ENEQ 2014 - Lidiane

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ENEQ 2014 - Lidiane
Divisão de Ensino de Química da Sociedade Brasileira de Química (ED/SBQ)
Departamento de Química da Universidade Federal de Ouro Preto (DEQUI/UFOP)
Especificar a Área do trabalho
(EAP)
Uma análise dos Conceitos Científicos abordados no
Desenho Animado LMN’s Elements.
Lidiane de Lemos Soares Pereira1 (PQ)*, Gracielle de Oliveira Sabbag Cunha1 (PQ).
[email protected].
1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – Câmpus Anápolis.
Palavras-Chave: Conceitos Científicos, Desenho Animado, Ensino de Química .
RESUMO: A área de pesquisa em ensino de química possui aproximadamente trinta e cinco anos de
história no Brasil e ainda hoje encontramos problemáticas a serem enfrentadas pelos pesquisadores no
que diz respeito ao ensino de conceitos. Sendo assim, tal pesquisa tem por objetivo uma análise dos
conceitos científicos abordados no desenho animado LMN’s Elements como intuito de contribuir para o
debate acerca do ensino de química. Nossos dados foram coletados por meio do site do YOUTUBE, no
canal específico “lmnscartoonspa” onde se encontram 9 episódios disponíveis. Os dados coletados
foram transcritos e analisados qualitativamente. Nossos resultados permitem inferir que os desenhos
podem se constituir como uma ferramenta para um ensino de química com um maior caráter lúdico,
entretanto ressaltamos a necessidade de refletir sobre a forma como os conceitos são abordados no
desenho animado sendo um compromisso do professor problematizar possíveis erros disseminados na
mensagem de tais desenhos animados.
INTRODUÇÃO
Apesar de uma história de aproximadamente trinta e cinco anos de pesquisa
em ensino de química cercada de inúmeros problemas e temáticas investigadas,
muitos professores ainda se perguntam o porquê de se pesquisar o ensino. Desde
1995, quando da criação da revista Química Nova na Escola, sua primeira edição já
contemplava tal discussão, dizendo que devemos pesquisar o ensino:
Principalmente devido a cursos de licenciatura pouco eficientes para a
formação de professores, é comum encontrarmos em inúmeros colegas uma
visão muito simplista da atividade docente. Isto porque concebem que para
ensinar basta saber um pouco do conteúdo específico e utilizar algumas
técnicas pedagógicas, já que a função do ensino é transmitir conhecimentos
que deverão ser retidos pelos alunos. Esse ensino, usualmente denominado
‘tradicional’ (Schnetzler e Aragão, 1995, p. 27).
Infelizmente, após todos esses anos, a situação ainda não mudou muito, já que
em 2002, tal autora refaz uma nova discussão quanto às conquistas e perspectivas
para o ensino de química e reforça a ideia de que nos primórdios, o maior interesse da
área de pesquisa em ensino de química se concentrava em questões relativas aos
conteúdos das disciplinas científicas, aos objetivos da educação em ciências, à
efetividade de diferentes abordagens instrucionais e aos efeitos dos novos currículos
na aprendizagem e atitudes dos alunos (Schnetzler, 2002).
Sendo assim, após os anos 70, com os resultados gerados dessas pesquisas
citadas anteriormente, os educadores em ciências, focaram suas preocupações em
investigações sobre a aprendizagem de conceitos científicos, fazendo dessa forma com
que suas contribuições pudessem ser utilizadas para pensar propostas curriculares
mais eficazes (Schnetzler, 2002).
Com isso, era de se esperar que transcorrido esses trinta e cinco anos, a
discussão a respeito dos problemas pertinentes à aprendizagem das ciências deveriam
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estar em outro patamar, haja vista a publicação de inúmeros trabalhos que apontam
para o problema de aprendizagem dos conceitos científicos especificamente no ensino
de química. Dessa forma, percebemos uma intrínseca relação com à formação docente
que em muitas universidades ainda se dá pelo modelo da racionalidade técnica.
