Evangelho segundo S. Lucas 19,1-10. Tendo entrado em Jericó

Transcrição

Evangelho segundo S. Lucas 19,1-10. Tendo entrado em Jericó
Evangelho segundo S. Lucas 19,1-10.
Tendo entrado em Jericó, Jesus atravessava a cidade. Vivia ali um homem rico, chamado
Zaqueu, que era chefe de cobradores de impostos. Procurava ver Jesus e não podia, por causa
da multidão, pois era de pequena estatura. Correndo à frente, subiu a um sicómoro para o ver,
porque Ele devia passar por ali. Quando chegou àquele local, Jesus levantou os olhos e disselhe: «Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa.» Ele desceu
imediatamente e acolheu Jesus, cheio de alegria. Ao verem aquilo, murmuravam todos entre
si, dizendo que tinha ido hospedar-se em casa de um pecador. Zaqueu, de pé, disse ao Senhor:
«Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa,
vou restituir-lhe quatro vezes mais.» Jesus disse-lhe: «Hoje veio a salvação a esta casa, por
este ser também filho de Abraão; pois, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava
perdido.»
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África) e doutor da Igreja
Carta 98, 9
“Hoje chegou a salvação a esta casa”
Quando se aproxima a festa da Páscoa, dizemos sem hesitar: “Amanhã é a Paixão do Senhor”,
quando a verdade é que há muitos anos que o Senhor padeceu a Paixão, que teve lugar de uma
vez para sempre (Heb 9, 26). Cada domingo temos razões para dizer: “Foi hoje que o Senhor
ressuscitou”; ora, o facto é que já decorreram muitos anos desde que Cristo ressuscitou. Nesse
caso, por que não nos censuram este “hoje” como tratando-se de uma mentira?
Não será que usamos “hoje” pelo facto de este dia representar um regresso, no ciclo do tempo,
ao dia em que teve lugar o acontecimento que comemoramos? Temos razões para dizer
“hoje”; com efeito, cumpre-se hoje, pela celebração do mistério, o acontecimento que teve
lugar há já muito tempo. Em Si mesmo, Cristo foi imolado de uma vez para sempre; e
contudo, é hoje imolado no mistério que celebramos, não apenas em cada festa pascal, mas
todos os dias, para todos os povos. Não estamos, por isso, a mentir, quando afirmamos: “Hoje,
Cristo foi imolado.” Porque, se os sacramentos que cumprimos não tivessem uma verdadeira
semelhança com a realidade de que são o sinal, não seriam realmente sacramentos. Mas é
justamente essa semelhança que permite designá-los pelo nome da realidade de que são sinal.
Assim, o sacramento do corpo de Cristo que celebramos é, de alguma maneira, o corpo de
Cristo; o mistério do sangue de Cristo que cumprimos é o sangue de Cristo. O mistério
sacramental da fé é a realidade em que acreditamos.
Filoxeno de Mabug (?-c. 523), bispo na Síria
Homilia nº 4, 79-80
Zaqueu descobre o único bem verdadeiro
Nosso Senhor chamou Zaqueu do sicómoro para onde ele tinha subido, e Zaqueu apressou-se
a descer, recebendo-O imediatamente em sua casa. Isto porque, mesmo antes de ter sido
chamado, tinha a esperança de O ver e de se tornar Seu discípulo. É coisa admirável que tenha
acreditado Nele sem que Nosso Senhor lhe tenha falado e sem O ter visto com os olhos do
corpo, mas simplesmente com base na palavra dos outros. A fé que havia nele, que tinha sido
preservada na sua vida e saúde naturais, manifestou-se quando acreditou em Nosso Senhor, no
momento em que soube que Ele tinha chegado. A simplicidade desta fé tornou-se evidente
quando prometeu dar metade dos seus bens aos pobres e devolver o quádruplo daquilo de que
se tivesse apoderado de forma desonesta.
Com efeito, se o espírito de Zaqueu não tivesse sido, naquele momento, repleto da
simplicidade que convém à fé, ele não teria feito semelhante promessa a Jesus, nem teria
dispensado e distribuído em tão pouco tempo aquilo que tinha levado anos de trabalho a
juntar. A simplicidade distribuiu por todos o que a astúcia tinha ajuntado, a pureza de alma
dispersou o que a fraude tinha adquirido e a fé renunciou ao que a injustiça tinha obtido e
possuído, proclamando que nada daquilo lhe pertencia.
Porque Deus é o único bem da fé, que se recusa a possuir outros bens com Ele. Para ela, os
outros bens têm pouca importância, em comparação com o único bem duradouro que é Deus.
Recebemos em nós a fé para encontrar a Deus e O possuir apenas a Ele, e para perceber que,
fora Dele, coisa alguma vale seja o que for.
Bem-aventurado João de Ruusbroec (1293-1381), cónego regular
Le miroir de la béatitude eternelle, (Trad. Louf, Bellefontaine 1997, v.3, p.220)
«Hoje é preciso que eu venha ficar em tua casa»
Algumas pessoas assemelham-se a Zaqueu. Desejam ver Jesus para saberem quem ele é, mas,
para isso, toda a razão e toda a luz natural são de pouca importância. Essas pessoas correm,
pois, à frente de toda a multidão e de toda a dispersão das criaturas. Pela fé e pelo amor,
trepam ao cimo do seu pensamento, aonde o espírito se mantém desligado de qualquer
imagem e sem qualquer entrave à sua liberdade. É aí que Jesus se vê, reconhecido e amado na
sua divindade. É que ele está sempre presente em todos os espíritos livres e elevados que,
amando-o, se elevaram acima de si mesmos. É aí que Ele transborda em plenitude de dons e
de graças.
