encontros teológicos 60

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encontros teológicos 60
Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC
ISSN 1415-4471
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FUNDAÇÃO DOM JAIME DE BARROS CÂMARA
INSTITUTO TEOLÓGICO DE SANTA CATARINA
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[Catalogação na fonte por Daurecy Camilo (Beto)]
CRB-14/416
Encontros Teológicos. Revista do Instituto Teológico de Santa Catarina –
ITESC, n. 60, Florianópolis, 2011.
Quadrimestral ISSN 1415-4471
I. Instituto Teológico de Santa Catarina
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ENCONTROS TEOLÓGICOS
Revista quadrimestral fundada em 1986
Diretor: Elias Wolff
Editor: Vitor Galdino Feller
Redator: Ney Brasil Pereira
Conselho Editorial:
Celso Loraschi – ITESC – Florianópolis, SC
Domingos Nandi – ITESC – Florianópolis, SC
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Elias Wolff – ITESC – Florianópolis, SC
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Marlene Bertoldi – ITESC – Florianópolis, SC
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Vilmar Adelino Vicente – ITESC – Florianópolis, SC
Vitor Galdino Feller – ITESC – Florianópolis, SC
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Fábio Régio Bento – UNISUL – Tubarão, SC
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Luís Inácio Stadelmann SJ – ITESC – Florianópolis, SC
Márcio Bolda da Silva – ITESC – Florianópolis, SC
Mari Hammes – ITESC – Florianópolis, SC
Marta Magda Antunes Machado – ITESC – Florianópolis, SC
Paulo Cezar da Costa – PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ
Roberto Iunskovski – UNISUL – Florianópolis, SC
Sérgio Rogério Junqueira Azevedo – PUC-PR – Curitiba, PR
Siro Manoel de Oliveira – ITESC – Florianópolis, SC
Vilson Groh – ITESC – Florianópolis, SC
Nota: O autor de cada artigo desta publicação assume a responsabilidade das opiniões que expressa.
Publicação dirigida aos agentes de pastoral das igrejas e aos professores universitários, pesquisadores e alunos nas áreas da Teologia, das Ciências da Religião e Ciências Humanas em geral, com o
objetivo de favorecer a formação religiosa, social e humana, promover o debate e incentivar a troca de
informações sobre temas teológicos, pastorais e sociais.
Sumário
Editorial ....................................................................................................... O presbítero e a missão
Stefano Raschietti...................................................................................................... Ministério presbiteral na Igreja
Luis I. J. Stadelmann, SJ........................................................................... Formação presbiteral inicial e permanente
Ângelo Domingos Salvador, OFM Cap.................................................................... O presbítero a partir do Documento de Aparecida
Anselmo Matias Limberger....................................................................................... Desafios atuais para a formação eclesial
José Lisboa Moreira de Oliveira..............................................................................
A Igreja, a homossexualidade e o clero
Arlene Denise Bacarji............................................................................................... Celebração e Vida: dois momentos inseparáveis da Celebração Eucarística
Cleiton José Senem...................................................................................................
Homilia gratulatória: Jubileu de Ouro presbiteral do Pe. Paulo De Coppi,
PIME
7
9
31
45
81
95
111
129
Agostinho Staehelin.................................................................................................. 149
Recensões .................................................................................................... 153
Crônicas........................................................................................................ 175
Revista Encontros Teológicos 25 Anos......................................................... 183
Índice Geral dos números 58, 59 e 60 (2011/1, 2 e 3).................................. 187
Editorial
A vida e ação do presbítero se configura e se compreende a partir
de três fundamentais fatores: da relação com Cristo, da vida em comunidade e da missão. O presbítero, como todo cristão, vive num horizonte
cristológico na medida em que em seu viver expressa o discipulado de
Cristo. Nesse horizonte ele configura a sua identidade humana, cristã
e eclesial. Desenvolve a sua espiritualidade e a sua missão e forma sua
identidade crística. Claro, a intensidade e coerência dessa relação é
um processo de conversão, até ter “os mesmos sentimentos de Cristo”,
como exorta Paulo na carta aos filipenses (Fl 2,5).
Um segundo elemento que caracteriza o ser e agir do presbítero é a
vivência em comunidade. Não se é presbítero para si mesmo, mas para e
com os outros. Daqui a importância da comunidade pastoral e a comunidade
presbiteral. Afinal, a experiência de Cristo é feita em comunidade, pois ali
acontece o encontro, a relação, o diálogo, a cooperação, a solidariedade, a
comunhão no amor. Experiências fundamentalmente cristãs. E a qualidade
da vivência comunitária expressa a qualidade da experiência de Cristo. Pois,
como adverte João em sua primeira carta, “quem diz que ama a Deus a
quem não vê e não ama o irmão a quem vê, é mentiroso...” (1Jo 4,20).
Da relação com Cristo e da vivência comunitária, nasce a missão.
O encontro com Cristo desperta a sensibilidade para com as necessidades
dos outros. Daí surgem os carismas, os ministérios, a vocação. Frutos
da ação do Espírito no qual Cristo foi ungido e enviado em missão. É o
mesmo Espírito que unge também o presbítero. A unção é para a missão:
“O Espírito do Senhor está sobre mim, me consagrou e me enviou...” (cf.
Is 61,1). A finalidade última da missão é “para que todos tenham vida, e
a tenham em abundância” (Jo 10,10). E vida em abundância, vida plena,
só é possível na experiência de Deus, aqui neste mundo e na eternidade.
Portanto, o modus essendi e o modus operandi do presbítero é
formado pela relação com Cristo, na sua vivência na comunidade pastoral e no presbitério e pela missão. Em tudo isso opera o Espírito e a
graça de Deus que constitui o ministro (cf Ef 3,2). Não se prescinde dos
fatores sociais e humanos da pessoa do presbítero. Seu ser e agir estão
integrados no contexto sócio-cultural, político, econômico, religioso.
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Editorial
Fatores que influenciam na estrutura cultural, psico-afetiva, religiosa da
pessoa. E é essa pessoa que se relaciona com Cristo, que forma a comunidade e que assume uma missão. É essa pessoa, com suas qualidades
e limites, que “se fez padre”. Daqui, um dos principais desafios para a
formação do presbítero: deixar o humano ser trabalhado pela graça de
Cristo que, sem negar ou forçar a natureza, a assume e a transforma,
com suas limitações, em instrumento, mediação e serviço do Evangelho.
O humano torna-se, com suas qualidades e precariedades, como que um
sacramento do divino. Afinal, gratia naturam supponit.
Em nossos dias, muitas são as questões que pairam sobre o
presbítero, seu ser e agir, como humano, como cristão, como Igreja. O
que é ser padre e por quê ser padre? Como deve ser hoje o padre? Há
algum “modelo” de padre que pode inspirar os atuais e futuros vocacionados? Qual é a espiritualidade do presbítero, sobretudo diocesano?
O que pode e o que não pode o padre fazer no meio social? Pode, e em
que medida, o padre, viver como os demais cidadãos? Como fortalecer
a dimensão profética do ministério presbiteral em meio às situações de
empobrecimento e sofrimento injustos? E o que dizer dos padres que
reúnem multidões em celebrações nas quais se confundem o místico e o
estético, o carisma de servidor e o de pop espetacular, a proclamação
do Evangelho que questiona e o show que apenas emociona...
São algumas das interrogações atuais sobre a vida e a ação do
presbítero. A presente edição de Encontros Teológicos quer contribuir
para a reflexão e a busca de resposta sobre tais questões: Stefano Raschietti ajuda a compreender a relação entre O presbítero e a missão;
Luis I. J. Stadelmann apresenta O Ministério presbiteral na Igreja; Dom
Ângelo D. Salvador traz algumas reflexões sobre a Formação presbiteral
inicial e permanente; Anselmo M. Linberger busca entender O ser e o agir
do presbítero a partir do documento de Aparecida; José L. M. de Oliveira
desenvolve alguns Desafios atuais para a formação eclesial; na mesma
direção, Arlene Denise Bacarji trata sobre A Igreja, a homossexualidade
e o clero; Cleiton José Senem fala da Celebração e Vida: dois momentos
inseparáveis da Celebração Eucarística. Publicamos, também, na forma
de testemunho, a Homilia gratulatória da missa do Jubileu de Ouro de
um Presbítero, além de recensões e crônicas.
Pe. Elias Wolff
Diretor
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Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Resumo: O Documento de Aparecida oferece significativas e imprescindíveis
contribuições para a formação do presbítero. Atento à mudança de época em
que vivemos, marcada sobretudo pelo pelo “modo de ter de existir” e pelo “modo
urbano de existir”, urge um repensamento do modo de ser Igreja e do seu agir
missionário. Consequentemente, é preciso repensar também o ser e agir do
presbítero, chamado a assumir a missão de pregar o Evangelho de Jesus Cristo
que valoriza “ser” pessoal e cristão. Contra a “profissionalização do ministério
presbiteral”, é preciso afirmar a missão, gratuita e permanente, como eixo articulador da formação presbiteral.
Abstract: The Document of Aparecida makes some significant and irreplaceable
contributions to the formation of priests. With special attention to the changes in
our time and age, as marked by the means needed for existence over the mode
of urban existence, a new requirement is made to the Church so as to stress the
mode of Christian belonging and missionary action of the faithful. As a result,
priestly vocation should focus on the role of the priest as preacher of Christ’s
gospel, rather than on a mere professional ministry. Most important of all is to
reaffirm his commitment to Jesus Christ in view of the gratuitous and permanent
mission of the priest in unrelenting growth towards perfection.
O presbítero e a missão
Stefano Raschietti*
*
Stefano Raschietti, SX, é missionário italiano há 20 anos no Brasil. É mestre em Teologia Dogmática com concentração em Missiologia pela Pontifícia Faculdade Nossa
Senhora da Assunção, São Paulo, SP, assessor do Conselho Missionário Nacional
da CNBB e Secretário Executivo do Centro Cultural Missionário – CCM de Brasília.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011, p. 9-30.
O presbítero e a missão
O tema da missão perpassa todo o Documento de Aparecida (DAp)
como elemento fundante de conversão eclesial. É tratado especificamente
no começo da terceira parte, no sétimo capítulo: “A missão dos discípulos a serviço da vida plena”. Aqui encontramos três aspectos essenciais:
primeiro, o fundamento e a dinâmica da missão (“Viver e comunicar a
vida nova em Cristo a nossos povos”); segundo, a necessidade de uma
metanóia pessoal e estrutural para tornar-se sujeito da missão (“Conversão pastoral e renovação missionária das comunidades”); terceiro, a
necessária extensão da ação missionária para o mundo inteiro (“Nosso
compromisso com a missão ad gentes”).
O nexo entre presbítero e missão é tão estreito que, quanto mais
entendermos a missão em suas perspectivas fundamentais, tanto mais
entenderemos melhor a identidade do presbítero, seu caminho discipular
de conversão e sua missão ao mundo inteiro.
1 Fundamento: viver e comunicar a vida nova
em Cristo
Com efeito, o que representa a missão para a vida da Igreja e de
seus presbíteros?
Para tentar um caminho de compreensão, o DAp retoma, logo de
cara, como fundamento, Ad Gentes 2: “A Igreja peregrina é missionária
por natureza, porque tem sua origem na missão do Filho e do Espírito
Santo, segundo o desígnio do Pai. Por isso, o impulso missionário é fruto
necessário à vida que a Trindade comunica aos discípulos” (DAp 347).
A primeira novidade da declaração conciliar está na palavra
“natureza”, que quer dizer “essência”: a Igreja é missionária por sua
“essência”. Essa essência é a própria essência de Deus, porque “este
desígnio brota do «amor fontal», isto é, da caridade de Deus Pai” (AG
2). Em outras palavras, a missão vem de Deus porque Deus é amor,
um amor que não se contém, que transborda, que se comunica, que sai
de si já com a criação do mundo, e conseqüentemente ao pecado da
humanidade, com a história da salvação para reintegrar as criaturas na
vida plena do Reino. Esse transbordar histórico da Trindade Imanente
foi chamado de Trindade histórico-salvífica, que configura a missão de
Deus (missio Dei). De alguma forma, o próprio Deus se auto-envia pela
missão do Filho e do Espírito, através dos quais o próprio Pai se revela
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Stefano Raschietti
como amor (cf. Jo 14,9).1 Em suma, Deus é missão: a missão existe com
Deus, diz respeito ao que Deus é e não, primeiramente, ao que Deus faz.
Por tabela, a missão da Igreja não teria, a princípio, um seu porquê, não
surgiria de uma necessidade histórica de sobrevivência ou de domínio,
mas é um impulso gratuito, de dentro para fora, que teria como origem
a participação à vida divina (cf. DAp 348).
A segunda palavra mágica é “missionária”. A Igreja é por sua
natureza missionária. Isso constitui uma revolução no próprio conceito
de Igreja, que procede da missio Dei. Não é mais a Igreja que envia missionários em qualidade de “missionante”, mas é ela própria enviada como
“missionária”. Seu envio não é conseqüência: é essência. A Igreja “é” ao
ser enviada: se edifica em ordem à missão. Não é a missão que procede
da Igreja, mas é a Igreja que procede da missão de Deus. A missão é
antes de tudo: eis a mudança de paradigma. A eclesiologia, portanto, não
precede a missiologia.2 A atividade missionária não é tanto uma ação da
Igreja, mas é simplesmente a Igreja em ação. Ou como, diria Moltmann,
“não é uma igreja que ‘tem’ uma missão, mas ao contrário, é na missão de
Cristo que se cria a Igreja. Não é uma missão que deve ser compreendida
a partir da Igreja, mas o contrário”.3 Nisso se define a própria identidade
da Igreja e também a própria identidade do presbítero.
Josef Ratzinger insiste que o verdadeiro elemento integrante da
identidade sacerdotal reside na dimensão missionária que está na base
do ministério do presbítero em suas três atuações fundamentais (profeta,
sacerdote e pastor):
“Essa característica de ser enviado por Jesus exige do sujeito não só
certa maneira de agir, mas também o toca no seu próprio ser. Ser padres
e viver em estado de missão significa ser-enviados. Quer dizer que, para
o sacerdote, o seu ser-para-um-outro tem uma importância constitutiva.
Quem aceita uma missão não pertence mais a si mesmo. E isso por
duas razões: ele é expropriado em favor daquele que ele representa,
mas também em favor daqueles diante dos quais ele o representa. Viver
em estado de missão comporta uma laceração na própria existência.
E também aqui em duas frentes. Precisa deixar o lugar a quem envia e
1
Veja SUESS, Paulo. Missão como Caminho, Encontro, Partilha e Envio. Perspectiva,
Desafios e Projetos. In: Igreja no Brasil, tua vida é missão. I Congresso Missionário
Nacional. Brasília: POM, 2003, pp. 54 – 55.
2
Cf. BOSCH, Missão transformadora. Mudança de paradigma na Teologia da Missão.
São Leopoldo (RS): Sinodal, 2002, p. 446.
3
MOLTMANN, J. La Iglesia en la fuerza del Espíritu. Salamanca, 1978, p. 26.
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O presbítero e a missão
não preocupar-se com a própria pessoa, deixando-a fora do jogo; não
anunciar a si próprios nem apropriar-se da palavra que se comunica,
mas abrir o caminho e o espaço a outros, sempre prontos a diminuir
para que os outros cresçam”.4
Um Deus humano
Esses fundamentos estão repletos de implicações na compreensão
dos principais mistérios da fé. Compreender a missão não como atividade,
território ou necessidade histórica, mas como essência gratuita de Deus
Amor e da Igreja peregrina, significa para o presbítero adoção de uma
prática jesuana de proximidade aos outros e aos pobres, para comunicar
vida em termos de humanidade, compaixão, gratuidade, fraternidade sem
fronteiras, como caminho de salvação. “Fora do dom da vida (acolhido e
oferecido) e da fraternidade não há salvação”, diria o próprio DAp com
outras palavras (cf. DAp 359-360).5
A essência missionária da Igreja e da identidade do presbítero diz
respeito também à essência do Evangelho que vão anunciar. Com esta palavra, “evangelho”, os autores do Novo Testamento quiseram transmitir,
de maneiras muito diferentes entre eles, o anúncio fundamental de Jesus.
Esse anúncio pode-se resumir no seguinte: Deus é Pai, nós somos seus
filhos e filhas, irmãos e irmãs entre nós. Ponto. O Evangelho está todo
aqui. Isso não é apenas uma noção, mas é algo de vivido por Jesus efetivamente numa prática de vida, e afetivamente numa relação intensamente
carinhosa com Deus e com os irmãos: “Ele nos ensinou a orar dizendo
‘Abbá’” (DAp 17). “Abbá” quer dizer com ternura: “papaizinho”.
Essa Boa Nova anuncia uma visão completamente nova de Deus.
Jesus “Sacerdote” (cf. Hb 5,5-6) nos apresenta um Deus que não pede
sacrifícios: ele se sacrifica por nós. Não pede oferendas: ele oferece a
própria vida. Não tira o pão da boca dos pobres: ele se torna pão para
saciar multidões. Deus revela em Jesus seu rosto profundamente humano
e, nEle, a humanidade se encontra plena, reunida numa só família.
12
4
Ratzinger, J. Zur Frage nach dem Sinn des priesterlichen Dienstes, in GuL 41
(1968) 357.
5
Em DAp 359 encontramos “uma profunda lei da realidade: a vida se desenvolve plenamente na comunhão fraterna e justa”. Em DAp 360, “outra lei profunda da realidade:
a vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para dar a vida aos outros”.
E conclui: “isso é, definitivamente, a missão”.
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Stefano Raschietti
A vida de Jesus aponta continuamente para essa perspectiva. A sua
é uma maneira de encarar a realidade baseada numa peculiar experiência
de Deus, uma ética que se fundamenta numa ótica: se eu acreditar que
Deus é verdadeiramente Pai de todos, então os outros são meus irmãos.
Todos os outros, ninguém excluído (cf. DAp 353).6
Por isso, então, a prática missionária de Jesus é uma contínua aproximação aos pobres e aos outros para libertá-los das amarras da opressão
da Lei, do preconceito, da exclusão, do domínio, e oferecer-lhes uma
vida melhor: isso acontece com paralíticos (cf. Jo 5,1-18), cegos (cf. Jo
9,1-34), leprosos (cf. Lc 17,11-19), endemoninhados (cf. Mc 5,1-20);
mulheres prostitutas, impuras, adúlteras, pagãs (cf. Lc 7,36-50; 8,43-48;
Jo 8,1-11; Mc 7,24-30), cobradores de impostos (cf. Lc 19,1-10), fariseus
(cf. Jo 3,1-15) e romanos opressores (cf. Mt 8,5-13).
Uma vida plena
O desconcerto causado por Jesus, pela humanidade universal do
Deus que ele anuncia, acompanha a sua Igreja e seus presbíteros até os
dias de hoje. Estamos sempre a caminho como discípulos missionários,
em qualidade de presbíteros, tentando entender o mistério dEle, aderindo à sua mesma missão. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida que
continuamente surpreende e desafia nossas direções, nossas convicções
e nossas pretensões.
A única coisa que nos pede (porque é a única que humaniza
plenamente), é: viver como filhos do Pai e como irmãos entre nós. A
nossa fé não constitui uma moral, um rito: funda e se realiza num humanismo. Amar o humano em todas as suas manifestações e limitações:
isto é divino e isto é exigido dos discípulos missionários. O Evangelho
não indica as condições para salvar a própria alma: indica como viver
plenamente, humanamente, na base do amor gratuito. Ele é recompensa
para si próprio.
A vida plena só se encontra na vivência de um amor radical,
gratuito e universal, segundo o espírito das Bem-aventuranças (cf. DAp
139), na proximidade e no serviço aos pobres e aos outros. Desta maneira
o discípulo se torna “irmão” de todos. Para o presbítero, a dimensão da
6
Cf. CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. 2003-2006,
114-120
Encontros Teológicos nº 60
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O presbítero e a missão
fraternidade é fundamental: “os presbíteros, tirados dentre os homens
e constituídos a favor dos homens nas coisas que se referem a Deus,
para oferecerem dons e sacrifícios pelos pecados (16), convivem com
os restantes homens como irmãos” (PO 3).
Essa fraternidade evangélica constitui também o âmbito necessário para o celibato voluntário dos discípulos missionários. A escolha
celibatária não é um virtuosismo direcionado a uma perfeição individual
ou a uma atividade apostólica. Faz parte da radicalidade vivida por Jesus
e proposta aos discípulos: deixar casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos,
campos... (cf. Mt 19,29). Essa radicalidade conflui numa comunhão de
vida com Ele e com uma pequena comunidade de irmãos: “Jesus faz dos
discípulos seus familiares, porque compartilha com eles a mesma vida
que procede do Pai e lhes pede, como discípulos, uma união íntima com
Ele, e obediência à Palavra do Pai, para produzirem frutos de amor em
abundância”. (DA 133) É por isso que a Christus Dominus 30 recomenda
insistentemente a vida em comum dos presbíteros.
A palavra “irmão” é tão importante, no Evangelho, que se torna
praticamente um sinônimo de discípulo. Fazer discípulos na missão
(cf. Mt 28,19), portanto, quer dizer fazer irmãos. A comunhão de vida
estabelecida mediante relações fraternas constitui a origem, o caminho
e a meta da missão: “Descobrimos, dessa forma, uma profunda lei da
realidade: a vida só se desenvolve plenamente na comunhão fraterna
e justa” (DAp 359).
Uma missão que comunica vida
A partir daqui entendemos por que uma vida plena segundo o
Evangelho é uma vida que se torna dom. A vida de Jesus foi um dom:
“Tomai e comei, isto é o meu corpo”. Nós fazemos eucaristicamente
memória desse dom quando nos entregamos inteiramente à doação, até
coincidir rigorosamente com o Dom recebido.
Aplicado à vida do presbítero, isso tem um significado todo
especial:
“A auto-doação de Cristo, que tem a sua fonte na vida trinitária do
Deus-Amor, atinge a sua expressão mais alta no sacrifício da Cruz,
cuja antecipação sacramental é a Última Ceia. Não é possível repetir
as palavras da consagração sem sentir-se implicado nesse movimento
espiritual. Em certo sentido, o sacerdote deve aprender a dizer, com
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Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Stefano Raschietti
verdade e generosidade, também de si próprio: ‘tomai e comei’. De
fato, a sua vida tem sentido, se ele souber fazer-se dom, colocando-se à
disposição da comunidade e ao serviço de qualquer pessoa que passe
necessidade”.7
Vida não é para ser retida: é para ser doada (cf. DAp 360). A
frase de Jo 10,10, “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em
abundância”, largamente utilizada em nossas pastorais sociais, tornouse não raramente um chavão equivocado. Quantas vezes os presbíteros
se entregaram para que os pobres tivessem “vida em abundância”. Mas
a conquista dessa vida, em termo de moradia, terra, trabalho, educação,
saúde, etc., muitas vezes foi recebida como vida para si sem partilha,
sem missão, sem dom para os outros. Quantas lideranças abandonaram
as lutas sociais, uma vez alcançados seus próprios objetivos. Sem dúvida,
a missão cristã beneficia gratuitamente muita gente, mas deixa de fazer
discípulos missionários (cf. Mt 28,19) quando não consegue envolver
seus destinatários na lógica do dom, que faz com que eles participem da
própria vida de Deus (cf. DAp 348).
Esse discernimento é cruel para a missão, mas necessário: se for
verdade que “a evangelização vai sempre unida sempre à promoção humana e à autentica libertação cristã” (DAp 26), é também verdade que
o divisor das águas entre promoção humana e discipulado missionário
é exatamente o dom da vida não só recebido mas também oferecido.
Estamos realmente evangelizando? Estamos ajudando nossos interlocutores a tornarem-se protagonistas da missão e não apenas destinatários?
Estamos saindo da planície para escalar com eles o topo da montanha
da Galileia8, para ser enviados aos outros?
É preciso ter muito claro que o objetivo último da missão não é
fazer obras (filantrópicas) e sim fazer discípulos missionários, praticantes da Palavra, participantes da vida divina. Isso faz a vida fluir: uma
vida doada para outra vida, para que esta se torne por sua vez um dom.
A Igreja na América Latina procura encontrar esse sentido da missão
7
JOÃO PAULO II. Carta aos Presbíteros por ocasião da quinta feira santa de 2005.
Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/letters/2005/documents/
hf_jp-ii_let_ 20050313_ priests-holy-thursday_po.html. Acesso em 5 fev. 2008.
8
A montanha das Bem-aventuranças (cf. Mt 5-7) e a do Grande Mandato (cf. Mt 28,1620) Num primeiro momento, aqui é proclamada a cartilha do discípulo de Jesus, o que
significa ser discípulo de Jesus: o conteúdo da missão. Num segundo momento, no
final do Evangelho, nessa mesma montanha, o Ressuscitado envia seus discípulos
a fazer discípulos em todas as nações: o objetivo da missão.
Encontros Teológicos nº 60
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O presbítero e a missão
quando afirma que é preciso “aprofundar e enriquecer todas as razões e
motivações que permitam converter cada cristão em discípulo missionário” (DAp 362).
2 Conversão: renovação missionária das
comunidades e de seus presbíteros
A missão de comunicar vida é a razão de ser da Igreja (cf. DAp
373) e consequentemente de seus presbíteros. Por isso ela é chamada a
desinstalar-se: “a Igreja necessita de forte comoção que a impeça de se
instalar na comodidade, no estancamento e na indiferença, à margem do
sofrimento dos pobres do Continente” (DAp 362).
Se “missão” significa “envio”, todo envio pressupõe um deslocamento e uma saída: “nós somos agora, na América Latina e no Caribe,
seus discípulos e discípulas, chamados a navegar mar adentro para uma
pesca abundante. Trata-se de sair de nossa consciência isolada e de nos
lançarmos, com ousadia e confiança (parresía), à missão de toda a Igreja”
(DAp 363). A conversão missionária da qual fala o DAp em uma de suas
páginas centrais (cf. 7.2 Conversão pastoral e renovação missionária
das comunidades) equivale substancialmente a uma saída. Na saída de
si, do círculo da própria comunidade e dos confins da própria terra, se
realiza para a Igreja essa conversão. Paradoxalmente, é nessa saída que
a Igreja encontra sua razão de ser e sua própria identidade.
“Temos que ser de novo evangelizados” (DAp 549)
O tema da conversão, antes de ser dirigido aos destinatários da
missão, é apontado pelo DAp como exigência fundamental para a própria
Igreja. Com o mesmo espírito do Vaticano II, Aparecida analisa que,
na atual conjuntura de grandes mudanças, “sentimo-nos desafiados a
discernir os ‘sinais dos tempos’” (DAp 33) e “a assumir uma atitude
de permanente conversão pastoral” (DAp 366). Na mudança global, a
Igreja precisa mudar também, mas não apenas pastoralmente “seu jeito de
ser”9: ela precisa ser evangelizada de novo para converter-se numa Igreja
9
16
A pastoral muitas vezes é vista, no esquema clássico dedutivo, apenas como a aplicação prática do depositum fidei. No entanto a missão proporciona um encontro com os
pobres e com os outros que informa e transforma profundamente nossa interpretação
do Evangelho. A missão, na saída de si, converte profundamente a Igreja, não muda
apenas suas linguagens e estratégias “para procurar êxitos pastorais” (DA 372).
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cheia de ímpeto e audácia evangelizadora (cf. DAp 549). Conversão é
um convite para Igreja e não, primeiramente, para o mundo.
O conteúdo dessa conversão consiste no surpreendente e profundo
re-encantamento com a essência do Evangelho, um Evangelho assumido e
vivido não como doutrina, mas como “práxis de vida baseada no dúplice
mandamento do amor”.10 Essas palavras do Papa Bento XVI indicam
um caminho a seguir, aparentemente quase óbvio: “não temos de dar
nada como pressuposto e descontado, todos os batizados são chamados
a ‘recomeçar a partir de Cristo’” (DAp 549).
No entanto, o DAp menciona a falta de espírito missionário em
membros do clero e falta de solidariedade na comunhão dos bens no
interior das Igrejas locais e entre elas, como sombras na caminhada
eclesial latino-americana (cf. DAp 100e). O número de missionários
e missionárias além-fronteiras do continente para o mundo é bastante
exíguo. A passagem do receber dons de outras igrejas ao dar com gratidão é marcada por fortes resistências, muitas delas de caráter histórico e
cultural. Contudo, o motivo principal de uma certa introspeção parece a
urgente preocupação com a missão ad intra, apesar de alguns documentos
convidarem a superar também essa dificuldade.11
De que maneira podemos suscitar em nossos presbíteros e em
nossas comunidades uma abertura verdadeiramente missionária sem
uma perspectiva genuinamente ad extra, sem fronteiras, católica, atenta
e sensível ao mundo todo? Sem esse respiro, corremos o risco de cairmos “na armadilha de fechar-nos em nós mesmos” (DAp 376), numa
dinâmica centrípeta e, afinal, egocêntrica, traindo a missão e o espírito
do próprio Evangelho.
Como “peregrinos a caminho” (DAp 553)
O episódio de Jesus em Nazaré (cf. Lc 4,16-30; Mc 6,1-6) parece
confirmar o ditado popular: “santo de casa não faz milagre”. A missão,
10
11
Bento XVI, Encontro e celebração das Vésperas com os Bispos do Brasil, em 11 de
maio de 2007.
“Uma Igreja local não pode esperar atingir a plena maturidade eclesial e, só então,
começar a preocupar-se com a missão para além de seu território. A maturidade
eclesial é conseqüência e não apenas condição de abertura missionária. Estaria
condenando-se à esterilidade a Igreja que deixasse atrofiado seu espírito missionário,
sob a alegação de que ainda não foram plenamente atendidas todas as necessidades
locais” (CNBB. Igreja: comunhão e missão, 119).
Encontros Teológicos nº 60
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O presbítero e a missão
por definição, não pode ser feita em casa e nem a partir de casa. Mas ainda
hoje, apesar de nossos esforços, somos tentados compreender a missão
a partir de nós, a partir da Igreja e não a partir de Deus que envia e se
auto-envia. A missão consiste no seguinte: não podemos esperar que as
pessoas venham a nós, precisamos nós ir ao encontro delas e anunciarlhes a Boa Nova ali mesmo onde se encontram. Esse princípio parece
quase óbvio. No entanto, na prática, a Igreja sempre teve a tentação de
evangelizar os povos a partir de sua própria condição, permanecendo
em seu lugar, a partir de sua própria cultura, enviando e delegando seus
missionários, mas sem se envolver num movimento de saída e de inserção
nas situações que desejavam evangelizar.
Nesse sentido, metáforas usadas pelo DAp em descrever a Igreja
e sua missão, podem levar a algum equívoco. Por exemplo, a freqüente
imagem da Igreja como “casa e escola”12, assim como o verbo “acolher” que a acompanha, expressam uma dinâmica missionária só por
analogia. Missionário não é, em si, aquele que acolhe, mas é o acolhido
por antonomásia. Missão é um termo que desde o Vaticano II serve um
pouco para descrever toda a ação da Igreja. No entanto, não podemos
perder de vista o que especificamente se entende com isso, sob pena de
esvaziar o seu sentido.
Uma Igreja enviada é uma Igreja que está fora de casa, que faz
a experiência radical do seguimento, do despojamento e da itinerância,
como companheira dos pobres (cf. DAp 398) e como hóspede na casa
dos outros. O discípulo, em particular o discípulo presbítero, é essencialmente um peregrino e um enviado que deixou casas, irmãos, irmãs,
pai, mãe, filhos, campos, por causa de Jesus. O próprio Jesus disse: “Eu
sou o Caminho” (Jo 14,6) e não: “Eu sou a chegada”. Jesus inverte a
perspectiva de Tomé, que queria conhecer o caminho a partir do ponto de
chegada: “Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer
o caminho?” (Jo 14,5). Esta identificação de Jesus com o caminho foi
algo de marcante para os primeiro cristãos. Eles se autodenominavam
de “pertencentes ao Caminho” (At 9,2):13
18
12
Cf. DA 158; 167; 170; 188; 246; 272; 370.
13
Cf. SUESS, Paulo. Migração, peregrinação e caminhada. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, n. 238, p. 309, jun. 2000.
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“Abandonar as estruturas caducas” (DAp 365)
A partir dessas considerações, o apelo do DAp de “abandonar as
estruturas caducas que já não favorecem a transmissão da fé”, talvez não
se refira imediatamente a algo de exterior, mas a algo de profundamente
interior na vida dos discípulos missionários (cf. DAp 366.368), como se
se tratasse de uma radical renovação espiritual, uma libertação das amarras culturais, sociais, ideológicas, psicológicas, afetivas. O DAp não diz
claramente quais são essas amarras. Mas, no que diz respeito à conversão
missionária dos presbíteros, podemos até arriscar alguns palpites.
Primeiramente, em qualidade da excelência à qual é chamado como
discípulo missionário de Jesus Cristo, o presbítero deve ser um homem
capaz de estar na linha de frente, nos lugares onde a fé ainda não brotou
e a Igreja ainda não se reuniu. O presbítero tem que aprender a viver
e trabalhar fora da cumplicidade aconchegante de uma comunidade na
qual ele encontra seus irmãos na fé, é reconhecido e valorizado como o
“padre”, exerce uma autoridade aceita, é servido e procurado e sua tarefa é definida e apreciada. Desse ponto de vista ele terá que agüentar a
solidão ou o isolamento que nasce dessa “alteridade”, às vezes profunda
e hostil, por parte do ambiente que está ao seu redor.
É uma dimensão que interessa também o aspecto espiritual. O
presbítero deverá sair da dependência em relação à sua comunidade, terá
que converter sua espiritualidade encontrando referências e recursos em
si mesmo, aprendendo a viver a partir da convicção de que seu povo são
os “outros”, os de fora. Sua alegria e seu conforto residem no fato de
estar próximo a eles no modo mais íntimo que for possível, em nome do
Amigo comum, embora eles ainda não o reconheçam.
Um outro campo de conversão tem a ver com o próprio ministério ordenado. Nossos jovens presbíteros são investidos fortemente da
consciência de serem “padres”, quer dizer, homens da Palavra (sobretudo
intra-eclesial, pregação, ensino), de governo e dos sacramentos: “profetas,
sacerdotes e pastores”. Isso constitui um fato tremendamente perigoso
para um presbítero missionário em relação ao qual a comunidade cristã
não é mais o campo principal de suas atividades, o centro da sua vida.
Por isso é urgente retificar esta imagem de si. Não porque os tria munera
que definem o presbiterado estejam errados, mas porque o presbítero
missionário tem que vivê-los de acordo com uma outra lógica. Certamente
ele deve ser profeta e anunciador da Palavra, mas para o mundo: uma
Encontros Teológicos nº 60
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O presbítero e a missão
pessoa que é sinal para o mundo (com a palavra e a ação), que decifra
os sinais do Reino no mundo (com todos os que buscam a vida), que
anuncia o Evangelho para que faça sentido para o mundo. Além disso,
ele é sacerdote, certamente, mas o seu sacerdócio não é chamado a se
expressar, em primeiro lugar, na administração dos sacramentos. A sua
celebração da eucaristia, muitas vezes individual ou sem uma numerosa
assembléia, será uma “missa no mundo”; sua aliança de vida com o povo
de Deus “que está fora” será seu “culto espiritual”, uma “oferenda espiritual” de hóstias viventes. Ele é, certamente, pastor, mas suas “ovelhas
ainda não estão no aprisco”: ele procura, chama, reconhece as ovelhas
e as acolherá na medida do dom de Deus.
Em uma palavra, a conversão missionária é uma mudança muito
radical, que deve atravessar modelos oferecidos e certo ensinamento
recebido para poder preparar presbíteros missionários que sabem e têm
consciência de ser para todos os povos e não apenas para o povo cristão.
É bom lembrar que sempre mais, como presbíteros, seremos envolvidos
numa atividade propriamente missionária, quase por consequência.
“Além de uma pastoral de mera conservação” (DAp 370)
O significado das palavras do DAp de que “a conversão pastoral
de nossas comunidade exige que se vá além de uma pastoral de mera
conservação para uma pastoral decididamente missionária” (DAp 370),
talvez encontre seu sentido apropriado na conversão dos pastores, pois
“o testemunho de comunhão eclesial e de santidade é uma urgência
pastoral” (DAp 368).
Contudo, somos convidados a transformar não apenas nossas
pessoas, mas o nosso próprio agir. Aparecida faz um apelo para uma
mudança de mentalidade em relação a um estilo projetual de fazer a
missão: “o projeto pastoral da Diocese, caminho de pastoral orgânica,
deve ser resposta consciente e eficaz para atender às exigências do mundo
de hoje” (DAp 371). Praticamente, devemos passar do hábito de apenas
planejar a pastoral para o hábito de ter uma mentalidade projetual, o que
significa não apenas “bolar” um projeto, mas continuamente avaliá-lo,
acompanhá-lo, modificá-lo: “Esse projeto diocesano exige acompanhamento constante por parte do bispo, dos sacerdotes e dos agentes
pastorais, com atitude flexível que lhes permita manter-se atentos às
exigências da realidade sempre mutável” (DAp 371).
20
Encontros Teológicos nº 60
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A nota do DAp é extremamente indicativa: “não se trata só de
estratégias para procurar êxitos pastorais, mas de fidelidade na imitação
do Mestre” (DAp 371). Ter um projeto missionário significa imitar Jesus,
ser fiel a ele. Ele teve um projeto missionário? Sim, sem dúvida. Nós o
encontramos em Mateus 9,35-10,42. Aí podemos buscar linhas mestras
para traçar nossos projetos e nossos caminhos.
Com efeito, ao enviar os doze para uma missão itinerante, Jesus
nos ensina:
– a enxergar a realidade do mundo e das pessoas com os olhos
de Deus, rezando para que o Dono da messe envie operários
(cf. Mt 9, 36-38);
– a chamar pessoas para serem enviadas em missão em comunidade, por meio de uma organização participativa e descentralizada (cf. Mt 10,1-4);
– a definir os objetivos em torno do anúncio essencial e de destinatários específicos: o que quer dizer para nós hoje que “o
Reino de Deus está próximo” (Mt 10,7)? Quem são para nós
“as ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mat 10,5-6)?
– a escolher caminhos de serviço à vida; linhas de ação de luta
contra o mal; metodologias missionárias de ir ao encontro dos
outros, tornando-se hóspedes na casa deles; atitudes básicas
diante das inevitáveis perseguições (cf. Mt 10,8-23);
– a procurar os meios necessários para alcançar metas e objetivos,
sabendo valorizar e capacitar ao máximo os recursos humanos
(cf. Mt 10,31), mantendo simplicidade e agilidade com os
recursos estruturais (cf. Mt 10,11), dando um testemunho de
austeridade, essencialidade, criatividade e justiça através dos
recursos financeiros (cf Mt 10,8b-10).
Do estudo e da reflexão contextual sobre esses cinco elementos,
procede depois a elaboração de nossos planejamentos e de nossos encaminhamentos. Mas, antes de mais nada, o projeto missionário quer definir
um estilo de missão, uma maneira peculiar de Jesus em se aproximar
da realidade, que corresponde à maneira do próprio Deus Pai de amar o
mundo concretamente.
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O presbítero e a missão
3 Extensão: nosso compromisso com a missão
ad gentes
A Igreja se encontra hoje numa situação de diáspora diante da
fragmentação e da multi-culturalidade do mundo atual. A hegemonia das
tradições religiosas em determinados territórios cedeu lugar ao pluralismo possível, graças às encruzilhadas proporcionadas por tecnologias,
mercados, mobilidades humanas e aglomerações urbanas.
Nessa situação de efervescência, cidades e metrópoles substituíram
aldeias em todos os continentes. Sabedorias populares e estruturas comunitárias deram lugar à autonomia e à liberdade das pessoas. A questão
religiosa, no seu conjunto, se amplifica e se aprofunda diante dos desafios
do mundo pós-moderno e globalizado (cf. DAp 37). Para a humanidade
do século XXI, a religião torna-se sempre mais uma commodity, uma
mercadoria para satisfazer as necessidades/desejos espirituais de sentido
dos indivíduos, dispensando, porém, a adesão a uma comunidade e a
afiliação a uma confissão.
Nesse contexto, a missão ad gentes amplia espontaneamente seu
âmbito de ação.14 Antigamente, na mentalidade da cristandade, coincidia com a missão ad extra, em territórios culturalmente não-cristãos.
Extensão aqui rimava com expansão da Igreja. Hoje, parece impor-se
como realidade em qualquer lugar, particularmente nos contextos de
antiga tradição cristã.
No DAp podemos identificar pelo menos cinco âmbitos de atuação
missionária tendo como leit motiv a missão ad gentes. Esses âmbitos
podem ser entendidos como círculos concêntricos em ordem à extensão
da missão, e também como tarefas que se implicam uma com a outra.
Missão aos corações
O primeiro âmbito é indicado por uma frase de Bento XVI citada
no DAp 7.3:15
22
14
Cf. o capítulo IV da Redemptoris Missio: “Os imensos horizontes da missão ad gentes”
(RMi 31-40).
15
Essa citação de DA 375, porém, não confere com: BENTO XVI. Discurso aos membros do Conselho Superior das Pontifícias Obras Missionárias, 5 de maio de 2007.
In: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2007/ may/documents/
hf_ben-xvi_spe_20070505_pom_po.html. Acesso em 1 de novembro de 2008.
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“O campo da Missão ad gentes se tem ampliado notavelmente e não
é possível defini-lo baseando-se apenas em considerações geográficas
ou jurídicas. Na verdade, os verdadeiros destinatários da atividade
missionária do povo de Deus não são só os povos não cristãos e das
terras distantes, mas também os campos sócio-culturais, e sobretudo os
corações” (DAp 375).
Aqui o campo da missão ad gentes, em seu novo paradigma na
esteira de Evangelii Nuntiandi 19 e de Redemptoris Missio 37, é individuado segundo três critérios: a) o critério religioso (os não-cristãos);
b) o contexto social; c) a dimensão cultural. Mas o que mais salta aos
olhos é esse “... e sobretudo os corações”. A missio ad gentes se apresenta essencialmente como uma missio ad córdia: em primeiro lugar,
vem a atenção, a aproximação e o cuidado para com a pessoa humana.
A missão não é uma questão de coerção, mas de coração. As pessoas na
sociedade pós-industrial vivem dentro de um sistema de coerções e de
cobranças. Não agüentam mais. As pessoas precisam de humanidade.
Aparecida aposta que o amor cristão “supera o amor humano e participa
do amor divino, único eixo cultural capaz de construir uma cultura da
vida” (DAp 550). Antes de ser uma verdade axiomática, isso precisa
ser entendido como imperativo e perspectiva existencial para todos os
cristãos, enquanto discípulos missionários pelo batismo.
Por isso que a missão não é primariamente uma questão de estruturas, de métodos e de estratégias, mas é uma questão de homens
e mulheres novos: “não há novas estruturas se não há homens novos
e mulheres novas que mobilizem e façam convergir nos povos ideais
e poderosas energias morais e religiosas” (DAp 538). O diálogo e o
anúncio missionário, antes de mais nada, “precisa passar de pessoa a
pessoa, de casa em casa, de comunidade a comunidade (...) procurando
dialogar com todos, em espírito de compreensão e de delicada caridade” (DAp 550). De coração a coração, objetivo da missão é converter
os corações, fazendo com que todos se tornem discípulos missionários
(cf. Mt 28,19). Isso significa praticar a Palavra e reconhecer-se como
irmãs e irmãos, filhos do mesmo Pai, uns com os outros, próximos aos
demais no mundo inteiro.
Comunidade missionária
O segundo âmbito da missão ad gentes que podemos identificar
no DAp é a constituição da comunidade missionária:
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O presbítero e a missão
“A Diocese, em todas as suas comunidades e estruturas, é chamada a
ser ‘comunidade missionária’ (cf. ChL 32). Cada Diocese necessita fortalecer sua consciência missionária, saindo ao encontro dos que ainda
não crêem em Cristo no espaço de seu próprio território e responder
adequadamente aos grandes problemas da sociedade na qual está inserida. Mas também, com espírito materno, é chamada a sair em busca
de todos os batizados que não participam na vida das comunidades
cristãs” (DAp 168).
Trata-se de uma “firme decisão” que “deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais de dioceses, paróquias, comunidades
religiosas, movimentos e de qualquer instituição da Igreja” (DAp 365).
A Igreja em Aparecida sente que está na hora de mudar, mas não
sabe como e de onde começar. De um lado, almeja abandonar uma pastoral de conservação, para uma missão evangelizadora no meio do mundo.
Por outro lado, reafirma hierarquicamente suas estruturas delegando a
responsabilidade das mudanças a uma maior motivação e a um maior
empenho de seus principais agentes. A principal estrutura a ser mudada
é a própria mentalidade eclesiocêntrica.
Pegamos, por exemplo, a renovação missionária das paróquias
(cf. DAp 173). Isso mais parece uma contradictio in terminis que uma
afirmação ou um desejo, pois as palavras “pastoral” e “missionária”
indicam tensões diferentes e quase opostas. Uma indica preservação,
“cuidado com os fieis”; a outra, abertura, envio ao diferente que não pertence ao rebanho cristão. Com efeito, a paróquia nunca foi propriamente
missionária e nem nasceu para ser missionária.16 Não é por acaso que
em seus documentos principais, como a Lumen Gentium e a Gaudium
et Spes, o Vaticano II nunca fala de paróquia. A doutrina conciliar não
está interessada em falar da instituição, porque sabe que a instituição
não pode se converter. Ao contrário, para indicar a Igreja visível, o
Concílio usa a palavra “comunidade”. A comunidade é feita de pessoas
16
24
“Impressiona ler esta consideração do teólogo Severino Dianich: ‘A estrutura paroquial sempre acolheu os crentes aos quais a fé já tinha sido transmitida e aos quais
a paróquia devia garantir a catequese e os sacramentos. É paradoxal mas é verdadeiro, o fato de que ao longo de sua história a paróquia nunca esteve preocupada
com o problema do acesso à fé dos não-cristãos. É verdadeiramente um paradoxo,
mas é difícil desmenti-lo’”. ORLANDONI, Mons. Giuseppe. Il volto missionário della
parrochia. Linee programmatiche per l´anno pastorale 2004-2005. In: http://www.
diocesi-senigallia.it/documentiword/IL%20VOLTO%20MISSIONARIO%20DELLA%20
PARROCCHIA.doc. Acesso em 15 de julho de 2007.
Encontros Teológicos nº 60
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e de relações. As pessoas têm coração, as estruturas não têm. E a missão
é uma questão de coração.
A comunidade representa a grande proposta que a Igreja faz ao
mundo com sua missão. O próprio Evangelho chama à vida em comunidade. A salvação não passa pela simples distribuição de sacramentos,
mas na resposta a um chamado de discipulado missionário que se realiza
numa intensa vida de fraternidade. Jamais essa fraternidade constituirá
círculos fechados, como também não estará simplesmente aberta a acolher
os outros que estão de fora. A proposta de Jesus é de uma fraternidade
peregrina que se faz próxima a todos, conjugando a comunidade com a
missão: comunhão na missão e missão em comunhão.
Missão Continental
O terceiro âmbito da missão foi descrito como Missão Continental
(cf. DAp 362).
Parece haver uma novidade na perspectiva da Missão Continental: passar de uma nova evangelização realizada prevalentemente com
eventos esporádicos (ex. missões populares, com a pretensão de trazer
o povo para a Igreja), para uma Igreja em estado permanente de missão.
Isso equivale a reconhecer o contexto de pluralismo no qual se encontra o
mundo de hoje. Esse contexto não representa uma situação de nomadismo
das pessoas. Nossas ovelhas não se sentem desgarradas e perdidas, fora
do redil da cristandade. Aliás, esse “estar fora” representa muitas vezes
um estado de liberdade e de emancipação. Esse pluralismo é a propria
“casa” dos nossos povos na América e no mundo, onde temos que entrar
tirando as sandálias, para anunciar permanentemente o Evangelho e fazer
discípulos missionários.
Mas o intuito da Missão Continental não deveria parar por
aqui. Há também um outro aspecto importante a ser acrescentado: o
da cooperação entre as igrejas. Com efeito, o projeto poderia tornarse também uma ocasião para promover uma inter-ajuda entre igrejas
latino-americanas, pelo menos como sinal e gesto comum. Cada Igreja
local sentir-se-ia chamada a abraçar uma missão maior junto a outra
Igreja no Continente. Aparecida resgata com vigor a perspectiva da
Pátria Grande: “una e plural, a América Latina é a casa comum, a
grande pátria de irmãos” (DAp 525).
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Essa “dignidade de nos reconhecer como família de latino-americanos e caribenhos implica uma experiência singular de proximidade,
fraternidade e solidariedade” (DAp 525).
Retomando as palavras de Bento XVI, em várias partes do DAp
se diz que o Continente da esperança há de tornar-se o Continente do
amor (cf. DAp 64; 128; 522; 537; 543). Tudo isso precisa se expressar
urgentemente em termos de compromisso mútuo e de projetos missionários além-fronteiras, para não ficar apenas na base da confraternização
e das boas intenções.
Missão ad gentes
Finalmente, o quarto âmbito indicado por Aparecida é a missão
ad gentes. O debate sobre a missão ad gentes intensificou-se muito nas
últimas décadas, ao ponto que não é mais possível referir-se a ela somente
em termos de territórios e de primeiríssima evangelização. Também o
contexto social e a dimensão cultural sobressaem como âmbitos nos
quais é preciso “chegar a atingir e como que a modificar pela força do
Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de
interesses, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos
de vida” (EN 19). Desafios como o mundo urbano, a juventude, os fenômenos sociais novos, as migrações, os areópagos das comunicações,
da cultura, da política, da economia, fazem parte do nosso cotidiano,
estão debaixo dos nossos olhos e dizem respeito diretamente à missão
ad gentes (cf. RMi 37).
A missão ad gentes convoca hoje a Igreja na América Latina a
um êxodo constante junto à humanidade, a uma saída da escravidão de
tantas “situações desumanas” (DAp 358) e uma travessia para um outro
mundo possível. Esse êxodo exige nossa conversão de cada dia para que
aconteça uma ruptura, uma “contraposição à cultura dominante” (DAp
540), com gestos concretos (cf. DAp 397), com o dom da vida (cf. DAp
360) e com sinais que revelam a presença de Deus (cf. DAp 383).
Para o DAp, destinatários da missão são, em primeiro lugar, os pobres, enquanto carecem de reconhecimento por parte da sociedade como
um todo. São os excluídos, “não são somente ‘explorados’, mas ‘supérfluos’ e ‘descartáveis’” (DAp 65), povo de rua, migrantes, enfermos,
dependentes químicos, presos (cf. DAp 8.6): pessoas que representam
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somente um “custo” e que, portanto, para a lógica neo-liberal, devem
ser eliminados.
