3 Vol. XXII 2013 - Revista Nascer e Crescer

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3 Vol. XXII 2013 - Revista Nascer e Crescer
Revista de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto | Departamento de Ensino, Formação e Investigação
Ano | 2013 Volume | XXII Número | 03
Diretora | Editor-in-Chief | Sílvia Álvares; Diretor Adjunto | Associated Editor | Rui Chorão; Diretora Executiva | Executive Editor | Luísa Lobato
Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Porto | Director | Fernando Sollari Allegro
Corpo Redatorial | Editorial Board
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Armando Pinto, IPOPFG
Artur Alegria, CHP
Braga da Cunha, CHTS
Carmen Carvalho, CHP
Cláudia Pedrosa, CHVNG/E
Cláudia Tavares, CHAA
Conceição Mota, CHP
Cristina Rocha, CHEDV
Gabriela Soares, CGMJM
Gustavo Rocha, CHSJ
João Barreira, CHSJ
Laura Marques, CHP
Margarida Guedes, CHP
Rui Almeida, HPH/ULSM
Vasco Lavrador (CHP)
Editores especializados | Section Editors
Artigo Recomendado – Helena Mansilha, CHP; Maria do
Carmo Santos, CHP
Perspetivas Atuais em Bioética – Natália Teles, CGMJM
Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP;
Altamiro da Costa Pereira, FMUP
A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – António Marinho,
CHUC; Fátima Pinto, HSM/CHLC; Maria Ana Sampaio, HCV,
Maria João Baptista, CHSJ; Paula Martins, HPCM/CHUC, Rui
Anjos, HSC/CHLO; Sílvia Álvares, CHP
Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Armando Pinto,
IPOPFG; Carla Moreira, HB/EB; Conceição Santos Silva,
CHPVVC; Fátima Santos, CHVNG/E; Inês Azevedo, CHSJ;
Isalita Moura, HSMM; Isolina Aguiar, CHAA; Joaquim Cunha,
CHTS; Susana Tavares, CHEDV; Cármen Carvalho, CHP;
Rosa Lima, CHP; Sofia Aroso, HPH/ULSM; Sónia Carvalho,
CHMA
Caso Dermatológico – Manuela Selores, CHP; Susana
Machado, CHP
Caso Eletroencefalográfico – Rui Chorão, CHP
Caso Endoscópico – Fernando Pereira, CHP
Caso Estomatológico – José Amorim, CHP
Caso Radiológico – Filipe Macedo, CHAA
Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, CHP;
Gabriela Soares, CGMJM
Educação Científica – Margarida Lima, CHP, ICBAS-UP
Pequenas Histórias – Margarida Guedes, CHP
Consultor Técnico | Consultant
Gama de Sousa, Porto
Consultora de Epidemiologia e de Bioestatistica |
| Advisor of Epidemiology and Biostatistics
Maria José Bento, IPOPFG
Conselho Científico Nacional |
| National Scientific Board
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Almerinda Pereira, HB/EB, Braga
Ana Maria Leitão, HSSM, Barcelos
Ana Ramos, CHP, Porto
António Martins da Silva, CHP e ICBAS/UP, Porto
Arelo Manso, Porto
Braga da Cunha, CHTS, Penafiel
Cidade Rodrigues, CHP, Porto
Conceição Casanova, CHPVVC, Póvoa de Varzim
Eurico Gaspar, CHTMAD, Vila Real
Fátima Praça, CHVNG/E, Vila Nova de Gaia
Gonçalves Oliveira, CHMA, Famalicão
Helena Jardim, CHP, Porto
Henedina Antunes, HB/EB, Braga
Hercília Guimarães, CHSJ, FMUP, Porto
Herculano Rocha, CHP, Porto
Ines Lopes, CHVNG/E, Vila Nova de Gaia
José Barbot, CHP, Porto
José Carlos Areias, FMUP, Porto
José Cidrais Rodrigues, HPN/ULSM, Matosinhos
José Pombeiro, CHP, Porto
Lopes dos Santos, HPH/ULSM, Matosinhos
Luís Almeida Santos, CHSJ, FMUP, Porto
Manuel Salgado, HPCM/CHUC, Coimbra
Manuela Selores, CHP, Porto
Marcelo Fonseca, ULSM, Matosinhos
Margarida Lima, CHP, ICBAS/UP, Porto
Maria Augusta Areias, HPBN, Porto
Norberto Estevinho, HPP, Porto
Óscar Vaz, ULSN, Mirandela
Paula Cristina Ferreira, CHP, Porto
Pedro Freitas, CHAA, Guimarães
Rei Amorim, CHAM, Viana do Castelo
Ricardo Costa, CHCB, Covilhã
Rosa Amorim, CHP, Porto
Rui Carrapato, CHEDV, Santa Maria da Feira
Teresa Oliveira, CHP, Porto
Teresa Temudo, CHP, Porto
Conselho Científico Internacional |
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Annabelle Azancot-Bergel, Hôpital Robert-Debré, Paris
Francisco Alvarado Ortega, Hospital Materno Infantil
Universitario La Paz, Madrid
Francisco Ruza Tarrio, Hospital Materno Infantil Universitario
La Paz, Madrid
George R. Sutherland, St. George’s Hospital Medical School
Cranmer Terrace, Londres
José Boix Ochoa, Barcelona
Jean-François Chateil, Hôpital Pellegrin, Bordéus
José Quero, Hospital Universitario La Paz, Madrid
Juan Tovar Larrucea, Hospital Universitario La Paz, Madrid
Juan Utrilla, Fundacion Pedro Borras, Madrid
Luis Callís, Hospital Vall d’Hebron, Barcelona
Peter M. Dunn, University of Bristol, Bristol
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0872-0754
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CGMJM, Centro de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães, CHAA, Centro Hospitalar do Alto Ave; CHAM, Centro Hospitalar do Alto Minho; CHCB, Centro Hospitalar da Cova da Beira; CHEDV, Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga;
CHMA, Centro Hospitalar do Médio Ave; CHP, Centro Hospitalar do Porto; CHPVVC, Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim – Vila do Conde; CHSJ, Centro Hospitalar de São João; CHTMAD, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro;
CHTS, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa; CHUC, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra; CHVNG/E, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho; DEFI, Departamento de Ensino, Formação e Investigação;
FMUP, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; HB/EB, Hospital de Braga/Escala Braga; HCV, Hospital Cruz Vermelha; HPBN, Hospital Privado da Boa Nova; HPCM/CHUC, Hospital Pediátrico Carmona da Mota;
HPH/ULSM, Hospital Pedro Hispano/Unidade Local de Saúde Matosinhos; HPP, Hospitais Privados de Portugal; HSC/CHLO, Hospital de Santa Cruz/Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental;
HSM/CHLC, Hospital de Santa Marta/Centro Hospitalar de Lisboa Central; HSMM, Hospital Santa Maria Maior; ICBAS/UP, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto;
IPOPFG, Instituto Português de Oncologia do Porto, Francisco Gentil; ULSN, Unidade Local de Saúde do Nordeste.
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I Reunião de Pediatria e Obstetrícia
do Centro Hospitalar do Porto
Presidente da Reunião
Comissão organizadora
Instituições colaboradoras
Sollari Allegro
Ana Guedes
Ana Ramos
António Braga
Bruna Vieira
Conceição Mota
Maria do Céu Rodrigues
Paula Cristina Fernandes
Paulo Sarmento
Rosa Maria Rodrigues
Sílvia Alvares
Teresa Oliveira
Vasco Lavrador
CH Porto
CH Alto Ave
CH Entre Douro e Vouga
CH Médio Ave
CH Póvoa de Varzim I V. Conde
CH São João
CH Tâmega e Sousa
CH Trás-os-Montes e Alto Douro
CH V. N. de Gaia e Espinho
Hospital de Braga
Hospital Santa Maria Maior
IPO-FG Porto
ULS Alto Minho
ULS Matosinhos
ULS Nordeste
Patrocínios científicos
Organização
Ordem dos Médicos
Sociedade Portuguesa de
Pediatria
Sociedade Portuguesa de
Obstetrícia e Medicina
Materno-Fetal
Sociedade Portuguesa de
Ginecologia
Associação Portuguesa de
Diagnóstico Pré-Natal
Centro Hospitalar do Porto
Ademi
Comissão científica
Almerinda Pereira
Armando Pinto
Braga da Cunha
Caldas Afonso
Cidade Rodrigues
Conceição Casanova
Eurico Gaspar
Fátima Carvalho
Fátima Praça
Fernando Pereira
Gonçalves Oliveira
Goretti Lobarinhas
Herculano Rocha
Jorge Braga
José Rei Amorim
Manuela Selores
Óscar Vaz
Paula Soares
Pedro Freitas
Rui Carrapato
Serafim Guimarães
Teresa Temudo
Virgílio Senra
Zulmira Correia
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índice
número3.vol.XXII
139 Editorial
140 Artigos Originais
Natália Oliva Teles
Deteção pré-natal de artéria umbilical única: qual o seu significado?
Vânia Ferreira, Inês Vaz, Ana Paula Reis,
Maria José Mendes, Maria do Céu Rodrigues
145
Depressão nos adolescentes – mito ou realidade
Catarina Resende, Elisabete Santos, Paulo Santos, Alzira Ferrão
151
Grande queimado numa unidade Cuidados Intensivos Pediátrico
– experiência de 20 anos
Telma Francisco, Sara Nóbrega, Rosalina Valente, Margarida antos,
Gabriela Pereira, João Estrada, Zínia Serafim, Lurdes Ventura
158
Celulite Periorbitária e Orbitária: casuística de 11 anos
Georgina Monteiro, Andreia Dias, Elsa Teixeira, Joana Pereira,
Elisabete Santos, Gabriela Laranjo, Cristina Faria
162 Artigo de Revisão
Abordagem da má evolução ponderal
Mónica Tavares, Inês Matos, Anabela Bandeira, Margarida Guedes
167
Neofobias alimentares – importância na prática clínica
Ana Silva, Andreia Teles
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171 Casos Clínicos
Deformidade postero-medial congénita da tíbia:
a propósito de 2 casos clínicos
Ângela Dias, Liliana Pinheiro, Eduardo Almeida
174
Colecistite aguda alitiásica na criança
Sofia Antunes, Tiago Santos, Sofia Deuchande, Ana Martins
178
Deleção intersticial 8p23.1-8p23.2 – Caso clínico de diagnóstico pós-natal
Vânia Ferreira, Raquel Maciel, João Casanova, Sílvia Álvares, Natália Oliva Teles,
Manuela Freitas, Maria do Céu Rodrigues, Maria José Mendes
182
Pitiríase liqueinóide crónica na criança
Iolanda Fernandes, Susana Machado, Pedro Farrajota, Manuela Selores
185 Qual o seu Diagnóstico?
Caso dermatológico
Catarina Dias, Ana Maia, Manuela Selores
187
Caso endoscópico
Fernando Pereira
189
Caso radiológico
Ana Cristina Freitas, Telma Barbosa, Filipe Macedo
191
Genes, Crianças e Pediatras
Joana Correia, Marta Rios, Paula Ferreira, Esmeralda Martins, Anabela Bandeira
193 Educação Científica
Conceção, redação e publicação de artigos científicos
- redação de artigos: tamanho e forma
Margarida Lima
198 Normas de Publicação
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
summary
number3.vol.XXII
139 Editorial
140 Original Articles
Natália Oliva Teles
Antenatal detection of single umbilical artery: what does it mean?
Vânia Ferreira, Inês Vaz, Ana Paula Reis,
Maria José Mendes, Maria do Céu Rodrigues
145
Depression in adolescents - myth or reality?
Catarina Resende, Elisabete Santos, Paulo Santos, Alzira Ferrão
151
Severely burned patient in a pediatric intensive care unit
– 20 years experience
Telma Francisco, Sara Nóbrega, Rosalina Valente, Margarida antos,
Gabriela Pereira, João Estrada, Zínia Serafim, Lurdes Ventura
158
Orbital and periorbital cellulitis: an 11-year case series
Georgina Monteiro, Andreia Dias, Elsa Teixeira, Joana Pereira,
Elisabete Santos, Gabriela Laranjo, Cristina Faria
162 Review Articles
Approach of failure to thrive
Mónica Tavares, Inês Matos, Anabela Bandeira, Margarida Guedes
167
Food neophobia – importance in clinical practice
Ana Silva, Andreia Teles
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
171 Case Reports
Congenital posteromedial bowing of the tibia:
report of 2 cases
Ângela Dias, Liliana Pinheiro, Eduardo Almeida
174
Acute acalculous cholecystitis in children
Sofia Antunes, Tiago Santos, Sofia Deuchande, Ana Martins
178
Interstitial deletion 8p23.1-8p23.2 – a case report of a postnatal diagnosis
Vânia Ferreira, Raquel Maciel, João Casanova, Sílvia Álvares, Natália Oliva Teles,
Manuela Freitas, Maria do Céu Rodrigues, Maria José Mendes
182
Pityriasis lichenoides chronica in a child
Iolanda Fernandes, Susana Machado, Pedro Farrajota, Manuela Selores
185 What is your Diagnosis?
Dermatology case
Catarina Dias, Ana Maia, Manuela Selores
187
Endoscopic case
Fernando Pereira
189
Radiological case
Ana Cristina Freitas, Telma Barbosa, Filipe Macedo
191
Genes, Children and Paediatricians
Joana Correia, Marta Rios, Paula Ferreira, Esmeralda Martins, Anabela Bandeira
193 Scientific Education
Design, writing and publication of scientific manuscripts
– manuscript writing: size and form
Margarida Lima
198 Instructions for Authors
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
editorial
Quem trabalha há mais de 30 anos em Genética Médica e Humana sabe que o que
melhor se lhe adequa, enquanto ciência, é “evolução” e, enquanto exercício profissional,
é “mudança”. Como exemplos podemos citar conceitos – desde o homúnculo (Grécia
antiga) ao feto (século XIX), teorias – de transmissão segundo Lamarck e de evolução
segundo Darwin (ambos século XIX) ou características – do fenótipo (aquilo que se vê)
ao genótipo (à sua constituição genética). Após a evolução lenta durante vários séculos
verificaram-se, no século XX, grandes mudanças – igualmente fruto de grandes descobertas: cromossomas, estrutura do DNA e genes. Finalmente, a partir dos anos 80 do
século passado, houve significativos contributos para o estudo de doentes e de famílias
com patologias genéticas, sendo o objetivo destes estudos o estabelecimento de um
diagnóstico para uma doença genética grave ou a investigação do seu estado de portador e, consequentemente, do aconselhamento genético adequado.
A partir dessa altura, não houve estagnação possível e a regra passou a ser a
“mudança” – de estudo e, consequentemente, de técnica; de atitude e, por isso, com
preocupações de ordem ética. Como continuidade natural, surgiu alguma legislação,
nomeadamente a Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro: Informação genética pessoal e informação de saúde. Esta lei, que visa sobretudo os profissionais de Genética Médica e
Humana, define “o conceito de informação de saúde e de informação genética, a circulação de informação e a intervenção sobre o genoma humano no sistema de saúde,
bem como as regras para a colheita e conservação de produtos biológicos para efeitos
de testes genéticos ou de investigação”. A regulamentação desta lei tem vindo a ser
sucessivamente adiada pelos diversos governos desde a sua publicação – o que não
tem impedido que o exercício da Genética Médica e Humana em Portugal se tenha
sempre realizado ao mais alto nível de profissionalismo. De igual importância se reveste
o Decreto-Lei n.º 97/95, de 10 de Maio que, não sendo exclusivo de Genética Médica ou
Humana, determina a necessidade de existência de Comissões de Ética para a Saúde
(CES), às quais compete “zelar pela observância de padrões de ética no exercício das
ciências médicas, por forma a proteger e garantir a dignidade e integridade humanas,
procedendo à análise e reflexão sobre temas da prática médica que envolvam questões
de ética”.
Nos últimos anos a Genética adquiriu uma aceitação crescente na nossa sociedade e, paulatinamente, passou a colaborar com cada vez mais especialidades médicas,
como cardiologia, gastroenterologia, neurologia, obstetrícia/ginecologia, oncologia e
pediatria. As palavras-chave, de início simples e compreensíveis, passaram de “doença
genética” e “gene” a, por exemplo, genoma, varioma e exoma ou, mais recentemente
a designações como ferramentas in-silico. O nível de resolução e de especificação foi-se também alterando com o tempo – se o cromossómico continua a resolver muitas
situações correntes, as doenças monogénicas necessitam de pesquisa a nível génico e
outras situações mais complexas irão requerer investigação a nível molecular.
Mais complicado? Não, mais bem definido e caraterizado. Mudanças em Genética? Sim, obrigado!
Natália Oliva Teles1,2
__________
1
2
Centro de Genética Médica Jacinto de Magalhães,
CH Porto, 4099-028, Porto, Portugal
Departamento de Ciências Sociais e Saúde,
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto,
4200-319 Porto, Portugal
editorial
139
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
Antenatal detection of single umbilical artery:
what does it mean?
Vânia Ferreira1, Inês Vaz1, Ana Paula Reis1, Maria José Mendes1, Maria do Céu Rodrigues1
ABSTRACT
Introduction: The presence of a single umbilical artery
(SUA) is recognised as a soft marker for congenital anomalies,
aneuploidy, earlier delivery and intra-uterine growth restriction
and/or low birth weight. The aim of this study was to assess the
incidence of SUA in a selected population. And secondly, to examine the clinical significance of this soft marker.
Material and methods: A retrospective analysis, over a
36-month period, of all cases of pregnancy interruption due to
medical causes, up to 16 weeks of gestation, with prenatal diagnosis of SUA; cases of live born with a prenatal diagnosis of SUA
or after delivery, at the routine examination of the placenta. Fetal
growth and the risk of preterm labor are also to consider in the
surveillance of these pregnancies.
Results: Thirty nine cases of SUA were identified during
the study period. Incidence of SUA in live born was 0.32% (n=30)
and in pregnancy interruption due to medical causes was 12.9%
(n=9). The antenatal detection rate was 77%. This ecographic
soft marker was an isolated finding in 27 live born (90%). In live
born with SUA and associated malformations (13.3%), urinary
abnormalities were identified in three cases (75%), and a skeletal
with esophageal malformation was identified in one case (25%).
Preterm birth occurred in seven cases (23.3%) and birth weight
below 10th percentile in four cases (13.3%).
Discussion and conclusions: The presence of SUA in
antenatal period should alert the sonographer and clinician for
the need of a detailed examination of the fetus to exclude other
anomalies. Fetal growth and the risk of preterm labor are also to
consider in the surveillance of these pregnancies.
Keywords: Congenital malformation, prenatal diagnosis,
single umbilical artery, ultrasonography.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 140-144
INTRODUCTION
Single umbilical artery (SUA) is the most common developmental abnormality of the umbilical cord.(1) The incidence of
this malformation varies significantly in large series of newborns,
though a range of 0.2 to 1.5% is most widely accepted.(2)
__________
1
U. diagnóstico Pré-Natal, S. Obstetrícia, Maternidade Júlio Dinis,
CH Porto, 4050-371 Porto, Portugal. [email protected];
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
140
artigo original
original article
The etiopathogenesis, although, not definitively clarified,
has been attributed to primary agenesis of umbilical cord, secondary atrophy or atresia of a previously normal umbilical artery
or persistence of the original allantoic artery of the body stalk.(3)
A SUA is likely due to secondary atresia or atrophy rather
than primary agenesis of the artery. The left umbilical artery is
absent more often than the right. One series detected an absent
left umbilical artery 73% of the time vs an absent right umbilical
artery 27% of the time.(4,5)
The side of absence can be determined by evaluating the
umbilical arteries as they course around the fetal urinary bladder
laterally. In fact, this is the best place to evaluate these vessels
as they may fuse at the region of the umbilical cord insertion into
the placenta.(6-8)
There are reports, however, in which two umbilical arteries
were seen around the urinary bladder with only a single umbilical
artery seen in the “free floating cord”. In the series by Bornemeier
et al this occurred in 14% of their cases.(9)
Although the absence of one umbilical artery was first reported a century ago by Hyrtl(10), the significance of a SUA has
only been realized since a retrospective study by Benirschke and
Brown(11) showed it was associated with increased incidence of
congenital anomalies.
30%-60% of fetuses with single umbilical arteries will have
associated anomalies or chromosomal abnormalities.(6, 12-19)
Virtually any organ system can be involved with an anomaly
in fetuses with a single umbilical artery, however, genitourinary,
cardiac and central nervous system abnormalities are the most
common.(2, 18,20- 25)
Although this has not been true at all centers, a study by
Abuhamad et al(26) found complex congenital and chromosomal
abnormalities exclusively when the left umbilical artery was absent. In a study by Nyberg et al(24), fetuses with a known central
nervous system abnormality and a single umbilical artery were
found to have a significantly higher frequency of extra-CNS malformations, fetal mortality and chromosomal abnormalities than
fetuses with two umbilical arteries.
A SUA in the second trimester of pregnancy has a high association with Trisomy 18, 13, 21 and other chromosomal defects,
but all chromosomally abnormal fetuses had associated malformations detected by ultrasound(5).Trisomy 21 is not commonly
associated with a single umbilical artery. In addition to malformations and karyotypic abnormalities, infants with a single umbilical artery have an increased incidence of prematurity, low birth
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weight and intrauterine growth retardation.(2,14, 27-32)
The remaining single artery is often quite large approaching
the size of the umbilical vein. Sonography is often able to accurately diagnose this condition, especially with the use of colour
Doppler flow imaging. There are reports however, of sensitivities
and positive predictive accuracies of only 65%. In addition, in one
report obstetricians and paediatrician missed the diagnosis at delivery as often as 24% and 16% of cases.(9,25)
With this study we pretend to determine the association between diagnosis of SUA and perinatal outcome (malformations,
prematurity, low birth weight, intrauterine growth retardation, delivery type) as well as to determine the clinical significance of
antenatal detection of a single umbilical artery.
MATERIAL AND METHODS
For the purpose of this study were considered all cases of
pregnancy interruption due to medical cases, up to 16 weeks of
gestation, with prenatal diagnosis of SUA; all newborns with prenatal diagnosis of SUA and those who were identified at the routine examination of the placenta after delivery, over a 36 month
period.
Pregnancy data (maternal age, parity, gestational age at
diagnosis of SUA, adverse pregnancy outcomes, prenatal diagnosis of other anomalies, gestational age at delivery), perinatal
outcome (delivery mode, gestation weeks, birthweigth, posnatal
anomalies) were reviewed.
A variety of methods, previously described(6-9,25), were employed by different sonographers to detect the presence of a single umbilical artery. In some cases, a free loop of the umbilical
cord was viewed in cross-section and the vessels were counted.
In other cases, the umbilical cord insertion at the abdominal wall
or the umbilical arteries, as they traverse either side of the fetal
bladder, was viewed with colour power angiography. The methodology used was not recorded by the sonographer at the time
of the examination.
Fetuses were evaluated in posnatal period with transfontanelar ultrasound, echocardiography, and bladder-kidney ultrasound.
The data were analysed in SPSS19.
RESULTS
During the study period there were 9518 fetuses delivered
after 24 weeks gestation and 70 pregnancy interruption due to
medical causes. 39 cases of SUA were identified, nine from pregnancy interruption and thirty newborns with SUA. The incidence
of SUA in live born was 0.32% (n=30) and 12.9% (n=9) in pregnancy interruption due to medical causes.
The presence of only one umbilical artery was detected antenatally in 30 of the 39 cases with SUA, representing a detection
rate of 77%. One of the nine cases with a single umbilical artery
not recognised antenatally was diagnosed by the routine examination of the placenta after delivery. It was a delivery at 31 weeks
and the newborn presented unilateral renal agenesis.
The maternal and pregnancy characteristics of live borne
cases with SUA are shown in Table 1.
Of the total cases with SUA detected antenatally, 12 had
suspicious malformations associated. Nine of those cases (75%)
went to termination of pregnancy and three (25%) were born. Of
these three live born, two presented associated malformations
and in one case the malformation recognized antenatally was
not confirmed in postnatal period. The description of cases with
a SUA and other anomaly recognised antenatally are shown in
Table 2.
The principal complications of pregnancy were: preeclampsia (one case), oligoamnios (three cases) and intrauterine growth
restriction with oligoamnios (four cases).
Preterm birth occurred in seven cases (23.3%) and birth
weight below 10th percentile in four cases (13.3%).
Ecocardiography and transfontanelar ultrasound in posnatal period did not revealed alterations. Bladder-kidney ultrasound
revealed a horseshoe kidney in one case (recognized in prenatal
period) and unilateral renal agenesis de novo (not recognised in
prenatal period).
SUA was an isolated finding in 27 liveborns (90%). In live
born with SUA and associated malformations (n=4; 13.3%), urinary abnormalities were identified in three cases (75%) and in
one case (25%) a skeletal with esophageal malformation was
identified.
Table 1 – Characteristics of the population
SUA in newborns (N=30)
Characteristics
n
Maternal age (years):
%
29.2± 5.2 (16-37)
Parity:
Primiparous
12
40%
Para 1+2
16
53.3%
Para 3+
2
6.7%
Singleton
30
100%
Multiple
--
--
Multiple pregnancy:
Birth weight (grams): mean
Gestational age at diagnosis (weeks): mean
2865± 721 (610-3980)
a
Gestational age at delivery (weeks): mean
Birth weight percentile: (% fetuses <10th birth
weight percentile)
22.6± 4.6 (18-34)
37.7± 2.6 (29-40)
4
13.3%
Unassisted vaginal delivery
14
46.7%
Assisted vaginal delivery
2
6.6%
Caesarean section
14
46.7%
Mode of delivery:
a
21 cases of SUA identified antenatally.
artigo original
original article
141
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
DISCUSSION
There are two main sources of data on SUA and its association with other abnormalities: 1) abortuses, cases of fetal death,
and terminations of aneuploid or anomalous fetuses, and 2) live
births(12). The first source of data produces a higher incidence of
SUA, as well as more frequent association with structural and
genetic abnormalities and perinatal mortality. The second data
set suggests a lower incidence and frequency of associated
anomalies, as many of the most severely affected infants have
aborted or been voluntarily terminated early in pregnancy. A meta
analysis of these data highlights the differences: the autopsy data
estimate the incidence of single umbilical artery at 0.34-7% and
the associated malformations at 0.25-81.8% (generally 20-50%).
(15,26,33-35)
Live born data estimate the incidence of single umbilical
artery at birth at 0.2-1.13% and anomalies at 8.7-66%.(9)
Estimates of the frequency of aneuploid range widely, between 4-50% in cases of SUA with other anomalies.(15-19,26) With
isolated SUA, the rate of aneuploidy is not known; however, most
authors do not recommend routine karyotype.(15-19,26)
Reports of association between SUA and other anomalies
have created an imperative to identify or exclude the presence
of such anomalies and detailed sonography is advised for all fetuses with SUA.(15,21,26,27) It is therefore not clear not how a couple
with this sonographic finding should be counseled and what further management should be offered.(14)
In our study, we found that a SUA was present in 0.32% of live
born and in 12.9% of the cases of interruption of pregnancy due to
medical causes. This is similar to published data.(9,12,15,26,33-35)
The antenatal detection rate of a SUA in this population
presents a value quite acceptable, with only one-quarter of cases
not identified. There are possible explanations for this, including
technical difficulties or lack of training; failure by the sonographers
to spend much time examining the cord vasculature because of
a lack of understanding of the implications of the presence of
a SUA and due to the fact that other anomalies are noted with
ultrasonography before the presence of a SUA is confirmed and
examination of the cord then becomes lower in priority.
The presence of malformations was identified in four cases
of live born with SUA (13.3%), which is similar to the published
data.(9)
Among the 30 live born with SUA, seven (23,3%) were born
before 37 weeks, which means that the proportion of premature infants in this group was twice that in the general institution (11,5%).
Four of the 30 live born with SUA were born below tenth percentile,
contrastating well with the proportion of live born in global sample
(3.92%). These findings were similar to previous reports of an increased risk of prematurity as well as birth weight below the tenth
percentile in live born with single umbilical artery.(2,14,27-32) However,
future studies with larger number of patients and adequate power
analysis are required to confirm this regard.
Table 2 – Cases with a single umbilical artery and other anomaly(s) (structural or karyotypic) recognised antenatally
Description
1-
Hidrocephaly at 20 weeks. Normal karyotype.
TOPa at 20 weeks
2-
Polymalformative Syndrome with pericardial effusion, with hypertrophy of the
right chambers at 23 weeks. Normal karyotype.
TOP at 23 weeks
3-
Interruption of the aortic arch interventricular communication, stenotic aortic
valve, at 23 weeks. Normal karyotype.
TOP at 24 weeks
4-
Double outlet of the right ventricle, hypoplastic left ventricle and mitral valve at
21 weeks. Normal karyotype.
TOP at 21 weeks
5-
Ventriculomegaly, hipoplastic right ventricle, interventricular communication at
21 weeks. Normal karyotype.
TOP at 21 weeks
6-
Double outlet right ventricle, hypoplastic left ventricle, hyperechogenic bowel, at
20 weeks. Normal karyotype.
TOP at 20 weeks
7-
Anamnios, bilateral renal agenesis, agenesis of the corpus callosum, at 18
weeks. Normal karyotype.
TOP at 18 weeks
8-
Transposition of great vessels, pulmonary atresia at 18 weeks. Karyotype
46,XY,inv(7)(p13q22).
TOP at 18 weeks
9-
Interruption of the aortic arch interventricular communication, stenotic aortic
valve, at 18 weeks. Normal kayotype.
TOP at 18 weeks
10- Single kidney at 30 weeks
11- Dilated pelvicalyceal system at 22 weeks
12- Right hydronephrosis at 31 weeks
a
Pregnancy outcomes
– TOP – termination of pregnancy
142
artigo original
original article
Live birth at 40 weeks. Horseshoe kidney recognised post-natally.
