para fosfatados são liderados principalmente
pela Vale Fertilizantes e serão discutidos em seção específica.
Em relação ao potássio, espera-se para 2016 um crescimento na demanda de
27% em relação ao observado em 2010, o equivalente a 4% a.a. Estima-se a concretização de novo projeto de investimento da Vale Fertilizantes, aliviando a dependência externa, que hoje é superior a 90% e deve passar a 77%.
GARGALOS E DESAFIOS DO SETOR
Para que a indústria brasileira de fertilizantes seja competitiva e capaz de atender
às demandas que surgirão do agronegócio, será necessário vencer alguns desafios
e destravar alguns gargalos do setor. Estes passam por: melhora da balança comercial, por meio do aumento da produção; investimentos em infraestrutura portuária
e logística para reduzir perdas e custos; solução das questões tributárias que hoje
favorecem o fertilizante importado; discussão de um novo marco regulatório para
o setor; e incentivo a maiores investimentos em inovação.
Como já discutido na seção anterior, a indústria de fertilizantes brasileira é altamente dependente das importações, deixando o país vulnerável às variações de
câmbio, preços e outros eventos externos que possam vir a afetar o fornecimento
no país. A maneira mais direta de reduzir a dependência é por meio da elevação
da produção nacional de fertilizantes. No entanto, essa questão passa pela disponibilidade de matérias-primas, que é restringida pela dotação de recursos minerais.
A matéria-prima para os fertilizantes nitrogenados é o gás natural, que no
Brasil é fornecido pela Petrobras. O preço do gás natural, que varia de acordo com
o preço do petróleo, é elevado no país em relação a outras regiões do mundo,
tornando o país menos competitivo. Com a recente descoberta do pré-sal, há grandes perspectivas de elevação na produção de gás natural que poderá ser direcionado à indústria de fertilizantes, tornando a situação brasileira mais confortável.
52
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Contudo, é necessária a formulação de uma política de utilização do gás natural
como matéria-prima. Já há investimentos em andamentos, que serão detalhados
adiante, sendo realizados nessa área.
A dependência externa no caso do fósforo não é difícil de reverter. De acordo com o DNPM,11 as reservas no Brasil são de 273 milhões de toneladas de rocha
fosfática e estão concentradas principalmente no estado de Minas Gerais. Diversos
projetos estão surgindo na região. Há ainda outras áreas potenciais para abertura
de minas, porém questões ambientais inviabilizam a exploração.
A situação do potássio é a mais delicada. Há as reservas hoje exploradas em Taquari-Vassouras (SE) pela Vale, porém estas só são capazes de atender a cerca de 10%
do consumo interno. Existem enormes reservas na região de Nova Olinda do Norte,
no Amazonas, que podem chegar a novecentos milhões de toneladas, contudo não
se sabe se estas são economicamente viáveis, em virtude das questões logísticas, ambientais e de custo de extração, e, portanto, não há previsão de início de exploração.
Os projetos de exploração de potássio e fósforo muitas vezes são retardados
por conta da exigência de especificações técnicas para a exploração das jazidas e o
processo de obtenção da Licença Ambiental.
Apesar da necessidade de elevação da produção nacional, o país continuará
dependendo do fornecimento externo para atender à demanda da agricultura.
Portanto, para reduzir o preço final dos fertilizantes é preciso ainda realizar
investimentos em infraestrutura, principalmente portos, rodovias e sistemas de
armazenagem e distribuição. Uma grande queixa do setor diz respeito aos elevados custos portuários e à demora na descarga de fertilizantes, elevando os pagamentos de demurrage. De acordo com entrevista de David Roquetti, diretor
executivo da ANDA, ao jornal Valor Econômico, em 26 de setembro de 2011, um
navio que fica parado no porto tem um custo diário de R$ 60 mil. Além disso,
nos meses em que se concentram as importações, período que vai de agosto a
novembro, o preço do frete interno também apresenta grande elevação, prejudicando os produtores.
11
Sumário Mineral 2011 – Fosfato.
QUÍMICA
53
A questão tributária também merece atenção. Hoje o setor alega que a alíquota de ICMS sobre a produção local, que varia de 4,9% a 8,4%, torna os produtos
nacionais menos competitivos que os importados. As vendas interestaduais das indústrias locais são tributadas, enquanto as importações são isentas. Logo, resolver
essa questão poderia destravar investimentos, incentivando a produção interna e
aumentando a competitividade do setor.
Estão sendo elaborados pelo governo três projetos de lei para reformular o marco regulatório do setor de mineração, que engloba o setor de fertilizantes. Um dos
objetivos é redesenhar o sistema de arrecadação dos royalties da mineração, que
ocorre por meio do recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). A ideia é taxar menos os minerais usados na construção civil e
mais aqueles que, hoje, são exportados com pouca agregação de valor. Para o grupo
de fertilizantes, o governo planeja uma redução da alíquota, que hoje é de 2%. Os
outros dois pontos abordados na política de governo referem-se à instituição de um
novo Código de Mineração, com as novas regras de concessão e lavra, e a criação de
uma Agência Nacional de Mineração (ANM), que fará a fiscalização e o recolhimento
da CFEM, de acordo com Valor Econômico, em 29 de agosto de 2011.
Por fim, um grande desafio é aumentar a inovação nessa indústria. O setor não
tem uma tradição inovadora, contudo existem pesquisas iniciais para a produção de
fertilizante organomineral e para a utilização de polímeros. De acordo com Ali Aldersi
Saab, pesquisador de fertilizantes da Embrapa e coordenador do Plano Nacional de
Fertilizantes em 2009, esses dois tipos de fertilizantes trazem mais qualidade e menos
perdas. O polímero encapsula o fertilizante, reduzindo problemas com a lixiviação.
Segundo ele, polímeros como o de nitrogênio diminuem em até 50% a perda do
mineral. No entanto, são necessárias mais iniciativas de pesquisa para entender o
comportamento e eficácia desses novos tipos de fertilizantes [Revista Plantar (2012)].
OPORTUNIDADES E PERSPECTIVAS DE INVESTIMENTOS
Por ser a indústria de fertilizantes um segmento estratégico para o país e em função das preocupações dos últimos anos com a inflação de alimentos, segurança
54
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
alimentar e questões ambientais, vêm ocorrendo estímulos do governo para que
novos investimentos sejam iniciados. Tal atitude está surtindo efeito, já que diversos projetos novos ou ampliação de outros já existentes vêm sendo anunciados e,
caso sejam concretizados, aumentarão a produção nacional, diminuindo a dependência externa brasileira. De acordo com o jornal Valor Econômico, em 19 de março
de 2012, os investimentos em andamento, liderados por Vale e Petrobras, deverão
somar US$ 13 bilhões até 2016, segundo informações da ANDA. São previstos pela
IFA US$ 88 bilhões de investimentos globais para o período, representando os investimentos brasileiros 15% do total.
A Vale está com um plano de investimentos bem contundente. A meta da companhia é passar da 14ª para a quinta posição no mercado mundial de potássio e
rocha de fosfato, investindo cerca de US$ 15 bilhões até 2020 [Estadão (2011)].
Para os nitrogenados, a Petrobras deu início aos investimentos em sua terceira
planta, que produzirá amônia e ureia em Três Lagoas. A Unidade de Fertilizantes
Nitrogenados (UFN III) terá capacidade para produzir 1,2 milhão de toneladas de
ureia e cerca de setecentas mil toneladas de amônia por ano. Além da UFN III, a
Petrobras tem ainda outros dois projetos na área: UFN IV, em Linhares (ES) e UFN V,
em Uberaba (MG). Ambos os projetos estão ainda em fase de estudo e não têm
previsão de data para entrar em operação. Estima-se para as duas plantas uma
elevação na capacidade de produção de novecentas mil toneladas de amônia e
setecentas mil toneladas de ureia. A Vale também tem projetos na área e pretende
instalar até 2016 uma nova unidade de produção de ácido nítrico para suportar o
crescimento do segmento de nitrogenados químicos.
Quanto aos fertilizantes fosfatados, diversos projetos estão anunciados, e,
caso sejam realizados, tornarão o país praticamente autossuficiente nesse tipo
de nutriente. Há projetos na Serra do Salitre da Galvani (MG) e em Arraias (TO),
da MBAC, com previsão de produção de quatrocentas mil toneladas de concentrado fosfático e quinhentas mil toneladas de SSP, respectivamente. A Vale
Fertilizantes tem um dos maiores projetos na área, chamado Projeto Salitre,
localizado em Patrocínio, Minas Gerais. Estima-se a produção de 2,2 milhões de
toneladas métricas por ano de rocha fosfática e a construção de um complexo
QUÍMICA
55
industrial com capacidade estimada em 1,2 milhão de toneladas métricas por
ano de fertilizantes fosfatados [Vale (2011)].
No caso do potássio, foi formalizado o arrendamento à Vale, por mais trinta
anos, de uma jazida que a Petrobras tem em Maruim (SE), o que vai permitir a
extração de carnalita e a produção do cloreto de potássio. O investimento no
empreendimento é estimado em R$ 4 bilhões, com início da operação em 2016.
A Vale já produz entre seiscentas mil e setecentas mil toneladas de cloreto de
potássio ao ano em Sergipe, também em uma mina arrendada da Petrobras,
garantindo cerca de 10% do consumo nacional. Segundo o jornal Valor Econômico, em 23 de abril de 2012, a previsão é de que o Projeto Carnalita traga um
adicional de 1,2 milhão de toneladas por ano na produção de potássio do Sergipe, o que deve permitir uma economia de US$ 17 bilhões em importações do
insumo ao longo de 29 anos.
Como mencionado anteriormente, na Amazônia existem enormes reservas de
potássio, porém de difícil extração. Contudo, algumas empresas como a Potássio
do Brasil estão estudando essas possibilidades e, se confirmadas as novas reservas, a companhia estima trabalhar com o desenvolvimento de uma mina capaz de
produzir anualmente 2 milhões de toneladas de potássio, com investimentos que
podem alcançar 4,5 bilhões de dólares. De acordo com Valor Econômico, em 31 de
janeiro de 2012, outros projetos de investimentos utilizando fontes alternativas de
potássio têm sido estudados, como o da empresa Verde Fertilizantes, que pretende
investir US$ 654 milhões em sua mina de potássio em Minas Gerais, com capacidade
de produção inicial de seiscentas mil toneladas, segundo um estudo preliminar. A
empresa vai beneficiar a rocha verdete para a produção de cloreto de potássio.
Além da previsão de investimentos no Brasil, a Vale Fertilizantes tem também projetos e operações na área de fertilizantes na Argentina, Peru, Moçambique e Canadá. O projeto da Argentina, denominado Rio Colorado, é para obtenção de potássio. Orçado em US$ 5,9 bilhões é um dos maiores investimentos
da companhia, que estima a capacidade inicial de 2,1 milhões de toneladas de
potássio por ano, com previsão de expansão para 4,3 milhões de toneladas [O
Estado de São Paulo (2012)].
56
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
5. CONCLUSÃO
No Brasil, a indústria química vem tendo importante participação no PIB e na produção da indústria de transformação, servindo como fornecedora de insumos para
uma série de outras indústrias. No entanto, sua produção, que é concentrada principalmente em commodities, vem experimentando uma trajetória constante nos últimos anos, não acompanhando o crescimento do mercado interno. Sendo assim,
as importações de produtos químicos têm aumentado ano a ano e respondido por
uma parcela cada vez maior do consumo nacional. O déficit comercial no setor atingiu elevados valores, aumentando a vulnerabilidade externa do país.
Um dos principais segmentos responsáveis pelo déficit comercial da indústria
química é o setor de fertilizantes. O segmento representa cerca de um terço do
déficit, e o fertilizante cloreto de potássio é o item que vem apresentado maior importação na pauta. A dependência externa desse produto chega a 90%. O agronegócio brasileiro, que corresponde à cerca de 23% do PIB, tem uma correlação forte
com o setor, já que o aumento da produção de grãos para atender à população e
à demanda por biocombustíveis passa principalmente por uma elevação de produtividade da terra, que pode ser obtida com a utilização correta dos fertilizantes.
Dessa forma, este é um segmento estratégico para o país e merece maior atenção.
Para impedir a eclosão de déficits comerciais cada vez maiores na indústria química, investimentos expressivos no setor de fertilizantes serão exigidos nos próximos anos, em função do crescimento projetado para a produção de grãos (soja,
milho, trigo, arroz e café) brasileira, da ordem de 23% até 2020. Esse crescimento
deverá ser baseado na produtividade, já que a área plantada deverá expandir-se
somente em 9,5%. Os investimentos deverão englobar a adição de capacidade em
fertilizantes, para reversão da tendência ascendente das importações, ainda que
para sua viabilização sejam exigidas medidas de política industrial.
Existem no momento diversos projetos anunciados para fertilizantes fosfatados e
nitrogenados, que, caso executados, serão capazes de reduzir a dependência externa
brasileira. As amplas perspectivas abertas pelo pré-sal poderão elevar a disponibilidade de gás natural, utilizado como matéria-prima para fabricação de nitrogenados,
QUÍMICA
57
embora ainda seja necessária uma política de utilização para uso do gás natural como
matéria-prima, de modo a elevar a competitividade da indústria brasileira no plano
mundial. No caso de fertilizantes à base de potássio a situação é mais delicada, pois
apesar de grandes reservas confirmadas no Amazonas, a dúvida quanto a viabilidade
econômica e questões ambientais vem adiando o início da exploração.
Além disso, o aproveitamento de fontes alternativas de potássio também vem
sendo avaliado por algumas empresas. O setor não tem um caráter muito inovador,
contudo existem pesquisas iniciais para a produção de fertilizante organomineral
e o uso de polímeros, que poderão reduzir as perdas com lixivação, melhorando o
aproveitamento dos fertilizantes.
Para incentivar ainda mais investimentos no setor é necessário resolver alguns
gargalos. Problemas com infraestrutura portuária e de armazenamento, assim como
questões tecnológicas, regulatórias, tributárias e ambientais merecem destaque e
necessitam da formulação de uma política específica. O governo lançou recentemente o Plano Brasil Maior, que avaliará medidas importantes de desoneração dos
investimentos e das exportações para iniciar o enfrentamento da apreciação cambial, de avanço do crédito e aperfeiçoamento do marco regulatório da inovação, de
fortalecimento da defesa comercial e ampliação de incentivos fiscais e facilitação
de financiamentos para agregação de valor nacional e competitividade das cadeias
produtivas. O Plano contempla diversos setores, e um deles é a indústria química,
devendo o segmento de fertilizantes fazer parte dessa agenda de discussão.
O BNDES, além de apoiar projetos de investimentos, também participa de forma ativa na formulação de políticas econômicas, fomentando e apoiando o crescimento de uma estrutura produtiva diversificada, sustentável e competitiva. Desta
forma, o banco pode desempenhar um importante papel ajudando na construção
de uma política para o setor de fertilizantes.
REFERÊNCIAS
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ANDA – ASSOCIAÇÃO NACIONAL PARA DIFUSÃO DE ADUBOS – <www.anda.org.br>.
60
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
BANCO MUNDIAL – <www.worldbank.org>.
CONAB – COMPANHIA NACIONAL de ABASTECIMENTO – <www.conab.gov.br>.
DNPM – DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL – <www.dnpm.gov.br>.
FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION – <www.fao.org.br>.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA e ESTATÍSTICA – <www.ibge.gov.br>.
IFA – INTERNATIONAL FERTILIZER INDUSTRY ASSOCIATION – <www.fertilizer.org>.
MAPA – MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA e ABASTECIMENTO – <www.agricultura.gov.br>.
MBAC – <www.mbacfert.com>.
VALE FERTILIZANTES – <www.valefertilizantes.com>.
Artur Yabe Milanez
Diego Nyko**
* Este artigo recupera e aprofunda a discussão desenvolvida em Milanez, Cavalcanti e Faveret Filho apud Além e Giambiagi (2010).
** Respectivamente, gerente e economista do Departamento de Biocombustíveis da Área Industrial do BNDES. Os autores
agradecem os comentários da equipe da Área de Pesquisa Econômica (APE) da Área Industrial do BNDES.
BIOCOMBUSTÍVEIS
63
RESUMO
O setor sucroenergético vem passando por mudanças significativas nas últimas décadas. Além da tradicional produção de açúcar, as empresas do setor consolidaram
em seus portfólios de produtos o etanol e a bioeletricidade. Essas transformações
tiveram como contrapartida mudanças na forma de apoio do BNDES, que procura
se adequar à realidade econômica setorial e nacional. O objetivo deste artigo é descrever o apoio do BNDES ao desenvolvimento do setor sucroenergético brasileiro
e, sobretudo, apresentar as diretrizes que vêm orientando a atuação do Banco e
as perspectivas para o futuro do setor. Tais diretrizes moldam a visão de futuro do
BNDES e, consequentemente, formam a base dos principais objetivos que o Banco
vem perseguindo nesse setor. Dentre eles, destacam-se o apoio à inovação e à criação de um mercado internacional do etanol.
ABSTRACT
The Brazilian sugarcane industry has experienced significant changes in the recent
decades. Companies have consolidated, besides sugar, ethanol and bioelectricity in
their product portfolios. In turn, BNDES aims to continuously adjusting its operations
to changing economic scenarios. In order to present BNDES’ role in the Brazilian
sugarcane industry, this paper focuses on the BNDES’ main guidelines for the future
of this industry. These guidelines shape the objectives to be pursued in next years.
Among these objectives, it is important to mention the support for innovation and
for construction of an international market for ethanol.
BIOCOMBUSTÍVEIS
65
1. INTRODUÇÃO
O início da história da cana-de-açúcar no Brasil remonta aos primeiros anos de
nossa colonização, quando os canaviais destinavam-se à fabricação de açúcar para
atender às demandas do continente europeu. Apesar de secular, a cultura da cana
no Brasil vem enfrentando suas mudanças mais significativas nos últimos quarenta
anos de sua história. Nesse período, as empresas processadoras de cana deixaram
de produzir apenas açúcar e consolidaram o etanol carburante em seu portfólio de
produtos e, ainda mais recentemente, também a energia elétrica.
Entre as transformações mais importantes para o setor, foi emblemática a introdução dos veículos de motores bicombustíveis (também conhecidos como veículos
flex) no mercado nacional. Estes podem usar como combustíveis gasolina ou etanol,
ou uma mistura dos dois em qualquer proporção. Disponível desde 2003, essa nova
tecnologia representou uma renovada fonte de demanda pelo etanol combustível,
cuja produção mais do que dobrou em apenas seis anos.
Ao longo desses anos, as mudanças do setor sucroenergético vêm tendo como
contrapartida mudanças na forma de apoio do BNDES, que procura se adequar à
realidade econômica setorial e nacional. Com a atenção voltada a isso, o objetivo
deste artigo é descrever o apoio do BNDES ao desenvolvimento do setor sucroenergético brasileiro.
O trabalho está dividido em sete seções, incluindo esta introdução. Na seção seguinte, faz-se uma breve descrição do passado recente do setor, com destaque para
as mudanças regulatórias que afetaram o contexto econômico desde seu surgimento.
Na terceira seção, são ressaltados os principais aspectos de sustentabilidade do
setor, com destaque para o etanol de cana-de-açúcar e a eletricidade gerada por
meio dos resíduos da cana. São exploradas as principais características que fazem
tais produtos serem considerados soluções relevantes, ainda que não exaustivas,
para a mitigação do avanço do aquecimento global.
A quarta descreve o apoio que o BNDES vem dando ao setor sucroenergético
nos últimos anos, especialmente na forma de desembolsos para projetos de ampliação de capacidade produtiva.
66
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Já a quinta e a sexta seções apresentam respectivamente as principais diretrizes que
vêm orientando a atuação do Banco e as perspectivas para o futuro do setor. Tais diretrizes
moldam a visão de futuro do BNDES para o setor e, consequentemente, formam a base
dos principais objetivos que o Banco vem perseguindo. Dentre eles, destacam-se o apoio à
inovação e à criação de um mercado internacional do etanol e outras iniciativas que procuram aumentar a competitividade setorial, como a criação de um programa de estocagem
e o apoio financeiro à construção de um sistema logístico de transporte de etanol.
Na sétima seção encontram-se as considerações finais.
2. A HISTÓRIA RECENTE DO SETOR
SUCROENERGÉTICO
A produção de cana-de-açúcar é uma das atividades econômicas organizadas mais
antigas do Brasil. A despeito das vicissitudes ocorridas no decorrer da história econômica brasileira, a atividade açucareira perdurou durante os séculos e foi a grande e, na maior parte dos casos, única fonte de renda de seus produtores até o último quarto do século XX. Todavia, parte significativa da produção nacional de cana
encontrou, nos anos 1970, finalidade distinta: a produção de etanol carburante.
Na verdade e ao contrário do que por vezes se imagina, o etanol de cana-de-açúcar faz parte da matriz energética brasileira há quase oito décadas. O uso do etanol como aditivo à gasolina foi introduzido no Brasil em 1931. Seu nível de mistura
situou-se em uma média de 7,5% até 1975, quando o primeiro choque do petróleo
exigiu uma ampliação de seu uso como meio de reduzir as importações de petróleo,
o que culminou com a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool).
Entre outras medidas, o Proálcool fixou metas de produção e paridades de preço entre o etanol e o açúcar, de forma que fosse incentivada a oferta do produto.
Em 1979, em razão de novo aumento de preços do petróleo, o Proálcool foi ampliado, com o estabelecimento de estímulos para o uso de etanol hidratado1 em
1
O etanol hidratado, usado como combustível substituto da gasolina, apresenta concentração de 96%. O etanol anidro, usado
como aditivo na gasolina, cerca de 99,5% de concentração, necessitando de etapas suplementares de destilação [Milanez, Faveret
Filho e Rosa (2008)].
BIOCOMBUSTÍVEIS
67
motores adaptados ou especialmente fabricados para tal. Como consequência, a
produção de etanol cresceu de 0,6 bilhão de litros em 1975 para quase 12 bilhões
de litros em 1985 [CGEE (2007)].
A partir de 1986, com a redução continuada dos preços do petróleo, os incentivos estatais à produção e ao consumo de etanol foram sendo pouco a pouco retirados, até extinguirem-se por completo em 1999. Nesse novo contexto, os preços
do etanol passaram a ser negociados livremente entre distribuidores e produtores. Continuou em vigor, porém, o mandato oficial de mistura do etanol anidro à
gasolina, que hoje se situa em 20%, mas já chegou a ser 25%. Assim, a produção
brasileira de etanol manteve-se estagnada até 2004, seguindo marginalmente o
crescimento da frota nacional de veículos.
Contudo, em 2003, com o advento da tecnologia de motores bicombustíveis,
criou-se um importante estímulo para o setor. Esses novos automóveis apresentaram
vendas anuais cada vez maiores. Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes
de Veículos Automotores (Anfavea), a participação destes nas vendas totais de veículos
leves esteve, em média, entre 85% e 90% nos últimos três anos. Quando considerada a
participação estimada na frota circulante de veículos leves, os veículos flex já alcançam
48%. Isso representa 15,8 milhões de licenciamentos desde 2003 [Brasil (2012)].
A consequência do aumento da frota de veículos flex foi o expressivo incremento da demanda por etanol que, em 2008, equiparou-se à demanda pela gasolina.
A demanda por etanol trouxe consigo aumentos constantes de produção desse
biocombustível. Enquanto, em 2002, a produção de etanol alcançou 12,6 bilhões de
litros, em 2010 esse volume foi de 28,2 bilhões de litros [ANP (2011)].
Os significativos volumes de etanol combustível consumidos pela frota flex brasileira possibilitaram a utilização em larga escala da cana como insumo energético.
Os crescentes volumes de bagaço passaram a ser utilizados como insumo para a
geração e venda de energia elétrica (bioeletricidade) pelas usinas.
Esse crescimento da bioeletricidade da cana, contudo, também foi determinado por mudanças regulatórias importantes. Do ponto de vista histórico e com base
na organização industrial do setor elétrico brasileiro, a estrutura de monopólio
integrado verticalmente, que vigorou em boa parte do século XX, era incompatível
68
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
com a inserção da bioeletricidade na matriz elétrica brasileira, já que a competição
no segmento de geração era limitada, sem acesso aos segmentos de rede.
A partir do fim dos anos 1980, iniciou-se um processo de liberalização do setor
elétrico, com o objetivo de incitar a eficiência do setor e atrair capital para sua expansão. O fundamento dessas reformas era a desverticalização da indústria elétrica de
forma que fosse estimulada, por meio da garantia do acesso aos segmentos de transmissão e distribuição, a concorrência nos segmentos de geração e comercialização. É
importante mencionar que as reformas foram, em grande medida, viabilizadas por
inovações tecnológicas, responsáveis por reduzir as escalas mínimas de eficiência no
segmento de geração, especialmente para as termoelétricas. Essa redução da escala
permitiu maior competição naquele segmento e maior descentralização da produção
da energia elétrica, ficando mais próxima dos centros de consumo.
Assim, as reformas e ajustes do setor elétrico brasileiro ao longo das últimas
décadas, ao permitirem a competição no segmento de geração de energia elétrica e
ao regulamentarem o acesso à rede, proporcionaram as condições necessárias para
a comercialização de bioeletricidade. Como resultado, a bioeletricidade canavieira
vem ganhando cada vez mais espaço na matriz elétrica do Brasil. Todavia, apesar
desses resultados positivos, a participação da cana na matriz energética brasileira
ainda revela um nível muito aquém de seu potencial.2
Desse contexto, pode-se depreender que o setor sucroenergético cresceu de
modo expressivo durante a década passada. Em um esforço de mapeamento e
quantificação do setor, Neves, Trombin e Consoli (2009) mostram resultados bastante interessantes. Segundo estimativa dos autores, o Produto Interno Bruto (PIB) do
setor sucroenergético3 em 2008 foi de cerca de US$ 24,3 bilhões (sem impostos), o
que correspondeu a 1,5% do PIB nacional. Especificamente na fabricação de etanol,
o PIB gerado foi de US$ 16,8 bilhões.
Ainda segundo o mesmo estudo, o setor contabilizou, em 2008, 1.283.258 empregos formais diretos, dos quais 481.662 referiam-se ao cultivo da cana-de-açúcar,
2
3
Este estudo não foi atualizado até o momento e não há informações similares para anos mais recentes.
Estimativa calculada com base nos produtos finais: etanol, açúcar, eletricidade, levedura e aditivo e crédito de carbono.
BIOCOMBUSTÍVEIS
69
561.292 às fábricas de açúcar bruto, 13.791 ao refino e à moagem de açúcar, e
226.513 à produção de etanol. Daquele total, 54% dos funcionários tiveram seu
vínculo empregatício encerrado no fim do ano, em virtude da sazonalidade da
safra. Além disso, os autores estimam que os empregos informais no setor sejam
aproximadamente 150 mil.
3. ASPECTOS POSI TIVOS DO SETOR
SUCROENERGÉTICO
O ETANOL DE CANA-DE-AÇÚCAR
Como se pode depreender da seção anterior, os principais determinantes da produção brasileira de etanol foram inicialmente os choques do petróleo dos anos
1970 e, mais recentemente, a introdução dos motores bicombustíveis no mercado
nacional de automóveis.
Com relação ao petróleo, cabe salientar que diversos analistas preveem que,
por ser um recurso natural finito e por seu consumo aumentar rapidamente no
decorrer das últimas décadas, o nível de produção estaria em vias de se estabilizar
ou até mesmo decair, o que contribuiria para a manutenção de seu preço em patamares elevados [Rosa (2007)].
Já no que se refere à frota de veículos flex, a consolidação dessa categoria no
mercado automotivo faz apenas os automóveis importados e os de topo de linha
serem dedicados à gasolina. Além disso, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE)
desenvolve o seguinte exercício teórico: se 93,5% das vendas de veículos leves forem de bicombustíveis, é possível projetar que, em 2017, cerca de 28 milhões de
veículos, ou 75% da frota brasileira, serão capazes de utilizar etanol [EPE (2008)].