Também destinatária dessa missão é a família (cf. DAp 548),
como “patrimônio da humanidade inteira”, núcleo da sociedade mundial,
afetado por difíceis condições de vida que ameaçam diretamente sua
existência (cf. DAp 432), junto a todos seus sujeitos (crianças, adolescente, jovens, idosos, mulheres, homens, mãe e pai de família). O DAp
não esquece os areópagos da cultura moderna global (cf. DAp X; RMi
37c): o mundo da educação, da comunicação, da política, da economia,
da ciência e tecnologia, onde o Evangelho e a Igreja são vistos muitas
vezes como estranhos e hostis. Enfim, um enfoque especial sobre a cidade,
“onde surgem novos costumes e modelos de vida” (RMi 37b), e sobre
os indígenas e afro-descendentes, com os quais a missão ad gentes tem
uma dívida histórica.
Tudo isso representa para a Igreja da América Latina e Caribe
uma missão ad gentes fora de sua casa e de seus quintais. Podemos
dizer que ela está mergulhada nessa missão, e que, portanto, constitui
para ela e seus presbíteros “uma atividade primária e essencial, jamais
concluída” (RMi 31).
Missão universal
Se precisarmos distinguir, de uma certa forma, a missão ad gentes
da missão ad extra, “além-fronteiras” (cf. Puebla 368), essa última então
constitui um ulterior e indeclinável âmbito de atuação missionária:
“O mundo espera de nossa Igreja latino-americana e caribenha um
compromisso mais significativo com a missão universal em todos os Continentes. Para não cairmos na armadilha de nos fechar em nós mesmos,
devemos formar-nos como discípulos missionários sem fronteiras, dispostos a ir ‘à outra margem’, àquela onde Cristo ainda não é reconhecido
como Deus e Senhor, e a Igreja não está presente” (DAp 375).
Longe de representar algo de ultrapassado e de necessariamente
ligado a pretensões hegemônicas do cristianismo, essa visão aponta
para uma fundamental dimensão universal da missão. O conceito
é estreitamente ligado à missão ad gentes como “missão para a
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O presbítero e a missão
humanidade”,17 mas é necessário distingui-lo para que não “se torne
uma realidade diluída na missão global de todo o Povo de Deus, ficando desse modo descurada ou esquecida” (RMi 34). A missão ad extra
lembra que a missão ad gentes, na sua radicalidade e especificidade,
“se exerce em territórios e grupos humanos bem delimitados” (RMi
37a), e que um contexto culturalmente não-cristão representa um
desafio bem mais complexo e de primária importância em relação a
outros já marcados por uma tradição cristã.
Hoje essa perspectiva pode ser pensada também em termos
de missão inter gentes, uma missão entre povos e continentes, entre
igrejas locais e igreja universal, vivida no intercâmbio de dons entre
comunidades solidárias. Essa visão corresponde ao espírito do Vaticano II, porque
“leva em conta a situação do pluralismo religioso e da diáspora
crescente da Igreja no mundo de hoje; enfatiza a responsabilidade da
Igreja local para a missão; quebra o monopólio de uma Igreja que
envia missionários e uma Igreja que os recebe; admite a reciprocidade
e conversão mútua entre agentes e destinatários da missão e da Igreja
nos seis continentes e, por conseguinte, valoriza o diálogo intercultural
e inter-religioso; sublinha a missão como uma atividade, não entre
indivíduos, mas entre comunidades”.18
Conclusão
Todos esses âmbitos da única missão da Igreja são constitutivos
para definir a identidade e a missão dos presbíteros, que estão ainda muito
presas ao imaginário pastoral.
O Diretório dos Presbíteros diz claramente que o ministério do
presbítero é essencialmente pastoral19, e é “o único, depois do Bispo, ao
qual, em virtude do ministério sacerdotal recebido mediante a ordenação, se pode atribuir dum modo próprio unívoco o termo ‘pastor’. Com
28
17
O recente Congresso Americano Missionário (CAM 3 – Comla 8) adotou esse caminho
para entender a missão ad gentes.
18
SUESS, Paulo. Introdução à Teologia da Missão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
19
CONGREGAÇÂO PARA O CLERO. Diretório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros, n. 16.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Stefano Raschietti
efeito, a qualificação de ‘pastoral’ refere-se quer à ‘potestas docendi et
santificandi’ quer à ‘potestas regendi’”.20
Por outro lado, a Presbyterorum Ordinis afirma que “os
presbíteros, como cooperadores dos Bispos, têm, como primeiro
dever, anunciar a todos o Evangelho de Deus, para que, realizando
o mandato do Senhor: ‘Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho
a todas as criaturas’ (Mc 16,15), constituam e aumentem o Povo
de Deus” (PO 4).
A pastoral, portanto, descreve apenas uma parte – a menor talvez
– de toda a missão da Igreja, e ao presbítero não é confiada apenas essa
parte, mas toda a missão. A missão ad gentes constitui o seu “primeiro
dever”. O próprio Diretório dos Presbíteros pondera que “o sacerdote
pertence ‘de modo imediato’ à Igreja universal, que tem a ‘missão’ de
anunciar a Boa Nova até ‘aos confins da terra’”.21
A missão ad gentes lembra globalmente à Igreja da América
Latina sua situação de diáspora no mundo atual e, especificamente,
as situações outras onde ela não está presente com o anúncio do
Evangelho, aqui e no mundo inteiro. O apelo é sempre essencial:
Jesus e seu Evangelho é salvação, vida e felicidade para todos. A
Igreja, com seus presbíteros e toda sua ministerialidade, é chamada
a ser esse Evangelho no meio dos povos, próxima a todas as realidades humanas e, ao mesmo tempo, transcendendo todas elas. Deus
convida o ser humano a se converter para ser “sempre mais”: sempre
mais humano, sempre mais sensível, sempre mais misericordioso.
Esse “sempre mais” corresponde a um contínuo ir além de todas as
fronteiras. Enquanto o ser humano é sensível ao que lhe está mais
próximo, Deus é compassivo também com aquele que lhe está menos próximo. Ou, como diria o Eclesiástico: “A compaixão de uma
pessoa se volta para seu próximo; a misericórdia de Deus, porém,
para todo ser vivo” (Eclo 18,12). O que qualifica a comunidade cristã
é, definitivamente, a vivência dessa misericórdia sem limites “para
todo ser vivo”. Isso torna os discípulos missionários “perfeitos como
é perfeito o Pai que está no céu” (Mt 5,48).
Esse último aspecto deveria caracterizar, de maneira peculiar, o
ser discípulo missionário como presbítero. É o modo mais fundamen20
Ibid., n. 19.
21
Ibid., n. 14.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
29
O presbítero e a missão
tal, radical e primário de ser discípulo missionário. A missão ad gentes
representa uma dimensão privilegiada de exercício do ministério do
presbítero. Sua identidade encontra nessa missão uma modalidade de
atuação típica e específica. Por sua vez, ela confere à própria missão
qualidade e espessura: o presbítero é chamado a ser um alter Christus,
um ícone de Cristo, um prolongamento sacramental de Jesus. Sem dúvida, essa concepção sacramental da missão encontra em toda a Igreja a
sua atuação. Contudo, no presbítero tem concretamente e visivelmente
o seu “ministro” por excelência.
E-mail do Autor:
[email protected]
30
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Resumo: O tema do artigo é desenvolvido em vários capítulos, começando
com o ministério eclesial pela análise dos termos-chave nos diferentes livros
do NT e do uso nas citações na literatura patrística das primeiras décadas.
Muito elucidativa sobre a vida dos bispos nos primórdios do cristianismo é a
abordagem das sete Cartas no livro do Apocalipse. Uma característica marcante
é estudada no capítulo sobre a atividade dos presbíteros a serviço de Cristo
na Igreja. Realce especial merece a função dos presbíteros como oficiantes
da celebração litúrgica da Eucaristia. O último capítulo mais extenso trata da
missão das mulheres na pastoral vocacional diante do problema da escassez
dos padres hoje em dia.
Abstract: The article develops the basic theme in various chapters, beginning
with the semantic analysis of key words which occur in different books of the
NT, dealing with the ecclesial dimension of the ministries in the Church. A quick
glance at some of the earlier written sources of Christianity from the first decades
is quite revealing. Very interesting is the reference to the life of the bishops mentioned in the seven letters addressed to churches mentioned in the Apocalypse.
The study of the priestly ministry at the service of Christ is quite important in the
overall presentation relevant features. Special attention is given to the function
of the priests officiating at the liturgical celebration of the Eucharist. The last
chapter is more extended due to the involvement of women in the pastoral activity
dealing with the promotion and formation of vocations of future priests. Facing
the problem of a steady decrease in number of seminarians in the diocese and
religious orders new procedures should be devised to stop the shortage of clergy
and raise the growth of new vocations.
Ministério presbiteral na Igreja
Luis I. J. Stadelmann, SJ *
*
O autor, Doutor em Línguas e Literatura Semíticas, Cincinnati, e Mestre em Ciências
Bíblicas, é Professor no ITESC.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011, p. 31-44.
Ministério presbiteral na Igreja
Introdução
O ministério presbiteral é uma das funções a serviço dos fiéis da
Igreja. Segundo o documento do Concílio Vaticano II Lumen Gentium
(LG), a organização da Igreja está baseada na inovação da revelação
divina a respeito dos fiéis integrados no corpo da Igreja não como
meros ouvintes ou espectadores e, sim, como cooperadores de Cristo
Ressuscitado e do Espírito Santo na obra de redenção da humanidade.
Manifesta-se assim uma nova dimensão do status dos fiéis, enriquecidos
com o dom do Espírito Santo, que os incentiva para assumir sua missão
na vida como cristãos engajados na consolidação das comunidades de
fé e comunidades éticas. Esta inovação é própria do NT e recebe pleno
apoio nas Cartas do NT e nos Evangelhos, diferenciando-se assim do AT,
onde em nenhum dos livros veterotestamentários se menciona a função
dos fiéis como colaboradores de JHWH na obra de salvação divina no
mundo. Não há referência ao papel dos israelitas como colaboradores
de Deus na obra de implantar e consolidar comunidades de fiéis, porque
pertence unicamente à iniciativa de Deus, já que as criaturas humanas não
tinham sido elevadas ao status de “filhos adotivos de Deus e herdeiros
de Cristo” (Rm 8,15-17).
Ministério eclesial
Na chefia das comunidades cristãs, desde o início do cristianismo,
encontram-se πρεσβυτεροι − presbyteroi: na Ásia Menor (At 14,23);
em Jerusalém (At 11,30; 15,22); em Éfeso (At 20,17); em Creta (Tt 1,5,
cf. 1Tm 5,1; 1Pd 5,1-5; 2Jo 1; 3Jo 1; 1Tm 4,14). É bom observar, que o
termo presbítero é sinônimo, na linguagem do NT, do termo επισκοπος
− epíscopo (At 20,17 e 28; Tt 1,5-7), o qual se emprega também no
plural (Fl 1,1) designando chefes de uma Igreja local. A terminologia
grega se apoia na tradução do termo hebr. zaqen e aramaico zaqin (“ancião”), cuja função correspondia à de mestre da comunidade de fé. Para
a função do epíscopo se empregava também a palavra roš − “chefe” (em
hebraico e aramaico) indicando o líder como autoridade religiosa. Mas,
para os historiadores surgiu o problema de saber a que realidade exata
esses dois nomes correspondiam. E isto para não prejudicar a opção por
uma tradução por demais moderna, supondo que os termos “epíscopo”
e “presbítero” fossem transcrições rudimentares e, no entanto, são mais
expressivos e fiéis, do original grego.
32
Encontros Teológicos nº 60
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Luis I. J. Stadelmann, SJ
Ora, a mesma tradição ocorre na literatura patrística. Os “epíscopos” reaparecem na Didaqué (XV. 1) e em Clemente de Roma (1Cor
42,4); ao passo que os “presbíteros” são mencionados por S. Policarpo
(Fl v. 3). Hermas conhecia os dois: uma vez os “presbíteros” são citados
ao lado dos apóstolos (Vis. M. 5,1); mas ao abordar outras regiões além
da Igreja de Roma, ele observa que de fato “os presbíteros a governam”
(Vis. 2,4).
Entretanto, não há dúvida de que os dois termos não designam
a mesma função, como consta em S. Paulo e S. Lucas. Na verdade,
vários indícios atestam com certeza a existência, na mesma época, do
episcopado propriamente dito. Mesmo assim, o vocabulário hierárquico
continua sendo impreciso. Para haver uma distinção mais exata entre o
corpo presbiteral e o bispo como seu chefe, é preciso pesquisar outras
fontes até chegar a S. Inácio de Antioquia, onde é corrente1.
Quem eram então esses “presbíteros” nos inícios da Igreja nascente? Houve tentativas de explicação com base numa analogia com um
corpo honorário entre os dignitários, ou por causa de sua eleição pelos
fiéis ou por causa do caráter sagrado, atribuído a eles como pré-requisito
de suas funções. Outros supõem praxe em vigor numa época em que
todos os “presbíteros” teriam possuído o caráter episcopal sufragâneo.
Mas podemos contentar-nos com a explicação de simplesmente ver aí
sacerdotes, unidos entre si nas comarcas de um bispado, o que é suficientemente atestado alhures naquele tempo2. Porém há mais. Conhece-se
o livro do Apocalipse onde se encontra uma terminologia bem diferente
da costumeira, ao designar o chefe de cada uma das sete Igrejas da Ásia
Menor com o termo “anjo, mensageiro“, em grego: αγγελος − angelos
(Ap 2-3). Sua função é guiar a comunidade de fé e transmitir a mensagem
que o Espírito de Deus lhe comunica. Essas sete cartas dirigidas às Igrejas
na Ásia Menor apresentam uma imagem bem ilustrativa de Jesus Cristo,
da história da Igreja e também da vida dos presbíteros.
1
Cf. Carta a Filadélfia. VIII, 4, Esmirna VIII, e S. IRINEU, Adversus haereses, III, 14,2
PG, vol.I, col. 914.
2
Cf. J. RIVIÈRE, “Presbytre”, em: Dictionnaire pratique des Connaissances Religieuses
V, Librairie Letouzey et Ané, Paris, 1927, col. 749-750.
Encontros Teológicos nº 60
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33
Ministério presbiteral na Igreja
A vida dos bispos no NT3
Em cada uma das sete Cartas enviadas pelo autor do Apocalipse,
é apresentado o perfil do chefe da Igreja cristã local com ênfase nas
qualidades de caráter e de espiritualidade, para que sirvam de paradigma,
mutatis mutandis, a outros líderes eclesiais. Como característica comum
é avaliada sua conformidade com as virtudes teologais: a fé vigilante, a
esperança comprovada pela fidelidade e a vivência do amor.
O ”anjo” de Éfeso se destaca pela qualidade organizativa, a
perseverança na luta de consolidar a comunidade, um temperamento
marcante, alcançando êxito notável no seu engajamento. Entretanto, em
meio à atividade empreendedora, esmoreceu seu amor inicial. Apesar de
todo o êxito conquistado, sua liderança como pastor perdeu seu brilho
no candelabro (Ap 2,1-7).
O “anjo” de Esmirna está desprovido de bens materiais, isento de
cobiça, e é fiel na adesão a Cristo. Do fundo do seu coração e do fundo
de sua confiança em Deus brotam sua força a toda prova. Perseguições e
calúnias não abalam sua constância na vocação, de sorte que a Igreja tem
nele um sustentáculo seguro em tempos de grave perigo (Ap 2,8-11).
O “anjo” de Pérgamo exerce seu apostolado numa comunidade
muito atribulada, já que Satanás erigiu seu trono naquela cidade. Logo de
início desenvolveu uma atividade bem diversificada, com muita coragem,
e empenhou-se pela pureza da fé, mas em seguida ficou paralisado pela
tibieza. Portanto, precisava ser encorajado e admoestado para retomar
sua prístina fortaleza na fé (Ap 2,12-17).
O “anjo” de Tiatira possui qualidades louváveis, executa obras com
amor e perseverança, e seu zelo está em contínuo crescimento, porém
falta-lhe o dom do discernimento dos espíritos. Mostra condescendência
no trato com uma mulher que se exibe como profetiza, mas não passa
de uma pervertida (Ap 2,18-28).
3
34
Nos Comentários exegéticos do Apocalipse constam descrições muito elucidativas do
perfil dos bispos nas comunidades cristãs da província romana da Ásia: cf. A. FEUILLET, “Jalons por une meuilleure intelligence de l’Apocalypse”, em Esprit et Vie, vol. 85,
1975, 209-223, segundo o qual, os “anjos” são sem dúvida os chefes dessas Igrejas; cf.
também P.MORANT, Das Kommen des Herrn, Thomas Verlag Zurique, F. Schöningh,
Munique, Paderborn, Viena, 1969, 107-108; por outro lado, foi apresentada a hipótese
menos provável de que esses “anjos” seriam meramente as comunidades eclesiais,
ver P. PRIGENT, O Apocalipse, (Bíblica Loyola 8), Ed. Loyola, S. Paulo 1993. p. 44.
Encontros Teológicos nº 60
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Luis I. J. Stadelmann, SJ
O “anjo” de Sardes é homem de fachada, com aspirações à ostentação e exterioridade. Leva uma vida de conforto e faltam-lhe o espírito
de fé e a convicção sobrenatural da vocação. Vangloria-se do renome em
público, mas aos olhos de Deus ele está morto (Ap 3,1-6).
O “anjo” de Filadélfia é modelo de um cura de almas sem mácula
nem defeito. Embora não possua grande talento, granjeia estima entre os
adversários pela fidelidade, vida exemplar e grande fervor (Ap 3,7-13)
O “anjo” de Laodiceia não faz honra ao seu cargo, talvez por viver
numa cidade muito rica. De fato, está muito convencido de sua capacidade profissional e da importância pessoal. Sua característica é a tibieza
e ausência de espiritualidade baseada na vocação (Ap 3,14-29).
Desde o início do livro do Apocalipse, vê-se a importância considerável da apresentação das sete comunidades cristãs, sete Igrejas, localizadas
na província romana da Ásia, resultado da rápida difusão do cristianismo
no Império Romano, na segunda metade do I. séc. O número “sete” indica
o conjunto de cidades nas quais dois cultos idolátricos eram praticados: o
culto a Ártemis4, em Éfeso, e a solenidade em honra do imperador romano,
celebrada anualmente com cerimônias festivas em cada uma dessas sete
cidades. O culto dedicado a Ártemis estava enraizado na população, por
causa da sua veneração como deusa da fecundidade na natureza e na vida
humana. Segundo a lenda, Ártemis tinha sete assistentes metamorfoseadas em estrelas. Essas assistentes eram identificadas com as Plêiades, um
grupo de estrelas na constelação do Touro. A designação dos bispos por
“anjos” é provavelmente uma alusão à nomenclatura sideral. Haja vista
a situação do “anjo”5 da Igreja em Sardes, que foi chamado de “morto”
(3,1), em analogia com Mérope, a estrela tutelar que se tornou invisível,
por castigo de ter amado um mortal6.
4
Quanto ao culto das Plêiades, é de notar que sua origem é semítica, da Mesopotâmia,
veja-se J. HENNINGER, “La religion bédouine préislamique”, em: L’antica società
beduina, Roma 1959, p. 133.
5
A designação dos bispos como “anjos, mensageiros” (cf. Ec 5,6 e Ml 27, sobre os
sacerdotes do AT), se explica pela sua função de portadores da Palavra na liturgia
eucarística. O motivo de o autor do Apocalipse usar o termo “anjos” em lugar de
“epíscopos”, é provavelmente intencional.
6
A razão de o autor do Apocalipse optar pela escolha exatamente dessas sete cidades
não está clara. Surge a pergunta: por que são citadas estas igrejas e não outras, que
existiam por lá na época? A resposta está na proximidade geográfica: Éfeso dista 50
km de Esmirna, que dista 70 km de Pérgamo, que dista 60 km de Tiatira, que dista
50 km de Sardes, que dista 45 km de Filadélfia, que dista 70 km de Laodicéia. A posição geográfica dessas cidades e sua proximidade evocam a configuração estelar
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Ministério presbiteral na Igreja
Presbíteros a serviço de Cristo na Igreja7
O ministério sacerdotal está diretamente ligado à missão de Jesus
Cristo, como Redentor da humanidade8. A razão é bem clara: Deus precisa
de padres, porque o intermediário entre Deus e o gênero humano tem
que ser um homem e não um anjo, porque esse não é visível. Por isso,
Jesus entrou no mundo para responder às aspirações dos seres humanos
e estender-lhes as mãos, a fim de distribuir-lhes os dons divinos. Com
efeito, Cristo é que vem ao encontro dos anseios do “eu” transcendente
em busca da presença de Deus9.
No AT havia uma função toda especial atribuída ao sacerdócio no
rol das instituições de mediação da salvação divina, sendo aí designado
para servir como um dos quatro sinais de Eleição divina do Povo Eleito:
Templo, sacerdócio, Jerusalém e realeza davídica. Destarte, os israelitas
reconheciam no sacerdócio aarônico a missão precípua de celebrar a
liturgia no Templo, ofertando os sacrifícios. Outros encargos diretamente
ligados à sua atuação no santuário eram: o ensino da fé e da instrução na
Lei (cf. Lv 10,10-11), e a conservação dos livros sagrados. Desde tempos remotos, vigorava a tradição religiosa em Israel de manter a coesão
entre os fiéis mediante as instituições religiosas, servindo de mediação
da presença de Deus. A opção por instituições sagradas se baseava na
continuidade histórica e na prevenção de desvirtuarem em meras funções
transitórias, por causa de fatores extrínsecos ou devido à improvisação,
como é típico nos movimentos de religiosidade.
Na religião do NT foi adotada do AT a celebração da liturgia com
a oferta do sacrifício de ação de graças (ευχαριστια − eucaristia)10. O
das Plêiades, pois se assemelham à figura geométrica dessa constelação; cf. L.
STADELMANN, Criação e Ecologia na Bíblia, Ed. Lyola, S. Paulo. 2007, p. 68-70.
36
7
Cf. J. GIBLET, “Os Sacerdotes da Segunda Ordem”, artigo inserido no livro de G.
Baraúna, A Igreja do Vaticano II, Vozes, Petrópolis, 1965, cap. IV “Episcopado e
Presbiterado”, p. 906-918.
8
No Catecismo da Igreja Católica (1998) se designa o ministro ordenado como “ícone”
de Cristo Sacerdote (n.1142), citando um texto de S. INACIO DE ANTIOQUIA.
9
A metáfora do “eu” transcendente foi elaborada pelo psicanalista C.G. JUNG, tendo
sua aplicação no estudo da teoria da personalidade. Veja-se a conclusão do livro
de Susan C. CLONINGER, Teorias da Personalidade, (Trd. de C. Berliner), Martins
Fontes, S. Paulo, 1999, p. 532s.
10
Outros tipos de sacrifício em vigor no AT eram os seguintes: holocausto (Lv 1,1-17);
oblações de cereais (2,2-16); ação de graças, i.e. sacrifícios pacíficos (3,1-17); expiação dos pecados (4,1-5-13) e reparação da culpa (5,14-26). Os Salmos mencionam
também “sacrifício de louvor” como expressão alternativa de “ação de graças”, porque
Encontros Teológicos nº 60
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Luis I. J. Stadelmann, SJ
próprio fundador do cristianismo tomou a iniciativa de instituir o culto
sacrifical na Última Ceia para ratificar a Nova Aliança. Caso contrário,
essa Aliança se reduziria a mera recordação de um rito obsoleto do passado ou a evocação de uma ideia, sem eficácia real11. É importante notar
a inovação introduzida por Jesus Cristo ao instituir, de forma incruenta,
o “memorial” do sacrifício salvífico na cruz para remissão dos pecados.
Não se trata meramente de um rito sagrado12 como tal, que Cristo lhes
mandou realizar e, sim, de celebrar, antecipadamente, na véspera, o sacrifício memorial da Sexta-Feira Santa: “meu corpo que será dado por vós”
e ”meu sangue que será derramado por vós e por todos” (1Cor 11,24-25).
Chamamos a atenção para o uso do tempo dos verbos no futuro, numa
opção de tradução adotada com a reforma litúrgica da Vaticano II, com
base no argumento de que a ação litúrgica comemora uma ação com
eficácia em todos os tempos. Mas o Concílio visava ressaltar a atuação
de Cristo dentro da História da Salvação marcada pela continuidade
e descontinuidade entre o AT e NT. A praxe de oferecer um sacrifício
incruento é deveras inovadora, embora tenha ficado despercebida em
outras religiões e por isso não foi adotada por elas. É isso o que hoje se
celebra na S. Missa. Na Última Ceia foram instituídos os apóstolos como
ministros ordenados: “Fazei isto em memória de mim!” (1Cor 11,23-26).
A função de Cristo no exercício do sacerdócio não se compara com o
sacerdócio aarônico, mas é o sacerdócio primordial por ser “intransferível” e ser de outra “ordem” (Hb 7,24), isto é, não é hereditário entre as
famílias sacerdotais da descendência de Aarão.
A religião abrange liturgia e culto: o sacrifício tem o papel de
mediação da graça divina, sem reduzir-se a mero rito. Ora, ritos religiosos originam-se em costumes populares, no folclore, tabu e cerimônias
públicas, quando se celebram eventos festivos do calendário cívico.
Porém, as mediações da graça divina são instituídas nas religiões bíblicas
por ministros ordenados para o exercício de funções sacras no culto e na
liturgia, culto, portanto, sacrifical (cf. Hb). Além da função de oficiantes
da liturgia, os “sacerdotes” exercem também a liderança das comunidades
se louva o Benfeitor divino em vez de agradecer a dádiva divina; cf. hebr: tôdah =
louvor, gratidão.
11
Ver a opinião diferente defendida por José COMBLIN, afirmando que Jesus Cristo não
teria fundado uma religião nem instituído um culto sacrifical, mas teria se contentado
em pregar o Reino de Deus, cf. “O pobre, critério para a profecia”, em Encontros
Teológicos, Nº 59, Ano 26, Fasc. 2 (2011), p. 131-154.
12
Veja-se o artigo de Jung MO SUNG, “Eucaristia: memorial ou rito sagrado”, em Convergência, Ano 43, Nº 411, Maio 2008, p.328-336.
Encontros Teológicos nº 60
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Ministério presbiteral na Igreja
de fé pelo ensino da doutrina, pela administração dos sacramentos, pela
organização e obras assistenciais da Igreja local. Para não desvirtuar
num mero ativismo “a serviço” do serviço pastoral, entrou em foco, a
partir do Vaticano II, a perspectiva deontológica, isto é, a espiritualidade
presbiteral unindo a vivência eclesial da fé na comunidade dos fiéis com
a própria adesão do presbítero a Cristo como discípulo13.
A celebração da liturgia na Igreja
O cristianismo como religião está a serviço do Reino de Deus.
Na Igreja Católica destaca-se a liturgia sagrada na comunidade de fiéis
porque, por meio dela, a religião se torna viva graças à presença atuante
de Jesus Cristo, a fim de ratificar a Aliança sagrada por meio de um sacrifício, na santa Missa. Cumpre particularmente sublinhar as diferentes
concepções do sacrifício:
Sacrifício em sentido antigo e moderno14
Concepção moderna
(secularizada)
Uso específico: Somente um ato cultual
Nunca um ato cultual
Âmbito:
Totalmente religioso
Quase sempre secular
Volume:
Quanto maior possível
Quanto menor possível
Destinatário:
Sempre oferecido a Deus
Nunca oferecido a alguém
Objetivo:
Em reconhecimento por dádiva
Sem reconhecimento por dádiva
Ato:
Feito sempre com alegria
Feito sempre com pesar
Emoção:
Acompanhado de júbilo
Acompanhado de tristeza
Ênfase:
Na doação da oferta
Ênfase em desfazer-se de algo
próprio
Implicação:
Morte e destruição como fator Morte e destruição como fator
acidental
inerente
Transferência: Privação não é fator constitutivo Privação é fator constitutivo
Parâmetros
Concepção antiga (bíblica)
Desde logo, surge a pergunta: por que Cristo encerrou sua missão
na terra por uma morte cruenta e pela ressurreição gloriosa? A resposta
é dada nas três profecias sobre a sua morte salvífica (Mt 16,21; 17,22s;
20,17-19). Pois Cristo explica que Ele tinha que morrer dessa maneira (em
grego δει − “é necessário”) devido ao desígnio salvífico de Deus em aceitar
o sacrifício de expiação pelos pecados da humanidade e assim realizar a
38
13
Cf. Carlos Rogério GROH, A identidade do ministério presbiteral como tema teológicopastoral: uma questão epistemológica, ITESC, Florianópolis, 2010, p. 106-120.
14
Robert J. DALY, SJ, The Origins of the Christian Doctrine of Sacrifice. Philadelphia,
Fortress Press, 1978, p.3-4.
Encontros Teológicos nº 60
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Luis I. J. Stadelmann, SJ
redenção humana. Em outras palavras, uma morte plácida na cama não teria
sido salvífica, porque somente a morte na cruz foi o gesto culminante de
todos os atos de doação da vida de Cristo em oferenda a Deus. A motivação
desse sacrifício faz parte da concepção bíblica sobre a obra salvífica pela
redenção da humanidade. Por iniciativa do próprio Cristo, esse sacrifício
não adquiriu valor apenas simbólico na vivência da fé e, sim, se torna
presente e eficaz como memorial litúrgico na santa Missa.
Missão das mulheres na pastoral vocacional15
Entre as grandes novidades do Vaticano II está a ênfase na colaboração dos leigos na Igreja em termos de um sacerdócio batismal. Recebem, portanto, uma notável dignidade, devida à consagração que lhes
é conferida pelo batismo e pela confirmação. Trata-se de uma novidade
em relação ao AT, onde JHWH não pediu a colaboração dos leigos (mas
cf a revolta de Coré, em Nm 16!), porque só no cristianismo é que se
efetivou, no coração dos fiéis, a dupla ação de Cristo Ressuscitado e do
Espírito Santo. Além disso, a missão de difundir entre os povos a fé na
Eleição divina e na Aliança sagrada não entrou em ação no AT, porque ali
estava em vigor a história salvífica particular, ao passo que no NT é que
se abriu o âmbito mundial com a história salvífica universal16. A missão
que coube ao Povo Eleito realizar em Israel era servir de paradigma da
ação divina para com os outros povos. Assim, o Povo Eleito se tornou
o instrumento de salvação para toda a humanidade.
Sabe-se, com efeito, que o critério de paradigma não teve uma
influência marcante entre os diversos povos, visto que não se organizaram
em comunidades de fé e comunidades éticas. Era preciso um fator atuante
que agisse sobre a vivência da fé mediante o sacerdócio de Cristo, ao
qual se associam colaboradores participando no sacerdócio ordenado e
no sacerdócio batismal. Os dois se orientam um ao outro, sendo que a
15
Cf. F. TABORDA, A Igreja e seus ministros. Uma teologia do ministério ordenado, Ed.
Paulus, S. Paulo, p. 181-183.
16
Nos onze capítulos do Pentateuco se narra a “história salvífica universal”, passando
para o relato da “história salvífica particular” e abrangendo todos os séculos do passado
do Povo Eleito, narrado nos livros do AT. Com o NT abriu-se a dimensão mundial da
“história salvífica universal”, a fim de difundir os méritos da redenção de Cristo para
toda a humanidade.
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39
Ministério presbiteral na Igreja
distinção está na diversidade de carismas que o Espírito Santo distribui
aos fiéis17.
A participação dos leigos no múnus sacerdotal é uma inovação do
NT (embora fundamentada em Ex 19,6 e Is 61,6 etc), porque é uma função
atribuída a todos os cristãos consagrados pelos sacramentos do batismo
e da confirmação. Ela confirma a identidade eclesial dos fiéis por serem
as colunas da Igreja sustentando a instituição em todo o seu conjunto
pelas modalidades com as quais o ministério se realiza e se configura.
Foram providenciais as Ordens e Congregações religiosas que, no curso
dos séculos, deram sua contribuição valiosa na realização da ação eclesial nas dioceses e da expansão da fé cristã nas missões ultramarinas do
mundo inteiro. Entretanto, com a escassez dos ministros ordenados, recai
sobre os leigos a execução das atividades eclesiais incluindo o desafio de
suscitar novas modalidades de vivência da fé e uma maior variedade de
modelos de vida cristã adaptados às diversas faixas etárias, no contexto
das mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas.
Antes de apreciar devidamente a atuação das mulheres na pastoral
vocacional, é preciso chamar a atenção para o princípio da unidade e
pluralidade da Igreja, sem reduzir os fiéis a um padrão comum e nivelar
todos num só patamar, sem hierarquia nem atribuições diferentes, instituídas no entanto para o crescimento da fé.
A unidade da fé na comunidade cristã, sem fragmentação em movimentos de religiosidade, é da essência da Igreja Católica. Mas a Igreja
vive essa unidade na pluralidade dos diversos seres humanos, povos e
culturas18. Nessa pluralidade é que se realizam os fiéis, nas mais diversas situações culturais e sociais. Daí que na Igreja “não há mais homem
e mulher”, segundo S. Paulo (cf. Gl 3,28) e, sim, uma pluralidade de
fiéis, condicionados pela história e pelas condições culturais, étnicas e
sociais dos povos. Destarte, as soluções encaminhadas para solucionar
a escassez dos padres, nos diversos continentes e povos, respondem de
maneira muito diversificada às necessidades da vida pastoral nas dioceses
e nas paróquias19.
40
17
Cf. F. Taborda, op. cit., p.166-170.
18
Cf. K. RAHNER, “La Mujer en la Nueva Situación de la Iglesia”, em: Escritos de Teología VII, (Escritos Pastorales), Taurus Ediciones, Madrid, 1967, p. 380-397.
19
Haja vista a analogia com outras denominações religiosas, onde entrou em voga a
ordenação de mulheres para servirem de ministras ordenadas no culto religioso da
Igreja Presbiteriana do Canadá e das congregações luteranas da Alemanha e alhures, como também no culto do rito israelita nas sinagogas, entre os judeus liberais
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Luis I. J. Stadelmann, SJ
Um novo desafio tem que ser enfrentado hoje em dia na promoção
vocacional, pelo fato de sempre menos filhos nas famílias. Com poucos
filhos, um ou dois ou no máximo três, os pais não querem deixá-los ir ao
seminário, mas seguram-nos no lar com o pretexto de futuro arrimo da
família. Fator marcante na formação de caráter dos jovens é o testemunho
dos pais. Um exemplo preclaro desse testemunho encontra-se no remate
do livro bíblico de Josué, cuja vivência da fé em público serviu de lema
para todo o povo: “Quanto a mim e a minha família, nós serviremos ao
Senhor! E o povo respondeu, nós também serviremos ao Senhor, pois
Ele é o nosso Deus” (Js 24,15-18).
Como se vê, a síntese das propostas de solução do problema de
escassez dos padres fica sendo precária. O fato de se partir da formação
desde o seminário até a ordenação sacerdotal origina-se de um equívoco,
porque não leva em conta o princípio pedagógico: Homo nascitur – sacerdos fit (o homem nasce feito – o sacerdote se faz)
Em outras palavras, é preciso educar os candidatos ao sacerdócio
durante o crescimento na família e nos anos de escolaridade até a idade
adulta. Porém, a problemática da pedofilia e dos transtornos de sexualidade entre gays, homossexuais e transexuais dificulta a organização de
jovens, turmas de coroinhas, encontros de grupos juvenis e ministério junto a menores de idade. Em reação, a tendência dos padres é de abstenção
dos encontros com jovens e adolescentes aos quais pudessem expressar
seus sentimentos e comportamentos como educadores, evitando que
seus gestos e atitudes possam ser mal interpretados, mesmo que tenham
as melhores das intenções. Se não houver educadores fidedignos para
orientar as crianças das diversas faixas etárias com a ajuda de um acompanhamento qualificado, atendendo os educandos nos vários estágios do
crescimento dentro de grupos de alunos, é inevitável que a aprendizagem
das normas da vida humana corre o perigo de ser deturpada pelo exemplo
dos meninos de rua praticando traquinagens ou estará à mercê de gangues
organizadas recrutando meninos para o tráfico de drogas.
Por isso, atenta ao binômio do humanismo e religião, a Igreja está
sentindo a necessidade de formadoras a serviço das vocações sacerdotais.
As mulheres engajadas na promoção vocacional devem dar-se conta do
fato de que Deus é quem toma a iniciativa. É Ele quem convida e é n’Ele
que os fiéis da Igreja devem pôr todas as esperanças de que continue
da América, onde foram instituídas mulheres na função de rabinas, como também
homens gays como rabinos: cf. <www.huc.edu/ijso/jhwrc>.
Encontros Teológicos nº 60
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Ministério presbiteral na Igreja
chamando escolhidos para colaborarem com Ele em sua missão. Os
jovens de hoje têm uma série de valores, preocupações, sensibilidades e
possibilidades que os tornam capazes de acolher generosamente a mensagem de Deus e, com efeito, a acolhem em novas formas. Afirmar essa
confiança e pedir luz para compreender essas novas formas de acolher
a Palavra de Deus é apostar na promoção vocacional. Prioridade nesta
atividade pastoral é a confiança na ação do Espírito Santo, que vencerá
os nossos medos e suscitará o crescimento das vocações.
A pastoral vocacional exercida por mulheres reconhece sete planos
do múnus presbiteral, que caracterizam toda a comunidade paroquial.
1. O primeiro consiste no engajamento dos padres como mensageiros da boa-nova. Cristo trouxe-a do céu e incumbiu
seus apóstolos de transmiti-la a toda a humanidade: “Ide
por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura!”
(Mc 16,15) Por isso, um dos deveres primordiais do padre, é a pregação da palavra de Deus. O que ele diz como
“sacerdote” na Igreja, como catequista na escola, ou como
professor de teologia na universidade, não é opinião pessoal, mas é a palavra de Deu. Paulo o Apóstolo admoesta seu
discípulo, o jovem bispo Timóteo: ”Conjuro-te diante de
Deus e de Jesus Cristo: prega a Palavra! Prega-a sempre,
seja oportuno ou inoportuno!” (2Tm 4,2). A colaboração
das mulheres é dar assistência aos catequizandos na aprendizagem da doutrina cristã, é marcar presença nas reuniões
de pais e mestres para dar orientação aos professores na
implementação do ensino religioso.
2. O segundo é a guarda fiel dos mandamentos, como é essencial aos coordenadores da comunidade ética. Sem conivência
com os desmandos dos poderes públicos e sem condescendência com a falta de integridade dos mandatários, resulta
que a Igreja ganha credibilidade na vida pública. É tarefa
dos leigos lembrar aos padres a importância da animação
da cultura pelos valores cristãos.
3. O terceiro é a atuação como ministro dos sacramentos. Com a
ajuda das animadoras de pastoral nas paróquias, nos hospitais e
nos acampamentos de grupos de jovens, reunidos em encontros
informais nas jornadas de formação, é muito oportuno aproveitar oportunidades propícias para a celebração eucarística e
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Encontros Teológicos nº 60
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Luis I. J. Stadelmann, SJ
a animação religiosa na prática da fé. Isso se constituirá num
forte apelo para a vocação presbiteral.
4. O quarto é o zelo do pastor de almas orientando os fiéis
para o caminho da vida de fé através do aconselhamento e da assistência espiritual, quando as tensões da vida
familiar e profissional vão corroendo o estado de saúde
e subtraindo a qualidade de vida. A espiritualidade na
vida cotidiana está se tornando cada vez mais importante, principalmente com visitas dos padres que as equipes
pastorais encaminham às pessoas em busca de orientação
e atendimento personalizado.
5. O quinto é o empenho do salvador das almas em grave
perigo de soçobrar em situações que geram amargura e
roubam o alento interior. Encontros com agentes de pastoral
de enfermos encaminham o padre para trazer os dons da
salvação a domicílio.
6. O sexto é a guia das almas para a paz interior onde Deus mesmo
habita e que Ele preenche com Sua presença divina. As leigas,
encaminhando essas pessoas, exercem um papel providencial
nas comunidades paroquiais.
7. O sétimo é a cura das almas nos diversos caminhos da vida
como ela é, com seus altos e baixos, com seus fracassos e
sucessos, desempenhando o papel de reconciliação com a
situação concreta. A presença amiga do padre e das equipes de espiritualidade paroquial é capaz de relativizar as
frustrações e ajudar a encontrar a alegria como dom do
Espírito de Deus.
Essa dimensão participativa da ação pastoral deve poder contar
com a colaboração de todos os fiéis na difusão da salvação divina,
situando-a num contexto comunitário e nas interações personalizadas
entre clero e laicato.
Conclusão
A questão crucial da Igreja Católica chama a atenção para o fato
de que a vocação para o ministério presbiteral não é opção de alguns
católicos ou de algumas dioceses, mas constitui parte essencial da existência cristã, que busca adquirir forma como participação no serviço de
Encontros Teológicos nº 60
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Ministério presbiteral na Igreja
Cristo. Uma ação em que o caráter de serviço de colaboração eclesial se
expressa com muita intensidade é a presidência da celebração eucarística.
A interação do sacerdócio ministerial e do sacerdócio batismal a serviço
de Cristo na Igreja visa a construção do Reino de Deus. A inserção dos
fiéis na Igreja dá-lhes acesso à obra da salvação de Cristo, cujos méritos salvíficos redundam em benefício dos redimidos do Povo de Deus
e possibilitam o encontro com Ele no contexto histórico dos indivíduos
e da comunidade.
Endereço do Autor:
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Rua Esteves Júnior 711,
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Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Resumo: O Documento de Aparecida oferece significativas e imprescindíveis
contribuições para a formação do presbítero. Atento à mudança de época em
que vivemos, marcada sobretudo pelo pelo “modo de ter de existir” e pelo “modo
urbano de existir”, urge um repensamento do modo de ser Igreja e do seu agir
missionário. Consequentemente, é preciso repensar também o ser e agir do
presbítero, chamado a assumir a missão de pregar o Evangelho de Jesus Cristo
que valoriza “ser” pessoal e cristão. Contra a “profissionalização do ministério
presbiteral”, é preciso afirmar a missão, gratuita e permanente, como eixo articulador da formação presbiteral.
Abstract: The Document of Aparecida makes some significant and irreplaceable
contributions to the formation of priests. With special attention to the changes in
our time and age, as marked by the means needed for existence over the mode
of urban existence, a new requirement is made to the Church so as to stress the
mode of Christian belonging and missionary action of the faithful. As a result,
priestly vocation should focus on the role of the priest as preacher of Christ’s
gospel, rather than on a mere professional ministry. Most important of all is to
reaffirm his commitment to Jesus Christ in view of the gratuitous and permanent
mission of the priest in unrelenting growth towards perfection.
Formação presbiteral inicial
e permanente*
Ângelo Domingos Salvador, OFM Cap**
*
Este texto foi publicado pelas edições CNBB na coleção À Luz de Aparecida,
2009.
** O autor é especialista em cultura brasileira e bispo emérito da diocese de
Uruguaiana, RS.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011, p. 45-79.
Formação presbiteral inicial e permanente
Introdução
Que contribuições a Conferência de Aparecida oferece à formação
de Presbíteros? Em outros termos, que diretrizes de formação presbiteral
podem ser obtidas ou inferidas da Conferência de Aparecida? O presente
texto não trata de todo o sistema de formação presbiteral. Limita-se às
principais contribuições de Aparecida.
Evidentemente, o assunto deve ser tratado, quer de acordo com
as orientações explícitas no Documento de Aparecida, quer de acordo
com as orientações nele implícitas, ou seja, seu espírito, seus horizontes
e suas perspectivas.
Ora, “a V Conferência do Episcopado Latino-Americano e Caribenho é novo passo no caminho da Igreja” (DAp, n. 9); “abre-se a passagem
para um novo período da história” (DAp, n. 10); “a Igreja é chamada a
repensar profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão
nas novas circunstâncias” (DAp, n. 11). “Trata-se de confirmar, renovar
e revitalizar a novidade do evangelho” (DAp, n. 11); “encontramo-nos
diante do desafio de revitalizar nosso modo de ser católico” (DAp, n. 13);
“Isso requer uma evangelização mais missionária” (DAp, n. 13).
Ora, os presbíteros “são os primeiros promotores do discipulado
e da missão”, “os primeiros agentes de uma autêntica renovação da
vida cristã no povo de Deus”. Em consequência, “eles devem receber
de modo preferencial a atenção e o cuidado paterno de seus Bispos”1.
Tal atenção e cuidado preferenciais devem começar no processo de sua
Formação Inicial e continuar e, até mesmo, intensificar-se no processo
de sua Formação Permanente.
Em consequência, trata-se de empreender “novo passo” no caminho da formação presbiteral, de tal forma que se inicie “novo período” de
sua história. Isto exige que se entre num processo de “repensar profundamente” a formação, a fim de renová-la e revitalizá-la, na perspectiva
missionária.
A sequência dos assuntos pode ser formulada assim: Para novo
modelo de sociedade, um novo modelo de Igreja; para novo modelo de
Igreja, um novo modelo de presbítero; para novo modelo de presbítero,
um novo modelo de formação.
1
46
Bento XVI, Homilia na Eucaristia de inauguração da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, 13 de maio de 2007, Aparecida, Brasil.
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Ângelo Domingos Salvador, OFM Cap
I Contexto da formação presbiteral
Neste capítulo, tratamos dos seguintes temas: 1) Globalização do
“Modo Ter de Existência”– tópico tratado com relativa extensão; 2) Globalização do “Modo Urbano de Existência” – tópico breve; 3) Situações
que afetam a Vida Presbiteral – tópico igualmente breve.
1 Globalização do “modo ter de existência”2
Novo Modelo de Sociedade
Introdução
Ao falar da “identidade e do Ministério dos Presbíteros” a Conferência de Aparecida afirma que “um olhar ao nosso momento atual nos
mostra situações que afetam e desafiam a vida e o ministério de nossos
presbíteros” (DAp, n. 192). Depois aponta alguns desafios. Particularmente, “o segundo desafio se refere ao ministério do presbítero inserido
na cultura atual” (DAp, n. 194). Antes disso, no capítulo II ao falar de
“um olhar dos discípulos Missionários sobre a Realidade”, afirma categoricamente: “VIVEMOS UMA MUDANÇA DE ÉPOCA, e seu nível
mais profundo é o cultural” (DAp, n. 44). Significa: Estamos saindo de
um modelo ou sistema de sociedade e entrando em outro, ou seja, um
modelo ou sistema está passando e outro vem chegando. Assim, estamos
no tempo da passagem de um para outro. De fato, já não estamos em
época de mudanças acidentais ou graduais dentro do mesmo modelo ou
sistema social, mas, sim, de mudanças substanciais e essenciais, que
caracterizam outro modelo ou outro sistema de sociedade. Tais mudanças, segundo Aparecida, revelam-se principalmente no nível cultural,
evidentemente com reflexos nos demais níveis. Há, porém, analistas3 que
falam que já entramos dentro de outra época, num outro modelo, num
outro sistema de existência humana no planeta Terra. Em outros termos,
já estamos vivendo em situação substancial e essencialmente diversa.
Então, a diferença entre ontem e hoje, não é de grau, de qualidade, de
quantidade, de relação, de ação ou de qualquer outro predicamento
2
Este texto foi apresentado durante a 46ª Assembleia da CNBB, realizada em Itaici,
nos dias 02 a 11 de abril de 2008.
3
NEUTZLING, Inácio, Uma época de Mudança, Revista Convergência, Ano XLIII, Nº
409, março 2008, pág. 107-131. O texto foi apresentado também no Fórum da Igreja
Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. É um artigo científico com todo o
aparato técnico.
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Formação presbiteral inicial e permanente
acidental, mas de natureza ou essência. Não é apenas época diferente:
É outra época, diversa.
Que critério nos garante a legitimidade da afirmação: Vivemos
uma mudança de época? Como se caracteriza a “mudança de época”?
Ou mais radicalmente: Em que novo modelo ou novo sistema estaríamos
vivendo? Como se caracteriza tal modelo, sistema ou época? Como
resposta, apresentamos aqui, de forma breve, um ponto de vista, que é
sempre a vista de um ponto. Outros, de outros pontos, podem ter e apresentar outros pontos de vista. Não há espaço para relacioná-los. O que
apresento, parece-me o “óbvio ululante” (Nelson Rodrigues).
1.1 Globalização do Modo Ter de Existência4
Tese. Hoje, no mundo inteiro, o motor da história, o fator gerador de
outra civilização, o eixo articulador da organização social são os BENS:
Não mais o “bem” ou os valores, mas, sim, os “bens”. A preocupação
central da sociedade estabelecida, oficial e pública, não é mais “o bem
ou o mal”, mas os bens econômico-financeiros.
Sua ética não é mais a do “bem”, mas a dos “bens”. Em outros
temos: Passamos de uma cultura de valores para uma cultura de bens;
de uma civilização de valores para uma civilização de bens.
Já em 1920 R. H. Tawney falava do aparecimento de uma “sociedade aquisitiva”, sociedade que se organiza em função da aquisição de
bens. Em 1977, o conhecido escritor polivalente, Erich From, escrevia
o livro “Ter ou Ser”, em que analisava dois modos de existência, já
então facilmente visíveis na sociedade: O modo ser e o modo ter. Com
referência ao modo ter, também é dele a distinção entre “modo ter existencial” e “modo ter caracterológico”: O primeiro é tendência e exigência
natural de sobrevivência. O “meu é prolongamento do eu”. O segundo é
aprendizagem cultural. Possui o modo ter de existência, caracterológico,
como traço de caráter, quem tende a classificar tudo em termos de bens,
de rendimento e de lucro. Então, pessoas, conhecimento, amor, religião,
até o próprio Deus, tudo passa a ser visto e tido como objeto de posse e
4
48
A presente exposição inspira-se também em “Sacerdotes para Hoy”, artigo de Joseph
Mattam, cujo resumo se encontra em “Selecciones de Teologia”, Vol. 45, jul-set, 2006,
Nº 179, pág. 230 a 240. O autor afirma que o problema fundamental da formação de
sacerdotes de hoje é o ponto de vista do mundo, em que é dominante o “Sistema do
Ter”, com o “sistema do Fazer”, os quais definem o “sistema de valores mundanos”,
que prevalecem em nosso tempo.
Encontros Teológicos nº 60
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Ângelo Domingos Salvador, OFM Cap
de lucro, ou seja, como valor economicamente rentável, em termos de
vantagem ou desvantagem.
Assim, o modo ter de existência, de tendência natural, passou a
ter caráter cultural. Este, de alcance singular, de um ou outro indivíduo,
evoluiu para caráter particular, de grupos. Na sequência, passou de grupos
cada vez maiores até alcançar inteiras sociedades. Hoje, assistimos à universalização ou globalização do modo ter de existência. Assim, de caráter
singular, particular e parcial, o modo ter de existência passou a ser caráter
global e dominante da inteira sociedade humana, no planeta terra.
Podemos dizer hoje – somente hoje – que há dois modos de existência
com caráter de globalidade – modos globais de viver e de estar no planeta
terra, modos que abarcam a totalidade da vida pessoal e social, durante todo
o tempo: De um lado, o modo masculino e feminino de existir, de natureza
biológica, e, de outro, o modo ter de existir, de natureza cultural.