Live birth at 38 weeks. No alterations recognised post-natally.
Live birth at 35 weeks. Oesophageal atresia, radial dysplasia recognised pos-natally.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
In this study only one chromosomal abnormality established
by fetal karyotyping was found (2,6%) and it occurred in a fetus
with multiple malformations, which went to termination of pregnancy.
Our results indicate that the identification of a SUA should
be regarded as a significant finding associated with other congenital anomalies and a poorer perinatal outcome. The detection
rate, despite having an acceptable value, should be improved.
Further training is required together with rising the awareness of
the implications of this finding. When identified at a routine antenatal scan, the presence of a SUA should alert the sonographer
and clinician of the fact that the fetus requires a more detailed
examination to exclude other anomalies. If other anomalies are
detected, then the case should be managed according to the type
and severity of the abnormalities. Since the presence of a SUA
with an associated anomaly carries an aneuploidy risk(5,15-19,26),
karyotyping should be advised if another anomaly is detected.
However, advice regarding karyotyping in the presence of an isolated SUA is more difficult.
Any advice should be tailored to the particular pregnancy,
taking into account other factors such as age, but we would not
strongly recommend karyotyping in agreement with other authors.(19,29)
In light of the poorer perinatal outcome in fetuses with an
apparently isolated single umbilical artery, further ultrasound
scans in the third trimester to examine growth and continuous
fetal-heart-rate monitoring during labour should be offered. Parents should be advised of the increased risks associated with the
presence of a SUA and the need for extra surveillance, and it may
also be advisable to counsel parents of the possibility of an associated abnormality that may only be detectable after delivery.
DETEÇÃO PRÉ-NATAL DE ARTÉRIA UMBILICAL ÚNICA:
QUAL O SEU SIGNIFICADO?
RESUMO
Introdução: A presença de artéria umbilical única (AUU) é
um marcador ecográfico associado a malformações, aneuploidias, parto pré-termo e restrição de crescimento intra-uterino
e/ou baixo peso ao nascimento. Este estudo tem como objetivo
determinar a incidência de AUU numa população selecionada e
verificar qual o significado clínico deste marcador ecográfico.
Material e métodos: Análise retrospetiva, durante um período de 36 meses, dos casos de interrupção médica da gravidez, acima das 16 semanas, com diagnóstico pré-natal de AUU;
casos de recém-nascidos com diagnóstico pré-natal de AUU ou
após o parto, através do exame da placenta.
Resultados: Foram identificados 39 casos de AUU durante
o período de estudo. A incidência de AUU nos recém-nascidos
e nos casos de interrupção médica da gravidez foi de 0,32% e
12,9%, respetivamente. A taxa de deteção pré-natal foi de 77%.
Este achado ecográfico ocorreu isoladamente em 27 casos de
recém-nascidos (90%). Nos recém-nascidos com AUU e outras
malformações associadas (13,3%), foram identificadas malfor-
mações do sistema urinário em três casos (75%) e malformação
esquelética associada a malformação esofágica em um caso
(25%). Ocorreu parto pré-termo em sete casos (23,3%) e peso
ao nascimento abaixo do percentil 10 em quatro casos (13,3%)
Discussão e conclusão: A deteção pré-natal de AUU deve
alertar o ecografista e o clínico para o fato do feto necessitar
de uma avaliação ecográfica detalhada a fim de excluir outras
anomalias. O crescimento fetal e o risco de parto pré-termo, são
também de considerar na vigilância destas gestações.
Palavras-chave: Artéria umbilical única, diagnóstico prénatal, ecografia, malformações congénitas.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 140-144
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Vânia Gisela Costa Arcanjo Ferreira
Centro Hospitalar do Porto – Maternidade Júlio Dinis
Serviço de Obstetrícia – Unidade de Diagnóstico Pré-Natal
Largo da Maternidade Júlio Dinis
4050-371 Porto, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 14.05.2013 | Aceite a 25.08.2013
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Depressão nos adolescentes – mito ou realidade?
Catarina Resende1, Elisabete Santos1, Paulo Santos1, Alzira Ferrão1
RESUMO
Introdução: A adolescência é um período de grandes mudanças a nível biopsicossocial, o que torna esta fase mais vulnerável a alterações psicológicas. A depressão surge como uma
entidade clínica cada vez mais prevalente, podendo ser precursora de psicopatologia no adulto.
Objetivos: Avaliar a prevalência e caracterizar a população de adolescentes com síndrome depressivo na consulta de
adolescência.
Material e métodos: Estudo retrospetivo e analítico, com
base nos dados obtidos dos 91 processos clínicos dos doentes
seguidos na consulta de adolescência com o diagnóstico de distúrbio depressivo, no período de janeiro de 2003 a dezembro de
2011.
Resultados: O diagnóstico de distúrbio depressivo foi feito
a 91 adolescentes (N=91). Verificou-se um predomínio do sexo
feminino. A idade média do diagnóstico foi de 14,8 anos. Os adolescentes foram referenciados principalmente dos Cuidados de
Saúde Primários e da Urgência Pediátrica (26,4 e 22%, respetivamente). Os principais sintomas à apresentação foram a tristeza/labilidade emocional/choro fácil (61,5%). Os sintomas psicossomáticos estiveram presentes em 30,4% dos adolescentes. Em
64,8% dos casos foi identificado um contexto desfavorável, sendo os problemas/conflitos familiares o mais frequente (38,5%).
Verificou-se ideação suicida em 28,6% dos casos, com para-suicídio em 21%. Em 60,4% foi pedida colaboração de outras
consultas (71% pedopsiquiatria). Iniciaram medicação 76,9%
dos adolescentes, sendo a fluvoxamina o fármaco mais usado.
Conclusão: A perturbação depressiva no adolescente tem
aumentado nos últimos anos. Os médicos dos cuidados de saúde primários são os primeiros a tomar contacto com esta problemática. Assim, é importante a identificação precoce de adolescentes em risco de desenvolver esta patologia.
Palavras-chave: Depressão, adolescência, antidepressivo,
psicossomático.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 145-150
__________
1
S. Pediatria, CH Tondela-Viseu, 3504-509 Viseu, Portugal.
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
INTRODUÇÃO
A adolescência é uma etapa de aquisição de autonomia,
caraterizada por intensas mudanças físicas e psicossociais. É
um período extremamente relevante para a construção do individuo, sendo os sintomas depressivos comuns nesta fase do
desenvolvimento.(1,2) Considera-se que o risco de depressão aumenta com a adolescência, sendo a sua prevalência estimada
em cerca de 2% nas crianças e em 4-8% nos adolescentes.(1,3,4)
Durante a infância a depressão não apresenta predomínio
de género, no entanto, na adolescência as raparigas têm duas
vezes maior risco de desenvolver depressão do que os rapazes da mesma idade.(3) Alguns fatores estão associados a um
aumento do risco de depressão, nomeadamente: depressão em
familiares do 1º grau, episódios depressivos prévios, distúrbio de
ansiedade, perturbação de hiperatividade e défice de atenção
(PHDA), dificuldades de aprendizagem, perdas precoces, disfunção familiar, conflitos com os cuidadores, problemas com o
grupo de pares, dificuldades escolares, dificuldade em lidar com
o stress, acontecimentos desfavoráveis e doença crónica.(3,5,8)
De acordo com a classificação do DMS-IV, os distúrbios
depressivos são classificados em episódios depressivos major,
distúrbios distímicos e distúrbios depressivos sem outra especificação.(9)
Num episódio depressivo major o adolescente deve apresentar pelo menos cinco dos seguintes sintomas depressivos:
humor depressivo ou irritabilidade, anedonia, perda de prazer
nas atividades diárias, alterações no apetite ou peso, insónia
ou hipersónia, agitação ou diminuição da atividade psicomotora,
fadiga ou perda de energia, sentimentos de inutilidade ou de culpa, dificuldade de concentração e decisão, ideias recorrentes de
morte ou suicídio. Estes sintomas devem estar presentes todos
os dias durante pelo menos duas semanas.(3,9)
No distúrbio distímico os sintomas são menos intensos mas
mais persistentes. Devem estar presentes três ou quatro dos critérios supracitados, durante pelo menos um ano.(3,9)
Os distúrbios depressivos sem outra especificação referem-se a adolescentes com sintomas depressivos que não preenchem
nenhum dos critérios dos distúrbios de humor supracitados.(9)
Alguns autores consideram que a depressão no jovem
pode estar presente na ausência destes critérios de diagnóstico.
Assim, acreditam que estes sintomas possam estar mascarados
ou expressos em equivalentes depressivos como as queixas psicossomáticas, distúrbios do comportamento ou problemas escolares.(5)
artigo original
original article
145
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Os sintomas depressivos estão correlacionados com baixos níveis de autoestima e de aptidão social, associando-se
frequentemente a comportamentos de risco como delinquência,
promiscuidade, tabagismo, abuso de álcool e de drogas e risco
de suicídio ou parassuicídio.(4,6,7)
A depressão no adolescente é frequentemente subdiagnosticada e subtratada. Estima-se que cerca de 70% dos adolescentes com depressão não recebem qualquer tratamento.(8)
Existem quatro tipos de intervenção terapêutica: a intervenção psicossocial, a psicoterapia, a terapia farmacológica e a
terapia combinada.
A terapia psicossocial e a educação do adolescente e da
família são um importante componente do tratamento.(8,10,11) Esta
educação permite uma compreensão dos sintomas e da forma
como estes afetam as relações interpessoais.
Os agentes farmacológicos usados no tratamento da depressão nos adolescentes incluem os antidepressivos tricíclicos,
os inibidores da recaptação da serotonina e os compostos relacionados, sendo os inibidores da recaptação da serotonina a
terapia de primeira linha.(14) A terapêutica ideal será a combinação destes últimos com a psicoterapia, nomeadamente a terapia
cognitivo-comportamental, que parece ser superior a qualquer
medida isolada.(8,12,13)
Alguns autores sugerem que a depressão nos adultos tem
as suas raízes na adolescência.(6,7) Dadas as implicações potenciais dos distúrbios depressivos os médicos dos cuidados de
saúde primários, os pediatras e os pedopsiquiatras devem trabalhar em conjunto de forma a ultrapassar as dificuldades que
encontram com estes adolescentes.
Este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência de depressão entre os adolescentes seguidos na consulta de Adolescência do nosso hospital, bem como caracterizar esta população
e os fatores associados com esta patologia.
MATERIAL E MÉTODOS
Realizou-se um estudo observacional, retrospetivo e analítico dos processos clínicos dos adolescentes referenciados à
consulta de Adolescência do nosso hospital, com o diagnóstico
de distúrbio depressivo. O estudo foi efetuado no período de 1 de
janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2011.
O diagnóstico de distúrbio depressivo foi realizado de acordo com os critérios do DMS-IV e incluiu a depressão minor, a distimia e a depressão major. Foram excluídos outros transtornos
psiquiátricos, que cursem concomitantemente com depressão.
Procedeu-se à análise dos processos clínicos com a colheita dos seguintes dados: ano da primeira consulta, sexo,
proveniência, sintomatologia, contexto, antecedentes familiares
de psicopatologia, antecedentes patológicos, ideação suicida e
para-suicídio, e tratamento farmacológico.
A informação recolhida foi inserida e trabalhada numa base
de dados Microsoft Excell ®2007.
RESULTADOS
Num total de 1823 primeiras consultas de Adolescência,
foi feito o diagnóstico de distúrbio depressivo em 91 adolescen-
146
artigo original
original article
tes (5%). Verificou-se um aumento progressivo do diagnóstico
ao longo dos anos (Figura 1), exceto no ano de 2010 e 2011.
Verificou-se um grande predomínio do sexo feminino, com apenas 8 rapazes fazendo parte desta amostra (83 versus 8). Os
adolescentes apresentavam idades compreendidas entre os 12
e os 18 anos, com uma média de idades de 14,8 anos (mediana
de 15 anos). Verificou-se um pico de diagnóstico aos 14-15 anos,
correspondendo a 54,9% do total (Figura 2). A quase totalidade
dos adolescentes frequentava a escola (96,7%), sendo que a
maioria (52,7%) frequentava o 9º e 10º anos de escolaridade.
Dos estudantes 34 (38,6%) já tinham reprovado, pelo menos,
uma vez. Apenas 4 adolescentes tinham alguma ocupação dos
tempos livres e dois trabalhavam em horário pós-escolar. Os
adolescentes foram referenciados principalmente dos Cuidados
de Saúde Primários, da Urgência Pediátrica e do Internamento
de Pediatria (26,4; 22 e 15,4%, respetivamente). Quatro adolescentes foram referenciados do GASA (Gabinete de Apoio à Saúde do Adolescente), existente na Escola Alves Martins, com o
Figura 1 – Distribuição do diagnóstico por ano.
Figura 2 – Distribuição etária.
NASCER E CRESCER
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
apoio da Unidade de adolescência do nosso hospital (Tabela I).
Os principais sintomas à apresentação foram a tristeza/labilidade emocional/choro fácil, presente em 56 adolescentes (61,5%),
seguido dos distúrbios do sono com insónia (41 casos; 45,1%). A
sintomatologia psicossomática ocupou o terceiro lugar, estando
presente em cerca de 30,8% dos adolescentes (28 casos) (Figura 3). Dentro dos sintomas psicossomáticos destacam-se as
cefaleias em 46,7% (14/30), lipotimias em 23,3% (7/30), tonturas
em 16,7% (5/30), a toracalgia em 6,7% (2/30), a dor abdominal
inespecífica em 3,3% (1/30) e a sensação de dispneia em 3,3%
(1/30). Importante salientar que a quebra do rendimento escolar
se verificou em 23% dos casos.
Cerca de 60,4% dos adolescentes já tinha procurado ajuda
previamente. O médico de família surgiu como primeiro apoio
em 43,6% dos casos (24 adolescentes), seguido do psicólogo
da escola (14 casos, 25,4%), do psiquiatra particular (6 casos,
10,9%) e do GASA (4 casos, 7,3%). Trinta e dois adolescentes (36%) já tinham iniciado algum tipo de medicação: 40,6%
(13 casos) antidepressivo, 28,1% (9 casos) benzodiazepinas,
18,7% (6 casos) polivitamínicos e 12,5% (4 casos) combinação
de antidepressivos e benzodiazepinas. Em 64,8% dos casos
foi identificado um fator desencadeante dos sintomas ou um
contexto favorável ao seu aparecimento, sendo o contexto familiar desfavorável o mais frequente, presente em 38,5% dos
adolescentes (Tabela II). Quando avaliado o ambiente familiar
verificamos que cerca de 31,9% eram famílias monoparentais,
8,8% famílias recombinadas (fruto de mais do que uma relação)
e quatro adolescentes estavam institucionalizados. Em cerca
de 27,5% dos casos havia perturbação depressiva na família,
sendo a mais frequente a depressão materna (60%). Em relação aos antecedentes patológicos cerca de 27% (25 casos)
dos adolescentes apresentavam uma doença crónica, sendo
as mais prevalentes a asma/rinite alérgica (9 casos; 9,9%) e a
obesidade (5 casos; 5,5%) (Tabela III).
Tabela I – Referenciação dos adolescentes à consulta.
Proveniência
N
Médico de Família
24
Serviço de Urgência
20
Internamento
14
Consulta de Pediatria Geral
9
Psicóloga da Escola
8
Pediatra Assistente
7
GASA
4
Consulta de Ginecologia da Adolescência
4
Desconhecido
1
Tabela II – Contexto psicossocial.
Contexto
N
Disfunção familiar
35
Acidente/doença Parental
7
Problemas escolares
6
Falecimento parental
6
Falecimento familiar
5
Conflitos com namorado
5
Problemas socioculturais e económicos
4
Emigração
3
Abandono
1
Violação
1
Tabela III – Antecedentes Patológicos.
Figura 3 – Motivo de consulta.
Antecedentes
N
Asma/Rinite Alérgica
9
Obesidade
5
Epilepsia
4
PHDA
3
Gastrite
4
Problemas ginecológicos
3
Psoriase
2
Cardiopatia
1
Sindrome de Raynaud
1
HTA
1
artigo original
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147
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
Verificou-se ideação suicida em 26 adolescentes (28,6%)
e parassuicídio em 19 jovens (20,9%) (18 intoxicações medicamentosas voluntárias e um intoxicação com organofosforados).
Em 60,4% (55 casos) foi pedida colaboração de outras
consultas (71% pedopsiquiatria, 23,6% psicologia clínica e 5,4%
de ambas). Iniciaram medicação 70 adolescentes (76,9%), sendo a Fluvoxamina o psicofármaco mais prescrito em 47,1% dos
casos, seguido pela Fluoxetina em 17,1%. Só foram prescritas
benzoadizepinas em duas adolescentes com distúrbio de ansiedade marcado. A medicação foi iniciada pelo pedopsiquiatra em
32 dos casos (45,7%), pelo pediatra em 31 dos casos (44,3%)
e em seis casos foi mantido o fármaco iniciado pelo médico que
avaliou o adolescente antes da consulta (seis pelo médico de
família e um pelo neurologista).
DISCUSSÃO
A prevalência de depressão na nossa consulta de adolescência (5%) vai ao encontro de outras séries.(17,20-22) De acordo
com a literatura verificou-se um aumento do número de diagnósticos ao longo dos anos até 2009.(3,4,18,21) No ano de 2010 e 2011
o número de casos foi menor (14 e 6 casos, respetivamente).
Este decréscimo nos últimos dois anos deve-se provavelmente,
à referenciação direta à consulta de pedopsiquiatria por parte
do médico assistente. Verificou-se um forte predomínio do sexo
feminino.(3,16,17,18) A patologia foi mais prevalente nos jovens dos
14 aos 15 anos, sendo o grupo etário mais crítico, de acordo com
outros estudos (16,20), embora alguns autores tenham encontrado
uma maior prevalência na adolescência tardia.(17)
A depressão no adolescente torna-se um problema cada
vez mais importante, pelo que os profissionais de saúde que trabalham com estes jovens assumem uma função primordial na
sua suspeição, intervenção e eventual referenciação. Os Cuidados de Saúde Primários e os Pediatras têm um lugar privilegiado
na identificação dos sintomas depressivos, visto serem os profissionais que primeiro contactam com estes jovens. A depressão
nesta faixa etária é subdiagnosticada pois pode manifestar-se
por sintomas inespecíficos. É importante estar atento aos sinais,
por vezes subtis, desta patologia. Num número importante de
adolescentes o motivo de referenciação foram os sintomas psicossomáticos (30,8%) (1,21,22,24), nomeadamente as cefaleias e as
lipotimias que são motivos de referenciação frequente à urgência
pediátrica (22). Assim, este grupo de jovens constitui uma população particularmente difícil de abordar em carácter de urgência
e consulta. Um sinal também muito frequente de patologia depressiva é a diminuição do rendimento escolar, tornando estes
alunos mais suscetíveis a reprovações(22).
Tal como noutras séries a maioria dos adolescentes
apresentaram fatores de risco para o desenvolvimento de
depressão(1,3,18,21,22,25) sendo os conflitos familiares o fator de risco
de maior importância, presente em 38,5%. Assim, tal como mostra a literatura, o ambiente/estrutura familiar é essencial para o
bem-estar psicológico do adolescente (17,18, 20,21,22,25). Fatores familiares específicos também têm sido foco de destaque, nomeadamente a privação de um ou ambos os pais, quer por doença,
falecimento ou abandono (18,25).
148
artigo original
original article
Tal como descrito na literatura(1,25) a presença de antecedentes familiares de psicopatologia, nomeadamente depressão
na mãe, está fortemente relacionada com o desenvolvimento de
síndrome depressivo no adolescente(22). A presença de uma doença crónica também é um fator de risco importante(18) , embora
não tenha tido alta prevalência no nosso estudo. Para minimizar o
risco de depressão é necessária a existência de suportes sociais
na família e na comunidade (escola e grupo de pares), que são
cruciais para o desenvolvimento saudável do adolescente(15).
O suicídio no adolescente é uma manifestação particularmente dramática e grave. Atualmente há uma tendência entre
os autores para denominarem a tentativa de suicídio de comportamento autodestrutivo deliberado (“Deliberate Self-Harm”). O
suicídio é três a quatro vezes mais comum nos rapazes, enquanto as tentativas de suicídio são mais comuns nas raparigas(22),
embora não tenhamos encontrado diferenças significativas no
nosso estudo. Consideramos que o número de parassuicídios
existentes na nossa consulta foi significativo (20,9%) e tal como
na literatura as intoxicações medicamentosas foram o método
mais utilizado.(22)
Uma percentagem significativa de adolescentes, para além
da intervenção psicossocial, iniciou tratamento farmacológico
(76,9%) e em 44,3% este foi inicialmente prescrito pelo pediatra
da consulta de adolescência. Isto torna-se possível devido a uma
boa articulação com a pedopsiquiatria e uma familiarização do
pediatra com este tipo de medicação. Assim, a abordagem ao
adolescente deve ser feita de forma multidisciplinar e o pediatra
deve estar familiarizado com a utilização dos psicofármacos nesta faixa etária. Apesar do fármaco mais utilizado no tratamento
da depressão nos adolescentes ser a Fluoxetina, no nosso trabalho o psicofármaco prescrito com mais frequência foi a Fluvoxamina (47,1%). Embora o seu uso em crianças e adolescentes
nos EUA não esteja aprovado, é comummente usado na Europa
para o tratamento de depressão nesta faixa etária.(8,14) A escolha da Fluvoxamina como terapêutica de primeira linha na nossa
consulta deveu-se à frequente associação da insónia e da ansiedade ao quadro depressivo.(26-29) Sempre que o pediatra sente
dificuldades na abordagem da depressão em idade pediátrica,
deve pedir colaboração ou referenciar a criança/adolescentes a
um especialista de saúde mental.
Uma das limitações do nosso estudo foi caracterizar apenas a população de adolescentes seguidos na consulta hospitalar de Adolescência não refletindo a realidade da população
geral de adolescentes.
CONCLUSÃO
A depressão em crianças e adolescentes só foi reconhecida
como patologia psiquiátrica a partir da década de 70, sendo atualmente considerada um importante problema de saúde pública.
(22)
A organização mundial de saúde (OMS) aponta a depressão
como a principal causa de incapacidade em todo o mundo.(25)
Estudos epidemiológicos têm sido escassos em Portugal.(18)
Para minimizar o risco de depressão é necessária a existência de suportes sociais como a família, o grupo de pares e a
escola, que são de valor significativo para o adolescente.(17)
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
A identificação precoce de adolescentes em risco potencial
de sintomas depressivos deve ser foco não apenas dos profissionais de saúde mental, mas de todos os clínicos que tomam
contacto com este grupo etário. É igualmente importante uma intervenção no meio em que o adolescente está inserido de forma
a minimizar os fatores desencadeantes.
DEPRESSION IN ADOLESCENTS - MYTH OR REALITY?
ABSTRACT
Introduction: Adolescence is a period of changes, making
this phase more vulnerable to psychological disturbances. The
Depressive Disorder is a clinical entity increasingly prevalent and
may be a precursor of adult psychopathology.
Objectives: To evaluate the prevalence and characterize
the population of adolescents with depressive syndrome in an
adolescent consultation.
Methods: Retrospective and analytical study, based on
data obtained from 91 medical records of patients followed in the
adolescence office with the diagnosis of depressive syndrome in
the period of January 2003 to December 2011.
Results: The diagnosis of depressive syndrome was made
in 91 adolescents. There was a predominance of females. The
average age of diagnosis was 14.8 years. The adolescents were
referred mainly from the Primary Health Care and Emergency
Paediatric (26.4 and 22%, respectively). The main symptoms at
presentation were sadness / emotional lability / tearfulness (61.5%).
Psychosomatic symptoms were quite prevalent accounting for
30.8%. In 64.8% of cases an unfavourable context was identified,
and the family conflicts were the most frequent (38.5%). There was
suicidal ideation in 28.6% of cases with para-suicide in 21%. In
60% it was necessary collaboration from other specialties (71%
child psychiatry). Medication was started in 76.9% of adolescents,
the most widely used drug was fluvoxamine.
Conclusion: Depressive disorder in adolescents has been
increasing in recent years. Frequently, the Primary Health Care
physicians are the first to contact with this situation. It is important
the early identification of adolescents at risk of developing this
disease.
Keywords: Depression, adolescence, antidepressant,
psychosomatic.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 145-150
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Catarina Resende
Centro Hospitalar Tondela-Viseu
Hospital de São Teotónio – Viseu
Serviço de Pediatria
Avenida Rei D. Duarte
3504-509 Viseu, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 19.12.2012 | Aceite a 13.05.2013
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Grande queimado numa Unidade de Cuidados
Intensivos Pediátricos – experiência de 20 anos
Telma Francisco1, Sara Nóbrega1, Rosalina Valente2, Margarida Santos2,
Gabriela Pereira2, João Estrada2, Zínia Serafim3, Lurdes Ventura2
RESUMO
Introdução: A abordagem inicial do grande queimado até à
sua estabilização hemodinâmica e hidroeletrolítica é fundamental para diminuir a morbimortalidade.
Material e Métodos: Estudo retrospetivo, descritivo e analítico, de todos os internamentos por queimadura numa Unidade
de Cuidados Intensivos Pediátricos durante o período de 20 anos
(Abril/1991 a Dezembro/2010). Avaliaram-se parâmetros nosodemográficos, agente causal, gravidade e extensão da queimadura, procedimentos, terapêutica, complicações e resultados.
Resultados: Ocorreram 137 internamentos por queimadura correspondentes a 123 doentes e a 1,8% do total de internamentos na UCIP. A mediana de idade foi 3,6 anos e 62,4%
era do sexo masculino. Verificou-se maior incidência em Agosto (13,0%). Foram agentes da queimadura: líquido fervente
(38,1%), fogo (38,1%) e eletricidade (23,9%). A mediana da superfície corporal queimada foi de 30% (0,5-92,0%), com queimaduras do terceiro grau em 59,0% dos doentes. Necessitaram de
ventilação mecânica 45,5% e de cateter venoso central 64,2%
dos doentes. As complicações incluíram: sépsis (29,2%), falência respiratória (21,1%), falência cardiovascular (16,5%) e falência multiorgânica (18,8%). Verificou-se melhoria em 88,6% dos
casos e ocorreram 10 óbitos (8,1%), nove dos quais nos primeiros 10 anos do estudo e nove devido a causa infeciosa. No entanto, o score avaliador do risco de mortalidade (PRISM), índice
de intervenção terapêutica (TISS) e o risco de probabilidade de
morte (RPM) foram mais elevados no segundo decénio.
Conclusões: Nos últimos anos do estudo, apesar do maior
número de admissões e da sua maior gravidade, verificou-se
uma diminuição do número de mortes, o que poderá dever-se à
melhoria dos cuidados prestados.
Palavras-chave: Doente queimado, criança, Unidade de
Cuidados Intensivos Pediátricos.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 151-157
__________
1
2
3
Dep. Pediatria, H Dona Estefânia, CH Lisboa Central, 1169-045 Lisboa,
Portugal. [email protected];
[email protected]
U. Cuidados Intensivos Pediátricos, H Dona Estefânia, CH Lisboa
Central, 1169-045 Lisboa, Portugal. [email protected];
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
S. Cirurgia Pediátrica, H Dona Estefânia, CH Lisboa Central, 1169-045
Lisboa, Portugal. [email protected]
INTRODUÇÃO
Os acidentes por queimadura são bastante frequentes e
estão associados a elevada morbilidade e mortalidade. Nos Estados Unidos da América ocorrem cerca de 120000 casos de
queimadura em crianças por ano com necessidade de tratamento num serviço de urgência, correspondendo a 15 casos/10000
residentes por ano.(1)
O número de doentes portugueses queimados é elevado,
com uma incidência estimada de 21,4/100000 (pacientes hospitalizados/100000 habitantes por ano).(2) Num estudo retrospetivo
incluindo todas as faixas etárias e 91 hospitais portugueses entre
1993 e 1999, foram internados 14797 doentes por queimadura,
registando-se uma taxa de mortalidade de 3,7%(2).
Cerca de 6% das crianças com queimadura necessitam de
internamento hospitalar e a mortalidade por queimadura é superior nas crianças mais novas comparativamente às mais velhas.(1)
As campanhas de prevenção permitiram reduzir os acidentes por queimaduras nos últimos anos, nomeadamente no grupo
etário mais suscetível a estas lesões, as crianças dos 0-10 anos.
(2)
Um reflexo desta intervenção global, foi a legislação do vestuário infantil, com regulação da inflamabilidade da roupa infantil,
nomeadamente da roupa de dormir, o que diminuiu as lesões e
mortalidade relacionada com queimadura neste grupo etário.(3)
A nível mundial, o número de mortos por queimadura/fogos
declinou desde os anos sessenta. A melhoria nos cuidados a estes doentes reduziu a mortalidade no período pós queimadura
imediata. Os progressos nos cuidados e antibioterapia reduziram
igualmente a morte, nomeadamente por infeção.
A identificação e tratamento precoce das lesões de queimadura, a ressuscitação hemodinâmica, o controlo da dor e a
referenciação para centros com experiência no tratamento do
grande queimado podem melhorar o prognóstico dos doentes.
Dois estudos anteriores caracterizaram os internamentos por
queimadura na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos (UCIP)
do Hospital Dona Estefânia (HDE), nos primeiros 8,5(4) e 12 anos(5)
desta unidade. Este estudo pretende analisar o tipo de doente queimado pediátrico internado na UCIP do HDE, sua evolução e tipo de
cuidados prestados nas últimas duas décadas.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo retrospetivo, descritivo e analítico, de todos os internamentos por queimadura na UCIP do HDE, entre Abril de 1991
e Dezembro de 2010. Foram consultados os processos clínicos
e os parâmetros avaliados incluíram: parâmetros nosodemográ-
artigo original
original article
151
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
ficos, agente causal, grau de queimadura, percentagem de área
de superfície queimada (método de Lund-Browder), procedimentos e terapêuticas realizadas, complicações, evolução, grau de
intervenção terapêutica (TISS), grau de instabilidade fisiológica
(PRISM), risco de probabilidade de morte (RPM) e número de
reinternamentos. Os resultados obtidos referem-se ao número
total de doentes, exceto em alguns parâmetros, devidamente
assinalados, em que foi contabilizado o número total de internamentos.