Entretanto, apesar da importância de ambos os fatores, há que se considerar,
ainda, o papel relevante que o etanol poderá desempenhar na transformação da
economia mundial em um sistema produtivo mais sustentável do ponto de vista
econômico e, sobretudo, ambiental.
No que se refere ao pilar econômico, um aspecto relevante da sustentabilidade
do etanol de cana-de-açúcar é sua capacidade de induzir efeitos positivos a jusante
70
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
e a montante da cadeia de produção. Por seu elevado grau de adensamento produtivo, o investimento na ampliação de novas usinas gera aumento correspondente da
oferta de equipamentos e máquinas, serviços de montagens e instalações, plantio,
colheita e transporte da cana-de-açúcar, entre outros efeitos.
Segundo Scaramucci e Cunha apud Cortez e Lora (2008), o processamento de
um milhão de toneladas de cana em etanol gera um aumento de R$ 171 milhões na
produção econômica e de cerca de 5,6 mil novos empregos, desde que considerados
os efeitos diretos, indiretos e induzidos.
Ainda com relação ao pilar econômico, muito embora alguns argumentem que
o uso de determinadas matérias-primas para a produção de biocombustíveis, como
milho, beterraba e trigo, encareça os alimentos que delas são produzidos, tal argumento perde força quando se analisam os dados de produtividade da cana-de-açúcar, conforme evidencia o Gráfico 1.
Como consequência de sua maior produtividade, a cana-de-açúcar exige menor área
de plantio, o que permite que a expansão de seu cultivo não implique redução significativa de outras culturas agropecuárias. E saliente-se que, assim que estiverem disponíveis
as tecnologias de conversão de resíduos celulósicos em etanol, a utilização do bagaço e
da palha proporcionará aumento ainda maior da produtividade da cana-de-açúcar.
Cabe ainda salientar que, no caso específico do Brasil, existem cerca de duzentos milhões de hectares dedicados a pastagens, nos quais, em boa parcela, é
praticada pecuária extensiva. Considerando-se que a área atualmente ocupada por
cana-de-açúcar destinada à produção de etanol é de cerca de cinco milhões de hectares, pode-se inferir que é muito grande a probabilidade de que a expansão dessa
cultura se dê por meio de aumento da produtividade da pecuária.4
Além da maior sustentabilidade econômica, o etanol de cana também oferece
melhores ganhos ambientais quando comparado às demais opções de biocombus-
4
Conforme comentado, boa parte da pecuária brasileira é praticada de forma extensiva. Assim, a expansão da cana e a consequente
valorização da terra exigirão maior rentabilidade das áreas com pastagens e, com isso, a necessidade de incorporação de melhores
técnicas e o correspondente aumento da produtividade por hectare da pecuária. Tal movimento já é percebido no estado de São
Paulo, onde a lavoura de cana se expandiu, majoritariamente, em áreas de pastagens, sem que houvesse redução significativa do
rebanho paulista. De acordo com estimativa da Universidade de São Paulo (USP), se a média nacional de concentração do rebanho
fosse igual à praticada na pecuária paulista (1,5 cabeça/hectare), seriam disponibilizados mais de quarenta milhões de hectares para
outras culturas. Ver FEA-USP (2009).
BIOCOMBUSTÍVEIS
71
tíveis, sobretudo por sua significativa capacidade de reduzir a emissão de gases de
efeito estufa, em especial o CO2.
GRÁFICO 1 PRODUTIVIDADE MÉDIA DE ETANOL POR ÁREA PARA DIFERENTES CULTURAS CELULÓSICAS
Trigo
Sorgo sacarino
Mandioca
Milho
Beterraba
Etanol de resíduo
celulósico
Cana
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
LITRO/HA
Fonte: Nogueira (2008).
Em função das características de sua produção, o bioetanol de cana é capaz de reduzir até 90% do volume de carbono emitido pela gasolina que seria alternativamente
consumida em seu lugar. Como evidencia a Tabela 1, as atividades necessárias à produção
e ao consumo de mil litros de etanol de cana-de-açúcar liberam 7.773 kg de carbono na
atmosfera. Desse montante, 7.464 kg são novamente absorvidos pelo processo de fotossíntese realizado durante o período de crescimento vegetativo da cana, na safra seguinte. Como consequência, o saldo líquido de emissões é de 309 kg, nível que representa
cerca de 10% do volume emitido de CO2 estimado para a gasolina [Nogueira (2008)].5
Uma crítica feita a esse tipo de cálculo é ele não considerar o uso anterior da
terra em que foi feito o plantio da cana-de-açúcar, o que subestimaria o nível de
5
Cabe lembrar ainda que esse desempenho não é verificado em outras matérias-primas. Parte da explicação reside no fato de que a
energia necessária para fabricação do bioetanol da cana provém do próprio processamento industrial, na medida em que o bagaço
gera a energia primária requerida pela usina. Nos demais casos, por não disporem de tal alternativa, as usinas precisam recorrer a
outras fontes primárias de energia, muitas das quais de origem fóssil.
72
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
emissões oriundas da produção de etanol de cana. Em geral, tal crítica apoia-se
no fato de que, caso a lavoura de cana tenha sido plantada em área na qual havia
cobertura vegetal nativa, então haveria de se considerar o carbono liberado pelo
desmatamento.
TABELA 1 COMPARAÇÃO DAS DIFERENTES MATÉRIAS-PRIMAS PARA A PRODUÇÃO DE ETANOL
Matéria-prima
Relação de energia*
Emissões evitadas em relação à gasolina (%)
CANA
9,3
89
MILHO
0,6-2,0
(30) a 38
TRIGO
0,97-1,11
19 a 47
BETERRABA
1,2-1,8
35 a 56
MANDIOCA
1,6-1,7
63
RESÍDUOS LIGNOCELULÓSICOS**
8,3-8,4
66 a 73
Fonte: Nogueira (2008).
* A relação de energia representa a energia renovável produzida na cadeia produtiva do biocombustível,
dividida pela quantidade de energia não renovável requerida para sua produção.
** Estimativa teórica, processo em desenvolvimento.
Com relação a esse aspecto, destaca-se que foi lançado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em 17 de setembro de 2009, o Zoneamento
Agroecológico da Cana, cujo objetivo é delimitar as áreas em que será estimulado
e, principalmente, em que será desestimulado o plantio da cana-de-açúcar. Além de
critérios de aptidão de clima e de solo, foram excluídos do zoneamento os biomas
da Amazônia e do Pantanal, além da Bacia do Alto Paraguai. Com essa organização
do espaço, não é mais possível obter licenças ambientais para instalação ou ampliação de usinas, tampouco financiamento de fontes oficiais de crédito, nas áreas
consideradas inaptas.
A principal evidência de que as vantagens ambientais do etanol de cana-de-açúcar começam a ser reconhecidas internacionalmente foi a decisão da Agência
de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) de qualificar o etanol brasileiro
como biocombustível “avançado”.6
6
Segundo definição da Seção 201b do Capítulo II da Energy Independence and Security Act de 2007: “The term ‘advanced biofuel’ means
renewable fuel, other than ethanol derived from corn starch, that has lifecycle greenhouse gas emissions, as determined by the Administrator,
after notice and opportunity for comment, that are at least 50 percent less than baseline lifecycle greenhouse gas emissions.”
BIOCOMBUSTÍVEIS
73
Com essa decisão, a EPA reconhece o etanol de cana como o único biocombustível capaz de reduzir, no mínimo, 50% das emissões de gases de efeito estufa, o
que implicará um potencial de importação, pelos Estados Unidos, de pelo menos 15
bilhões de litros até 2022.
Além de seu relevante e comprovado impacto na mitigação das emissões de
CO2, o etanol de cana-de-açúcar apresenta ainda outra vantagem importante na
luta contra o aquecimento global, qual seja, sua rápida capacidade de implementação. Entre as opções energéticas renováveis de que atualmente se dispõe ou que
estão em vias de se tornar economicamente viáveis, apenas uma parcela é capaz de
ser utilizada nos veículos automotores. O bioetanol de cana é um exemplo disso,
podendo utilizar todo o sistema atual de transporte e distribuição de combustíveis
veiculares e, sobretudo, não exigindo qualquer alteração nos motores do ciclo Otto
para mistura de até de 10% na gasolina [Labrador (2009)].
A BIOELETRICIDADE DA CANA-DE-AÇÚCAR7
A bioeletricidade gerada pelo setor sucroenergético destaca-se como fonte adequada para complementar o parque hidrelétrico brasileiro. A primeira, e talvez
mais importante, característica dessa fonte é seu caráter renovável. Diferentemente das térmicas movidas a óleo diesel ou gás natural, a geração de eletricidade por
meio da biomassa da cana produz, em função da baixa utilização de insumos de
origem fóssil em seu processo produtivo, uma emissão de gases de efeito estufa
relativamente pequena.
Ademais, a safra de cana-de-açúcar na região centro-sul ocorre entre os meses de abril e novembro, coincidindo com o período seco naquela região, onde
estão localizados 70% da capacidade dos reservatórios brasileiros. O Gráfico 2
mostra a grande complementaridade entre o parque hidrelétrico brasileiro e a
safra canavieira.
7
Esta seção é baseada em Nyko, D. et al. (2011).
74
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
GRÁFICO 2 COMPLEMENTARIDADE ENTRE O PARQUE HIDRELÉTRICO E A SAFRA CANAVIEIRA
100
90
% DO MÊS COM MAIOR OFERTA
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Jan.
ENA Brasil
Fev.
Mar.
Abr.
Mai.
Jun.
Jul.
Ago.
Set.
Out.
Nov.
Dez.
Moagem de cana no centro-sul
Fontes: Site de ONS (www.ong.org.br) e Unica. Dados elaborados com base no histórico da operação em 2008 (ENA)
e na moagem de cana da safra 2007-2008 no centro-sul.
Nota: ENA = Energia Natural Afluente.
Outra característica vantajosa da bioeletricidade para o setor elétrico brasileiro é ser uma fonte de geração distribuída, condição decorrente de dois fatores, a
saber: o porte relativamente pequeno e o significativo número das unidades sucroenergéticas existentes. Além de distribuída, a bioeletricidade canavieira é gerada
próxima aos principais centros de consumo, em razão da concentração da produção
de cana no Sudeste e da expansão dessa cultura em áreas de fronteira agrícola no
Centro-Oeste. De fato, conforme mostra a Tabela 2, o subsistema Sudeste/Centro-Oeste responde por cerca de 60% da carga do Sistema Interligado Nacional (SIN),
e as projeções indicam que esse percentual será mantido.
Portanto, a inserção da bioeletricidade em uma escala condizente com seu potencial, por se tratar de uma fonte de geração distribuída e próxima ao consumo
final, deverá reduzir a necessidade de investimentos em reforço e expansão do sistema de transmissão. A proximidade do centro de consumo também reduz as perdas, o que reforça a eficiência da bioeletricidade canavieira. Logo, trata-se de uma
fonte de energia condizente com a promoção do desenvolvimento sustentável.
75
BIOCOMBUSTÍVEIS
TABELA 2 PROJEÇÃO DA CARGA DO SISTEMA INTERLIGADO NACIONAL (MWMED)
Subsistema
2010
%
2011
%
2012
%
2013
%
2014
%
NORTE
3.950
7,1
4.411
7,5
5.529
8,9
5.856
8,9
6.188
9,0
NORDESTE
8.242
14,9
8.683
14,8
9.110
14,6
9.566
14,6
10.043
14,7
SUDESTE/
CENTRO-OESTE
34.064
61,4
35.914
61,3
37.763
60,5
39.741
60,6
41.483
60,5
SUL
9.189
16,6
9.583
16,4
9.982
16,0
10.397
15,9
10.828
15,8
SIN
55.445
100,0
58.591
100,0
62.384
100,0
65.560
100,0
68.542
100,0
Fonte: EPE (2010).
Além das vantagens para a oferta de energia elétrica, a maior inserção da bioeletricidade gera também um importante efeito microeconômico, que é o de aumentar a resiliência do setor sucroenergético. Em razão da alta volatilidade dos
preços do etanol e do açúcar, a presença de uma receita estável e de longo prazo
viabilizada pela venda de eletricidade melhora o perfil econômico-financeiro do
setor e, com isso, aumenta sua capacidade de resistir a flutuações de preço de seus
principais produtos.
De acordo com a Unica,8 a eletricidade gerada a partir de biomassa foi de
10,9 mil GWh em 2011, o que equivale a 12% da energia total ofertada pela Usina
de Itaipu. Apenas durante a safra (maio a setembro) de 2011, a bioeletricidade gerada foi de 7,1 mil GWh, o que representou 31% de toda a geração termelétrica do
Brasil no mesmo período.
4. O APOIO RECENTE DO BNDES AO SETOR
SUCROENERGÉTICO
Nesta seção, é apresentado de forma ampla o apoio do BNDES ao desenvolvimento
da indústria sucroenergética nacional nos últimos anos. Os desembolsos do Banco
são relacionados e segmentados por produto apoiado e por destino geográfico dos
financiamentos. Tais desembolsos também se traduzem em produção adicionada
pelos projetos financiados pelo Banco.
8
Ver: <http://www.unica.com.br/noticias/show.asp?nwsCode=E9CE1848-BEEF-488A-84DB-68C618246070>.
76
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
DESEMBOLSOS
O Gráfico 3 mostra os desembolsos do BNDES para o setor sucroenergético desde 2000.
Pode-se depreender que o apoio do Banco para o setor se manteve relativamente estável entre 2000 e 2004. Com a introdução dos veículos flex no mercado automotivo
brasileiro, o setor passou a investir pesadamente em ampliação de capacidade produtiva. Como consequência, os desembolsos do BNDES cresceram significativamente no
período. Entre 2003 e 2010, quando atingiu seu ponto máximo, o volume desembolsado pelo Banco para o setor aumentou aproximadamente dez vezes. O volume recorde
desembolsado em 2010 refletiu a criação de medidas emergenciais, como a do Programa de Sustentação do Investimento (BNDES PSI). Tais medidas objetivaram mitigar os
efeitos negativos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira.
GRÁFICO 3 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA O SETOR SUCROENERGÉTICO (EM R$ BILHÕES)*
8
7,4
7,5
8,3
9
5,9
7
4,7
5
4
2,7
R$ BILHÕES
6
1,5
0,4
1
0,9
0,9
1,4
2
1,2
3
0
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Fonte: BNDES.
*
O Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011.
Por modalidade de financiamento
A Tabela 3 detalha os desembolsos, divididos por operações diretas com o
BNDES e por operações indiretas, nas quais há repasse por meio de instituições
BIOCOMBUSTÍVEIS
77
financeiras credenciadas. Esse enfoque permite destacar o importante papel anticíclico do Banco em momentos de crise. Como exemplo, a queda nas operações
indiretas em 2011 reflete, em parte, os impactos da crise financeira internacional sobre o setor produtivo e sobre o setor financeiro privado. O cenário atual
é uma fotografia do passado recente, quando o BNDES agiu provendo crédito
contracíclico em um momento de retração da oferta de crédito privado. O resultado positivo das operações indiretas de 2010 deveu-se basicamente à criação
do BNDES PSI. Em 2011, os desembolsos indiretos caíram 40%, enquanto os diretos subiram 15%.
TABELA 3 DISTRIBUIÇÃO DOS DESEMBOLSOS DO BNDES POR NATUREZA DA OPERAÇÃO (EM R$ MILHÕES)*
2008
2009
2010
2011
OPERAÇÃO DIRETA
3.096
3.438
2.776
2.914
OPERAÇÃO INDIRETA
4.408
3.962
5.513
2.984
TOTAL
7.504
7.399
8.289
5.898
Fonte: BNDES.
* O IGP-DI foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011.
Por região
Conforme mostra a Tabela 4, a Região Sudeste concentra a maior parte dos desembolsos dos últimos anos, resultado que está em linha com a distribuição geográfica
do setor. O estado de São Paulo recebeu, sozinho, em 2011, 45% dos desembolsos
destinados ao setor, o que reflete sua liderança como produtor de açúcar e etanol
no país, com cerca de 60% da moagem nacional. Por sua vez, a Região Centro-Oeste recebeu outra grande parte dos desembolsos, o que corrobora sua tendência de
sediar o maior número dos novos investimentos. No último ano, sua participação
no total de investimentos do setor no país atingiu 14%. Juntas, as regiões Centro-Oeste e Sudeste concentraram quase 70% dos desembolsos em 2011. Em uma análise mais ampla, é provável que esse valor se revele significativamente maior, visto
que boa parte dos projetos localizados em mais de um estado (interestaduais) também se localiza nessas regiões.
78
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
TABELA 4 DISTRIBUIÇÃO DOS DESEMBOLSOS DO BNDES POR REGIÃO (EM R$ MILHÕES)*
2008
%
2009
%
2010
2011
%
SUDESTE
4.695
62,6
3.359
45,4
4.983
60
3.248
55,1
CENTRO-OESTE
1.720
22,9
3.357
45,4
1.406
17
846
14,3
502
6,7
139
1,9
231
3
124
2,1
51
0,7
25
0,3
149
2
203
3,4
SUL
NORDESTE
3
0,0
1
0,0
17
0
17
0,3
532
7,1
519
7,0
1.504
18
1.459
24,7
7.503
100,0
7.400
100,0
8.289
100,0
5.898
100,0
NORTE
INTERESTADUAL
TOTAL
%
Fonte: BNDES.
*
O IGP-DI foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011.
INCREMENTO NA CAPACIDADE PRODUTIVA
A Tabela 5 ilustra a importância do aumento da capacidade produtiva do setor, possibilitado pelos projetos apoiados pelo BNDES. Se considerarmos que os projetos
sucroenergéticos levam em média três safras para atingir a maturidade produtiva,
o conjunto de projetos em carteira do BNDES terá viabilizado, na safra 2012-2013,
capacidade industrial de cerca de 110,7 milhões de toneladas de cana-de-açúcar,
mais de cinco bilhões de litros de etanol e 2.183 MW de potência elétrica.
TABELA 5 CAPACIDADE PRODUTIVA VIABILIZADA PELO APOIO DO BNDES AO SETOR SUCROENERGÉTICO
Ano de início da moagem
2008
AGRÍCOLA (MILHÕES DE TONELADAS)
2010
2011
Total
27,2
39,0
25,9
18,6
110,7
1,7
2,1
1,5
0,4
5,7
642,0
576,0
493,0
472,0
2.183,0
ETANOL (BILHÕES DE LITROS)
COGERAÇÃO (MW)
2009
Fonte: BNDES.
5. AS DIRETRIZES DA ATUAÇÃO DO BNDES
O BNDES vem pautando sua atuação no setor sucroenergético por cinco diretrizes
principais, quais sejam:
1.
ampliação da capacidade de produção;
BIOCOMBUSTÍVEIS
2.
incentivo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico;
3.
potencialização de externalidades positivas;
4.
estímulo à sustentabilidade socioambiental; e
5.
contribuição para formação de um mercado internacional de bioetanol.
79
A primeira diretriz diz respeito à atividade precípua do BNDES, que é a de
prover recursos de longo prazo para ampliação do nível de produção da indústria
brasileira. Conforme já mencionado, o investimento no setor sucroenergético provoca relevantes impactos econômicos a jusante e a montante da cadeia de produção, o que justifica a prioridade que o Banco vem dando ao tema. Nesse aspecto, a
história recente do setor sucroenergético se reflete na história do apoio do Banco
ao setor. Com o significativo crescimento dos investimentos ao longo da última década, o BNDES criou uma unidade específica, o Departamento de Biocombustíveis
(DEBIO), para lidar com os projetos do setor, em meados de 2007.
No que se refere ao segundo ponto, o apoio a investimentos em pesquisa e
desenvolvimento tecnológico do etanol vem recebendo atenção crescente. Exemplo disso foi a criação do Programa Conjunto de Apoio à Inovação Tecnológica
Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS). Atualmente em sua
fase final, o programa pode ser considerado uma iniciativa pioneira de fomento à
inovação, conduzida conjuntamente por BNDES e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Elaborado com base em um detalhado diagnóstico realizado em Nyko
et al. (2010), o PAISS teve como objetivo fomentar projetos de desenvolvimento,
produção e comercialização de novas tecnologias industriais destinadas ao processamento da biomassa de cana-de-açúcar. Em outras palavras, o escopo desse plano
abrange tecnologias que não se resumem unicamente aos biocombustíveis.
Assim, o PAISS fomentou tanto projetos capazes de agregar valor às atividades
tradicionais do setor por meio de novos produtos quanto projetos de pesquisa e
desenvolvimento referentes ao etanol celulósico, também conhecido como etanol
de segunda geração. Se viabilizado economicamente, o etanol celulósico poderá
aumentar a produtividade do setor em mais de 40%.
O resultado final do programa foi a seleção de 25 empresas, que submeteram
35 planos de negócios, os quais poderão gerar investimentos em inovação de cerca
80
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
de R$ 3,1 bilhões. Entre as escolhidas estão empresas start-ups de base biotecnológica e grandes empresas do setor sucroenergético.
O terceiro aspecto refere-se à orientação estratégica do BNDES de tentar, na
medida do possível, intensificar a geração de externalidades positivas. Além do
PAISS, que pode gerar desdobramentos de elevada importância para o Brasil no
longo prazo, outro exemplo importante dessa diretriz foi a manutenção, por determinado período, de condições mais favoráveis para o financiamento a caldeiras
de alta pressão. Também cabe destaque para os investimentos sociais, uma vez
que, em boa parte dos projetos financiados, vem sendo requerida a inclusão de
subprojetos que tenham como objetivo a construção de equipamentos sociais de
uso público, como creches, escolas e alas de hospitais.
Além desses exemplos, e ante o mérito estratégico do setor para o país, foram
estruturados programas específicos e operações que visam ao aumento da competitividade setorial.
Em primeiro lugar, sobressai o Programa de Apoio do Setor Sucroalcooleiro
(BNDES PASS), cuja finalidade é financiar a estocagem de etanol para garantir o
abastecimento do país na entressafra. Em segundo lugar, destaca-se a criação do
BNDES Prorenova, programa que tenta reverter o quadro de elevada ociosidade
industrial vivenciada atualmente pelas usinas do setor, conforme diagnosticado em
Milanez et al. (2012). Para tanto, o programa pretende financiar a renovação e a
expansão dos canaviais brasileiros, condição fundamental para aumentar a produtividade da lavoura de cana-de-açúcar e, assim, reduzir a ociosidade industrial da
produção de açúcar e etanol.
Espera-se que os R$ 4 bilhões do BNDES Prorenova possam financiar a renovação e/ou ampliação de mais de um milhão de hectares de cana-de-açúcar. Com o aumento da disponibilidade de matéria-prima, a expectativa é de que a produção de
etanol receba um incremento de dois a quatro bilhões de litros entre 2013 e 2014,
o que representaria um crescimento de mais de 10% em relação à última safra.
Igualmente é digno de nota o apoio do BNDES para a implantação de um sistema logístico de transporte de etanol, atualmente em sua primeira fase de construção. Essa iniciativa está em linha com as conclusões expostas em Milanez et al.
BIOCOMBUSTÍVEIS
81
(2010), em que se analisaram os desafios concernentes à logística de distribuição
do etanol e se estimou a estrutura logística necessária à distribuição geográfica da
oferta e da demanda, tanto no mercado interno como para as futuras exportações
desse biocombustível.
Esse sistema compreenderá uma estrutura logística multimodal (incluindo a
construção do alcoolduto) dedicada ao etanol, com capacidade de transporte de
20,8 milhões de metros cúbicos por ano. O projeto contará com aproximadamente
1.330 quilômetros de extensão de dutos e dez terminais de armazenamento. Quatro desses terminais serão destinados à operação na Hidrovia Tietê-Paraná, no trecho entre Presidente Epitácio (SP) a Anhembi (SP). Iniciada a operação em agosto
de 2011, o prazo total da implantação do sistema logístico é estimado em 54 meses,
com término previsto para fevereiro de 2016. O orçamento total para a implantação está estimado em R$ 9,1 bilhões.
A primeira fase tem extensão aproximada de 460 km e instalações de armazenamento e conta com o apoio financeiro do BNDES, que soma R$ 1,8 bilhão. Esse
valor corresponde a 76% dos gastos financiáveis do projeto no período.
Esse sistema logístico também contribuirá para aumentar o padrão de sustentabilidade do setor sucroenergético, o que se enquadra no quarto princípio defendido e executado pelo BNDES no decorrer de sua história. Contudo, os desafios socioambientais ganharam novos contornos com o passar do tempo, mais diversificados
e complexos, o que exigiu que o Banco se adequasse ao novo contexto. Tal processo
culminou com a introdução de diversas linhas de financiamento e fundos específicos para apoiar projetos ambientais e sociais e, principalmente, com a criação, em
meados de 2009, da Área de Meio Ambiente.
Finalmente, cabe mencionar ainda que o futuro crescimento da produção de
etanol não estará focado somente no aumento do consumo interno do produto. É
premente a necessidade de construir um mercado global e, por isso, os desafios para
que o etanol se transforme em commodity internacional precisam ser enfrentados.
Voltado para isso, o BNDES coordenou a produção e participou da extensa agenda
de divulgação do chamado “Livro Verde” do bioetanol, que, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE),
82
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
foi distribuído em inúmeros países. Publicação de caráter técnico-científico, o livro
tem como objetivo central oferecer uma base para a discussão internacional sobre
a construção de um mercado mundial de etanol.
Além disso, também cabe destacar que, para alguns, o fato de a capacidade
exportadora de etanol estar concentrada no Brasil vem inibindo a criação de um
mercado internacional, haja vista que os potenciais países consumidores teriam
receio de eventuais interrupções de fornecimento do produto. Diante disso, o
BNDES aprovou recentemente o apoio financeiro para a realização de estudo técnico que avaliará a viabilidade da produção de biocombustíveis nos países-membros
da União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA). Esse estudo compreenderá levantamento completo, em todo o território de Benim, Burkina Faso,
Cote d’Ivoire (Costa do Marfim), Mali, Níger e Togo, das condições edafoclimáticas,
sociais, ambientais, de mercado, de infraestrutura, de marco legal, entre outras
que possam impactar a sustentabilidade e viabilidade da produção de bioenergia
pela região. Ao mesmo tempo, o BNDES procura oferecer financiamento para a
instalação de usinas no exterior, em especial na América Latina e na África. Consequentemente, o conjunto dessas iniciativas possibilitará que mais países se tornem
exportadores de etanol.
6. PERSPECTIVAS
Conforme previamente discutido, o BNDES considera o etanol e a bioeletricidade da
cana-de-açúcar soluções viáveis para contribuir para a redução das emissões de gases
de efeito estufa. Assim, a agenda futura do Banco está calcada na necessidade de
continuar o estímulo ao aumento da competitividade da indústria sucroenergética,
de forma a prepará-la para gerar atores capazes de se sobressair em um mercado
internacional que, diante da crescente preocupação com o aquecimento global, se
formará cedo ou tarde.
No que tange à manutenção da competitividade da indústria brasileira, cabe
mencionar que o BNDES continuará priorizando o apoio a projetos de inovação
para o setor, comprometimento já consubstanciado pelo PAISS. Conforme discu-
BIOCOMBUSTÍVEIS
83
tido anteriormente, a produção de etanol celulósico, uma vez posta em escala
comercial, conseguirá aumentar o atual nível de produtividade do etanol brasileiro em mais de 40%. A diversificação da produção do setor para outros produtos,
além dos já tradicionais, também vem sendo foco do apoio do BNDES. Com isso,
espera-se que o conceito de biorrefinaria se consolide e se torne realidade nos
próximos anos no Brasil. Ressalta-se, no entanto, que as pesquisas tradicionais,
como o melhoramento genético das variedades de cana-de-açúcar, continuarão a
receber apoio.
