Turismo Sustentável na Itália - Congresso de Arquitetura Turismo e

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Turismo Sustentável na Itália - Congresso de Arquitetura Turismo e
CATS 2014 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade
TURISMO SUSTENTÁVEL NA ITÁLIA: O CASO DE BOLONHA
Kelly Dias Tagliati
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela
UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora)
Jéssica de Fatima Rossone Alves
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela
UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora)
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CATS 2014 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade
RESUMO
Com base no estudo recente feito pela UNESCO sobre o desenvolvimento turístico dos
principais locais da Itália que são patrimônios reconhecidos pela Organização e da
experiência vivenciada pelas autoras em um ano de mobilidade acadêmica no país,
busca-se explorar a atuação do setor turístico no contexto italiano e o caso do centro
histórico de Bolonha. A Itália, atualmente, é o país que detém o maior número de sítios,
num total de 50 incluídos na lista de Patrimônios da Humanidade da UNESCO. Entre eles
estão os centros históricos de cidades importantes, que constituem o principal meio
socioeconômico de subsistência nacional. A metodologia envolveu o levantamento
bibliográfico e digital, contemplando publicações da UNESCO, o levantamento dos planos
estratégicos desenvolvidos para o turismo nos centros históricos italianos e a consulta
dos sites das entidades que gerenciam o turismo a nível regional, provincial e local. Um
breve panorama do turismo cultural nas cidades italianas mostrou, apesar de alguns
elementos críticos, a sua importância e especialmente o seu enorme potencial em termos
de crescimento econômico e social para todo o país.
Palavras-chave:
cidades
históricas,
turismo
cultural,
impacto
socioeconômico,
planejamento.
ABSTRACT
Based on the recent study by UNESCO on the development of the main tourist sites in
Italy that are the heritage recognized by the Organization and the experience lived by the
authors in a year of academic mobility in the country, we seek to explore the performance
of the tourism sector in the Italian context and the case of the historical center of Bologna.
Italy is currently the country with the largest number of sites, a total of 50, included in the
list of World Heritage Sites of UNESCO. Among them are the historic centers of major
cities, which are the main means of national socio-economic livelihood. The methodology
involves the bibliographic and digital contemplating UNESCO publications, surveying the
strategic plans developed for tourism in the Italian historical centers and consulting the
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websites of entities that manage tourism at regional, provincial and local level. A brief
overview of cultural tourism in the Italian cities showed, despite some critical elements,
their importance and especially its enormous potential in terms of economic and social
growth for the whole country.
Keywords: historical cities, cultural turism, socioeconomic impact, planning
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INTRODUÇÃO
As características mais significativas da Convenção para a proteção do Patrimônio
Mundial de 1972 estão relacionadas à capacidade de unir em um único documento
conceitos de conservação natural e a preservação dos bens culturais. A Convenção
reconhece os modos pelos quais o homem interage com a natureza, e a necessidade
fundamental de preservar o equilíbrio entre um e outro. A atual lista de patrimônios de
valor universal inclui 1001 sítios entre patrimônio cultural e natural, 777 bens culturais,
194 naturais e 30 mistos, presentes em 161 países do mundo.
Neste contexto, insere-se a questão do forte incentivo ao turismo cultural1 nesses
países e a preocupação de manter o equilíbrio entre a atividade turística e a preservação
do patrimônio. Logo, o presente trabalho busca explorar a atuação do setor turístico no
contexto italiano, com base no estudo recente feito pela UNESCO2 sobre o
desenvolvimento turístico dos principais locais da Itália que são patrimônios reconhecidos
pela Organização. A escolha da cidade de estudos justifica-se pelo fato das autoras
terem participado de um programa de mobilidade acadêmica em Bolonha, onde foi
possível absorver diversas experiências, percepções e conhecimentos. Além disso, a
motivação se dá pela disponibilidade de dados estatísticos e de informações sobre os
planos turísticos desenvolvidos naquela cidade.
O trabalho possui dois momentos principais: o primeiro refere-se a analise do
panorama turístico da Itália, visto que é o país que detém o maior número de sítios, num
total de 50 incluídos na Lista de Patrimônios da Humanidade; no segundo o estudo é
voltado especificamente para Bolonha, a fim de estudar analisar a gestão da sua
atividade turística.