Na terminologia de Mendel, assim como no varão o modo masculino
comporta-se à maneira de caráter dominante e o modo feminino, à maneira
de caráter recessivo, assim também em toda a extensão do planeta e em
todas as suas sociedades humanas organizadas, o modo ter de existência,
centrado em bens, comporta-se igualmente como caráter dominante, oficial
e público, enquanto, por sua vez, o modo ser de existência, centrado em
valores, comporta-se como caráter recessivo, particular e privado.
Ao modo ter de existência, agrega-se o modo fazer: Para o “ter”
é necessário o “fazer”, o agir, a ação. Ao “ter material” corresponde o
“fazer tecnológico”. É que a máquina produz mais, é facilmente substituível e não reclama direitos.
Como fruto e manifestação, verifica-se o “ethos instrumental ativo”, ou seja, o hábito de pensar-se e comportar-se como mero instrumento
de trabalho. Deste modo, o ter e o fazer constituem o caráter dominante,
público e oficial de nossa época, enquanto o ser e o viver sobrevivem
como caráter recessivo, privado e particular.
1.2 Características do Modo Ter-Fazer de existir
Globalizado
Nunca, no planeta Terra, viveu-se um modo de existência tão
universalizado como o atual, declaradamente considerado “o Fim da
História”. De fato, Francis Fukuyama, no livro “O Fim da História e o
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Formação presbiteral inicial e permanente
Último Homem” considera que o triunfo da democracia liberal do ocidente sobre todos os demais sistemas e ideologias é o fim da história, tendo,
então, aparecido o último tipo ideal de ser humano, o homem neoliberal.
Apresentamos algumas características mais marcantes, destacando o que
é dominante e o que é recessivo.
Fato Gerador do Sistema
Os “bens” são constituídos fato gerador, fator determinante e caráter dominante da estrutura interna de todo o sistema de organização social,
enquanto os “valores” são confinados à condição de caráter recessivo. Os
“bens” são assunto “maior”, enquanto os “valores” são assunto “menor”.
Os “bens” são assunto público; o bem é assunto privado. Os “bens”
são assunto oficial e obrigatório, os “valores” são assunto particular e
voluntário ou livre. Em razão disto, à produção, circulação e consumo
de “bens” é reservada a parte maior e a mais nobre do dia, enquanto o
cultivo de “valores”, tanto humanísticos quanto religiosos, é confinado ao
fim do dia e dentro da noite. Nos noticiários dos Meios de Comunicação
social, mais de 90% dos assuntos é de natureza econômico-financeira,
reservando-se menos de 10% para outras notícias. O autor de “O Pecado
de nossa Época” afirma que ele consiste em não mais se falar de “pecado”,
ou seja, do bem e do mal. Tal livro indica a data em que o Presidente dos
Estados Unidos falou, pela última vez, de pecado. Depois dessa data, diz
o Autor, os Estados Unidos não cometeram mais pecados! Em seu lugar,
talvez tenham tido desvios de conduta ou cometido crimes!
Novos Protagonistas Sociais
Na lógica do sistema, houve substituição dos protagonistas sociais.
No modo ser de existência, os geradores da vida e da organização social,
eram os PAIS, os PROFESSORES e os PADRES. Então, nesse modo de
existência, ocupavam lugar de destaque a Família, a Escola e a Igreja
(Religião). Sobre eles recaía o “louvor” quando a sociedade ia bem; sobre
eles recaía a “crítica” em tempos de crise social. Tais protagonistas se
davam bem entre si.
No modo ter de existência, os protagonistas sociais passaram a
ser os PODEROSOS, os PODERES ou POLÍTICOS, ou “PÚBLICOS”
(os formadores da opinião pública). São eles que exercem a liderança
absoluta na nova sociedade. Agora, nesse modo de existência, ocupam
lugar de destaque as instituições financeiras, as instituições políticas e
as instituições de comunicação social. Os novos protagonistas se dão
50
Encontros Teológicos nº 60
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muito bem entre si, mas todos se dão muito mal com a religião e com a
ética (dos valores).
Na Era da Economia, os poderosos, os políticos e os “públicos”,
assumem a “dominância” na sociedade global, enquanto os pais, os
professores e os padres passam à recessividade.
Desejos (wants) X Necessidades (needs)
Na lógica do sistema, segundo a versão neoliberal, para que o
progresso econômico não sofra solução de continuidade, ou então, seja
permanente, contínuo, sem interrupção, as necessidades individuais e
sociais são substituídas por desejos individuais e sociais, como motor do
progresso. Assim, os desejos são constituídos em fator e caráter dominante,
enquanto as necessidades são relegadas à condição de recessivas. Em outros
termos, a sociedade deve organizar-se, não para satisfazer necessidades,
mas para satisfazer desejos. De outro modo, a sociedade deve organizar-se,
não para atender direitos, mas para satisfazer ambições. Por que? Porque
as necessidades são limitadas e saciáveis, enquanto os desejos são ilimitados e insaciáveis. Logo, o progresso a partir de necessidades é limitado,
enquanto o progresso a partir de desejos não tem fim.
1ª Consequência: Se a necessidade é limitada e saciável, pode
haver “sobras”. Se o desejo é ilimitado e insaciável, nunca há “sobras”;
assim, enquanto a necessidade favorece a “distribuição”, o desejo favorece a “concentração”. Na lógica do sistema, a “concentração” de bens é
dominante e “desejável”, enquanto a “distribuição” de bens é recessiva
e “indesejável”.
2ª Consequência: Uma “saudável desigualdade” deve ser estimulada e promovida, de preferência à estagnante igualdade. A desigualdade
deve vir a ser caráter dominante, enquanto a “igualdade” deve ser relegada à recessividade, a algo particular e privado, até mesmo evitada,
em razão de sua potencialidade à estagnação. Como, então, promover a
“saudável desigualdade”?
Opção preferencial pelas grandes Fortunas X Opção
preferencial pelos pobres
Para o neoliberalismo, o motor do progresso não é o simples desejo,
mas o “desejo mimético”. Diz Frederico Hayeck, o Pai do neoliberalismo: “A maior parte das coisas, que nos esforçamos para conseguir, as
queremos porque os outros já as têm”. É da estrutura do desejo mimético
o desejar, não tanto pelo valor do objeto em si, mas sobretudo pelo fato
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Formação presbiteral inicial e permanente
de que outros já o têm. Além disto, constata Hayeck, “um novo bem ou
uma nova mercadoria, antes de ser uma necessidade pública e formar
parte das necessidades da vida, constituem geralmente caprichos de uns
poucos escolhidos. Os luxos de hoje são as necessidades de amanhã”.
Por essas razões, os ricos, as grandes fortunas, são os “escolhidos
do sistema”, os “grandes profetas” do desenvolvimento. Eles, provocando o desejo mimético, promovem o desenvolvimento contínuo. Deles
pode-se dizer o que Santo Agostinho dizia dos santos e santas: “Si isti
et istae, cur non ego?”, ou seja, se estes e estas, por que não eu? De fato,
o motor da santidade é o desejo mimético.
O jornal Zero Hora noticiou, dia 22.03.08, a propósito da Reforma Tributária, que “especialistas divergem sobre imposto das grandes
fortunas”. Diz um deles: “É uma ideia fascista, porque tira o incentivo
ao investimento e à produção de bens”.
No que se refere aos pobres, é o mercado que determina quantos
ele permite existirem, enquanto necessários como força de trabalho ou
mão-de-obra qualificada. Os demais, excluídos do mercado de trabalho,
não devem vir a existir, mediante rígidos programas de controle da natalidade. Os ricos não têm mais capacidade para manter tantos pobres!
Globalização da Competição X globalização da solidariedade
É notório para o senso comum que a competição é processo dominante, global, público, oficial e aprovado, enquanto a solidariedade está
relegada à recessividade, à iniciativa privada, ao voluntariado livre. Nada
escapa ao processo competitivo, onde necessariamente há vencedores e
primeiros, triunfantes e humilhados, vencidos e “segundos”. Não escapam do processo competitivo, nem mesmo o esporte, como o popular
futebol; a diversão, como o brasileiríssimo carnaval; e a religião, com a
teologia da prosperidade.
Globalização da competência X qualidade de vida
Na lógica do sistema, o ideal máximo de ser humano, homem e
mulher, é o de vir a “ser competente para ser competitivo”. Na formação de seus profissionais, o sistema exige duas coisas: Especialização
científica e habilitação tecnológica. A qualidade de vida do profissional
é assunto privado, no qual o sistema não entra. O propagado projeto de
“Qualidade Total” na administração de empresas tem por finalidade a
otimização de rendimentos.
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Ângelo Domingos Salvador, OFM Cap
Mercado X Estado
Enquanto KEINES (1883-1946), propunha uma sociedade de bem
estar para todos, mediante a intervenção do Estado, com o regime de pleno
emprego, para HETYECK tal procedimento é “O Caminho da Perdição”
(título do livro, em que expõe os princípios do neoliberalismo). Para ele,
cabe ao mercado a regulação da sociedade, não ao Estado. Então, o próprio Estado passa a ser fator-regulador recessivo, enquanto o mercado (a
mão invisível) é fator-regulador dominante. O Estado é regulador social
na medida em que garante livre trânsito ao mercado.
1.3 Legitimação do Sistema Dominante
Sem entrar em maiores detalhes explicativos, podemos indicar
duas fontes conceituais legitimadoras do sistema dominante:
1) A secularidade, que adquire status de “doutrina sagrada”,
segundo a qual o mundo, a sociedade, se explicam, se legitimam e se
governam por si mesmas, sem necessidade de qualquer intervenção
externa, seja da religião, seja de Deus. Assim, a sociedade democrática
é sociedade auto-suficiente, a qual se explica, se legitima e se governa
democraticamente, sem necessidade de algo externo que nela intervenha. Afirma Habermas: “Tenho por mim que a constituição do Estado
constitucional liberal basta a si mesma para se legitimar, pois dispõe
de um acervo cognitivo de argumentos que independe das tradições
religiosas e metafísicas”5.
2) A laicidade. O Estado laico, com todas as suas instituições,
como a Escola Pública, orienta-se por três fontes de conhecimentos e
de critérios: 1) A natureza das coisas, revelada pela ciência; 2) a razão
humana, que se expressa pela filosofia; 3) Os usos e costumes estabelecidos, e os demais elementos, da cultura socializada. Porque isto lhe é
suficiente, o Estado laico prescinde da religião. Não se opõe a ela, nem
a nega, mas prescinde dela, procedendo como se ela não existisse. A
laicidade – “essencial na tradição cristã autêntica” (Bento XVI) –, exige
um reposicionamento da Igreja.
5
HABERMAS, Jürgen; RATZINGER, Joseph. Dialética da Secularização – Sobre Razão
e Religião. Aparecida, Editora Ideias & Letras, 2007, pág. 33. Diálogo entre Jürgen
Habermas e Cardeal Joseph Ratzinger, dia 19 de janeiro de 2004, na Academia
Católica da Baviera.
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Formação presbiteral inicial e permanente
1.4 Corolários: Igreja e Presbíteros
Igreja na Recessividade
Não na dominância, nem na clandestinidade, mas na recessividade. Por tudo o que foi dito acima, percebe-se bem qual o lugar da Igreja
Católica na sociedade global e particularmente no Estado Brasileiro:
Está e atua na privacidade da recessividade.
A Igreja Católica no Brasil já fez parte dos protagonistas sociais,
junto com os Pais e os Professores. Ainda subsiste um “substrato Católico”, que se manifesta na religiosidade popular. Mas pública e oficialmente
a Igreja passou para à condição de entidade recessiva. Já vivemos no
passado próximo situações de perseguição, durante os quais setores ou
agentes da Igreja foram encurralados para a clandestinidade. Não é ainda
esta, porém, nossa situação geral, ao menos não do mesmo modo.
Mas não resta dúvida de que o espaço disponível é o da recessividade, como entidade privada, que congrega voluntários, por livre adesão.
Durante muito tempo, particularmente em muitas comunidades rurais,
pertencer à Igreja e nela atuar era o veículo ordinário de integração social. Hoje, porém, especialmente na cultura urbana, pluralista, pertencer
à Igreja e nela atuar, representa quase nada, em termos de integração
social. É mero assunto privado. Esta é a razão por que sua intervenção
em assuntos da vida pública vai sendo cada vez mais interpretada, sobretudo pelos novos protagonistas sociais, como intromissões indevidas
e reprováveis. Haja vista, a rumorosa discussão sobre as células tronco
de embriões humanos.
Em termos comparativos, podemos dizer que a Igreja, na sociedade
secular e laica, é como a vegetação baixa no meio de vasta floresta de
imensos jequitibás. Com muito esforço consegue acesso a uma nesga de
sol para poder sobreviver!
Como podem ser a vida e a missão da Igreja na situação de recessividade num Estado laico? O assunto merece especial atenção. Duas
coisas, ao menos, tornam-se claras: 1) Na recessividade de um Estado
laico, a Igreja, garantida sua independência e autonomia, tem aberto o
canal da ação profética, não como “contra comunidade”, mas dentro da
sociedade; 2) Em situação de recessividade num Estado laico, seu profetismo básico deve ser precisamente o do testemunho de vida. Talvez esteja
aqui nosso problema crucial – problema talvez ainda não reconhecido.
Cabe recordar aqui as propostas de João Paulo II, em Evangelium Vitae,
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onde ele propõe uma “virada Cultural”: “Urge uma mobilização geral
das consciências e um esforço ético comum, para realizar uma grande
estratégia a favor da vida. Todos juntos devemos construir uma nova
cultura da vida” (EV, n. 95).
Tal virada cultural “exige de todos a coragem de assumir um novo
estilo de vida que se exprime colocando... o primado do ser sobre o ter, da
pessoa sobre as coisas”, mais ainda “a passagem da indiferença ao interesse
pelo outro: Os outros não são concorrentes de quem temos de nos defender,
mas irmãos e irmãs de quem devemos ser solidários” (EV, n.96).
Tal proposta foi renovada, em Novo Millenio Ineunte, onde indica
a santidade de vida, como a primeira prioridade pastoral no início do
novo milênio: “Não hesito em dizer que o horizonte para que deve tender
todo o dinamismo pastoral é a santidade”... “É hora de propor de novo
a todos, com convicção, essa ‘medida alta’ da vida cristã ordinária: toda
a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nessa
direção” (NMI, n. 30).
Ainda em termos comparativos, podemos dizer que a Igreja, em
situação de recessividade num Estado laico, cumprirá sua missão se
vier a ser como o cacau, que cresce viçosamente à sombra de florestas.
Pelo “valor” de seu testemunho de vida, a Igreja pode vir a ser a grande
“fortuna” do povo, especialmente dos mais pobres.
Profissionalização do Ministério Presbiteral
Faz algum tempo, divulgou-se o slogan: “Homem de meu tempo,
tenho pressa”. De fato, homens de nosso tempo, temos imensa dificuldade de resistir ao espírito da época, ou seja, ao que é social, pública e
oficialmente aprovado.
O então Cardeal Ratzinger, em Retiro para a Casa Pontifícia, fazendo uma “Meditação sobre o Sacerdócio”, constata que “nos últimos
anos tem-se refletido muito sobre o sacerdócio e também tem havido
muitas polêmicas. Nessas discussões, ele saiu cada vez mais reforçado
pelos muitos e apressados argumentos mediante os quais se procurou
eliminá-lo como sacralização mal-entendida para o substituir por simples
serviços temporários de caráter funcional”.
De fato, como filhos de nossa época, podemos cair na tendência
de equiparar o Sacerdócio e, mais precisamente, o ministério presbiteral,
a um simples serviço, até temporário, de caráter funcional. Em outros
termos, podemos aderir à tendência de equiparar o ministério presbiteral
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a uma simples profissão secular, para cujo exercício são suficientes a
especialização teológica e a tecnologia pastoral. Nessa concepção, conta
pouco a santidade de vida, incluído o celibato sacerdotal. Tal tendência
terá já chegado até aqui? Para nós, na América e no Brasil, essa tendência
é já real ou ainda é meramente hipotética?
Durante o processo de formação inicial, a nossa linguagem
parece indicar que a formação intelectual, filosófico-teológica, é absolutamente dominante, enquanto a formação pastoral e, sobretudo, a
formação humano-afetiva, comunitária e espiritual, são recessivas. Pois
ao perguntar a um seminarista: Em que tempo de formação se encontra?
Invariavelmente, ouvimos a resposta: Estou em tal ano de Filosofia ou
em tal ano de Teologia. Isto é dominante, o restante é recessivo. Como
nos desviar, no processo de formação inicial, de tal tendência? Por outro
lado, nós mesmos, por ocasião de jubileus, ao recomendar bispos e padres, relacionamos ordinariamente seus empreendimentos ou suas obras.
Ora, já dizia Segundo Galileia: “Dizer de um Padre ou de um Bispo que
trabalha muito não diz nada de importante”!
2 Globalização do modo urbano de existir
Estima-se que, atualmente, cerca de 70% da população mundial
localiza-se em cidades; os demais 30% são invadidos, mediante os
Meios de Comunicação de Massa, pela mentalidade urbana: estes são
urbanos.
Em Aparecida, a cultura urbana é tratada diretamente a propósito
da “Situação sócio-cultural” (DAp, n. 43-59) e da “Pastoral Urbana”
(DAp, n. 509-519). Muitos outros números fazem referência a ela. Podese dizer, contudo, que a cultura urbana perpassa todo o Documento. Em
verdade, quando o Documento fala de cultura socializada tem como pano
de fundo e como referência a cultura urbana (DAp, n. 39). O assunto
necessita de amplo desenvolvimento.
Aqui fazemos apenas menção dele. Destacamos, porém, duas
características da cultura urbana, como amostras indicadoras da necessidade de renovação, quer da organização da Igreja, quer de sua ação,
quer da formação presbiteral.
A cultura rural era centrípeta; a cultura urbana é centrífuga: a
cidade cresce para fora do centro; a população urbana busca residir para
fora do centro. Por outro lado, a cultura rural orientava-nos a obedecer. A
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norma suprema era: “Eu obedeço” à natureza e seu ritmo; ao contrário,
a cultura urbana orienta-nos a que cada um escolha e decida por si6. A
norma suprema é: “Eu escolho, eu decido”, de acordo com a cultura que
nós construímos.
A simples citação de tais características é suficiente para nos convencer de que a Igreja deve descentralizar-se e fazer-se presente lá onde se
encontra o povo, organizando-se em rede de comunidades, fixas e móveis
(DAp, n. 172-177). Por outro lado, a Igreja e sua ação devem ser tais que
possam vir a ser escolhidas entre inúmeras alternativas. E a formação de
Presbíteros deve ser tal que leve em conta estas novas realidades.
3 Situações que afetam a existência presbiteral
Aparecida afirma que “um olhar ao nosso momento atual nos mostra situações que afetam e desafiam a vida e o ministério de presbíteros”
(DAp, n. 192), entre as quais destacam-se:
a) A identidade teológica do ministério presbiteral. O sacerdócio
ministerial está a serviço do sacerdócio comum dos fiéis, e cada
um participa do único sacerdócio de Cristo de maneira qualitativamente diferente. Mas o ministro ordenado não pode cair
na tentação de considerar-se mero delegado ou representante
da comunidade, e, sim, dom a ela, pela unção do Espírito e por
sua especial união a Cristo, Cabeça (n. 193);
b) A inserção do Presbítero na cultura atual. É o desafio de fazer
com que a Mensagem de Jesus chegue a ser interpelação válida, compreensível, cheia de esperança e relevante para hoje,
especialmente para os jovens (n. 194);
c) Aspectos importantes da vida e ministério do presbítero exigem
atenção especial, tais como a afetividade e o celibato; a vida
espiritual, fundada na caridade pastoral; as relações fraternas
com o Bispo e com o presbitério, etc.; em particular a valorização do celibato (DAp, n. 195; 196);
d) Desafios de caráter estrutural, tais como paróquias muito grandes; paróquias muito pobres; paróquias em regiões de extrema
6
A TV Globo, do Brasil, manteve por longos anos o programa “Você Decide”, no qual
eram abordados assuntos polêmicos do momento.
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Formação presbiteral inicial e permanente
violência e insegurança, e a falta de adequada distribuição dos
presbíteros (DAp, n. 197).
Breve síntese
1) Vivemos em mudança de época, até mesmo em nova época,
cujas características dominantes são a globalização do modo
ter e do modo urbano de existir, no qual os “bens” são caráter
dominante, e o “bem” é caráter recessivo, e “eu escolho ou
decido” é caráter dominante, e “eu sigo ou obedeço” é caráter
recessivo.
2) O lugar da Igreja na sociedade atual já não é o da dominância
(entre os protagonistas sociais), ainda não é o da clandestinidade, mas já é o da recessividade, no mundo do privado,
do voluntariado ou do terceiro setor (ao lado do Estado e do
mercado): Seu espaço é o da globalização do ser, da qualidade,
da santidade, da comunhão/solidariedade e missionariedade/
testemunho.
3) A formação presbiteral deve privilegiar o “ser”, a qualidade, a
santidade, a comunhão e a missionariedade/testemunho, mais
do que o “fazer”, a função, as atividades, segundo a norma
evangélica, norma suprema da vida presbiteral: “Eu me consagro por eles, a fim de que eles também sejam verdadeiramente
consagrados” (Jo 17,19).
II Novo modelo de Igreja, de presbítero e de sua
formação
A formação presbiteral deve situar-se, evidentemente, dentro da
ação da Igreja, enquanto continuação da ação de Cristo, pois a formação
presbiteral é formação de agentes ordenados para a ação da Igreja. Ora,
a Conferência de Aparecida propõe que a ação da Igreja, na América
Latina e no Caribe, segundo “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós”(At
15,28) (DAp, n. 547), tenha como eixo inspirador e articulador sua missão
evangelizadora. Logo, a formação de presbíteros para a ação da Igreja na
América Latina e no Caribe deve ter como eixo inspirador e articulador
a missão evangelizadora.
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1 Mudança do eixo articulador da ação da Igreja
Como vimos, o Documento de Aparecida constata que “vivemos
uma mudança de época” (DAp, n. 44). Por nossa vez, constatamos que
Aparecida propõe uma mudança de eixo articulador da ação da Igreja.
Enquanto a consigna ou eixo articulador de Medellin é “libertação” (libertação de), o de Puebla é “comunhão e participação” (libertação para),
e o de Santo Domingo é “inculturação” (evangelização como), qual é a
consigna, o eixo articulador, a ideia diretriz, de Aparecida?
1.1 Formulação da Mudança
O Documento de Aparecida trata explicitamente da conversão para
a missionariedade no Cap. VII e nos números 365 a 372. Entre muitas,
eis duas manifestações explícitas:
“A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá
de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente
missionária” (DAp, n. 370).
Aqui o termo “pastoral” é empregado em sentido amplo, e pode
ser substituído por “ação da Igreja”.
A missionariedade deve informar toda a ação da Igreja:
“Esta firme decisão missionária deve impregnar todas as estruturas
eclesiais e todos os planos pastorais de dioceses, paróquias, comunidades
religiosas, movimentos e de qualquer instituição da Igreja. Nenhuma
comunidade deve se isentar de entrar decididamente, com todas as forças, nos processos constantes de renovação missionária e de abandonar
as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a transmissão da fé”
(DAp, n. 365).
A mudança proposta por Aparecida pode ser apresentada assim:
Progredir de uma Igreja de manutenção a uma Igreja decididamente
missionária. Tal mudança pode também ser formulada assim: Progredir
de “pastoral” para “Missão”. Neste caso, os termos “pastoral” e “missão”
são tomados em sentido restrito e próprio. De fato, por “pastoral”, em seu
sentido próprio, entende-se o atendimento daqueles que já são discípulos
de Cristo. Por sua vez, “missão”, em se sentido próprio, é ir ao encontro
de quem ainda não é discípulo de Cristo ou de quem já não é discípulo
de Cristo (Cf. Redemptoris Missio, n. 33). Finalmente, tal mudança pode
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ser formulada assim: Progredir de “Igreja: Vida-comunhão-comunidade”
para uma “Igreja: Ação-missão-missionariedade”. Ou, então, com mais
propriedade: A partir de “Igreja: Vida-comunhão-comunidade”, progredir
para “Igreja: Ação-missão-missionariedade”.
Como se percebe, trata-se de verdadeira mudança de modelo de
Igreja, progredindo de um modelo a outro, em que o eixo articulador
já não é a “comunhão”, nem a “organização”, mas, sim, a “missão”,
como veremos logo adiante. Em outros termos, trata-se de verdadeira
re-estruturação da própria identidade da Igreja, com inversão de seus
elementos constitutivos.
1.2 Explicitação da Mudança
A identidade de qualquer criatura, indivíduo ou entidade, compõese de três elementos constitutivos, dos quais dois elementos são essenciais: Vida e ação, vocação e missão, forma de vida e categoria de ação,
e um elemento é complementar: a organização. De fato, definir a forma
de vida de uma criatura e sua função na sociedade é definir sua identidade, a qual se forma e se constrói em constante processo. Tal identidade,
à medida que avança, passa a estruturar-se e a organizar-se, a fim de
firmar-se como realidade permanente. Assim, uma definição completa
da identidade de um indivíduo ou de sua entidade inclui sua forma de
vida e sua função, papel ou missão na sociedade, bem como sua forma
de organizar a vida e a missão.
Ora, a forma de vida da Igreja é “comunhão”, sua função ou missão
no mundo é a “evangelização”.
Simplificando, podemos dizer que, antes do Concílio Vaticano II,
a Igreja organizou sua vida-comunhão e sua missão evangelização na
forma de “sociedade”; por inspiração do Concílio Vaticano II progrediu
para a forma de “comunidade”; mas tem como ideal evangélico a forma
de “fraternidade”. De fato, a Igreja de Cristo identifica-se como Povo
de Deus que vive em comunhão, exerce a missão de evangelização e
organiza-se ora como sociedade, ora como comunidade, tendo por ideal
a fraternidade.
Os modelos de Igreja surgem e diferenciam-se segundo a prioridade ou primazia, não exclusão, que é dada a um dos elementos da
identidade sobre os demais, tornando-se eixo articulador, enquanto os
outros elementos situam-se como subordinados. Assim, “Igreja-comu-
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nhão” é modelo, em que prevalece a comunhão: missão e organização
subordinam-se à comunhão. “Igreja-organização” é modelo em que,
prevalecendo a organização, subordinam-se a ela tanto a comunhão
quanto a missão. Por fim, “Igreja-missão” é modelo em que comunhão
e organização servem à missão.
Ora, a proposta central de Aparecida é inquestionavelmente a
implantação do modelo de “Igreja-Missão”. Para nos convencer disto é
suficiente reler a introdução e a conclusão do documento final da referida
Conferência, como faremos adiante.
1.3 O que Aparecida entende por “missão”,
“missionário”?
Mas, que entende Aparecida por Missão? Antecipamos a resposta,
dizendo: Em Aparecida, por missão entende-se primariamente a “função”, ou seja, a incumbência, o papel, que cabe à Igreja desempenhar no
mundo. Tentemos detalhar os vários significados das palavras “Missão”
e “missionário” no Documento de Aparecida, já que esse é o novo eixo
articulador, quer da ação, quer da formação.
Missão como função
Em Aparecida, o termo “missão” é empregado dominantemente
como sinônimo de “função”, de “papel”. Chama, assim, nossa atenção para
a função da Igreja ou seu papel, seu lugar ou seu espaço, na sociedade e
no mundo. De fato, o termo “missão” aparece cerca de 100 vezes; destas,
em 90 vezes, ao menos, a palavra missão refere-se à função ou papel, ou
seja, a um dos elementos da identidade da Igreja. Assim, vejamos alguns
exemplos tomados aleatoriamente: “Cumprir a missão” (DAp, n. 21);
“participar da missão de Jesus” (DAp, n. 131, 148); “continuar a missão de
Jesus” (DAp, n. 151); “comunhão e missão” (DAp, n. 163, 164); “missão
própria e específica dos leigos” (DAp, n. 202); “missão evangelizadora”
(DAp, n. 158, 214); “Maria teve uma missão única” (DAp, n. 267).
O termo “missionário” encontra-se, no Documento de Aparecida,
cerca de 150 vezes. Na maior parte delas, o termo “missionário” aparece
ao lado de discípulo. Enquanto os termos “discípulo” e “discipulado”
apontam para a vida do seguidor de Cristo, o termo “missionário” indica
a função ou missão que ele exerce.
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Se a vida da Igreja é vida de comunhão, a missão da Igreja é missão
de evangelização ou missão evangelizadora. No Documento de Aparecida, aparece, algumas vezes, a expressão “missão de evangelizar”(DAp,
n. 30). A expressão “missão evangelizadora”, mediante a qual unem-se
intimamente missão com evangelização, aparece com mais frequência
(DAp, n. 214; 287; 341; 450; 486; 532; 545). Assim, irmanam-se “discípulo missionário”, bem como “missão e evangelização”.
Daí, conclui-se que, segundo Aparecida, o eixo articulador da vida,
ação e organização da Igreja, deve ser sua função ou papel, ou seja, sua
missão, tornando-se de iure e de facto uma “Igreja Toda Missionária”.
Assim, a missão deve impregnar, informar, conformar, reformar e transformar toda a Igreja, tanto a vida de comunhão, quanto a organização
comunitária. Evidentemente, a formação dos agentes de uma Igreja
Toda Missionária deve ter necessariamente como eixo articulador a
missionariedade.
Missão Continental
A experiência da Igreja de progredir do modelo societário para
o modelo comunitário – desafio ainda não completamente superado –
faz-nos prever o esforço que deve ser feito para progredir do modelo
comunhão – Igreja para dentro e para nós – para o modelo missão – Igreja
para fora e para outros. Assim, além de propor o modelo de uma Igreja
Toda Missionária, Aparecida convoca a América Latina e Caribenha
para uma ação ou projeto concreto coletivo, a fim de concretizar, por
um exercício coletivo, a transformação do modelo eclesial: É a Missão
Continental.
No final do segundo milênio e final do século XX, em preparação
do Ano Santo de 2000, o Papa João Paulo II propôs um projeto coletivo
de Missão Mundial, através da Carta Apostólica Novo Millenio Adveniente. Em seguida, já no início do novo século e do novo milênio, o
mesmo Papa João Paulo II, através de nova Carta Apostólica, convocou
as Igrejas Particulares a que elaborassem uma programação pastoral que
significasse um “novo começo”, e indicou algumas prioridades pastorais
universais.
Agora, o Episcopado Latino Americano e Caribenho propõe de
novo um projeto coletivo de alcance continental: A Missão Continental.
De tal proposta, Aparecida fala explicitamente nos números 362 e 551.
Eis como a Missão Continental é apresentada:
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A) No número 551:
1) O despertar missionário vai ter a forma de uma Missão Continental, que envolva todo o Continente;
2) As Linhas fundamentais já foram examinadas pela própria
Conferência, mas deverão ser implementadas pela Assembleia
Plenária do CELAM em Havana;
3) Exige a colaboração das Conferências Episcopais e de cada
diocese;
4) Procura colocar a Igreja em estado permanente de missão, levando os navios mar adentro, com o poderoso sopro do Espírito
Santo.
B) No Número 362: Tal projeto de Missão Continental exige,
necessita e espera:
1) Exige-se aprofundar e enriquecer todas as razões e motivações
que permitam converter cada cristão em discípulo missionário;
2) Necessita-se desenvolver em cada cristão a dimensão missionária da vida de Cristo e que cada comunidade cristã se transforme
num poderoso centro de irradiação da vida em Cristo;
3) Necessita-se de forte comoção que impeça a Igreja de se instalar
na comodidade, no estancamento e na indiferença, à margem
do sofrimento dos pobres;
4) Espera-se um novo Pentecostes, que nos livre do cansaço, da
desilusão, da acomodação ao ambiente: uma vinda do Espírito
Santo que renove nossa alegria e nossa esperança;
5) Necessita-se de calorosos espaços de oração comunitária, que
alimente o fogo do ardor missionário e que torne atraente o
testemunho de unidade, para que o mundo creia (Jo 17,21).
Missão Universal
Parece certo que a Conferência de Aparecida quer uma “Igreja
Toda Missionária” dentro do continente latino-americano e caribenho,
bem como dentro dos próprios países. No entanto, é evidente também
que tal orientação missionária inclui igualmente as missões além das
fronteiras diocesanas, nacionais e continentais. Assim, há referências
a presbíteros enviados a outras Igrejas como missionários (n. 191), a
diáconos em fronteiras de missão (n. 208), à missão de toda a Igreja (n.
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363). Além disso, trata explicitamente da missão ad gentes nos números
373 a 379, com também em 548.
1.4 Igreja-Missão – Igreja Toda Missionária
– Comprovação
A partir de “Igreja: “Vida-comunhão-comunidade” progredir para
“Igreja: Ação-missão-missionariedade”, ou seja, progredir de“IgrejaPastoral”-“Igreja Toda Pastoral”, a serviço dos “nossos”, para “Igrejamissão”-“Igreja Toda Missionária”, a serviço dos “outros”, é opção
tão séria e revolucionária que exige detalhada comprovação. Vejamos
a comprovação no Documento de Aparecida, em sua introdução e em
sua conclusão.
Introdução ao Documento
Já na Introdução do Documento, como a definir sua intenção fundamental, de base, a Conferência declara: “A Igreja é chamada a repensar
profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas
novas circunstâncias latino-americanas e mundiais” (n. 11).
Por isso,
“encontramo-nos diante do desafio de revitalizar nosso modo de ser
católico e nossas opções pessoais pelo Senhor (...). Assim, “a partir
de nossa identidade católica”, empreender “uma evangelização muito
mais missionária, em diálogo com todos os cristãos e a serviço de todos
os homens” (n. 13).
Quais são as motivações para tal revitalização de nosso modo de
ser católico em função da missão em todo o continente?
“O que nos define não são as circunstâncias dramáticas da vida, nem
os desafios da sociedade ou as tarefas que devemos empreender, mas
acima de tudo o amor recebido do Pai graças a Jesus Cristo pela unção
do Espírito Santo” (DAp, n.14).
Conclusão do Documento
Aí lemos: Porque “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” (At
15,28), “esta V Conferência deseja despertar a Igreja na América Latina
e no Caribe para um grande impulso missionário” (DAp, n. 548). “Para
nos converter em uma Igreja cheia de ímpeto e audácia evangelizadora,
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temos que ser de novo evangelizados e fiéis discípulos” (DAp, n. 549).
“É um afã e anúncio missionário que precisam passar de pessoa a pessoa,
de casa em casa, de comunidade a comunidade” (DAp, n. 550).
É “despertar missionário”, que toma “a forma de Missão Continental”... que “procurará colocar a Igreja em estado permanente de missão”
(DAp, n. 551). Por isso, “recuperemos o ardor e a audácia apostólicos”
(DAp, n. 552).
Atitude Missionária Fundamental – Prioridade do “outro”
Numa “Igreja toda Missionária” é determinante dar prioridade
ao “outro” em relação ao “nós”, em que o “nós” é para os “outros”, a
serviço dos “outros”.
Aparecida declara:
“O conteúdo fundamental da missão de Jesus Cristo é a oferta de vida
plena para todos. Por isso, a doutrina, as normas, as orientações éticas
e toda a atividade missionária das Igrejas, devem deixar transparecer
essa atrativa oferta de vida mais digna, em Cristo, para cada homem e
para cada mulher da América Latina e do Caribe” (DAp, n. 361).
De fato, “a Igreja tem como missão própria e específica comunicar
a vida de Jesus Cristo a todas as pessoas, anunciando a Palavra, administrando os sacramentos e praticando a caridade” (DAp, n. 386).
João Paulo II, na encíclica Evangelium Vitae, propõe realizar uma
“virada cultural”, com a mobilização geral das consciências e um esforço
ético comum, a fim de recuperar a “cultura da vida” versus “cultura da
morte”. Tal virada cultural, acrescenta o Papa, exige de todos a coragem
de assumir um novo estilo de vida, que dê primado ao ser sobre o ter, à
pessoa sobre as coisas. Sobretudo, o novo estilo de vida implica a passagem da indiferença ao interesse pelo outro, a passagem da recusa do
outro ao seu acolhimento (EV, n. 95-100).
Ora, a missionariedade é um estilo de vida característico, próprio
e diferenciado, de ser Igreja. Progredir de “Igreja: Vida-comunhão-comunidade” para “Igreja: Ação-missão-missionariedade” exige verdadeira
“virada cultural”: de fato, é progredir da “cultura de comunhão” para a
“cultura de missão”. Se progredir de “sociedade” para “comunidade” foi
um difícil desafio ainda não inteiramente superado, maior será o desafio
de assumir a cultura da missionariedade.
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Formação presbiteral inicial e permanente
A característica determinante da cultura da missionariedade é a
de que ela envolve basicamente a primazia de “outros” sobre “nós”,
colocando-nos a “nós” em função de “outros”, no sentido mais amplo
do termo. É a mordente pergunta que não cessa de martelar nos ouvidos
do missionário: Nós..., sim, mas os outros? Nós sabemos que Deus é Pai,
mas os outros que não conhecem essa consoladora verdade? Nós sabemos
que o Filho veio ao mundo e nos fez filhos no Filho, e os outros?
Tal martelante interrogação repete-se também em assuntos de
direitos de vida humana digna: Nós temos o que comer, e os outros?
Fundamentalmente, a cultura da missão, que equivale à “cultura do
outro”, exige como pressuposto, não só a valorização do outro e do
diferente, mas também a cultura da abertura, da oblatividade, da
dedicação desinteressada, do sacrifício, do “dar a vida”. Ora, tal estilo
de vida, já difícil face ao egocentrismo natural, torna-se, hoje, mais
difícil, face à macro-mega-tendência moderna do individualismo,
consagrado pelo sistema competitivo dominante.
Justifica-se, assim, inteiramente, o reconhecimento de que “necessitamos de um novo Pentecostes!”, a fim de que o anúncio das maravilhas
de Deus chegue, em sua própria língua, aos “partos, medos e elamitas,
habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da
Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito, da Líbia, romanos, cretenses e
árabes” (At 2,9-11).
Sim, “necessitamos de novo Pentecostes”, porque “necessitamos
sair ao encontro das pessoas, das famílias, das comunidades e dos povos
para lhes comunicar e compartilhar o dom do encontro com Cristo, que
tem preenchido nossas vidas de ‘sentido’, de verdade, e de amor, de
alegria e de esperança! Não podemos ficar tranquilos em espera passiva
em nossos tempos, mas é urgente ir em todas as direções para proclamar”
a Boa Nova (DAp, n. 548).
Valha, finalmente, para nós o que pode ser dito como lema de Jesus:
“Devo pregar também ali” ou, em texto mais completo da tradução da
CNBB, “vamos a outros lugares, nas aldeias da redondeza, a fim de que, lá
também, proclame a Boa Nova. Pois foi para isso que eu saí” (Mc 1,38).
2 Mudança do eixo articulador da formação
Diante do exposto, fica evidente a reorientação de rumo que deve
receber a formação presbiteral. Integrante da ação da Igreja, a formação
66
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dos agentes de uma Igreja Toda Missionária deve ter necessariamente
como eixo articulador a missionariedade. Ou seja, o eixo articulador da
formação deve progredir da pastoralidade”, ação eclesial de conservação
de quem já é discípulo de Cristo, para a “missionariedade”, ação eclesial
de fazer discípulos de Cristo aqueles que ainda não o são ou já não o são.
Assim, a missionariedade deve impregnar, informar, conformar, reformar
e transformar todo processo de formação, desde suas coordenadas, seus
fins, seu itinerário, seu conteúdo, seus métodos e suas instituições, tanto
durante a formação inicial quanto durante a formação permanente. Se
ação é gravar ideias na realidade, formação é gravar a “missionariedade”
no processo formativo e nos próprios candidatos ao presbiterado.
Breve síntese
1) Antes do Concílio Vaticano II, a Igreja Católica, estando numa
sociedade monárquica, estruturou-se segundo o modelo societário; o Concílio Vaticano II, impulsionou a Igreja Católica, em
face de uma sociedade democrática, a organizar-se segundo o
modelo comunitário; a V Conferência do Episcopado LatinoAmericano e Caribenho propõe-nos que, numa sociedade laica
e secular, adotemos um modelo missionário.
2) Tal modelo deve impregnar todas as comunidades, as atividades, as entidades, as estruturas, os processos formativos de
toda a Igreja Católica.
3) Assim, a missionariedade – eixo articulador da Igreja – deverá
ser também eixo articulador da formação presbiteral.
III Novo modelo de presbítero
Redefinição da Identidade Presbiteral
1 Texto de Aparecida
A Conferência de Aparecida produziu um texto verdadeiramente
antológico sobre a imagem ideal do presbítero, para a América Latina e
Caribe (DAp, n. 199), imagem que deve ser assimilada no processo de
formação inicial e aperfeiçoada no processo de formação permanente.
Eis o texto, disposto em forma didática: “O Povo de Deus sente
necessidade de:
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Formação presbiteral inicial e permanente
a) Presbíteros-discípulos: que tenham profunda experiência de
Deus, configurados com o coração do Bom Pastor, dóceis às
orientações do Espírito, que se nutram da Palavra de Deus, da
Eucaristia e da oração;
b) Presbíteros-missionários: movidos pela caridade pastoral (digase: caridade missionária) que os leve a cuidar do rebanho a eles
confiado e a procurar os mais distantes, pregando a Palavra de
Deus, sempre em profunda comunhão com o Bispo, com os
presbíteros, diáconos, religiosos, religiosas e leigos;
c) Presbíteros-servidores da vida: que estejam atentos às necessidades dos mais pobres, comprometidos na defesa dos direitos
dos mais fracos, e promotores da cultura da solidariedade;
d) Presbíteros cheios de misericórdia: disponíveis para administrar
o sacramento da reconciliação” (DAp, n. 199).
No espírito de Aparecida, tomamos a liberdade de desdobrar o
qualificativo “presbíteros-servidores da vida” em dois:
1) Presbíteros-servidores: que, a exemplo de Cristo-servo, que
veio, não para ser servido, mas para servir e dar a vida, se
caracterizem pelo espírito de abertura, de oblatividade, de
doação, de dar a vida por seus irmãos; presbíteros que deem
prioridade ao “outro”, especialmente ao afastado, ao distante,
ao diferente;
2) Presbíteros-amigos dos pobres: que estejam atentos às necessidades dos mais pobres, comprometidos na defesa dos direitos
dos mais fracos, e promotores da cultura da solidariedade;
presbíteros que vivam claramente a opção preferencial e evangélica pelos pobres; presbíteros que sejam próximos, amigos,
irmãos e pais dos pobres.
2 Organização da imagem ideal do presbítero
A partir desses dados e, sobretudo, considerando o presbítero no
quadro do modelo de “Igreja: Ação-missão-missionariedade”, podemos
formular assim a imagem ideal de presbítero, imagem que deve iluminar
e informar todo o processo de formação.
O Povo de Deus sente necessidade de Presbíteros missionários,
que sejam discípulos, servidores, misericordiosos e amigos dos pobres.
Dizendo de outro modo: O Pastor do Povo de Deus, à imagem de Cristo
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Pastor, deve ser um Presbítero-Missionário, o qual deve caracterizar-se
como discípulo, servidor, misericordioso e amigo dos pobres.
Repetindo: O processo formativo deve visar à formação de Presbíteros Missionários, mas de missionários que sejam discípulos, servidores,
misericordiosos e amigos dos pobres.
Assim, situando-nos no quadro de “Igreja: Ação-missão-missionariedade” podemos organizar a imagem ideal do Presbítero e a imagem
ideal do processo de formação presbiteral, do seguinte modo:
No quadro do modelo de Igreja “Ação-missão-missionariedade”,
1) O atributo “missionário” qualifica a personalidade do presbítero, ou seja, o predicamento da “missionariedade” impregna,
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Formação presbiteral inicial e permanente
conforma, informa, reforma e transforma a personalidade do
presbítero, constituindo-o na categoria específica, distintiva e
substantiva de “missionário”.
2) Os demais adjetivos, “discípulo, servidor, misericordioso e
amigo dos pobres” passam a ser atributos, que qualificam diretamente a personalidade do “missionário” e, indiretamente,
a personalidade do presbítero, de tal maneira que passamos a
falar de “missionário-discípulo”, de “missionário-servidor”, de
“missionário-misericordioso” e, finalmente, de “missionárioamigo dos pobres”.
3) A exemplo de Aparecida, que consagrou a consigna “discípulo missionário”, de tal modo que, mutuamente, um elemento
qualifica o outro (o discípulo é missionário, e o missionário é
discípulo), os predicamentos “missionário, discípulo, servidor,
misericordioso e amigo dos pobres” qualificam-se mutuamente, ou seja, impregnam-se, conformam-se, informam-se,
reformam-se e transformam-se reciprocamente formando a rica
personalidade do presbítero, tal como sente necessidade o Povo
de Deus, na América Latina e Caribe, de um Novo Pentecostes
para a missão no continente.
Breve síntese
1) A identidade, individual ou social-eclesial, envolve essencialmente vida e missão. Numa Igreja missionária, a vida presbiteral deve estar orientada para a missão presbiteral.
2) Em consequência, a identidade do presbítero deve estar
estruturada em torno do ministério missionário, inclusive e
principalmente sua espiritualidade: Todos os atributos de sua
identidade devem vir a ser atributos de sua missionariedade.
IV Definição do itinerário formativo
Ser cristão é um modo global de ser, de viver e de estar no mundo,
que abarca a totalidade da personalidade, em todas as suas dimensões,
durante todo o tempo. Igualmente, ser presbítero é um modo global de
ser cristão, que envolve o seu ser, o seu conhecer e o seu agir, em tudo
e durante toda a vida. Consequentemente, a formação do cristão, e mais
ainda a do presbítero, requer um profundo processo formativo, que vá
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à raiz da personalidade – processo similar, mas mais exigente, que o
processo antropológico de iniciação à vida adulta.
Aparecida enfrentou com coragem esta problemática. Talvez a
melhor contribuição de Aparecida para o processo de formação presbiteral
seja a da formulação do itinerário de formação dos discípulos missionários. Tal itinerário é plenamente apropriado para definir e explicar o
Itinerário da Formação Presbiteral.
1 Itinerário de formação de discípulos missionários
1.1 Breve apresentação e descrição
A Conferência de Aparecida destaca cinco aspectos fundamentais,
que se completam intimamente e se alimentam entre si. Tais aspectos,
por se complementarem intimamente e se alimentarem entre si, podem
ser tomados e tratados como etapas complementares de um itinerário
progressivo de formação cristã. Ei-lo, em síntese:
1) Encontro com Cristo: É o querigma, aspecto, etapa e fio condutor de um processo que culmina na maturidade do discípulo
de Jesus Cristo. “Não se começa a ser cristão por uma decisão
ética ou por uma grande ideia, mas através de um encontro...
com uma pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso,
uma orientação decisiva” (DCE, n. 12).
2) Conversão: É o aspecto e a etapa da resposta inicial. Quem se
encontrou com o Senhor, decide mudar sua forma de pensar e
de viver e fazer-se discípulo de Jesus Cristo.
3) Discipulado: É o aspecto e a etapa da aprendizagem, isto é,
do aprofundamento da resposta inicial, ou seja, do amadurecimento do conhecimento, do amor e do seguimento de Jesus,
e de sua pessoa, sua doutrina e seu exemplo.
4) Comunhão: É o aspecto e a etapa da integração em uma comunidade de discípulos de Jesus Cristo.
“A fé é ato pessoal (...). Ela não é, porém, ato isolado. Ninguém pode
crer sozinho, assim como ninguém pode viver sozinho. Ninguém deu a
fé a si mesmo, assim como ninguém deu a vida a si mesmo. O crente
recebeu a fé de outros; deve transmiti-la a outros (...). Cada crente é
como um elo na grande corrente dos crentes. Não posso crer sem ser
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Formação presbiteral inicial e permanente
carregado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo para carregar
a fé dos outros” (CIC 166).
5) Missão: O discípulo, à medida que cresce na experiência do encontro com Cristo, em comunidade, sente sempre maior necessidade
de anunciá-lo, ou seja, ser enviado, ir pelo mundo, tornar realidade
o Reino de Deus: “Ai de mim, se eu não evangelizar”.
1.2 Análise Pedagógica do Itinerário
Do ponto de vista da formação, podemos destacar nesse itinerário
três aspectos ou momentos distintos:
1) Ponto de Partida: Causa ou condição necessária: Encontro com
Cristo;
2) Caminhada: Etapas centrais do processo: Conversão, Discipulado e Comunhão;
3) Ponto de Chegada: Frutos do Processo: Missão-Missionariedade.
Num quadro, podemos representar assim os distintos aspectos ou
momentos do processo de formação cristã, propriamente de iniciação
cristã:
Iniciação
Cristã
Conversão
Discipulado
Comunhão
Pressuposto, causa, condição necessária:
Encontro com Cristo
Etapas Centrais do processo de Iniciação:
Iniciação do
Iniciação à
Processo de
Povo de Deus Vida Adulta
Conversão
Saída do
Separação
Desestruturação
Egito
Caminhada no Liminaridade Provação
Deserto
Entrada
Integração
Re-estruturação
na Terra
Prometida
Missão-missionariedade
Frutos, Consequências, Resultados
Iniciação
à Vida
Consagrada
Postulantado
Noviciado
Juniorado
1.3 Aspectos e Etapas Centrais do Processo de Iniciação
Verificamos, no quadro acima, que, tanto o processo de iniciação,
quanto o processo de conversão, tanto à vida civil quanto à vida cristã,
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em geral, e à Vida Consagrada, em particular, envolvem três tempos,
momentos, etapas ou aspectos:
1) Conversão. Corresponde à saída do Egito, etapa inicial de formação do Povo de Deus. É etapa de separação da vida infantil
e juvenil. Na conversão religiosa é etapa de desestruturação da
cosmovisão secular e laica. Na Vida Consagrada corresponde
à etapa do Postulantado, em que o postulante sai do século e
ingressa numa Casa de Formação;
2) Discipulado. Corresponde à longa caminhada pelo deserto,
com todas as suas provações. É tempo de aprendizagem da
nova vida, em regime especial, sob a guia de um mestre-guru.
Neste tempo, o candidato já saiu de uma casa, mas ainda não
entrou noutra: Está no limiar, em regime especial. No processo
de conversão, é tempo de ensaio e erro em a nova vida, com
todas as suas provações. Na Vida Consagrada, é o tempo do
Noviciado.
3) Comunhão. Corresponde à entrada do Povo peregrino na Terra Prometida. É etapa de integração social na companhia de
adultos.
No processo de conversão é tempo de re-estruturação de nova
cosmovisão. Na Vida Consagrada corresponde ao tempo do Juniorado:
os Professos temporários convivem com professos perpétuos.