Além da eficiência agroindustrial e da diversificação da carteira de produtos do
setor, a criação de um mercado internacional de bioetanol também exigirá, para
aqueles que pretendem ser bem-sucedidos em nível global, competências adicionais, como a capacidade de logística em transporte, armazenagem e distribuição, a
sustentabilidade de processos produtivos – à medida que sejam demandadas pelo
mercado certificações socioambientais – e a capacidade de oferecer garantia de
fornecimento do produto, que é fator crítico para o sucesso em qualquer mercado
de commodities energéticas.
Tais características, por exigirem elevados investimentos e a correspondente
necessidade de economias de escala, demandam uma nova forma de organização industrial do setor, que, ao menos no que se refere à parcela capaz de atuar
internacionalmente, deixará de ser tão fragmentada. Por meio de suas iniciativas estruturantes, o BNDES deve procurar contribuir para aumentar a competitividade de empresas brasileiras que desejam competir globalmente. Exemplo
disso é o apoio do Banco ao projeto do sistema logístico de transporte de etanol, que, quando concluído, aumentará a eficiência setorial, tanto do ponto de
vista econômico quanto ambiental.
Finalmente, todo esse esforço para fortalecer as vantagens competitivas do setor sucroenergético não terá sido bem-sucedido caso não se logre criar um mercado internacional para o etanol. Para tanto, o BNDES continuará empreendendo
esforços de diversas naturezas para reduzir os entraves ao maior fluxo de comércio
internacional. Além da manutenção da agenda de divulgação internacional das
vantagens econômicas e ambientais do etanol de cana-de-açúcar, o BNDES também
84
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
intensificará o apoio à instalação de usinas sucroenergéticas no exterior, que, ao
permitir a diversificação da matriz de países fornecedores de etanol, contribuirá
decisivamente para que o produto se torne, mais rapidamente, uma commodity
internacional.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O setor sucroenergético vem passando por mudanças significativas nas últimas décadas. Além da tradicional produção de açúcar, as empresas do setor consolidaram
em seus portfólios de produtos o etanol e a bioeletricidade. Essa diversificação aumentou a competitividade dessas empresas, mas o potencial da cana-de-açúcar está
muito além desses três produtos.
No futuro, as usinas processadoras de cana também produzirão novos itens,
como os biocombustíveis de maior densidade energética (querosene de aviação,
diesel e butanol, por exemplo) e produtos químicos de maior valor agregado. Essa
diversificação produtiva possibilitará às empresas tornarem-se grandes biorrefinarias. Nesse contexto, o BNDES vem moldando sua atuação no setor, especialmente
no que se refere ao apoio à inovação tecnológica.
Vislumbra-se ainda a criação de um mercado internacional de etanol, para o
qual será importante aumentar a competitividade do setor. Para isso, o BNDES vem
apoiando diversas iniciativas, como aquelas que procuram ampliar o número de
países produtores do etanol de cana-de-açúcar e aquelas referentes à constituição
de infraestrutura nacional de apoio à atividade produtiva.
Em síntese e sem perder de vista a sustentabilidade socioambiental, as recentes iniciativas do BNDES procuram manter o setor sucroenergético brasileiro
na vanguarda mundial da inovação e da produção de biocombustíveis, bem
como procuram divulgar as vantagens do etanol de cana-de-açúcar para o restante do mundo.
BIOCOMBUSTÍVEIS
85
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87
Egmar Del Bel Filho
Jaldir Freire Lima
Luciana Xavier de Lemos Capanema
Victor Emanoel Gomes de Moraes*
* Respectivamente, economista, chefe de departamento, gerente e contador do Departamento de Agroindústria da Área Industrial
do BNDES. Os autores agradecem os comentários da economista Luiza Rodrigues.
AGROINDÚSTRIA
89
RESUMO
Este artigo apresenta o histórico do apoio do BNDES ao complexo agroindustrial e
mostra sua visão sobre os temas que deverão estar em sua agenda futura. Por quase
trinta anos após sua criação, em 1952, a atuação do BNDES no apoio ao agronegócio
mostrou-se bastante tímida. A partir da década de 1980, com a responsabilidade de
executar o Proálcool, seu papel começa a ser relevante no setor. A década de 1990
consolida essa tendência, destacando-se o apoio à indústria de proteína animal.
Ao longo dos anos 2000, houve o fortalecimento do apoio às cooperativas agroindustriais e a internacionalização de grandes empresas brasileiras. Novos desafios se
apresentam no horizonte e farão parte da agenda do Banco, destacando-se a busca
pela produção ambientalmente sustentável, concomitantemente a um expressivo
incremento de demanda em função do aumento populacional no mundo.
ABSTRACT
This paper presents the history of the BNDES’ support for the agroindustrial
sector and shows its vision on issues that are expected to be on agenda in the
future. For the first thirty years after its creation, in 1952, the BNDES’ efforts
to provide support for agribusiness were rather timid. As of the 1980s, with
the responsibility of running the Proálcool program, the BNDES’ became
relevant. The 1990s consolidated this trend, with support for the animal protein
industry taking a leading role. Throughout the 2000s, support for agroindustrial
cooperatives was strengthened and large-scale Brazilian companies were
internationalized. New challenges have surfaced on the horizon and will
become part of the Bank’s agenda, especially the pursuit for environmentally
sustainable production, along with a significant increase in demand due to
worldwide population growth.
AGROINDÚSTRIA
91
1. INTRODUÇÃO
Na segunda metade do século XX, a propriedade agrícola mudou sua atividade de
subsistência para uma operação comercial, em que os agricultores consomem, cada
vez menos, o que produzem [Araújo, Wedekin e Pinazza (1990)]. O moderno agricultor passou a ser um especialista, confinado às atividades de cultivo e criação. Por
outro lado, as funções de armazenar, processar e distribuir alimento foram se transferindo, em larga escala, para organizações além da fazenda. Essas organizações,
tipicamente empresas ou cooperativas, transformaram-se em operações altamente
especializadas. A jusante da fazenda, formaram-se complexas estruturas de armazenamento, transporte, processamento, industrialização e distribuição.
Criou-se um novo arranjo de funções fora, e a montante, da fazenda: a produção de insumos agrícolas e fatores de produção, incluindo máquinas e implementos, tratores, combustíveis, fertilizantes, suplementos para ração, vacinas e medicamentos, sementes melhoradas, matrizes, agroquímicos, entre outros, além de
serviços bancários, técnicos de pesquisa e informação [Gonçalves (2005)].
A expressão Complexo Agroindustrial (CAI) foi então criada para caracterizar
uma tipologia marcada pelas relações intersetoriais indústria-agricultura-comércio-serviços em um padrão agrário moderno, no qual o setor agropecuário passa a ser
visto de maneira integrada à indústria [Fajardo (2008)].
Atualmente, o complexo agroindustrial brasileiro desempenha um significativo papel na economia do país, abrangendo todas as instituições que desenvolvem
atividades, no processo de produção, elaboração e distribuição dos produtos da
agricultura e pecuária, envolvendo desde a produção e fornecimento de recursos
até a entrega do produto ao consumidor final.
Segundo o mais recente censo agropecuário [IBGE (2009)], em 2006, o Brasil
contava com 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, que ocupavam cerca
de 36,7% de seu território total. Esse número vinha mantendo-se praticamente
constante nos vinte anos anteriores. Em relação ao número de unidades registradas, os estabelecimentos de menos de 10 hectares representavam pouco mais que
47%, enquanto os de mais de 1.000 hectares respondiam por, aproximadamente,
92
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
0,9% do número total de estabelecimentos agropecuários no Brasil. Já em relação
à área ocupada, as propriedades com menos de 10 hectares ocupavam menos de
2,7% da área total, enquanto as maiores que 1.000 hectares ocupavam mais que
43%. Considerando-se que a tendência se manteve até 2011, ainda que em relação
à distribuição de área o quadro seja bem diferente, o Brasil continua apresentando
grande número de pequenos produtores agropecuários. Com isso, ainda que tenha
havido uma profissionalização e especialização dos produtores agrícolas, as políticas de apoio à agricultura familiar e às cooperativas continuam sendo fundamentais para a manutenção e fixação dessas famílias no campo.
Neste artigo, os conceitos de complexo agroindustrial e agronegócio são considerados sinônimos e compreendem produção de insumos, produção primária, processamento e distribuição, enquanto o de agroindústria é definido como o resultado da soma do setor agropecuário e das indústrias de alimentos, bebidas e fumo.
Assim, o objetivo deste artigo é expor o histórico da atuação do BNDES, em
seus sessenta anos de existência, no apoio ao complexo agroindustrial, buscando
relacioná-lo à evolução do próprio complexo e mostrar sua visão sobre temas que
impactam essas atividades econômicas e que deverão estar em sua agenda futura.
O artigo está organizado em duas grandes seções. Na primeira, é exibido o histórico de atuação do BNDES no apoio ao CAI dividido por períodos: 1952 a 1980; 1980
a 1990; 1990 a 2000; e 2000 a 2011. A segunda seção trata de tendências e da visão
dessa instituição sobre a agenda futura do agronegócio brasileiro, abordando temas como: demanda, biocombustíveis, sustentabilidade, inovação e exportações.
2. HISTÓRICO
1952-1980: SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES
O BNDES foi criado em um momento em que era predominante a ideia do desenvolvimento econômico com a substituição de importações. Esta, por sua vez, ocorreria somente por via da industrialização e respectiva mudança do centro dinâmico
da economia: o mercado interno seria o driver da atividade econômica, em vez de
AGROINDÚSTRIA
93
ser o setor primário-exportador. Tratava-se de uma visão em que a agropecuária
era considerada sinônimo de atraso, e, portanto, era necessário reduzir sua participação na formação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, cedendo lugar à
indústria. Para isso, seriam necessários investimentos na modernização do parque
industrial nacional e em obras de infraestrutura, principalmente em transporte e
energia. O BNDES, nesse contexto, nascera com papel definido: ser o provedor desses financiamentos de longo prazo de maturação.
Como consequência, esse período foi caracterizado pela tímida atuação do
BNDES no financiamento à agroindústria, que teve seu apoio direcionado apenas
à etapa industrial do processo. A etapa agropecuária era então financiada por outras fontes, predominantemente o Banco do Brasil, o qual tinha acesso a recursos
“ilimitados” por meio da conta-movimento.1
De acordo com Faveret Filho e Paula (2002), no período de 1952 a 1959, a
agroindústria respondeu por apenas 3% do total desembolsado pelo BNDES. Destaca-se ainda que os principais empreendimentos apoiados foram frigoríficos, matadouros, armazéns e silos.
Segundo os mesmos autores, houve uma mudança na atuação do Banco nas
duas décadas seguintes: “Durante as décadas de 60 e 70, o Banco financiou diversas
indústrias complementares às atividades agropecuárias, concentrando sua atuação
na indústria de alimentos”.
Ao fim do período, quando o modelo de substituição de importações se esgotou, o Banco havia cumprido o seu papel. A participação da indústria na renda
interna havia se elevado de 26% para 33%, em detrimento da agropecuária, que
viu sua participação ser reduzida de 25% para 19%.
1980-1990: EXPORTAÇÃO
O fim da década de 1970 foi marcado pela crise internacional decorrente do segundo
choque do petróleo. Nesta época, além do elevado preço da commodity, as fontes
1
A conta-movimento, criada em 1965 e extinta em 1986, dava ao Banco do Brasil acesso direto aos recursos do Tesouro sem
aprovisionamento prévio.
94
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
internacionais de financiamento escassearam, com consequente escalada de juros. O
Brasil, importador líquido de petróleo e devedor internacional, foi afetado severamente, sofrendo déficits crescentes no balanço de pagamentos. O governo, visando estancar esse movimento, instituiu o III Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND), cujos
esforços se concentraram nas atividades exportadoras e/ou poupadoras de divisas.
Em 1979, foi lançado o Proálcool, com o objetivo de reduzir as importações de
petróleo e, com isso, diminuir a pressão sobre a balança comercial. Coube ao BNDES
ser o agente do respectivo programa.
A partir de então, o BNDES passou a financiar a atividade agropecuária, pois
atuou tanto nas operações industriais, com o financiamento à implantação de
destilarias, como nas operações rurais, financiando as lavouras de cana-de-açúcar.
Cabe ressaltar, entretanto, que as operações rurais eram realizadas apenas de forma indireta.2 Um dos motivos para essa estrutura foi a tentativa de não sobrepor a
atuação do BNDES à do Banco do Brasil, considerado principal agente financeiro do
setor agropecuário até então.
Grigorovski (2000) destaca ainda duas formas de atuação do BNDES no setor
agropecuário na primeira metade da década de 1980. A primeira, por meio da gestão do Finsocial, que lhe fora concedida pelo governo federal em 1982,3 pois entre
suas finalidades estava o apoio ao pequeno agricultor. A segunda foi o apoio com
a realização de obras de infraestrutura, como eletrificação rural, estradas vicinais e
irrigação, as quais faziam parte das prioridades do III PND.
A partir da segunda metade da década de 1980, o BNDES passou a agir de forma diferente em relação ao setor agropecuário, conferindo-lhe maior importância.
De acordo com Grigorovski (2000), os fatores responsáveis por essa mudança foram, entre outros:
1.
Mudança da visão da agropecuária, não mais como símbolo de subdesenvolvimento, mas como parte integrante do complexo agroindustrial (CAI), conceito
2
O BNDES, por apresentar uma estrutura operacional enxuta, em geral realiza diretamente operações de grande porte, hoje
superiores a R$ 10 milhões. Assim, para possibilitar mais capilaridade de sua atuação, adota a forma indireta, em parceria com
agentes financeiros, que repassam as linhas e programas do BNDES para operações de menor porte.
3
Decreto-lei 1.940, de 25 de maio de 1982.
AGROINDÚSTRIA
95
que agrega valor à produção agrícola e define uma visão empresarial/profissional do agronegócio.
2.
Fim da conta-movimento e consequente redução de recursos disponíveis para
o Banco do Brasil no financiamento à agropecuária, abrindo espaço para maior
atuação do BNDES.
3.
Vedação legal às agências federais de crédito de financiar entes públicos com
alto índice de endividamento, o que levou o BNDES a direcionar seus recursos
ao setor privado em detrimento do setor público.
Apesar de ainda ser pouco representativa no BNDES, a agroindústria via au-
mentar sua participação nos desembolsos do Banco no decorrer da década de
1980. Mais importante ainda foi o fato de a agropecuária ter sido alvo de apoio
crescente, conforme mostra o Gráfico 1. Entre os anos de 1985 e 1989, o desembolso anual médio para esse setor foi superior em 222% ao observado entre 1980
e 1984, o que lhe conferiu uma participação de 2,7% nos desembolsos contra
0,8% no primeiro período.
GRÁFICO 1 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA A AGROPECUÁRIA NO PERÍODO 1980-1989
(EM R$ MILHÕES, MARÇO DE 2012, CORRIGIDOS PELO IGP-DI)
1.200
1.000
R$ MILHÕES
800
600
400
200
0
1980
1981
1982
1983
1984
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Grigorovski (2000).
1985
1986
1987
1988
1989
96
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Com a elevação considerável do apoio à agropecuária, a agroindústria teve sua
participação nos desembolsos do BNDES ampliada de cerca de 5% em 1984 para
mais de 10% em 1989.
1990-2000: EXPANSÃO
Na década de 1990, o BNDES consolidou seu apoio ao complexo agroindustrial.
Considerando todo o período, os desembolsos para a agroindústria apresentaram
trajetória crescente. Foi desembolsado nesse período o maior valor registrado até
então, tanto absoluto – cerca de R$ 56 bilhões – como relativo ao total da instituição – pico de 29% em 1994.
Nota-se o aprofundamento do comportamento iniciado na década anterior,
com maior ênfase no apoio ao setor, principalmente no que tange às operações
agropecuárias, responsáveis por 52% dos desembolsos à agroindústria no período.
Prova disso foram os diversos programas criados especificamente para as diversas
cadeias agroindustriais.4
Já no início da década, em 1990, o BNDES criou o programa Finame Agrícola, que concedeu as mesmas condições dos financiamentos que eram adotados às
máquinas industriais – prazos, taxas e rede de agentes financeiros – às máquinas
agrícolas. De acordo com Grigorovski et al. (2001), 78% dos desembolsos do BNDES
ao setor, no período 1990-1994, foram oriundos desse programa, o que o tornou
o maior responsável pelo crescimento de 67% a.a. nos desembolsos ao setor no
mesmo período.
Essa elevação expressiva do financiamento às operações agropecuárias inverteu
o peso dos segmentos no complexo agroindustrial. Naquele momento, as operações
voltadas para a agropecuária passaram a ser mais relevantes que as destinadas ao
segmento industrial da cadeia. O Gráfico 2 mostra essa relação ao longo da década.
4
Dentre os programas criados no período, destacam-se: Finame Agrícola, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf), Programa Nordeste Competitivo, Programa Finame Especial, Programa de Incentivo ao Uso de Corretivos de Solos
(Prosolo), Programa de Apoio à Comercialização do Algodão Brasileiro (Pró-Algodão) e Programa de Incentivo à Mecanização, ao
Resfriamento e ao Transporte Granelizado da Produção de Leite (Proleite).
AGROINDÚSTRIA
97
GRÁFICO 2 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA A AGROINDÚSTRIA POR SEGMENTO, NO PERÍODO
1990-1999 (EM R$ MILHÕES, MARÇO DE 2012, CORRIGIDOS PELO IGP-DI)
10.000
9.000
8.000
R$ MILHÕES
7.000
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
1990
1991
Industrial
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
Agropecuário
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Faveret Filho, Lima e Paula (2000).
Nota: Modificado e atualizado.
Uma característica importante apontada por Faveret Filho, Lima e Paula (2000)
é que as operações agropecuárias foram, em sua maioria, indiretas, ou seja, realizadas por meio de agentes financeiros, e corresponderam, em 1999, a 93% do valor
desembolsado ao setor.
Já em relação ao comportamento da participação da agroindústria no total
desembolsado pelo BNDES, há dois momentos distintos no decorrer dos anos 1990.
Até 1994, houve crescimento expressivo, alcançando o pico de 29% nesse mesmo
ano. A partir de então, ocorreu sua redução, atingindo 15% em 1999. Essa queda é
atribuída, entre outros fatores, ao aumento dos desembolsos para o setor de infraestrutura, principalmente em energia elétrica, gás, telecomunicações e transportes.
Além disso, houve uma situação extremamente desfavorável para o setor agropecuário a partir do fim de 1994, caracterizada pela elevação brusca da taxa de
juros concomitante à queda nos preços dos principais produtos agrícolas. Como os
financiamentos eram feitos com taxas pós-fixadas, o endividamento dos produtores aumentou ao mesmo tempo em que suas receitas diminuíam. Com isso, o nível
98
BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
de inadimplência se elevou de forma significativa, o que, somado às condições desfavoráveis do mercado, resultou na contração dos financiamentos.
O BNDES, visando reverter essa tendência de retração no apoio ao setor, criou
em 1997 um novo programa, o Finame Especial. Por meio desse programa, era
possível ao produtor adquirir financiamentos com taxa de juros pré-fixada, o que
reduzia sua fragilidade diante de inesperadas alterações das condições de mercado. Verificou-se, depois de sua criação, um incremento nas operações do Finame
Agrícola, atingindo em 1999 o mesmo valor que atingira em 1993.
Outro programa criado na década de 1990 que merece destaque é o Pronaf –
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Por meio desse programa, criado em 1995, as famílias de micro e pequenos produtores rurais que
desenvolviam suas atividades mediante emprego direto de sua força de trabalho
e de sua família passaram a ter acesso a crédito com as mais baixas taxas de juros
dos financiamentos rurais. Seu desempenho foi espetacular logo no ano seguinte
ao de sua criação, com desembolsos da ordem de R$ 1.778 milhões, o que representou cerca de 38% do valor total desembolsado para o setor agropecuário em 1997,
de R$ 4.701 milhões. No entanto, em virtude da redução do aporte de recursos do
Tesouro Nacional, o programa perdeu força logo em seguida, desembolsando em
1999 um valor inferior a 20% do observado dois anos antes.
Dentre as diversas cadeias do complexo agroindustrial, algumas se destacaram
no que diz respeito ao apoio do BNDES durante a década de 1990. Carnes, grãos e
cana-de-açúcar foram responsáveis, em conjunto, por 30% do valor desembolsado
para a agroindústria entre 1990-1999, totalizando R$ 17 bilhões. A Tabela 1 resume
os desembolsos para as cadeias do complexo agroindustrial.
TABELA 1 DESEMBOLSOS DO BNDES PARA AS PRINCIPAIS CADEIAS DO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL
(EM R$ BILHÕES)
Discriminação
Etapa industrial
Etapa agrícola
Valor total
CARNES
6,0
2,8
8,8
GRÃOS
3,8
0,7
4,5
CANA-DE-AÇÚCAR
2,1
1,6
3,7
Fonte: BNDES.
AGROINDÚSTRIA
99
A cadeia de carnes, maior beneficiária, foi o destino de 16% do total desembolsado à agroindústria. Destes, 68% foram para a etapa industrial – processamento
de carnes – e 32% à etapa agropecuária. Bovinos, aves e suínos foram, nessa ordem,
as carnes que receberam as maiores parcelas dos desembolsos.
O complexo grãos foi o segundo maior destino dos recursos, representando 8%
do total. Desse montante, 84% foram destinados ao processamento industrial e
16% à produção primária. As principais culturas apoiadas foram soja, arroz e milho,
com 54%, 21% e 19% dos recursos destinados ao cultivo.
A cadeia da cana-de-açúcar, que neste caso não compreende a produção de etanol, foi a terceira maior beneficiária no período, representando quase 7% do total.
A etapa industrial do processo correspondente à fabricação de açúcar e derivados foi
destino de 57% dos recursos, enquanto o cultivo de cana-de-açúcar foi de 35%. O
restante foi aplicado à fabricação de aguardente e refino e moagem de açúcar.
Diversas outras cadeias foram apoiadas pelo BNDES no período, tendo recebido em conjunto 70% dos desembolsos. Não serão abordadas em função de sua
pulverização e pouca importância em relação ao total quando individualizadas.
Por fim, vale destacar o papel assumido pelo BNDES na década de 1990 como a principal fonte de recursos aos investimentos do setor agropecuário, passando de 10% no
início do período para 63% em 1998. Nota-se, portanto, uma brusca alteração não só da
participação da instituição no apoio à agroindústria, mas também das diretrizes traçadas
pelo governo federal no decorrer do período [Faveret Filho, Lima e Paula (2000)].
2000 A 2011: FORTALECIMENTO DAS COOPERATIVAS
E INTERNACIONALIZAÇÃO
Na década de 2000, a economia brasileira vivenciou grande desenvolvimento. A
taxa anual de crescimento do PIB, que era de 1,3% em 2001, atingiu 2,7% em 2011.
É verdade que houve variações no período, como o crescimento negativo de 0,2%
em 2009 (reflexo da crise de 2008) e pico de 7,5%, em 2010 (resultado das políticas
anticíclicas adotadas pelo governo brasileiro).
O PIB do agronegócio (complexo agroindustrial) no mesmo período não apresentou um crescimento proporcional ao do Brasil. Sofreu redução percentual consi-
100 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
derável em relação ao PIB nacional, passando de 28,8%, em 2003, para 22,3%, em
2010, segundo a Associação Brasileira do Agronegócio [Informativo Abag (2011)].
Entretanto, monetariamente, o comportamento foi mais constante, conforme se
pode notar no Gráfico 3.
GRÁFICO 3 EVOLUÇÃO DO AGRONEGÓCIO NO PIB BRASILEIRO DE 2002 A 2010 (EM R$ BILHÕES)
4.000
3.500
3.000
2.500
2.000
821
2006
780
2005
822
2004
768
712
2003
709
2002
743
725
1.000
680
1.500
2007
2008
2009
2010
500
0
Agronegócio
Brasil
Fonte: Ipea apud Informativo Abag (2011).
Se o agronegócio não apresentou participação expressiva no crescimento da
economia brasileira, teve outros importantes méritos. Foi o grande gerador de divisas da economia brasileira, tendo sido responsável pelo bom desempenho das
contas externas do país a partir de 2001, quando houve a reversão da sequência
de déficits ocorrida na segunda metade da década de 1990. Em 2011, a balança
comercial do agronegócio foi superavitária em US$ 77,51 bilhões, representando
a principal contribuição pelo resultado positivo da balança comercial brasileira, de
US$ 29,8 bilhões no mesmo ano [Neves (2012)]. Gerou e manteve empregos no
campo, prestando dessa forma relevante contribuição para a sociedade brasileira.
Em 2001, o desembolso total do BNDES foi de R$ 25,5 bilhões, um recorde à
época. Dez anos depois, ao atingir R$ 140 bilhões, mostrou novamente sua capacidade de superar desafios e atingir novo e mais relevante patamar de desembolso.
AGROINDÚSTRIA
101
Em 2001, o complexo agroindustrial (CAI) recebeu recursos do BNDES no montante de R$ 7,4 bilhões. Desse total, R$ 4,8 bilhões foram destinados à agroindústria em seu conceito restrito, ou seja, considerando apenas a agropecuária e as
indústrias de alimentos, bebidas e fumo. Em 2011, os valores foram, respectivamente, R$ 25,2 bilhões e R$ 16,6 bilhões. Fica patente a importância do BNDES para a
economia nacional e, especialmente, para o agronegócio. A Tabela 2 sintetiza essas
informações.
TABELA 2 DESEMBOLSOS DO BNDES – 2001 E 2011 (EM R$ BILHÕES)
Discriminação
2001
2011
TOTAL
25,5
139,9
Var. 2011-2001 (%)
449
CAI
7,4
25,2
240
AGROINDÚSTRIA
4,8
16,6
246
Fonte: BNDES.
A partir deste trecho, os dados informados referem-se exclusivamente à agroindústria tomada em sentido restrito.
Os programas do governo federal5 administrados pelo BNDES foram os grandes
responsáveis pela evolução do agronegócio no período, uma vez que incentivaram
a produção primária. Os mais relevantes são mostrados a seguir.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) sempre se destacou, tanto em relação aos desembolsos quanto ao número de operações. Em 2001, concedeu financiamentos que somaram R$ 265 milhões e, em 2011,
tal montante atingiu R$ 1,3 bilhão, beneficiando mais de trinta mil famílias.
O Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota) foi criado em 1999, para impulsionar o setor
de máquinas e equipamentos que passava por um período de dificuldades. Com a
edição desse programa, o BNDES e o governo federal visavam incentivar a aquisição
pelos produtores de tratores e implementos, colheitadeiras e suas plataformas de
5
Os programas do governo federal administrados pelo BNDES, como Pronaf, Prodecoop e Moderfrota, apresentavam taxas de juros
fixas em 2011, variando entre 6,5% a.a. e 9,75% a.a.
102 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
corte e equipamentos para preparo, secagem e beneficiamento de café. Em 1999, o
Moderfrota contabilizou liberações da ordem de R$ 1 bilhão; em 2001, R$ 1,7 bilhão.
Já em 2008 atingiu a marca recorde de R$ 2,3 bilhões, representando variação de
35% sobre 2001. A partir de 2009, as operações foram direcionadas para o Programa
de Sustentação do Investimento PSI, que apresentava melhores taxas de juros.
Em 2002, para a safra 2002-2003 foi criado o Programa de Desenvolvimento
Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária (Prodecoop), cuja
finalidade é incrementar a competitividade do complexo agroindustrial das cooperativas brasileiras, por meio da modernização de seus sistemas produtivos e de comercialização. Esse programa possibilitou o crescimento e fortalecimento da maioria das cooperativas, em especial as situadas no oeste paranaense. Em seu primeiro
ano de vigência, o programa desembolsou R$ 899 milhões. As liberações chegaram
a atingir R$ 1,5 bilhão em 2009, ano de sua maior efetividade. Em 2011, os desembolsos foram de aproximadamente R$ 460 milhões. Também visando promover a
recuperação e/ou reestruturação patrimonial das cooperativas e a concessão de recursos para o financiamento de capital de giro para o atendimento de suas necessidades imediatas operacionais, foi criado, em 2009, o Programa de Capitalização de
Cooperativas Agropecuárias (Procap-Agro), o qual liberou, no período 2009-2011,
o montante de R$ 5,3 bilhões. O efeito desses financiamentos pode ser percebido pelo crescimento no faturamento líquido de cooperativas paranaenses, como,
Copacol, Coamo e C.Vale,6 da ordem de 309% no período 2001-2011.
