cap. 3 - circenses em pernambuco

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cap. 3 - circenses em pernambuco
CAPÍTULO 3 – CIRCENSES EM PERNAMBUCO
Graças às dimensões continentais do Brasil, o circo pôde adaptar-se aos mais diversos
contextos sócio-culturais presentes nas cinco regiões do país. Em Pernambuco, elementos
do circo tradicional, com números de mágica, acrobacia, malabares e aéreos, incorporaram
particularidades da cultura local, principalmente nas apresentações de palhaços, com
expressões, hábitos e tipos, além de gêneros musicais próprios da região, resultando numa
forte empatia e identificação com o público.
3.1 Circos – Lona, tradição e família
Aquele que viaja o mundo sem sair de casa. Assim pode ser definido o circense: cidadão de
todos os cantos, aquele que absorve diferentes culturas e devolve identificação e encanto a
quem os assiste. Últimos filhos de uma tradição que repassa seus conhecimentos de pai para
filho, estes artistas são a porta de entrada para outros segmentos culturais. Não é difícil
encontrar grandes nomes que fizeram do picadeiro o seu trampolim para as linguagens que
dialogavam com o circo: teatro, dança, artes visuais e música, entre outros.
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CIRCO MÁGICO ALAKAZAM
Liderado pelo carisma de Wilson Ribeiro, o circo Mágico Alakazam se apóia na experiência
de seu personagem mais conhecido, que acumula mais de 60 anos de circo. Figura presente
na infância de muitos pernambucanos, ele leva o espetáculo de sua trupe a diversos
municípios deste e de outros estados. A história de Wilson com o picadeiro começou aos 10
anos de idade, quando fugiu de casa para seguir com o Circo Espano Mágico, que havia
cruzado seu caminho por três vezes consecutivas.
Fig. 24 – Mágico Alakzam – Foto de divulgação.
(Fonte: Acervo da Fundarpe, Foto: Renata Pires, 2013)
A primeira vez que viu o circo Espano Mágico foi durante uma visita à casa de parentes no
município de Bom Jardim. Dali, a trupe seguiu para Surubim, terra natal do pequeno Wilson.
O reencontro com as luzes, as cores e os números do picadeiro trouxeram à tona uma
certeza que nunca tivera antes: ele queria fazer parte daquele mundo. Depois que o circo
partiu, o menino tomou um caminhão em direção à feira de Frei Miguelinho, onde o Espano
havia se instalado. Foi durante a viagem que ele deu o passo que mudaria sua vida.
“Durante a viagem eu conheci um casal de artistas que fazia parte da trupe, e eu fiquei mais
Fig. 25 – Espetáculo de Lira no Circo Mágico Alakazam.
(Fonte: Acervo Pesquisa, Foto: Juliano da Hora, 2013)
encantado ainda. Eles perceberam o meu interesse por aquele mundo através da minha
conversa e me perguntaram se eu não queria seguir com o circo. Aceitei, e fui embora com
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eles. Só voltei pra casa aos 18 anos, minha mãe já nem tinha mais esperança de me
encontrar. E o mais engraçado é que eu voltei no dia de finados”, lembra o mágico.
No picadeiro, ele aprendeu de tudo. Ensaiou por seis meses a arte do contorcionismo,
enquanto ajudava nos afazeres do dia-a-dia e nos bastidores dos espetáculos, até estrear
nos picadeiros. Depois enveredou pelos números de cilindro japonês, animais amestrados,
desde cachorros, passando por bodes, e chegando até leões e elefantes! E assim ele seguiu
por várias companhias, que ele afirma não lembrar mais quantas foram ao todo. Mas
Fig. 26 – Espetáculo de Pêndulo no Circo Mágico Alakazam.
(Fonte: Acervo Pesquisa, Foto: Juliano da Hora, 2013)
algumas marcaram sua carreira, como o Circo Rosário, o Circo Garcia, Gran Mouralves Circo
e o Circo Ideal.
Mas o manto da mágica só viria ao seu encontro graças a um infortúnio: Por conta de um
acidente no giro da morte em 1954, Wilson teve de abdicar dos números em que se exigiria
esforço intenso de seu corpo. Após passar 21 dias internado, com costela, braços e pernas
quebrados, por recomendação médica, Wilson decidiu entrar no mundo da mágica. E ali
nascia o mágico Alakazam.
Fig. 27– Itinerância do Circo Mágico Alakazam.
(Fonte: Acervo Pesquisa, Foto: Juliano da Hora, 2013)
Em 1974, fundou o Circo Mágico Alakazam, que percorreu a maioria dos municípios
pernambucanos e outras cidades do Nordeste, tornado lhe conhecido por várias gerações.
“A minha companhia já passou por épocas melhores, mas eu não deixo de acreditar no circo.
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Isso aqui já mudou a vida de muita gente, como mudou a minha. Embora hoje eu atue em
menor tamanho, comparado ao que já tive, o público tem à disposição números de
ilusionismo, palhaços, belas performances de tecido aéreo, mastro giratório, ventríloquo,
pêndulo espacial, atirador de facas, equilíbrio e globo da morte”, informa.
Além dos números citados, Alakazam também dá espaço para a interação com o público
através dos números de dublagem e dança, nos quais os espectadores mirins são convidados
a deixar a timidez de lado e conquistar os aplausos da plateia. O Circo Mágico Alakazam
conta com uma programação apoiada pelo elenco próprio, mas por conta da itinerância,
também pode apresentar novidades ao estabelecer parcerias com outros artistas circenses
nos locais que visita.
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FAMÍLIA ALVES
Fundado em 1995, a companhia é capitaneada pela sergipana Ira Alves, mais conhecida
como Gardênia Alves, que se encontra na terceira geração de uma família dedicada ao circo,
que chegou ao Brasil em 1901, através de seus bisavós. Atualmente, a família Alves possui
integrantes em várias companhias em todo o país. A companhia se vale da larga experiência
e do conhecimento adquirido com artistas de várias linguagens e locais ao longo dos anos.
Fig. 28 – Espetáculo de laço no Circo Alves.
(Fonte: Acervo da Fundarpe, Foto: Renata Pires, 2013)
Para Gardenia, nascer numa família circense facilitou o aprendizado dos números. “Tudo
ocorreu de forma lúdica e natural. Conforme íamos evoluindo, estabeleceu-se uma disciplina
diária de duas horas de treino pela manhã e uma à tarde”, revela. Tanto entusiasmo e
dedicação fez com que ela estreasse aos quatro anos de idade, com números de arame.
Mas, isso não foi o bastante: a paixão pela arte e a disposição para aprender trouxeram
maturidade para lidar com o circo como uma extensão de sua identidade, do seu lugar no
mundo. Hoje, ela se desdobra nas apresentações de laço, chicote e pirofagia, entre outros.
Até ser responsável pelo seu próprio circo, Gardenia Alves pôde aprimorar suas técnicas em
Fig. 29 – Espetáculo de Lira no Circo Alves.
(Fonte: Acervo da Fundarpe, Foto: Renata Pires, 2013)
cerca de 20 companhias, entre elas o Circo Garcia, Circo d’ Nápoles, Circo Rocca,
Internacional Circo Buranhem, Circo Bartolo e o Gran Circo Maior de Todos, trupe
comandada pelo Mágico Fu-Manchu.
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Em suas temporadas com as diversas famílias circenses pelo Brasil, Gardenia pôde confirmar
a necessidade dos profissionais da área desenvolverem uma visão multifacetada do
entretenimento. A gestão de equipe e infraestrutura revelou-se um dos principais fatores
responsáveis pelo êxito nos picadeiros. “Engana-se quem pensa que esta vida se resume à
arte e ao aplauso. Temos de ser empreendedores, ter bons contatos, ser equilibrados para
apaziguar qualquer desequilíbrio que comprometa o bom desempenho da trupe… Não é
fácil”, afirma a circense.
