Adeus Lenin! - Faculdade de Educação da UFMG

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Adeus Lenin! - Faculdade de Educação da UFMG
A liberdade nos sistemas político-econômicos. Análise do filme “Adeus
Lênin!” (Good by, Lenin!). LiNO, Vitor Ferreira. Programa Especial de
Graduação (PEG 2008). Faculdade de Educação. Universidade Federal de
Minas Gerais. Orientação: Rosemary Dore Heijmans. Belo Horizonte,
agosto 2009.
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ÍNDICE
Resumo de Adeus Lênin ..........................................................................3
Ficha Técnica .........................................................................................4
Passos para a construção do Muro: Alemanha e União Soviética
Contextualização ................................................................................... 7
Retomando os conceitos de liberdade ....................................................... 12
Noções de liberdade em conflito no campo político ..................................... 15
A liberdade e os momentos do filme ......................................................... 19
1º Momento: O Muro e as limitações .........................................................20
2º Momento: Buscando por “liberdade” .................................................... 22
3º Momento: A liberdade foi alcançada? ................................................... 23
Conclusão ............................................................................................. 26
Anexos ................................................................................................. 27
Referências Bibliograficas ........................................................................ 29
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Resumo de Adeus Lênin
Adeus Lênin (Good bye Lênin!, Wolfgang Becker, Alemanha, 2003)
é um
filme que mescla drama e humor contando uma história que nos permite
refletir acerca de alguns processos históricos que determinaram os rumos do
mundo em função do capitalismo e do socialismo, inserindo-nos na discussão
do conceito de liberdade a partir do pano de fundo do período da Guerra Fria.
O Título original Good bye, Lênin!, parece ser uma ironia, pois dá “adeus” na
língua falada no maior país capitalista do mundo, ao líder que lutou pelo
socialismo na Europa...
A história se passa na Alemanha oriental, atravessando as décadas de 70 e
80 do século XX, chegando até o início do anos 90. O filme se inicia
explicitando a fuga do pai de Alex para o lado ocidental, em função de
diferenças partidárias, e a busca por melhores condições de vida. Após o
desaparecimento de seu marido, a mãe de Alex entra num estado de choque
que lhe tolhe a fala e a ação. Após se recuperar ela torna-se uma professora
ativista do socialismo. Os anos passam e seus filhos crescem. Alex
desenvolve um sentimento de descontentamento com o regime socialista e
no dia 7 de outubro de 1989, dia da comemoração dos quarenta anos da
RDA
(República
Democrática
Alemã)
ou
DDR
(Deutsch Demokratischen
Republik), se junta a manifestantes que reivindicam o direito de atravessar o
muro. A mãe de Alex que iria participar da cerimônia de comemoração da
RDA, em apoio à república socialista, vê a violenta represália da polícia aos
manifestantes e seu filho sendo levado pela polícia, sofrendo neste mesmo
instante um ataque cardíaco que a leva a um estado de coma, que dura por
oito meses. Neste período ocorrem várias transformações, como a renúncia
de Erick Hoenecker, secretário geral do Partido da Unidade Socialista e
presidente do Conselho de Estado da RDA, a abertura do Muro, a chegada da
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“Coca-Cola”, símbolo do capitalismo, e as primeiras eleições livres da
Alemanha.
Quando a mãe de Alex acorda, com o Muro já destruído, o capitalismo
ocupava o lado oriental. Alex é advertido de que sua mãe não poderá sofrer
emoções fortes, e em função disso ele fará uma série de manobras que a
levem a acreditar que ela continua vivendo no regime socialista alemão.
O filme nos permite discutir o conceito de liberdade, uma vez que os
acontecimentos históricos nele abordados são elementos chave para
fazermos alguns questionamentos: o que é liberdade? Existe liberdade
“plena”? Qual o lugar que ela ocupa em nossas vidas? O ser humano poderia
dizer que existe mesmo liberdade? Como alcançá-la? A política e as
ideologias são manifestações dos desejos próprios ou são mais uma forma
de nos inserir num núcleo de cerceamento? O que o Muro e sua queda
representaram, e como eles se relacionam com a liberdade?
Ficha Técnica
Título original: Good bye, Lenin! ou 79 qm DDR
Título no Brasil: Adeus, Lênin
Título em Portugal: Adeus Lenine!
País: Alemanha
Idioma: Alemão
Ano: 2003
Direção: Wolfgang Becker
Roteiro: Wolfgang Becker, Hendrik Handloegten, Bernd Lichtenberg e
Achim von Borries
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Produção: Stefan Arndt
Música original: Xaver Naudascher e Yann Tiersen
Cinematografia: Martin Kukula
Edição: Peter R. Adam
Elenco: Simone Baer
Desenhista de Produção: Daniele Drobny e Lothar Holler
Figurinista: Aenne Plaumann
Maquiagem: Birger Laube, Lena Lazzarotto e Björn Rehbein
Arte: Matthias Klemme e Christian Schäfer.
Som: Jochen Isfort, Dirk Jacob, Frank Kruse, Xaver Naudascher, Jörn
Poetzl, Alexander Schaefer, Wolfgang Schukrafft, Philipp Sellier, Martin
Steyer e Christoph Ulbich.
Efeitos visuais: Manfred Kraemer, Moritz Peters, Andreas Schellenberg e
Andreas Schellenberg.
Locações: Alexanderplatz; Charité; Eimer Nightclub,
Rosenthalerstrasse; Karl-Marx-Allee; Keibelstrasse; Klinikum Buch;
Neue Wache (todas em Berlim, Alemanha).
