Administração e Caos: uma estreita relação

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Administração e Caos: uma estreita relação
Administração e Caos: uma estreita relação
Ms. Fábio Garcia Gatti
Mestre em Física – USP
Professor do curso de Bioenergia/Administração
Facol/Anhanguera
[email protected]
Resumo
Com o aumento da complexidade das organizações e às constantes mudanças dos
ambientes que às envolvem, o modelos lineares, analíticos e padrões determinísticos,
apresentam-se como alternativa limitada para a compreensão das situações, interferindo
no trabalho do gestor. Diante desta situação, este trabalho, apresenta uma proposta
teórica, abordando a Teoria de Sistemas e a Teoria do Caos, relacionando aspectos de
ambas, através de fenômenos da física, da matemática e da administração, objetivando
salientar a importância para os administradores modernos, de desenvolver uma visão
transdisciplinar, compreendendo conceitos das áreas do conhecimento que possuem
uma dinâmica muito próxima com a ciência da administração. Até então esta ênfase se
fez muito presente nas ciências econômicas no final dos anos 80 (PETERS, 1991 e
HSIEH, 1991). A proposta do artigo tem o intuito de fomentar as discussões de temas
relacionados à complexidade, interação, interdependência, dentro do universo
empresarial, buscando mudanças paradigmáticas, imprescindíveis para romper os
limites da ciência administrativa formal.
Palavras-chaves: administração, caos, sistema e transdisciplinaridade.
1. Introdução
A evolução da sociedade e o surgimento cada vez maior de novos conhecimentos
fazem com que as teorias administrativas recebam contribuições das mais diversas áreas
do conhecimento, não apenas de ciências sociais como Filosofia, Sociologia, Psicologia,
mas também da Física, da Matemática, dentre outras.
O ambiente extremamente complexo que envolve as organizações, sejam
empresariais ou não, exige cada vez mais, que exista uma relação de constante
aprimoramento da organização em face às mudanças ambientais. Neste sentido, as
teorias administrativas e modelos de gestão, devem buscar se aprimorar por meio de
constante assimilação de conhecimento das mais diversas ciências, contribuindo assim,
com a melhoria do trabalho do gestor.
Administrativamente, termos oriundos da física, como força, potencial e energia,
também são empregados cotidianamente no trabalho do gestor. Fazendo um paralelo
entre estes conceitos, com referência à física, pode-se ver sua grande proximidade,
como por exemplo:
•
Energia = Capacidade de realizar trabalho;
•
Força = Variação da quantidade de movimento.
As conexões que existem, envolvendo física, matemática e administração, no
entanto, são muito mais sofisticadas do que as apresentadas anteriormente. Um dos
conceitos mais utilizados para modelar o mercado de capitais, é o da Teoria do Caos
(LORENZ, 1963a). De forma sintética, segundo Gleick (1991), o Caos nada mais é que
estabelecer um padrão organizado para a desordem aparente.
Dentre as abordagens da teoria administrativa, o pensamento sistêmico, que será
detalhado posteriormente, coloca que a empresa deve ser entendida e tratada como um
sistema aberto, que permite interações como o meio, isto faz crer que, cada vez mais a
previsibilidade torna-se fraca.
As equações que monopolizam estas teorias são conhecidas como equações não
lineares, onde, uma leve alteração nas condições iniciais do sistema, poderá levar a um
estado final completamente diferente daquele previsto por equações lineares.
A introdução de conceito de randomicidade ganhou muito corpo no mercado desde
o início dos anos 70, onde as ciências econômicas trouxeram uma nova forma de se
observar a evolução do mercado de capitais. Até que em 1991 HSIEH (1991) e
PETERS (1991) escrevem defendendo que a hipótese de randomicidade deveria ser
posta de lado.
Este artigo pretende fomentar as discussões sobre a transdisciplinaridade na
administração, sua importância para o administrador moderno, para uma melhor
compreensão do ambiente empresarial e para e melhoria da teoria administrativa como
um todo. Para isto, apresenta a Teoria Geral dos Sistemas e a Teoria do Caos, buscando
aproximar seus conceitos e vislumbrando novos pontos de vista.
2. Teoria de Sistemas aplicada à Administração
O chamado Pensamento Sistêmico ou Abordagem Sistêmica da Administração, que
trata de aspectos relacionados à complexidade, interação, interdependência, dentre
outros, conta com vários autores e teorias, porém para o presente artigo, o foco será
dado à Teoria Geral dos Sistemas (TGS) ou simplesmente Teoria de Sistemas.
