DETERMINAÇÃO DO PARÂMETRO CN PARA SUB

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DETERMINAÇÃO DO PARÂMETRO CN PARA SUB
DETERMINAÇÃO DO PARÂMETRO CN PARA SUB-BACIAS URBANAS
DO ARROIO DILÚVIO - PORTO ALEGRE/RS
Rutinéia Tassi1; Daniel G. Allasia2; Adalberto Meller2; Talita C. Miranda3; Josiane Holz3 & André
L. L. da Silveira4
RESUMO --- A maioria das metodologias utilizadas no dimensionamento de obras de drenagem
urbana são baseadas na disponibilidade do dado de vazão. Entretanto, freqüentemente, este tipo de
informação não se encontra disponível. Neste caso se utilizam métodos sintéticos para determinação
da vazão de projeto, entre os quais pode-se citar o Método da Curva-Número do SCS, um dos mais
utilizados para este fim. O método tem como principal parâmetro o CN, que caracteriza o uso e a
ocupação do solo na bacia. Dada a importância deste parâmetro, este artigo apresenta o processo
metodológico empregado na obtenção do parâmetro para algumas sub-bacias urbanas da cidade de
Porto Alegre-RS, bem como os resultados encontrados. Esse trabalho também tem como objetivo a
apresentação de valores médios para o CN, que possam ser utilizados por projetistas nas bacias
analisadas ou bacias com características semelhantes. Os resultados contradizem à atual “crença” de
que os planejadores e projetistas acabam adotando valores de CN elevados para ficar “a favor da
segurança”, já que em todas as bacias os valores calibrados foram superiores aos determinados em
diferentes projetos anteriores.
ABSTRACT --- Most of the design methodologies used in urban drainage are based on the
availability of the flow data. However, frequently, this type of information is not available. In this
case, synthetic methods for rainfall-runoff transformation are used for determination of the design
flow. Amongst these methods, the methodology of the Curve Number (TR-55) is one of the most
used. The method has as main parameter the CN, which characterizes the land use and occupation
of the basin. Due the importance of this parameter, this paper presents the methodological process
employed in the determination of CN for some urban sub-basins in the city of Porto Alegre-RS
(Brazil) as well the results obtained. This work also has as objective the presentation of average
values that could be used by designers in the analyzed basins or in basins with similar
characteristics. The results contradict the current "belief" that the designers adopt higher values of
CN "on behalf of the security", since in all the basins the calibrated values were higher than ones
determined in different previous projects.
Palavras-Chave: CN, drenagem urbana, modelagem hidrológica.
1) Professora da FURG (Fundação Universidade Federal do Rio Grande) - Setor de Hidráulica e Saneamento - Departamento de Física. Av. Itália, km
8/sn. Rio Grande-RS. E-mail: [email protected]
2) Aluno de Doutorado do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS. Caixa Postal 15029, CEP 91501-970, Porto Alegre.
3) Aluno de Graduação em Engenharia Civil da FURG - Setor de Hidráulica e Saneamento - Departamento de Física.
4) Professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS. Caixa Postal 15029, CEP 91501-970, Porto Alegre.
I Simpósio de Recursos Hídricos do Sul-Sudeste
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1. INTRODUÇÃO
Ao fazer o dimensionamento de uma obra de drenagem urbana, o projetista freqüentemente se
depara com a indisponibilidade de dados de vazão, necessários para o dimensionamento da maioria
das obras hidráulicas. Na falta de dados observados, se utilizam métodos sintéticos (transformação
de precipitação em vazão) para determinação da vazão de projeto, entre os quais se destacam o
Método Racional e o Método da Curva-Número (em conjunto com uma metodologia de geração de
hidrograma, por exemplo HU, HUS-SCS, etc...), muito utilizados na prática da engenharia no
Brasil.
Por mais simplificada que seja a metodologia empregada no dimensionamento das obras de
drenagem, como é o caso do Método Racional, sempre há a necessidade de se determinar
parâmetros que representem a situação de projeto. Um dos parâmetros mais importantes nesse
processo diz respeito à caracterização do uso e cobertura do solo, que possui grande influência na
determinação da precipitação efetiva. No caso de uso do Método Racional, o parâmetro relacionado
com a caracterização do uso e ocupação do solo é o “Coeficiente de Escoamento”. No Método do
Soil Conservation Service (SCS), o parâmetro que caracteriza o uso e ocupação do solo é o CN
(Curva-Número).