Os produtos listados a seguir foram importantes fontes de financiamento
para o agronegócio no período: BNDES Finame e Finame Agrícola, além do BNDES
Automático. Entre 2001 e 2011, ocorreu variação positiva no desembolso acumulado desses produtos da ordem de 264%. Quanto a valor, no início do período o
desembolso foi de R$ 2,5 bilhões e, em 2011, de R$ 9,3 bilhões.
O Cartão BNDES é outra forma de levar financiamento a pequenos produtores. Com excelente aceitação, é hoje ferramenta essencial para dinamização do
6
Cooperativa Agroindustrial Consolata (Copacol), Cooperativa Agropecuária Mourãoense (Coamo) e C.Vale – Cooperativa
Agroindustrial, situadas, respectivamente, nos seguintes municípios: Cafelândia, Campo Mourão e Palotina.
AGROINDÚSTRIA
103
crédito para pequenos empreendedores e micro, pequenas e médias empresas do
agronegócio. No início das atividades, em 2003, as operações com o cartão para o
setor foram praticamente inexistentes. No ano seguinte, totalizaram R$ 498 mil;
em 2005, R$ 3,3 milhões. O ano de 2011 terminou com R$ 243 milhões em operações, o que corresponde a cerca de 3% do total de recursos disponibilizados por
meio desse produto.
As grandes empresas focadas no agronegócio também receberam apoio do
BNDES, na forma de operações diretas (em geral, com financiamento superior a
R$ 10 milhões, sendo também consideradas as operações de renda variável), ou via
intermediação de agentes financeiros.
Entre 2001 e 2011 o apoio do BNDES para a agroindústria, seja na modalidade
de financiamento ou no aporte de capital, foi carreado para o desenvolvimento/expansão do parque fabril. Nesses anos, destacaram-se financiamentos para empresas
de bebidas, preparação de couro e industrialização de aves e suínos. Os desembolsos anuais estão indicados no Gráfico 4.
GRÁFICO 4 DESEMBOLSOS PARA A AGROINDÚSTRIA NO PERÍODO 2001-2011 (EM R$ MIL, MARÇO DE
2012, CORRIGIDOS PELO IGP-DI)
10.000.000
R$ MIL
8.000.000
6.000.000
4.000.000
2.000.000
2001
Fonte: BNDES.
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
104 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
No início desse período, destacaram-se ainda as operações-programa com fumageiros.7 Essa iniciativa, que visava facilitar o crédito aos pequenos produtores,
tinha a seguinte estrutura: uma empresa fumageira funcionava como âncora, coordenando e organizando os produtores que queriam investir com a mesma finalidade (reforma de galpões, por exemplo). A empresa procurava o agente financeiro e
apresentava o projeto que congregava os investimentos dos produtores. As garantias eram oferecidas pelas pessoas físicas (produtores), responsabilizadas em caso
de inadimplência. As taxas de juros, prazos e obrigações de cada contrato eram
pactuados entre produtor, empresa e agente financeiro, em cada caso. O fluxo de
caixa do produtor poderia passar pela empresa, que, nesse caso, reteria um percentual dos pagamentos durante o ciclo produtivo para a liquidação do empréstimo,
descontando um valor pré-acordado, o que reduziria o risco do agente financeiro.
A empresa também poderia usar seu poder de negociação para conseguir melhores
condições financeiras com as construtoras e fornecedores de materiais, reduzindo
os custos dos investimentos.
As operações-programa começaram em 1991 e foram relevantes até 2004, tendo alcançado liberações acumuladas no período de aproximadamente R$ 175 milhões, repassados por agentes financeiros, que possibilitaram que milhares de pequenas famílias da Região Sul – notadamente do Rio Grande do Sul – aperfeiçoassem
a cultura do fumo. A produtividade registrou grande incremento, ao mesmo tempo
em que as perdas foram bastante reduzidas. O resultado mais visível foi aumento
da renda dos produtores assistidos pelo programa. Esse modelo, em razão de seu
sucesso, foi depois estendido aos produtores de leite e de cana-de-açúcar e permanece como alternativa para outros segmentos da agroindústria.
Na segunda metade da década de 2000 foi observada uma mudança no perfil
de finalidade do apoio do BNDES. As operações de maior relevância foram as de
participação no capital das empresas, o que possibilitou a algumas delas alcançar,
com sucesso, o mercado mundial. Em cinco anos, o BNDES injetou no capital das
empresas cerca de R$ 14 bilhões. Esse apoio financeiro possibilitou a internacio-
7
Pessoa ou empresa que desenvolve atividades de cultivo e produção de tabaco.
AGROINDÚSTRIA
105
nalização das principais empresas brasileiras de proteína animal, que se tornaram
líderes mundiais no segmento.
O fim do período analisado foi marcado por uma crise econômica que se espalhou por todo o mundo. O Brasil reagiu e adotou uma política anticíclica, promovendo o consumo e o investimento. Assim, em 2008, o BNDES criou o Programa Especial
de Crédito (PEC), voltado para capital de giro, suprindo a lacuna temporária deixada
pelos bancos comerciais. Essa fonte de recursos tinha como clientes pequenas e médias empresas, que normalmente passam por maior dificuldade no acesso ao crédito
em momentos de crise. Os desembolsos associados a esse programa somaram R$ 519
milhões entre 2009 e 2011, sendo integralmente destinados à agroindústria.
O Banco lançou também o Programa BNDES de Crédito Especial Rural (Procer),
em abril de 2009, e o Programa BNDES de Sustentação do Investimento (PSI), em
junho do mesmo ano. Com esses programas, conseguiu impedir a redução do nível
dos investimentos produtivos que também poderia ocorrer como reflexo da crise
econômica mundial. Os recursos desses programas possibilitaram o reforço de capital de giro, além de viabilizarem os investimentos do setor e a aquisição isolada de
máquinas e equipamentos novos de fabricação nacional. No âmbito dos dois programas, no período 2009-2011, o BNDES liberou para as empresas da agroindústria
o montante aproximado de R$ 16,3 bilhões.
Exposto o histórico e a relevância do apoio do BNDES ao complexo agroindustrial em seus sessenta anos de atuação, seguem as questões que deverão constituir
a agenda futura do setor na visão do BNDES.
3. VISÃO DE FUTURO
DEMANDA
A população mundial atual está em torno de sete bilhões de pessoas. Existem diversas projeções para seu crescimento até o ano de 2050, oscilando de oito a dez
bilhões de habitantes. O número mais provável e aceito, contudo, é de nove bilhões
de pessoas [Wolfgang e Samir (2010)].
106 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Esse crescimento populacional se dará especialmente nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, com maior concentração na Ásia (destaque para Índia)
e África (destaque para os países subsaarianos). Nos países desenvolvidos, a tendência é que a população estabilize ou mesmo diminua, salvo efeito imigração.
Mantidos os níveis atuais de consumo, a demanda por alimentos deveria crescer na mesma proporção. De acordo com a Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO), contudo, esse crescimento de 30% na população
deve gerar um crescimento de 70% na demanda por alimentos, com o consumo de
cereais crescendo 43% e o de carnes 74% [Barros (2012)].
Essa expectativa de crescimento desproporcional na demanda por alimentos é
função do local onde ocorrerá o crescimento populacional. Podem-se elencar quatro fatores básicos que se verificam nos países responsáveis por esse fenômeno:
1.
desenvolvimento econômico;
2.
crescimento da renda e melhoria de sua distribuição;
3.
ingresso de um enorme contingente populacional que vive abaixo da linha da
pobreza no mercado consumidor; e
4.
processo acelerado de urbanização.
Nos países onde ocorrerá esse crescimento populacional observa-se, ainda que
em graus diferenciados, um rápido desenvolvimento econômico. Com isso, além de
o nível de consumo individual dessas pessoas aumentar, um novo contingente será
incorporado ao mercado consumidor. São pessoas que viviam em modelos econômicos de subsistência com nível de consumo mínimo.
Cabe esclarecer que quanto menor a renda de um indivíduo, maior o peso dos
alimentos em seus gastos. Sempre que ocorre um aumento de sua renda, o primeiro destino desse incremento é a melhoria do padrão alimentar, em quantidade, em
um primeiro momento, e em qualidade, com a continuidade do processo.
O que se observará no mundo é um aumento do consumo per capita de alimentos. Nos países desenvolvidos, onde as necessidades básicas da população já estão
atendidas (em muitos casos sobreatendidas, com problemas de obesidade), não se
espera crescimento do consumo de alimentos, apenas uma mudança qualitativa,
com foco nos produtos mais elaborados e de maior conveniência.
AGROINDÚSTRIA
107
Nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, se observará o duplo efeito do crescimento populacional e do consumo per capita. A China constitui importante exceção, pois lá deverá ser observado apenas o aumento do consumo per
capita, já que a população deve se estabilizar nos níveis atuais ou mesmo sofrer
pequena redução.
Associado a isso, observa-se um processo rápido de urbanização nesses países,
o que também contribui para a mudança dos padrões de consumo, com a substituição dos cereais pelas proteínas mais estruturadas, como as carnes. Em 1900, pouco
mais de 10% da população habitava as cidades. Atualmente, a população urbana
representa 50% do total e, em 2050, deverá representar cerca de 70% da população mundial [Kearney (2010)]. Esse processo deverá continuar a ocorrer em ritmo
muito lento nos países desenvolvidos, mas em ritmo acelerado nos demais. Urbanização implica uma mudança para uma dieta mais rica em energia (mais gorduras,
óleos e proteína animal) com menor consumo de fibras e vegetais.
As principais fontes de alimento são cereais (trigo e milho), proteínas animais
(carnes e laticínios), oleaginosas (soja) e óleos vegetais (soja e óleo de palma), açúcar, vegetais, raízes, tubérculos, nozes e frutas. Os cereais são e continuarão a ser a
principal fonte, mas perderão importância relativa, principalmente para as carnes.
O peso dos cereais como fonte de kcal da população é estimado em 54% e deverá
declinar para 46% em 2050 [Kearney (2010)].
Nos países desenvolvidos, o peso dos cereais é menor que nos países subdesenvolvidos e em desenvolvidos (na Ásia e África, o peso dos cereais chega a
70%). Por isso, o impacto do crescimento populacional e de renda nesses países
provocará um crescimento maior na demanda por carnes que por cereais, já que,
com o incremento da renda e a urbanização, o consumo tende a migrar de cereais
para proteína animal, em um processo de “ocidentalização” de suas dietas. Logo,
o Brasil, como um dos mais importantes players mundiais do setor de carnes, deverá ser bastante beneficiado.
Cabe ainda um registro em relação ao processo de globalização, que teve importante impacto no desenvolvimento econômico e na redução da pobreza, com
consequente incremento da demanda por alimentos, notadamente em países sub-
108 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
desenvolvidos e em desenvolvimento. A continuidade desse processo deve reforçar
os efeitos dos quatro fatores8 anteriormente descritos.
Biocombustíveis x alimentos
A partir da década de 1960, os insumos utilizados na produção agrícola passaram
a apresentar uma taxa de crescimento de seus preços sistematicamente superior a
dos preços das commodities agrícolas [Fuglie, MacDonald e Ball (2007)]. As margens
da produção estão cada vez mais apertadas. Isso leva os produtores a redirecionarem seus investimentos para o cultivo das espécies mais valorizadas no mercado e
a direcionarem seus produtos aos mercados que são melhores pagadores, como é o
caso da indústria de biocombustíveis.
Com isso, há alguns anos, uma discussão se tornou bastante comum nos principais
órgãos internacionais: a produção de biocombustíveis como substituto aos combustíveis fósseis – principalmente o petróleo – e sua ameaça à produção de alimentos.
A escalada dos preços dos alimentos verificada entre os anos 2003 e 2009 pôs
esse tema ainda mais em evidência. De acordo com Neves et al. (2011), dados da
FAO mostram que os preços dos alimentos subiram, em média, 14,7% entre 2003
e 2005, 34,2% entre 2005 e 2007 e impressionantes 57,1% entre 2007 e 2008. Em
alguns países, os preços em 2009 eram cerca de 80% superiores a 2007.
Diversos estudos e entidades atribuíram à produção de biocombustível a maior
parcela da causa dessa brusca elevação de preços. O argumento parte do princípio
de que a produção de biocombustível afeta direta e indiretamente a produção de
alimentos, o que levaria a sua maior escassez e consequente valorização. Diretamente, quando a produção de soja, milho e cana-de-açúcar, em vez de se destinar
à alimentação humana ou ração animal para posterior produção de alimentos, se
volta à produção de etanol – a exemplo do milho e da cana-de-açúcar – e de biodiesel – caso da soja; indiretamente, quando os insumos que seriam utilizados para a
produção de diversos alimentos são usados para a produção de culturas destinadas
8
(1) Desenvolvimento econômico; (2) crescimento da renda e melhoria de sua distribuição; (3) ingresso de um enorme contingente
populacional que vive abaixo da linha da pobreza no mercado consumidor; e (4) processo acelerado de urbanização.
AGROINDÚSTRIA
109
ao biocombustível. Entre os insumos, podemos citar fertilizantes, defensivos e máquinas agrícolas, mão de obra e, principalmente, terra – área agricultável.
Essa questão se torna mais relevante quando se reconhece que as populações
de baixa renda são as mais afetadas com a alta nos preços dos alimentos, já que
esse componente possui maior peso em seu orçamento. Milhões de pessoas simplesmente deixariam de ter acesso a uma necessidade básica: alimentação.
No entanto, apesar do apelo social que envolve esse tema, há a necessidade
de buscar as verdadeiras causas envolvidas. Neves et al. (2011) elencaram alguns
fatores, além da competição do biocombustível, geralmente citados em estudos
como os responsáveis pelo avanço recente nos preços dos alimentos. Dentre eles,
destacam-se:
1.
crescimento da população mundial;
2.
desenvolvimento econômico e melhoria na distribuição de renda de países populosos, tais como Brasil, China, Índia etc;
3.
programas governamentais de acesso ao consumo de alimentos;
4.
processo de urbanização;
5.
elevação nos preços do petróleo;
6.
escassez de produção.
Pode-se observar que os quatro primeiros fatores afetam diretamente a de-
manda por alimentos, gerando uma pressão sobre os preços, e não têm relação
alguma com a produção de biocombustíveis.
Os dois últimos estão ligados ao lado da oferta; o primeiro deles é justamente uma das razões para incentivar a produção de biocombustíveis: reduzir a dependência de uma única fonte de energia, cuja produção se concentra em poucos
países e com um histórico memorável de manipulação de preços. O último fator é
característica intrínseca da produção agrícola e se refere às intempéries edafoclimáticas a que está sujeita.
Cabe, ainda, destacar dois aspectos que reforçam a teoria de que o biocombustível não prejudica a produção de alimentos no Brasil, são eles:
1.
Baixa participação no uso do solo: o programa brasileiro de etanol, não obstante seja responsável por quase a metade da oferta de combustíveis no país,
110 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
ocupa cerca de cinco milhões de hectares da lavoura de cana. Considerando-se
que, pelo Censo Agropecuário de 2006, a área ocupada por estabelecimentos
agropecuários era de cerca de 330 milhões de hectares, há oportunidades para
a expansão do cultivo de cana-de-açúcar por meio do aumento de produtividade de outras atividades (especialmente, da pecuária).
2.
Aumento de produtividade da cultura de cana-de-açúcar: o desenvolvimento
do etanol celulósico, que conta com significativo apoio do BNDES, também
contribuirá para minimizar esse “dilema”, pois poderá aumentar em até 50%
a produtividade do etanol de cana – de sete mil a dez mil litros por hectare –,
poupando terra e outros insumos agropecuários.
Assim, a condenação sumária da produção de biocombustíveis, com base em al-
gumas pesquisas com metodologias duvidosas e generalizações incoerentes, deve ser
evitada. É necessário ficar atento às fontes financiadoras desses estudos e suas verdadeiras intenções. Há, claramente, uma disputa de interesses comerciais em jogo.
O Brasil, atualmente, é um dos mais promissores produtores de alimentos e biocombustíveis. Essas duas atividades deverão andar em sintonia, utilizando a sinergia existente entre elas e as vantagens competitivas que nosso extenso histórico nos confere.
O BNDES, no decorrer de sua história, vem apoiando esses dois setores da
agroindústria, tendo sido, portanto, coerente com seu papel de indutor de desenvolvimento e promotor dos interesses nacionais.
4. SUSTENTABILIDADE
O complexo agroindustrial (CAI) produz e emite gases do efeito estufa em todos os
seus elos, desde a produção no campo e seus insumos, passando pelo processamento,
distribuição, refrigeração, preparação para consumo (residências e restaurantes) e
descarte final. Embora não haja estudos que quantifiquem as emissões desses gases
por todo o complexo, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, em
inglês) estima que os impactos diretos da agricultura respondam por 10%-12% das
emissões globais, excluindo aquelas resultantes do uso de combustível, produção de
fertilizantes e da correção do solo para agricultura [Garnett (2010)].
AGROINDÚSTRIA
111
Ainda segundo Garnett (2010), o IPCC aponta cinco alternativas para redução
dessas emissões ao longo do CAI. São elas:
1.
Promoção de ações que sequestrem carbono no solo. Devem ser avaliadas com
cautela, uma vez que o balanço líquido de seus efeitos pode ser pouco significativo, ou até mesmo, negativo. Isso porque o reflorestamento ou a cobertura
vegetal de uma área agricultável podem levar ao uso de outra terra menos adequada ao cultivo, demandando correção do solo, atividade que gera emissão
de gases do efeito estufa.
2.
Otimização do uso de nutrientes. Para isso é necessária melhor precisão na dosagem e na frequência de aplicação de fertilizantes, combinada com a incorporação de culturas fixadoras de nitrogênio nos processos de rotação.
3.
Promoção do aumento da produtividade. No aspecto da redução das emissões,
significa maior rendimento por unidade de gases gerados na cadeia, ou seja,
maior produtividade no cultivo (agricultura) e na criação de animais e otimização do uso de insumos. Nesse contexto, o termo “intensificação sustentável” é
utilizado para designar aumentos de rendimento que não aumentam os danos
ao ecossistema.
4.
Gerenciamento e beneficiamento dos efluentes e resíduos. Inclui os processos
de tratamento de biomassa, compostagem, digestão anaeróbica e sistemas fechados com recirculação de efluentes e aproveitamento de resíduos no próprio
processo produtivo.
5.
Redução da intensidade de carbono nos combustíveis consumidos. Trata do uso
eficiente de energia e do uso de combustíveis alternativos de fontes renováveis,
tais como biomassa, biogás, energia eólica e solar.
Além do aquecimento global, a expectativa de escassez de água representa
uma relevante preocupação ambiental. Segundo a FAO (2007), o uso global da
água cresceu a uma taxa maior que o dobro da taxa de crescimento da população
mundial no último século.
A tendência de escassez da água vem sendo agravada pelas mudanças climáticas, principalmente nas regiões mais secas. Para minimizar tal ameaça, são necessárias várias medidas além da redução do impacto da ação humana sobre o meio
112 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
ambiente e o clima. A agropecuária é a principal demandante de água em nível
global. Com a perspectiva do crescimento da população mundial e, consequentemente, do consumo de alimentos, é cada vez mais urgente a necessidade de redução do consumo de água nas cadeias produtivas agropecuárias.
A maioria dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tradicionalmente, vem protegendo seus produtores agropecuários
com políticas de apoio à produção doméstica, por meio de tarifas, cotas e subsídios
a exportações. A partir do fim da década de 1980, intensificaram-se os esforços
para disciplinar essas políticas que levam a distorções no comércio internacional,
como é o caso das rodadas do Uruguai e de Doha.
Enquanto a importância das barreiras clássicas diminui gradualmente, aumentam os padrões de qualidade e de segurança, amparados nos acordos: de Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da Organização Mundial do Comércio
(OMC); de Barreiras Técnicas ao Comércio; e de Direitos de Propriedade Intelectual.
A tendência é que as barreiras tarifárias sejam substituídas por essas crescentes
barreiras não tarifárias.
Nesse cenário, torna-se cada vez mais relevante a comprovação da qualidade
e segurança dos produtos agropecuários. O Brasil deverá investir ainda mais na
qualidade e segurança e no monitoramento e fiscalização de toda sua produção
agropecuária e de alimentos.
A pesquisa e desenvolvimento (P&D) focada no aumento da produtividade no
campo e no desenvolvimento de tecnologias poupadoras de água, seja no campo
ou na indústria, deve ser priorizada pelas políticas públicas, bem como por todos os
agentes dessa cadeia produtiva.
Além da motivação ambiental, a própria sustentabilidade econômico-financeira da produção de alimentos deverá ser o principal motivador do desenvolvimento
tecnológico em todo o complexo agroindustrial.
Várias ações já vêm sendo conduzidas a fim de garantir a sustentabilidade do
agronegócio brasileiro. Dentre elas, vale destacar o Programa de Agricultura de Baixo
Carbono (ABC), criado em 2010 pelo governo federal para incentivar processos tecnológicos que neutralizem ou minimizem os efeitos dos gases de efeito estufa no campo.
AGROINDÚSTRIA
113
5. INOVAÇÃO
NO CAMPO
Em um cenário de demanda crescente e de restrições nos fatores de produção
(principalmente, terra e mão de obra), o conhecimento e a tecnologia são fatores
fundamentais para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro. A produtividade
precisa ser perseguida, considerando ainda um cenário de escassez de água e de
aquecimento global.
No esforço de atender à crescente demanda por alimentos, as lavouras, em
escala mundial, vão contar apenas com mais 5% de terras aráveis (setenta milhões
de hectares, concentrados na América Latina e África) [Barros (2012)]. Com isso, o
crescimento deverá vir da geração e da difusão de inovações tecnológicas.
O complexo agroindustrial, assim como outros setores da economia, não
poderá crescer e se consolidar sem investir em inovação; e, nele, genética é sinônimo de inovação.
A suinocultura depara-se com o seguinte desafio: ao mesmo tempo em que a
seleção genética resulta em mais leitões por matriz, provoca também aumento na
mortalidade em razão do baixo peso dos animais recém-natos. Esse desafio motiva
pesquisadores a identificar características genéticas que combinem a prolificidade
com a sobrevivência dos leitões.
A pecuária bovina nacional ainda está em busca de melhores índices em relação
à produtividade e à precocidade do rebanho. Enquanto nos Estados Unidos e na
Europa o gado de corte está pronto para o abate com menos de dois anos de idade, no Brasil a média ainda é de três anos.9 Isso porque 80% do rebanho brasileiro
é composto por animais zebuínos, notavelmente menos precoces que os de origem
europeia. A grande esperança para o melhoramento mais eficaz e mais rápido das
raças zebuínas, em especial a Nelore, está aliada aos resultados obtidos com a genética molecular, a qual vem se estabelecendo cada vez mais nos centros de pesquisa.
9
Período necessário para que os animais atinjam o peso vivo ideal para abate.
114 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
O setor avícola brasileiro é um dos mais avançados tecnicamente do mundo.
Essa posição foi conquistada por conta de seus custos altamente competitivos, proporcionados, entre outros fatores, por seus excelentes índices zootécnicos e sanitários, que começam na definição das linhagens e vão até o integrado – produtor
responsável pela engorda dos pintos de um dia. Toda a tecnificação das estruturas
e os avanços em pesquisa sobre manejo e insumos reverteriam em resultados bem
menos significativos aos que existem hoje, se não estivessem no Brasil as melhores
linhagens do mundo.
No caso das commodities, como a liderança dos mercados depende da redução
dos custos produtivos, a competitividade está atrelada fundamentalmente à busca de
economias de escala, baixa capacidade ociosa, logística eficiente e inovação de processos. Com esse arcabouço, as estratégias ligadas ao domínio da (bio)tecnologia vêm
sendo de fundamental importância para se manter de forma competitiva no mercado.
A concentração agroindustrial oferece um ambiente bastante favorável para que esse
processo se intensifique, já que aumenta o poder de negociação, reduz os gastos com
a comercialização e amplia o porte financeiro das empresas [Wesz Junior (2011)].
A agricultura deverá manter sua tendência de incorporação de organismos geneticamente modificados (OGM). No mundo, já são cerca de 160 milhões de hectares cultivados com sementes transgênicas, conforme dados do International Service
for the Acquisition of Agri-biotech Applications (ISAAA).10 Ainda de acordo com
esse órgão, o Brasil é o segundo maior produtor em cultivo com sementes geneticamente modificadas, ficando atrás somente dos EUA. Soja, milho, canola11 e algodão
continuarão a liderar as áreas cultivadas com sementes transgênicas que conferem
tolerância a herbicidas ou resistência a insetos.
A competitividade de commodities agrícolas hoje depende da aplicação da fronteira dos conhecimentos de ciência, tecnologia e inovação. O sistema nacional de pesqui-
10
ISAAA é o Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações Biotecnológicas Agrícolas, na sigla em inglês.
A canola (ou colza) (Brassica napus L. var. oleífera) é uma espécie oleaginosa, da família das crucíferas, produzida de forma
semelhante a outros grãos do Sul do Brasil. Destaca-se como uma excelente alternativa econômica (não exige ativos específicos,
valendo-se da mesma estrutura de máquinas e equipamentos disponíveis nas propriedades) para uso em esquemas de rotação de
culturas, particularmente com trigo, diminuindo os problemas de doenças que afetam esse cereal. Além de produção de óleo para
consumo humano (indicado como alimento funcional por médicos e nutricionistas), a canola também se presta para a produção de
biodiesel (adaptado de Embrapa Trigo).
11
AGROINDÚSTRIA
115
sa agrícola coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
foi imprescindível como fonte de inovação genética para o avanço do agronegócio
brasileiro [Wilkinson et al. (2008-2009)]. Exemplo do impacto dos resultados de sua
ação foi o conjunto de tecnologias para incorporação dos cerrados ao sistema produtivo, que tornou a região responsável por cerca de 40% da produção brasileira de grãos,
uma das maiores fronteiras agrícolas do mundo [Dimande e Andrade (2006)].
No entanto, o avanço das empresas globais de genética, exemplificado mais
recentemente pela aquisição das empresas brasileiras de biotecnologia de cana-de-açúcar, impõe um desafio à manutenção da relevância do sistema brasileiro de
pesquisa e desenvolvimento do agronegócio. As sinergias, cada vez mais estreitas,
entre as inovações em genética e as em insumos químicos para agricultura, proporcionadas pelas novas técnicas biotecnológicas, levaram a um processo de fusão ou
absorção das empresas de sementes pelas grandes empresas agroquímicas. Nesse
processo, a participação nacional no mercado brasileiro de sementes praticamente
desapareceu, bem como a liderança da Embrapa no lançamento e difusão de novas
variedades dos principais cultivos [Wilkinson et al. (2008-2009)].
Segundo Silva e Costa (2012), observadores indicam que as empresas líderes na indústria de agroquímicos despendem entre 25% e 90% de seus orçamentos de P&D com
o desenvolvimento de sementes. O retorno já alcançado justifica tais investimentos.
Segundo a consultoria Céleres [Freitas Júnior (2012)], em 2007, as sementes representavam apenas 6% dos custos diretos de produção nas plantações de soja e entre 8% e
10% nas lavouras de milho; em 2012, esses percentuais são praticamente o dobro. A
tendência é de que continuem crescendo à medida que seja incorporado às sementes
maior conteúdo tecnológico, aumentando a produtividade, reduzindo o consumo de
agroquímicos e melhorando a resistência das culturas a pragas.