A análise estatística foi realizada com auxílio do programa
SPSS® versão 17. As variáveis categóricas foram expressas em
frequência e respetiva percentagem e comparadas com o teste
χ2 para um nível de significância de p<0,05.
RESULTADOS
No período de estudo, foram internadas 123 crianças por
queimadura na UCIP, correspondendo a 137 internamentos e a
1,8% do total de internamentos nesta unidade (N=7699). Alguns
doentes (10,2%), após um internamento inicial em cuidados intensivos e transferência para uma enfermaria, foram readmitidos por complicações, nomeadamente sépsis e pneumonia. Na
Figura 1 encontra-se representada a distribuição por anos do
número total de internamentos e do número de internamentos
por queimadura na UCIP. Os anos em que se registaram mais
internamentos por queimadura foram 2002 (n=13), 2008 (n=10)
e 2010 (n=15).
Comparando o número total de internamentos na UCIP
com o número total de internamentos por queimadura, verificamos que o primeiro tem demonstrado tendência decrescente, sobretudo no primeiro decénio, enquanto o segundo tem-se mantido estável, registando-se inclusivamente um ligeiro aumento nos
últimos cinco anos, tal como representado na Figura 1.
Figura 1 – Evolução do número total de internamentos e do número de
internamentos por queimadura na UCIP.
152
artigo original
original article
No período de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2010, o total
de internamentos por queimaduras no Hospital de Dona Estefânia foi de 1770, com 4,9% (n=86) dos doentes queimados a
necessitarem de cuidados intensivos.
O maior número de internamentos verificou-se em doentes
do sexo masculino (63,4%). A mediana da idade foi de 3,6 anos
(mínimo 0,1 anos, máximo 16,8 anos). A distribuição por grupo
etário encontra-se representada na Figura 2.
Figura 2 – Distribuição etária dos doentes internados por queimadura
na UCIP do HDE.
Os meses em que se verificaram mais admissões foram
Maio (13,0%), Agosto (13,0%), Julho (10,6%) e Outubro (10,6%).
Relativamente à proveniência dos doentes, a maioria destes era residente na região de Lisboa e Vale do Tejo (61,0%),
destacando-se ainda o número considerável de doentes provenientes das Regiões Autónomas (10,6%). De salientar também
que nos últimos anos parece existir um aumento do número de
doentes provenientes do Norte e das Regiões Autónomas e uma
diminuição dos doentes do Centro e do Alentejo.
Quanto ao agente causal, os líquidos ferventes e o fogo
foram os mais frequentes e com igual percentagem (38,1%), ao
passo que a eletricidade foi o agente menos implicado neste tipo
de acidentes (23,9%).
Analisando a distribuição das queimaduras por época do
ano de acordo com o agente causal, verificamos que nos meses
frios foram mais frequentes as queimaduras por água fervente, enquanto no Verão o agente mais prevalente foi o fogo (Figura 3-A).
Quanto à distribuição das queimaduras por faixa etária,
constatamos que nas crianças mais pequenas os líquidos ferventes foram o principal agente causal, ao passo que nos adolescentes predominaram as queimaduras elétricas (Figura 3-B),
com diferença estatisticamente significativa (p<0,001).
Relativamente à distribuição por sexos, de destacar que
as queimaduras elétricas e as queimaduras por líquido fervente
foram mais frequentes no sexo masculino (Figura 3-C), com diferença estatisticamente significativa (p=0,018).
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
Figura 5 – Distribuição por superfície queimada, de acordo com o agente
causal.
Figura 3 – Distribuição das queimaduras por agente causal e por época
do ano (A), idade (B) e sexo (C).
A maioria dos doentes tinha uma área queimada ≤20% de
superfície corporal, (Figura 4) com mediana de 30%, sendo que
7,3% dos doentes tinha queimaduras atingindo pelo menos 80%
da superfície corporal. As queimaduras por fogo foram responsáveis pelas queimaduras atingindo maior extensão corporal, ao
passo que as queimaduras elétricas atingiram menor superfície
(Figura 5).
diferença estatisticamente significativa entre os agentes em relação ao grau de queimadura (p=0,005), o mesmo não ocorrendo
relativamente ao sexo (p=0,983).
Os doentes foram submetidos a vários procedimentos e tratamentos, nomeadamente cateterismo venoso central (64,7%) e
ventilação mecânica (45,5%) (Quadro I). Nos doenças sujeitos
a estes procedimentos invasivos as medianas de duração foram prolongadas (25,0 dias de cateter venoso central, 24,8 dias
de nutrição parentérica, 15,4 dias de algaliação e 7,5 dias de
ventilação mecânica). Os hemoderivados foram também frequentemente necessários, tendo sido administrado concentrado
eritrocitário em 49,6% dos internamentos e albumina em 45,9%
destes (Quadro I).
Quadro I – Procedimentos realizados nos internamentos por
queimadura na UCIP.
Procedimentos e
Terapêuticas realizados
Percentagem de
internamentos
Demora mediana
(dias)
Cateter venoso central
64,7
25
Ventilação mecânica
45,5
7,5
Algaliação
37,6
15,4
Drogas vasoativas
24,1
6
Nutrição parentérica
21,8
24,8
Reanimação cardiorrespiratória
3,8
Hemodiafiltração
0,8
Hemoderivados
Concentrado eritrocitário
Figura 4 – Distribuição por superfície queimada.
Relativamente à gravidade da lesão, a maior parte
das admissões foram devidas a queimaduras de terceiro grau
(59,0%) e do segundo grau (28%). Verificámos a existência de
49,6
Albumina
45,9
Plasma fresco congelado
32,3
Concentrado plaquetário
5,3
Imunoglobulina endovenosa
4,5
Crioprecipitado
2,3
artigo original
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153
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
A mediana da demora do internamento foi de cinco dias,
mas a dispersão foi grande (mínimo 0,04 dias, máximo 212 dias).
A maioria dos internamentos teve uma demora entre um e cinco dias (49,6%). Entre cinco e 10 dias verificaram-se 27 casos
(19,5%), entre 10 e 30 dias 30 casos (21,9%) e em 12 casos
(8,8%) o internamento teve uma duração igual ou superior a 30
dias. Encontrámos uma diferença estatisticamente significativa
(p=0,003) relativamente à demora do internamento em relação
aos diferentes agentes causais da queimadura, sendo que o fogo
foi responsável pelos internamentos mais prolongados. Constatámos ainda uma diferença estatisticamente significativa entre a
demora do internamento e a superfície queimada (p=0,002), com
as lesões mais extensas a registarem maior demora.
Das complicações registadas destacam-se: sépsis (29,2%),
falência respiratória (22,6%), falência cardiovascular (21,1%) e
falência multiorgânica (18,8%) (Quadro II).
Todos os óbitos ocorreram nos primeiros 10 anos de estudo, tal como representado na Figura 6. Quatro dos óbitos ocorreram em reinternamentos na UCIP e os restantes ocorreram com
mais de um dia de queimadura (1,1 – 26,1 dias de internamento). A causa de morte foi infeção em 90% dos casos e paragem
cardiorrespiratória por aspiração num doente. Em metade dos
casos a queimadura fora causada por fogo e na outra metade
por líquido fervente. No grupo dos óbitos a mediana de superfície
queimada foi de 60% (mínimo 27,0%, máximo 80,0%). Comparando as duas décadas, verificamos que entre 1991 e 2000 ocorreram 56 internamentos por queimadura e nove óbitos (16,1%
neste período) e entre 2001 e 2010 houve 77 internamentos e
apenas um óbito (1,3%) (p=0,001).
Quadro II – Complicações verificadas nos internamentos
por queimadura na UCIP.
Complicações verificadas
Sépsis
Falência respiratória
Falência cardiovascular
Falência multiorgânica
Patologia aguda de stress
Pneumonia
Infeção urinária
Falência hematológica
Complicações neurológicas
Falência renal
Hemorragia digestiva alta
Derrame pleural
Tubulopatia
Ileus
Falência hepática
Pneumotórax
Endocardite
Trombose venosa
Percentagem de
internamentos
29,2
22.6
21,1
18,8
11,3
7,3
6,8
4,5
3,8
1,5
1,5
1,5
0,8
0,8
0,8
0,8
0,8
0,8
Foram isolados 17 agentes infeciosos diferentes em 66
doentes, sendo que os mais frequentemente encontrados foram: Staphylococcus aureus (9,0%), Pseudomonas aeruginosa
(6,8%), Candida albicans (6,0%), Enterococcus faecalis (3,0%)
e Proteus miralis (2,3%).
A grande maioria dos doentes melhorou (88,7%), mas
ocorreram 10 óbitos (8,1%). Não encontrámos diferença estatisticamente significativa entre o sexo e a evolução da doença
(p=0,176).
154
artigo original
original article
Figura 6 – Distribuição do número de internamentos e de óbitos por queimadura, na UCIP do HDE, por ano.
Para a análise da gravidade utilizámos: a percentagem de
área queimada, o índice de instabilidade fisiológica (Pediatric
Risk of Mortality score – PRISM), o risco de probabilidade de
morte (Risk Probability of Death – RPM, calculado pelo PRISM),
o índice de intervenção terapêutica (Therapeutic Intervention
Scoring System (TISS) e a razão entre mortalidade prevista e a
real (calculada pelo RPM).
Globalmente a percentagem de área queimada foi de 30%
(mediana), o PRISM variou entre 0 e 33 (média = 9,3), o RPM
entre 0,25% e 87,7% (média = 8,17%) e o TISS entre 4 e 67
(média = 26,9)
Comparando as duas décadas em relação à percentagem
de área queimada (mediana 25% vs 30%; p=0,05), ao PRISM
(média 8,9 vs 9,6; p=0,016), ao RPM (7,37% vs 8,83%) à mortalidade esperada (3,6 vs 6,5) e ao TISS (média 23,0 vs 28,5;
p=0,049), verifica-se que todos estes marcadores de gravidade
foram significativamente mais elevados na segunda década.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
A relação entre a mortalidade prevista/mortalidade real foi
de 2,5 no primeiro decénio (previstos 3,6 óbitos/verificados nove
óbitos) e de 0,15 no segundo decénio (previstos 6,5 óbitos/verificados um óbito).
DISCUSSÃO
Enquanto algumas causas de admissão em cuidados intensivos têm diminuído de frequência, nomeadamente as causas
infeciosas e as intoxicações, graças, sem dúvida, à melhoria das
condições de vida e às medidas preventivas, os acidentes e as
queimaduras continuam a ser uma importante causa de mortalidade e morbilidade no nosso país.
A época do ano em que se verificaram mais queimaduras
foi nos meses quentes, talvez ao contrário do que seria de esperar, pois é no Inverno que se acendem as lareiras, se preparam
mais alimentos e bebidas quentes. No entanto, nos meses de
Verão, as crianças estão mais tempo em casa, o que poderá propiciar a realização de algumas atividades que levem à ocorrência
deste tipo de acidentes.
A maioria dos doentes era do sexo masculino e da faixa etária entre os dois e os cinco anos. Em outros estudos detetou-se
igualmente uma preponderância destes acidentes em crianças
com menos de seis anos(1), com uma idade média de 3,5 anos(6),
e do sexo masculino(6), sendo reportada uma relação masculino/feminino de 1,44/1(2). Estes achados devem-se, certamente,
às diferenças de comportamento entre os sexos, sendo que os
rapazes são mais exploradores e ao tipo de brincadeiras deste
grupo etário, em que as crianças têm uma grande curiosidade,
mobilidade e autonomia, mas ainda uma grande ou total incapacidade para antever riscos. Para além disso, observa-se uma
glorificação das chamas e explosões nos desenhos animados,
filmes e jogos de computador, o que poderá predispor a várias
explorações pelas crianças.
Pudemos constatar o grande número de queimaduras por
líquido fervente, sobretudo nas crianças pequenas, o que reflete
a importância dos acidentes domésticos, nomeadamente na preparação de alimentos, temperatura da água do banho, etc., estudos internacionais apontam também para as queimaduras térmicas como agentes preponderantes de queimadura. Na criança
mais nova a queimadura deve-se frequentemente ao contacto
com água quente doméstica (52,5% dos casos), bebidas quentes e acidentes com superfícies quentes.(1,6-8)
Na nossa população acima dos cinco anos, o fogo foi o
agente mais frequente de queimadura, o que está de acordo com
a literatura. As crianças queimadas em incêndios domiciliários
têm maior risco de lesões graves e de mortalidade, atingindo os
49% num estudo do Texas.(7)
As queimaduras elétricas foram mais frequentes no sexo
masculino e com idade crescente. Este facto está certamente relacionado com as atitudes próprias dos rapazes pré-adolescentes
e adolescentes, como por exemplo, suspensão em catenárias de
ferrovias (comportamento responsável pelas queimaduras em três
dos doentes – resultados não apresentados).
O fogo foi responsável por queimaduras de maior extensão,
pois trata-se de um agente que rapidamente poderá atingir uma
grande superfície. Metade dos doentes teve queimaduras inferiores a 30% da superfície corporal. No entanto, o internamento
numa Unidade de Cuidados Intensivos justificou-se plenamente
pela zona da queimadura, com risco de atingimento da via aérea
(face), pela idade da criança (<1 ano) ou por se terem tratado de
queimaduras elétricas, dado o risco de arritmias, rabdomiólise e
hemorragia intracraniana.
A grande percentagem de doentes admitidos por queimaduras extensas e de terceiro grau e o facto de os doentes terem
apresentado índices de instabilidade fisiológica e de intervenção
terapêutica elevados confirma a extrema gravidade dos doentes
admitidos. Esta gravidade reflete-se também na percentagem
elevada de procedimentos e tratamentos realizados, na elevada duração dos mesmos e ainda na demora dos internamentos,
tendo mais de 10% destes tido uma duração superior a um mês.
Ocorreram várias complicações, sendo as infeciosas as
mais comuns. Vários estudos demostraram o papel da superfície queimada, a duração da ventilação mecânica, dos cateteres venosos e urinários e do internamento como fatores de risco
infecioso.(10) Sendo que a maioria destes doentes apresentava
cumulativamente estes fatores de risco, não será assim de estranhar a existência de elevado número de infeções. Apesar de esta
ser uma complicação frequente, não nos devemos esquecer que
os antibióticos não têm indicação profilática no doente queimado
e que deve ser a clínica e as alterações laboratoriais a determinar o início de antibioticoterapia, sempre que possível suportada
por isolamentos culturais e antibiograma. Devemos ter também
sempre presente que a própria queimadura leva à libertação de
citoquinas que provocam febre e elevação de parâmetros inflamatórios, mesmo sem haver sobreinfeção.(11) O uso indiscriminado de antibióticos nestes doentes poderá aumentar o risco de
resistência e não é, portanto, recomendado.(11)
A maioria dos doentes foi transferida para uma enfermaria de cirurgia apresentando boa evolução clínica, muito embora
tenham ocorrido 10 reinternamentos, na maioria dos casos por
complicações infeciosas.
Verificaram-se 10 óbitos, 90% na primeira década do estudo. O fato de nenhum dos óbitos ter ocorrido nas primeiras
24 horas de admissão, ou seja, na fase aguda de estabilização
do choque, revela a eficácia das intervenções iniciais a nível da
estabilização hemodinâmica.
No segundo decénio, a gravidade dos doentes foi maior,
mas a relação entre a mortalidade esperada e a real (0,15) foi
bastante inferior à do primeiro decénio (2,5). Se estes resultados
poderão indiciar que o PRISM não deve ser aplicado com preditor de mortalidade ao grupo de queimados (tanto mais que nunca
foi aferido para este efeito), é igualmente lícito considerar que se
verificou uma franca melhoria do desempenho terapêutico e uma
evolução muito favorável nos cuidados assistenciais na UCIP e
no HDE.
De salientar a importância da abordagem multidisciplinar no
tratamento destes doentes, no qual estão envolvidos médicos intensivistas, cirurgiões, enfermeiros, fisiatras, fisioterapeutas, oftalmologistas, otorrinolaringologistas, pedopsiquiatras, dietistas,
assistentes sociais, entre outros profissionais.
artigo original
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155
NASCER E CRESCER
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
Em todo o mundo a ocorrência de queimaduras nas crianças está relacionada com negligência, descuido parental e más
condições socioeconómicas como a sobrelotação das habitações.(6,12) De forma relevante, a maioria dos acidentes por queimadura verifica-se no ambiente doméstico como a cozinha ou
casa de banho e, portanto, durante as atividades da vida diária.(6) A queimadura térmica é frequentemente relacionada com
objetos do quotidiano como, portas de forno, ferros de passar,
secador de cabelos e lareiras.(1) Muito embora, e tal como anteriormente exposto, as campanhas de prevenção tenham contribuído para a diminuição destes acidentes, muito ainda pode ser
feito. De facto, nos últimos anos, foram relativamente comuns os
alertas nos meios de comunicação social para a importância do
uso de cadeirinhas adequadas para o transporte de crianças em
automóveis e para a facilidade com que uma criança se afoga,
mas pouco tem sido referido relativamente ao risco de acidentes
por queimadura. O sítio da Associação para a Promoção da Segurança Infantil (www.apsi.org.pt) explora os cuidados a ter na
habitação e espaços de recreio, devendo ser do conhecimento
de todos os médicos, pais e cuidadores de crianças.
Assim, existe ainda um enorme trabalho a fazer a nível da
educação dos pais e restantes cuidadores, de forma a evitar muitos acidentes com consequências potencialmente graves.
CONCLUSÕES
Apesar do número significativo de doentes queimados com
grande gravidade, não houve nenhum óbito na fase aguda de
estabilização e apenas um nos últimos 10 anos do estudo, o que
revela a qualidade dos cuidados prestados. No entanto, muito
existe ainda por fazer em termos de prevenção, que será, sem
dúvida, o fator que poderá fazer reduzir a incidência destes acidentes na vida de muitas crianças.
SEVERELY BURNED PATIENT IN A PEDIATRIC INTENSIVE
CARE UNIT – 20 YEARS EXPERIENCE
ABSTRACT
Background: Initial approach of severely burned patient
until hemodynamic and hydroelectrolytic stabilization is crucial to
minimize morbidity and mortality.
Material and methods: Retrospective descriptive and
analytic study of all burned patients admitted in a Paediatric
Intensive Care Unit during a 20 year period (between April/1991
and December/2010). Nosodemographic data, causal agent,
severity and extension of burn, procedures, treatment,
complications and outcome were analyzed.
Results: There were 137 admissions for burn,
corresponding to 123 patients and to 1.8% of all admissions
in the PICU. The median age was 3.6 years, and 62.4% were
male. Higher incidence of cases was found in August (13.0%).
Burning agents were: boiling liquid (38.1%), fire (38.1%) and
electricity (23.9%). The median total body surface burned area
was 30% (0.5 - 92.0%), 59.0% corresponding to third degree
burns. Mechanical ventilation was needed in 45.5% and central
156
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venous catheter in 64.2% of patients. Complications included:
sepsis (29.2%), respiratory failure (21.1%), cardiovascular failure
(16.5%) and multiorgan failure (18.8%). Patients recovered in
88.6% of cases and there were 10 deaths (8.1%), nine of them in
the first 10 years of the study, and nine due to infection. However,
the paediatric risk of mortality score (PRISM, the therapeutic
intervention scoring system (TISS) and the risk probability of
death (RPM) were higher in the second decade.
Conclusion: In the last years of the study, despite the
higher number of admissions and greater severity, there was a
decrease in the number of deaths, which may be related to the
improvement of care in these patients.
Keywords: Burned patient, child, Paediatric Intensive Care
Unit.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 151-157
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Telma Sofia de Carvalho Francisco
Centro Hospitalar Lisboa Central
Hospital Dona Estefânia
Serviço de Pediatria
Rua Jacinta Marto, 1169-045 Lisboa, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 13.12.2012 | Aceite a 20.08.2013
artigo original
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
Celulite Periorbitária e Orbitária:
casuística de 11 anos
Georgina Monteiro1, Andreia Dias1, Elsa Teixeira1, Joana Pereira1, Elisabete Santos1, Gabriela Laranjo1, Cristina Faria1
RESUMO
Introdução: As celulites da região orbitária são uma patologia relativamente comum, em idade pediátrica, com um potencial
de gravidade estimável.
Objetivos: A presente casuística tem como objetivo a revisão da epidemiologia, etiologia e abordagem terapêutica dos
casos de celulite da região orbitária internados no Serviço de
Pediatria do Centro Hospitalar Tondela-Viseu (CHTV), no período de 11 anos.
Material e Métodos: Estudo retrospetivo dos processos clínicos de crianças internadas entre Janeiro de 2000 e Dezembro
de 2010.
Resultados: Das 93 crianças internadas, 94% foram celulites periorbitárias (CPO) e 6% celulites orbitárias (CO). A média de
idades foi de seis anos e o sexo masculino predominante (61%).
O traumatismo foi a causa conhecida mais comum (12 %). O
cefuroxime foi o antibiótico de primeira linha em 84% dos casos
que, na sua maioria, evoluíram favoravelmente. Verificaram-se
complicações em cinco dos seis doentes com CO (83%). Não
se verificaram óbitos. A maioria foi orientada para o médico de
família.
Conclusões: Destaca-se a importância do reconhecimento
de uma CPO vs CO pela necessidade de diferentes abordagens
clínicas e maior incidência de complicações nas últimas.
Palavras-chave: Celulite orbitária, doenças da órbita,
criança, adolescente.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 158-161
INTRODUÇÃO
As celulites da região orbitária consistem na infeção dos
tecidos moles que envolvem esta estrutura. Subdividem-se em
pré-septal ou CPO quando a infeção se localiza nos tecidos moles anteriores ao septo orbitário, e em pós-septal ou CO quando
ocorre posteriormente ao mesmo, que constitui a parte periférica
da camada fibroelástica da pálpebra.(1-9) Trata-se de uma entidade relativamente frequente em Pediatria. Nos últimos anos
tem-se assistido a um aumento significativo da sua incidência
__________
1
S. Pediatria, CH Tondela-Viseu, 3504-509 Viseu, Portugal.
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
158
artigo original
original article
e complicações.(1-3) A CPO é a forma de apresentação mais frequente. Habitualmente surge em crianças com idade inferior a
três anos e na sequência de infeções respiratórias superiores,
conjuntivites, traumatismos ou picadas. A sinusite é responsável
por 13-27% dos casos. A disseminação hematogénea, embora
rara, é outra das causas de CPO.(1,2,6,9) A CO é, na grande maioria dos casos (75-90%), secundária a uma sinusite e, por isso,
ocorre sobretudo em crianças com idade superior a seis anos.
(1,2,4-9)
Propicia-se face à fina espessura da parede óssea da órbita - a lâmina papirácea do etmóide que é fenestrada e acolhe
uma vasta rede venosa entre os seios perinasais e a cavidade
orbitária.(1,2,4,8,9) O diagnóstico da CPO assenta na história clínica
e exame físico e as alterações consistem em edema e eritema
periorbitários. Já na CO acrescem, às últimas, o edema e inflamação dos tecidos moles e músculos da órbita, que se traduzem
por dor com os movimentos oculares (embora esta possa existir
na CPO), proptose, oftalmoplegia, diplopia e quemose - sinais
orbitários.(1,2,4,6,9) A última pode também ocorrer em casos graves de CPO.(4) O diagnóstico da CO depende, portanto, destes
critérios clínicos e da confirmação radiológica por Tomografia
Computorizada (TC).. Apesar da CO ser mais rara que a CPO,
as suas complicações são mais graves e frequentes, podendo
mesmo conduzir à cegueira e/ou morte.(1,11)
A etiologia da celulite varia com o modo de aquisição da infeção. Na CPO associada a infeções das vias aéreas superiores
o Streptococcus pneumoniae é o microorganismo mais frequente.
Porém, nas situações de traumatismo cutâneo, as bactérias mais
implicadas são o Staphylococcus aureus (S. aureus) e o Streptococcus pyogenes. Antes da vacinação contra o H. influenzae tipo
b, este era também um agente frequente. Os patógenos mais comummente identificados são o S. aureus e o estreptococo embora também possam ser encontrados os anaeróbios e Moraxella
catarrhalis. A CO é por vezes uma infeção polimicrobiana.(1-9,11-13)
O presente trabalho tem por objetivo rever a epidemiologia,
etiologia, abordagem terapêutica e evolução dos casos de celulite da região da órbita, das crianças internadas no Serviço de
Pediatria do Centro Hospitalar Tondela-Viseu.
MATERIAL E MÉTODOS
Realizou-se um estudo retrospetivo dos processos clínicos
referentes a crianças internadas com o diagnóstico de CPO e
CO, entre um de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2010.
Considere-se o fato de, no Serviço de Pediatria do CHTV,EPE,
serem admitidas crianças até aos 18 anos de idade. Na revi-
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
são dos processos clínicos foram analisados os seguintes parâmetros: sexo, idade, distribuição anual e mensal, clínica de
apresentação, causa, localização, intervalo entre o início dos
sintomas e o diagnóstico, exames auxiliares de diagnóstico, terapêutica prévia e instituída, duração do internamento, complicações e evolução. O diagnóstico de CO foi baseado em critérios
clínicos sugestivos e na presença de lesões posteriores ao septo
orbitário, visualizadas na TC. Os restantes casos foram incluídos
no grupo das CPO.
RESULTADOS
No período de 11 anos estudado (2000-2010 inclusive) foram internadas 93 crianças com diagnóstico de celulite da região
orbitária. Oitenta e sete casos constituíram CPO (94%) e seis
CO (6%). A variabilidade do número de internamentos/ano foi
relativamente semelhante nas CPO, destacando-se, no entanto,
o ano de 2007 com maior número absoluto (17 casos) e o ano de
2003 e 2010 com apenas um caso (Gráfico 1). O escasso número de CO resulta numa média de 0,5 casos/ano.
Gráfico 1 – número de internamentos/ano por celulites periorbitárias (CPO) e orbitárias (CO).
No que respeita à distribuição mensal, os meses de Maio e
Agosto foram os mais incidentes, não se podendo assumir predomínio por qualquer estação do ano. O sexo masculino foi predominante em ambos tipos de celulite (60% CPO, 59%CO). As
crianças com CPO tinham menos de três anos em 53% dos casos; 83% das crianças com CO tinha mais de seis anos de idade.
Na CPO a quebra de barreira cutânea não traumática,
traumatismos e conjuntivite assumiram as causas conhecidas
mais comuns com 20%, 11% e 9% dos casos, respetivamente.
Em 37 crianças (40%) não foi possível esclarecer a etiologia.
Na CO 75% tiveram origem numa sinusite (Quadro I). Todas
as crianças com CPO apresentaram-se com edema periorbitário 91% rubor periorbitário, 47% febre e 5% sinais orbitários.
Quadro I – Fator desencadeante das celulites periorbitárias
(CPO) e orbitárias (CO).
Fator desencadeante
de celulite da região orbitária
Nº
CPO
Nª
CO
%
total
Desconhecida
37
0
40%
Quebra de barreira cutânea não traumática
20
1
23%
Traumatismo
11
1
12%
Conjuntivite
9
0
10%
Sinusite
2
4
7%
Infecções dentárias
5
0
5%
Infeção respiratória superior/otite
3
0
3%
Na CO todos apresentaram edema, rubor, febre e sinais orbitários. Quanto à localização, 95% das CPO eram unilaterais
e destas, 52% localizavam-se à esquerda. Na CO 67% eram
unilaterais com 65% à esquerda. Em 31% dos casos o tempo
decorrido entre o início do quadro e o diagnóstico foi inferior a
24 horas. No total de casos de CPO e CO a hemocultura foi
efetuada em 45 crianças (48%) e somente uma delas (CPO) foi
positiva identificando-se S. pneumoniae. Numa criança com CO
foi realizado o exame bacteriológico do exsudado do empiema
subdural com identificação de um agente anaeróbio (Prevotella
loescheii). Em dois casos de CPO foi colhido exsudado de secreções oculares/nasais, porém sem isolamento de agente. A
radiografia dos seios perinasais foi realizada em dez crianças
(11%) revelando sinusite maxilar em apenas duas delas. Das 11
tomografias axiais computorizadas (TC) cranioencefálicas/seios
perinasais, quatro revelaram sinusite, duas abcesso do periósteo, uma um mucocelo intra-orbitário, outra sinusite e abcesso
periósteo e uma foi normal. Em dois dos casos foi necessário
complementar com ressonância magnética que corroborou o
diagnóstico de uma pansinusite, e um abcesso da órbita com
empiema subdural. Antes do internamento, 44% das crianças
com celulite da região da órbita tinha iniciado terapêutica com
antibiótico por via oral (Gráfico 2), 12% aplicou antibiótico tópico,
5% anti-histamínico e 1% corticóide tópico.
Gráfico 2 – Antibioterapia prévia ao internamento; n= 33.
artigo original
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159
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
Todas as crianças durante o internamento fizeram terapêutica por via parentérica. Em 83% dos casos o antibiótico utilizado
foi uma cefalosporina de 2º geração – cefuroxime. Em seis casos houve necessidade de alterar a terapêutica ou de associar
antibióticos: ceftriaxone, vancomicina, doxiciclina, metronidazol.
Após a alta, foram medicados com antibiótico oral até completar
duas a quatro semanas de tratamento. Ocorreram complicações
em um de 87 casos de CPO e em cinco dos seis casos de CO
(Quadro II).