Em uma situação de inexistência de dados para determinação desses parâmetros, o projetista
passa por um processo de “estimativa sem calibração” do parâmetro (muitas vezes um tanto
subjetiva), com base nas informações disponíveis como mapas de uso e ocupação do solo,
fotografias aéreas, imagens de satélite, entre outras, combinadas com mapas de caracterização do
tipo de solo. Mesmo com uma análise criteriosa da base de dados citada, o parâmetro obtido pode
não ser adequado para a região em estudo, dada a complexidade e não-linearidade dos processos
que ocorrem em uma bacia hidrográfica. Além disso, os parâmetros apresentados em manuais e
tabelas foram concebidos para utilização em outros países, que possuem clima e solos com
características diferentes dos solos brasileiros.
Como conseqüência da estimativa de um parâmetro, pode-se super-dimensionar uma obra,
aplicando recursos financeiros que poderiam ser disponibilizados para fins nobres como a saúde e
educação; ou pode-se ter obras sub-dimensionadas, que estarão suscetíveis a inundações decorrentes
de chuvas com tempos de retorno inferiores ao utilizado no dimensionamento das redes de
drenagem, causando grandes transtornos à população.
Para ressaltar a importância do estabelecimento de um parâmetro à níveis aceitáveis, pode-se
citar o trabalho realizado por Allasia (2002). Nesse trabalho, o autor avalia os custos relacionados
com o dimensionamento das obras de drenagem urbana e relaciona os mesmos com as incertezas
envolvidas na estimativa de vários parâmetros. O CN, do método do SCS, foi um dos parâmetros
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analisados pelo autor, que concluiu que entre os parâmetros utilizados para o dimensionamento da
drenagem urbana o CN é o de maior impacto na vazão e, conseqüentemente, no custo da rede de
drenagem. Os resultados indicaram que para cada R$ 1 (um real) investido em uma rede de
macrodrenagem urbana, um erro comum de 10% (de super ou sub-estimativa) no CN custa aos
cofres públicos entre R$ 0,45 (quarenta e cinco centavos) e R$ 1,10 (um real e dez centavos),
dependendo do cenário (Allasia, 2002; Allasia e Villanueva, 2005a; Allasia e Villanueva, 2005b).
Desta forma, é possível observar que pequenos desvios na determinação do parâmetro CN
resultam em grandes custos para a sociedade. Por exemplo, os valores citados no parágrafo anterior
indicam que os erros usualmente cometidos na estimativa do CN representariam R$ 10.000.000 na
instalação da rede de macrodrenagem da bacia hidrográfica do Arroio da Areia, na cidade de Porto
Alegre (que representa cerca de 2% da área municipal). Se desse valor fosse economizado R$
1.000.000, poderiam ser alimentados 40.000 alunos durante todo o ciclo letivo (Rio Grande do Sul,
2004).
O método do SC também vem sendo utilizado também para a determinação do volume de
armazenamento em reservatórios de detenção, utilizados no controle de enchentes urbanas. Neste
sentido, Tassi (2002) dimensionou reservatórios para valores de CNs variando entre 62 e 80, e
verificou diferenças significativas nos volumes de armazenamento (40%) e vazões de projeto
(70%).
Dada a importância da estimativa do CN, esse trabalho apresenta um processo metodológico
empregado na obtenção do parâmetro CN para algumas sub-bacias urbanas da Bacia do Arroio
Dilúvio, em Porto Alegre-RS, bem como a variabilidade dos resultados encontrados. Esse trabalho
também tem por objetivo a obtenção de valores médios para o parâmetro, que possam ser utilizados
em estudos realizados nas bacias hidrográficas analisadas ou com características semelhantes.
1.1. Antecedentes
A determinação dos parâmetros de modelos de separação do escoamento tem sido a
preocupação de pesquisadores em vários países, e o Brasil não foge à regra. Entre as pesquisas
brasileiras neste sentido, destaca-se o trabalho de Germano e Tucci (1995), que analisaram 33
eventos (precipitação-vazão) e determinaram o valor do parâmetro CN em 24 bacias urbanas em
Porto Alegre, Joinville, Curitiba, São Carlos e Rio de Janeiro. Na época os autores concluíram que
os valores obtidos não se afastavam de forma significativa daqueles que seriam estimados através
de tabelas e manuais normalmente utilizados.
