e pelas cores ex-correm pensamentos vão(s)
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e pelas cores ex-correm pensamentos vão(s)
1 ... e pelas cores ex-correm pensamentos vão(s) Elenise Cristina Pires de Andrade1 Alda Regina Tognini Romaguera2 Resumo: Reticências que se propõem a iniciar. Conjunção aditiva que deseja não apenas somar, mas multiplicar caoticamente os pensamentos, as reticências, as cores, os corredores, os vãos. Esse texto quer gritar imagens-palavras-pensamentos e problematizar a força do fora no e, por palavras e(m) imagens a compor sensações-cor, sensações-luz, sensações-giros, sensações-sons: e pela criação se resiste educação. Criar novos e intensos modos de estar no mundo, criativamente. Explorar na arte o conceito de resistência e fazer conexões com a vida singular, não orgânica, no sentido que nos coloca Deleuze. Querer manifestar vontades de pensar onde parece não haver pensamentos; nas fendas das práticas pedagógicas pretender não aceitar significações, antes asignificar; nas fissuras do aprisionamento do plano educação, hiatar, abrir brechas e criar cisões nesta/desta palavra: educação. Hiatar desde dentro dessa criação intensiva de modos de estar no mundo. Cores, poesias, filmes, explorando, ins-pirando esse texto que se propõe a escrever hiatando. Des-enformar a escrita - do lugar/prisão/território: escola - para despi-la de sua formafôrma aprisionada na linguagem educacional, num delírio verbal, que pega a palavra pela unha e a rasga, em gesto de cólera. Escrever hiatando e(m) reticências... Vazar para fora das margens da ordem orgânica, do natural ou naturalizado das palavras-coisas da educação. Escolher a conjunção e para compor estranhos encontros, tensionados pelo vazio. Criar a possibilidade de hiatar, no intransitivo verbo que substantiva a ação. e escrever uma escrita outra. Vibr-AR. Versar em ares de pro-vocação. Resistir pelo fora da palavra educação, provocando seu esvaziamento pelo pensamento, des-criando-a, saturando-a. Não somente resistir, fugir, escapar, mas pretender um funcionamento: fazer resistir, fugir, escapar, ao envolver uma redistribuição dos possíveis, um enfrentamento do condicionamento às referências, às identidades, às personificações, experiências, signos, sentidos, sentimentos. Abertura de vazios, furos, brechas, corrimentos a abrirem possibilidades de sonhar com variações poéticas e políticas. Educação e(m) escrita, que se resiste, ex-iste, insiste. Dançar ar-te e(m) educação-pensamento-escrita, deixando vazio, no silêncio do Cage, no hiato da palavra, no espaço das reticências... Abstract: Ellipsis proposing to begin. Conjunction of addition willing not only to add, but to multiply thoughts, ellipsis, colors, corridors, gaps, chaotically. This text is willing to shout imageswords-thoughts and to problematize the forces of the outside in the and, through words a(„n)d images composing color-sensations, light-sensations, gyre-sensations, sound-sensations: and through creation education resists. Creating new and intense ways of being in the world, creatively. Exploring the concept of resistance in art and making connections with the singular, non-organic 1 Elenise Cristina Pires de Andrade é professora da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs, BA), junto ao Departamento de Educação. Licenciada em Ciências Biológicas pela UNESP, com mestrado e doutorado na Faculdade de Educação da UNICAMP. Atualmente dedica-se a pesquisas com imagens e a filosofia de Gilles Deleuze e Felix Guattari, participando dos grupos de pesquisa OLHO – Laboratório de Estudos Audiovisuais da Faculdade de Educação da Unicamp. É líder do grupo multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências e educações junto ao CNPq. 2 Alda Regina Tognini Romaguera é professora nos cursos de Licenciatura em Artes Visuais (FAAL, Limeira) e Pedagogia (FACP, Paulínia). Licenciada em Pedagogia (UNICAMP), com mestrado e doutorado na Faculdade de Educação da UNICAMP. Atualmente dedica-se a estudos com imagens e experimentações na escrita, participando do grupo de pesquisa Humor Aquoso, do OLHO – Laboratório de Estudos Audiovisuais da Faculdade de Educação da Unicamp. ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 2 life, in Deleuze´s sense. Willing to manifest the will of thought where there seems to be no thinking; in the cracks of pedagogical practices, having the intention of not accepting significations, a-signifying instead; in the fissures of the educational plan imprisonment, functioning as hiatus, opening gaps and creating cesures in/of this word: education. Hiatusing from within this intensive creation of ways of being in the world. Colors, poems, films, exploring, locoing this text that proposes writing hiatusing. De-forming writing – from the place/prison/territory: school – so as to strip if from its casted cast molded in educational language, in verbal delirium, which takes the word by the nails and tears it, in an act of cholera. Writing hiatusing a(„n)d ellipsis… Leaking outside the borders of organic order, of the natural or naturalized realm of the word-things in education. Choosing the conjunction and in order to compose strange encounters, tensioned by the void. Creating the possibility of to hiatus, an intransitive verb that may transform the action into a noun. and writing another writing. Vibrating in the air. Versing in airs of pro-vocation. Resisting in the outsides of the word education, causing its exhaustion through thinking, de-creating it, impregnating it. Not only resisting, fleeing, escaping, but aiming at functioning: making resist, flee, escape, by implicating a redistribution of the possible, facing the conditioning of references, identities, personifications, experiences, signs, senses, feelings. Opening of gaps, holes, breaches, drippings, to open for possibilities of dreaming poetic and political variations. Education a(„n)d writing, that resists, ex-ists, insists. Dancing art a(„n)d education-thought-writing, leaving the void, in Cage‟s silence, in the hiatus of the word, in the space of the ellipsis... Di(vaga)ções Vida e arte e educação e(m) criações (Vídeo) SUCH SMALL HANDS3 nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio: no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram, ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre (tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa ou se quiseres me ver fechado, eu e minha vida nos fecharemos belamente, de repente, assim como o coração desta flor imagina a neve cuidadosamente descendo em toda a parte; 3 Poema de autoria de E.E Cummings, com tradução de Augusto dos Anjos. Fonte <http://www.culturapara.art.br/opoema/eecummings/eecummings.htm> ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 3 nada que eu possa perceber neste universo iguala o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura compele-me com a cor de seus continentes, restituindo a morte e o sempre cada vez que respira (não sei dizer o que há em ti que fecha e abre; só uma parte de mim compreende que a voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas) ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas Reticências que se propõem a iniciar. Conjunção aditiva que deseja não apenas somar, mas multiplicar caoticamente os pensamentos, as reticências, as cores, os corredores, os vãos. Esse texto quer gritar imagens-palavras-pensamentos e problematizar a força do fora no e, por palavras e(m) imagens a compor sensações-cor, sensações-luz, sensações-giros, sensações-sons: e pela criação se resiste educação. Criar novos e intensos modos de estar no mundo, criativamente. e palavras e(m) imagens a compor sensações-cor, sensações-luz, sensações-giros, sensaçõessons... só uma parte de mim compreende que a voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas... e vida e arte e imagem e escrita e experimentações a produzir misturas e encontros; e incorpóreas intensidades a se fazer camadas de sentido, dobradas em poemas-cor e em