O Los Alves Circo oferece entretenimento para toda a família, com números de acrobacia,
malabarismo, corda indiana, trapézio, aro russo, tecido, giro, pirofagia, chicote, monociclo,
palhaço e magia. A bordo de seu comboio composto de dois trailers, um ônibus e um
caminhão de pequeno porte, a equipe de 13 membros já visitou toda a região Nordeste,
além de estados do Sudeste como São Paulo. Atualmente, concentra suas atividades em
Pernambuco.
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CIRCO BAMBOLÊ
Fundado em 1983 e sob a coordenação de Alexsandro Alves, Mister Sandro ou também
conhecido como palhaço Pililiu. O Circo Bambolê é mais um representante das companhias
itinerantes que percorrem os estados da região, indo aonde as grandes companhias não
chegam. Com um espetáculo voltado ao público geral (crianças, jovens e adultos), oferece
números de trapézio, balé aéreo, malabares, cuspidores de fogo, palhaços, mágico,
equilibrista, acrobacia de solo e dublagem cômica. Ao todo, a companhia conta com
Fig. 30 – Circo Bambolê.
(Fonte: Acervo da Fundarpe, Foto: Roberta Guimarães, 2013)
dezessete integrantes de uma mesma família que se mantém há três gerações com mais de
trinta anos de tradição nos picadeiros.
Para Mister Sandro, o circo é um dos poucos canais disponíveis na sociedade para se
estabelecer um laço verdadeiro entre o público e a arte. “Somos uma maneira acessível que
o povo tem para usufruir cultura. A gente precisa se organizar e planejar como uma forma de
entretenimento, mas ultrapassamos essa visão. Circo é sensibilidade, ele amplia nossa
percepção das coisas, incentiva o exercício da criatividade e da persistência: Temos de ter
essa virtude para sermos melhores em nossos números, assim como para continuar levando
Fig. 31 – Circo Bambolê.
(Fonte: Acervo da Fundarpe, Foto: Roberta Guimarães, 2013)
o circo adiante, frente a tantas dificuldades”, conclui.
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Para alcançar público e manter as atividades da trupe, o Circo Bambolê se apresenta a
preços populares, com ingressos entre três e cinco reais. Atualmente a equipe percorre
bairros mais afastados dos municípios da região metropolitana do Recife, com visitas a
outras cidades do estado, em menor frequência.
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DISNEY CIRCO
O Disney Circo nasceu em Caruaru, por iniciativa da paraibana Francisca Oliveira, mais
conhecida pelo nome artístico de Stefany. A trupe iniciou suas atividades em 1996, mas seus
integrantes fazem parte da terceira geração de uma família de circenses. “Foi cerca de 20
anos passando por diversas companhias, as primeiras delas, seguindo meus pais, que me
criaram neste ambiente”. Seria praticamente impossível eu não me encantar com tudo isso”,
lembra Stefany, que além de aprender os números, foi alfabetizada pela própria mãe,
Fig. 32 – Apresentação do Disney Circo.
(Fonte: Divulgação)
embaixo da lona.
Perseverança sempre foi uma forte característica de Stefany. Ela compara o aprendizado no
picadeiro ao desempenho do circo como um todo, ao lembrar-se da vontade de ser dona de
seu próprio espetáculo: “Da mesma forma que as atividades de picadeiro me exigiam foco,
concentração e persistência, a vontade de ter a minha própria lona também me exigia um
empenho semelhante, com a diferença de que eu não podia focar apenas no meu mundo”,
revela a circense, que aprendeu a observar a dinâmica do cenário cultural, na busca por
capacitações e editais de fomento.
Fig. 33 – Número de Mastro - Disney Circo.
(Fonte: Acervo Fundarpe, Foto: Marcelo Soares)
Atualmente o Disney Circo conta com cerca de 15 integrantes, sendo 10 familiares e 5
artistas fixos, tendo participado de oficinas voltadas ao segmento pela Prefeitura do Recife
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em 2007, além de workshops de gestão, direção e formação, promovidas pela Fundação
Nacional de Artes (Funarte) em 2011.
A trupe já percorreu todo o Nordeste, e tem como característica não se manter em apenas
uma cidade nos estados que visita. A turnê do Disney Circo costuma durar de um a seis anos,
dependendo do desempenho nas praças. O espetáculo de Stefany e companhia já passou
um ano no Rio Grande do Norte, três anos no Piauí, quatro anos no Ceará e seis anos na
Paraíba. Para Stefany, o contato com públicos diferentes renova o espírito do artista: “Nasci
Fig. 34 –Pula corda no Disney Circo.
(Fonte: Acervo Fundarpe, Foto: Marcelo Soares)
em Souza, na Paraíba, mas me considero cidadã de todos os lugares que visitei e daqueles
que ainda vou conhecer”, conclui.
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GLOBO REAL CIRCO
Fundado por Jaime Barbosa, mais conhecido como Jaime do Globo, a companhia tem
tradição neste número, com trajetória reconhecida em diversos festivais e veículos de
comunicação do Brasil. A história deste circo se confunde com o avanço do Globo da Morte
pelos espetáculos circenses no Brasil. Tudo começou aos 22 anos do seu proprietário,
quando Jaime e seus irmãos
ãos trabalhavam como pilotos de teco
teco-teco, que ora transportavam
passageiros, ora faziam panfletagem aérea.
Fig. 35 – Globo Real Circo em 2009.
(Fonte: Acervo da companhia)
Numa de suas visitas a Feira de Santana, Jaime conheceu o Globo da Morte através do Circo
Fu-Manchu,
Manchu, que estava de passagem pela cidade. Ele conseg
conseguiu tirar fotos da estrutura e
voltou a Pernambuco, onde decidiu pôr em prática o plano de construir o seu próprio globo,
em parceria com os irmãos e um amigo, dono de uma oficina mecânica.
A partir daí, Seu Jaime iniciou uma trajetória de sucesso, tanto nos picadeiros quanto nos
negócios, com encomendas de seus globos cada vez mais solicitadas pelas companhias
circenses Brasil afora. O Globo Real Circo continua na ativa, tendo percorrido todo o
Fig. 36 –Antiga
Antiga estrutura do Globo Real Circo.
(Fonte: Acervo da companhia)
Nordeste com cerca de 15 integrantes, oferecendo aos espectad
espectadores uma hora e meia de
atrações como números de malabarismo, acrobacia, mágica, globo da morte, palhaços,
pirofagia e aéreo.
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CIRCO DE MÔNACO
Para Pollyana Cristina, o circo é mais que espetáculo. É sua casa, sua identidade, sua
bandeira. Nascida durante uma temporada circense no município de Betânia, interior de
Pernambuco, ela conheceu a vida através dos arames, dos saltos, do brilho e do aplauso,
mas desde cedo aprendeu que o circo não se resumia somente a isso. “Conforme fui
crescendo, eu via o quanto meus pais se esforçavam em busca de um bom desempenho nas
apresentações. Havia muito amor pelo que faziam, mas também muito suor, não era só essa
visão romântica que as pessoas têm do circo, não”, revela a circense.
Fig. 37– Circo de Mônaco.
(Fonte: Acervo companhia.
Aos 12 anos de idade, treinava com o pai, bastante conhecido no meio por seu trabalho
como o Palhaço Timbira. Os exercícios eram praticados todos os dias, durante a manhã e a
tarde, sendo o equilíbrio no arame seu número de estréia no picadeiro. “Era divertido, mas
aprendi a ter muita disciplina pra seguir em frente”, lembra Pollyana. E foi a disciplina aliada
à vontade de crescer como artista, que fez com que sua família passasse por diversas
companhias, entre elas o Circo de Beto Carrero.
No ano 2000, com a experiência acumulada em mais de 10 companhias, que o Palhaço
Timbira decidiu seguir com seu próprio circo, batizado de Golden Circo Shalon, que anos
Fig. 38 – Interior do Circo de Mônaco.
(Fonte: Acervo companhia.
depois, sob os cuidados da filha Pollyana, tornou-se o Circo de Mônaco. Sua companhia hoje
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dispõe de equipamentos de iluminação, som, pêndulo, globo da morte, tecido, cubo aéreo,
giro. Num total de 35 membros, sendo 10 não familiares. Que apresentam números de
palhaçaria, malabares, acrobacia, mágica, pirofagia, aéreo, dança e dublagem cômica.
