Violência contra a mulher - Instituto Sou da Paz

Transcrição

Violência contra a mulher - Instituto Sou da Paz
Violência contra a mulher
O artigo 1º da Declaração da ONU sobre a Eliminação da Violência Contra a
Mulher diz que:
“O termo ‘violência contra a mulher’ significa qualquer ato de violência de gênero
que resulte, ou possa resultar, em sofrimentos ou em danos físicos, sexuais
ou psicológicos contra a mulher incluindo as ameaças de tais atos, coerção
1
ou privação arbitrária de liberdade quer ocorram na esfera pública ou privada”.
Violência de gênero
De acordo com o Comitê da ONU de Eliminação da Descriminação Contra a Mulher,
a violência de gênero contra a mulher é a violência “dirigida contra uma mulher
2
por ser mulher ou que afeta a mulher desproporcionalmente”. Tal violência
manifesta-se em diferentes formas, como assassinato, punhaladas, espancamento,
estupro, tortura, abuso sexual, assédio sexual, ameaças, humilhação, prostituição
forçada e tráfico. A violência pode ser física, psicológica ou sexual. Pode
manifestar-se por meio de privação ou negligência, assim como pelo uso explícito
de força ou assédio. Os autores incluem, mas não se limitam a:
• Parceiros íntimos e outros membros da família;
• Empregadores (incluindo de empregadas domésticas),
superiores e colegas de trabalho;
• Oficiais do governo como policiais, carcereiros, soldados,
guardas de fronteiras e oficiais de imigração;
• Membros de gangues criminosas;
• Membros de grupos armados.
Armas de pequeno porte
Armas de pequeno porte são aquelas destinadas ao uso pessoal e incluem
revólveres, pistolas automáticas; rifles e carabinas; sub-metralhadoras; fuzis
automáticos; e metralhadoras leves.
Capa: Jovem brasileira segura uma
rosa branca durante uma
manifestação contra as armas no Rio
de Janeiro, em setembro de 2003.
© REUTERS/Sergio Moraes
O impacto das armas
na vida da mulher
A Anistia Internacional (AI) é um movimento independente e internacional de pessoas que trabalham
para que direitos humanos internacionalmente reconhecidos sejam respeitados e protegidos. Possui
mais de 1.8 milhão de membros e simpatizantes em mais de 150 países e territórios.
www.amnesty.org
A IANSA (International Action Network on Small Arms) é um movimento global contra a violência
armada. É uma rede de mais de 500 organizações civis ativas em 100 países. Seus membros
trabalham pela redução da disponibilidade e do mau uso de armas leves e de pequeno porte por
meio de campanhas, pesquisa, informação, conscientização e apoio a vítimas.
Email: [email protected], www.iansa.org
A Oxfam Internacional é uma confederação de organizações afiliadas que trabalha em mais de
100 países com o objetivo de encontrar soluções definitivas para a pobreza e a injustiça. Os afiliados
da Oxfam trabalham junto com outras organizações na construção de um movimento global de
cidadãos que lutam por direitos econômicos e sociais. A Oxfam Internacional acredita que o
crescimento econômico deve ser contrabalançado com igualdade social para que alcancemos um
mundo justo e sustentável: Oxfam Ajuda Comunitária Internacional (Austrália), Oxfam Alemanha,
Oxfam América, Oxfam Bélgica, Oxfam Canadá, Oxfam Espanha, Oxfam Holanda, Oxfam Hong
Kong, Oxfam Irlanda, Oxfam Nova Zelândia, Oxfam Quebec e Oxfam Reino Unido.
www.oxfam.org
I
Primeira edição: Amnesty International, IANSA (International Action Network on Small Arms e Oxfam
Internacional, 2005.
© Amnesty International, the International Network on Small Arms (IANSA) e Oxfam International, 2005.
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Idioma Original: Inglês
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O impacto das armas na vida da mulher é um publicação de:
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II
Conteúdo
1: Introdução
2
Mulheres, homens e armas
3
Campanha pela mudança
4
2: Violência armada contra a mulher no lar
10
Assassinatos na família
10
Prevenção de violência armada no lar
12
O que deve ser feito?
19
3: Agentes da lei, armas e a violência contra a mulher
22
O mau uso de armas contra a mulher
22
Violência contra a mulher levada a sério
23
O que deve ser feito?
25
4: Gangues, armas e os sexos
28
As armas impulsionam os índices de violência contra a mulher
28
Mudando de atitude
30
O que deve ser feito?
33
5: Crimes contra a mulher em conflitos armados
36
O impacto social e econômico de conflitos armados sobre a mulher
36
Crimes sexuais contra a mulher durante conflitos
38
Mulheres e meninas combatentes
38
Mulheres em ação pela paz
40
O que deve ser feito?
41
III
6: As conseqüências da guerra
44
Os efeitos brutais da guerra
44
Desmobilização e reintegração de mulheres e meninas
45
Mulheres e a construção da paz
46
O que deve ser feito?
47
7: Aspecto legal: o contexto internacional
48
Provisões gerais relativas à violência contra a mulher
50
Normas que se referem diretamente à violência contra a mulher
51
Devida diligência – o que o Estado deve fazer para impedir a violência contra a mulher
52
Agentes da lei e o uso da força e de armas de fogo
53
Agentes da lei e a violência contra a mulher
54
Obrigações legais em tempo de guerra
54
As responsabilidades dos grupos armados
55
O dever de desobedecer a ordens explicitamente ilegais
56
O controle sobre a transferência de armas
57
8: O caminho a seguir
O que você pode fazer?
58
58
Apêndice 1: Resumo dos princípios do Tratado de Comércio de Armas proposto 60
IV
Apêndice 2: Diretrizes para trabalhos comunitários pela redução da
violência armada contra a mulher
63
NOTAS FINAIS
65
Introdução
Sandra Stasenka segura uma foto
de seu filho Alex, vítima de violência
armada, durante uma manifestação
a favor de regulamentações
adicionais para o controle de armas.
A manifestação no Capitólio, em
Washington, foi patrocinada pela
organização anti-armas Americanos
Contra a Violência Armada.
© AP Photo/J.Scott Applewhite
Capítulo 1
1: Introdução
“Enquanto as sociedades
dominadas por homens justificam
a posse de armas de pequeno
porte através da necessidade de
proteger as mulheres vulneráveis,
a realidade é que as mulheres
correm muito mais risco de
violência quando suas famílias
e comunidades estão armadas”.
Barbara Frey; Relatora Especial da
ONU sobre a prevenção de violações
de direitos humanos cometidas com armas
leves e de pequeno porte3
Hoje em dia, estima-se que existem aproximadamente 650 milhões de armas de pequeno
porte no mundo. Quase 60% destas está nas mãos de particulares,4 principalmente homens.
O que isso significa para mulheres e meninas?
Este relatório observa o impacto das armas sobre a mulher no lar, nas comunidades
e durante e após conflitos. Em cada um desses contextos, analisa a violência armada contra
a mulher, o papel que a mulher exerce no uso das armas e as campanhas lideradas por
mulheres contra a violência armada.
Um grande número de mulheres e meninas sofre, direta e indiretamente, dos efeitos
da violência armada. As mulheres, em particular, correm o risco de ser vítimas de certos
crimes por causa de seu sexo: crimes como a violência doméstica e o estupro.5 Embora
as informações disponíveis reforcem a idéia de que a maioria das vítimas fatais da violência
armada são homens, especialmente os jovens,6 as mulheres sofrem desproporcionalmentet
por causa da violência armada, já que raramente compram, possuem ou usam armas.
As armas afetam as vidas das mulheres quando elas não se encontram diretamente na
linha de fogo. Quando os familiares do sexo masculino são mortos, sofrem acidentes ou
tornam-se deficientes físicos como resultado da violência armada, as mulheres tornam-se
as principais responsáveis pelo ganha-pão, além de cuidar das crianças. Elas são deslocadas
e forçadas a fugir de suas casas rumo a um destino incerto. Essas mulheres normalmente
são confrontadas com a fome e a doença enquanto lutam para sustentar suas famílias. As
mulheres, assim como os homens, ficam no meio do fogo cruzado, tanto em tempos de
guerra como em tempos de paz.
A violência contra a mulher, seja cometida com o cinto, o punho ou com armas, tem
raízes na discriminação profunda que nega a igualdade entre homens e mulheres.7 Ela
ocorre numa variedade de contextos e atravessa fronteiras, religiões e classes. Isto não se
deve ao fato de que a violência contra a mulher é natural ou inevitável, mas porque é algo
que tem sido tradicionalmente ignorado e tolerado como parte de práticas históricas ou
culturais. A violência contra a mulher na família e na comunidade, bem como a violência
contra a mulher como resultado da repressão governamental ou de conflitos armados são
manifestações extremas de um abuso que a mulher sofre em tempos de paz. Qualquer que
seja o contexto ou a causa imediata da violência, a presença das armas tem invariavelmente
o mesmo efeito: uma quantidade maior de armas significa um maior perigo para a mulher.
A violência contra a mulher persiste em todos os países e em todos os segmentos da
sociedade. Quando tal violência envolve o uso de armas, que atiram balas em alta velocidade
a grandes distâncias, ou várias balas por segundo, produzidas especificamente para causar
ferimentos e morte, então, o risco de vida da mulher aumenta dramaticamente.
2
Mulheres, homens e armas
Mulheres em diversos países tornaramse forças poderosas pela paz e pelos direitos
humanos em suas comunidades. Este
relatório inclui as experiências de mulheres
que foram afetadas pela violência armada
e que decidiram fazer algo para mudar
essa situação, pleiteando o controle mais
rígido de armas, mais segurança nas
comunidades e o respeito pelos direitos
humanos da mulher. Suas campanhas visam livrar não apenas suas próprias vidas como
também a de suas famílias e comunidades da devastação causada pela violência armada.
Entretanto, a atitude das mulheres às vezes pode contribuir para o poderoso
condicionamento cultural que iguala a masculinidade com a posse e o uso de armas, e que
vê o abuso de armas pelos homens como uma coisa aceitável. Às vezes as mulheres
encorajam seus homens abertamente a lutar e, mais sutilmente, apóiam atitudes e estereótipos
que promovem a cultura da arma. Mulheres e meninas também participam ativamente
de muitos dos conflitos mundiais, seja voluntariamente, por coerção, pressão econômica,
ou porque foram raptadas e forçadas a participar. Para algumas mulheres e meninas em
grupos armados, possuir uma arma é visto como um meio de se proteger e de adquirir um
status melhor. Contudo, na maioria das vezes, isso é uma ilusão, e muitas das meninas e
mulheres combatentes continuam a sofrer abusos e a ser forçadas a cometer abusos.
© Viva Rio
A relação entre as mulheres e as armas
é complexa. O uso de armas não causa
apenas mortes e ferimentos entre as
mulheres, estas também exercem outros
papéis, às vezes como autoras da violência
armada, outras vezes estimulando o uso
de armas e outras vezes como ativistas
pela mudança.
Um poster da organização nãogovernamental Viva Rio, que lançou
uma campanha juntoa organizações de
mulheres com o slogan Arma, Não! Ela
ou Eu, que pedia que as mulheres
pressionassem seus parceiros a entregar
suas armas.
A idéia de que uma arma garante proteção pode ser encontrada em diferentes contextos
sociais e não está confinada a situações de conflitos armados. Muitos homens possuem
armas como parte do estereótipo masculino de ‘protetor’ da mulher. O argumento usado
pelos lobistas das armas é que eles precisam delas para proteger suas famílias contra intrusos
ou criminosos armados, mas a realidade da posse e do uso de armas é muito diferente.
Milhares de homens, em diversos países, estão envolvidos ativamente em campanhas pelo
controle de armas com o intuito de conquistar maior segurança para todos, e estão também
participando de campanhas para coibir a violência contra a mulher.
3
Alguns homens estão trabalhando junto com mulheres para contestar especificamente a
cultura da masculinidade e a idéia de que a violência contra a mulher, incluindo a violência
sexual, é um comportamento masculino ‘normal’.
Campanhas como a Campanha do Laço Branco, iniciada por homens no Canadá
para contestar a cumplicidade silenciosa dos homens na violência contra a mulher, ganharam
o apoio de homens na Costa Rica, Dinamarca, México, Namíbia e África do Sul, entre
outros. Além disso, ex-combatentes e ex-membros de gangues são algumas das pessoas que
podem agir com mais eficácia na direção da mudança, ao desafiar o elo entre as expressões
violentas da masculinidade e a cultura da arma.
Campanha pela mudança
Este relatório fornece uma visão geral da intersecção de duas grandes campanhas
internacionais: Armas sob Controle – organizada pela Anistia Internacional (AI), a
Rede de Ação Internacional contra Armas de Pequeno Porte (IANSA) e a Oxfam
Internacional; e a campanha da AI, Não à Violência Contra a Mulher. Reconhecese cada vez mais que as questões relativas às diferenças entre os sexos devem ser totalmente
integradas em um esforço internacional para cessar a proliferação e o mau uso de armas
de pequeno porte. Reconhece-se também que as particularidades da violência armada
têm sido desprezadas em algumas campanhas dirigidas à violência contra a mulher. Análises
mais detalhadas de muitas destas questões podem ser encontradas nos relatórios publicados
como parte das campanhas Armas sob Controle e Não à Violência Contra a Mulher.
Os capítulos 2 a 6 descrevem como as armas afetam as mulheres no lar, em sua
interação com a polícia, nas comunidades, e durante e após conflitos. O final desses capítulos
descreve algumas medidas que devem ser tomadas para combater a violência contra a
mulher e a proliferação e o mau uso de armas nessas diferentes situações. O Capítulo 7
apresenta a legislação internacional que informa e sustenta as campanhas Não à Violência
Contra a Mulher e Armas sob Controle. Os padrões atuais sobre a violência contra a
mulher devem ser implementados apropriadamente, e novos padrões legais são necessários
para frear a proliferação de armas. Porém, recomendações legais não são o objetivo
principal deste relatório.
O Capítulo 8 identifica o que pode ser feito para se acabar com os abusos mencionados.
Além da pressão por melhores leis e pela implementação mais eficaz das leis existentes, os
militantes contra a violência contra a mulher e a proliferação de armas precisam lutar por
uma mudança de atitude. Isso porque as novas leis nacionais e internacionais, apesar de
essenciais, não são suficientes. Ao se observar como os mitos sobre os homens, as mulheres
e as armas são construídos, podem ser reveladas novas maneiras de se quebrar o ciclo da
violência que ameaça e brutaliza geração após geração em diversas sociedades mundiais.
Esperamos que as diversas experiências citadas neste relatório, de como mulheres e homens
no mundo todo estão fazendo campanhas pela mudança, sejam uma motivação para que
você se junte a eles e faça o mesmo.
4
© Reuters/Mike Hutchings
Manifestantes protestam contra a
violência contra mulheres e crianças
na Cidade do Cabo, África do Sul.
Novembro de 2001.
5
Campanha Não à Violência
contra a Mulher
A campanha da AI, Não à Violência contra a Mulher, lançada em março
de 2004, mostra que todas as mulheres têm o direito de não sofrer violência.
A violência contra a mulher é universal, mas não é inevitável.
A campanha da AI foi elaborada para mobilizar tanto homens quanto mulheres
na luta contra a violência, e para utilizar o poder de persuasão da declaração
dos direitos humanos na tentativa de acabar com a violência contra a mulher.
Convoca a todos – o Estado, a comunidade e os indivíduos – para que
assumam suas responsabilidades e ajam contra esta violação escandalosa
dos direitos humanos.
A solução está em nossas mãos. Podemos acabar com a violência contra
a mulher, e podemos fazê-lo com a sua ajuda.
6
Campanha Armas sob Controle
A Campanha Armas sob Controle, lançada em outubro de 2003 pela AI, pela
IANSA e pela OXFAM Internacional, tem simpatizantes em mais de 100 países.
Utilizando a petição Um Milhão de Caras e uma série de outras atividades, os
militantes da Armas sob Controle estão pedindo que os governos restrinjam
severamente a distribuição de armas de acordo com suas obrigações legais
internacionais, e que introduzam um controle de armas rígido em todas as
instâncias, dos fornecedores aos usuários.
Na escala global, os governos devem estabelecer um Tratado Internacional
do Comércio de Armas que os obrigue a não transferir armas a outros países
se existir a probabilidade de serem usadas para cometer violações graves dos
direitos humanos e crimes de guerra.
Na esfera nacional e da comunidade, a campanha pede para que sejam
tomadas medidas que aumentem a segurança e o campo de ação da segurança
não armada, ao se decretar leis e procedimentos rígidos para o controle de
armas de pequeno porte, reduzindo a quantidade de armas excedentes e ilegais
em circulação, aumentando a responsabilidade e melhorando o treinamento
de policiais e forças armadas por meio de um trabalho baseado no respeito
pelos direitos humanos internacionais e pelas leis e padrões humanitários. Os
militantes pedem por uma educação cívica mais efetiva sobre a segurança nas
comunidades, para assim combater a cultura da violência e o elo destrutivo
entre as armas e as noções convencionais de masculinidade.
7
Capítulo 2
Violência armada contra
a mulher no lar
© AP Photo/Kamenko Pajic
Participantes carregam pôsteres durante
a Marcha de Um Milhão de Mães no dia
14 de maio de 2000 em Washington DC,
EUA. Em abril de 1999, dois alunos
mataram a tiros 12 colegas e um professor
e feriram outros 23 na escola Columbine
High School no Colorado, EUA.
Donna Dees-Thomases, a mãe que
teve a idéia da Marcha de Um Milhão
de Mães, carrega um pôster na
manifestação pelo controle de armas.
2: Violência armada contra
a mulher no lar
“As mulheres adultas que são
vítimas de violência psicológica,
física e sexual, na maioria das
vezes, sofrem abusos na vida
doméstica com seus parceiros”
Conclusão de um estudo com
mais de seis mil mulheres francesas
99
feito pelo governo em 2000
Há séculos que a violência doméstica contra a mulher é vista como um problema “particular”
entre quem abusa, a vítima e os familiares mais próximos. Organizações de mulheres vêm
lutando há décadas para que a violência doméstica seja tratada como crime e como violação
aos direitos da mulher.