Especificações técnicas: Filme 35mm; Formato 1.85:1; Colorido;
Dolby Digital
Elenco
Alexander Kerner - Daniel Brühl
Christiane Kerner - Katrin Saß
Ariane Kerner - Maria Simon
Lara - Chulpan Khamatova
Denis - Florian Lukas
Rainer- Alexander Beyer
Robert Kerner (father) - Burghart Klaußner
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Personagens históricos (arquivos de imagens do filme)
Willy Brandt, Lothar de Maizière, Hans-Dietrich Genscher, Mikhail
Gorbachev, Raisa Gorbachev, Erich Honecker, Sigmund Jahn, Helmut
Kohl, Egon Krenz, Walter Momper e Rudi Völler Michael Gwisdek (o
diretor)
Prêmios
• BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) - 2004 - Reino
Unido
Indicado para o prêmio de Melhor Filme em língua estrangeira
• Bayerischer Filmpreis (Baviera) - 2004 - Alemanha
Vencedor do prêmio Escolha do Público
• Der Deutscher Drehbuchpreis - 2004 - Alemanha
Vencedor do prêmio de melhor roteiro
• Deutscher Filmpreis - 2004 – Alemanha
Vencedor dos prêmios de: Filme Alemão do Ano (escolha do público);
Filme Proeminente; melhor ator para Daniel Brühl; melhor direção para
Wolfgang Becker; melhor edição; música; Desenhista de Produção; e
ator coadjuvante para Lothar Holler. Indicado para os prêmios de
melhor atriz - Katrin Sa
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Passos para a construção do Muro
Alemanha e União Soviética _ Contextualização
Para compreendermos o contexto em que se desenvolve o filme Adeus Lênin!
é preciso recuarmos no tempo para visualizar o movimento histórico que
culminou na construção do Muro de Berlim. No século XIX, em função da
situação de miséria e exploração em que se encontrava a classe trabalhadora
alemã, Karl Marx (1818-1883) e Friederich Engels (1820-1895) desenvolvem
análises profundas da sociedade capitalista e das contradições que se
operam em seu interior, tendo como marco inicial do socialismo científico a
publicação do Manifesto do Partido Comunista, no início de 1848.
As teorias marxistas influenciaram largamente o projeto de Vladimir Ilitch
Ulyanov (Lênin), sendo ele um dos principais difusores das idéias marxistas.
Lênin nasceu em 22 de abril de 1870 na cidade Simbirsk (atual Ulianovsk),
localizada na região do Volga, formou-se em Direito em 1892, e no mesmo
ano traduziu para o russo o Manifesto do Partido Comunista de Marx e
Engels, escrevendo no ano seguinte uma série de panfletos com o objetivo
de formar um pequeno grupo marxista, planejando e analisando sua
sociedade. Em 1894, Lênin encontra membros da social-democracia, num
encontro que resultou na divisão entre mencheviques e bolcheviques _ os
primeiros desejavam a inclusão da classe média nas lutas por mudanças
sociais, e os segundos acreditavam que a ascensão do proletariado era a
única forma legítima de tomar o poder, através da aliança entre operários e
camponeses contra a autocracia czarista. Lênin funda a “Liga da Luta para a
Libertação da Classe Trabalhadora”, com Matov, sendo preso e condenado a
passar três anos na Sibéria. Á esta época escreve “O Desenvolvimento do
Capitalismo na Rússia” e “Protesto dos Social-Democratas Russos”. Na
primeira década do século XX, Lênin escreve “O que fazer?”, buscando
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combater a corrente economicista, que segundo ele, a vitória representaria a
derrota de toda a revolução; esta obra se tornou essencial para a
consolidação do partido bolchevique. Com a revolta do exército na guerra
contra o Japão a população também se revolta e para conte-la são criados
sindicatos controlados pela Igreja Ortodoxa, mas mesmo assim os socialdemocratas se infiltram nestes sindicatos.
No dia 9 de Janeiro de 1905, realiza-se uma manifestação pacífica que é
violentamente reprimida, o “Domingo Sangrento”, que gera opiniões ainda
mais negativas sobre o Czar. No ano seguinte Lênin enfatiza a capacidade de
rebeldia espontânea das massas. Nos anos de 1910 Lênin volta à Rússia
trazendo panfletos ilegais com o objetivo de criar um jornal revolucionário,
sendo preso por 15 meses e deportado para a Sibéria logo em seguida. Lênin
lança a obra “O Estado e a Revolução”, às vésperas da revolução de 1917 e é
declarado presidente do Partido Comunista, tendo que enfrentar grandes
problemas administrativos. Nesta fase ocorre a estatização das fábricas e a
coletivização das fazendas; o país se encontra em estado calamitoso após o
conflito bélico.
Após grandes manifestações, o partido é suprimido, o que obriga Lênin a
se refugiar na Finlândia. O prestígio do partido volta a crescer e os
bolcheviques assumem o poder, o que faz com que se estabeleça uma
enorme guerra civil entre eles, os “vermelhos” e os mencheviques, os
“brancos”, que dura de 1918 a 1921, tendo os bolcheviques como vitoriosos.
A Igreja Ortodoxa Russa é posta em ilegalidade. Lênin e Trotsky sofrem
atentados terroristas em 1918, e a sede do Partido Comunista é explodida,
mostrando o choque de forças advindas das disputas ideológicas. Em Março
de 1921 é organizada a Nova Política Econômica (NEP) que revitalizou a
economia abrindo exceções para as pequenas indústrias privadas, liberdade
maior para o comércio e abertura aos investidores estrangeiros para
reconstruir a economia russa. Lênin escreve “Esquerdismo, doença infantil do
Comunismo”, buscando garantir os princípios da revolução através de novas
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estratégias. Em 1922 sofre o primeiro de uma série de enfartos. Lênin busca
corrigir os excessos do comunismo e percebe a necessidade da coexistência
com os países capitalistas e da eliminação da burocracia, também busca
assegurar que nem Trotsky nem Stálin o sucedam, contudo, morre em 21 de
janeiro de 1924 em função de uma hemorragia cerebral. O poder passa
então a ser disputado por Trotsky, que defendia a propagação da revolução
pelo mundo e Stálin, que pretendia restringir a revolução apenas à União
Soviética. Stálin aproveita-se do fraco estado de saúde de Trótsky e o afasta
gradativamente até expulsá-lo do Partido Comunista em 1927 e da União
Soviética em 1929. Stálin vai afastando seus opositores e se torna ditador
absoluto em 1929. Trotsky se refugia no México, onde é assassinado em
1940. Stálin promove os planos qüinqüenais, que se baseavam no
investimento na indústria pesada e na coletivização e mecanização da
agricultura:
Estes planos acompanhados por uma política cultural de
erradicação do analfabetismo e de implementação do ensino
técnico, permitiram que a União Soviética se recuperasse do
atraso técnico do Império Russo e conseguisse rapidamente o
mesmo nível de desenvolvimento industrial dos países mais
avançados (PAZZINATO e VALENTE SENISE,1999, p. 236)
De acordo com Soares (2000), o trabalho é uma categoria que é
assimilada ao princípio pedagógico que se constitui no final da segunda
metade do século XIX. Na Alemanha do século XX, a educação técnica é
ainda uma das estratégias de desenvolvimento da economia Soviética.