Basicamente, visita os municípios do interior dos estados do Nordeste, entre eles Paudalho,
Itambé, Goiana, Petrolina e Petrolândia (PE), Paulo Afonso (BA), JoãoPessoa, Cajazeiras (PB),
Parelhas, Caicó e Jardim do Seridó (RN), entre outros.
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CIRCO NAWELLINGTON
Fundado há 20 anos por Iracema Ferreira, o Circo Nawellington reflete a realidade de muitas
mulheres do Nordeste, que tomam as rédeas de suas vidas para seguir enfrentando os
desafios. E crescer no circo lhe deu segurança para se firmar no cenário competitivo do
setor: “Para mim, o mundo era tudo isso aqui. Enquanto algumas crianças têm um contato
com o espetáculo como algo fora de sua rotina normal, eu me descobri gente aqui na lona.
Então, tudo que eu sei, aprendi aqui. E o que eu aprendi fora me fez olhar pro meu mundo
como uma maneira de amenizar o peso da vida”, afirma a matriarca do Nawellington.
O Nawellington faz parte das companhias que à primeira vista podem parecer pequenos, se
vistos armados nos bairros mais afastados de grandes cidades, mas se tornam grandes ao
chegar aos municípios pequenos. “O circo tem o tamanho que o público dá. Nós não
existimos sem os espectadores. Por isso ficamos felizes ao ver que provocamos entusiasmo e
curiosidade quando chegamos. Isso nos dá forças para continuar”, diz Iracema, que aos 45
anos de idade, se mantém atenta aos detalhes que cercam a sua companhia, não
importando a dimensão de seu show.
Um espetáculo tem de cerca de 2 horas e 20 minutos, com números de malabares, equilíbrio
de escada, duplo trapézio, escada oscilante, corda indiana, balão aéreo, chicote, cama
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elástica, pirofagia, mágica, palhaçaria e arremesso de facas. O público tem acesso através de
preços populares, entre três e cinco reais, como a maioria dos circos de lona.
Para administrar o picadeiro, Iracema costuma ficar atenta ao movimento externo à sua
lona, sempre se informando a respeito de ações que possam afetar ou beneficiar a
continuidade artística de sua prole. Ela participa de reuniões de sindicatos, estabelece
parcerias com outros circenses e procura outras iniciativas que se atêm sobre a classe como
um todo. Uma de suas bandeiras é a educação, que defende com unhas e dentes: “Educação
é essencial para tudo, principalmente para quem é de circo. É a única forma de não sermos
passados pra trás nesse cotidiano da gente”, afirma.
E foi justamente com o setor educacional que Iracema pôde constatar a falta de informação
a respeito dos direitos das famílias circenses. Uma das maiores dificuldades na vida circense
diz respeito à matrícula das crianças e jovens circenses nas escolas. “Todas as vezes que
visito as escolas, já levo debaixo do braço a minha cópia da Lei 6.533/78, que garante a
entrada dos nossos filhos e netos nas escolas dos municípios onde cumprimos temporada. Na
maioria das vezes eu recorro à esta cópia, por que já tive matrícula recusada por professores
e diretores que desconhecem a lei”, conta Iracema.
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Mesmo com a apresentação desta lei, o direito à educação ainda enfrenta uma barreira,
pelo fato do próprio recurso limitar a matrícula à apresentação de um certificado da escola
de origem, que muitas famílias não possuem ou acabam perdendo entre as mudanças de
uma praça à outra. Mesmo assim, ela não desanima. “Se eu insisto em dar uma boa
educação a eles, é para que possam ter a consciência do valor de nossa arte, e capacidade
para mantê-la de forma digna e criativa”, conclui.
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CIRCO MÁGICO ROMANO
A história do Circo Mágico Romano tem início com o carisma do garoto José Carlos, que aos
nove anos de idade foi vender doces e pipoca no Circo Irmãos Lira, que havia chegado ao
município de Bezerros. A postura brincalhona e simpática com os clientes, que sempre
voltavam para comprar mais guloseimas, chamou a atenção do proprietário da companhia,
que o convidou para seguir com a trupe. E assim, com a permissão dos pais e a promessa de
um futuro melhor, ele juntou-se à família da lona.
Durante o tempo em que passou ajudando com pequenos afazeres e aprendendo números,
José teve acesso à rotina complexa do circo. Ali, ele viu que aquele universo englobava algo
mais além da música, das cores e dos holofotes. A convivência com Nestor Lira, o dono da
companhia, que cuidava pessoalmente da educação do garoto, foi fundamental para a
formação do futuro palhaço Birrinho: “Eu aprendi que circo era mais que espetáculo. Quem
tá de fora só consegue enxergar esse lado. A gente que vive o circo tem que conviver com os
dois ângulos dele: É divertido, nos realiza em alguns aspectos, mas também é coisa séria,
como qualquer outro trabalho, e não pode ser levado assim, sem seriedade”, reflete Birrinho.
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Seu treinamento começava cedo. Ia das 5 às 7 da manhã, e retornava após cada espetáculo,
para tentar pôr em prática o que havia visto durante a noite. E foi assim que no seu primeiro
ano de atividade ele estreou como palhaço e trapezista. Aos 14 anos já era um exímio
atirador de facas, e aos 20, enveredou pela mágica. Tamanho esforço lhe deu mais
segurança e uma boa dose de orgulho para seguir em frente. “Quanto mais eu aprendia,
mais eu me sentia parte daquele mundo. Foi aí que me deu vontade de ter o meu próprio
circo”.
Mas José quis explorar outros mundos. Ao deixar os Irmãos Lira, participou daqueles que
compunham o elenco estelar das companhias: Circo Garcia, Continental, Circo D’ Nápole,
América, Globo Real, Kaoma, Celeste e Miami, entre outros. Em 1988, já estabelecido no
mercado, inaugurou o seu Circo Mágico Romano, fruto de muito esforço, algumas
economias, auxílio dos familiares e a participação de vários profissionais com quem
trabalhou ao longo da carreira.
A trupe é composta de 14 membros, todos familiares, que dão continuidade à tradição
circense, com números de mágica, contorcionismo, trapézio, balé aéreo, arame, palhaço,
malabarista, atirador de faca, pirofagia, bailarina e ventríloquo. Para se apresentar, o Circo
Mágico Romano conta com a estrutura de uma lona, 50 cadeiras, 14 tramas de
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arquibancada, seis cabos de aço e dois mastros, transportados junto com a trupe em dois
carros e quatro trailers. “É difícil, mas a gente não quer deixar o circo morrer, por que ele é a
nossa vida”, desabafa Birrinho.
O Circo Mágico Romano engrossa a lista das companhias que tentam se equilibrar numa
corda bamba que parece não ter fim. Para atrair o público, Birrinho e sua trupe cobram
entre dois e quatro reais pelo espetáculo de uma hora e meia de duração. Dependendo da
praça, não sobra muito para se investir na melhoria da estrutura e dos equipamentos. De
acordo com Birrinho, o circense trava uma luta injusta que tende a levar a classe para a
estagnação: “Enquanto artistas reconhecemos que há um patamar de excelência em
estrutura e números, até por que fomos criados nesse universo e treinados para nos superar.
Mas as condições de hoje em dia não nos dão espaço para encarar desafios maiores”, afirma.
Para sobreviver, muitos circenses levam o circo da maneira que é possível. E isso é o
primeiro passo para um caminho sem volta: “cobrando pouco para termos o mínimo para
viver. Cobrando pouco, não podemos investir no picadeiro. Consequentemente, isso afasta o
público, que gosta de novidades, de espetáculos bem feitos”, desabafa o palhaço. E assim
vão caminhando várias famílias circenses, roubadas no seu direito de atuar naquilo que mais
amam.
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CIRCO TRANSAMÉRICA
Com cerca de 50 anos nos picadeiros, Gerson Cardoso - natural de Quebrângulo/Alagoas, e
em 1958 seguiu com o circo Águia de Prata, que se instalou próximo à sua casa - conhece
muito bem as glórias e os desafios da vida no circo. Ele é dono do Circo Transamérica, que
em mais de 30 anos reuniu familiares e outros artistas em busca de um espaço para
desenvolver seus talentos. Hoje, as atividades pouco lembram a intensidade de alguns atrás.
