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Revista Interdisciplinar da
Universidade Veiga de Almeida
Ano IV Número 8
Janeiro-junho 2013
141 páginas
ISSN 1414-8846
2
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 5-10
ÁQUILA Revista Interdisciplinar UVA
•
Expediente
Conselho Editorial
Adriana Nogueira Accioly Nóbrega – PUC-Rio.
Andreia Guerra de Moraes – UFRJ.
Bruno Jerardino Wiesenborn – Universidad de Santiago de Chile.
Carlos Luiz Ferreira – IME.
Cecília Bueno Moacyr de Lima e Silva – UVA.
Eduardo Mora Bejarano – Fundación Universitaria del Área
Andina.
Inés de Kayon Miller – PUC-Rio.
Jose Basilio Cubero Allende – UFRJ.
Kátia Cristina Montenegro Passos – UVA.
Leonardo Rabelo – UVA.
Luiz Carlos Bittencourt – UVA.
Marcelo de Almeida Duarte – Universidade Gama Filho.
Márcia Andréa Schmidt da Silva – PUC-RS.
Maria Beatriz Balena Duarte – UVA.
Maria de Lourdes de Oliveira Luz – UVA.
Maria Veronica Leite Pereira Moura – UFRRJ.
Marília Ferreira Silva – UFPA.
Nilza Rogéria de Andrade Nunes – UVA.
Ozanir Roberti Martins – UVA.
Sabine Mendes Lima Moura – UVA.
Sandra Patricia Rojas – Politécnico Grancolombiano.
Solange Iglesias de Lima – UVA.
Presidente – Antares Educacional S/A
Luis Vidal
Reitor
Arlindo Cardarett Vianna
Pró-Reitora de Graduação
Kátia Cristina Montenegro Passos
Pró-Reitora de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão
Maria Beatriz Balena Duarte
Pró-Reitora de Assuntos Estudantis
Diana Almeida Magaldi Richter
Diretor do Campus Tijuca
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José Luiz Meletti de Oliveira
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Jucimara Roesler
Diretor Executivo de Relações Públicas
Marcelo Kanhan
Diretora Executiva de Recursos Humanos
Ignez Limeira
Diretor Executivo Tecnologia da Informação
Luis Felipe Dantas Gutman
Diretor Executivo Financeiro
Marcus Rezende (interino)
Comitê Organizador
Diretora Maria Beatriz Balena Duarte
Editora-chefe Sabine Mendes Lima Moura
Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão
Núcleo de Publicações - NUP-UVA
Rua Ibituruna, 108 - Vila Universitária, casa 3/ 2o Andar Tijuca CEP 20271-020 - Rio de Janeiro/RJ
www.uva.br/revista-aquila
Conselho de Honra
Arlindo Cardarett - Reitor da Universidade Veiga de Almeida
Andrés Benko - Reitor da Universidade Americana
Fernando Dávila - Reitor da Politécnico Grancolombiano
Fernando Laverde - Reitor Fundación Universitaria del Área Andina
Guilherme Marback - Reitor do Centro Universitário Jorge Amado
Henry Ávila - Reitor da Universidade del Istmo
Joaquín Brizuela - Reitor da Universidade San Marcos
Juan Carlos Rabbat - Reitor Universidad Empresarial Siglo 21
Projeto Gráfico e Diagramação
Conexão Gravatá Ltda./ Cecilia Leal
Impressão J. Sholna
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Alder CatundaTimbó Muniz – UVA
Alessandro Martins – UVA
Alzira Mitz Bernardes Guarany – UVA
Antonio Jose Queiroga Ferreira – UVA
Carlos Eduardo Annechino Moreira Miguel – UVA/UNESA
Celia Regina da Silva Anselme – UVA/UFRJ
Cláudia Cristina Mendes Giesel – UVA
Claudia do Nascimento Martins – UVA
Erik Salum de Godoy – UVA
Fabianne Manhães Maciel – UVA
Fatima Cristina Santoro Gerstenberger – UVA
João Orlando Menezes – UVA
Jurema Barros Dantas – UVA/IFEN
Luiz Guilherme Scaldaferri Moreira – UVA
Maria Amélia Penido – UVA
Otto Guilherme Gerstenberger Junior – UVA
Rita Leniza Oliveira da Rocha – UVA
Rosane Barbosa Marendino – UVA
Saulo Roni Moraes – UVA
Silmar Silva Teixeira – UVA/UFRJ
Sonia Xavier de Almeida Borges – UVA
FICHA CATALOGRÁFICA
A656
Áquila: revista interdisciplinar da Universidade Veiga de
Almeida / Universidade Veiga de Almeida. v. 4, n. 8
(jan.- jun. 2013). – Rio de Janeiro: Universidade Veiga de
Almeida, 2013.
Semestral
ISSN 1414-8846
1. Universidades e faculdades - Periódicos. I. Universidade
Veiga de Almeida.
CDD – 001.5
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central/UVA
Bibliotecária Maria Anunciação Almeida de Carvalho
CARTA DO EDITOR • LETTER FROM THE
sumário
EDITOR
• contents
• CARTA DEL
• sumario
EDITOR
3
Sumário/ Contents/ Sumario
Carta do Editor/ Editor´s Note / Carta del Editor ..................................... 5
ARTIGOS
Identity Programs: or the Programed Identity ....................................... 11
Maria Beatriz Balena Duarte
Pensar a Identidade latino-americana entre civilização e barbárie ......... 25
Latin-american Identity between civilization and barbarianism
João Luiz Medeiros
Os Acadêmicos do Salgueiro: Uma Academia de samba no bairro da
Tijuca ................................................................................................... 40
Os Acadêmicos do Salgueiro: A samba Academy in Tijuca
Guilherme José Motta Faria
Decifra-me ou te devoro: A representação social no mundo virtual ....... 57
Decipher me or I will eat you: The social representation in the virtual world
João Gilberto S. Carvalho
“Tempos mortos ou pausas para a criação?”: trabalhando a partir
da linguagem cinematográfica para entender um curso de
inglês comunitário ................................................................................. 73 7
“Dead time or pause for creation?”: working with cinema language to
understand a community English course
Sabine Mendes Lima Moura
Saúde no Trabalho e Gestão Participativa .............................................. 8621
Health at Work and Participatory Management
Alzira Mitz Bernardes Guarany
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 5-10
ENSAIO/ENTREVISTA
Responsabilidade Social Empresarial: necessidade e criatividade ........... 100
Corporative Social Responsibility: need and creativity
Álvaro Enrique Rodriguez Hernandez
ARTIGOS
Estudo de Caso de Um Novo Entrante no Mercado Brasileiro de
Perfurações de Petróleo .......................................................................111
WWT International Inc. in the Brazilian Market
Carlos Francisco Simões Gomes e Daniel Guerreiro Menahem
Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico:
o desenvolvimento tecnológico de baterias e a ação governamental .......127
Relevant constraints for the diffusion of the electric car: technological
development of batteries and governmental action
Claudia do Nascimento Martins
Resenha-resumo
Ecoturismo Responsável e seus Fundamentos ....................................... 140
Cecília Bueno
A
presente edição da Revista Áquila, iniciativa da Pró-Reitoria
de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão por meio do Núcleo
de Publicações da Universidade Veiga de Almeida, é um
passo importante para o desenvolvimento das práticas de
pesquisa integradas na Rede Ilumno. A partir de uma reestruturação conceitual,
que incluiu o desenvolvimento de áreas de concentração voltadas a questões
fundamentais no mundo contemporâneo, criou-se um espaço internacional de
estudos interdisciplinares. Seu caráter de fórum interinstitucional foi estabelecido
por meio das contribuições de autores da Institución Universitaria Politécnico
Grancolombiano e da École des Hautes Études de Journalisme de Montpellier,
bem como da colaboração de pesquisadores de diferentes instituições nacionais
e internacionais na reconfiguração de seu Conselho Editorial.
Abrimos o número com um profícuo debate acerca da questão identitária,
com colaborações da Sociologia, das Ciências Políticas, da História e da Psicologia.
No primeiro artigo, Duarte discute a produção de saberes e identidades no Brasil
com uma análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Na sequência, Medeiros
historiciza os conceitos de civilização e barbárie, desconstruindo processos de
geração de alteridade. O texto de Faria apresenta o papel das escolas de samba na
construção social da representação do afro-descendente.
A seção seguinte tematiza o papel da pesquisa acadêmica diante das
novas tecnologias e da sociedade audiovisual, com participação da Psicologia
e da Linguística Aplicada. Carvalho abre os trabalhos discutindo a necessidade
de renovação na Teoria das Representações Sociais frente às construções da
cibercultura. Em seguida, Moura apresenta a necessidade de reinvenção das
metodologias de pesquisa do praticante, apropriando-se de conceitos da linguagem
cinematográfica.
A terceira parte deste número estabelece um debate acerca do papel dos
gestores frente ao mercado de trabalho contemporâneo, com contribuições da
área de Serviço Social e de Comunicação. O artigo de Guarany repensa a relação
entre sofrimento psíquico e gestão participativa no ambiente laboral, por meio
de um estudo de casos múltiplos. Em seguida, Hernandez, em texto ensaístico,
traz conceitos básicos de Responsabilidade Social Empresarial, bem como uma
entrevista com José Miguel Rodríguez Fernández, decano da Faculdade de
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• CARTA DO EDITOR
CARTA DO EDITOR • LETTER FROM THE EDITOR • CARTA DEL EDITOR
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 5-10
Economia e Negócios da Universidad de Valladolid.
Nos dois últimos artigos, observamos a constituição de um fórum
democrático acerca da questão energética mundial, a partir de contribuições
da Engenharia de Produção e da Economia. Gomes e Menahem desenvolvem
o estudo de caso de um novo entrante no mercado brasileiro de perfuração de
poços, discutindo seu processo de implementação por meio da análise SWOT. Em
seguida, Martins introduz os principais desafios para a difusão do carro elétrico
no Brasil. Os dois textos representam linhas diferentes de pesquisa que sugerem
a necessidade de uma cooperação cada vez mais ampla entre diferentes setores
acadêmicos no sentido de dar resposta à demanda energética mundial de maneira
sustentável.
No tema sustentabilidade, contamos, ainda, com a contribuição de Bueno,
em resenha-resumo do livro Ecoturismo Responsável e seus Fundamentos,
que introduz questões éticas, legais e administrativas de uma área de atuação
profissional que vem crescendo a cada ano e precisa ser desenvolvida com base na
ecoeficiência.
O diálogo está no cerne do que entendemos por interdisciplinaridade.
Esperamos que os debates aqui iniciados possam se multiplicar, dentro e fora das
páginas desta revista, e agradecemos a todos os conselheiros e pareceristas que se
dispuseram a compartilhar seus conhecimentos, sem os quais este número não
teria sido possível.
Sabine Mendes Lima Moura
Editora-chefe
T
he current issue of Revista Aquila, an initiative of the Dean’s
Office for Graduate Programs, Research and Extension by
means of the Publication Center of Universidade Veiga de
Almeida, is an important step towards the development
of integrated research practices in Rede Ilumno. Starting from conceptual
restructuring, which included the development of concentration areas dedicated
to fundamental issues in the contemporary world, it has created an international
space of interdisciplinary studies. Its character as an inter-institutional forum has
been established by the contributions of authors from the Institución Universitaria
Politécnico Grancolombiano and from the École des Hautes Études de Journalisme de
Montpellier, as well as from the collaboration of researchers from different national
and international institutions in the reconfiguration of its Editorial Board.
We open this issue with a profitable debate on the question of identity,
including collaborations from Sociology, Political Sciences, History and Psychology.
In the first article, Duarte discusses knowledge and identity production in Brazil with
an analysis of the National Curriculum Guidelines. Next, Medeiros historicizes the
concepts of civilization and barbarism, deconstructing otherness generation processes.
The text by Faria presents the role of samba schools in the social construction of the
afro-descendant representation.
The following section thematizes the role of academic research when
facing new technologies and the audiovisual society, with the participation of
Psychology and Applied Linguistics. Carvalho opens the debate discussing the need
for renovation in the Theory of Social Representation, considering cyber culture
constructions. After that, Moura presents the need for reinvention in practitioner
research methodologies, by appropriating from cinema language concepts.
The third part of this issue establishes a debate on the role of managers
towards the contemporary world market, with contributions of the Social Work
and Communication areas. The article by Guarany rethinks the relationship
between psychological suffering and participatory management in the workplace,
by means of a multiple study case. Next, Hernandez, in his essay, brings basic
concepts of Corporate Social Responsibility, as well as an interview with José
Miguel Rodríguez Fernández, Dean at the Economics and Business College at
Universidad de Valladolid.
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• EDITOR´s note
CARTA DO EDITOR • LETTER FROM THE EDITOR • CARTA DEL EDITOR
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 5-10
In the last two articles, we observe the constitution of a democratic forum
on the world energetic panorama, with contributions from Production Engineering
and Economy. Gomes and Menahem develop the study case of a newcomer in the
Brazilian market of oil wells drilling, discussing its process of implementation with
SWOT analysis. After that, Martins introduces the main challenges for the diffusion
of the electric car in Brazil. Both texts represent different research lines which suggest
the need for broader cooperation among different academic sectors in the sense of
answering the world’s energetic demand in a sustainable way.
On the sustainability theme, we have, also, the contribution of Bueno,
in a summary critique of the book Ecoturismo Responsável e seus Fundamentos
(Responsible Eco-Turism and its Fundamentals), which introduces ethical, legal and
administrative issues from a professional area that grows each year and needs to be
developed with an ecoefficiency concern.
Dialogue is at the core of what we understand by interdisciplinarity. We
hope that the debates initiated here can multiply, in and out of these magazine pages,
and thank all Board members and consultants who have shared their knowledge,
without whom this issue would not have been possible.
Sabine Mendes Lima Moura
Editor-in-chief
L
a presente edición de la Revista Aquila, iniciativa de la ProRectoría de Pos-Graduación, Investigación y Extensión
por medio del Núcleo de Publicaciones de la Universidade
Veiga de Almeida, es un paso importante para el desarrollo
de las prácticas de investigación integradas en la Red Ilumno. Partiendo de una
reestructuración conceptual, que incluyó el desarrollo de áreas de concentración
centrándose en cuestiones fundamentales en el mundo contemporáneo, fue
creado un espacio internacional de estudios interdisciplinares. Su carácter de
fórum interinstitucional fue establecido por medio de las contribuciones de
autores de la Fundación Universitaria Politécnico Grancolombiano y de la École
des Hautes Études de Journalisme de Montpellier, bien como de la colaboración
de investigadores de diferentes instituciones nacionales e internacionales en la
reconfiguración de su Consejo Editorial.
Abrimos el número con un fructífero debate acerca de la cuestión de
identidad, con colaboraciones de la Sociología, de las Ciencias Políticas, de la
Historia y de la Psicología. En el primero artículo, Duarte discute la producción
de saberes e identidades en Brasil con un análisis de los Parâmetros Curriculares
Nacionais (Parámetros Curriculares Nacionales). En secuencia, Medeiros
historiciza los conceptos de civilización y barbarie, desconstruyendo procesos de
generación de alteridad. El texto de Faria presenta el rol de las escuelas de samba
en la construcción de la representación del afro-descendiente.
La sección siguiente tematiza el rol de la investigación académica delante
de las nuevas tecnologías y de la sociedad audiovisual, con participación de la
Psicología y de la Comunicación Social. Carvalho abre los trabajos discutiendo
la necesidad de renovación en la Teoría de las Representaciones Sociales frente
a las innovaciones construidas en el mundo da cybercultura. En seguida, Moura
presenta la necesidad de reinvención de las metodologías de pesquisa del
practicante, apropiándose de conceptos del lenguaje cinematográfico.
La tercera parte de este número establece un debate acerca del rol de los
gestores frente al mercado de trabajo contemporáneo, con contribuciones del
área de Trabajo Social y de la Comunicación. El artículo de Guarany repiensa la
relación entre sufrimiento psíquico y gestión participativa en el ambiente laboral,
por medio de un estudio de casos múltiples. En seguida, Hernandez, en texto
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• CARTA DEL EDITOR
CARTA DO EDITOR • LETTER FROM THE EDITOR • CARTA DEL EDITOR
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 5-10
ensayístico, presenta conceptos básicos de Responsabilidad Social Empresarial,
bien como una entrevista con José Miguel Rodríguez Fernández, decano de la
Facultad de Economía y Negocios de la Universidad de Valladolid.
En los dos últimos artículos, observamos la constitución de un fórum
democrático acerca da cuestión energética mundial, a partir de contribuciones de
la Ingeniería de Producción y de la Economía. Gomes y Menahem desarrollan el
estudio de caso de un nuevo entrante en el mercado brasilero de perforación de
pozos, discutiendo su proceso de implementación por medio del análisis SWOT.
En seguida, Martins introduce los principales desafíos para la difusión del auto
eléctrico en Brasil. Los dos textos representan líneas diferentes de investigación
que sugieren la necesidad de una cooperación cada vez más amplia entre diferentes
sectores académicos en el sentido de dar respuesta a la demanda energética
mundial de manera sustentable.
En el tema sustentabilidad, tenemos, también, la contribución de Bueno,
en reseña-resumen del libro Ecoturismo Responsável e seus Fundamentos
(Ecoturismo Responsable y sus Fundamentos), que introduce cuestiones éticas,
legales e administrativas de una área de actuación profesional que ven creciendo
a cada año y necesita ser desarrollada con base en la eco-eficiencia.
El diálogo está en el núcleo de lo que entendemos por interdisciplinaridad.
Esperamos que los debates aquí iniciados multiplíquense, adentro y afuera de las
páginas de esta revista, y agradecemos a todos los consejeros y árbitros que se
dispusieran a compartir sus conocimientos, sin los cuales este número no hubiera
sido posible.
Sabine Mendes Lima Moura
Editora-jefe
IDENTITY PROGRAMS: OR THE PROGRAMED IDENTITY
11
Identity Programs:
or the Programed Identity
Mosaico de Identidades - Interpretações contemporâneas
das ciências humanas e a temática da identidade
Originalmente publicado em Duarte, M.B.B. & Medeiros, J. L. Mosaico de
Identidades - Interpretações contemporâneas das ciências humanas e a temática
da identidade. Curitiba: Juruá, 2004. Versão em Língua Inglesa por Marcelle Farah
(Aluna da Licenciatura em Letras Português/Inglês, Universidade Veiga de Almeida).
Introduction
The interrelation between society
and education has been one of the
most important concerns of my
academic career. For this reason, I lean
on the subject, especially to address the
relation between the curricula programs
developed and the preparation of young
people to share and understand, through
school, the life within a society. This is
accomplished in different manners, in
different moments, and what is generally
verified is the intentionality of the
school programs in making the students
share a common culture, from general
formation to the exercise of complete
citizenship. I notice an effort in the
educational process in order to constitute
education as a founding element in what
we usually call “construction of the
national identity”.
Individuals go through institutions,
through school, and through millions
of other things at the same time. They
go through thoughts, time, affects…
Some of these remain, others don’t. And
what is it that endures from all of these
experiences? What do they mean after
all?
I will, however, try to consider the
presumption of identity contained in
the school programs, here denominated
curriculum, which is the utmost
expression of all experiences and contents
of all shared experiences and contents in
the classroom. An identity is built from
the transmission of the cultural legacy of
peoples, of a nation.
When we talk about experiences
and contents, we comprise a range of
cultural implications, as well as political
ones. The thought about the relation
between curriculum and cultural
transmission authorizes the creation of
a culture concept which is universally
accepted and practiced, and, because of
that, important to be transmitted from
generation to generation, through a
curriculum, making the universal and
democratic character of schooling more
evident. Besides that, imbricated in the
* Maria Beatriz Balena Duarte, Doctor in Sociology of Education (Universidad de Santiago de
Compostela, Spain); Vice-Dean of the Graduate Programs, Research and Extension at Universidade
Veiga de Almeida.
• Artigo
• Maria Beatriz Balena Duarte *
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 11-24
cultural issue, we will find the cultural
identity which will be approached
further on.
We know that a unitary and
homogeneous culture does not exist, and
for this reason, in a critical perspective,
we take the culture issue as a field in
which there are different and conflicting
conceptions of the social life. In this
perspective, the idea of culture is not
separated from the idea of the existence
of groups and social classes, even in a
society divided into classes, something
that characterizes most of the globalized
societies that we know. So, the curriculum
is seen as a field of impositions both in
its own definition of culture and in the
content the term covers, which does not
provide a feature of a social continuity,
but a reproduction of the culture and
the divisions in society, as the sociologist
Pierre Bourdieu shows us in his studies
about the school.
Considering the ideas outlined
above, the curriculum content definition
itself, and, consequently, the structure of
the cultural elements in the sequencing
of the curriculum, are impositions that
obey not only the local dispositions,
but also the national ones, which gives
a political character to the academic
curriculum since they are selective
dispositions, i.e., they express the vision
of a certain group of what is legitimate
knowledge and what is important to
be transmitted. In order to clarify, we
can take what is currently displayed in
the official documents and, from that,
question the origins of its concepts.
How were the contents defined? Based
on what? How do they classify what
is and what is not knowledge? The
answers, generic as they are, clearly
indicate the existence of a cultural
policy, produced from the “tensions,
conflicts and cultural, political and
economic concessions that organize and
disorganize a nation”, in Apple’s vision,
when dealing with the politics of official
knowledge (1995, p.56).
We find in Foucault some powerful
clues for the comprehension of how
power works, directing our eyes to the
margins, observing the struggle of the
ones who make an effort to survive even
in the condition of “others”. They are the
ethnic groups, the poor, the women, the
religious groups, a range of people who
refuse to accept the alien control toward
their bodies, producing, thus, knowledge
and a vigorous culture of resistance. But
none of them is contemplated in the
official curriculum, preventing us from
the comprehension of the intrinsic
wealth of adversity. We could consider
that, in a more democratic perspective,
these more regional matters could
be contemplated, but, once rescued
from this sort of existential limbo, the
consensus issue related to the contents
to be taught would return.
In these last two centuries, education
has been a refined process of identity
and subjectivity manufacturing. I refer
to the occidental education, which
practices the illuminist belief of the
modern reason. Capable of describing,
explaining objectively the nature of the
reality, not only social but also natural,
making the transformation of the world
and the construction of a better society
possible. This messianic function of
education and pedagogy still moves
many professionals and serves as an
IDENTITY PROGRAMS: OR THE PROGRAMED IDENTITY
inspiration for educational programs.
The contemporary experience
authorizes us to perceive the paradoxes
arising from the belief in the Illuminism.
Michel Foucault’s work suggests that
the systems of education are products
of highly disciplinarian technologies
and that they are developed not only
in schools, but also in prisons, in
hospitals, and in factories. Discipline:
this is also the term that we use to
designate knowledge sets listed in order
to serve as learning to students in the
academic curriculum. The use of this
term makes all sense. We have then the
consensus, which makes the school an
indispensable vehicle in the production
of identities.
The subjects who inhabit the world
of education are permanently in contact
with the production of identities. So
ephemeral and superficial that we can
borrow Stuart Hall’s definition to think
about identity: “instead of talking about
identities as something familiar, we
should talk about identification, seeing
it as a continuous process. Identity
does not emerge from the plenitude
of the identity already inside of us as
individuals, but from a lack of integrity
that is fulfilled outside of us, considering
the way we are seen by others” (2000,
p.287).
We have, then, the best conditions
to understand the way our formalized
educational and teaching processes,
rooted in pedagogy, act in the
production and in the construction of
a sense of identity. A set of regulated
communications is developed, (such
as lessons, questions and answers,
orders, encoded signals of obedience,
differentiated marks of values for each
person and knowledge level) and
processes of power (vigilance, rewards,
punishments, hierarchy pyramid). These
factors, combined or not, give shape
and content to the process of forging
identities.
The orientations proposed in the
official educational documents in Brazil
point at the constructive participation
of students, and, at the same time,
at the intervention of the teacher for
the learning of the specific contents
that favor and develop the necessary
capacities in the formation of the
individual, recognizing in this process its
incompleteness and temporariness, i.e.,
successive approximations which allow
the construction and reconstruction of
knowledge. But the importance given to
the contents reveals a commitment from
the academic institution to guarantee the
access to socially elaborated knowledge,
as an instrument for development
and socialization, which proves the
legitimating aspect of the question
posed by Bourdieu (1979) concerning
the reproductivist and classist role of
schools.
Approaching how the culture and
taste of the elite work, Bourdieu shows
that “the art and the cultural consumerism
are predisposed, consciously and
deliberately or not, to play the social
functions of legitimating the social
differences” (1984, p.7). We see, then,
in practice, the configuration of what
the author called habitus, in which the
cultural content transmitted is also an
indicator of social class. When expressed
in the curriculum, the characteristics of
different social groups are legitimated,
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 11-24
making the school a school of social
classes.
Bourdieu’s studies signal us how
much we have to reflect about the role
of school in the actions of reproducing
and challenging large unequal relations
of power, that transcend social classes,
and about practices such as the content
and the organization of the curriculum,
the evaluation and the results of the
functional learning within the whole
process.
Following the analysis of a national
curriculum proposal, I resort to Michael
Apple when manifesting his unrest
towards the argument of a national
curriculum policy proposed by national
governments (conservative, in his
analysis). His argument is that behind
the educational justifications there is “a
dangerous ideological onslaught” (1995,
p.63). Based on the programs proposed
by Great Britain, United Stated, and
Japan, that could be borrowed to analyze
Brazil’s case, he suspects that there is “a
standardized set of national curriculum
guidelines and goals indispensable to
improve the level and make schools
effectively responsible for its student’s
success or failure”(id).
This suspicion is based on the fact
that the academic unified discourse hides
a liberal project, which is too dear to the
right-wing governments, conservative in
their nature, and committed to a complex
nationalist idea, engaged in providing
the educational conditions to serve the
international competitive edge, forming
better prepared workers to live and act
in a globalized world, and also engaged
in rescuing a romanticized past of home,
family, and “ideal school” 1.
Neoliberalism defends a weak and
smaller state that makes the “invisible
hand” of the market responsible for
market exchange and social interaction,
and it is identified not only as the
most efficient, but also as the most
democratic system. On the other hand,
the neoconservative orientation is
guided by the vision of a strong State in
certain areas, especially when it comes
to bodies’s relation policy, gender, race,
and to the definition of what must be
transmitted to future generations (id,
p.69).
1. Talking about identities
Identity presupposes difference;
i.e., people “are” in relation to some
“different”. We can define woman
because there is a definition of man,
homosexual because there is one for
heterosexual, white because there is one
for black, rich because there is one for
poor. They are relational definitions,
but not symmetric. They are, therefore,
relations of power, socially constructed
and, because of that, hierarchized and
imposed.
National identities, on the contrary,
demand founding myths (SILVA, 2000,
p.85). They require symbols capable of
provoking the union among people, aside
from a common language. According to
Silva, the approach to the recent cultural
theories gives emphasis to the hybridism
arising from colonization, from forced
migrations that destabilize and question
the existent identities. The instability
occurs because of the sentiment of being
the other, foreign, of “not being home”,
creating, thus, the instability identity.
IDENTITY PROGRAMS: OR THE PROGRAMED IDENTITY
These are important concepts because
they do not configure identity based
on what it is, as a static description,
but as a process in transformation, in
movement. This movement cannot
occur by consensus, by dialogues, but
by asymmetric relations of power, of
hierarchy. Silva refers to this process
stating that “The identity is instable,
contradictory, fragmented, inconsistent,
unfinished, the identity is linked to
discursive and narrative structures,
the identity is linked to systems of
representation. The identity has narrow
connections with the relations of power”
(id).
1. The two identities of Brazil
Mandatory minimal contents required
by the current legislation are subject
to national evaluation by the Ministry
of Education. Doing this, the Brazilian
State appoints itself as having the
role of being the responsible for the
maintenance of regional identities,
and simultaneously preserves a certain
national identity, when it proposes
mandatory minimal contents (in all
levels of elementary school). According
to Oliven (1999, p.79):
The affirmation of regional
identities in Brazil can be
faced as a reaction to cultural
homogenization and as a way of
stressing cultural differences. It
is this rediscovery of differences
and the current matter of the
federation in a period in which the
country finds itself fairly integrated
from the political, economic, and
cultural perspectives that suggests
that, in Brazil, the national goes
first through the regional.
An analysis of the curriculum in
these bases makes us assume that there
is a presumption of regional identity
which interlaces smoothly and without
conflicts with a national identity, taken
a priori, and which is the domain of
all educated Brazilians, something
important to clarify. Because one of
the most recurrent reasons on the
literacy effort and the universalization
of the Brazilian school resides in
the fact of it being one of the only
accesses to citizenship, and, therefore,
the acquisition of a Brazilian national
identity, operationalized and conducted
by the schooling process.
2 The National Curriculum
(PCNs – Parâmetros Curriculares
Nacionais)
The Brazilian educational system
is standardized and supervised by
a specific organ, the Ministry of
Education. From it, guidelines are
issued which somehow organize the
educational structure and which will
also set the tone for the curriculum
guidelines operating in schools. Named
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB (Law of Guidelines
and Bases of the National Education),
approved in 20.12.1996, they constitute
an attempt of integrating the three levels
of education (first, second, and third
degrees, when they were created, today
called elementary school, high school,
and university respectively) and were
the origin of systematic educational
planning in the country. The law
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 11-24
consolidates and expands governments’
duty towards the education in general,
and, particularly, towards elementary
school, which is mandatory and free,
according to the Federal Constitution,
from seven to fourteen years old. Thus,
the article 22 from LDB professes that the
basic education must “assure everyone
common formation indispensable to the
exercise of the citizenship and provide
them ways of progressing in work and
in posterior studies”.
In this document, not only the
basic common formation is implicit,
presupposing the formulation of a set
of guidelines able to guide the curricula
and their minimal contents, but also
(and to account for this goal) the
existence of a complementation by a
diverse part, according to each system
of education in this country.
In these guidelines, the universal
character of education is clear, and
also the possibility of establishing a
curriculum bound to the regional
characteristics of each State of the
Federation.
Named Parâmetros Curriculares
Nacionais (The National Curriculum), a
set of propositions was elaborated by the
Ministry of Education at the end of the
90’s with the function of: “responding
to the needs of referential from which
the educational system of the country
organizes itself, in order to guarantee
that education can act decisively in the
process of citizenship construction,
(…) which necessarily implicates the
access to the totality of public goods
among which the set of socially relevant
knowledge” (PCNs, 2000, p.13).
Resulting from a number of studies
performed by experts from all areas
of knowledge, university professors,
education specialists and public
agencies involved with education, these
guidelines intended to function as a
catalyst element of actions in the search
for better quality in Brazilian education,
besides the necessary action in different
fronts such as teacher continuing
education policy, wage policy, teaching
career plans, qualification of resources
and teaching materials (books,
multimedia, etc).
The National Curriculum elaboration
process began from the study of the
curriculum proposals in Brazilian
states and counties, from an analysis
made by the Carlos Chagas Foundation
(Fundação Carlos Chagas – FCC) about
the official curriculum and from the
contact with the experience of other
countries, added to national and
international researches, statistic data
upon the development of elementary
school students (that revealed students
were incapable of reading and writing
properly and did not master the four
basic mathematical operations), and
also from the results of classroom
experiences either published or
broadcasted in meetings and seminars
of this field.
The initial proposal went through
exhaustive discussions nationwide,
organized by delegacies of the Ministry
of Education (MEC) in the states,
contributing, thus, to the reworking of
the document.
The document is referenced as
of “undeniable importance to the
educational policy of the Brazilian
nation” (id), at the same time in which
IDENTITY PROGRAMS: OR THE PROGRAMED IDENTITY
it is defined as a flexible proposal
to be concretized, not thought as
a homogeneous imposition of a
curriculum model.
However, in the general objectives of
the elementary education, among others
that dispose about the appropriation of
knowledge as a form of social insertion,
social and political participation in the
Brazilian society, through the exercise of
the rights and duties, it is expected that
students are capable of: “knowing the
fundamental characteristics of Brazil
in the social, material, and cultural
dimensions as a way of constructing
progressively the notion of national and
personal identity and the sentiment of
belonging to the Country”2 . It is on this
point in particular that our analysis will
focus, based on the understanding that
it expresses the fundamentals of what
we will treat throughout the essay: the
national identity issue as constructed
from the educational curriculum. We
will return to the National Curriculum
in focal points, selected in order to
portray, in a more applied way, the
considerations that we will do about the
construction of identities throughout
the primary education process in Brazil,
systematized in the present curricula
proposals.
In the enunciation of the National
Curriculum, in the cross-cutting
themes that revolve around the
cultural plurality, we can find the
characterization of the cultural
composition of Brazil as the result of a
long historical process of interaction.
Here, unique cultures coexist, linked
to identities originated from different
ethnic and cultural groups, becoming
a plastic and permeable cultural
composition, incorporating their daily
life and recreating the cultures of all
these peoples, in an interlacement of
reciprocal influences, which makes
the elaboration and definition of the
national identity even more complex.
Stuart Hall emphasizes the fact that,
in a modern world, national cultures
were made within and around a political
entity of nation, which then became one
the principal sources of cultural identity.
So, the nation is not only a political entity,
but mainly a symbolic entity, capable of
producing a deep sense of belonging.
Therefore, Brazilian’s definition does not
simply give us geospatial localization,
but makes us members of an imagined
community, inserted and participant
of a national culture, which gives us
common origins and interests. The
power that the nation has is translated
in a certain feeling of “fraternity” able to
overcome differences and inequalities.
In the national territory, about 206
indigenous ethnic groups live, each one
of them with their own identities, aside
from an immense population of African
peoples’s descendants who arrived here
five centuries ago, in a forced process
of immigration. To the diversity of the
African culture - the linguistic, religious,
gastronomic and musical contributions
– we add the contributions of several
other ethnic groups that compose
the Brazilian population: Portuguese,
Spanish, Italians, Germans, Poles,
Syrians, Lebanese, Japanese, Chinese,
French, and English; Catholics, Jews,
Muslims, and countless other categories
of identification. Consider the fact
that an individual can be between
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 11-24
categorizations and we will have,
then, an even wider and more difficult
determination of who the Brazilian is.
It is diversity that marks Brazilian
social life. The differentiated social
answers mark the life of the inhabitants
in this nation, making it impossible to
characterize them instantly, under the
penalty of impoverishing diversity’s
qualities.
However, in different periods of
history, exacerbated nationalism betook
the homogenizing function of school
to propagate the myth of “racial
democracy”, disseminating the notion of
a Brazil without differences, originated
by the confluences of three races – the
Indian, the White, and the Black – which
dissolve to give origin to the Brazilian.
In textbooks, this conception was
widespread, eliminating and depreciating
several contributions that composed
and still compose our national identity.
And within this conception of a country
with arms wide open to integrate the
differences, hides a perverse process of
exclusion and suffering of a large portion
of the population that discovered itself
pushed to a shadowy zone which covered
deeply discriminatory social practices.
This framework is particularly
perverse to the students, victims of
the mentality and attitudes of school
and educators, who, without observing
their everyday lives, end up forcing
discrimination. It has been developed
at school – through teacher trainings,
textbooks, and pedagogical practice
in general – the notion of a white
Brazilian, urban, with aptitude and
promptitude to learn the selection of
contents. This simplistic vision has been
gradually reviewed by educators and
contemporary schools. But its marks can
still be verified in the Brazilian society,
mainly if we consider the high index of
school evasion. It is evident that this
process, besides being discriminatory,
is relevant to school abandonment: the
school is a desert place, unheard-of and
incompatible with the rural population,
the people from the slums, the poor,
the people from the countryside, or the
indigenous people.
Therefore, to talk about identity at
school, we need to resume the debate
about strongly rooted practices which
cause distinct groups - that despite
being ideologically assimilated to the
society, do not feel part of it - to have
their participation and story seen as
marginal, their contributions as negative
or smaller. Among other structural
measures, in order to reverse the process
of exclusion and cultural marginality, the
knowledge and valorization of specific
and singular characteristics of each
school district (sometimes in a same
location), with their ethnicities, origins,
and specific cultures, must be a part of
the everyday lives of students, teachers,
managers and curriculum makers.
In the globalized world, especially
in the economic plan, the sets of
social effects are widely known. They
comprise the impoverishment of the
populations, the shortage of natural
resources, the homogenization of mass
culture by the media which dictate and
normalize social life, predicting what
it is to be a child, how teenagers think,
who the modern woman is, how the
contemporary man is. It is important
to attend to the unceasing process
IDENTITY PROGRAMS: OR THE PROGRAMED IDENTITY
of reposition of differences and the
resurgence of ethnicities. This process
teaches, from a certain perspective,
that there are no models to be followed
anymore, teaches about the failure of the
white and European model broadcasted
so constantly by modern science. On
the other hand, it clearly presents the
need for the construction of new social
practices that permit the relationship
between ethnic and cultural differences,
while constituting solidarity, an essential
element for the existence of a cohesive
process between education and society.
In order to integrate these
conceptions to the school’s curriculum,
we could question, for example: how
would incorporating the aspects of the
culture lived by the students be possible,
relating it to school work, without
simply validating what they already
know? Or, how could we do it without
discriminating the “others” inside a
hegemonic culture expressed by the
program of the different disciplines that
compose the curriculum?
We find an answer in Giroux, when
he affirms that schools
enlarge human capacities, enabling
people to interfere in the formation
of their own subjectivities and
to be able exercise their power
to transform the ideological and
material conditions of domination
in practices that promote the
fortification of social power and
demonstrate the possibility of
democracy (1995, p. 95).
The author still offers us an
interesting comparison between popular
culture and pedagogy, when he affirms
that popular culture is located in the
everyday life ground, whereas pedagogy
“generally legitimates and transmits
the language, the codes, the values of
a dominant culture”(id, p.92). Popular
culture is appropriated by the students
and by what is utilized in everyday life
experiences, while pedagogy “validates
the voices of the adult world, as well as
the world of the teachers and managers
of the school” (id, p. 93).
In the context of the National
Curriculum proposal, school education
is designed as a practice that
has the possibility of creating
conditions so that all students
can develop their capacities and
learn the necessary contents
to construct instruments of
comprehension of the reality and
of participation in social, political,
and cultural relations, diversified
and increasingly wider, being
these conditions fundamental for
the exercise of citizenship and for
the construction of a democratic
society, not an exclusionary one
(PCNs, 2000, p.45).
I turn to Giroux once more, when
he points to the fact that it is in the
confluence between the popular and
the pedagogical discourse that we
understand the possibility to rethink
schooling as a valuable tool of cultural
politics, since both are discriminated
in the dominant discourse as ways of
cultural reproduction. Yet the popular
culture, even when ignored by the
school, is a powerful tool that the
students have to interpret themselves
and the ways of learning in the world
surrounding them.
The issue of popular “culture” has
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 11-24
been approached by the cultural studies
in the last two decades, stimulating the
debate about the definition of “popular”.
We will only consider what popular
culture has of theoretical, practical,
and methodological imbrications in the
issue of curricula and school programs.
Based on Giroux’s proposal, we
can consider popular culture as “that
land of images, forms of knowledge,
and affective investments that define
the bases to give opportunities to
each person inside of the pedagogical
experience” (id, p.95).
Let’s see how, within the PCNs’
“Cultural Plurality”, this conception is
imbricate to page 53:
It is important to open up space
so that a child and a teenager can
manifest themselves. Living the
right to the voice is a personal and
an untransferable experience that
allows the opportune and rich
work of the Portuguese Language.
Thus, the effective exercise of the
dialogue turned to the exchange
of information about cultural
experiences and clarifications about
eventual prejudices and stereotypes
is the fortifying component of the
democratic familiarity.
Knowledge-centered culture of
those involved implicates structures of
thoughts, perceptions, and beliefs, that,
following clear directions, conduct to
the knowledge of yourself, of others,
and of the world.
3 Information of Identities
The conception of a proposed
curriculum assumes that the everyday
school life is able to promote the
experience of difference through the
different student’ and teachers’ personal
stories, through family provisions’,
different origins’ (including the social
ones), in which each one learns and
teaches “among the different”. Learning
is centered in the living together and in
the positioning of each individual, able
to understand and relativize distinct
opinions and experiences.
The desired performance is far from
being usually exercised at schools. It is
more common to see a teacher covering
up these differences under the mantle
of everyone’s equality in the classroom,
than stimulating their unveiling.
Working the differences is complicated
for those who do not have this practice
even in their everyday social life. We
live in a society which boasts about not
being discriminatory in discourse. We
will live under the idea of a cordial and
pacific Brazilian, something that would
be part of our own nature, because this
is part of our “identity”. This practice
is lived in school when one tries to
cover discriminatory attitudes up, diluted
in other behaviors (ridiculing questions,
comments about social origin, ethnicity,
school development, family situations, etc).
Demystifying cordiality is a task
for the school; we just need to let the
students from the periphery tell the
stories about violence and aggression
suffered by them or by members of
their families, in their everyday lives,
practiced by bosses, the police and the
IDENTITY PROGRAMS: OR THE PROGRAMED IDENTITY
government leaders. Or even analysing
the index of criminality and violence in
the country, so that we can perceive that
this definition of not even part of the
identity of these Brazilians.
In order to illustrate what I assert,
it would be interesting to mention
the effort of some researchers in
Brazil, aiming at understanding the
mechanisms whereby cultural identities
are constructed negatively, such as the
marginality or exclusion, how racial
and ethnic boundaries are produced in
the curricula and pedagogical practices,
with different subjects that represent
themselves and are represented in social
groups which they belong to. These are
researches that focus on disciplines of
social studies and histories, showing
how the notions of “colonization”,
“civilization”, “Christianization” are
constructed based on the standard of
an European, white and Christian man
to whom these other populations or
human groups are compared in order to
be named and valued.
We can quote the discussion
on culture and differences, and on
the identities produced from them,
as problematic aspects with which
different social groups are confronted,
in order to reconcile the exercise
of political equality rights with the
freedom to represent and identify
themselves with the difference. These
are dilemmas including feminist and
black movements, among others that
are equally important in the political
reorganization of the current social
movements.
Professor Petronilha Silva’s work,
among many others in this field3, points
to a necessary and an urgent creation
of social and school spaces that foster
the education of interethnic relations in
order to combat racism and all kinds of
discrimination, and describes significant
empowering experiences of the African
descent identity, with positive impact
on school performance, also exposing
the process by which black mothers and
grandmothers allowed themselves to
cope with the school institutions when
facing the discrimination suffered by
their sons and grandsons, conducting
teachers to notice the ethnical and
cultural differences that exist at
schools4.
We see also the emergence of new
and complex problems in teaching.
Is it possible to structure the teaching
process in a way which contemplates
the recognition and celebrates the
differences, without obscuring the
exclusionary aspect, without reproducing
the conservatism, breaking hegemonies
that have been installed a long time ago?
The school poses an interesting
question to be examined by the current
social movements. How to make a specific
culture emerge, without circumscribing
it within curricular hegemony,
mischaracterizing thus the identity,
the fights and the achievements of
the groups interdicted in the school
context?
I believe that it will only be possible
if we can think about a school able to
build solidarities capable of sustaining,
inside and outside of its scope, struggles
for greater equality and social justice, so
that the identity markers that unite us
can be more effective than the ones that
separate us.
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 11-24
4 . The curriculum and the ones
who make it: identity formation
or reform?
The development process of the
program, or the curriculum, implicates
a double change. At the same time
in which those who the program is
designed for change their condition
(from non-cognizant to cognizant),
it also changes the condition of those
who are responsible for its execution
(the teachers). Therefore, if we talk
about the formation of social and
personal identities, we will be talking
about transformations, or about
resignifying identities, because there are
differentiated and sequential forms for
all of those who take part in it.
The social identity in the curriculum
is built through contents and programs
expressed in all disciplines that are
formally compartmentalized to fulfill
the formal requirements of education.
