a história da igreja primitiva e antiga

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a história da igreja primitiva e antiga
A HISTÓRIA DA IGREJA PRIMITIVA E ANTIGA
Karl Josef Romer – 2014
Tema 7
A GRANDE MUDANÇA – Liberdade política e luta interna doutrinária – II
3) A GRANDE LUTA DOUTRINÁRIA
Já antes do arianismo, a Igreja enfrentava diversas heresias, que exigiam
definições doutrinárias, especialmente com respeito à divindade de Jesus.
Acreditava-se na Igreja, desde o início, que Jesus, o Redentor, é Deus e
Filho de Deus. Mas ainda não se tinha aprofundado em que sentido Ele podia ser
Deus e qual era sua relação com o Deus-Pai.
3.1 O subordinacionismo, presente em cabeças gnósticas ou judaizantes,
afirmava a unidade de Deus e a “divindade” (subordinada) de Jesus. Uns
pensavam o “nascer” do Verbo como um ato não eterno, mas temporal. O Verbo
era “subordinado” a Deus, isto é, não era da mesma substância divina. Com isto
se salvava a unicidade de Deus, mas perdia-se a divindade de Jesus. Chamava-se
a esse grupo “Monarquianos” (o Deus único é monarca, tudo lhe é submetido).
Teódoto, vindo de Bizâncio, propagava, pelo ano 190, essa teoria em Roma:
Jesus era simples homem da terra, mas no batismo teria sido revestido de divinos
poderes. O Papa Victor (189-198) excomungou-o.
Paulo de Samósata, junto ao Eufrates, Bispo de Antioquia desde cerca de
260, ambicioso e cobiçoso, ocupava altíssima função (vice-rei?) na corte da
rainha Zenóbia de Palmira. Pela clareza e simplicidade de sua doutrina, ele
ganhava muitos adeptos, embora sacrificando a fé da Igreja. Afirmava com todo
rigor a unidade de Deus (uma natureza, uma pessoa). Jesus seria apenas um
homem, nascido de Maria Virgem, no qual ele teria morado “como em um
templo”. O Lógos (o Verbo) é impessoal, é uma força divina, a sabedoria, que,
em nível menor, já tinha agido em Moisés e nos profetas. A união de Jesus
Redentor com Deus não seria uma união de natureza, mas somente de vontades.
Já em 264, os Bispos discutiam com ele. Em 268, no grande sínodo de Antioquia,
Paulo de Samósata é excomungado, e em seu lugar é eleito outro Bispo (Domno).
Diante de sua grande influência, porém, muitos de seus adeptos continuavam a
fundir essa doutrina com o cristianismo. O Concílio de Nicéia de 325 (cân. 19)
teve que dirimir o assunto.
Luciano (Lukianos) (cerca 250-312), presbítero em Antioquia, é
provavelmente discípulo de Paulo de Samósata, embora sua doutrina não
coincida com a de Paulo. Luciano trabalha na escola catequética (exegética) de
Antioquia. – A escola catequética de Alexandria, dirigida pelo mártir Leônidas,
pai de Orígenes, era provavelmente mais antiga. Da ilustre escola de Luciano
saía significativo número de Bispos e também de hereges. Luciano apresenta um
Cristo totalmente subordinado. Sua influência em Arius (Areios) é direta. Ele
morre o martírio. Também Hipólito Romano, embora adversário dos modalistas
(uma pessoa divina tem diversos modos de se apresentar), fala do Verbo em
sentido de subordinação. O Papa Zeferino (198-217), menos erudito do que
Hipólito, tentou orientar a Hipólito, mas sem sucesso. O grande diácono e
conselheiro do Papa, Calixto, tentou a mesma coisa. Este tinha sido escravo (ou
filho de escravo?) e fez grande progresso na Igreja; finalmente será sucessor de
Zeferino (217-222). Hipólito faz-se anti-Papa. Finalmente, no tempo de
Imperador Maximino Trácio, termina no exílio na Sardenha, juntamente com
Ponciano (sucessor de Calisto).
Sabélio (Sabellios), desde 217 em Roma. Defende o Deus único, mas que
apareceu em três diversas revelações: como Pai, na criação, como Filho na
redenção, como Espírito santo na santificação das almas. Estas formas de
aparição são também chamadas “Máscaras” (“pro,swpon pro,swpa” ou em latim:
Persona). O Papa Calixto (Calixtus, Kallistos) (217-222) expulsou Sabélio da
comunidade da Igreja.
3.2 O arianismo
A Igreja afirmava sempre a divindade do Pai e do Filho, sem definir com
clareza a relação entre os dois. Muitos tinham a tendência a afirmar a divindade
de Jesus, mas subordinando-o essencialmente ao Pai.
O presbítero Ário, aluno do exegeta Luciano em Antioquia, radicaliza o
subordinacianismo. O Logos (Verbo) é a primeira criatura do Pai . É criado do
nada, mas é a criatura mais eminente. É instrumento na criação de todos os
outros seres. Por um ato especial de Deus, o Verbo é elevado a ser filho de Deus.
Por isso ele pode ser chamado filho de Deus, como a Igreja o chama, mas não o é
por natureza. – Ao mesmo tempo diz ele: O Verbo (que não é Deus) substitui em
Jesus a alma humana. Logo, Jesus nem é Deus, nem homem.