"Já passei por cerca de 200 circos, mas quando tentamos seguir com os nossos, que são
menores de idade porte, as dificuldades fazem com que a gente diminua o ritmo", afirma
Gerson, que viu aos poucos a sua equipe diminuir. Composta em sua maioria por filhos e
outros parentes, a trupe teve de ceder à necessidade de obter uma renda mais estável, e
muitos fixaram residências e mudaram de ramo pelo caminho.
Em seus tempos áureos, o Transamérica possuía malabaristas, trapezistas, palhaços,
dançarinas e globo da morte, percorrendo vários estados. Por conta de sua contribuição e
persistência em levar a bandeira da arte circense ao grande público, em 2007 foi agraciado
com o prêmio Carequinha de Estímulo ao Circo, da Fundação Nacional de Artes (Funarte).
Nos últimos anos, com a saída de seus membros, e as constantes crises econômicas que
afetaram o país, a companhia resumiu seu campo de atuação aos bairros mais populares das
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cidades, que segundo Gerson, ainda apresentavam uma demanda por entretenimento,
somente preenchida pela televisão, rádio e festas nos bares das redondezas. Para atrair as
pessoas para fora de casa, o Circo Transamérica recorreu a preços bastante populares, como
dois reais pela entrada de adultos, e um real para crianças. Se por um lado este recurso
ajudou com o mínimo para que a família pudesse se manter, por outro, afastou a
possibilidade de se investir na manutenção dos equipamentos e na obtenção de novos.
Esse círculo vicioso da luta pela sobrevivência e da falta de recursos para continuar na
estrada é a razão do sepultamento de várias companhias, acredita Gerson. Ele afirma que o
tempo trouxe mudanças para o setor circense, mas não conseguiu mudar o tratamento dado
aos seus artistas. "Eu acho que a sociedade e o poder público, que se orgulham tanto de
novas conquistas, de avanços, decidiram ficar presos ao passado quando o assunto é o circo.
Prefeituras não pensam nos espaços urbanos como locais de apoio à cultura popular, não
reservam um canto pros circos. Eu diria até que eles dificultam nossa vida em muitos
aspectos”, diz.
De fato, a reclamação mais constante dos circenses pernambucanos é a dificuldade para
encontrar terrenos e a regularização do uso dos mesmos. Segundo Gerson, as prefeituras
não enxergam que o circo possui vários tamanhos, particularidades, necessidades e
potenciais poderiam ser melhor aproveitados: “cobram dos pequenos as mesmas taxas que
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só os grandes podem pagar, às vezes não nos recebem, e alguns que o fazem nos olham
como algo nocivo à comunidade, nos expulsam, se esquecem que somos cidadãos, que
também votamos e queremos o direito de também exercemos nosso ofício, aquilo que nos
realiza e nos faz felizes", conclui.
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CIRCO VENEZA
Companhia capitaneada por José do Amparo, mais conhecido como Palhaço Juquinha. Filho
de circenses, José assumiu o personagem Juquinha aos 10 anos de idade, para substituir o
seu irmão mais velho. Gostou tanto da experiência, que nunca mais largou sua nova faceta.
Tanto, que a partir dela, traçou sua própria trajetória, perpetuando uma tradição que
alcançou a terceira geração de artistas circenses.
O Circo Veneza surgiu no início dos anos 80, após José ter vendido seu antigo circo, o
Fig. 39 –Palhaço Juquinha.
(Fonte: Divulgação)
América. Após reunir condições para montar um novo circo, o batizou com o nome da
famosa cidade italiana. De estrutura simples, o Veneza continuou a levar a arte circense aos
mais diversos locais, até que um serviço prestado ao Projeto Chapéu de Palha do então
governador Miguel Arraes na segunda metade da década fez com que novos equipamentos
pudessem ser adquiridos.
Hoje a companhia, que já percorreu todo o Nordeste, conta com cerca de 15 membros,
entre familiares e artistas, que apresentam números de malabares, arame, giro, palhaços,
acrobacia, pirofagia, dança, mágica e arremesso de faca.
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3.2 Trupes – Paixão e encanto
Em um contexto mais reduzido, abordaremos as trupe e companhias. Quando não só é
composta por uma equipe menor, como também não depende da “lona” para sua
existência.
Por essas e outras, o circo consegue ir até onde o povo está e até mesmo onde estará: Para
quem é tocado pelo picadeiro, as trupes abrem as mentes e as portas das possibilidades de
crescimento pessoal e profissional.
Algumas delas por sinal, são fruto de um desmembramento de um circo maior, ou mesmo,
como é mais comum, têm sua origem numa escola de circo, onde a coletividade dos
números circenses cria uma interação constante entre os integrantes e permite que esses
elementos realizem ações de maneira diversa e que explore o perfil de cada um, sem perder
a uniformidade do grupo. Mesmo nas substituições, a unidade do grupo se mantém e na
maioria das vezes todos aprendem um pouco de tudo, o que facilita essa alternância de
papéis.
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CARAVANA TAPIOCA
Fundada em 2010, a Caravana Tapioca não é um circo de lona, mas uma trupe circense que
se apresenta em praças, parques e teatros. Formada pelos produtores e pesquisadores
paulistanos Anderson Machado e Giulia Cooper, a Caravana reuniu o melhor de dois
mundos, pelo fato de ambos terem formação neste segmento, com experiências dentro e
fora do Brasil.
Fig. 40 – Caravana Tapioca – Foto divulgação.
(Fonte: Acervo companhia)
“Acredito que foi a curiosidade e a paixão pelo universo circense que nos guiou a muitos
nomes e iniciativas legais do meio nacional e internacional. Isso nos permitiu enxergar o circo
como uma afirmação da cultura livre dos povos”, afirma Giulia. Esta visão se estende ao
acesso desta representação por parte da sociedade. “Se a cultura é livre, nada mais justo que
esta arte também tome as ruas, cenário que reúne todos os cidadãos, sem distinção de
classe, cor, gênero ou posição social”, conclui. Conhecimento circense que une teatro,
malabarismo, mágica, palhaçaria e música, através de encontros com cidadãos e grupos
artísticos. Dessa forma, incentivam a troca de saberes e parcerias criativas na forma de
oficinas e festivais. Entre os frutos deste empenho, estão o Palco Aberto Recife e o Festival
Fig. 41 – Caravana Tapioca – Foto divulgação.
(Fonte: Acervo companhia)
de Circo a Céu Aberto, que trazem um fôlego artístico e lúdico ao cotidiano da cidade,
proporcionando o acesso democrático à esta que é uma das expressões mais populares do
país.
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CIA 2 EM CENA
A Cia 2 em Cena foi fundada com o propósito de estudar a arte da palhaçaria no Brasil. Com
o desenvolvimento de pesquisas pelos atores-produtores Alexsandro Silva e Arnaldo
Rodrigues, seus membros atuam desde 2006 com oficinas, textos de dramaturgia e
contribuições como artigos para publicações dedicadas ao segmento cênico.
Aqueles interessados em aprimorar seus talentos encontram nesta iniciativa o espaço
Fig. 42 – Cia 2 em Cena – Foto divulgação.
(Fonte: Acervo da companhia)
perfeito para imergir nas nuances deste personagem tão importante no imaginário popular.
“Aqui não ficamos apenas na teoria. Ela nos impulsiona a procurar na prática o que seria a
formação da identidade do palhaço no Brasil e sua relação com os contextos sociais e
culturais. Visitamos circos, conversamos com os profissionais, vamos às ruas, procuramos
vivenciar aquilo que estudamos”, afirma Alexsandro Silva.