A metodologia de pesquisa envolveu levantamento bibliográfico, contemplando
publicações da UNESCO e levantamento dos planos estratégicos desenvolvidos para o
1
Segundo FIGUEIREDO (2005), turismo cultural é entendido como atividade que propõe a utilização de elementos da
cultura local como atrativo turístico, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da comunidade e acentuando os
intercâmbios culturais. Insere-se nesta dinâmica o elemento econômico, o qual que não nega os valores culturais, mas
os revela e abre possibilidades para a implementação de modelos sustentáveis onde a população participa e tem sua
cultura valorizada,
2
Estudo realizado pela Associazione Beni Italiani Patrimonio Mondiale Unesco em colaboração com o Centro Italiano di
Studi Superiori sul Turismo e Promozione Turistica e o Ministero per i Beni e Attività Culturali, tendo em vista a Lei de 20
de fevereiro de 2006, n. 77 que regulamenta “medidas especiais de proteção e utilização dos locais italianos de
interesse cultural, paisagístico e ambiental, na Lista do Patrimônio Mundial sob a proteção da UNESCO".
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turismo nos centros históricos do país. Foram avaliadas as características do turismo na
Itália segundo a natureza, tempo de excursão, perfil de turista e os desdobramentos
dessas atividades.
Para o estudo da cidade de Bolonha foram consideradas principalmente as
experiências vivenciadas, visto que os bens que formam a identidade da cidade foram
conhecidos e apreendidos pelas autoras durante o ano de mobilidade acadêmica. Para
contextualizá-la foi feito um levantamento histórico, a fim de descrever brevemente como
foi o seu desenvolvimento e quando originaram-se os elementos que ainda fazem parte
do traçado urbano e que tornam o lugar peculiar. Para analisar de que forma a atividade
turística é conduzida, foram utilizados como fonte de pesquisa os sites das entidades que
gerenciam o turismo a nível regional, provincial e local.
Desse modo a estrutura adotada apresenta a importância dos centros históricos
para a sociedade moderna, o turismo na Itália e a sua posição no mercado turístico
global, os impactos do turismo cultural e o estudo do centro histórico de Bolonha.
CENTROS HISTÓRICOS E PAISAGEM URBANA HISTÓRICA
O turismo cultural é em grande parte turismo urbano3. E por isso, conciliar as
finalidades primárias da proteção e conservação do patrimônio e a sua valorização com o
crescimento acelerado do fluxo turístico é um desafio. A excessiva exploração do
potencial turístico nos centros históricos tende a favorecer os benefícios de curto prazo e
pode, de fato, colocar em risco a preservação a partir do momento que induz mudanças
profundas na cidade. Para transmitir a cidade histórica às gerações futuras respeitando
sua autenticidade, é preciso ter em consideração a sua integridade visual e da paisagem,
bem como a sua integridade funcional e estrutural, colaborando assim com a
conservação integrada do patrimônio.
Na esfera internacional, as publicações do ICOMOS - International Council on
Monuments and Sites - e as Recomendações UNESCO tendem a afirmar cada vez mais
a visão da cidade não como um museu, mas como um organismo vivo que se adapta às
exigências da vida moderna. E por isso, as intervenções e a conservação devem
3
Associazione Beni Italiani Patrimonio Mondiale Unesco et al apud COSTA, P., MANENTE M. E FURLAN M. C., Politica
economica del turismo, Touring University Press, 2001, p. 216.
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respeitar não somente os aspectos formais da cidade, mas também aqueles que se
referem às funções urbanas, em particular a moradia, adaptando os usos às mudanças
impostas pelas transformações sociais. Surge, então, uma noção ampliada de patrimônio
urbano que ultrapassa a concepção de centro histórico e abrange um território mais vasto
no qual a cidade é construída através do tempo, e afirma a ideia já defendida por Aldo
Rossi4, da arquitetura como a construção da cidade no tempo. Uma concepção que
considera a organização do espaço, os valores sociais e culturais da vida urbana, a
percepção visual e a relação entre edifícios, a topografia e a morfologia, integrando
também os conceitos intangíveis que constituem a alma da cidade. As Recomendações
da Unesco sobre a Paisagem Histórica Urbana de 20115, Capítulo II, 14, reconhecem “o
importante papel das áreas históricas nas sociedades modernas, identificam uma série
de ameaças específicas para a conservação de áreas históricas e oferecem princípios
gerais, políticas e diretrizes para fazer face a tais desafios.” A abordagem da paisagem
urbana histórica permite que políticos e gestores encarem os novos desafios e
oportunidades de maneira mais eficaz e, além disso, oferece apoio às comunidades na
busca de desenvolvimento e adaptação, conservando as características e os valores
ligados à sua história, memória coletiva e meio ambiente.