No mundo todo, não importa a classe, raça, casta, religião ou região, existem homens que
usam de violência física e/ou psicológica contra as suas parceiras.A violência contra a
mulher é principalmente causada por homens que moram com elas. A Organização
Mundial de Saúde (OMS) diz: “Um dos maiores riscos para as mulheres, no que diz
respeito à sua vulnerabilidade à violência sexual, é morar ou co-habitar com um parceiro”10
0.De acordo com a OMS, recusar sexo é uma das causas de violência mais mencionadas
pelas mulheres.11
Há séculos mulheres aprendem que os homens têm o direito de usar violência contra elas
e muitas ainda acreditam nisso. As mulheres havaianas descrevem tal violência como “uma
forma nativa de amor, mais duro e um pouco mais físico”.12 Um estudo feito na África
do Sul em 1999 descobriu que mais de um terço das mulheres acredita que se uma mulher
faz algo errado, o marido tem o direito de puni-la.13 O direito do homem de punir a sua
mulher ainda hoje consta no Código Penal do Estado de Zamfara no norte da Nigéria.
O artigo encontra-se dentro de uma seção chamada “Correções para crianças, alunos,
servos e esposas”.14
Assassinatos na família
“A paciente teme por sua vida
quando uma arma é apontada
para a sua cabeça... elas não
podem revidar fisicamente...
Os mecanismos de defesa são
outros com uma faca... elas se
defendem e revidam.” 15
Trabalhador em um pronto
socorro na África do Sul
10
O assassinato na família é a única categoria de homicídios na qual o número de vítimas
do sexo feminino supera o número de vítimas do sexo masculino. Quando uma mulher é
assassinada em casa, o mais provável é que o parceiro ou um parente do sexo masculino
seja o assassino. Em 2001, o Ministro da Saúde francês declarou que uma média de seis
mulheres morre por mês nas mãos do seu ex ou atual parceiro. 16 Na África do Sul, o
Conselho de Pesquisa Médica calcula que em média uma mulher é assassinada por seu
ex ou atual parceiro a cada seis horas.17 Em El Salvador, entre setembro de 2000 e dezembro
de 2001, 134 mulheres foram assassinadas. Estima-se que 98% delas foram assassinadas
por seus parceiros ou maridos.18
A casa é tradicionalmente considerada um porto seguro. Esse mesmo espaço onde mulheres
de muitas sociedades passam a maior parte de seu tempo e no qual freqüentemente
mostram-se contra a presença de armas, é também o local em que correm alto risco de
morte quando as armas estão presentes. A maioria das pesquisas sobre as causas do
aumento de risco da mulher ser assassinada em casa foi feita em países do hemisfério norte.
Dois estudos recentes feitos nos EUA mostram que:
© Lizzie Sadin/Editing server
Vários fatores aumentam as chances de uma mulher ser assassinada pelo marido ou
namorado, mas o acesso à armas de fogo aumenta o risco em cinco vezes;19
Ter uma arma de fogo em casa aumenta o risco em 41% de alguém na casa ser assassinado,
mas para as mulheres o risco quase triplica (aumenta 272%).20
A proporção de homicídios domésticos que envolvem armas de fogo varia de país
para país. Na África do Sul e França, uma em cada três mulheres assassinadas pelo marido
foi vítima de tiro, nos EUA a média aumenta para duas em cada três.21
Um estudo comparativo, feito em 25 países desenvolvidos, entre as taxas de homicídios
de mulheres e a posse de armas chegou à conclusão de que nos lugares onde armas de
fogo são de mais fácil acesso mais mulheres são assassinadas.
Uma investigadora francesa
interroga um homem suspeito
de violência doméstica.
Mulheres ativistas no mundo todo
estabeleceram que a violência
contra a mulher não é uma
questão privada, e sim um abuso
aos direitos humanos. Governos,
comunidades e indivíduos
devem levantar a voz contra
a violência doméstica.
11
“Ele foi até a cozinha, pegou
a arma, carregou-a e a
apontou para a minha
cabeça. Ele ameaçou
explodir os meus miolos.” 22
Uma mulher havaiana
“Um dia ele arranjou uma
arma. Ele tinha uma pistola
pequena e eu morria de medo
dela. Eu estava tremendo
muito e ele estava procurando
a pistola, mas eu a havia
escondido. Ele procurou em
todas as minhas gavetas e
jogou tudo pra fora... ele
estava procurando a pistola.
Então, depois desse dia, eu
não era louca de recusar. Eu
ia até o final (sexo). Não
diria não de jeito nenhum”.28
Ellen, 53 anos, descrevendo a
sua vida com o ex-marido
Nos EUA, onde os índices de posse de armas são altos, as mulheres têm uma chance maior
de ser assassinadas. Dentre os 25 países onde a pesquisa foi feita, os EUA conta com 32%
da população de mulheres. Nos EUA, ocorrem 70% dos homicídios de mulheres e 84%
dessas mulheres são assassinadas com armas de fogo.23
Os pesquisadores do Conselho Sul-Africano de Pesquisa Médica relataram que em 1998
os índices de incidentes com armas de fogo nas três províncias da África do Sul foram 10
vezes maiores do que nos EUA, e que 150 em cada 100 mil mulheres entre 18 e 49 anos
foram vítimas de um incidente envolvendo armas de fogo.
Portanto, essas informações mostram que a posse de armas aumenta drásticamente as
chances dos ataques serem fatais. Por que as armas são tão fatais em ataques domésticos?
Uma das razoes é a gravidade das lesões causadas por um tiro, que ferem seriamente o
corpo humano.24 Outro razão é que a presença da arma, e sua ameaça fatal, reduz a
capacidade de resistência da mulher. O trauma de uma ameaça feita pelo marido ou
parceiro é enorme quando esta envolve uma arma, pois, o risco de assassinato se torna
real. A esposa de um soldado americano contou aos pesquisadores: “Ele dizia: ‘Você vai
fazer isso, ou...’, enquanto dirigia-se ao armário para buscar a arma.”25
As armas de fogo também reduzem as chances da vítima escapar e de alguém de fora
intervir e ajudar. Isso foi claramente demonstrado no dia 7 de agosto de 2003, quando
Marc Cécillon (45 anos), cinco vezes capitão do time de rúgbi francês, voltou para uma
festa em sua homenagem na sua cidade natal Bourgoin-Jallieu perto de Lyon. Um pouco
antes da meia-noite, o filho adolescente do anfitrião viu Marc Cécillon embicar o carro
no portão e enfiar uma pistola na cintura. O adolescente correu para avisar os convidados,
mas já era tarde demais. Marc Cécillon aproximou-se da mesa onde sua esposa Chantal
conversava com amigos e atirou quatro vezes com uma Magnum 359. Chantal morreu
na hora.26
Chantal Cécillon foi assassinada em público, mas o típico acidente doméstico ocorre na
casa da vítima. A Sul-africana Elizabeth Mhlongo foi morta a tiros no seu quarto em 1999,
junto com sua filha de cinco anos, Tlaleng. Seu marido, Solomon, que tinha o porte legal
de armas, esvaziou o carregador de balas nas duas vítimas, parou para recarregá-la e
continuou a atirar até a arma falhar. O corpo de Elizabeth ficou estirado ao lado da cama.
Seu peito, cabeça, coxas e mãos cobertos de balas. Enquanto isso, o corpo de Tlaleng ficou
caído numa cadeira manchada de sangue.27
Prevenção de violência armada no lar
As medidas relativas a armas de pequeno porte com maior probabilidade de reduzir o
risco no dia-a-dia da mulher são aquelas que dão ênfase às formas de aquisição de armas
e como estas são armazenadas.
12
“Nossa pesquisa apóia a
necessidade de um controle efetivo
de armas na África do Sul.
Armas de fogo são muito usadas
para intimidar e ferir mulheres,
além de facilitar estupros.”
© Jodi Bieber
Conselho Sul-africano de Pesquisa Médica 29
Uma superintendente da Unidade de
Proteção da Criança em Joanesburgo
na África do Sul dá apoio a uma menina
de 15 anos sobrevivente de estupro.
13
Muitos países que reformaram suas leis sobre armas de fogo nas últimas décadas
têm presenciado suas vantagens, especialmente no que se refere às mulheres. Entre
1995, quando o Canadá tornou as leis sobre armas de fogo mais rígidas, e 2003, a
média geral de homicídios armados caiu 15% e os índices de homicídios de mulheres
caiu 40%.30 Da mesma forma, nos cinco anos posteriores à revisão das leis sobre armas
de fogo em 1996, a média de assassinatos com armas de fogo foi 45% mais baixa do
que os índices anteriores à reforma. Mais uma vez, o efeito foi maior para as vítimas
do sexo feminino, com uma queda de 57%.”31
Checagem de antecedentes no controle de aquisição de armas
Uma pesquisa americana sugere que incidentes passados de violência doméstica
aumentam a probabilidade de uma mulher ser vítima de assassinato doméstico.32
Na maioria dos países, a lei proíbe pessoas com condenações por crimes graves de
comprar ou possuir armas. Isso normalmente significa que quando uma pessoa requisita
o porte legal de armas ou tenta comprar uma arma, seus antecedentes criminais são
checados. No entanto, essa checagem por si só não é suficiente para coibir parceiros
violentos de adquirir armas, pois, são raros os incidentes de violência doméstica que
resultam em condenação por crime grave. Para superar a ineficiência do método que
utiliza antecedentes criminais é fundamental que o sistema de justiça encoraje mulheres
a denunciar a violência doméstica, além de ofearecer suporte após a denúncia e tratar
violência doméstica como ofensa grave. A realidade em muitos países mostra que as
mulheres não denunciam a violência doméstica. Algumas têm medo do autor da
violência, outras não têm acesso à polícia ou a um sistema de justiça, enquanto outras
não acreditam que valha a pena denunciar crimes que não serão levados a sério. Para
que um programa contra a violência armada dentro de casa tenha sucesso, precisa
lidar com assuntos como a questão da discriminação e a violência contra a mulher.
Cada vez mais, países introduzem restrições para prevenir que pessoas com passado
de violência doméstica adquiram o porte legal de armas. Por exemplo, o Ato de
Controle de Armas na África do Sul, implementado em julho de 2004, especifica que
o porte legal de armas será negado àqueles que tenham antecedentes criminais de
violência, incluindo violência doméstica.
14
Da mesma forma, a lei americana determina que o porte legal de armas é ilegal para
maridos ou parceiros violentos, sujeitos à medida cautelar ou que tenham sido condenados
anteriormente por ofensas de violência doméstica.33 Apesar de esta ser uma medida
importante para a proteção da mulher, sua eficácia fica comprometida porque os governos
estaduais são os responsáveis pelos registros criminais e muitos estados não incluem as
condenações por violência doméstica no banco de dados federal.34 Outra lacuna que
permite que criminosos com passagem na polícia adquiram armas é o fato de que a lei
federal não requer checagem de antecedentes quando a arma é vendida por um indivíduo
ao invés de um revendedor licenciado. Alguns estados colocaram em vigor leis que impõe
checagem compulsória de antecedentes criminais para qualquer transação de armas de
fogo, no entanto, outros estados ainda não fizeram o mesmo deixando o caminho aberto
para criminosos que queiram comprar armas de fogo. As vendas individuais somam por
volta de 40% do total de vendas de armas de fogo nos EUA.35
“Ele estava muito bravo e
pegou a sua Kalashnikov...
Os vizinhos disseram: ‘Deixe
ela em paz’..., mas ele não
parou. Ele atirou nas minhas
pernas. Eu não conseguia
senti-las, elas estavam
dormentes. O sol estava se
pondo e eu olhava para o céu.
Eu disse para os homens:
‘Eu não quero morrer.’ Eles
me levaram para o hospital.”
Fátima em seu leito hospitalar. © AI
Fátima (nome fictício), de 19 anos, levou um tiro do marido nas pernaas em frente da família
dele e vizinhos no Iraque no dia 21 de maio de 2003. Ela se casou quando tinha 12 anos e
era tratada como empregada. Na casa da família dele, o marido batia nelta regularmente. Ela
tentou fugir para a casa da sua própria família, mas o marido foi busca-la e a obrigou a voltar.
Quando ela disse que não voltaria, ele ficou muito bravo e pegou um pedaaço de pau para
bater nela. O pau quebrou e ele ficou ainda mais bravo. Pegou a sua arma e atirou contra ela.
Apesar do número de testemunhas e a gravidade do crime, nem a família nem o hospital
denunciaram o caso à polícia, e o marido não foi preso. A família disse que a questão deveria
ser resolvida dentro da tribo. Fátima voltou para a casa de seu pai quando saiu do hospital.
O marido expressou arrependimento oferecendo uma compensação. Ele buscou formas
de reconciliação com os mais velhos na tribo. No entanto, ela recusou-se a voltar para ele.36
15
Outra maneira através da qual a lei pode proteger as mulheres contra a violência
doméstica com armas de fogo é permitindo que as autoridades tenham acesso a uma série
de informações durante o processo de requerimento do porte legal de armas. Por exemplo,
as leis sobre armas no Canadá exigem que a esposa ou parceira do candidato seja notificada
antes da validação ou renovação do porte legal de armas. O candidato também precisa
de uma carta de referência da esposa ou parceira. A polícia da Nova Zelândia tem o direito
de perguntar a opinião das atuais ou ex-parceiras dos candidatos. Na Austrália, a opinião
do médico da família pode ser requisitada. Na Turquia, os candidatos devem apresentar
um certificado médico atestando a sua estabilidade mental.
A necessidade de desarmar parceiros violentos
Na Austrália e em alguns estados dos EUA, a polícia é obrigada a confiscar armas em
caso de emissão de uma ordem de proteção contra a violência doméstica, mas muitas
vezes as armas são devolvidas ao agressor logo depois.
Na África do Sul, a Lei da Violência Doméstica, que entrou em vigor em 1999, dá
aos policiais o poder de confiscar a arma caso a vítima solicite o confisco. Em uma pesquisa
feita na Cidade do Cabo, os autores de um relatório de 2001 notaram que “há poucos
pedidos pela remoção de armas em comparação com o número de vezes que armas são
mencionadas na declaração dos candidatos”. Os autores sugerem que o formulário utilizado
é complicado e confuso, além disso, a maioria dos policiais não tem motivação para
colaborar e não vêem a violência contra a mulher como um crime grave. Como disse um
dos policiais entrevistados: “Temos que confiscar armas, mas somente em alguns casos.
Há reclamações de mulheres que são ameaçadas de violência armada pelos maridos, mas
eles nunca agem. Nunca é sério.”37
Programas pelo desarmamento de maridos ou parceiros violentos dependem da
existência de um rígido sistema de registro de armas de fogo. O registro é especialmente
importante na proteção das vítimas de violência doméstica. Isso foi demonstrado em New
South Wales na Austrália em 1992, quando Kerry Anne Gannan conseguiu uma medida
cautelar contra seu ex-parceiro Malcolm Baker por violência doméstica. A lei declarava
que a polícia deveria cancelar o porte legal de armas de Malcolm Baker, além de confiscar
a sua arma. No entanto, por causa da falta de um sistema de registros, era impossível saber
quantas armas ele possuía. A polícia fez uma busca em sua casa e achou cinco armas,
chegando à conclusão que aquele seria o seu arsenal completo. Entretanto, Malcolm Baker
possuía uma outra arma que não fora encontrada pela polícia. Foi com essa arma que ele
matou seis pessoas incluindo Kerry Anne Gannan e sua irmã, na época grávida de oito
meses. Neste caso, a violência doméstica foi tratada com seriedade, mas os esforços da
polícia foram prejudicados pela falta de registros.38
16
Maneiras seguras de armazenar armas
As condições de armazenagem prescritas pelas leis sobre armas também afetam o acesso
a armas dentro de casa. Países como Austrália, Canadá, Japão e Reino Unido obrigam
os donos de armas a armazenarem-nas com seguranças e a manter a munição em um
lugar separado, Em Belarus, as armas devem ser guardadas em caixas trancadas, desmontadas
e descarregadas, com a munição em local separado.39 Outra medida que foi proposta por
grupos de mulheres é a proibição de manter armas em residências, pelo menos em zonas
urbanas e periféricas. A idéia é que as armas devem ser mantidas em locais de armazenagem
especiais que sigam determinados padrões de segurança, por exemplo, em clubes de tiros
autorizados ou delegacias. Assim, os donos das armas poderiam buscá-las apenas para fins
de esporte e caça.
Austrália ataca o uso de armas na violência doméstica
Um dos principais objetivos das reformas nas
leis sobre armas na Austrália na década de
90 foi impedir a violência doméstica.40
A seguir, encontram-se algumas das medidas
específicas que foram introduzidas para atacar
o uso de armas na violência doméstica.
O porte legal de armas deverá ser obtido
de acordo com uma série de critérios
incluindo: idade mínima de 18 anos, ficha
limpa na polícia, ser “pessoa séria e capaz”,
treinamento e apresentação de uma “razão
legítima”.
A polícia pode levar em consideração todas
as circunstâncias relevantes durante o
processo de obtenção e renovação da
licença.
Pessoas condenadas por agressão não
poderão obter o porte legal de armas por
no mínimo cinco anos.
Pessoas sujeitas a medidas cautelares por
violência doméstica estão proibidas de obter
o porte legal de armas por cinco anos.
Pessoas com medidas cautelares
por violência doméstica estão sujeitas
à confiscação compulsória de todas
as suas armas.
Todas as armas devem ser registradas no
momento da compra e quando a licença
for renovada.
Existe um período de 28 dias de espera
para comprar uma arma.
Uma “razão legítima” deve ser
comprovada separadamente para cada
arma, para que um limite de armas seja
imposto para cada pessoa.
Armas não podem ser compradas ou
vendidas por particulares, mas somente por
revendedores licenciados ou pela polícia.
Há requisitos rígidos sobre como armas
devem ser armazenadas.
Uma avaliação das reformas na Austrália
publicada em outubro de 2004 descobriu que
essas leis trouxeram reduçõaaes dramáticas
nos índices de mortes por armas de fogo.41
17
Mulheres em ação – campanha pelo controle de armas
Marcha de Um Milhão de Mães
Mães Contra Armas
Em agosto de 1999, um homem
aleatoriamente atirou contra um grupo de
crianças em Granada Hill na Califórnia, EUA.
Logo após o trágico evento, Donna DeesThomases convocou mulheres para que se
reunissem em frente à Casa Branca em
Washington no dia das mães do ano de 2000.
Elas exigiam que o Congresso aprovasse
uma legislação sobre o controle de armas.
Donna e outros organizadores previram a
presença de 100.000 pessoas. Entretanto,
mais de 750.000 manifestantes juntaram-se
em Washington, enquanto, simultaneamente,
outras 60 marchas aconteciam pelo país.