Este posicionamento rendeu à trupe um desdobramento de outras pesquisas no campo da
música e dos folguedos populares, além de interagir com público a partir de um tema que
possa incentivar à reflexão ou discussão, em pontos de grande circulação de público da
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cidade. Por isso, a Cia 2 em Cena também pode ser chamada, nas palavras de seus próprios
fundadores, um circo sem lona: “conseguimos levar este universo lúdico às pessoas, ao
mesmo tempo que estabelecemos uma troca com elas. A partir de suas reações, de seu
olhar sobre nós, podemos absorver pontos importantes na compreensão do lugar do
palhaço e sua contribuição à sociedade”, dizem Arnaldo e Alexsandro.
Como o perfil da companhia é o foco na pesquisa, ela costuma se apresentar gratuitamente
em espaços urbanos e feiras livres, e preferencialmente em comunidades carentes, que são
contempladas com 80% das atividades do grupo. Para levar esta iniciativa adiante, a trupe
conta com o apoio de recursos obtidos em editais de fomento à cultura.
A Cia 2 em Cena é composta por nove integrantes, distribuídos entre músicos,
pesquisadores, atores e dançarinos. Suas apresentações duram entre 45 minutos auma hora.
Sua margem de público é variante, a depender do tráfego de pedestres e do horário, onde e
quando são encenadas.
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CIA ANIMÉE
Fundada em 2007 pelas atrizes Enne Marx e Nara Menezes, a Cia Animée busca aprofundar
a linguagem do clown, através de apresentações que mesclam linguagem cômica e musical e
ações de formação com oficinas voltadas a este segmento circense. A trupe se completa com
Juliana de Almeida e Tâmara Floriano, que se uniram à dupla para formar a banda de
palhaças As Levianas, cuja estréia se deu em 2010, no II Encontro Nacional de Mulheres
Palhaças em Brasília.
Fig. 43 – Cia Animée – Foto divulgação.
(Fonte Acervo companhia, Foto: Lana Pinho)
A companhia possui diversos instrumentos de percussão e elementos cênicos de seus três
espetáculos encenados, além de violões, teclado, bateria, baixo e guitarra, que as auxiliam
na pesquisa e nos treinamentos musicais aliados à linguagem do palhaço e à comicidade
cênica. Além disso, faz a produção e curadoria do Festival Internacional de Palhaças do
Recife: Palhaçaria, que discute a discussão do espaço feminino neste segmento da arte. A
programação contempla o público infantil e adulto, passando por peças completas a
números de cabaré de palhaças. As integrantes da Cia Animée já ultrapassaram as fronteiras
nacionais, tendo levado o humor feminino até a Áustria. No Brasil, acumulam êxitos em
Fig. 44 – Cia Animée – Foto divulgação.
(Fonte Acervo companhia, Foto: Lana Pinho)
Pernambuco, Ceará, Bahia, Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Distrito Federal, entre outros estados.
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CIA. BRINCANTES DE CIRCO
A Cia. Brincantes de Circo está intimamente ligada à trajetória de seu fundador, Boris
Trindade Jr, fundador da Escola Pernambucana de Circo em 1996, junto com o amigo José
Clementino de Oliveira.
Bóris - ou Borica, como também é conhecido - iniciou sua trajetória circense no ano de 1986,
Fig. 45 – Cia Brincantes – Foto divulgação.
(Fonte: Acervo companhia)
no Circo Escola Picadeiro em São Paulo. Sua fome de picadeiro o levou a buscar novas
técnicas em instituições como a Escola Nacional de Circo, a Central do Circo e a Central de
Santa no Rio de Janeiro; e a Ecole de Cirque de Voiron, na França. A sua bagagem artística
também acumula êxitos na área do circo social, tendo desenvolvido trabalhos com
referências nacionais como o Projeto Social Crescer e Viver (RJ), Grupo Cultural Afroregae
(RJ), Escola Nacional de Circo (RJ), e a Central da Lapa (SP). A Cia. Brincantes de Circo tem
sua origem da experiência trazida por Borica ao longo dos anos. Em 2009, de volta ao Recife,
Bóris dá início à iniciativa, junto com o Projeto Pirueta Circo Social. Ambos unem as técnicas
Fig. 46 – Cia Brincantes – Foto divulgação.
(Fonte: Acervo companhia)
circenses à excelência da performance esportiva, com a participação de professores,
instrutores, capoeiristas e ginastas.
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DUAS COMPANHIAS
A Duas Companhias foi fundada em dezembro de 2003, pelas atrizes pernambucanas Lívia
Falcão e Fabiana Pirro, que entre os trabalhos experimentais desenvolvidos em várias
linguagens, estão a palhaçaria, o teatro de bonecos e de máscaras, que convivem entre
diversos projetos como leituras dramatizadas, documentários e impressos.
As próprias atrizes que estão à frente do projeto têm laços com as técnicas do universo
circense, por que além de produtoras e diretoras, elas possuem o sorriso da palhaçaria em
Fig. 47 – Duas Companhias – Foto divulgação.
(Fonte:< https://www.facebook.com/duascompanhiaspe>,
acesso em: 01/09/2013)
seus currículos. Mas não para por aí. A Duas Companhias é composta por um grupo de 25
pessoas, entre dramaturgos, atores, cantores, poetas, fotógrafos, iluminadores, sonoplastas,
cenotécnicos, cineastas e músicos, dentre os quais alguns também apresentam o espírito do
palhaço em suas atividades.
Com uma carreira de sucesso, a Duas Companhias já ultrapassou as fronteiras do país, tendo
visitado Portugal e Bélgica com a peça “Caetana” em 2005. No território nacional, já
percorreram quase o Brasil inteiro, tendo participado de iniciativas como o Palco Giratório
do SESC, com apresentações: Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará, Sergipe, Piauí, Rio de
Fig. 48 – Duas Companhias – Foto divulgação.
(Fonte:< https://www.facebook.com/duascompanhiaspe>,
acesso em: 01/09/2013)
Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Manaus, Tocantins, Amapá, Roraima,
Espírito Santo, Paraná, Acre, entre outros.
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fundadores, um circo sem lona: “conseguimos levar este universo lúdico às pessoas, ao
mesmo tempo em que estabelecemos uma troca com elas. A partir de suas reações, de seu
olhar sobre nós, podemos absorver pontos importantes na compreensão do lugar do
palhaço e sua contribuição à sociedade”, dizem Arnaldo e Alexsandro.
Como o perfil da companhia é o foco na pesquisa, ela costuma se apresentar gratuitamente
em espaços urbanos e feiras livres, e preferencialmente em comunidades carentes, que são
contempladas com 80% das atividades do grupo. Para levar esta iniciativa adiante, a trupe
conta com o apoio de recursos obtidos em editais de fomento à cultura.
A Cia 2 em Cena é composta por nove integrantes, distribuídos entre músicos,
pesquisadores, atores e dançarinos. Suas apresentações duram entre 45 minutos a uma
hora. Sua margem de público é variante, a depender do tráfego de pedestres e do horário,
onde e quando são encenadas.
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IRMÃOS SANTANA
Os Irmãos Santana são um exemplo do poder contagiante do circo. Allison, Jaqueson e
Anderson foram incentivados por um tio que atuava no projeto Circo Oi OiOi, desenvolvido
por Madre Arnia Escobar com grandes nomes do setor cultural pernambucano, no Centro
Educativo de Comunicação Social do Nordeste (Cecosne).
Além do fascínio natural que as cores e os movimentos do circo causam no público infantil,
ter um parente que os levava para assistir aos ensaios e os espetáculos prontos foi o
empurrão que faltava para que adentrassem pela porta do picadeiro. Anderson conta que no
início, o contato com os números era feito de forma muito lúdica. “A gente via aquilo como
uma grande brincadeira, até o momento em que quisemos realizar todas aquelas façanhas
da forma correta. Lembro que a primeira coisa que aprendemos foi malabarismo. Nós
tínhamos que atravessar a sala em direção ao meu tio praticando quem errasse, voltava
para o início do percurso”, afirma o artista.
Fig. 49 – Irmãos Santana – Foto divulgação.
(Fonte: Acervo companhia, Foto: Sávio Uchôa)
Foi somente em 1995 que os irmãos resolveram se apresentar profissionalmente, com
números de malabares, perna de pau, palhaçaria e pirofagia. A primeira apresentação foi
com um número de palhaços, justamente para a mentora de seu tio e de vários outros
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circenses que conheceram: Madre Escobar, que àquela época iniciava a ONG Arraial
Intercultural de Circo do Recife - O Arricirco.
