A Zona Portuária do Rio de Janeiro: antecedentes e perspectivas.
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A Zona Portuária do Rio de Janeiro: antecedentes e perspectivas.
A Zona Portuária do Rio de Janeiro: antecedentes e perspectivas. 2 F E R NA N D O F E R NA N D E S DE M E L LO Título A Zona Portuária do Rio de Janeiro: antecedentes e perspectivas. Dissertação de Mestrado Orientador: Tamara Tania Egler IPPUR. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro Março de 2003. 3 A Zona Portuária do Rio de Janeiro: antecedentes e perspectivas. Fernando Fernandes de Mello Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Tamara Tania Egler Doutor em Planejamento Urbano e Regional/USP. Rio de Janeiro 2003 4 A Zona Portuária do Rio de Janeiro: antecedentes e perspectivas. Fernando Fernandes de Mello Dissertação submetida ao corpo docente do instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. Aprovado por: ___________________________________ Prof. Tamara Tania Egler – Orientador (Doutora em Planejamento Urbano /USP) ___________________________________ Prof. Fania Fridman (Doutora em Economia Política/ Universidade de Paris VIII) ___________________________________ Prof. Mauro Kleiman (Doutor em Planejamento Urbano /USP) ___________________________________ Prof. José Almino de Alencar (Doutor em Sociologia /Universidade de Chicago) Rio de Janeiro Março 2003 5 Aquele abraço Esta dissertação vai para os meus filhos João e Pedro; para minha mãe e meu pai (in memorian); para meus irmãos, Tita, Bia e Edu; e para Lia, companheira de muitos anos. Aproveito o espaço para agradecer e mandar aquele abraço para: Tiara e Cida, Gusmão e Paula, amigos sempre presentes; Saad, Duca, Walter, Augusto Ivan, Ernani e Sonia, colegas arquitetos; professores, amigos e companheiros do IPPUR, turmas de 99 e 2000, em especial minha orientadora Tamara, pela força; Beth e Manoel, pela constante presença junto ao João; Athaíde e a amiga Maria Antonia, pelo estímulo e generosidade; Jaderson, Suzana, Lula e companheiros do Centrovida, pelas mudanças ilimitadas; as instituições que, de alguma forma, contribuíram para viabilizar este trabalho: INT- Instituto Nacional de Tecnologia, Abóboda, Museu Imperial de Petrópolis, GT do Plano Diretor do IPEC-Fiocruz e Instituto Pereira Passos. 6 “ ...Ou vontade, a proposta veio de Joaquim Sassa, Ou inteligência, acrescentou Joana Carda, Ou história, e este remate foi de José Anainço, Pedro Orce não tinha qualquer sugestão a fazer, limitara-se a perguntar, quem julgue que isto não é o mais fácil está muito enganado, não tem conta o número de respostas que está a espera das perguntas.” José Saramago. 7 Sumário 14 Introdução 16 Capítulo 1 Porto Do Rio De Janeiro: Processos Históricos 1.1 Origens da Zona Portuária 1.1.1 A Comissão de Melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro 18 33 Capítulo 2 O Estado na Transformação da Zona Portuária 2.1 Antecedentes 41 2.2 Políticas urbanas no Porto do Rio de Janeiro 2.2.1 O porto na Reforma Pereira Passos 43 2.2.2 Década de vinte 53 2.2.3 O Plano Agache 55 2.2.4 De 1930 a 1960 57 2.2.5 O Plano Doxiadis 59 2.2.6 O Plano Urbanístico Básico do Rio de Janeiro 61 2.3 Esvaziamento e deslocamento das funções portuárias 64 17 Capítulo 3 A Ocupação Atual Do Espaço. Fundo do quintal 3.1 Caracterização – O uso social do espaço 72 3.2 A estrutura espacial e barreiras físicas e institucionais 75 3.3 Percurso Moinho Fluminense –Quarteirão Institucional Aproximação metodológica 3.4 Análise dos imóveis situados na quadra institucional 82 86 Capítulo 4 PORTO DO RIO - O Plano de Recuperação e Revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro 4.1 O Projeto 104 4.2 Análise do Plano 108 CONCLUSÕES Revisitando a política urbana no Rio de Janeiro. 129 Para uma política social na Zona Portuária 133 Referências Bibliográficas 135 Anexos 139 Capa: Foto aérea da Região Portuária com a delimitação da área prioritária extraída do Plano de Recuperação e Revitalização da Zona Portuária, IPP, 2001. 18 Lista das ilustrações - Capítulo 1 Figura 1: Ender,Thomas, 1817, BN. Vista da pedra da Prainha, um obstáculo à ligação pela orla entre a Prainha e a praia do Valongo em início do século XIX. Retirado de “Saúde, Gamboa , Santo Cristo”, p.32. Figura 2: Plano e terreno da cidade do Rio de Janeiro, 1779, BN. A cidade velha cresceu dentro de um quadrilátero delimitado pelos Morros do Castelo(HC), Santo Antônio(FE), São Bento(L), e Conceição(M). No litoral noroeste estão identificados a Prainha, o Valongo, a praia de N. Sra. da Saúde , a Gamboa, as ilhas dos Cães e dos Melões e a Bica dos Marinheiros. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo”, p.20. Figura 3: Vilhena, Luis dos Santos, 1775. Da direita para a esquerda, o mosteiro de São Bento; o forte da Conceiçãoe o Palácio Episcopal; a marinha da cidade e atual Praça XV. A implantação das igrejas em alguns locais ajudou a orientar o crescimento urbano. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo “, p. 20. Figura 4: Planitz, barão de 1832/38, vista do Saco da Gamboa, vendo-se ao fundo o Morro do Livramento e á direita a elevação que se constitui no Morro da Gamboa. Retirado de “Saúde, Gamboa ,Santo Cristo”, p.54. Figura 5: Pustkov, Frederico, c. 1840. A praia da Saúde que recebia aterros com a construção de novos cais e armazéns. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo”, p.55. Figura 6: Fotografia de 1866, reproduzida por A. Malta. Vista do Morro da Gamboa tomada do Morro da Providência, observando-se a imensa ocupação nas abas desses morros voltadas para o litoral. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo”, p.75. 19 Figura 7: Frond, Vítor, 1858, Col. Paulo Geyer. No litoral norte da cidade – Saúde/ Gamboa/Saco do Alferes – Concentrou-se o comércio com o interior do país. Retirado de ”Saúde, Gamboa, Santo Cristo”, p. 58. Figura 8: Escadaria do Jardim do Valongo, em direção a R. Camerino mostrando os diversos acessos existentes entre os morros da região. Foto do Autor, maio de 2001. Figura 9: Ferrez, Marc, c.1903.Vista tirada do Sumaré. O Mangue e a Cidade Nova e parte de São Cristóvão vistos do Sumaré quando se construía o Cais do Porto e se prolongava o Canal do Mangue. Retirado de “O Rio antigo do fotógrafo Marc Ferrez”, p.184. Lista das ilustrações - Capítulo 2 Figura 10: Avenida Rodrigues Alves, s/d., Col. Elysio Belchior. Com seus 40 metros de largura, a Av. Rodrigues Alves, afora a Av. Francisco Bicalho, era a mais larga do Rio. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo”, p.120. Figura 11: Av. Presidente Vargas, s/d., Col. Henrique Smolka. Para a abertura deste eixo monumental foram derrubados cerca de 500 prédios e quatro igrejas centenárias. Esta via isolou os bairros portuários do restante da cidade. Cardoso,1987, p.133. Figura 12: Pátio ferroviário da Enseada da Gamboa, foto do autor em maio de 2001. 20 Lista das ilustrações - Capítulo 3 Figura 13: Vista aérea da Zona Portuária, c.1960. AGCRJ. No lado direito, a curva da Rua Sacadura Cabral, limite entre a área antiga e a aterrada. No centro, vê-se os prédios interligados do Moinho Fluminense, a Praça da Harmonia e o prédio da Polícia Militar. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo”, p. 136. Figura 14: Ladeira da Providência, esquina com Rua Sacadura Cabral, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 15: Armazéns na esquina da Rua Equador com a Av. Prof. Pereira Reis, Gamboa. Fotografia do autor, em maio de 2001. Figura 16: Largo da Prainha, fotografia do autor, em maio de 2001. Figura 17: Pedra do Sal, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 18: Mapa da situação fundiária na Zona Portuária. Docas e Rede Ferroviária são as grandes proprietárias das áreas na região. Retirado do Projeto de Revitalização da área portuária elaborado pelo IPP.[2001]. Figura 19: Moinho Fluminense, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 20: Moinho Fluminense, fotografia do autor, maio de 2001. Figura 21: Antigo galpão situado na esquina entre a Rua Souza e Silva e a Av. Venezuela. Figura 22: Avenida Barão de Tefé, vendo-se ao fundo a torre da Central e à direita o Morro da Providência, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 23:Vista da Av. Barão de Tefé, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 24: Vista do galpão pela Av. Venezuela, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 25: Vista da Av. Venezuela, fotografia do autor em maio de 2001. 21 Figura 26: Vista da Pró- Matre, pela Av. Venezuela, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 27: Edifício comercial e de serviços, na Av. Venezuela, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 28: Edifício de comércio e serviços na Av. Venezuela, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 29: Edifício da Frota Oceânica, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 30: Vista do edifício do IAPETC em maio de 2001, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 31: Vista da fachada do edifício, mostrando as péssimas condições de manutenção. Fotografia do autor em maio de 2001. Figura 32: Vista do Instituto Nacional de Tecnologia, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 33: Vista aérea do prédio da Polícia Federal, fotografia do autor , em maio de 2001. Figura 34: Vista interna do prédio da Polícia Federal, fotografia do autor, em maio de 2001. Figura 35: Vista do trecho com frente para a Av. Venezuela, com visão do Morro da Conceição e ACN, fotografia do autor, em maio de 2001. Figura 36: Vista da fachada do prédio da Receita Federal, fotografia do autor em maio de 2001 Figura 37: Vista da Av. Rodrigues Alves, fotografia do autor em maio de 2001. Figura 38: Vista do imóvel da ONG Cidadania, mostrando ainda o estacionamento existente na R. Coelho e Castro. Ao fundo o Hospital dos Servidores do Estado. Fotografia do autor em maio de 2001. 22 ANEXOS: Anexo 1: Mapa da Zona Portuária no século XIX. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo”, p.38. Anexo 2: Sistema viário atual. Retirado do Plano de Recuperação e Revitalização da Zona Portuária, Instituto Pereira Passos, 2001. Anexo 3: Localização dos imóveis no quarteirão institucional. Sobre planta da cidade, restituição do levantamento aerofotogramétrico realizado em 1976, Secretaria Municipal de Urbanismo. Anexo 4: Vagas /estacionamentos. Contagem realizada pelo autor em abril de 2001. Anexo 5: Propostas para ligação entre os prédios da Zona Portuária, utilizando a linguagem arquitetônica característica das pontes sobre as ruas. Do autor. Anexo 6: Desmontes e aterros na área central da cidade. Retirado de “Morro da Conceição: da memória o futuro”, P22. 23 Resumo A Zona Portuária do Rio de Janeiro: antecedentes e perspectivas. Esta dissertação se propõe a analisar a evolução na ocupação da Zona Portuária do Rio de Janeiro, sua articulação com o núcleo urbano e também avaliar as intervenções realizadas pelo poder público no século XX: o Plano Agache, o Plano Doxiadis, o PUB-RIO e a proposta atual da Prefeitura para revitalização da área. Procuramos compreender a dinâmica dessa região, que cristalizou momentos importantes na história da cidade, tanto no aspecto socioeconômico, como na representação e imagem das relações sociais. O Rio de Janeiro foi a sede dos poderes constituídos durante longo período de sua história e, o fato de possuir uma localização privilegiada e ser importante pólo de intercâmbio comercial e marítimo, teve com o seu porto uma relação vital. Realizamos um percurso pela quadra cujos imóveis pertencem à União, como resultado do processo de apropriação dos espaços provenientes dos aterros necessários às obras de construção do porto, para se fazer uma leitura da espacialidade atual. Analisamos a oferta de áreas no centro metropolitano, associadas às obras públicas de porte, como os desmontes dos Morros do Castelo e de Santo Antônio, a abertura da Av. Pres. Vargas, e o abandono da Região Portuária como resultado desse mecanismo, associado às mudanças tecnológicas no Porto. 24 Figura 13: Ender, Thomas, 1817, BN. Vista da pedra da Prainha, um obstáculo à ligação pela orla entre a Prainha e a praia do Valongo em início do século XIX. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo.”, p.32. I N T R OD U Ç Ã O Para entender a formação da Zona Portuária interessa apresentar uma evolução do processo espacial que conformou a urbanização desta parcela do território carioca. O objetivo é caracterizar esta região como resultado do crescimento urbano, cuja ocupação se deu paralelamente ao desenvolvimento da cidade, como um somatório e entrelaçamento de forças e contra forças atuantes no tempo e no espaço. 25 Pretendemos estudar as tipologias de ocupação e funções das edificações existentes com o objetivo de se compreender as articulações dos diversos grupos sociais no tecido urbano, e avaliar as transformações dos usos sociais do espaço. É nosso objetivo explicitar que esta aproximação histórica não se constitui em pesquisa inédita da história do Rio de Janeiro, mas uma revisão bibliográfica , acrescida de uma abordagem analítica, procedimento importante para mim na compreensão do espaço urbano, ou seja, a diversidade de imagens físicas e sociais, cristalizadas no presente.1 O estudo da Região Portuária, a partir da análise da evolução histórica da sua espacialidade, pretende identificar os diversos momentos de transição importantes, e associa-los às transformações nos processos sociais ocorridos e cristalizados na imagem urbana do Rio de Janeiro. A utilização de fotos, mapas e desenhos neste trabalho se propõe a reforçar o entendimento das questões urbanas pela riqueza de informações desta linguagem gráfica. 1Vários estudos clássicos tem sido consagrados à evolução urbana do Rio de Janeiro; numa abordagem da Geografia da cidade, com Alberto Lamego( O Homem e a Guanabara), Eduardo C. Barreiros (Atlas da Evolução Urbana da cidade do Rio de Janeiro, 1965), Lysia Maria Cavalcanti Bernardes (Evolução da Paisagem Urbana do Rio de Janeiro até o início do século XX, 1959), e Maurício Abreu (Evolução Urbana do Rio de Janeiro, 1987); nos seus aspectos quase iconográficos, como os livros de João do Rio, Lima Barreto, Olavo Bilac e outros, e a leitura setorial através de análises específicas e de infra-estrurura, como Brasil Gerson (História das Ruas do Rio, 1965), Noronha Santos (Meios de Transportes do Rio de Janeiro, 1934) e Charles Dunlop (Subsídios para a história do Rio de Janeiro, 1957). Acresce-se a produção acadêmica, particularmente na região portuária com Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão (Dos Trapiches ao Porto, 1991), Jaime Larry Benchimol (Pereira Passos, um Haussman Tropical, 1992.), Fania Fridman( Donos do Rio em Nome do Rei, 1999) , Elisabeth D. Cardoso e outros, além de Ferrez, Vieira Fazenda, Gastão Cruls, Vivaldo Coaracy,, Max Fleiuss e Moreira de Azevedo com uma abordagem historiográfica da recuperação de antigos documentos e crônicas da cidade. 26 O desafio proposto é realizar uma leitura da espacialidade do lugar, identificando as áreas de propriedade da União, suas condições atuais e possibilidades de ocupação futura por uso socialmente justo. P OR T O DO RIO 1.1 O R I GE N S DE DA J AN E I R O , P R OC E S S OS H I S T ÓR I C OS ZONA PORTUÁRIA Desde o início da ocupação da Baía de Guanabara e fundação da cidade do Rio de Janeiro por Estácio de Sá em 1565, teve essa região características mais do que propícias para a atividade econômica e portuária, devido às suas condições climáticas e geográficas adequadas, aliadas à extrema exuberância das terras circundantes. Essas características já tinham conquistado os franceses com a intenção de estabelecer aqui a França Antártica, atraídos pelas riquezas e posição estratégica da baía. Segundo Fridman (1999; p.87): ” a fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro(...), deveu-se, a questões de segurança e de defesa de território, pois não havia uma política de povoamento, mas uma empresa para a exploração das riquezas comerciais das terras conquistadas por parte da Coroa Portuguesa.” 27 As facilidades desse trecho do litoral nos seus aspectos de exploração do comércio, nas atividades extrativistas de madeiras, especialmente do pau brasil, especiarias e pimentas, e animais silvestres, “tinham na baía um porto de águas tranqüilas favorável ao seu desenvolvimento , como centro de negócios e núcleo de articulação com a sede do poder colonial.” (Gerson,2000, p.6). A cidade nasce como Porto. A estabilização do povoamento a partir da dominação e pacificação dos nativos, e seu conseqüente crescimento, aliada à doação de vastas sesmarias aos índios e colonos nos arredores, fez com que as atividades comerciais e portuárias se consolidassem inicialmente entre os Morros do Castelo e de São Bento, onde as condições de sobrevivência eram mais propícias. Esse núcleo centralizava as relações comerciais com o hinterland carioca, que compreendia as diversas localidades situadas às margens dos trinta e três rios que desaguam na Baía de Guanabara, além daqueles que pertenciam às zonas rurais próximas e já se dedicavam à economia açucareira, de subsistência e às atividades puramente extrativistas. As águas da baía foram o grande suporte para este trânsito mercantil entre o núcleo e o seu entorno. No mesmo período cristalizou-se a atividade portuária mais elaborada no Porto dos Padres da Companhia, com ancoradouro, guindaste e armazéns para o sal, óleo de peixe e outras mercadorias, protegidos por fortificações na Praia D. Manuel, atrás da ponta do Calabouço. Ao mesmo tempo, para aí deslocava-se 28 parte do centro econômico, administrativo e religioso da futura cidade. Conforme Santos(1968), no início do século XVII a população se fixa nesse entorno ao porto, quando foi permitida a expansão do aldeamento ao longo do litoral. Figura 14: Plano e terreno da cidade do Rio de Janeiro, 1779, BN. A cidade velha cresceu dentro de um quadrilátero delimitado pelos Morros do Castelo(HC), Santo Antônio(FE), São Bento(L), e Conceição(M). No litoral noroeste estão identificados a Prainha, o Valongo, a praia de N. Sra. da Saúde , a Gamboa, as ilhas dos Cães e dos Melões e a Bica dos Marinheiros. Retirado de “ Saúde, Gamboa, Santo Cristo”, p. 20. Ao longo deste primeiro século, a cidade cresceu em direção do Morro de São Bento, pelo eixo da Rua Direita (atual Primeiro de Março), conformando a futura ocupação como um quadrilátero delimitado pelos Morros do Castelo, Santo Antônio, Conceição e São Bento. As proximidades da área conhecida como Prainha, atual Praça Mauá, acrescidas das encostas do Morro da Conceição foram a expansão dos arrebaldes do núcleo 29 urbanizado do Morro do Castelo. Fridman (op.cit.) sugere que esta hipótese de expansão refere-se ao processo de ocupação dos vazios entre as propriedades religiosas, principalmente nos baixios dos morros, em função da importante presença das ordens da igreja no desenvolvimento da cidade. Dessa forma, consideramos que esta conformação intra morros foi o resultado da primeira fase de expansão da cidade, da fundação ao final do século XVII, apesar da pequena área no seu núcleo no Morro do Castelo ser urbanizada, e o seu entorno ocupados de forma rarefeita. Durante a primeira metade do século XVIII, o que hoje conhecemos por área portuária não foi adensada, devido principalmente à sua ocupação por chácaras. Próximas ao centro, em amplos terrenos, eram, na época, exploradas como atividade agrícola para abastecimento do núcleo. A transferência da capital da colônia portuguesa de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763, “em conseqüência do importante papel desempenhado pela cidade no circuito das trocas no interior da economia mercantil, acelerou enormemente seu processo de urbanização. Lagoas e brejos que dificultavam a expansão do Rio começaram a ser dessecados”(Cardoso, et al,1987,p.27).2 30 A expansão das atividades portuárias da cidade, devido ao intenso movimento de mercadorias e escravos a partir também da exploração das minas de ouro nas Geraes, propiciou um início de especialização do território, na medida em que essas atividades foram paulatinamente sendo transferidas para “as enseadas que gozavam de bons ancoradouros, mais abrigados que os do Castelo e aonde diversos trapiches se estabeleceram no correr do século XVIII,” (Bernardes, 1962)3. Contribuiram para esta ocupação as condições geográficas adequadas, como a existência de encostas não muito íngremes, o que permitiu a rápida expansão das construções urbanas nessa faixa costeira. Segundo Noronha Santos, “muito antes de 1800 (...), no litoral entre a Prainha e a Saúde, principiou a ter notável crescimento a edificação, instalando-se aí depósitos e armazéns de produtos agrícolas e industriais (importados). Ocuparamno pela mesma época armadores e traficantes de escravos, pescadores e embarcadiços.”4 O cais do Valongo transformou-se no pólo central do comércio de escravos a partir da transferência do mercado da área central da cidade (R. Direita). O tráfico gerou várias externalidades no que se refere às atividades econômicas, tais como um sistema de transporte marítimo entre o Valongo e outros bairros, a fabricação de Em seu Extractos de Manuscriptos sobre Aforamentos, Restier Gonçalves afirma que “no século XVIII, toda a região litorânea do reconcavo – desde a Prainha até São Cristóvão – estava ocupada por vastas chácaras com moradias confortáveis. Importante roças cobriam os valládos e montes – notadamente os cannaviáes de São Diogo, ainda batido pelo mar. Capellas e ermidas coroavam os outeiros”. Em “Saúde, Gamboa, Santo Cristo”, p. 25. 