Com o domínio das empresas de agroquímicos sobre o mercado de sementes
geneticamente modificadas, parece ter sido estabelecido um novo paradigma tecnológico que associa o desenvolvimento de novas sementes ao uso de agroquímicos específicos.
No entanto, não basta o desenvolvimento de novas tecnologias. A difusão da
tecnologia por todo o sistema produtivo brasileiro é um fator determinante para
116 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
que se complete o processo de inovação. O Brasil conta com grande número de instituições dedicadas à extensão rural e assistência técnica. Essa atividade precisa ser
reforçada tanto em seu alcance, ampliando o número de propriedades rurais atendidas, quanto em seu conteúdo, por meio de constante treinamento e atualização
tecnológica das equipes técnicas.
NA INDÚSTRIA
O comportamento do consumidor pode ser influenciado por aspectos socioeconômicos, políticos e culturais, tais como: aumento da renda, redução do tamanho das
famílias, processo de urbanização, entrada da mulher no mercado de trabalho,
redução do tempo disponível para preparação e consumo dos alimentos, preocupação ecológica, aumento do acesso à informação e globalização. Somam-se a eles os
aspectos tecnológicos, tais como: o desenvolvimento de processos da indústria de
alimentos e de novas embalagens, novas matérias-primas, novos usos das matérias-primas tradicionais, desenvolvimento do sistema logístico, novos equipamentos
para uso doméstico (freezers, fornos, micro-ondas etc.) [Pereira, Abreu e Bolzan
(2002)]. Com isso, a indústria de alimentos deve estar atenta às tendências nos hábitos de consumo e preparar-se para atender a elas em tempo hábil.
Uma das formas de agregar valor aos produtos da indústria de alimentos é segmentá-los de acordo com seu público-alvo. Assim, há produtos voltados para crianças,
idosos, grupos com restrições alimentares, famílias grandes e pequenas, entre outros.
Com a intensificação dos processos socioeconômicos já relatados, há mercado
crescente para produtos semiprontos, porções adequadas às necessidades do consumidor (individual ou família), produtos saudáveis, com baixo teor de gordura,
entre outros. Para que o alimento preserve suas características organolépticas e
atenda aos anseios do consumidor são necessários investimentos constantes em
pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Em aspectos gerais, a inovação na indústria alimentícia é incremental e seu processo de desenvolvimento é caracterizado por ampla interface com outros setores. A
indústria de alimentos estimula inovações em todo o complexo agroindustrial: nos
AGROINDÚSTRIA
117
produtores de matéria-prima (agropecuária); em fornecedores de aditivos; no setor
de embalagens; na distribuição atacadista e varejista; e, em indústrias de bens de capital. Como uma indústria intermediária, ela não apenas identifica as mudanças nos
perfis de consumo e a elas se adapta, mas também transmite tais mudanças para seus
fornecedores [Cabral (2004)]. Com isso, há uma grande oportunidade a ser explorada
de promover a inovação nos fornecedores por meio de apoio à indústria alimentícia.
Outra forma de agregação de valor que vem se consolidando no mercado de alimentos são os certificados de qualidade e selos de denominação de origem. Segundo
Coutinho (2003), o processo de diferenciação por meio da denominação de origem
implica a estruturação de redes locais de produção, promovendo o desenvolvimento
local sustentado. Para que uma denominação de origem seja reconhecida, deve ser
registrada na Organização Mundial de Propriedade Intelectual. No caso de vinhos e
aguardentes, deve ser registrada na Oficina Internacional da Uva e do Vinho (OIV).
O primeiro produto a receber uma denominação de origem foi o vinho do Porto, em
1756. No Brasil, desde 1996, o café do Cerrado é comercializado utilizando certificado
de denominação de origem com o selo CERTICAFÉ. Em 1990, a Associação Mineira dos
Produtores de Cachaça de Qualidade (Ampaq) mobilizou os produtores para o desenvolvimento de um programa de qualidade para cachaça artesanal, o que resultou em
um certificado de conformidade e selo de qualidade para suas associadas. O Brasil conta ainda com diversos outros produtos alimentícios regionais com potencial para serem
promovidos no mercado, inclusive internacional, por essa estratégia de diferenciação.
6. EXPORTAÇÕES
No agronegócio, a porcentagem de valor agregado captada em torno da matéria-prima é baixa e geralmente declinante. As estratégias que decorrem dessa ótica enfatizam a necessidade de explorar as opções de avançar ao longo da cadeia
[Wilkinson et al. (2008-2009)]. Além do aspecto financeiro, a entrada das empresas
em novos mercados traz outros importantes benefícios. Empresas exportadoras, em
geral, são levadas a ampliar suas capacitações internas para atingir mercados mais
exigentes, tanto em relação aos custos, quanto à qualidade.
118 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
No Brasil, a Lei Kandir, vigente desde 1996, desonerou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas exportações de matérias-primas. Isso
permitiu, por um lado, maior competitividade nas exportações das commodities
agrícolas brasileiras e, por outro, reduziu sensivelmente a viabilidade da produção
agroindustrializada destinada ao mercado externo [Wesz Júnior (2011)].
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), o Brasil é
o sétimo exportador mundial de alimentos processados e, no geral do agronegócio,
incluindo exportação de café em grão, soja em grão e matéria-prima, o Brasil é o
quinto exportador mundial em valor e o segundo em volume (excluindo pescados).
Por outro lado, entre os maiores exportadores de alimentos em valor, estão Alemanha e Holanda, grandes importadores de matéria-prima, processadores e reexportadores de alimentos de maior valor agregado.
O Brasil pode evoluir significativamente na agregação de valor dos produtos
agropecuários exportados. Para isso, são necessárias melhorias no sistema brasileiro
de transporte e logística, revisão da política tributária, constante negociação dos
alimentos processados na pauta dos acordos bilaterais e intensificação da prática
da inovação nas empresas brasileiras.
7. CONCLUSÃO
No decorrer de seus sessenta anos de existência o BNDES esteve ao lado do agronegócio brasileiro, apoiando-o de acordo com as políticas de governo vigentes, em diferentes intensidades e com diversos objetivos. Essa história está longe de seu fim.
Com o Plano Brasil Maior, política industrial atualmente vigente, a inovação
é a grande aposta para o desenvolvimento da diversificada economia brasileira.
Nesse contexto, o BNDES volta seus esforços para viabilizar os investimentos de
todo o complexo agroindustrial, apoiando seus diversos elos e, indiretamente,
apoiando a infraestrutura, fator determinante para manutenção e aumento da
competitividade do agronegócio brasileiro.
A sustentabilidade, considerada em suas dimensões econômica, social e ambiental também, torna-se cada vez mais importante e presente na agenda de
AGROINDÚSTRIA
119
todo o complexo agroindustrial. Afinal, não há como promover desenvolvimento
sem considerá-la.
Com as expectativas de demanda crescente por alimentos e biocombustíveis,
mudança climática, escassez de água e crescentes barreiras não tarifárias, os desafios para o complexo agroindustrial estão delineados.
Entretanto, dadas as condições naturais do Brasil, como água e disponibilidade de
terra associadas à tecnologia nacional já desenvolvida, o agronegócio nacional tem
plenas condições de responder aos desafios apresentados, produzindo e exportando
produtos saudáveis e ambientalmente sustentáveis para grande parte do mundo.
O BNDES está atento e disposto a continuar como uma das bases de sustentação do sucesso do agronegócio brasileiro.
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Job Rodrigues Teixeira Junior
Rangel Galinari
Paulo Fernandes Montano
Juliana Generoso da Silva*
* Respectivamente gerente, economistas e estagiária do Departamento de Bens de Consumo, Comércio e Serviços da Área Industrial
do BNDES.
BENS DE CONSUMO
123
RESUMO
Este artigo expõe um breve histórico dos ramos tradicionais da indústria de bens
de consumo, abrangendo móveis, calçados, têxteis e confecções, bebidas e produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, com ênfase no desempenho da
indústria brasileira, na análise da atuação do BNDES e no período 2001-2011. O
texto oferece uma reflexão sobre os desafios, as oportunidades e as estratégias que
definirão a trajetória dos setores estudados no futuro próximo.
ABSTRACT
This paper presents a brief history of the traditional branches of industry, including
furniture, footwear, textiles and clothing, beverages and personal care products,
perfumes and cosmetics, with emphasis on the performance of Brazilian industry, in
analyzing the performance of BNDES and in the period 2001-2011. The text offers
a reflection on the challenges, opportunities and strategies that will define the
trajectory of the sectors studied in the near future.
BENS DE CONSUMO
125
1. INTRODUÇÃO
Ao completar sessenta anos de existência, o BNDES dedica o ano de 2012 à reflexão, organizando em perspectiva histórica os principais desafios perante os quais a
indústria brasileira se encontra, bem como as oportunidades existentes.
Entre 1930 e 1980, o Brasil passou por grandes transformações sociais, apresentou dinamismo econômico e experimentou severas oscilações institucionais.
Trata-se do período central da história republicana brasileira. Nos anos que se seguiram a 1930, consolidou-se no Brasil o desenvolvimentismo como ideologia, tendo a industrialização como meta e a substituição de importações como método.
Como resposta às necessidades reveladas por essa estratégia, em 1952 foi criado
o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE),1 que desde então vem
atuando de modo decisivo no apoio ao desenvolvimento do país.
O complexo industrial brasileiro se completa e amadurece ao longo da segunda metade do século XX, passando a contar com setores tradicionais, como o
moveleiro; emblemáticos, como o automobilístico; básicos, como o químico; estratégicos, como o de bens de capital; e avançados, como o aeronáutico. É nesse
período que se incluem as três fases clássicas da história econômica recente do
Brasil: o Plano de Metas, o Milagre Econômico e o II PND, assim como algumas das
principais crises enfrentadas pelo país, como o colapso institucional de 1961-1964,
a crise da dívida do início da década de 1980, o regime de alta inflação (19801994) e a crise energética de 2001.
Outros fenômenos sociais ocorreram ou se aceleraram depois de 1952 no país,
como a urbanização, o ganho de importância do setor de serviços, a consolidação
democrática, a modernização da agricultura e o surgimento de uma economia do
conhecimento engendrada pela revolução da microeletrônica, da informática e das
comunicações em geral. Não obstante a evidente importância do setor terciário, o
valor estratégico de certos ramos e a existência de ilhas de excelência, as indústrias
tradicionais brasileiras chegam à segunda década do século XXI ainda responden-
1
Em 1982, o Banco passou a se chamar Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
126 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
do por uma expressiva parcela do emprego, da geração de valor e da corrente de
comércio do país.
Neste artigo, uma proxy do amplo segmento das indústrias tradicionais será
definida pelos setores de móveis, de calçados, de têxteis, de confecções, de bebidas
e de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC). Não há nessa escolha a ambição de propor uma definição para a noção de “indústria tradicional”,
que aqui surge ligada aos bens-salário, aos típicos setores da primeira Revolução
Industrial ou aos bens de consumo final.
As atividades consideradas compartilham o uso de tecnologias tradicionais, tipicamente ligadas a inovações tecnológicas incrementais (em geral oriundas dos
fornecedores), havendo grande importância das inovações de marketing, organizacionais e de processo [Costa, Monteiro Filho e Guidolin (2011)]. Além disso, economias de escala e custo do trabalho são variáveis importantes para a maior parte
desses setores, o que os expõe à concorrência asiática, em especial.
Dois grandes fenômenos mundiais se destacaram nos anos 2000, e a análise dos
setores selecionados permite que eles sejam aqui abordados:
Competição asiática: a ascensão da China como grande player do comércio internacional e de outros países asiáticos, como Índia, Paquistão, Bangladesh e
Vietnã, como grandes produtores de manufaturados básicos.
Sociedade pós-industrial: aceleração do declínio da importância das competências meramente produtivas e manufatureiras, que passam a portar características
típicas do universo das commodities, vis-à-vis competências intangíveis ligadas à
economia do conhecimento, com a geração de valor se concentrando em inovação, marketing, design e controle dos canais de distribuição e comercialização.
No quadro nacional, um terceiro fenômeno se junta aos anteriores, abrindo
boas perspectivas para a indústria brasileira:
Mercado consumidor doméstico: queda dos índices de desigualdade, crescimento da renda per capita e ampliação do acesso ao crédito, criando uma nova
classe média e constituindo um mercado de consumo de massa.
Além disso, estima-se para os próximos anos melhora nas condições macroeco-
nômicas, que nas três décadas que se seguiram ao segundo choque do petróleo fo-
BENS DE CONSUMO
127
ram quase sempre hostis ao investimento e à economia real, seja pelos momentos
depressivos vividos em 1981-1983, 1990-1992, 1998-1999, 2001, 2003 e 2009, seja
por adversidades cambiais como a de 1994-1998 ou a de 2010-2011, seja pelo nível
da taxa básica de juros, com diversos momentos de aperto monetário entre 1988 e
1992 e situada sempre acima de 15% a.a. entre 1995 e 2005 (sendo ainda hoje uma
das mais altas do mundo), seja, por fim, pela instabilidade gerada pelo regime de
alta inflação que caracteriza todo o período 1980-1994.
A possibilidade de haver, na segunda metade da década de 2010, uma combinação de inflação sob controle (até 5% a.a.), juros reais básicos baixos (inferiores
a 2% a.a., o que reduziria bastante uma das principais pressões sobre a taxa de
câmbio) e crescimento econômico sustentável (da ordem de ao menos 3% a.a.), em
um quadro de estabilidade institucional, além de redução da concentração de renda, diminuição da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) e
equilíbrio nas contas externas, representaria um contexto macroeconômico inédito
para o país, tomados não somente os sessenta anos de existência do BNDES, mas
também todo o período republicano.
Para examinar os setores selecionados, este artigo se estrutura em dois blocos.
No primeiro, são mostrados indicadores que ilustram a evolução das indústrias tradicionais no mundo e no Brasil, bem como a atuação do BNDES. O segundo bloco
resume desafios, perspectivas e possíveis estratégias compatíveis com o cenário básico esperado para a década de 2010.
O texto mostra as grandes transformações observadas no comércio internacional, sobretudo a importância assumida pela produção chinesa. Com presença mundial discreta e com o mercado doméstico absorvendo grande parte da produção
nacional, será visto que o fenômeno asiático vem se mostrando menos perigoso
pelos pequenos prejuízos observados no market share das exportações brasileiras
no comércio mundial do que pelo acirramento da concorrência no próprio solo brasileiro. Ainda assim, os índices aqui apresentados mostram grande controle do mercado doméstico pelos produtores locais, embora o quadro venha se deteriorando.
As estatísticas mostram também a destacada relevância das indústrias tradicionais
para o emprego e o PIB.
128 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Em relação às perspectivas de médio e longo prazos, o texto propõe uma divisão entre dois grandes grupos, o das empresas que procuram manter vantagens
competitivas de custos e o das que buscam uma competição por diferenciação,
agregação de valor e inovação. O primeiro grupo se mostra mais exposto à concorrência asiática e mais dependente da concretização das boas perspectivas macroeconômicas, em meio a um complexo conjunto de fatores que inclui regulação
do comércio exterior e deslocamentos regionais da produção para fronteiras de
menor custo do trabalho. O segundo grupo, embora também possa se beneficiar
de um contexto macroeconômico menos severo, mantém no interior das empresas
a maior parte dos fatores críticos, dependendo de iniciativas gerenciais, dentre as
quais se destacam a maior disposição a assumir riscos calculados e os investimentos
em excelência, inovação, design, moda e marketing.
Nos dois grupos, há certo equilíbrio entre ameaças e oportunidades, o que significa que os próximos anos serão marcados por grande incerteza. Trata-se de um
desafio para as indústrias tradicionais de bens de consumo do Brasil, que provavelmente passarão por um ciclo de muitas transformações.
2. PANORAMA DAS INDÚSTRIAS
TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO
NOS ANOS 2000 E O PAPEL DO BNDES
A cadeia produtiva dos ramos tradicionais da indústria de bens de consumo, sobretudo a dos setores têxtil, confecções e calçados, é mundialmente fragmentada no
aspecto territorial, integrando-se sob o comando de grandes players internacionais,
sobretudo administradores de marcas e varejistas. Enquanto as atividades de maior
valor agregado e intensivas em conhecimento, como moda, design e desenvolvimento de produtos e marcas, tendem a se localizar em países centrais, as intensivas
em trabalho e matérias-primas buscam constantemente vantagens competitivas de
custos em países periféricos, onde há oferta de mão de obra e insumos baratos.
BENS DE CONSUMO
129
Essas características moldam tanto a localização da produção no globo como o padrão de comércio internacional de bens tradicionais, como será visto nas próximas
subseções, reservadas a um breve panorama internacional dos setores selecionados
em anos recentes.
Têxteis e confecções
Segundo Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI) (2011), os principais países produtores de têxteis e confecções no ano de 2009 foram, em ordem decrescente de volume produzido, China, Hong Kong, Estados Unidos (EUA), Índia, Paquistão
e Brasil. Juntos, esses países respondem por aproximadamente 70% da oferta mundial. Já os maiores produtores de artigos de vestuário são China, Hong Kong, Índia,
Paquistão, Brasil e Turquia, responsáveis por 65% da produção mundial.
Ao contrário dos países asiáticos, que se encontram plenamente inseridos na
cadeia produtiva global, a produção brasileira é, em sua maior parte, voltada ao
mercado interno. Desse modo, apesar de figurar entre os maiores produtores mundiais, o país não se encontra entre os maiores exportadores – em 2009, o Brasil foi
o 24º maior exportador de têxteis do mundo e o 41º de vestuário.
Calçados
A produção de calçados também se concentra na Ásia. Conforme Associação Portuguesa dos Industriais de Calçados, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos
(APICCAPS) (2011), a China foi responsável por 62,4% da quantidade produzida de
calçados no mundo em 2010, seguida da Índia (10,2%), Brasil (4,4%), Vietnã (3,8%)
e Indonésia (3,3%). Por outro lado, o consumo de calçados é geograficamente disperso, acompanhando a distribuição da população e da renda. A Ásia é o principal
mercado consumidor de calçados do globo (49%), seguida de Europa (20%) e América do Norte (17%). O Brasil é o quarto maior país consumidor, detendo 4,5% do
volume mundial, logo atrás de China (15,2%), EUA (13,4%) e Índia (11,7%).
A origem das exportações mundiais se concentra na Ásia (85%), que atua em
segmentos de menor preço e produção em grande escala. Já a Europa se destaca
por atuar em segmentos superiores, em virtude de sua capacitação em desenvolvi-
130 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
mento de produtos, design e marcas. A Itália, por exemplo, apesar de ser o nono
maior produtor de pares de calçados do mundo, figura como o quarto maior exportador em volume e o segundo em valor. Em razão da melhor qualidade de seus
produtos e do segmento em que atuam, os países europeus ocupam nove entre as
15 primeiras posições do ranking de valor exportado. O Brasil, apesar de ter perdido participação no mercado internacional nos anos 2000, ainda é um dos grandes
fornecedores de calçados, ocupando a nona posição entre os maiores exportadores
em volume e a 12ª posição em valor.
Móveis
De acordo com Projeto PIB (2009), até meados da década de 1990, os países desenvolvidos eram os principais produtores e consumidores de móveis. Em busca de vantagens competitivas de custo, acesso a matérias-primas e mercados consumidores,
as grandes empresas do setor instalaram fábricas e desenvolveram fornecedores
em países em desenvolvimento, aumentando a participação destes no cenário internacional. Apesar dessa relocalização da produção, os países de alta renda ainda
contam com ligeira vantagem quanto ao valor produzido.
Dados do Centre for Industrial Studies (CSIL-Milano) evidenciam que, em 2010,
cerca de 52% do valor de produção mundial de móveis estava concentrado em
países desenvolvidos – apesar de a China ser o maior produtor mundial. Destes, merece destaque a produção de EUA (14%), Itália (7%), Alemanha (6%), Japão (3%)
e França (3%). Entre os países de média e baixa renda despontam China (31%),
Vietnã (2%), Polônia (2%) – países cuja produção cresce rapidamente em função de
investimentos em plantas desenhadas para exportação – e Brasil (2%). Os maiores
exportadores de móveis são China, Itália, Alemanha e Polônia, nessa ordem, e os
importadores, EUA, Alemanha, França e Reino Unido.
Higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC)
No setor de HPPC coexistem um grande número de pequenas e médias empresas
voltadas a mercados locais e um grupo reduzido de grandes empresas transnacionais que responde por parte significativa das vendas mundiais. A existência de um
BENS DE CONSUMO
131
contingente significativo de pequenas e médias empresas é explicada pelas baixas
barreiras à entrada que caracterizam o setor, em particular as tecnológicas, no que
tange aos produtos de menor valor agregado. Nesse ramo, as pequenas e médias
empresas, em geral, elegem algum segmento e nele se especializam, principalmente no caso de cosméticos, enquanto as grandes empresas tendem a ser mais diversificadas, havendo, no entanto, exemplos de empresas especializadas.
Além de influenciado por padrões culturais, o consumo de produtos dessa indústria é altamente correlacionado com a renda per capita, em especial nos segmentos mais sofisticados. Por conseguinte, os países desenvolvidos são os maiores
mercados consumidores. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de
Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), em 2010 o mercado mundial
de HPPC totalizou US$ 374 bilhões em vendas. Os EUA, onde as vendas alcançaram
quase US$ 60 bilhões, ocupam a primeira posição no ranking de mercados consumidores, seguidos pelo Japão (US$ 44 bilhões). O Brasil ocupa posição de destaque,
constituindo-se o terceiro maior mercado consumidor de HPPC do mundo (US$ 37
bilhões), à frente de China (US$ 24 bilhões), Alemanha (US$ 18 bilhões) e França
(US$ 16 bilhões).
Os países desenvolvidos são os mais importantes em relação ao comércio internacional, tanto como exportadores quanto como importadores de produtos de
HPPC. Informações do Comtrade mostram que em 2010 os principais exportadores
foram França (US$ 124,0 bilhões), Alemanha (US$ 7,6 bilhões), EUA (US$ 7,2 bilhões), Reino Unido (US$ 3,9 bilhões) e China (US$ 2,1 bilhões), e os maiores importadores foram EUA (US$ 5,6 bilhões), Alemanha (US$ 4,4 bilhões), Reino Unido
(US$ 4,1 bilhões), França (US$ 2,4 bilhões) e Japão (US$ 2,3 bilhões). Apesar de grande produtor, o Brasil não ocupa posição de destaque no comércio internacional de
HPPC, ocupando a 22ª posição entre os maiores exportadores, atrás de países em
desenvolvimento, como México, Tailândia e Índia, e a 32ª entre os importadores.
Bebidas
O setor de bebidas inclui a fabricação de bebidas alcoólicas – destilados, vinhos e cervejas – e não alcoólicas – águas envasadas, refrigerantes, chás e refrescos. O consumo
132 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
desses produtos também é altamente correlacionado com a renda per capita e, no
caso das bebidas alcoólicas, influenciado por aspectos culturais e legais. A exemplo
dos demais produtos das indústrias tradicionais de bens de consumo, as fracas barreiras à entrada permitem que coexistam no mercado pequenas e grandes empresas.
No entanto, o setor tem especificidades que o distinguem de outros setores tradicionais, como as denominações de origem, que diferenciam produtos segundo regiões
geográficas. Esse fato, ao limitar a oferta a determinada região, gera algum grau de
monopólio sobre o produto, viabilizando sua produção em países onde a mão de
obra é relativamente cara. Além disso, em razão da oferta de insumos e de fatores
históricos e climáticos, alguns países de alta renda são mais competitivos em determinados produtos, como vinho, cerveja e uísque.
Os principais mercados de bebidas são também os mais relevantes em relação
ao comércio internacional. Segundo a United Nations Conference on Trade and
Development (UNCTAD), os maiores exportadores em 2010 foram os países europeus, notadamente França, Reino Unido, Itália, Alemanha e Holanda, que juntos
responderam por 50% do comércio internacional. Nesse ano, os principais países
importadores foram Reino Unido, Alemanha, Canadá, França, Holanda, Bélgica e
Japão. Apesar de ser um grande produtor e consumidor, a participação do Brasil
no comércio internacional de bebidas ainda é modesto. Por outro lado, o país se
insere no mercado internacional por meio de participação de capital em empresas
sediadas no exterior.2
Depois de duas décadas de baixo crescimento, a economia brasileira reuniu, nos
anos 2000, condições de crescer de maneira sustentada. O processo de estabilização
econômica iniciado com o Plano Real em 1994 restaurou paulatinamente a confiança e a previsibilidade dos agentes econômicos, permitindo a estes planejar melhor
suas decisões de investimento e consumo.
2
A brasileira Ambev, quarta maior cervejaria do mundo, está presente em 14 países das Américas e, por meio da Anheuser-Busch
InBev (AB InBev), integra a maior plataforma de produção e comercialização de cervejas do mundo.
BENS DE CONSUMO
133
Embora a retomada do crescimento do PIB nos anos 2000 tenha sido influenciada,
no início, pelas exportações, o ciclo de crescimento observado a partir de 2004 se consolidou por meio da demanda interna, isto é, pela ampliação do consumo das famílias
e do investimento. Como visto no artigo introdutório do Volume I “A economia brasileira: conquistas dos últimos dez anos e perspectivas para o futuro” , a combinação
de fatores como o aumento da renda média do trabalho, a significativa ampliação das
políticas de transferência de renda, a estabilidade do nível de preços e a expansão do
acesso ao crédito recuperou o poder de compra do brasileiro e contribuiu para a emergência da chamada “nova classe média”. Com esse novo contingente de consumidores,
dotado de poder de compra ampliado e demandas reprimidas, o país assistiu a uma
explosão de consumo, que impactou positivamente a demanda por bens da indústria
em geral, incluindo a dos segmentos tradicionais de bens de consumo, como evidenciam
as informações do Gráfico 1.
CONSUMO FINAL DAS FAMÍLIAS DE BENS TRADICIONAIS A PREÇOS DE MERCADO DE 2009 –
BRASIL, 2001-2009 (R$ MILHÕES)*
230.000
220.000
210.000
200.000
190.000
180.000
170.000
160.000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Fonte: IBGE/Coordenação de Contas Nacionais.
Nota: Foram utilizados como deflatores os índices de preços do consumo final por produto, calculados com base nas Tabelas
de Recursos e Usos das Contas Nacionais.
*Em função das agregações das fontes de dados disponíveis, algumas estatísticas do presente trabalho contam com representações mais
amplas dos setores. Os segmentos de HPPC e de móveis , por exemplo, incluem, respectivamente, a fabricação de produtos de limpeza e
de produtos das indústrias diversas nas estatísticas das Contas Nacionais.
134 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Como será visto nas próximas seções, o bom desempenho das vendas no mercado interno de produtos das atividades aqui analisadas não foi plenamente aproveitado pela indústria brasileira, em particular depois da crise financeira internacional,
o que suscitou ações por parte do BNDES como resposta à perda de competitividade dos produtos nacionais ante os importados. Antes de detalhar questões relativas
ao desempenho econômico propriamente dito dos setores em questão no Brasil,
assim como as ações do BNDES, é necessário expor características dessa indústria
que reportam sua importância para a economia do país.
Relevância
Segundo a Pesquisa Industrial Anual (PIA Empresa) do IBGE, o setor de bens de consumo tradicionais foi responsável por cerca de 12% do valor da transformação industrial
e 11% do valor bruto de produção da indústria de transformação brasileira em 2010.
Se essa participação já é relevante, o setor evidencia ainda mais sua importância na
absorção de mão de obra. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que em 2010 o setor ocupou mais
de 1,84 milhão de pessoas, o que representou 24% do emprego formal da indústria de
transformação e 4% do total do emprego formal no Brasil. É importante salientar que
a maior parte da mão de obra ocupada no setor encontra-se em MPMEs (Gráfico 2),
em particular nos segmentos de produção de vestuário e móveis. Se por um lado esse
atributo indica que o setor não se beneficia de economias de escala, por outro explica a elevada empregabilidade que é capaz de sustentar.