Contudo, a grande crítica feita à formação técnica, inclusive nos dias
presentes, é a de que ela separa o trabalho técnico do trabalho intelectual.
Nessa
perspectiva,
a
educação
científica
preza
pelo
ensino
das
“humanidades” que são valorizadas e legitimadas pelas classes dominantes.
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Ao se basear apenas no princípio da técnica, excluindo a dimensão do
pensar, a educação técnica não possibilitaria que os estudantes atingissem
uma posição dirigente, por estes não adquirirem os instrumentos advindos
do ensino humanista. Assim, segundo a autora, Antonio Gramsci propõe que
a educação para o trabalho inclua a dimensão da reflexão, baseada num
princípio educativo que una o ensino técnico e o humanista, formando assim
a escola unitária, baseada na unidade e não da divisão de ensino para
diferentes classes.
Com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, esta e outras
áreas da Europa Oriental foram divididas em áreas de influência capitalista e
socialista, divisão essa confirmada na Conferência de Potsdam realizada de
17 de julho a 2 de agosto de 1945. Dentre outras determinações, os
territórios
foram
divididos
entre
socialistas
e
capitalistas,
ficando
estabelecido que Berlim, a capital alemã, também fosse dividida entre EUA,
França, Inglaterra, e União Soviética. Embora Berlim estivesse do lado
soviético, três quartos dela possuíam orientação capitalista o que gerava
muitos conflitos. EUA, Inglaterra e França planejam então fundir todo o setor
ocidental, organizando a integração econômica através da reabilitação do
marco alemão, mantendo a União Soviética fora das discussões sobre o
tema.
Em 1949, Stálin decreta o bloqueio de suprimentos ao lado ocidental, uma
vez que toda a rede ferroviária de Berlim pertencia ao controle soviético.
Essa crise é suprimida pelo “corredor aéreo”, que levava os suprimentos
através de aviões de carga à Berlim Ocidental. No mesmo ano as áreas de
ocupação
são
redefinidas
como
República
Federal
da
Alemanha
_
Bundesrepublik Deutschland (lado ocidental) e República Democrática da
Alemanha _ Deutsche Demokratische Republik (lado oriental), esta última,
com influências do modelo soviético. Este período que se segue ao fim da
Segunda Guerra é denominado de Guerra Fria, pois entram em choque
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político-ideológico
os
blocos
capitalista
e
socialista,
liderados
respectivamente pelos EUA e União Soviética, havendo o medo constante de
uma guerra entre essas duas superpotências. Desta forma são firmados
acordos que visavam proteger aos ideais dos blocos econômico-político em
oposição, como exemplo, o Comecon _ Conselho para a Assistência
Econômica e Mútua, criado pela União Soviética em 1949 e a OTAN_
Organização do Tratado do Atlântico Norte, organismo de defesa integrado
pela maioria dos países da Europa Ociental, além de EUA e Canadá.
Em resposta, a URSS cria o Pacto de Varsóvia _ Tratado de Assistência
Mútua da Europa Oriental _ que contava com a participação de vários países
do leste europeu e da União Soviética. Em 1953 morre o líder soviético Josef
Stálin, que embora tenha promovido a industrialização do país, agia de
forma ditatorial. O poder é então assumido por Nikita Kruschev, que propôs
medidas para a “desestalinização”, chegando a manter relações políticas com
o Ocidente. Contudo, as influências stalinistas não se dissipam facilmente, e
em agosto de 1961 para evitar a fuga de mão de obra para o lado capitalista
em busca de melhores condições e a penetração do capitalismo através de
Berlim Ocidental, o governo da RDA constrói um muro, separando o leste do
oeste sendo aquele considerado o símbolo da Guerra Fria. A parte oriental
torna-se a capital da RDA e a parte ocidental fica sob a administração da
RFA. Em 1964, Kruschev cai devido às investidas de alguns elementos contra
suas reformas e sobe ao poder Leonid Brejnev, que voltou a enfatizar a
repressão e a burocracia aos dissidentes, retomando as relações com os EUA
em 1973.
Com a morte de Brejnev em 1982, o governo é assumido por Mikhail
Gobatchov, que deu continuidade ao processo de “desestalinização”. Durante
este período o mundo assistia a iminência de um novo conflito bélico que
envolveria todo o globo... A Guerra Fria prossegue através de investimentos
no poderio bélico, sobretudo através das investidas em projetos espaciais
tanto do bloco soviético, quanto do bloco americano. No filme analisado,
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vemos a ampla propaganda feita para o desenvolvimento espacial, e o
protagonista relata a subida da Alemanha ao espaço em 1978. Em 1989 com
a abertura das fronteiras da Hungria com a Áustria, várias pessoas da
Alemanha Oriental migravam para o lado ocidental, atravessando esses
países. Essa situação obriga o dirigente Erich Hoenecker a ceder e a
desativar o Muro de Berlim, sendo a Alemanha reunificada a 3 de outubro de
1990.
Com a reunificação, as realidades divergentes entre leste o oeste,
causaram impactos, levando o país a vários problemas econômicos: o lado
oriental estava em desvantagem em relação ao lado ocidental, suas fábricas
eram obsoletas e foram desativadas, gerando desemprego. O capitalismo
penetrou rapidamente no lado oriental, mas a população ainda não possuía
bases para lidar com a nova economia. O filme retrata tal situação através
das falas dos vizinhos de Alex, que se mostram descontentes com a situação
econômica do país se referindo aos males do desemprego e da inflação.
Retomando os conceitos de liberdade
O que é liberdade? Qual o lugar ocupado por ela em nossas vidas? O ser
humano poderia dizer que existe mesmo liberdade? Como alcançá-la?
Marilena Chauí (2000) nos apresenta alguns conceitos que inicialmente
representariam a não existência da liberdade. A necessidade seria a
realidade fixada que age independentemente de nós, nos colocando numa
série de causas e efeitos, condições e conseqüências. Fatalidade seria o
governo de forças transcendentes às nossas que agiriam de qualquer forma.
