Idade Média_canto gregoriano - História da Cultura e das Artes

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Idade Média_canto gregoriano - História da Cultura e das Artes
História da Cultura e das Artes
Ano letivo: 2012/2013
IDADE MÉDIA: ASSIMILAÇÃO E EXPANSÃO DA CULTURA MUSICAL
Índice
1)
A influência da prática musical judaica na prática musical cristã ......................................... 2
2)
Cristianismo: ciclo anual, semanal e diário ........................................................................... 4
3)
A existência de diferentes tipos de liturgia e maneiras de cantar e o aparecimento do Canto
Gregoriano................................................................................................................................... 11
4)
Notação musical .................................................................................................................. 14
5)
Canto gregoriano ................................................................................................................. 19
6)
A música instrumental ......................................................................................................... 21
7)
Teoria musical medieval ..................................................................................................... 22
8)
Sistema musical gregoriano ................................................................................................ 23
9)
Desenvolvimentos posteriores do cantochão ...................................................................... 32
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História da Cultura e das Artes
Ano letivo: 2012/2013
1) A influência da prática musical judaica na prática musical cristã
A comunidade cristã surge no século I d.C., como uma ceita judaica que se desgarra e que
passa a disseminar-se pelo Mediterrâneo, nomeadamente através das vias comerciais marítimas.
Assim, a igreja primitiva cristã expandiu-se da Ásia Menor para o Ocidente, para a Europa e
para o Norte de África, sendo influenciada por estes locais.
TEMPLO DE
SALOMÃO
SINAGOGA
Sinagoga – com as duas destruições do Templo, em 587 a.C. (babilónicos) e, mais tarde, em 70
d.C. (romanos), a Sinagoga adquire importância, tornando-se num centro de encontro das
assembleias religiosas. Rapidamente é desenvolvida uma liturgia formal e ritual, em que alguns
elementos são transferidos dos serviços do Templo.
Existem muitas suposições acerca da música da Sinagoga. Por exemplo, não se sabe se
ocorreu uma proibição dos instrumentos musicais ou se simplesmente a sua utilização nunca fez
parte do serviço da Sinagoga. Uma das principais práticas musicais do Templo era o canto dos
salmos. Alguns autores consideram que o canto dos salmos nunca existiu na Sinagoga, pois a
principal atividade era a simples declamação da Sagrada Escritura. Outros autores defendem
que os salmos na Sinagoga eram inicialmente recitados e que mais tarde, a partir do século II
a.C., começaram a ser cantados. Deste modo, existem muitas suposições e não se sabe se o
canto cristão primitivo pode ser visto como uma continuação do serviço da Sinagoga.
SALMODIA JUDAICA E CRISTÃ: na religião cristã não havia Sinagogas, como na religião
judaica. Segundo Manuel Pedro Ferreira,
“A convicção de que a salmodia cristã deriva, em última análise, da salmodia sinagogal enraíza-se no pressuposto de que, no
tempo de Cristo, havia uma liturgia própria da sinagoga que incluía a entoação de salmos. Os mais recentes estudos
especializados contradizem tal pressuposto. Não é provável que na sinagoga se entoassem salmos, e mesmo a existência de uma
ordem litúrgica sinagogal, antes da destruição do Templo no ano de 70 d.C., levanta algumas dúvidas. Os salmos eram
seguramente entoados no Templo, com acompanhamento instrumental, e em contextos domésticos, mas não há razão para crer
que fossem normalmente cantados na Sinagoga, então, basicamente, um centro cívico e lugar de educação religiosa. O elo
musical entre as práticas judaicas e as subsequentes práticas cristãs encontra-se não na sinagoga, mas nas refeições comunais e
nas assembleias domésticas, contexto privilegiado para o canto dos salmos nos primeiros três séculos da nossa Era. A
introdução da salmodia nas liturgias sinagogal e cristã parece ter-se dado de forma independente e em data posterior. A História
permite-nos, assim, vislumbrar um primitivo ponto de encontro entre as salmodias judaica e cristã, mas não entre as tradições
litúrgicas respectivas” (Música judaica e música cristã: uma herança recíproca, Manuel Pedro Ferreira).
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Deste modo, o ponto de ligação entre a música judaica e a música cristã é a refeição
comunitária, onde assembleias privadas se encontravam para partilhar uma refeição. A própria
eucaristia pode ser vista como um resquício desta tradição.
Estas refeições envolviam o canto, visto como um sacrifício que cada um deve entregar
regularmente a Deus. Era um canto informal, muito pouco regulado, que podia basear-se nos
Salmos, em passagens das Escrituras, ou então consistir no canto de hinos inventados ou
improvisados pelos crentes.
“Concluindo, o impulso original para a formação de um reportório musical cristão veio do canto salmódico judaico tal
como seria praticado em celebrações colectivas de caráter semiprivado” (Música judaica e música cristã: uma herança
recíproca, Manuel Pedro Ferreira).
Hoje pensa-se que houve poucas adoções musicais iniciais da prática judaica e que a
tradição de uma eucaristia cantada, estabelecida por volta do século II d.C., foi uma inovação
cristã.
Idade Média – ocorre a afirmação e a expansão do cristianismo. O nascimento de Cristo
assinala o fim de Era (a.C.) e o início de um novo calendário (d.C.). Considera-se que a música
cristã recebeu influências quer do canto hebraico (oriental, Templo de Jerusalém e Sinagoga)
quer da cultura greco-romana (ocidental, sobretudo pelas suas bases teóricas). Na primeira
destaca-se o carácter funcional da música orientado para o culto religioso e na segunda as
estruturas teóricas que permitirão não só a sua expansão como a sua continuidade.
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2) Cristianismo: ciclo anual, semanal e diário
The history of Western music, at least for the first thousand years of the Christian era, must of necessity be
a history of the Christian liturgy. Although secular music of various sorts must have existed during this long
period of time, almost none has been preserved. Only the chants were intended for use in the various rites
and services – that is, the liturgy – of the Christian Church. Their history, therefore, forms part of the larger
history of the liturgy as a whole. We must briefly survey that larger history if we are to understand the
origin of the chant and the influences that shaped its further development [Hoppin, Richard H., Medieval
Music].
CICLO ANUAL: durante o ano litúrgico celebra-se a vida de Cristo, desde a sua encarnação no
seio da Virgem Maria, passando pelo seu Nascimento, Paixão, Morte, Ressurreição, até à sua
Ascensão e vinda do Espírito Santo.
O tempo litúrgico começa no primeiro Domingo do Advento e termina no Sábado anterior a
ele. O Advento inicia-se quatro Domingos antes do Natal e termina no dia 24 de dezembro. O
dia de Natal, 25 de dezembro, comemora o nascimento de Jesus de Nazaré. Pensa-se que a data
de comemoração não será a data real de nascimento de Jesus. Provavelmente foi adotada para
que coincidisse com a festividade romana dedicada ao “nascimento do Deus Sol invencível”,
que comemorava o solstício de inverno. Portanto, o Natal tem raízes pagãs e não-bíblicas.
O ciclo de Natal é compreendido entre o dia de Natal (25 de dezembro) e o dia anterior ao
início da Epifania. A Epifania (“aparição/revelação”) comemora o momento em que Cristo se
deu a conhecer ao mundo. Começou por ser celebrada no dia 6 de janeiro, 12 dias após o Natal,
no entanto, a partir da reforma do calendário litúrgico de 1969 passou a ser comemorada dois
Domingos após o Natal.
O Carnaval antecede a Quaresma e é visto como uma celebração festiva antes do jejum da
Quaresma. O tempo da Quaresma é de conversão e penitência, de jejum e oração. Atualmente é
um período de 40 dias que antecede a grande festa do Cristianismo: a ressurreição de Jesus
Cristo, comemorada no Domingo de Páscoa. A Quaresma inicia-se na quarta-feira de cinzas
(primeiro dia da Quaresma) e termina na manhã da Quinta-Feira Santa (quinta-feira antes do
Domingo de Páscoa). A Festa da Páscoa ou da Ressurreição do Senhor estende-se por 50 dias
entre o domingo de Páscoa e o domingo de Pentecostes e comemora a volta de Cristo ao Pai na
Ascensão e o envio do Espírito Santo. Estas sete semanas devem ser celebradas com alegria e
exultação, como se fosse um só dia de festa, ou, melhor ainda, como se fossem um grande
Domingo, vivendo uma espiritualidade de alegria no Cristo Ressuscitado e crendo firmemente
na vida eterna.
O Dia da Ascensão (quinta-feira, 39 dias após o Domingo de Páscoa) comemora o facto de
o corpo de Jesus de Nazaré, depois de 40 dias da sua Ressurreição, na presença das testemunhas