Thus, contents of mathematics, sciences,
history are divided, separated, and
cleaved so that there is no sharing
among them, but it is still possible to
realize the moral (right or wrong),
cultural, and ethnical approaches,
implicating a relation of power that
defines what will be taught, and what
will be learned, as well as what is
scientific or not.
Even in a world where information
is accessible in different means, where
learning occurs in distinct social
contexts (on the streets, within groups
of friends, in the media), school still
treats students as blank slates, devoid of
any preliminary information underlying
the one which is considered to be the
most important and the only valid
one: the knowledge contained in the
curriculum.
The fundamental inquiry at this
particular point about the curriculum
is: how are the identities produced?
How are they built and by whom? What
are the institutions that have the power
of their representations? How and when
are they perceived as a constituent part
of subjects?
In order to go beyond tolerance
toward differences, is it necessary to
know the forms of power relations
reproduction inserted in the process
of elaboration and performance of the
curriculum, and that in a certain way can
be recognized, questioned, destabilized?
From these risks, inspired in nomadism
and hybridisms, the identities – that
the programs intend to fasten; that they
intend to program – may be modified.
A permanent critical exam about
the limits of what we become is needed.
Something like an ethics of exploitation.
It must be centered in our changing
forms of subjection, in our interrelational experience, in the forces,
practices and institutions that construct
our identities on our behalf. As a
conclusion, schooling for citizenship
makes sense in a multiform context of
thinking about personal and collective
identities.
IDENTITY PROGRAMS: OR THE PROGRAMED IDENTITY
NOTES
(1) The term refers to the countries
which Michael W. Apple’s mentions,
Great Britain, Japan, and United
States of America, as well as the
European nations that, in general,
experiment the ascension of the rightwing to the power. This is not Brazil’s
situation, in the moment I am writing
this article, when this country lives in
2003 its first year having a left-wing
government, by the Workers Party
(Partido dos Trabalhadores – PT), but it
can me framed in a previous moment,
in which the alterations of projects
and plans towards the education in
the country were made, in the 90s,
a period strongly fertile to neoliberal
changes that marked the previous
government schedule.
(3) Works incentivized and supported
by special programs of the State
Department for Education, and
counties such as Porto Alegre/RS, by
projects of the Group of Black Teachers
of Grande Porto Alegre.
(4) SILVA, Petronilha B. G. Educação e
Identidade dos negros trabalhadores
rurais do Limoeiro. Porto Alegre:
Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, 1987. ( Tese de doutorado).
Ver ainda: REIS DA SILVA, Jacira. A
educação do negro e o ensino dos
estudos sociais na perspectiva das
classes populares. In: TRIUNPHO, V.
R. S. Rio Grande do Sul: aspectos
da negritude. Porto Alegre: Martins
Livreiro, 1991.
(2) PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS. Temas Transversais:
Pluralidade Cultural. Rio de Janeiro:
DP&A, 2000.
REFERENCES
APPLE, M. A Política do conhecimento
oficial: faz sentido a idéia de um
currículo
nacional?
MOREIRA,
Antônio Flávio; SILVA, Tomas Tadeu.
Currículo, Cultura e Sociedade. São
Paulo: Cortez, 1995.
GIROUX, H.; SIMON R. Cultura Popular
e Pedagogia Critica a vida urbana como
base para o conhecimento curricular.
In: MOREIRA, Antônio Flávio; SILVA,
Tomas Tadeu. Currículo, Cultura e
Sociedade. São Paulo: Cortez, 1995.
BOURDIEU, P. Distinction. Cambridge:
Harvard University Press, 1984.
HALL, S. A identidade Cultural na
pós-modernidade. Rio de Janeiro:
DP&A, 2000.
23
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 11-24
OLIVEN, R. Que País é este? A (des)
construção da identidade nacional.
SOUZA, Edson Luiz André (Org.).
Psicanálise e Colonização – Leituras
do Sintoma Social no Brasil. Porto
Alegre: Artes e Ofícios, 1999.
PARÂMETROS CURRICULARES NA­
CIO­NAIS. Introdução aos Parâ­me­tros
Curriculares Nacionais. Secreta­ria de
Educação Fundamental, 2. Ed. Rio de
Janeiro: DP&A, 2000.
PARÂMETROS CURRICULARES NA­­­
CIO­NAIS. Pluralidade Cultural: orientação sexual. Secretaria de Educação
Fundamental, 2. Ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2000.
SILVA, T. T. da (Org.): HALL, Stuart;
WOODWARD, Kathryn. Identidade e
diferença: a perspectiva dos estudos
culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
SILVA, P. B. G. Educação e Identidade
dos negros trabalhadores rurais do
Limoeiro. 1987. 216 f. Tese (Doutorado
em Educação). Faculdade de Educação.
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre.
Pensar a Identidade latino-americana entre civilização e barbárie
25
Pensar a Identidade
latino-americana entre
civilização e barbárie
• João Luiz Medeiros *
Resumo:
A dialética entre civilização e barbárie pode ser considerada como um dos
elementos basilares para se pensar a questão da formação de identidades nas
Américas. Essa antinomia conhece uma dinâmica singular tanto na área literária
quanto no âmbito das Ciências Sociais, ganhando, assim, diferentes dimensões
semânticas e aplicações diversas. Tal polarização atravessa os séculos inspirando
discursos e alimentando análises direcionadas tanto ao estranho interior quanto
ao “outro” exterior ao mundo americano. No século XX, civilização e barbárie
seguem um caminho de depuração de seu ranço etnocêntrico, ao ponto de
considerá-lo como definitivamente sepultado nos porões da história. Entretanto,
os atentados ocorridos nos Estados Unidos em Setembro de 2001 reestruturaram,
de forma abrupta, a arquitetura geopolítica do mundo na qual a polarização
civilização e barbárie parece ter se avivado por um tempo indeterminado com
consequências imprevisíveis.
Palavras-chave: Identidade, civilização, barbárie, América Latina, Brasil.
Abstract:
The dialectic between civilization and barbarianism may be considered as one
of the basic elements to take into account when assessing the formation of one
or several American identities. This antinomy has a unique dynamic both in
Literature and in Social Sciences, earning different semantic dimensions and
diverse applications. This polarization goes through centuries inspiring discourses
and feeding analyses directed as much to the stranger inside as to the “other”
outside the American world. In the 20th century, civilization and barbarianism
followed a purifying path for their rancid ethnocentrism, up to the point in which
it was considered as definitively buried in the undergrounds of History. However,
Prof. João Luiz Medeiros, Doutor em Ciências Políticas pelo Institut d’Etudes Politiques (IEP)/
Université de Rennes 1, França. Sociólogo, Professor da École des Hautes Études de Journalisme de
Montpellier.
*
• Artigo
Thinking Latin-American Identity
between Civilization and Barbarism
26
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 25-39
the nine-eleven attacks in the United States abruptly restructured the geopolitical
architecture of a World in which the civilization/barbarianism polarization seems
to have come to light again for a long time with unforeseeable consequences.
Keywords: identity, civilization, barbarism, Latin America, Brazil.
Introdução:
Mesmo que seja preciso lidar
com muita prudência com oposições
binárias, sobretudo em tempos em que
elas, muitas vezes, se interpenetram mais
e mais, dando, assim, lugar a polifonias,
heterogeneidades e cruzamentos, as
identidades nas Américas sempre
foram apresentadas como o reflexo
de um processo dialético permanente
entre binômios como continuidade
e ruptura, tradição e modernidade,
integração e mudança, evasão e
enraizamento, abertura para o “outro”
e fechamento sobre si, dinâmica que
se traduziria, num duplo movimento,
por um nacionalismo centrípeto e um
universalismo centrífugo.
A dialética entre civilização e barbárie
dentro desta lógica pode ser considerada
como um dos questionamentos basilares
para a formação de uma identidade
americana. Manifestando-se de forma
diversa, segundo o lugar de onde é
emitido o olhar, acomodando-se em
função das fases sociopolíticas pelas
quais o continente passou, implícita ou
explicitamente, civilização e barbárie
trespassaram toda a produção litérária
e ensaística das Américas
Desde o primeiro olhar ibérico
sobre as terras novas até o processo
de reestruturação da arquitetura
geopolítica do mundo atual, passando
pelas iniciativas civilizacionais ou,
ainda, no esforço de definição de espaços
nacionais, civilização e barbárie fazem
parte da gramática semântica que anima
conflitos de poder e legitima a unicidade
do olhar, podendo, assim, obliterar vias
de diálogo entre diferenças.
1 - O bárbaro, um conceito antigo
A figura do bárbaro é criada pelos
antigos para designar o estrangeiro não
possuidor da cultura greco-romana.
Dessa forma, qualquer indivíduo
posicionado fora do universo cultural
helenístico é considerado como
simplesmente desprovido de cultura:
bárbaro significando “aquele que
balbucia algo incompreensível”, o que
faz do idioma o elemento denunciador
da existência do “outro”.
A história conta que, nos primórdios
da nossa era, povos nômades do norte
e leste da Europa migraram para o
sul do continente em busca de novas
terras, deixando, ao passarem, um
rastro de destruição. Reza a crença que
“por onde os Unos passam, a vegetação
não vingará nunca mais”. Germanos,
Vizigodos, Vândalos, Francos e Unos,
entre outros, foram protagonistas de
eventos que a historiografia qualificou
como “invasões bárbaras”. Apesar de
Pensar a Identidade latino-americana entre civilização e barbárie
ter sido já evocada pelos antigos, a
figura do bárbaro ganhará um maior
impacto nesse momento histórico,
sendo utilizada para designar os povos
estrangeiros ao mundo greco-romano,
considerando-os primitivos, incultos,
atrasados e brutais, ou seja, situados na
contramão de uma ordem percebida
como ideal e legítima.
Estabelecendo-se esse preconceito
por meio de estereótipos culturais, fezse emergir, em contrapartida, a noção
de civilização enquanto organização
de sistemas. Só aquilo que pertence a
“nossa” cultura seria civilizado, todo
o resto é considerado barbárico. É,
entretanto, com a ascensão da Europa
Ocidental como polo dominador que
a dualidade civilização e barbárie
se impõe na condição de elemento
justificador de poder sobre a periferia
do sistema. Nesse sentido, o termo
civilização sofre apropriação, associandose à ideia de cientificismo e de progresso
e desqualificando as civilizações mais
antigas do mundo, consideradas
bárbaras, para que as potências coloniais
legitimassem dominações e justificassem
massacres. Trata-se, en definitivo, de
uma incompreensão, de uma situação de
estranhamento em que a problemática
do “outro” constitui a substância
essencial e o etnocentrismo, o motor
ideológico. O bárbaro é o outro, aquele
fora dos limites políticos e morais de uma
comunidade cristã que se via universal.
O processo civilizacional aparece aos
olhos das nações europeias, indica
Norbert Elias, “como algo plenamente
realizado no seio da própria sociedade
ocidental; esses povos se sentem como
apóstolos encarregados de transmitir
aos outros povos, na qualidade de
porta-estandarte, uma civilização onde
o grau de desenvolvimento atingira o
ponto culminante”. A íntima convicção
de superioridade, conclui o sociólogo
alemão, “serve de justificativa às nações
conquistadoras e civilizadoras que
se alçam assim ao nível de ‘setores
superiores’ em vastos territórios extraeuropeus” (1973, p.72).
No continente americano, desde o
primeiro olhar do conquistador ibérico
sobre a terra nova, passando pelas
iniciativas científico-civilizacionais e o
esforço de “definição” de uma identidade
americana, até as recentes retóricas de
combate ao terrorismo internacional,
a categoria dual civilização e barbárie
constitui como uma das grandes marcas
identitárias. A ambivalência do olhar
inicial, relação dicotômica atração/
repulsão, América/Europa, o binômio
civilização e barbárie marcam de forma
indelével o imaginário cultural latinoamericano.
Tzevetan Todorov analisa, por
meio de uma abordagem semiótica,
o significado deste primeiro olhar
Europa/América. Olhar este munido de
estupefação e incomprensão em relação
ao “outro”, ser estranho, universo
cultural distinto, explicado somente por
meio de cânones da cultura europeia,
que levaria a negar a existência de
culturas, línguas e sistemas de valores
exóticos. Leiamos Cristóvão Colombo
segundo Todorov: “Colombo não
conhece a diversidade das línguas, por
isso, quando se vê diante de uma língua
estrangeira, só há dois comportamentos
possíveis e complementares: reconhecer
que é uma língua, e recusar-se a aceitar
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que seja diferente, ou então reconhecer
a diferença e recusar-se a admitir
que seja uma língua. É esta última
reação que lhe suscitam os indígenas
que encontra, no início, em 12 de
outubro 1492. Vendo-os, com os olhos
brilhando de estupefação diante desses
seres ‘que andam nus, exceto por algum
trapo negro que eles colocam diante de
suas vergonhas’ e meio ao inopinado
contato com um universo portador de
características sociológicas, culturais
e econômicas diferentes, Colombo
escreve ao monarca ibérico: ‘Se Deus
assim o quiser, no momento da partida,
levarei seis deles a Vossa Alteza, para
que aprendam a falar’ (TODOROV,
1982, p.30).
Cinco séculos após este encontro,
singular na história da humanidade,
entre dois universos que se ignoram e que
se descobrem sob o signo da surpresa,
temor e fascinação mútua, o presidente
estadunidense George W. Bush define
a política norte americana de combate
contra o terrorismo internacional como
“a luta da civilização contra a barbárie”.
A antinomia civilização e barbárie
conhece uma dinâmica singular
tanto no contexto literário quanto
no âmbito da ciências sociais e dos
textos historiográficos, ganhando
diferentes
dimensões
semânticas
e variadas aplicações eufemísticas.
Essa polarização irá varar os séculos
alimentando discursos e cevando
análises direcionadas tanto ao estranho
interior quanto ao outro exterior ao
mundo americano.
2 - O evolucionismo a serviço da
civilização
No imaginário, o bárbaro vem a ser
o outro implicitamente inferior, segundo
o sistema de valores técnicos, morais
e espirituais estabelecidos pelos que se
situam fora do universos dos “outros”.
O primeiro olhar ibérico lançado sobre
as terras virgens americanas brilha de
estupefação, guiado pelo encontro de
dois universos que se ignoram e que
se descobrem sob o signo da surpresa,
temor e fascinação mútua. Investida
de um sentimento de superioridade
cultural e imbuída de uma missão
divina, a imagem do homem ocidental
é erigida como modelo absoluto a partir
do qual se mede o grau de humanidade.
A Controvérsia de Valladolid, em 1550,
opunha os que acreditavam que os
indígenas americanos eram dotados
de uma alma, portanto humanos e
integrantes da civilização, aos que, ao
contrário, entendiam que esses “seres
primitivos” apresentam características
de incivilidade, mergulhados num
estado bárbaro de desenvolvimento
(CARRIERE, 1993).
A dissimetria estrutural das
relações euro-americanas engendra
uma verdadeira crise cultural, ao
mesmo tempo em que favorece o
desenvolvimento de uma idealização
mítica recíproca. Mas o uso perverso
da antítese civilização e barbárie atinge
seu ponto culminante no período
escravagista. A superioridade técnica
e científica do colonizador justifica e
legitima a disseminação de um poder
dominador e absoluto. A missão
civilizadora que este se atribui, ou que
Pensar a Identidade latino-americana entre civilização e barbárie
lhe é atribuída pela Providência, entende
retirar da barbárie os “infelizes nativos,
meio demônios, meio crianças”, nas
palavras de Rudyard Kipling (KIPLING,
1899).
A doutrina evolucionista é a expressão teórica dessa convicção. Difundida na Europa na segunda metade
do século XIX, ela penetra a América,
inicialmente, pelos Estados Unidos para
se acomodar em graus diversos no conjunto do pensamento latino-americano.
Evolucionismo, Positivismo e Iluminismo formam um coquetel teórico que irá
irrigar mentes e inspirar políticas sociais e econômicas americanas, respaldadas no postulado do progresso portador
de civilização.
Edward Tylor, célebre teórico do
evolucionismo antropológico, entende
que a escala evolutiva da humanidade
se inicia no estado selvagem, passando
por fases intermediárias até chegar
ao estado civilizado personificado na
figura do homem europeu, cabendo a
este último a pesada tarefa de guiar esses povos imersos no atraso material
e na superstição, na longa jornada em
direção à civilização (TYLOR, 1876). O
evolucionismo parte da ideia de que o
“simples”, característica da sociedades
primitivas evolui naturalmente rumo
ao “complexo”, representado pelas sociedades ocidentais. Essa teoria busca,
então, estabelecer as leis que guiariam o
progresso das civilizações. O evolucionismo dá à elite europeia argumentos
teóricos de conscientização quanto a sua
soberba técnica e científica na expansão
do capitalismo. Essa doutrina legitima,
igualmente, a posição hegemônica ocupada pelo mundo ocidental. A pretensa
superioridade da civilização europeia
seria, então, o corolário das leis naturais
que orientariam a história dos povos.
Esta visão cíclica de evolução impregna
os trabalhos de inúmeros pensadores
em ciências humanas durante o século
XX.
Este coquetel teórico inspira movimentos nacionalistas. É assim em diversas partes do continente americano;
é assim no Brasil, onde o evolucionismo aliado ao positivismo de Augusto
Comte inspirou, na virada do século
XIX, uma elite ilustrada que busca construir uma identidade nacional a partir
da definição do “homo brasilianus”.
Ora, a importação de uma tal teoria coloca a intelligentsia brasileira num impasse pois, como sugere Renato Ortiz
(ORTIZ, 1985, pp. 14-15), a aceitação
dos preceitos evolucionistas supõe analisar a evolução da sociedade brasileira à
luz das interpretações de uma história
natural da humanidade. Ora, isso significa que seria necessário, em primeiro
lugar, considerar a civilização brasileira
em um nível de desenvolvimento inferior ao dos países europeus. Mas como
explicar o presumido atraso, evocando
ao mesmo tempo as possibilidades do
Brasil constituir-se enquanto povo e
mesmo como nação? O dilema consiste em elucidar a questão do décalage
existente entre teoria e realidade, decifrar o visível distanciamento entre uma
nação idealizada segundo os cânones
europeus e a realidade étnica e cultural
multiforme e colorida que se insinuava
diante dos olhos desta mesma nação.
Como interpretar, doravante, esse país?
Qual identidade lhe conferir? Tais eram
os dilemas diante dos quais se encon-
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travam, naquele momento, os construtores da nação. O evolucionismo vem,
então, fornecer a intelligentsia brasileira:
a abordagem conceitual necessária ao
tratamento dessa problemática.
Contudo, à medida que a realidade
social brasileira adquire novos contornos
e entra numa dinâmica de diferenciação
crescente com a realidade europeia, o
hiato entre teoria e sociedade real pode
ser apreendido somente se combinado
a outros conceitos. Se o evolucionismo
deveria permitir uma compreensão
mais geral das sociedades humanas, é
necessário, porém, agora, completá-lo
com argumentos que levem em conta as
especificidades sociais. O pensamento
brasileiro irá, pois, sustentar-se em
torno da noção de “raça”.
O parâmetro “raça” constituirá o
pilar epistemológico da elite intelectual
brasileira. Esse conceito-chave deveria,
necessariamente, se inscrever em toda
tentativa de análise e de explicação da
realidade nacional. Essa gramática de
interpretação social eleva a “raça” branca ocidental a uma posição de superioridade na composição da nação brasileira.
Pensar a formação de uma “sociedade
civilizada” sob os trópicos, composta
por negros, índios e mestiços, seria da
ordem do irracional. O pensamento
brasileiro vê-se, assim, fortemente influenciado por teses pseudocientíficas
do tipo racial vindas da Europa que,
aplicadas à realidade nacional, margi­
nalizam deliberadamente o componente africano na construção do “homo
brasi­lianus”. Acredita-se que o futuro
da nação passaria necessariamente pelo
branqueamento da “raça”.
A abolição da escravidão em 1888 e o
advento da República um ano depois estimularão grandes discussões em torno
da problemática racial e da necessidade
de pensar a identidade nacional. Além
do sucesso das teorias do francês Conde
de Gobineau (Essais sur les inégalités des
races humaines –1853-1855) e do suíço
Louis Agassiz (Journey in Brazil –1868),
as ideias de Le Play ou de Gustave le
Bon, pretendendo que “as raças misturadas” eram inferiores às “raças puras”
ganham uma adesão considerável. Em
L’Arien et son rôle social (1899), George
Vacher de la Pouge define o Brasil como
um “enorme Estado em vias ao retorno
à barbárie” devido à mistura étnica. A
intelectualidade brasileira, impregnada
dessas teorias, não pensa de maneira.
Leiamos este trecho publicado no Jornal
de Noticias de Salvador durante o carnaval de 1903:
O carnaval deste ano, a despeito da
demanda patriótica e civilizadora
que eu tinha formulado, traduziuse mais uma vez, salvo raras
exceções, pela exibição pública
do candomblé. Se por ventura um
estrangeiro viesse a julgar a Bahia
através de seu carnaval, ele não
poderia deixar de colocá-la ao lado
da África. Para nossa vergonha,
encontra-se, neste momento, entre
nós uma comissão de intelectuais
austríacos que, com sua pluma
acirrada, certamente não deixarão
de registrar esses fatos em suas
impressões de viagem e de divulgálos nos jornais cultos da Europa
(NINA RODRIGUES, 1932, p.
257).
Oliveira Viana, discípulo de Le Play
e adepto da “teoria do branqueamento”,
Pensar a Identidade latino-americana entre civilização e barbárie
entende que a mistura das “raças” explica
a decadência portuguesa. Segundo
ele, a salvação da “raça brasileira” vem
necessariamente da miscigenação com
os europeus: “Esse admirável movimento
migratório não permite somente fazer
aumentar rapidamente em nosso país
o coeficiente da massa ariana pura, mas
também, ao se misturar cada vez mais
com a população mestiça, ele contribui
para elevar rapidamente a composição
ariana de nosso sangue” (SKIDMORE,
1976, p.318). A imigração branca vinda
do velho continente após a abolição da
escravidão é bastante encorajada, por
um lado, para responder à necessidade
de mão de obra nas plantações de café
(principal produto de exportação) e, por
outro lado, servindo como instrumento
de civilização: esses imigrantes eram
susceptíveis de contribuir para a “puri­
ficação” do sangue brasileiro1. O objetivo
era desenvolver uma na­ção moderna e
civilizada sob os trópi­cos, evacuando,
assim, sua porção barbárica.
Para a elite ilustrada brasileira, a
teoria evolucionista/positivista apresen­
tava uma real sedução, pois justificava
plenamente que o poder estivesse concentrado em suas mãos. As camadas
“inferiores” e “bárbaras” ou “semibárbaras” deviam, assim, ser forçosamente
tuteladas pelas camadas hegemônicas
europeizadas. Entretanto, é com Casa
Grande e Senzala (1932) que Gilberto
Freyre romperá com este pensamento,
colocando em destaque o valor positivo da miscigenação entre negro, índio
e branco e propondo, assim, uma nova
abordagem identitária através da incorporação do “bárbaro” à nação. A família
brasileira colonial, núcleo da sociedade
seria, segundo Freyre, o resultado da
fusão das três raças fundadoras, entre as
quais não é estabelecida nenhuma hierarquia de mérito. Freyre tenta romper
com as ideologias racistas e coloca a
miscigenação como elemento chave
da conquista dos trópicos. A ideologia
da mestiçagem, ambiguidade até então
prisioneira das teorias racistas, pode ser
difundida socialmente, uma vez reelaborada, para ganhar um sentido comum
no cotidiano ou nos grandes eventos
como o carnaval e o futebol. O conceito
de “raça” substitui-se aqui pelo conceito
de “cultura”, observa R. Ortiz (1985).
Casa Grande e Senzala, obra que
se tornou praticamente uma institui­
ção nacional, vai estimular uma forma
de coesão nacional e dissipar, de certa
maneira, as dificuldades e as ambiguidades para os brasileiros se definirem
como indivíduos nacionais. Mesmo que
talvez tenha, demasiadamente, insistido
nos aspectos integradores da sociedade
colonial e, insuficientemente, destacado sua natureza violenta e conflitante,
Freyre “teria oferecido ao Brasil uma
carteira de identidade”, escreve ainda R.
Ortiz (id, p. 43)
3 - Uma utilização flutuante do
conceito civilização/barbárie
Assim, na esteira do evolucionismo,
a segunda metade do século XIX e as
primeiras décadas do século XX foram
dominadas, sob várias formas e apresentações, pela temática do desenvolvimento. A ideologia do progresso passa
a ser uma das categorias fundamentais
do pensamento das classes médias latino-americanas que buscam estar no
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diapasão com as classes dominantes da
Europa e, por conseguinte, em fase com
o modelo civilizacional proposto por
esses setores. Centro e periferia tendo
como desdobramento implícito a polarização entre civilização e barbárie são
a tônica desta fase histórica pelo qual
passa o continente latino-americano.
Desde as rupturas independentistas
dos diversos países da região com a
metrópole ibérica, a tônica do progresso
se inscreve na base de todos os projetos
de construção de identidades nacionais.
A “religião da humanidade” de Augusto
Comte acaba por intervir no esforço de
secularização da história providencial
colonizadora e impor um racionalismo
universal. A hora é de construir as
nacionalidades calcadas grosso modo
em dois principais projetos que se
opunham: conservador e liberal. O
primeiro, ligado notadamente à posse
da terra e avesso à ideia de progresso,
é partidário de um poder centralizado
e forte, suscetível de perenizar privi­
légios; o segundo, internacionalista e
constitucional, entende que o nacional
deveria necessariamente passar por
riscos econômicos e pela adoção
de uma estética exógena. Liberais e
conservadores representam a oposição
entre latifundiários e empresários,
campo e cidade, Europa e América,
refinamento e rudeza, civilização e
barbárie.
Essa bipolaridade explicativa pode
ser observada nos escritos do argentino Domingo F. Sarmiento. Em Facundo (1845), Sarmiento, envolvido na
definição da argentinidade, formula
um projeto de construção nacional inspirado no mito liberal. Em oposição ao
segmento oligárquico, Sarmiento fustiga a mestiçagem étnica como elemento
fundador da “personalidade argentina”
e acredita que somente os imigrantes
vindos da Europa poderiam implantar
o progresso em terras pampeanas. Dos
mestiços, viriam as vicissitudes que
atravancariam o projeto civilizador inspirado no mito positivista: ociosidade,
incapacidade industrial, barbárie. É a
aspiração de uma Argentina branca que
se encontra no projeto sarmientista.
Designando o índio e as oligarquias rurais como principais agentes da barbárie, Sarmiento erige a urbanização como
signo de civilização: a cidade re­presenta
o suprassumo da modernidade, ao passo que o mundo rural não passa de um
reduto barbárico.
No sub-título de Facundo, Civilização e Barbárie, Sarmiento encena uma
dialética definidora da prática política
e cultural que se manifesta no conjunto
da América Latina. Para ele, civilização
seria o verniz de refinamento, as ideias
progressistas e libertárias e conceitos
estéticos vindos da Europa. Barbárie,
ao contrário, traduziria a natureza do
Pampa indomável e rude, a crueldade e
a arrogância dos caudilhos, tiranos incultos submetidos a uma vida primitiva.
Facundo foi o deflagrador de um discurso dialético que anima, emblematicamente, sob o signo da civilização versus barbárie, uma literatura novelística
e ensaística do continente latino-americano. Assim, será na própria Argentina
com Juan Bautista Alberdi em Bases e
puntos de partida para la organización
política de la República Argentina (1852)
e Florentino Ameghino em Filogenia
(1884), na Colômbia com Eugenio Díaz
Pensar a Identidade latino-americana entre civilização e barbárie
Castro em Manuela (1889) e Nataniel
Aguirre em Juan de la Rosa (1885), na
Venezuela e Chile com Andrés Bello ou
ainda no México com Justo Sierra.
Entretanto, no crepúsculo do sé­
cu­lo XIX, observa-se uma tentativa
de desmistificar a matriz discursiva
europeia. Ao adotar uma nova postura
estética e intelectual, o cubano José
Martí (1853-1895), buscando superar a
representação eurocentrista do sujeito
americano pautada nesta polarização,
propõe uma sociedade alternativa
condensada na ideia-título do ensaio
Nuestra América (1891). Na contramão
da retórica modernizadora da época, o
discurso martiano repousa no projeto
de uma modernidade própria, de
bases autóctones, capaz de definir o
ser “nuestroamericano” a quem Martí
buscará mediar e representar através de
uma ação discursiva utópica.
Obedecendo a esta dinâmica, o
iní­cio do século XX apresenta o que
se poderia chamar de “revanche da
barbárie”. Sofrendo um processo de
ressemantização, a categoria barbárie
conhece uma notável evolução, ao
ponto de produzir uma verdadeira
inversão do binômio civilização e
barbárie. Uma corrente tingida de um
telurismo reivindicatório das raízes
do gaúcho pampeano ganha força na
virada do século, indo constituir-se,
principalmente, nas terras platinas, em
um grande movimento nacionalista. José
Hernández em Martín Ferro (1872), é o
principal deflagrador deste movimento.
Contrariamente a Alberdi, que acredita
que somente o aporte de uma imigração
europeia seria capaz de civilizar e atenuar
a rudeza do argentino, Hernández vê
como uma nova barbárie a implantação
planificada de sujeitos vindos da europa.
N. Oroño, célebre jornalista, versando
sobre projetos educativos, escreve na
época: “El país necesita montar tres
sistemas de enseñanza, enteramente
especializados y diferentes entre sí: el
primero para los argentinos que hacen
la vida civilizada. El segundo para los
bárbaros del desierto que se quiere
atraer a la civilización democrática del
país. El tercero para los bárbaros que
importamos de Europa por medio de la
inmigración”(1873).
Percebe-se aqui uma inversão
valorativa e um deslocamento de senti­
do da categoria barbárie, sendo assim
contestada a cultura europeia como
portadora de civilização. Os traços
culturais locais serão valorizados como
geradores da nacionalidade com a qual
se identificará o novo argentino. A
barbárie exaltada por Hernández em
Martin Ferro é uma barbárie dotada de
positividade, reparadora e libertadora,
associada necessariamente ao universo
rural e às lides do campo, uma barbárie
anterior à consolidação da grande
propriedade, que reivindica os valores
“rotos”, “cholos”, “gaúchos”. Hernández
se coloca em oposição a Sarmiento, no
que diz respeito a defesa dos valores
do homem americano, invertendo a
oposição campo/cidade. Martin Ferro é
vítima da injustiça social, da desordem
governamental e da total desilusão face
as promessas frustradas do “projeto
civilizador”.
Por outro lado, Julio Cortázar
em Casa tomada (1949) e Jorge Luis
Borges em A casa de Asterión (1949)
irão registrar a preocupação da classe
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média argentina no que diz respeito à
imigração interna, caracterizada pela
irrupção massiva de pobres no espaço
urbano, estimulada pela ascensão do
perononismo nos meados do século,
valendo-se, igualmente, da oposição
entre bárbaros e civilizados.
No contexto brasileiro, o romantismo alencarino vai, metaforicamente, se
valer, a sua maneira, dessa polarização.
Mitificando o indígena em torno de
uma aura “civilizada”, José de Alencar
tenta em obras como O guarani (1857)
ou Ubirajara (1874), esvaziar o sujeito
autóctone da sua essência cultural.
Nesses textos, a bipolaridade tende
a ser neutralizada por meio de uma
dinâmica emasculatória de integração
do bárbaro à civilização redentora. A
figura idealizada do “bom selvagem”
será a fonte inspiradora para moldar
os personagens em O Sertanejo(1875) e
o Gaúcho (1870). Em outros textos do
período, como O Índio Afonso (1873)
de Bernardo Guimarães ou O Cabeleira
(1876) de Franklin Távora, as categorias
civilização e barbárie são igualmente
operadas ainda que de forma menos
implícita, dando um maior relevo à
dialética discursiva.
Euclides da Cunha, ao se apropriar
do drama de Canudos irá, em Os
Sertões (1902), prolongar o discurso de
continuidade e apoiar o debate avivado
por Sarmiento em Facundo. Os dois
autores, apontando para uma mesma
direção, irão dar relevância ao contraste
entre campo e cidade, o alheio e o
próprio, o desconhecido e o conhecido,
americano e o europeu, o litoral e o
interior, o bárbaro e o civilizado, numa
visão dualista da sociedade que esboça
uma teoria implícita das duas Argentinas
e dos dois Brasis. Os Dois Brasis (1959)
será, por outro lado, o título de um
célebre ensaio escrito por Jacques
Lamber em que o mesmo insiste na
coexistência, na sociedade brasileira, de
estruturas arcaicas e modernas. Segundo
Lamber um “Brasil velho”, impregnado
ainda de práticas oriundas da sociedade
escravocrata conviveria e penetraria um
“Brasil novo”, marcado pela emergência
de uma cultura modernizadora.
Valendo-se, igualmente, de uma
linguagem metafórica para caracterizar
a polarização entre civilização e
barbárie, Edmar Bacha irá, através do
que ele chamaria de “belíndia” (1974),
cunhar uma expressão para significar
que o modelo de desenvolvimento
brasileiro se inscreveria num processo
amalgâmico, no qual alguns setores da
sociedade poderiam ser comparados à
riqueza da pequena Bélgica, enquanto
que outros se aproximariam da pobreza
da grande Índia.
Euclides da Cunha, apontando para
a realidade sertaneja do latifúndio, da
servidão, do isolamento cultural, da
dureza do meio irá, assim, diagnosticar
dois brasis contraditórios, vivendo de
costas um para o outro. Canudos é o
resultado do confronto entre o Brasil do
litoral e o Brasil do Sertão, realidades
distintas entre si no espaço e no
tempo. Um, encarnando a República,
o progresso, o modo de vida urbano, a
expansão secular da civilização; o outro,
personificando o atraso, as trevas da
superstição, o fanatismo religioso, o
obscurantismo, o inimigo mortal dos
valores da civilização ocidental. Antonio
Conselheiro aparece, assim, aos olhos
Pensar a Identidade latino-americana entre civilização e barbárie
das elites urbanas, como a própria
encarnação do mal e da barbárie. A
lógica oposicional que norteará os
ideais republicanos de progresso e
modernidade, apoiados num tropismo
europeu, apontará para a incompreensão
e, consequentemente, para a destruição
do estranho, do “outro” que desnorteia.
Esse abscesso oportunista deveria ser
extirpado do corpus sanus representado
pela civilização. Ao se defrontar com
os requintes de crueldade por meio
dos quais o exército republicano
irá dizimar Canudos, Euclides da
Cunha descreve, nas entrelinhas, a
irracionalidade da “civilização”, em sua
guerra contra a “barbárie”, deslocando
assim a “legitimidade” e “univocidade”
da categoria civilização, “verdadeira
inversão de papéis (…) uma antinomia
vergonhosa” (CUNHA, 1902, p.292).
Para proteger a civilização contra a
barbárie, lançar-se-á mão de métodos
atribuídos ao próprio universo tido
como barbárico, significando o caráter
móvel e reversível da bipolaridade
civilização e barbárie segundo o locus
de onde parte o olhar.
O Sertão é evocado desde os tempos dos primeiros contatos. Nos antigos
mapas portugueses, Sertão, aumentativo de deserto, é o nome dado às terras
desconhecidas presumidamente habita­
das por prodígios estranhos e ameaçadores. Espaço geográfico de fronteiras
mal definidas, estagnado num estágio
arcaico de desenvolvimento, metáfora
do irracional, o Sertão é uma das regiões
brasileiras onde a polaridade civilização e barbárie encontrará, ao longo do
tempo, um campo privilegiado de múltiplas representações tanto no universo
literário quanto no contexto artístico,
etnográfico ou folclórico.
Considerado como o descobridor
do Sertão, Euclides da Cunha faz dessa
região objeto de um vivo interesse,
abrindo assim uma via privilegiada
para a leitura do Brasil. Na esteira de
Os Sertões, vieram textos como Vidas
secas (1938) de Graciliano Ramos,
Pedra Bonita (1937) e Cangaceiros
(1953) de José Lins do Rego, Grande
sertão: veredas (1956) de Guimarães
Rosa, em que se insinua, de forma
sugerida ou de maneira explícita, a
antinomia civilização e barbárie. A
filmografia irá igualmente impregnarse da temática nordestina e operará
com esta polarização por meio da obra
de Glauber Rocha (Deus e o Diabo na
Terra do Sol,1963), de Ruy Guerra (Os
fuzis, 1964) ou ainda Nelson Pereira dos
Santos (Vidas secas, 1963) no período
do cinema novo. Os nordestinos
Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia
e Caetano Veloso irão, na turnê Doces
Bárbaros, subverter, no âmbito musical,
a carga dramática e atenuar a tensão da
terminologia, numa postura libertária
de viés ao pensamento conservador dos
anos bicudos de ditadura militar (19641985).
Em Breviário das terras do Brasil
(1997) e O pintor de retratos (2001),
Luiz Antonio de Assis Brasil, valendose da questão de como os modelos culturais europeus introduzidos no Brasil
são recebidos, subvertidos e transculturados no âmbito principalmente da
cultura gaúcha irá, como toile de fond,
igualmente lidar com a temática civilização versus barbárie.
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4 - O esmorecimento do mito
civilizador
O século XX vai oferecer novas vias
para se pensar essa relação, pautada na
inversão e/ou reformulação das categorias utilizadas pela retórica modernizadora. Visando superar as perspectivas
eurocentristas de representação do
ethos e da sociedade americana, a hora é
de buscar fórmulas que levariam a uma
modernidade própria, de bases autóctones, por meio de uma ação discursiva
de valorização da “nuestra América” em
ruptura com a mère patrie europeia. Sobretudo, a partir de meados do século
XX, surge uma nova abordagem do conceito de civilização: ela não será mais
apreendida no sentido de refinamento,
exemplaridade normativa, paradigma
a ser tomado como modelo. Virá a ser,
muito mais, uma positividade empírica
do que uma esfera de valores ideais,
despojando-se assim de seu caráter universal e singular para ser conjugada na
sua dimensão plural. É na esteira dessa
focalização que A. Toynbee (entre 1934
e 1955) versara na análise das civilizações que se sucederam na história da
humanidade e que O. Spengler (1920)
alertara para o declínio inexorável da
civilização ocidental (TOYNBEE, 1978;
SPENGLER, 1959).
A ideologia do progresso portador
de civilização é seriamente questionada
e a suposta superioridade do Ocidente
contestada, com ao advento dos dois
grandes embates belicistas do século
XX. A carnificina irracional da primeira guerra e, posteriormente, o genocídio planificado do segundo conflito
mundial reforçam, consideravelmente,
o debate sobre o próprio significado de
civilização e aguçam a dificuldade em
definir-se objetivamente o campo da
barbárie. Ezequiel Martinez Estrada, em
Radiografia de la Pampa (1933), afirmaria que civilização e barbárie são categorias interpenetráveis, cujas as diferenças
respectivas são dificilmente detectáveis.
O desencantamento em relação
ao mito do progresso se verá, igualmente, na obra do peruano José Carlos
Mariáte­gui. Em Siete ensayos de interpretación de la realidad peruana (1928),
o ensaísta desenvolve a noção de uma
América indo-espanhola, cuja a identidade será centrada no índio e no negro,
relativizando, assim, o aporte progresso/civilização devido a sua conotação
eurocentrista.
O nazismo e o fascismo contribuíram de forma determinante para
o esmorecimento do mito civilizador.
Essas filosofias, elaboradas e colocadas
em prática no próprio seio do que era
tido como o modelo civilizacional por
excelência, mostram que os horrores da
barbárie eram o próprio resultado da
lógica do progresso. A capacidade de
autodestruição da própria civilização
mostra-se patente!
Na Escola de Frankfurt, Adorno e
Horkheimer afirmariam que aqueles
horrores cometidos não eram simplesmente acidentes na história da civilização ocidental, mas faziam parte de um
processo iniciado com a lógica racionalista do Iluminismo. Esta filosofia
teria nutrido o colonialismo moderno,
principalmente francês e inglês: o Iluminismo teria se dado como missão
civilizar os selvagens (ADORNO, T. e
HORKHEIMER, M., 1985).
Pensar a Identidade latino-americana entre civilização e barbárie
A crise do conceito de civilização
toma, igualmente, lugar nas ciências
sociais onde, principalmente Claude
Lévi-Strauss e Michel Leiris, separando
a noção de civilização de sua sinonímia
com o Ocidente, suprimem a diferença
entre civilização e cultura e invalidam
a ideia de hierarquia que, até então,
acompanhava, irremediavelmente, a
noção de civilização. O descrédito dessa
noção parece irreversível no pensamento europeu, ao ponto de ser evocado
pontualmente de forma pejorativa para
designar o mundo ocidental como o fez
Georges Balandier em Civilisés, dit-on!
(BALANDIER, 2003).
Nas décadas de 1960 et 1970, a
América Latina é varada pela filosofia marxista e assiste à implantação de
sistemas políticos autoritários que, em
muitos casos, foram impostos pelo o
que se passou a chamar de “imperialismo ocidental”. Posteriormente, com a
desintegração do bloco soviético, esses
três elementos constituirão ingredientes
fundamentais para reforçar o descrédito
que se abateu sobre a ideia de progresso
gerador de civilização e atenuar de maneira considerável a polaridade civilização e barbárie.
O conceito de civilização se vê, assim, privado de seu conteúdo normativo e esvaziado de seu elã polêmico. A
dicotomia civilização e barbárie seguirá
um caminho de depuração de seu ranço
etnocêntrico, ao ponto de ser considerada como definitivamente sepultada
nos porões da história.
Entretanto, os atentados occorridos
nos Estados Unidos da América em 11
de setembro de 2001 reestruturarão, de
forma abrupta, a arquitetura geopolítica
do mundo na qual a polarização
civilização e barbárie parece ter se
avivado por um tempo indeterminado
com consequências imprevisíveis.
Formulações como “nós e eles”, “mundo
civilizado” e o “terrorismo selvagem”,
“ocidente” e “islã” traduzem uma
representação maniqueísta do mundo
e a reinstalação de dois paradigmas
discursivos: o da “civilização” associado
aos valores positivos do bem, da
liberdade, da democracia, dos direitos
humanos e o da “barbárie”, veiculador
de valores negativos do mal, da servidão,
da opressão, do integralismo religioso.
Essa representação, que encontrou
eco não somente nos Estados Unidos,
esforça-se por legitimar a missão
redentora da nação americana, guardiã
dos valores éticos e morais, braço
secular do mundo livre e civilizado. As
teses de Samuel Huntington sobre o
choque de civilizações em The Clash of
Civilizations and the Remaking of World
Order (1996) fornecerão uma leitura
geopolítica do mundo compatível com
este novo soluço da história.
NOTA
(1) No total, até 1940, mais de 4 milhões de imigrantes provenientes da
Europa instalaram-se no Brasil, dos
quais 1,3 milhões apenas entre os anos
1888-1898 e 1 milhão entre 1900 e
1915. Ver a esse respeito L. L. OLIVEIRA, O Brasil dos imigrantes, Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001.
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 25-39
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 40-56
Os Acadêmicos do Salgueiro:
Uma Academia de samba
no bairro da Tijuca
Os Acadêmicos do Salgueiro:
A samba Academy in Tijuca
• Artigo
• Guilherme José Motta Faria *
Resumo:
As escolas de Samba, ao longo dos anos 1960, tornaram-se as protagonistas do
período carnavalesco. Aparentemente deslocadas das questões sociais e políticas,
as agremiações eram tratadas como forma de diversão ou como elementos
folclóricos. Os enredos apresentados pareciam ser capítulos da História Oficial,
exaltando os “heróis nacionais”. Apresentando personagens negros e mulatos,
o GRES Acadêmicos do Salgueiro, escola de samba do bairro da Tijuca, zona
norte do Rio de Janeiro, trouxe para a narrativa dos desfiles uma gama de novas
representações, exaltando a origem africana e a discussão sobre a participação dos
negros na formação cultural brasileira. Foi a partir do Salgueiro que a temática
negra conquistou espaço, inserindo nos desfiles uma proposta engajada. A partir
do sucesso da escola, os desfiles se tornaram grandes espetáculos, emissores de
um novo olhar sobre a história do Brasil.
