contra o nevoeiro - Um Fernando Pessoa

Transcrição

contra o nevoeiro - Um Fernando Pessoa
CONTRA O NEVOEIRO
As relações entre Fernando Pessoa e o Estado Novo em drama 1
Bruno Marques
EAC-IHA/FCSH-UNL, Portugal
Luís Santo Vaz
ESTC, Portugal
Abstract
This paper is based on the documentary research made for the script rewriting of a fiction short-film entitled
“Second rate Poetry”. The script's main narrative context is the consolidation of Portugal's authoritarian
political regime during the mid-30’s of the 20th century. The film is an adaptation of a specific historical
event - a literary awards ceremony organized by the National Propaganda Secretariat (SPN), in Lisbon, 21st
February 1935. The film's title is a manipulation of the offical designation of one of the categories that
composed the Antero de Quental poetry award. The second category award was destined to a poetry work
with less than one hundred pages, and it was this the award that was given to Message, the single work in
portuguese that the poet Fernando Pessoa saw published during his lifetime. In parallel with the portrayal of
an award ceremony, several issues are addressed: the political temptation to instrumentalize the literary and
artistic creation; awards as ideological control systems; the repression of freedom of speech has a form of
cultural and psychological fog. This paper's title – Against fog – is an allusion to Message's final poem –
Nevoeiro – the portuguese word for fog. It was in Fernado Pessoa's poetical view, what most clearly
caracterized Portugal at his time.
Keywords
Fascism, Poetry, Portugal, Fernando pessoa, Film adaptation
Introdução
Na noite de 21 de Fevereiro de 1935 decorreu em Lisboa uma cerimónia de entrega de prémios literários
patrocinada pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), organização liderada pelo escritor António
Ferro. Este evento, se tido como menor no contexto da consolidação política e social do regime autoritário
do Estado Novo, constitui no entanto um episódio significativo no que respeita à afirmação pública de uma
política cultural de inspiração fascista e um ideário estético nacionalista que, até 1974, se iria impor ao
trabalho de escritores, artistas e pensadores. A cerimónia de entrega dos prémios do SPN é relevante ainda
pelo facto de que o discurso ali proferido por Salazar ter constituído um catalisador que contribuiu
decisivamente para a alteração do posicionamento político de um grande poeta. Referimo-nos a Fernando
Pessoa, que, de uma aceitação tolerante relativamente ao Estado Novo, passa para um descontentamento
e uma oposição veemente e frontal.
Pessoa concorrera ao concurso do SPN com a obra Mensagem, tendo essa obra sido distinguida com a
segunda categoria do Prémio Antero de Quental. Apesar de oficialmente convidado, o autor da Mensagem
decidiu não comparecer à cerimónia de entrega dos prémios. Não existindo, até agora, nenhum escrito
conhecido de Pessoa que explique as razões desta ausência, podemos apenas supor que tal se deva à sua
crescente animosidade para com Salazar e as políticas do Estado Novo. O poeta tomou conhecimento dos
discursos de Salazar e António Ferro através da imprensa, que no dia seguinte, dava grande destaque à
cerimónia. Por exemplo, a manchete do jornal Diário da Manhã de 22 de Fevereiro de 1935 dava conta do
seguinte: “O chefe do Governo presidiu à festa dos prémios Literários – 1934. O Sr. Doutor Oliveira Salazar
leu o prefácio do livro “Discursos”. António Ferro proferiu uma notável conferência”.
Muito mais do que um evento cultural, tratou-se de um acontecimento social e político. A intervenção de
António Ferro não foi apenas uma longa e exaustiva fundamentação da sua política cultural, designada
Política do Espírito, mas também uma justificação intelectual dos ideais autoritários do Estado Novo. Sobre
a intervenção de Salazar, Fernando Pessoa escreveria meses mais tarde numa carta a Adolfo Casais
Monteiro:
Desde o discurso que o Salazar fez em 21 de Fevereiro deste ano, na distribuição de prémios no Secretariado
da Propaganda Nacional, ficámos sabendo, todos nós que escrevemos, que estava substituída a regra
restritiva da Censura, “não se pode dizer isto ou aquilo”, pela regra soviética do Poder, “tem que se dizer aquilo
ou isto”. Em palavras mais claras, tudo quanto escrevermos, não só não tem que contrariar os princípios (cuja
natureza ignoro) do Estado Novo (cuja definição desconheço), mas tem que ser subordinado às directrizes
traçadas pelos orientadores do citado Estado Novo (Pessoa, 1986 [1935]: s/n. p.).
1
Versão rescrita e aumentada do texto, com o mesmo título, originalmente publicado in AVANCA | Cinema 2013.Internacional
Conference. - Avança: Edições Cine-Clube de Avança, 2013, pp. 530-538. ISBN: 978-989-96858-3-3.
Podemos ainda verificar sinais do mesmo repúdio, feito de uma forma ainda mais violenta, numa missiva
endereçada, embora não enviada, ao Presidente da República General Carmona:
Um homem que, tendo que presidir a uma distribuição de prémios literários, abre a sessão com um discurso
em que enxovalha todos os escritores portugueses — muitos d’eles seus superiores intelectuais — com a fútil
imposição de “directrizes” que ninguém lhe pediu nem pediria, e que, pedidas que fossem, ninguém poderia
aceitar por não compreender quais sejam (...) (Pessoa 1993 [1935]: 230).
Além das razões acima apresentadas, o nosso interesse em adaptar um episódio tão específico da história
do século XX português a um argumento e a um filme, foi também o carácter simultaneamente paradoxal e
simbólico do discurso de Salazar. Numa cerimónia destinada a distinguir escritores e a celebrar obras
literárias, o líder político do país achou que era adequado defender a necessidade de transformar poetas,
escritores e intelectuais em funcionários públicos, obrigados a orientar as suas obras por princípios morais,
e directrizes.