O determinismo seria por sua vez a realidade prevista que determinaria o ser
humano através de leis e causas que condicionam os pensamentos,
sentimentos e emoções. Por último, a contingência ou acaso mostra que a
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realidade é imprevisível e mutável, impossibilitando a deliberação e as
decisões racionais. Esses conceitos expressariam que não há espaço para a
liberdade.
Dentro
desta
problemática,
algumas
correntes
filosóficas
se
desenvolveram dando diferentes conotações para liberdade. Segundo Chauí,
a
primeira
corrente,
representada
por
Aristóteles
e
retomada
pelo
existencialismo de Sartre no século XX, coloca no indivíduo todo o poder
para determinar as situações. A vontade seria dirigida pela razão, e a
liberdade por sua vez seria ética se operasse em consonância com esta. A
liberdade seria então a escolha incondicional feita pelo homem. Sartre diz
que a liberdade é a escolha incondicional que o homem faz de seu ser e de
seu mundo: “os homens estão condenados à liberdade”, e por isso mesmo
sua responsabilidade sobre as coisas passa a ser ainda maior. (CHAUÍ, 2000,
p.361)
A Segunda corrente filosófica nasce com os estóicos, criadores de uma
escola filosófica em Atenas em 300 a.C, influenciando o humanismo
renascentista e a pensadores modernos como Espinosa, Hegel e Marx. Para
esta corrente, é livre aquele que age sem ser forçado e constrangido,
contudo a liberdade não estaria no indivíduo, mas na atividade do todo do
qual os indivíduos são parte. A liberdade seria o poder do todo para agir em
conformidade consigo mesmo, sendo a necessidade a manifestação da
liberdade deste todo (criação das condições de vida pelos próprios
indivíduos) e as leis e regras a expressão do que o todo é e faz. A liberdade,
portanto, seria a ação em conformidade com o todo. Chaui se pergunta o
que seria então a liberdade, e aponta duas respostas: a primeira diz que
sendo racionais o todo e as partes, a liberdade seria a ação das partes em
conformidade com as leis do todo para o bem da totalidade. A segunda diz
que se as partes são da mesma essência que o todo (razão, liberdade e força
interna), a liberdade seria a tomada de uma postura ativa no movimento do
todo, ou seja, conhecer o meio para não se tornar um autômato diante das
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condições e causas atuantes. Chega-se então à terceira concepção, que
considera que não somos incondicionalmente livres, sendo as nossas
escolhas condicionadas pelas circunstâncias naturais, psíquicas e históricas
em que vivemos. A liberdade viria a ser então um ato de escolha entre várias
possibilidades, a liberdade de fazer algo, a capacidade de perceber as
possibilidades e poder realizar determinadas ações que podem mudar a
direção das coisas. Isso traz a importância da tomada de consciência das
circunstâncias
que
trazem
limitação
e
de
ações
que
nos
permitam
ultrapassá-las.
Valls (1992) estabelece uma relação entre os conceitos de liberdade e
determinismo. À primeira vista, a existência colocaria aos seres humanos
situações em que imperam o movimento ou a permanência. Tudo posso e
nada posso... De um lado a total liberdade de ação e do outro o
determinismo completo, mostrando que não existe liberdade. Para Valls, os
dois pólos são por demais extremos, o que traria uma incoerência. Para ele a
existência da liberdade se dá com a consciência de sua própria existência. A
liberdade, portanto, estaria na ação situada entre as condicionantes e as
possibilidades de ação.
A partir dos conceitos trabalhados pelos dois autores, podemos formular
que um conceito mais “razoável” para a liberdade, seria a possibilidade de
ação
dentro
do
meio,
numa
busca
constante,
considerando-se
as
condicionantes e tomando consciência dos processos que se operam nas
instâncias que o constituem (sociedade, família, política, religião, etc.). Ao
reconhecer os espaços existentes dentro dessas instâncias, nossa liberdade
“se materializa”, através de nossas ações.
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Noções de liberdade em conflito no campo político
Ao conceito de liberdade estão atreladas duas tendências políticoeconômicas contraditórias que polarizaram o mundo no fim do século XIX e
século XX: o liberalismo e o socialismo. De acordo com Chaui (2000) o
liberalismo, nasce da necessidade de expansão da classe burguesa nos
séculos XVII e XVIII, que encontra na teoria do direito natural da
propriedade privada, desenvolvida por Jonh Locke, a confirmação de seus
ideais, agora apoiados pela noção de que Deus como criador do mundo disse
aos seus filhos expulsos do paraíso que eles teriam o mundo, mas com o
suor de seu trabalho. As idéias liberais se consolidam, tendo como principal
motor a idéia da liberdade: a produção deveria ser livre, bem como sua
comercialização, sem interferência do Estado, que não deveria influir sobre a
liberdade econômica dos proprietários privados, e que em linhas resumidas,
deveria ser responsável apenas por garantir a liberdade e a segurança dos
indivíduos.
O capitalismo, baseado nas teorias de liberdade de produção e de
comercialização, expandiu-se rapidamente. Mas as várias reivindicações
feitas pelas classes subalternas, por participação política, acesso à cultura,
dentre outras, entram em choque com o Estado capitalista. No final do
século XIX esse choque foi de tal monta que a burguesia começou a repensar
a forma pela qual exercia o poder, excluindo as classes subalternas. O novo
projeto
de
poder
da
burguesia
envolve
mecanismos
para
obter
o
consentimento das classes subalternas na medida em que pretende também
aceitar as reivindicações dos trabalhadores. Em outras palavras, a burguesia
pretende garantir alguns direitos políticos e sociais exigidos pelas classes
subalternas e, ao mesmo tempo, procura garantir a continuidade da
dominação capitalista. Esta estratégia pode ser considerada como um
“transformismo”, ou seja, a incorporação de idéias vindas dos movimentos
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sociais e das classes subalternas pelos intelectuais burgueses para evitar o
choque entre as classes. É nesse movimento transformista que nasce o
ideário do “Welfare State”: o Estado busca garantir aos seus cidadãos uma
série de benefícios para as classes subalternas, tais como educação, saúde e
aposentadoria. Esse atendimento não entra em conflito com as demandas do
sistema capitalista, contudo, vemos que esse sistema encontra muitas
dificuldades para se manter, devido ao atendimento dessa enorme demanda
financeira. Vemos isso hoje na Inglaterra, que tem dificuldades devido aos
benefícios previdenciários oferecidos diante da longevidade da maioria de
seus cidadãos, e no Brasil, também no que diz respeito ao sistema
previdenciário. Esse panorama serve como indicador da noção marxista de
que o sistema capitalista não consegue se sustentar, o que o levará a um
estado de exaustão que o destruirá. Contudo, ao mesmo tempo, vamos
percebendo a “plasticidade” do sistema capitalista, ao se adaptar às crises e
demandas problemáticas às quais está sujeito.