A Marcha de Um Milhão de Mães uniu-se
com a campanha “Brady” de prevenção à
violência armada que começou depois que
Jim Brady, secretário de imprensa do
Presidente Ronald Reagan, levou um tiro que
o feriu gravemente durante uma tentativa de
assassinato ao presidente em 1981.
“Tiroteios em escolas, tiroteios em lugares
de trabalho, tiroteios em igrejas, tiroteios
nas ruas. Quando tudo isso irá parar?
Quem irá exercer autoridade quando um
policial atira em uma pessoa desarmada?
A justiça é cega em nossa sociedade?
Covardes estão cometendo esses crimes,
e nós somos covardes por permitirmos
que eles aconteçam.”
Liz Bishop-Goldsmith, fundadora da
organização Mães Contra Armas nos EUA42
A Mães Contra Armas EUA foi fundada
em 1994 por Liz Bishop-Goldsmith,
que perdeu dois jovens familiares devido
à violência armada. A organização
faz campanhas junto aos conselhos
municipais pelo controle de armas
de fogo e munições.
África do Sul Sem Armas
“Nós sentíamos que a maior ameaça à nossa nova democracia era o excedente de armas
de guerra que saturava o nosso país”.
Adele Kirsten, manifestante pró-paz e antimilitar e uma das fundadoras da África do Sul Sem Armas.
A organização África do Sul Sem Armas (GFSA) foi fundada em 1994, no mesmo ano das
primeiras eleições democráticas na África do Sul. GFSA foi uma das organizações da
sociedade civil que lutou com sucesso por um controle de armas mais rígido. A reação de
alguns donos de armas contra o apoio da GFSA à Lei de Controle de Armas de Fogo foi
avassaladora. Adele Kirsten diz: “São as mulheres da GFSA que encaram o que parece ser
a raiva de homens brancos. Somos o alvo de telefonemas agressivos, ataques no rádio ou
na imprensa, normalmente com uma violência implícita. Tudo isso porque somos vistas
como aquelas que estão tirando as suas armas. Não é nada agradável, mas o que isso nos
mostra é que estamos lidando com questões profundas de identidade de gênero e sexual,
ou seja, o pilar da identidade branca, colonial e masculina.”43
18
O que deve ser feito?
a
Autoridades governamentais, grupos armados, comunidades e líderes religiosos
devem denunciar publicamente a violência contra a mulher toda vez que esta
ocorrer. Devem deixar claro que esse tipo de violência é uma violação dos direitos
humanos da mulher e não será tolerada.
b
Governos devem garantir que a violência contra a mulher seja proibida por lei nacional
e, portanto, consista em crime. Devem penalizar criminosos e oferecer apoio aos
sobreviventes, além de fazer com que essas leis sejam devidamente implementadas.
c
Governos devem coibir a proliferação de armas por meio de medidas que tornem
compulsório o porte legal de armas. Seguindo as mais bem sucedidas práticas
internacionais, o porte legal de armas deve ser emitido pelas autoridades
governamentais de acordo com critérios rígidos que excluam aqueles com passado
de violência doméstica ou na comunidade, e que levem em conta as razões do
porte de armas, o contexto e a probabilidade de mau uso.
d
Governos devem tratar a violência doméstica como um crime grave, assim como
agressões em outras circunstâncias, de forma que a mulher que faz a denúncia
seja protegida e receba o apoio necessário.
19
Capítulo 3
© Commonwealth of Australia
Agentes da lei, armas e a
violência contra a mulher
Jovens mulheres nas Ilhas Salomão
segurando cartazes com o slogan
‘acabou-se o tempo das armas’, 2003
3: Agentes da lei, armas e
a violência contra a mulher
Os agentes da lei – a polícia, os oficiais de imigração, de alfândega e outros oficiais de
segurança, guardas de fronteiras e até mesmo funcionários militares e paramilitares –
possuem poderes especiais para o uso da força e de armas de fogo quando necessário. As
circunstâncias em que os agentes da lei podem usar da força, e o grau de força que podem
44
usar, são definidos pelos padrões internacionais dos direitos humanos (ver Capítulo 7).
Infelizmente, muitos governos não incorporaram esses padrões a sua legislação nacional,
e muito menos os colocam em prática.
Com freqüência, os agentes da lei exercem poderes e usam armas de maneiras que
violam os padrões internacionais, incluindo o uso de violência contra a mulher. Tais
violações acontecem com mais facilidade:
se os responsáveis pelo mau uso das armas não são levados à justiça;
“Eu tinha 14 anos na época.
Um dos policiais veio uma noite,
por volta das 10, apontou uma
arma para mim e mandou que
o seguisse para encontrar outros
homens. O Comandante apontou
sua arma para mim e me
estuprou. Eu senti dor e sangrei”.
Uma mulher das Ilhas Salomão
45
se os agentes da lei são mal treinados e recebem equipamentos inapropriados;
se há uma falta de respeito generalizada pelos direitos humanos da mulher.
A conjuntura desses fatores pode aumentar o risco dos agentes da lei ignorarem
o crime armado e o uso abusivo de armas contra as mulheres.
A maioria dos policiais e outros agentes da lei armados, ou que tem fácil acesso a
armas de fogo e outras armas, são homens. A polícia e outros agentes da lei têm o monopólio
legal do uso da violência em situações que não sejam de guerra. Isso lhes confere uma
grande responsabilidade e poder, bem como um potencial para abusos graves.
O mau uso de armas contra a mulher
Agentes da lei que se aproveitam de sua posição para exercer violência armada contra a
mulher traem a obrigação fundamental dos governos de proteger as mulheres em suas
46
jurisdições.
Agentes da lei autorizados a levar suas armas para casa oferecem um risco específico
para as mulheres. Quando não existem procedimentos determinados para que suas armas
sejam armazenadas com segurança no local de trabalho, corre-se o risco de que os oficiais
usem-nas de maneira inapropriada quando estão de folga.
Quando policias e outros agentes da lei usam suas armas de fogo para cometer violência
sexual contra a mulher, muitas delas têm medo de que qualquer tipo de resistência possa
custar-lhes a vida. Um grupo de jovens estudantes que participaram de uma feira de
agricultura em Nairobi, Quênia, perdeu o ônibus escolar que as levaria para casa. De
acordo com relatórios, elas tomaram um táxi para o centro da cidade. Eram quase oito e
meia da noite, e elas combinaram de pedir ajuda ao primeiro policial que encontrassem.
“Elas logo avistaram um grupo de policiais e correram até eles para contar sua história.
Os oficiais pareciam querer ajudar e disseram às meninas que os seguissem até uma igreja
22
próxima onde poderiam conseguir acomodação para elas. Mas o terreno da igreja era, na
verdade, um playground. O humor dos oficiais solícitos mudou de repente e, com as armas
47
apontadas, cada um deles estuprou as três meninas”.
Policiais e oficiais paramilitares também cometem violência armada contra a mulher
em situações de perturbações civis que têm origem em, ou tornam-se, conflitos armados.
Durante o conflito armado nas Ilhas Salomão, que durou cinco anos (1998-2003), milícias
étnicas, policiais regulares e de elite estupraram ou torturaram muitas mulheres e meninas.
Algumas mulheres foram forçadas a se tornar escravas sexuais. Em 2003, uma força policial
do Pacífico liderada pela Austrália e reforçada por soldados iniciou uma operação para
restaurar a lei e a ordem nas Ilhas Salomão. Cerca de 3.500 pessoas foram presas durante
a operação. Contudo, muitas das mulheres que sofreram violência sexual não levaram seus
casos aos tribunais, pois tiveram medo que seus agressores buscassem vingança ou que
seus parentes do sexo masculino se opusessem. Em 2004, delegados da AI entrevistaram
55 mulheres e meninas de Weathercoast, na Ilha Guadalcanal. Dezenove delas disseram
que tinham sido estupradas por forças armadas que ocuparam e atacaram sua vila; a
48
maioria delas era adolescente, a mais nova tinha 11 anos.
Soldados que executam serviços de policiamento não são treinados profissionalmente
para agir como agentes da lei, e não são responsabilizados por seus atos. Em tais situações,
há um maior risco de violência armada contra a mulher. Em alguns casos, a violência
sexual armada contra a mulher pode ser usada como uma ferramenta de repressão popular.
Por exemplo, as mulheres do delta do Rio Níger, uma área localizada no centro da lucrativa
indústria petrolífera da Nigéria, têm feito campanhas por uma melhor preservação ambiental
e um maior acesso à riqueza gerada. Desde 1994, quando o governo militar estabeleceu
uma força-tarefa militar para lidar com os protestos no delta, as mulheres têm sofrido
49
violência, incluindo tiroteios e estupros pelos militares.
Violência contra a mulher levada a sério
O sistema criminal de justiça é uma instituição chave, e deve refletir o reconhecimento
institucional da violência contra a mulher, bem como sua determinação em proteger a
mulher em sua jurisdição. Mas é comum que a mulher seja sujeita à violência armada em
casa e que não receba a ajuda que precisa da polícia. Uma cultura que tolera o uso de
violência pelo sexo masculino contra a mulher e o fato de que a maioria dos policiais são
homens faz com que seja difícil para as mulheres pedir ajuda à polícia.
No Afeganistão, as mulheres disseram à AI que qualquer mulher que sofre violência
doméstica e que procura ajuda externa corre um sério risco de ser assassinada se for
descoberta. Uma mulher na província de Nangarhar disse que “uma mulher será morta
se procurar ajuda, porque é a tradição do Pashtun Wali (a lei local) e porque é uma grande
vergonha a mulher falar de seus problemas fora de casa”.
“Você chama o policial… E eles
dizem para ele, ‘Ah, você sabe,
as mulheres ficam malhumoradas.’…blá blá blá. E
eles me dizem, ‘Por que você não
para de aborrecê-lo? Faça um
bom jantar para ele e pare de
resmungar’ Então eles te deixam
ali com um homem ignorante.”
50
Uma mulher no Havaí
23
As organizações de mulheres e de direitos humanos estão fazendo campanhas para que
os governos tratem a violência na família como um crime grave e permitam que as forças
policiais tomem providências contra indivíduos suspeitos de abuso. Essas campanhas têm
conseguido obter algum sucesso. Por exemplo, nos EUA, os legisladores federais, com o
apoio de militantes pelos direitos da mulher, autorizaram a Lei da Violência Contra a
Mulher em 2000, alocando fundos regulares para uma variedade de atividades de prevenção
da violência contra a mulher, incluindo o treinamento de agentes da lei.
“De acordo com nossa
comunidade e tradição,
se uma menina reclama
para um órgão do governo,
diz-se que ela é uma menina
malvada que não obedece a
seu pai ou irmão”.
Mulher no Afeganistão
51
Mas em países do mundo todo, alguns policiais continuam a ignorar a gravidade dos
crimes cometidos contra a mulher, e lidam com os autores “de homem para homem”.
Pesquisadores do Consórcio da Cidade do Cabo sobre a Violência Contra a Mulher, na
África do Sul, encontraram nos setores policial e jurídico um “alarmante número de
entrevistados que se identificam muito mais com as circunstâncias do acusado do que com
as da vítima”.O relatório segue: “Isto pode ser atribuído ao fato de que a maioria dos
52
funcionários da justiça criminal é do sexo masculino”.
Um assistente social do abrigo para mulheres espancadas Saartjie Baartman, na Cidade
do Cabo, África do Sul, disse aos pesquisadores que houve casos em que as mulheres do
abrigo pediram que armas de fogo fossem confiscadas de seus parceiros, mas “então o
53
agressor diz à polícia que precisa da arma para seu trabalho e ela é devolvida”.
A ONU enfatizou a importância de se garantir que os agentes da lei representem e
respondam à comunidade como um todo (ver Capítulo 7). Entretanto, parece que a maior
parte da seleção, contratação e do sistema de carreiras da polícia não são adequados a
esses padrões no que diz respeito à mulher (ou outros segmentos da comunidade, como
as minorias étnicas). Além do mais, em alguns outros países, ao invés de se integrar oficiais
do sexo feminino em todas as partes do serviço policial, existe uma tendência para delegarlhes serviços de escritório ou unidades especializadas em violência doméstica e abuso
infantil, sem levar em conta sua capacidade ou adequação a esse tipo de trabalho.
23
Mulheres em ação – mudando atitudes
Existem, contudo, alguns exemplos de
progresso. Na Bósnia-Herzegovina, a
organização Medica Infoteka, que foi criada
por mulheres durante a guerra, fornece
serviços de apoio integrado às mulheres.
Luta para mudar a atitude de todo o país em
relação à violência doméstica, começando
pela polícia e juízes. A diretora Duska AndricRuzcic descreveu o trabalho do grupo: “Nós
não fomos até lá dizer a eles como fazer seu
trabalho; dissemos apenas que estamos
tentando mostrar-lhes um novo ponto de vista
– o da vítima”. Hoje em dia, em pelo menos
um município, apenas certos policiais
designados lidam com mulheres vítimas de
abuso. “Isto é uma revolução”, diz ela. “As
mulheres não têm mais que contar suas
histórias, geralmente delicadas, para uma
série de oficiais sem nenhum treinamento.
A polícia disse estar orgulhosa de fazer parte
deste esforço. Outros municípios também
estão pedindo o treinamento”.54
O que deve ser feito?
a
Os governos devem publicar instruções claras para os agentes da lei, declarando que
qualquer tipo de violência contra a mulher é proibido, e que consiste numa violação dos
direitos humanos.
b
Os governos devem promover e divulgar os padrões de direitos humanos da ONU para
agentes da lei, incluindo os que dizem respeito ao uso da força. Eles devem incorporar
esses padrões na lei e na prática.
c
d
Os governos devem revisar as políticas de contratação e treinamento dos agentes da
lei para que tornem-se organizações que representem e que sejam responsabilizadas
pela comunidade como um todo.
As autoridades devem suspender qualquer agente da lei suspeito de envolvimento com
violência contra a mulher enquanto as alegações contra este estiverem sendo investigadas,
e devem levar à justiça os agentes da lei responsáveis por violência contra a mulher de
acordo com procedimentos que estejam dentro dos padrões internacionais de justiça.
24
Capítulo 4
Gangues, armas e os sexos
Jovens seguram armas no
Rio de Janeiro, Brasil, 2002.
© Luke Dowdney / Viva Rio
4: Gangues, armas e os sexos
A violência armada de gangues é um fenômeno largamente masculino. Os principais autores de
crimes e vítimas são homens jovens. Porém, as mulheres também são afetadas quando o espaço
público, urbano ou rural, torna-se um lugar perigoso em função das atividades de gangues armadas.
A violência armada de gangues expõe todos na comunidade ao risco de ferimentos ou morte
durante um tiroteio, independentemente do sexo. Mas quando a cultura da violência armada de
gangues tem raízes em uma sociedade que não respeita os direitos da mulher, o resultado é um
maior índice de violência de gênero contra a mulher. Nessa situação, a proliferação de armas
aumenta os riscos das meninas e mulheres tornarem-se alvos de ataques violentos, principalmente
de violência sexual.
“O crime é o meu trabalho.
Eu comprei minha casa com
o dinheiro que fiz roubando.
Eu respeito o crime.
Ele cuida de mim”
Membro de gangue
55
em Papua Nova Guiné
As ações das gangues armadas também podem determinar o espaço público da mulher. Se as
gangues armadas estão nas ruas, e sabe-se que elas atacam e estupram mulheres, então sair para
trabalhar e viver seu cotidiano torna-se perigoso para a mulher. As restrições, o medo e o perigo
que mulheres e meninas experimentam em tais situações são intensificados pela proliferação
descontrolada das armas de fogo. Esse perigo aumenta consideravelmente quando as gangues
possuem armas de fogo automáticas e semi-automáticas de especificação militar que podem atirar
vários cartuchos rapidamente. Além disso, as balas atiradas por diversos tipos de armas de assalto
são concebidas para atravessar tanto o corpo humano como também estruturas sólidas, oferecendo
um maior risco aos pedestres.
Armas impulsionam os índices de violência contra a mulher
Na África do Sul, onde o fenômeno das gangues armadas é um fato estabelecido, 14% dos ataques
sexuais reportados são cometidos com armas de fogo – um índice muito maior do que nos países
56
vizinhos.
A filiação a gangues tem efeitos assombrosos sobre as mulheres que mantém relações com
parceiros violentos. Os assistentes sociais dizem que uma mulher hesitará em requerer que uma
arma de fogo seja confiscada de seu parceiro se ele for membro de uma gangue: “Se a polícia toma
a arma de um agressor, os amigos desse agressor virão atrás dela. Por causa deste medo de uma
retaliação por parte da gangue, as mulheres normalmente não solicitam o confisco de armas de
57
membros de gangues”.
“A onipresença dos estupros
em gangue como uma forma
de crime tornou-se uma
ameaça enorme à segurança
das mulheres em toda a
Papua Nova Guiné”
Estudo da UNICEF de 1998
28
As mulheres em Papua Nova Guiné são vítimas freqüentes do crime armado, incluindo a
violação sexual, por parte de membros de gangues armadas. Com índices de desemprego na zona
urbana estimados em 60 a 90%, as gangues armadas oferecem empregos para um número cada
58
vez maior de jovens e homens.
Em Malaui, entre 1997 e 1999, o número de assaltos a residências e estabelecimentos comerciais
59
à mão armada registrados pela polícia cresceu aproximadamente 40%.
Gangues armadas
obtiveram rifles semi-automáticos AF47 que sobraram dos estoques da guerra de Moçambique e
que foram importados da Zâmbia e da Tanzânia. Eles também conseguiram armas de fogo do
60
governo com a polícia e o exército de Malaui. A cultura das armas tornou-se atraente
61
para homens jovens e meninos, bem como para grupos de vigilantes. Nas áreas mais
afetadas, meninas e mulheres sofreram violação sexual, foram roubadas e tiveram que ser
62
escoltadas para escolas, locais de trabalho, lojas e abrigos.
No Iraque, a invasão e ocupação dos EUA acarretaram um alto índice de violência e
abuso aos direitos humanos. A desordem generalizada que tomou conta de grandes áreas
do país após a invasão colocou mulheres e meninas em um risco cada vez maior de violência.
Relatórios sugerem que, como resultado do aumento do número de violações sexuais e
estupros em Bagdad, muitas mulheres têm medo de sair de casa. A prontidão com que as
armas podem ser obtidas facilitou o aumento de ataques violentos, especialmente de raptos,
por gangues criminosas. Após a queda do governo de Saddam Hussein, em abril de 2003,
estima-se que de 7 a 8 milhões de armas de fogo foram saqueadas de edifícios militares e
66
policiais, sendo que muitas delas são armas automáticas e semi-automáticas.