2 Aplicação à formação presbiteral
Na folha que segue, oferecemos a proposta da Comissão Brasileira
de Diretrizes da Formação para um Itinerário de Formação Presbiteral,
inspirado no itinerário da formação de discípulos missionários, indicado
por Aparecida:
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Formação presbiteral inicial e permanente
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Breve síntese
1) A formação é um processo progressivo, que segue um itinerário
igualmente progressivo;
2) Tudo indica que o itinerário da formação do discípulo missionário pode perfeitamente ser aplicado ao processo da formação
presbiteral, tanto para a formação inicial, quanto para a formação permanente.
V Dimensões da formação: espiritualidade
missionária
1 Conteúdo integral
O Documento de Aparecida trata das dimensões da formação presbiteral nos números 319 a 324. Afirma que é necessário que o Projeto Formativo
ofereça aos candidatos à vida presbiteral um verdadeiro processo integral,
que envolva: Formação humana, comunitária (DAp, n. 324)7, espiritual,
intelectual e pastoral. Consagra, pois, as cinco clássicas dimensões da formação presbiteral. Vejamos, brevemente, o que o Documento de Aparecida
diz de cada uma delas.
1.1. Formação Humana: Ao recomendar especial atenção à maturidade humana, especialmente afetiva e sexual, tem em vista a melhor
compreensão do significado do celibato consagrado (DAp, n. 321).Contribui para a formação humano afetiva uma pedagogia e um clima de sã
liberdade e de responsabilidade pessoal, bem como o amadurecimento
de motivações verdadeiras e autênticas, livres e pessoais (DAp, n. 322;
195 e 196).
1.2. Formação Comunitária. É tratada em separado, em número
especial. A vida comunitária implica o diálogo, capacidade de serviço,
humildade, valorização dos carismas alheios, disposição para se deixar
interpelar pelos outros, abertura para crescer em comunhão missionária,
respeito à unidade na diversidade (DAp, n. 324).
1.3. Formação Espiritual. Dada sua importância, dedicamos um
item especial a ela (Ver logo adiante).
7
Na relação das dimensões da formação integral, feita no número 319, não consta a formação
comunitária. Dela, porém, trata-se no número 324.
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1.4. Formação Intelectual. A formação deve ser séria e profunda,
especialmente em teologia e missiologia, devendo-se reforçar o estudo da
Palavra de Deus, que venha a ser espírito e vida que ilumine e alimente
toda a existência. Ora, tal exigência requer professores bem preparados,
em número suficiente (DAp, n. 323).
Ao recomendar seriedade e profundidade especialmente em Missiologia, pode-se incluir a necessidade de enriquecer o currículo com
disciplinas que aprofundem o conhecimento do “outro”, como o estudo
de outras Religiões, outras culturas, outras igrejas e comunidades, outras
filosofias e teologias, outras formas de evangelizar, etc.
1.5. Formação Pastoral-missionária. Como é evidente, no modelo
de Igreja ação-missão-missionariedade, a formação pastoral-missionária,
no espírito de Aparecida, é o eixo articulador e integrador da formação
presbiteral. A centralidade da formação pastoral-missionária não pode,
porém, reduzir-se à intencionalidade, mas deve traduzir-se em disciplinas
de estudo constantes no currículo e em treinamentos práticos de exercício
pastoral e missionário, inclusive com estágios pastorais-missionários
significativos.
2 Espiritualidade missionária
Na lógica de Aparecida, a espiritualidade presbiteral deve ser
espiritualidade missionária. De fato, no modelo de “Igreja: Ação-missãomissionariedade”, deve prevalecer e desenvolver-se uma sólida espiri­
tualidade: a espiritualidade da ação (VC 74), a espiritualidade do trabalho
(LE 24), a espiritualidade do ministério (LG 41;PO 12 e 13; PDV 24),
a espiritualidade da evangelização (EN 74), em suma, a espiritualidade
missionária (RM 87).
2.1 Proposta de Aparecida
Vejamos algumas declarações explícitas de Aparecida: Ao falar
das dimensões da formação, em geral, Aparecida afirma que a “espiritualidade que se promove deve responder à identidade da própria vocação, seja diocesana ou religiosa”. Um autêntico processo de iniciação
espiritual deve ser assegurado, especialmente no Período Propedêutico
(DAp, n. 219).
76
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Ao falar da Pastoral Presbiteral, Aparecida afirma que esta deve
privilegiar a espiritualidade específica, ou seja, a espiritualidade específica dos presbíteros (DAp, n. 200). Logo, Aparecida afirma que os
Presbíteros possuem uma “espiritualidade específica”, a “espiritualidade
própria dos presbíteros” (DAp, n.285), “um caminho de santidade próprio
do ministério sacerdotal” (DAp, n. 316).
Ao falar da Paróquia, comunidade de discípulos missionários,
afirma que os organismos paroquiais “precisam estar animados por uma
espiritualidade de comunhão missionária” (DAp, n. 203).
Tratando explicitamente de “uma formação na espiritualidade da
ação missionária”, afirma que “É necessário formar os discípulos numa
espiritualidade da ação missionária, que se baseia na docilidade ao impulso do Espírito, à sua potência de vida que mobiliza e transfigura todas
as dimensões da existência” (DAp, n. 284). Ora, os presbíteros ocupam
lugar privilegiado entre os discípulos missionários. Logo, como discípulos missionários, os presbíteros devem ser formados na espiritualidade
da ação missionária.
É verdade que, várias vezes, Aparecida recomenda uma “espiritualidade de comunhão” (DAp, n. 181; 189; 307; 316; 368), mas também
é verdade que a “comunhão” recebe o qualificativo de “missionária”
(DAp, n. 203).
2.2 Tarefa necessária, ingente e urgente
A tradição católica tem larga experiência e sólida teologia sobre
espiritualidade, em si mesma, intransitiva, imanente, interior, ilustrada
com a sabedoria de grandes mestres, ornados de grande santidade.
Mas há ainda um longo caminho a percorrer em relação à “espiritualidade do Genitivo”, espiritualidade com complemento de especificação, a espiritualidade transitiva, especialmente em relação à ação,
ao ministério e à missão. De fato, a teologia do genitivo é recente; teve
início com a corrente teológica que tratava da “Teologia das Realidades
Terrestres”. Por sua vez, a “espiritualidade do genitivo, mal está ensaiando os primeiros passos8. O Vaticano II oferece as bases e o magistério
posterior desenvolve alguns “fundamentos”. Cabe à Teologia Espiritual
8
Conferir: FERNÁNDEZ, Victor Manuel. Teologia Espiritual Encarnada – Profundidade
espiritual em ação. São Paulo, Paulus, 2007.
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Formação presbiteral inicial e permanente
ampliar os horizontes, com a “ascética e mística da ação”, sobretudo da
ação missionária.
Breve síntese
1) O Documento de Aparecida consagra as cinco clássicas dimensões da formação presbiteral: A formação humano-afetiva,
a formação comunitária, a formação espiritual, a formação
intelectual e a formação pastoral-missionária.
2) Merece destaque a formação espiritual, quer por sua permanente importância, quer pela índole missionária, que deve
assumir.
VI Outras contribuições de Aparecida sobre
formação presbiteral
Aparecida chama a atenção sobre outros aspectos da formação.
Vamos elencá-los, sem desenvolvê-los, por falta de espaço:
1 Instituições de formação presbiteral
1.1. Pastoral Vocacional e Promoção Vocacional. Para a formação
de discípulos missionários, ocupa lugar particular a Pastoral Vocacional,
que acompanha todos os que o Senhor chamar (DAp, n. 314).
Diante da escassez de candidatos à vida presbiteral e à Vida Consagrada, é urgente dedicar cuidado especial à Promoção Vocacional,
dirigida às vocações para essas formas de vida (DAp, n. 315).
1.2. Os Seminários e Casas de Formação constituem espaço privilegiado – escola e casa – para a formação de discípulos missionários
(DAp, n. 316).
2 Seleção de candidatos
É necessário que se faça esmerada seleção de candidatos, com os
seguintes critérios:
• Equilíbrio psicológico de personalidade sadia;
• Motivação genuína de amor a Cristo, à Igreja;
78
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• Capacidade intelectual adequada às exigências do ministério
no tempo atual (DAp, n. 218).
3 Candidatos pobres e indígenas
Tais candidatos requerem formação inculturada: Adequada formação teológica e espiritual, sem que isso os faça perder suas raízes
(DAp, n. 325).
4 Formação permanente
Deve haver complementariedade entre formação inicial, realizada
no Seminário, e a formação permanente, que abrange as diversas etapas
de vida do presbítero. É necessário despertar a consciência de que a
formação só termina com a morte. São necessários projetos diocesanos
bem articulados e constantemente renovados (DAp, n. 326).
E-mail do Autor:
[email protected]
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Resumo: O artigo tem como objetivo colocar o leitor em contato com argumentos que
refletem o presbítero a partir do Documento de Aparecida. Segue o método da pesquisa documental. Aborda três eixos que desafiam a vida e o ministério do presbítero
na formação inicial e na formação permanente através da exposição de argumentos
extraídos do DA, de Documentos do Magistério da Igreja, da Sagrada Escritura e de
pesquisas científicas. Faz a leitura da missão compreendida como serviço. Refere
que a Igreja trabalha através de cinco dimensões o homem presbítero total, ou seja,
a dimensão humano-afetiva, intelectual, espiritual, pastoral e comunitária. A Igreja
cuida da formação do presbítero para que viva sua vocação e tenha competência para
evangelizar no contexto cultural pós-moderno em crise de mudança de época. O artigo
fala de profissionais da psicologia que trabalham com presbíteros. Refere-se ao relato
informal de presbíteros que se beneficiaram pelo recurso à psicoterapia. Enfim, focaliza
a dimensão humano-afetiva e sugere a capacitação de profissionais da psicologia em
nível de pós-graduação para atenderem a demanda da Igreja, levando-se em conta a
adequação da linguagem, de pressupostos teóricos e dos procedimentos científicos.
Palavras-Chave: Documento de Aparecida, presbítero, vida e ministério.
Abstract: The aim of the present article is to put the reader in contact with arguments
that reflect the presbyter in the Document of Aparecida (DA). Its method is documental
inquiry. Three aspects that challenge the life and ministry of the presbyter in the initial
and permanent formation are reflected by the exposition of arguments extracted from the
DA, from magisterial documents of the Church, from the Holy Scriptures and scientific
inquiry. Mission is conceptualized as service. The article argues that the Church forms
the integral man-presbyter in five dimensions: the human-affective, the intellectual, the
spiritual, pastoral and the communitarian. The Church is concerned with the formation
of the presbyter for him to live his vocation and to be competent to evangelize in the
postmodern context in an epochal change. The article cites professionals in psychology
who attend presbyters. Makes reference to informal reports of presbyters who benefitted
from recurring to psychotherapy. Finally, focalizes the human-affective dimension and
proposes the capacitation by post-graduation of professionals in psychology to attend
the demand of the Church with respect to linguistic adaptation, theoretic presuppositions
and scientific procedures.
Keywords: Document of Aparecida, presbyter, life and ministry
O presbítero a partir do Documento
de Aparecida
Anselmo Matias Limberger*
*
Doutor em Psicologia Clínica pela PUCSP. Professor do Centro Universitário Assunção – UNIFAI. Pároco da Paróquia N. Sra. Refúgio dos Pecadores e Sto. Expedito,
Diocese de Santo Amaro. Presidente do CRP – SUL 1.
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Ano 26 / número 3 / 2011, p. 81-94.
O presbítero a partir do Documento de Aparecida
Epígrafe
Comunhão e Diálogo!
A comunhão refere-se àquilo que é essencial à vida e ao ministério dos presbíteros e os une na mesma Igreja. O diálogo possibilita a
construção de pontes entre os presbíteros para que as suas diferenças
subjetivas sejam mutuamente respeitadas.
Agradecimento
Profunda gratidão aos Padres Norberto H. C. Foerster, Patrick
Jaime Smith, Deusmar Jesus da Silva e ao Frei Gabriel de Moura Lima
pelas contribuições.
1 Introdução
O Documento de Aparecida – DA1 volta seu olhar para o momento
atual, ou seja, para o início do terceiro milênio e destaca situações que
afetam e desafiam a vida e ministério dos presbíteros. Focaliza três eixos,
isto é, a) a dimensão da identidade teológica do ministério presbiteral,
b) a inserção do presbítero na cultura atual e enfatiza c) situações que
incidem sobre a existência do presbítero (DA, n. 192).
2 Desenvolvimento
2.1 A identidade teológica do ministério presbiteral.
Para situar a identidade teológica do ministério presbiteral, o DA
volta-se para o Concílio Vaticano II2 e refere que o “sacerdócio ministerial está a serviço do sacerdócio comum dos fiéis” (DA, n. 193). Essa
informação põe em destaque a diferença entre os dois tipos de sacerdócio
e refere que o batismo confere a graça que é comum a ambos e que o
sacramento da ordem estabelece uma diferença qualitativa e ordena o
sacerdócio ministerial a serviço do sacerdócio comum.
82
1
Documento de Aparecida (2007). 11. ed. Brasília/São Paulo: Editoras CNBB, Paulus
e Paulinas, 2009.
2
O Concílio Vaticano II teve início no dia 11 de outubro de 1962 e foi concluído no
dia 7 de dezembro de 1965. Compêndio do Vaticano II. Constituições, Decretos e
Declarações. Petrópolis: Vozes, 1972. LG, n. 10.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Anselmo Matias Limberger
Retomo a questão da identidade teológica do ministério sacerdotal, voltando-me para o Decreto Presbyterorum Ordinis - PO e percebo
que, ao referir-se ao ‘Presbiterado na Missão da Igreja’, destaca que “o
Senhor Jesus, a Quem o Pai santificou e enviou ao mundo (Jo 10, 36),
faz todo o Seu Corpo místico participar da unção do Espírito pela qual
Ele foi ungido. Pois n’Ele os fiéis todos tornam-se um sacerdócio santo
e régio, oferecem a Deus hóstias espirituais por Jesus Cristo, e anunciam
as virtudes d’Aquele que das trevas os chamou para Sua luz admirável.
Não existe assim membro que não tenha parte na missão de todo o Corpo.
Cada qual deve pelo contrário tratar santamente a Jesus em seu coração,
e num espírito de profecia dar testemunho sobre Jesus (...). O ofício dos
presbíteros, por estar ligado à Ordem episcopal, participa da autoridade
com que o próprio Cristo constrói, santifica e rege o Seu Corpo. Por
isso o sacerdócio dos presbíteros, supondo embora os sacramentos da
iniciação cristã, é conferido por aquele Sacramento peculiar mediante o
qual os presbíteros, pela unção do Espírito Santo, são assinalados com
um caráter especial e assim configurados com Cristo Sacerdote, de forma
a poderem agir na pessoa de Cristo cabeça” (PO, n. 1142 e 1144)3.
João Paulo II, através da Instrução: “O Presbítero, Pastor e Guia
da Comunidade Paroquial” (2002)4, afirma que “o sacerdócio comum e
o sacerdócio ministerial diferenciam-se por essência e não só por grau:
não se trata somente de uma maior ou menor intensidade de participação no único sacerdócio de Cristo, mas de participações essencialmente
diversas. O sacerdócio comum fundamenta-se no caráter batismal, que
é o selo espiritual da pertença a Cristo que ‘capacita e compromete os
cristãos a servirem a Deus em uma participação viva na sagrada Liturgia
da Igreja e a exercerem o seu sacerdócio batismal pelo testemunho de
uma vida santa e de uma caridade eficaz. O sacerdócio ministerial, ao
invés, fundamenta-se no caráter impresso pelo sacramento da Ordem, que
configura a Cristo sacerdote, de modo a poder agir na pessoa de Cristo
Cabeça com poder sagrado, para oferecer o Sacrifício e para perdoar os
pecados (...). No exercício das suas funções específicas, ‘os presbíteros’
agem in persona Christi Capitis e, do mesmo modo, conseqüentemente,
in nomine Ecclesiae5”.
3
Compêndio do Vaticano II. Constituições, Decretos e Declarações. Petrópolis: Vozes,
1972. PO, n. 1142 e 1144.
4
Papa JOÃO PAULO II. Instrução: O Presbítero, Pastor e Guia da Comunidade Paroquial. Brasília: Edições CNBB, 2011: 26-27.
5
Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1273.
Encontros Teológicos nº 60
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O presbítero a partir do Documento de Aparecida
O sacerdócio ministerial refere-se à missão na forma de serviço
a ser prestado ao Povo de Deus. Com essa referência retomo o lema do
DA: ‘discípulos-missionários’, para enfatizar o serviço compreendido
pelas características “da gratuidade e da alteridade6”, gerados a partir
do encontro pessoal com Jesus Cristo. Nesse sentido pode-se recuperar
o exemplo deixado por Nosso Senhor, que com sua doutrina e prática
evidenciou as diferentes formas pelas quais Ele serve e ao mesmo tempo envia seus discípulos-presbíteros a fazerem o mesmo. O sacerdócio
ministerial fundamenta-se em Jesus que, ao servir, anunciava o Reino
“manifestado claramente aos homens nas suas palavras, nas suas obras
e na sua pessoa7”.
O fundamento da missão compreendida como serviço na Igreja
Católica remete à vida e aos ensinamentos de Jesus e dos Apóstolos e
sobretudo à sua visão de homem e de mundo (LIMBERGER, 2011)8.
Jesus é o missionário do Pai e serve na ação do Espírito Santo
ao proclamar as Bem-Aventuranças. Com elas percebe-se como Ele
apresenta os critérios do Reino que parecem paradoxais em relação às
máximas do mundo, e contudo indicam para o presbítero uma realização.
Disse: “Bem-Aventurados os pobres no espírito, os mansos, os que choram, os que têm fome, os misericordiosos, os pacíficos, os que sofrem”.
Concluindo cada Bem-Aventurança, Jesus refere-se a uma realização:
“porque deles é o reino dos céus, possuirão a terra, serão consolados,
serão saciados, alcançarão misericórdia, serão chamados filhos de
Deus, deles é o reino dos céus” (cf Mt 5,3-12). Nota-se que a razão e o
objetivo que fundamentam a missão e o serviço do presbítero, são assim
expressos paradoxalmente.
A noção de servir e de ser servido aparece no episódio em que a
mãe dos filhos de Zebedeu se dirige a Jesus e pede que um se sente à sua
direita e outro à sua esquerda no seu Reino. Jesus, porém, adverte:
Vós sabeis que os príncipes das nações as subjugam e que os grandes
as governam com autoridade. Não será assim entre vós, mas todo o que
quiser ser entre vós o maior, seja vosso servo; e o que quiser ser entre
vós o primeiro, seja vosso escravo; assim como o Filho do homem não
84
6
Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, 2011-2015, n. 8.
7
LG, n. 5. e 6.
8
Anselmo Matias LIMBERGER. Sentidos da experiência do trabalho voluntário em uma
instituição religiosa. Doutorado em psicologia clínica. São Paulo: PUCSP, 2011: 26.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Anselmo Matias Limberger
veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para a redenção
de muitos (Mt 20,25-28).
O serviço de Jesus Cristo nasce de quem Ele é.
Vós chamais-me Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o sou. Se eu,
pois, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés
uns aos outros. Porque eu dei-vos o exemplo, para que, como eu vos fiz,
assim façais vós também. Em verdade, em verdade vos digo: O servo
não é maior do que seu senhor, nem o enviado é maior do que aquele
que o enviou (Jo 13,13-16).
Na última Ceia,
Jesus deixa o exemplo de serviço cujas características destacadas não
se referem à busca de poder, de fama, de sucesso, de resultados, de
dons, de milagres a serem almejados, mas como uma doação generosa
e gratuita, expressa nas suas atitudes. O lava-pés representa uma das
disposições de quem se põe a servir imitando a atitude de Jesus (LIMBERGER, 2011)9.
O serviço de Jesus é identificado pelo seu amor, “ama-os até o
fim” a ponto de entregar a si mesmo, a própria vida. Porque fruto do
amor, o serviço de Jesus foi incondicional e sem discriminação (LIMBERGER, 2011)10.
Os serviços na Igreja são especificados por São Paulo quando
escreve aos Coríntios:
Assim a alguns constitui Deus na Igreja: em primeiro lugar, apóstolos;
em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, doutores; depois, os que
têm o poder de operar milagres; depois, os que têm o dom de curar, de
assistir, de governar, de falar diversas línguas, de interpretar as línguas
(1Cor 12,29).
Na carta aos Romanos, o apóstolo Paulo enfatiza os serviços
através da metáfora do corpo e afirma:
Assim como num só corpo temos muitos membros, e nem todos os membros
têm a mesma função, assim, ainda que muitos, somos um só corpo em
Idem, ibidem.
10
Idem, ibidem.
9
Encontros Teológicos nº 60
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85
O presbítero a partir do Documento de Aparecida
Cristo, e cada um de nós somos membros uns dos outros. Mas temos dons
diferentes, segundo a graça que nos foi dada: quem tem o dom da profecia,
use-o segundo a regra da fé; quem tem o ministério, exerça o ministério;
quem tem o dom de ensinar, ensine; quem tem o de exortar, exorte; o que
reparte, faça-o com simplicidade; o que preside, seja solícito; o que faz
obras de misericórdia, faça-as com alegria (Rm 12,4-8).
Ontologicamente compreendo a identidade teológica do ministério
presbiteral como missão, ou seja, como serviço a ser prestado ao Povo
de Deus, seguindo o exemplo que Jesus deixou.
Retomando o DA, (n. 192) esse adverte que não se deve confundir
o “sacerdócio ministerial com o sacerdócio comum dos fiéis”. O DA
destaca que “o sacerdote não pode cair na tentação de se considerar
somente mero delegado ou apenas representante da comunidade, mas
sim um dom para ela, pela unção do Espírito e por sua especial união
com Cristo”.
O objetivo do ministério sacerdotal é lembrado pelo Decreto
Presbyterorum Ordinis, segundo o qual “o fim que visam os presbíteros,
por seu ministério e vida, é ocupar-se da glória de Deus Pai em Cristo.
Consiste essa glória em aceitarem os homens a obra de Deus, levada
à perfeição por Cristo, de maneira consciente, livre e grata, fazendo-a
irradiar-se em toda a sua vida. Assim os presbíteros, ao se dedicarem à
oração e à adoração, ao pregarem a palavra, ao oferecerem o Sacrifício
Eucarístico e administrarem os demais sacramentos, ao exercerem os
diversos ministérios em favor dos homens, contribuem de um lado para
aumentar a glória de Deus e, por outro, para levar os homens a crescerem
na vida divina” (PO, n. 1146).
2.2 A inserção do presbítero na cultura atual
Referindo-se à cultura atual, o DA lembra que “o presbítero é chamado a conhecê-la para semear nela a semente do evangelho, ou seja, para
que a mensagem de Jesus chegue a ser uma interpelação válida, compreensível, cheia de esperança e relevante para a vida do homem e da mulher
de hoje, especialmente para os jovens. Esse desafio inclui a necessidade
de potencializar adequadamente a formação inicial e permanente dos
presbíteros, em suas quatro dimensões: afetiva, espiritual, intelectual e
pastoral” (DA, n. 194). As Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da
86
Encontros Teológicos nº 60
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Anselmo Matias Limberger
Igreja no Brasil (2010)11 fundamentam-se nos documentos do Magistério
e apresentam o itinerário da formação inicial e da formação permanente
do presbítero. Nota-se que são mantidas as dimensões da Pastores Dabo
Vobis, dos eixos do DA, bem como das Orientações da Congregação para
a Educação Católica aprovadas pelo Papa Bento XVI.
Dom Ângelo Domingos Salvador (2008)12, fundamentado no DA,
apresenta sua contribuição para compreendermos a cultura atual. Entre
outras coisas, observa que
vivemos uma mudança de época, e seu nível mais profundo é o cultural.
Significa: estamos saindo de um modelo ou sistema de sociedade e entrando em outro, ou seja, um modelo ou sistema está passando e outro
vem chegando. Assim, estamos no tempo da passagem de um para outro.
De fato, já não estamos em época de mudanças acidentais ou graduais,
mas, sim, de mudanças substanciais e essenciais, que caracterizam
outro modelo ou outro sistema de sociedade. Tais mudanças, segundo
Aparecida, revelam-se principalmente no nível cultural, evidentemente
com reflexos nos demais níveis.
Seguindo sua exposição, o mesmo autor analisa três pontos: a
globalização do modo pessoal da existência, a globalização do modo
urbano da existência e, enfim, situações que afetam a vida presbiteral.
Com isso evidencia a importância que tem a formação inicial e permanente do presbítero, conforme a dimensão humano-afetiva, espiritual,
intelectual, pastoral e comunitária, supracitadas para responderem ao
homem e à cultura pós-moderna em crise de mudança de época.
Reporto-me à Pastores Dabo Vobis (1992)13 de João Paulo II,
da qual destaco um parágrafo referente a cada dimensão supracitada.
O Papa escreve: “sem uma formação humana, toda a formação sacerdotal ficaria privada do seu necessário fundamento”, (n. 43). Quanto à
dimensão espiritual: “possui a inconfundível originalidade que provém
da novidade evangélica. Efetivamente essa formação é obra do Espírito
11
Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil. 1ª Ed. Brasília: Edições
CNBB, 2010.
12
Dom Ângelo Domingos SALVADOR. Formação Presbiteral. Inicial e Permanente. À
luz de Aparecida, n. 17. Bogotá: Edições CNBB, 2008: 16-39.
13
JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Pós-Sinodal, Pastores Dabo Vobis. São Paulo:
Paulinas, 1992. Formação humana: pp. 116-121. Formação espiritual: pp. 122-138.
Formação intelectual: pp. 138-150. Formação pastoral: pp. 150-157. As quatro dimensões relacionadas à formação permanente: pp. 186-212.
Encontros Teológicos nº 60
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O presbítero a partir do Documento de Aparecida
e compromete a pessoa em sua totalidade; introduz na comunhão profunda com Jesus Cristo, Bom Pastor; conduz a uma submissão de toda
a vida ao Espírito numa atitude filial para com o Pai, e numa ligação fiel
à Igreja. A formação espiritual radica na experiência da cruz para poder
introduzir, em profunda comunhão, na totalidade do mistério pascal” (n.
45). Quanto à formação intelectual: “um momento essencial da formação
intelectual é o estudo da Filosofia, que leva a uma compreensão e interpretação profunda da pessoa, da sua liberdade, das suas relações com o
mundo e com Deus. (...) Para uma compreensão mais abrangente do ser
humano, bem como dos fenômenos e das linhas evolutivas da sociedade,
em ordem ao exercício o mais encarnado possível do ministério pastoral,
podem ser de grande utilidade as chamadas ciências do homem como a
Sociologia, a Psicologia, a Pedagogia, a ciência econômica e a política,
e a comunicação social. (...) A formação intelectual do futuro sacerdote
baseia-se e constrói-se sobretudo sobre o estudo da ‘sagrada doutrina’,
a Teologia” (n. 52-53). Quanto à formação pastoral: “toda a formação
dos candidatos ao sacerdócio é destinada a dispô-los de modo particular
para comungar da caridade de Cristo, Bom Pastor. Portanto, nos seus
diversos aspectos, essa formação deve ter um caráter essencialmente
pastoral” (n. 57).
As Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil
(2010)14, referindo-se às dimensões da formação, destacam que estas se
apóiam em três dispositivos pedagógicos, ou seja, na “familiaridade da
casa, na sucessão do cotidiano e na presença do formador”. Esses dispositivos supõem as conhecidas dimensões antropológico-teológicas da
“formação humano-afetiva, formação comunitária, formação espiritual,
formação pastoral e formação intelectual”. Nota-se que o documento
ampliou as dimensões da Pastores Dabo Vobis e do DA de quatro para
cinco e informa que “essas dimensões da formação correspondem às
exigências essenciais da identidade e missão dos presbíteros”.
Quanto à dimensão da formação comunitária, as Diretrizes destacam que “somente a efetiva e profunda experiência de comunidade
poderá formar o presbítero segundo o modelo deixado por Jesus (...). O
sentido da vida e da missão do presbítero é determinado pela qualidade
e profundidade de sua experiência de comunhão (...). A comunhão de fé
com o bispo e com o presbitério e a partilha da vida com o Povo de Deus,
14
88
Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil. Brasília: Edições
CNBB, 2010: 116-7.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Anselmo Matias Limberger
a quem deve estimar, acolher, servir e amar (...) é, ao mesmo tempo, sinal
e fruto da comunhão com Deus Pai, no Filho, pelo Espírito”. A partir
desses elementos, o documento apresenta os objetivos e indica os meios
da formação comunitária15.
Retomo o DA, através do estudo de Dom Ângelo Domingos Salvador (2008)16, para apresentar com ele um novo modelo de presbítero.
O autor redefine a identidade presbiteral e destaca suas características:
a) Presbíteros-discípulos, que tenham profunda experiência de Deus,
configurados com o coração do Bom Pastor, dóceis à orientação do
Espírito, que se nutram da Palavra de Deus, da Eucaristia e da Oração;
b) Presbíteros-missionários, movidos pela caridade pastoral-missionária
que os leve a cuidar do rebanho a eles confiado e a procurar os distantes, pregando a Palavra de Deus, sempre em profunda comunhão com
o Bispo, com os outros presbíteros, diáconos, religiosos, religiosas e
leigos; c) Presbíteros-servidores da vida, que estejam atentos às necessidades dos mais pobres, comprometidos na defesa dos direitos dos
mais fracos, e promotores da cultura da solidariedade; d) Presbíteros
cheios de misericórdia, especialmente disponíveis para administrar o
sacramento da reconciliação17.
Dentro da ótica do novo modelo de presbítero, os Bispos do
Brasil vêm lembrá-los de que se esmerem “em levar avante a formação
permanente, conscientes de que cada vida é um caminho incessante em
direção à maturidade e, por ela, atende-se à exigência de acertar o passo
com a história e discernir o contínuo chamado ou vontade de Deus. A
alma e essência da formação permanente do presbítero é a caridade
pastoral, pois todos os aspectos da formação devem ordenar-se ao fim
pastoral” (n. 16)18.
Quanto à dimensão espiritual, pode-se verificar a contribuição
da Congregação para o Clero (2011)19 que relembra, entre outras recomendações: “os próprios ministros necessitam da prática da direção
espiritual, que está sempre intrinsecamente ligada à intimidade com
Cristo: para desempenhar com fidelidade o seu ministério, tenham a
15
Idem, p. 127-131.
16
Dom Ângelo Domingos SALVADOR, op. cit. n. 17.
17
Idem, n. 61-62
18
Carta aos Presbíteros. Doc. 75. São Paulo: Paulinas, 2004.
19
CONGREGAÇÃO PARA O CLERO (2011). O sacerdote, ministro da misericórdia
divina: subsídio para confessores e diretores espirituais. São Paulo: Paulinas, 2011.
Encontros Teológicos nº 60
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89
O presbítero a partir do Documento de Aparecida
peito o colóquio cotidiano com Cristo Senhor, na visita e culto pessoal
à Sagrada Eucaristia, entreguem-se de bom grado ao retiro espiritual, e
tenham em grande apreço a direção espiritual” (n. 74).
2.3 Situações que incidem sobre a existência
do presbítero
O DA destaca o desafio que se refere aos “aspectos vitais e afetivos, ao celibato e a uma vida espiritual intensa fundada na caridade
pastoral, que se nutre na experiência pessoal com Deus e na comunhão
com os irmãos; também ao cultivo de relações fraternas com o Bispo,
com os demais presbíteros da diocese e com os leigos. Nesse sentido,
adverte: Para que o ministério do presbítero seja coerente e testemunhal,
ele deve amar e realizar sua tarefa pastoral não isoladamente mas em
comunhão” (cf. n. 195).
Quanto ao setor humano-afetivo supracitado, reporto-me às
Orientações aprovadas pelo Papa Bento XVI (2008/2010)20 para serem
utilizadas tanto na formação inicial quanto na formação permanente,
tanto em caráter preventivo como em caráter curativo. A propósito, trago
o exemplo de um autor que se beneficiou da psicoterapia na formação
inicial ao presbiterado.
Psisaneschi (2009)21, advogado formado pela PUCSP, sentiu-se
chamado ao sacerdócio e, após a graduação em teologia, foi ordenado.
Sua primeira função ministerial consistiu em ser pároco numa paróquia
próximo à PUCSP, o que facilitou para ele colaborar com outros padres
no trabalho da Pastoral Universitária. Relatou que, ao exercer seu ofício,
sentiu-se interpelado pelas demandas dos jovens que o buscavam para se
aconselharem. Esse fato o levou a desenvolver uma pesquisa científica
na área da psicologia clínica, na qual investiga o tema das contribuições
do aconselhamento psicológico para a prática da direção espiritual. Por
outro lado, na pesquisa ele se refere ao seu processo na formação inicial
ao presbiterado e relata que fez acompanhamento personalizado com
90
20
CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA (2008). Orientações para a utilização das competências psicológicas na admissão e na formação dos candidatos
ao sacerdócio. Brasília: Edições CNBB, 2010.
21
Vandro PISANESCHI. Contribuições do aconselhamento psicológico para a prática
da direção espiritual. Mestrado em psicologia clínica. São Paulo: PUCSP, 2009.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Anselmo Matias Limberger
psicólogo e como esse trabalho contribuiu para o amadurecimento de
sua personalidade e de suas opções.
Pereira (2009)22 é psicóloga, e em sua pesquisa científica trabalha a interface entre o aconselhamento psicológico e o aconselhamento
espiritual. Relata que foi convidada pelo Reitor do Seminário “X” para
atender aos candidatos em processo de formação inicial ao presbiterado.
Na pesquisa, essa autora descreve experiências de psicólogos que fazem
aconselhamento e de diretores espirituais que trabalham em Seminário.
Quanto à função do conselheiro psicológico, ela destaca que este tem
o objetivo de “facilitar a auto-exploração, o auto-conhecimento e a
autonomia do cliente, favorecendo sua comunicação consigo mesmo e
a revitalização de sua tendência ao crescimento, tida como um recurso
confiável para a mudança e a transformação buscadas”.
O “Instituto Terapêutico Acolher”, em São Paulo, é especializado no atendimento a presbíteros. Padres que fizeram acompanhamento
psicológico testemunham informalmente os benefícios terapêuticos para
suas vidas.
3 Conclusão
Concluindo o presente artigo, observo que os vários documentos do
Magistério da Igreja reconhecem a necessidade de trabalhar os três eixos
do DA e as quatro dimensões da Pastores Dabo Vobis, mais a dimensão comunitária. Em comum, destacam como fundamental a dimensão
humano-afetiva, que é o campo do trabalho psicológico no processo de
formação inicial e de formação permanente dos presbíteros.
As Diretrizes supracitadas apresentam os objetivos da formação
humano-afetiva que devem ser trabalhadas pela comunidade formadora.
Ao destacar o profissional da psicologia, elas ressaltam que esse deve
atuar com o objetivo de, tanto na formação inicial como na permanente,
ajudar o candidato a “conseguir a capacidade de autoconhecimento
equilibrado, com exclusão de percepções distorcidas, e a resistência às
tensões e provas a que a vida submete toda pessoa (...). A primeira e
permanente tarefa é ajudar o presbítero a amar-se a si mesmo”. E acrescentam que “a experiência de amar a si mesmo, sentindo-se chamado e
22
Leidilene Cristina PEREIRA. A interface entre o aconselhamento psicológico e o aconselhamento espiritual. Mestrado em Psicologia Clínica. São Paulo: PUCSP, 2009: 123.
Encontros Teológicos nº 60
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O presbítero a partir do Documento de Aparecida
escolhido pelo Senhor, torna-se uma força vigorosa para o crescimento
humano-afetivo e fonte genuína do amor aos irmãos”.
O desafio se coloca quando se parte para a escolha dos profissionais
da psicologia para realizarem o atendimento. Observo que há, de um
lado, a demanda dos presbíteros e, do outro lado, há muitas especificidades para o atendimento psicológico. Reconheço que há abordagens e
princípios da psicologia que entram em conflito com aquilo que a Igreja
espera do trabalho psicológico. Contudo, na própria psicologia, que é
uma ciência com muitos paradigmas, há princípios, procedimentos e
técnicas que não se opõem aos ensinamentos da Igreja. É, pois, necessário
organizar um curso em nível de pós-graduação para habilitar e capacitar
os psicólogos a fazerem o atendimento dentro dos princípios que regem
a Igreja e a Ciência.
Limberger (2004)23 desenvolve sua pesquisa de especialização em
psicologia clínica e descreve o processo de terapia breve, com abordagem
psicodinâmica, na qual é possível obter resultados duradouros com um
processo que dura em média vinte e quatro sessões. Após o atendimento,
fazem-se sessões de follow-up para reavaliar o cliente e propor novos
encaminhamentos. O processo de terapia breve, conforme descrição na
pesquisa supracitada, adequa-se bem às necessidades dos presbíteros em
sua formação inicial e em sua formação permanente.
Quando me referi a um possível curso de especialização para
psicólogos para atenderem à demanda da Igreja, no caso de presbíteros,
refiro-me a essa modalidade de atendimento focalizado. A Igreja apresenta
critérios psicológicos nas Diretrizes para a Formação dos Presbíteros
(2010)24, as quais também devem ser conhecidas pelos psicólogos. De
resto, acredito que a fenomenologia seja a abordagem mais adequada
para o estudo, compreensão e trabalho que envolva os presbíteros.
Finalizo este artigo afirmando que é possível dizer que a Igreja
abrange o homem presbítero na sua totalidade, ao descrevê-lo a partir
de três eixos no DA e de quatro dimensões descritas na Pastores Dabo
Vobis, bem como em outros documentos do Magistério.
92
23
Anselmo Matias LIMBERGER. Processo psicoterápico breve: eleição do foco, aliança
terapêutica e resultados do tratamento. Especialização em psicologia clínica. São Paulo: Instituto Paulista de Psicologia, Estudos Sociais e Pesquisa – IPPESP, 2004.
24
Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil. 1ª Ed. Brasília: Edições
CNBB, 2010.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Anselmo Matias Limberger
4 Referências Bibliográficas
CARTA AOS PRESBÍTEROS. Documento n. 75. São Paulo: Paulinas,
2004.
CONGREGAÇÃO PARA O CLERO (2002). Instrução: O presbítero, pastor e guia da comunidade paroquial. Brasília: Edições
CNBB, 2011.
CONGREGAÇÃO PARA O CLERO (2011). O sacerdote, ministro da misericórdia divina: subsídio para confessores e diretores
espirituais. São Paulo: Paulinas, 2011.
CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA (2008).
Orientações para a utilização das competências psicológicas na
admissão e na formação dos candidatos ao sacerdócio. Brasília:
Edições CNBB, 2010.
DIRETRIZES GERAIS DA AÇÃO EVANGELIZADORA DA
IGREJA NO BRASIL, 2011-2015. São Paulo: Paulinas, 2011.
DIRETRIZES PARA A FORMAÇÃO DOS PRESBÍTEROS DA
IGREJA NO BRASIL. Brasília: Edições CNBB, 2010.
DOCUMENTO DE APARECIDA (2007). 11. ed. Brasília/São
Paulo: Editoras CNBB, Paulus e Paulinas, 2009.
JOÃO PAULO II, PAPA, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Pastores Dabo Vobis. São Paulo: Edições Paulinas, 1992.
LIMBERGER, Anselmo Matias. Processo psicoterápico breve:
eleição do foco, aliança terapêutica e resultados do tratamento.
Especialização em psicologia clínica. São Paulo: IPPESP, 2004.
_____. Sentidos da experiência do trabalho voluntário em uma
instituição religiosa. Doutorado em psicologia clínica. São Paulo:
PUCSP, 2011.
_____. Friederich Wilhelm Nietzsche: pensamento ou doutrina.
Mestrado em filosofia. Roma: Pontifícia Università San Tommaso,
1990.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
93
O presbítero a partir do Documento de Aparecida
PEREIRA, Leidilene Cristina. A interface entre o aconselhamento psicológico e o aconselhamento espiritual. Mestrado em psicologia clínica.
São Paulo: PUCSP, 2009.
PISANESCHI, Vandro. Contribuições do aconselhamento psicológico
para a prática da direção espiritual. Mestrado em psicologia clínica.
São Paulo: PUCSP, 2009.
SALVADOR, Dom Ângelo Domingos. Formação presbiteral: inicial e
permanente, à luz de Aparecida. Brasília: Edições CNBB, 2008.
Endereço do Autor:
Rua Prof. Waldomiro Postcher, 134
04387-260 Domitila, SP
E-mail: [email protected]
94
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Resumo: Cada época tem os seus desafios. O momento atual, definido por
alguns não como uma época de mudança, mas como uma mudança de época,
também tem os seus. Esses desafios atingem a formação em geral na Igreja,
particularmente aquela voltada para a preparação dos que vão assumir a vida
consagrada e os ministérios ordenados. O presente artigo apresenta os principais desafios para a formação no momento atual e propõe alguns princípios de
ordem pedagógica que podem ajudar a Igreja e os responsáveis pela formação
eclesial a encará-los de outra maneira.
Abstract: Every age has its challenges. The present moment, defined by some
not as an age of change, but as a change of age, also has its own. These
challenges affect the general instruction in the Church, particularly that which is
devoted to the preparation of those who will assume the consecrated life and the
ordained ministries. The present article presents the main challenges to today’s
instruction and suggests some principles of a pedagogical order that may help
the Church and those who are responsible for the ecclesial instruction to view
these challenges from a different perspective.
Desafios atuais para a
formação eclesial*
José Lisboa Moreira de Oliveira**
*
Artigo publicado na Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis. v. 71, n. 282. p. 293308. abr. 2011.
** Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília, graduado em Teologia
pela Universidade Gregoriana de Roma, Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade
Teológica da Itália Meridional (Nápoles – Itália), Doutor em Teologia pela Universidade
Gregoriana de Roma. Autor de 13 livros e dezenas de artigos sobre o tema da vocação
e da animação vocacional. Foi assessor do Setor Vocações e Ministérios da CNBB
(1999-2003) e Presidente do Instituto de Pastoral Vocacional (2002-2006). Foi membro
do Conselho Superior da CRB (1995-1997) e da Equipe de Reflexão Teológica da CRB
(2003-2006). Atualmente é gestor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia
da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília, onde também é professor
de Antropologia da Religião e Ética.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011, p. 95-110.
Desafios atuais para a formação eclesial
Cada época tem os seus desafios. O momento atual, definido por
alguns não como uma época de mudança, mas como uma mudança de
época, também tem os seus. Esses desafios atingem a formação em geral
na Igreja, particularmente aquela voltada para a preparação dos que vão
assumir a vida consagrada e os ministérios ordenados. Tais desafios são
ainda maiores, porque as instituições, como a Igreja, passam por uma séria
crise e se recusam a reconhecer essa crise. Adotam o método da avestruz,
não querendo enfrentar o assunto e aplicando a lei do silêncio. Por isso,
concordando com Cozzens, “o nosso primeiro desafio é romper o muro
de negação e silêncio que protege a ordem eclesiástica”.1 Negação essa
manifestada inclusive na recusa de algumas instâncias da Igreja Católica
em admitir certas situações escandalosas em seu interior.
Infelizmente, como gosta de repetir um bispo amigo meu, “para
certas instituições religiosas o cadáver está muito bem, mesmo uma
semana depois de morto”. Por essa razão o tempo vai passando, e a
crise se alastrando cada vez mais, e as soluções para certas situações
ficam cada vez mais difíceis. Isso termina causando ansiedade e medo.
E “onde existe ansiedade a imaginação se atrofia, a negação prospera
e o controle torna-se obsessivo. A burocracia de uma Igreja ansiosa
exibe precisamente estas características – negação, legalismo, poder
controlador, ocultação”.2 Não é isso o que vemos atualmente na Igreja
Católica Romana?
1 Os desafios
Mas, quais seriam, hoje, os principais desafios para a formação?
Certamente são muitos. Eu procuro sintetizá-los em cinco aspectos.
Vejamos.
O primeiro é de ordem cultural. Estamos na pós-modernidade, ou,
como querem alguns, no auge da crise da modernidade. Há, no dizer de
Mattéi, uma “barbárie da cultura”, uma vez que as pessoas vivem uma
vida medíocre, uma “subjetividade de massa”, que as impede de abrirse de verdade à realidade.3 Neste contexto cultural o lema é o seguinte:
96
1
Donald COZZENS. Silêncio sagrado. Negação e crise na Igreja, Loyola, São Paulo
2004, p. 14.
2
Ibidem.
3
Jean François MATTÉI, A barbárie interior. Ensaios sobre o i-mundo moderno, Unesp,
São Paulo 2001, p. 231-278.
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“Nem pensar, nem transformar. Viver o presente na sua cotidianidade
banal”.4 Assim sendo, fazem parte da ordem do dia o individualismo,
o subjetivismo, o relativismo, o imediatismo, o consumismo, a provisoriedade, etc. Protótipo desse modelo cultural é certo jovem religioso
que conheço, o qual não esconde para ninguém a sua situação. Sua vida
está um caos por diversos problemas. A direção da congregação está
apertando-o cada vez mais. Ele se desafoga, indo passear no shopping,
comprando o desnecessário e consumindo sem parar. Seu mestrado, sua
licenciatura e sua especialização não conseguem lhe dar equilíbrio. Porque sua congregação é rica e ele ocupa um cargo de gestão importante
na província, lhe é oferecido um cartão de crédito, com um “limite”
relativamente alto, e assim ele pode gastar a vontade. Desafoga a sua
frustração na cotidianidade banal, recusando-se a pensar, a enfrentar sua
crise e a provocar uma transformação em si mesmo e nos outros.
O segundo desafio é o antropológico. O jovem que está chegando
às casas religiosas e aos seminários é um ser humano fragilizado, quebrado, arrebentado. É o homo debilis do qual fala o filósofo italiano Gianni
Vattimo.5 Ainda jovem, mas já fraco, cansado, frustrado, desamparado.
Incapaz de tomar iniciativa, de lutar, de topar desafios, de assumir a
vanguarda de projetos de fronteira e, sobretudo, de amar o próximo.6
Muitos jovens hoje são dominados pelo fenômeno da adultescência.
Fisicamente parecem adultos, mas psicologicamente vivendo uma vida
de adolescente. Tal debilidade é agravada pela situação das famílias e
pela degradação dos ambientes, particularmente pela violência e pelo
clima de insegurança a que as pessoas são submetidas no atual momento.
Por isso, os jovens e as jovens trazem consigo uma infinidade de problemas e de dificuldades. Não porque sejam maus, mas porque são filhos
da pós-modernidade, “cultura” criada pelo sistema capitalista – agora
neoliberal – para mantê-los debaixo de seus pés.
4
João Batista LIBANIO, A vida religiosa na crise da modernidade brasileira, Loyola,
São Paulo 1995, p. 41. Quinze anos depois, essa constatação de Libanio não só
continua atual, mas parece muito mais presente na sociedade, particularmente entre
os jovens.
5
José Lisboa Moreira de OLIVEIRA, Pastoral Vocacional e cultura urbana. Desafios e
perspectivas, Loyola, São Paulo 2000, p. 33-34.
6
A este respeito veja-se Zygmunt BAUMAN, Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços
humanos, Zahar, Rio de Janeiro 2004.
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97
Desafios atuais para a formação eclesial
O terceiro desafio é de ordem teológica.7 Mesmo depois de mais de
quatro décadas da conclusão do Concílio Vaticano II, a vocação comum
à santidade não é ainda reconhecida.8 Por outro lado, há uma tremenda
indefinição do que seja o específico da vocação dos cristãos leigos e das
cristãs leigas, da vida consagrada e do ministério ordenado.9 De um modo
geral, as congregações, mesmo tendo recebido o convite do Vaticano II a
voltar às fontes (PC, 2), continuam perdidas, sem clareza quanto a seus
carismas congregacionais.10 Hoje vemos leigos fazendo o que é próprio
dos padres e das freiras. Há frades e freiras fazendo o que é dos leigos e
dos padres e há padres fazendo o que é específico dos leigos e dos frades
e freiras. As congregações religiosas parecem-se mais com agências de
serviços gerais, onde é possível encontrar funcionários para todo tipo
de trabalho. Além do mais, continua-se com a “sacerdotalização” do
ministério ordenado, ou seja, os padres não são presbíteros, mas apenas
rezadores de missas.11 Tal “sacerdotalização” tira do Povo de Deus a condição de sujeito eclesial. O padre é o único que celebra, que decide, que
faz. Os demais são apenas expectadores, meros cumpridores de ordens.
Na vida religiosa masculina há a prevalência do ministério ordenado
sobre o específico da Vida Consagrada, de modo que não se sabe por que
alguém entrou numa congregação religiosa apenas para ser padre.12
A meu ver, um quarto desafio se encontra no âmbito da espiritualidade. Continuamos confundindo espiritualidade com espiritualismo,
particularmente com os espiritualismos de fuga.13 Alguém reza um
7
Cf. José COMBLIN, Quais os desafios dos temas teológicos atuais?, Paulus, São
Paulo 2005.
8
Cf. José Lisboa Moreira de OLIVEIRA, Qual o sentido da vocação e da missão?,
Paulus, São Paulo 2006, p. 25-42.
9
Cf. ID., Nossa resposta ao Amor. Teologia das vocações específicas, Loyola, São
Paulo 2001.
10
Veja-se o que diz a esse respeito Felicísimo Martinez DÍEZ, Vida Religiosa: carisma
e missão profética, Paulus, São Paulo 1995.
11
98
Edward SCHILLEBEECKX, Por uma Igreja mais humana. Identidade cristã dos ministérios, Paulus, São Paulo 1989, p. 196-200.
12
Cf. Francisco TABORDA, O religioso presbítero: uma questão disputada, em: Convergência 329 (2000) 42-52; Felicísimo Martinez DÍEZ, Vida Religiosa: carisma e missão
profética, p. 40-47; José Lisboa Moreira de OLIVEIRA, Nossa resposta ao Amor, p.
269-276. Segundo Díez, nota-se nos institutos religiosos clericais uma esquizofrenia
permanente: “os respectivos carismas inspiram a espiritualidade e a vida interna das
comunidades; porém muitas vezes é necessário deixá-los em casa para ajustar-se à
engrenagem da pastoral de conjunto diocesana” (p. 297).
13
Acerca da espiritualidade e dos problemas a ela relacionados, veja-se, entre outros,
Alfonso García RUBIO, A caminho da maturidade na experiência de Deus, Paulinas,
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terço, e já achamos que a pessoa é muito espiritual. Os espiritualismos
aumentaram nesses últimos anos, e praticamente todos estão revestidos
de maniqueísmo, com claro desprezo pelo que é “carnal”, humano, por
aquilo que é de “carne e osso”. Chega-se ao absurdo de se ter uma religião sem o humano e, de consequência, uma vida humana sem religião.