No caso da formação docente, esse modelo concebe e constrói o professor
como técnico, pois entende a atividade profissional como essencialmente
instrumental, dirigida para a solução de problemas mediante a aplicação de
teorias e técnicas. No entanto, há aqui sérios condicionantes que conferem
pouca efetividade a essa formação: i) os problemas nela abordados são
abstraídos das circunstâncias reais, constituindo-se em problemas ideais que
não se aplicam às situações práticas, ou seja, instaura-se o distanciamento
entre teoria e prática; ii) a formação dita “pedagógica” (com menor status) é
dissociada da formação científica específica, configurando caminhos paralelos
que quase nunca se cruzam ao longo do curso (a não ser nas disciplinas de
Didática e Prática de Ensino de Química), sendo os responsáveis pela crise
das licenciaturas (Schnetzler, 2002, p. 17).
Entretanto, tal problemática não é a única dos cursos de formação de
professores, já que outros trabalhos (PORTO, 2011) contemplam a falta de
conhecimentos relacionados à história e filosofia das ciências e as relações Ciência,
Tecnologia, Sociedade e Ambiente - CTSA amplamente discutidas nos documentos
oficiais como os parâmetros curriculares nacionais.
[...] o conhecimento químico não deve ser entendido como um conjunto de
conhecimentos isolados, prontos e acabados, mas sim uma construção da
mente humana, em contínua mudança. A História da Química, como parte do
conhecimento socialmente produzido, deve permear todo o ensino de Química,
possibilitando ao aluno a compreensão do processo de elaboração desse
conhecimento, com seus avanços, erros e conflitos (BRASIL, 2000, p. 31).
Quanto ao enfoque CTSA, corroboramos com Santos et al (2011):
Podemos afirmar, assim, que o enfoque CTSA pretende: a) a análise e a
desmitificação do papel da ciência e da tecnologia como conhecimento
hierarquizado e que leva ao desenvolvimento; b) a aprendizagem social da
participação pública nas decisões relacionadas com os temas tecnocientíficos e
c) uma renovação da estrutura curricular dos conteúdos, de forma a colocar a
C & T em concepções vinculadas ao contexto social (Santos et al, 2011, p.
140).
Cabe ressaltar que atender a uma educação para o exercício da cidadania,
pressupõe que os professores entendam que a construção do conhecimento científico
pelo aluno passa necessariamente pelas interações estabelecidas ao longo de sua vida
escolar.
[...] aprender ciências não é uma questão de simplesmente ampliar o
conhecimento dos jovens sobre os fenômenos – uma prática talvez
denominada mais apropriadamente como estudo da natureza – nem de
desenvolver ou organizar o raciocínio do senso comum dos jovens. Aprender
ciências requer mais do que desafiar as idéias anteriores dos alunos, através
de eventos discrepantes. Aprender ciências requer que crianças e
adolescentes sejam introduzidos numa forma diferente de pensar sobre o
mundo natural e de explicá-lo; é tornar-se socializado, em maior ou menor
grau, nas práticas da comunidade científica, com seus objetivos específicos,
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suas maneiras de ver o mundo e suas formas de dar suporte às assertativas do
conhecimento (Driver et al, 1999, p. 36)
Sendo assim, Mortimer et al (2000) ressalta que para que ocorra um efetivo
aprendizado da química seria necessário o domínio de três aspectos do conhecimento
químico, que ele denomina de fenomenológico (diz respeito ao entendimento dos
fenômenos observados), representacional (diz respeito ao entendimento das
representações da química, como fórmulas e equações químicas) e teórico (diz
respeito ao entendimento do conceito em si.)
Para contemplar o pensamento do aluno e também os diferentes contextos nos
quais a Química é relevante, é necessário que o programa seja bem
dimensionado em relação à quantidade de conceitos a serem abordados e que
promova o desenvolvimento dos conceitos científicos . Trabalhar com um
número excessivo de conceitos, como ocorre nos currículos tradicionais, tem
como pressuposto que aprender Química é tão-somente aprender o conteúdo
químico (Machado e Mortimer, 2007, p. 28).
Hoje, vários meios de comunicação (Congressos, Simpósios, publicações em
revistas, televisão) tem se preocupado em disseminar conhecimentos acerca das
ciências e desencadear nos professores ações que possibilitem uma maior reflexão
sobre os aspectos referentes à melhoria desse processo de ensino-aprendizagem dos
conceitos científicos.
Quanto ao aspecto da comunicação, Salvador e Lobo Neto (1993, p. 6) dizem
que “o fato mesmo de ser a comunicação o processo básico da interação humana, faz
dela um fundamento do processo educativo. E, o que é importante ressaltar, faz dela
um privilegiado objetivo educacional”.