Mulheres em ação –
de vítimas a defensoras
“Eles estavam armados,
colocaram a arma na minha
cabeça e disseram ‘venha
conosco’. Eu gritei e disse
para guardarem a pistola.
Minha filha começou a gritar.
Eles me puxaram pelo cabelo,
me jogaram para dentro do
carro e começaram a atirar
em direção à minha casa”.
Salma, 49 anos, iraquiana.
Ela conseguiu fugir no dia seguinte,
após ter sido brutalmente estuprada
63
e torturada por 10 homens.
“De um dia para o outro todos os meus
sonhos foram destruídos, tudo por causa
da irresponsabilidade de homens
supostamente civilizados que só se sentem
corajosos com uma arma na mão.”
Camila Magalhães Lima, Brasil
64
Camila Magalhães Lima estava voltando para
casa a pé da escola quando foi atingida por
uma bala disparada em um tiroteio entre uma
gangue de ladrões armados e uma empresa
de segurança particular. Ela perdeu o movimento das pernas. Agora ela faz campanhas
contra a violência armada no Brasil.
No final de 2002, Charlene Ellis, de 18 anos e
Letisha Shakespeare, de 17 anos, saíram de uma festa de ano novo em Aston, Reino Unido, para
tomar um ar fresco, quando se viram no meio de um tiroteio. Ambas morreram. A irmã gêmea de
Charlene, Sophie, foi ferida. As mulheres de suas famílias mobilizaram-se em campanhas contra
as conseqüências fatais das armas e da cultura das gangues em sua comunidade. Elas fundaram
a campanha Vidas Mais Seguras, Comunidades Mais Seguras, que trabalha junto com a
Fundação pelo Desarmamento, uma organização nacional. Sandra Shakespeare, tia de Letisha,
disse que uma das maiores mudanças vai levar algum tempo para acontecer, e que esta
mudança envolve os próprios homens e o modo como criam seus filhos. “Os homens devem
tomar uma atitude e assumir responsabilidades. Aprender como andar e levantar a cabeça,t
65
e dizer que isso é que é ser um homem de verdade.”
29
Mudando de atitude
“As mulheres não atiram
com rifles AK-47. No entanto,
elas têm um importante papel
cultural no roubo de gado.
Sua arma é a palavra”.
Uma comentarista sobre o
papel das mulheres que estimulam
a violência armada nas regiões
68
de criação de gado na Uganda
“Você pode implementar
estratégias de prevenção e de
intervenção, pode prender as duas
gangues principais e outros
membros de gangues que estão
em seu banco de dados. Ainda
assim, as gangues ainda
existirão, porque se trata de uma
cultura. Você não pode prender
uma cultura, uma mentalidade.
Você tem que livrar a sociedade
dessa mentalidade”.
Mark Edwards, um ativista da
comunidade que trabalhou
com membros de gangues por
70
vários anos no Reino Unido, 2004
30
Há muitas razões pelas quais os homens andam armados em público. Mas uma delas,
como mostrou a ministra Carolyn Flint, em julho de 2003, é que: “Os jovens e, em sua
maioria, os homens que estão ligados a gangues, a crimes pequenos e drogas ilegais, andam
67
armados para impor respeito”.
A atitude de meninas e mulheres pode estimular a posse de armas, quando elas
acreditam que o homem tem mais status se possuir uma arma. Entrevistas com meninas
e jovens mulheres nas favelas do Rio de Janeiro mostram como os homens que possuem
armas para participar do tráfico de drogas têm mais status, dinheiro e poder: “As meninas
saem com os caras que usam armas porque querem uma vida boa, dinheiro fácil, roupas
de marca, para se sentir superior às outras, para ter poder sobre as outras. Se elas saem
com um cara comum, sua vida não será assim. Elas gostam de sair com os traficantes por
69
causa disso.”
O papel ambíguo exercido pelas mulheres da região pecuária de Karamoja, no noroeste
de Uganda, significa que elas podem ao mesmo tempo promover a paz em suas comunidades
e estimular os homens a participar dos roubos de gado que trazem tanta insegurança às
comunidades da região.
A importância do papel feminino em influenciar a posse e o uso de armas por homens
foi reconhecida pela organização não-governamental brasileira Viva Rio. Em 2001, a
organização carioca decidiu envolver “mães, irmãs, namoradas, esposas e primas” em
uma campanha para forçar homens jovens a entregar suas armas. A campanha explora
o ativismo feminino para espalhar a mensagem de que, ao contrário do que dizem as
mensagens da mídia e da cultura, as armas não tornam um homem mais atraente ou
macho. A idéia é “desmasculinizar” a arma, empregando-se trocadilhos que sugerem que
a potência do homem é reduzida se ele anda armado.
Os fatores que alimentam a violência organizada na comunidade são variados e
complexos, e podem estar ligados à desigualdade econômica, à injustiça social, ao aumento
do crime organizado e à globalização dos mercados. Tais fatores devem ser levados em
conta se quisermos erradicar a violência, mas estão além da abrangência deste relatório.
Contudo, uma das tarefas mais importantes é convencer homens jovens de que eles não
precisam de uma arma para impor respeito.
© Paolo Pellegrin/Magnum Photos
A sociedade civil cumpre um papel importante na mudança de atitude em
relação às armas e em garantir que os governos não cometam violações aos direitos
humanos na erradicação do crime. As diretrizes do trabalho na comunidade para
reduzir a violência armada encontram-se no Anexo 2. Os jovens precisam de
alternativas no que diz respeito à sua subsistência e às formas de ocupar seu tempo
ocioso. Eles precisam ter acesso a modelos de comportamento alternativos, que não
sejam baseados na equação entre masculinidade e violência e na associação da
71
feminilidade com passividade e com a idéia de mulher-objeto.
Basra, no sul do Iraque, abril de 2003.
Com o aumento de armas em circulação
no Iraque desde a invasão norte-americana
em 2003, a questão da proteção das
mulheres tornou-se primordial.
31
Soldados colombianos observam
atentamente uma manifestação
pelos direitos humanos
organizada pela Organização
Popular das Mulheres, 1998.
32
Somos Capazes, uma campanha no sul da
Ásia para acabar com a violência contra a
mulher, foi lançada em setembro de 2004.
Busca incentivar uma mudança básica nas
atitudes e crenças sociais que estimulam a
violência contra a mulher. Tem base na idéia
de que mulheres e meninas têm o direito a uma
vida livre de violência e que, se todos os
segmentos da sociedade aceitarem essa
responsabilidade e agirem, juntos poderemos
acabar com a violência contra a mulher.
A campanha Somos Capazes tem o objetivo
de atingir e influenciar 50 milhões de homens
e mulheres, em seis países do sul da Ásia, para
combater a violência contra a mulher e adotar
práticas de igualdade entre os sexos em suas
vidas cotidianas. Para tanto, mais de 5 milhões
de “provocadores de mudança” – pessoas que
trabalharão para influenciar homens e mulheres
– serão mobilizados por meio de uma série de
programas extremamente bem divulgados e
coordenados em nível local, nacional e regional.
Relações igualitárias são livres de violência.
Juntos podemos acabar com a violência contra
a mulher.
Para mais informações, visite o site
http://www.wecanendvaw.org
O que deve ser feito?
a
Governos, autoridades locais e organizações da sociedade civil devem mobilizar recursos
oficiais e estruturas da comunidade para desenvolver modos de vida sustentáveis para que
se possa abordar as causas sociais e econômicas da violência de gangues armadas e
fornecer modelos alternativos de masculinidade e feminilidade.
b
Os governos e autoridades locais, em parceria com a sociedade civil e a polícia, devem
desenvolver programas de segurança com a participação das comunidades que promovam
maneiras práticas de se combater a violência resultante da proliferação e do mau uso de
armas e que enfoquem seu impacto específico sobre mulheres e meninas.
c
Os governos devem banir a posse de armas de assalto de especificação militar por indivíduos
particulares em todas as circunstâncias, exceto nas mais excepcionais, e de acordo com
o respeito pelos direitos humanos.
d
Os governos devem agir com a diligência devida na prevenção e investigação de atos
criminosos violentos que infrinjam o direito à vida, à liberdade, à dignidade e à segurança
da mulher. Devem levar os criminosos responsáveis por tais crimes à justiça; assegurar
uma compensação aos sobreviventes; e tomar medidas para impedir a proliferação de
armas de pequeno porte na comunidade.
33
© AP Photo/Ben Curtis
Capítulo 5
Crimes contra a mulher
em conflitos armados
Kula, 47 anos, foi estuprada por membros de um
grupo armado oposicionista. A fotografia foi tirada
em um abrigo para deslocados de guerra
em Monrovia na Libéria, em agosto de 2003.
5: Crimes contra a mulher
em conflitos armados
“Civis, especialmente
mulheres e crianças, são
os mais afetados pelos
conflitos armados. Elas
constituem a maior parte dos
refugiados e deslocados de
guerra e, cada vez mais, são
alvos de combatentes e
membros armados”.
Conselho de Segurança da ONU72
Nos últimos anos, grupos armados vêm cometendo inúmeros crimes de guerra, e outros
tipos de crime, contra a humanidade e contra a mulher, incluindo estupros em grupo.
Entre março de 1999 e fevereiro de 2000, o capítulo sobre Serra Leoa do Fórum das
Educadoras Africanas (FAWE) ajudou e ofereceu apoio a mais de 2.000 mulheres e meninas
que foram seqüestradas por membros de grupos armados. Elas eram na maioria mulheres
e meninas de Freetown e da região ocidental do país.Mais de 1.900 delas foram estupradas.
A maioria sofria de doenças sexualmente transmissíveis e muitas estavam grávidas, 80%
engravidaram dos 14 aos 18 anos de idade.73
Regulamentações internacionais proíbem governos e grupos armados de atacar civis.
Regras internacionais também estabelecem os passos que governos devem seguir na
proteção de mulheres contra a violência de gênero em tempos de conflito (ver Capítulo
7). Entretanto, para muitas mulheres e crianças, a guerra é a realidade que invade suas
casas, seus estabelecimentos comerciais, seus campos, escolas onde ensinam ou estudam,
hospitais onde trabalham e clínicas onde buscam cuidados com a saúde.
Em qualquer conflito da era atual, as pessoas que mais sofrem são civis, e a maioria
dos civis é composta por mulheres e crianças. Por exemplo, em setembro e outubro de
2004, quatro jovens estudantes palestinas foram mortas a tiros pelo exército israelense
dentro da sala de aula ou no caminho da escola na Faixa de Gaza. Entre elas, Imam alHams foi morta a tiros por soldados israelenses perto da sua escola em Rafah no dia 5 de
outubro. Excepcionalmente, esse caso teve grande repercussão porque soldados declararam
à imprensa que o comandante responsável atirou diversas vezes a queima roupa em Imam
al-Hams, quando ela já se encontrava no chão. O comandante foi acusado de uso ilegal
74
de armas, mas não de homicídio. Em outro incidente no dia 4 de maio de 2004, Tali
Hatuel, uma mulher israelense de 34 anos grávida de oito meses, e suas quatro filhas foram
assassinadas a tiros por homens palestinos armados enquanto viajavam de carro na Faixa
de Gaza. Elas foram assassinadas a queima roupa e os responsáveis pelo resgate disseram
75
que as crianças tinham balas pelo corpo todo.
Mulheres que trabalham como ativistas pela paz, mediadoras e negociadoras em
conflitos, defensoras dos direitos humanos e com ajuda humanitária também são alvos
constantes. A atenção internacional para a violência sexual contra a mulher no contexto
de conflitos armados é importante e necessária, no entanto, também é importante lembrar
dos outros aspectos da experiência da mulher com armas e conflitos.
O impacto social e econômico de conflitos armados sobre a mulher
Conflitos normalmente resultam em movimentos em massa da população civil que é
forçada a fugir de suas casas. Esse fator exerce um impacto profundo na vida das mulheres,
pois, a maior parte das pessoas deslocadas é composta por mulheres e crianças.
36
© AP Photo/Pewee Flomoku
Da mesma forma, outros fatores, como a responsabilidade de cuidar das crianças e idosos,
além das restrições sociais relativas a sua mobilidade, significam que as mulheres têm maior
dificuldades de fugir quando a população civil é atacada, portanto, são mais susceptíveis
aos abusos dos combatentes. Grupos armados e governos impõem restrições a mobilidade
das pessoas, por exemplo, com pontos de controle e fechamento de fronteiras. Essas restrições
criam situações onde mulheres correm grande risco de violência sexual.
Mulheres protestando na capital
da Libéria, Monrovia, em 2003.
Elas pedem paz, ajuda da ONU
e o fim dos assassinatos e estupros.
Quando grupos armados e soldados atacam as comunidades em busca de comida e
mantimentos, destroem ou envenenam o estoque de comida e água ou impedem que as
pessoas movimentem-se livremente e mantenham suas atividades, o impacto é
desproporcionalmente maior para as mulheres. Isso porque, durante conflitos, o peso de
gerenciar e sustentar a família e a responsabilidade de cuidar dos idosos, crianças e pessoas
com deficiências normalmente caem sobre a mulher, especialmente quando os parentes do
sexo masculino estão mais diretamente envolvidos com a luta ou encontram-se presos,
76
feridos ou mortos.
37
Crimes sexuais contra a mulher durante conflitos
“Á noite, os soldados me
estupravam. Eles vinham
quase todas as noites.
Eles diziam que quanto
mais eles me estupravam,
mais se tornavam
homens e subiam de posição
dentro do grupo”.
Sange, que se alistou como
soldado infantil, aos 10 anos, em
um dos grupos armados da
República Democrática do Congo.
Posteriormente, foi raptada
77
por outro grupo.
Armas leves são normalmente usadas pelos combatentes para causar destruição na vida
das mulheres. As armas facilitam a violência sexual contra mulheres e meninas. Ás vezes,
a violência sexual é oportunista, outra vezes é usada propositalmente como tática política
e militar.
Durante o conflito armado no leste da República Democrática do Congo, centenas
de milhares de mulheres e meninas foram estupradas e abusadas sexualmente pelas forças
combatentes. Mulheres e meninas foram atacadas em suas próprias casas, nos campos ou
enquanto exerciam suas atividades diárias. Muitas delas foram estupradas mais de uma
vez ou sobreviveram a estupros em grupo. As meninas que se alistam como soldados
infantis também têm sido vítimas de estupro e violência sexual.
Os estupros normalmente vêm acompanhados de outras formas de tortura. Em 2003,
Carolina, 15 anos, e sua mãe foram raptadas quando se dirigiam para o trabalho nas
plantações e ficaram em cativeiro por três meses. “Toda manhã, tarde e noite, os soldados
nos colocavam na mesma casa. Éramos forçadas a deitar no chão para, então, sermos
estupradas por todos. Enquanto eles faziam isso, nos batiam e chutavam no estômago, costas
e cara. A mão da minha mãe quebrou, ainda está inchada e ela não consegue mexe-la.
78
Minhas nádegas ainda doem e eu não consigo mais usar o meu braço. Eram 12 soldados”.
Mulheres e meninas combatentes
A prevalência de armas de pequeno porte, mais baratas e de fácil manuseio e transporte,
mudou as características dos combates, pois, permite que mulheres e crianças sejam
recrutadas como combatentes. Atualmente, mulheres são presença comum nas forças
armadas de muitos países. Mulheres e meninas são raptadas para se juntarem a grupos
armados ou alistam-se voluntariamente, muitas vezes como reação aos abusos que sofreram
nas mãos das forças do governo. Esses acontecimentos têm aproximado mulheres e meninas
da violência de conflitos armados, ás vezes colocando-as simultaneamente como autoras
79
e vítimas da violência.
No Nepal, onde as forças do governo e o Partido Comunista Maoísta (PCM) estão em
conflito desde 1996, acredita-se que por volta de um terço dos combatentes é composto
por mulheres. Tanto as forças do governo quanto o PCM vêm cometendo abusos contra
os direitos humanos incluindo tortura e assassinatos de civis. A maioria das mulheres do
38
Nepal tradicionalmente participa da esfera pública apenas através dos pais ou maridos e
vêm sofrendo discriminação social, legal e cultural. O PCM usou isso a seu favor e atraiu
mulheres para suas forças armadas com a promessa de maior igualdade entre os sexos.
Kamala Roka, presidente da ala feminina do PCM disse ao jornal Nepali Times: “A Guerra
do Povo encorajou as mulheres e nos trouxe confiança. Nós fomos tratadas com igualdade.
80
Entretanto, de vez em quando, vemos o domínio masculino em nosso movimento”.
Combatentes do Partido Comunista
Maoísta do Nepal no Distrito de Rukum
em abril de 2004. Estima-se que um
terço dos combatentes são mulheres.
Não são somente as mulheres que acabam nas forças combatentes, mas as meninas
também. De acordo com a Coalizão Contra o Uso de Soldados Infantis, meninas lutam
81
em conflitos em quase todas as regiões do mundo. Centenas de meninas estavam entre
as milhares de crianças que foram recrutadas como soldados nos conflitos na Libéria, que
cessaram em 1999. Todas as partes envolvidas no conflito, o governo e os dois grupos
39
“Eu capturei outras meninas
e as trouxe de volta. Eles
fizeram aquilo comigo, então
eu queria me vingar. Eu lutei
em Monrovia em junho e
julho. Muitas meninas
morreram lutando. Meninas
de 11 anos foram capturadas
e faziam parte do meu grupo.
Até as meninas menores
lutavam. Grande parte das
meninas foi estuprada depois
de capturada, mas como eu
tinha as minhas próprias
meninas, eu não deixava que
isso acontecesse. Os homens
não pegavam as meninas à
força para estuprá-las. Se
gostassem de uma menina e
quisessem leva-la, tinham que
me pedir. Em muitos casos,
eu concordava e as meninas
iam com eles. Eu tinha 46
meninas sob o meu comando”.
Uma jovem da Libéria que foi
raptada pelas forças da LURC de um
acampamento para deslocados
de guerra em abril de 2003.
Entregaram-lhe uma arma e ela foi
lutar sem nenhum treinamento.82
40
da oposição - Liberianos Unidos Pela Reconciliação e Pela Democracia (LURD) e
Movimento Pela Democracia da Libéria (MODEL) – raptaram crianças, tanto meninas
quanto meninos, que foram forçados a lutar, carregar munição, preparar comida ou
participar de outras tarefas. Meninas foram estupradas e forçadas a oferecer serviços
sexuais. Além disso, mulheres e meninas participavam ativamente das lutas.