3 Bernardes citado por Cardoso, Elisabeth D. et al., 1987: p. 27. 4 Noronha Santos, citado por Cardoso, Elisabeth D. et al., 1987: p. 27. 2 31 objetos de ferro destinados a prisão e tortura dos escravos, armazéns depósitos para os negros recém chegados da África, e até um cemitério. A lucratividade dessa empreitada gerou também várias obras de melhoramentos urbanos como o aterro de mangues para a ampliação das áreas secas, a abertura de ruas para facilitação das condições de tráfego no entorno ao mercado e principalmente, a Rua do Livramento, que ligava a Saúde a Gamboa, possibilitando a ocupação desta nova área. 5 Com a vinda da Família Real para o Brasil e a Abertura dos Portos às Nações Amigas, em 1808, o processo de urbanização e desenvolvimento da Saúde, da Gamboa, do Saco do Alferes e da praia Formosa ampliou-se. Durante o século XIX as chácaras foram sendo divididas em lotes urbanos e vários logradouros públicos foram criados. A crescente atividade portuária do local dinamizou a ocupação dos morros e planícies de toda a área circunvizinha, criando as condições para a posterior formação dos três bairros vinculados à atividade portuária: Saúde, Santo Cristo e Gamboa. “ O surgimento de uma certa especialização espacial das atividades econômicas e comerciais acabou empurrando, ainda no século , para o litoral da Prainha e da Saúde, algumas atividades portuárias que ainda se desenvolviam, na sua maior parte, no trecho da costa compreendido entre os Arsenais de Marinha e de Guerra”. Cardoso, Elisabeth D. et al.,1987, p. 27. 5 32 Figura 15: Vilhena, Luis dos Santos, 1775. Da direita para a esquerda, o mosteiro de São Bento; o forte da Conceiçãoe o Palácio Episcopal; a marinha da cidade e atual Praça XV. A implantação das igrejas em alguns locais ajudou a orientar o crescimento urbano. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo.” p. 20. Da fundação da cidade até o momento, podemos perceber o processo de crescimento urbano. No início, a partir da necessidade de sobrevivência física: de defesa do território e de subsistência. A partir dos primeiros momentos da colonização e do crescimento econômico e populacional, surge a necessidade constante de apropriação de novos espaços. Esta apropriação se dá de várias formas, em função dos arranjos sociais correntes em cada momento histórico. Na Zona Portuária, desde os primeiros movimentos urbanos, apreende-se que sua articulação com o núcleo é de uma área destinada a comportar usos mais periféricos, de características menos nobres, ou seja, vinculados à questão da escravidão e seus desdobramentos, aos depósitos de mercadorias, às tabernas e oficinas, aos trapiches e atividades ligadas ao porto, e a uma população também periférica e marginalizada porém fundamental ao processo de manutenção e crescimento da cidade. 8 Tornado ilegal o tráfico de escravos ainda na primeira metade do século XIX, o Valonguinho, o Valongo e a Gamboa adquiriram as mesmas características portuárias da Prainha, com seus armazéns e seus trapiches de exportação e importação. Figura 16: Planitz, barão de, 1832/38. Vista do Saco da Gamboa, vendo-se ao fundo o Morro do Livramento e à direita a elevação que se constitui no Morro da Gamboa. Retirado de “ Saúde, Gamboa, Santo Cristo.”, p.54. O adensamento populacional e o crescimento das atividades econômicas gerou desdobramentos nos mecanismos de ocupação, como as divisões das sesmarias em chácaras, depois em lotes, com as construções de chalés, “em busca dos bons ares “ e posteriormente, transformando-se em cortiços e casas de cômodos, abrigando uma população cada vez maior, com condições higiênicas cada vez mais problemáticas. O porto esteve sempre ligado à insalubridade da cidade , como porta de acesso das freqüentes epidemias que por aqui chegavam. Outro momento de transformação importante nos aspectos de urbanização e ocupação deu-se com o desenvolvimento nos embarcadouros do litoral que se 9 estendiam da Prainha à Gamboa, graças à instalação dos armazéns para a exportação de café. Os antigos ocupantes foram sendo despejados ao mesmo tempo em que as pontes de atracação construídas no século anterior eram substituídas por grandes armazéns, feitos sobre áreas aterradas, com a colaboração de proprietários na execução das obras, em contrapartida à utilização dos terrenos resultante desses aterros.6 Figura 17: Pustkov, Frederico, c. 1840. A praia da Saúde que recebia aterros com a construção de novos cais e armazéns. Retirado de “ Saúde, Gamboa, Santo Cristo.”, p. 55. Nesse período, as atividades industriais como fundição, serralheiras, ferragens e artefatos de vidro, além das madeireiras e serrarias começam a caracterizar esse espaço como de suporte industrial às atividades portuárias e urbanas, atingindo uma dimensão mais que local, vista a crescente expansão urbana da cidade. 7 Sua articulação com o núcleo se dá pelas sucessivas aberturas de novas ruas, alargamentos, subdivisão das chácaras em lotes com seus respectivos novos A iniciativa oficial promoveu vários benefícios à expansão da cidade, como abertura de novas ruas e iluminação pública. O desenvolvimento da cidade, em função de novas articulações entre os bairros, também estimulou essa ocupação. 7 Segundo Noronha Santos, ”muito antes de 1800(...), no litoral entre a Prainha e a Saúde, principiou a ter notável crescimento a edificação, instalando-se aí depósitos e armazéns de produtos agrícolas e industriais (Importados). Ocuparam-no pela mesma época armadores e traficantes de escravos, pescadores e embarcadiços” Apud Cardoso,1987, P. 29. 6 10 arruamentos, aterros e paralelamente, a inclusão de novas frentes de expansão urbanas, principalmente no eixo do mangal de São Diogo (atual Av. Pres. Vargas) e nos meados do século XIX, a Avenida Beira Mar em direção à zona sul. A cidade continua seu processo de expansão, e experimenta um grande crescimento. Outros edifícios na região portuária e ferroviária reforçam essa tendência de diversidade de usos, como o Colégio Pedro II, na Rua Larga de S. Joaquim, negócios de cocheira e depósito de carros, entre outros. . 11 Os loteamentos realizados na época das chácaras situadas nos morros, já indicavam uma tendência à ampliação dos espaços adequadas a moradias, sendo estes bairros cada vez mais procurados devido a variáveis como proximidade com o centro, salubridade e “boa vista”. Foram dessa forma assumindo as feições que apresentam hoje, com sua ocupação em encostas, ladeiras em degraus e becos. Figura 18: Fotografia de 1866, reproduzida por A. Malta. Vista do Morro da Gamboa tomada do Morro da Providência, observando-se a imensa ocupação nas abas desses morros voltadas para o litoral. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo” p.75 Um exemplo da diversidade de acontecimentos na área é citado por Gerson: ”foi no Valongo (...), que em 1843 saltou, de uma galeota de toldo de damasco verde e ouro, a princesa da casa reinante de Nápoles, Teresa Cristina de Bourbon, para casar com o jovem Pedro II. Para isso foi transformado por Grandjean de Montigny na primeira praça monumental d o Rio, a antiga Municipal, agora Barão de Tefé. O 12 cortejo encaminhou-se para o Paço pela Rua do Valongo logo denominada da Imperatriz e por último do Camerino”.8 Figura 19: Frond, Vítor, 1858, Col. Paulo Geyer. No litoral norte da cidade – Saúde/ Gamboa/Saco do Alferes – Concentrou-se o comércio com o interior do país. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo”, p. 58. Em torno de 1850, foi inaugurada a praça da Harmonia (atual Praça Coronel Assunção), e nas proximidades instalou-se o segundo Mercado Municipal da cidade; o primeiro era no largo do Paço. Este fato demonstra a potencialidade das atividades econômicas locais, aliadas à diversidade nos usos e ocupações das populações desses bairros. Aparentemente a cidade passava por processos diversos de ocupação e hierarquização do espaço a partir do movimento portuário e estes acontecimentos servem para caracterizar a importância dessa região no contexto da estrutura urbana como um todo. Estas características perduraram Ao tempo do vice-rei, Marques do Lavradio(1769-1779), informa Bernardes, “os brejos praianos do Valongo foram dessecados com a abertura de uma rua espaçosa em lugar da azinhaga por onde passavam para as suas chácaras os habitantes da Saúde, Gamboa e Saco do Alferes”. Citado por Cardoso, Op. Cit. p 28. 8 13 durante a segunda metade do século XIX, consolidando a espacialidade da Zona Portuária da cidade do Rio de Janeiro. Conforme Kessel: “o ano de 1851, logo após a extinção do tráfico, pode ser considerado como o ponto de inflexão a partir do qual se estruturam as condições para a aceleração do progresso técnico e a expansão econômica do país, com a fundação de sociedades anônimas, do segundo Banco do Brasil, a inauguração da primeira linha telegráfica e da primeira estrada de ferro, marcando a ascensão de novas estruturas tecnológicas e econômicas que vão beneficiar os financistas e engenheiros preparados para enfrentar os novos tempos. Estas mudanças estão estreitamente ligadas às transformações ocorridas na economia internacional, em fase de expansão impulsionada pelas novas técnicas de construção, comunicação e transportes; e articulam-se com a importância que vai adquirindo o engenheiro em contraposição ao bacharel burocrata, funcionário do Estado oligárquico e patriarcal.” ( Kessel,2001, p.26). Este momento coincide com uma série de propostas de diversos grupos capitalistas para melhorias e novos projetos portuários com cais, molhes, armazéns, aterros, maquinarias para carga e descarga, etc. 14 Em 1852, criou-se uma primeira comissão para estudo do alinhamento entre os cais da Marinha e de Guerra, para construção da Doca da Alfândega. Desta comissão fazia parte como diretor das obras o engenheiro André Rebouças, que recomendou a ampliação dos seus 644m iniciais para um cais de 5600m. Esta nova doca seria construídas nas enseadas da Saúde e Gamboa, incluindo a instalação de um ramal ferroviário da ferrovia D. Pedro II e de um dique de reparação de navios. Segundo Cardoso (Op. cit., p.82),” Em 1870 foi autorizada a organização das Docas D. Pedro II. Em 1871 foram inauguradas as obras.” A obra foi concluída em 1875, limitada “ao cais entre o beco da pedra do Sal e a Praça Municipal, hoje barão de Tefé, com 160m de extensão, a duas pontes de madeira encimadas por galpões e ao armazém n° 5, com três pavimentos.” O crescimento constante das atividades portuárias, em função do incremento do volume de negócios no Rio de Janeiro, repercutiu fortemente na urbanização das regiões próximas (Campo de Sant’Anna), devido às necessidades de desapropriações decorrentes da implantação das linhas ferroviárias em direção aos sertões cariocas e fluminenses. Os acessos entre o porto e a ferrovia se davam principalmente pela R. Camerino e R. de S. Diogo, contornando o Morro da Providência, antes da abertura do caminho de Santa Teresa, atual Marquês de Sapucaí e R. da América. Essas vias de ligação transformaram-se em ruas comerciais e também de apoio ao tráfego das carroças que faziam o percurso entre os terminais ferroviário e marítimo, com oficinas de construção e consertos de carros, e de certo modo ampliando o uso residencial de renda mais baixa com os cortiços, as vilas, estalagens e casa de cômodo. As pedreiras existentes nos 15 morros haviam sido suporte para toda essa operação urbana, e desde o início dos aterros e construções, acompanhavam essa dinâmica de expansão além de fornecer pedras de cantaria para as edificações na época. Figura 20: Escadaria do Jardim do Valongo, em direção a R. Camerino mostrando os diversos acessos existentes entre os morros da região. Foto do Autor, maio de 2001. Para melhor transformações entendimento ocorridas nesse das espaço urbano, é importante observar o percurso entre o atual terminal ferroviário e a Praça Mauá, respectivamente pelas Ruas Barão de São Félix, Camerino e Sacadura Cabral. A tipologia urbana, no que se refere aos lotes e edificações é bastante semelhante, inclusive compartilham do fato dessas ruas serem todas nos sopés dos Morros da Providência e da Conceição. Acreditamos que esse trecho realmente tenha sido utilizado por muito tempo no transporte de mercadorias entre os terminais marítimo e ferroviário, conforme análise anterior, pois até hoje se apresenta como importante via de ligação entre essas duas regiões da cidade. 16 No período entre 1850 e 1875 são apresentados vários projetos para intervenção em toda a orla da cidade, sendo mais intenso este movimento em duas frentes: no cais da Alfândega e nos prolongamentos a partir do largo da Prainha na direção da Gamboa. Os mecanismos de financiamento destas obras passavam pela constituição de Companhias que, a partir de projetos de melhorias e de infraestrutura urbanas, negociavam concessões com o Poder Público para exploração por um determinado período, remunerando os investidores, na época chamados capitalistas, frequentemente pessoas próximas aos estamentos decisórios, ou vinculadas a instituições financeiras internacionais, como bancos e seguradoras. Além dos grupos privados interessados nestes mecanismos, havia dentro do próprio governo questões relativas à melhor forma de se gerirem os investimentos públicos, conforme Lamarão 9. Dessa forma não eram incomuns alguns embates entre grupos como o de André Rebouças e o do engenheiro Henry Law, em 1858, na concepção técnica das obras de construção do cais da Alfândega, no centro da cidade.10 1.1.1 A Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro Em 1874, foi nomeada pelo ministro do Império João Alfredo Correia de Oliveira a Comissão de Melhoramentos da Cidade, integrada pelos engenheiros Jerônimo LAMARÃO, op.cit. p.77. “ Somente nos primeiros anos da década de 1870 foram apresentadas pelo menos sete propostas de obras portuárias, todas voltadas para a vertente marítima central, entre os arsenais de Marinha e de Guerra.”. Op. cit., p. 77 . 9 10 17 Morais Jardim, Marcelino Ramos da Silva e Francisco Pereira Passos. Dentre as onze questões tratadas como propostas, estava a portuária. No entanto, o entendimento da referida comissão designava o Canal do Mangue como eixo dos melhoramentos projetados, considerado como vetor de expansão na direção da Cidade Nova, acrescido dos bairros de São Cristóvão, Engenho Velho e Andaraí. O Canal deveria ser desobstruído e recuperado. A orla nas encostas do Morro de São Diogo havia se transformado em pântanos em função do processo de ocupação da cidade e da ausência de coleta de lixo e esgotos, e deveria ser aterrado. Para melhor entendermos as ligações existentes entre estes atores urbanos e suas articulações nos vários momentos da cidade e do seu desenvolvimento urbano, cito Kessel,11: ” O início do envolvimento de Carlos Sampaio com a remodelação urbana do Rio de Janeiro veio em 1887, quando foi convidado pelo engenheiro Luís Raphael Vieira Souto, detentor de uma concessão de 1879, para executar o projeto de arrasamento do morro do Senado, cuja terra seria utilizada para aterrar a extensa área compreendida entre o morro de são Diogo e o morro da Gamboa, unindo ao continente as ilhas dos Melões e das Moças e fazendo desaparecer as praias Formosa, das Palmeiras e o Saco do Alferes.” 18 Figura 21: Ferrez, Marc, c.1903.Vista tirada do Sumaré. O Mangue e a Cidade Nova e parte de São Cristóvão vistos do Sumaré quando se construía o Cais do Porto e se prolongava o Canal do Mangue. Retirado de O Rio antigo do fotógrafo Marc Ferrez. 1984 É importante salientar que, apesar de Vieira Souto concordar com a necessidade de se “sanear a cidade, sufocada pelas epidemias,” foi o maior crítico dos planos alinhavados pela Comissão, principalmente com relação à área prioritária para implantação - a região do Mangue e não a região central da cidade. As críticas foram impressas no Jornal do Commercio no final de 1875 e também referiam-se aos aspectos sanitários, estéticos e nas dimensões e escala das obras. Parte destas críticas foram absorvidas nos desdobramentos dos projetos, sendo o de maior relevância a modificação na extensão do cais entre a ilha das Moças e São Cristóvão. Segundo Lamarão(1991, p.27): 11 Op. cit. p. 27. Carlos Sampaio seria o prefeito da cidade quando do desmonte do Morro do Castelo, e realização das obras para as comemorações do centenário da Independência. 19 ” ...Do grandioso esquema de obras propostas pela comissão, naquilo, que teria constituído o primeiro plano urbanístico do Rio de Janeiro, pouco ou quase nada foi levado à prática, pelo menos a curto prazo. Apenas o ramal ferroviário e a estação marítima tiveram seguimento, por iniciativa do próprio Pereira Passos, embora construídos num outro trecho da costa e com um outro tipo de vinculação à ferrovia. Quanto à Vieira Souto, seu projeto acabou sendo aprovado anos depois.(...) A autorização, contudo, acabou não redundando em nada de concreto” Neste final do século XIX, a evolução urbana do Rio de Janeiro tem como vetor importante do seu processo a implantação de sistema de transporte coletivo através de bondes e trens, qualificando o espaço da cidade nas zonas sul e suburbana, incorporando e reestruturando as áreas da periferia do núcleo histórico. Algumas imagens urbanas se apresentam neste momento. O Rio de Janeiro mantinha características da estrutura fundiária colonial, com casas e sobrados construídos sobre lotes compridos e estreitos, em ruas desalinhadas, quase sem infraestrutura sanitária e com grande número de cortiços e casas de cômodos. O crescimento da população era vertiginoso, tendo praticamente dobrado de 1870 a 1890, chegando a meio milhão de habitantes, e a mais de 810.000 em 1906. 20 Como grande parte desse contingente orbitava em torno do núcleo central, as condições eram extremamente insalubres.12 Ao mesmo tempo, a dinâmica urbana, nos seus aspectos de vitalidade comercial e empório de toda uma região, proporcionava as oportunidades de trabalho para a população local e a migrante, aumentando as dificuldades de habitação e de saneamento. Segundo Cardoso (1987, p. 91),”o desenvolvimento de toda uma ampla gama de atividades econômicas na área provocou o interesse em ocupar terras até então inutilizáveis.” A incorporação de novos sítios à área urbana se dá pela expansão dos sistemas de transportes e intensificação dos aterros, principalmente no saco de São Diogo (Cidade Nova), e nos bairros do Catumbi, Estácio e Andaraí, na expansão dos trilhos dos bondes. Este foi um período de grandes modificações na cidade como um todo e particularmente na Região portuária, com a concretização de projetos de inserção urbana em parte de espaços anteriormente afastados da trama viária central. Podemos citar a evolução nos sistemas de transportes coletivos, com o crescimento nas linhas de bonde e incorporação dos espaços adjacentes aos bairros do Porto, como a Vila Guarani na Praia Formosa e os projetos de abertura de túneis para ligação entre as docas e o sistema ferroviário. “Em 1870, a febre amarela voltou a fustigar o Rio de Janeiro, causando 1118 óbitos. Em 1873 e 1876, ocorreram duas epidemias (...),com 3659 e 3476 mortes respectivamente. Reacenderam-se as discussões em torno 12 21 A maior parte destes terrenos estava edificada por construções destinadas às classes trabalhadoras. Segundo Benchimol,” Até as reformas urbanas executadas no início do século XX, a crise habitacional esteve sempre radicada nos limites da cidade velha e suas imediações – ou a área central do Rio de Janeiro – onde habitava e residia grande parte da classe trabalhadora.”(1990, p. 28). Fisicamente, na leitura do espaço edificado observamos que a cidade desenvolve um arruamento e os lotes na periferia do centro histórico, com um padrão de ocupação bastante semelhante, na Zona Portuária, passando pelo Catumbi, Lapa, Glória e Catete. É o Rio de Janeiro “a pé”, com suas fachadas em cantaria de pedra, afastadas ou não nas divisas, eventualmente com alguns sobrados e chalés entremeados por vilas e avenidas. Este padrão se repetiria nos vetores de expansão para a Zona Norte e Sul da cidade, paralelamente à implantação do sistema de bondes.13 Ainda hoje existem bons exemplos desta tipologia urbana nestes bairros, reforçando a percepção do processo de crescimento entrelaçado com as dinâmicas urbanas de ocupação do espaço.14 Conforme Abreu(1997, p.41): do saneamento da capital.” Benchimol, op cit, p.137. 13 BENCHIMOL, 1990, p. 239-243. 