Crescem o fanatismo, o fundamentalismo, a discriminação religiosa e a
violência em nome de Deus.14 Chama-se de espiritualidade o que é apenas
religião de consolação, teologia da prosperidade. As religiões e as igrejas
abdicam de sua função social, “dando as costas para o humano”.15 As
igrejas foram transformadas em “supermercados da fé” onde se vendem
e onde se compram “kits de salvação”. Disso resulta o trânsito religioso,
pois, quando surge um novo “supermercado da fé”, todos correm para
lá, em busca de um novo produto religioso, oferecido por algum “curandeiro” que, muitas vezes, traja vestes eclesiásticas. Tais produtos usam
“embrulhos” sofisticados, com nomes bem atrativos, como, por exemplo,
“missa de cura”. No fundo, porém, tudo isso não passa de bricolagem
religiosa e de privatização da experiência de fé.
Por fim um último desafio é o eclesiológico. Os cenários de Igreja,
já mencionados em 1999 por Libanio, não são os mais animadores.16 Há
o cenário institucional, no qual o Direito Canônico está acima da Bíblia.
No cenário carismático, a emoção, a histeria, o exótico e o brilhantismo
das vestes eclesiásticas prevalecem sobre tudo. No cenário midiático
estão os padres pop star, disputando para ver quem aparece mais e quem
é o campeão de besterol, de bobagens e de idiotices ditas para aquelas
poucas pessoas que ainda aguentam tanta mediocridade. A Igreja da libertação está em extinção. Recentemente assisti perplexo um arcebispo
afirmando em público que as Comunidades Eclesiais de Base não têm
mais espaço em sua arquidiocese. Os modelos e paradigmas apresentados, infelizmente, são os da “cultura clerical”, de pessoas amantes do
carreirismo eclesiástico.17 A quase totalidade das Igrejas locais perdeu
sua identidade e transformaram-se em “igrejas genéricas”, fotocópias do
São Paulo 2008; João Batista LIBANIO, Caminhos de existência, Paulus, São Paulo
2009; José Lisboa Moreira de OLIVEIRA, Na órbita de Deus. Espiritualidade do amimador e da animadora vocacional, Loyola, São Paulo 2004.
14
Cf. Elias WOLFF, Humanismo e religião, em: Fábio Régio BENTO (org.), Cristianismo,
humanismo e democracia, Paulus, São Paulo 2005, p. 213-248.
15
Ibid., p. 224.
16
Cf. João Batista LIBANIO, Cenários da Igreja, Loyola, São Paulo 1999.
17
Cf. Donald COZZENS, Silêncio sagrado, p. 135-147.
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Desafios atuais para a formação eclesial
Vaticano, onde as lideranças eclesiásticas são apenas “vacas de presépio”,
que, sacudindo a cabeça, dizem, sem nenhum discernimento, “amém”
a tudo que “vem do alto”.
A maioria dos bispos não tem mais consciência da própria responsabilidade, ou melhor, da solicitude por todas as Igrejas (LG 23). Por isso,
eles se recusam a falar com o Vaticano na sua condição de bispos. Não são
como Paulo, que não teve medo de se opor abertamente a Pedro quando
percebeu que esse agia erradamente (Gl 2,11-21). Preferem o silêncio e a
subserviência. E, numa Igreja feita de subservientes, onde falta o princípio
da subsidiariedade, falta a cidadania cristã e a corresponsabilidade.18 Não
há mais uma Igreja de “concidadãos dos santos” (Ef 2,19), de gente em
“estado de adultos” (Ef 4,13), mas apenas um agrupamento de “crianças”
que vivem à deriva (Ef 4,14), arrastadas e ludibriadas pela esperteza dos
marqueteiros religiosos, inclusive aqueles católicos.
2 É possível superar tais desafios?
É possível superar tais desafios? Eu acredito que sim e até
proponho mais adiante alguns princípios de ordem pedagógica. Mas,
antes disso, entendo apresentar algumas indicações que podem ajudar
a encarar os desafios de outra maneira. De fato, lembra-nos muito bem
Demo, a “educação não deve perder tempo em temer a modernidade.
Deve procurar conduzi-la e ser-lhe o sujeito histórico”.19 Portanto, não
se trata de ficar com medo dos tempos modernos, ou melhor, da época pós-moderna, mas “de dialogar com a realidade, inserindo-se nela
como sujeito criativo”.20 Coisa que, infelizmente, determinados setores
da Igreja Católica não fazem, uma vez que o estilo irreal de vida, por
eles cultivado, não lhes permite alcançar a humanidade no seu estágio
atual. Por isso, essa parcela da Igreja se encontra num “exílio virtual”,
100
18
Cf. Otto KARRER, O princípio de subsidiariedade na Igreja, em: Guilherme BARAÚNA
(org.), A Igreja do Vaticano II, Vozes, Petrópolis 1965, p. 623-649. Aliás, toda vez que
uma Igreja local deixa de ter uma identidade específica deixa de ser a manifestação
da Igreja Universal, uma vez que é a partir dessa sua identidade específica que se
realiza naquele lugar a Igreja de Cristo espalhada por toda a Terra (Cf. Burkhard
NEUNHEUSER, Igreja Universal e Igreja Local, em: Ibid., p. 650-674). O papa São
Gregório Magno já dizia a seu tempo que “se não for respeitada a jurisdição de cada
bispo, nós mesmos criamos confusão, quando na verdade deveríamos zelar pela
ordem na Igreja” (Registrum Epistolarum, II, 285).
19
Pedro DEMO, Desafios modernos da educação, Vozes, Petrópolis 1993, p. 21.
20
Ibidem.
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totalmente deslocada, deixando as pessoas hesitantes, desorientadas e
desestimuladas.21
a) Formação realista e com “cheiro” humano
Começo dizendo que para enfrentar o desafio cultural é necessária
uma formação inculturada, que pense no vocacionado real. Nesse processo de formação inculturada não se pode, como disse antes, rejeitar o
que é pós-moderno, mas assumir alguns valores que a pós-modernidade
nos trouxe.22 Um desses valores é o da provisoriedade, do relativismo,
no qual, diferente do que pensam muitos, há algo profundamente cristão. De fato, já nos lembrava Paulo, “o tempo se abreviou” e “a figura
desse mundo passa” (1Cor 7,29-31). Outro exemplo de valor presente
na pós-modernidade é o da redescoberta da corporalidade, mesmo com o
risco de possíveis desvios. Penso que a pós-modernidade, ao radicalizar
o “culto ao corpo”, nos ajuda a pensar no resgate da dimensão corporal
como aspecto fundamental da teologia da criação.23 De fato, o Criador
nos fez sua imagem e semelhança não na abstração espiritual, mas na
corporalidade, no ser “macho e fêmea” (Gn 1,27) e na busca por uma
companheira ou companheiro (Gn 2,18-24). Portanto, as provocações da
pós-modernidade podem ajudar a Igreja a deixar de construir catedrais
e passar a viver nas tendas improvisadas de quem é apenas peregrino e
viandante (Hb 13,14).
No tocante ao desafio antropológico, é necessário que na formação se leve mais a sério a dimensão humana. Estamos repetindo isso
desde o Vaticano II, mas infelizmente o que se nota é um total descuido
com essa dimensão. Chega-se até a fazer cursos para os formadores e
formadoras sobre o assunto, mas, quando se vai para a prática, a teoria é outra. Tal descompasso entre teoria e prática é expressão de uma
verdadeira patologia do comportamento humano.24 O que se vê por aí é
21
Cf. Donald COZZENS, Silêncio sagrado, p. 13-17.
22
Cf. José TRASFERETTI/Paulo Sérgio Lopes GONÇALVES (orgs.), Teologia na PósModernidade. Abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática, Paulinas,
São Paulo 2003.
23
Cf. Ana ROY, Tu me deste um corpo..., Paulinas, São Paulo 2000; Sandro SPINSANTI,
Il corpo nella cultura contemporanea, 2ª ed., Queriniana, Brescia 1985; Carlo ROCCHETTA, Per una teologia della corporeità, Camilliane, Turim 1990.
24
Sobre esta questão do descompasso entre teoria e prática dentro da Igreja veja-se
Hubert LEPARGNEUR, O descompasso da teoria com a prática: uma indagação nas
raízes da moral, Vozes, Petrópolis 1979.
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Desafios atuais para a formação eclesial
um punhado de “vivaldinos”, ou seja, de pessoas que vivem pregando a
coerência quando, na verdade, possuem uma prática incoerente. O sujeito
vivaldino engana a comunidade, deturpa a realidade, sendo, pois, um
farsante.25 Os recentes casos de padres pedófilos são exemplos daquilo
que estamos dizendo.26
É fundamental ter sempre presente que os cuidados com a vocação
específica “nunca poderão esquecer ou negar as exigências da natureza
humana, enquanto elas têm origem e fundamento no próprio plano de
Deus Criador”.27 Rezar não basta, não é suficiente e não resolve certos
problemas. É necessário mais cuidado antropológico, e mais humildade
para aceitar a ajuda das ciências humanas.
No que diz respeito ao desafio teológico, é indispensável usar
de mais clareza na formação acerca do específico de cada vocação e
uma reviravolta nos processos pedagógicos, que, na maioria das vezes,
escondem a verdade e não revelam o óbvio. Que, por exemplo, não se
tenha medo de dizer que para seguir Jesus Cristo e servir ao Reino não
é necessário ser padre, frade ou freira. Além do mais, é necessário rever
paradigmas e modelos existentes, que são de épocas passadas e não
atendem mais aos tempos atuais.
Na cultura midiática atual, o exótico e o medíocre ganham força
e destaque. Veja-se o caso de alguns programas televisivos, inclusive
da mídia católica. A burrice, a leviandade, a falta de compromisso, são
exaltadas por grupos de fugitivos da realidade. E para tanto existem regras
bem precisas de uma “uniformidade mundial”.28 A Igreja não pode continuar apontando como modelo aquilo que é arcaico e defasado, embora
isso hoje esteja na moda. A comunidade cristã não é chamada a seguir a
moda, mas a fazer discernimento e a ficar com o que é em conformidade
ao Evangelho (Rm 12,2). E o que é conforme ao Evangelho é o que não
aparece, o que é normal, despojado de todo exibicionismo (Fl 2,7).
Diante do desafio da espiritualidade, é urgente recuperar a verdadeira espiritualidade cristã encarnada, com sua mística e com sua
ascese. Praticar uma espiritualidade que seja, de fato, vida conduzida
102
25
Pedro DEMO, Intelectuais e vivaldinos. Da crítica acrítica, Almed, São Paulo 1982,
p. 89-93.
26
Cf. Donald COZZENS, Silêncio sagrado, p. 109-134.
27
CNBB, Guia pedagógico de pastoral vocacional, Paulus, São Paulo 1983, p. 28.
28
Cf. Zygmunt BAUMAN, Comunidade. A busca por segurança no mundo atual, Zahar,
Rio de Janeiro 2003, p. 49-55.
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pelo Espírito e que nos leve a seguir Jesus na história concreta, no diaa-dia. Uma espiritualidade que não nos tire do mundo, mas que nos faça
fermento e sal, pessoas comprometidas com a construção da justiça e da
paz. É preciso, como diz Rubio, caminhar através de uma experiência
adulta de Deus que supere o infantilismo religioso.29
Por fim, diante do desafio eclesiológico, é preciso que se retome a
eclesiologia do Concílio Vaticano II, a qual nos indicou uma Igreja Povo
de Deus, peregrina no mundo, assumindo para si tanto as alegrias como
as tristezas da humanidade. É preciso retornar a Medellín, a uma Igreja
pobre que ama os pobres, a uma Igreja de Comunhão e de Participação,
como queria Puebla, a uma Igreja discípula e missionária, como indicou
mais recentemente a conferência de Aparecida. Não há como superar esse
desafio, se continuarmos reféns da burocracia eclesiástica que insiste em
manter estruturas obsoletas e normas voltadas exclusivamente para a
perpetuação e crescimento do poder centralizador da hierarquia.30
b) Princípios pedagógicos
As considerações que acabamos de fazer apontam para a necessidade de princípios pedagógicos que norteiem a formação na Igreja. Já
faz algum tempo, Brighenti nos dizia que em tempos nos quais “não há
vento favorável”, é indispensável “eleger um rumo” que nos leve onde
queremos chegar. Do contrário, seremos sempre surpreendidos por
vendavais e temporais que terminarão por nos levar exatamente lá onde
nunca gostaríamos de aportar.31
Nesse caso, os princípios pedagógicos seriam o conjunto de esforços para conjugar de modo objetivo e claro a formação com a realidade,
com a prática, e com a meta que se pretende atingir. Seria o esforço para
vencer formas deformantes de esquizofrenia eclesiástica. De fato, lembra Brighenti, torna-se inoperante e contraditório “a simples aplicação
de umas técnicas ou regras preestabelecidas para todos os contextos e
29
Cf. Alfonso García RUBIO, A caminho da maturidade na experiência de Deus,
p. 61-101.
30
Cf. José COMBLIN, Quais os desafios dos temas teológicos atuais?, p. 57-66.
31
Agenor BRIGHENTI, Reconstruindo a esperança. Como planejar a ação da Igreja em
tempos de mudança, Paulus, São Paulo 2000, p. 9-31.
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Desafios atuais para a formação eclesial
épocas, desvinculadas de princípios que as contextualizem e as tornem
instrumentos eficazes para a ação evangelizadora”.32
Tendo presente o que acabou de ser dito, podemos afirmar que
o primeiro princípio pedagógico é aquele de uma nova aprendizagem.
Trata-se de sermos capazes de fazer um confronto entre os paradigmas
até agora utilizados e os novos paradigmas que a pós-modernidade está
propondo. Precisamos com toda honestidade reconhecer que os atuais
paradigmas formativos, fincados na tradição europeia medieval, não
funcionam mais. Estão superados e em franca agonia. Com eles agoniza
também o paradigma do formador, tido até então como o sujeito onipotente que tem as chaves para desvendar todos os segredos e mistérios. Nesse
sentido, nos lembra Demo, somos convocados a urgentemente abandonar a obsolescência da educação, a qual consiste em oferecer cursos e
conteúdos sem nenhuma preocupação com a realidade e com o futuro.33
Infelizmente, o que estamos chamando de “moderno” no atual processo
formativo é algo equivocado e atrasado. Precisamos, pois, desconstruir
tudo e começar do zero. Tentar remendar as coisas só aumenta ainda mais
o rasgão, como disse muito bem o Senhor Jesus (cf. Mc 2,21).
A partir disso, pode-se dizer que o segundo princípio é a superação do conceito de aprendizagem. Infelizmente, na prática concreta
da formação eclesial, insiste-se ainda em confundir aprendizagem com
instrucionismo. Queremos a todo custo que os formandos aprendam e
gravem algumas regras, normas e doutrinas que serão completamente
deletadas assim que eles chegarem ao objetivo ao qual almejam. Nesse
sentido, é indispensável que a formação inicial e permanente seja reconstrutiva, isto é, leve os formandos a aprender a desaprender.
Trata-se, pois, de cuidar para que a formação seja autopoiética,
de dentro para fora e não o contrário. Que seja uma aprendizagem
interpretativa que não tenha como referenciais regras externas, mas a
própria vontade do sujeito de se autodefinir na própria caminhada. Nesse
sentido, a aprendizagem, no processo formativo, terá que ser construtiva
e interativa, ressignificativa e envolvente. Temos que voltar à maiêutica
de Sócrates, lembrando que só permanece durante o processo formativo
aquilo que o formando ou formanda reconfigurou na sua mente e na sua
vida. É pura ilusão pensar que o formando vai acolher o argumento da
104
32
ID., Por uma evangelização inculturada. Princípios pedagógicos e passos metodológicos, Paulinas, São Paulo 1998, p. 42.
33
Cf. Pedro DEMO, Desafios modernos da educação, p. 56-78.
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autoridade. O que fica é a autoridade do argumento, ou seja, aquilo que
o sujeito percebe como sendo também sua construção. É preciso qualificar o processo formativo, passando do puro ensinar regras e normas
para o ato de educar. Nesse sentido, formadores e formandos precisam
“aprender a aprender”.34 Qualificar a formação significa abandonar a
pretensão de “fazer a cabeça”, para proporcionar condições à pessoa de
pensar com a própria cabeça. “Educação que vira pregação faz discípulos,
fiéis seguidores, não gente competente”.35
Disso decorre um terceiro princípio que se refere ao tipo de conhecimento que estamos proporcionando durante o processo formativo.36
Infelizmente, o tipo de conhecimento que estamos proporcionando aos
jovens formandos é aquele do pecado original. Queremos torná-los como
os deuses, pessoas onipotentes e prepotentes que se colocam acima de
tudo e de todos. Precisamos inverter essa lógica perversa e ajudá-los
a serem “normais” e a permanecerem “normais”. E para ser normal é
indispensável saber pensar, buscar novos horizontes, aceitar questionamentos, querer mudar. Se isso não está presente na formação, teremos
no futuro uma comunidade de escravos arrogantes e não de homens e
mulheres livres.
Portanto, um conhecimento que permanece aberto para a escuta e
para outros conhecimentos, sem nenhum resquício de fundamentalismos
e de rigorismos. Um conhecimento tão bem fundamentado que jamais
se sente completo. Por essa razão, está aberto à crítica e à autocrítica,
dispondo-se à desconstrução, ou seja, à capacidade de reconhecer sua
validade relativa diante de argumentos mais decisivos e precisos.37
A questão do conhecimento aponta para um quarto princípio: o da
qualidade formal do conhecimento e da formação. Infelizmente, de um
modo geral, a formação eclesial sofre com a falta de uma metodologia
científica precisa. Tudo costuma ser improvisado, genérico e unilateral.
Faltam pessoas seriamente preparadas. Geralmente, os formadores são
improvisados. É notória a ausência de uma equipe de formação, ficando
a responsabilidade sobre as costas de uma única pessoa, que, quase sempre, está sobrecarregada com tantas outras tarefas. Chega-se até a dizer
34
ID., Educação de qualidade, 4ª ed., Papirus, São Paulo 1998, p. 81-100.
35
Ibid., p. 99.
36
ID., Conhecer & aprender. Sabedoria dos limites e desafios, Artmed, Porto Alegre
2000, p. 58-71.
37
Ibid., p. 101-117.
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Desafios atuais para a formação eclesial
que os formadores e formadoras fazem várias coisas, inclusive trabalhar
na formação. Dificilmente há dedicação exclusiva. Em função disso, o
processo formativo torna-se carente de coerência, de consistência, de
sistematização, de originalidade e de objetividade.
Ora, isso é um verdadeiro desastre, pois é indispensável que haja
uma formação básica que não se contente apenas em oferecer conhecimentos gerais, no “saber de tudo pelo menos um pouco, mas no saber
aquilo que é tido como coluna mestra dos desafios modernos, ou seja,
saber estratégico, de teor interdisciplinar e aprofundado”.38 Qualquer um
de nós sabe por experiência que, de um modo geral, os formandos e formandas terminam o período de formação inicial sem o saber estratégico,
sem preparação suficiente para enfrentar os desafios do mundo atual. À
formação genérica se junta quase sempre a pressa e o desespero, pois as
dioceses e os institutos de vida consagrada estão sempre às voltas com
o problema da escassez de vocações.
Disso então surge um último princípio que pode ser chamado de
qualidade política da formação. Trata-se, segundo Demo, do cuidado que
se deveria ter com a relevância social do conhecimento.39 Os responsáveis
pela formação, especialmente aqueles e aquelas que tomam as decisões
finais, deveriam constantemente se perguntar sobre a “condensação
simbólica” do processo formativo. Dito de outra forma: até que ponto
a formação está preparando as pessoas para assumirem seus lugares
na Igreja e na sociedade? Muitas vezes, por ser ainda tremendamente
arcaica e ultrapassada, a formação apenas ensina a “ler e escrever”, mas
não forma seres pensantes, autônomos, criativos e responsáveis. Os
formandos e formandas aprendem, quase que mecanicamente, alguns
conceitos e normas, mas não aprendem a reconstruir a vida e os ambientes. Tornam-se alienados, verdadeiros “analfabetos funcionais”, visto que
serão incapazes de interpretar e de transformar a realidade.40
106
38
ID., Desafios modernos da educação, p. 29-30.
39
Ibid., p. 28-36.
40
Segundo pesquisas do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), realizadas no final
de 2009, existem no Brasil pelo menos 28% de analfabetos funcionais: pessoas que
sabem ler e escrever, mas são incapazes de entender e de interpretar o que leem e
escrevem. Cf. www.oglobo.globo.com, acessado em 03/05/2010.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
José Lisboa Moreira de Oliveira
Não há conclusões, mas perguntas que pairam no ar
Tudo o que foi dito até agora revela que neste campo não existem
conclusões, mas perguntas que permanecem. Uma delas é a seguinte:
estará a Igreja, estarão os seminários, estará a Vida Consagrada com
disposição para fazer certas mudanças? Eu, particularmente, estou convencido de que não é possível superar os desafios mencionados sem certo
grau de ousadia. Dom Helder há muitos anos já nos dizia: “Há audácias
sobre as quais não se pode meditar muito... Pouco importam, então,
as consequências”.41 Terá a Igreja a coragem de ousar? Ou continuará
a passos de tartaruga, procurando um “bode expiatório” sobre o qual
descarregar todas as culpas?
A situação complica-se ainda mais, porque, como dito no início,
impera atualmente na Igreja “o silêncio sagrado”.42 A hierarquia da Igreja
Católica Romana não só se recusa a falar de determinados temas, mas
proíbe que eles sejam mencionados e discutidos. “Como uma Igreja que
é portadora da Palavra e a defensora dos oprimidos pode manter silêncios
perversos, negando até mesmo a existência de problemas, de fato crises,
pastorais e eclesiais evidentes?”.43
Certamente não podemos duvidar da potência do Espírito que
sempre age como e “onde quer” (Jo 3,8) e em quem quer (1Cor 12,11).
Porém, não devemos ser tão ingênuos a ponto de pensar que tudo é muito fácil. Existem atualmente forças na Igreja que impedem seriamente
qualquer mudança. É urgente o retorno dos profetas e das profetisas,
capazes de sacudir as bases de um sistema eclesiástico mofado, arcaico,
ultrapassado, que colocou a instituição no lugar do Evangelho.44
Profetas como Dom Helder Câmara, que em pleno Concílio
Vaticano II ousava afirmar: “Há momentos em que não temos o direito
de calar, quaisquer que sejam as consequências”.45 Profetas como Dom
Oscar Romero, que, no dia 16 de abril de 1978, lançava este desafio:
“Uma Igreja que não provoca crise, um Evangelho que não inquieta, uma
Palavra de Deus que não faz doer na pele – como se diz vulgarmente –,
41
Citado em DE BROUCKER, As noites de um profeta. Dom Helder Câmara no Vaticano
II, Paulus, São Paulo 2008, p. 97.
42
Cf. Donald COZZENS, Silêncio sagrado, p. 21-36.
43
Ibid., p. 13.
44
Cf. ibid., p. 199-200.
45
Citado em DE BROUCKER, As noites de um profeta, p. 104.
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Desafios atuais para a formação eclesial
uma Palavra de Deus que não mexe no pecado concreto da sociedade em
que está anunciando, que Evangelho é esse?”46 Profetas como o italiano
Arturo Paoli, místico e peregrino, que viveu o mistério da encarnação
perambulando pela América Latina, acompanhando os sem-terra e os
sem-teto. Há alguns anos atrás, olhando para a formação eclesiástica, ele
dizia que tinha a impressão de que se tratava de “uma festa organizada
no salão de um palácio destruído por um terremoto”.47
Segundo Paoli, “Cristo está preso numa fortaleza construída
por uma teologia atenta mais em conhecer a sua essência do que o seu
projeto”.48 Por esse motivo, a alternativa que é oferecida à juventude “não
entusiasma, porque não é libertadora: a proposta de proximidade apresentada aos jovens é uma proposta de nível epidérmico, que não resolve
o conflito nem supera o medo de percorrer o itinerário da relação”.49
Não há como pensar em futuro para a formação eclesial sem
encarar esses desafios e sem dialogar sobre eles em profundidade. Se
continuarmos a ter a atitude da avestruz, seremos literalmente engolidos
pela realidade que aí está. Não há como escapar do enfrentamento. “É
hora de um silêncio sagrado e de uma escuta sagrada. Acima de tudo,
é hora de uma fala honesta e corajosa – hora de falar a verdade em
amor”.50 O medo de falar sobre essas realidades só irá contribuir para o
agravamento da crise e para a perda total de controle sobre a situação.
Com a palavra, então, os formadores e as formadoras conscientes de seu
carisma profético e de sua missão na Igreja de hoje!
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AC 02 – Lotes 01/02/12 – Riacho Fundo I
71810-200 Brasília – DF/BRASIL
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108
46
Citado em Pablo RICHARD, A força espiritual da palavra de Dom Romero, Paulinas,
São Paulo 2005, p. 18.
47
Arturo PAOLI, Testemunhas da esperança, Paulus, São Paulo 1992, p. 17.
48
Ibidem.
49
Ibid., p. 14.
50
Donald COZZENS, Silêncio sagrado, p. 200.
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José Lisboa Moreira de Oliveira
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110
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Resumo: A autora faz observações sobre o último documento da CNBB, Novas
Diretrizes para a Formação Presbiteral da Igreja no Brasil, relacionando-o com
a ordenação de homossexuais, acrescentando conhecimentos sociológicos e
psicanalíticos sobre o tema. Alerta a Igreja sobre a perversão, mostra uma visão
de quem está de fora do clero e faz parte do povo de Deus, e questiona qual
seria o significado dos fatos à luz do Espírito Santo.
Abstract: The author comments on the last document of the Brazilian Bishops,
New Guidelines for the Priestly Formation of the Church in Brazil, relating it with
the ordination of homosexuals, adding psychoanalytic and sociological knowledge
about the subject. Alert the Church on perversion, shows a view of who is out
of the clergy and is part of God’s people, and asks what is the meaning of the
facts in the light of the Holy Spirit.
A Igreja, a homossexualidade
e o clero*
Arlene Denise Bacarji**
*
Com base nos Documentos da Igreja, ressaltando o último documento da CNBB
sobre Novas diretrizes da formação presbiteral, de 2010. Artigo publicado na Revista
Eclesiástica Brasileira. Petrópolis. v. 71, n. 282. p. 309-324. abr. 2011.
** Graduação em Filosofia (UCDB), mestrado em Sociologia (UFPR), mestrado em
Teologia (PUC/RS) e doutoranda em Teologia (PUC/Rio).
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011, p. 111-127.
A Igreja, a homossexualidade e o clero
No ano de 2010, saiu um novo documento da CNBB, “Novas
diretrizes para a formação presbiteral da Igreja no Brasil”,1 no qual se
elaboram caminhos para uma formação presbiteral mais aprofundada,
considerando os tempos em que estamos vivendo.
Este documento inicia com “desafios de mudança de época”, mostrando a situação da cultura pós-moderna e também do nosso país, em
termos socioeconômicos e culturais. Neste artigo, queremos realçar um
item do documento e relacioná-lo com alguns dos demais itens, que é a
não possibilidade de se ordenar presbíteros homossexuais, assim como
lembrar mais dois documentos da Igreja que abordam claramente esta
questão, acrescentando referências psicanalíticas e sociológicas.
A cultura pós-moderna estabelece alguns dogmas. Dentre os mais
populares, está a libertação das pessoas em relação às instituições, a
Deus, à moral, e de todo e qualquer tipo de normas, regras e tradição. É
a liquidificação de tudo, como diz Bauman.2 E outro dogma pós-moderno
é a aceitação de tudo como “normal”, lícito e moralmente correto. Na
pós-modernidade, não existe mais certo ou errado, porque não se têm
mais referenciais seguros e acreditáveis. Todos os referenciais (religiões, família, estado, leis, educação) se tornaram “verdades” elaboradas
para dominações e formas de poder (Foucault) e, por isso, podem ser
desconstruídas (Derrida), modificadas ou relativizadas. Nesse turbilhão
de novidades “libertadoras”, está também a inexistência do pecado:
nada mais é pecado ou imoral. Tudo deve ser permitido e compreendido à luz da diluição e desconstrução, e a Igreja deve também aderir a
esse movimento, deve aceitar a união homossexual como “casamento”,
a ordenação de gays e tantas outras situações estranhas à consciência
coletiva3 dos cristãos.
112
1
CNBB, Diretrizes para a formação presbítero da Igreja no Brasil, 48a Assembleia
Geral da CNBB, 2010.
2
Sobre esse tema ofereço aqui uma bibliografia básica, pois neste artigo não poderemos aprofundar o assunto, para não nos desviarmos do objetivo: David HARVEY, A
condição pós-moderna, Loyola, São Paulo 1999; Jean-François LYOTARD, O Pósmoderno, José Olympio, Rio de Janeiro 1986; Fredric JAMESON, Pós-Modernismo,
a lógica cultural do capitalismo tardio, Ática, São Paulo 1996; Zygmunt BAUMAN,
Modernidade e ambivalência, Jorge Zahar, Rio de Janeiro 1999; ID., Comunidade, a
busca por segurança no mundo atual, Jorge Zahar, Rio de Janeiro 2003; ID., Amor
Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, Jorge Zahar, Rio de Janeiro 2004;
ID., Modernidade Líquida, Jorge Zahar, Rio de Janeiro 2001; ID., O mal-estar da pósmodernidade, Jorge Zahar, Rio de Janeiro 1998.
3
Consciência coletiva aqui deve ser entendida a partir da sociologia de Durkheim,
como “O conjunto de crenças e de sentimentos comuns à média dos membros de uma
Encontros Teológicos nº 60
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Arlene Denise Bacarji
Esta cultura atual pode ser muito boa para as pessoas se assumirem
e se aceitarem como são e viverem em seus guetos de “iguais”, mas não
para a Igreja.
A Igreja é uma Instituição Social que possui suas normas, regras e
tradição. Seus dirigentes têm a responsabilidade de oferecer ao povo de
Deus pastores que possam ser compatíveis e coerentes com a doutrina
e com o Evangelho e com a consciência dos cristãos. Caso contrário,
a plausibilidade desta instituição começa a ruir, e, com isto, sua credibilidade vai aos poucos se diluindo em meio a um mundo sociopático
onde tudo é relativo, nada é plausível e pode ser desacreditado, onde a
ditadura das minorias cala o direito de expressão das pessoas religiosas
com o apoio da lei, mediante o sofisma de que isso é democracia. Essa
é a cultura em que vivemos.
O último documento da CNBB que diz respeito à formação4 menciona os problemas que envolvem o “exercício do ministério presbiteral
tais como: incoerência, autoritarismo e um celibato mal vivido”; e ainda
diz: “Tenha-se presente que no campo da sexualidade podem verificarse distúrbios sexuais incompatíveis com o sacerdócio”, referindo-se a
uma passagem de outro documento que trata da questão da ordenação
do homossexual:5
Se o candidato pratica a homossexualidade ou apresenta tendências
homossexuais profundamente radicadas, o seu diretor espiritual, bem
como o seu confessor, tem o dever, em consciência, de dissuadi-lo de
prosseguir para a ordenação.
Em seguida, mostra os fundamentos teológicos do sacramento da Ordem, a identidade e a vida do presbítero e o que esta exige destes homens.
A Igreja já lançou outros tantos documentos a respeito desse assunto, com proibições claras e objetivas da ordenação de homossexuais.6
mesma sociedade” – E. DURKHEIM, A Divisão do Trabalho social, Martins Fontes,
São Paulo s/d.
4
CNBB, Novas Diretrizes para a formação presbiteral da Igreja no Brasil, 48ª Assembleia
Geral da CNBB, 2010, n. 36 e n. 38 respectivamente.
5
CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA, Instrução Sobre os Critérios de
discernimento vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da sua
admissão ao seminário e às ordens sacras, Paulinas, São Paulo 2005, n. 3, p. 16.
6
ID., Orientações para a utilização das Competências psicológicas na admissão e na
formação dos candidatos ao sacerdócio, Cidade do Vaticano 2008, Zenit Org.
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A Igreja, a homossexualidade e o clero
Mas, por que há impedimento em ordenar sacerdotes gays? Se
nós fôssemos olhar para a consciência coletiva do povo de Deus, isso
teria respostas óbvias e nem se deveria questionar. Mas a cultura pósmoderna liquidificou os sólidos de tal forma que temos que gastar tempo
e neurônios para legitimar coisas óbvias em todos os lugares, na família,
com os filhos, na Igreja, na política, na escola, nas universidades...
1 As configurações
Neste momento, não vamos aprofundar aspectos psicológicos da
homossexualidade, pois não é este o objetivo; e requereria muito espaço, pois é uma questão bastante complexa e divergente entre os autores
que tratam do assunto. Mas vamos apenas mencionar alguns autores,
alguns dados relacionados à realidade das configurações exigidas pela
Igreja da pessoa do clero em contraposição com as configurações do
homossexual.
Também é bom ficar claro que não se trata de discriminação, uma
vez que a Igreja acolhe o homossexual como pessoa que pode ser cristã
como qualquer um de nós; recusa o sacerdócio a ele como recusa às
mulheres, por motivos diferentes ou não, como vamos ver aqui.
A homossexualidade masculina, independente do que se trata em
termos psicológicos, é, de fato, uma configuração de um corpo masculino com um psiquismo efeminado. Não podemos dizer feminino,
porque não se trata de ser feminino como o das mulheres, mas de ter
características efeminadas na escolha do objeto de desejo. Escolhem o
mesmo objeto de desejo que as mulheres heterossexuais escolhem. Esta
configuração não é algo superficial, mas envolve todo um psiquismo
específico de homossexuais, o qual possui características incompatíveis
com as configurações que a Igreja exige do clero e que os difere de homens heterossexuais de forma profunda, nas relações com as pessoas,
nas resoluções de problemas e em todos os aspectos comportamentais,
emocionais e intelectuais. Quais são elas?
a) De acordo com o último documento da CNBB,7 a configuração
principal do sacerdote é com Cristo,8 um ser do qual decorre
114
7
Cf. Nota 4.
8
Cf. n. 50.
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um agir9 in persona Christi, “uma representação sacramental
de Jesus Cristo”.10
Poderíamos, então, configurar o gay a Cristo? Seria isso uma
coisa aceitável e legitima? O que isso teria como consequência
com relação à não ordenação de mulheres? Seria isso justo
para com as mulheres? O que significaria configurar o gay a
Cristo e dizer que não se ordenam mulheres, porque não se
configuram a Cristo? Para se configurar a Cristo, basta ter
“falo” concreto? Caberiam as perguntas: Ser homem é apenas
ter órgãos genitais masculinos? Homens e gays identificam-se
com a masculinidade exigida pelo sacerdócio?11 Parece que o
grande erro e a grande confusão que fizeram com que a Igreja
ordenasse homossexuais foi imaginar que eles eram “homens”.
São pessoas, mas não varões. Pois o que faz ser homem ou
mulher não são somente os órgãos genitais. Esta é uma visão
estreita e biológica que não cabe mais nos dias de hoje. A homossexualidade é uma identidade do individuo.
b) O mesmo documento acima diz, no n. 61, que “o presbítero
recebe as potencialidades da paternidade espiritual e, quando
o bispo lhe confere jurisdição, lhe designa um povo, a fim de
que venha a ser dele o pai espiritual...” Poderíamos questionar
como o homossexual pode ter a capacidade paternal, se o desejo
dele é configurado de forma a não procriar? Isso sem considerar
o que inúmeros autores da área de psicologia e da psicanálise
afirmam sobre a imaturidade afetiva do homossexual, assim
como os documentos da Igreja que tratam desse assunto.
Quanto às configurações, teríamos ainda muito mais itens a
abordar (noivo, pastor, esposo e outros), mas nos estenderíamos muito
e deixaríamos outros mais importantes relacionados ao povo, que aqui
nos interessam.12
Idem.
10
Cf. n.52.
9
11
Estas perguntas são bem respondidas pelo artigo de Peter METTLER, Homossexualidade e ministério ordenado, em: REB 69 (2009) 834: “San José Prisco chama a
atenção para o fato de que não são só os órgãos sexuais masculinos que definem a
condição de homem ou varão. A condição de homem ou mulher se delineia mediante
a interação de três aspectos fundamentais: ‘A identidade sexual, o papel sexual e a
orientação sexual’”.
12
Cf. sobre estas e outras configurações exigidas, assim como uma abordagem mais
profunda dos aspectos psicológicos do homossexual em comparação com estas
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A Igreja, a homossexualidade e o clero
2 O povo de Deus
É certo que a Igreja não é uma instituição democrática, mas ela
existe para o povo de Deus, para evangelizá-lo e trazer-lhe Cristo. Este
povo é destinatário da sua mensagem e é a ele que a Igreja se dirige e
é com ele que a Igreja caminha e é nele que a Igreja deve pensar em
primeiro lugar. É missão da Igreja evangelizar, ser profética, ir contra
toda prática que é contra a vida e a família; mas, como ela poderá fazer
isso, se paradoxalmente os padres são gays e se dentro da Igreja se vai
contra o Evangelho? É possível uma instituição assim ter credibilidade?
Como a Igreja irá ser profética, pronunciando-se contra a prática de
adoção de crianças por homossexuais, se dentro dela se negligenciou a
pedofilia? Como ela poderá ir contra o casamento gay, se dentro dela os
gays são seus representantes e formam casais? Estes paradoxos quebram
completamente a plausibilidade da Igreja, uma vez que a deslegitimam
e a tornam não mais crível.
Sabemos que o povo de Deus possui uma consciência coletiva.
Nesta existem padrões de comportamentos aceitos e outros comportamentos que fogem aos padrões e que fazem de conta que são “aceitos”
(hoje, na cultura atual) para não serem politicamente incorretos, mas que
não são e nunca serão aceitos como moralmente corretos. Pode haver
paradas Gay, movimentos, manifestações de todo tipo, quanto à aceitação
da homossexualidade como “normal”, mas não terão êxito na realidade
da consciência das pessoas heterossexuais, pois a consciência coletiva
de um povo não muda de forma fácil e rápida e, em alguns aspectos,
pode nunca mudar. Existe uma questão – que todos sabem e ninguém
diz por pudor, mas que devemos abordar porque, na consciência coletiva está claro,– que é a necessidade da condição não normal e fora do
padrão do tipo de relação sexual que os homossexuais têm que ter para
satisfazerem seu desejo. Essa questão torna a homossexualidade algo não
aceito como “normal”, independentemente se na realidade é normal ou
não. As pessoas não falam isso para não chocar, mas devemos tratar da
realidade de forma a trazer a verdade claramente. Essa concepção está
na consciência coletiva, e nada poderá mudá-la.
Isso não quer dizer e não pode servir para legitimar nenhuma
prática homofóbica, pois nada justifica o não acolhimento, a violência
configurações que a Igreja exige dos presbíteros, no artigo muito bem elaborado de
Peter METTLER, art. cit., 806-842.
116
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ou a discriminação destas pessoas. Mas o acolhimento, a não-violência e
a não-discriminação destas pessoas como pessoas que merecem o nosso
amor cristão, o nosso respeito e o nosso acolhimento nada têm a ver com
aceitar que estas pessoas possam ser os nossos representantes de Cristo
na terra e na Igreja. São coisas bem diferenciadas.
Isso gera uma situação onde as pessoas não dizem, mas se afastam
de uma Igreja que coloca estas pessoas com este tipo de desejo e comportamento para serem nossos pastores. Será mesmo que nós, povo de
Deus, iremos aceitar estas pessoas para nos apascentar, desempenhando o
múnus de nos ensinar, santificar e governar, como diz o documento?13 E
ainda, como uma pessoa cheia de conflitos internos, de gastos de energia
para lidar com uma situação sexual e emocional diferente, poderá ter
disponibilidade interna e psicológica para apascentar, ensinar, santificar
e governar o povo de Deus?
Ou seja, o que se quer dizer aqui não é que o povo discrimina
os gays, mas o povo não os aceitará como representantes de Cristo, e
representantes do povo nas suas relações com Deus,14 sem que haja um
incômodo e um conflito. Se o povo soubesse das estatísticas pesquisadas
por Mettler,15 talvez 80% deixariam a Igreja. O que ocorre é que o povo,
muitas vezes, é ingênuo, só percebe aqueles casos mais aberrantes, e
talvez o próprio Espírito Santo os cega para não perderem a fé e ficarem sem referenciais, engrossando o número de “perdidos” da cultura
pós-moderna.
A verdade é que ordenar gays como a Igreja tem feito, por conivência de alguns bispos ou por descuido, é deixar ruir a Igreja perante
o povo.
O povo deve e pode aceitar os gays como leigos, como nós, com
direitos de serem cristãos como nós, com todos os direitos na Igreja que
o leigo tem. Mas daí a imaginar que somos obrigados a aceitá-los como
nossos pastores, nossos líderes, representantes de Cristo para nós e intermediários entre nós e Deus, isso já é falta de discernimento.
13
Cf. n. 53.
14
Cf. n. 50 e 52.
15
P. METTLER, art. cit., 812-815.
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A Igreja, a homossexualidade e o clero
3 Elementos concretos
Na realidade concreta, deparamo-nos com outras questões de
cunho mais íntimo na vida religiosa e no próprio clero. São as questões
da vida religiosa – incluindo também as congregações femininas em
si16 – ou do clero diocesano, que são locais em que se convive intimamente com as pessoas do mesmo sexo em ambientes fechados. Esse é
o problema mais complicado, pois não é possível viver a castidade sem
que haja ambiente propício; a sublimação só é possível em determinadas
condições ambientais. E não são todos que são capazes de sublimar até
mesmo em condições ambientais favoráveis.17 É muito difícil acreditar
na castidade de quem dorme ao mesmo lado do seu objeto de desejo.
Existem homossexuais que entram na Igreja para o sacerdócio, tentando
com isso fugir de sua homossexualidade, viver o celibato e a castidade,
mas é uma porcentagem mínima que consegue, e a luta interna é tão
intensa que esta pessoa não tem como ser um bom pastor.
Aqui se encontra um dos problemas sobre a questão de o homossexual ser padre. Será que, se a Igreja fosse masculina e feminina, ou seja,
se houvesse a presença de mulheres como esposas de alguns sacerdotes
ou como presbíteras, da mesma forma como há dos homens no que diz
respeito às decisões eclesiásticas18 –, será que os homossexuais seriam
realmente atraídos pela vida sacerdotal? O que os atrai para esta vida
não seria justamente o fato de a Igreja ser masculina?19 E como é esta
vivência da castidade ao lado do objeto de desejo? Fazendo retiros jun-
118
16
Lembrando que a situação das congregações femininas é muito diferente das masculinas no que diz respeito ao controle social, à rigidez moral, à falta de liberdade
para se ter uma vida dupla, entre outras diferenças que não cabem mencionar nesta
pequena nota, assim como a homossexualidade feminina também se diferencia em
alguns aspectos da masculina.
17
Cf. Carlos Dominguez MORANO, Afetividade, espiritualidade e mística, CRB, 2007.
18
A autora não tem a intenção de sugerir o sacerdócio para as mulheres ou o casamento
para os padres, isso já seria uma outra discussão muito complexa. Apenas sugere
com esta afirmação que, a ausência das mulheres nos círculos decisórios da Igreja,
favorece a presença de homossexuais, cuja tendência psíquica é, principalmente, a
distância de mulheres com poder.
19
Sobre esta questão a respeito da homossexualidade e das suas relações com
mulheres e homens pode-se conferir em: Otto FENICHEL, Teoria psicanalítica das
neuroses. Fundamentos e bases da doutrina psicanalítica, Atheneu, 2000, p. 307: “A
submissão passiva ao pai cobre a ideia inconsciente de roubar-lhe a masculinidade
[...]. Inconscientemente, consideram temporária a sua feminilidade, veem nela o meio
de conseguir um fim; quando são parceiros ‘femininos’ de um homem masculino, é
como se estivessem aprendendo os segredos da masculinidade com um ‘mestre’[...].
Em casos assim, a submissão ao pai combina-se a traços de identificação amorosa,
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tos, dormindo no quarto ao lado, quando não no mesmo quarto? Como
é esta questão aos olhos do povo e na realidade concreta? Poderíamos
dizer que há castidade assim? Seria este um ambiente favorável para a
sublimação, uma vez que se convive diariamente e intimamente com o
objeto de desejo? Ou seria falta de cuidado e de caridade para com o
homossexual ordená-lo, esperando que Deus lhe dê uma graça que não
supõe a natureza? Não seria expô-lo ao risco de dar escândalos e ao
masoquismo de ter que sublimar sem ambiente favorável?
Se formos pensar bem, saberemos que, se a Igreja tivesse mais
presença feminina, os homossexuais não iriam se sentir tão atraídos pelo
sacerdócio; sabemos que o convívio contínuo e íntimo com o objeto de
desejo não favorece a sublimação e a castidade; sabemos que não podemos exigir uma graça que não supõe a natureza e sabemos que aos olhos
do povo não pega bem uma instituição masculina fechada (conventos)
com relações que podem ser homossexuais entre suas paredes.
Nada quebra mais a plausibilidade da Igreja para o povo do que a
incoerência entre a consciência de seus membros representantes e aquilo
que a Igreja propõe objetivamente.20 Por isso, ser padre e homossexual é
um paradoxo que fará ruir a Igreja. Pois é uma consciência subjetiva que
não se coaduna com a consciência objetiva desta (Evangelho, família,
matrimônio etc.) e, consequentemente, com o sensus fidei.
Não podemos esquecer que o convívio nos seminários entre heterossexuais e homossexuais não é sem conflitos. Em minha experiência
pessoal de professora de seminaristas há mais de seis anos, tenho tido
inúmeros casos de rapazes heterossexuais que saem do seminário, perdem
a vocação, devido ao fato de terem que conviver com colegas seminaristas
homossexuais e muitas vezes com formadores que são também homossexuais. Se as coisas continuam em um ritmo assim, teremos uma Igreja
masculina ou uma Igreja gay? Isso sem mencionar que o jeito efeminado
de falar e de se portar já está se tornando cultural de seminários. Seria
importante o magistério começar a pensar o que está acontecendo, pois a
arcaica e original com o pai”. Ou seja, o fato de a instituição ser masculina e ter estes
“pais” favorece enormemente a entrada desse tipo de pessoa.
20
Cf., a respeito deste assunto, os textos de Peter Berger sobre instituições e legitimações, em: Dossel Sagrado, Paulus, 2005. Para este autor, uma instituição passa a ser
deslegitimada a partir do momento em que ela não é mais acreditável, e isso ocorre
quando perde a plausibilidade. Esta, por sua vez, deixa de existir, quando a consciência subjetiva dos membros da instituição não mais é coerente com a consciência
objetiva desta.
Encontros Teológicos nº 60
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119
A Igreja, a homossexualidade e o clero
efeminização do padre não é interessante para uma Igreja que se dispõe a
ser masculina, e isso tem algum significado: é sintoma de alguma coisa
que não está bem. Fui professora também muitos anos em instituições
seculares e heterogêneas – e posso comparar – a quantidade de rapazes
efeminados em uma sala de aula de seminaristas ultrapassa muito a
quantidade de rapazes efeminados numa sala de aula de qualquer outro
curso de graduação, proporcionalmente.21
No sentido de uma instituição fechada, o mencionado documento
da CNBB, neste ponto, oferece algumas novidades interessantes, sendo
uma delas a presença de mulheres, de leigos e leigas na formação, como
participantes desta, como se pode perceber no n. 146. Isso irá favorecer
uma seleção melhor nos seminários, principalmente devido à presença de
mulheres, pois, se os formadores souberem fazer bom uso das qualidades
femininas, poderão escolher mulheres capazes de perceber, intuir e sentir
os problemas e também algumas formas de solucioná-los.
Em termos concretos, se este documento da CNBB for realmente
considerado pelos formadores com seriedade, exigirá do candidato
condições de relacionamentos que sejam verdadeiramente maduras, sem
infantilismos e com capacidade de agregação, e não o contrário; também
exigirá do candidato comportamentos verdadeiramente integrados com
a comunidade e entre os seminaristas. Mas será realmente suficiente
para que gays não sejam ordenados e enganem alguns formadores que
não são gays?22
4 Uma Consideração especial ao artigo de Mettler
e os Limites dos documentos eclesiais diante
da “perversão”
Temos que considerar as pesquisas feitas por Mettler,23 onde
foi mostrado que os números de homossexuais nos seminários, entre
sacerdotes e religiosos, são alarmantes e desproporcionais em relação
ao mundo. O que leva a uma flagrante discriminação de seminaristas
heterossexuais, à formação de uma subcultura homossexual e à constituição de redes de homossexuais nos seminários e consequentemente
120
21
Sobre o assunto deste parágrafo voltaremos com mais substância no item dos limites
dos documentos eclesiais.
22
Com efeito, os que são gays não precisam nem se dar ao trabalho de enganar.
23
P. METTLER, art. cit., 812.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Arlene Denise Bacarji
no clero [...]. Estes aspectos são sentidos nitidamente por quem convive
com seminaristas e em meio à vida religiosa e, como já foi mencionado
neste artigo, leva ao êxodo dos heterossexuais, decisivo no caminho da
‘homossexualização’ do clero.24
Deduzimos daí que a Igreja hoje enfrenta um problema muito
maior do que ordenar ou não ordenar gays. Pois o problema citado
acima não trata mais de homossexualidade em si, mas de perversão.
Não podemos dizer que todo homossexual seja perverso (no sentido
psicanalítico e não moral do termo), mas o homossexual que invade a
Igreja, desta forma, cria redes de homossexuais e impõe-se contra toda
e qualquer regra da instituição; este, sim, é perverso no sentido do termo
‘perversão’ citado por Claire Pajazckowska como: violentar, abusar,
desviar, inverter, reverter, afastar.25
O termo perversão aqui deve ser entendido dentro do contexto
psicanalítico e também sociológico, que significa não somente a tentativa
de quebra dos padrões estabelecidos, das regras e normas sociais, mas
principalmente no sentido de burlar a regra para satisfazer suas necessidades e desejos individuais, prejudicando os outros, as instituições e a
sociedade e que pode ser designado como sociopatia, em grau maior ou
menor. Nesse contexto, a Igreja deve ficar atenta, pois, mesmo com todos
os documentos, poderá haver pessoas que, quanto mais perversas, mais
conseguem enganar bem a todos. Nesse sentido, o documento da CNBB
aborda a questão do acompanhamento psicológico profundo, da contínua
formação, mas o cuidado deve ser maior. Pois o homossexual que não
é perverso não irá querer burlar a regra e a norma da Igreja, deverá ser
honesto consigo mesmo e por si mesmo chegar à conclusão que a vocação
do sacerdócio não é para ele. O documento conta com este tipo de pessoa,
mas o que normalmente ocorre é outro tipo de pessoa que quer se apossar
do sacerdócio (não necessariamente é sempre homossexual, embora seja
mais que comum que o seja) à custa de manipular os formadores e superiores em geral. Para isto, a Igreja deverá obter maiores conhecimentos
desta patologia que se denomina “perversão”.26 Pois o sacerdócio não
é somente um bom esconderijo para quem tem problemas sexuais, mas
24
Ib., 816.