As mulheres também são responsáveis em apoiar abusos dos homens contra os direitos
humanos. Por exemplo, na Bósnia-Herzegovina as mulheres são tão suscetíveis quanto os
homens a ideologias racistas e xenofóbicas. As mulheres bósnias forçadas a saírem de casa
em Foca em 1992 relataram que entre as forças armadas sérvias que as levaram para o
Ginásio de Esportes Partizan encontravam-se muitas mulheres soldados. Esse ginásio foi
um dos principais lugares usados pelas forças sérvias em Foca para estuprar centenas de
mulheres bósnias. As mulheres que ficaram presas ali foram estupradas dezenas ou até
centenas de vezes.83 Em Miljevina, uma vila do município de Foca, acredita-se que algumas
mulheres nativas foram responsáveis pelo seqüestro de mulheres não-sérvias e o seu
aprisionamento nos lugares onde posteriormente sofreram estupros.84
Mulheres em ação pela paz
Em conflitos ao redor do mundo, as mulheres vêm se organizando em movimentos
populares pela paz. Apesar disso, elas são freqüentemente excluídas das negociações e
iniciativas formais pela construção da paz.
Na Ilhas Salomão, o movimento Mulheres Pela Paz começou em 2000 com o esforço
de mulheres que queriam o fim de quase 5 anos de lutas entre milícias étnicas. Em um
ambiente onde a violência sexual contra mulheres era um risco iminente, um grupo de
mulheres reunia-se para rezar. Depois se dirigiria aos abrigos e acampamentos para pedir
aos jovens e meninos que deixassem as armas. Alguns homens caíam no choro quando
as mulheres falavam com eles, mas outros as ameaçavam com violência. Apesar do
Comunicado das Mulheres pela Paz lançado em maio de 2000, nenhum grupo de mulheres
foi convidado a participar das negociações que levaram ao Acordo de Paz de Townsville
assinado em outubro de 2000. Em dezembro de 2000, o parlamento concedeu anistia a
maior parte dos envolvidos nos crimes e atrocidades cometidos durante o conflito, incluindo
a violência contra a mulher.85
O que deve ser feito?
a
Todas as partes envolvidas em conflitos devem condenar publicamente a violência
contra a mulher e garantir que os participantes obedecerão às leis de guerra. É de
extrema importância que as partes tenham pessoas responsáveis pela segurança
e treinamento para o fim de abusos sexuais de meninas e mulheres que vêm sendo
característica marcante de inúmeros conflitos.
b
Todas as partes envolvidas em conflitos devem conscientizar seus combatentes
sobre o seu dever de recusar ordens que sejam ilegais, em especial as ordens
de cometer crimes de violência contra a mulher e outros crimes contra os
direitos humanos.
c
As autoridades militares devem suspender qualquer membro suspeito de envolvimento
com violência contra a mulher enquanto as alegações contra ele sejam investigadas.
Devem também levar à justiça os responsáveis por violência contra a mulher para
que sejam julgados de acordo com as leis internacionais.
d
Os governos devem cooperar para levar à justiça os suspeitos de cometer atos de
violência contra a mulher, seja por meio de tribunais do país ou por meio de tribunais
internacionais ou o Tribunal Criminal Internacional.
e
Os governos devem respeitar e implementar embargos de armas para prevenir a
transferência de armas para as zonas de conflito, onde há violência contra a mulher
e outros crimes contra os direitos humanos.
“Eu vi jovens sendo
seqüestrados. Eu vi mulheres
e meninas sendo estupradas.
Eu tinha um sentimento
dentro de mim dizendo que
eu precisava fazer alguma
coisa para trazer a paz
de volta. A ação tinha
que partir de nós mesmas.
Ninguém mais o faria”.
Martha Horiwapu, assistente social
para casos de tortura e trauma,
Mulheres pela Paz, Ilhas Salomão.86
41
Uma mulher da comunidade Acehnese
atravessa o controle de segurança
no norte de Nanggroe na Indonésia,
em novembro de 2002.
Capítulo 6
© REUTERS/Tarmizy Harva
As conseqüências da guerra
6: As conseqüências da guerra
“Eu aprendi que não há muita
diferença entre violência na guerra
e violência na paz, para as
mulheres é a mesma coisa. Nós
temos que continuar nossa própria
luta até que essas mulheres possam
unir-se à nossa sociedade e
aproveitar a vida sem violência”.
Dusca Andric-Ruzicic, Diretora da ONG
Medica Infoteka, Bósnia-Herzegovina.
Em períodos pós-guerra ou pós-conflito, a violência armada contra a mulher é muitas
vezes perpetuada pelo fácil acesso a armas e munição e pela falta de uma regulamentação
sobre a aquisição e posse de armas. Uma das tarefas mais importantes no pós-conflito é
o desarmamento dos combatentes e a sua reintegração na sociedade. No entanto, programas
de desarmamento, desmobilização e reintegração têm muitas vezes falhado em proteger
mulheres e meninas. Isso vale especialmente para mulheres e meninas que foram usadas
pelos grupos armados para favores sexuais e atividades domésticas, mas que não usavam
armas e, portanto, foram excluídas desses programas por não ser “combatentes reais”.
Este é um outro exemplo dos efeitos da sub-representação das mulheres nas negociações
oficiais pela paz e em programas pela pacificação, mesmo quando essas iniciativas são
apoiadas pela comunidade internacional.
Os efeitos brutais da guerra
Os efeitos brutais dos conflitos armados não desaparecem com o fim dos conflitos. Para
ex-combatentes, mulheres e homens, a transição da violência do combate para a vida em
família pode ser extremamente problemática. O retorno de parentes do sexo masculino,
muitos deles traumatizados e brutalizados pelo conflito, pode trazer a violência para dentro
de casa.
“Em muitos dos países que
sofreram conflitos violentos,
os índices de violência interpessoal
continua alto mesmo com o fim das
hostilidades. Isso se deve
em parte pela facilidade de
acesso as armas e o fato de que a
violência é um comportamento
socialmente aceito”.
Organização Mundial da Saúde, Relatório
mundial sobre saúde e violência.89
Se os homens trazem com eles armas, os perigos para a mulher aumentam. Um estudo
na Irlanda do Norte mostrou que a disponibilidade de armas significou que formas mais
87
perigosas de violência foram usadas contra a mulher. A ONG SOS-Belgrado relatou que
os homens ex-combatentes voltavam para suas casas traumatizados, revoltados e violentos.
88
Eles usavam as armas que trouxeram consigo para ameaçar ou violentar mulheres.
Em grande parte do Afeganistão, onde comandantes regionais e locais e seus grupos
armados ainda mantém o controle arbitrário da região, mulheres e crianças encontramse em risco de estupro e violência sexual por membros dessas facções armadas e excombatentes. Os esforços das mulheres para uma maior participação política e integração
dos direitos da mulher no processo de reconstrução têm sido obstruídos. As mulheres de
Mazar-e-Sharif e Jalalabad disseram a representantes da Anistia Internacional em abril
e maio de 2003 que a falta de segurança e medo de violência sexual fizeram com que suas
vidas ficassem piores do que na era do Talibã. As mulheres também disseram que o clima
de insegurança estava sendo usado pelos parentes do sexo masculino para justificar a
90
imposição de mais restrições a seu direito de ir-e-vir. “Se a situação piorar, meu pai disse
91
que não iremos mais à escola”, relatou uma jovem em Kabul.
Os governos, líderes de grupos armados oposicionistas e instituições internacionais
precisam chegar a um acordo sobre os mecanismos necessários para assegurar o confisco
e eliminação do excedente de armas e armas ilegais durante acordos de paz. Para que
essas medidas sejam eficazes, mulheres e outras organizações civis devem participar
ativamente das negociações e acordos de paz e do monitoramento dos programas de
desarmamento.
44
Desmobilização e reintegração de mulheres e meninas
Desarmamento, desmobilização e reintegração são parte do processo oficial de confisco
das armas de ex-combatentes, remoção dos combatentes da estrutura militar e apoio à
reintegração na vida civil. Mulheres e meninas soldados que querem ser reintegradas à
sociedade têm necessidades singulares. Isso acontece por causa de certas atitudes sociais
que, por exemplo, podem resultar na rejeição das mulheres que foram estupradas ou
abusadas sexualmente. Outra razão é o abuso por que passaram essas mulheres e meninas.
Por exemplo, mulheres e meninas que foram recrutadas como “esposas” de combatentes
não devem ser obrigadas a acompanhar o homem que as capturou, violentou e estuprou
aos abrigos de desmobilização.
“A situação das mulheres aqui
é muito ruim. As mães
têm medo. Elas temem que
algum homem armado irá fazer
mal a suas filhas”.
Diz uma mulher em
Faizabad no Afeganistão92
Até recentemente, como declarou o próprio Secretário-geral da ONU, muitos dos
93
programas falharam em levar em consideração as necessidades de meninas e mulheres.
As forças combatentes muitas vezes relutam em admitir a existência de mulheres combatentes
e, em especial, o recrutamento de meninas. Além disso, quando o acesso aos programas
de desarmamento, desmobilização e reintegração depende da devolução da arma, as
meninas soldados são muitas vezes excluídas porque não carregam armas, mas são forçadas
a trabalhar como cozinheiras ou carregadoras e a oferecer favores sexuais.
Em Serra Leoa, aproximadamente 30% dos soldados infantis nas forças rebeldes são
94
meninas. Ainda assim, entre 1998 e 2002 somente 8% das 6.900 crianças que foram
95
formalmente desmobilizadas no país eram meninas.
No entanto, tem-se presenciado progresso. Na Libéria, os programas de desarmamento,
desmobilização e reintegração desenvolvidos por agências da ONU e outras organizações
reconheceram inicialmente as dificuldades na desmobilização de mulheres e meninas,
portanto, medidas específicas foram implementadas. Por exemplo:
Campos de desmobilização separados, ou áreas separadas dentro de um mesmo campo;
Envolvimento de uma rede de organizações de mulheres com experiência no apoio a
vítimas de violência sexual, em saúde da mulher e apoio psico-social;
Acesso a cuidados médicos, educação básica, treinamentos profissionalizantes, e apoio
ao desenvolvimento pessoal.
Depois de um início fracassado em dezembro de 2003, o programa terminou em abril
de 2004, oito meses antes da assinatura do acordo de paz entre o governo da Libéria, o
97
LURD e o MODEL. Até o dia 31 de outubro de 2004, quando o programa de
desarmamento e desmobilização teve o fim declarado oficialmente, por volta de 96.000
combatentes tinham sido desarmados, muito mais do que a estimativa de 53.000.
“Depois de mais de 10 anos
de conflito, existem homens,
mulheres e, infelizmente, crianças
que só conhecem a violência.
O perigo real é que se
continuarem desempregados,
poderão reorganizar-se em grupos
e desestabilizar não somente
a Libéria, mas toda a região”.
Charlotte Abaka, Especialista sobre a
Libéria na Comissão da ONU pelos Direitos
Humanos, julho de 200496
45
Esse número inclui mais de 17.000 mulheres e por volta de 9.250 crianças, meninos e
meninas. Um grave problema com os recursos doados pela comunidade internacional
para os programas de reabilitação e reintegração colocou em risco o sucesso das iniciativas
específicas para ex-combatentes do sexo feminino. Em setembro de 2004, o Secretáriogeral da ONU e o Conselho de Segurança da ONU fizeram um pedido urgente à
comunidade internacional para que contribuísse generosamente para os programas de
reabilitação e reintegração.98 A população traumatizada da Libéria encontra-se em risco
de violência se os ex-combatentes, incluindo mulheres e meninas, não forem assistidos
adequadamente na reintegração à vida civil e completo desarmamento.
Mulheres e a construção da paz
Em 2000, em conseqüência de campanhas pelos direitos das mulheres, o Conselho de
Segurança da ONU aprovou a Resolução 1325. A Resolução Mulheres, Paz e
Segurança é um marco histórico, pois, reconhece o papel fundamental da mulher na
construção da paz. A resolução pede a completa inclusão da mulher nas tomadas de
decisão em todos os níveis, ou seja, na prevenção, gerenciamento, e resolução de conflitos,
além de participação no processo de pacificação. Refere-se ao envolvimento de mulheres
em operações da ONU e, em especial, entre observadores militares, policiais civis e
funcionários que trabalham com direitos humanos e ajuda humanitária. A resolução
também inclui as necessidades particulares de mulheres e meninas que devem ser consideradas
no planejamento de campos de refugiados, na repatriação e re-locação, na desativação de
minas, no desarmamento e reconstrução pós-conflito e nos programas de desmobilização
e reintegração.
No entanto, para que a resolução 1325 torne-se realidade muito ainda precisa ser
feito. Por exemplo, a UNIFEM, uma agência da ONU responsável pelo apoio financeiro
e técnico na promoção dos direitos humanos, participação política e segurança econômica
da mulher, continua sendo a agência da ONU com recursos mais escassos. Nos quatro
anos que seguiram a adoção da Resolução 1325, menos de 20% das resoluções do Conselho
de Segurança da ONU incluíram qualquer referência a mulheres ou diferenças entre os
sexos.99 Em resposta às campanhas internacionais de movimentos pela mulher, paz e
direitos humanos, o Conselho de Segurança da ONU, no dia 28 de dezembro de 2004,
adotou um plano de ação que implementa a Resolução 1325 para que as questões de
gênero sejam levadas em conta durante trabalhos pela prevenção de conflitos e preservação
da paz.100
46
Mulheres em ação – envolvimento no processo de paz
Desde abril de 2003, mulheres na Libéria
deram início à campanha Ação em Massa
pela Paz atraindo mulheres de todas as
religiões e classes. Enquanto as partes
envolvidas no conflito negociavam um
acordo de paz em Ghana em junho de 2003,
as mulheres levaram a Ação em Massa para
Acra. Uniram-se para impedir a saída dos
participantes do hall e bloquear a entrada
quando líderes de um dos grupos armados
ameaçavam deixar a sala de discussões.
Como resultado da campanha, as mulheres
conquistaram a participação em encontros
chave. Uma delegação de mulheres
liberianas da Rede de Mulheres pela Paz
de Mano River (MARWOPNET) participou
das negociações e foi um dos grupos
representantes da sociedade civil que
assinou como testemunha o acordo de paz
de agosto de 2003.101
O que deve ser feito?
a
As partes envolvidas nos conflitos armados, a ONU e a comunidade internacional
devem garantir que mulheres tenham participação igualitária na resolução de conflitos
e nos processos de paz, além de participar ativamente dos programas de desarmamento,
desmobilização e reintegração.
b
As partes envolvidas nos conflitos, a ONU e organizações internacionais devem
garantir o confisco e destruição efetiva do excedente de armas e armas ilegais durante
os acordos de paz. Para que isso seja feito de maneira eficaz, organizações de
mulheres e da sociedade civil devem estar ativamente envolvidas no processo.
c
Autoridades civis e militares e organizações intragovernamentais incluindo a ONU
devem garantir que as necessidades de mulheres e meninas sejam incorporadas e
enfocadas nos programas de desarmamento, desmobilização e reintegração.
d
A ONU e todos os governos que contribuem para as operações da ONU devem
garantir que as suas forças armadas não violem os direitos humanos da mulher. Isso
deve incluir a implementação de códigos de conduta que protejam a mulher contra
o abuso sexual e exploração, que coloquem os direitos humanos da mulher na base
dos treinamentos e que condenem as tropas que estejam envolvidas na exploração
sexual e outras formas de violência contra a mulher.
47
Capítulo 7
Aspecto legal:
o contexto internacional
ar, Jan
© AP Photo/John Moore
Uma família afegã cruza barreira militar
durante uma batida contra armas em
Kandahar, janeiro de 2002.
7: Aspecto legal:
o contexto internacional
De acordo com a lei internacional, os governos são obrigados a proteger as mulheres
contra a violência de gênero, incluindo a violência armada. Eles devem tomar medidas
para prevenir que armas não caiam nas mãos daqueles que abusam dos direitos humanos.
Este capítulo apresenta o contexto legal que informa e sustenta as campanhas Não à
Violência Contra a Mulher e Armas sob Controle.
As leis internacionais dos direitos humanos se referem aos direitos e à dignidade de todos
os seres humanos – mulheres, homens e crianças – em quaisquer circunstâncias e sem
discriminação. Requerem que o Estado respeite, proteja e garanta os direitos humanos.
Os direitos humanos mais fundamentais são “não-derrogáveis”, ou seja, devem ser
completamente respeitados em todas as circunstâncias, inclusive durante estados de
emergência tais como guerras. Os Estados devem prevenir, impedir, investigar, punir e
garantir compensações no que diz respeito à violência contra a mulher, quer tenha ocorrido
ou seja provável e independentemente de quem seja o autor dessa violência.
Em tempos de conflito armado, as leis humanitárias internacionais (comumente conhecidas
como leis de guerra) oferecem proteção adicional, principalmente aqueles que não têm
tparticipação ativa nas hostilidades. Mesmo durante as guerras, o direito do uso da força
não é ilimitado. Os tratados das leis humanitárias internacionais, como as Convenções de
Genebra, protegem não-combatentes de ataques diretos ou indiscriminados e outros abusos.
Provisões gerais relativas à violência contra a mulher
Os Estados são obrigados a proteger a mulher contra a violência de gênero, incluindo a
violência armada, de acordo com as provisões gerais (“para ambos os sexos”) dos direitos
humanos internacionais e dos tratados de leis humanitárias.
Leis internacionais dos direitos humanos
Proíbem permanentemente a discriminação sexual;102
Garantem permanentemente o direito à vida;103
(ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente)
Proíbem permanentemente a tortura e outros tipos de tratamentos e penas cruéis,
desumanos e degradantes, incluindo o estupro e violações sexuais.104
Leis humanitárias internacionais que se aplicam a conflitos armados:
Proíbem ataques a civis, ataques indiscriminados, e danos desnecessários ou desproporcionais
causados a civis em ataques a alvos militares;105
50
Proíbem atos como a tortura, o estupro, as atrocidades cometidas contra a dignidade
pessoal (incluindo a prostituição forçada e os ataques indecentes) e o tratamento cruel e
humilhante.106
A maior parte desses atos constituem “quebras graves” das Convenções de Genebra e
seu Protocolo Adicional I.107 Isso significa que os Estados que fazem parte destes tratados
devem processar ou extraditar os suspeitos de tais atos, independentemente do autor e
local do crime.