14 Alguns imóveis desta tipologia, dependendo do bairro onde se encontram, possuem alto valor imobiliário pelas características de singulariedade dos métodos construtivos, e qualidade do espaço e arquitetura interna, além da flexibilidade na ocupação por novos usos. O projeto do “Corredor Cultural” , na área do SAARA, estimulou a preservação destes imóveis como um exemplo de revitalização em área com tendências à esvaziamento. 22 “Os vestígios desse tipo de ocupação são visíveis até hoje nas áreas que conseguiram sobreviver às cirurgias urbanas. São prédios estreitos e muito profundos, “onde a iluminação é feita através de clarabóias e áreas internas, sempre de frente para a rua e colados uns aos outros”, em tudo revelando a preocupação de aproveitar intensamente o espaço próximo ao centro, numa época em que, devido á inexistência de transportes coletivos rápidos, a cidade praticamente andava a pé.”15 Resumindo, o período de transição da Monarquia para a República foi de enormes impactos quanto à questão da crise habitacional, de circulação de mercadorias e pessoas, de esgotamento do modelo escravista e seus desdobramentos, em suma, um momento importante para a cidade. As administrações no início do século XX, notadamente a de Pereira Passos teve papel fundamental na construção do novo desenho da cidade e determinou a forma preponderante que o Estado assumiria daí em diante na intervenção e renovação desses espaços e, simbolicamente, fez esta transição ser mais do que a simples reforma, transformando-a em paradigma do papel da municipalidade na gestão da coisa pública. Vale notar que a maior parcela das reformas era no Abreu, M. op. cit. p 41, apud Soares, Maria Therezinha Segadas. Fisionomia e Estrutura do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia 27(3), julho/setembro.1965,p.360. 15 23 âmbito do Governo Federal, mas foi incorporada como sendo a Reforma Pereira Passos.16 Desde o início do século XX, durante quase vinte anos, o Rio de Janeiro experimentou um processo de modernização e crescimento através de um conjunto de obras que se caracterizou por uma intensa relação entre os serviços públicos e o capital externo. Essa modernização, que incluiu um novo sistema de transportes públicos, com a implantação de ônibus e bondes elétricos, gerou uma necessidade de remodelação formal da cidade para se adequar aos novos padrões socioeconômicos da época. A Prefeitura era cargo de confiança do Governo Federal, através de nomeação, sem necessidade de eleições, confirmando a sintonia existente entre as duas esferas de governo. 16 24 Capítulo 2 O Estado na Transformação da Zona Portuária 2.1 Antecedentes O objetivo deste capítulo é apresentar um resumo de propostas existentes para a cidade do Rio de Janeiro e seus desdobramentos na Zona Portuária, principalmente aqueles que tiveram dimensões mais que locais, assumindo um aspecto de Plano Diretor. Foram selecionados os planos encomendados pelo setor público, e o objetivo desta leitura é compreender a visão da administração sobre este trecho da cidade, as propostas existentes na época de feitura destes planos, e as ferramentas de intervenção elencadas. Segundo Vera Rezende(1982, p.31): “o Plano Diretor está vinculado ao planejamento racional ou compreensivo e, portanto, pressupõe um conhecimento completo do objeto de estudo e uma implementação perfeita por parte dos órgãos executores do plano(...).O objetivo é que o objeto seja totalmente reduzido a leis e teorias, para que não aconteçam surpresas e o planejamento alcance os seus objetivos. Além disso qualquer comportamento que não se enquadre nas leis estabelecidas vai ser considerado um desvio dotado de irracionalidade.” 25 Um plano como esse programa alterações desejadas nos usos dos espaços e do equipamentos urbanos sempre visando alcançar a cidade ideal, sem problemas de habitação e congestionamento de trânsito. Supõe, também, que as vidas dos habitantes da cidade são determinadas pelo entorno físico e, no seu determinismo físico, acredita ser capaz de modificar o homem através da transformação do ambiente. O plano diretor procura fazer crer que a cidade é um conjunto de construções e usos do solo que podem ser arranjados e rearranjados, através de planejamento, sem levar em conta os determinantes políticos, sociais e econômicos. Seu objetivo maior seria reorganizar o espaço urbano e minimizar os conflitos. Há, no entanto, contradições nesta elaboração conceitual, na medida em que a alocação de recursos por parte do Poder Público consolida e enfatiza desigualdades sociais que se cristalizam nas diversas ocupações do espaço urbano. Continuando, à página 32: “As comunidades ou unidades em que é dividida a cidade não refletem áreas organizadas naturalmente por grupos sociais e, como conseqüência, muitas vezes é ignorada a formação espontânea de bairros existentes. Os processos comuns de mudança como “invasão e sucessão” são também deixados de lado na tentativa de ignorar a mobilidade residencial e, se possível, controlá-la.” Esta aproximação do que é um plano diretor, traduz de forma clara a prática de planejamento que os órgãos públicos imprimem às cidades, sob o aspecto da 26 intervenção física no espaço urbano, que pode ser lido nos grandes projetos e ações cirúrgicas implantadas no primeiro quarto do século XX. Já não são mais as articulações entre o poder público e os capitais na questão das concessões de serviços urbanos, mas uma ação de expectativas orientadas para determinados objetivos . O Estado propõe ações que qualificam o espaço, selecionando e segregando estamentos sociais em detrimento de outros grupos, contribuindo para a conformação da cidade e de sua dinâmica, através de uma ação de intervenção física que prioriza a construção do espaço urbano. 2.2 POLÍTICAS URBANAS NO PORTO DO RIO DE JANEIRO 2.2.1 O porto na Reforma Pereira Passos Como vimos anteriormente, na virada do século o Rio de Janeiro vivenciava profundas mudanças sociais, políticas e econômicas. A cidade passava por intensa crise habitacional devido ao insuficiente numero de moradias disponíveis no mercado para as camadas de baixa renda oriundas do meio rural, devido à abolição da escravatura, e atraídas pelo processo de industrialização e crescimento da cidade, incluindo aí o setor informal de trabalho. Além da questão “onde morar ?”, era um grande problema o “como morar ?”, dadas as péssimas condições de higiene e salubridade dos bairros cariocas, principalmente aqueles 27 ligados à região portuária. Pelo porto chegavam as grandes epidemias e havia a necessidade de implantação de medidas de saneamento e “higienização” da área.17 A história da Zona Portuária atual se confunde com a primeira renovação urbana de porte do Rio de Janeiro. No contexto das reformas realizadas pelo Prefeito Pereira Passos no início do século XX, o novo porto foi construído pelo Governo Federal entre 1903 e 1910, como parte importante da intervenção física e urbanística implementada. Desse plano faziam parte a criação da Avenida Central, a Avenida Francisco Bicalho e o canal do Mangue, e pela Administração Municipal a ligação da Zona Sul ao Centro pela Avenida Beira Mar, a integração de Copacabana ao espaço urbano pela abertura dos túneis Novo e do Pasmado, a Avenida Mem de Sá com o término do desmonte do morro do Senado, além de obras menores e complementares como o alargamento, para 17 m, das ruas Frei Caneca, Assembléia, Uruguaiana, Carioca, e Visc. De Rio Branco; para 24 m, as Em 1900, o Rio se convulsiona com as greves dos trabalhadores em calçados, cocheiros e estivadores contra a carestia da vida. Segundo Darcy Ribeiro, como sempre, a polícia do lado dos patrões e porrada na turma. RIBEIRO, Darcy.1985, p. 18. “Neste mesmo ano, o Governo Federal cria no Rio de Janeiro o Instituto Soroterápico - futuro Oswaldo Cruz, vulgo “Manguinhos” – destinado a realizar pesquisas de biologia médica, preparar vacinas e realizar estudos de epidemiologia. Seu diretor, célebre sanitarista, criador do “exército de mata- mosquitos”, contou com a colaboração de grandes cientistas, como Carlos Chagas, Rocha Lima, Miguel Couto, Adolfo Lutz, H.B. de Aragão e Arthur Neiva.” “Em 1903, Oswaldo Cruz, nomeado diretor-geral da saúde pública do Rio de Janeiro, se entrega à tarefa gigantesca de sanear a cidade. Era tempo. Sucessivos surtos epidêmicos de cólera matam milhares de pessoas anualmente; a febre amarela apavora a população e os navios estrangeiros se negavam a parar no porto do Rio de Janeiro; a varíola arrasava, matando e enfeiando. (RIBEIRO, D. op.cit., ítem 65). ” A criação deste Instituto terá grande impacto nos acontecimentos urbanos na década seguinte. Podemos citar a crescente disposição das autoridades da administração da cidade em intervir no tecido urbano com a justificativa de ventilar e desobstruir o núcleo histórico. 17 28 ruas Estreita de S. Joaquim e Visc. de Inhaúma, e, para 14 m, a Rua Mariz e Barros.18 Os pontos mais importantes da reforma, nos aspectos de intervenção física do espaço, objetivavam o saneamento básico, o reordenamento e ampliação da estrutura de transportes da cidade, a drenagem de águas pluviais e o reaproveitamento do solo urbano, e nas questões administrativas, investimentos na educação pública, ampliação no atendimento médico e melhoramentos dos serviços a cargo da Prefeitura. ”O monumental projeto de renovação voltava-se prioritariamente para as zonas antigas e centrais da cidade, constituindo-se o novo porto no eixo gerador do conjunto de melhoramentos. Além das obras de modernização do porto, a cidade foi sacudida pelo alargamento, pelo prolongamento e pela abertura de novas ruas em áreas densamente ocupadas, que implicaram a demolição de cerca de 2.000 prédios e o desalojamento de dezenas de milhares de pessoas.”(Cardoso,1987, p.100). A característica importante da proposta do novo porto, é o fato de ser um aterro executado como projeto de intervenção urbana, o que definiu sua tipologia de ocupação e das estruturas viária e fundiária. A faixa de solo criada com o aterro Segundo Abreu, ...”alargaram-se também as ruas Treze de Maio, Acre, Camerino, Sete de Setembro, São José, Ramalho Ortigão, e muitas outras. Note-se que , na maioria dos casos, a prefeitura desapropriava mais prédios do que aqueles necessários para o alargamento das ruas . Visava com isto a venda dos terrenos remanescentes (e 18 29 destinado à construção do cais do porto foi utilizada para a implantação de edificações com atividades ligadas direta ou indiretamente ao porto com uso mercantil e industrial.19 Complementando esta intervenção, foram construídas duas largas avenidas interligadas: a Rodrigues Alves, ao longo do cais, e a Francisco Bicalho, às margens do canal. Este desenho urbano, em processos distintos quanto à sua forma e processo resultou na imagem contrastante existente até hoje, delimitada claramente pela R. Sacadura Cabral20 , de um lado a cidade dos morros e dos lotes estreitos e do outro com o projeto cartesiano de loteamento e arruamento dos aterros. O financiamento das obras, através de empréstimos ingleses diretamente à União, transformou as áreas aterradas em propriedades públicas cedidas por concessão, para atividades privadas ou institucionais. Segundo Benchimol, ”..., a modernização do porto pelo governo federal foi, de certo modo, o “eixo” das reformas urbanas empreendidas na capital. Decorria de uma contradição básica – econômica e material – na esfera da circulação: a estrutura portuária existente não correspondia mais às agora valorizados) após o término das obras, ressarcindo-se assim de grande parte dos seus custos.” Op. Cit.pag.61. 19 Mapas em anexo. ”O projeto de melhoramentos para a área preservava os equipamentos existentes: o Trapiche Mauá (Prainha), as Docas Pedro II, a Estação Marítima da Ferroviária, o Moinho Fluminense e o Inglês com seus cais, um dique do Lóide Brasileiro junto ao Morro da Saúde e um cais de 160 m na Gamboa.” Cardoso, op.cit.,1987. 20 30 exigências do capital, no que concernia ao volume, à composição e à velocidade do movimento de importação-exportação de mercadorias (entre as quais, para efeito desta análise, inclui-se a mercadoria “força de trabalho”, trazida pelos imigrantes estrangeiros).21 No conjunto das reformas empreendidas por Passos, e como elemento de ligação entre a orla da zona sul e o porto, realizou-se a abertura da Avenida Central. Foi, por sua vez, a obra mais importantes em termos de melhoramentos urbanísticos, para transformar a antiga e doente urbe colonial numa metrópole moderna e cosmopolita, símbolo de uma “cidade civilizada”, imagem construída da capital da república. Com efeito, o rápido crescimento da economia do país, e, em particular, do Rio de Janeiro, aliado à intensificação das atividades de produção, circulação e integração da economia no contexto capitalista internacional, exigiam uma urbanização que deveria condizer com o novo movimento de organização social pelo qual passava o país. A reforma Passos, com seus principais desdobramentos no centro histórico, teve dois eixos de intervenção: o controle da circulação e o controle urbanístico.22 Segundo Neves(1996), o controle da circulação, ” que visava a melhoria das comunicações internas e externas da cidade, materializou-se na construção do novo porto (necessário a todo o processo de exportação e importação de mercadorias) e na 21 op. cit. p. 239. 31 abertura e alargamento de eixos urbanos internos que modificaram os gradientes de acessibilidade de diversas partes da cidade, estimulando a desconcentração urbana, que solucionariam o problema logístico do controle da área central.” 23 O controle urbanístico, por sua vez, ocorreu através de normatizações – leis, regimentos, regulamentos, editais, e portarias, sem a participação do poder legislativo, pois Passos governou sobre decretos que regulamentavam a questão da construção habitacional e a proibição de melhorias e reformas nos cortiços existentes. O Estado como agente responsável pela gestão do urbano vem para valorizar as necessidades de utilização do espaço pelos setores capitalistas. Podemos ler essa representação na construção da Avenida Central, onde observamos um processo de expropriação e segregação de setores sociais populares em benefício de outros grupos de origem empresarial, principalmente na questão do local de moradia. Podemos considerar o período Passos como transformador da forma urbana carioca, pois esta assumiu uma espacialidade inteiramente nova e favorável às especificidades econômicas e políticas da época. Foi também um exemplo de intervenção maciça por parte do Estado sobre o urbano, e caracterizou um O tempo necessário para se descarregar um navio por batéis, transportar as mercadorias até os trapiches, e daí até os locais de comércio em carroças, por ruas mal conservadas e estreitas, com freqüentes acidentes, foi um dos motivos levantados pelos jornais e pela administração pública para justificar as reformas. 22 32 momento de intensa mobilidade social, devido ao fato de que grande número de cortiços foram demolidos nos processos de alargamento das ruas do centro da cidade, forçando a população a mudar-se para os subúrbios, pois não cabia mais nas áreas agora valorizadas. É importante ressaltar que este processo de exclusão aumentou a ocupação dos morros na periferia do centro histórico (Providência, São Carlos, Santo Antônio e outros), por uma forma de habitação popular característica do crescimento urbano deste século, e que hoje preenche um terço da cidade que é a favela.24 O PORTO. No discurso de posse de Rodrigues Alves em 1902, foi anunciada a importância das questões ligadas ao porto, sendo definidas no orçamento de 1903 verbas para os melhoramentos propostos. Desde o final do século XIX, estava clara a necessidade de se investir na nova imagem da cidade, em função de seu crescimento populacional significativo e dos desdobramentos daí decorrentes. A República, o fim da escravidão, as levas sucessivas de migrantes estrangeiros vieram acompanhadas de novos valores e NEVES, Luis. Vazios urbanos na II R.ª, área central do Rio de Janeiro: identificação e decodificação. Segundo diversas fontes, a favela da Providência foi formada nos últimos anos do século XIX. Parte de sua população era formada por soldados que combateram em Canudos, e parte, provavelmente, oriundas dos cortiços demolidos, como o Cabeça de Porco, em 1883. Esse cortiço era talvez o maior do Rio de Janeiro, com uma população de 4000 pessoas, e situava-se onde é hoje a entrada do Tunel João Ricardo. O nome “favela” refere-se a leguminosa existente nas áreas do sertão baiano e também nas encostas da Providência. 23 24 33 novos modos de vida. As propostas de renovação, através de medidas de impacto implementadas com grande rapidez elaboradas pelos Governos municipal e federal modificaram de maneira intensa os espaços da cidade. A renovação, como citada anteriormente, envolveu as zonas antigas e centrais do Rio, priorizando a área portuária como um dos pontos focais dos melhoramentos. As obras, acrescidas da abertura da Avenida Central, ficaram a cargo do governo federal, e as demais, de complementação do sistema viário, sob a responsabilidade do município. Segundo Sérgio Lamarão, a proliferação dos trapiches na Saúde e Gamboa, acabou por definir esta localização como a mais adequada à construção do porto, em detrimento do trecho compreendido entre os dois arsenais. O projeto elaborado pela Comissão de Obras do Porto utilizou aquele desenvolvido pela Empresa de Melhoramentos do Brasil em 1875. Seria um cais contínuo desde o Arsenal de Marinha até a Ponta do Cajú, dividido em duas seções: a primeira, até a ilha das Moças, para o serviço de navegação internacional, ou de longo curso, e a segunda, da ilha das Moças até a ponta do Cajú, chamado de cais sanitário, para as embarcações de cabotagem. Houve, no entanto, modificações no traçado, retificando o alinhamento previsto inicialmente, que acompanhava as sinuosidades do litoral. A modificação estabelecida implicou em inúmeras demolições dos imóveis aí situados, além da ampliação nas áreas de aterro das enseadas aí localizadas. A terra destinada a estes trabalhos foi 34 proveniente do arrasamento do morro do Senado, onde abriram-se diversas ruas, e de parte do morro do Castelo, para a abertura da Avenida Central. Figura 220 : Avenida Rodrigues Alves, s/d., Col. Elysio Belchior. Com seus 40 metros de largura, a Av. Rodrigues Alves, afora a Av. Francisco Bicalho, era a mais larga do Rio. Retirado de “Saúde.Gamboa,Santo Cristo”, p.120. Entre o cais projetado e a orla da praia, a distância variava entre aproximadamente 25 e 400 metros, sendo que a faixa de 100 metros de largura a partir do cais seria ocupada da seguinte forma: .25 metros para o cais onde seria a atracação e para os guindastes elétricos e os trilhos da Central do Brasil e Melhoramentos; .25 metros para 17 grandes armazéns, casa de máquinas, guardamoria e edifícios administrativos; .50 metros para uma avenida (Av. do cais ou Rodrigues Alves), com construções dando de frente para o mar. Segundo Benchimol(1987, p.224): 35 ”em novembro de 1906, ao fim do mandato de Rodrigues Alves, inaugurou-se o primeiro trecho do cais do porto, com 500m de extensão, compreendendo parte da Gamboa e a embocadura do canal do Mangue. Em fins de 1907, estavam concluídos 1465m de cais, mas só o primeiro trecho possuía armazéns provisórios para o serviço de cabotagem, no qual o pessoal seria adestrado no manejo dos aparelhos antes de passar ao serviço da navegação internacional, sob a fiscalização da Alfândega. A orla da Saúde e da Prainha continuava repleta de pontes de desembarque , que só poderiam ser demolidas depois que boa parte do cais estivesse pronta. A Walker prometia entregar os 500m subsequentes até 31 de dezembro de 1907, e o conjunto das obras, em 1910.” É importante salientar que , apesar das grandes dimensões das obras realizadas, e dos inúmeros desdobramentos e impactos urbanos gerados, já em 1907 o volume de mercadorias ultrapassava em 50% a estimativa original. Havia a 36 necessidade de expansão da linha de cais a partir do canal do Mangue em direção ao Cajú. Apesar das constantes ameaças de colapso do sistema portuário, a execução da segunda etapa das obras somente aconteceu em 1924, com aproximadamente 1500m de extensão. O Porto do Rio de Janeiro foi inaugurado oficialmente em 20 de julho de 1910 pelo presidente Afonso Pena, com 2700m em vez dos 3500m projetados, restando o trecho entre o Arsenal de Guerra e as Docas Nacionais, concluídas em 1911. 2.2.2 Década de vinte Desde o início do século XX, durante quase vinte anos, o Rio de Janeiro experimentou um processo de modernização e crescimento através de um conjunto de obras que se caracterizou por uma intensa relação entre os serviços públicos e o capital externo. Essa modernização, que incluiu um novo sistema de transportes públicos, com a implantação de ônibus e bondes elétricos, gerou uma necessidade de remodelação formal da cidade para se adequar aos novos padrões socioeconômicos da época. O Rio de Janeiro era então uma metrópole. Sua população com mais de um milhão de habitantes, era atendida por 417 km de linhas de bondes e contava com 4.415 automóveis. Kessel(p.19), cita: ”Dispunha de 50 cinemas, 9 teatros, 20 circos móveis e lia 24 jornais diários -14 matutinos e 10 vespertinos - além de 20 revistas semanais e 17 mensais. O intenso movimento comercial e financeiro era atendido por 44 bancos e 46 companhias de navegação.” 