A cerimónia de entrega dos prémios literários do SPN leva-nos a considerar que o fascismo que obscureceu
e enevoou o espírito crítico e criativo dos portugueses começou com uma festa destinada precisamente a
celebrar e distinguir as criações do espírito. Referimo-nos a um fascismo mais difícil de medir no tempo ou
de precisar em datas. Não nos referimos ao fascismo político enquanto entrada em funções de um certo
governo, iniciado por um golpe de estado ou por um levantamento popular. O fascismo dessa cerimónia de
entrega de prémios literários é o avistamento da orla cinzenta de um denso nevoeiro que durante quase
meio século se abateu sobre os espíritos e as vidas dos portugueses, comprometendo as suas capacidades
de visão e as suas possibilidades de escolha e expressão. Quase quarenta anos depois do 25 de Abril de
1974, a data solar em que o nevoeiro do Estado Novo finalmente se começou a dissipar, que sentido faz
revisitarmos essa atmosfera carregada? Sermos capazes de identificar as formas e os indícios do nevoeiro
parece-nos um passo essencial para o podermos evitar.
A questão da adaptação de um evento histórico para argumento e filme de ficção
A escrita de um argumento cinematográfico a partir de um evento histórico colocou-nos perante a seguinte
questão: como equilibrar a dimensão histórica dos factos – fornecidos pela historiografia – com a dimensão
ficcional – proveniente da imaginação? Se, por um lado, não era nosso desejo embarcar num projecto
ilustrativo dos factos históricos, ensaiando uma leitura mimética e supostamente objectiva; por outro, não
queríamos que a liberdade ficcional impossibilitasse a identificação histórica da cerimónia de entrega dos
prémios literários do SPN de 21 de Fevereiro de 1935, que serviu de inspiração inicial ao filme.
Na obra “A Poetics of Postmodernism”, Linda Hutcheon apresenta o conceito de metaficção historiográfica.
Essa referência conceptual constituiu, no âmbito da escrita do argumento do filme, uma forma de
fundamentação teórica no que concerne ao propósito de manipular factos históricos para os integrar numa
história, ou melhor, numa história sobre a História. Esse conceito funcionou, pois, como um catalisador que
nos levou a abandonar uma concepção dualista que coloca o texto histórico num campo oposto, ou pelo
menos divergente, do texto ficcional; e que poderia fazer tender o argumento do filme para uma recriação
naturalista dos factos históricos.
Historiographic metafiction refutes the natural or common-sense methods of distinguishing between historical
fact and fiction. It refuses the view that only history has a truth claim, both by questioning the ground of that
claim in historiography and by asserting that both history and fiction are discourses, human constructs,
signifying systems, and both derive their major claim to truth from that identity. (Hutcheon, 1988)
Importou-nos, assim, manter a liberdade imaginativa de contar uma história sobre a História, preservando a
dimensão histórica, acreditando que, caso não o tivéssemos feito, a validade de uma das principais linhas
temáticas do filme teria sido comprometida. Que linha temática é essa? A das inter-relações entre poder
político autoritário e a liberdade de criação artística e literária. Dessa forma, em lugar de escrevermos e
imaginarmos os diálogos para Salazar e António Ferro – as figuras do poder político que presidem a sessão
de entrega dos prémio literários –, optámos por recolher, através da pesquisa bibliográfica e dos periódicos
da época, os discursos proferidos por estes políticos. Desse modo, seleccionámos e integrámos na ficção
excertos das intervenções dessas figuras. Uma vez que esta comunicação se fundamenta na realização de
uma curta-metragem, decidimos seguir e adaptar a estrutura de algumas das suas cenas. Seguidamente
iremos, de forma sucinta, abordar algumas questões contidas na trama, como tentativa de pensar
dramaticamente alguns dos efeitos políticos, culturais e até psicológicos em torno de um episódio que
consideramos relevante para a re-equação da história do século XX em Portugal.
Cena 1 - Ajudar um amigo ajudando-se a si mesmo.
O principal problema que derivou da tentativa de adaptar um evento histórico a uma obra de ficção foi a
procura de um equilíbrio entre ficção e fidelidade historiográfica. Um eventual encontro entre António Ferro e
Fernando Pessoa é perfeitamente plausível, assim como considerar que o poeta pediu dinheiro emprestado
ao então director do SPN, pois são conhecidas as dificuldades financeira de Pessoa na parte final da sua
vida. Ora, aqui a conspiração e as manobras de bastidores convertem-se, desde logo, em tema da ficção.
Fernando Pessoa dirige-se ao escritório do director do Secretariado de Propaganda Nacional, seu
companheiro de longa data dos tempos do Orpheu, para lhe pedir auxílio financeiro. António Ferro testa-o
de pronto: “Também achas que sou um traidor à literatura?” Fernando Pessoa responde de forma indirecta e
astuciosa: “A caminho para cá, ali no Jardim de S. Pedro, observei uma lagarta verde. Devorava folha atrás
de folha. Custa a crer que aquela coisa grotesca se vai fechar num casulo e transformar-se em qualquer
coisa que voa.” António Ferro aceita esta resposta evasiva como uma alusão algo irónica à transformação
de escritor para o casulo de políticoi, e, eventualmente, de político para “qualquer coisa que voa”.
Uma outra leitura possível é a de que Pessoa se refere também a ele próprio, na medida em que o que terá
levado a demorar o olhar na lagarta é a circunstância dele próprio pressentir que estaria prestes a fechar-se
num casulo, ou seja, na agora célebre arca, onde a obra de toda uma vida aguardava a transformação
através da edição e publicação. A arca enquanto casulo simbólico e lugar de metamorfose reforça-se ao
considerarmos que, em menos de um século, um poeta conhecido apenas pela elite intelectual de uma
pequena e periférica nação da Europa, se tenha transformado numa referência de expressão global,
celebrado e estudado muito para lá da língua e da esfera cultural do seu país de origem. Para concluir esta
analogia, poder-se-ia ainda acrescentar que os agentes dessa metamorfose que transformou Fernando
Pessoa em “qualquer coisa que voa”, foram e são os investigadores, estudiosos e escritores –
genericamente designados como pessoanos –, que por interesse e amor à obra do autor da Mensagem,
estranhamente, parecem encarnar o verso de Camões “Transforma-se o amador na cousa amada”, ao se
transformarem eles próprios numa espécie de semi-heterónimos a posteriori, exteriores à consciência e vida
do próprio Pessoa. Os pessoanos reúnem, classificam, transcrevem e editam os textos que ficaram
dispersos na arca-casulo, contribuindo assim para a construção de uma obra que, cada vez mais, se
constitui como uma biblioteca em expansão, com estantes cheias até ao tecto.