Ele diz, contudo, a cada uma delas: «Desce depressa, porque uma liberdade elevada do
espírito só se pode manter graças a um espírito humilde e obediente. É que precisas de me
reconhecer e amar como Deus e como homem, ao mesmo tempo exaltado acima de tudo e
rebaixado abaixo de tudo. Desse modo é que me saborearás, quando eu te elevar acima de
tudo e acima de ti próprio, em mim, e quando tu te rebaixares abaixo de tudo e abaixo de ti
mesmo, comigo e por minha causa. Então, eu preciso de vir a tua casa, ficar nela e morar
contigo e em ti, e tu comigo e em mim».
Quando alguém reconhece isto, o saboreia e o sente, desce depressa, não se apreciando em
coisa alguma e dizendo com um coração humilde, desiludido da sua vida e de todas as suas
obras: «Senhor, eu não sou digno, pelo contrário, sou indigno de receber (Mt 8,8), na morada
de pecado que são o meu corpo e a minha alma, o teu corpo glorioso no Santo Sacramento.
Mas tu, Senhor, mostra-me a tua graça e tem piedade da minha pobre vida e de todas as
minhas fraquezas».
João Tauler (cerca 1300-1361), dominicano
Sermão 68
“Zaqueu, desce depressa”
Lemos no evangelho que Zaqueu quiz ver Nosso Senhor, mas era muito pequeno. Que é que
ele então fez? Subiu a uma figueira seca. Assim faz ainda o homem. Deseja ver aquele que
opera maravilhas e causa um tumulto nele; mas ele não tem estatura suficiente para isso, é
muito pequeno. Que fazer então? Deve subir à figueira seca. A figueira morta simboliza a
morte dos sentidos e da natureza, e a vida do homem interior sobre a qual Deus é levado.
Que disse Nosso Senhor a Zaqueu? “Desce depressa”. Tu deves descer, não deves reter uma
única gota de consolação de todas as tuas impressões na oração, mas descer no teu puro nada,
na tua pobreza, na tua impotência... Se te resta ainda algum elo da natureza, desde que a
verdade te deu alguma luz, tu ainda não a possuis, ela não se tornou um bem teu; natureza e
graça trabalham ainda juntas, e tu não chegaste ao abandono perfeito...; isso ainda não é a
pureza plena. É por isso que Deus convida um tal homem a descer, quer dizer que ele o chama
a uma renúncia plena, a um pleno desprendimento da natureza, em tudo o que ela possui ainda
algo de seu. “Porque hoje tenho que ficar em tua casa; hoje a salvação veio a esta casa”. Que
nos aconteça este hoje para sempre!
„Zaqueu, desce depressa, pois hoje devo ficar em tua casa“ – Lu 19,5
1. Um certo dia à beira-mar / apareceu um jovem Galileu. / Ninguém podia imaginar /
que alguém pudesse amar / do jeito que ele amava. / Seu jeito simples de conversar /
tocava o coração de quem o escutava.
E seu nome era Jesus de Nazaré; / sua fama se espalhou e todos vinham ver / o
fenôneno do jovem pregador / que tinha tanho amor!
2. Naquelas praias, naquele mar / naquele rio, em casa de Zaqueu / naquela estrada,
naquele sol / e o povo a escutar historias tão bonitas. / Seu jeito amigo de se
expressar / enchia o coração / de paz tão infinita.
3. Em plena rua, naquele chão / naquele poço, e em casa de Simão / naquela relva,
no entardecer / o mundo viu nascer a paz de uma esperança. / Seu jeito puro de
perdoar / fazia o coração voltar a ser criança.
4. Um certo dia, ao tribunal / alguém levou o jovem Galileu; / ninguém sabia qual
foi o mal / e o crime que ele fez / quais foram seus pecados. / Seu jeito honesto de
denunciar / mexeu na posição / de alguns privilegiados.
E mataram a Jesus de Nazaré / e no meio de ladrões puseram sua ruz / mas o
mundo ainda tem medo de Jesus / que tinha tanto amor!
Cantemos ….. n° 853
Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897), carmelita, doutora da Igreja
Carta 137
"Zaqueu, desce depressa; hoje tenho de ficar em tua casa"
Celina, que mistério é a nossa grandeza em Jesus… Eis tudo o que Jesus nos
mostrou ao fazer-nos subir à árvore simbólica de que há pouco falei. E agora
que ciência vai Ele ensinar-nos? Não nos ensinou já tudo?... Ouçamos o que
Ele nos diz: «Apressai-vos a descer, é preciso que eu fique hoje em vossa
casa.» O quê! Jesus manda-nos descer… Então até onde vamos descer? Celina,
tu sabe-lo melhor do que eu, todavia deixa-me dizer para onde devemos agora
seguir Jesus: Outrora, perguntaram os judeus ao nosso Divino Salvador:
«Mestre, aonde morais?» e Ele respondeu-lhes: «As raposas têm as suas tocas,
as aves do céu os seus ninhos, e Eu não tenho onde descansar a cabeça.» Eis
aqui até onde devemos descer para podermos servir de morada a Jesus. Ser tão
pobres que não tenhamos onde descansar a cabeça. Vê, minha Celina querida, o
que Jesus fez na minha alma durante o retiro… Compreendes que se trata do
interior…
„Zaqueu também é filho de Abraão“ – Lu 19,1-10
1. Zaqueu era muito baixinho e tinha muito dinheiro / Zaqueu tinha muito dinheiro, mas
era um pobre coitado / Zaqueu era um pobre coitado, porque era desprezado / Zaqueu
era desprezado, porque ele era ladrão.
2. Mas um dia Zaqueu subiu numa árvore / para poder enxergar Jesus / e em sua vida
tudo mudou / porque Jesus não o desprezou.
3. Zaqueu devolveu o dinheiro a todos que ele roubou / e repartiu com os pobres metade
do que sobrou. / [:. Sobrou imensa alegria no coração de Zaqueu / que para o bem
cresceu, cresceu / Zaqueu vida nova viveu:].
Cantemos ….. n° 1314
„Zaqueu também é filho de Abraão“ – Lu 19,1-10
1. Zaqueu era um homem pequenino / que queria ver o Mestre a pregar. / Subiu a uma
árvore / querendo ver Jesus e lhe falar.