37 Havia , na época, um intenso debate a respeito das comemorações dos cem anos da nação, a se realizar em 1922. Por um lado, a administração procurava, com o apoio da população, restabelecer o equilíbrio financeiro das contas municipais, e por outro, eram cobradas iniciativas e eventos com o objetivo de se dotar o Rio de Janeiro de “melhoramentos necessários”, para que a comemoração do centenário se fizesse numa capital limpa, saneada , de bom aspecto, conforme noticiava o Correio da Manhã (Kessel, op. cit., p.19). Esta questão foi surpreendentemente solucionada com a demissão do prefeito Sá Freire, defensor da primeira proposta, ou seja, a de equilibrar as finanças, e a posse de seu substituto Carlos Sampaio, que convidou um antigo colaborador, o eng. Vieira Souto para ser consultor técnico da prefeitura. Podemos resumir seu período de dois anos como o responsável pelo desmonte do morro do Castelo, e a realização da Exposição Internacional como parte dos eventos comemorativos do centenário da Independência. Ambas as propostas conjugar-se-iam, com o lançamento das terras provenientes do desmonte do morro ser utilizado em um aterro que ia da ponta do Calabouço até a praia do Russel, local onde se realizaria a exposição. Um aspecto importante na espacialidade da região portuária se refere à dimensão das obras realizadas por Pereira Passos. A implantação do cais, acrescidas das áreas aterradas, com seu arruamento e loteamento, e a construção de armazéns e 38 indústrias, foram ocupados de forma progressiva, e de certa maneira, desde a sua ocupação, caracterizada como uma região de usos consolidados. Após a série de investimentos realizados, e a compreensão por parte das classes dominantes do processo econômico vinculado ao comércio exterior, não seria factível a transformação de usos e atividades nessa área, provavelmente sem um desgaste socioeconômico considerável. 2.2.3 O Plano Agache Na segunda metade da década de vinte, na Administração Prado Júnior, houve a contratação, por parte da Prefeitura do Distrito Federal, do urbanista francês Alfred Agache no período de 1926 a 1930, para elaboração de plano de intervenção física, cujas características seriam, conforme suas próprias palavras, “de remodelação, extensão e embelezamento”, para atendimento das expectativas burguesas do modelo de cidade europeu, vinculado à idéia de eficiência, funcionalidade e padrões estéticos, inspirados na École de Beaux -Arts de Paris. O conceito predominante do urbanismo, ou melhor, dos projetos de intervenções no espaço urbano, fazia uma analogia do espaço da cidade com um organismo biológico, em particular o humano. Segundo Agache, os três males que afetavam a nossa metrópole eram - “ respiração, circulação e digestão.” Conforme Cardoso (2000, p.126): 39 “A comparação permite estabelecer as “semelhanças que apoiam a analogia: a cidade forma um todo, uma unidade (o corpo), composto de partes específicas (os órgãos ) que se articulam: cada parte, diferenciada das outras, cumprindo uma função que lhe é própria e contribuindo para manter o funcionamento do todo. A noção de organismo permite ainda articular a vida social com o espaço físico como uma totalidade indissociável.” As questões da cidade eram diagnosticadas como patologias urbanas, e sua funcionalidade seria alterada com o propósito de se restabelecer seu equilíbrio. Em suas proposições, a intenção é de ordenamento da cidade, utilizando principalmente o zoneamento e a legislação urbanística. As duas funções que definiam primordialmente a cidade eram: a político administrativa, como capital da república, e a econômica, como Porto e mercado comercial e industrial. Ainda segundo Rezende (op. cit., p.44), a função econômica no Rio de Janeiro era considerada crescente, à medida em que o país se industrializava. Os objetivos expressos no plano eram: - Assegurar a existência de certos elementos funcionais e reparti-los da melhor forma – Zoning - Traçar a rede de vias, de modo a por esses elementos em relação rápida e fácil entre eles e com o resto da cidade, e satisfazer as exigências quantitativas da circulação estabelecida(rede urbana). 40 - Assegurar a moradia confortável e agradável às diferentes categorias de habitantes da cidade. - Estabelecer os regulamentos de edificação de modo a satisfazer interesses gerais (política de construção). Como resultado destas propostas, a região portuária teve suas funções já consolidadas e espaços confirmados e determinados, acrescidos de outras atividades vinculadas a elementos de intercâmbio, grandes negócios e abastecimento. Por ser um plano estruturalmente centralizado, e em função das setorizações desenvolvidas nas regulamentações de zoneamento, o centro da cidade teve maior detalhamento de proposições. 2.2.4 De 1930 a 1960 A partir de 1930, houve um período de grandes modificações na estrutura política e social brasileira. Seus reflexos na espacialidade urbana podem ser pensados a partir do crescimento e adensamento das regiões mais afastadas do centro, sem a correspondente melhora nas condições de transporte coletivo, o que somente ocorreria no final da década de 30. Outro aspecto importante, refere-se à reserva imobiliária das áreas suburbanas, com a regulamentação edilícia restritiva, em função das questões de saneamento e saúde públicos, fazendo com que a cidade, por um lado, ocupasse áreas além dos limites do Distrito Federal. Por 41 outro lado, há uma contradição quando essa população busca a proximidade dos centros de trabalho, e procura terrenos em morros, áreas públicas e mangues, sem condições adequadas ao mercado imobiliário formal e os ocupa irregularmente, dando continuidade ao processo crescente de favelização na cidade. Segundo Abreu (1997, p.95), “ o deslocamento das indústrias em direção ao subúrbio e o desenvolvimento da zona sul descentralizaram, entretanto, as fontes de emprego e, com elas, também as favelas.” De certa forma, a evolução do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro se dá desta maneira contraditória. Fisicamente, há uma segregação espacial definida pela ocupação das classes mais abastadas na zona sul e norte, e classes mais pobres nos subúrbios. Politicamente, foi um período populista, com subsídios concedidos aos serviços públicos e construção de grandes conjuntos habitacionais nas áreas suburbanas, através dos Institutos de Aposentadorias e Pensão, os IAP’s. Até o início da década de 50, houve um crescimento urbano espetacular25, com a inserção de espaços periféricos na estrutura urbana da cidade. O adensamento nas zonas sul e norte, aliados ao aumento no número de veículos e necessidades de viagens intraurbanas transformam as questões da cidade em um problema rodoviário. Esta década e a de 60 desenvolve uma “febre viária”, cujas conseqüencias são, principalmente, uma grande transformação na estrutura de circulação da cidade. Era o momento de se alterarem os padrões de 42 acessibilidade ao centro metropolitano, com a retomada das práticas de cirurgias urbanas. Note-se que a cidade havia sofrido recentemente o processo de abertura da Av. Presidente Vargas, e ainda não havia ocupado os espaços remanescentes das demolições dos morros do Castelo e de Santo Antônio. 2.2.5 O Plano Doxiadis Em 1960, com a criação do Estado da Guanabara, é eleito para primeiro governador Carlos F. W. Lacerda. Em 1963 contrata a firma Doxiadis Associates para desenvolvimento de plano urbanístico (1963-1965),com características de “eficiência”, e não mais de beleza como o modelo anterior da década de vinte. Constitui-se também um típico plano diretor, altamente técnico, elaborado com sofisticados instrumentos de análises e projeções. Semelhante a outros planos da época, examina a situação da cidade, faz projeções e a compara a um modelo ideal que, no seu caso, é funcional e definido em comunidades hierarquizadas, visando uma descentralização de funções urbanas. Propõe a implementação de uma Secretaria de Desenvolvimento Urbano, em substituição `a CEDUG (Comissão Executiva do Desenvolvimento Urbano da Guanabara). Na época, a descontinuidade da máquina administrativa faz com que nem o plano, nem a proposta da secretaria sejam executadas. No entanto, algumas de suas propostas, notadamente as relacionadas ao sistema viário do estado da Guanabara, através das linhas Policrômicas, vieram a ser 25 O IBGE estima a população em 1930 em torno de 1.400.000 pessoas, e em 1950, segundo o Censo, 2.500.000. 43 implantadas. É curioso observar que a proposta do Plano Agache é revivida em seus aspectos de circulação, inclusive nos seus termos...as montanhas que separam os diversos bairros estão a exigir que se as perfurem por meio de túneis...(Kessel,op.cit,.p.111). O impacto desta política rodoviária aliada à industrialização brasileira, cujo carro chefe foi a automobilística, provavelmente conformou todo o processo de urbanização e ocupação espacial recente. Na Região Portuária, o sistema viário implantado foi articulado à malha rodoviária do antigo estado da Guanabara através de duas obras de impactos significativos: a própria construção do elevado da Av. Perimetral faz parte destas recomendações, assim como a linha Lilás, que é o prolongamento do túnel Catumbi –Laranjeiras até a Av. Rodrigues Alves, no Cais do Porto. Na construção do elevado da Av. Perimetral, a proposta viária ligava o Aterro do Flamengo (zona sul) à Av. Brasil passando sobre a Zona portuária. Posteriormente essa ligação ampliou-se com a construção da Ponte Rio Niteroi, a linha Vermelha desde o Tunel Rebouças, e sua continuação paralela a própria Av. Brasil, com articulações ao sistema de rodovias Federais, como a via Dutra e a Rodovia Washington Luis. Localmente, ocorreu uma segregação espacial, resultado de vários fatores. Podemos citar, como fator externo à área, o crescimento e expansão da Área Central de Negócios, do aumento significativo nos processos de adensamento em direção às zonas sul e norte, com a incorporação do vetor de expansão da zona oeste - Barra da Tijuca e Jacarepaguá, e como fator interno à própria área, o seu 44 esvaziamento econômico devido à alterações relevantes nos processos tecnológicos de operações portuárias com a utilização do sistema de conteiners, o deslocamento e transferência de atividades industriais e a expansão dos terminais portuários em direção à ponta do Caju, em busca de espaços descobertos para movimentação deste novo sistema portuário. 2.2.6 O Plano Urbanístico Básico da Cidade, o PUB-RIO. Em 1975, foram unificados os antigos estados do Rio e da Guanabara, e, grandes obras viárias urbanas realizadas, como a Ponte Rio –Niterói, o sistema do Metrô, Elevado da Av. Paulo de Frontin, Auto - Estrada Lagoa - Barra. Por conta das crescentes questões espaciais referentes ao modelo econômico vigente, foram implantadas as nove regiões metropolitanas, incluindo a do Rio de Janeiro, que englobava treze municípios, caracterizando o crescimento da urbanização brasileira, refletido no seu desigual padrão de ocupação do território. Ao mesmo tempo que a periferia se espalhava, o núcleo se adensava de maneira excessiva, principalmente devido à concentração de infraestrutura e serviços urbanos. O Governo Federal possuía as políticas urbanas expressas nos Planos de Desenvolvimento, nas comissões de Transportes, Habitação e Infraestrutura, ideologicamente orientados para a questão da integração e do desenvolvimento, buscando promover, conforme expresso no II PND, “ o fortalecimento e a estruturação do sistema urbano nacional e dos subsistemas regionais”, na tentativa de se eliminarem alguns desequilíbrios, mediante o fortalecimento de 45 cidades de porte médio e objetivando o controle das cidades do Rio e São Paulo, para que não se tornassem megalópoles incontroláveis, pois eram grandes focos de migração nacionais. Neste momento, não havendo grandes conflitos de intenções aparentes nas três esferas de administração – federal, estadual e municipal, ainda sob a ótica da institucionalização das regiões metropolitanas, é elaborado o PUB-RIO, Plano Urbanístico Básico da Cidade. É um plano de diretrizes, incluindo aspectos administrativos quando subdivide a cidade em seis áreas de planejamento, com características diversas, a serem tratadas de modo específico. Diferentemente dos planos anteriores, é elaborado por profissionais e técnicos brasileiros, o que é positivo para o plano, em função da leitura e apreensão das informações da cidade e de sua realidade não estar afeita a ótica externa. Foi elaborado em tempo curto, de outubro de 1976 a maio de 1977, o que reduziu sua capacidade de diagnosticar com mais profundidade, principalmente nas questões relacionadas a projeções de população, renda e emprego.26 Cabe citar uma das primeiras tentativas de participação da população no processo de planejamento através de pesquisa de opinião pública, para identificação de problemas de cada área, onde foram expressas as questões de falta de segurança e saneamento. 26 REZENDE, Vera, op. cit., p 68. 46 Os objetivos gerais do plano são físicos, embora procure abordar as questões econômicas e sociais. De alguma forma, vincula-se ao planejamento metropolitano, quando cita como objetivo expresso: ” Fortalecer a posição atual da cidade, como pólo da Região Metropolitana, nas economias regional e nacional, através da organização conveniente da estrutura urbana e promovendo ambiente de maior produtividade e bem-estar social de seus habitantes.” 27 O plano busca criar uma estrutura espacial que permita um desenvolvimento social e econômico. As metas fixadas a partir desse objetivo, onde se percebe a integração vertical do plano são: . aperfeiçoar o desenvolvimento do planejamento municipal, . aumentar a eficiência das estruturas que abrigam as diferentes funções urbanas e atividades de produção, . integrar as ações da administração municipal aos planos dos demais níveis de governo. Como pode ser visto, essas proposições, além das orientações gerais com relação a administração e gestão da cidade, pouco explicita com relação à área portuária. A subdivisão da cidade em AP’s, Áreas de Planejamento perdura até hoje, e a vocação e tendência da Região portuária foi mantida, com exceção do processo industrial local que foi esvaziado e transferido para as periferias urbanas e distritos industriais localizados na região metropolitana e outros estados. Na época, durante as crises do petróleo, e a necessidade constante de exportação, foram 27 PLANO URBANÍSTICO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. 47 expandidos os espaços e serviços portuários no Caju, sob a Ponte Rio Niterói, e, mais recentemente, nos terminais da baía de Sepetiba. 2.3 Esvaziamento e deslocamento das funções portuárias. O início do século XX caracterizou uma transformação no padrão de intervenção do Estado sobre o urbano, deixando de ser indireta, através de controles, regulamentos e concessões de serviços para agir diretamente através das obras públicas. O resultado pode ser percebido na forma e aparência, como também no conteúdo, pelos novos usos e ocupações no espaço por classes sociais diferenciadas. Segundo Abreu, “(...)o Estado veio a acelerar o processo de estratificação espacial que já era característico da cidade desde o século XIX, contribuindo para a consolidação de uma estrutura núcleo - periferia que perdura até hoje”.28 As primeiras décadas foram de grande expansão da malha urbana da cidade, tanto em direção à Zona Sul, nos bairros da orla, como nos subúrbios. Ao contrário do que sucedera nas áreas nobres da cidade, o crescimento dos bairros suburbanos conformou uma área de habitação proletária, sem, no entanto, apoio do Estado ou das concessionárias de serviços públicos. Na nossa área de estudo, o projeto e execução das obras do porto do Rio de Janeiro sofreram algumas modificações em função do movimento comercial 48 superar em quase o dobro as estimativas previstas. Dessa forma, os primeiros 3.500 metros de cais foram inaugurados em 1911, com a eliminação do dique da Saúde e retificação do cais no trecho, e o restante das obras, do Mangue ao Cajú em 1924.29 Podemos afirmar, que no período Rodrigues Alves - Pereira Passos é que foram efetivamente definidas as funções principais da zona portuária e do seu entorno imediato, mantendo as características edilícias e de ocupação que perduram até hoje, como os depósitos e armazéns, infraestrutura viária adequada ao grande volume de cargas, e atividades de apoio ao transporte marítimo. A função do Estado de intervir no espaço urbano com objetivos de dar suporte às ações capitalistas, refletiu na divisão social do espaço urbano, e de certa forma legitimou o modelo público de ação. Nas décadas seguintes, o processo de ocupação da área aterrada se deu lentamente, com as construções, principalmente fábricas e oficinas sendo erguidas e acentuando o caráter de espaço de trabalho popular da área do porto. É importante frisar que a modernização das relações no âmbito do trabalho se deu paralelamente ao processo de intervenção física da área. A criação das primeiras organizações sindicais, com manifestações políticas, greves e comícios operários ocorreram na região e praça Mauá no início do século. 28 29 ABREU, M. op.cit., p.73. REIS, J. 1977., calcula o custo total destas obras em 12,5 milhões de libras ouro. 49 A caracterização da Zona Portuária como industrial se firmou no decorrer do século XX, aumentando a presença operária nas várias atividades desenvolvidas nesta região. Esta população ocupou os bairros com modalidades diversas de moradias, como as vilas, avenidas, e o marcante conjunto habitacional dos marítimos, a vila Portuária. Com o crescimento da cidade, estes bairros foram sendo isolados devido às intervenções urbanísticas promovidas pelo poder público, caracterizando uma segregação espacial que, no entanto, manteve algumas de suas tradições culturais preservadas.30 Esta região se caracterizou por uma estabilidade edilícia, em se tratando de morfologia urbana, com pouca renovação em seus aspectos mais importantes. Rabha(1985) observou que o entorno imediato à área objeto de intervenção, ou seja, os bairros assentados nos morros desde o da Conceição até o de S. Diogo, e alguns bolsões nas áreas planas mantiveram-se relativamente No período de 1911 a 1922, a administração portuária esteve sob o controle de capitais privados, de origem francesa, representados pela Compagnie du Port de Rio de Janeiro. A Partir de 1923, passou a ser administrado por um órgão federal, a Companhia Brasileira de Exploração de Portos. 30 Institucionalmente, com o advento da Lei nº 190, de 16/01/36, foi constituída a autarquia federal Administração do Porto do Rio de Janeiro, que recebeu as instalações portuárias em transferência do Departamento Nacional de Portos e Navegação, vinculado ao Ministério da Viação e Obras Públicas. Em 09/07/73, nos termos do Decreto nº 72.439, era criada a Companhia Docas da Guanabara, cuja razão social foi alterada, a partir de 1975, para Companhia Docas do Rio de Janeiro. Atualmente, em decorrência da aplicação da Lei nº 8.630, de 25/02/93, as atividades de operação portuária foram gradualmente transferidas, por intermédio de contratos de arrendamento de áreas, a empresas do setor privado, constituídas para atuar sob a forma de Terminais Portuários, em moldes semelhantes aos verificados nos principais portos europeus. 50 estáveis, não apresentando muitas mudanças morfológicas, ou mesmo em sua tipologia arquitetônica. Aponta algumas razões para o que caracteriza como “cristalização”: infra-estrutura e condições topográficas desvantajosas, incerteza do futuro devido aos Projetos Aprovados de Alinhamento de grandes eixos viários, os vetores de crescimento que passaram por sobre a área, e o próprio complexo perfil fundiário dos pequenos lotes. A autora observa, ainda, que a população até hoje depende bastante das atividades do porto, mesmo historicamente, ocupando um espaço estratégico e de forte identidade coletiva, pontilhando a sua evolução com lutas comuns.31 Na década de 40,a cidade do Rio de Janeiro foi objeto de nova intervenção urbana de grande porte no que se refere ao sistema viário e de transportes, com a abertura da Av. Presidente Vargas. Este eixo foi projetado com o objetivo de ser o novo vetor de expansão do centro e corredor de transportes, sendo necessária para a sua execução a demolição de inúmeros quarteirões densamente ocupados, reforçando o papel do estado como agente de intervenção orientada. Conforme analisado anteriormente, ainda hoje encontram-se terrenos vagos nas proximidades da Av. Rio Branco. 31 Apud RIO, Vicente Del. op. cit. p. 27. 