TURISMO CULTURAL NA ITÁLIA
O plano intitulado "Itália 2020 Liderança do Turismo, do Trabalho, do Sul” 6,
denuncia a perda de competitividade do setor do turismo, mas investiga como a Itália tem
ainda um papel significativo no turismo internacional. Embora tenha passado de primeiro
para o quinto lugar no ranking mundial de destinos mais visitados, o turismo continua a
ser um recurso importante, em termos econômicos e culturais, pois oferece grandes
oportunidades para o aprimoramento do patrimônio cultural, no que diz respeito à
divulgação da identidade dos territórios, e em termos de captação de novos recursos
4
Aldo Rossi sustenta que a compreensão da cidade passa pela consideração de que ela se constitui ao longo do tempo.
À análise da cidade pressupõe, segundo esta teoria, o isolamento e a classificação dos fatos urbanos presentes.
5
UNESCO.
Recomendações
sobre
a
Paisagem
Histórica
Urbana,
2011.
Disponível
em:
<http://www.sintraovpm2011.com/ocs/public/conferences/1/docs/UNESCO_RECOMENDA.pdf?PHPSESSID=25f455cc3e
79b22f3de89e90062ee414>.
6
O documento intitulado “Turismo Italia 2020. Leadership, Lavoro, Sud” é o primeiro plano estratégico para o
desenvolvimento do turismo na Itália, publicado em janeiro de 2013, pelo governo italiano.
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para a sua preservação e valorização. Segundo o Country Brand Index 2012-20137, que
analisou 118 países, a Itália é o primeiro destino em atrações ligadas à cultura e à
gastronomia, terceiro em compras e, no geral, é "o primeiro destino onde os turistas
gostariam de ir". Do plano estratégico desenvolvido pelo governo italiano é deduzida a
crítica à indústria turística italiana: problemas de administração no setor, de promoção no
exterior fragmentação, infraestrutura insuficiente, treinamento inadequado de pessoal
para mercado global, e dificuldades em atrair investimentos internacionais. O plano
enfatiza a necessidade de iniciar uma mudança cultural que pode concentrar-se na
formulação do turismo como "glocal"8, essencial para uma coordenação forte e eficaz
entre o Estado, Regiões e municípios.
IMPACTOS DO TURISMO CULTURAL
A análise do ciclo de vida9 das destinações turísticas pode ser integrada com
considerações relativas à composição dos fluxos. Pela extensão, importância e a
onipresença do histórico e artístico, o turismo cultural nas cidades italianas é um dos
segmentos mais atraentes e lucrativos do setor. Em termos de fluxos, cerca de 94
milhões de visitantes foram contabilizados na última década, com segundo melhor
desempenho diretamente após o turismo costeiro, de acordo com o Istituto Nazionale di
Statistica.
A partir da analise dos fluxos de visitantes, pode-se avaliar os possíveis
impactos10 que podem tornar o turismo cultural menos sustentável. O impacto físico é o
que corresponde às alterações no ambiente construído na sua concepção mais ampla,
compreendendo o caráter natural, histórico, artístico e cultural, que envolvem aspectos
7
O Country Brand Index 2013-2013 é um estudo global produzido pela companhia FutureBrand, equipe formada por
mais de 600 profissionais ao redor do mundo.
8
Planos que levam em consideração a concorrência internacional, porém a oferta local.
9
O ciclo de vida de uma destinação turística, termo aceitado pelos estudiosos como no caso de Butler, cujo estudo se
baseia na hipótese que a evolução da localização turística se articula em diversas fases - fase explorativa, fase de
emergência, de desenvolvimento, consolidação, estagnação e declínio - é expresso na dinâmica por gráfico cujas
variáveis são o tempo e número de visitantes.