Quadro II – Complicações das celulites periorbitária (CPO) e CO
(celulite orbitária).
Complicações
CPO – 1/87
• Abcesso palpebral - 1
CO – 5/6
• Abcesso periósteo - 2
• Abcesso da órbita+empiema subdural - 1
• Empiema subdural - 1
• Mucocelo intra-órbitário -1
DISCUSSÃO
Conforme relatado por outros autores, os casos de CO representaram a menor parcela de internamentos (6,4%).(6) Não se
verificou predomínio por estação do ano provavelmente devido
à reduzida taxa de infeções respiratórias como fator etiológico.
Sendo assim, a distribuição anual e sazonal não foi concordante
com a literatura.(1-3,7) O sexo masculino predominou em ambos
tipos de celulite (60% CPO, 59%CO) o que pode correlacionar-se com a sua maior predisposição a doenças infeciosas. Na
CPO verificou-se que 53% tinham menos de três anos, e na CO
83% mais de seis. Outros estudos corroboram esta tendência,
pelo fato das CPO estarem mais frequentemente relacionadas
com infeções das vias aéreas superiores, também estas mais
frequentes em crianças com menos de três anos, e pelo fato das
CO terem como causalidade a sinusite, mais frequente em crianças com mais de seis anos, face ao natural desenvolvimento biológico dos seios perinasais.(1,2,4,9) Ainda assim, no que respeita às
infeções respiratórias superiores, este estudo não vai de encontro às estimativas da literatura uma vez que apresenta esta causalidade em apenas 3% dos casos de CPO, muito provavelmente face ao subdiagnóstico.(1-5,7,10) A quebra de barreira cutânea
não traumática, os traumatismos e conjuntivite dominaram a lista
de causas conhecidas da CPO. Já a sinusite foi a causa mais
comum de CO, conforme descrito na literatura.(4,6,10) Porém, o registo de apenas seis casos, (2 CPO e 4 CO), pode relacionar-se
com o seu subdiagnóstico. A apresentação clínica das CPO foi
de encontro aos achados mais comuns – edema (100%) e rubor
160
artigo original
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periorbitários (91%). A CO destacou-se pela expectável existência de sinais orbitários, em 100% dos casos.(1,2,4,6,9) Ambas celulites foram predominantemente unilaterais (67% CPO, 65% CO),
como tem sido relatado na bibliografia.(2,6,7,10) Na generalidade
não foi possível concluir o diagnóstico nas primeiras 24 horas,
à semelhança de outros estudos.(6) Apenas metade das crianças
foram submetidas a estudos analíticos. A hemocultura foi efetuada em 45 crianças (48,4%) e somente numa (CPO) foi possível
identificar S. pneumoniae. Este baixo índice de isolamento do
agente é também referido na literatura.(2-7)
A TC cranioencefálica, da órbita e dos seios perinasais
justifica-se quando existem sinais sugestivos de CO, suspeita
de corpo estranho intraorbitário e sempre que a evolução clínica
não é favorável. Neste estudo, nove (82%) das TC efetuadas
apresentaram alterações, seis das quais confirmaram a existência de atingimento pós-septal. A grande maioria das crianças fez
terapêutica com uma cefalosporina de segunda geração, com
boa resposta clínica. Houve necessidade de alterar a medicação em apenas 6% dos casos. Todas completaram um esquema
terapêutico adequado de duas a quatro semanas, conforme preconizado na literatura.(1,2,4-7) As complicações mais frequentes e
graves (Quadro II) ocorreram nas CO (83% CO vs 1,1% CPO)
como também corroboram outros estudos.(1,2,4,6)
O reduzido número de casos, em particular de CO, e a ausência do tratamento estatístico de dados, podem no entanto estar na origem de alguns viés, nomeadamente no que respeita às
comparações estabelecidas com outras séries.
CONCLUSÕES
A CPO é uma patologia frequente em idade pediátrica, geralmente com evolução favorável, demonstrada pela reduzida
taxa de complicações. No entanto é uma patologia que não deve
ser subestimada, pois pode conduzir a lesões irreversíveis, caso
não seja diagnosticada e tratada precoce e adequadamente. Perante uma criança com sinais inflamatórios periorbitários é importante a exclusão de sinais clínicos sugestivos de envolvimento
pós-septal (CO), uma vez que estes condicionam a abordagem
diagnóstica, terapêutica e o prognóstico.
ORBITAL AND PERIORBITAL CELLULITIS: AN 11-YEAR
CASE SERIES
ABSTRACT
Introduction: Cellulitis of the orbital region are a common
pediatric illness, which can be potentially severe.
Objectives: The present study reviews the epidemiology,
etiology and therapeutic approach of cases of cellulitis of the
orbital region admitted at the Pediatric Department of Hospital
Center Tondela-Viseu (CHTV), in 11 years.
Material and Methods: Retrospective analysis of the
clinical records of children admitted between January 2000 and
December 2010.
Results: Of the 93 children admitted, 94% had periorbital
cellulitis (POC) and 6% orbital cellulitis (OC). The average age
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revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
was six years and they were predominantly male (61%). Trauma
was the most common known cause (12%). Cefuroxime was the
first line antibiotic in 84% of cases, and the majority had a good
outcome. There were complications in five of the six patients with
OC (83%). There were no deaths. The majority were referred to
their family doctor.
Conclusions: We highlight the importance of the distinction
between POC vs OC, as they require different clinical approaches.
OC is associated with a higher incidence of complications.
Keywords: Orbital cellulitis, orbital diseases, child,
adolescent.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 158-161
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Georgina Monteiro
Centro Hospitalar Tondela-Viseu
Hospital de São Teotónio – Viseu
Serviço de Pediatria
Avenida Rei D. Duarte
3504-509 Viseu, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 05.12.2012 | Aceite a 08.07.2013
artigo original
original article
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NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Abordagem da má evolução ponderal
Mónica Tavares1, Inês Vaz Matos1, Anabela Bandeira1, Margarida Guedes1,2
RESUMO
Introdução: A má evolução ponderal encontra-se entre um
dos motivos mais frequentes de referenciação à consulta de Pediatria. As dificuldades encontradas na definição desta entidade
e as diferentes abordagens desta situação tornam difícil uma homogeneização de critérios e atitudes.
Objetivo: Orientar a abordagem e seguimento das crianças
com má evolução ponderal.
Métodos: Revisão de artigos pertinentes publicados sobre a
designação de “má evolução ponderal”, “fallo de medro” ou “failure
to thrive” usando as bases de dados Cochrane e Pubmed.
Desenvolvimento: A maioria das causas de má evolução
ponderal envolve uma ingestão calórica inadequada condicionada por problemas psicossociais e comportamentais. De facto apenas 5% das causas de má evolução ponderal podem ser
atribuídas a patologia orgânica o que dificulta uma abordagem
sistematizada destas crianças. Os exames complementares
de diagnóstico na avaliação destas crianças contribuem muito
pouco para o diagnóstico e não estão recomendados por rotina. O seguimento multidisciplinar destas crianças e suas famílias, idealmente com acompanhamento domiciliário, associado
a uma otimização da ingestão alimentar mostrou-se eficaz no
ganho ponderal e na melhoria da interação da criança com os
cuidadores.
Conclusões: Uma identificação precoce desta situação
associada a uma intervenção multidisciplinar que vise uma otimização da ingestão calórica minimiza as sequelas a longo prazo.
Palavras-chave: Má evolução ponderal, avaliação nutricional, diagnóstico, tratamento.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 162-166
INTRODUÇÃO
A má evolução ponderal (MPP), constitui um motivo frequente de referenciação à consulta de pediatria. Este problema
não deve ser encarado como uma patologia mas sim como um
__________
1
2
S. Pediatria, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
Instituto Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto,
4050-313 Porto, Portugal
162
artigo de revisão
review articles
sinal de que a criança está a receber uma nutrição inadequada
para o seu ótimo crescimento e desenvolvimento(1-4). Os protocolos de seguimento são variáveis nos diversos centros, tornando-se difícil uma homogeneização de critérios e atitudes.
OBJETIVO
Definir má evolução ponderal e orientar a abordagem e seguimento destes doentes, tendo em conta a melhor evidência
científica atual.
MÉTODOS
Foram analisados os artigos em Inglês e Espanhol mais relevantes encontrados na Cochrane e Pubmed usando os termos
“fallo de medro” ou “failure to thrive” de 2005 a 2011.
DESENVOLVIMENTO
Definição de má evolução ponderal
Embora não exista uma definição universal(5) a mais consensual é um peso abaixo do percentil 3 (- 2 desvios-padrão)
numa curva adaptada à população em mais do que uma ocasião, ou cruzamento de mais do que dois percentis nas curvas de
crescimento standard(1,3,6-8). Esta definição aplica-se a crianças
com menos do que dois a três anos de idade(1), com uma prevalência de 5-10% nos países desenvolvidos(3,9-11). As variantes
normais do crescimento que englobam a baixa estatura familiar
e o atraso do crescimento e maturação, não se incluem nesta
definição(3,8-10). Do mesmo modo, as crianças que nasceram pequenas para a idade gestacional e as restrições do crescimento
intra-uterino embora possam apresentar um peso ou comprimento abaixo do percentil 3 aos dois ou três anos de idade podem
estar a crescer a um ritmo esperado, pelo que não devem ser
classificadas como má evolução ponderal(3,8-10). Excluem-se ainda os lactentes que tendo nascido com um peso superior ao determinado pelo seu património genético, fazem um “catch down”
podendo ultrapassar em sentido descendente duas curvas de
percentis e não constituírem uma má evolução ponderal(3,5,8-10).
Do mesmo modo, o facto de as curvas de crescimento utilizadas não serem corretamente interpretadas e não serem sempre as mesmas dificulta ainda mais a tarefa(4,12). Mei e Grummer-Stawn compararam as curvas de percentis do CDC 2000 com
as da WHO de 2006 e verificaram que com a utilização destas
últimas os médicos vão encontrar mais crianças até aos seis meses de idade a cruzarem de formas descendente mais do que
dois percentis de peso em relação com a idade, levando a um
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
maior número de referenciação por má evolução ponderal(12). Entre os 12 e os 24 meses as diferenças entre os dois gráficos são
muito pequenas(12).
Etiologia
A etiologia da má evolução ponderal pode-se subdividir em
causas não orgânicas ou funcionais (responsáveis por 70%(9)
dos casos); causas orgânicas (responsáveis por menos de 5%
dos casos(10,13)); ou uma etiologia mista (25% dos casos(2,9-10)).
No Quadro I estão apresentadas as causas não orgânicas de
má evolução ponderal(2,6-8,14) e no Quadro II algumas patologias
que se podem manifestar como má evolução ponderal (2,6-8,11,15-16).
Abordagem diagnóstica
Na abordagem da criança com má evolução ponderal, a
idade poderá ser um factor orientador do diagnóstico, como
apresentado no Quadro III (2,7,9,14,18,19).
Uma anamnese pormenorizada, um exame objetivo minucioso e a observação da interação entre os pais e a criança,
em conjunto com as curvas de crescimento, a determinação da
velocidade de crescimento e da estatura alvo permitem orientar
o diagnóstico na grande maioria das situações(6,10). As variantes
normais do crescimento, como é o caso do atraso constitucional
do crescimento e maturação e a baixa estatura familiar idiopática, embora constituam diagnósticos de exclusão, são também
suspeitados nesta primeira abordagem da criança(8-10) .
Os antecedentes obstétricos e a estatura dos pais são dados importantes na avaliação destas crianças.
Aspetos importantes na história clínica relacionam-se com a
condição socioeconómica do agregado familiar, a frequência de
infantário/ama e o ambiente em que as refeições decorrem(9,10,17).
A história alimentar, modo de preparação e cronologia da
introdução dos alimentos (nomeadamente o glúten e o leite de
vaca em natureza), o trânsito intestinal e os hábitos de sono são
dados fundamentais na anamnese(1,9).
Um registo alimentar das últimas 24 horas ou do consumo alimentar de três dias não consecutivos que inclua um dia
de fim-de-semana são alternativas para a avaliação da ingestão
de calorias, macronutrientes e micronutrientes, bem como dos
hábitos alimentares da família (vegetarianos, dietas restritivas
hipocalóricas,...)(6-9,12,17).
Os dados antropométricos incluem o peso, o comprimento/
altura e o perímetro cefálico, devendo ser assinalados nas curvas de crescimento para quantificação do percentil. Uma das
determinações importantes é a avaliação do peso ideal para a
altura (WFH- Weight for Height), ou seja o P50 de peso para a
idade estatural(2). A relação entre o peso atual da criança e este
valor permite determinar o grau de desnutrição (ligeira, moderada ou grave), como apresentado no Quadro IV.
A medição do perímetro braqueal permite inferir as principais reservas proteicas do organismo (braço não dominante,
a meia distância entre o acrómio e o olecrâneio), utilizando-se
como referência os valores de Frisancho(20). As medidas das
pregas tricipital, bicipital e subescapular tornam-se um processo
simples de avaliação da gordura subcutânea.
Olsen e colaboradores compararam vários critérios antropométricos (peso, peso ideal para a altura, peso ideal para a
idade, índice de massa corporal, comprimento ideal para a idade, diminuição do incremento de peso através do cruzamento de
percentis) para avaliação da má evolução ponderal e concluíram
que estas determinações isoladas têm uma baixa sensibilidade e
um baixo valor preditivo positivo na identificação da má evolução
ponderal(21). Raynor e Rudolf chegaram às mesmas conclusões,
Quadro I – Causas não orgânicas ou funcionais de má evolução
ponderal.
Causas psicossociais
Erros na dieta
- Carência afetiva
- Crenças culturais/ religiosas
- Doenças psiquiátricas familiares
(depressão e ansiedade)
- Família disfuncional
- Negligência e maus-tratos
- Pobreza
- Síndrome de Munchausen por
procuração
- Anorexia
- Desconhecimento das necessidades
nutricionais da criança
- Dificuldades no aleitamento materno
- Deficiência de Ferro e Zinco
- Evicção de alimentos hipercalóricos
- Má preparação do leite adaptado
- Má transição para os alimentos
sólidos
- Técnicas de alimentação errada
Quadro II – Causas orgânicas de evolução ponderal.
Doenças cardiopulmonares
Doenças hematológicas/
oncológicas
Asma grave
Cardiopatia congénita
Displasia bronco-pulmonar
Fibrose quística
Anemia ferropénica
Doença neoplásica
Drepanocitose
Talassemia major
Doenças endócrinas
Doenças renais
Diabetes mellitus
Hiperaldosteronismo primário
Hipertiroidismo
Acidose tubular renal
Infeção do trato urinário recorrente
Insuficiência renal crónica
Doenças infeciosas
Doença do sistema nervoso central
Infeção pelo vírus da imunodeficiência
humana (VIH)
Infeções de repetição
Tuberculose pulmonar
Doença neuro-muscular
Doença neuro-degenerativa
Lesões ocupantes de espaço
Paralisia cerebral
Doenças gastrointestinais
Outras doenças
Alergia alimentar
Atresia biliar
Doença celíaca
Doença de Hirschsprung
Doença do refluxo gastro-esofágico
Doença inflamatória intestinal
Fístula esófago-traqueal
Mal formação congénita do tubo
digestivo
Má-rotação intestinal
Aminoacidopatias
Citopatias mitocondriais
Erros do metabolismo dos hidratos de
carbono
Imunodeficiências congénitas
Mucopolissacaridose e mucolipidose
Defeitos do ciclo da ureia
Apneia obstrutiva do sono
artigo de revisão
review articles
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Quadro III – Algumas causas de má evolução ponderal segundo
o grupo etário.
Idade de Início
.
.
.
.
.
.
Pré Natal
Causas
funcionais
0-6 Meses
Causas
orgânicas
Causas
funcionais
6-12 Meses
Causas
orgânicas
Causas
funcionais
>12 Meses
Causas
orgânicas
.
.
.
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.
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.
.
Diagnóstico
Exposição a tóxicos
Infeções pré-natais
Prematuridade
Restrição do crescimento intra-uterino (RCIU)
Síndromes congénitas
Alterações psicológicas maternas – depressão,
défice de ligação
Aporte inadequado de leite materno/ Preparação
inadequada do leite adaptado
Dificuldades na sucção e deglutição
Más condições socioeconómicas
Recusa alimentar
Acidose tubular renal
Alergia/ Intolerância às proteínas do leite de vaca
Infeções perinatais
Infeções recorrentes
Doença cardíaca congénita
Doença do refluxo gastro-esofágico
Erros inatos do metabolismo
Fibrose quística
Infeção pelo vírus da imunodeficiência humana
Alterações psicológicas maternas – ansiedade
separação/individualização
Desconhecimento das necessidades alimentares
do lactente
Dificuldade na transição para alimentos sólidos
Más condições sócio económicas
Acidose tubular renal
Alergia alimentar
Doença celíaca
Doença do refluxo gastro-esofágico
Fibrose quística
Infeção pelo vírus da imunodeficiência humana
Problemas psico-sociais
Dieta inadequada
Alergia alimentar
Doença celíaca
Doenças crónicas
Doença do refluxo gastro-esofágico
Fibrose quística
Infeções recorrentes
Quadro IV – Avaliação do grau de desnutrição segundo o peso
ideal para a altura (WFH).
Grau de desnutrição
% Peso ideal para a altura (WFH)
Sem desnutrição
> 90
Ligeira
81-90
Moderada
70-80
Grave
<70
Peso ideal para a altura WFH - Weight for Height - (P50 de peso para a
estatura real):
compara o peso atual com o peso esperado para a estatura/altura
% = [peso atual/ peso no percentil 50 para a estatura] x 100
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artigo de revisão
review articles
Quadro V – Estudo complementar a realizar na abordagem da
má evolução ponderal(2,6,10)
1º Nível
.
.
.
.
.
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.
.
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.
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Hemograma com plaquetas
Glicemia
Sódio, Potássio, Cloro, Cálcio e Fósforo
Ureia e creatinina
AST, ALT, Fosfatase alcalina e gama-GT
Proteínas totais e Albumina
Cinética do ferro (ferritina, índice de saturação da transferrina, receptores da
transferrina e ferro sérico)
Velocidade de sedimentação
Gasimetria venosa
Exame sumário de urina e urocultura
Exame parasitológico das fezes
Serologias da doença celíaca: IgA antitransglutaminase e IgG antigliadina;
IgA antiendomísio
Doseamento de Imunoglobulinas (IgA, IgM, IgG)
Teste de Suor
Prova da tuberculina
2º Nível
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
Quantificação da gordura fecal
Pesquisa de sangue oculto nas fezes
Função tiroideia (TSH, T3 e T4 livre)
IgE total, IgE específica para as proteínas do leite de vaca, IgE específica a
alimentos suspeitos
Serologias do Grupo TORCH e VIH, VDRL
Ecografia renal
Ecografia abdominal
Ecocardiograma
pH-metria
Teste de intolerância à lactose
Pré-albumina e cistatina C (quando indicado pelos exames 1º nível)
3º Nível
. Estudo metabólico: amónia, lactato, piruvato, cromatografia dos aminoácidos
séricos e urinários e cromatografia dos ácidos orgânicos urinários
. Estudo do sono
. Endoscopia digestiva, biopsia intestinal
. Orientação para subespecialidades consoante a patologia encontrada.
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
advogando que se nenhum dos outros parâmetros relaciona a
má evolução ponderal com o grau de desnutrição podemos continuar a usar o peso para avaliar estes doentes(22).
Embora a avaliação da tensão arterial só esteja preconizada por rotina acima dos três anos de idade, nestas crianças deve
ser sempre determinada. O exame físico nunca estará completo
sem a avaliação da existência de dismorfias, sinais de abuso ou
de negligência.
Exames complementares de diagnóstico
O recurso a exames subsidiários é orientado pela história
clínica e pelo grau de desnutrição, devendo ser realizados de forma sequencial(1,2). Hoje em dia não existe evidência que suporte
a utilização sistemática e extensiva de exames laboratoriais na
avaliação da má evolução ponderal(1,17).
Os exames complementares referidos no Quadro V estão
subdivididos em três níveis, de acordo com a suspeita diagnóstica. Estes exames devem ser realizados de forma racional, tendo em conta a relação custo-eficiência e a criança em causa(1).
Alguns estudos revelaram que os exames realizados, mesmo
quando positivos, contribuíram pouco (1,4-2%) para o diagnóstico etiológico da má evolução ponderal(17,23), e mesmo quando
contribuíram para o diagnóstico este estava fortemente indicado
pelos achados da história clínica e exame físico(23). Assim, na
ausência sinais de alarme ou de sinais ou sintomas sugestivos
de uma patologia orgânica, preconiza-se adiar o estudo complementar para uma segunda consulta(2,17,24). A criança deve ser
reavaliada após instituição de uma dieta adequada, que deve ter
em conta as necessidades para a recuperação do crescimento
(“catch-up”) e as calorias recomendadas para a idade(2).
Estratégia de orientação multidisciplinar
A abordagem destes doentes beneficia de um apoio multidisciplinar que pode incluir nutricionista, psicólogo, assistente
social ou a colaboração de outras subespecialidades pediátricas(6).
Wright e colaboradores demonstraram através de um estudo populacional que o seguimento destas crianças pelos Cuidados de Saúde Primários, com acompanhamento domiciliário resulta num seguimento mais próximo e com melhores resultados
ponderais do que a abordagem hospitalar(25).
Independentemente da etiologia da má evolução ponderal
e com exceção das variantes normais do desenvolvimento, todas estas crianças necessitam de calorias adicionais para atingirem o peso esperado.
Em casos excecionais, associados a compromisso grave
do estado geral ou suspeita de negligência, há necessidade de
internamento(7,10).
Prognóstico
O prognóstico depende da etiologia e da idade em que se
instalou a má evolução ponderal. Uma má evolução ponderal
que ocorre antes do ano de vida (principalmente se antes dos
seis meses) está associada a um risco de complicações psicológicas e do comportamento(7,26). Black e colaboradores cons-
tataram que as crianças com má evolução ponderal em idade
precoce eram mais baixas e mais leves que o grupo controle,
mas que esta diferença se atenuava quando estas crianças eram
intervencionadas por profissionais de saúde no domicílio(27). O
benefício da intervenção domiciliária na progressão ponderal foi
também confirmado por Wright e colaboradores(25).
Rudolf e Logan numa revisão de metanálise verificaram que
as crianças que tiveram má evolução ponderal durante a infância
eram mais baixas, mais leves e apresentavam menor pontuação
no desempenho psico-motor que os seus pares, mas questionaram a significância das diferenças encontradas(28). Nesta revisão
verificaram que as diferenças no quociente de inteligência (QI)
encontradas eram pequenas e de significado clínico duvidoso(28),
o que levou alguns autores a levantarem a questão se os défices
cognitivos não estariam mais associados com as circunstâncias
sociais adversas do que com o problema da desnutrição(2,10,17,28).
No entanto, segundo Corbett um número significativo de
crianças com má evolução ponderal apresenta um défice persistente intelectual(7,26), e é impossível prever quais as crianças que
apresentarão dificuldades mais tarde(1,24,26).
CONCLUSÕES
Uma identificação precoce desta situação associada a uma
intervenção multidisciplinar que vise uma otimização da ingestão
calórica minimiza as sequelas a longo prazo.
O desafio no seguimento destas crianças reside na identificação daquelas que necessitam de investigação ou intervenção,
sem gerar demasiada ansiedade naqueles que não necessitam(1,13,28).
APPROACH OF FAILURE TO THRIVE
ABSTRACT
Introduction: Failure to thrive is one of the most frequent
consultation referrals in Pediatrics. Both the difficulties in
its definition and the different approaches lead to a lack of
consensual management. The fact that, in about 70% of the
cases, the causes of failure to thrive are non organic, complicates
this issue.
Objective: With this review the authors aim to propose a
diagnostic and management strategy to evaluate and monitor
these patients.
Methods: Review of relevant articles published on the
designation of “failure to thrive” or “fallo of medro” using the
databases PubMed and Cochrane.
Development: The most frequent cause of failure to
thrive is related to an inadequate energy intake conditioned
by psychosocial or behavioral problems. In fact only 5% of the
causes of poor weight gain can be attributed to organic disease,
which makes a systematic approach of these children even more
difficult. The random use of laboratory tests contributes very little
to the underlying diagnosis and is not recommended.
A multidisciplinary approach of these children and their
families, ideally with home monitoring, associated with an
artigo de revisão
review articles
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optimization of food intake is effective in weight gain and in a
better interaction between the children and the caregivers.
Conclusions: Early recognition of this situation, associated
with a multidisciplinary approach, optimized the energy intake,
minimizes the long-term consequences.
Keywords: Failure to thrive, nutritional assessment,
diagnosis, treatment.
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Mónica Maria Martins Tavares
Rua 3, nº 545 4º Dto. Frente
4500-298 Espinho, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 23.05.2012 | Aceite a 07.02.2013
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Neofobias Alimentares
– importância na prática clínica
Ana Isabel Silva1, Andreia Teles2
RESUMO
Objetivo: Revisão da evidência científica do tema Neofobias Alimentares (NA), focando os aspetos mais importantes da
sua aplicação na prática clínica.
Métodos de revisão: Pesquisa bibliográfica da literatura
em Inglês e Português, de Janeiro de 2001 a Fevereiro de 2012
através da Medline/Pubmed, sítios de Medicina Baseada na Evidência e livros de texto de Fisiologia.
Resultados: O termo NA define-se como uma relutância na
aceitação de novos sabores.
O gosto por certos alimentos é um processo complexo que
se inicia no útero, continua com o aleitamento e permanece
pela vida fora. Embora exista influência de fatores genéticos,
estes podem ser influenciados por exposições precoces e repetidas aos diferentes sabores, o que irá modular o paladar e
diminuir o risco de patologias futuras, nomeadamente obesidade infantil.
A janela para habituação aos sabores é estreita e a rejeição
de alimentos introduzidos após os quatro anos é maior. A aceitação de um novo sabor até aos cinco anos necessita frequentemente de 10 a 15 exposições repetidas.
As emoções, aspetos sociais e processos digestivos, são
fatores influenciadores da aquisição do gosto.
Conclusões: As preferências gustativas são muito estáveis e podem durar toda a vida, pelo que devemos dar uma especial atenção às crianças e pais no processo de “educação do
gosto”. Ao dar à criança alguns alimentos preferidos juntamente
com os novos alimentos e ao manter a calma para as neofobias
temporárias, talvez seja a chave para o desenvolvimento das
preferências gustativas. Reforços negativos, nomeadamente
pressões, devem ser evitados, devendo-se valorizar os reforços positivos.
Palavras-chave: neofobias alimentares, “educação do
gosto”.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 167-170
__________
1
2
USF Nova Salus – ACES Grande Porto VIII – Gaia,
4400-043 Vila Nova de Gaia, Portugal. [email protected]
S. Pediatria, U. Neonatologia e U. Endocrinologia-Nutrição,
CH Vila Nova de Gaia-Espinho, 4434-502 Vila Nova de Gaia, Portugal.
[email protected]
INTRODUÇÃO
O paladar resulta da combinação de três sistemas sensoriais distintos: cheiro (nervo olfativo), estimulação química somatossensorial oral (nervo Trigémio) e sabor (nervos Facial, Glossofaríngeo e Vago). O recetor sensorial do paladar é a Papila
Gustativa (PG).
Cada PG é constituída por um conjunto de células de sustentação e células gustativas, em constante divisão mitótica,
dispostas em torno do poro gustativo. Da extremidade da célula gustativa projetam-se várias microvilosidades que formam
a superfície recetora da gustação. À volta dos corpos das células gustativas existe uma rede de fibras nervosas gustativas
que são estimuladas pelas células recetoras gustativas.(1) As PG
localizam-se nas paredes das criptas que circundam as Papilas
Circunvaladas (linha em V), na superfície posterior da língua –
responsáveis pelo sabor amargo, nas Papilas Fungiformes, na
superfície anterior da língua – responsáveis pelo sabor doce, nas
Papilas Foliáceas, nas superfícies laterais da língua – responsáveis pelos sabores salgado e ácido, e também estão presentes
no palato, epiglote e porção proximal do esófago.(1)
Os impulsos gustativos dos 2/3 anteriores da língua são
transmitidos através do nervo lingual para a corda do tímpano,
e de seguida, pelo nervo facial até ao trato solitário, a nível do
tronco cerebral. Por sua vez, os impulsos gustativos da porção
posterior língua são transmitidos através do nervo glossofaríngeo para o trato solitário, a um nível mais inferior.
Todas as fibras gustativas fazem sinapse nos núcleos do trato solitário e enviam neurônios de segunda ordem para o núcleo
medial posterior do tálamo, a partir do qual partem neurônios de
terceira ordem para a ponta inferior do giro pós-central no córtex parietal (Fissura de Sylvius – que se situa ligeiramente lateral,
ventral e rostral à área da língua, na área somática I), havendo
estimulação das glândulas submandibular, sublingual e parótida.
As sensações primárias da gustação são os sabores: doce
(limiar de estimulação 0,01), salgado (limiar de estimulação
0,01), ácido (limiar de estimulação 0,0009) e amargo (limiar de
estimulação 0,000008).(1)
Existem centenas de paladares diferentes, que resultam da
combinação das sensações elementares – à semelhança do que
acontece, por exemplo, com as cores.
Existe uma seleção negativa para o sabor amargo intenso,
o que se justifica pelo seu baixo limiar de estimulação e leva
à rejeição do alimento, demonstrando uma importante função
protetora, a qual também tem evoluído com o passar dos tem-
artigo de revisão
review articles
167
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
pos, pois se há milhares de anos atrás essa proteção se dirigia,
por exemplo, contra as toxinas perigosas presentes em certas
plantas, atualmente permite-nos protegermo-nos de alimentos
estragados.
