História e Economia

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História e Economia
História e
Economia
Revista Interdisciplinar
História e Economia Revista Interdisciplinar
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História e Economia Revista Interdisciplinar
História e
Economia
Revista Interdisciplinar
História e Economia Revista Interdisciplinar
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HISTÓRIA E ECONOMIA - revista interdisciplinar.
Brazilian Business School. - v. 6, n. 1, (2010). - São Paulo:
Meca Comunicação, 2010
Semestral
ISSN 1808-5318
1. História - Periódicos 2. Economia - Periódicos 3. Finanças Periódicos 4. Brasil - Periódicos I. Brazilian Business School.
CCD 330.981
4
História e Economia Revista Interdisciplinar
Expediente
História e Economia
Revista Interdisciplinar
BBS – Brazilian Business School
Editor: John Schulz
Vice-editor: Adalton Francioso Diniz
Secretaria-geral: Roberta Barros Meira
Conselho editorial:
Adalton Franciozo Diniz (Faculdade Cásper Líbero;PUC- SP) • André Villela (EPGE/FGV) • Antônio
Penalves Rocha (USP) • Carlos Eduardo Carvalho (PUC/SP) • Carlos Gabriel Guimarães (UFF) •
Flavio Saes (USP) • Gail Triner (Rutgers University) • Jaime Reis (ICS - Universidade de Lisboa) •
John Schulz (BBS) • Jonathan B. Wight (University of Richmond) • José Luis Cardoso (ICS - Universidade de Lisboa) • Marcos Cintra (Unicamp) • Pedro Carvalho de Mello (ESALQ) • Renato Leite
Marcondes (USP/Ribeirão Preto) • Ricardo Feijó (USP/Ribeirão Preto) • Steven Topik (University of
California Irvine) • Vitoria Saddi (INSPER)
Agradecimento aos pareceristas externos:
Roberto Guedes Ferreira (UFRRJ)
Angelo Alves Carrara (UFJF)
Luciana Suarez Lopes (USP)
Maurício Medici Metri (UFRJ)
Maria Lúcia Lamounier (USP)
José Flavio Mota (USP)
Paulo Baia (PUC - SP)
Rogério Arthmar (UFES)
Agnaldo Valentim (USP)
Projeto gráfico e arte: Meca Comunicação Estratégica – Tel. 55 11 2447-0681
Apoio editorial: Denise Freitas
Diagramação: Valter Luiz de Freitas
Tiragem: 1.000 exemplares
Impressão: Neoband
BBS – Brazilian Business School
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História e Economia Revista Interdisciplinar
Sumário
Apresentação
O momento de História e Economia
The moment of História e Economia
Conselho editorial.....................................................................................................................................9
Nota do editor
Editor’s note
Roberta Barros Meira.............................................................................................................................11
Artigos
A Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba e os homens de negócio de
Pernambuco (1758-1778)
Clara Farias de Araújo.............................................................................................................................15
Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro, na finalização do tráfico
de escravos, na década de 1840.
Marcia Naomi Kuniochi.........................................................................................................................27
Um periódico em defesa da indústria nacional: análise da Tribuna Militar (1881-82)
Guillaume Azevedo Marques de Saes....................................................................................................51
The Construction of Railroads in Argentina in the Late 19th Century:
Maria Heloisa Lenz................................................................................................................................67
Padronização técnica no Brasil: História e mecanismos de governança
Sandra Milena Toso Castro Acosta / Victor Pelaez................................................................................87
Roteiro para submissão de artigos....................................................................................105
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História e Economia Revista Interdisciplinar
O momento de História e Economia
The moment of História e Economia
O País e as Disciplinas
D
e proporções continentais, o Brasil
se fechou em si mesmo ao longo da
segunda metade do século 20. A industrialização tardia do País materializada sob a
forma de substituição de importações foi o tema
dominante nesse período. Durante a última década, entretanto, a visão do Brasil mudou de forma
significativa. Tal episódio teve também repercussão na academia, observando um movimento no
qual tanto a “esquerda” quanto a “direita” passaram a buscar novas idéias de fora do País. Os historiadores e economistas procuraram entender o
mundo inclusive em áreas nas quais o Brasil possuía pouco contato prévio. Atualmente, a Coréa
do Sul e a Índia podem ser modelos para o Brasil.
Neste ínterim, o Brasil, que liderou o
mundo em termos de crescimento econômico
por diversas décadas e, recentemente, superou
um processo de pré-hiperinflação, tem muito a
contar para o mundo. Ao nosso ver, História e
Economia é um fórum multilinguístico para estudiosos brasileiros e de outros países. Também
entendemos que esta revista é uma forma na qual
os pesquisadores do Brasil podem expressar suas
experiências a acadêmicos e demais interessados
no exterior.
Os estudos interdisciplinares estiverem
em voga, no mínimo a partir da publicação dos
Annalles em 1929. Os historiadores, em sua
grande maioria, apesar de serem influenciados
por idéias de áreas distintas, raramente produzi-
The Country and the Disciplines
O
f continental proportions Brazil looked predominantly inwards
throughout most of the second half
of the twentieth century. Import substitution and
autarky dominated thinking accross the political spectrum. Over the past decade the outlook
changed dramatically with both the “left” and
the “right” searching outside for new ideas and
for material fulfillment. Historians and economists seek to understand the world including areas with which Brazil had little previous contact.
Today South Korea and India may be role models
and are at least “benchmarks” for Brazil.
Meanwhile Brazil, which led the world
in economic growth for a number of decades,
and which recently overcame near hyperinflation, has something to tell the rest of the world.
We view História e Economia as a multilingual forum for both Brazilian and international scholars. We also see our journal as a means
by which Brazilian researchers communicate the
Brazilian experience to academics and other interested parties abroad.
Interdisciplinary studies have been in
vogue at least since the appearance of the Annales in 1929. In practice, historians, although
influenced by ideas from many fields, rarely undertake research in conjunction with scholars
trained in other disciplines. Collective studies
tend to be by groups of historians. Brazil has a
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ram trabalhos em co-autoria com acadêmicos de
outras disciplinas. Esforços coletivos tendem a
incluir apenas historiadores. Esta revista pretende ser um fórum de propagação de idéias inovadoras de historiadores e economistas. De fato,
o Brasil tem um grande número de economistas
cujos trabalhos de história econômica possuem
reconhecimento internacional e contribuíram
para o avanço da história. Tal tradição teve início
nos anos 50 com Celso Furtado, senão antes. Assim, usando da credibilidade desses acadêmicos
brasileiros, o intuito da revista é o de estimular
a pesquisa e a comunicação por acadêmicos das
duas disciplinas.
A revista abarca três áreas: história econômica geral, história financeira e história das
idéias econômicas. Em história financeira incluímos moeda, instituições e instrumentos financeiros e finanças públicas. A história das idéias
econômicas abrange as adaptações que economias, como as do Brasil e de Portugal, terminaram por implementar no pensamento econômico
tradicional.
Será por meio do encontro entre história
e economia e do Brasil com o mundo que esta
revista deverá fazer sua contribuição.
Conselho editorial
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História e Economia Revista Interdisciplinar
large number of outstanding economists whose
work on economic history is recognized around
the world. This tradition started with Celso
Furtado in the fifties if not earlier. We intend to
take advantage of this existing situation to encourage research and communication by scholars of both disciplines.
História e Economia dedicates itself to
three areas: General Economic History, Financial History and the History of Economic Ideas.
Within Financial History we include money, financial institutions and instruments, and public
finance. The History of Economic Ideas encompasses the adaptations that relatively backward
economies, such as Brazil and Portugal, have
made of economic thought from the “advanced”
countries.
It is on the intersections of history and
economics and of Brazil and the world where we
wish to make our contribution.
Editorial board
Nota do editor
Editor’s note
E
ste número espera elucidar aspectos da
história e da economia no Brasil e na
Argentina durante os séculos XVIII ao
T
his number hopes to elucidate aspects
of history and economics in Brazil
and Argentina from the 18th to the 20th
XX.
centuries.
O primeiro trabalho desta edição é sobre uma empresa de comércio privilegiada no
nordeste do Brasil: A Companhia Geral de
Comércio de Pernambuco e Paraíba e os homens de negócio de Pernambuco (1758-1778)
de Clara Farias de Araújo. Contrariamente a
recente historiografia, que vê as companhias
como uma criação do marquês de Pombal, a autora mostra que esta instituição servia aos interesses da comunidade empresarial local, o que
permitiu o enriquecimento de muitos moradores
da colônia.
The first work of this edition is on the
privileged trading company of Northeastern
Brazil: A Companhia Geral de Comercio de
Pernambuco e Paraíba e os homens de negócio de Pernambuco (1758-1778) by Clara Farias de Araújo. Contrary to earlier historiography, which sees the company as a creature of the
marquess of Pombal, this author shows that this
institution served the interests of the local business community permitting the enrichment of
many residents of the colony.
Nossa colaboradora freqüente, Marcia
Naomi Kuniochi, nos dá outra visão sobre a vida
comercial em meados do século 19 no Rio de
Janeiro: Crédito e privilégios de comerciantes
estrangeiros no Rio de Janeiro, na finalização
do tráfico de escravos, na década de 1840. Ela
demonstra que as parcerias mudavam frequentemente e defende que a comunidade de comerciantes ingleses perdeu importância relativa em
comparação com outras comunidades estrangeiras com o fim do comércio de escravos.
Em um tema que o nosso editor, John
Schulz, tratou em seu livro “O Exercito na Política” (Edusp, 1994), Guillaume Azevedo Mar-
Our frequent contributor, Marcia Naomi
Kuniochi, gives us another insight into commercial life in mid-19th century Rio de Janeiro: Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros
no Rio de Janeiro, na finalização do tráfico de
escravos, na década de 1840. She demonstrates
that partnerships changed frequently, and she
relates the feeling that the English merchant
community lost relative importance compared
to other foreign communities with the end of the
slave trade. In a theme that our editor, John Schulz,
addressed in his O Exercito na Politica (Edusp,
1994), Guillaume Azevedo Marques de Saes
discusses the pro-industrial views of the Brazil-
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Nota do editor
ques de Saes, discute a pré-indústria na visão do
exército brasileiro no tempo da Tribuna Militar,
1881-1882: Um periódico em defesa da indústria nacional: análise da Tribuna Militar.
Nesse momento, o corpo de oficiais evoluiu progressivamente e passou a ser um elemento importante nos assuntos brasileiros.
The Construction of Railroads in Argentina in the Late 19th Century: The Major Role of the English Companies de Maria
Heloiza Lenz discute a relação entre campanha
militar, ferrovias e interesses ingleses na consolidação da Argentina. Os objetivos políticos estratégicos para a formação da nação eram afinal
tão importantes como os aspectos estritamente
econômicos para o desenvolvimento do sistema
ferroviário, ao contrário do que a historiografia
tradicional mantém.
Finalmente, para o período contemporâneo temos Padronizacão técnica no Brasil:
História e mecanismos de governança, de Sandra Milena Toso Castro Acosta e Victor Pelaez.
Os autores examinam a criação e transformação
das principais instituições públicas e privadas de
normas técnicas.
Em agosto de 2010, patrocinamos
um seminário sobre o câmbio no qual dois exdiretores do Banco Central, Arnim Lore e Celina Arraes, deram palestras. Em 1989, durante a
incumbência do Dr Lore, o Banco Central criou
o “Cambio Flutuante”, que fez a moeda brasileira conversível pela primeira vez em sessenta
anos. Dr. Arraes, que deixou o Banco Central
recentemente, desempenhou um papel importante no sentido de facilitar a liquidação comercial
no MERCOSUL. Desejamos que as transações
comerciais, em breve tornem-se livres como as
operações financeiras tornaram-se desde os tempos do Dr. Lore. O seminário também contou
com várias apresentações sobre os aspectos his-
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ian Army at the time of Tribuna Militar, 18811882: Um periodico em defesa da indústria
nacional: análise da Tribuna Militar. By this
time, the officer corps had evolved into an important and progressive element in Brazilian affairs.
The Construction of Railroads in Argentina in the Late 19th Century: The Major
Role of the English Companies by Maria
Heloiza Lenz discusses the relationship among
military campaigns, railroads, and British interests in the consolidation of Argentina. Strategic
political goals of nation formation were at least
as important as narrow economic considerations
in the development of the rail system, traditional
historiography to the contrary notwithstanding.
Finally, for the contemporary period, we
have Padronizacão técnica no Brasil: História
e mecanismos de governanca , by Sandra Milena Toso Castro Acosta and Victor Pelaez. The
authors examine the creation and transformation of the principal public and private institutions for technical standards.
In August of 2010, we sponsored a seminar on foreign exchange in which two former
directors of the Central Bank, Arnim Lore and
Celina Arraes, gave talks. In 1989, during Dr
Lore’s incumbency, the Central Bank created
the “Cambio Flutuante” which made the Brazilian currency convertible for the first time in
sixty years. Dr Arraes, who left the Central Bank
recently, played an important part in facilitating
the settlement of Mercosul trade in the currency
of the regional group’s members. We hope that
trade transactions will soon become as free as
financial transactions have become since Dr
Lore’s days. The seminar also featured several
presentations on historical aspects of foreign exchange that we shall publish in the near future.
We also look forward to playing a continuing
role in providing a forum for the discussion of
tóricos do Câmbio que iremos publicar em um
futuro próximo. Pretendemos continuar com o
papel participativo provendo um fórum de discussão para a Revista sobre políticas cambial e
de comércio.
exchange and trade policies.
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A Companhia Geral de Comércio
de Pernambuco e Paraíba
e os homens de negócio de
Pernambuco (1758-1778)
Clara Farias de Araújo
Professora e Doutoranda no Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ;
[email protected]
Resumo
Este trabalho pretende analisar alguns aspectos do funcionamento da Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba
(1758-1778) em relação à dinâmica comercial de Pernambuco, uma vez que a Companhia tentou regulamentar o comércio das
respectivas capitanias. Sabendo que a Direção da Companhia em Pernambuco era composta por homens de negócio da capitania,
intenta-se verificar como a concessão do comércio exclusivo das capitanias com todos os seus distritos possibilitou aos homens
de negócio acionistas e membros da Direção a formulação de mecanismos de acumulação, aspecto da atuação da Companhia
ignorado por uma historiografia que interpretou o seu papel apenas como parte das medidas de reforço do pacto colonial
empreendidas pelo Marquês de Pombal durante o governo de D. José I.
Palavras-chaves: homens de negócio, Companhia, Pernambuco
Abstract
This work intends to analyze some aspects of the operation of the General trading Company of Pernambuco and Paraíba (17581778) in relation to the dynamics commercial of Pernambuco. A traditional historiography views the companies role as part of the
measures to reinforce the colonial pact undertaken by the Marquês of Pombal during the government of D. José I. Knowing that
the Board of Directors of the Company in Pernambuco was composed by business men from the captaincy, we attempt to show
that the exclusive privilege to trade in these colonies was utilizes by these directors to made their fortunes.
Key words: business men, Company, Pernambuco
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A Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba e os homens de negócio de Pernambuco
Em carta ao secretário de Estado, enviada em
12 de março de 1759, o governador da capitania de Pernambuco Luís Diogo Lobo da Silva
se pronuncia a favor da instalação da Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e
Paraíba, vista como único instrumento capaz
de solucionar os problemas do comércio e da
agricultura, que na sua opinião se acham em
decadência em razão da concorrência entre os
homens de negócio preocupados com “injustos
e usurários interesses”.1
N
a exposição do governador, justificase a instalação da Companhia nos
proventos que estabelecimentos semelhantes já tinham se mostrado capazes de exibir
em outras nações e na limitação dos ganhos de
particulares, que sanaria os efeitos negativos da
liberdade do comércio.
Narrando os obstáculos encontrados a
tal empreendimento, o governador os imputa a
resistência dos homens de negócio da praça de
Pernambuco desejosos em manter a liberdade do
comércio, que nem os privilégios e as graças oferecidas aos acionistas originários foram suficientes para convencê-los a abandonar os dez, vinte
e vinte e cinco por cento de juros com que eram
beneficiados. Aos quais tentou persuadir publicando um Bando que não excedesse os juros de
cinco por cento, tendo como resposta de alguns a
ameaça de cobrar as dívidas de quem se tornasse
sócio. (AHU, PE, 12 de março de 1759)
Ao mesmo tempo, evidencia a necessidade do capital dos negociantes para a sua realização: “o quanto me seria custoso conseguir a
vergonhosa quantia que importa o cômputo de
todas as suas entradas”. (AHU, PE, 21 de fevereiro de 1759). A vergonhosa quantia de que
fala o governador é de cento e vinte contos e
quatrocentos mil réis (120:400$000), valor das
1 A afirmativa se baseia em estudo das hierarquias mercantis em
Pernambuco no século XVIII realizado atualmente para a produção da
Tese de Doutorado.
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primeiras trinta e duas ações.
A Companhia constituiria um corpo político com uma Junta e duas Direções. A Junta
estabelecida em Lisboa, contaria com um provedor, dez deputados, um secretário e três conselheiros; as duas Direções, uma no Porto e a outra
em Pernambuco, seriam formadas por um intendente e seis deputados. (AHU, PE; Viana, 1946)
Embora seu argumento se paute na resistência dos homens de negócio da praça, em outro
momento menciona a entrada voluntária de João
Bernardo Gonzaga ex-ouvidor da capitania, João
Rodrigues Colaço juiz de Fora da mesma, João
de Oliveira Gouvim, Manoel Correia de Araújo,
Luís Pereira Viana, Henrique Martins, Luís da
Costa Monteiro, Manoel Gomes dos Santos, José
Vaz Salgado, Luiz Ferreira Moura e Antônio Álvares, alguns dos principais homens de negócio
da capitania.
Assim, formava-se a primeira Direção:
intendente, João de Oliveira Gouvim e deputados, Antônio José Souto, Antônio Francisco
Monteiro, Antônio Pinheiro Salgado, Francisco
Xavier Fetal, José Bento Leitão, Luís da Costa
Monteiro, Manoel Gomes dos Santos, Manoel
Correia de Araújo. Se a composição da Direção
não obedecia estritamente o critério de entrada
voluntária, reproduzia o topo da hierarquia mercantil de Pernambuco.(Carreira, 1982, 281-302;
Ribeiro,2004, 83)2
As palavras do governador expressam a
ambigüidade criada em torno do estabelecimento
da Companhia. A regulamentação das atividades
mercantis voltadas para o comércio ultramarino,
que compreendia também a troca de gêneros
para o abastecimento interno, moderaria os ganhos excessivos de particulares provenientes da
2 Artigo 1 do alvará de instituição da Companhia de Pernambuco
e Paraíba. Posteriormente acrescidos de seis para oito o número de
deputados em Pernambuco.
liberdade do comércio. Por outro lado, a Companhia era formada pelo capital e pela ação dos
negociantes, ou seja, particulares.
O dissenso não esteve restrito às atividades da instituição. A análise do alvará de instituição confirmado em 13 de agosto de 1759 e da
representação dos homens de negócio da praça
do Recife anexada a um ofício de 12 de março
de 1759 revelou disparidades, principalmente
no que concerne aos privilégios. O alvará favorecia a Junta em Lisboa e a Direção no Porto e
a representação, mais afeita à praça do Recife,
requisitava vantagens e distinções para aqueles
que entrassem com avultadas somas.
No alvará de instituição, à Junta competia o governo e disposição geral, enquanto as
Direções tinham autonomia para decidir sobre
os negócios relativos as suas instâncias, consultando a Junta nas matérias e negócios de maior
importância, que não fossem do seu expediente.
Os homens de negócio da praça do Recife detalhavam outra organização administrativa:
cujo número para o comércio de Lisboa deve
ser de sete, dois para terem a seu cargo os despachos, e vendas de todas a fazendas, dois para
as compras, e carga de todos os efeitos, dois
para assistirem as despesas dos navios, se a
Companhia os compreender, um administrador
geral que há de receber as contas de todos para
as fazer lançar nos livros, que se hão de destinar para com toda a clareza se dar conta; e se a
Companhia compreender também o comércio
da Costa da Mina, Angola e Sertão serão mais
seis homens de negócio, dois para administrarem cada um dos ditos comércios. (AHU, PE)
Os treze homens receberiam “ao menos a comissão de dois por cento de tudo o que
venderem, e outros dois por cento de todas as
remessas que fizerem”. (AHU, PE). Quanto aos
cargos, não há disposição similar no alvará,
mas quanto às comissões, o artigo vinte e nove
determinava que o intendente e deputados em
Pernambuco levassem dois por cento apenas nas
vendas a bruto realizadas nas capitanias de Pernambuco e Paraíba, sem que tirassem comissão
das remessas para o reino.
Aos acionistas originários eram concedidas graças e privilégios.
habilitando-os sem dispensa para receberem os
hábitos das ordens militares, aposentadoria ativa, e passiva exonerando-os dos ofícios de Justiça, cargos, e encargos da República e alardes,
e dando-lhes a natureza do vínculo, capela, ou
prazo, além do interesse de quinze por cento de
seus capitais, e dos mais que podem provir no
bom êxito desta negociação (AHU, PE)3
Além dos privilégios referendados no
estatuto, concedidos aos acionistas originários e
àqueles que entrassem com ações no valor de dez
mil cruzados para cima, os homens de negócio
da praça do Recife peticionaram a Sua Majestade
outras prerrogativas relacionadas à composição
da Direção.
Que os homens de negócio moradores na praça do Recife de Pernambuco que entram com
ações de 10.000 cruzados4, e daí para cima são
os que devem administrar os cabedais da dita
Companhia, e para as primeiras três frotas serão nomeados pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor governador e capitão general, preferindo os mais antigos e inteligentes no negócio.
(grifo nosso) (AHU, PE)
Eles pleiteavam restringir o acesso à
administração dos cabedais e os incentivos aos
mesmos que podiam dispor desta condição.
Que os que entrem com ações de 10.000 cruzados, e daí para cima lhes será permitido mandarem vir o que lhes forem necessário para o
ministério de suas casas dando-se-lhes livres,
como as religiões, e aos Senhores bispo, governador, e ministros. (AHU, PE)
Nas vozes dos coevos, aos quais
3 No estatuto, artigos 43, 44 e 57.
4 quatro contos de réis.
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A Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba e os homens de negócio de Pernambuco
de modos distintos e em proporções desiguais
tocaria a atuação da instituição, há um dilema
aparentemente inconciliável entre as atividades
da Companhia e a liberdade do comércio, mas se
a Companhia asseguraria o exclusivo comercial
a quem este beneficiaria? A que ramos do comércio desenvolvidos na capitania?
A interpretação que descreve o período
de funcionamento da Companhia como de instituição do monopólio, oposto ao período antecedente de liberdade do comércio se insere num
conjunto de interpretações sobre as relações
Brasil-Portugal, que opõe indivíduo e sociedade.
Numa linha inaugurada por Caio Prado Júnior e
seguida por Celso Furtado e Fernando Novais a
busca por um ‘sentido da colonização’ originou
um modelo que explicava as relações metrópolecolônia no contexto da acumulação primitiva de
capital, fase do capitalismo comercial e o Brasil
apenas pela perspectiva das relações econômicas
com Portugal. Nesta interpretação, a performance e o devir da sociedade colonial obedeciam a
um sistema, no qual sua razão de ser era a produção de excedente para o mercado europeu, concebendo-se pouca ou nenhuma margem de ação
para os coloniais e reduzindo-se os atores sociais
a meros agentes econômicos.
Essas leituras se inserem num quadro de
interpretações do Brasil formatadas na década
de 80 e algumas delas estendidas aos dias atuais. Pautavam-se no paradigma dual metrópolecolônia, modelo único para pensar as relações
entre um e outro espaço, não levando em consideração a eficácia dos instrumentos de controle e dominação e a reprodução dos mesmos nas
práticas sociais, assim como não atentavam para
a complexidade das performances dos atores em
questão.
Neste panorama são incluídos alguns dos
estudos sobre a Companhia. Ao caracterizarem
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suas funções e as relações entre seus associados
e outros agentes ora, apóiam-se em um modelo
pré-concebido de subordinação das áreas coloniais, em que toda decisão da Coroa estreitava
os laços de dominação, ora, em sentido complementar, são superdimensionadas para designar
as relações metrópole-colônia, identificando os
comerciantes metropolitanos como os únicos
habilitados a realizar o monopólio, cuja ação
inibia ações particulares de outros agentes mercantis, reforçando leituras antagônicas da relação
Portugal-Brasil. Esses estudos se limitavam a
vê-la como expressão das políticas pombalinas,
enquadrando-a num modelo hegemônico de
análise.
António Carreira citando Luís Viana Filho (1946,55), declara que com a descoberta das
minas, houve um maior incentivo ao tráfico realizado na Costa da Mina, resultando numa intensa corrida ao mercado de gente. A concorrência
ocasionou a decadência do comércio na região,
obrigando o “Governo” a intervir. Desde então,
criaram-se inúmeras medidas restritivas ao comércio entre a Bahia e a Costa da Mina e por ser
importante moeda de troca no comércio com a
região, o tabaco viria a ser matéria de ordens régias que visavam regular o comércio do produto.
De outro modo, os negociantes criaram formas
de burlar tais medidas.5
Como aponta o parágrafo acima, a relação entre “Governo” e negociantes era dinâmica. Em 1743, uma ordem régia limitou a vinte e
quatro o número de navios da Bahia e Pernambuco que poderiam ir anualmente à região. Para
compensar o menor número de viagens, os negociantes optaram pela construção de embarcações
maiores. Em 1756, em decisão contrária, libera
5 Carreira toma o comércio de Pernambuco com a Costa da Mina como
uma extensão do comércio entre a Bahia e a região. A consulta a outros
registros revela que a preocupação da Coroa não se dirigia à concorrência entre os comerciantes da Bahia, mas à saída de ouro e tabaco
fino num momento em que a região estava sob domínio holandês.
o comércio com a Costa da Mina, provocando a
reação de comerciantes abastados detentores dos
privilégios deste ramo do comércio, os quais requerem a criação da Companhia Geral da Guiné
em troca de benefícios ao Erário Régio. Segundo
Carreira, a companhia não chegou a ser fundada,
porque Pombal já pensava no estabelecimento
da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba
como providência para intervir nos interesses
dos negociantes da Bahia.
Ora dito explicitamente, ora nas entrelinhas, para Carreira, com essa providência, os
homens de negócio de Lisboa e do Porto se impuseram aos da Bahia, lê-se como uma imposição-punição por se excederem nas liberdades do
comércio. Ribeiro Jr. expondo os mesmos eventos, afirma que apesar dos projetos coloniais que
pretendiam instituir companhias, a Companhia
de Pernambuco e Paraíba foi criada nas bases
determinadas pela metrópole sob a influência de
mercadores reinóis, como forma de incentivar o
comércio com Angola e evitar o comércio entre
negociantes coloniais e holandeses e ingleses na
Costa da Mina.
O reforço do tráfico com Angola, argumenta Carreira, em retração do realizado com a
Costa da Mina, que favorecia holandeses, ingleses e iniciativas privadas, nomeadamente dos negociantes da Bahia, restituiria recursos desviados
para nações estrangeiras. Ribeiro Jr. retrata uma
postura que se opunha à burguesia mercantil estabelecida em Pernambuco, mas que num segundo momento é absorvida.
Explorando aspectos distintos, os autores compartilham a perspectiva de melhorias
e incrementos ao comércio trazidos pela Companhia6 e reafirmam a tese de dependência da
colônia, na qual o tráfico aparece como recurso
6 Ribeiro Jr oferece dados do tráfico nos períodos de 1742-1760 e
1761-1779. Para os outros produtos da capitania, açúcar, couros,
atanados e meios de sola só tem informações para o período de funcionamento da Companhia.
que reforça a dependência dos agentes coloniais
frente aos comerciantes metropolitanos.7
Ribeiro Jr. buscando a gênese do subdesenvolvimento brasileiro em suas raízes coloniais encontra na Companhia, criada aos moldes
da metrópole, a melhor expressão da subordinação da colônia e um instrumento para revitalizar o pacto colonial no contexto da acumulação
primitiva.
Na linha explicativa que insere as companhias de comércio8 na política de reforço do
pacto colonial, Francisco Falcon caracteriza-as
como expressão do mercantilismo, pois asseguravam o monopólio do comércio colonial em
suas zonas de ação e canalizavam os lucros daí
advindos para uma minoria de comerciantes metropolitanos, seus principais acionistas.
Na leitura de Falcon assim como na de
Braudel, as companhias eram manifestações do
mercantilismo na sua forma mais característica,
já que nelas se fundiam interesses públicos e proveitos privados, Estado e particulares. Todavia,
para Ribeiro Jr. a burguesia mercantil estabelecida em Pernambuco não era capaz de impor-se
aos ditames metropolitanos. Aproximando-se
das concepções de Falcon e Ribeiro Jr, Érika
Dias afirma a importância da capitania de Pernambuco para justificar ser esta, alvo da política
mercantilista de reforço do pacto colonial empreendida pelo Marquês de Pombal.
Conquanto não limitem o poder de ação
a uma instituição supra-individual, o “Governo”,
ou a um indivíduo sui generis, no caso Pombal,
o conferem somente aos agentes metropolitanos,
cujo poder de ação era determinado por sua po7 Uma vez que no Pará e Maranhão, a função da Companhia era
incentivar o tráfico e a substituição da mão-de-obra doméstica, ou seja,
indígena inviabilizada por questões relacionadas à indefinição quanto
aos mecanismos de escravização e legitimação da condição escrava
do índio.
8 Fazendo referência a Oriental, a do Grão-Pará e Maranhão e a de
Pernambuco e Paraíba.
História e Economia Revista Interdisciplinar
19
A Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba e os homens de negócio de Pernambuco
sição no sistema.
O exame das políticas empreendidas por
Pombal é parte de uma historiografia, que contempla o período pombalino como um marco de
mudança, cujos desdobramentos puseram fim ao
Antigo Sistema Colonial.
O objeto de análise de Falcon não são
as companhias monopolistas e sim o estabelecimento de uma correspondência entre as teorias e
práticas que nortearam a política-econômica e a
política-ideológica durante a época pombalina, e
desta forma, as companhias de comércio criadas
durante este período são entendidas apenas como
parte da política comercial e colonial.
Admitindo um paradoxo entre idéias,
imagens e ações na política pombalina, Keneth
Maxwell afirma que a atividade da Companhia
garantiu a reafirmação do pacto colonial, na qual
se reforçava um comércio triangular, descrito da
seguinte forma, a matéria-prima era embarcada nos navios da Companhia para a metrópole,
onde era manufaturada e o produto final retornaria para o consumidor colonial, que o comprava
com o crédito da Companhia.
O visconde de Carnaxide ao escrever sobre o Brasil na administração pombalina inclui
as companhias entre as medidas protecionistas
adotadas pelo Marquês, motivadas, na interpretação do visconde, pela obsessão do mesmo pelos ingleses e pelo desejo de livrar Portugal de
sua influência.
Dada a estreita relação das funções que
a empresa assumiria na capitania relativas ao
comércio exclusivo e o debate que se instaurou
em torno da liberdade do comércio, torna-se indispensável situá-lo nas práticas dos atores envolvidos para entender de que forma atuaram os
homens de negócio de Pernambuco em seu in-
20
História e Economia Revista Interdisciplinar
terior. Os autores até então apresentados exploram a tese de que o estabelecimento reforçou o
exclusivo comercial entre metrópole e colônia,
possibilitando “em tese” o acúmulo primitivo de
capital pela transferência de excedente para os
comerciantes metropolitanos. Um olhar sobre o
estatuto permite contrastar tal imagem, dada a
concessão de privilégios aos acionistas originários e de maiores benesses ao intendente e deputados, membros da Direção, que era composta
por grandes comerciantes de Pernambuco. O que
se pretende investigar são as possibilidades auferidas pelos cargos de Direção e de que forma
o acesso a tais cargos viabilizou o comércio exclusivo das capitanias concedido à Companhia.
Transpondo uma história institucional
imóvel, preocupa-se com os que a compunham
e se/como a inserção/pertencimento modificava sua ação e a relação com outros agentes
coloniais.
Entre os obstáculos encontrados, Luís
Diogo Lobo da Silva descreve a resistência de
alguns negociantes à instalação da Companhia.
Na correspondência produzida durante o funcionamento da Companhia buscarei nomear as
razões que fundamentavam os ataques de seus
opositores e a defesa de seus aliados, a fim de
delinear alguns aspectos funcionais e as jurisdições que assume.
Em 27 de janeiro de 1751, Sua Majestade
determinou que o preço do açúcar fosse arbitrado
pelos fabricantes. Contudo, contrariando a decisão régia o intendente e deputados obrigaram os
mesmos na safra de 1763 a pagar o subsídio de
setenta réis no branco e trinta no mascavado em
cada arroba, ao que se opôs a Mesa de Inspeção,9
9 Em primeiro de abril de 1751, são instaladas Casas de Inspeção
ou Mesas de Inspeção nos principais portos das capitanias do Rio
de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão. As Mesas de Inspeção
assumiam a função de incrementar a produção de gêneros com grande
receptividade nos mercados europeus, sobretudo o tabaco e o açúcar,
incluindo a expedição e taxação.
já que todas as despesas até a balança10 eram custeadas por eles.11 (AHU, PE, 12 de novembro de
1763)
Desta safra em diante, a Mesa de Inspeção acrescenta duzentos réis a cada arroba de
acordo com a qualidade do açúcar. A Direção
não aceita pagar o acréscimo e elabora um Edital, no qual declara que os senhores de engenho e
lavradores poderiam carregar as caixas de açúcar
por sua conta. Por sua vez, os produtores recusam as condições da Direção e em resposta retém
as caixas.
A falta de caixas obriga a Direção a
completar a carga dos navios da frota com paubrasil e couros em cabelo e inviabiliza a carregação do navio Rainha com destino ao Porto, dado
não haver consumo no local para os ditos gêneros. Assim resume a Direção as divergências
com a Mesa da Inspeção, senhores de engenho e
lavradores. Todavia nas queixas levadas por Inácio Medeiros à Corte, surgem outras motivações
para explicar a postura irredutível dos produtores
de açúcar.(AHU, PE)12
No tempo do comércio livre, grande
parte das caixas era comprada a dinheiro de
contado,13 o preço era arbitrado pela Inspeção
e os compradores arcavam com o subsídio e todas as despesas referentes às caixas. Depois de
1760, época em que a Companhia já funcionava,
10 Além das despesas com a fabricação, encaixotar e o transporte. As
caixas de açúcar saíam dos engenhos em carros com destino aos trapiches dos portos da marinha, de lá, eram conduzidas em canoas, “em
poder de pretos somente” e em barcos que as levavam para os navios.
Registro de uma carta, que o Senado da Câmara desta vila do Recife,
escreveu a Sua Majestade Fidelíssima sobre o que nela se declara.
Recife, 17 de junho de 1769. Registro de Cartas, fl. 336v. Na balança, o
açúcar era pesado e a sua qualidade analisada.
11 Recife, 12 de novembro de 1763. Ofício da [Mesa de Inspeção da
capitania de Pernambuco] sobre a alteração feita pelos deputados da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba nos preços do subsídio
do açúcar, obrigando os fabricantes a pagarem muito mais altos tais
subsídios.
12 Pernambuco, 28 de maio de 1770. Ofício da Mesa da Inspeção ao
provedor e deputados da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba,
sobre as várias queixas feitas pelos senhores de engenho contra a
mesma, e que Inácio de Medeiros parte para a Corte levando consigo
vários requerimentos e queixas na tentativa de denegrir a imagem da
Companhia.
13 À vista.
o preço estabelecido pela Mesa não é respeitado,
compram-se as caixas com rebate de cem a cento e sessenta réis, transfere-se o pagamento dos
subsídios dos compradores para os produtores e
se institui um fiscal com poderes para contestar o
preço e a qualidade atestados pela Mesa.
Dentro do panorama de modificações
empreendidas pela Companhia e onerosas aos
produtores, a baixa na produção em 1763, seguindo-se o acréscimo de dois tostões no valor
de cada arroba, valor que a Direção não se submeteu a pagar, assinala a dificuldade de diálogo
entre Mesa, produtores de açúcar e Direção.
A Mesa tenta conciliar os interesses da
Direção e dos produtores, mas nem o risco de
perda do açúcar, nem os juros corridos nas dívidas com a Companhia os persuadiam a entregar
as caixas.
A postura inflexível dos produtores questiona a subordinação dos fabricantes à Direção e
por outro lado, que o disposto no parágrafo trinta
não era suficiente para garantir a liberdade dos
fabricantes:
quando as ditas vendas, e permutações se não
puderem concordar à avessa das partes, ficará
sempre livre aos senhores dos gêneros fazêlos transportar por sua conta a estes reinos.
(Carreira,1982,292)14
Quando os fabricantes embarcavam as
caixas, o faziam na situação inaugurada pela
Companhia, pagando além dos subsídios, a terça
parte dos rendimentos do engenho para pagamento do empréstimo obtido para o seu apronto.
O impasse continua e a Direção escreve
ao juiz conservador da Companhia, que comunica ao governador Manuel da Cunha Menezes o
atraso no carregamento dos navios, que ordena
a entrega das caixas. (AHU, PE, 30 de abril de
14 Parágrafo 30 do Alvará de instituição.
História e Economia Revista Interdisciplinar
21
A Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba e os homens de negócio de Pernambuco
1769) A decisão do governador reafirma o peso
da Companhia no jogo de forças.