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dos apóstolos, ter ascendido aos céus, onde se encontrou na presença de Deus, não só em
espírito, mas também em corpo e alma. Segue-se o Pentecostes, que comemora a descida do
Espírito Santo sobre os apóstolos de Jesus Cristo. O Pentecostes é celebrado 50 dias depois do
Domingo de Páscoa. O dia de Pentecostes ocorre no 10º dia após o dia da Ascensão.
CICLO SEMANAL: na tradição cristã, o Dia do Senhor (“Dominique”) foi alterado de Sábado
para Domingo. Para os primeiros cristãos, o Domingo era o primeiro dia da semana, mas
também o oitavo dia espiritual, simbolizando o mundo criado após a Ressurreição de Jesus. O
conceito de Oitavo Dia, dia do Senhor, era meramente simbólico e não tinha qualquer efeito
sobre a semana de sete dias em termos de Calendário.
O Domingo era visto como o dia principal de festa e considerado o dia do Sol. Surge então
um ciclo semanal, marcado pela realização da Eucaristia, que reafirma a importância da Última
Ceia.
CICLO DIÁRIO: diz respeito às várias horas do dia e da noite. O dia e a noite eram vistos
como possuindo 12 horas cada um, divididas em 6 horas mais 6 horas. A estas horas
correspondiam momentos de oração comunitária, o chamado Ofício Divino.
Ofício Divino e Eucaristia
Os Cristãos foram organizando a sua própria liturgia. Dois momentos de culto público
marcarão, de futuro, a vida dos cristãos: a Oração das Horas e a Eucaristia.
A Oração das Horas, também chamada de Ofício Divino, está estritamente relacionada com
a tradição judaica. Tal como esta, o Ofício pretendia santificar o tempo. Nesse sentido, a sua
organização distribuía-se ao longo das horas do dia, em momentos de oração comunitária (que
mais tarde se privatizarão). Estes momentos eram celebrados todos os dias, em horas
determinadas, sempre pela mesma ordem: matinas (antes do nascer do Sol), laudes (ao
alvorecer), prima, terça, sexta, nonas (respetivamente pelas 6 da manhã, 9 da manhã, meio-dia e
3 da tarde), vésperas (ao pôr do Sol), e completas (normalmente logo a seguir às vésperas).
O Ofício, celebrado pelo clero secular e pelos membros das ordens religiosas, compõe-se de
orações, salmos, cânticos, antífonas, responsórios, hinos e leituras. A música para os Ofícios
está compilada num livro litúrgico chamado Antiphonale ou Antifonário.
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Exemplo do Ofício Divino para um Domingo
Hino
1º Noturno
MATINAS
2º Noturno
3º Noturno
Cântico
3 salmos com respetiva antífona
3 leituras com respetivo responsório
3 salmos com respetiva antífona
3 leituras com respetivo responsório
3 salmos com respetiva antífona
3 leituras com respetivo responsório
Te Deum laudamus
5 Salmos com 1 ou 5 antífonas
Hino
Cântico
Benedictus
HORAS MENORES
(prima, terça, sexta e
nona)
Hino de Prima
Iam lucis orto sidere
VÉSPERAS
5 Salmos com 1 ou 5 antífonas
Hino
Cântico
Magnificat
Hino
Cântico
Te Lucis ante terminum
Nunc dimitis
LAUDES
COMPLETAS
SALMOS: as primeiras comunidades cristãs adotaram do judaísmo o costume de cantar os
salmos. O salmo é um poema religioso feito para ser cantado e acompanhado por instrumentos
de cordas, possivelmente uma espécie de harpa. Os seus versos, em número indeterminado, e
agrupados ou não em estrofes, caracterizam-se pelo seu ritmo e pelo seu paralelismo frequente.
O Saltério é o nome dado ao livro bíblico dos salmos, constituído por 150 salmos.
Cada salmo contém versículos com um número variável de sílabas. A música segue a
estrutura do versículo, isto é, transpõe o versículo falado para uma determinada fórmula
melódica, a chamada fórmula salmódica. Esta corresponde ao suporte melódico de cada salmo,
sendo suficientemente elástica para se adaptar à quantidade variável de sílabas de cada versículo
e suficientemente fixa para se definir dentro de cada modo gregoriano. Deste modo, existem
tons salmódicos, um tom salmódico para cada um dos modos gregorianos, que se caracterizam
por uma fórmula salmódica.
A fórmula salmódica é composta pelo initium, uma figura introdutória, normalmente
ascendente, utilizada normalmente no primeiro versículo de cada salmo. Faz a ligação entre o
tenor e o final da respetiva antífona. O tenor (repercussio, tuba, dominante) é a nota pedal,
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repercutida, sobre a qual se entoa a maior parte das palavras de cada versículo. Também
chamada de dominante, é uma nota mais elevada do que a finalis, geralmente à quinta, mas
também à terceira ou quarta. O número de notas que contém depende do número de sílabas do
versículo.
Pode existir uma espécie de pausa intermédia, sobre um intervalo de 2ªM ou 3ªm abaixo do
tenor, sempre que o hemistíquo (cada versículo é dividido em duas partes, chamadas de
hemistíquos) seja mais longo que o normal. Designada por flexa, é uma pequena cesura
determinada pela sintaxe do versículo na qual a voz desce um pouco. No final do primeiro
hemistíquo existe uma cadência intermédia, designada por mediatio, e no final do versículo
existe uma cadência final, terminatio, com uma descida até à nota fundamental para concluir
(finalis). Consiste na conclusão melódica da fórmula. Cada tom salmódico gregoriano dispõe de
várias terminações, o que dá interesse e diversidade à fórmula, exigindo, por sua vez, uma
definição pontual, para além da indicação convencional do tom salmódico respetivo; esta
definição é dada pelas vogais e u o u a e, correspondentes às vogais de saeculorum. Amen
(final do último versículo de todos os salmos). Normalmente, não se segue de imediato o
versículo seguinte do salmo, mas sim uma antífona, prescrita para esse dia do calendário. A fim
de garantir uma boa transição, normalmente o final do versículo do salmo modifica-se para
concordar com o princípio da antífona. As antífonas, destinadas a serem cantadas por um grupo
de cantores, são normalmente silábicas ou apenas ligeiramente ornamentadas, com um
movimento melódico por grau conjunto, um âmbito limitado e um ritmo relativamente simples.
As antífonas dos cânticos são um pouco mais elaboradas do que as dos salmos.
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Originalmente, os Salmos cantavam-se em antifonal, alternância entre dois coros ou entre
duas metades de um coro. Mais tarde, os versículos do salmo limitaram-se a um único, que o
cantor apresenta em forma solista, e a antífona converteu-se no refrão de resposta do coro. Deste
modo, os salmos passaram a cantar-se em responsorial, com alternância entre coro e solista.
RESPONSÓRIOS: forma aparentada com a antífona. Consiste num versículo curto cantado pelo
solista e repetido pelo coro antes de uma oração ou breve passagem das Escrituras, e repetido
depois pelo coro no final da leitura.
HINOS: os hinos são estróficos, ou seja, a mesma melodia aplica-se sucessivamente a diversas
estrofes. O número de versos e de sílabas, bem como a métrica, são iguais em todas as estrofes.
Santo Agostinho (154-430 d.C.) define hino com as seguintes palavras:
“Cântico de louvor a Deus: se se louva a Deus mas não se canta, não é um hino; se se canta e não se louva
a Deus não é um hino; se se louva algo que não Deus e se canta tais louvores não é também um hino. Um
hino tem, pois, estes três elementos: cântico, louvor e Deus” (Santo Agostinho)
A Eucaristia ou Missa é o serviço religioso mais importante da igreja católica. O ato com
que culmina a eucaristia é a comemoração ou celebração da Última Ceia, através da oferta e
consagração do pão e do vinho e da partilha destes entre os fiéis.
Já no século II, se encontra um primeiro esboço de ritual eucarístico, mas será preciso
esperar pelos séculos V e VI para se afirmar o esquema musical essencial da Eucaristia que os
cristãos praticaram através dos séculos futuros. A liturgia da missa começa com o Introitus, que
originalmente consistia num salmo completo com a sua antífona, cantado durante a entrada do
padre, mas que mais tarde foi reduzido a um só versículo do salmo com a respetiva antífona.
Imediatamente a seguir ao Introitus, o coro canta o Kyrie, com as palavras gregas Kyrie eleison
(“Senhor, tende piedade de nós”), Christe eleison (“Cristo, tende piedade de nós”), Kyrie
eleison, sendo cada invocação cantada três vezes. Segue-se depois o Gloria (exceto nas épocas
penitenciais do Advento e da Quaresma), iniciado pelo padre com as palavras Gloria in excelsis
Deo (“Glória a Deus nas alturas”) e continuado pelo coro a partir de Et in terra pax (“E paz na
Terra”). Vêm depois as orações (coleta) e a leitura da epístola do dia, seguida do gradual e do
aleluia, ambos cantados por um solista, com responsórios pelo coro. Em certas festividades, por
exemplo, na Páscoa, o aleluia é seguido de uma sequência. Nas épocas penitenciais o aleluia é
substituído pelo tractus, mais solene.
Após a leitura do Evangelho vem o Credo, iniciado pelo padre com Credo in unum Deum
(“Creio em um só Deus”) e depois continuado pelo coro. O Credo, juntamente com o
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sermão/homília, quando o haja, assinala o fim da primeira grande divisão da missa. Segue-se