2. Jesus, ao passar olhou Zaqueu / e àquele homem quis levar a salvação./ - „Zaqueu,
desce depressa / que hoje vou à tua casa te visitar“.
3. Desceu Zaqueu depressa / com grande alegria! / Oh! Como era belo aquele dia! /
Queria ouvir Jesus com toda devoção / e pedir também o seu perdão.
4. Zaqueu emocionado / converte o coração / torna-se uma alma de eleição. / Promete
devolver aquilo que roubou; / jura aos pobres sempre socorrer.
5. Emtão, perdoando com bondade / vendo o quanto era sincera a conversão: / „Zaqueu,
disse o Mestre: / em tua casa hoje entrou a salvação!“
Cantemos ….. n° 1315
Paulo VI (1897-1978), papa
[Paul VI nous parle]
«Procurava ver Jesus»
Procura-se tudo, menos Deus. Deus morreu, dizem; já não temos de nos preocupar com Ele.
Mas Deus não morreu: para muitas pessoas do nosso tempo, Ele perdeu-Se.
Procura-se tudo: tanto o novo como o antigo; o difícil e o inútil; o que é bom e o que é mau.
Dir-se-ia que esta procura é o que caracteriza a vida moderna. Porquê não procurar a Deus?
Não é Ele um «valor» que merece a nossa procura? Uma realidade que requer um
conhecimento melhor do que o puramente nominal e de uso corrente, melhor do que certas
expressões religiosas supersticiosas e extravagantes que deveríamos ou bem rejeitar porque
são falsas, ou bem purificar porque são imperfeitas; melhor do que o que se crê já informado e
se esquece que Deus é um mistério inefável e que conhecer a Deus é para nós uma questão de
vida, e de vida eterna? Não é Deus, como se costuma dizer, um «problema» que nos toca de
perto, que põe um jogo o nosso pensamento, a nossa consciência, o nosso destino e
inevitavelmente, um dia, o nosso e ncontro pessoal com Ele?
E não Se terá Deus escondido para que tenhamos de procurá-Lo, numa tentativa apaixonante
que é decisiva para nós? E se for o próprio Deus quem anda à nossa procura?
Pregador do Papa: Jesus não condena a riqueza, mas seu uso iníquo
Comentário do padre Cantalamessa à liturgia do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 2 de novembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre
Raniero Cantalamessa, ofmcap. – pregador da Casa Pontifícia – à liturgia do próximo
domingo, XXXI do tempo comum.
***
XXXI Domingo do tempo comum [C]
Sabedoria 11, 23 12, 2; 2 Tessalonicenses 1, 11 2, 2; Lucas 19, 1 10
Zaqueu, desce logo
O Evangelho nos apresenta a encantadora história de Zaqueu. Jesus chegou a Jericó. Não é a
primeira vez que vai, e nesta ocasião, ao aproximar-se, também curou a um cego (v. Lc 18, 35
ss). Isto explica por que há tanta multidão esperando-o. Zaqueu, «chefe de publicanos e rico»,
para vê-lo melhor, sobe em uma árvore no caminho que as pessoas seguem (logo na entrada
de Jericó há ainda um velho sicômoro que seria o de Zaqueu!). «Quando Jesus chegou àquele
lugar, levantando os olhos lhe disse: “Zaqueu, desce logo; porque convém que hoje eu fique
em sua casa”. Apressou-se a descer e lhe recebeu com alegria. Ao vê-lo, todos murmuravam
dizendo: “Foi hospedar-se na casa de um homem pecador”».
O episódio serve para evidenciar, uma vez mais, a atenção de Jesus pelos humildes, os
rejeitados e desprezados. Seus concidadãos desprezavam a Zaqueu porque praticava injustiças
com o dinheiro e com o poder, e possivelmente também porque era pequeno de estatura; para
eles, Zaqueu não é mais que «um pecador». Jesus ao contrário vai encontrar-lhe em sua casa;
deixa à multidão de admiradores que lhe recebeu em Jericó e vai para casa só de Zaqueu. Faz
como o bom pastor, que deixa as noventa e nove ovelhas para buscar a que completa a
centena, a que se perdeu.
Também a atuação e as palavras de Zaqueu contêm um ensinamento. Estão relacionadas com
a atitude para com a riqueza e para com os pobres. Deste ponto de vista, o episódio de Zaqueu
deve ser lido com o fundo das duas passagens que lhe precedem, a do rico e a do jovem rico.
O rico negava ao pobre até as migalhas que caiam de sua mesa; Zaqueu dá a metade de seus
bens aos pobres; se usa de seus bens só para si e para seus amigos ricos que lhe podem
corresponder; outro usa seus bens também para os demais, para os pobres. A atenção, como se
vê, está no uso que deve-se fazer das riquezas. As riquezas são iníquas quando se equiparam,
subtraindo-as aos mais frágeis e empregando-as para o próprio luxo desenfreado; deixando de
ser iníquas quando são fruto do próprio trabalho e se põem a serviço dos demais e da
comunidade.
Confrontar o episódio do jovem rico é igualmente instrutivo. Ao jovem rico Jesus diz que
venda tudo o que tem e dê aos pobres (Lc 18, 22); com Zaqueu, se contenta com sua promessa
de dar aos pobres a metade de seus bens. Zaqueu, em outras palavras, continua sendo rico. A
tarefa que realiza (é chefe de aduaneiros da cidade de Jericó, que tem o monopólio de alguns
produtos naquele tempo muito solicitados, até no Egito por Cleópatra) lhe permite seguir
sendo rico inclusive depois de ter renunciado à metade de seus pertences.
Isto retifica uma falsa impressão que se pode ter de outras passagens do Evangelho. Não é a
riqueza em si o que Jesus condena sem apelação, mas o uso iníquo dela. Existe salvação
também para o rico! Zaqueu é a prova disto. Deus pode fazer o milagre de converter e salvar a
um rico sem, necessariamente, reduzi-lo ao estado de pobreza. Uma esperança, esta, que Jesus
não negou jamais e que inclusive alimentou, não desdenhando freqüentar, Ele, o pobre,
também a casa de alguns ricos e chefes militares.
