a primeira pessoa do plural em goiás - SIMELP

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a primeira pessoa do plural em goiás - SIMELP
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 28 – Ocupação territorial e variação linguística.
A PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL EM GOIÁS
Shirley Eliany Rocha MATTOS1
RESUMO
Em etapa inicial de pesquisa com corpus composto por falantes goianos com no mínimo
ensino médio, investigou-se a distribuição de usos, na posição de sujeito, de primeira
pessoa do plural, nós e a gente, e a concordância verbal com essas formas. Com base na
metodologia da Sociolinguistica Variacionista Laboviana, os resultados estatísticos
modelados pelo Goldvab apontam uma variável lingüística, o tempo verbal, e duas de
cunho social, a faixa etária e a escolaridade, vinculadas à sistematicidade do fenômeno
da concordância com o sujeito nós. As porcentagens de uso de cada forma de 1pp
apresentam diferenciação relativamente a outros resultados no Brasil.
PALAVRAS CHAVE: fala goiana; primeira pessoa do plural; concordância verbal;
resultados estatísticos.
Os fenômenos linguísticos que pretendemos mapear com a abordagem
metodológica e os pressupostos teóricos da Sociolingüística Quantitativa e com algum
esforço etnográfico são a alternância de uso com as formas de primeira pessoa do plural
(1pp) nós e a gente e a concordância verbal na fala de goianos mais escolarizados, na
região Centro-Oeste brasileira. A composição de um panorama de uso de 1pp na região,
inserindo-a no panorama de pesquisas sobre 1pp no Brasil também é propósito desta
pesquisa.
A abordagem teórica da Sociolingüística Quantitativa ou Variacionismo
Laboviano correlaciona aspectos variáveis sistemáticos da linguagem humana também a
1
MATTOS, S. E. R. Doutoranda em Linguistica pela Universidade de Brasília, Instituto de Letras,
Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas, Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected]
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(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
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aspectos externos, isto é, sociais, no âmbito de uma comunidade, isto é, língua e
sociedade estão mutuamente imbricadas.
A motivação para o trabalho se deu a partir da impressão inicial de que a fala
cotidiana de goianos escolarizados registrava casos de não concordância verbal com o
pronome nós em um nível merecedor de mensuração, nos moldes do Variacionismo
Laboviano. Uma análise preliminar definiria o uso da construção nós vai como “uso
com alguma fluência”, dadas a constância de sua ocorrência e a saliência do fenômeno
frente ao meu cotidiano de sociolinguista e de professora na área de língua portuguesa.
Tem-se a impressão de que está em curso, na fala goiana, um movimento de
aceitação do uso do verbo na forma singular com o pronome nós. Uso incorporado
mesmo por parte de segmento social com formação universitária completa como
médicos, engenheiros, empresários e outros profissionais liberais, mormente em
situações de não monitoração lingüística. É de interesse, portanto, investigar a
monitoração estilística da fala goiana relativamente ao fenômeno e alcançar uma
compreensão desse uso, estigmatizado pelas camadas sociais mais escolarizadas,
externas à comunidade analisada.
Estudos dessa natureza, explorando a alternância entre o nós e o a gente ou a
concordância verbal relativa a esses sintagmas com falantes goianos, não têm tratado
especificamente da confluência de fatores como alta escolaridade e uso lingüístico sem
concordância como um traço peculiar.
Os agentes lingüísticos convocados são os falantes com escolarização mínima de
Ensino Médio, ou com pelo menos 2 anos de estudos nesse nível, e sem limite máximo.
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No corpus analisado há falantes até mesmo com pós-graduação. A tabela 1 adiante
apresenta os detalhes considerados. É necessário destacar que a pesquisa está em curso.
Os resultados alcançados são preliminares no entendimento do fenômeno.
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TABELA 1. Perfil social dos falantes goianos investigados
Falantes Goianos
Escolaridade
Ensino Médio
4
Gênero
Mulheres
Homens
10
12
Ensino Superior
6
Ensino Médio
5
Ensino Superior
7
22
Quando se discutem resultados baseados em dados de escolaridade, é inevitável
que aspectos econômicos sejam referidos. Mesmo não sendo foco na etapa atual da
pesquisa, faz-se salientar que pessoas com 10 anos ou mais de ensino regular, ou ensino
médio completo, têm maiores possibilidades de melhores empregos, comparativamente
a quem não tem essa escolarização.
O corpus até agora constituído conta com 22 falantes (tabela 1), que
evidenciaram os seguintes exemplos linguísticos:
(1) Nós só PODEMOS fazer essa exportação depois de øTER uma prévia autorização do
Itamarati. Se o Itamarati não autorizar, a gente não EXPORTA.
(2) Mas o king, nós não SABIA, senão nós TINHA entregue ele pro sargento.