Em São Paulo, no desenvolvimento do Plano Diretor de Drenagem Urbana da Bacia
Hidrográfica do Alto Tietê (SIGRH, 1999), foram calibrados valores de CN para 99 bacias. O
modelo adotado para a simulação foi o CABC da FCTH (http://www.fcth.br/software/cabc.html).
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Nesse modelo, o uso do solo pode ser considerado de duas formas: a) parcela impermeável
diretamente conectada ao curso d’água (considerada com CN=100); b) parcela impermeável e
permeável não conectada diretamente. O resultado obtido na calibração foi muito bom, no entanto,
devido à forma de representação do uso do solo no modelo, a parte impermeável não tem
representatividade em termos de CN, resultando em valores muito baixos do parâmetro para a
porção permeável. Assim, os valores do parâmetro CN encontrados na calibração praticamente não
geram escoamento superficial na aplicação convencional do Método do SCS, além de serem
incoerentes com os valores tabelados para o solo da região. Esse fato chama a atenção para a
determinação da chuva efetiva de modelos tipo o CABC e HEC-1, que devem ser utilizados com
cautela, avaliando sempre o verdadeiro significado do valor do parâmetro CN a ser introduzido nos
modelos.
Nos Planos Diretores de Drenagem Urbana das cidades de Porto Alegre (IPH/DEP, 2002),
Caxias do Sul (IPH/SAMAE, 2002) e Flores da Cunha (IPH/PMFC, 2005), todas no Rio Grande do
Sul, em função da falta de dados fluviométricos nas bacias analisadas, foi realizada uma calibração
qualitativa a partir das manchas de inundação. Em função da reprodução de níveis de alagamento
registrados em diferentes eventos chuvosos na cidade, foram melhoradas as estimativas do
parâmetro CN, obtidas a partir de dados de urbanização determinados por técnicas de
geoprocessamento (sensoriamento remoto). Os CNs nessas bacias hidrográficas variaram entre 70 e
91, para as condições mais permeável e menos permeável, respectivamente.
Por fim, embora o método da Curva-Número do SCS seja simplificado e dependa unicamente
do parâmetro (CN), a incerteza associada com a determinação do CN pode muitas vezes levar a
resultados incoerentes. Assim, esta pesquisa tem como intuito gerar um banco de dados de CN para
bacias urbanas e de complementar e expandir o trabalho de Tucci e Germano (1995).
1.2. O Método da Curva-Número (CN)
Existem muitas metodologias para determinação do escoamento superficial direto, no entanto,
com o decorrer do tempo algumas delas se popularizaram entre os projetistas. Este é o caso do
método da Curva-Número (SCS, 1964) do Serviço de Conservação de Solos do Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos. A equação do escoamento utilizada no método foi desenvolvida
por Victor Mockus e outros por volta de 1947 (SCS, 1973). Foi concebida, sobretudo, para
utilização em pequenas bacias, através de dados de bacias experimentais com vários tipos e uso do
solo e técnicas de plantio. Como a equação foi desenvolvida a partir de dados de chuva diária, o
método é adequado para estimativa do escoamento superficial direto para o período de 1 dia ou
menos.
A determinação do escoamento superficial direto (Q) no método se dá através da equação (1).
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4
Na referida equação Q é função de um único parâmetro, o CN, que se encontra tabulado na maioria
dos manuais e livros de drenagem hidrologia.
( P − I a )2
Q=
(P − Ia ) + S
(1)
onde: Q = escoamento superficial direto em mm; P = precipitação em mm; S = armazenamento
potencial máximo do solo em mm; Ia=perdas iniciais incluindo perdas por armazenamento na
superfície, interceptação, infiltração incial e outros fatores.
As perdas iniciais, representadas por Ia na equação (1),
são bastante variáveis, mas
geralmente podem ser relacionadas com o tipo de solo e a cobertura vegetal. A partir de um estudo
envolvendo pequenas bacias hidrográficas rurais nos E.U.A., Ia foi determinado como função do
armazenamento potencial máximo do solo (S). A relação, apresentada na equação (2), remove a
necessidade da estimava de Ia para uso comum ou para locais sem a disponibilidade de dados.