Certo: Ele jamais encontrou os ricos nem buscou seu favor suavizando, quando estava em sua
companhia, as exigências de seu Evangelho. Completamente ao contrário! Zaqueu, antes de
ouvir o que lhe foi dito: «Hoje chegou a salvação a esta casa», teve que tomar uma valente
decisão: dar aos pobres a metade de seu dinheiro e dos bens acumulados, reparar as fraudes
cometidas em seu trabalho restituindo o quádruplo. O caso de Zaqueu se apresenta, assim,
como o reflexo da conversão evangélica que é sempre e por sua vez conversão a Deus e aos
irmãos.
[Traduzido por Zenit]
Evangelho segundo S. Lucas 19,11-28. – cf. Mt 25,14-30
Estando eles a ouvir estas coisas, Jesus acrescentou uma parábola, por estar perto de
Jerusalém e por eles pensarem que o Reino de Deus ia manifestar-se mediatamente. Disse,
pois: «Um homem nobre partiu para uma região longínqua, a fim de tomar posse de um reino
e em seguida voltar. Chamando dez dos seus servos, entregou-lhes dez minas e disse-lhes:
'Fazei render a mina até que eu volte.' Mas os seus concidadãos odiavam-no e enviaram uma
embaixada atrás dele, para dizer: 'Não queremos que ele seja nosso rei.' Quando voltou,
depois de tomar posse do reino, mandou chamar os servos a quem entregara o dinheiro, para
saber o que tinha ganho cada um deles. O primeiro apresentou-se e disse: 'Senhor, a tua mina
rendeu dez minas.' Respondeu-lhe: 'Muito bem, bom servo; já que foste fiel no pouco,
receberás o governo de dez cidades.' O segundo veio e disse: 'Senhor, a tua mina rendeu cinco
minas.' Respondeu igualmente a este: 'Recebe, também tu, o governo de cinco cidades.' Veio
outro e disse: 'Senhor, aqui tens a tua mina que eu tinha guardado num lenço, pois tinha medo
de ti, que és homem severo, levantas o que não depositaste e colhes o que não semeaste.'
Disse-lhe ele: 'Pela tua própria boca te condeno, mau servo! Sabias que sou um homem
severo, que levanto o que não depositei e colho o que não semeei; então, porque não
entregaste o meu dinheiro ao banco? Ao regressar, tê-lo-ia recuperado com juros.' E disse aos
presentes: 'Tirai-lhe a mina e dai-a ao que tem dez minas.' Responderam-lhe: 'Senhor, ele já
tem dez minas!' Digo-vos Eu: A todo aquele que tem, há-de ser dado, mas àquele que não
tem, mesmo aquilo que tem lhe será tirado. Quanto a esses meus inimigos, que não quiseram
que eu reinasse sobre eles, trazei-os cá e degolai-os na minha presença.» Dito isto, Jesus
seguiu para diante, em direcção a Jerusalém.
S. Tomás de Aquino (1225-1274), teólogo dominicano, doutor da Igeja
Orações
"O pão dos anjos, o pão do caminhante, o verdadeiro pão dos filhos de Deus" (sequência
da festa)
Deus todo poderoso e eterno, eis que me aproximo do sacramento do teu Filho único, nosso
Senhor Jesus Cristo. Doente, venho ao médico de quem depende a minha vida; manchado,
venho à fonte da misericórdia; cego, venho ao foco da luz eterna; pobre e desprovido de tudo,
venho ao Senhor do céu e da terra.
Imploro, pois, a tua imensa, a tua inesgotável generosidade, a fim de que te dignes curar as
minhas enfermidades, lavar as minhas manchas, iluminar a minha cegueira, cumular a minha
indigência, cobrir a minha nudez; e que, assim, eu possa receber o pão dos anjos (Sl 77,25), o
Rei dos reis, o Senhor dos senhores (1Tm 6,15), com toda a reverência e humildade, com toda
a contrição e devoção, com toda a pureza e fé, com toda a firmeza de propósito e rectidão de
intenção que a salvação da minha alma requer.
Concede-me, suplico-te, que não receba apenas o sacramento do Corpo e Sangue do Senhor,
mas toda a força e eficácia desse sacramento. Deus cheio de doçura, concede-me que receba
tão bem o Corpo do teu Filho único, nosso Senhor Jesus Cristo, esse corpo material que Ele
recebeu da Virgem Maria, que mereça ser incorporado no seu Corpo místico e contado entre
os seus membros.
Pai cheio de amor, concede-me que esse Fiho bem amado que me preparo para receber agora
da forma velada que convém ao meu estado de peregrino, eu possa um dia contemplar de
rosto descoberto e para a eternidade, Ele que, sendo Deus, vive e reina contigo, na unidade do
Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Amen.
S. Serafim de Sarov (1759-1833), monge russo
Conversa com Motovilov
"Fazei render a mina durante a minha viagem"
É na aquisição do Espírito Santo que consiste o verdadeiro objectivo da nossa vida cristã; a
oração, as vigílias, o jejum, a esmola e as outras acções virtuosas feitas em nome de Cristo
não são mais do que meios para o adquirir... Sabeis o que é adquirir dinheiro? Com o Espírito
Santo, é parecido.
Para a gente comum, o objectivo da vida consiste na aquisição de dinheiro, no ganho. Além
disso, os nobres desejam adquirir honras, sinais de distinção e outras recompensas concedidas
por serviços prestados ao Estado. A aquisição do Espírito Santo é também um capital, mas um
capital eterno, fonte de graças, semelhante aos capitais temporais e que se obtém pelos
mesmos processos. Nosso Senhor Jesus Cristo, o homem-Deus, compara a nossa vida a um
mercado e a nossa actividade na terra a um comércio. Ele recomenda a todos: "Façam render
até que eu volte" e S. Paulo escreve: "Tirai bom partido do tempo presente porque os nossos
dias são incertos" (Ef 5,16). Por outras palavras: Despachai-vos para obterdes bens celestes
negociando mercadorias terrestres. Essas mercadorias não são senão as acções virtuosas
praticadas em nome de Cristo e que nos conferem a graça do Espírito Santo.