A partir das contradições geradas pelo capitalismo em consolidação, vão
surgindo movimentos que criticam esse sistema, encontrando em Marx e
Engels seus principais representantes, porque eles propõem um novo projeto
econômico-filosófico,
conhecido
como
socialismo
científico.
De
forma
bastante sucinta, as principais concepções da teoria Marxista se baseavam
nos seguintes aspectos:
 Revolução proletária mundial; união do proletariado internacional;
 união do proletariado como uma forma para derrubar o Estado, que
era um dos instrumentos da classe dominante;1
1
Valls explicita a diferença existente entre as noções hegeliana e marxista sobre Estado: Hegel traz a
abordagem de um tipo de Estado moderno que seria a síntese entre os ideais da política grega_ baseada na
participação dos cidadãos_ e a moral cristã, que possuía profunda consciência da liberdade e do valor de cada
indivíduo. Essa síntese formaria o que Hegel chama de “Estado de Direito”, moderno e constitucional onde cada
indivíduo seria livre interiormente e exteriormente. Marx se contrapôs a essa concepção afirmando que o
Estado não é o campo de realização dos interesses coletivos, instância do universal como afirma Hegel, e sim
um espaço de realização dos interesses burgueses, visto que é conduzido por eles. Para Marx, a liberdade
como possibilidade humana está sempre condicionada pelas possibilidades técnicas e as formações sócio-
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 união do proletariado a parte da burguesia e pequena burguesia,
enquanto
necessário,
e
depois
seu
prosseguimento
na
luta
revolucionária;
 estreita relação entre as idéias e a condição de produção, ou união
entre a teoria e a prática, bem como a condição do homem de
produtor da história.
 a sociedade como uma realização da liberdade, da igualdade, da
justiça e da felicidade.
Na proposta de Marx, o trabalho ou a produção tem lugar central. Valls
(1992) faz algumas considerações a respeito dos argumentos apresentados
por Marx sobre a liberdade e o domínio da natureza, através da produção,
dizendo que, para Marx, a história do homem é a história da dominação da
natureza. Se Marx concorda com o domínio da natureza pelo homem,
discorda completamente da dominação do homem pelo homem. Marx, assim
como Kant, afirmava que o homem devia ser visto como um fim e não como
um meio. Porém o homem é colocado na natureza como um meio, destinado
a trabalhar para produzir, tendo em vista atender aos outros homens que o
dominam, e não a si mesmo. Para Marx, o homem produziria as atividades
técnica, teórica e prática e um dos problemas do capitalismo seria a
dominância
da
atividade
técnica
sobre
a
dimensão
ética.
Essas
considerações, relacionadas à nossa realidade, nos permitem questionar o
quanto o homem pode realmente dominar a natureza através do sistema de
produção que conhece, visto que este tem causado muitos danos à natureza
como um todo. Isso exige uma reflexão sobre os rumos que daremos ao
sistema de produção e à exploração dos recursos naturais.
Mais tarde, Segundo Soares (2000), as idéias de Marx e Engels são
desenvolvidas por Antonio Gramsci, que vê a importância da organização das
econômicas, e se, de acordo com Hegel, o Estado é o espaço de realização da liberdade, na sua concepção
este é o espaço encontrado pela burguesia para exercer sua dominância, contrapondo-se ao ideal de liberdade.
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classes subalternas. Ele encontra na cultura e na educação uma das
principais premissas para realizar a organização das classes subalternas e
sua elevação civil, através de um grupo de intelectuais que estejam
conscientes de seu papel ativo na sociedade. É Gramsci quem faz a proposta
da escola unitária, onde ocorreria a educação das massas, levando-as à luta
pela igualdade social, à superação das divisões de classe (superação da
dicotomia entre trabalho industrial e intelectual). Seu projeto não objetivava
destruir o capitalismo para depois tratar da educação. Ao contrário, seria o
projeto
educativo que contribuiria
para a transformação do
sistema
capitalista, mostrando a possibilidade de ação dentro das instâncias da
sociedade, uma vez que a escola e a sociedade civil são espaços onde
circulam idéias contraditórias.
A experiência concreta do comunismo, em países da União soviética e
Alemanha, China e Cuba, cujos principais líderes foram Stálin, Mao Tse-Tung e
Fidel
Castro,
é
também
conhecida
como
“socialismo
real”,
abrangendo
experiências ocorridas principalmente na Europa. Podemos afirmar que essas
experiências, no geral, não correspondem às idéias da filosofia propagada por
Marx e Engels e por Gramsci, pois não conseguiram promover uma sociedade
justa, igual e fraterna. Ao contrário disso, verificou-se o fechamento das
sociedades ditas socialistas ou comunistas, o Estado se tornou totalitário, as
pessoas não podiam se expressar, a sociedade civil não existia. Nos regimes
comunistas, a centralização do Estado tomou proporções gigantescas, fazendo
muitas vezes o uso da ditadura, que leva às castrações política, econômica,
cultural, etc. Assim, os ideais de liberdade, igualdade, justiça, abundância e
felicidade foram ficando cada vez mais distantes das pessoas.
A justificativa da busca “concretização” da liberdade é o que move o
capitalismo e é também o motor do socialismo. Contudo, que liberdade esses
sistemas possibilitam às pessoas? A liberdade de escolher entre uma marca ou
outra, entre um refrigerante ou outro? A liberdade de atender às determinações
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de um Estado tirano que “luta” por melhores condições para seu povo,
considerando que todos os outros são inimigos de seus propósitos?