Desenvolvida pelo biólogo alemão Ludwig Von Bertalanffy com o objetivo de
identificar propriedades, princípios e leis dos sistemas em geral, independentemente de
seu tipo, natureza de seus elementos e da relação entre eles (MAXIMIANO, 2002).
Desta forma a TGS aplica-se à observação de qualquer todo constituído de partes
que interagem para o atingimento de um objetivo, sendo assim, a TGS aplicada à
Administração, passa a tratar a empresa ou organização como um sistema aberto, ou
seja, que interage além de suas fronteiras com o ambiente no qual está inserida.
Dentre as principais abordagens da Teoria Administrativa, a TGS constituiu-se num
marco, uma vez que até então as teorias e perspectivas desenvolvidas, as chamadas
teorias clássicas, tratavam as empresas e organizações de forma fragmentada, linear e
com visão de sistema fechado, ou seja, sem contato com o ambiente externo. Com a
evolução tecnológica, as mudanças no perfil do trabalhador e nos processos de gestão,
as organizações foram se tornando cada vez mais complexas e passaram a sofrer
influências do ambiente externo, isto criou um grande gap, pois os modelos e teorias
vigentes não conseguiam mais resolver adequadamente os problemas complexos, que
começaram a surgir e exigiam uma visão mais ampla ou holística.
No contexto atual, os principais aspectos da TGS aplicados às empresas, estão
relacionados primeiramente à interdependência, da qual podem ser destacas duas
importantes reflexões: uma a respeito à informação e ao conhecimento, matéria-prima
da decisão empresarial, que não podem ser tratados de maneira reducionista, pois de tal
forma não trariam as vantagens competitivas almejadas pelas organizações, uma vez
que tem caráter de quase indissolubilidade; e outra a respeito das relações interorganizacionais, cada vez mais freqüentes e necessárias, devido ao fenômeno da
globalização, da necessidade de realização de alianças estratégicas e da troca de
informações e conhecimento.
Outro aspecto da TGS está relacionado com a complexidade das organizações, que
vistas como sistemas, são constituídas de outros subsistemas, como por exemplo, o
social, formado pelas pessoas, seus valores, crenças e emoções; o estrutural com os
setores, departamentos, hierarquia, autoridade e regras; o tecnológico com máquinas e
equipamentos.
Devido à grande velocidade com que as transformações têm ocorrido, administrar
torna-se cada vez mais uma tarefa árdua, isto porque, os recursos cada vez mais
escassos ou racionalizados e as várias realidades da empresa, precisam ser vistos de
maneira global, totalizadora e interdependente, o que faz com que a escolha de uma
estratégia afete drasticamente o resultado e os envolvidos.
Partindo das importantes reflexões elencadas, pode-se definir a empresa atual, como
sendo um sistema aberto e complexo, composto de inúmeros subsistemas interrelacionados e inter-agentes, em constante troca de percepções, informações e
conhecimentos com o ambiente externo. Sendo assim, o gestor moderno, para que possa
conseguir efetividade em suas ações, deve ter uma visão transdisciplinar, que transcenda
as barreiras de seus subsistemas, das áreas do conhecimento, assim como a própria
fronteira da empresa com o ambiente externo.
3. Retrato da Teoria do Caos
Se a Teoria do Caos tem um pai, seu nome é Edward Lorenz, que inspirado na
previsão do tempo, feita de maneira pouco precisa pelos meteorologistas, simulou em
seu computador, o Royal Mcbee de cerca de 800 quilos, no Massachusetts Institute of
Technology (MIT), quais seriam as previsões do tempo do Estado onde morava, o
Estado de Massachussetts, dadas as condições inicias previstas pelo seu programa,
temperatura, velocidade do vento, umidade e pressão. Na década de 1960, inventara um
sistema que rudimentarmente simulava o clima, um sonho do homem desde os gregos,
pois previsão sempre significou controle.
O programa contava com 12 equações, que conforme as considerações iniciais
levavam a máquina a “pensar”durante 20 horas na simulação climática. Tais equações
faziam alusão a dinâmica de fluídos, uma ciência que o homem já conhecia desde o
século XVII, com as contribuições de Newton, Bernoulli e outros.
Lorenz então inicializava seu programa, e saia para tomar café; esperando como
sempre, que o comportamento de suas previsões, estivesse de acordo com a idéia básica
de que pequenas variações no estado inicial do sistema, não levariam a variações
significativamente diferentes no futuro.