poemas-luz: sensações e pensamentos e composições em intensidades incorpóreas, palavras-cor a se mover, lentamente... e a devir singularidades, energias entre matérias, no entre linguagens e enunciados, interstícios a girar imagens-palavras. Aposta que já se articula na tese de doutorado “Vida e Arte e Educação e(m) criações”4, e quer proceder por disjunção inclusiva, aproximando termos desacostumados e contraditórios, paradoxais, que no plano educacional se estranhem e criem descertezas. Abrir espaços de intervalo para penetrar no entre, manifestar vontades de pensar onde parece não haver pensamentos; nas fendas das práticas pedagógicas não aceitar significações, antes a-significar; nas fissuras do aprisionamento do plano de educação, hiatar, abrir brechas e criar cisões nesta/desta palavra. Ninguém, nem mesmo a chuva tem mãos tão pequenas. Vazar para fora das margens da ordem orgânica, do natural ou naturalizado das palavras-coisas da educação, da pesquisa em educação. Escolher a conjunção e para compor estranhos encontros, tensionados pelo vazio. Criar a possibilidade de hiatar, no intransitivo verbo que substantiva a ação. 4 Tese defendida por Alda Romaguera, pela FE/UNICAMP, em novembro de 2010. ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 4 Voz dos olhos, profundidade das rosas, pequenez da mão da chuva. Des-enformar a escrita do lugar/prisão/território: escola - para despi-la de sua forma-fôrma aprisionada na linguagem educacional, num delírio verbal, que pega a palavra pela unha e a rasga, em gesto de cólera. Cóleradesejo. Silêncio-solidão ao vento. No meio da rua habitada, enlouquecido furacão a girar, a esvaziar. Because the silence is red it blows my mind. Jorro, cor, ventania que quer arruinar mundos, provocar desmanches nos corpos das orgânicas palavras, fazendo-as vibrar. Vibr-AR. Versar em ares de pro-vocação. Tive um mundo de empregos estranhos. Tentei aprender um tipo de estenografia chamada speedwritting [taquigrafia], mas é claro que inventei minha própria maneira de escrever rápido. Passei por muitos escritórios fazendo serviços dos mais diferentes, e trabalhei num atacadista na Poland Street, onde eu só tinha de atender o telefone, e isso era praticamente tudo que eu fazia. Trabalhei durante seis ou oito meses como empregado doméstico. Fui cozinheiro de um homem que morava em Mecklenburgh, e lá fazia também todo o serviço. Nesse emprego, eu tinha de chegar às sete da manhã para preparar o café do patrão. Não posso dizer que me matasse de trabalhar. Fazia a cama e ia embora muito cedo. Tinha de estar de volta às sete da noite para fazer alguma coisa para o jantar. Ele era advogado e trabalhava num lugar que já não sei mais onde era. Eu me lembro de que, quando pedi as contas, ele comentou com alguém: Não sei por que o rapaz está indo embora, “afinal ele não faz nada”.)5 3 Tive um mundo de empregos estranhos. Tentei aprender um tipo de estenografia chamada speed-writting [taquigrafia], mas é claro que inventei minha própria maneira de escrever rápido. Passei por muitos escritórios fazendo serviços dos mais diferentes, e trabalhei num atacadista na Poland Street, onde eu só tinha de atender o telefone, e isso era praticamente tudo que eu fazia. Trabalhei durante seis ou oito meses como empregado doméstico. Fui cozinheiro de um homem que morava em Mecklenburgh, e lá fazia também todo o serviço. Nesse emprego, eu tinha de chegar às sete da manhã para preparar o café do patrão. Não posso dizer que me matasse de trabalhar. Fazia a cama e ia embora muito cedo. Tinha de estar de volta às sete da noite para fazer alguma coisa para o jantar. Ele era advogado e trabalhava num lugar que já não sei mais onde era. Eu me lembro de que, quando pedi as contas, ele comentou com alguém: “Não sei por que o rapaz está indo embora, afinal ele não faz nada”. (SYLVESTER, 1998) ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 5 New, all. Riscos em giz, amores entre Capitu e Bentinho. Is love old? Pintura de Francis Bacon e o