depois a liturgia da eucaristia. Durante a preparação do pão e do vinho canta-se o ofertório.
Seguem-se-lhe várias orações e o prefácio, que conduz ao Sanctus (“Santo, santo, santo”) e ao
Benedictus (“Bendito seja O que vem”), ambos cantados pelo coro. Vem depois o cânon, ou
prece da consagração, seguido do Pater noster (“A oração do Senhor”) e do Aguns Dei
(“Cordeiro de Deus”). Depois de consumidos o pão e o vinho, o coro canta o Communio
(Comunhão), após o que o Padre entoa as orações do Post-communio. O serviço termina então
com a fórmula de despedida Ite Missa est, cantada de forma responsorial pelo padre e pelo coro.
Os textos de certas partes da missa são invariáveis, enquanto outros mudam conforme a
época do ano ou as datas de determinadas festividades ou comemorações. As partes variáveis
designam-se pelo nome de Próprio da missa. Os principais momentos musicais do Próprio são
o Introitus, o Gradual, o Aleluia, o Tractus, o Ofertório e a Comunhão. Às partes invariáveis do
serviço dá-se o nome de Ordinário da missa: o Kyrie, o Gloria, o Credo, o Sanctus, o
Benedictus e o Agnus Dei. Estas partes são cantadas pelo coro, embora nos primeiros tempos do
cristianismo fossem também cantadas pela congregação. Do século XIV em diante, estes são os
textos mais frequentemente elaborados em polifonia, de forma que o termo missa é muitas vezes
usado pelos compositores para designar apenas estas secções.
Quanto ao estilo de execução o Ordinário é antifonal (dois coros ou duas metades do coro
cantam alternadamente). No Próprio, o Gradual e o Aleluia são responsoriais (a voz do solista
alterna com o coro), enquanto o Introito, o Ofertório e a Comunhão são antifonais.
A música para a missa, quer para o próprio, quer para o ordinário, vem compilada num livro
litúrgico, o Graduale. O Liber usualis, outro livro de música, contém uma seleção dos cânticos
mais frequentemente utilizados, tanto do Antiphonale como do Graduale. Os textos da missa e
dos ofícios são coligidos, respetivamente, no Missal (Missale) e no Breviário (Breviarium).
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Canto
(cantores-assembleia)
Próprio
Ordinário
Recitativo
(Celebrante/Ministros)
Próprio
Ordinário
Introitus
INTRODUÇÃO
Kyrie
(Gloria)
Coleta
Epístola
LITURGIA DA
PALAVRA
Gradual
Aleluia ou
Tractus
(Sequência)
Evangelho
(Homilia)
(Credo)
Ofertório
LITURGIA DA
EUCARISTIA
Orações
Prefácio
Sanctus e
Benedictus
Cânon
Pater noster
Agnus Dei
Comunhão
Pós-Comunhão
Ite Missa Est
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3) A existência de diferentes tipos de liturgia e maneiras de cantar e o aparecimento do Canto
Gregoriano
A influência do Oriente no Ocidente: Bizâncio converteu-se num centro cultural a partir do
momento em que Constantino o Grande deslocou a sua corte, no ano de 330, da Roma Antiga
pagã para a Bizâncio cristã (Constantinopla), e desde que o Cristianismo se tornou, em 391, a
religião do Estado e ainda desde que Bizâncio conservou inalterado o seu caráter de capital do
Império Romano do Oriente, depois da divisão do Império em 395 e da queda do Império
Romano do Ocidente em 476.
No Oriente, as diferentes Igrejas cristãs foram desenvolvendo liturgias e tradições musicais
distintas. De entre as Igrejas orientais primitivas, a Igreja Bizantina, com sede em Bizâncio,
viria a assumir uma posição dominante. Pensa-se que esta prática do Oriente influenciou o
Ocidente. Embora partilhassem uma ampla gama de práticas comuns, é provável que cada
região do Ocidente tenha recebido a herança oriental sob uma forma ligeiramente diferente.
Estas diferenças originais combinaram-se com as condições locais particulares, dando origem a
várias liturgias e corpos de cânticos distintos entre os séculos V e VIII. Com o passar do tempo,
a maioria das versões locais (a ambrosiana é uma das exceções) desapareceram ou foram
absorvidas pela prática uniforme que tinha em Roma a sua autoridade central.
Embora a Igreja do século IV estivesse já espalhada por todo o Império, a verdade é que as
diversas comunidades cristãs nasceram e floresceram com grande independência. No Ocidente
foram-se desenvolvendo arcebispados e conventos relativamente independentes de Roma,
fazendo surgir diferentes liturgias e maneiras de cantar: na Gália (que corresponde
aproximadamente à França atual) desenvolve-se o canto galicano; no Sul da Itália, o
benaventino; em Roma, o canto romano antigo; em Espanha, o visigótico ou moçárabe; e na
região de Milão, o ambrosiano. No Oriente, desenvolve-se o canto sírio e o bizantino
(Bizâncio).
Existem diferenças entre estes tipos de música litúrgica cristã, tendo em conta as
particularidades locais. No entanto, podemos citar como características comuns:
 música monódica/monofónica (uma só melodia, sem acompanhamento)
 essencialmente vocal,
 com um caráter religioso e contemplativo,
 em que normalmente o som é subordinado à palavra,
 e em que há um acentuado predomínio dos graus conjuntos.
O termo cantochão (cantus planus ou firmus) aplica-se a todos estes cantos cristãos,
designando de forma genérica a música cristã dos primeiros séculos.
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CANTO GREGORIANO
A number of factor determine the musical style of Gregorian Chant. In the first place, it is exclusively vocal
and entirely monophonic. A single melodic line, in other words, is meant to be sung without
accompaniment and without harmonic support of any kind. Music consisting of nothing but melody may
sound strange and dull to twentieth-century ears. With a little study, much listening, and an open mind,
however, one begins to appreciate the marvelous subtleties that lie behind this music´s apparent simplicity.
Gregorian Chant is music in its ourest state, fashioned consummate skill, and perfectly adapted to its
liturgical function” (Richard H. Hoppin, Medieval Music).
Continuou a verificar-se uma grande diversidade no culto cristão até ao século VIII,
momento em que irá ocorrer o estabelecimento do Canto Gregoriano.
Um momento histórico relevante é a visita do Papa Estêvão II (752-757) à Gália, em 754,
onde sagra Pepino, o Breve, Rei pela graça de Deus. Enquanto permanece no Reino dos
Francos, o Papa percebe a diferença de ritos e de canto que ali se praticava. Exorta à unidade e
deixa em território gaulês o sub-chefe da Schola Cantorum para ensinar a música romana. É
relatado em documentos escritos que o Rei Pepino ordenou a imposição do cantus romanus e a
supressão da liturgia galicana em uso. No entanto, será o seu filho, Carlos Magno (768-814),
quem irá impor o rito romano ao galicano. Interessando-se também pela aproximação a Roma,
Carlos Magno ordena, em 789, que os clérigos aprendam perfeitamente o canto romano,
impondo-o sucessivamente na Missa e no Ofício.
A assimilação do canto romano pelos Francos não foi fácil: enquanto os textos e a estrutura
litúrgica parecem ter sido absorvidos de uma forma praticamente intata, existem muitas
evidências sugerindo que as melodias - que ao contrário dos textos foram transmitidas
oralmente - foram alteradas no processo. Os estudiosos divergem amplamente quanto à natureza
e à extensão dessa alteração.
Deste modo, no século VIII, há uma fusão entre a liturgia da Gália e de Roma. O Canto
Gregoriano pode ser visto como uma revisão do Canto Romano Antigo, ou seja, como uma
recriação dos clérigos do Império Franco da tradição musical romana.
Segundo o musicólogo Bruno Staeblein, chegaram a existir em Roma, duas tradições
musicais em simultâneo: a do Canto Gregoriano, no palácio papal, e a do Canto Romano
Antigo, nos mosteiros. Helmuth Hucke, mais recentemente, afirma que “penetrando no império
franco, a liturgia romana encontrou-se com o canto galicano transformando-se no gregoriano”.
Outros musicólogos, como Willi Apel e Robert Snow, também concordam com esta conclusão:
o Canto Gregoriano nasceu na Gália como resultado do encontro do Canto Romano
Antigo com o Canto Galicano.
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Surge assim uma liturgia baseada nas duas tradições e um canto litúrgico fundamentalmente
romano com marcas galicanas bem definidas.
O Canto Gregoriano é depois imposto noutros locais do Ocidente, nos finais do século XI e
durante o século XII, fazendo com que as outras liturgias se extingam. Uma exceção é a liturgia
milanesa, que ainda sobrevive atualmente.
Designação de “GREGORIANO”
“Segundo a lenda, ao ditar, o papa fazia pausas frequentes, o que
teria intrigado os escribas que estavam separados dele por uma
cortina. Um deles, espreitando, teria visto durante uma dessas
pausas, a pomba encostando o bico à boca de S. Gregório. Esta
tradição foi fomentada durante o tempo de Carlos Magno, o qual
usou a liturgia romana como mais um elemento unificador do seu
Império”
Existe uma lenda segundo a qual o Canto Gregoriano terá sido inspirado por Deus
diretamente a S. Gregório Magno, o Papa Gregório I (590-604). Várias fontes iconográficas do
século XII apresentam a figura de S. Gregório com uma pomba ao ouvido a ditar a um copista
as melodias gregorianas. Não se sabe exatamente quando começou este mito, mas o
qualificativo “gregoriano” explica-se pela vontade de dar autoridade e universalidade ao novo