A liberdade e os momentos do filme
Com base nas idéias trabalhadas na discussão sobre a Liberdade,
podemos relacionar este tema ao filme Adeus Lênin. Para fins didáticos, foi
estabelecida uma divisão de momentos no filme, que mostram como o
problema da liberdade se apresentou para as pessoas que viveram um
recente “período histórico”, representadas pela história de Alex e sua família.
A ausência da liberdade: com as imposições feitas pelo governo
socialista, as pessoas se encontram num estado de total fechamento: sãolhe impostas as decisões políticas e econômicas, não é tolerada a liberdade
de expressão e de escolha. O Muro simboliza uma barreira física e ideológica
de um momento em que a liberdade é bastante restrita; essa situação
influencia a vida de Alex e sua família, sobretudo quando eles se separam do
pai que vai viver na Alemanha ocidental e jamais volta.
A busca pela liberdade: ocorre na fase na qual Alex e sua irmã já são
adultos. As condições de vida na Alemanha oriental se encontram muito
difíceis. Diante disto, em função da busca por melhores condições, as
pessoas começam a se manifestar contra o regime. A RDA está prestes a
completar 40 anos e a mãe de Alex será condecorada por sua “contribuição”
ao país. Alex se junta a uma manifestação contra o regime que é
violentamente reprimida, e na qual ele é preso. Sua mãe que passava pelo
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local rumo à festa dos 40 anos da RDA, ao ver a situação tem um ataque
cardíaco e passa oito meses em coma.
O fim do Muro: a liberdade chegou? Durante o período de coma de
Christiane Kerner, ocorrem muitas transformações. O muro é aberto, o
capitalismo penetra na Alemanha oriental e o socialismo vai caindo. Embora
a situação traga a noção de liberdade, Alex vai tomando contato com uma
realidade que parece determiná-lo todo o tempo. A partir disto podemos
questionar se a liberdade chegou e considerarmos que ainda há muito para
se conquistar neste campo, sendo a liberdade da ordem da busca...
1º Momento: o Muro e as limitações
“...Minha mãe casou-se então com a pátria, e como nessa relação
não havia sexo, lhe sobrava muito tempo para se dedicar às
causas sociais...”
*
Alex recorda os melhores momentos de sua família no chalé que lhes
pertencia... Contudo esses momentos foram extintos devido à partida de seu pai
para a Alemanha Ocidental. Em 1978 a Alemanha sobe ao espaço, mas quem se
“ausenta” da terra é a mãe de Alex, que entra num estado de apatia devido à
partida de seu marido para o outro lado do muro, ficando no hospital por algum
tempo. Quando volta à “realidade”, Christiane começa a dedicar-se às questões
sociais, dirigindo um grupo de escoteiros e ajudando as pessoas a fazerem
reivindicações, que parecem ter pouco peso. Vemos a influência das idéias da
“corrida espacial”, gerada pela ideologia da guerra fria, na vida das crianças, que
assistem desenhos sobre o tema e participam do lançamento de pequenos
foguetes. Este panorama que se configurou para as pessoas da RDA, expressa as
*
Trechos extraídos do filme
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condições de vida que lhes foram impostas com a propagação de um determinado
“socialismo”, e os cerceamentos gerados pela Guerra Fria.
A liberdade de escolha das pessoas é literalmente freada, encontrando um
obstáculo físico e ideológico, representado pelo Muro. Se a ideologia que era
propagada pelo socialismo soviético não bastou para que as pessoas se
contentassem com as condições que lhes eram oferecidas, o muro vem como
medida arbitrária de poder, impedindo a “livre escolha” da população por um
sistema político e econômico diferente, ao trocar o socialismo pelo capitalismo do
lado ocidental.
Neste ponto, é importante que entendamos ideologia como considera
Gramsci, segundo Soares (2000) como concepções de mundo que tanto podem
ocultar as contradições sociais como também podem nos fazer tomar consciência
dos conflitos sociais. A ideologia que embasa a construção do muro é a de que os
males do capitalismo afetariam a pátria, que uma vez aberta à penetração das
práticas capitalistas estaria destruída. Assim, as pessoas são obrigadas a
permanecer naquele país para ajudar a mantê-lo. Essa orientação política e
ideológica expressa bem a divergência entre os ideais políticos que se expandiram
no século XX, o liberalismo e o capitalismo.
A ideologia, portanto, interfere na liberdade quando impede que tomemos
consciência dos processos que produzem a realidade, nos mantendo num estado
de ignorância, interfere também quando produz atos que cerceiam nosso poder
de escolha, como a construção do Muro. Contudo, como o terreno das ideologias
é um terreno contraditório, é nesse mesmo campo que podemos tomar
conhecimento
de
nossas
limitações,
da
falta
de
liberdade,
de
nossas
possibilidades de superar as limitações e, assim, buscar formas para alcançar
nossos objetivos de sermos livres.
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2º Momento: Buscando por “liberdade”
Os anos passam e a RDA está prestes a comemorar 40 anos de existência.
Alex já é adulto e questiona as condições restritas do sistema em que ele e sua
família vivem. Sua mãe, porém, discute com ele, pois para ela aquela pátria ainda
possuía valor. Neste mesmo dia, Christiane irá receber uma condecoração pela
sua contribuição à RDA, mas Alex movido por sua insatisfação se junta a um
grupo de manifestantes que protestam contra o regime da RDA. A manifestação é
violentamente reprimida e Alex é preso no exato momento em que sua mãe
passa pelo local rumo à festa dos 40 anos do país. Christiane ao ver a cena tem
um ataque cardíaco e desmaia. No carro da polícia Alex leva um soco.
A manifestação da qual Alex participa pode ser tomada como um exemplo de
busca pela liberdade, não apenas dele próprio, mas de uma grande massa
insatisfeita com as condições que lhe são impostas. O ato da passeata, expressa o
processo de busca pela liberdade composto por alguns momentos: o momento do
reconhecimento da contradição entre o ideal (idealizado) e a situação real, nesse
caso, a proposta do sistema socialista e a aplicação real deste.