51 Figura 11: Avenida Presidente Vargas, s/d., Col. Henrique Smolka. Para a abertura deste eixo monumental foram derrubados cerca de 500 prédios e quatro igrejas centenárias. Esta via isolou os bairros portuários do restante da cidade. Cardoso,1987, p 133. A já citada construção da ligação entre a Av. Rodrigues Alves e Laranjeiras, passando pelo Catumbi e cruzando a Av. Presidente Vargas, ao invés de facilitar um processo de reintegração das áreas portuárias ao novo eixo de expansão, passou a funcionar como mais um fator de isolamento, na medida em que concentrou grande número de linhas de ônibus vindas da Baixada fluminense em direção ao centro nas imediações da estação da EFCB. Dessa forma, a região portuária até hoje é suporte para a estrutura de transportes de toda a área central, e, no entanto não se beneficia deste fato. Na década de 70, outra obra foi realizada, sendo esta a que provavelmente tenha desqualificado mais intensamente a área de estudo, a construção da Av. Perimetral, via elevada que atravessa toda a zona portuária desde antes do 52 gasômetro, na Av. Francisco Bicalho, até as imediações do Aeroporto Santos Dumont. Percebe-se claramente nas imagens apresentadas, os fatores que reforçaram os mecanismos de segregação urbana na região. Os bairros afastaram-se do núcleo histórico da cidade pelas barreiras viárias, sendo uma pela via expressa elevada, com apenas dois acessos à região do porto, e a outra pela desestruturação causada com a implantação da Avenida Presidente Vargas e esvaziamento dos bairros no entorno à praça da República e a Pequena Africa. Com o desenvolvimento da atividade portuária no que se refere à modernização dos processos tecnológicos, de gestão, administrativos, nos consideráveis aumentos nos volumes de cargas e especialização dos terminais, essa região foi sendo esvaziada das atividades econômicas vinculadas diretamente ao porto, cujos desdobramentos no espaço urbano foram sua progressiva estagnação e cristalização da imagem de abandono e depauperação. Desde a década de 70, a implantação de sistemas de esteiras rolantes e conteiners, modificou a tipologia de espaços necessários e tornou as instalações portuárias cobertas ultrapassadas. A movimentação de carga ocorre mais em locais abertos, como na expansão existente no Cajú, ou, dependendo do tipo de carga, no caso dos minérios, no novo porto de Sepetiba. 53 Figura 12: Estação Marítima da Central, pátio ferroviário da Enseada da Gamboa, foto do autor em maio /2001 Em entrevista com o corpo técnico das Docas, foi citado o congestionamento dos acessos ao porto e a impossibilidade de se manter a exportação dos minérios por via ferroviária nessa região central da cidade do Rio de Janeiro, devido ao trânsito rodoviário. Cabe assinalar, no entanto, a crescente movimentação entre os movimentos sociais locais, como os sindicatos e associações de moradores no sentido de buscar alternativas a esse esvaziamento na dinâmica portuária. As propostas atuais remetem ao desenvolvimento do transporte de cabotagem, com uma maior articulação entre os portos nacionais. 54 Capítulo 3 A OCUPAÇÃO ATUAL DO ESPAÇO - Fundo de Quintal 3.1 - O uso social do espaço Figura 13: Vista aérea da Zona Portuária, c.1960. AGCRJ. No lado direito, a curva da Rua Sacadura Cabral, limite entre a área antiga e a aterrada. No centro, vê-se os prédios interligados do Moinho Fluminense, a Praça da Harmonia e o prédio da Polícia Militar. Retirado de “Saúde, Gamboa, Santo Cristo”, p. 136. A Zona Portuária do Rio de Janeiro situa-se na costa leste do Município, e está limitada ao norte pela Baía de Guanabara e ao sul pelos morros de S. Bento, da Conceição, do Livramento e da Providência. Esses morros são ocupados pelos bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa, cujas características urbanas foram preservadas a partir da lei municipal 971/87 (projeto Sagas), pela sua relevância nos aspectos históricos, arquitetônicos e culturais do conjunto edificado. Institucionalmente, a nível municipal, junto aos bairros do Caju e São Cristóvão conformam a primeira Região Administrativa. 55 A área da Zona Portuária pode ser subdividida em duas sub-áreas bastante distintas, em função das obras realizadas na cidade no início do século, pela administração Pereira Passos e pelo governo federal: a modernização do porto construído a partir de 1903 com seus armazéns situados em grandes lotes ortogonais, e as áreas no sopé dos Morros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo, nos logradouros que definiam a orla marítima - Ruas Sacadura Cabral e do Livramento, com as atividades industriais e comerciais ocupando a estrutura e tipologia urbana da cidade “colonial”, com seus lotes estreitos e longos, suas construções assobradadas e sua mescla de atividades econômicas e sociais. Figura 234: Ladeira da Providência, esquina com Rua Sacadura Cabral, fotografia do autor em maio de 2001 A existência de grande número de imóveis da União vazios, sub-utilizados ou mesmo abandonados nas áreas resultantes das obras do aterro, nos permite propor uma análise desse trecho e realizar uma avaliação destas edificações, através de critérios de localização, possibilidades de utilização, acessibilidade espacial e articulação com os projetos existentes para a região, principalmente o 56 novo Projeto de Revitalização da Zona Portuária em elaboração e parcial implantação pela Prefeitura da Cidade. Como expresso na introdução, o desafio proposto é realizar a leitura da espacialidade do lugar, reconhecendo as áreas de propriedade da União, suas condições atuais e possibilidades de ocupação futura por uso socialmente justo. O processo de ocupação do aterro como um todo pode ser compreendido pelo estudo sobre um trecho da zona portuária, no caso, próxima a Praça Mauá, devido a essas condições serem praticamente as mesmas na área como um todo, por se reproduzirem em suas características de ocupação e desenvolvimento do espaço. Com esse objetivo, foram estudados os imóveis existentes no quadrilátero compreendido pelas Avenidas Rodrigues Alves, Barão de Tefé, Venezuela (ambos os lados ), em direção à Praça Mauá. Complementarmente, com o objetivo de se apreender esta espacialidade, serão mapeados os dados de usos do solo, vazios, infra-estrutura e propriedade fundiária. 57 Figura 15: Armazéns na esquina da Rua Equador com a Av. Prof. Pereira Reis, Gamboa. Fotografia do autor, em maio de 2001. Obs.: ver figura 18 : situação fundiária e uso do solo; anexo 2: circulação viária, e anexo 4: estacionamentos / vagas. 3.2 A estrutura espacial e barreiras físicas e institucionais. Ao percorrermos os bairros do Porto, e, principalmente a área aterrada, observamos a existência de um grande número de imóveis nesta zona que não estão sendo utilizados e não cumprem sua função social. Ao se fazer a análise de um trecho, identificamos quase que de imediato os elementos urbanos aparentes de segregação espacial, presentes nas condições do sistema viário e de transportes, nos vazios e estacionamentos existentes, caracterizando espacialmente o “fundo de quintal” da Área Central de Negócios e núcleo da região metropolitana, onde se localizam os equipamentos indesejáveis, mas ao mesmo tempo necessários, como os terminais de transportes rodoviários e ferroviários, o próprio porto com suas externalidades de usos desde os primórdios 58 de sua implantação e as indústrias, hoje em dia transferidas, em função também das novas alternativas de localização. Segundo Neves (1996), as maiores possibilidades de explicação de áreas vazias no centro da cidade, ressalvando-se o fato da pesquisa avaliada ter sido realizada na II RA e não na Zona Portuária, indicam quatro alternativas para a existência de vazios urbanos, quais sejam: - legislação restritiva quanto a usos e obras nos terrenos; - remanescências de grandes intervenções urbanas; - superposição de poderes; e - deslocamentos de investimentos para a Zona Sul. Há o entendimento que este quadro se repete também nesta zona, com o acréscimo de uma variável, a União, grande proprietário e responsável pelas áreas sob sua jurisdição, e seu conseqüente esvaziamento. O objetivo desta análise é identificar os imóveis da União existentes neste trecho próximo à Praça Mauá e que eventualmente possam ter outra destinação ou ocupação distinta da atual. Em uma leitura da origem desses imóveis, cabe notar os procedimentos à época de construção do porto, que proporcionaram esse quadro fundiário, ou seja, da União ser a grande proprietária e concessionária da Zona Portuária até hoje. 59 Segundo Benchimol(1990)32: ” assim que Rodrigues Alves assumiu a presidência, iniciaram-se os estudos e negociações para as obras portuárias. Em maio de 1903 foi assinado com Rothschild and Sons o contrato do empréstimo de 8.500.000 libras(...). Estas verbas e outras mais viabilizaram os trabalhos iniciais, inclusive o de encampar as concessões relacionadas aos melhoramentos do porto.” Essas concessões eram feitas pelos governos, com direitos de apropriação dos benefícios daí decorrentes por quem as executasse. Por exemplo, os terrenos gerados pelos aterros em Vila Guarani, ao lado da Av. Francisco Bicalho, eram de propriedade dos responsáveis pelas obras, sendo negociado inclusive o pagamento dos impostos e outros emolumentos com o poder concessionário, isto é, o poder público. A execução das obras, segundo S. Stein, citado por Benchimol no mesmo trecho, “sem concorrência pública”, coube à firma britânica C.H. Walker & Cia., vinculada àquela que havia adquirido a concessão da Empresa de Melhoramentos. Como o Governo Federal havia retomado as concessões e buscado financiamento para execução das obras, e, dadas as dimensões do empreendimento, inclusive nos seus impactos sobre a estrutura urbana, assumiu a titularidade das terras criadas, mantendo as possibilidades de cessão, utilizadas para implantação de atividades correlatas à portuária. A questão da propriedade mantém-se no momento atual, sendo considerado um dos empecilhos ao desenvolvimento e fator de estagnação da região como um todo, como será abordado adiante. 32 BENCHIMOL, op. cit. p.212. 60 Reforçam esta ocupação do espaço, os usos institucionais vinculados ao processo de implantação do Porto da cidade como importação e exportação, imigração e controle de fronteiras, com a Receita e Polícia Federais, e os usos posteriormente expandidos dentro do desenvolvimento das atividades econômicas, como armazéns, escritórios de comércio exterior e indústrias cuja matéria prima era importada ou que exportava sua produção. Cabe a leitura sobre uma das externalidades de uso do solo referentes às atividades institucionais, sejam federais, estaduais ou municipais no que se refere à dinâmica urbana e que se aplica à área de estudo. Empiricamente, observamos no tecido da cidade do Rio de Janeiro alguns elementos que funcionam como barreiras quanto à tipologia de ocupação e mesmo no aspecto aparente de vitalidade nas atividades econômicas. Um bom exemplo é a área do Campo de Santana/ Praça da República, com um grande número de edificações governamentais - Ministério do Exército, antiga sede da RFFSA, ex - Casa da Moeda, Corpo de Bombeiros e Hospital Souza Aguiar e outras. A diferença na ocupação e nas tipologias urbanas de um e outro lados dessa barreira, considerando-se o eixo da Av. Presidente Vargas, são bastante visíveis. Essa situação também pode ser constatada na Zona Portuária, com a ocupação das áreas próximas à Praça Mauá. O Terminal Rodoviário e o edifício da Polícia Federal, um dos lados do quadrilátero institucional em análise, de alguma forma 61 funcionam como uma barreira à expansão das atividades características da Área Central de Negócios pelo eixo da Av. Rodrigues Alves e Av. Venezuela. Figura 16: Largo da Prainha, fotografia do autor, em maio de 2001 A ocupação da Rua Sacadura Cabral possui características diversas, devido ao fato de, em primeiro lugar, sua tipologia construtiva e de dimensionamento dos lotes estar afeita à dinâmica de ocupação imobiliária em um processo de expansão a partir da ação social de adensamento populacional, e não de um projeto de intervenção institucional, e, em segundo lugar, o uso do solo caracterizar um comércio local, de baixa intensidade, e estar vinculado ao uso residencial predominante das encostas do Morro da Conceição e adjacências. Podemos entender este trecho como de transição entre a face histórica do porto, com sua ocupação residencial, a institucional das áreas aterradas e a periferia da Área Central de Negócios, com seus terminais de transportes coletivos, comércio e serviços de apoio, como papelarias, restaurantes, e ao mesmo tempo bancos e empresas de maior porte. questão da Zona Portuária também passa por esse processo, quando observamos a potencialidade das atividades econômicas durante a sua formação e as articulações entre o poder público e a produção do espaço. 62 Figura 17: Pedra do Sal, fotografia do autor em maio de 2001 Aparentemente, a ocupação lindeira aos morros, cujo crescimento está ligado aos processos históricos da cidade colonial e imperial possui uma vitalidade tanto no que se refere às populações residentes e usuária, como na dinâmica econômica. Quando percorremos a área aterrada, resultado da implantação do Porto percebemos imediatamente a sua imagem de espaço destinado ou à circulação e guarda de veículos, ou a espaços economicamente esvaziados, como se fosse outra cidade, nitidamente separada, e não vizinhas da ocupação inicial. A leitura da propriedade fundiária explica em parte essa situação. Grandes lotes ocupados por atividades antigamente ligadas ao Porto, mesmo as institucionais, conforme a figura 18 abaixo endossam a observação anterior a respeito das barreiras na integração ou não dessas áreas. 63 Figura 18: Mapa da situação fundiária na Zona Portuária As áreas das Docas e da Rede Ferroviária são as grandes proprietárias. Retirado do Projeto de Revitalização da área portuária elaborado pelo IPP.[2001]. 3.3 Percurso Moinho Fluminense - Quarteirão Institucional Aproximação Metodológica O método proposto para se observar a espacialidade da Zona Portuária será através de um percurso pela Av. Venezuela (anexo 3), que contempla as áreas de aterro do início do século, desde as encostas do morro das Saúde, na Praça Coronel Assunção até a Praça Mauá. Com o objetivo de se ampliar a compreensão sobre as relações espaciais, pretende-se também percorrer o entorno a área em questão. Em um primeiro momento, serão observações da 64 estrutura urbana aparente e dos imóveis assinalados desse trecho da zona portuária, buscando uma leitura na percepção do espaço, ou como ele se apresenta. Depois, procuraremos entender essa articulação na dinâmica do lugar, nas suas atividades, funções e características. Esse percurso deve nos revelar as condições de uso do espaço, dos seus processos de transformação em curso e das possibilidades de intervenção no sentido de sua revitalização. Lendo a espacialidade do lugar podemos observar a diversidade das tipologias urbanas nos seus aspectos das edificações, dimensões dos lotes, arruamento que conformam ocupações características de Porto. Um exemplo é o Moinho Fluminense. Bem tombado pelo SPHAN , compõe-se de várias edificações interligadas por pontes sobre as ruas e o antigo e desativado sistema ferroviário local. Como pode ser observado nas fotos, traduz uma imagem de representação da Zona Portuária - a atividade industrial à vinculada importação e exportação, grandes áreas planas, armazéns, sistemas viário e ferroviário adequados à movimentação de cargas. Figura 19: Moinho Fluminense, fotografia do autor em maio de 2001 65 Segundo Del Rio: “desde o fim do século XIX, a área portuária havia se tornado importante concentração de indústrias e oficinas, fundições e serralherias, e já abrigava duas grandes unidades fabris, o Moinho Inglês e o Fluminense, beneficiadores de trigo que possuíam seus próprios cais e trapiches.(op.cit., p.34) As pontes sobre as ruas remetem à integração, processos de expansão, ligação e articulação entre espaços e podem ser considerados marcos e referências urbanas na Zona Portuária, como as do Moinho Fluminense, citados acima. A área portuária foi objeto de seguidas intervenções físicas em função da dinâmica da cidade em relação à atividade do porto. O movimento econômico do Rio , assim como sua prática política e de arranjos sociais ,de alguma forma , se pautou por este vínculo com a baía de Guanabara. Desde sua fundação a cidade se comunicou com seu hinterland por meio do transporte por água, seja fluvial ou marítimo. Figura 20: Moinho Fluminense, Fotografia do autor, maio de 2001 66 Conforme pode ser observado no processo de crescimento urbano, a cidade é uma sobreposição de momentos históricos e relações socio-espaciais que vão se cristalizando, adaptando-se, gerando novas estruturas num movimento contínuo. Benchimol (1985), em consonância com diversos autores afirma que no fim do século XIX, o centro do Rio tornava-se “cada vez mais o locus de um conjunto de realidades críticas, oriundas da crescente incompatibilidade entre a antiga estrutura material da cidade e as novas relações econômicas capitalistas que nela se enraizavam”. (Op. cit. p.60). Figura 21: Antigo galpão situado na esquina entre a rua Souza e Silva e a av. Venezuela. O resultado espacial desses arranjos, hoje se apresenta como uma expectativa. importância da leitura massa edificada pensar nos A da nos permite caminhos possíveis para uma nova proposta que busque compatibilizar a disponibilidade desse trecho da cidade com um uso social do espaço. Dando continuidade à proposta de estudo dos espaços na Zona Portuária, a leitura percorre a Av. Venezuela, onde temos os grandes lotes ocupados pelos 67 armazéns que de alguma forma reforçam essa imagem espacial urbana, de relativo abandono e esvaziamento. Ao chegarmos à Av. Barão de Tefé nos deparamos com um fluxo de veículos que vem pela Av. Rodrigues Alves, tanto da Av. Brasil como pela Praça Mauá, e pelo elevado da Av. Perimetral, e aí se dividem pela própria Av. Venezuela, e em direção ao centro pela R. Camerino. Nesse ponto fica bastante clara a modificação na ambiência urbana, caracterizada principalmente pelo aumento no trânsito de veículos de transportes coletivos e suas externalidades, traduzidas em sensíveis mudanças nos índices de ruído e poluição do ar. Figura 22:Avenida Barão de Tefé, vendo-se ao fundo a torre da Central e à direita o morro da Providência, com os galpões, fotografia do autor em maio de 2001 3.4 Análise dos imóveis situados na quadra institucional O objetivo é identificar as condições do patrimônio imobiliário na região em estudo e fazer uma análise do seu uso social. Para tanto vamos fazer uma descrição das 68 edificações que compõem o lugar e reconhecer a propriedade, a ocupação e as condições do bem imobiliário. O mapa 3 (anexo 3) indica a localização dos imóveis no percurso proposto. Aparentemente, a ocupação lindeira aos morros, cujo crescimento está ligado aos processos históricos da cidade colonial e imperial possui uma vitalidade tanto no que se refere às populações residentes e usuária, como nos seus aspectos da dimensão econômica. Quando percorremos a área resultado da implantação do Porto percebemos imediatamente a sua imagem de espaço destinado ou à circulação e guarda de veículos, ou a espaços economicamente esvaziados, como se fosse outra cidade, nitidamente separada, e não a apenas 100, 200 metros de distância da ocupação inicial. Lendo a espacialidade do lugar podemos observar a diversidade das tipologias urbanas nos seus aspectos das edificações, dimensões dos lotes e arruamento que conformam ocupações características de Porto. IMÓVEL I Ministério da Agricultura O primeiro imóvel (1) a ser analisado é um prédio situado na esquina das avenidas Barão de Tefé e Venezuela.Trata-se de um imóvel atualmente utilizado pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento DFA/RJ (Serviço de Vigilância Agropecuária Porto, INMET, Sexto Disme). 