(3) Às vezes a gente CONVIVE com a pessoa da Bahia e øPENSA que ele é goiano.
(4) Hoje mesmo a gente VAMOS fazer uma experiência na aula de química é.. fazer é..
um hidratante.
Estão representados no corpus, falantes de diversas localidades goianas como a
capital do estado, Goiânia, os municípios de Anápolis, Cromínia, Formosa, Piracanjuba,
e outros. Essa diversidade poderia dar um grau maior de legitimidade aos resultados não
só do ponto de vista estatístico, mas também do ponto de vista sociolinguístico, mesmo
essa multiplicidade não tendo sido ainda considerada na codificação dos dados.
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Os resultados alcançados até o momento baseiam-se na codificação de 485
dados. Merece destaque a inexpressiva ocorrência de plural verbal com a forma a gente
em Goiás: apenas em três casos de a gente explícito no total considerado de 243 dados,
perfazendo uma porcentagem de 1% (3/243 = 1%).
Relativamente à alternância de uso de 1pp na fala goiana, a forma a gente
(implícita e explícita) predomina com 54% e o nós com 46% na amostra. Essa
proporção relativamente equilibrada de uso das formas quer indicar uma peculiaridade
em Goiás. Pesquisas referentes à 1pp feitas em diversas regiões do Brasil expõem
índices de uso muito mais díspares, como exposto na tabela 2, mais adiante neste texto.
Em várias regiões brasileiras o a gente está praticamente consolidado como forma
adquirida de 1pp. Em Goiás isso parece não se dar nessas mesmas proporções. Como
tarefas de pesquisa então é necessário entender essa condição, analisar a baixa
ocorrência de a gente com verbo no plural bem como a forma nós com e sem
concordância.
Goiás é um estado brasileiro que, sabidamente, mantém tradições culturais mais
conservadoras. Tem prestígio, no território goiano, práticas da tradição rural, como as
feiras agropecuárias, as procissões religiosas, a difusão da música sertaneja, o uso de
chapéu semelhante ao do peão de boiadeiro, o cinto com a fivela realçando a figura do
cavalo, instrumento de trabalho na agropecuária, as comidas rurais típicas como a
pamonha, o arroz com pequi, a guariroba. Ainda é comum no interior do estado a venda,
de porta em porta, do leite de vaca in natura, do requeijão de massa de leite cozida na
manteiga, do feijão de tropeiro, do licor de jabuticaba. Além desses traços culturais faz-
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se necessário salientar que a história política do estado ainda se pauta na força
econômica da agropecuária.
Goiás era conhecido e percorrido pelas bandeiras já no primeiro século da
colonização do Brasil. Mas seu povoamento só ocorreu em virtude do descobrimento
das minas de ouro (século XIII).
Supõe-se que a ocupação da amplidão rural goiana, que se seguiu ao fim da
extração do ouro, teria, pelas próprias condições de isolamento, imposto uma ação
conservadora da língua portuguesa transplantada, sendo esta já considerada arcaizante.
Enfim, interessa projetar um nível de uso das formas de 1pp em Goiás, em um
esforço de ampliar as conclusões de pesquisas já empreendidas quanto à distribuição e
sistematicidade de emprego dessas formas pelo Brasil. E também interpretar os
resultados decorrentes analisando-os quanto ao caráter de conservação que lhe são
atribuídos.
A tabela a seguir expõe os percentuais de uso de nós e de a gente por região do
país e os percentuais de uso das formas de 1pp na fala de goianos escolarizados (4). Os
resultados de 1, 2 e 3 estão em Zilles (2005, p. 35).
TABELA 2. Percentuais de uso de nós e de a gente por regiões brasileiras
REGIÕES BRASILEIRAS
1. Nordeste
(João Pessoa)
[Fernandes, 1999]
2. Sudeste
(Rio de Janeiro)
[Omena e Braga, 1996]
3. Sul
(Porto Alegre)
[Zilles, 2000]
Uso de NÓS
Uso de A GENTE
21%
79%
30%
70%
31%
69%
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4. Centro Oeste
Goiás - escolarizados
[Mattos, 2009]
46%
54%
As frequências expostas na tabela 2 evidenciam um relativo equilíbrio percentual
no uso das duas formas em Goiás, resultado bem distinto daqueles verificados nas
demais regiões brasileiras investigadas.
Considerando a sintaxe do pronome nós com verbo no singular, a análise por meio
do programa estatístico usado para a mensuração dos dados, o Goldvarb (Cf. Sankoff,
Tagliamonte & Smith, 2005) apontou, com convergência e significância, três variáveis
relacionadas à sistematização sociolingüística do fenômeno. São elas, nessa ordem de
seleção, a faixa etária, o tempo verbal e a escolaridade.