Palavras-chave: escolas de samba; cultura afro-brasileira; engajamento político;
revolução estética.
Abstract:
Through the decade of 1960, Samba schools became leading components of the
carnival period. Apparently detached from social and political affairs, the groups
were treated as leisure forms or folkloric elements. The themes that were displayed seemed like chapters from the Brazilian Official History, glorifying its
“national heroes”. Presenting black and brown characters, GRES Acadêmicos
do Salgueiro, a samba school from Tijuca neighborhood, in the North of Rio de
Janeiro, brought a new set of representations to the narrative of the parades, exalting African origin and the debate about the role played by black people in the
Guilherme José Motta Faria, Doutorando em História (UFF), Mestre em História (UERJ).
Professor, Coordenador do Curso de Graduação em História na Universidade Veiga de
Almeida (campus Cabo Frio).
*
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
foundation of the Brazilian culture. Through Salgueiro, the afro-Brazilian theme
conquered space, inserting a consciously political proposal in the parades. Since
the school’s success, carnival parades became big spectacles, transmitting a different point of view over the history of Brazil.
Keywords: samba schools; afro-Brazilian culture, political engagement; aesthetic
revolution.
Introdução: Arte e Política na
Academia do samba
Os desfiles das Escolas de Samba
foram se tornando, ao longo da segunda
metade do século passado, espetáculos
grandiosos, que despertavam o interesse
de boa parte da população brasileira.
Fatos curiosos, personagens e histórias
embasavam cada enredo, possibilitando
“passar em revista” os acontecimentos
relevantes da vida política, social e artística como marcas identitárias da cultura
brasileira.
A trajetória das escolas de samba
pode ser trabalhada em conexão com
a história, pois seus enredos partem de
narrativas históricas e as fontes de pesquisa, levantadas a partir da produção
historiográfica sobre o assunto, garantiam o diálogo com a disciplina, como
referencial da produção plástica das escolas. Ao mesmo tempo, as letras, a si­
nopse dos enredos, a materialização das
idéias em alegorias e fantasias se tornam, a partir de sua publicização, discursos, elementos de cultura mate­rial
que merecem ser metodologicamente
analisados.
A década de 1960 foi um momento
riquíssimo de acontecimentos e debates,
sobretudo por conta de um ambiente
cultural extremamente revitalizado.
Assim sendo, é um desafio intelectual
repassar as diversas abordagens historiográficas sobre o período em nosso
país. Foi um momento intenso da vida
política brasileira, em que, nos mais
diversos segmentos culturais, os artistas eram convidados a dar suas contribuições estéticas e ideológicas na formação sociopolítica do povo brasileiro,
externalizando anseios e problematizações.
Mediados pela inter-relação de um
Estado em transformação radical, desde
os ventos finais do desenvolvimentismo
do presidente Juscelino Kubistechk
(1955-1960); da euforia e decepção do
fenômeno Jânio Quadros (1960); das
incertezas políticas do Governo de João
Goulart (1960-1964); até o desfecho do
Golpe militar (1964-1985), com seus
generais-presidente, os anos 60 encarnaram, de maneira profunda, a busca
por uma nova forma de fazer política,
mantendo com o campo da cultura um
diálogo fecundo.
Dessa forma, durante o período,
ocorreu extensa produção de bens culturais, que, com o imbricamento das
questões políticas gerou vários desdobramentos nas nossas práticas culturais,
ora de contestação, ora de enaltecimento de ideologias que se contrapunham
no cotidiano. Era preciso ter opinião. As
artes, de maneira geral, abriram caminhos para essas manifestações e para a
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 40-56
formação constante de quadros políticos.
A trajetória dos GRES Acadêmicos
do Salgueiro está completamente ligada
ao fenômeno das transformações estéticas e ideológicas no campo cultural.
Segundo memorialistas e pesquisado­
res1, a escola, fazendo suas escolhas, se
mostrou uma escola de samba “engajada”. Revolucionou os conceitos carnavalescos e, a partir de sua abordagem
criativa nos enredos apresentados, abriu
um novo campo de discussões acerca
da História brasileira, estimulando uma
postura crítica, principalmente em relação a sua “oficialização”.
Essas práticas culturais, discutindo
a questão racial, a valorização da ascendência africana e as reivindicações
feministas — ressaltando mulheres mar­
cantes e, até aquele, momento pouco
conhecidas na nossa cultura — foram
registradas pelos estudiosos do carnaval
como “ações pioneiras”. Por meio de
sambas, fantasias e alegorias, apresentados em desfiles marcantes, amplamente
registrados pela imprensa carioca, ajudaram a construir essa versão poderosa
sobre a escola e o seu legado.
Embalados no lema “Nem melhor
nem pior, apenas uma escola diferen­
te2”, a escola do bairro da Tijuca tri­lhou
um caminho diferencial, buscando pro­
blematizar as discussões de gênero, classe
e cor, permitindo que outras vo­zes, até
então abafadas no processo de repetição
de uma História Oficial positivista,
pudessem ser visibilizados. Sua conduta
abriu espaço para que novos temas fossem apresentados, constituindo marcas
incorporadas ao campo cultural e ao cotidiano das demais escolas de samba.
No contexto cultural dos anos 60,
o ambiente do carnaval carioca refletia
também a circularidade cultural3, em
que se buscava representar, na avenida,
os novos símbolos de luta pela igualdade de direitos, ações afirmativas e
reivindicações sociais. O Salgueiro, sujeito de seu tempo, com sua proposta
temática, ajudou a iluminar as questões
sociais de um grupo que se tornava
heterogêneo, mas mantinha sua base
comunitária formada em maioria por
homens e mulheres, negros e mulatos.
Questionando, a partir dos exemplos de
Chica da Silva, Aleijadinho, Chico Rei,
Zumbi dos Palmares, entre outros homenageados, refletia também a própria
luta por parte dos sambistas pela garantia de sua ascensão social e sua ação,
demarcando seu espaço, como cidadãos
na sociedade brasileira.
De fato, as narrativas dos memorialistas e pesquisadores, assim como
as entrevistas dos membros da Velha
Guarda e carnavalescos da escola4 ajudaram a “cristalizar verdades”, eclipsando vários personagens e outras agremiações que também dialogavam com
essa estética. Não creio que a questão
do pioneirismo, tantas vezes apontado
pelos pesquisadores, seja exclusividade
do Salgueiro. O processo histórico nos
permite perceber que os fenômenos não
nascem isolados e sim como momentos
em que as ideias e práticas estão “circulando”.
Com efeito, o Salgueiro pode não
ter sido tão “pioneiro”5 como nos faz
crer a bibliografia, mas, sem sombra de
dúvidas, o grupo de artistas (eruditos e
populares)6 que a agremiação reuniu em
seu entorno, permitiu, na década de 1960,
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
que se consolidassem as representações
da cultura afro-brasileira, legitimando
a manifestação escola de samba como
um potente emissor, originado a partir
dessa herança cultural.
1 - Engajados X Alienados – A
função da cultura nos anos 1960
A virada da década de 1950/60 foi
um momento de extrema relevância
para a cultura brasileira. As manifestações artísticas se revelaram eixos potenciais na difusão de ideias e valores, que
circulavam pelo mundo, refletindo em
e sendo apropriados pelos segmentos
culturais brasileiros. O período foi vi­
vido em um ritmo intenso e de grande
efervescência, tanto estética, quanto
ideológica. Nas diversas áreas, artistas e intelectuais utilizavam suas obras
como veículos para disseminação de
ideais de justiça, liberdade, cidadania,
transformando seus conteúdos em discursos políticos e sociais. Reverberados
nos meios de comunicação de massa,
em representações que amplificavam o
vigor dessas discussões, trouxeram em
seu bojo o olhar e a voz das ruas, das
passeatas e das conversas dos bares.
Com a certeza de que essas manifestações artísticas e culturais desempenhavam um papel fundamental na
formação dos indivíduos críticos da
sociedade, foram sendo levantadas algumas questões teóricas e práticas, consideradas relevantes nesse intenso movimento: Como realizar obras de arte
engajadas politicamente? Como discutir
as grandes questões nacionais e levá-las
ao povo? Como fazer com que o teatro,
a música, o cinema, as artes plásticas,
a literatura se apropriassem dos anseios populares e refletissem, em obras
de arte, a síntese desse desejo coletivo?
Como transformar a realidade social e
“tocar” corações e mentes de um povo
alienado e terceiro mundista?
A certeza que se parecia ter é que os
artistas tinham uma missão, uma função social e parecia ser inadmissível não
utilizar, como ferramentas, as diversas
linguagens artísticas com o propósito
de instruir politicamente o Povo. Essa
tendência foi sintetizada na proposta da
criação e produção dos CPCs da UNE7
que funcionaram como propulsores
de obras de arte em que a mensagem
política era mais importante do que a
estética. O inverso seria considerado
pecado capital, condenando o artista
sem preocupações políticas a ser considerado um “alienado”.
Se nos primeiros anos da década de
60, amparada por um forte apoio do
Estado, prevaleceu essa idealização da
função da arte, à medida que os anos
iam se desenrolando os meios de comunicação de massas8 começavam a
fazer a diferença. Dessa forma, outros
discursos foram sendo absorvidos, contrapondo, de um lado, os tradicionalistas, “engajados” e, de outro lado, os
modernos, conceituados de “alienados”.
A grande tensão estava entre a obsessão
do novo e a veneração às raízes da cultura brasileira. As disputas por esses
legados invadiram todas as manifestações artísticas no período.
Com isso, a grande discussão no
campo da cultura foi sendo articulada
nas funções da obra de arte e de sua
utilização como instrumento político,
como elemento crítico e reflexivo ou
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 40-56
como produto dessa sociedade de consumo. A questão estética parecia superada pelos dois grupos. Era necessário, na
visão engajada, que o artista cumprisse
a sua função social se comunicando
com o público através dos sentimentos e
da construção de uma consciência. Por
outro lado, também, pelo viés do sentimento e do divertimento, esperava-se
atrair esse público para consumir essa
arte, comprando os discos, lendo os li­
vros, assistindo aos filmes, novelas e
programas de TV.
2 - As escolas de samba do Rio
de Janeiro: entre o engajamento e
alienação
O carnaval carioca já desfrutava,
nos anos 60, de prestígio e posição de
destaque nos festejos de Momo, em
âmbito nacional. Mesmo com a transferência da capital da República para
Brasília, a primazia da Festa no Rio de
Janeiro não foi ofuscada. As escolas de
Samba, por conta de uma cobertura
cada vez maior nos meios de comunicação9 e por uma clara aproximação com
as classes médias da cidade, haviam se
tornado, as protagonistas do período
carnavalesco.
Aparentemente deslocadas das questões sociais e políticas, durante muito
tempo, as escolas de samba foram tratadas como diversão para as massas ou
como manifestação da cultura popular
e folclórica, conforme alguns intelectuais10.
O desfile das escolas de samba deverá marcar, neste carnaval do IV
Centenário, o ponto culminante da
festa no que ela tem de espetáculo,
mas fixará, também, o instante
histórico do início da sua rápida
desagregação como fenômeno folclórico (TINHORÃO, 1965 apud
COSTA, 1984).
De fato, nas propostas de enredo e
nos sambas, até a década de 60, as agremiações pareciam ser um espaço para
repetição e manutenção da História
Oficial. A escolha desses personagens
e fatos, com uma narrativa consagrada
pela historiografia, eternizada nos livros didáticos, tornavam as agremiações
respeitadas pelo Estado e por suas comunidades de origem, pois o que elas
apresentavam “estava escrito nos livros”,
sendo, portanto, a pura “verdade”.
Entretanto, as inquietações começavam a aflorar. Em 1953, a união de escolas de samba do Morro do Salgueiro11
fez surgir a GRES Acadêmicos do Salgueiro, escola que trouxe mudanças
radicais nos desfiles, objeto central deste
trabalho. Diferente do que a maior parte
da historiografia sobre o tema propõe,
a obrigatoriedade dos temas nacionais
não foi uma imposição do DIP12, durante o Estado Novo, e sim uma prerrogativa das próprias agremiações, nos
primeiros anos de desfiles nos anos 30.
Esse fato ocorreu por conta do desejo
de buscar uma diferenciação em relação
aos Ranchos (AUGRAS, 1998), estrelas
maiores da Festa Momesca no início do
século XX, que utilizavam narrativas
operísticas e da História Mundial como
motivos de seus préstitos.
Observando a relação de enredos das
principais escolas de samba da cidade do
Rio de Janeiro nos anos 1950, podemos
ter um indício do que era apresentado
nos desfiles. O tom ufanista e laudatório
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
encontrou nesse período seu momento
de maior vigor. A Estação Primeira de
Mangueira, por exemplo, levou para a
avenida: Gonçalves Dias (52 e 58); Unidade Nacional e o Progresso da Nação
(51,53 e 57); Getúlio Vargas (56); cantou
o Plano Salte13(50); e o Rio Antigo (54).
A GRES Portela apresentou Riquezas do
Brasil (50 e 56); A Volta do Filho Pródigo
(51) homenageando Getúlio Vargas;
Brasil de Ontem, As seis datas magnas
e Vultos e efemérides do Brasil (52, 53 e
58); os Legados de D.João VI (57); os 400
anos de São Paulo (54).
O Império Serrano apresentou:
Antônio Castro Alves (48); Exaltação à
Tiradentes (49); Batalha Naval do Riachuelo (50); 61 Anos de República (51);
Homenagem à Medicina, O Último Baile
da Côrte Imperial e O Guarani (52, 53 e
54); Exaltação à Duque de Caxias (55);
uma homenagem a Raposo Tavares em
O Caçador de Esmeraldas (56); Exaltação à Dom João VI (57); e Exaltação
à Bárbara Heliodora (58). A escola de
samba Beija-Flor de Nilópolis, contemporânea de fundação do Salgueiro, não
era uma das escolas de ponta naquele
momento. Entretanto, também seguia
o modelo clássico dos enredos: O Caçador de Esmeraldas (54); Páginas de Ouro
da Nossa História (55); O Gaúcho(56);
Riquezas Áureas do Brasil (57); Tomada
de Monte Castelo(58).
Desde a sua fundação14, o Salgueiro
buscou ir um pouco além nas temáticas escolhidas. Ainda se apresentavam
muito presas ao contexto geral das demais escolas, mas já era possível perceber a tentativa de uma novidade. Em
Romaria à Bahia (54), a religiosidade,
timidamente, se apresentava. Epopeia
do Samba (55) homenageou Pedro Ernesto Batista15. Aproveitaram o samba
para criar uma narrativa de união e
protagonismo entre as comunidades
formadoras do espetáculo: A epopéia do
samba chegou/Foi em nossa antiga Praça
Onze que os sambistas de fibra lutaram
pra vencer/uniram Salgueiro, Mangueira, Portela, Favela, Estácio de Sá/ resol­
veram resistir até a vitória chegar 16.
Brasil Fonte das Artes (56) ficou híbrida,
entre a exaltação e novos dados para
discussão: És Brasil fonte das artes/ cheio
de riquezas mil/ e os nossos selvagens já
se faziam notar/ depois veio a civilização/ as academias dando nova formação
à filosofia rudimentar 17 .
O Salgueiro, segundo o pesquisador
Haroldo Costa (1984: 27), foi a primeira
escola a fazer enredos que colocassem os negros em destaque e não na
figuração. Navio Negreiro(57) foi esse
primeiro marco de um desfile “engajado”. Outro dado importante é que, até
então, as fantasias eram confeccionadas
por membros da própria comunidade e,
nesse ano, a parte plástica de algumas
agremiações passou a ser executada
por agentes culturais de outras manifestações18. Essa aproximação abriu
espaço para que artistas com formação acadêmica passassem a participar
da produção dos desfiles e, na década
seguinte, esse processo se consolidou,
na figura do “carnavalesco” 19.
A ansiedade por uma vitória foi o
motivo da tentativa dos dirigentes da
escola em se encaixarem na tendência
reinante. O enredo Exaltação aos Fuzi­
leiros Navais (58), de fato, era inusitado
como tema, mas bastante tradicional,
retratando a corporação militar. A es-
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 40-56
tratégia da escola consistia na incorporação de táticas consagradas pelas
demais agremiações, na esperança de
conquistar um título.
No ano seguinte, com o enredo
Viagens pitorescas do Brasil 20, uma
homenagem ao pintor francês Jean
Baptiste Debret21, a escola apresentou
em seu desfile, quadros e aquarelas do
pintor, de forma teatralizada. A vida
cotidiana dos escravos pelas ruas do
Rio de Janeiro era o tema principal
de suas telas e o desfile, segundo
memorialistas e acadêmicos22, se tornou
“seminal” das novidades temáticas
e estéticas que as escolas de samba
passaram a protagonizar. Enquanto as
demais escolas desfilavam seus temas
rotineiros23, a escolha do Salgueiro pre­
nun­ciava um caráter diferente, pois,
do acervo de Debret, as obras que se
tornaram mais relevantes foram as
aquarelas sobre a vida dos escravos.
Dessa feita, a homenagem da agremiação seria ao segmento social de
negros anônimos do século XIX24. As
inovações, vistas com desconfiança pelas rivais, com o tempo passaram a ser
apropriadas pela cultura das escolas de
samba. Neste desfile foi apontado pelo
memorialista Sergio Cabral outro “pioneirismo”. A escola aboliu o uso das cordas laterais que distanciavam o público
de suas apresentações. Com essa ação,
o Salgueiro ampliava o contato com os
espectadores, aproximando o público
de seu enredo.
A primeira quizumba do Nelson foi
comunicar ao Miécio Tati, Diretor
de Certames, que o Salgueiro não
desfilaria dentro da corda, como
era determinado pelo regulamen-
to, mesmo que isto lhe valesse a
desclassificação. Até então, as escolas passavam confinadas dentro
do espaço limitado por uma corda
que ia se mantendo esticada graças a abnegados voluntários que
terminavam o desfile com as mãos
e a cintura em carne-viva. Nelson era de opinião que estava na
hora de acabar com aquela coisa
primitiva, já que o policiamento
ostensivo se encarregava de manter a pista livre para as evoluções.
Quando o Salgueiro surgiu na
Avenida Rio Branco, sem corda,
sem carros alegóricos, com os
seus componentes cantando, sambando e trazendo na cabeça e nas
mãos adereços que ondulavam no
ritmo, foi uma surpresa. E o samba
era gritado a plenos pulmões pela
ala dos compositores (CABRAL,
1996, p.88)
Na bibliografia sobre as escolas de
samba25, ganhou grande destaque um
encontro acontecido nesse ano, que se
tornou fundamental para os novos rumos do espetáculo. Fazendo parte do
júri, Fernando Pamplona26 ficou impressionado com o desfile do Salgueiro
e, convidado por Nelson de Andrade,
aceitou ser o “carnavalesco”, criando o
enredo no ano seguinte. Com a parceria estabelecida, Pamplona, na visão
dos memorialistas, se tornou a principal figura de um processo de transformação estética e ideológica dos desfiles.
Levou para o Salgueiro um grupo de
profissionais, companheiros de profissão da Escola Nacional de Belas Artes
e do setor de cenografia do Teatro Municipal. Esse elenco de artistas plásticos,
com formação erudita e desejo de tra-
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
balhar na órbita da cultura popular contribuiu para a redefinição do conceito
de escola de samba27.
A sequência de enredos desenvolvidos por esse grupo, com a temática negra
e a revitalização da nossa história, por
meio de encenações inovadoras, trouxe
à tona personagens marginalizados ou
totalmente desconhecidos pela ótica
da história oficial, dos livros didáticos.
Dessa forma, o universo das escolas de
samba passava também a ser palco de
propostas que revelavam um engajamento político e cultural. Refletia sobre
seu passado e ressaltava, em seus enredos, personagens populares, homens e
mulheres, negros, mulatos, pobres. O
Salgueiro, com sua postura, inseria nos
desfiles uma postura militante.
3 - Os Acadêmicos do Salgueiro:
uma escola de samba “engajada”
De fato, essa busca pela diferença foi
uma das características fundamentais
da escola de samba do bairro da Tijuca, sobretudo, quando ela se tornou a
plataforma de lançamento de histórias
pouco conhecidas pelo público em
geral. Ressaltando personagens em sua
maioria negros e mulatos, acrescentou à
linguagem visual/discursiva dos desfiles
toda uma gama de representações que
exaltavam a origem africana desses personagens, assim como a ancestralidade
que a própria festa carnavalesca representava.
Dessa forma, o Salgueiro trouxe
para o centro das discussões as temáticas etnográficas, raciais e o debate sobre
a participação dos negros na formação
sócio-cultural do Brasil. A sequência de
desfiles entre 1959 e 1971 revelou esse
fulgor de criatividade, de descobertas
e de militância. Retrataram a cultura
negra, com suas peculiaridades, suas
mazelas e suas alegrias amplificadas nos
sambas e nos desfiles realizados pela
escola. Com efeito, as apresentações da
agremiação deram grande visibilidade
às questões de raça e gênero, discutidas em todo mundo e, segundo a bi­
bliografia especializada, foi a partir do
Salgueiro que essas temáticas entraram
no rol dos enredos possíveis, conforme
comenta Walnice Nogueira Galvão:
A idéia de Fernando Pamplona
para o primeiro desfile que dirigiu, em 1960, foi a seu modo uma
novidade: ele sugeriu o enredo
“Quilombo dos Palmares”. Jamais
anteriormente uma escola tinha
homenageado um herói negro,
dando preferência a personagens
brancas da história oficial. Daí em
diante, as escolas passariam a buscar em figuras africanas ou afrobrasileiras a inspiração para seus
enredos, o que até então nunca
ocorrera. [...] O fenômeno data
dessa mudança formal do desfile –
começando com o enredo Debret,
em 1959, e continuando com o de
Chica da Silva, em 1963, ambos do
Salgueiro” (GALVÃO, 2009, p.47).
Fernando Pamplona foi, para a
grande maioria dos pesquisadores, a
figura que propiciou o encontro entre a
cultura erudita e a popular no ambiente
das escolas de samba. Propondo temas
“engajados”, o artista foi realizando uma
verdadeira “catequese” junto aos moradores do morro, para que aceitassem
vestir fantasias de tribos africanas em
47
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 40-56
substituição das tradicionais vestimentas de nobres com suas perucas, sapatos
e casacas 28.
Mas o pioneirismo tem o seu preço:
Fernando Pamplona e sua equipe
encontraram algumas dificuldades
para convencer os integrantes do
Salgueiro de que o enredo em ho­
menagem a Zumbi dos Palmares,
para ser bem-sucedido, teria de
apresentar um grande número de
componentes com a pobre fantasia de escravos. Era uma idéia que
contra-riava uma velha tradição,
não só das escolas de samba como
das manifestações folclóricas de
origem negra, pois era através
delas que os negros realizavam,
pelo menos na indumentária, o
sonho de se apresentar como reis,
rainhas, duques etc. Enfim, o velho
sonho que se acabava na quartafeira, como tantas vezes foi escrito.
Afinal, o povo das escolas de samba, desempregado ou mal pago
em seus empregos, já era escravo
o ano inteiro. Por que ser escravo
também no carnaval? [...] O fato
é que Fernando Pamplona e sua
equipe convenceram os sambistas
de que todo sacrifício seria uma
contribuição pessoal para alcançar
o que todos sonhavam: a vitória da
Escola de Samba Acadêmicos do
Salgueiro (CABRAL, 2004, p.180)
O início dessa trajetória foi turbulento, como narrou o memorialista
Sergio Cabral, mas os resultados e, sobretudo, a repercussão que os desfiles
do Salgueiro foram atingindo, permitiram que a comunidade do morro e os
simpatizantes da classe média carioca
se achegassem cada vez mais à agremiação. O primeiro enredo proposto por
Pamplona foi paradigmático em relação
ao trabalho que ele liderou na escola,
escolhendo exaltar a figura de Zumbi
dos Palmares com o enredo Quilombo
dos Palmares (COSTA, 1984, p.82). O
trabalho foi realizado em parceria com
Arlindo Rodrigues, Nilton de Sá e com
o casal Nery, que havia permanecido na
escola. O resultado final pendia para o
primeiro título do Salgueiro, mas uma
grande confusão foi formada, comandada pelo presidente da Portela, Natal,
e as cinco primeiras colocadas29 foram
consideradas campeãs.
Com Vida e obra de Aleijadinho(61),
Xica da Silva(63) e Chico Rei(64) o Salgueiro, segundo a narrativa dos memorialistas, “revolucionou” os desfiles das
escolas de samba. Segundo os pesquisadores, trazendo para o centro do evento
a cultura brasileira em estado bruto,
com personagens quase desconhecidos
do grande público, que encarnavam de
forma profunda a brasilidade de negros
e mulatos. Aliada às questões temáticas,
a utilização de outros materiais também
trouxe um vigor renovado ao espetáculo
(FERREIRA, 1999).
Interessante notar que, mesmo não
estando à frente da escola nos desfiles
de 1962 e 1963, parte dos memorialistas
e pesquisadores30 da história das escolas de samba apontam Fernando Pamplona como idealizador dos enredos. A
sua postura militante e engajada, com
histórico no TEN31, amigo do folclorista
Edison Carneiro, da bailarina Mercedes
Batista e dos fundadores da Cia de Dança Brasiliana, entre outros artistas com
engajamento político/cultural, destacou
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
Pamplona como o mentor do processo
criativo da escola, mesmo que nesse
biênio sua participação tenha sido mais
afetiva do que efetiva.
Contando em seus enredos histórias
de vida em que a superação era uma das
maiores virtudes, a ação afirmativa do
Salgueiro deu início a um processo de
oxigenação das ideias no carnaval , por
meio da circularidade cultural, pois, a
partir dos seus desfiles, fez circular, por
diversas camadas sociais personagens,
suas idéias e práticas culturais. De fato,
pesquisando os periódicos da época32
percebi que não só o público que assistia aos desfiles e as comunidades parti­
cipantes se apropriaram destes temas. A
partir do interesse dos meios de comunicação de massas (jornais, as emissoras
de rádio, as revistas de grande circulação
e as iniciantes emissoras de tv), novas
classes sociais, assim como as demais
manifestações artísticas33, passaram a se
interessar pelo espetáculo das escolas e
pelos personagens retratados.
Outro fato relevante é que as
próprias escolas de samba, a partir da
abertura temática do Salgueiro, passaram a tratar também de temas relacionados às questões das condições sociais dos negros, desde a ancestralidade
africana e do tempo da escravidão até
o advento do samba com a proliferação dos subúrbios e favelas na cidade
do Rio de Janeiro. História do Carnaval
Carioca(65), uma homenagem a pesquisadora Eneida de Moraes34, abriu outra
série de abordagens que colocavam a
cidade e o carnaval carioca como personagens principais da trama escolhida. O
enfoque do Salgueiro reforçou o caráter
das escolas com suas raízes africanas,
tanto na questão rítmica, quanto no
gingado corporal, que o samba-enredo
ia estabelecendo.
Os amores célebres do Brasil(66) e
Histórias da Liberdade no Brasil(67),
trouxeram à cena abordagens críticas
da história do Brasil. O primeiro enredo
estruturou sua narrativa no lado exótico dos romances, no que eles tinham
de transgressão35. O segundo enredo,
mesmo de forma indireta, apresentava
uma mensagem contra a opressão que
se vivia naquele momento. Segundo
Fernando Pamplona (MOURA, 1985,
p.15), várias vezes os ensaios foram
interrompidos com corte da energia
elétrica. Também havia a presença de
policiais pertencentes ao DOPS36, que
acompanhavam os ensaios para apontar
qualquer tipo de conotação política na
preparação do carnaval da escola.
Era, de fato, uma demonstração de
coragem por parte da agremiação, escolher o tema liberdade num momento
crítico da nossa história política, em
que o aparato militar montou um rígido
esquema de repressão aos opositores
ao regime, identificados, ou melhor,
genericamente chamados de “comunistas”, procurando fechar todos os meios
de comunicação para não informarem
sobre as arbitrariedades cometidas pelos militares no poder.
Com Dona Beja – a Feiticeira de
Araxá(68), a agremiação, segundo Haroldo Costa, novamente marcou sua trajetória de originalidade destacando uma
personagem também desconhecida do
grande público37. Se Ana Jacinta não se
inseria no rol dos personagens negros,
uma marca já consolidada naquele momento pela escola, a sua menção pode
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 40-56
ser incluída no rol das personalidades
femininas exaltadas pela agremiação. A
citação do memorialista Haroldo Costa
demarca essa construção narrativa su­
blinhando o pioneirismo da escola e sua
opção pelos personagens pouco conhecidos da história brasileira.
Seguindo a linha de enredos sobre
personagens da história popular
do Brasil, aquelas que não cons­
tam dos livros didáticos e não são
reconhecidas pelo “país de cima”
(...) o Salgueiro decidiu apresentar
Dona Beja, a feiticeira de Araxá,
baseado no livro do mesmo título
de Thomas Leonardos, na ocasião
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, desenvolvido por
Fernando Pamplona, com figurinos de Arlindo Rodrigues e Marie Louise Nery (COSTA, 1984,
p.174).
Com efeito, tanto em Xica da Silva,
quanto na homenagem a Eneida ou em
Amores célebres dando bastante ênfase e
espaço para as figuras femininas dos casais famosos, estava se tornando outra
tradição do Salgueiro dar destaque às
mulheres que encarnavam em si o ideal
de liberdade e de autonomia. Podia-se
dizer que essas escolhas temáticas eram,
de certa forma, uma adesão da agremiação ao movimento feminista que
tomava corpo, com grande intensidade,
em todo o mundo. O “pioneirismo”
temático já havia sido comentado por
Haroldo Costa:
[...] O que não se discute, porém, é
que o Salgueiro levou fé, ousando
apresentar pela primeira vez uma
mulher como enredo de escola
de samba. A partir daí, Chica da
Silva foi revelada ao Brasil, transformando-se em figura próxima e
cultuada, heroína da história escrita à margem (id, p.125)
No ano seguinte, o Salgueiro, aparentemente, faria uma “involução”, pois
o enredo escolhido Bahia de Todos os
Deuses permitiria à escola fazer uma
homenagem a um dos estados brasileiros mais representados nos desfiles da
nossa festa carnavalesca. Entretanto, por
conta dos maus resultados obtidos pelas
agremiações que escolhiam o tema, gerou-se a crença de que essa opção daria
“azar”. Mesmo sendo forte a superstição,
o Salgueiro conseguiu o contrário, pois,
a escola se tornou campeã. Esse feito
tornou-se possível por conta da abordagem bastante original, transcendendo
as representações da cultura e do povo
da Bahia e investindo, também, nas representações das divindades presentes
no candomblé.
Havia certo pudor ou temor de ir
contra a estética estabelecida na festa,
que, mesmo sendo pagã, revelava traços
de uma cultura católica. Essas imagens
do culto religioso sincrético, realizado
na Bahia e apropriado pelos grupos, a
princípio negros, que de lá partiram,
eram vistas pela primeira vez no desfile das escolas de samba. Foi um ato
de coragem mesclar as igrejas católicas e os orixás do candomblé durante
a apresentação. O título conquistado
ajudou a quebrar a idéia pré-concebida
da mandinga ou azar. Com efeito, nos
anos seguintes, outras agremiações retrataram a Bahia, com seu misticismo
cultural, em seus desfiles.
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
A cidade do Rio de Janeiro foi tema
do enredo de 1970, em que também o
carnaval em seus primórdios ganhava
destaque. Com Praça Onze, Carioca
da Gema, o Salgueiro fazia uma dupla
homenagem, tanto para a cidade quanto
para as escolas de samba. O reduto da
Tia Ciata era cantado em verso e prosa,
oferecendo ao público e aos sambistas
em geral uma versão do nascedouro do
samba e das agremiações. O Salgueiro,
desta forma, criava uma genealogia
para as escolas e para o próprio ritmo
do samba estimulado pela turma do Estácio de Sá, liderados por Ismael Silva,
Bide e outros sambistas que criaram a
síncope característica das escolas de
samba.
O enredo da escola no carnaval de
1971, Festa para um Rei Negro encerrou
esse período de “engajamento e militância” da agremiação. É interessante notar
que esse desfile fechou um ciclo de propostas temáticas que se tornaram recorrentes na história das escolas de samba.
Partindo de uma narrativa que parecia gravitar entre o real e o ficcional, a
história do rei que recebia a visita de
uma corte especial, vinda diretamente
da África, abriu caminho para alguns
outros enredos que transitavam por
essa esfera discursiva.
Dessa forma, a escola coroou seus
personagens e a sua comunidade por
aceitar o desafio e comprar a briga estética e ideológica proposta pelos artistas
que estavam criando os desfiles da agre-
miação. Nessa apresentação, os trajes
africanos que foram utilizados eram,
em sua maioria, trajes de uma nobreza
africana. A auto-estima e a ação afirmativa geravam o desejo da comunidade
do morro do Salgueiro de se exibir com
as fantasias afro, numa linhagem da nobreza do continente africano. Essa nova
postura foi conseguida ao longo de dez
anos, com muitas conversas, alguns
títulos e desfiles sempre marcantes da
agremiação na década de 1960. Nessa
altura, já participavam do barracão da
escola, junto a Fernando Pamplona e
Arlindo Rodrigues, os artistas Maria
Augusta, Joãozinho Trinta, Rosa Maga­
lhães, Laíla, Max Lopes e outros que
seriam os principais carnavalescos nos
anos seguintes.
O carnaval carioca e, especificamente, as escolas de samba, a partir da
visibilidade alcançada pelas agremia­
ções e em especial o GRES Acadêmicos
do Salgueiro, demarcaram um novo
patamar para as agremiações dentro
do panorama cultural brasileiro. A
contribuição da escola transcendeu a
questão plástica e estética, abrindo novos caminhos para a discussão de temas
até então “marginalizados” pela história.
Situada no bairro da Tijuca, repleta de
Universidades, academias do saber, o
Salgueiro fez juz ao seu nome e, de fato,
como uma academia, colaborou de maneira efetiva na circulação de novos saberes, a partir de seus desfiles, seus sambas e seus enredos.
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 40-56
NOTAS
(1) Essa narrativa, elegendo o Salgueiro
como motor da renovação estética e
ideológica no carnaval carioca pode
ser encontrada em: ARAÚJO, Hiram.
Carnaval – Seis mil anos de História.
2. ed. Rio: Gryphus, 2003; AUGRAS,
Monique. O Brasil do Samba-Enredo. – 1.ed. Rio de Janeiro:FGV, 1998;
CABRAL, Sérgio. As escolas de samba
do Rio de Janeiro. 2.ed. Rio de Janeiro:
Lumiar, 2004; COSTA, Ha­roldo. Salgueiro: Academia do Samba. Rio de
Janeiro: Record, 1984; COSTA, Haroldo. Salgueiro 50 anos de glórias.
Rio de Janeiro: Record, 2003; FARIAS,
Edson. O desfile e a Cidade. O carnaval espetáculo carioca. 1.ed. Rio de
Janeiro: e-papers, 2005; MOURA, Roberto. Carnaval da Redentora a Praça
do Apocalipse. Rio: Jorge Zahar, 1985;
SANTOS, Nilton. A Arte do efêmero :
carnavalescos e mediação cultural no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Apicuri,
2009; entre outros.
cias. Alguns autores que trabalharam
com esse conceito: GINZBURG, Carlo.
O queijo e os vermes. O cotidiano e
as idéias de um moleiro perseguido
pela Inquisição. São Paulo, Cia das
Letras,1987; BURKE, Peter. Variedades da História Cultural. Rio: Civilização Brasileira, 2002; CHARTIER,
Roger. A história cultural; entre práticas e representações. 2. Ed. Lisboa:
Difel, 1990.
(2) A criação do lema da escola é
atribuído a Nelson de Andrade, presidente e principal mentor da agremia­
ção no período de 1957-1961). Essa
afirmativa encontramos em CABRAL,
Sérgio. As escolas de samba do Rio
de Janeiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 2004; COSTA, Haroldo. Salgueiro:
Academia do Samba. Rio de Janeiro:
Record, 1984;
(5) A questão central da minha pesquisa é apresentar os vários grupos culturais que atuavam naquele momento
histórico (1950-60) que estavam discutindo a temática cultural afro-brasi­
leira e as quuestões relativas a raça e
identidade. Alguns enredos tido como
pioneiros, como Aleijadinho (61), Chica da Silva (59)e Dona Beija (66) foram
apresentados anteriormente ou contemporâneos aos desfiles do Salgueiro,
por agremiações do Rio e de São Paulo.
O dado interessante é que esses outros
desfiles foram “esquecidos” pela biblio­
grafia sobre carnaval.
(3) O conceito de circularidade cultural pressupõe que as ideias, práticas
e valores circulam entre as camadas
sociais diversas, sendo representadas
a partir de suas vivências e experiên-
(4) Na minha pesquisa sobre o Salgueiro, nos anos 1960, parte da Tese
de Doutorado em História (UFF)
entrevistei Djalma Sabiá, Fernando
Pamplona, Maria Augusta Rodrigues,
Dona Caboclinha, Haydè Blandina,
Jorge Bombeiro, Renato Lage, entre
outros. Componentes históricos da
escola, corroboraram com a narrativa,
centrada no pioneirismo salgueirense e
sua importância no cenário carnavalesco da cidade do Rio de Janeiro.
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
(6) Artistas plásticos, compositores,
passistas, bailarinos, coreógrafos, ritmistas, entre outros.
(7) Centros Populares de Cultura que a
União Nacional dos Estudantes organizavam. Esses Centros tinham como função
levar a produção artística até as áreas da s
periferias e pelo interior do país.
(8) As emissoras de TV, as estações de
Rádio, a Indústria fonográfica, as revistas e jornais.
(9) No início da década, a Tv Continental exibiu flashs do desfile principal das
escolas de samba. No final dos anos
1970, a Rede Globo passaria a transmitir na íntegra o desfile. Durante a
década de 80, até sua extinção, a Rede
Manchete rivalizou com a Globo pela
melhor cobertura do evento.
(10) O etnólogo Édison Carneiro, por
exemplo, ao final do 1º Congresso Nacional do Samba, no Rio, em 1962, foi
incumbido de redigir a Carta do Samba,
um documento preservacionista dos
fundamentos do gênero e que foi publicado pelo antigo MEC através da Campanha de Defesa do Folclore.
(11) Localizado na Tijuca, importante
bairro de classe média da zona norte
da cidade do Rio de Janeiro. No bairro,
outras escolas também foram criadas e
participam atualmente do carnaval carioca como a Unidos da Tijuca (Morro
do Borel) e Império da Tijuca (Morro da
Formiga).
(12) Departamento de Imprensa e
Propaganda.
(13) Programa de governo do General
Eurico Gaspar Dutra, que consistia
no investimento prioritário nas áreas
de Saúde, Alimentação, Transporte e
Energia.).
(14) Fundada em 1953, a partir de
uma fusão entre duas escolas de
pequeno porte do Morro do Salgueiro,
a GRES Azul e Branco e a GRES Depois eu Digo.
(15) Pedro Ernesto Baptista foi, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, por dois períodos, entre 30/9/1931 a 2/10/1934
e 7/4/1935 a 4/4/1936. Foi consi­
derado um dos maiores benfeitores
das Escolas de samba, intervindo para
a oficialização do desfile das agremia­
ções. Alcançou grande popularidade e
respeito dos sambistas. Foi preso, sob
acusação de ser comunista.
(16) Samba de Bala, Duduca e José Ernesto Aguiar in. COSTA, Haroldo. Salgueiro 50 anos de Glória. São Paulo:
Ed. Record, 2003, p.23.
(17) Samba enredo de 1955, dos
compositores Djalma Sabiá, Éden Silva (Caxiné) e Nilo Moreira in COSTA,
Haroldo. Salgueiro 50 anos de Glória.
São Paulo: Ed. Record, 2003, p.27.
(18) O Salgueiro, a Portela e a
Mangueira receberam colaborações de
artistas ligados ao Teatro de Revista.
(19) Os ranchos já haviam experi­
mentado esta aproximação, mas com
as escolas de samba, esse processo se
tornou possível na década de 1960,
com uma tendência recorrente da subs-
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 40-56
tituição da idealização dos enredos
pelos artistas com formação erudita,
em detrimento dos artistas populares,
oriundos da própria comunidade.
(20) O trabalho foi liderado em sua
produção pelo casal de artistas plásticos Dirceu Nery (pernambucano) e
Marie Louise Nery (suíça), quem se
conheceram na Europa e viviam no
Brasil desde meados dos anos 1950.
(21) Pintor francês, membro da Missão
Artística Francesa, que desembarcou
no Brasil nos últimos anos da estadia
de D. João VI.
(22) Essa visão narrativa é recorrente
nos pesquisadores Haroldo Costa, Sergio Cabral, Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, Nilton Santos, Monique
Augras, em obras já citadas anteriormente. Outros pesquisadores seguem a
mesma linha narrativa: GALVÃO, Walnice Nogueira. Ao som do samba: Uma
leitura do Carnaval carioca. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009,
FARIAS, Edson. O desfile e a Cidade. O
carnaval espetáculo carioca. 1.ed. Rio de
Janeiro: e-papers, 2005, FERREIRA, Felipe. O marquês e o jegue: estudo da fantasia
para escolas de samba. 1.ed. Rio: Altos da
Glória, 1999, entre outros.
(23) Mangueira: Brasil através dos Tempos; Portela: Brasil Pantheon de Glórias;
Império Serrano: O Brasil Holandês; Vila
Isabel: Saldanha da Gama; Mocidade
Independente de Padre Miguel: Os três
Vultos que ficaram na História; Das escolas
pesquisadas, somente a Beija Flor e a
União da Ilha escolheram temas contemporâneos, também ufanistas: Copa
do Mundo e Paisagens da Ilha.
(24) Com esse desfile a escola obteve
o vice-campeonato, posição inédita na
sua então, breve história.
(25) Esse destaque é recorrente nos memorialistas Sergio Cabral, Haroldo Costa
e nos demais pesquisadores já citados.
(26) Professor da Escola Nacional de
Belas Artes e cenógrafo do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
(27) Esse grupo reunia, sob a liderança de Fernando Pamplona e Arlindo
Rodrigues os jovens Maria Augusta,
Joãosinho Trinta, Rosa Magalhães, Lícia Lacerda, dentre outros.
(28) Essa versão se tornou um cânone
na narrativa de Sergio Cabral. Em Haroldo Costa também aparece, um pouco relativizada. Muitos pesquisadores
seguiram a mesma narrativa.
(29) Foram declaradas campeãs a GRES
Portela, GRES Salgueiro, GRES Estação
Primeira de Mangueira, GRES Império
Serrano e GRES Unidos da Capela.
(30) Encontrei essa posição na entrevista realizada com Hiram Araújo e nos
textos dos pesquisadores e acadêmicos
já citados em nota anterior.
(31) Teatro Experimental do Negro,
fundado pelo militante Abdias do
Nascimento, na década de 1940.
(32) A pesquisa realizada teve como
base o acervo do Jornal do Brasil e parte
do acervo do Jornal Última Hora, no
período de 1959-1971.
(33) Peças teatrais, filmes, artes plásticas, moda, música popular, literatura se
apropriaram dos temas abordados pelo
OS ACADÊMICOS DO SALGUEIRO: UMA ACADEMIA DE SAMBA NO BAIRRO DA TIJUCA
Salgueiro, como Zumbi, Xica da Silva,
Dona Beja, Chico Rei, entre ou-tros.
(34) Jornalista e ativista cultural, autora
do livro História do Carnaval Carioca, considerado um clássico na bibliografia sobre o tema.
(35) Os romances cantados foram: o
Imperador D. Pedro I e a Marquesa de
Santos, Peri e Ceci, Dirceu e Marília,
Castro Alves e Eugênia, Moema e Paraguaçu por Caramuru.
(36) Departamento de Ordem Política Social, orgão responsável pela repressão ao comunismo.