Ao longo dos anos, os irmãos tiveram contato com diversas instituições, além de trupes do
Brasil e do exterior, com quem trocaram saberes e estabeleceram parcerias. Uma das mais
notáveis foi a Caravana do Selo UNICEF - Município Aprovado, que durante o ano de 2006
percorreu cidades de Pernambuco, Paraíba e Alagoas que cumpriram com suas metas
relacionadas à educação, saúde e proteção, com foco em melhor qualidade de vida para
crianças e adolescentes.
Para Jaqueson Santana, o circo desenvolve a sensibilidade, a perseverança e a disciplina, mas
é subestimado pela sociedade, que poderia tirar maior proveito deste segmento cultural.
“Creio que falta mais integração da nossa arte com as demais. O artista circense não tem o
mesmo prestígio que um ator, cantor, músico ou pintor”, afirma. Jaqueson atribui as
dificuldades enfrentadas à falta de informação e valorização a respeito de sua arte. “Como
consequência, demoramos a receber nossos cachês, enfrentamos mais dificuldades para
conseguir locais e patrocínios para nos apresentar”, conclui.
No campo dos festivais, os irmãos puderam disseminar suas técnicas em eventos como o
Festival de Inverno de Garanhuns, Festival Pernambuco Nação Cultural, Palco Aberto Recife
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e o Festival de Circo a Céu Aberto. Entre os circos pelos quais passaram, estão o Los Angeles,
Disneylândia, e Circo Sandra. Atualmente, os irmãos desenvolvem trabalhos como arte
educadores, confecção de acessórios e instrumentos circenses. Além dos picadeiros, eles
também investem em outros segmentos, como artes visuais e música.
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TRUPE CIRCUS
A Trupe Circus é resultado do trabalho desenvolvido pela Escola Pernambucana de Circo,
uma iniciativa voltada à formação social e cultural de crianças e jovens, apoiada nas técnicas
circenses. O espaço também serve de apoio aos jovens artistas que buscam aperfeiçoar e
reciclar seus conhecimentos.
Fig. 50 – Trupe Circus
(Fonte: Juliano da Hora, 2013)
A trupe existe há oito anos, e possui um elenco de 20 membros, composto por ex-alunos,
artistas convidados e professores do quadro da escola, o que reforça o caráter social da
proposta. Entre os integrantes, o educador Ítalo Feitosa é uma prova viva da contribuição do
circo para a comunidade: “Fui aluno e hoje passo adiante meu conhecimento a essa nova
geração, oferecendo um tempo preenchido com criatividade, incentivo ao trabalho em
equipe, respeito e disciplina. “O circo transforma as pessoas para melhor, muitos saíram
daqui e hoje são educadores ou artistas, até mesmo em outros países”, afirma feliz com o
trabalho realizado.
Fig. 51 – Trupe Circus
(Fonte: Juliano da Hora, 2013)
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Atualmente, a Trupe Circus conta com a coordenação executiva e artística de Fátima Pontes,
que reforça a postura dinâmica da iniciativa, pela presença de vários perfis no grupo, que
preza pela troca dos mais experientes com os mais novos. Ela afirma que dessa forma, o
coletivo mostra ao individual que é preciso estar sempre em movimento, sem parar de
aprender. “Uma prova disso está no repertório de nossos espetáculos, onde buscamos fazer
experimentações entre várias linguagens, como o próprio circo, o teatro e a dança, que
divergem sobre temas importantes para o ser humano”.
Entre os espetáculos apresentados, estão “Ilusão - Um Ensaio Melodramático Circense”,
encenado entre 2009 e 2010, que enfocou as dúvidas e anseios dos jovens frente à entrada
no mundo adulto. “Sonho do Circo”, encenado entre 2010 e 2011, falava do empenho dos
palhaços em conquistar a plateia, mostra o quanto o circo é feito de suor, treino e
perseverança.
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Em 2013, o público teve a chance de conferir “Círculos que não se Fecham… Experimento nº
1”. Nele, a trupe estabeleceu um diálogo com a plateia acerca da violência sofrida e
atribuída aos jovens, em especial aqueles das periferias urbanas. A violência em questão
ultrapassa o limite do físico, sendo notada também no campo da identidade e autoestima,
com questões acerca das potencialidades, talentos e confiança na realização de suas
aspirações.
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TRUPE PERNILONGOS
Composta por Sérgio Muniz, Jonauto Andrade, Alequissandro Batista e Didha Araújo, a Trupe
Pernilongos é fruto da responsabilidade social do circo. Todos os seus integrantes vieram de
comunidades humildes do Grande Recife, tendo sido contemplados pelo trabalho do Arraial
Intercultural de Circo do Recife (Arricirco), que ofereceu lhes perspectivas de inclusão social
e profissionalização através da arte circense.
Em 2007, decidiram se unir e pôr em prática a experiência adquirida para se apresentar em
parceria com companhias de vários portes, além de festivais e eventos privados. “O circo nos
Fig. 52 – Trupe Pernilongos – Foto divulgação.
(Fonte: Acervo companhia)
ensinou a correr atrás do que desejamos, nos ensinou a pescar, só que de uma forma mais
lúdica e artística que os demais ofícios por aí”, afirma Sérgio Muniz.
A trupe explora números de equilíbrio, força e agilidade, tais como malabares com bolas,
claves de luz e de fogo, argolas e prato chinês, pernas-de-pau (que por sinal, nomeia o grupo
pelo trocadilho de palavras), acrobacia, tecido acrobático, monociclo, rola bola, palhaçaria,
bandeiras de swing e arame móvel. Para alcançar seu público, os Pernilongos contam a ajuda
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de recursos próprios, parcerias com outras companhias, e buscam editais públicos para
manutenção de suas apresentações.
Mas para eles, este apoio, apesar de bem-vindo, não pode ser a única fonte de incentivo.
“Acreditamos que o circo ainda não caminha com as próprias pernas no Brasil. Seja por falta
de visão da própria sociedade, que não nos encara como um segmento cultural de fato, seja
pela classe, que poderia se organizar melhor na defesa de seus interesses”, defende Jonauto
Andrade.
Para completar a renda, os integrantes da trupe possuem atividades que desempenham em
paralelo às artes circenses - inquestionavelmente essa é a realidade de muitos outros
artistas - mas também encontram tempo para atuar em ações formativas de arte-educação,
mantendo uma agenda regular de apresentações.
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3.3 Escolas – O social e a técnica
ARRICIRCO
Uma iniciativa que pode ser considerada um capítulo importante na história da arte circense
de Pernambuco. Descobrir novos talentos a partir de crianças e adolescentes das
comunidades carentes fez toda a diferença para o Arraial Intercultural de Circo do Recife
(Arricirco), uma ONG fundada em 1995, pela freira gaúcha madre Armia Escobar, a partir de
sua experiência com a criação do Circo Oi OiOi em 1985, quando diretora do Centro
Educativo de Comunicação Social do Nordeste (Cecosne).
Com foco na faixa etária entre sete e 17 anos, o Arricirco ultrapassa o ensino gratuito das
artes circenses, ao também promover um acompanhamento psicológico, no intuito de
construir futuros cidadãos conscientes e pró-ativos. A ONG atua com cerca de 100 alunos: 30
no período da manhã, mais 30 no período da tarde, e ainda outros 40 alunos com aulas em
escolas públicas.
Fig. 53 – Arricirco – Foto divulgação.
(Fonte: Acervo companhia)
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Entre as atividades, malabares, acrobacia, pernas de pau, trapézio e tecido. O trabalho
realizado é reconhecido internacionalmente, com convites para apresentações que foram
bastante aplaudidas em países como França, Itália, Holanda e Canadá.
Um detalhe importante desta iniciativa é o fato da maioria dos profissionais que atuam na
ONG são ex-alunos, que para os mais novos são modelos de superação e profissionalismo.
Muitos ingressam levados pelos amigos ou parentes que já tinham assistido a alguma
Fig. 54 – Arricirco durante as aulas.