Normas que se referem diretamente à violência contra a mulher
Existem dois tratados internacionais em nível regional que se referem explicitamente à
violência contra a mulher:
A Convenção Inter-Americana pela Prevenção, Punição e Erradicação da Violência
Contra a Mulher, adotada em 1994;
O Protocolo da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos da
Mulher na África, adotado em 2003 (ainda não está em vigor), que inclui provisões
extensivas para a proibição da violência de gênero contra a mulher.
A Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
a Mulher (CEDAW), um tratado internacional de direitos humanos que cobre todos os
governos participantes, proíbe qualquer forma de discriminação contra a mulher. A
violência de gênero contra a mulher é uma forma de discriminação, como explica o Comitê
pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher, designado pelo CEDAW para monitorar
sua implementação, em sua Recomendação Geral No 19.108 Esta Recomendação reconhece
que a violência contra a mulher prejudica seu direito de exercer direitos humanos básicos,
incluindo o direito à vida, o direito de não ser sujeita à tortura ou maus tratos, o direito
à proteção de acordo com as leis humanitárias durante conflitos armados e o direito pessoal
à liberdade e segurança.109
Assim como os tratados de obrigação legal, existem inúmeros padrões de direitos humanos
que proíbem a violência contra a mulher. Eles foram adotados pela ONU, por órgãos
regionais intergovernamentais e outros fóruns internacionais. Eles incluem:
A Declaração da ONU sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, adotada em 1993.
A Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, adotada em 1995, que determinou as medidas
que os governos devem tomar para proteger a mulher contra a violência de gênero.
51
“A Devida Diligência” – o que o Estado deve fazer
para impedir a violência contra a mulher
Todos os Estados têm o dever de proteger as mulheres contra a violência de gênero,
incluindo a violência armada, quer tenha sido cometida por oficiais do governo, maridos
violentos, criminosos ou grupos armados. Os Estados devem exercer a “devida diligência”
para prevenir, impedir, investigar e punir a violência contra a mulher e assegurar que ela
receba compensações em caso de violência.
De acordo com o Artigo 4 da Declaração da ONU sobre a Eliminação da Violência
Contra a Mulher, “Os Estados devem estabelecer uma política de eliminação da violência
contra a mulher usando de todos os meios apropriados e sem atrasos”.
O Relator Especial da ONU sobre a violência contra a mulher, suas causas e conseqüências,
explicou o princípio da “devida diligência” da seguinte forma:
“Os Estados devem promover e proteger os direitos humanos da mulher e exercer a
“devida diligência”:
a) Para prevenir, investigar e punir quaisquer atos de violência contra a mulher (VCM),
seja no lar, no local de trabalho, na comunidade ou na sociedade, sob custódia ou em
situações de conflito armado;
b) Para tomar todas as medidas necessárias com o objetivo de dar poder às mulheres,
reforçar sua independência econômica e garantir e promover o pleno exercício de todos
seus direitos e liberdades fundamentais;
c) Para condenar a VCM sem apelar para costumes, tradições e práticas em nome da
religião ou da cultura que sirvam para evitar o cumprimento de sua obrigação de
eliminar tal violência;
d) Para intensificar os esforços em desenvolver e/ou utilizar medidas legislativas, educacionais,
sociais e outras que sejam direcionadas à prevenção da violência, incluindo a disseminação
da informação, as campanhas de educação legal e o treinamento de pessoal legal, jurídico
e da saúde.”110
A Recomendação Geral No.19 do Comitê da ONU sobre a Eliminação da Discriminação
contra a Mulher declara:
“Sob a lei geral internacional e os compromissos específicos dos direitos humanos, os
Estados devem ser também responsáveis por atos de particulares se não agirem com a
devida diligência na prevenção das violações dos direitos, se não investigarem e punirem
atos de violência, ou não providenciarem compensações”.111
52
Isto significa que os Estados são responsáveis pela prevenção e a punição dos abusos
cometidos por indivíduos contra os direitos humanos. Este é um fator chave no combate
à violência contra a mulher, que normalmente é cometida por maridos e parceiros,
empregadores, membros da família, vizinhos, corporações e outros indivíduos (“atores não
governamentais”). Isto significa que os Estados podem ser considerados responsáveis pela
violência que acontece na família – o tipo mais comumente reportado de violência contra
a mulher – a não ser que tomem medidas significativas para preveni-la ou impedi-la.
Agentes da lei e o uso da força e de armas de fogo
Alguns policiais têm a autorização do Estado para usar de força, em geral, e para carregar
e utilizar armas de fogo, em particular. A ONU adotou padrões de como a força e as armas
podem ser usadas sem infringir os direitos humanos básicos. O Código de Conduta para
Agentes da Lei foi adotado em 1979 e os Princípios Básicos do Uso da Força e das Armas
de Fogo por Agentes da Lei, em 1990.
Seus princípios básicos exigem que os agentes da lei:
“Na medida do possível, usem de meios não violentos antes de recorrer ao uso da força
e das armas de fogo. Eles podem usar da força e das armas de fogo apenas quando os
outros meios definitivamente não sejam eficazes para que o resultado esperado seja
atingido.”112
Usem armas de fogo apenas “quando o criminoso suspeito oferecer resistência armada
ou ameaçar a vida de outros e quando as medidas menos extremas não forem suficientes
para reprimir e capturar o suspeito.”113
Se o uso da força e das armas de fogo é inevitável, os agentes da lei devem, entre outras coisas:
“(a) Exercer o controle de tal uso e agir em proporção à seriedade do crime e ao objetivo
legítimo da ação;
(b) Minimizar danos e lesões, e respeitar e preservar a vida humana;
(c) Garantir que as pessoas feridas ou afetadas recebam assistência médica o mais rápido
possível.”114
53
Agentes da lei e a violência contra a mulher
A Declaração da ONU sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher pede a todos os
governos que “tomem medidas para garantir que agentes da lei e funcionários públicos
responsáveis pela implementação de políticas de prevenção, investigação e punição da
violência contra a mulher recebam treinamentos que os torne sensíveis às necessidades da
mulher”.
O Guia de Treinamento sobre os Direitos Humanos para a Polícia, publicado pelo Alto Comissariado
da ONU para os Direitos Humanos recomenda, entre outras coisas, que a polícia:
Garanta que as policiais femininas sejam capazes de fazer reclamações e recomendações
sobre questões de gênero que lhes sejam relevantes
Desencorajem conversas e piadas insensíveis sobre a diferença entre os sexos
Revisem as políticas de recrutamento, contratação, treinamento e promoção para que o
preconceito sexual seja eliminado.116
Tal prática institucional não pode ser organizada com eficácia se policiais femininas não
forem recrutadas e treinadas em todos os níveis de comando. A Resolução da Assembléia
Geral da ONU que adotou o Código de Conduta da ONU para Agentes da Lei declara
que qualquer agente da lei “deve representar, responder e ser responsável pela comunidade
como um todo”.117
Obrigações legais em tempos de guerra
As leis humanitárias internacionais devem ser aplicadas em situações de conflito armado:
não apenas em guerras internacionais entre governos, como também em conflitos armados
internos entre governos e grupos armados, ou entre dois ou mais grupos armados. Elas se
aplicam em conjunto com as leis internacionais dos direitos humanos, garantindo proteções
específicas às circunstâncias particulares do conflito armado. Estabelecem padrões de
conduta para combatentes (aqueles que participam ativamente das hostilidades) e seus
líderes. Os tratados internacionais de leis humanitárias protegem os combatentes de certos
meios e métodos de guerra (tais como armas incendiárias), mas seu objetivo específico é
proteger não-combatentes (civis, equipes médicas e ex-combatentes feridos e capturados)
de ataques indiscriminados diretos e indiretos e outros abusos. Os principais tratados legais
são as Convenções de Genebra (1949) e seus protocolos adicionais (1977).
Quase todos os governos fazem parte das Convenções de Genebra e, portanto, são
obrigados legalmente a respeitá-las e a garantir que sejam respeitadas. Eles têm o dever
de garantir que as mulheres e meninas não-combatentes e outros que não participem
ativamente das hostilidades não se tornem alvos de ataques.
54
As responsabilidades dos grupos armados
Somente os governos podem ratificar tratados internacionais, mas isso não significa
necessariamente que as regras legais internacionais não se apliquem a grupos armados.
De acordo com as normas consuetudinárias (normas que são universalmente estabelecidas,
cobrindo todos os governos, e que estejam ou não incluídas nos tratados de lei), as normas
básicas dos direitos humanos se aplicam tanto aos Estados quanto aos grupos armados
dentro desses Estados, onde exercem o controle de facto sobre territórios e assumem
responsabilidades análogas as do governo. Em um grande número de situações, os grupos
armados mostraram um comprometimento explícito com os princípios dos direitos humanos.
Algumas abordagens inovadoras foram desenvolvidas, especialmente pela UNICEF (O
Fundo das Nações Unidas para a Infância). Alguns grupos armados se comprometam a
respeitar certas normas dos direitos humanos, como a Convenção da ONU para os Direitos
da Criança.
O Artigo 3, comum à todas as quatro Convenções de Genebra, se aplica em todos os
casos de conflito armado e reflete as normas consuetudinárias internacionais. De acordo
com elas, os grupos armados, não menos que os governos, jamais devem atacar civis, tomar
reféns ou cometer torturas e outros atos cruéis, desumanos e degradantes. Regras mais
detalhadas para conflitos armados não-internacionais estão incluídas no Protocolo Adicional
II das Convenções de Genebra. Alguns grupos armados decidiram respeitar as leis
humanitárias internacionais. Caso um grupo armado tenha ou não assumido compromissos
específicos, membros individuais de um grupo armado podem e devem ser responsabilizados
por crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídios e outras violações graves dos
direitos humanos. A adoção do Estatuto de Roma do Tribunal Criminal Internacional, em
1998, aumentou bastante os prospectos de um mundo onde aqueles que cometem tais crimes,
seja a serviço do governo ou de grupos armados, não poderão mais escapar à justiça.
55
O direito de desobedecer a ordens explicitamente ilegais
Todos os combatentes e agentes da lei têm o direito de se recusar a obedecer a ordens
explicitamente ilegais. Essas incluem as ordens para cometer crimes contra a humanidade,
que por sua vez incluem assassinato, tortura, estupro, escravidão sexual, prostituição forçada,
gravidez forçada, esterilização forçada, ou qualquer outra forma de violência sexual de
gravidade similar.
O argumento de que “Eu recebi ordens de um oficial superior” não é admissível. Este
princípio é contemplado no Estatuto do Tribunal Criminal Internacional, adotado em
Roma, em 1998. O Artigo 33, chamado “Ordens superiores e prescrição da lei”, declara:
“1. O fato de um crime dentro da jurisdição do Tribunal ter sido cometido por uma
pessoa que cumpria as ordens de um Governo ou de um superior, seja militar ou civil,
não deve eximir essa pessoa de responsabilidade criminal, exceto quando:
(a) A pessoa tinha a obrigação legal de obedecer às ordens do Governo ou do superior
em questão
(b) A pessoa não sabia que a ordem era ilegal
(c) A ordem não era explicitamente ilegal.
2. Para os propósitos deste artigo, as ordens para cometer genocídio ou crimes contra
a humanidade são explicitamente ilegais.”
Os tratados internacionais dos direitos humanos contêm princípios semelhantes. Por
exemplo, a Convenção da ONU contra a Tortura e Outros Tratamentos e Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes garante que: “Uma ordem de um oficial superior ou de uma
autoridade pública não pode ser invocada como justificativa de tortura”.118 Uma declaração
similar é empregada na Declaração da ONU sobre a Proteção de todas as pessoas contra
os Desaparecimentos119 Forçados e nos Princípios de Prevenção e Investigação Eficazes de
Execuções Extralegais, Arbitrárias e Sumárias.120
56
O controle sobre a transferência de armas
O Programa de Ação da ONU sobre Armas de Pequeno Porte,121 aprovado em julho de
2001, exige que todos os Estados participantes implementem uma série de medidas para
controlar as armas de pequeno porte e as armas leves, incluindo:
O armazenamento seguro de armas
A destruição de excedentes
O registro e localização de armas apropriados
A documentação de transferência e o controle da produção, do comércio, da intermediação
e da exportação.
Em janeiro de 2002, a Assembléia Geral da ONU convocou todos os governos para
implementar o Programa de Ação.122 Para impedir que armas caiam nas mãos erradas, os
Estados participantes se comprometeram a: “avaliar os pedidos de autorização para exportação
de acordo com regulamentações nacionais rígidas e procedimentos que cubram todas as
armas de pequeno porte e armas leves, e que estejam de acordo com as responsabilidades existentes
dos Estados sob as leis internacionais relevantes” (ênfase dos autores).123
Mas quais são essas responsabilidades existentes? O Tratado do
Comércio de Armas proposto, inspirado por vencedores do Prêmio
Nobel da Paz, condensa essas obrigações existentes em uma
nova convenção (ver Anexo 1 para os princípios fundamentais).
O apoio para que esse documento se torne um tratado de obrigação
internacional está crescendo. Diversos governos já apóiam essa
iniciativa, incluindo os governos do Camboja, Costa Rica, Finlândia,
Quênia, Nova Zelândia, Espanha, Tanzânia e Reino Unido.
57
8: O caminho a seguir
No mundo todo, homens e mulheres estão se organizando para lutar contra a violência
contra a mulher e o impacto das armas na vida das mulheres. Essas pessoas fazem
campanhas de diversas formas e, muitas vezes, em situações de extremo perigo. Cada
um de nós pode exercer seu papel ao apoiar a luta pelo fim da violência contra a mulher
e pelo fim da proliferação e mau uso de armas.
Todos devem assumir suas responsabilidades. As mudanças têm que ocorrer no nível
internacional, nacional e local e devem ser realizadas conjuntamente por responsáveis
pelas tomadas de decisão, instituições e indivíduos.
Os abusos contra os direitos humanos, como os abordados nesse relatório, somente
chegarão ao fim quando cada um de nós tomar providências contra essa violência. Quando
ficamos em silêncio ou não agimos, somos cúmplices dessa violência e da ameaça de
violência que tantas mulheres sofrem diariamente. A mudança está em nossas mãos!
O que você pode fazer?
Use as informações nesse relatório para clamar por ações contra o impacto das armas
de fogo na vida da mulher. Os quadros no final do capítulo 2 e 6 pontuam as medidas
mais importantes que devem ser tomadas na luta contra a violência contra a mulher e a
proliferação e o mau uso de armas no lar e na comunidade, durante ou após conflitos.
Decida quais medidas são importantes de acordo com sua situação local e utilize-as como
questões chave de campanha.
58
58
Levante sua voz pelas mulheres que sofrem
com a violência armada
Exija que seu governo, órgãos internacionais e, em alguns casos, grupos armados
tomem iniciativas contra a violência armada contra a mulher.
Condene a violência armada contra a mulher quando e onde quer aconteça.
Não à violência contra a mulher
Combata as atitudes que estimulem ou reforcem a violência contra a mulher e promova
a igualdade entre os sexos.
Apóie organizações de mulheres que lutam pelo fim da violência e que promovam
a igualdade no acesso ao poder político, tomadas de decisão e recursos.
Confronte as autoridades que deixem de prevenir e punir a violência ou que ratifiquem
a violência contra a mulher.
Exija a abolição de leis nacionais que discriminem mulheres ou que permitam que
crimes de violência contra a mulher fiquem impunes.
Visite o site www.amnesty.org/actforwomen e assine a Campanha Não à Violência
Contra a Mulher da Anistia Internacional.
Não à proliferação e mau uso de armas
Apóie o Tratado do Comércio de Armas internacional pelo fim da proliferação de armas
que levam à violência contra a mulher e outros crimes contra os direitos humanos.
Exija que as autoridades nacionais e locais tornem obrigatórios controles rígidos para
o porte e uso de armas de fogo.
Promova a cooperação entre o governo e a sociedade civil para tornar comunidades
mais seguras.
Assine a petição Um Milhão de Caras e encoraje outras pessoas da comunidade a fazer
o mesmo. Visite o site www.controlarms.org
Anexo 1: Resumo dos princípios do Tratado do Comércio
de Armas proposto
Em outubro de 1995, um grupo de laureados do Prêmio Nobel da Paz prometeu ajudar a promover uma
iniciativa internacional para o estabelecimento de um acordo para o controle do comércio de armas. Juntos,
eles redigiram o Código de Conduta Internacional dos Laureados do Prêmio Nobel da Paz para Transferência
de Armas, que se tornou o Tratado do Comércio de Armas. Até agora, essa iniciativa recebeu o apoio de 20
indivíduos e organizações premiados com o Nobel da Paz.
O Tratado do Comércio de Armas proposto (TCA, também conhecido como a Convenção Estrutural sobre a
Transferência Internacional de Armas) enfoca os compromissos dos governos no que diz respeito à transferência
internacional de armas. Baseia-se na idéia de que outros assuntos importantes relativos ao comércio de
armas, tais como a intermediação, a produção licenciada e o monitoramento da finalidade do uso de armas
serão abordados em protocolos subseqüentes. Os envolvidos na promoção do TCA afirmam que os princípios
e mecanismos estabelecidos devem ser igualmente aplicados à maior variedade possível de armas e munições
usadas em operações militares e de policiamento, incluindo seus componentes, tecnologias e assistência
técnica, bem como os recursos materiais de treinamento para uso dessas armas e munições.
O princípio básico do TCA, estabelecido no Artigo 1, é de que todas as transferências internacionais de
armas devem ser autorizadas pela autoridade governamental apropriada, de acordo com a legislação nacional.
A legislação nacional deve conter os requisitos mínimos (que serão estabelecidos em um anexo ao TCA) que
garantam que cada pedido de autorização para transferência de armas seja avaliado e licenciado individualmente.
Os princípios do TCA deverão ser aplicados como requisitos mínimos, e não devem lesar a aplicação de
normas, instrumentos ou requerimentos nacionais, regionais ou internacionais mais rigorosos.
Os Artigos 2, 3 e 4 do TCA contêm as principais obrigações dos governos na autorização da transferência
de armas.