(37) Em pesquisa na imprensa do
período, no acervo do JB, verifiquei
que duas agremiações apresentaram
o enredo sobre Dona Beija no carnaval de 1966. As escolas Aprendizes
da Gávea, apresentou o enredo A Vida
em Flor de D. Beja e a Independentes do
Leblon , desfilou com D. Beja, a Feiticeira
de Araxá. Com efeito nenhuma das duas
escolas alcançou boa colocação, mas é
um dado interessante verificar que não
uma, mas duas escolas trouxeram esse
enredo, que até então, pelo que pude
constatar nesta pesquisa, não havia
sido apresentado.
Referências
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anos de História. 2. ed. Rio: Gryphus,
2003.
CHARTIER, Roger. A história cultural;
entre práticas e representações. 2. Ed.
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Guavira, 1975.
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AUGRAS, Monique. O Brasil do Samba-Enredo. – 1.ed. Rio de Janeiro:FGV,
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Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual
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Decifra-me ou te Devoro:
A Representação Social no Mundo Virtual
• Prof. Dr. João Gilberto S. Carvalho *
com Carolina F. Ramos**, Munyck A. Borges***,
Angela P. Passidomo****, Patrick B. Gomes*****
Resumo:
O artigo propõe uma discussão teórica acerca do conceito de esfera pública e
de sua inserção na Teoria das Representações Sociais, ramo da Psicologia Social
que, grosso modo, se ocupa com “o quê” e “como” as pessoas pensam. Trata-se da
fase inicial de uma pesquisa mais ampla que objetiva caracterizar a atividade de
representação no contexto virtual (ou cibercultura). O conceito de esfera pública
foi revisitado e considerado defasado em sua formulação original, constatandose a necessidade de reno-vação de seus fundamentos básicos, ou mesmo de sua
substituição, face às demandas de um mundo em que as novas tecnologias fazem
parte do cotidiano.
Palavras-chave: esfera pública, representação social, mundo virtual.
Abstract:
The paper proposes a theoretical discussion about the concept of public sphere
and its insertion into the Social Representations Theory, a branch of Social Psychology that broadly deals with “what” and “how” people think. This is the initial
stage of a larger study that aims at characterizing the activity of representation in
the virtual context (or cyber culture). The concept of public sphere was revisited
and considered outdated in its original formulation, confirming the need for a
renewal of its basic foundations, or even their replacement, face to the demands
of a world in which new technologies are part of everyday life.
Keywords: public sphere, social representation, world virtual.
*
Prof. Dr. João Gilberto S. Carvalho, Doutor em Psicologia (UFRJ), Mestre em Educação (UCP).
Professor do IFRJ e da Universidade Veiga de Almeida;
**
Carolina F. Ramos (Psicologia, UVA); *** Munyck A. Borges (Psicologia, UVA);
****
Angela P. Passidomo (Psicologia, UVA); *****Patrick B. Gomes (Especialização, UFF)
• Artigo
Decipher me or I will eat you:
The social representation in the virtual world
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 57-72
Introdução
Este artigo compõe uma pesquisa
mais ampla, que investiga as características predominantes da atividade repre­
sentacional no chamado “mundo virtual”. A expressão é uma dentre as muitas
denominações utilizadas para caracterizar um tempo de transformações que
tem, como elemento central, as novas
tecnologias de informação e comunicação. Trata-se de uma discussão teórica
sobre os conceitos básicos que norteiam
a Psicologia calcada nas representações
sociais. A pesquisa está em andamento,
mas a análise teórica apresenta resultados que podem ser compartilhados
para receber subsídios da comunidade
acadêmica envolvida na temática.
Admite-se, aqui, o papel fundamental da esfera pública na manutenção e
criação de representações sociais – o
conjunto de saberes e conhecimentos
que permeiam a vida social. Mas, como
pretendemos demonstrar, a formulação
original, de inspiração habermasiana,
requer um trabalho de atualização, pelo
menos para sua utilização de forma
ade­quada pela TRS (Teoria das Representações Sociais).
1. Representações sociais:
unidade de pensamento (social)
Existem muitas definições para o
conceito de representação, como a que
segue:
A representação é um processo fundamental da vida humana; ela subjaz o desenvolvimento da mente,
do Eu, da sociedade e da cultura.
Representar, isto é, tornar presente
o que está de fato ausente por meio
do uso de símbolos, é fundamental para o desenvolvimento ontogenético da criança, está na base
da construção da linguagem e da
aquisição da fala, é crucial para o
estabelecimento das inter-relações
que constituem a ordem social e é
o material que forma e transforma
as culturas, no tempo e no espaço (JOVCHELOVITCH, 2008,
p. 33).
A metáfora do teatro é utilizada por
Chartier (1990) para caracterizar o trabalho de representação, na mesma linha
de raciocínio da citação: tornar presente
o ausente, representar. Em uma peça, os
espectadores sabem que o ator tem uma
vida que não se confunde com a da personagem, é apenas uma interpretação,
por melhor que venha a ser. O sentido
vago e misterioso deste “ausente” tem
sido o calcanhar de Aquiles das teorias
que têm, em sua base, a representação –
ou pelo menos assim enxergam os seus
críticos. Tais críticas são destacadas por
Leme (1995) e Castro (2002) e servem
de guia para entendermos a evolução
do conceito na teorização de seu criador, Moscovici, ao longo de suas quatro
décadas de existência.
É preciso distinguir o significado
usual da palavra representação e o conceito de representação social, pois, nesse
como em outros casos, a polissemia não
contribui para a compreensão do conceito. Por representação social entendemos a base simbólica que dá organização, significado e inteligibilidade à
existência humana; criada e mantida por
meio de interações diversas – econômicas, comunicativas, políticas, culturais
Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual
ou, simplesmente, relações sociais. Em
termos psicossociais, expressa a síntese cognitiva que ocorre entre pessoas
e seu mundo, considerado em termos
históricos e culturais; utiliza a bagagem simbólica das gerações, nutre e se
alimenta da memória, da história e do
imaginário social. Assim, ao contrário
das abordagens citadas anteriormente,
acreditamos que esteja sempre presente
e seja real para todos que a compartilham no cotidiano. Um mundo oculto,
do qual a representação seja apenas um
epifenônemo, existe apenas nas filosofias de cunho idealista ou religioso, que
não deixam de gerar, paradoxalmente,
representações sociais.
A representação social é um conceito
sobre o qual foi erigida uma teoria que
embasa pesquisas e análises em diversas
áreas do conhecimento humano. Um
objeto amplo, pois as pessoas precisam
explicar, entender, expressar, participar,
crer, compartilhar, sentir, dentre outras
muitas necessidades que podem ser sintetizadas em uma palavra só: viver. E,
é preciso deixar claro, utilizamos convictamente o termo “pessoas”, atentos às
recomendações de Maffesoli quanto ao
significado de “indivíduos”. Em suas palavras: “O individualismo é um bunker
obsoleto, e como tal merece ser abandonado (1998, p. 14)”.
O conjunto de saberes ou conhecimentos necessários à vida em sociedade, eis a representação social: “Todas
as interações humanas, surjam elas entre duas pessoas ou entre dois grupos,
pressupõem representações” (MOSCOVICI, 2003, p.40). É, portanto, o
amálgama que confere normalidade às
relações e sentido às comunicações en-
tre as pessoas. Ao assumir o postulado
durkheimiano de que a sociedade tem
autonomia em relação aos seus componentes, aos quais precede e sucede,
Moscovici atribui à representação social o papel de ambiente de pensamento (ibid., p. 53) e conclui: a sociedade
pensa.
Pois bem, se já era difícil para os
cientistas que consideram a sociedade
meramente o somatório de indivíduos
aceitarem a existência autônoma dos
fatos sociais, imaginemos sua repulsa
diante da premissa de uma sociedade
pensante! No extremo desta abordagem,
Maffesoli (1998) utilizou a expressão
“divino social” para caracterizar o modo
como a sociedade se sustenta e se reproduz: um poder demiúrgico derivado
da exterioridade que possui em relação
aos seus membros. Virou praxe dizer “o
todo não se confunde com as partes, a
molécula da água não tem as mesmas
propriedades que o hidrogênio e o oxi­
gênio possuem separadamente” e assim
por diante. A sociedade tem, portanto,
uma lógica própria. Esse é o esforço de
toda a teorização de Durkheim, a ponto
de estabelecer condicionamentos so­ciais
para um fenômeno que seria apenas de
âmbito individual, o suicídio.
Na Psicologia Social, Vala (1993)
sintetizou de forma criativa as diferentes
correntes, divididas a partir de três focos: 1) ênfase no indivíduo; 2) ênfase na
sociedade; 3) tentativa de conciliação ou
superação por meio da síntese das anteriores. Historicamente, a oposição entre
o micro e o macro tem sido um problema fundamental para as Ciências Humanas. Trata-se de uma polêmica que
não se limita ao campo epistemológico,
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pois há outros interesses envolvidos. O
simples fato de constantemente vir à
baila indica que a dicotomia é significativa.
O nosso ponto de vista vai ao encontro daqueles que acreditam que a sociedade está na base de todos os processos
formativos e simbólicos – não poderia ser de outra forma, pois comparti­
lhamos muitos dos princípios epistemológicos da TRS, ancorados em uma
modalidade sociológica de Psicologia
Social. Voltemos ao que nos interessa: a
afirmação de que a sociedade tem sua
dinâmica própria não percebida, direta
ou imediatamente, por seus integrantes.
A tradicional distinção conceitual entre conjuntura e estrutura (BRAUDEL,
1992) vai ser útil para ilustrar a dinâmica, a maturação dos processos sociais
ao longo da história. O tempo impõe
demandas, alimenta utopias, provoca
rompimentos ou abre cicatrizes. A longa duração é a temporalidade das estruturas, a “história lenta”, imperceptível
para os seus agentes diretos, e somos,
aqui, tentados a oferecer, por analogia, a
condição de marionetes às pessoas, sempre movidas por forças praticamente
ocultas. A curta duração é a conjuntura,
o tempo imediato e presente daqueles
que o compartilham. Não nos cabe revisar aqui a controvérsia historiográfica
e sim destacar que, em qualquer temporalidade considerada, os significados da
vida em sociedade não são entendidos
facilmente pelas pessoas comuns.
As pessoas estão imersas em seus
interesses imediatos – o resultado do
exame médico, o traje adequado ao passeio, o pagamento das contas, o destino
do país, a vida do vizinho que mora ao
lado, o que há de novo no cinema – disso se trata, enfim, do cotidiano de bilhões de pessoas. Um número infinito de
situações que não geram manchetes ou
são edificantes e passam, muitas vezes,
longe daquilo que hoje se convencionou
chamar de “politicamente correto”. É na
temporalidade que se produz e reproduz tanto a sabedoria quanto o disparate; a sentença adequada ou a ignorância descabida, submersas e interligadas
à história que estudamos nos bancos
escolares, circunscritas à micro história
ou ao conjunto de fatos que ocorrem em
pequena escala e, de imediato, só interessam ao grupo. Em síntese, o cotidiano
supõe a existência de uma base consensual (senso comum) que viabilize a convivência, não obstante as constantes fissuras provocadas por pontos de vista e
interesses divergentes (MOSCOVICI &
DOISE, 1991). Historicamente, o senso
comum foi associado à ignorância, algo
que os peritos, na acepção crítica de
Giddens (1991, p. 34), precisam combater e o fazem em nome da ciência. A
TRS resgatou o senso comum, demons­
trando tratar-se de um processo psicossociológico fundamental à convivência
em sociedade, ao qual nem os cientistas
estão imunes. Outra teorização interessante a respeito está na proposição de
Goffman (2011) por uma “sociologia da
ocasião”, mas foge ao escopo do artigo
avançar em sua teorização.
Podemos, então, concluir que o cotidiano e o senso comum são os requisitos básicos das representações sociais:
comunicar, orientar, informar e formar.
São o produto da interação diária entre
pessoas que, muitas vezes, entram em
conflitos agudos em períodos de tur-
Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual
bulência. Assim definidas, as representações sociais ganham centralidade em
todo o trabalho de cognição humana,
do mais prosaico ao mais sofisticado
conhecimento socialmente produzido.
Divididas em relação à ordem instituída
em hegemônicas, polêmicas e emancipadas (CASTRO, 2002), revelam “como”
e “no que” as pessoas pensam. Revelam,
em última instância, o pensamento da
própria sociedade.
O cotidiano é a temporalidade do
senso comum; este, o amálgama de
conhecimentos do presente e do que
se aprendeu com as gerações passadas,
a partir das memórias coletiva e social.
Não deixa de ser paradoxal: o presente é
visto com olhos do passado, reflexão que
nos remete mais uma vez à Moscovici
(2003, p.38): “Sob muitos aspectos, o
passado é mais real que o presente.” Ao
elegê-los como seu objeto principal (o
senso comum e o cotidiano), a abordagem de Moscovici colaborou para retirar da Psicologia Social a ênfase no indivíduo, permitindo pesquisas de cunho
genuinamente psicossocial e histórico. É
preciso deixar claro: por psicossocial se
entende a síntese entre as pessoas e o seu
mundo; a dimensão psicológica e socio­
lógica construídas, simultaneamente, a
partir de experiências compartilhadas.
Um bom exemplo é o clássico de Denise
Jodelet, Loucura e Representações Sociais (JODELET, 2005). Em linhas gerais,
nesta obra, a autora discute a representação social da loucura tal como é cons­
truída na pequena cidade francesa de
Ainay-le-Chateau, a partir da ação do
governo de inserir doentes mentais na
comunidade.
Talvez não fosse necessário discutir
aqui, e de forma tão enfática, a representação social, pois existem boas teorizações a respeito. Howath (2006, p. 7),
por exemplo, nos oferece um panorama
do que a representação social “faz”,
tendo como parâmetro as pesquisas de
seus mais conhecidos autores. E não o
fizemos para atender a praxe de apresentar o conceito. A nosso juízo, a TRS
já encontrou o seu espaço e não precisa
mais estar em constante defensiva; a
multiplicação de estudos em diferentes
áreas é um atestado de sua importância
(ARRUDA, 2005, p 60).
Em nossos estudos, observamos o
desdobramento da abordagem inicial
de Moscovici: teorização exaustiva presente em trabalhos caracterizados pelo
rigor científico, resvalando, algumas
vezes, ao excessivo empirismo. É possível discernir, de acordo com a abordagem, pelo menos quatro “chaves” para se
entender o fenômeno da representação
social: “como” – ênfase nos processos
de ancoragem e objetivação; “por que”
– em que se privilegia o núcleo central a
partir de bases quantitativas; “quando”
– abordagem que leva em consideração
a história; e, finalmente, “onde” – o lócus da atividade de representação e que,
a nosso ver, a condiciona.
E foi Sandra Jovchelovitch quem se
preocupou em abordar esse “onde” é
realizada a atividade de representação
– o espaço em que a representação se
torna de fato social. Então, se a ancoragem e a objetivação são processos sócio-cognitivos centrais ao processo de
estabilização face às novidades criadas
pela vida em sociedade, em que espaço
tais fenômenos ocorrem? Em praças,
repartições públicas, bares, teatros, ca-
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fés – e aduzimos: blogs, chats, celulares,
redes sociais, entre tantos outros espaços dedicados à comunicação.
Trata-se de um desdobramento
óbvio: se a sociedade pensa e esse
pensamento produz a representação
social, onde o fenômeno ocorre? Ao
reconhecermos que este “meio” é fundamental, devemos considerá-lo historicamente, o que nos conduz a outra
questão: de que forma a representação
social é condicionada? Em relação ao
pensamento humano, é fácil responder:
o cérebro abriga a intensa atividade dos
neurônios. Ainda que não seja clara a
relação entre mente e cérebro, o pensamento individual ocorre na cabeça, a
partir de conexões neurais (TEIXEIRA,
2000). Tal questão nunca foi problema
para a Psicologia Social centrada no indivíduo (não nesse nível). Mas, a partir
do momento em que a Psicologia Social
assumiu de fato a sua natureza social, a
próxima pergunta seria: Qual é o lócus
da atividade que tem como produto a
representação social? Sandra Jovchelovitch buscou tal resposta.
2. Representações sociais:
conexão de pessoas
A TRS é uma modalidade da Psicologia Social que tem procurado trans­
cender a dicotomia indivíduo e sociedade. Isso é válido mesmo no termos
da abordagem que privilegia o núcleo
central: “o ponto de partida desta teoria
é o abandono da distinção clássica entre
sujeito e objeto” (ABRIC,1998, p. 27).
A intenção é entender como os grupos
pensam, isto é, como lidam, no dia a dia,
com as demandas criadas pela vida em
sociedade. Sandra Jovchelovitch percebeu a importância dos espaços em que
as representações nascem e circulam,
achando no conceito de “esfera pública”
a base de sua teorização, a ponto de ter
um livro exclusivo sobre o assunto (JOVCHELOVITCH, 2000).
Coube a Habermas (1984) uma
longa reflexão sobre a esfera pública e
sua gênese. Ele demonstrou como o
crescimento dos locais destinados aos
encontros públicos foi proporcional à
ascensão dos mercados e à transformação das artes, letras e espetáculos em
mercadorias – foi, acrescentemos por
nossa conta, um processo que correu
paralelamente à consolidação dos Estados Nacionais. A preocupação de Ha­
bermas com a esfera pública faz parte de
um projeto mais amplo e ambicioso: a
fundamentação do “agir comunicativo”
(HABERMAS, 1989). Coerente com seu
trabalho de superação da razão instrumental, o filósofo alarga os horizontes
de seu marxismo dos tempos iniciais
da Escola de Frankfurt e teoriza acerca
das possibilidades de emancipação social, diga-se, do capitalismo, a partir de
processos comunicativos e racionais. O
projeto da modernidade, a seu ver, não
estaria esgotado e, assim, Habermas
utiliza a racionalidade weberiana associada às condições da vida urbana –
eis a esfera pública. Em síntese: a esfera
pública é a expressão da racionalidade
iluminista, em que o debate e a troca de
ideias permitem o esclarecimento – o
que, no pensamento liberal, se chama
democracia.
Em apoio ao argumento, recorde­mos
o circuito da fofoca no século XVIII, em
torno da árvore da Cracóvia, “um grande
Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual
e frondoso castanheiro que se erguia no
coração de Paris” (DARNTON, 2003,
pp. 41-42), sob o qual se informavam
os súditos sequiosos por escândalos e
histórias picantes, a despeito da ira do
rei. A esfera pública é, assim, herdeira
dos parâmetros de sociabilidade desenvolvidos nas cortes, sendo, por assim
dizer, seu correspondente burguês. Nos
termos habermasianos, são espaços de
reprodução do capitalismo e da divisão
da sociedade em classes, nos quais as
diferenças de status são visíveis.
É nesse conceito que Jovchelovitch
(1994, p. 65) vai buscar a chave de
gestação das representações sociais: “a
esfera pública, enquanto lugar de alteridade, fornece às representações sociais
o terreno sobre o qual elas podem ser
cultivadas e se estabelecerem”. E indica as críticas feitas tanto ao modelo
de Habermas, como as dirigidas por
este ao modelo liberal, concluindo que
a esfera pública transcende o exercício
exclusivo da política. Tal questão foi levantada de outra forma por Moscovici
& Doise (1991, p. 31): “Por que é que os
indivíduos em conjunto são diferentes
daquilo que seriam isoladamente, a
ponto de não ser possível prever as suas
reacções a partir do momento em que
são integrados numa multidão, numa
reunião política, etc.?” É a questão central para uma Psicologia Social centrada
nas representações sociais: a química
que reúne os homens num amálgama
capaz de se sobrepor às individualidades – o campo por excelência do que
se entende por social. Moscovici não
utilizou o conceito de esfera pública em
seu estudo seminal de representações
sociais, mas ele estava, entretanto, im-
plícito na formulação de uma questão
como esta: “[...] de onde extraíram nossos informantes seus conhecimentos
da Psicanálise? Quais são as suas fontes
de informação?” (MOSCOVICI, 1978,
p.92).
A esfera pública é o lócus do senso
comum, o espaço de compartilhamento
no qual é sedimentado o consenso ou
promovido o dissenso; o lugar em que
pessoas se reúnem e conversam sobre
coisas de seu interesse (res pu­blica) ou,
simplesmente, tomam ciência das novidades e do que é adequado aos costumes
– do “politicamente correto”, assim dizemos hoje em dia. Jovchelovitch, assim,
define (2000, p. 82): “A vida pública,
com suas instituições específicas, seus
rituais e significados, é o topos no qual
as representações sociais desenvolvemse e adquirem existência concreta”. O
conceito de esfera pública não é exclusivo ao campo das representações sociais,
pois basta inseri-lo no Google e cons­
tatar a resposta expressiva. É utilizado,
por exemplo, por Lazzarini (2011, p.
15), em rigorosa obra de economia que
trata do que chama de “capitalismo de
laços” no Brasil. Está subjacente às reflexões da historiadora Margareth Rago
sobre os códigos de sexualidade feminina e a prostituição paulista (RAGO,
2008). O debate sobre a esfera pública
ganhou destaque por ser essencial à
compreensão dos temas ligados à cidadania no mundo contemporâneo, isto
é, às demandas da globa­lização: a de­
cadência do homem público nos termos
de Sennett (1988) ou a fragmentação
típica da pós-modernidade de Bauman
(1999).
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3. Mundo virtual: uma nova
esfera pública byte a byte
Não faz muito tempo, discutia-se
a importância da informática para os
diversos segmentos da vida em sociedade. Na educação, por exemplo, a
questão era saber se os computadores
deveriam ser introduzidos na escola e
em que condições. Na época, Valdemar
Setzer (1998) alertava-nos quanto aos
malefícios da informática na educação
infantil. Um pouco antes, a Escola de
Frankfurt se contrapunha ao otimismo
dos teóricos da “cultura de massa.” Entre estes últimos, Fleur, na década de
1960, afirmava: “A sociedade moderna,
urbana e industrial, não poderia existir
como sistema social sem a comunicação
de massa. Ela se tornou uma parte profundamente aceita das principais instituições sociais” (FLEUR, 1976, p. 13).
Os críticos do sistema capitalista associaram a expansão dos meios de comunicação à dinâmica de reprodução
do capital. Também é verdade que há
vozes dissonantes em cada uma das
posições citadas, é bom destacar, porque
generalizações nem sempre são precisas ou justas. Por exemplo, Habermas
(1989) se mostrava “otimista” quanto às
possibilidades de um “agir comunicativo”, como já dissemos acima, enquanto
a preocupação de Merton & Lazarsfeld
(2005) girava em torno dos efeitos “narcotizantes” da mídia.
A controvérsia entre “apocalípticos”
e “integrados”, para utilizar os termos
consagrados por Humberto Eco, que
grosso modo opõe os partidários e os
críticos das mídias (ECO, 1970), agora
tem como ponto central o computa-
dor e a internet. As novidades trazidas
pelo “virtual” estão entre os principais
agentes de mudança do mundo (pós)
mo­derno. Quanto a isso, é importante
estarmos atentos às recomendações
de um de seus mais ilustres analistas,
Pierre Levy. Ele nos previne sobre a ina­
dequação do termo “impacto” para nos
referirmos a ação das novas tecnologias,
como se fossem um fenômeno externo
e não um componente do desenvolvimento da própria sociedade (LEVY,
2007, p. 6). Coerente com essa posição,
não atribui à base material uma função
determinante nesse processo, rompendo, desta forma, com a clássica dicotomia entre técnica/tecnologia e cultura:
“Las relaciones verdaderas no se dan
pues entre ‘la’ tecnología (que sería del
orden de la causa) y ‘la’ cultura (que
sufriría de los efectos), sino entre uma
multitud de actores humanos que inventam, producen utilizan e interpretan
diversamente umas técnicas” – (Id, p.7).
Para os elementos simbólicos digitais,
Levy cunhou o termo “cibercultura”;
enquanto à base material, ao conjunto
de artefatos e infraestrutura que compõem esses meios, chamou de “ciberespaço”. Tais neologismos se incorporaram ao número crescente de palavras
que servem para designar as mudanças
que possuem no computador a alavanca
mestra. E, mesmo que sejam lembrados outros artefatos eletrônicos, como
a câmera digital ou o telefone celular, é
o computador que merece atenção prio­
ritária entre os estudiosos, já que sua
linguagem é o ponto de partida para os
demais equipamentos.
Uma perspectiva mais ampla
enxerga as novas tecnologias dentro
Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual
de um quadro histórico dos processos
comunicativos. Assim, historiadores
como Briggs & Burke (2004) associam
o crescimento do fluxo de comunicação
à expansão do comércio, que demanda
estradas, instalações e equipamentos
voltados ao controle e mensuração.
É fascinante imaginar os laços que
existem entre a indústria, o comércio e
a comunicação, percebendo desta forma
a conexão entre ferrovias, bicicletas,
automóveis, aviões, telégrafos, telefonia,
enfim, a “rede” no sentido empregado
por Castels (1999).
Imprensa, cinema, rádio, televisão
e, agora, computadores, cada qual a seu
tempo e modo, foram apontados como
pontos de ruptura, agentes de mudanças
sociais significativas e causadores de alvoroço entre apocalípticos e integrados.
Segundo Lull (1992), por exemplo, a
televisão foi o grande polo de mudanças
que transformou a burocrática China
no gigante econômico da atualidade,
embora seja possível encontrar outro
agente revolucionário, como o transistor, dependendo da ótica de quem ana­
lisa (BRIGGS & BURKE, 2004).
O mundo estaria de “pernas para
o ar”. Discute-se: o papel do Estado e
seu futuro; a família e suas novas composições; a fragmentação identitária; a
ascensão de nações antes consideradas
exóticas, como a China e o nosso Brasil; enfim, o tipo de sociedade criado ao
longo da modernidade estaria em vias
de transformação. Com efeito:
As discussões sobre modernidade
e pós-modernidade ganharam
destaque nos últimos anos por
conta das transformações que assistimos em praticamente todos os
segmentos da vida em sociedade.
A consolidação de um padrão de
vida civilizado representou, na
prática, a criação de um “outro”
não-civilizado – exótico, bárbaro,
primitivo, atrasado – não importa
o termo, pois na prática este “ou­
tro” podia ser dominado, eliminado ou escravizado. As cruzadas
que se realizaram em nome da
Cruz se transformaram nas muitas guerras travadas em nome dos
ideais de civilização e progresso.
A sofisticação dos discursos, das
mercado­rias ou ainda a potência
das armas tornaram o referido
padrão um modelo a ser copiado
e seguido, quando não, imposto.
No limite entre a argumentação
ideológica e o cinismo, aqueles
que foram exterminados ou escravizados deveriam ser gratos aos
seus opressores. Na atualidade, a
emergência do “outro” é visível na
nova configuração de poder mundial, que enseja abordagens e pesquisas ins­tigantes e demolidoras de
velhos preconceitos (CARVALHO,
2011, p. 101).
A longa citação faz parte de outro
trabalho de nossa autoria em que são
discutidas as possibilidades abertas
no campo das pesquisas em Ciências
Humanas face às transformações em
curso. Há a impressão de que os conceitos não mais correspondem à realidade, não obstante sua profusão, para
não dizer emaranhado, superposição,
confusão. Algumas coisas mudaram visivelmente, outras não; sem contar que
novas tradições são criadas dentro da
dinâmica da globalização (GIDDENS,
2003), outro termo usual que tenta
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dar conta do que está acontecendo. A
máquina de escrever e o computador, a
máquina fotográfica que utiliza filmes
e a digital, o velho e o novo coexistem
– mas os primeiros estão destinados ao
fim, ainda que não se saiba exatamente
quando, pouco importa, pois, do ponto
de vista da lógica baseada no consumo,
há espaço para todas as gerações de
mercadorias.
Segundo Lipovetsky, o consumo
se transformou em hiperconsumo – a
característica de um tempo baseado
na customização e na superficialidade.
Aliás, a leitura de sua obra nos sugere
outro neologismo, “sociedade hiperbólica”, por conta dos muitos exageros
que marcam o que o filósofo citado denomina a terceira fase do consumo. Na
civilização do desejo, os novos atores
são o acionista e o consumidor (LIPOVETSKY, 2006, p. 7), sendo o consumo elevado à condição de núcleo das
formações identitárias no espaço antes
ocupado pela religião e pela política (id,
p.38) . Autores como Lipovetsky, Bauman (1998) e Giddens (1997) estudam
exaustivamente a chamada sociedade
pós-moderna e, tanto o consumo, como
a modernidade líquida ou a sociedade
reflexiva têm na comunicação um multiplicador comum. Em sentido amplo, a
comunicação é vital à existência das sociedades baseadas em fluxos, sejam eles
mercadoria, ideias ou informações.
Desde o século XIX, a noção de totalidade está presente no trabalho de
diferentes pensadores. A ligação entre os
interesses econômicos, políticos, religiosos e sociais tornou comum os conceitos
de modo de produção, sistema social,
sociedade em rede, entre outros, mas
que se apresentam ocultos ao homem
comum, semelhante ao que o marxismo
denomina fetichismo da mercadoria. A
comunicação tornou transparente a natureza holística da relação social desde
que McLuhan (2005) consagrou a expressão “aldeia global”.
As mídias visual, auditiva e digital
compôem o palco da “sociedade do espetáculo” (DEBORD, 1997): da “cultura
de massa” ao “ciberespaço”, algumas décadas apenas criaram transformações
tão profundas nos processos comunicativos que tornaram ultrapassadas algumas das antevisões consagradas nos
filmes de ficção científica do passado.
Os recursos digitais trouxeram a concepção de um mundo virtual em que a
ilusão e a realidade – hiper-realidade (ECO, 1984) convivem ou há destruição
(e sobreposição) do real (BAUDRILLARD, 2001)?
É evidente que o computador alterou não apenas as rotinas do dia-a-dia,
como pagar uma conta ou se comunicar com alguém distante, mas também
alterou os mecanismos de produção de
pensamento social e suas representações. Os espaços de discussão coletiva,
característicos do século XIX, foram
transformados radicalmente no mundo
contemporâneo, face às novas tecnologias. Multiplicaram-se os meios de
manifestação e troca de ideias, sejam
elas consideradas positivas (“politicamente corretas”) ou não pelos “especialistas”. O mundo virtual estreitou os
relacionamentos a tal ponto que “aldeia
global” tornou-se uma expressão modesta.
Na atualidade, pessoas desco­
nhecidas tornam-se celebridades ins­
Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual
tan­tâneas no Youtube, enquanto opi­
niões circulam nos blogs e celebridades
se misturam aos “reles mortais” nas redes sociais. Propomos um exercício de
imaginação, pensar nas consequências
em setores dominados antes pela figura
do “especialista”: pacientes que chegam
aos consultórios já informados previamente sobre seus problemas e, até, sobre possíveis soluções por meio de uma
simples consulta ao Google; alunos que
se antecipam aos conteúdos ministrados
pelo professor – exemplos rápidos para
situações desconcertantes que ocorrem
no dia a dia.
4. Esfera pública: ressignifcação
ou abandono?
Em relação à esfera pública, nossa
premissa é clara: o conceito teve vitalidade para a compreensão das representações sociais, mas está defasado porque
o mundo passou por grandes transformações. Além de praças, esquinas,
feiras, escolas, igrejas, enfim, espaços
tradicionais de reunião entre pessoas,
há também novas possibilidades de trocas e encontros no mundo virtual.
Mas, o que é mundo virtual? Não
se trata de uma estratégia capitalista
de alienação das massas – se é que alguém já acreditou sinceramente nisso
um dia. Pierre Levy procurou analisar
os muitos significados do termo “virtual”, refutando a ideia comum que o
associa à irreal­idade e nos ensina que o
digital é sua expressão técnica (LEVY,
2007, p.32). Assim, concluímos que, tal
como nos espaços tradicionais, abriga
e põe em circulação valores e crenças
compartilhadas, sendo um campo au-
têntico de representação social.
Hoje, é possível aprender, conversar
e se divertir pelo computador com gente
do mundo inteiro – e também praticar
sexo, reverenciar os mortos, participar
de grupos diversos, entre muitas outras
formas de sociabilidade pouco convencionais. Assim, a palavra de ordem atual
é conexão; televisão e rádio estimulam
a participação online de seus espectadores, que passam a fazer parte da equipe
de jornalismo por meio de denúncias,
fotos, registros de fatos relevantes ou
simples comentários a respeito de uma
partida de futebol. A queda do ditador
egípcio foi promovida, em grande parte,
por uma população árabe usuária de
Facebook e do Twitter.
Nem mesmo o mais ferrenho tradicionalista pode fugir completamente às
novas tecnologias digitais, ainda que em
suas modalidades mais simples – algo
como passar um e-mail ou enviar uma
mensagem pelo celular, por exemplo.
Na verdade, o computador integra um
sistema dinâmico que inclui celulares,
tocadores de música, câmeras fotográficas e aparelhos baseados na conexão.
Mas é preciso levar em consideração
que, em países de grande desigualdade
social, como é o caso do Brasil, não há
acesso à internet ou às tecnologias para
todos. Como falar de compras online a
milhões de habitantes que recebem um
salário mínimo? Em relação ao proble­
ma, foi criado um termo alentador: “inclusão digital” – estratégia educacional para acabar com o “analfabetismo
digital” – uma demanda prioritária
do mercado de trabalho na “era do
co­nhecimento”. Os destaques em negrito expressam o tripé sobre o qual o
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 57-72
capita­lismo pós-moderno é assentado:
tecnologia, conhecimento e inovação.
Belos termos que podem receber, na
teorização de Bauman (2010), o nome
de capitalismo parasitário. Independen­
temente dos adjetivos e da veia crítica
de seus analistas, a sociedade está em
transformação e a “esfera pública digital” tornou-se tão importante quanto os
processos tradicionais.
Não há mais como se pensar a esfera pública exclusivamente nos termos
do século XIX. As tecnologias criaram
novos tipos de sociabilidade que influenciam, decisivamente, o trabalho de
representação em todos os níveis (individual e coletivo) e a mídia, hoje, nas
palavras de Guareschi (2009, p. 81), “é
como o ar que respiramos, como a água
para o peixe. É a alma da nossa sociedade”. Jovchelovitch (1994, 2000, 2008)
utilizou o conceito de esfera pública
para caracterizar os ambientes em que
a representação social se torna presente
– e o fez em sentido “físico”. Fiel ao postulado habermasiano, ela destacou os
espaços nos quais pessoas se encontram
tête-à-tête e dialogam, pensam sobre
o que ouvem, negociam o que podem
dizer. Mas o conceito de esfera pública
precisa levar em conta o novo contexto
criado pelos recursos multimídias.
Historicamente, o advento da televisão e do rádio não se contrapôs ao enfoque clássico da esfera pública, uma vez
que a interatividade entre telespectadores e ouvintes não era tão visível, ainda
que tais mídias tenham se firmado como
importantes veículos de comunicação
social. Hoje, o computador promove a
interatividade em todos os níveis, pois a
Web é bidirecional. Do cidadão que faz
uma foto de um acidente e o põe, imediatamente, nas redes sociais a agressão
ocorrida em um canto qualquer do pla­
neta e que gera milhares de visualizações e comentários no Youtube: o que
era anônimo é, agora, publicizado e retocado para ser exposto “em tempo real”,
para colher elogios e críticas, veladas ou
expressas publicamente. A sociedade
do espetáculo transformou-se na sociedade da computação gráfica, o que leva
a antropóloga e comunicóloga Paula
Sibilia a se perguntar como, em tempos
de Web 2.0, a intimidade é transformada em “extimidade”, outro neologismo
para dar conta do que a autora caracteriza como “mutação na produção de
subjetividades” (SIBILIA, 2008, p. 79).
Em termos sintéticos: o que leva alguém
a se expor em uma rede social?
Segundo Nicholas Carr, o que está
acontecendo na atualidade é muito
mais inquietante do que a simples mudança de comportamentos. O tipo de
interação realizada na Internet favorece
a fragmentação dos estados de atenção e fortalece um grupo de neurônios
diferente daqueles que são acionados
pela leitura tradicional, profunda e li­
near (CARR, 2011). O autor nos alerta
quanto às consequências decorrentes da
substituição do livro pelo computador
e sua conclusão é sombria: “Dúzias de
estudos de psicólogos, neurobiólogos,
educadores e web designers indicam a
mesma conclusão: quando estamos online entramos em um ambiente que promove a leitura descuidada, o pensamento apressado e distraído e o aprendizado
superficial” (ibid., p. 162). Por outro
lado, entre os que acreditam serem positivas as mudanças, destacam-se os as-
Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual
pectos lúdicos e interativos do mundo
virtual. Mas não podemos nos esquecer
daqueles que se beneficiam financeiramente de um mercado que movimenta
cifras expressivas e seus “especialistas”
– defensores ardorosos de sua profissão. Um exemplo notório: a velocidade
geométrica com que a geração de iPho­
nes foi comercializada, a despeito da
propalada crise econômica atual. As
vendas de notebooks, netbooks, tablets
e celulares de última geração, entre ou­
tros engenhos digitais, não são guiadas
pelos debates entre “especialistas” e, assim, invadem, cada vez mais, o nosso
cotidiano, pois, como diz Gitlin (2003,
p. 54), “viver é estar conectado”.
A esfera pública, enquanto espaço
de negociação simbólica, teve valor
heurístico para a psicologia centrada na
representação social. Porém, é preciso
incorporar as transformações causadas pelas tecnologias de informação ou
simplesmente abandonar o conceito. O
mundo não é mais o mesmo e a “cultura
da virtualidade real”, para utilizarmos os
termos de Castels (1999, p. 415), está na
base de estruturas sociais organizadas
em “rede”. A sociedade informacional
(e não de informação) se utiliza de um
“novo sistema de comunicação que fala
cada vez mais uma língua universal digital” (CASTELLS, 1999, p. 40). Assim,
de um lado a globalização subverte os
interesses nacionais e a territorialidade
dos processos de produção, de outro as
comunidades virtuais ampliam, igualmente, as possibilidades de formação
de laços de pertencimento.
O crescimento do ciberespaço, segundo Pierre Levy, é a expressão de uma
inteligência coletiva (LEVY, 2007, p. 96)
e, de nossa parte, é tentador estabelecer
uma ponte entre essa vontade de saber
– do que faço agora pelo Twitter, Instagram e outros aplicativos – e os mecanismos de controle social. Como pensar a
esfera pública sem levar em conta que:
Se é muito provável que os poderes
sociais, nas democracias do século
XXI, não venham a cair de novo
nas ruas, como sucedeu na Europa
e na América durante as fases cruciais em que foram constituídos
os espaços públicos burgueses, dificilmente se negará que estes não
deixarão de andar muito pela Web
(ou pela Grid) [...] (ROSAS, 2010,
p. 118).
Paralelamente à fragmentação identitária das comunidades virtuais, a esfera pública se estilhaça em microespaços caracterizados por uma pluralidade
de manifestações descentralizadas.
Um bom exemplo é a democratização trazida pela “blogosfera”, capaz de
romper com o unilateralismo dos peritos e expressar, de fato, os interesses da
sociedade, principalmente aqueles que
jaziam sob a pressão do que é consi­
derado “politicamente correto”. Na verdade, como aponta Rodrigues (2006),
as novas mídias têm reagrupado as
identidades fragmentadas. Então, se a
modernidade foi o tempo da exclusão,
na atualidade, todos os que não tinham
voz e vez podem se manifestar, nem que
seja em uma lan house. As novas mídias
derrubaram fronteiras e encurtaram o
tempo de comunicação. O que nos leva
a crer que, em relação a TRS, a dinâmica de ancoragem e objetivação já não é
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 57-72
mais a mesma que ao tempo de sua formulação original.
5. Considerações finais
Ao longo do artigo, procuramos
problematizar o conceito de esfera
pública a partir de seu uso na TRS e,
como dissemos logo de início, trata-se
de uma discussão teórica que faz parte
de um projeto de investigação empírica.
Assim, o que aqui chamamos de considerações finais são apenas reflexões
iniciais de uma caminhada longa. A
“Esfinge” que nos motivou a pesquisar
a relação entre as novas tecnologias de
informação e comunicação e as representações sociais vai aguardar mais um
pouco.
A esfera pública é uma dimensão vital
para os saberes forjados no senso comum
– a modalidade de conhecimento que se
tornou predominante na modernidade.
Ou seja, os espaços onde possam
circular crenças, valores, ideias, afetos e
informações são essenciais à Psicologia
centrada na representação social. Não
se trata apenas da mera ampliação de
espaços – de incluir, entre cafés, teatros
e bares, os chats, blogs, redes sociais,
entre outros recursos das mídias
digitais. A hipótese aqui defendida
é a de que os novos espaços criados
pela Web influenciam diretamente
a representação social. O virtual e o
real estão imbricados de tal forma que
inclusão digital e cidadania digital, por
exemplo, figuram entre as prioridades
de estudiosos e autoridades públicas em
geral. Então, no estudo dos processos
de formação de subjetividades há que
se considerar este novo ambiente de
pensamento no qual o virtual é uma das
facetas da realidade.
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Tempos mortos ou pausas para a criação?
73
“Dead time or pause for creation?”: working with cinema
language to understand a community English course
• Sabine Mendes Lima Moura*
Resumo:
Este artigo apresenta trechos de uma pesquisa em Prática Exploratória (Allwright
e Hanks, 2009), realizada em um curso de inglês comunitário com uma equipe de
seis professores voluntários. Os objetivos principais do projeto foram construir
entendimentos acerca da prática em sala de aula, durante reuniões e conversas
profissionais, e investigar a vocação reflexiva da linguagem cinematográfica,
quando utilizada como base para o pensar pedagógico. A partir da noção de
“trabalho para entender”(Bezerra, 2007) e da noção antitecnicista de “letramento
crítico”(Freire, 1996), a comunidade exploratória envolvida buscou re-narrar suas
práticas pedagógicas, considerando o conceito de “tempo morto” (Carrière,1994),
oriundo da linguagem cinematográfica.
Palavras-chave: Prática Exploratória, trabalho para entender; ensino de língua
inglesa; linguagem cinematográfica.
Abstract:
This article presents excerpts from an Exploratory Practice research (Allwright
e Hanks, 2009), performed in a community English course with a team of six
volunteers teachers. Its main objectives were constructing understadings on
classroom practice, during professional talks and meetings, and investigating
the reflexive vocation of cinema language, when used as a base for pedagogical
thinking. From the notion of “working to understand” (Bezerra, 2007) and the antitechnicist notion of “critical literacy” (Freire, 1996), the exploratory community
involved has tried to re-narrate their pedagogical practices, considering the
concept of “dead time” (Carrière, 1994)”, taken from cinema language.
Keywords: Exploratory Practice; working to understand; English language teaching;
cinema language.
Sabine Mendes Lima Moura, Doutoranda e Mestre em Estudos da Linguagem (PUC-Rio), Bacharel
em Comunicação Social/Cinema (UFF). Professora, Coordenadora da Pós-Graduação Lato Sensu em
Língua Inglesa e do Núcleo de Publicações da Universidade Veiga de Almeida.
*
• Artigo
“Tempos mortos ou pausas para a
criação?”: trabalhando a partir da
linguagem cinematográfica para entender
um curso de inglês comunitário
74
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 73-85
Introdução
“Ensinar exige criticidade” e “ensinar exige pesquisa” (FREIRE,1996,
pp.29-31). Esses dois enunciados, no
contexto educacional em que vivemos,
podem soar como tarefas extras (muitas
vezes, extraclasse) para professores que
se veem forçados a uma constante atua­
lização tecnicista, baseada em políticas
educacionais que pretendem “instalar
o novo deixando de perceber o sempre
igual” (KRAMER, 1992, p. 47). Consi­
dero que pesquisar e exercer criticidade
são características de toda atividade
humana, limitadas, muitas vezes, pelas
exigências da cultura tecnicista. Entendemos atividade não somente como
ação expressa no mundo, mas, também,
segundo o conceito sociointeracional de
inspiração vygotskiana em que “estar engajado em uma atividade particular significa tão somente que o indivíduo está
funcionando em algum contexto socioculturalmente definido” (KRAMSCH,
2000, p.134). Tal contexto, atualmente,
é permeado por uma linguagem audiovisual, derivada da linguagem cine­
matográfica, que interage com nossa
perspectiva de vida, transformando
nosso conceito de “realidade”.