As características desse setor também são importantes do ponto de vista do desenvolvimento regional. As indústrias tradicionais de bens de consumo dispõem de
certa facilidade de se realocarem no espaço geográfico em resposta a mudanças nas
condições econômicas. O baixo requerimento de capital e de obras civis, o dispêndio relativamente pequeno com treinamento da mão de obra e o baixo custo de
transporte de insumos e produtos favorecem a disseminação e movimentação dessas
atividades no espaço.3 Além disso, há nesses setores um grande número de peque-
3
Na década de 1990, por exemplo, uma das estratégias adotadas pela indústria de calçados brasileira para enfrentar a concorrência
advinda da abertura comercial foi se realocar na Região Nordeste em busca de menores custos de mão de obra, entre outros incentivos.
BENS DE CONSUMO
135
nas e médias empresas dispersas no território voltadas ao atendimento de mercados
locais. Tais atributos permitem que os segmentos aqui analisados ofertem postos de
trabalho tanto em áreas desenvolvidas como naquelas em que a renda é relativamente baixa e a infraestrutura apresenta deficiências, contribuindo para a redução
das desigualdades regionais. O Gráfico 3 corrobora esse argumento ao demonstrar
que a maior parte dos empregos formais dos setores tradicionais de bens de consumo
encontra-se em cidades do interior (65% do total). Os segmentos de HPPC e bebidas
são os mais concentrados nas capitais e regiões metropolitanas de capitais, enquanto
ramos intensivos em trabalho, como vestuário, calçados e móveis, são interiorizados.4
Além disso, o Gráfico 4 evidencia que no intervalo de 15 anos, entre 1995 e 2010, o
processo de desconcentração espacial dos setores tradicionais não cessou. O emprego
formal dessas indústrias cresceu em todas as regiões brasileiras nesse período, com
aumento da participação relativa das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
DISTRIBUIÇÃO DO EMPREGO NAS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO POR
TAMANHO DAS FIRMAS – BRASIL, 2010 (%)
100
10
11
90
23
31
80
18
44
33
40
29
70
25
60
33
50
40
28
39
25
32
34
30
30
23
23
24
20
32
16
29
10
13
6
11
22
16
0
Bebidas
Grande
Têxteis
Média
Vestuário
Pequena
Calçados
HPPC
Móveis
Total
Micro
Fonte: MTE/Rais.
Nota: Classificação das empresas por número de empregados: micro – 1 a 19; pequena – 20 a 99; média – 100 a 499; grande – 500 ou mais.
4
Deve-se destacar que as empresas dos setores mais interiorizados, em particular as MPMEs, com frequência se concentram em
sistemas produtivos locais de forma a se beneficiar de economias externas às firmas, mas internas ao sistema local a que pertencem.
136 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
DISTRIBUIÇÃO DO EMPREGO NAS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO ENTRE
AS CAPITAIS DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA, SUAS REGIÕES METROPOLITANAS (RMS) E
CIDADES DO INTERIOR – BRASIL, 2010
500.000
450.000
400.000
350.000
300.000
250.000
200.000
150.000
100.000
50.000
Bebidas
Têxtil
Capitais e suas RMs
Vestuário
Calçados
HPPC
Móveis
Interior
Fonte: MTE/Rais.
DISTRIBUIÇÃO DO EMPREGO NAS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO POR
REGIÃO NATURAL – BRASIL, 1995, 2000, 2005 E 2010 (%)
100
1
2
90
12
1
3
1
3
16
18
1
4
20
80
29
70
32
32
60
31
50
40
30
56
48
20
46
44
2005
2010
10
1995
Norte
Fonte: MTE/Rais.
2000
Centro-Oeste
Nordeste
Sul
Sudeste
BENS DE CONSUMO
137
Desempenho
Em que pese a patente melhoria dos fundamentos da economia brasileira e o ciclo
de crescimento verificado entre 2004 e a crise financeira internacional de 2008, os
setores tradicionais de bens de consumo não acompanharam de maneira uniforme
a performance da economia brasileira, motivando por parte do BNDES uma ação já
em 2007, com o lançamento do Programa de Revitalização de Empresas (Revitaliza), cujos desembolsos ultrapassaram os R$ 3,2 bilhões até 2011.
Por meio de informações contidas no Gráfico 5 e na Tabela 1, é possível distinguir dois grupos de produtos das indústrias tradicionais de bens de consumo
segundo seu desempenho econômico nos anos 2000. O primeiro deles, formado
por produção de bebidas, HPPC e móveis, caracteriza-se por taxas médias de crescimento anual positivas entre 2001 e 2011, enquanto o segundo grupo, composto por têxteis, vestuário e calçados, por taxas negativas no período. No primeiro
grupo, merece destaque o setor de bebidas, cuja produção de R$ 34 bilhões em
2001 passa a R$ 47,9 bilhões em 2011 – elevação média de 3,5% ao ano em termos
reais. Depois de apresentar taxa média de crescimento anual negativa entre 2001
e 2003, o setor registra os melhores resultados entre as atividades analisadas. Tal
fato o conduziu em 2009 à posição de setor mais relevante em relação ao valor de
produção na classe dos bens tradicionais de consumo. Merece destaque também o
setor de HPPC, tanto por ser o único que cresce a taxas médias anuais positivas em
todos os recortes de tempo analisados, como pela variação real de 2,7% ao ano de
sua produção entre 2001 e 2011. Já a produção de móveis apresentou taxa média
anual de crescimento de 2,0%, obtendo em 2011 o maior valor de produção entre
os setores analisados.
Por sua vez, no segundo grupo, destaca-se negativamente o desempenho do
setor de calçados, cujo valor de produção cai de R$ 23 bilhões em 2001 para R$ 16
bilhões em 2011 – variação de cerca de 30% em termos reais. Apesar de os setores de têxteis e vestuário terem alcançado resultados positivos durante o ciclo de
crescimento da economia brasileira entre 2004 e 2008, o desempenho negativo
nos períodos imediatamente anterior (2001 a 2003) e posterior (2009 a 2011) comprometeu o resultado global do período analisado. Em termos reais, a produção
138 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
de têxteis decresceu, em média, 1,3% ao ano, enquanto a de vestuário caiu 1,7%
ao ano. Por conseguinte, o valor da produção desses setores em 2011 tornou-se,
respectivamente, 6,5% e 9,0% inferior ao observado em 2001.
VALOR DA PRODUÇÃO A PREÇOS BÁSICOS DE BENS TRADICIONAIS (R$ MILHÕES DE 2009)
50.000
45.000
40.000
35.000
30.000
25.000
20.000
15.000
2001
2002
Bebidas
2003
Têxteis
2004
Vestuário
2005
2006
Calçados
2007
2008
HPPC
2009
2010*
2011*
Móveis
Fonte: IBGE/ Coordenação de Contas Nacionais.
*Estimativa – corresponde à evolução do valor 2009 por meio de índices de volume (PIM-PF).
Nota: Foram utilizados como deflatores os índices de preços por produto, calculados com base nas Tabelas de Recursos
e Usos das Contas Nacionais.
Como consequência do baixo desempenho econômico das indústrias em questão, cujo valor de produção conjunto a preços de 2009 mostrou certa estagnação
(crescimento médio de apenas 0,36% ao ano entre 2001 e 2011), sua participação
no total do valor de produção da indústria de transformação (que cresceu 2,17% ao
ano no mesmo período) passou de 14% em 2001 para 11,6% em 2011.
Haja vista o crescimento da renda e do consumo verificado no Brasil nos anos 2000,
o baixo dinamismo da produção interna de bens tradicionais de consumo parece um
contrassenso. Uma das maneiras de explicar esse fenômeno consiste em observar a penetração das importações no mercado nacional, isto é, analisar a dinâmica do market
share da indústria nacional na demanda doméstica. Para tanto, o Gráfico 6, exibe o
coeficiente de penetração de importações de bens tradicionais no mercado brasileiro.
BENS DE CONSUMO
139
VARIAÇÃO MÉDIA ANUAL DO VALOR DA PRODUÇÃO DE BENS TRADICIONAIS POR PERÍODO A
PREÇOS DE 2009 (%)
Produto
(0,42)
4,49
5,38
3,37
!"
(5,40)
4,24
(5,91)
(1,28)
#
(5,11)
0,39
(1,83)
(1,74)
'
(2,43)
(3,02)
(3,90)
(3,10)
0,23
3,80
1,72
2,25
>#
(0,60)
3,78
1,66
1,99
(2,70)
2,57
(0,16)
0,36
0,24
4,16
0,85
2,17
;<<
'?
Fonte: IBGE/Coordenação de Contas Nacionais.
*Estimativa – corresponde à evolução do valor 2009 por meio de índices de volume (PIM-PF).
Nota: Foram utilizados como deflatores os índices de preços por produto, calculados com base nas Tabelas de Recursos
e Usos das Contas Nacionais.
@COEFICIENTE DE PENETRAÇÃO DAS IMPORTAÇÕES DE BENS TRADICIONAIS A PREÇOS DE
2007 – BRASIL, 2001-2011 (%)
25
20
15
10
5
0
2001
2002
2003
Indústria de transformação
Fonte: CNI/Funcex – Ipeadata.
*Estimado.
**Até set. 2011.
2004
Bebidas
2005
Têxteis
2006
2007
Vestuário
2008
Calçados
2009
2010*
HPPC
2011**
Móveis
140 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Em todos os setores analisados, o coeficiente de importação cresceu ao longo
dos anos 2000, mantendo-se, no entanto, abaixo do verificado para a indústria de
transformação – com exceção do setor de têxteis que o ultrapassa em 2010. Para a
maioria dos setores, nota-se uma clara aceleração da participação de importados
na demanda doméstica a partir de 2009, fato que resulta da estratégia de acesso
dos grandes exportadores globais aos mercados emergentes em face da desaceleração da demanda nas economias centrais depois da crise financeira internacional, da
intensificação da presença chinesa no mercado internacional (uma vez que parte
significativa desse processo ocorreu na década de 2000), da apreciação do Real e do
nível das taxas de juros no Brasil, refletido no baixo dinamismo dos investimentos
da indústria brasileira de bens tradicionais em capacidade produtiva.
Dos setores em questão, o de produção de têxteis foi o que sofreu a maior perda de participação no mercado doméstico. Seu coeficiente de importação cresceu
16,6 pontos percentuais, passando de 6,0% em 2001 para 22,6% em 2011. Em seguida, o setor de vestuário, com uma das menores participações de importados (1,5%
em 2001), obteve crescimento de 8,6 pontos percentuais, chegando a 10,1% em 2011.
A situação descrita anteriormente sugere que parte dos benefícios gerados
pelo aumento da renda e pela melhoria de sua distribuição – obtidos há pouco
tempo no Brasil e consubstanciados como aumento de demanda de bens industrializados – está vazando de forma crescente para o exterior e que a indústria brasileira
vem perdendo competitividade em relação à concorrência estrangeira no próprio
mercado doméstico.
Outro indicador, o coeficiente de exportações, que mede o percentual do valor
de produção destinado à exportação, também evidencia a perda de competitividade dos produtos brasileiros, haja vista sua crescente dificuldade de inserção no
exterior. O Gráfico 7 revela que o coeficiente de exportação da indústria de transformação brasileira cresceu apenas 2,7 pontos percentuais entre 2001 e 2011, passando de 12,3% para 15,0%. No caso dos bens de consumo tradicionais, a maioria
de seus coeficientes de exportação se manteve abaixo do já diminuto coeficiente
da indústria de transformação durante todo o período analisado. De fato, a maioria dos setores que compõem esse grupo já se caracterizava por apresentar baixa
BENS DE CONSUMO
141
inserção externa em princípios dos anos 2000. No entanto, dos seis setores analisados, quatro desempenharam trajetórias declinantes no decorrer da última década,
com destaque para o setor calçadista, cujo coeficiente de exportação caiu de 30,4%
em 2001 para 14,3% em 2011.
[COEFICIENTE DE EXPORTAÇÃO DE BENS TRADICIONAIS A PREÇOS DE 2007 – BRASIL, 2001-2011
35
30
25
20
15
10
5
0
2001
2002
2003
Indústria de transformação
2004
Bebidas
2005
Têxteis
2006
2007
Vestuário
2008
Calçados
2009
2010*
HPPC
2011**
Móveis
Fonte: CNI/Funcex – Ipeadata.
* Estimado.
** Até set. 2011.
O desempenho do comércio exterior brasileiro reflete de forma direta os resultados vistos anteriormente. O saldo da balança comercial dos bens tradicionais alcançou
resultado positivo na primeira metade dos anos 2000. No entanto, a partir de 2006 os
saldos comerciais começam a se deteriorar, convertendo-se em déficits em 2009. Os
gráficos 8A, 8B, 8C, 8D, 8E e 8F deixam claro uma mudança no padrão do comércio
exterior dos bens tradicionais analisados neste trabalho ao longo dos anos 2000. A despeito do crescimento contínuo do valor das importações em todo o período em questão,
a maioria dos setores aumentou seu saldo comercial na primeira metade da década. Nos
anos subsequentes, por outro lado, o valor das exportações tendeu a declinar, gerando
déficits em quase todas as atividades ao fim do período.
142 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
BALANÇA COMERCIAL DE BENS TRADICIONAIS – BRASIL, 2001-2011 (US$ BILHÕES)
BEBIDAS
-
1,20
-0,10
1,00
-0,20
-0,30
-0,40
0,60
-0,50
SALDO
EXP., IMP.
0,80
-0,60
0,40
-0,70
0,20
-0,80
-0,90
-
2001
2002
Exportação
2003
2004
Importação
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Saldo
TÊXTEIS
6,00
1,00
0,50
5,00
-
-0,50
3,00
-1,00
2,00
-1,50
1,00
-2,00
-
-2,50
2001
Exportação
2002
2003
Importação
2004
2005
Saldo
2006
2007
2008
2009
2010
2011
SALDO
EXP., IMP.
4,00
BENS DE CONSUMO
143
VESTUÁRIO
2,00
0,4
1,80
0,2
-
1,60
-0,20
1,40
-0,40
-0,60
1,00
-0,80
SALDO
EXP., IMP.
1,20
0,80
-1,00
0,60
-1,20
0,40
-1,40
0,20
-1,60
-
-1,80
2001
2002
Exportação
2003
2004
Importação
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Saldo
CALÇADOS
2,00
2,50
1,80
1,60
2,00
1,20
1,50
1,00
0,80
1,00
0,60
0,40
0,50
0,20
-
2001
Exportação
2002
2003
Importação
2004
2005
Saldo
2006
2007
2008
2009
2010
2011
SALDO
EXP., IMP.
1,40
144 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
HPPC
0,25
1,20
0,20
1,00
0,15
0,10
0,80
-0,10
0,60
-0,15
0,40
SALDO
EXP., IMP.
-
-0,20
-0,25
0,20
-0,30
-0,35
2001
2002
Exportação
2003
2004
Importação
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Saldo
1,00
1,00
0,90
0,90
0,80
0,80
0,70
0,70
0,60
0,60
0,50
0,50
0,40
0,40
0,30
0,30
0,20
0,20
0,10
0,10
-
2001
2002
Exportação
Fonte: MDIC/AliceWeb.
2003
Importação
2004
2005
Saldo
2006
2007
2008
2009
2010
2011
SALDO
EXP., IMP.
MÓVEIS
BENS DE CONSUMO
145
As atividades de produção de calçados e móveis foram as únicas superavitárias
durante os anos 2000. No entanto, o setor de calçados, o mais importante quanto
à geração de superávit da pauta de exportações de bens tradicionais, experimenta
saldos comerciais decrescentes desde 2005. Embora as vendas brasileiras do setor
tenham se elevado na União Europeia e América do Sul, elas vêm decrescendo sistematicamente em seu principal destino: o mercado norte-americano. A situação
desse setor ilustra bem os desafios impostos às indústrias tradicionais. Dados da
UNCTAD mostram que em 2001 o Brasil exportou US$ 1,1 bilhão em calçados para
os EUA, valor que decresceu até chegar a apenas US$ 238 milhões em 2011. No
entanto, as importações americanas de calçados passaram de US$ 16 bilhões para
US$ 22 bilhões no período. A análise das principais origens das importações americanas deixa claro que os produtos brasileiros perderam competitividade em relação
aos asiáticos, em particular chineses, vietnamitas e indonésios. Chama a atenção o
valor das exportações de calçados do Vietnã aos EUA, que em 2001 foi de apenas
US$ 140 milhões (11% do valor então vendido pelo Brasil aos EUA) e chegou a
US$ 1,72 bilhão em 2011 (quatro vezes superior ao valor das vendas brasileiras aos
EUA). Em que pese o crescimento das exportações brasileiras para outros parceiros
importantes, atributos como as vantagens competitivas de custos (mão de obra,
insumos, economias de escala), câmbio artificialmente desvalorizado e estratégias
comerciais agressivas de países como China, Vietnã, Indonésia, Malásia e Índia vêm
impondo uma perda sistemática de participação do Brasil nesses mercados.
No que tange aos setores de têxteis e vestuário, principais responsáveis pelo
resultado negativo da balança comercial brasileira do setor de bens tradicionais, a
situação é ainda mais severa, uma vez que a competição com os asiáticos, em particular no mercado interno, está produzindo crescentes déficits. Deve-se destacar
que os produtos com maior participação na pauta brasileira de importações de têxteis são fibras e fios sintéticos e artificiais, enquanto os mais importantes da pauta
exportadora são os fios e fibras de algodão.
Segundo Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) (2009), o elo
da indústria química é frequentemente apontado como responsável pela baixa
competitividade brasileira de produtos derivados de fibras sintéticas. De fato, a
146 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
indústria nacional de fibras e filamentos químicos não dispõe de oferta adequada
à cadeia têxtil-vestuário. Dados da Associação Brasileira de Produtores de Fibras
Artificiais e Sintéticas (ABRAFAS) demonstram que as importações respondem por
cerca de 50% do consumo aparente de fibras químicas no Brasil. Uma vez que o
uso de produtos têxteis e confeccionados derivados de fibras químicas revela tendência de crescimento, o bom desempenho das exportações brasileiras de têxteis
derivados do algodão – segmento em que o país é competitivo – não vem sendo
capaz de compensar a importação de fios e fibras artificiais e sintéticas. No entanto, a entrada em operação dos investimentos previstos para o complexo industrial
Petroquímica Suape, integrado pela Companhia Petroquímica de Pernambuco e
Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco, deverá mitigar esses resultados, na
medida em que sua produção poderá suprir grande parte da demanda de poliéster
do Brasil. Somam-se a isso outros investimentos anunciados, como os da empresa
Invista, que contribuirão para a melhoria da balança comercial do setor.
Por outro lado, os crescentes déficits do setor de vestuário, advindos de queda
das exportações e aumento das importações, não são explicados por deficiências da
oferta interna de insumos. O país está paulatinamente perdendo competitividade
em custos relativamente aos produtos asiáticos. A aceleração de importações verificada a partir de 2005 é explicada, sobretudo, pela compra de commodities confeccionadas a partir de fibras de algodão, como camisas, camisetas e jeans básicos.
Por fim, vale frisar que os saldos negativos do setor de bebidas têm, em parte,
natureza estrutural. A importação de um dos principais insumos para a produção de
cerveja, o malte de cevada, representa aproximadamente 50% do valor importado
pelo setor. Segundo a Embrapa Trigo, há somente três maltarias instaladas no país,
cuja produção satisfaz apenas 30% da demanda da indústria cervejeira nacional.5
Apesar de o Brasil dominar a tecnologia de produção da cevada, áreas disponíveis e demanda crescente, de acordo com Minella (1999) a oferta nacional não
se expande por diversas razões: preferência da indústria cervejeira por importação
em função da instabilidade das safras brasileiras quanto a rendimento e qualidade,
5
<http://www.cnpt.embrapa.br/culturas/cevada/index.htm>.
BENS DE CONSUMO
147
ausência de mercado alternativo para cevada fora do padrão malte, alto custo de
produção, mão de obra pouco qualificada, infraestrutura de recebimento, secagem
e armazenamento deficientes e baixa competitividade em preço ou qualidade perante o mercado internacional.
O apoio do BNDES
O BNDES manteve nos últimos dez anos uma política de permanente apoio às indústrias tradicionais. Conforme será visto a seguir, os números do Banco refletem
de modo amortecido a dinâmica macroeconômica do país, bem como as características da estrutura produtiva nacional, com grande aumento dos desembolsos aos
setores tradicionais aqui estudados a partir de 2007.
O Gráfico 9 mostra que entre 2001 e 2007 os investimentos da indústria tradicional oscilaram pouco, sem revelar nenhuma tendência, em torno de um patamar relativamente baixo, o que se explica pelo comportamento cauteloso da indústria, uma
vez que a sustentabilidade da retomada do crescimento econômico permaneceu incerta nesse período: o crescimento econômico de 2004 e de 2005 não foi suficiente
para elevar de forma significativa o grau de confiança dos investidores brasileiros,
tradicionalmente avessos ao risco, depois de três anos consecutivos de conjuntura
econômica ruim, com a crise energética de 2001, o forte repique inflacionário de
2002 – ano em que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 12,53%
de variação anual) – e o ajuste recessivo que orientou a política econômica de 2003.6
Apesar da crise internacional, o período entre 2008 e 2011 mostra certa tendência de
expansão dos desembolsos, sempre situados em um nível mais alto do que a média
da primeira metade da década. Os desembolsos de cada ano refletem projetos concebidos e negociados no biênio anterior, de modo que o salto observado em 2008 já
espelha a persistente melhoria das condições macroeconômicas ocorrida entre 2004
e 2007, bem como iniciativas como o lançamento do Programa Revitaliza (2007).
6
Além disso, ainda em dezembro de 2005 o Banco Central do Brasil apresentava como meta para a taxa Selic (Sistema Especial de
Liquidação e de Custódia) 18% a.a. (valor que foi de 17,75% em dezembro de 2004, de 16,5% em 2003 e de 22% em dezembro
de 2002). Somente em 2006 a taxa desempenharia uma trajetória de forte declínio (caindo para 13,25% em dezembro de 2006 e
para 11,25% em dezembro de 2007).
148 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
DESEMBOLSOS DO BNDES ÀS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO, BRASIL,
2001-2011 (R$ MILHÕES DE 2011)*
6.000
5.000
R$ MILHÕES
4.000
3.000
2.000
1.000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Fonte: BNDES.
* Valores deflacionados pelo IGP-M.
O apoio do BNDES mostra grande capilaridade, beneficiando empresas de
todos os portes. Conforme ilustra o Gráfico 10, a participação de micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) das indústrias tradicionais de bens de consumo
no número de operações e valor desembolsado pelo BNDES cresceu substancialmente no decorrer dos anos 2000. Vale frisar que entre 2001 e 2011 o valor
desembolsado às MPMEs desses ramos quase dobrou em virtude de melhorias
de condições e do desenvolvimento de produtos como o Cartão BNDES, concebidos para facilitar o acesso das empresas de diversos portes aos recursos da
instituição. O Gráfico 11 mostra a grande diversidade de produtos financeiros
que o Banco oferece à indústria, buscando atender às distintas necessidades de
funding com soluções apropriadas.
149
BENS DE CONSUMO
PARTICIPAÇÃO DE MPMES NO NÚMERO DE OPERAÇÕES E NO VALOR DESEMBOLSADO PELO
BNDES ÀS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO – BRASIL, 2001-2011 (%)
100
97
90
80
70
65
60
50
40
36
30
20
19
10
0
2001
2002
2003
Número de operações
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Valor dos desembolsos
Fonte: BNDES.
Nota: O BNDES define como MPMEs as empresas cuja Receita Operacional Bruta anual é inferior ou igual a R$ 90 milhões.
DESEMBOLSOS DO BNDES ÀS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO POR
GRUPO DE PRODUTOS, BRASIL – 2001-2011 (%)
100
1
6
90
17
27
24
80
3
11
39
18
4
2
11
14
3
36
8
7
24
22
57
70
19
43
34
50
11
18
19
18
60
11
29
23
25
28
29
42
40
18
30
13
14
16
52
41
20
13
36
26
24
23
10
16
21
15
12
35
23
19
2001
2002
Outros
Cartão BNDES
Fonte: BNDES.
2003
2004
BNDES Exim
2005
BNDES Finame
2006
2007
BNDES Automático
2008
2009
BNDES Finem
2010
2011
150 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Os dados do Gráfico 12 mostram que a atuação do BNDES também reflete a
relevância das indústrias tradicionais na economia brasileira. Além de responder
por uma fatia relevante dos desembolsos à indústria de transformação, o peso desses setores apresenta duas fases recentes de crescimento: a primeira, entre 2006 e
2008, foi interrompida pela crise internacional, sendo imediatamente seguida por
novo triênio de crescimento, ainda mais expressivo, entre 2009 e 2011.
PARTICIPAÇÃO DAS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE BENS DE CONSUMO NOS DESEMBOLSOS
DO BNDES À INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO E NOS DESEMBOLSOS TOTAIS, BRASIL – 2001-2011 (%)
16
14
12
10
8
6
4
2
0
2001
2002
2003
Em relação à indústria de transformação
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Em relação ao total
Fonte: BNDES.
3. A DÉCADA DE 2010: DESAFIOS
E PERSPECTIVAS
<<
#<
O decênio iniciado em 2011 caracteriza-se por certo antagonismo entre o cenário
internacional, com grande incerteza (ainda relativa à crise iniciada no já longínquo
BENS DE CONSUMO
151
ano de 2008), e o quadro doméstico, no qual a manutenção de taxas de crescimento de cerca de 4% ao ano é esperada pela maior parte dos analistas.7
As linhas gerais do atual modelo econômico brasileiro demonstram certa robustez. Aqui, o cenário considerado mais provável é o de poucas alterações nas políticas relativas à recuperação do poder de compra do salário mínimo, à paulatina
expansão dos programas de garantia de renda mínima, como o Bolsa Família e o
Plano Brasil Sem Miséria, e à construção de moradias populares, como o Programa
Minha Casa, Minha Vida. Em um contexto de estabilidade das taxas de inflação,
equilíbrio das contas externas e melhoria dos indicadores da dívida pública, tal
modelo econômico pode tornar os anos 2010 a segunda década consecutiva de
crescimento econômico com distribuição de renda no Brasil, o que aprofundaria o
processo de constituição de um amplo mercado consumidor doméstico.
Mesmo para atender apenas a uma parte da expansão da demanda interna
brasileira, as empresas nacionais precisarão cumprir uma intensa agenda de investimentos. Nesse aspecto, uma política monetária que conduza a taxa de juros básica
da economia a uma queda sustentável (ou seja, sem gerar aceleração inflacionária)8
poderá criar condições financeiras favoráveis aos negócios, permitindo que os investimentos necessários sejam realizados.
De fato, boas condições macroeconômicas podem permitir investimentos voltados para o mercado interno. É preciso, contudo, citar ao menos dois aspectos
importantes que ultrapassam essa visão excessivamente simplificada: mudanças no
padrão de qualidade da produção nacional e prospecção de oportunidades também no front externo, apesar do quadro de incerteza da economia internacional.
A evolução recente da renda no Brasil caracteriza-se por crescimento e distribuição, como visto na seção “A economia brasileira: conquistas dos últimos dez
anos e perspectivas para o futuro”. Tal quadro vem gerando mais do que um
7
No caso do Relatório de Mercado Focus, organizado pelo Banco Central do Brasil (de 29.6.2012), por exemplo, as expectativas
dos agentes consultados mostram mediana de 2,05% e 4,2% de crescimento do PIB em 2012 e em 2013, respectivamente, com
variação do IPCA de 4,9% e 5,5%.
8
Durante a década de 2000, foi constatada a possibilidade de reduzir a taxa básica de juros sem causar descontrole inflacionário no
longo prazo: embora a taxa Selic tenha caído de 19,00% a.a. para 10,75% a.a. entre 1999 e 2010, a inflação medida pelo IPCA
também caiu no período, passando de 8,94% para 5,91% (fonte: Ipeadata).