10
Os conceitos de impacto físico e social partem das definições encontradas no estudo da Associazione Beni Italiani
Patrimonio Mondiale Unesco et al apud COSTA P. et al. Politica economica del turismo. TUP, 2001, p. 129; e apud
DRDACKY, Milos e DRDACKY, Tomas. Impatti e richi generati dalla presenza di un elevato numero di visitatori, Picture
D9, 2006.
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ambientais; deterioramento mecânico nas estruturas históricas; vandalismo; ignorância e
negligência por parte dos turistas; transformações e modernização dos edifícios; e os
conflitos de uso.
O impacto social compreende as alterações sobre as funções sociais e
econômicas da área e na qualidade de vida da população residente. Um exemplo de
impacto social pode estar relacionado com a chegada de turistas não equilibrada durante
o ano, que pode causar a repentina mudança de atividades econômicas normais, como
comércio e serviços. É geralmente o que acontece nas cidades italianas de turismo
cultural e religioso, quando nas datas comemorativas promovem festas e celebrações.
Entre outros impactos sociais estão a invasão do espaço urbano e a consequente perda
da privacidade.
EXCUSIONISMO
Um elemento que caracteriza o turismo cultural na Itália é a sua duração, de
normalmente 2,7 dias, em comparação com o turismo costeiro, que tem média de 5,4
dias11. “O turismo cultural, sobretudo aquele praticado pelos próprios italianos,
normalmente são viagens de curta duração - weekends, short breaks, brevi vacanze durante os principais feriados e festas religiosas.” (Associazione Beni Italiani Patrimonio
Mondiale Unesco et al, 2013, pag. 167)
Considerando o estudo publicado em 2013 pela Associazione Beni Italiani Patrimonio
Mondiale Unesco, acredita-se que mudanças mais significativas de demanda são
advindas sobretudo da presença crescente de excursionistas12 que preconizam a relação
custo benefício e permanecem um tempo limitado no sitio turístico. Na maioria dos casos,
são grupos de jovens, excursões escolares ou religiosas, que buscam uma boa relação
entre qualidade e preço nas ofertas. Este caráter transitório do turismo, pode determinar
a visita superficial em algumas atrações e a concentração de experiências em breve
11
O estudo realizado pela Associazione Beni Italiani Patrimonio Mondiale Unesco et al se vale de dados extraídos do
gráfico publicado pelo Istituto Nazionale di Statistica - ISTAT “Presenze nelle città d’arte e in Italia.” que analisa a
relação entre a prática do turismo cultural e todos os tipos de turismo na Itália entre 2000 e 2010.
12
Segundo Sarchi (2005) apud Cooper (2001), o visitante é um viajante quando é incluído nas es-tatísticas de turismo,
com base em seu propósito de visita, que pode incluir férias, visitas a amigos e trabalho; turista é um visitante que
passa, pelo menos, uma noite no país visitado; e visitante de um dia é o que não passa a noite em uma hospedagem,
privada ou coletiva, chamado também de excursionista.
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tempo, além de não permitir o contato do turista com a população local, através da
formalização e planejamento excessivos dos roteiros, carentes de espontaneidade.
Nos últimos anos, alguns tipos de excursionismo13 tem gerado sobretudo problemas de
sustentabilidade nos centros históricos. Como exemplo, os excursionistas indiretos,
somados áqueles que possuem imóvel próprio no local e aos day trippers e, ou os falsos
excursionistas, e assim, não se obtém significativa demanda de permanência nos centros
históricos, apontando para a inclusão das periferias na oferta de serviços e estruturas
turísticas secundárias.
O CENTRO HISTORICO DE BOLONHA
Bolonha tem origens antigas, datadas no século IX a.C. quando surgiram os
primeiros assentamentos da antiga civilização “villanoviana”. Somente em 189 a.C. ela
nasce oficialmente como cidade sob o domínio romano14. Com o fim deste e de
sucessivas invasões, Bolonha ressurge no séc. X com grande renome, trazendo
progressivamente elementos que se tornaram essenciais para o desenvolvimento
econômico e cultural do lugar. Um deles é a Alma Mater Studiorum fundada em 1088,
considerada hoje a universidade mais antiga da Europa.
(Fig. 01) Due Torri, Bolonha, Itália. Fonte: http://cosafarea.it
13
Segundo estudo realizado pela Associazione Beni Italiani Patrimonio Mondiale Unesco et al, excursionistas indiretos
são turistas que visitam um centro histórico como destino complementar integrado a outro roteiro de viagem, assim
como falsos excursionistas vão ser aqueles que permanecem e utilizam serviços em áreas periféricas da cidade, mas
tem como meta principal o centro histórico.