(Fonte: Juliano da Hora, 2013)
apresentação, e acabam por alçar voos maiores, a partir de atuações em outras escolas e
companhias. Grande parte dos profissionais circenses atuantes no estado já passaram pela
escola ou já realizaram algum trabalho em parceria com a mesma.
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PIRUETA CIRCO SOCIAL
O Pirueta Circo Social é um projeto voltado aos jovens, que utiliza as técnicas circenses e a
dança como um caminho de conquista da cidadania. Sob a coordenação do diretor circense
Bóris Trindade Júnior, também conhecido como Borica, a iniciativa contempla números de
aéreos, malabares, solo, equilíbrio e até balé clássico.
O projeto é fruto da atuação do Centro Cultural Picadeiro, que desde 1996 acumula êxitos e
parcerias com importantes instituições ao longo de sua trajetória, entre elas a Fundação
Fig. 55 – Pirueta Circo Social – Foto divulgação.
(Fonte: Acervo companhia)
Nacional de Artes (Funarte), a Escola Nacional de Circo, o Ministério da Cultura (MinC), a
Fundarpe, a Fundação de Cultura Cidade do Recife, a Fundação Joaquim Nabuco, o Instituto
HSBC Solidariedade e as prefeituras de Olinda, Recife, Camaragibe e Jaboatão dos
Guararapes.
Fig. 56 – Pirueta Circo Social – Foto divulgação.
(Fonte: Acervo companhia)
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CIRCO DA TRINDADE
Sorrisos, saltos, cambalhotas e aplausos, aliados a um trabalho de pesquisa sobre dramas
circense e a cultura popular. Estes foram os elementos da iniciativa capitaneada por Gilberto
e Juliana Trindade, que em 2004 deram início a um núcleo voltado ao estudo e
experimentações nas artes circenses e suas manifestações, o Circo da Trindade.
Fundado entre os anos de 2003 e 2004, sob a batuta dos atores Gilberto Trindade e Maria
Luiza Lopes, a partir de uma pesquisa de campo em drama circense coordenada pelo arte
Fig. 57 – Circo da Trindade – Foto divulgação.
(Fonte: Acervo companhia)
educador Marco Camarotti. A oportunidade serviu como incentivo para a união dos
conhecimentos que ambos possuíam em teatro e dança com as artes dos picadeiros. E assim
foi criado um centro experimental dedicado a explorar as nuances que existem entre estes
três segmentos, agregando artistas e aprendizes. A iniciativa rendeu vários frutos ao longo
dos anos, como apresentações em festivais, prêmios e o reconhecimento da classe.
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A iniciativa tem um padrinho especial: o diretor teatral, ator, dramaturgo, produtor e
professor Marco Camarotti (1947 - 2004), que em 2003 estava formando uma equipe que o
auxiliaria numa pesquisa de campo acerca das relações entre as linguagens circenses, as
montagens cênicas tradicionais e a cultura popular. Gilberto Trindade foi convidado junto
com a colega Maria Luiza Lopes para o time que contribuiria para aquele estudo. O resultado
foi o livro “O Palco no Picadeiro: na trilha do circo-teatro”, de Camarotti.
A participação na pesquisa foi o impulso que Gilberto Trindade e Maria Luiza precisavam
para abraçar as artes circenses como objeto de estudo e experimentação. Uniram-se a
Juliana Trindade, e decidiram fundar o núcleo de estudos, apoiado na iniciativa de seu
mentor. A ideia cativou outras mentes criativas, e logo vieram Marcelo Oliveira, Júlia Fontes
e Neto Portela, entre outros. Estava formado o Circo da Trindade.
Seus integrantes acreditam que a proposta desenvolvida no Circo da Trindade contribui com
um olhar mais amplo sobre o universo do picadeiro. "O universo circense pode ser melhor
integrado em diversos setores da sociedade, como a educação, através do potencial lúdico e
criativo que a arte proporciona, e também com a saúde, tendo em vista os benefícios que a
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prática de números de força, equilíbrio e resistência trazem a quem procura esta
alternativa", pondera Gilberto.
Como resultado desta postura, o Circo da Trindade já acumula um bom número de artistas
que se lançaram no setor, após terem sido tocados pela proposta de seus organizadores.
Segundo Gilberto, "isso é resultado do nosso foco na construção do indivíduo e do cidadão.
Aqui ele aprende mais sobre si mesmo, ao testar seus limites, descobre seus potenciais, e tem
a oportunidade de trabalhar temas importantes que podem ser apresentados na linguagem
do picadeiro", revela.
Além das pesquisas, o grupo também desenvolve cursos e oficinas de tecido, acrobacia de
solo e trapézio, além de alugar lonas e equipamentos circenses. Outro atrativo do Circo da
Trindade é o constante intercâmbio dos alunos com artistas nacionais e internacionais,
proporcionado pela articulação com a Rede de Circo do Mundo.
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ESCOLA PERNAMBUCANA DE CIRCO
A Escola Pernambucana de Circo (EPC) foi fundada em 1996 no Recife, com foco no
aprendizado das artes circenses como fator de inclusão social de crianças, adolescentes e
jovens das comunidades populares.
As atividades da EPC alcançam cerca de 100 integrantes da comunidade da Macaxeira e
bairros adjacentes, trabalhando a conscientização social e identidade através de uma
Fig. 58 – Escola Pernambucana de Circo.
(Fonte: Acervo companhia)
l
pedagogia que agrega os saberes e as potencialidades dos alunos. A partir desta premissa, é
possível fortalecer elementos como solidariedade, identificação e debate de valores e
coletividade.
Além das artes circenses, outras linguagens são contempladas, como música, teatro, dança e
artes plásticas. Tamanho empenho de seus integrantes rendeu à escola diversos prêmios,
entre eles o Prêmio de Estímulo ao Circo Carequinha da Fundação Nacional das Artes
(Funarte / MinC), nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2009. Entre os parceiros conquistados ao
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longo dos anos, nomes como Oxfam, Fundarpe, Grupo Afroreggae, Instituto de Ação Social e
Cidadania - IASC, BNDES e Banco do Nordeste do Brasil, entre outros.
A EPC consegue manter a gratuidade da formação de novas turmas e de suas apresentações
através de editais públicos e serviços prestados como oficinas, workshops e encenações.
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3.4 Personalidades Independentes
MÁGICOS
No amplo universo circense, a categoria dos mágicos sempre exerceu o fascínio da platéia,
que assiste ao impossível se desenrolar diante de seus olhos. Em Pernambuco, a tradição do
ilusionismo tem como principal característica o autodidatismo. Oriundos de diversas
realidades, esses profissionais se pautavam por outros mais experientes, mas não tinham
muito acesso a recursos que os permitissem refinar seus conhecimentos.
Fig. 59 – Axtor.
(Fonte: Revista Continente, n.151, 2013)
Cativados pelas apresentações às quais assistiram quando crianças, nomes como Axtor,
Lorax, LuGom, Mr Denis e outros, não se limitaram às barreiras impostas pela distância dos
grandes centros urbanos, e recorreram a livros e cursos por correspondência. Já para artistas
como Alakazam, a mágica foi apenas um dos vários números que tiveram de aprender
durante a sua vida embaixo das lonas.
Fig. 60 – Mr Denis.
(Fonte: Revista Continente, n.151, 2013)
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Por mais que as famílias e grupos circenses percorressem longas distâncias, os profissionais
do ilusionismo tinham de recorrer à região Sudeste para conhecer pólos de encontro e lojas
para a obtenção de livros, revistas e equipamentos necessários para o exercício dos
números. Esta lacuna foi devidamente preenchida com a criação do Clube Mágico do Recife,
fundado por Axtor e Antônio Paulo do Rego Pereira, o mágico Myhtus, em 1965.
Durante a entrevista, foi constatado que embora a figura do ilusionista faça parte do
universo dos picadeiros, os mágicos pernambucanos preferiram não se limitar ao circo,
tendo o teatro e espaços públicos como palcos mais frequentes. Ações beneficentes
Fig. 61 – LuGom.