Como segundo momento, teríamos a busca de espaços ou “brechas” através
dos quais seria possível promover mudanças, interpretados nessa situação como
a “liberdade de ir e vir” que os cidadãos tinham, mesmo dentro do lado oriental. A
este momento se segue o da decisão pessoal de agir e a escolha de meios para
isso, expressos pela vontade de se manifestar contra o muro e o regime socialista
e o uso da manifestação pacífica para mostrar a insatisfação do povo. O quarto e
ultimo passo, seria o da realização da ação (fazer a passeata), gerando um
impacto que leva a uma transformação da realidade. Essa pressão juntamente
com outras falhas do sistema socialista e investidas das nações em que vigorava
o capitalismo, fazem com que o “muro” e o socialismo caiam na Alemanha
Oriental, mostrando o poder de ação e transformação que as pessoas têm.
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3º Momento: A liberdade foi alcançada?
“... Os ventos da mudança pairavam sobre as ruínas da nossa
república. No verão, Berlim era o lugar mais bonito do mundo.
Nós estávamos no centro do mundo, onde as coisas finalmente
estavam acontecendo e nós íamos no embalo. O futuro estava
em nossa mãos, incerto mas promissor...”*
A mãe de Alex entra em coma e assim permanece por oito meses... Nesse
período, as coisas se transformam rapidamente: devido às pressões, o muro é
desativado, sendo derrubado a 9 de novembro de 1989. Erick Hoenecker,
secretário geral do Partido da Unidade Socialista e presidente do Conselho de
Estado da RDA, renuncia aos seus cargos. Ocorrem as primeiras eleições livres. A
cultura capitalista penetra na Alemanha Oriental, trazendo em sua bagagem
muita Coca-cola...
A oficina de aparelhos eletrônicos onde Alex trabalhava é fechada e ele
começa a trabalhar como instalador de antenas parabólicas. Sua irmã abandona o
curso de teoria econômica e passa a trabalhar como atendente de fast-food. Aos
poucos Alex vai se envolvendo com a estudante de enfermagem que cuida de sua
mãe. Em junho de 1990 as fronteiras da RDA já não têm mais valor. Em meio a
este cenário Christiane desperta e Alex é advertido de que ela não poderá sofrer
emoções fortes, e por isso decide montar um cenário no qual a RDA pareça
continuar existindo. Nesse momento o Marco Ocidental é cunhado como moeda
oficial, a seleção da Alemanha vence a copa de 1990 e Alex e os seus têm de se
comportar diante de Christiane como se nada houvesse mudado.
Se a princípio a liberdade parece ter chegado, Alex vê que não é exatamente
assim quando sua mãe começa a ter vontades como a de consumir produtos que
não existiam mais e a ver TV. Ele precisa então manipular tudo: produtos,
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roupas, e as próprias informações, que com a ajuda de um amigo vão sendo
forjadas para que sua mãe não perceba as mudanças. Alex descobre que o
dinheiro de sua mãe não possui mais valor e isto o mostra o quanto a situação se
faz complicada.
“...Eu me senti como o comandante de um submarino no Atlântico
Norte, com o casco quebrado. Quando consigo fechar um buraco, outro
aparece... Ariane não quis me acompanhar na guerra e o inimigo
levantava a bandeira da Coca-cola, e o ocidente levava o dinheiro da
minha mãe...” *
Essa situação nos permite questionar se a liberdade realmente chegou, como
forma de escolha livre. A abertura traz consigo os problemas do capitalismo, a
economia se encontra num estado complicado e as pessoas sentem isso, sendo
muitas vezes descartadas em função de sua “inutilidade” para o novo sistema.
Houve realmente uma abertura, mas esta também é limitada e exigirá,
igualmente, esforços das pessoas para possibilitar alcançar um estágio mais
favorável. Nesse momento, podemos refletir sobre a manipulação de informações
realizada por Alex e seu amigo, tanto como crítica ao socialismo, que não dava
lugar à liberdade econômica, de expressão e de vestuário, etc., quanto como
crítica ao capitalismo, cuja entrada e expansão na Alemanha dava lugar a uma
realidade muito diferente daquela do comunismo, mas também cheia de mazelas.
Alex reflete sobre a manipulação de informações, considerando que a verdade
é um conceito dúbio, podendo se adaptar a muitas situações, dependendo das
circunstâncias. No caso específico do filme, se tratava da visão de mundo de sua
mãe. Isso lhe permite até mesmo construir a idéia de que a Coca-cola fosse uma
invenção socialista... Neste ponto, temos a mentira como um fator que restringe
a liberdade e também se opõe à ética; o conhecimento da mentira aprontada por
Alex, pela sua namorada e sua irmã, vai lhe causar enorme pressão. Christiane
volta a andar, sai do apartamento e vê o mundo completamente diferente,
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completamente transformado por objetos advindos de um sistema capitalista de
produção, o que leva Alex a produzir uma mentira ainda maior, dizendo que,
devido aos males do capitalismo, as pessoas querem ir para a Alemanha oriental.
Em meio a essa situação, as “Alemanhas” assinam acordos.
A irmã de Alex descobre que está a espera de outro bebê. Alex e sua família
partem para o chalé da família e lá descobrem que sua mãe mentiu durante todos
os anos a respeito do paradeiro de seu pai. A professora sabia durante todo o
tempo onde seu marido estava, mas temeu atravessar o muro para se encontrar
com ele, expressando assim que sua ação, ou “falta de ação”, a limitou e o as
decisões dentro de situações postas podem nos levar a um caminho ou outro. O
estado de saúde de Christiane piora e Alex decide ir encontrar seu pai, que lhe diz
o quanto esperou notícias dele e da família. Temos aqui novamente a noção do
cerceamento da liberdade: se por um lado a atitude da mãe de Alex gerou a
situação de desagregação da família, por outro podemos entender que ela assim
agiu devido às limitações que o meio lhe impunha, o que mostra o quanto
necessitamos de força interior e conhecimento da situação para que tenhamos
uma atitude que exprima o nosso desejo.
Lara, a namorada de Alex, conta toda a verdade para Christiane e esta se
reencontra com seu ex-marido. No mesmo dia, Alex, sem saber que sua mãe já
sabia de toda a verdade, faz sua última manobra, construindo uma reportagem
que fala da renúncia de Erich Hoenecker e da subida de Sigmund Jan ao cargo,
que profere um discurso idealista e ilusório dentro da conjuntura do mundo e do
país, dizendo que as pessoas finalmente haviam reconhecido que o capitalismo
não lhes era favorável e que assim estavam migrando para o lado oriental. No
mesmo dia, Christiane falece e suas cinzas são colocadas num pequeno foguete...