No entanto, algumas questões são colocadas em relação
aos gostos alimentares: porque é que comemos o que comemos? Quando nos habituamos a comer o que comemos? Será
por influência de fatores genéticos (atualmente, tal como num
passado remoto nascemos com gosto inato para o sabor doce
e com aversão para o sabor amargo/ácido)? Será por influência
de fatores ambientais/culturais (é sabido que o cão é visto como
uma iguaria na cultura chinesa, sendo um animal exclusivamente de estimação na maior parte dos países ocidentais)?
Com vista a encontrar algumas respostas, este trabalho
tem como objetivo proceder a uma revisão do tema “Neofobias
Alimentares”, focando os aspetos mais importantes da sua aplicação na prática clínica.
MÉTODOS
Pesquisa bibliográfica da literatura em Inglês e Português,
de Janeiro de 2001 a Fevereiro de 2012 através da Medline/Pubmed, sítios de Medicina Baseada na Evidência e livros de texto
de Fisiologia. Dos 70 artigos encontrados foram selecionados
19, atendendo à disponibilidade integral das publicações e à relevância para o tema.
Palavras-chave: “food preferences”, “taste perception”.
RESULTADOS
O termo Neofobia Alimentar (NA) define-se como uma relutância na aceitação de novos sabores.
É sabido que os comportamentos alimentares têm milhões
de anos de evolução e de programação genética.
Garcia-Bailo et al identificaram vários recetores para os
diferentes sabores(2). O recetor T2R para o sabor amargo, o recetor T1R associado à perceção do sabor doce, os recetores
PKD1L3 e PKD2L1 ligados ao sabor ácido, o recetor CD36 para
“aumento do teor de gordura “ e o recetor TRPV1 para a perceção do sabor salgado.
Os vários polimorfismos genéticos são responsáveis por
diferenças na perceção do paladar e hábitos alimentares, pelo
que podem afetar escolhas e influenciar o estado nutricional, de
saúde e risco de patologias crónicas, como a obesidade infantil
que é cada vez mais uma realidade mais frequente.(2-4)
Por conseguinte, a hereditariedade tem um papel determinante na relutância em aceitar novos sabores.(3-5)
Posto isto, pergunta-se: será que estaremos condenados
pelos genes a uma dieta monótona? A resposta é não.
As preferências de sabor refletem experiências repetidas
com os diferentes tipos de sabores e alimentos.
Assim, podemos influenciar os mecanismos inatos de preferência alimentar através da experiência precoce, levando à
modulação do paladar.
E segundo diversos estudos essa experiência precoce começa logo na fase intra-uterina com a passagem transplacentar
de sabores voláteis para o líquido amniótico.(6,7)
168
artigo de revisão
review articles
O desenvolvimento dos órgãos sensoriais ocorre durante a
fase embrionária, entra a primeira e oitava semanas, e no início
da fase fetal, com os impulsos gustativos a serem transmitidos
para os núcleos cerebrais originando o reflexo salivar e movimentos da língua do feto.(6)
O feto deglute entre 200-760 mL de líquido amniótico por
dia, de acordo com a fase de desenvolvimento embrionário, estando exposto a um grande número de compostos gustativos.
Estudo experimental de Mennella et al(6) mostrou que filhos
cujas mães beberam regularmente sumo de cenoura durante o
terceiro trimestre da gravidez tinham maior preferência por cereais com sabor a cenoura comparativamente a crianças cujas
mães não ingeriram sumo de cenoura e/ou cenouras durante a
gravidez.
Stein et al (8) sugere que experiências precoces podem
modificar a preferência das crianças por alimentos salgados e
doces. Tais observações são significativas, quando pensamos
que podem contribuir para patologias futuras como hipertensão
arterial, diabetes mellitus, obesidade infantil.
Desta forma, padrões de gosto cultural surgem antes de se
entrar em contato direto com os alimentos propriamente ditos.(6,7)
Estudos com alimentos como alho, cenoura, baunilha,
mostraram que durante a lactação ocorre passagem de sabores voláteis uma a duas horas após a sua ingestão para o leite
materno.(7,9)
No estudo de Forestell CA e Mennella JA(10) crianças amamentadas aceitavam melhor pêssegos que latentes alimentados
com leite de fórmula, o que se correlacionou com a maior ingestão de fruta pelas mães durante a lactação. Conclui-se, assim, que o leite materno constitui uma oportunidade única para
uma maior capacidade de adaptação à diversificação alimentar.
Destaca-se a importância de uma dieta variada, tanto para mulheres grávidas como lactantes.
Galloway AT et al(11) provaram que crianças amamentadas
são menos exigentes e estão mais dispostas a experimentarem
novos alimentos.
Sabe-se que a NA é mínima entre os quatro e os seis meses de idade, altura em que se inicia a diversificação alimentar,
sendo muito pronunciada entre os 18 e os 24 meses.(12)
A aceitação de um novo sabor até aos cinco anos necessita
muitas vezes de 10 a 15 exposições repetidas, sendo que esse
número diminui à medida que uma maior quantidade de alimentos é adicionada à dieta.(13)
Contudo, a janela para habituação aos sabores é estreita,
pelo que a probabilidade das crianças não gostarem de alimentos introduzidos depois dos quatro anos é maior.(9)
A capacidade de aceitação de novos sabores aumenta
com a familiarização com esse sabor, através do seu consumo
repetido, pelo que a aquisição do gosto vai-se conquistando.
Neste sentido, deve-se encorajar a persistência na variedade
alimentar.(12) A importância da diversificação alimentar também
se manifesta quando crianças mais velhas e adultos, muitas
vezes comparam novos sabores com o repertório já conhecido (exemplo: este alimento faz-me lembrar maçã), aceitando-o
mais facilmente.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Os novos alimentos são mais prováveis de aceitação quando combinados com pratos conhecidos, em vez de consumidos
de forma isolada, mas sem mistura de sabores e quanto maior
for a diversidade de alimentos oferecidos à criança na refeição,
maior será a quantidade ingerida do novo alimento.(12,14)
Experiências prévias com paladares desagradáveis ou
agradáveis irão determinar preferências gustativas futuras. Desta forma, a aversão por um alimento que cause sensações negativas, como náuseas ou vómitos durante o seu consumo, pode
permanecer para o resto da vida, quer o alimento seja ou não a
verdadeira causa da reação.(12)
Em contrapartida, sensações positivas podem moldar a preferência por um alimento, pelo que as crianças gostam de alimentos que ingerem em situações agradáveis, como em festas,
e rejeitam os alimentos ligados a algo negativo, como a pressão
que muitas vezes é exercida para a ingestão de alimentos como
frutas e os legumes.(9,12) Tal, faz-nos refletir no tipo de alimentos
muitas vezes selecionados para as ocasiões comemorativas.
Quanto à pressão, esta pode ser eficaz no aumento do consumo
de certos alimentos numa primeira instância, mas ao longo do
tempo as crianças aprendem a resistir-lhe, pelo que acaba por ter
um impacto negativo sobre o consumo de qualquer alimento.(12)
O estudo de Galloway, Fiorito, Francisco, e Birch (2006)(15),
testou o impacto da pressão para comer sopa em crianças entre
os três e os cinco anos de idade (N=27). Ao longo do tempo, as
crianças que consumiram menos sopa foram pressionadas para a
comer, e tinham comentários mais negativos sobre a mesma, em
comparação com crianças que não foram submetidas a pressão.
Também no estudo de Batsell, Brown, Ansfield, e Paschall
(2002)(16), crianças que percebem que estão a ser forçadas a
consumirem determinados alimentos desenvolvem uma “aversão cognitiva” pelos mesmos, associando-os com experiências
alimentares negativas.
Existe um período janela, entre os seis e os nove meses,
crítico para a introdução das texturas alimentares, a fim de se
proceder a uma correta aprendizagem da mastigação e redução
do risco de dificuldades tardias na alimentação.(17)
Assim, a sequência da consistência da alimentação deve
ser aumentada progressivamente, começando-se por uma alimentação homogénea, depois granulosa, seguindo-se partículas
mais grosseiras e, por fim, fragmentos.
Existe também uma concordância entre mães e filhos nos
gostos e nos não gostos, sendo essa influência contínua, mesmo após os oito anos de idade.(9) Assim, o exemplo parental de
crianças mais velhas ou até mesmo de heróis de histórias encoraja a experimentação de novos alimentos, caso o modelo crie
uma impressão positiva.
A modelagem consiste num meio eficaz para uma alimentação saudável, tornando as crianças mais propensas a experimentarem um novo alimento, quando outras pessoas o estão a
ingerir. Nos estudos de Addessi, Galloway, Visalberghi, e Birch,
2005(18) e de Salvy, Vartanian, Coelho, Jarrin, e Pliner, 2008(19), a
modelagem associou-se com um aumento do consumo de legumes ao longo de 12 meses e aumentou a exposição das crianças
ao sabor de novos alimentos.
Será que as crianças tolerariam o seu prato preferido todos
os dias? A resposta é não, devido a um mecanismo de defesa
designado saciedade sensorial específica, que nos impede de
termos uma dieta altamente monótona. Assim, de um dia para o
outro as crianças exigem algo novo e rejeitam o prato preferido,
pelo que apenas ingerem quantidades limitadas, levando a uma
saciedade rápida e à rejeição de repetição mesmo que ainda
queiram ingerir um alimento diferente de seguida.
CONCLUSÕES
O gosto por determinados alimentos é um processo complexo que começa in útero, continua com o aleitamento e permanece pela vida fora. Embora exista uma forte componente genética que influencia os nossos gostos alimentares, tal pode ser
contrariado por exposições precoces e repetidas aos alimentos.
O contexto das refeições exerce uma influência fundamental sobre as preferências gustativas posteriores, originando estruturação do comportamento alimentar, pelo que se devem também ter
cuidados especiais na configuração das refeições, fomentando
as escolhas saudáveis de alimentos.
As emoções, aspetos sociais e processos digestivos,
são fatores influenciadores da aquisição do gosto. As influências negativas, nomeadamente pressões, devem ser evitadas,
devendo-se valorizar os reforços positivos.
Dar à criança alguns alimentos preferidos juntamente com
os novos alimentos e manter a calma para as neofobias temporárias, talvez seja a chave para o desenvolvimento das preferências gustativas mais benéficas para as crianças.
Estas preferências são muito estáveis e podem durar toda
a vida, pelo que devemos dar uma especial atenção às crianças
e aos pais no processo de “educação do gosto”.
FOOD NEOPHOBIA
- IMPORTANCE IN CLINICAL PRACTICE
ABSTRACT
Objective: To review the scientific evidence of the theme
Food Neophobias (FN), focus on the most important aspects of
their application in clinical practice.
Review methods: A systematic review was performed for
papers published between January 2001 to February 2012, in
Portuguese/English, in the medical databases Medline/Pubmed,
Cochrane Library, National Guideline Clearinghouse, evidence-based medicine sites and Physiology text books.
Results: The term FN is defined as a reluctant acceptance
of new flavours.
The taste for certain foods is a complex process that begins
in utero, continues during breastfeeding and remains throughout
life. Although there is an influence of genetic factors, these can be
contradicted by early and repeated exposure to different flavours,
which will modulate the taste and will reduce the risk of future
diseases, including childhood obesity.
As the window for habituation to new flavours is thin, the
rejection of foods introduced after four years is higher. The
artigo de revisão
review articles
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revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
acceptance of a new flavour up to five years often requires 10 to
15 repeated exposures.
Emotions, social aspects and digestive processes, are
factors that influence the acquisition of taste.
Conclusions: The gustatory preferences are very stable
and can follow up lifelong and we should pay particular attention
to children and parents in the “taste education” process. By giving
the child some favourite foods with new foods and to stay calm
for temporary neophobias, may be the key to the development of
taste preferences. The negative reinforcement, such pressures,
should be avoided, and the positive reinforcement should be
implemented.
Keywords: food neophobia, “taste education”.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 167-170
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170
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Ana Isabel Silva
Unidade de Saúde Familiar Nova Salus
CS Soares dos Reis/Oliveira do Douro
- Unidade Soares dos Reis
Rua Bartolomeu Dias, nº 316
4400-043 Mafamude – Vila Nova de Gaia, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 01.06.2012 | Aceite a 01.07.2013
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
Deformidade póstero-medial congénita da tíbia:
a propósito de 2 casos clínicos
Ângela Isabel Miguel Dias1, Liliana Pinheiro2, Eduardo Almeida3
RESUMO
Objetivo: Apresentar o caso de duas crianças com encurvamento dos membros inferiores condicionado por deformidades
angulares da tíbia e discutir os seus diagnósticos diferenciais.
Descrição do caso: Apresenta-se o caso de duas crianças referenciadas a uma consulta de Ortopedia Pediátrica por
encurvamento dos membros inferiores. Não apresentavam manchas cutâneas ou outras particularidades ao exame objetivo. O
exame clínico e imagiológico foi compatível com deformidade
póstero-medial congénita da tíbia. A evolução clínica foi favorável, com resolução espontânea da deformidade e sem dismetria
dos membros.
Discussão: A deformidade póstero-medial congénita da tíbia
é uma entidade rara, havendo escassos casos relatados. A sua
incidência real permanece desconhecida. Implica o diagnóstico
diferencial com pseudartrose congénita da tíbia, quase sempre
relacionada com a neurofibromatose. A maioria das vezes o tratamento é conservador, atendendo a que tende a resolver espontaneamente (a maioria até aos 8 anos), sem qualquer repercussão
clínica. Pretende-se alertar os Pediatras, para que estabeleçam
a possibilidade desta entidade clínica perante um encurvamento
dos membros inferiores, minimizando a ansiedade parental que
dela resulte, ressalvando-se no entanto a importância de que sejam observados por ortopedistas atendendo a que há situações
clínicas em que o diagnóstico pode não ser tão evidente.
Palavras-chave: Deformidades congénitas das extremidades inferiores, tíbia, criança.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 171-173
INTRODUÇÃO
As deformidades angulares da tíbia caracterizam-se pelo
encurvamento da diáfise tibial, podendo o ápice da deformidade
dirigir-se ântero-lateralmente, ântero-medialmente ou póstero-medialmente.(1) Cada angulação associa-se classicamente a
uma etiologia distinta(2), reconhecendo-se as seguintes etiologias:
encurvamento ântero-medial (associada a hemimelia peronial)(3),
__________
1
2
3
S. Pediatria, U Guimarães, CH Alto Ave, 4835-044 Guimarães,
Portugal. [email protected]
S. Pediatria, H Braga, 4710-243 Braga, Portugal.
[email protected]
S. Ortopedia, H Santo António, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]
encurvamento ântero-lateral (associada a pseudartrose da tíbia),
doença de Blount (tíbia vara), raquitismo, displasia fibrocartilagínea focal, trauma (fratura de Cozen) ou displasias e encurvamento
póstero-medial, sobre o qual versa o presente artigo.
A deformidade póstero-medial congénita da tíbia, associa-se com frequência a pé calcâneo-valgo ipsilateral que tendencialmente evolui para resolução espontânea.(3-5)
A sua etiologia é desconhecida, sendo apontadas como
causas possíveis um posicionamento fetal anormal in utero, com
dorsiflexão do pé contra a região anterior da tíbia, alterações
embriológicas, fratura intra-uterina ou alterações circulatórias.
(1)
Implica o diagnóstico diferencial com as restantes causas de
deformidades angulares tibiais, das quais é facilmente diferenciada atendendo às particularidades do exame objetivo, em que
a direção típica do arqueamento da tíbia e a deformidade do pé,
quando presente, são observados. Distingue-se do encurvamento tibial ântero-medial pois este associa-se à ausência congênita
do perónio e segmentos laterais do pé. Por sua vez, a curvatura ântero-lateral associa-se à pseudartrose da tíbia, que pode
ser detetável radiologicamente após o nascimento, ou pode
desenvolver-se com o crescimento. Cerca de 50% das crianças
com este tipo de desvio têm associadamente o diagnóstico de
neurofibromatose.(1,2)
CASO CLÍNICO
Os autores apresentam dois doentes, em que o primeiro
caso se reporta a uma criança de dois anos de idade e o segundo caso a um lactente de dois meses, referenciados à Consulta de Ortopedia Pediátrica por encurvamento dos membros
inferiores. No restante exame objetivo não foram documentadas
particularidades relevantes, nomeadamente manchas cutâneas.
O exame clínico e imagiológico foi compatível com deformidade póstero-medial congénita da tíbia, uma vez que evidenciou
a presença de desvio angular da tíbia com ápice dirigido no sentido supracitado (Figuras 1 a 3).
Em ambos os casos a evolução foi favorável, com resolução espontânea da deformidade documentada clínica e radiologicamente. No primeiro caso houve resolução pelos quatro
anos, no segundo caso esta foi verificada pelos 12 meses (Figuras 3a,3b,3c). Em nenhum dos casos foi objetivada dismetria dos membros inferiores ao longo do período de follow-up,
destacando-se contudo que os resultados apresentados são
ainda preliminares, uma vez que é mandatório manter uma vigilância seriada até ao atingimento da maturidade esquelética.
casos clínicos
case reports
171
NASCER E CRESCER
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
DISCUSSÃO
A deformidade póstero-medial congénita da tíbia, uma entidade rara cuja incidência real é desconhecida, pode ser detetável ao nascimento ou ainda mais precocemente, no período
pré-natal em que esta hipótese de diagnóstico pode ser colocada
ecograficamente. Nessa situação evocar o diagnóstico adquire
ainda maior relevância pois perante a possibilidade de se tratar
de uma pseudartrose da tíbia pode haver a possibilidade de interrupção voluntária da gravidez.
Figura 1 – Caso 1, de uma criança de dois anos com membro inferior direito com deformidade póstero-medial congénita da tíbia.
3a
Na deformidade póstero-medial congénita da tíbia, quando a angulação da diáfise é grande, a história clínica é típica e
os pais procuram cuidados médicos devido à curvatura anormal
da região inferior das pernas ou por anomalia do pé, conforme
decorrido nos casos apresentados. Raramente, quando a angulação é ligeira, pode ser reconhecida apenas acidentalmente no
decurso de avaliação radiológica dos membros inferiores.(1,6,7)
Esta deformidade tende a resolver-se espontaneamente (a
maioria até aos oito anos), sem que resulte qualquer repercus-
Figura 2 – Radiografia evidenciando encurvamento póstero-medial da tíbia direita,
correspondendo à criança da fotografia da
Figura 1.
3b
Figura 3 – Caso 2, com imagens radiológicas dos membros inferiores
obtidas aos dois meses (Figura 3a), sete meses (Figura 3b) e 12 meses
(Figura 3c), evidenciando resolução progressiva da deformidade tibial.
172
casos clínicos
case reports
3c
NASCER E CRESCER
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
são clínica, pelo que a maioria das vezes o tratamento é conservador.(1)
Todavia, há casos que cursam com dismetria dos membros,
que pode variar entre os 2 e os 6 cm. Nos casos mais graves
pode ser necessária intervenção para minimizar a repercussão
funcional da mesma.
Recomenda-se por isso um seguimento periódico até ser
atingida a maturidade esquelética, permitindo identificar casos
com desvio residual, deformidade e fraqueza muscular que podem requerer intervenção cirúrgica corretiva.(8)
Com este caso os autores pretendem alertar os Pediatras
para que estabeleçam a possibilidade desta entidade clínica perante um encurvamento dos membros inferiores, minimizando a
ansiedade parental que dela resulte.
Todavia, o facto de existirem situações clínicas em que o
diagnóstico pode não ser tão evidente, além da necessidade de
manter um seguimento regular para antecipar e orientar eventuais complicações reforçam a importância de que estas crianças
sejam observadas por ortopedistas, possibilitando um seguimento adequado.
CONGENITAL POSTEROMEDIAL BOWING OF THE TIBIA:
REPORT OF 2 CASES
ABSTRACT
Objective: To describe the case of two children with leg
bowing conditioned by tibial angular deformities and to discuss
differential diagnosis.
Case report: We report the case of two patients referred to
a Pediatric Orthopedics Consultation due to leg bowing. No skin
patches or other alterations were found on physical examination.
Clinical and imaging findings were consistent with congenital
posteromedial bowing of the tibia. Favorable outcome was
verified, with spontaneous resolution of deformity.
Comments: Posteromedial bowing of the tibia is a rare
entity, with few cases reported in literature. Its true incidence
remains unknown. It implies differential diagnosis with the tibial
congenital pseudarthrosis, usually related to neurofibromatosis.
Most often its treatment is conservative, because it tends to
resolve spontaneously (mostly under 8 years) without any clinical
consequences. Our aim is to alert pediatricians to establish the
possibility of this clinical entity when dealing with tibial bowing,
minimizing parental anxiety resulting from it. Nevertheless we
emphasize the importance of evaluation by an orthopedist as
there are clinical situations in which diagnosis may not be as
evident.
Keywords: Congenital lower extremity deformities, tibia,
child.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 171-173
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Ângela Dias
Centro Hospitalar do Alto Ave
Unidade de Guimarães
Serviço de Pediatria
Rua dos Cutileiros - Creixomil
4835-044 Guimarães, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 22.11.2012 | Aceite a 23.03.2013
casos clínicos
case reports
173
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Colecistite aguda alitiásica na criança
Sofia Moura Antunes1, Tiago Proença dos Santos2, Sofia Deuchande1, Ana Mafalda Martins1
RESUMO
Introdução: A colecistite aguda alitiásica é uma doença
rara em Pediatria. Surge geralmente associada a patologias graves, sendo rara na criança saudável.
Caso clínico: Os autores apresentam dois casos de colecistite aguda alitiásica, com etiologias distintas, diagnosticados
em duas crianças saudáveis.
Discussão: Discute-se a fisiopatologia, apresentação clínica e tratamento desta entidade, salientando-se o papel da ecografia como o exame de eleição no seu diagnóstico.
Palavras-chave: Colecistite aguda alitiásica, criança.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 174-177
INTRODUÇÃO
A patologia da vesícula biliar é rara na criança (1,3 casos
pediátricos para cada 1000 casos em adultos).(1,2) Como tal, apesar da apresentação clínica ser semelhante à do adulto, o índice
de suspeição para o seu diagnóstico é geralmente baixo.(3)
A colecistite aguda alitiásica (CAA) caracteriza-se por inflamação da vesícula biliar, na ausência de cálculos no seu lúmen.
(3-7)
Apesar de ser geralmente descrita em doentes gravemente
doentes, pode surgir na criança previamente saudável.(2,4,7,10)
A apresentação clínica e os achados laboratoriais são inespecíficos. É a integração destes dados com os achados ecográficos que permite o diagnóstico e tratamento atempados, prevenindo a morbilidade e mortalidade da CAA na criança.(4,8)
Os autores apresentam dois casos de CAA em crianças sem
factores de risco, não só pela raridade da patologia em idade pediátrica, mas também para realçar a importância de ter em conta
esta entidade na abordagem da dor abdominal em Pediatria.
Caso Clínico 1
Criança de quatro anos, sexo masculino, previamente saudável, trazida ao serviço de urgência (SU) por dor abdominal e
vómitos com 48 horas de evolução. Sem outros sintomas acompanhantes, nomeadamente febre, diarreia ou alterações uriná__________
1
2
U. Funcional de Pediatria. Dep. Mulher e da Criança. HPP. H de
Cascais Dr. José de Almeida, 2755-009 Alcabideche, Portugal.
[email protected]; [email protected];
[email protected]
S. Pediatria, Dep. Pediatria, H Santa Maria, CH Lisboa Norte,
1649-035 Lisboa, Portugal. [email protected]
174
casos clínicos
case reports
rias. Sem história de traumatismo prévio. Nos últimos três meses
já tinha recorrido ao SU duas vezes com os mesmos sintomas,
tendo tido alta após algumas horas de hidratação endovenosa.
Na admissão estava hemodinamicamente estável, apirético, anictérico; abdómen difusamente doloroso à palpação,
sobretudo nos quadrantes direitos, com dor à descompressão.
Ficou internado com a hipótese diagnóstica de apendicite aguda. Analiticamente apresentava leucocitose (17230/μL) com neutrofilia (91,4%) e proteína-C-reativa negativa (0,02 mg/dL); sem
alterações das transaminases ou aumento da bilirrubina. A radiografia do tórax não revelou alterações e o exame sumário de urina mostrou bilirrubinúria (+++). Na reobservação palpou-se zona
mais dolorosa na transição do flanco com o hipocôndrio direito,
mantendo dor à descompressão, o que fez equacionar o diagnóstico de colecistite aguda. Realizou ecografia abdominal que
revelou espessamento difuso da parede da vesícula biliar traduzindo edema (cerca de 6 mm), sem sinais diretos ou indiretos
de litíase – sugestivo de CAA. Iniciou antibioticoterapia de largo
espectro e analgesia por via endovenosa. Dos exames culturais
efetuados, a hemocultura foi negativa e houve isolamento de
Salmonella spp na coprocultura. Ao terceiro dia de internamento,
apesar da melhoria clínica progressiva, constatou-se a presença de colestase e citólise (bilirrubina total/direta 2,6/1,9 mg/dl,
aspartato aminotransferase 283 UI/L, alanina aminotransferase
123 UI/L, fosfatase alcalina 312 UI/L, gama glutamil transpeptidase 158 UI/L, amilase 41 UI/L). Repetiu a ecografia abdominal,
que revelou vesícula biliar muito espessada e distendida, com
conteúdo heterogéneo, pequena quantidade de líquido intra-abdominal e dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas,
colocando-se a hipótese de se tratar de um quisto do colédoco
com obstrução da via biliar. Por este motivo foi transferido para
o centro cirúrgico de referência, onde completou 14 dias de antibioterapia, com melhoria clínica e laboratorial progressiva; teve
alta hospitalar, assintomático e com intervenção cirúrgica programada. Intraoperatoriamente constatou-se presença de quisto do
colédoco (tipo I), tendo sido realizada colecistectomia, excisão
do quisto, hepatico-jejunostomia e montagem de ansa em Y de
Roux. A histologia confirmou a presença de colecistite crónica.
Aos dois anos de seguimento, a criança continua assintomática.
Caso Clínico 2
Adolescente de 16 anos, sexo feminino, com antecedentes
familiares de tia materna colecistectomizada aos 34 anos (após
episódios recorrentes de cólica biliar) e antecedentes pessoais
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
de apendicectomia aos dez anos (com apendicite aguda não
confirmada histologicamente).
Trazida ao SU por dor abdominal desde essa manhã, localizada no hipocôndrio direito, contínua e de agravamento progressivo, sem irradiação. Sem fatores desencadeantes, fatores
de agravamento ou de alívio. Negava náuseas, vómitos, febre,
alterações do trânsito intestinal ou diminuição do apetite. Estava
menstruada desde a véspera.
Referia episódios anteriores, de carácter esporádico, sempre de manhã e em jejum, de dor abdominal no mesmo local,
mas com menor intensidade e de alívio espontâneo.
À observação estava hemodinamicamente estável mas
francamente queixosa, apirética, anictérica, com abdómen muito
doloroso à palpação do hipocôndrio direito, sem dor à descompressão e com sinal de Murphy vesicular positivo. Sem outras
alterações à observação. Ficou internada com a hipótese diagnóstica de colecistite aguda. Analiticamente não apresentava alterações no hemograma, com parâmetros de infeção negativos
(proteína-C-reativa 0,38 mg/dl), e sem alteração das transaminases (AST 25 UI/L, ALT 36 UI/L). A radiografia do tórax não revelou
alterações. Realizou ecografia abdominal que revelou vesícula
biliar pouco distendida, sem sinais de litíase, com pequeno pólipo
milimétrico e com espessamento parietal difuso, dolorosa à compressão pela sonda ecográfica - compatível com CAA; fígado sem
alterações; sem dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas
(Figuras 1 e 2). Após observação pela equipa de cirurgia, que
corroborou a hipótese diagnóstica, ficou internada para vigilância
e repetição da ecografia abdominal. Nas doze horas seguintes
manteve as queixas álgicas no hipocôndrio direito com melhoria
ligeira e transitória sob analgesia endovenosa frequente. Repetiu
ecografia abdominal que revelou um inequívoco espessamento
da parede vesicular, não significativamente distendida; ausência
de litíase e pequena quantidade de líquido intraperitoneal na loca
de Morrison e fundo de saco útero-rectal. Após reavaliação pela
equipa de Cirurgia, foi proposta colecistectomia por via laparoscópica, que decorreu sem intercorrências. A anatomia patológica
confirmou tratar-se de uma CAA, confirmando igualmente a presença de pólipo hiperplásico (2 mm) sem transformação adenomatosa. Teve alta ao segundo dia de pós-operatório, clinicamente
bem, referenciada à consulta de cirurgia, da qual teve alta com
um mês de pós-operatório, sem queixas.
DISCUSSÃO
A colecistite aguda surge, na população adulta, associada a
cálculos em 95% dos casos, parecendo ser a obstrução do cístico o factor que desencadeia a inflamação.(8) A incidência em idade pediátrica é muito baixa (1-4%), mas em 30 a 50% das vezes
é alitiásica, comparada com 2 a 17% na população adulta.(1,2,10)
Ao contrário da colecistite litiásica, a CAA é mais frequente
no sexo masculino (♂:♀=1,5-3:1).(3,4) Classicamente surge descrita associada a sépsis, queimaduras extensas, grandes cirurgias
ou traumatismos, nutrição parentérica prolongada, ventilação não
invasiva ou outras infeções sistémicas como febre tifóide, giardíase, malária, pneumonia, escarlatina, sarampo ou SIDA. Está
também descrita associada a patologias como a doença de Kawasaki, poliarterite nodosa, hepatite A e infeção por Ebstein-Barr.