Ário começou intensa atividade, declarando Jesus “deus”, herói. O Bispo
Alexandre de Alexandria opõe-se. Em 318 (provavelmente) convoca grande
sínodo em Alexandria de quase 100 Bispos egípcios. Ário é excomungado
juntamente com seus adeptos (2 bispos, 6 presbíteros e 6 diáconos). Alexandre
comunicou-o ao Papa Silvestre. Ário é obrigado a abandonar a cidade. – O bispo
Eusébio de Nicomédia acolhe e defende Ário. A doutrina de Ário é – para os
simples – mais fácil; no Oriente grande parte do povo a segue.
O Imperador Constantino, preocupado com a unidade do Império, manda
um bispo de toda confiança, Ósio (Ossio, Hosius) de Córdoba, para intermediar a
questão entre Alexandre e Ário. Mas foi sem sucesso.
No início de 325, convocou-se em Antioquia um novo sínodo, sob a
presidência de Ósio. A decisão era em favor de Alexandre, contra Ário. E foram
condenados três Bispos, entre eles Eusébio de Cesaréia o grande historiador da
Igreja. Sob a insistência do Imperador foi convocado:
3.3 Um Concílio de todo o Império para Nicéia. Aconteceu entre maio e junho
de 325 com cerca de 300 Bispos, vindos de todas as partes do mundo cristão. O
Imperador facilitava suas viagens. O Papa Silvestre, ancião, enviou como seus
representantes dois presbíteros (Vítor e Vicente).
Ao lado dos grandes Bispos que defendiam a doutrina da Igreja, estava o
jovem diácono Atanásio, que tinha chegado ao Concílio como assessor de seu
Bispo de Alexandria. Também Ário estava presente. O Imperador estava na
abertura. A presidência estava, provavelmente, na mão de Ósio e dos dois
sacerdotes de Roma.
Durante as discussões agitadas e longas, o Imperador, assim parece,
interveio e exortou os Bispos à união. O Bispo Eusébio de Cesareia propôs como
solução o símbolo (Credo) batismal de sua Igreja. A proposta foi aprovada pelo
Imperador, mas viu-se logo que este texto não era assaz claro e admitia
facilmente interpretações diversas e contrárias entre si. Não basta dizer que Jesus
é de Deus (ex Deo), porque, segundo Paulo (1Cor 8,6), todas as coisas são de
Deus (ex Deo). Ficou evidente que se devia evitar as fórmulas ambíguas como,
por exemplo: “semelhante ao Pai”, “essência semelhante” etc.
Em vista das insinuantes ambigüidades, as discussões continuavam.
Jerônimo escreveu mais tarde: “O mundo gemeu e percebeu, com admiração, que
se tinha tornado ariano”.
De grande força, além da clareza doutrinária de Atanásio, foram os
testemunhos da fé vivida pela Igreja durante três séculos de martírio. Alguns
bispos “traziam em seu corpo as marcas de nosso Senhor”1 . Jedin cita “o Bispo
Paulo de Neocesaréia, cidade situada junto ao Eufrates, que trazia as duas mãos
paralisadas, porque lhe haviam destruído os nervos com ferro em brasa, e o
egípcio Pafnúcio, que na perseguição de Maximino perdera um dos olhos”2.
O Concílio chegou a uma formulação claríssima, excluíndo qualquer
subordinação;
Jesus (o Verbo) é “da substância do Pai”, “Deus de Deus, Luz da Luz,
verdadeiro Deus do verdadeiro Deus, nato, não feito, consubstancial
(homooúsios) ao Pai”.
O símbolo (Credo) foi assinado pelo Concílio (inclusive por Eusébio). Só
dois Bispos negaram-se a assinar.
Foram, com Ário, excomungados. O
Imperador promulgou o símbolo lei do Império.
1
2
Hubert Jedin, Concilios ecumênicos. Herder, S. Paulo 1961, p. 14.
Ibd. p. 15.
O Concílio definiu também outros assuntos: como data da Páscoa, o
primeiro domingo após a primeira lua cheia da primavera.
O Cânon 11 decide que os “lapsos” (apóstatas durante a perseguição)
podiam ser admitidos com todos os direitos à comunhão eclesial, após uma
penitência de doze anos.
O Cânon 2 reafirma a antiga regra que os recém batizados não podem ser
admitidos ao presbiterado ou episcopado, mas somente após longas provas.
Cânon 4: “A consagração episcopal deve ser administrada pelo menos por
três Bispos”.
Cânon 20: que aos domingos e durante a época da Páscoa se reze em pé.
Cânon 17: contra a usura.
As lutas, de modo astuto, continuavam em certas regiões. Em lugar de ser
“da mesma substância” (homo-ousios), começava-se a dizer “de semelhante
substância” (homoi-ousios).
O Imperador Juliano Apóstata lançou a iniciativa desastrosa: a volta dos
bispos desterrados de ambos os partidos. (Ele detestava o cristianismo).
O Papa Dâmaso I (366-384) e os grandes Padres da Capadócia – Basílio,
Gregório Nazianzeno e Gregório de Nissa – lutavam contra os teólogos que
tentavam fazer concessões. – Atanásio de Alexandria chama Antônio do deserto
para pacificar o povo na aceitação de Nicéia.
No mesmo tempo, alguns manifestavam-se “adversários do Espírito
Santo”,
como
se
ele
fosse
criatura
(feito).
Foram
chamados
de
“pneumatomachoi” (pneumatômacos). Pertencia a eles o Bispo Macedônio de
Constantinopla. Por isso, os que degradavam o Espírito Santo eram chamados
“os macedônios”.

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