Segundo Mesquita e Soares (2006) a televisão como instrumento de
comunicação está presente na vida diária dos jovens e faz parte de sua formação
cidadã. Na programação da TV, os desenhos animados fazem parte do imaginário
infanto-juvenil e em alguns desses desenhos é possível encontrar a abordagem de
temas relacionados à ciência.
Em alguns desenhos animados, são abordados temas relacionados à ciência.
Pode-se classificar estes desenhos em dois grupos: os que usam os conceitos
relativos à ciência para ensinar o público telespectador (desenhos educativos),
e os que não têm o compromisso com a educação, apenas usam os conceitos
dentro da ludicidade da sua linguagem, dinamizando, de forma diferenciada, o
texto audiovisual (desenhos criativos). Do primeiro grupo, cita-se como
exemplo: Capitão Planeta (TV a cabo, canal Boomerang), Cyberchase (TV
Cultura e canal Boomerang) e Ozzie e Drix (canal Cartoon Network) (Mesquita
e Soares, 2008, p. 420).
Do ponto de vista do segundo grupo podemos relatar os desenhos animados
japoneses como o “Full Metal Alchemist”. Este anime, como são denominados,
possuem uma história tendo como pano de fundo a alquimia e os conceitos que
envolvem a trasmutação de objetos e a existência de uma pedra filosofal.
Sendo assim, acreditamos que os desenhos animados podem influenciar
diretamente na compreensão dos alunos à respeito de determinados conceitos que são
parcialmente divulgados pela mídia (Kosminsky e Giordan, 2002). Concordamos com
Mortimer e Scott (2002) quanto a construção de significados em salas de aula de
ciências.
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...consideramos que relativamente pouco é conhecido sobre como os
professores dão suporte ao processo pelo qual os estudantes constroem
significados em salas de aula de ciências, sobre como essas interações são
produzidas e sobre como os diferentes tipos de discurso podem auxiliar a
aprendizagem dos estudantes. Dificilmente alguém discordaria da importância
central do discurso de professores e alunos na sala de aula de ciências para a
elaboração de novos significados pelos estudantes. No entanto, relativamente
pouca atenção tem sido dada a esse aspecto, tanto entre professores,
formadores de professores e investigadores da área (Mortimer e Scott, 2002, p.
2).
E por isso, esta pesquisa tem por objetivo uma análise dos conceitos científicos
abordados no desenho animado LMN’s Elements como intuito de contribuir para o
debate acerca do ensino de química.
MÉTODO
A pesquisa se configura como pesquisa qualitativa, pois preocupa-se em
estudar uma realidade específica “o desenho animado” sob o ponto de vista da área
específica do ensino de química. Compreendemos que tal abordagem está em
consonância com a pesquisa já que valoriza a pesquisa como processo e não
simplesmente o resultado do produto. Concordamos com Godoy (1995) quando diz
que:
[...] os dados coletados aparecem sob a forma de transcrições de entrevistas,
anotações de campo, fotografias, videoteipes, desenhos e vários tipos de
documentos. Visando à compreensão ampla do fenômeno que está sendo
estudado, considera que todos os dados da realidade são importantes e devem
ser examinados. O ambiente e as pessoas nele inseridas devem ser olhados
holisticamente: não são reduzidos a variáveis, mas observados como um todo
(GODOY, 1995, p. 62).
Com isso, nossos dados são oriundos dos episódios do desenho animado
LMN’s Elements que estão disponíveis no site de vídeos do YOUTUBE, no canal da
lmnscartoons. Neste canal estão disponíveis 9 episódios da série, na versão em
espanhol.
Os episódios foram transcritos e analisados. Compreendemos que a linguagem
escrita oriunda das transcrições dos episódios se constitui como uma comunicação
verbal e por isso acreditamos que:
Toda comunicação é composta por cinco elementos básicos: uma fonte ou
emissão; um processo codificador que resulta em uma mensagem e se
utiliza de um canal de transmissão; um receptor, ou detector de mensagem, e
seu respectivo processo decodificador (FRANCO, 2007, p. 24, grifo do
autor).
Cabe ressaltar, que no caso específico desta pesquisa a fonte é o próprio
desenho animado e os receptores são os telespectadores dos desenhos animados e
nossa preocupação maior se concentra na mensagem, ou seja, nas informações que
são repassadas e que dizem respeito a área específica da química, a qual pode gerar
ideias previas que se constituirão em erros conceituais que podem comprometer o
aprendizado da química pelos sujeitos que estão recepcionando tal mensagem.