O açúcar, na informação da Câmara de
Olinda, é o gênero por excelência para se obter
avultadas somas. As caixas alcançavam um alto
preço no comércio exterior, aceito pelos compradores porque pago em fazendas também supervalorizadas. Mesmo assim, o prejuízo não recaía
sobre os deputados e nem sobre a Companhia,
era repassado aos compradores na capitania, lucrando os primeiro até quarenta e cinco por cento. “Eis aqui um dos motivos porque os gêneros
que vão para Pernambuco vão mais carregados
no preço, do que os que vão para os portos livres”. (AHU, PE, 13 de fevereiro de 1878) Neste
ponto, cogita-se sobre a liberdade dos produtores
em vender suas mercadorias, em razão de serem
consignadas à Companhia e da possibilidade dos
deputados fazerem lances nos açucares em Lisboa através de seus correspondentes.
Quanto aos gêneros e fazendas da Europa, além dos preços excessivos cobrados, estes
não se compatibilizam com os preços ínfimos
com que compram os efeitos da terra, diminuídos em seu valor, porque boa parte deles era dada
em pagamento de dívidas anteriores.
Entre os aspectos mencionados, um assume maior vulto. As remessas feitas pelos produtores podiam ser pagas com letras do Erário.
Apesar das poucas referências, cogita-se numa
estratégia da Direção, já que recebiam as dívidas integrais do Erário, enquanto eram defasadas
com os produtores.
A Companhia se tornou um instrumento
para que o intendente e deputados controlassem
o preço dos gêneros, o que só podiam fazer porque controlavam o circuito de entrada e saída
de mercadorias. A liberdade dos produtores era
prejudicada por não receberem líquido por seus
22
História e Economia Revista Interdisciplinar
efeitos.
A posição de membros da Companhia
possibilitava a formulação de estratégias para a
obtenção de lucro, incluindo a participação em
contrabando. O conde de Povolide, governador
da capitania, descreve rotas de contrabando amparadas por associados, que eram responsáveis
pela introdução de fazendas secas por negociantes da Bahia e pela extração de gêneros da capitania, cujo comércio envolvia a carregação de
caixas de açúcar. (AHU, PE)
Apesar de toda a legislação para evitar
o contrabando e findar a ação dos comissários
volantes e da fundação da Companhia, como
uma das iniciativas para organizar o comércio
da capitania, a Junta denuncia a ação de comissários dentro da Companhia, oficiais dos navios
que levavam fazendas desembarcadas no porto
do Recife, que não pagavam frete, nem direitos e
eram seladas no Recife.
O contrabando é que tem destruído, e destrói o
comércio geral, porque de Lisboa se introduz
aqui inumeráveis fazendas sem despacho pelos
mesmos navios da Companhia. Este contrabando leva quantas meias dobras há na terra,
e ouro velho, que podem adquirir para a Bahia
e Rio de Janeiro vai o dinheiro provincial, para
se empregarem em fazendas, que se introduzem nesta praça por contrabando; e chegam a
ter selos falsos, com que as selam, por se não
fazer tão manifesto o contrabando, a quem os
compra, e torna a vender. (AHU, PE, 13 de fevereiro de 1778)
Leonor Freire Costa aventa a possibilidade da ação dos comissários estar relacionada a
situações de maior risco no mercado e que além
de uma posição inferior na hierarquia interna
do grupo mercantil, a que Sebastião de José de
Carvalho erroneamente caracterizou por “mercadores falidos e endividados” e Roquinaldo Ferreira de pequenos comerciantes, esses agentes
comporiam uma rede que interligava emissores
e receptores, envolvendo grandes comerciantes.
Ao ter em mente a separação entre agência fixa
e móvel, Jorge Borges de Macedo inclui a proibição aos comissários volantes nas medidas que
pretendiam reduzir o comércio a uma minoria
predominante e privilegiada.
No caso de Pernambuco, o intendente,
deputados e outros homens de negócio vendiam
mercadorias contrabandeadas que ao serem seladas, eram incorporadas ao circuito legal. Tal
constatação enfraquece a distinção entre interesses metropolitanos e coloniais elaborada por Érika Almeida, já que os homens de negócio dentro
da instituição aparentemente representariam os
interesses dos primeiros, mas pertenciam à sociedade local.
Ao definir primorosamente o comércio
de longa distância como uma “organização propensa a comportamentos oportunistas”, Leonor
Freire Costa explica a permanência de performances durante o funcionamento da empresa,
que ganham conotação negativa e delas não escapa a Direção.
Depois da chegada dos primeiros navios e tirarem algumas fazendas da Alfândega por satisfazerem as queixas costumam por modo de
pregão anunciar a todos os que ali chegam que
quem quiser ver a carregação a veja sobre uma
mesa a quem a tem exposta: e indo algumas
pessoas examiná-la e escolhendo algum gênero
que lhe convinham se lhe respondia que já não
havia o dito gênero. (AHU, PE, 17 de fevereiro
de 1771)
O estatuto que deveria regular as atividades da empresa ou estabelecer uma nova organização das operações comerciais não era capaz de
coibir as irregularidades, que não se atinham ao
uso dos navios da Companhia ou às atividades
dos mestres e oficiais. Os componentes da Direção eram os primeiros a desrespeitar o estatuto,
como Luis Ferreira Viana, que possuía uma loja
pública com um caixeiro na sua própria casa.
(Carreiras,1982,292)15
Em Pernambuco, a maior visibilidade
do contrabando se insere no momento de concessão do comércio exclusivo das capitanias à
Companhia.
Se a Companhia foi criada com o fito
de limitar lucros e juros, afastar a influência de
estrangeiros, evitar contrabandos e aumentar as
rendas reais, na prática os contrabandos são engrossados com a participação da Direção e acionistas e a relaxação relativa a procedimentos que
deveriam coibir.
Foi de se apropriarem os referidos deputados
de todos os gêneros, e efeitos que daqui se lhes
remeteram, de os repartirem a crédito pelos
seus parentes, amigos e associados; de os tomarem eles mesmos debaixo de nomes alheios
para com eles negociarem, e de acumularem
por estas forma a importantíssima dívida, que
esses habitantes estão devendo à Companhia.
(AHU, PE, 10 de agosto de 1778)
Inácio de Medeiros acusa os deputados
de usarem a instituição para beneficiar a si e a
seus partidários. (AHU, PE, 20 de janeiro de
1771) Carreira não descarta a existência de um
negócio realizado pelos próprios agentes, feito
paralelamente ao desta. O mesmo governador
tão empenhado em arregimentar homens de negócio para a Companhia, denunciaria a grande
remessa de caixas de açúcar por parte dos administradores, que o faziam por sua conta, e a
quantidade diminuta que ia pela mesma. (AHU,
PE, 11 de fevereiro de 1761). (AHU, PE, 11 de
fevereiro de 1761)
Todavia em trecho do mesmo documento, compreende-se o incômodo do governador. O
problema não era que a Direção se apropriasse
dos benefícios provenientes dos gêneros comer15 Parágrafo 33- (...) fazendo-se sempre as ditas vendas nos armazéns
da Companhia, e nunca em tendas, ou casas particulares.
História e Economia Revista Interdisciplinar
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A Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba e os homens de negócio de Pernambuco
cializados pela Companhia, mas sim qual o gênero escolhido para isso, o açúcar.
24
dizendo que eu da parte da Companhia me animava a segurar-lhes não seria do desagrado da
Direção dessa Corte, que eles fizessem seus os
interesses, que proviessem dos referidos dois
gêneros, contanto, que lhes cedesse os das caixas correspondentes ao custo de seu valor nesta
praça. (AHU, PE, 11 de fevereiro de 1761)
te intendente e deputados, Antônio José Souto,
Antônio Francisco Monteiro, Antônio Pinheiro
Salgado, João de Oliveira Gouvim, Francisco
Xavier Fetal, José Bento Leitão, Luís da Costa
Monteiro, Manoel Gomes dos Santos, Manoel
Correia de Araújo, entre eles, apenas Luís da
Costa Monteiro não aparece como carregador de
caixas. (AHU, PE, 17 de junho de 1761)
Em outro ofício produzido no mesmo
ano, identifica-se qual o motivo da importância
atribuída pela Direção às carregações de açúcar
em 1761. Neste momento, eram respectivamen-
O governador e o estatuto previam limites aos ganhos dos acionistas, entretanto os cargos de Direção disponibilizavam outros instrumentos, acrescendo-lhes além do estabelecido.
História e Economia Revista Interdisciplinar
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capitania de Pernambuco], conde de Povolide, [Luís José da Cunha Grã Ataíde e Melo], ao [secretário
de estado da Marinha e Ultramar], Francisco Xavier de Mendonça Furtado, sobre as transgressões
ocorridas no que se refere a comercialização de mercadorias naquela capitania, sem ser pela Companhia
Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba.
21 de fevereiro de 1759.
_____.Ofício do [governador da capitania de Pernambuco], Luís Diogo Lobo da Silva, ao [secretário de Estado da Marinha e Ultramar], Tomé Joaquim da Costa Corte Real, sobre os motivos do
História e Economia Revista Interdisciplinar
25
A Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba e os homens de negócio de Pernambuco
atraso para a instalação da Companhia de Comércio na dita capitania. Recife, 12 de março de 1759,
AHU, PE, cx. 90, d. 7214.
_______.AHU, PE, cx. 109, d. 8444. Ofício ao [secretário de estado do Reino e Mercês], conde
de Oeiras, [Sebastião José de Carvalho e Melo], sobre os motivos de algumas pessoas, na capitania de
Pernambuco, estarem injuriando a Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba.
_______.AHU, PE, cx. 110, d. 8515. Recife, 20 de janeiro de 1771. Ofício de Inácio de Medeiros sobre os fatos ocorridos entre a Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba e os
comerciantes da capitania de Pernambuco.
______.AHU, PE, cx. 95, d. 7494. Recife, 11 de fevereiro de 1761. Ofício do [governador da
capitania de Pernambuco], Luís Diogo Lobo da Silva, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar],
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, sobre as desconfianças dos senhores de engenho e lavradores
de cana para com a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba e a falta de assistência da dita Companhia para com os mesmos.
______.AHU, PE, cx. 110, d. 8526. Recife, 17 de fevereiro de 1771. Ofício de Inácio de Medeiros sobre as irregularidades cometidas pelos deputados da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba
referente ao trato com a comercialização do açúcar.
______.AHU, PE, cx. 96, d. 7536 Recife, 17 de junho de 1761. Recife. Ofício do [governador
da capitania de Pernambuco], Luís Diogo Lobo da Silva, ao [secretário de estado do Reino e Mercês],
conde de Oeiras, [Sebastião José de Carvalho e Melo], sobre as queixas feitas pelo intendente e deputados da direção [da Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba] a respeito das irregularidades da eleição feita pelos negociantes para o cargo de Inspetor da Mesa da Inspeção.
______.AHU, cx. 128, d. 9737. [Lisboa], 13 de fevereiro de 1778. Ofício (cópia) da Junta da
Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba ao [governador da capitania de Pernambuco],
José César de Meneses, sobre não ter culpa a dita Junta das irregularidades cometidas pelos administradores da referida Companhia, que não zelaram como era devido pelos interesses comuns do povo e
da Junta.
______.AHU, PE, cx. 130, d. 9832 1778, agosto, 10, Queluz. Ofício (minuta) do [secretário de
estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro], ao [governador da capitania de Pernambuco], José César de Meneses, sobre os abusos da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, a falta de
responsabilidade e capacidade de seus deputados de gerirem a mesma, e da culpa que tem pela decadente situação em que se acham as diferentes classes de habitantes desta terra.
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Viana Filho, Luís. O Negro na Bahia. Rio de Janeiro: Livraria José Olimpio Editora, 1946.
26
História e Economia Revista Interdisciplinar
Crédito e privilégios de comerciantes
estrangeiros no Rio de Janeiro,
na finalização do tráfico de
escravos, na década de 1840.
Marcia Naomi Kuniochi
Professora adjunta da FURG
[email protected]
Resumo
A partir da década de 1830, o fornecimento de crédito por comerciantes estrangeiros, principalmente ingleses, no tráfico de
escravo, se dava por meio da venda em consignação e parcelamento dos pagamentos. Em razão disso, foi fundamental a pressão
inglesa para limitar o prazo de pagamentos, em 1848, para que a finalização definitiva do comércio de africanos para o Brasil.
Palavras-chaves: crédito, tráfico, comerciantes ingleses
Abstract
From the 1830s, the supply of credit by foreign traders, mainly British, in the slave traffic, was through sales on consignment and
installment payments. As a result, was essential the British pressure to limit credit in 1848 was necessary to eliminate thetrade of
Africans to Brazil.
Key words: credit, trade, English merchants
História e Economia Revista Interdisciplinar
27
Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
C
om a maioridade de D. Pedro II, no
início da década de 1840, o Brasil tinha pela frente o desafio de solucionar
questões ainda pendentes, que haviam propiciado a instabilidade política e social, que prevaleceram nas Regências. Dentre essas questões, a
continuidades do tráfico de escravos ainda criava
problemas nas relações internacionais e dificultava a constituição e fortalecimento do Estado
imperial.
Em contrapartida, a economia ganhava corpo com a expansão da lavoura cafeeira e
ainda mantinha a produção de uma gama variada
de produtos, - o que era novidade para o país -,
e a que também se atribuía a força política das
províncias frente ao governo central, na primeira metade do século XIX, sendo que parte dessa
produção era sustentada pelo comércio do tráfico
de escravos, que trouxe dividendos significativos
para a elite brasileira.
Por sua vez, o crescimento da produção acarretava mais demanda por mão-de-obra, o
que fortaleceu cada vez mais a convicção de que
esse vil comércio não tinha data definida para o
seu término, mesmo que ilegal.
Essa situação se confrontava com a resolução da Inglaterra de exterminar o tráfico e
a escravidão do mundo ocidental. Por isso, era
crucial para os britânicos renovar o tratado comercial de 1827, que havia marcado a ilegalidade desse comércio a partir de 1831.
Se houve quem acreditou na obediência a essa resolução, logo ficou claro que não
seria tarefa fácil por fim a tão rendosa atividade. Ao longo da década de 1830, o comércio de
escravos se reestruturou e essa reformulação
permitiu fazer frente às investidas dos cruzadores ingleses, que passaram a atuar cada vez
mais na perseguição dos navios negreiros. 28
História e Economia Revista Interdisciplinar
Luís Henrique Dias Tavares aponta que determinadas alterações no padrão de comercialização
foram cruciais para a retomada do comércio de
africanos. (Tavares, 1988, 124-125) Dentre essas alterações, ele destaca a concessão de longos
prazos de pagamento, que condicionava o acerto
de contas somente após o retorno dos navios, a
salvo dos cruzados ingleses. Esse alongamento
foi estendido também para os proprietário de terras, que tinham, a curto prazo, disponibilidade de
expandir a produção, mas que, a longo prazo, a
chance de perder seus bens por dívidas tornou-se
uma realidade amarga.
Isso mostra que a participação mais
efetiva de negociantes ingleses, por meio do fornecimento de mercadorias mediante o prolongamento dos prazos de pagamento, foi fundamental para a manutenção desse comércio, mesmo
tendo como principal oponente dessa atividade a
própria Inglaterra.
Em sua monumental história sobre o
tráfico no Atlântico, Hugh Thomas confirma a
existência de “british goads” nos navios do Rio
de da Bahia, que foram apreendidos por cruzadores britânicos, justamente para explicar a fúria
de fazendeiros e negociantes contra o Tratado de
1827, que tornara ilegal o tráfico de escravos.
(Thomas, 2006, 607) Eram justamente essas
mercadorias que propiciavam a emissão e manipulação dos papéis comerciais, que eram usados
para satisfazer as necessidades de crédito dos intermediários mercantis, cuja gama de negócios,
que empresariavam, era articulado pelo uso de
instrumentos ágeis, que serviam ao mesmo tempo para conectar diferentes negócios, entre localidades diversas e mundos diferentes, sem o uso
de dinheiro.
Braudel define crédito, em Civilização
Material, como uma “troca de duas prestações
diferentes no tempo: eu lhe presto serviço, você
me reembolsa depois”. Entre os mercadores, isso
acontece quando se compra o trigo na planta aos
camponeses, ou a lã dos carneiros antes da tosquia; mas é principalmente para as letras de câmbio que vale o princípio:
o sacador de uma letra sobre uma praça qualquer, por exemplo, no século XVI numa feira
de Medina del Campo, recebe imediatamente
dinheiro, o pagador será reembolsado em outra
praça, três meses mais tarde, conforme o câmbio do momento. Cabe-lhe garantir o seu juro,
calcular os riscos. (Braudel, 1995, 431)
O Islã, muito antes que o Ocidente,
dispunha de prestamistas judeus e utilizou os
instrumentos de crédito, entre os quais a letra de
câmbio, desde o século X. Foi somente no século
XIII, que o Ocidente descobriu a letras de câmbio, como meio de pagamento de longo alcance,
que atravessou o Mediterrâneo em toda a sua extensão. Mais tarde, com o endosso, esses papéis
ganharam maior agilidade e passaram a circular,
de mão em mão, de feira em feira, com maior
facilidade, a que os franceses chamariam de
change e rechange, e os italianos de ricorsa. Na
prática, esses processos significavam um alongamento do crédito. Como afirma Braudel: “Tudo
é crédito, isto é, promessa, realidade a prazo”.
(Braudel, 1995, 132-136)
A isto o autor nomeia como “jogos de dinheiro que só se jogam na escrita”. Citando um
relato datado do início do século XIX, Braudel
descreve transações realizadas por comerciantes
franceses nas Índias que davam aos ingleses suas
letras sobre Paris, a seis meses de vista. Essas
letras representavam os lucros do comércio francês nas Índias, regularmente repatriados por banqueiros parisienses, que honravam as letras cedidas aos ingleses. É claro que tudo isso era feito
desde que a transformação de rupias em libras
inglesas fosse favorável aos participantes, tanto
no plano comercial como no cambial. (Braudel,
1995, 124)
Além disso, essas operações foram exploradas no comércio de longo curso, que cria
sobrelucros: “joga com os preços de dois mercados afastados entre si e cuja oferta e procura,
ignorando-se mutuamente, só se encontram por
intervenção do intermediário”. O comércio de
longa distância significa riscos, porém mais ainda lucros excepcionais. Dentre outros exemplos,
Braudel comenta sobre os “ganhos fantásticos”
de mercadores portugueses no Peru, Buenos Aires, e Brasil, nos séculos iniciais da exploração
colonial: “Basta a distância para criar as condições banais e cotidianas de um sobrelucro”.
Ainda sobre esses setores especiais da
vida econômica condicionados pelo alto lucro,
sempre que,
sob o impacto da própria vida econômica, há
uma dessas modificações, um capital ágil vai ao
seu encontro, instala-se, prospera. Note-se que,
regra geral, ele não os criou. Essa geografia
diferencial do lucro é uma chave para compreender as variações conjunturais do capitalismo,
que balança entre o Levante, a América, a Insulíndia, a China, o tráfico negreiro, etc. (Braudel,
1995, 124)
Dessa maneira, quando se depara com as
pressões inglesas, principalmente, na década
de 1840, para dar fim ao tráfico de escravos, é
importante lembrar que se trata de uma atividade
de alta lucratividade que envolvia agentes mercantis das mais diversas origens, como poucas
vezes se viu na história mundial.
Isso explica a presença de uma importante comunidade de negociantes ingleses e de
outras nacionalidades no Rio de Janeiro, considerado o principal centro das atividades negreiras do período.
Para dimensionar a presença de comerciantes ingleses e de outras nacionalidades
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
no mercado do Rio de Janeiro é interessante verificar o alcance dos privilégios desfrutados por
eles, garantidos pelo mesmo tratado. Esses privilégios passaram a ser questionados, no Brasil, à
medida que crescia o sentimento anti-britânico,
insuflado pela ação cada vez mais violenta contra navios negreiros e pela violação do território
brasileiro para apreensão de africanos.
Dessa forma, este artigo tem como
objeto investigar as firmas estrangeiras que atuavam no Rio de Janeiro, de 1842 a 1857, por meio
dos anúncios publicados no Jornal do Comércio.
Esses anúncios trazem informações principalmente sobre a constituição, organização e extinção das firmas, assim como de qualquer alteração ou problemas que envolviam a empresa ou
seus interessados.
Primeiro devem ser analisadas as tentativas infrutíferas de renovação do tratado comercial entre o Brasil e a Inglaterra, abordando
com maior ênfase as questões ligadas às cláusulas que envolviam os privilégios especiais, desfrutados pelos estrangeiros no Brasil, e a relação
e influência dessa situação com o andamento
dos negócios estrangeiro no mercado do Rio de
Janeiro.
A segunda parte contém informações
obtidas nos anúncios de jornal sobre as firmas
estrangeiras e a discussão sobre a importância
do crédito e dos negociantes estrangeiros para a
manutenção dos negócios relativos ao comércio
de escravos.
Privilégios e direitos de
negociantes estrangeiros no
Brasil, na década de 1840.
Quando discute o declínio da preeminência política inglesa no Brasil, Alan K. Manchester dedica uma atenção especial à questão da
abolição dos privilégios especiais que desfruta-
30
História e Economia Revista Interdisciplinar
vam os negociantes ingleses. O autor afirma que,
na época da renovação dos Tratados de 1810 e
1827, na primeira metade da década de 1840, a
crítica mais veemente dos brasileiros para com
a Inglaterra era dirigida aos “privilégios extraterritoriais e a restrição à soberania de nação”.
Em 1827, “a Inglaterra garantiu a continuação do direito centenário de manter juízes
conservadores ou magistrados especiais, a quem
estavam afeitos os casos envolvendo os súditos
britânicos”. (Manchester, 1973, 245) Mesmo
após a promulgação do código criminal, em
1833, os ingleses se recusaram a renunciar ao
privilégio extraterritorial. Um outro privilégio
era o:
direito garantido aos cônsules ingleses de não
apenas administrarem os bens dos súditos britânicos que morressem no Brasil sem ter feito
testamento, mas também de assinar licenças
para descarregar e deixar os portos, e de dirigir
queixas às alfândegas, no mesmo pé de igualdade que os administradores nativos. (Manchester, 1973, 245-246)
Para o autor, somente em terceiro lugar
viria a objeção à taxa máxima de importação de
15%. Na época, a crítica aos britânicos, segundo Manchester, era menor no que se referia ao
desejo de enfraquecer o comércio da Inglaterra
com Brasil, ou diminuir seus investimentos de
capitais e iniciativas dentro do país.
Esse grau de importância às tarifas alfandegárias não costuma ser referendado pela historiografia brasileira. Há um certo exagero por
parte daqueles que afirmam que a tarifa Alves
Branco, de 1842, teria como finalidade proteger
a indústria no Brasil. Mesmo assim, ao discutir
a pré-indústria fluminense, de 1808 a 1860, Geraldo de Beauclair afirma que “seria impossível
ocultar” um “sentido protecionista que nela
quis (sic) imprimir”, sendo que a tarifa de 30%
teve o intuito “de proteger o setor secundário”,
mesmo que acessório. (Beauclair, 1987, 104105) Nícia Vilela Luz concorda que havia um
pensamento protecionista envolvido, “tendo em
vista, porém, que a finalidade precípua dos direitos aduaneiros era prover rendas ao Estado”.
(Luz, 1975, 24)
Para justificar a ênfase na abolição dos
privilégios especiais que desfrutavam os negociantes ingleses, Manchester relata a epopéia que
foram as tentativas britânica de renovar o tratado
comercial com a Inglaterra, na década de 1840,
e descreve o clima anti-britânico, que se avolumava com as discussões sobre a pressão inglesa
contra o tráfico de escravos, que dificultou de
sobremaneira o diálogo entre os dois governos.
A ameaça de intervenção armada era agravada
pelo tom assumido pelo Ministério do Exterior
de Londres, dada a conotação de desdém, conforme realça o autor, semelhante a assumida a
“outras nações não-civilizadas”.
da renovação do tratado, interessados somente
na garantia dos “direitos individuais das pessoas
e dos bens dos súditos britânicos, em igualdade
com outras nações no Brasil”. Eles alegavam
que as mercadorias inglesas vinham pagando
21%, sendo que algumas até 40%, e acreditavam
que o Brasil não subiria mais ainda essas taxas.
Além disso, não “estavam preocupados
em manter as cortes conservadoras, pois, como
disseram, os comerciantes de outras nações não
estavam sofrendo injustiça na aplicação da lei,
embora só os britânicos tivessem o privilégio da
jurisdição extraterritorial”. (Manchester, 1973,
249) Os negociantes ficariam satisfeitos com
um “simples tratado de reciprocidade, com uma
cláusula de nação mais favorecida”, o que já
achavam que seria difícil de obter diante a animosidade dos brasileiros, por causa das ações
violentas dos cruzadores britânicos contra o tráfico de escravos.
O primeiro-ministro Aberdeen enviou,
em 1842, a primeira proposta de renovação do
tratado, não passando de uma mera reprodução
do antigo, de 1827, acrescido da imposição da
abolição da escravatura. Esta última questão vetava qualquer acordo, por parte dos brasileiros.
Em vista disso, logo foi oferecido alternativas
sobre as questões comerciais, sem alusão à escravidão. Mesmo assim, o governo brasileiro
recusou negociar, fazendo com que a Inglaterra
recuasse e oferecesse a simples prorrogação do
tratado existente.
Em janeiro de 1843, a Assembléia do
Brasil propôs igualdade de condições entre as
mercadorias brasileiras e as das colônias britânicas, que garantiriam a livre entrada do açúcar e
do café brasileiro na Inglaterra. Isso significava
o fim de qualquer negociação. No final de 1843,
o ministro brasileiro em Londres apresentou dois
projetos: um de comércio e o outro de limites. O
primeiro já era considerado inaceitável pela Inglaterra, e o segundo apresentava ainda maiores
dificuldades em razão das polêmicas na fronteira
das Guianas e com as Ilhas da Trindade.
Um segundo emissário foi enviado ao
Brasil, recepcionado com pompa pelo Imperador, porém teve de enfrentar o ódio do público e
da imprensa, assim como foi recebido com animosidade pelos ministros brasileiros.
A negativa de Aberdeen aos dois projetos
ainda estava justificada pelo fim da escravatura
no Brasil, ainda mais que o açúcar das colônias
britânicas estava sendo produzido por mão de
obra livre. Em uma terceira e última tentativa,
antes da expiração do tratado, em novembro de
1844, Aberdeen concedeu aceitar a primeira proposta do ministro brasileiro em Londres; porém,
Manchester relata que até mesmo os comerciantes ingleses do Rio não faziam questão
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
uma escalada de apreensões de navios brasileiros
impossibilitou qualquer tipo de negociação. Nas
províncias, a oposição ao governo brasileiro estava pregando uma cruzada contra o “gabinete e
seus aliados ingleses”.
Para acalmar os ânimos,em 9 de novembro de 1844, o ministro das Relações Exteriores
notificou as autoridades provinciais de que o tratado anglo-brasileiro de 1827 expirara e as cortes
conservadores tinham sido abolidas.
Dessa forma, o “Ato Aberdeem de 1845”
foi o clímax de toda essa situação. Segundo Jaime Rodrigues: tratava-se “de uma lei que autorizava o governo inglês, a julgar os navios
brasileiros como piratas, em tribunais ingleses,
quaisquer que fossem os locais onde ocorressem
as capturas. A lei foi promulgada ignorando os
protestos da legação brasileira em Londres”.
(Rodrigues, 2000, 115)
Toda a imprensa brasileira revidou de
forma violenta ao “Ato de Pirataria do Parlamento” inglês, em mais uma intervenção na
América do Sul. A partir dessa data, nenhum
outro tratado de comércio e amizade foi assinado entre o Brasil e a Inglaterra. Com o término
do tratado anglo-brasileiro, afirma Manchester
“o governo do Rio estava livre para estabelecer
uma nova base para suas relações comerciais
com todos os países estrangeiros”. (Manchester,
1973, 253)
Muito se discutiu sobre o papel da Inglaterra e a posição do Governo Imperial nesse
período. Na História Geral da Civilização Brasileira, a questão é tratada levando-se em conta a
importância da conquista da autonomia do Estado, frente às oposições regionais:
Os líderes no Rio de Janeiro, e especialmente
Pedro II, estavam agora em condições de impor
a vontade do governo central de um modo que
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História e Economia Revista Interdisciplinar
até então não lhes fora possível, em virtude das
revoltas e perturbações características da vida
política brasileira até aquela data. Sem a boa
vontade das autoridades brasileiras, é claro que
todos os esforços britânicos seriam insuficientes para a consecução do objetivo em vista, a
menos que se fizesse a ocupação de fato do território brasileiro. Por outro lado, é certo que a
pressão britânica impelira o Brasil a caminhar
na direção desejada. Seus líderes sabiam que
nenhum governo terá longa duração se não for
capaz de impedir a violação dos direitos nacionais. (Holanda, 1865, 143)
Se as polêmicas sobre a escravidão foram amainadas com o fim do tráfico, em 1850,
das questões pendentes em torno dos tratados
internacionais havia ficado uma forma de jurisdição extraterritorial que iria levar anos para ser
abolida. Alguns itens dos antigos tratados permaneceram ou tiveram de ser negociados, conjuntamente com diferentes países, porque muitos
privilégios haviam sido estendidos para outras
nações.
Um artigo em especial regulava os interesses comerciais de estrangeiros no Brasil, conforme analisa Alan K. Manchester:
Pelo Artigo II do tratado anglo-brasileiro de
1827, os cônsules tinham o direito de administrar as propriedades dos cidadãos dos seus
respectivos países, que morressem sem testamento, até o ponto em que as leis de cada país
permitissem essa ação. Contudo, as cláusulas
que definiam esse direito eram tão vagas, que
levantaram inúmeras controvérsias em relação
à arrecadação, à guarda e à disposição final das
possessões dos súditos britânicos mortos no
Brasil; finalmente, a jurisdição consular sobre
a propriedade do falecido foi ampliada, a fim
de incluir todos os casos de bens deixados por
estrangeiros, com ou sem testamentos, ou com
ou sem a presença de herdeiros para funcionarem como administradores. O artigo foi interpretado por um enviado inglês no sentido de
que os cidadãos britânicos, embora vivendo no
Brasil, podiam dispor de suas propriedades estritamente de acordo com as leis da Inglaterra,
sem quaisquer referências às leis nacionais do
Brasil. (Manchester, 1973, 254)
Após o término do tratado, todos os bens
dos súditos britânicos passaram a ser administrados pelo juiz dos órfãos, se o falecido não deixasse testamento, ou se não existissem herdeiros
ou parentes para administrar o espólio.
Por outro lado, os franceses “estavam
isentos para sempre de qualquer interferência
das autoridades locais, quanto à disposição dos
bens deixados pelos seus conterrâneos”. (Manchester, 1973, 255) 1 O governo francês recusou
a aceitar o fim dos privilégios e conseguiu manter a jurisdição dos cônsules.
O Tratado comercial entre a França e
o Brasil fora assinado em 1826, sendo que não
havia sido concedido juízes conservadores aos
franceses. Mas pelo Artigo IV:
Os cônsules obtiveram os mesmo privilégios
de proteger os interesses de seus compatriotas,
que tinham sido concedidos aos cônsules da
nação favorecida. Tiveram assim o direito de
recolher, administrar e liquidar as heranças dos
cidadãos franceses que morressem sem deixar
testamento, sem qualquer interferência das autoridades brasileiras locais. (Manchester, 1973,
255)
O governo brasileiro bem que tentou
regulamentar a questão, entre 1842 e 1845, publicando regulamentos sobre a “arrecadação e
disposição dos bens de pessoas falecidas e de
pessoas cujo paradeiro era desconhecido”. Porém, a França protestou e conseguiu isentar seus
súditos desta regulação.
Tudo se agravou ainda mais quando surgiram os problemas da nacionalidade dos filhos
de pais estrangeiros. Todos os países se uniram
para negar a perda de cidadania ao filho de um
cidadão estrangeiro, caso nascesse no Brasil, re-
1 Em 1860, foi assinada uma convenção consular com a França, que
abriu brecha para a Inglaterra retomar o mesmo privilégio, que só seria
extinto em 1907.
forçando o direito de jurisdição consular sobre a
propriedade dessas crianças. Por exemplo, tudo
poderia se complicar para uma família estrangeira quando apenas um filho nascia no Brasil; isso
fazia com que a jurisdição brasileira pudesse ser
estendida a toda a família. Essas pendências legais ainda levariam anos para serem resolvidas.
(Manchester, 1973, 259) 2
É interessante acompanhar alguns casos de falecimentos de negociantes estrangeiros,
ocorridos ao longo das décadas de 1840 e 1850,
para verificar de que maneira essas questões em
torno da renovação do tratado entre o Brasil e a
Inglaterra repercutiram no cotidiano mercantil.
Os primeiros anúncios coletados no
Jornal do Comércio do Rio de Janeiro confirmam a interposição dos cônsules: em 7 de
abril de 1843, sai nota de falecimento de José
Panza - os credores devem dirigir-se à chancelaria da Sardenha (JC, 07/04/1843)3; em outro
caso, sai nota de falecimento do aldenburguez
Eduardo Traddiken, no dia 22 de junho de 1844
- os credores devem dirigir-se ao consulado de
Bremen(JC 22/06/1844); e um terceiro caso, envolvendo uma mulher, publicado em 4 de setembro de 1845, quando saiu nota de falecimento da
Sra Brodart – foi comerciante na rua da Ajuda.
O consulado francês chama os credores (JC,
04/09/1844).
O mesmo acontecia com cidadãos portugueses, em um curioso caso de fornecimento de
crédito, cujo anúncio inicial foi publicado em 31
de julho de 1844:
Pede-se e aconselha-se ao Sr. vice-cônsul português Francisco João Moniz e ao Sr. Felippe
Joaquim de Freitas, os quais ficaram na posse
e administração absoluta do espólio comercial
2 Em 10 de setembro de 1860, finalmente foi regulamenta a nacionalidade de filho estrangeiro, que mantinham a cidadania do pai até
completarem 21 anos.
3 Nos anúncios, citados neste trabalho, a ortografia da época foi
corrigida.
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
e particular do súdito português Manoel Felisberto de Souza, falecido em 20 de abril de
1841, queiram pagar, no prazo de 8 dias, o que
o mesmo falecido ficou a dever a José Bento
Leitão por uma letra vencida (...)
Alguns dias depois (2 de agosto) (JC,
02/08/1844, 31/07/1844), Felippe Joaquim de
Freitas reponde: João José Ferreira de Freitas
– genro do Sr. José Bento Leitão – mudou-se de
Angra para a Corte sem recursos para se estabelecer. Tentou montar uma fábrica de lustrar
seges, contando com a promessa do Sr. Leitão de
uma ajuda de 1:500$ rs., com a condição de que
aceitasse uma letra daquela importância, endossada por Manoel Felisberto de Souza – amigo de
genro e sogro. Mas a morte de Manoel levou a
que a quantia deveria ser levantada em espólio.
De um total de 2:581$ rs. – deduzido as despesas
do funeral, comissão do consulado, prejuízo em
uma casa comercial, etc. – sobrou 412$942 rs. O
Sr. Leitão quer que o consulado português “entregue aquela importância” até chegar ao valor
requerido – 1:500$ rs. O Sr. Leitão parece requerer um quinhão do estabelecimento comercial de
que Felippe Joaquim de Freitas era sócio, e este
responde que já arcou com um certo prejuízo e
aconselha o Sr. Leitão a exigir do aceitante da
letra – seu genro (João José Ferreira de Freitas)
– a importância que falta. Felippe Joaquim de
Freitas acha que o Sr. Leitão foi pago em excesso, pois recebeu do consulado 500$ rs., sendo o
líquido do espólio: 412$942 rs., e deve então:
87$058 rs.; além disso, há outros credores, inclusive Felippe Joaquim.
É possível verificar que, pelo teor do
texto, que o consulado cobrava uma comissão e
também adiantava valores a serem pagos, tanto
que o segundo anunciante afirma que o valor
pago (500$ rs.) foi maior do que sobrou do espólio (412$942 rs.). Deve-se registrar ainda que o
falecido, Manoel Felisberto de Souza, tinha sido
somente o endossante da letra, por ser amigo de
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História e Economia Revista Interdisciplinar
genro e sogro do devedor, sendo que o sogro é
quem cobra do consulado e do administrador do
espólio o pagamento da letra, conforme texto do
primeiro anúncio. O administrador do espólio,
Felippe Joaquim de Freitas, faz acusação ao sogro de seu sócio de pretender se apossar do negócio, ao cobrar uma dívida pelo qual já recebeu o
valor de 500$ rs., por parte do espólio do endossante falecido, mesmo que ainda tivesse dívida a
receber do sócio e genro do primeiro anunciante,
José Bento Leitão.
No caso acima, a sociedade complicou
a divisão do espólio e pôs em risco o negócio em
questão - fábrica de lustrar seges. Em outro caso,
a existência de um sócio liquidante podia dispensar a interferência do consulado, mesmo quando
tratava-se de estrangeiros.
Em dia 6 de outubro de 1845, saiu a
nota de falecimento de A.W. Bladh - Henrique
Arens – sócio do falecido – dissolveu a sociedade Arens Bladh, e continua por conta própria
(JC, 06/10/1845).
É possível observar que, com o falecimento de um dos sócios, ocorreu o fim da sociedade e a extinção da firma, ainda mais que era
composta por apenas dois negociantes, o sócio
restante passou a atuar por conta própria.