São Josemaria Escrivá de Balaguer (1902-1975), sacerdote, fundador
Homilia em Amigos de Deus
“Fazei-o frutificar”
“Senhor, eis aqui o teu talento, que enterrei.” Que ocupação escolherá este homem, agora que
abandonou o seu instrumento de trabalho? Tendo decidido irresponsavelmente optar pela
comodidade de devolver só o que lhe entregaram, dedicar-se-á a matar o tempo: os minutos,
as horas, os dias, os meses, os anos, a vida! Os outros afadigam-se, negoceiam, empenham-se
nobremente em restituir mais do que receberam – o legítimo fruto, aliás, porque a
recomendação foi muito concreta: “Negociai até que eu volte”, encarregai-vos deste trabalho
para conseguirdes algum lucro, até que o dono regresse. Pois este não; este inutiliza a sua
existência.
Que pena viver tendo como ocupação matar o tempo, que é um tesouro de Deus! Não há
desculpas para justificar essa actuação. Adverte São João Crisóstomo: “Que ninguém diga: só
tenho um talento, não posso ganhar coisa alguma. Também com um só talento podes agir de
modo meritório.” Que tristeza não tirar partido, autêntico rendimento, de todas as faculdades,
poucas ou muitas, que Deus concede ao homem para que se dedique a servir as almas e a
sociedade! Quando, por egoísmo, o cristão se retrai, se esconde, se despreocupa, numa
palavra, quando mata o tempo, coloca-se em perigo de matar o Céu. Quem ama a Deus, não
entrega só o que tem, o que é, ao serviço de Deus: dá-se a si mesmo.
João Paulo II
Encíclica Laborem exercens, 27 (trad. © copyright Libreria Editrice Vaticana)
"Fazei-os render"
O suor e a fadiga, que o trabalho comporta necessariamente na presente condição da
humanidade, proporcionam aos cristãos e a todo o homem, dado que todos são chamados para
seguir a Cristo, a possibilidade de participar no amor à obra que o mesmo Cristo veio realizar.
Esta obra de salvação foi realizada por meio do sofrimento e da morte de cruz. Suportando o
que há de penoso no trabalho em união com Cristo crucificado por nós, o homem colabora, de
algum modo, com o Filho de Deus na redenção da humanidade. Mostrar-se-á como
verdadeiro discípulo de Jesus, levando também ele a cruz de cada dia nas actividades que é
chamado a realizar.
Cristo, «suportando a morte por todos nós, pecadores, ensina-nos com o seu exemplo ser
necessário que também nós levemos a cruz que a carne e o mundo fazem pesar sobre os
ombros daqueles que buscam a paz e a justiça»; ao mesmo tempo, porém, «constituído Senhor
pela sua Ressurreição, Ele, Cristo, a quem foi dado todo o poder no céu e na terra, opera já
pela virtude do Espírito Santo, nos corações dos homens... purificando e robustecendo aquelas
generosas aspirações que levam a família dos homens a tentar tornar a sua vida mais humana
e a submeter para esse fim toda a terra» (Vaticano II, GS 38).
No trabalho humano, o cristão encontra uma pequena parcela da cruz de Cristo e aceita-a com
o mesmo espírito de redenção com que Cristo aceitou por nós a sua Cruz. E, graças à luz que,
emanando da Ressurreição do mesmo Cristo, penetra dentro de nós, descobrimos sempre no
trabalho um vislumbre da vida nova, do novo bem, um como que anúncio dos «céus novos e
da nova terra» (Ap 21,1), os quais são participados pelo homem e pelo mundo precisamente
mediante o que há de penoso no trabalho.
João Paulo II
Homilia diante dos trabalhadores luxemburgueses, Maio 1985
"Façam-nos dar frutos": o trabalho humano e o Reino de Deus
Ao criar a humanidade, o homem e a mulher, Deus disse-lhes: "Sede fecundos e multiplicaivos; ocupai a terra e submetei-a" (Gn 1,28). Esse foi, por assim dizer, o primeiro mandamento
de Deus, ligado à própria ordem da criação. Desta forma, o trabalho humano responde à
vontade de Deus. Quando dizemos: "Seja feita a vossa vontade", aproximamos também estas
palavras do trabalho que preenche todos os dias da nossa vida. Damo-nos conta de que nos
conformamos a esta vontade do Criador quando o nosso trabalho e as relações humanas que
ele implica são impregnados dos valores de iniciativa, de coragem, de confiança, de
solidariedade, que são tantos outros reflexos da semelhança divina em nós...
O Criador investiu o homem do poder de dominar a terra; pede-lhe assim que controle pelo
seu próprio trabalho o domínio que lhe confia, que active todas as suas capacidades para
chegar ao feliz desenvolvimento da sua própria personalidade e de toda a comunidade. Pelo
trabalho, o homem obedece a Deus e responde à sua confiança. Isso não se afasta do pedido
do Pai Nosso: "Venha a nós o vosso Reino". O homem age para que o plano de Deus se
realize, consciente de ter sido feito à semelhança de Deus e, portanto, de dele ter recebido a
força, a inteligência, as aptidões para realizar uma comunidade de vida pelo amor
desinteressado que tem pelos seus irmãos. Tudo o que é positivo e bom na vida do homem
completa-se e atinge o seu verdadeiro objectivo no Reino de Deus.
Escolhestes bem a vossa palavra de ordem: "Reino de Deus, vida do homem", porque a causa
de Deus e a causa do homem estão luigadas uma à outra; o mundo progride para o Reino de
Deus graças aos dons de Deus que permitem o dinammismo do homem. Por outras palavras,
rezar para que venha o Reino de Deus é orientar todo o seu ser para a realidade que é o fim
último do trabalho humano.