Como pode um professor de língua
estrangeira converter-se em pesquisador crítico de sua realidade se esse papel acaba se tornando uma nova exigência para a qual não é recompensado ou
se, entusiasmado de qualquer maneira
com a árdua tarefa, tem de esquecer o
que sabe, aquilo em que crê, o que tem
para contar e se submeter a pacotes ins­
titucionais de ensino? E como podem
tais profissionais subverter essa relação
de poder em meio a uma “sociedade audiovisual” (DUARTE,2002, p.14) como
a nossa?
O presente trabalho surgiu em um
momento em que eu trabalhava, voluntariamente, como coordenadora peda­
gógica de um curso de inglês comunitário - o Future Builders Community
Course – junto a seis outros professores
voluntários com diferentes históricos
acadêmicos. Eu acabara de entrar em
contato com uma forma inclusiva de
pesquisa do praticante - a Prática Exploratória - em que se propunha “trabalhar para entender a vida, não tentando resolver os problemas diretamente,
mas dando um passo atrás e vendo-os
no contexto mais amplo da vida (e vidas) que eles afetam”(ALLWRIGHT,
2003, p. 128). As questões de pesquisa
na PE, denominadas puzzles em inglês,
podem ser descritas como “algo que nos
intriga” (SENA, 2006, p.34) e não são,
necessariamente, um problema ou algo a
ser resolvido. Os puzzles “são a concreti­
zação de seus questionamentos sobre
aspectos positivos ou não”(MORAES
BEZERRA, 2007, p.3) presentes no cotidiano dos participantes. Esses “episódios elucidativos” (ALLWRIGHT, 2002,
p. 24) deveriam ser trazidos à consciência, tocados, enfatizados.
Como Bacharel em Comunicação
Social, atuando na área de ensino de língua inglesa, puzzles ou questões acompanhavam minha prática: a) Por que,
em nossas reuniões, professores com
formação acadêmica mais avançada
(pós-graduação lato sensu ou Mestrado
em Letras) diziam ter problemas de relação com os alunos em sala de aula, além
de dificuldades com o planejamento de
Tempos mortos ou pausas para a criação?
aula, e professores sem educação formal
na área pareciam não tê-los?; b) Por que
os professores que reportavam mais
problemas justificavam suas questões a
partir das teorias que haviam estudado
e os professores sem formação na área
pareciam não ter os recursos discursivos para comentarem acerca de seu su­
cesso em sala?; c) Por que os professores
reportavam o desejo de darem aulas
perfeitas, em que tudo “fluiria”?; d) Por
que os professores estavam em busca de
técnicas que apoiassem esse “fluir” da
aula? e e) O que seria esse “fluir”?
Considerando a minha própria formação e de que maneira ela poderia
ser útil ao debate em nossas reuniões
pedagógicas, comecei a desenhar Ativi­
dades com Potencial Exploratório
(MOURA, 2007), em que a linguagem
cinematográfica pudesse servir como
doadora de conceitos para reflexão. Esperava, também, gerar um vocabulário
comum entre os professores com dife­
rentes formações, partindo de noções
de que eles poderiam se apropriar por
analogia, a partir de seu conhecimentos
como espectadores de produtos audiovisuais. A Prática Exploratória parecia ser
um caminho para incentivar a pesquisa
“viva”, mais do que a imposição de novas “formas de fazer”. Tentava descobrir,
a partir de minhas próprias perspectivas
e expectativas, “o que tem o professor a
narrar?”(KRAMER,1992, p.53).
Considerava, ainda, que o trabalho
poderia ter uma vocação para o letramento crítico freireano, ao propôr que
a linguagem cinematográfica fosse contemplada a partir de casos da prática
docente. Por conta de minha formação,
acredito que:
é preciso desmistificar o cinema
e sua linguagem, que camufla a
contradição imagem, movimento
e som em prol da confusão entre o
que é real e o que não é real, causando no consumidor uma confusão
entre a vida e o filme, o espec­tador
confunde o cotidiano com um prolongamento do filme que está em
cartaz (CARRIÈRE,1994, p. 31)
1. Linguagem Cinematográfica
e Ensino
Experiências com a análise crítica da
linguagem audiovisual aplicada ao fazer
pedagógico – em especial, a desenvolvimentos metodológicos - são abundantes
entre os pesquisadores da área de Educação. O projeto do Núcleo de Ensino
da UNESP, junto a alunos do Curso de
Licenciatura em História, alunos do
Ensino Fundamental e professores da
rede pública, enfatiza “o contato e exploração da linguagem cinematográfica
como documento histórico e sua oportuna utilização como recurso didáticopedagógico” (DAVID,1992, p.1). Os pesquisadores afirmam, ainda, que “o uso
do filme, na mesma proporção em que
ilustra uma aula, pode, sem a apreciação
crítica do espectador, conduzir à idéia
de um fiel registro dos acontecimentos
ou, na mesma ordem, ser rejeitado sob
a ótica pré-estabelecida, de uma visão
particularizada”, o que parece indicar
uma intenção de explorar o viés sociointeracional e despertar a criticidade na
formação de professores.
Em outra referência, temos o suporte da UNESCO, afirmando que:
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a melhor forma de defender o
público, e em particular a juventude, de excessos e erros das mensagens audiovisuais é a formação e
a criação de hábitos pelos espectadores, de forma a garantir a possibilidade de escolha e a melhor
compreensão da mensagem audiovisual (apud RIBEIRO, 2002: p.1).
Este mesmo órgão declara que “a
educação cinematográfica tem já, em
muitos países, um lugar estabelecido
nos planos curriculares do ensino (...)
cabendo-lhe uma função educativa
essencial”(id, p.2).
Existem, ainda, projetos que mesclam a análise da linguagem cine­
matográfica à sua prática, como maneira de perceber, mais claramente, a
influência do olhar de cada autor na
confecção de produtos audiovisuais. Tal
experiência, claramente sociointeracional, é conhecida como vídeo-processo
(produção de vídeos amadores acerca
de tópicos relevantes para uma determinada comunidade pedagógica e sua
posterior análise) e foi implementada
na aula de Prática de Ensino da Educação Física da UFSC como maneira
de aprofundar o conceito de educação
do corpo, aliada à análise de um filme
brasileiro sobre futebol. Como colocado
pelos pesquisadores:
realizada no âmbito da formação
inicial de professores, a tematização da arte e dos meios de comunicação, tem o intuito de provocar
as futuras gerações de professores
para a força que estes fenômenos
passaram a ter na formação do sujeito, e em conseguinte, da identidade do povo brasileiro” (PINTO e
RIBEIRO, 2004, não paginado).
Entre os projetos de pesquisa brasi­
leiros realizados na área podemos
citar Bruzzo (1995, p. 5), que se refere
ao “despreparo dos professores para
lidar com essa forma de expressäo tão
presente no seu cotidiano e de seus
alunos”; Monteiro (1990, p.5), que se
dedica ao estudo da “capacidade de
decodificação e leitura das mensagens”
audiovisuais por crianças e a “lançar um
olhar antropológico diante do espec­
tador infantil”; Morrone (1997, p. 2),
que analisa as tentativas de emprego
do filme educativo e “as formas de sua
apropriação pelo contexto escolar”,
entre outros. Em todos esses estudos,
disponíveis no banco de teses do
Mnemocine, podemos observar uma
abor­dagem sociointeracio­nal do pro­
ces­so de ensino-aprendizagem sen­
do revisitada e aplicada ao discurso
que permeia a comunidade escolar.
Não observamos, entretanto, estudos
voltados para o que aqui denomino
“leitura audiovisual do mundo”, ou seja,
dedicados a pesquisar a influência do
audiovisual nas práticas cotidianas.
Por outro lado, cada espectador pode
ser (e efetivamente é) um novo autor de
cada filme. Sua experiência prévia influencia ativamente a maneira como irá
interpretar aquilo a que assiste. No entanto, para que a voz co-autora de cada
expectador seja ouvida (por outros e
por ele mesmo), há que se permitir um
certo espaço de troca, há que se enxergar a alteridade na tela bem como na
vida cotidiana. Para dialogar com um
conceito da Lingüística Aplicada, há
que se permitir que o senso de plausibilidade (PRABHU,1987) – a noção
do que é possível em cada comunidade
Tempos mortos ou pausas para a criação?
discursiva dentro da realidade de cada
praticante - atue e esteja evidente como
possibilidade de intercâmbio.
Jean Claude-Carriere nos conta que,
em sessões de cinema organizadas por
administradores coloniais franceses
logo após a Primeira Guerra Mundial,
personalidades e líderes religiosos afri­
canos viam-se obrigados a prestigiar
as apresentações, mas conservavam os
olhos fechados ao longo de toda proje­
ção por serem, em sua grande maioria,
muçulmanos, proibidos, por uma antiga
tradição, de representarem a forma e a
face humana, criações de Deus. Diz ele:
Às vezes, acho que nós também
não somos diferentes daqueles
muçulmanos na África, quando
vemos um filme.(...) será que
não abrigamos, no fundo de nós
mesmos, algum tabu, ou hábito,
ou incapacidade, ou obssessão,
que nos impede de ver o todo
ou uma parte do audiovisual
que cintila fugazmente diante de
nós?(CARRIÈRE,1994, p. 10)
Sugiro que somente uma “abordagem sociointeracional da linguagem
cinematográfica” pode dar conta desses
dois extremos, nos quais se encontram
os impasses que validam nosso inte­
resse pelo diálogo entre o audiovisual
e o ensino de língua inglesa. Christian
Metz (2002, p. 23) concebe o “empreendimento filmo-lingüístico” como
possível e necessário já que “em tese,
a lingüística não é senão um setor da
semiologia: em realidade, a semiologia
constrói-se a partir da lingüística.”
2. Conceitos da Linguagem
Cinematográfica
Nunca antes o espaço da representação iconográfica havia invadido tanto
o espaço do “real”. Sobre o conceito
de “real”, Jean Claude-Carrière cita o
exem­plo do diretor argelino Ahmed Rachedi que, ao filmar nas montanhas da
Calíbia, no Norte da Argélia, com uma
figurante não profissional, teve problemas, pois a senhora se recusava a repetir
uma cena ensaiada anteriormente:
- Nós vamos matar seu filho de
novo – disse - Basta chorar da
mesma forma que ontem. Mas a
mulher não entendeu. Para ela, o
jovem que atuava como seu filho
tinha morrido no dia anterior. Ela
vira, com seus próprios olhos, o
sangue jorrar dos pequenos sacos
plásticos escondidos sob a roupa e
que estouram à distância (CARRIÈRE, 1994, pp.51-52)
A linguagem cinematográfica é
o conjunto de códigos negociado ao
longo do século passado e do início do
século XXI, entre cineastas e suas platéias, ao se contar uma história que é,
impreterivelmente, permeada por cons­
trangimentos técnicos e não é, para
nada, óbvia: parte de um aprendizado
social constante. Tal linguagem tem sua
primeira sistematização, em termos de
produção audiovisual, no documento
conhecido como roteiro literário.
O roteiro literário é um instrumento
técnico e pode ser definido como “a forma escrita de qualquer projeto audiovisual” (COMPARATO, 1995:19), tendo
um tempo curto de vida, pois, uma
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vez que seu conteúdo seja traduzido
em filme, este só se tornará produto se
for comercializado em forma de livros.
Dentre os aspectos a serem levados em
consideração, quando da escrita de um
roteiro, Comparato menciona o chamado “tempo de atenção”, referente a quantos minutos passamos interessados em
alguma coisa; um tempo que, no filme,
é de algo em torno de vinte minutos e,
na televisão, é de apenas três minutos.
No cinema, “o tempo de atenção é determinado pela intensidade do tempo
dramático na sucessão de imagens”,
pois existe uma “distorção da dimensão” já que “a imagem nos domina”(id,
p.59). Na televisão, o fato de que o ambiente em que se assiste ao produto normalmente não é propício (é iluminado,
barulhento, podendo ter a intervenção
de outras pessoas) e que pode não exis­
tir uma pré-disposição à concentração
semelhante à de ir ao cinema (já que o
aparelho está tão acessível em casa), “o
atrativo da grande dimensão é substituído pelo dinamismo da imagem”(id,
p.60). Na publicidade, o tempo de atenção é de sete segundos.
Jean-Claude Carriére explica que
o tempo cinematográfico não é
nem o tempo teatral nem o tempo
do romance... Nada é mais fácil do
que escrever esta frase num romance: ‘no dia seguinte, de ma­nhã’;
nada é tão difícil como mostrar
num filme, que estamos no dia
seguinte e que é de manhã...[Devemos] pensar a cada instante na
fór­mula sacrossanta, tão frequen­
temente esquecida: “Não anunciar o que se vai ver. Não contar
o que já se viu”(CARRIÈRE apud
COMPARATO,1995,p. 240).
Tratando-se o cinema de uma arte
na qual “o personagem sempre encontra um táxi desocupado, pronto para
apanhá-lo no instante em que ele precisa”, ou em que “ao telefone (tempo totalmente perdido, razão pelo qual os bons
roteiristas o evitam), os personagens do
cinema sempre discam rapidíssimo” e “a
pessoa do outro lado atende imediatamente, como se esperasse pela chamada
do outro lado do aparelho”(CARRIÈRE,
1994, p. 82), a necessidade de evitar
“tempos mortos” parece ser evidenciada. O que aqui entendo como “tempo
morto” está diretamente relacionado
ao que Carrière chama de “tempo totalmente perdido” e à necessidade de, por
meio da “exploração de associações (...)
entre imagens, emoções, personagens.”
(id, p. 34) criar “imagens virtuais ou
sintéticas” (id, p.60) que diminuam o
“troca-troca de canais” (id, p.26), preocupação máxima da parte comercial
de qualquer produção audiovisual. Segundo ele, os roteiros produzidos por
estúdios de TV franceses são frequen­
temente marcados com um aviso escrito
em lápis vermelho indicando danger de
zapping ou perigo de que o telespectador troque de canal: um alerta para
“cortar para a perseguição! aumentar o
ritmo! não embromar! As outras emissoras já estão nos nossos calcanhares,
não vamos desperdiçar tempo e perder
espectadores com essa beleza soporífera!” (id, p. 26). Tal preocupação faz
com que a técnica sobrepasse o literário
não só nos produtos televisivos, mas
também nos projetos cinematográficos
pois estes, inevitavelmente, terminam
sua carreira comercial na televisão, nos
vídeos e DVDs.
Tempos mortos ou pausas para a criação?
Refletindo sobre a possibilidade de
ter a linguagem cinematográfica como
base para meu trabalho para o entendimento, a analogia entre as exigências
tecnicistas de dinamismo em sala de
aula – em especial, no ambiente de cursos de língua inglesa – e a necessidade
de evitar os “tempos mortos” no audiovisual pareceu-me evidente.
3. Buscando uma nova
forma de relação
O curso de inglês comunitário aqui
mencionado foi organizado pela ONG
A Comunidade para o Desenvolvimento
Humano, parte do Movimento Huma­
nista, da qual fui diretora por quatro
anos. Reconhecida pela ONU em sua
luta pela paz, atua em mais de cem países
no mundo e é inteiramente constituída
por voluntários. Compac­tuando com a
difusão da Campanha pela Não Violência
Ativa, o projeto do Future Builders
Community Course foi lançado por mim
em 2000, no Centro Psiquiátrico do
Hospital Pedro II (CPPII) no Engenho
de Dentro, Rio de Janeiro. Em agosto
de 2003, já afastada da iniciativa no
CCPPII, comecei a organizar um Future
Builders Community Course em maior
escala, com a ajuda de uma equipe
da ONG. Por meio de cartazes em
universidades e divulgação pela internet,
chamamos professores voluntários e
abrimos quatro turmas no Maracanã,
em uma escola técnica particular, que
nos cedeu o espaço para o trabalho. As
aulas tinham duas horas de duração e
aconteciam sempre aos sábados, de oito
às dez da manhã e de dez ao meio-dia.
Estabelecemos uma idade mínima de
doze anos e uma contribuição semes­
tral de cinquenta reais por alu­no (de
caráter não obrigatório) e começamos
atendendo, em média, a cento e vinte
pessoas. Em dezembro de 2004, realiza­
mos inscrições para o curso em Nova
Iguaçú, no campus de uma instituição
federal de ensino superior e técnico, em
Monte Castelo. As aulas eram acom­
panhadas por seminários, palestras e
oficinas relacionadas ao tema da não
violência.
A metodologia de pesquisa qualitativa que inspirou este projeto, a Prática
Exploratória (doravante PE), baseia-se
em sete princípios, apresentados, em
seus trabalhos, em diferentes versões
(MORAES BEZERRA, 2007) e que podem ser resumidos em:
• priorizar a qualidade de vida;
• trabalhar, primeiramente, para
entender a vida na sala de aula
e em outros contextos profissio­
nais;
• envolver a todos no processo;
• trabalhar para unir as pessoas
• trabalhar, também, para o desenvolvimento mútuo;
• integrar o trabalho para o entendimento às atividades da comunidade exploratória;
• fazer do trabalho uma atividade
contínua.
A necessidade de integrar o trabalho
para o entendimento às atividades do
grupo é, normalmente, interpretada
como necessidade de não criar contextos específicos para a pesquisa, inte­
grando a atividade habitual da comunidade exploratória ao trabalho para
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 73-85
entender seus puzzles. Portanto, como
minha coordenação se baseava em conversas e reuniões, optei por registrá-las
em diário de campo e incluir a apresentação dos conceitos cinematográficos
em nosso dia a dia. As conversas foram
registradas entre 15 de Maio e 25 de
Junho de 2005 e somadas a observações
pessoais do histórico do projeto. A pesquisa original incluiu, além dos professores, coordenadores e alunos do curso.
Para este artigo, considero somente as
respostas dos professores, descritos nos
diários da seguinte maneira:
• Professora 1 - formou-se em um
curso livre de idiomas, em um curso específico de treinamento de professores,
mas nunca havia lecionado e declarou
que seu grande sonho sempre foi o de
estar em sala de aula. Ela insistia em
agradecer a oportunidade dada e a boa
vontade com a qual fora recebida pelos
alunos.
• Professor 2 – estava terminando o
curso de Letras. Tinha experiência dando aulas para grupos de apoio escolar
em casa e como pesquisador na área de
Lingüística (bolsista).
• Professora 3 – pós-graduada em
Lingüística Aplicada (Mestrado), graduada em Letras, lecionava em uma escola bilíngue de ensino fundamental e
em curso livres de idiomas.
• Professora 4 - graduada em Letras,
cursando uma Pós-graduação lato sensu
em Língua Inglesa, lecionava em um
curso voltado para o atendimento de
profissionais em empresas, utilizandose de uma abordagem sociointeracional
em que textos eram utilizados para promover o desenvolvimento oral.
• Professora 5 - funcionária pública,
formada em inglês em um curso livre
de idiomas e sem experiência prévia em
sala de aula.
• Professor 6 – cursava o primeiro
período da Graduação em Letras. Aca­
bou optando por abandonar seu curso
de Artes por conta da experiência que
teve lecionando no curso comunitário.
Elaborei três Atividades com Potencial Exploratório, envolvendo conceitos
de linguagem cinematográfica. Para este
artigo, exponho aquela que envolvia o
conceito de “tempo morto”(doravante
APE). Apresentei o conceito como “as
partes do filme que o produtor corta,
que não têm ação, que são dispensáveis
do ponto de vista comercial, como, por
exemplo, um personagem escovar os
dentes ou ir ao banheiro ou acordar”.
As perguntas feitas, então, eram: “Você
sente isso em sua aula ? Esses ‘tempos
mortos’? Você acha que eles têm alguma
função?”. Por conta do caráter educacional da APE, optei por transcrições
sem gravação (e sem marcações de entonação ou pausa) que, posteriormente,
foram analisadas e “ajustadas” pelos
próprios pesquisadores praticantes,
considerando os entendimentos que
construimos ao longo do processo.
4. Vozes da comunidade
A primeira observação que posso
fazer é a de que os conceitos nem sempre foram compreendidos da mesma
maneira, servindo mais como gancho
para reflexões pessoais de cada um dos
voluntários em relação às imagens que
tinham de suas salas de aulas. Quando
apresentei a proposta da APE aqui mencionada, três dos professores identifi-
Tempos mortos ou pausas para a criação?
caram os momentos de “tempo morto”
como negativos (P1, P3 e P5), dois como
naturais (P4 e P6) e um como negativo,
mas interessante para o processo de
ensino aprendizagem (P2).
As justificativas dos professores para
verem os “tempos mortos” em sala de
aula como negativos pareceu estar relacionada a um suposto dinamismo que a
aula deve ter, responsabilidade do professor, para que se obtenha o interesse
do aluno. Isso pode ser observado em
comentários como: “A gente fica preocupado com a dinâmica da aula, em não
deixar que o cara pense: ‘O que eu tô
fazendo aqui?’”(P2). Neste caso específico, a própria utilização do referente
“a gente” parece se remeter à classe de
professores, o que parece indicar que a
preocupação é compartilhada. Em outros casos, pareceu haver grande dose
de ansiedade, como em : “Quando você
pergunta alguma coisa e ninguém responde, fica aquele silêncio. Falo alguma
coisa, repito [o que disse]...Não deixo o
silêncio ficar por muito tempo” (P1) ou
“Tento procurar alguma carta na manga
para não deixar a aula chata, não deixar
esse tempo ocioso. Mas sempre acontece.
Acontece, não tem como evitar e aí tem
que ter jogo de cintura”(P3). Uma das
professoras colocou, claramente, tal ansiedade: “Eu fico assim, meio nervosa,
não, tensa, eu sei que está acontecendo
o tempo morto e fico ansiosa de não
conseguir buscar interesse de quem está
desinteressado. Aí eu acho que entra uma
falta de recurso nosso, porque, se tivessemos um livro, poderia pedir para que o
aluno fizesse a atividade alternativa tal,
mas, assim, fico sem alternativa”(P5).
Em nenhum momento, apresentei o
“tempo morto” como positivo ou negativo. No entanto, a conotação provável
da palavra “morto” pode sugerir, em
nossa cultura, algo “ruim”. Além disso,
a explicação sobre como tal conceito é
visto no mundo dos roteiros, que introduzia a APE, sugere que, ao menos
no contexto do cinema, eles são ruins.
Ainda assim, as analogias poderiam ter
sido outras: o grupo poderia se posicionar, indicando que o que serve para o
cinema não necessariamente serve para
a sala de aula. A partir dos relatos negativos, traçamos, em grupo, um perfil de
modelo dominante de aula, no qual : a)
não existem “tempos mortos” - entendidos como tempo ocioso; b) os alunos
estão sempre interessados; c) os professores são dinâmicos (estão sempre propondo tarefas que captem o interesse
do aluno). Esse interesse que, uma vez
mais, é responsabilidade do professor,
pode ser caracterizado como: a) “tenho
muito que fazer aqui”; b) “nunca estou
parado esperando”; c) “este é o melhor
lugar em que poderia estar neste momento”.
Existiram divergências em relação
ao marcador do “silêncio”. Enquanto a
P1 coloca que não deixa ficar o silêncio,
a P5 parece crer que qualquer atividade,
ainda que silenciosa, é suficiente para
manter o interesse dos alunos (de onde
parte a sugestão de uso de um livro). A
noção de dinamismo, que não foi explicitada em outros relatos, parece estar
dividida entre o “ter-o-que-fazer” e o
“produzir oralmente”.
O professor que identificou o “tempo
morto” como negativo, porém, possivelmente, útil (P2), parece ter reconstruído
sua visão de dinamismo em sala de aula
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a partir da proposta da APE, finalizando
com um: “É interessante pensar nisso”.
Apesar de, em um primeiro momento,
ter colocado a mesma preocupação
com a “dinâmica da aula”, declarou a
importância de pensar no que acontece
ao deixarmos a aula “se transformar em
show megalomaníaco, pirotécnico, que é
isso que os cursos são, porque pode ser
que isso não propicie a troca de conhecimento vivo”, indicando uma perspectiva
crítica frente a suas próprias experiências como aluno em cursos livres.
Os professores que consideraram os
“tempos mortos” como naturais (P4 e
P6), colocaram-nos como momentos
de “reorganização do pensamento” (P4)
ou como tendo a única função de “pegar
fôlego antes de continuar” (P6). Nesse
caso, chamo as colocações de naturais,
pois os professores incluiram os “tempos mortos” em sua prática pedagógica
cotidiana. Isso fica claro em colocações
como a de que são “momentos de reorganização, pegar material, colocar o
alarme do celular para despertar ao final da aula” (P4) ou de que “me parece
que, ao passar de um assunto, ao outro
os professores têm esse momento de descanso” (P6). Ou seja, “tempos mortos”
cumprindo com uma função clara na
organização de uma aula.
Existe, no entanto, uma diferença
clara na maneira como os dois professores parecem vivenciar tais ocasiões.
No caso da P4, uma das professoras
que chegou a comentar acerca da influência do conceito em sua vida pessoal, parece existir uma diferença entre
sua atitude frente aos “tempos mortos”
em sala de aula e fora dela. Ela cria uma
gradação na qual podemos ter tempos
“muito mortos” ou uma “mortandade
temporária” dos alunos, encarada como
momento de reflexão. Seria uma “hora
de parar para refletir sobre como a aula
está processando”, embora ela diga: “eu
vou preenchendo com ‘So, how are you?’,
o que o transforma de alguma maneira
em um tempo morto aproveitado”. A
referência mesma à capacidade de
fazer com que o “tempo morto” seja
“aproveitado”, parece uma negatividade,
já que, caso não se tome uma atitude
em relação a ele, não tem “proveito”.
A questão se problematiza na parte do
relato em que a professora coloca: “Sinto uma pressão por parte do aluno na
questão do produzir sempre e aí preciso
ganhar o aluno para uma reflexão. Se eu
não prestar atenção, me deixo embarcar
no que o aluno quer. Se ele disser que
quer que eu bata palmas dez vezes, eu
vou bater palma dez vezes. Às vezes, por
que estou cansada”. Ao ouvir o relato,
relacionei o exemplo de “bater palmas
dez vezes” com um tipo de abordagem,
nesse caso supostamente esperada pelos alunos, que se encontra em cursos
livres, a qual, anteriormente, chamei
de tecnicista.
Ao referir-se à sua vida pessoal,
no entanto, a professora afirma: “gosto
deles. Porque são momentos em que...
digamos que eles são tempos que contribuem para um caminhar da narrativa”. Ou seja, enquanto que, desde seu
ponto de vista, em sua vida profissional
se espera a “questão do produzir sempre”, em sua vida pessoal as expectativas são outras, havendo uma lacuna
causada aparentemente pela “pressão”
que ela sente “por parte do aluno”.
Já o P6 pareceu deixar subentendida
Tempos mortos ou pausas para a criação?
uma certa desvalorização dos “tempos
mortos” ao dizer que, por necessitar de
um tempo para “pegar fôlego”, antes de
dar prosseguimento à aula, “você acaba
criando um tempo morto”. O uso do
verbo “acaba” parece indicar uma certa
falta de opção frente à necessidade de
fazer uma pausa. Por outro lado, o professor diz que “teoricamente, seria um
tempo morto quando estou explicando
algo para uma pessoa, ou um grupo de
pessoas e não para a turma toda.” A utilização de “teoricamente” parece indicar que o exemplo citado não deveria
acontecer.
Todas as visões de “tempo morto”
foram apresentadas pelo comunidade
exploratória como justificativas de alguma forma, relacionadas a um tempo
perdido que, embora possa ser entendido como prejudicial ou natural, tornase inevitá­vel e deve ser minimizado ou
aceito como parte da prática pedagógica. Em posteriores discussões com o
grupo, apresentei APEs voltadas para a
construção do diálogo em sala de aula
(como/se suas “falas” eram pensadas/
construídas em sala e como eram as
“falas” dos alunos) e para a construção
da sala de aula como narrativa (como/
se eles roteirizavam a aula e como/
se pensavam nos efeitos que queriam
gerar em termos estéticos e afetivos).
Embora as considerações acerca dessas APEs não sejam objeto deste artigo, é importante dizer que, a partir do
repensar dos “tempos” em sala de aula,
pudemos dar início a uma série de debates que envolveram a todos e valorizaram o “conhecimento vivo”, gerado
no trabalho para entender.
5. Conclusão
Tentei aqui apresentar uma parte da
trajetória interdisciplinar co-construída, em um curso de inglês comunitário
de caráter humanista, por uma “comunidade exploratória” de professores, a
partir de meus puzzles quanto a nossa
interação em reuniões e conversas
peda­gógicas. Para tanto, coloquei-me
em sintonia com o modelo de Paulo
Freire de problematização de um contexto educacional para gerar educadores e educandos críticos e construtores
da realidade que vivenciam. Inspirei-me
na proposta de trabalhar para entender
e de priorizar a qualidade de vida no
contexto em que atuava.
Considerando a riqueza da análise,
os pontos que ficaram em aberto e
a variedade de arcabouços teóricos
que poderiam servir de enquadre
para um sem-número de releituras
desse mesmo material, acredito que
os conceitos cinematográficos tenham
possibilitado uma expansão na comu­
nicação e, portanto, na relação entre
os voluntários. Considero, ainda, que
a participação dos professores sem
formação na área de Letras, ou em
estágios iniciais de sua formação, tenha
sido facilitada pela oportunidade de
usarem conceitos que podiam apreender
por analogia. Acredito, também, que
tenhamos avançado na construção de
entendimentos sobre o que é uma aula
que “flui”, embora não tenhamos pensado
mais profundamente sobre o impacto
que o “anali­sar cinematograficamente”
tenha tido em termos de letramento
audiovisual crítico.
Por minha parte, posso dizer que
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 73-85
o processo de ressignificar minha formação anterior em Cinema - em busca
de minha identidade como coordenadora pedagógica iniciante - foi extremamente importante em minhas práticas
posterio­res, dentro e fora de sala de
aula. Registro-o como um processo
de valorização de minha trajetória e
de compartilhamento daquilo que eu
acreditava poder oferecer ou, como
diria Kramer, daquilo que eu tinha a
narrar.
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 86-99
Saúde no Trabalho e Gestão
Participativa
• Artigo
Health at Work and
Participatory Management
• Alzira Mitz Bernardes Guarany *
Resumo:
O objetivo deste artigo é discutir a relação entre saúde mental e sofrimento psíquico no trabalho e o impacto da gestão participativa no ambiente laboral. Além de
realizar uma breve retrospectiva sobre trabalho na história da humanidade, mais
especificamente na sociedade moderna, publicizaremos, também, alguns resultados de uma pesquisa qualitativa. Envolvemos quatro equipes de servidores, a
partir de um estudo de casos múltiplos na biblioteca de uma universidade pública, buscando identificar o que estava presente em sua resistência ao sofrimento
psíquico laboral. A gestão participativa emergiu como sendo um elemento preponderante nesse processo.
Palavras-chave: sofrimento psíquico, sofrimento no trabalho; gestão participativa.
Abstract:
The objective of this paper is to discuss the relationship between mental health
and psychological distress at work and the impact of interactive management in
the workplace. Besides performing a brief retrospective on work in the history
of mankind, more specifically in modern society, we will also publicize some
qualitative research results. We have involved four teams of servers, from a multiple cases study in a public university library, trying to identify what was present
in their resistance to labor psychological distress. Interactive management has
emerged as a prominent element in this process.
Keywords: psychological distress, suffering at work; participatory management.
*
Alzira Mitz Bernardes Guarany, Doutoranda e Mestre em Serviço Social (UFRJ). Professora e
coordenadora do curso de Graduação e de Pós-Graduação Lato Sensu em Serviço Social da Universidade Veiga de Almeida.
SAÚDE NO TRABALHO E GESTÃO PARTICIPATIVA
Introdução
Sabedores de que não existe uma
solução definitiva para o fenômeno do
sofrimento no trabalho numa sociedade capitalista, torna-se fundamental
que tracemos estratégias para nos fortalecer diante da ferocidade do capital
para com o homem em geral e para com
o trabalhador em particular, demons­
trada pelas engrenagens da produção.
A despeito da capacidade do sistema
de se reinventar e se (re)fortalecer1, a
manutenção de instâncias de lutas coletivas e denúncias é fundamental para o
avanço da legislação que protege o trabalhador. No entanto, há uma dimensão
particular dessa luta, mais imediata e
também importante, que é o cotidiano,
o qual não pode ter sua relevância secundarizada. O que podemos fazer para
tornar este dia a dia do trabalho menos
duro e penoso, servindo como elemento
fortalecedor desse trabalhador diante
das adversidades do trabalho na contemporaneidade?
Em presença dos constrangimentos,
da pressão e cobranças, o que fazer?
Como auxiliá-lo? Viver situações como
essas faz o trabalhador sofrer, mesmo que
nem sempre o leve ao adoecimento.
Conhecer e entender os elementos
e as forças presentes no ambiente laboral que possam auxiliar o trabalhador
a lidar com este sofrimento, evitando a
transposição da linha saúde/doença, é
uma forma de fortalecê-lo, mantendo-o
firme enquanto não são produzidas mudanças estruturais capazes de modificar
este cenário.
Promover ambientes laborais cada
vez mais democráticos e participativos
pode tornar esses ambientes também
mais saudáveis para os trabalhadores,
fortalecendo sua agenda de lutas e
tendo em vista elevar o padrão de vida
desse trabalhador. Atualmente, a classe
trabalhadora é um dos atores sociais
mais agredidos no panorama de ideario
neoliberal, independentemente do nível
hierárquico em que se encontre no processo produtivo.
O presente artigo pretende fazer
um breve histórico da discussão teórica
acerca da questão da saúde no trabalho,
do sofrimento psíquico e da gestão participativa, bem como publicizar alguns
dos resultados de uma pesquisa, em
verdade um estudo de casos múltiplos,
realizado em 2006 na biblioteca de uma
universidade pública do Rio de Janeiro.
O objetivo da pesquisa foi encontrar
o(s) elemento(s) presente(s) no cotidiano laboral que contribuíssem, mesmo
que minimamente, para o fortalecimento desses trabalhadores diante do so­
frimento psíquico no trabalho. Durante
o estudo, emergiu a importância da
gestão participativa, naquele contexto,
como componente de fortalecimento
do trabalhador diante das adversidades
do mundo do trabalho na contemporaneidade, que geram sofrimento e adoecimento.
1-Breve histórico do significado
social do trabalho na história
Desde a antiguidade, o termo trabalho tem sido associado à imagem de
sofrimento. Na Odisséia de Homero,
temos o relato de Sísifo que, por ter desafiado os deuses, foi condenado a empurrar eternamente, montanha acima,
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uma rocha que rolava de volta, assim
que atingia o cume. A interpretação
desse mito relata que o desespero de
Sísifo não estava no empenho de ter de
empurrar o pedregulho sempre, mas
no defrontar-se com seu destino: ter
consciência de que seu esforço foi em
vão, assistir diariamente a seu trabalho
produzindo re-trabalho, não perceber
naquela tarefa qualquer sentido. Segundo Borges (apud ZANELLI, 2004, p.
24), este mito é considerado a tradução
do trabalho inútil e da desesperança,
que não produz satisfação naquele que
o realiza. Já em sua origem latina, o termo trabalho vem da palavra tripalium,
que tanto podia significar uma ferramenta de arado de tração animal como
um ins­trumento de tortura.
O sofrimento sempre esteve presente,
não só na representação semântica ou
social do trabalho, como também em
sua dimensão real. Até hoje, há pessoas
que empregam a expressão: “Primeiro o
trabalho, depois o lazer!”, supondo que
o primeiro não pode e nem está associado a uma atividade prazerosa, colocando os termos em contraposição.
Na Grécia Antiga, não era muito
diferente: tratava-se de uma tarefa
própria do escravo da Polis. Trabalhar
era visto como uma atividade menor
e, de certa forma, constrangedora, e os
trabalhadores não eram considerados
cidadãos. A atividade nobre era o pensar. Filósofos clássicos como Platão e
Aristóteles exaltavam o ócio e deixavam
claro que o trabalho era uma atividade
degradante, inferior e desgastante, que
deveria ser executada pelos escravos.
Com o advento do cristianismo no
Ocidente, esse cenário ganha outra di-
mensão: a espiritual. A ética cristã apresenta o trabalho como algo necessário
aos homens. Ora aparece como obrigação para sua subsistência, ora como
benção e, pode, ainda, em outros momentos, surgir como castigo pelo pe­
cado original: “[...] ganharás o pão com
o suor de seu rosto[...]” (GÊNESIS, 3,
p.19).
Na Idade Média, no contexto do
Feudalismo, o sofrimento apresentava
outras facetas: a possibilidade de mobilidade social era praticamente nula e
havia absoluta falta de liberdade para o
trabalhador. Ali nasciam, ali deveriam
morrer. As condições de trabalho, de
vida, de saúde, sanitárias, econômicas e
sociais eram muito desiguais.
No século XVI, com a Reforma Protestante, o trabalho ganhou uma ética
própria e certo status social. Sua prática
passou a ser identificada como fonte de
cultura e de toda riqueza, período muito
bem explorado e analisado por Weber
em seu livro A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904/2005). Ainda que essa visão não afaste do trabalho
o espectro do sofrimento, pelo menos,
naquele momento, trabalhar significava
exercer uma atividade positiva, socialmente falando, que traz retorno a quem
o pratica e, se feita à exaustão, pode
trazer até riqueza.
Com o desenvolvimento de novas
forças econômicas no interior da sociedade feudal, o crescimento da classe
de comerciantes foi possibilitando a
mudança dessa ordem social. O surgimento de um novo modo de produção
– o capitalismo – levou a uma nova configuração de classes sociais e à ascensão
da burguesia. Mas o sofrimento do tra-
SAÚDE NO TRABALHO E GESTÃO PARTICIPATIVA
balhador não acabou. Segundo Marx,
ficou ainda mais cruel: na sociedade
capitalista, que sucede a feudal, a exploração sofrida pelo trabalhador vem
mascarada e oculta. Com um discurso
de que agora o homem é livre para trabalhar onde e para quem queira, o trabalhador é mais espoliado, pois é absolutamente alienado do produto que
produz, de sua condição de homem e da
possibilidade de reconhecer no outro
um igual em quem possa buscar apoio
e com quem possa, até, organizar-se
para lutar por melhores condições de
trabalho e de vida. Não tem mais controle sobre o que é produzido, sobre a
forma como deve ser produzido, nem
sobre como e quando produzir. O trabalho é transformado em mercadoria,
seu produto é reificado e fetichizado.
2 - O contexto e o significado
social do trabalho na
contemporaneidade
A entrada da lógica de acumulação
neoliberal representou um duro golpe
no mundo do trabalho, principalmente
no Brasil, que, no final da década de 80,
havia garantido direitos sociais e de cidadania a sua população. O reordenamento das organizações de trabalho,
agora sob uma “nova” estratégia de
gestão, impõe aos trabalhadores duras
mudanças, espoliando-os ainda mais
da dimensão de realização por meio da
atividade laboral.
A temporalidade das relações também sofre com essas mudanças. As palavras de ordem, agora, são flexibilidade,
agilidade e rapidez, em diversos âmbitos. A referência de bom trabalhador
não é mais um histórico que mostre
uma carreira longa dentro de uma mesma empresa. A inexistência do longo
prazo desestabiliza a ação duradoura e
afrouxa os laços de confiança.
A flexibilidade do tempo, proposta
como vantajosa, embora pareça prometer maior liberdade que a do trabalhador que ficava atrelado à rotina de
uma fábrica “clássica”, está, ao contrário,
envolvendo-o em uma nova trama de
controle: o controle de sua subjetividade. Um trabalhador que usa o tempo
de forma flexível pode até controlar a
rotina de seu local de trabalho, mas não
adquire maior controle sobre o processo
de trabalho em si, o que é um dos fatores geradores de sofrimento. Senett
(1999), baseado no relato de duas gerações, promove uma discussão sobre a
fragilidade dos valores morais e éticos,
impostos e necessários para esse novo
padrão de acumulação flexível, e sobre
seus impactos no caráter do homem.
Como conseqüência desses ajustes, há
uma crescente onda de desemprego, de
postos de trabalho mal remunerados,
de retrocesso no movimento sindical
em termos de seu poder de luta e organização, de aumento da velocidade
de produção e, consequentemente, um
maior índice de sofrimento imposto à
classe trabalhadora.
O movimento mais flexível do capital acentua o novo, o fugidio, o efêmero,
em vez de valores sólidos que antes vigiam no cenário corporativo. Somados
a isso, temos, ainda, o individualismo
exacerbado, em que cada um preocupase consigo e com seus problemas. Com
diz Dejours, temos um sofrimento que
é causado pela organização do trabalho,
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mas que acaba por ser aprofundado pelos fracos laços que os trabalhadores estabelecem entre si.
[...] todas as formas clássicas de
solidariedade estão em processo
de desestruturação – e não apenas
as estratégias coletivas de defesa.
Diante dos constrangimentos do
trabalho, todos se encontram, psicologicamente, cada dia mais só.
O ‘assédio moral’, por exemplo,
[...] nada tem de novo, os ‘chefes’
e os patrões sempre perseguiram
os trabalhadores. O que mudou
é o crescimento desmesurado
das patologias decorrentes destas
perseguições, não apenas contra
operários e contra os empregados, de maneira mais ampla, como
também, agora, nas fileiras da hie­
rarquia intermediária. Por quê?
Porque diante da perseguição não
há mais solidariedade. E quando se
está só, abandonado pelos demais,
é psicologicamente muita mais
difícil suportar a injustiça do que
quando se conta com a cumplicidade dos colegas. Todas as patologias relacionadas ao trabalho, hoje,
são, antes, patologias da solidão.
Este desaparecimento das solida­
riedades manifesta-se até mesmo
no espaço público, onde se assiste
a uma despolitização global... O
individualismo é uma derrota e
não um ideal. (DEJOURS apud
SNELZWAR, p. 17, 2004).
Proposto como alternativa para enfrentar a crise do capital, o neoliberalismo trouxe novo nexo para a correlação
de forças sociais e, com ele, mudanças
profundas no mundo do trabalho. Dentre elas, destaca-se a reestruturação
produtiva, a precarização do trabalho,
o desemprego estrutural e, consequentemente, o temor de ser excluído do processo produtivo formal. Todo esse clima
gera grande sofrimento.
O trabalhador no contexto neoli­
beral sente-se pressionado durante
toda a jornada de trabalho, jornada
esta que, com algumas exceções, excede as 8 horas diárias e, não raro, o
mantém ainda “ligado” e “logado” ao
trabalho, mesmo quando está em casa,
pensando nas pendências, preocupado
com seu desempenho e com o fantasma
da demissão diante do desemprego estrutural. Há ainda as “facilidades” permitidas pela Revolução Tecnológica,
que nos colocam aparatos eletrônicos
como o celular, o computador e o notebook, que também contribuem com
essa “disponibilidade” para a atividade
laboral. Enfim, o mundo do trabalho só
fez crescerem os elementos que podem
aprofundar o sofrimento no trabalho.
No momento em que deveria desligarse dos seus afazeres para se dedicar-se
às outras atividades de sua vida, o trabalhador permanece vinculado ao trabalho e, o que é pior, em uma ligação
de permanente temor, pois o medo encontra-se no cerne dessa relação. Medo
de não dar conta das tarefas, medo do
desemprego, medo de não atingir a expectativa do gestor, medo de não entregar o trabalho a tempo, só para citar
alguns dos muitos temores que o assolam.
É interessante notar que, quando
se fala do sofrimento no trabalho, o
cenário que se desenha é o de uma sociedade capitalista, guiada pelo lucro.
Porém, o sofrimento no trabalho não
SAÚDE NO TRABALHO E GESTÃO PARTICIPATIVA
está presente somente no capitalismo.