No final desta primeira cena do filme Poesia de Segunda Categoria, António Ferro, em vez de emprestar
dinheiro ao amigo, pergunta: “Tu ainda tens a arca? E não tens lá nada dentro que seja parecido com um
livro?”. Ao que o poeta responde: “Quem é que me iria editar um livro, Antonio?” – “O Secretariado de
Propaganda Nacional.” – diz de pronto o político. E após lhe explicar a ideia dos prémios, Ferro finaliza a
conversa em jeito de pacto celebrado: “Organiza lá o teu livro, Fernando. Eu dou-te o dinheiro para a edicão
e depois tu concorres com esse livro aos nossos prémios literários. O primeiro prémio são 5000. Se
depender de mim, os 5000 são teus.”
Cena 2 - Uma coisa grotesca transformando-se em qualquer coisa que voa
Plano de pormenor de uma lagarta verde alimentando-se de folhas. Ao fundo, o burburinho das ruas de
Lisboa, o eléctrico, o sino da Igreja e os automóveis a passar. É um tableau vivant. Anti-cinematográfico.
Não há movimento de câmara, nem corte ou edição de planos. Sentimos o peso do tempo, escoando
lentamente. Ao mesmo tempo é um não-tempo porque não há narrativa. É um olhar contemplativo, mudo,
absorto, cristalizado. É o tempo da vida, como se estivéssemos lá, no Jardim de Alcântara, diante do ramo
onde uma simples lagarta se alimenta lentamente. Parece que Fernando Pessoa encontra nas coisas mais
minúsculas do quotidiano os segredos mais essenciais do universo. A Lagarta comendo. E é só isso. A sua
cabeça está iluminada. O barulho das folhas sendo mastigadas mistura-se com o som da caneta de Pessoa
a escrever, dobrado sobre uma folha de papel, na cena seguinte. Uma lagarta alimentando-se das folhas de
um arbusto, outra alimentando-se das folhas de literatura.
Figura 1 – Cena 2: A lagarta no Jardim de Alcântara.
Figura 2 – Cena 3: Fernando Pessoa (interpretado
por Rui Mário) no seu quarto.
Cena 3 – Um Império sem dinheiro para tabaco
21 de Fevereiro de 1935. Fernando Pessoa tenta freneticamente concluir o mapa astrológico desse dia. Tal
como a Lagarta, na sua cabeça incide um foco de luz. Citando os esquemas tradicionais da representação
pictórica – nomeadamente a iconográfica cristã e o retrato moderno –, ressoa, de modo interferente e
fundido, a aureola do santo com a do intelectual iluminado. Se para Fernando Pessoa o Quinto Império
seria o Império da Cultura e dos poetas, sendo ele um poeta que foi tantos poetas e tão grandiosos, é justo
considerá-lo a ele próprio, Fernando Pessoa e companhia, um Império (se quisermos convocar a acepção
de imperador como rei dos reis). As crónicas dificuldades financeiras de Fernando Pessoa põem em
evidência que este Quinto império não é o do dinheiro nem o do poder, mas sim o da Poesia e do Espírito,
isto é, Fernando Pessoa introduz a possibilidade de se poder ser Imperador que é ele proprio Império e ao
mesmo tempo, não ter dinheiro para comprar tabaco: “Terei dinheiro que chegue para o tabaco?”
Há um dado momento em que Fernando Pessoa varre com o olhar a estante, procurando uma fonte de
inspiração para a escrita de um poema inacabado. Algo o direcciona para um grosso volume de lombada
vermelha e com inscrições a dourado. É o Fausto de Goethe! A vertigem assume o seu zénite. Ele revê-se
na trama de Fausto: também ele fez um pacto. No seu caso fê-lo com António Ferro. Aceitou ser o vencedor
de um prémio dado pelo Estado Novo. Um prémio criado para ele e para o transformar num poeta do
regime. O delírio criativo, a vertigem, o estado alucinatório, que dilui as coordenadas espacio-temporais, é
subitamente interrompido quando António Ferro bate à sua porta para o convencer a ir à cerimónia dos
Prémios do SPN. “Fernando, eu preciso que tu estejas presente. Fernando, eu arrisquei-me para te dar
esse prémio, percebes?” Num recente ensaio intitulado “A verdade da Mensagem”, José Blanco escreve o
seguinte:
Para mim, não oferece dúvidas que a publicação da Mensagem e a sua apresentação ao concurso foram o
resultado de uma conspiração de, pelo menos, quatro amigos de Pessoa: Augusto Ferreira Gomes, Augusto
Cunha, Almada Negreiros e o próprio António Ferro.
O Director do S.P.N., antigo companheiro de Pessoa dos tempos do Orpheu, tinha todo o interesse político em
reconhecer oficialmente o talento de Pessoa tornando-o, pelo menos na aparência, um escritor não desafecto à
“Situação”. Sabe-se hoje que esse seu interesse em ver Pessoa concorrer e ganhar o Prémio Antero de
Quental, o levou ao ponto de adiantar, do “saco azul” do Secretariado, o dinheiro necessário para a
composição e impressão da Mensagem, como há anos me revelou o pintor Paulo Ferreira, à época jovem
colaborador do S.P.N. Assegurada a cumplicidade activa de António Ferro, os outros conspiradores montaram
um “lobby” destinado a influenciar o júri em favor da Mensagem (Blanco, 2007: 149).
Pessoa, totalmente absorto em pleno acto de criação, fica indiferente à presença de Ferro. Mas uma
particular frase proferida pelo director do SPN perturba-o ao ponto de interromper mesmo a sua escrita:
“Não tenho a culpa se te deram o prémio de segunda categoria. Foi alguém do júri, alguém que te odeia. ”
Se regressarmos ao ensaio supracitado de José Blanco, esta deixa de António Ferro parece ganhar sentido:
O inacreditável subterfúgio do “número de páginas” utilizado para afastar a Mensagem do prémio da categoria
“livro de versos”, revela, a meu ver, que na fase final do concurso, Fernando Pessoa terá sido vítima de uma
contra-conspiração, agora por parte do júri. Terá sido a influência do muito poderoso Alfredo Pimenta, autor da
carta-prefácio publicada em A Romaria, na qual fazia encomiásticos elogios a Vasco Reis? E Alfredo Pimenta
era um dos inimigos de estimação de Fernando Pessoa – e vice- versa..." (Idem: 155).