25
Claire PAJAZCKOWSKA, Perversão. Conceitos de psicanálise, Ediouro/Relume
Dumará, São Paulo/Rio de Janeiro 2005, 13.
26
Uma bibliografia simples e excelente sobre este assunto é: Claire PAJAZCKOWSKA, op. cit.
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121
A Igreja, a homossexualidade e o clero
para quem tem problemas de todo tipo. Infelizmente, numa sociedade
com uma cultura em que os problemas aumentam, a Igreja torna-se uma
instituição cada vez mais desejada por pessoas que nem sempre estão bem
intencionadas. Mas mentem e enganam bem com lágrimas na confissão
e na direção espiritual. E muitas vezes chegam ao episcopado.
No sentido psicanalítico que se casa bem com o sociológico, o
sociopata ou pessoa que possui Transtorno de Personalidade Antissocial,
denominado perverso, cuja estrutura é diferente do neurótico ou psicótico,
é a pessoa que teve problemas na infância com os limites (castração) e
não os aceita. Estas pessoas são totalmente avessas às regras e normas
sociais e sentem prazer em quebrá-las. São pessoas que mentem, não
sentem remorsos normalmente e, quando são acuadas ou descobertas,
fingem arrepender-se, de forma que muitos não acreditam que é falso;
é onde conseguem permanecer no clero, pois para o confessor se arrependem, choram, dizem que vão mudar, que não gostam de ser assim e
de agir assim, e o confessor ou diretor espiritual, desavisado de que se
trata de uma patologia, cai. Nasini descreve os homossexuais no clero
segundo as pesquisas feitas da seguinte forma:
Usualmente, esses ministros (sacerdotes-religiosos ativos no
ministério) são descritos por seus colegas como inteligentes, de muita
capacidade criativa e realizadora. Conquistam facilmente as pessoas em
geral. Sabem envolver os que estão à sua volta, pois geralmente são simpáticos e criativos. Mas, por outro lado, agem furtivamente, sempre por
baixo dos panos, deixando transparecer insatisfações internas, frustrações
afetivas e descontroles psicoemocionais. Buscam preencher freneticamente os vazios através desse comportamento sexual. Eles parecem ser
pessoas espiritualistas e reflexivas, afeminados nos seus gestos e com
tendência à passividade, aceitam as coisas como elas se apresentam. São
pessoas muito informadas e com muitas influências. Gostam de bajular
os poderosos, de disfarçar e fingir. Na visão de um padre que respondeu à
pesquisa, a homossexualidade entre o clero constitui um comportamento
marcado pela violência, preguiça e farisaísmo. Tal comportamento é escandaloso, e toda a comunidade é a primeira a saber. Lamentavelmente,
essa coisa não é só de padres, mas também de bispos.27
No entanto, nesses casos, não se trata apenas de homossexuais,
mas de homossexuais perversos. Hoje, estão aumentando muito as per27
122
Gino NASINI, Um espinho na carne. Má conduta e abuso sexual por parte de clérigos
da Igreja católica do Brasil, Santuário, Aparecida 2001, 115, grifo meu.
Encontros Teológicos nº 60
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versões, devido aos problemas familiares e às mudanças de papéis entre
os pais. Mães que fazem papéis de pais e pais que não fazem papel algum
é um problema para a constituição psíquica do ser humano, dentre outros
fatores que também se agravam, como ausência desses pais, falta de afetividade, sobrecarga de trabalho, agressividade, falta de referenciais, medo
de colocar limites, afeto desordenado e tantos outros comportamentos
desequilibrados dos pais e das mães em relação aos filhos. Inclusive a
perda da influência da religião na sociedade é um dos fatores que impede
a contenção dos instintos, gerando mais sociopatias.
Para os homossexuais perversos, a Igreja é um “ninho aconchegante”, pois ali ele encontra seu objeto de desejo, seus supostos “pais”, com
quem estabelecem relações amorosas, sejam elas abstinentes sexualmente
ou não, ou ainda, “filhotes” em quem se projetam e amam como se fossem a si mesmos.28 Encontram proteção, pois ninguém irá mexer com
“padres”, buscam status e poder, duas coisas que atraem o homossexual
pela sua necessidade de manipulações, e ambientes favoráveis para segurança econômica e para realizarem seus desejos sem que ninguém os
incomode. Ressaltando que os homossexuais não perversos dificilmente
permanecem nesta estrutura, porque não conseguem viver mentindo a
todos por longo período. Ou seja, os homossexuais que permanecem,
na maioria, serão os perversos, devido à necessidade de mentiras e à facilidade de vida dupla sem que se exponham ao julgamento do povo na
sua fantasia, pois na realidade acabam se expondo. O perverso também
menospreza não somente as normas e regras institucionais, mas também
a capacidade de inteligência e de percepção das pessoas. Para estas pessoas, o prazer sexual só é possível a partir do momento em que burlam
as regras, pois o que os impede de ter prazer é a castração (lei social);
28
Otto FENICHEL, op. cit.: “Uns tantos homossexuais, a saber, homens que tiveram nos
primeiros anos de vida fixação intensa por um homem [...] regridem, simplesmente,
depois de adquirirem esta atitude, ao seu ponto de fixação e escolhem homens que
lhes recordam o objeto primário”, p. 309; “O tipo de individuo que é mais narcísico
do que ‘feminino’ tenta, antes de mais nada, garantir um substituto dos seus desejos
edipianos. Depois que se identificou com a mãe, comporta-se como até aí desejara
que a mãe se comportasse para com ele. Escolhe para objetos amorosos rapazes
ou meninos que, para ele, se lhe assemelham e ama-os e trata-os com a ternura
que desejara da parte da mãe. Embora procedendo como se fosse sua mãe, está
centrado, emocionalmente, no seu objeto amoroso, assim desfrutando ser amado
por si mesmo. O tipo de desenvolvimento a que estamos aludindo produz ‘indivíduos
homoeróticos’, que procuram, de forma ativa, pessoas mais jovens como objetos [...].
Fixados naquele período da vida em que ocorreu a orientação decisiva, os indivíduos
deste tipo costumam amar adolescentes, estes o representando ao tempo de sua
própria adolescência”, p. 310-311.
Encontros Teológicos nº 60
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123
A Igreja, a homossexualidade e o clero
pela perversão, ele tenta provar que não existe castração29; somente aí
volta a ter condições de ter prazer.
Nesse sentido, o documento inova com a presença de mulheres
na formação, pois os homens em geral têm dificuldade em perceber
a falsidade por meio de gestos, do olhar, do tom de voz, do riso e de
comportamentos claramente manipuladores e bajuladores aos olhos de
mulheres mais intuitivas e com conhecimentos nas áreas de ciências
humanas. No entanto, o documento não menciona este problema tão
grave e presente na Igreja hoje.
Aqui encontramos o maior limite dos documentos, pois eles não
são capazes de apontar para a presença do perverso e alertar sobre este
tipo de pessoa, para que seja detectada na Igreja. Muito ao contrário,
o último documento aponta para a necessidade de comportamentos do
candidato que o perverso é capaz de cumprir com muito êxito de forma
falsa e enganosa, e é isso que tem levado a Igreja a ter os problemas
que hoje enfrenta. Ela possui uma estrutura “mole” para perversos, até
porque eles sabem bajular os superiores, e muitos superiores, se não são
perversos também, entram nesta bajulação com verdadeiras mostras de
afeto e de confiança, como se estas pessoas fossem dignas disto.
Incrivelmente, encontramos homens bons, que não são perversos,
mas que, em momentos de escândalos, têm um excesso de misericórdia
sem discernimento e não conseguem distinguir a diferença entre um
homem pecador como qualquer um de nós e um perverso. Portanto, é
um excesso de misericórdia para com o que causou o escândalo e falta
de zelo pela Igreja e desconsideração pelo povo de Deus.
5 Encaminhamentos pastorais
da homossexualidade
A Igreja, pastoralmente, ao pedir ao homossexual (e a todos) a
castidade, está correta, mas devemos saber que nem sempre será possível. A castidade é uma das coisas mais difíceis para qualquer um de nós,
heterossexuais ou homossexuais, mas parece que para o homossexual é
um pouco mais difícil, quando não impossível. Isso não deve impedi-lo
de participar das missas, de ser acolhido como cristão, se assim ele o
desejar. Pois Cristo é para todos e veio para os pecadores, que somos
29
124
Ibidem, 306.
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todos nós. Se ele consegue viver a castidade, poderá comungar, se não,
deverá ser acolhido e participar como os casais de segunda união que
também não comungam, como as pessoas que não vivem a castidade em
geral e que não devem comungar, ou seja, ele deve ser acolhido como
pessoa entre as outras que também enfrenta dificuldades a respeito da
vida sexual. A sua condição não deve afastá-lo da palavra de Deus e do
direito de ouvi-la. Ele deve ser incluído, amado e respeitado.
Também é importante uma dica sociológica para os homossexuais.
Sociologicamente, quanto mais agressiva é uma prática e uma tentativa,
mais aversão irá gerar no lado oposto. As paradas gays, os movimentos
de homossexuais, devem entender que devem lutar pelos seus direitos
de pessoa como outra qualquer, mas existem regras e normas que devem
ser respeitadas. Se o homossexual desrespeita as normas e as regras,
principalmente as das instituições, ele não está lutando pelos seus direitos, mas está agredindo a sociedade e caindo naquilo que chamamos
de “perverso”, pois não podemos impor para os outros aquilo que é
regra para nós. A Igreja não vai à parada gay para tentar mudá-los de
“escolha” sexual, mas eles vão até o papa para fazê-lo mudar as regras
da Igreja. Isso gera homofobia. Por isso a homofobia tem aumentado,
pois a prática de se impor aos outros com violência (verbal e prática,
não física) gerará maior violência. Seria interessante os homossexuais
saberem disso e se cuidarem para serem pessoas agradáveis à sociedade
e não o contrário; o povo é bom e pode amá-los e respeitá-los, desde
que eles respeitem o povo.
Com exceção dos que ainda possuem uma bissexualidade, dificilmente o homossexual terá uma condição heterossexual. Não adianta
a Igreja ficar pregando que eles têm que deixar de ser homossexuais,
pois quem já se delineou assim em algum momento da vida, na infância
ou na adolescência e assim se cristalizou, não irá ter mudança. Porém,
podem ser respeitados e não discriminados, se respeitarem a liberdade
dos outros serem heterossexuais (coisa que já está quase se perdendo),
de terem suas regras institucionais, como no caso da Igreja, e nem por
isso ela os condenará (o que se condena é a homossexualidade em si e
sua prática e não o homossexual). Isso é diferente de querer que a Igreja
mude suas regras e normas de 2000 anos. Assim como nós, mulheres, se
queremos ser católicas, não devemos querer impor à Igreja o sacerdócio
das mulheres. Esta regra existe desde 2000 anos e só irá mudar quando
os homens de dentro dela quiserem, e isso não irá acontecer por pressão,
por violência, por imposição, se é que um dia isso irá mudar. Talvez
Encontros Teológicos nº 60
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125
A Igreja, a homossexualidade e o clero
nunca mude, e nós mulheres temos que conviver com isso em paz, em
comunhão e unidade. Porque os homossexuais querem mudar a Igreja,
querem o casamento gay, querem se ordenar...? Isso gera homofobia,
sociologicamente dizendo.
Se todos nós assumirmos o que somos e formos verdadeiros
conosco e com os outros, o mundo poderá ser muito melhor, pois “é a
verdade que liberta”, e esta começa conosco, com a nossa vida – o que
não é assumido não pode ser salvo. Assim, poderemos nos relacionar
bem, sem homofobia, e as instituições poderão manter suas regras sem
serem vistas como discriminações, pois acusá-las disso já seria uma
manipulação da razão e da verdade.
6 O que o Espírito Santo estaria dizendo
Com toda esta situação da Igreja, com os escândalos de pedofilia30
e o número de homossexuais ordenados, assim como de bispos homossexuais nomeados, o que será que o Espírito Santo está a dizer para a
hierarquia da Igreja? Apenas que ela foi negligente e desatenta a este
problema, colocando hoje o povo de Deus católico em situação de provação ao comprometer a sua plausibilidade perante toda a sociedade?
O que estes problemas de homossexualidade perversa teriam a
ver com as relações de poder que existem na estrutura da Igreja? Não
seria a atual estrutura de relações entre Bispo, clero, seminaristas, que
estaria atraindo para dentro da Igreja este tipo de pessoa? Como se dão
estas relações de poder?
O que estes problemas teriam a ver com o clericalismo? O que
teriam a ver com remanescentes congregações que ainda valorizam o
clero em seu “poder sacerdotal” inabalável devido a uma graça – que
nem sempre supôs a natureza – recebida na ordenação?
A ordenação de gays é realmente válida perante o direito canônico? Ou os gays deveriam ser suspensos da ordem por vários motivos de
configurações e, principalmente, porque não deveriam ser entendidos
como homens-varões?
Esses gays que já são ordenados não irão reproduzir esta situação, se a hierarquia não ficar atenta quanto às perversões? Qual o poder
30
126
Que nem se trata de pedofilia, mas de efebofilia, e que não passa de simples homossexualidade.
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Arlene Denise Bacarji
que gays que chegaram ao episcopado ainda têm na Igreja ao elaborar
documentos e diretrizes e ao nomear outros bispos?
Uma Igreja masculina que excluiu as mulheres da participação
mais ativa nas percepções, decisões e opiniões, teria alguma responsabilidade sobre isso?
Seria a estrutura da Igreja e a forma como ela se moldou (clericalismos, seminários, bispos nomeados sem a participação do povo de Deus,
distância entre a hierarquia e o povo, maneiras de lidar com a sexualidade,
atitudes internas como – algumas mentirinhas são santas) propiciadoras
de hipocrisias, carreirismos, desejos ardentes de poder e status?
O que o Espírito Santo estaria mostrando, alertando e pedindo aos
verdadeiros sacerdotes que amam a Igreja, com esta situação?
Endereço da Autora:
Av. Afonso Camargo 2125, apt. 33
Cristo Rei
80050-370 Curitiba, PR
BRASIL
E-mail: [email protected]
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
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Resumo: A Eucaristia é a celebração do Mistério Pascal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nela faz-se memória da Páscoa de Cristo e da páscoa dos cristãos.
Olhando para a sua história, percebe-se que nos primórdios do cristianismo a
celebração eucarística tinha um desdobramento prático na vida do cristão. Com
o passar do tempo, a relação celebração e vida foi-se perdendo, e a celebração
tornou-se um rito, muitas vezes, distante da vida. Hoje, um dos nossos maiores
desafios é restabelecer esta unidade: celebração e vida são dois momentos
inseparáveis da Celebração Eucarística.
Abstract: The celebration of the Eucharist re-enacts the Paschal mystery of our
Lord Jesus Christ. It draws from the memorial of Christ’s paschal celebration
and the Christian passover celebrated annually ever since. It converts it into a
memorial which He himself instituted at the Last Supper on Holy Thursday and
handed it over as a legate of faith for the Church. A key element of the historical
survey on the initial stage of Christianity is the fact that the Christian community
celebrated the Eucharist not as passive recepient of an obsolete ceremonial
from the past but with special significance for daily life. However, in the course
of subsequent decades and centuries the relationship between the liturgical celebration and its impact on human life came into disuse so that it turned nearly
into a liturgical rite or a religious ritual quite distant from what it had been at the
beginning. Today, the Christian community faces the challenge to re-establish
(re-establsh) once again the living relationship that binds together Eucharist and
community in terms of inseparable moments of the Christian celebration.
Celebração e Vida: dois momentos
inseparáveis da Celebração
Eucarística
Cleiton José Senem*
* O autor é graduado em teologia pelo Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis,
RJ. É professsor de Ética e Cultura Religiosa na Universidade Sagrado Coração,
Bauru, SP.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011, p. 129-148.
Celebração e Vida: dois momentos inseparáveis da Celebração Eucarística
Introdução
A liturgia é o cume e a fonte de toda a vida da Igreja (cf. SC 10).
A Eucaristia, por sua vez, é o centro de toda a liturgia e, por excelência,
o sacramento de unidade de toda a Igreja com o Deus Trindade. Para
ela converge toda a evangelização da Igreja, e dela provém toda a força
necessária para que a evangelização se realize com eficácia.
Nesse sentido, a celebração e a vivência da Eucaristia são fundamentais para a vida da Igreja. Porém, percebe-se hoje um distanciamento entre o que Jesus Cristo viveu e realizou na última ceia com seus
discípulos, e o que celebramos na Eucaristia. Dessa realidade percebida
decorre a necessidade de voltar às fontes da Eucaristia, resgatando a
relação vida-celebração.
O objetivo deste artigo é mostrar que a celebração da Eucaristia,
necessariamente nos impele a um compromisso com a vida, ao seguimento de Jesus Cristo. A Eucaristia convida-nos a viver a partir do Mistério
celebrado. Assim, dois pólos marcam a vida dos seguidores de Jesus
Cristo: a reunião e a missão.
Na reunião, com palavras e ações simbólicas, entre cantos e silêncios,
recorda-se a paixão e a glorificação de Jesus, o Senhor, na cumplicidade
do Espírito que atualiza, fecunda, cria comunhão. Na missão, o mesmo
Espírito envia, cria, dá forças, coragem, persistência e alegria... Há
uma relação intrínseca entre esses dois pólos: é o mesmo mistério da
páscoa do Senhor, ora anunciado e vivido no dia-a-dia, no testemunho
e no compromisso até o martírio, ora atualizado na memória litúrgica.
Um não existe sem o outro.1
A celebração eucarística está intrinsecamente ligada à vida de
cada cristão. Jesus deixou aos seus discípulos duas maneiras de fazerem
memória de sua vida e de sua ação salvadora no mundo: a memória celebrativa ritual e a memória testamentária. A memória celebrativa ritual é
realizada através dos sacramentos e da liturgia em geral. Essa memória
como ação simbólica profética realiza uma ponte para o segundo tipo de
memorial deixado por Jesus, o memorial testamentário, onde o cristão
deve viver conforme o que ele crê e o que é celebrado.2
130
1
BUYST, Ione e SILVA, José Ariovaldo. O mistério celebrado: memória e compromisso
I. São Paulo: Paulinas; Valência: Espanha, Siquem, 2003. p. 11.
2
Cf. BECKHÄUSER, Alberto. Os Sacramentos na Vida Diária. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 10-11.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Cleiton José Senem
Gostaríamos de ressaltar que estas linhas não têm a pretensão de
esgotar o assunto, mas de suscitar o questionamento dos leitores sobre
o tema, proposto à luz de uma dimensão histórica da liturgia.
1 A pré-compreensão do Mistério da Eucaristia
na atualidade
Normalmente, quando se fala em Eucaristia parte-se de um pressuposto muitas vezes não explicitado: a Eucaristia é algo sagrado! “Sagrado”
entendido como algo separado da vida. Por isso, se separa um espaço, um
tempo, um objeto, uma pessoa. O sagrado torna-se uma manifestação de
algo completamente diferente (Mircea Eliade), de uma realidade que não
pertence a este mundo. Essa concepção, portanto, traz em si uma ruptura de
nível que constitui o sagrado como um mundo distinto do profano. Como
consequência, entrar em contato com o sagrado é ausentar-se do profano,
do trabalho, da convivência, do descanso, do jogo etc.
A Eucaristia, vista nessa compreensão, como ação sagrada, é situada à margem da vida, do dia-a-dia, quiçá até distante das realidades
cotidianas. A consequência dessa pré-compreensão é que Eucaristia e
Vida perdem sua unidade dinâmica e são vistas dicotomicamente. A
separação que existe entre sagrado e profano é a distância que existe
entre celebração e vida.3
Com certeza muitos cristãos têm na Eucaristia a sua fonte de espiritualidade e vitalidade. Muitos celebram e vivem a Eucaristia como
mistério pascal de Cristo em sua vida. Porém, existem pessoas que
pensam a Igreja como um grande “supermercado religioso” e buscam
nela um “produto” que está faltando na sua vida. Isto é, um sacramento
ou uma bênção que possa satisfazer sua necessidade momentânea. A
Eucaristia, muitas vezes, se encaixa nessa perspectiva e parece tornarse uma espécie de serviço religioso posto à disposição do público, ao
“gosto do consumidor”. O resultado é o consumismo sacramental.
Basta olhar as nossas listas de intenções na celebração Eucarística para
constatarmos isso.4
3
Cf. CASTILLO, José Maria. Eucaristia, Y Vida, Hoy. Madrid: Fundación Santa María.
S.d. p.10-14.
4
Por exemplo: pelas almas do purgatório, pelo falecido João da Silva, por uma graça
alcançada, por Nossa Senhora Aparecida, ao Sagrado Coração de Jesus, em honra
a São José, a Santo Antônio, para pedir chuva, para pedir uma cura, em ação de
graças pela saúde de Sebastiana, para pedir emprego etc.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
131
Celebração e Vida: dois momentos inseparáveis da Celebração Eucarística
A Eucaristia parece, muitas vezes, uma oração que o padre reza
sozinho lá no altar, pelas intenções que foram encomendadas, e o povo
assiste. O Padre é o funcionário desse grande “supermercado sacramental”, parecendo “contratado” para rezar a missa.
Do consumismo sacramental chegamos facilmente ao individualismo cristão. A Eucaristia como sacramento comunitário por excelência,
muitas vezes, é celebrada individualmente. Cada pessoa reza por si, dirige
a Deus suas preces geralmente individualistas, sem sequer conhecer e
celebrar com as pessoas que estão ao seu redor. Ninguém celebra um aniversário, uma festa, um fato importante sozinho! É inerente à celebração
a comunhão com os outros, celebrar é fundamentalmente concelebrar,
assim como viver é conviver.
Muitas pessoas não compreendem a Eucaristia e muito menos
têm consciência do que se está celebrando. Muitos se tornam meros
leitores do tão conhecido jornal ou folheto de missa. Então: celebra-se
uma coisa e se vive outra.
A compreensão que mais se destaca nos dias de hoje, quando falamos em Eucaristia, é a da presença real de Jesus no pão e no vinho, Corpo
e Sangue de Cristo. A primeira imagem que nos vem à mente quando
falamos em Eucaristia é a do ostensório com a hóstia consagrada, ou a
hóstia na mão do padre na hora da consagração. Olhando as lembranças
de Primeira Eucaristia, temos sempre a imagem da hóstia, com alguns
ramos de trigo e um cacho de uva. Nos convites de ordenação presbiteral,
é frequente o uso dessa mesma imagem.
A prática da adoração do Santíssimo Sacramento dentro da celebração eucarística, ou logo após a mesma, está crescendo cada vez mais.
Na hora da consagração, muitas pessoas sussurram exclamações como:
“Meu Deus e Meu tudo”, “Eu creio Senhor, mas aumentai a minha fé”,
“Jesus Cristo, eu te adoro”.
Se perguntarmos às pessoas qual é o momento mais importante
da celebração eucarística, por unanimidade elas irão responder que é a
consagração do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo. Para o senso
comum, celebrar o mistério da Eucaristia é isso: ir todos os domingos à
igreja para “assistir” Cristo que vem sobre o altar no pão e no vinho. O
padre lá no altar, com sua voz poderosa, transubstancia o pão e o vinho
no Corpo e Sangue de Cristo através das palavras da consagração e, a
132
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partir daquele momento, Jesus está presente ali sobre o altar para ser
adorado e comungado “por quem não tiver pecado”.
São riquíssimas as palavras ditas pelo bispo durante a ordenação
presbiteral quando toma em suas mãos o pão e o vinho, trazidos pelo povo,
e diz ao neo-ordenando: “Recebe a oferta do povo santo para apresentá-la
a Deus. Toma consciência do que vais fazer e põe em prática o que vais
celebrar, conformando a tua vida ao mistério da cruz do Senhor”.5
Percebe-se que muitos padres vivem profundamente o que celebram, comprometendo-se ao serviço do Reino de Deus. A Eucaristia
para eles não é um ritual para ser executado, desencarnado da vida e da
história humana, mas é a celebração do mistério pascal e da sua vida
juntamente com a vida de todos que a celebram. Faz parte da missão e
da vocação do presbítero viver uma vida eucarística e assim incentivar
o povo a fazer o mesmo.
Entretanto, para muitos padres, assim como para uma grande parte do povo, a Eucaristia é o ritual através do qual Jesus se faz presente
nas espécies eucarísticas. Percebe-se também em muitos padres uma
compreensão mágica e até alienante da Eucaristia, pois compreendem
que em suas mãos está o poder de consagrar. Há sacerdotes que na hora
da consagração levantam bem devagar a hóstia consagrada, e depois o
cálice, para a adoração dos fiéis. Há padres que interrompem a oração
eucarística e fazem o famoso “passeio com o Santíssimo”. Alguns
substituem a aclamação memorial “Anunciamos Senhor a vossa morte
e proclamamos a vossa ressurreição...” por aclamações como: “Eu te
adoro hóstia divina“ ou “Meu Deus e Meu tudo”.6 Outros pensam que a
bênção do Santíssimo é mais importante que a Eucaristia. Certa vez, disse
um padre depois que acabou de presidir a celebração eucarística: “Meus
irmãos, agora vamos receber a bênção do Santíssimo Sacramento... Não
existe bênção mais importante do que esta!” Daí conclui-se que a maior
bênção não foi a participação no memorial do sacrifício de Cristo, isto
é, a Eucaristia recém celebrada deixou de ser a mais importante.7
Há presbíteros que executam o ritual com frieza e rigidez, perdendo
a vivacidade e a dinamicidade da celebração. Aquilo que exprime a vivên5
Ritual de Ordenação de Bispos, Presbíteros e Diáconos. São Paulo: Paulus, 1994. n.
135 p. 70.
6
A propósito desta questão sugiro a leitura do artigo: SILVA, José Ariovaldo da. “Eu te
Adoro, hóstia divina”. In: Revista de Liturgia. São Paulo, n.166, 2001.p.4-6.
7
Cf. SILVA, José Ariovaldo da. “Eu te Adoro, hóstia divina”. p. 4.
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Celebração e Vida: dois momentos inseparáveis da Celebração Eucarística
cia da fé fica cristalizado, não toca nem leva a assembleia a celebrar a sua
vida. Não faz brotar a emoção, a sensibilidade e a vivência do mistério
ali celebrado, cai-se no ritualismo, fazendo com que a assembleia não
comprometa a sua própria vida. Alguns leem a oração eucarística numa
velocidade tal que parece quererem terminar a celebração em um minuto.
Outros se compreendem como donos da celebração e consequentemente
fazem com que a assembleia se torne passiva. O padre assume o papel
de ator principal, e a comunidade contempla passivamente a sua apresentação, proporcionando cada vez mais a separação entre presidente e
assembleia, vida e celebração.
Olhando os jornais, revistas, noticiários de televisão e internet,
percebemos que os meios de comunicação também transmitem uma
compreensão de Eucaristia, pois afinal de contas, essas notícias ou informações veiculadas são expressões de uma compreensão cultural. Vejamos
alguns exemplos recolhidos por Frei José Ariovaldo da Silva, publicados
na revista Mundo e Missão: “’Amigos do traficante Uê encomendaram
missa pelo primeiro aniversário de morte’ (O Globo, 11.09.03, p.1 e 16).
‘Missa em memória de Roberto Marinho reúne cem pessoas em igreja
paulista... a missa foi encomendada pelo presidente do Museu de Arte
Moderna’ (idem, 02.09.03, p. 13). ‘ACM pede ordem e vai à missa em
homenagem ao filho’ (Jornal do Brasil, 22.05.98, p.2). ‘Ontem de manhã, foi rezada um missa na Casa da Dinda em homenagem a Pedro...’
(Folha de São Paulo, 19.12. 94, Cad. 1, p. 6). ‘Missa de sétimo dia celebrada ontem no Rio em homenagem ao deputado Ulysses Guimarães
comprovou que ele ainda simboliza o consenso nacional...’ (O Estado
de São Paulo, 20.10.92, p.10). ‘Sindicato festeja 60 anos com missa’. (O
Globo, 26.09.92, p.18). ‘A população petropolitana está convidada para
assistir ... a missa em homenagem ao prefeito eleito Leandro Sampaio...’
(Tribuna de Petrópolis, 31.12.96, p.1).8
Observamos nos exemplos citados acima que a Eucaristia é entendida como uma “cerimônia” que se “encomenda”, ou se “promove” para
“homenagear” alguém vivo ou falecido, ou para celebrar a memória de
alguma pessoa ou evento importante. Ela é executada por um profissional religioso, isto é: bispo ou padre, que é contratado para realizar essa
8
134
SILVA, José Ariovaldo da. Missa-memória, Missa-homenagem. In: Mundo e Missão.
São Paulo, n. 77, 2003. p. 34.
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função.9 Nesse sentido, a celebração eucarística normalmente é entendida
pelos meios de comunicação como um “ato social”.
Essas compreensões que usualmente percebemos entre o povo,
os clérigos e os meios de comunicação, levam-nos a perguntar: Será
que foi isso que Jesus Cristo quis quando instituiu a Eucaristia? Será
que não estamos distantes do que Jesus pensou quando tomou o pão,
deu graças, partiu, e distribuiu a todos, pedindo que fizéssemos isso em
sua memória?
Enfim, percebemos que, de maneira geral, a relação vida-celebração está comprometida devido a uma visão mágica, por vezes ritualista
e outras vezes utilitarista do mistério da Eucaristia. Sabemos que as
compreensões explicitadas neste primeiro momento não são frutos pura
e simplesmente da nossa prática atual, mas são frutos de longos séculos
de vivência e experiência cristã. Por isso, é importante observar como
foram se desenvolvendo essas compreensões ao longo da história do
cristianismo.
2 A Eucaristia no primeiro milênio do cristianismo
A celebração eucarística, como a temos hoje, não é invenção nossa; não somos seus criadores, mas somos herdeiros de uma rica tradição
que começou no início do cristianismo com as primeiras comunidades
cristãs. Assim, queremos, de maneira simples, percorrer esse início do
cristianismo bebendo das fontes originárias, observando também como
a celebração foi sendo entendida e celebrada ao longo da história, perpassando os séculos e chegando até nós hoje.
O primeiro elemento e o fundamental que perpassa o primeiro
milênio do cristianismo é a compreensão da Eucaristia como Celebração
do Mistério Pascal de Cristo. O texto mais antigo sobre a sua instituição,
recebido na tradição, é o de São Paulo aos Coríntios10, onde lemos o
seguinte sobre a Ceia do Senhor:
Porque recebi do Senhor o que vos transmiti: O Senhor Jesus, na noite
em que foi entregue, tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e
disse: “Isto é meu corpo, que se dá por vós; fazei isto em memória de
9
10
Cf. idem. p. 34.
Cf. Bíblia Sagrada. GARMUS, Ludovico (trad.) et alii. 45ª ed. Petrópolis: Vozes. 1982.
Nota referente a 1Cor 11,17-33. p.1364.
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Celebração e Vida: dois momentos inseparáveis da Celebração Eucarística
mim”. E, do mesmo modo, depois de cear, tomou o cálice, dizendo:
‘Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue; todas as vezes que o
beberdes, fazei-o em memória de mim’. Pois todas as vezes que comerdes
este pão e beberdes este cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que
ele venha (1Cor 11, 23-26).
Nos primórdios, a Eucaristia era entendida como fazer a memória
de Jesus, de sua paixão morte e ressurreição; era fundamentalmente a
celebração do Mistério Pascal de Jesus Cristo. E essa memória estava
muito ligada à vida das pessoas que participavam. Em 1Cor 11,17ss, por
exemplo, vemos que Paulo condena as divisões dos que vão à Ceia do
Senhor, dizendo que isso não serve para o crescimento espiritual, mas
faz mal. Mateus 5,23-24 diz o seguinte: “Portanto, se estiveres diante do
altar para apresentar tua oferta e ali te lembrares de que teu irmão tem
alguma coisa contra ti, deixa tua oferta lá diante do altar, vai primeiro
reconciliar-te com teu irmão e então volta para apresentar tua oferta”.
Esse texto, destinado à comunidade cristã, fala da oferta (celebração)
associada à vida. Isto é, a oferta apresentada na celebração é incompatível com a divisão entre os seres humanos. A celebração não pode ser
compreendida desligada da vida. Não é possível participar autenticamente
da Eucaristia, quando não se tem a reta intenção de viver aquilo que é
celebrado em comunhão com os demais membros da comunidade.
Olhando os textos do Novo Testamento, referentes à Eucaristia,11
percebemos um segundo aspecto que é um desdobramento do primeiro:
A Eucaristia é o memorial do mistério pascal de Jesus Cristo que é celebrado durante uma refeição. A Eucaristia foi instituída como alimento.12
Mas não um alimento comum. Foi o próprio Jesus quem disse que o pão
e o vinho eram o seu corpo e o seu sangue, e pediu para que os discípulos fizessem sempre isso em sua memória. Isto é: através da ceia, os
discípulos deveriam celebrar toda a vida de Jesus, especialmente, sua
paixão, morte e ressurreição.
A refeição marca desde o princípio a celebração Eucarística. Nos
textos referentes à Eucaristia, aparece mais de trinta vezes a palavra
comer e mais de vinte vezes a palavra beber. A comensalidade está na
base da intenção eucarística, tanto em direção vertical, de união com seu
11
Cf. 1Cor 11,23-26; Lc 22,14-20; Mt 26,26-29; Mc 14,22-25 e Jo 6,51-59.
12
136
Cf. CASTILLO, J. M. Onde não há Justiça não há Eucaristia. In: Fé e Justiça. São
Paulo: Loyola, 1990. p. 138.
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Senhor, como horizontal, de fraternidade crescente.13 A Eucaristia era
celebrada junto com o ágape (refeição fraterna), tendo muito mais um
sentido fraterno do que alimentar. Na refeição partilhada, os comensais
comem do mesmo pão que se parte e se reparte entre todos (Mt 26,26;
Mc 14,22. Lc 22,19, 1Cor 11,24) e bebem do mesmo cálice, que passa
de boca em boca do primeiro ao último (Mt 26,27, Mc 14,23, Lc 22,20,
1Cor 11,25).
Podemos perceber, nos Atos dos Apóstolos, que a Eucaristia é
chamada de “fração do pão” (At 2,42.46, 20, 7.11). Quer dizer que se
trata de uma refeição em comum, celebrada nas casas, em um clima de
alegria e ligada à partilha dos bens (At 2,42-47; 4, 32-35).14 Famílias ricas
ofereciam suas casas para a reunião da comunidade, devido ao fato de
oferecem melhores condições para as necessidades litúrgicas da Igreja.
São as chamadas Domus Eclesiae – Casa da Igreja. Em Roma existiam
umas 40 dessas casas.15
A Ação de Graças é o terceiro elemento a ser destacado. Nas celebrações eucarísticas não faltava a “oração de bênção” (oração eucarística)
de origem judaica. Pouco a pouco foi prevalecendo a categoria de bênção
e ação de graças na celebração da Eucaristia. O centro da Eucaristia se
desloca do sinal primordial da refeição ao da palavra: a palavra descendente das leituras bíblicas e a palavra ascendente da oração eucarística.
De Ceia do Senhor passa-se à Eucaristia, isto é, ação de graças, já nos
finais do séc I (Cf. Cartas de Inácio de Antioquia).16
A ação de graças apresenta-se como uma contemplação de Deus,
autor de todas as maravilhas da criação e da História da Salvação, principalmente, por ter salvado a humanidade através da morte-ressurreição de
Jesus Cristo. É essa atitude que será traduzida pelo termo “Eucaristia”. A
palavra Eucaristia na língua grega quer dizer “ação de graças”. A Igreja,
ao usá-la, deu-lhe uma compreensão que tem origem no Antigo Testamento: “Render Graças”. Render graças tornou-se o equivalente a “fazer
13
Cf. ALDAZÁBAL, José. A Eucaristia. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 131.
14
Cf. CASTILLO, J. M. Onde não há Justiça não há Eucaristia. p. 138.
15
Cf. SILVA, José Ariovaldo. O Mistério Celebrado no Primeiro Milênio da Era Cristã.
In: O Mistério Celebrado: Memória e Compromisso I. São Paulo: Paulinas; Valência:
Espanha, Siquem, 2003. p. 31.
16
Cf. Idem. p. 134.
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Celebração e Vida: dois momentos inseparáveis da Celebração Eucarística
a Eucaristia”: a oração transformou-se em rito”.17 É importante lembrar
que a celebração da Eucaristia Cristã tem sua raiz na tradição judaica,
mas assume a partir de Cristo um sentido próprio, pois é concebida como
a celebração do mistério pascal de Jesus Cristo.18
O quarto elemento a ser destacado é que a Eucaristia era celebrada
no “primeiro dia da semana”: o Dia do Senhor (Domingo), por ser o dia
memorial da Ressurreição (cf. 1 Cor 16,2; At 20,7; Ap 1,10).19 Justino,
leigo e filósofo, lá pelo ano 150, escreve uma Apologia em favor dos
cristãos, onde podemos perceber como se estruturava a Eucaristia em
meados do século II. Vejamos: a reunião da assembleia era no “dia do
Sol” 20 (domingo), havia a escuta da Palavra, a homilia, a oração dos
fiéis, a preparação das oferendas, a oração eucarística, a comunhão e o
socorro aos necessitados.21
Percebemos que a Eucaristia nos séculos II-III tem como característica a improvisação e a criatividade, permanecendo sempre fiel aos
princípios da tradição, isto é, ao mistério pascal de Cristo.22 A Eucaristia
nesse início não é discutida, mas é um mistério vivido e celebrado, tanto
que nesse período não temos tratados eucarísticos, mas sim “sermões”
e catequeses mistagógicas.23 Ela é de fato uma experiência vivida em
comunidade, em ligação direta com a vida.
Como quinto elemento percebemos que a Eucaristia é uma celebração eclesial-comunitária. A comunidade era considerada comunidade
eucarística, enquanto pessoas que viviam na sua vida aquilo que celebravam. O ator principal da celebração era a comunidade presidida por seus
pastores. O sujeito da celebração era o povo reunido, povo sacerdotal e
todos participavam ativamente. Eles tinham acesso à Palavra de Deus,
e, quando era proclamada, se sentia que Deus mesmo estava falando.
Assim como na passagem dos discípulos de Emaús: “Não nos ardia o
coração quando pelo caminho nos falava e explicava as Escrituras?”
138
17
Cf. MARTIMORT, Aimé Georges. A Igreja em Oração. Introdução à Liturgia. Eucaristia.
Petrópolis: Vozes, 1989. Vol. 2. p. 43.
18
Cf. SILVA, José Ariovaldo. O Mistério Celebrado no Primeiro Milênio da Era Cristã. p. 29.
19
Cf. idem. p. 29.
20
Dia dedicado ao deus Sol na tradição religiosa romana.
21
Para ler o texto na íntegra Cf. JUSTINO de Roma. Apologia I. São Paulo: Paulus,
1995. n. 67. p. 83.
22
Cf. AUGÉ, Matias. Liturgia: História, Celebração, Teologia, Espiritualidade. São Paulo:
Ave-Maria, 1996. p. 31.
23
Cf. ALDAZÁBAL, José. A Eucaristia. p. 167-168.
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(Lc 24,22). A Palavra de Deus era sentida como momento privilegiado
de diálogo de Deus com o povo.
O sexto elemento a ser destacado era que a presença de Jesus
Cristo era vivenciada e sentida em toda a celebração eucarística. Isto é:
na presidência, na escuta da Palavra, na assembleia que era entendida
como “corpo de Cristo” e nas espécies de pão e de vinho. A Eucaristia
era o centro da espiritualidade, e tinha-se uma preocupação quanto à
qualidade das celebrações, fazendo com que a assembleia de fato conseguisse celebrar o mistério pascal.
Como sétimo elemento, a Eucaristia era uma celebração inculturada. Embora sempre fiel à tradição cristã e apostólica, ela se adaptou
aos diferentes povos com sua cultura, tanto no Ocidente quanto no
Oriente, com sua língua e costumes próprios, conseguindo fazer com
que cada povo vivenciasse o centro da espiritualidade cristã a partir da
sua situação concreta.24
O oitavo elemento mostra que durante o primeiro milênio a Eucaristia impulsionava as pessoas a viverem aquilo que celebravam na sua
vida, especialmente no compromisso com a justiça, com os mais pobres
e necessitados. Vejamos alguns textos que nos mostram isso.
Em At 2,42-47 vemos que a primeira comunidade era assídua na
doutrina dos apóstolos, eles se reuniam nas casas e partilhavam o pão.
Vendiam os seus bens e dividiam com todos segundo suas necessidades.
Nota-se que o culto da comunidade parece ter quatro partes: a instrução dos fiéis, a oração em comum, a ceia eucarística e a coleta para os
pobres.25 O texto da Didaqué (13,1-7) fala das primícias que é preciso
oferecer aos profetas, “e se não houver profetas entre vós, oferecei-as aos
pobres”. Justino apresenta-nos um testemunho muito interessante sobre
a oferta dos fiéis, não só um testemunho particular, mas uma práxis da
comunidade cristã em Roma no século II. A Eucaristia é para ele uma
experiência comunitária26 à qual não apenas todos os membros da comunidade assistem, mas todos participam. Nela se exigia, como condição
para participar, uma vida “conforme aquilo que Cristo nos ensinou”.27
Isto é: o amor aos pobres e necessitados.
24
Cf. SILVA, José Ariovaldo. O Mistério Celebrado no Primeiro Milênio da Era Cristã. p. 43.
25
Cf. Bíblia Sagrada. Nota sobre At 2, 42. p. 1304.
26
Cf. JUSTINO de Roma. Apologia I. n. 67,3 p. 83.
27
Cf. idem. n. 66,1 p. 82.
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Celebração e Vida: dois momentos inseparáveis da Celebração Eucarística
A oferta dos fiéis, conforme o testemunho de Justino, era parte integrante da celebração eucarística, uma celebração que se transforma em ação,
em prol dos necessitados. No Diálogo com Trifão, ele diz que “as orações e
ações de graças feitas pelos homens dignos são os únicos sacrifícios perfeitos
e agradáveis a Deus”.28 Para Justino, a Eucaristia está ligada intimamente
com a vida e uma vida que se coloca em prol dos fracos e necessitados.
Tertuliano, no século III, falava da Eucaristia sempre ligada à práxis
das obras de caridade que a comunidade cristã praticava, especialmente
com relação aos fracos e perseguidos.29 No Apologeticum cap. 39, Tertuliano descreve a ceia de caridade (ágape) que os cristãos celebravam.30
Nessa ceia “sagrada”, os cristãos colocavam tudo em comum, de tal forma
que cada um dava livremente o que podia para alimentar os pobres, os
anciãos, os que estavam no cárcere e em trabalhos forçados.31
Para Cipriano, a Eucaristia é a collecta fraternitatis e o convenire
cum fratribus,32 isto é, a coleta da fraternidade e a convivência com os
irmãos. A Eucaristia representa a comunidade reunida, tendo como essencial a união e a concórdia entre os seres humanos. Este elemento de
compromisso com a vida é percebido no tempo de Cipriano, quando o
papa Cornélio informa que estavam aos cuidados da Igreja de Roma mil
e quinhentas pessoas33. São João Crisóstomo tinha sob sua proteção, em
Antioquia, três mil viúvas, virgens e enfermos.34 Percebemos durante todo
esse tempo que a caridade e o amor aos pobres e fracos estava normalmente
ligada à Eucaristia, mistério de comunhão e de partilha entre todos.
Não se admitiam as esmolas daqueles que praticavam a injustiça.
Essa ideia está na Didaskalia, onde se diz que “o altar de Deus são as
140
28
Cf. JUSTINO de Roma. Diálogo com Trifão. São Paulo: Paulus, 1995. n. 117,2 p. 288.
29
Cf. Segundo TERTULIANO. Ad Uxorem II, 4 citado por CASTILLO, J. M. Onde não
há Justiça não há Eucaristia. p. 131.
30
Alguns pensam que essa ceia não era eucarística. Mas nela se orava, se cantava ao
Senhor e se liam as Sagradas Escrituras, o que não é normal numa ceia comum. (cf.
Apol. 39,17-18).
31
Cf. TERTULIANO, Apologia Contra Los Gentiles. Argentina: Espasa, 1947. nº 39 p.
100-104.
32
Cf. Segundo CIPRIANO, De Ecclesiae Unitate. Nº 13. Citado por CASTILLO, J. M.
Onde não há Justiça não há Eucaristia. p. 132.
33
Cf. Segundo EUSÉBIO de Cesareia, História Eclesiástica. VI, 11. Citado por CASTILLO,
J. M. Onde não há Justiça não há Eucaristia. p. 133.
34
Cf. CASTILLO, J. M. Onde não há Justiça não há Eucaristia. p. 133
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viúvas e os órfãos”.35 Certa vez, Santo Ambrósio, ao saber que o imperador Teodósio cometera um massacre em Tessalônica, escreveu-lhe
uma carta, comunicando que ele não celebraria o sacrifício diante dele.
A Eucaristia não podia ser conivente com os ditadores e os tiranos.36
Não é possível dissociar vida e celebração. A celebração está relacionada diretamente com a vida, isto é: com a prática da justiça e o amor aos
necessitados. Não é possível celebrar uma coisa e viver outra totalmente contraditória. Por isso, normalmente falava-se muito das práticas que impediam a
participação na Eucaristia, dos pecadores públicos que não podiam participar,
pois prejudicavam o próximo através da suas injustiças e não colocavam os
bens a serviço da comunidade para ajudar os que precisavam.37
No século IV, quando o Imperador Constantino decretou liberdade
para a Igreja, a liturgia procurou espaços mais amplos para ser celebrada e
recebeu influências da cultura romana.38 O que é característico da liturgia
romana clássica é a amplidão dos espaços basilicais e a adoção de solenidades provindas dos usos imperiais. Não existiam momentos de adoração ao
Santíssimo durante a celebração, as próprias palavras usadas não falavam
de corpo e sangue mas de alimento, bebida, sacramento, mistério sagrado.
A linguagem era simples, sóbria, sucinta, não loquaz e pouco sentimental;
a sua disposição é clara e lúcida, espiritual e de notável valor literário. A
oração é dirigida ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo.39 Na liturgia romana,
a Eucaristia nos é dada por Deus acima de tudo para ser comida e bebida, e
não para ser adorada. A participação do povo, via de regra, era espontânea
e viva, com equilíbrio entre o pessoal e o comunitário.40
Resumidamente: no primeiro milênio, via de regra, se procurava
garantir o essencial, isto é: a Eucaristia como mistério pascal de Cristo. O
povo tinha contato direto com a Palavra de Deus, e sua participação era ativa,
consciente e plena. O jeito de celebrar era adaptado aos diferentes povos com
sua cultura. A relação vida e celebração era muito concreta, sendo visivel35
Segundo Didaskalia II, 26,3 citado por CASTILLO, J. M. Onde não há Justiça não há
Eucaristia. p. 134.
36
Cf. CASTILLO, J. M. Onde não há Justiça não há Eucaristia. p. 125-126.
37
Cf. idem. p. 136-137.
38
Cf. SILVA, José Ariovaldo. O Mistério Celebrado no Primeiro Milênio da Era Cristã. p.
34-35.
39
Cf. AUGÉ, Matias. Liturgia: História, Celebração, Teologia, Espiritualidade. p. 37.
40
Cf. SILVA, José Ariovaldo. O Mistério Celebrado no Primeiro Milênio da Era Cristã. p.
39-40.
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Celebração e Vida: dois momentos inseparáveis da Celebração Eucarística
mente perceptível na ajuda aos mais pobres e necessitados. A metodologia
usada para se falar sobre a Eucaristia era a dos Santos Pais. Para os teólogos
desse tempo, o lugar privilegiado para estudar a Eucaristia é a Igreja.41
3 A Eucaristia no segundo milênio
No século IX a liturgia romana migrou para as terras francogermânicas, onde foi adaptada à liturgia galicana, para depois voltar a
Roma como fundamento da liturgia romana da Idade Média. Durante
esse tempo, a Eucaristia sofreu um grande deslocamento de eixo.
No primeiro milênio, a Eucaristia tinha seu centro na celebração do
memorial do mistério pascal de Cristo, mas a partir de agora o Santíssimo
Sacramento passou a ser o centro da celebração. O altar é substituído pelo
sacrário. A festa mais importante não é a Páscoa, mas Corpus Christi e
a festa do padroeiro. A Devoção ao Santíssimo e aos santos tornou-se a
fonte da espiritualidade.
Perdeu-se a centralidade da Palavra de Deus que cedeu lugar às lendas sobre o Santíssimo Sacramento e à leitura da vida dos santos. A Palavra
nem é mais proclamada, mas é lida somente pelo padre em voz baixa.
A presença de Cristo, que era sentida em toda a celebração, agora
se restringe ao pão e o vinho, corpo e sangue de Cristo. Essa compreensão
ocupou os teólogos não menos que sete séculos e foi iniciada por um trio
muito famoso: Pascásio Radberto, Ratramno e Berengário.42
A Igreja não é mais o lugar da experiência comunitária do mistério pascal, mas é vista como um grande “supermercado religioso”,
uma “farmácia espiritual”, aonde o povo acorre para curar seus males,
com seus “agentes de saúde” credenciados na qualidade de ministros
ordenados.43 A Eucaristia era vista como remédio para “curar males” ou
preveni-los e para manter a amizade com Deus: “para escapar do perigo
do inferno”. Nesse tempo se intensifica a ideia dos “frutos da missa”,
142
41
Cf. GIRAUDO, Cesare. Num só Corpo: Tratado Mistagógico sobre a Eucaristia. São
Paulo: Loyola, 2003. p. 8.
42
Cf. idem. p. 416.
43
Cf. SILVA, José Ariovaldo. O Mistério Celebrado no Segundo Milênio da Era Cristã.
In: O Mistério Celebrado: Memória e Compromisso I. São Paulo: Paulinas; Valência:
Espanha, Siquem, 2003.p. 54-55.
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a comunhão começa a ser “oferecida por”, considerando-a como meio
para conseguir favores.44
Consequentemente, a Eucaristia torna-se um ritual meio mágico,
feito pelo padre, desencarnado da vida e da história humana. Acentua-se
a separação entre clero e fiéis. A oração eucarística é rezada em voz baixa,
o sacerdote celebra de costas para o público, as pessoas já não entendem o
latim da liturgia, os fiéis já não levam mais as oferendas ao altar, a missa
tornou-se uma coisa santa passivamente assistida pelas pessoas. O pão comum foi substituído pelo pão ázimo. Extinguiu-se a comunhão com o cálice
e o pão começou a ser recebido na boca, isto, quando se comungava.45
Aos poucos, a comunhão foi sendo substituída pela adoração da hóstia:
adorar tornou-se uma forma de comungar. Por isso, os padres levantavam bem
alto a hóstia e o cálice para o povo ver e prestar adoração ao Senhor terrível
que “descera sobre o altar”. Tocam-se campanhias para chamar a atenção para
o momento. Bastava ver a hóstia, e todos já estavam satisfeitos.46
O Missal de Pio V (1570), elaborado depois do Concílio de Trento,
fala somente sobre rubricas que o sacerdote devia observar. O povo nem
sequer é mencionado, e cada vez mais a celebração vai se distanciando
da vida das pessoas. A centralidade romana faz com que todos sigam
de forma unificada o ritual romano que é levado ao seu expoente pela
liturgia barroca, extremamente ritualista, e desconsiderando a cultura e
o jeito de cada cultura celebrar.47
Sintetizando: temos nesse tempo, via de regra, uma liturgia híbrida,
monolítica, ritualista, distante do povo, clerical, mágica, devocional, “farmacêutica”; pouco mistérica e eclesial, muito utilitarista e individualista.