animal como traço e não como forma. (...) Em vez de correspondências formais, a pintura de Bacon constitui uma zona de indiscernibilidade, de indecidibilidade entre o homem e o animal (Deleuze, 2002, p. 29). Zona essa que já era todo o corpo como vianda. Vianda essa que já era um estado do corpo que realiza a tensão pictórica das carnes e dos ossos na pintura de Bacon, nos aventura Deleuze. Esplendor das cores. A vianda é (...) o estado em que o pintor se identifica com os objetos de seu horror ou de sua compaixão. O pintor é certamente um açougueiro, (...) (Deleuze, 2002, p. 31). Talvez um açougueiro que não atinja a carne ao cortar a peça, por isso mantém o fio do corte de sua lâmina. Uma lâmina que corta os vazios, os interstícios, de acordo com a organização lógica interna do ritmo e dos intervalos, nos conta Baudrillard (1996, p. 168) ao falar do corpo, dos signos e da configuração simbólica de um significado “naturalizado” à priori. Vianda como sensações em morte na potência do entre. Indiscernibilidade e indecidibilidade que entendemos como potências ampliadoras para outros (des)entendimentos sobre educação. Não somente resistir, fugir, escapar, mas pretender um funcionamento: fazer resistir, fugir, escapar, ao envolver uma redistribuição dos possíveis, um enfrentamento do condicionamento às referências, às identidades, às personificações, às memórias fixas e fixantes de acontecimentos, experiências, signos, sentidos, sentimentos. Abertura de vazios, furos, brechas, corrimentos a abrirem possibilidades de sonhar com variações poéticas e políticas. ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 6 Escolhas que ventam pelos tempos não lineares, pelas desmarcações entre ficção e realidade, pelo pulsar da língua escritafalada em estética política, (ANDRADE e DIAS, 2010) em um funcionamento, proposto pelas autoras, para a produção de sentidos pelas superfícies das imagens. e vida na palavra, inqualificável, inesquecível... Palavras-giro num inevitável início do começo de novo e de novo e novamente, com Gertrude Stein, a girar em frases sem interrupções, variadas e ampliadas sem uma lógica aparente, estabelecendo um ritmo de composição sem final. Intensidade-jogo nas repetições e permutações verbais, em cirandas que se dissolvem e pulverizamse em partículas, granulados pontos que se juntam e (de)compõem(-se), numa conversa com as imagens do vídeo... e palavras-mudas rodam e rolam, se enrolam em silêncios e se abrem em lentíssimos giros. Poemas-cor se pintam em pingos, gotas de sangue, que se esvaem em vermelhos veios. Cor a verter vida. Intensidade sanguínea a escorrer cólera. Pingos vermelhos a pintar a folha-tela e deformar-se... Vaga mundo vaga-bundo vagas luzes. Luz flash cor, luz flash pontos... Solidão. Vaga mundo vaga-bundo vagos tons. Pontos dão o tom: vermelho. Ver-melho-r, ver-meio; veio vermelho, ver-tigem. Ver-ter. Não ter e perder o tempo; estiagem a ver-ter vida. Vaga mundo vaga-bundo vagos sons. Som, som, sem o som: silêncios... Solidão. Suportar ausências que o vazio provoca e provocar vazios... Vazar entranhas, vazias veias a enfrentar hiatos, atos des: des-certezas, des-materializações... E deixar vazio, incerto... Sem matéria. Vaga mundo vaga-bundo vagos sons a rugir. Ventania a rugir, rajadas; rubros raios a tingir, rúbeos tons; trovões rasgam tremulam escoam ecoam... A hi-atar, a ex-istir, a es-que-ser, que se esvai; a in-corpo-rar, a des-manchar-se no que se é. Gritar imagens-palavras-pensamentos e problematizar a força do fora no e, por palavras e(m) imagens a compor sensações-cor, sensações-luz, sensações-giros, sensações-sons: e pela criação se resiste educação. Explorar na arte o conceito de resistência e fazer conexões com a vida singular, não orgânica. ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 7 A vida há que ser o nada... Sem/con-texto... Há que ser pendurada por um fio, varal ao vento... Há que ser... Ávida e vida estufa, veia e pulsa, pulsa, pulsa6, a vida indefinida a se apresentar em vazios... Hiatar: Esvaziar e deixar vazio... Mão-olho que dança7. Corpo que desprega do olho o enxergar e o gestualiza nas mãos. Mãos que esquadrinhando se movem o espaço, dominando-o, em cego e absoluto domínio, total controle, vazia ocupação. ROMAGUERA, ODA & AMORIM (2010, p.181) no artigo: Em imagens, tempo e personagem do cinema pós-moderno, dizem deste gesto, de um dançar em lentos giros, resistindo no/pelo apagamento do corpo. Com Bartleby, parece dizer, naquilo que não diz: "Preferiria não": possibilidade de dizer, e impossibilidade de dizer, potência e impotência. Vozes em silêncio. Possibilidade de que a língua aconteça através de sua dimensão de infância, de contingência, de potência (de não), de subjetividade. O seu “preferiria não” manifesta-se na cena de sua mão em giro, revelando na palma o desenho de um olho. Mãos que olham - gestos de ver - dançando invisíveis, olhando. Desta dança resultará o disciplinamento 6 Verso de Chico Buarque na música “Vida”. A Casa Vazia, de Kim Ki Duk (Coréia do Sul, 2004). Para situar o leitor que ainda não assistiu ao filme, transcrevemos breve sinopse disponível na capa do DVD: “Um jovem chamado Tae-Suk vive solitário à margem da sociedade. Habilidoso, invade casas vazias para passar a noite. Come, dorme, vê televisão e curiosamente, faz pequenos serviços domésticos. Numa dessas visitas, encontra uma linda mulher chamada Sun-wha, vítima de abusos no seu casamento. O encontro mexe com os dois e Tae-Suk decide resgatá-la, correndo grande risco”. 7 ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 8 de um corpo cujo poder de resistência se manifesta no absoluto controle de si. Ritmos de um corpo em lentos giros à revelia, ocupando margens, nomadizando espaços, sem fixar-se. Na possibilidade de que a língua aconteça através de sua dimensão de infância, de contingência, de potência (de não), pensamentos ventam por uma educação e(m) corpos que ensaiam silêncios, que gestualizam vazios em lentos giros. Giros que façam andar e, de repente, dançar. Dançar e retomar o compasso da caminhada; parar, dobrar-se, e pular. Agarrar-se às paredes, ao teto; esconder-se, retirar-se. Suportar, no limite do insuportável, o proposital silêncio que se expressa no espaço vazio de palavras, pelo esboço de um sorriso, que rompeu com a comunicabilidade e escolheu resistir, sem reagir a apelos e provocações. Poemas pintando-se em pingos, gotas de sangue, esvaindo-se em vermelhos veios... Vaziar... Es-vaziar... Ex-vaziar... vaz-AR... Incorpóreo desmanchar-se, que se pensa como que por um som, e se escolhe esvaziar pelo momento da pausa: ritmos, respiração, fragmento de nada no preenchimento do som. Silêncio, esquecimento do tom, atonal existência. In-corpo-rar o vazio no espaço-tempo, recolher nas ausências do intervalo, hiatos das vontades de espera no compasso educacional. Em A comunidade que vem, Agamben alimenta a ideia de um ser linguístico, ser-dito que é um conjunto e, ao mesmo tempo, uma singularidade, um hiato que só o artigo pode preencher, definido/indefinindo... “num espaço vazio em que sua vida é inqualificável e inesquecível. Esta vida é a vida puramente linguística. Só a vida na palavra é inqualificável e inesquecível. O ser exemplar é o ser puramente linguístico" (AGAMBEN, 1993, p.16). Falando com Deleuze (2002, p.14)8: Entre-tempos, entre-momentos... No compasso educacional, entre tantos pré-enchimentos, cavar a imensidão do vazio no tempo, como provocação, preferindo não, resistindo pela criação no espaço do entre... Cavar no entre um espaçotemporalidade do acontecimento, vida indefinida que resiste, desafia e suporta o nada que paralisa e provoca uma educação da criação. e pela criação e(m) escrita se resiste educação. Por entre palavras-imagens, educação, não mais que uma palavra. Abrir brechas para o exercício de girar a linguagem, girar a educação, saturá-la na/da capacidade descriadora do real na linguagem, e escrever uma escrita outra. Outridade que ressoa e(m) educação-plano de pensamento, invent-ação, criação da vida na palavra. Rubros escritos se movimentam em turbilhonantes giros, girando ventos em pensamentos-educação. 