Fernando Pessoa não abre a porta a António Ferro nem lhe responde. Apenas pensa de si para si próprio:
“E quem são eles para me dar um prémio a mim? Quem pensam eles que são? Eu sou um império. Eu sou
império!”
Cena 6: Um discurso polido, político e obsceno
Figura 3 - Cena 4: Salazar (interpretado por Paulo João) silenciando com o olhar alguém que o interrompeu.
Estamos diante de Salazar discursando na Sede do SPN. Aos nossos olhos pode hoje parecer incrível, um
absurdo, mas Salazar disse mesmo isto numa festa de prémios literários: “Virá algum mal ao mundo de se
escrever, menos, se se escrever e sobretudo se se ler melhor? Relembro a frase de Séneca: em estantes
altas até ao tecto, adornam o aposento do preguiçoso, todos os arrazoados e crónicas.”
O autoritarismo e a rigidez deste discurso estão visualmente traduzidos na cena através de um
enquadramento estático e um plano contra-picado que são constantes. A opulência e a monumentalidade
do espaço, a forte incidência de diferentes focos de luz, as esfuziantes saudações à romana feitas por uma
plateia recheada de ilustres, dão ao ditador a centralidade da festa e vincam a sua condição de líder. O seu
semblante grave, altivo, mesmo autoritário (particularmente evidenciado no modo fulminante como, usando
apenas o olhar, censura e cerceia alguém cuja tosse o interrompeu), o declarado dirigismo das suas
palavras relativamente ao papel dos escritores (diz que é preciso impor-lhes “limitações” e “directrizes” em
nome dos “princípios morais e patrióticos”), o desdém sobranceiro ante uma actividade literária prolixa e
independente (“Virá algum mal ao mundo de se escrever, menos, se se escrever e sobretudo se se ler
melhor?”), o paternalismo irónico e acusador relativamente àqueles que muito produzem e lêem literatura
(“Relembro a frase de Séneca: em estantes altas até ao tecto, adornam o aposento do preguiçoso, todos os
arrazoados e crónicas”) substanciam uma mensagem clara.
A sua condição algo majestática, afirmativa e auto-confiante afasta-o, neste filme, um pouco do estilo do
padre contido com “voz de velha”, tal como muitas vezes foi descrito, aproximando-o, antes, da vitalidade
viril dos modelos fascistas italianos e alemães coevos. Este é um Salazar ainda relativamente jovem,
triunfante, entusiástico e enérgico para com o alto desígnio de reconstrução nacional cuja liderança ele
corporaliza. Ele incarna a imagem do guia e salvador da Nação, construída pela máquina da propaganda
que António Ferro concebera. O que nos parece ressaltar das palavras aqui fielmente citadas de Salazar é a
manifestação pública de um projecto de dominação do Estado Novo, transversal a todos os sectores da
sociedade. Estado Novo esse que acabado de ser instaurado e em processo de clara afirmação, procura
deliberada e abertamente restringir o grau de autonomia do campo intelectual.
Cena 9 – Os conflituosos desígnios dos prémios literários do SPN.
Figura 4: Cena 14 – A cerimónia dos prémios literários do SPN.
Enquanto instrumento central de intervenção da chamada “Politica do Espírito”, o Secretariado de
Propaganda Nacional corporaliza a mais diligente e continuada tentativa de definição da posição do Estado
Novo no campo literário. Anunciados no final de Novembro de 1933, os Prémios Literários relativos a 1934
(distribuídos no ano seguinte, em 21 de Fevereiro de 1935), inauguram um mecanismo do SPN de
“regulação do campo literário” (Pinto, 2008: 70). O Prémio Eça de Queirós (Romance), O Prémio Antero de
Quental (Poesia), o Prémio Ramalho Ortigão (Ensaio), o Prémio Alexandre Herculano (História) e o Prémio
António Enes (Jornalismo; posteriormente, Jornalismo – Doutrina ou Polémica) são os que vigorarão desde
o início.
Enquanto a Mensagem, resultado da “atitude negativa relativamente ao catolicismo” de Pessoa (Almeida
2007: 207-208), é um poema de interpretação ocultista e simbólica de dimensão marcadamente esotérica
(logo oposta aos cânones oficiais da Igreja), já a Romaria, do padre Vasco Reis, conta a história de um
bolchevique que se converte ao catolicismo. No ano em que se comemora o 170º aniversário do nascimento
de Antero de Quentalii, uma questão de pronto nos assaltou: como é que alguém que escreveu um texto
como as “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três Séculos” teria reagido se
soubesse que um prémio de poesia com o seu nome fora atribuído a um livro como o de Romaria? Ainda
por mais patrocinado por um organismo de um Estado autoritário e conservador, corporalizado a partir do
derrube do liberalismo republicano, da qual sairia em 1933 um novo regime assente num nacionalismo
tradicionalista e num conservadorismo ruralizante. Sobre o vencedor do prémio de poesia Antero de Quental
1934, será interessante convocar duas visões que nos parecem complementares. Enquanto o escritor e
jornalista Luís Miguel Queirós, de acordo com uma perspectiva literária contemporânea e democrática, dá
conta do absurdo (ou do “ridículo”) dessa atribuição, ao salientar a gritante discrepância qualitativa iii que
existe entre a Mensagem e a Romaria, Alfredo Margarido, por seu lado, defende que, aos olhos dos ideários
estéticos e ideológicos do Estado Novo, a escolha de Vasco Reis para vencedor foi em tudo coerente.