Poderíamos dizer que, no aspecto devocional e individualista, existia uma
relação vida-celebração. Entretanto, a celebração eucarística é uma celebração comunitária por excelência, e não é uma devoção. Nós na América
Latina fomos evangelizados nessa liturgia, nos moldes pós-tridentinos,
44
Cf. ADALZÁBAL, José. A Eucaristia. p. 179-182.
45
46
Cf. MARTIMORT, Aimé Georges. A Igreja em Oração: Introdução à Liturgia. Eucaristia.
p. 131.
47
Cf. SILVA, José Ariovaldo. O Mistério Celebrado no Segundo Milênio da Era Cristã.
p. 50.
O concílio de Latrão, do século XIII, ordenou que se comungasse pelo menos uma
vez ao ano, pela Páscoa, devido ao fato de as pessoas comungarem raramente.
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Celebração e Vida: dois momentos inseparáveis da Celebração Eucarística
de índole romano-franco-germânica, de língua latina obrigatória para
todos, sem se levar em consideração as culturas locais.48
4 O resgate do sentido da Eucaristia no Concílio
Vaticano II
O movimento litúrgico, dos inícios do séc. XX, teve o intuito de
renovar a liturgia na Igreja do Ocidente. Sua importância foi a de ter
preparado a grande reforma litúrgica do Vaticano II com um amplo e
fundado instrumental: histórico, teológico, pastoral e pessoal.49
O Concílio Vaticano II colocou a liturgia numa perspectiva pastoral
e teológica, superando a visão meramente estética e ritualista, promovendo uma redescoberta do essencial, que é o mistério de Cristo, e tirando a
“poeira” medieval e pós-tridentina que permanecia sobre a liturgia.
A Constituição sobre a Sagrada Liturgia, Sacrossanctum Concilium
(SC) , diz, referindo-se à Eucaristia, que nela principalmente se exerce
a obra de nossa Redenção, e ela contribui de modo mais excelente para
que os fiéis exprimam em suas vidas e aos outros manifestem o mistério
de Cristo e a genuína natureza da verdadeira Igreja (SC 2).
50
Nota-se que o título do capítulo que trata da Eucaristia é: “O Sacrossanto Mistério da Eucaristia”. Recupera-se o sentido do Mistério. A
Eucaristia é o mistério pascal de Jesus Cristo.51 Cristo está presente no
sacrifício eucarístico, mas não de forma estática como costumeiramente
entendemos, somente no pão e vinho eucaristizados. Ele está presente
tanto na pessoa do ministro, “pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na cruz”, quanto
sob as espécies eucarísticas. [...] Presente está pela sua Palavra, pois é
ele mesmo que fala quando se leem as Sagradas Escrituras na Igreja”
(SC 7). Além disso, Jesus está presente quando a Igreja ora e salmodia,
144
48
Cf. SILVA, José Ariovaldo. A evangelização que nossos índios e negros tiveram de
“engolir”. In: Revista de Liturgia. São Paulo, n.159, 2000. p.4-6.
49
Cf. SILVA, José Ariovaldo. O Mistério Celebrado no Segundo Milênio da Era Cristã.
p. 59-60.
50
VATICANO II. Constituição “Sacrosanctum Concilium” sobre a Sagrada Liturgia. In:
Compêncio do Vaticano II: Constituições, decretos, declarações. 29a ed. Petrópolis,
Vozes, 2000.
51
Cf. SILVA, José Ariovaldo. A Reforma Litúrgica do Concilio Vaticano II. In: O Mistério
Celebrado: Memória e Compromisso I. São Paulo: Paulinas; Valência: Espanha,
Siquem, 2003. p. 64.
Encontros Teológicos nº 60
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Cleiton José Senem
Ele que prometeu: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome,
eu estarei no meio deles”. (Mt 18,20) (SC 7). Percebemos, portanto, que
a presença do Senhor não se dá de forma estática e única nas espécies
eucarísticas, mas ela é dinâmica e se dá na globalidade da celebração,
na pessoa que preside, na Palavra de Deus, na assembleia reunida e,
especialmente, no pão e no vinho.
O documento diz-nos que os sacramentos devem ensinar a observar
tudo o que Cristo mandou (Mt 28, 20) e estimular todas as obras de caridade, piedade e apostolado (SC 9). Nesse sentido, a liturgia é cume para
o qual tende toda a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, é a fonte donde
emana toda a sua força. [...] “A própria liturgia, por seu turno, impele os
fiéis a que, saciados dos sacramentos pascais, sejam concordes na piedade, e reza para que conservem em suas vidas o que receberam pela fé; a
renovação da aliança do Senhor com os homens na Eucaristia solicita e
estimula os cristãos para a caridade imperiosa de Cristo” (SC 10).
Percebemos nesses textos, acima citados, uma co-relação entre
vida e celebração. A Eucaristia é ponto de chegada e ponto de partida
da vida do cristão. É ponto de chegada, pois a celebramos em nossa
vida, no que fazemos, temos e somos. É ponto de partida, porque somos
chamados a viver a nossa vida em Cristo a partir do mistério que celebramos, principalmente, vivendo os ensinamentos de Cristo, a caridade
e o amor fraterno. A celebração Eucarística impulsiona-nos a viver na
vida o mistério pascal de Cristo, a ação de graças, a partilha do pão e o
amor aos irmãos.
No tocante ao Mistério, o documento ainda diz:
“Na última ceia, na noite em que ia ser entregue, nosso Salvador instituiu o Sacrifício Eucarístico de seu Corpo e Sangue. Por ele, perpetua
pelos séculos, até que volte, o Sacrifício da Cruz, confiando dessarte
à Igreja, Sua dileta Esposa, o memorial de Sua Morte e Ressurreição:
sacramento de piedade, sinal de união, vínculo de caridade, banquete
pascal, em que Cristo nos é dado em alimento, o espírito é repleto de
graça e nos é dado o penhor da futura glória” (SC 47). “E aprendam
a oferecer-se a si próprios oferecendo a hóstia imaculada, não só pelas
mãos do sacerdote, mas também, juntamente com ele. E assim, tendo a
Cristo como Mediador, dia a dia se aperfeiçoem na união com Deus e
entre si, para que, finalmente, Deus seja tudo em todos” (SC 48).
Portanto, podemos dizer que a Sacrosanctum Concilium recuperou
os elementos fundamentais que caracterizavam a Eucaristia no primeiro
Encontros Teológicos nº 60
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Celebração e Vida: dois momentos inseparáveis da Celebração Eucarística
milênio cristão e que se tinham diluído por mais de dez séculos. A saber:
a celebração do mistério pascal de Cristo, e o contato abundante com a
Palavra proclamada.52 O resgate da dimensão comunitária da Eucaristia
(SC 27), recuperando os diferentes ministérios nas ações litúrgicas. A
adaptação às diversas culturas (SC 37-40). Outra preocupação da SC foi
quanto à qualidade das celebrações e a necessidade de se promover a
educação litúrgica e a ativa participação de todos (SC 14-20). Em tudo
isso, percebemos que a SC ajudou a recuperar a relação “vida e celebração” que se havia perdido, especialmente no segundo milênio.
Conclusão
Após termos realizado essa breve contextualização histórica sobre
a relação vida e celebração no mistério da Eucaristia, percebemos que
houve um grande deslocamento de eixo do primeiro para o segundo
milênio cristão, no tocante à compreensão do Mistério. No primeiro
milênio, a relação vida e celebração era muito presente no dia-a-dia de
cada cristão. Ambas eram vivenciadas como duas faces de uma mesma
moeda, não podendo se separar uma da outra. Já no segundo milênio,
houve uma ruptura, deixando suas marcas até hoje. Como pudemos
perceber, grande parte do povo, dos próprios ministros ordenados e da
mídia, têm uma compreensão reduzida do mistério eucarístico. Com o
Vaticano II, a Igreja voltou às suas origens e resgatou a sua experiência
eucarística mais genuína. Apesar de se terem passado quase cinquenta
anos desde a promulgação da SC, ainda hoje, não conseguimos colocá-la
totalmente em prática. Portanto, percebemos a necessidade de aprofundar
a nossa compreensão de Eucaristia como memorial do mistério pascal
de Jesus Cristo, para que possamos celebrar e viver mais perfeitamente
o mistério eucarístico.
Endereço do autor:
Rua Capitão Alcides, 6-45
CEP 17013-710 Bauru, SP
E-mail: [email protected]
52
146
Cf. idem. p. 65-66.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Cleiton José Senem
Bibliografia
ALDAZÁBAL, José. A Eucaristia. Petrópolis: Vozes, 2002.
AUGÉ, Matias. Liturgia: História, Celebração, Teologia, Espiritualidade. São Paulo: Ave-Maria, 1996.
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CASTILLO, José Maria. Onde não há Justiça não há Eucaristia. In: Fé
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Mundo e Missão. São Paulo, n. 77, 2003.
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Ano 26 / número 3 / 2011
147
Celebração e Vida: dois momentos inseparáveis da Celebração Eucarística
SILVA, José Ariovaldo. A evangelização que nossos índios e negros
tiveram de “engolir”. In: Revista de Liturgia. São Paulo, n.159, 2000.
VATICANO II. Constituição “Sacrosanctum Concilium” sobre a Sagrada
Liturgia. In: Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos, declarações. 29. ed. Petrópolis, Vozes, 2000.
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Encontros Teológicos nº 60
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Homilia gratulatória*
Jubileu de Ouro presbiteral do
Pe. Paulo De Coppi, PIME
Agostinho Staehelin**
Prezado Pe. Paulo
Quem me dera a possibilidade e a capacidade, e o senhor o merece,
de biografar 50 anos de sacerdócio dados à Igreja, longe dos seus, de sua
Pátria, e 76 anos vividos para Deus.
Receio não saber fazê-lo. Mas tenho a alegria de falar deste
seu ideal.
Quando se abraça uma causa, e ela é amada e vivida, a gente
gosta de falar dela.
Quem não proclama as belezas de seu amor?
Somos homens, mas portadores de Deus.
Somos racionais, mas anunciadores do que está acima da razão.
Somos profetas do tempo, mas testemunhamos o eterno.
Somos de Deus, mas tirados do meio do povo.
Para os sem fé, somos alienados. Para os crentes, somos os donos
da verdade.
*
Homilia na Missa Jubilar do Pe. Paulo de Coppi, na Matriz de N.Sra. da Boa Viagem,
Saco dos Limões, Florianópolis, em 20-03-2011.
** Monsenhor, do presbitério da arquidiocese de Florianópolis, SC, Vigário Paroquial de
Santa Cruz, Barreiros, São José, e coordenador da AME.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011, p. 149-152.
Homilia gratulatória: Jubileu de Ouro presbiteral do Pe. Paulo De Coppi, PIME
Se evangelizamos, somos da esquerda, revolucionários, perturbadores da ordem.
Se sacramentalizamos a pastoral, somos conservadores, retrógrados.
A questão é ser padre, dentro deste contexto do mundo de hoje,
e em todos os tempos da Igreja. Igreja que é Povo de Deus em marcha,
que caminha, que muda na maneira de ser no tempo, porque é dinâmica,
é Reino que se constrói.
Ser Padre de um Povo Sacerdotal. Isto implica conhecimentos
claros sobre o sacerdócio, e vivência profunda da doutrina de São Pedro:
“Raça eleita, sacerdócio real, Nação Santa” (1Pd 2,9).
Antes de Padre, eu sou cristão. Pelo Batismo entrei para a Raça
Eleita, para a Nação Santa, e comecei a participar do Sacerdócio Real
de Cristo.
Quando me escolheram e fizeram ministro, foi para tornar esta
Nação Santa, cada vez mais Santa. Nisto se fundamenta a identidade do
Presbítero. Sua vida intimamente ligada a seu ministério.
Não somos e não exercemos o nosso sacerdócio, só porque somos ordenados, só porque um sacramento nos conferiu poderes, mas
porque nos chamaram a exercer este ministério dentro de uma Igreja
Sacerdotal.
Quanto mais eu viver o meu ministério (PO 14)...
Quanto mais me abrasar de caridade pastoral...
Quanto mais incansavelmente exercer as funções de presbítero (PO 13)...
Quanto mais dinâmica e missionária for minha evangelização,
abrindo horizontes e não me fechando dentro de um pequeno círculo...
Quanto mais convencido eu estiver de ser feliz por ser ministro
do Evangelho (Puebla 383)...
Mais Padre eu sou...
Mais minha vida estará marcada pelo Evangelho.
As opções desta Igreja influirão em minha vida e o amor às causas que Ela assumiu, serão meus ideais. E as virtudes exigidas hoje do
sacerdote serão minhas marcas, e serei testemunho contra a injustiça, o
desamor, a riqueza espoliada, a idolatria do dinheiro, dos bens, do poder
e do materialismo consumista.
150
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Agostinho Staehelin
A vida do sacerdote estará enquadrada no modelo: Cristo, que veio para
servir (Mc 10,45), para que tenham vida (Jo 10,10), para evangelizar os pobres... proclamar a remissão dos oprimidos..., restituir a liberdade aos presos...
(Lc 4,1), missão toda imbuída do espírito da Igreja, que é “toda Ministerial”.
Sacerdote é o que perdoa, consagra, oferece.
Padre é o que dá a vida, alimenta, orienta, ajuda, aconselha, libera, é Pai.
Como sacerdotes santificamos o Povo de Deus pelo perdão, e a
oblação do próprio Senhor, para que esse Povo se torne digno da participação no Mistério/Ministério da Redenção.
Como Padres, somos animadores da Pastoral.
Nesses dois conceitos, vividos intensamente, o Presbítero se
completa.
O documento Presbyterorum Ordinis apresenta o Presbítero a partir
daquilo que deve constituir sua própria natureza: Evangelizar.
Traça as grandes linhas para o Padre, que deve ser Pastor do Povo
de Deus, formar um corpo com o Bispo e o Povo no presbitério, apresenta a doutrina da universalidade do sacerdócio, e apresenta o próprio
ministério como meio para a santidade presbiteral.
Os nossos planos, as nossas mentes estão saturados de pastorais.
Vivemos preocupados com ministérios...
E a pastoral do Padre? E o ministério dos Presbíteros? Os carismas
de cada um?
Tocamos todos os instrumentos da orquestra, e não aprendemos
a valorizar a batuta do regente, que coordena os movimentos para a
grande sinfonia.
O reino de Deus se constrói a partir de um desprendimento de si
mesmo. É estar acima de problemas e exigências pessoais.
O problema não é o Evangelho, não é a messe que é grande, não
é a seara que não é boa, não é a escassez do clero, mas, o tipo de Padre.
O Padre mais humano e mais divino.
O Padre que traz as marcas de Cristo, para uma messe madura.
Cristo escolheu apenas um pequeno grupo, e a maior preocupação
de Cristo foi com a pastoral desse grupo.
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Homilia gratulatória: Jubileu de Ouro presbiteral do Pe. Paulo De Coppi, PIME
“Vem e segue-me”... Chamado individual.
“Vinde e vede”... Conhecimento íntimo.
Com eles rezava. Com eles ceava. Na barca deles atravessava o mar.
Era a eles que explicava as parábolas. A eles eram revelados os segredos do
Pai, os mistérios de Deus. Os grandes dogmas eram ensinados ao pequeno
grupo dos discípulos. Eles foram as testemunhas da Ressurreição. A Eles,
reunidos, Cristo aparece diversas vezes, para confirmá-los.
Quando a sós, Jesus os incumbia das grandes missões da sua
Igreja.
A grande preocupação de Cristo era a “pastoral dos presbíteros”,
os seus apóstolos.
Cristo marcou aqueles homens rudes com sua presença, sua vida,
sua doutrina, sua santidade.
Prezado Padre Paulo, não tenho dúvidas em afirmar que foi assim
que sempre esteve marcado seu sacerdócio.
O “Ide e ensinai”... “Ide e Batizai”... “Fazei isto em minha memória”... “Aqueles aos quais perdoardes”... estiveram sempre presentes
em sua mente.
“Daí-lhes vós mesmos de comer”... “Tenho pena deste povo”...
“Sereis minhas testemunhas”... “Eu vos enviei a ceifar”... “Eu vos escolhi”... angustiaram seu coração sacerdotal.
“Permanecei em mim”... “Vós sois meus amigos”... “Eu vos escolhi e designei”... “Não sois do mundo”... “Amai-vos”... deram coragem
em sua caminhada.
A lembrança dessas verdades, Padre Paulo, o fez viver o ideal do
sacerdócio; deu sentido à sua vida; o fez feliz e o encorajou, até para assumir os Meios Modernos de Comunicação Social – o Jornal, o “Missão
Jovem” e, agora, o “Transparente”. É justamente por isso, Padre Paulo,
que os Padres da Arquidiocese o estimam, admiram e veneram.
E-mail do autor:
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Recensões
TABORDA, Francisco: A Igreja e seus ministérios. Uma teologia
do ministério ordenado. São Paulo: Paulus, 2011. 21cm x 13,5cm.
327p. ISBN 978-85-349-2605-8
João Batista Libânio SJ*
Eis um estudo sério, cuidadoso, que une ampla informação de
maneira bem sintética com reflexões de aprofundamento. O livro nasce
de longa e madura docência sobre esse tema, de maneira que o leitor
adquire, num número razoável de páginas, visão vasta da temática. As
notas de roda-pé estão a indicar a riqueza de bibliografia consultada e
referida, fundando bem as teses propostas.
Na introdução, o A. indica a natureza do livro. Não trata da propalada crise do ministério ordenado, mas pretende compreendê-lo a partir
do Evangelho, da tradição e da liturgia da Igreja e contribuir assim para
vislumbrar caminhos, sem sucumbir à tentação das receitas. Ademais,
estabelece, como ponto de vista central para encarar os ministérios, a
prioridade lógica, não cronológica, da Igreja em relação aos ministérios.
O ministro existe para a Igreja e em função da Igreja. Por isso, a Igreja
vem em primeiro lugar, mesmo que o constituir-se da Igreja resulte da
pregação de alguém. Está aí o horizonte em que se move a reflexão do A.
Existe certa analogia com outra questão: a prioridade das Igrejas particulares em relação à universal ou vice-versa. A Introdução ainda explicita o
termo de sacramento da Ordem, tanto sob o aspecto etimológico, quanto
semântico. Tal se faz de maneira detalhada e bem cuidadosa quanto às
fontes da reflexão. Termina com rápida menção da metodologia: ao partir
da Lex orandi – Lex credendi a fim de purificar tal axioma de poeiras
históricas, o A. recorre à fundamentação escriturística, reforçada pelo uso
da Igreja – sensus Ecclesiae. Só então se capta o conteúdo da prece da
Igreja, das preces litúrgicas, não vistas em si, mas baseadas na Escritura
e atestadas pela Tradição universal.
*
O recensor é presbítero da Companhia de Jesus, doutor em teologia, e professor da
Faculdade Jesuita de Filosofia e Teologia – FAJE – Belo Horizonte, MG.
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Recensões
O livro estrutura-se em três partes e alguns anexos. A primeira
volta às raízes da prática ministerial na Igreja, a segunda sistematiza os
dados aí colhidos, para na terceira analisar a celebração do sacramento
da Ordem, interpretando o que nele se expressa à luz da Escritura e da
Tradição. Seguem-se anexos das preces da ordenação episcopal, presbiteral e diaconal. A compreensão da prática ministerial na Igreja se alimenta
de três fontes: a atuação de Jesus, os ministérios no Novo Testamento e
a evolução histórica na concepção do ministério ordenado.
O Novo Testamento apresenta-nos a práxis de Jesus. Ela é e permanece definitivamente como última base crítica para o ministério na
Igreja que a persegue desde o início até hoje, ora mais fielmente, ora
menos. Nesse capítulo, o A. debate-se com três modelos fundamentais
do agir de Jesus: sacerdotal, servo de YHWH e Bom Pastor. O modelo
sacerdotal não responde aos escritos do Novo Testamento. Pelo contrário, parecem descartar tal título para mostrar a distância de Jesus em
relação ao sacerdote judeu – ele não pertencia ao sacerdócio aarônico
nem era da tribo levítica – e ao sacerdote pagão. O A. mostra como
esses sacerdócios geriam o espaço e o tempo sagrados em conflito com
o profano. Jesus, porém, relativiza tal mundo. Ele provoca a desabsolutização da ordem vigente cósmico-político-religiosa e se constitui fim
e realização do sacerdócio, como a Epístola aos Hebreus nos refere.
Ela não entende o sacerdócio de Jesus de maneira ritual, mas histórica,
vivencial, existencial. O A. apresenta-nos clara e excelente síntese dessa
epístola no referente ao significado do sacerdócio de Cristo. O capítulo
prossegue a reflexão sobre a práxis de Jesus como Servo de YHWH e
sobre o ministério na Igreja segundo esse modelo. Nesse parágrafo, o
A., com apoio sobretudo em H. Arendt, trabalha o conceito de poder,
tanto na perspectiva antropológica como sociopolítica, que servirá para
contrapô-lo à perspectiva do Servo de YHWH. Este vivencia o poder pela
fraqueza. E mais adiante, enfoca tal questão respeito ao ministério na
Igreja, encarando o poder como serviço. Conclui o capítulo estudando o
ministério na Igreja segundo o modelo do Bom Pastor. Imagem altamente
bíblica. Por meio da Reforma, ela se tornou comum nas Igrejas evangélicas, ao contrário da categoria de sacerdócio. Embora a imagem tenha
certa ambiguidade no sentido de insinuar a dependência das ovelhas, o
A. mostra-lhe a outra face, enquanto exprime um pastor que caminha
à frente, provê, cuida, faz-se solidário até a entrega da própria vida. Em
toda essa reflexão, o A. mostra reserva sobre o conceito de sacerdócio.
A designação “sacerdotal” para os ministérios presbiteral e episcopal
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Recensões
carrega certa ambigüidade. Nas pegadas de Y. Congar, escreve que o
termo “sacerdote”, “que em realidade qualifica todos os cristãos e que,
a título autêntico, só qualifica Jesus Cristo, o único sacerdote, não é [um
termo] muito bom” para designar o ministro ordenado.
O capítulo II estuda os ministérios no Novo Testamento, ao distinguir entre básicos e estruturais das comunidades. Trabalho sério e
cuidadoso. Aborda os três ministérios básicos dos apóstolos, profetas
e doutores, dando relevo ao dos apóstolos. Depois de caracterizar, em
geral, os ministérios estruturais das comunidades, percorre, com rigor
e esmero, textos da Carta aos Filipenses, dos Atos dos Apóstolos, das
Epístolas Pastorais, das dirigidas às comunidades de Colossos e Éfeso e a
outras comunidades espalhadas em diversos escritos (Epístola de Pedro,
Epístola aos Hebreus, Epístola de Tiago, Evangelho de João, Segunda
Epístola de João e Apocalipse). Aí se encontram esclarecimentos sobre
tais ministérios. Destarte, tem-se visão ampla de como eles se foram
construindo nas diferentes comunidades no início da Igreja. Taborda
chega a conclusão muito interessante: “O ministério não se desenvolveu
em torno da eucaristia ou da liturgia, mas em torno da construção da
comunidade, pela pregação, exortação, direção e também, sem dúvida,
pela eucaristia”.
No terceiro capítulo, o A. dirige a atenção à evolução histórica da
concepção do ministério ordenado. Ele o faz em três ondas. A primeira
trata da concepção pneumatológico-eclesial, correspondente ao primeiro
milênio. Nela se salienta o gesto sacramental da imposição das mãos
com a prece da ordenação, ordenando o candidato para uma comunidade
local concreta, onde desempenhará o ministério. A segunda onda, correspondente ao segundo milênio, desloca o movimento para a dimensão
cristológico-individualista. Retira a imposição das mãos do contexto da
Igreja local e lhe dá certa autonomia. Quando se respeitam matéria e
forma, a ordenação é válida, independente da vinculação com a comunidade. O decisivo é o cumprimento do ritual, mesmo que se continue
mencionando o “título de ordenação”. Vários fatores contribuíram para
a privatização do ministério ordenado. O A. estuda a evolução medieval
na qual o ministério se entende como potestas (poder), mostrando que,
sendo rejeitado nos inícios, tal conceito obteve na Idade Média foro de
cidadania na teologia e no direito canônico. Isso não acontece sem a
influência do renascimento do direito romano no final do séc. XI para o
começo do séc. XII e de outros fatores políticos. Com ele se processou
a progressiva clericalização. Em conexão, deu-se também a privatização
Encontros Teológicos nº 60
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Recensões
da missa. Mudou-se o sentido na relação Cristo-Igreja, eucaristia-Igreja.
Na Patrística, a Igreja era o corpus verum de Cristo e a eucaristia o
corpus mysticum. No começo da Idade Média se inverte por causa da
disputa sobre a presença real na eucaristia com repercussão no ministério
ordenado. O presbiterado começou a ser compreendido como estado
de vida com valorização do celibato, distinguindo-o e separando-o dos
não presbíteros. Acentuam-se o caráter sacramental e sua ação in persona
Christi. Corre-se o risco de serem esquecidas a relação com a comunidade e a própria eclesialidade do ministério. O Concílio de Trento, que
poderia ter sido um momento de equilíbrio, perdeu tal chance por causa
das opções metodológicas de tratar os temas postos pelos Reformadores e
de não querer dirimir controvérsias existentes entre as escolas teológicas
católicas. Ele esposou, pelo menos, duas teologias do ministério ordenado, observa Taborda: uma, baseada no conceito de sacerdócio; outra,
em torno da hierarquia, tendo o bispo no vértice. Não conseguiu, porém,
formular uma teologia adequada do episcopado e por isso não integrou a
teologia do sacramento da Ordem numa eclesiologia. Reafirma, perpetua
e reforça a posição medieval do sacerdócio como “poder de consagrar”.
O Concílio Vaticano II, mesmo que não tenha conseguido uma síntese das
teologias dos dois milênios, apontou-lhe o rumo. Ele supera a dicotomia
entre potestas ordinis e potestas jurisdictionis, integrando-as num único
conceito de sacra potestas que ele interpreta a partir do tríplice múnus
de ensinar, reger e santificar. Por fim, considera o ministério a partir do
episcopado, sacramento da “plenitude do sacerdócio”.
Terminada essa parte sobre as raízes do ministério ordenado na
Igreja, o livro dedica um capítulo sobre a sua eclesialidade. Começa,
então, pela caracterização da Igreja particular a partir de seus elementos
constitutivos. Ela é congregada no Espírito Santo por meio do Evangelho
e dos sacramentos, em comunhão com seu pastor. A eucaristia ocupa
entre os sacramentos papel primordial. Ela faz a Igreja. Vê-a em tensão
com a Igreja universal. Reflexão eclesiológica fundamental para evitar
os dois extremos do galicanismo da Igreja particular e uma hipostasiação
da Igreja universal. E pior ainda, quando esta se identifica na prática com
a Igreja de Roma. As reflexões sobre a eclesiologia da Igreja particular
vêm muito a propósito no momento atual em que o clima criado no
Concílio Vaticano II, valorizando-a, arrefece. Salienta-lhe a dimensão
de comunhão de pessoas. E a Igreja no todo se entende una e única
como comunhão de comunhões. Considera secundária a distinção entre
ministros e não-ministros em comparação com o que lhes é comum.
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Acentua a Igreja local como comunidade diversificada pelos carismas e
assentada sobre a igualdade fundamental. Não há oposição entre ministérios e carismas, já que o próprio ministério é carisma.
Prossegue a reflexão, caracterizando o ministério ordenado, primeiro, de um modo geral. Considera-o na vida da Igreja, na comunidade
e diante dela. Julgo essas páginas iluminadoras sobretudo para aqueles
que se preparam para o ministério ou já o exercem. Texto cuidadoso e
crítico, ao identificar tradições diferentes, mostrando-lhes a maior ou
menor pertinência com uma concepção do ministério ordenado na Igreja.
Essa tese central do livro atravessa os capítulos: a precedência da Igreja
sobre os ministérios em que pese certa tendência oposta. Merece destaque
o parágrafo dedicado à sucessão apostólica. Ilumina e corrige equívocos
sobre a materialidade de tal transmissão e permite abertura ecumênica,
de um lado, e evita aventureirismo, de outro. Num segundo momento,
Taborda detém-se em cada um dos três ministérios ordenados. Texto
esclarecedor. Tanto mais importante quanto muitas igrejas particulares
se consideram nelas mesmas sem comunhão com as outras e em mera
dependência subordinada de Roma. Assim a colegialidade eclesial se
esvai e o ministério presbiteral, também ele, perde a dimensão colegial,
ao permanecer funcionalmente na dependência unilateral dos bispos. Em
algumas igrejas, multiplicam-se os diáconos, sem muita clareza sobre tal
ministério. Taborda delineia muito bem a distinção e articulação entre
esses ministérios. Realmente vale a pena conferir. Situa bem a posição
do ministério episcopal, sua colegialidade e também o presbiteral na
sua função de coletivo em torno do bispo. Além disso, ilustra o ofício
diaconal a partir da tradição da Igreja, oferecendo luzes para as Igrejas
que estão reimplantando o diaconato permanente. Elucida esse ministério
a partir sobretudo do serviço aos pobres, prolongando a presença dos
bispos nesse mundo.
Pareceu-me muito pertinente e lúcida a abordagem da problemática
vocacional. Apresenta as duas correntes principais e oferece elementos
teológicos para juízo crítico sobre elas. Uma atribui relevância à dimensão subjetiva do candidato e a outra ao chamado que a Igreja faz para
alguém, julgado apto por ela, assumir o ministério ordenado, mesmo
contra sentimentos interiores. Os promotores de vocação têm muito que
aprender dessa explanação. Estuda em dois parágrafos conclusivos do
capítulo a situação anômala do presbítero religioso que não se entende a
partir do presbitério em torno do bispo e o fato dos bispos titulares que
não presidem a uma Igreja particular. Por essa ocasião, Taborda recorre à
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tradição oriental e oferece-nos iluminadora explanação sobre o “princípio
da economia” que corrige a tendência legalista ocidental.
E o livro constroi uma terceira parte que estuda o ministério uno
da Igreja, sacramentalmente instituído num processo em que a ação
divina se expressa na ação humana. Dedica-se a enuclear a estrutura
e os elementos essenciais de uma ordenação. E para tanto, explicita a
expressão significativa do sacramento da Ordem e debruça-se sobre as
preces da ordenação. A instituição de ministros da e na Igreja se realiza
por meio do sacramento da Ordem que lhes confere a graça da função
a que são destinados e a força do Espírito Santo para viver dignamente
tal sacramento. Como todo sacramento, este tem um núcleo central
em que se unem palavra e gesto simbólico para expressar aquilo que
a Igreja suplica a Deus, acreditando na promessa infalível de sua Palavra.
O ato fundamental da vida da Igreja, a saber, a instituição
de ministros nas ordens do episcopado, presbiterado e diaconado se
situa num movimento em três momentos: a escolha, a designação e a
acolhida dos novos ministros em cada um dos graus. Entram em questão
quatro agentes: a comunidade, o bispo, o ordenando e o Espírito Santo.
Tal movimento tem a culminação na imposição das mãos acompanhada
da prece solene da Igreja reunida em oração. O gesto da imposição das
mãos – quirotonia – mereceu longo estudo para detectar-lhe o sentido
profundo de que o ministro é dado por Deus para agir na comunidade e
por meio da comunidade na comunhão entre as comunidades. Esse gesto significa transmissão de poder ou constituição em autoridade. A sua
força simbólica tem raízes antropológicas. Encontram-se ressonâncias
no Antigo Testamento e na tradição judaica. Faz-se presente no Novo
Testamento. De passagem, aborda-se tanto a ordenação sem imposição
das mãos como as suas variantes nas diversas liturgias. Termina esse tema
percorrendo brevemente a evolução de tal expressão significativa no rito
romano puro, no Pontifical Romano-Germânico (séc. X), nos pontificais
da Idade Média alta e tardia, e na reforma litúrgica do Vaticano II.
O texto da Tradição Apostólica, antigamente atribuída a Hipólito
de Roma, por causa de sua importância, mereceu consideração detalhada
no referente à ordenação episcopal. O texto do Testamento do Senhor,
datado provavelmente do séc. V, na Igreja da Síria, ofereceu o material
para a estrutura da ordenação presbiteral e diaconal. Quanto às preces da
ordenação, Taborda faz-lhe estudo pormenorizado em dois momentos.
Num primeiro, dedica-se a mostrar o dinamismo literário-teológico das
preces de aliança, gênero literário das anáforas ou orações eucarísticas
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e de outras preces de fundamental importância na celebração dos sacramentos. Tal movimento corresponde à dinâmica teológica da relação de
aliança entre Deus e a humanidade. Num segundo momento, a atenção
se volta para analisar as preces de ordenação na liturgia romana atual.
O livro termina com três anexos: a Prece de ordenação episcopal do
Sacramentário Veronense/Gelasiano, a Prece de ordenação presbiteral
do Sacramentário Veronense e a Prece de ordenação diaconal do Sacramentário Veronense.
Livro muito maduro, levado a cabo com extremo esmero. Revela
sólido conhecimento das fontes e uso de ampla bibliografia. Apesar
de ser alentado, apresenta, porém, sínteses bem elaboradas de pontos
importantes da teologia ministerial. Assim o leitor penetra no sentido
profundo do ministério ordenado na Igreja. O horizonte principal de
compreensão é a Igreja como sacramento maior da presença salvífica de
Jesus. Talvez tenham faltado um toque latinoamericano e certa referência
às situações gritantes de nossa realidade social e eclesial. Entende-se,
porém, tal reserva devido à opção do A. de pensar tal relação mais a
modo de provocação, de decorrência da Lex orandi e Lex credendi, de
onde surge uma Lex agendi libertadora. Fica para os leitores e estudiosos
o desafio de chegar até a esse nível que o livro provocou. Recomendo
a leitura aos ministros ordenados, àqueles que se preparam para tais
ministérios e ao fiel comum a fim de compreenderem melhor a vida da
Igreja. Superam-se preconceitos contra o ministério ordenado, criados,
bastas vezes, não por causa dele mesmo, mas devido a compreensões
limitadas e defeituosas do mesmo.
Endereço do Recensor:
Av. Dr. Cristiano Guimarães, 2127
Planalto
CEP 31720-300 Belo Horizonte, MG
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MOLTMANN, Jürgen. No fim, o início: breve tratado sobre a esperança. São Paulo: Loyola, 2007, 206 p.
Lucas Fernandes Bombazar*
NO FIM, O INÍCIO:
BREVE TRATADO SOBRE A ESPERANÇA
Quotidianamente ouvem-se inquietações, vindas de lugares e
pessoas mais diversas. Seja na família, no trabalho, nos hospitais, presídios ou nas comunidades eclesiais. Quantas são as dores apresentadas,
os medos e os desafios. Levando-se em consideração tamanha demanda
de “alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos homens de hoje” (Cf.
Gaudium et Spes n. 1), a presente obra do teólogo alemão Jürgen Moltmann: “No fim, o Início” é uma feliz oportunidade para mergulharmos
no contexto humano a partir da nossa fraqueza. Atingir a humanidade a
partir de seus porões. Ler “No fim, o Início” é partilhar a experiência de
alguém que fez teologia a partir da angustiosa realidade de um campo
de concentração. O livro não traz receitas prontas, mas uma importante
bagagem teológica para se entender a atualidade. Convive-se com perguntas que perpassam a pós-modernidade, tais quais: como ainda falar
do amor de Deus depois de atrocidades como a de Auschwitz? Ou dos
genocídios em massa de inocentes? Ou mesmo: qual o sentido da vida
humana? Por que existe o sofrimento?
Jürgen Moltmann, natural de Hamburgo (Alemanha), é teólogo
protestante, que em 1957 habilitou-se para a docência nas áreas de
Dogma e Teologia Sistemática. Lecionou Sistemática na Universidade
de Bonn. Em 1967, transferiu-se para a Universidade de Tübingen, onde
continuou a exercer a mesma função. Recebeu diversos prêmios; entre
outros, o prêmio Grawemeyer Award in Religion, da Universidade de
Louisville, Kentucky (EUA).
Em três brevíssimas páginas (pp. 49-51), J. Moltmann brilhantemente relata toda a sua vida. Três páginas que levam a mergulhar no
âmago de uma personalidade que sentiu na própria carne o total desprezo
* O autor é bacharel em Filosofia pela Faculdade Vicentina (Curitiba PR) e aluno do
sexto semestre do curso de Teologia do ITESC.
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humano. “Eu não sou apenas um teólogo que se ocupa cientificamente das
esperanças e das angústias das pessoas, sou também um sobrevivente de
Sodoma e Gomorra.” Uma dolorosa realidade. O autor fala da destruição
de sua cidade natal, Hamburgo, em julho de 1943. A Real Força Britânica
vinha noite após noite com mil bombardeiros sobre a cidade. “Naquelas
noites, 40 mil pessoas foram consumidas pelo fogo.” (p. 49)
Depois de tantas conquistas, descobertas e inovações, a humanidade
pós-moderna experimenta não só a luz da racionalidade, mas também a própria racionalidade enlouquecida. Exatamente nesses meandros frenéticos
em que mergulhou a modernidade e conseqüentemente a pós-modernidade,
é que encontramos pessoas como Jürgen Moltmann, tirando o extrato de
sua Teologia da Esperança e Teologia da Cruz; ou como Viktor Emil
Frankl, ‘um psicólogo nos campos de concentração’, com sua Logoterapia; ou mesmo Dietrich Bonhoeffer, no aspecto bíblico-exegético; Edith
Stein, com sua Ciência da Cruz, ou François Xavier Van Thuan, com a
espiritualidade da esperança. Enfim, são tantos os homens e as mulheres
que souberam encontrar nas catástrofes produzidas pela engenhosidade
humana o sentido e o conteúdo absoluto de suas vidas e obras.
O autor relata com minúcias a perda das pessoas queridas: “Mas
a bomba que estraçalhou o colega de classe que estava ao meu lado na
máquina de comando poupou-me de maneira inexplicável.” (p. 49) E
segue comentando as tantas mortes do campo de concentração de Neuengamme, em Hamburgo, como o da Bielo-Rússia durante a ditadura
nazista. Diante de tamanho sofrimento, a pergunta que o próprio autor
se faz: “Qual a impressão que a catástrofe causou naquele jovem de
17 anos? [...] naquela noite catastrófica, porém, pela primeira vez em
minha vida, clamei: Deus onde estás? Surgiu então a outra pergunta,
que me persegue por toda a vida: por que eu permaneci vivo e não morri
também como os outros?” (p. 50) A grande resposta que Moltmann encontrou não foi no clássico de Goethe ou na filosofia niilista de Nietzsche,
pensadores um tanto distantes de sua busca, como ele mesmo relata.
Mas a resposta estava no Evangelho de Marcos: “Chegando no grito de
morte de Jesus, ‘Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?’, tive a
profunda impressão: este é o único que me pode entender.”(p. 51) E foi
naquele campo de concentração escocês que o autor abraçou a fé cristã
e decidiu estudar teologia.
Diante do conhecido caos pós-moderno, duas atitudes movem as
pessoas: ou a apatia temerária, que só faz enxergar o fim imediato de
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tudo; ou a coragem destemida que as expande para frente, numa compreensão de que tudo está ainda no seu início. A propósito, assim dizia
o papa Bom, João XXIII: “Por que temer? Não estamos no começo do
fim. Estamos apenas no fim do começo!” E Moltmann: “A expectativa
cristã de futuro nada tem a ver com o fim; fim da vida, fim da história
ou com o fim do mundo, mas com o início: o início da verdadeira vida,
o início do reino de Deus e início da nova criação de todas as coisas em
sua forma definitiva.” (pp. 9-10) O próprio autor apresenta a presente
obra como: um breve tratado da esperança.
Esse “tratado sobre a esperança” é dividido em três grandes partes,
que correspondem aos três inícios de nossa vida: nascimento – renascimento – ressurreição. Na primeira parte, no capítulo primeiro (pp. 1532), a partir dos exemplos da infância e da juventude, que constituem o
início cronológico da vida humana, o autor vem mostrar a novidade que
acompanha uma criança que nasce. “Nasceu para nós um filho” (Cf. Is
9,5) “A cada criança nascida no mundo judeu, a mesma esperança: de
cada uma delas poderá nascer o Messias.”(p. 16) O autor apresenta o
nascimento de Jesus como a grande esperança que nos veio visitar. “O
grande domínio de Deus que tudo abarca começa com o domínio pacífico
de uma criança.” (p. 16) Na segunda parte deste capítulo introdutório (p.
p. 33-43), o capítulo segundo fala da juventude. Quais as possibilidades
do futuro dessa juventude? “Não estamos então em cada presente, pouco
importa o quanto sejamos jovens ou velhos, no limiar cronológico desse
futuro, e as possibilidades de futuro que percebemos e realizamos na
expectativa e na esperança não nos tornam qualitativamente ‘jovens’,
pouco importando o quanto sejamos jovens ou velhos em anos? Com o
tempo envelhecemos, é verdade, mas podemos tornar-nos jovens com o
futuro, se aceitamos os desafios.” (p. 33) Podemos resumir toda essa primeira parte numa máxima: O novo traz consigo um início fascinante.
A segunda grande parte se subdivide em quatro capítulos (pp. 47120). Nesse ponto do livro, o autor trabalha com categorias escatológicas
de cada momento histórico. Ou seja, da história das catástrofes e dos
novos inícios delas originados. Em cada novo fim, um novo início. O
autor faz também um paralelo entre as catástrofes bíblicas, como as do
dilúvio até os horrores apocalípticos com as catástrofes atuais. Apresenta
assim a fé justificadora como um ânimo para o novo início e o renascimento para a esperança.
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Moltmann segue apresentando quatro grandes catástrofes da
humanidade, relacionadas com o novo início delas emergido. O dilúvio.
A destruição da terra pelas águas está presente nas sagas de muitos povos.
Mas, a figura do dilúvio é provocativa e suscita muitos questionamentos.
“Segundo uma interpretação judaica, isso quer dizer: Por que, afinal,
Ele criou os seres humanos, já que devia saber que eles o enganariam?
A resposta da história do dilúvio é: Ele se enganou e volta atrás com a
criação dos seres humanos. [...] Enquanto Deus castiga o delito humano,
ele ainda se interessa pelo ser humano e ainda crê em sua capacidade
de tornar-se melhor. [...] ‘Ele se arrependeu de ter criado o ser humano’. Nessa breve frase está contida a teologia mais impressionante que
se pode imaginar.” (p. 56) O autor segue apresentando a delicadeza do
problema que está por detrás do dilúvio. A salvação do grupo de Noé, a
volta da vida sobre a terra, a nova criação, tudo isso revela a paciência
de Deus, permitindo que a vida volte com o vigor de antes, mesmo com
todas as contradições.
A segunda catástrofe apresentada pelo autor: a catástrofe de Israel e o início do Judaísmo. “Inicialmente, essa catástrofe de Israel é
denominada Korban, destruição, mais tarde, arrasamento de Jerusalém
pelos romanos em 70 d. C. e, por fim, Auschwitz.” (p. 58) Houve, ao que
afirma o autor, a in-habitação de Deus, visibilizada no símbolo da Arca
da Aliança. Depois, Salomão constrói o Templo e, a partir de então, Deus
habitava no lugar conhecido como Santo dos Santos. E a pergunta do
autor: “Mas o que ocorreu com essa in-habitação de Deus, denominada
Shekinah, no momento em que o Templo foi reduzido a chamas? Teria
ela retornado a Deus no céu? Ou Deus ‘permaneceu habitando em meio
aos israelitas’, acompanhando o povo para o cativeiro?” (p. 59) Depois
dessa catástrofe, após esse fim surge uma nova compreensão teológica da
ação salvífica de Deus: “Por meio de sua Shekinah, o Deus eterno e sem
fim se tornou companheiro de caminhada e de sofrimento, perseguido
e sofredor junto com seu povo disperso.” (p. 61) Nessa perspectiva,
pode-se lembrar a resposta popular dada nas celebrações eucarísticas
brasileiras: “O Senhor esteja convosco! Ele está no meio de nós!” A
propósito, eis o que exclama Noemi, convicta e confiante, diante de suas
duas noras: “o Senhor tinha visitado o seu povo e lhe tinha dado pão.”
(Cf. Rute 1,6) Deus está com seu povo. E Deus veio visitar e armar sua
tenda junto de seu povo.
A terceira catástrofe: do Gólgota ao início do Cristianismo. O
próprio cristianismo resultou de uma crise, ou de uma aparente derrota:
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a crucifixão do messias Jesus no Gólgota. “Deus não mais espera, Deus
vem ao encontro do ser humano.” (p. 62) O Filho de Deus morre na cruz
romana no maior abandono de seu Pai: “Deus meu Deus meu, porque
me abandonaste?” (cf. Mc 15,35) Mas esse aparente fim deu início a um
verdadeiro começo, a nova criação de Deus instaura na Ressurreição de
Jesus Cristo. “Com a ressurreição de Cristo da catástrofe do Gólgota,
já se deu o novo início, um início que não mais passará, porque surgiu
da superação da transitoriedade.” (p. p. 66-67) A fé na ressurreição
atacou os poderosos dominadores deste mundo.
A quarta catástrofe: a atual destruição catastrófica do mundo
moderno. Nessa análise, Moltmann faz um paralelo entre as destruições
‘apocalípticas’ produzidas pelo capricho humano e os apocalipses bíblicos. “Os apocalipses bíblicos não são cenários pessimistas de catástrofes
mundiais que apenas espalham medo e terror, com a intenção de paralisar
as pessoas mediante a adequada crença na fatalidade. São mensagens
da esperança no perigo, que deve ser atentamente encarado e ao qual
se deve opor resistência. Eles mantêm viva a confiança em Deus[...]. Os
apocalipses bíblicos e as teologias da catástrofe nada tem a ver com as
modernas fantasias do fim do mundo.” (p.70) O que acontece atualmente
é o denominado ‘apocalypse now’ que designa as catástrofes causadas
pela humanidade: a repentina possibilidade da catástrofe atômica e
ecológica; suicídios em massa de adeptos de seitas por vários países;
o 11 de Setembro de 2001 no World Trade Center e no Pentágono em
Washington; terrorismos de todas as naturezas e genocídios camuflados.
Isso leva o autor a concluir que a humanidade, diante de tais catástrofes
produzidas pela perversidade humana e não por Deus, revela um clima
de tempos finais sem esperança.
Segue o capítulo II – Um capítulo inteiro dedicado a um tema
muito comum para o cristianismo, a oração que acompanha os cristãos
desde suas primeiras comunidades, a súplica do “Livrai-nos do mal”.
A justiça de Deus e o renascimento da vida. Pedimos sempre a Deus
que nos livre dos males que quase sempre nós mesmos causamos e que
conseqüentemente nos oprimem. “‘Livrai-nos do mal’. Nas experiências
dessa libertação do mal reconhecemos a bondade criadora de Deus.”
(p. 71) A justiça de Deus torna a pessoa humana livre e inteira para um
novo início. O autor continua a reflexão equiparando dois atos constantes
do crente, o pedido do “perdoai a nossa culpa” e o “livrai-nos do mal”,
mostrando que a libertação dos males abarca até o perdão dos pecados.
Dois gritos são apresentados, “o clamor por justiça e por Deus, o qual,
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contudo, não se origina apenas das experiências de sofrimento dos
grandes crimes contemporâneos contra a humanidade, mas também
das experiências cotidianas de estar pessoalmente à mercê do acaso e
do destino, da enfermidade e do acidente.”(p. 75) O segundo grito trata
daquela voz que vem dos agentes da injustiça. “Também eles tornamse vítimas do mal, mas de maneira diversa das vítimas sofredoras; eles
se tornam servos ativos do mal e, com isso, culpados.” (p. 76) Deus se
solidariza com os que sofrem. Onde se materializa essa solidariedade?
Está no delicado fato de “tudo o que é feito aos pobres e indefesos, indiretamente também é feito a Ele.” (p. 82) Tratamos a respeito não de
um ídolo que necessita da constante visita dos seus súditos, mas de um
Deus vivente que vem ao encontro dos seus, solidarizando-se através de
sua Shekinah. Um Deus visitador: “Um grande profeta surgiu entre nós
e Deus visitou o seu povo.” (cf. Lucas 7,16)
“‘Somente um Deus sofredor pode ajudar’, escreveu Dietrich
Bonhoeffer na prisão da Gestapo. Um Deus que essencialmente fosse
incapaz de sofrer também seria incapaz de sofrer com outrem e incapaz
de ter compaixão. O Deus ‘impassibilis’ é um Deus sem coração e sem
misericórdia, uma fria potência celeste” (p. 91) É fadada ao fracasso
uma religião que não se serve dessa categoria teológica. Diante de uma
realidade tão liquefeita como a atual, a solidez da compreensão de um
Deus sofredor junto aos sofredores se faz indispensável. Assim, em Jesus
Cristo se revela a imagem do Pai, e nas palavras e ações do Filho as do Pai
estão presentes. “Assim como Jesus age, Deus também age; assim como
Jesus sofre, Deus também sofre; assim como Jesus vive, Deus também
vive, como está resumido na afirmação de Jesus a respeito de si próprio
no Evangelho de João: ‘Eu estou no Pai e o Pai está em mim’ (Jo 14,
9.11).” (p. 83) A despedida de Cristo em sua morte se transformou em
novo e eterno início em sua ressurreição.
Segue, nos últimos capítulos da segunda parte, a temática da espiritualidade que contém a esperança cristã. Diante de tal proposta, dentro da
sumária e possível falta de esperança, surgem dois significativos problemas: a presunção e o desespero. “Na presunção, nós mesmos assumimos
a realização da esperança, não mais esperando em Deus. No desespero,
duvidamos de qualquer realização, destruindo em nós a esperança.” (p.