Mas para sua surpresa, numa tarde de outono, esperando refazer gráficos passados,
o meteorologista deixou de repetir exatamente a seqüência numérica anterior,
modificando os dados iniciais na terceira casa após a vírgula, resultando em um
comportamento completamente diferente daquele previsto nos cálculos anteriores
(LORENZ, 1963b). É óbvio que com seu tino matemático afiado, seu olhar voltou-se
para as equações que compunham seu programa, pois tal padrão não fazia jus a
equações puramente determinísticas, guiadas por uma mecânica já descoberta cerca de
300 anos atrás (SPARROW, 1982).
Figura 1 – Gráfico obtido por Lorenz, após alterar os estados inicias do sistema.
Este comportamento não havia sido notado antes pela ciência formal, fazendo com
que muitos autores modernos defendessem que o ano de 1963 fora tão importante
quanto o ano em que Newton, Galileu e Copérnico publicaram seus livros.
Com a evolução do hardware nos anos 1970, o número de equações que
compunham os programas de simulação aumentava, produzindo resultados satisfatórios
na meteorologia; e nessa onda, alguns olheiros do mercado financeiro intuíram que tais
modelos poderiam ser utilizados para prever o comportamento dos mercados, entrando
decisivamente nos modelos macroeconômicos.
Tais modelos econométricos surgiram como formiga no açúcar, fazendo com que
governos dos Estados Unidos, Inglaterra e França, por exemplo, investissem milhões de
dólares na previsão dos mercados.
Repentinamente, um banho de água fria cairia na cabeça dos entusiastas dessa nova
“fase de previsões”, na prática as melhores previsões climáticas, não passavam de 36
horas, e qualquer excedente destas horas já entraria novamente no campo especulativo
(palavra que sempre simbolizara o mercado financeiro). Assim, as previsões a respeito
dos mercados ficavam muito mais limitadas, uma vez que dezenas de variáveis
relacionadas a fatores humanos eram negligenciadas nas equações.
A razão para este desapontamento residia nas tais equações que estavam sendo
submetidas ao computador, gerando um efeito totalmente novo, o chamado Efeito
Borboleta, que será detalhado a seguir.
Mas algo importante deve ser salientado, o efeito caótico aparece
independentemente de possuirmos todas a variáveis que compões um sistema. Ele faz
parte de um universo que até então o homem sempre procurou se distanciar: O mundo
das incertezas.
4. Efeito Borboleta
O Efeito Borboleta nada mais é do que uma sensível dependência das condições
iniciais, uma pequena alteração no estado inicial poderia trazer resultados totalmente
inesperados.
Lorenz reparou que a principal diferença entre a dinâmica dos planetas (que eram
previsíveis) e a do clima, estava contida no fato de que este último quase nunca se
repetia, ou seja, era um sistema aperiódico, assim como uma empresa e o próprio
mercado. Então a meta agora era achar qual a relação entre a aperiodicidade e a
imprevisibilidade, e não demorou a Lorenz perceber que o elo estava nas equações não
lineares.
Um exemplo lacônico de como essas equações não lineares estão presentes em
nosso dia-a-dia, é a chamada roda d’água de Lorenz, apresentada a seguir na Figura 2,
experimento idealizado pelo autor para mostrar tacitamente que o caos sempre esteve
presente nos elementos mais simples da engenharia humana.
Figura 2 – Roda d’água de Lorenz.
Como pode ser visto na figura 2, um fluxo de água constante cai em recipientes
pendurados na roda, tais recipientes possuem pequenos furos em seu fundo, desta
forma, algumas situações podem ser esperadas neste caso, conforme as seguintes
hipóteses abaixo:
1. Se o fluxo de água for lento demais os recipientes não encherão, assim, a roda
não vencerá o atrito, consecutivamente a roda não irá girar;
2. Caso o fluxo seja rápido demais, o peso da água fará a roda girar, mas isso pode
fazer com que os recipientes fiquem pesados demais, fazendo com que o peso
do outro lado reverta a rotação.
Esperar-se-ia que com o passar do tempo, a roda ficaria estática, ou oscilando com
certa regularidade, indo ao encontro com a intuição dos cientistas, no entanto o que fora
observado ia à direção contrária das expectativas; para representar tal situação, fora
usada 3 equações com 3 variáveis, as quais seriam observadas a casa de intervalo de
tempo, e para espanto do senso comum, as 3 incógnitas assumiam valores “ao acaso”.