8 DELEUZE,Gilles. Francis Bacon, lógica da sensação. São Paulo : Jorge Zahar Editora, 2002. ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 9 Giros a dissolver e pulverizar partículas, a granular pontos que se juntam e de-compõem-se. Um silêncio a gritar o som. Força de furacão rugindo ventos. Vácuos de som: silêncio. A música no intervalo do silêncio. PLAY. Som do silêncio no PLAY, um John Cage9 na duração de 4‟e 33‟‟. Experiência do silêncio que vaza, es-va-zia, encena o tom. Play, a postos os músicos-orquestra, o maestro-batuta, a platéia-aplausos e play, começa a peça; es-correm, arras-tam-se, es-va-em-se lentos segundos, minutando-se em gestos, coreografiassuoressilêncios, corposmudos, sons vazios. e play platéia a ovacionar o vácuo do som, silêncio, a obra. Incorpóreas e mudas notas musicais que rodam e rolam, e se enrolam em silenciosos furacões ferozes, velozes. 9 The first performance of John Cage's 4'33" created a scandal. Written in 1952, it is Cage's most notorious composition, his so-called ‹silent piece›. The piece consists of four minutes and thirty-three seconds in which the performer plays nothing. At the premiere some listeners were unaware that they had heard anything at all. It was first performed by the young pianist David Tudor at Woodstock, New York, on August 29, 1952, for an audience supporting the Benefit Artists Welfare Fund – an audience that supported contemporary art. Fonte: http://www.medienkunstnetz.de/works/4-33/ ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 10 Furacões que silenciam e se abrem em lentíssimos giros de mão-olho. Corpo sombra que resiste girando no vazio, no silêncio do PLAY. Ritmos. Vento. Tempestade. Movimentos rodopiantes, giros que se compõem no olho. Do furacão. Que fura o chão, fura o coração, furação, furos são... Manifestar vontades de pensar onde parece não haver pensamentos; nas fendas das práticas pedagógicas não aceitar significações, antes a-significar, esquecer. Pensar é experimentar. (...) O pensamento não termina de terminar (VILELA, 2010, p. 289)10. Pensar não é uma relação de causa e efeito. Por que pode nada ter a ver com o porque. Because the sky is blue, it‟s made me cry11. Da coisa, das gentes, das imagens, das sensações, dos pensamentos, dos aprenderes, dos esqueceres. Pensar é lembrar, sempre? Depois de te perder, te encontro, com certeza, talvez num tempo da delicadeza12. Delicadeza de nada dizer, nada acontecer, apenas seguir como encantado, nos encanta Chico Buarque. Qual seria o tempo do esquecimento? (...) na interpretação dos signos do amor, a memória apenas intervém sob uma forma voluntária que a condena a um patético fracasso. Não é o esforço da memória, tal como aparece em cada amor, que consegue decifrar os signos correspondentes; é apenas o impulso da inteligência, na série de amores sucessivos, balizada pelos esquecimentos e pelas repetições inconscientes. (DELEUZE, 2003, p. 50)13 Repetições inconsistentes a saturar uma necessidade do preenchimento para que os furos sejam expulsos. Uma vontade de desmemória que não nos leve a uma relação de causa-efeito nas significações que povoam a escrita-escola. Because sem, necessariamente, um why que o persiga e o prenda em muros, janelas, ventanas. VentAR. Vida em giros. Mundo gira. Giramundo. Because the world is round it turns me on (e se não fosse?). 10 VILELA, Eugénia. SilênciosTangíveis. Porto: Editora Afrontamento, 2010. Verso da canção “Because”, de Lennon/McCartney. 12 Verso da canção “Todo sentimento” de Chico Buarque. 13 DELEUZE,Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro,São Paulo : Forense Universitária, 2003. 