tipo de canto, utilizando-se para isso a fama musical de S. Gregório, divulgada naquela época.
Quem atribui pela primeira vez a S. Gregório uma ação musical é João Diácono, numa obra
intitulada Vida de Gregório Magno, escrita por volta de 872-875.
É assim de ressaltar a influência dos papas de Roma, em particular de Gregório I, que nos
finais do século VI levou a cabo uma reforma da liturgia romana. É atribuído a Gregório I a
codificação da liturgia, a ordenação das partes da liturgia para os vários serviços religiosos ao
longo do ano (unidade da liturgia romana).A sua figura está também associada à revisão,
sistematização e compilação das melodias gregorianas num Antiphonarium, bem como á
instituição da Schola Cantorum (“escola de cantores”), que formava padres especializados na
execução de música religiosa. Seguindo este modelo, muitas outras escolas foram fundadas por
toda a Europa.
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Estas realizações de Gregório I foram objeto de tal admiração, em particular durante o
período Carolíngio, que até se tornou numa figura lendária. No entanto, a sua contribuição real,
embora importante, terá sem dúvida sido menor do que aquela que a tradição medieval veio
posteriormente a atribuir-lhe. Conferir todo o reportório do cantochão a um único compositor é
um grande exagero. Em suma, a designação “gregoriano” é tardia e só se explica pelo hábito –
bem conhecido em vários setores culturais – de colocar ações inovadoras sob a égide e o nome
de personagens famosas.
4) Notação musical
O cantochão desconheceu até ao século IX qualquer sistema de notação: era uma simples
tradição oral. Nessa época surge a necessidade de se estabelecer uma nova forma de transmissão
de conhecimento. Num momento em que se decide impor um reportório, é preciso encontrar
uma forma de disseminá-lo. Quando o reportório se alarga excessivamente e quando é preciso
manter uma uniformidade entre regiões distantes, começam a surgir alguns sinais que deviam
ajudar a memória do cantor. Provavelmente, estes foram algumas das razões que geraram a
invenção da notação musical, mais propriamente, da notação neumática. Esta correspondia a um
sistema de sinais, os neumas, que delineavam a forma de uma melodia, embora não facultassem
sons ou intervalos exatos. No entanto, um certo grau de instrução oral representava ainda uma
parte necessária na aprendizagem do reportório.
Notação neumática: A notação neumática começa a utilizar-se no século IX, originalmente in
campo aperto, isto é, sem qualquer referência interválica definida, por cima da palavra ou
sílaba. Esta notação indicava simplesmente os contornos melódicos, ou seja, o número de notas
por sílaba, o movimento ascendente ou descendente dentro de cada sílaba e se o som de uma
sílaba é mais agudo ou mais grave do que o da sílaba anterior. Trata-se de uma notação
melódica muito imperfeita, pois a falta de uma pauta não permitia precisar os intervalos das
notas.
Nesta época distinguia-se o acutus (
), inflexão ascendente, do gravis (
), inflexão
descendente. Combinações de ambos permitiam várias inflexões ascendentes e descendentes.
Deste modo, os neumas foram criados a partir dos acentos e dos pontos inicialmente colocados
sobre as palavras.
Depois, o acutus passou a designar-se por virga (latim: vara) e o gravis, substituído por uma
linha curva ou ponto, passou a designar-se por punctum (latim: ponto). Entretanto, surgem
outras “formas de neumas” com nomes descritivos:
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História da Cultura e das Artes
Ano letivo: 2012/2013
Os neumas foram evoluindo diversamente conforme as regiões, dando origem à notação
aquitana, à notação de St. Gall, notação de Benevento, etc. Na prática, cada centro eclesial tinha
a sua própria grafia neumática.
No século XII, os neumas começam a escrever-se com uma pena de pato de bico largo,
produzindo pontos quadrados e inclinados. Surge então a notação quadrada, em que a virga
começou a ser escrita como uma forma de nota quadrada e o punctum foi alterado para a forma
de um ponto quadrado. Esta notação ficou mais tarde uniformemente ligada à notação do Canto
Gregoriano.
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História da Cultura e das Artes
Ano letivo: 2012/2013
O punctum indica movimentos descendentes, ou seja, uma nota mais grave ou permanência
no grave. A virga indica movimentos ascendentes, ou seja, uma nota mais aguda ou
permanência no agudo. O podatus ou pes indica um movimento grave-agudo e a clivis indica
um movimento agudo-grave, ambos combinações do punctum e da virga. O scandicus e o
climacus comportam três notas, ascendentes ou descendentes, tal como o torculus e o
porrectus: agudo-grave-agudo e vice-versa.
As ligações normalizadas de sinais individuais denominam-se ligaduras; assim, por
exemplo, o pes é uma ligadura de duas notas e o porrectus uma ligadura de três notas. As
combinações fixas de sinais individuais denominam-se conjunturas: assim o climacus é uma
conjuntura de 3 notas. Não há diferença de execução entre a ligadura e a conjuntura.
Notação alfabética: simultaneamente, continua-se a cultivar uma notação alfabética (de origem
Grega), na qual as notas eram designadas por letras e estas eram acompanhadas por neumas. Era
uma notação mais precisa quanto aos intervalos, mas menos precisa quanto à unidade dos
neumas.
Notação diastemática: no século XI descobre-se a vantagem de uma linha orientadora,
surgindo a chamada diastematia ou notação diastemática. Os neumas aparecem já em torno de
uma ou mais linhas, o que permite indicar a altura relativa das notas.
Inicialmente surge apenas uma linha horizontal de cor vermelha, indicando a nota Fá.
Depois, é introduzida uma segunda linha de cor amarela ou verde, indicando a nota Dó, uma
quinta acima do Fá. Estas cores eram ainda confirmadas com as letras F e C, que se
transformariam em verdadeiras claves na pauta futura. Uma terceira linha, de cor preta, foi
colocada posteriormente entre as outras duas linhas, representando a nota Lá, a uma distância de
3ª. Guido d´Arezzo, no século XII, sistematizou o uso de uma quarta linha, também de cor
preta, inserindo-se ou acima da linha do Dó, representando a nota Mi, ou abaixo da linha Fá,
representando a nota Ré, dependendo do âmbito da melodia. É assim que surge o tetragrama
gregoriano, composto por quatro linhas traçadas a intervalos de terceira, que assegura a precisão
dos intervalos. No entanto, estas linhas não indicam as alturas absolutas, mas apenas relativas,
ou seja, os neumas não designam alturas absolutas de som, mas apenas direções.
Os primeiros manuscritos surgem no século IX. A transcrição exata do canto gregoriano
data do século XI. Não se conservam manuscritos galicanos com notação musical e os do rito
romano são de 2 a 3 séculos posteriores aos mais antigos documentos musicais gregorianos.
Os tratados anónimos do século IX, como Musica enchiriadis e Scolica enchiriadis,
exerceram influência sobre as ideias de Guido d´Arezzo (c.995-1050), autor de Micrologus e
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Prologo in antiphonarium, escritos durante o século XI. Atribui-se a Guido d´Arezzo a
invenção da pauta como sistema de linhas e espaços onde se colocariam os neumas.
A pauta de 4 linhas aparece já nos finais do século IX, mas, a partir do século XIV
encontramos já a pauta de 5 linhas. Tão importante como o sistema de linhas é a invenção do
nome das notas, que Guido d´Arezzo encontrou nas primeiras sílabas dos versos da primeira
estrofe do hino de S. João Batista, e a sua aplicação sistemática – solmização – aos diversos
hexacordes verificados no sistema alfabético medieval. Este sistema completo foi ensinado
durante séculos através de um ábaco chamado “mão guidoniana” ou “mão aretina”.
Relativamente ao ritmo, não se encontram respostas na notação, pois não indicava a
duração dos neumas. O tempo e o ritmo dependiam do texto e não eram notados. Na prática
moderna, as notas do canto gregoriano são tratadas como tendo todas basicamente o mesmo
valor. As notas são agrupadas ritmicamente em grupos de duas ou três notas, sendo estes grupos
por sua vez combinados de forma flexível em unidades rítmicas mais amplas.
Transcreve para notação moderna o exemplo apresentado:
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
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EVOLUÇÃO DA NOTAÇÃO MUSICAL
Sumérios/Assírios
(Mesopotâmia)
Antigo Egito
Escrita cuneiforme
(placas de argila)
Quironomia
Notação instrumental
Grécia Antiga
(séc. V d.C.)
Base alfabética
Notação vocal
c.800 - 830
c.1000 - 1030
Notação neumática
Notação diastemática
PAUTA GUIDONIANA
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5) Canto gregoriano
PROCESSOS DE COMPOSIÇÃO
Baseados na velha conceção da composição sobre modelos, comum a culturas musicais
asiáticas, judaicas e gregas, os compositores exerciam a sua atividade utilizando fórmulas préestabelecidas que iam desde melodias-tipo até simples células centónicas. Deste modo, podemos
distinguir na música gregoriana 3 processos de composição bem clara:

Processo original: a melodia é composta originalmente para um determinado texto. Neste
caso é este quem condiciona a expressão musical. Este processo emprega-se frequentemente
na composição de Introitus, Ofertórios e Comunhões.

Processo de melodias-tipo: não se cria uma melodia nova, mas aplica-se um novo texto a
modelos do passado, com as adaptações indispensáveis. A expressão, neste caso, não
depende só do texto, mas também do modelo passado.

Processo centónico: utiliza-se material pré-existente, mas este não é agora uma melodiatipo completa mas simples fórmulas, ou células, que se podem dispor adequadamente, à
maneira de um mosaico sonoro, tendo em vista uma peça bem ordenada e com as
proporções certas.
ESTILOS DE COMPOSIÇÃO
Existem três estilos de composição: silábico, neumático e melismático. No estilo silábico
cada sílaba corresponde normalmente a uma nota musical, embora por vezes alternadas com
neumas de duas notas. É utilizado em muitos hinos e em quase todas as antífonas do Ofício.
O estilo neumático (ornamentado) ocorre quando na composição prevalecem neumas de
duas, três e mais notas sobre cada sílaba do texto. É o estilo normal das antífonas da Missa, de
alguns hinos mais solenes e do Kyrie de algumas missas.
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O estilo melismático (florido) é o estilo utilizado em composições em que a uma sílaba
corresponde um neuma longo composto de muitos elementos neumáticos. Utiliza-se sobretudo
no Tractus, no Gradual, no Aleluia da Missa e em alguns Responsórios das Matinas. Pelo seu
caráter especial, os melismas do Aleluia da Missa são chamados Jubilus, que corresponde
certamente ao próprio sentido da palavra.
ESTILOS DE EXECUÇÃO

Em conjunto

Responsorial: alternância entre solista e coro

Antifonal: alternância entre dois coros
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6) A música instrumental
Para os padres o valor da música residia no seu poder de elevar a alma á contemplação das
coisas divinas. Acreditavam também que a música podia influenciar o caráter de quem a ouvia.
A música não era utilizada tendo em vista o gozo estético, o prazer ou entretenimento, mas
estava intimamente relacionada com a religião. Só era digna de ser ouvida na igreja a música
que abria a alma aos ensinamentos cristãos. Como não acreditavam que a música sem letra
podia produzir estes efeitos, os padres excluíam a música instrumental do culto público. Os
primeiros compositores cristãos opunham-se ao uso de instrumentos musicais, talvez por causa
da sua associação com os ritos pagãos, mas também porque aos olhos dos padres da Igreja, os
instrumentistas faziam as suas atuações em contextos imorais, como os festins e o teatro.
“Quando me lembro das lágrimas derramadas ao ouvir os cânticos da vossa igreja nos primórdios da minha conversão
à fé, e ao sentir-me agora atraído, não pela música, mas pelas letras dessas melodias, cantadas em voz límpida e
modulação apropriada, reconheço, de novo, a grande utilidade deste costume. Assim flutuo entre o perigo do prazer e
os salutares benefícios que a experiência nos mostra. Portanto, sem proferir uma sentença irrevogável, inclino-me a
aprovar o costume de cantar na igreja para que, pelos deleites do ouvido, o espírito, demasiado fraco, se eleve até aos
afetos da piedade. Quando, às vezes, a música me sensibiliza mais do que as letras que se cantam, confesso, com dor,
que pequei” (Santo Agostinho, Confissões).
“O casamento é visto por todos como uma coisa honrada – e é-o, na verdade. Mas quando se celebra casamentos,
ocorrem inúmeras circunstâncias ridículas, de que vos falarei de imediato – pois muitos, dominados e possuídos pelo
hábito, não têm sequer consciências de tais absurdos, e precisam de quem os guie. Pois danças, e os címbalos, e as
flautas, e as palavras e canções vergonhosas, e a embriaguez, e as orgias, e tudo quanto o domínio tem de abjeto, é
então introduzido” (São João Crisóstomo).
“Entre as artes inúteis temos o tocar harpa, a dança, o tocar flauta, das quais, quando a operação cessa, o resultado
desaparece com ela. E na realidade, segundo a palavra do apóstolo, o resultado destas é a destruição” (São Basílio).
“Os homens que tocam música são néscios (ignorantes, estúpidos) e os maiores de todos são os cantores a cappella”
(Guido d´Arezzo).
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7) Teoria musical medieval
“A música é algo que se aprende pelo raciocínio; os intervalos refletem as proporções: tudo no
Universo é proporção”
Teóricos da Idade Média:

Boécio (c.480-626)

Aureliano de Réomé (século IX)

Hucbaldo (c.840-930)

Guido de Arezzo (c.990-1050)

João de Garlande (c.1190-?)

Franco de Colónia (século XIII)

Tiago de Liège (c.1270-?)

João de Muris (c.1290-c.1355)