João Paulo II
Laborem Exercens
"Fazei-os frutificar"
O evangelho de trabalho encontra-se na vida de Cristo e nas suas parábolas, no que Jesus “fez
e ensinou” (Act 1,1). A esta luz, que emana da própria Fonte, a Igreja sempre proclamou
aquilo cuja expressão contemporânea encontramos no Concílio Vaticano II: “Tal como
procede do homem, a actividade humana está ordenada a ele. Com efeito, pela sua acção, o
homem não transforma apenas as coisas e a sociedade mas completa-se a si mesmo. Aprende
muitas coisas, desenvolve as suas faculdades, sai de si mesmo e ultrapassa-se. Essa
realização, bem conduzida, é de um alcance completamente diferente da possível acumulação
de riquezas exteriores... Eis pois a regra da actividade humana: que ela seja conforme ao bem
autêntico da humanidade, segundo o desígnio e a vontade de Deus, e que permita ao homem,
considerado como indivíduo ou como membro da sociedade, atingir a plenitude da sua
vocação” (GS 35).
Numa tal visão dos valores do trabalho humano, isto é, numa tal espiritualidade do trabalho,
explica-se plenamente o que nesse mesmo texto se pode ler sobre a justa significação do
progresso: “O homem vale mais pelo que é do que pelo que tem. De igual forma, tudo o que
os homens façam para que reine a justiça, uma fraternidade mais alargada, uma ordem mais
humana nas relações sociais, ultrapassa em valor os progressos técnicos. Porque estes podem
fornecer a base material da promoção humana, mas são totalmente impotentes, por si sós, para
a realizar.”
Esta doutrina sobre o problema do progresso e do desenvolvimento – tema tão dominante na
mentalidade contemporânea – pode apenas ser compreendida como fruto de uma
espiritualidade do trabalho vivida, e é apenas baseando-se nessa espiritualidade que tal
doutrina pode ser realizada e posta em prática.
Lc 19,28-40: A entrada solene – cf.par. Mt 21,1-10; Mc 11,1-10; Jo 12,12-16
S. Romão o Melodioso (?-vers 560), compositor de hinos
Hino 32
“Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor!” (Lc 19,38)
Sentado no teu trono no céu, aqui em baixo no burrinho, Cristo que és Deus, tu acolhias o
louvor dos anjos e o hino das crianças que te cantavam: “Bendito sejas tu, que vens chamar
Adão”…
Eis o nosso rei, doce e pacífico, montado num jumentinho, que vem cheio de pressa para
sofrer a sua Paixão e para retirar os pecados. O Verbo, montado num animal, quer salvar
todos os seres dotados de razão. E podíamos contemplar sobre o dorso de um burrico aquele
que conduz os Querubins e que no passado retirou Elias sobre um carro de fogo, aquele que
“sendo rico, se fez pobre” voluntariamente (2Co 8,9), aquele que escolhendo a fraqueza dá a
força a todos que lhe gritam: “Bendito sejas tu, que vens chamar Adão”…
Tu manifestas a tua força escolhendo a indigência… As vestes dos discípulos eram a marca da
indigência, mas proporcional ao teu poder era o hino das crianças e a afluência da multidão
que gritava: “Hossana – quer dizer: Salva pois – tu que estás no mais alto dos céus. Salva,
Altíssimo, os humildes. Tem piedade de nós, por atenção às nossas palmas, os ramos que se
agitam moverão o teu coração, ó tu que vens chamar Adão”…
Ó criatura da minha mão, respondeu o Criador…, vim eu próprio. Não é a Lei que te salvará,
pois ela não te criou, nem os profetas, que eram criaturas como tu. Só eu posso libertar-te da
tua divida. Eu fui vendido por ti, e eu liberto-te; fui crucificado por causa de ti, e tu escapas à
morte. Eu morro, e ensino-te a gritar: “Bendito sejas tu, que vens chamar Adão”.
Amei assim tanto os anjos? Não, és tu, o miserável, que me és querido. Escondi a minha
glória e eu, o Rico, fiz-me pobre deliberadamente, porque te amo muito. Por ti, sofri a fome, a
sede, a fadiga. Percorri montanhas, ravinas e vales à tua procura, ovelha perdida; tomei a
reputação de cordeiro para te trazer de volta, atraído pela minha voz de pastor, e quero dar a
minha vida por ti, para te arrancar da garra do lobo. Suporto tudo para que tu grites: “Bendito
sejas tu, que vens chamar Adão”.
Evangelho segundo S. Lucas 19,41-44.
Quando se aproximou, ao ver a cidade, Jesus chorou sobre ela e disse: «Se neste dia também
tu tivesses conhecido o que te pode trazer a paz! Mas agora isto está oculto aos teus olhos.
Virão dias para ti, em que os teus inimigos te hão-de cercar de trincheiras, te sitiarão e te
apertarão de todos os lados; hão-de esmagar-te contra o solo, assim como aos teus filhos que
estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, por não teres reconhecido o
tempo em que foste visitada.»
Orígenes (c. 185-253), padre e teólogo
Homilia 38 sobre Lucas, Pg 13, 1896-1898
«Ao ver a cidade, Jesus chorou sobre ela»
Quando o nosso Senhor e Salvador se aproximou de Jerusalém, ao vê-la, chorou sobre ela:
«Se neste dia tivesses conhecido, tu também, O que te pode trazer a paz! Mas isso ficou
oculto aos teus olhos. Virão dias para ti em que os teus inimigos te hão-de cercar de
trincheiras»... Talvez alguém diga: «O sentido destas palavras é claro; de facto, elas
realizaram-se em relação a Jerusalém; a armada romana sitiou-a e devastou-a até ao
extermínio, e tempos virão em que não ficará pedra sobre pedra».