(1,2,4-6,8-11)
Existem, contudo, cada vez mais relatos na literatura de
CAA em doentes saudáveis, sem fatores de risco.(2,4,7,10)
A sua patogénese não está ainda completamente estabelecida. Pensa-se que seja multifatorial, com vários fatores
contribuindo para a estase biliar e/ou isquémia da parede, com
libertação de mediadores inflamatórios pelo epitélio vesicular,
causando inflamação, obstrução venosa e linfática, isquémia e
necrose, que favorecem a proliferação bacteriana.(1,3,4,10) Contudo, esta tese não explica a sua ocorrência em doentes sem
fatores de risco.(4)
Clinicamente, a principal queixa é a dor abdominal, de grande intensidade, tipo cólica ou contínua, localizada no hipocôndrio
direito e/ou epigastro, que pode irradiar para a região escapular direita ou para o dorso. Por vezes a dor é mesmo o único
sintoma, mas pode ser acompanhada por anorexia, náuseas
e vómitos, febre, por vezes icterícia e mais raramente, colúria.
Figuras 1 e 2 – Ecografia abdominal evidenciando espessamento parietal difuso, pequeno pólipo milimétrico (seta) e ausência de cálculo.
casos clínicos
case reports
175
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Na colecistite aguda crónica existe sintomatologia crónica
ou arrastada de dor abdominal nos quadrantes direitos, náuseas
ou vómitos.(1)
A dor à palpação do hipocôndrio direito é o sinal mais frequente. Podem existir sinais de irritação peritoneal, pequena
hepatomegália, icterícia (em 20% dos casos, quando existe obstrução) e regra geral, sinal de Murphy vesicular (paragem inspiratória com a pressão no hipocôndrio direito) positivo.(8)
Os exames laboratoriais, pela sua inespecificidade, frequentemente não ajudam ao diagnóstico e são muitas vezes normais ou com alterações relacionadas com a doença subjacente.
(5,8)
Pode haver discreta leucocitose (até 15000/uL nos casos não
complicados) com ou sem neutrofilia. Quando existe hiperbilirrubinémia, geralmente é mista e raramente excede os 2 a 5mg/
dL (valores mais elevados de bilirrubina devem fazer pensar em
hemólise ou obstrução do colédoco); 15-20% dos doentes têm
aumento da fosfatase alcalina e das transaminases.(8)
A ecografia e a tomografia computorizada (TC) são os
meios complementares de diagnóstico de eleição(2,5), sendo a
ecografia o exame de primeira escolha (muitas vezes de forma
seriada), apresentando uma especificidade superior a 95%(4,9). O
achado ecográfico mais frequente é o espessamento da parede
vesicular (superior a 3mm), com ou sem outros achados como
bílis espessa (sludge) na ausência de cálculos e coleção líquida
perivesicular(4,10). A TC é menos sensível, mas permite visualizar
todo o abdómen e pélvis(2,4). A CAA tem maior incidência de complicações (como gangrena, empiema e perfuração) que as formas litiásicas(3,4,7-9), podendo associar-se a elevada mortalidade
(10-90%, consoante a precocidade do diagnóstico)(4,7,9).
O tratamento indicado é a colecistectomia (por via aberta
ou laparoscópica), realizada após estabilização hemodinâmica
e, se necessário, antibioterapia(2-4,8,9). Quando a colecistite é claramente secundária a infeção bacteriana (ex.: febre tifóide), alguns autores preconizam apenas antibioterapia endovenosa(1,2).
A cirurgia pode ser realizada eletivamente nos casos de sintomatologia crónica.
Apesar de na literatura a CAA surgir sobretudo associada
a infeções ou estado clínicos graves, os casos apresentados
reportam-se a crianças previamente saudáveis, sem fatores de
risco para esta patologia.
No caso clínico 1, a sintomatologia prévia, com dor abdominal recorrente que já tinha motivado a observação em SU faz
crer que o último episódio que motivou o internamento se tratasse de uma agudização de colecistite crónica, como foi posteriormente verificado pela histologia. Ecograficamente foi colocada a
hipótese de uma obstrução da via biliar por quisto do colédoco,
confirmado intraoperatoriamente, fazendo supor que este achado foi a causa da inflamação crónica da vesícula biliar.
Os quistos do colédoco são dilatações congénitas do ducto
biliar comum. Segundo Todani classificam-se em cinco tipos, sendo o tipo I (dilatação sacular ou fusiforme de todo o canal hepático
comum e do colédoco, ou de segmentos de cada) o mais frequente (80% dos casos)(12). Apesar do tipo de quisto do colédoco encontrado no nosso doente ser o mais frequente, a associação desta entidade à CAA é muito rara(13). Faz frequentemente diagnóstico
(4,5,8,10)
176
casos clínicos
case reports
diferencial com a colecistite aguda(14), mas pode igualmente ser
causa de estase biliar e, consequentemente, ter originado os múltiplos episódios de inflamação da vesícula que se traduziram histologicamente num padrão de colecistite crónica(13).
A ausência de febre ou diarreia faz supor que o isolamento
de Salmonella spp na coprocultura deste doente possa ter sido
um achado, sem associação ao quadro de CAA.
No segundo caso clínico, a existência de episódios semelhantes de dor abdominal, inclusivamente com uma apendicectomia “branca” faz supor também a existência de episódios prévios
de cólica biliar, embora histologicamente fossem apenas identificados aspetos inflamatórios agudos – eventualmente pela curta
evolução da sintomatologia. Dada a exuberância das queixas
álgicas e a ausência de parâmetros de infeção, optou-se pela
cirurgia de urgência. A análise histológica da peça operatória
confirmou a lesão polipomatosa identificada na ecografia.
As lesões polipomatosas da vesícula biliar são extremamente raras na criança.(15) Apesar de existirem indicações claras
nos adultos acerca da colecistectomia na presença de pólipo da
vesícula biliar, a experiência na população pediátrica é escassa.
No entanto, dado que a sua presença se associa a colecistite
alitiásica – como se verificou nesta adolescente – e porque os
seus efeitos a longo prazo são desconhecidos, a colecistectomia
é recomendada nas crianças com pólipos da vesícula biliar.(15)
CONCLUSÃO
Tem havido um aumento crescente de relatos de CAA em
doentes saudáveis, relembrando o conhecimento ainda insuficiente da sua fisiopatologia. O diagnóstico é difícil dada a inespecificidade clínica e dos exames laboratoriais, dependendo de um
elevado índice de suspeição. A ecografia abdominal (por vezes
seriada) permanece o gold standard no diagnóstico da colecistite
e na identificação da sua etiologia. Apesar da raridade da patologia da vesícula e vias biliares na criança e no adolescente, pela
elevada morbilidade do diagnóstico tardio, é fundamental tê-la
presente no diagnóstico diferencial da dor abdominal em idade
pediátrica.
ACUTE ACALCULOUS CHOLECYSTITIS IN CHILDREN
ABSTRACT
Introduction: Acute acalculous cholecystitis is rare in
pediatric age. It usually is associated with severe pathology, and
is rare in healthy children.
Case report: We describe two cases of acute acalculous
cholecystitis, with distinct etiologies, diagnosed in two healthy
children.
Discussion: We also discuss the pathophysiology, clinical
features and management of acute acalculous cholecystitis,
enhancing the ultrasound contribution to its diagnosis.
Keywords: Acute acalculous cholecystitis, children.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 174-177
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Sofia Moura Antunes
Hospital de Cascais Dr. José de Almeida
Departamento da Mulher e da Criança
- Unidade Funcional de Pediatria
Av. Brigadeiro Victor Novais Gonçalves
2755-009 Alcabideche, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 11.09.2012 | Aceite a 10.03.2013
casos clínicos
case reports
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NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Deleção Intersticial 8p23.1-8p23.2
– Caso clínico de diagnóstico pós-natal
Vânia Ferreira1, Raquel Maciel1, João Casanova1, Sílvia Álvares2, Natália Oliva Teles3,
Manuela Mota Freitas3, Maria do Céu Rodrigues1, Maria José Mendes1
RESUMO
Introdução: A deleção cromossómica 8p23 apresenta um
espectro clínico variável que se deve à extensão da deleção ou
da região do ponto de quebra do material genético.
Caso clínico: Grávida de 23 semanas de gestação referenciada ao Centro de Diagnóstico Pré Natal por bradiarritmia fetal.
A ecocardiografia fetal revelou anel pulmonar estreito e foramen
oval grande. Parto eutócico às 40 semanas de gestação de um
feto do sexo masculino e com peso abaixo do percentil 10. A
ecocardiografia pós-natal revelou: defeito perimembranoso do
septo ventricular, comunicação interauricular e estenose moderada da válvula pulmonar. Durante as consultas de seguimento
verificaram-se características dismórficas, atraso de desenvolvimento e alterações do comportamento. Foram realizados estudos citogenéticos e de citogenética molecular; o cariótipo de
ambos os progenitores não revelou alterações. O cariótipo final
da criança foi definido como: 46,XY,del(8)(p23.1p23.2)dn.
Conclusão: As alterações cardíacas estão relacionadas
com a haploinsuficiência do gene GATA4. A deleção desta região
crítica está também associada a atraso mental ligeiro, alterações
do comportamento e dismorfia facial ligeira, características presentes no espectro clínico do caso apresentado.
Palavras-chave: Aconselhamento genético, alterações
cardíacas congénitas, análise citogenética, deleção 8p23.1,
diagnóstico pré-natal, GATA-4.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 178-181
INTRODUÇÃO
A deleção cromossómica 8p23.1 está associada a um espectro de anomalias clínicas que incluem dismorfia facial, microcefalia, atraso do crescimento intra-uterino, alterações neuropsiquiátricas, défice intelectual, cardiopatias congênitas (defeitos
do septo atrioventricular, defeitos septais atriais, defeitos do sep__________
1
2
3
S. Obstetrícia e Ginecologia, U. Diagnóstico Pré-Natal, Maternidade
Júlio Dinis, CH Porto, 4050-371 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected];
[email protected]
S. Cardiologia Pediátrica, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]
Dep. Genética, U. Citogenética, Centro de Genética Médica
Dr. Jacinto Magalhães, INSA, I.P., 4099-028 Porto, Portugal.
[email protected];
[email protected]
178
casos clínicos
case reports
to ventricular, estenose pulmonar, tetralogia de Fallot) e hérnia
diafragmática congénita.(1-5)
Em estudos publicados, as deleções que envolvem esta alteração genética variam desde deleções terminais extensas, que
são facilmente detetadas por análise cromossómica de rotina, a
deleções intersticiais que são melhor identificadas usando técnicas mais específicas como a hibridização in situ por fluorescência
– FISH (fluorescence in situ hibridization) ou técnicas de citogenética molecular como a hibridização genómica comparativa – CGH.
(4,6)
Há relatos de deleções intersticiais e terminais do braço curto
do cromossoma 8 (mais frequentemente com quebras nas bandas
8p21 a 8p23), bem como deleções ocorrendo em associação com
duplicações. O quadro clínico variável deve-se à extensão da deleção ou à localização da região do ponto de quebra.(2,4,6)
O facto da deleção 8p23.1 estar associada a uma incidência aumentada de malformações cardíacas, sugere que esta
região contém um gene importante no desenvolvimento do coração. Nos estudos publicados, identificou-se um gene que se
encontrava recorrentemente excluído nos casos de deleções
8p23.1 – o gene GATA4, que foi considerado como o responsável por defeitos cardíacos associados com este tipo de deleções.
(1,3-8)
Verificou-se que o gene GATA4 se situa na porção proximal
da banda p23.1 e codifica um fator de transcrição (estrutura em
dedo de zinco) que desempenha um papel essencial na morfogénese cardíaca, nomeadamente na regulação de genes críticos
para a diferenciação e função miocárdica. O papel do GATA4 no
desenvolvimento do coração é apoiado por estudos de modelos
de ratos e de indivíduos com mutações no referido gene. Nos
modelos de ratos, tem sido demonstrado que deleções do gene
GATA4 causam defeitos cardíacos. Os estudos demonstraram
que ratos homozigóticos para um alelo nulo GATA4 não conseguiam formar um tubo cardíaco central e este defeito era fatal,
cerca do 7º dia ao 9º dia pós coito(6,9).
O gene GATA4 tem sido implicado na regulação de genes
críticos para a diferenciação e função do miocárdio, incluindo a
troponina C, a α miosina cardíaca de cadeia pesada e o factor
natriurético cerebral, sugerindo que os defeitos neste gene podem ter inúmeras implicações no desenvolvimento cardíaco.(7,9)
Um estudo recente sugere que um outro gene, SOX7 (expresso
no coração e que funciona na mesma via que o GATA4) tem
também um papel importante no desenvolvimento cardíaco. Este
gene está localizado na porção distal do braço curto do cromossoma 8, e nos casos de deleção 8p23 a haploinsuficiência deste
gene tem também sido implicada nas anomalias cardíacas.(6)
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
O défice intelectual é o achado mais frequentemente descrito (relacionado com o desenvolvimento mental) neste tipo de
deleções.(2) Parece existir uma relação entre o tamanho da região suprimida no cromossoma 8 e o grau de comprometimento
intelectual - deleções terminais mais distais à banda 23.1 estão associadas a um menor compromisso intelectual.(3,8) Foram
descritos outros tipos de desenvolvimento atípico neste tipo de
deleções, nomeadamente défices motores, atraso da linguagem
e alterações do comportamento tais como hiperatividade, défice
de atenção e agressividade.(2) As deleções do gene SOX7 também têm sido propostas como tendo um papel no atraso do desenvolvimento e, possivelmente, nas características dismórficas
verificadas nos indivíduos com deleção 8p23.(4,6,8)
Vários estudos têm tentado encontrar uma região crítica
para os problemas de comportamento associados com deleções
8p23 e propuseram um gene, TNKS (Tankyrase 1), como o responsável pelos problemas de comportamento e dificuldades de
aprendizagem, uma vez que é expresso no cérebro em grande
quantidade. O gene TNKS tem também sido sugerido como o
responsável pelas hérnias diafragmáticas, como observado em
alguns indivíduos com deleções 8p23.(4,6) O gene MCPH1 (microcefalina 1) tem sido implicado no autismo, microcefalia e atraso
do desenvolvimento, e também está localizado na banda p23 do
cromossoma 8.(10)
Figura 1 – Ecocardiografia fetal: foramen oval grande.
Figura 2 – Ecocardiografia fetal: anel pulmonar estreito.
a
Figura 3 – Ecocardiografia pós-natal
a) Comunicação interventricular.
b) Comunicação interauricolar.
CASO CLÍNICO
Grávida de 21 anos, foi referenciada à consulta de diagnóstico pré-natal às 23 semanas de gestação por bradiarritmia
fetal. Realizou ecocardiografia fetal que revelou ritmo sinusal,
frequência cardíaca normal, foramen oval grande (Figura 1) e
anel pulmonar estreito (Figura 2). Parto eutócico às 40 semanas
de gestação de um feto do sexo masculino, com um peso de
2290g (< percentil 10 - gráficos de crescimento de Lubchenco) e
índice de Apgar 9/10.
A ecocardiografia fetal pós-natal revelou uma comunicação
interventricular perimembranosa (Figura 3a), comunicação interauricolar (Figura 3b) e estenose moderada da válvula pulmonar
(Figura 4). Durante o acompanhamento, na consulta de cardio-
b
Figura 4 – Ecocardiografia pós-natal: Estenose pulmonar.
casos clínicos
case reports
179
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
logia pediátrica, outras anomalias foram notadas, tais como: dismorfia facial, atraso do crescimento, pectus carinatum, atraso no
desenvolvimento psico-motor e da linguagem (a criança sentou-se aos oito meses, disse as primeiras palavras aos 15 meses
e começou a andar aos 18 meses), assim como alterações do
comportamento (hiperatividade). A análise de citogenética molecular (FISH) para o cromossoma 22 foi normal e a análise
cromossómica com bandas GTG de alta resolução revelou um
cariótipo 46,XY,del(8)(p23.1). Foram realizadas outras técnicas
de análise citogenética: 1) sonda de pintura cromossómica total (wcp) específica para o cromossoma 8 (whole chromosome
painting probes, Cytocell) que demonstrou não estar envolvido
outro cromossoma além do 8; 2) sondas subteloméricas para o
cromossoma 8 cujo resultado não revelou alterações, tendo-se
evidenciado que a deleção era intersticial. Os estudos genéticos
dos progenitores foram normais, pelo que a deleção detetada no
filho foi considerada “de novo”. Assim, o cariótipo final da criança
foi definido como: 46,XY,del(8)(p23.1p23.2)dn.
Aos cinco anos de idade a criança foi submetida a cirurgia
corretiva cardíaca, que consistiu no encerramento do defeito do
septo ventricular e da comunicação interauricular com um patch pericárdico e comissurotomia pulmonar. Atualmente, com oito anos de
idade, está assintomático do ponto de vista cardíaco, apresentando
um atraso psicomotor e um comportamento hiperativo.
DISCUSSÃO
Neste caso clínico descrevemos o fenótipo atípico de um
indivíduo com deleção intersticial 8p23.1-8p23.2, sendo o primeiro caso descrito em Portugal. Vários autores têm sugerido
que as deleções 8p podem ser mais frequentes do que o número relativamente baixo de casos descritos na literatura.(1-3) Essa
realidade deve-se ao facto de, possivelmente, apenas crianças
com atraso de desenvolvimento ou anomalias major serem referenciadas para estudos citogenéticos, enquanto aqueles com
poucas manifestações ou com alterações subtis permanecerem
sem diagnóstico.(2)
Há muitos relatos de deleções subteloméricas 8p. Os estudos iniciais, publicados no século XX, foram notificados como
deleções terminais, no entanto, quando os mesmos indivíduos
foram reavaliados por técnicas moleculares e citogenéticas mais
avançadas (incluindo marcadores de microssatélites e análise
por FISH), foram diagnosticadas deleções intersticiais em vez
de terminais.(4)
A criança apresentada neste caso clínico apresenta achados clínicos comumente descritos em indivíduos com deleção
8p23, tais como: atraso do crescimento, dismorfia facial leve,
malformações cardíacas e atraso do desenvolvimento. Os resultados de estudos de correlação genótipo-fenótipo de indivíduos
com defeitos cardíacos congênitos destacaram a região cromossómica 8p23.1 como uma região crítica para a morfogénese
cardíaca. Esta região contém o gene GATA4 que codifica um
fator de transcrição que desempenha um papel fulcral no desenvolvimento do coração em seres humanos. As cardiopatias
congénitas nas deleções deste tipo podem ser explicadas pela
haploinsuficiência do gene GATA4(1,3-10).
180
casos clínicos
case reports
A região crítica para o atraso mental ligeiro, alterações do
comportamento e dismorfia facial também se localiza na banda
p23.1 do cromossoma 8(4,6,10), e essas características estão presentes na criança do caso clínico apresentado.
Estes dados reforçam a importância de realizar uma cuidadosa análise citogenética/ molecular da região 8p23.1, no período pré e pós-natal, nos indivíduos que apresentam cardiopatias
congénitas.
É fundamental correlacionar a análise clínica e citogenética
com a finalidade de esclarecer a correlação genótipo/fenótipo,
uma vez que isso nos permitirá uma maior acuidade no aconselhamento genético.
Os autores esperam que, com este caso clínico, tenham
contribuído para um maior conhecimento científico destes tipos
de deleções.
INTERSTITIAL DELETION 8P23.1-8P23.2 – A CASE REPORT
OF A POSTNATAL DIAGNOSIS
ABSTRACT
Introduction: The features of an 8p23 deletion are likely to
be a result of the loss of a number of different genes found in this
region. The variable clinical features could be explained by the
extent of the deletion or variation in the breakpoints.
Case report: A pregnant patient was referred for fetal
echocardiography at 23 weeks gestation, because of fetal
bradyarrhythmia, which showed a large foramen oval and mild
pulmonary stenosis. A fetal male was born at 40 weeks, with a
birth weight below the 10th centile. Postnatal echocardiography
revealed: perimembranous ventricular septal defect, atrial septal
defect and mild pulmonary valvar stenosis. During follow-up,
dysmorphic features, development delay and behavioural issues
were noticed. Cytogenetic and molecular cytogenetic analysis
were performed. Parental chromosomes were normal, so the
child’s final karyotype was defined as 46,XY,del(8)(p23.1p23.2)dn.
Conclusion: Congenital heart defects are related with
haploinsufficiency of gene GATA4. The deletion of this critical
region is associated with mild mental retardation, behavioral
problems and mild facial dysmorphy.
Keywords: Congenital heart defect, cytogenetic analysis,
8p23.1 deletion syndrome, GATA-4, genetic counselling; prenatal
diagnosis.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 178-181
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Vânia Gisela Costa Arcanjo Ferreira
Centro Hospitalar do Porto
Maternidade Júlio Dinis
Unidade de Diagnóstico Pré-Natal, Serviço de Obstetrícia
Largo da Maternidade
4050-371 Porto, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 10.10.2012 | Aceite a 21.01.2013
casos clínicos
case reports
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NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Pitiríase liquenóide crónica na criança
Iolanda C. Fernandes1, Susana Machado1, Pedro Farrajota2, Manuela Selores1
RESUMO
Introdução: A pitíríase liquenóide (PL) é uma dermatose
pouco comum e apresenta duas variantes major: a pitiríase liquenóide e varioliforme aguda (PLEVA) e a pitiríase líquenóide
crónica (PLC). A sua classificação baseia-se essencialmente nas
características clínicas e histológicas.
Caso Clínico: Uma criança do sexo masculino, com seis
anos de idade, foi referenciada à Consulta de Dermatologia
Pediátrica com história de uma erupção cutânea generalizada
recorrente, com seis meses de evolução, compatível com o diagnóstico de PLC, corroborado pelo resultado histológico.
Discussão: Na PLC, as lesões cutâneas típicas são geralmente assintomáticas e consistem em pápulas eritematosas,
com descamação micácea central, facilmente destacável, revelando uma superfície brilhante (liquenóide). Geralmente, tem
uma resolução espontânea, após um longo período de remissões e recorrências. As opções terapêuticas incluem a corticoterapia tópica ou sistémica, eritromicina oral, helioterapia, entre
outras.
Palavras-chave: Infância, pitiríase liquenóide, pitiríase liquenóide crónica, pitiríase liquenóide varioliforme aguda.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 182-184
INTRODUÇÃO
A pitíríase liquenóide (PL) é uma dermatose pouco comum
e apresenta duas variantes major: a pitiríase liquenóide e varioliforme aguda (PLEVA) e a pitiríase líquenóide crónica (PLC).
Clinicamente, a forma aguda da doença caracteriza-se pelo rápido aparecimento de pápulas eritematosas e vesículas que geralmente sofrem necrose central. Podem estar presentes sinais
sistémicos, como febre e linfadenopatia. Na PLC observam-se
múltiplas pequenas pápulas liquenóides e descamativas, não associadas a sintomatologia sistémica. A etiologia da PL permanece desconhecida, no entanto, alguns estudos sugerem tratar-se
de uma doença linfoproliferativa, provavelmente desencadeada
__________
S. Dermatologia, H Santo António, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected];
[email protected]
2
S. Anatomia Patológica, H Santo António, CH Porto, 4099-001 Porto,
Portugal.
1
182
casos clínicos
case reports
por estímulos antigénicos(1,2), como vírus e outros agentes infecciosos(3). Tem sido considerada como um processo reactivo
benigno, no entanto, encontram-se descritos alguns casos raros de PL com evolução para linfoma cutâneo de células T(4,5).
O tratamento pode constituir um desafio, dado tratar-se de uma
doença auto-limitada e não existir nenhuma terapêutica comprovadamente eficaz.
CASO CLÍNICO
Uma criança do sexo masculino, com seis anos de idade
e sem antecedentes patológicos relevantes, foi referenciada à
Consulta de Dermatologia Pediátrica pelo aparecimento de uma
erupção cutânea generalizada recorrente, com cerca de seis
meses de evolução. Não havia história prévia de episódios infeciosos ou toma de fármacos. Ao exame objetivo observavam-se
múltiplas pequenas pápulas eritematosas, de aspeto liquenóide,
com descamação micácea central e distribuição generalizada,
à exceção da face e das regiões palmo-plantares (Figura 1).
Observavam-se ainda múltiplas pequenas máculas acastanhadas, arredondadas, dispersas pelo tegumento (Figura 2). Não
havia envolvimento das mucosas, assim como linfadenopatia ou
sintomas sistémicos gerais. A biopsia cutânea revelou epiderme
com paraqueratose focal, acantose ligeira, áreas de espongiose e, na derme superior e papilar, infiltrado celular inflamatório
crónico perivascular (Figura 3). O estudo analítico, que incluiu a
realização de hemograma e bioquímica de rotina, não mostrou
alterações. Perante os achados clínicos e histológicos foi feito o
diagnóstico definitivo de PLC. O doente foi tratado com corticóide tópico (aceponato de metilprednisolona) e helioterapia, com
melhoria progressiva das lesões cutâneas, sem recorrência da
doença após nove meses de follow-up.
DISCUSSÃO
A PL é uma dermatose linfocítica que afecta todos os grupos etários, embora seja mais frequente em idades jovens(3).
O aparecimento antes dos dois anos de idade não é comum(3).
Durante a idade pediátrica, os picos de incidência ocorrem aos
cinco e aos 10 anos de idade, com predomínio pelo sexo masculino(6).
A classificação da doença em PLEVA ou PLC baseia-se essencialmente nas características clínicas e histológicas, assim
como no tempo de evolução das lesões cutâneas. No entanto,
alguns doentes podem revelar achados clínicos e histológicos de
ambas as variantes(7), dificultando o diagnóstico.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Figura 1 – Imagem clínica mostrando em pormenor as pápulas eritematosas com aspeto liquenoide.
A PLC tem um curso clínico mais indolente em relação à
PLEVA, podendo a remissão completa da doença demorar vários anos. Na PLC, as lesões cutâneas típicas são geralmente
assintomáticas e consistem em pápulas eritematosas/rosadas,
com descamação micácea central, facilmente destacável, revelando uma superfície brilhante (liquenóide). Após a sua regressão espontânea (ao longo de algumas semanas), surgem
máculas hiper- ou hipopigmentadas residuais. Atinge mais frequentemente o tronco e as regiões proximais dos membros,
embora estejam descritas distribuições acrais e segmentares(7).
Histologicamente, caracteriza-se pela presença de paraqueratose focal, acantose ligeira a moderada e discreta degeneração
vacuolar da camada basal. Geralmente, a derme está edemaciada e observa-se um infiltrado linfohistiocitário perivascular superficial ligeiro, com extravasamento ocasional de eritrócitos(6).
Geralmente a PL tem uma resolução espontânea, após um longo
período de remissões e recorrências(8). O tratamento inclui a utilização de corticóides tópicos e sistémicos, eritromicina oral e metotrexato, este último em casos excepcionais. Adicionalmente, a
helioterapia e a fototerapia com UVB têm constituído uma opção
segura no tratamento da PL em crianças(8).
PITYRIASIS LICHENOIDES CHRONICA IN A CHILD
Figura 2 – Múltiplas máculas hiperpigmentadas no abdómen, correspondentes a lesões residuais pós-inflamatórias.
ABSTRACT
Introduction: Pityriasis lichenoides (PL) is an uncommon
skin disorder with two major variants: pityriasis lichenoides et
varioliformis acuta (PLEVA) and pityriasis lichenoides chronica
(PLC). Its classification is essentially based on clinical and
histological features.
Case report: A six-year-old boy was referred to the Pediatric
Dermatology Consultation with history of a recurrent generalized
skin eruption since the last 6 months, favoring the diagnosis of
PLC that was supported by the histological findings.
Discussion: In general, the typical cutaneous lesions of
PLC are asymptomatic and consist of erythematous papules with
a central micaceous scale that can easily be detached to reveal
a shiny surface (lichenoid). It usually resolves spontaneously
following a long period of remissions and recurrences. The
treatment options include topical and oral corticosteroids, oral
erythromycin and heliotherapy, among others.
Keywords: Childhood, pityriasis lichenoides, pityriasis
lichenoides, pityriasis lichenoides et varioliformis acuta.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 182-184
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Figura 3 – Imagem histológica da biopsia cutânea (H&E 400x), onde se
observa paraqueratose, espongiose e infiltrado celular inflamatório crónico na derme papilar.
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casos clínicos
case reports
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NASCER E CRESCER
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184
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case reports
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lichenoides chronica: an association with autoimmune hepatitis? Pediatr Dermatol 2007; 24:71-3.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Iolanda Gisela Conde Fernandes
Centro Hospitalar do Porto
Hospital de Santo António
Serviço de Dermatologia
Edifício das consultas externas, Ex - CICAP
Rua D. Manuel II, s/n
4099-001 Porto
e-mail: [email protected]
Recebido a 11-09-2012 | Aceite a 30-01-2013
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
Caso dermatológico
Catarina Dias1, Ana Maia2, Manuela Selores3
Criança do sexo feminino, sete anos, referenciada à Consulta de Dermatologia por múltiplas lesões cutâneas azuladas/
violáceas, dispersas por todo o corpo, com cerca de um ano de
evolução. Desde o aparecimento da primeira lesão, no joelho
direito, surgiram outras na região mandibular, perna esquerda,
tórax e abdómen, perfazendo um total de 15.
Trata-se da segunda filha de um casal saudável, não consanguíneo, sem antecedentes patológicos referidos. O tio materno apresenta lesões semelhantes desde a adolescência, localizadas apenas na região lombar, sem aumento das dimensões
ou do número.
1
2
3
Ao exame objectivo são visíveis máculas e pápulas violáceas, que não desaparecem à digitopressão, com bordos irregulares mas bem definidos e diâmetros variando entre 2 mm e 1 cm
(Figuras 1 e 2). A criança encontra-se assintomática e o restante
exame físico é normal. Realizou estudo analítico, ecografia abdominal e ressonância magnética cerebral, que não evidenciaram alterações.
Qual é o seu diagnóstico?