Philippe de Vitry (1291-1361)
Boécio – distinção entre “três músicas”:
 Musica mundana = música do mundo, música produzida pelas esferas (os planetas) na sua
trajetórias e rotações – “os astros giram segundo órbitras e velocidades – o que é redutível
ao número; se os astros têm relações matemáticas então produzem música, nós é que não
temos a capacidade de a ouvir”.
 Musica humana = música que cada homem produz interiormente pela harmonia geral entre
a sua alma e o seu corpo; música que passa pelo nosso ser, no sentir, nas emoções.
 Musica instrumentalis = música produzida “artificialmente” pelo canto e pelos
instrumentos. Esta será a menos nobre e a que merece menos atenção, pois imita a natureza.
Idade Média: tradicionalmente, as sete artes liberais englobam, desde a Idade Média, dois
grupos de disciplinas: de um lado, o trivium e do outro, o quadrivium. O trivium (lógica,
gramática e retórica) concentra-se no estudo do texto literário por intermédio de três ferramentas
da linguagem pertinentes à mente. O quadrivium (aritmética, música, geometria, astronomia)
engloba o ensino do método científico por meio de quatro ferramentas relacionadas à matéria e
à quantidade. A música estava assim incluída no grupo de disciplinas matemáticas, que tinham
os números como principal objeto de estudo.
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8) Sistema musical gregoriano
O sistema musical gregoriano recebeu uma influência tanto dos oktoechos (“oito modos”)
da Igreja Bizantina Ocidental, como dos escritos teóricos gregos, em larga medida tal como
transmitidos por Boécio.
Os modos gregorianos, também designados por modos eclesiásticos (modi), foram
sistematizados no século IX pelos teóricos Aurelianus Reomensis e Odo de Cluny. No entanto,
o seu desenvolvimento foi um processo gradual e a sua forma acabada foi atingida por volta do
século XI.
Os modos eclesiásticos assumiram os nomes das escalas gregas, mas na sequência de um
mal-entendido, e ao contrário do que se passava na Antiguidade grega, o dórico começa em Ré,
o frígio em Mi, o lídio em Fá e o mixolídio em Sol.
Tal como na Grécia Antiga, o mais importante não é a altura absoluta dos sons, mas sim as
relações entre os graus. Os modos eclesiásticos são, pois, géneros de oitava ou géneros tonais
comparáveis aos modos maior e menor. Podem por isso ser transpostos, ou seja, construídos a
partir de qualquer nota. Por exemplo, o dórico a partir de sol, com um bemol na armação de
clave, passa a ser transposto a uma quarta superior. As notas que normalmente se associam a
cada modo foram escolhidas simplesmente porque as relações intervalares permitem um número
mínimo de acidentes. Na Idade Média, a única alteração utilizada era o si bemol, permitindo
passar da forma autêntica de um tom à forma plagal sem mudar de tessitura (ambitus).
O caráter dos modos eclesiásticos não é determinado apenas pelas relações entre os graus,
mas também pelos fatores característicos das melodias homofónicas ou monódicas. Três
elementos caracterizam um modo eclesiástico:
Finalis (nota final) – nota de destino e de repouso, final; uma espécie de tónica.
Tenor (tuba, repercussio) – nota melódica principal, uma espécie de dominante.
Ambitus (âmbito) – extensão, normalmente de uma oitava, mas eventualmente acrescida de
uma nota inferior e de duas superiores.
Até ao século XVI distinguem-se na teoria gregoriana quatro finalis (ré, mi, fá e sol), que
determinam, cada uma, uma quinta modal característica, a que se acrescenta um tetracorde, ao
agudo ou ao grave, para formar a oitava modal. Se o tetracorde complementar for ao agudo, o
modo chama-se autêntico; se for ao grave, chama-se de plagal. Trata-se de duas formas do
mesmo modo, agudo e grave, que se consideram depois como modos diferentes, numerados de
1 a 8.
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História da Cultura e das Artes
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Nos modos gregorianos é muito importante a posição dos meios-tons.
Protus autêntico
RÉ
MI
T
FÁ
½T
SOL
T
LÁ
T
SI
T
DÓ
½T
RÉ
T
Deuterus autêntico
MI
FÁ
½T
SOL
T
LÁ
T
SI
T
DÓ
½T
RÉ
T
MI
T
Tritus autêntico
FÁ
SOL
T
LÁ
T
SI
T
DÓ
½T
RÉ
T
MI
T
FÁ
½T
Tetrardus autêntico
SOL
LÁ
T
SI
T
DÓ
½T
RÉ
T
MI
T
FÁ
½T
SOL
T
Cada modo é definido pela sua organização intervalar. Esta organização combinada com a
alteração do Si natural para bemol faz com que o mesmo modo possa ter duas ou três finales. É
o caso do Protus, que pode ser construído a partir de Ré, Sol ou Lá, as chamadas transposições.
Embora com a mesma finalis, há peças cujo âmbito se desloca a uma quarta inferior.
Surgem assim quatro modos plagais, cujo âmbito se desloca então uma quarta abaixo, de
modo a que a finalis se situa a meio da escala. Portanto, os modos autênticos e plagais têm a
mesma finalis, mas os tenores são diferentes, tal como o âmbito. Nos modos autênticos o
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âmbito situa-se por inteiro acima da finalis, enquanto nos modos plagais a finalis é a quarta nota
a contar do início da oitava. Desta forma, o primeiro e o oitavo modos têm o mesmo âmbito,
mas finales e tenores diferentes. Na prática, porém, um cântico num modo autêntico desce uma
nota abaixo da final, enquanto os cânticos em modos plagais podem subir para além da oitava
plagal.
Os oito modos foram assim numerados: protus autêntico (dórico), protus plagal
(hipodórico), deuterus autêntico (frígio), deuterus plagal (hipofrígio), tritus autêntico (lídio),
tritus plagal (hipolídio), tetrardus autêntico (mixolídio) e tetrardus plagal (mixolídio).
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A única alteração legitimamente utilizada na notação do canto gregoriano é o Sib. Em certas
circunstâncias, o Si era bemol no primeiro e no segundo modos e, também ocasionalmente, no
quinto e sexto modos. Esta alteração era utilizada, essencialmente, para evitar o trítono
(intervalo de quarta aumentada) entre fá e si. Os acidentes tornavam-se, é claro, necessários
quando uma melodia era transposta.
CLAVES: as claves (colocadas no início de uma pauta para denotar a nota de uma das suas
linhas e, portanto, de todas as outras linhas) começaram a ser sistematicamente utilizadas em
manuscritos litúrgicos do século XI, onde tomam a forma de simples letras. As claves de Fá e de
Dó eram as mais utilizadas, por isso, as letras “F” e “C” rapidamente são formalizadas como
“claves”. A clave de sol, originada a partir da letra “G”, tornou-se comum no século XV.
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Guido d´Arezzo e o sistema de hexacordes
Guido d´Arezzo (c.990-c.1050), monge beneditino, foi autor de Micrologus (trata da
notação alfabética, intervalos, modos, organum, etc.), o tratado mais famoso até ao século XV.
A fim de conseguir que a posição das notas fosse fixada com maior facilidade, e desse modo
desenvolver um sistema para cantar à primeira vista melodias desconhecidas, Guido d´Arezzo
propôs uma série de sílabas, ut, ré, mi, fá, sol, lá, para ajudar os cantores. As sílabas derivam
do texto do Hino de S. João Batista (datando, pelo menos, do ano 800) que Guido terá talvez
musicado de forma a ilustrar a sequência:
Cada uma das seis frases do hino começa com uma das notas da sequência, por ordem
regularmente ascendente. Através destas sílabas foram atribuídos nomes às seis primeiras notas,
ainda hoje em uso, com a diferença de que (à exceção dos músicos franceses, que continuam a
utilizar o ut) dizemos dó em vez de ut e acrescentamos um ti (si em italiano e em francês) acima
do lá. Nesta sequência de seis notas, o meio-tom está sempre entre mi e fá. Partindo do sistema
de notação baseado em letras, estas sílabas eram acrescentadas para às letras para precisar a
oitava e o seu aspeto.
Depois, o modelo da solmização (atribuição de uma sílaba distinta a uma nota) deu origem a
um sistema de hexacordes, de ut a lá. Constituído por seis notas, o hexacorde pode ser
construído a partir de Dó, Sol e Fá.
Hexacorde
Nota Si
Nome
Ut
Não inclui a nota si
Hexacorde natural
Sol
Si natural - “b quadrado” (b quadrum ou durum)
Hexacorde durum
Fá
Si bemol - “b redondo” (b rotundum ou mollis)
Hexacorde mollis
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Os teóricos medievais, à imitação da notação alfabética grega, aplicaram o alfabeto latino à
série de 2 oitavas de Lá a lá, acrescentando-lhe uma nota inferior, a que chamaram Gamma.
Deste modo, cada nota dentro da tessitura medieval de duas oitavas e uma sexta seria designada
de duas maneiras: pela sua letra, na notação alfabética, que indica a altura absoluta do som; e
pela sua posição nos três hexacordes (por exemplo, a nota lá3, a na notação alfabética, é lá no
hexacorde natural, mi no hexacorde mollis e ré no hexacorde durum.
Cada hexacorde possui seis notas com distâncias fixas entre elas: dois tons inteiros
inferiores, um meio-tom central e dois tons inteiros superiores. Surge assim um sistema
hexacordal, semelhante aos tetracordes gregos, em que a mesma relação intervalar (TTSTT) se
mantém em diferentes alturas. A distribuição dentro do sistema originava 7 hexacordes, num
âmbito de duas oitavas mais uma sexta, que se sobreponham parcialmente e que o cantor
memorizava. Deste modo, cada nota, dentro desta tessitura, seria designada por duas maneiras:
pela sua letra na notação alfabética, indicando a altura absoluta do som; e pela sua posição nos 3
hexacordes (por exemplo, o lá3, a na notação alfabética, designa-se por lá no hexacorde natural,
por mi no hexacorde mollis e por ré no hexacorde durum).
No reportório gregoriano é rara a peça que permanece dentro de um só hexacorde. Se a
melodia ultrapassava a extensão de um hexacorde, passava-se a tempo para outro hexacorde,
processo que se denomina por mutatione ou mutança, ou seja, mutações de hexacordes que são
verdadeiras modulações tonais. Em suma, estamos a falar de uma técnica de pensar em
hexacordes e de cantar segundo sílabas correspondentes às notas, em que os cantores facilmente
recordavam a posição do meio-tom ou facilmente voltavam a encontrá-lo no caso de ocorrer
uma mutança.
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A teoria dos hexacordes é importante porque permite determinar mais do que uma finalis
para o mesmo modo, isto é, saber que a finalis de cada modo pode corresponder a diversas notas
reais. A solmização hexacórdica manteve-se até depois da entrada no século XVI, modificandose então levemente e ampliando-se à oitava: dó re mi fa sol lá ti/si dó. Sob esta forma, continua
em uso até hoje.
Um auxiliar pedagógico muito utilizado era a chamada mão guidoniana. Os alunos
aprendiam a cantar intervalos enquanto o mestre apontava com o indicador da mão direita as
diversas articulações da mão esquerda, que representavam uma das vinte notas do sistema.
Nenhum tratado de música da Idade Média ou do Renascimento ficava completo sem um
desenho desta mão.
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IDENTIFICAÇÃO DO MODO
1) _________________________________________________________
2) _________________________________________________________
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3) _________________________________________________________
4) _________________________________________________________
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9) Desenvolvimentos posteriores do cantochão
TROPO: a palavra Tropo parece derivar de tropo, tropare = compor. Consiste num acrescento
ou complemento para um dos cânticos antifonais do Próprio da Missa (a maior parte das vezes
para o Introitus); mais tarde também surgiram acrescentos semelhantes para os cantos do
Ordinário da Missa (especialmente o Glória).
Consistindo em ampliações, os tropos podem ser puramente musicais, isto é, vocalizos que
se acrescentam, em alguns pontos, às melodias tradicionais; tropos constituídos por novos
textos, que se inserem num trecho utilizando num percurso silábico um melisma já presente na
mesma peça; tropos que inserem no trecho original um novo texto com uma nova música.
Quanto à sua colocação, distinguem-se: tropos de introdução, cantados como premissa aos
trechos litúrgicos; tropos intercalares, segmentos que se inserem entre os incisos ou as estrofes
do canto litúrgico tradicional; tropos de conclusão, que constituem um novo final.
Os tropos floresceram, especialmente nas igrejas monásticas nos séculos X e XI. No século
XII começaram a desaparecer gradualmente.
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História da Cultura e das Artes
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SEQUÊNCIA: as sequências apresentam a segunda novidade que se afirma a partir da era
carolíngia, graças sobretudo aos mosteiros que, no século X, constituem os seus centros de
difusão mais ativos. A sequência é na verdade um caso particular do tropo. Originalmente, era
um simples tropo textual sobre os melismas do Aleluia da Missa, para transformar-se, depois,
num tropo melódico-textual, ou de complemento ao canto do Aleluia. Uma vez independente do
canto que lhe deu origem transforma-se numa forma de canto popular durante a alta Idade
Média.
As sequências, em especial do estilo mais recente, gozaram de tal predileção na Idade
Média que ocuparam um grande âmbito na liturgia. O seu número ascendeu a aproximadamente
5000. O Concílio de Trento, no século XVI, limitou o seu número na liturgia oficial romana da
Missa a 4:

Victimae paschali laudes, de Wipo de Borgonha, uma sequência de Páscoa

Veni sancte spiritus, de Stephan Langton, para o Pentecostes

Lauda Sion, de São Tomás de Aquino, como sequência para a festa do Corpo de Deus

Dies Irae, de Tomás de Celano, como sequência do Réquiem
A estas sequências foi acrescentada, em 1727, uma quinta sequência:

Stabat mater, do franciscano Jacopone da Todi ou de São Boaventura, para a festa das Sete
Dores de Maria (15 de setembro)
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DRAMA LITÚRGICO: a partir dos tropos do Introitus da Páscoa e do Natal, desenvolveramse diálogos cantados. No século X, estes diálogos passaram a ser dramatizados, dando lugar a
múltiplas encenações e abrindo precedentes para verdadeiras peças de teatro musical religioso.
Surgem assim pequenas representações sacras independentes.
As rubricas de algumas peças mostram que eram, por vezes, utilizados um palco, cenários,
trajes próprios e clérigos atores. A música era, porém, o principal embelezamento e o recurso
expressivo complementar dos textos litúrgicos. Existem autores que apelidam estes dramas de
“Dramas Musicais” ou até de “Óperas Medievais”, considerando os dramas litúrgicos um dos
antecedentes da ópera.
Sobrevive uma descrição bastante detalhada de uma representação deste drama litúrgico, em
finais do século X, na catedral de Winchester:
Durante a terceira leitura, quatro irmãos vestem-se. Destes, um, vestido com uma alva, entra como se
fosse participar na missa, e aproxima-se do sepulcro sem chamar a atenção, ficando aí sentado com uma
oliveira na palma da mão. Enquanto se canta o terceiro responsório, os outros três seguem-no, vestidos
com capas de Asperges e transportam na mão turíbulos com incenso; e devagar, como se procurassem
algo, vêm à frente do sepulcro. Tudo isto é feito à semelhança do anjo sentado no monumento e das
mulheres (Maria, mãe de Tiago, Maria Madalena e Salomé) que vieram ungir o corpo de Jesus. Quando
o que está sentado vê os outros à procura, começa a cantar em voz suave, num registo médio:
- Quem procurais no sepulcro?
E, quando ele acaba de cantar, os outros respondem em uníssono:
- Jesus de Nazaré, que foi crucificado.
Então, o primeiro:
- Não está aqui. Ressuscitou, como tinha predito. Ide anunciar que ele ressuscitou da morte. A
estas palavras, os três viram-se para o coro dizendo:
- Aleluia! Hoje ressuscitou o Senhor, o Cristo, o Filho de Deus. Dai graças ao Senhor.
Então, o que está sentado canta, com a relembrar-lhes, a antífona:
- Vinde ver o lugar onde o senhor foi sepultado.
E dizendo isto tira o véu e mostra o lugar da cruz, vazio, apenas com os panos em que esta estivera
envolvida; e ao verem isto, pousam os turíbulos no sepulcro, e pegam nos panos, mostrando-os perante o
clero. E, como para mostrar que o senhor ressuscitara e já não estava envolvido neles, cantam esta
antífona:
- O Senhor, que por nossa culpa foi crucificado, ressuscitou da sua sepultura.
E põem os panos sobre o altar. E acabando a antífona, o Prior, festejando com eles o triunfo do nosso
Rei que, vencendo a morte ressuscitou, começa a cantar o hino:
- Te Deum Laudamus (Louvamos-te ó Deus).
E, começando este. Todos os sinos tocam juntos.
Ethelwood (Bispo de Winchester)
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Os dramas litúrgicos rapidamente se transformam em peças teatrais de maior dimensão, o
que levou as autoridades eclesiásticas a regulamentarem o seu uso na Liturgia. No entanto, a
ideia base permaneceu e surgiram novas formas de encenação musical, embora já fora da Igreja.
É o caso dos Milagres (representações de lendas miraculosas) e os Mistérios (dramas da Paixão
de Cristo), entre os séculos XIV a XVI, em vernáculo e já não em latim. Tais representações
dramáticas, usavam a música apenas incidentalmente para procissões, fanfarras e danças, etc.
Em Itália eram conhecidas como Sacre Rappresentazioni; em Portugal e Espanha como Autos.
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Guido of Arezzo [Aretinus]
(b c991–2; d after 1033). Music theorist. His fame as a pedagogue was legendary in the
Middle Ages and he is remembered today for his development of a system of precise pitch
notation through lines and spaces and for propagating a method of sight-singing which relied
upon the syllables ut, re,mi, fa, sol, la. His Micrologus is the earliest comprehensive treatise
on musical practice that includes a discussion of both polyphonic music and plainchant. It
was used throughout the Middle Ages in monasteries, and from the 13th century also in the
universities. Next to the treatise of Boethius it was the most copied and read instruction book
on music in the Middle Ages; its text is preserved in at least 70 manuscripts from the 11th
century to the 15th.
1. Life
The main events of Guido’s career can be reconstructed from his letter dedicating
the Micrologus to Bishop Theodaldus, and from his letter to his friend, Brother Michael of
Pomposa. These two documents, however, lack dates. The date of Guido’s birth can be
narrowed down to the period 990–99 through the explicit of a manuscript of the Micrologus,
now lost, but which stated that its composition was finished at the age of 34 in the papacy of
John XIX (who reigned between 1024 and 1033). Smits van Waesberghe’s conclusion that
the work dates from around 1028–32 would put his birthdate between 994 and 998. Hans
Oesch’s dating of the Micrologus at 1025–6, on the other hand, would place the birthdate
around 991.
Guido was educated in the Benedictine abbey of Pomposa on the Adriatic coast near Ferrara.
While at Pomposa he built up a reputation for training singers to learn new chants in a short
time. He and a fellow brother, Michael, drafted an antiphoner, now lost, which was notated
according to a new system. These innovations attracted attention from other parts of Italy,
whereas at Pomposa they drew the envy and scorn of their Benedictine brothers.
Around 1025 Guido moved to Arezzo, where there was no monastery. He came under the
protection of Theodaldus, Bishop of Arezzo between 1023 and 1036. The bishop assigned
him the task of training singers for the city’s cathedral. The Micrologus was dedicated to and
commissioned by him. Probably not long after its completion Guido was called to Rome by
Pope John XIX, who had seen or heard of the antiphoner and its unique notation as well as
of Guido’s novel teaching methods. He was accompanied on this visit, which took place
probably around 1028, by Dom Peter of Arezzo, Prefect of the Canons, and Abbot Grunwald
of Arezzo (Abbot perhaps of Badicroce, 15 km to the south).
Because of ill-health and the damp heat of summer Guido left Rome with a promise to return
in winter to explain further his antiphoner and its notation to the pope and the clergy. He then
paid a visit to Abbot Guido of Pomposa, who counselled him to avoid the cities, where
almost all the bishops were accused of simony, and settle in a monastery, inviting him to
return to Pomposa. However Guido apparently chose a monastery near Arezzo, probably that
of Avellana of the Camaldolese order. Several Camaldolese manuscripts are the oldest
exhibiting the Guidonian notation.
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2. Writings
(i) Chronology
The chronology of Guido’s writings is uncertain. The Prologus and Regulae rhythmicae were
both intended as guides to the use of the antiphoner which contained the new
notation. Guido apparently drafted it together with his friend Michael in Pomposa, for in
the Epistola to Michael he spoke of ‘nostrum antiphonarium’ (‘our antiphoner’). Both
the Prologus and Regulae rhythmicae describe the new notation, of which, on the other hand,
there is no trace in the Micrologus. The Epistola, written immediately after the trip to Rome,
mentions all of these previous works. The date of the trip to Rome, which must have taken
place before Pope John XIX’s death in 1033, is thus the key to dating all Guido’s works.
The Micrologus must have been written after 1026, because in the letter dedicating it to
Bishop Theodaldus, Guido praised him for having ‘created by an exceedingly marvellous
plan the church of St Donatus’, which was commissioned from the architect Adabertus
Maginardo in 1026 and completed in 1032. The antiphoner was at least started in Pomposa
but it and its prose and verse prologues were probably not finished until 1030.
(ii) Prologus in antiphonarium
In this prologue to his antiphoner Guido lamented the time young singers spent learning
