Wesley Santos Almeida - Universidade Católica de Brasília
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Wesley Santos Almeida - Universidade Católica de Brasília
Universidade Católica de Brasília PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito UNIÃO HOMOAFETIVA: UMA ENTIDADE FAMILIAR EM BUSCA DE IDENTIDADE JURÍDICA Autor: Wesley Santos Almeida Orientador: Prof. Me. Marcos Bemquerer Costa BRASÍLIA Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. WESLEY SANTOS ALMEIDA UNIÃO HOMOAFETIVA: UMA ENTIDADE FAMILIAR EM BUSCA DE IDENTIDADE JURÍDICA Monografia apresentada examinadora da à banca Faculdade de Direito da UCB – Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Me. Marcos Bemquerer Costa BRASÍLIA – 2007 – Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. TERMO DE APROVAÇÃO WESLEY SANTOS ALMEIDA Monografia intitulada “União Homoafetiva: Uma Entidade Familiar em Busca de Identidade Jurídica”, aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no curso de graduação da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Brasília, pela seguinte banca examinadora: _____________________________________________ Prof. Me. Marcos Bemquerer Costa (Orientador) _____________________________________________ _____________________________________________ Brasília, 2007 Universidade Católica de Brasília Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. Dedicatória A Deus, por me guiar pelos caminhos certos. À minha mãe, que me ensinou a ser forte e lutar pela minha felicidade. A Wagner, companheiro de todas as horas, que me deu a honra de dividir a vida, e centro da minha pequena entidade familiar. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. Agradecimentos A todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho, em especial: Professor Marcos Bemquerer, pela orientação e paciência. Clodoaldo, Wilson e Diogo, amigos que me apóiam a todo instante e fazem a vida mais divertida. Carlos, que está sempre em nossas lembranças. Filipe e Sandro, pelo grande apoio psicológico; e por serem padrinhos maravilhosos. Itamar, pelo ajuda constante com artigos e matérias para a realização deste trabalho. E a todos que, direta ou indiretamente, lutam pelos direitos homoafetivos. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. Porque se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante. Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só, como se aquentará? E, se alguém prevalecer contra um, os dois lhe resistirão, e o cordão de três dobras não se quebra tão depressa. Eclesiastes 4:9-12. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. RESUMO Os novos contornos das entidades familiares existentes na sociedade moderna obrigaram os pensadores do Direito de Família a (re)avaliarem seus conceitos, ampliando a importância da família. Juridicamente, tem-se procurado afastar cada vez mais a imagem arcaica formada pelo homem provedor e chefe do lar, detentor de todas as decisões, para se adentrar em uma família onde seu núcleo é o afeto. Focado neste novo paradigma, novas entidades vêm se consolidando no ordenamento jurídico pátrio, em especial a entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo, que longe de ser um fenômeno novo, apenas se tornou mais visível com o advento das diversas manifestações sociais que ocorreram a partir da segunda metade do século XX. Este trabalho visa demonstrar a importância do reconhecimento da entidade familiar homoafetivo como forma de inclusão social, embasado em princípios jurídicos constitucionais, em especial o macroprincípio da dignidade da pessoa humana, tendo ainda como apoio estrutural o pensamento doutrinário e jurisprudencial em torno das famílias formadas por pessoas do mesmo sexo. PALAVRAS-CHAVE: família – homossexualidade – entidade familiar homoafetiva – Constituição de 1988 – adoção. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................ 8 CAPÍTULO I – FAMÍLIA............................................................................................. 10 1.1 Evolução histórica............................................................................................... 10 1.1.1 A família primitiva ou família tribal.................................................................... 11 1.1.2 Os primórdios de família na civilização romana............................................... 12 1.1.3 A família sobre a influência canônica............................................................... 14 1.2 Evolução histórica da família no Brasil................................................................ 16 1.3 Um novo conceito de família............................................................................... 18 1.3.1 A revolução da mulher e o novo contexto de família...................................... 19 1.3.2 Afeto, um novo fator familiar........................................................................... 21 CAPÍTULO II – HOMOSSEXUALIDADE................................................................... 27 2.1 Histórico da homossexualidade........................................................................... 27 2.1.1 A homossexualidade na sociedade grega e romana....................................... 28 2.1.2 Outras sociedades e a homossexualidade....................................................... 32 2.1.3 A homossexualidade na Idade Média.............................................................. 34 2.1.4 Segunda metade do século XX: décadas de transformação........................... 36 2.2 O que é a homossexualidade.............................................................................. 39 CAPÍTULO III – UNIÃO HOMOAFETIVA.................................................................. 46 3.1 O projeto de lei no 1151/1995.............................................................................. 46 3.1.1 As audiências públicas..................................................................................... 51 3.2 O passado obsoleto. O futuro vanguardista........................................................ 56 3.2.1 União estável homoafetiva............................................................................... 57 3.2.2 A entidade familiar homoafetiva e ao artigo 226 da Constituição Federal....... 59 3.2.3 Lei Maria da Penha.......................................................................................... 65 3.2.4 Adoção homoafetiva......................................................................................... 67 3.3 Princípios constitucionais.................................................................................... 72 3.3.1 Dignidade da pessoa humana.......................................................................... 72 3.3.2 Liberdade.......................................................................................................... 74 3.3.3 Igualdade.......................................................................................................... 75 3.3.4 Pluralidade familiar........................................................................................... 77 CONCLUSÃO............................................................................................................ 79 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 83 ANEXOS.................................................................................................................... 88 Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 8 INTRODUÇÃO O Direito tem exercido um papel importantíssimo na regulamentação da convivência humana. Viver em sociedade só se tornou possível devido a normas estabelecendo deveres e regulamentando direitos. Nesta perspectiva, vê-se que o Direito nasceu em razão da sociedade e não vice-versa. Assim, quanto mais evolui a sociedade, tanto mais deverá evoluir o Direito, para se adequar à realidade exposta pelo progresso social. Visto que a evolução societária é dinâmica, o Direito vem se adaptando as novas realidades emergentes. E uma das mais novas realidades enfrentada é a visibilidade homossexual na vida contemporânea. Embora não seja um fenômeno novo, sua exposição vem se tornando cada vez maior nos últimos tempos e, com isso, vem trazendo a tona fatos existentes dentro deste contexto que é visto, se não de modo preconceituoso, ainda com certa apreensão. Mas o enfoque deste projeto de monografia é limitar o tema da homossexualidade dentro de um dos fenômenos que vem surgindo em decorrência de sua visibilidade: as uniões de fato que vem ocorrendo entre pessoas do mesmo sexo com a finalidade de constituir família. Ou seja, com um cunho de vanguarda, o tema se restringirá sobre a união homoafetiva como entidade familiar. As uniões existentes entre pessoas do mesmo sexo vêm sendo deixadas à margem da sociedade, fazendo esta não mais do que fechar os olhos para uma realidade que se faz presente. Assim, esta monografia visa demonstrar que numa sociedade moderna, que vive novos paradigmas consolidados, principalmente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, não mais se cabe ver as uniões homossexuais com o fulcro do preconceito embutido para se postergar ou negar direitos. Relevante é encarar essa nova realidade que se insurge essencialmente forjada nos mesmos fatores que preconizam a existência das uniões heterossexuais: afeto, amor, convivência, objetivos comuns, e outros tantos que caracterizam a mudança paradigmática do novo conceito de família na sociedade hodierna. Assim, esta monografia divide-se em três principais capítulos. No primeiro, faz-se uma leitura da evolução histórico-social do conceito de família, desde a pré- Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 9 história até os dias atuais. O segundo capítulo trata da homossexualidade, também dentro de uma perspectiva histórico-social. No último e mais importante capítulo, será analisado a entidade familiar homoafetiva, dentro de uma análise constitucional, com leitura jurisprudencial e doutrinária, como forma de corroborar nova entidade familiar digna de reconhecimento jurídico. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 10 CAPÍTULO I FAMÍLIA 1.1 Evolução histórica Qualquer ser humano tem como vínculo primeiro na sociedade a “família”. E conceituar esta entidade é arriscado, para não dizer de grande dificuldade, pois os conceitos, tantos nas ciências jurídicas quantos em outras existentes, se alteram de acordo com o momento histórico-cultural em que a sociedade está inserida, fazendo dela um fenômeno dinâmico por si só. Dentro do contexto atual, o conceito de família se multiplica de acordo com a fonte buscada. No Minidicionário Ruth Rocha, família é “1 Conjunto de ascendentes e descendentes, colaterais e afins de uma linhagem. 2 Mais restritamente, o pai, a mãe e os filhos. 3 Descendência; linhagem.”1. A família, sociologicamente, é definida como um sistema social, dentro do qual podem ser encontrados subsistemas, dependendo de seu tamanho e da definição de papéis. É através das relações familiares, que os próprios acontecimentos da vida recebem seu significado e, através dele são entregues a experiência individual. É ela, portanto, unidade básica de desenvolvimento das experiências das realizações e dos fracassos do homem. Sua organização e estrutura não são estáveis. A sociedade fornece diretrizes para o seu funcionamento a fim de que ela lhe seja útil. A família, portanto, é ama rede complexa de relações e emoções pela qual perpassam sentimentos e comportamentos sendo a simples descrição de seus elementos de uma família, insuficiente para transmitir a riqueza e complexidade 2 relacional de sua estrutura . Para o Direito, um dos importantes ramos das ciências humanas, os conceitos são os mais variados possíveis, como ensina Eduardo Espínola: Em acepção ampla, a família compreende as pessoas unidas pelo casamento, as provenientes dessa união, as que descendem de um tronco ancestral comum e as vinculadas por adoção. Em sentido restritivo, correspondendo ao que os romanos denominavam domus, a família compreende apenas os cônjuges e os filhos. Algumas disposições do Código Civil, como acontece também nos vários sistemas legislativos, aplicam-se à família, em sentido mais ou menos lato, considerando certas relações de parentesco. Outras, porém, visam tão-somente às relações entre os cônjuges e entre estes e os filhos, isto é, aplicam-se às duas pessoas unidas pelo 3 casamento e aos seus descendentes . 1 ROCHA, Ruth. Minidicionário enciclopédico escolar Ruth Rocha/Hindenburg da Silva Pires. SPROVIERI; ASSUMPÇÃO JR., 2001. 3 ESPÍNOLA, Eduardo. A família no direito civil brasileiro, 2001, apud MEDEIROS, 2006. 2 Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 11 Segundo o jurista brasileiro Clóvis Beviláqua, família é: um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as varias legislações. Outras vezes, porém, designam-se, por família, somente os 4 cônjuges e a respectiva progênie . A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 16, inciso III, longe de conceituá-la, assevera sua extrema importância como fator social: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado” (1793). Mas todos esses conceitos estão embutidos de um valor histórico que a família desenvolveu pela própria evolução da sociedade. Não haveria a sociedade sem o suporte basilar desta instituição por trás, nos seus mais variados formatos. Necessário se faz um entendimento da evolução da família dentro da história mundial. Somente por meio desta viagem temporal se fará possível compreender os diferentes conceitos e importâncias auferidos à entidade familiar desde os primórdios até os tempos atuais. Para esta análise evolutiva do contexto histórico, três momentos em especial destacam-se no que tange a apreciação do conceito familiar existente. Enquanto uma se desenvolve vinculando-se ao fator de proteção e perpetuação da raça humana, outros dois momentos se destacam pela grande influência que sofreram de fatores religiosos predominantes à época. Pode-se, assim, dividir a evolução de família em a família primitiva ou tribal, a família no contexto da civilização romana, e a família sobre a influência dos dogmas cristãos. 1.1.1 A família primitiva ou família tribal Em um ambiente hostil, cercado de predadores, o homem adaptou sua sobrevivência por meio da associação. Agrupando-se, ele criou na tribo, ou no clã, a 4 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família, 2001, Apud MEDEIROS, op. cit. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 12 forma mais simples e ao mesmo tempo mais segura de superar as adversidades impostas pela natureza, à época o inimigo natural do homem. O instinto de preservação da espécie foi de suma importância para a perpetuação da raça humana. Viver em grupos foi o primórdio da vida em sociedade. Verificava-se, já neste momento, que o homem era um ser social, de modo imposto mais do que pela vontade. E neste meio social, a família adquiriu um papel importante mas totalmente diferenciado do conceito hodierno civilizado. As uniões familiares eram voltadas para perpetuar a espécie, e os filhos resultantes eram de responsabilidade de todo o grupo. Amamentar, alimentar, educar e preparar a prole não estava vinculado ao casal, mas a todo o grupo social. Todos deviam zelar pelo futuro do grupo social5. Assim, neste momento primitivo, família e grupo social têm a mesma valorização, o mesmo conceito. Não há de se procurar diferenciá-los, pois um é sinônimo do outro. Mas a família, visto que é um fenômeno social em mutação, há de evoluir também com o tempo. O modelo tribal existente foi tomando forma distinta à medida que a sociedade foi assumindo um novo aspecto. Onde antes havia pequenas sociedades tribais, passou-se para os grandes grupos, que deixaram de ser nômades para fixar estada em lugar certo. E o crescimento destes foi criando as primeiras cidades e as primeiras civilizações, onde um novo conceito de família surgiria. 1.1.2 Os primórdios de família na civilização romana Das grandes civilizações existentes, grande destaque deve ser dado, por fatores econômicos, sociais e políticos ao Estado Romano, que impôs seu pensamento dominante entre os séculos V a.C. ao século V d.C. 5 Esse conceito, embora seja vinculado a uma sociedade primitiva, ainda hoje encontra-se no contexto tribal de vários grupos indígenas brasileiros, assim como em outras comunidades tribais ao redor do mundo, onde a responsabilidade pela criação dos filhos esta a cargo de todos. O mundo já assimila esse mesmo processo no contexto mundial contemporâneo, chamando este novo fenômeno de “famílias comunitárias”. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 13 No período romano o contexto familiar estava inteiramente ligado ao “pater famílias”. Este conceito era puramente patriarcal, onde o ascendente mais velho mantinha sobre seu julgo e ordenamento seus descendentes. O pater acumulava as funções de chefe político, sacerdote e juiz, sendo que somente a ele era permitida a aquisição de bens e a detenção do poder sobre o patrimônio familiar, a mulher e os filhos. Esta subordinação ao patriarca era conhecida como “patria potestas”. Ela se caracterizava pela autoridade indiscutível do patriarca sobre seus filhos, filhas e escravos. Esse poder era de domínio, de posse, de modo que o ascendente mais velho era o proprietário em face da coisa (a família). Este formato, onde o patriarca exercia a posse, buscava sua existência em um conceito religioso. Havia dentro deste núcleo a idéia sagrada da religião doméstica, que consistia na obrigação de todos os membros manter o culto em honra aos deuses e antepassados do grupo familiar dentro de seu lar e seria o patriarca o responsável por manter essa tradição. A família romana era um ajuntamento de pessoas ligadas pelo culto aos mortos, pois para eles os antepassados continuavam a viver no túmulo, transformando-se em deuses protetores. O casamento, dentro deste contexto romano, poderia representar tanto a permanência no seu grupo original quanto a passagem da filha para a propriedade de um novo grupo familiar. Para isso, ao assumir o casamento, a filha retirava-se do seu núcleo para adentrar a do esposo, devendo manter a liturgia doméstica desse novo agrupamento, sob pena de que, se estes não fossem cultuados, todos da nova família cairiam em desgraça. Ela poderia, ainda, optar por permanecer vinculada ao seu grupo original, venerando estes antepassados, sendo impedida apenas de pertencer simultaneamente a duas famílias. Assim, mostrava-se bem mais interessante ter filhos, pois estes poderiam trazer novos membros sem jamais ingressar a associação familiar da esposa. Ter uma filha representava desvantagem já que, como mulher, não traria ninguém para engessar o culto do seu núcleo e poderia, ainda, representar a saída deste, caso optassem por cultuar a religião doméstica do esposo, pois ao fazerem esta escolha, abandonaria por completo o culto original, passando, a partir de então, a cultuar a religião e os ancestrais de seu marido e de sua nova linhagem. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 14 O casamento dentro desta sociedade não tem em seu objeto principal a união de duas pessoas por afeto, felicidade, prazer e, muito menos, por amor. O afeto não era item relevante na estruturação da família romana. Visa, tão somente, a perpetuar, por meio dos novos descendentes, o culto familiar. O que realmente importava era o fato de invocarem em culto os mesmos antepassados, sob a autoridade do chefe da família (pater familias). Embora o afeto não fosse o enfoque principal, a finalidade essencial do matrimônio, não se pode dizer que este estava completamente afastado na união entre os nubentes. Tanto a mulher quanto o homem não eram obrigados a casar por imposição familiar. Somente com o consentimento mútuo haveria o casamento. E para sua conservação havia a necessidade de ambos estarem satisfeitos. Dependia da vontade de ambos em querer mantê-lo. Se qualquer um deles demonstrasse insatisfação, a dissolução do casamento poderia ser solicitada por meio do divórcio. A família romana estava, assim, voltada para o cunho religioso, onde o culto ao antepassado era uma forma de manter e alcançar a prosperidade familiar. E, de forma precária, já trazia em seu esboço algo que será rechaçado veemente pelo novo contexto familiar em ascensão após o declínio Romano: a possibilidade de dissolução do casamento. 1.1.3 A família sobre a influência canônica. Enquanto perdurou a influência e, sobretudo, a força do poder romano na civilização ocidental, assim persistiu o modelo familiar por eles adotado. Mas sua força não durou eternamente e já por volta do século IV seu declínio demonstrava-se irreversível. A religião politeísta perdia sua força e um novo pensamento religioso, que nascera em meio ao próprio império, ganhava imposição frente ao pensamento romano. Era o Cristianismo. Como meio de ainda tentar manter o Império Romano unido, Constantino proclamou o Cristianismo a religião oficial. Com toda essa nova influência, a igreja passou a elaborar regras e preceitos que influenciavam nos diversos aspectos sociais, políticos e econômicos da época. A estes preceitos dava-se o nome de cânon. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 15 Não deixou a Igreja de editar regras sobre a família e, em especial, o casamento. Fizeram oposição ao divórcio, aceito na sociedade romana. O casamento não era mais um contrato de vontades, e foi elevado ao status de sacramento, um sinal instituído por Deus e por Jesus Cristo como auxiliador indispensável para a pessoa conseguir a salvação eterna6. Como sacramento, estaria o homem impossibilitado de dissolver o que por Deus foi unido: quod Deus conjunxit homo non separet. Passagens bíblicas eram citadas como meio de corroborar a idéia sacramental do casamento e sua indissolubilidade (Gênesis 2,24 e Evangelho de São Mateus 19,6). O Concílio de Trento regulamentou definitivamente em 1563, dentro dos preceitos canônicos, o casamento como a união entre Cristo, os noivos e a Igreja. E esta mesma idéia é que perdura no âmbito católico até os dias atuais. As relações familiares durante toda a Idade Média vão sofrer influência deste ideal. O casamento, além de indissolúvel, adquirirá um novo aspecto. Apoiando-se ainda nos textos da Bíblia, a Igreja determinará a procriação como finalidade essencial do casamento. Enquanto na civilização romana a finalidade é a mantença do culto familiar, aqui se propaga um discurso reprodutivo-indissóluvel. Perante o direito canônico, não bastava a cerimônia de casamento, onde se declarava o consenso dos nubentes. Deveria haver, para convalidá-lo, a relação sexual. Deste pressuposto, haveria impedimento para contrair matrimônio baseado numa incapacidade (idade, deficiência física, impotência). Mas a sociedade medieval, deixando de lado a feição religiosa, encontrava no casamento semblantes econômicos e políticos relevantes. Tendo o enlace matrimonial a característica de unir duas pessoas de modo vindouro, não bastava a anuência dos noivos. Deveria haver a concordância das famílias. Neste aspecto, havia uma divergência entre o direito canônico e o direito civil da época. Enquanto para o enlace matrimonial perante a igreja bastava a anuência dos noivos e a capacidade procriativa, para o direto civil o assentimento patriarcal era fator essencial. Vários interesses políticos e financeiros cercavam a decisão da união das famílias abastadas. 6 MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 16 Esse problema perdurara até o fim da Idade Média, quando, à luz do pensamento Iluminista, consagrar-se-á a idéia de criação de um Estado laico, com separação entre o Estado e a Igreja. Conclui-se, assim, que a família e o direito de família neste terceiro momento histórico é marcado pela dicotomia de duas grandes forças: a da Igreja, por influência das normas eclesiásticas, que elevaram o casamento ao patamar de sacramento indissolúvel e com finalidade essencialmente procriadora, e a Força Política, onde o casamento convalida-se como forma de barganha para a manutenção ou reforço do status familiar. 1.2 Evolução histórica da família no Brasil O pensamento Iluminista trouxe consigo grandes ideais de transformações. A idéia da tripartição de poderes entre o Executivo, Legislativo e Judiciário. Trouxe também o ideal de laicização ou secularização, onde o poder da Igreja não mais se confundia ou mesmo se sobrepunha ao poder estatal. Este vínculo entre Igreja e Estado mostrou-se tão entrelaçado que o poder canônico determinava os rumos sociais, políticos e econômicos de muito países. E quebrar este vínculo, que se perpetuou na Idade Média durante mais de 600 anos, e toda essa influência, seria praticamente impossível. No Brasil, não foram diferentes os aspectos sociais influenciados pelos dogmas cristãos da época. O advento da colonização portuguesa trouxe consigo as características de um Estado contaminado com o pensamento canônico e que influenciará na formação do modelo da família colonial. O que marca essencialmente a família desta época é aquilo que Antônio Candido chamou de “núcleo legal”, composta de um centro principal e outro periférico. O núcleo principal, legalizado, era formado pelo casal e seus filhos legítimos. O núcleo periférico eram os agregados, formados, em geral, por negros, amantes e os seus filhos bastardos. Será um modelo familiar que persistiu até décadas atrás: O núcleo legal era o coração da organização doméstica e no começo se desenvolveu de acordo com os moldes que persistiram até décadas atrás. O domínio do chefe era praticamente absoluto, correspondendo às Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 17 necessidades de organização social em um grande país (...) era um tipo de organização social na qual a família necessariamente era o grupo dominante no processo de socialização e integração, um grupo no qual as distâncias 7 estavam rigidamente marcadas e reguladas pela hierarquia . O modelo colonial de entidade familiar estabelecia o conceito de união entre um homem e uma mulher, com finalidade primeira de procriar. Trouxe a idéia de uma família presidida pela imagem paterna (núcleo central conforme Cândido), onde o homem era o detentor do poder de mando, tomando para si as rédeas do destino familiar. A esposa nada mais era que mero instrumento procriador, conforme já embutido no pensamento canônico-patriarcal da época. O afeto foi deixado em segundo plano, ressaltando-se o grande número de casamentos arranjados para saciar os anseios do patriarcado de cada família. Demonstrava-se um caráter negocial com a realização do casamento. Dentro do aspecto jurídico, somente a Constituição da República de 1891 traz no seu bojo, pela primeira vez, o Estado laico, separando a Igreja das decisões estatais. Mas ainda pouco disse sobre o Direito de Família, valendo-se apenas de seu artigo 72, § 40 para afirmar o reconhecimento apenas do casamento civil, com celebração gratuita. Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 0 § 4 - A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita. Embora almejasse demonstrar a laicização, o Estado ainda trouxe influência do direito canônico quando da elaboração da Constituição de 1934. Enquanto a anterior nada dedicou à família, esta trouxe quatro artigos para regulamentar este ramo do Direito. Contudo manteve a idéia de casamento indissolúvel, que, conforme visto, era uma idéia sempre ratificada pela Igreja. A idéia de divórcio, aceita frente à sociedade romana, não existia no texto constitucional e era inconcebível à época. 7 Tradução livre de: “The legal nucleus was de core of the domestic organization and from the beginning it developed according to molds which persisted until a few decades ago. The chief’s dominance was almost absolute, corresponding to the necessities of social organization in an immense country (…) it was a type of social organization in which the family necessarily was the dominant group in the process of socialization and integration, a group in which the distances were rigidly marked and regulated by the hierarchy”. CANDIDO, Antônio. The Brazilian Family. In: SMITH, T. Lynn; MARCHANT, Alexander. Brazil: portrait of half a continent. New York: The Dryden Press, 1951, p.294. Citado por Edmar de Assis Campelo Ávila. Amar, verbo intransitivo – o retrato literário de uma sociedade de aparências. Disponível em: http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/l5_4.doc. Acesso em 15 de março de 2006. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 18 As constituições que se seguiram (1937, 1946, 1967, 1969) em nada inovaram no texto quanto ao Direito de Família, mantendo a idéia de união indissolúvel. No entanto, o mundo estava em plena mutação. Duas grandes guerras já haviam ocorrido. E a realidade social ensejou por mudanças radicais no Direito de Família. Em 1977, a Emenda Constitucional no 9 instituiu no Brasil, diante de muitos protestos, em especial advindos da Igreja Católica, a Lei do Divórcio. Ela traz a tona o purgatório existencial da família brasileira, ao revelar a insatisfação da mantença obrigatória de uma relação falida. O que se vê é a busca pela realização pessoal, mesmo havendo vínculo matrimonial anterior. O que antes era impossível e impensável deu espaço a uma realidade cada vez mais crescente existente na sociedade brasileira. A lei não consentir na dissolução do casamento não foi empecilho para que casais se separassem na esfera real. A lei do divórcio veio tão somente corroborar a realidade social. 