69 Figura 23:Vista da Barão de Tefé, fotografia do autor em maio de 2001 Em bom estado de conservação, com escritórios em dois pavimentos e ampla garagem, em está obras de ampliação na parte que dá acesso ao antigo sistema da rede ferroviária. Pelas características observadas, trata-se de prédio com utilização constante e contínua, provavelmente desde a sua inauguração. Figura 24: Vista do galpão pela Av. Venezuela, fotografia do autor em maio de 2001 Interessa identificar o conjunto dos imóveis de propriedade da União na área de estudo. Nesse caso, além dos escritórios, contamos com o estacionamento anexo, com aproximadamente 2000 m2. Um fator de relevo é o acesso pela antiga via férrea, com sua possível transformação em rua para pedestres, em direção à Praça Mauá. 70 IMOVEL II Tribunal de Justiça Figura 25: Vista da av. Venezuela, fotografia pelo autor em maio de 2001 Esse prédio (2) foi objeto de reforma recente, apresentando excelente estado de conservação, inclusive indicando um processo de investimento público na região por parte do Estado, através do Poder Judiciário. Até pouco tempo atrás, era um Hospital Psiquiátrico do INAMPS, com aparência precária. Esta situação de transformação de uso, reforça a proposta de intervenção nesta área da zona portuária, pelos resultados de renovação apresentados. A nova utilização dessa edificação trouxe uma movimentação de pessoas, usuários e ligados a atividades de apoio, cujos desdobramentos se 71 fazem perceber na instalação de restaurantes e lojas, enfim, numa nova dinâmica urbana. Este prédio também possui acesso pela antiga via férrea paralela à avenida Venezuela, o que de certa forma o valoriza, na medida em que se ampliam as condições de acessibilidade para pedestres. No entanto, este acesso hoje em dia vem sendo usado para estacionamento. A propriedade imobiliária, sendo da União em quase todo este quarteirão, indica uma constante inversão nas edificações públicas, reforçando o conceito de renovação e vitalidade que está acontecendo de forma pontual em contraposição ao abandono constatado no resto da zona portuária. Este prédio também possui entrada pela antiga via férrea paralela à Av. Venezuela, o que de certa forma valoriza na medida em que amplia as condições de acessibilidade para pedestres. IMÓVEL III Pró Matre Situado na esquina da avenida Venezuela e Barão de Tefé, é um prédio(3) de propriedade da União, que vem sendo reformado, confirmando o movimento de transformação que a região vem passando. É uma edificação histórica num sentido do conhecimento popular com uma dimensão regional no Rio de Janeiro, em um aspecto de grande importância social, pois é uma instituição conhecida por todos os cariocas, a Pró-Matre. Várias pessoas moradoras do local, em contatos informais, referiram-se a este hospital de modo respeitoso. Sempre foi uma das 72 poucas instituições públicas que prestou atendimento pré-natal de qualidade à população da cidade. Figura 26: Vista da Pró- Matre, pela Avenida Venezuela, em fotografia do autor em maio de 2001. Novamente, é o Poder Público que assume esse papel de estímulo ao processo de fortalecimento da dinâmica urbana. Como observação, é curioso notar a coincidência nestas duas intervenções ( imóveis 2 e 3 ) pois ambos eram propriedade da União cedidos ao Inamps, e, enquanto o imóvel que hoje serve à Justiça tem seu uso transformado, a Pró Matre é também reformada. Como hipótese a ser verificada oportunamente, podemos supor uma negociação que envolveu esses imóveis, ambos da União. Este processo será proposto neste trabalho como forma de recuperação dos imóveis, tanto no aspecto de renovação, como no de reutilização para outras atividades. 73 IMÓVEL IV Edifício Comercial e de Serviços Trata-se de edifício de escritórios situado em frente ao prédio da Justiça, lado ímpar da Av. Venezuela, com pequeno comercio local ( restaurante ) no pavimento de acesso, em situação regular de conservação. É um dos poucos imóveis particulares na Avenida Venezuela. Uma leitura dos seus atividades usos à despachantes fretamento, localizados dinâmica aduaneiros, advogados, vincula portuária, suas como companhias de escritórios de importação e exportação, cabotagem, e outros serviços correlatos. Faz, com a edificação vizinha, o mesmo uso comercial e serviços. Figura 27: Edifício comercial e de serviços, na Avenida Venezuela. Fotografia do autor em maio de 2001 É interessante notar sua situação, na esquina com o antigo sistema ferroviário, o que condicionou sua volumetria ao lote, no caso, triangular. 74 As fachadas orientadas para a Av. Venezuela são também características desta região. Figura 28: Edifício de comércio e serviços na avenida Venezuela, em fotografia do autor, em maio de 2001 IMÓVEL V. Edifício Frota Oceânica Caminhando, vamos encontrar do outro lado da rua, o prédio da Frota Oceânica. Trata-se de edifício com térreo e quatro pavimentos, separado do prédio do INT por antigo ramal ferroviário de serviços já desativado, cujas ambiencia urbana, rua calçada em paralelepípedos, arborizada com flamboyants, valorizam a edificação. Possui uma arquitetura característica de construção destinada a uma empresa, inclusive pela posição estratégica com relação à via de acesso ao porto. Apresenta excelente estado de conservação, e aparentemente mantém suas atividades vinculadas à Zona Portuária. Possui um acesso pela linha férrea existente nos fundos do prédio, que também funciona estacionamento e acesso como de serviços. Figura 29: Edifício da Frota Oceânica, em fotografia do autor, em maio de 2001 75 IMÓVEL VI IAPETC Dando prosseguimento ao nosso percurso, consideramos o imóvel do extinto IAPETC em frente ao INT na Av. Venezuela. Essa edificação, atualmente abandonada e em péssimo estado de conservação, possui aproximadamente 1200 m2 de área por pavimento, com loja, sobreloja, cinco pavimentos e cobertura, com área total em torno de 9600,00 m2. Figura 30: Vista do edifício do IAPETC em maio de 2001, fotografia do autor Delimita-se com um estacionamento de 1000 m2 e do outro lado com um prédio da LBV (Legião da Boa Vontade ), atualmente vazio, com área semelhante. Neste processo constante de reocupações pelo próprio serviço público, obtivemos informações sobre uma demanda pelo IBGE sobre a possibilidade de ocupação dessa edificação para instalações de parte do Instituto. Entretanto, o que inviabilizou esta mudança foram os investimentos que seriam necessários em modernização nos sistemas de informática e transmissão de dados. No entanto, 76 nos parece que possam existir alternativas para um uso adequado, inclusive em função do que foi constatado com relação aos imóveis vizinhos33. Figura 31: Vista da fachada do edifício, mostrando as péssimas condições de manutenção. Fotografia do autor, em maio de 2001 IMÓVEL VII Instituto Nacional de Tecnologia Este imóvel (7), como a maior parte dos analisados pertence à União e é objeto importante desta avaliação no sentido de ser a instituição cujas potencialidades de crescimento e ampliação de atividades devem ser analisadas com o intuito de adequação às propostas espaciais existentes, tanto nesta dissertação, como nos projetos em andamento para revitalização da zona portuária. O INT., Instituto Nacional de Tecnologia “órgão do Ministério de Ciência e Tecnologia é uma instituição tecnológica que atua de forma vinculada ao setor empresarial e está direcionada ao desenvolvimento de pesquisa, assistência tecnológica, serviços técnicos especializados, educação continuada e treinamento.”34 Estas informações foram fornecidas pelos funcionários do Instituto Nacional de tecnologia, INT, situado em frente, em março de 2001. 34 INT, Serviço de Divulgação, 2001. 33 77 Figura 32: Vista do Instituto Nacional de Tecnologia,. Fotografia do autor em maio de 2001. Segundo informes produzidos pelo próprio instituto, seus objetivos estão orientados para geração e disseminação de novas tecnologias, suporte tecnológico às indústrias, com foco na micro, pequena e média empresa, e, particularmente no interesse deste trabalho, “executar programas governamentais referentes a emprego, e competitividade; saúde e meio ambiente; informação, educação e conhecimento; cidadão cliente.” O INT desenvolve suas atividades através de instalações laboratoriais e parcerias tecnológicas, o que permite “fluxo de informações, troca de experiências e serviços”. Concretamente, constatamos o processo de investimento tanto nas instalações físicas do instituto, com a reforma dos galpões no pátio central, nas modificações internas e nos revestimentos externos, assim como na implantação e abertura de novas articulações com outras esferas institucionais no âmbito científico e tecnológico, mais uma vez confirmando o processo de investimento por parte do poder público na manutenção de atividades, mais do que recuperação ou revitalização da zona portuária. Ao início deste trabalho, imaginamos que o processo de ocupação da Zona Portuária, a partir das novas propostas por parte da Prefeitura da Cidade fosse 78 contemplar uma vertente de desenvolvimento Tecnológico, com a participação das universidades e centros de pesquisas, no qual o papel de coordenador dessa ação caberia ao INT. No momento, vimos participando de reuniões abertas à comunidade no âmbito do Planejamento Estratégico a ser implantado pela Prefeitura, onde procuramos enfatizar a potencialidade existente nesta ação. Fazemos este registro na medida em que estamos avaliando as possibilidades de usos nessa área, mas detalharemos estas propostas adiante. IMÓVEL VIII Departamento de Polícia Federal O quarteirão anterior à praça Mauá, é ocupada pelo Departamento de Polícia Federal, com instalações em variados estados de preservação, indo do precário ao reformado recentemente. Esse imóvel, tombado recentemente pelo Patrimônio estadual concentra várias delegacias federais: Fazendária, Previdenciária, de Repressão a Entorpecentes, Marítima , Aérea e de Fronteiras, DOPS, Arquivos e serviços de apoio como academia de ginástica, treinamento de tiro, canil, agências bancárias e outros, em aproximadamente quarenta por cento da área construída. Figura 33: Vista aérea do prédio da Polícia FederaL. Fotografia do autor , em maio de 2001. 79 O pavimento de acesso é ocupado quase que totalmente por veículos oficiais, dos funcionários e apreendidos, inclusive nos espaços desativados das edificações, reforçando a característica de grande estacionamento que é a Zona Portuária. Figura 34:Vista interna do prédio da Polícia Federal. Fotografia do autor, em maio de 2001. O prédio é subdividido em blocos interligados por circulações internas abertas para o pátio central. Nesse pátio existem seis volumes de construção mais recente e praticamente desativados, e como em toda a edificação, apresentando estado precário de conservação. Em entrevista com o agente policial que me acompanhou na visita às instalações, fica clara a vantagem em termos de localização para a atividade policial, no que se refere a facilidades de deslocamentos tanto na área central (sistema judiciário), quanto nos acessos às Avenidas Perimetral, Rodrigues Alves, Rio Branco, Aterro e outras. Paralelamente, foi destacado também a precariedade das instalações físicas, o abandono da edificação, a 80 dificuldade de modernização dos sistemas de comunicações e a infra estrutura local (sistemas de força e luz e hidrosanitário ). Figura 35: Vista do trecho com frente para Av. Venezuela, com visão do Morro da Conceição e ACN. Fotografia do autor, em maio de 2001 O bloco que se localiza na esquina entre a Av. Venezuela e R. Edgar Gordilho atualmente está sendo utilizado como estacionamento de veículos oficiais, e pequena parte do terceiro pavimento é ocupada pelo DOPS, em área reduzida. Esse bloco com aproximadamente 2100 m2 e três pavimentos, possui inclusive um auditório desativado, situa-se paralelamente ao INT e cristalizaria a proposta de implantação de uma atividade e ocupação do espaço mais aberta e com características bastante singulares. Como proposta, a liberação desses espaços pensados para algum tipo de ocupação, por exemplo, na quadra da Policia Federal dependeria de uma relocação dos veículos aí estacionados, sendo que os apreendidos poderiam ocupar um dos inúmeros terrenos vagos na própria Zona Portuária. 81 A ocupação de espaços privilegiados por sucata de veículos e depósito de automóveis demonstra a má utilização desses espaços e as deseconomias urbanas daí decorrentes. Uma forma de ligação com o INT com outras edificações poderia se dar por passarela elevada, utilizando a referência característica da ZP, que é a passagem sobre as vias públicas, como acontece nos prédios Receita Federal do Moinho Fluminense. (ver anexo 5). IMÓVEL IX Trata-se de edificação destinada à Alfândega e Receita Federal, em excelente estado de conservação composto por núcleo central com térreo, quatro pavimentos e cobertura, com dois volumes anexos com três pavimentos, dois blocos laterais com três pavimentos cada, inclusive sendo um deles destinado a laboratório de análises, e um terceiro nos fundos, com apenas um pavimento. Visualmente, pelas boas condições de manutenção, é uma edificação cujo uso continuado denota a consolidação de suas atividades e seu vínculo com a atividade portuária, pois, como dito anteriormente, esta zona urbana cristaliza os espaços econômicos e suas articulações territoriais desde a fundação da cidade, e a atividade alfandegária sempre existiu como forma de controle e fiscalização do movimento comercial de importação e exportação. 82 Figura 36:Vista da fachada do prédio da Receita Federal, foto do autor em maio de 2001. Cabe no entanto, especialização do questionar espaço a excessiva institucional daí decorrente. Através deste trabalho, procuramos compreender o processo de consolidação da Zona Portuária, inclusive traçando paralelos com outras zonas da cidade, e a imagem urbana nos mostra a função compartimentadora de determinadas freqüências de usos, particularmente o uso por instituições públicas. Por outro lado, já existe um uso institucional conformado neste espaço, o que, entre os critérios a serem considerados de disponibilidade para ocupação não o coloca como prioritário. Pretendemos realizar contatos para sabermos dos projetos de expansão, ou mudanças previstas para esta instituição, inclusive para rediscussões futuras quanto às possibilidades de ocupação deste espaço. Outros Imóveis: A quadra formada pelas Avenidas Barão de Tefé e Rodrigues Alves e a antiga linha férrea possui pequenos lotes com usos privados, com exceção do edifício de número 129 e 135 da Av. Rodrigues Alves, onde se localiza a Delegacia no 83 Estado do Rio de Janeiro do Ministério da Agricultura e do Abastecimento e do prédio de número 161 pertencente ao Ministério da Infraestrutura, atualmente fechado. Pela tipologia construtiva, eram armazéns com dois e três pavimentos, aproximadamente 600 m2 por pavimento por lote, sendo alguns remembrados (n.157 e 161 com dois lotes e 173 com três lotes), acesso à via férrea e ao cais, sendo que vários se transformaram em estacionamentos, e em outros surge incipiente atividade comercial, como confecções e restaurantes. Figura 37: Vista da Av Rodrigues Alves. Fotografia do autor em maio de 2002. Um imóvel a ser analisado, também propriedade da União e que foi recentemente cedido à ONG Cidadania, situa-se na Av. Barão de Tefé, 75 com aproximadamente 8000 m2 cobertos, e vem transformando-se em centro de desenvolvimento de atividades ligadas à questão social local e mais que local, nos seus aspectos culturais e de organização. As propostas desta instituição buscam também uma articulação com outras instâncias, e pretendem desdobramentos nas questões locais e extra locais, inclusive com o próprio INT, com a implementação de cursos e apoios na área de informática. 84 Figura 38: Vista do imóvel da ONG Cidadania, mostrando ainda o estacionamento existente na r. Coelho e Castro. Ao fundo o Hospital dos Servidores do Estado. Fotografia do autor em maio de 2002. 85 Capítulo 4 PORTO DO RIO – O Plano de Recuperação e Revitalização da Região Portuária do Rio de Janeiro Há algum tempo, a Prefeitura da Cidade, através da Secretaria Municipal de Urbanismo e do Instituto Pereira Passos vem investindo na avaliação sistemática da área da Zona Portuária e do seu entorno, em função dos processos de abandono, esvaziamento e segregação física em seus aspectos de articulação com a malha urbana. Em 1988 a região teve parte de seu patrimônio cultural protegido através de lei específica, e em 1993 já se montavam as bases para o estabelecimento da Área de Especial Interesse Urbanístico da Zona Portuária do Rio de Janeiro. 35 Estes investimentos, de alguma forma, se deram paralelamente à percepção de processos semelhantes acontecerem a nível internacional, em numerosas cidades portuárias, como Boston, Baltimore, Barcelona, Buenos Aires, Gênova, que sofreram processos de esvaziamento e pauperização de suas zonas do porto, em função de características locais, mas com um denominador comum que seriam 35 A A.E.I.U., criada pelo decreto n° 11860, de 23/12/1992, estabeleceu limites e deu prazo de 120 dias para que o executivo enviasse projeto de Lei para a Câmara com definições dos usos e ocupações do solo. 86 referentes às novas tecnologias nos transportes marítimos e, consequentemente, novas necessidades espaciais urbanas. Houve um diagnóstico elaborado em julho de 1993, a partir dos levantamentos realizados para estabelecimento da Área de Especial Interesse Urbanístico, em continuidade à lei 971/87 que delimitou e definiu características de ocupação e zoneamento para os bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, através de critérios de preservação pelas suas características históricas urbanas de tipologia edilícia e conjunto edificado. A constatação foi de que a área portuária era um vetor de crescimento da Área Central de Negócios, e precisava de uma proposta de utilização, “tendo em vista o interesse que existe quanto à revitalização dos espaços para novas ocupações como: lazer, turismo, cultura, residências, a preservação do patrimônio histórico-arquitetônico, a recuperação dos espaços ociosos e a melhoria das condições ambientais da orla marítima integrando-a a cidade.”36 Durante esse período de dez anos, de 1991 a 2001, foram realizadas propostas para intervenção na Zona Portuária, notadamente a desenvolvida pela Companhia Docas, quando definiu um plano de massas a partir da legislação urbanística em vigor na época para a área. Paralelamente, arquitetos e vários grupos ligados a infraestrutura e obras públicas produziram estudos de como “revitalizar” aquela região, com área aproximada de 3.177.000 m2, além de 400.000m2 de terrenos 36 Rio de Janeiro(RJ).Prefeitura- Secretaria Municipal de Urbanismo,. Superintendência de Planos Locais. Área de Especial Interesse Urbanístico da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Julho de 1993. (Relatório Básico, p. 48). 87 vazios.37 O resultado pode ser traduzido pela apropriação deste grande “projeto urbano” pela atual administração municipal, transformado em eixo da ação governamental. Conforme explicitado na própria divulgação dos projetos atuais, é intenção da Prefeitura realizar esta recuperação utilizando mecanismos e ferramentas já experimentados nestas outras cidades, e, como objeto deste estudo, avaliaremos este Plano sob a ótica do papel do Estado como executor de políticas de intervenção urbanas, com objetivos definidos, metas e parcerias, núcleos de interesse, sistema viário e setores prioritários de intervenção. Os mecanismos de divulgação do Plano de Revitalização, envolvem desde exposição freqüente na mídia, reuniões amplas com diversos setores da população, e , desde a posse do prefeito César Maia em 2000, o estabelecimento de uma estratégia de impacto, através da proposta de localização de filial do Museu Guggenheim no píer da praça Mauá. No entanto, vamos nos ater aos aspectos das propostas, e a estrutura de planejamento utilizada.38 EM PRIMEIRO LUGAR, FORAM ESTABELECIDOS CINCO TÓPICOS ESTRATÉGICOS, MONTARAM-SE OBJETIVOS, E DEFINIRAM-SE METAS, 37 Planave (dez 89), Camara Técnica (mar 92), World Trade Center (mai 92), Utopia praticável (mar 93). Citado no Relatório Básico da Área de Especial Interesse Urbanístico da Zona Portuária do Rio de Janeiro. 38 Rio de Janeiro(RJ).Prefeitura- Secretaria Municipal de Urbanismo, Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, Diretoria de Urbanismo - DUR PORTO DO RIO. Plano de Recuperação e Revitalização da Região Portuária.. Edição: Diretoria de Informações da Cidade – DIC. Rio de Janeiro, 2002 88 CONFORME SERÃO EXPLICITADAS ADIANTE, COM POSSIBILIDADES DE ARTICULAÇÃO DE PARCERIAS. Espacialmente, a região foi subdividida em seis núcleos de interesse, a saber: 1-O Píer e a Praça Mauá: Turismo, cultura e entretenimento; 2-O entorno da Av. Barão de Tefé: tecnologia e comunicações; 3-O morro e o cais da Saúde: turismo, meio ambiente e cultura; 4-A enseada da Gamboa: habitação, esportes e serviços; 5- O eixo da Igreja de Santo Cristo: usos mistos; 6-O polo centrado na Rodoviária Novo Rio: integração intermodal de transportes. As propostas foram alinhadas em quatro grupos de intervenções, procurando em cada um deles explicitar as interelações entre os mecanismos da ação, e buscando atender aos objetivos acima descritos. Essas intervenções são as referentes ao sistema viário e de transportes, destacando-se o binário interno Mauá - S. Cristóvão, o contorno do antigo litoral com a recuperação das vias nos sopés dos morros, a volta dos bondes, integrando os bairros entre si e também os diversos terminais existentes, e o caminho da orla, com calçadas e ciclovias conjugadas do MAM ao armazém 7, na Av. Rodrigues Alves. Outro aspecto a ser tratado diz respeito à Legislação Urbanística, com um olhar sobre a Proteção do Patrimônio e um outro avaliando os atuais usos e ocupações 89 do solo com vistas a modificações nos regulamentos edilícios, privilegiando usos mistos e estímulos à habitação. Dentro dos Projetos Especiais, ações agrupadas em programas com gerenciamento próprio, mas coordenadas centralmente, encontram-se temas que vão desde a revalorização dos espaços públicos; retomando os ambientes tradicionais, passando por estímulos à economia local, até o aproveitamento dos telhados dos galpões para coleta de energia solar. É definido o Setor Prioritário de Intervenção, onde situam-se três dos projetos especiais, que são: o Píer, a Praça Mauá e o Morro da Conceição; a Av. Barão de Tefé e suas vizinhanças, e o Outeiro da Saúde, sua Igreja, seu entorno, como núcleo histórico, paisagístico e turístico. 