O Artigo 2 codifica as limitações vigentes das leis internacionais sobre a liberdade dos governos de transferir
e autorizar a transferência de armas. Essas limitações incluem:
As proibições da Carta das Nações Unidas (inclusive as decisões do Conselho de Segurança, como os
embargos de armamentos)
Qualquer tratado internacional de que um governo já faça parte, incluindo os embargos adotados por
outros órgãos internacionais ou regionais (como a União Européia) e estabelecidos de acordo com um
tratado, bem como outros acordos contendo proibições às armas, como a Convenção das Minas Anti-Pessoal
Os princípios universalmente aceitos das leis humanitárias internacionais, incluindo a proibição do uso
de armas incapazes de distinguir entre alvos civis e militares, ou que causem danos supérfluos ou sofrimento
desnecessário. A proibição dessas transferências segue a premissa de que a transferência de tais armas
é irreconciliável com a proibição, de acordo com as leis humanitárias internacionais e o uso dessas armas.
Essa proibição também cobre armas cujo uso é proibido por convenções específicas, mas que não se refiram
à questão das transferências.
60
Aquelas que tenham origem em, ou que sigam as leis consuetudinárias internacionais. Em algumas
circunstâncias, a transferência de armas de um Estado a outro, ou a pessoas no território de um outro Estado
que não tenham a permissão deste, consiste em uma quebra das obrigações vigentes de acordo com as leis
consuetudinárias internacionais que dizem respeito, por exemplo, ao uso ou ameaça de força. As transferências
a pessoas que não exerçam autoridade governamental também podem consistir em quebra do princípio de
não intervenção nos assuntos internos do Estado.
O Artigo 3 contém limitações baseadas no uso, ou na probabilidade de uso da arma. Este artigo engloba o
princípio das leis internacionais largamente reconhecido de que um governo não deve participar das ações
irregulares de outros governos, como estabelecido no Artigo 16 dos Artigos sobre as Responsabilidades dos
Estados por Ações Internacionalmente Irregulares da Comissão de Direito Internacional da ONU. Portanto, os
governos têm a responsabilidade de garantir que as armas transferidas por eles não sejam empregadas ilegalmente.
A transferência não deve acontecer se o governo souber, ou tiver o dever de saber, que as armas serão:
Usadas de maneira a desrespeitar a Carta da ONU, especialmente a proibição de ameaça ou uso da força
do Artigo 2(4) e os princípios relacionados que dizem respeito a ameaças ou perturbações da paz e atos
de agressão do Artigo 16 dos Artigos sobre as Responsabilidades dos Estados por Ações Internacionalmente
Irregulares da Comissão de Direito Internacional da ONU, de 1970 (Resolução 2625 (XXV) da Assembléia
Geral de 1970) e outras resoluções da ONU que estabelecem esses padrões.
Usadas em violações graves dos direitos humanos, incluindo as violações de provisões não derrogáveis
das principais convenções internacionais, como a Convenção Internacional dos Direitos Políticos e Civis,
de 1996; a Convenção Européia pela Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, de 1950;
a Convenção Americana dos Direitos Humanos, de 1969; e a Carta Africana sobre os Direitos Humanos e
dos Povos; assim como convenções multilaterais largamente reconhecida, como a Convenção contra a
Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
Usadas em violações graves das leis humanitárias internacionais, incluindo o desrespeito às Convenções
de Genebra de 1949, bem como violações de princípios fundamentais das leis humanitárias internacionais
contidos em outros acordos normativos multilaterais e das leis consuetudinárias internacionais.
Usadas na promoção de genocídios ou crimes contra a humanidade.
Desviadas e usadas para cometer quaisquer dos atos mencionados acima.
O Artigo 4 não contém proibições à autorização da transferência de armas. No entanto, contém outros três
fatores que os governos são obrigados a considerar antes de autorizar a transferência de armas. Esses fatores
levam em conta o possível efeito da transferência de armas. Os governos devem considerar especificamente
se as armas podem:
61
Ser usadas para cometer, ou facilitar a ocorrência de crimes violentos.
Afetar de maneira adversa a estabilidade e a segurança de uma região.
Afetar o desenvolvimento sustentável de maneira adversa.
Ser desviadas e usadas para quaisquer dos propósitos mencionados acima.
O Artigo 5 do TCA requer que os Estados estabeleçam mecanismos de autorização e licenciamento em sua
legislação nacional que façam com que a convenção seja devidamente implementada. O sistema legal de
cada governo deve, portanto, agir como o mecanismo principal de execução do tratado. Um Anexo (que está
por ser redigido) desenvolverá os padrões mínimos para assuntos como a necessidade de se estabelecer
um mecanismo de licenciamento individual, requerimentos básicos de revelação de dados pessoais dos
candidatos ao porte legal de armas e mecanismos de escrutínio parlamentar.
O Artigo 6 do TCA criará um Registro de Transferências Internacionais de Armas em que as partes contratantes
deverão submeter um relatório anual de transferências de armas. Embora a ONU já tenha estabelecido um
Registro de Armas Convencionais parecido, ele não inclui todos os tipos de armas, como as armas de pequeno
porte, e não está ligado à implementação de uma série de padrões normativos.
62
Anexo 2: Diretrizes para trabalhos comunitários pela redução
da violência armada contra a mulher
É impossível prescrever soluções universais para o aumento da segurança nas comunidades através
da redução da violência resultante da proliferação e mau uso de armas. No entanto, experiências levam
a algumas diretrizes:
1
Uma análise e conhecimento detalhados da sociedade e sua organização e controle são fundamentais
na identificação das causas principais da violência contra a mulher nas comunidades e da proliferação
e mau uso de armas. A pesquisa deve incluir todos os envolvidos, em particular, as pessoas que exercem
o poder.
2
Deve-se adotar uma visão holística da situação que leve em conta todas as questões dos direitos humanos
incluindo direitos civis e políticos (como a participação da mulher na vida pública, brutalidade da polícia
e impunidade) e direitos sociais, econômicos e culturais (como acesso à educação, pobreza e desemprego).
Alternativas ao uso de armas como meio de vida devem ser consideradas.
3
O compromisso real da comunidade é fundamental. Iniciativas devem ser tomadas pelos habitantes locais
para que se garanta a relevância, a participação, a responsabilidade e a compreensão. Os representantes
políticos e a polícia devem ser representantes da comunidade, responsáveis por ela e receptivos a seus
membros.
4
As necessidades, perspectivas e talentos de todos os membros da comunidade devem ser incorporados.
Isso inclui homens, mulheres, meninas, meninos, idosos e pessoas com deficiência, independentemente
da etnia ou religião. Por exemplo, é possível que ex-combatentes e membros de gangues de lados
diferentes tenham muito em comum e possam agir em conjunto para desafiar a discriminação e violência
baseada nas diferenças entre os sexos e a cultura da arma. As mulheres e as organizações de mulheres
devem exercer o poder e enfrentar a discriminação para que sua voz e influência tenham o mesmo peso
em todas as iniciativas da comunidade. Deve-se buscar meios de se oferecer um senso de identidade
e objetivos alternativos, apoio em grupo e segurança para jovens meninas e meninos.
5
A parceria entre sociedade civil e governo é fator chave. A participação da sociedade civil é fundamental
para que ocorram mudanças construtivas. No entanto, mudanças sustentáveis nas políticas e na prática
também pedem a participação do governo. Os governos podem ser fortes aliados que apóiam, reforçam
e sustentam movimentos por reformas, porém, a sociedade civil deve cuidadosamente evitar cooptações
e incentivos que legitimem políticas governamentais inapropriadas. Um fluxo efetivo de informações é
fundamental para garantir uma cooperação eficaz.
63
Notas
1
Declaração da ONU sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher
Artigo 1 da resolução 484da Assembléia Geral da ONU,
10 de dezembro de 1993.
2
Comitê da ONU sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher,
Recomendação Geral No. 19, Violência contra a Mulher (11a. sessão,
1992) Documento da ONU HRI\GEN\1\Rev.1, parágrafo 6
3
4
Relatório de Barbara Frey, Relatora Especial da ONU sobre a prevenção
da violação dos direitos humanos cometida com armas leves e de
pequeno porte, Documento da ONU E/CN.4/Sub.2/2004/37 21 June2004,
parágrafo 50
Small Arms Survey 2002: Counting the Human Costum, projeto do
Instituto de Graduação em Estudos Internacionais de Genebra, Oxford
University Press 2002 IN Vidas Despedaçadas: Um caso para rígidos
controles internacionais de armas (AII ndex: ACT 30/001/2003)
5
It’s in our hands: Stop violence against women
(AII ndex: ACT 77 /001/2004), p.4.
6
Organização Mundial da Saúde, Small Arms and Global Health,
2001, IN Relatório de Barbara Frey, Relatora Especial da ONU sobre
a prevenção da violação dos direitos humanos cometida com armas
leves e de pequeno porte Documento da ONU E/CN.4/Sub.2/2004/37
(2004),www1.umn.edu/humanrts/demo/smallarms2004-2.html
7
A Declaração da ONU sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher
define a violência contra a mulher da seguinte maneira: “qualquer ato
de violência de gênero que resulte, ou que possa resultar, em sofrimento
ou dano físico, sexual, ou psicológico à mulher, incluindo ameaças,
coerção, privação arbitrária de liberdade, quer ocorram na vida pública
ou privada.” (Artigo 1)
8
Os envolvidos na promoção do Tratado do Comércio de Armas afirmam
que os princípios e mecanismos descritos no Tratado devem ser
aplicados igualmente à maior variedade de armas e munição possível
para uso em operações militares, aplicação da lei, incluindo seus
componentes, tecnologias e assistência técnica, e recursos materiais
para treinamento no uso de armas e munição.
9
Maryse Jaspard et l’quipe Enveff, “Nommer et compter
nationale en France”, POPULATION ET SOCIÉTÉS, bulletin
mensuel d’information de l’Institut national d’études
démographiques, Número 364, janeiro de 2001
www.ined.fr/publications/pop_et_soc/pes364/.
em crime.”Essa provisão contradiz tanto a Constituição da Nigéria como
os Tratados Internacionais dos quais a Nigéria faz parte como a Carta
Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos, que foi incorporada
à lei nacional da Nigéria.
15 Patrick Ashby “Killing Guns in Domestic Abuse: Utilizing
protection orders to remove guns from domestic
violence”Hart Leadership Program, 2003; disponível em
http://www.pubpol.duke.edu/centers/hlp/programs/sol/
overview/research/ashby/interviewtranscripts.html.
16 Relatório Henrion, Ministério da Saúde, Paris fevereiro
de 2001 IN Ignacio Ramonet, “Violence begins at home”
Le Monde Diplomatique, julho de 2004.
17 “Every six hours a woman is killed by her intimate partner”
A National Study of Female Homicide in South Africa,
Grupo de Pesquisa sobre Gênero e Saúde, Conselho
de Pesquisa Médica, Policy Brief No. 5, junho de 2004.
18 CEMUJER, Clínica de Atención Integral y monitoreo de
medios escritos La Prensa Gráfica y El Diario de Hoy,
2002, http://www.isis.cl/temas/vi/dicenque.htm#els.
19 Jacquelyn C. Campbell, Daniel Webster, Jane KoziolMcLain, Carolyn Block, Doris Campbell, Mary Ann Curry,
Faye Gary, Nancy Glass, Judith McFarlane, Carolyn Sachs,
Phyllis Sharps, Yvonne Ulrich, Susan A Wilt, Jennifer
Manganello, Xiao Xu, Janet Schollenberger, Victoria Frye
and Kathryn Laughon “Risk Factors for Femicide in
Abusive Relationships: Results from a Multisite Case
Control Study” American Journal of Public Health, julho de
2003; 93: 1089–1097.
20 D.J.Wiebe, “Homicide and Suicide Risks Associated with
Firearms in the Home: A National Case-Control Study”
Annals of Emergency Medicine, janeiro-junho de 23, Volume
4, American College of Emergency Physicians.
21 Relatório Henrion, op cit, “Every Six Hours”: A National Study
of Female Homicide in South Africa, op cit, FBI,
Supplementary Homicide Reports, 1976-2002, IN
Bureau of Justice Statistics, Homicide trends in the U.S.:
Intimate homicide; revisado em 28 de setembro de 2004;
disponível em http://www.ojp.usdoj.gov/bjs,homicide/intimates.htm.
22 “The Lived Experience of Battered Women” op cit.
10 Relatório Mundial sobre Violência e Saúde editado por Etienne G.
Krug, Linda L. Dahlberg, James A. Mercy, Anthony B.
Zwi e Rafael Lozano Organização Mundial de Saúde,
Genebra, 2002
11 Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, op cit.
12 Wendy K.Taylor, Lois Magnussen, Mary Jane Amondson,
“The Lived Experience of Battered Women” Violence
Against Women, Vol. 7, No. 5, maio de 2001.
13 Rachel Jewkes et al, ‘He must give me money, he mustn’t
beat me’: Violence against women in three South African
provinces Conselho de Pesquisa Médica, 1999.
14 Zamfara, Governo da Nigéria Código Penal Shari’ah, janeiro de 2000
as sessões 76(1) e 76(1)(d) garantem que “Qualquer abuso que cause
lesão corporal grave sobre qualquer pessoa, e que seja cometido [inter
alia]…pelo marido no intuito de repreender sua esposa não consiste
23 Hemenway D., Shinoda-Tagawa T., Miller M., “Firearm
availability and female homicide victimization rates
among 25 populous high-income countries”Journal of
the American Medical Women’s Association, abril-junho 2002;
57 (2): 100-4
24 NSW Bureau of Crime StatisticsResearch, Gun and
Knife Attacks, StatisticalReportNo.9, 1973. H.
Wolfenden, S. Dean “Gunshot wounds and stabbings:
Experience with 24 cases” Australian & New Zealand
Journal of Surgery 57, 1987, pp19-22. Barlow and Barlow
“More on the role of weapons in homicidal violence”,
Med Law 7, 1988: 347-358. Sarvevaran and Jayewardene,
“The role of the weapon in the homicide drama”, Med Law
4, 1985: 315-326. Peterson et al “Self-inflicted gunshot
wounds:Lethality of method versus intent”, Am J
Psychiatry 142 (2), fevereiro de 1985: 228-231.
25 Edna Erez e Shayna Bach, “Immigration, Domestic
Violence, an the Military: The Case of ‘Military
Brides’”, Violence Against Women, Vol. 9, No. 9,
setembro de 2003.
os territórios e estados da Austrália emendaram sua legislação sobre as
armas para agir em conformidade com o Acordo Nacional sobre Armas de
Fogo adotado em maio de 1996.
26 Alex Duval Smith and Bourgoin-Jallieu, “Rugby’s brutal
world exposed by killing”, The Observer, Londres, 15
de agosto de 2004.
41
Ozanne-Smith J., Ashby K., Newstead S., Stathakis V. Z.
e Clapperton A., “Firearm related deaths: the impact of
regulatory reform”, Injury Prevention, 2004, 10:280-286.
27 Lisa Vetten, “Reconstruct”, The Sunday Independent,
Londres, junho de 2001.
42
http://www.mothersagainstguns.org
43
Adele Kirsten, “Women Making the Links: Women Peace
and Justice”, palestra em “In the Line of Fire: A
Gender Perspective on Small Arms Proliferation Peace
Building and Conflict Resolution”, Palácio das Nações,
Genebra, 7-8 de março de 2001.
44
Para uma revisão global e a elaboração dos padrões para o uso de armas
pela polícia, ver Guns and Policing: Standards to Prevent Misuse (AI Index:
ACT 30/001/2004) e Brian Wood
com Glenn MacDonald, “Critical Triggers :implementing
international standards for police firearms use”, Small Arms
Survey 2004: Rights at Risk, www.smallarmssurvey.org
45
Anistia Internacional, The Wire, setembro de 2004.
46
Ver Guns and Policing: Standards to Prevent Misuse e
“Critical Triggers: implementing international standards
for police firearms use”, op cit.
47
Mumbi Risah “Raped by a Gun”, The Devastating Impact
of Small Arms and Light Weapons on the Lives of Women,
IANSA Women’s Caucus, 2001.
48
Solomon Islands: Women confronting violence (AI Index:
43/001/2004).
49
Ver, por exemplo, Nigeria: Repression of women’s protests in
oil-producing delta region (AI Index: AFR 44/008/2003).
50
“The Lived Experience of Battered Women”, Violence
Against Women, op cit.
51
Afghanistan: “No one listens to us and no one treats us
as human beings”– Justice denied to women (AI Index:
ASA 11/023/2003).
52
Monitoring the Implementation of the Domestic Violence Act:
First Research Report 2000-2001, op cit, p. 104.
53
“Killing Guns in Domestic Abuse: Utilizing protection
orders to remove guns from domestic violence”, op cit.
54
“Finding True Peace in Post-War Bosnia-Herzegovina”,
UNIFEM Trustfund, Telling the Stories, disponível em
http://www.unifem.org/index.php?f_page_pid=168.
55
David Fickling, “Raskol gangs rule world’s worst city”,
The Guardian, Londres, 22de setembro de 2004.
56
Ver Small Arms Survey 2004: Rights at Risk, op cit,
www.smallarmssurvey.org
57
Patrick Ashby “Killing Guns in Domestic Abuse: Utilizing
protection orders to remove guns from domestic violence, op cit.
58
David Fickling, “Raskol gangs rule world’s worst city”,
The Guardian, Londres, 22 de setembro de 2004.
28 Kathleen C. Basile, “Rape by Acquiescence:The Ways in
Which Women‘ Give in’ to Unwanted Sex with Their
Husbands”, Violence Against Women, Vol. 5, No.9,
setembro de 1999.
29 Naeema Abrahams, Dr Rachel Jewkes, “Comments on
the Firearms Control Bill Submitted to the Portfolio
Safety and Security Committee”, 27de janeiro de 2000;
disponível em
http://www.gca.orgza/bill/submssions/jewkes.htm
30 Carta de Kwing Hung, Departamento de Justiça do Canadá
Divisão de Pesquisa e Estatísticas, 25 de novembro de 2004.
31 Jenny Mouzos e Catherine Rushforth, “FirearmRelated
Deaths in Australia 1991-2001”, Trends and Issues in
Crime and Criminal Justice, No. 269, Australian Institute
of Criminology, 2003.
www.aic.gov.au/publications/tandi2/tandi269.pdf.
32 “Risk Factors for Femicide in Abusive Relationships:
Results From a Multisite Case Control Study” op cit.
33 Lei de Controle de Crimes Violentos e Aplicação da Lei de 1994, emendado
pela Emenda Lautenberg Amendment sobre Violência Doméstica em 1996.