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Resumidamente, há uma mensagem nos desenhos animados direcionada a
algum receptor específico (que neste caso são crianças na faixa etária de 5 a 10 anos)
e dessa forma temos um diálogo. (MARCUSCHI, 2003 e 2008).
Na perspectiva sócio-cultural, a comunicação verbal é considerada constituinte
do processo de construção de significados ou entendimento (REZENDE e
OSTERMANN, 2006).
É no significado que se encontra a unidade das duas funções básicas da
linguagem: o intercâmbio social e o pensamento generalizante. São os
significados que vão propiciar a mediação simbólica entre o indivíduo e o
mundo real, constituindo-se no “filtro” através do qual o indivíduo é capaz de
compreender o mundo e agir sobre ele (OLIVEIRA, 1993, p. 48).
A análise da comunicação verbal enquanto ferramenta metodológica se
constitui em uma forma importante de análise já que as mensagens contidas nesse tipo
de comunicação expressam as elaborações mentais construídas socialmente que têm
implicações na vida cotidiana, influenciando não apenas a comunicação e a expressão
das mensagens, mas também os comportamentos. Sendo assim, podem influenciar
diretamente aprendizagem do ensino de química (MARCUSCHI, 2007).
Baseados nestas premissas, os dados coletados e posteriormente transcritos
foram analisados qualitativamente através do confronto com o conhecimento científico
aceito e estabelecido.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O desenho animado “LMN’s Elements“ apesar de ainda não ser reproduzida no
Brasil, tem como pano de fundo a ciência química e está voltado para o público de 5 a
10 anos, o que nos permite fazer uma análise quanto aos conceitos difundidos e uma
discussão quanto a presença ou não de obstáculos epistemológicos referentes à
aprendizagem das ciências.
O referido desenho animado foi dirigido por Josep Esteve, produzido por
Enrique Uviedo e Motion Pictures e escrito por Josep Esteve, Mireia Vidal, Isabel de La
Granja, Iban Roca e Mario Tarradas. Possui 52 episódios de aproximadamente 13
minutos cada. Cada episódio aborda uma temática das ciências.
Nesta pesquisa apresentamos a análise do primeiro episódio que introduz a
série.
Figura 1: LMN’s Elements: Série de desenhos de aventura (Fonte: www.motionkids-tv.com)
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ANÁLISE DO EPISÓDIO 01
No primeiro episódio intitulado “Sabotagem“, Chip, um menino de 9 anos é
enviado por equívoco ao micromundo, o mundo atômico por um cientista fracassado de
nome Dr. NO, obcecado por dominar o mundo.
Neste mesmo episódio já iniciamos a exploração de algumas falas que nos
remetem à ciência. Chip é acordado por seu avô sonhando com sua professora, ambos
estavam em um mundo a parte. Ao se levantar, Chip vai para escola, onde sua
professora está a falar de alguns cientistas que figuraram na história da ciência como
podemos perceber na fala abaixo:
“A estes cientistas devemos grande parte do saber do nosso mundo [professora mostra a
imagem de Newton, Marie Curie, Arquimedes, Einsten]. Graças ao estudo e teorias
propagadas, o mundo foi revolucionado“
Em outro momento neste mesmo episódio, Chip se encontra no laboratório
onde sua professora com o auxílio do livro de química fala sobre o átomo, cujo modelo
está materializado em uma estrutura gigante que se assemelha ao modelo do átomo de
Rutherford. A professora define o átomo da seguinte forma:
“..o capítulo do átomo e sua estrutura. [...] aqui ele explica como o núcleo dos átomos estão
formados por prótons e nêutrons. Nos átomos existem o mesmo número de prótons e elétrons.
Os elétrons possuem carga negativa e os prótons, carga positiva...
Nesta fala podemos perceber como o conceito de átomo é explorado no
desenho animado. Entretanto precisamos nos atentar para o fato de se afirmar que nos
átomos existe o mesmo número de prótons e nêutrons, haja vista que somente nos
casos onde o átomo se encontra em estado fundamental tal afirmação é considerada
como procedente. Em Brown et al. (2005), vamos encontrar o seguinte esclarecimento:
O número específico de prótons é diferente para variados elementos. Além
disso, pelo fato de um átomo não ter carga elétrica líquida, seu número de
elétrons deve ser igual ao número de prótons. Todos os átomos do elemento
carbono, por exemplo, têm seis prótons e seis elétrons (BROWN et al., 2005, p.