I a = 0,2.S
(2)
Substituindo 2 em 1, tem-se:
Q=
( P − 0,2.S ) 2
P + 0,8.S
(3)
O valor de S depende do tipo e da ocupação do solo, e pode ser determinado, uma vez
definido o valor do CN, através da equação 4.
S=
25400
− 254
CN
(4)
onde: CN é chamado de “curva-número” ou “número de curva” e varia entre 0 e 100.
O parâmetro CN depende do tipo, condições de uso e ocupação e umidade do solo no
período que antecede ao evento. Com relação aos tipos de solo e condições de ocupação, o SCS
distingue, no método, quatro grupos hidrológicos de solos, que variam desde areias com grande
capacidade de infiltração a solos argilosos com capacidade de infiltração extremamente baixa (30 40% de argila total). As características ou definições dos grupos do solo, apresentadas pelo SCS são
(Mockus apud Sartori et al. (2006)):
- Grupo A: solos com baixo potencial de escoamento e alta taxa de infiltração uniforme quando
completamente molhados, consistindo principalmente de areias e cascalhos, ambos profundos e
excessivamente drenados (Taxa Mínima de Infiltração: >7,62 mm/h);
- Grupo B: solos contendo moderada taxa de infiltração quando molhados, consistindo
principalmente de solos moderadamente profundos, moderadamente bem drenados e com textura
moderadamente fina e moderadamente grossa (Taxa Mínima de Infiltração: 3,81-7,62 mm/h);
- Grupo C: solos contendo baixa taxa de infiltração quando completamente molhados, consistindo
principalmente com camadas que dificultam o movimento da água de camadas superiores para
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inferiores, com textura moderadamente fina e baixa taxa de infiltração (Taxa Mínima de Infiltração:
1,27-3,81 mm/h);
- Grupo D: solos que possuem alto potencial de escoamento, tendo uma taxa de infiltração muito
baixa quando completamente molhados, principalmente solos argilosos (Taxa Mínima de
Infiltração:<1,27 mm/h).
No Brasil vários pesquisadores têm se esforçado no sentido de adaptar a classificação dos
solos proposta pelo SCS para os tipos de solos brasileiros, especialmente pela grande utilização do
método no Brasil. Recentemente Sartori et al. (2006) fez uma ampliação da classificação dos solos
proposta por Lombardi Neto et al. apud Sartori et al. (2006). No artigo Sartori et al. (2006) avalia a
classificação de Lombardi Neto et al. apud Sartori et al. (2006) como adequada, e apresenta uma
proposta para extensão dessa classificação para a nova nomenclatura do atual Sistema Brasileiro de
Classificação dos Solos, com base em perfis representativos dos grandes grupos dos solos
observados no Estado de São Paulo.
Voltando a discussão do parâmetro CN, o mesmo pode ser estimado ainda em função das
atividades desenvolvidas (Condições de Uso e Ocupação do Solo) e a forma com que as mesmas
são realizadas, com o uso de tabelas e manuais. O método prevê ainda três condições de umidade
antecedente do solo em função da chuva ocorrida nos dias anteriores (Condições de Umidade
Antecedente do Solo I, II e III), e corrige os valores do parâmetro CN para estas condições.
Na Figura 1 é possível observar a representação esquemática das funções do método SCS.
Não existe precipitação em excesso até que a precipitação P seja maior que as perdas iniciais
Ia=0,2.S. Depois de superado o valor de Ia, a vazão resultante Q é o resíduo da subtração entre a
infiltração na bacia (F) (não inclui Ia) e a precipitação P. O volume máximo retido tende ao
armazenamento potencial máximo S, conforme o tempo tende a infinito.
Por fim, deve-se salientar que a estimativa das perdas iniciais pela equação (2) pode, em
certos casos particulares, conduzir a resultados discutíveis. Dessa forma deve-se verificar se a
estimativa se aplica à situação em questão. Estudos apresentados pelo Departamento de Hidráulica
da Facultad de Ingenieria de la Universidad Nacional del Nordeste (UNNE, 2001) na região de
Laguna Blanca (Chaco-Argentina), por exemplo, mostraram que a existência das lagoas do local
eleva consideravelmente o valor da retenção inicial, gerando valores de CN no processo de
calibração incompatíveis com valores obtidos nas tabelas em função da ocupação e tipo de solo. A
situação inversa também pode ocorrer. Em áreas urbanas, a utilização da estimativa 0,2.S, pode,
devido à combinação de áreas impermeáveis e permeáveis, apresentar um de Ia valor muito aquém
do que estaria ocorrendo no local.