119) Conclui o autor com uma bela definição dessa esperança que nada
tem a ver com estagnação: “Se tivéssemos ante os olhos apenas o que
vemos, nós aceitaríamos as coisas como são, de bom ou mau grado. Mas
o fato de não aceitarmos que entre nós e a realidade não há nenhuma
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harmonia, nem cordial nem teimosa, é obra da inextinguível esperança
por uma vida plena. Ela nos mantém nessa atitude sem reconciliação
até a chegada do grande dia de Deus. Ela nos mantém em movimento e
a caminho. Ela nos enche dessa abertura para o mundo.” (p. 120)
Na terceira grande parte, subdividida em quatro capítulos, o autor
parece suplicar: “Ó início sem fim...”(pp.123-202) “Esse título provém
do antigo hino religioso ‘O Ewigkeit, du Donnerwor’ de Johan Rist, e
define paradoxalmente a eternidade como ‘tempo sem tempo’.” (p. 124)
Neste ponto da obra, o autor passa a tratar das realidades últimas. Com a
pergunta inquietante: existe vida após a morte? O que esperamos? O que
nos espera? Ao adentrar na última parte de seu tratado sobre a esperança,
Moltmann nos faz mergulhar no misterioso campo da morte/ressurreição.
É fascinante a forma como o autor trata de temas tão delicados, que vão
desde as noções de céu; paraíso; inferno e purgatório. Por ser protestante
e pensar um pouco diferente dos católicos, ele sabe expor as doutrinas
sem ser taxativo ou condenativo. Mas, sobretudo, ele sabe brilhantemente
conduzir o leitor num excelente caminho de reflexão.
“Para onde, portanto, vamos nós? O que nos espera?” (p.125)
Vive-se a todo momento em meio a sofrimentos. Há sofrimentos exteriores que tornam a vida inaceitável, tais como a rejeição, o desemprego,
as enfermidades. Há também sofrimentos interiores. Não somos um
dualismo entre corpo e alma, somos inteiros. “O que poderia então significar para nós uma vida após a morte, se antes da morte não houvesse
uma vida plena, à qual nós dizemos sim?” (p. 126) Essa inteireza nos
acompanhará até o dia em que todas as coisas serão “recapituladas em
Cristo” (cf. Ef 1,10) A vida plena e abundante que desejamos no além
morte, é a que por direito e justiça deve estar acontecendo desde agora,
em vida e “vida abundante” (cf. Jo 10,10).
Fomos projetados de dentro de Deus para sermos vivos. “Por essa
razão, pretendo entender a ‘alma de nossa vida’ diversamente do que
entendia Platão: a vida humana é totalmente viva. E vitalidade humana
significa ter interesse pela vida, participar, compartilhar-se e dizer sim
à própria vida.” (p. 130) Se não há ruptura nem distâncias inacessíveis
entre esta vida e a futura, logo essa vida deve estar imbuída de abundância
e não fadada ao esquecimento, desprezo ou até a vontade de eliminá-la.
É muito interessante a insistência do autor em mostrar essa unidade,
essa completude de que é constituída a vida humana. “Certamente não
sua alma sem corpo, nem seu corpo sem alma, e sim a sua vida como
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um todo, no espaço e no tempo, toda a história de sua vida.” (p. 132)
E assim Moltmann conclui a terceira parte de sua obra, no resgate do
verdadeiro sentido da vida eterna. Eternidade essa que não se desvincula
da realidade, mas que é continuidade dessa mesma vida de agora. Foi o
que afirmou categoricamente Dietrich Bonhoeffer, teólogo da resistência
aos sistemas totalitários: “Somente pode crer no Reino de Deus quem
ama simultaneamente a terra e Deus.” (p. 197)
O autor termina, conceituando a modalidade vida eterna relacionando-a com a fidelidade histórica de Deus; a ressurreição de Cristo e
a experiência do Espírito Santo como as bases para a expectativa no
futuro mundo novo. Conclui-se o Tratado da Esperança assimilando-se
a transformação que sofreu Moltmann a partir da catástrofe atroz dos
campos de concentração. Dessa tragédia nasceu a teologia da Esperança
e a certeza de que o Deus Todo Poderoso, capaz de encher mil mundos
dos nossos com sua presença, foi capaz de “ver, ouvir, conhecer e descer
para libertar seu povo” (Cf. Ex 3,7).
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EBEJER, Walter Michael, Dom, O. P. A teoria platônica das formas: com especial referência a sua cosmologia no Timeu. União
da Vitória: UNIUV, 2010, 355 pp.
Armando Rafael Castro Acquaroli*
João Paulo II, em sua encíclica Fides et ratio, utilizou uma poética
frase para apresentar a relação entre filosofia e teologia, afirmando que fé
e razão são como que duas asas pelas quais o ser humano se eleva para
contemplar a verdade. De fato, é inegável o quanto ambas se interpenetram
ao longo da história, porém sem se confundir. Por isso, para que haja uma
correta teologia, é mister que esteja solidamente fundado na filosofia.
Nesse sentido, a compreensão do pensamento de Platão é um
importante adminículo para perquirir a teologia, sobretudo ocidental,
bastante influenciada por Agostinho, reconhecido neo-platônico. Por isso,
uma nova visão da teoria das formas, conforme a obra de Ebejer, implica
também nova perspectiva cosmológica, antropológica e teológica. Por
conseguinte, o livro ora recensionado é uma preciosa contribuição para
o aprofundamento da Sacra Doctrina.
O autor nasceu em 1929, em Dingli, ilha de Malta. Estudou como
frade dominicano na Inglaterra. Em 1956 obteve, em sua terra natal, o título
de Lente em Filosofia e Teologia, pelo Studium Generale. Tendo em vista
obter um doutorado em Roma, elaborou a tese “Plato´s Theory of Forms,
with special references to his Cosmology in the Timaeus”, a qual, porém,
nunca foi defendida. Trabalhou como missionário em várias regiões do
Brasil e, em 1976, tornou-se bispo de União da Vitória-PR. Nesse período,
lecionou no Studium Theologicum e na PUC, ambos em Curitiba. Atualmente, D. Walter é reitor do seminário diocesano de União da Vitória, e
membro fundador da Academia de Letras do Vale do Iguaçu.
Uma excelente apresentação do surgimento da filosofia começa
o livro. Parte do período axial grego, passando para sua conservação e
divulgação nos ambientes cristãos, judeus e muçulmanos. Em seguida,
mostra os conflitos das três grandes religiões monoteístas, que se refletiam nas filosofias adotadas como fundamento de suas teorias, a saber,
*
168
O recensor é aluno do 6º semestre de Teologia do ITESC.
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aristotélica ou platônica. Desse modo, em meio às intempéries históricas, as duas grandes escolas gregas perduraram ao longo dos séculos e
chegaram até nós, por vezes, de modo deturpado.
No primeiro capítulo (p. 35-42), Ebejer discorre sobre o conceito
de Ideia, (Idea, eidos, génos) usado por Platão, que é aplicável a três
aspectos da teoria. O primeiro, ontologicamente, isto é, a forma é verdadeiramente ser. O segundo, teleologicamente, de modo que as Ideias
são modelos aos quais todo devir se conforma. Terceiro, logicamente,
como estruturação da ordem do universo. Acentua, porém, que são três
aspectos inseparáveis. Conclui apontando que o problema daí decorrente
é a falta de uma causalidade eficiente.
O capítulo segundo (p. 43-48) mostra a dificuldade de interpretar
Platão, haja vista sua escrita dialogal, não sistemática e feita nos mais
variados contextos. Somente a partir do Teeteto e do Parmênides aparece
um Platão menos vinculado ao seu mestre Sócrates e tentando provar
suas próprias teses. Além disso, traz à tona as polêmicas questões das
doutrinas não-escritas e a confiabilidade da crítica aristotélica.
Nos capítulos terceiro e quarto (51-70), Ebejer tematiza alguns
aspectos da Ideia. Para ele, o que deve ser definido, conforme o escrito
Hipias Maior, é a própria beleza (auto to kalón) e não as suas realizações
particulares. Para ascender a tal beleza, conforme escrito em Simpósio,
galga-se desde a beleza da terra, elevando-se em direção às práticas louváveis, i.e., virtudes, até os conceitos belos (leis, instituições, ciência) e,
enfim, à Beleza Absoluta. Com essas definições introdutórias, parte para
a análise dos livros de Platão.
O capítulo quinto (p. 71-102) trata da formulação da teoria das
formas no Fédon. Apresenta o argumento da igualdade. Assim, ao enxergarmos pauzinhos, pedras... iguais, nós admitimos que existe uma
igualdade absoluta. Mas Sócrates alerta que o que parece igual para
um pode não sê-lo para outro. O fundamento dessa asserção é o devir
heracliteano. Então, Platão introduz um novo elemento à teoria, a saber, a desigualdade. Em outros termos, se somos cônscios do que falta
a algum objeto para que ele se torne perfeito, é porque já temos uma
noção prévia de perfeição, à qual ele chama de Forma. Destarte, Platão
prova sua teoria.
No capítulo sexto (p.103-149), Ebejer perquire a República. Nela,
os argumentos utilizados para legitimar o dualismo são falazes e não perEncontros Teológicos nº 60
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tencem propriamente a Platão, mas a Heráclito, de cujo legado o primeiro
se serve. Analisa o texto da linha seccionada, na qual apresentam-se a
Ordem Visível e a Ordem inteligível das coisas. Na primeira seção, da
ordem visível, estão inclusos os objetos com suas imagens, sombras,
reflexos, e tudo que é imaginável (por ele chamado de eikasía). Na
segunda, está todo o mundo físico que nos é conhecido. No que tange
à ordem invisível, a mente começa analisando os objetos físicos para,
em seguida, elevar-se às realidades mais elevadas, ou Formas. Por isso,
conclui-se que o mundo sensível participa da natureza racional da Forma do Bem e, outrossim, das perfeições de suas formas subordinadas,
determinando o status existencial da realidade física. Isso significa,
portanto, que Platão jamais intentou construir um sistema dualista entre
pensamento e realidade.
No capítulo sétimo (p. 153-158), o autor aborda o Fedro, no qual
foca-se o mito da carruagem com os cavalos alados: um, “mundano”,
que conduz para baixo, isto é, para os sentidos e paixões; e outro, divino,
que tende para o alto, o belo. Além disso, introduz-se um novo aspecto
do método da dialética, a saber, a diairesis, em que se parte das ideias
universais em direção às específicas. Desse modo, Platão demonstra
grande interesse pela hierarquia das formas.
O capítulo oitavo (p. 161-186) é focado no Parmênides, em que
Platão se defronta com o problema eleático do monismo absoluto. Discorda de que “todo ser é um”, mas povoa o Um com um mundo inteiro
de formas cujas múltiplas relações hierárquicas possibilitam o discurso
humano e a sabedoria. Platão critica as antinomias de Zenão, afirmando
a absurdidade de sua conclusão, na qual havia posições contraditórias,
por exemplo, como o similar podia ser também dissimilar, muitos e
um... Tal problema é fundamental para o amadurecimento de sua teoria
das formas, visto que, com o conceito de participação, o qual expressa a
relação entre o mundo sensível e o inteligível, é solucionada a questão
do ser que não pode não ser.
No Capítulo nono (p. 187-194), Ebejer aborda o Teeteto. Como
característica do platonismo, Platão fala da teoria da percepção sensorial.
Nela, o universo está em estado de moção e nada mais. Assim, há dois
tipos de moção, uma que tem o poder de agir e a outra, que sofre a ação.
No entanto, tal processo diverge de Heráclito no fato de que podemos
nomear cada momento da percepção sensitiva, de modo que não há um
puro devir. Para Ebejer, esse é um salto na teoria de Platão.
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O capítulo décimo (p. 195-237) divide-se em duas grandes partes,
que tratam de dois livros: O Sofista e O político. No primeiro, o acento
está na discussão com Parmênides, para o qual só existe o Ser, o qual é
imutável. Assim, toda a realidade sensível, que é tida como enganosa,
pertence à esfera do não-ser. Platão propõe que as coisas reais são nada
mais que potência (dynamis), isto é, têm uma propriedade que manifesta
a natureza misteriosa de algo. Dessa forma, atribui ao vir-a-ser o marco
da realidade. E conclui: somente as coisas reais mudam.
Na segunda parte do capítulo, aborda-se O Político. Neste, o
conhecimento das formas muda em relação à República, em que a ascensão até a Forma é mais elevada. Aqui, o conhecimento das formas e o
discurso filosófico dependem do método prático e realizável da Divisão,
tendo como escopo a definição de cada forma, para enxergar todas as
suas relações. Assim, Platão assume uma atitude mais realística, para
alcançar o verdadeiro conhecimento.
No capítulo onze (p. 241-250), Ebejer discute o Filebo, em que
aparece o problema de as Formas serem chamadas Unidades. A grande questão é como tal unidade pode ser, ao mesmo tempo, concebida
como multiplicidade nos seus inúmeros particulares. É aqui que Platão
apresenta as quatro categorias para a composição das formas: Infinito
(to apeíron), Limite (peras), mistura desses dois elementos, e ‘causa’
que faz combinar tais elementos.
O capítulo doze (p. 252-294) é a primeira das três partes que estudam o Timeu, centro da tese de Ebejer. Ocupa-se da razão e sua influência
no trabalho da criação. Há uma corrente de pensadores que fundem o
Demiurgo (plasmador do universo) e a Alma mundial (responsável pelo
movimento). Esses seguem a vertente aristotélico-tomista, segundo
a qual Deus é a causa primeira do movimento e também o criador de
tudo. No entanto, uma creatio ex nihilo et subjecti é incompatível com
a mentalidade grega pré-cristã. Por isso, o autor conclui que o demiurgo
e a alma mundial são bem distintos, de sorte que não podem ser considerados uma realidade só.
O capítulo treze (p. 295-302) é a segunda parte da abordagem
do Timeu. O discurso traz à tona um estudo dos fatores irracionais que
ocorreram para a geração do universo, a chamada “causa errante”. Para
entendê-la, é mister ter em mente que os quatro elementos (terra, ar, fogo
e água) são acessórios dos quais a razão se utiliza para criar. No entanto,
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dada a sua imperfeição, a razão não atinge aquilo que idealizou. Essa é
a necessidade (anagke) ou causa errante.
O capítulo quatorze (p. 303-344) analisa a terceira parte do Timeu.
Aí Platão encontra um terceiro elemento necessário para complementar
sua doutrina ontológica, composta de Ser e Devir. É o receptáculo (hipodoché), o qual deve ser considerado entitativamente, como substância
em si. Ora, o receptáculo é aquilo em que as qualidades vêm a ser e não
aquilo de que as coisas são feitas. Por isso, ainda fica a questão acerca
da substancialidade dos objetos físicos, que somente Aristóteles tentará
resolver com seu hilemorfismo.
No capítulo quinze (p. 345-346), Ebejer trata do problema do mal
e suas fontes em As leis. Com o propósito de eximir da culpa do mal a
alma do mundo, Platão transfere tal responsabilidade à Alma má. É o
contrário do que acontece no Timeu, para o qual a explicação para o mal
reside na causa errante, que é cega e irracional. No entanto, a atribuição
dessa alma má não foi suficientemente delineada por Platão.
No capítulo dezesseis (p. 347-350), o autor apresenta algumas
considerações finais. Afirma que a obra de Platão não se esgota nos livros
analisados, e que ainda há muito a ser estudado em toda a filosofia, a qual
ele define belamente como uma “sinfonia inacabada”. Por fim, deixa uma
crítica às novas gerações de filósofos, cujos interesses hodiernos centramse mais na filosofia analítica e da linguagem do que na filosofia do Ser.
Para ele, a ordem é inversa, dado que o Homo Sapiens primeiramente
existe e vive, somente depois começa a se comunicar.
Tendo em vista a pertinência do tema, sobretudo nos últimos cem
anos, em que a pesquisa de Platão tomou outro rumo, este trabalho é uma
grande contribuição para a filosofia. Considere-se também que esta é uma
tese elaborada na década de 1950, antes da monumental obra de Giovanni
Reale (Per una nuova interpretazione di Platone, Milano, 1991), que
hoje é a grande referência para tal estudo. Por conseguinte, a nova visão
da cosmologia, e até mesmo da cosmogonia, alarga um pouco mais o
conhecimento desse grande sábio da antiguidade clássica.
Como o próprio autor alertara no início, seu objetivo foi escrever
um livro para estudantes com um mínimo de iniciação nos conceitos
filosóficos. Assim, para quem não domina tal vocabulário, aliado ao
conhecimento de grego e latim básicos, a obra torna-se de difícil compreensão. E esse é seu maior problema, justamente a dificuldade de estender
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o conhecimento de tão rica sabedoria aos que não tiveram o privilégio
de estudar “a arte do bem pensar”, conforme Pascal.
Apesar disso, os poucos eruditos que conseguirem beber desta
fonte de riqueza intelectual, não passarão sede, haja vista sua clareza
metodológica e beleza de conteúdo. Não se pode exigir que tal produção
tenha necessariamente referência com a realidade de modo direto, haja
vista seu caráter eminentemente teórico-conceitual. O autor acerta em
oferecer-nos um novo modo de ler Platão, o que redunda na revisão de
nossos pressupostos teológicos, sobretudo no que tange ao dualismo
antropológico e cosmológico.
Atinente à tradução, como foi efetuada pelo próprio autor, recebemos um grande presente, visto que o risco de traição na passagem
do inglês para o português tornou-se menor. Entrementes, faltou uma
revisão um pouco mais acurada, mormente nos acentos de paroxítonas
e proparoxítonas, frequentemente omitidos de modo equivocado. Fica
ainda uma sugestão de tradução do termo grego Symposion: não o literal
“Simpósio”, como o faz Ebejer, mas a expressão comumente utilizada
Banquete, a qual é mais acessível ao leitor com menos conhecimento de
grego. Além disso, o vocábulo Demiourgós, definido como Alma melhor,
poderia ser mais precisamente traduzido como artífice (cf. REALE, op.
cit., p. 393). Afirmo-o, embora tenha consciência de que a tradução é
uma opção metodológica, não exclusiva.
Endereço do Recensor:
Dep. Antônio E. Vieira, 1524
Pantanal
88040-970 Florianópolis, SC
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Crônicas
Notícias da CNBB Regional Sul IV – SC
Conselho Regional de Pastoral assume abaixo-assinado contra novo
Código Florestal
A segunda reunião ordinária do CRP, neste ano, realizou-se em
Itá, diocese de Chapecó, nos dias 14 e 15-7. Foi a primeira reunião sob a
presidência de dom Wilson Tadeu Jönck, Bispo de Tubarão, que sucedeu
a dom Murilo Krieger como presidente do Regional Sul 4, e a última,
sob a coordenação do Padre Francisco Wloch, que, a partir de agosto,
assumiu o cargo de subsecretário Adjunto de Pastoral na CNBB Nacional.
Ainda nessa ocasião, o Regional assumiu o compromisso de articular a
coleta de assinaturas em protesto e com o intuito de aperfeiçoar aspectos
do Novo Código Florestal, em tramitação no Senado.
Posse de leigo como secretário executivo da CNBB Regional Sul 4 é
fato inédito
A troca oficial de secretário executivo da CNBB Regional Sul 4
(Santa Catarina) aconteceu em uma missa realizada na sede da entidade
na segunda-feira, 15-8. Ademir Freitas, de Tubarão, leigo ligado à Ordem
Franciscana Secular (OFS), substitui padre Francisco de Assis Wloch.
Esta é a primeira vez que um leigo assume efetivamente a função. O
fato foi destacado pelo presidente do regional, dom Wilson Tadeu Jönck: Ademir começa algo novo na Igreja em Santa Catarina. Sinal da
maturidade do nosso laicato.
22ª Romaria da Terra e da Água reúne o povo em memória e oração
Neste ano, no dia 11-9, a 22ª Romaria da Terra e da Água reuniu
em Irani, meio oeste catarinense, cerca de 8 mil pessoas. O evento é
promovido a cada dois anos pelas Pastorais Sociais do Regional Sul 4 da
CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Tendas foram montadas pelos movimentos, organismos e pastorais do Regional, cada qual
dando o sentido e a visibilidade do trabalho desempenhado no Estado,
na perspectiva da construção do Reino de Deus. Água e comida foram
partilhados gratuitamente. Após o plantio da cruz de cedro, símbolo das
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Crônicas
romarias, as caravanas retornaram a suas cidades, enquanto a fé e a terra
se encarregam de fazer o cedro brotar.
Setor Juventude da CNBB Regional Sul 4 reúne-se pela primeira vez
e define ações
O Setor Juventude da CNBB Regional Sul 4 (Santa Catarina)
reuniu-se em 10-10 pela primeira vez, para esboçar a organização que
terá para os próximos anos. A reunião aconteceu em Florianópolis com
42 pessoas representando 12 expressões eclesiais da juventude no âmbito
regional e diocesano. Dom Wilson Tadeu Jönck, que é bispo referencial
da Juventude no regional, designou a secretaria da Pastoral da Juventude,
hoje ocupada por Rodrigo da Silva, para coordenar o setor. O presbítero
referencial é Pe. Alceoni Berkenbrock, pároco em Garopaba. Com os
três, trabalhará uma comissão de quatro jovens que representam as novas comunidades, movimentos, congregações e pastorais. O objetivo é
preparar a visita da comissão episcopal da Juventude.
Projetos da CNBB Sul 4 são aprovados para 2012
Os projetos para 2012 foram aprovados durante a reunião do
Conselho Regional de Pastoral (CRP) em Lages, nos dias 17 e 18-11.
Eles estão relacionados às três prioridades aprovadas na 44ª Assembleia
Regional de Pastoral realizada em setembro: juventude, família e pastorais sociais. Os projetos relacionados com a juventude envolvem a
organização do Setor Juventude no Regional Sul 4, o fortalecimento das
Pastorais da Juventude, Formação integral da juventude ä luz do doc. 85
da CNBB, sobre a evangelização da juventude.
Outra prioridade, a família, tem como projetos previstos: investimento na formação e preparação de agentes da Pastoral Familiar,
implantação e ou fortalecimento da Pastoral Familiar no Regional e nas
dioceses, organização do Setor Vida e Família no Regional, integrando
as pastorais e movimentos.
A Celebração dos 100 anos do Contestado é um dos projetos das
Pastorais Sociais. Outros dois projetos se referem à organização e fortalecimento do Fórum das Pastorais Sociais, e à realização da 5ª. Semana
Social Brasileira no Regional.
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Crônicas
CNBB Regional Sul 4 realiza seminário para nortear ações da CF
em 2012
Em preparação para a Campanha da Fraternidade 2012, cujo tema é
“Fraternidade e saúde pública”, a CNBB Regional Sul 4 (Santa Catarina)
realizou em Lages, de 7 a 9-10, um seminário regional, com objetivo
de apresentar e debater o tema para agentes de pastoral, conselheiros e
gestores em saúde. Participaram 72 pessoas. Os Conselhos de Saúde
também entraram na pauta, e terão destaque na campanha. O objetivo é
divulgar a importância do controle social do SUS e fortalecer a atuação
dos conselheiros que representam os usuários.
Florianópolis tem novo Arcebispo
No dia 15-11, feriado nacional, em solenidade realizada no amplo
Ginásio de esportes do Colégio Catarinense, em Florianópolis, Dom
Wilson Tadeu Jönck deu início à sua missão pastoral como Arcebispo
Metropolitano. Nomeado pelo Papa Bento XVI no dia 28-09, após pouco
mais de um ano como Bispo diocesano de Tubarão, Dom Wilson sucede
a Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, transferido no dia 12-01 para
Salvador, a Sé primaz do Brasil. Além da participação de mais de três
mil fiéis da Arquidiocese, e de grande número de presbíteros e diáconos
permanentes, o evento contou com a presença de 19 Bispos, entre os
quais, os dois antecessores de Dom Wilson na Arquidiocese: o Cardeal
Dom Eusébio Scheid (1991-2001) e o Arcebispo Dom Murilo Krieger
(2002-2011). Antes de celebração eucarística procedeu-se ao rito da
posse, presidido pelo Núncio Apostólico, Dom Lorenzo Baldisseri.
Dom Wilson é catarinense de Vidal Ramos, no Vale do Itajaí, nascido a 10-07-1951. Cursou Teologia no Instituto Teológico de sua Congregação, os Padres Dehonianos, em Taubaté, SP, tendo sido ordenado
presbítero em 17-12-1977. Em estudos ulteriores, formou-se em Educação, em Varginha, MG, e em Psicologia, na Universidade Gregoriana, em
Roma. Após vários encargos pastorais, vários deles ligados à formação
presbiteral, Dom Wilson foi nomeado Bispo Auxiliar da arquidiocese
do Rio de Janeiro, em 11-06-2003 e, em 26-05-2010, nomeado Bispo
de Tubarão, SC. Em maio deste ano, ainda como Bispo de Tubarão, foi
eleito Presidente do Regional Sul IV da CNBB-SC.
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Crônicas
Semana Teológica 2011
“Comunicação: teologia e pastoral” foi o tema que norteou a Semana Teológica nos dias 26 a 30 de setembro de 2011, no Instituto Teológico
de Santa Catarina – ITESC. Contou com a assessoria de Pe. Dr. Pedro
Gilberto Gomes, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade
de São Paulo. Pe. Pedro é atuante principalmente nos seguintes temas:
comunicação cristã, ética e comunicação, cultura e mídia. Exerce o cargo
de Pró-Reitor Acadêmico da Unisinos e é Diretor da Editora da mesma
Universidade. É membro da Equipe de Reflexão de Comunicação da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
A Semana foi marcada, durante os cinco dias, por conferências,
oficinas de comunicação e um cinefórum. Foi coordenada pelo Pe. Dr.
Domingos Nandi, nosso Professor de Comunicação e Homilética,
A Conferência de abertura, na manhã de segunda-feira, foi sobre
“O fenômeno comunicacional na atualidade” com Dr. Fausto Neto,
pesquisador do CNPq; membro do Comitê Científico do CNPq (área
de comunicação); professor titular da UNISINOS; co-fundador da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação
– Compós. No mesmo dia, à noite, houve a conferência sobre “Teologia
da Comunicação”. Na terça, também à noite, a conferência foi sobre “Da
sociedade dos mídias à midiatização da sociedade”. O período noturno
da quarta-feira foi reservado para o Cinefórum, sobre o filme “Homens
e Deuses”, do diretor francês Xavier Beauvois. Quinta-feira foi a vez
da conferência sobre “Internet e espiritualidade”. O encerramento da
Semana foi com uma conferência sobre “O pensamento das Igrejas
sobre a comunicação”. Todas essas conferências foram proferidas pelo
assessor.
Uma das novidades da Semana Teológica foram as oficinas de
comunicação: Fonoaudiologia, fotografia, mídias sociais, blog, texto
jornalístico e comunicação pedagógica.
A oficina de “Mídias Sociais” foi orientada por Fabíola Goulart,
da Agência Dominus. Fabíola é jornalista e atua na área do Jornalismo
religioso. Essa oficina teve por objetivo fazer conhecer como funcionam
as redes sociais para saber como utilizá-las de forma mais eficiente. Conhecer bem o que cada mídia social faz, segundo Fabíola, é importante
para saber utilizá-las de acordo com o conteúdo que temos e o público
que queremos atingir, qualificando assim as postagens em vista da
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evangelização. Essa oficina ofereceu uma visão geral da rede e algumas
estratégias para que os participantes possam dela bem desfrutar.
A oficina de “Blogs” foi orientada por Felipe dos Santos. Felipe,
entre outras atividades, ministra oficinas de Blog em vários Estados
brasileiros, pela Pascom Nacional da CNBB. Essa Oficina ofereceu
orientações sobre: hospedagem, endereço, layout, conteúdo, texto e
imagem. E ainda: exercícios práticos e dicas concretas que animaram
os participantes para a criação ou revitalização de blogs.
A oficina de “Iniciação Fotográfica” foi orientada por Virginia
Yunes, fotógrafa de renome internacional. Entre suas premiações está a
da XI Bienal Brasileira de Arte Fotográfica. A Semana Teológica contou
com uma mostra de sua arte. Nessa oficina, os participantes puderam
conhecer melhor suas máquinas e o seu funcionamento básico, explorando os recursos que elas oferecem. Por meio de um exercício de leitura
de imagens, foram apresentados os elementos básicos da composição
fotográfica. Isso, com o objetivo de aprimorar a estética e não cometer
erros que podem ser evitados.
A oficina de “Redação Jornalística” teve como orientador o jornalista Zulmar Faustino, do Jornal da Arquidiocese. Essa oficina ofereceu
de forma teórica e prática as características de uma boa notícia, evidenciando como se pode evangelizar por meio de notícias.
A oficina de “Comunicação Pedagógica” foi orientada pelo prof.
André Marcos Vieira Soltau. Mestre em Educação pela Universidade
Federal de Santa Catarina; Professor titular do Centro Universitário de
Brusque, atuando em disciplinas da área de História e Semiótica, André
Soltau é historiador formado pela Universidade Federal de Santa Maria/
RS. A oficina de comunicação pedagógica teve por objetivo ajudar na
arte de ensinar e aprender, revelando como a nova ambiência oferecida
pelos meios de comunicação desafia o processo educativo. Essa oficina
ofereceu estratégias para uma comunicação dialógica entre docentes e
discentes. Ofereceu, igualmente, recursos didáticos para dinamizar uma
aula e facilitar a aprendizagem.
A oficina de “Fonoaudiologia” foi orientada por Íngrid Vieira.
Nessa oficina, os participantes tiveram a oportunidade de conhecer melhor
seu aparelho fonador. Na parte prática, fizeram exercícios e receberam
orientações referentes aos cuidados da voz.
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Discurso em nome dos Bacharelandos de 2011
No dia 08-12, data consagrada à Imaculada Conceição, após a
Eucaristia de encerramento do ano acadêmico, deu-se a solenidade de
Formatura dos novos Bachareis do curso de Teologia do ITESC. Em
número de 15, eles haviam prestado seu exame “de universa” no dia
anterior, perante uma banca de três examinadores, sob a presidência do
Pe. Dr. Manuel Hurtado SJ, da Faculdade de Teologia da Companhia de
Jesus, de Belo Horizonte, à qual estamos afiliados. Em nome da turma,
assim falou o representante dos formandos, Kelvin B. Kons:
“Este é o dia que o Senhor fez para nós, alegremo-nos e nele
exultemos!” (Sl 118,24)
É com imenso júbilo que nós chegamos a este esperado dia. Transcorreram 4 anos intensos de estudos, buscando compreender a nossa fé,
introduzindo-nos nos divinos mistérios.
Este dia é dia de alegria e de ação de graças. Muitas foram as
bênçãos que o Senhor nos concedeu. Também as dificuldades, tensões
e problemas foram fundamentais. Firmes em nosso propósito, com a
graça de Deus, fomos perseverantes. Buscamos viver intensamente cada
etapa. E as dificuldades valeram como preciosas experiências, que nos
impulsionaram para seguir em frente.
Guardaremos em nosso coração os anos que vivemos neste
Instituto. Em nossa história, muitos colegas que começaram a jornada
conosco tomaram rumos diferentes: dos 37 acadêmicos que iniciaram o
curso de Teologia aqui, em 2008, apenas 15 estão entre os concluintes.
Alguns interromperam os estudos para realização de um Estágio Pastoral; outros, discernindo sua vocação, vieram a deixar o Seminário e,
consequentemente, o curso de Teologia. Outro colega veio a integrar a
nossa turma, após uma experiência na comunidade dos Focolares. Dois
professores partiram para a eternidade no período em que lecionavam
para nós: Pe. Dr. Carlos Rogério Groh e Pe. Ms. Sérgio Maykot. Que
estejam fruindo do descanso eterno junto ao Bom Pastor, a quem tanto
serviram e verdadeiramente amaram.
Neste momento, prestes a sermos diplomados, não nos encontramos apenas em um ponto de chegada. Abre-se diante de nós um largo
campo de missão. Hoje é um dia de partida e de envio. Não somos
teólogos prontos. Aprenderemos cada dia a fazer teologia e a sermos
realmente teólogos.
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Crônicas
Amanhã estaremos seguindo caminhos diferentes, mas sempre
unidos na mesma fé que buscamos compreender e aprofundar nestes anos
de faculdade. Também precisamos estar unidos num só coração, intercedendo uns pelos outros, ajudando-nos e encorajando-nos mutuamente,
a fim de que, como ministros da Igreja, nosso serviço seja sempre mais
fecundo, para a glória de Deus e a santificação de seu povo.
Concluímos um curso que visa em seu caráter ideal capacitar
pessoas a cooperarem na implantação do Reino de Deus. À nossa frente,
desafiando-nos, está o desconhecido representado pela própria natureza
da existência.
“A quem muito se deu, dele muito se exigirá; e a quem muito se
entregou, muito mais se pedirá” (Lc 12,49).
Muito nos foi dado nestes 4 anos. Aliás, não só recebemos, mas
também nós doamos, trocamos, construímos. Toda a nossa Teologia é
um tesouro, que trazemos em nossa fragilidade de vasos de barro que
somos (cf. 2Cor 4,7).
Vivemos em um século de transições, de mudanças, de substituição de valores. Diante desses desafios, a nossa responsabilidade como
anunciadores da Palavra se faz deveras exigente. As pessoas hão de
exigir de nós que interpretemos os fatos históricos contemporâneos à
luz da Revelação divina. Além dos conhecimentos, é preciso confiança
em Deus e coragem profética.
Como, então, iremos nos inserir nesse contexto como teólogos?
Se os engenheiros que se formam irão projetar edifícios, os administradores gerenciar finanças, os advogados promover a justiça e os médicos
o tratamento das enfermidades, o que nós, teólogos, faremos?
Nossa missão é proclamar a verdade dinâmica de um Deus eterno, presente na história e interessado pelos problemas humanos. De um
Deus que é a afirmação para todas as dúvidas e ansiedades humanas.
Pois, como declarou Santo Agostinho, “inquieto está o nosso coração
enquanto não repousa em ti, Senhor”.
É preciso que nos desloquemos dos nossos lugares confortáveis
para que possamos manter um encontro e diálogo com o ser humano no
contexto dos seus problemas. Para, ali, darmos nosso testemunho. Esse
testemunho não é, necessariamente, um testemunho por meio de palavras,
mas um testemunho do serviço, do amor. É chegado o tempo de assumir
a nossa responsabilidade como participantes nas dores do mundo.
Encontros Teológicos nº 60
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Crônicas
É através do serviço, da doação incondicional no amor, que a
Igreja pode dar sabor ao mundo com o sal do Evangelho. Necessitamos
readquirir constantemente nosso teor de salinidade, para que possamos
ser fiéis ao que de Deus recebemos.
O homem busca transcender as suas limitações. O ser humano
almeja o infinito, o eterno. E é no encontro com Cristo que o ser humano
alcança o “novo ser”, transcendendo assim as suas próprias limitações
para tornar-se “filho de Deus”. Cristo veio tornar possível, real, o que
antes era apenas potencial. Ele veio libertar o ser humano dos grilhões
de sua limitação, do pecado.
Esta é a nossa tarefa e Cristo bem a definiu quando enviou seus
apóstolos: “Sereis minhas testemunhas...” (At 1,8). Temos que anunciar
aos homens e mulheres de nossa época que Cristo é o meio que eles têm
de tornar concretas as potencialidades imensas que eles possuem. É
preciso que Deus seja trazido para a esfera da experiência humana, para
a esfera de uma relação pessoal do tipo “Eu-Tu”, onde o interlocutor
divino encontre resposta no humano!
Nosso anúncio não será apenas a proclamação de conceitos a
respeito de Deus, mas sim uma demonstração da relação que mantemos
com ele. No dizer de Unamuno, filósofo espanhol, “a vida é uma luta e
a solidariedade pela vida é luta e só se faz em meio à luta”. Eis o campo
do mundo à nossa frente! Coloquemo-nos na luta. Assim seremos ministros de uma Igreja Sacramento de Salvação e verdadeiramente sinal
profético do Reino de Deus.
Florianópolis, ITESC, 8-12-2011.
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Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Encontros Teológicos – 25 anos
REVISTA “ENCONTROS TEOLÓGICOS”
1986 – 25 ANOS – 2011
Títulos dos 60 números monográficos
1986, n. 1 (1986/1): O Leigo na Igreja
n. 2 (1986/2): Planejamento Pastoral do Regional Sul IV –
Contribuições
1987, n. 3 (1987/1): A Mulher, ontem e hoje
1988, n. 4 (1988/1): No Ano Mariano, Maria
n. 5 (1988/2): Comunicação e Evangelização
1989, n. 6 (1989/1): Religiosidade Popular em Santa Catarina
n. 7 (1989/2): Experiências Pastorais em Santa Catarina
1990, n. 8 (1990/1): A Mulher, na Igreja e na Sociedade
n. 9 (1990/2): O Trabalho
1991,n. 10 (1991/1): A visita do Papa à Igreja que está em Santa
Catarina
n. 11 (1991/2): Os Jovens e a Juventude
1992,n. 12 (1992/1): Evangelização da América Latina – 500 anos
e †Pe. Paulo Bratti – 10 anos
n. 13 (1992/2): Fraternidade e Moradia – CF 1993
1993, n. 14 (1993/1): Santo Domingo – o Documento
e ITESC – 20 anos
n. 15 (1993/2): Fraternidade e Família – CF 1994
1994, n. 16 (1994/1): Política e Igreja e Centenário de Dom Jaime
de Barros Câmara
n. 17 (1994/2): Fraternidade e Excluídos – CF 1995
1995, n. 18 (1995/1): A Era do Espírito
n. 19 (1995/2): Fraternidade e Política – CF 1996
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
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Encontros Teológicos – 25 anos
1996, n. 20 (1996/1): Espiritualidade e Espiritualidades
n. 21 (1996/2): Fraternidade e Encarcerados – CF 1997
1997, n. 22 (1997/1): Cristo, Fé e Batismo
n. 23 (1997/2): Fraternidade e Educação – CF 1998
1998, n. 24 (1998/1): Espírito Santo, Esperança e Crisma
n. 25 (1998/2): Fraternidade e Desempregados – CF 1999
1999, n. 26 (1999/1): Deus Pai, Caridade e Reconciliação
n. 27 (1999/2): CF 2000 Ecumênica: Por um Milênio sem
exclusões
2000, n. 28 (2000/1): Trindade, Eucaristia, Jubileu
n. 29 (2000/2): CF 2001: Vida, sim; drogas, não!
2001, n. 30 (2001/1): Ser Igreja no novo Milênio
n. 31 (2001/2): CF 2002: Fraternidade e Povos indígenas
2002, n. 32 (2002/1): CNBB: 50 anos de serviço à Evangelização
no Brasil
n. 33 (2002/2): Concílio Vaticano II: 40 anos depois
2003, n. 34 (2003/1): CF 2003: Fraternidade e Pessoas Idosas
n. 35 (2003/2): Ética e Teologia
n. 36 (2003/3): ITESC – 30 anos
2004,n. 37 (2004/1): CF 2004: Fraternidade e Água
n. 38 (2004/2): O escândalo da Fome
n. 39 (2004/3): Lumen Gentium – 40 anos
Pessoa, Comunidade, Sociedade
2005, n. 40 (2005/1): CF 2005 Ecumênica: Solidariedade e Paz
n. 41 (2005/2): A Eucaristia: Ele está no meio de nós
n. 42 (2005/3): Gaudium et Spes – 40 anos
2006, n. 43 (2006/1): CF 2006: Fraternidade e Pessoas
com deficiência
n. 44 (2006/2): XV Congresso Eucarístico Nacional
– maio de 2006
n. 45 (2006/3): Conferência Geral do Episcopado Latino
Americano e Caribenho
Aparecida – preparação
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Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Encontros Teológicos – 25 anos
2007, n. 46 (2007/1): CF 2007: Amazônia, Vida e Missão nesse chão
n. 47 (2007/2): Espiritualidade
n. 48 (2007/3): A Igreja em Santa Catarina
2008,n. 49 (2008/1): CF 2008: Fraternidade e Defesa da Vida
n. 50 (2008/2): A Igreja em Santa Catarina – II
n. 51 (2008/3): A Igreja no Documento de Aparecida
2009, n. 52 (2009/1): CF 2009: Fraternidade e Segurança Pública
n. 53 (2009/2): Ano Sacerdotal: 2009-2010
n. 54 (2009/3): Diaconato Permanente
2010, n. 55 (2010/1): CF 2010 Ecumênica: Economia e Vida
n. 56 (2010/2): Igreja e Sociedade
n. 57 (2010/3): O Projeto Pastoral de Aparecida
2011, n. 58 (2011/1): CF 2011: Fraternidade e a Vida no Planeta
2011, n. 59 (2011/2): VERBUM DOMINI: Exortação pós-sinodal
de Bento XVI
2011, n. 60 (2011/3): Presbítero: vida e missão
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
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Índice Geral
ÍNDICE GERAL dos números 58, 59 e 60
(2011/1, 2 e 3)
a) Índice Geral dos 3 números monográficos
– No. 58 (2011/1): CF 2011 – Fraternidade e a Vida
no planeta
- LORASCHI, Celso. “Crise e esperança: A CF 2011 e a Igreja
Samaritana”, pp. 11-24.
- SCHINKE, Gert. “Ecologia Política”, pp. 25-38.
- NEVES, Pedro Paulo das. “Ética e Ecologia”, pp. 39-50.
- FRANZEN, Ir. Delci Maria. “Mudanças Climáticas”, pp.
51-66.
- MORAES, OSM, Frei Carlos Paula de. “Bioética ambiental
personalista”, pp. 67-76.
- MAÇANEIRO, Marcial. “Ética e episteme: contribuição das
religiões para a ecologia”, pp. 77-92.
- STADELMANN, SJ, Luis. “Religiões bíblicas baseadas na
Aliança Sagrada”, pp. 93-106.
- KRIEGER, SCJ, Murilo S. R. “Caritas in veritate”, pp.
107-116.
- MAIA, Geraldo. “Imagens e verdadeira face de Deus”, pp.
117-130.
- “Teologia, Economia e Ecologia: Síntese da Semana Teológica
realizada no ITESC nos dias 20 a 24 de setembro de 2010”,
pp. 131-154.
- “VERBUM DOMINI: Exortação Apostólica pós-Sinodal
do Papa Bento XVI”, Entrevista com Johan Konings, pp.
155-164.
Encontros Teológicos nº 60
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Índice Geral
- PEREIRA, Ney Brasil, VIEIRA, Paulo Leonardo Medeiros,
“Deus no banco dos réus. Uma resposta da Ciência ao Ateísmo
Militante” (recensão), pp. 165-170.
– No. 59: VERBUM DOMINI, Exortação pós-sinodal
de Bento XVI
- WOLFF, Pe. Elias. “O diálogo ecumênico e interreligioso na
Verbum Domini”, pp. 11-26.
- KONINGS, Johan. “‘Verbum Domini’ e a hermenêutica
bíblica”, pp. 27-42.
- LORASCHI, Celso. “Justiça – Reconciliação – Paz: Palavra
de Deus e compromisso no mundo na Verbum Domini”, pp.
43-54.
- RAMADA, Daniel. “Dimensões epistemológicas na economia
da revelação e Verbum Domini”, pp. 55-84.
- SOAVE, Maria. “‘Ho lógos pachýnetai’: o Verbo abreviou-se”,
pp. 85-102.
- STADELMANN, SJ, Luis. “A Palavra de Deus no Antigo e
no Novo Testamento”, pp. 103-130.
- COMBLIN, José (†26-03-2011, in memoriam). “O pobre,
critério para a profecia”, pp. 131-154.
- BESEN, José Artulino. A criação geme em dores de parto:
CF-2011, pp. 155-166.
- SUESS, Paulo. “Aonde vais, Igreja? Leitura das novas
Diretrizes Gerais da CNBB” (comunicação), pp. 167-174.
- PEREIRA, Ney Brasil, CASEL, Dom Odo, “O mistério do
culto no cristianismo” (recensão), pp. 175-183.
- PEREIRA, Ney Brasil, FONSECA, OFM, Joaquim, “Música
Ritual de Exéquias: Uma proposta de inculturação” (recensão),
pp. 184-188.
- ULIANO, Rafael, SILVA, Maria Ferreira da, “Trindade,
criação e ecologia” (recensão), pp. 189-195.
- BARAUNA, Fernando Maico, PAGOLA, José Antonio, “Jesus,
aproximação histórica” (recensão), pp. 196-201.
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Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Índice Geral
– No. 60: Vida e missão do presbítero
- RASCHIETTI, Stefano. “O presbítero e a missão”, pp.
9-30.
- STADELMANN, SJ, Luis I. J. “Ministério presbiteral na
Igreja”, pp. 31-44.
- SALVADOR, OFM Cap, Ângelo Domingos. “Formação
presbiteral inicial e permanente”, pp. 45-79.
- LIMBERGER, Anselmo Matias. “O presbítero a partir do
Documento de Aparecida”, pp. 81-94.
- OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. “Desafios atuais para a
formação eclesial”, pp. 95-110.
- BACARJI, Arlene Denise. “A Igreja, a homossexualidade e o
clero”, pp. 111-127.
- SENEM, Cleiton José. “Celebração e Vida: dois momentos
inseparáveis da Celebração Eucarística”, pp. 129-148.
- STAEHELIN, Agostinho. “Homilia gratulatória: Jubileu
de Ouro presbiteral do Pe. Paulo De Coppi, PIME”, pp.
149-152.
- LIBANIO, João Batista, TABORDA, Francisco, “A Igreja
e seus ministérios. Uma teologia do ministério ordenado”
(recensão), pp. 153-159.
- BOMBAZAR, Lucas Fernandes, MOLTMANN, Jürgen, “No
fim, o início: breve tratado sobre a esperança” (recensão), pp.
160-167.
- ACQUAROLI, Armando Rafael Castro, EBEJER, Walter
Michael, Dom, OP, “A teoria platônica das formas: com
especial referência à cosmologia no Timeu” (recensão), pp.
168-173.
b) INDICE GERAL dos três números monográficos
de 2011, por Autor
- ACQUAROLI, Armando Rafael Castro, EBEJER, Walter
Michael, Dom, OP, “A teoria platônica das formas: com
especial referência à cosmologia no Timeu” (recensão), n. 60
(2011/3), pp. 168-173.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
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Índice Geral
- BACARJ, Arlene Denise, “A Igreja, a homossexualidade e o
clero”, n. 60 (2011/3), pp. 111-127.
- BARAUNA, Fernando Maico, PAGOLA, José Antonio, “Jesus,
aproximação histórica” (recensão), n. 59 (2011/2), pp.196201.
- BESEN, José Artulino, “A criação geme em dores de parto:
CF 2011. O mistério da criação do nada, do amor”, n. 59
(2011/2), pp. 155-166.
- COMBLIN, José +26-03-2011, in memoriam: “O pobre,
critério para a profecia”, n. 59 (2011/2), pp. 131-154.
- FRANZEN, Ir. Delci Maria, “Mudanças climáticas”, n.58
(2011/1), pp. 51-66.
- KONINGS, Johan, “VERBUM DOMINI, Exortação póssinodal do papa Bento XVI” (entrevista), n. 58, (2011/1), pp.
155-164.
- KONINGS, Johan, “VERBUM DOMINI e a hermenêutica
bíblica”, n. 59 (2011/2), pp. 27-42.
- KRIEGER, Murilo Sebastião Ramos, SCJ, “Caritas in
Veritate”, n. 58 (2011/1), pp. 107-116.
- LIBANIO, João Batista, TABORDA, Francisco, “A Igreja
e seus ministérios. Uma teologia do ministério ordenado”
(recensão), n. 60 (2011/3), pp. 153-159.
- LIMBERGER, Anselmo Matias, “O Presbítero a partir do
Documento de Aparecida”, n. 60 (2011/3), pp. 81-94.
- LORASCHI, Celso, “Crise e esperança: a CF 2011 e a Igreja
Samaritana”, n. 58 (2011/1), pp. 11-24.
- LORASCHI, Celso, “Justiça-Reconciliação-Paz: Palavra de
Deus e compromisso no mundo, na Verbum Domini”, n. 59
(2011/2), pp. 43-54.
- MAÇANEIRO, Marcial, “Ética e Episteme: contribuição das
religiões para a Ecologia”, n. 58 (2011/1), pp. 77-92.
- MAIA, Geraldo, “Imagens e verdadeira face de Deus”, n. 58
(2011/1), pp. 117-130.
- MORAES, Frei Carlos Paula de, OSM, “Bioética ambiental
personalista”, n. 58 (2011/1), pp. 67-76.
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Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
Índice Geral
- NEVES, Pedro Paulo das, “Ética e Ecologia”, n. 58 (2011/1),
pp. 39-50.
- OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de, “Desafios atuais para a
formação eclesial”, n. 60 (2011/3), pp. 95-110.
- PEREIRA, Ney Brasil, VIEIRA, Paulo Leonardo Medeiros,
“Deus no banco dos réus. Uma resposta da Ciência ao Ateísmo
militante” (recensão), n. 58 (2011/1), pp. 165-170.
- PEREIRA, Ney Brasil, CASEL, Dom Odo, “O mistério do culto
no cristianismo” (recensão), n. 59 (2011/2), pp. 175-183.
- PEREIRA, Ney Brasil, FONSECA, OFM, Joaquim, “Música
ritual de Exéquias: Uma proposta de Inculturação” (recensão),
n. 59 (2011/2), pp. 184-188.
- RAMADA, Daniel, “Dimensões epistemológicas na
economia da Revelação e VERBUM DOMINI ”, n. 59
(2011/2), pp. 55-84.
- RASCHIETTI, Stefano, “O Presbítero e a Missão”, n. 60
(2011/3), pp. 9-30.
- SALVADOR, Ângelo Domingos, OFMCap, “Formação
presbiteral inicial e permanente”, n. 60 (2011/3), pp. 45-79.
- SCHINKE, Gert, “Ecologia política”, n. 58 (2011/1), pp.
25-38.
- SENEM, Cleiton José, “Celebração e Vida: dois momentos
inseparáveis da Celebração Eucarística”, n. 60 (2011/3), pp.
129-148.
- SOAVE, Maria, “Ho logos pachýnetai: o Verbo abreviou-se”,
n. 59 (2011/2), pp. 85-102.
- STADELMANN, Luís, “Religiões bíblicas baseadas na
Aliança Sagrada”, n. 58 (2011/1), pp. 93-106.
- STADELMANN, Luís, “A Palavra de Deus no Antigo e no
Novo Testamento”, n. 59 (2011/2), pp. 103-130.
- STADELMANN, Luís, “Ministério presbiteral na Igreja”, n.
60 (2011/3), pp. 31-44.
- STAEHELIN, Agostinho, “Homilia gratulatória: Jubileu de
Ouro presbiteral do Pe. Paulo De Coppi”, n. 60 (2011/3), pp.
149-152.
Encontros Teológicos nº 60
Ano 26 / número 3 / 2011
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Índice Geral
- SUESS, Paulo, “Aonde vais, Igreja? Leitura das novas
Diretrizes Gerais da CNBB” (comunicação), n. 59 (2011/2),
pp. 167-174.
- ULIANO, Rafael, SILVA, Maria Ferreira da, “Trindade,
criação e ecologia” (recensão), n. 59 (2011/2), pp. 189-195
- WOLFF, Elias, “O diálogo ecumênico e interreligioso na
VERBUM DOMINI”, n. 59 (2011/2), pp. 11-26.
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Ano 26 / número 3 / 2011

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