Segundo Heloani (2003), mesmo em
países que instauraram um modelo de
organização ideopolítica e econômica
baseada nos preceitos marxistas, com
uma lógica socialista de mercado, de
produção e apropriação coletiva das
riquezas produzidas, o sofrimento no
trabalho é presente. Mesmo nesses
países, o trabalhador deve se adequar
à organização do trabalho e à racionalização da atividade laboral e não o contrário. Na China, por exemplo, a “desmaoização” da economia promoveu a
abertura para o mercado, criando novas
empresas que implementaram mecanismos incrementadores do trabalho, com
adoção de medidas disciplinares muito
severas, incluindo o aumento da jornada de trabalho e a cobrança de multas
- o que dá mostras do implemento de
um taylorismo aplicado com um rigor
inaudito. Pode-se, daí, depreender que,
em última instância, é a organização
do trabalho que está por trás do sofrimento.
As relações sociais são historicamente determinadas pelo modo de
produção hegemônico adotado pela
sociedade, mas são, também, resultado
da correlação de forças existente no interior desta. Diversas classes e frações
de classes lutam pela garantia de suas
próprias causas. Marx (1851/1974) já
dava conta desta complexidade desde
seu livro O 18 Brumário, no qual ana­
lisa os fatos históricos que levaram Luis
Bonaparte ao poder, garantindo-se em
alianças aparentemente impensáveis.
Nesse texto, Marx identifica mais do
que a correlação entre as duas grandes
classes estruturais. Podemos encontrar
nessa obra, enumeradas, em torno de 12
classes e frações de classes que se alia­
ram para garantir a ascensão burguesa.
Na contemporaneidade, percebemos a complexificação dessa correlação
de forças gerando muitas consequências
e, dentre elas, o sofrimento impingido
ao trabalhador. É nesse espaço contraditório que a Gestão Participativa se
inscreve, podendo desempenhar um
papel favorável ao trabalhador em
suas lutas reinvidicatórias. Sendo, num
primeiro momento, uma ferramenta
(re)acessada2 pela administração mo­
derna para “otimizar” a produtividade
do trabalhador, pode também servir de
instrumento para o seu fortalecimento,
na medida em que se baseia em sua participação no processo decisório3.
3- O trabalho na
contemporaneidade e o
sofrimento psíquico
A questão do sofrimento psíquico
no trabalho chamou-nos a atenção
quando, inseridos numa empresa
multinacional, mais especificamente na
área de Recursos Humanos, observamos
alguns eventos que nos despertaram
para a questão da saúde do trabalhador
e da qualidade do ambiente laboral.
Em apenas quatro meses, mais de meia
dezena de funcionários apresentaram
sérios transtornos psíquicos, a ponto
de terem de ser afastados do trabalho.
É interessante apontar que esses traba­
lhadores integravam níveis variados
da estrutura hierárquica da empresa,
não denotando, em um primeiro
momento, relação direta entre o fenô­
meno e o cargo que ocupavam na
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orga­nização. Havia gestores com
crise depressiva, empregados da área
comercial com surtos psicóticos e
síndrome do pânico e até alguns
funcionários da linha de operações
da fábrica apresentando distúrbios
mentais. Quando confrontados com a
possibilidade de voltarem ao trabalho
ou, ainda, quando mantinham qualquer
tipo de contato com o ambiente
laboral (indo ao local ou por telefone),
apresentavam comportamentos que
denotavam angústia, depressão e, em
alguns casos, rompimento do contato
com a realidade. Havia aqueles que,
sustentando coerência em seu discurso,
colocavam-se veementemente contra a
possibilidade de voltar para seu posto
de trabalho ou ter contato com seu
superior imediato.
A
equipe
interdisciplinar
e
interinstitucional que os acompanhou
e atendeu nesses períodos concluiu que
os quadros patológicos apresentados
tinham relação direta com trabalho
e com o tipo de gestão a que estes
trabalhadores eram submetidos. A
despeito de ser uma empresa que tinha
como premissa atender à legislação de
Saúde e Segurança do Trabalhador e
que possuía em seus quadros alguns
profissionais dedicados à questão da
saúde do trabalhador - como médicos,
assistentes sociais e técnicos de
segurança do trabalho - o número de
funcionários afastados por sofrimento
psíquico era, no mínimo, significativo.
Dentre as ações da equipe inter­
disciplinar, estava a busca por autores,
pesquisadores, que se debruçassem
sobre a questão do sofrimento psíquico
no trabalho, na tentativa de dar base
científica às atuações organizacionais.
No entanto, verificou-se que, naque­
la época (2003), os estudos não
abordavam, prioritariamente, a questão
da prevenção do adoecimento. Em sua
maioria, constatavam, quanti­ficavam
e discutiam a doença já instalada e
causada pelo sofrimento no trabalho.
Propôs-se, então, empreender uma
pesquisa para compreender o mecanismo
de sofrimento psíquico. Que elementos
poderiam existir no ambiente laboral
que pudessem engendrar resistência
nesses trabalhadores? De que forma eles
conseguiriam se defender diante do risco
a sua saúde mental? Seriam as relações
interpessoais, os laços sociais com os
colegas de trabalho e/ou intragrupais,
o “suporte” para tal resistência, que lhes
permitiam não sucumbir e até fazer com
aquele ambiente tivesse uma atmosfera
menos hostil? Seria o tipo de gestão ao
qual estavam submetidos o que levava
seus integrantes a transformarem
as adversidades em suas aliadas?
Seria algum fator individual o que os
ajudava diante do sofrimento? Estas
perguntas foram o mote da pesquisa:
quais elementos poderiam, ou não,
estar presentes no ambiente laboral, de
forma a amenizar o sofrimento psíquico
impingido pela a atividade laborativa ou,
minimamente, auxiliar o trabalhador
a reagir diante dele, fortalecendo-o e,
ainda, fortalecendo seu processo de luta
coletiva.
Na pesquisa teórica empreendida,
encontramos em Dejours a possibilidade
de estratégias individuais e coletivas de
defesa diante do sofrimento ocasionado
pelo trabalho. Esses conceitos surgem,
primeiramente, em A Loucura do
SAÚDE NO TRABALHO E GESTÃO PARTICIPATIVA
Trabalho (1980/2003) e evoluem no
decorrer de sua trajetória acadêmica.
Para o autor, estratégias de defesa seriam
formas encontradas pelos trabalhadores
para se manterem como sujeitos diante
de um trabalho que tenta aliená-los ou
ainda “[...] uma forma específica de
cooperação entre os trabalhadores para
lutarem juntos contra o sofrimento
engendrado pelos constrangimentos do
trabalho” (DEJOURS apud SNELZWAR,
2004, p.16). Há, ainda, as estratégias
individuais. Algumas delas não levam,
necessariamente, a um bom termo,
isto é, elas podem se traduzir em abuso
do álcool, exposição maior a riscos ou
evitação de regras de segurança para
demonstrar domínio sobre a atividade
laboral. Outras aparecem sob forma de
reivindicações para melhorar, ou até
mudar, a organização do trabalho, por
meio de atitudes que não encontramos
nos manuais organizacionais e das
quais o trabalhador lança mão, como
que para se manter “blindado”, ou ainda
“anestesiado”, diante dos riscos à sua
saúde mental. As estratégias podem ser
individuais ou coletivas, como indicado
pelo próprio Dejours. “[...] A proteção
da saúde mental não depende apenas
do talento de cada indivíduo [...] essa
proteção passa também pelas ‘estratégias
coletivas de defesa’, que desempenham
um papel relevante [...]” (id, p. 17).
A formação psicanalítica do autor
deixa marcas claras em sua meto­do­
lo­gia, que prioriza a escuta da fala
do cliente/ reclamante/ trabalhador.
Ainda assim, ele avança para além
dos paradigmas psicanalíticos, na
medida em que aponta alguns desafios
dessa abordagem, como as estratégias
coletivas de enfrentamento.
Selligman-Silva, em seu livro
Desgaste Mental no Trabalho Dominado
(1994), no qual faz uma retrospectiva
de diversas linhas de estudo sobre saúde
mental no trabalho, também aponta
estratégias individuais e coletivas de
defesa. No entanto, diferentemente de
Dejours, faz uma distinção semântica
entre resistência e defesa, apontando
que a última não tem necessariamente o
compromisso de alterar ou transformar
as condições geradoras de sofrimento,
mas somente o de tornar suportável
a penosidade do trabalho. Entre as
estratégias enumeradas pela autora,
encontramos mecanismos psicológicos
de defesa como sublimação, repressão e
isolamento, brincadeiras e ironias entre
os trabalhadores, relacionadas ou não a
seus gestores, defesas compensatórias,
entre outras.
Não identificamos, nem em
Selligman-Silva nem em Dejours,
nenhuma estratégia que incluísse o
estabelecimento ou aprofundamento
dos laços sociais que os trabalhadores
constituem entre si, a partir do seu
ambiente laboral, ou a importância do
gestor (do chefe, gerente, coordenador,
enfim, o responsável pela gestão do
cotidiano laboral) na condução do
trabalho, junto a sua equipe. Para não
cometermos uma injustiça, as únicas
exceções quanto à questão dos laços
sociais ficam por conta de uma citação
que Selligman-Silva faz a um estudo
empreendido nos anos 80 por um
pesquisador francês - Robert Linhart
- em uma fábrica da Citröen, em que
o autor aponta a importância das
relações entre os trabalhadores, mais
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 86-99
especificamente da solidariedade entre
os trabalhadores. Porém, tal estudo
centra seus olhares no processo de
resistência por meio da organização
de um movimento de lutas do coletivo
dos trabalhadores, com foco na garantia
de suas reinvidicações pelos direitos
trabalhistas e não na relação saúde/
doença laborais.
Por sua vez, Dejours começa a tocar
nesses pontos, em um livro publicado
no Brasil em 2004, organizado por Selma Lancman e Laerte Idal Sznelwar, de
nome Christophe Dejours – Da psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho,
que, em seu avant-propos, relaciona o
sofrimento psíquico no trabalho às estratégias coletivas de defesa. Menciona,
entre elas, as relações, os laços, os vínculos sociais estabelecidos entre os trabalhadores e o apoio representado por
ele. Menciona, ainda, a importância da
relação entre os chefes e suas equipes, na
questão do reconhecimento e do apoio
dos primeiros à participação dos trabalhadores no processo decisório. Em
verdade, é pela leitura “invertida” que
fazemos do exposto em alguns trechos
do livro, que percebemos que o autor
começa a ver como importantes os laços
sociais estabelecidos no ambiente laboral e o suporte que essas relações representam como uma forma do trabalhador
resistir diante do sofrimento psíquico.
Consideramos o trecho:“[...] Diante dos
constrangimentos do trabalho, todos se
encontram, psicologicamente cada dia
mais sós.”, ou, ainda, o trecho: “[...] E
quando se está só, abandonado pelos
demais, é psicologicamente muito mais
difícil suportar a injustiça do que quando se conta com a cumplicidade dos
colegas.” (ibid, 2004, p. 17).
Quanto à discussão da participação
do trabalhador no processo decisório
ou da questão da gestão participativa,
podemos, num esforço intelectual,
identificá-lo quando o autor introduz
o conceito de alteridade: “[...] É a partir
do ‘olhar do outro’ que nos constituímos como sujeitos; [...]” (ibid), ou seja,
se este outro é representando por um
gestor que exerce a gestão participativa,
reconhece a participação de cada um
no processo produtivo, valorizando-me
como trabalhador. Isso se traduz em um
ambiente menos penoso do que um em
que o gerente assediasse moralmente
seus subordinados ou fosse autoritário.
Na literatura sobre saúde do trabalhador, questões que fujam à dimensão orgânica, ou objetiva e mensurável,
no processo de adoecimento, têm, em
geral, sua participação secundarizada.
Porém, atualmente, o tema sofrimento
psíquico no espaço laboral não é apenas
matéria de especialistas, estudiosos ou
cientistas da área de Saúde do Trabalho,
atraindo para si a atenção de leigos.
Tocar nesse assunto mobiliza, rapidamente, interessados em discuti-lo; alguns, inclusive, dando testemunhos de
experiências próprias, de amigos ou
conhecidos que viveram experiências
relacionadas ao assunto.
Em empresas modernas, o perigo
não mora mais, necessariamente, em
ambientes escandalosamente insalubres, barulhentos ou úmidos, mas nas
imposições de horário, de ritmo, de
formação, de informação, das relações
estabelecidas ali, além dos aspectos visíveis da organização e do processo de
trabalho.
SAÚDE NO TRABALHO E GESTÃO PARTICIPATIVA
Em 1991, a American Psychologist
alertou para o fato de o sofrimento
psíquico no trabalho ser a segunda causa
de afastamento no trabalho nos Estados
Unidos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o estresse
é um dos mais graves problemas de trabalho na atualidade: estatísticas da OIT
apontam que, no Brasil, pelo menos
metade da População Economicamente
Ativa (PEA) já passou por um momento de estresse no ambiente de trabalho,
causado pelos fatores já enumerados
aqui ou por fatores extra-ambiente la­
boral, mas que devem urgentemente ser
avaliados. Ações devem ser tomadas, já
que tais fatores são a causa da morte de
mais de 2 milhões de pessoas no mundo, matando mais do que as drogas e
o álcool juntos. A própria Previdência
aponta os transtornos mentais como a
terceira maior incidência nos casos de
auxílio-doença.
Como registra Pereira, em seu estudo realizado com fisioterapeutas que
trabalhavam em um único hospital,
isto é, não tinham jornadas de trabalho
múltiplas (na área da assistência), 46%
apresentavam alto índice de exaustão
emocional e apenas 7% deles tinha alta
satisfação no trabalho que executavam
(2002, p. 97).
Em 2003, é publicado o estudo Safety in numbers: pointers for a global safety
culture at work, da OIT, mostrando-nos
números estarrecedores: ocorrem em
média 270 milhões de acidentes de trabalho por ano no mundo e 75% deles
(isto é, algo em torno de 200 milhões)
poderiam ser facilmente evitados com
ações preventivas. As mortes, os acidentes e as doenças causadas pelo tra-
balho consomem em torno de 4% do
Produto Interno Bruto (PIB) mundial,
e, só no Brasil, estima-se que esse custo
gire em torno de 10% do nosso PIB (OIT,
2003). É importantíssimo pontuar que
este âmbito – a saúde do trabalhador seja talvez o único em que forças estruturalmente antagônicas do capitalismo
tenham uma confluência temática de
interesse, que se coloca, obviamente, de
maneira distinta para ambos os lados.
Para o capital, é uma questão relacionada a “problemas de produção”; para
outros é um “problema de vida”.
4 - O sofrimento no trabalho e a
gestão participativa
Na instituição pública de ensino na
qual ocorreu a pesquisa, encontramos,
nos relatórios da área de saúde do trabalhador de 2003, 2.214 afastamentos
do trabalho por doença, em um grupo
de aproximadamente 4.000 trabalhadores, sendo que 24,4% foram motivados por transtorno mental! Cabe
ressaltar que a medicina já reconhece
que muitas ou­tras patologias podem
estar relacionadas ao estresse, o que
aumenta ainda mais a possibilidade de,
no número global de adoecimentos,
termos também ocorrências motivadas
pelo sofrimento psíquico no trabalho,
o que multiplicaria exponencialmente
esse número.
Após cuidadoso estudo dos documentos e estatísticas, produzidos pelo
departamento de saúde do trabalhador
da universidade, decidiu-se eleger como
universo da pesquisa os servidores que
atuavam na rede de bibliotecas, por
ser um setor que mantinha ambientes,
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 86-99
processos e organizações de trabalho
bastante similares, além de apresentar
um representativo número de adoecimentos, inclusive por patologia mental. Os fatores que poderiam alterar a
dinâmica do grupo seriam o ambiente,
as relações que o grupo estabeleceria
entre si, além da gestão direta do trabalho e do cotidiano, elementos que
compõem as hipóteses desta pesquisa.
Seguindo o conselho metodológico
de Codo (2002), adotamos, ainda, a
postura de incluir nos estudos a análise daqueles indivíduos que adoecem
e daqueles que não adoecem, pois, apesar de estarem submetidos a condições
semelhantes, os resultados obtidos em
pesquisas junto aos dois grupos têm se
mostrado complementares, enriquecendo e ampliando a visão do problema.
Desta forma, optamos por entrevistar
dois tipos de setores: aqueles que apresentassem o maior índice de adoecimento e aqueles com menores índices,
como forma de tentar estabelecer alguma relação entre eles.
A amostra contou com quatro
equipes diferentes, o que representa
perto de 20% do contingente de equipes
da rede e mais de 10% de seu total de
servidores, escolhidos por apresentarem os menores e os maiores índices de
adoecimento. Foram realizadas 21 en­
trevistas utilizando um roteiro semi-estruturado que buscou levantar informações mais objetivas, referentes ao tempo
de serviço na universidade e ao tempo
de serviço no setor onde se encontravam lotados naquele momento, bem
como idade, sexo, cargo atual, estado
civil e grau de instrução, além de outras
questões mais subjetivas, acerca do co-
tidiano no trabalho, das impressões sobre a chefia, do sofrimento no trabalho,
das angústias e experiências de cada um
deles no ambiente laboral.
Cabe ainda destacar que trabalhamos
com dois roteiros, um para o gestor e
outro para sua equipe, já que há o entendimento de que o papel de gestor faz
com que a vivência e as expectativas sejam diferentes daquelas de sua equipe.
Dos entrevistados, 50% exercem
cargos de bibliotecários; 45% são assistentes e agentes administrativos, cargos
de nível médio; e 5% são auxiliares ope­
racionais, função de nível fundamental. 15% dos entrevistados são homens
e 85% mulheres, entre 30 e 60 anos de
idade. A maioria tem mais de 10 anos
na universidade e 98% deles estão na
rede de bibliotecas desde o início de
suas atividades na instituição.
A todos os entrevistados foi soli­
citado que definissem sofrimento no
trabalho. 50% não souberam definir o
que seria este sentimento e aqueles que
o fizeram relataram já terem passado
por isso, mas em outros tempos, identificando o sofrimento como sentimento
de inadequação ao lugar e às tarefas, falta de respeito e reconhecimento do seu
trabalho e, ainda, ausência de direção
nas atividades laborais. Para a maioria dos servidores entrevistados, não
era relevante o significado da reação,
individual ou coletiva, diante do so­
frimento, ou seja, o entendimento que
tinham acerca do sofrimento não era
importante, já que não estavam vivendo
isso naquele momento, e aqueles que
relataram que estavam passando por
isso tinham encontrado saídas em movimentos individuais. Contudo, ficou
SAÚDE NO TRABALHO E GESTÃO PARTICIPATIVA
patente a importância e a influência
que, para eles, têm o modo como é feita
a gestão do seu cotidiano e a existência
de sofrimento: “[...] a gente não se sente
bem com a falta de gestão [...] e então
cobra um pouco dela que se posicione
[...] principalmente quando temos um
conflito [...]” ou, como vemos em outra
entrevista: “[...] como pessoa é excelente,
muito boa pessoa mesmo, mas assim na
postura ele se põe assim... eu acho que falta se posicionar como chefe [...] até hoje a
gente não teve uma reunião [...] eu acho
que chefia é isso você saber coordenar os
trabalhos [...]”. Esses e outros trechos
deixam claro que, nas equipes pesquisadas em que os subordinados vivenciam
a falta de gestão, temos o so­frimento
agravado, já que ele já existe em função
do contexto de penúria no qual a universidade se insere. Fica então, nesse
aspecto, patente que o estilo de gestão
pode estar agravando esse sofrimento,
quando poderia ajudar a amenizá-lo.
Em todas as entrevistas realizadas e
entre todos os elementos investigados,
pode-se verificar que o tipo de gestão
direta exercida no ambiente laboral tem
certa importância no nível de satisfação
e sofrimento no trabalho, influenciando
a dinâmica de suas equipes e, conse­
quentemente, a resistência ou não
diante disso. Nos grupos nos quais o
sofrimento se fazia presente, o fator
foi associado pelos entrevistados ao
estilo de gestão, fosse pelo fato de ser
permissiva, sem dar direcionamento
e com baixíssima ocorrência de reco­
nhecimento, ou porque o grupo estava,
naquele momento, acéfalo, sem direção,
cabendo a cada um gerir seu próprio
trabalho.
As equipes com menores índices de
adoecimentos sentiam-se respeitadas,
confiantes, criativas, valorizadas e
credi­­tavam isso ao gestor que têm; nas
equipes com níveis de insatisfação e
sofrimento elevados, o cenário relatado
foi de descompasso entre eles e o gestor,
de falta de práticas de reconhecimento
e de abandono na equipe, estimulando
mais a relação individualizada.
Cabe destacar que nem sempre a
participação significa efetividade da
presença do trabalhador no processo
decisório. Os estudos realizados sobre
as formas de gestão participativa
no Brasil indicam que, na maioria
das experiências, a participação dos
trabalhadores aponta para uma aliena­
ção maximizada na medida em que se
exige, além do trabalho, a afetividade
e/ou até o inconsciente (HELOANI,
2003). E, quando se trata da análise da
participação dos trabalhadores versus
poder, observa-se que ela é apenas
consultiva e que o poder de decisão
não pertence a eles, particularmente
em questões cruciais como no caso
de demissões, por exemplo. Heloani
(2003) ainda coloca que se deve, então,
promover uma revisão dos métodos
tra­di­cionais de gestão, e mesmo
daqueles métodos modernizantes
que foram adaptados a uma forma de
organização empresarial que responde
às necessidades da valorização do
capital, da acumulação capitalista.
Apesar desses limites, estimular
e buscar exercer e fomentar formas
efetivamente democráticas e partici­
pativas no ambiente de trabalho pode
contribuir, mesmo que em parte, para
a garantia de um ambiente laboral
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 86-99
que não atente contra a saúde mental
do trabalhador, fortalecendo-o diante
do sofrimento e dando-lhe condições
para resistir àquilo que não podemos
transformar em curto prazo.
5 - Considerações Finais
Este artigo foi elaborado tendo como
base um estudo de casos múltiplos desenvolvido a partir de uma investigação
na qual a gestão participativa emerge
como elemento diferencial diante do
sofrimento psíquico e de seu processo
de resistência. Por ter utilizado esta
metodologia, os resultados do estudo
retratam uma realidade particular, mas
que pode funcionar como ponto de
partida para uma análise que busque
estabelecer relações com o macrocontexto social, podendo ser utilizadas
como explanações e até aplicadas a ou­
tros casos. O “[...] objetivo é fazer uma
análise generalizante e não particularizante [...]” (Lipset, Trow & Coleman,
1956, p. 419-420 apud Yin, 2001, p. 27)
como afirma o pesquisador e defensor
do instrumento Robert Yin.
Há aqueles que veem como única
saída a organização coletiva dos trabalhadores para, juntos, elaborarem
uma agenda reivindicatória, de forma
a pautar seus movimentos e suas lutas
contra os efeitos deletérios da organização do trabalho. Esta instância é de fundamental importância e seu histórico de
conquistas na correlação de forças em
nossa sociedade é testemunha de seu alcance. Não há como negar a importância
destas ações. Porém, há espaços, mediações e clivagens nas quais se podem engendrar ações que são circunscritas nessas mesmas lutas, só que em dimensões
do cotidiano do trabalho. É o caso das
ações que se dão no campo da cultura
organizacional e da gestão do trabalho
e que também podem contribuir na luta
pela democratização dos espaços organizacionais ou, ainda, apoiar as relações
estabelecidas a partir do espaço laboral,
mediando conflitos e estimulando a formação de laços sociais, como forma de
fortalecer os trabalhadores e sua saúde,
conforme apontam os resultados deste
estudo.
NOTAS
(1) Montaño em seu livro Terceiro Setor
e Questão Social (2003) aponta que
o capitalismo, a despeito de enfrentar
“[...] no último quarto de século [...]
uma crise estrutural [...]” (apud Coggiola, 1997: 149, in Montaño: 2003:
25) “[...] tem demonstrado, historicamente, uma notável capacidade de
se refazer como a ‘fênix’, de ‘corrigir’,
de ‘neutralizar’ (temporariamente)
suas crises, mediante mecanismos
(econômicos, políticos, ideológicos, le-
gais ou não) que interceptam ou anula
transitoriamente os efeitos [...]”
(2) Em verdade a gestão participativa
não é tão moderna assim, pois segundo Maximiniano (2006) a “[...] Administração participativa é uma das
idéias mais antigas da administração
[...] é uma idéia que nasceu na Grécia,
há mais de 2.000 anos, com a invenção da democracia”.
SAÚDE NO TRABALHO E GESTÃO PARTICIPATIVA
(3) Ainda segundo Maximiniano
(2006) a “[...] administração participativa é uma filosofia ou uma doutrina que valoriza a participação das pessoas no processo de tomar decisões
[...]”, isto é, tem como importante a
participação de todos os envolvidos
com a organização e não somente dos
trabalhadores. A sua adoção implica,
entre outras coisas, em ter consciência
de que a alienação promovida pelos
modelos convencionais de gestão não
traz os melhores resultados nem para
a organização muito menos para o
trabalhador.
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Janeiro: Ed.Vozes, 2002.
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YIN, Robert K. Estudo de Caso – Planejamento e Métodos, Porto Alegre: Ed.
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OIT – Organização Internacional do
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99
100
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 100-110
Responsabilidade Social
Empresarial: necessidade
e criatividade
• ENSAIO/ENTREVISTA
Corporative Social Responsibility:
need and creativity
• Álvaro Enrique Rodriguez Hernandez *
Originalmente publicado pela Revista Poliantea (n.11, Jul/Dez, 2010)
da Institución Universitaria Politécnico Grancolombiano (Rede Ilumno).
Tradução para a Língua Portuguesa por Fabíola Costa (Licenciada em
Letras Português/Inglês, Universidade Veiga de Almeida).
Resumo:
Este trabalho apresenta a criatividade como um ponto de vital importância quando se pensa em Responsabilidade Social Empresarial (RSE) nas organizações.
Determina e defende a necessidade que o país possui de contar com empresas
comprometidas com processo de RSE. Apresenta exemplos de histórias de sucesso
em RSE e fontes de consulta diretas, que conceituam e fornecem um quadro contextual para seu desenvolvimento e seus fundamentos. Apresenta, ainda, entrevista com um dos mais proeminentes estudiosos da RSE da Espanha, revelando o
status dessa área de estudo na Europa e algumas recomendações para aperfeiçoar
a implementação da RSE.
Palavras-chave: Responsabilidade social corporativa, criatividade, organização,
oportunidades de negócios, compromisso social.
Abstract:
This work presents creativity as a point of vital importance when thinking about
the corporate social responsibility of organizations. It determines and supports the
need for the country to have companies committed to CSR processes. It also shows
successful cases of CSR and consults direct sources that conceptualize and provide
a contextual framework for CSR’s development and fundamentals. It also presents
an interview with one of the leading scholars of corporate social responsibility in
Spain, through which it is possible to know the status of this field in Europe and to
have some recommendations in order to optimize CSR’s implementation.
Keywords: Corporate Social Responsibility, creativity, organizations, business opportunities, social commitment.
Álvaro Enrique Rodriguez Hernandez, Especialista em Docência Universitária. Radialista, Colunista,
Professor da Instituición Universitaria Politécnico Grancolombiano
*
J
osé Miguel Insulza,
secretá­rio-geral da Or­
ga­­nização dos Estados
Ame­ri­canos (OEA),
disse: “A pobreza e a
desigualdade afetam
a qualidade da democracia e impedem
a sua plena realização na região”. Disse,
ainda: “que mais de um terço de pessoas
da região ainda permanecem vivendo em
meio à pobreza, o que não corresponde
a um continente com o nosso nível de
desenvolvimento” (Agência Andina,
2011). Segundo dados do DANE,
48,3% das famílias, a nível nacional, são
conside­radas pobres.
Luis Pérez Gutiérrez, no jornal El
Mundo de Medellín, disse: “Na América
Latina existem 34 milhões de analfabetos absolutos, o que nos demons­
tra o quão sério é o nosso convívio
com o pós-modernismo”(2011). Rádio
Múnera revela dados da Unesco: “É
crescente o índice de analfabetismo na
Colômbia. Sete em cada cem colombianos, maiores de 15 anos, não sabem ler
ou escrever, apesar dos esforços recentes
para combater este fenômeno, assegurou a Unesco”.
Enquanto isso, El Universal intitula
“Afrocolombianos rejeitam a inviabilização de seus direitos”, e a Corporación
Humanas da Colômbia relata: “77%
das mulheres colombianas se sentem
discriminadas e 84% acreditam que a
Colômbia é um país machista. Foi o que
revelou a primeira pesquisa nacional de
percepção das mulheres sobre sua situação e condições de vida na Colômbia”.
Os dados acima marcam um contexto que tem números e casos muito mais
Responsabilidade Social Empresarial: necessidade e criatividade
101
arrepiantes do que os mostrados aqui:
abusos, maus tratos, exploração de trabalho e a pobreza, entre outros, são uma
realidade que não se deve ignorar mais.
De fato, os pensamentos utópicos e filantrópicos possuem espaço de sobra na
atualidade , ainda mais quando vemos
manchetes como a de The Spectator, de
15 de fevereiro de 2010: “os lucros do
setor financeiro atingiram 8,5 bilhões
de pesos.”
O setor privado, além dos planos e
políticas de governo, é chamado a ajudar aqueles que estão em condições
desfavoráveis e, claro, o exemplo deve
começar em casa: uma empresa com
saudáveis práticas de negócios e um
compromisso com o bem-estar de seus
colaboradores faz com que esses planos
sejam irradiados por seu ambiente. Ou
seja, é necessário que cada empresa:
a família, as PME (pequenas e médias
empresas), as multinacionais e outras,
entrem de, forma programada e sustentável, no desenvolvimento de políticas e
planos de responsabilidade social empresarial (RSE).
“Oh! Novamente a mesma história,
mas, se mais de uma vez perdemos
números por causa disso e o dinheiro se
torna insuficiente para atender a folha
de pagamento...” Precisamente desde a
própria folha de pagamento, pode-se
gerar um programa de RSE. Seus funcionários podem ser o início de um plano que tenha grande impacto positivo
sobre o desenvolvimento e bem-estar de
uma população em condições adversas.
Mas o que é a RSE? Segundo o Centro Colombiano de Responsabilidade
Corporativa (CCRE), ela é definida
como:
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 100-110
a capacidade de resposta que uma
empresa ou uma organização possui, a partir dos efeitos e implicações de suas ações sobre os vários
grupos com os quais interage (stake
holders e grupos de interesse). Assim, as empresas são socialmente
responsáveis quando as atividades
são voltadas para atender às necessidades e expectativas de seus
membros, da sociedade e daqueles
que se beneficiam da sua atividade
comercial, bem como aos cuidados
e preservação do meio ambiente
(CCR, 2010, não paginado)
Se esta definição tivesse uma implementação eficaz, definitivamente, o pa­
norama mostraria uma sociedade cons­
truída sobre a equidade e igualdade de
oportunidades; mas, às vezes, tais ideias
são mal interpretadas ou mal utilizadas,
como bem explica o jornalista e analista
econômico Francisco Leal Mateus:
A RSE tornou-se uma salva à bandeira. A maioria das empresas
fazem doações a fundações ou
ONGs para ajudar as populações
mais vulneráveis, mas muitas dessas organizações são montadas por
elas mesmas. O auxílio, de uma
forma ou de outra, é deduzido
dos impostos, mas retorna para a
mesma caixa ou para os bolsos dos
proprietários.
Definitivamente, o setor privado
responde a um modelo de negócios
amplamente conhecido como empresa
com fins lucrativos. A RSE é mais uma
oportunidade para aumentar a receita,
mas não deve ser abandonada à própria
sorte, como explica Leal:
A RSE é algo que funciona se for
aplicada como deve ser. Mas,
acontece com a RSE o mesmo
que aconteceu com o conceito de
corporativismo; é bom em sua
base, mas, quando aqueles que o
aplicam o convertem em negócio,
perdem-no. Uma coisa é que seja
rentável e outra é transformá-la
num negócio. Muitas das empresas que estão na Superintendência
de Empresas e na Bolsa de Valores
aplicam o conceito com boas práticas de governança.
Para Francisco Leal, a RSE deve fornecer um cenário “que contribua com
a formação no crescimento humano,
o desenvolvimento social e econômico
das pessoas. É a criação de empresas
sociais que ajudam a reduzir o hiato de
pobreza”.
1. A RSE oferece novas
oportunidades
Jacqueline Butcher de Rivas, presidenta do conselho de administração
do Centro Mexicano para a Filantropia
(Cemefi), diz: “No mundo de hoje, a
responsabilidade social empresarial é
uma nova forma de fazer negócios para
a construção do bem comum”.
Um dos exemplos mais claros de
diversificação de negócios oriundos
da RSE é o caso do canal internacional Discovery. Com dois projetos,
o Discovery expandiu o seu âmbito,
baixou custos operacionais em marketing, modernizou a interação entre
os telespectadores ou usuários e incorporou tecnologias de comunicação,
colocando-as a serviço da educação e
do meio ambiente, tudo graças a uma
Responsabilidade Social Empresarial: necessidade e criatividade
grande exibição de criatividade.
Sem sair das telas, o Discovery consolidou dois novos espaços, o primeiro
intitulado Discovery na Escola, com
produções que chegam às salas de aula
via satélite ou a cabo. O projeto é patrocinado por organizações e indivíduos que
buscam uma massa de conhecimento
e, em muitos casos, é apoiado pelos
próprios operadores de cabo. Dessa forma, os professores possuem uma ferramenta didática a partir da qual podem
preparar suas aulas, partindo das ideias
contidas no projeto; a Discovery retoma
suas produções, adaptando-as em um
formato mais simples para facilitar o
uso do material.
O segundo é Planeta te quiero verde,
um plano focado que envolve o setor
ambiental e engloba desde Discovery
Kids até seus espectadores mais jovens.
Encoraja as crianças a se aproximarem
e desenvolverem novas tecnologias e
a, por meio de vídeo, desenvolverem
propostas que partem de seu cotidiano
para ajudar a melhorar o planeta.
Incluem totalmente os seus stake
holders, aproveitam as atuais tecnologias
dinâmicas existentes e promovem a
gestão ambiental por meio da educação
das novas gerações, além de aumentar a
dinâmica da família, com a construção
de micro vídeos.
Definitivamente, um dos aspectos
relevantes da RSE é a questão do meio
ambiente: a consciência ambiental deve
ser incluída a partir da gestão de recursos internos da empresa, do impacto
ambiental da produção e de sua contribuição para a sustentabilidade dos
recursos de seus ambientes nos níveis
local, regional e global.
103
Além disso, os processos de aprendizagem são muito bem recebidos e
melhor aproveitados quando se trata
de construir bases sólidas com crianças,
como no caso da Faber Castell, que criou Fábrica Ecolápiz. Aproveitando que,
nos primeiros anos, o que mais se faz
é desenhar, colorir, e a maior distração
dos pequenos inclui a pintura, a multinacional alemã ensina, por meio dessa
atração, como são fabricados os lápis
de colorir, utilizando um método com
o qual o meio ambiente sofre impacto
mínimo.
Em acompanhamento permanente,
as crianças vão conhecendo fatos divertidos, como quantas cores são obtidas a partir de uma árvore ou de como
é feito o grafite do lápis, durante uma
apresentação, que dura em torno de
30 minutos e é indicada para toda a familia. A partir daí, vão surgindo vários
personagens clássicos, em um castelo,
que ajudam as crianças a interagirem
com a fábrica Ecolápiz e gerarem aprendizagem significativa, aumentando a
consciência sobre o que significa o lápis
no contexto ambiental.
Mas nem tudo é positivo na área de
RSE. Enquanto a perspectiva é promissora quando se pensa em negócios economicamente auto-sustentáveis, devese ter muito cuidado em seu processo
de formação. O Centro de Integração,
Cooperação Internacional e Desenvolvimento (CICODI) - uma agência
de pesquisa e aconselhamento sobre
questões de integração regional, cooperação internacional e desenvolvimento
- identificou os seguintes dez erros durante a execução dos projetos de RSE
(2009, não paginado):
104
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 100-110
1. Falta de análise situacional;
2. falta de planejamento;
3. ações isoladas;
4. inexperiência nas linhas de ação;
5. falta de coordenação;
6. falta de um orçamento
determinado;
7. programas inflexíveis;
8. sistematização de informações
inadequada;
9. falta de monitoramento do
projeto e
10. falta de um plano de
comunicação interno e externo.
A RSE não pode esperar
Em conversa com Julián Hernandez
Rincon, notável economista, acadêmico
e especialista em gestão da Universidad
de los Andes, é confirmada a urgência
de gerir esse processo de compensação:
Hoje, a RSE é uma questão de
obrigação absoluta para as empresas, uma vez que é o conjunto de
ações que devem ter um impacto
sobre a sociedade, o meio ambiente da empresa; com a remuneração e reconhecimento de uma
sociedade que nos aceita e nos dá
o estímulo para continuar fazendo
as coisas como organização.
Na grande maioria dos casos, os
empregadores fogem da RSE, usando
como argumento a falta de recursos financeiros para a implementação de tais
planos, por isso:
A discussão pode ser determinada
com base no que as empresas, que
têm um certo tamanho, uma certa
estrutura e certos recursos, po-
dem efetivamente desenvolver e
implementar em projetos de RSE;
isso cria uma classificação na qual
a pequena e média empresa não é
forçada ou não vai ter esse compromisso, quando a responsabilidade não deve ser necessariamente
associada a ter um orçamento ou
recursos: deve se reportar a elementos filosóficos da organização,
para que possam ser devolvidos, a
um setor da população, os benefícios econômicos que a organização tem recebido, em troca dos
serviços prestados em um mercado, diz Hernandez.
Uma vez que os gerentes de negócios
estejam cientes de que a RSE pode gerar
muitas oportunidades, mas que estas
não funcionam superficialmente, Julian
Hernandez é enfático ao dizer:
o compromisso das empresas pode
ser desvirtuado por má interpretação ou por falta de uma definição
mais apropriada em relação a esse
compromisso que as organizações
têm. Desvirtuada pelo desejo que
as empresas têm de mostrar à sociedade seus resultados, dando a
entender que esse compromisso
é cumprido. O tema que deve ser
revisto é se essa responsabilidade
social gera benefícios verdadeiros
àquelas aos quais se dirige e se não
termina nesse desejo de dizer “estamos fazendo”, mas sem medir
se esse compromisso está sendo
cumprido.
Os processos criativos, o conhecimento do contexto social e o suporte de
pessoas pró-ativas e emocionalmente
estáveis, que realmente cumpram o Pac-
Responsabilidade Social Empresarial: necessidade e criatividade
to Global da Organização das Nações
Unidas no campo da responsabilidade
social corporativa, são parte da proposta lançada por Kofi Annan, Secretário-Geral da ONU, em 31 de Janeiro
de 1999, no Fórum Econômico Mundial
em Davos.
Os dez princípios do Pacto Global
No site www.pactomundial.org, estão inscritos os princípios que dão um
quadro de referência para a RSE, que se
concentram em convenções e declarações universais:
1. As empresas devem apoiar e respeitar a proteção dos direitos humanos
fundamentais, reconhecidos internacionalmente, dentro da sua esfera de
influência.
2. As empresas devem se assegurar
de que não são cúmplices da vulnerabilidade dos direitos humanos.
3. As empresas devem apoiar a
liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação
coletiva.
4. As empresas devem apoiar a
eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório.
5. As empresas devem apoiar a
abolição efetiva do trabalho infantil.
6. As empresas devem apoiar a eliminação da discriminação em matéria de
emprego e ocupação.
7. As empresas devem apoiar uma
abordagem preventiva aos desafios ambientais.
8. As empresas devem desenvolver
iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental.
105
9. As empresas devem incentivar o
desenvolvimento e a difusão de tecnologias que respeitem o meio ambiente.
10. As empresas devem combater a
corrupção em todas as suas formas, inclusive a extorsão e a propina.
Criatividade e atualidade: fórmula
ideal para a RSE
O profesor Bicente (pelo Bicen­
tenário) é um dos exemplos mais claros
de criatividade e atualidade da RSE:
este caricatural personagem, de gravata
vinho tinto, vestido em tons de terra,
bigode proeminente, óculos Lenno e
olhos protuberantes, encarna um amante
da história do bicentenário pedindo
ajuda para terminar o livro que ele está
escrevendo sobre a navegação por mares
e rios no processo de independência do
território americano.
Esse pitoresco professor, a Fundação
Telefónica, o prefeito de Cartagena das
Índias e a Fundação Bicentenário cria­
ram o Conexão Bicentenário 2010: “uma
aventura educativa com conhecimentos
marítimos e históricos por meio das
novas tecnologías”. A iniciativa foi
desen­volvida em Sail Cartagena de Indias
2010, que é o festival internacional de
veleiros e marinheiros de todo o mundo
rumo ao Caribe colombiano, com o
propósito de comemorar o bicentenário
do grito de Independência.
O Conexão Bicentenario 2010 é
visto como um processo de RSE,
já que, atualmente, como parte da
comemoração do Bicentenário, combina
tecnologias para educar de forma
100% interativa: incentivando uma
participação permanente e o espírito
106
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 100-110
de competição entre os integrantes do
programa, motivando com prêmios
ações produtivas que tendem a gerar
processos de formação no futuro. Ele
contribui para o processo de construção
de redes de cooperação entre empresas
privadas e agências governamentais
locais. Um dos resultados mais impor­
tantes é a formação de uma grande Rede
de Pesquisa do Bicentenário.
Esse produto foi precedido por outro
projeto intitulado Conexão Picasso, em
2008, e foi revivido e adaptado tendo
em conta a situação do Bicentenário. Faz
faz parte de uma ideia macro da Fundação Telefónica chamada EducaRed, que,
como é expresso por seu gerente, Juan
Andrés Beltrán,
procura incorporar novas tecnologias ao processo educacional por
meio de qualquer tipo de tema.
Por exemplo, este ano foi o tema
do bicentenário de atividades.
As exigências da construção de todos os tipos de programa de RSE têm
como foco a participação de um grupo
formado por diferentes profissionais que podem fornecer uma solução
abrangente, ou seja, primeiro, determinar claramente a linha de ação a ser
tomada e, em seguida, iniciar o trabalho
em equipe.
No EducaRed, a pluralidade profissional é ampla:
Nós somos um grupo interdisciplinar que possui economistas, advogados, jornalistas, educadores,
especialistas em sistemas, mas o
que temos aqui é uma experiência
e um entendimento da dinâmica
das novas tecnologias na sala de
aula – que é o que consideramos
necessário para gerar esse tipo de
atividade e iniciativa, diz Beltran.
Os produtos devem ser muito bem
estudados para sua alcançar eficácia;
na Fundação Telefónica, temos uma
equipe de professores que conhece
o funcionamento das novas tecnologias na sala de aula e, além disso,
o que propomos é a discussão de
ideias para que a direção e gestão
do EducaRed o aprovem. Temos
diretrizes claras sobre a qualidade,
temos um guia de projeto, em que
se pode ver quantas pessoas podem se beneficiar até a chegada do
produto final e isso é o que nos interessa: que não seja uma atividade
momentânea, mas que transcenda
o tempo e beneficie a professores
e alunos que dele participam, diz
Juan Andrés Beltrán, gerente do
EducaRed.
A RSE na Europa
José Miguel Rodríguez Fernández, Mestre com honras em Ciências
Econômicas e Empresariais da Universidade de Valladolid, e que é, há mais
de sete anos, Decano da Faculdade de
Economia e Negócios da Universidade
de Valladolid e membro de seu Conselho de Governadores, concordou em
responder a algumas perguntas sobre
a situação da RSE na Europa. As experiências do velho continente nos podem servir como novo olhar para os
processos que existem em nossa região
e, é claro, dada a natureza global da nossa realidade, podem ser adaptados ao
contexto latino-americano.