38).
Outro ponto que nos chama atenção é o fato do desenho animado explorar a
imagem bastante difundida (ver figura 2) do modelo atômico de Rutherford, já que em
muitos ambientes1 o modelo atômico de Rutherford está estampado. Ou seja, existe
uma provável ideia de que tal modelo seja aquele que fundamenta o enredo trabalhado
no desenho animado.
1
O Modelo Atômico de Rutherford, o modelo denominado “planetário” está disposto na capa do Gibi
“ATOMAN” que Chip é leitor assíduo, no laboratório de ciências no formato de escultura e também no
pátio da escola onde Chip estuda, também no formato de escultura.
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Figura 2: Laboratório de Ciências (Fonte: https://www.youtube.com/user/lmnscartoonspa)
Fundamentados nesta informação é importante ressaltarmos que ainda hoje,
muitos professores utilizam do modelo apresentado por Rutherford com as
contribuições de Bohr elucidando a afirmação de que é o modelo aceito atualmente.
Romanelli (1996) através de sua pesquisa pôde constatar que quando aos alunos foi
pedido para representar o modelo do átomo por meio de um desenho, uma enorme
quantidade de desenhos como o da figura 3 que se relaciona diretamente à fala do
professor quanto ser o mais aceito atualmente.
Figura 3: Modelo do Átomo desenhado por alunos. (Fonte: Romanelli, 1996)
Compreendemos que o modelo atômico de Rutherford tem sua importância
dentro do ensino de química, entretanto argumentamos a favor de que os alunos
precisam compreender que todos são modelos e que dependendo da situação tal
modelo não se constitui como o ideal para explorar determinado conceito.
Concordamos com Chassot de que o mais importante não se constitui em assimilar
todos os modelos disponíveis, mas saber escolher o melhor modelo para explicar um
dado fenômeno. Em suas palavras:
Uma das perguntas que professoras e professores de química fazem,
principalmente quando trabalham no ensino médio, é: “Qual o modelo de átomo
que devo ensinar?” Uma boa resposta poderia ser: “Depende para que os
átomos modelados vão ser usados depois...” Construímos modelos na busca
de facilitar nossas interações com os entes modelados. É por meio de modelos,
nas mais diferentes situações, que podemos fazer inferências e previsões de
propriedades (CHASSOT, 1996, p. 3).
Ainda no episódio, o Dr. NO desacreditado e dispensado por uma equipe
científica que considerava seus experimentos inúteis planeja um instrumento capaz de
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produzir a anti-matéria e com isso pretende dominar o mundo. Quando Dr. NO
encontra-se em seu laboratório, algo errado acontece com sua experiência e o
transporta para o micromundo juntamente com Chip. Neste micromundo, Chip conhece
seus amigos denominados por Merc (átomo de mercúrio), Fer (átomo de ferro) e Hidro
(átomo de hidrogênio). Em seu diálogo de apresentação temos:
Merc: “Olá, está entre amigos.“
Chip: Quem é você?
Merc: Eu sou Merc. E você, pertence a que classe de elementos?
Chip: Elemento?! Eu sou Chip.
Fer e Hidro: Chip?!
Merc: Quem é essa luz?
Chip: Luz? Não sei. Eu estava voando e um raio me trouxe até aqui. A verdade é que estou
perdido. Quem são vocês? [aponta para Fer e Hidro]
Fer: Eu sou Fer e essa bola flutuante é o Hidro.
Mer: Nós somos átomos.
Chip: Átomos?
Mer: Sim. Átomos. Vamos para “Atômica“ que lá poderemos solucionar esse mistério.
Neste diálogo observamos que para o objetivo de entretenimento, o autor
utiliza de um recurso e dispõe os átomos como seres animados. Com isso em termos
de aprendizagem dos conceitos químicos, a criança que assistir tal diálogo pode
recorrer a ideia de que realmente os átomos possuem vida. Lopes (2007) afirma
fundamentada em Bachelard que o desenvolvimento da ciência é um conhecimento
descontínuo. Ou seja, é um romper com conhecimentos anteriores, um processo de
reconstrução de conhecimentos e nesse processo é necessário superar os obstáculos
epistemológicos.