Quando envolvia grandes empresas, a
continuidade da firma podia se dar inclusive
sem a mudança da razão social: em 1 de maio
de 1845, Miller Le Cocq e C. comunicam que,
devido ao falecimento de Pedro Bonamy (fevereiro de 1844), expirou a dita sociedade; uma
outra foi formada, sob o mesmo nome, com os
sócios: João Le Cocq, Hugh Bain, Manger Smith
Collings e Daniel Miller (residente em Londres)
(JC 01/05/1845)
No anúncio acima, a continuidade dos
negócios não parece ter sido dificultada pelo falecimento, uma vez que passou mais de ano da
data da morte de Pedro Bonamy para a data da
reorganização da firma Miller Le Cocq e C.
Outro caso mostra o contrário: mudanças
sucessivas de nomes, pelos mais variados motivos: em 1 de janeiro de 1844, Cayrns Astley e
Comp. participam que, a partir deste dia, admitiram novos sócios: Francisco Algorri e Guilherme Shepherd.
Um ano depois, em 1 de janeiro de
1845, sai nota de falecimento de Nathan Cayrns;
Cayrns Astley e C. comunicam que a sociedade
foi dissolvida, passando a girar agora sob a firma Astley, Algorri e C., com os seguintes sócios:
Eduardo Astley e Diogo Williams, em Liverpool;
e Francisco Algorri e Guilherme Shepherd, no
Rio de Janeiro. (JC, 01/01/1844; 01/01/1845)
Alguns anos depois, em documento assinado por vários negociantes ingleses, aparece
a firma Astley Shepherd and Co. (Tavares, 1988,
131-132) Reparem que no comunicado acima,
Guilherme Shepherd aparece como sócio no Rio
de Janeiro.
Outras empresas resolviam alterar o
nome, principalmente quando o sobrenome do
falecido constava na razão social e a alteração
dos sócios obrigava a mudança na identificação
da empresa: inicialmente, o anúncio que trata da
formação da sociedade - Augusto Klauser, Guilherme Teles Ribeiro e Hermann Tesdorpf - comunicam que, em 1 de janeiro de 1849, formaram sociedade em estabelecimento comercial,
sob a firma Klauser, Ribeiro e Comp., que se
dedicará ao ramo de comissões.
Vários anos depois, no dia 2 de janeiro
de 1855, Klauser, Ribeiro e C. participam que a
firma deixou de existir devido ao falecimento do
sócio Augusto Klauser; os negócios continuam
com os sócios: Guilherme Telles Ribeiro, Hermano Tesdorpf e Gustavo Ballauf, sob a firma
Ribeiro, Tesdorf e Ballauf. (JC, 01/01/1849;
02/01/1855)
Algumas vezes, a manutenção do
nome social se dava mesmo quando o sócio remanescente não carregava o mesmo nome, como
no caso publicado em 1 de janeiro de 1850,
quando saiu a nota de falecimento de Augusto
Fernando Ziese, Guilherme Augusto Heyn comunica que continua negócio, sob a firma – Ziese e
Comp. (JC, 01/01/1850)
Nota-se que a firma carregava apenas
o nome do falecido, com o qual devia ser conhecido na praça do Rio de Janeiro, uma vez que
a empresa consta, nas tabelas de comércio desta
pesquisa, desde o ano de 1843.
Um caso de falecimento de um negociante inglês demonstra a familiaridade e o respeito com que alguns nomes são tratados: em um
primeiro anúncio, publicado em 3 de janeiro de
1844, em que Naylor Irmãos e Comp. participam
os novos sócios: João Pince James e João Orton
Omen, desde o primeiro dia do ano. Tudo indica
estar ocorrendo uma reestruturação geral da firma porque no dia 15 de janeiro de 1844, Naylor
Irmãos e Filho informam que John Normald não
tem mais interesse em sua sociedade.
Alguns meses depois, foi publicado no
dia 8 de junho de 1844, em setor que pode ser
correspondido a um tipo de “editorial” do jornal,
em que aparece alguns comentários sobre notícias do dia, ficou registrada a nota de falecimento
de Jorge Naylor – “um dos mais antigos e mais
respeitáveis comerciantes desta praça” – ocorrido a bordo do paquete Limet, em viagem para
a Inglaterra, em 08/03/1844. (JC, 03/01/1844;
15/01/1844; 08/06/1844)
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
Todas essas alterações indicam que faziam parte dos preparativos de Jorge Naylor para
deixar o Brasil e retornar para a Inglaterra, ainda
mais que o falecimento, ocorrido ainda no navio
de regresso, ocorreu apenas vinte e quatro dias
depois da publicação da última nota de mudança da firma, provavelmente próxima da data da
partida do navio. Nos preparativos, ocorreu inclusive a sucessão nos negócios, porque a nova
firma passou a trazer o complemento Filho, além
de Irmãos.
Quando relata os casos sobre remessas
de lucros das colônias para os centros financeiros europeus, Braudel (1995, 125) comenta
que muitas vezes eram realizadas por meio da
remessa de letras. Em função disso, as firmas
estrangeiras costumam ter ligações próprias que
as relacionem diretamente com as grandes praças cambiais. As sociedades familiares resultam,
muitas vezes, na solução mais frequente para estabelecer uma ligação, seja entre irmãos, pai e
filho, assim como de casamentos fortuitos, que
sacramentavam interesses mercantis.
Vale lembrar que Naylor Irmãos e Comp.
eram bem conhecidos na praça carioca porque
aparece o registro da firma com o nome Naylor,
Brothers and Co., no livro sobre o tráfico de Luis
Henrique Dias Tavares (1988, 131-132), quando
comenta a lista das 21 firmas inglesas do Rio de
Janeiro, que passavam um atestado de idoneidade para a defesa de Manoel Pinto da Fonseca, datado de 15 de setembro de 1845. Tavares
afirma que, na realidade o atestado estava sendo
passado para a firma Carruthers and Co., que estava sendo acusada de participação no tráfico de
escravos, da qual era sócio Irineu Evangelista de
Souza, futuro barão e visconde de Mauá.
Por outro lado, as discussões em torno do
tráfico de escravos também justificam os cuidados do experiente negociante Jorge Naylor para
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História e Economia Revista Interdisciplinar
retirar-se da sociedade e, principalmente, voltar
para a Inglaterra, em razão do clima nada favorável aos negociantes ingleses, que predominava
na praça mercantil do Rio de Janeiro. Inclusive,
ele já poderia estar mal de saúde e sua morte, na
viagem de regresso, mesmo que no navio, pode
ter favorecido todo o processo de inventário, que
deve ter ocorrido na Inglaterra.
Recentemente, havia ocorrido um rumoroso processo de falência, envolvendo duas
grandes firmas inglesas. A primeira notícia foi
sobre Warre Raynsford e C., cujo comunicado
de falência apareceu publicado da seguinte forma: “achando-se impossibilitados de cumprirem
com as suas obrigações, rogam aos seus credores de reunirem-se hoje, 16 de fevereiro de 1843,
na sua casa, rua dos Pescadores, às 11 horas da
manhã”.
Como se tratava de uma grande firma, os efeitos dessa quebra podem ser avaliados
pelo anúncio publicado dois dias após o chamado de credores, em 18 de fevereiro: Atento ao
falimento da casa inglesa de Warre Raynsford e
Comp., com quem grandes transações tinha Ribeiro Silva, suspendeu este os seus pagamentos,
e convida os seus credores a reunirem-se em sua
casa – rua Direita nº. 125 – ao meio dia de 18
do corrente, para deliberarem o que julgarem
conveniente.
Novamente, em 8 de março de 1843,
são chamados os credores das casas falidas
Warre Raynsford e Comp. e de Forbes Valentin e
Comp. para apresentarem seus títulos, dentro de
8 dias. A notícia surpreende porque agora duas
empresas inglesas aparecem juntas no processo
de falência.
Forbes Valentin e C. havia comunicado a quebra no dia 17 de fevereiro de 1843,
um dia depois do comunicado de Rayns Ford,
e anunciam que: não podendo cumprir as suas
obrigações com a pontualidade devida, rogam
aos seus credores de reunirem-se no dia 21 do
corrente, às 11 horas do dia, na sua casa da rua
do Hospício nº. 21. (JC, 16/02/1843; 18/02/1843;
08/03/1843; 17/02/1843)
fazer anúncios que de certo nem honram seus
conhecimentos, nem sua boa fé. E rogam-lhe
também que olhe para o estado em que se apresentaram os falidos, que a eles se acha ligado
por laços de parentesco muito estreito. Será
pois bom que não os procure comprometer. Se
alguma demora houver nesta venda, será por algum motivo, mas nunca pelos anúncios de Sua
Tanto no anúncio da quebra Warre
Raynsford e Comp. quanto na anterior, Forbes
Valentin e Comp., não há nenhuma alusão ao
consulado inglês, lembrando que todas as discussões acerca da renovação do tratado de 1827
com a Inglaterra ainda estavam em curso, sendo
que expiraria somente em novembro de 1844.
Isso mostra que as regalias desfrutadas pelos comerciantes ingleses foram cortadas antes mesmo
da notificação do fim do tratado anglo-brasileiro
de 1827.
Senhoria. (JC, 16/05/1843; 18/05/1843)
No dia 16 de maio de 1843, foi publicado o protesto do cônsul inglês contra o anúncio
de venda em leilão das casas no Caminho Velho
de Botafogo, decidida pelos administradores da
firma do falido Warre Raynsford e C. O Cônsul:
(...) julga dever protestar contra semelhante
venda, que será ilegal, tanto por não se achar
ainda liquidada a massa da firma falida, como
porque, sucedendo estar ausente o referido Sr.
Carlos Raynsford, se faz necessário em juízo
pelo que diz respeito aos bens de sua propriedade particular para as disposições dos quais não
têm nem podem ter poderes legais os denominados administradores: sendo portanto ineficaz
e de nenhum vigor qualquer ato de transferência, venda ou arrematação que eles possam passar relativamente aos prédios de que se tratam.
Os administradores da falência respondem, dois dias depois [18 de maio], ao anúncio
do cônsul britânico, argumentando:
que se acham munidos de suficientes poderes
para proceder vendas, que seus protestos nada
lhes importam; e que bom será que Sua Senhoria procure melhor conhecer o estado das cousas, para o que tem muitos meios, afim de não
Sem dúvida, os administradores da falência não se abalaram com o protesto do cônsul
da Inglaterra, reafirmando estarem “munidos de
suficientes poderes”, rechaçando assim qualquer
interferência externa, além do tom de ironia e
desdém com que fazem alusão a interesses pessoais, “por laços de parentesco muito estreito”,
que estariam subjacentes ao protesto da autoridade inglesa.
Muitos anos depois, a venda dos bens
de Raynsford ainda estava bloqueada: em 19
de janeiro de 1848, os herdeiros de Jorge Negel Eduardo – Thomaz Alexandre Raynsford e
Hamburg Raynsford – pretendem vender casas
e chácara no caminho velho de Botafogo, por
uma execução contra Carlos Raynsford, cujas
propriedades estão embargadas e penhoradas.
No dia seguinte, 20 de janeiro, foi publicada a resposta ao anúncio sobre a nulidade da
venda dos herdeiros de Jorge Negel Eduardo: as
propriedades, no valor de 25:000$ rs., que entraram na massa falida da casa comercial,foram
remidas por igual valor e entregues aos administradores, constituindo-se hipoteca delas por essa
quantia; logo, a chácara não pertence à massa
falida (JC, 19/01/1848; 20/01/1848).
Pelas informações acima percebe-se
que as propriedades de Carlos Raynsford foram
entregues para os administrados e hipotecadas
para fazer frente às dividas da empresa. O caso
ainda permanecia aberto quase cinco anos depois
da publicação do primeiro anúncio de falência.
História e Economia Revista Interdisciplinar
37
Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
Por fim, a falência dessas duas empresas inglesas mostram que o clima anti-britânico
estava prejudicando interesses particulares e o
andamento dos negócios. Se essa situação viria
a contribuir para reforçar as pressões britânicas
para finalizar o tráfico de escravos, pode ter sido
à custa de interesses de negociantes ingleses, que
eram considerados os maiores interessados no
negócio.
Tráfico, crédito e negócios
estrangeiros no Brasil, na
década de 1840
Na década de 40, o ingresso de africanos no Brasil foi mantido, quando não aumentado, apesar de toda vigilância inglesa. Essa atividade mercantil havia passado por alterações, na
década anterior, que permitiu a continuidade dos
negócios.
Luis Henrique Dias Tavares identifica
um novo período, em 1833-1834, na dinâmica do
tráfico de escravos: “as casas comerciais inglesas passaram a atuar no Rio de Janeiro sobre
um comércio de escravos que estava desacorçoado”, ou seja, boa parte dos negócios faziam uso
de navios velhos, os traficantes “não tinha[m]
capitais para comprar manufaturados e para
corromper funcionários brasileiros e cônsules e
funcionários de consulados que deviam legaliza
cargas e registros navais”. (Tavares, 1988, 126)
O autor vê vários motivos para explicar essa decadência: em primeiro lugar, em
1828-1829, os africanos desembarcados excederam a capacidade de compra do Brasil; logo em
seguida, entre 1831 e 1833, com a saída de D.
Pedro I do Brasil, muitos comerciantes portugueses, quase todos traficantes de escravos acompanharam o monarca para Portugal, levando seus
capitais; por sua vez, grupos urbanos acreditaram na implementação da lei de 7 de novembro
de 1831 e se opuseram ao tráfico negreiro, dentre
38
História e Economia Revista Interdisciplinar
eles, Cipriano Barata, em Salvador.
Porém, em 1837-1838, a situação era
outra, o comércio de escravos para o Brasil estava atuante e em progresso. Tavares reconhece que a procura de mão-de-obra escrava havia
crescido em razão do desenvolvimento da produção cafeeira no sudeste, assim como da produção de fumo, algodão e açúcar, no norte e nordeste do Brasil. Mas ele atribui essa mudança,
principalmente,
Como resultado dos créditos e dos largos prazos para pagamento concedidos pelas casas
comerciais inglesas a comerciantes portugueses e luso-brasileiros que de outra forma não
poderiam entrar ou reentrar num circuito de
comércio de escravos que se tornava proibido e
sofisticado e que exigia agora mais e mais manufaturados, navios rápidos e largos capitais.
(Tavares, 1988, 127)
É importante ressaltar que o autor referese à entrada de casas comerciais inglesas, que
vão ter um papel importante em todo esse processo de reorganização do tráfico de escravos
para o Brasil, principalmente no adiantamento de
manufaturados, associado à concessão de longos
prazos para pagamento.
Tavares associou negociantes ingleses
com o tráfico com base no relato de um antigo
oficial da marinha do Império do Brasil, identificado como Alcoforado, que teria sido informante da Legação da Inglaterra no Rio de Janeiro,
cujo texto contém informações sobre “todas as
ocorrências de 1831 a 1853” do “infame negócio d’Africanos”, e constam nomes de traficantes e negociantes envolvidos, assim como destrincha de forma detalhada o funcionamento dos
negócios.
Foi a partir dessas informações que ficou evidente as mudanças ocorridas, em 1833 e
1834, quando comerciantes ingleses no Rio de
Janeiro passaram a adotar:
a prática de venderem a prazo as mercadorias
exigidas para o comércio de escravos (‘a diversos prazos’ escreveu Alcoforado), com o que
‘muitos outros aventureiros tentavão fortunas
quando não tinhão Capital seu nem outro meio
honesto pelo qual o podessem obter’. Dessa
forma, ‘a facilidade do tráfico era tal que facilmente encontravão qualquer especulador que
lhes fiava as fazendas’ – quer dizer, os manufaturados de Birmingham, Manchester e Glasgow. (Tavares, 1988, 123-124)
Assim, com o tráfico em maior escala,
passou a ocorrer o que Alcoforado chamou de “o
engodo de comprarem a crédito”, e até mesmo
os fazendeiros passaram a comprar escravos por
meio do mesmo sistema utilizado pelos comerciantes ingleses para a venda dos manufaturados
– “a diversos prazos”, ou com pagamento feito
com sacos de café.
Na avaliação de Tavares, pelo que conta Alcoforado, “foi um verdadeiro subsídio do
capitalismo ao comércio proibido de escravos;
praticou-se usualmente no Brasil e em Cuba.
Facilitados, assim, os pagamentos se cumpriam
a prazos de dois, três e quatro anos, e até mais”.
Valendo os mesmos prazos para os fazendeiros:
“de dois, três e quatro anos, essas operações
todavia oneradas com juros crescentes e garantidas por hipotecas. Temos, portanto, como
certo que esse sistema de vendas a crédito e a
prazo, sustentado pelas casas inglesas no Brasil
até pelos menos 1848, e dos anos 40 em diante
pelos norte-americanos, oxigenou o comércio
luso-brasileiro de escravos e permitiu a sua manutenção depois de 1831”. (Tavares, 1988, 30)
Ao longo da década de 30, as casas
comerciais inglesas passaram a facilitar os negócios para comerciantes de escravos sem capitais,
a quem Alcoforado “chamou-os ‘de aventureiros”, uma vez que vendiam-lhes
a crédito (fiado) os manufaturados exigidos
para o comércio de escravos, facilidade que
correspondeu a uma verdadeira co-associação,
ou co-sociedade, ou subsídio, e à qual ligou-se
outra de não menor importância, a concessão
de prazos (‘diversos prazos’) para o pagamento das mercadorias fornecidas. (Tavares, 1988,
125)
Se na década de 1840 cresceu a pressão
inglesa contra o comércio português de escravos,
por outro lado, no Rio de Janeiro, os traficantes
eram “protegidos pelo comércio inglês”.
Hugh Thomas confirma o importante papel desempenhado por negociantes ingleses, na
transição do tráfico legal para o ilegal, em 1831,
referindo-se a um número significativo de negociantes que se instalaram no Rio de Janeiro, no
começo da década de 1830. Segundo Thomas
“there continued to be collaboration between
slave dealers and British business who often,
even now, provided what they knew would be
used as ‘trade goods’ for the exchange of slaves
in Africa”.(Thomas, 2006, 629)
A presença dessa comunidade inglesa
no Rio de Janeiro vai contribuir para a introdução de uma outra mudança para os negócio do
tráfico: até a década de 1830, o fumo, o açúcar
e a aguardente brasileiros ainda valiam bastante
nas cargas dos navios negreiros; na nova prática
do tráfico, foi estabelecida a prática dos créditos
e prazos justamente para fazer frente à
exigência de fuzis, mosquetes, pólvora e tecidos de algodão – fuzis, mosquetes, pólvora e
tecidos que só eram manufaturados pela Inglaterra. Dessa maneira é com a dominância dos
manufaturados que os tradicionais artigos brasileiros do tráfico negreiro vão caindo nele de
importância. (Tavares, 1988, 126)
Como as vendas dessas manufaturas
eram a crédito, o pagamento ficava sob o risco do
sucesso ou insucesso do desembarque dos escravos, sendo assim, os comerciantes ingleses eram
“os mais interessados que todos na boa finaliza-
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
ção de uma expedição negreira. E isso porque só
com o sucesso da venda dos escravos recebiam o
pagamento do que haviam vendido a crédito”.
Além disso, essa participação do capital
inglês no comércio de escravos era operada pelo
duplo sistema de créditos e de faturas: emitiam
faturas de compra de manufaturados que eram
aceitas e descontadas em Londres, Bristol, Liverpool, Nova York, Boston, Baltimore, Hamburgo.
Essas operações também eram praticadas por
comerciantes alemães e norte-americanos, que
praticavam o mesmo sistema de crédito e “igualmente aceitavam faturas que seriam pagas em
Nova York, Boston ou Hamburgo”. (Tavares,
1988, 129-130)
Tavares ainda informa que as faturas
podiam ser pagas com “letras de câmbio cruzadas”, que identifica como uma outra modalidade
de “participação do capitalismo no comércio
proibido de escravos”. Essas letras eram emitidas pelos próprios negreiros - Don Pedro Balnco,
Caetano Nozollini e Francisco Felix de Souza – e
eram reconhecidas e honradas nos grandes centros financeiros da Europa e dos Estados Unidos.
(Tavares, 1988, 31)
Se “letras de câmbio cruzadas” constituem ordens de pagamento ou reconhecimento
de dívida, é importante ressaltar que as transações com as letras e papéis comerciais percorrem
circuitos mercantis e financeiros – a “solidez do
circuito financeiro é evidentemente primordial
para as letras, que são uma solução cotidiana
dos retornos. Esta solidez depende tanto do crédito pessoal dos correspondentes quanto da possibilidade de ligações eficazes”. (Braudel,1995,
122)
Assim, se o negreiro tinha seus papéis
reconhecidos na Europa e EUA, isso evidencia a
solidez de suas ligações. Para isso, era importan-
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História e Economia Revista Interdisciplinar
te estar conectado com uma gama mais ampla de
agentes - uma rede. Segundo Braudel:
Toda rede comercial liga uns aos outros certo
número de indivíduos, de agentes, pertencente
ou não à mesma firma, situados em vários pontos de um circuito ou de um feixe de circuitos.
O comércio vive desses revezamentos, dessas
cooperações e ligações que se multiplicam
como que por si sós com o crescente sucesso
do interessado. (Braudel,1995, 125)
Do mesmo modo, Tavares ressalta a participação de comerciantes portugueses nesse tipo
de atividade financeira, organizados também em
redes, muitas vezes internacionais. O autor enfatiza também que são os comerciantes lusos que
mais aparecem no comércio proibido de escravos para o Brasil. Isso é corroborado por Pierre
Vergé, para a Bahia, que justifica inclusive uma
aproximação momentânea entre brasileiros e
portugueses para resistirem às pressões inglesas
contra o tráfico de escravos. (Verger, 1987, 377)
Vergé destaca mudanças introduzidas
pelos traficantes para burlar a vigilância inglesa:
uma delas foi a adoção de dois passaportes a seus
navios: um levava o verdadeiro nome para ir fazer o tráfico lícito de escravos ao sul do Equador,
e o outro nome de um vaso, que ficava na Bahia,
pertencendo geralmente ao mesmo proprietário
para ir fazer o comércio de produtos africanos:
óleo de dendê, ouro, marfim e tecidos da Costa da Mina. Um segundo modo de burlar os ingleses era a mudança das bandeiras dos navios,
compradas das autoridades portuguesas das ilhas
de São Thomé e do Príncipe ou das ilhas do Cabo
Verde.
Porém, a partir da adoção dos clíperes
americanos, foi introduzido o tráfico em dois
tempo, que fazia uso de duas embarcações, que
podia se dar por dois sistemas: no primeiro, um
navio era enviado para a África com carregamento apropriado para comprar os escravos em
terra, deixando passar um tempo suficiente para
reunir o carregamento de escravos, logo que estivessem reunidos, o mais rápido veleiro americano já chegava preparado com víveres, água e
argolas de ferro, e o carregamento era feito em
poucas horas; no segundo sistemas, enviava-se
o navio ao local de embarque, esvaziava-se os
produtos para pagamento e o navio seguia para
outro local para reabastecer e se equipar, só voltando ao local de embarque, quando os escravos
já estivessem reunidos. (Verger, 1987, 317-426)
Luís Henrique dias Tavares confirma
essas alterações, principalmente, na década de
1840, quando descreve a formação de uma espécie de mercado quadrangular, Inglaterra-ÁfricaBrasil-Estados Unidos: “os comerciantes ingleses vendiam no Brasil os manufaturados que iam
servir para a compra de escravos na África; vendidos os escravos aos fazendeiros, davam curso
à comercialização do café, que era comprado e
exportado para os Estados Unidos.” (Tavares,
1988, 131).
O mesmo relato sobre esses novos
procedimentos aparece no texto de Hugh Thomas, para a década de 1830, chamado de “the
technique of sending two ship to Africa”. O autor
também destaca mudanças na demanda da mãode-obra dos plantadores de café, que tinham preferência por homens jovens, fazendo com que
cerca de dois terço a três quarto dos africanos importados eram jovens. (Thomas, 2006, 629-631)
Os negócios do tráfico foram se complexificando para conseguirem burlar a vigilância dos ingleses, ao mesmo tempo que se tornava
um negócio verdadeiramente supranacional. Se
os ingleses acusavam brasileiros, portugueses,
americanos e outros mais de infringirem a legislação contra o tráfico internacional, Tavares cita
depoimento do encarregado de negócios americano, afirmando que todos os comerciantes in-
gleses no Rio de Janeiro participavam direta ou
indiretamente do comércio de escravos.
Porém, tudo leva a crer que quase todas
as firmas e comerciantes estrangeiros no Brasil
estiveram envolvidos com o comércio proibido
de escravos. Com base nisso, Tavares destaca
que a pressão do Cônsul Robert Hesketh sobre
comerciantes ingleses para suspender as vendas
a crédito e limitar o prazo de pagamento das
compras dos manufaturados, em um ano, foi um
duro golpe contra o tráfico negreiro para o Brasil.
O resultado foi o comunicado de decisão conjunta, de 10 de maio de 1848, em que os
comerciantes ingleses no Rio de Janeiro convencionaram exigir nas suas próximas transações:
“faturas em duplicata, prazo de vendas a crédito
de apenas 12 meses (um ano) e com juros de ¾
ao mês, recusando também qualquer nova conta
antes de saldar-se a antiga e estabelecendo multas de 1 e 2 contos para os devedores reincidentes.” Assinam o documento: Carruthers and Co.,
Guilherme Moon and Co., Finnie, Brothers and
Co., Mackay Miller and Co., Rostron Dutton and
Co, Watson Spence and Co, Hogg Adam and Co,
Astley Shepard and Co, Andrew and Edwards,
Edson and Mellor, Phillips Brothers e outros
22.(Tavares, 1988, 133)
Luís Henrique Dias Tavares estava convencido que os comerciantes ingleses eram os
maiores interessados nos negócios do tráfico de
escravos e essa decisão incidia justamente no
mecanismo que possibilitou o renascimento do
comércio dos africanos, na década de 1830. Por
essa lógica, se os canais de financiamento para
a obtenção de manufaturados ingleses fossem
cortados, estaria sendo interrompido o comércio
quadrangular do tráfico.
Muitas firmas inglesas aparecem nos
anúncios do Jornal do Comércio, em que são
História e Economia Revista Interdisciplinar
41
Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
identificados os respectivos comerciantes responsáveis. Essas informações vão ser apresentadas a seguir e podem trazer informações sobre a
forma como se dava a participação desses negociantes no mercado do Rio de Janeiro.
A primeira firma citada, Carruthers and
Co., era “uma das mais ativas do Rio de Janeiro
do seu tempo” e foi onde Irineu Evangelista de
Souza, futuro barão e visconde de Mauá, aprendeu o ofício da mercancia: ele começou como
caixeiro e chegou a sócio desta firma inglesa,
quando Carruthers retirou-se para a Inglaterra,
logo após as denúncias das transações negreiras
na África.
Por sinal, na comissão de fiscalização e
aplicação do convênio dos negociantes ingleses,
firmado pela pressão do cônsul inglês, consta o
nome de Irineu Evangelista de Souza, juntamente com os negociantes John Mckinnel e Guilherme Finnie.
Notícias encontradas sobre a sociedade
Lallemant e Mac Gregor podem ajudar a entender a futura rede de negócios do barão de Mauá.
Em 1 de janeiro de 1848, a sociedade Lallemant e Mac Gregor admite Pedro Augusto Miller como sócio. Anos depois, A.D. Mac Gregor
anuncia, em 1 de janeiro de 1856, que retirouse da sociedade que tinha com Lallemant, cuja
casa passa a girar sob a firma Lallemant e C.
Desses anúncios, interessa o nome de
A.D. Mac Gregor, porque, em 31 de julho de
1854, seria firmado o contrato da casa bancária
Mauá, Mac Gregor & Cia, cujos sócios gerentes,
“solidariamente responsáveis por todos os seus
bens para com terceiros eram: nesta cidade – o
barão de Mauá, Alexandre Donald Mac Gregor
e João Ignacio Tavares, e, em Londres, os mesmos e mais um indivíduo escolhido pela administração”. (Mauá, 1943, 233)
42
História e Economia Revista Interdisciplinar
Durante o funcionamento da casa bancária, Mauá coordenava as operações normalmente, do Rio de Janeiro, e Mac Gregor estava fixado
em Manchester.
Na sequência da lista de negociantes, a
segunda firma aparece com o seguinte anúncio:
em 1 de janeiro de 1844, Moon Irmãos e C. participam, que dissolveram a sociedade comercial;
os sócios – Carlos Hopley e João Mac Kinell –
ficaram encarregados da liquidação, e os mesmos formaram uma nova sociedade, sob a firma
Guilherme Moon e Comp. O sócio Guilherme
Moon retirou-se para a Inglaterra para realizar
negócios da mesma nova casa. Nova alteração
ocorreria dez anos depois, em 31 de dezembro de
1853, publicada em 3 e janeiro de 1854: Guilherme Moon e C. participam que João Mc Kinnell
retirou-se da casa comercial; e foi admitido um
novo sócio – Guilherme Ford. (JC, 01/01/1844;
03/01/1854)
No primeiro anúncio, a sociedade deixa
de ser familiar, de irmãos, permanecendo em um
nome particular, porém com mais dois sócios,
que parecem ter permanecido ao longo dos dez
anos, quando houve a troca de um deles; observando ainda a ida de Guilherme Moon para a Inglaterra para realizar negócios da casa.
Outra firma entre irmão é a terceira da
lista acima, que aparece em anúncio em 3 de janeiro de 1855, quando Diogo Kemp comunica
que saiu da firma Finnie Irmãos e C., de Manchester e do Rio de Janeiro; ficando representando as mesmas: Archibald Finnie, Diogo Finnie e
Robert Finnie. (JC, 03/01/1855)
No anúncio acima, com exceção do
anunciante, todos os demais integrantes devem
ser os irmãos Finnie, e é interessante reparar que
o texto deixa claro suas ramificações - Manchester e Rio de Janeiro.
Não foram encontradas referências a
Mackay Miller and Co., Rostron Dutton and Co.
O próximo da lista é Watson Spence, que aparecem em jornal de 1 de janeiro de 1854, divulgando que o sócio Ricardo B. Leyne retirou-se
da firma, em31/12/1853; o anunciante comunica
também que Heitor Shannon foi admitido como
sócio. (JC, 01/01/1854)
A próxima firma, Astley Shepherd and
Co., já havia sido citada em casos de falecimentos, cujos sócios constavam, em 1845 com sendo
os seguintes: Eduardo Astley e Diogo Williams,
em Liverpool; e Francisco Algorri e Guilherme
Shepherd, no Rio de Janeiro. (JC, 01/01/1845)
Neste caso, há uma divisão entre os que ficam na
Inglaterra e os que ficam no Brasil.
Na sequência, a firma Hogg Adam e C.
comunica, em 22 de abril de 1845, que, na ausência de Guilherme E. Hogg, fica encarregado
da casa Thomas Marck Eubank. Em 5 de janeiro
de 1847, sai a notícia de que Hogg Adam e C.
Admitiram como sócio: Thomas Marck Eubank.
(JC, 22/04/1845; 05/01/1847) Essa alteração é
interessante porque o encarregado, no primeiro
anúncio, ingressou como sócio e, no próximo,
assume o negócio: no dia 1 de janeiro de 1857,
é comunicada a dissolução da firma Hogg Adam
e C., continuando os negócios a firma Eubank
Lowndes e C., de que fazem parte: Thomas Marck Eubank, Hentique Baudinel Lowdes e Luiz
Augusto Schmidt. (JC, 03/01/1855)
Sobre as três firmas restantes, Andrew
and Edwards, Edson and Mellor, Phillips Brothers não foram encontrados anúncios no período pesquisado, sendo que Edson and Mellor e
Phillips Brothers constam frequentemente nas
tabelas de mercadorias exportadas. Existe ainda
a referência a Phillips Brothers and Co na História Geral da Civilização Brasileira, em que a empresa aparece com destaque dentre os exportadores de café, assim como o histórico da firma de E.
Johnston & Co. O nome completo desta última
é Edward Johnston & Co., residente no Rio de
Janeiro desde 1821, que fundou a firma em 1842,
sendo que, em 1845 transferiu-se para Liverpool,
onde estabeleceu uma sociedade mercantil, que
pode ter sido a firma Andrew and Edwards. (Holanda, 1965, 147)
Vale ressaltar a trajetória de Thomas
Marck Eubank, que além de passar de encarregado sócio, passou a constar na identificação da
firma com Lowndes. Um dos motivos pode ter
sido em razão de ter se destacado entre o corpo
mercantil por fazer parte da comissão que passou
a fiscalizar a aplicação do convênio, em 1848.
Existe ainda uma alusão ao nome de
Thomas Ewbank na obra de Hugh Thomas,
quando cita seu texto de viagem, que relata a
venda de escravos do Rio de Janeiro, na esquina
da rua dos Ourives com a do Ouvidor, em meio a
outras mercadorias. O negociante aparece identificado por Thomas como um viajante americano.
(Thomas, 2006, 631)4
4 Ewbank já havia assinado individualmente o atestado de idoneidade a
Manoel Pinto da Fonseca.
Outras firmas inglesas são citadas no
livro de Tavares, como as que assinaram a lista
de negociantes ingleses que passaram o atestado de idoneidade a Manoel Pinto da Fonseca:
Hildyard, Clegg ando Co.; Watson, Spencer
and Co.; Miller, Le Cocq and Co.; Jas. Dalglish
Thomson and Co.; Astley, Algorri and Co.; Freeland, Ker Collings and Co.; P.P. Hogg Adam and
Co.; Thos. M. Ewbank; Hoyle Hargreave and
Co; Samuel Phillips and Co.; Finnie Brothers
and Co.; Naylor Brothers and Co.; Andrew and
Edwards Co.; Mackay, Miller and Co.; Phillip
Brothers Co.; William Moon and Co.; William
Harrison and Co.; Pearson, Browne and Co.;
Durham, Bunn and Co.; Samuel Brohers and Co.
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
Era o mais famoso traficante, fato corroborado por Tavares, Thomas e Vergé. De 1837
a 1838, a ascensão do traficante Manoel Pinto
da Fonseca, de ‘quase falido’, mas que obteve
créditos, navios carregados de fazendas, dinheiro e mantimentos de comerciantes ingleses,
constituiu-se no modelo do “aventureiro”, descrito por Alcoforado. Tanto que sua alcunha na
praça mercantil carioca era de “Pinto caixeiro”,
pois havia chegado de Portugal, em 1833, sem
nenhum tostão na carteira. (Tavares, 1988, 124)
Sua trajetória não diferia muito da de Mauá, que
também começou, em 1829, como caixeiro da
casa Carruthers e Co., e chegou a sócio gerente.
Mauá e Pinto da Fonseca tiveram a mesma iniciação no mundo dos negócios – caixeiro.
Em sua Autobiografia, o negociante reconhece
que todo seu aprendizado se deu no balcão da
firmas Carruthers e Co. Posteriormente, quando
centralizava os negócios bancários, as operações
financeiras eram similares às que estão descritas
para o tráfico - giravam em torno do desconto de
letras e de saque e remessa de papéis comerciais.
(Kuniochi, 1995)
Para os dois ex-caixeiros, vale a máxima
expressa por Braudel (1995, 332): “No vértice
da pirâmide, está o orgulho daqueles que, nec
plus ultra, entendem de câmbio”.
Retornando aos negociantes ingleses,
a primeira firma que aparece na lista de negociantes, Hildyard Clegg e C., publicou, em 4
de janeiro de 1844, que João Clegg e Henrique
Hildyard uniram as suas casas – Clegg Irmãos
e C. E Henrique Hildyard e C. – sob uma só firma: Hildyard Clegg e C., rua das Violas nº. 18,
desde o primeiro dia do ano. (JC, 04/01/1844)
Dez anos depois, dia 10 de janeiro de 1854, Clegg Greenup e C. anunciam que John Freeland é
sócio de sua casa desde o primeiro dia do ano.
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História e Economia Revista Interdisciplinar
É interessante notar que no primeiro
anúncio, duas firmas foram unidas. Nota-se que
o ano em questão é 1844, quando houve a quebra de firmas inglesas. No mesmo ano, o nome
de John Freeland aparece vindo também de uma
antiga empresa: em 6 de janeiro de 1844, Freeland Ker Collings e Comp. comunicam que, em
31 de dezembro de 1843, Basil Freeland retirouse do negócio em favor do filho João Freeland;
continuando a firma sem alteração. Alguns dias
depois (29 de janeiro), a firma participa ingresso
de novo sócio: A.F. Emeric de Saint Dalmas.(JC,
04/01/1844)
Basil Freeland foi outro negociante inglês que se retirou, em 1844, porém o filho ficou
no país e, dez anos depois, associou-se a outros
ingleses. A firma Freeland Ker Collings e Comp.
também assinou o atestado de idoneidade acima.
Na sequência, a firma Miller Le Cocq,
já havia sido citada por motivo de falecimento e
a formação de nova firma foi comunicada em 1
de maio de 1845, com os seguintes sócios: João
Le Cocq, Hugh Bain, Manger Smith Collings
e Daniel Miller (residente em Londres). (JC,
04/01/1844) O mesmo nome seria mantido ainda
por dez anos, conforme anúncio de 2 de janeiro
de 1855: a firma Miller Le Cocq foi extinta, os
sócios – Hugh Bain, Manger Smith Collings e
João Le Cocq – são os liquidantes e continuam
com o negócio, sob a firma Baird Le Cocq e C.
(JC, 02/01/1855)
Há casos que a dissolução é mera formalidade pela expiração do prazo de contrato:
em 4 de janeiro de 1849, saiu comunicado da
dissolução da firma Hoyle Hargreaves e C., pelo
término do tempo de contrato; Henrique Hargreaves e Roberto Nattall continuam a firma. (JC,
04/01/1849)
Da lista de negociantes ingleses, ainda
aparece o nome de Willam Harrison, que era conhecido no Rio de Janeiro por Guilherme Harrison, conforme anúncio de James Buchanan, que
comunica, em 13 de março de 1845, que deixou
de ser sócio na casa de Guilherme Harrison e
C.; o negócio continua com o sócio João Johson Jackson. Saiu publicado no mesmo dia que
Ricardo Faner sai de viagem para a Inglaterra
e deixa como procurador – Alexandre Miligan.