S. Pediatria, CH Vila Nova de Gaia-Espinho, 4434-502 Vila Nova de
Gaia, Portugal. [email protected]
USF do Mar, ACES Póvoa de Varzim-Vila do Conde, 4490-602 Póvoa
de Varzim, Portugal. [email protected]
S. Dermatologia, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal. [email protected]
caso dermatológico
dermatology case
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
DIAGNÓSTICO
Malformações glomuvenosas múltiplas
COMENTÁRIOS
As malformações glomuvenosas (GVM, OMIM 138000), também conhecidas por glomangiomas, são hamartomas – malformações semelhantes a neoplasias – com células idênticas às células
musculares lisas modificadas dos corpos glómicos. Os corpos glómicos são estruturas especializadas na termorregulação, localizadas
na derme profunda, constituídas por anastomoses arteriovenosas
revestidas por células musculares lisas epitelióides (células glómicas) e um estroma de tecido conjuntivo(1).
A primeira descrição clínica e histológica detalhada foi realizada por Masson, em 1924, que denominou esta lesão de “tumor glómico”. Identificaram-se mais tarde três subtipos histológicos, segundo
a proporção de células glómicas e componentes vascular e muscular
– o tumor glómico sólido, o glomangioma e o glomangiomioma(2).
Esta classificação foi entretanto substituída pela designação geral de
malformações glomuvenosas(3,5), embora alguns autores continuem
a diferenciar o tumor glómico per se e a malformação glomuvenosa,
ou glomangioma(4). O primeiro corresponde à lesão isolada, esporádica, enquanto o segundo corresponde à forma genética/hereditária.
As malformações glomuvenosas ocorrem habitualmente em
áreas ricas em corpos glómicos, como as extremidades distais dos
dedos (sobretudo a região subungueal), palmas, punhos, antebraços
e pés(2-5). Localizações menos frequentes incluem os tecidos moles
profundos, nervos, ossos, pénis, pulmão, estômago e intestino delgado. A apresentação subungueal é mais frequente no sexo feminino(4),
não existindo preferência por género nas restantes localizações.
A grande maioria dos casos surge de forma esporádica, em
adultos entre a terceira e a quarta décadas de vida. A apresentação
mais habitual consiste numa pápula ou nódulo pequeno e solitário,
firme, de coloração vermelha, violácea ou azul, consoante a sua profundidade(3). As dimensões variam geralmente entre os 2 e os 10 mm
de diâmetro(2,3). Histologicamente, são quase sempre capsulados. A
estimulação local pelo frio ou pela pressão pode desencadear paroxismos dolorosos intensos, por vezes incapacitantes(3).
As malformações múltiplas são mais raras, constituindo menos de 10% dos casos descritos(5). São geralmente maiores que as
lesões isoladas, não capsuladas e indolores. Subdividem-se nas
formas localizada, disseminada e congénita ou em placa(3). A apresentação da doença nas formas múltiplas ocorre, em média, 10 a
15 anos mais cedo que nas formas isoladas. Cerca de 60% destes
doentes referem pelo menos um familiar afectado(3). Reconhece-se,
nestes casos, um padrão de hereditariedade autossómico dominante, de penetrância incompleta e expressão variável. Nas formas familiares foram identificadas mutações no gene da glomulina, localizado no cromossoma 1p21-22(2,3).
O diagnóstico definitivo é dado pelo exame anatomopatológico
da lesão. Apesar da sua aparência epitelióide, as células glómicas
são imunorreactivas à α-actina do músculo liso(5) e não expressam
determinantes epiteliais. A ressonância magnética poderá ser útil
para definir a extensão da doença e planear o tratamento, bem como
para detectar alterações cerebrais sugestivas de neurofibromatose
tipo 1, patologia que tem sido descrita em associação com as malformações glomuvenosas(6). Os exames laboratoriais são desnecessários, excepto se houver risco de sequestração plaquetária (lesões
múltiplas ou extensas).
186
caso dermatológico
dermatology case
O diagnóstico diferencial faz-se com hemangioma, malformação
venosa cutâneo-mucosa, tumor pericítico, granuloma piogénico, espiradenoma, angiolipoma, nevo intradérmico e melanoma maligno(4,5).
O tratamento de eleição para as malformações glomuvenosas
isoladas e dolorosas é a excisão cirúrgica, quase sempre curativa(3,4).
Nos casos de lesões de grandes dimensões, a escleroterapia ou a
ablação com laser poderão oferecer algum benefício(3,4).
As lesões são habitualmente não involutivas mas o prognóstico é, na maioria dos casos, excelente. Embora extremamente
rara, está descrita a transformação maligna de lesões recorrentes(7).
Recomenda-se a vigilância anual dos doentes afectados.
ABSTRACT
Glomuvenous malformations, also known as glomangiomas,
are tumor-like malformations or hamartomas of the glomus body.
They can be sporadic or inherited as an autosomal dominant disease.
Glomuvenous malformations tend to resemble hemangiomas.
Clinical distinction between these entities is important due to their
different therapeutic approaches. Surgical excision is the treatment of
choice for isolated, painful glomuvenous malformations. We describe
a case of a 7-year-old girl with multiple glomuvenous malformations.
Keywords: Glomuvenous malformations, glomangioma, glomus
tumor.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 185-186
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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Catarina Dias
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia-Espinho
Serviço de Pediatria
Rua Conceição Fernandes
4434-502 Vila Nova de Gaia, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 15-07-2013 | Aceite a 27-08-2013
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Caso endoscópico
Fernando Pereira1
A Sara foi observada na consulta de Gastroenterologia Pediátrica aos 10 anos de idade por lhe ter sido diagnosticada anemia
hipocrómica e microcítica com parâmetros baixos de ferro sérico.
A nossa doente era filha única de casal saudável, com normal desenvolvimento estaturo-ponderal e psicomotor, sem antecedentes patológicos relevantes e que nos últimos meses referia sentir, de forma intermitente, mal estar abdominal tipo cólica
pouco intensa, mais frequentemente localizada na fossa ilíaca
direita, por vezes ocorrendo pouco tempo após a ingestão de alimentos e desencadeando dejeção urgente com alívio do quadro
álgico. Este quadro não interferia com a sua atividade diária, mas
começou a ocorrer por vezes durante o sono, acordando a doente, razão pela qual consultou o médico de família. A consulta
foi seguida de estudo analítico sumário onde foi diagnosticada a
anemia referida (Hg-10,5gr/dl).
Enviada à consulta de Gastroenterologia Pediátrica foi-lhe
diagnosticada Doença de Crohn ileocólica(L3) com base no quadro clínico, estudo analítico e observação endoscópica do tubo
digestivo e estudo histológico das biópsias digestivas. A doença
envolvia todo o cólon direito até ao ângulo hepático e os últimos
7 cm do ileum terminal.
A doente iniciou tratamento, inicialmente apenas com prednisolona oral (1mg/kg), a que posteriormente adicionou azatioprina
(1,5mg/kg), verificando-se melhoria clínica e laboratorial.
Desde então, e durante o período de cerca de um ano, foi
tentada por diversas vezes a suspensão da terapêutica corticoide, verificando-se sempre rápida e intensa recidiva da sua doença inflamatória, o que motivou a opção pelo tratamento com
Infliximab (Anti-TNF).
Cerca de um ano depois de iniciar este tratamento com
boa resposta, a doente efetuou exame endoscópico de controlo
que permitiu observar ao nível do cego as imagens que apresentamos.
Qual lhe parece o diagnóstico mais provável?
1 – Doença de Crohn ativa
2 – Lesões cicatriciais deformantes
3 – Tumor polipoide do cólon
4 – Aspetos normais.
__________
1
U. Gastroenterologia Pediátrica, CH Porto, 4009-001 Porto, Portugal
caso endoscópico
endoscopic case
187
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
COMENTÁRIOS
As imagens que apresentamos mostram deformação cicatricial do cólon ascendente (Figura 1) e da válvula ileocecal com
estenose e aspeto polipoide (Figura 2). Não foi possível ultrapassar a válvula ileocecal pelo que não temos observação endoscópica do intestino delgado.
A atividade inflamatória era muito escassa junto da válvula
ileocecal e o estudo analítico então realizado era normal, pelo
que a primeira hipótese estava fora de questão. Os aspetos
observados não são normais para este segmento digestivo e o
aspeto polipoide evidenciado resulta de deformação cicatricial e
não tem carácter tumoral.
Concluímos tratar-se de deformação cicatricial resultante
da cicatrização de lesões graves, profundas, do cólon direito e
região valvular, resultantes do tratamento com sucesso com medicamento biológico. A deformação marcada da transição ileocecal com estenose e rigidez faz prever a necessidade de futura
correção cirúrgica.
Palavras-chave: Anemia, Doença de Crohn, Infliximab.
ABSTRACT
We present the case of a ten-year-old female patient
referred to Gastroenterolgy consultation for abdominal pain
and cramping, usually worse after eating , recurring diarrhoea,
hypochromic and microcytic anaemia with low serum iron and
ferritin levels. Moderate to severe Crohn’s disease of the terminal
ileum e right colon (L3) was diagnosed, based on endoscopic
image and biopsy. The patient was treated with prednisone and
azathioprine, but after one year of treatment she was steroids
dependent and treatment was switched to infliximab. One year
after beginning this treatment, the patient achieved remission
188
caso endoscópico
endoscopic case
(clinical and laboratorial parameters). A control colonoscopy
showed mucosal healing with scars and deformation with
stenosis of ileocecal valve (Figures 1-2). Surgical intervention will
be probably necessary in near future.
Keywords: Anaemia, Crohn Disease, Infliximab.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 187-188
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. de Bie Ci, Buderus S, Sandhu BK, de Ridder L, Paerregaard
A, Veres G, et al. EUROKIDS Porto IBD Working group of
ESPGHAN “Diagnostic workup of pediatric patients with inflammatory bowel disease in Europe: results of a 5-year audit
of the Eurokids registry”. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2012;
54:374-80
2. de Bie CI, Paerregaard A, Kolacek S, Ruemmele FM, Koletzko S, Fell JM, et al. EUROKIDS Porto IBD Working Group
of ESPEGHAN “Disease phenotype at diagnosis in pediatric
Crohn’s disease: 5 year analyses of the EUROKIDS Registry”
. Inflamm Bowel Dis 2013; 19:378-85.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Fernando Pereira
Centro Hospitalar do Porto
U. Gastrenterologia Pediátrica
4099-001 Porto, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 23.08.2013 | Aceite a 30.08.2013
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Caso radiológico
Ana Cristina Freitas1, Telma Barbosa1, Filipe Macedo2
Criança de seis anos do sexo masculino, com radiografia
do tórax realizada no Serviço de Urgência, em contexto de infeção respiratória. Observou-se uma fina opacidade linear vertical
que termina numa pequena opacidade arredondada, projetada
no campo superior do hemitórax direito (Figura 1).
Qual o seu diagnóstico?
Figuras 1
__________
1
S. Pediatria, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected]
2
Especialista em Radiologia, Serviço Médico de Imagem Computorizada,
4250-367 Porto, Portugal. [email protected]
caso radiológico
radiological case
189
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
ACHADOS
Observa-se opacidade em vírgula invertida no campo superior do pulmão direito, típica de cissura ázigos, variante anatómica.
rácica (ex: oclusão da veia cava inferior), podendo ser útil Tomografia Computorizada ou Ressonância Magnética para avaliação
mais detalhada da anomalia.
DIAGNÓSTICO
Lobo da Veia Ázigos.
ABSTRACT
We present a case of a 6-year-old child in whom a chest
x-ray is performed for a respiratory infection. An inverted comma
opacity was seen in the right upper lobe, typical of an azygos
fissure. This is one of the numerous anatomic variants of the
azygos vein.
Key-words: Azygos fissure, azygos lobe.
DISCUSSÃO
A veia ázigos tem inúmeras variantes. Uma das frequentes
associa-se a uma cissura ou no lobo superior do pulmão direito, constituída por dois folhetos viscerais e dois folhetos parietais.
Esta cissura delimita um território pulmonar chamado lobo ázigos.
A veia ázigos tem inúmeras variantes. Uma das mais frequentes associa-se a uma cissura no lobo superior do pulmão
direito, constituída por dois folhetos parietais – cissura ázigos –
que delimita um território pulmonar chamado lobo ázigos.)
O aspeto típico da cissura ázigos é o de uma vírgula invertida cujo componente inferior é arredondado ou ovoide e corresponde à croça da veia ázigos em posição ligeiramente mais
supero-externa do que o habitual.
Como todas as veias, modifica-se em função da posição do
paciente e das variações da pressão intratorácica.
A Radiografia convencional é o exame basilar, geralmente
suficiente para o diagnóstico (na incidência de face). Quando a
veia ázigos se apresenta anormalmente dilatada deve suspeitar-se de uma anomalia vascular com aumento da pressão intrato-
190
caso radiológico
radiological case
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 189-190
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Hassan M, Valois Ph. Guide d`interprétation de la radiographie thoracique de l`enfant. Séméiologie normale et pathologique. Paris: Médecine-Sciences Flammarion; 2005.
p.124-126
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Ana Cristina Freitas
Serviço de Pediatria
Centro Hospitalar do Porto
4099-001 Porto, Portugal
e-mail: [email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Genes, crianças e pediatras
Joana Correia1; Marta Rios2; Paula Ferreira 2; Esmeralda Martins3; Anabela Bandeira3
Primeiro filho de um casal jovem não consanguíneo sem
história de doenças heredo familiares. Gestação vigiada sem
intercorrências até ao 3º trimestre, altura em que foi detetado
restrição do crescimento intra uterino.
Parto eutócico hospitalar induzido às 37 semanas. Índice
de Apgar 9/9.
Exame objetivo: Peso 2200 g (<P5); Comp. 47 cm (P25-50); P. Cefálico 34 cm (P 75).
Hipotonia axial, bossa parietal posterior. Sem dismorfias e
restante exame físico normal. Observado às 12 horas de vida
por recusa alimentar e hipoglicemia. Apresentava volumoso cefalohematoma parieto-occipital direito com crepitação occipital.
Fez radiografia do crânio (Figura 1) que mostrou fratura
occipital.
A tomografia axial computorizada (TAC) cerebral (Figura 2)
mostrou fratura cominutiva com afundamento occipito-parietal
direito; volumosa coleção extra-axial, com componente epidural
fronto-parietal e subdural temporo-occipital extenso; deformação
do parênquima adjacente e redução dos ventrículos laterais e
III ventrículo e foco de contusão hemorrágica parietal esquerdo.
Figura 1 – Radiografia do crânio com fratura
occipital.
A radiografia toracoabdominal revelou fraturas da clavícula direita, e das costelas. Fez radiografia dos ossos longos que
mostrou fratura cubital esquerda e peronial bilateral.
Foi submetido a drenagem do hematoma subdural por Neurocirurgia.
Em D2 apresentava edema marcado da cabeça e pescoço,
pelo que repetiu TAC cerebral que revelou novo hematoma subdural agudo retrocerebeloso. Manteve tratamento conservador
com evolução clínica e imagiológica favorável. Em D 7 de vida
iniciou crises convulsivas medicadas com fenobarbital.
Fez cariótipo de sangue periférico que foi normal (46,XY).
As ecografias renal e abdominal e o ecocardiograma não
revelaram alterações.
Manteve hipotonia axial marcada, sem controle cefálico
com algum contacto social. Pelos dois meses de vida foi notado
o aparecimento de um cabelo escasso, frágil, hipopigmentado
e “enroscado” e hipopigmentação cutânea (Figura.3). Não apresentou novas fraturas ósseas.
Qual o seu diagnóstico?
Figura 2 – TAC cerebral com volumosa coleção extra-axial, com componente epidural
fronto-parietal e subdural temporo-occipital.
__________
1
2
3
S. Pediatria, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal. [email protected]
S. Cuidados Intensivos Pediátricos, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected]
U. Doenças Metabólicas, S. Pediatria, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected]
genes, crianças e pediatras
genes, children and paediatricians
191
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2013, vol XXII, n.º 3
COMENTÁRIOS
Pela presença de fracturas ósseas ao nascimento foi colocada a hipótese de diagnóstico de Osteogénese Imperfeita. No
entanto a ausência de história familiar e de escleras azuis, embora não o excluindo, tornam este diagnóstico pouco provável.
Por outro lado, a associação de fraturas ósseas com hemorragia cerebral ao nascimento e a ocorrência de nova hemorragia
cerebral fizeram-nos evocar a hipótese de Doença de Menkes,
corroborada pela evolução clínica: a criança manteve hipotonia
axial marcada com pouco controle cefálico e o aparecimento de
um cabelo ralo, hipopigmentado e “enroscado” e hipopigmentação cutânea (Figura 3).
Pode manifestar-se no período neonatal por fraturas congénitas e cefalohematomas uma vez que as alterações do tecido
conjuntivo incluem alterações vasculares, com risco aumentado
de hemorragia intracraniana.
Os níveis baixos de ceruloplasmina e cobre apoiam o diagnóstico mas estes achados podem surgir no recém-nascido normal. O estudo molecular estabelece o diagnóstico definitivo.
A reposição com histidina de cobre tem demonstrado alguma eficácia, sendo a resposta dependente da precocidade da
sua instituição (primeiro mês de vida) e do genótipo, (melhor se
persiste algum transporte residual de cobre).
Estas crianças apresentam uma esperança média de vida
inferior a cinco anos.
ABSTRACT
A male newborn, presenting hipotonia and posterior parietal
bossing, developed, in the first 12 hours of life, refusal to feed
and hypoglycaemia. A cranial ultrasound, skull X-ray and CT
scan revealed an occipital and parietal fracture with an underlying
haematoma and extensive extracranial soft-tissue swelling.
He was submitted to surgical drainage. After 24 hours: new
intracerebral bleeding. At the age of two-months he presented
abnormal skin and sparse kinky hair. Serum copper and
caeruloplasmin levels were below the normal range. Molecular
diagnosis of Menkes disease was made by the identification of a
new mutation in ATP7A gene.
Keywords: Congenital fractures, intracerebral bleeding,
sparse kinky hair.
Figura 3 – cabelo escasso, frágil, hipopigmentado e “enroscado”.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 191-192
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O doseamento de ceruloplasmina 4mg/dl (N>20mg/dl) e do
Cobre 8,44μmol/l (N > 12,5 μmol/L) corroboraram este diagnóstico que foi confirmado por estudo molecular: mutação de novo
(c.3868C>T) no gene ATP7A.
A Doença de Menkes é uma doença genética, do metabolismo do cobre, recessiva ligada ao X, causada por mutações
no gene transportador de cobre, ATP7A, cuja prevalência varia
entre 1 em 100.000 a 250.000 nascimentos.
Caracteriza-se por atingimento degenerativo do Sistema
Nervoso Central (SNC) com epilepsia e do tecido conjuntivo com
alteração da estrutura do cabelo (fino, esparso e quebradiço) e
hipopigmentação cutânea.
Estas características surgem pelos 2-3 meses de idade
com posterior atraso do desenvolvimento psicomotor, hipotonia,
má evolução ponderal por dificuldades alimentares, hipotermia e
dificuldade respiratória.
192
genes, crianças e pediatras
genes, children and paediatricians
1. Tümer Z, Moller LB. Menkes disease. Eur JHum Genet 2010,
18:511-8.
2. Kaler SG, Holmes CS, Goldstein DS, Tang J, Godwin SC,
Donsante A, et al. Neonatal diagnosis and treatment of
Menkes disease. N Eng J Med 2008: 358;605-14.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Anabela Bandeira
Centro Hospitalar do Porto
Serviço de Pediatria - Unidade de doenças metabólicas
Largo do Prof. Abel Salazar
4099-001 Porto, Portugal
e-mail: [email protected]
Recebido a 09.10.2013 | Aceite a 25.10.2013
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Conceção, redação e publicação
de artigos científicos
Redação de artigos: tamanho e forma
Margarida Lima, MD, PhD1,2
RESUMO
Neste terceiro artigo, de quatro que integram a rubrica
“CONCEÇÃO, REDAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS” da secção “EDUCAÇÃO CIENTÍFICA” da revista
“NASCER E CRESCER”, abordamos os aspetos mais relevantes
relativos ao tamanho, forma de apresentação gráfica e questões
linguísticas de um artigo científico para submeter a publicação.
Palavras-chave: Educação científica, redação de artigos
científicos.
3. APRESENTAÇÃO GRÁFICA E FORMATAÇÃO
A apresentação gráfica do artigo deve ser cuidada e devem
ser respeitadas as normas da revista onde se pretende publicar
o trabalho, pelo que estas devem ser sempre previamente consultadas.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 193-198
3.2 Margens
Regra geral, a margem superior e a margem esquerda devem ser maiores do que a inferior e a direita em 0.5 cm, para
cabeçalhos e encadernação. Margens superiores e esquerdas
com 2.5 a 3 cm e margens inferiores e direitas com 2 a 2.5 cm
são aceitáveis.
1. INTRODUÇÃO
As revistas científicas impõem geralmente regras para a
redação dos artigos, nomeadamente quanto ao tamanho e à formatação. No que respeita ao primeiro aspeto, embora os limites
impostos variem com a revista e com o tipo de artigo, a tendência
atual é para a poupança de espaço e o tamanho máximo imposto
aos artigos tem vindo a reduzir nos últimos anos.
Neste trabalho debruçamo-nos sobre os aspetos mais relevantes relativos ao tamanho, forma de apresentação gráfica
e questões linguísticas de um artigo científico para submeter a
publicação.
2. TAMANHO DO ARTIGO
O tamanho imposto para o artigo depende geralmente do
tipo de artigo e os limites podem ser definidos em número de páginas, palavras ou carateres, contabilizando ou não os espaços.
Deve haver um equilíbrio entre o tamanho das diferentes secções e o tamanho total depende do tipo de artigo original (formato convencional, formato curto ou formato de carta) (Quadro 1).
Em regra, para o resumo é imposto um limite de palavras
que varia entre 150 e 350; e o corpo de um artigo original de formato convencional redigido em páginas com margens de 2.5 cm,
fonte “Times New Roman”, tamanho 12, tem entre 4000 a 6000
palavras (8 a 12 páginas).
__________
1
2
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto,
4050-313 Porto, Portugal
Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, 4099-001 Porto,
Portugal
3.1 Papel e cor de impressão
De uma forma geral o texto deve ser digitado em papel de
formato A4 (210 x 297 mm), e impresso na cor preta, com exceção das ilustrações a cores.
3.3 Fontes e tamanho da fonte
As fontes mais usadas são o “Times New Roman” ou “Arial”,
tamanho 12 para o texto; e menor, geralmente tamanho 10, para
as citações longas, notas de rodapé, paginação e legendas das
ilustrações e tabelas.
3.4 Espaçamentos
O espaçamento entre as linhas é geralmente de 1.5 ou 2
pontos, conforme a revista. As notas de rodapé, o resumo, as
referências, as legendas de ilustrações e tabelas, as citações
textuais de mais de três linhas devem ser digitadas em espaço
simples de entrelinhas.
As referências bibliográficas listadas no final do trabalho
devem ser separadas entre si por um espaço duplo.
3.5 Alinhamento
O texto deve ser alinhado à esquerda. Contudo, as notas
explicativas apresentadas na folha de rosto devem ser alinhadas
a partir do meio da margem para a direita.
3.6 Quebras de página
O Resumo e a cada uma das secções primárias do corpo
do artigo (Introdução, Material e Métodos, Resultados e Discussão) devem ser começados em nova página. O mesmo acontece
com os Agradecimentos, as Contribuições de Autoria, a Declaração de conflitos de interesse, as Referências bibliográficas, as
educação científica
scientific education
193
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Tabelas (individualmente), as Legendas das figuras e as Figuras
(também individualmente).
3.7 Títulos e subtítulos
Os títulos e subtítulos devem ser formatados conforme a
sua hierarquia, mantendo de preferência o mesmo tamanho de
letra que o corpo do texto, mas destacando-se do ponto de vista
gráfico pela utilização de maiúsculas, maiúsculas pequenas, negritos, sublinhados, etc.
3.8 Numeração das secções
Para numeração das secções do corpo do artigo devem ser
utilizados algarismos arábicos. O indicativo de uma secção secundária deve ser constituído pelo indicativo da secção primária
a que pertence (ex. 1., 2., 3., etc.), seguido do número sequencial que lhe foi atribuído, com um ponto de separação (ex. 1.1,
1.2, etc.).
O limite máximo de secções é geralmente de cinco ou menos; se houver necessidade de mais subdivisões, estas devem
ser feitas através de alíneas.
3.9 Alíneas
As alíneas devem obedecer à seguinte disposição:
a) o texto que precede as alíneas deve terminar com dois
pontos;
b) as alíneas devem ser ordenadas por letras minúsculas
seguidas de parênteses;
c) a segunda linha e as seguintes de cada alínea devem ser
alinhadas pelo texto da primeira linha da própria alínea;
d) as alíneas devem começar por letras minúsculas;
e) todas as alíneas exceto a última devem terminar por
ponto e vírgula;
f) e a última alínea, deve terminar por ponto.
3.10 Paginação
A numeração deve ser colocada no canto direito e, dependendo da especificação da revista, pode ser feita no cabeçalho
ou no rodapé, com algarismos arábicos e geralmente com tamanho da fonte menor do que o usado no corpo do texto, sendo que
a primeira página (folha de rosto) deve ser numerada, embora
não deva ser contabilizada.
Quadro 1 – Orientações básicas relativas ao tamanho de artigos científicos originais.
Secção
Título †
Folha de rosto
Resumo
Corpo do artigo
Título abreviado
Formato curto
(Short Report)
Formato carta
(Scientific Letter)
50 – 100
50 – 100
50 – 100
25 – 50
25 – 50
NA
Unidade de medida
Nº de carateres
Autores ‡
Variável
Variável
Variável
Nº de autores
Resumo §
150 – 300
100 – 200
NA
Nº de palavras
Nº de palavras-chave
4–8
4–8
NA
Total ¶
4000 – 6000
(8 – 12)
2000 – 3000
(4 – 6)
500 – 1500
(1 – 3)
Introdução
750 – 1250
(1.5 – 2.5)
500 – 750
(1 – 1.5)
75 – 125
(0.15 – 0.25)
Material e Métodos
500 – 750
(1 – 1.5)
250 – 500
(0.5 – 1.0)
75 – 125
(0.15 – 0.25)
Resultados
1250 – 1750
(2.5 – 3.5)
500 – 750
(1 – 1.5)
100 – 500
(0.2 – 1)
Discussão
1500 – 2250
(3 – 4.5)
750 – 1000
(1.5 – 2)
250 – 750
(0.5 – 1.5)
20 – 50
10 – 20
5 – 10
Nº de referências
5–8
2–5
1–2
Nº de ilustrações
Palavras-chave
Referências #
Ilustrações **
†
Formato
convencional
Tabelas
Figuras
||
Nº de palavras
(páginas)
Nº de palavras
(páginas) ††
Os valores indicados são apenas orientadores e variam com a revista e com o tipo de artigo.
†
Nem todas as revistas impõem limites de carateres para o título e nem todas exigem título abreviado.
‡
Algumas revistas impõem número máximo de autores, em particular nos artigos redigidos na forma de Letter, em que geralmente não são
admitidos mais do que 5 autores.
§
Um número cada vez maior de revistas exige resumo estruturado.
||
194
As palavras-chave podem ser palavras ou expressões.
¶
A distribuição por secção é muito variável, de artigo para artigo.
#
Nem sempre é imposto um número máximo de referências.
**
Nem sempre é imposto um número máximo de referências.
††
Uma página com margens de 2,5 cm, redação em contínuo, espaçamento entre linhas 1.5, fonte Times New Roman, tamanho 12, tem
cerca de 500 palavras, cerca de 2500 carateres sem contabilizar espaços e cerca de 3000 carateres, contabilizando os espaços.
educação científica
scientific education
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
4. QUESTÕES LINGUÍSTICAS
4.1 Linguagem científica
A linguagem deve ser científica, usando o vocabulário apropriado com clareza e precisão e aplicando a terminologia técnica
da área. O artigo deve ser redigido de forma concisa e objetiva,
indo diretamente ao assunto e evitando expressões subjetivas e
adjetivos desnecessários.
Os parágrafos devem ser construídos corretamente, usando frases de abertura e encerramento. As frases demasiado
longas devem ser evitadas; se a frase ocupa mais de 3 linhas,
deve-se tentar dividi-la em frases menores.
4.2 Ortografia e gramática
Os artigos devem ser redigidos preferencialmente na terceira pessoa e os tempos verbais devem ser usados de forma
consistente; por exemplo, não se deve alternar entre passado
e presente. Para além disso, é importante uma sintaxe correta,
de forma que as frases sejam claras e o discurso coerente. Os
corretores ortográficos e/ou gramaticais são úteis e devem ser
usados, mas não substituem uma revisão cuidadosa feita pelos
autores, e até por terceiros, se necessário.
4.3 Abreviaturas
As abreviaturas devem ser definidas quando são introduzidas no texto pela primeira vez, colocando o seu significado entre
parênteses. Por outro lado, devem ser usadas só quando são
necessárias e/ou úteis, servindo para economizar palavras e/ou
facilitar a leitura e não para tornar o texto mais extenso e confuso. Não faz sentido, por isso, abreviar palavras que são usadas
duas ou três vezes, exceto quando são de uso muito comum;
nem criar abreviaturas de compreensão difícil para o leitor.
Os símbolos correspondentes às unidades de medida são
sinais convencionados e não abreviaturas pelo que não carecem
de pré-definição (ex. kg, para designar kilograma).
Às vezes pode justificar-se o uso de uma abreviatura noutra
língua, quando esta é amplamente reconhecida pela comunidade científica (ex. células NK, para células “natural killer”, em vez
de células AN, para células “naturalmente assassinas”). Outras
vezes a pré definição pode ser dispensada, quando as abreviaturas são universais (ex. ATP, para “trifosfato de adenosina”; ADN,
para “ácido desoxirribonucleico”).