[…] a primeira questão que se pôs quase imediatamente foi pelo facto do primeiro prémio ser dado a alguém
que ninguém sabia quem era [...]. Ninguém sabe quem é o senhor Vasco Reis. Sabe-se depois que é um frade
franciscano […] que apresenta [...] de maneira mais discreta [...] um livrinho que ele escreve, […] chama-se
Romaria, que tem um bom título que se farta, bem minhoto. […] E a Romaria cabe justamente [...] na estética
popularíssima e popularucha secretariada pela propaganda nacional na altura. Se há prémio dado ao senhor
Vasco Reis é porque ele se adapta da melhor maneira àquilo que é a estética do salazarismo. Por conseguinte,
não há nenhum absurdo. O prémio é bem dado e bem merecido. [Hoje] ninguém lê um versinho da Romaria.
[…] Não há ninguém que [o] cite […] porque é um livro circunstancial da estética momentânea do salazarismo.
O prémio está bem dado segundo a lógica do salazarismo. […] Qual é a razão da polémica? A razão da
polémica é nitidamente uma facção da oposição estética que aproveita essa questão para pôr em causa os
valores do Secretariado de Propaganda Nacional, quer dizer, os do António Ferro que por sua vez são os do
Salazar. Temos aqui não já uma defesa do Pessoa mas um ataque ao Ferro. […] Ferro é acusado de ter dado
um prémio a um provinciano qualquer […] tendo recusado ao mesmo tempo o poeta mais urbano desse
momento literário português (Margarido 2006).
No fim de contas, não só Pessoa é preterido ante um desconhecido missionário que concorre com uma
obra modesta e “popularucha” – que posteriormente o autor da Mensagem ironicamente classificará de
“catolicismo amoroso”iv tipicamente português –, como ainda ressalta o agravante de, na mesma cerimónia
em que o Presidente do Conselho “enxovalha os escritores” (Pessoa), António Ferro fazer um elogio
exaltante a Salazar pelos seus dotes literários:
Queremos agradecer ao Sr. Doutor Oliveira Salazar a extrema honra que nos deu ao vir ele próprio presidir à
entrega destes Prémios Literários. Neste momento, nesta festa literária, ele não é o Chefe do Governo
Português, o renovador da nossa alma, ele é um dos maiores escritores portugueses da nossa língua de todos
os tempos.
Depois de atirado para um segundo lugar (ou para uma categoria menor, uma categoria de “segunda”),
como é que Pessoa se terá sentido quando leu, no dia seguinte, nos jornais, o discurso de Salazar e a
conferência de Ferro proferidos na cerimónia à qual não compareceu?
Cena 11 – “Qual é o único prémio que um poeta deve receber pelo seu poema?” O desalento de
Pessoa em relação ao Estado Novo
Sustentado nas palavras de Fernando Pessoa, afirma Onésimo T. Almeida que,
[…] o sebastianismo racionalista foi uma dessas convicções que [o poeta] nunca abandonou. O próprio Pessoa
o disse até ao fim. Se assim não fosse, nunca teria enviado o livro a um concurso. Deixou-o bem claro na
conhecida carta a Adolfo Casais Monteiro e em entrevista sobre o livro premiado, certamente a sua última:
“Quis marcar o destino imperial de Portugal, esse império que perpassou através de D. Sebastião, e que
continua, ‘há-de ser’’’ (Almeida, 2007: 213).
Alfredo Margarido dá conta que Pessoa imprimiu uma mudança radical relativamente ao sentido a dar ao
poema intitulado ‘Afonso de Albuquerque’, quando o substitui, à ultima da hora, por uma outra versão na
organização definitiva da Mensagem.
[...] não se teria compreendido que Fernando Pessoa consagre à mesma personalidade histórica [...] dois
poemas, no caso de estes não procederem a análises e a construções poéticas nitidamente diferentes.
[...] Concluirei quase como Pessoa: Afonso de Albuquerque dera-se conta de que os conflitos futuros haviam de
se engendrar nos territórios onde fora gerada a civilização do Mediterrâneo. Infelizmente, a sua concepção do
império já não podia ser reconhecida pela corte ‘anã’ de Lisboa. Disso irá morrer o grande espírito de Afonso de
Albuquerque. Esvaziado de espírito, o corpo definha e morre. Como Portugal. (Margarido1985: 36-44)
Não será muito arriscado pensar que Pessoa, tal como Albuquerque em relação à sua corte coeva,
subitamente percebe que a política do Estado Novo é um esvaziamento espiritual e uma anulação da
multiplicidade de vozes e ideias, esse “unificadamente diverso” que constitui o âmago do projecto
heteronímico de Pessoa, e que se encontra consubstanciado nos versos do poema “Afinal, a melhor
maneira de viajar é sentir”.
A “Política do Espírito” do Estado Novo, em vez de parceiro, torna-se em entrave e mordaça para a
consumação do que o poeta entende serem os verdadeiros desígnios de Portugal. Assim, em inícios de
1935, não estaria Pessoa já a pressentir e a preparar a sua morte? Essa suspeita nasce de uma passagem
de uma carta assinada pelo poeta que, Ana Maria Albuquerque Binet nos dá conta da seguinte forma:
Em Janeiro de 1935, Pessoa escreve, pois, a carta a Adolfo Casais Monteiro que se tornou famosa e que é
uma construção fascinante da imagem que ele pretende deixar de si, dos seus interesses espirituais, da feitura
da sua obra (Binet, 2007: 183).
E nessa mesma carta Pessoa fala do “caminho alquímico”:
[...] o que se chama o caminho alquímico, o mais difícil e o mais perfeito de todos, porque envolve uma
transmutação da própria personalidade que a prepara, sem grandes riscos, antes com defesas que os outros
caminhos não têm (Pessoa, 1986b: 344-345).v
Como se sabe, a alquimia era, para Fernando Pessoa, simultaneamente um “caminho iniciático”, uma
“terapêutica psíquica” e uma “metáfora da criação poética” (cf. Binet, 2007: 183). Yvette Centeno faz uma
leitura da Mensagem à luz da alquimiavi que não pudemos deixar de considerar:
Surge do nevoeiro o corpo da Mensagem. Brasão, Mar Português, O Encoberto – ou fixação (conquista do
território) dissolução (expansão marítima) sublimação (anulado o corpo renasce a Fénix do espírito). A divisão e
a interpretação que nos sugere é de estrutura hermética, alquímica... (Centeno, 1990: 29).