(JC, 13/03/1845) Essa informação é importante,
ainda mais que os dois anúncios anteriores foram
publicados no mesmo dia, porque, no ano seguinte: em 1 de janeiro de 1846, Guilherme Harrison e Comp. comunicam que Alexandre Miligan ficou sócio da firma. Um outro sócio ainda
é admitido em 1 de junho de 1846: Guilherme
Harrison Jr., conforme anúncio publicado em 6
de junho. (JC, 01/01/1846; 01/06/1846)
Neste caso, é importante assinalar que os
dois comunicados de saída datam de 1845, com
a posterior associação dos sócios remanescentes.
Entre 1844 e 1845, os anúncios mostram que foram constantes as alterações nas firmas inglesas,
seja de saída de sócio para a Inglaterra, seja de
reestruturações, que envolviam a entrada de novos componentes, e os casos de falências e fechamento de firmas.
Tudo leva a crer que a não renovação do
tratado comercial entre o Brasil e a Inglaterra,
associado ao sentimento anti-britânico, obrigou
toda essa movimentação, pois na pior das hipóteses, foi necessário fechar a empresa e abrir
falência.
Da lista em apoio a Manoel Pinto da
Fonseca, ainda resta comentar sobre Durham,
Bunn and Co., que aparece em anúncio de 15 de
março de 1846: D. Bunn e C. participam que admitira Guilherme Diogo Durnham como sócio,
desde 01/01/1846. (JC, 15/03/1846)
Alterações significativas ocorreriam
no ano seguinte: no dia 1 de janeiro de 1847, saiu
anúncio da dissolução das firmas: Durham Bunn
e C., do Rio de Janeiro, e de James Durham e
C., de Manchester; retirando-se das mesmas James Durham e Henrique Bunn. Aos outros sócios
ficou a liquidação; os negócios continuam nas
novas sociedades: Durham Filho e C., no Rio de
Janeiro, e Durham e C., em Manchester; existindo as extintas firmas somente em liquidação.
(JC, 01/01/1847)
Se o comunicado conjuntos dos negociantes ingleses data de 1848, três anos depois, saiu publicado comunicado semelhante
de negociantes: em 1 de janeiro de 1851 (JC,
01/01/1851): Os abaixo assinados participam
a seus fregueses que tomaram as seguintes
resoluções:
De não vender, de 1.º de janeiro de 1851
em diante, a prazo maior de 12 meses por letras,
ou 10 meses por contas mensais assinadas;
De exigir o juro de 1% ao mês por
qualquer excesso (desses ou outros prazos menores convencionados) que for concedido aos
devedores;
De não vender a qualquer pessoa cujas
contas, a datar de 1.º de janeiro de 1851, não se
acharem pagas em 16 meses.
Assinam:
A. e R. Bartels
Billwiller Gsell e C.
Daenicker e Wegman (em liquidação)
Daeniker e Ferber
Emery e C.
P. de Hamann e C., L.A. Prytz
Klingelhoerfer, Gries e C.
Limpricht Irmãos e C.
Christian Reidner
Saportas e C.
Schroeder e C.
Stockmeyer e C.
Wegman, Moers e C.
G.H. Weitzmann e C.
De acordo com o comunicado, os negociantes pretendiam limitar os pagamentos a 12
meses e cobrar juros de 1% ao mês a todos que
ultrapassem esse limite.
História e Economia Revista Interdisciplinar
45
Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
As novas condições são semelhantes
àquelas apresentadas pelos negociantes ingleses,
com uma mudança no valor do juro exigido, que,
no comunicado de 1848 havia sido estipulado
em ¾%, neste aparece o juro de 1%. Vale lembrar que a lei Euzébio de Queiros data de 4 de
setembro de 1850, portanto, nem mesmo havia
completado quatro meses, quando saiu o comunicado acima.
Os negociantes identificados em anúncios começam com A. e R. Bartels, que comunicam, em 5 de janeiro de 1848, que deram interesse em sua casa de comércio a E.A. Bartels Jr.,
que assinará por procuração. (JC, 05/01/1848)
O segundo da lista: J. B. Billwiller
participa, em 3 de janeiro de 1844, a nova casa
de importação Billwiller Gsell e Comp.- rua do
Sabão nº. 39. Um ano depois, em 1 de janeiro
de 1845, um novo sócio é admitido: R. Laqual.
(JC, 03/01/1844; 01/01/1845) Uma nova mudança iria ocorrer, em 1 de janeiro de 1854, quando
Billwiller e C. anunciam que passará a assinar
Laquar David e C., da qual são os únicos sócios: R. Laquar e H. David, que continuam os
negócios; F. Huber tem a procuração bastante
da nova firma. (JC, 01/01/1854)
No abaixo-assinado aparecem três firmas que eram entrelaçadas: Daenicker e Wegman, Daeniker e Ferber, Wegman, Moers e C.,
como pode ser comprovado nos anúncios: em 1
de janeiro de 1847, Daeniker e Wegmann comunicam que admitiram D. Moers como sócio na
casa de comércio, sob a firma Daeniker Wegman
e Comp.; quase dez anos depois, saiu nova alteração: no dia 1 de janeiro de 1856, Wegmann
Moers e C. participam que E. Wegmann retirouse, e o Sr. Moers continua no negócio com novo
sócio: C.W. Gross, sob a firma D. Moers e C.(JC,
01/01/1847, 01/01/1856)
46
História e Economia Revista Interdisciplinar
Sobre o negociante J.F. Emery foi encontrado somente um anúncio em que consta
que ele integrava a diretoria do Banco do Comércio do Rio de Janeiro, por ter assinado relatório, publicado em 11 de janeiro de 1844. (JC,
11/01/1844)
Há pouca informação também sobre os
dois próximos negociantes: saiu comunicado, em
1 de janeiro de 1854, de Klingelhoefer Gries e
C., que fazem público que o Sr. Ernesto Volckmar
é interessado na sua casa comercial, desde o primeiro dia do ano, e que assinará por procuração
a firma da casa. (JC, 01/01/1854) Em 19 de dezembro de 1844, Limpricht Irmãos e C. avisam
que Luiz von Bonninghausse assina sua casa por
procuração. (JC, 19/12/1844)
Em relação a Christian Reidner, há
mais informações: as notícias começam com
anúncio de 2 de janeiro de 1847, Honegger Reidner e C. participam, em, que dissolveram sociedade; Christian Reidner continua com a casa de
comércio, sob firma singular. Um ano depois, em
5 de janeiro de 1848, Christian Reidner comunica que C.E. Treutlein está encarregado com
a procuração de sua casa. No dia 1 de março
de 1851, Christian Reidner, tendo de fazer uma
viagem demorada à Europa, comunica que admitiu como sócio em sua casa: Maurício Hesse
– de Hamburgo, sob a mesma firma. Verifica-se
que o novo sócio faz parte da firma pelo anúncio de 1 de janeiro de 1856, Christian Reidner
participa que expirou o prazo da sociedade entre Reidner e Maurício Hess; o primeiro continua com o negócio e Hess assina por procuração. (JC, 02/01/1847; 05/01/1848; 01/03/1851;
01/01/1856)
Na sequência da lista, a notícia sobre
A. D. Saportas é diferente das anteriores: no dia
15 de setembro de 1844, saiu anúncio de que, por
ordem de A.D. Saportas, serão vendidas: 7 cai-
xas com 210 espingardas com baioneta e 5 caixas com 159 espadas de cavalaria, com avaria
de água salgada, vindas de Antuérpia (navio Octavie); “as caixas serão vendidas por conta do
seguro, com presença do Sr. cônsul da Bélgica”.
lista integra o restante da comunidade estrangeira que atuava no Rio de Janeiro, de origem européia. A partir das tabelas de comercio, é possível
verificar que muitos destinavam mercadorias
para Hamburgo, Havre e cidades da Inglaterra.
A quantidade de armamento avariada
é de monta e o tipo de mercadorias também levanta suspeitas, o que pode justificar a presença
do cônsul da Bélgica e mostra que, em 1844, o
consulado assumia “o direito de administrar as
propriedades dos cidadãos dos seus respectivos
países”. (JC, 15/09/1844) 5
Na maioria, as sociedades integram
menos agentes e ocorre um menor número de
alterações, não havendo evidências de mudanças significativas para um mesmo período, como
foram os anos 1844 e 1845, para os ingleses. A
exceção ficaria para o conjunto das firmas - Daenicker e Wegman, Daeniker e Ferber, Wegman,
Moers e C. -, cuja dinâmica das alterações lembram as das inglesas, porém para anos posteriores aos apontados para os britânicos.
Para a firma Schroeder e C., um anúncio inusitado: em 28 de janeiro de 1850, João C.
Wirby comunica que vendeu seu estabelecimento
de abridor – situado na rua dos Ourives nº. 157
– a Henrique Schroeder. (JC, 28/01/1850) Não
se sabe o que poderia ser um negócio de “abridor”, ainda mais com uma firma estrangeira.
Finalmente, informações sobre as duas
últimas firmas tratam de alterações convencionais: a primeira comunica, em 1 de janeiro de
1854, Stockmeyer e C. participam que Alexander George Mosle e Victor Schaumann, que já
tinham interesse, assinando por procuração, assinarão a partir dessa data a firma social Stockmeyer e C.; assim como Carlos Stockmeyer, que
foi admitido como sócio; e a segunda refere-se
à firma G.H.Weitzman, que publica, em 18 de
maio de 1843, que G.H. Weitzmann e C. participam a esta praça que, desde o primeiro dia do
ano, o Sr. Lud E. Pinckernelle está interessado
em sua casa comercial e assina por procuração.
(JC, 01/01/1854)
As notícias sobre o comunicado dos
comerciantes de 1851 abarcou quase todas as casas, com exceção de P. De Hamann e C. e L.A.
Prytz, sobre os quais não houve anúncios. Essa
5 Pelo texto, os mesmos termos para os ingleses valiam para cidadãos
belgas.
Uma inferência poderia ser feita para o
fato de que as datas das notícias concentram-se
para os anos posteriores a 1845, o que pode ser
evidência de que novas firmas estariam entrando
para ocupar o espaço deixado pelos ingleses, que
poderiam ter sido prejudicado pelo sentimento
anti-britânico. Isso também explicaria a anuências dos negociantes da Inglaterra para assinarem o comunicado de 1848, porque os ingleses
já tinham sido prejudicados em seus negócios e
estariam cedendo à política britânica, contrária
ao tráfico de escravos.
De qualquer maneira, estava havendo
um consenso entre todas as empresas estrangeiras para limitar o crédito, em um máximo de 12
meses, com a cobrança de juros para os atrasos.
Essa tendência estaria de acordo com a própria
política do governo brasileiro, que havia publicado, em 1850, o Código Comercial. Sem dúvida,
o fim do tráfico estava apontando novos horizontes para a praça comercial do Rio de Janeiro.
Considerações finais
A participação do capital inglês no comércio de escravos era operada pelo duplo sis-
História e Economia Revista Interdisciplinar
47
Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
tema de créditos e de faturas: emitiam faturas
de compra de manufaturados que eram aceitas
e descontadas em Londres, Bristol, Liverpool,
Nova York, Boston, Baltimore, Hamburgo.
Os ganhos também poderiam vir de operações de saque e remessa dos papéis, emitidos
por negreiros na África ou no Brasil, que possibilitava a especulação com a taxa de câmbio
das moedas. O fato de o agente, que adiantava o
dinheiro, remeter a letra para o país, onde ela seria paga, justificava o nome da operação de saque
e remessa. Somente as redes de comércio com
ramificações no mercado internacional tinham
condições de realizar essas operações.
Justamente, quando esses papéis chegavam em Londres poderia estar sendo fechado o
circuito, aberto com a compra dos manufaturados. Dessa forma, a organização em redes podia
transformar operações mercantis e financeiras
em operações internas, havendo uma compensação de débitos e créditos. Assim, as empresas
com representantes nas mais diferentes localidades, como muitos anúncios revelam, levavam
vantagem por não terem de recorrer a banqueiros
ou outros negociantes.
Raymond de Roover estudou a origem
da letra de câmbio e concluiu que seu aparecimento está inscrito no próprio funcionamento do
comércio. Na Idade Média, o comércio era
essencialmente um comércio de consignação,
bastante especulativo como o câmbio o é por
definição, e que se exerce por intermédio de
correspondentes e agentes no estrangeiro. Em
geral, ao exportar, o comerciante não vende diretamente, um agente se encarrega dessa venda
no lugar de destinação e se esforça, às vezes
sem sucesso, em obter um preço remunerador.
Se o exportador precisa de fundos líquidos,
ele procura obter uma letra de câmbio sobre o
produto da venda de suas mercadorias. Assim
se explica a freqüência de somas arredondadas
48
História e Economia Revista Interdisciplinar
nos livros dos banqueiros. (Roover, 1953, 30)
Para os negócios do tráfico, lucros
excepcionais compensavam os riscos, por isso,
se o empreendimento havia se concretizado, ou
seja, se o navio escapara das investidas inglesas,
os preços certamente seriam compensadores.
Segundo De Roover, a transferência por letras
de câmbio era por si só uma atividade lucrativa,
pois o fato de estar sempre inteirado dos índices
cambiais, por meio dos agentes instalados nas
praças mais importantes, fazia com que a marcha
do câmbio favorecesse, com maior freqüência, o
emprestador de fundos.
O alongamento dos prazos abria um
tempo maior para que as remessas fossem feitas e nem sempre o circuito dos papéis fazia o
percurso direto: se as taxas cambiais fossem favoráveis, eram enviadas para os destinos mais
lucrativos, ou seja, de Angola à Londres, poderia haver uma parada em New York. Esse tipo
de operação fazia parte do cotidiano bancário,
conforme consta na correspondência de Mauá
quando comenta, em carta de 22 de outubro de
1860, sobre remessas e câmbios, que se “bem
combinadas estas operações de cambio são as
melhores que podem realizar nas casas Bancarias, pela rapidez com que se realizão os interesses respectivos”. (Mauá, IHGB, Doc. 10, Lata
513)
Mauá não diferia muito de “Pinto caixeiro”, apelido de Manoel Pinto da Fonseca,
representativo daquilo que Alcoforado se refere
aos ‘muitos outros aventureiros [que] tentavão
fortunas quando não tinhão Capital seu nem outro meio honesto pelo qual o podessem obter’,
afirmando que foram as facilidades introduzidas
no tráfico, ao longo da década de 1830, que possibilitou recorrer a “qualquer especulador que
lhes fiava as fazendas”, ou seja, os manufaturados de Birmingham, Manchester e Glasgow. Não
é por acaso que, em 1854, Manoel Pinto da Fonseca integra a lista de sócios comanditários da
casa bancária Mauá, Mac Gregor & Cia. (Mauá,
1943, 233)
No entanto, esses ganhos extraordinários podiam incomodar proprietários de terra,
endividados com essas redes de negócio. Em
vista disso, o clima anti-britânico foi estendido
principalmente para outras províncias brasileiras, distantes do mercado do Rio de Janeiro,
onde estava concentrada grande parte das casas
inglesas. Mesmo com os prazos estendidos para
os compradores de escravos no Brasil, as dívidas
se acumulavam, obrigando muitos fazendeiros a
assinarem letras, que mesmo que fossem reformadas, tinham a cobrança de juros sobre juros
e não tardaria para que a hipoteca fosse imposta e, logo mais, a tomadas das terras e escravos
acontecia.
O encadeamento das dívidas formava
uma corrente, cujos anelos moviam o mercado
financeiro e mercantil; o rompimento de um dos
anéis podia causar problemas e emperrar o movimento dos negócios. Braudel descreve da seguinte maneira:
Do pequeno lojista ao negociante, do artesão ao fabricante, todos vivem do crédito, isto
é, da compra e venda a prazo (at time), sendo
precisamente isso que permite obter, com um capital de, por exemplo, 5 mil libras, um volume
anual de negócios de 30 mil libras. Os prazos
de pagamento que todos dão e recebem por sua
vez, e que são uma ‘maneira de contrair empréstimos’, são até elásticos: “Nem uma pessoa em
cada vinte cumpre o prazo combinado e em geral não se espera que o cumpra, tamanhas são as
facilidades entre mercadores nesse domínio. No
balanço de qualquer comerciante, ao lado do estoque de mercadorias, há regularmente um ativo
de créditos e um passivo de dívidas. A sabedoria
está em salvaguardar o equilíbrio, mas em não
renunciar a essas formas de crédito que, afinal,
representam uma massa enorme, que multiplica
por 4 ou 5 o volume das trocas. Todo o sistema
mercantil depende disso. Cessando esse crédito,
o motor enguiçaria. O importante é que se trata de um crédito inerente aos sistema mercantil,
gerado por ele – um crédito ‘interno’ e sem juros. O seu particular vigor na Inglaterra parece
a Defoe o segredo da prosperidade inglesa, do
overtrading que lhe permite impor-se também no
estrangeiro. (Braudel, 1995, 339)6
Quando Braudel afirma que prazos de
pagamento é uma “maneira de contrair empréstimo”, fica evidente que a pressão do embaixador inglês, junto aos negociantes de seu país
para limitar os pagamentos há 12 meses, com a
cobrança de juros pelos atrasos, foi um duro golpe para os negócios do tráfico de africanos. Se
a perseguição tenaz dos cruzadores ingleses não
havia atingido o vil comércio, a limitação do prazo de pagamento ocasionou a quebra na corrente
dos negócios do tráfico de escravos no Brasil.
6 Braudel cita o relato de Daniel Defoe – En Explorant l’île de GrandeBretagne, ed. de 1974
História e Economia Revista Interdisciplinar
49
Crédito e privilégios de comerciantes estrangeiros no Rio de Janeiro...
Bibliografia.
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. Séculos XV-XVIII. São
Paulo: Martins Fontes, 1995, vol. 1 e 2.
Correspondência ativa, comercial do Barão de Mauá. Originais com cópias datilografadas.
1860-1861 - IHGB, Doc. 10, Lata 513.
DE ROOVER, Raymond. L’Evolution de la lettre de Change. XIVe-XVIIIe. Paris: Librairie
Armand Colin, 1953.
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo,
1965, tomo II. 4º. Volume.
Jornal do Comércio, 1842 a 1857
KUNIOCHI, Márcia Naomi. A prática financeira do barão de Mauá. Dissertação de Mestrado,
São Paulo: FFLCH-USP, 1995.
LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975.
MANCHESTER, Alan K. Preeminência inglesa no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973.
MAUÁ, Visconde de. Autobiografia. Rio de Janeiro: Liv. Ed. Zelio Valverde, 1943.
OLIVEIRA, Geraldo de Beauclair M. de. A pré-indústria fluminense. 1808-1860. Tese de Doutoramento. São Paulo: FFLCH-USP, 1987.
RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850). Campinas, SP: Ed. da UNICAMP CECULT, 2000.
TAVARES, Luis Henrique Dias. Comércio proibido de escravos. São Paulo: Ática, 1988
THOMAS, Hugh. The slave trade: the history of the Atlantic slave trade. 1440-1870. Londres:
Phoenix, 2006.
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia de
Todos os Santos: dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.
50
História e Economia Revista Interdisciplinar
Um periódico em defesa
da indústria nacional:
análise da Tribuna Militar (1881-82)1
Guillaume Azevedo Marques de Saes
(aluno de Doutorado do Programa de História Econômica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Nelson Hideiki Nozoe, e bolsista FAPESP)
[email protected]
Resumo:
O objetivo deste artigo é analisar as posições do periódico Tribuna Militar (1881-82) a respeito de questões econômicas, com
destaque para sua defesa enfática da indústria nacional e sua crítica virulenta ao caráter agrário da economia brasileira. Para
nós, este jornal, já estudado por autores como John Schulz e William S. Dudley, e publicado por militares brasileiros no início da
década marcada pela grave crise político-militar que culminou na derrubada da monarquia, serve como indício de que por trás
da rebelião contra as autoridades imperiais havia muito mais do que uma questão de orgulho corporativo: esta rebeldia poderia
traduzir também, embora de forma não explícita, uma contestação da estrutura sócio-econômica vigente que era fundada na
escravidão e na exportação de produtos primários.
Palavras-chave: imprensa; militares; indústria.
Abstract:
This article intends to analyse the ideas of the journal Tribuna Militar (1881-82) about economic issues, especially its emphatic
defense of national industry and its virulent criticism of the agricultural nature of the Brazilian economy. For us, this newspaper,
already studied by authors like John Schulz and William S. Dudley, and published by the Brazilian military in the beginning of the
decade of political and military crisis that brought about the fall of the monarchy, might indicate that the rebellion against imperial
authorities was not only a matter of corporate pride. This rebellion expressed, even if not explicitly, the opposition to the dominant
social and economic structure that was based on slavery and on the exportation of primary products.
Keywords: press; military; industry.
1 Este artigo é uma versão modificada do texto Um projeto econômico: análise do jornal Tribuna Militar (1881-82), apresentado no Programa
de Seminários de História Econômica promovido pelo Hermes & Clio – Grupo de Estudos e Pesquisa em História Econômica, no Departamento de
Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, em 31 de março de 2009, e no VIII Congresso
Brasileiro de História Econômica e 9ª Conferência Internacional de História de Empresas, promovido pela Associação Brasileira de Pesquisadores em
História Econômica (ABPHE) e realizado no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, no período de 6 a 8 de setembro de 2009.
Agradecemos aos professores participantes destas seções pelas sugestões que nos ajudaram a melhorar o texto. Agradecemos também ao Prof. Steven
Topik pelas críticas e sugestões em seu parecer para este artigo.
História e Economia Revista Interdisciplinar
51
Um periódico em defesa da indústria nacional...
O
nosso objetivo aqui neste artigo é
analisar as posições do periódico
Tribuna Militar (1881-82) a respeito de questões econômicas, com destaque para
sua defesa da indústria nacional e sua crítica ao
caráter agrário da economia brasileira. Para nós,
este jornal, publicado por militares brasileiros
no início de uma turbulenta década marcada por
uma grave crise político-militar que culminou
na derrubada da monarquia, serve como indício
de que por trás da rebelião contra as autoridades
imperiais havia muito mais do que uma questão
de orgulho corporativo: esta rebeldia poderia traduzir também, embora de forma não explícita,
uma contestação da estrutura sócio-econômica
vigente, esta última fundada na escravidão e na
exportação de produtos primários para o exterior.
A defesa de um modelo de desenvolvimento antagônico à ordem sócio-econômica do
Império já estava presente na imprensa militar
na década de 1850. Apesar de leal ao Imperador,
o jornal O Militar, que circulou nos períodos
1854-55 e 1860-61, contestava abertamente a
ordem sócio-econômica vigente. Este periódico,
estudado por John Schulz (1994)2, apresentava
reivindicações voltadas tanto para o terreno técnico-profissional (defesa do serviço militar obrigatório) como para o progresso social (abolição
da escravidão e política de incentivo à imigração
européia) e para o desenvolvimento nacional
(política de expansão das vias de comunicação
[ferrovias, estradas e telégrafos] e de incentivo
às atividades industriais). Acusando a elite imperial (a “classe legista”) de desprezar e de dificultar, através de um conjunto de leis e regulamentos, o desenvolvimento industrial, O Militar
defendia uma política de crédito e tarifas protecionistas para a indústria. Encontramos posições
similares na Tribuna Militar, jornal também
estudado por John Schulz (1994)3 e que circulou
no período 1881-82. Optamos por analisar aqui
2 Ver capítulo 2, Reformadores e revoltados.
3 Ver capítulo 4, O Exército desprezado.
52
História e Economia Revista Interdisciplinar
as posições deste periódico no que diz respeito
ao desenvolvimento econômico pelo fato dele
ter circulado num momento correspondente à
eclosão da rebelião militar contra a ordem imperial, suas posições podendo refletir melhor as
posições da oficialidade revolucionária daquele
momento histórico.
O jornal Tribuna militar: orgão das
classes militares e dos interesses geraes do
paiz era bissemanal e circulou entre julho de
1881 e março de 1882, sendo publicado pela Typographia da Tribuna Militar, no Rio de Janeiro, e tendo como responsável o nome de J. A.
de Castro Miranda.4 Os artigos deste periódico
não são assinados, muito provavelmente para
se evitar uma punição por indisciplina, já que se
trata de uma publicação realizada por militares
contendo fortes críticas à ordem vigente e a autoridades do regime imperial5. Segundo William S.
Dudley (1975, 60-61), a Tribuna Militar, continuação sob outro nome do jornal O Soldado,
que circulou entre março e julho de 1881, desapareceu sem razão aparente. Para nós, pode haver duas explicações para este desaparecimento:
a primeira seria de ordem material e financeira,
já que encontramos na primeira página de diversos números queixas sobre a situação precária do
jornal e comentários sobre a necessidade de se
aumentarem as assinaturas; a segunda seria de
ordem política, as pressões de parte de setores
civis e militares comprometidos com a ordem
vigente, setores que viam este tipo de publicação
4 Tribuna militar: orgão das classes militares e dos interesses geraes
do paiz. Rio de Janeiro: Typographia da Tribuna Militar, 1881-82.
Este periódico está disponível em versão micro-filmada no Acervo da
Fundação Biblioteca Nacional – Brasil. Não encontramos referências
sobre este J. A. de Castro Miranda.
5 As posições críticas do jornal para com a ordem vigente chegam
a atingir um representante da alta oficialidade do Exército como o
Visconde de Pelotas, numa série de artigos criticando a atuação deste
à frente do Ministério da Guerra (1880-81) e apresentando-o como
agente do Partido Liberal e de Silveira Martins e não como representante autêntico dos interesses de sua corporação (ver o sétimo artigo
da série, O ministério do visconde de Pelotas – VII. Tribuna militar:
orgão das classes militares e dos interesses geraes do paiz, ano I, no.
8, 28 de julho de 1881, p. 2-3). Silveira Martins era naquele momento o
grande líder liberal do Rio Grande do Sul, e se tornaria conhecido por
suas posições conservadoras no que diz respeito à escravidão e por sua
hostilidade aos militares.
como uma ameaça à disciplina militar, tornando
inviável a sobrevivência do jornal.
Assim como O Militar, a Tribuna
Militar não se ocupava somente de questões
propriamente militares, como também de questões políticas, sociais e econômicas.
No que diz respeito às primeiras, o jornal alerta para o despreparo militar do Império
diante das eternas ameaças platinas, deixando
claro sua preocupação com a modernização da
organização militar argentina, em contraste com
a estagnação da organização militar brasileira6. E
de fato, o período pós-Guerra do Paraguai corresponde a uma fase de retração do Estado brasileiro na área militar, com redução proporcional
do orçamento e do efetivo das forças armadas,
enquanto que países como a Argentina e o Chile
iniciariam um processo de modernização de suas
forças militares, o primeiro com a vinda de instrutores europeus já no final da década de 1860, e
o segundo com a contratação, na década de 1880,
de uma missão militar alemã7.
Já no que toca às questões políticas, o
periódico se apresenta ao mesmo tempo como
apartidário e representante da classe militar,
alega que a princípio nenhum tipo de regime,
seja ele monarquia ou república, é bom ou ruim,
tudo dependendo na verdade de seu conteúdo
e não de sua forma, e defende a tese de que a
classe militar deve estar pronta para intervir em
6 Estas idéias estão presentes, por exemplo, no editorial do número de
18 de setembro de 1881 (Tribuna militar: orgão das classes militares e
dos interesses geraes do paiz, ano I, no. 23, 18 de setembro de 1881, p.
1-2). O editorial de um dos últimos números do jornal, que comemora
o 12º aniversário do final da Guerra do Paraguai, denuncia o sucateamento das forças armadas brasileiras no período posterior ao conflito
(ver Tribuna militar: orgão das classes militares e dos interesses
geraes do paiz, ano II, no. 17, 2 de março de 1882).
7 Para a política militar do Império após a Guerra do Paraguai, ver
SODRÉ, Nelson Werneck. História militar do Brasil. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 142-143, SCHULZ, John. O
Exército na política: origens da intervenção militar, 1850-1894, p.
75-76 e MOTTA, Jehovah. Formação do oficial do Exército: currículos
e regimes na Academia Militar 1810-1944. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 2001, p. 147-151. Sobre a política de modernização dos
exércitos argentino e chileno ver ROUQUIÉ, Alain. O estado militar na
América Latina. São Paulo: Alfa-Omega, 1984, p. 97 e 99.
momentos de crise política da nação, apoiar os
governos honrados e respeitadores da lei e se
colocar contra os governos que não seguem os
bons princípios8. Este tipo de posição política,
moderada se a compararmos com as posições de
outro jornal militar, O Nihilista, que já no ano
de 1883 pregava abertamente a derrubada do regime imperial9, consiste no nosso entender numa
manifestação, mesmo que embrionária, do conceito de “soldado cidadão”. Segundo este conceito, trabalhado por José Murilo de Carvalho
(2005, 38-40), o soldado deveria deixar de ser
um mero cumpridor de ordens e se tornar um cidadão capaz de interpretar a política do governo
(no sentido de saber se ela é benéfica ou maléfica
para a pátria), e de, a partir daí, tomar posição
em relação a ela. Esta ideologia, desenvolvida
durante as agitações militares desta década de
1880 e retomada quarenta anos depois pelos tenentes revolucionários que pegavam em armas
contra a república oligárquica, leva logicamente
a uma justificação do intervencionismo militar
na vida política do país. Podemos constatar, a
partir daí, que a Tribuna Militar é uma publicação essencialmente política na medida em que
dedica boa parte de seus números a uma análise
dos problemas do país. Sua visão crítica da vida
política brasileira está manifesta neste artigo que
faz lembrar as posições de Virginio Santa Rosa,
grande ensaísta apologista do tenentismo, contra
o poder dos coronéis da República Velha:
O que dissemos do fazendeiro de café aplicase, mutatis mutandis, ao fazendeiro de açúcar,
aos potentados das províncias do norte, aos
estancieiros do sul, aos mineradores do centro,
8 Ver Tribuna militar: orgão das classes militares e dos interesses
geraes do paiz, ano I, no. 4, 14 de julho de 1881, p. 1, Nossa missão na
imprensa. Tribuna militar: orgão das classes militares e dos interesses
geraes do paiz, ano I, no. 40, 17 de novembro de 1881, p. 1-2, e Os
princípios. Tribuna militar: orgão das classes militares e dos interesses geraes do paiz, ano I, no. 43, 27 de novembro de 1881, p. 1.
9 Ver o editorial de O nihilista: orgao dos operarios, do exercito e da
armada. Rio de Janeiro, ano I, no. 23, 6 de abril de 1883, p. 1). Os
números 22 e 23 deste periódico estão disponíveis em versão microfilmada no Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil. Para
mais informações sobre este jornal, que visivelmente representava as
tendências mais radicais e revolucionárias dentro do movimento militar
contra o Império, ver SCHULZ, John. O Exército na política: origens
da intervenção militar, 1850-1894, p. 95-98.
História e Economia Revista Interdisciplinar
53
Um periódico em defesa da indústria nacional...
etc. etc.; são os donos das terras, os proprietários territoriais. Eles e os negociantes formam
a massa da gente que tem o que perder; eles
constituem a nação brasileira, essencialmente agrícola e deles é que saem os eleitores e
vereadores, os fagundes e os pais da pátria, os
comendadores e os barões. O mais tudo é fósforo, é gente que não tem o que perder. São,
como já dissemos, nove milhões de analfabetos, entestando com dois milhões de gente que
tem, que sabe onde traz o nariz que é instruída.
[...] Planta-se e colhe-se café, planta-se cana e
faz-se açúcar como até aqui, porque o país é essencialmente agrícola. [...] Os nove milhões de
fósforos não servem para nada; quando muito
podem fornecer voluntários para o exército e
a armada, cocheiros e condutores para bondes,
guarda-freios e guarda-cancelas para estradas
de ferro, foguistas e por algum milagre, maquinistas para locomotivas e vapores e disse.
Nas fazendas e nas roças eles são os agregados,
os peões, os tropeiros, os capangas. E como se
vê bem claramente, em tempo de eleição essa
caterva adquire uma tal ou qual importância,
porque por meio dela é que se avança à conquista das urnas.10
Admiradores da Revolução Francesa11,
os autores do periódico estão visando claramente, em suas críticas, a elite política do Império,
isto é a elite do que mais tarde se tornaria o ancien régime.
Apesar do editorial de 28 de julho de
1881 se mostrar otimista em relação ao futuro,
elogiando a reforma eleitoral daquele ano, prevendo a extinção da escravidão, o desenvolvimento da instrução pública, da indústria, das
estradas de ferro, do comércio e da lavoura, e o
progresso cultural e religioso do país12, os artigos
deste periódico tendem em geral a ser extrema10 Como são as coisas. Tribuna militar: orgão das classes militares
e dos interesses geraes do paiz, ano I, no. 3, 10 de julho de 1881.
Observação: com exceção dos títulos, a ortografia dos trechos que
transcrevemos aqui foi adaptada para a dos dias atuais.
11 Ver a efeméride O anniversario da Bastilha, homenageando o
aniversário da revolução de 1789. Tribuna militar: orgão das classes
militares e dos interesses geraes do paiz, ano I, no. 5, 17 de julho de
1881.
12 Tribuna militar: orgão das classes militares e dos interesses geraes
do paiz, no. 8, 28 de julho de 1881.
54
História e Economia Revista Interdisciplinar
mente críticos para com a ordem social e econômica vigente. Este é o teor do texto seguinte:
Nós temos o defeito de aplicar a todas as nossas
coisas o laissez passer da indolência que nos é
congênita.
Somos o país mais atrasado na instrução, na
indústria, em tudo quanto determina a riqueza
de outras nações. Tudo importamos, nada sabemos exportar.
Nossos estaleiros servem apenas para concertos, e a não ser algumas Traripes, só uma ou
outra canhoneira nela se constrói. Em geral somente escaleres, lanchões etc.
Só agora é que se está experimentando o nosso ferro de Ipanema, fábrica esta custeada pelo
estado desde os tempos coloniais (!) e até hoje
única no país. A respeito de estradas de ferro
a de D. Pedro 2º é o único espécime a que todos os governos dispensaram alguma atenção.
Nossas fronteiras são solicitadas por ferrovias
estrangeiras! e o nosso mais fidagal inimigo
atinge-as de um modo assustador.
A indiferença... por que não diremos a verdade? o nosso desastrado desleixo, porém, cruza
os braços, e deixa que o inimigo nos cerque,
nos comprima e esmague. Só quando levantar
sobre nós a massa que nos há de derrubar o primeiro homem, e que os parentes deste gritem e
ameacem ou o estrangeiro exija a garantia de
sua colônia, então chega a vez do fervet opus,
desordenado, cego, alucinado da defesa tardia,
quando qualquer remédio ao mal for impossível, e a morte sobrevenha à crise.
Nem o exemplo da questão inglesa – Christie; - nem a provação dolorosa que nos trouxe
o Paraguai, nem a atividade de reorganização
do exército argentino, nem o lançamento de
suas vias telegráficas, de suas estradas de ferro convergindo todas às nossas fronteiras, nos
movem, nos ensinam a fazer respeitar as nossas
casas!
Não se diga que somos pusilânimes e visionários. Os dois fatos acima citados, quando com
a rapidez dos desastres caíram sobre o país, as
vítimas primeiras fomos nós, - os militares – e
temos receio de continuar a ser o hirco expiatório da desídia e do erro dos nossos governos.13
13 Se vis pacem... Tribuna militar: orgão das classes militares e dos
interesses geraes do paiz, ano I, no. 24, 22 de setembro de 1881, p. 1.
Encontramos aqui uma associação entre atraso econômico e vulnerabilidade militar,
pensamento que será bastante difundido posteriormente nos meios militares. As vias de comunicação (no caso as estradas de ferro e as linhas
telegráficas) aparecem como elemento de valor
geopolítico e militar, por interligar o país e, desta
forma, ajudá-lo a construir um sistema de defesa
mais sólido. O texto menciona a famosa fábrica
de ferro de São João de Ipanema, fábrica estatal fundada em 1810 pela monarquia portuguesa
exilada no Brasil e que funcionou, com interrupções, na cidade de Sorocaba, interior de São
Paulo, até o seu fechamento em 1895; sua baixa
produtividade e baixa competitividade diante do
ferro importado da Europa (em especial do ferro
inglês) fez com que a fábrica tivesse pouca utilidade militar, vindo a contribuir de fato para a
fabricação de outro tipo de equipamento, como
utensílios agrícolas e material ferroviário. 14
No que diz respeito às questões sociais, a Tribuna Militar apoiava a campanha
abolicionista, o que pode ser constatado com
base no artigo Escola Militar, de 28 de julho de
1881, que relata uma festa abolicionista do Clube da Emancipação ocorrida na Escola Militar15,
14 Ipanema não teve participação na fabricação de armamento
durante a Guerra do Paraguai, os arsenais da Corte vindo a usar ferro
importado. A pouca ou nenhuma utilidade militar da fábrica explica
porque ela, a princípio submetida ao Ministério da Guerra, passou, em
1877, para o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
(para maiores detalhes sobre a fábrica, ver SANTOS, Nilton Pereira
dos. Um projeto geopolítico do governo Imperial Brasileiro: a fábrica
de ferro São João de Ipanema (1860-1889). Trabalho apresentado
no Seminário de pós-graduação em História Econômica, realizado
na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 3 a 5 de setembro de 2008).