4.2 Análise do Plano Atual da Prefeitura. A proposta desta etapa é analisar o conjunto do Plano de Revitalização buscando identificar seus pontos positivos e negativos, tanto na questão urbana maior da cidade do Rio de Janeiro, como nos aspectos locais desta intervenção. Em primeiro lugar, entendemos que o plano proposto pela Prefeitura assume características de um Plano Diretor para uma determinada região da cidade, cujas propostas e diretrizes básicas e estratégicas significam uma retomada de um processo que restabelece o planejamento como um instrumento legítimo para produzir o equilíbrio ambiental urbano. 90 Quase cem anos após a primeira intervenção de porte na estrutura urbana desta região vemos o Poder Público estabelecer medidas “inovadoras” que parecem de certa forma definitivas e regeneradoras de um espaço empobrecido. Como os urbanistas do século passado, podemos reverter o esvaziamento, com ações que racionalizem o uso do espaço, reorganizem a ocupação social deste espaço, reordenem os fluxos de pessoas e mercadorias e produzam atrativos que requalifiquem esses espaços. Partimos da premissa de que é um Plano Diretor fundamentalmente pelos mecanismos “técnicos” de intervenção, através da seleção de funções urbanas a serem acionadas, como o uso e ocupação do solo, sistemas de transportes, políticas de incentivos tributários e, como elemento diferenciador do plano diretor ortodoxo, a exposição freqüente das propostas junto a mídia, buscando um endosso das ações públicas, em função da “seriedade e consistência” do plano. É importante salientar que o conjunto dos tópicos estratégicos são de quase unanimidade. Toda a sociedade deseja o desenvolvimento social e econômico; novos investimentos; espaços para moradia, cultura e lazer; recuperação e revitalização do patrimônio histórico; e a reintegração da cidade com a Baía de Guanabara. A questão se apresenta nos processos e mecanismos de implantação e articulação destas medidas, sua abrangência, a quem atender e de que forma. Como forma de se desenvolver essas intenções, foram expressas no elenco de objetivos: - Atrair novos empreendimentos para a região, hoje em processo de obsolescência, 91 - Valorizar o patrimônio cultural, tornando-o parceiro das inovações e do desenvolvimento, - Estimular novos usos em substituição ao deslocamento das atividades portuárias, - Romper o isolamento dos bairros, melhorando suas condições de circulação e acesso, - Recuperar as condições ambientais locais e reintegrar a área à Baía de Guanabara, - Reforçar a vocação residencial, recuperando prédios antigos, ocupando terrenos vazios e requalificando áreas de ocupação informal, - Fomentar a economia local através de financiamentos em diversas escalas. Esses objetivos serão avaliados, buscando mostrar seus aspectos de viabilidade e compatibilidade com os processos urbanos locais, junto com a percepção e o entendimento desenvolvidos desde o início desta dissertação. Com relação ao primeiro objetivo, de Atrair novos empreendimentos para a região, observamos um processo de reforma e recuperação de vários imóveis, principalmente na área que definimos como “institucional”, na Av. Venezuela, com investimentos por parte da União, que é grande proprietária da área. Podemos citar o imóvel na esquina das Avenidas Venezuela e Barão de Tefé, do Ministério da Agricultura, a Pró matre, o Tribunal de Justiça e o Instituto Nacional de Tecnologia. Na quadra anterior, na Av. Venezuela, há uma obra de recuperação 92 de um armazém para instalação de uma montadora de móveis importados, a Vitra, como é conhecida, com projeto do escritório do arquiteto paulista Paulo Mendes da Rocha, em área aproximada de 12 000 m2, além da inauguração recente de Super Mercado na R. Sacadura Cabral, com grande sucesso. Salientamos também, o grande número de novos estacionamentos em processo de abertura nessa área, caracterizando uma dinâmica espacial de investimentos, tanto por parte do poder público como do privado. São, como percebemos, setores de maior dinamismo, concentrados no entorno ao que a Prefeitura definiu como prioritários de intervenção, da Praça Mauá e da Av. Barão de Tefé. As áreas em processo de obsolescência podem ser subdivididas em residenciais e comerciais/serviços, e possuem características bastante distintas. As residenciais seriam aquelas situadas principalmente nas encostas dos morros da Conceição e Livramento, e cristalizam uma ocupação histórica por uma população que, juntamente com outros grupos sociais vem sofrendo uma constante redução na renda familiar pelas crises econômicas, através de falta de trabalho e empregos, o que se reflete no espaço da moradia, tendo como resultado o adensamento construtivo e populacional nas favelas e a falta de manutenção dos imóveis, aliados à ausência de investimentos públicos na infraestrutura urbana. Ao mesmo tempo, há toda uma modificação nos padrões de consumo da população local, trazendo mudanças também na estrutura de atendimento do comércio. Podemos intuir que a dinâmica de transformações urbanas em curso nessa área tende a uma segregação do espaço residencial existente, e, com a renovação e a conseqüente valorização das áreas de transição entre o antigo e o novo. As 93 substituições nos padrões do comércio local, provavelmente assumirão uma feição de serviços característicos da Área Central de Negócios, com sua renovação condicionada em função da tipologia imobiliária dos sobrados e construções locais, com pouca testada e grande profundidade dos lotes. Devemos sinalizar sobre a existência da legislação urbanística atual ( Lei 7351-88), que estabelece a preservação de quase 2000 imóveis históricos nessa área, o que restringe e leva a uma renovação criteriosa nos aspectos edilícios e de implantação de atividades compatíveis. Outras áreas situam-se nos baixios do morro da Providência e do Pinto, no bairro de Santo Cristo e serão avaliadas nos aspectos de ocupação do solo, visto suas atividades estarem vinculadas às práticas portuárias, desde o início da ocupação e dos aterros. Correspondem aos pátios ferroviários existentes, a áreas militares, grandes armazéns atualmente utilizados como barracão para Escolas de Samba, agências de veículos e estacionamentos de ônibus que utilizam o terminal Américo Fontenelle. São as maiores extensões de espaços vazios e reserva de áreas na região portuária como um todo. Com relação ao item seguinte, de ”Valorizar o patrimônio cultural, tornando-o parceiro das inovações e do desenvolvimento”, em primeiro lugar fica cristalino o entendimento do grande valor histórico, urbanístico e social da zona portuária, tanto pela ótica da estrutura da cidade como de seus moradores e usuários locais, expresso neste objetivo. Os morros fazem parte da nossa própria história desde a fundação da cidade, assim como o local marca as origens dos movimentos sociais 94 do início do século XX, e a construção do cais e das edificações aí existentes configuram momentos de grandes transformações na estrutura urbana e demonstram as relações entre o Poder Público e a sociedade. Na medida em que se propõe essa valorização, depreende-se que hajam edificações e ambiências urbanas a serem preservadas. Endossamos esse objetivo, considerando ainda a oferta de espaços públicos e privados em processo especulativo, ou com usos e ocupações inadequadas ao local. Percebemos em constantes visitas à área, alguns imóveis em processo de arruinamento, o que nos leva a questionar sobre os mecanismos de recuperação imobiliária do plano proposto, e sua viabilidade em função do grande número de imóveis a serem objeto de preservação e recuperação. A Lei 7351 de 1988 elaborada com a participação da comunidade e outras instituições preservou cerca de 2000 prédios com características históricas localizadas principalmente nos morros, enfatizando esse valor arquitetônico e histórico do conjunto construído dessa área. Quanto ao objetivo, de Estimular novos usos em substituição ao deslocamento das atividades portuárias, entendemos que houve uma transformação nos processos tecnológicos e nas políticas públicas relacionadas à atividade portuária, com uma série de desdobramentos no tecido urbano, cuja adequação vem acontecendo há algum tempo. A expansão da atividade portuária em direção ao bairro do Caju com a implantação de espaços destinados a exportação de veículos, e pátio de conteiners, desocupou vários armazéns localizados na Zona Portuária, cuja função, num primeiro momento foi de esvaziamento e atualmente são usados como barracões de Escolas de Samba e estacionamentos, 95 principalmente. Outro aspecto a ser considerado é com relação a legislação urbana existente para a área dos armazéns, tanto no que se refere aos gabaritos, como aos usos e ocupações previstos. Há, no entanto, questões a serem equacionadas com relação ao deslocamento de atividades portuárias. O porto do Rio de Janeiro foi tendo parcelas de suas atividades transferidas para outros portos, principalmente minérios em Sepetiba, e importação de veículos em Vitória em função de diversos fatores como preços das operações portuárias e estímulos para que estas operações fossem deslocadas. Temos o entendimento que parte das atividades portuárias são questões estratégicas, vinculadas ao comércio e indústrias e na importação e exportação de bens e serviços em nível nacional. A população local, que sempre esteve vinculada à atividade econômica portuária, demanda que poderia haver um retorno de algumas operações com intenções claras de se reverter o processo de desemprego da área. As propostas atuais de desenvolvimento sócio-espacial para regiões de porto procuram gerar mecanismos de agregação de valor às mercadorias transportadas e não somente funcionar como instituição coletora de impostos. Nesse ponto, a participação dos vários grupos envolvidos poderia montar uma estratégia de recuperação e renovação de atividades compatíveis com as questões urbanas locais. O objetivo relacionado à integração e articulação interna da área portuária, de Romper o isolamento dos bairros, melhorando suas condições de circulação e acesso, é o que fornece maior diversidade de leituras, principalmente em função dos seguintes aspectos: 96 1- o conceito de isolamento, aparentemente significando segregação pode ser interpretado de várias maneiras. Quando percorremos as vias próximas à Praça Mauá, percebemos a dinâmica urbana e a riqueza de funções características de uma área com forte atividade comercial e de serviços, aliada ao uso residencial localizado nas encostas do Morro da Conceição. A R. Sacadura Cabral possui intensa movimentação tanto de veículos como de pedestres, por ser uma importante via de ligação entre os terminais da praça Mauá e o entorno a Av. Marechal Floriano e as proximidades da Central. Toda essa região vem sendo progressivamente ocupada com a transformação de diversos imóveis em estacionamentos, caracterizando uma certa especialidade em termos de uso do solo. Acresce-se a essa dinâmica, a concentração de comércio destinado a utensílios para cozinhas e de material elétrico e iluminação na Av. Marechal Floriano e adjacências. Na Av. Barão de Tefé, além do intenso fluxo de transporte coletivo que demanda as avenidas Passos, Presidente Vargas e a Rio Branco, temos o Hospital dos Servidores do Estado, que apesar das oscilações constantes na qualidade dos atendimentos, ainda é uma referência na rede hospitalar da cidade. A questão da falta de vitalidade refere-se principalmente ao período noturno, quando reduz-se a movimentação relacionada ao centro da cidade, especialmente comércio e serviços. 2- As condições de circulação desse trecho da cidade são excelentes, considerando-se sua centralidade, assim como a variada oferta de meios de transportes disponíveis. Essa afirmação pode ser feita por observação local, apesar de não termos acesso a dados atualizados sobre deslocamentos, 97 viagens e pesquisas de origem e destino no Rio de Janeiro. O sistema viário local, com exceção da interrupção existente no sopé do morro da Gamboa devido ao pátio de manobras da Rede ferroviária, e que é objeto de proposta de intervenção por parte da Prefeitura, possui vias ortogonais, largas, planas, que se articulam a um eixo linear que atravessa toda a região, que é a Av. Rodrigues Alves. Essa via absorve grande parte dos fluxos de veículos oriundos da Av. Brasil, inclusive o transporte coletivo que vem da baixada fluminense e tem seu ponto final na própria Praça Mauá, e se articula com a Terminal rodoviário A. Fontenelle existente atrás da Central, pela R. Prof. P. Reis e R. da América, transformando este ponto da cidade em um terminal de integração intermodal com a participação do sistema ferroviário, metroviário e de ônibus, e utilizando o suporte físico do sistema viário da zona portuária. A saída do terminal se dá pelo túnel João Ricardo e R. Rivadávia Corrêa até a Av. Rodrigues Alves em direção a Av. Brasil novamente. 3- Como podemos observar, a Zona portuária desenvolve-se paralelamente à Av. Pres. Vargas, e seu limite oeste, a Av. Francisco Bicalho, faz parte do complexo viário da Praça da Bandeira e é importante ligação dessa avenida ao início da Av. Brasil, em ambos os sentidos. Dessa forma, as condições de acesso dos bairros pertencentes a essa região, podem ser consideradas como altamente satisfatórias em função dessa macro localização estratégica no tecido metropolitano. No entanto, existem freqüentes congestionamentos de tráfego, caracterizando mais esta região como de passagem dos fluxos originários das zonas sul e central, em direção à Av. Brasil e outras regiões da 98 cidade, do que propriamente uma situação localizada, cuja solução proposta no projeto da Prefeitura, de se duplicarem os eixos viários com a abertura de via paralela a Av. Rodrigues Alves, pudesse resolver a questão. Tanto nos horários de pico da manhã, como no fim da tarde, ocorrem grandes retenções que se estendem por toda a malha urbana, em especial nas áreas próximas ao centro. Uma observação no local que endossa esta avaliação é quanto ao tráfego na via elevada, constantemente engarrafado nesses horários, o que não aconteceria caso os fluxos fossem desobstruídos além dos limites da área de estudo. Outro objetivo explicitado no plano é o de Recuperar as condições ambientais locais e reintegrar a área à Baía de Guanabara, que pretende , de acordo com as propostas apresentadas, dar visibilidade à linha do mar, obstruída pela seqüência dos armazéns e das ampliações construídas entre eles e propiciar melhorias ambientais. Podemos subdividir a questão ambiental local em dois aspectos, a saber: a poluição sonora, visual e do ar decorrente do volume de tráfego e das obstruções físicas citadas e a atividade industrial, concentrada atualmente nos moinhos, que tem gerado reclamações por parte da população, e por outro lado, a ambiência urbana, nos seus aspectos de paisagem natural e edificada. Devido ao fato da região haver sido resultado de aterro, e uma das primeiras áreas ocupadas na cidade, as características da paisagem natural remetem ao contorno dos morros, e a alguns trechos arborizados. No entanto, podemos valorizar a diversidade de construções como aspecto positivo da região, com a vantagem de não haver sido renovada em sua maior parte, permitindo hoje uma avaliação 99 criteriosa dos edifícios e ambientes urbanos com potencial de preservação e recuperação. No que se refere à questão da poluição devido ao tráfego, as propostas para se reduzirem os índices devem avaliar a implantação dos VLT’s (Veículos leves sobre trilhos), e, principalmente a possibilidade de se equacionar o transporte urbano rodoviário, pelo grande fluxo existente nesta região. A localização dos terminais da Praça Mauá, do A. Fontenelle junto a Central, a Rodoviária Novo Rio e o expressivo volume de ônibus que demandam outros pontos como a Praça XV, o Castelo, a Praça Tiradentes e outros, transformaram esta área em eixos vitais de passagem, que, juntamente com a Av. Presidente Vargas, o sistema do Metrô, o ferroviário e o das barcas, deveriam ser objeto de estudos integrados de transporte intermodal na região metropolitana como um todo. Outro objetivo refere-se a Reforçar a vocação residencial, recuperando prédios antigos, ocupando terrenos vazios e requalificando áreas de ocupação informal. A área apresenta um uso residencial significativo, mas , no entanto vem perdendo moradores. Segundo o IBGE, a população da zona portuária em 1990 era de 38000 habitantes, decrescendo para 22000 em 2000. Como o processo de adensamento e favelização da cidade como um todo aumentou nesse período, podemos inferir que houve redução na ocupação residencial nas áreas formais dos bairros, isto é, naquelas consideradas legais. Hoje podemos perceber alguns movimentos de recuperação, com a instalação de supermercados, restaurantes, papelarias, no eixo da Av. Barão de Tefé, principalmente, indicando uma tendência de adensamento. 100 A Prefeitura da cidade e a Secretaria Municipal de Habitação através do Programa Novas Alternativas e da Coordenadoria de Fomento, vem desenvolvendo projetos com o objetivo de se ocuparem vazios urbanos na cidade, prédios abandonados e deteriorados, lotes vazios e áreas residenciais. São viabilizados através de programas de crédito. Segundo informações colhidas junto aos técnicos, a Secretaria realiza levantamentos, compra terrenos ou imóveis, desenvolve projetos e monta operações de crédito em parceria com empresas e agentes financiadores. Cerca de 30 projetos já foram desenvolvidos, com 34 processos de desapropriação. Cinco imóveis foram reabilitados com recursos municipais e está em finalização a obra de recuperação do cortiço instalado à r. Senador Pompeu, 34/36, tombado pelo Patrimônio Histórico e Cultural do Município. Os projetos em curso na secretaria buscam revitalizar a área pela produção habitacional e com a participação e parceria entre empreendedores, construtores e proprietários de imóveis da região, interessados em promover a reabilitação das edificações existentes ou empreender novas construções em vazios urbanos.39 Devido às condições de preservação locais, todas essas adaptações devem ser aprovadas pelos órgãos de patrimônio e de fiscalização urbanística, e “associar as diretrizes de recuperação patrimonial às necessidades da habitação atual”. A ocupação dos morros deveria ser considerada como área prioritária para recuperação. As construções irregulares e as favelas são as mais antigas da cidade, resultado das primeiras intervenções de porte na malha urbana, com a 101 atuação do Prefeito Pereira Passos e os deslocamentos populacionais gerados e as primeiras crises habitacionais registradas. Até hoje simbolizam a ausência do poder público no equacionamento dessa questão. Os custos de implantação dos projetos Favela-Bairro e Bairrinho nas três favelas da região e provavelmente são uma pequena parcela dos investimentos previstos para a Zona portuária como um todo e significariam concretamente a intenção de recuperação da área. As populações envolvidas, moradores e trabalhadores, tem, desde o início do século, longa tradição de lutas e mobilização que deveriam ser reconhecidas pelas instituições públicas como vetor de transformação e de requalificação dos espaços centrais da cidade. Quanto ao último aspecto, Fomentar a economia local através de financiamentos em diversas escalas, entendemos que existe a necessidade de uma ampla convergência de esforços no sentido de se estimularem mecanismos facilitadores para a obtenção de créditos para diversos fins. Em reuniões realizadas no Instituto Pereira Passos com a participação de técnicos, empresários locais e comunidade, foi sinalizado a parceria de Prefeitura da Cidade com a Caixa Econômica Federal para estabelecimento de algumas linhas de crédito para a recuperação de imóveis. Esses entendimentos estavam em processo de avaliação, visto a característica inovadora dos mecanismos propostos. Uma das idéias seria a concessão de recursos a fundo perdido para recuperação das fachadas e coberturas, com a intenção explícita de “embelezamento”, e a abertura de linhas de crédito para as reformas internas, nos padrões de financiamento habituais, ou 39 De acordo com o catálogo da exposição Porto do Rio, realizada no Centro de Arquitetura e 102 dentro de programas já existentes. A preocupação dos moradores era quanto a concessão de créditos nesses programas, devido ao fato de que em primeiro lugar, não teriam rendas suficientes para obter acesso às linhas de crédito imobiliárias propostas, gerando um processo de “expulsão” dos moradores locais, e, em segundo , com a valorização decorrente, não suportarem o aumento da carga tributária, com o mesmo resultado. Nesta mesma reunião, os empresários locais sinalizaram com seus próprios projetos de investimentos, mas solicitaram a injeção de recursos na economia local. Propuseram um Conselho - grupo de trabalho, com a participação dos trabalhadores da área, para “recuperação do comércio