152 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
simples aumento da demanda doméstica: o perfil do consumo vem se sofisticando,
reposicionando o consumidor brasileiro em faixas crescentes de qualidade, preço e
segmentação, o que abre espaço para empresas dispostas a explorar as novas exigências do mercado doméstico. Em um cenário em que a renda brasileira continue
aumentando e sendo mais bem distribuída ao longo de toda a década de 2010,
o espaço para produtos baratos, padronizados e de baixa qualidade, ao fim do período, terá se reduzido significativamente no país.
No que se refere ao mercado internacional, o cenário de crise e incerteza não
impede que oportunidades pontuais sejam perseguidas e aproveitadas. Embora
a política econômica de alguns dos principais parceiros da América Latina inclua
diversas práticas de cunho protecionista, também nelas se observam, em maior ou
menor grau, recuperação econômica e distribuição de renda. Além disso, enquanto a possibilidade de comércio se restringe, as estratégias de internacionalização
continuam recebendo boa acolhida nesses países. Ainda em relação aos parceiros
históricos da indústria brasileira de bens tradicionais de consumo, há que se destacar que a crise internacional se deslocou de seu epicentro original, sendo hoje
menos aguda nos EUA do que na Europa. No que se refere a novas fronteiras para o
comércio exterior brasileiro, destinos como o Oriente Médio e a África não podem
ser ignorados.
\
A complexidade que marca a conjuntura atual abre espaço para inúmeras estratégias, cabendo às empresas, guiadas por aspectos microeconômicos e por distintos
níveis de excelência gerencial, o papel de tomar decisões, realizar escolhas, implementar projetos e correr riscos. Como forma de organizar a análise prospectiva
aqui proposta, dois modelos estilizados serão comentados, embora se enfatize o
reconhecimento de que há outras possibilidades, até mesmo de formas híbridas.
A primeira estratégia a ser exposta, destacada como mais promissora e merecedora de atenções crescentes por parte do BNDES, é baseada em competição
por diferenciação, com investimentos associados sobretudo a marketing, design,
BENS DE CONSUMO
153
qualidade e inovação [Teixeira Junior et al. (2012)], enquanto a segunda é focada
em redução de custos, tendo por base investimentos em inovação, minimização do
custo do trabalho, otimização de processos, excelência em logística, ganhos de escala, planejamento tributário, modernização de instalações e eficiência gerencial.
Ao buscar graus crescentes de diferenciação, consolidando marcas, aprimorando a qualidade e projetando minuciosamente seus produtos, as empresas que adotarem o primeiro tipo de estratégia estarão mais ligadas às tendências que vêm
sendo observadas na sociedade brasileira. Trata-se de um caminho em que a maior
parte do esforço é interna à empresa, havendo, portanto, menor dependência em
relação às iniciativas governamentais, concentradas em itens como o aprimoramento dos instrumentos de proteção à propriedade industrial e a própria manutenção
da conjuntura macroeconômica favorável. Ainda em relação ao papel do setor público, destaque-se o apoio aos investimentos em inovação, aqui entendida em seu
significado mais amplo. Nesse aspecto, ressalte-se a agressiva agenda de aprimoramento de instrumentos de apoio financeiro a investimentos em inovação e design
que o BNDES vem cumprindo desde 2011.
Produzir segundo altos padrões de qualidade, pesquisar tendo em vista a correta segmentação de mercado e gerenciar marcas são tarefas que envolvem complexos desafios gerenciais, como: seleção, treinamento e gestão de mão de obra
especializada, para a qual restrições salariais são prejudiciais e devem dar lugar
a sofisticados mecanismos de incentivo; profissionalização do design, com investimentos em pesquisa e prototipagem; domínio das ferramentas da economia do
conhecimento, do gerenciamento de ativos intangíveis e dos esforços ligados a
marketing; e controle dos canais de distribuição e de comercialização [Costa e Rocha (2009); Guidolin, Costa e Rocha (2010)].
Às competências peculiares às atividades de maior valor agregado juntam-se
todos os condicionantes convencionais típicos das empresas que competem via custos. Trata-se, portanto, de uma estratégia que requer fôlego, envolve riscos e exige
planos de investimento complexos e multifacetados. Como prêmio, tal estratégia
tem a oferecer as vantagens seguintes:
]
posicionamento alinhado às tendências da demanda brasileira;
154 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
]
possibilidade de conquistar nichos do mercado internacional;
]
menor exposição às ameaças asiáticas, mais ligadas a custos.
A segunda estratégia, por sua vez, mostra maior equilíbrio entre a importância
das ações internas às empresas e a das iniciativas governamentais. Em relação às
empresas, esforços ligados à otimização de processos, ganhos de eficiência e profissionalização gerencial, que via de regra a indústria brasileira vem perseguindo
infatigavelmente desde a abertura comercial de 1990, juntam-se a tarefas mais
desafiadoras, como a conquista de mercados que viabilizem escalas competitivas, a
inserção em cadeias produtivas globais, o deslocamento da produção para regiões
de menor custo do trabalho e a negociação com fornecedores em bases vantajosas.
Uma queda significativa de custos passa ainda por temas complexos, como a agenda tributária, os gargalos que constituem o chamado “custo Brasil” e a equiparação
das taxas de juros reais praticadas no mercado financeiro nacional às observadas na
esfera internacional (que, em vários países, atualmente é negativa).
As empresas que optarem por enfatizar esforços ligados a reduções de custos,
mantendo-se no segmento de produtos de menor valor agregado e de baixo ou médio
grau de qualidade, terão pela frente a competição direta com produtores asiáticos,
como China, Índia, Indonésia, Paquistão, Bangladesh e Vietnã. Embora tais países venham revelando grande dinamismo social, conforme ilustra a evolução da renda per
capita chinesa (que decuplicou nos últimos vinte anos), parte de sua competitividade
ainda se mostra ligada a condições trabalhistas e ambientais cuja replicação no país
representaria um retrocesso que não seria tolerado pela sociedade brasileira. Além
disso, a competitividade de tais países beneficia-se de práticas comerciais e de políticas
cambiais, monetárias e fiscais que não encontram eco no Brasil. De fato, a renda per
capita dos países asiáticos acima citados raramente alcança a metade da cifra brasileira,
o que indica os distintos estágios em que as nações em questão se encontram.
Há, entretanto, vantagens locais que dão fôlego ao produtor brasileiro. O melhor conhecimento da complexa malha cartorial, jurídica e tributária do país, a proximidade com varejistas e fornecedores [Guidolin, Costa e Nunes (2009)], a perda de
agilidade dos competidores asiáticos causada pela distância intercontinental que separa o Brasil da Ásia e a necessidade de pagar impostos alfandegários são exemplos
BENS DE CONSUMO
155
de fatores que oferecem ao produtor nacional certa margem de vantagem. Além
disso, é possível que em 2020, depois de dez anos de avanços sociais, encontre-se
reduzido também nos países asiáticos o espaço para certas práticas. Ademais, se o
ativismo macroeconômico se mostrar de fato insustentável por grandes períodos, a
partir de 2020 os diferenciais asiáticos de competitividade talvez se restrinjam a elementos estruturais, como as economias de escala proporcionadas pela atuação em
nível mundial e a ampla diversidade de sua rede local de fornecedores.
'
A apresentação de diversas ameaças à indústria nacional de bens tradicionais de
consumo permeia este texto. Além das incertezas econômicas próprias ao capitalismo, da firme ascensão dos competidores asiáticos, da adoção de práticas protecionistas por parte de parceiros comerciais importantes e da crise internacional, há
os desafios de natureza operacional e gerencial, que estão presentes em qualquer
implementação de projeto.
Há, ainda, outros desafios a serem considerados. Submetida a uma série de
transformações simultâneas, a economia brasileira passará por um duro teste. Caso
parte da produção industrial se torne menos intensiva em trabalho e demandante
de mão de obra especializada, tal mutação afetará setores que respondem pelas
maiores parcelas do emprego industrial no Brasil, exigindo das empresas a introdução de novos métodos de gerenciamento de recursos humanos, dos trabalhadores,
pesado esforço em treinamento e capacitação e do governo, políticas públicas que
mitiguem os custos sociais de tais mudanças.
Mais amplamente, se a transição de uma economia agrário-exportadora para
uma sociedade urbana e industrial deixou profundas marcas na história do país entre 1930 e 1980, fazendo das quatro últimas décadas do século XX, em um primeiro
momento, décadas de crise política e institucional (1960-1980) e, a seguir, de crise
econômica e social (1980-2000), cabe indagar sobre os custos envolvidos na transição para uma economia do conhecimento ora em curso, baseada em serviços, ativos
intangíveis e inovação.
156 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
<<
Em meio às várias oportunidades que se abrem, aos grandes desafios que surgem
e à multiplicidade de possíveis estratégias, o BNDES vê sua atuação como decisiva.
O período 2000-2020 poderá marcar dois grandes ajustes na trajetória do Banco: relativo à primeira década do século, um dos ajustes levou a um redimensionamento que o tornou novamente compatível com as necessidades da economia
brasileira; para a segunda década, o outro ajuste passará menos pelo tamanho do
que pela forma de atuação, cada vez mais associada a inovação, design e investimentos em intangíveis.
Em razão da complexidade da conjuntura que se apresenta, o BNDES vem se
preparando para ser tanto um banco quanto um think tanker, analisando projetos
e formulando políticas de apoio ao desenvolvimento econômico brasileiro. A sua
reconhecida expertise em análise de projetos deverá ser acrescentado um grande
esforço de divulgação e interlocução com empresas e associações. Os produtos, as
linhas e os programas do Banco precisarão refletir a complexidade do desafio.
Por ser necessário oferecer soluções de crédito a empresas de diversos portes,
será crescente a importância do Cartão BNDES e das operações do Finame e do
BNDES Automático; pela necessidade de contemplar as distintas realidades setoriais e temáticas, também serão de especial valor os programas especiais do BNDES,
como o Revitaliza ou novos programas voltados especificamente aos investimentos
em design e moda; por várias estratégias serem válidas, as linhas de crédito tradicionais terão uma função horizontal a cumprir; e pelas dificuldades que cercam os
investimentos em inovação, design, moda e marketing, os ativos intangíveis tenderão a ocupar uma natural posição de destaque no âmbito do BNDES.
4. CONCLUSÃO
Este artigo procurou evidenciar a natureza dual e complexa que caracteriza tanto
o histórico da última década quanto as perspectivas da próxima, ao menos no que
se refere à indústria brasileira de bens tradicionais de consumo.
BENS DE CONSUMO
157
Os setores aqui estudados respondem por parcelas muito significativas do emprego industrial e do PIB, sendo, portanto, de grande importância para o bom
funcionamento da economia brasileira. No entanto, seu crescimento recente vem
sendo inferior à expansão da demanda interna, abrindo espaço para importados e
perdendo market share no mercado doméstico. Embora ainda ostente grande domínio do mercado brasileiro, tais indústrias vêm perdendo competitividade no âmbito interno (sem apresentar ganhos significativos em parâmetros internacionais).
O bom momento da economia brasileira, com crescimento econômico, distribuição de renda e equilíbrio macroeconômico, abre excelentes perspectivas para
os produtores nacionais. Contudo, o recrudescimento da concorrência estrangeira
(sobretudo asiática) é uma ameaça, até mesmo no próprio mercado doméstico.
Parte da indústria tende a aprofundar suas apostas em produtos diferenciados,
de melhor qualidade e maior valor agregado, o que implicará a criação de vagas
de trabalho de maior remuneração e investimentos em inovação, traços inegavelmente positivos. No entanto, a rapidez com que grandes contingentes de trabalhadores de menor qualificação serão treinados para as novas tarefas ou empregados
em outros setores determinará o nível de estresse social causado por esse tipo de
mudança. Além disso, investimentos em inovação envolvem dificuldades que parte
do meio empresarial ainda não se mostra apta a enfrentar.
Quanto às empresas que optarem por estratégias baseadas em otimização de processos e liderança em custos, mantendo-se na produção de bens de baixo valor, há um
leque de iniciativas empresariais, políticas públicas e vantagens locais que lhes dão certo fôlego na luta direta que travam contra os concorrentes estrangeiros. No entanto,
há limites que as impedem de lançar mão de elementos trabalhistas, ambientais ou
concernentes à política econômica que beneficiam seus competidores largamente.
A América Latina é um campo propício para que as grandes empresas brasileiras se internacionalizem, ganhando escala, aumentando sua capacidade financeira
e adensando suas redes de parceiros. Por outro lado, as exportações brasileiras esbarram em um protecionismo crescente, tarifário ou não tarifário.
Tal dualidade confere ao futuro próximo da indústria brasileira de bens tradicionais de consumo a marca da incerteza. Se a última década foi de avanços modes-
158 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
tos, estagnação ou retrocessos, a próxima será de grande movimentação, apostas
empresariais e busca por inovações e mudanças. Trata-se de uma época que combina, em doses semelhantes, ameaças e oportunidades.
REFERÊNCIAS
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Indústria Têxtil e de Vestuário. Belo Horizonte, 2009.
APICCAPS – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DOS INDUSTRIAIS DE CALÇADOS, COMPONENTES, ARTIGOS DE
PELE E SEUS SUCEDÂNEOS. World Footwear Yearbook, Porto, 2011.
COSTA, A. C. R.; ROCHA, E. R. P. Panorama da cadeia produtiva têxtil e de confecções e
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COSTA, A. C. R.; MONTEIRO FILHA, D. C.; GUIDOLIN, S. M. Inovação nos setores de baixa e
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CSIL-Milano – CENTRE FOR INDUSTRIAL STUDIES. World furniture outlook 2011/2012.
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GUIDOLIN, S. M.; COSTA, A. C. R.; NUNES, B. F. Conectando indústria e consumidor:
desafios do varejo brasileiro no mercado global. BNDES Setorial, 30. Rio de
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GUIDOLIN, S. M.; COSTA, A. C. R.; ROCHA, E. R. P. Indústria calçadista e estratégias de
fortalecimento da competitividade. BNDES Setorial, 31. Rio de Janeiro: BNDES,
2010, p. 147-184.
IEMI – Instituto de Estudos e Marketing Industrial. Brasil Têxtil – Relatório setorial
da indústria têxtil brasileira. São Paulo, 2011.
MINELLA, E. Cevada brasileira: situação & perspectivas. Embrapa Trigo: Comunicado
Técnico online, n. 23, 1999. Disponível em: <http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/p_
co23.htm>.
BENS DE CONSUMO
159
PROJETO PIB. Sistema Produtivo Bens Salários. Móveis e artefatos plásticos. Coord.
Renato Garcia. Relatório de Pesquisa. Convênio IE-UFRJ/IE-Unicamp/BNDES, 2009.
TEIXEIRA JUNIOR, J. R. et al. Design estratégico: inovação, diferenciação, agregação de
valor e competitividade. BNDES Setorial, 35. Rio de Janeiro, BNDES, 2012, p. 333-368.
Marina Moreira da Gama*
* Economista do Departamento de Cultura, Entretenimento e Turismo da Área Industrial do BNDES. A autora agradece
as importantes contribuições de Gustavo Mello, Marcelo Goldenstein e Luciane Gorgulho, do Departamento de Cultura,
Entretenimento e Turismo da Área Industrial, e de Patrícia Zendron, da Superintendência da Área Industrial BNDES.
ECONOMIA CRIATIVA
161
RESUMO
O processo de pós-industrialização, iniciado nos anos 1980 nos países desenvolvidos
e nos anos 1990 naqueles em desenvolvimento, caracterizou-se por perda relativa
da participação industrial no produto nacional e aumento da participação do setor
de serviços. Como o dinamismo dos serviços é menor do que o baseado na manufatura, o que fazer para garantir um crescimento sustentado? A alternativa adotada
por muitos países desenvolvidos foi investir nas atividades industriais inovadoras
e nos setores de serviços de alto valor adicionado. Entre esses, ganha destaque a
indústria do conhecimento e da criatividade. No mundo pós-industrial, são a inovação e a criatividade que conferem competitividade às empresas de um país para
que ele cresça equilibradamente. O importante a se notar é a pouca ou nenhuma
atenção dada ao conteúdo criativo comparativamente à inovação. É preciso entender que a produção de conteúdo criativo gera emprego, renda e, além de criar
propriedade intelectual própria, cria também propriedade industrial derivada da
inovação nele embarcada. O objetivo do artigo é, então, evidenciar a importância
das atividades criativas para o desenvolvimento, destacando tanto sua capacidade
de geração de riqueza quanto a oportunidade aberta para os países em desenvolvimento que desejam aumento de competitividade.
ABSTRACT
The post-industrialization process that began in the 1980s in developed countries
and in the 1990s in the developing countries was characterized by a relative drop
in industrial participation in national product and an increase in the services sector.
As the services sector is less dynamic than the manufacturing sector, what can be
done to ensure sustained growth? The alternative, adopted by many developed
countries, has been to invest in innovative activities and industrial service sectors
of high added value. Among these, we can highlight the knowledge and creativity
industry. In the post-industrial world, innovation and creativity give companies a
competitive edge to help the country grow in a balanced fashion. The important
162 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
thing to note is that little or no attention is given to creative content when
compared to innovation. It must be understood that the production of creative
content generates employment, income, and, besides creating intellectual property,
it also creates industrial property deriving from inherent innovation. The aim of
this paper is to highlight the importance of creative activities for development,
highlighting both its ability to generate wealth and the opportunity open to
developing countries wishing to increase their competitiveness.
ECONOMIA CRIATIVA
163
1. INTRODUÇÃO
O processo de pós-industrialização, iniciado nos anos 1980 nos países desenvolvidos
e nos anos 1990 naqueles em desenvolvimento, caracterizou-se pela perda relativa
da participação industrial no produto nacional e aumento da participação do setor
de serviços. Como o dinamismo dos serviços é menor do que o baseado na manufatura, o que fazer para garantir um crescimento sustentado? A alternativa adotada
por muitos países desenvolvidos foi investir nas atividades industriais inovadoras
e nos setores de serviços de alto valor adicionado. Entre esses, ganha destaque a
indústria do conhecimento e da criatividade. No mundo pós-industrial, são a inovação e a criatividade que conferem competitividade às empresas de um país para
que ele cresça equilibradamente.
O objetivo deste artigo é evidenciar a importância das atividades criativas
para o desenvolvimento, destacando-se por um lado sua capacidade de geração
de riqueza e por outro a oportunidade aberta para os países em desenvolvimento
que desejam aumento de competitividade. No caso brasileiro, essa oportunidade
é latente, mas só recentemente o país vem construindo políticas públicas para
incentivar tais atividades. Em seus sessenta anos de existência, o BNDES sempre
se preocupou em ser vanguardista em sua política industrial. Foi assim com os
primeiros investimentos na indústria de bens manufaturados, de insumos básicos,
de capital e de infraestrutura. A aposta agora é o mundo intangível da inovação
e do conteúdo criativo.
Dessa forma, o trabalho se divide em três partes, além desta introdução e das
considerações finais. Na primeira parte, é realizada uma revisão teórica sobre o
processo de desindustrialização que vem ocorrendo em alguns países e seus impactos sobre o crescimento daqueles que ainda não atingiram um nível de renda
adequado. Evidencia-se a importância da inovação e da produção de conteúdo
criativo para o desenvolvimento em tempos modernos. Na segunda parte, são
levantados os números relativos à geração de renda e emprego para as atividades
criativas em alguns países selecionados, como o Reino Unido e o Brasil. No caso
brasileiro, este trabalho levantou os dados de emprego formal para o núcleo da
164 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
atividade criativa, segundo a Rais, chegando a uma proxy de sua contribuição
para o PIB do país. Por fim, na terceira e última parte, são descritas as ações do
Banco em relação à indústria criativa.
2. AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO
Atualmente, existe um debate sobre quais atividades econômicas são as mais aptas
para impulsionar o crescimento dos países, uma vez que o mundo entrou na era de
pós-industrialização e algumas das atividades de produção manufatureira em massa foram substituídas por outras ou passaram a ser produzidas em outras regiões
[Bell (1999)].
Até os anos 1980, esse debate não existia, já que o crescimento dos países era
impulsionado pela manufatura tradicional. A industrialização é um fator indutor
do crescimento econômico [Kaldor (1960)], já que é o setor mais dinâmico e difusor
de inovações, no qual as inter-relações da indústria manufatureira com os outros
setores induzem a um aumento de produtividade dentro e fora dela em virtude
de seus rendimentos crescentes. Assim, a indústria tende a gerar crescimento pois:
(i) seus efeitos de encadeamento para frente e para trás na cadeia produtiva são
mais fortes; (ii) tem rendimentos crescentes: a produtividade na indústria é uma
função crescente da produção industrial – “lei de Kaldor-Verdoorn”; (iii) produz
mudança: o progresso tecnológico é difundido por meio do setor manufatureiro;
(iv) a elasticidade-renda dos bens manufaturados é maior do que a elasticidade-renda de commodities e produtos primários, tornando a industrialização necessária até mesmo, e sobretudo, para aliviar o balanço de pagamentos [McCombie e
Thirlwall (1994); Thirlwall (2005)].1
O problema que gerou o atual debate derivou do fato de essa industrialização,
considerada indutora do crescimento econômico, ter caminhado para um estágio
de estagnação ou até mesmo de redução de participação no Produto Interno Bruto
1
Em resumo, é a indústria que serve como propulsora do desenvolvimento econômico não apenas porque é ela quem oferece
os maiores ganhos de produtividade para si mesma, mas também porque cria os meios para que as demais atividades, em graus
variados, se mecanizem.
ECONOMIA CRIATIVA
165
(PIB). A evolução do PIB, considerando-se os setores, tende, nos países que passam
por processos de crescimento econômico, a atravessar uma sequência típica de três
fases [Rowthorn e Ramaswany (1999); Tregenna (2009)].
Na primeira fase, há uma queda na participação do setor primário (agropecuária) no produto total, resultante do aumento da produtividade no campo
(derivado da mecanização e da fertilização), gerando alocação da mão de obra
para as cidades (setores secundário e terciário). A segunda fase é caracterizada pela industrialização propriamente dita: a redução da participação do setor
primário é compensada inicialmente por grande expansão da indústria e, em
menor medida, pelo aumento dos serviços. Conforme a produtividade industrial
cresce e o aumento da demanda por seus produtos começa a desacelerar, esse
setor começa a liberar a mão de obra para o setor de serviços. Posteriormente,
na terceira fase, o setor de serviços apresenta crescimento lento, mas contínuo,
no produto agregado.
Essa fase mais tardia é comumente chamada de fase de “pós-industrialização”,
ou até mesmo de “desindustrialização” no caso de haver queda relativa da produção da indústria em relação à produção total [Palma (2005)]. Assim, conforme a
produtividade industrial cresce e o aumento da demanda por seus produtos começa a desacelerar, esse setor libera mão de obra para o setor de serviços e, em alguns
casos, também aloca mão de obra para atividades produtivas “novas” [Tregenna
(2009); Oureiro e Feijó (2010)]. É muito mais do que uma transição de manufatura
para serviços: é o aumento relativo do investimento em serviços e intangível em
relação ao investimento industrial [Work Foundation (2009)].
Essa última fase da sequência, de queda no emprego industrial, mesmo que
relativa, vem gerando temor em diversos países, como aqueles da OCDE, onde o
emprego na indústria respondia, até recentemente, por elevadas parcelas do emprego total.2 Por exemplo, a percentagem do emprego industrial no emprego total
na Grã-Bretanha caiu de 35% em 1970 para 14% nos anos 1990; nos EUA, de cerca
2
Estudos indicam que esse processo de desindustrialização ocorreu em alguns países desenvolvidos quando o PIB per capita nacional
passou a atingir a faixa de US$ 10 mil a US$ 12 mil nos anos 1980 [Palma (2005)]; Rowthorn e Ramaswamy (1999)].
166 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
de 25% para 10%; na Alemanha, de 40% para 23% [Bonelli (2008)]. Apesar da perda relativa da participação da indústria no PIB, a produção manufatureira cresceu,
especialmente nos EUA – pelo menos até recentemente (2007).
A “desindustrialização” acabaria ocorrendo por alguns motivos, mais ou menos influentes, dependendo de cada país, de sua estrutura produtiva e da inserção no comércio internacional. O primeiro motivo é uma significativa redução
na elasticidade-renda da demanda por produtos industriais, que ocorre quando
o país alcança certo patamar de renda e sua população já realizou o consumo
de massa “básico”. O segundo é o rápido aumento de produtividade na indústria manufatureira (pelo menos em alguns setores), especialmente relacionado
à introdução de novas tecnologias, economias de escala e especialização. Outro
motivo é a terceirização de atividades antes executadas no interior das fábricas,
que resulta na diminuição do uso de mão de obra direta por unidade de produção
industrial. Por fim, o último é a nova divisão internacional do trabalho, que aloca
as atividades que empregam mão de obra industrial menos qualificada para os
países em desenvolvimento [Tregenna (2009)].
De qualquer forma, na pós-industrialização, haveria uma migração de mão
de obra para atividades tanto relacionadas ao setor de serviços quanto ao setor
industrial mais “novo”, inovador. O problema, então, derivaria do fato de essas
atividades, especialmente as relacionadas a serviços, não disporem do dinamismo
esperado para impulsionarem o crescimento econômico tal qual a manufatura tradicional, sobretudo em países de renda média que ainda não convergiram para os
níveis de renda dos países altamente industrializados, de alta renda [Palma (2005)].3
Os fatores-chaves para que essas atividades tenham dinamismo são a produção relacionada a bens com alta elasticidade-renda da demanda e a habilidade
para a criação de novos produtos, processos e mercados. Assim, na “nova economia”, seria necessário induzir a participação das atividades inovadoras e de alto
3
A Fiesp (2008) estimou, com dados do Banco Mundial para 26 países de 1975 a 2005, a contribuição do crescimento médio do
setor de serviços e da indústria para o crescimento médio do PIB: é necessário um crescimento de serviços de 1,14% para se obter
um crescimento de 1% no PIB, ou seja, a alavancagem do setor de serviços para o PIB é de 0,87; e basta um crescimento industrial
de 0,89% para se obter um crescimento de 1% no PIB, ou seja, a alavancagem é de 1,12.
ECONOMIA CRIATIVA
167
conteúdo de informação, conhecimento e criatividade [Bell (1999)]. Dessa forma,
para sustentar o dinamismo da economia, seria necessário manter os investimentos nas atividades mais dinâmicas (como as de alta tecnologia, com capacidade de
produzir e difundir inovações e externalidades intrassetoriais) [Thirlwall (2005)] e
nos setores que geram alto valor adicionado, como os serviços complexos e as atividades do conhecimento e da criatividade [Bell (1999); Kon (2004); Kon apud Ferraz,
Crocco e Elias (2003); Florida (2002)]. Como ressalta Evans: “As the economy churns
(thanks to that global marketplace), it puts a higher premium on creativity and
innovation” [Evans (2008)].
No caso específico dos países de renda média ou média-alta, como o Brasil, em
que a transição para o estágio de pós-industrialização é muito sensível, visto que
ainda não se atingiu o patamar de renda adequado, retornando à questão do desenvolvimento, a manufatura ainda desempenharia um papel fundamental para o
dinamismo do PIB [Palma (2005)]. Assim, o ideal seria a combinação de atividades
manufatureiras tradicionais com atividades inovadoras e serviços dinâmicos. Obviamente, a manufatura tradicional precisa ser competitiva.