11 ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 11 Amado ausente que não cessa de retirar-se Eu sou que amo por vocação inversa Exercício de poesia para suportar o peso de tudo In-forme como aquilo que a própria forma cria. Como possibilidade de criação no coração da forma14. ... entre vão(s)... ...AS MUSAS CEGAS I15 Bruxelas, um mês. De pé sob as luzes encantadas. Em noite assim eu extinguiria minha alma cantando humildemente. Fecharia os olhos sob os anéis dos astros, e entre os violinos e os fortes poços da noite descobriria a ardente ideia da minha vida. Em noites assim amaria o fogo da minha idade. Cantaria como um louco este grande silêncio do mundo, vendo queimarem-se nas trevas as vísceras tensas e os ossos e as flores dos nervos e a cândida e ligeira arquitectura de uma vida. Bruxelas com as traves da minha cabeça e uma grinalda de carvões em torno dos testículos de um homem bêbado da sua idade. Cantaria com estes testículos negros, as lágrimas, o coração ao meio do nevoeiro derramando o seu baixo e aéreo sangue, a sua dor, o lírico fervor, o fogo de porta entre os símbolos nocturnos. 14 Comentários da arguição de Wladimir Garcia na defesa da tese “Vida e Arte e Educação e(m) criações”, defendida por Alda Romaguera, 2010. 15 Poema de autoria de Herberto Helder. Disponível em http://www.astormentas.com/PT/poema/13471/AS%20MUSAS%20CEGAS%20I ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 12 Era tão pura a ideia de que o tempo começava depois do verde e fértil e exaltado mês da carne. Vergada sobre o livro onde o meu rosto ardia, a vida esperava com sua torres vibrantes, seus grandes lagos límpidos. E eu adormecia e sonhava um homem em voz alta, um vidro incandescente, uma fina flor vermelha colocada sobre a mesa. Era tão violenta a ideia de cantar sem fim, até que voz consumisse esta garganta sombreada de estreitos vasos puros. - Cantar fixa e fria e intensamente sobre a minha rasa luminosa vida, ou sobre os campos transparentes e sombrios de bruxelas do mundo. ... ... ... ... ... ... ... Jorros verbais – mudos Jorros vermelhos – luz Jorros gritados – dor DANCE desordena a rainha sem cabeça! DANE-SE desobriga-se a rainha sem espessura! ACELERA dança a rainha Conectores disjuntivos Pulsações incorpóreas que se fazem ressonar na batida do coração ARfa a rainha Desafio - Des-a-fiar, não fiando mais no cotidiano concreto dos corredores, das palavras que des-con-fiam. Capacidade des-criadora do real na linguagem, pelo fora da linguagem. Resistir pelo fora da palavra educação, provocando seu esvaziamento pelo pensamento, des-criando-a, saturando-a. No ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 13 pensamento, abrir brechas para uma educação-invenção, esvaziada de certezas, que se deixe atravessar por intensidades de encontro. Educação e(m) escrita, que se resiste, ex-iste, insiste. Perder a referência espaço-temporal; alterar a relação corpo/velocidade/espaço, expandindo, dispersando, multiplicando e esgarçando essa noção em explorações de outras possibilidades de expressão, como por exemplo, o silêncio, a falta de sentido, o desassossego, fugas traçadas, como afirma John Cage nos dizeres de Ana Godoy (2008, p. 249), “(...) de diferentes modos: pulverizando a linguagem, cruzando os limites de duas ou mais linguagens, introduzindo elementos não estritamente linguísticos, de maneira que a tradução se torne impossível ou desnecessária, produção de nonsense e de silêncio”. Silêncio que se desloca da falta de som. Um estado de alma. Uma sensação sem lógica a funcionar, uma “in-tradução”, a fuga da equivalência, a expulsão da previsibilidade do que pode ou não ocorrer, aprender, ver, pensar. “O ideal do pensamento é precisamente não ter que pensar o que se quer. Ou seja, ser forçado a pensar qualquer coisa. (...) É da natureza do pensamento que não possamos poder pensar aquilo que queremos (DELEUZE16). Ressoando por esses ecos, conseguiríamos aprender exatamente o que outros querem que aprendamos? “Se ela me deixou, a dor é minha, a dor é de quem tem”17. “Signos de violência e loucura que constituem todo um pathos contra e sob os signos voluntários organizados pela „lógica e pela beleza da linguagem‟ (DELEUZE, 2003, p. 166). Educação e(m) escrita - Estilo e(m) Resistência. Criação. E escrita educação - Estilo de resistência. Criação. Educação. Escrita. Resistência. Pensar educação acontecimental, por experimentações na escrita: Adjetivar substantivos, praticar a hiatagem, compreendida enquanto prática de navegação perambulante pela vida. Exercitar um pensamento nômade, desacostumar ideias, numa posição crianceira diante da vida. e pela criação e(m) escrita se resiste educação. Por entre palavras-imagens, educação, não mais que uma palavra. Destituir a palavra de ordem, a sintaxe e falar de um lugar agramatical, não-comunicante, uma potência ativa do silêncio (GODOY, 2008, p. 251). Dançar ar-te e(m) educação-pensamento, no silêncio do Cage, no hiato da palavra, no insuportável da negação, na vida in-corpórea... 21 Trecho da transcrição da aula “L‟image automatique”, do site da Universidade Paris 8. Versão digital, disponível em <http://www.univ-paris8.fr/deleuze/article.php3?id%20article=6> . Acesso em: fev. de 2010. 17 Versos de De mais ninguém, de Arnaldo Marisa Monte e Arnaldo Antunes, 1993. ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 14 Resistência afirmativa, como nos propõe Renata Aspis ao investigar e proliferar junto à „ética hacker‟. Diz a pesquisadora que, contrariamente ao que já se propôs (e continua sendo proposto) de se opor para negar, ela intensifica o desejar de uma resistência em um constante recriar-se a partir de um embate. (...) Assim, praticaríamos a resistência como constante movimento de afirmar a vida humana, livre e própria. Movimentos afirmativos da vida: resistência como re-existência. Re-existir, insistir em existir. (...) resistência como possibilidade de criar sua própria versão do mundo, dos fatos mínimos como sentimentos íntimos da existência no cotidiano até grandes acontecimentos de interesse internacional (ASPIS, 2010). Produzir uma dança outra, sair do pensamento-perspectiva; no fora, no e, conseguiríamos escap-AR dessa força-currículo-memória que nos quer no plano educação? Recriar-te. Recria-TE... “... e pelas cores ex-correm pensamentos vão(s)” Cantaria como um louco este grande silêncio do mundo, vendo queimarem-se nas trevas as vísceras tensas e os ossos e as flores dos nervos e a cândida e ligeira arquitectura de uma vida. RecriAR-TE. Bibliografia: AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. Lisboa: Presença, 1993. ANDRADE, Elenise Cristina Pires de & DIAS, Susana Oliveira. Biotecnologias, escritas, imagens, e... e(m) maquin-ações. In AMORIM, Antonio Carlos, GALLO, Sílvio e OLIVEIRA JÚNIOR, Wenceslao Machado (Orgs.), Conexões: Deleuze e Imagem e Pensamento e... Petrópolis : DP et Alii Editora Ltda, 2010. ASPIS, Renata. Hackerismo como resistência política. In: AMARAL, Sérgio Ferreira do. & PRETTO, Nelson De Luca. (Orgs). Ética, hacker e a educação. Campinas, SP: FE/UNICAMP, 2009, p. 53-67. BAUDRILLARD, Jean. A troca simbólica e a morte. São Paulo: Edições Loyola, 1996. DELEUZE,Gilles. Francis Bacon, lógica da sensação. São Paulo : Jorge Zahar Editora, 2002. DELEUZE,Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro,São Paulo : Forense Universitária, 2003. GODOY, Ana. A menor das ecologias. São Paulo: EDUSP, 2008. ROMAGUERA, ODA & AMORIM. Em imagens, tempo e personagem do cinema pós-moderno. In: Revista de Estudos Universitários, v. 36, no 1, Sorocaba: junho 2010. ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br 15 VILELA, Eugénia. Silêncios Tangíveis: corpo resistência e testemunho nos espaços contemporâneos de abandono. Porto: Editora Afrontamento, 2010. STEIN, Gertrude. Composition as Explanation. “Continuous present is one thing and beginning again and again is another thing. These are both things. And then there is using everything”. Consultado em: <www.csimpson80.com/articles%20Odyssey/Composition%20as%20Explanation%20by%20Gertr ude%20Stein.pdf> SYLVESTER, David. Entrevistas com Francis Bacon. São Paulo: Cosac Naif, 1998. ALEGRAR nº08 - dez/2011 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br