TABELA 3 - Uso da não concordância verbal com o sujeito nós em função da faixa
etária dos falantes
Menos de 21 anos
Entre 21 e 40 anos
Acima de 41 anos
Total
16/ 17 = 94%
13/111 = 12%
13/ 92 = 14%
42 /220 = 19%
0,97
0,42
0,27
As faixas etárias propostas foram falantes com menos de 20 anos, com idade entre
21 e 40 anos e acima de 41 anos. Os mais jovens apresentaram um peso relativo de 0,97
e 94% de singular com o pronome nós em Goiás, ou seja, 94% de não concordância e
peso relativo fortemente favorecedor da não concordância. Ainda estão sendo coletados
dados referentes a essa faixa etária que representa no momento apenas 8% dos dados
(17/220).
Falantes entre 21 e 40 anos, mesmo sendo responsáveis por 50% dos dados de
pesquisa (111/220), apresentam-se como uma faixa etária que, do ponto de vista
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estatístico, não favorece o uso de singular verbal, com o peso relativo de 0,42 e
porcentagem de 12% (13/111) de não concordância. Mas o efeito do fator “idade acima
de 41 anos” claramente desfavorece o uso do singular, embora tenha uma porcentagem
numericamente maior que a faixa etária anterior, 14% (13/92). O peso relativo dessa
faixa é de 0,27. Os falantes dessa faixa representam 42% dos dados de pesquisa
(92/220).
O fato de os jovens entrevistados utilizarem vigorosamente o singular verbal
permite a suposição de que a escola não esteja conseguindo sobrepor-se ao vernáculo na
região devido a um movimento identitário da juventude, isto é, a preservação do nós
entre os mais jovens pode estar indicando que esse uso seja o padrão adquirido na
família e esteja sendo mantido como um valor identitário.
Jovens entre 16 e 20 anos, geralmente na etapa educacional de ensino médio,
estão mantendo a difusão do nós; falantes acima dos 21 anos utilizam grandemente a
forma a gente. Conjectura-se ser a etapa dos estudos universitários a responsável pela
inserção do a gente na fala, visto que inaugura nova e vigorosa relação com a área
urbana e o mercado de trabalho.
A seleção de tempo verbal como segunda categoria mais influente na busca de um
padrão sociolinguístico de uso do singular verbal com o nós apresenta o pretérito
imperfeito do indicativo como carro chefe, com um peso relativo de 0,93 (17/38 =
45%). Esse resultado reflete o padrão fonológico popular do português brasileiro (PB),
que evita a cadência proparoxítona. Dessa forma, casos como nós fazíamos dão lugar a
nós fazia como estratégia linguística de esquivar-se da tonicidade mais distante da
última sílaba, prática já encontrada no latim vulgar (Cf. Tabela 4).
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As categorias de presente e de pretérito perfeito do indicativo têm peso relativo,
respectivamente, de 0,59 (10/67 = 15%) e de 0,22 (10/111 = 9%), sendo portanto o
efeito do presente, nos casos de singular, maior que o efeito do pretérito perfeito (Cf.
Tabela 4).
TABELA 4. Efeito do tempo verbal no uso da não concordância verbal com o
pronome nós
Pretérito Imperfeito
Presente
Pretérito Perfeito
Infinitivo
Total
17/38 = 45%
10/67 = 15%
10/111 = 9%
01/06 = 17%
38/222 = 17%
0,93
0,59
0,22
0,03
Três dados de verbo no futuro com sujeito nós foram retirados da rodada por estarem
todos no plural. Nesse caso o programa acusa knockout, isto é, uma condição de
impossibilidade de cálculo de variação uma vez que não há variação, mas efeito
categórico.
Escolaridade é o terceiro fator na seleção estatística do Goldvarb com os
resultados apresentados na tabela 5 a seguir
TABELA 5. Efeito da escolaridade no uso da não concordância verbal com o
pronome nós
Ensino médio
Ensino Superior
Total
25/44 = 57%
17/176 = 9,7%
42/220 = 19%
0,89
0,38
Esses resultados apontam claramente a tendência de menos anos de estudo (ensino
médio) favorecerem a não concordância e mais anos de estudo (ensino superior)
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desfavorecerem a não concordância, pontos importantes na configuração do fenômeno
não concordância verbal com o sujeito nós.
Saliente-se que o programa apontou convergência nos cálculos estatísticos, o que
significa confluência satisfatória das variáveis selecionadas no entendimento da
variação em estudo.
Considerando a tabela 5, os resultados não divergem do senso comum de que
falantes mais escolarizados realizam mais formas de língua padrão, ou seja, favorecem a
concordância verbal com o pronome nós. Mas é igualmente importante considerar que o
fenômeno da não concordância com nós, mesmo com baixa porcentagem de ocorrência,
está ocorrendo no âmbito de falantes escolarizados.