Não o nego, Jerusalém foi destruída por causa da sua cegueira, mas coloco a questão: não se
referem essas lágrimas à Jerusalém em nós? Porque nós somos a Jerusalém sobre a qual Jesus
chorou, nós que imaginamos ter um olhar tão penetrante. Se, uma vez instruídos nos mistérios
da verdade, após ter recebido a palavra do Evangelho e os ensinamentos da Igreja..., um de
nós peca, ele provocará lamentações e lágrimas, porque não se chora sobre nenhum pagão,
mas sobre aquele que depois de ter feito parte de Jerusalém deixou de estar nela.
As lágrimas são vertidas sobre a nossa Jerusalém porque, devido aos nossos pecados, «os
inimigos vão rodeá-la», quer dizer, as forças adversas, os espíritos do mal. Eles colocarão
trincheiras ao seu redor; sitiá-la-ão, e «não deixarão pedra sobre pedra». É o que acontece
assim que, depois de uma longa abstinência e muitos anos de castidade, um homem sucumbe,
vencido pelas seduções da carne... Eis pois a Jerusalém sobre a qual as lágrimas são
derramadas.
Orígenes (cerca de 185 - 253), presbítero e teólogo
Homilia 38 sobre Lucas
"Vendo a cidade, Jesus chorou sobre ela."
Quando se aproximou de Jerusalém e a viu, o nosso Senhor e Salvador chorou sobre ela: "Ah!
se neste dia tivesses compreendido, também tu, a mensagem da paz! Mas por agora ela está
ainda escondida aos teus olhos. Sim, cairão sobre ti os dias em que os teus inimigos te hão-de
sitiar"... Provavelmente alguém dirá: "O sentido destas palavras é claro; com efeito, elas
realizaram-se a propósito de Jerusalém: o exército romano cercou-a e devastou-a até à
exterminação e virá o tempo em que dela não restará pedra sobre pedra."
Não o nego, Jerusalém foi destruida por causa da sua cegueira, mas faço a pergunta: será que
aquele choro não dizia respeito à nossa própria Jerusalém? Porque nós somos a Jerusalém
sobre a qual Jesus chorou, nós que estamos convencidos de ter uma visão tão penetrante. Se,
depois de ter sido instruido nos mistérios da verdade, depois de ter recebido a palavra do
Evangelho e o ensinamento da Igreja..., um de nós peca, esse provocará lamentações e choros,
porque não se chora sobre nenhum dos pagãos mas sobre aquele que, depois de ter feito parte
de Jerusalém, dela saíu.
Sobre a nossa Jerusalém derramam-se lágrimas porque, em razão dos seus pecados, "os
inimigos vão cercá-la", quer dizer, as forças adversas, os espíritos maus. Elevarão à sua volta
uma barricada, sitiá-la-ão e "não deixarão pedra sobre pedra". É o que acontece quando, após
uma longa continência e vários anos de castidade, um homem sucumbe, vencido pelas
seduções da carne... Eis pois a Jerusalém sobre a qual se derramam as lágrimas...
S. Basílio (cerca de 330 - 379), monge e bispo de Cesareia na Capadócia, doutor da Igreja
Homilia sobre a humildade, 5-6
"O Filho do homem vai ser entregue nas mãos dos homens"
"Quem se humilha será exaltado e quem se exalta será humilhado" (Mt 23,12)... Imitemos o
Senhor que desceu do céu até à última humilhação e que, em recompensa, foi exaltado, desde
o ínfimo lugar até à altura que lhe convinha. Descobramos tudo o que o Senhor nos ensina
para nos conduzir à humildade.
Ainda menino, ei-lo já numa gruta, deitado não num berço mas numa mangedoura. Na casa de
um operário e de uma mãe sem recursos, submeteu-se à mãe e ao seu esposo. Deixando-se
ensinar, escutando aqueles de quem não tinha precisão, ele interrogava; contudo, de tal forma
que, pelas suas interrogações, as pessoas espantavam-se com a sua sabedoria. Submete-se a
João e o Mestre recebe o baptismo das mãos do servo. Nunca resistiu aos que se erguiam
contra ele e não exibiu o seu poder invencível para se libertar das mãos que o prendiam, mas
deixou-se levar, como um impotente, e na medida em que achou bem entregou-se nas mãos de
um poder efémero. Compareceu diante do sumo-sacerdote na qualidade de acusado;
conduzido diante do governador, submeteu-se ao seu julgamento e, quando podia responder
aos caluniadores, suportou em silêncio as suas calúnias. Coberto de escarros por escravos e
vis criados, foi enfim entregue à morte, a uma morte infamante aos olhos dos homens. Eis
como se desenrolou a sua vida de homem, desde o nascimento até ao fim. Mas, depois de uma
tal humilhação, fez brilhar a sua glória... Imitemo-lo para chegarmos, também nós, à glória
eterna.
Santo Isaac o Sírio (7º século), monge em Ninive, perto de Mossoul no actual Iraque
Discursos ascéticos, 1ª série, nº 60
Chorar com Cristo
Não desprezes o pecador, porque todos somos culpados. Se por amor de Deus tu te levantas
contra ele, chora antes sobre ele. Porque o desprezas? Despreza os seus pecados, e reza por
ele, para seres semelhante a Cristo, que não se irritou contra os pecadores mas rezou por
todos. Não vês como ele chorou sobre Jerusalém? Porque nós também, mais do que uma vez,
somos joguete do diabo. Porquê desprezar aquele que, tal como nós, foi joguete do diabo, que
troça de todos nós? Porquê, ó homem, desprezar o pecador? É porque ele não é justo como tu?
Mas onde está a tua justiça, desde que não tens o amor? Porque não choraste sobre ele? Pelo
contrário, tu persegue-lo. É por ignorância que alguns se irritam, e eles que acreditam ter o
discernimento das obras dos pecadores.
Paulo VI (1897-1978), papa
Discurso à O. N. U., 4 de Outubro 1965
“Se também tu tivesses reconhecido o que pode dar-te a paz”
Nunca mais a guerra, nunca mais a guerra! É a paz, a paz, que deve guiar o destino dos povos
e de toda a humanidade!...