Edward então resolve colocar tais resultados num espaço 3D, com cada eixo
representando as variáveis, deste modo ficou claro naquele momento de que a figura
que surgira, em forma de asa de borboleta, havia rompido os horizontes da ciência
(WOLF, 1983).
O Caos mais uma vez, mostrara que era importante atentar ao fato que os sentidos
podem nos trair, (do mesmo modo como no passado não havia nada que garantisse que
micróbios afetavam diretamente o mundo macroscópico) e conexões que pareciam ser
unívocas, agora fazem parte de uma grande teia que permeia a vida.
O leitor já deve ter em mente que o novo traz resistência para ser aceito, e as
inúmeras teorias de revoluções científicas sempre tinha um termo em comum: grandes
revoluções acontecem quando ocorre a fuga do óbvio.
Figura 3 - Como o sistema é aperiódico, a trajetória nunca se cruza (GLEICK, 1991).
Convém pontuar que devido à abrangência dos temas aqui tratados, outros pontos
igualmente importantes, tanto da Teoria do Caos como da Teoria de Sistemas, não
coube abordar em detalhes, neste artigo, tendo em vista os objetivos propostos.
5. Considerações Finais
Neste artigo, não se quis propor uma pandemia de conexões arbitrárias, ou seja,
introduzir quaisquer relações sobre temas diversos, com o intuito escuso de criar uma
ilusão a respeito de ligações irreais entre a ciência administrativa e fenômenos físicos e
matemáticos.
O foco principal é o de despertar para novos pontos de vista a respeito da teoria
administrativa e do trabalho desempenhado pelo administrador. De forma que um gestor
ou mesmo um estudante de administração perceba que o contexto no qual está inserido,
ou se inserirá, não pode ser resumido àquilo que os sentidos primários notam; assim
como um monte de tijolos não representa uma casa; a simples percepção de fatos,
aparentemente desconectados, pode levar o profissional a um mundo reducionista,
tornando-o um mero “fazedor de coisas”.
Estando na era da informação e do conhecimento, a mente de melhor
filtragem irá sedimentar seu lugar no mercado, desde que consiga perceber que a soma
das partes não é igual ao todo. Assim como a organização que melhor souber se adaptar
e de maneira mais rápida e menos traumática, conseguirá melhores resultados. LANG
(1991) argumenta que a grande contribuição da teoria do caos foi a de corrigir uma certa
“miopia” referente a visão de sistemas mais complexos. É por isso que a interação deve
ser a palavra da vez, seja para o gestor, para o estudante de administração e para as
organizações. Com base neste pensamento, salienta-se a importância da
transdisciplinaridade, que deve sair dos projetos pedagógicos e se efetivar na realidade
empresarial.
Desta forma, o Caos aparece para ficar nas principais teorias modernas
administrativas, e é neste ponto que o administrador de mente aberta deve sepultar sua
obsessão pelo controle absoluto, e compreender que para viver sob a égide destes novos
conceitos, é preciso administrar o imprevisível e estar atento aos fatores externos, que
no conceito de sistema aberto, devem servir para a melhoria e adaptação da
organização.
Referências
GLEICK, J. CAOS – A Criação de uma nova Ciência. 4 ed. São Paulo: Campus,
1991. 310p.
LORENZ, E. The Mechanics of Vacillation. Journal of Atmospheric Sciences, n. 20,
p. 448-464, 1963.
LORENZ, E. On the Prevalence of Aperiodicity in Simple Systems – Global
Analysis. New York: Springer-Verlag, 1963. p.53-75.
MAXIMINIANO, Antonio C. A. Teoria Geral da Administração – Da revolução
urbana à revolução digital. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2002. 521p.
HSIEH, D. A. Chaos and non linear dynamics - Journal of Finance, n, 46, p.18391877, 1991.
PETERS, E. E. Chaotic Attractor for the S&P 500 - Financial Analystic Journal, n,
47, p. 55-62, 1991.
SPARROW, C. Lorenz Equations, Bifurcations, Chaos and Strange Attractors.
New York: Springer-Verlag, 1982. 324p.
WOLF, A. Simplicity and University in the Transition to Chaos. Nature, n. 305, p.182191, 1983.
LAING, J. R. Efficient Chaos: or things they never taught in business school. - Baron’s
Chicopee, n. 71, p. 12-14, 1991.
Apêndice
Abaixo estão as equações do modelo clássico de Lorenz:
dx/dt = 10 (y-x)
dy/dt = xz + 28.(x-z)
dz/dt = xy – (8/3).z