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Figura 1– Representação esquemática das funções do método da Curva-Número
2. METODOLOGIA
Inicialmente foram selecionados e analisados 159 eventos de precipitação-vazão (tabela 1),
observados em 4 sub-bacias urbanas, na bacia do Arroio Dilúvio na cidade de Porto Alegre (figura
2). Alguns eventos foram posteriormente descartados na calibração (tabela 1) por apresentarem
inconsistência nos dados. A fonte de informação utilizada para este levantamento foi o Banco de
Eventos de Cheias de Bacias Urbanas Brasileiras-BECBUB (Tucci et al., 1998). Para avaliação da
precipitação antecedente aos eventos foram utilizados dados de precipitação do Posto do 8o Distrito
de Meteorologia da cidade de Porto Alegre.
Para cada evento chuva-vazão disponibilizado no BECBUB, tem-se acesso a características
da bacia como área, declividade média, porcentagem de áreas impermeáveis, comprimento do
talvegue além dos dados de precipitação e vazão observados. As características físicas das bacias
hidrográficas analisadas encontram-se na tabela 2.
Tabela 1 – Número de eventos disponibilizados e analisados para cada bacia hidrográfica
No de eventos
No de registros
Bacia hidrográfica
de eventos
utilizados
Beco do Carvalho
11
7
Arroio Dilúvio (Posto CPRM)
83
57
Saint Hilaire
10
10
Cascata 1
55
41
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7
Figura 2 – Localização das bacias hidrográficas na região de Porto Alegre
A determinação do parâmetro CN foi divida em 4 etapas:
I) Separação do escoamento superficial direto e de base: o método empregado para a definição de
início e fim do escoamento superficial foi o da inspeção visual em conjunto com a plotagem
do hidrograma em um gráfico com escalas mono-logarítmica para as vazões e linear para o
tempo (Pilgrim e Cordery, 1992). Com base no procedimento, foram definidos os pontos de
início e fim do escoamento superficial (ponto a partir do qual a recessão se torna uma linha
reta). Esses dois pontos quando unidos por uma reta dividem o hidrograma em duas regiões
correspondentes a cada escoamento, permitindo assim determinar os hidrogramas de
escoamento superficial de base correspondentes;
II) Determinação da precipitação efetiva: o volume escoado superficialmente e o volume total
precipitado foram relacionados, fornecendo o percentual de precipitação efetiva;
III) Determinação do CN: uma vez conhecido o volume de precipitação efetiva, fez-se uso da
equação do SCS para a determinação da chuva efetiva. As perdas iniciais, também chamadas
de abstração inicial, foram consideradas como sendo 20% da capacidade máxima de
armazenamento na camada superior do solo, valor padrão da metodologia na ausência de
dados para avaliação. Nessa análise, considerou-se a chuva observada discretizada em
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intervalos de tempo correspondente (30 minutos) e a única variável ajustada foi o CN. O
objetivo foi a determinação do CN que, ao final do processo de cálculo iterativo, fornecesse
um volume total de chuva efetiva (gerada ao longo de todos intervalos de tempo) igual ao
valor obtido no passo II;
IV) Utilizando a série de precipitação do posto do 8º Distrito de Meteorologia foram determinadas
as condição de umidade antecedente, para cada um dos eventos.
As etapas de I a IV foram repetidas para os eventos analisados.
Tabela 2 – Características físicas das bacias hidrográficas
Área
Tipo de
Área Declividade Comprimento
Impermeável
Solo
Bacia hidrográfica
2
Média (%) Talvegue (m)
(km )
(%)
SCS*
Beco do Carvalho
3,50
5,2
2410
18
A, B
Arroio Dilúvio
24,98
0,45
7000
20
C
(Posto CPRM)
Saint Hilaire
6,45
1,6
3780
0
A
Cascata 1
8,00
4,0
4900
27
C,D
*
CN*
61-65
79
38-40
81
segundo Campana et al (1995)
3. RESULTADOS E CONCLUSÕES
A partir da aplicação da metodologia proposta, foram ajustados os valores do parâmetro CN
para cada um dos eventos selecionados. Na tabela 4 são apresentadas algumas estatísticas e
resultados do parâmetro CN, onde: na coluna 1 é apresentado o número de eventos analisados; na
coluna 2 o valor do CN médio calculado em função de todos os eventos; na coluna 3 o CN
mediano; na coluna 4 o valor de CN que mais vezes foi encontrado; na coluna 5 o desvio padrão
encontrado; nas colunas 6 e 7 o mínimo o máximo valor de CN encontrado, respectivamente; nas
colunas 8 e 9 as correções do CN médio para a Condições de Umidade Antecedente II e III de
acordo com recomendação do SCS, respectivamente; e na coluna 10 é apresentado a faixa de
validade do parâmetro, caso fosse consultada uma tabela.