Responsabilidade Social Empresarial: necessidade e criatividade
Álvaro Enrique Rodriguez Hernandez: Em que se concentra a RSE na
União Europeia?
José Miguel Rodríguez Fernández:
Fundamentalmente, parece centrar-se
na busca de boa reputação e imagem da
empresa e, por meio delas, na criação de
valor a longo prazo para os acionistas
ou proprietários, dentro de um quadro
em que se considera a RSE como uma
opção voluntária para as empresas, embora com certos incentivos do governo.
A: Como você lida com a formação
de estudantes universitários para o tema
da RSE?
JMRF: Em muitos países, as admi­
nistrações públicas responsáveis pelas
universidades, as agências de acreditação da qualidade das universidades e as
próprias universidades têm aproveitado
as recentes reformas de qualificações e
currículos universitários para incluir a
formação em RSE como uma competência ou habilidade que deve ser alcançada
até o final dos estudos relevantes. Mas, o
modo de obtê-la é variado. Em alguns
casos, existem cursos específicos sobre
o assunto (disciplinas obrigatórias ou
opcionais). Em outras ocasiões, esperase que a questão da RSE seja abordada
por meio de matérias intercurriculares,
cada uma a partir de sua perspectiva.
Do ponto de vista educacional, a formação teórica nesse campo pode ser completada com a análise de casos, visitas
ou estágios de estudantes em empresas
com políticas de RSE e assim por diante.
Além disso, começaram a aparecer títulos de pós-graduação dedicados, exclusivamente, à formação em RSE e/ou em
sustentabilidade.
107
A: Como conseguir trabalhar com a
RSE para ter um impacto global e não
apenas um impacto local?
JMRF: Eu acho que, antes de tudo,
é necessário conhecer o que é RSE.
Hoje, é um conceito maleável, quase
livremente interpretável, difuso e, finalmente, confuso. Em parte, isso é gerado
pelas inconsistências entre o que é observado localmente e que é percebido
em um contexto global. Empresas claramente multinacionais ou simplesmente
grandes, mas operando em vários países,
têm um comportamento mais responsável em alguns lugares (normalmente,
nos países desenvolvidos) do que nas
nações em desenvolvimento. Por trás
disso, não há, somente, uma incoerência
evidente, mas também uma concepção
relativista da RSE: toma-se mais cuidado nos países desenvolvidos porque
se acredita que a informação sobre um
possível comportamento irresponsável
seria mais rapidamente difundida e/
ou que esses países podem afetar a sua
ima­gem, já que ali estão os seus principais investidores ou seus clientes mais
influentes e assim por diante.
Uma vantagem da globalização da
informação e da progressiva facilidade
de acesso de diversas populações à internet é que esse tipo de raciocínio está
se tornando inadequado. Quando, finalmente, se chega a manter um comportamento consistente em todos os países de
atuação, evidencia-se um mesmo respeito aos direitos humanos, individuais
e coletivos ou comunitários: compensação horária semelhante em termos reais
(ou seja, em termos de poder de compra) para os funcionários da empresa
que exercem atividades semelhantes
108
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 100-110
em diferentes países; as mesmas preocupações com os riscos profissionais, a
preservação ambiental ou a proteção
do cliente ou consumidor; controle
similar da responsabilidade social dos
diversos fornecedores da cadeia de
abastecimento.
Para conseguir tudo isso, juntamente
com a divulgação de informações e comparativos, parece importante a ação dos
meios de comunicação independentes
e organizações não-governamentais
(ONGs). Mas uma pergunta é se seria
apropriado termos alguma regulamentação ou regulação de RSE a nível mundial, ou o desenvolvimento de tais regulamentos dentro de alguma organização
política ou econômica internacional
(ONU, OCDE, UNCTAD, etc.).
A atual crise internacional econômica e financeira demonstrou, mais uma
vez, que a RSE não pode ser deixada por
conta da mera vontade das empresas (a
irresponsabilidade de empresas financeiras tem sido óbvia), mesmo porque
nelas estão os defensores do mercado
sem autocontrole e, muitas vezes, de um
modelo único de racionalidade humana, em que somente o interesse próprio
guia o comportamento. E esse modelo
existe, há mais de dois séculos, sem ser
capaz de demonstrar, na prática, de
forma rigorosa e sólida, que o egoísmo
pessoal leva, pelo duvidoso meio das
vias milagrosas, ao bem-estar coletivo.
A: Como uma empresa deve lidar
com os ganhos econômicos que envolvem
o estabelecimento de programas de RSE?
JMRF: Parece certo que a maioria
das abordagens sobre a RSE nas empresas é baseada em um conceito de RSE
que leva a falar de investimento em RSE
e obtenção de resultados de desempenho e, portanto, em última análise,
econômicos. Os diretores ou gerentes
mais favoráveis às políticas de RSE
dizem que é um investimento, não uma
despesa.
Eu admito que não gosto desse tipo
de linguagem, embora, certamente, ela
represente um avanço em relação a ou­
tras opiniões contrárias à RSE. Essa linguagem evidencia uma análise de RSE
semelhante à aplicada para avaliar o
investimento em máquinas ou em pu­
blicidade e relações públicas. Quer dizer,
então, que se abandonariam as políticas
de RSE se os gerentes de contabilidade
da empresa e de finanças provassem,
em suas projeções ou previsões, que,
mesmo a longo prazo, a RSE não geraria
um aumento da riqueza dos acionistas
ou proprietários? Portanto, o primeiro
ponto a considerar ao gerenciar o custo
dos programas de RSE não é o lidar
com eles como custos e sim como investimentos. Programas de RSE são uma
moral, derivam de fundamentos éticos
e de justiça, que exigem tanto das empresas quanto dos indivíduos. Por sua
vez, esses programas também têm uma
fundamentação de análise econômica,
mas que não é um caso de negócio!
Com esse último comentário, quero
dizer que a análise ou teoria econômica
sempre alertou para a necessidade de
“internalizar”, isto é, para analisar e calcular efeitos externos (“externalidades”)
decorrentes do desempenho das dife­
rentes partes interessadas, tais como as
empresas. Assim, da mesma forma que
dizemos que “quem contamina, paga”,
também teríamos que dizer “quem, in-
Responsabilidade Social Empresarial: necessidade e criatividade
justificadamente, destrói empregos, reduz o bem-estar social de uma comunidade local ou fornece produtos de má
qualidade, paga”. Além disso, existe uma
vertente em que se combina a ética com
esse ponto de vista da análise econômica. E, além de tudo isso, a criação de
valor para um grupo (por exemplo,
líquido) não pode ser feita às custas de
outro (por exemplo, os clientes), tanto
por razões morais quanto porque seria uma expropriação ou espoliação de
renda para o primeiro em detrimento
do segundo, que abandonará a empresa.
Mas, geralmente, não há razão para que
a criação de valor seja para um grupo e
não para outros.
A: Enquanto a RSE é um processo
voluntário, quais são os pontos principais
para que uma empresa se sinta motivada
a desenvolver um processo de RSE?
JMRF: Hoje, temos a impressão de
que adotar um processo de RSE é, muitas vezes, a consequência lógica de várias
razões que se entrelaçam: o assunto está
na moda e a própria pressão social e da
mídia nos obriga a não estar fora dele;
os especialistas em marketing e em
reputação corporativa não duvidam de
suas muitas vantagens para a imagem
da empresa; os administradores financeiros estão convencidos de que o valor
das ações pode aumentar a longo prazo;
o gerente de recursos humanos vê que a
RSE pode atrair especialistas melhores
para serem funcionários da organização
e, por sua vez, motivar e unir o pessoal;
a alta direção tende a compreender que
a RSE pode ser uma excelente maneira
de ganhar legitimidade social e, ainda
melhor, status para a empresa frente aos
109
governos e administrações públicas, etc.
Além disso, todos os responsáveis pela
introdução e implementação de políticas ou ações de RSE podem se sentir
melhores, de um ponto de vista afetivo
e emocional.
A: Quais são os obstáculos mais frequentes no desenvolvimento de programas de responsabilidade social na Europa?
JMRF: Em primeiro lugar, a própria
diversidade conceitual e dos programas
em RSE. Essa diversidade significa, na
prática, às vezes, incorrer em aparentes
contradições: apresentar relatórios ou
informes de RSE que destacam as rea­
lizações sociais mais significativas, mas
não dizem nada sobre as “manchas escuras” das próprias ações empresariais.
Não se deveria avançar para uma RSE
com menos discursos simbólicos, menos beleza e mais conteúdo verídico,
inclusive em termos de democratização
na distribuição de renda e riqueza? Não
deveríamos reorientar a formação de
líderes e gestores em escolas de negócios e perceber que a RSE tem a obrigação moral e econômica de criar valor
equilibrado para todos e cada um dos
interessados ou stake holders, não somente para os acionistas? É realmente
possível um programa de RSE em que,
por exem­plo, um grande banco que
tem contribuído para a crise financeira
atual, tenha recebido uma ajuda de fundos públicos e, agora, use o seu dinheiro
para especular em mercados de dívida
pública, decida resistir diante de regulamentos mais rígidos ou pressionar para
que os governos não limitem os salários
exorbitantes de seus executivos?
110
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 100-110
Além disso, esses projetos realmente
podem ser deixados nas mãos de empresas que aplicam de forma voluntária
as políticas de RSE? Os governos e administrações públicas não têm nada a
dizer? Não seria conveniente a criação
de um conjunto de regulamentos que
introduzissem alguns requisitos no
campo da RSE, bem como incentivassem a implementação voluntária de
políticas nesta área? No final, a pergunta pode ser: cabe uma autêntica RSE no
atual modelo econômico e social, sem
a introdução de reformas fundamentais, que envolvam uma reestruturação
ideológica, econômica e política daquilo em que se baseou o mundo últimos
trinta anos e como podem esses antigos
paradigmas estarem resistindo, de maneira tão tranquila, às pressões da opinião pública para a mudança?
A responsabilidade social corporativa é uma necessidade para a Colômbia,
sem excluir nenhum tipo de organização; os programas a serem implementados devem ser feitos em uma linha
clara e específica, baseada no contexto
da nossa realidade e na criatividade de
um grupo interdisciplinar que otimize
todos os recursos possíveis e, prefe­
rencialmente, recordando as palavras
do escritor e jornalista uruguaio Eduar­
do Galeano: “A caridade é humilhante
porque é exercida verticalmente e de
cima; a solidariedade é horizontal e envolve respeito mútuo.”
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ponsabilidad Empresarial. Disponível
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2. http://www.alternativaresponsa­ble.org
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Estudo de Caso de Um Novo Entrante no Mercado Brasileiro de Perfurações de Petróleo
111
Estudo de Caso de Um Novo
Entrante no Mercado Brasileiro
de Perfurações de Petróleo
• Carlos Francisco Simões Gomes * e
Daniel Guerreiro Menahem **
Resumo:
Este trabalho apresenta uma síntese do mercado brasileiro e mundial de perfurações de poços de petróleo e gás, analisando alguns de seus principais players e
suas projeções de crescimento. É apresentado o caso da WWT International Inc.,
empresa de Protetores de Tubos Não Rotacionais, que tentava, há anos, entrar no
mercado brasileiro, mas sem sucesso. A união da WWT com a empresa de comércio exterior Reimpex foi um passo estratégico que resultou na WWT do Brasil e
possibilitou a aquisição de novos clientes, devido à nova abordagem da Reimpex
sobre os produtos. Os produtos passaram a ser apresentados como um seguro de
capital nas operações. Conclui-se o trabalho com propostas estratégicas para que
ambas as empresas continuem crescendo e com uma avaliação do processo como
um todo.
Palavras-Chave: mercado, poços de petróleo, perfuração.
Abstract:
This paper presents an overview of the Brazilian and worldwide market of oil and
gas well drilling, analyzing some of its key players and growth projections. The
case of WWT International Inc., a Non-Rotational Tubes company, is presented.
The company had been trying to enter the Brazilian market for years without success. The union of WWT with the foreign trade company Reimpex was a strategic
move which resulted in WWT do Brazil and made the acquisition of new customers possible, due to Reimpex’s new approach to the products. The products started
to be presented as capital insurance in the operations. Concluding the paper, strategic proposals for the continued growth of both companies are presented, as well
as an assessment of the process as a whole.
Keywords: market, oil wells, drilling
* Carlos Francisco Simões Gomes, Doutor em Engenharia de Produção (UFRJ), Mestre em Engenharia
de Produção (UFF), Professor Adjunto Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Veiga
de Almeida (UVA).
** Daniel Guerreiro Menahem, WWT e Ibmec_RJ
• Artigo
WWT International Inc. in the Brazilian
Market
112
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 111-126
1. Introdução
O mercado internacional era a base
de trabalho em que a da WWT Internacional estava estabelecida e tinha
seu produto reconhecido. Entretanto,
o mercado brasileiro está evoluindo e
cres­cendo com o apoio do governo. Sua
estabilidade é uma grande força, quando comparado ao mercado de petróleo
em outros países.
Os tipos de poços de petróleo interferem, diretamente, na necessidade dos
serviços da WWT International. A profundidade e posição dos poços foram os
principais quesitos a gerarem oportunidades para a empresa.
A cadeia produtiva do petróleo e
gás, desde sua prospecção, passando
pela exploração e a distribuição dos seus
produtos e serviços, é considerada uma
atividade de altos riscos e incertezas durante todo o seu processamento [1]. A
indústria do petróleo e gás tem registrado, nos últimos anos, um aumento significativo nos seus custos de exploração
e produção (ARAÚJO & ALMEIDA,
2009).
1.1 Mercado Internacional de
Petróleo
As empresas petrolíferas têm longo
histórico de formação de arranjos coo­
perativos como maneira, principalmente, de reduzirem seus riscos em
face aos elevados investimentos que são
inerentes a sua atividade (GONÇALVES
NETO, 2002). Como exemplo, cita-se a
série de fusões envolvendo as grandes
empresas desse importante segmento da
economia mundial - conhecidas como
majors - que caracterizou o período de
1995 a 2010. Uma forma costumeira de
associação entre as empresas de petróleo é a formação de consórcios para a
participação em projetos de exploração
e produção (E&P) de blocos explorató­
rios ofertados em leilões internacionais.
Trata-se de uma das características do
modelo de concessão para exploração
de petróleo e gás, um dos mais utilizados pelos países produtores (COSTA &
LOPES, 2010).
O termo petróleo refere-se à emul­
são de óleo cru, água e gás natural encontrada na natureza. Reservatórios
são rochas porosas e permeáveis que
contêm óleo, gás e água. Reservas são
os volumes estimados de óleo e gás recuperáveis de um reservatório específico. Elas são classificadas em provadas,
prováveis e possíveis, de acordo com a
probabilidade de os volumes estimados
serem economicamente produzidos.
Produção é a extração de fluidos dos
reservatórios (ARAÚJO & ALMEIDA,
2009). Esses fluidos são compostos ba­
si­camente por hidrocarbonetos e água.
Os hidrocarbonetos são compostos por
gás natural, condensado e óleo. Condensado é um fluido que se apresenta
na forma gasosa nas condições de temperatura e pressão do reservatório e
como líquido nas condições padrão de
superfície (standard). O líquido do gás
natural (LGN) é produzido por meio
do processamento desse gás em plantas
industriais denominadas unidades de
processamento de gás natural (MILANI
JÚNIOR, BOMTEMPO & PINTO
JÚNIOR, 2005).
O petróleo é uma das principais
variáveis da economia mundial, uma
Estudo de Caso de Um Novo Entrante no Mercado Brasileiro de Perfurações de Petróleo
alta ou baixa em seu preço pode causar
graves crises ou impulsionar economias.
Sendo o petróleo um bem estratégico
de tamanha importância, todos querem
entrar em seu mercado. Apenas alguns
países conseguem extrair petróleo suficiente para sua demanda interna, a
maioria ainda depende de importações.
As exportações de Petróleo no mundo
são, basicamente, controladas pela
OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo), que, segundo seu
site (http://www.opec.org/opec_web/
en/), em 2011, detinha 81% das reservas
mundiais de petróleo e, assim, controlava parte considerável da oferta em um
mercado de enorme demanda, o que
acaba influenciando o preço comercia­
lizado mundialmente.
113
Os membros atuais da OPEP são:
Argélia, Angola, Equador, Iran, Iraque,
Kuwait, Líbia, Nigéria, Qatar, Arábia
Saudita, Emirados Árabes Unidos e
Venezuela; todos enfrentam problemas
sérios tais como (Figura 1):
• Guerras civis;
• ditaduras;
• líderes opressores e/ou
• grande quantidade de pessoas
abaixo da linha da pobreza.
Esses problemas resultam em uma
organização altamente instável e perigosa para empresas petroleiras e países
importadores de petróleo. Talvez sejam
esses os motivos que mantêm (justificam) a Rússia, o maior produtor de
petróleo do mundo, fora do cartel[2].
Figura 1 - Reservas de Petróleo e países membros da OPEP
Fonte: http://www.opec.org/opec_web/en/data_graphs/330.htm
114
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 111-126
O caso da Líbia é o melhor e mais
atual exemplo do que a instabilidade
política e econômica desses países
pode gerar. Estrangeiros trabalhadores
das empresas de perfuração situadas
na Líbia já deixaram o país e, como
80% da produção nacional[3] está em
locais sob o domínio dos rebeldes, até
os trabalhadores locais preferiram a
segurança de suas casas a voltar ao
trabalho. A diminuição na produção
da Líbia pode ser contornada pelo
aumento da produção de outros grandes
exportadores, que costumam ter uma
reserva para esses casos. Porém, não se
sabe o que poderá acontecer se a rebelião
durar muito tempo ou se alastrar para
outros países produtores.
Segundo dados da AIE (Agência
Internacional de Energia), o consumo
mundial de petróleo tem caído depois
do ápice em 2008, quando a capacidade
de produção era apenas 3,1% superior
à demanda, o que fez o preço chegar
a US$150 por barril. Apesar disso, os
países produtores têm aumentado a
capacidade de produção mundial à
espera de uma retomada. Essa queda
pode ser explicada pela crise de 2008 e
pela crise de 2010, que, para muitos, é
continuação da crise de 2008.
As crises e as alterações de demanda,
bem como de produção, justificam o fato
de o mercado de perfurações precisar
trabalhar sempre com projeções, visto
que a produção de equipamentos,
a logística operacional, a procura e
confirmação de poços e a operação em
si demoram muito tempo. O mercado
sempre fica otimista com perspectivas de
novas tecnologias, aumento da demanda
e perfurações em novas profundidades,
esperando voltar a crescer como no
intervalo entre 2004 e 2008, quando
foram feitos os maiores investimentos e
recebidos os maiores retornos. O Gráfico
1 demonstra perspectiva de aumento
nos investimentos em perfuração.
Gráfico 1 - Investimento Global em Perfurações Offshore entre 2000 e 2015.
Fonte: GBI Research - http://www.gbiresearch.com/
Estudo de Caso de Um Novo Entrante no Mercado Brasileiro de Perfurações de Petróleo
O aumento na demanda por produtos de exploração de petróleo, nos anos
que antecederam a crise de 2008, chegou a causar inflação [4] no preço de
plataformas de alcance em maior profundidade. Grandes players mundiais como Exxon Mobil Corp. e BP Plc - brigaram por elas, vendo os preços de seus
aluguéis subirem até 50.000 dólares por
dia. As plataformas ou navios de perfuração são a base do sistema de perfuração e o aumento de vendas desses na­
vios causa um aumento na demanda por
equi­pamentos periféricos importantes
na operacionalização desse processo.
Entre­tanto, a demanda de plataformas
pela Petrobras, para a exploração do
pré-sal, causa uma nova “inflação” na
busca por essas estruturas [5].
1.2 Mercado Nacional de
Petróleo
O Brasil produz quantidade suficiente de petróleo para suas necessidades, mas ainda possui deficit na
Balança de Petróleo. Exporta um tipo
pesado de produto, mas, para ter sua
demanda atendida, precisa importar o
tipo leve.
A descoberta e a possível futura comercialização do petróleo dos poços
do pré-sal levarão o Brasil a ser um dos
principais países exportadores. Os dois
únicos países membros do BRIC com
produção grande o suficiente para impulsionar ainda mais suas economias
serão o Brasil e a Rússia.
O mercado brasileiro de exploração
no setor está aquecido. A descoberta do
pré-sal impulsionou pesquisas, compras
de equipamentos e outros diversos in-
115
vestimentos na área. José Sergio Gabrielli (ex-presidente – CEO - da Petrobras
e atual Secretário do Planejamento do
Estado da Bahia) afirmou em palestra,
sua expectativa de que as reservas de
petróleo e gás da Petrobras dobrem até
2016, chegando a 36 bilhões de barris,
se os novos poços do pré-sal se confirmarem comercialmente viáveis [6].
Quanto aos investimentos, Gabrielli
também afirmou previsão de aumento,
entre 2010 e 2014. Hoje, são de 224 bi­
lhões de dólares e em 2010, eram de 93
bilhões.
1.2.1 Gás Natural
A continuidade dos investimentos
em exploração e produção de gás natural
permitirá elevar a produção para mais
de 250 milhões de m3 por dia em 2030,
com uma taxa de crescimento média de
6,3% ao ano no período em projeção.
Ainda assim, o aumento da demanda
a longo prazo sinaliza a necessidade de
complementação da oferta de gás natural com a importação de mais de 70 mi­
lhões de m3/dia em 2030, o que significa
ampliar em 40 milhões de m3/dia a capacidade de importação atual (via gaso­
duto Bolívia-Brasil). Quanto à importação de gás natural liquefeito (GNL), a
necessidade adicional em 2030 será de
20 milhões de m3/dia (TOLMASQUIM,
GUERREIRO & GORINI, 2007).
1.2.2 Petróleo e Derivados
Em face à política continuada de
investimento na área, estima-se que a
produção possa atingir três milhões de
barris por dia em 2020. Ao lado da demanda, o consumo de petróleo deverá
seguir trajetória de vigoroso crescimen-
116
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 111-126
to, acompanhando as condicionantes
do cenário macroeconômico. Mesmo
assim, espera-se que, até 2030, haja superavit no balanço de produção e consumo de petróleo. Em 2030, os derivados de petróleo manteriam a posição
de liderança entre as fontes, com uma
participação de cerca de 30% da matriz
energética brasileira, mas cerca de nove
pontos percentuais em relação a 2005,
acentuando-se assim a tendência verificada nos últimos anos (ibid, 2007).
A Petrobras [7] licitou sete das 28
sondas que pretende comprar a longo
prazo. As primeiras custaram US$
662.428.590,00 dólares cada. A curto
prazo, a Petrobras causou inflação no
mercado internacional de plataformas,
citado anteriormente, quando alugou
80% das 21 plataformas de águas profundas disponíveis no mundo.
O primeiro poço de águas ultraprofundas do pré-sal a produzir petróleo comercialmente foi o Baleia Branca
- na bacia de Campos em julho de 2010
- que está servindo de estudo para as
operações em todos os outros poços
que sequer foram perfurados ou que estão sendo estudados em produção não
comercial. O poço Baleia Branca está a
4.785 metros de profundidade. Apesar
de estar no pré-sal, pode apenas ser uma
base de testes para outros poços a profundidades de até 7.000 metros, onde as
condições são imprevisíveis, segundo o
geólogo húngaro, membro do centro de
pesquisa da Petrobrás, Peter Szatmari.
Pesquisas sugerem que, quando se
perfura abaixo do sal, entra-se no “rei­
no do desconhecido”. Encontra-se algo
inteiramente novo abaixo do oceano.
Em analogia a Colombo, podemos dizer
que se está descobrindo um novo continente [8].
Apesar do forte aquecimento do
mercado de perfuração de petróleo, o
país ainda é extremamente dependente
de investimentos externos e equipamentos de empresas não brasileiras.
Com previsões antigas de crescimento
na produção, a Petrobras investe em
pesquisas e inovações desde antes das
descobertas recentes de poços no présal. Graças a essa base, avançou muito
e está com equipamentos de última geração para desbravar esse novo continente abaixo da camada de sal. Porém, a
empresa não pode fazer tudo sozinha e
importa ou aluga grande quantidade de
equipamentos de empresas não brasilei­
ras, pois o mercado nacional não produz
equipamentos ou produz equipamentos
não competitivos.
1.3 Tipos de Poços
Existem basicamente dois tipos de
perfuração de poços de petróleo: o Vertical e o Direcional.
1.3.1 Poço Vertical
Um poço é definido como vertical
quando a perfuração é feita em linha
reta a um ângulo de 90°, com desvio de
até 5° em relação à plataforma. Apesar
de ser o caminho mais curto e, apa­
rentemente, o melhor, poços verticais
enfrentam vários desafios para serem
feitos, o que os invibializa em muitos
casos.
1.3.2 Poço Direcional
Na maioria dos casos, os engenhei­
ros optam pela Perfuração Direcional,
Estudo de Caso de Um Novo Entrante no Mercado Brasileiro de Perfurações de Petróleo
em que faz-se um caminho definido de
acordo com: os tipos de rocha; a espessura; a pressão; a temperatura; a posição
da plataforma; o tamanho e a forma do
poço e o local em que a perfuração
chegará ao poço.
Os poços direcionais revolucionaram a indústria de perfuração e pode
se dizer que influenciaram a história
do mundo. Uma de suas grandes qualidades é que extraem uma proporção
maior de petróleo do que os verticais,
possibilitando até que poços já fechados
possam ser perfurados de novo, caso
seja financeiramente viável. O resultado
é o aumento da quantidade de petróleo
mundial que pode ser extraída e o prolongamento em anos da possibilidade
de dependência mundial do petróleo.
Apesar de ser a melhor opção, o
poço direcional oferece alguns ris-
117
cos (PICININ, KOVALESKI & REIS,
2010) ao equipamento de perfuração,
que deve ser mais resistente. Dependendo da complexidade da perfuração,
o equipamento extra de proteção é essencial.
A figura 2 demonstra alguns tipos
de poços direcionais. O poço direcional
pode ser feito: quando uma estrutura
faz mais de uma perfuração até o poço;
quando existe uma falha no terreno;
quando o poço está em um local impossível de ser atingido verticalmente,
caso tenha acontecido um problema
e a perfuração tenha de ser refeita, ou
quando o poço está protegido por uma
formação geológica. Essas são as utilidades básicas dos poços direcionais e,
em outras finalidades, os engenheiros
usam variações desse tipo.
Figura 2 - Tipos de Poços Direcionais
Fonte: http://knol.google.com/k/po%C3%A7os-horizontais-na-engenharia-depetr%C3%B3leo#
118
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 111-126
2. A WWT International Inc.
A WWT International Inc. é uma
empresa reconhecida do ramo equipamentos de perfuração de poços de
petróleo e gás com sede em Houston e
atuação mundial. Os produtos comercializados são: o Non-Rotating Protector,
um protetor não rotacional de tubo de
perfuração; Coiled Tubing Tractor Systems, um sistema de tração para a broca
de perfuração e, em pequena escala,
Hole Covers, “tampas” que protegem a
abertura da perfuração (PIMENTEL,
2011).
O valor da empresa é reconhecido
mundialmente. Seu protetor foi utilizado com sucesso em perfurações no
Golfo do México, nas áreas das Montanhas Rochosas e no Texas (EUA),
no Cazaquistão, no Mar do Norte
(entre Inglaterra e Escandinávia), em
Qatar, na Rússia, na Argentina, na
China, no Canadá e no Peru.
Os protetores de tubos não rotacionais minimizam os problemas causados pela fricção do poço com o tubo
de perfuração [9]. Sem o protetor, a
fricção aquece o tubo e o poço em um
local onde a temperatura já é mais alta e
em profundidades como do pré-sal, que
chegam de 80 a 100 graus Celsius [10]. A
temperatura e a fricção causam desgaste
e danos aos tubos ou poço. A rotação do
tubo contra o poço desloca o tubo e, em
conseqüência, a broca e a base mecânica
da plataforma, bem como a potência da
broca, são reduzidas. A figura 3 mostra
como o protetor impede o contato entre
o tubo e a parte já perfurada e protegida. Essa parte da figura é especialmente
importante, pois é onde acaba o mar e
começa a área perfurada, que sofre com
deslocamentos da corrente marinha. O
tubo se desgastaria contra a parede da
perfuração sem os protetores.
Figura 3 – Exemplo Prático
Fonte: http://www.wwtco.com/protectors02.html
Estudo de Caso de Um Novo Entrante no Mercado Brasileiro de Perfurações de Petróleo
119
Gráfico 2 – Comparação do Ângulo Máximo
Fonte: http://www.wwtco.com/protectors02.html
Existem vários benefícios mensuráveis na utilização do protetor, como:
evitar o desgaste; reduzir torque e arrasto; aumentar a taxa de penetração;
minimizar a instabilidade; aumentar a
segurança em condições adversas; diminuir vibrações; preservar o poço para
reutilização futura; aumentar o peso na
broca e proteger o tubo.
Todos esses benefícios são apenas
meios para um fim maior. Os protetores
são um seguro de capital, pois muito
dinheiro é investido na operacionalização da perfuração. A maior velocidade
e eficiência na perfuração, o caminho
percorrido e a maior segurança do
processo são fatores importantes, que,
quando atrasam ou adiantam a perfuração, influenciam seu total de custos.
Estes causam muito menos impacto
do que o aluguel da plataforma que
custa em média entre 500.000 e 600.000
dólares por dia em caso de inflação [11],
como ocorrido em 2008 quando a ofer-
ta de plataformas disponíveis diminuiu.
A ação de fechar ou consertar um poço
com problemas, somada a todos os tipos de custos não previstos, gera um resultado bem maior, em termos de custo,
do que se a empresa tivesse utilizado os
protetores.
O gráfico 2 demonstra um exemplo
do ângulo máximo aceitável de segurança para perfurações offshore, com e
sem os protetores.
Na plataforma estudada como exemplo, a perfuração era feita com ângulo
dos tubos de até 1,5 graus com segurança, inclusive com o mar revolto antece­
dente a um furacão que passou na área
e, posteriormente, obrigou a todos que
parassem os trabalhos e deixassem a
plataforma. O estudo dos dados re­velou
que a perfuração teria que ser suspensa
em 55% dos seus 27 dias de operação, por perigo de quebra do material.
Porém, devido ao uso dos protetores,
pôde seguir ininterruptamente. Um cál-
120
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 111-126
culo simples mostra que, com um custo
de 500.000 dólares por dia, multiplicado
pelos 15 dias perdidos, a suspensão resultaria em um gasto extra de 7.5 mi­
lhões de dólares (12.000.000 de reais),
desconsiderando o atraso na produção
da plataforma, o custo de capital desse
dinheiro e o possível aumento do preço
do aluguel após o fim do contrato.
A WWT não vende protetores de tubos não rotacionais: vende um serviço
que engloba o aluguel dos protetores, o
estudo do ambiente e do solo que será
perfurado, a utilização do software, a
participação de um técnico que coloca
os protetores nos tubos e outras assistências necessárias (PIMENTEL, 2011).
3. Entrada no Mercado Brasileiro
A WWT já possuiu negócios no
Brasil vinte anos atrás. Os protetores
da época estavam começando a serem
usados nas perfurações, que ainda estavam em fase inicial no país, tanto tecnologicamente quanto em termos de
produção. Eram usados protetores de
metal, mais rústicos, e talvez esse tenha
sido o principal motivo pelo insucesso
da época (Guerrero, 2011).
3.1. Insucesso
Em uma das perfurações, alguns
protetores se soltaram do tubo de perfuração e inutilizaram o poço, pois
eram muito duros para serem perfurados pelas brocas. O poço teve de ser
fechado e refeito em outro lugar. O que
deveria proteger a operação de atrasos
acabou causando um atraso e, consequentemente, um aumento considerá­
vel nos gastos da perfuração. A equipe,
na época, era basicamente de pessoas
de áreas operacionais e, apesar de saberem bastante sobre o produto, não
conseguiram vendê-lo depois do acontecido, não tinham conhecimentos comerciais e de marketing que pudessem
reverter a situação, o que levou a seus 20
anos de insucesso (MENAHEM, 2011).
É importante que haja equilíbrio
e comunicação na empresa. A equipe
ope­racional estava de acordo com as necessidades da empresa, mas esta já não
satisfazia as necessidades do produto
em relação ao mercado brasileiro depois do acontecimento. Por ser uma
equipe basicamente de americanos, a
capacidade de negociação do produto,
que já era mal visto, foi ainda mais afetada. A diferença cultural e, talvez, um
preconceito em relação ao estrangeiro
inviabilizaram o negócio. O ruído ou
falta de comunicação, entre a equipe no
Brasil e a sede, sacramentou o insucesso
do produto. Em vez de mandarem uma
equipe comercial e de marketing mais
hábil para consertar o estrago, mantiveram a equipe como estava (GUERRERO, 2011).
Entre 2000 e 2010, a empresa trouxe
Andrew, seu gerente regional da América do Sul, para o Brasil, com a missão de
entrar novamente no mercado brasilei­
ro. Dessa vez, contava com um produto
mais moderno e bem-sucedido em diversas áreas do globo. Durante dois anos
de tentativas, a WWT não conseguiu
nenhum trabalho: apenas um produto
mais moderno não foi suficiente para
fazer diferença em seus negócios no
país (id, 2011).
Estudo de Caso de Um Novo Entrante no Mercado Brasileiro de Perfurações de Petróleo
3.2. WWT do Brasil
A Reimpex é uma pequena empresa
brasileira de comércio exterior do ramo
de petróleo, gás e certificações marítimas. Estava procurando empresas para
representar e, durante uma busca na internet, encontrou a WWT. Foi quando
surgiu a WWT do Brasil.
As duas empresas podiam sair ga­
nhan­do com essa união: a Reimpex, com
uma nova representada e novas possibilidades de negócios, e a WWT, com
uma nova equipe, totalmente adaptada
ao mercado brasileiro, com conexões e
uma visão diferente.
Mesmo não sendo totalmente go­
vernamental, a Petrobras é gerida pelo
governo, que tem como metas diminuir
o desemprego e desenvolver o mercado
de perfuração. Atualmente, esse mercado depende da importações de produtos
e serviços. O governo “força” as empresas que querem trabalhar com a Petrobras a abrirem fábricas e escritórios no
Brasil: seu objetivo é gerar CNPJ. As
empresas não são obrigadas a fazê-lo,
porém esse quesito tem um forte peso
no processo de escolha, chegando ao
ponto em que empresas com produtos e
serviços menos qualificados e competitivos são contratadas em vez de empresas estrangeiras.
A Petrobras é a maior contratante
de produtos e serviços de perfuração de
petróleo no Brasil, possuindo parceiras
na maioria dos poços. Para cada contrato seu ou de suas parceiras, é preciso
que a contratada esteja em seu cadastro
e as notas dadas nos diferentes quesitos
de avaliação são consideradas para que
a empresa seja contratada. Esse foi um
dos piores erros da WWT: apesar de
121
terem se cadastrado e conseguirem o
certificado de avaliação, diversas notas,
inclusive algumas muito importantes,
estavam baixas. Corrigir isso foi uma
das primeiras ações da WWT do Brasil. A empresa teria se tornado uma boa
fornecedora de serviços, não fosse o acidente de 20 anos atrás.
A WWT do Brasil e a Petrobras sabem que os protetores são mais importantes ainda nas perfurações do pré-sal,
o “reino do desconhecido”, como anteriormente mencionado. Porém, o passado não pode ser apagado (ibid, 2011),
embora possa ser contornado. Devido a
um acidente ocorrido na Bacia de Santos, uma perfuração teve de ser paralisada por duas semanas, trazendo uma
grande despesa inesperada. O ocorrido e a busca da WWT do Brasil, com
sua nova equipe, por reabrir os negócios com a Petrobras fizeram com que
a Petrobras reconsiderasse o uso dos
protetores e, depois de várias reuniões,
a nova equipe da WWT do Brasil conseguiu firmar um teste nesse poço do
pré-sal de menor profundidade. Dependendo de seu sucesso, outros contratos
poderiam ser firmados no futuro.
Foi implantado um serviço padrão
no mundo todo: um funcionário é encarregado de ficar na plataforma e prender os tubos; uma equipe estrangeira
faz o estudo do poço, com dados da
Petrobras, utilizando o software que
diz o espaçamento ideal entre um protetor e outro e a WWT do Brasil cuida
da importação e logística de transporte
dos protetores, dos funcionários estrangeiros no Brasil e do contrato e comunicação com a Petrobras (id, 2011).
122
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 111-126
4. Análise Swot
A Análise SWOT (Strengths, Weak,
Opportunities e Threats) ou análise
FOFA em português (Força, Oportunidade, Fraqueza, e Ameaça) é uma ferramenta estrutural utilizada na análise
do ambiente interno para a formulação
de estratégias (Hitt, Ireland e Hosksson,
2008). Permite identificar as Forças e
Fraquezas da empresa, variáveis internas e sob seu controle, associando tais
variáveis às Oportunidades e Ameaças,
variáveis externas que não estão sob seu
controle. As Oportunidades e Ameaças são, assim, fatores de criação (ou
destruição) de valor, os quais a empresa
não pode controlar, mas que emergem
da dinâmica competitiva do mercado
em questão ou de fatores demográficos,
econômicos, políticos, tecnológicos, sociais ou legais (DYSON, 2004).
A análise SWOT foi feita com o intuito de verificar/identificar novas opções
estratégicas para a empresa. A seguir,
são apresentados os dados da matriz
analisada.
4.1 Pontos Fortes
A WWT possui experiência em diversas partes do globo com vários contratantes diferentes, inclusive a Petrobras, que utiliza os protetores em outros
países. Em perfurações no pós-sal, seu
produto é bem reconhecido no exterior
(Ponto Forte 1).
A empresa já possui um escritório no
país e um dos objetivos da Petrobras é
gerar CNPJ, deixando, inclusive, de contratar empresas prestadoras de serviço
de fora do país. Empresas concorrentes
sem escritório no país terão de passar
por todo processo para abri-lo, o que,
especialmente no Brasil, é demorado,
burocrático e requer tempo, trabalho e
muita espera (Ponto Forte 2).
A REIMPEX tem uma excelente
equipe, contratos de outras representadas trabalhando para a Petrobras e
outras empresas do ramo de petróleo e
gás, além de estar crescendo estruturadamente. A aproximação da REIMPEX
a outras representadas é um link para
aproximação da WWT com essas empresas contratantes (Ponto Forte 3).
4.2. Pontos Fracos
A WWT está pagando até hoje pelo
acidente de 20 anos atrás e espera que,
com o sucesso na Bacia de Santos, esse
acidente seja esquecido. Porém, não se
sabe se a Petrobras deixará de levá-lo
em consideração. O fato de a Petrobras
ter participação em grande quantidade
das perfurações do Brasil afetou ainda
mais a WWT, já que as outras empresas
também consideram o posicionamento
da Petrobras ao tentarem contratar os
protetores (Ponto Fraco 1).
4.3 Oportunidades
O mercado brasileiro de perfuração,
por si só, é uma grande oportunidade:
com as grandes descobertas de petróleo
feitas na ultima década que podem tornar o Brasil um dos maiores produtores
do mundo; o potencial de crescimento
tecnológico de um mercado muito pouco desenvolvido, menos desenvolvido
ainda se levarmos em consideração que
a empresa está sendo pioneira e a vontade do governo de que o pré-sal tenha
conseqüências sociais, diminuindo o
desemprego, treinando pessoas e de-
Estudo de Caso de Um Novo Entrante no Mercado Brasileiro de Perfurações de Petróleo
senvolvendo o mercado de perfuração,
bem como mercados periféricos que
atuam em outras áreas. Tudo isso pode
ser somado a um fator importantíssimo:
a carência no mercado de diversos tipos
de equipamentos e serviços que obrigam
a Petrobras a importar. Com a recente
criação da WWT do Brasil, esse se torna
um ponto positivo (Oportunidade 1).
A oportunidade mais importante da
WWT foi dada pela Petrobras na perfuração da Bacia de Santos, uma oportunidade concreta que, em caso de sucesso,
pode trazer muitos contratos em outros
poços. Soma-se a isto a fraca concorrência dos protetores (Oportunidade 2)
4.4. Ameaças
A perfuração na bacia de Santos é
uma grande oportunidade, mas também uma ameaça em potencial. A
WWT levou aproximadamente 20 anos
para conseguir outra chance depois do
acidente com os protetores antigos e,
dependendo do resultado da perfuração
atual, pode ficar mais vários anos sem
contratos. Caso o protetor funcione,
mas não tenha um resultado muito
bom, a Petrobras procuraria a WWT só
em casos extremos (Ameaça 1).
Não existe nenhum protetor concorrente direto no mercado brasileiro.
Porém, há outros produtos podem ser
usados com algumas das mesmas finalidades, como a diminuição de vi­bra­­ções,
por exemplo. Produtos concor­rentes
po­dem, ainda, chegar ao mercado bra­
sileiro (Ameaça 2).
A distância da equipe de desenvolvimento das operações é um perigo, visto
que não se tem certeza de como será o
ambiente nas perfurações mais profun-
123
das do pré-sal. A perfuração da Bacia de
Santos tem 4.000 metros de profundidade, mas outros poços chegam a 7.000
metros (Ameaça 3).
4.5 Propostas Estratégicas
A análise SWOT mostrou quatro
grandes Estratégias para a empresa:
Estratégia A – Ponto forte 1 e Oportunidade 1: participar ativamente das
licitações da Petrobras e/ou buscar parcerias com a Petrobras.
Comentário: Essa estratégia vem
sendo adotada pela empresa.
Estratégia B – Ponto Forte 2 e Oportunidade 2: explorar a vantagem competitiva da empresa na exploração da
Bacia de Santos.
Comentário: Essa estratégia vem
sendo adotada pela empresa.
Estratégia C – Ponto Forte 3 e
Ameaça 1: aproveitar a capacitação da
equipe para buscar novos parceiros; em
especial, parcerias com outras empresas
que trabalhem com a Petrobras na Bacia
de Santos.
Comentário: Foi criado um projeto
para implementar esta estratégia.
Estratégia D – Ponto Fraco 1, Ameaça 2 e Ameaça 3: usar a equipe de marketing para mostrar a atual situação da
empresa e utilizar as Estratégias A, B e
C para mostrar que empresa superou os
problemas do passado.
Comentário: Foi criado um projeto
para implementar esta estratégia.
124
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 111-126
5. Considerações Finais
A proposta da WWT do Brasil é
mostrar a eficiência do produto no poço
de aproximadamente 4.000 metros e,
futuramente, fornecer protetores para
serem usados em poços de até 7.000
metros. Porém, o serviço padrão aplicado pela WWT não pode ser utilizado
nesse caso. É preciso que os engenheiros
que trabalham com o protetor estejam
presentes e descubram como é o “reino
do desconhecido” no pré-sal e como
será seu efeito nos protetores. Variáveis
como temperatura e pressão são dife­
rentes no pré-sal, e a resposta dos
e­quipamentos a elas é imprevisível. Foi
dada uma chance a WWT e essa chance
requer atenção especial. Atualmente, já
na parte operacional do projeto, com os
tubos sendo colocados e a perfuração
em estado inicial, ainda está acontecendo um erro comum, porém de uma
forma diferente. Antigamente, a equipe
operacional não tinha uma equipe co­
mercial, o que resultou em diversos
investimentos sem retorno, mas, atualmente, é a equipe operacional que está
longe da comercial e das operações.
Muito maiores do que a receita de
uma perfuração são os contratos de
várias perfurações posteriores. Mais
interessante ainda é a chance de estar
presente e poder estudar o que, muito
provavelmente, serão as perfurações do
futuro no mundo todo e que dariam
uma vantagem competitiva e valorização muito importante ao produto.
A Petrobras é a grande contratante
no Brasil, porém possui participação de
diversas empresas em todos os poços,
empresas que tem direito de escolha e
podem agir a favor da WWT, caso esta
beneficie a perfuração do poço.
Um movimento importante pode ser
ligado diretamente à marca Reimpex.