A paz, vós o sabeis, não se constrói apenas por meio da política e do equilíbrio de forças e de
interesses. Ela constrói-se com o espírito, as ideias, as obras da paz. Vós trabalhais nesta
grande obra.
Mas vós não estais ainda senão no princípio do vosso trabalho. Chegará o mundo a mudar a
mentalidade particularista e belicosa que urdiu até agora uma tão grande parte da sua história?
É difícil prevê-lo; mas é fácil afirmar que é preciso pôr-se resolutamente a caminho em
direcção à nova história, história pacífica, a qual será verdadeira e plenamente humana.
Evangelho segundo S. Lucas 19,45-48. – cf.par. Mt 21,12-16; Mc 11,15-18
Depois, entrando no templo, começou a expulsar os vendedores. E dizia-lhes: «Está escrito: A
minha casa será casa de oração; mas vós fizestes dela um covil de ladrões.» Ensinava todos os
dias no templo, e os sumos sacerdotes e os doutores da Lei, assim como os chefes do povo,
procuravam matá-lo. Não sabiam, porém, como proceder, pois todo o povo, ao ouvi-lo, ficava
suspenso dos seus lábios.
Missal Romano
Prefácio para a festa da dedicação de uma igreja
"A minha casa será uma casa de oração"
É verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação
oferecer-te a nossa acção de graças, sempre e em todo o lugar,
a Ti, Pai Santo, Deus eterno e omnipotente,
por Cristo, nosso Senhor.
Nesta casa que Tu nos deste
e onde acolhes o Teu povo que caminha para Ti,
Tu nos ofereces um sinal maravilhoso da Tua aliança:
aqui, Tu constrois, para Tua glória,
o templo vivo que somos nós;
aqui, edificas a Igreja, a Tua Igreja universal,
para que se constitua o Corpo de Cristo;
e essa obra completar-se-á em visão beatífica
na Jerusalém celeste.
É por isso que, com a multidão imensa dos santos,
neste lugar que Tu consagraste,
nós Te bendizemos, Te glorificamos
e Te damos graças cantando:
"Santo, Santo, Santo!
Senhor Deus do universo!"
Santo Inácio de Antioquia (? - cerca de 110), bispo e mártir
Carta aos Efésios
"A Escritura diz: «A minha casa sera uma casa de oração»"
Exorto-vos a caminhar segundo o pensamento de Deus. Porque Jesus Cristo, o indefectível
princípio da nossa vida, é o pensamento do Pai. Tal como os bispos, estabelecidos até aos
confins da terra, estão no pensamento de Jesus Cristo. Por isso, convém caminhar segundo o
pensamento do vosso bispo. Aliás, é o que fazeis. O conjunto dos vossos sacerdotes,
verdadeiramente dignos de Deus, está ligado ao bispo como as cordas o estão à cítara. Assim,
no acorde dos vossos sentimentos e na harmonia da vossa caridade, vós cantais Jesus Cristo.
Que cada um de vós se torne membro desse coro para que, na harmonia do vosso acorde e no
tom de Deus, canteis na unidade de uma só voz os louvores do Pai, por Jesus Cristo...
Vós sois as pedras do Templo do Pai, talhadas para o edifício que Deus Pai contrói, elevadas
até ao cimo pelo instrumento de Jesus Cristo, que é a sua cruz, servindo-vos do Espírito Santo
como cabo. A vossa fé vos atrai para o alto e a caridade é o caminho que vos eleva até Deus.
Todos vós sois também companheiros de caminhada, portadores de Deus e do seu Templo,
portadores de Cristo, levando os objectos sagrados, totalmente ornados com os preceitos de
Jesus Cristo. Rejubilo convosco...; alegro-me convosco porque, vivendo uma vida nova, nada
amais senão a Deus.
Uma liturgia oriental
Oração para a bênção de uma igreja
Que o templo interior seja tão belo como o templo de pedras
Quando três se reúnem em teu nome (Mt 18,20), eles já formam uma igreja. Olha os milhares
aqui reunidos: os seus corações prepararam um santuário antes que as nossas mãos
construíssem este à glória do teu nome. Que o templo interior seja tão belo como o templo de
pedras. Concede-nos habitar num como no outro; os nossos corações como estas pedras estão
marcados com o teu nome.
A força todo-poderosa de Deus teria podido construir uma morada para si mesma de uma
forma tão fácil como a que usou para, com um gesto, dar existência ao universo. Mas Deus
construiu o homem a fim de que o homem construísse moradas para ele. Bendita seja a sua
clemência que nos amou tanto! Ele é infinito; nós somos limitados. Ele construiu para nós o
mundo; nós construímos-lhe uma casa. É admirável que o homem possa construir uma
morada ao Todo-poderoso presente em tudo, a quem ninguém saberá escapar.
Ele habita no meio de nós com ternura; ele atrai-nos com laços de amor; ele permanece no
meio de nós e chama-nos para que tomemos o caminho do céu para habitarmos com ele. Ele
deixa a sua morada e escolhe a Igreja para que nós abandonemos a nossa morada e
escolhamos o paraíso. Deus habitou no meio dos homens para que os homens encontrem
Deus.
João Tauler (1300-1361), dominicano
Sermão 69
“Ele estava todos os dias no Templo para ensinar”
Nosso Senhor ensinou-nos, ele próprio, o que devemos fazer para que o nosso interior se torne
uma casa de oração, porque o homem é verdadeiramente um templo consagrado a Deus. Nós
devemos primeiro expulsar os lojistas, quer dizer, as imagens e representações dos bens
imaginados, e tudo o que é satisfação nas criaturas e gozo da vontade própria. Depois é
preciso lavar o templo com lágrimas para o purificar. Todos os templos não são santos pelo
único fato de serem casas habitáveis; é Deus que os torna santos.
O templo que está aqui em questão é o amável templo de Deus, onde Deus se diz em verdade
quando dele se fez um lugar limpo. Como poderia Deus escolher morada na alma antes que
nela tivesse nascido o mais pequeno pensamento de Deus? Não está ela então estorvada por
tantas outras coisas?