Tabela 4 - Resumo dos valores dos parâmetros ajustados em cada bacia
Bacia
Hidrográfica
Dilúvio
Beco do
Carvalho
Cascata 1
Saint
Hilaire
Total
Col. 1
No
Eventos
Col. 2
CN
(média)
Col. 3
CN
(mediana)
Col. 4
CN
(moda)
Col. 5
Desvio
Padrão
Col. 6
Col. 7
Mínimo
Máximo
57
91,42
92,40
92,00
4,04
79,50
7
76,00
70,70
-
9,97
41
82,51
86,00
87,50
10
69,22
69,75
115
-
-
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Col. 8
AMC
II
Col. 9
AMC
III
Col. 10
CN
Tabela
98,30
96,70
99,30
79
65,00
91,20
88,80
97,6
61-65
8,61
60,00
97,10
92,50
98,50
81
-
11,88
50,00
90,40
85,00
97,00
38-40
-
-
-
-
-
-
9
Analisando os valores calibrados podem-se observar desvios padrão relativamente pequenos
para o parâmetro CN, se considerarmos que o parâmetro possui faixa de variação de 0 e 100. No
entanto, considerando que, na maioria das situações, somente valores de CN acima de 50 geram
escoamento superficial, esses valores de desvio padrão passam a ser elevados, e ainda
representariam diferenças muito grandes na determinação da vazão. Na procura de explicações para
valores de desvio padrão tão elevados, deve-se indicar que:
ƒ Não foi possível determinar a precipitação antecedente nos mesmos pluviógrafos onde
foram registrados os eventos de vazão, devido à indisponibilidade de dados (em Porto Alegre
foram verificadas diferenças significativas nos registros pluviométricos em diferentes locais
da cidade);
ƒ A maioria dos valores de CN obtidos se encontram na AMC I (80% dos valores). Alguns
CNs obtidos para AMCII e AMCIII, entretanto, apresentaram valores menores que para a
condição AMCI, o que é fisicamente impossível. A explicação provavelmente esta
relacionada com o problema mencionado no parágrafo anterior e à pequena quantidade de
valores nas condições AMCII e AMC III. Assim optou-se por apresentar os valores médios,
independentes da condição antecedente, de modo a permitir uma comparação com os valores
estimados por Campana et al. (1995);
ƒ Ao fixar as perdas iniciais em 20% da capacidade máxima de armazenamento na camada
superior do solo, pode-se estar cometendo erros devido a grande incerteza relacionada a essa
estimativa. Em áreas muito urbanizadas e com alta impermeabilidade, esse valor poderia estar
super-estimado, enquanto que em áreas com maior arborização e menor grau de
impermeabilização, esse valor poderia estar sub-estimado;
ƒ Podem existir erros de registro tanto de chuva quanto de vazão, embora os dados tenham
sido consistidos;
ƒ As curvas-chave podem apresentar problemas, não detectados durante a verificação das
mesmas;
ƒ A série de eventos disponíveis foi registrada em pluviógrafos e linígrafos analógicos,
posteriormente digitalizados. Nesse processo podem ter ocorrido erros de transcrição.