Com seu crescimento e à medida que
for conseguindo mais representadas e
tendo sucesso em seus contratos (todos
na área de perfuração ou certificação
de navios e projetos offshore), os ou­
tros possíveis clientes dos protetores de
tubos passarão a conhecer a empresa
e ficarão mais abertos a propostas de
produtos de outras representadas, como
os protetores.
O mercado brasileiro de petróleo
mostra, com características internas
e externas, ter a melhor prospecção
de crescimento e segurança no mundo. Junto com a Rússia, está em forte
crescimento e admite um futuro pro­
mis­sor como exportador de petróleo
que não precisa se preocupar com
grandes revoltas populares capazes de
atrapa­lharem a produção ou inimigos
que a ameacem.
Os investidores estrangeiros também
estão contando fortemente com a ajuda
do governo no crescimento do mercado
nacional de petróleo. Isenção de impostos e outros benefícios podem trazer, ou
até forçar, empresas de fora a virem ao
país para estruturar o crescimento do
mercado e, mais que isso, gerar emprego,
renda, bem-estar e vantagens. Segundo
o governo, esse benefícios serão, direta
ou indiretamente, afetados pelo desenvolvimento desse mercado.
O subdesenvolvimento, no mercado nacional, em relação a produtos e
serviços resulta em baixa concorrência
com os protetores, configurando uma
grande oportunidade. As perfurações
Estudo de Caso de Um Novo Entrante no Mercado Brasileiro de Perfurações de Petróleo
no pré-sal são o principal objetivo e
oportunidade da WWT. Sabe-se que o
mercado é subdesenvolvido para perfurações no pós-sal e o problema se intensifica quando esse mercado precisa
estar adaptado para algo que demanda
ainda mais tecnologias e serviços mais
complexos.
6. Conclusão e perspectivas
futuras
A fraca concorrência dos protetores
é uma grande oportunidade para o estabelecimento da WWT (Oportunidade
2). O único produto concorrente direto
não oferece o serviço que a WWT ofe­
rece e, por isso, é desconsiderado rapidamente. Outros produtos possuem algumas características dos protetores, mas,
por serem características mais pontuais,
não são concorrentes. Por conta disso,
125
a empresa vem participando ativamente
de licitações (Estratégia A)
O melhor movimento da WWT, que
não conseguia entrar no mercado brasi­
leiro, foi se incorporar a uma pequena
parte do mercado, a Reimpex, e formar
a WWT do Brasil, movimento que de­
sencadeou todo o resto. Outro contrato
de utilização dos protetores foi firmado
com a principal empresa de perfuração
do país depois de 20 anos. Há perspectiva de novos poços em um futuro pró­
ximo e outros movimentos estratégicos
no futuro (Estratégias A, B e D).
A parte brasileira da WWT está diminuindo distâncias com outras empresas do ramo de perfuração no Brasil, em
busca de que a WWT seja parte importante no mercado mais promissor do
mundo na área de perfuração. Para isso,
foram criados os projetos para implementação das Estratégias C e D.
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[2] OPEC Share of the World Crude Oil
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opec.org/opec_web/en/data_graphs/330.
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[3] Produção de petróleo da Líbia caiu
80%. Disponível em: http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/51376_PRODU
CAO+DE+PETROLEO+DA+LIBIA+C
AIU+80. Acesso em: 23 de novembro de
2012
[4] Petrobras Hires 80% of Deepwater Rigs, Inflates Rents. Disponível em:
<http://www.bloomberg.com/apps/
news?pid=newsarchive&sid=aV._LdPUcaNU> Acesso em : 25 de março de 2011
[5] The Future of the Drilling Industry to
2015 . Disponivel em: http://www.investorideas.com/Research/PDFs/Offshore_
Drilling.pdf Acesso em: 23 de novembro
de 2012
[6] Agencia Nacional de Petróleo, Gás
Natural e Bicombustíveis. Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Na­
[8] O Risco do Petróleo em Águas Profundas. Disponível em: <http://pt.braudel.
org.br/noticias/arquivos/downloads/orisco-do-petroleo-em-aguas-profundas.
pdf> Acesso em: 5 de março de 2011.
[9] WWT International Inc.. Non-Rotating Protector Services. http://www.wwtco.
com/ EUA, acesso 22 de novembro 2012
[10] A camada Pré-sal e os desafios
da extração de petróleo em: http://
w w w. a p o l o 1 1 . c o m / c u r i o s i d a d e s .
php?posic=dat_20080903-102131.inc.
Acesso em: 31 de marco de 2011
[11] Petrobras Hires 80% of Deepwater Rigs, Inflates Rents. <http://
w w w. b l o o m b e r g . c o m / a p p s /
news?pid=newsarchive&sid=aV._LdPUcaNU>. Acesso em: 04 de abril de 2011.
Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico
127
Relevant constraints for the diffusion of the electric car:
technological development of batteries and
governmental action
• Claudia do Nascimento Martins *
Resumo:
Os primeiros automóveis, que surgiram no século XVIII, foram frutos de sucessivas aproximações e adaptações tecnológicas. Até o fim do século XIX, os carros eram produzidos em pequenas séries na Europa. Porém, no início do século
XX, a indústria automobilística começou a tomar forma com a produção em
massa de Henry Ford de carros a gasolina. No fim do século XIX, existiam
carros movidos a três tipos de fonte energética: a vapor (estes desde o século
XVIII), a energia elétrica e a combustão, ou seja, a gasolina. Porém, no início do
século XX, os carros movidos a gasolina, conquistaram todo o espaço deixando
para trás tanto os carros movidos a vapor quantos carros elétricos. O surgimento de ativos complementares, como o desenvolvimento de uma infraestrutura
de abastecimento que solidificou seu uso, deu condições para que o motor a
gasolina prevalecesse. Este texto mostra, estritamente, o desenvolvimento tecnológico de baterias e a ação governamental como condicionantes relevantes
para a difusão do carro elétrico, Apesar de ser uma ideia antiga, o carro elétrico
volta a ser vislumbrado, principalmente após o início da década de 1990, quando inúmeras questões de ordem ambiental passam a ser colocadas, bem como a
possibilidade de esgotamento das reservas de petróleo.
Palavras-chave: carro elétrico, condicionantes, difusão
*
Claudia do Nascimento Martins, Doutoranda em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento
(UFRJ), Mestre em Economia (UFF). Economista, Professora da Universidade Veiga de Almeida.
• Artigo
Condicionantes relevantes para a difusão do
carro elétrico: o desenvolvimento tecnológico
de baterias e a ação governamental
128
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 127-139
Abstract
The first automobiles which arose in the 18th century were the result of successive
technological approximations and adaptations. Until the end of the 19th century,
cars were manufactured in small batches in Europe. However, in the beginning of
the 20th century, the auto industry started to take shape with Henry Ford’s mass
production of gasoline powered cars. In the end of the 19th century, cars were
powered by three different types of energetic source: steam power (this one since
the 18th century), electric power and combustion, i.e., gasoline. But, in the beginning of the 20th century, gasoline powered cars conquered all the space, leaving
behind both the steam powered cars and the electric cars. The appearance of
complementary assets, such as the development of a supply infrastructure which
solidified its use, gave conditions for the prevailing of the gasoline motor. This
text strictly shows the technological development of batteries and governmental
action as relevant constraints for the diffusion of the electric car. Even though this
is an old idea, the electric car, once again, gains visibility, mainly after the beginning of the 90s, when innumerous issues about environment preservation began
to be considered, as well as the possibility of oil reserves exhaustion.
Keywords: electric car, constraints, diffusion
1. Introdução
Os primeiros automóveis, que surgiram no século XVIII, foram frutos de
sucessivas aproximações e adaptações
tecnológicas que, gradualmente, foram
se desenvolvendo em torno de um objetivo comum: viajar rápido, com comodidade e, sobretudo, com um mínimo
de esforço e máximo de segurança para
seus ocupantes. Enquanto na Europa o
automóvel continuou a ser produzido
em pequenas séries, orientado para os
ricos, o crescimento do número de carros a gasolina nos Estados Unidos era
sinônimo de produção em larga escala,
de preços menores e da criação de um
mercado amplo. Com a produção em
massa de Henry Ford, no início do
século XX, a indústria automobilística
realmente começou a tomar forma e as
inovações ocorridas ao longo do século
XX e início do século XXI têm sido
exem­plo para outros setores industriais.
Argumenta-se que a energia elétrica (bateria) não é, atualmente, a
fonte padrão por ser ineficiente vis-àvis o motor a combustão (gasolina). O
contra-argumento é o de que, na virada
do século XIX para o século XX, se a
indústria automobilística tivesse deci­
dido utilizar energia elétrica, a pesquisa
nesse ramo teria avançado o suficiente
para tornar essa tecnologia tão eficiente, se não mais, do que a atualmente
utilizada. O estudo de Cowan e Hultén
(1996) ressalta os problemas técnicos
de cada opção (incluindo o carro a vapor – o Locomobile que, na virada do
século XX, era o carro mais popular nos
Estados Unidos):
i) carro a gasolina: era barulhento,
problema este que, até hoje, não foi
Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico
totalmente resolvido; era difícil dar a
partida; consumia muita água; tinha
autonomia relativamente baixa e a velocidade máxima alcançada também era
baixa.
ii) carro a vapor: necessitava aquecer vinte minutos antes da viagem e consumia uma imensa quantidade de água.
iii) carro elétrico: não conseguia su­
bir terrenos íngremes; sua autonomia era
baixa e a velocidade máxima alcançada
era baixa. Todos esses problemas estavam relacionados à baixa capacidade de
armazenamento de energia das baterias
e, uma vez que o desenvolvimento dessas baterias era lento, os problemas permaneceram.
Segundo Cowan e Hultén (id), a
indústria automobilística começou a
se desenvolver rapidamente na década
de 1890 e o seu mercado foi dividido
principalmente entre elétrico e vapor.
De acordo com os autores, em 1899
foram vendidos 1575 veículos elétricos,
1681 carros a vapor e 936 carros a
gasolina. Entretanto, já nessa época,
o problema da baixa capacidade da
bateria já existia e, apesar da promessa,
Thomas A. Edison não conseguiu
solucioná-lo. Logo, enquanto as vendas
de veículos elétricos nos Estados Unidos
mais do que duplicaram entre 18991909, as vendas de carros a gasolina
aumentaram mais de 120 vezes. O
surgimento de ativos complementares
ao motor a gasolina - como a descoberta
de petróleo no Texas em 1901, a entrada
no mercado de grandes empresas
como a Texaco e criação de postos de
abastecimento - deram condições para
que essa tecnologia prevalecesse em
relação às outras.
129
Nos primeiros anos do século XX,
o veículo a gasolina superou seus concorrentes no mercado americano. Essa
mesma evolução já se apresentara na
França, na Grã-Bretanha e na Alema­
nha. Desta forma, o motor a combustão
tornou-se o padrão da indústria automotiva, o que não significa que o veículo
elétrico tenha desaparecido da mente
dos homens durante o século XX.
O início da década de 1990 foi marcado por inúmeras questões de ordem
ambiental, cujos desdobramentos se
tornariam irreversíveis em decorrência
de suas repercussões de caráter global.
Questões relacionadas às mudanças
climáticas, aos desequilíbrios do efeito
estufa e às implicações devastadoras da
poluição do ar para a saúde dos seres
vivos, tornaram-se relevantes na esfera
global. Nas grandes cidades, o pro­
blema agravou-se devido às emissões
de dió­xido de carbono dos veículos a
gasolina. Além disso, a existência da
possibilidade de finitude do petróleo
parece cada vez mais real, principalmente por dois motivos: (i) a exploração completa das reservas de petróleo
existentes e (ii) as novas descobertas
de jazidas de petróleo que exigem custos maiores para sua exploração, bem
como a consideração de seus impactos
ambientais. Logo, quanto mais perto do
fim, considerando que o petróleo é uma
fonte de energia não renovável, mais
alto deverá ser seu preço. Assim sendo,
o carro elétrico se apresenta como uma
possível resposta para as questões discutidas.
Logo, uma ideia com mais de um
século voltou a ser o centro das atenções. Fatores como alterações climáti-
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 127-139
cas, preços do petróleo, maior demanda
por mobilidade, novos desenvolvimentos tecnológicos para motores e baterias
passaram a contribuir para dar vida
nova a uma ideia antiga: os automóveis
elétricos. Muitos projetos relacionados
aos carros elétricos, e que antes existiam apenas no papel, puderam se concretizar na primeira década do século
XXI. Atualmente, diversos fabricantes
de carros já oferecem ao mercado, nos
salões anuais de automóveis, modelos
totalmente elétricos, híbridos e plug-in,
tanto para venda quanto para sua apreciação como carros-conceito.
Nos carros totalmente elétricos, a
energia que alimenta o motor é armazenada em uma bateria e provém de
uma fonte externa, como por exemplo,
uma rede elétrica, com autonomia na
faixa de 70 a 160 Km. Os carros híbridos não se conectam a uma fonte externa e a energia elétrica que move o motor é produzida no interior do próprio
veículo. O motor de combustão interna
que aciona o gerador pode ser movido
a gasolina, etanol ou óleo diesel. Logo,
a energia não utilizada é armazenada
para quando for necessária. Os carros
plug-in constituem uma combinação
dos veículos elétricos e dos veículos
híbridos, pois sua bateria pode ser alimentada tanto por uma fonte externa
quanto por um motor gerador situado a
bordo do veículo (Erber, 2010).
Assim, este texto visa fundamentar
os condicionantes capazes de provocar uma difusão do carro totalmente
elétrico. Primeiramente, far-se-á uma
breve contextualização sobre o conceito de inovação e difusão tecnológica.
Em seguida, verificar-se-á alguns dos
condicionantes necessários à difusão do
carro elétrico.
2. Inovação e difusão tecnológica:
breve contextualização
Dosi (1988) define a atividade inovadora como um conjunto de processos
de busca, descoberta, experimentação,
desenvolvimento, imitação e adoção
de novos produtos, novos processos
e novas técnicas organizacionais. As
inovações, segundo Freeman (1984),
podem ser incrementais ou radicais.
As inovações incrementais são aquelas
que introduzem aperfeiçoamentos em
produtos ou processos pré-existentes,
enquanto que as inovações radicais são
aquelas que introduzem novos produtos, novos processos e novas formas de
organização da produção.
Schumpeter (1951) entende o processo de inovação como um processo de
“destruição criadora”, pois a inovação
cria novos produtos e oportunidades,
acar­retando a obsolescência e eliminação de outros. Assim, a dinâmica do
capitalismo depende da criação de ino­
vações e da destruição de produtos e
processos preexistentes. Na abordagem
teórica elaborada por Schumpeter, a
ino­­vação tecnológica assume um papel
central na explicação do desempenho
econômico, sendo um fator de diferenciação competitiva entre as empresas e
o elemento principal da dinâmica capitalista.
Nelson e Winter (1982), da corrente
evolucionária, iniciaram uma linha de
investigação apoiada principalmente
em Schumpeter e consideram que a
dinâmica econômica é baseada em ino­
Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico
vações em produtos, processos e nas
formas de organização da produção.
Os autores entendem a empresa como
um depósito, em sua teoria evolutiva
da mudança econômica e tecnológica,
onde os conhecimentos são armazenados sob a forma de padrões de comportamento regulares e previsíveis: são os
genes que assumem a forma de rotinas.
A inovação, segundo eles, é uma mutação inerentemente imprevisível das
rotinas.
Segundo Rogers e Schoemaker
(1971), a difusão pode ser definida
como o processo pelo qual uma inovação é transmitida por meio de determinados canais, ao longo do tempo, entre
os membros de um sistema social. Os
processos de inovação e difusão não
são distintos, pois, em muitas situações,
a difusão contribui para o processo de
inovação. A difusão nutre e orienta a
trajetória de inovação, mostrando as necessidades da demanda por soluções técnicas. O sucesso da difusão tecnológica
depende da capacidade de aperfeiçoamento e adaptação de um novo produto
ou processo às condições específicas de
um setor ou país. Desta forma, segundo
Tigre, “uma inovação só produz impactos econômicos abrangentes quando se
difunde amplamente entre empresas,
setores e regiões, desencadeando novos
empreendimentos e criando novos mercados” (2006, p.71).
Tigre (id) argumenta que o processo
de difusão tecnológica é examinado,
usualmente, a partir de quatro dimensões básicas:
(i) direção ou trajetória tecnológica,
referindo-se às opções técnicas adotadas
ao longo de uma trajetória evolutiva;
131
(ii) ritmo ou velocidade de difusão,
que indica a velocidade de sua adoção
pela sociedade, medida pela evolução
do número de adotantes ao longo do
tempo dentro do universo potencial de
usuários;
(iii) fatores condicionantes, tanto
positivos, que estimulam a adoção da
tecnologia, quanto negativos, que restringem seu uso. Os condicionantes podem ser de natureza técnica, econômica
ou institucional: os técnicos ocorrem, à
medida que uma tecnologia se difunde,
com a necessidade de desenvolvimento
de um conjunto de tecnologias complementares para apoiá-la; os econômicos
referem-se aos custos de aquisição e
implantação da nova tecnologia, assim como às expectativas de retorno
do investimento e incluem também os
custos de manutenção e a possibilidade
de aproveitamento de investimentos já
realizados em equipamentos; os insti­
tucionais referem-se a fatores como
disponibilidade de financiamentos e
incentivos fiscais para a inovação, clima favorável ao investimento no país,
acordos internacionais de comércio e
investimento, sistema de propriedade
intelectual e existência de capital humano e instituições de apoio.
(iv) impactos econômicos e sociais,
trazendo consequências positivas e
negativas para diferentes setores da
economia, que podem ser analisados
a partir de sua natureza econômica,
social e ambiental: econômica, no
sentido de alterar a demanda por
determinados produtos, afetando a
produção e o comércio internacional;
social, no que se refere ao impacto das
novas tecnologias sobre o emprego e
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 127-139
as qualificações; e ambiental, tendo em
vista as preocupações da sociedade com
a preservação dos recursos naturais, da
água e do ar.
3. Condicionantes para a difusão
do carro elétrico: algumas
considerações quanto ao
desenvolvimento tecnológico de
baterias e a ação governamental
Para North e Davis, um arranjo
institucional é “(..) um arranjo entre
unidades econômicas, que governa a
forma pela qual essas unidades podem
cooperar e/ou competir” (1971, p.7).
De acordo com Fiani, “(...) os arranjos
institucionais definem, por conseguinte,
a forma particular como um sistema
econômico coordena um conjunto específico de atividades econômicas” (2011,
p. 4). Logo, considerando o setor automobilístico como um arranjo institucional, a promoção do desenvolvimento
dos carros elétricos passa efetivamente
por uma questão de coordenação desta
atividade econômica. Contudo, não é
possível promover o desenvolvimento
e a difusão dos carros elétricos sem
que haja uma cooperação dos agentes
envolvidos. Ainda segundo Fiani (id),
sem cooperação não é possível atingir
o objetivo de promover o desenvolvimento, já que o progresso necessita de
uma série de mudanças e investimentos que modificam significativamente
as atividades econômicas, a renda e a
riqueza; assim, vários agentes tomam
decisões que têm que ser consistentes
entre si. Desta forma, promover a coo­
peração entre os agentes envolvidos na
produção dos carros movidos a energia
elétrica não implica apenas a redução
das possibilidades de conflito, mas entende-se como uma condição sine qua
non para a sua difusão.
Alguns movimentos estão sendo
realizados nesse sentido. Empresas
privadas, em parceria com governos
de diferentes países, têm incentivado
a P&D (Produção e Desenvolvimento)
tanto dos ativos complementares que
envolvem o veículo elétrico – como
as baterias – quanto do veículo em si.
Segundo Teece (1986), inovações tecnológicas requerem o uso de determinados ativos para produzir e distribuir
novos produtos e serviços, ou seja, uma
tecnologia não funciona isoladamente e
demanda um conjunto de ativos complementares. Logo, pode-se dizer que
os ativos complementares representam um agregado de bens, tecnologias
e fatores que formam o âmbito de um
produto ou serviço.
No início do século XX, o carro elétrico foi preterido em relação ao carro
a gasolina, justamente pela formação
dos ativos complementares que solidificaram esta tecnologia. A descoberta
de petróleo no Texas em 1901, no momento em que Henry Ford desenvolve a
produção em massa de carros, a criação
de uma rede de postos de gasolina e o
ingresso de grandes empresas de petróleo como a Texaco tornaram o motor a
combustão o padrão da indústria automobilística.
Caracterizam-se como ativos complementares do veículo elétrico o desenvolvimento tecnológico de componentes, especialmente no que diz
respeito aos fabricantes de baterias; a
infraestrutura de abastecimento, que in-
Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico
clui equipamentos específicos, e o tipo
de postos de abastecimento, além das
questões ambientais e da ação governamental em favor do novo paradigma.
No Brasil, a Itaipu Binacional, em
Foz do Iguaçu, no estado do Paraná,
vem desenvolvendo seu carro elétrico
há alguns anos, em cooperação com a
Fiat - o Projeto VE (Veículo Elétrico).
Uma área na usina hidrelétrica de Itaipu
abriga uma oficina de montagem e centro de teste da versão elétrica do Palio
Weekend. As carrocerias dos carros,
montados especialmente para o projeto, são feitas na fábrica da Fiat Automóveis, em Betim (MG) e, em Itaipu,
recebem os componentes específicos do
carro elétrico – motor, transmissão e baterias. Os carros não estão à venda, mas
já circulam na sede da usina.
No final de setembro de 2011, as empresas Itaipu Binacional e a Kraftwerke
Oberhasli AG – KWO inauguraram em
Meiringen, na Suíça, um laboratório
para o desenvolvimento de uma nova
bateria de sódio considerada 100% reciclável e com alta densidade energética. O projeto tem recursos da FINEP
(Financiadora de Estudos e Projetos),
vinculada ao Ministério da Ciência e
Tecnologia, enquanto que a gestão do
financiamento, no valor de US$ 16 mi­
lhões, está a cargo da Fundação Parque
Tecnológico Itaipu (FPTI), que realizou
parceria com a empresa suíça Battery
Consult, coordenadora do desenvolvimento da nova bateria. Além do laboratório na Europa, o projeto prevê a
insta­lação de outro, idêntico, na própria
FPTI. Atualmente, as baterias utilizadas
nos carros da Itaipu/FIAT são da marca
Zebra, de origem suíça, à base de só-
133
dio, níquel e cádmio e com custos de
importação muito altos. Essas baterias
são totalmente recicláveis, permitindo
uma autonomia de aproximadamente
100 quilômetros com carga completa
e suprindo, assim, as necessidades de
quilômetros diários de transporte urbano. O KWO prevê transferência de
tecnologia e possibilitará o desenvolvimento da nova bateria, com tecnologia
nacional e custo menor, permitindo o
licenciamento de empresas, no Brasil e
no exterior, para a sua produção.
Uma outra iniciativa nacional, mas
na esfera privada, é o Triciclo Pompéo,
que esteve em desenvolvimento na incubadora tecnológica da Itaipu Binacional. Esse projeto tem por objetivo produzir soluções para o transporte urbano,
estimulando a geração de novas qualificações, desenvolvendo e criando novas
tecnologias. Trata-se de um carro elétrico e compacto, com baterias de íons de
lítio, que busca atender às necessidades
de transporte do dia a dia: de três rodas,
fechado, com design arrojado, projetado para solucionar o transporte urbano
de passageiros de forma econômica
e ecologicamente correta. O Pompéo
foi desenhado para duas pessoas: com
pequenas dimensões, baixo custo de energia, emissão nula de poluentes, uso de
energia renovável, segurança e conforto. Em se tratando de um veículo leve,
de aproximadamente 450kg, o Pompéo
requer uma menor capacidade de armazenamento de energia elétrica para
oferecer uma autonomia viável e muito
superior à necessária em trajetos urbanos e àquela oferecida, atual­mente, no
mercado. Reduz-se, assim, o custo de
um item de peso significativo na com-
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ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 127-139
posição do produto: a bateria.
Quanto à questão das baterias, esta
ainda é um grande desafio, pois elas
são caras, pesadas demais e ocupam
um bom espaço do porta-malas. As baterias de sais de níquel, por exemplo,
trazem a vantagem de serem totalmente
recicláveis, mas ocupam quase todo o
espaço do bagageiro. A alternativa tem
sido as baterias de íons de lítio, utilizadas em celulares, por serem mais leves,
duráveis e mais flexíveis na montagem,
já que podem ser alocadas também sob
o assoalho do carro. Assim, a questão
da autonomia e da logística reversa das
baterias ainda é uma preocupação.
Ainda no que se refere às baterias,
a Dinamarca está desenvolvendo uma
bateria ilimitada para carros elétricos,
prometendo acabar com a falta de autonomia, que é um dos maiores pro­
blemas do veículo elétrico. Em vez de
gasolina ou diesel, o abastecimento é de
eletricidade, devido à existência de uma
rede nacional de postos de bateria. Um
veículo movido à bateria não percorre
mais do que 200 quilômetros. Logo, é
necessário parar para recarregar durante
pelo menos seis horas. Com o sistema
desenvolvido na Dinamarca, não existe
mais limite, pois, quando a carga chega
perto do fim, basta trocar a bateria por
outra completamente carregada.
A Dinamarca foi, também, um dos
primeiros países a implementar iniciativas para promover os carros elétricos,
de forma a também reduzir a dependência do petróleo e limitar a emissão de
gases de efeito de estufa. Copenhagen
começou a incluir os carros elétricos
em sua frota municipal em maio de
2009. O governo dinamarquês começou
a promover esses veículos atribuindo
subsídios, como incentivos fiscais, e
também estabelecendo vários projetos ambientais (Veículoselectricospt,
2011). Com o objetivo de reduzir seus
preços, o governo dinamarquês isentouos de impostos até este ano de 2012, havendo planos para estender esse prazo
até 2015. As reduções podem alcançar
cerca de 60% do custo do veículo, o que
levou muitos fabricantes a escolherem
o país para introduzirem os primeiros
carros elétricos. A Dinamarca é, ainda,
o maior produtor do mundo de energia
eólica e os carros elétricos permitirão
uma utilização eficiente dos exceden­
tes de energia gerados durante a noite.
Existe, então, um grande interesse em
poder usar a rede elétrica para o consumo da energia proveniente de fontes
renováveis (ibid).
No Brasil, foi lançado e inaugurado, em dezembro de 2011, por meio
da cooperação entre GE e Petrobras,
o primeiro carregador de carros elétricos da GE no Brasil, o DuraStation. O
equi­pamento está em funcionamento no
Posto do Futuro da Petrobras, na Barra
da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, e
está disponível para o uso dos consumidores que já possuem veículos elétricos.
O DuraStation faz parte de um portfólio
da GE chamado Industrial Solutions,
que está no GE Energy Management,
pertencente ao GE Energy, juntamente
com a GE Power & Water e GE Oil &
Gas. O equipamento já havia sido lançado nos mercados norte-americano,
asiático e europeu e o início do funcionamento de suas primeiras unidades no
Posto do Futuro marca a entrada dessa
solução no mercado brasileiro (GE Re-
Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico
ports Brasil, 2012). Esse equipamento
com tecnologia de ponta é capaz de
reduzir o tempo de recarregamento de
um veículo elétrico de seis a oito horas
para cerca de duas horas. No caso do
Posto do Futuro, no centro de recarga
de veículos elétricos, estão disponíveis
duas estações de carregamento GE, que
possibilitam, simultaneamente, a carga
de até três veículos.
Os grandes desafios tecnológicos dos carros elétricos estão, de fato,
relacionados aos projetos das baterias.
A grande questão é como armazenar a
maior capacidade de carga em volumes
e pesos cada vez menores no menor
espaço de tempo. Os grandes desafios
governamentais seriam estabelecer novos conceitos para a mobilidade urbana
e a implantação do Smart Grid. Entendese por Smart Grid, ou rede inteligente, a
aplicação de tecnologia de informação
para o sistema elétrico, integrada aos
sistemas de comunicação e infraestrutura de rede automatizada (Smartgrid
News, 2012). Assim, a lógica da Smart
Grid está em uma palavra: inteligência.
Logo, novas redes serão automatizadas com medidores de qualidade e de
consumo de energia em tempo real. A
inteligência também será aplicada no
combate à ineficiência energética, isto
é, à perda de energia ao longo da transmissão. Quanto aos veículos elétricos,
o sistema do Smart Grid permite aos
usuários controlar a recarga dos carros,
enquanto estes estão conectados a uma
tomada normal.
Quanto às empresas do setor
automobilístico que estão avançando
na produção de carros elétricos, temos
a Ford com o Ford Focus Electric, a
135
General Motors com o Volt e a Nissan
com o Leaf. A Nissan vem sendo
uma das maiores incentivadoras na
produção de carros 100% elétricos
na Europa, no Japão e em Israel. Em
2011, a empresa deu mais um salto em
direção à popularização desses veículos
ao ganhar a licitação realizada pela
TLC (Taxi and Limousine Commission)
da cidade de Nova Iorque para produzir
a próxima geração de taxis movida à
eletricidade. A montadora japonesa
venceu a americana Ford e a turca
Kassan Otomotiv. A licitação foi ganha
com o comprometimento da Nissan de
produzir os táxis elétricos nos Estados
Unidos e, em 2017, ter toda sua frota
movida à eletricidade.
Pode-se dizer que os carros 100%
elétricos estão evoluindo, mas, com
certeza, terão de superar grandes obstáculos antes de se tornarem interessantes no uso diário. Sua autonomia ainda é pequena, algo grave em um país de
grandes distâncias; faltam postos de recarga - o tempo necessário para recarga
continua longo, apesar de sua redução
considerável - e os pacotes de baterias
ainda são muito caros. Como têm custos
altos de produção, os elétricos precisam
de incentivos governamentais para que
sejam economicamente viáveis. Os
governos de países como Dinamarca,
já mencionado anteriormente, Reino
Unido, França, Estados Unidos, Holanda e Alemanha estão investindo em
P&D de baterias, bem como criando incentivos para a aquisição desses veículos. Para criar novas opções de mobilidade dentro das cidades, o governo da
Alemanha, por meio do Ministério da
Educação e Pesquisa, anunciou, neste
136
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 127-139
ano de 2012, um investimento de 10,8
milhões de euros no financiamento de
projetos de carros elétricos. O objetivo
é desenvolver automóveis que utilizem
energia renovável e unam eficiência e
segurança, com preço acessível para
a população. Batizado de Vision M, o
plano conta com cientistas da Universidade Técnica de Munique (TUM, sigla
em alemão) e com a indústria automotiva do país - incluindo a BMW, líder do
projeto, e a Daimler AG, dona da Mercedes (Notícias Automotivas, 2012).
No Brasil, o aspecto tributário torna
inviável a popularização de elétricos.
A alta carga tributária é sinal de que a
circulação dos carros movidos à energia
elétrica irá demorar. Na tabela de impostos da Receita Federal, esses veículos são tributados como “outros” e, sobre eles, incidem 25% de IPI, enquanto
que automóveis convencionais 1.0 de
motor a gasolina pagam 7% de imposto
e, se cumprirem metas de redução de
consumo, podem ter alíquota diminuída. Logo, o encarecimento do carro elétrico é motivado.
No início de 2010, o governo brasileiro chegou a cogitar um programa de
estímulo ao desenvolvimento do carro
elétrico, mas o plano foi cancelado por
divergências internas. Com a ausência
de incentivos, um veículo como esse,
no Brasil, está em torno de R$ 200 mil,
caso do Leaf da Nissan. Esse mesmo
carro é vendido nos Estados Unidos
na faixa de R$ 50 mil. Na realidade,
existe uma compreensão do governo
brasi­leiro de que uma nova tecnologia
como o carro elétrico poderia tirar de
cena o etanol, o que parece ser algo
equivocado, pois existiria a possibili-
dade de agregação sem exclusão.
Os desafios para a introdução dos
veículos elétricos no mercado mundial,
nas suas mais diversas modalidades,
são imensos. Novos componentes deverão ser projetados, um novo conceito
de “postos de abastecimento” deverá
ser implantado, e a infraestrutura de
energia elétrica deverá ser adaptada e
expandida; logo, um novo conjunto de
normas sociais deverá ser desenvolvido.
Segundo Fiani, “(...) as normas sociais
– que emergem espontaneamente na
sociedade - têm a capacidade de estabelecer e garantir regras que favoreçam
as mudanças necessárias ao desenvolvimento, ao minimizarem as possibilidades de atua­ção oportunista e com isso
reduzirem os custos de transação” (2011,
p. 141). No caso dos carros elétricos,
como mencionado anteriormente, uma
série de investimentos complementares
deve ser realizada ao longo de sua cadeia produtiva. Entretanto, no momento
da realização desses investimentos, se
os agentes envolvidos começarem a
atuar de forma oportunista, tentando
obter condições mais vantajosas, o processo de desenvolvimento dos veículos
movidos à energia elétrica pode ser
comprometido, ou até mesmo fracassar.
Assim, as normas sociais devem evitar o comportamento oportunista como
algo que caminha em direção oposta ao
comportamento cooperativo.
Adicionalmente, como em toda
tecnologia inovadora, mecanismos de
incentivos e de fomento deverão ser,
necessariamente, implementados em
prol dos elétricos. Assim, uma nova indústria automobilística está a caminho,
com novos postos de trabalho, exigindo
Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico
também novas qualificações. Fica clara
a importância da participação do Estado
no desenvolvimento e difusão desses
veículos.
Dietrich Rueschemeyer e Peter
Evans (1985) identificam três motivos
para a necessidade da intervenção do
Estado no sistema econômico, que não
são necessariamente independentes:
(i) superação de falhas de mercado;
(ii) superação de resistências sociais
ao processo de desenvolvimento
econômico; e (iii) superação de
resistências sociais à redistribuição de
renda na sociedade. No que se refere
aos veículos elétricos, a intervenção do
Estado na superação de falhas de mercado
é extremamente cabível. Percebe-se
claramente que o setor automobilístico,
enquanto arranjo institucional, neces­
sita de apoio governamental para tornar
viável um produto com tecnologia
não convencional, mas que tem
que ser vislumbrada, considerando
uma futura mudança motivada pela
grande preocupação com as questões
ambientais. Políticas públicas vêm
tornando mais rígidas as leis quanto
à emissão de gases veiculares como o
dióxido de carbono. Douglass North
e Lance E. Davis (1971) definem
ambiente institucional como “(...) o
conjunto de regras fundamentais de
natureza política, social e legal, que
estabelece a base para a produção, a
troca e a distribuição” (1971, p.6).
Rueschemeyer e Evans reconhecem
que a tensão entre agir de acordo com o
interesse geral da sociedade e agir como
instrumento de dominação de grupos
mais poderosos é intrínseca ao funcionamento do Estado. Sendo assim, faz
137
parte do Estado ser, simultaneamente,
agente do bem comum e promotor de
interesses particulares. Como argumentam os autores, “(...) deve-se reconhe­
cer que a ação do Estado, em apoio às
tarefas fundamentais, muito provavelmente também tem implicações loca­
lizadas” (1985, p. 48).
De fato, quando o Estado promove
o bem comum, que engloba os objetivos mais gerais da sociedade, as suas
ações têm, frequentemente, resultados
que são apropriados como benefícios
por agentes particulares. Desta forma,
a difusão dos veículos elétricos, que
beneficia toda a sociedade, gera, ao
mesmo tempo, ganhos expressivos, não
somente na indústria automobilística,
como também em uma indústria nas­
cente de baterias, de postos de recarga
e no setor energético,
Pode-se dizer que a importância
do Estado na formação desse novo
paradigma tecnológico é primordial.
Necessita-se, para sua alavancagem,
de um Estado Desenvolvimentista,
que, na compreensão de Peter Evans
(2004), é aquele que consegue combinar autonomia e parceria. Segundo
Rueschemeyer e Evans, por autonomia entende-se que o “Estado deve adquirir certo grau de autonomia relativa
da classe dominante com o objetivo de
promover efetivamente a transformação econômica, sendo que essa autonomia relativa seria necessária não apenas
para formular objetivos coletivos, mas
para implementá-los também” (ibid, p.
49). Logo, é imprescindível a parceria
do Estado com os agentes privados; no
caso, a parceria com as empresas privadas que estão investindo na produção
138
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dos carros elétricos é fundamental para
a promoção do seu desenvolvimento.
O fato é que apenas incentivos fiscais
podem não ser suficientes para aumentar as vendas dos veículos em questão.
Embora países europeus e os Estados
Unidos disponibilizem incentivos fiscais para este tipo de carro, eles ainda
não são atraentes aos consumidores. O
consumo desses veículos é afetado pela
ausência de infraestrutura. Os consumidores ficam inseguros em adquirir um
carro elétrico já que não sabem onde
irão abastecê-lo. Portanto, os incentivos
são relevantes, mas a criação de uma infraestrutura é primordial e o Estado, em
cooperação com os agentes privados,
deve criar condições reais não somente
para o desenvolvimento tecnológico do
veículo movido a energia elétrica, como
também para sua difusão.
Fica claro que os condicionantes
técnicos, como a P&D em baterias; os
condicionantes econômicos, como os
ganhos gerados para o setor automobilístico e para uma indústria nascente
de baterias, de postos de recarga e para
o setor energético e, principalmente, os
condicionantes institucionais como a
cooperação e parceria entre empresas
privadas e o Estado podem provocar
um novo direcionamento para o setor
automobilístico.
4. Conclusão
A indústria automobilística está em
um ponto decisivo, depois de mais de
100 anos de história, com a perspectiva
de um novo paradigma tecnológico. O
motor a combustão interna poderá estar presente nos próximos anos, mas o
início desta década de 2010 pode marcar seu declínio. Se a indústria reverter
seu curso, como parece ser possível, a
cada ano, novos avanços poderão ocorrer em relação aos carros totalmente e
recarregá-los será mais natural do que
parar para abastecer um carro, como se
faz atualmente. Entretanto, é extremamente necessário que haja uma inte­
gração entre empresas privadas e go­
verno para o desenvolvimento de ativos
complementares que envolvam o carro
elétrico, especialmente a infraestrutura
de abastecimento e a maior autonomia
das baterias, além de incentivos fiscais
e regulação ambiental. A difusão do
carro elétrico vai ao encontro das atuais
preocupações da sociedade quanto à
preservação dos recursos naturais, do ar
e da água. O carro elétrico corrobora,
então, o momento atual de se buscar
desenvolver produtos que não agridam
o meio ambiente. Desta forma, a ação
governamental, tanto no que se refere
à regulamentação ambiental quanto
no referente aos incentivos fiscais e à
criação de uma infraestrutura que viabilize os carros elétricos, é necessária
para trilhar um rumo sólido para esses
veículos.
Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico
139
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140
ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 140-141
BUENO, C., PARDO, F. L., REIFF, F. P. E VINHA, V.
Ecoturismo Responsável e seus Fundamentos.
Rio de Janeiro:Technical Books Editora, 256 p., 2011.
• RESENHA-RESUMO
• Cecília Bueno *
Poucos segmentos na economia se
apresentam de maneira tão multidisciplinar quanto a indústria do Turismo;
a começar pelas próprias opções ofe­
recidas, tais como: Ecoturismo, Turismo
Cultural, Turismo de Aventura, Turismo
de Negócio e Eventos, Turismo Náutico,
Turismo Rural. Dentro desses diversos
segmentos são inúmeras as disciplinas
envolvidas e um profissional de visão
mais eclética tende a se sobressair nesse
ramo de atividade. O Turismo envolve
o conhecimento de História, Geografia,
Arquitetura, Sociologia, Antropologia,
Meio Ambiente, Logística, Agricultura,
Educação, Empreendedorismo, Direito,
Hospitalidade, Marketing, Política e de
muitas outras ciências, que desafiam os
gestores e empreendedores desse fascinante mundo, tão representativo na
economia do País.
Voltado principalmente para estudantes de cursos de graduação e de especialização, além de profissionais de
Turismo e guias, o livro aqui resenhado
se propõe a levantar questões que ajudem a elucidar a relação entre Ecotu­
rismo e conservação do meio ambiente,
apontando as contradições associadas
às práticas e atividades reconhecidas
pelo senso comum como ambientalmente corretas, mas que podem causar
impactos severos, como, por exemplo, o
pisoteio excessivo em trilhas, que leva à
compactação do solo e, por conseguinte,
à deflagração de processos erosivos.
Ecoturismo Responsável e seus Fundamentos não tem a pretensão de cobrir
em profundidade todas as disciplinas
do setor, mas é um livro que oferece, de
forma objetiva, um pouco de informação a cada tipo de leitor, seja ele estudante de turismo, profissional da área,
praticante de ecoturismo, ambientalista
ou qualquer pessoa interessada na relação saudável do Turismo de Natureza
com os três pilares que os sustentam: o
econômico, o social e o ambiental.
Com texto fácil e didático, os autores
ajudam o leitor a entender as possibilidades de exploração da beleza e diversidade da natureza brasileira de maneira
responsável. No primeiro capítulo, o
livro aborda a história dos deslocamentos humanos e como esse processo foi
ocorrendo, de forma cada vez mais organizada, até se estabelecer como “Tu­
rismo”, além de comentar acerca do pa-
Cecília Bueno, Doutora em Geografia (UFRJ), Mestre em Gestão Ambiental (UNESA). Consultora
na área de serviços ambientais, Professora da Universidade Veiga de Almeida.
*
resenha-resumo: Ecoturismo Responsável e seus Fundamentos
pel da natureza nesse contexto e acerca
de como esse setor se encaixa na engrenagem dos “produtos comercializáveis”.
No Turismo, para explorar o meio
de forma segura, consciente e contextualizada, é fundamental o papel do
guia e/ou condutor. As expectativas em
relação a essa função e suas principais
responsabilidades são apresentadas no
Capítulo 2. Outra questão importante
apresentada no livro é a das relações
entre os prestadores de serviços e seus
clientes, e, consequentemente, o envolvimento, no processo turístico, de inú­
meras relações humanas, passíveis de
uma extraordinária gama de problemas
jurídicos. Quando se fala da exploração
comercial do Turismo de Natureza, exis­
tem, ainda, vários aspectos legais que
envolvem a relação Homem/Natureza.
O Capítulo 3 aborda, de forma geral, as
principais implicações jurídicas dessas
relações.
Não se pode falar de uma atividade
sustentável sem abordar os impactos
socioambientais do Ecoturismo. O
Capítulo 4 explora com mais detalhe
as diversas modalidades do Turismo na
natureza e as questões cruciais sobre os
impactos dessas atividades. Já o Capítulo 5 ajuda o leitor a entender melhor as
oportunidades comerciais que existem
141
no Ecoturismo e o que os turistas buscam, bem como de que maneira atender
às suas expectativas, que são muito subjetivas e complexas. Também ajuda a
divulgar os diversos serviços possíveis
e a ganhar vantagem competitiva nas
diferen­tes oportunidades de negócios.
O Capítulo 6 aborda outro pilar
fundamental na relação sustentável da
atividade turística: a Economia. O leitor
entenderá o papel da indústria do Tu­
rismo, no cenário nacional e mundial,
e seu impacto nas diversas economias
e ciclos. Finalmente, são tratadas as
várias interrelações entre Ecoturismo
e Conservação, com destaque para os
temas ambientais da atualidade, como
os efeitos das mudanças climáticas nas
atividades ecoturísticas.
O livro conta também com Anexos,
incluindo textos sobre atividades re­
creativas em ambientes naturais, sobre a
conduta consciente de mínimo impacto nesses ambientes e sobre o Código
Mundial de Ética do Turismo. Para explicitar o acesso às fontes, facilitar a lei­
tura e estimular a pesquisa, o livro traz
as referências bibliográficas enumeradas e indicadas no fim de cada capítulo,
seguidas por uma lista de títulos e sites,
como sugestão de leitura.
Esta obra foi composta em Minion Pro
corpo 10,5 entrelinha 13, com títulos
em Legacy Sans e foi impressa em offset
no Rio de Janeiro em dezembro de 2012.

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