No Resumo devem ser evitadas as abreviaturas e, se forem
usadas, devem ser pré-definidas, voltando a redefini-las na primeira vez que são usadas no corpo do artigo; por outro lado, há
que ter em atenção que muitas revistas não permitem abreviaturas no resumo. Da mesma forma, se forem usadas abreviaturas
nas tabelas ou figuras, estas devem ser sempre definidas em
rodapé, mesmo se já tiverem sido definidas no texto.
Algumas revistas solicitam aos autores que incluam uma
lista das abreviaturas, no final do artigo.
4.4 Palavras de outros idiomas
As palavras de outros idiomas devem constar em itálico,
sem aspas (exemplos: a priori, on-line, etc.) ou entre aspas, sem
itálico (exemplos: “a priori”, “on-line”, etc.).
Para dar destaque a termos ou expressões deve ser preferida a utilização do itálico ao uso de aspas, já que estas podem
funcionar como um elemento “poluidor” do texto.
5. UNIDADES DE MEDIDA
As unidades de medida usadas devem ser expressas em
unidades métricas constantes do sistema métrico decimal e seus
derivados, de acordo com o Sistema Internacional de Unidades
(SI) (1). O mesmo se aplica aos valores analíticos (hematológicos,
bioquímicos ou outros); relativamente a estes últimos, devem ser
indicados, entre parêntesis, os valores de referência.
5.1 Sistema Internacional de Unidades
O SI, ratificado em 1960 na 11ª Conferência Geral de Pesos e Medidas, e atualizado até à 16ª Conferência, realizada
em 1979, foi aceite por quase todos os países, sendo uma das
principais exceções os Estados Unidos. O Reino Unido adotou o
SI, embora sem o compromisso de substituir inteiramente o seu
próprio sistema de unidades.
O SI define 7 unidades de base, 2 unidades suplementares
e várias unidades derivadas, calculadas a partir das anteriores
(Quadro 2)(1). Embora no SI se listem como unidades derivadas
apenas aquelas que são expressas pelas unidades de base ou
suplementares e fatores de multiplicação ou divisão, todas as
restantes unidades existentes derivam das unidades de base/
suplementares do SI.
Ao escrever as unidades de medida e os respetivos símbolos devem ser respeitadas algumas regras, nomeadamente:
• os nomes das unidades deve ser escritos em letra minúscula (exemplo: kilograma e não Kilograma), excepto se estiverem no início das frases e no caso de “grau Celsius”);
• os símbolos devem ser escritos em letra minúscula ou
maiúscula, tal como foram definidos (ex: quilograma, “kg”
e não “Kg”; ampere, “A” e não “a”);
• os nomes das unidades de medida aceitam o plural (1 segundo; 10 segundos);
• os símbolos correspondentes às unidades de medida são
sinais convencionados e não devem ser usados como se
fossem abreviaturas (ex. 1 segundo, “1 s” e não “1 seg”);
• pelo mesmo motivo, os símbolos não admitem plural (ex.
10 quilos: “10 kg” e não “10 kgs”), nem devem seguidos de
“.” (ex. 5 quilómetros, “5 km” e não “5 km.”)
• ao escrever uma unidade composta, não se deve misturar
o nome de uma unidade com o símbolo de outra unidade ou vice-versa (ex.: quilómetro/hora ou km/h, e não km/
hora ou quilómetro/h).
• o resultado de uma medição deve ser representado pelo
seu valor numérico, seguido de um espaço, seguido do
símbolo da unidade (ex. 25 metros, “25 m” e não “25m”).
Entre as medidas mais usadas em artigos médicos, salientamos a altura (comprimento: metro, m), o peso (massa: quilograma, kg), a superfície corporal (área: metro quadrado, m2), a
temperatura corporal (graus Célsius, ºC) e a pressão sanguínea
(pressão: milímetros de mercúrio, mmHg – unidade não SI).
educação científica
scientific education
195
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
A unidade SI de volume é o metro cúbico (m³), embora seja
muito comum utilizar o litro ou os seus submúltiplos (decilitro, mililitro), que não pertencem ao SI. O símbolo l, para o litro, foi adotado pelo Comité Internacional de Pesos e Medidas; em 1979 na
Conferência Geral de Pesos e Medidas, reconhecendo-se que
a letra l (impressa) podia ser confundida com o algarismo 1, foi
decidido adotar, como símbolo alternativo, a letra L.
Quadro 2 – Unidades do Sistema Internacional de Unidades.
UNIDADE
TIPO DE
UNIDADES
Unidades de
base
GRANDEZA
NOME
comprimento
metro
m
massa
quilograma
kg
tempo
segundo
s
intensidade de corrente
elétrica
ampere
A
temperatura
termodinâmica
kelvin
K
quantidade de matéria
mole
mol
intensidade luminosa
candela
cd
radiano
rad
ângulo plano
Unidades
suplementares ângulo sólido
Unidades
derivadas
(exemplos)
esterradiano
sr
atividade
becquerel
Bq
capacitância
farad
F
carga elétrica
coulomb
C
condutância elétrica
siemens
S
dose absorvida
gray
Gy
dose equivalente
sievert
Sv
energia
joule
J
fluxo luminoso
lúmen
lm
fluxo magnético
weber
Wb
força
newton
N
frequência
hertz
Hz
indução magnética
tesla
T
Indutância
henry
H
Luminescência
lux
lx
Potência
watt
W
potencial elétrico
volt
V
Pressão
pascal
P
resistência elétrica
ohm
Ω
temperatura Célsius
grau Célsius
ºC
Fonte: (1).
196
SÍMBOLO
educação científica
scientific education
6. ILUSTRAÇÕES
As ilustrações de um artigo compreendem Figuras e Tabelas.
6.1 Figuras
As Figuras incluem quadros, gráficos, desenhos, mapas,
fotografias, plantas, retratos, organogramas, fluxogramas, esquemas ou outros elementos de síntese, necessários à complementação do texto e à ilustração dos resultados e das ideias(2-5).
Por esse motivo não devem ser incluídas figuras que não são
referidas no texto, nem para representar resultados que podem
ser descritos no texto, em uma ou duas frases.
Devem ter o tamanho suficiente para serem facilmente
legíveis (não mais nem menos do que isso) e deve-se ter em
atenção que geralmente são redimensionadas para ocuparem
a largura de 1 coluna ou de 1.5 colunas. Se for permitida a utilização de cores e se os autores estiverem dispostos a suportar
custos acrescidos caso existam, estas devem usadas se isso for
importante para a compreensão. Se a cor for dispensável ou se
o autor não puder suportar os custos, as figuras devem ser concebidas usando a cor branca, a cor preta e os tons de cinza; nos
gráficos podem ser usados padrões e símbolos distintos para
diferenciar as séries umas das outras. As legendas das figuras
devem conter informação suficiente para o leitor as perceber
sem necessidade de recorrer ao texto do artigo.
Nos gráficos, os eixos devem ter títulos curtos e informativos e devem indicar sempre as unidades de medida. Os limites
das escalas não se devem afastar muito dos valores mínimo e
máximo dos dados apresentados. Quando se pretende que os
leitores comparem dois gráficos, apresentados na mesma figura
ou em figuras distintas, não devem ser usadas escalas diferentes, porque isso induz em erro.
No artigo publicado as figuras aparecem sempre que possível na própria folha onde está inserido o texto a que se referem
e as legendas constam por baixo das figuras correspondentes.
No entanto, na versão do artigo que é submetida para publicação
as legendas das figuras devem ser apresentadas a seguir às
tabelas, em página própria, a que se devem seguir as figuras,
apresentadas em páginas independentes, pela mesma ordem de
sequência; muitas revistas exigem, no entanto, que as figuras
sejam apresentadas em ficheiros separados.
6.2 Tabelas
As tabelas constituem uma forma adequada para apresentar dados numéricos e devem ser preparadas de maneira que
o leitor possa entendê-las sem necessidade de recorrer ao texto(6,7).
As legendas das tabelas devem constar no cimo das mesmas, quer no artigo publicado, quer na versão do artigo que é
submetida para publicação. Deve ser evitado um número excessivo de dígitos e, tal como nos gráficos, devem ser sempre indicadas as unidades de medida. Não devem ser incluídas colunas
com dados que têm sempre o mesmo valor; se esse valor for
importante, deve ser indicado na legenda ou em nota de rodapé
da tabela. Não devem ser usadas linhas verticais para separar
colunas, exceto quando for estritamente necessário.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Recomenda-se, pois, seguir, as seguintes normas:
a) na versão submetido para publicação, as tabelas devem
ser inseridas após a secção Discussão, precedidas das
secções Agradecimentos, Contribuição dos autores e
Declaração de conflitos de interesses, e sucedidas pelas
legendas das figuras, caso existam;
b) tabelas diferentes devem ser colocadas em páginas separadas;
c) as tabelas devem ter um número independente e consecutivo;
d) os títulos das tabelas devem ser completos, dando indicações claras e precisas sobre o conteúdo das mesmas;
e) os títulos devem constar acima das tabelas, precedidos
da palavra Tabela e de seu número de ordem no texto,
em algarismo arábicos;
f) devem ser usadas linhas de grelha horizontais e verticais para separar os títulos das colunas nos cabeçalhos
das tabelas, e linhas horizontais para as fechar na parte
inferior;
g) no caso de tabelas grandes que não caibam numa só
folha, deve-se dar continuidade às mesmas na folha seguinte, repetindo os títulos e cabeçalhos e colocando a linha horizontal de acabamento apenas no final da tabela;
h) nenhum campo da tabela deve ficar vazio e em geral devem ser usadas as abreviaturas NA, para não aplicável,
e ND, para não determinado ou não disponível;
6.2.1 Notas de rodapé das tabelas
No rodapé da tabela devem ser indicadas as notas correspondentes, nomeadamente as notas de fonte, que informam
acerca da origem dos dados que nela constam. Devem ainda
constar as abreviaturas usadas nas tabelas, mesmo que tenham
sido usadas e pré-definidas no texto do artigo. No rodapé também podem ser indicadas notas gerais, que servem para registar
informações complementares ou esclarecer sobre o texto e os
dados constantes na tabela.
As notas de rodapé devem ser colocadas por baixo da tabela correspondente, pela seguinte ordem: notas que se aplicam à
tabela como um todo, notas relativas a abreviaturas e, finalmente, notas com símbolo de chamada.
Na elaboração das notas de rodapé devem ser respeitadas
as seguintes regras:
a) quando são aplicáveis à tabela como um todo (notas gerais) não devem ter símbolo de chamada;
b) quando indicam a fonte dos dados utilizados na construção de uma tabela, devem ser colocadas após a ultima
linha da mesma, precedida da palavra “Fonte:”;
c) quando indicam abreviaturas devem ser precedidas da
palavra “Abreviaturas:” e devem constar da abreviatura
seguida do seu significado (exemplo: “LT significa linfócito T; LB, linfócito B; e CNK, célula “natural killer”.);
d) quando são referentes a colunas, linhas ou dados individuais devem ser indicadas usando símbolos (*, †, ‡, §, | |, ¶, #,
**, ††, ‡‡
).
7. EDIÇÃO DA VERSÃO FINAL DO ARTIGO
7.1 Tradução
O ideal é redigir o artigo ad inicium na língua de publicação,
geralmente o inglês. Se os autores não se sentirem à vontade
para o fazer e for necessária a sua tradução posterior, esta não
deve ser uma tradução literal, mas sim uma tradução científica,
com a utilização precisa dos termos e expressões técnicas. Há
empresas que oferecem serviços de tradução “técnico-científica”,
mas nem todas o fazem com qualidade e em alguns casos o preço é proibitivo(8).
7.2 Revisão
É importante que a versão final do artigo seja revista por
duas pessoas independentes: alguém que esteja familiarizado
com a área geral de trabalho e outra pessoa que, de preferência, esteja familiarizado com o assunto específico do artigo;
pelo menos uma dessas duas pessoas deve ter experiência
pessoal de redação de artigos para publicação. Só assim podem ser identificados os pontos que devem ser esclarecidos ou
melhorados.
7.3 Cópias de segurança
É preferível começar a escrever o artigo pouco tempo após
a conclusão do trabalho, quando ideias, problemas, soluções e
detalhes estão mais frescos na memória, mantendo o ritmo redação e fazendo cópias de segurança com regularidade.
DESIGN, WRITING AND PUBLICATION OF SCIENTIFIC
MANUSCRIPTS – MANUSCRIPT WRITING: SIZE AND FORM
ABSTRACT
In this third manuscript, from four that comprise the heading
“DESIGN, WRITING AND PUBLISHING OF SCIENTIFIC
PAPERS”, as part of the “SCIENTIFIC EDUCATION” section of
the journal “NASCER E CRESCER”, we cover the most relevant
aspects concerning the size, layout and linguistic issues of a
scientific paper to submit the publication.
Key-words: Scientific education, writing of scientific
manuscripts.
Nascer e Crescer 2013; 22(3): 193-198
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
1. No authors listed. The International System of Units. National Institute of Standards and Technology (NIST) [Internet].
Special Publication 330, 2008 Edition. 2008. [consultado em
4 Julho 2012]. Disponível em: http://physics.nist.gov/Pubs/
SP330/sp330.pdf
2. Ng KH, Peh WCG. Preparing effective illustrations. Part 1:
graphs. Singapore Med. J. 2009;50:245-9.
educação científica
scientific education
197
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
3. Ng KH, Peh WC. Preparing effective illustrations. Part 2:
photographs, images and diagrams. Singapore Med. J.
2009;50:330-334; quiz 335.
4. Annesley TM. Put your best figure forward: line graphs and
scattergrams. Clin. Chem. 2010;56:1229-33.
5. Annesley TM. Bars and pies make better desserts than figures. Clin. Chem. 2010;56:1394-400.
6. Ng KH, Peh WC. Preparing effective tables. Singapore Med.
J. 2009;50:117-118; quiz 119.
7. Annesley TM. Bring your best to the table. Clin. Chem.
2010;56:1528-34.
8. Langdon-Neuner, E, Berghammer, G. The Write Stuff: The
importance of language for medical writers. Panace@.
2010;11:32-26.
198
educação científica
scientific education
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Margarida Lima
Hospital de Santo António
Centro Hospitalar do Porto
Largo Professor Abel Salazar, 1
4099-001 Porto, Portugal
Telefone: + 351 22 2077500
E-mails: [email protected];
[email protected]
Recebido a18.05.2013 | Aceite a 22.05.2013
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ano 2013, vol XXII, n.º 3
INSTRUÇÕES AOS AUTORES
A Revista NASCER E CRESCER dirige-se a todos os profissionais
de saúde com interesse na área da Saúde Materno Fetal e Neonatal e
publica artigos científicos relacionados com a Pediatria, Pediatria Baseada
na Evidência, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão
Hospitalar. Poderão ser publicados artigos provenientes de todos os países
de língua oficial portuguesa, bem como de outros países se redigidos em
português, espanhol, inglês ou francês. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da Direcção
da Revista. A revista publica artigos originais de investigação, artigos de
revisão, casos clínicos e artigos de opinião.
Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo
de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos
autores. Os artigos publicados ficarão de inteira propriedade da Revista e
não poderão ser reproduzidos, no todo ou em parte, sem prévia autorização dos editores.
MANUSCRITO
Os trabalhos devem ser endereçados ao Diretor da revista para o seguinte endereço eletrónico
[email protected]
como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word,
acompanhados da declaração de autoria.
Os artigos estão sujeitos a um processo de revisão e cabe ao Editor a
responsabilidade de os: a) aceitar sem modificações, b) aceitar após alterações propostas, ou c) rejeitar, com base no parecer de pelo menos dois
revisores que os analisarão de forma anónima. Os pareceres serão sempre
comunicados aos autores.
CONSENTIMENTO INFORMADO E APROVAÇÃO PELA COMISSÃO
DE ÉTICA
É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os
princípios éticos e deontológicos, bem como, a legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia.
Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem a
existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de Ética.
É obrigatória declaração de conflito de interesses ou financiamento.
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão
Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements
for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org.
Updated July 2011).
O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem: 1 – Título em
português e em inglês; 2 – Autores; 3 – Resumo em português e inglês.
Palavras-chave e Keywords; 4 – Corpo do artigo; 5 – Referências Bibliográficas; 6 – Figuras; 7 – Quadros; 8 – Legendas; 9 – Agradecimentos e
esclarecimentos.
As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida
atrás.
TÍTULOS E AUTORES
– O título deve ser o mais conciso e explícito possível, escrito na primeira página, em português e em inglês, não mencionando a identificação
da instituição onde decorreu o estudo.
– A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com a(s)
inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida do apelido e devem constar
as afiliações profissionais.
– Os contactos de todos os autores devem incluir endereço postal,
endereço eletrónico e telefone.
RESUMO E PALAVRAS-CHAVE
– O resumo deverá ser redigido na língua utilizada no texto e sempre
em inglês, devendo evitar-se abreviaturas.
– Nos artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras e
ser elaborado segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material
e Métodos, Resultados e Conclusões.
– Nos artigos de revisão deverá compreender no máximo 250 palavras
e ser estruturado da seguinte forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões.
– Nos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/Conclusões.
– Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão de base
à indexação do artigo. Os termos devem estar em concordância com o
Medical Subject Headings (MeSH).
TEXTO
– O texto poderá ser apresentado em português, inglês, francês ou
espanhol.
– Os artigos originais de investigação devem ser elaborados com a
seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões.
– Os artigos de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões.
– Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente estudados e
discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma
discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária.
– As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação. Quando necessária a sua utilização, devem ser definidas na primeira vez que são
mencionadas no texto. Quando usadas mais do que seis, recomenda-se a
inclusão de um quadro onde todas serão especificadas. Não se aceitam
abreviaturas nos títulos dos trabalhos.
– Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977),
utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal.
– Os números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais ou se usam para unidades de medida. Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase.
– Relativamente aos resultados, a informação não deverá ser referida
em duplicado no texto e nos quadros / tabelas, bastando salientar no texto
os principais citados na figura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
– As referências devem ser classificadas e numeradas por ordem de
entrada no texto, com algarismos árabes, formatados sobrescritos.
– Referências sequenciais devem ser feitas indicando apenas a primeira e a última, unidas por hífen (ex.: 4-7). Serão no máximo 40 para artigos originais, 15 para casos clínicos e 80 para artigos de revisão.
– Os autores devem verificar se todas as referências estão conformes
aos Uniform Requirements for Manuscript submitted to biomedical
journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam
normas de publicação
instructions for authors
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NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo Índex Medicus. Os
autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine relativamente às
recomendações de formato para os vários tipos de referência. Seguem-se
alguns exemplos:
a) Revista médica: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al
(em itálico) se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista, ano,
volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH, Haque SK, Bahakim
H, el-Hazmi M, el-Swailam M, et al. Intravenous Immunoglobulin for
prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr
Infect Dis 1986; 5: 622-65.
b) Capítulo em livro: autor(es), título do capítulo, nome(s) do(s) Editor(es),
título do livro, número da edição, cidade e nome da casa editora, ano
de publicação, primeira e última páginas do capítulo. Ex.: Phillips SJ,
Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM,
editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management.
2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Livro: autor(es), título do livro, número da edição, cidade e nome da
casa editora, ano de publicação e número de página. Ex.: Jenkins
PF. Making sense of the chest x-ray: a hands-on guide. 2nd. London:
Taylor & Francis; 2013. p. 120.
d) Referência electrónica: artigo de revista em formato electrónico. Ex.:
Jeha G, Kirkland J. Etiology of hypocalcemia in infants and children.
Janeiro, 2010. (Acedido em 8 de Maio de 2013). Disponível em:
http://www.uptodate.com.
– Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda.
– Se a figura ou quadro é cópia de uma publicação ou modificada,
deve ser mencionada a sua origem e autorização para a sua utilização
quando necessário.
– Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir
a sua identificação devendo ser acompanhadas pela autorização para a
sua publicação dada pelo doente ou seu responsável legal.
– O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os
artigos originais e cinco para os casos clínicos. As figuras ou quadros coloridos, ou os que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados
a expensas dos autores.
FIGURAS E QUADROS
– Todas as ilustrações deverão ser apresentadas em formato digital
de boa qualidade.
– Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente, em
numeração árabe, por ordem de referência no texto, ser apresentado em
página individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando
necessário.
CARTAS AO EDITOR
As Cartas ao Editor deverão constituir um comentário a um artigo da
revista ou uma breve nota sobre uma importante nova prática clínica. Não
devem exceder as 500 palavras e ter um máximo de 5 referências bibliográficas.
AGRADECIMENTOS E ESCLARECIMENTOS
Os agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum dos
autores ou financiamento do estudo devem figurar na última página.
MODIFICAÇÕES E REVISÕES
No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem
ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias.
As provas tipográficas serão enviadas aos autores em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da Revista.
O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores,
sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista.
ESTRUTURA DOS ARTIGOS – NORMAS DE PUBLICAÇÃO
Figuras e
Quadros
Bibliografia
Número
total
máximo
Número
máximo de
referências
5000
. Introdução/Objectivo
. Material e Métodos
. Resultados
. Discussão
. Conclusões
8
40
2500
. Introdução (breve)
. Caso(s) Clínico(s)
. Discussão (com conclusão)
5
15
3 a 10
5000
. Introdução
. Métodos
. Desenvolvimento
. Discussão (com conclusões)
8
80
_
500
_
_
Resumo
Tipo de artigo
Número
máximo de
palavras
Texto
Estrutura
Artigos originais de
investigação
250
. Introdução/Objectivo
. Material e Métodos
. Resultados
. Conclusões
Casos Clínicos
150
. Introdução
. Caso(s) clínico(s)
. Discussão/Conclusões
Artigos de revisão
250
. Introdução
. Objectivos
. Desenvolvimento
. Conclusões
Carta ao Editor
_
200
normas de publicação
instructions for authors
_
Palavras-chave
(Português e Inglês) Número máximo de palavras
(excluindo Referências e
Ilustrações)
3 a 10
3 a 10
Estrutura
5
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
INSTRUCTIONS FOR AUTHORS
The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals
of health with interest in the area of Maternal, Fetal and Child/Adolescent
Health and publishes scientific articles related with Paediatrics, Evidence
Based Paediatrics , Mental Health, Bioethics and Health Care Management.
The journal accepts manuscripts from all countries of Portuguese language,
as well as other countries written in Portuguese, English and Spanish.
The Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are
published under request of the Direction of the journal. The Journal publishes
original articles, review articles, case reports and opinion articles.
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any form. The opinions therein are the full responsibility of the authors.
Published articles will remain the property of the Journal and may not be
reproduced, in full or in part, without the prior consent of the editors.
MANUSCRIPT
Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the
journal: NASCER E CRESCER, Revista de Pediatria do Centro Hospitalar
do Porto to
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Submitted articles should follow the instructions below, and are subject
to an editorial screening process based on the opinion of at least two
anonymous reviewers. Articles may be: a) accepted with no modifications,
b) accepted with corrections or modifications, c) or rejected. This is based
opinion of at least two reviewers who review anonymously. Authors will
always be informed of the reasons for rejection and of the comments of
the experts.
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It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical
and deontological principles, as well as legislation and norms applicable, as
recommended by the Helsinki Declaration.
In research studies it is mandatory to have the written consent of the
patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conflict of
interest and financial support.
MANUSCRIPT PREPARATION
Nascer e Crescer complies with the recommendations of the
International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform
requirements for manuscripts submitted to biomedical journals.
http://www.icmje.org. Updated July 2011).
All the components of the paper, including images must be submitted
in electronic form. The papers must be presented as following: 1 - Title in
Portuguese and English; 2 - Authors; 3 - Abstract in Portuguese and English
and keywords; 4 - Text; 5 - References; 6 - Figures; 7 - Tables; 8 - Legends;
9 – Acknowledgements and clarifications.
Pages should be numbered according the above sequence.
If a second version of the paper is submitted, this should also be sent
in electronic format.
TITLE AND AUTHORS
- The title should be concise and revealing, written on the first page, in
Portuguese and English, not mentioning the identification of the institution
where the study was held.
- The indication of the authors should be made by the clinical name (s)
or with initial (s) (s) first (s) name (s), followed by the surname and should
include professional affiliations.
- At the end of the page must include: organizations, departments or
hospital services of the author(s); the name of the Institutions where the
study was performed; the contact details of all authors (postal address,
electronic address and telephone).
ABSTRACT AND KEYWORDS
- The abstract should be written in the same language of the text and
always in Portuguese and English. Do not use abbreviations.
- Original articles should contain no more than 250 words and the
abstract should consist of labelled Background, Material and Methods,
Results and Conclusions.
- Review articles should contain no more than 250 words and must be
structured: Introduction, Objectives, Development and Conclusions.
- Case Reports should contain no more than 150 words and the
abstract should consist of labelled Introduction, Case report and Discussion/
Conclusions.
- Each abstract should be followed by the proposed keywords in
Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and
maximum of ten, as a basis for indexing Article. Use terms from the Medical
Subject Headings from Index Medicus (MeSH).
TEXT
- The text may be written in Portuguese, English, French or Spanish.
- The original articles should contain the following sections: Introduction;
Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions.
- The structure of review articles should include: Introduction; Objectives,
Development and Conclusions.
- The case reports should be unique cases duly studied and discussed.
They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct
discussion including a summary conclusion.
- Any abbreviation used should be spelled out the first time they are
used. When used more than six, it is recommended to include a table where
all be specified. Abbreviations are not accepted in the titles of papers.
- Parameters or values measured should be expressed in international
(SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the
corresponding abbreviations adopted in Portugal.
- Numbers 1 to 10 should be written in full, except in the case of decimals
or units of measurements. Numbers above 10 are written as figures except
at the beginning of a sentence.
- With regard to the results, the information should not be referred to in
duplicate in the text and tables / charts, being enough emphasize the text
cited in the main figure.
REFERENCES
- References should be noted in the text with subscript Arabic numbers,
in order from the first citation.
- Referências sequenciais devem ser feitas indicando apenas a
primeira e a última, unidas por hífen (ex.: 4-7). They should be limited to 40
for original papers, 15 to case reports and 80 to review articles.
- The journal complies with the reference style in the Uniform
Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals
(www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal titles
according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should
consult NLM’s Citing Medicine for information on its recommended formats
for a variety of reference types. Examples:
a) Journal: list the first six authors followed by et al to surpass 6, title of
the article, name of the journal, year, volume, pages. Ex: Haque KN,
Zaidi MH, Haque SK, Bahakim H, el-Hazmi M, el-Swailam M, et al.
normas de publicação
instructions for authors
201
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2013, vol XXII, n.º 3
Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and
low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5: 622-65.
b) Chapters of books: author(s), title of the chapter or contribution,
name and initials of the editors, title of book preceded by ‘In:’, number
of edition, city and name of publisher, year of publication, first and
last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension
and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension:
pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York:
Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Book: author(s), title of book, number of edition, city and name of
publisher, year of publication, page. Ex: Jenkins PF. Making sense
of the chest x-ray: a hands-on guide. 2nd. London: Taylor & Francis;
2013. p. 120.
d) Online reference: Journal article on the Internet: Ex.: Jeha G, Kirkland
J. Etiology of hypocalcemia in infants and children. January, 2010.
(Accessed 8 May 2013). Available at: http://www.uptodate.com.
TABLES AND FIGURES
- All illustrations should be in digital format of high quality.
- Each table and figure should be numbered in sequence, by Arabic
numerals, in the order in which they are referenced in the text. They should
each have their own page and bear an explanatory title and caption when
necessary.
- All abbreviations and symbols need a caption.
- If the illustration has appeared in or has been adapted from copyrighted
material, include full credit to the original source in the legend and provide
an authorization if necessary.
- Any patient photograph or complementary exam should have patients’
identities obscured and publication should have been authorized by the
patient or legal guardian.
- The total number of figures or tables must not exceed eight for original
articles and five for case reports. Figures or tables in colour, or those in
excess of the specified numbers, will be published at the authors’ expense
in the paper version.
ACKNOWLEDGMENTS AND CLARIFICATIONS
The acknowledgments and the conflict of interests must be published
at the last page.
All authors are required to disclose all potential conflicts of interest.
All financial and material support for the research and the work should
be clearly and completely identified in an Acknowledgment section of the
manuscript.
MODIFICATIONS AND REVISIONS
If the paper is accepted subject to modifications, these must be
submitted within fifteen days of notification.
Proof copies will be sent to the authors in electronic form together
with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the
Journal’s publishing schedule.
Failure to comply with this deadline will mean that the authors’ revisions
may not be accepted, any further revisions being carried out by the Journal’s
staff.
LETTERS TO THE EDITOR
Letters to the Editor should be a comment to scientific manuscript or
a small note about an important new clinical practice. A letter should not
exceed 500 words and have a maximum of 5 references.
FORM OF MANUSCRIPTS
Abstract
Article
Original articles
Case Reports
Review articles
Letters to the Editor
202
Maximum
words
250
150
250
Sections
Keywords
(Portuguese and
English)
Text
Maximum words
(excluding References and
Tables)
Sections
Tables and
Figures
References
Maximum
Maximum
8
40
. Background
. Methods
. Results
. Conclusions
3 a 10
5000
. Introduction/Aim
. Methods
. Results
. Discussion
. Conclusions
. Introduction
. Case report
. Discussion/
Conclusions
3 a 10
2500
. Introduction (short)
. Clinical Case
. Discussion (including
conclusions)
5
15
3 a 10
5000
. Introduction
. Methods
. Main text
. Discussion (including
conclusions)
8
80
_
500
_
5
. Introduction
. Aim
. Results
. Conclusions
_
normas de publicação
instructions for authors
_
_