Para Wilson Suzigan (SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira: origem
e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 257-258), fábricas
brasileiras de ferro do século XIX como a de Ipanema e outras de vida
mais curta situadas em Minas Gerais, como a Fábrica Patriótica, a do
Morro do Pilar e a de Caeté, fundiram ferro em pequena quantidade e
de forma intermitente; ao contrário do ferro europeu, e especialmente
do inglês, que correspondia a um estágio mais avançado da indústria siderúrgica e que, portanto, era mais abundante, mais barato e de melhor
qualidade, o ferro brasileiro era caro, de baixa qualidade e produzido
em pequena quantidade.
15 Esta festa contou com a participação de nomes como o general
Severiano da Fonseca (irmão de Deodoro da Fonseca), que distribuiu
cinco cartas de liberdade em nome do clube, Jaime Benévolo, Saturnino
Cardoso, Melquíades de Souza, Rodolfo Pau Brasil, Faria de Abuquerque, Cunha Teles, Ulysses Cabral, Godoy, Herculano de Araújo,
Thomaz Alves, Servilio Gonçalves, João Clapp, Gomes dos Santos e
Campos Porto (Escola militar. Tribuna militar: orgão das classes
e no poema Os escravos, recitado pelo jovem
militar Servilio Gonçalves em sessão magna do
Clube dos Libertos, e publicado no número de 28
de agosto de 1881. 16
As posições da Tribuna Militar em
relação às questões econômicas, além da defesa
de medidas como a nacionalização da navegação
de cabotagem17 e a nacionalização do comércio
a retalho18 (que se tornariam bandeiras dos movimentos nacionalistas do início da República),
consistem essencialmente numa defesa enfática
da indústria nacional:
Esta é uma águia19 que se impluma. Encara os
espaços infinitos e ensaia o vôo de sua pujança.
Desembaracem-lhe as asas, e ela voejará a
princípio por sobre os abismos e por sobre a
voragem das tentativas arriscadas; mas fortalecida depois, amparada com cautela, a medir
a extensão de seus titubeantes e mal seguros
planos, ganhará a firmeza do vôo, e moderadamente se lançará na vastidão de seu completo
desenvolvimento.
O governo que nos der a segurança de termos
em bases sólidas o fundamento de nossa indústria, esse será por certo o salvador do país.
Nossa fortuna, nossa riqueza, nossa glória, dependem desse esforço único.
]Desde que ele não for acolhido e praticado,
teremos a confusão que nos rege desde que
somos nação independente, a balbúrdia das
finanças, o desequilíbrio já crônico constante
entre a receita e a despesa, e por conseguinte o
militares e dos interesses geraes do paiz, ano I, no. 8, 28 de julho de
1881, p. 1).
16 Tribuna militar: orgão das classes militares e dos interesses geraes
do paiz, ano I, no. 17, 28 de agosto de 1881, p. 3.
17 Para sustentar esta posição, o editorial de 31 de julho de 1881
transcreve um artigo do periódico Agricultor Progressista, que defende a nacionalização da navegação de cabotagem com base na idéia de
que cada navio e pelo menos dois terços de sua tripulação deveriam ser
brasileiros; o proprietário poderia ser estrangeiro, tendo no entanto que
se naturalizar no caso em que ele próprio comandasse o navio (Tribuna
militar: orgão das classes militares e dos interesses geraes do paiz, ano
I, no. 9, 31 de julho de 1881, p. 1).
18 O número de 29 de setembro de 1881publicava um artigo do advogado e político Henrique Alves de Carvalho, onde este anunciava a sua
candidatura para a Câmara dos Deputados com base num programa
defendendo uma reforma política liberal do Império (abolição do Poder
Moderador, temporariedade do Senado e ampliação do direito de voto)
e reformas econômicas como a nacionalização da navegação de cabotagem e do comércio a retalho e a redução de impostos (Aos eleitores
da Corte. Tribuna militar: orgão das classes militares e dos interesses
geraes do paiz, ano I, no. 26, 29 de setembro de 1881, p. 3).
19 O artigo está se referindo à indústria nacional.
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Um periódico em defesa da indústria nacional...
descrédito e a ruína.
Chega-nos de sobejo a longa experiência de
60 anos de provas, e aborrece-nos já a crença
tão ridicularizada de que o – Brasil é um país
essencialmente agrícola, para não dizermos –
essencialmente do palavrório.20
Quem seriam os adversários do desenvolvimento industrial? Para o jornal, os livrecambistas, vistos aqui como teóricos influenciados por idéias estrangeiras sem pé na realidade
brasileira:
Continua a desgraçada mania das sabenças de
livro, de princípios e regras decoradas, que sem
critério nem reflexão querem aplicar-se a todo
transe em circunstâncias inteiramente diversas. Nem a lição de meio século de existência
como inculcada nação independente ainda nos
escarmenta das perniciosas doutrinas que têm
mantido o pobre Brasil no estado de país essencialmente agrícola.
Na grande imprensa, no parlamento, no governo ainda predominam idéias e princípios
financeiros absolutamente inaplicáveis às circunstâncias especiais do país, e os homens
completamente imbuídos naquilo que lêem nos
livros, mas não diferem, enrolados nas magnificências da frase dos mais eminentes escritores,
continuam a apregoar os mesmos princípios,
a reclamar pela rigorosa aplicação deles, e
não têm olhos para ver as conseqüências desgraçadas que têm apresentado na prática. [...]
Neste caso estão os defensores do livre-câmbio
aplicando aos que condenam essa desordenada
liberdade, o nome de protecionistas. [...] Os
propugnadores do free trade aplicam o nome
de protecionistas a todos os que não estão pelo
livre-câmbio em absoluto, e sob o nome de protecionismo condenam toda e qualquer proteção
às indústrias, proteção que aliás é de rigorosa
obrigação para a governança de qualquer estado, cujo pessoal governativo se compenetre da
missão que lhe é incumbida – A prosperidade
da pátria.21
Este trecho, extraído do primeiro de
20 Indústria nacional. Tribuna militar: orgão das classes militares e
dos interesses geraes do paiz, ano II, no. 18, 5 de março de 1882, p. 1-2.
21 Protecionismo. Tribuna militar: orgão das classes militares e dos
interesses geraes do paiz, ano I, no. 35, 30 de outubro de 1881, p. 1-2.
56
História e Economia Revista Interdisciplinar
uma longa série de artigos intitulada Protecionismo, mostra a que ponto as tarifas protecionistas eram consideradas, pelo jornal, fator
determinante para o desenvolvimento industrial
do país. Associando-os aos escritores da escola
realista, para ele falsos retratistas da realidade
social, o jornal acusa os livre-cambistas de defender o livre comércio e condenar a proteção
às manufaturas nacionais sem considerar (por
ignorância ou por má fé) fatores como os privilégios e os monopólios, que tornam a liberdade de
comércio, tal qual a concebem os teóricos, impossível22; além do mais, os livre-cambistas não
levam em conta que a defesa do livre comércio
é uma arma ideológica das nações imperialistas,
em especial a Inglaterra, que procuram empurrar
para as outras nações seus produtos manufaturados de má qualidade.23 Para ilustrar suas teses
protecionistas, o jornal se apóia no exemplo dos
Estados Unidos, que através do protecionismo
conseguiram preservar sua indústria da concorrência européia e, desta forma, se transformaram
numa grande potência econômica:
Se fosse em absoluto verdadeira a doutrina do
livre-câmbio, ela não seria pregada quase que
exclusivamente pelos autores europeus, e teria
igualmente voga nos Estados Unidos. Ainda
mais, para formal e decisiva condenação das
nossas teorias econômicas, nos Estados Unidos predomina realmente o protecionismo,
um protecionismo racional, baseado sobre a
observação das conveniências industriais que
se apresentam, mas sempre protecionismo real
e eficaz que faz com que a grande competidora das indústrias européias possa suplantar os
outros países em todas as espécies de artefatos
que lhe são convenientes. Basta-nos olhar para
o que a grande nação nos apresenta nos produtos de litografia e marcenaria, nos quais deixa
a perder de vista os similares que a indústria
européia oferece. 24
22 Protecionismo. Tribuna militar: orgão das classes militares e dos
interesses geraes do paiz, ano I, no. 36, 3 de novembro de 1881, p. 1-2.
23 Ver o editorial da Tribuna militar: orgão das classes militares e dos
interesses geraes do paiz, ano I, no. 37, 6 de novembro de 1881, p. 1.
24 Tribuna militar: orgão das classes militares e dos interesses geraes
do paiz, ano I, no. 37, 6 de novembro de 1881, p. 1.
O Estado deve ter, portanto, uma função central no desenvolvimento industrial do
país, protegendo as manufaturas brasileiras da
concorrência estrangeira e da ação maléfica dos
financistas inescrupulosos:
Quando se pede proteção para as indústrias 1º
não se pede só elevação de direitos aduaneiros
2º não se pede essa elevação de direitos sobre
produtos similares e baixamento dele sobre as
matérias primas, senão para as indústrias viáveis, como as de tecidos [...] 3º que a proteção
pedida é principalmente contra as fraudes comerciais, que fingem fornecer mais barato e
fornecem um barato que sai caro. [...] O Estado
é o pai, ou deve sê-lo, das indústrias honestas e
o zeloso tutor que as deve defender da ganância
dos traficantes.
Se não fosse, não teria do direito de varejar as
casas de negócio para mandar deitar ao mar os
gêneros podres, para fazer respeitar a lei das
marcas, para evitar que se venda gato por lebre
ao consumidor etc. etc.25
Trata-se aqui, portanto, da defesa do
papel do Estado como regulador da economia,
como impulsionador do desenvolvimento manufatureiro, e não, ainda, da defesa de sua intervenção direta na produção. Por indústrias viáveis
o autor do artigo entende as indústrias que têm
condições de se desenvolver no país. No entanto,
apesar do artigo mencionar o setor têxtil, não encontramos precisões sobre as demais indústrias
“viáveis”, e também não encontramos uma relação das indústrias “inviáveis”. Aparentemente
o artigo não está se referindo à famosa distinção
entre indústria natural, cuja produção pode se
basear exclusivamente nos recursos do país, e
indústria artificial, que é obrigada a importar
matéria-prima e maquinaria. Esta distinção era
justamente usada pelos adversários do protecionismo industrial, que viam neste a defesa de setores parasitários e um fator de aumento do custo
de vida no país; as indústrias “naturais”, ao con25 Exposição industrial. Tribuna militar: orgão das classes militares
e dos interesses geraes do paiz, ano I, no. 49, 18 de dezembro de 1881,
p. 1-2.
trário das “artificiais”, por serem menos custosas
seriam para eles capazes de se desenvolver sozinhas, isto é sem a proteção tarifária do governo.26
Qual(is) setor(es) da indústria
deveria(m) ser privilegiado(s)? No que diz respeito a esta questão, a Tribuna Militar não parece se definir. Embora encontremos referências a
áreas como a militar (esta de forma bastante vaga
por sinal)27, a siderúrgica, a têxtil e a alimentícia,
não conseguimos perceber uma ênfase especial
em alguma delas. Melhor dizendo, não encontramos um setor específico escolhido para a linha
de frente do processo de industrialização, como
a indústria pesada no projeto econômico dos militares da década de 1930. Os diferentes ramos da
indústria são colocados dentro mesmo patamar,
sem hierarquização em ordem de importância e
prioridade, o que nos leva a crer que se trata aqui
mais de uma defesa ideológica da indústria em
geral, vista como o único caminho possível para
o país atingir sua autarquia econômica, do que de
uma defesa baseada em conhecimentos precisos
e detalhados. O jornal, por exemplo, não parece
se preocupar com o estado de atraso técnico das
fábricas brasileiras, que num período em que a
grande indústria estava em processo de con26 Sobre o debate indústria natural X indústria artificial, que
adquiriu maior notoriedade durante a República Velha, ver LUZ, Nícia
Vilela. A luta pela industrialização do Brasil (1808 a 1930). São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1961, capítulo III, Aspectos do pensamento nacionalista brasileiro.
27 O único artigo que encontramos no jornal abordando um setor específico da indústria militar brasileira é o artigo intitulado Construção
naval, publicado no número de 30 de outubro de 1881 para comemorar
a construção, no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, da primeira
canhoneira de ferro fabricada no país. O Ministro da Marinha, Lima
Duarte, é homenageado como o grande pioneiro da construção
de navios de ferro no Brasil. Para o artigo, “os inimigos de nossa
indústria, os incapazes de se inspirarem no sentimento pátrio, aqueles
que guerrearam essa gloriosa tentativa, os magister que supunham o
operário brasileiro incapaz de seguir as leis evolucionistas do progresso
como eles são incapazes de engrandecer nossa pátria senão pelo ridículo das citações de estrangeiros, devem a esta hora estar, não diremos
arrependidos porque o arrependimento pressupõe virtude de emendar,
mas envergonhados ante a inépcia de suas sentenciosas asseverações.
O jornal aproveita, portanto, a ocasião para mais uma investida contra
os inimigos da indústria nacional: “Tudo no Brasil padece perseguição,
ainda que sejam as mais úteis idéias. Teme-se que o povo se ilustre, se
emancipe da velha Europa, viva de si para si. O industrial, o artista,
sofre a mais desnaturada guerra desses pedagogos de pergaminho, que
com honrosas exceções, se inculcam os sábios, os únicos pensadores,
os únicos árbitros do país” (Construção naval. Tribuna militar: orgão
das classes militares e dos interesses geraes do paiz, ano I, no. 35, 30
de outubro de 1881, p. 2).
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Um periódico em defesa da indústria nacional...
solidação nas grandes potências européias e nos
Estados Unidos, não passavam em sua grande
maioria de pequenas unidades artesanais ou
manufatureiras.28 A ampla satisfação com o estado técnico da indústria brasileira é visível neste
artigo sobre a exposição industrial de 1881 no
Rio de Janeiro. O artigo revela um ufanismo sem
pé na realidade:
Deslumbra o aspecto daquele harmonioso conjunto industrial.
Perante aquele certame do esforço individual
ou coletivo ressalta o vigor e força de vontade
de nossos patrícios tão perseguidos pela desgraçada preferência que no país se concede a
tudo quanto de ruim nos envia o estrangeiro.
Entrar naquela vasta praça de nossa produção
é encarar de frente com o maior documento de
nossa energia.
Aqueles tecidos de algodão, as locomotivas,
viaturas produtos de cerâmica... em uma palavra: todo aquele agrupamento da indústria
nacional é uma pungente ironia, um sarcasmo
vivo lançado àqueles que negam-nos os meios
de sermos o que somos pela estulta presunção de que o Brasil é um país essencialmente
agrícola.
A exposição industrial de 1881 – precipitadamente imaginada, sofregamente resolvida, e
atropeladamente realizada, é uma prova, um
desmentido solene, que deve a estas horas haver confundido aos inimigos do movimento de
nossa independência manufatureira.
Aquele palácio está nos dizendo que tudo te28 Francisco Iglésias, ao comentar a evolução da indústria brasileira
de 1850 ao fim do Império afirma o seguinte: “Foram empenhos
consideráveis, de 1850 a 89: as antigas fiações e tecelagem, generalizadas pelas províncias; as fábricas de chapéus, inúmeras e por
vezes bem montadas; retrós, calçados e artigos de couro, vidro, louça,
produtos químicos, instrumentos de ótica, náuticos, engenharia;
alimentos – açúcar, laticínios, carnes, massas, doces, vinhos, cigarros,
sabão, velas; fundições. As unidades em regra são pequenas, as mais
comuns são mesmo muito pequenas, destinando-se ao consumo de área
restrita – algumas vilas ou a província. São inúmeras no interior, pelas
dificuldades de comunicação, pois só em meados do século tem início a
rede ferroviária e põe-se empenho nos caminhos de terra, possibilitando
assim a chegada de mercadoria litorânea ou estrangeira. Em época
de apreciável tecnologia em alguns centros europeus e nos Estados
Unidos, o Brasil continua preso a padrões rotineiros, sem adotar o
conseguido pelo empirismo ou pela ciência. A sociedade patriarcal
resiste á máquina, temerosa de alteração da velha estrutura. Se poucos
particulares, com sentido empresarial, instalam em fazendas ou fábricas
urbanas a novidade, se o Estado incentiva o gosto e o emprego de
inventos modernos, com a importação de alguns, com a concessão de
privilégios, isenções e prêmios a quem os admite ou concebe, a extensão
das experiências é reduzida” (IGLÉSIAS, Francisco. A industrialização
brasileira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 51-52).
58
História e Economia Revista Interdisciplinar
mos e tudo podemos ter sem a cotação da indústria de além-mar.
O ferro de nossas fábricas não tem rival, e as
rodas de nossos trens aí estão para prova.
A marcenaria do país sem competidora no universo ergue-se pujante, rica de matéria-prima.
Os produtos naturais, os tecidos, os vinhos, cereais, tudo em uma palavra, do melhor, do mais
puro e da mais perfeita aplicação.
A agricultura aí está bem representada pela variedade de seus artefatos, máquinas, instrumentos de lavoura e engenhos diversos.
Os trabalhos de arame, camas, viveiros, redes,
grades e outros acessórios confundem tanto
pela variedade como por sua útil aplicação. [...]
O deslumbramento que nos deixou a Exposição industrial de 1881, bem como a História
do Brasil, nos convence de uma coisa que já há
muito vaticinávamos: e é que o Brasil caminha
a passos de gigante para o termo de sua grandeza; e que não estará longe o dia de tamanha
glória.
Abra-se seu seio à [ilegível], e exonere-se
nossa nascente e rica indústria das peias que a
cercam, rejeitemos os maus produtos da importação estrangeira, e tanto basta para tocarmos a
meta de nosso desenvolvimento social.29
Segundo o texto, portanto, a industrialização do país não estaria dependendo de um
maior desenvolvimento técnico das fábricas, na
medida em que estas aparentemente já produziam produtos de alta qualidade e em quantidade
suficiente para abastecer o mercado brasileiro, e
sim de uma legislação que dificultasse a entrada
dos produtos estrangeiros que concorriam com os
nacionais. Este tipo de argumentação se aproxima bastante das reivindicações dos industriais da
época, reivindicações de caráter essencialmente
classista que pediam medidas governamentais
que beneficiassem as fábricas nacionais (aumento de tarifas para produtos estrangeiros similares
aos fabricados aqui e redução de tarifas para máquinas e matéria-prima importadas necessárias
para o funcionamento das fábricas), sem contudo
29 A exposição industrial. Tribuna militar: orgão das classes militares
e dos interesses geraes do paiz, ano I, no. 49, 18 de dezembro de 1881,
p. 3.
demonstrar preocupação com a modernização
estrutural das unidades industriais e nem com o
desenvolvimento geral do país. É este, por exemplo, o teor do discurso da Associação Industrial,
entidade fundada em 1880 reunindo representantes de fábricas de tecidos, chapéus, velas, produtos químicos, construções navais, fundições,
além de donos de estabelecimentos que ainda
estavam no nível artesanal (caldeireiros, serralheiros, latoeiros, alfaiates, marceneiros, carpinteiros), e que se concentrava na defesa de uma
política tarifária protecionista; o comprometimento desta associação com a conservação da
ordem sócio-econômica pode ser ilustrado pela
figura de seu primeiro presidente, o fabricante
têxtil mineiro Antonio Felício dos Santos, que
também era militante anti-abolicionista.30
Esta associação entre de um lado protecionismo e industrialismo e do outro livrecambismo e agrarismo precisa, inclusive, ser
nuançada: num país cujo setor industrial não somente é arcaico como desinteressado em se modernizar, as medidas protecionistas, ao invés de
estimular o desenvolvimento industrial do país,
podem simplesmente freá-lo. É esta linha de
pensamento que levou Napoleão III, o esclarecido chefe de Estado da França de 1848 a 1870,
assim como grande defensor da industrialização,
a adotar uma política livre-cambista: ao mesmo
tempo em que defendia a intervenção do Estado
na economia e punha em prática um vasto programa de desenvolvimento abrangendo as vias
de comunicação (estradas, telégrafos, navegação
fluvial e sobretudo a construção de uma imensa
e complexa rede ferroviária), a infra-estrutura
(modernização das cidades e dos portos), a modernização da agricultura e o desenvolvimento industrial (este último através da criação de
30 Toda esta discussão sobre a relação entre o desenvolvimento
industrial autônomo do país e protecionismo alfandegário está presente
no clássico de Nícia Vilela Luz (LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil). Para o anti-abolicionismo de Felício dos Santos,
ver GORENDER, Jacob. A burguesia brasileira. 3ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1990, p. 23.
um setor bancário dedicado especificamente ao
financiamento das atividades industriais), realizava a partir de 1860 uma política de redução de
tarifas permitindo a entrada dos produtos manufaturados ingleses e obrigando desta forma o
arcaico setor manufatureiro francês a se tornar
mais competitivo e a se transformar em grande
indústria.31
Além do mais, apesar de abolicionistas, os articulistas da Tribuna Militar não parecem fazer a associação entre escravismo e atraso
industrial, aparentemente não levando em conta
os obstáculos, impostos pela escravidão, à formação de um mercado de trabalho baseado numa
mão-de-obra livre e assalariada, sem o qual não
pode haver desenvolvimento capitalista.32 O seu
abolicionismo é mais de cunho moral e político,
isto é, uma revolta contra o caráter injusto da
ordem escravista, do que fundado em preocupações econômicas.
Podemos dizer, portanto, que para a
Tribuna Militar, uma política de desenvolvimento industrial deveria consistir essencialmen31 Através de um tratado comercial assinado com a Inglaterra em
23 de janeiro de 1860, a França se comprometia a reduzir as tarifas
sobre o carvão e os produtos manufaturados ingleses, enquanto que a
Inglaterra se comprometia a reduzir as tarifas sobre o vinho, o álcool
e produtos acabados (como os de moda e de luxo) franceses. Apesar
de a primeira vista parecer “agrarista” por prejudicar as manufaturas
francesas, esta medida foi acompanhada por uma política de financiamento da indústria nacional através de um setor bancário dedicado
especialmente ao investimento industrial (caso do Crédit Mobilier). De
qualquer forma, a política de desenvolvimento de Napoleão III em seu
conjunto foi decisiva para a posterior transformação da França em país
industrial. Para a política tarifária e financeira de Napoleão III, ver
GERSCHENKRON, Alexander. El atraso económico en su perspectiva
histórica. In: GERSCHENKRON, Alexander. Atraso económico e
industrialización. 2ª ed. Barcelona: Editorial Ariel, 1973, p. 17-25.
Para uma visão geral do governo de Napoleão III, ver ANCEAU, Éric.
La France de 1848 à 1870: entre ordre et mouvement. Paris: Librairie
Générale Française, 2002.
32 Para Jacob Gorender, “o modo de produção capitalista é absolutamente incompatível com o trabalho escravo. Seu desenvolvimento
depende da formação de um mercado de mão-de-obra despossuída,
abundante e juridicamente livre para ser assalariada, sob contratos
de trabalho rescindíveis quando convier ao empregador”. Para este
autor, “esse tipo de mercado de mão-de-obra começou a se constituir
no Brasil na segunda metade do século XIX, porém sua expansão permaneceu fortemente restringida enquanto subsistiu a instituição servil.
A persistência da escravidão fazia do ócio apanágio do homem livre,
de tal maneira que muitos despossuídos preferiam a marginalidade e a
indigência ao trabalho assalariado. Também a imigração de trabalhadores europeus, enquanto sobrevivesse a escravidão, encontraria sérios
impedimentos” (GORENDER, Jacob. A burguesia brasileira, p. 19-20).
História e Economia Revista Interdisciplinar
59
Um periódico em defesa da indústria nacional...
te numa proteção às fábricas já existentes, o que
de fato para nós está mais próximo da defesa dos
interesses de uma fração de classe (a burguesia
manufatureira nacional) do que de um verdadeiro projeto contestador e alternativo ao caráter
agro-exportador da economia brasileira.
Podemos, resumidamente, expor as
principais posições da Tribuna Militar que analisamos atrás: no terreno militar, preocupação
com a segurança do país ameaçada pelo expansionismo argentino; no terreno político, crítica
virulenta ao atraso e ao exclusivismo da elite
brasileira, isentando, no entanto, a monarquia e
a figura do Imperador; no terreno social, apoio à
causa abolicionista; e no terreno econômico, defesa da transformação do Brasil de país agrícola
em país industrial.
No que diz respeito especificamente
às posições industrializantes do jornal, constatamos a pouca precisão dos artigos do periódico
quanto aos setores da indústria que deveriam ser
privilegiados numa política de desenvolvimento
e a ausência de preocupação quanto ao atraso
técnico das fábricas brasileiras, as tarifas protecionistas aparecendo aqui como suficientes para
viabilizar o desenvolvimento industrial do país.
Além do mais, a condenação da elite agrária que
dominava o país não é acompanhada por uma
contestação da estrutura fundiária: ao contrário
do tenentismo do início da década de 1930, não
encontramos aqui um projeto de reforma agrária e de destruição do latifúndio improdutivo, as
críticas do periódico, já prenunciando o jacobinismo florianista, visando de preferência setores
como o grande comércio urbano. 33 Para o jor33 A preocupação do jornal com a ação nefasta dos comerciantes
inescrupulosos e parasitários levaria à publicação de uma série de nove
artigos intitulada Praxes comerciais, cujo objetivo, ao parafrasear
artigos de Herbert Spencer sobre as práticas comerciais na Inglaterra,
era denunciar as atividades parasitárias dos grandes grupos comerciais no Brasil (imaginamos que a comunidade portuguesa do Rio
de Janeiro estivesse particularmente visada). No segundo artigo da
série encontramos uma interessante análise das atividades do grande
comércio atacadista, e mais especificamente da figura intermediária do
comprador, funcionário das grandes casas comerciais cuja função era
60
História e Economia Revista Interdisciplinar
nal, o papel reservado ao Estado no processo de
industrialização deveria ser o de regulador das
atividades econômicas e o de impulsionador do
desenvolvimento industrial; não se trata ainda,
portanto, de uma defesa da intervenção direta
do Estado na produção, esta só acontecendo de
forma sistemática mais de meio século depois,
com a criação das indústrias estatais de base pelo
Estado Novo.
Os articulistas da Tribuna Militar, inclusive, não parecem fazer a distinção entre as
atividades de transformação que ainda estão
no nível artesanal (que acontecem em oficinas
onde o trabalhador manual fabrica inteiramente
o produto com seus próprios instrumentos de
trabalho), as que estão no nível manufatureiro
(que acontecem em unidades maiores, as fábricas, onde um tipo de mercadoria é produzido em
escala maior e com maior velocidade, e onde há
uma divisão do trabalho na qual cada trabalhador se especializa na fabricação de uma parte
do produto, o trabalho sendo em geral manual
com o uso de máquinas para tarefas secundárias) e as que já podem ser classificadas como
grande indústria (que acontece em grandes unidades onde a mercadoria é fabricada em grande
escala e velocidade e onde domina a produção
mecanizada)34. Como pudemos constatar na leitura dos textos que transcrevemos aqui, setores
da economia nacional que estão no nível manufatureiro, como o têxtil e a fabricação de ferro,
e setores que estão no nível artesanal, como a
comprar as mercadorias dos fabricantes e vendê-las para os pequenos
comerciantes retalhistas, usando de todos os artifícios, inclusive da
corrupção, para conseguir efetuar suas transações com o maior lucro
possível, explorando desta forma a todos (fabricantes, comerciantes
retalhistas e consumidores). Ver Praxes comerciais II. Tribuna militar:
orgão das classes militares e dos interesses geraes do paiz, ano I, no.
45, 4 de dezembro de 1881, p. 1-2.
34 A questão da diferença entre artesanato, manufatura e grande
indústria está presente em SODRÉ, Nelson Werneck. História da
burguesia brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964, ver
capítulo Antecedentes, item Capitalismo e burguesia (p. 17-30). Ver
também SODRÉ, Nelson Werneck. Fundamentos de economia marxista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968, capítulo Expansão
manufatureira, onde o autor seleciona trechos de Karl Marx sobre a
formação da manufatura e a transformação desta em grande indústria
mecanizada.
marcenaria e a cerâmica, são igualmente classificados como atividades industriais sem maiores
distinções, o que nos leva a crer que o conceito
de indústria ainda não era, naquele momento,
muito preciso (talvez até por se desconhecer a
amplitude que estava tomando o desenvolvimento industrial nas grandes potências européias e
nos Estados Unidos).
No entanto, é bom ressaltar, o jornal
distingue bem essas atividades de transformação
(sejam elas artesanais ou manufatureiras) das atividades agrícolas e pastoris: melhor dizendo, não
encontramos em nenhum momento uma referência às atividades agrícolas e pastoris como sendo
atividades industriais, não sendo encontradas
expressões como “indústria do café”, “indústria
do açúcar” e “indústria pastoril”. A indústria é
encarada aqui como atividade de transformação
de produtos primários em produtos artesanais ou
manufaturados, e não simplesmente como “atividade econômica produtiva” (em contraposição
a atividades econômicas “improdutivas” como o
comércio e os bancos), na qual poderiam ser inseridas a agricultura e a pecuária.
O que podemos dizer, de qualquer forma, é que as posições do periódico a respeito das
questões econômicas apresentam uma desproporção entre a grandeza de seu principal objetivo
(como dissemos, transformação do Brasil de
país agrícola em país industrial) e os limites
dos meios concebidos para atingi-lo (medidas de
proteção a um setor manufatureiro embrionário e
sem envergadura).
Quem seriam os articulistas da Tribuna Militar? Como frisamos no início deste trabalho, os artigos do periódico não são assinados.
No entanto, podemos levantar pelo menos três
hipóteses sobre a sua autoria, hipóteses que no
nosso entender se completam. A primeira delas
é a de que os autores dos artigos pertenciam ao
Exército, e não à conservadora e aristocrática
Marinha, cuja identificação com a ordem vigente
era maior.35 A segunda é a de que se trataria de
alunos militares ou oficiais em início de carreira,
já que para nós o tom inflamado dos artigos denuncia a juventude de seus autores. E a terceira é
a de que seriam oficiais pertencentes às chamadas armas técnicas (estado-maior, artilharia e
engenharia), isto é uma oficialidade qualificada,
que por sua formação acentuadamente científica
e baseada nos moldes dos exércitos da Europa
burguesa, tenderia naturalmente a abraçar projetos econômicos industrializantes; acreditamos
que esta preocupação atingiria com menos força,
por exemplo, os oficiais pertencentes à infantaria e à cavalaria, menos influenciados por essa
formação científica. 36 Esta questão do peso da
formação científica no pensamento desenvolvimentista dos militares brasileiros é bastante enfatizada por autores como John Schulz37e Jehovah
Motta38. Não descartamos, inclusive, a hipótese
35 A Marinha teria atuação apagada nas agitações político-militares
da década de 1880, assim como aceitaria passivamente a derrubada do
regime imperial, provavelmente por não possuir forças para enfrentar a
ação política da oficialidade revolucionária do Exército. Posteriormente, já no início do período republicano, a alta oficialidade naval se
envolveria nas lutas políticas, só que assumindo uma postura contrarevolucionária, encarnada no monarquismo de Saldanha da Gama.
36 Segundo as normas então vigentes no Exército, estabelecidas por
lei de 1850, os oficiais de estado-maior, artilharia e engenharia eram
obrigados a concluir curso de nível universitário para suas respectivas
armas, enquanto que os oficiais de infantaria e cavalaria podiam
ascender na carreira sem diploma (ver SCHULZ, John. O Exército na
política: origens da intervenção militar, 1850-1894, capítulo 1, 1850 –
Uma carreira se abre ao talento).
37 Para Schulz, “não é de surpreender que os jovens oficiais tenham
se rebelado contra a ordem imperial. Nos anos cinqüenta, a academia
militar da capital continuou a ser uma ilha de instrução em uma
sociedade constituída por uma maioria analfabeta. Os estudantes
militares liam muito e tinham uma melhor noção dos acontecimentos
internacionais do que a maioria dos seus compatriotas. Instruídos por
engenheiros, os estudantes reconheciam a importância da indústria e
de novos métodos de transporte como, por exemplo, as ferrovias. [...]
Já na década de 50, os estudantes militares reconheciam que a abolição
fornecia a base para a modernização. Os oficiais tampouco ignoravam
que elite fazendeira, fundamentada na escravidão e no empreguismo,
era o principal obstáculo ao progresso do Brasil” (SCHULZ, John. O
Exército na política: origens da intervenção militar, 1850-1894, p. 31).
Ao falar dos “anos cinqüenta”, o autor está se referindo, neste trecho,
à década de 1850.
38 Jehovah Motta assim descreve o peso da formação científica na
mentalidade desenvolvimentista do militar brasileiro: “o Exército pode
ostentar a glória de ter organizado os primeiros estudos de engenharia
que se realizaram no Brasil. [...] Durante muitas décadas foram formados pelo Exército os engenheiros com que o Brasil contou. Os primeiros
trabalhos de topografia e de geodésia, os primeiros canais, as primeiras
e indecisas estradas rumo ao interior foram obras de engenheiros formados pela Academia Militar. Partindo desse fato, não é de estanhar-se
a vocação do homem de farda brasileiro para encarar os problemas
do País em termos de criação e administração da riqueza nacional. O
História e Economia Revista Interdisciplinar
61
Um periódico em defesa da indústria nacional...
de Serzedelo Corrêa, engenheiro militar que nasceu em 1858 e que se tornaria um notório militante em defesa da indústria nacional, ser um dos
articulistas do jornal. 39
Embora seja notória a preocupação
desses militares com a segurança do país e a
modernização das Forças Armadas, não acreditamos que tenham sido, pelo menos prioritariamente, razões de defesa que levaram os militares
brasileiros a abraçar um projeto industrializante;
ou seja, no nosso entender não se pode confundir
este projeto industrializante com reivindicações
de caráter corporativo. Embora, à primeira vista,
a idéia de que a frustração das reivindicações por
melhorias na área militar (demandas por mais
verba, melhores salários, melhor equipamento,
infra-estrutura, etc.) teria levado a uma radicalização política da oficialidade contra o Império
e à adoção de um projeto de desenvolvimento
alternativo seja atraente, se analisarmos mais
detalhadamente o contexto histórico da rebelião
militar contra a monarquia veremos que uma
insatisfação de cunho exclusivamente corporativo não pode justificar, por si só, a adoção de
um projeto político, social e econômico para o
país. O oficial preocupado exclusivamente com
questões de cunho técnico-profissional exercerá
uma militância que não transcenderá a área militar. Podemos perfeitamente encontrar oficiais
defendendo ao mesmo tempo melhorias na área
militar e a manutenção da ordem política, social
e econômica vigente: militares ligados ao estabelecimento imperial como Caxias, Osório, Pelotas
e o conde d’Eu, por exemplo, por diversas vezes
pleitearam medidas para corrigir as deficiências
Exército, no Brasil, tem estado presente, sempre, nas lucubrações e nas
realizações do pioneirismo administrativo. Isto no passado, quando se
tratou de estradas de ferro, de linhas telegráficas, de siderurgia e, no
presente, quando as questões se chamam petróleo e industrialização”
(MOTTA, Jehovah. Formação do oficial do Exército: currículos e
regimes na Academia Militar 1810-1944. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 2001, p. 22). As observações deste autor são particularmente
interessantes na medida em que foi oficial de estado-maior do Exército e
técnico de ensino para as escolas desta instituição.
39 Agradecemos ao nosso orientador, Prof. Nelson Hideiki Nozoe, por
ter levantado esta hipótese.
62
História e Economia Revista Interdisciplinar
da organização militar brasileira.40 Esta distinção
entre militares voltados para um projeto de país e
militares voltados exclusivamente para a modernização das Forças Armadas será mais nítida durante a República Velha, quando encontraremos
oficiais como Hermes da Fonseca, Cardoso de
Aguiar, Tasso Fragoso, Caetano de Faria e o grupo dos jovens turcos defendendo a modernização do Exército e até a implantação de indústrias
estratégicas (siderurgia e armamento) sem, contudo, contestar a natureza sócio-econômica da
república oligárquica.41 Para nós, portanto, como
expomos no parágrafo anterior, o projeto econômico industrializante que encontramos de forma
embrionária na Tribuna Militar e que marcaria
a atuação política dos militares brasileiros por
muito tempo, teria como origem uma oficialidade qualificada, educada com base nos padrões
da oficialidade militar das grandes potências
européias e com acentuada formação técnica, e
que estaria insatisfeita, conseqüentemente, com
a estrutura sócio-econômica, agrária e atrasada,
de seu país.42 Esta linha de pensamento, caracte40 A questão das reivindicações da oficialidade em prol da modernização da organização militar brasileira no período posterior à Guerra
do Paraguai é trabalhada em SCHULZ, John. O Exército na política:
origens da intervenção militar, 1850-1894, capítulo 4, O Exército
desprezado, DUDLEY, William S. Institucional Sources of Officer
Discontent in the Brazilian Army, 1870-1889 e DUDLEY, William S.
Professionalization and Politicization as Motivational Factors in the
Brazilian Army Coup of 15 November, 1889. Journal of Latin American Studies. Cambridge University Press, Vol. 8, Part I, May 1976, p.
101-125. Para este último autor, a frustração dessas reivindicações
corporativas pode no máximo, no caso do 15 de novembro de 1889,
explicar a má vontade da oficialidade menos politizada em defender
a monarquia diante da ação dos militares rebeldes, mas não a ação
revolucionária em si.