e da indústria” locais. Os moradores e representantes dos trabalhadores sinalizaram com a efetiva participação da população diretamente interessada, incluindo os moradores das favelas dos morros da Providência e do Pinto, locais onde deveriam ser implantados os projetos “Favela – Bairro”, como medida significativa da intenção da Prefeitura em solucionar parcelas da questão habitacional da Zona Portuária. As respostas oficiais remeteram ao “descompasso entre o IPP e a Secretaria de Habitação do Município”. A nossa avaliação é de que o projeto habitacional embutido no plano proposto pela Prefeitura não irá contemplar essas áreas de favelas com o mesmo interesse e dinamismo direcionados às outras áreas. A Prefeitura sinaliza com a formação de uma “Sociedade de propósitos específicos”, com a participação dos proprietários locais, principalmente Docas, Prefeitura, Caixa Econômica, INSS, Serviço de Patrimônio da União, e a Urbanismo do Rio de Janeiro, de 18/12/01 a 17/2/02 103 transformação dos valores dos imóveis em títulos imobiliários, de forma a se resolverem os problemas e pendências jurídicas dos terrenos, com possibilidades de remembramentos dos lotes, negociações com estes títulos, cessão, garantias, etc. A partir desse elenco de objetivos, o Plano da Prefeitura se propõe, a atingir as seguintes metas: .Elaborar o Plano de Recuperação e Revitalização da região; .Criar grupo gestor para gerenciamento do projeto; .Buscar instrumentos de fomento à economia local; .Adaptar a legislação urbanística às novas demandas; .Estabelecer um sistema hierarquizado de vias de circulação. O Plano de Recuperação e Revitalização da Zona Portuária , é o conjunto de todas essas medidas( anexo I), se pretende um Plano Diretor e tem como característica básica a leitura de que possui as condições exclusivas para revitalização desta área, concedendo a participação aos atores sociais urbanos. No entanto, desconsidera a multiplicidade e riqueza da participação dos setores sociais diretamente envolvidos com a produção deste espaço e mantém a mesma postura “técnica“ dos planos anteriores. Pode-se dizer que o ”PLANO” já está pronto, faltando apenas pequenos ajustes, para dar a impressão de que houve efetiva participação popular na sua feitura. Sua construção se fez no Instituto Pereira Passos, logo após a posse da atual administração, restrito ao corpo 104 técnico do IPP, como parte do elenco de medidas inovadoras para solucionar as questões urbanas atuais. Com relação ao segundo ítem, de se Criar grupo gestor para gerenciamento do projeto, conforme documento do Instituto Pereira Passos referente às medidas de implantação do Plano, a função referente à Gestão urbana, dentro da meta de Modelagem institucional/operacional do Plano de Reabilitação da Zona Portuária, consta de articulações, com a definição das competências e bases negociais e preparação e aprovação de contrato, sendo os órgãos envolvidos o Governo Federal e a Prefeitura da cidade, e tendo como produto a criação da empresa gestora do Plano de Revitalização da Zona Portuária e deveriam estar concluídas em setembro de 2001. Parece-nos que há entendimentos entre a prefeitura e o governo federal em tópicos isolados do plano, como as questões de empréstimos junto à CEF, a transferência de propriedades, nos setores jurídicos da Prefeitura e SPU, a possibilidade de viabilização do sistema de transportes VLT encaminhado ao BNDES, e outras parcerias semelhantes. Entendemos a necessidade de abertura destas negociações, com a efetiva participação dos setores sociais envolvidos, principalmente, dos moradores e usuários dessa área, para estabelecimento de prioridades na implantação de medidas que objetivem o desenvolvimento e crescimento dessa região. Conforme observado anteriormente, na função de Desenvolvimento Econômico, existem as metas de: Apoio às pequenas atividades econômicas, Atração de novos investimentos e atividades, e a Criação de pólos de desenvolvimento, como mecanismo de se Buscar instrumentos de fomento à economia local. 105 As ações de levantamentos de demanda e estudos de viabilidade vem sendo realizadas junto a institutos de pesquisas e outros órgãos da prefeitura, como a Secretaria Municipal da Fazenda. O produto será a promoção de linhas de crédito e elaboração de projeto de lei para implantação dos pólos de desenvolvimento. Há estudos preliminares sobre uma atividade que poderia ser um vetor de dinamização do espaço da Zona Portuária que é a universidade privada. Recentemente, foram expandidos os Campus de duas universidades na Área Central da cidade. Este evento mostra a permanente transformação de usos e atividades em uma área, e sinaliza uma possibilidade real de dinamização na Zona Portuária. Devido ao fato de já existirem Institutos de Pesquisas, como o INT e o INPI, cujos vínculos acadêmicos são claros, e a atividade acadêmica atrair pessoas, com comércio, restaurantes, atividades culturais, provavelmente seria importante para a região, inclusive pela demanda residencial que acompanharia essa atividade. A disponibilidade de espaços, terrenos e prédios vazios poderia facilitar a localização deste uso socialmente necessário e com boas possibilidades de consolidação(Egler, 2000). Vinculada a esta proposta, está a de implantação do Pólo no Porto, projeto que vem sendo desenvolvido para implantação de pólo de difusão do conhecimento, com objetivo de se reduzir a exclusão social pela falta de acesso às tecnologias de informação digitais. A área de tecnologia conta ainda com a participação de Incubadoras de empresas, consorciadas ao Instituto Nacional de Tecnologia. Com relação à meta de se Adaptar a legislação urbanística às novas demandas, percebemos a reduzida consistência nessa ferramenta de controle 106 urbanístico, pois transparece a facilidade com que essa legislação pode ser alterada. A Legislação urbana para a área, de alguma forma serviu para manter o baixo índice de renovação edilícia, principalmente em função de não haver demandas concretas para a sua reocupação. Acreditamos que o Mercado Imobiliário investiu nas áreas de expansão e adensamento dos usos residenciais e de serviços como as zonas sul e norte, e Barra da Tijuca, afastando-se da Área Central de Negócios e sua periferia imediata, devido inclusive à questão da propriedade da terra na Zona Portuária. Outro aspecto a ser considerado, que endossa essa observação, diz respeito ao uso residencial não ser adequado , de acordo com a legislação em vigor, a se localizar nas áreas centrais. Isso fez com que o número de moradores tenha decrescido e ao mesmo tempo se reduzido a dinâmica das atividades relacionadas a moradia no centro. As propostas em estudos devem contemplar a possibilidade de usos mistos, como mecanismo de se estabelecer novo dinamismo a área. A Lei 7351, de 1988, com o tombamento de mais de 2000 edificações históricas da área deve ser mantida, para haver proteção legal de um conjunto urbano significativo da memória da cidade desde a sua fundação. Um aspecto da legislação que merece estudos diz respeito ao novo projeto de alinhamento para transformar o antigo leito das linhas ferroviárias em novas vias, com o objetivo de se criarem novos percursos de circulação de pessoas e veículos e abrir a possibilidade de lotes atuais serem orientados a essas novas vias, hoje utilizadas para estacionamentos. Todos estes aspectos da legislação deveriam estar concluídos em junho de 2001, conforme as propostas do plano. 107 A meta de se Estabelecer um sistema hierarquizado de vias de circulação, é resultado de uma interpretação sobre “os efeitos negativos do isolamento”, com a proposta de que “o novo sistema de circulação deverá oferecer o maior número possível de conexões e articulações intra e extra bairros”. Continuando “As intervenções visam manter a Avenida Perimetral exclusivamente como via de passagem; estabelecer um binário interno de ligação com os bairros vizinhos, paralelo à Avenida Rodrigues Alves; transformar os eixos mais próximos aos morros em vias de articulação inter-bairros e de tráfego local e adotar sistemas alternativos de circulação que valorizem a acessibilidade aos bairros portuários”. Estas propostas foram subdivididas no binário interno Mauá - São Cristóvão, o contorno do antigo litoral, a volta dos bondes e a ciclovia : o caminho da orla. Apesar dos poucos dados referentes aos deslocamentos e pesquisas de pontos de origem e destino, está claro que a duplicação da Avenida Rodrigues Alves não é solução para “a ausência de malha viária estruturadora”, como citado no documento do plano. Os pontos de estrangulamento estão situados nos acessos à Zona Portuária, como na Rodoviária Novo Rio, na Praça Mauá e nas transversais, r. Camerino e r. da América. Os fluxos no túnel João Ricardo possuem seus horários de engarrafamento e como em qualquer ponto da cidade, independem do sistema viário da Zona Portuária, e sim da avenida Brasil e da Ponte Rio Niterói no sentido zona norte e da av. Rio Branco e áreas centrais no sentido da zona sul. A proposta de se revalorizar o contorno do litoral, complementa a de preservação do patrimônio local, nas suas dimensões de ambiência urbana. No entanto, como 108 no caso do binário, não são esclarecidas as externalidades destas medidas, como os possíveis impactos na estrutura atual de circulação. A volta dos bondes é uma das propostas que envolve a participação do Governo federal, através do BNDES, com a implantação no centro da cidade de seis linhas circulares e tangenciais entre si, aproveitando a maioria das ruas existentes. Está programada para 2004 a entrega dos estudos de viabilidade e editais de concessão e exploração do sistema. Apesar da importância na implantação de sistemas de transportes coletivos, reforço a observação sobre a falta de um projeto de integração metropolitano de transportes, em função da desarticulação existente entre as várias instâncias de governo e de uma proposta conceitual que olhe a cidade e sua dinâmica como um todo. A região portuária é a de maior acessibilidade na cidade. Como parte do núcleo histórico e junto à Área Central de Negócios, com ligações entre as zonas sul e norte, a ponte Rio Niterói , a av. Brasil, está vinculada ao sistema ferroviário e bastante próxima do metroviário, é banhada pela baía de Guanabara, com possibilidades de utilização de sistemas de transporte hidroviário para vários pontos da região metropolitana, e tem em seu interior os terminais rodoviários Novo Rio, da pça. Mauá e Américo Fontenelle. Está também relativamente próxima aos aeroportos Santos Dumont e Galeão, e possui amplas áreas vazias contínuas. Acreditamos que essa área possua grandes condições de absorver um suporte para um sistema integrado de transportes intermodal, com variados reflexos positivos na estrutura de transportes metropolitana como um todo. 109 110 Conclusões Revisitando a política urbana no Rio de Janeiro Algumas questões se apresentam na leitura dos mecanismos de ocupação do espaço e seus desdobramentos. Entendemos que a intervenção do Estado e a ação pública contribuem para a construção diferenciada do espaço, privilegiando áreas de interesse de grupos sociais, em detrimento de outros setores da sociedade. A estrutura espacial da cidade capitalista em seus diversos momentos históricos, não pode ser dissociada das práticas sociais e dos conflitos existentes no interior do processo social entre os diversos atores urbanos, refletindo-se na luta pelo domínio do espaço, marcando a sua forma de ocupação. Algumas propostas para desdobramentos do objeto de estudo e interpretações do que foi apreendido no processo de elaboração dessa dissertação serão desenvolvidas, com o objetivo de se ampliar o entendimento sobre a questão urbana. Aprendemos que estes processos de construção do espaço nas sociedades, significam a cristalização de uma estrutura formada por uma teia de relações sociais ao longo do tempo, e que se reproduzem em diferentes escalas de observação. Simplificando, o que conformou a região portuária de alguma maneira foi o que também contribuiu para a formação da cidade como um todo, e 111 o nosso interesse em compreender este processo possibilitará uma leitura ampla do espaço das cidades. A reflexão avança para uma constatação a respeito dos “Vazios Urbanos” da Área Central e seu entorno imediato. A cidade do Rio de Janeiro, desde a sua fundação, passou por momentos de profundas modificações em sua trama viária, em seu relevo, com o desmonte dos morros do Castelo, do Senado e de Santo Antônio e outros, com o aterro de lagoas e manguezais, alem das grandes intervenções e cirurgias com os mais variados objetivos. Quando observamos esses processos, percebemos alguns resultados que se repetem sistematicamente (v. anexo 6: mapa desmonte e aterros): - A intervenção do Prefeito Pereira Passos foi profundamente “demolidora”, inclusive com a utilização e legitimação de poderes extraordinários na consecução de suas ações de renovação urbana; - A esplanada do Castelo, resultado do desmonte do núcleo histórico do Rio, no morro do mesmo nome, ficou vazia por trinta e poucos anos, até ser ocupada em sua maior parte pelas edificações dos Ministérios e outros órgãos federais; - A Avenida Presidente Vargas, aberta em 1944, possui ainda terrenos vagos, ou ocupados por estacionamentos e feiras de camelôs. As obras de maior porte, dando continuidade ao projeto dos passeios cobertos pelos prédios (Plano Agache), são as instituições bancárias nas proximidades da Av. Rio 112 Branco, ou os edifícios sede do Banco Central e do DNER, do lado da Av. Marechal Floriano; - O Morro de Santo Antônio também deu lugar à Av. Chile e República do Paraguai, localização de grandes estatais, ícones do poder pós – 64, os edifícios da Petrobrás, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, e o Banco Nacional da Habitação – BNH; - A região da Cidade Nova, do Catumbi até a Praça da Bandeira, também foi palco de uma profunda intervenção, em parte pela construção do Túnel Santa Bárbara, e a seqüência de viadutos até o bairro do Santo Cristo pela R. da América, obras essas integrantes do Plano Doxiadis em sua vertente rodoviária (as linhas policrômicas) e pela implantação das linhas 1 e 2 do sistema Metrô, que promoveu uma desapropriação em grande escala, principalmente na ocupação residencial de renda mais baixa, mas que usufruía das vantagens locacionais de proximidade ao Centro. A imagem dessa área hoje também é de esvaziamento e abandono. Construiu-se no local, além dos viadutos e do Metrô, o espaço conhecido como Sambódromo, o edifício sede dos Correios, o Arquivo Geral da Cidade e os blocos destinados às Secretarias Municipais e outros órgãos da Prefeitura da Cidade, além de experiências de investimentos em infra estrutura para atividades “de ponta”, como estacionamentos e futuras possibilidades para instalações apoio a convenções e turismo. o Teleporto, hoteleiras e de 113 O que percebemos em comum nessas intervenções é, em primeiro lugar, o peso das ações, e a sua irreversibilidade. Em segundo lugar, a sistemática da intervenção nas áreas residenciais de baixa renda, gerando um processo de “invasão e sucessão”, ou seja, abrindo espaços para outros usos e outras classes e estamentos sociais reocuparem estruturas urbanas dinâmicas e finalmente a enormidade dos prazos de reocupação: são décadas em que a cidade fica como que estagnada, principalmente nas imediações do seu centro histórico, ou melhor no quadrilátero dos morros que a conformaram, Castelo. S. Bento, Conceição e Sto. Antônio. (V. mapa 1, Cap. 1). A oferta de áreas próximas ao centro da cidade, por um lado, estimula a criação de propostas as mais variadas para sua ocupação, devido inclusive ao baixo valor de seus terrenos. Por outro lado, o poder público encontra dificuldades concretas em avançar nessas propostas, devido a questão da propriedade fundiária, pois as terras sempre pertenceram à União, cedidas por concessão. Como o efetivo legislador do espaço é o poder municipal, e pela ausência de uma política explícita de ocupação desses espaços, há essa superposição de interesses, cujos resultados remetem ao esvaziamento urbano. 114 Para uma política social na Zona Portuária Em primeiro lugar, constatamos que a grande disponibilidade de áreas no centro, e na zona portuária em particular, será acrescida de outro espaço considerável com a futura desativação das instalações do Gasômetro no fim da av. Brasil e Francisco Bicalho. As propostas do Plano da Prefeitura não consideram essas variáveis. Esses espaços devem ser considerados como complementares à atividade portuária, como zonas industriais que possam agregar algum valor à mercadoria portuária, como por exemplo a divisão de produtos importados que chegam em um só conteiner e que vão para vários destinos diferentes, ou de expansão urbana para usos diversos. São necessários estudos sobre os deslocamentos intra urbanos e as demandas atualizadas de origem e destino da população metropolitana, com os meios de transportes utilizados, o tempo gasto e os custos dessas viagens. A questão dos transportes , principalmente no núcleo da região metropolitana não deve ser analisada pontualmente. Em função desses estudos, provavelmente seriam apresentadas alternativas que contemplassem a possibilidade de integração intermodal, objetivando uma maior racionalidade no aproveitamento da infraestrutura de transportes atual e prevista. A prefeitura elabora um projeto de viabilidade para construção de um museu, com a intenção de ser um marco no processo de revitalização portuária, cujos custos ultrapassam a casa dos 300 milhões de dólares, e não conclui um investimento para recuperação das comunidades faveladas dos morros locais. Como são as mais antigas favelas da cidade, significam a ausência de investimentos do poder público há 100 anos. Conforme assertivas anteriores, qual a credibilidade de um projeto para a comunidade local, e qual o envolvimento desses moradores ? Como exemplo podemos citar o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, cujo custo de construção foi de 5 milhões de dólares, é um sucesso de público e transformou-se na imagem da cidade. 115 O Porto da cidade do Rio de Janeiro é e sempre foi um porto urbano vinculado à cidade. Dessa forma, proponho um conceito, de comunidade portuária, com a participação das empresas privadas, setor público, moradores e associações de trabalhadores com o objetivo de se estabelecerem políticas locais de desenvolvimento do porto. Cabe à Prefeitura da cidade o estabelecimento de diretrizes urbanas para a cidade como um todo por ser a entidade com informações gerais sobre a estrutura urbana e conhecimentos específicos sobre os deslocamentos intra metropolitanos. Como complementação deste trabalho, acredito que existam possibilidades de rearranjos nas relações entre o autor do plano (Prefeitura) e a comunidade portuária no sentido de que sejam repensadas algumas metas e objetivos do Plano atual, e a forma de participação dos setores envolvidos, com o objetivo de se construir um novo processo de participação e gestão urbanos. 116 Referências Bibliográficas 1- ABREU, Maurício de Almeida. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar/IplanRio,1997. 2- BARREIROS, Eduardo Canabrava. Atlas da evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IHGB,1975. 3- BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussman tropical. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes/Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1992. 4- BERNARDES, Lysia Maria Cavalcanti et al. Aspectos da geografia carioca. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia/IBGE, 1962. 5- CARDOSO, Adauto Lucio. 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Retirado do Plano de Recuperação e revitalização da Zona Portuária, Instituto Pereira Passos, 2001. 122 Anexo 3: Localização dos imóveis no quarteirão institucional. 123 Anexo 4: Vagas /estacionamentos: Este levantamento foi realizado em dois dias úteis, nos períodos da manhã e à tarde, caracterizando uma ocupação cotidiana dos espaços. Praça Mauá Av. Rodrigues Alves Av. Barão de Tefé Av. Venezuela R. Edgar Gordilho R. Coelho e Castro Pol. Civil. Marinha Pol. Federal Pol Federal (int) Rec. Federal Sec Est. Sob o viaduto n°173 Rio park. DHL MA Promatre 25 84 25 350 (est.) 18 11 50 300 7 15 19 MA. INT (ext) INT (int) Est. I Est. II Pol. Federal Pol. Federal Rec. Federal(reg) 2° trecho lado par 2° trecho lado ímpar ONG Cidadania Outro lado Est. I Est. II ( L. Americanas) Est. III LBV Outro lado 85 6 60 109 70 32 53 27 16 25 79 28 100 90 57 49 22 124 R. Sacadura Cabral Est. I Est. II Est. III (Central Park) 1° trecho lado par 1° trecho lado ímpar 2° trecho lado par 2° trecho lado ímpar 25 56 190 92 25 19 19 Total de vagas : 2238. Anexo 5: Propostas para ligação entre os prédios da Zona Portuária, utilizando a linguagem arquitetônica característica das pontes sobre as ruas. Articulação/ligação entre o INT- Instituto Nacional de Tecnologia e o prédio do IAPETC Articulação/ligação entre o INT e o prédio da Polícia Federal.
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