Partindo desta autora, Ana Maria Albuquerque Binet recorre ao poema “O Último Sortilégio”, para lançar
sobre esta questão um foco assombrosamente luminoso e coerente:
O poema termina pela descoberta do outro como um avatar do próprio eu, um alter-ego (‘E vê que ele mesmo
era/A Princesa que dormia’). Esta descoberta corresponde à do alquimista, que deve alcançar, no fim do
processo de transmutação, a revelação da identidade entre o sujeito, ele próprio, e o objecto da sua busca
(Binet, 2007: 183).
Faminto de absoluto, almejando a imortalidade e assumindo-se, como vimos, como imperioso agente para o
anúncio de um império de ordem espiritual, o poeta vê na alquimia uma via psicológica e simbólica para
uma transmutação da matéria. Processo que desemboca na coincidência plena entre sujeito
(Messias/Poeta) com o seu objecto (Quinto Império). Por outras palavras, se “anulado o corpo renasce a
Fénix do espírito”, é na mesma ordem espiritual que, justamente, alma do poeta, poesia e Quinto Império se
reencontram fundindo-se num só. Falhada a hipótese de regeneração de Portugal pela via do político, do
económico e do social, a partir da descrença que desponta no espírito de Fernando Pessoa com o advento
do Estado Novo, para o poeta apenas restava a via da espiritualidade, do mito e do simbólico (cf. Quadros
1985: 57). Passando, num relativo curto espaço de tempo (1933-1935), do vislumbre da grande
oportunidade – de que a publicação da Mensagem (orquestrada por um lobby liderado por António Ferro)
teria significado enquanto epitáfio da concretização de um Império Espiritual construído por Portugal na
esfera da cultura –, a uma profunda desilusão ante a tentativa de um poder ditatorial de profunda inspiração
católicavii em cercear e dirigir a criação literária, vendo-se assim impedido de levar a cabo a sua actividade
enquanto escritor, Pessoa decide receber o derradeiro testemunho de D. Sebastião, no sentido de se
converter ele próprio, através da morte, num mito, cuja existência é mais alta e decisivamente mais
consequente do que a vida terrena dos “felizes”. Esta parece ser precisamente uma das ideias nucleares do
poema “Quinto Império”:
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz —
Ter por vida a sepultura.
21-2-1933 (Pessoa, 1974: 82)
Cena 18 – Cecília Meireles quebra o protocolo na festa dos prémios literários do SPN.
Figura 5 – Cecília Meireles (interpretada pela actriz Diana Costa e Silva),
decide ler um poema diferente do que estava previsto pelo protocolo
de António Ferro (interpretado por João Didelet)
A poetisa brasileira Cecília Meireles esteve efectivamente em Portugal a convite do Secretariado de
Propaganda Nacional de António Ferro, em finais de 1934, proferindo duas conferências sobre Literatura
Brasileira que tiveram lugar em Coimbra e em Lisboa. Mas à data da cerimónia dos prémios, ela já havia
regressado ao Brasil, ficando assim também, digamos, por ‘resolver’ o mítico não-encontro da poetiza com
Fernando Pessoa na capital portuguesa.
Fato é que Cecília quis conhecer Pessoa e um encontro foi marcado, provavelmente no café A Brasileira, no
Chiado. Pessoa não apareceu. Após duas horas de espera, o marido achou melhor desistir. No livro Cecília em
Portugal, Leila Gouvêa imagina o seguinte diálogo entre o casal:
‘Vamos, Cecília, ele não virá! – Podemos aguardar um pouco mais, quem sabe ocorreu um imprevisto... – Não,
é perda de tempo. Eu o conheço bem. Se não veio até agora, não vem mais’.
[…] Muito já se especulou sobre as razões de Pessoa. Prosperou a versão pouco fiável de que a principal
delas era de ordem transcendental: os astros o teriam dissuadido de comparecer ao encontro. […] A própria
Cecília não contribuiu muito para esclarecer o episódio. Apenas, numa carta a Armando Cortes Rodrigues,
escreveu em 1944: ‘Como lamento não o ter conhecido!’ (Gomes, 2010).
No filme Poesia de segunda categoria, António Ferro chama Cecília Meireles ao palco da festa dos prémios
literários do SPN, para ela ler um trecho dos poetas premiados. Depois de uma passagem de Vasco Reis
(lida de forma irónica e contrafeita), António Ferro, dirigindo o protocolo da cerimónia, pede que seja então a
vez da Mensagem de Pessoa. O livro é de pronto passado para as mãos da poetisa, mas ela demora-se
longamente folheando as páginas do livro, parecendo procurar algo. O silêncio e a espera são cada vez
mais desconcertantes. Essa pausa pesa com insuportável fastio sobre a assistência (tanto do filme como da
cerimónia). Então Ferro aproxima-se e diz: “Minha querida, o poema está marcado”. Cecília afasta-se
friamente dizendo apenas: “Obrigada”. O director do SPN tenta diminuir o embaraço pela quebra do
protocolo e esforça-se por ocupar o silêncio com um discurso exaltante contra os “narcisos da democracia”
(da conferência historicamente proferida). De forma inesperada a poetisa brasileira grita: “ Nevoeiro!”. A
firmeza da voz e o tom acusatório qualificam e ao mesmo tempo interrompem o discurso autoritário e
nevoento de António Ferro, que surpreendido, se silencia. Cecília Meireles pronuncia ainda a palavra
“Nevoeiro”, no mesmo tom acusatório, desta feita na direcção do público da cerimónia. Por fim, já num tom
de formalidade adequada à apresentação do título de um poema que vai ser lido, Cecília Meireles repete
uma terceira vez: “Nevoeiro, de Fernando Pessoa”. Cecília Meireles recusa o poema que estava marcado e
previsto ser lido e escolhe um outro, que lança um dedo acusatório através das próprias palavras de
Pessoa: ela literalmente dá voz ao poeta. Assume o papel de porta-voz. É o rosto da palavra. Aqui o
argumento optou por uma mentira deliberada: Cecília Meireles esteve de facto em Lisboa a convite do SPN,
mas partiu para o Brasil em finais de 1934. O argumento prolonga ficcionalmente, por mais alguns meses, a
estada da poetisa em Portugal para criar, através de uma figura histórica, uma espécie de heterónimo
feminino que, na trama do filme, ocupa a ausência do Pessoa tímido e encerrado no espaço-sombra do seu
quarto. Como se, enquanto expediente psicológico compensatório, Pessoa se imaginasse um outro que não
podia ser – uma poetiza brasileira de nomeada convidada pelo SPN, que, no momento decisivo, quando
tentassem usar a Mensagem para fins de propaganda, sabotaria abruptamente todo aquele espectáculo
chamando, diante de tudo e de todos, o que aquilo efectivamente é: Nevoeiro.