14
Nominada pelos romanos de Bononia, a cidade alcançou uma autonomia administrativa e grande crescimento para
época, com a construção de estradas, aquedutos, teatros e termas.
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No sec. XII a implantação de grandes torres pertencentes às famílias ricas da
época muda o cenário urbano. Entre as que foram preservadas destacam-se a torre
Garisenda e a degli Asinelli (figura 01), principais marcos e pontos turísticos da cidade
atualmente.
No fim do séc. XIX e inicio do séc. XX a cidade passa por grandes reformas no
plano urbano. Novos edifícios foram construídos e outros adaptados segundo as
exigências locais. Nesse contexto foi reavaliado o caráter medieval da cidade que passou
a ser considerado uma peculiaridade do lugar.
Suas características foram levadas em consideração nos novos projetos de
Afonso Rubbiani15, que intervém na cidade usando traços do medieval por considerá-lo
um período rico de valores e importante para a identidade coletiva. Esse apego ao
aspecto medieval trouxe controvérsias em 1902 quando uma parte da população se opôs
à demolição dos muros medievais, como previa o plano regulador da cidade aprovado em
1889 (COSTA, 2013). A muralha foi destruída, mas as portas foram mantidas e hoje
também fazem parte do patrimônio cultural de Bolonha (figuras 2, 3 e 4).
(Fig.02 e 03) Porta Saragozza e Porta San Donato. Fonte: http://cosafarea.it
15
Engenheiro do séc. XIX e XX que restaura em “estilo” diversos edifícios em Bologna com base no medieval.
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(Fig. 04) A evolução do centro histórico
de Bolonha.
I-Porta Maggiore (ou
Mazzini), II-Porta S. Stefano, III-Porta
Castiglione, IV-Porta San Mamolo
(inexistente), V-Porta Saragozza, VIPorta S. Isaia (inexistente), VII-Porta San
Felice (ou Saffi), VIII-Porta Lame, IXPorta Galliera, X-Porta Mascarela, XIPorta San Donato, XII-Porta San Vitale.
Fonte:
http://www.provincia.bologna.it/turismo/
Outro ponto marcante da cidade que constitui a sua própria identidade e que
delineia o seu perfil entre as cidades italianas são os pórticos, que se alongam por 38
quilômetros dentro dos muros16, e que narram a história e arquitetura da cidade com o
passar dos tempos. Desde 2006, o Ministério dos Bens e Atividades Culturais da Itália
pretende, por meio de uma inscrição, proteger o conjunto de pórticos a nível mundial, na
categoria Bem Cultural pela UNESCO.
Intitulada “la città dotta, rossa e grassa”, Bolonha é atrativa por abrigar a milenar
universidade da Europa, pela coloração avermelhada dos seus edifícios e pela variedade
gastronômica. O seu comércio, áreas de lazer, bibliotecas, teatros, eventos, obras de
arte e espaços públicos são divulgados e valorizados pelo setor turístico da cidade, da
província e da região, com base na parceria que existe entre as três esferas. Cada uma
atua em escalas diferentes e com programas específicos, mas possuem o mesmo
princípio e objetivo em comum, o de atender a demanda atual da atividade turística.
A nível regional existe a promoção do patrimônio das cidades pertencentes à
região da Emilia-Romagna (Piacenza, Parma, Reggio Emilia, Modena, Bolonha, Ferrara,
Ravenna, Forli, Cesena e Rimini) que propõe ao turista uma gama de atividades culturais
e programações com durações diversas para a visita em uma ou mais cidades.
16
Os pórticos que se encontram dentro do centro histórico que tem sua área delimitada pelo traçado dos antigos
muros.
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A província de Bolonha oferece, além de atividades e calendários com as datas
dos festivais e das festas populares, a visita aos Alpes e planícies bolonhesas. Uma
estrutura operativa que merece destaque é a UDP Città d’arte - Unione di Prodotto Città
d'Arte, Cultura e Affari (União do Produto da Cidade de Arte, Cultura e Serviço) fundada
em 1998 através da parceria entre sócios públicos e privados a fim de reagrupar não só
as cidades principais, mas também os pequenos e médios centros que pertencem à
província. Com a oferta de circuitos histórico-monumentais, visita em museus,
apresentações teatrais, musicais e de arte, grandes mostras, artesanato artístico e
antiquários, o programa compõe o produto “cidade da arte”. Além disso, são divulgados
convênios, congressos, centro de negócios e feiras da parte produtiva e comercial das
cidades.