41 A questão das reivindicações modernizantes de caráter corporativo
dos militares brasileiros ao longo da República Velha é bastante explorada por Franck D. McCann (ver McCANN, Frannk D. Soldados da Pátria: história do exército brasileiro, 1889-1937. São Paulo: Companhia
das Letras, 2007, especialmente os capítulos 4 (Patriotismo e modernização), 5 (Profissionalismo e rebelião) e 6(O Exército na década de
1920)). Quando falamos dos jovens turcos, estamos nos referindo a
um grupo de jovens oficiais do exército brasileiro que estagiaram na
Alemanha no final da década de 1900 e no início da década de 1910 e
que de volta ao seu país passaram a militar pela modernização de sua
instituição com base nos moldes alemães, ganhando o apelido de jovens
turcos por lembrarem a jovem oficialidade reformista do exército turco
naquele mesmo período (ver CARVALHO, José Murilo de. As Forças
Armadas na Primeira República: o poder desestabilizador, p.
27-28, e McCANN, Frannk D. Soldados da Pátria: história do exército
brasileiro, 1889-1937, o mencionado capítulo 4).
42 Para Nelson Werneck Sodré, oficial do Exército e defensor convicto
do papel desenvolvimentista das Forças Armadas no Brasil, a função
destas últimas deveria ser a de assegurar as liberdades democráticas e
“assegurar o livre desenvolvimento da economia nacional”. Em obra
publicada originalmente em 1965 o autor citado diz o seguinte: “Não
rística de grupos militares do mundo subdesenvolvido, guiaria não somente, como dissemos, as
posteriores intervenções políticas dos militares
brasileiros, como também, por exemplo, a ação
de Mustapha Kemal na Turquia, de Nasser e do
grupo dos Oficiais Livres no Egito e de Velasco
Alvarado e seus correligionários do Centro de
Altos Estudos Militares no Peru.
Finalmente, encontramos no editorial
do último número um trecho que de certa forma
sintetiza a ideologia do jornal:
A exemplo das nações mais adiantadas, o Brasil precisa fazer-se respeitar, e para que o seu
pavilhão seja elevado à altura que lhe compete
nunca poderá prescindir do eficaz, sempre eficaz apoio das suas baionetas.
Há no progredir dos povos tantos interesses
divergentes, tantas ambições mal entendidas, e
diremos mesmo, tantas anomalias em seus modos de pensar, que somente pelo respeito que
impõe o exército, a força armada de um deles,
poderá sempre ter a primazia e ser respeitado,
se não pela força do direito, ao menos pelo direito da força.
Longe de nós a propaganda da Nação em constante pé de guerra.
Não. Nunca!
O Brasil deve prosperar pela indústria, pela
agricultura e pela ciência.
O exército, o seu exército, servir-lhe-á então
somente de escudo, a cuja sombra descanse garantida toda a sua riqueza, todo o seu futuro. 43
Esta preocupação com o desenvolvitem sido mera coincidência, evidentemente, a participação das Forças
Armadas na solução de problemas como o da exploração petrolífera em
regime de monopólio estatal, como o do aproveitamento dos nossos recursos em minerais atômicos, como o do desenvolvimento da siderurgia,
e tantos outros. Tem derivado, naturalmente, do cumprimento daquela
parte da missão que lhes cabe, e que se conjuga com a outra parte, a da
manutenção das liberdades democráticas. Não seria possível a existência de Forças Armadas nacionais sem o cumprimento daquela missão,
com o distanciamento de seu cumprimento, com o alheamento do que
interessa ao país para a realização de seu desenvolvimento material: ao
participar, como instituições, da gigantesca tarefa de desenvolvimento
em bases nacionais, pelo aproveitamento das riquezas naturais em benefício do país, e não de outros países, as Forças Armadas colocam-se,
inevitavelmente, ao lado das forças populares, e distanciam-se, inevitavelmente, do latifúndio e do imperialismo, os interessados em transferir
tais riquezas ao exterior, em entregá-las aos trustes e monopólios
externos” (SODRÉ, Nelson Werneck. História militar do Brasil, p. 409).
43 Tribuna militar: orgão das classes militares e dos interesses geraes
do paiz, ano II, no. 20, 12 e 16 de março de 1882.
mento industrial dentro dos meios militares (pelo
menos nos setores mais progressistas das Forças
Armadas) aumentará durante os primeiros anos
do regime republicano, com a ascensão, mesmo
que por pouco tempo, do grupo militar ao poder.
Cabe um destaque especial para o florianismo,
movimento político-militar que girou em torno
de Floriano Peixoto, que por sua vez é em geral considerado pela historiografia como um dos
presidentes que mais dedicou esforços à indústria durante a Primeira República. 44 Em seus
discursos, o Marechal de Ferro defendia, entre
outras coisas, uma política industrializante e uma
política de expansão das vias de comunicação;
durante seu governo (1891-1894), sua política de
apoio às atividades industriais se baseou essencialmente na introdução de tarifas protecionistas
e num vultoso empréstimo público concedido a
empresas manufatureiras em dificuldades financeiras. 45 Outro exemplo histórico a ser destacado
dentro deste contexto é a militância do já citado
Serzedelo Corrêa em defesa da indústria nacional: integrante da jovem oficialidade do grupo de
Benjamin Constant que participou ativa e decisivamente da conspiração militar que derrubou
a monarquia, Serzedelo se notabilizou como
Ministro da Fazenda de Floriano Peixoto em
1892-1893 por sua responsabilidade nas já mencionadas medidas deste governo em apoio ao
setor manufatureiro, e posteriormente, na década de 1900, se tornaria um arauto dos interesses
da indústria nacional (para ele o único caminho
para o país atingir sua independência econômica)
44 É o caso, por exemplo, dos trabalhos de Nícia Vilela Luz (LUZ, Nícia
Vilela. A luta pela industrialização do Brasil (1808 a 1930)), de John
Schulz (SCHULZ, John. O Exército na política: origens da intervenção
militar, 1850-1894), de Steven Topik (TOPIK, Steven. A presença do
Estado na economia política do Brasil de 1889 a 1930. Rio de Janeiro:
Record, s/d) e do grupo História Nova do Brasil (ver o ensaio O significado do Florianismo. In: SANTOS, Joel Rufino dos. História nova do
Brasil. Vol. IV: Abolição – Advento da República – Florianismo. São
Paulo: Brasiliense, 1964, p.103-159).
45 Para uma análise da política econômica do governo Floriano,
ver LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil (1808 a
1930), p. 169-172, SCHULZ, John. O Exército na política: origens da
intervenção militar, 1850-1894, p. 176-181, TOPIK, Steven. A presença
do Estado na economia política do Brasil de 1889 a 1930, p. 157-162,
e o ensaio O significado do Florianismo. In: SANTOS, Joel Rufino dos.
História nova do Brasil. Vol. IV: Abolição – Advento da República –
Florianismo, p. 125-130.
História e Economia Revista Interdisciplinar
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Um periódico em defesa da indústria nacional...
no parlamento e na imprensa, vindo a ser, entre
1904 e 1912, o primeiro presidente do Centro
Industrial do Brasil. 46 No entanto, como vimos,
este tipo de projeto é moderado se o comparamos
com o projeto econômico dos militares da década de 1930, os militares do final do século XIX
se limitando a uma defesa genérica da indústria e
a uma política econômica no fundo ainda situada
dentro dos moldes liberais (incentivo às atividades industriais sem intervenção direta do Estado
na produção), além de não mostrar preocupação
com o estado arcaico das fábricas brasileiras.
46 Para uma síntese da trajetória política de Serzedelo Corrêa, ver
LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil, capítulo III,
Aspectos do pensamento nacionalista brasileiro.
64
História e Economia Revista Interdisciplinar
Para um maior desenvolvimento do projeto econômico militar seria preciso o surgimento de fatores externos, como a Primeira Guerra Mundial,
onde a ligação entre de um lado o poderio bélico
e do outro a grande indústria e o planejamento
econômico ficaria mais evidente, e fatores internos, como o desenvolvimento industrial proporcionado pela expansão da economia cafeeira
ao longo da República Velha, desenvolvimento
que tornaria o contexto sócio-econômico mais
favorável à elaboração de projetos de maior
envergadura.
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66
História e Economia Revista Interdisciplinar
The Construction of Railroads in
Argentina in the Late 19th Century:
Maria Heloisa Lenz
Professora do Curso de Pós-Graduação e do Departamento de Economia da UFRGS
[email protected]
Abstract
In the late 19th century Argentina went through a phase of great economic growth, the Belle Époque, represented by a strong
foreign presence of products, labor and capital. This capital was mainly British and was allocated to building railroads. This
paper tells the story of the main elements in the formation and financing of railroads in Argentina within the context of the territorial expansion and the role played by them in this period of large outflows of British capital. The subject is divided into three
segments. In the first one, the focus will be on the 1860s, when the railroads began to be built in Argentina and the British capital
was already predominant. The second one deals with the process of territorial expansion, showing the relation between the Desert
Campaign and the railroads. The third one approaches the consolidation phase of the Argentine railroad companies which began
in the 1880s.
Key words: Argentina; foreign investments; railroads; territorial expansion; border
Resumo
No final do século XIX a Argentina experimentou uma fase de expressivo crescimento econômico, a Belle Époque, representada
por uma forte presença de produtos, trabalho e de capital externo. Este capital foi principalmente britânico e destinado a construção de estradas de ferro. Este trabalho examina a formação e o financiamento das estradas de ferro na Argentina no contexto da
expansão territorial e do papel assumido pelas mesmas no período de grande expansão do capital britânico. O tema do artigo é
desenvolvido em três partes. Na primeira é examinado o início da construção das estradas de ferro na Argentina nos anos 1860,
período em que já existe a preponderância do capital britânico. A segunda trata do processo de expansão territorial, destacando
a relação entre a Campanha do Deserto e as estradas de ferro. A terceira aborda a fase de consolidação das companhias de estradas de ferro argentinas iniciada nos anos oitenta.
Palavras-chaves: Argentina; investimento externo; estradas de ferro; expansão territorial, fronteira
JEL CLASSIFICATION: N16; L92; F21
* This paper is a slightly modified version of a presentation given in the Annual Conference of The Economic History Society, held in Leicester, England,
8-10 April, 2005. I would like to thank Roberto Camps de Moraes for the final revision of the English translation and the addition of new items to the
bibliography. Of course, any errors or omissions are the responsibility of the author.
História e Economia Revista Interdisciplinar
67
The Construction of Railroads in Argentina in the Late 19th Century...
Introduction
I
n the late 19th century Argentina went
through a period of major economic
growth, the so-called Belle Epoque,
characterized by a strong foreign component in products, labor and especially capital.
The latter was mainly British and was directed to
the construction of railroads. The need for these
railroads came from the impressive territorial expansion that occurred in the country at the time
and whose outcome determined the dimension of
the Argentine territory of today. This huge border expansion included the incorporation of large
areas of fertile land, which enabled the country
to produce goods in high demand in the international market. Hence, this “export-led” economic expansion was the product of two interconnected factors: the Desert Campaign and the
construction of railroads. This paper intends to
examine the formation and financing of railroads
in Argentina within the context of the territorial
expansion and the role played by them in this period of large inflows of British capital.
The subject will be divided into three
main segments. In the first segment the focus
will be on the 1860s, when the railroads began
to be built in Argentina the British capital was
already predominant. The second segment will
deal with the process of territorial expansion,
showing the relation between the Desert Campaign and the railroads. The third one will approach the new expansion and consolidation phase
of the Argentine railroad companies which began
in the 1880s and were part of a larger period in
Argentine economic growth, made possible by
the massive British capital inflow in the country.
This paper shows that the great territorial
expansion due to the Desert Campaign impacted
and was impacted by the construction of railroads, via the incorporation of vast areas of fertile
land which, by their production, not only made
68
História e Economia Revista Interdisciplinar
possible the final territorial consolidation of the
country but also revolutionized its economic
development.
1. The Beginning and the
Meaning of the Construction of
Railroads in Argentina: the
Influence of the British
Companies
The construction of railroads was fundamental in Argentina, being a main factor in the
Desert Campaign and in the inflow of English
capital which molded the country’s economic
growth process. The Argentine politicians and
leaders were very aware of, and actively pursued, the goals of economic expansion.
In the early 19th century most leaders
in Latin America were eager to increase the quality of their countries’ social conditions but few
went as far as Argentina where her Constitution
of 1853 had a law that mandated the construction
of railroads in the country. The choice of railroads as the main means of development for the
country came from the understanding that the
territorial safety and consolidation were the two
essential elements to reach development. The
territorial consolidation was key, particularly in
areas where the borders were poorly defined or
where vast areas were inhabited by indigenous
Indians. Also, the issue of safety did not apply
only to foreign aggression: domestic instability, as well as regional rivalries and antagonisms
were equally powerful forces confronting the
central government, making the establishment
of safety essential for the national authority over
the provinces.
There is a lengthy literature emphasizing the innovative nature of the railroads. They
are usually shown as elements that generate new
patterns of economic activity and consolidate
existing products, as they allow the discovery of
new regions and new alternatives for the exportable surplus . On the other hand, some scholars
have argued that the construction of railroads in
Latin America seldom promoted national consolidation since the configuration of the railways,
instead of promoting endogenous diversification,
their construction is almost exclusively determined by the requirements of export production
and foreign trade.
The railroads were always viewed as a
fundamental part in the Argentine national construction project, where the appropriation of the
Pampas was a strategic achievement. This is why
it is not difficult to find very explicitly the link
between the development of infrastructure and
the consolidation of the state in the writings of
the great Argentinean statesmen.
At its beginnings the construction of
the railroads was slow due to several circumstances. One of these was the large distances between the points where the thinly spread population lived. Another was the difficulty to raise
domestic capital due to the traditional lack of
public confidence in steam transportation, which
was then seen with suspicion and fear and often
with open hostility.
The pioneering railroads linked Buenos Aires, the capital, to the port of Rosário,
which was considered a natural route toward the
rich provinces of Córdoba, Mendoza, San Juan,
Tucumán, Salta, and others.
Despite the enormous influence the
British companies would have on the country,
the first railroad came from a private initiative by
Argentine citizens from Buenos Aires, under the
leadership of William Bragge1, an English citi1 William Bragge is considered a “railroad pioneer”. In his youth, he
began to study railroads as a representative of Bellhouse and Company
of Manchester and he was sent to Buenos Aires in 1855 to construct the
first Argentinean railroad. Hennessy (1992).
zen born in Birmingham. In 1854, the province
of Buenos Aires was authorized to create a jointstock company of Argentine investors in order
to construct the Camino de hierro del Oeste or
Ferrocarril Oeste company. In its original plan
it would have 24,000 ells of extension2, and the
government had the right to buy one-third of the
stocks. The inaugural ride took place on August 29th, 1857 as its first 10 km of length were
complete. It must be stressed that this first railroad suffered from several inconveniences, the
most serious being the brackish water available,
which ruined the locomotives. According to
Lewis (1985), the establishment of this first section of the Ferrocarril Oeste Company in 1857 is
inseparable from Argentine economic history3.
In 1860 Ferrocarril Oeste was already
39 km long and had five stations, constituting a
small but complete and working railway system.
However, its financial status was critical, experiencing deficits of 24,000 gold pesos in 1856 and
1860, that led to its becoming a state company in
January of 1863.
On April 29th, 1890, 33 years later,
Ferrocarril Oeste was incorporated in to a British company, the Buenos Aires Western Railway.
The deal was made with H.G. Anderson who
bought Ferrocarril Oeste through a labor union
that in fact represented the Western Railway
company for 8,134,920 pounds, equivalent to
41,000,000 peso/gold, or peso, the nation’s currency. (Ortiz, 1983).
Despite this local experience, the large
railroads were established in Argentina only
when the British companies arrived, what leads
2 What stands for 20,784 meters.
3 Stone (1992, p.1) states, however, that the adoption of railroads was
late, even considering the efforts of the Argentine government, because
in 1857 they already existed in the British Guyanas, in Peru, Chile and
Brazil. Besides, Cuccorese (1969) states that, considering the fact that
the inauguration of the American railroads took place in 1830, when
Argentina inaugurated its first company 30 years later, the United States
had already built over 30,000 miles.
História e Economia Revista Interdisciplinar
69
The Construction of Railroads in Argentina in the Late 19th Century...
to the statement that it is impossible to talk about
railways without mentioning British capital because their paths are intertwined from the start.
It is important to highlight that when
the railways era began in Argentina, Great Britain was at the peak of its prosperity in relation to
coal and railroads, which were the main source
of its second Industrial Revolution in the 19th
century. Also, Great Britain had entered the Climacteric, a term used by Lewis (1978) to refer
to this period when British capital, instead of being invested domestically, flowed out to the rest
of the world4. Hence the two countries complemented one another and Argentina chose England to seek for technical and financial help to
construct its railways that eventually became the
largest and most important in South America.
The first British-owned railway in Argentina was the Buenos Aires Northern, a company which was constituted in London in 1860
to take over a concession to build a short broad
gauge line from Buenos Aires to San Fernando,
a distance of 16 miles. The first section was opened in 1862 and was finally extended a further
two miles from San Fernando to the riverside re-
sort of Tigre in 1865. The Buenos Aires Northern
was the second to be constructed in Argentina
and the subsequent growth and development of
the British-owned railways is illustrated in Table 1, up to 1948, when they were nationalized
(Stone, 1993). Looking at table 1, we identify the
great share of mileage under the control of the
British companies at that time.
In the early development period six British railway companies worked in Argentina.
They were created through deals between the
national government and the provincial government. Among them, two – Central Argentine
Railway and Buenos Aires Great Southern Railway – came to top the ranking among the Argentine railways and became large transportation
systems. The others – Buenos Aires Northern,
Buenos Aires and Enseada Railway, Buenos
Aires Campana and East Argentine Railways –
were all small ones.
The organization, administration, and
“modus operandi” of the British railways in Argentina were based largely on the system adopted in Great Britain and adapted to meet local
conditions and requirements. The Board and
official headquarTable 1 Relation between the Total Railways and British-Owned
ters of each comRailways- 1862 - 1948
pany were located
Milage in Operation
in London with adTotal of all railways
Year
Britsh-owned railways
% under British control
ministrative offices
29
1862
5
17
and a legal repre155
1865
98
63
sentative in Bue1870
455
74
339
1890
5861
4766
81
nos Aires or other
17395
1910
12955
74
23688
1930
city in Argentina.
16349
69
1940
25285
15198
60*
The latter acted as
1948
26710
15198
57
an
intermediary
(Stone, 1993, p.3)
between the Board
of directors and the Argentine government on the
4 This climacteric was the subject of an academic controversy in
economic history. J. Bradford De Long (1996) summed up its outcome
one hand and the General Manager on the other.
as “Attempts to find a ‘climacteric’ or a ‘productivity’slowdown’ in the
pre-World War I British economy have failed to find anything save a
Each company also had a local board in Argenpossible one-decade period of Edwardian stagnation in real wages.”
tina comprising the General Manager, Legal Re(De Long, 1996). For this topic see Saul (1985).
70
História e Economia Revista Interdisciplinar
presentative, and several resident directors. The
local boards met at frequent intervals and were
empowered to deal with questions of policy requiring immediate attention, leaving the day to
day railway affairs to be handled by the respective administrations organized generally on a departmental basis. (Stone, 1993).
It is important to remark that the role of
government in Argentina was very strong concerning the orientation of investment. The federal and provincial governments not only recommended that the private businesses search for
loans in the international capital markets in order
to finance railroads and ports, but also guaranteed their profits. Thus, from the start the Argentinean government treated generously the British
investor who took risks in the railroad project.
In the initial contract the government not only
gave a guarantee of 7% of the subscribed capital and the per mile construction, but also agreed
to grant the possession of one league (approximately three miles, or 4, 8 kms) of land on each
side of the total constructed line to the railroad
company, with certain limitations near important
cities such as Rosario and Córdoba. Later on the
contractors accepted from the companies one
half of this land as a means of a partial payment
in the prices of their contracts. Although the guarantee of minimum profits on the capital given
by the government was a strong factor to attract
foreign investment in railroads, many of these
companies opted out of this guarantee, since frequently their profits surpassed the established limits and then they were free to define their fares.
For their size and importance, the Central Argentine Railway and the Buenos Aires
Great Southern Railway, the second and the first
railway companies, respectively, had a different
character, history and purpose. The construction of the Central Argentine Railway began in
1854 through a petition formulated by Guillermo
Wheelwright5 to explore an important railway
between Rosario and Córdoba. The construction
began in 1863 and it was inaugurated on May
18th, 1870. In the words of the then Secretary of
Interior, Dr. Dalmacio Velez Sarsfield:
Os diré solamente que los ferrocarriles han
puesto también en evidencia una verdad también comprobada en los principios de economia social. Que ellos sirvan en igual grado a
intereses que parecen inconciliables, los del
productor y el consumidor, siempre el principio de la armonía en todas las profisiones, en
todas las industrias, siempre la solidaridad en
todos los intereses de la vida de los pueblos, la
industria de uno crea la industria de otro; la riqueza particular es una riqueza en expectativas
para todos.”6 (Inauguración- 18 de Mayo de
1870. Argentina, Biblioteca do Banco Central
“Ernesto Tornquist. Los Ferrocarriles Britanicos en la Republica Argentina, sn, 1948, p.15).
It is important to relate the construction of railways to the formation of the Argentine
banking system since often the British personnel
involved in both were the same people. The table below was obtained in the Archivo Nacional
among important historical documents; it lists
the first founders of the Bank of Buenos Aires.
Table 2 indicates that the bank was formed by leading local figures who would become
important political individuals in the country. It
includes politicians such as Julián Aguero, ministers of such state as Bernardino Rivadavia and
Vicente López, and also influential people of
British origin such as Tomás Manuel de Anchorena (Stewart y Ca) and Guillermo Cartwright.
Likewise if one examines the formation
of the Banco de la Provincia, founded in 1883,
5 Although American by birth, William Wheelwright was a member of
the “British Group”, promoters of railways in Argentina.
6 Translation of the original: I only say to you that the railways have
also put in evidence a truth that exists in the principles of social
economy. That they serve to the same degree seem ingly irreconcilable
interests, the producer and consumer, with the principle of harmony in
all the professions, in all industries, where solidarity in all the interests
of peoples’ lives, whwn the of one creates the industry of the otherindustry . Pprivate wealth is a wealth of expectations for all.
História e Economia Revista Interdisciplinar
71
The Construction of Railroads in Argentina in the Late 19th Century...
Table 2 List of the Founding Shareholders of the Bank of Buenos Aires-1822
BANCO DE BUENOS AIRES
NOMINA DE ACCIONISTAS - SELECCION (1)
Números
ler.
3er.
49
Quinto
Quinto
Quinto
20
1
Julián Agüero
200
200
200
Quinto
200
25
1
Bernardino Rivadavia
200
200
200
200
26 a 30
5
Joaquín Achaval (a Félix Castro)
1.000
1.000
1.000
1.000
35 a 39
5
Braulio Costa
1.000
1.000
1.000
1.000
40
1
Vicente López
200
200
200
200
60 a 64
5
Stewart Mc. Call y Ca.
1.000
1.000
1.000
1.000
65 a 74
10
Félix Castro (a Guillermo P. Robertson)
2.000
2.000
2.000
2.000
75 a 79
5
Juan José de Anchorena (a Stewart y Ca)
1.000
1.000
1.000
1.000
80 a 84
5
Nicolás de Anchorena (a Stewart y Ca.)
1.000
1.000
1.000
1.000
97 a 106
10
Juan Pedro Aguirre
2.000
2.000
2.000
2.000
113 y 114 2
Rosas, Terrero y Ca. (a Stewart y Cai)
400
400
400
400
115
José María Roxas
200
200
200
200
122 a 131 10 Diego Brittain
2.000
2.000
2.000
2.000
132 a 136 5
Roberto Montgomery
1.000
1.000
1.000
1.000
137 a 141 5
Guillermo Cartwright
1.000
1.000
1.000
1.000
142 a 146 5
Juan Miller
1.000
1.000
1.000
1.000
117 a 151 5
Miguel Riglos
1.000
1.000
1.000
1.000
152 a 156 5
Guillermo P. Robertson
1.000
1.000
1.000
1.000
157 a 151 5
Tomás Fair
1.000
1.000
1.000
1.000
182 a 187 6
Sebastián Lezica (a Stewart y Ca)
1.200
1.200
1.200
1.200
228 y 229 2
Nicolás de Anchorena (a Stewart y Ca)
400
400
400
400
400
400
400
400
1
230 y 231 2 Tomás Manuel de Anchorena Ca Stewart Ca.)
237 a 239 3
José Maria Roxas
241 a 245 5 Tomás Armstrong
600
600
600
600
1.000
1.000
1.000
1.000
200
255
1
Luis Dorrego
200
200
200
26.5
1
Mariano Fragueiro
200
200
200
200
1.000
1.000
1.000
1.000
266 a 270 5
Brown Buchanan y Ca
279 a 282 4
Dr. José Valentín Gómez
2.400
800
285 a 289 5
Diego Brittain
3.000
1.000
298 a 302 5
Tomás Newton
3.000
1.000
Fonte: Cuccorese (1971)
Nota: ARCHIVO Y MUSEO HIS TORICOS. BANCO DE LA PROVINCIA DE BUENOS AIRES. Libro Mayor. N.1 Folios 11, 12, 13 y 14.
table 3, and it shows that in the original group of
founding customers of there was a considerable
72
História e Economia Revista Interdisciplinar
number of British citizens, which were very likely connected to the railroad business.
Table 3 Bank of the Province 1883
Then, the Central Argentine Railway
was a pioneer railroad that did not intend to respond to an existing demand for railway service:
it, instead, intended to create such a demand.
From its beginning it was a project of great proportions, and its success depended on its effectiveness in establishing a complete system. It
was in fact both a railway company and a land
company, and a large volume of capital was necessary to build a railroad and develop the land
that belonged to the company. The idea was to
invest in both aspects, as one would stimulate the
other, but actually the company executives obtained less than the necessary capital to build , and
theydid not allot any resource to the settlement
part. The Central Argentine Railway, according
História e Economia Revista Interdisciplinar
73
The Construction of Railroads in Argentina in the Late 19th Century...
to Ferns (1979), tried to stimulate the Argentines to invest and participate in the project of the
company with no success.
Table 4 shows the composition of the
capital paid-up in Central Argentine Railway in
1863. The importance of the British capital is
clear, subscribing $f 72,275,000. As to the domestic capital, the Argentinean government was
the second most important shareholder, followed
by the Argentine public subscription and finally
by the Buenos Aires province. In 1871 there
were more stockholders living in Argentina that
in Great Britain, although none of them, except
the Argentine government, owned more than 10
shares.
The main feature in the organization
of the Great Southern Railway of Buenos Aires
was that it was composed of British capitalists individually. Thus, the labor unions and the
speculative financial groups did not participate in
its constitution, and its shares were placed in the
London stock market although they were seldom
traded.
The concession was granted in July
of the next year, but Lumb was unable to raise
enough capital in Argentina, so he went to London where he received financial aid from Baring Brothers. From these contacts an arrangement was settled whereby Lumb’s concession
was transferred to a new London-based company in 1862 under the name
Table 4 – Initial capital of Central Argentine
“Great Southern Railway of BueRailway -1863
nos Aires” with an initial capital
Capital necessary for construction
$f 5,000,000
of 750,000 pounds in 20-pound
Argentinean Capital:
shares each. Lumb’s concession8
Subscribed by the national government
$f 1,700,000
had a guarantee of 7% on a capital
Subscribed by the province of Buenos Aires $f 25,000
of £10,000 per mile for 40 years,
Subscribed by the Argentine public
$f 1,000,000 but the government had the right
Total of Argentine capital
$f 2,725,000 to determine the prices during the
Maximum British capital
$f 2,275,000 period in which the guarantee was
in effect and to assume control
Source: Ortiz (1983, p. 153).
of the company by returning the
The early history of the other compacapital a 20% premium. Upon the inauguny, the Great Southern Railway of Buenos Aires,
ration of the Great Southern Railway of Buenos
is very different from the history of the Central
Aires on March 7th, 1864, the Argentine presiArgentine Railway. It was constructed along a
dent, General Mitre made an enthusiastic speech,
relatively populated territory, whose inhabitproclaiming his faith in the railroads and in Engants were eager for the service. Its history began
lish capital.
through the initiative of Edward Lumb, considered to be the wealthiest British businessman
The Great Southern Railway of Buein Buenos Aires by the mid-century. He always
nos Aires displayed its English character9. The
had strong relations with the political leaders
8 According to Stones (1993, p.7) the local Board of directors of the
new company had Lumb, the English consul in Buenos Aires, Mr. Frank
of the province of Buenos Aires and in August
Parish, and the great landowner, John Fair.
9 The English influence on the railroads did not concern only to the
1861 he requested permission to build a railroad
ownership of capital, since, although the design of the railroads was
French-inspired, the architecture of the covers in the rural stations was
from Buenos Aires to Chascomús (71 miles in
a vivid remembrance of the British presence as was the English spoken
by the employees, engineers and drivers. Since the British owned three
distance) to the Buenos Aires Legislative.
7 $ f means pesos fuertes, currency used in Argentina at that time.
74
História e Economia Revista Interdisciplinar
small companies, their control of the transportation system was almost
total. According to Lewis (1985) the same was true in the urban system
initial list of shareholders shows prominent
English noblemen and English residents, a few
Scotsmen and Argentines and no other person
of European descent. It was a company rule that
the existing shareholders should be given the
preference in acquising future share issues. The
amount of shares increased year after year going
from more than 200 in 1864 to 1,000 in 1875,
2,000 in 1880, 14,000 in 1900 and about 36,000
in 1914.
The relations between the Great
Southern Railway of Buenos Aires and the government of the city were not always peaceful. Its
executives preferred to extend the lines toward
areas of more intense traffic while the government and the representatives of the rural sector
wanted the extended line to lead the expanding
economic frontier so that people could reach the
unpopulated land and begin to produce.
The results of the exploration of the
Great Southern Railway of Buenos Aires were
quite satisfactory from the first day it was opened
to the public, and in December 1865 the proceeds reached approximately 1,000 sterling per
week. It took a while for farmers to understand
the advantages of the railway and to aborderthe
operation of their carts. It was only in 1869 that
for the first time, wool transported to Buenos
Aires by the Great Southern Railway of Buenos
Aires surpassed the amount carried by the previous means. (Los Ferrocarriles Britanicos en la
República Argentina, (sn), 1948).
Whenever railroads are mentioned in
Argentina, England is remembered as the country that most invested in Argentina because of
the financial difficulties of the Argentine State to
make important investments.
in Buenos Aires where, from 1876 to 1940, the streetcars systems were
controlled by the British. The British influence was extended to the other
infrastructure systems: the docks, the gas, water, sewer systems and the
first South American subway, all financed by the British.
2. Territorial Expansion: the Desert Campaign and the
Railroads
The growth in exports and the opening
of foreign markets were only made feasible bya
great territorial expansion which allowed the incorporation of huge areas of fertile land in the
Pampasthis expension took place during, the socalled Desert Campaign. This was possible due
to the construction of railroads that crossed along
the Argentine territory. The two movements were
closely linked: the Desert Campaign and the consolidation of the railroads. This will be discussed
here.
The territorial expansion that made
the present Argentinean territory reality is without a doubt one of the most interesting parts of
Argentina’s economic history. In the 19th century, around the 70’s and 80’s, the South of the
Buenos Aires province was occupied by Indians,
and their expelling and further appropriation of
their land for production purposes were reached
through a number of military operations that appear in the literature by the denomination Desert
Campaign.
Landes (1998, p.347) states that the
lack of unoccupied land was one of the worst
legacies of the colonial regime when vast Argentinean areas were given gratuitously to the
church and to powerful men. The remaining land
was grabbed during disturbances after independence and when new territory was acquired, the
same pattern of distributions followed. Then,
“the campaign of 1879 against the Indians (what
the Argentines bizarrely called La Conquista del
Desierto10 was preceded and financed by sales of
land, around 8.5 million hectares to 381 people”.
According to him, the buyers needed all the
10 According to Bandieri (2000, p.129) since the Desert Campaign
in 1879, the word “desert” must be understood as “barbarism” or
“civilization void”.
História e Economia Revista Interdisciplinar
75
The Construction of Railroads in Argentina in the Late 19th Century...
land they could purchase because as one headed
southward the climate became arid and the soil,
infertile. Patagonia could support perhaps one
flock of sheep per area that was equivalent to
one-tenth that of Buenos Aires. Although there
had already been a border shift in Buenos Aires
in the 18th century and in the 19th century with
Rosas in 1883, the major shifts came with the
Desert Campaign: Alsina’s in 1876 and mainly
Roca’s in 1880.
The first known Campaign was Alsina’s, the minister of War under president Avellaneda. Its goal was to secure the Negro river
border in order to obtain vast land areas for the
Pampa inhabitants and to use them in production. Minister Alsina proposed a plan which included advancing the Southern border, occupying strategic sites. This incursion would be made
by successive lines that would have telegraph
communication with Buenos Aires. The forts
would connect with one another aiming at blocking the Indians’ entrance. Alsina’s plan included
the construction of an economic railway between
Bahía Blanca and Salinas Grandes, as well as the
enlargement by 771 km of the telegraph lines
that existed in the province of Buenos Aires as a
means to connect the capital with other regions.
Although the Campaign had its origin
in the strategic issue of land appropriation, in this
period there was in fact a resurgence of the Indian
menace due to problems with frontier countries,
the structural crisis of the Argentine State and the
internal disturbances of the Indian society. The
Indians also competed with the population for
water that was needed for the cattle, this being
a reason for frequent invasions in villages and
major threats to the populations making it hard
to guarantee safety and a growing agriculturalcattle breeding profitability in the plana pampa.
All these reasons combined to lead the
76
História e Economia Revista Interdisciplinar
Indians to promote bolder invasions at a time
when Argentina was less prepared or less capable
to use its resources to defend her domestic border. Obviously it was not the Indians’ boldness
what provoked a change of behavior by the State.
What took the authorities to a different position
was the realization that for the first time the insecurity of the Indian border began to produce a
deep impact on the rhythm of the country’s development. It is important to make clear that the
phrase “Indian border” does not define a precise
limit or a precise division between colonized and
non-colonized areas.
This was the context when Alsina’s
border consolidation phase occurred in 1876.
This Campaign marks a new system of hostility
against the Indians and it was fundamental that
the troops could reach ever farther regions. So,
better infrastructure and communication were
needed along the border. In the same period, Julio Roca, as the commander of the West Border,
was already in favor of a more offensive policy.
In July 1878 he commanded a true military devastation, with the imprisonment of Indian tribal
chiefs, thousands of Indians killed and thousands
made prisoners.
Besides, the fact that General Roca
was the commander in the frontiers of Córdoba,
San Luís and Mendoza gave him the opportunity
to become fully informed about the problem of
the desert fight and really came to know in detail the habits, the situation and the tactics of the
main tribes. Alsina’s endeavors to conquer the
desert allowed him to incorporate 56,000 square
km of virgin land and also the creation of new
territories by the end of his Campaign.
On December 29th, 1877, with Alsina’s
death, president Avellaneda nominated Roca as
his successor. He then could elaborate a strategy
for the final deserto Campaign and this time it
would be in the Negro river border. Roca’s Campaign was no doubt the most important, because
it incorporated a huge volume of land for economic activities. Roca’s designation as minister
of War in June of 1878 enabled him to apply
his three lines of work that can be summarized
as follows: 1) maintain the task of soothing the
tribes to the South and Southeast of Buenos Aires province and the ones to the South of San
Luís, Córdoba and Mendoza; 2) put in effect simultaneous tasks of exploration of new territories; 3) logistical preparation to reach the Negro
river.
The military expeditions were extremely favorable and set the conditions for
reaching the Negro river in 1879 without major problems. The outcome was the occupation
and the development of over 550,000 km of national territory. It is important to stress that the
federal government, already foreseeing such an
outcome, proclaimed the organization of borders
in the nation’s territories, thereby creating the
administrations of Pampa, Neuquen, Río Negro,
Chubut, Santa Cruz and Tierra del Fuego in October of 1884. In the 1900’s the nation occupied
Patagonia definitively, closing the final part of
the Campaign of new territories.
Roca’s success came to depend on two
signs of modernization which also influenced the
period: telegraph and railroads, the latter being
the best feature in Argentina’s modernization.
By carrying provisions, men and horses swiftly
to outposts, the railroads allowed Roca to enjoy
further mobility, a factor that had always been
emphasized by him and that was considered a
main element in the Indians’ earlier victories.
The consolidation and the effective expansion
of the borders became a feasible proposition,
maybe for the first time since the early century.
During the 80’s the capitalization of
the Great Southern Railway of Buenos Aires rose
from around one million to around three million
sterling, an indication of the reach of buildyngand the volume of the financial resources involved. According to Lewis (1985), in the same
period the federal and the provincial authorities
had gathered huge amounts, almost all for public
projects, especially the construction of railroads
and telegraph wires that almost reached the border. Part of this capital was invested in the south
and the west of the province of Buenos Aires.
The destination of huge amounts to these projects – both in terms of the funds directly invested
by foreign capitalists in railroad shares and in
subscriptions of national and provincial shares –
was a sign of trust in Argentina.
The reality of the economic progress led the shareholders of the Great Southern
Railway of Buenos Aires to annul the guarantee clause and at the same time to allocate large
amounts to Argentinean development believing that there was little need of a governmental
guaranteeof 7% per year onthe capital. When the
traffic ona line expanded quickly, it produced
enough revenue to pay much higher dividends.
This way, the railroads allowed Roca
to successfully implement his strategy to eradicate the Indian menace, a strategy that depended
on the maintenance of a substantial military force
with an extensive time onactive duty and a final
coordinated attack by the front against Indian
land to safeguard, capture and clean the southern Pampa territory. Due to the Desert Campaign
in 1880 the volume of land incorporated in economic activity increased by approximately 30
million hectares, almost half of what was then
available.