Esse tipo de obstaculização [obstáculos animistas], provocada pela presença
de fetichismo da vida, é freqüente nos livros do período de vigência das
Reformas Francisco Campos e Gustavo Capanema. Como a ciência Química
ensinada é essencialmente descritiva, distante da atividade racionalista do
novo espírito científico, torna-se marcante a influência do período pré-científico.
As prioridades ou conceitos físicos apresentados são dotados de vida e as
embrionárias tentativas de explicação mostram-se carregadas de metáforas
tendo por base o ser vivente (LOPES, 2007, p. 144 e 145).
Como podemos observar, os átomos são entidades e não possuem vida,
entretanto, em muitos casos, professores, livros didáticos e nosso caso específico, o
desenho animado recorre a este artifício para facilitar a aprendizagem de determinados
conceitos. Entretanto, alertamos para o fato de tais ações gerarem conflitos cognitivos
no aluno que podem vir a reproduzir ideias errôneas a respeito dos conceitos científicos
em questão. Na figura 4 podemos observar como os átomos são visualizados no
desenho animado.
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Figura 4: Da esquerda para a direita (Chip e os átomos denominados Merc, Fer e Hidro). (Fonte:
www.youtube.com.br)
Em seu livro „“A formação do Espírito Científico“, Bachelard ilustra inúmeros
exemplos de como célebres químicos e outros dispuseram a animar coisas que não
possuíam vida, como podemos observar:
[...] um químico tão célebre quanto Glauber sustenta as mesmas opiniões. O
metal, tirado da terra da qual já não recebe alimento algum, pode muito bem
ser comparado nesse estado ao homem velho, decrépito... a natureza conserva
a mesma circulação de nascimento e morte tanto nos metais como nos
vegetais e nos animais (BACHELARD, 1996, p. 165 e 166).
Entendemos que o metal de maneira alguma receberá alimento, visto que não
é um ser animado. Sendo assim, compreendemos que como professores no ato de se
fazer compreensível às vezes recorremos a analogias que nos servem como
instrumentos capazes de facilitar o processo de aprendizagem, entretanto, devemos ter
cautela quando utilizarmos tais analogias de modo que esta não venham ao invés de
facilitar, prejudicar o processo de aprendizagem de conceitos por parte do aluno.
Concordamos com Andrade (2011), que:
[...] as analogias são ferramentas de ensino, instrumentos, modelos mentais e
para outros, apenas, comparações explícitas e/ou implícitas que usualmente
são utilizadas para facilitar a explicação de um domínio que é desconhecido
(ANDRADE, 2011, p. 32).
Fundamentados no exposto anterior, compreendemos que o uso de analogias
pode contribuir para o ensino de química, entretanto, enfatizamos que o professor
necessita planejar e dominar o conteúdo em questão, compreendendo que as
semelhanças e diferenças no que diz respeito aos conceitos necessitam ser discutidas
com os alunos.
Enfim, o uso do desenho para explorar os conceitos é útil desde que o
professor esteja disposto a discutir tais aspectos em sala de aula. A televisão com a
difusão de desenhos animados com conteúdos científicos possui formas de enunciação
diferentes da ciência propriamente dita e por isso é necessário uma transformação do
discurso científico e aí é onde se encontra o maior problema (SIQUEIRA, 1999).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossos resultados nos permitem inferir que os desenhos animados se
constituem como ferramentas que podem auxiliar o professor dando um caráter lúdico
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ao ensino, entretanto devemos salientar que é preciso recorrer a análises do material a
ser escolhido como instrumento para tal fim.
Ressaltamos que o desenho animado LMN’s Elements tem como pano de
fundo a química e possui como objetivo final o entretenimento não tendo compromisso
com a realidade, entretanto entendemos que as crianças que assistem tais desenhos
animados passam a aceitar algumas explicações fornecidas por esses desenhos como
explicações que reproduzem a realidade e por isso argumentamos a favor da
discussão de como tais desenhos podem ser utilizados em sala de aula de maneira a
problematizar o ensino de química permitindo aos alunos uma análise crítica dos
conceitos abordados.
Sendo assim, compreendemos que o desenho animado pode trazer obstáculos
epistemológicos ao aprendizado da química e por isso é necessário uma postura crítica
do professor que colocará tais questões em pauta em sua aula de química.
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XVII Encontro Nacional de Ensino de Química (XVII ENEQ)
Ouro Preto, MG, Brasil – 19 a 22 de agosto de 2014.

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