Na esfera local, este trabalho é feito pelo Bologna Welcome, programa
estabelecido em 2010 através do acordo entre a Comune (prefeitura), a câmara do
comércio e a província de Bolonha. Operando em pontos estratégicos da cidade, ele
fornece diversas informações e possibilidades de tour para atender a demanda atual da
atividade turística e satisfazer os diferentes visitantes que a cidade recebe. Além da visita
guiada formal são oferecidos roteiros para um ou mais dias e itinerários diversos segundo
o interesse do turista - Itinerário Clássico, Itinerário das Águas, Itinerário das Torres.
Durante os meses de maio e junho de 2014 foi realizado o Festival del Turismo
Responsabile organizado pelo IT.A.CÀ17
em parceria com o Bologna Welcome, o
Comune e a Província de Bolonha. Na sua primeira edição foi promovido o “Prêmio
turismo sustentável” cujo objetivo era reconhecer e promover melhores práticas no
campo turístico que fossem ligadas ao local e às suas especificidades artísticas e
culturais, a fim de salvaguardar as tradições e contribuir com o desenvolvimento social,
ambiental e cultural no território bolonhês. Para encorajar todos que haviam interesse na
valorização do patrimônio cultural, o concurso foi aberto a pessoas físicas e jurídicas;
esses deveriam propor um projeto que houvesse ligação com as tradições locais e com a
comunidade, respeito ao ambiente e à história, sustentabilidade econômica, originalidade
e estratégias de comunicação.
17
IT.A.CÀ é um festival voltado a melhorar o turismo e levar a comunidade a experimentar modelos alternativos neste
setor. Seu nome vem do dialeto bolonhês (ît a cà = sei a casa? - estás em casa?) e parte da filosofia de que a viagem
responsável permite que o viajante saia de casa e chegue em outra “casa”.
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Nas diversas esferas, sejam elas local ou regional, Bolonha se destaca pela
iniciativa de suas entidades publicas e privadas de criar e propor projetos participativos
que propiciem o desenvolvimento consciente da atividade turística, com respeito aos
cidadãos e aos bens que constroem a memoria da cidade.
CONCLUSÃO
A gestão da paisagem urbana histórica é um desafio e ao mesmo tempo uma
oportunidade para os políticos e gestores conciliarem a conservação do patrimônio
urbano e sua valorização diante da atividade turística, além de reconhecer os valores
ligados à memoria do local e contribuir para o desenvolvimento social, ambiental e
cultural do território.
A presença de consciência por parte do governo e da população do valor de seu
patrimônio e da sua identidade coletiva são fatores consideráveis para o desenvolvimento
de planos de turismo de excelência, que permitam ganhos para ambas as partes, ou seja,
para os centros históricos e o turista.
Este breve panorama do turismo cultural nas cidades italianas mostra, apesar de
alguns elementos críticos, a sua importância e especialmente o enorme potencial em
termos de crescimento econômico e social para todo o país. O potencial do turismo
cultural expresso em um futuro próximo será muito maior, quanto mais próxima for a
relação entre os setores culturais do turismo a fim de implementar uma política mais
integrada para a promoção e desenvolvimento da área.
Bolonha, apesar dos fatores críticos comuns a toda destinação cultural, possui um
plano de turismo que atende a demanda atual da atividade turística. Obstante o plano
tenha sido elaborado recentemente, a colaboração entre a escala regional e local foi
essencial para o sucesso, observado a partir da participação da comunidade local, da
organização de eventos e da elaboração de vários documentos, guias e mapas e
cartilhas informativas, que permitem ao turista programar seu roteiro de acordo com o
tempo disponível, proveniência e interesse e alertam sempre para a preservação do
patrimônio como condição indispensável. Por estas razões, seu centro histórico hoje
recebe a atividade turística de maneira sustentável e espera-se que com o passar do
tempo, as concepções e os planos se aprimorem de acordo com as transformações,
mantendo a sua eficácia e mérito.
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