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Conclusão
Após os acordos de reunificação, a Alemanha entra numa situação calamitosa,
pois a realidade de ambas as partes é bastante diversa. Ocorre um aumento de
impostos, proposto pelo primeiro ministro Helmut Kohl, para cobrir os gastos
oriundos da reunificação, gerando muitos protestos. Dentre eles, em maio de
1992, ocorre a maior greve geral dos funcionários públicos desde a Segunda
Guerra Mundial. Isso nos leva a pensar que os fatos que permeiam o tema da
liberdade é um campo cheio de meandros e um constante estado de busca,
principalmente dentro do sistema capitalista, que hoje possui muito mais
complexidades do que na época em que começou a ser refutado pelas teorias
marxistas. Essa maior complexidade exige de nós, portanto, mais consciência de
suas particularidades para que ocorra o exercício da liberdade. A busca da
liberdade não se faz apenas no plano político, embora este perpasse todos os
aspectos de nossa vida, mas também em todos os outros planos: social, cultural,
ideológico, emocional, pois somos seres em busca de satisfação pessoal. A
liberdade se faz como realização da vontade e esta deve ser guiada pela razão,
construída a partir da conscientização e da reflexão sobre os processos pessoais e
coletivos que constroem a realidade, o que nos remete à importância de ter a
educação, escolar e não escolar, como uma maneira de proporcionar aos
educandos e à sociedade uma forma de conhecimento com aplicações práticas,
reservando à atitude do professor e de outros profissionais dos espaços
educativos um lugar de poder e, portanto, de responsabilidade.
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Anexos
I
“ Uma versão em filme de "The Wall" foi feita em 1982 pela MGM sob o título de
"Pink Floyd: The Wall". O filme foi realizado por Alan Parker, com Bob Geldof no
papel principal. O filme conta a história de um rapaz chamado "Pink" que perdeu
o pai na 2ª Guerra Mundial quando era criança, tendo, por conseqüência,
desenvolvido uma relação muito estreita com a sua mãe. Abusado na escola, com
poucos amigos, cresceu e tornou-se numa estrela de rock, casou com uma
atraente acompanhante do grupo. No entanto a sua vida é completamente vazia
e após a sua mulher o ter traído, ele tenta suicídio. Depois disso, durante uma
alucinação causada pelas drogas, imagina-se um líder de um grupo Neo-Nazista e
manda as minorias em sua audiência "contra o muro", durante seus shows.”
( Wikipédia, 03/2007)
II
Em 21 de julho de 1990 é organizada uma mega-produção em Berlim com o
motivo da comemoração da queda da barreira física e ideológica que o Muro
representava. Durante o show histórico que reuniu milhares de pessoas, ia pouco
a pouco sendo construído no palco um enorme muro feito de blocos cenográficos,
que no final da apresentação, encerrado pela música The Trial, era bombardeado
ao som de gritos de “destruam o muro!” A produção contou com a participação de
cantores como Cindy Lauper, Bruce Springster, Joe Cocker e Sinead O’connor.
É impossível não associar o acontecido histórico do fim da RDA e a queda do
muro de Berlim com a música “The Wall”, pois essa e outras músicas de Pink
floyd representaram o grito de reflexão e insatisfação de uma geração
amedrontada com os perigos iminentes da Guerra Fria... Para isso transcrevemos
aqui a letra original e sua tradução para o português.
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Another Brick In The Wall Part 2
Pink Floyd
Composição: Roger Waters
We don't need no education
We don't need no thought control
No dark sarcasm in the classroom
Teachers leave them kids alone
Hey! Teachers! Leave them kids alone!
All in all it's just another brick in the wall.
All in all you're just another brick in the wall.
We don't need no education
We don't need no thought control
No dark sarcasm in the classroom
Teachers leave them kids alone
Hey! Teachers! Leave us kids alone!
All in all it's just another brick in the wall.
All in all you're just another brick in the wall.
Another Brick In The Wall Part 2 (tradução)
Pink Floyd
Nós não precisamos de educação.
Nós não precisamos de controle mental.
Sem sarcasmo obscuro, na sala de aula.
Professores, então, deixem as crianças em paz!!
Ei, professor, deixe nós, as crianças, em paz!!
No total, você é somente mais um tijolo no muro.
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No total, você é somente mais um tijolo no muro.
Nós não precisamos de educação.
Nós não precisamos de controle mental.
Sem sarcasmo obscuro, na sala de aula.
Professores, então, deixem as crianças em paz!!
Ei, professor, deixe nós, as crianças, em paz!!
No total, você é somente mais um tijolo no muro.
No total, você é somente mais um tijolo no muro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 12ª ed. São Paulo: Ática, 2000. Cap.6 A
liberdade. Cap. 10. A política contra a servidão voluntária.
_____,
Marilena
de
Souza.
O
que
é
ideologia.
7ª
ed.
São
Paulo,Brasiliense,1981. Coleção primeiros passos.
Gaarder, Jostein. O Mundo de Sofia: romance da história da filosofia.
Tradução João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
PAZZINATO, A.L, SENISE VALENTE, M.H. História Moderna e Contemporânea.
8ª ed. São Paulo: Ática, 1999
SEMERARO,
Giovanni.
Intelectuais
“orgânicos”
em
tempos
de
pós-
modernidade. Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 70, p. 373-391, set./dez. 2006
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br
www.cineducfaeufmg.wordpress.com
29
SOARES, Rosemary Dore. Gramsci, o Estado e a Escola. Ijuí: Editora UNIJUÍ
2000
______ , Rosemary Dore. Gramsci e o debate sobre a escola pública no
Brasil. Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 70, p. 329-352, set./dez. 2006
Disponível em http://www.cedes.unicamp.br
VALLS, Álvaro L.M. O que é ética. São Paulo, Brasiliense, 1992. Cap. A
Liberdade.p.48-61
Consulta eletrônica
http://www.duplipensar.net/principal/2004-03-adeuslenin-dados.html
http://www.duplipensar.net/principal/2004-03-lenin-biografia.html
http://www.wikipédia.com/the wall
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