A essa altura, soa apropriado afirmar, pelo menos, que a não concordância
apresenta um grau de não estigmatização em Goiás pouco comum ou inexistente no
segmento escolarizado em outras áreas urbanas brasileiras.
Como continuação de pesquisa, pretende-se uma análise mais aprofundada no
entendimento do singular com sujeito nós explícito e com implícitos. Nos 181 dados de
nós explicito, há 18% de singular verbal (32/181); nos de nós implícito, o índice é de
22% (9/40). Nos 221 dados de análise, a proporção de nós explícito é de 82% e de
implícito é de 18% dos dados. Mesmo os casos de sujeito explícito sendo mais
numerosos, os casos de sujeito referencial nulo de nós apresentam proporcionalmente
uma taxa maior de singular no verbo.
Nesse ponto é pretensão dialogar com Mattos (2003, 2006) no entendimento da
peculiaridade de o sujeito nulo referencial exercer uma influência sempre no sentido
oposto ao da concordância canônica, tanto com coletivos quanto com a forma nós de
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1pp . Mattos (2003; 2006), em análise do plural verbal com coletivo singular, tanto na
fala quanto na escrita, concluiu que a referência pronominal nula de coletivo favorece
acentuadamente a possibilidade do plural verbal, que, por sua vez, faz uma garantia
sintática de reconhecimento semântico do coletivo singular, ou seja, o plural verbal
assegura a referência ao coletivo. No caso do singular com o nós implícito, ocorre
também uma tendência inversa à concordância canônica, com a forma referencial nula
de nós provocando o efeito de singular em maior proporção que os resultados de
singular com a referência explícita (22% versus 18% respectivamente). Resta confirmar
estatisticamente a força dessa hipótese.
Também não faltam motivos para uma investigação mais aprofundada, no sentido
de projetar um nível de estigma social em Goiás comparativamente aos resultados de
outras regiões do Brasil. Mas, não bastassem dados da fala, há dados etnográficos a
apontar uma tendência de não estigma com o nós vai, como, por exemplo, a existência
de uma pousada em Pirenópolis, cidade a 120km da capital, cuja fachada expõe a
identificação “nois hospeda” e possui uma biblioteca para uso dos hóspedes e da
comunidade em geral com o nome de “nois lê”.
Pela internet também é possível captar o fenômeno do verbo no singular com o
pronome nós. E a não concordância é apresentada como uma característica do goiano.
Em 29 de janeiro de 2008, foi apresentado um dicionário goianês em site dedicado a
expor pormenores da fala goiana. Em 13 de março de 2008, o internauta Fabrício
comenta o dicionário goianês apresentado no site
Fabrício 13 de March de 2008 em 6:42 am
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Muita gente não entendeu o texto heim? Sou goiano e achei engraçadíssimo. =)
Tenho muitos amigos, universtitários, que utilizam essas mesmas expressões e
do mesmo jeito. São pessoas que falam “errado” porque gostam. É uma forma
de criar identidade. Agora duas ressalvas. Primeiro que falta falar sobre o queda
do d no gerúndio. Afinal goiano nenhum fala “caçando”. “Nóis fala é caçano”
Segundo: Sandra, não seja tão tosca. Existe uma grande diferença entre falar
como caipira e ter sotaque de uma determinada região. =P
Disponivel em: <http://www.christiangump.net/guia-gump-de-cidades/dicionrio-goians>.
Acesso em mai. 2009.
Enfim, há dados de fala e dados de cunho etnográfico que autorizam a suposição
de que a fala goiana apresenta traços próprios na conservação de sua tradição cultural,
possivelmente com caráter identitário.
Referências Bibliográficas
LABOV, William. (1975). The study of language in its social context. In: _____.
Sociolinguistic Patterns. 3.ed. Philadelphia, University of Pensylvania Press. p. 183259.
MATTOS, S. E. R. Sujeito coletivo singular em português: concordância e
referencialidade. Brasília: UNB. Dissertação de mestrado em Lingüística, 2003.
Inédito.
MATTOS, S. E. R., NASCIMENTO, A. M. A variação de número na forma verbal e na
anáfora pronominal com sujeito coletivo em revistas juvenis brasileiras. Iniciação
Científica, UEG, 2006. Inédito.
NARO, Anthony J. (1981) The social and structural dimensions of a syntactic change.
Language. LSA, 57(1):63-98.
SANKOFF, David, Sali Tagliamonte, Eric Smith. (2005). Goldvarb X: A variable rule
application for Macintosh and Windows. Department of Linguistics, University of
Toronto.
ZILLES, Ana M. S. The development of a new pronoun: the linguistic and social
embedding of a gente in Brazilian Portuguese. Language variation and change, 17, 1953. Cambridge U. Press, 2005.
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