Na cena final do filme Poesia Segunda Categoria, as múltiplas vozes da heteronímia que se sobrepõem são
os exércitos que acompanham Pessoa antes de ele se fechar no seu casulo-tumba (vemo-lo a entrar
literalmente na arca que contém os seus escritos). No momento em que o último poema da Mensagem –
“Nevoeiro” – é lido em público na festa dos Prémios Literários do SPN, a sua morte física pode finalmente
dar lugar ao (re)nascimento do mito e à sua elevação às alturas.
Figura 6 – Fernando Pessoa entrando na arca.
Figura 7 – Fernando Pessoa ascendendo na estante.
Bibliografia
ACCIAIUOLI, Margarida, “O duplo jogo da arte e do poder” (coord. Margarida Acciaiuoli, Joana Cunha Leal, Maria Hele na Maia), in Arte & Poder. – Lisboa: IHA / Estudos de Arte Contemporânea, 2008, pp. 13-24.
ALMEIDA, Onésimo T., “Mensagem – uma revisitação”, in A Arca de Pessoa (org. Steffen Dix e Jerónimo Pizarro),
Lisboa, ICS, 2007, pp. 213-214.
BARRETO, José - “Fernando Pessoa racionalista, livre-pensador e individualista: a influência liberal inglesa”. In A Arca
de Pessoa (org. Steffen Dix e Jerónimo Pizarro), Lisboa, ICS, 2007.
BINET, Ana Maria Albuquerque - “A obra de Fernando Pessoa – uma galáxia de ‘esoterismos’?”, in A Arca de Pessoa
(org. Steffen Dix e Jerónimo Pizarro), Lisboa, ICS, 2007, pp. 182-183.
BLANCO, José (2007) - "A Verdade sobre a 'Mensagem'", in A Arca de Pessoa (org. Steffen Dix e Jerónimo Pizarro),
Lisboa, ICS, 2007 [pp. 149-155].
CENTENO, Yvette. - O Pensamento Esotérico de Fernando Pessoa, Lisboa, Etc., 1990, p. 29.
DIX, Steffen e PIZARRO, Jerónimo - A Arca de Pessoa (org. Steffen Dix e Jerónimo Pizarro), Lisboa, ICS, 2007a.
GOMES, Eustáquio (2010), “Fernando & Cecília”- http://www.amalgama.blog.br/02/2010/fernando-cecilia/
HIPÓLITO,
Nuno
(2010)
As
mensagens
da
Mensagem :
(versão
online
consultada
http://www.umfernandopessoa.com/uploads/1/6/1/3/16136746/as-mensagens-da-mensagem-2010.pdf).
em
HUTCHEON, Linda (1988), “A Poetics od Postmodernism, New York, Routledge, p. 93
LOURENÇO, Eduardo - “Pessoa e Portugal e Portugal e Pessoa”, in A Arca de Pessoa (org. Steffen Dix e Jerónimo
Pizarro), Lisboa, ICS, 2007, pp. 27-31.
MARGARIDO, Alfredo, “Um poema desconhecido”, in Revista Coloquio/Letras, n.º 85 (Mar. 1985), pp. 36-44.
PAZ, Octávio (1961), in Fernando Pessoa, o Desconhecido de Si Mesmo. – Lisboa: Vega, 1992 (2.ª edição), pp. 15-16.
PESSOA, Fernando - Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª
ed. 1972).
PESSOA, Fernando - Cartas de Amor de Fernando Pessoa (organização, posfácio e notas de David Mourão-Ferreira),
Lisboa, Ática, 1978.
PESSOA, Fernando - Páginas de Pensamento Político. Vol II (Introdução, organização e notas de António Quadros.)
Mem Martins: Europa-América, 1986a.
PESSOA, Fernando - Obra Poética e em Prosa II, 1986b.
PESSOA, Fernando - “A Romaria”, in Apreciacões Literárias. Bosquejos e Esquemas Críticos, Aveiro, Editora Estante,
1990, p. 41-42. Publicado originalmente in Diário de Lisboa (Suplemento Literário), Lisboa, 4 de Janeiro de 1935.
PESSOA, Fernando - Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes).
Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
PESSOA, Fernando - Correspondência (1923-1935) (edição: Manuela Parreira da Silva), Lisboa: Assírio & Alvim, 1999.
PESSOA, Fernando, carta ao Presidente da República, [1935], in ZENITH, Richard (ed.), Obra Essencial de Fernando
Pessoa. Cartas, Círculo de Leitores, 2007, pp. 433-434.
PINTO, Rui Pedro - Prémios do Espírito. Um Estudo sobre Prémios Literários do Secretariado de Propaganda Nacional
do Estado Novo, Lisboa, ICS, 2008
PIZARRO, Jerónimo, “Escritos sobre Génio e Loucura – história de uma investigação” in A Arca de Pessoa (org. Steffen
Dix e Jerónimo Pizarro), Lisboa, ICS, 2007.
QUADROS, António, “Introdução à vida e obra poética de Fernando Pessoa”, in Fernando Pessoa, Obra Poética de
Fernando Pessoa. Mensagem e outros poemas afins (Introdução, organização e biobibliografia de António Quadros),
Mem Martins, Europa-América, 1985.
QUEIRÓS, Luís Miguel, “Mensagem clonada”, in Lisboa, Público (“Ipson”), 1-12-2009.