So, in the 80’s, the Great Southern
Railway of Buenos Aires was running through
the heart of those regions that four years earlier
História e Economia Revista Interdisciplinar
77
The Construction of Railroads in Argentina in the Late 19th Century...
were being devastated by the Indians. It became
the number 1 company in the country in terms
of its freight volume and the amount of capital
invested, owning the longest constructed line in
1880: 563 km.
3. The Consolidation of the Railroads in the Belle Epoque Period.
As of 1880, a new phase of expansion
of the Argentine rail companies began, and this
new period of expansion started cautiously in
that year with the extension of lines that were
part of existing railways. The great territorial
expansion granted by the Desert Campaign influenced and was influenced by the construction
of railroads, in terms of incorporation of vast
areas of fertile land which, through their production, were profitable both to the Argentines and
the British capital invested in railroads.
This new period of construction of
railroads happened within a bigger picture, the
Belle Epoque, a golden time in terms of the Argentine economic growth, made possible by the
massive amount of English capital that entered
the country.11 This new investment phase distinguished from the previous one because it did
not depend on the development of foreign trade anymore, though in the medium term it had
affected it. Again it was up to the Argentine State
to propitiate the right environment for the arrival of the new investments.It is essential to say
that a large portion of the foreign investment,
both public and private, was meant to form infrastructure, mainly transportation services. The
funds were used first for the direct purchase of
foreign production goods, such as railroad equipment. Then, what was left was transferred to
Argentina to finance railroad construction. According to Alemann (1990), in 1880 there were
11 For this period of economic growth in Argentina see Cortés Conde
(1997), Di Tella, Zymelman (1967), Díaz Alejandro (1970); and Lenz
(2004).
78
História e Economia Revista Interdisciplinar
already 2,500 km of lines and 10 railroad companies. According to Ferns (1965), from the total
British capital investments in Argentina, which
amounted to 23.06 million pounds, 56.2% corresponded to loans to the government and 28.6%
to railroads and in 1890 the British investments
reached approximately 20 million pounds. This
explains why the funds originated in this period
were devoted to railroad extensions promoting
the State activity, in similar proportion to the direct foreign investments.
Table 5 presents the new international
bond issues in London, compared to Argentine
bonds . It confirms the peak of the English investments in Argentina in the period, reaching
the highest point in 1888 with. Argentine raising
an amazing 23,4% off all bonds issued in London that year.
Table 5 New capital issues by London
for investments abroad and in Argentina
-1885-1891
(1)
For investments abroad
2)
For Argentina
1885
48.4
1.8
1886
47.7
11.2
1887
60.9
11.3
1888
95.5
23.4
1889
99.2
12.8
1890
91.1
4.9
1891
46.6
-
Source: Ford (1975, p.124).
Although the construction of railroads
was mainly conceived in essentially political terms, as a means of security in border areas that
were more at risk or as an imposition of central
authority over refractory provinces, many constructions were viewed as economically regenerative, showing not only coercive intentions
but also a commitment to regional welfare. The
Central Argentine Railway could hold together
the scattered provinces of the Confederation, discouraging turmoil, and could also promote the
development of the northwest region, stimulating local production and encouraging trade relations with neighboring countries. The railroads
practically revived an area that was previously
prosperous but that had lagged behind since the
independence because of inadequate means of
communication (Lewis, 1985).
Table 6
shows the status of the railroads in 1884 in relation to capital, wagons and constructed km. It
shows the importance of the Great Southern Railway of Buenos Aires and the Central Argentine
Railway for the volume of the capital invested,
the number of locomotives, wagons, passengers,
maintaining this same trend through the 80’s.
Argentina had 3,848 miles of rails, from when
this growth started to decline.
In 1895 the first railroad system was
already well-advanced, but around 1914 the
gathering of the integrated areas was dominant
and all the main regions were connected to the
nation’s capital and were making arrangements
for some junctions of strategic intra-regional
routes, besides Buenos Aires, over main ports,
such as Rosário’s and Bahía Blanca’s. The railroad system also determined a substantial decrease in transportation costs. According to Cortez
Conde (1997), it is estimated that between 1855
and 1884 the cost of railroad freight decreased
71.9% in relation to cart transportation and between 1884 and 1910, it was 23.33%.
Table 6 – Railroads in Argentina -1884
Lines
West
South
Km
779
Capitals
Locomotives
Wagons
(freight)
Coach
(passengers)
15 442 855
90
2 749
101
1 024
26 571 733
65
1 932
173
Central
396
11 088 000
34
551
24
Buenos Aires
303
9 238 320
13
591
19
57
4 048 144
12
382
20
Ensenada
Source: Cuccorese, (1969, p.40)
The Argentine railway that had around
1,200 miles in 1875 more than doubled around
1885, again by the late 80’s and by the late century. In 1920 it reached 21,000 miles and in 1935,
25,000 miles. According to Rapoport (1988), the
concession of land adjacent to the railways, the
introduction of tax-free material and finally, the
Mitre Law of 1907, that exempted the companies
from paying all kinds of federal, local or provincial taxes in exchange for a single taxation of
3% over the net profits, constituted a powerful
stimulus for railroad investment. According to Ferns (1979, p.414), by the end of 1887
Despite the rhetoric of the promotional
literature, only a few companies did not apply
really low tariffs, and the railroads needed favors
nor dramatic savings in transportation costs. The
railroad companies, eager to guarantee access to
the European capital market, charged the most
the market could tolerate, as a way to assure returns and to avoid reliance on the State’s assistance. 12.
12 According to Ferns (1979, p.409), the dispute among the companies
might have had some beneficial consequence if the companies had
made an effort to obtain the right to render services, but too often they
restrained from investing in essential things, as wagons, to invest in
extensions of rails for a government that was eager to be popular in
regions where they owned land.
História e Economia Revista Interdisciplinar
79
The Construction of Railroads in Argentina in the Late 19th Century...
The competition in transportation was
a lasting phase in the history of the railroads in
Argentina during the third-quarter of the 19th
century. The establishment of the railroads’ operational cost was probably the most significant
factor to support competition in transportation in
Argentina. Prices that were fixed at high levels,
while the volume of traffic was limited, bringing
about a dependence on State aid. Nevertheless,
as the marginal costs of operation of railroads
were relatively low, the tariffs could be dramatically reduced when the freight volume increased.
There were significant economies of scale in the
railway business.
By the end of the century, when the
pampas were producing an expensing volume
of grain and cattle, the Argentine railroads had
little to fear in competitive terms because besides implying a fast and sharp reduction in transportation costs, only the rails and not the mules
or any other transportation could have formed a
true national market (Lewis, 1985). There were
also significant network externalities in the railway business.
The liquidations that followed the Baring crisis13 made most of the existing lines to be
passed over to British companies that exchanged
the interest’s warranties for payment in govern13 The Baring crisis or the “Bubble of 1890” was a crisis that brought
profound consequences to the Argentinean economy, as well as to the
financial world, as it is indicated below in this footnote. It started in
November of that year when London did not allow the advancement of
the debt payment neither the continuity of the quarterly transference
of funds to Argentina. The Baring bank had a great amount of bonds
of the Argentinean government, with a face value of around 25 million
dollars. There was a crisis y confidence in the capacity of payment of the
Argentine government that was solved later through foreign deals, as
below indicated. Because the main bonds were of railroads companies,
one of the main consequences of the crisis for the companies was that
several of the new concessions were canceled. According to Eichengreen
(1996), the Bank of England had to borrow three million pounds worth
of gold from the Bank of France and a commitment of one and a half
more million from Russia to keep the British central bank within the
rules of the gold exchange standard. Also, with the help of other London
banks, it allowed the financing of a fund to help the Baring Brothers
to be saved without compromising the gold exchange rules. Of course,
there are several interpretations of the Barings Brothers crisis : on the
one hand barings are viewed as providers of “bad loans” and, on the
other, as victims of the Argentine government, as the latter incurred in
the first of several defaults in its history. For this see Reinhart & Rogoff
(2004). The investors were soothed and the crisis was ended.
80
História e Economia Revista Interdisciplinar
ment bonds. According to Ferns (1979, p. 409),
around 65-70% of the total British capital invested in Argentina during the four prosperous years
(1886-1889) were used to finance the railroads
directly through companies or indirectly through
loans to the government.
The 1880’s were a period of great expansion and profit for all established railroad
companies, large or small. The fact that the productive and physical increase lagged in time by
a significant period the increase in investments
partly helps in explaining the sudden stop in capital inflows that precipitated the Baring crisis
of 1890. As a consequence, Argentine railway
affairs during the late 1880s exhibit a dual image: increasing difficulties in new lines and, at
the same time, untroubled operating lines; until
the latter were overtaken by the crash. (Lewis,
1983).
As a result, Argentina soon became a
railroad inferno, when in 190014 no less than 21
private railroad companies and three State ones
fought to serve a public of more or less
4
million people. Table 7 presents a detailed and
complete description of the railroad system in
Argentina collected by the 1914 census and presented by Vázquez-Presedo (1971):
Hence, the Argentine railroad system
could be considered at that time as one of the
most outstanding examples of railroad development in the world: the 10th in the world and the
1st in Latin America.
Discussion.
Among the countless characteristics
14 The British-owned railroad companies would eventually have to
face the radical political nationalism that would rule Argentina after
the 1930’s when they came to be seen as a prominent symbol of foreign
domination, a process that would culminate in the nationalization implemented by president Juán D. Perón in 1948, which included, besides
the railways, the financial, telecommunications and the electric power
sectors.
Table 7 – Railroad statistics - 1875/ 1914
Years
Extension
Kms.
Recognized capital
Thousands
$ gold
Passengers
transported in
thousands
Freight
transported
thousands
of tons
Total revenue
thousands
$gold
Total expenditure
thousands $
gold
1876
1 665
49 534
2 338
733
4 586
2 746
1878
2 262
59 491
2 474
733
5 332
3 155
1880
2 313
62 964
2 751
772
6 560
3 072
1882
2 266
65 672
3 646
1 307
8 496
4 527
1884
3 728
93 794
4 819
2 421
14 030
7 144
1886
5 964
148 610
4 658
2 948
16 158
9 214
1888
7 644
197 518
10 106
4 410
22 427
12 505
1890
9 254
346 493
10 069
5 420
26 049
17 585
1892
12 920
389 152
11 788
6 037
19 538
11 707
1894
14 029
461 865
13 928
8 143
22 904
13 081
1896
14 489
496 426
17 248
10 914
31 251
16 080
1898
15 314
522 433
16 478
9 429
33 241
19 103
1900
16 767
551 515
18 296
12 659
39 958
22 634
1910
27 713
1 099 700
59 849
32 561
111 448
65 967
Source Vázquez-Presedo - V.Estadísticas históricas argentinas (Comparadas): First part 1875-1914.
Buenos Aires: Machi, 1971. NotaTercer Censo Nacional – Año 1914 – Tomo X.1 Estadísticas
correspondientes al año 1912.
experienced by the Argentine economy in the
late 19th century, one of the most interesting was
the role played by the British railroads, in the
context of the importance of the Desert Campaign for the construction and consolidation of
the domestic market.
The Desert Campaign was the means
to appropriate fertile land needed for agricultural-cattle breeding production and it was implemented by a sequence of military operations, supported by the central government, aiming at eliminating the Indians that occupied the land. Both
Campaigns, Alsina’s in 1874 and General Roca’s
in 1878, had the explicit goal to rescue the desert
occupied by Indians and colonize it as a means
to assure its ownership. By the end of Alsina’s
Campaign 56,000 km of territory were incorporated and by General Roca’s, over 550,000 km.
The Desert Campaign was always interconnected with the construction of railroads,.
The importance of the railroads as a fundamental
element for the integration and the access to new
land and for the construction of the Argentine
nation, mainly through the incorporation of the
Pampa region, was always present in the speeches of politicians and statesmen of that time.
Alberdi (1999) even compared them, as cultural
agents, to the Middle Ages’ monasteries.
The arrival of the large railroad companies only occurred with the arrival of British
capital, making the two simultaneous and inseparable. The Argentine railroad network became
the largest and most important in Latin America.
Two English capital companies – Great Southern
Railway of Buenos Aires and the Central Argentine Railway – were at the top of the ranking.
História e Economia Revista Interdisciplinar
81
The Construction of Railroads in Argentina in the Late 19th Century...
While the Central Argentine Railway was a large
company, creating its own demand, with intense
State participation and low Argentine national
private capital participation, the Great Southern
Railway of Buenos Aires was constructed in an
already densely populated area and had as its
main shareholders a great number of English
citizens.
The large territorial expansion propitiated by the Desert Campaign came to influence
and be influenced by the construction of railroads, in terms of incorporation of vast areas of fertile land that, when producing, demonstrated to
be profitable both for the Argentines and for the
British capital invested in railroads.
As of 1880, a new phase of expansion
of Argentinean railroad companies was inaugurated, within a bigger context, the Belle Epoque,
a golden period in terms of Argentine economic
growth, greatly made feasible by the massive arrival of English capital in the country.
82
História e Economia Revista Interdisciplinar
As a consequence, Argentina soon
became a “railroad inferno”: in 1900 at least
21 private railroad companies and three public
companies fought to serve around four million
people. The railroad system grew every year and
by the late 1910 it totaled about 30,000 km and
another 8,000 were under construction. Considering the small population number, the Argentine
railroad system could be considered one of the
top developed systems in the world at the time.
Thus, the construction of railroads, although required by the foreign trade demands, performed
a remarkable role the national consolidation, facilitating access to new areas, and cooperating in
geographical terms by taking the place of rivers
and canals the country didn’t have and also in
economic terms, allowing the regional exchange.
The importance of the railroads as indispensable
elements for the integration and access to the
new regions and for the building of the Argentine nation especially through the incorporation
of the Pampa area was always mentioned by the
politicians and statesmen of the time.
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História e Economia Revista Interdisciplinar
Padronização técnica no Brasil:
História e mecanismos de governança
Sandra Milena Toso Castro Acosta
Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná
E-mail: [email protected]
Victor Pelaez
Professor Associado do Departamento de Economia da UFPR
E-mail: [email protected]
Resumo
A padronização técnica envolve atividades de metrologia, calibração, certificação, normalização e regulamentação. Este artigo
tem como objetivo resgatar a história institucional da padronização técnica no Brasil, a partir da criação e transformação dos
principais órgãos públicos e privados envolvidos nessas atividades. A experiência brasileira na padronização técnica revela um
modelo com forte intervenção estatal, cuja evolução levou à criação de uma concepção sistêmica de governança público-privado
por meio do Sistema Nacional de Metrologia (Sinmetro). A governança da padronização técnica no Brasil, entendida como a coordenação de interesses diversos, apresenta-se como uma atividade pouco eficaz devido à falta de aderência das políticas públicas a
um tecido produtivo ainda pouco organizado no sentido de garantir a combinação técnica das relações intra e intersetoriais.
Palavras-chaves: História. Tecnologia Industrial Básica, Padronização Técnica, Governança, Brasil.
Abstract
Technical standardization comprise activities such as metrology, calibration, certification, voluntary standards and mandatory
standards. This article aims at retracing the institutional history of standardization in Brazil, beginning with the creation and
transformation of the main public and private organisms related to these activities. The Brazilian experience in technical standardization reveals a model based on strong state intervention whose evolution has led to the creation of a systemic conception of
public-private governance through the Sistema Nacional de Metrologia (Sinmetro). The governance of technical standardization in
Brazil, want effectiveness due to the lack of organization among competing interests.
Key words: History. Standardization. Co-ordination. Governance. Brazil.
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Padronização técnica no Brasil...
1. INTRODUÇÃO
A
A padronização técnica no Brasil é
reconhecida pelo termo Tecnologia
Industrial Básica (TIB)1. Esse termo
foi concebido pela Secretaria de Tecnologia Industrial (STI) do antigo Ministério da Indústria
e do Comércio (MIC), no início da década de
1980, e refere-se a um conjunto de atividades
que engloba as funções básicas do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial (Sinmetro): metrologia, normalização,
qualidade industrial, propriedade intelectual e informação tecnológica.
A padronização técnica corresponde a
uma classe especial de regras, institucionalizadas
por organizações provenientes do setor público,
setor privado e sociedade civil2. Ao fornecer a
infra-estrutura técnica básica para o desenvolvimento tecnológico, os padrões técnicos estão
diretamente relacionados à forma pela qual os
diferentes atores econômicos estabelecem canais de comunicação e interação entre si, por
meio da criação de códigos de linguagem técnica
comuns. As atividades de padronização técnica
asseguram uma intensificação da coordenação
existente no conjunto da economia, aumentando
a possibilidade de planejamento e organização
da produção.
Existem basicamente dois tipos de padrões: de caráter voluntário e involuntário. Os
padrões voluntários são reconhecidos no Brasil
como normas e representam um conjunto de regras e diretrizes comuns para produtos e processos. As normas surgem como resultado de coope1 Em outros países, o conjunto de atividades de padronização técnica
recebe outras denominações. Os alemães chamaram esse conjunto de
funções de MNPQ (Messen, Normen, Priifen, Qualitat), explicitando
o encadeamento das funções relativas a Medidas, Normas, Ensaios
e Qualidade. Nos EUA, usa-se o termo Infrastructural Technologies
(FLEURY, 2007).
2 Envolve o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), os laboratórios de calibrações e de ensaios, os
Institutos Estaduais de Pesos e Medidas (IPEM), as Redes Metrológicas
Estaduais, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, os organismos de certificação acreditados, de inspeção e de treinamento e a
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
88
História e Economia Revista Interdisciplinar
ração mútua e consenso de todos os envolvidos,
sendo utilizadas voluntariamente pelas partes interessadas. Já os padrões involuntários, representados no Brasil pelos regulamentos, compõem
um grupo de procedimentos normativos de caráter compulsório, cuja conformidade obrigatória
é determinada e inspecionada por órgãos públicos. Outra atividade de padronização técnica que
se inclui na TIB é a metrologia, que permite o
respaldo técnico-científico para a criação, a calibração e a rastreabilidade de padrões, tanto para
as normas técnicas quanto para os regulamentos
técnicos. A avaliação da conformidade, por sua
vez, é utilizada para determinar o cumprimento
das prescrições pertinentes aos regulamentos
técnicos ou normas.
Verifica-se no Brasil uma interação cada
vez maior entre os padrões voluntários e involuntários nas relações internas e externas da TIB,
o que implica em mudanças institucionais significativas em termos da capacidade de negociação
e de governança dos diferentes atores envolvidos na geração e na difusão de padrões técnicos.
Além disso, ao congregar em suas funções técnicas agentes provenientes dos setores público,
privado e da sociedade civil, a TIB revela um caráter de coordenação não apenas técnico, como
também político, ao articular diferentes interesses e perspectivas de produção, de competitividade e de legitimação social. Dessa forma, a TIB
adquire importância tanto como instrumento de
coordenação e organização industrial, como de
política pública.
O objetivo desta comunicação é resgatar
a história da TIB no Brasil de forma a traçar a
evolução institucional das principais organizações envolvidas nas atividades que a integram,
com ênfase nos mecanismos de governança voltados à promoção de uma integração maior entre
as agências governamentais, o setor privado e a
sociedade civil. Pretende-se mostrar que a go-
vernança, aqui entendida como a coordenação de
interesses diversos, revela-se no caso da experiência da TIB no Brasil como um processo ainda
incipiente em termos de representatividade e de
articulação inter-institucional.
Para tanto, o trabalho está dividido em
duas partes. A primeira parte (seção 2) faz um
retrospecto histórico das principais organizações
criadas no Brasil com a finalidade de estabelecer
e difundir a padronização técnica e o controle de
qualidade no setor produtivo. Utilizou-se nesta
seção fontes secundárias baseadas em bibliografia sobre a história das instituições voltadas
à padronização técnica. A segunda parte (seção
3) aborda especificamente a formação dos mecanismos de governança do modelo institucional
atualmente em vigor, instituído pelo Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial (Sinmetro), por meio de uma análise
comparativa das ações dos diferentes comitês
técnicos assessores do seu órgão regulamentador,
o Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro), que tem
como função formular, coordenar e supervisionar a política nacional relativa à implementação
da TIB no Brasil. Adotou-se nesta seção fontes
de informações primárias que correspondem às
atas das reuniões dos comitês técnicos assessores
do Conmetro.
2. A formação de um sistema de
padrões técnicos no Brasil
A institucionalização da padronização
técnica insere-se no contexto da Segunda Revolução Industrial na qual a incorporação do
conhecimento científico ao processo produtivo
dependia da uniformização de unidades de medida capazes de garantir a precisão, confiabilidade
e combinação operacional dos diversos equipamentos voltados à atividade produtiva em larga
escala. A instituição precursora na pesquisa e im-
plementação de padrões técnicos foi o Instituto
Imperial de Física e Tecnologia (PhysikalisheTechnishce Reichsanstalt - PTR), criado na Alemanha em 1887, cujo foco inicial era a difusão
da energia elétrica e o aperfeiçoamento de instrumentos óticos3. O funcionamento do PTR baseava-se em uma cooperação entre o governo e o setor privado no desenvolvimento científico e tecnológico de padrões e instrumentos de controle.
A ativa participação do setor privado alemão, na
demanda por padrões técnicos, tem suas origens
nas décadas que antecedem a unificação alemã
em 1871. Naquele período, as associações empresariais, notadamente as Câmaras de Indústria
e Comércio dos estados germânicos, buscavam
harmonizar as suas transações comerciais, sobretudo no que tange aos produtos manufaturados
(ECKERT e SCHUBERT, 1990; FEAR, 1997). A
padronização técnica na Alemanha resultou assim de um processo endógeno de construção de
relações empresariais e intersetoriais, inerentes à
complexificação de um tecido produtivo que surgia no contexto da industrialização da economia.
No caso do Brasil, o desenvolvimento
institucional da padronização técnica dependeu
fundamentalmente da ação estatal. Inicialmente
caracterizada por iniciativas isoladas e funções
meramente fiscalizadoras (restritas à metrologia legal), a padronização técnica evoluiu para
uma atividade considerada com infra-estrutura
de apoio ao desenvolvimento industrial do país.
Nessa perspectiva, identificam-se estratégias de
transformação de um modelo de intervenção estatal a um modelo de governança público-privada, cuja coordenação permanece centralizada no
poder público.
A padronização técnica como
instrumento de governo
3 Instituições equivalentes ao PTR surgiram posteriormente na Inglaterra, com a criação do Laboratório Nacional de Física, em 1900, o National Bureau of Standards nos EUA, em 1901, e o Instituto de Pesquisa
Física e Química no Japão, em 1917 (FEAR, 1997).
História e Economia Revista Interdisciplinar
89
Padronização técnica no Brasil...
No Brasil, a padronização técnica teve
seu início efetivo marcado pela supressão, em
1862, do uso de medidas herdadas de Portugal
e pela adoção do sistema métrico francês no que
concerne às medidas lineares, de superfície, capacidade e peso4 (Lei n° 1.157). Entretanto, ainda que houvesse a implantação de um sistema
de padrões em plena sintonia com a tendência
mundial, que D. Pedro II se associasse a cientistas ligados ao tema e que o Brasil participasse
da Conferência Diplomática do Metro5, a legislação expedida não foi suficiente para promover
a utilização do sistema por parte do setor produtivo. Não havia ainda nesse período um aparato
institucional para a guarda e conservação dos
padrões e para a pesquisa científica na área. Pode-se dizer que a nascente atividade metrológica
era uma prática diletante com pouca ou nenhuma
articulação com as atividades produtivas características de uma economia primário-exportadora.
Nessas condições, sua frágil estrutura era ainda
mais afetada pelas constantes crises políticas e
pela desarticulação da administração pública
(DIAS, 1998).
A importância da metrologia como
instrumento de apoio formal à regulamentação
das atividades do setor privado e como referência às transações comerciais só veio a ser resgatada pelo Estado brasileiro a partir da reforma
administrativa adotada pelo Governo Vargas. Em
1938 foi assinado o Decreto-Lei n°592, que deu
ao Brasil sua 1ª legislação metrológica. Criou-se
assim um sistema legal de unidades de medida,
definido pelas Conferências Gerais de Pesos e
Medidas6 (CGPM), além de uma Comissão de
4 As medidas até então utilizadas, a Vara para comprimento e o Marco
para massa, tiveram um período de carência de dez anos para que
fossem totalmente convertidas à nova realidade (DIAS, 1998).
5 A CM é um tratado diplomático assinado em 1875 em Paris no qual
17 países, incluindo o Brasil, decidiram criar uma estrutura para
coordenar e uniformizar as medições nos países participantes visando
dar suporte e facilitar o comércio internacional.
6 Conferência formada pelos países signatários da CM, responsável
pela manutenção, atualização e disseminação do Sistema Internacional
de Unidades (SI), o qual define os procedimentos sobre o uso de medidas e instrumentos de medir.
90
História e Economia Revista Interdisciplinar
Metrologia, que possibilitou o inter-relacionamento entre os órgãos governamentais e o setor
privado sobre o assunto. Os principais órgãos
executivos escolhidos para aplicação da política
metrológica foram o Observatório Nacional do
Rio de Janeiro e o Instituto Nacional de Tecnologia (INT). Na nova legislação, coube ao INT7 adquirir e conservar os padrões nacionais, elaborar
e rever o regulamento do Decreto-lei n°592, estabelecer o quadro de medidas e instrumentos de
medir, fiscalizar a execução da regulamentação,
aplicar penalidades quando necessário, organizar
um registro de fabricantes idôneos, analisar pedidos e inspecionar órgãos e entidades que pleiteassem o exercício de atribuições metrológicas
(DIAS, 1998).
Nesse período, ganhou força a idéia de
se criar uma entidade nacional de normalização,
voltada a atender os interesses do setor privado.
A Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT) foi criada em 1940, por um grupo de
sete pessoas, motivadas sobretudo por uma demanda da associação de grandes empresas da
indústria de cimento (Associação Brasileira de
Cimento Portland). Inicialmente, houve uma
participação importante do Instituto Nacional
de Tecnologia (INT – RJ) e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT – SP). Esses órgãos
elaboravam especificações para compras dos
órgãos governamentais do Estado de São Paulo
e da prefeitura e Estado da Guanabara. Muitos
desses documentos, assim como métodos de ensaios regionais, serviram de base para as normas
da ABNT. Poucos anos mais tarde, a participação dos laboratórios foi sendo substituída pela
presença de grandes grupos industriais advindos
do crescimento industrial do pós-guerra, os quais
dispensavam o trabalho dos laboratórios (ABNT,
2006).
7 O INT havia sido criado em 1933 como Instituto de Tecnologia e sua
tarefa principal era, até então, a de determinar as unidades padrão de
medidas físicas.
Em decorrência de uma ampla reforma do Ministério da Indústria e do Comércio, ao
longo do Governo Juscelino Kubitschek (19561961), as atividades de cunho metrológico deixaram de ser responsabilidade do INT para ser
de um novo órgão totalmente subordinado a esse
Ministério, o INPM (Instituto Nacional de Pesos
e Medidas), criado em 1961. O INPM deu origem a um processo de construção da metrologia
legal no país, na forma de aquisição de veículos
para fiscalização e de organização de convenções nacionais sobre o tema. Essa orientação
na alocação dos recursos do INPM tinha como
objetivo obter um controle maior das transações
comerciais, repreendendo o considerável número de fraudes metrológicas no país. O enfoque
do INPM, nessa época, refletia uma conjuntura
de elevado crescimento econômico ainda sustentado no modelo de substituição de importações,
com significativa proteção à produção doméstica
(Dias, 1998).
Em 1962, a ABNT foi reconhecida por
lei como órgão de utilidade pública. Instituíase, assim, um regime obrigatório de preparo e
observância das normas técnicas nos contratos
de compras do serviço público. Em 1967, na
ocasião de uma reforma administrativa implementada no fim do Governo Castello Branco
(1964-1967), foi criada a 1ª Política Nacional de
Metrologia (Decreto-Lei n° 240/67), que consistia no planejamento centralizado das atividades
metrológicas pelo Governo Central, associado à
execução descentralizada atribuída aos governos
estaduais, empresas estatais ou à administração
indireta. De acordo com Reis (1972), esse mecanismo de delegação vinha da impossibilidade
de formação imediata de uma rede nacional com
cobertura extensa o bastante para cobrir a fiscalização metrológica das principais regiões do
país. A estrutura descentralizada de execução das
atividades mostrava-se, no entanto, desvinculada
do seu núcleo central, na medida em que os institutos tecnológicos tinham interesses diversos
aos do INPM, e viam as atividades metrológicas
mais como uma fonte de receitas face à constante
escassez de recursos.
O próximo passo na implementação da
política de 1967 foi a criação de órgãos metrológicos estaduais, os IPEMs (Instituto de Pesos e
Medidas), subordinados ao INPM, com autonomia gerencial. Ocorria também neste caso uma
série de problemas derivados do controle compartilhado com as autoridades estaduais, que iam
desde o desgaste em negociações até a gestão de
pessoal, prejudicada pelo uso eleitoral da liberdade em contratar e demitir (DIAS, 1998).
O Sinmetro e a perspectiva de
uma coordenação público-privada
Durante os primeiros anos da década de
1970, quando a economia brasileira passava por
um período de crescimento acelerado, foi instituído o I Plano Nacional de Desenvolvimento
(I PND, 1972/ 1974). A partir desse PND foi
concebido o I Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (I PBDCT, 1973/
1974), que apresentava objetivos ligados à tecnologia aplicada na indústria nacional. Criado
com apoio da UNIDO (United Nations Industrial Development Organization), o I PBDCT
foi o primeiro documento de política explícita
de desenvolvimento científico e tecnológico no
país. De acordo com esse documento, as atividades de C&T organizar-se-iam sob a forma de um
sistema. Dele fariam parte todas as unidades organizacionais de qualquer grau que utilizassem
recursos governamentais para realizar atividades
de planejamento, supervisão, coordenação, execução ou controle de pesquisas científicas e tecnológicas (FILHO, 2002).
Do total de recursos mobilizados em
1973 e 1974 (algo em torno de US$ 700 milhões
História e Economia Revista Interdisciplinar
91
Padronização técnica no Brasil...
em valores da época), uma parcela desse total
foi destinada à Tecnologia Industrial, compreendendo a Tecnologia de Infra-estrutura e das
Indústrias de Transformação. Como responsável
pela aplicação desses fundos e coordenação das
organizações participantes estaria a Secretaria
de Tecnologia Industrial (STI), criada em 1972,
dentro do âmbito do Ministério da Indústria e
Comércio (MIC). Essa Secretaria cuidaria do
planejamento e coordenação do INT, do INPI e
do INPM, visando ordenar as atividades de pesquisa tecnológica sob a autoridade do Estado e
acelerar o desenvolvimento da indústria nacional
(DIAS, 1998).
Seguindo a mesma linha proposta pelo
I PBDCT, que valorizava a organicidade do
sistema de ciência e tecnologia nacional, a Lei
n° 5.966 de 1973 objetivou agregar metrologia,
normalização e certificação da qualidade em uma
só organização. Dessa forma, criou-se o Sistema
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro), um arranjo institucional que possibilitasse a articulação das diferentes atividades ligadas à padronização técnica.
O Sinmetro deveria assim proporcionar a coesão
necessária para o funcionamento de um sistema
único de padronização técnica, o qual passou a
contar com um conjunto de elementos maior e
mais heterogêneo em relação à antiga estrutura
do INPM. Uma nova estrutura de governança
deveria lidar com a diversidade de interesses
advindos dos diferentes Ministérios, agências reguladoras, empresas estatais, confederações setoriais, associações de consumidores, academia,
organismos de padronização técnica estrangeiros
e internacionais, entre outros.
A cúpula do novo sistema estava baseada em seu órgão normativo, o Conmetro, que
assumiu as funções de formular, coordenar e
supervisionar a política nacional de metrologia,
normalização e qualidade industrial, prevendo
92
História e Economia Revista Interdisciplinar
mecanismos de consulta que harmonizassem os
interesses públicos e privados, assegurando a
uniformidade e a racionalização das unidades de
medida. Como forma de integrar todas as áreas
afins do governo, o Conmetro reuniu um grande
colegiado de ministros ao qual seriam agregados
representantes dos diferentes setores e ramos
empresariais.
Presidido pelo ministro do então Ministério da Indústria e Comércio (MIC), o Conmetro foi concebido para funcionar a partir de um
plenário de câmaras setoriais (Dias, 1998). Para
execução das políticas definidas pelo Conmetro,
foi criado o Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro),
uma autarquia federal vinculada ao MIC, com
personalidade jurídica e patrimônio próprio, com
funções bem mais extensas do que o INPM. Dentre suas atribuições executivas está a aplicação
das políticas nacionais de metrologia e da qualidade; verificação da observância das normas
técnicas e legais; manutenção e conservação dos
padrões das unidades de medida; implantação
e manutenção da cadeia de rastreabilidade dos
padrões das unidades de medida no País (harmônicas internamente e compatíveis no plano
internacional); promoção do intercâmbio com
entidades e organismos estrangeiros e internacionais; planejamento e execução das atividades
de acreditação de laboratórios de calibração e de
ensaios, de provedores de ensaios de proficiência, de organismos de certificação, de inspeção,
de treinamento e de outros; e coordenação, no
âmbito do Sinmetro, da certificação compulsória
e voluntária de produtos, de processos, de serviços e a certificação voluntária de pessoal (INMETRO, 2008).
Nos primeiros anos do Sinmetro, dada
a necessidade de se contornar a escassez de recursos para equipar o Laboratório Nacional de
Metrologia, uma oportunidade foi vislumbra-
da com a formulação do Programa de Apoio
ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(PADCT), fruto de um acordo de empréstimo
negociado entre o governo brasileiro e o Banco
Mundial. Originalmente, os recursos deveriam
ser direcionados a programas de ciência básica
e a projetos de educação para a ciência. Porém,
o então secretário de Tecnologia Industrial José
Israel Vargas conseguiu convencer os consultores do Banco de que sem o desenvolvimento
da metrologia científica não haveria condições
para consolidar no país a ciência básica. Sendo
assim, a infra-estrutura de metrologia, normalização e qualidade industrial merecia receber
parte desses recursos. Nascia então, em 1984, o
subprograma do PADCT de Tecnologia Industrial Básica (TIB), a partir da união da Agência
CAPES, CNPq, Finep e STI. Nesse programa foram agregadas não só as atividades de metrologia, normalização e avaliação de conformidade,
como também as tecnologias de gestão (ênfase
na gestão da qualidade), os serviços de suporte à
propriedade intelectual e à informação tecnológica e a capacitação de recursos humanos nessas
áreas. O termo TIB surgiu a partir de uma proposta de José Israel Vargas de criar um conceito
que chamasse a atenção dos diferentes órgãos do
governo e do setor produtivo, para uma tecnologia indiferenciada, de aplicação universal aos
processos produtivos materiais e não-materiais,
procurando assim criar um consenso quanto à
necessidade de mobilização de recursos para
esse tipo de conhecimento (DIAS, 2007).
débitos, que se estenderam até a década de 1990,
somaram-se aos problemas econômicos (inflação e bloqueio das poupanças em 1990, durante
o Governo Collor) e à instabilidade política do
período, intensificando as dificuldades financeiras da instituição. Além disso, a ABNT precisava
lidar com a falta de interesse e estímulo das empresas privadas em participar das suas atividades,
de caráter essencialmente voluntário (ABNT,
2006). Tais dificuldades passaram a ser superadas com a implementação das normas ISO 9000
no Brasil, em função da crescente importância
da adoção dessas normas para a manutenção e o
aumento da participação das empresas brasileiras no mercado internacional (DIAS, 2007). Em
1992, houve o reconhecimento oficial da representatividade da ABNT, sendo credenciada como
único Foro Nacional de Normalização. A ABNT
passou a ocupar um lugar de destaque de representação no Sinmetro, ao participar em praticamente todos os comitês técnicos do Conmetro.
A partir da 2ª metade dos anos 1970, durante o Regime Militar, a ABNT passou por um
período de crise, com a tentativa de estatização
de suas atividades de normalização. As anuidades de participação da ABNT nos organismos
internacionais de normalização, pagas então pelo
governo, deixaram de ser liquidadas como forma
de pressão para a ABNT tornar-se estatal. Esses
3. Os mecanismos de
governança do Sinmetro
Segundo Dias (2007), o desenho institucional centralizado do Sinmetro passou a
representar um experimento em termos internacionais, ou seja, uma novidade entre os países
industrializados cujos sistemas de padronização
técnica apresentam uma participação mais intensa de entidades vinculadas ao setor privado. Tal
centralização representa um desafio, em termos
de governança institucional, na coordenação de
uma diversidade de atores cujos interesses são
muitas vezes dispersos e/ou conflitantes, como
se verá a seguir.
O Conmetro, sendo o órgão normativo
do Sinmetro, assumiu então a tarefa de dinamizar
as atividades de padronização técnica por meio
da coordenação dos diversos representantes públicos e privados. Isso se deu por meio de seus
História e Economia Revista Interdisciplinar
93
Padronização técnica no Brasil...
comitês técnicos assessores, abertos à sociedade,
os quais contam com a participação de entidades
representativas dos setores agrícola, industrial e
de serviços, de representantes da sociedade organizada (consumidores) e de órgãos de ensino
e pesquisa. O Conmetro é constituído por cinco
comitês técnicos: o Comitê Brasileiro de Metrologia (CBM), o Comitê Brasileiro de Normalização (CBN), o Comitê Brasileiro de Avaliação
da Conformidade (CBAC), o Comitê Brasileiro
de Regulamentação (CBR) e o Comitê do Codex
Alimentarius do Brasil (CCAB). Além disso, o
Conmetro conta com uma Comissão Permanente
dos Consumidores (CPCon).