1.3 Um novo conceito de família Um novo conceito familiar vem se agrupar à sociedade brasileira reflexo de décadas de mudanças importantes no aspecto global. Se antes as transformações levavam séculos para ocorrer, o mesmo não se pode dizer aos acontecimentos mundiais no final do século XX. Após a Segunda Guerra Mundial, a civilização moderna vem experimentando mudanças sociais em um ritmo frenético, onde uma década representou mais mutação que séculos representaram. E a instituição familiar não ficou incólume a estas alterações. Enquanto a Europa enfrentava uma guerra dentro de seu continente, os Estados Unidos a enfrentava além mar, distante do seu território. E isso representava guerrear sem ter suas terras devastadas por bombas e ter a paisagem de suas cidades transformadas em escombros. Com o mundo em guerra, os homens foram convocados para o fronte, e com isso uma nova função foi dada à mulher. Se antes ela ficava em casa, cuidando da Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 19 prole e aguardando o marido voltar do trabalho, figura emblemática da conhecida Amélia, agora ela assume as duas responsabilidades: trabalhar e cuidar da casa. Essa nova mulher vai participar indiretamente da guerra, por meio de trabalho industrial, principalmente nas indústrias bélicas. A fabricação de material bélico é deixada a cargo do sexo feminino, enquanto seus companheiros estão em campo de batalha. A grande luta feminina fica por conta de aliar o novo dever trabalhista, que consiste não apenas em manter a indústria beligerante mas também a produção em todos os setores da economia, principalmente nos segundo e terceiro setores, com o dever de cuidar do lar, de se impor como o novo chefe da casa. E quem conhece o poder, dele não quer de abdicar. Após o fim da Segunda Guerra, e o retorno dos homens ao cotidiano de seus lares, estes encontram uma nova mulher, que está disposta a manter o controle de seus lares, de tomar as decisões referentes a sua família. Se antes a família estava focada na figura comandatória do patriarca, essa nova mulher insurge com veemência em busca de seu lugar de destaque não somente frente à família, mas dentro da própria sociedade. Se antes a guerra era entre nações, a nova batalha está no núcleo da sociedade: a família. À frente desta luta há uma figura feminina indisposta a abrir mão do poder experimentado e alcançado durante a Segunda Grande Guerra. É nesse contexto que começam as lutas sociais femininas para reconhecimento de sua igualdade frente ao homem, e onde nasce um novo modelo de mulher que, além de estar em construção, influenciará diretamente a concepção do modelo de família vigente. 1.3.1 A revolução da mulher e o novo contexto de família O histórico mundial reflete uma verdade incontestável: não há mudanças sem lutas. Mas longe do contexto bélico, a luta da emancipação feminina foi uma batalha corpo a corpo contra o modelo econômico-social vigente à época. Dentro de um novo modelo a ser criado e que era almejado por essa nova mulher, o casamento representava um modelo de vida totalmente assustador e Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 20 ultrapassado, “[...] matrimonializado, patriarcal, hierarquizado, patrimonializado e heterossexual, centralizador de prole numerosa que conferia status ao casal”8. O matrimônio passa a ter pouca importância para o contexto feminino. Frente a tantos casamentos arranjados, a mulher descobre que o importante na relação é a felicidade, a cumplicidade, o afeto. Questões subjetivas antes afastadas passam a ter relevância no momento de tomar a decisão do casamento. A mudança econômica do status feminino foi de extrema importância para outra mudança no contexto familiar. A mulher deixou a dependência financeira do homem para conseguir seu meio de sustento, não precisando mais se apoiar em uma figura masculina. O reflexo dessa liberdade foi a mudança do modelo patriarcal de família existente. Não quis a mulher que a idéia de família estivesse ligada a figura do pai, com a mãe em segundo plano. Esta hierarquia era algo inaceitável para essa nova mulher, que sabia onde estava sua importância não só frente à família, mas frente ao mundo. Em um primeiro momento feminista, a luta foi por mostrar superioridade ao homem, o que hoje já demonstra superado, pois o objetivo agora é a igualdade em amplo sentido. É a busca da igualdade sem deixar de levar em conta os fatores diferenciais existentes entre homens e mulheres. É o princípio da igualdade que impõe o dever de tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Busca-se a igualdade de direitos e deveres. A década de 70 trouxe ainda grande mudança no contexto sexual vigente, amparado em grande desenvolvimento científico. Com a invenção de métodos contraceptivos eficazes, esta época viu nascer uma mulher que descobriu no sexo um contexto mais que reprodutivo, que descobriu a prática sexual como forma de realização pessoal. A evolução científica foi grande aliada na tão almejada revolução feminista, possibilitando à mulher alcançar a revolução sexual. A grande mudança no contexto sexual tornou a mulher capaz de tomar as rédeas da sua vontade reprodutiva e sexual. Às mulheres solteiras foi dada a oportunidade de expressão sexual antes do casamento, sem o receio de uma gravidez indesejada. 8 DIAS, Maria Berenice. Famílias modernas: (inter)secções do afeto e da lei. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 21 À casada, ampliou-se mais ainda o benefício, pois a estas foi dada também a efetiva capacidade de planejamento familiar e ela passou a aguardar o momento mais oportuno para a constituição de sua família. O controle familiar trouxe a diminuição da prole, uma característica marcante desse novo modelo familiar visto no final do século XX. Essas mudanças foram de relevante importância para o contexto familiar vigente até os dias atuais. A satisfação pessoal é a busca permanente dessa mulher, que traz no seu íntimo a vontade de transcender o modelo colonial imposto durante tantos séculos. Unir-se a alguém e ter filhos não deixou de ser parte de um objetivo familiar futuro, mas o que se tornava relevante neste momento é conjugar esta vontade por desejo próprio, e não mais por imposição social. A busca é pela felicidade, pelo afeto como forma essencial de constituição da família, não mais enraizada em preceitos morais e sociais que escravizavam a mulher a um papel de menor importância frente a entidade familiar constitucionalizada por meio de casamentos arranjados e que deveriam permanecer por força de aparências e circunstâncias. 1.3.2 Afeto, um novo fator familiar Diante de todo o exposto até o momento, o que vem marcar a nova face da família mundial e sua inclusão no momento social, observadas as rápidas mudanças que se fazem presentes no mundo contemporâneo, é a evolução do foco interpessoal das entidades familiares. No antigo foco está o desgastado modelo clássico, que cria seu vínculo por meio do matrimônio, focado na idéia do patriarca gerente da vida familiar, tendo a mulher e filhos sobre seu comando, e onde a supremacia econômica exercida por ele define este poder de mando frente a estrutura do casal. Neste novo modelo emergente, a opção é por uma prole reduzida, onde o chefe de família não é visto dentro do patriarcado, mas na divisão de tarefas em benefício de todos. O homem sai do centro de poder para dar espaço a entidade familiar em si, onde os rumos são decisões conjuntas entre marido e mulher. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 22 Mas lógico que tanta mudança não veio sem grandes desgastes. É premissa maior que quem está no poder, dele não quer abdicar-se. E essa nova mudança estrutural trouxe grandes transformações para a figura masculina. [...] é importante ressaltarmos que a atual crise masculina é fruto das várias transformações históricas, merecendo destaque as várias lutas e conquistas femininas que vem redefinindo o papel social da mulher e ao mesmo tempo exigindo que o homem faça o mesmo, bem como, o profundo processo de mudanças ocorridas com o advento da modernidade, que ao afirmar a intrínseca relação da sociedade atual com a ciência, a tecnologia, o materialismo, a competição e a globalização, ou seja, com o progresso científico, impõe uma ênfase no presente e no futuro com um crescente descaso pelo passado, pela tradição, pela religião [...] resultando em perda dos modelos e paradigmas tradicionais, sem haver segurança nos dias 9 futuros . Acostumado ao comando, adaptar-se a este novo fenômeno familiar foi uma grande dificuldade para este homem de final de século. Dividir o poder familiar com esta figura feminina ciente de seu papel social e da importância que tinha frente a nova sociedade que se formava foi uma tarefa de árdua adaptação. Desencadearam-se sobre o homem uma série de transformações pressionadas por ela (a evolução da mulher), pela família e pelo social, uma vez que as exigências atuais contrastam com o até então concebido como 10 “privativo do masculino” . Uma das grandes mudanças sentidas no constante a essas transformações no núcleo familiar foi a sua dissolução. Se antes a manutenção era um fator arraigado por pressões religiosas, sociais, políticas e econômicas, agora não mais se sobressaem esses arquétipos para a mantença da união matrimonizada. A experiência de um casamento acabado não impediu outro fenômeno nessa nova sociedade contemporânea: mesmo impossibilitados de adquirir a dissolução do casamento por meio legal, cada membro da entidade familiar desfeita foi em busca de novas parcerias, voltando-se então para uma forma de união informal, onde o bem estar comum e o crescimento mútuo eram as regras mais importantes. E a legislação omitiu-se por demasia para sanar esta realidade que fazia presente no mundo real, conforme palavras da Dra. Maria Berenice Dias, Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: A legislação, além de omitir-se por longo tempo em regular relações informais, expungia, com veemência, a possibilidade de se extraírem conseqüências jurídicas de todo e qualquer vínculo afetivo outro. Proibiu 9 BOECHAT, Walter (org.) O Masculino em questão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. In: BOSCO FILHO, João. Papai é gay. 10 DIAS, Maria Berenice. Famílias modernas: (inter)secções do afeto e da lei. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 23 doações, seguros, bem como a possibilidade de herdar, em face de ligações tidas por espúrias. Tal ojeriza, entretanto, não coibiu o surgimento de relacionamentos sem respaldo legal, levando seus partícipes, quando do rompimento da união, às portas do Judiciário. Viram-se os juízes forçados a criar alternativas para evitar flagrantes injustiças, tendo sido cunhada, via jurisprudencial, a expressão companheira, como forma de contornar as proibições para o reconhecimento dos direitos banidos pela lei. Em um primeiro momento, aplicou-se por analogia o Direito Comercial, face à aparência de uma sociedade de fato entre os convivas. Quando ausente patrimônio a ser partilhado, passou-se a ver verdadeira relação laboral, dando 11 ensejo ao pagamento de indenização por serviços prestados . Mas a possibilidade de dissolução ocorreu, após um caminho longo. Como já abordado antes, somente na final da década de 70, mais precisamente com o advento da Emenda Constitucional no. 09 de 1977, foi adotada a possibilidade do divórcio no ordenamento jurídico brasileiro. A entrada da lei no mundo jurídico só veio realçar a realidade que se fazia presente no mundo dos fatos. Embora lei nenhuma regulasse, nada impedia a separação real entre os cônjuges que não mais harmonizavam dentro da relação interpessoal do casamento. A separação era fenômeno real constante e presente na sociedade brasileira. Dentro de um enfoque jurídico, pouco fez a legislação pátria para regular as novas realidades familiares que surgiam. Após a lei do divórcio, calou-se o legislativo, ficando a regulamentação das relações familiares sobre os pilares do judiciário. Impedido por princípio legal de deixar de dar respostas aos interesses litigados, a jurisprudência foi a alternativa para a ausência de lei. Somente com o advento da Carta Constitucional de 1988, em seu artigo 228, que se passou a regular, de forma ainda muito tímida, as novas concepções de família e de entidades familiares, deixando ainda muitas questões em aberto. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 0 § 1 O casamento é civil e gratuita a celebração. 0 § 2 O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei. 0 § 3 Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 0 § 4 Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por 12 qualquer dos pais e seus descendestes . O novo texto constitucional trazia em seu corpo a simples corroboração que se aplicava na ampla jurisprudência dos tribunais brasileiros. Reconheceu a união 11 12 DIAS, Maria Berenice. Famílias modernas: (inter)secções do afeto e da lei. BRASIL. Constituição (1988). Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 24 estável, tendo como formandos desta união a idéia de companheiros. E ainda ampliava a concepção de entidade familiar ao arranjo feito entre um dos pais e sua prole, que ficou conhecido como entidade familiar monoparental. Após este momento jurídico, somente em 1994 surgiu a Lei no 8.971, que também em pouco modernizou o entendimento jurídico já aplicado à época. Esta lei só reconheceu a união estável com vigência de 5 anos ou com filhos. Ampliou ao companheiro o direito a vocação hereditária e o direito à meação quando a herança era resultado da participação do companheiro. Novo momento jurídico adveio com a Lei no 9.278 de 1996, que ampliou mais todo o ordenamento existente, não especificando tempo para a caracterização da união estável e definindo-a como a convivência duradoura, publica e continua de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família13. Mas conforme jurisprudência já empregada pelo Supremo Tribunal Federal, tais normas já se fazem revogadas frente ao Código Civil de 2002, que trouxe em seu contexto a regulamentação da união estável em seu corpo normativo, em especifico nos artigos 1.723 a 1.727. EMENTA: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS. PRETENDIDA QUALIFICAÇÃO DE TAIS UNIÕES COMO ENTIDADES FAMILIARES. DOUTRINA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 9.278/96. NORMA LEGAL DERROGADA PELA SUPERVENIÊNCIA DO ART. 1.723 DO NOVO CÓDIGO CIVIL (2002), QUE NÃO FOI OBJETO DE IMPUGNAÇÃO NESTA SEDE DE CONTROLE ABSTRATO. INVIABILIDADE, POR TAL RAZÃO, DA AÇÃO DIRETA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, DE OUTRO LADO, DE SE PROCEDER À FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA DE NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS (CF, ART. 226, § 3º, NO CASO). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA (STF). NECESSIDADE, CONTUDO, DE SE DISCUTIR O TEMA DAS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS, INCLUSIVE PARA EFEITO DE SUA SUBSUNÇÃO AO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR: MATÉRIA A SER VEICULADA EM SEDE DE ADPF? [...] Extremamente significativa, a tal respeito, a observação de CARLOS ROBERTO GONÇALVES (“Direito Civil Brasileiro – Direito de Família”, vol. VI/536, item n. 3, 2005, Saraiva): “Restaram revogadas as mencionadas Leis n. 8.971/94 e n. 9.278/96 em face da inclusão da matéria no âmbito do Código Civil de 2002, que fez significativa mudança, inserindo o título referente à união estável no Livro de Família e incorporando, em cinco artigos (1.723 a 1.727), os princípios básicos das aludidas leis, bem como introduzindo disposições esparsas em outros capítulos quanto a certos efeitos, como nos casos de obrigação alimentar (art. 1.694)”. 13 o 0 Lei n 9.278, Art. 1 : É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 25 A ocorrência da derrogação do art. 1º da Lei nº 9.278/96 – também reconhecida por diversos autores (HELDER MARTINEZ DAL COL, “A União Estável perante o Novo Código Civil”, “in” RT 818/11-35, 33, item n. 8; RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, “Comentários ao Novo Código Civil”, vol. XX/3-5, 2004, Forense) – torna inviável, na espécie, porque destituído de objeto, o próprio controle abstrato concernente ao preceito normativo em questão. É que a regra legal ora impugnada na presente ação direta já não mais vigorava quando da instauração deste processo de fiscalização 14 concentrada de constitucionalidade . Neste ínterim, o novo código ampliou mais as mudanças significativas das novas entidades familiares existentes. Consagrou a possibilidade da união estável entre pessoas casadas desde que estas estivessem separadas de fato. Com o intuito de proteção que a lei deve buscar frente à sociedade, o novo código civil disciplinou, em conjunto com o princípio da igualdade, a polêmica da distinção entre os filhos legítimos e os adotados, e ainda os filhos ocorridos fora do casamento. Disciplinou ainda o novo ordenamento que a família se encontrava dirigida pelo casal, não estando o homem como único chefe do núcleo familiar. A divergência entre ambos agora deveria ser levada ao âmbito judiciário. Reforça-se a idéia de paridade e igualdade entre os membros da entidade familiar. Todo o esboço da evolução do instituto família é para fortalecer o entendimento sobre as novas forças que rege a sua formação. À procura do que se pode conceituar como família neste novo contexto histórico, o laço consangüíneo vem em paralelo com um novo paradigma, o afeto. Ao disciplinar o amparo ao filho fora do casamento, levou em consideração a proteção do laço sangüíneo como elemento suficiente em si mesmo para criar laços de responsabilidade e familiaridade. Mas ao mesmo tempo vem este novo paradigma tentar disciplinar este elemento subjetivo essencial para a formação da entidade familiar. Valerá agora, primordialmente, a afetividade, o carinho, a vontade mútua de construir, em comum acordo, um caminho melhor para se viver. Todas essas mudanças para alcançar o afeto como fonte essencial para a formação familiar emergiu de uma longa jornada que só no final do século XX se consagrou, após dura luta dos manifestos sociais. 14 STF. ADI 3300 – Relator Ministro Celso de Mello – Julgamento em 03 de fevereiro de 2006. Vale o ressaltar que há divergência doutrinaria a cerca da revogação das Leis n 8.971/94 e 9.278/96 em face do advento do Código Civil de 2002. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 26 Vários movimentos sociais se destacaram nesta época, por reivindicar o direito à igualdade, à liberdade de viver, pois não há de se negar que a busca suprema de todo o ser humano é a felicidade. Esse sentimento foi estopim dos principais movimentos surgidos na década de 70, e o movimento feminista foi apenas um dos vários movimentos sociais em busca de visibilidade. O ser humano, mais ciente de seus direitos, foi às ruas buscá-los, após vários fenômenos jurídicos de âmbito internacional, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Entre estes grupos reivindicatórios, além das mulheres, pode-se destacar o movimento em busca da igualdade cultural dos negros. No mesmo caminho de luta e reivindicação veio a busca de reconhecimento da homossexualidade e a quebra do preconceito. É a busca da felicidade de ser quem se é. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 27 CAPÍTULO II HOMOSSEXUALIDADE 2.1 Histórico da Homossexualidade A grande transformação sentida na sociedade da segunda metade do século XX foi a conscientização do indivíduo frente a seus direitos, sua certeza quanto à importância de lutar pela efetivação da justiça. Esta consciência coletiva fez surgir a ação das minorias que viam seus direitos diminuídos ou mesmo suprimidos diante da elite dominante da sociedade. Reivindicar tornou-se lema nesta nova sociedade contemporânea, que almeja tratamento igual dentro de sua diferença. E dentre estas minorias, que surgem neste momento histórico de reivindicação de direitos iguais, estão os homossexuais. Mas a contra-senso, a homossexualidade não é um fenômeno contemporâneo. Sua atual visibilidade nada mais é que o reflexo das diversas lutas travadas pelas várias minorias reprimidas durante séculos. Em algum momento histórico toda e qualquer forma de identidade homossexual existente foi suprimida, por não se encontrar dentro do padrão social, econômico e religioso vigente da época. Mas conforme será demonstrado neste capítulo, nem sempre a homossexualidade foi tratada como tabu ou mesmo com, usando de eufemismo, descaso. Diversos momentos da história humana demonstraram a aceitação e convívio com a homossexualidade de forma tranqüila e pacificada, inserida na sociedade como prática usual de seus membros. A ascensão do pensamento Canônico, que trazia em sua raiz o pensamento Judaico, trouxe um outro olhar sobre a homossexualidade, imbuindo-a de um caráter pecaminoso, lascivo, criando um parâmetro discriminatório que se fará presente até os dias atuais. Para compreender a luta pelo reconhecimento e visibilidade da homossexualidade moderna, é extremamente importante perceber as nuances de sua evolução histórica. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 28 Três momentos históricos se destacam em especial. O primeiro por uma sociedade que vê na homossexualidade uma extensão de sua cultura, assimilando-a de forma natural. O segundo momento destaca-se pela inversão total de conceitos, onde um forte sentimento religioso repudiará por completo a homossexualidade. Por fim surgirá este momento atual, onde a luta é para reverter o conceito discriminatório criado e perpetuado durante séculos, pelo reconhecimento e aceitabilidade da homossexualidade como algo inerente ao ser humano. 2.1.1 A homossexualidade na sociedade grega e romana A homossexualidade tinha um caráter muito peculiar dentro da sociedade grega. Sua aceitação era comum, e em nada causava estranheza aos seus membros. Na conjuntura histórica grega, a homossexualidade era vista como prática aceitável e recomendada. Como já salientado no primeiro capítulo deste trabalho, para os antigos gregos, o casamento entre homem e mulher não estava essencialmente vinculado ao amor, mas sim a um forte aspecto religioso, com o interesse doméstico embutido. O amor, um sentimento nobre, e o prazer sexual eram assuntos vinculados aos cidadãos15. Havia uma concepção de que tais sentimentos só poderiam ser exercidos e sentidos, em sua plenitude, por pessoas de níveis iguais. Assim, seria a mulher incapaz de entender a perfeição destes sentimentos, sendo eles permitidos somente aos homens. O homem devia dividir a beleza, o amor e o prazer com outro homem, pois só a eles era possível a real apreciação e deslumbramento de sentimentos tão nobres. A homossexualidade é, a esta época, a manifestação de um machismo supremo. As Olimpíadas era mais um reflexo dessa sociedade essencialmente voltada para o “cidadão-homem”. Às mulheres era vedada a presença nas arenas, e os atletas competiam nus, como forma de mostrar todo o vigor e superioridade da 15 A sociedade grega dividia-se em três classes: (1) a dos cidadãos livres, (2) a dos comerciantes e artesãos, (3) e a dos escravos e mulheres. Somente a primeira classe, a dos cidadãos livres, tinha direitos políticos, isto é, quem pertencesse a este grupo podia participar da esfera pública, sendo que o que a caracterizava era a ação política. CASTRO, Susana de. O enigma de Hannah. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 29 beleza masculina. As mulheres seriam incapazes de compreender a essência do belo, do harmonioso. Dentro do treinamento militar, a prática homossexual também ganhava grande força. Primeiro porque o treinamento de guerra era feito por um grupo de “guerreiros-treinadores”, e fazia parte das obrigações do treinado satisfazer por todos os meios àquele que o treinava. Segundo porque, dentro de um aspecto psicomilitar, o apego afetivo entre os guerreiros era algo incentivado, visto que se criando um vínculo de apego, amor e carinho, grande seria o empenho em proteger alguém com quem se tem uma relação mais íntima no campo de batalha. Embora fosse uma sociedade preparada para a guerra, não só do combate vive o grego. O estudo contínuo e o questionamento como forma de alcançar o conhecimento são bases do pensamento filosófico grego. Os primórdios da filosofia é uma das grandes heranças deixadas por esse povo, que aprendeu a questionar e deixou esse princípio como legado. Pensar e questionar estavam ligados ao poder na sociedade grega. Para manter-se no poder era preciso desde cedo preparar a futura elite pensante. Mais do que nunca, conhecimento é poder. E com vistas a manter essa hegemonia, as famílias mais abastadas preocupavam-se em preparar seus filhos para manter este poder. Assim, desde cedo era importante pensar na educação que seus filhos teriam. O aprendizado era incentivado dentre os jovens cidadãos gregos, pois a certa idade eles eram colocados à disposição de adultos, para que com eles aprendessem a Cultura Grega. Este jovem serviria ao seu tutor e comum se tornava a prática homossexual entre eles. A homossexualidade grega – originalmente – tinha caráter inicial: em uma sociedade dividida em classes etárias, a relação sexual com um adulto acompanhava o rito de passagem dos jovens do sexo masculino da adolescência à maturidade e, neste contexto, servia a instruir o jovem a fazer 16 dele um homem capaz de assumir seu posto na coletividade . 16 CANTARELLA, Eva. L’omosessualità nel diritto ateniense. In: MATOS, 2004, p. 35. No original: “L’omosessualità greca – originariamente – era iniziatica: in uma società divisi per classi de età, il rapporto omosessuale com um adulto accompagnava il rito di passagio dei giovani maschi dall’adolescenza allá maturità e, in questo contesto, serviva a instruire il giovane e a fare di lui um uomo capace di assumere il suo posto nelle collettività”. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 30 A homossexualidade vincula-se a um pressuposto de passagem da infância para a adolescência e desta para a fase adulta, após a devida instrução. O importante era o treinamento em favor da polis, onde o indivíduo estaria se preparando para adentrar a vida adulta de forma a se inserir por completo na política, função essencial na sociedade. A naturalidade com que a homossexualidade estava disposta na sociedade grega se mostra evidente nas diversas ramificações existentes dentro dela. Na educação, nos esportes, na guerra. No teatro, os papéis femininos eram desempenhados por homens, que se travestiam para encenar. A homossexualidade se fazia presente na religião, povoada por deuses dotados de características inerentes aos homens, diferenciando-se destes apenas pelo poder e pela imortalidade. Os deuses eram o reflexo da própria sociedade grega, onde a homossexualidade não foi deixada de lado. Na mitologia grega, Ganímedes era um príncipe de Tróia, por quem Zeus se apaixonou. Nas imediações de Tróia, o jovem cuidava dos rebanhos do pai, quando foi avistado por Zeus. Atordoado com a beleza do mortal, Zeus transformou-se em uma águia e raptou-o, possuindo-o em pleno vôo. Ganimedes foi levado ao Olimpo e, apesar do ódio de Hera, substituiu a deusa Hebe e passou a servir o néctar aos deuses, bebida que oferece a imortalidade, derramando, depois, os restos sobre a terra, servindo aos 17 homens . Há inúmeras histórias homossexuais dentro dos mitos gregos. Apolo (deus do sol, da cura e das doenças), que teve entre seus amantes Jacinto. Pátroclo, que seria amante de Aquiles. Posseidon teria se apaixonado por Pélope. Quando voltado para a realidade, encontramos referências sobre Alexandre, O Grande, Zenão de Cítio, fundador do estoicismo. Alcebíades, importante general e político do século V a.C. era famoso por seu poder de conquista, pois “… na sua adolescência, ele afastou os maridos de suas esposas, e quando adulto as esposas de seus maridos”18. 17 Uma releitura da mitologia grega de Ganímedes pode ser vista no vídeo de animação que participou da 8ª edição do Festival Mix Brasil "The Rape of Ganymede", em novembro de 2000. O vídeo foi realizado por Tom Whitman & Dustin Woehrmann e está disponível em http://mixbrasil.uol.com.br/mp/upload/noticia/10_111_59525.shtml; Ganímedes. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/ganímedes. Acesso em 30 de maio de 2006. 18 Tradução livre feita do texto Homosexuality and the anciant greeks. Disponível em http://www.religionfacts.com/homosexuality/ancient_greeks.htm. No original: "in his adolescence he drew away the husbands from their wives, and as a young man the wives from their husbands." Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 31 A sociedade grega mostra-se evidentemente adepta da homossexualidade, pois fazia parte de sua cultura, enxergando-a de forma natural e benéfica. Uma sociedade que exclui a mulher e que coloca o homem em um papel central. Mas a homossexualidade não está vinculada apenas à sociedade grega. A sociedade romana tinha em seu esboço a representatividade homossexual mas o contexto de sua prática em tudo era diferente no mundo helênico. Voltado para a hierarquia como forma de determinar a importância de um indivíduo dentro do grupo social romano, o poder era exercido por um ente familiar específico, detentor do poder de mando, devendo todos prestar respeito e obediência. Como foi enfocado na primeira parte deste trabalho, estava Roma baseada no “patria potestas”. A hierarquia era uma presença forte dentro da sociedade romana, dividida rigidamente entre escravos e cidadãos. Aos que não eram membros da família, inseridos ainda assim dentro de um contexto de subordinação, restavam o simples enquadramento como escravo. A homossexualidade se dará entre estes como forma de demonstrar dominação. Sem perder este padrão hierárquico, a experiência homossexual era permitida entre o senhor e o escravo, mas exercendo aquele apenas o pólo ativo da relação. Assim, “[...] os homens que, eventualmente, submetiam-se a prestar favores sexuais a outros homens eram equiparados a escravos, não possuindo qualquer relevância social”19. Importe salientar o papel fixo que cada um deveria exercer na homossexualidade vivida na sociedade helênica. Ao cidadão cabia o papel de ativo, mostrando sua superioridade e poder hierárquico. Ao escravo era destinado ser passivo, reflexo da subordinação e feminilidade, o que não condizia com a importância dentro da coletividade. Sendo uma prática usual, poderia haver a predileção entre os escravos ou subordinados. Famosos são alguns de seus imperadores pelas práticas homossexuais, como Adriano, que manteve um relacionamento com seu escravo Antínuo. Júlio César e Nero são outros conhecidos, este último especialmente pela sua crueldade. A aceitação da homossexualidade dentro do mundo antigo reflete características distintas. Enquanto o mundo grego a aceita como forma de 19 BRANDÃO, 2002, p. 34. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 32 integração social, fazendo parte do seu cotidiano, o romano a enfoca como reflexo de hierarquização existente dentro de sua sociedade, demonstrando formas distintas porém abertas ao envolvimento entre homens. 2.1.2 Outras sociedades e a homossexualidade Não se pode reduzir a análise da homossexualidade a estas duas sociedades existentes. O enfoque é mais visível visto a grande importância que estes duas civilizações tiveram frente ao padrão ocidental. A cultura oriental não deixou de ter sua manifestação homossexual, destacando-se de várias formas frente aos grandes grupos que formaram essa civilização. O primeiro relato escrito sobre a homossexualidade remonta ao Império Assírio, por volta de 2000 a.C., na composição de um poema babilônico chamado Épico de Gilgamesh. Neste conto, o personagem principal é o rei Gilgamesh, que teve o sonho de um homem caindo sobre si. Sua mãe, ao interpretar o sonho, determina que seu filho deveria unir-se a um companheiro para governar seu país com força. Unidos, eles foram capazes de vencer inúmeras guerras e obstáculos. Os primeiros estudiosos da homossexualidade, ao vincularem uma forte ligação do homossexual à figura materna, foram buscar embasamento de suas idéias analisando a importância que a mãe teve na estrutura desta história. Napoleão toleraria a homossexualidade entre seus soldados utilizando como argumento não só a história de Gilgamesh e seu companheiro unidos para guerrear, como também da visão grega de que pessoas unidas por laços afetivos se protegeriam com mais comprometimento. Verificou-se, também, a homossexualidade presente na sociedade egípcia, onde os faraós dispunham de haréns com belos jovens. Nesta sociedade, a homossexualidade estava “relacionada à religião e à carreira militar, pois a pederastia era atribuída aos deuses Hórus e Set, que representavam justamente a homossexualidade e as virtudes militares”20. 20 BRANDÃO, 2002, p. 31. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 33 No mundo muçulmano antigo, os poucos relatos escritos existentes restringem-se à obra Mil e Uma Noites. Os contos refletem a sociedade existente à época, que não via com estranheza o envolvimento entre pessoas do mesmo sexo. Somente com o passar dos anos, quando veio a sofrer forte influência religiosa, é que se revela um novo quadro de rejeição da homossexualidade. Ainda mais para o Oriente, encontram-se a Índia e o Japão como culturas que se adaptaram à homossexualidade. Na cultura hindu, o material escrito de maior relevância é o Kama Sutra, de Vatsyayana. Uma apreciação mais atual da obra remete às práticas homossexuais. O Japão também viveu com grande naturalidade a homossexualidade existente em sua cultura. Era comum a prática entre os guerreiros samurais, principalmente entre o mestre e seu discípulo. O livro “O Grande Espelho de Amor entre Homens”, do poeta japonês Ihara Saikaku (1642-1693), é um dos grandes marcos da literatura japonesa, e se baseia no relato de amor entre samurais, nobres, monges, atores e outras relações amorosas homossexuais no Japão do século XVII21. A religião em nada condenava a homossexualidade, visto que em nenhum momento sofreu influência do monoteísmo hebreu, sendo comum a prática dentro dos mosteiros budistas e mesmo entre os lamas do Tibet. Analisando-se as culturas do mundo antigo, desde o ocidente ao oriente, vêse uma aceitação natural à homossexualidade, admitindo-a como fato comum da sociedade. A grande exceção foi a cultura do povo hebreu que, para manter sua identidade cultural, ressaltava o repúdio à tradição de outros povos e, por conseguinte, negava-se a assimilar costumes estrangeiros como forma de enfatizar o nacionalismo. É esta mesma cultura que dará origem a três grandes ramos da religião ocidental (cristianismo, judaísmo e islamismo). 21 Trabalhando a temática gay, o filme Tabu (Gohatto), realizado por Nagisa Oshima (Japão, 1999, Cor – 100 min.) enfoca a beleza do jovem Sozaburo e o seu efeito nos samurai, jovens ou mais maduros. Tudo isso como pano de fundo para desabar em um texto narrativo mais complexo, com as intrigas e assassinatos que florescem, os confrontos com forças rivais ou o contexto sociopolítico da época. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 34 2.1.3 A homossexualidade na idade média Todo o aspecto de aceitação e naturalidade existente quanto a homossexualidade reverteu-se com a influência e a assimilação do cristianismo, este de base judaica, influenciando a civilização romana e, por conseguinte, a Idade Média. Se a Idade Antiga foi marcada pela condescendência e aceitação, o mesmo não se pode dizer quanto à Idade Média, onde a perseguição e a intolerância – não só aos homossexuais – era característico da influência canônica no padrão de comportamento da época. Pregava-se um comportamento heterossexual como o único permitido e aceitável frente aos mandamentos divinos. Havia por trás uma legitimação do sexo apenas com intuito de procriar. Como fora enfocado na primeira parte deste trabalho, a concepção era o excepcional e real motivo da relação sexual, sendo qualquer outro motivo considerado contradição frente aos dogmas cristãos. Assim, o contexto familiar era baseado no sexo com finalidade de geração e pouco importava o afeto para caracterizá-la. Fogueiras, prisões e castigos eram as penas mais comuns imputadas aos homossexuais. Estes eram tidos como pecadores, subversivos dos desígnios de salvação, geradores dos males da humanidade, que mereciam a ira de Deus. A pior conseqüência do pensamento cristão desta época foi sua grande influência e duração. Isto fez arraigar no pensamento da época grande ódio e repulsa à convivência entre pessoas do mesmo sexo. Quebrar os aforismos canônicos contra os homossexuais, que influenciou durante dez séculos o pensamento da humanidade, seria impossível. Com toda a repressão, a homossexualidade não deixou de existir, mas passou a ficar camuflada na sociedade, tida como uma coisa antinatural e vergonhosa. Todo este estágio de explícita perseguição perdurou até aproximadamente o final do século XIV, quando a força da Igreja Católica foi abalada, entre outras coisas, pelas mudanças trazidas pela reforma protestante e o surgimento de um novo pensamento que marcou o final da Idade Média e deu início à Idade Moderna: o Renascimento. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 35 O Renascimento, ligado ao humanismo, vem resgatar o conhecimento como vertente essencial para a vida. Repudiando toda a obscuridade empregada na Idade Media, agora procura-se vislumbrar o conhecimento, ver o mundo por completo, resgata-se o pensamento clássico, a filosofia clássica. Esta nova vertente pensante tem grande expressão, em especial, na Itália, que passa a se destacar nas artes e nas ciências. É em meio a este renascimento cultural que se vê ressurgir também uma tímida expressão homossexual, mas constante. Importantes personalidades da época alteraram o quadro da repressão, demonstrando sua homossexualidade: Leonardo da Vinci com Jacopo Saltarelli, Michelangelo com Tomasso del Cavalieri, Giovanantonio Bazzi. Entre as personalidades famosas da França, há Henrique III, rei da França entre 1574 a 1589; Felipe de Orléans, irmão do rei Luís XVI; Vendôme e Huxelles, ambos famosos generais. Na Inglaterra, Shakespeare expressa em versos a homossexualidade enquanto Christopher Marlowe (1564-1593) escreve a peça Eduardo II, baseando-se na história real vivida pelo rei da Inglaterra Eduardo II e seu amante, Piers Gaveston. Apesar desta pequena abertura, ainda havia uma forte influência do pensamento canônico no cotidiano dos grandes centros urbanos. E este fenômeno influenciou o pensamento jurídico de alguns países. Embora almejassem a desvinculação do Direito com as determinações eclesiásticas fundadas no divino, a homossexualidade continuou a ser vista como uma coisa antinatural e que comprometeria a força do povo e do Estado. Este foi um pensamento que encontrou respaldo na Alemanha e na Inglaterra, principalmente durante o reinado da Rainha Vitória. Esta promulgou leis duras contra os homossexuais. Uma das vítimas destas leis foi o famoso escritor inglês Oscar Wilde, acusado de “cometer atos imorais contra rapazes” e de sodomia. A contrário senso, a Itália e a França nada declararam em lei quanto à relação entre pessoas do mesmo sexo. Dentro do enfoque legal, não havia para eles qualquer relação de causa e efeito entre a prática homossexual e danos a terceiros, requisito essencial dentro do enfoque do Direito Penal. Assim, a Assembléia francesa de 1791 não condenou a prática e o Código Penal Napoleônico não fez nenhuma referencia. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 36 A abertura sentida em alguns países não significou a liberação da homossexualidade. O preconceito arraigado de séculos fez muitos homens e mulheres se esconderem, viverem falsas vidas, mantendo aparência e vida heterossexuais, mas na clandestinidade mantendo uma homossexualidade paralela. Este será um fenômeno que perdurará até o século XX, sofrendo grande transformação na sua segunda metade. 2.1.4 Segunda metade do século XX: décadas de transformação O começo do século XX assistiu o nascimento embrionário de um movimento homossexual. Viam-se pesquisas voltadas a explicar a origem da homossexualidade e seu reflexo na sociedade como um todo. Embora fosse proibido em alguns países, assistia-se ao despertar de um público gay disposto a mostrar o rosto e freqüentar a sociedade abertamente. Já havia lugares destinados a eles e revistas eram publicadas visando alcançar este público específico. Porém o pior estava por vir. Se a Idade Média fundava seu ódio nos dogmas da Igreja, agora um novo instituto mais poderoso servirá de base para a fundamentar uma perseguição implacável contra os interesses do Estado: a Norma Jurídica. Surge na Alemanha um pensamento ultraconservador, de direita, embasada em uma “limpeza” ética, moral, social e, sobretudo, racial: o Nazismo. Fortalecido por este pensamento de limpeza e amparado na norma jurídica, assistia-se ao maior genocídio de falso cunho racial já visto na história da humanidade22. Em nome de um fortalecimento da unidade Alemã, estima-se a morte de mais de quinze milhões de pessoas em virtude do pensamento de “limpeza” empregado pelos nazistas. Com enfoque na superioridade ética do povo alemão, assistiu-se ao Holocausto, termo cunhado para expressar o massacre ocorrido nos campos de concentração e extermínio mantidos durante o regime do Governo de Hitler. Visando defender os interesses do Estado Germânico, matou-se indiscriminadamente qualquer opositor ao pensamento nazista, sendo os principais 22 Marx já havia advertido que a norma jurídica poderia facilmente ser manipulada para legitimar os interesses da classe dominante. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 37 perseguidos políticos de Hitler os judeus, os comunistas, os homossexuais, deficientes mentais, deficientes motores, ciganos, Testemunhas de Jeová e pacientes psiquiátricos. Estima-se que durante o regime nazista foram presos entre 90 e 100 mil gays e lésbicas, e que foram mortos entre 10 a 20 mil em seus campos de concentração e extermínio. A imprecisão destes números aumenta levando em conta que um mesmo indivíduo poderia ser classificado em mais de um grupo. Alguém que fosse judeu e gay tinha sua situação agravada. As penas nos campos, quando não era a morte, eram torturas como ficar de pé, nu, exposto a baixas temperaturas. Experiências pseudocientíficas, como castração e aplicação de hormônios, sob a expectativa de cura do mal da homossexualidade. Diante deste cenário de terror e medo, o enrustimento foi a atitude que cercou a época. Apavorada e com medo de retaliações, toda a comunidade homossexual passou a viver o chamado “inside the closet”, expressão para designar a discrição em manter a homossexualidade camuflada. O mundo, perplexo com todo o poder utilizado em nome de uma ideologia política para justificar o massacre a milhões de pessoas, viu nascer, ao final da Segunda Grande Guerra, um novo pensamento jurídico-social, centrado na supremacia do ser humano sobre o interesse de qualquer Estado autoritário. Vê-se aflorar um sistema de proteção de direitos aplicáveis a todos, revestido de poderes internacionais e tutelado universalmente por entidades de Direito Internacional Público. Nasce neste contexto mundial a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, onde ocorre a institucionalização do direito individual em âmbito internacional. As ideologias apresentadas nesta carta mostram-se como norte edificador, focada no ser humano como objeto fundamental merecedor de qualquer esforço para a construção de uma sociedade moderna mais justa e equilibrada. Porém um longo caminho ainda será trilhado entre a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e sua efetiva internalização no contexto mundial. Caminho este que será marcado pelo surgimento reivindicatório de diversos Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 38 movimentos sociais, destacando-se entre eles, como já comentado no capítulo anterior, o movimento negro23, a revolução feminista e o movimento gay. Os anos 60 viram renascer uma nova comunidade gay, um movimento social organizado, utilizador dos órgãos de mídia e com apoio político, embasado nas transformações sociais que a segunda metade do século XX tanto almejava. O grande marco na luta pelos direitos homossexuais dessa época foi a revolta de Stonewall Inn, bar de Nova Iorque voltado para o público gay onde na noite de 28 de junho de 1969 os freqüentadores, cansados das humilhações e dos constantes maltratos policiais, reagiram a uma batida, partindo para um violento protesto que tomou as ruas por três dias, armando barricadas e expulsando a polícia. Em 10 de julho de 1970, em comemoração ao aniversário do motim, ocorreu uma marcha que seria a precursora das atuais Paradas do Orgulho Gay. Essa visibilidade e exposição vieram por a tona um fato real que estava inserido na sociedade e que a mesma apenas fingia não enxergar. A homossexualidade se fazia presente em todas as camadas sociais, mas entre a sua visibilidade e a sua efetiva aceitação, um longo caminho ainda seria (e será) trilhado. Sua evolução nestas últimas quatro décadas, em especial, foi marcada por constantes lutas e por um lento progresso. Nesse primeiro momento de renascimento da visibilidade homossexual, apenas grandes centros urbanos se destacaram, visto o panorama de metrópoles e acolhedoras de um movimento vanguardista de liberdade. São Francisco, Nova Iorque e Paris são as cidades que se destacam. No contexto brasileiro, São Paulo e Rio de Janeiro ocupam seu lugar de destaque. Os anos 70 foram marcados, não apenas na seara homossexual, pela grande liberdade sexual. Foram anos de transformações ideológicas no campo da sexualidade, onde o desenvolvimento científico patrocinou modificações no comportamento sexual de homens e mulheres, destacando a separação entre intimidade e sexo. Era uma sociedade disposta a quebrar, além dos preconceitos, tabus arraigados na cultura mundial. 23 O movimento pelos direitos civis negros não faz parte analítica desta monografia. Alguns tópicos serão citados como fonte para futuras pesquisas de interesse pessoal do leitor. 1955 – Rosa Parks; 1957 – A Dessegregação em Little Rock; 1961 – O protesto de Greensboro; 1962 – O Caso James Meredith; 1963 – A Marcha sobre Washington; 1964 – O Verão da Liberdade; 1964 – Prêmio Nobel da Paz a Martin Luther King; 1965 – Selma e o Direito de Voto; 1966-1975 – O Black Power e Os Panteras Negras. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 39 A nova ideologia era a sexualidade como forma de prazer (em especial para a mulher, visto que lhe foi negado durante séculos), e não mais voltada para a necessidade primordial de perpetuação da raça humana. Há o total deslocamento do eixo sexo-procriação para a nova vertente sexo-amor, onde a homossexualidade se encaixaria perfeitamente visto que era, à época, mais que impossível o contexto sexo-procriação entre pessoas do mesmo sexo. Já os anos 80 e 90 seriam marcados não por um retrocesso mas sim por uma releitura, com o advento da AIDS, da liberdade sexual experimentada por homens e mulheres na década anterior. Associada primeiramente a uma doença da homossexualidade masculina, verificou-se a posteriori que estava vinculada a comportamento sexual desregrado e inconsciente. A vinculação entre AIDS e homossexualidade deixa evidente, à primeira vista, o preconceito que a cerca. A liberdade sexual dos anos 70 foi um reflexo geral da sociedade, que via finalmente a possibilidade de expressar sua sexualidade desvinculada de preconceitos. A conduta humana é sintomática no anseio de encontrar um culpado às dificuldades que afrontam o mundo. Assim não foi diferente com o advento da AIDS. Tratou-se, em um primeiro instante, de encontrar um “responsável” para o seu aparecimento e disseminação. Com os estudos que foram surgindo, tornou-se incerto, impreciso quanto ao seu aparecimento, porém a disseminação está abertamente ligada ao caráter sexocomportamental, também conhecido como comportamento de risco. Se os anos 60 e 70 trouxeram timidamente a ponta do iceberg da homossexualidade, os anos seguintes trariam o resto de um corpo multifacetar preocupado em mostrar sua diversidade desvinculada do ponto de vista apenas sexual para então ilustrá-la nos vários prismas das ciências humanas e biológicas, como na medicina, política, sociologia, psicologia e tantas mais. 2.2 O que é homossexualidade A visibilidade alcançada durante a última metade do século XX desencadeou um processo lento de aprendizagem e convivência com a homossexualidade. Algo que sempre existiu passou a ser comentado, a ser analisado e questionado. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 40 É da curiosidade humana querer saber o porquê das coisas, e com a homossexualidade, não haveria de ser diferente. Com o advento do Iluminismo, o questionamento científico e a busca pela razão colocaram o homem em uma busca incessante pelo conhecimento. A homossexualidade não ficaria fora do campo de análise do conhecimento científico. O século XIX, emergente da sede de conhecimento científico, trouxe ao enfoque da sociedade o estudo de toda uma sexualidade reprimida durante séculos por um idealismo Canônico, focado apenas na sexualidade como meio de reprodução. Tanta repressão colocou o sexo em papel de destaque tanto no âmbito público quanto privado. Mas equívocos ocorreram nos primeiros estudos feitos para atribuir classificação às diversas expressões da sexualidade, conforme comentário no trabalho elaborado por Ana Cristina Santos para o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em Portugal. Na verdade, em especial com a emergência do vitorianismo britânico no século XIX, os destinos da sexualidade tomaram outro rumo, uma vez que, tal como assinalou Foucault (1994), a pesada repressão sexual acabou por colocar o sexo no centro de uma atenção pública e privada sem precedentes. Essa súbita efervescência da sexualidade traduziu-se por uma classificação médica detalhada de todos os desvios conhecidos, entre os quais se contavam a histeria, a ninfomania, a homossexualidade, a prostituição e a masturbação. Com o surgimento da Sexologia, as diversas orientações, as preferências e os desvios sexuais, que, entretanto, foram sendo conhecidos, eram atribuídos a tendências do foro íntimo que poderiam ser ajustadas se 24 sujeitas a uma terapia médica adequada (sem grifos no original) . Mergulhado neste contexto de cientificidade em torno da sexualidade, cunhou-se pela primeira vez pela médica húngara Karoly Maria Benkert, em 1869, o termo homossexual, derivado dos grego homos (igual) com o latim sexus (sexo). Até então usavam-se outros termos, como pederastia (a palavra utilizada pelos gregos definir o relacionamento de aprendizagem entre o tutor e seu aluno), e sodomia (termo bíblico eferente a Sodoma). Mas os primeiros estudos da homossexualidade, assim como os da sexualidade em geral, levaram a equivocados erros, abordando seus diversos aspectos como desvios dignos de tratamento e cura. Ocorrera que, durante o final do século XIX, a medicina e a psiquiatria marcaram uma competição contra a religião e a lei pela homossexualidade. O 24 SANTOS, A., 2002. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 41 discurso sobre ela saíra do campo do pecado e do crime para se inserir no campo da patologia. Dois momentos, porém, marcarão em especial a releitura da homossexualidade no contexto científico. Em primeiro, os estudos do psicanalista Sigmund Freud, que tinha padrões mais aceitantes e não a encarava como patologia. Defendia que todos os seres humanos era bissexuais inatos e que se tornavam heterossexuais ou homossexuais, como resultado das suas experiências com os pais e outros (Freud, 1905). Explica Freud a homossexualidade por meio de falha no papel do pai para quebrar o Complexo de Édipo existente durante a infância. Próximo dos quatro anos de idade, a criança encontra-se intensamente ligada à mãe, e haveria uma luta entre pai e filho pela posse da mãe. Ocorre que a figura paterna deve impor limites e quebrar este vínculo estabelecido, para então assumir seu papel frente a criação. Será o pai então espelho para o filho, que passará a assimilar as características masculinas, que se estruturarão por completo na adolescência. Quando o pai não consegue quebrar este vínculo, o filho volta suas atenções para as características maternas, assimilando-as, até mesmo seu elemento de anseio, o homem. Um pai ausente em confronto com a superproteção da mãe desencadearia, na perspectiva freudiana, a homossexualidade. Mas vale ressaltar que Freud jamais deu causa a pensar na homossexualidade como patologia digna de cura. Conforme análise do fragmento de uma carta sua a uma mãe americana, vislumbra-se um pensamento de vanguarda para a medicina psicanalítica da época: Extraí de sua carta que seu filho é homossexual. Estou mais impressionado com o fato de você mesma não ter feito menção deste assunto nas suas informações sobre ele. Poderia eu lhe questionar por que você omitiu? A homossexualidade não é seguramente uma vantagem, mas não é nada de que nos envergonhemos, não é vicio, nenhuma forma de degradação, não pode ser classificada como doença. A consideramos como sendo uma variação da função sexual produzida por uma certa paragem do desenvolvimento sexual. Muitos indivíduos altamente respeitáveis dos tempos antigos e modernos foram homossexuais, entre eles alguns dos grandes homens (Platão, Miguelangelo, Leonardo da Vinci, etc.). É uma grande injustiça perseguir a homossexualidade como um crime, alem de crueldade. Se você não acredita em mim, leia os livros de Havelock Ellis. Quando me pergunta se posso ajudá-la você quer dizer é, creio eu, se posso abolir a homossexualidade e fazer a normal heterossexualidade assumir seu papel. A resposta é, de maneira geral, que não podemos prometer alcançar isto. Em um certo número de casos nós somos sucedidos em desenvolver os agentes das tendências heterossexuais que estão presentes em todo homossexual, mas na maioria dos casos isto não é mais possível. Tudo é Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 42 uma questão de qualidade e idade do indivíduo. O resultado do tratamento não pode ser previsto. O que a análise pode fazer pelo seu filho corre por uma outra linha. Se ele se sentir infeliz, neurótico, despedaçado por conflitos, inibido na sua vida social, a psicoanálise pode trazer-lhe harmonia, paz de espírito, total eficiência quer 25 ele permaneça homossexual ou mude[...] . O segundo momento de suma importância para a releitura não só da homossexualidade mas da sexualidade em geral ocorre no final dos anos 40, quando foi publicado o polêmico primeiro volume do “Relatório Kinsey”, um estudo feito pelo Professor Kinsey sobre a sexualidade humana. Formado em psicologia e zoologia, ele comparou seus estudos da sexualidade animal (em especial da vespa) com a humana, determinando assim que haveria uma diversidade sexual comum entre animais e humanos. O estudo baseado em pesquisas sobre a sexualidade dos adultos em diversas regiões dos Estados Unidos resultou neste famoso relatório intitulado “Sexual Behavior in the Human Male”. Em 1953 ele publicaria a segunda parte de sua pesquisa, intitulada “Sexual Behavior in the Human Female”, agora voltada para a sexualidade feminina. Os resultados alcançados por esses dois relatórios causaram abalo na estrutura clássica da família americana da época. Suas pesquisas chegaram ao resultado que a diversidade sexual humana não se restringe à heterossexualidade ou homossexualidade. Seu relatório dispôs a sexualidade em oito categorias: • heterossexual exclusivo; • heterossexual ocasionalmente homossexual; • heterossexual mais do que ocasionalmente homossexual; 25 Tradução livre de: “ I gather from your letter that your son is a homosexual. I am most impressed by the fact that you do not mention this term yourself in your information about him. May I question you, why do you avoid it? Homosexuality is assuredly no advantage, but it is nothing to be ashamed of, no vice, no degradation, it cannot be classified as an illness; we consider it to be a variation of the sexual function produced by certain arrest of sexual development. Many highly respectable individuals of ancient and modern times have been homosexuals, several of the greatest among them (Plato, Michelangelo, Leonardo da Vinci, etc.). It is a great injustice to persecute homosexuality as a crime, and cruelty too. If you do not believe me, read the books of Havelock Ellis. By asking me if I can help, you mean, I suppose, if I can abolish homosexuality and make normal heterosexuality take its pace. The answer is, in a general way, we cannot promise to achieve it. In a certain number of cases we succeed in developing the blighted germs of heterosexual tendencies which are present in every homosexual, in the majority of cases it is no more possible. It is a question of the quality and the age of the individual. The result of the treatment cannot be predicted. What analysis can do for your son runs in a different line. If he is unhappy, neurotic, torn by conflicts, inhibited in his social life, analysis may bring him harmony, peace of mind, full efficiency, whether he remains a homosexual or gets changed…” Disponível em http//wthrockmorton.com/?p=420. Acesso em 04 de abril de 2007. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 43 • igualmente heterossexual e homossexual (bissexualidade); • homossexual mais do que ocasionalmente heterossexual; • homossexual ocasionalmente heterossexual; • homossexual exclusivo; • indiferente sexualmente. Vários outros estudos surgiram a partir destes dois marcos: os estudos psicanalíticos de Freud e os estatísticos de Kinsey, e que vão contribuir de forma relevante na reformulação da visão patológica vinculada à homossexualidade. Mas foram longos os anos até a real desvinculação entre doença e homossexualidade. Somente em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association) retirou a homossexualidade do Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais, após uma votação favorável de treze dos seus quinze membros, visto que as análises de estudos não revelaram a compatibilidade de comportamento homossexual como doenças mentais. Esta decisão foi polêmica, e diversos psiquiatras exigiram um referendo diante de toda a classe psiquiátrica americana. Nesta nova votação, ocorrida em 1974, ratificou-se pela retirada da homossexualidade do referido rol. A Associação Americana de Psicologia (American Psychological Association – APA) em 1975 seguiu esta tendência, abolindo de seu estatuto a homossexualidade26. Na convenção anual que ocorreu em julho de 2004, a APA adota a convenção sobre “Orientação Sexual e Casamento”, voltada para os casais do mesmo sexo, onde estabelece que a “Discriminação e preconceito baseado na orientação sexual afetam negativamente o bem estar psicológico, físico, social e econômico” e que “A instituição do casamento civil confere status social e importantes benefícios, direitos e privilégios legais”27. No mesmo documento, o conselho reconhece que o preconceito, a discriminação e a violência contra homossexuais causam transtornos gerais no bem estar individual. A este fenômeno dão o nome de “estresse das minorias”. 26 No intuito contemporâneo de quebrar o preconceito que cerca as relações homossexuais, aboliu-se o termo homossexualismo, que tem no seu sufixo “ismo” o indicativo de “doença”, por homossexualidade, que possui no seu sufixo “idade” o significado de “comportamento”. 27 Tradução livre de: “Discrimination and prejudice based on sexual orientation detrimentally affects psychological, physical, social, and economic well-being…The institution of civil marriage confers a social status and important legal benefits, rights, and privileges”. O texto integral da resolução está no original no anexo da presente monografia. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 44 Pesquisadores (e.g., DiPlacido, 1998; Meyer, 2003) usam o termo “estresse das minorias” para se referir aos efeitos negativos associados com as condições sociais adversas experimentadas por indivíduos que pertençam a um grupo social estigmatizado (e.g., os idosos, membros de grupos minoritários raciais e étnicos, os deficientes físicos, mulheres, pobres ou aqueles em situação parecida, ou indivíduos que são gays, lésbicas ou 28 bissexuais) . A Organização Mundial da Saúde (OMS) só retirou a homossexualidade da “Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)” em 1993, ou seja, há pouco mais de dez anos. Mas os últimos anos trouxeram um novo enfoque de estudo da homossexualidade. Vendo a insuficiência da psiquiatria e da psicologia em encontrar respostas às perguntas que germinavam sobre a homossexualidade, passou-se a examiná-la dentro do contexto científico de outros ramos das ciências biológicas. Neste novo contexto científico onde a homossexualidade foi mergulhada, um dos primeiros estudos realizados foi o do cientista norte-americano Simon LeVay, que após analisar as células do hipotálamo de homo e heterossexuais de homens, descobriu que as dos homossexuais masculino eram menores. Visto que o hipotálamo é a região cerebral responsável pelas emoções, especulou-se então um vínculo entre o afeto sexual e a formação das células desta região29. A partir de então elaboraram-se inúmeras pesquisas voltadas para a explicação científica do comportamento homossexual. Em pesquisa realizada no ano de 1993, uma equipe comandada pelo cientista D.H. Hamer, do laboratório de bioquímica do Instituto Nacional do Câncer, acompanhou o estudo de 114 famílias de homossexuais masculinos, e observou-se uma maior incidência de comportamento homossexual em tios e sobrinhos do lado materno do que no paterno, sugerindo a possibilidade de transmissão ocorrer por influência do cromossomo X30. Mas a maior repercussão foi o trabalho elaborado em 1999 pelo biólogo americano Bruce Bagemihl que, após mais de 10 anos de pesquisas sobre o comportamento sexual dos animais, resultou na 750 páginas do livro Biological 28 Tradução livre de: “researchers (e.g., DiPlacido, 1998; Meyer, 2003) use the term ‘minority stress’ to refer to the negative effects associated with the adverse social conditions experienced by individuals who belong to a stigmatized social group (e.g., the elderly, members of racial and ethnic minority groups, the physically disabled, women, the poor or those on welfare, or individuals who are gay, lesbian, or bisexual)”. 29 LEVAY, 1991, pp. 1034-1037. 30 HAMER, 1991, p. 321-327. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 45 Exuberance – Animal Homosexuality and Natural Diversity (Exuberância Biológica – Homossexualidade Animal e Diversidade Natural). A obra apresenta provas mais do que convincentes, irrefutáveis, de que o velho modelo “macho com fêmea para criar filhotes” é apenas uma pequena parte da história das espécies animais [...] A conclusão surpreendeu os biólogos que ainda acreditam que só se faz sexo para produzir filhotes. Com Bagemihl, surgiu uma idéia nova na biologia – a de que, apesar de não gerar descendentes, o homossexualismo faz parte do dia-a-dia de um número 31 enorme de espécies na natureza . Não obstante os estudos em busca de uma explicação científica a respeito da homossexualidade, válidas são as reflexões erigidas por Aline Beckmann de Castro Menezes, Mestra em Teoria e Pesquisa do Comportamento: Pode-se considerar, portanto, que não há uma resposta para a explicação da origem do comportamento homossexual. Dentre as múltiplas respostas válidas que podem vir a ser encontradas estão três fatores do funcionamento sexual humano que podem ser abstraídos da revisão de literatura aqui apresentada e discutida: 1) A exclusividade do padrão sexual parece ser um produto sócio-cultural que restringiria as múltiplas formas às quais o corpo humano seria passível de estimulação; 2) Fatores genéticos e biológicos podem afetar o desenvolvimento individual, influenciando as relações sociais e todo o processo de constituição do repertório sexual; 3) Por mais que as experiências iniciais tenham repercussão relevante na vida sexual futura, estas se constituem apenas como um elo de uma cadeia complexa que 32 envolve fatores sociais e biológicos de forma indissociada . Definir a homossexualidade apenas como a atração sexual entre pessoas do mesmo sexo é classificá-la sem entender as nuances intrínsecas que compõem o comportamento humano. Não se fala mais em homossexualidade, mas sim homossexualidades, haja vista o caráter plural da sexualidade. A verdade é que os estudos até agora vêm disponibilizando mais dúvidas que certezas a cerca da homossexualidade. O comportamento homossexual revela-se tão somente um dos diversos planos da sexualidade humana, que sofre não apenas da influência de fatores genéticos como também de fatores ambientais, sociais e culturais onde ela, a sexualidade humana, está imersa. 31 32 BURGIERMAN, 2006. MENEZES, 2005, p. 324. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 46 CAPÍTULO III UNIÃO HOMOAFETIVA 3.1 O Projeto de Lei no 1.151/1995 Embora se tenha falado da homossexualidade no capítulo anterior, o enfoque deste trabalho visa delimitar-se ao campo da união estabelecida entre pessoas do mesmo sexo, com vínculo duradouro e contínuo, que tenham como objetivo a construção de um futuro em comum, focado no afeto e proteção mútua. São as uniões homoafetivas. Adentra-se, assim, o cerne principal desta monografia. Utilizado pela primeira vez pela Ilustre Desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o termo “união homoafetiva” vem sendo muito utilizado não apenas no campo jurídico mas também em diversos ramos das ciências humanas, visando caracterizar as uniões entre pessoas do mesmo sexo, focado no afeto, e que, por conseguinte, criam reflexos jurídicos e sociais. As uniões homoafetivas são, sem dúvidas, um fato presente nas mais diversas realidades sociais, e que nos últimos anos vem emergindo em busca de reconhecimento, batendo à porta do judiciário para ver seus direitos assistidos. Buscam agora um amparo jurídico às lides impostas por uma sociedade moderna, que evoluiu socialmente mas que, diante da lei, vê o positivismo legal aquém das reais necessidade deste grupo. Com o intuito de normatizar as uniões entre pessoas do mesmo sexo, em 1995 a então Deputada Federal Marta Suplicy elaborou o Projeto de Lei no 1.151. Composto de apenas 18 artigos, ele disciplinava a união civil entre pessoas do mesmo sexo. A Justificação do referido Projeto esboça que este “... visa o reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo [...] que cada vez mais vem se impondo em nossa sociedade”33. Reforça ainda que a heterossexualidade não é a única 33 O Projeto de Lei 1.151, de 26 de outubro de 1995, publicado no Diário da Câmara dos Deputados em 21 de novembro de 1995, faz parte do conteúdo desta monografia, encontrando-se disposto em seu anexo. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 47 forma de expressão da sexualidade humana, ratificando que tanto o Conselho Federal de Medicina quanto a Organização Mundial de Saúde não consideram a homossexualidade como “desvio ou transtorno sexual”, assuntos estes já debatidos aqui no Capítulo II. A referida Justificação ao Projeto divide-se em sete pontos, tratando seu primeiro tópico “Realidade e Direitos” do direito à orientação sexual (hétero, bi ou homossexual) como inerente à pessoa humana, visto ser a busca da felicidade um direito natural, e que muitos só são felizes se ligados a outros do mesmo sexo. Em “Relação duradoura”, salienta-se que “... compromisso mútuo, laços familiares e amizades duradouras são parte da vida de todo ser humano...” e que a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo incentivará as pessoas a saírem da clandestinidade e, por conseguinte, ocasionará um real bem estar da pessoa frente a si.34 “Violência”, terceiro item da justificação, ressalta as constantes agressões a que homossexuais estão sujeitos no Brasil, e que uma das formas de amenizar este problema seria a legalização da união, como uma das formas de mudar o comportamento homofóbico inserido na sociedade. “Solidariedade” retrata que as uniões legalizadas possuem um elo mais estabelecido, ficando menos imediata sua dissolução, e sua formalidade desvinculará a falsa imagem que se criou quanto da coabitação entre gays e lésbicas, tida meramente como duas pessoas que dividem uma residência. Em “Homossexualidade”, discutem-se, em pequena síntese, os estudos sobre o assunto e salienta que “... ser homossexual é, freqüentemente, causa de grandes problemas. A atitude preconceituosa da sociedade resulta em isolamento para homossexuais e, freqüentemente dificulta suas vidas e até seus relacionamentos pessoais e estabilidade emocional”. “Diferenças entre união civil e casamento” explica a nomenclatura adotada frente à Lei, que será de “parceria ou união civil”, deixando claro que os termos “matrimônio e casamento” são vinculados às “implicações ideológicas e religiosas” do casamento heterossexual. Haverá apenas as aplicações legais dadas aos heterossexuais, como herança, patrimônio e outros, assunto este também tratado no 34 No Capítulo II desta obra foi comentada a resolução da Associação Americana de Psiquiatria (APA) quanto aos importantes benefícios no bem-estar das minorias que são inseridas na sociedade por meio de políticas públicas (Resolução no original disposta no anexo). Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 48 tópico “Aspectos jurídicos”, que prevê consistência entre a Lei e os objetivos fundamentais constitucionalmente garantidos de “... construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”35 (sem grifo no original). Estabelece o projeto que a união realizar-se-á perante os oficiais de Registro Civil, devendo os interessados exibir o instrumento de contrato de união civil, não ter impedimento legal para o ato e capacidade civil plena36. O contrato terá seu registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais e, durante sua vigência, o estado civil dos contratantes não poderá sofrer alteração. A extinção do referido contrato ocorrerá pela morte de um dos contratantes, por decisão judicial ou por vontade das partes. O § 2º do art. 4º prevê a possibilidade de extinção por vontade das partes apenas depois de decorrido o prazo de 2 (dois) anos da constituição da união. A este dispositivo, há de correlacionar as críticas feitas ao Código Civil de 2002, que estabelece em seus artigos 1.572, § 1º e 1.580, §§ 1º e 2º, o lapso temporal para a efetiva realização da separação judicial e do divórcio. Estas críticas fundam-se, principalmente, na imposição estatal de mantença do vínculo conjugal quando esta não é mais a vontade dos cônjuges. Quanto à partilha dos bens existente, esta será averbada pela mesma sentença que homologar a separação (art. 6º). O projeto, visando à publicidade do ato de união civil, propõe alterações na Lei no 6.015/73, que dispõe sobre os Registros Públicos. O mesmo projeto ainda altera as Leis no 8.213/91 (Lei de Benefícios Previdenciários), 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Federais) e 6.815/80 (Lei dos Estrangeiros), com o intuito de garantia dos direitos previdenciários, de pensão e de imigração. Garante-se aos contratantes o direito à sucessão regulado na Lei no 8.971/94, e a impenhorabilidade do bem próprio e comum dos contratantes de união civil com pessoa do mesmo sexo. Relevante ainda a precedência para exercer a curatela em caso de perda da capacidade civil do companheiro. Oportunas são as palavras do Doutor Luiz Mello de Almeida Neto, em sua tese intitulada “Família no Brasil dos anos 90: um estudo sobre a construção social 35 36 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 3º, incisos I e IV. “... § 1º. Os interessados e interessadas comparecerão perante os oficiais de Registro Civil exibindo: I – prova de serem solteiros ou solteiras, viúvos ou viúvas, divorciados ou divorciadas; II – prova da capacidade civil plena; III – instrumento público de contrato de união civil.” Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 49 da conjugalidade homossexual”, onde traça importantes observações sobre o referido Projeto de Lei: [...] em nenhum momento do texto do Projeto faz-se qualquer referência aos “homossexuais” [...] não podem ser tomadas como razões daquela omissão um pressuposto teórico acerca da inexistência de uma identidade homossexual [...] porque, na justificação do Projeto, quase sempre as pessoas do mesmo sexo antes referidas são explicitamente definidas como homossexuais e em nenhum momento cogita-se que pessoas outras, que não homossexuais vinculados afetivo-sexualmente, encontrariam abrigo na legislação proposta (Note-se que, só após a aprovação do Projeto na esfera da Comissão Especial, a Deputada Marta Suplicy, em face do recrudescimento, no Plenário da Câmara dos Deputados, das resistências à idéia de um instrumento legal que viesse a assegurar direitos civis a casais homossexuais, começa a utilizar o argumento de que o Projeto não se destina apenas aos homossexuais, podendo amparar também, por exemplo, uma avó e uma neta ou um tio e seu sobrinho). [...] tal omissão funda-se [...] no receio de que um projeto de lei onde estivesse explicitada a garantia de direitos a homossexuais [...] poderia encontrar ainda maiores resistências no Parlamento e na sociedade brasileira, principalmente quando esses direitos estão situados na esfera da conjugalidade [...] não se faz alusão à dimensão amorosa [...] As poucas vezes em que se procura explicitamente caracterizar esses vínculos, os termos utilizados são vagos e pouco precisos, a exemplo de “relação permanente e compromissada”, “relacionamentos estáveis” e “relação emocional permanente”. Em nenhum momento tais relações são caracterizadas explicitamente como fundadas no amor conjugal [...] é proposto, assim, como um direito de cidadania originário da liberdade de orientação sexual vigente no Brasil e não como uma decorrência da necessidade e da legitimidade de proteção legal de uniões fundadas no amor, que se materializam enquanto entidades familiares [...] ao se prever a extensão de direitos de herança, previdenciários, de pensão e de imigração aos contratantes de união [...] equipara-se expressamente a união civil entre pessoas do mesmo sexo à união estável entre homem e mulher ou ao casamento. Deve-se ressaltar, todavia, que, na justificação do Projeto é explícita a preocupação em afirmar que o disciplinamento da união civil entre pessoas do mesmo sexo não pretende conferir a esta “um status igual ao do casamento”. Em nenhum momento, porém, está caracterizado, na mesma justificação, que as uniões homossexuais não constituiriam uma modalidade de família, embora a preocupação em distingui-la do casamento e mesmo da união estável termine tendo como resultado indireto a negação de seu caráter familiar. A tensão entre a afirmação e a negação da dimensão familiar das uniões homossexuais é, portanto, patente, principalmente quando se observa que, apesar desta tentativa de diferenciação formal entre união civil homossexual e união estável heterossexual, à primeira estariam sendo 37 assegurados os mesmos direitos facultados à última . Vale lembrar que apesar de todo o esforço para a votação do referido projeto, este encontra-se parado e seu último registro está datado de maio de 2001, quando houve manobra política para a retirada da pauta do Plenário. Vislumbra-se mais de 5 anos de desinteresse das autoridades públicas na manifestação política a cerca 37 ALMEIDA NETO, 1999, p. 348. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 50 deste Projeto de Lei, que tem seu histórico cercado de discursos contrários embasados, principalmente, em argumentos religiosos e na moralidade: [...] tenho recebido cartas de eleitores provenientes de vários municípios de Minas Gerais pedindo para não aprovarmos o projeto de legalização de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Coordenados pela campanha O Amanhã de Nossos Filhos, lembram eles, com toda razão, as condenações 38 bíblicas contra o pecado do homossexualismo . Este é apenas um dos muitos discursos inflamados em contrariedade ao Projeto de Lei, todos sempre alavancados, como antes mencionado, por fatores morais e religiosos. Neste mesmo ínterim, no parecer elaborado pela Comissão Especial, que teve como relator o então Deputado Roberto Jefferson, destacam-se os votos em separado dos Deputados Salvador Zimbaldi e Severino Cavalcanti. [...] A desmoralização que se quer legalizar, o desmantelamento da família, com a instituição desta aberração contrária à Natureza, que criou cada espécie dos dois sexos, afronta os mais comezinhos princípios éticos da sociedade brasileira. Ao regulamentar tão estapafúrdia situação, [...] o legislador esta indo abalroar a consciência coletiva de nossos cidadãos. [...] estar-se-á lançando a balbúrdia nos meios jurídicos, além da imoralidade atentatória aos nobres 39 princípios da comunidade, e isto tão-somente para beneficiar uma minoria . E ainda: [...] Tenho ocupado a tribuna para chamar a atenção desta Casa sobre a decadência moral que vai minando todos os valores de nossa sociedade cristã. (...) do ponto de vista moral, este projeto se apresenta como triplamente abominável e nefasto: no campo individual, estimula o pecador a manter-se em seu pecado – pecado este muitas vezes grave, que clama a Deus por vingança [...] no campo social, induz a sociedade a encarar com naturalidade e simpatia tal pecado [...] isto será mais uma afronta feita a Deus 40 pelo Estado brasileiro [...] Atrai a cólera divina sobre o Brasil (sem grifo no original). O referido Projeto de Lei recebeu ainda os votos contrários dos Deputados Jorge Wilson, Philemon Rodrigues e Wagner Salustiano. A favor votaram, além do relator, o Deputado Roberto Jefferson, os Deputados Marilu Guimarães, Lindberg 38 Parte do discurso pronunciado pelo Deputado Lael Varella (PFL – MG) na tribuna da Câmara dos Deputados em 26 de março de 1997. Disponível no site da Câmara dos Deputados. <www.camara.gov.br>. Acesso em 20 de agosto de 2006. 39 Parte do voto em separado do então Deputado Salvador Zimbaldi diante da Comissão Especial instaurada para apreciar o referido Projeto. 40 Parte do voto em separado do então Deputado Severino Cavalcante, defensor de uma ética moral e cristã, envolvido em denúncias de corrupção, diante da Comissão Especial. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 51 Farias, Maria Elvira, Tuga Angerami, Jair Meneguelli, Sérgio Carneiro, Fernando Lyra, Fernando Gonçalves, Fernando Gabeira e Marta Suplicy. 3.1.1 As audiências públicas Antes da elaboração do Parecer final, houve as audiências públicas com a participação de pessoas e entidades correlacionadas ao cerne do Projeto de Lei. Entre os ouvidos estavam Luiz Mott, antropólogo e presidente do Grupo Gay da Bahia. Realizada em 25 de junho de 1996, seu discurso foca-se na importância em aprovar o referido Projeto, retirando o homossexual da clandestinidade; relata experiência própria, ao revelar privações e discriminações sofridas por ele e seu companheiro, e conclui dizendo: Sra. Presidente, quero dizer que fiquei extremamente contente com o nível das questões, com o posicionamento, mesmo aquelas pessoas que não concordem com a totalidade de direitos dos homossexuais, mas que concordam com um mínimo, que é: somos seres humanos, que amamos e temos o direito ao respeito, o direito à cidadania. E espero que os Deputados desta Comissão, assim como a Câmara dos Deputados, sejam sensíveis a conferir finalmente a Lei Áurea aos homossexuais, que nos tirará do anonimato, da clandestinidade, para nos fazer cidadãos plenos, pois a lei diz que todos são iguais perante a lei, inclusive no que se refere ao direito ao amor e à convivência social. A segunda audiência pública, realizada em 06 de agosto de 1996, contou com o Professor Tony Reis, Secretário-Geral da ABGLT e Presidente do Grupo Dignidade de Curitiba. Sua exposição perante a Comissão começa embasada em depoimento pessoal sobre a dificuldade “do que é ser homossexual neste País, de como é triste ser homossexual e haver pessoas que discriminam outras pessoas”. E relata ainda sobre o inconveniente episódio envolvendo ele e seu companheiro estrangeiro com o qual convivia há mais de seis anos e que recebeu notificação para deixar o País. Solicita ao final a aprovação do Projeto e ratifica a importância em conceder direitos iguais, na igualdade de todos perante a lei. A terceira audiência no dia 13 de agosto de 1996 conta com o Dr. Cláudio Pérsio Carvalho Leite, médico psiquiatra e psicanalista. Ele abre sua exposição afirmando que “... um homem ou uma mulher querer socorrer ou tornar sua herdeira a sua companheira ou o seu companheiro - estou me referindo a casais Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 52 homossexuais - não caracteriza nenhuma atitude antimédica nem antipsicanalítica. Então a lei trata com alguma propriedade dessa situação”. Porém seu discurso muda de contexto ao informar que haveria um equívoco da lei ao permitir a possibilidade de adoção de filhos. Discorre pela impossibilidade de adoção por pessoas do mesmo sexo, usando, conforme ele, “argumentos médicos, médico-psiquátricos e psicanalíticos”. Foca em seu discurso que “... é inquestionável a importância das presenças da mãe e do pai em todos os estágios do crescimento (...) importância das presenças da mulher e do homem, bem definidos, na constituição individual dos filhos”. Equivoca-se o palestrante ao discorrer deste assunto, pois nem o Projeto nem o substitutivo legislam sobre a adoção por casais do mesmo sexo. Na quarta audiência realizada em 20 de agosto de 1996, ocorre a exibição do filme “Servindo em Silêncio”, do diretor Jeffrey A. Blockneer, seguido do debate com a participação dos Deputados Marta Suplicy e Eduardo Mascarenhas. Este elabora um discurso a favor do Projeto, ratificando que a ciência ainda não foi capaz de explicar a orientação sexual do ser humano (tanto hétero quanto homossexual), assunto este já analisado no Capítulo 2 desta monografia. Da exposição ocorrida em 27 de agosto de 1996, são de imenso valor as indagações do Dr. Luiz Edson Fachin, jurista, e do Dr. Ronaldo Pamplona, psicólogo e psicodramatista. Este corrobora em seu discurso a importância do Projeto e da quebra do pensamento preconceituoso que vincula a heterossexualidade à saúde e a homossexualidade à doença. Os homossexuais, como uma minoria, não conseguiram, ainda, seus direitos sociais. Vivem tendo de ocultar uma faceta de suas vidas, a faceta que inclui o relacionamento amoroso. Como a discriminação e o preconceito são grandes, evitam deixar clara ou visível socialmente a sua forma de ser e a sua forma de amar. [...] O medo da visibilidade social só lhes traz um desgaste emocional muito grande [...] Uma vez que a Medicina nada mais tem a ver com essa forma de ser, que não considera essa forma doentia, só nos resta dizer que cabe à sociedade modificar-se em relação a ela. Tudo que se puder fazer pela liberdade dos direitos religiosos, dos direitos de raça, dos de sexo, será importante para a cidadania dessas minorias. O projeto de união civil dos homossexuais, da Deputada Marta Suplicy, é uma das possibilidades de transformação da sociedade brasileira. Dada a palavra ao jurista Dr. Luiz Edson Fachin, este começa comentando episódio ocorrido em sala de aula: Disse-lhes que deveríamos tratar de alguns temas de fato espinhosos, e dentre eles, a sociedade de fato que se formava entre pessoas do mesmo sexo e os reflexos jurídicos disso. Boa parte dos alunos, à época, “caíram na Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 53 gargalhada”, e, em seguida, eu lhes perguntei o que diriam eles se vissem, há quarenta ou cinqüenta anos, numa mesma sala de aula, alguém discutir, sob a égide do recém implantado Código Civil, de 1917, a questão do concubinato, que até então era um tabu. Vislumbra o palestrante, em primeiras palavras, a enorme semelhança entre o atual preconceito perante a homoafetividade, e o caminho percorrido de discriminação e repúdio que abraçou o concubinato e a união estável no Brasil durante anos. Destaca logo no começo a importância do Acórdão de 30 de junho de 1990, do Relator Desembargador Narcizo Teixeira de Pinto, que concedeu, na Apelação Cível n° 731/89 ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o direito a 25% dos bens ao companheiro do pintor Jorge Guinle Filho, Marco Aurélio Rodrigues. Destaca ainda o ilustre palestrante que uma lei, ao ser o reflexo dos valores culturais e da classe dominante, poderá na verdade ter um escopo preconceituoso. Em verdade, as noções de sexo, que fundam a discriminação; de sangue, que instituem o parentesco; e de família, que delimitam o grupo, propiciam que as relações jurídicas privadas modelem relações de direito e de parentesco à luz de regras de desqualificação. Destaca com sapiência que com norma ou sem, os fatos do mundo real acabam se impondo perante o Direito, exemplificando com a Súmula no 380 do Supremo Tribunal Federal, que concedeu direitos à companheira em sociedade conjugal não matrimonializada. Mais uma vez destaca o palestrante das semelhanças entre a união homoafetiva e a concubinária, e relembra: [...] o que encobre os efeitos da negação à orientação sexual desconhece algumas transformações que alteraram a razão de ser, às vésperas do terceiro milênio, das relações familiares, que passam a dar origem a um novo berço de afeto, de solidariedade e, para usar uma expressão do então 41 Desembargador Carlos Alberto Menezes Direito, agora Ministro do STJ , passam a constituir o que ele designou de “mútua constituição de uma história em comum”. São sábias as palavras finais do palestrante, ao afirmar: Reaprender o significado do projeto de vida em comum é uma tarefa que incumbe a todos, num processo sacudido pelos fatos e pela velocidade das transformações. A nosso ver, em momento algum pode o Direito fechar-se como uma fortaleza para repudiar ou discriminar. É preciso superar o medievo jurídico, que deve sucumbir a uma visão mais abrangente da realidade, examinando e debatendo os diversos aspectos jurídicos que emergem das parcerias de convívio e de afeto. É necessário compreender que esse é um ponto de partida para uma concepção plural das relações sócio-afetivas e para que tenhamos de fato um terceiro milênio mais solidário e humano. 41 O referido magistrado agora é Ministro do Supremo Tribunal Federal. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 54 São de extrema importância, na base de enfoque desta monografia, a palestra do Dr. Fachin, visto ser de longe o que melhor soube adentrar o assunto de uma perspectiva jurídica, e que trouxe a tona, ainda que de modo mais superficial, o aspecto da entidade familiar vivido nas uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, aspecto este que o Projeto de Lei deixa de aludir, focando-se tão somente em diferenciar o casamento e a união estável da referida união/parceria civil. Falaram ainda em outras oportunidades o Dr. Ricardo Brisolla Balestreri (08 de outubro de 1996), presidente da Anistia Internacional do Brasil, e que expressou favoritismo ao referido Projeto de Lei; em 15 de outubro de 1996 foi a vez do Professor, Doutor e Padre Leonard M. Martin, diretor do Instituto Teológico (Pastoral do Ceará) e que mostrou-se contra o projeto. Importantes são também as palavras da Dra. Simone Nogueira, coordenadora dos Direitos Humanos da OAB-DF. Focando-se em um discurso favorável, ela traz argumentos focados na bioética, considerados então os direitos de quinta geração, e que a lei deve ter cientificidade e não apenas ser reflexo de caráter pessoal, primando por um caráter inclusivo quando esta visa promover a cidadania e os direitos humanos. O que é ética para esta Casa de Leis? É uma ética pessoal? [...] Será que tenho o direito de ser contra um grupo, um segmento da sociedade que exige mudança? Será que tenho esse direito? De acordo com o princípio da bioética, não tenho esse direito. Tenho direito, sim, de estar aqui discutindo isso com o maior segmento possível de diversidade de pensamentos. É com filósofo, antropólogo, sociólogo, advogado. Aí, sim, posso tirar um critério da minha decisão e não simplesmente dizer: “Sou contra, porque meus princípios não permitem”. Aqui dentro, não é princípio pessoal. Aqui dentro tem de se discutir o bom-senso, o critério de justiça e eqüidade para todos. Se existe um grupo, um segmento que necessita, ele tem de estar contemplado pela lei. Ele tem de estar contemplado pelos desdobramentos dos atos que ele decidiu assumir perante a sociedade e que já existem lá fora. São válidas e importantes as palavras da palestrante, pois focam-se em princípios de Direito, numa visão legal e humanista do objetivo de toda lei. O ser humano como objetivo essencial da norma jurídica. Na última audiência pública datada de 05 de novembro de 1996, palestrou a Deputada Sueca Barbro Westerholm, presidente da comissão que aprovou lei de caráter semelhante ao do Projeto em seu país, intitulado “Ato de Coabitação”. Na justificação do encaminhamento legal, ficou estabelecido que, de acordo com o entendimento da Suécia, o amor entre dois homens ou entre um Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 55 homem e uma mulher, ou seja, o amor hétero ou homossexual não tinha absolutamente nenhuma diferença, a não ser o fato óbvio e explícito de tratarse, num caso, de dois homens ou duas mulheres e, no outro, de um homem e uma mulher. E afirmava-se também que o amor é uma força poderosa para o desenvolvimento pessoal e social. E que, ademais, é algo que o mundo não tem em abundância. Quer dizer, o amor, na verdade, é algo que precisamos e que, portanto, precisa ser encorajado no mundo em que vivemos. E havia menção ao fato de que a sociedade não deveria intervir no relacionamento íntimo entre duas pessoas, sobretudo no que diz respeito ao amor que um tem pelo outro, desde que não houvesse nenhum dano a uma terceira pessoa. Ressalta a nobre palestrante que os únicos impedimentos advindos com a lei sueca foram a proibição de adoção, tanto individual quanto conjunta, a inseminação também não é permitida e nem a custodia conjunta de uma criança. Quanto a questões na estrutura familiar, salienta a expositora que nada mudou, vivendo as famílias heterossexuais “a sua vida da maneira como sempre viveram” e que a visibilidade das uniões homossexuais proporcionou um melhor entendimento deste fenômeno diante da comunidade. As pessoas, em conseqüência desse processo, descobrem que não há nada de extraordinário em relação aos homossexuais, que eles são pessoas normais, como todas as outras. A única diferença é o fato de amarem uma pessoa do mesmo sexo. Encerraram-se, então, as audiências públicas visando esclarecer o debate em torno do Projeto de Lei no 1151 de 1995. Após oitiva dos palestrantes, o resultado da Comissão foi pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa do Projeto de Lei. Já quanto ao mérito a comissão optou por apresentar um substitutivo, que formalmente sofreu alterações mas quanto a materialidade, seu conteúdo continuou praticamente sem modificações. Fundado neste entendimento de nova família formada pelos laços afetivos, pode-se afirmar que o Projeto de Lei no 1.151/1995 e seu substitutivo estão completamente obsoletos. Como será tratado adiante, as conquistas jurisprudenciais têm sido bem mais condizentes com a realidade fática da sociedade. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 56 3.2 O passado obsoleto. O futuro vanguardista. Diante do quadro apresentado tanto pelo Projeto de Lei quanto pelo seu substitutivo, vale relembrar que ambos deixaram a desejar quanto à questão familiar. Visando ao êxito da aprovação do referido Projeto, estava a Comissão Especial mais preocupada em demonstrar que a “união/parceria civil entre pessoas do mesmo sexo” não pretendia alçar tais enlaces ao patamar de casamento e buscava-se a proteção dos direitos patrimoniais, focados principalmente no direito de herança e previdência. Distanciava-se o conteúdo normativo de uma visão de entidade familiar e, por conseguinte, uma proteção constitucional do Estado. A conclusão mais certa que se chega, analisando o Projeto e seu substitutivo, é que eles não refletem a realidade dos fatos sociais que cercam a sociedade brasileira. Passados mais de 10 anos aguardando manifestação do Legislativo, ambos encontram-se ultrapassados frente às conquistas jurisprudenciais alcançadas nas mais diversas esferas do Judiciário. Parodiando La Fontaine42, se o Poder Judiciário ainda não alcançou a velocidade da lebre frente aos direitos dos homossexuais, o Legislativo nem da tartaruga conseguiu passar. A realidade dos tribunais tem sido bem mais vanguardista frente às questões homossexuais, respaldando não só demandas que envolvem herança como também assegurando às uniões homoafetivas o caráter de entidade familiar. Parece inegável que o que leva estas pessoas a conviverem é o amor. São relações de amor, cercadas, ainda, por preconceitos. Como tal, são aptas a servir de base a entidades familiares equiparáveis, para todos os efeitos, à 43 união estável entre homem e mulher . Embasando-se nesse vínculo familiar que permeia as uniões homoafetivas, uma nova perspectiva jurisprudencial caminhou favorável em conceder direitos na seara do Direito de Família, direitos estes, antes, vinculados somente aos heterossexuais. 42 Jean de La Fontaine, poeta francês nascido em 8 de Julho de 1621 e que faleceu em 13 de Abril de 1695, em Paris. Conhecido pelas fábulas com críticas de moral que escreveu, é considerado o pai da fábula moderna. 43 o TJRS. Apelação Cível n 70013801592 – Relator Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos – Julgamento em 05 de abril de 2006 – Sétima Câmara Cível. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 57 3.2.1 União estável homoafetiva As decisões dos Tribunais que envolvem, principalmente, o direito de herança e a partilha de bens têm focado sua visão na equiparação da união homoafetiva a uma “sociedade de fato”. Tal comparação não é uma novidade no Direito brasileiro, visto que assim também o foi a realidade fática das relações heterossexuais que não se encontravam asseguradas pelo elo do casamento há alguns anos. Quando do desfazimento desses vínculos, seus membros, mesmo sem qualquer respaldo legal, acabaram batendo às portas dos tribunais. Porém, tal a rejeição à idéia de ver essa figura como uma família, que buscou a jurisprudência identificá-la como se de prestação de serviços domésticos se tratasse, ou, no máximo, a considerava uma sociedade de fato. Ditos subterfúgios eram utilizados para justificar a partição patrimonial, evitando-se o enriquecimento injustificado de um dos companheiros, sem que nada mais 44 se cogitasse em conceder . Embora os tribunais já a reconhecessem, a união estável só veio ter respaldo legal com o advento da nova Carta Constitucional de 1988, demonstrando mais uma vez o vanguardorismo jurisprudencial. Frente ao pensamento hodierno da magistratura, vale ressaltar que o reconhecimento de uma “sociedade de fato” entre pessoas do mesmo sexo demonstra um avanço, justificando-se como meio de alcançar efeitos jurídicos a um assunto não reconhecido pelos círculos normativos, porém fica aquém da realidade fática. Ao equiparar tais uniões a sociedades, altera-se o foco jurídico do âmbito do Direito de Família para o Direito Societário, ligado intrinsecamente ao Direito Obrigacional e Comercial. Embora seja uma alternativa, está longe de aplicar a mais justa tutela jurisdicional, visto que a sociedade de fato tem seu cerne nos fins econômicos e lucrativos, sendo que estes não são os objetivos maiores que comungam duas pessoas quando se unem pelos laços do afeto. É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e 44 DIAS, Maria Berenice. Novos contornos do direito de família. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 58 coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, 45 direito fundamental de todos . Há o choque de interesses quando vislumbra-se que na sociedade de fato o imperativo é o affetio societatis, fundado na aquiescência das partes em comungar esforços para lograr fim comum – em geral o lucro. O imperativo que circunda as uniões homoafetivas é o affetio conjugalis, que ultrapassa o fim comum almejado pela entidade comercial, que não se focam em motivações materiais e vislumbram aspectos outros bem mais subjetivos, tais como carinho, amor, mútua assistência, solidariedade, entre tantos. É que o amor e o afeto independem de sexo, cor ou raça, sendo preciso que se enfrente o problema, deixando de fazer vistas grossas a uma realidade que bate à porta da hodiernidade, e, mesmo que a situação não se enquadre nos moldes da relação estável padronizada, não se abdica de atribuir à união 46 homossexual os mesmos efeitos dela . Verdade que há uma lacuna normativa quanto às uniões estáveis homossexuais, mas esta pode ser facilmente preenchida, de forma análoga, quando utilizados os preceitos da união estável heterossexual àquelas. Há de se analisar que o fundamento da formação da entidade familiar homoafetiva se baseia no afeto, fator este nuclear da formação da família hodierna. Ora, induvidosamente, a semelhança relevante de ambos os casos é o afeto informal. Os dois institutos centram-se em relações interpessoais de amor comum entre os parceiros. Não se desconhece a importância deste sentimento, tanto para a elevação da solidariedade humana em geral como para a felicidade das pessoas em particular. Os amantes que hoje vivem em união estável, também já sofreram as agruras e as discriminações que hoje sofrem as famílias homossexuais. Esta é uma semelhança histórica relevante, que, por igual, faz aproximar algo que hoje está regulado (a união estável) com algo que ainda aguarda regulamentação legislativa. No caso, temos um conjunto de normas (princípios constitucionais explícitos mais a lei da União Estável) das quais extraímos elementos que possibilitem 47 sua aplicabilidade ao caso não previsto, mas similar . Conforme já abordado no Capítulo I desta obra, o nervo central deste novo contorno familiar não será mais a diferença sexual dos seus membros mas a identificação de afeto que os interligam, gerando direitos e deveres mútuos, pois este sentimento é um bem digno de toda tutela estatal. 45 o TJRS – Apelação Cível n 598362655 – Relator Desembargador José Ataídes Siqueira Trindade – Julgamento em 01 de março de 2000 – Oitava Câmara Cível. 46 o TJRS – Apelação Cível n 70001388982 – Relator Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis – Julgamento em 14 de março de 2001 – Sétima Câmara Cível. 47 o TJRS – Apelação Civil n 70006542377 – Relator Desembargador Rui Portanova – Julgamento em 11 de setembro de 2003 – Oitava Câmara Cível. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 59 3.2.2 A entidade familiar homoafetiva e o artigo 226 da Constituição Federal Ao abordar o reconhecimento da entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo, há uma dicotomia entre os doutrinadores. [...] é perfeitamente possível que se reconheça uma sociedade de fato entre homossexuais. Sendo tal questão puramente de direito obrigacional. Não se cuida de estabelecer a existência de uma família entre estes parceiros, pois como defendemos, não há família [...] essencial, entretanto, a prova de que houve colaboração, com dinheiro ou trabalho de um na formação do 48 patrimônio do outro (sem grifo no original). Ou ainda, como assevera Rainer Czajkowski ao afirmar que alguns enfrentam a questão das parcerias homossexuais equivocadamente, como uma espécie de casamento, esquecendo dos elementos essenciais para a formação da família: O surgimento da família, modernamente, justifica-se de modo primordial na realização afetiva, psicológica e sexual do homem e da mulher, mas jamais pode desvincular-se completamente da idéia de procriação humana, pelo 49 menos potencial . Nos argumentos de Ricardo Lira: Não se trata de entidade familiar, pois o casamento e a união estável pressupõem necessariamente um vínculo entre pessoas de sexo diferente [...] A união civil entre pessoas do mesmo sexo é matéria que não se põe no âmbito do direito de família, devendo as questões dela decorrentes ser 50 solucionadas estritamente dentro da portada do direito das obrigações . Enquanto uma linha doutrinária insiste em permanecer no entendimento de simples conjunção de vontades para a constituição de uma sociedade de fato, deixando, assim, de abarcar uma sociedade fundada no afeto, uma outra corrente abre-se para defender o aspecto familiar envolvendo as uniões homoafetivas. Uma das principais conseqüências da extensão do regime da união estável às relações compromissadas entre pessoas do mesmo sexo reside na sua caracterização como entidade familiar. Longe de configurar uma aproximação artificial, parece possível identificar nas uniões homoafetivas todos os elementos que têm sido considerados determinantes para o reconhecimento de entidades familiares. [...] A constitucionalização do direito deslocou a ênfase do instituto para os aspectos existenciais, em substituição às questões patrimoniais. Mais importante ainda é a caracterização que tem sido feita da família como meio de promoção – ambiente privilegiado – para o desenvolvimento da personalidade de seus membros, e não mais como um 51 fim em si mesmo ou um mero símbolo de tradição . 48 BRITO, 2000, p. 53. CZAJKOWSKI, Rainer. Reflexos jurídicos das uniões homossexuais. In: BRANDÃO, 2002, p. 77. 50 LIRA, Ricardo Pereira. Breve estudo sobre entidades familiares. In: COÊLHO, 2006, p. 97. 51 o BARROSO, 2006, n 54. 49 Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 60 A afetividade assume dimensão jurídica. Migram para a “constitucionalização” princípios e normas básicos do Direito de Família, espraiados na igualdade [...] Na transformação da família e de seu Direito, o transcurso apanha uma “comunidade de sangue” e celebra, ao final deste século, a possibilidade de uma “comunidade de afeto”. Novos modos de definir o próprio Direito de Família. Direito esse não imune à família como refúgio afetivo, centro de 52 intercâmbio pessoal e emanador da felicidade possível . As divergências quanto ao aspecto familiar vivido nas relações entre pessoas do mesmo sexo não se restringem ao campo doutrinário. Ainda hoje é divergente a jurisprudência brasileira, com a magistratura ora opinando pelo reconhecimento familiar homoafetivo, ao vislumbrar o afeto como sentimento digno de tutela jurisdicional, cerne destas relações, ora por designar-se tão somente como sociedade de fato, remetendo-as ao campo do Direito Comercial e Obrigacional. Não configura julgamento ‘ultra petita’ quando o pedido inicial busca a partilha do imóvel adquirido com o esforço comum, em razão da união homoafetiva, e a decisão reconhece a existência de uma sociedade de fato, sendo irrelevante a falta de pedido expresso da sua dissolução. Comprovada a existência da sociedade de fato entre os conviventes do mesmo sexo, cabível a sua dissolução judicial e a partilha do patrimônio se demonstrada a sua 53 aquisição pelo esforço comum (sem grifo no original). Na leitura da decisão tomada pelo Desembargador José Geraldo Antônio, ele nos remete ao pioneiro julgado alçado às esferas das Cortes Superiores. Em acórdão do STJ, o Relator Ministro Ruy Rosado Aguiar reconhece efeitos jurídicos da união estabelecida entre pessoas do mesmo sexo, porém fundamenta sua decisão na sociedade de fato formada por seus membros. Neste Superior Tribunal de Justiça persistiu o mesmo entendimento [a diferença que dever ser feita entre “a sociedade de fato – que é de caráter puramente patrimonial – e comunhão de vida”], acentuado-se a sociedade de fato como pressuposto para o reconhecimento do direito à partilha do bem comum dela resultante [...] Foi só mais tarde, com a evolução do direito de família, especialmente após a Constituição de 1988, que o tema passou a ser tratado como uma questão familiar. A hipótese dos autos não se equipara àquela, do ponto de vista do Direito de Família, mas nada justifica que se recuse aqui aplicação ao disposto na forma de direito civil que admite a existência de uma sociedade de fato sempre que presentes os elementos enunciados no art. 1.363 do CC: Mútua obrigação de combinar esforços para lograr fim comum. A negativa de incidência de regra assim tão ampla e clara significaria, a meu juízo, fazer prevalecer princípio moral (respeitável) que recrimina o desvio da preferência sexual, desconhecendo que essa união – embora criticada – existiu e produziu efeitos de natureza obrigacional e 52 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família – elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. 2003. In: BARROSO, op. cit. 53 o TJRJ. Apelação Civil n 2005.001.28842 – Relator Desembargador José Geraldo Antônio – Julgamento em 04 de outubro de 2005 - Décima Câmara Cível. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 61 patrimonial que o direito civil comum abrange e regula” original). 54 (sem grifo no Inconteste que o relacionamento homoafetivo é um fato social que se perpetua através dos séculos, não pode mais o Judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não a diversidade de sexo. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, em atitude manifestamente preconceituosa e discriminatória. 55 Deixemos de lado as aparências e vejamos a essência (sem grifo no original). Essa divergência jurisprudencial tem reflexos nas lides e, por conseguinte, nas varas competentes para a análise do processo em concreto. Aos que defendem as uniões entre pessoas do mesmo sexo como simples sociedades de fato, as lides seriam sanadas nas varas cíveis. Para a outra corrente doutrinária a competência para dirimir as lides referentes às uniões homoafetivas seria das varas de família. O contexto hodierno de família elege o afeto como bem maior e essencial para marcar sua existência, digno de proteção do Estado. Porém aos homossexuais é negado esse referencial, ao transferir suas uniões para o campo puro e simples do direito obrigacional. Não conceder a estas uniões o caráter familiar acaba por negarlhes uma gama de efeitos jurídicos concernentes ao Direito de Família, intuição esta que recebe especial proteção constitucional. Nega-se, a exemplo, o direito de alimentos, a partilha dos bens, direito sucessório, dentre outros que visam à proteção da entidade familiar. A justificativa mais usada para não englobar a união homoafetiva dentro da perspectiva familiar seria a falta de dispositivo legal que assim o determinasse, e em principal, pela literalidade do artigo 226 da Constituição Federal: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 0 § 1 - O casamento é civil e gratuita a celebração. 0 § 2 - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. 0 § 3 - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 0 § 4 - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. 0 § 5 - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 54 o a STJ. Recurso Especial n 148.897/MG, 4 Turma. Relator Ministro Rui rosado Aguiar – Julgamento em 10 de fevereiro de 1998. 55 o TJRS. Apelação Civil n 70012836755. Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias – Julgamento em 17 de novembro de 2004 – Sétima Câmara Cível. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 62 0 § 6 - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. 0 § 7 - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. 0 § 8 - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (sem grifos no original). Defendem os opositores da entidade familiar homoafetiva que suficiente é a simples leitura do referido artigo constitucional para concluir que não há entidade familiar senão as enumeradas no seu corpo legislativo. Entre os diversos motivos elencados estão, primeiramente, que a família se forma pelo casamento, instituto este sem extensão às pessoas do mesmo sexo. Vale ressaltar que o referido artigo não menciona que o casamento há de ser entre homem e mulher, subentendendose tal referência ao valor histórico que acompanha este instrumento legal. Asseveram, ainda, que a diversidade de sexo é fator essencial para a formulação familiar, outro requisito ao qual as referidas uniões não alcançariam. Em seu § 3o, reconhece que a união estável entre homem e mulher configura uma entidade familiar, e como tal, goza de especial proteção constitucional, devendo o Estado facilitar sua conversão em casamento. Assim, estaria a união homoafetiva impossibilitada de equiparar-se à união estável, visto não haver a dualidade sexual e, ainda menos, a possibilidade de mutação em casamento, fato este, como visto, não abraçado pelas uniões entre iguais. Apelação Cível. Ação declaratória. União homoafetiva. Impossibilidade jurídica do pedido. Carência de ação. Sentença mantida. A impossibilidade jurídica do pedido ocorre quando a ordem jurídica não permite a tutela jurisdicional pretendida. Na esteira da jurisprudência deste Tribunal de Justiça, diante da norma expressa, contida no art. 226, § 3º, da Constituição da República, somente entidade familiar pode constituir união estável, através de relacionamento afetivo entre homem e mulher; revela-se manifestamente impossível a pretensão declaratória de existência de união estável entre duas 56 pessoas do mesmo sexo (sem grifos no original). Manifestam, ainda, que as uniões homoafetivas são impossibilitadas de procriação, que nos remete ao arraigado e ultrapassado modelo familiar colonial, focado na figura paterna centralizadora e hierárquica, que tem na prole numerosa o reflexo de sua virilidade. 56 o TJMG. Apelação Cível n 1.0024.04.537121-8/002 – Relator Desembargador Domingos Coelho – Julgamento em 24 de maio de 2006. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 63 A verdade é que se criam inúmeros obstáculos para se negar direitos aos homossexuais, buscando seu embasamento em motivos há muito afastados pelo ensinamento jurídico. Em parecer elaborado por Luís Roberto Barroso para o Ministério Público Federal, o autor elenca outro motivo para a afastabilidade do aspecto familiar às uniões homoafetivas: [...] as relações entre pessoas do mesmo sexo não podem ser reconhecidas como familiares porque escapariam aos padrões de “normalidade moral”. Não é o caso de se enveredar aqui pela discussão acerca do que é normal, lembrando apenas que em épocas e lugares diferentes já foram ou são normais a tortura, a escravidão e a mutilação. O que cabe discutir aqui – e rejeitar – é a imposição autoritária da moral dominante à minoria [...] O estabelecimento de standards de moralidade já justificou, ao longo da história, variadas formas de exclusão social e política, valendo-se do discurso médico, religioso ou da repressão direta do poder. Não há razão para se 57 reproduzir o erro . Outra justificativa elencada para a discriminação das uniões homoafetivas forja-se em valores religiosos, de origem judaico-cristã, utilizando-se o discurso do pecado ao qual estariam imersas as pessoas que “optam” por este tipo de vida. Esta [a convivência de pessoas do mesmo sexo], como visto, sem desviar de aspectos psicológicos e humanos que as possam envolver, não passam de meras situações de fato, com repercussões apenas no plano patrimonial, como se uma sociedade de fato houvera, o que jamais pode converter-se em casamento, diante de sua concepção agasalhada no ordenamento jurídico brasileiro, a partir de suas raízes históricas e em face dos valores cristãos, 58 que informam o matrimônio (sem grifo no original). Mesmo diante destes argumentos, fracas são suas bases jurídicas, focadas em sua grande maioria na discriminação (muitas vezes velada), visando à exclusão de minorias que não se enquadram no formato tradicional da classe dominante e, pior ainda, utilizando-se da própria norma jurídica para corroborar esta exclusão59. Vale lembrar que o novo enfoque do Direito de Família não visualiza a necessidade de casamento – visto este como a formalidade escrita das vontades dos cônjuges em um documento oficial – para efetivamente conceber a realidade das entidades familiares. Valoriza-se agora o estado fático em detrimento ao estado documental. É um novo estágio no Direito Familiar, onde os sentimentos sobressaem aos sentidos. 57 o BARROSO, 2006, n 36. GOMES, 2004, p. 30. 59 Lassalle já havia advertido em sua palestra “A Essência da Constituição” que a norma jurídica (especialmente a constitucional) só teria eficácia se fosse reflexo dos padrões das classes dominantes, que ele denominou como “fatores reais e efetivos de poder”. 58 Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 64 Assim, frente à Constituição, ao reconhecer a união estável, deixou o casamento, com todo seu ritualismo, de ser pressuposto essencial à formação da família. Reconheceu-se, a priori, a integralização de um novo modelo familiar fático que antes marginalizava-se ao redor da sociedade brasileira. Há de se enxergar um histórico análogo entre a união estável e a homoafetiva, esta por encontrar-se no atual contexto à margem da sociedade. Porém ainda mais importante que o reconhecimento de união estável é o reconhecimento da entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo. Isto porque a união estável nada mais é que uma forma de regulamentação, uma forma de normatizar as uniões que se celebraram de forma livre. É o Estado interferindo na esfera de vontade individual das partes, demonstrando, em última análise, um retrocesso frente ao novo contexto de Intervenção Mínima do Estado às questões familiares60. É de mais valia o reconhecimento da entidade familiar visto que esta é o gênero de onde desenvolvem-se as espécies casamento, união estável, união homoafetiva, monoparentalidade. Deste entendimento insurge o princípio constitucional da pluralidade de famílias, ao elencar as formas de famílias formadas pelo casamento, união estável e monoparentalidade. Mas neste ponto encontra-se outra cisão entre os pensadores do direito civilista. Afirmam alguns que apenas os elencados no corpo constitucional do artigo 226 estariam imbuídos da proteção a que se refere o seu caput. Seria um artigo numerus clausus. Outros são categóricos ao afirmar que o artigo nada mais fez que apenas, e tão somente, citar algumas espécies de entidades familiares, pois sua gama é diversificada e esta enumeração não se faz essencial, com vistas a atender o caráter principiológico que deve permear a norma constitucional. Paulo Luiz Netto Lôbo afirma que “a exclusão não está na Constituição, mas na interpretação”, e corrobora dizendo: Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência 60 Neste ínterim de Intervenção Mínima Estatal e visando agilização dos procedimentos judiciais, foi o aprovada a Lei n 11.441/2007, que regulariza alterações nos dispositivos do Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via extrajudicial. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 65 da vida, conduzindo à tipicidade aberta, 61 adaptabilidade . dotada de ductilidade e O § 40, ao afirmar que “entende-se, também, como entidade familiar, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (sem grifos no original), o advérbio está exercendo a função de acréscimo, de inclusão. Vista a família como fenômeno social, torna-se impossível e, pode-se até dizer, desnecessária a enumeração de todas as possibilidades de uniões familiares. A importância está em o Direito poder abarcar uma quantidade maior de entidades familiares, quando verificados outros requisitos essenciais: afeto, estabilidade e visibilidade. Negar a existência da entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo é negar o próprio conceito hodierno de família, que marca seu cerne na afetividade, compreensão e amor que une seus membros, em busca de um projeto comum de vida, desvinculada da essencialidade procriativa. O discurso da diversidade de sexo prende-se em valores arcaicos, que ainda se ligam à reprodução como fator essencial para caracterizá-la. Este conceito sucumbe-se quando da análise da família monoparental, que não se funda na diferença sexual – exemplo da família formada por pai e seu filho – embasando-se somente nos referidos laços de afeto. Se a família encontra-se dissociada do casamento e da procriação, se a união homoafetiva contém respeito, consideração mútua, assistência moral e material recíprocas, não se justifica deixar ao desabrigo essa entidade familiar sob as normas de ordem moral ou por não se tratar de diversidade de sexos, sobretudo diante da liberdade de opção sexual consubstanciada no 62 direito à privacidade . 3.2.3 Lei Maria da Penha Entrou em vigor em 2006 a Lei no 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha. Ela foi criada para estabelecer mecanismos de repressão à violência doméstica e familiar contra as mulheres, por meio de políticas públicas, como forma de erradicar o alarmante número de agressões e mortes que ocorrem anualmente dentro dos lares brasileiros. 61 62 LÔBO, 2002, p. 44. PEREIRA, 2004, p. 122. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 66 De forma direta, a referida lei trouxe a corroboração de dois fatores essencialmente destacados nesta monografia: a ratificação da pluralidade familiar, alargando o entendimento de família para além dos enumerados no artigo 226 da Constituição Federal, e a entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo. A leitura do art. 50 confirma: 0 Art. 5 Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – omissis; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual (sem grifo no original). Família passa a compreender um sentido mais amplo, mais congruente com o sentido moderno de família, formado por um núcleo unido pelo afeto de seus membros. Alarga-se o sentido familiar para além dos indivíduos que “são aparentados”, para englobar os que “se consideram aparentados”, que se unem “por vontade expressa”. [...] é imperioso reconhecer que as uniões homoafetivas constituem uma unidade doméstica, não importando o sexo dos parceiros. Quer as uniões formadas por um homem e uma mulher, quer as formadas por duas mulheres, quer as formadas por um homem e uma pessoa com distinta identidade de gênero, todas configuram entidade familiar. Ainda que a lei tenha por finalidade proteger a mulher, fato é que ampliou o conceito de família, independentemente do sexo dos parceiros. Se também família é a união entre duas mulheres, igualmente é família a união entre dois homens. Basta invocar o princípio da igualdade [...] Sequer de sociedade de fato cabe continuar falando, subterfúgio que tem conotação nitidamente preconceituosa, pois nega o componente de natureza sexual e afetiva dos 63 vínculos homossexuais . Após anos de infrutíferas tentativas de aprovação de uma norma que resolvesse a situação das uniões homoafetivas, uma lei federal, com intuito de regulamentar a violência doméstica, trouxe em seu bojo a necessária resolução jurídica para este impasse. Qualquer lei que venha a posteriori disciplinar tão relevante assunto não poderá conceder menos que o já alcançado pela Lei Maria da Penha, pois independente dos sexos envolvidos na formação da entidade familiar, a 63 DIAS, Maria Berenice. Violência doméstica e as uniões homoafetivas. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 67 vontade que conecta um casal heterossexual é fundada no mesmo afeto, plano em comum, vontades e interesses que unem um casal homossexual. 3.2.4 Adoção homoafetiva A adoção homoafetiva no Brasil vem sofrendo uma radical mudança, embasando-se em dois aspectos essenciais: uma postura de não discriminação, de tratamento igualitário às minorias, reflexo da verdadeira aplicação do princípio da isonomia ao caso concreto. Segundo, ao focar o bem-estar da criança como o benefício maior a ser protegido, fator essencial da adoção. Mais importante que a realização pessoal do adotante, o deferimento do pedido de adoção deve se basear no melhor interesse do adotado. Mas o preconceito permeia os enlaces de adoção no Brasil. A realidade durante anos foi penosa com a vontade de um homossexual em formar um núcleo familiar, imitando deste modo um padrão de heterossexualidade. Preocupados com a busca da felicidade e da realização pessoal, homossexuais começaram a recorrer aos órgãos competentes para pleitearem o direito de adoção. Havia, porém, a princípio, um falseamento dos fatos, com homossexuais escondendo sua condição para que não tivessem a negatória da adoção. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao permitir a adoção por uma única pessoa, possibilitava contornar os entraves do sistema público por meio da criação de uma ficção, que não condizia com a realidade onde o adotado seria inserido64. A realidade da vida que tinham era camuflada para se alcançar um objetivo maior. Mas os adotados, ao adentrarem este núcleo familiar, passavam a viver com dois pais ou duas mães, divergente da estrutura falseada para agradar ao sistema. A inexistência de leis que amparassem as uniões homoafetivas não as impediu de existirem, e muito menos de que crianças convivessem com famílias formadas por pessoas do mesmo sexo. Impedidos de ter a guarda juntos, outro problema surgia: em caso de falecimento de um dos pais, como ficaria a situação da criança. Caso falecesse o 64 Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 68 adotante, a guarda não iria para seu companheiro, passando-a para os familiares próximos. A criança era tirada do ambiente onde estava acostumada para ser inserida em um novo contexto, divergente ao que estava. Não haveria de se falar sequer em direito de visita, visto não haver qualquer laço de parentesco entre a criança e o “pai” não constante do ato de adoção. Se ocorresse, em contrapartida, o falecimento do não adotante, por não haver laços familiares legais constantes na adoção, a criança ficaria desprotegida, não podendo utilizar-se do direito sucessório que lhe caberia. Haveria, nitidamente, um prejuízo no princípio essencial da adoção: o melhor interesse do adotado. O Estatuto da Criança e do Adolescente autoriza a adoção por uma única pessoa, não fazendo qualquer restrição quanto a sua orientação sexual. Portanto, não é difícil prever a hipótese de um homossexual que, ocultando sua preferência sexual, venha a pleitear e obter a adoção de uma criança, trazendo-a para conviver com quem mantém um vínculo afetivo estável. Nessa situação, quem é adotado por um só dos parceiros não pode desfrutar de qualquer direito com relação àquele que também reconhece como verdadeiramente seu pai ou sua mãe. Ocorrendo a separação do par ou a morte do que não é legalmente o genitor, nenhum benefício o filho poderá usufruir. Não pode pleitear qualquer direito, nem alimentos nem benefícios de cunho previdenciário ou sucessório. Sequer o direito de visita é regulamentado, mesmo que detenha a posse do estado de filho, tenha igual 65 sentimento e desfrute da mesma condição frente a ambos . Porém, a jurisprudência vem à frente do seu tempo transformando a realidade das adoções homoafetivas. Em novembro de 2005, o juiz Marcos Danilo Edon Franco, da comarca de Bagé, autorizou duas lésbicas a adotar dois irmãos menores. O processo de adoção permitiu a concessão a uma das requerentes. Posteriormente, a companheira ajuizou ação para adotar os menores. O Ministério Público recorreu da sentença, que em segunda instância teve como relator o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, onde a sentença foi mantida, por unanimidade. Partindo então do pressuposto de que o tratamento a ser dado às uniões entre pessoas do mesmo sexo, que convivem de modo durável, sendo essa convivência pública, contínua e com o objetivo de constituir família deve ser o mesmo que é atribuído em nosso ordenamento às uniões estáveis, resta concluir que é possível reconhecer, em tese, a essas pessoas o direito de adotar em conjunto (...) os estudos especializados não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores. É, portanto, hora de abandonar de vez os preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da 65 DIAS, Maria Berenice. Adoção homoafetiva. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 69 absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das 66 crianças e dos adolescentes . Seguindo o mesmo exemplo, o juiz José Antônio Daltoé Cezar concedeu em 2006 a guarda de uma criança a outro casal de lésbicas na cidade de Porto Alegre. Como não houve recurso, a sentença transitou em julgado e a adotada possui em seu registro o nome de duas mães. Vale destacar que a Justiça também inovou ao conceder a guarda do filho biológico da cantora Cássia Eller, falecida em 2001, à companheira Eugênia. O litígio era contra os avós maternos e, à época, houve grande apelo nacional para que o filho, conhecido como Chicão, ficasse com a companheira de 14 anos da artista, a quem o menino reconhecia e chamava de mãe. Distinção semelhante é relatada por Eugenia, que era chamada de “mainha” por Chicão, que chamava Cássia Eller de “mãe” [...] Apesar de Cássia Eller também ser uma pessoa freqüente na mídia, não é este o foco. Apesar das duas constituírem um casal homossexual, realidade que a sociedade brasileira não concebe ainda com facilidade, agravada pela existência de uma criança, a maternidade de Eugênia e seu direito à guarda de Chicão não tem sido praticamente questionados. O argumento principal em favor dela é o fato de ter sempre sido a mãe, assumindo todas as responsabilidades sobre a criança. A homossexualidade das duas não tem sido tão abordada. A 67 capacidade de Eugênia cuidar de Chicão não tem sido posta em dúvida . O ano de 2007 se tornaria novo marco da adoção homoafetiva no Brasil. A juíza Sueli Juarez Alonso, da Comarca de Catanduva, concedeu a guarda de uma menina a um casal de homens. Com semelhanças ao caso de Bagé, a concessão de adoção foi dada primeiramente a Vasco Pedro da Gama Filho. Em seguida, Dorival Pereira de Carvalho Júnior solicitou a guarda da menina, que após sentença favorável, passou a se chamar Theodora Rafaela Carvalho da Gama. Embora não seja um caso inédito, o fato de dois homens serem os guardiões legais causou grande repercussão. O desejo de ser mãe é encarado como fator natural inerente ao papel da mulher, ainda que lésbica. A vontade de dois homens em adotar conjuntamente ainda é encarada com surpresa e preconceito. O preconceito tem sido, aliás, a grande arma para impedir um número ainda maior de adoções homoafetivas no Brasil. Impelidos em proibir, argumenta-se que lares homossexuais não são propícios para o desenvolvimento sadio de crianças e 66 o TJRS. Apelação Cível n 70013801592 – Relator Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos – Julgamento em 05 de abril de 2006 – Sétima Câmara Cível. 67 UZIEL, 2002, p. 226-227. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 70 que resultariam em problemas de ordem psicológica e distúrbios de identidade sexual. Apesar da significante presença em pelo menos 163.879 lares chefiados por pais gays ou lésbicas na sociedade americana, três principais preocupações a respeito da parentalidade de gays e lésbicas são comumente argüidas [...] Elas incluem que lésbicas e gays são mentalmente doentes, que lésbicas são menos maternais que as mães heterossexuais, e que as relações com seus parceiros sexuais deixam menos tempo para se dedicarem às relações com 68 seus filhos . Pesquisas realizadas em diversos países desmascaram essas argumentações. Primeiro, deve-se relembrar que há anos a homossexualidade não é considerada nem doença nem desordem psicológica, e que não há nenhuma evidência de distúrbio psicológico causado pela orientação sexual. Os mesmos estudos salientam, ainda, para a igualdade entre crianças criadas por lésbicas e por mães heterossexuais, não havendo qualquer comprovação empírico-científica que contradiga essas afirmações. Quanto à afirmativa de falta de tempo para se dedicarem aos filhos em contrapartida às relações com seus parceiros, evidencia-se aqui um aspecto importante. Seguindo uma similitude heterossexual, as famílias homoafetivas colocam a criação dos filhos em primeiro plano, deixando a vida pessoal (e íntima) em segundo. Na tese de doutorado elaborada pela Doutora Anna Uziel (Família e homossexualidade: novas questões, velhos problemas. Universidade Estadual de Campinas–SP, 2002), na análise dos processos de adoção feitos pela estudiosa verifica-se uma tendência em comum à disponibilidade dos adotantes em abrir mão da vida pessoal em troca da realização pessoal do sonho de adotar e constituir, deste modo, uma família mono-homo-parental69. 68 Tradução livre feita da Resolução sobre Orientação Sexual, Pais e Filhos, adotada pelo Conselho Representativo da Sociedade Americana de Psicologia, em julho de 2004. Integra da Resolução disponível no anexo da monografia. No original: “Despite the significant presence of at least 163,879 households headed by lesbian or gay parents in U.S. society, three major concerns about lesbian and gay parents are commonly voiced (…) These include concerns that lesbians and gay men are mentally ill, that lesbians are less maternal than heterosexual women, and that lesbians' and gay men's relationships with their sexual partners leave little time for their relationships with their children”. 69 Vale relembrar que a pesquisa de campo realizada para a tese ocorreu anteriormente a 2002, período em que ainda não se vislumbrava no âmbito da jurisprudência brasileira qualquer adoção conjunto feita por homoafetivos, queira masculinos ou femininos. Nos processos analisados pela estudiosa, somente um (Processo 7) era identificado como formado por um casal (lésbicas) desde o inicio do processo de adoção, mas pleiteado somente em nome de um delas. A requerente foi considerada habilitada. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 71 Nos Estados Unidos, onde o acompanhamento de famílias homoafetivas vem sendo feito desde aproximadamente a década de 70, estudos comprovam ainda que menos de 10% dos filhos criados em lares homossexuais seguem a mesma orientação de seus pais. É a mesma porcentagem estipulada para o padrão de filhos homossexuais em famílias heterossexuais. O preconceito, a homofobia e o sexismo foram evidenciados de modo recorrente nas entrevistas [...] O conhecimento científico mediado pela pesquisa assim como sua divulgação podem propiciar novas reflexões e resignificar e transformar posturas preconceituosas e excludentes. [...] O desejo de ser mãe ou pai não é incompatível com a orientação afetivo-sexual e tampouco relacionado apenas ao gênero. Além disso, essa é uma realidade presente e coexistente com as famílias tradicionais heterocêntricas e suas variações. Há que se divulgar à sociedade os conhecimentos encontrados na pesquisa sobre o funcionamento das famílias homossexuais com vistas a uma melhor atuação em todos os campos: sociais, na escola, na saúde, nos aspectos jurídicos, na religião. A continuidade dessa pesquisa com vistas a ampliar a compreensão de outras dimensões da família homossexual se 70 mostra uma possibilidade . A aceitação da adoção homoafetiva e a sua recomendação por órgãos científicos, jurídicos e políticos, tanto nacionais quanto internacionais, vêm corroborar com o novo perfil de entidade familiar criado a contar do século XX, focado no afeto de seus membros, independente do sexo que os une. A adoção vislumbra-se como um objetivo de realização da felicidade, e dentro de seu contexto, será a busca pela felicidade em grupo. Eu pessoalmente não vejo razão pelas quais pessoas do mesmo sexo não devam ter permissão para se casar. Eu acredito também que o que crianças a espera de adoção realmente necessitam é amor, cuidado e proteção de adultos responsáveis. No mundo de hoje, alguns têm a sorte de encontrar novos pais, outros não. Elas se tornam vítimas do preconceito e da hipocrisia 71 ostentadas de preocupações . 70 71 SANTOS, C., 2004, p.436. Parte do discurso de Peter Schieder, Presidente da Assembléia Parlamentar do Conselho Europeu, feito no dia 25 de outubro de 2002 em Lisboa. Tradução livre de: "I personally see no reason why people of the same sex should not be allowed to marry. I also believe that what children awaiting adoption really need is love, care and protection from responsible adults.In the world today, some are lucky to find new parents, many do not. They become victims of prejudice and hypocrisy paraded as concern”. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 72 3.3 Os princípios constitucionais Basta a simples análise do espírito das normas constitucionais, que estão imbuídas de força inclusiva, para entender que o cerne da Carta Magna de 1988 é a inserção, em especial das minorias, por meio de direitos e garantias fundamentais. A análise de alguns destes princípios é suficiente para abarcar e apaziguar qualquer divergência referente às questões aqui levantadas. Todos têm direito de gozar plenamente seus direitos, e de vê-los assegurados por um Estado que vise a uma evolução ética e social. A exclusão assegurada por ideais distorcidos não deve prevalecer no foco de uma sociedade que busca a justiça e que quer ter orgulho de sua história, por garantir a dignidade ao seu povo. A partir do momento que um Estado admite formas de exclusão, declara implicitamente – ou mesmo algumas vezes explicitamente – a inferioridade de um grupo em detrimento de outro: um se torna mais importante e se encontra em patamar de superioridade ao outro. Valem, por fim, as palavras do sociólogo Boaventura de Souza Santos, ao lembrar que “as pessoas e os grupos sociais têm o direito de ser iguais quando a diferença as inferioriza, e o direito a ser diferente quando a igualdade as descaracteriza”72. 3.3.1 Dignidade da pessoa humana Como já salientado anteriormente, um novo paradigma surge após a segunda guerra mundial, onde a valorização do ser humano será a primazia do novo ordenamento jurídico mundial. Será assegurado a todos um mínimo de dignidade, que terá proteção inclusive de órgãos internacionais. [...] na atualidade, pauta a tendência dos ordenamentos o reconhecimento do ser humano como o centro e o fim do Direito. Essa inclinação, reforçada depois da traumática barbárie nazi-fascista, encontra-se plasmada pela 72 O professor Boaventura de Souza Santos é sociólogo e leciona na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Centro de Estudos Sociais de Portugal. Foi um dos convidados do Fórum Social Mundial que ocorreu em Porto Alegre em 2001. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 73 adoção, à guisa de valor básico do Estado Democrático de Direito, da 73 dignidade da pessoa humana . Esse novo princípio que norteia o ordenamento internacional foi abraçado pelo Brasil com o advento da Constituição de 1988, quando traz a “dignidade da pessoa humana” como objetivo essencial que toda a sociedade deve almejar. Estar no artigo 10 da nova Carta Magna o coloca em especial atenção, como princípio que servirá de fundamento para a construção desta nova sociedade. Desta forma e partindo-se destas premissas, temos que o principal valor tutelado pela Constituição da Republica é, sem qualquer dúvida, a dignidade humana; que serve inclusive de valor condicionante para a validade e a eficácia de princípios inferiores e de toda a legislação infraconstitucional, em nítida posição de supremacia axiológica. Possui, verdadeiramente a natureza de super-princípio e, portanto, deve se constituir no principal ponto de análise do hermeneuta ou do operador do direito, logo ao iniciar a busca pelo sentido 74 e alcance de determinada norma jurídica” . O princípio da dignidade da pessoa humana é dotado de grande subjetividade, o que acarreta ampla discussão sobre seu campo conceitual. Dentro de uma visão Kantiana, e que se prevalece nos dias atuais, os diversos conceitos se harmonizam ao estabelecer que será contrário à dignidade humana todo ato ou fato capaz de reduzir o ser humano à condição de objeto, visto que para Kant, o homem é um fim em si mesmo, e não um objeto para alcançar um objetivo maior. Mas muito mais importante que fixar um conceito, é criar normas e meios eficazes para a real aplicação de tão importante fundamento constitucional. Este princípio preza pela mantença mínima de respeito à pessoa, de não ser prejudicada nem degradada. De não ser explorada por outro ser humano em virtude de circunstâncias, e muito menos pelo Estado. Buscar-se-á a garantia de independência e de autonomia de cada pessoa. O Estado, imbuído de seu poder e visando a proteção desta dignidade, assegurará os direitos inalienáveis do homem e jamais aceitará o tratamento desumano a qualquer indivíduo. Temos a dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e constituição responsável nos 73 NOBRE JUNIOR, Edílson Pereira. O direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. In: MATOS, 2004, p. 148. 74 MOTTA, 2007, p.16. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 74 destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres 75 humanos . É imbuído deste princípio, que serve de norte para interpretar, aplicar ou ainda criar qualquer norma jurídica pátria, que as uniões entre pessoas do mesmo sexo se valem para assegurar sua existência e seus direitos. Dentre as múltiplas possibilidades de sentido da idéia de dignidade, duas delas são reconhecidas pelo conhecimento convencional: i) ninguém pode ser tratado como meio, devendo cada indivíduo ser considerado sempre como fim em si mesmo; e ii) todos os projetos pessoais e coletivos de vida, quando razoáveis, são dignos de igual respeito e consideração, são merecedores de igual ‘reconhecimento’. A não atribuição de reconhecimento à união entre pessoas do mesmo sexo viola simultaneamente essas duas dimensões 76 nucleares da dignidade humana . O não reconhecimento das uniões familiares que se forjam de forma diversa ao padrão da sociedade dominante demonstra uma evidente discriminação por parte do Estado, deixando de tutelar seus indivíduos por preconceito e estigma, desvalorizando o ser humano pelo seu modo de ser, rebaixando-os a indivíduos menores. A dignidade da pessoa abarca o poder de exercer sua personalidade da forma mais completa possível, com seus desejos e vontades. A sexualidade é parte intrínseca de todo ser humano, parte inerente de sua personalidade. Assim, deixando de regular as uniões homoafetivas, que se vinculam por afeto e vontade de crescimento mútuo, o Estado está apoiando a discriminação e violando este importantíssimo preceito, deixando de assegurar aos seus cidadãos o direito à fruição de uma vida digna. 3.3.2 Liberdade Um dos mais importantes princípios constitucionais está na liberdade. Na liberdade individual de poder exercer sua vida e seus direitos da forma mais ampla possível. Essa liberdade foca-se em poder desenvolver com amplitude a personalidade humana, a livre expressão pessoal. 75 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. In: COÊLHO, 2006, p. 68. 76 o BARROSO, 2006, n 45. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 75 A liberdade consiste em fazer tudo que não perturbe a outrem. Assim, os exercícios dos direitos naturais de cada homem não têm limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o desfrute desse mesmo 77 direito; esses limites não podem ser determinados senão por lei . É a liberdade de ir e vir, de pensar e, no foco deste trabalho, na liberdade de amar, sem que isso cause angustia e sofrimento. A liberdade de poder escolher a pessoa com quem se quer passar, quando possível, o resto de sua vida, mantendo uma relação estável de afeto e companheirismo. É, sem dúvidas, a liberdade de poder exercer o papel familiar com a pessoa amada, usufruindo todos os benefícios constitucionais assegurados à família. É o poder da autodeterminação. É a mesma liberdade que inspirou a dissolução da união inquebrantável imposto pelo Estado antes da Lei do Divórcio. A liberdade do indivíduo em tomar as rédeas de sua vida afetiva, com o mínimo de intervenção estatal. Imperar exclusões jurídicas, fundadas em tabus repressores à manifestação da sexualidade, é procurar limitar a liberdade no desenvolvimento de questões de esfera íntima para, em seu lugar, fazer apologia a modelos de 78 família tradicionais . Essa liberdade deixará o indivíduo exercer sua cidadania nos mais variados ramos da vida. Na política, na vida social e, por conseguinte, na liberdade de desenvolver a sexualidade de forma ampla. 3.3.3 Igualdade A igualdade é um princípio consagrado na Constituição Federal, condenando qualquer forma de discriminação e preconceito, almejando-se a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária”, e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (sem grifo no original)79. Adiante, em seu artigo 50, a constituição assegura que “... todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. No âmbito da sexualidade, onde 77 Artigo 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, datada de 1793. MATOS, 2004, p. 177. 79 0 Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil, art. 3 . 78 Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 76 o foco deste trabalho é a homoafetividade, a igualdade se manifesta na aplicação correta e justa de tratamento normativo a todos os indivíduos, independente da orientação sexual assumida, em consonância com o direito a liberdade. Embasando-se nesta busca pela igualdade é que deve-se assegurar a equivalência entre as uniões heterossexuais e as homoafetivas. Negar direito é insurgir contra preceitos essenciais do ordenamento pátrio, buscando brechas para diminuir e desmerecer o ser humano por exercer sua personalidade. A aplicação jurídica diferenciada só encontrará tutela especial se abraçada em motivos justos e plausíveis. Assim faz-se necessário diferenciar a igualdade formal da igualdade material. Aquela preza impedir qualquer diferenciação entre pessoas, evitando que haja hierarquia entre iguais. A igualdade material vincula-se a igualdade prática, observando aspectos de uma justiça mais social. “Um eventual tratamento diferenciado seria justificável apenas se fundado em motivos plausíveis a exigirem tutela especial, na procura da chamada igualdade material. Ficam juridicamente obstadas as não paridades oriundas de motivos fortuitos ou injustificados, ou incompatíveis com os demais valores 80 superiores encartados na Constituição” . Deverá ocorrer uma igualdade formal, ao equiparar direitos entre as uniões heterossexuais e as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Mas para a real aplicação desta igualdade, devem-se pesar as desigualdades naturais existentes relacionadas a este tipo de relação, que possuem suas singularidades, e que se igualam às heterossexuais no âmago do motivo que as gerou: vontade de unir-se por afeto em busca de um objetivo em comum. Exemplo desta desigualdade natural está ao analisar os requisitos da união estável, “configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Inegável é que a convivência pública deverá ser analisada no caso concreto das uniões homoafetivas, visto que essas muitas vezes estão restritas aos conviventes, não sendo de conhecimento de todos que os cercam. Impelidos pelo preconceito, muitos casais mantêm seus relacionamentos velados, restringindo a ciência de seus affairs a poucas pessoas. Mas a igualdade que se procura aqui é a formal, a igualdade perante a norma jurídica, que abarcará mais amplamente o desejo de eqüidade das uniões homoafetivas. À igualdade material, esta se fará necessária quando da aplicação do caso concreto, que se vinculará ao individual. 80 MATOS, 2004, p. 171. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 77 3.3.4 Pluralidade familiar Já abordado anteriormente, este princípio baseia-se na afirmativa de haver entidades familiares diversas àquelas elencadas no artigo 226 da Constituição. Haverá entidade familiar onde houver configurado e elemento essencial da formação da família moderna: o afeto, este como valor e princípio jurídico digno de proteção. [...] a Constituição da República Federativa do Brasil [...] tratou de forma mais pontual a família, provocando uma verdadeira revolução no Direito de Família [...] Era imperioso que a norma constitucional entrasse em compasso com os fatos sociais e os sentidos axiológicos dados por seus destinatários, sob pena de nascer velha e tornar-se ineficaz. Neste sentido, houve o rompimento com a premissa de que o casamento era o único instituto formador e legitimador da família brasileira, e do modelo de família hierarquizada, patriarcal, impessoal e, necessariamente, heterossexual, em que os interesses individuais cediam espaço à manutenção do vínculo. Esta Constituição trouxe, além de novos preceitos para as famílias, princípios norteadores e determinantes para a compreensão e legitimação de todas as formas de 81 família . Resultado de um efeito social, este princípio surge no corpo constitucional como reflexo da realidade da sociedade, embasadas em famílias desmatrimonizadas, fundadas na simples associação entre seus membros, visando à construção de uma vida em comum. Ainda em sua tese de doutorado, Rodrigo da Cunha Pereira classifica as entidades familiares em três principais grupos: família conjugal, família parental e família unipessoal ou single82. A primeira, a família conjugal, desenvolve-se da relação amorosa que possui, além do afeto, o desejo e o amor sexual. Essas outras famílias podem ser recompostas, reconstituídas, binucleares, casais com filhos de casamentos anteriores e seus novos filhos, casais sem filhos, casais homossexuais [...] A lista dos diversos arranjos familiares é grande. Fundamental é verificar se os sujeitos que se dispuseram a unir-se o fazem pelos laços afetivos e se constituíram uma entidade familiar que está além de um convívio superficial e despretensioso. Se assim for, devem ser tomados e protegidos como família [...] A importância da aplicação do princípio constitucional da pluralidade de formas de família às uniões de pessoas do mesmo sexo, assim como a qualquer outro vínculo amoroso que tenha estruturação psíquica de família, vai muito além da simples salvaguarda de direitos patrimoniais, pessoais ou previdenciários. Esta importância está, principalmente, na legitimação e desmarginalização das relações familiares, o que significa, em última análise, o cumprimento da palavra de ordem da contemporaneidade, cidadania, que por sua vez tem o significado de uma regra de juízo universal, ou seja, fazer cumprir também o macroprincípio da dignidade da pessoa humana. 81 82 PEREIRA, 2004, p. 117. Id., p. 121 et seq. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 78 A família parental é a entidade familiar formada pelo agrupamento de pessoas unidas pelo parentesco biológico ou ainda pelo “socioafetivo”. Estaria englobada na família parental a família monoparental, tão destacada no âmbito do § 40 do art. 226 da nossa atual Constituição. Mas ainda destaca-se dentro deste novo âmbito familiar as comunidades formadas por irmãos ou as formadas por avos e seus respectivos netos. Destaca Cunha Pereira, dentro da família parental, a família socioafetiva, formada pela família substituta advinda da adoção, tutela ou guarda, e ainda as “... chamadas reconstruídas, reconstituídas, binucleares e famílias ‘mosaico’, usualmente formada pelo par e os filhos advindos de relações conjugais anteriores, surgindo assim as figuras do padrasto e da madrasta, historicamente associadas a uma figura maligna, que busca substituir a mãe e/ou o pai”. E por fim, haveria a família unipessoal ou single, que Cunha Pereira identifica como sendo aquela formada pela pessoa que tanto optou quanto foi levada a viver sozinha, distante dos familiares consangüíneos ou afetivos. [...] indivíduos que optam ou são levados a viverem sozinhos, deslocados fisicamente dos demais entes a ele ligados por consangüinidade ou afetividade. São solteiros por convicção, viúvos ou separados/divorciados sem filhos, ou os que já constituíram outras famílias, celibatários, etc. A característica principal dos singles não é morar sozinho, pois há muitos casais, sem filhos, que vivem cada um em uma casa. A característica principal dos singles é não estarem vinculados maritalmente. A verdade maior é que o ordenamento jurídico surge após a realidade social. Vendo o legislador que uma nova realidade familiar estava presente na sociedade, teve que legislar a fim de incluir o que estava marginalizado. A entidade familiar homoafetiva vem se desenvolvendo à margem da sociedade, buscando seu reconhecimento para garantir direitos e deveres. Negarlhe existência é mostrar imaturidade e remediar uma realidade que exige do legislativo e do judiciário soluções concretas. O desafio está em respeitar a diferença deste novo formato familiar, e promover a inclusão com dignidade. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 79 CONCLUSÃO O Direito de Família sofreu uma grande transformação com o advento da Constituição de 1988. A família, que antes era alicerçada e protegida pelo casamento, passa a ter um novo paradigma, o afeto, trazendo para a norma uma realidade que já se fazia presente na sociedade. Esta norma modificadora foi reflexo de uma outra sociedade que se esculpia por detrás das regras vigentes, e que se mostrava muito mais complexa. Vários contornos de família foram tomando forma dentro da sociedade moderna. Enquanto nos séculos passados a família estava definida pelo seu aspecto de matrimonizado, hierarquizado e de proliferação, o novo milênio demonstra que o fator principal na entidade familiar, e que move esta nova estrutura, é o afeto. Nessa nova família emergente, que opta por prole reduzida, os papéis se sobrepõem, se alternam, se confundem ou mesmo se invertem, quebrando-se por completo com o antigo estereótipo hétero-patriarcalizado. Sendo o afeto o fator essencial, mas não único, que caracteriza esse novo paradigma familiar, não há como deixar à parte a entidade familiar homoafetiva. A união homoafetiva vem quebrando preconceitos e vem galgando espaço no seu reconhecimento como entidade familiar que é. Está nesse patamar porque suas características são equivalentes às outras entidades familiares: amor e afeto (fundamentos e finalidades da família), estabilidade (excluem-se os relacionamentos esporádicos e sem compromisso), sexo (sem a finalidade procriativa), solidariedade, mútua assistência, visibilidade (presença ou conhecimento públicos), continua e duradoura. São todas características presentes à união estável. Por isso não há como negar a aplicação analógica dos efeitos da união estável às entidades familiares homoafetivas. Mas são esparsas as decisões vislumbrando este aspecto, tutelando no ordenamento jurídico a entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo. Neste âmbito, a jurisprudência tem sido de suma importância para quebrar barreiras e preconceitos. Ainda assim, dentro do judiciário há empecilhos a serem superados. Enquanto decisões distinguirem entidades familiares apenas por levar em consideração o sexo de seus componentes, injustiças serão realizadas em nome de uma “sociedade de fato”. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 80 Argumenta-se, para embasar tais injustiças, que as entidades familiares estão e são apenas as constantes do artigo 226 da Constituição. Fica claro que esta interpretação doutrinária e jurisprudencial se faz inadequada ao real alcance da norma constitucional. Primeiro, porque assim só seria se a norma literalmente vedasse. Segundo porque um dos valores principiológicos da Constituição é promover a inclusão, fazer com que todos se sintam parte de um país mais justo e digno para com seu povo. Na falta de proibição expressa ou previsão positiva, postula-se a interpretação da Constituição conforme o cânone hermenêutico da “unidade da Constituição”, segundo o qual uma interpretação adequada do texto requer a consideração das demais normas, de modo que sejam evitadas conclusões contraditórias, pois, sob a ótica do direito de família, a norma do § 3º, do art. 226 da CF/88, não exclui a união estável entre os homossexuais [...] Destarte, a solução dos relacionamentos homoafetivos só pode encontrar subsídios no instituto mais próximo, que é a família, e dentro de seus diversos tipos, 83 naquela que se estrutura na solidariedade, a união estável . Frente ao princípio da pluralidade familiar, esta interpretação também perde respaldo. Vale relembrar que haverá entidade familiar onde exista por base da formação da família o afeto. Ela não é mais caracterizada tão somente pelos laços sexuais procriativos e consangüíneos. Estes são arquétipos desfacelados frente aos novos valores teleológicos trazidos pela nova Carta. Além disso, norma infraconstituicional de 2006 veio reforçar este princípio. É a corroboração da existência plural de formas de afeto. O princípio da pluralidade das formas de família deve ser conjugado com os outros princípios aqui elencados para que não se excluam determinados modelos familiares e, conseqüentemente, não se retire a dignidade dos sujeitos que os constituíram. Um dos modelos que mais reclamam a aplicação destes princípios são os formados por pessoas do mesmo sexo. Tratar essas relações como sociedade de fato, inscrevendo-as no campo do Direito Obrigacional ou Comercial é atribuir indignidade aos sujeitos ali envolvidos e negar-lhes direitos [...] Se olharmos para estas relações sob o ponto de vista estritamente jurídico, não há por que negar o seu reconhecimento como entidade familiar, pois o debate em torno dela é entre moral e ética, isto é, entre moral e cidadania. Em outras palavras, a atribuição de direitos a essas parcerias significa dar visibilidade a um vínculo amoroso 84 que está buscando seu próprio entendimento e espaço político-social . Esta dificuldade em absorver a relação homoafetiva como entidade familiar ocorre do preconceito arraigado na cultura heterossexual. É o mesmo preconceito sentido quando de outros momentos históricos, como na Lei do Divórcio, da 83 84 CÔELHO, 2006, p.127-128. PEREIRA, 2004, p. 140. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 81 liberação do voto feminino. Os debates que se ensejam sobre o assunto estão sobrecarregados de um cunho moral e religioso. O Projeto de Lei nº 1.151/95, que deveria disciplinar a união civil entre pessoas do mesmo sexo, esbarrou nesse conservadorismo e se faz, hoje, letra morta frente às realidades jurisprudenciais de alguns tribunais. Há de se lembrar ainda que o referido projeto fica aquém de refletir a realidade e satisfazer os anseios sociais, deixando de enfatizar a união homoafetiva como entidade familiar. A verdade é que não basta garantir direitos patrimoniais e previdenciários, pois este a ampla jurisprudência praticamente já pacificou. Mais importa é a proteção constitucional dada a toda entidade familiar, independentemente do sexo que compõem seus integrantes. A adoção homoafetiva também sofreu importantes mudanças nos últimos anos. Transmutou-se da total negativa de adoção por qualquer homossexual para a possibilidade, primeiramente, de um poder adotar. O desenvolvimento interdisciplinar do Direito com as demais ciências humanas, em especial com a Medicina, a Sociologia, a Antropologia, a Psicanálise e a Psicologia, possibilitaram a mudança de estereótipos pré-concebidos, habilitando o homossexual para a adoção. Agora desfruta a família homoafetiva de um novo horizonte familiar, ao deslumbrar-se com a adoção conjunta. Embora ainda sejam poucas decisões neste sentido, valem como jurisprudências importantes por não levarem em conta a sexualidade que envolve os parceiros, mas por buscarem o real valor da adoção: o melhor interesse do adotado. São estas pequenas, mas importantes mudanças que vêm ratificando o valor das uniões homoafetivas como entidades familiares dignas da proteção constitucional de família, proteção esta esculpida em suma importância no caput do art. 226, e será alicerce de apoio para o princípio da dignidade humana. Fere-se o macroprincípio constitucional da dignidade da pessoa humana quando o Direito nega existência à entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo. O primeiro deles, e que é também a base de sustentação de todos, é o princípio da dignidade humana. É mais que um princípio constitucional, uma vez que constitui em um imperativo ético para garantir a palavra de ordem da contemporaneidade: cidadania. É ele que, entrelaçado, sustentando e sustentado por todos os outros princípios, vem impedir que a história das 85 exclusões feitas através do Direito de Família se repita (com grifos). 85 PEREIRA, 2004, p. 138. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 82 Desvirtua-se a aplicação do princípio da igualdade, ao tratar de forma diferente seres humanos protegidos pelo mesmo preceito constitucional. O valor principiológico de não discriminar deixa de ser aplicado a determinados grupos, criando um sistema de castas onde alguns são preteridos em detrimento de outros. O preconceito, em muito, é resultado de um desconhecimento sobre a realidade. A visibilidade homossexual desencadeou a mudança necessária para vencer, ou ao menos amenizar, os preconceitos na sociedade atual e afastar este estado de ignorância a respeito do assunto. Fez-se notar, ao final, a similaridade entre a entidade familiar heterossexual e a família homoafetiva. Fez-se notar que o afeto, convivência, reciprocidade, dignidade, intimidade, igualdade, liberdade, para citar alguns poucos, são direitos assegurados a todos, independe de cor, raça, credo, sexo, idade. O que vale, ao final, é o direito de amar. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA NETO, Luiz Mello de. Família no Brasil dos anos 90: um estudo sobre a construção social da conjugalidade homossexual. Tese (Doutorado em Sociologia) – UnB, DF, 1999. BARROSO, Luís Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no Brasil. Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2006. 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São Paulo: LTr, 2000. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 85 BURGIERMAN, Denis Russo. Atração entre iguais. In: As vinte melhores matérias da história da super. Superinteressante, São Paulo, n. 234. Ed. Abril, dezembro 2006. CASTRO, Susana de. O enigma de Hannah. Disponível em <www.cronopios.com. br/site/ensaios>. Acesso em: 22 abr. 2006. COÊLHO, Tânia Marina de Azevedo Grandal. Do reconhecimento da relação homoafetiva equiparada à união estável no direito sucessório. Paraná. 2006. 153 f. Dissertação (Mestrado em Direito das Relações Sociais) – Universidade Federal do Paraná, PR, 2006. Disponível em: <http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/handle/1884/7407>. Acesso em: 09 jan. 2007. DIAS, Maria Berenice. Família, ética e afeto. Disponível em: <www.maria berenicedias.com>. Acesso em: 23 abril 2006. ______. Famílias modernas: (inter)secções do afeto e da lei. Disponível em: <www.maria berenicedias.com>. 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São Paulo. 2004. 458 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade de São Paulo. SP, 2004. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/59/59137/tde-18042005-081841/>. Acesso em: 12 jan. 2007. SIMONETTI, Karina Alves Gonzalez. Igualdade e direito nas relações homoafetivas. Osasco. 2006. 125 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Centro Universitário FIEO. SP, 2006. SPROVIERI, Maria Helena S.; ASSUMPÇÃO JR, Francisco B. Dinâmica familiar de crianças autistas. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 2001. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/anp/v59n2A/a16v592a.pdf>. Acesso em 10 jan. 2007. VIANA, Marco Aurélio S. Da união estável. São Paulo: Saraiva, 1999. UZIEL, Anna Paula. Família e homossexualidade: novas questões, velhos problemas. São Paulo. 2002. 183 f. Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade Estadual de Campinas. SP, 2002. WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 88 ANEXOS Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 89 Anexo A – Projeto de Lei no 1.151-A, de 1995 De Autoria da Deputada Marta Suplicy (PT-SP) Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. O Congresso Nacional Decreta: Art. 1o. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua união civil, visando a proteção dos direitos à propriedade. Art. 2o. A união civil entre pessoas do mesmo sexo constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registros Civil de Pessoas Naturais. § 1o. Os interessados e interessadas comparecerão perante os oficiais de Registro Civil exibindo: I - prova de serem solteiros ou solteiras, viúvos ou viúvas, divorciados ou divorciadas; II - prova de capacidade civil plena; III - instrumento público de contrato de união civil. § 2o. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de união civil. Art. 3o. O contrato de união civil será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado. Deverá versar sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. Parágrafo único. Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para a formação de patrimônio comum. Art. 4o. A extinção da união civl ocorrerá: I - pela morte de um dos contratantes; II - mediante decretação judicial; Art. 5o. Qualquer das partes poderá requerer a extinção da união civil: I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido; II - alegando o desinteresse na sua continuidade; § 1o. As partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da extinção da união civil. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 90 § 2o. O pedido judicial de extinção da união civil, de que tratam o inciso II e o § 1o deste arquivo, só será admitido após decorridos 2(dois) anos de sua constituição. Art. 6o. A sentença que extinguir a união civil conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no instrumento público. Art. 7o. O registro de constituição ou extinção da união civil será averbado nos assentos de nascimento e casamento das partes. Art. 8o. É crime, de ação penal pública condicionada à representação, manter o contrato de união civil a que se refere esta Lei com mais de uma pessoa, ou infringir o § 2o do artigo 2o. Pena - detenção de 6(seis) meses a 2(dois) anos. Art. 9o. Alteram-se os artigos da Lei No. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações: "Art.29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais: (...) IX - os contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo. § 1o. Serão averbados: (...) g) a sentença que declarar e extinção da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Art. 33. Haverá em cada cartório, os seguintes livros, todos com trezentas folhas cada um: (...) III - B - Auxiliar - de registro de casamento religioso para efeitos civis e contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo. Art. 167. No registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I - o registro: (...) 35 - dos contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo que versarem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato. II - a averbação: (...) Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 91 14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de união civil entre pessoas do mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro." Art. 10. O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de união civil com pessoa do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela lei 8.009, de 29 de março de 1990. Art. 11. Os artigos 16 e 17 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 passam a vigorar com a seguinte redação. "Art 16. (...) § 3o. Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém, com o segurado ou com a segurada a união estável de acordo com o Parágrafo 3o do art. 226 da Constituição Federal, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei. Art 17. (...) § 2o. O cancelamento da inscrição do cônjuge e do companheiro ou companheira do mesmo sexo se processa em face de separação judicial ou divórcio sem direito a alimentos, certidão de anulação de casamento, certidão de óbito ou sentença judicial, transitada em julgado". Art. 12. Os artigos 217 e 241 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990 passam a vigorar com a seguinte redação. "Art 217. (...) c) A companheira ou companheiro designado que comprove união estável com entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei. (...) Art 241. (...) Parágrafo único. Equipara-se ao cônjuge a companheira ou companheiro, que comprove união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei". Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 92 Art. 13. No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus servidores que mantenham união civil com pessoas do mesmo sexo. Art. 14. São garantidos aos contratantes de união civil entre pessoas de mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão regulados pela lei nº 8.971, de 28 de Dezembro de 1994. Art. 15. Em havendo perda de capacidade civil de qualquer um dos contratantes de união civil entre pessoas do mesmo sexo, terá a outra parte a preferência para exercer a curatela. Art. 16. O inciso I do art. 113 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 passa a vigorar com a seguinte redação : "Art. 113. (...) I - ter filho, cônjuge, companheira de união civil entre pessoas do mesmo sexo,brasileiro ou brasileira". Art. 17. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação Art. 18. Revogam-se as disposições em contrário. Justificação O presente Projeto de Lei visa o reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo, relacionamentos estes que cada vez mais vem se impondo em nossa sociedade. A ninguém é dado ignorar que a heterossexualidade não é a única forma de expressão da sexualidade da pessoa humana. O Conselho Federal de Medicina, antecipando-se à Organização Mundial de Saúde, já em 1985 tornou sem efeito o código 302, o da Classificação Internacional de Doenças, não considerando mais a homossexualidade como “desvio ou transtorno mental”. A sociedade atual vive uma lacuna frente as pessoas que não são heterossexuais. Elas não têm como regulamentar a relação entre si e perante a sociedade, tais como, pagamento de impostos, herança, etc... Esta possibilidade de parceria só é reconhecia entre heterossexuais. E os outros tantos? Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 93 Realidade e Direitos Esse projeto pretende fazer valer o direito a orientação sexual, hétero, bi ou homossexual, enquanto expressão dos direitos inerentes à pessoa humana. Se os indivíduos têm direito à busca da felicidade, por uma norma imposta pelo direito natural a todas as civilizações, não há porque continuar negando ou querendo desconhecer que muitas pessoas só são felizes se ligadas a outras do mesmo sexo. Longe de escândalos ou anomalias, é forçoso reconhecer que essas pessoas só buscam o respeito às suas uniões enquanto parceiros, respeito e consideração que lhes é devida pela sociedade e pelo Estado. Relação duradoura Relacionamentos pessoais baseados num compromisso mútuo, laços familiares e amizades duradouras são parte da vida de todo ser humano. Eles satisfazem necessidades emocionais fundamentais e provêem a segurança e aconchego em horas de crise em vários da vida, inclusive na velhice. São um poderoso instrumento contra a falta de raízes, protegem e mantém a integridade dos indivíduos. Com essa intenção, a relação permanente e compromissada entre homossexuais deve existir como possibilidade legal. Ao mesmo tempo a aceitação legal da união cível entre pessoas do mesmo sexo encorajara mais gays e lésbicas a assumirem sua orientação sexual. Longe de “criar” mais homossexuais, essa realidade somente tornara mais fácil a vida das pessoas que já vivem esta orientação sexual de forma clandestina. A possibilidade de assumir o que se é, tem como conseqüência a diminuição da angustia e também, segundo pesquisas uma maior possibilidade de proteção à saúde, principalmente em relação à AIDS. O que é proibido gera vergonha, dissimulação e, muitas vezes medo. A possibilidade da união estável, mesmo que não exercida, reduzira problemas criados pela necessidade de esconder a própria natureza, de não ser reconhecido (a) socialmente, viver em isolamento ou na mentira. Violência Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 94 O Brasil é um pais no qual os homossexuais, masculinos e femininos têm sofrido extrema violência. Raras são as semanas que não se sabe de um assassinato violento. Uma das portas que leva à violência é à homofobia. A aceitação da homossexualidade – a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo favorecerá e certamente diminuirá o comportamento homofóbico e conseqüente agressão. A lei, além de aceitar e proteger uma realidade, provê um respaldo social importante. Solidariedade A possibilidade de oficializar a união civil entre pessoas do mesmo sexo, permitirá, como nas uniões heterossexuais, que em períodos de crise os casais possam ser ajudados. Os casais heterossexuais casados quando passam por problemas enfrentam vários fatores que impedem uma ruptura imediata. Situação muito diferente enfrentada pelos homossexuais que geralmente mantêm relações secretas, ignoradas pela família e amigos, que são oferecem ajuda nas situações difíceis. Uma parceria legalizada será sinal de que o casal, gay ou lésbica, para suas famílias, amigos e sociedade, desejam manter uma relação de compromisso. Isso será enfatizado no status formal e legal da união. Muitos casais homossexuais acham uma injustiça que mesmo depois de muitos anos de coabitação, ainda são considerados – legal, econômica e socialmente – meramente como duas pessoas que dividem uma residência. Relacionamentos estáveis proverão segurança e um sentimento de pertencer. A maioria dos homossexuais sozinhos não são reconhecidos pelas famílias. As pessoas com orientação homossexual possuem a mesma necessidade de segurança e proximidade que pessoas com orientação heterossexual, e devem ter direitos ao mesmo apoio nas relações permanentes. O Projeto de união civil entre pessoas do mesmo sexo não vai resolver todos estes problemas, sem fazer com que todas as famílias aceitem essa situação, mas certamente poderá ter um efeito estabilizador e não discriminatório. Homossexualidade Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 95 As causas da homossexualidade são complexas. Os estudiosos acreditam que a homossexualidade não é uma opção, assim como também a heterossexualidade não é uma escolha. As pessoas se descobrem diferente por volta da pré-puberdade, quando não sabe ainda o que e “homossexualidade”. Na puberdade, os hormônios da sexualidade começam a funcionar com conseqüente aumento do desejo sexual, sonhos eróticos e masturbação. A pessoa percebe sua atração pelo mesmo sexo. Acredita-se que fora a orientação sexual, são tão normais e tão diferentes individualmente como os heterossexuais. Entretanto, ser homossexual é, freqüentemente, cauda de grandes problemas. A atitude preconceituosa da sociedade resulta em isolamento para homossexuais e, freqüentemente dificulta suas vidas e até seus relacionamentos pessoais e estabilidade emocional. Diferenças e semelhanças entre união civil e casamento A possibilidade de regularizar uma situação de união já existente, tornará estes relacionamentos mais estáveis, na medida que serão solucionados problemas práticos, legais e financeiros. A vida social dos casais homossexuais também será afetada, fazendo com que sejam melhor aceitos pelas sociedade e até pelas próprias famílias. Esse projeto procura disciplinar a união civil entre pessoas do mesmo sexo e não se propõe dar às parcerias homossexuais um status igual ao casamento. O casamento tem um status único. Este projeto fala de “parceria” e “união civil”. Os termos “matrimônio” e “casamento” são reservados para o casamento heterossexual, com suas implicações ideológicas e religiosas. Está entendido, portanto, que todas as provisões aplicáveis aos casais casados também devem ser direito das parcerias homossexuais permanentes. A possibilidade para casais de gays e lésbicas registrarem suas parcerias implicará na aceitação por parte da sociedade de duas pessoas do mesmo sexo viverem juntas numa relação emocional permanente. Aspectos jurídicos Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 96 O projeto de lei que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo vem regulamentas, através do direito, uma situação que, há muito, já existe de fato. E, o que de fato existe, de direito não pode ser negado. A criação desse novo instituto legal é plenamente compatível com o nosso ordenamento jurídico, tanto no que se refere a seus aspectos formais quanto de conteúdo. É instituto que guarda perfeita harmonia com os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil – constitucionalmente garantidos – de construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 30, I e IV CF). A figura da união civil entre pessoas do mesmo sexo não se confunde nem com o instituto do casamento, regulamentado pelo Código Civil brasileiro, nem com a união estável, prevista no parágrafo 30, do art. 226 da Constituição Federal. É mais uma relação entre particulares que, por sua relevância e especificidade, merece a proteção do Estado e do Direito. O projeto estabelece com clareza os direitos que visa proteger nessa relação. As formalidades nele previstas servem não só como uma garantia entre os próprios contratantes, mas também perante terceiros; servem, ainda, como um indicador para a sociedade, de quão serio é o tema nele tratado e da melhor adequação ao ordenamento jurídico, propõe-se algumas pequenas, mas significativas, alterações de legislações especificas, como em alguns artigos: da lei de registros públicos, da lei de benefícios previdenciários, do estatuto dos servidores públicos federais e da lei dos estrangeiros. A sociedade brasileira é dinâmica e abarca uma diversidade de relações; o Direito brasileiro deve acompanha as mudanças sociais e contemplar, sempre que possível, essa diversidade. A união cível entre pessoas do mesmo sexo vem contemplar apenas um dentre tantos aspectos dessa diversidade que compõe a sociedade brasileira. É mister que se preencha a lacuna jurídica existente no que diz respeito a essa forma de relação, a fim de que se proteja a dignidade da pessoa humana que dela participe e se promova a visibilização dessa relação, com o respeito que lhe é merecido por parte de toda comunidade. O projeto é viável, necessário e possível do ponto de vista social e, principalmente, jurídico. Em uma sociedade que se diz e se pretende democrática e Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 97 pluralista, o Direito não pode servir como obstáculo à transformação social, pelo contrario, deve ser instrumento de proteção às conquistas e demandas sociais. A possibilidade de legalizar a união civil entre pessoas do mesmo sexo torna possível a reparação de notórias injustiças, como os casos onde o parceiro morre e seu companheiro ou companheira do mesmo sexo é excluído (a) de qualquer participação em um patrimônio que também é seu, pois ajudou a construí-lo, em decorrência de vários anos d convivência. Acreditamos estar expressando nesse Projeto de Lei os anseios de uma parcela de brasileiros e brasileiras, que lutam contam o preconceito justificado e apenas esperam ver reconhecidos seus legítimos direitos de cidadãos, como já fazem outros países. Conclamamos os Ilustre Pares a apoiarem esta legítima iniciativa. Sala de sessões, em 26 de outubro de 1995. Deputada Marta Suplicy PT/SP Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 98 Anexo B - Substitutivo Oferecido pelo Relator do Projeto Dep. Roberto Jefferson. Disciplina a parceria registrada entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua parceria registrada, visando a proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e aos demais regulados nesta Lei. Art. 2º. a parceria registrada constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais. § 1º. Os interessados comparecerão perante os Oficiais de Registro Civil exibindo: I - prova de serem solteiros, viúvos, ou divorciados; II - prova de capacidade civil; III - instrumento público do contrato de parceria. § 2º. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de parceria registrada. Art. 3º. O contrato de parceria registrada será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado e versando sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. § 1º. Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para a formação de patrimônio comum. § 2º. São vetadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros. Art. 4º. A extinção da parceria registrada ocorrerá: I - pela morte de um dos contratantes; II - mediante decretação judicial. Art. 5º. Qualquer das partes poderá requerer a extinção da parceria registrada: I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido; II - alegando o desinteresse na sua continuidade. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 99 Parágrafo único. As partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da extinção de sua parceria registrada. Art. 6º. A sentença que extinguir a parceria registrada conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no contrato. Art. 7º. É nulo de pleno direito o contrato de parceria registrada feito com mais de uma pessoa ou quando houver infração ao parágrafo 2º do art. 2º desta lei. Parágrafo único. Ocorrendo a infração mencionada no caput, seu autor comete o crime falsidade ideológica, sujeitando-se às penas do art.299 do DecretoLei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Art. 8º. Alteram-se os artigos 29, 33 e 167 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as Seguintes redações: "Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais: (...) IX - os contratos de parceria registrada entre pessoas do mesmo sexo. § 1º Serão averbados: (...) g) a sentença que declarar a extinção da parceria registrada entre pessoas do mesmo sexo. Art. 33. Haverá em cada cartório, os seguintes livros: (...) VII - E - de registro de contratos de parceria registrada entre pessoas do mesmo sexo. Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I - o registro: (...) 35 - dos contratos de parceria registrada entre pessoas do mesmo sexo que versem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato. II - a averbação: (...) 14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de parceria registrada entre pessoas do Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 100 mesmo sexo, Quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro". Art. 9º. O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de parceria registrada entre pessoas do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela Lei 8.009, de 29 de março de 1990. Art. 10. Registrado o contrato de parceria de que trata esta Lei, o parceiro será considerado beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado. Parágrafo único. A extinção do contrato de parceria implica o cancelamento da inscrição a que se refere o caput deste artigo. Art. 11. O parceiro que comprove a parceria registrada será considerado beneficiário da pensão prevista no art. 217, I, da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Art. 12. No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus servidores que mantenham parceria registrada com pessoa do mesmo sexo. Art. 13. São garantidos aos contratantes de parceria registrada com pessoa do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão, nas seguintes condições: I - o parceiro sobrevivente terá direito, desde que não firme novo contrato de parceria civil registrada, ao usufruto da Quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos deste; II - o parceiro sobrevivente terá direito, enquanto não contratar nova parceria civil registrada, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III - na falta de descendentes e ascendentes, o parceiro sobrevivente terá direito à totalidade da herança; IV - se os bens deixados pelo autor da herança resultarem de atividade em que haja a colaboração do parceiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens. Art. 14. O art. 454 da Lei 3.071, de º de janeiro de 1916, passa a vigorar acrescido de parágrafo 3º , com a redação que se segue, passando o atual § 4º: "Art. 454.................. § 1º ............ Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 101 § 2º.............. § 3º Havendo parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo, a esta se dará a curatela § 4º ............. Art. 15. O art. 113 da a Lei 6.815, de agosto de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 113 (...) VI- Ter contrato de parceria civil registrada com pessoa de nacionalidade brasileira". Art. 16. É reconhecido aos parceiros o direito de composição de rendas para aquisição da casa própria e todos os direitos relativos a planos de saúde e seguro de grupo. Art.17. Será admitida aos parceiros a inscrição como dependentes para efeitos de legislação tributária. Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 19. Revogam-se as disposições em contrário. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 102 Anexo C - Substitutivo Adotado pela Comissão Projeto de Lei no 1.151, de 1995 Disciplina a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua parceria civil registrada, visando a proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e dos demais regulados nesta Lei. Art. 2º. A parceria civil registrada constitui-se mediante escritura pública respectivo registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais na forma que Segue. § 1º. Os interessados comparecerão perante os Oficiais de registro, apresentando os seguintes documentos: I - declaração de serem solteiros, viúvos, ou divorciados; II - prova de capacidade civil absoluta, mediante apresentação de certidão de idade ou prova equivalente; III - instrumento público do contrato de parceria civil. § 2º. Após a lavratura do contrato a parceria civil deve ser registrada em livro próprio no Registro Civil de Pessoas Naturais. § 3º. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de parceria civil registrada. Art. 3º. O contrato de parceria civil registrada será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado e versando sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos obrigações mútuas. § 1º. Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para a formação de patrimônio comum. § 2º. São vetadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros. Art. 4º. A extinção da parceria civil registrada ocorrerá: I - pela morte de um dos contratantes; II - mediante decretação judicial; III - de forma consensual, homologada pelo juiz. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 103 Art. 5º. Qualquer das partes poderá requerer a extinção da parceria civil registrada: I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido; II - alegando o desinteressa na sua continuidade. Art. 6º. A sentença que homologar ou decretar a extinção da parceria civil registrada conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no contrato. Art. 7º É nulo de pleno direito o contrato de civil parceria registrada feito com mais de uma pessoa ou quando houver infração ao parágrafo 2º do art. 2º desta Lei. Parágrafo único. Ocorrendo a infração mencionada no caput, seu autor comete o crime falsidade ideológica, sujeitando-se às penas do art.299 do DecretoLei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Art. 8º. Alteram-se os artigos 29, 33 e 167 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações: "Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais: (...) IX - os contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. § 1º. Serão averbados: (...) g) a sentença que homologar ou decretar a extinção da parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. Art. 33. Haverá em cada cartório, os seguintes livros: (...) VII - E - de registro de contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I - o registro: (...) 35 - dos contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo que versem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato. II - a averbação: (...) Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 104 14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro". Art. 9º. O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela Lei 8.009, de 29 de março de 1990. Art. 10. Registrado o contrato de parceria civil de que trata esta Lei, o parceiro será considerado beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado. Parágrafo único. A extinção do contrato de parceria civil implica o cancelamento da inscrição a que se refere o caput deste artigo. Art.11. O parceiro que comprove a parceria civil registrada será considerado beneficiário da pensão prevista no art. 217, I, da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Art. 12. No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus servidores que mantenham parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo. Art. 13. São garantidos aos contratantes de parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão, nas seguintes condições: I - o parceiro sobrevivente terá direito, desde que não firme novo contrato de parceria civil registrada, ao usufruto da Quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos deste; II - o parceiro sobrevivente terá direito, enquanto não contratar nova parceria civil registrada, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III - na falta de descendentes e ascendentes, o parceiro sobrevivente terá direito à totalidade da herança; IV - se os bens deixados pelo autor da herança resultarem de atividade em que haja a colaboração do parceiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 105 Art. 14. O art. 454 da Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, passa a vigorar acrescido de parágrafo 3º, com a redação que se segue, passando o atual § 3º a § 4º: "Art. 454.................................. § 1º............ § 2º............ § 3º Havendo parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo, a esta se dará a curatela. § 4º............. Art. 15. O art. 113 da a Lei 6.815, de agosto de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 113 (...) VI- Ter contrato de parceria civil registrada com pessoa de nacionalidade brasileira". Art. 16. É reconhecido aos parceiros o direito de composição de rendas para aquisição da casa própria e todos os direitos relativos a planos de saúde e seguro de grupo. Art.17. Será admitida aos parceiros a inscrição como dependentes para efeitos de legislação tributária. Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 19. Revogam-se as disposições em contrário. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 106 Anexo D – Resolution on Sexual Orientation and Marriage Adopted by the APA Council of Representatives, July 2004 Research Summary Minority Stress in Lesbian, Gay, and Bisexual Individuals Psychological and psychiatric experts have agreed since 1975 that homosexuality is neither a form of mental illness nor a symptom of mental illness (Conger, 1975). Nonetheless, there is growing recognition that social prejudice, discrimination, and violence against lesbians, gay men, and bisexuals take a cumulative toll on the well-being of these individuals. Researchers (e.g., DiPlacido, 1998; Meyer, 2003) use the term "minority stress" to refer to the negative effects associated with the adverse social conditions experienced by individuals who belong to a stigmatized social group (e.g., the elderly, members of racial and ethnic minority groups, the physically disabled, women, the poor or those on welfare, or individuals who are gay, lesbian, or bisexual). A recent meta-analysis of population-based epidemiological studies showed that lesbian, gay, and bisexual populations have higher rates of stress-related psychiatric disorders (such as those related to anxiety, mood, and substance use) than do heterosexual populations (Meyer, 2003). These differences are not large but are relatively consistent across studies (e.g., Cochran & Mays, 2000; Cochran, Sullivan, & Mays, 2003; Gilman et al., 2001; Mays & Cochran, 2001). Meyer also provided evidence that within lesbian, gay, and bisexual populations, those who more frequently felt stigmatized or discriminated against because of their sexual orientation, who had to conceal their homosexuality, or who were prevented from affiliating with other lesbian, gay, or bisexual individuals tended to report more frequent mental health concerns. Research also shows that compared to heterosexual individuals and couples, gay and lesbian individuals and couples experience economic disadvantages (e.g., Badgett, 2001). Finally, the violence associated with hate crimes puts lesbians, gay men and bisexual individuals at risk for physical harm to themselves, their families, and their property (D'Augelli, 1998; Herek, Gillis, & Cogan, 1999). Taken together, the evidence clearly supports the position that the social stigma, prejudice, discrimination, and violence associated with not having a heterosexual sexual orientation and the hostile and stressful social Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 107 environments created thereby adversely affect the psychological, physical, social, and economic well-being of lesbian, gay, and bisexual individuals. Same-Sex Couples Research indicates that many gay men and lesbians want and have committed relationships. For example, survey data indicate that between 40% and 60% of gay men and between 45% and 80% of lesbians are currently involved in a romantic relationship (e.g., Bradford, Ryan, & Rothblum, 1994; Falkner & Garber, 2002; Morris, Balsam, & Rothblum, 2002). Further, data from the 2000 United States Census (United States Census Bureau, 2000) indicate that of the 5.5 million couples who were living together but not married, about 1 in 9 (594,391) had partners of the same sex. Although the Census data are almost certainly an underestimate of the actual number of cohabiting same-sex couples, they indicated that a male householder and a male partner headed 301,026 households and that a female householder and a female partner headed 293,365 households.1 Despite persuasive evidence that gay men and lesbians have committed relationships, three concerns about same-sex couples are often raised. A first concern is that the relationships of gay men and lesbians are dysfunctional and unhappy. To the contrary, studies that have compared partners from same-sex couples to partners from heterosexual couples on standardized measures of relationship quality (such as satisfaction and commitment) have found partners from same-sex and heterosexual couples to be equivalent to each other (see reviews by Peplau & Beals, 2004; Peplau & Spalding, 2000). A second concern is that the relationships of gay men and lesbians are unstable. However, research indicates that, despite the somewhat hostile social climate within which same-sex relationships develop, many lesbians and gay men have formed durable relationships. For example, survey data indicate that between 18% and 28% of gay couples and between 8% and 21 % of lesbian couples have lived together 10 or more years (e.g., Blumstein & Schwartz, 1983; Bryant & Demian, 1994; Falkner & Garber, 2002; Kurdek, 2003). Researchers (e.g., Kurdek, in press) have also speculated that the stability of same-sex couples would be enhanced if partners from same-sex couples enjoyed the same levels of social support and public recognition of their relationships as partners from heterosexual couples do. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 108 A third concern is that the processes that affect the well-being and permanence of the relationships of lesbian and gay persons are different from those that affect the relationships of heterosexual persons. In fact, research has found that the factors that predict relationship satisfaction, relationship commitment, and relationship stability are remarkably similar for both same-sex cohabiting couples and heterosexual married couples (Kurdek, 2001, in press). Resolution WHEREAS APA has a long-established policy to deplore "all public and private discrimination against gay men and lesbians" and urges "the repeal of all discriminatory legislation against lesbians and gay men" (Conger, 1975, p. 633); WHEREAS the APA adopted the Resolution on Legal Benefits for Same-Sex Couples in 1998 (Levant, 1998, pp. 665-666. WHEREAS Discrimination and prejudice based on sexual orientation detrimentally affects psychological, physical, social, and economic well-being (Badgett, 2001; Cochran, Sullivan, & Mays, 2003; Herek, Gillis, & Cogan, 1999; Meyer; 2003); WHEREAS "Anthropological research on households, kinship relationships, and families, across cultures and through time, provide[s] no support whatsoever for the view that either civilization or viable social orders depend upon marriage as an exclusively heterosexual institution" (American Anthropological Association, 2004); WHEREAS Psychological research on relationships and couples provides no evidence to justify discrimination against same-sex couples (Kurdek, 2001, in press; Peplau & Beals, 2004; Peplau & Spalding, 2000); WHEREAS The institution of civil marriage confers a social status2 and important legal benefits, rights, and privileges3; WHEREAS The United States General Accounting Office (2004) has identified over 1,000 federal statutory provisions in which marital status is a factor in determining or receiving benefits, rights, and privileges, for example, those concerning taxation, federal loans, and dependent and survivor benefits (e.g., Social Security, military, and veterans); WHEREAS There are numerous state, local, and private sector laws and other provisions in which marital status is a factor in determining or receiving benefits, rights, and privileges, for example, those concerning taxation, health insurance, Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 109 health care decision-making, property rights, pension and retirement benefits, and inheritance4; WHEREAS Same-sex couples are denied equal access to civil marriage5; WHEREAS Same-sex couples who enter into a civil union are denied equal access to all the benefits, rights, and privileges provided by federal law to married couples (United States General Accounting Office, 2004)6; WHEREAS The benefits, rights, and privileges associated with domestic partnerships are not universally available7, are not equal to those associated with marriage8, and are rarely portable9; WHEREAS people who also experience discrimination based on age, race, ethnicity, disability, gender and gender identity, religion, and socioeconomic status may especially benefit from access to marriage for same-sex couples (Division 44/Committee on Lesbian, Gay, and Bisexual Concerns Joint Task Force on Guidelines for Psychotherapy with Lesbian, Gay, and Bisexual Clients, 2000); THEREFORE BE IT RESOLVED That the APA believes that it is unfair and discriminatory to deny same-sex couples legal access to civil marriage and to all its attendant benefits, rights, and privileges; THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That APA shall take a leadership role in opposing all discrimination in legal benefits, rights, and privileges against same-sex couples; THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That APA encourages psychologists to act to eliminate all discrimination against same-sex couples in their practice, research, education and training ("Ethical Principles," 2002, p. 1063); THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That the APA shall provide scientific and educational resources that inform public discussion and public policy development regarding sexual orientation and marriage and that assist its members, divisions, and affiliated state, provincial, and territorial psychological associations. ______________ 1 The same-sex couples identified in the U.S. Census may include couples in which one or both partners are bisexually identified, rather than gay or lesbian identified. 2 Turner v. Safley, 482 U.S. 78, 95-96 (1987) (summarizing intangible social benefits of marriage in the course of striking down state restrictions on prisoner marriage, “[m]arriages . . . are expressions of emotional support and public commitment. These elements are an important and significant aspect of the marital relationship.”); Maynard v. Hill, 125 U.S. 190, 211 (1888) (marriage is more than a mere contract, it is “the foundation of the family and of society”); Goodridge v. Dep’t of Public Health, 798 N.E.2d 941 (Mass. 2003) (“[m]arriage also bestows enormous private and social advantages on those who choose to marry. Civil marriage is at once a deeply personal commitment to another human being and a highly public celebration of the ideals of mutuality, companionship, intimacy, Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 110 fidelity, and family”); James M. Donovan, Same-Sex Union Announcements: Whether Newspapers Must Publish Them, and Why Should we Care, 68 BROOK. L. REV. 721, 746 (2003) (“the intangible benefit of public recognition is arguably the most important benefit of marriage to the couple as a unit”); Gil Kujovich, An Essay on the Passive Virtue of Baker v. State, 25 VT. L. REV. 93, 96 (2000) ("historically, marriage has been the only state-sanctioned and socially approved means by which two people commit themselves to each other. It has been the most favored context for forming a family and raising children. From this perspective, creation of a same-sex alternative to marriage amounts to an exclusion from the preferred and accepted status---an exclusion that could imply the inferiority or unworthiness of the couples who are excluded, even if the alternative confers precisely the same tangible benefits and protections as marriage.”); Greg Johnson, Vermont Civil Unions: The New Language of Marriage, 25 Vt. L. Rev. 15, 17 (2000) (reflecting on the inferior status of civil unions as compared to marriage). 3 See e.g., Goodridge v. Dep’t of Public Health, 798 N.E.2d 941, 955-958 (Mass. 2003) (outlining Massachusetts statutory benefits and rights previously available only to married persons); Baker v. State, 744 A.2d 864, 883-84 (Vt. 1999) (outlining Vermont statutory benefits and rights previously available only to married persons); Baehr v. Lewin, 852 P.2d 44, 59 (Haw. 1993) (summarizing some of the state law benefits available only to married persons in Hawaii). 4 See Note 3. 5 WILLIAM N. ESKRIDGE, JR., GAYLAW: CHALLENGING THE APARTHEID OF THE CLOSET 13435 (1999) (describing the continuing exclusion of gays and lesbians from civil marriage). 6 William N. Eskridge, Jr., Equality Practice: Liberal Reflections on the Jurisprudence of Civil Unions, 64 ALB. L. REV. 853, 861-62 (2001) (describing the “unequal benefits and obligations” of civil unions under federal law); Mark Strasser, Mission Impossible: On Baker, Equal Benefits, and the Imposition of Stigma, 9 WM. & MARY BILL RTS. J. 1, 22 (2000) (“[S]ame-sex civil union partners still would not be entitled to federal marital benefits . . . .”); Recent Legislation, Act Relating to Civil Unions, 114 HARV. L. REV. 1421, 1423 (2001) (“Furthermore, the parallel between civil unions and marriage extends only to those aspects of each that do not implicate federal law. As the ‘Construction’ section of ARCU [the Act Relating to Civil Union] acknowledges, ‘[m]any of the laws of [Vermont] are intertwined with federal law, and the general assembly recognizes that it does not have the jurisdiction to control federal laws or the benefits, protections and responsibilities related to them.’”). 7 Gary D. Allison, Sanctioning Sodomy: The Supreme Court Liberates Gay Sex and Limits State Power To Vindicate the Moral Sentiments of the People, 39 TULSA L. REV. 95, 137 (2003) (“Currently, eight states have domestic partnership laws in place. By the late 1990s, 421 cities and states, and over 3,500 businesses or institutions of higher education offered some form of domestic partner benefit.”) (citations and internal quotations omitted). 8 Eileen Shin, Same-Sex Unions and Domestic Partnership, 4 GEO. J. GENDER & L. 261, 272-78 (2002) (describing the limited reach of various domestic partnership laws); Mark Strasser, Some Observations about DOMA, Marriages, Civil Unions, and Domestic Partnerships, 30 CAP. U. L. REV. 363, 381 (2002) (noting that while domestic partnerships “provide particular financial benefits” and offer “a vehicle whereby individuals can express that they have a particular kind of relationship with someone else,” they “are neither the equivalent of civil unions nor the equivalent of marriage”). 9 Nancy J. Knauer, The September 11 Attacks and Surviving Same-Sex Partners: Defining Family Through Tragedy, 75 TEMP. L. REV. 31, 93 (2002) (“The two major drawbacks of domestic partnership are that it tends to grant relatively few rights and it is almost never portable.”). Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 111 References American Anthropological Association. (2004). Statement on marriage and family from the American Anthropological Association. Retrieved May 11, 2004, from http://www.aaanet.org/press/ma stmt marriage.htm. Badgett, M. V. L. (2001). 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Retrieved May 19, 2004, from http://www.gao.gov. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 113 Anexo E – Resolution on Sexual Orientation, Parents, and Children Adopted by the APA Council of Representatives, July 2004 Research Summary Lesbian and Gay Parents Many lesbians and gay men are parents. In the 2000 U. S. Census, 33% of female same-sex couple households and 22% of male same-sex couple households reported at least one child under the age of 18 living in the home. Despite the significant presence of at least 163,879 households headed by lesbian or gay parents in U.S. society, three major concerns about lesbian and gay parents are commonly voiced (Falk, 1994; Patterson, Fulcher & Wainright, 2002). These include concerns that lesbians and gay men are mentally ill, that lesbians are less maternal than heterosexual women, and that lesbians' and gay men's relationships with their sexual partners leave little time for their relationships with their children. In general, research has failed to provide a basis for any of these concerns (Patterson, 2000, 2004a; Perrin, 2002; Tasker, 1999; Tasker & Golombok, 1997). First, homosexuality is not a psychological disorder (Conger, 1975). Although exposure to prejudice and discrimination based on sexual orientation may cause acute distress (Mays & Cochran, 2001; Meyer, 2003), there is no reliable evidence that homosexual orientation per se impairs psychological functioning. Second, beliefs that lesbian and gay adults are not fit parents have no empirical foundation (Patterson, 2000, 2004a; Perrin, 2002). Lesbian and heterosexual women have not been found to differ markedly in their approaches to child rearing (Patterson, 2000; Tasker, 1999). Members of gay and lesbian couples with children have been found to divide the work involved in childcare evenly, and to be satisfied with their relationships with their partners (Patterson, 2000, 2004a). The results of some studies suggest that lesbian mothers' and gay fathers' parenting skills may be superior to those of matched heterosexual parents. There is no scientific basis for concluding that lesbian mothers or gay fathers are unfit parents on the basis of their sexual orientation (Armesto, 2002; Patterson, 2000; Tasker & Golombok, 1997). On the contrary, results of research suggest that lesbian and gay parents are as likely as heterosexual parents to provide supportive and healthy environments for their children. Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 114 Children of Lesbian and Gay Parents As the social visibility and legal status of lesbian and gay parents has increased, three major concerns about the influence of lesbian and gay parents on children have been often voiced (Falk, 1994; Patterson, Fulcher & Wainright, 2002). One is that the children of lesbian and gay parents will experience more difficulties in the area of sexual identity than children of heterosexual parents. For instance, one such concern is that children brought up by lesbian mothers or gay fathers will show disturbances in gender identity and/or in gender role behavior. A second category of concerns involves aspects of children's personal development other than sexual identity. For example, some observers have expressed fears that children in the custody of gay or lesbian parents would be more vulnerable to mental breakdown, would exhibit more adjustment difficulties and behavior problems, or would be less psychologically healthy than other children. A third category of concerns is that children of lesbian and gay parents will experience difficulty in social relationships. For example, some observers have expressed concern that children living with lesbian mothers or gay fathers will be stigmatized, teased, or otherwise victimized by peers. Another common fear is that children living with gay or lesbian parents will be more likely to be sexually abused by the parent or by the parent's friends or acquaintances. Results of social science research have failed to confirm any of these concerns about children of lesbian and gay parents (Patterson, 2000, 2004a; Perrin, 2002; Tasker, 1999). Research suggests that sexual identities (including gender identity, gender-role behavior, and sexual orientation) develop in much the same ways among children of lesbian mothers as they do among children of heterosexual parents (Patterson, 2004a). Studies of other aspects of personal development (including personality, self-concept, and conduct) similarly reveal few differences between children of lesbian mothers and children of heterosexual parents (Perrin, 2002; Stacey & Biblarz, 2001; Tasker, 1999). However, few data regarding these concerns are available for children of gay fathers (Patterson, 2004b). Evidence also suggests that children of lesbian and gay parents have normal social relationships with peers and adults (Patterson, 2000, 2004a; Perrin, 2002; Stacey & Biblarz, 2001; Tasker, 1999; Tasker & Golombok, 1997). The picture that emerges from research is one of general engagement in social life with peers, parents, family members, and Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 115 friends. Fears about children of lesbian or gay parents being sexually abused by adults, ostracized by peers, or isolated in single-sex lesbian or gay communities have received no scientific support. Overall, results of research suggest that the development, adjustment, and well-being of children with lesbian and gay parents do not differ markedly from that of children with heterosexual parents. Resolution WHEREAS APA supports policy and legislation that promote safe, secure, and nurturing environments for all children (DeLeon, 1993, 1995; Fox, 1991; Levant, 2000); WHEREAS APA has a long-established policy to deplore "all public and private discrimination against gay men and lesbians" and urges "the repeal of all discriminatory legislation against lesbians and gay men" (Conger, 1975); WHEREAS the APA adopted the Resolution on Child Custody and Placement in 1976 (Conger, 1977, p. 432) WHEREAS Discrimination against lesbian and gay parents deprives their children of benefits, rights, and privileges enjoyed by children of heterosexual married couples; WHEREAS some jurisdictions prohibit gay and lesbian individuals and samesex couples from adopting children, notwithstanding the great need for adoptive parents (Lofton v. Secretary, 2004); WHEREAS There is no scientific evidence that parenting effectiveness is related to parental sexual orientation: lesbian and gay parents are as likely as heterosexual parents to provide supportive and healthy environments for their children (Patterson, 2000, 2004; Perrin, 2002; Tasker, 1999); WHEREAS Research has shown that the adjustment, development, and psychological well-being of children is unrelated to parental sexual orientation and that the children of lesbian and gay parents are as likely as those of heterosexual parents to flourish (Patterson, 2004; Perrin, 2002; Stacey & Biblarz, 2001); THEREFORE BE IT RESOLVED That the APA opposes any discrimination based on sexual orientation in matters of adoption, child custody and visitation, foster care, and reproductive health services; THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That the APA believes that children reared by a same-sex couple benefit from legal ties to each parent; Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now. 116 THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That the APA supports the protection of parent-child relationships through the legalization of joint adoptions and second parent adoptions of children being reared by same-sex couples; THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That APA shall take a leadership role in opposing all discrimination based on sexual orientation in matters of adoption, child custody and visitation, foster care, and reproductive health services; THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That APA encourages psychologists to act to eliminate all discrimination based on sexual orientation in matters of adoption, child custody and visitation, foster care, and reproductive health services in their practice, research, education and training ("Ethical Principles," 2002, p. 1063); THEREFORE BE IT FURTHER RESOLVED That the APA shall provide scientific and educational resources that inform public discussion and public policy development regarding discrimination based on sexual orientation in matters of adoption, child custody and visitation, foster care, and reproductive health services and that assist its members, divisions, and affiliated state, provincial, and territorial psychological associations. 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