QUENTAL,
antero
–
“Causas
da
decadência
dos
povos
peninsulares
nos últimos três séculos” (Discurso proferido por numa sala do Casino Lisbonense, em Lisboa, no dia 27 de Maio de
1871, durante a 1.ª sessão das Conferências Democráticas). http://www.arqnet.pt/portal/discursos/maio_julho01.html
RUSSO, Vincenzo - “Cultura e imperialismo – o império como ‘cadáver adiado’”, in A Arca de Pessoa (org. Steffen Dix e
Jerónimo Pizarro), Lisboa, ICS, 2007, pp. 75-90.
i
“No discurso pronunciado na primeira festa de distribuição dos Prémios Literários do SPN em 1935, referindo-se a ‘certas obras dos
primeiros anos da carreira literária’, [António Ferro] reivindicava o ‘direito da evolução quando ela é sincera e honesta’: ‘quando
pretenderem barrar-nos o caminho, lançando-nos ao rosto pedras mortas de outras idades, saibamos responder com aprumo
e serenidade: ‘Esse fui eu, mas não sou eu!’”(Pinto, 2008: 49).
ii
Influenciado pelo socialismo experimental de Proudhon, enaltecendo a revolução, tendo sido um dos fundadores do Partido Socialista
Português, Antero é marcadamente anti-católico e politicamente afecto a um ideário liberal de esquerda centrado na ilustração, na
tolerância e na liberdade de expressão.
iii
“O mais espantoso é que o júri que escolheu este pastelão [Vasco Reis] incluía quatro autores respeitáveis: a novelista e dramaturga
Teresa Leitão de Barros, o poeta Acácio de Paiva, o já referido Mário Beirão e, pasme-se!, Alberto Osório de Castro, poeta de inegável
talento, amigo íntimo de Camilo Pessanha, apreciador de Baudelaire e Verlaine, colaborador da Centauro e de outras revistas
modernistas. Poderíamos imaginar que se limitou a subscrever a escolha dos outros jurados, para não criar conflitos. Nada disso. Fez
questão de deixar escrito, na sua declaração de voto, que, ao ler Romaria, tivera a ‘sensação que produziria a aparição de um Cesário
Verde ou de um António Nobre’. Acontece que este novo Nobre escrevia assim: ‘ Com o dinheiro da ceia/ Vais comprar uma candeia./
Tem paciência, Zé Miguel!/ Antes sofrer a larica,/ Que andar sempre na botica.’
Quando este júri, há três quartos de século, pegou na ‘Mensagem’, sem saber o que o esperava, começou por ler esta
quadra, que abre o primeiro poema do livro: ‘A Europa jaz, posta nos cotovelos:/ De Oriente a Ocidente jaz, fitando,/ E toldam-lhe
românticos cabelos/ Olhos gregos, lembrando. (...)’ Compare-se com a primeira quadra de Romaria: ‘ – Sou ceguinho de nascença/
Deus o quis e foi por bem.../ Que não vejo assim no mundo/ Tanta dor que o mundo tem...’ Já o júri do SPN nem essa desculpa tinha.
Nenhum deles era ceguinho” (Queirós, 2009).
iv
A opinião de Fernando Pessoa sobre a obra e a figura de Vasco Reis não é pacífica. O autor da Mensagem escreveu mesmo sobre
A Romaria, livro que tinha ficado à frente daquele no concurso do SPN de 1934. Mas enquanto que no website "Um Fernando Pessoa"
(Hipólito, 2011), se refere que esta “crítica, honesta e subtil, parece prova evidente de que [Pessoa] não guardara rancores do prémio
que lhe fora a ele mesmo concedido”, já José Blanco, num ensaio intitulado “ A verdade sobre a Mensagem” (Blanco, 2007) aponta para
o sentido oposto: “E, se Fernando Pessoa ficou por ventura melindrado com a decisão do júri, vingou-se, com luva branca, do seu
“rival” e co-premiado Vasco Reis, publicando no Diário de Lisboa, de 4 de Janeiro de 1935, uma crítica generosamente elogiosa (como
eram, normalmente, as que fazia aos livros de amigos e conhecidos).
Como em regra acontecia nos seus escritos de crítica literária, o verdadeiro intuito deste texto era denegrir, uma vez mais,
duas das suas bêtes-noires: a Igreja Católica, em geral, e o catolicismo português, em particular, a que chamou “meiguice religiosa,
preguicosamente incerta do em que realmente crê”. O Padre Vasco Reis, escreve Pessoa, “a quem Deus fez ser franciscano para fins
simbolicos – pertence portuguêsmente a este catolicismo amoroso”. Os louvores à obra seguem depois destas linhas assassinas...”
v
Fernando Pessoa, Carta a Adolfo Casais Monteiro (13 de Janeiro de 1935). Obra Poética e em Prosa II, 1986, pp. 344-345.
vi
Sobre esta matéria António Quadros já havia referido o seguinte: “[...] concluindo a Mensagem, Fernando Pessoa descreve
simbolicamente os Tempos como os estádios de uma iniciação ou talvez como as fases de uma operação alquímica, desde o negrume
ou o nigredo (o poema ‘Noite’), o sofrimento de uma divisão ou putrefactio (o poema ‘Tormenta’), a alcamia, citrinitas (o poema
‘Calma’), a albação ou o albedo (o poema ‘Antemanhã’) e por último, não desde logo a Grande Obra , após o rubedo ou o ígneo, mas a
injunção a que ela surja do nevoeiro e do mistério que a envolve, D. Sebastião redivivo (arquétipo universal do Salvador escondido, do
Herói imortal que sempre regressa e ressuscita, como a Fénix, pela purificação do fogo), Rei ressurgido de Portugal – Quinto Império
(o poema ‘Nevoeiro’) que termina com um apelo aos irmãos, no enigmático Valete, Frates” (Quadros, 1985: 79).
vii
Sobre o centralidade que o catolicismo detém no âmbito dos vectores ideológicos do Estado Novo, refere Rui Pedro Pinto que: “O
catolicismo integrista de raiz neotomista, que influenciaria determinantemente o pensamento de Salazar – fundamentando um
corporativismo respeitador dos grupos naturais, assente numa utopia conversadora de ordem tradicional, em que a religião católica se
fundia com a identidade nacional do Pais -, concedia efectivamente uma primazia aos valores espirituais, procurando limitar a acção do
Estado pela moral católica” (Pinto, 2008: 17).

Documentos relacionados