Nesta seção, serão analisadas as estratégias de coordenação dos agentes, adotadas nos
respectivos comitês técnicos8 a partir do conceito de governança. Esse conceito está ligado
às condições para a criação de regras ordenadas de ação coletiva e aponta para a formação
de uma estrutura ou uma ordem que não pode
ser imposta desde fora, mas vem da interação de
uma multiplicidade de atores cujos interesses são
coordenados em prol de objetivos em comum
(STOKER, 1998). No processo de constituição
de um sistema de padronização técnica a governança está associada a estruturas de tomada de
decisão que variam de modelos de representação tecnocráticos, baseados em conhecimento
de especialistas dos setores público e privado,
dominados em geral por grupos empresariais
(consórcios) nos quais a participação do público
é excluída; a modelos de participação mais democráticos, cujas decisões são baseadas em consenso entre os agentes, e nos quais se prevêem a
inclusão de novos atores, sobretudo do público
leigo por meio de associações de consumidores
(ACOSTA; PELAEZ, 2008).
8 Optou-se neste trabalho por não se incluir a avaliação do CPCon em
função da falta de espaço. Pode-se rapidamente observar que essa Comissão tem tido uma participação inexpressiva junto ao Conmetro, pela
baixa representatividade e mobilização da sociedade civil organizada e
dos Procons estaduais.
94
História e Economia Revista Interdisciplinar
Por meio das atas das reuniões dos respectivos comitês, procurou-se identificar como
as agendas de trabalho e de tomada de decisão
são criadas, qual o papel exercido pelos diferentes atores envolvidos, e como os mesmos
interagem e coordenam seus interesses diversos.
Assim, para cada Comitê, foram observadas a
representatividade e a participação das entidades-membro, bem como a agenda de discussões
desenvolvidas.
3.1 Comitê Brasileiro de
Normalização (CBN)
A normalização no Brasil é organizada
no âmbito do Sistema Brasileiro de Normalização (SBN), um sistema interno ao Sinmetro,
destinado ao desenvolvimento e coordenação
das atividades de normalização, inclusive no que
se refere a sua relação com a atividade de regulamentação técnica. São integrantes do SBN,
a Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT), os Organismos de Normalização Setorial (ONS), as entidades governamentais com autoridade de regulamentação técnica9 e o Comitê
Brasileiro de Normalização (CBN).
O CBN surgiu em 1992 como Comitê
Nacional de Normalização (CMN) e tem como
principal objetivo estabelecer o envolvimento
dos diversos segmentos da sociedade no processo de normalização. Além disso, o CBN busca
assessorar e subsidiar o Conmetro nos assuntos
relativos à normalização, analisar e aprovar o
planejamento do SBN, estabelecer a articulação
institucional entre CBN e os demais Comitês do
Conmetro, e também entre os setores privado e
governamental, assessorando na relação entre a
normalização e a atividade de regulamentação
técnica. Cabe ainda ao CBN a elaboração, discussão e submissão à aprovação do Conmetro
9 Podem ser citadas como exemplo de instituições de autoridade de
regulamentação técnica a Agência Nacional de Águas (ANA), a Agência
Nacional do Petróleo (ANP) e a Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (ANTAQ).
do Plano Brasileiro de Normalização (PBN),
um documento plurianual, que harmoniza as demandas do Governo e da sociedade e contêm as
diretrizes, prioridades e os temas a serem considerados no âmbito do SBN. Além de criar esse
documento, o CBN articula, acompanha a sua
aplicação e verifica, por meio da avaliação dos
resultados, sua efetividade, tomando as necessárias ações para a sua revisão (Comitê Brasileiro de Normalização, 2008b).
Das 19 reuniões ordinárias realizadas
em seis anos de existência do CBN, excluindo
a ABNT e o Inmetro (secretaria-executiva do
CBN), apenas quatro entidades-membro compareceram a mais da metade das reuniões do
CBN: Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), Associação Brasileira da Indústria
Elétrica e Eletrônica (ABINEE) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE), que estiveram em 79% das reuniões,
e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT),
que participou de 68% dos encontros.
Os sete Ministérios10 representados no
CBN tiveram participação pouco significativa
nesses últimos seis anos de reuniões do CBN.
Quando são considerados apenas os Ministérios
ligados à área produtiva e de serviços, a participação ainda se mantém reduzida: o Ministério
do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio
(MDIC) compareceu às nove primeiras reuniões
(47% do total) e há três anos não se observam
registros de participação de algum representante
desse Ministério. Já o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA) não esteve
presente em nenhuma reunião. Verifica-se, neste
caso, a pouca importância atribuída pela esfera
pública às normas técnicas como instrumento
de desenvolvimento e organização da produção,
além de base para influenciar a criação de regu10 Meio Ambiente; Justiça: Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
Relações Exteriores; Defesa; Desenvolvimento, Indústria e Comércio;
Ciência e Tecnologia.
lamentos técnicos.
Da mesma forma, o setor privado tem
demonstrado pouco interesse na normalização
técnica. Somente três associações setoriais compareceram em reuniões do CBN: ABINEE (com
79% de participação), Associação Brasileira da
Indústria de Máquinas e Equipamentos - ABIMAQ (com presença em 37% das reuniões) e
Associação Brasileira de Cimento Portland ABCP, presente em 32% dos encontros11. Durante a 19ª reunião do CBN, realizada em Curitiba,
havia apenas duas entidades-membro de associações produtivas provenientes de setores privados
(ABIMAQ e ABCP, cujo representante é o atual
presidente do CBN), que pouco se manifestaram
durante as discussões. Segundo a ABNT (COMITÊ BRASILEIRO DE NORMALIZAÇÃO,
2003b), esses são os ramos que mais elaboram
normas e as utilizam em seus processos produtivos. Os Comitês Brasileiros desses setores
(ABNT/CB-02 Construção Civil, ABNT/CB-03
Eletricidade e ABNT/CB-04 Máquinas e Equipamentos Mecânicos) são justamente os com o
maior número de normas criadas no âmbito dos
Comitês Brasileiros, concentrando cerca de 43%
de todos os textos normativos produzidos. São
ramos industriais normalmente caracterizados
pela presença de empresas de grande porte, com
elevada participação no comércio internacional
ou que são sujeitos a uma forte fiscalização de
agências reguladoras, o que as forçam a ter uma
participação ativa nas discussões voltadas à criação e implementação de normas e regulamentos
em suas áreas de atuação. Essa situação poderia
ser caracterizada como típica de consórcios de
normalização, no quais um grupo, constituído
por empresas fornecedoras e grandes clientes,
acaba definindo normas de acordo com seus in11 Cabe salientar que desde a 4ª RO do CBN (Comitê Brasileiro
de Normalização, 2003), o representante da ABCP, Sr. Mário
Esper esteve na Vice-Presidência ou Presidência do CBN. Logo,
participou das reuniões do Comitê exercendo tais funções, de forma que
a porcentagem de participação pode estar subestimada justamente por
constar nas atas sua representação do CBN e não a do ABCP.
História e Economia Revista Interdisciplinar
95
Padronização técnica no Brasil...
teresses (AUSTIN e MILNER, 2001). Ainda que
as normas brasileiras relativas a esses ramos de
atividade sejam definidas por meio de um sistema institucionalizado de normalização, o consenso necessário para a aprovação de uma norma
ABNT acaba sendo marcado pela falta de diversidade dos membros participantes, o que induz a
um processo com pouca discussão e definição de
resultados já esperados.
Os representantes dos demais Comitês
do Conmetro também não tiveram assiduidade
nas reuniões do CBN: o Comitê Brasileiro de
Avaliação da Conformidade (CBAC) compareceu a 47% das reuniões, enquanto o Comitê
Brasileiro de Metrologia (CBM) participou de
37% das reuniões. Quando houve participação,
grupos de trabalho chegaram a ser criados entre
Comitês12 como forma de integração e complementação temática. Apesar da necessidade de
uma articulação efetiva entre os diferentes comitês percebe-se no CBN a falta de instrumentos
capazes de identificar a demanda por normalização oriunda dos demais Comitês.
As Confederações Nacionais do Comércio (CNC) e da Indústria (CNI) participaram em
47% das reuniões do CBN, enquanto a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) participou de apenas uma reunião. Percebem-se aqui
ao menos quatro possibilidades para explicar a
ausência das entidades públicas e privadas do
setor agropecuário (e das demais instituições
ausentes) neste fórum de discussão: (i) falta de
interesse ou conscientização sobre a importância
da normalização; (ii) falta de organização das entidades de classe do setor e dos órgãos públicos;
(iii) falta de capacidade de articulação do próprio
CBN; (iv) ou uma combinação das possibilidades anteriores.
12 Um exemplo foi o grupo de trabalho formado entre o CBN e o CBAC
sobre o uso de normas estrangeiras em programas de avaliação da
conformidade e a discussão sobre a utilização de normas não-oficiais
em compras governamentais.
96
História e Economia Revista Interdisciplinar
Um tema recorrente nas reuniões foi
a relação entre normas técnicas e regulamentação técnica. Com o intuito de identificar as
demandas governamentais por normas a serem
utilizadas como regulamentos técnicos, o CBN
incentivou um ciclo de apresentações por parte
das agências reguladoras, como forma de destacar suas principais deficiências em termos de
regulamentação técnica, tornando o CBN um órgão de ligação entre a esfera pública e a esfera
privada no contexto da normalização. Entre os
pontos debatidos estavam, por exemplo, normas
em segurança ambiental (Comitê Brasileiro de Normalização, 2004), os elevados
custos de instalações da NBR 5410, norma do
setor elétrico que diz respeito a instalações de
baixa voltagem, cuja referência é a norma internacional IEC 60364 (Comitê Brasileiro
de Normalização, 2006) e falta da padronização nos medidores de vazão de água no país,
impedindo uma melhor fiscalização (Comitê
Brasileiro de Normalização, 2007).
A partir dessas demandas específicas, o CBN sugeriu o encaminhamento dos problemas às instituições mais competentes para solução. A leitura
das atas correspondentes a essas reuniões sugere
que não houve desfecho satisfatório para essas
solicitações governamentais, ou pelo menos de
que ainda não se encerraram as discussões a respeito das mesmas, apesar de passados praticamente dois anos desde a data de apresentação das
agências. De qualquer forma, ambas as hipóteses
sugerem o lento processo de debate a respeito de
normas técnicas no CBN, que não se restringe,
portanto, à criação de normas na ABNT13.
No entanto, o tema de maior recorrência
nas reuniões do CBN foi a definição dos objetivos do próprio CBN e a revisão de seus participantes. Das 19 reuniões, 12 delas tiveram em
algum momento uma discussão sobre as estra13 Para mais detalhes acerca das decisões do CBN em cada uma das
demandas citadas, vide Acosta (2008).
tégias do CBN ou do PBN, e sobre os possíveis
interessados em participar do CBN. Pode-se perceber por meio das atas que o pouco tempo disponível (distribuído em quatro reuniões anuais)
para os encontros com as entidades interessadas
na normalização e discussão das demandas prioritárias acabou sendo utilizado para explicar a
própria existência do CBN e para tentar compreender o ambiente econômico e político por meio
do qual se estabelece a demanda pelas normas
técnicas no Brasil.
Nesse contexto, a elaboração do Plano
Brasileiro de Normalização (PBN) acabou sendo
um importante motivo para justificar as reflexões
sobre os objetivos do CBN. Em 2008, o CBN
realizou uma revisão institucional de suas atribuições, com o intuito de atualizar o PBN, após
quatro anos de vigência do plano anterior14. Assim, foram definidas diretrizes baseadas em três
grupos temáticos (Funcional, Regimental e Legal), as quais foram discutidas com as entidadesmembro da CBN, em reunião realizada no dia
18/06/2008, em Curitiba. Nessa data, estavam
presentes representantes do Inmetro, ABNT,
do Governo (Ministério da Defesa, ANATEL,
MCT) e do setor privado (ABINEE, SEBRAE,
CNC, Rede Metrológica do Paraná e ABCP, e
o próprio Presidente do CBN, Sr. Mário Ésper)
(Comitê Brasileiro de Normalização, 2008a).
Nessa reunião, foram discutidos os principais temas que mobilizam o CBN tais como a
necessidade de uma maior dinamização do funcionamento do CBN, o aumento da transparência, maior articulação com demais comitês e com
a ABNT, aperfeiçoamento da composição das
14 O último PBN foi elaborado em setembro de 2004 e abordou quatro
temas estratégicos: papel estratégico da normalização para a economia
brasileira; normas brasileiras – identificação de necessidades e prioridades; normas brasileiras, regulamentos técnicos e normas internacionais; e sustentabilidade do Sistema Brasileiro de Normalização. Esses
temas se desdobravam em conjuntos de diretrizes às quais, por sua vez,
foram associadas propostas de ação para implementação do PBN.
entidades-membro do CBN15, a reduzida participação das associações de consumidores nas discussões ligadas a normas técnicas. Além disso,
foi relembrado que o CBN não tem papel de instituição executora nem de julgadora de conflitos
entre os participantes, mas sim de órgão assessor
e que não cabe ao CBN realizar acompanhamento das atividades da ABNT, já que essa função
seria do Inmetro (órgão operativo do Sinmetro).
Essas questões primárias sobre quais seriam as
atribuições do Inmetro e do CBN, são um tema
recorrente nas reuniões, fazendo com os resultados das reuniões sejam redundantes e pouco
efetivos.
3.2 Comitê Brasileiro de
Regulamentação (CBR)
O Comitê Brasileiro de Regulamentação
(CBR) foi criado como comitê assessor do Conmetro em 2005, com as atribuições de aprimorar
as práticas de regulamentação nacionais e definir
os elementos básicos que devem nortear o conteúdo dos regulamentos técnicos no âmbito do Sinmetro. Além disso, o CBR deve articular-se com
os demais Comitês do Conmetro, bem como com
os demais órgãos de governo, no que diz respeito à regulamentação, objetivando, sempre que
possível, a integração das ações e a utilização de
uma mesma base técnica (BRASIL, 2005).
Segundo o depoimento do Sr. Alfredo
Lobo, diretor de Qualidade do Inmetro, o objetivo do Conmetro ao aprovar a criação do CBR
era equacionar duas questões primordiais que
vinham dificultando e causando alguns entraves
aos órgãos públicos: a harmonização da interface
entre Normas e Regulamentos Técnicos; e a cobrança de normas e a referência às mesmas em
regulamentos técnicos. Foram ainda ponderadas
as questões relativas à dificuldade enfrentada no
15 Foi relatado que atualmente o quorum das reuniões é baixo. A
ABNT destacou a diferença daquela reunião com a reunião do Comitê
Brasileiro de Avaliação da Conformidade (CBAC), que havia sido
realizada no mesmo dia e local com um quorum bastante significativo
de representantes de associações produtivas e órgãos públicos.
História e Economia Revista Interdisciplinar
97
Padronização técnica no Brasil...
âmbito da regulamentação no comércio internacional, e à necessidade de uma atuação integrada entre as entidades regulamentadoras. Dadas
essas dificuldades, o Conmetro estabeleceu um
grupo de trabalho, sendo o Inmetro incumbido
de organizar as discussões pertinentes. Foram
realizadas algumas reuniões com as entidades
regulamentadoras e demais setores envolvidos
no sentido de formular propostas e definir direcionamentos. Assim, foi definido pelo Conmetro
que seria criado o CBR, que tem sua base legal
na Resolução nº 02, de 09 de junho de 2005
(COMITÊ BRASILEIRO DE REGULAMENTAÇÃO, 2005a).
São membros permanentes do CBR o
Inmetro (que exerce a função de Secretaria Executiva do CBR), a ABNT e os Presidentes do
CBAC, do CBN e do CBM. A presidência do
CBR, desde janeiro de 2006, é exercida pelo Secretário de Tecnologia Industrial do Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Além dessas instituições, o CBR
é composto por membros formalmente indicados
pelas autoridades regulamentadoras, de caráter
federal16. As decisões da Plenária são tomadas
com base no consenso entre os representantes
das entidades-membro presentes à reunião (COMITÊ BRASILEIRO DE REGULAMENTAÇÃO, 2008b). Até Outubro de 2008, foram realizadas sete reuniões ordinárias (RO) do CBR
(seis estão disponíveis no site do Inmetro) e duas
reuniões extraordinárias (RE). Foram realizados
também dois Workshops, nos quais foram discutidos assuntos pertinentes ao CBR.
As reuniões do CBR apresentam características diferentes em relação às reuniões do
16 Durante a 1ª RO do CBR, um representante do Inmetro indagou
sobre a possibilidade de convidar entidades privadas tais como a CNI,
CNA e CNC para fazerem parte do CBR. Entretanto, houve manifestações contrárias de alguns membros, que acreditam que o Comitê deve
ficar restrito aos órgãos governamentais. Essa situação permitiria uma
maior liberdade no tratamento dos temas (ComitÊ Brasileiro de
REGULAMENTAÇÃO, 2005a).
98
História e Economia Revista Interdisciplinar
CBN. Com exceção da ABNT17, o CBR conta
com a participação predominante de órgãos públicos (Ministérios e agências reguladoras). Destaca-se a importância da pluralidade de órgãos
reguladores nas reuniões do CBR, como forma
de garantir que suas necessidades em regulamentação sejam discutidas e abordadas no comitê.
De 2005 a 2008, as atividades do CBR
estiveram concentradas nas discussões para criação, aprovação e implantação de um Guia de
Boas Práticas Regulatórias. Na seqüência, foi
criado um Grupo de Trabalho sobre o Acesso a
Documentos Normativos de Caráter Voluntário,
com o objetivo de equacionar a venda de normas,
consultando todos os atores envolvidos no tema
e respeitando a soberania das agências reguladoras. Na discussão desses assuntos, verificava-se
um desconhecimento, por parte de alguns representantes das entidades-membro, da terminologia e funcionalidade concernentes não só à
regulamentação técnica e ao CBR, mas a todo
o sistema de padrões técnicos. Por exemplo, em
uma reunião foi apontada a dúvida com relação
à diferença existente entre o Programa de Avaliação da Conformidade e o Sistema Brasileiro
de Avaliação da Conformidade. Outro equívoco
observado foi igualar fiscalização à avaliação da
conformidade (COMITÊ BRASILEIRO DE REGULAMENTAÇÃO, 2007). Na 6ª RO do CBR,
um dos presentes desconhecia a função do CBR
(COMITÊ BRASILEIRO DE REGULAMENTAÇÃO, 2008a).
Como forma de contornar esse problema, foi realizado um seminário para homogeneizar os conhecimentos sobre a missão do CBR
(oportunidade em que também foi discutido o
17 Quando indagado pelo representante do MCT a respeito da participação da ABNT no Comitê, durante a 2ª reunião ordinária do CBR,
o representante da ABNT explicou que toda a discussão que culminou
na criação do CBR foi precisamente da necessidade de uma interface
entre as normas e regulamentos técnicos. A ABNT foi convocada por
ser precisamente o Fórum Nacional de Normalização reconhecido pelo
Conmetro (Comitê Brasileiro de regulamentação, 2005b).
Termo de Referência para elaboração do Guia) e
foi criado um Glossário de terminologia (disponível no site do Inmetro). Sobre esse Glossário,
foi pedido que todos o lessem e comentassem.
Mais uma vez, foi constatado o reduzido comprometimento e/ou priorização das instituições
nas atividades do CBR, já que somente a ABNT,
MCT, ANP e Inmetro opinaram, enviando seus
termos e definições (COMITÊ BRASILEIRO
DE REGULAMENTAÇÃO, 2006b).
3.3 Comitê Brasileiro de Avaliação da Conformidade (CBAC)
No Brasil, a atividade de Avaliação da
Conformidade é desenvolvida e coordenada no
âmbito do Sistema Brasileiro de Avaliação da
Conformidade (SBAC), um subsistema do Sinmetro, criado pelo Conmetro. O SBAC é constituído por representantes das partes interessadas
nos diferentes mecanismos da avaliação da conformidade, que se organizam por meio do Comitê Brasileiro de Avaliação da Conformidade
(CBAC).
O CBAC foi criado como comitê assessor do Conmetro em 2001, em substituição
ao Comitê Brasileiro de Certificação (CBC) e
ao Comitê Nacional de Credenciamento (Conacre). O Comitê tem como principal objetivo
articular e empreender ações relacionadas ao
planejamento e formulação das estratégias para
o Programa Brasileiro de Avaliação da Conformidade (PBAC), um documento plurianual, de
caráter estratégico, que contém as principais diretrizes para o desenvolvimento e consolidação
do SBAC, aprovado pelo Conmetro. O CBAC
deve também acompanhar e avaliar a execução e
os resultados dessa política. Isso se dá, principalmente, pela proposição e revisão das políticas de
acreditação de organismos e laboratórios; pelo
acompanhamento da participação nacional em
fóruns internacionais e regionais de avaliação da
conformidade, por meio da avaliação periódica
do SBAC; e pela criação de Comissões Permanentes, Sub-Comitês e Grupos de Trabalho para
empreender as atividades que lhe são atribuídas.
Além disso, cabe ao Comitê a articulação com
os demais Comitês do Conmetro e com os órgãos de governo, buscando a contínua integração
de suas atividades e a utilização de uma mesma
base técnica (COMITÊ BRASILEIRO de Avaliação da Conformidade, 2008b).
Desde 2002, foram realizadas 23 reuniões ordinárias (RO) do CBAC e nove reuniões
extraordinárias (RE). Nessas 23 RO, 86 instituições diferentes participaram em alguma das
reuniões, sendo que foram verificadas as participações de nove ministérios, 21 associações empresariais, seis agências reguladoras, três comitês assessores do Conmetro, além de sindicatos,
laboratórios, institutos de pesquisa, empresas
estatais e outros órgãos públicos. Cerca de 14 instituições participaram em
mais da metade das reuniões do CBAC. Dentre
as entidades que compõem o Comitê, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica
(ABINEE), a Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT), a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA)
e Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (ELETROS) foram as instituições com maior participação em ROs, com
presença em 100%, 96%, 87% e 83% das reuniões, respectivamente. As quatro associações são
ligadas à iniciativa privada, sendo que três delas
representam os interesses de setores produtivos
formados principalmente por empresas grandes,
com elevado peso na pauta industrial nacional.
Com relação às associações de classe, empresas
privadas e sindicatos, essas têm a maior participação no total das RO, sendo 62% das entidades
presentes nos encontros do CBAC.
História e Economia Revista Interdisciplinar
99
Padronização técnica no Brasil...
Ao contrário do CBN, que contava
com apenas três entidades interessadas em suas
reuniões, existe no CBAC um reconhecimento
por parte das associações produtivas do benefício advindo das discussões acerca da avaliação
da conformidade. O setor público, por meio de
Ministérios e Agências Reguladoras, está presente; no entanto, não apresenta o grau de envolvimento observado tanto no CBN quanto no
CBR.
Ao longo de seis anos de atuação, o
CBAC propiciou discussões sobre avaliação da
conformidade no âmbito do Conmetro. Foram,
em média, oito assuntos diferentes abordados em
cada reunião, tratando de temas como ensaios de
produtos, modalidades de avaliação da conformidade, relação com os demais Comitês do Conmetro, definições estratégicas do CBAC, articulação com os setores público e privado, apresentações de entidades, posicionamento do Inmetro
como órgão acreditador, entre outros. O dinamismo da agenda de trabalho das reuniões, bem
como a intensa formação de grupos de trabalho
para análises específicas dentro desse tema, pode
ser justamente um reflexo da maior participação
ou maior interesse de suas entidades-membro.
As reuniões do CBAC demonstraram
ter um caráter mais aplicado em relação aos demais comitês do Conmetro, no sentido de estar
mais voltado às necessidades práticas do setor
produtivo. Isso pode ser constatado no próprio
PBAC, cujas diretrizes não se restringem à definição de áreas e ações estratégicas mais abrangentes. O PBAC também identifica produtos
considerados estratégicos, cujo desenvolvimento
na área de certificação e acreditação deve ocorrer
no espaço de quatro anos. Além disso, nas reuniões foram registradas discussões sobre diversos
produtos, como a certificação de produtos hospitalares (uniformes e artigos de cama, mesa e
100
História e Economia Revista Interdisciplinar
banho), de brinquedos18, debates sobre ensaios
realizados em colchões, cadeiras plásticas, bicicletas, certificados para a cachaça, entre outros
produtos e processos.
O relacionamento do CBAC com os
demais comitês do Conmetro foi também um
dos assuntos discutidos, sob o enfoque da necessidade de interação e coordenação das interfaces
dos trabalhos a serem desenvolvidos pelos comitês. Por exemplo, com a reativação do CBN
em 2002, foi questionada a atribuição desse
comitê, visto que o CBAC também possui atividades relacionadas à atividade de normalização
(COMITÊ BRASILEIRO DE AVALIAÇÃO DA
CONFORMIDADE, 2002). Foi esclarecido que
ao CBAC caberia a identificação do conjunto de
normas e regulamentos a serem elaborados para
atender as suas necessidades, e ao CBN, as diretrizes gerais da normalização a ser aplicada nos
diferentes setores da economia. Esse tipo de discussão, recorrente nos diversos comitês, revela
ainda a falta de clareza e familiaridade dos representantes legais com a diversidade de funções da
TIB e suas instâncias de decisão burocráticas.
3.4 Comitê Brasileiro de
Metrologia (CBM)
Criado em 1995, o Comitê Brasileiro
de Metrologia (CBM) é um colegiado assessor
do Conmetro que tem por objetivo empreender
ações relacionadas ao planejamento, formulação
e avaliação das diretrizes básicas relacionadas à
política brasileira de Metrologia. O CBM é formado por instituições governamentais e outros
representantes da sociedade civil. Nesse Comitê,
o Inmetro também assume a função de Secreta18 O Presidente da Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos
(ABRINQ) foi pessoalmente à 15ª RO do CBAC (Novembro de 2005)
para solicitar, junto à Plenária, a participação da instituição como
entidade-membro. Mais uma vez, verifica-se um forte interesse das
associações produtivas em participar dos encontros de certificação e
acreditação, ao contrário do que ocorre no CBN, cujas entidades-membro constantemente estudam a possibilidade de que novos convidados
possam se envolver nas atividades do Comitê (COMITÊ BRASILEIRO
DE AVALIAÇÃO DA CONFORMIDADE, 2005).
ria Executiva, assim como nos demais Comitês
Assessores do Conmetro. Quanto à Presidência,
quem assume esse posto no CBM é o Diretor de
Metrologia Científica e Industrial do Inmetro.
Ao contrário dos demais Comitês do
Conmetro, o CBM não possui suas atas disponibilizadas ao público no site do Inmetro. É necessária a utilização de uma senha (fornecida aos
seus membros) para que seja possível o acesso
às informações do Comitê. Dessa forma, fica
impossibilitada a análise dos participantes e da
dinâmica de discussões obtida por meio das reuniões do Comitê, tal qual realizada nos subitens
anteriores.
Quando questionado em entrevista a
respeito da não-divulgação das atas, o responsável pelo CBM, o Sr. Aldo Dutra comentou sobre
o considerável número de atividades do Comitê,
que o impedia de atualizar o site. Essa indisponibilidade da visualização das atas, ainda que nãointencional, denota a ausência de transparência
da instituição, o que impede a sociedade de ter
acesso a suas decisões. Os efeitos e motivações
que movem os interessados no tema, tanto sob
os aspectos tecnológicos como econômicos, tendem a ser pouco claros e excludentes. A própria
participação nessas decisões igualmente se mostra impossibilitada pelo fato de não haver divulgação das datas de reuniões do Comitê.
3.5 Comitê do Codex
Alimentarius do Brasil (CCAB)
O Codex Alimentarius é um programa
conjunto da Organização das Nações Unidas
para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e da
Organização Mundial da Saúde (OMS). É um
fórum internacional de normalização sobre alimentos, criado em 1962. Suas normas têm como
finalidade proteger a saúde da população, assegurando práticas eqüitativas no comércio regional e internacional de alimentos. Além disso,
busca criar mecanismos internacionais dirigidos
à remoção de barreiras tarifárias, fomentando e
coordenando todos os trabalhos que se realizam
em normalização (COMITÊ CODEX ALIMENTARIUS, 2008).
Como o CBM, o CCAB não possui suas
atas disponibilizadas no site do Inmetro. Dado a
importância deste comitê nas discussões e participações em fóruns internacionais que afetam
diretamente tanto a competitividade das exportações do agronegócio do país quanto a saúde dos
consumidores, percebe-se aqui mais uma fragilidade institucional no que tange à transparência e
à coordenação das decisões que afetam as ações
dos demais comitês técnicos.
4. Considerações finais
Apesar do esforço governamental em
instalar um conjunto de atividades de infraestrutura tecnológica em um país no qual o desenvolvimento tecnológico é ainda incipiente, o
Sinmetro ainda conta com uma representatividade baixa dos principais agentes interessados no
desenvolvimento de uma coordenação produtiva
mais eficaz, capaz de aumentar a competitividade do parque produtivo nacional e, ao mesmo
tempo, de fazer valer os direitos dos consumidores. Verifica-se pouca identificação do setor
produtivo nacional e da sociedade com agentes
capacitados a participar do processo de criação e
adoção de padrões técnicos.
Aliado a isto, a grande quantidade de
representantes de ministérios e agências reguladoras envolvidas nos Comitês do Conmetro
também dificulta as atividades de coordenação
de uma diversidade de atores governamentais
que também apresentam seus próprios conflitos de interesses políticos, e lógicas próprias
na execução de suas atividades. Neste caso, o
Sinmetro perde muitas vezes seu propósito de
sistema coordenador de atividades complemen-
História e Economia Revista Interdisciplinar
101
Padronização técnica no Brasil...
tares, adquirindo um caráter mais burocrático de
agregação de funções similares por meio de reuniões – realizadas no âmbito do Conmetro - cujas
discussões tendem a se tornarem inócuas, face
à desarticulação e pouca representatividade dos
participantes.
O senso de oportunidade ou de improviso
de alguns gestores acabou permitindo a evolução
do sistema, indicando um ponto de vista muito
mais individual do que institucional no processo de criação do Sinmetro. A própria criação do
Programa TIB foi um exemplo de uma oportunidade gerada pelo Sr. José Israel Vargas de se
aproveitar um aporte de recursos do Banco Mundial, dada a necessidade de recursos para finalização do Laboratório Nacional de Metrologia.
Por outro lado, percebe-se a pouca qualificação e
falta de preparo no assunto padronização técnica
por parte da grande massa de representantes de
instituições públicas, muitas vezes incapaz de
dialogar com o setor empresarial e representá-lo
de maneira plena.
Como pôde ser constatada, a agenda de
discussões dessas atividades (analisada por meio
das atas dos Comitês do Conmetro) mostra-se
muitas vezes vazia, na qual se busca preenchê-la
por meio da revisão de seus planos estratégicos
que carecem de efetividade, representatividade e transparência. Tal fragilidade institucional
acaba por deixar espaço para uma ação paralela de decisão por meio de consórcios formados
por grandes grupos empresariais que possuem
um interesse mais imediato, na definição e implementação de padrões, e dispõem de recursos
financeiros necessários para fazer valer seus
interesses. Isto limita as possibilidades de uma
governança baseada na coordenação de uma diversidade maior de interesses, como também as
possibilidades de se exercer uma coordenação
voltada à troca de informações e experiências
capazes de contribuir para uma agenda de traba102
História e Economia Revista Interdisciplinar
lho voltada ao incentivo da aprendizagem e da
inovação tecnológica.
Por outro lado, pôde-se constatar, ao menos no CBAC, um processo crescente de participação e interação de atores do setor público e
privado na criação de uma agenda mais dinâmica
e efetiva de trabalho. Isto poderia resultar em um
efeito positivo de aprendizagem de práticas de
governança capazes de ampliar as possibilidades
de coordenação do setor produtivo e dos órgãos
governamentais envolvidos em outras esferas
de discussão e decisão do Sinmetro. Da mesma
forma, pode-se identificar uma tomada de consciência significativa por parte do setor empresarial nacional em participar de espaços de decisão
vinculados à criação de padrões internacionais,
os quais têm implicação direta na competitividade do país em nível internacional na medida
em que esses padrões podem tornar-se barreiras
técnicas ao comércio.
Pode-se enfim constatar que ainda existe no Brasil um grande caminho a percorrer no
sentido de se construir um aparato institucional
eficiente e participativo, voltado à criação e implementação de padrões técnicos. Identificam-se,
neste caso, duas causas principais: uma capacidade técnico-científica limitada do país; e uma
fragilidade político-institucional oriunda de um
modelo de democracia representativa, na qual os
processos decisórios permanecem restritos a uma
tecnocracia vinculada a grandes empresas e a um
número reduzido de órgãos públicos. Essa deficiência institucional revela enfim a falta de aderência das políticas públicas a um tecido produtivo
ainda incipiente, no que tange ao aproveitamento
das relações de sinergia estabelecidas entre o conhecimento científico e tecnológico, desencadeadas pela Segunda Revolução Industrial.
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História e Economia Revista Interdisciplinar
Roteiro para submissão de artigos
Guidelines for submission of papers
1. A revista História e Economia publica
artigos de história econômica, história financeira
e história das idéias econômicas.
1. História e Economia publishes articles on financial history, economic history and
the history of economic ideas.
2. A revista também recebe resenhas
de livros e comunicações sobre dissertações de
mestrado e doutorado.
2. We accept book reviews and dissertation summaries.
3. A publicação dos artigos ocorre conforme a aprovação dos textos pelo conselho
editorial.
4. Os artigos não devem exceder 30 páginas (espaçamento duplo), incluindo notas de
rodapé e referências bibliográficas.
5. O texto submetido para a revista
deve ser original. Em casos especiais, poderemos aceitar a publicação simultânea em revista
estrangeira.
6. Recebemos artigos em português, espanhol, inglês e francês.
7. Os originais devem ser editados em
MS Word.
8. As figuras, tabelas e gráficos devem
ser editados em preto e branco. Caso tais figuras tenham sido geradas em outros programas
que não MS Word (por exemplo: Excel, Power
Point), o autor deve enviar um arquivo separado
contendo o objeto no seu formato original.
9. Devemos receber um arquivo adicional com o(s) nome(s) do(s) autor(es), endereço
completo para correspondência contendo afiliação institucional, posição, titulação, telefone
para contato e e-mail. É necessário que o autor
inclua neste arquivo o título do artigo no idioma
original e sua tradução para o inglês. Além disso, o autor deve incluir uma resenha do texto no
idioma original e em inglês. A resenha em ambos
os idiomas não devem exceder 150 palavras.
3. The journal publishes papers according to their approval by the editorial board.
4. The articles must not exceed 30 pages (double spaced), including references and
footnotes.
5. The manuscript submitted to the journal should be original. In special cases, we may
accept the simultaneous publication in another
foreign journal.
6. We welcome articles in Portuguese,
Spanish, English and French.
7. The originals must be edited in MS
Word.
8. The figures, tables and graphics
should be edited in black and white and included
in the file containing the article. In case the original figure, table or graph was created in a program different from MS Word, we must receive a
separate file containing the object in its original
format.
9. We must receive an additional file
with the name of the authors, complete mailing
address containing the institutional affiliation,
position, title, phone number and email address.
We request the author to include the title in its
original language as well as its English translation. In addition, the author should enclose an
executive summary in the original language and
in English. The executive summary and the English translation should not exceed 150 words.
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10. As referências bibliográficas devem
ser detalhadas e completas, elaboradas de acordo
com a NBR 6023 da ABNT. Os dados históricos
e as tabelas devem especificar as fontes utilizadas. Em caso de fontes primárias (originais), o
autor deve fornecer o nome do Arquivo (ou Instituto, Instituição), a caixa, seção (se for aplicável) e todas as demais informações que julgar
relevantes.
11. Os arquivos podem ser enviados
por e-mail para: [email protected]. De modo alternativo, recebemos arquivos em disquetes ou
CD-ROM.
12. Somente artigos que satisfizerem os
requerimentos acima serão submetidos para o
comitê editorial.
13. Todos os textos submetidos à revista
receberão avaliações escritas dos membros do
comitê editorial.
14. O recebimento do texto pela revista
automaticamente implica em autorização para
futura e eventual publicação. A revista não paga
qualquer tipo de royalties para o autor.
15. A revista História e Economia deve
enviar uma carta e um e-mail para o autor acusando o recebimento dos originais (caso o artigo
seja aprovado, algumas mudanças podem ser
sugeridas).
16. A revista não devolverá nenhum texto recebido.
Envio de artigos
Os artigos podem ser enviados para:
Rafael Balan Zappia
BBS – Brazilian Business School
Instituto de História e Economia
Alameda Santos, 745 • 1º andar
Cerqueira César • São Paulo, SP
CEP 01419-001 • Brasil
e-mail: [email protected]
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10. The references must be detailed and
complete. Historical data and tables should
specify the sources used. In case of original/
primary sources, the author must provide the archive’s name, section, box (if it is applicable) and
all the relevant information.
11. The files can be sent by email to: he@
bbs.edu.br, in a 31/2 “ floppy disks or CD-ROM.
12. Only the articles that meet the above
requirements are submitted to the Editorial
Board.
13. All the manuscripts submitted to this
journal will receive written evaluations by the
board members.
14. The submission of a manuscript to us
implies authorization for future publication by
its author. No royalties will be paid.
15. História e Economia will send a written letter and an email to the author. In case of
approval, some changes may be suggested.
16. The journal will keep the originals.
Submission of originals
Originals should be sent to:
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BBS – Brazilian Business School
Institute of History and Economics
Alameda Santos, 745 • 1º andar
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CEP 01419-001 • Brazil
email: [email protected]
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