chants by heart and pointed out the advantages of a system of lines identified as to height of
pitch, permitting the sight-singing of unknown chants. ‘So that you may better detect these
levels [of pitch], lines are drawn close together, and certain levels of notes become these
same lines, while certain others fall between the lines, in the intermediate distance or space
between the lines’ (GerbertS, ii, 35b). Further, he proposed that ‘whichever lines or spaces
you wish are preceded by certain letters of the monochord [e.g. A to g] and also colours are
marked over them’. How many lines are to be drawn and identified or coloured Guido left
unspecified. He himself, he said, used two colours: yellow for C, red for F. The reason for
calling attention to these two steps of the gamut is that below C and F fall the semitones, the
location of which had always presented a problem in reading diastematic neumatic notation.
Thus the singer is liberated from having to use a tonary – a repertory of chants arranged by
mode – to locate the starting tones and finals.
Both the key-letters and coloured lines, separately or in combination, are to be found in
manuscripts from central Italy from the 11th and 12th centuries, showing the influence
of Guido’s antiphoner, which is itself lost. The coloured lines disappeared in the 13th
century, while the key-letters survive to the present day in the guise of F, C and G clefs.
(iii) Micrologus
This work is addressed to singers, and its object is to improve their skill in using the new
notation and in singing both familiar and unfamiliar chants at sight. Guido encouraged the
use of the monochord for learning the precise distance of intervals. He recognized a gamut of
21 steps, as shown in ex.1, including two forms of b in the upper two octaves, which extends
upwards by the 5th the gamut set forth in the Dialogus (usually attributed to Abbot Odo but
probably – according to Huglo – written by an anonymous Lombard). Guido derived the
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intonation of this gamut by both a conventional division of the monochord and a new one
which reduced the number of measurements to five, a method adopted as the mensura
Guidonis by a number of Guido’s successors, notably Johannes Cotto.
Guido preferred the designations ‘modes’ or ‘tropes’ to ‘tones’, and the terms ‘protus’,
‘deuterus’, ‘tritus’ and ‘tetrardus’ to the numbering from one to eight, although his four
modes divide into eight through the authentic–plagal distinction. The chief determinant of
modality for Guido was the final note of a chant and the relationship of all previous notes to
it, particularly the initial note and the endings and beginnings of a chant’s distinctiones or
phrases. He spoke in some detail about the allowable descent and ascent from the final, and
wondered at the diversity of appeal of the modes, ‘one person being attracted to the lame
hops of the authentic deuterus, another to the joyfulness of the plagal of the tritus, one by the
volubility of the authentic tetrardus, and another by the sweetness of the plagal of the
tetrardus’ (chap.xiv).
One of the most original chapters in the Micrologus is that on the composition of melodic
lines (chap.xv). Here Guido compared the parts of a melody to those of verse, the individual
sounds being analogous to letters, and groups of them to syllables, while groups of syllables
make up a neume, parallel to a ‘part’ or foot in poetry; several neumes make up a
‘distinction’, which, like the end of a line, is a suitable place to breathe. The end of each part
of a melody is marked by a held note or pause, shorter or longer depending on the structural
level of the part, being shortest for the ‘syllable’, longest for the ‘distinction’. It is in this
connection that Guido made a suggestion that has given rise to controversy, when he said that
‘it is good to beat time to a song as though by metrical feet’.
Guido advocated arranging neumes in a composition so that their lengths are equal or in
simple ratios to each other, varying the number of units as the poet juxtaposes different feet
in a verse. Lengths of phrases or ‘distinctions’ should also bear such relationships to each
other. Like the boundless multitude of words created out of a few syllables, all chant is made
by joining only six intervals either in upward or downward sequence, that is arsis or thesis,
with the intermixture of single and repeated notes. How these various kinds of motion are
combined forms the subject of Guido’s theory of motus, and their permutations are
demonstrated in a diagram that challenged the ingenuity of medieval illustrators. These
considerations led Guido to suggest a mechanical method of melodic invention or
improvisation (chap.xvii) through lining up with the rising steps of the gamut the vowels a e i
o u as shown in ex.2.
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Guido’s chapter on diaphony or organum (chap.xviii) is one of the most important documents
for the history of counterpoint. He regarded the parallel organum in 5ths and octaves
described in Musica enchiriadis as rough, admiring the ‘softer’ effect achieved by
suppressing the semitone and diapente as simultaneous sonorities and preferring the
diatessaron, ditone, tone and semiditone, in that order. To avoid the tritone in organizing by
parallel 4ths Guido devised a set of rules for oblique motion, while for achieving cadence he
adopted a method of converging towards the unison or occursus through the 3rd or 2nd.
(iv) Regulae rhythmicae
The full title in some manuscripts of the didactic poem, Regulae rhythmicae in antiphonarii
prologum prolatae, suggests that it was a poetic form of the prologue to his antiphoner. At
the same time it expounds briefly some of the doctrine in Micrologus: that is, the gamut, the
intervals, the modes and their finals, with the addition of a subject missing in the treatise,
namely a description of the notation by coloured and lettered lines.
(v) Epistola de ignoto cantu
It was only in the letter to his friend Brother Michael that Guido took up the method of
teaching the reading of new melodies by means of the syllables ut, re, mi, fa, sol, la, derived
from a hymn to St John (see [not available online], fig.). Although the text of the hymn Ut
queant laxis is found in a manuscript of c800 and by an old tradition is ascribed to Paulus
Diaconus, the melody in question was unknown before Guido’s time and never had any
liturgical function. It is probable that Guido invented the melody as a mnemonic device or
reworked an existing melody now lost. The function of the hymn melody was to supply
easily remembered phrases of melody or ‘neumes’ (as he referred to them) for each step of
the central part of the gamut, namely the notes CDEFGa. Guido introduced the hymn in
the Epistola with these words: ‘If you wish to learn some note or neume … you must observe
the same note or neume at the head of some very well-known melody, and for every note you
wish to learn have at hand such a melody that begins by the same note, as this melody does
that I use in teaching boys …’ (GerbertS, ii, 45a; ex.3).
He then explained that in this melody six different notes begin the six different phrases of the
melody, so that each phrase can serve as an aid to a singer wishing to read a particular
neume. The Ut queant laxismelody could be used in two ways: by a singer hearing an
unwritten melody and wishing to notate it, when he would match the order of tones and
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semitones in the appropriate phrase of Ut queant to the unwritten phrase; or in learning an
unknown written melody, in which case he must match the notated neumes to the familiar
phrases of the Ut queant and thereby derive the sound of the unknown neumes. ‘Hearing
some unwritten neume, consider which phrase [of the hymn] most agrees with the end of the
neume, so that the last note of the neume and the first of the phrase [of the hymn] are unisons
…. On the other hand, if you wish to begin to sing some written melody, you must be very
careful that you end each neume properly so that its end fits the beginning of the phrase [of
the hymn] whose first note begins on the note with which the [unknown] neume ends’.
Writings
 Prologus in antiphonarium
 Micrologus
 Regulae rhythmicae
 Epistola ad Michaelem
Claude V. Palisca, “Guido de Arezzo”, Grove Music Online, Oxford Music Online, Oxford University Press
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