Campanha Brady, Disarming Domestic Violence Abusers:
34 States Should Close Legislative Loopholes That Enable
Domestic Abusers to Purchase and Possess Firearms,
setembro de 2003, http://endabuse.org/programs/
publicpolicy/files/BradyReport.pdf.
35 “Closing Illegal Gun Markets: Extending Criminal
Background Checks to Al l Gun Sales” , Educational
Fund to Stop Violence, maio de 2002.
36 “I don’t want to die”, Domestic violence in Iraq (AI Index:MDE 1424
37 Penny Parenze, Lillian Artz e Kelley Moult, Monitoring
the Implementation of the Domestic Violence Act: First
Research Report 2000-2001, Consortiumon Violence
Against Women, publicado pelo Instituto de Criminologia da Universidade
da Cidade do Cabo, 2001, pp. 64-65.
38 G. Satherley, T. Hewett, H. Signy, “Gunman slaughters six
– Family feud on Central Coast”, Sydney Morning Herald,
28 de outubro de 1992
39 Organização das Nações Unidas, Estudo Internacional sobre a
Regulamentação de Armas de Fogo, atualizado em agosto de 1999, Belarus,
IN SAFER-Net, http://www.research.ryerson.ca/SAFERNet/
regions/Europe/Blr_JL03.
40 Ver, por exemplo, a Lei das Armas de Fogo de 1996 (NewSouth
Wales), a Lei das Armas de Fogo de 1996 (Victoria) e a Lei das Armas de
Fogo de 1977 (sul da Austrália) (emenda de 1996). Em 1996 e 1997 todos
59 Brian Wood, Undule Mwakasungura e Robert Phiri,
Malawi Security Sector Reform: Pilot Project Report
Lilongwe, agosto de 2000.
60 Malawi Security Sector Reform: Pilot Project Report, op cit.
61 Undule Mwakasungura, Armed Violence in Malawi: An
analysis of Press Reports, 26 de junho de 2000.
62 Depoimento de mulheres nos Fóruns de Policiamento da Comunidade
de Malawi, 2000 e 2001.
63 Human Rights Watch, Climate of Fear: Sexual Violence and
Abduction of Women and Girls in Baghdad, julho de 2003.
64 Viva Rio, Brasil, IN Vidas Despedaçadas: um caso para rígidos controles
internacionais de armas, op cit.
65 “Gun crime: Has anything changed?”, BBC News Online
29 de abril de 2004.
79 Vanessa Farr, “Men, women and guns: Understanding
how gender ideologies support smal larmsand light weapons proliferation.
” Bonn International Center for Conversion (BICC), Conversion Survey
2003: Global Disarmament, Demilitarization and Demobilization. Nomos
Verlagsgesellschaft: Baden-Baden, Alemanha, 2003: 120-133.
80 Liz Philipson, Conflict in Nepal: Perspectives on the Maoist Movement,
Centre for the Study of Global Governance,
London School of Economics and Political Science, Maio de 2002.
81 Ver Coalizão Contra o Uso de Soldados Infantis, Child
Soldiers: Global Report 2004.
82 Liberia: The promises of peace for 21,000 child soldiers, 17 de maio de
2004 (AI Index: AFR 34/006/2004).
83 Human Rights Watch, Bosnia and Hercegovina: “A Closed Dark Place”:
Past and Present Human Rights Abuses in Foca, July 1998,
www.hrw.org/reports98/foca. Ver também Prosecutor v. Kunarac et al,
ICTY Case No. IT-96-23 e IT-96-23/1, Trial Chamber II, julgamento do
dia 22 de fevereiro de 2001.
66 Ver Small Arms Survey 2004: Rights at Risk, op cit, capítulo 2.
67 “Criminals fund gun crime fight”, BBC News Online, 19
de julho de 2003
68 Patrick Luganda, “Grace Loumo Spearheads The
Karamoja Women’s Peace Drive”, The New Vision,
14 de outubro de 2003, IN Christina M. Yeung, Gender
Perspectives on Small Arms Proliferation in Karamoja, Universidade das
Nações Unidas, publicação futura.
69 Entrevista com meninas e jovens entre 14 e 23 anos de idade feita pela
Viva Rio em janeiro de 2004.
70 Rebecca Allison, “Anniversary of the Aston murders
brings little progress in reclaiming the streets,” The
Guardian, Londres, 1 de janeiro de 2004.
71 O Artigo 5 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra a Mulher exige, em especial, que governos “auxiliem
na transformação dos padrões de conduta cultural e social de homens
e mulheres no intuito de eliminar preconceitos e outras práticas baseados
na idéia de inferioridade ou superioridade dos sexos ou em idéias
estereotipadas sobre o papel do homem e da mulher.”
72 Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU
www.un.org/events/res_1325e.pdf
84 Bosnia and Hercegovina: “A Closed Dark Place”: Past and Present Human
Rights Abuses in Foca, op cit. Ver também Prosecutor v. Kunarac et al,
ICTY Case No. IT-96-23 and IT-96-23, Trial Chamber II, julgamento do
dia 22 de fevereiro de 2001.
85 http://www.womenwarpeace.org/solomon_islands/
solomon_islands.htm
86 “Women who brought peace to the Solomon Islands”,
Caritas Australia News Room, disponível em
http://www.caritas.org.au/newsroom/news_from_field_si.
htm
87 Ending Violence Against Women: A Challenge for Development and
Humanitarian Work, Francine Pickup, Suzanne Williams e Caroline
Sweetman, Oxford, Oxfam GB, 2001, IN Vidas Despedaçadas: Um caso
para rígidos controles internacionais de armas, op cit.
88 Zorica Mrsevic e Donna M Hughes, “Violence Against
Women in Belgrade,Serbia: SOS Hotline 1990-1993”,
Violence Against Women, Vol.3, No.2 1997.
89 Organização Mundial de Saúde (OMS), Genebra, 2002, Relatório Mundial
sobre Violência e Saúde, p.15.
90 Afghanistan: “No one listens to us and no one treats us as human beings”
– Justice denied to women, op cit.
73 Sierra Leone: Rape and other forms of sexual violence against girls and
women (AI Index: AFR 51/035/2000)
91 Take the Guns Away: Afghan Voices on Security and Elections, op cit.
74 Anistia Internacional – Universal Children’s Day Action:
Israel and the Occupied Territories and the Palestinian Authority – Act
Now to Stop the Killing of Children! (AI Index: MDE 02/002/2004).
92 The Human Rights Research and Advocacy Consortium (HRRAC), Take
the Guns Away: Afghan Voices on Security and Elections, Kabul, setembro
de 2004.
75 Universal Children’s Day Action: Israel and the Occupied Territories and
the Palestinian Authority – Act Now to Stop the Killing of Children!, op cit.
93 De acordo com o Secretário Geral da ONU Kofi Annan, ”para que as
iniciativas DDR (desarmamento, desmobilização e reintegração) tenham
sucesso deverão ser baseadas no conhecimento de quem são os
combatentes: mulheres, homens, meninas, meninos. Análises recentes
dos processos de DDR a partir de uma perspectiva de gênero mostraram
que as mulheres combatentes são muitas vezes invisíveis e suas
necessidades desprezadas.” TheSecretary-General’s Study. Women
Peace and Security. ONU, Nova York. 2002, IN UNIFEM, Getting it Right,
Doing it Right: Gender and Disarmament, Demobilization and Reintegration,
outubro de 2004, Nova York,
http://www.womenwarpeace.org/issues/ddr/gettingitright.pdf
76 Ver Vidas Despedaçadas: Um caso para rígidos controles internacionais
de armas, op cit.
77 Democratic Republic of Congo; Mass rape – time for remedies, (AI Index:
AFR 62/018/2004)
78 Democratic Republic of Congo; Mass rape – time for remedies, op cit.
94 Mazurana, D. McKay, S., Carlson, K., Kasper, J.,
“Girls in fighting forces and groups: Their recruitment,
participation, demobilizationandreintegration”, IN Peace
and Conflict, Journal of Peace Psychology, 8, 2, pp. 97-123, copyright
Lawrence Erlbaum Associates Inc.
os governos sobre o significado de provisões específicas do tratado e
sobre o que os governos devem incluir nos relatórios para o comitê no
que diz respeito às medidas tomadas para garantir sua implementação.
109
Comitê pela Eliminação da Discriminação Contra a Mulher, Recomendação
Geral No.9, Violence against women, Documento da ONU A/47/38, 29
de janeiro de 1992.
110
Radhika Coomaraswamy, Relatora Especial sobre Violência Contra a
Mulher, Relatório para a Comissão de Direitos Humanois, Documento
da ONU E/CN. 4/2003/75, 6 de janeiro de 2003, parágrafo 85.
111
Comitê pela Eliminação da Discriminação Contra a Mulher, Recomendação
Geral No. 9, Violence
against women (11a. sessão 1992), Compilation of
General Comments and General Recommendations
Adopted by Human RightsTreaty Bodies, Documento da ONU
HRI\GEN\\Rev at 84 (1994), parágrafo 9.
98 “Fourth progress report of the Secretary-General on the
United Nations Mission in Liberia”, 10 de setembro de 2004,
Documento da ONU S/2004/725, e Resolução 1561 do Conselho de
Segurança da ONU, de 17 de setembro de 2004,Documento da ONU
S/RES/156. A comunidade internacional fez generosas promessas na
Conferência Internacional de Reconstrução em Nova York, em fevereiro
de 2004, mas até setembro de 2004 apenas metade dessas promessas
foram cumpridas.
112
Princípio 4 dos Princípios Básicos do Uso da Força e de Armas de Fogo
por Agentes Oficiais da Lei (Princípios Básicos da ONU, adotados pelo
8o. Congresso da ONU pela Prevenção do Crime e Tratamento de
Criminosos, Havana, Cuba, 27 de agosto a 7 de setembro de 1990).
113
Código de Conduta para Agentes Oficiais da Lei, adotado pela Resolução
34/169 da Assembléia Geral da ONU de 17 de dezembro e 1979, Artigo
3, Comentário.
99 Despite promises violence against women continues unabated, (AI Index:
ACT 77/078/2004).
114
Princípio 5 dos Princípios Básicos da ONU no Uso de Força e de Armas
de Fogo por Agentes Oficiais da Lei.
100 Declaração do Presidente do Conselho de Segurança adotada pelo
Conselho de Segurança em 28 de outubro de 2004.
115
Artigo4(i).
116
Escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos da ONU, Direitos
Humanos e Aplicação da Lei, A Trainer’s Guide on Human Rights for the
Police, Nações Unidas, Professional Training Series No. 5, Add. 2, Nova
York e Genebra, 2002, pp. 223-224;
www.unhchr.ch/html/menu62/train5add2.pdf.
117
Resolução 34/169 da Assembléia Geral de 17 de dezembro de 1979,
preâmbulo parágrafo (a) reconhecido como “um princípio adicional
importante e pré-requisito para o exercício humanitário das funções de
aplicação da lei”.
118
Artigo 2(3) da Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos
ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984).
119
Resolução 47/133 da Assembléia Geral de 18 de dezembro de 1992.
120
Recomendado pela resolução 1989/65 do Conselho Econômico e Social
da ONU de 24 de maio de 1989.
121
Programa de Ação da ONU pela Prevenção, Combate e Erradicação do
Comércio Ilícito de Armas de Pequeno Porte e Armas Leves em Todos
os seus Aspectos.
122
Resolução 56/24 da Assembléia Geral da ONU de 10 de janeiro de 2002.
123
Programa de Ação da ONU pela Prevenção, Combate e Erradicação do
Comércio Ilícito de Armas de Pequeno Porte e Armas Leves em Todos
os seus Aspectos, Parte II, parágrafo 11.
124
Small Arms Survey 2004: Rights at Risk, op cit.
125
Small Arms Survey 2002: Counting the Human Cost IN Vidas Despedaçadas: um caso para rígidos controles internacionais de armas, op cit.
95 Precious resources – Adolescents in the Reconstruction of Sierra Leone,
Women’s Commission for Refugee Women and Children, setembro de
2002.
96 Ver Liberia: One year after Accra – immense human rights challenges
remain (AI Index: AFR 34/012/2004).
97 O Acordo de Paz foi assinado em Accra, Gana, em 18 de agosto de
2003. No dia 19 de setembro de 2003, o Conselho de Segurança da
ONU decidiu iniciar uma grande operação pela manutenção da paz, a
Missão da ONU na Libéria (UNMIL).
101 Getting it Right, Doing it Right: Gender and Disarmament, Demobilization
and Reintegration, op cit.
102 Ver, por exemplo, nos Artigos 2(1), 3, 4(1), 23(4), 24 e 26 da Convenção
Internacional de Direitos Civis e Políticos (ICCPR, 1966);
a Convenção da ONU pela Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979).
103 Ver, por exemplo, os Artigos 6 (1) e 4 2) da ICCPR.
104 Ver, por exemplo, os Artigos 7 e 4 (2) da ICCPR, os Artigos 1, 2 e 6 da
Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984).
105 Ver, por exemplo, os Artigos 48-58 do Protocolo Adicional das Convenções
de Genebra de 12 de agosto de 1949, referentes a Proteção de Vítimas
de Conflitos Armados Internacionais (Protocolo Adicional I, 1977).
106 Ver, por exemplo, o Artigo 3 (1) comum à todas as quatro Convenções
de Genebra; o Artigo 17 da Convenção de Genebra III referente ao
Tratamento de Prisioneiros de Guerra (1949), Artigos 5, 27, 32, 37 da
Convenção de Genebra IV relativa à Proteção de Civis em Tempos de
Guerra (1949); Artigos 75(2)(a)(ii); 75(2)(b); 75(2)(e) do Protocolo Adicional
I, Artigos 4 (2)(a), 4(2)(e), 4(2)(h) do Protocolo Adicional II das Convenções
de Genebra de 12 de agosto de 1949 referentes à Proteção de Vítimas
de Conflitos Armados Não-Internacionais (Protocolo Adicional II, 1977).
107 Ver, por exemplo, o Artigo 130 da Convenção de Genebra III; o Artigo 147
da Convenção de Genebra IV; os Artigos e85do Protocolo Adicional I.
108 Os Comitês responsáveis pelo monitoramento da implementação de
tratados de direitos humanos da ONU, de tempos em tempos, produzem
recomendações ou comentários gerais. Estes oferecem diretrizes para
Violência contra a mulher – um escândalo
universal contra os direitos humanos
A violência contra a mulher é um dos maiores escândalos contra os direitos humanos dos
nossos tempos. Do nascimento à morte, em tempos de guerra ou paz, mulheres vêm
enfrentando discriminação e violência nas mãos do governo, da comunidade e de suas
famílias. A violência contra mulher não se limita a um sistema político ou econômico em
particular, ao contrário, é prevalente em todas as sociedades do mundo e ultrapassa barreiras
econômicas, raciais e culturais. As estruturas de poder que perpetuam a violência contra a
mulher são profundamente arraigadas e intransigentes. A violência ou ameaça de violência
inibe mulheres no mundo todo do exercício pleno de seus direitos humanos.
Mulheres no mundo todo têm se organizado para expor e combater a violência contra a
mulher e a discriminação. Conseguiram mudanças profundas nas leis, políticas e práticas.
Trouxeram as violações, normalmente abafadas, para a arena pública. Estabeleceram que
a violência contra a mulher exige providências dos governos, comunidades e indivíduos.
Acima de tudo, desafiaram a idéia de que as mulheres são vítimas passivas da violência.
Mesmo em face de dificuldades, pobreza e repressão, as mulheres lideram a luta contra a
discriminação e a violência contra a mulher.
As mudanças devem acontecer em nível internacional, nacional e local. Devem ser
implementadas por governos e entidades privadas, por instituições e indivíduos. Os tratados
internacionais devem ser respeitados, as leis devem ser adotadas ou abolidas, os sistemas
de apoio devem ser implementados e, acima de tudo, as atitudes, preconceitos e crenças
sociais que protegem e reforçam a violência contra a mulher devem mudar.
A prevenção da violência contra a mulher requer de nós as seguintes ações:
Levantar a voz contra a violência contra a mulher, ouvir as mulheres e acreditar nelas;
Condenar a violência contra a mulher como um escândalo contra os direitos humanos;
Confrontar as autoridades que falharem na prevenção, punição e retificação da violência
contra a mulher;
Desafiar estereótipos e atitudes religiosas, sociais e culturais que diminuam a humanidade
das mulheres;
Apoiar as mulheres para que se organizem pelo fim da violência.
Armas de pequeno porte – um problema global
Armas de pequeno porte estão presentes em todo os países do mundo. No mínimo, 1.249 empresas
em mais de 90 países estão envolvidas com algum aspecto da produção de armas.Oito milhões de
armas novas são produzidas a cada ano, no entanto, não há nenhum instrumento internacional efetivo
que controle esse comércio.
Os governos são individualmente responsáveis pelo controle da transferência de armas, entretanto,
são poucos os que levam em consideração o impacto dessas transferências antes de autoriza-las.
Mesmo quando as armas são inicialmente transferidas legalmente, muitas vezes elas acabam sendo
vendidas ilegalmente entre fronteiras, ficando fora do alcance do controle legal.
É necessário um esquema internacional e abrangente sobre o controle de armas para eliminar as
lacunas que permitem que armas caiam nas mãos erradas. O Tratado do Comércio de Armas proposto
(ver Anexo 1) proíbe a transferência internacional de armas onde seja evidente o risco destas serem
usadas e abusos graves contra os direitos humanos ou que fomentem conflitos violentos que sejam
contrários às leis internacionais.
Para aumentar a segurança, principalmente em comunidades afetadas pela violência armada, são
necessários esforços nacionais no controle de armas de pequeno porte. Em nível local, isso deve
começar com discussões participativas para explorar e entender a complexa rede de fatores sociais,
culturais e econômicos que fomentam a violência armada na comunidade. O trabalho local deve incluir
programas específicos para melhorar a segurança da comunidade e incluir as seguintes medidas:
1. Restabelecer a confiança na possibilidade de segurança não-armada por meio da:
Redução da quantidade de armas em circulação através de programas de confisco e destruição,
o estabelecimento de zonas livres de armas e a remoção de armas ilegais que possam levar a
abusos contra os direitos humanos,
Construção do relacionamento e confiança entre diferentes comunidades e entre as comunidades
e a polícia,
Introdução de programas de conscientização e educação cívica,
Introdução de culturas e ferramentas pela resolução pacífica de conflitos.
2. Oferecer apoio às vítimas de violência armada.
3. Desenvolver meios de vida sustentáveis para exterminar as raízes da violência na comunidade