Por fim, uma nova análise dos dados, removendo eventos com pequena precipitação, foi
realizada. A eliminação dos menores valores de chuva fornece cenários mais próximos aos
retratados em manuais de projeto de obras de drenagem urbana, onde se procura reproduzir os
eventos extremos, aos quais estará sujeita a estrutura a ser projetada. Os valores limites para decidir
pela exclusão ou não do evento, foram definidos de forma arbitrária, em função da observação dos
valores calibrados. Procedeu-se então à eliminação dos eventos de precipitação menores que 15 mm
na bacia Saint Hilaire e 10 mm nas demais bacias. O motivo da utilização de um critério
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diferenciado entre bacias foi a diferença nas características físicas. A bacia Saint Hilaire é menos
urbanizada, necessitando, portanto, maior volume de chuva para gerar escoamento superficial, ao
contrário das demais bacias, que apresentam tipologias de uso e ocupação do solo semelhantes. Na
Tabela 5 é apresentado um resumo dos resultados obtidos na análise com os eventos maiores.
Tabela 5- Resumo dos valores dos parâmetros ajustados para serem utilizados para projeto.
Bacia
Hidrográfica
Dilúvio
Beco do
Carvalho
Cascata 1
Saint Hilaire
Totais
Col. 1
No
Eventos
Col. 2
CN
(média)
Col. 3
CN
(mediana)
Col. 4
CN
(moda)
Col. 5
Desvio
Padrão
Col. 6
Col. 7
39
90,11
90,80
92,00
5
70,80
70,60
34
8
86
82,49
68,98
-
85,60
69,75
-
Col. 8
AMC
II
Col. 9
AMC
III
Col. 10
CN
Tabela
Mínimo
Máximo
4,15
79,50
96,90
96,20
99,20
79
-
5,34
65,00
79,40
85,50
97,10
61-65
87,50
-
6,68
8,03
-
66,10
52,80
-
90,80
76,90
-
92,50
84,20
-
98,50
96,60
-
81
38-40
-
Como pode-se observar, ao eliminar os menores eventos chuvosos não houve modificação
no valor de CN obtido. No entanto, o desvio padrão diminuiu consideravelmente (com exceção da
bacia Dilúvio, onde houve um pequeno acréscimo), confirmando o bom resultado do procedimento.
Os resultados aqui apresentados são interessantes, e chamaram a atenção dos autores, visto
que, em média, os valores dos CNs calibrados foram maiores que os valores de CNs utilizados no
PDDrU de Porto Alegre. Esse fato é contrário à atual “crença” de que os planejadores e projetistas
acabam adotando valores de CN elevados para ficar “a favor da segurança”. Por exemplo, o CN 91,
utilizado no PDDrU, representa uma condição de ocupação do solo com taxa de impermeabilização
extremamente elevada. Esse valor é muito próximo ao CN médio encontrado para a bacia do
Dilúvio (tabela 5), onde na ocasião da obtenção dos dados, a área impermeável foi estimada em
aproximadamente 20%.
3.1. Comentários
Este trabalho encontra-se em estágio preliminar, e outras pesquisas vêm sendo realizadas a
partir do mesmo Banco de Dados. Em uma próxima etapa pretende-se estimar também parâmetros
para o hidrograma unitário triangular do SCS, de forma que, conjuntamente com os valores de CN
calibrados, possam gerar hidrogramas mais adequados à realidade da bacia hidrográfica analisada.
A metodologia utilizada neste trabalho também está sendo aplicada para eventos de bacias urbanas
de outras cidades, como Joinville, Curitiba, São Carlos e Rio de Janeiro.
O trabalho pretende ainda contar com a colaboração de outros pesquisadores que tenham
analisado e determinado parâmetros para bacias urbanas brasileiras, visando criar um banco de
dados e tabelas de parâmetros aplicáveis à nossa realidade. É importante ainda ressaltar a
necessidade do monitoramento contínuo, principalmente em áreas urbanas, onde a ocupação do solo
é extremamente dinâmica.
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BIBLIOGRAFIA
a) Capítulos de Livros
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b) Artigos em Revistas
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Determinação dos parâmetros mais sensíveis na macrodrenagem urbana. In: Revista Brasileira de
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ALLASIA, D.; VILLANUEVA, A.O. 2005b. Custo da incerteza na macrodrenaem urbana II:
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do Solo dos Estados Unidos Parte 1: Classificação. In: Revista Brasileira de Recursos Hídricos.
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c) Artigo em anais de congresso ou simpósio
CAMPANA, N. A, MENDIONDO, E. M, TUCCI, C. E. M., 1995. A multi-source approach to
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pág 140-181.
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Alegre: UFRGS – Programa de Pós Graduação em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento
Ambiental. 132f. Dissertação (Mestrado).
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