(Fonte: Revista Continente, n.151, 2013)
também fazem parte da bagagem de alguns destes artistas, que desempenhavam outras
profissões.
Estes mágicos pavimentaram o caminho para a nova geração, que encontrou um cenário
mais favorável ao aprendizado e mobilização, graças à popularização das artes circenses e ao
avanço da tecnologia. “Quem não teve a chance de adquirir livros ou aprender diretamente
com um mágico, pôde recorrer à televisão, DVDs e até mesmo canais de transmissão de
vídeos como o “YouTube” para aprender os números”, explica Rapha Santacruz, natural de
Fig. 62 – Rapha Santacruz.
(Fonte: Acervo do artista, Foto: Silvio Barreto)
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Caruaru, que aos 13 anos de carreira, já acumula a realização de festivais de mágica em sua
região e apresentações em vários estados do país.
O cenário do ilusionismo pernambucano encontra-se em franca atividade, com forte
presença em apresentações privadas e eventos temáticos.
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3.5 Entidades de classe – Defesa e representação
Atualmente, a classe circense conta com duas entidades para defesa de seus interesses
profissionais, Associação dos Proprietários e Artistas Circenses no Estado de Pernambuco
(APACEP) e o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (SATED-PE).
Durante a pesquisa, ao contrário da disponibilização do SATED, a APACEP não disponibilizou
nenhum tipo de contato com seus associados, ou mesmo uma convocatória desses
associados para uma apresentação oficial do projeto e cadastramento de quem, assim,
tivesse o interesse.
Entre os desafios inerentes à proposta de mapeamento, estava o contato direto com os
artistas, dificultado por conta do frequente trânsito entre cidades e estados, que por sua vez
acarretava constantes mudanças de números telefônicos. Recorrer à APACEP seria a medida
mais racional a se tomar, visto que uma entidade representativa viria fortalecer a seriedade
da pesquisa junto a seus membros.
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Após duas visitas à sede da Associação, foi acordado entre as partes (Equipe de pesquisa e
APACEP) um termo de compromisso no qual o Projeto Dentro e Fora dos Picadeiros teria
acesso aos canais de contato (telefones e endereços eletrônicos) de seus associados, para
colher informações que contribuiriam para dar uma visão geral da comunidade circense do
estado. Tais dados fariam parte de tabelas e relatórios acerca de fatores como nível escolar,
situação financeira, distribuição de seus agentes entre categorias como idade e gênero,
nomes ainda na ativa, entre outros.
A terceira visita foi marcada pelo retrocesso no acordo registrado e assinado pelo presidente
da APACEP. A coleta dos dados de contato de seus associados foi vetada pela artista
Margarida Pereira de Alcântara, mais conhecida como Índia Morena, que assinou uma
declaração afirmando não autorizar o trabalho da equipe do projeto Dentro e Fora dos
Picadeiros.
Frente a esta situação, restou a equipe continuar com o trabalho contando apenas com os
contatos adquiridos de entrevista em entrevista. A usual desconfiança da classe, que se
mostra desacreditada com ações de terceiros e sem perspectivas de melhorias em sua
situação, tornou infrutíferas algumas tentativas, que tiveram de ser repetidas até o
convencimento de sua importância para o projeto, que beneficiaria toda a comunidade.
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Mesmo com alegações da proteção dos dados dos associados, fato muito justo, mas que não
impedia o fornecimento dos dados básicos, como nome, atividade e telefone. Nada foi
liberado. Pior que isto foi receber diversos relatos de falta de apoio da estruturação da
classe. Retenção de informações ou defasagem nas ações realizadas. O fato é: paira um
clima de incredibilidade de todas as partes, e enquanto os indivíduos discutem, perde-se
espaço no cenário da política cultural voltada para o circo.
O fato não impediu que cada circense indicasse outros circenses a serem cadastrados,
contudo, a APACEP alega possuir cerca de 3.000 cadastros individuais, e apesar de ter
liberado o uso desses contatos após muita insistência e apresentação da importância desse
mapeamento para a própria classe, poucos dias após, na continuidade do levantamento esta
ação foi anulada por completo, tirando qualquer tipo de acesso a esses cadastrados.
Enfatizando a contribuição da própria classe na divulgação dos outros contatos e à
assistência do SATED na liberação de seus associados.
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Atualmente, Pernambuco conta com duas iniciativas voltadas à promoção da arte circense:
tratam-se do Festival de Circo do Brasil, idealizado pela Luni Produções, e o Festival Circo a
Céu Aberto, iniciativa da Caravana Tapioca, dos artistas Giulia Cooper e Anderson Machado.
Ambas iniciativas reúnem artistas e coletivos que ocupam espaços da cidade, com o intuito
de ir além do entretenimento.
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3.6 Festivais – visibilidade para os artistas
O Festival de Circo do Brasil é realizado desde 2004, e conta com o apoio do Ministério da
Cultura (MinC), através de incentivo da Lei Rouanet e patrocínio da Petrobras,
Funcultura/Governo de Pernambuco, entre outros parceiros. A iniciativa abre espaço para as
mais diversas nuances do espetáculo circense, desde as práticas mais clássicas, às inovações
obtidas com a mescla de linguagens e expressões regionais e internacionais.
Para dar espaço a tanta gente, as atrações são distribuídas em vários bairros da capital
pernambucana, no período de 10 dias, atingindo um público de cerca de 30 mil pessoas. De
acordo com seus organizadores, o evento é pautado por quatro diretrizes, sendo elas o
próprio espetáculo, realizado em lonas ou teatros a preços populares; a intervenção urbana,
de caráter gratuito por ser realizada em espaço público; o fomento, com ações de formação
e preservação das práticas circenses na forma de oficinas, palestras e debates; e a
circulação, que promove um espetáculo para ser encenado em pelo menos cinco cidades do
país.
Fig. 63 – Cartaz do Festival de Circo do Brasil.
(Fonte: Divulgação)
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Os benefícios desse evento deixam um saldo positivo tanto para os circenses quanto para o
público: a participação de artistas e grupos do Brasil e de outros países contribui à formação
e aperfeiçoamento dos artistas locais e das escolas de circo, cujos alunos são beneficiados
pelo contato com artistas mais experientes. O público também tem acesso a oficinas e
palestras, além dos espetáculos, numa ação que estreita laços entre o universo de quem se
apresenta e o de quem aplaude.
Idealizado e realizado pela Cia. Animée, mais conhecida pela banda de palhaças As Levianas,
o Palhaçaria – I Festival Internacional de Palhaças do Recife é realizado com incentivo do
Funcultura, e distribui suas atrações em teatros, centros culturais e intervenções urbanas. O
objetivo é fortalecer o movimento da palhaçaria feminina, discutindo o papel da mulher na
arte. Além das apresentações, o público conta com fóruns, oficinas e exposições.
A iniciativa preza pela troca de experiências entre os participantes, a começar pela
Fig. 64 – Cartaz do Festival Internacional de Palhaças do
Recife.
(Fonte: Divulgação)
curadoria, composta por artistas de Santa Catarina, Brasília, Rio de Janeiro e Viena, com
espaço para apresentações de profissionais consagradas em paralelo aos novos talentos.
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Já o Festival de Circo a Céu Aberto, como o nome já diz, é encenado sem lonas, nos espaços
públicos, como praças e parques, com atrações nacionais e acesso gratuito. O evento é
realizado pela Caravana Tapioca em parceria com a Papelão Produções, com incentivo do
Funcultura/Governo de Pernambuco. A iniciativa também é distribuída em diferentes locais
da capital pernambucana e também conta oficinas e bate-papos abertos ao público. A
primeira edição foi realizada em abril de 2013.
Para Giulia Cooper, da Caravana Tapioca, a existência de festivais é essencial para que o circo
se faça mais presente na construção da identidade cultural do cidadão. “Além disso, são
ótimas
oportunidades
de
avaliarmos
como
estamos,
nossas
demandas,
nosso
reconhecimento enquanto gênero artístico que dialoga com diversos fatores da sociedade”,
afirma.
Fig. 65 – Cartaz do Festival de Circo a Céu Aberto.
(Fonte: Divulgação)
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