Nesse caso, as atividades inovadoras e as que produzem conteúdo criativo são
ainda mais relevantes, pois passam a ser fundamentais para a criação de vantagens
comparativas: o sucesso econômico de cada país, região ou localidade depende da
capacidade de se especializar naquilo que consiga estabelecer vantagens comparativas estáticas e dinâmicas, decorrentes de seu estoque de atributos e da capacidade local de promoção continuada de sua inovação. A luta competitiva e o processo
de inovação decorrente abrem “janelas de oportunidade” para os países [Perez e
Soete apud Dosi (1988)].4
Inovação e atividade criativa, por assim dizer, passam a ser fundamentais na
construção de vantagens comparativas dos países em desenvolvimento.5 O catching
up só ocorrerá quando a especialização da indústria se voltar para uma produção
com maior valor adicionado, mais dinâmico em relação ao transbordamento –
4
Entre as janelas de oportunidade mais expressivas encontra-se a possibilidade de aumento da exportação. Esse aumento mitiga o
chamado limite do balanço de pagamentos ao crescimento impulsionado pela demanda [Thirlwall (2005)].
5
As vantagens comparativas deixam de ser “dadas” pela dotação de fatores e passavam a ser “construídas”.
168 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
spillover – de seus efeitos para outros setores da economia, e com maior conteúdo
tecnológico e criativo.
O dinamismo econômico trazido pelas inovações é conhecido desde Schumpeter
[Schumpeter (1984)], que chama de inovação tanto a transformação dos processos produtivos quanto a introdução de bens e serviços finais novos. O dinamismo
induzido pelas atividades criativas, porém, é menos discutido, mas igualmente relevante [Cunningham (2002)]. Este artigo equipara inovação ao conteúdo criativo,
produto das atividades criativas, já que ambos dispõem da capacidade de gerar
dinamismo em uma economia do século XXI. De certa forma, para a geração de
riqueza, a propriedade típica industrial – como a patente – tem a mesma relevância
da propriedade típica criativa – o copyright.6
O interessante é que “inovação” vem sendo objeto de pesquisa acadêmica e
de políticas públicas, sobretudo as industriais, há muitas décadas, ao contrário do
conteúdo criativo, que começou a ser estudado há pouco e ainda padece, de certa
forma, de uma metodologia consistente para sua identificação e valoração para
além do copyright.
Muitas das atividades criativas estão relacionadas ao segmento de serviços, de
mensuração própria e desde os anos 1980 também muito estudado, até mesmo sobre seu potencial inovativo [Metcalfe e Miles (2000); Andreassi e Bernardes (2007)].
Entretanto, a mensuração monetária dos bens criativos ainda é pouco estudada.
Uma das exceções é o estudo sobre a inovação “embarcada” [Hippel (2005)] nos
segmentos criativos de games, design e produção audiovisual independente, da
Fundação para Inovação do Reino Unido (NESTA), que concluiu que essas atividades
contêm grande quantidade de inovação [NESTA (2007; 2008)].
A conclusão é que, como a inovação está “escondida” na atividade criativa, isso
leva a sua subestimação nas estatísticas e a prejuízo na tomada de decisão pelos
policy makers. Literalmente, segundo os autores do estudo:
6
Embora o direito autoral recaia sobre conteúdo criativo, se restringe às obras literárias e artísticas e aos programas de computador e
games; diferentemente da propriedade industrial, que tem um caráter visivelmente mais utilitário, abarcando as patentes, as marcas,
as indicações geográficas e os nomes de domínio, para citar os principais.
ECONOMIA CRIATIVA
169
(1) there is a great deal of hidden innovation, and this takes numerous
forms; (2) many of these forms of hidden innovation are quite pervasive across the economy; (3) some of these forms of hidden innovation
are more characteristic of creative sectors, and some are especially characteristic of particular creative sectors and of firms at specific points in
creative value chains; (4) in these firms and sectors there is also liable
to be a substantial level of more conventional innovation that is hidden by virtue of current measurement practices. These conclusions are
likely to have implications for measurement and for innovation policy
more generally [NESTA, p. 19 (2007)].
Na verdade, as fronteiras convencionais entre inovação e conteúdo criativo estão “esfumaçando”, na medida em que tanto as manufaturas estão incorporando
conteúdos de alto valor agregado nos processos produtivos, quanto os conteúdos,
a tecnologia em sua produção [Goldenstein (2010)]. O importante a se notar é a
pouca ou nenhuma atenção dispensada ao conteúdo criativo comparativamente à
inovação. É preciso entender que a produção de conteúdo criativo gera emprego,
renda e, além de criar propriedade intelectual, cria também propriedade industrial
derivada da inovação nele embarcada.
CRIATIVIDADE E DESENVOLVIMENTO
As mudanças econômicas e sociais dos anos 1990 impulsionaram o deslocamento do
foco das atividades industriais tradicionais para as atividades intensivas em conhecimento, localizadas no setor de serviços dinâmicos e, por isso, com maior capacidade
de geração de trabalho e, muitas vezes, maior capacidade de geração de valor agregado e apropriação (direito de propriedade) [Florida (2002)]. O investimento deliberado na indústria criativa estaria, então, relacionado com o fenômeno da pós-industrialização que vinha ocorrendo nos países desenvolvidos de alta renda per capita.
O conteúdo criativo, produto da atividade criativa, envolve três características econômicas essenciais: (i) variedade infinita: não há limite para a produção de
conteúdo, na medida em que utiliza recursos não escassos – insumos criativos e
170 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
recursos técnicos; (ii) diferenciação vertical: o aumento de um atributo do produto
aumenta a utilidade de todos os consumidores; (iii) perenidade: não exaure em seu
consumo (os benefícios criados por um conteúdo criativo podem ser usufruídos durante um longo período de tempo, podendo ser gerenciados por regras específicas
de direitos de propriedade) [Caves (2000)].
O interessante das atividades criativas, então, é a possibilidade de geração de
valor e riqueza com o uso de menor quantidade de insumos (recursos) por causa da
intangibilidade de seus produtos em um mundo pós-industrialização. Para John
Howkins, pesquisador pioneiro nessa área, o termo “economia criativa” é extenso e
cobre atividades que perpassam o campo das artes até ciência básica e alta tecnologia
[Howkins (2001)]. Para esse autor, existem dois tipos de criatividade: a que satisfaz o
ser humano como indivíduo e aquela que gera um produto. A primeira é uma característica universal dos homens e é encontrada em toda sociedade. A segunda é mais
forte em sociedades industriais, que valoram mais a novidade, a ciência e a tecnologia e, consequentemente, os direitos de propriedade intelectual [Howkins (2001)].
O que esse pesquisador argumenta é que as indústrias criativas geram produtos com maior valor agregado porque, por um lado, são constituídos de recursos
intangíveis baseados na qualidade e não no custo e, por outro, são passíveis de
propriedade intelectual (de perpetuação do ganho) [Hartley (2005)]. Dessa forma,
as atividades criativas são responsáveis por parte significativa da geração de renda
e emprego de um país que caminha para a pós-industrialização.
No mundo contemporâneo, o desenvolvimento econômico baseia-se, fundamentalmente, na capacidade de os países gerarem, apropriarem-se e aplicarem o
conhecimento formal e tácito na geração e distribuição de riquezas principalmente
por meio da produção dos bens intangíveis. A própria riqueza vem assumindo, cada
vez mais, formas intangíveis. O sucesso no processo de desenvolvimento (para a
sociedade) e no processo competitivo (para as empresas) está relacionado à capacidade de identificar, cultivar e explorar esses ativos intangíveis, que conformam a
competência essencial das corporações e das sociedades para enfrentar e resolver
problemas específicos e aproveitar as oportunidades de negócios e desenvolvimento [Rath Fingerl e Garcez (2002)].
ECONOMIA CRIATIVA
171
No processo de concorrência, as inovações se traduzem na invenção de novos
bens e serviços e na contínua reinvenção das coisas. Intangíveis são fatores não
físicos utilizados na produção de bens ou serviços que vão gerar benefícios futuros
para seus proprietários ou controladores, o que inclui direito de propriedade específico: marcas (derivada do marketing e da comercialização); patentes (das tecnologias); e copyright (das artes e da cultura).
3. SETORES CRIATIVOS E A GERAÇÃO
DE RENDA
A ideia de focar o processo de pós-industrialização no incentivo à atividade criativa
foi utilizada pela primeira vez na Austrália, em 1994, com o lançamento do relatório
“Nação Criativa”. Foi, porém, no Reino Unido, em 1997, que ela ganhou maior notoriedade [Blythe (2000)], com a criação de uma força-tarefa, do Ministério de Cultura,
Mídia e Esporte, para incentivar o setor. Desde então, o escopo da indústria cultural
aumentou para além das artes e criou-se um mercado para as atividades comerciais
criativas, que até então eram consideradas não econômicas [Cunningham (2002)].
A indústria criativa foi definida formalmente pela primeira vez em um mapeamento do segmento feito pelo Ministério de Cultura, Mídia e Esportes do Reino
Unido, em 1998 e 2005, como aquela que compreende
os setores que têm sua origem na criatividade, na perícia e no talento
individuais e que possuam um potencial para criação de riqueza e empregos através da geração e da exploração dos direitos de propriedade
[DCMS (1998; 2005)].
Hoje essa definição abrange 13 setores: publicidade, arquitetura, mercado
de artes e antiguidades, artesanato, design, moda, filmagem, softwares interativos de lazer, música, artes performáticas, editoração, serviços de computação
e rádio e televisão. Essencialmente, estão englobadas atividades de serviços e
comércio, incluindo ainda áreas correlatas no setor industrial, por seu impacto
sobre toda a estrutura produtiva da economia [DCMS (1998; 2005)]. São bens
172 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
intangíveis, com maior ou menor grau de produtividade, dinâmica e capacidade
de apropriação.7
Já a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD), em seu relatório sobre economia criativa, sugeriu uma definição de indústria criativa adotando uma visão de cadeia, já que ela envolveria “os ciclos de
criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam criatividade e capital
intelectual como insumos primários” [UNCTAD (2010)].
Assim, é proposta uma definição para a cadeia da indústria criativa, composta
de três grandes áreas. Primeiramente, verifica-se o que se denominou núcleo da
indústria criativa, que é basicamente uma adaptação dos 13 segmentos do estudo
britânico, referendados pelo documento da UNCTAD. A definição do núcleo da
indústria criativa adotada neste estudo inclui os segmentos: expressões culturais,
artes cênicas, artes visuais, música, filme & vídeo, TV & rádio, mercado editorial,
software & computação, games, arquitetura, design, moda e publicidade. Depreende-se, assim, que o núcleo é composto essencialmente de serviços, cuja parte
principal do processo produtivo é a atividade criativa.
Em seguida, encontram-se as áreas relacionadas, envolvendo segmentos de
provisão direta de bens e serviços ao núcleo e compostos em grande parte por indústrias e empresas de serviços fornecedoras de materiais e elementos fundamentais para o funcionamento do núcleo, como as indústrias produtoras de câmeras
de filmagem, no caso da produção audiovisual. Ainda observou-se que a cadeia é
composta de um terceiro grupo de atividades, de provisão de bens e serviços de forma mais indireta, como as indústrias de eletroeletrônicos, que produzem televisões
que transmitem o conteúdo audiovisual [UNCTAD (2010)].
No Brasil, o Ministério da Cultura (MinC) divide as atividades criativas em cinco
grupos: (i) Patrimônio, que inclui patrimônio material, imaterial, arquivos e museus; (ii) Expressões Culturais, entre as quais, artesanato, culturas populares, culturas indígenas, culturas afro-brasileiras e artes visuais; (iii) Artes de Espetáculo,
isto é, dança, música, circo e teatro; (iv) Audiovisual, Livro e Leitura, incorporando
7
O intangível da criatividade gera valor adicional quando incorpora características culturais, inimitáveis por excelência [Reis (2006)].
ECONOMIA CRIATIVA
173
cinema e vídeo, publicações e mídias impressas; e (v) Criações Funcionais, que são
moda, design, arquitetura e arte digital [MinC (2011)].
No presente artigo, utilizamos a definição de economia criativa com base em
seu núcleo8 segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas, do IBGE
(CNAE 2.0): audiovisual (produção e comercialização de cinema e TV), inclusive fotografia; música (instrumentos musicais, produção musical, música ao vivo e distribuição da música, inclusive rádio); impressão, edição e publicação (livros, jornais e
revistas); arquitetura (e paisagismo); propaganda e marketing; design; softwares
em geral, inclusive games (produção e serviços associados); artes em geral, inclusive
performáticas (cênicas, espetáculos); patrimônio cultural; e parques temáticos.
CRIATIVIDADE E GERAÇÃO DE RIQUEZA NO MUNDO
Em termos contábeis, a indústria criativa é um dos setores de maior crescimento na
economia mundial e com boa contribuição para o PIB nacional. As estimativas, que
variam de acordo com a metodologia utilizada em cada país (escolha das atividades
produtivas englobadas como criativas), avaliam o setor respondendo por 2% a 4%
do PIB, com crescimento anual entre 5% e 10% [UNCTAD (2010)]. A Tabela 1 mostra
o desempenho da economia criativa, ou a proporção da produção criativa no PIB
nacional em confronto a outras atividades industriais tradicionais, como a indústria
de alimentos e bebidas.
O Relatório de Economia Criativa [UNCTAD (2010)]9 fornece a evidência empírica de que as indústrias criativas estão entre os mais dinâmicos setores emergentes
do comércio mundial. No período 2002-2008, o comércio de bens e serviços criativos
aumentou a uma taxa média anual sem precedentes, de 14%. Exportações mundiais de produtos criativos foram avaliadas em US$ 592,1 bilhões em 2008, ante
US$ 267,2 bilhões em 2002. Essa tendência positiva ocorreu em todas as regiões e
8
Este trabalho delimitou como escopo o núcleo da economia criativa, composto essencialmente de serviços que têm a cultura como
parte principal do processo produtivo, tal qual definição da UNCTAD. O uso dessa delimitação recai na necessidade de mapear o
core da economia criativa, pois é ele que impulsiona as demais atividades relacionadas e de apoio, sendo sua mensuração menos
suscetível a erros, se comparada à mensuração de toda a cadeia produtiva.
9
Relatório bi-anual. O de 2012, com dados mais recentes, referentes a 2010, será publicado apenas em 2013. Os dados para a
economia criativa são mais escassos do que o convencional.
174 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
grupos de países e espera-se que continue na próxima década, assumindo que a
procura global de bens e serviços criativos continue a crescer.
TABELA 1 PROPORÇÃO DA PRODUÇÃO EM DIVERSOS SETORES NO PIB PARA OITO
ECONOMIAS EUROPEIAS (EM %)
País
Indústria criativa
Indústria alimentos,
bebidas e fumo
Atividade estatal
Computador e atividades
relacionadas
DINAMARCA
2,6
2,1
1,0
1,2
FINLÂNDIA
3,1
2,6
5,1
1,5
LETÔNIA
3,1
1,5
1,8
1,5
LITUÂNIA
3,4
1,9
1,8
1,3
HOLANDA
2,5
1,6
2,6
1,4
POLÔNIA
2,7
2,2
2,3
1,4
SUÉCIA
3,2
1,7
2,7
1,3
REINO UNIDO
3,0
1,9
2,1
2,7
Fonte: UNCTAD (2010).
A consultoria estadunidense Price Waterhouse Coopers publica bianualmente o relatório “Global Entertainment and Media Outlook”, no qual analisa o comportamento e
realiza previsões de crescimento dos principais setores da economia criativa.10 De acordo
com o relatório publicado em 2011, os setores pesquisados geram receitas da ordem de
US$ 1,5 trilhão por ano. O que mais se destaca é a expectativa de crescimento apontada
para os próximos anos, de 5,7% ao ano, bem superior à da economia mundial. O estudo
aponta ainda que o Brasil é o décimo maior mercado do mundo, da ordem de R$ 33 bilhões, e tem, com China, a maior perspectiva de crescimento, de cerca de 11,5% ao ano
até 2015, quando deverá se tornar o sétimo maior mercado do mundo.
A receita associada a direitos de propriedade intelectual da economia criativa mais que dobrou entre 2002 e 2008. Por exemplo, as receitas de seus royalties
aumentaram de US$ 83 bilhões para US$ 182 bilhões [Wipo (2011)]. Mas o destaque é para a propriedade intelectual da indústria criativa – o copyright –, que,
para alguns países, como EUA, Austrália e Reino Unido, passa dos 10% do PIB
[Wipo (2011)]. Segundo Ana Carla Reis, entre 2000 e 2005 os produtos e serviços
10
O referido relatório considera os seguintes setores: audiovisual, música, rádio, internet, jogos eletrônicos, informações gerencias,
publicações de livros, jornais e revistas, parques de diversão, cassinos e esportes.
ECONOMIA CRIATIVA
175
criativos cresceram a uma taxa média anual de 8,7%, e a maior parte dos rendimentos criativos originou-se de direitos autorais, licenças e marketing e distribuição
[Reis (2006)].
Assim, para a economia criativa, a geração de riqueza depende da capacidade
do país de também criar conteúdo criativo, transformá-lo em bens ou serviços comercializáveis e encontrar formas de distribuí-los, no mercado local e no exterior,
ganhando escala e divulgando seu conhecimento [Kuhn (1993)].
O caso do Reino Unido é comumente usado como referência para o uso da
política industrial com base no incentivo de indústrias criativas, em virtude de seu
pioneirismo com a criação de uma agenda política e econômica para o tema. O governo inglês apostou na economia criativa como fonte de recuperação econômica
e, no mapeamento das atividades criativas no país realizado em 1997, que contabilizou a geração total de emprego nas empresas criativas e de atividades criativas
nas empresas não criativas, chegou ao resultado de 5% da população economicamente ativa empregada em atividades criativas. Nesse contexto, o então ministro
da cultura inglês, Chris Smith, observou que:
The role of creative enterprise and cultural contribution ... is a key
economic issue … The value stemming from the creation of intellectual
capital is becoming increasingly important as an economic component of
national wealth ... Industries, many of them new, that rely on creativity and
imaginative intellectual property, are becoming the most rapidly growing
and important part of our national economy. They are where the jobs and
the wealth of the future are going to be generated [DCMS (1998)].
A estratégia inglesa de incentivo à indústria criativa como parte do processo de
pós-industrialização foi bem-sucedida e, depois de dez anos de fomento, em 2007,
a indústria criativa já contribuía para a economia com 6,2% do produto, medida
em valor adicionado, e as exportações do setor, com 4,5% de todos os bens e serviços exportados no país. Mesmo com a crise financeira, ocorrida no fim de 2008, os
números da indústria criativa para o Reino Unido continuaram significativos: 5,6%
do produto medido em valor adicionado e 4,1% das exportações [DCMS (2009)].
176 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Durante os anos de 1997 a 2007, o produto criativo do Reino Unido cresceu 5%
anualmente, valor elevado se comparado com os 3% de crescimento anual do resto
da economia. O emprego também se elevou significativamente: os empregados no
setor passaram de 1,6 milhão em 1997 para 2 milhões em 2008, com incremento
anual de 2%, também considerado alto, se comparado com o de 1% da economia.
Só em Londres, a economia criativa passou a ser responsável por 25% dos empregos no período citado [UNCTAD (2010)]. Em 2008, existiam 157.400 empresas no
setor criativo no Reino Unido, com estimativa de aumentar para 182.100 em 2010,
o que representaria 8,7% de todas as organizações produtivas registradas no Inter-Departmental Business Register [DCMS (2009)].
A INDÚSTRIA CRIATIVA NO BRASIL
No Brasil, a economia criativa vem ganhando relevância política apenas nos últimos
anos. Em 2004, depois da assinatura pelo Ministério da Cultura da Convenção da
Diversidade Cultural, o termo “economia da cultura” começou a ganhar espaço na
política governamental, inspirando até a inserção do BNDES no tema. A partir de
2011, a criação da Secretaria de Economia Criativa no “novo” Ministério da Cultura
pretende inserir o tema na agenda de desenvolvimento do Brasil. Essa secretaria
liderou a elaboração do Plano Brasil Criativo, que propõe uma política transversal
de desenvolvimento para o país, baseada na economia criativa.
A despeito de a oferta de estatísticas ser ainda incipiente, percebe-se que a
representatividade da economia criativa é significativa. Utilizando os números da
Rais11 para 2010 [Rais (2011)] referentes às atividades aqui consideradas núcleo da
economia criativa,12 este trabalho apurou que 1,96% dos empregados formais estavam alocados em atividades criativas no Brasil. Isto é, dos 44.068.355 empregados
formais, 865.881 eram de atividades criativas. Nos últimos cinco anos, o número de
11
A Rais 2011 – Relação Anual de Informações Sociais dos Registros Administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego – utiliza
dados coletados em 2010 e, apesar de ser confiável, apresenta o problema de tratar apenas dos empregos formais. A economia
criativa é uma área com possivelmente grande percentagem de emprego informal. Isso leva à conclusão de que os resultados aqui
gerados são apenas uma proxy da realidade, já que o setor estará sendo subdimensionado. Em junho de 2012, a Rais 2012, com
dados de 2011, ainda não estava disponível para análise.
12
Como visto anteriormente: audiovisual; música; impressão, edição e publicação; arquitetura; propaganda e marketing; design;
softwares em geral e games; artes em geral e performáticas; patrimônio cultural; e parques temáticos.
ECONOMIA CRIATIVA
177
empregados nas atividades criativas brasileiras cresceu 35%, número superior ao
crescimento médio da economia, que foi de 25% [Rais (2011)].
Os trabalhadores das atividades criativas em 2010 concentram-se no Sul e no
Sudeste, com destaque para o Rio de Janeiro e para São Paulo, mas também Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. As atividades criativas estão concentradas em micro e
pequenas empresas, ambas cumulativamente com 98% dos empregados criativos.
A porcentagem segundo o número de empregados das empresas das atividades
criativas são diferentes daquela para as empresas de todas as atividades produtivas
nacionais, como mostra a Tabela 2.
TABELA 2 NÚMERO DE EMPREGADOS POR TAMANHO DE EMPRESA – TODAS AS ATIVIDADES E
ATIVIDADES CRIATIVAS
Tamanho da empresa
Todas as atividades
%
Atividades criativas
MENOS DE 20 EMPREGADOS
11.238.941
25,5
57.127
90,1
ENTRE 20 E 99 EMPREGADOS
8.827.661
20,0
5.110
8,1
ENTRE 100 E 499 EMPREGADOS
8.492.190
19,0
940
1,5
15.509.563
35,5
196
0,3
MAIS DE 499 EMPREGADOS
%
Fonte: Rais (2011).
A grande concentração em microempresas sugere dois pontos de análise: que
as atividades criativas são, por natureza, de baixa escala; e que existe grande probabilidade de o emprego informal, não captado na Rais, ser mais do que a média
das atividades produtivas brasileiras.
Em 2010, a remuneração média mensal do trabalhador criativo era de
R$ 2.294 ou 30% maior do que a média nacional, que é de R$ 1.742. Em termos comparativos, as atividades criativas pagam tão bem quanto a indústria mecânica, que
inclui a automobilística (R$ 2.344), foco de políticas industriais anticíclicas por grande
empregabilidade, salários altos e geração de externalidades. Quanto à escolaridade,
30% dos empregados em atividades criativas têm nível superior, número muito maior
do que os 16,5% da média das atividades produtivas nacionais [Rais (2011)].
Em resumo, a análise de dados primários indica que a indústria criativa brasileira
emprega em micro e pequenas empresas um número significativo de trabalhadores, em
grande parte qualificados, e paga salários mais altos do que a média dos outros setores.
178 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Nos últimos anos, foram realizados alguns levantamentos visando dimensionar
a indústria criativa no Brasil. Em 2004, o Ministério da Cultura assinou um acordo
de cooperação com o IBGE para compilação de dados sobre a indústria criativa em
todo o país, intitulado Sistema de Informações e Indicadores Culturais. Segundo
esse sistema, em 2005, as 320 mil empresas mapeadas do setor geraram 1,6 milhão
de empregos formais e representaram 5,7% das empresas do país, com média salarial 47% superior à nacional. Sua participação no valor adicionado (tamanho da
economia “formal”, exclusive agricultura) atingiu 11,1%. Considerando os dados
da PNAD, pesquisa amostral do IBGE, em 2006 havia 4,2 milhões de trabalhadores
(formais e informais) na área cultural (4,7% do total), grupo cujo crescimento foi
superior à média da economia – 5,4% contra 2,4% em relação a 2005. Além disso,
a área cultural apresentaria maior proporção de trabalhadores por conta própria:
um terço do total contra apenas 20% para a economia [IBGE (2007)].
O outro trabalho brasileiro que analisa a indústria criativa é o da Firjan, que,
também com base nos dados da Rais de 2006 e 2010, mapeou a cadeia produtiva da
economia criativa, tal qual a definição de atividades elaborada pela UNCTAD.13 Os
resultados reforçam a relevância da economia criativa: considerando toda a cadeia
da indústria criativa (núcleo, atividades relacionadas e de apoio),14 sua participação
no PIB em 2010 chegou a 18,2%, equivalente a R$ 667 bilhões, o que a título de
comparação é uma participação maior do que toda a economia da Região Sul, correspondente a 16,6% do PIB [Firjan (2011)].
4. O BNDES E AS ATIVIDADES CRIATIVAS
Desde seu início como financiador do mundo concreto e tangível das indústrias
tradicional, pesada, de insumos básicos, de bens de consumo e de infraestrutura,
necessárias para promoção do desenvolvimento, o BNDES vem buscando abranger
13
“Ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam criatividade e capital intelectual como insumos primários”
[UNCTAD (2010)].
14
Metodologia parecida com a utilizada neste trabalho. O núcleo se refere a atividades criativas; as atividades relacionadas envolvem
segmentos de provisão direta de bens e serviços ao núcleo e compostos em grande parte por indústrias e empresas de serviços
fornecedoras de materiais e elementos fundamentais para o funcionamento do núcleo; e as atividades de apoio englobam provisão
de bens e serviços de forma indireta.
ECONOMIA CRIATIVA
179
o universo intangível da inovação. Nesse aspecto, a inovação é considerada prioridade na atuação do Banco, seja de forma direta ou transversal.
A criatividade ou criação, tal qual a inovação, como também é um fator decisivo para dar competitividade às empresas brasileiras e fundamental para
o desenvolvimento do país, vem ganhando paulatinamente mais espaço no
BNDES. O design, a arte, os elementos simbólicos e culturais intangíveis “embarcados” nos bens e serviços tradicionais aumentam o valor agregado da produção e a
competitividade dos produtos, sobretudo os destinados à exportação. Em uma economia baseada no conhecimento, o papel da inovação não tecnológica é também
importante, especialmente nas indústrias que não são tipicamente investidoras em
P&D, mas que investem em outros intangíveis. Gastos em ativos de conhecimentos
não científicos passaram a ser tão críticos quanto gastos em P&D [Goldenstein (2010)].
A equiparação entre criação e inovação é evidente. Além de o desenvolvimento de conteúdo das indústrias criativas se identificar, em diversos aspectos, com o
desenvolvimento de P&D das indústrias intensivas em tecnologia, ele, seja no setor
audiovisual, editorial ou musical: (i) envolve alto grau de conhecimento técnico
específico (linguagem artística); (ii) se organiza na forma de equipes estáveis de desenvolvimento (núcleos criativos de estúdios etc.); (iii) demanda investimentos com
alto grau de risco de performance comercial (lançamento de filmes, livros, novos
personagens); (iv) gera direitos de propriedade intelectual (direito autoral, direitos
conexos, registro de marcas e patentes referentes a novos personagens, formatos
etc.); e, por fim, (v) constrói um ativo de longo prazo para as empresas criativas
com grande potencial de geração de receitas futuras (catálogos de filmes, séries,
fonogramas e títulos editoriais; licenciamento da imagem de personagens, marcas
das empresas e seus produtos etc.).
O BNDES iniciou seu apoio às atividades culturais e criativas15 em 1995, por meio
de investimentos em restauro do patrimônio cultural e na produção cinematográfi-
15
É possível separar as atividades culturais das criativas: enquanto as atividades culturais são entendidas como aquelas que geram
bens e serviços em cujo cerne se encontra a produção artística, como as artes visuais e performáticas, o